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I Série - Número 14

Sexta-feira, 21 de Novembro de 1986
PORTE
PAGO

DIÁRIO
da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENARIA DE 20 DE NOVEMBRO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.

Concluiu-se a discussão conjunta, na generalidade, das Grandes Opções do Plano para 1987 (proposta de lei n. º 43/1 V) e da proposta de lei n. º 44/IV (Orçamento do Estado para 1987).
Intervieram no debate, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Indústria e Comércio (Santos Martins), do Trabalho e Segurança Social (Mira Amaral), da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto) e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins), os Srs. Deputados lida Figueiredo e Carlos Carvalhas (PCP), Gomes de Pinho (CDS), Carlos Lilaia (PRD), Roleira Marinho e Silva Marques (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP), Vieira Mesquita e Eduardo Lemos (PSD), José Gama (CDS), Fernando Figueiredo e Luís Geraldes (PSD), Caio Roque (PS), Vítor Ávila (PRD), Próspero Luís (PSD), António Mota (PCP), Ferro Rodrigues (PS), Nogueira de Brito (CDS), Carlos Coelho (PSD), Paulo Campos (PRD), Luís Capoulas (PSD), Rogério de Brito (PCP), Vasco Miguel (PSD), José Frazão e Raul de Brito (PS), João Corregedor da Fonseca (MDPCDE), Neiva Correia, João Morgado e Vasco de Mello (CDS), Angelo Correia (PSD), Marques Júnior (PRD), José Lello (PS), Raul Castro (MDPICDE), António Barreto (PS), Virgílio Carneiro, Vítor Crespo e Joaquim Domingues (PSD), Anselmo Aníbal, Luís Roque e Carlos Manajaia (PCP), Silva Lopes (PRD) e Jorge Patrício e João Amaral (PCP).
Em intervenção final, usaram da palavra os Srs. Deputados José Manuel Tengarrinha (MDPICDE), Adriano Moreira (CDS), Carlos Brito (PCP), Magalhães Mota (PRD), António Guterres (PS) e António Capucho (PSD), tendo o debate sido encerrado pelo Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva).
Por último, procedeu-se à respectiva votação, na generalidade, tendo sido rejeitadas as Grandes Opções do Plano e aprovado o Orçamento do Estado.
Produziram declaração de voto os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Raul Castro (MDPICDE), Rui Machete (PSD), Ivo Pinho (PRD) e João Cravinho (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão à 1 hora e 30 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Angelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.

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João José Pedreira de Matos.
João José Pimenta de Sousa.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe de Atayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Miguel Morais Barreto.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia da Cruz
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.

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Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello S. César Menezes.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Hernâni Torres Moutinho.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama. José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Raul Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
Maria Amélia Mota Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Qualquer balanço de um ano da actividade do Governo PSD, elaborado com seriedade e verdade, reconheceria que a situação social do País não melhorou. Agravou-se mesmo em muitas zonas, acentuando-se preocupantemente os índices de pobreza da população.
A demonstrá-lo está o facto de os rendimentos do trabalho pesarem cada vez menos no rendimento nacional. As excelentes condições de conjuntura externa beneficiaram o capital, já que enquanto os aumentos médios dos salários rondam os 18 % os lucros ultrapassam os 26%. Dos ganhos de produtividade beneficiaram as grandes empresas e as multinacionais. As migalhas ficaram para as camadas mais desfavorecidas da população portuguesa e dessa distribuição de migalhas usa o Governo de toda a pompa e circunstância, tentando escamotear que mais de um terço da população portuguesa vive abaixo ou próximo dos níveis mínimos de subsistência: são os desempregados, a rondar os 500 mil, são os quase 2 milhões de pensionistas e reformados, as muitas centenas de milhares de trabalhadores, em especial jovens e mulheres, com trabalho precário, à tarefa, sem cobertura de segurança social, são as largas dezenas de milhares de trabalhadores com salários em atraso.
Apesar da gravidade da situação social, o Governo reconhece a sua total incapacidade em dar resposta aos problemas, pois da verba orçamentada para pagamento de subsídios de desemprego e de salários em atraso não vão gastar-se entre 5 a 8 milhões de contos.
Esta dramática realidade não pode continuar a ser escondida diariamente com a utilização ilegal e escandalosa de anúncios televisivos e escritos que tentam branquear os resultados desastrosos de uma política socialmente injusta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei do Orçamento para 1987 apresentada à Assembleia da República não só dá continuidade à política de desequilíbrio da repartição do rendimento nacional contra os trabalhadores como não resolve os problema da Segurança Social.
Desde logo há a destacar, no que se refere à despesa, a quebra, em termos reais (mais de 6 %), das verbas orçamentadas para 1987 relativas a subsídios de nascimento e abono de família e uma forte quebra das verbas previstas para subsídio por maternidade. Aqui a diminuição ronda os 19 % em termos reais, o que se explica por uma intensificação do desemprego feminino, pelo não cumprimento da Lei da Maternidade e por uma intensificação brutal da discriminação de que estão a ser vítimas as jovens com emprego precário e que são despedidas quando ficam grávidas.
Verifica-se também uma baixa, em termos reais, de 4 % da verba prevista para subsídio de doença, o que não é compreensível, sobretudo tendo em conta que não há qualquer melhoria no sistema de saúde.
Simultaneamente, o Governo pretende continuar a fazer recair sobre os trabalhadores os encargos relativos aos regimes não contributivos ou fracamente contributivos. As transferências correntes do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social destinadas a cobrir os défices destes regimes, tal como é referido no relatório da respectiva comissão especializada, sofrem uma quebra de 5 % em termos reais. Também aqui mais uma vez o Governo despreza os princípios constitucionais e recomendações da OIT baixando a participação do Orçamento do Estado na cobertura do défice esperado daqueles regimes para apenas 31 % em 1987, contra 35 % em 1986.
Até na formação profissional é visível o desprezo do Governo pelos mais elementares princípios reconhecidos internacionalmente, com prejuízo, sobretudo, dos jovens; é que, à medida que crescem os co-financiamentos da CEE para a formação profissional de reciclagem diminuem significativamente as verbas inscritas na proposta de lei do Orçamento para a formação profissional de base não co-financiadas pela CEE. Aliás, uma análise mais detalhada das verbas despendidas com formação profissional certamente permitiria concluir que ela beneficia mais algumas grandes empresas e grupos económicos do que os trabalhadores, para quem continua a não haver qualquer programa nacional de formação profissional integrada.
A verdade é que, apesar de o Governo o pretender esconder, os aumentos extraordinários das reformas de Setembro não ultrapassaram a média dos 603$/mês e beneficiaram apenas 18 % dos reformados e pensionistas. As actualizações já anunciadas continuam muito longe do mínimo de 50 % do salário mínimo nacional.
Mas vejamos no concreto: 1 200 000 reformados e pensionistas ficaram na seguinte situação: cerca de 360 mil passam a receber 11 500$/mês; cerca de 500 mil, 8500$/mês, e cerca de 300 mil, 7500$/mês. É esta a realidade e é isto que os anúncios televisivos não dizem.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

E de que tem estado à espera o Governo para aumentar o salário mínimo nacional, o abono de família e outras prestações complementares e para baixar os preços do leite e do pão? Estará à espera de um momento mais propício? Ou será hoje na conferência de imprensa?

Aplausos do PCP.

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Em relação às rendas de casa, o Governo continua a ignorar as famílias carenciadas e afectadas pelos novos aumentos de renda já decretados para Janeiro. A redução drástica do orçamento da Segurança Social para 1987 do subsídio previsto para renda de casa, além de provar a ineficácia do sistema e a incapacidade de previsão do Governo, revela total insensibilidade às situações dramáticas de milhares de famílias que vivem na mais extrema pobreza.
É pois, neste quadro que iremos propor no debate na especialidade o reforço de verbas para as situações mais carenciadas e a aprovação da nossa proposta de aumento geral das pensões e reformas, de forma que a pensão mínima seja sempre igual ou superior a 50% do valor mais elevado do salário mínimo nacional, aumentando-se igualmente o montante das restantes pensões de acordo com o novo valor da pensão mínima.
A situação dos pensionistas e reformados, dos desempregados, das camadas mais desfavorecidas da população tem de passar a ser considerada de forma diferente.
A Assembleia da República pode e deve contribuir para a melhoria das condições de vida do nosso povo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, dada a ausência de qualquer Sr. Ministro na bancada do Governo, desejo interpelar a Mesa no sentido de saber uma de duas coisas: será que o Governo está a preparar a conferência de imprensa e decidiu transferir o debate do Palácio de São Bento para o Palácio Foz, ou terá, porventura, havido uma remodelação ministerial de que não nos deram conhecimento?

Risos do PS e do PCP e aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Mesa foi informada de que o Sr. Ministro da Indústria e Comércio viria a caminho e intervirá seguidamente, pois, neste momento, o Governo encontra-se em reunião de Conselho de Ministros.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Afinal ainda é o mesmo!

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - V. Ex.ª disse que o Sr. Ministro da Indústria e Comércio vinha a caminho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é, na verdade, essa a informação que nos foi dada.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, como a intervenção que o Sr. Deputado Carlos Lilaia pretende fazer diz respeito à indústria e ao comércio, se a Mesa não visse inconveniente, e a intervenção imediatamente seguinte não tivesse que ver com esse sector, pedíamos a V. Ex. e para trocar a ordem das inscrições.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Gomes de linho (CDS): - Sr. Presidente, do ponto de vista do meu partido penso que não devemos produzir nenhuma intervenção das que tínhamos programado para hoje enquanto não considerarmos que o Governo está adequadamente representado neste debate.

Aplausos do PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como o Sr. Ministro da Indústria e Comércio deverá chegar dentro de momentos, vamos suspender a sessão por 5 minutos.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, antes ainda de V. Ex.ª suspender a sessão, peço a palavra para dar um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tem ainda a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de linho (CDS): - Sr. Presidente, a decisão que anunciei não implica nenhum juízo de valor negativo sobre os Srs. Secretários de Estado que estão aqui presentes, o que, aliás, era óbvio na declaração que fiz anteriormente. Pretendia, no entanto, que isso ficasse claro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão está suspensa por cinco minutos.

Eram 10 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão, Srs. Deputados.

Eram 10 horas e SO minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Comércio.

O Sr. Ministro da Indústria e Comércio (Santos Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, apresento-lhes desculpas por este breve atraso e pela interrupção que involuntariamente provoquei, mas, como VV. Ex.as sabem, estava a decorrer o Conselho de Ministros. Entretanto, ao tomar conhecimento da necessidade da minha presença neste debate, dirigi-me imediatamente para o Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem o Ministério da Indústria e Comércio um alargado âmbito de actividades, cobrindo, nomeadamente, os sectores da indústria, energia, comércio interno e comércio externo, a que haverá ainda que acrescer a tutela sobre dezassete empresas públicas.
Sendo embora muito escasso o tempo de que disponho, procurarei dar-vos uma visão do muito que já se fez em 1986 e do que nos propomos fazer em 1987.

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No âmbito das actividades organizativas quero dar especial realce ao enorme e extraordinário trabalho desenvolvido na adequação do quadro legislativo português à nossa entrada na Comunidade Económica Europeia. Foi tarefa em que quase todos os ministérios estiveram envolvidos, mas na qual o Ministério da Indústria e Comércio esteve particularmente empenhado.
Não posso também deixar de salientar o trabalho de integração no Ministério da Indústria e Comércio dos extintos Ministério da Indústria e Energia e Ministério do Comércio e Turismo, procurando-se não só aproveitar das sinergias da sua fusão, como também adequar o novo ministério capazmente, não só para poder responder às acrescidas solicitações que resultam da integração na CEE, como também para o papel e «actuação» que, de acordo com o Programa do Governo, lhe foi atribuído.
Passarei agora a uma análise sectorial, apontando, de forma muito sucinta, como o tempo me permite, os factos que considero mais relevantes da actuação desenvolvida. Começarei pela indústria e energia. Dando coerência ao conteúdo do nosso programa nesta área em que definimos que o papel do Governo deverá ser predominantemente regulador, fiscalizador e incentivador, foi dada prioridade à criação dos instrumentos básicos à implementação da nossa política para o sector, e que passamos a enunciar: sistema de estímulos à actividade produtiva de base regional; sistema de estímulos à utilização racional da energia; regime de apoio à reestruturação de sectores industriais; centros tecnológicos, cuja nova legislação foi aprovada e se encontram em vias de implementação, e, finalmente, Instituto Português de Qualidade.
Dispomos, pois, agora, de um quadro coerente onde, de forma clara e transparente, o investidor privado sabe como inserir-se e com que apoios pode contar.
Srs. Deputados, se nos recordarmos de que ainda há bem pouco tempo a decisão era quantas vezes tomada caso a caso e obedecendo a critérios discutíveis, que frequentemente nada tinham a ver com a lógica económica, temos de reconhecer que muito se avançou.
Passarei de seguida ao comércio interno e externo. Acreditando firmemente em que só uma economia de mercado poderá viabilizar o acesso a todos os consumidores, ao fim e ao cabo a todos nós, portugueses, dos bens e serviços nas melhores condições, não só de qualidade como também de preço, tudo foi feito para uma tão acelerada quanto possível eliminação dos obstáculos que se possam opor às boas regras da livre concorrência.
Também para o comércio foi possível elaborar e fazer aprovar um quadro legislativo integrado, de que destacamos: a progressiva adequação a uma economia de mercado pela diminuição da intervenção do Estado na formulação dos preços; a disciplinização da actividade de diversos agentes económicos, nomeadamente da actividade feirante e dos vendedores ambulantes; o cadastro comercial, e os mercados abastecedores.
Quero destacar ainda o papel desempenhado pelo Ministério da Indústria e Comércio na actuação desenvolvida na luta contra a inflação, tendo contribuído, de forma muito positiva, para o sucesso que foi possível alcançar.
Nas relações comerciais externas temia-se que, na ausência de poder dispor de alguns instrumentos tradicionais - certo tipo de apoios que a nova condição de membro da CEE agora nos impede, bem como a acelerada desvalorização do escudo -, poderiam colocar em grave risco as nossas metas de exportação. Porém, uma actuação perseverante permitiu que tal não viesse a acontecer.
Constituindo o Instituto do Comércio Externo Português instrumento fundamental de actuação, e reconhecendo-se que era necessário dar-lhe maior autonomia e imprimir-lhe maior dinâmica de actuação, procedeu-se à alteração do respectivo estatuto, o que permitirá que esta instituição possa cabalmente executar o papel que lhe atribuímos. O novo estatuto do Instituto do Comércio Externo Português foi publicado na passada terça-feira, e é com muito prazer que anuncio que no Conselho de Ministros de hoje foi aprovada a nomeação do seu novo conselho de administração.
Referir-me-ei agora ao sector empresarial do Estado, onde o Ministério da Indústria e Comércio tem papel importante, pois, como já foi dito, tutela dezassete empresas públicas.
Em 23 de Junho deste ano, aquando da interpelação do PCP sobre o sector público da economia, tive ocasião de expressar o meu pensamento sobre o assunto e apontar as linhas de actuação que iríamos imprimir. Nada tenho a alterar ao que então afirmei.
Finalmente, quero referir-me a uma das principais tarefas em que nos empenhámos, pela sua importância e dificuldade, que foi a luta que travámos e que todos temos ainda de continuar a travar por uma alteração de mentalidades.
Ao dirigismo e ao papel intervencionista do Estado opomos os méritos e dinâmica da iniciativa privada e as virtualidades da economia de mercado. Ao subsídio a todo o custo e em todas as circunstâncias opomos que ele deve ser concedido apenas e quando necessário, para repor condições de igualdade na concorrência, e, mesmo assim, só através de condições preestabelecidas com clareza, de todos conhecidas e de total transparência.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acreditamos e repetimos que compete à iniciativa privada ser o motor do processo de desenvolvimento nacional. Atenção, porém, que tal iniciativa privada terá de o ser na realidade, e não apenas de nome, aproveitando para recordar que ser-se empresário é ter a capacidade de assumir riscos.
Srs. Deputados, acreditem que nem sempre tem sido fácil passar esta mensagem. Mas estou certo de que vale e valeu a pena, não só por convicção própria como também porque é esse o melhor serviço que se pode prestar ao País em geral e à classe empresarial e aos trabalhadores em particular. No fim de 1992 estaremos plenamente integrados na CEE. Os proteccionismos terão desaparecido. Nessa altura só vencerão os melhores. E estou certo, eu, como os Srs. Deputados, que todos queremos que os melhores sejam portugueses.
Perguntar-me-ão se estou satisfeito com o trabalho desenvolvido. É da natureza humana a insatisfação, mas os resultados aí estão, contrariando os «velhos do Restelo» que muitos ainda se empenham em ser.
Assim, a indústria encontra-se em recuperação, e para isso apontam muitos índices, tais como os da ocupação industrial, os do consumo de algumas matérias-primas fundamentais, como o cimento (+ 3 %) e o aço (+ 9%),

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a importação de equipamentos foi superior ao ano transacto em mais de 10 %, e até o dos níveis globais de investimento para 1986, que, contra tanto que foi dito, estarão ao nível do projectado pelo Governo. O aumento das exportações vai atingir a meta projectada de 4,5 %, não se confirmando assim as especulações de alguns detractores da actuação do Governo. A inflação foi vencida, sem qualquer quebra do regular e adequado abastecimento do mercado. O desemprego está em regressão.
Não tinham, nem têm, pois, razão as vozes dos «velhos do Restelo».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Face ao exposto, óbvio será de concluir que iremos prosseguir na linha de acção desenvolvida durante 1986, com a vontade e a actuação reforçadas, tanto mais que já nos foi dado confirmar, pelos resultados alcançados, que estamos no bom caminho. Dispomos agora dos adequados quadros legislativos necessários à nossa actuação e a reestruturação do Ministério da Indústria e Comércio estará em breve concluída. Temos de fazer mais e melhor.
Finalmente referir-me-ei aos meios financeiros que serão postos ao dispor do Ministério da Indústria e Comércio em 1987.
Orçamento do Estado: as dotações inseridas na proposta de lei do Orçamento do Estado para o Ministério da Indústria e Comércio são da mesma ordem de grandeza das atribuídas em 1986. Com efeito, aparentemente parece verificar-se um decréscimo da ordem de um pouco mais de 9 milhões de contos, nomeadamente nas despesas de funcionamento. Na realidade, tal deve-se apenas à assunção por parte da Direcção-Geral do Tesouro da dívida externa do GAS - Gabinete da Área de Sines. Portanto, em relação ao Orçamento do Estado não se confirma qualquer diminuição dessas verbas para o ano de 1987.
PIDDAC: verifica-se um aumento de 8 406 000 contos para 10 905 680 contos, ou seja, mais 29,7% do que para 1985, o que é desde já de assinalar. Mas não é tudo. Com efeito, no PIDDAC de 1987 estão incluídos 3 milhões de contos para estímulos ao investimento, a serem aplicados nos três regimes cuja legislação fizemos aprovar. Conta-se, porém, que essa verba venha a ser acrescida com mais 7 milhões de contos provenientes de fundos estruturais comunitários. Nunca a indústria e energia contaram com tantos apoios financeiros como em 1987.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Foi pena!

O Orador: - Mas para o investimento, não para a parte administrativa. Estamos certos que, com adequada gestão, que o Governo assegurará, estes meios satisfarão plenamente as necessidades.
Compete agora a palavra à classe empresarial e aos trabalhadores. Só com o empenhamento de todos Governo, classe empresarial e trabalhadores- será possível traçar os caminhos do progresso e desenvolvimento.
Estou certo, é essa a minha firme convicção, que o conseguiremos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimentos ao Sr. Ministro da Indústria e Comércio, os Srs. Deputados Carlos Carvalhas e Gomes de Pinho.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro, não lhe vou perguntar nada sobre o PEDIP, visto não ter qualquer dotação orçamental, nem sobre o PIDDAC, porque o Sr. Ministro em Comissão já confirmou que em 1986 ele só teve uma execução de cerca de 50 %, nem sobre o «seu» futuro PIDDAC, visto que a verba de 3 milhões de contos depende da vinda ou não de fundos da CEE, nem sobre o PISEE, pois o Sr. Ministro já disse que esta questão e a dos financiamentos dizem respeito ao Sr. Ministro das Finanças. Queria então formular-lhe três perguntas muito concretas.
A primeira questão é a seguinte: o Sr. Ministro confirma ou não que o índice composto de vendas de cimento e de aço, nos primeiros oito meses deste ano, aumentou 0,1 %, como o demonstram os dados oficiais que poderei fornecer, se V. Ex.ª assim o entender, nomeadamente os do Banco de Portugal.
A segunda questão prende-se com o facto de saber como é que um governo, que se autoproclama de eficiente, explica que, após mais de um ano, não tenha tomado qualquer decisão sobre a Siderurgia Nacional e mantenha 40 milhões de contos, a preços actuais, em maquinarias no estado em que esta se encontra, no Seixal - e esse custos e o dos 40 milhões de contos que são pagos pelos contribuintes portugueses! ...
A terceira questão respeita à CNP. Face à solução tomada pela Assembleia da República, como é que o Sr. Ministro explica que o Governo não lhe dê cumprimento, designadamente no que se refere à reposição de todos os contratos de trabalho?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Comes de Pinho (CDS): - Sr. Ministro, vou pedir-lhe esclarecimentos muito curtos.
Em primeiro lugar, gostaria que V. Ex.ª se pronunciasse sobre o modo como pensa ser possível compatibilizar alguns objectivos que apontou quanto ao desenvolvimento industrial do País com aspectos da política sectorial que têm repercussões orçamentais, nomeadamente com a manutenção, embora com um desagravamento, do imposto extraordinário sobre os lucros.
Em segundo lugar, a que se deve a teimosia do Governo em não atender aos protestos fundamentados de grande parte do sector empresarial, no sentido de, pelo menos, atrasar a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, visto ter implicações, em termos de políticas de gestão e de investimento, nas empresas portuguesas?
Em terceiro lugar, desejava que se pronunciasse sobre a clara diminuição, que parece ser já consensualmente aceite, do crédito destinado ao sector privado em comparação com o aumento significativo do crédito destinado ao sector público empresarial e ao sector público administrativo.
Finalmente, pretendia que se referisse às omissões, ou pelo menos à indefinições, que subsistem quanto a alguns projectos fundamentais de reestruturação de empresas básicas do sector público, e cito, por exemplo, a Siderurgia Nacional, a SETENAVE, a CNP.

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Na verdade, os projectos de reestruturação destas empresas estão abrangidos nas intenções do Governo mas não foram ainda suficientemente explicitados e não podem, por isso, constituir um factor positivo no domínio da inversão das expectativas dos agentes económicos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Comércio.

O Sr. Ministro da Indústria e Comércio: - Sr. Presidente, não foi colocada mais nenhuma questão?

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Ministro. Só se inscreveram dois Srs. Deputados para pedidos de esclarecimento.

O Sr. Ministro da Indústria e Comércio: - Fico um pouco desiludido, porque isso me leva a concluir que tudo está bem...

O Sr. António Capucho (PSD): - Vai tudo bem!

O Orador: - ... o que não acredito, e os Srs. Deputados também não.

Vozes do PS: - Nem nós!

O Orador: - Exactamente, mas parece que estão em total consonância com o Governo, o que admito que não seja o caso. No entanto, perante a relativa concordância que encontro na Assembleia da República perante as ideias que expus, responderei às questões que estiverem no âmbito da minha actividade.
Ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas devo dizer-lhe que, como ele não me colocou uma série de perguntas, eu também não lhe vou responder àquelas questões que ele não fez, como é óbvio.

Uma voz do PCP: - Sobretudo para si!

O Orador: - Houve, no entanto, uma pergunta que não compreendi bem, e que se referia ao aço e ao cimento. Assim, pedia ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas para a expressar melhor.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Com muito gosto Sr. Ministro, mas eu formulei-lhe três perguntas.
Quanto ao esclarecimento que me pede, trata-se do índice composto de vendas de cimento e aço para a construção.
Aproveito para chamar a atenção do Plenário para o seguinte: o Sr. Ministro das Finanças na intervenção que aqui produziu disse que tinha havido um aumento de 8 % nesse índice. Invectivei-o no sentido de rectificar esse valor, pois certamente teria havido um lapso, e acrescentei inclusivamente que detinha documentos oficiais que o confirmavam. Não me respondeu, tendo mais tarde reafirmado que esse aumento era de 8 %.
Na verdade, ele é de 0,1 %, como o confirma um documento oficial do Banco de Portugal, que mandaremos distribuir pelos Srs. Deputados se voltarem a insistir nisso.
Assim, ou o Sr. Ministro das Finanças, por seu intermédio, corrige este lapso, ou então terei que concluir uma coisa feia.

Risos do PS e do PCP.

O Orador: - A que período é relativo esse valor do Banco de Portugal?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É relativo a oito meses: Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto.

O Orador: - O valor que lhe foi transmitido pelo Sr. Ministro das Finanças era relativo a Setembro. As minhas informações não coincidem com as suas...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Mesmo que o valor fosse relativo a Setembro, seria necessário que ele tivesse aumentado 80 % nos últimos quatro meses para se atingir o valor referido pelo Sr. Ministro! As contas são fáceis de fazer...

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Conte pelos dedos!

O Orador: - Sr. Deputado, as minhas informações não coincidem com as suas. Certamente procuraremos...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Estas não são informações de bolso, mas sim oficiais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Próspero Luís (PSD): - Não dê confiança, Sr. Ministro! Não o deixe interromper, pois o tempo está a contar para si.

O Orador: - Passo às outras questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas. Aliás, em relação a algumas delas existe uma certa coincidência com outras formuladas pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho. No que respeita a alguns grandes projectos de empresas públicas, V. Ex. e falou da Siderurgia Nacional e posso esclarecê-lo sobre esse ponto.
Conforme VV. Ex.ªs sabem, embora por vezes tal custe a aceitar ao PCP, desde o dia 1 de Janeiro de 1986 estamos integrados na Comunidade Económica Europeia. Assim sendo, temos que nos submeter a determinadas regras, nos aspectos positivos e negativos, tentando aproveitar os instrumentos que constam da regulamentação da Comunidade.
Em relação ao projecto siderúrgico, em primeiro lugar temos de fazer sancionar pela Comunidade o projecto que aprovámos, visto a política siderúrgica na Comunidade ser integrada em segundo lugar; em segundo lugar, temos a obrigação de tentar aproveitar os meios financeiros postos à nossa disposição pela Comunidade para que essa integração seja feita.
Ora, acontece que ao longo do ano em curso decorreram diversas conversações e negociações, fizeram-se estudos, apoiados pelo Governo Português, em que participaram a Siderurgia Nacional e a Comunidade, e na reunião do Conselho de Ministros de 20 de Outubro foi anunciado, após uma interpelação feita por mim próprio ao Comissário Sutherland, que os estudos estão em fase conclusiva e que a Comunidade tomará uma posição definitiva antes do final do ano.
Ora, como já foi publicitado nos órgãos de comunicação social, o Comissário Sutherland chega hoje a Portugal. Ele estará connosco ainda hoje e amanhã,

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e esse é um dos temas que iremos abordar. De qualquer forma, antes fo final do ano estará aprovado não só pelo Governo, que já o tinha feito, mas também pela Comunidade o programa de reestruturação da Siderurgia Nacional, o que implica um grande suporte financeiro, em termos da Comunidade, sob a forma de grandes empréstimos, e não só, para a reestruturação a efectuar, pelo que, no início do próximo ano, podemos dar efectivo desenvolvimento a esse projecto.
Quanto à utilização da maquinaria que está encaixotada no Seixal, obviamente não poderíamos tomar decisões definitivas antes de decorrerem as negociações finais, embora, através dos serviços respectivos da empresa pública em questão, com o apoio do Governo, tenha havido conversações e negociações com potenciais compradores do equipamento que vier a ser excedentário.
No que se refere à Companhia Nacional de Petroquímica, o Governo está a actuar, dando cumprimento à legislação em vigor; respeitamos a lei e a decisão que foi tomada pela Assembleia da República; que interpretamos como tal.
Aliás, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas deveria ler a legislação portuguesa publicada no seguimento à decisão tomada pelo Parlamento.
O Sr. Deputado Gomes de Pinho colocou-me um conjunto de questões, de que não poderei responder a algumas, pois não são da minha área de actividade, nomeadamente as que se referem aos impostos extraordinários sobre os lucros - a que, suponho, o Sr. Ministro das Finanças já respondeu, ou fá-lo-á ainda durante o debate - e ao Código das Sociedades Comerciais...

O Sr. Comes de Pinho (CDS): - Sr. Ministro, desculpe interrompê-lo, mas queria colocar-lhe só uma pergunta.

O Orador: - Sr. Deputado, não lhe poderei responder, pois não está na minha área de actividade.

O Sr. Cornes de Pinho (CDS): - Sr. Ministro, a questão que pus diz respeito a aspectos que condicionam a política industrial ou não? $ essa a pergunta.

O Orador: - Não condicionam, pois este governo tem uma política única e global.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - O Sr. Ministro não sabe qual é!

O Orador: - Não há políticas sectoriais individualizadas e eu já o reafirmei muitas vezes. É importante dizer a todos os Srs. Deputados que o Ministério da Indústria e Comércio não tem uma política industrial isolada, mas sim uma política de sector englobada na política económica global.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Quanto aos diversos projectos a que se referiu o Sr. Deputado Gomes de Pinho e sobre as dotações atribuídas ao sector público empresarial, ainda estão em estudo as reestruturações relativas a essas empresas. Como já vimos, elas não são fáceis, pois têm consequências não só financeiras mas também sociais extremamente difíceis - aliás, se fossem fáceis, os sucessivos governos, ao longo dos doze anos, já as teriam resolvido e, por isso mesmo, elas têm de ser tratadas com cuidado, já que estamos num estado muito avançado. Porém, dentro em breve poderemos transmitir-lhes notícias.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado segue-se na prática à recente aprovação pela Assembleia da República da nova lei de finanças locais. A referida lei traduz-se num reforço das verbas ao dispor das autarquias locais, estimando-se, nos termos da proposta de orçamento em apreço, que as receitas das autarquias aumentem em cerca de 27,6 % no próximo ano, das quais 12,1 % em resultado das alterações introduzidas na nova lei.
Assim, as transferências propostas não merecem ao PRD significativos reparos, sendo apenas de reafirmar as maiores dúvidas que o cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro com base na taxa de variação do IVA sempre virão a suscitar.
E a prova de tal facto e das dúvidas que manifestámos aquando da discussão da lei aparecem confirmadas pelo valor apresentado pelo Governo para crescimento do IVA - 11,875 % -, valor inferior à taxa de crescimento dos preços e das expectativas do Governo acerca do crescimento do produto interno bruto. Compreendemos as dificuldades de previsão do IVA, mas desejamos que as estimativas do Fundo de Equilíbrio Financeiro fiquem ao abrigo da «gestão do ciclo político».
Posição diferente e extremamente crítica é a atitude do meu partido perante os artigos 66. º e 67. º da proposta de lei do Orçamento e que só encontrarão justificação possível no facto de o Governo não ter considerado durante a elaboração do Orçamento as disposições que aguardavam aprovação no quadro da nova lei de finanças locais.
Mas, em boa verdade, já decorreu tempo suficiente para as adequadas correcções. Assim, não é razoável que o Governo pretenda reter 5 % para encargos de liquidação cobrada do imposto de sisa, quando o Decreto-Lei n.º I 98/84 estipulava 3 % e a nova lei de finanças locais estabelece 1,5 % como encargo de cobrança. Também o Governo vem propor a esta Câmara a transferência de novas competências para as autarquias locais em matéria de conservação de equipamentos escolares e de rede viária, sem que em simultâneo seja apresentada a correspondente proposta de transferências das verbas.
Para o PRD só há que relembrar que a discussão e aprovação da nova lei de finanças locais se fez sempre no pressuposto de que as novas receitas das autarquias locais se destinavam ao actual nível de atribuições e competências. O Governo sabia-o, porque participou e seguiu o trabalho de elaboração da referida lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma análise detalhada do PIDDAC sugere-nos desde logo a ideia de que se processou, de 1986 para a proposta de 1987, uma certa reprogramação de projectos, a que não terão sido alheios quer os atrasos

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na execução quer a pouca consistência de alguns deles e de que a forma como é apresentado o mapa vil não possibilita uma correcta análise da evolução dos projectos. Em particular, não permite avaliar o grau de atraso em relação ao calendário de execução inicialmente previsto, nem sequer o grau de execução atingido. Tratando-se de uma deformação de que sofre todo o PIDDAC, ela pode ser bem evidenciada em ministérios como o do Plano e da Administração do Território e o da Agricultura, Pescas e Alimentação.
Outro reparo consiste ainda no facto de que os maiores acréscimos propostos para 1987 têm lugar nos ministérios que em 1986 revelaram mais baixo nível de execução. O mapa também aqui é um exemplo bem significativo, apresentando uma dotação cinco vezes superior à execução prevista em 1986, situação idêntica à já verificada de 1985 para 1986. Não obstante o fraco grau de execução em 1986, o PIDDAC do mapa regista um acréscimo de 93 %, justificando as mais fundadas dúvidas sobre a capacidade de execução deste ministério relativamente a um plano de investimentos de 18,3 milhões de contos.
É notório o esforço de concentração do investimento do sector em áreas e projectos que possam cumulativamente beneficiar do apoio comunitário. É um esforço que se regista, mas que, de uma forma, em nosso entender, não realista e pouco atenta a problemas essenciais da lavoura portuguesa, esquece ou simplesmente deixa de lado áreas da maior importância na agricultura e que desde sempre têm funcionado como peças importantes da máquina agrícola. Estas áreas, justamente, porque, por várias razões, não podem beneficiar do apoio comunitário, devem ser objecto de uma acção prioritária do Governo, se, tal como nós o entendemos, deverem continuar a desenhar o papel que até hoje têm desempenhado na agricultura portuguesa. Vamos deter-nos apenas sobre um caso, embora bem elucidativo - o necessário e fundamental apoio ao sector cooperativo da agricultura portuguesa.
O programa de lançamento de infra-estruturas da agricultura associada (PLIAA) surgiu nos PIDDACs de 1985 e 1986 dotado, respectivamente, com 350 000 e 600 000 contos, orientado para apoiar acções no domínio da transformação e comercialização de produtos e no aprovisionamento de factores de produção.
Em qualquer dos anos, as verbas em causa revelaram-se manifestamente insuficientes para atender às solicitações existentes e os investimentos elegíveis, situação particularmente expressiva no ano em curso, em que não foram tomados em conta - total ou parcialmente - casos francamente passíveis de apoio, realidade tanto mais significativa quando é certo tratar-se, na esmagadora maioria dos casos, de sectores, actividades e ou acções de investimento não elegíveis e ou parcialmente elegíveis, em termos do Regulamento n.º 355/77 da CEE.
Se compararmos agora o valor de apenas 217 000 contos previsto no OE com os valores que referimos acima, justo é reconhecer a grande apreensão que já se verifica no sector cooperativo da agricultura portuguesa, ao nível das adegas e das cooperativas de aprovisionamento de factores.
Muitos investimentos ficarão por apoiar e, por certo, não se realizarão mesmo. Pretenderá este Governo implicitamente dizer que não reconhece no sector cooperativo da agricultura portuguesa um dos pilares fundamentais do apoio aos agricultores e do investimento em subsectores importantes na nossa agricultura? A situação é tanto mais bizarra quanto o referido programa teve uma execução em 1985 de 100%, estando prevista para 1986 também uma execução de 100 % e no ano de 1988 e seguintes se retomam os níveis de 1986, ou seja, 600 000 contos.
Embora dissimulada na frieza do quadro vil, aparece uma verba de 40 000 contos destinada a subsidiar organizações agrárias de âmbito nacional. São apoios a investimentos, Sr. Ministro? Obviamente que o são, senão não estariam no PIDDAC. A que fins se destinam e por que razão se excluem da possibilidade de concorrência a esses subsídios para investimento organizações do mesmo tipo, mas de âmbito regional, que por vezes procuram fins e exercem funções de marcado interesse para a agricultura. De igual modo as mais fundamentadas dúvidas se colocam relativamente ao compromisso do serviço da dívida do IGEF - Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária- e inscrito no PIDDAC do MAPA (Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação). No mínimo, é necessário saber quem deve a quem, sendo que não basta levantar de tempos a tempos o espectro das dívidas das UCPs. Também aqui não pretendemos que a árvore encubra a floresta.
É, naturalmente, todo um conjunto de perguntas que, de momento, não terão a adequada resposta, por o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação não se encontrar presente, mas esperamos que na sua intervenção estas questões sejam, finalmente, explicadas ao Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nos termos de uma resolução do Conselho de Ministros de Março de 1984, aparece pela primeira vez uma referência à figura dos PIDRs - programas integrados de. desenvolvimento regional -,com a menção expressa de esses programas deverem ser incluídos anualmente no Plano. Um decreto-lei do mesmo mês regulamentava os objectivos e a composição dos designados gabinetes de coordenação dos PIDRs. Nunca foi até hoje definida a filosofia ou os objectivos e as formas de execução de cada PIDR, muito embora tal tenha sido ensaiado no preâmbulo do referido decreto-lei. Tal preâmbulo e a experiência de 1984 e 1985 viriam a definir os PIDRs como instrumentos particulares da política regional, de concentração e coordenação de investimento, reservando-se um carácter de acção excepcional para o seu lançamento, atentas as condições e as carências das áreas a atingir pelos PIDRs.
O que é certo é que se vem assistindo a uma certa banalização desta figura, tanto em termos do seu lançamento como naturalmente do seu conteúdo, e hoje, face à proposta do PIDDAC, já são visíveis nove PIDRs. Quando se justificava uma concentração de meios, assiste-se à sua pulverização.
Não estando definidos ou não sendo conhecidos desta Assembleia os objectivos, os programas, compreendendo aqui as diferentes acções e instrumentos e os respectivos calendários, bem como os relatórios de execução das acções já empreendidas e as estimativas dos custos globais de cada projecto e programa, afigura-se-me difícil conceber que a Assembleia se pronuncie sobre um programa que, até por ausência de outras acções, é um programa importante para o desenvolvimento regional.
Da análise efectuada constata-se que para cada programa vão aparecendo em cada ano novos projectos, pelo que a Assembleia não está de facto a votar um programa, mas apenas os projectos relativos a cada PIDR e que o Governo em cada ano lista no PIDDAC.

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Face à incapacidade para tomar medidas de fundo em matéria de política regional, mais parece que o Governo se autocompensa e compensa os espaços regionais criando PIDRs e distribuindo dois por cada área de influência das comissões de coordenação regional; na impossibilidade de aplicar instrumentos mais adequados a cada situação, até porque eles não existem, o Governo vai distribuindo PIDRs.
Desde Setembro que o País dispõe de um sistema dito de estímulos de base regional, assumindo a forma já conhecida de subsídio a fundo perdido, modulado regionalmente, e que recente publicação da Secretaria de Estado da Indústria e Energia a publicitar o SEBR anunciou que «promoverá a escolha de projectos que possibilitem a utilização substancial dos financiamentos comunitários colocados à disposição do País, designadamente os provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)».
Muito embora se afigure discutível a inscrição no PIDDAC da verba de 1,8 milhões de contos para utilização como incentivos de base regional à indústria no quadro do referido sistema, o facto que mais interessa aqui discutir é, na verdade, o valor da verba, que se considera insuficientemente dotada, especialmente tendo em conta aquilo que foi a experiência do S111 e aquilo que tem sido o interesse que o sistema de incentivos de base regional parece estar a suscitar em alguns investidores expectantes. É claramente um erro de perspectiva do Governo, ao apenas inscrever uma verba como a referenciada. Erro que por certo se avolumará, se se vierem a confirmar os rumores de que, por insuficiente discriminação espacial, a Comunidade Económica Europeia não aceita o sistema tal como se encontra definido no Decreto-Lei n.º 283-A/86 e respectiva portaria regulamentadora. Se tal vier a acontecer, o que sinceramente não desejamos, vai levar, mais uma vez e mais um ano, a que os investidores privados do sector industrial não tenham acesso aos fundos do FEDER, o que, injustamente, diga-se, poderia levar o Sr. Deputado Nogueira de Brito a reafirmar que o Governo com este orçamento resvala para a esquerda, no caso, ao beneficiar indirectamente as empresas públicas. E matéria, no fundo, que só o Governo pode esclarecer e a Câmara aguarda atentamente.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos Lilaia, os Srs. Deputados Roleira Marinho e Silva Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, foi sugerido pelo PRD, no início do debate, que a intervenção do Sr. Deputado fosse feita um pouco mais tarde, dado que se aguardava a chegada do Sr. Ministro da Indústria e Comércio e a intervenção versaria sobre a matéria. Ficámos esclarecidos, pois o Sr. Deputado não colocou qualquer questão nessa área.
De qualquer modo, quero colocar-lhe duas questões, sendo a primeira a seguinte: onde descobre o Sr. Deputado, nas Grandes Opções do Plano, novas atribuições para as autarquias locais, dado que, como diz, não são atribuídas novas verbas para a afectação dessas responsabilidades? Na realidade, não constatamos que isso se verifique nas Grandes Opções do Plano e gostaria que explicasse esta situação.
Quanto aos PIDRs, diz o Sr. Deputado que se banalizaram, mas eu, pelo contrário, suponho que o Governo, justamente com a preocupação de não banalizar os PIDRs, proeurou - e procura - que eles se concretizassem e avançassem, tanto mais que no fim do ano não terão chegado ao fim as actividades previstas. Nesse âmbito, não houve ampliação das áreas de ,intervenção, ao contrário do que o Sr. Deputado disse. O que verificamos não é isso, o que verificamos é que as acções previstas se mantêm, são implementadas e se propõe, inclusive, que as verbas não investidas durante o corrente ano se transfiram para o próximo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, creio que não será excessivo dizer que o Sr. Deputado concorda, implicitamente, com a actuação do Governo nas áreas que abordou, pois as críticas que formula são dificilmente sustentáveis numa análise mais rigorosa.
Repare, Sr. Deputado, no concernente às receitas previstas para os municípios para o ano de 1987, V. Ex.ª não abordou a substância da questão, relativamente à qual até, de certa forma e de maneira expressa, manifestou a sua concordância, antes se remeteu à discussão de um aspecto técnico-formal, à questão do cálculo da progressão do IVA. Aliás, no que respeita à questão substancial, que é a de saber se vai ou não mais dinheiro para os municípios e de quanto é esse aumento, o Sr. Deputado diz ser satisfatória a nova verba para os municípios.
Porém, devo dizer-lhe que, na minha óptica, não é satisfatória essa nova verba se, num enquadramento global, não desenvolvermos uma actuação positiva no sentido de dotar os municípios de maiores meios financeiros, rentabilizando a utilização dessas novas verbas dos municípios.
Poderá o Sr. Deputado Carlos Lilaia, que é um homem responsável, preocupado com o futuro do seu país e, em particular, com o futuro do poder autárquico, sentir-se satisfeito só porque constata que vai substancialmente mais dinheiro para os municípios? Não pode, decerto, ficar por aí e registar com plena satisfação esse facto! Não, qualquer de nós, decerto, manifestará satisfação relativamente a este ponto fundamental, mas manterá a sua preocupação relativamente a outros interesses e valores que devem estar permanentemente presentes no nosso pensamento, como seja o da rentabilização desse dinheiro.
E quando o Governo, precisamente como expressão não apenas desse aspecto, mas também de um outro valor fundamental, que é o do reforço dos poderes dos municípios, põe uma nota meramente indicativa, repito, meramente indicativa, no articulado do Orçamento do Estado no sentido de reforçar os poderes dos municípios, nomeadamente através das suas actuações, o Sr. Deputado invoca esse artigo meramente indicativo como um meio de crítica à proposta de lei do Governo! É por isso que digo, Sr. Deputado, que, no que diz respeito à sua crítica, ela é fracamente fundamentada; quanto aos aspectos substanciais, o Sr. Deputado não a criticou, pelo contrário, até - embora de forma sóbria - manifestou a sua concordância.

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Quando o Sr. Deputado, para argumentar, se socorre dos 5 % que o Governo propõe reter como compensação de cobrança do imposto da sisa, havemos de reconhecer que é um argumento fraco!

É claro que, no quadro da actual Lei das Finanças Locais, ficou apenas 1,5 % - antes eram 3 %. Mas será esse ponto, desse aspecto meramente técnico e quantitativo, que nos devemos socorrer para sustentar uma crítica substancial às propostas formuladas pelo Governo? Evidentemente que não!

E quando o Governo propõe, com plena legitimidade, uma retenção de 5 % como compensação pela cobrança que o Estado faz, substituindo-se às câmaras, devo dizer-lhe que dou o benefício da dúvida ao cálculo do Governo, até porque este tem uma visão mais completa da situação e do funcionamento dos serviços. E é com esta particularidade que acho natural que, quando a nova verba das câmaras aumenta de maneira tão substancial, se mantenha bem presente que os serviços devem ser pagos e não cultivarmos uma ideia de facilidades tributivas.
Quanto ao Sr. Deputado falar de banalização dos PIDRs, o meu colega Roleira Marinho já mostrou que não há banalização dos PIDRs e só quero acrescentar - não sei se em divergência com o Sr. Deputado - que penso que deveria haver mais PIDRs; evidentemente, sem abandono da sua filosofia e dos seus objectivos fundamentais.
O Governo tem sido cauteloso no sentido de não haver banalização dos PIDRs, mas o apelo que faço ao Governo é precisamente no sentido de, sem abandono dos objectivos dos actuais, procurar implementar novos, porque essa filosofia é bem necessária ao nosso país. É uma filosofia que tem como base a coordenação dos serviços públicos, a colaboração administrativa entre a administração central e a administração local, e assim sucessivamente.
O nosso país bem precisado está dessa filosofia; não devemos criar falsos PIDRs, mas temos necessidade de mais verdadeiros PIDRs.
Sr. Deputado Carlos Lilaia, quase terminaria dizendo que a intervenção do Sr. Deputado bem demonstra que, quando a crítica não foge para a sátira gratuita, quando a crítica é feita por pessoas que procuram manter-se dentro do rigor e de seriedade, os meios de fundamentar a crítica escasseiam.
De qualquer modo, é bom, não para o Governo ou para o partido da maioria governamental, mas para o País que aqueles que saem a criticar o Governo não saiam da seriedade e do rigor e por isso mesmo cumprimento V. Ex.ª com grande satisfação.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Começando por responder ao Sr. Deputado Roleira Marinho, quero dizer que, se faço esta observação, é por o Sr. Deputado desconhecer que o sistema de incentivos de base regional é gerido exactamente pelo Ministério da Indústria e Comércio e, naturalmente, tudo aquilo que eu disse sobre o sistema de incentivos de base regional tem a ver com o Sr. Ministro da Indústria e Comércio; de contrário, também não teria anunciado previamente que uma parte da minha intervenção tinha a ver com esta área.
Porém, aí, também posso dar-lhe razão, pois também tenho as maiores dúvidas em perceber como é que um sistema de incentivos de base regional, que se quer como um sistema para atenuar as assimetrias regionais, não está, por exemplo, a ser gerido pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, no âmbito do Ministério do Plano e da Administração do Território, como deveria ser, e está a ser feito pelo Ministério da Indústria. Mas isso é uma coisa que muito provavelmente o Governo poderá esclarecer, pois, de facto, tenho esta dúvida e gostaria de ser esclarecido. Por outro lado, não tenha dúvidas, Sr. Deputado, porque o sistema está a ser gerido pelo Ministério da Indústria e Comércio e daí a razão de ser da minha observação.
Em segundo lugar, quanto à questão das transferências para as autarquias locais, isso não se vê, nem eu o disse, nas Grandes Opções do Plano; isso está, como referi na minha intervenção, no artigo 67.º da proposta de lei do Orçamento do Estado e se fiz esta observação foi porque o Orçamento de Estado que vamos aprovar deve ter um articulado extremamente rigoroso. Portanto, e dado estarmos aqui num trabalho de discussão no sentido de melhorar esse articulado e como não há coisas fechadas e para que não permaneçam dúvidas de que, relativamente ao ano de 1987, não haverá transferências para as autarquias locais em matéria de rede viária e em matéria de rede escolar sem a correspondente transferência de verbas, é necessário aclarar esse ponto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, creio que está a sugerir que se faça um aditamento sobre novas competências, mas isso faz parte do quadro legal vigente. Por isso...

O Orador: - Fá-lo-emos a tempo, Sr. Deputado, fá-lo-emos a tempo. Estamos apenas a dar uma indicação neste primeiro debate, mas fá-lo-emos a tempo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Portanto, responda à questão que lhe coloquei: o Sr. Deputado não está preocupado em enquadrar o aspecto relativo às novas verbas substanciais com outras preocupações gerais? Deverá o Sr. Deputado, através de um aditamento precipitado e, aliás, desnecessário, porque faz parte da lei geral, estar a acentuar a ideia distributiva sem mais nada? É essa a questão, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que, sobre esta matéria - e tal como muitas vezes acontece -, está a ser «mais papista que o Papa». O Governo nem pestanejou sobre esta questão e os colegas que estiveram na Subcomissão de Finanças Locais sabem qual foi o sentido da discussão sobre esta matéria, pelo que o remeto para isso, Sr. Deputado.
Continuando a responder ao Sr. Deputado Roleira Marinho, quero dizer que a questão que levantei sobre os PIDRs, a meu ver, faz todo o sentido, pois estamos também preocupados com o rigor, com a filosofia e com o conteúdo dos PIDRs.

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É óbvio - como disse - que estamos de acordo com os PIDRs, achamos que são instrumentos fundamentais, mas, sobre esta matéria, devo dizer, Sr. Deputado, que sobre PIDRs sei eu. Estou aqui apenas há cerca de um ano, mas nos dez anos anteriores fiz muita coisa que, de facto, tem a ver com isto e, se o referi, foi apenas no sentido de melhorarmos aquilo que deve ser a filosofia e o conteúdo dos PIDRs, como, aliás, o Sr. Ministro aqui, ontem, muito bem referiu.
Vou terminar dizendo ao Sr. Deputado Silva Marques que a referência que fiz ao 1VA está perfeitamente justificada, que não é uma referência no plano técnico-formal, como o Sr. Deputado sugeriu. O Sr. Deputado veja que, na continuação da minha intervenção, eu digo que o que está muitas vezes em causa é a própria «gestão do ciclo político» associado ao valor, que, através da manipulação das contas, pode vir a ser feita pela própria taxa de crescimento do IVA.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A minha observação refere-se a algo que disse mais à frente.

O Orador: - Não é uma questão técnico-formal, é uma questão de política e o Sr. Deputado leia quando eu digo a «questão do próprio ciclo político».
Quanto à Lei das Finanças Locais e aos valores que aqui referenciei, devo dizer, mais uma vez, que este trabalho não é um trabalho do Governo, _ é um trabalho da Assembleia, que contou, naturalmente, com uma colaboração extremamente empenhada e útil do Governo. É um trabalho de todos, mas - atenção! - não vamos começar já a fazer especulação política sobre esta matéria.
Finalmente, e em terceiro lugar, quero-lhe dizer que, no que diz respeito aos 5% da cobrança do imposto de sisa, esses 5 % não são tão pouco significativos como o Sr. Deputado pretendeu dizer, são 500 mil contos, pelo menos.
É este trabalho, esta prestação de um serviço que supostamente faria às autarquias, que o Governo agora pretende cobrar. Ora, como o Sr. Deputado sabe, este trabalho já era feito, não só por este, mas pelos outros governos anteriores. Por que é que hão-de ser agora as autarquias a pagá-lo?

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sob a forma regimental da interpelação à Mesa, queria perguntar se a Mesa podia informar o Sr. Deputado Carlos Lilaia, dado que é um especialista de PIDRs, que o sistema de estímulos de base regional depende conjuntamente do Ministério do Plano e da Administração do Território e da Secretaria de Estado da Energia, porque foi o que o Sr. Deputado Carlos Lilaia não disse.

O Sr. Presidente: - É uma interpelação um pouco original, mas não criemos problemas com uma coisa que não tem, pelo menos do meu ponto de vista, grande importância.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Na frieza dos números do Orçamento do Estado e no tratamento das questões macroeconómicas, por vezes subestimam-se os entorses classistas dos critérios de justiça social que animam este governo.
É lógico que quem ataca e tenta destruir as transformações sócio-económicas mais significativas e que dão substância ao regime democrático consagrado na Constituição cure mal das consequências sociais que a sua conduta política provoca.
Para os trabalhadores, para os desempregados ou jovens à procura do primeiro emprego, para aqueles que chegam ao fim do mês ou ao fim de muitos meses de trabalho e não recebem o seu salário, para muitos que são confrontados com a violação dos seus direitos e com falta de condições de higiene e segurança no trabalho, o governo de Cavaco Silva quis um orçamento de verdade - da sua verdade, que a propaganda esbate e disfarça, mas que a vida desmistifica.
Provemos a acusação: começamos por uma questão aparentemente menor, tão subestimada ela é pela imprensa e pelas instituições democráticas e fiscalizadoras, falamos da higiene e segurança no trabalho. A respectiva direcção é contemplada com mais 14 mil contos do que o ano passado, ficando-se assim por uma verba que mal dá para cobrir a inflação verificada.
Com o síndroma do crocodilo, o Governo chora nas GOPs - e passo a citar a p. 46 - «que o tema sinistralidade do trabalho suscita em si uma série de questões de maior relevância económica e social e por outro lado origina consequências ainda incompletamente avaliadas». Nós damos mais uma achega: com base numa estatística insuspeita da Inspecção-Geral do Trabalho (IGT), verificaram-se, só no 1.º trimestre de 1986, 2751 comunicações de acidentes de trabalho, sendo significativo - e já lá vamos - que a IGT se tenha limitado a intervir em 124 desses casos. As vítimas são os trabalhadores; logo, recusar verbas para implementar uma verdadeira política de higiene e segurança no trabalho é a lógica deste governo. E quantos sofrimentos e mortes poderiam ser evitados? Quantas centenas de milhares de contos não seriam poupados caso existissem vontade política e verbas para melhorar e prevenir a higiene e segurança no trabalho?
Mas falamos da IGT. Não duvidamos que, na sua acção prática, muitas vezes se transforma em autêntica consultora jurídica do patronato; mas, para além da sua falta de independência, autonomia e entrosamento com os tribunais, há outra realidade determinante, que vem a talhe de foice na discussão do Orçamento do Estado: a falta de meios técnicos, materiais e humanos para agir com eficácia. A verba inscrita, com o acréscimo de pouco mais de 50 mil contos, merece um confronto com a realidade. O quadro é este: mais de 400 vagas por preencher, cerca de 40 01o de viaturas na sucata ou em estado lastimoso, falta de sistema preventivo. Admirar-se-á alguém que a IGT seja alvo de milhares de queixas, pelo não cumprimento das deliberações inscritas num recente relatório da OIT, que seja cada vez menos preventiva, pedagógica e fiscalizadora? Para-o Governo é quanto basta.
Quanto basta é também a sua palavra de ordem quando reduz drasticamente de 30,5 milhões de contos para 25,7 milhões de contos a verba inscrita na rubrica para subsídios de desemprego, salários em atraso, garantia salarial e reestruturação industrial.

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Quer isto significar claramente que o Governo não só mantém a ideia de restringir de forma inaceitável o número de desempregados subsidiados, como não salvaguarda a aplicação cabal da Lei n.º 17/86, de combate aos salários em atraso.

A Sr.ª )fida (Figueiredo (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Numa manifestação de confronto com esta Assembleia e com a recente decisão do Tribunal Constitucional.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - O grande corte no apoio à reestruturação das empresas em dificuldade visa fundamentalmente as pequenas e médias empresas, empurrando-as para a falência e para o encerramento.
Quanto basta é também o seu princípio redutor, quando no orçamento do Ministério da Educação reduz entre 1986 e 1987 de 5,2 milhões de contos para 3,9 milhões a verba para formação profissional de base. Orientando os fundos vindos da CEE quase exclusivamente para a reciclagem, o Governo quer significar que os jovens terão primeiro de passar pela antecâmara do desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última questão. Não se vislumbra nas GOPs a definição de uma verdadeira política de emprego. Diríamos mesmo que o Governo prefere a política do «biscate»...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... numa marcha cada vez mais incontrolável, o trabalho precário estende-se por todo o País, ultrapassando e diversificando já o conceito do contrato a prazo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Proliferam as empreitadas, o trabalho à peça, à tarefa, ao dia, à hora, com consequências tremendas para dezenas de milhares de trabalhadores, privados de Segurança Social, sem direitos mínimos e vitimados por uma exploração desmedida. Em conjunto com os contratados a prazo somarão 50 mil, 600 mil? Ninguém sabe. Pela boca do Ministro do Trabalho ficamos a saber que enfim... mais vale isto que nada, servindo até às mil maravilhas para apresentar estatísticas de diminuição do desemprego. Valendo-se dos números empolados pelo trabalho sazonal do 2. º trimestre deste ano, o Governo veio à praça pública afirmar que o desemprego está a diminuir. Omite duas questões: a primeira é a de que, com este governo, no 1.º trimestre deste ano se atingiu, em termos de estatística, o mais baixo nível de emprego e o mais elevado número de desempregados dos dois últimos anos; a segunda é a de que anunciou para o ano de 1987, e pela boca do Ministro do Trabalho, na respectiva Comissão, o crescimento do emprego em 1 a 1,5 % sem nenhuma base sólida, contando porventura com a economia subterrânea e trabalho negro. Afinal, foi só um palpite. O Ministério das Finanças uma semana depois já reduz para 0,6 a 0,8 o crescimento. Não é só irresponsabilidade! São conceitos carregados de injustiça social, avessos aos pressupostos e princípios do desenvolvimento da democracia social inscritos na Constituição.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores são muito mais que um número, valem mais que um voto, são os criadores da riqueza produzida, mas são discriminados neste orçamento e por esta política...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... em tempo de crise - já lhe chamaram tempo das vacas magras ou tempo de apertar o cinto. Em tempo de conjuntura favorável o adjectivo muda para a prudência. Mas a moral da história é sempre a mesma: fazer pagar essencialmente aos trabalhadores os custos de uma política de direita, de recuperação e restauração capitalista.
Acolhendo as aspirações e reivindicações mais justas dos trabalhadores, o Grupo Parlamentar do PCP saberá com o seu voto e com as suas propostas tomar as posições que se impõem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, inscreveram-se os Srs. Deputados Vieira Mesquita e Eduardo Lemos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (CDS): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, a minha pergunta é muito singela e refere-se à afirmação do Sr. Deputado de que proliferam os contratos a prazo, o trabalho à peça e à hora. Ora, o Governo já propôs a esta Assembleia da República a alteração da legislação laboral - e tinha em consideração, com certeza, todos estes instrumentos jurídicos -, mas o PCP e a oposição não permitiram essa alteração, que vinha no sentido do reequilíbrio de toda essa legislação, por forma que não proliferassem esses contratos.
Os senhores não deixaram que tal se fizesse e eu pergunto como é que essa bancada da Assembleia da República se permite agora acusar o Governo da proliferação de contratos, que ele não deseja e que desejava rever?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Lemos.

O Sr. Eduardo Lemos (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, falar em nome dos trabalhadores perante este Orçamento do Estado da forma como o Sr. Deputado falou parece-me que é escamotear a realidade que se perspectiva para o futuro dos trabalhadores portugueses e que este governo tem vindo a construir.
O que lhe quero perguntar, muito claramente, Sr. Deputado, é se, hoje, o abaixamento da inflação - que é um dos grandes problemas de quem trabalha - não é já uma boa garantia que este governo está a dar para o futuro dos trabalhadores portugueses.
Também lhe quero perguntar, Sr. Deputado, por que é que está preocupado com o facto de o Orçamento do Estado não reservar um grande aumento de verba para os salários em atraso. Não acha que estamos a combater os salários em atraso? Não se perspectiva, de ,'facto, acabar com os salários em atraso neste país, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa? Então, o projecto de lei que aqui se apresentou para combater os salários em atraso não é para levar até ao fim?

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Está o Sr. Deputado também preocupado com as verbas para a Inspecção-Geral do Trabalho. Mas é ou não verdade que este governo, ao reservar no Orçamento do Estado um aumento de 28,4 % para despesas de pessoal da IGT, 94 % para aumento para despesas de funcionamento em geral e 165 % para aumento para despesas de capital da mesma IGT, demonstra uma preocupação séria com esta questão?
Isto não é uma clara preocupação com o funcionamento da IGT e com as condições de trabalho dos trabalhadores portugueses, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Tenho de ser muito breve, devido ao pouco tempo de que disponho, mas, de qualquer forma, não quero deixar de dar, a uma pergunta singela, uma resposta singela: a oposição democrática impediu que o Governo alterasse a legislação laboral.
O Sr. Deputado disse que com a alteração da legislação laboral se resolveriam os problemas dos contratos a prazo e do trabalho «negro». Omitiu, porém, uma questão fundamental: é que o Governo pretendia, precisamente através da alteração da Lei dos Despedimentos, destruir o conceito de justa causa de despedimento, transformando, dessa forma, praticamente todos os trabalhadores portugueses em contratados a prazo. Obviamente o Governo foi derrotado e essa derrota foi uma vitória dos trabalhadores portugueses. Ainda bem que a oposição democrática assim reagiu!

Vozes alo PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não é liquidando o conceito de justa causa de despedimento nem transformando os trabalhadores em coisas, em braços de máquinas, e a empresa num autêntico santuário, onde quem manda é o patrão, que se acaba com os contratos a prazo! Aliás, este problema não se resolve destruindo a lei progressista dos despedimentos, mas, pelo contrário, mantendo e aprofundando os aspectos progressivos das leis laborais.
Trata-se, assim, de uma falsa questão. O Governo não actua nos contratos a prazo quando o trabalho é temporário porque isso lhe serve de argumento, de chantagem, para tentar liquidar outros direitos noutra legislação laborai.
Quanto à segunda pergunta, o Sr. Deputado falou em escamotear a realidade? Eu apenas me servi dos números aqui apresentados pelo seu governo!
Falou da baixa da inflação, mas esqueceu-se da conjuntura favorável de que este governo teve a sorte de beneficiar. De qualquer modo, nem mesmo assim, com essa conjuntura favorável, o Governo pretende beneficiar aqueles que tiveram de apertar o cinto, que sempre conheceram o tempo das vacas magras. Ou seja, nem neste quadro o Governo pretende beneficiar os interesses e os direitos das classes trabalhadoras.
Relativamente à questão dos salários em atraso, estou de acordo consigo. Vamos tentar acabar com eles e repor a legalidade nas empresas. Porém, enquanto aqueles não acabarem, vamos, através de uma lei aprovada nesta Assembleia, defender uma das manifestações mais significativas do direito à vida, que é o direito ao salário. Aliás, é justamente por ser do direito à vida que se trata que entendemos que deve haver verbas suficientes para proteger os trabalhadores que vivem esta iníqua situação!
Quanto à questão da Inspecção-Geral do Trabalho, o Sr. Deputado conhece o quadro, as queixas da própria Inspecção-Geral de Trabalho, que muitas vezes verifica não dispor sequer da gasolina ou das viaturas necessárias para intervir nos conflitos.
Ainda no que se refere à Inspecção-Geral de Trabalho, forneci-lhe alguns números significativos: em 2174 comunicações de acidentes de trabalho, o que dá 13 mortes por dia, Sr. Deputado, IGT interviu em apenas 124. Será a IGT a culpada? Obviamente que não na medida em que este governo não lhe cria condições nem lhe permite a autonomia necessária à sua actuação. Mas isto, para o Governo, serve também de argumento para dizer que o que está mal são as leis laborais e não a situação inaceitável que se vive no mundo do trabalho!

Aplausos do PCP.

O Sr. Eduardo Lemos (CDS): - Para defesa da honra, peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Lemos.

O Sr. Eduardo Lemos (CDS): - O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa não respondeu a nenhuma das perguntas, limitando-se a referir o passado, quando estamos a discutir o Orçamento de Estado, que é para amanhã, para o ano que vem. O Orçamento de Estado tem uma perspectiva de progresso, de melhoria das situações a que se referiu, mas o Sr. Deputado vem aqui tentar contestar estas verbas orçamentais com base nas dificuldades que houve no passado.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sobretudo no presente!

O Orador: - Não respondeu às perguntas e não é essa a questão que estamos a discutir.

O Sr. Jerónimo ale Sousa (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar explicações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado.

O Orador: - Serei muito rápido, Sr. Presidente.
Juro que não tive a intenção de o desonrar, Sr. Deputado Eduardo Lemos.

Risos do PCP, PS e PRD.

De qualquer modo, devo dizer que tentei responder com base naquilo que penso e digo e não naquilo que o Sr. Deputado pensa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não fora uma vez mais a voz do CDS, e a emigração não teria saído do anonimato na discussão deste orçamento. E se o CDS sempre reservou algum do tempo que lhe tem cabido,

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nas sucessivas discussões orçamentais, para trazer aqui os problemas da emigração, hoje fá-lo por uma razão que, pela sua bizarria, roça as raias do inacreditável.
que enquanto os diferentes ministérios e secretarias de Estado festejam, discretamente, as suas verbas quando comparadas com orçamentos anteriores, há uma secretaria de Estado, cabisbaixa, que se interroga das razões do «castigo» que para ela representa este orçamento do PSD.
Treze ministérios viram as suas verbas acrescidas e 32 secretarias de Estado não fugiram à mesma regra. Todavia, como que por uma lógica invisível, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas assiste, perplexa, a um corte de mais de 100 000 contos em relação ao orçamento anterior. Representa isto a expressão acabada, esculpida em letra de forma, da desconsideração, do desinteresse, da marginalização dos emigrantes portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não me venham com cândidos argumentos de que uma boa política de emigração não implica, forçosamente, verbas razoáveis para a levar a cabo, como se os simples desejos ou as palavras arrumadas em discursos promovessem iniciativas culturais, comprassem bibliotecas ou pagassem bolsas de estudo. É óbvio que todos sabemos que esta justificação pia e franciscana já não tem ouvidos que a acreditem, pese o esforço e a coragem de quem com tanta galhardia a sustente.
Entre atónitos e perplexos tomaram os emigrantes conta, nomeadamente ao nível do Conselho das Comunidades, deste corte de mais de 100 000 contos feito à emigração.
Eles que há já vários anos andaram, crentes, a pedir um ministério da emigração; eles que há vários anos assistem à grande gala das desculpas dos governantes, sempre afoitos, diligentes, a inventarem pretextos novos para verbas já tradicionalmente reduzidas; eles que já andavam desconfiados com a última novidade do Verão passado que lhes trouxe a «lei poupança emigrante», voando com ela regalias antigas, conquistadas ao longo dos anos. Pese a girândola das explicações e o colorido da publicidade maciça, este normativo já bateu, nos primeiros meses de vida, o recorde das bichas dos consulados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Lamento que a Sr.ª Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas tenha estado aqui de manhã e não esteja agora presente. Eu, aliás, depois de ouvir o meu discurso, compreendo perfeitamente a razão da sua ausência.
Será ingénuo pensar que as desconsiderações feitas à emigração se camuflam com expedientes deste jaez. Isto equivaleria a passar-lhes um atestado de menoridade, que eles, obviamente, não consentem. E demos as voltas que dermos não podemos esquecer.
A explosão do ensino do Português verificada na Europa após o 25 de Abril ainda não chegou às escolas do «resto do mundo», como se os filhos destes portugueses fossem diferentes daqueles que escolheram a Europa como terra de vida e de trabalho; as iniciativas culturais minguam dia a dia e as 200 bolsas de estudo que a Secretaria de Estado das Comunidades dava aos filhos dos emigrantes já vão reduzidas a 20; as verbas atribuídas ao Conselho das Comunidades não permitem que cumpra com eficácia os seus objectivos; os cursos de Verão promovidos pela Secretaria de Estado são cada vez menos acessíveis aos filhos dos emigrantes de mais débeis recursos, por terem passado a pagar também as despesas de deslocação; o apoio às associações, nomeadamente bibliotecas, é cada vez mais uma citação obrigatória dos discursos e menos uma realidade cumprida.
E como se isto não bastasse, no mesmo dia em que os outros Srs. Ministros e Secretários de Estado deitam contas ao dinheiro para saberem em que projectos novos o vão gastar, a Sr.ª Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas deve estar, amargurada, a pensar que cortes terá de fazer num programa já de si modesto e limitado, a menos que aconteça o milagre da montanha da santa multiplicação dos pães. É preciso coragem para fazer descer - repito aqui ao Sr. Ministro das Finanças -, em números reais, em 23 % o orçamento da emigração.
Uma coisa o Governo tem que nos explicar aqui: ou a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas tinha dinheiro a mais e andava a desbaratá-lo ou então terá que explicar-nos porque é que os emigrantes foram desta forma penalizados e chamados expressamente a pagar esta crise inventada pelo Governo.

Aplausos do CDS.

Ou será, apenas e tão-só, que queremos que continuem a ser cidadãos de segunda classe, por mais piropos que lhes reservemos nas mensagens de Natal e Ano Novo, no tempo festivo do 10 de Junho ou quando as férias acontecem?

Ou será ainda, finalmente, que isto acontece porque os emigrantes elegem apenas quatro deputados?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não andam nos comícios das presidenciais, não ajudam à festa das eleições autárquicas, e porque estão a milhares de quilómetros, não chega aqui o eco das suas reivindicações?
Obviamente que andam mal avisados aqueles que pensam que calaremos a nossa voz enquanto os emigrantes não forem tratados em pé de igualdade com os outros portugueses. Esta postura vinda do granito da convicção está aqui para se bater contra os ventos e marés dos governantes que persistem em fazer orelhas moucas à voz traída da emigração.

Aplausos do CDS e do Sr. Deputado Caio Roque (PS).

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, pediram a palavra os Srs. Deputados Fernando Figueiredo, Luís Geraldes e Caio Roque.

Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Figueiredo.

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Gama: Ouvi com a atenção habitual as suas palavras e a sua intervenção, que é uma intervenção normal num partido da oposição. É evidente que todos nós desejamos que os diferentes departamentos do Estado disponham das verbas necessárias e suficientes para cumprirem cabalmente a sua missão.

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Mas há um aspecto na sua intervenção que não ressaltou claramente ou que pelo menos omitiu: os esclarecimentos que o Governo, na pessoa do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, prestou nesta matéria à Subcomissão de Emigração e à Comissão de Negócios Estrangeiros quando foi confrontado com o problema orçamental.
Nós entendemos que o actual Governo é um todo: é um governo, composto por vários ministérios, várias secretarias de Estado, e que tem uma só política: aquela que maioritariamente passou neste Parlamento. É essa política que todo o Governo tem de conduzir, e para nós, deputados da emigração, desde que ela seja cumprida, é-nos indiferente qual a rubrica de onde saem essas verbas. É-nos indiferente que as bolsas de estudo ou quaisquer outras prestações de serviços sejam pagas aos nossos emigrantes, aos nossos portugueses não residentes, pela Secretaria de Estado da Cultura ou pela Secretaria de Estado das Comunidades; e lembre-se, Sr. Deputado, que este Governo já actualizou a linguagem: portugueses não residentes em vez de emigrantes.
Dizia eu, pois, que é a política global deste Governo, na vigência do seu mandato, que nós temos de apreciar, e não apenas casos pontuais e específicos de um novo orçamento de Estado, que, embora tenha a maior importância e relevância, não traduz, na prática, toda uma política que tem que ser levada a cabo, em conjunto, pelo Governo. Isto, o Sr. Deputado omitiu: os esclarecimentos que sobre esta matéria foram prestados nas comissões respectivas.
E é para si lamentável, Sr. Deputado que, apesar de todas as suas intervenções apaixonadas, o Partido Social-Democrata continue a ser o maior partido da emigração.

Vozes do CDS: - Eh! ...

O Orador: - É o PSD o partido que tem a responsabilidade, desde há muitos anos, da gestão das coisas da emigração, que se tem esforçado e que tem obtido a compreensão dos emigrantes quando chega a altura de manifestarem, através do voto democrático, a sua confiança nesse partido.
Portanto, Sr. Deputado, gostaria de saber se na realidade pensou nos esclarecimentos do Governo que, na sede própria, lhe foram prestados e se realmente não acredita - como eu acredito - que o Governo, na sua globalidade, vai cumprir as promessas eleitorais e o seu programa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Deputado José Gama, V. Ex.ª habituou-nos, especialmente aos deputados pelos círculos da chamada emigração, a discursos bonitos, que, apesar disso, quando apreciados, mostram um grande vazio em conteúdo. Por outro lado, não posso deixar de salientar a deselegância que teve ao referir a ausência da Sr.ª Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, sabendo de antemão que o titular da pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros estava presente. Mas eu iria mais longe, Sr. Deputado: felizmente, dos vinte e dois deputados do CDS, hoje nove estão presentes...

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): - 0 quê?!

O Orador: - Mas o que eu gostaria de lhe perguntar era o seguinte: não acha o Sr. Deputado - e temo-lo apreciado e analisado em sede própria, através dos contactos mútuos que temos tido nas reuniões do Conselho das comunidades, e não só - que a política para as comunidades portuguesas terá de ser desenvolvida na globalidade, devendo envolver os serviços consulares, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, da Secretaria de Estado da Cultura, da Secretaria de Estado do Ensino Básico e da Secretaria de Estado da Juventude? Não será efectivamente a inter-relação entre estes departamentos do Estado que vai contribuir, afinal, para uma política eficaz e realista, Sr. Deputado?
Para concluir, gostaria de lhe dizer que, de facto, o Governo do Professor Cavaco Silva deu provas de grande eficácia e competência e o Sr. Deputado pode ter a certeza, no seu íntimo, que continuará a ser esta a postura futura. O que nunca foi feito no passado, e que os nossos queridos irmãos no estrangeiro desejam - uma pátria digna e respeitada no conceito internacional - está a ser feito por este Governo, em prol dos emigrantes e do nosso povo.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - Onde é que eu já ouvi isto?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Caio Roque.

O Sr. Caio Roque (PS): - Antes de mais, Sr. Deputado José Gama, congratulo-me com a intervenção que V. Ex.ª acabou de fazer, porque, de facto, disse tudo, disse a verdade e o Partido Social-Democrata mais uma vez me demonstrou, pelo menos, que quando a demagogia pagar imposto neste país o PSD deixará certamente de fazer tanta.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Aumenta a receita do Estado!

O Orador: - Pedi para intervir porque o Sr. Deputado esqueceu-se de referir nesta Câmara pelo menos uma coisa que não posso deixar de lembrar. Trata-se do que o Sr. Primeiro-Ministro disse em Estugarda aos emigrantes e que foi textualmente o seguinte: «Em nome do meu Governo, peço-vos desculpa por tudo aquilo que os outros governos não fizeram por vós.»
Hoje, como emigrante e como deputado pela emigração, estou convencido de que terei, nas minhas deslocações ao círculo, de pedir desculpa aos emigrantes por tudo aquilo que este Governo nos últimos meses lhes tem feito.
Este Orçamento é uma vergonha e o Governo mais uma vez demonstrou a desconsideração que tem pela emigração e a forma como a marginaliza.
Como o tempo é escasso, não posso, infelizmente, continuar, porque muito mais haveria para dizer.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Deputado Fernando Figueiredo, V. Ex.ª começa sempre por ser muito amável, muito simpático quanto às minhas intervenções, mas, no fim, afasta-se, afirma que digo coisas com menos conteúdo, desabafa, e no fundo acaba por ser a expressão da deselegância.

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Quero dizer ao Sr. Deputado duas coisas. Primeiro: o senhor afirma que o Governo é um todo e faz a apologia desta afirmação com gesto rasgado e voz sentida, mas devo dizer-lhe que é justamente por ele ser um todo que não compreendo porque é a emigração a sacrificada neste Orçamento.
Se aumentam as verbas para 32 secretarias de Estado e 13 ministérios, porque terá o orçamento da emigração de ser penalizado? Talvez o senhor me possa explicar - já que o Governo não teve a amabilidade de o fazer - como pode a Sr.ª Secretária de Estado levar avante o seu programa, ela que tem sistematicamente corrido as comunidades lamentando-se dos orçamentos anteriores, que, segundo ela, eram magros e reduzidos, culpando, inclusivamente, o Dr. Mário Soares.
Queria que me dissesse, em termos de ética, de transparência e de moral política, o que dirá agora a Sr,' Secretária de Estado, sendo da responsabilidade deste Governo o Orçamento trazido a esta Assembleia.
Diz o Sr. Deputado Luís Geraldes que o meu discurso é bonito mas vazio. Dizer que antigamente se davam 200 bolsas de estudo e agora se dão 20 é vazio! Dizer que antigamente os filhos dos emigrantes mais pobres podiam frequentar cursos de Verão, porque tinham viagens pagas, e agora não podem, é vazio! Dizer que tínhamos um orçamento superior, em 103 000 contos, ao actual, é bonito mas também é vazio! ... Dizer que este Governo criou a poupança-emigrante tirando regalias antigas, conquistadas ao longo dos anos pelos emigrantes portugueses, pode ser bonito mas é vazio!
O Sr. Deputado Fernando Figueiredo disse que o PSD é o maior partido da emigração, mas esqueceu-se de referir - e também tem responsabilidades no cartório- que no círculo eleitoral do resto do mundo havia cerca de 7000 votos entre os PSD e o CDS e agora há apenas 903, como também se esqueceu que o deputado do PSD foi eleito pela Europa com 5500 votos, quando já o foi com cerca de 20 000. Isto é bonito mas é vazio?!...
O Sr. Deputado deveria ter feito o acto de contrição, um regresso e uma autêntica viagem pela emigração! Era isto que o senhor deveria ter dito, e não ter o gesto e a voz sentidos por eu trazer a esta Assembleia discursos desprovidos de conteúdo.
Ao Sr. Deputado Caio Roque agradeço as palavras amáveis e publicamente testemunho o meu apreço pela grande luta que tem travado pela emigração. E como toda a gente sabe a distância ideológica existente entre mim e o Sr. Deputado Caio Roque, sou insuspeito nas minhas afirmações.
V. Ex.ª teve a coragem de dizer aqui o que diz no Conselho das Comunidades e nos corredores, e também eu não sou como outros deputados que aqui têm de ser prolongamentos da voz do Governo e que lá fora estão autenticamente mergulhados no muro das lamentações.
Dizem-me ser deselegante referir aqui a ausência da Sr.ª Secretária de Estado da Emigração. Deselegante porquê? Querem-me tirar a voz por dizer isto?
Se não estivesse aqui ninguém do Governo e eu o dissesse, estaria também a ser deselegante? A Sr.ª Secretária de Estado esteve aqui de manhã, sabia que eu ia falar e eu esperava que ouvisse o meu discurso. Mas agora nós sabemos porque é que a Sr.ª Secretária de Estado se foi embora. Porque seria necessário ter muita coragem para estar ali sentada - enquanto todos os ministros e secretários de Estado viam os seus orçamentos reforçados, ela, isolada, via o seu reduzido em 23 %! Compreendo a sua ausência e por isso não fui deselegante meus senhores.

O Sr. António Capucho (PSD): - E as bonificações?

O Orador: - Quais bonificações para os emigrantes, Sr. Deputado António Capucho? O silêncio muitas vezes é de ouro, e agora V. Ex.ª devia sabê-lo cultivar.
Os emigrantes pagavam 12,5 % das suas bonificações, hoje pagam 16,125%. Diz o Sr. Deputado António Capucho: «E as bonificações?» Pergunto-lhe eu! Pergunte aqui ao Sr. Ministro! Mas esta questão vai ficar para depois, pois nós pedimos, em tempo útil, a ratificação do decreto.
Este Governo que explique aos emigrantes qual a razão do desaparecimento desta e de outras regalias desde que assumiu o poder!
Aplausos do CDS, PS e PRD.

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, para defesa da honra, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo da figura regimental do direito de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Figueiredo.

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - Ao Sr. Deputado Caio Roque, que não só me atingiu pessoalmente mas também a minha bancada, gostaria de dizer que quando a demagogia pagar imposto não será certamente o Partido Social-Democrata o mais penalizado. Haverá com certeza mais partidos neste hemiciclo que, a propósito de demagogia, terão impostos bem mais pesados.
Quanto ao Sr. Deputado José Gama, lamento que uma vez mais tenha olvidado aquilo que na parte final acabou por dizer - e que sabia que eu o faria. É que do Orçamento do Estado algumas dezenas de milhões de contos são também indirectamente dadas aos emigrantes através da poupança-emigrante que o senhor verberou nesta Assembleia.
E o Sr. Deputado teve o cuidado - porque ouviu alguém murmurar a propósito - de introduzir apressadamente no seu discurso esta questão, quando na primeira parte a escamoteou deliberadamente.
Sr. Deputado, nós devemos dizer tanto as coisas boas como as coisas más com frontalidade e clareza. Não devemos escamotear metade nas nossas afirmações, como V. Ex.ª fez.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Para defesa de honra, peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Creio que esta figura regimental está a ser usada de forma absolutamente inconveniente, mas dou-lhe a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Gostaria de responder ao Sr. Deputado Caio Roque, mas infelizmente ele abandonou o hemiciclo.
Já não é a primeira vez que o Sr. Deputado Caio Roque refere a afirmação que o Sr. Primeiro-Ministro terá eventualmente feito na República Federal da Alemanha. Devo dizer, Sr. Deputado, que comungo da mesma filosofia do Sr. Prof. Cavaco Silva e lamento

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que o Sr. Deputado Vítor Caio Roque não tivesse tido a oportunidade de ontem ter estado com emigrantes portugueses, sindicalistas, que lhe prestaram uma grande homenagem. Aliás, cerca de dois milhões de trabalhadores do Canadá afirmaram a sua solidariedade a tudo o que de bom tem sido feito por este governo.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José uma (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se este tempo desconta no tempo do meu partido. Se descontar, obviamente que prescindo.

O Sr. Presidente: - Com certeza que sim, Sr. Deputado.

O Sr. José Cama (CDS): - É que me pediram explicações e eu teria muito gosto em explicar algumas coisas sobre a poupança-emigrante.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estive a consultar os demais membros da Mesa e concluímos que o tempo utilizado no uso do direito de defesa da honra não é descontado no tempo de que os partidos dispõem.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é que quando essa figura regimental é utilizada pela minha bancada, desconta no nosso tempo, como é óbvio. Agora se V. Ex.ª entende que para os outros partidos não desconta, é um problema da Mesa. Penso que é perfeitamente aberrante que não se faça esse desconto no tempo de cada um dos partidos, mas, pelo menos, no que diz respeito ao nosso pedia-lhe o favor de descontar.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo o Regimento, esse tempo não conta, mas se os Srs. Deputados assim o entenderem, podemos contabilizá-lo.

Risos.

Tem V. Ex. a palavra, Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): - Pelos vistos, o Sr. Deputado António Capucho não quer que eu explique.

O Sr. António Capucho (PSD): - Quero, quero! Dou-lhe tempo para isso.

O Orador: - Muito obrigado pela sua generosidade, Sr. Deputado. Registo isso na minha história parlamentar como um dos momentos altos que muito me sensibilizaram.
O Sr. Deputado Fernando Figueiredo trouxe aqui, por avulso, o problema do crédito poupança-emigrante, dizendo que eu devia ter explicado tudo. Só que, Sr. Deputado, a verdade é que tive receio de explicar tudo, na medida em que tive medo de deixar o Governo e os Srs. Deputados da emigração mal colocados.
E por que é que tive receio? É que este Governo disse um dia que era preciso acabar com as fraudes, isto é, com o recurso ao crédito de emigrantes por pessoas que, efectivamente, não o eram. Então, toca de pagar o justo pelo pecador!
Na África do Sul (e espero que não considerem provocatória esta invocação da África do Sul)...

Risos do CDS e do PRD.

... mais concretamente na Cidade do Cabo, o Sr. Deputado Luís Geraldes levantou-se de voz ardente, exclamou para a posteridade: «Já foram detectados 60 milhões de contos de fraude!» E eu perguntei-lhe: «Já há algum processo organizado? Já se sentou alguém no mocho? Já alguém foi punido ou penalizado? Qual é a voz do Espirito Santo? Qual foi o membro do Governo que falou a V. Ex.ª nessa verba tão cativante e que troou pela sala do Conselho das Comunidades e nos deixou atónicos e perplexos?» Ele não me soube responder! ...
Mas, depois, veio outro deputado da emigração dizer: «Reparem que esta lei até permite que vão buscar até 20 000 contos!» E novamente fizeram uma pausa - como se os emigrantes não soubessem fazer contas -, esquecendo-se que, pela lei anterior, os emigrantes podiam abrir mais que uma conta. Obviamente que não podiam abrir contas exageradas. Isso ninguém defendeu. Mas é evidente que se eles abrissem quatro ou cinco contas ultrapassavam esse montante. Agora, enquanto eles pagavam antigamente um juro de 12,5 %, numa altura em que estavam inflacionados os juros para o resto dos portugueses do continente e das ilhas, hoje pagam 16,125 %, quando o juro desceu para toda a gente.
E diz o Sr. Deputado Fernando Figueiredo: «Isto é um todo!» Mas então, se é um todo, porque é que hão-de ser novamente os emigrantes a ser responsabilizados, penalizados, punidos por estas medidas do Governo?
É aqui que está o cerne da questão, Srs. Deputados!
Por agora fico-me apenas por estas explicações, embora tivesse muitas outras para lhes dar, e com certeza que, sem benevolência, os Srs. Deputados da emigração do PSD terão a amabilidade de concluir que os meus discursos têm algum conteúdo e não são apenas e tão-só bonitos, como, por amabilidade, sempre repetem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, antes de dar a palavra ao orador seguinte, gostaria de lhe dar uma explicação.
Uma parte dos membros da Mesa estava convencida de que os pedidos de palavra para defesa da honra e respectivas explicações não descontavam no tempo de cada um dos partidos. Entretanto, verificámos que no Regimento não há nenhuma referência no sentido de que esse tempo não seja contabilizado.
De qualquer modo, confesso que pelo menos eu e outros membros da Mesa, nomeadamente o Sr. Secretário Reinaldo Gomes, estávamos absolutamente convencidos de que esse tempo não contava.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Victor Ávila.

O Sr. Victor Ávila (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de entrar na análise das receitas do Orçamento do Estado,

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penso que é útil clarificar uma questão, que é a do objectivo de receita que se deve fixar. A afirmação de Gaston Jéze de que «existem despesas, há que cobri-las» encontra-se hoje perfeitamente ultrapassada, a menos que se faça uma clarificação sobre que receitas e que despesas. No nosso país, no Orçamento do Estado inicial para 1986, a receita global cobria 87,1 % das despesas correntes, mas, no final, praticamente 99,9% destas virão a ser cobertas por aquela. Na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1987 prevê o Governo que 91,8% das despesas correntes encontre cobertura na receita global.
Penso que é possível que a receita fiscal possa ainda contribuir, pela introdução de uma reforma que generalize a base de incidência dos impostos sem acréscimo de taxas, antes pelo contrário, para que cerca de 30% do rendimento ainda susceptível de ser tributado e que actualmente se evade possa, de uma forma pedagógica e persuasiva, fomentar o desenvolvimento, ou seja, tornar possíveis os investimentos que é necessário realizar para a modernização do País e a correcção dos défices estruturais.
Nas nossas condições, onde coexiste, a par do sector privado, o sector público empresarial, cuja eficácia é condição essencial para o desenvolvimento, é para nós inócuo o debate ideológico de confrontação de um face ao outro. Torna-se, no entanto, importante que o objectivo de receita a fixar para os trabalhos da reforma fiscal contemple não só a cobertura das despesas correntes mas também assegure o cumprimento das responsabilidades sociais pelo Estado e que resultem da assunção plena dos encargos financeiros que lhe advêm pela participação no capital de empresas públicas estratégicas, a fim de que estas possam realizar, de uma forma estável e com perfeita solidez financeira, os seus investimentos.
Após uma apreciação atenta ao Orçamento do Estado para 1987, no que respeita à receita, verifica-se que a respectiva estrutura tem vindo a acentuar o peso específico das receitas tributárias no cômputo da receita global. Assim, no Orçamento do Estado inicial de 1986 a receita fiscal representava 85,7% do total das receitas, no final do mesmo ano 87,1 % e o Governo na proposta orçamental prevê um aumento para 90,2%. No que se refere às receitas patrimoniais, os valores percentuais nos mesmos intervalos de tempo foram de 6,9%, 6,4% e 2,4%a, significando este decréscimo a não previsão de transferências originadas nos fundos autónomos.
No mesmo período as reposições e as contas de ordem oscilaram entre os 7,4%, 6,5% e 7,5%, respectivamente, da receita global, encontrando-se esta já afectada no final de 1986 e em 1987 pela introdução do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP).
Em termos absolutos, se tivermos em consideração o 15P cobrado até ao fim do ano de 1986, sem atendermos, quer em 1986 quer em 1987, ao valor das contas de ordem, concluiremos que o montante global da receita previsto no Orçamento do Estado inicial de 1986 era de 984 milhões de contos, no final 1138 milhões de contos e na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1987 1174 milhões de contos, o que representa acréscimos em 1987 de 19,3% relativamente ao Orçamento do Estado inicial de 1986 e de 3,2% face ao valor das receitas previstas no Orçamento do Estado final de 1986, a preços correntes.
Analisando mais pormenorizadamente, no âmbito da receita global, as receitas correntes, constata-se que em 1986 as receitas fiscais representam 86,7% destas últimas, prevendo o Governo para 1987 que o peso da receita tributária nas receitas correntes aumente para 91,3%, devido, sobretudo, ao crescimento dos impostos indirectos, que aumentam 15,5%, enquanto os directos, também em valores nominativos, representam mais 5,3 % .
Na proposta de lei do Orçamento do Estado os impostos indirectos sobem de 68,7% em 1986 para 71% em 1987 do valor global das receitas fiscais, representando só o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) e o ISP cerca de 48% de toda a receita tributária.
Há quem defenda que o maior peso da tributação indirecta nas receitas fiscais é positivo para o combate à fraude e à evasão fiscais, sobretudo em países pouco desenvolvidos, onde a administração fiscal não dispõe de mecanismos de fiscalização suficientemente eficientes. No entanto, um desequilíbrio tão evidente entre a tributação indirecta (que a todos atinge por igual sem atender aos níveis de rendimento) e a directa propicia desequilíbrios na distribuição da riqueza e não contribui para a equidade social. Por outro lado, esses argumentos não colhem se aplicados a Portugal, visto que somos um país europeu, com boas condições ao nível técnico para melhorar a administração fiscal. Não são também amenizatórios do desequilíbrio existente entre a tributação indirecta e a directa, argumentos tais como o de que, com parte do acréscimo do rendimento disponível propiciado por um eventual desagravamento fiscal, o respectivo titular possa optar entre a utilização ou a poupança. Dado que no âmbito do imposto complementar a proposta do Governo prevê apenas a actualização dos escalões em 9 %, qualquer acréscimo do rendimento real é eliminado pela mudança de escalão de rendimento com a aplicação de uma taxa de imposto mais elevada, o que põe em causa aquela dicotomia.
Da análise às componentes das receitas correntes da proposta de lei e de acordo com a metodologia seguida pelo Governo para o cálculo das previsões de receita com o IVA para 1987, onde se parte de uma base que, de acordo com a experiência até agora registada, aponta para uma receita em 1986 de 311 milhões de contos, é possível concluir que a previsão de 348,5 milhões de contos para 1987 poderá encontrar-se subavaliada, visto que o valor da taxa de crescimento do consumo privado referido pelo Governo, que é de 4,5 % para 1987, em face de alguns indicadores já existentes, já se encontra ultrapassado, não devendo ser inferior a 5%.
Quanto às previsões sobre os acréscimos de receita da contribuição industrial, que são de cerca de 44%, parece-nos que é um objectivo difícil de atingir, face à perda de receita motivada pela existência de benefícios fiscais de 28,5 milhões de contos no âmbito deste imposto.
No que respeita ao imposto profissional, o Governo prevê o alargamento da incidência às importâncias, qualquer que seja a sua natureza, auferidas pelos empregados por conta de outrem, ainda que não atribuídas pela respectiva entidade patronal. Se é certo que esta medida se traduziria num alargamento da base tributável, na verdade só atingiria certos rendimentos de natureza eventual de uma classe específica de sujeitos passivos de imposto: os empregados dos casinos, que contribuem com parte dessas verbas para um fundo de

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previdência, e não outros, que em igualdade de circunstâncias, por não terem qualquer tipo de controle, se eximiriam a este tipo de imposto, o que resultaria em injustiça relativa.
Quanto ao imposto complementar, pensamos que o Governo poderia ter ido mais longe no desagravamento dos rendimentos do trabalho, atendendo à folga introduzida pelo IVA e uma vez que este tributo é sobretudo um adicional ao imposto profissional.
No que respeita ao imposto de capitais, a tributação das obrigações ainda não é neutral, face aos depósitos a prazo, e o Governo também não apresenta aqui qualquer proposta que igualize a taxa do imposto aplicável a estes dois tipos de aplicações financeiras.
No âmbito das receitas correntes, pensamos que deverá ser inscrita uma verba correspondente ao saldo existente entre a contribuição financeira líquida de restituições do orçamento comunitário, que em 1987, segundo a informação do Governo, será sempre superior à de 1986, que foi de 8 milhões de contos, encontrando-se assim a receita global subavaliada num valor não inferior àquele montante.
Em termos globais, pensamos que o orçamento da receita apresenta algumas imprecisões quanto à contribuição industrial e IVA e não inscreve as contribuições financeiras líquidas das restituições comunitárias nas receitas correntes, acentuando, por outro lado, o peso dos impostos indirectos sobre os directos, sem que o acréscimo de receita proporcionado por aqueles tenha contribuído para uma mais eficaz correcção de certos desequilíbrios na distribuição do rendimento, fundamentalmente no âmbito do imposto complementar, e para uma mais ousada política de desagravamento no âmbito dos adicionais e dos impostos extraordinários, embora seja de assinalar como ponto positivo a redução destes últimos constante da proposta do Governo.
Em termos globais, a proposta de orçamento no que respeita à receita fiscal pouco inova, face à situação existente.
Quanto ao sistema fiscal, todas as críticas que efectuámos aquando do debate do Orçamento do Estado para 1986 se mantêm no essencial. Todos reconhecem que a reforma do sistema é urgente, e o Governo assumiu nessa altura um compromisso de até ao fim deste ano apresentar a esta Câmara o resultado dos trabalhos efectuados para a realização da reforma fiscal, o que, segundo tudo leva a crer, não acontecerá senão durante o ano de 1987.
O nosso sistema fiscal continua a ser muito disperso, ainda com um excessivo número de tributos, apesar da proposta de eliminação de alguns deles que agora nos é apresentada. A base tributável continua desactualizada e distorcida, continuam a ocorrer tributações sucessivas sobre a mesma base de rendimento, as receitas fiscais directas do sector público administrativo continuam concentradas sobre certos estratos de rendimentos e sobre certo tipo de bens patrimoniais, como são o trabalho e os imóveis, respectivamente. Quanto à base tributável, o previsto alargamento da incidência de impostos à indústria agrícola e aos funcionários e agentes do Estado contribuirá para uma maior equidade do sistema, pese embora o elevado nível das isenções e da evasão fiscais que neste momento ainda se verificam.
Uma reforma fiscal que venha a fazer-se no nosso país terá de contribuir para a estabilidade do sistema, o que não acontece actualmente, onde, por exemplo, no âmbito do mercado de capitais, se propõem agora alterações do lado do incentivo à procura que têm cerca de seis meses de vigência e, simultaneamente, se indicam medidas de incentivo à oferta, por esta ser considerada insuficiente. No debate do Orçamento do Estado para 1986 havíamos referido que sem a revisão global do regime de tributação do capital risco poderia tornar-se ineficaz a criação de incentivos ao mercado de capitais do lado da procura. Pensamos que o tempo nos deu razão, sendo positivo que o Governo tente compensar o desequilíbrio anterior com incentivos do lado da oferta que se traduzem na melhoria da rentabilidade das empresas.
Para que se atinja uma estabilidade no nosso sistema fiscal que propicie o desenvolvimento económico do País e uma mais justa repartição do rendimento, é necessário que à reforma seja fixado um objectivo de receita, que eventuais acréscimos do nível de fiscalidade, se necessários, se façam pela via do alargamento da base tributável com simultânea redução das actuais taxas máximas dos impostos, o que, nas actuais circunstâncias, terá de ser conseguido pelo recurso à eliminação da maioria das isenções fiscais e sua substituição por taxas mínimas, que motivem os contribuintes a cumprir com o pagamento dos impostos. Para além da redução a três ou quatro impostos, como sejam o imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares, o imposto de sociedades, o IVA e o ISP, as taxas progressivas que incidam sobre o rendimento deverão ser reduzidas para máximos que não excedam os 40 % a 500%.
Há conveniência em que a reforma fiscal protagonize a prática de um benefício qualitativo a favor dos rendimentos do trabalho e ponha cobro a um excessivo desdobramento do número de escalões no âmbito do imposto complementar.
A criação de um imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares deverá resultar fundamentalmente da fusão dos actuais impostos profissional e complementar, enquanto o imposto de sociedades deverá derivar da evolução da actual contribuição industrial.
A elasticidade-rendimento dos impostos é fraca face ao agravamento de taxas, denotando a dificuldade na efectivação de cobranças sempre que aquelas são aumentadas.
No fundamental, o que há que discutir, e que vem dificultando decerto a conclusão dos trabalhos da reforma fiscal, é o problema de carácter político em torno dos fins a prosseguir e da sua hierarquização.
O cerne da questão reside, pois, na necessidade de se encontrar um consenso básico que permita identificar, sem equívocos, a dupla missão a conferir ao novo sistema fiscal: servir de instrumento de correcção das desigualdades de rendimento e de riqueza e possibilitar o funcionamento estável da economia que incentive o investimento reprodutivo, quer do sector público, quer do privado, quer do cooperativo.
É necessário esclarecer a opinião pública acerca das características de que se estão a revestir os trabalhos preparatórios da reforma fiscal.
De essencial, pensamos que o que de urgente há a fazer nesta área é abrir o debate sobre os contornos que a reforma fiscal deverá revestir com respeito pelo sistema de economia mista em que estamos inseridos. Assim também o Governo e as oposições o entendam.

Aplausos do PRD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, finalmente encontrou-se a norma regimental que há pouco procurávamos.

Risos do PSD.

Com efeito, trata-se do n.º 5 do artigo 146. º do Regimento, que diz o seguinte: «0 uso da palavra para invocação do Regimento, perguntas à Mesa, requerimentos, recursos e reacções contra ofensas à honra não é considerado nos tempos atribuídos a cada grupo ou agrupamento. »
Portanto, quando o Sr. Secretário Reinaldo Gomes me afirmava com toda a segurança que, nestas condições, o tempo não devia ser contabilizado, tinha razão.

O Sr. Cuido Rodrigues (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Cuido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, o que o Sr. Deputado António Capucho disse é que quando há tempos globais fixados esses tempos são contabilizados. Agora, nesse caso, evidentemente que não são contabilizados.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que interpele a Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas prestar um esclarecimento ao Sr. Deputado Cuido Rodrigues, que provavelmente ainda não se terá apercebido de que houve uma alteração do Regimento.
É que agora todos os debates na Assembleia da República têm tempos globais definidos e, como tal, esta regra aplica-se sempre.

O Sr. Presidente: - Bom, Srs. Deputados, se alguma coisa houver ainda a esclarecer sobre esta questão, tratar-se-á disso na conferência de líderes e não aqui.
Prosseguindo agora com o debate, concedo a palavra ao Sr. Deputado Próspero Luís, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Próspero Luís (PSD): - Sr. Deputado Victor Ávila, ouvi com atenção o seu discurso, mas, pelo menos, uma coisa deixou-me, no mínimo, confuso.
Julgo que V. Ex.ª afirmou que, existindo um sector empresarial do Estado, este teria que assumir o encargo financeiro pela participação no capital social das empresas públicas. Será que quer com isso dizer que deverá ser o erário público a suportar o sorvedor dos dinheiros públicos que representam as empresas públicas?
O Sr. Deputado afirmou, por outro lado, que os impostos indirectos atingem todos por igual e que, apesar de parte da doutrina vir proclamando isso, discorda dos benefícios da tributação indirecta sobre a directa, na medida em que isso permite ao contribuinte optar entre poupar ou consumir.
Pessoalmente, penso que esta é uma doutrina correcta, desde que os bens essenciais estejam isentos dessa tributação, e que não seja, obviamente, tributado da mesma forma quem consuma pouco e quem consuma muito.
Referiu ainda V. Ex. a que, pelas suas contas, o IVA estará subavaliado. No entanto, quase toda a gente tem dito que ele está sobreavaliado. Gostaria, portanto, que o Sr. Deputado justificasse essa sua afirmação.
Duvido que a contribuição industrial, face ao montante de incentivos e de benefícios fiscais, possa atingir os valores apresentados. Terá V. Ex.ª presente que o simples acabar com os benefícios fiscais na contribuição industrial à exportação representará um acréscimo da ordem dos 13 milhões de contos na contribuição industrial?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Ávila, para responder.

O Sr. Victor Ávila (PRD): - Sr. Deputado Próspero Luís, a não ser que o seu partido me possa conceder algum do seu tempo, não tenho hipóteses de lhe responder, em virtude de o tempo de que o meu partido ainda dispõe ser insuficiente.

O Sr. Próspero (Luís (PSD): - Infelizmente não lhe podemos conceder esse tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Então terá de ficar para outra oportunidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Mira Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos organismos financiados pelo Orçamento do Estado houve a preocupação de privilegiar em termos de orçamento a Inspecção-Geral do Trabalho, por se tratar de um instrumento vital e ao qual importa, na medida do possível, dar-lhe os meios para que possa exercer as suas importantes e urgentes tarefas. Por isso, a Inspecção-Geral do Trabalho tem na proposta governamental uma dotação para despesas correntes de 97 000 contos, contra os 50 000 contos gastos em 1986, ou seja, um aumento de 94%.
Em 1986 o aumento em gastos correntes em relação a 1985 já fora de 92%. Por outras palavras, em 1985 gastaram-se cerca de 26 000 contos em despesas correntes, em 1986 devem gastar-se cerca de 50 000 contos e em 1987 estão orçamentados 97 000 contos.
Em termos de despesas de capital, o aumento será de 165 % em relação aos valores de 1986, e em termos de despesas de pessoal, o aumento será de 28,4%. A Inspecção-Geral do Trabalho recebeu ainda viaturas e pessoal do ex-Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, sendo assim considerável e substancialmente reforçada em recursos humanos, materiais e financeiros para manter, melhorar e desenvolver a sua importantíssima tarefa.
Também a Direcção-Geral de Higiene e Segurança no Trabalho viu reforçada a sua dotação global em 37 %, correspondendo ao desejo do Governo de que as importantíssimas matérias de higiene e segurança no trabalho tenham, na medida do possível, os recursos necessários.
Em termos de orçamento da Segurança Social para 1987, importa referir que: a totalidade das receitas geradas pela taxa social única (na qual está incluída a parcela correspondente ao ex-Fundo de Desemprego) fica no sistema de segurança social, pois, tal como em 1986,

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não há transferências para o Orçamento do Estado, como aconteceu em anos transactos; as verbas do Orçamento do Estado e do orçamento da Segurança Social afectas às políticas de emprego e formação profissional (financiamentos correntes e de capital do Instituto do Emprego e Formação Profissional, regiões autónomas e ainda contrapartidas portuguesas para o Fundo Social Europeu) crescem de 47 % em relação a idênticos valores de 1986. Aqui importa chamar a atenção para a importância das acções do Fundo Social Europeu. Com efeito, espera-se que em 1986 cerca de 50 000 jovens tenham um contrato de trabalho por via dessas acções. O Fundo Social Europeu introduziu em Portugal uma metodologia correcta em termos de formação profissional: é que ela deve ser sobretudo feita nas empresas, porque só assim é que se adequa essa formação às necessidades reais do mercado de trabalho e emprego e se evita aquilo que muitas vezes era feito nos centros de formação profissional estatais, que era formar pessoas para o desemprego. O que importa - e é isso que está a ser feito - é melhorar o controle pedagógico, técnico e financeiro das acções de formação levadas a cabo nas empresas; em termos de verbas para subsídios de desemprego, apoios ao emprego, garantia salarial, lay-off, reestruturações industriais e salários em atraso, o que se prevê gastar em 1986 será cerca de 25 milhões de contos. Destes 25 milhões de contos cerca de 4 milhões correspondem aos programas de ocupação temporária de jovens, ocupação dos tempos livres e apoios aos desempregados de longa duração, que passam, em 1987, a ser financiados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional e que, portanto, estão incluídos no orçamento deste Instituto para 1987.
Assim, a comparação que é lícito fazer-se é entre os 21 milhões de contos que se deverá gastar em 1986 com os 25 milhões de contos orçamentados para 1987.
Aproveito este ensejo para dizer que aquilo que referi nas comissões parlamentares foi que, do ponto de vista do emprego, seria óptimo para o nosso país que, quando houvesse um crescimento do produto interno bruto - e apontei uma taxa, por exemplo, de 4 % -, se pudesse desviar entre 2,5 % a 3 % para produtividade e 1 % a 1,5%o para emprego. Era isso que gostaríamos que acontecesse, mas às vezes a realidade não segue os desejos.
Numa economia de mercado não conseguimos quantificar exactamente quantos empregos vamos obter. Isso são os erros que alguns fizeram. Penso que a experiência do governo francês em 1981 ainda está na mente de todos nós para que sejamos realistas nesta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acontece que, de acordo com a OCDE, o desemprego deverá baixar em Portugal em 1987. Aliás, já em 1986 a taxa de desemprego tem baixado, Em termos restritos, tivemos 9,1 % no primeiro trimestre, 8,6 % no segundo trimestre e 7,9 % no terceiro trimestre.
Também os salários em atraso têm tido uma tendência decrescente, que se deverá manter e reforçar em 1987, em coerência com a estratégia de expansão económica e de redução dos custos unitários de produção e dos encargos financeiros, a qual permitirá o reequilíbrio económico-financeiro das empresas. Para utilizar as palavras do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, diria que, com base nas estatísticas insuspeitas da Inspecção-Geral do Trabalho, em 31 de Dezembro de 1985 havia cerca de 65 000 trabalhadores com salários em atraso; em fins de Setembro deste ano o número era de cerca de 37 000 trabalhadores ainda vítimas desta chaga social.
Repito que - e estas foram as palavras do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa - são as estatísticas insuspeitas da Inspecção-Geral do Trabalho que o dizem.
Vê-se, pois, que, apesar do desemprego e do número de trabalhadores com salários em atraso ir baixar, a verba orçamentada para 1987 é superior à que se deve gastar em 1986: 25 milhões de contos contra 21 milhões de contos.
Acresce que os gastos em subsídio de desemprego estão, obviamente, de acordo com a legislação que existe. Com efeito, o Governo não pode, evidentemente, dar subsídio de desemprego por sua livre vontade. É de acordo com o número de desempregados e com a legislação existente que se gastam as verbas orçamentadas para o subsídio de desemprego.
O orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional para 1987 e o respectivo plano de actividades foram apresentados, em anexo ao Orçamento do Estado, em 15 de Outubro à Assembleia da República. Através desses documentos os Srs. Deputados têm uma informação completa das actividades e afectação de recursos do Instituto do Emprego e Formação Profissional em 1987.
Direi apenas que em acções de emprego e formação profissional de jovens (OTL e OTJ), onde irão estar cerca de 68 000 jovens, iremos gastar à volta de 3,5 milhões de contos. No desenvolvimento de empregos (iniciativas locais de emprego - ILE), apoios às cooperativas e artesanatos gastaremos cerca de 2,2 milhões de contos. Noutras formas de protecção ao desemprego, que não especificamente os subsídios de desemprego, como são o apoios aos desempregados de longa duração e os programas ocupacionais, iremos gastar cerca de 3,3 milhões de contos.
Portanto, este ano os Srs. Deputados até já têm o orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional, onde podem ver as verbas gastas nessas actividades, que não se encontram expressamente no orçamento da Segurança Social mas que estão no orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Quanto às verbas afectas ao pagamento das pensões, é importante chamar à atenção que as pensões do regime geral tinham tido um aumento geral de 22 % em Dezembro de 1985 (o qual deve ser comparado com a taxa de inflação inferior a 12 % que se vai verificar em 1986) e em Dezembro de 1986 terão um novo aumento de 13 %, quando a inflação prevista para 1987 será entre 9 % a 8 % .
Em Setembro a totalidade dos pensionistas do regime especial dos trabalhadores agrícolas (cerca de 500 000) viu as suas pensões aumentarem 27 % (de 5900$ para 7500$); as pensões sociais dos regimes não contributivos ou equiparados (cerca de 200 000) passaram de 5700$ para 6500$.
Dos cerca de 1 200 000 pensionistas do regime geral aproximadamente 500 000 - ou seja, 43,5 % do total deste regime - foram contemplados com o aumento extraordinário de Setembro, subindo de 6900$ para 10 000$ (um aumento de 45 %). Destes pensionistas do regime geral cerca de 13 % - 46 500 pensionistas foram contemplados com o aumento máximo de 3100$.

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Em resumo, do total de pensionistas da Segurança Social aproximadamente 1 300 000 (68 %) beneficiou dos aumentos de Setembro.
Quanto aos abonos de família, eles tinham sido aumentados cerca de 51,5 % em Janeiro de 1986, aumento esse superior ao acréscimo que se tinha verificado nas pensões.
Face a esse aumento e considerando que a população pensionista se encontrava muito mais carenciada (até porque os abonos de família podem ser atribuídos a beneficiários de elevados rendimentos de trabalho), fácil é perceber por que é que os abonos de família não beneficiaram do aumento extraordinário de Setembro, é uma questão de justiça social.
Mas voltando às pensões mínimas do regime geral e às pensões do regime especial dos trabalhadores agrícolas e dos regimes não contributivos e equiparados, a sua evolução traduz-se por substanciais aumentos, que se podem sintetizar assim: a pensão mínima do regime geral era de 5500$ quando tomámos posse, agora passará a ser de 11 500$; a do regime especial dos trabalhadores agrícolas era de 4800$, agora passará para 8500$; a do regime não contributivo era de 4600$, passando agora para 7500$.
O aumento extraordinário de Setembro e o aumento do próximo mês de Dezembro traduzir-se-ão num acréscimo de encargos de cerca de 60 milhões de contos para o orçamento da Segurança Social em 1987.
Por aqui se vê o grande esforço financeiro que tal implicou e a preocupação do Governo no sentido da recuperação do poder de compra dos pensionistas.
Importa também, e ainda no domínio das pensões, referir aquilo que muito tem preocupado alguns, que é chamado «terceiro patamar da Segurança Social». Trata-se de uma evolução existente em toda a Europa onde os fundos de pensões e os esquemas complementares da Segurança Social assumem uma importância crescente.
Para aqueles que, infelizmente para Portugal, tardam em acertar o passo pela Europa, dir-lhes-ei que nesta segunda-feira, em Paris, no Comité Ministerial da mão-de-obra e Assuntos Sociais da OCDE a parte sindical (o TUAC) se referiu com grande ênfase e interesse aos fundos de pensões e esquemas complementares de segurança social.
O TUAC defende-os e incentiva-os. O TUAC entende que os fundos de pensões são, no fundo, importantíssimos meios para utilizar o mercado como regulador social, na perspectiva de que o Estado deve fornecer um nível de segurança social base, acima do qual os cidadãos são livres de optarem pelo que mais lhes convém. Também em termos de segurança social é preciso dar espaço à sociedade civil.
Nós, no Governo, só pedíamos que algumas forças, pelo menos, ouvissem o que dizem os sindicatos europeus. Talvez assim começassem a entrar nos caminhos da modernidade e da Europa.
Foi pena não terem ouvido o TUAC, para perceberem o que é a Segurança Social moderna. Foi mais uma oportunidade perdida.
Gostaria ainda de referir o tema das dívidas à Segurança Social. Com a legislação publicada fizeram-se ou estão em vias de se efectivarem acordos que envolvem o pagamento de cerca de 40 milhões de contos do stock da dívida à Segurança Social (isto no espaço de dez anos). Com essa legislação, as empresas que quisessem fazer o acordo com a Segurança Social tinham de ter as suas contribuições de 1986 em dia. Tal permitiu, pois, a reentrada no circuito de muitos contribuintes e o aumento da arrecadação de receitas pela Segurança Social.
Em todo o caso, é importante referir que dos 205 000 contribuintes da Segurança Social 1,4% são responsáveis por 70 % da dívida, o que dá uma exacta dimensão da concentração do fenómeno do não pagamento à Segurança Social por impossibilidade financeira.
Por último, recordaria a recente integração dos trabalhadores agrícolas no regime geral da Segurança Social, medida que acaba com a discriminação face aos portugueses empregados nos sectores secundário e terciário, de que os trabalhadores do campo eram vítimas.
Numa altura em que se aposta na agricultura com vista a colocá-la a nível europeu e em paralelo com outros sectores é importante que o social vá a par com o económico e que os trabalhadores rurais comecem a ser tratados, no sistema de segurança social, em igualdade com os da indústria e os dos serviços.
Os aumentos substanciais das pensões, melhorando significativamente o poder de compra dos pensionistas, a gestão das dívidas à Segurança Social e a integração dos trabalhadores rurais no regime geral são exemplos que mostram que o orçamento da Segurança Social para 1987 é, na medida dos recursos disponíveis, um instrumento de política económica e social global e coerente reflectido no Orçamento do Estado. O orçamento da Segurança Social para 1987 conjuga, pois, a justiça e a solidariedade sociais com o realismo económico e o rigor financeiro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social os Srs. Deputados António Mota, Ferro Rodrigues, Jerónimo de Sousa, Nogueira de Brito e Carlos Coelho. Porém, estamos em cima da hora regimental para interrupção da sessão ...

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Capucho (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, pela nossa parte e para não prejudicar o ritmo dos debates estamos disponíveis para que a sessão seja prolongada por alguns minutos, a fim de que o Sr. Ministro possa responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É para poderem estar na conferência de imprensa!

O Sr. Presidente: - Visto não haver objecções, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, tenho duas questões simples a colocar-lhe.

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Dado que já nos habituou a ser pouco rigoroso quando se refere a números, a primeira questão é a seguinte: V. Ex.ª afirmou na Comissão de Trabalho que a taxa de emprego para 1987 iria subir entre 1 070 e 1,5 % e, por sua vez, o Sr. Ministro das Finanças, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, disse que a mesma taxa ficaria entre 0,6010 a 0,8 %o. Afinal, quem é que diz a verdade? Quem pretende enganar quem?
Gostaria de saber com rigor qual destas afirmações é a correcta, porque das duas uma: ou alguém quer enganar alguém ou está-se a enganar o povo português, pelo que seria bom que o Sr. Ministro nos explicasse tudo isto.
A segunda questão diz respeito à higiene e segurança no trabalho. Aliás, V. Ex.ª começou a sua intervenção precisamente por essa problemática. Deste modo, perguntava-lhe se os 14 000 contos a mais que estão inscritos para esse sector não constituirão uma verba bastante ridícula para fazer face à situação caótica que se vive na nossa indústria e nas nossas empresas.
Na verdade, se o Sr. Ministro tivesse a oportunidade de visitar algumas empresas, chegaria naturalmente a conclusões diferentes e verificaria que a verba proposta para esse sector não é decente.
Para lhe dar alguns exemplos devo dizer-lhe que em 1985 morreram 801 trabalhadores, dos quais 320 em instalações fabris e 350 na construção civil e minas. Refiro isto para V. Ex. e verificar que esta não é uma situação de somenos importância.
Um outro exemplo prende-se com o facto de a Inspecção-Geral do Trabalho ter recebido 2757 comunicações, das quais só atendeu 124.
Perante isto, V. Ex.ª continua a pensar que esta verba de 14 000 contos irá resolver algum dos grandes problemas do sector da higiene e segurança no trabalho?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, desejo colocar-lhe algumas perguntas em estilo telegráfico, devido à escassez de tempo disponível.
A primeira questão diz respeito à melhoria da situação que o Sr. Ministro diz existir em relação aos salários em atraso. Desejo saber se existe alguma estimativa quanto ao número de trabalhadores que deixaram de ter salários em atraso e ainda qual a situação de «saúde» económica e financeira em que se encontram as empresas onde estes trabalhadores continuam.
A segunda questão prende-se com o facto de o Sr. Ministro ter dito, numa entrevista, que tinha havido um grande aumento do emprego no 3.º trimestre de 1986.
Faço notar ao Sr. Ministro que no 3. º trimestre de 1984 se criaram 40 000 postos de trabalho e no último registou-se uma perca de 60 000. Também no 3.º trimestre de 1985 houve um aumento de 65 000 postos de trabalho e no último uma perca de 80 000. Ora, pode fazer-se uma certa demagogia com esses números relativos aos 3.º trimestres e esperemos que este ano não se revele mais uma vez essa ilusão.
Ainda nessa entrevista que já referi o Sr. Ministro disse também que o Governo tinha tido uma derrota que se traduzia no facto de as leis laborais não terem sido modificadas. Estranhei essa declaração, porque me

lembro de ter lido outra entrevista do Sr. Ministro em que considerava ter reservas sérias quanto às propostas de alteração das leis laborais que o Governo tinha apresentado e parece-me que, com essas reservas, deve estar satisfeito pelo facto de as propostas do Governo não terem sido aceites, não considerando isso como uma derrota.
Parece-me também estranho que haja uma grande confusão quanto à previsão da taxa de crescimento do emprego entre o Ministério das Finanças e o Ministério do Trabalho e Segurança Social, até porque para o cálculo da estimativa das contribuições para 1987 é necessário prever qual é a evolução salarial e a evolução do emprego, e foi com taxas superiores àquelas que o Ministério das Finanças indicou que foram apontadas as previsões para as contribuições da taxa social única para 1987.
Queria também perguntar ao Sr. Ministro se considera correcto poupar no subsídio de desemprego, como parece que aconteceu em 1986? Ao dizer que não existe legislação, também se lhe poderá contrapor que não houve vontade política por parte do Governo para alterar a legislação existente no momento em que foi informado que se estava a fazer essa poupança, o que a Assembleia da República desconhecia nesse momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Ministro, a manipulação dos números tem limites. V. Ex.ª ergueu a bandeira da redução do número de trabalhadores com salários em atraso, mas nestas coisas nada pior do que meia verdade.
Não pretendo discutir agora o conceito de salário, pois, segundo a concepção do Governo, este não inclui os subsídios de Natal, os subsídios de férias, retroactivos, etc.; os senhores tentam deixar isto de fora, quando tal é contemplado pela Lei n.º 17/86, aprovada aqui nesta Assembleia da República, que define remuneração.
Mas a questão que pretendo colocar é a seguinte: mesmo baseado na sua estatística, quantos trabalhadores com salários em atraso foram transformados em desempregados este ano?
Sr. Ministro, em último lugar, gostaria de fazer um reparo. V. Ex.ª fez um grande alarido em volta dos 14 000 contos que estão orçamentados para o sector da higiene e segurança no trabalho, mas permita-me lembrar-lhe que cada uma das três universidades privadas recebeu 15 000 contos. Não acha que é profundamente injusto este Governo atribuir apenas 14 000 contos àquele sector e 15 000 a estas universidades? Não se demonstrará aqui a verdadeira face do Governo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. (Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro, antes de mais nada, quero reafirmar aqui a posição do meu partido neste debate. O meu partido entende, com sentido crítico, que este é um orçamento de expansão, mas anota simultaneamente que, apesar da expansão em áreas fundamentais de despesa - designadamente da despesa corrente -, o Orçamento não consegue

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esconder certas mazelas, que com certeza se vão revelar durante o ano, tendo consequências nefastas no que respeita ao crescimento do défice. Portanto, no nosso entender, este Orçamento é duplamente expansionista, dado que, além de o ser à partida, esconde despesas.
O Sr. Ministro pode perguntar: que tem tudo isto a ver com o orçamento da Segurança Social? Ora, como V. Ex.ª sabe, a transferência do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social decresce, em termos reais, 2,5 %. Mas, como V. Ex.ª também sabe - aliás, isso tem sido anunciado substancialmente na televisão nos últimos tempos, suponho que com outro intuito que não apenas o de o sublinhar -, as pensões subiram este ano em termos que acentuam o carácter igualitário das prestações e o sentido da universalidade do sistema.
Pergunto, pois, como se compatibilizam estes dois factos: por um lado, o decréscimo, em termos reais, da contribuição do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social e, por outro, a subida das prestações.
Desde logo, isto não esconde uma consequência, a do incumprimento da Lei de Bases da Segurança Social. Mas, por outro lado, isto significa, Sr. Ministro, confiança total na evolução da economia?
V. Ex.ª prevê que as contribuições vão evoluir, em termos nominais, mais 17,1 %. Significa isso confiança na evolução da economia, na expansão do emprego, na expansão dos salários, ou significa uma outra coisa, que não é dita frontalmente, e que é o facto de o Sr. Ministro considerar que atingiu um patamar com estas actualizações de pensões, indo agora passar a outro?
Nesta matéria temos uma posição muito própria, Sr. Ministro, se contarmos com uma revelação clara das intenções por parte do Governo. Aliás, esse outro patamar que referi está, em parte, subentendido no articulado da proposta de lei e, designadamente, no artigo 49.º Sr. Ministro, será que o patamar do igualitarismo terminou e vamos agora caminhar decidamente no sentido dos sistemas de complementaridade assentes, designadamente, na possibilidade de articulação com seguros privados, com formas espontâneas de solidariedade social geradas na própria sociedade?
É preciso que isto seja assumido frontalmente, porque está subentendido, designadamente, nas Grandes Opções do Plano, mas não está assumido frontalmente no Orçamento do Estado de 1986 e era isto mesmo que queríamos saber.
Não comungamos das preocupações do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que entende que devemos atingir todos os males do «Estado providência» para só depois começarmos...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, mas faça o favor de concluir.

O Orador: - Entendemos que devemos evitar atingir esses males, mas o Sr. Deputado Ferro Rodrigues nesta matéria, pelos vistos, vai mais longe do que o PCP, porque ontem nos insinuou, por exemplo, que, ao actualizar pensões, o Governo se tinha quedado pelos 50% do salário mínimo, indo mais longe que isso e também era bom que aqui o explicitasse.
Nós não vamos nesse sentido, vamos no sentido de que não podemos abandonar a solidariedade e de que, fundamentalmente, temos de confiar em formas naturais e espontâneas de solidariedade.

Sr. Ministro, era esta definição frontal que eu gostaria de ver feita pela boca de V. Ex.a, se isso fosse possível.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Sr. Deputado não leu a minha intervenção!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Ministro do Trabalho, V. Ex.ª divulgou alguns números à Câmara - e outros já os havia divulgado à Comissão Parlamentar de Juventude- sobre os quais gostaria de lhe colocar algumas questões.
Acha que para o conjunto de atribuições que competem à Inspecção-Geral do Trabalho os pouco mais de 100 000 contos que tem no seu orçamento são suficientes?
Considera que a verba dedicada à higiene e à segurança no trabalho, no montante de 100 000 contos, é suficiente para dar resposta àquilo que se espera nesta matéria?
Acha que, no conjunto global dos programas relativos à ocupação de tempos livres para jovens, da ocupação temporária de jovens e para desempregados de longa duração, 4 milhões de contos orçamentados são suficientes?
Não considera que nas políticas de combate ao desemprego e naquilo que está orçamentado deveria ter mais em atenção um número que, nos seus próprios dados, se eleva a 400 000 desempregados?
O Sr. Ministro irá esgrimir com percentagens, dir-me-á, como disse no seu discurso, que na Inspecção-Geral do Trabalho aumentaram 94% as despesas correntes, 165 % as de capital, que na higiene e segurança no trabalho foram 37 %, que na política de emprego e formação profissional foram 7 % e outros números que me dispenso de repetir.
Sr. Ministro, pergunto-lhe se não acha que mais importante do que esgrimir em relação aos orçamentos passados é articular o seu orçamento com as necessidades que advêm da realidade social.
O Sr. Ministro dir-me-á que isto é demagogia, que não basta comparar o seu orçamento com aquilo que o País desejaria, que tem de partir de uma base e que a base que tem é o orçamento do ano passado.
Dir-lhe-ei que talvez tenha razão e que aquilo que acabei de fazer talvez fosse o «número» que a oposição queria que a JSD viesse aqui fazer e o repto que ontem o Sr. Deputado José Apolinário largou nesta Câmara indiciava isso mesmo.
Não vale a pena criticar por criticar, destruir por destruir, não vale a pena esgrimir com números sem qualquer sustentação e aquilo que, por exemplo, o Sr. Deputado José Apolinário fez aqui, em Abril, quando interrogou o Sr. Secretário de Estado da Juventude e combateu a política de juventude do Governo, não foi discutir políticas, não foi discutir projectos. Nessa altura, como recordo, limitou-se a atacar o Governo, a fazer propaganda por num spot televisivo anunciar aquilo que estava a fazer no campo da juventude.
Na altura, lembro-me de que lhe respondemos que nos fazia lembrar a velha história do «preso por ter cão, preso por não ter»: se não informa é porque não informa, se informa é porque faz propaganda.

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Por muito que custe a algumas pessoas, a JSD nesta Câmara e fora dela continuará a pensar pela sua própria cabeça.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Atacamos o que achamos que devemos atacar, criticamos o que achamos que devemos criticar, elogiamos aquilo que achamos dever elogiar.
Não estamos de acordo com a totalidade deste orçamento, achamos que há áreas, aqui e ali, onde se poderia ter ido mais longe, mas não confundimos a discussão na generalidade com a discussão na especialidade.
Na globalidade, este Orçamento de Estado merece o nosso voto favorável e uma pergunta que gostaria de lhe colocar, Sr. Ministro do Trabalho, é relativa ao desemprego juvenil. Nos dados que revelou à Comissão Parlamentar de Juventude há margem para o optimismo em relação ao combate ao desemprego juvenil, mas também sabemos que o quadro da legislação laboral que o Governo apresentou à Assembleia é um quadro fundamental para que os números com que estamos confrontados possam ser significativamente alterados.
O que lhe pergunto, em primeiro lugar, é qual o saldo que o Governo faz da eficácia das medidas que toma quanto ao fomente do emprego para jovens?
Em segundo lugar, se há algum estudo ou estimativa, de qual poderia ser o salto quantitativo nesse combate com a aplicação das leis que o Governo, em boa hora, depositou nesta Câmara.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Ministro do trabalho: - Em relação ao que diz o Sr. Deputado António Mota, tenho muita pena, mas não estou aqui como professor de economia e não lhe posso explicar estas coisas.

Risos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado, há bocado tentei, numa linguagem sintética, explicar; o Sr. Deputado não consegue compreender, sou capaz de não ser bom professor, mas, Sr. Deputado, paciência...
O que quis dizer, e volto a repetir, é que, nestas matérias, quando estimamos uma taxa de crescimento económico, nunca temos um valor exacto, seguro, pois, numa pequena economia aberta como a portuguesa, a repartição entre a produtividade e o emprego oferece extremas dificuldades. Portanto, nem eu nem o Sr. Ministro das Finanças podemos dizer se essa taxa é exactamente de 0,7 % ou de 1 %.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Palpita-lhe!

O Orador: - O que eu disse foi que gostaria muito que o crescimento económico português tivesse um mixed de produtividade e de emprego em que o emprego não fosse esquecido e conseguíssemos ter um crescimento de emprego de 1 % a 1,5 %. Mas isto é um desejo meu...

O Sr. Jerónimo de Sonsa (PCP): - Palpita-lhe!

O Orador: - ... e não sei se, na realidade, tal se consegue.

Nesta matéria, em termos de gestão de economia de mercado, não sou tão competente como o Sr. Deputado António Mota, que defende uma economia administrativa mas que parece que consegue gerir uma economia de mercado melhor do que eu. Aí, de facto, não tenho a sua competência...
Também devo dizer...

O Sr. António Mota (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Sr. Deputado, não o interrompi e agradeço que não me interrompa.
Devo dizer que, em termos de higiene e segurança do trabalho, o Sr. Deputado é que não sabe fazer contas, porque se pegar no Orçamento verá que temos orçamentados 97 071 contos em 1987 contra o que está em 1986, que são 70 827 contos. Se eu sei fazer contas, a diferença dá exactamente 26 244 contos...

O Sr. António Capucho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... e não os 14 000 contos que o Sr. Deputado estava a referir. Portanto, Sr. Deputado, tenha cuidado, porque a manipulação de números é sua; eu limito-me a fazer as contas correctamente e tão-somente a isso!
Quanto ao meu ilustre amigo e deputado Ferro Rodrigues, devo dizer que com muito gosto o vejo agora preocupado com os problemas sociais. Trabalhei com o Sr. Deputado, em 1980, em problemas industriais e vejo-o agora a começar a dedicar-se aos problemas sociais, coisa em que eu já ando há uns anos. De qualquer forma, é com todo o gosto que o vejo começar a tratar destes assuntos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Tratava de problemas sociais!

O Orador: - Tem alguma razão, pois nessa altura, além de tratar de problemas industriais, era também dirigente sindical.
Quanto á pergunta que me fez sobre os trabalhadores que deixaram de estar com salários em atraso, não lhe sei dizer, Sr. Deputado, a desagregação exacta; no entanto, posso referir que há algumas empresas que deixaram de ter salários em atraso. Por exemplo, a LISNAVE e a TORRALTA começaram, a partir de determinada altura, a pagar salários. Ora, é evidente que, de acordo com o método utilizado pela Inspecção-Geral do Trabalho, com as tais estatísticas credíveis que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa referiu, obviamente que os trabalhadores dessas empresas deixaram de ter salários em atraso, tendo saído da respectiva lista. Esta é de facto a metodologia utilizada e, como tal, nestes casos é evidente a sua saída da lista!
Quanto aos 110 000 postos de trabalho que citou, devo dizer que não são afirmações minhas, mas do Instituto Nacional de Estatística, com base no inquérito sobre o 3.º trimestre e é evidente que não tenho aqui a desagregação desse número - aliás, penso que, em termos do INE, dever-se-ia ir mais longe na desagregação deste conjunto. No entanto, segundo informações do Sr. Ministro do Plano, penso que ainda esta tarde podemos obter uma desagregação por Classificação das Actividades Económicas. Neste momento, porém, apenas lhe posso dar os números do INE, pois não possuo a sua desagregação.

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O Sr. Deputado chama-me à atenção para o facto de eu dever ser menos optimista nesta matéria. Esse é um estado de espírito e sobre estados de espírito não vale a pena estarmos a discutir...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente às leis laborais, penso que o Sr. Deputado, na altura em que fiz essas afirmações, não estava preocupado com elas e, como tal, não percebeu bem o que eu disse. O que quis dizer foi que as leis laborais apresentadas pelo Governo nesta Assembleia não são as minhas, são as vossas; trata-se do texto com que, no anterior governo, o Partido Socialista esteve de acordo!

Aplausos do PSD.

Não sou eu que as tenho de subscrever, é o Sr. Deputado! Ficou aqui demonstrado à sociedade que este texto tinha tido o acordo do Partido Socialista!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não foi demonstrado não!

O Orador: - E, em termos de leis laborais, posso dizer sinteticamente aquilo que penso, a fim de o esclarecer, Sr. Deputado. Primeiro: a ausência de flexibilidade . ..

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Acha que há pouca flexibilidade?!

O Orador: - ... ou a incapacidade do mercado de trabalho de se ajustar às mudanças estruturais é um obstáculo a uma política de emprego. Em segundo lugar, e em consequência disto, a flexibilidade desse mercado é um instrumento activo de uma política de emprego. Em terceiro lugar, penso que no caso português, com o actual crescimento económico, deveríamos aproveitar esta situação e fazer o chamado «circulo virtuoso». Ou seja: à medida que a actividade económica é retomada, os mercados de trabalho, caso sejam flexíveis, funcionarão melhor e, como funcionam melhor, a actividade económica melhorará ainda. É isto o que pretendo com as leis laborais do nosso país.
Quanto à preocupação que o Sr. Deputado Carlos Coelho manifestou, mais concretamente em termos de jovens, peço licença para ler o que escrevi: «Se a maior parte dos trabalhadores ocupados guarda os seus empregos e se a população activa aumenta, a ausência de criação de emprego conduzirá à formação de uma fila de espera de jovens desempregados.» (É este um dos grandes problemas dos jovens em Portugal.) «Se houvesse uma legislação laboral mais flexível, os jovens teriam mais oportunidades de encontrar um emprego, sobretudo um emprego estável.» É isto o que penso sobre a legislação do trabalho ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e isto responde às preocupações do Sr. Deputado Carlos Coelho sobre os jovens.
Diria também para que não restem dúvidas, que o problema dos jovens não é só o mercado de trabalho ou a legislação laboral, é também a formação profissional. Mas pergunto: quando um jovem, com um curso profissional adequado, entra para uma empresa, e só tem um contrato a prazo, de quem é a culpa? Da legislação laboral ou da inadequação da sua formação profissional? Neste caso, ele até tem a formação profissional correcta, mas é a legislação laboral que não lhe permite ter o contrato que a empresa necessitava e a que ele tinha direito, dado que até tinha qualificações para isso. É a legislação laboral portuguesa que está distorcida, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com isto penso ter esclarecido as suas preocupações na matéria.
Assim sendo, repito: as leis laborais que aqui apresentámos - e somos um Governo minoritário consciente de não sermos maioritários- eram as leis que estavam de acordo com o vosso pensamento, Sr. Deputado. Foi isto o que pretendi dizer e, como tal, ficamos esclarecidos.
Quanto às contribuições, o que fiz - e já o expliquei nas comissões parlamentares - foi o seguinte: como temos uma mudança de estrutura nas contribuições para a Segurança Social visto ter entrado em vigor, em Outubro deste ano, a taxa de segurança social única, que continuará a vigorar em 1987 -, é óbvio que não posso fazer comparações puras e simples entre 1986 e 1987.
Assim, peguei no orçamento da Segurança Social de 1986, estendi-o até ao fim, calculei uma taxa de crescimento de 13 % que é idêntica à do imposto profissional- e passei da proporção de contribuição para a Segurança Social para a taxa social única. Foi isto, muito simplesmente, aquilo que fiz.
Em relação ao que disse o Sr. Deputado Nogueira de Brito, devo dizer que comungo das suas preocupações em termos de sistemas complementares. Mas, na nossa perspectiva, tal não destroi em nada o sistema estatal de segurança social. É antes mais um espaço de liberdade para a sociedade civil, não pondo minimamente em causa o actual sistema de segurança social.
Em termos de contribuições, penso ter já respondido; quanto à questão das transferências, diria apenas que o Orçamento consiste num exercício de afectação de recursos escassos a diferentes utilizações. Como tal, a transferência para a Segurança Social está do lado da despesa no Orçamento do Estado, não tendo assim sido possível ao Sr. Ministro das Finanças dar-lhe mais do que este valor. Eu próprio estou insatisfeito, como todos nós estaremos, mas, num pais com as nossas carências sociais tal não é possível e é óbvio que gostaríamos de ter mais.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, visto que o tempo é pouco e como já referi ao Sr. Deputado a questão dos jovens, queria apenas dizer-lhe que entendo que, em todo o caso, quanto a acções para os jovens, o que temos no Instituto do Emprego e Formação Profissional, em termos de OTLs, de OTJs, de acções de formação profissional, de apoios ao emprego e, ainda, em termos de Fundo Social Europeu - em relação ao qual temos em Bruxelas pedidos para acções de formação profissional de 250 000 jovens -, não resolve em toda a extensão o grave problema dos jovens, embora seja um esforço e uma preocupação muito grandes que temos em relação a esta camada etária que é o futuro do País.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É que o Sr. Ministro falou na segurança em termos de distribuição de recursos escassos e escapa-me um pouco o sentido desse comentário, porque eles não são escassos, por exemplo, para fazer crescer a aquisição de bens e serviços em 32,4%, em termos reais, bem como não são escassos para fazer crescer o pessoal em 9,1 %, em termos reais. Então, por que é que os recursos são escassos nesta matéria e não noutras?
Compreenderia se me dissesse que são escassos porque agora vamos adoptar uma política... Não se trata da destruição do esquema base, dos tais patamares, que ontem fazia muita impressão aqui a alguns deputados, é ficar num patamar e evoluir agora num outro.
Agora não sei se V. Ex.ª para o ano vai continuar a aumentar pensões a meio e no fim do ano. Não sei isso!
Não sei, por exemplo, também...

O Orador: - É muito simples, Sr. Deputado, e respondo-lhe muito rapidamente: O Sr. Deputado refere verbas, taxas de crescimento muito elevadas, que são no fundo o PIDDAC da Segurança Social, que se destinam, na sua maior parte, a apoios a investimentos nas instituições particulares de solidariedade social.
Há ainda um segundo patamar em Portugal - e é para isso, Sr. Deputado, que é preciso chamar a atenção - que ainda não está terminado; Ainda há algo a fazer no segundo patamar da segurança social e é por isso que alguns têm taxas de crescimento que o Sr. Deputado pensa serem elevadas.
O que temos de fazer é um esforço para compatibilizar alguma melhoria que fazemos no segundo patamar com o desenvolvimento e incentivação do terceiro, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Era para solicitar ao Sr. Presidente a convocação de uma conferência de líderes, se possível a realizar antes do início da sessão da tarde, de modo a estudarmos a possibilidade do agendamento urgente de um voto que o CDS entregou na Mesa e que se refere às declarações ontem proferidas por um senhor, intitulado dirigente de uma autoproclamada organização clandestina, que põe em causa a integridade nacional.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, apesar de o PRD ter sido o primeiro partido a tomar posição sobre a conferência do Sr. José de Almeida, pensámos naturalmente que o regimento deste debate e o Regimento da Assembleia da República nos impediria a apresentação de um voto. Por isso formulámos

uma declaração partidária e não apresentámos um voto na Assembleia da República; contudo estamos dispostos a discutir o assunto na conferência de líderes.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, Srs. Deputados, convoco a conferência de líderes para as 15 horas e 30 minutos, hora a que recomeçaremos os nossos trabalhos.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate sobre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1987 é uma ocasião em que somos obrigados a, uma vez mais, tornar pública a nossa preocupação pela inexistência de uma política agrícola ou pela sua não explicitação na acção do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.
Há cerca de um ano, quando o actual Governo apresentou o seu Programa à Assembleia, e porque nele se produziam afirmações de interesse no domínio da política agrícola, quedámo-nos por expectativas moderadamente optimistas.
A dado passo, e depois de rapidamente traçar um diagnóstico da situação, recheado de lugares comuns, que só por o serem não perdiam valor, afirmava-se no Programa:

Esta a razão pela qual o Governo atribui à modernização da agricultura um carácter prioritário, e é dentro deste espírito que o Governo elaborará e implementará, a curto prazo, com a participação dos produtores e suas organizações, um programa de emergência que constitua um quadro claro para a orientação da actividade agrícola, pecuária e florestal. Neste Programa será definida a natureza, a origem e a repartição dos apoios institucionais, técnicos e materiais, em função das prioridades que serão estabelecidas em relação às diferentes regiões, actividades, explorações, sistemas e tecnologias de produção.

Passado um ano é importante denunciar-se que o Governo, nesta área, não cumpriu minimamente o que programaticamente prometia.
Na verdade, a política agrícola do Governo tem-se reduzido a um somatório de medidas dispersas, desarticuladas, decididas e provocadas por pressões de vária ordem, as mais das vezes pela própria rotina em mecanismo de autojustificação.
É por isso que a discussão fundamental que hoje se coloca neste debate é a de se saber se as Grandes Opções do Plano e Orçamento indiciam linhas de orientação que, em alguma medida, compensem a inexistência de uma política sectorial profundamente elaborada.
Infelizmente, cremos que não.
As GOP's 1987, no que diz respeito à agricultura, são praticamente omissas, apenas referem o montante de investimentos. Mas mesmo se considerado o documento

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«GOPs médio prazo», que não está em apreciação, nada se esclarece. Ficamos a saber que o desenvolvimento da nossa agricultura está muito mais dependente de estratégias comunitárias do que de opções portuguesas, o que não é muito tranquilizador para quem não tem dúvidas de que também na agricultura é enorme a diferença que nos separa dos nossos parceiros comunitários.
Não há, assim, qualquer possibilidade de garantir que as avultadas disponibilidades de investimento na agricultura vão contribuir para um real e harmónico desenvolvimento do nosso país, à medida dos nossos interesses e das nossas potencialidades.
Poderá mesmo vir a verificar-se um agravamento de assimetrias inter-regionais e intersectoriais. Face à inexistência de estratégias, de prioridades, de objectivos de contornos definidos, serão o tempo, o acaso, o improviso e a expontaneidade que ditarão o que será a agricultura portuguesa nos próximos anos, num processo mais condicionado pelos orçamentos anuais.
O Orçamento assume, assim, um papel que por exclusivo é excessivamente importante. Neste enquadramento responsabilizante, o Orçamento é uma enorme desilusão e uma grande preocupação.
É um orçamento de continuidade, elaborado na mais clássica rotina. Os serviços dizem o que querem e a superstrutura faz contas à soma dos pedidos e às verbas globais que lhe são postas à disposição. Depois determina os cortes necessários para que tudo fique ajustado e segue mais um ano em que muito pouco avança e muito se atrasa. Parece que nem sequer ninguém recalcitraria muito, já que globalmente as verbas para a agricultura crescem à custa do investimento o que seria positivo, pelo menos aparentemente. Mas aqui colocam-se questões curiosas e de grande significado. Que garantias existem de que os investimentos são concretizados, ou seja, que expectativa de que as verbas propostas vão ser utilizadas?
Convém referir que dados fornecidos há poucos dias pelo Governo à Assembleia são a este respeito expressivamente eloquentes. Apenas alguns exemplos:

PADAR - Programa de Apoio ao Desenvolvimento Agrário Regional - Taxa de realização financeira: 2,2 %;
Desenvolvimento agro-pecuário para a produção de leite - Taxa de realização financeira: 11 %;
Viabilização das explorações leiteiras da Beira Litoral - Taxa de realização financeira: 7,5 07o;
Melhoramento animal e produção de carne do Ribatejo e Oeste - Taxa de realização financeira: 0 %.

Impõe-se que se esclareça por que é que assim foi, para que se introduzam as correcções necessárias no ano de 1987.
Evidentemente que têm aqui um papel importantíssimo a operacionalidade ou a inoperacionalidade das direcções regionais de agricultura.
Quem cria no terreno as condições que viabilizam a execução de qualquer política agrícola são elas, são os seus técnicos de campo.
É corrente dizer-se que o Ministério da Agricultura tem os seus técnicos muito mais ocupados em tarefas administrativas do que em trabalhos de campo. É uma crítica que também nós fazemos.
Entendemos que é urgente modificar esta situação, mas devemos começar por averiguar por que é que ela existe. Rapidamente concluiremos que faltam condições às direcções regionais para desempenharem um papel mais activo e eficaz no trabalho de campo. Desde condições de formação, de organização, de programação, até à falta de meios de transporte, financeiros, etc., tudo é uma triste realidade.
É preciso saber-se, por exemplo, que qualquer técnico de uma zona agrária espera frequentemente meses pelo pagamento de ajudas de custo correspondentes a saídas de trabalho para o campo, o que humanamente impossibilita um trabalho dedicado.
Deve exigir-se trabalho, competência, mas têm de se assegurar condições mínimas que o permitem.
É por tudo isto que se sublinha com desagrado a tendência verificada neste Orçamento para desproteger as direcções regionais em benefício relativo dos outros serviços do Ministério, impondo-se enormes diminuições em rubricas de suporte ao trabalho de campo.
Qual é o significado desta tendência? Compete ao Governo explicitá-lo, sendo certo que até que o faça a interpretação é livre e podemos mesmo admitir que o Governo pretende estrangular a eficácia já débil dos seus serviços regionais para, eventualmente, justificar políticas centralizadoras, que sempre se têm revelado ineficientes.
Uma outra questão de significado político relevante que decorre da análise do Orçamento do Estado prende-se com a Reforma Agrária, numa das suas vertentes. Há poucos meses apreciámos uma proposta de alteração à Lei de Bases da Reforma Agrária e nessa altura afirmámos que, em nosso entender, era uma importante condição de estabilidade do processo da Reforma Agrária o pagamento de indemnizações, porque, enquanto não se pagarem, a satisfação dos interesses dos antigos proprietários só se conseguiria através da devolução da totalidade das suas terras, ou seja, da extinção da Reforma Agrária, pela progressiva diminuição da área expropriada.
O Governo, pela voz do Ministro Álvaro Barreto, neste aspecto concordou com o nosso ponto de vista e afirmou que iria proceder ao pagamento de indemnizações. Não conseguimos descortinar como, com este Orçamento, se poderão pagar essas indemnizações. E interrogamo-nos legitimamente sobre quais são as verdadeiras intenções do Governo neste domínio e que estratégia servem.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na verdade, a questão de fundo é esta: não tem este Governo política para a agricultura? Se assim é, é grave. Ou este Governo tem uma política para a agricultura e não a quer explicitar? Se assim é, é muito mais grave!!

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado Paulo Campos, acabei de ouvir V. Ex.º lamentar a falta de uma política agrícola para o nosso país. No texto das Grandes Opções do Plano está escrito o seguinte:

A adesão à CEE condiciona largamente as medidas de política a adoptar no próximo futuro, a ponto de se poder afirmar que a política agrícola para Portugal, nos próximos anos, será em grande parte resultado da adaptação da política agrícola comum a Portugal.

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Ora, se outra política não houvesse, esta há certamente, porque a Comunidade Económica Europeia e a política-agrícola comum, que é o seu principal resultado visível em termos de políticas sectoriais, é uma realidade. Portanto, há política agrícola comum e compreende-se que depois da nossa integração na CEE a primeira e gigantesca tarefa em que o Governo teve que se debruçar fosse a de adaptar a nossa legislação e proceder às negociações dos regulamentos comunitários para a adaptação desta política agrícola comum a Portugal.
Como resultado deste trabalho e do êxito das negociações que o Governo teve em Bruxelas foi já possível aprovar vários regulamentos e um deles foi um regulamento específico para apoio ao desenvolvimento da agricultura portuguesa, que, além da elaboração de estudos e da vulgarização, formação e investigação, inclui o melhoramento da eficácia das estruturas fundiárias, a instalação e melhoramento de prados e superfícies forrageiras e seu equipamento, a valorização dos produtos agrícolas, a arborização e regeneração natural da floresta, etc.
Sabe também o Sr. Deputado que há vários programas destes que já foram entregues em Bruxelas, que já foram aprovados e que estão em vias de ser aplicados. Sabe também que deste programa específico e dos outros regulamentos já aprovados decorre a maior transformação que alguma vez a agricultura portuguesa sofreu depois de ter sofrido o impacte do período revolucionário com toda a sua carga negativa.
Assim, pergunto muito claramente ao Sr. Deputado se não reconhece mérito e valia ao trabalho desenvolvido pelo Governo para essa gigantesca tarefa de adaptação das nossas estruturas agrícolas à política agrícola comum e se só por si isto não seria suficiente para definir claramente uma política agrícola para o nosso país. Ela não é tudo, haverá, naturalmente, que a complementar com algumas outras orientações específicas, mas parece-me vazia de conteúdo a afirmação do Sr. Deputado no sentido de que não existe política agrícola. Na verdade, existe uma política agrícola supranacional, que, com todo o êxito, o Governo está a adaptar ao nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Deputado Luís Capoulas, provavelmente o que nos distancia são os pontos de vista muito diferentes. O Sr. Deputado está muito mais preocupado com a aplicação a Portugal da política agrícola comum, enquanto eu estou muito mais preocupado com a política interna portuguesa em termos de contribuir decisivamente - e pelo pouco tempo que nos resta - para diminuir as distâncias que, infelizmente, temos para com a situação dos nossos parceiros comunitários.
Ora, é a este respeito que eu digo que no terreno não existem respostas por parte do Ministério que nos possibilitem o aproveitamento de todas as disponibilidades concedidas pela integração europeia, isto é, de colocá-las ao serviço dos nossos próprios interesses no sentido de procurarmos diminuir as distâncias que, infelizmente, nos separam da situação comunitária.
Por outro lado, Sr. Deputado, eu quis evidenciar - e limitei-me a servir de dados fornecidos pelo próprio Governo, sem qualquer manipulação da minha parte - facto de não termos quaisquer garantias de que as disponibilidades postas ao serviço da agricultura portuguesa são - bem ou mal, não vem agora ao caso - aplicadas. Na verdade, pelos dados que o Governo forneceu e que eu há pouco citei, nem essa garantia temos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Depois de nos ter prometido, logo que tomou posse há um ano, um «programa de modernização da agricultura portuguesa», o Governo reduz o seu programa agrícola à adopção da política agrícola comunitária (PAC).
Tendo em conta a natureza da PAC, e não se trata sequer aqui da apreciação qualitativa que dela façamos, mas tão-somente no seu âmbito, a postura do Governo nada mais faz que potencializar todos os riscos que a integração na CEE comporta para a nossa agricultura. No mais, há a salientar a política de destruição da Reforma Agrária, a manipulação da informação e de subsídios para anestesiar as vítimas da sua própria política.
Por esta via, este corpo doente, que é o nosso sector agrícola, perderá rapidamente o resto das suas defesas e será conduzido para um processo de rotura violenta do seu tecido social e económico, vítima da irracionalidade do investimento, do desbaratar dos recursos naturais, económicos e financeiros. Agravar-se-ão assim as disparidades regionais, sectoriais e subsectoriais. A concentração da terra e dos capitais produtivos arrastará consigo a ruína dos pequenos e médios agricultores, com a redução da parcela da produção disponível para o mercado.
Acresce que se assiste ainda mais à invasão do território agrícola por estrangeiros, que dele se estão a apropriar em ritmo crescente e manifestamente preocupante.
O Orçamento revela uma nítida tendência para reduzir a política de investimento aos programas comunitários, do que resulta a redução, em termos reais, do PIDDAC nacional, que se fica por cerca de um terço do montante global do investimento previsto, só não sendo mais reduzida a sua expressão em consequência de alguns programas plurianuais, designadamente os PIDRs. Deste facto importa reter que com a redução do investimento público autónomo se reduzem as capacidades de correcção das assimetrias regionais e de dinamização da economia agrícola, sobretudo nas regiões interiores, não se podendo esperar que seja a iniciativa privada a assumir o investimento em áreas, que sendo necessárias como factores de desenvolvimento, de fixação da população jovem e de diversificação e criação de novas actividades económicas, não geram contudo em si mesmas expectativas de rentabilidade directa.
Por outro lado, continua a não existir um ordenamento agrícola e florestal que preserve e potencialize a correcta mobilização e utilização dos nossos recursos. Esta situação satisfaz apenas os que defendem que a grande vocação do continente português é a produção florestal. Tenha-se a este propósito presente a recente afirmação do Sr. Secretário de Estado do Ambiente de «que o nosso solo com capacidade de uso

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agrícola se reduza a 14 % da superfície total». Afirmações ou pressupostos destes, sem qualquer ordenamento definido em bases científicas e técnico-económicas, e considerando a estrutura dos solos como factor imutável, apenas nos encaminham no sentido da nossa crescente dependência agro-alimentar.
A floresta industrial de revoluções curtas invade a área agrícola e domina a floresta de uso múltiplo. As celuloses absorvem já mais de 40 % do lenho produzido e dominam elas próprias para cima dos 150 000 ha. Em dez anos a área de eucaliptal quase que duplicou, atingindo hoje cerca de 430 000 ha. A exportação do produto florestal intermédio assume um peso crescente, mais constituindo um factor de depauperamento da nossa economia do que uma fonte de receitas. A política de financiamento florestal encaminha-nos, a passos largos, para o completo enfeudamento ao capital estrangeiro. Neste contexto, o programa comunitário de acção florestal (PAF) dificilmente se constituirá como um elemento de melhoria significativa da situação. O próprio recurso que o Governo pretende fazer ao empréstimo do Banco Mundial para financiar a comparticipação nacional no PAF constituirá, em si mesmo, um factor de pressão quanto à orientação das acções a desenvolver.
Por outro lado, a incapacidade de realização a que são remetidos os serviços florestais fará depender, em grande medida, da iniciativa privada a realização do programa, não sendo credível que nestas condições as opções fundamentais de florestação se afastem do eucalipto e do pinheiro-bravo.
No que respeita à produção agrícola, sem qualquer política de orientação e definição de objectivos e de prioridades, pode afirmar-se que as acções estão confinadas aos programas comunitários, cuja incidência, além do mais, é exígua em relação à dimensão dos problemas e à área de produção agrícola.
Programas que visem o fomento de produções alternativas que podem reduzir drasticamente as nossas importações não existem. Programas que visem o fomento dos frutos secos, cujo interesse económico é inquestionável, e para os quais temos óptimas condições de produção e de mercado, não existem.
Programas de reconversão dos nossos pomares não existem. Estruturas de apoio à exportação junto dos mercados de destino não existem. E como desenvolver a produção sem desenvolver rapidamente a investigação e sem que os seus resultados e os da experimentação cheguem aos agricultores?
E em relação às medidas previstas ao nível da estrutura fundiária, o que temos?
Temos, por um lado, as acções de destruição ilegal da Reforma Agrária e de reconstituição integral da estrutura da propriedade latifundiária anterior a 1974, gerando instabilidade, destruindo a estrutura produtiva, impedindo o investimento, fomentando o desemprego e as áreas subaproveitadas e abandonadas. Por outro lado, temos o Governo a adoptar como únicas medidas para a pequena exploração o emparcelamento e a expectativa que os agricultores com mais de 45 anos morram ou se reformem para darem lugar aos jovens. Isto é pouco e é muito mau e parece ignorar que as resistências, independentemente da sua orientação (e a orientação do Governo é má, porque visa, através do emparcelamento, não a melhoria da estrutura das explorações mas a concentração da terra à custa da liquidação de muitas daquelas), são um factor altamente condicionante. E este só será ultrapassado com profundas alterações sócio-estruturais inerentes ao próprio desenvolvimento social e económico dos meios rurais, factor, aliás, determinante para que se consiga igualmente fixar os jovens agricultores. A questão é que não são estas as grandes medidas de curto e médio prazo para minimizar os desequilíbrios resultantes da pequena exploração e para potencializar a sua estrutura. A zonagem de culturas e variedades por forma a seleccionar as de maior adaptabilidade e produtividade e a reduzir a pulverização varietal, as medidas de incentivo à implementação de rotações adequadas com garantias de escoamento e preços e tendo em vista reduzir a diversidade excessiva das produções para o mercado, possibilitarão a sua progressiva homogeneização e obtenção de volumes de produção, por áreas tonadas, passíveis de normalização. Assim se reduziriam grandemente muitos dos desequilíbrios estruturais. Neste contexto, são ainda indissociáveis os incentivos e apoios ao associativismo de produção, bem como o apoio técnico directo e regular aos agricultores.
Finalmente, importa abordar a política inerente à infra-estruturação e estruturação nas áreas da comercialização e transformação dos produtos agrícolas.
Para avaliarmos da orientação que está a ser dada ao investimento nestas áreas bastará analisarmos os projectos (relativos ao Regulamento n.º 355) submetidos à aprovação de Bruxelas, a que corresponde, para o continente, um montante global de 13,7 milhões de contos.
Em termos de distribuição espacial, cerca de 80 % do investimento concentra-se nas regiões do Douro e Beira Litorais e do Ribatejo-Oeste.
Em relação ao total do investimento previsto, às cooperativas não correspondem sequer 10 %, e o conjunto destas e das empresas e particulares directamente ligados à produção agrícola não ultrapassa a casa dos 20%.
Em relação a matadouros e estruturas inerentes, verifica-se que os privados representam cerca de 77 %, propondo-se, na maioria dos casos, à matança de bovinos, ovinos e caprinos. Facto que não deixa de ser curioso quando o Governo está implementando uma rede nacional de abate. Assim, e a título de exemplo, no Montijo, onde se situa um matadouro regional, surgem dois projectos de matadouros que excedem o milhão de contos.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - No que respeita a centrais horto-fruteiras, constatamos que as cooperativas e produtores não ultrapassam os 30 % do investimento nesta área, cabendo o restante a grandes importadores e intermediários.
Perante este quadro, alguém contestará que esta orientação do investimento apenas pode conduzir ao agravamento dos já extremamente acentuados desequilíbrios regionais, sectoriais e intersectoriais, e das relações de troca entre a agricultura e os demais sectores económicos?
A este propósito chamarei a atenção do Sr. Ministro das Finanças que, só porque houve uma derrogação de dois anos é que estes investimentos não são obrigados a enquadrarem-se em programas de desenvolvimento regional. E por certo que o Sr. Ministro não defenderá que tal derrogação visou permitir a irracionalidade do investimento e o desbaratar dos nossos recursos.

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Por outro lado, importa ter presente que esses investimentos não são exclusivamente privados. O investimento privado só representa 34 %. Quanto ao resto, eles consomem ajudas comunitárias correspondentes a 50 % do custo do empreendimento, que deveriam ser adequadamente orientadas por forma a maximizar benefícios reais para o País e para o desenvolvimento da nossa agricultura. E eles recebem ainda uma comparticipação significativa dos dinheiros públicos, dos nossos dinheiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Confrontados com esta política e com este Orçamento do Estado, a única coisa que a nossa agricultura e os nossos agricultores podem esperar será a continuação da agudização de todas as assimetrias, distorções e desequilíbrios ao nível de desenvolvimento regional, da produção e da produtividade, da repartição de rendimento, da dependência externa em bens agro-alimentares, capitais e créditos.

Bem se poderá dizer que a nossa agricultura está entregue aos «bichos».

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Rogério de Brito já nos habituou a este tipo de intervenção. Não concorda com a política comunitária e nas intervenções que produz neste Plenário refere-se sempre à problemática comunitária, ao problema dos projectos aprovados, à incidência desses projectos na parte privada e não cooperativa, etc.
Ora, o Sr. Deputado está profundamente errado porque, neste momento, cerca de 80% dos projectos aprovados em Bruxelas dizem respeito a cooperativas. Como o Sr. Deputado compreende, nenhum de nós, nem o Governo, tem possibilidade de evitar que qualquer agricultor privado apresente o seu projecto ao abrigo das regulamentações previstas e legais. Portanto, parece-me que não podemos entrar por esse caminho nem sequer discutir muito esta matéria.
Sobre se há ou não uma política agrícola nacional, os programas específicos que o Governo já fez aprovar em Bruxelas, os programas que estão em fase de acabamento e os programas que o Sr. Ministro teve oportunidade de referir na Comissão de Agricultura e Mar são mais do que suficientes. Aliás, o Sr. Deputado conhece-os tão bem que não pode dizer que não existe nenhuma política agrícola. O Governo tem, na realidade, uma política agrícola em relação à qual certamente que o Sr. Deputado não concordará - se o Sr. Deputado concordasse com ela essa política não era a política agrícola do Partido Social-Democrata!

Risos do PCP.

Parece-me que a intervenção que o Sr. Deputado produziu foi descabida; já a conhecíamos e nada de novo trouxe a esta Câmara. No entanto, ainda gostaria de colocar a seguinte questão: as verbas estipuladas no Orçamento do Estado para 1987 na área da agricultura não serão as maiores de sempre para este sector? Peço-lhe que responda claramente a esta questão, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - O Sr. Deputado Vasco Miguel disse que o Governo tinha uma política agrícola. Ora, eu diria que se o Governo tem uma política agrícola é a política agrícola da omissão. E pela omissão se permitem todas as calamidades que sobre a agricultura têm caído, designadamente o agravamento das assimetrias, o investimento irracional, o desbaratar de recursos, etc. É a isso que conduz esta política, Sr. Deputado! Na realidade, a única política agrícola que o Governo tem é a da omissão, que abre as portas a todo o tipo de especulações e de investimentos mal conduzidos.
Se o Sr. Deputado considera que a política agrícola comunitária pode constituir uma política agrícola nacional, não tenho outra adjectivação a empregar - e lamento ter de a dizer -, isso é puro provincianismo, porque na Comunidade Económica Europeia não há nenhum país que adopte a PAC como a sua política agrícola, nem ela tem essa natureza, muito embora influencie aquela.
Quanto a dizer que os programas específicos são mais do que suficientes, devo clarificar, a título de exemplo, o seguinte, pois parece-me extremamente curioso: temos 30 000 ha de vinha para reconverter em dez anos e 15 000 ha para arrancar. Junto dos agricultores espalha-se a expectativa de que todos vão receber verbas para a reconversão da vinha e verbas para o arranque da vinha, mas a verdade é que estas áreas pouco mais ultrapassam que os 15% da área total da vinha no País. Ora bem, isto nem tem resposta!
Ainda quanto à questão da política agrícola quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não posso estar aqui a dar lições de economia agrícola nem lições de estratégia e desenvolvimento de uma política agrícola, pois isso dá-se nos bancos da escola quando fazemos a nossa formação técnica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar o orçamento do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação para o ano de 1987, o primeiro ponto que entendo ser de realçar politicamente é o facto de o orçamento global do Ministério representar um aumento médio global de 40 % em relação ao orçamento de 1986. Penso que este facto por si próprio demonstra bem a prioridade que o actual Governo dá ao desenvolvimento da agricultura e das pescas, dois sectores prioritários da vida económica nacional, sem o desenvolvimento dos quais não é possível o desenvolvimento da economia portuguesa.
Mas, se analisarmos com mais cuidado como se faz o aumento do orçamento para 1987, verificamos que no que diz respeito às despesas correntes, ou seja, ao orçamento corrente do Ministério, há uma diminuição em termos reais: o aumento previsto é mais ou menos de 7%a, enquanto o aumento destinado à parte de investimentos é superior a 70%. Ora, este aspecto

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em si representa um facto político de extrema importância, na medida em que o Governo decide canalizar as verbas mais importantes para o investimento e para o desenvolvimento do que para as despesas correntes.
Mas, se formos analisar com mais cuidado como se aplicaram as verbas dos orçamentos correntes, verificamos que, ao contrário do que foi dito neste Assembleia, certamente por desconhecimento, as verbas que mais aumentam são as verbas destinadas às direcções regionais - as verbas do orçamento corrente das direcções regionais de agricultura aumentam 17 %. Aliás, podemos apontar vários exemplos, como seja o da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, em que se regista um aumento de 25 % e o da Direcção Regional de Agricultura da Beira Interior, que é de 40 %, enquanto os serviços centrais têm um aumento global de apenas 1,7 %.
No sector das pescas privilegiam-se dois grandes sectores: a investigação científica, com um aumento de 55 %, e a formação profissional, com um aumento de 130%. É essa a razão pela qual o orçamento corrente tem um valor de 8 %, mas, como disse, incidindo basicamente naquilo que o Governo entende como sendo prioritário.
Se olharmos agora para a questão do investimento - e, ao contrário daquilo que os Srs. Deputados do PRD e do PCP afirmaram, certamente por não terem entendido o Orçamento ou não terem pedido os esclarecimentos, que teríamos dado com o maior prazer - verificamos que não é verdade que as verbas principais sejam verbas de programas comunitários. Se fizermos a comparação entre os PIDR's e os investimentos «tradicionais» verificamos que, aparentemente, existe um abaixamento de 7 250 000 contos em 1986, para 5 500 000 contos em 1987. Quando digo «aparentemente» é porque quer o PEDAP quer o programa específico da vinha não são programas comunitários, são verbas que a Comunidade põe à disposição do Governo Português para este financiar como subsídios as despesas que em geral fazia através do Orçamento do Estado. Isto é que é o PEDAP, isso é que é o programa da vinha. Portanto, as verbas do PEDAP e as verbas do programa da vinha têm de ser vistas, embora numa classificação diferente, dentro do «PIDDAC tradicional».
Então, será programa comunitário o desenvolvimento dos regadios, o desenvolvimento da electrificação rural, o desenvolvimento da olivicultura, o programa de acção florestal (PAF)? Isto são projectos comunitários ou são, pura e simplesmente, a aplicação de verbas comunitárias no desenvolvimento de projectos nacionais decididos por Portugal e com aplicação em Portugal?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Paulo Campos, na intervenção que há pouco produziu, disse que não existia em Portugal política agrícola comum. O Sr. Deputado, por acaso, deu-se ao trabalho de verificar a programação do PEDAP para os próximos dez anos, com a sua distribuição regional, com a sua distribuição por verbas? Como é que pode dizer que não existe política agrícola nacional?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na realidade, é através da aplicação das verbas dos programas específicos que se vai tentar trabalhar no desenvolvimento da agricultura e na valorização das nossas infra-estruturas.
É assim que à verba de 4 milhões de contos, que consta do Orçamento do Estado, há que adicionar mais 6 milhões de contos, que são subsídios a fundo perdido que vêm da Comunidade. E, se as contas forem feitas e encarando - como, de facto, é a realidade que essas verbas têm origem comunitária mas são para aplicação em Portugal, verificaremos que as verbas do «PIDDAC tradicional», encarado na sua verdadeira classificação, aumentam 45 %, sem contar com o subsídio da CEE a fundo perdido. Mas se contarmos com o subsídio da CEE, aumentam 230 %.
Portanto, é espantoso ouvir nesta Assembleia dois deputados conhecedores da realidade nacional dizerem que as verbas diminuíram nos programas nacionais. Mas mais: dizem depois que diminuíram nas atribuições das direcções regionais. Não sabem os Srs. Deputados que o PEDAP é para ser aplicado pelas direcções regionais? Não souberam os Srs. Deputados que na sexta-feira passada, em Viana do Castelo, assinámos a adjudicação dos primeiros projectos de regadios tradicionais e de construção de estradas rurais para serem desenvolvidos pelas direcções regionais?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É apenas por uma questão de arrumação e de sistematização que no orçamento do Ministério as verbas globais da Comunidade aparecem incluídas no Gabinete do Secretário de Estado do Desenvolvimento Agrário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E isto, porque, na realidade, a sua aplicação é feita regionalmente, como, aliás, consta do despacho interno e das portarias, que já saíram sobre essa matéria, que dão a responsabilidade da sua aplicação às direcções regionais. O que é que interessa que em vez de as verbas virem do Orçamento do Estado elas venham de programas comunitários, se a sua aplicação é feita de acordo com as opções nacionais.

Aplausos do PSD.

Por outro lado, se os Srs. Deputados tivessem tido o cuidado de estudar o programa de acção florestal veriam que para os 400 000 ha que se irão florestar durante os próximos dez anos - e que custarão 57 milhões de contos - existe uma distribuição por regiões do País e por espécies. Portanto, está programado onde, quando e com que espécies é que estes 400 000 ha vão ser florestados. Tudo isso consta do programa de acção florestal que foi entregue a VV. Ex.as na Comissão de Agricultura e Mar, mas, se VV. Ex.ªs não leram esses documentos, a culpa não é do Governo: é, sim, de quem não os souber ler!

Aplausos do PSD.

Os deputados da oposição fizeram outra acusação em relação à não existência de critérios para a aplicação dos regulamentos comunitários. Disse o Sr. Deputado Rogério de Brito que a própria Comunidade começou por reconhecer a necessidade de um período de dois anos para, no caso dos projectos agro-industriais, se poderem fazer os programas específicos. Apesar disso, Srs. Deputados, o Governo já enviou para Bruxelas e já emitiu critérios enquadradores da aprovação dos projectos feitos ao abrigo do Regulamento n.º 355 da CEE. Aliás, se VV. Ex.ªs tivessem tido interesse em conhecer esses critérios e os tivessem solicitado ao Ministério, com o maior prazer os teríamos fornecido. De resto, ainda vamos a tempo de o fazer para que VV. Ex.ªs não continuem a fazer afirmações gratuitas, dizendo que não há qualquer enquadramento de projectos. É porque há enquadramento de projectos, exis-

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tem prioridades e não há projectos de mercados de origem que sejam aprovados sem estarem integrados na rede nacional de mercados de origem.
Concretamente, no caso dos matadouros, não haverá matadouros que não sejam enquadrados na rede nacional de abate. E o facto de os 130 projectos apresentados incluírem muitas iniciativas nesse campo, que significado pode ter? O que tem significado é a aprovação e, como sabem, o único projecto de matadouro até agora aprovado foi o do Ribatejo (Santarém), que estava integrado na rede nacional de abate, e, quanto a projectos de mercado de origem, o único aprovado foi o de Alcobaça, que se integrava na rede nacional de mercados de origem. Resumindo, existem critérios, e critérios escritos, que terei o maior prazer em fornecer às bancadas que neles estejam interessados para que saibam que estamos a agir de acordo com uma orientação determinada.
Finalmente, quanto à afirmação, que é um lugar-comum, de que «não existe política agrícola nacional» - dizia o Sr. Deputado Rogério de Brito, em resposta a uma pergunta do Sr. Deputado Vasco Miguel, que se trata de um provincianismo!... -, na minha opinião «provincianismo» é não reconhecer que, com a nossa adesão à Comunidade Económica Europeia, com a aceitação que fizemos dos acquis comunitárias e pelo facto de toda essa legislação comunitária - quer diga respeito aos preços, às regras de comércio externo ou à fixação de preços limiares - ter aplicação imediata em Portugal, isso é já uma política: política de rendimentos e de orientação.
Nesse sentido, fez-se a aplicação dos regulamentos horizontais existentes na Comunidade: os Regulamentos n.ºs 355 e 797. Em relação ao primeiro, já há pouco disse que existem regras enquadradoras, e, quanto ao Regulamento n.º 797, queria dizer-lhes que é o regulamento utilizado em todos os países da Comunidade e ao qual os agricultores podem recorrer para melhorar as suas explorações. De resto, direi que tivemos o cuidado de o melhorar e adaptar à realidade nacional, pelo que, de facto, temos um regulamento que vai ser útil e mesmo indispensável para os nossos agricultores. A título de informação, poder-vos-ei dizer que já deram entrada e foram aprovados cerca de 220 projectos no valor total de 1 900 000 contos, tendo, no passado mês de Outubro, entrado na IFADAP cerca de 150 projectos, no valor de 1 300 000 contos. E se ainda não entraram mais projectos foi porque, como tive oportunidade de vos dizer em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, e na reunião conjunta com a Comissão de Agricultura, o SIFAP ainda está em pleno funcionamento. Aliás, se olharmos para as verbas deste, verificamos que, durante este ano, houve um aumento de 80 % nos pedidos de investimento feitos através do SIFAP, ou seja, conjugando as duas linhas que temos à nossa disposição, verificamos que não só passámos a ter linhas de investimento muito mais favoráveis, como as actuais têm tido uma utilização como anteriormente nunca tiveram - o ano passado havia, até fins de Setembro, 5 600 000 contos aprovados e este ano já estão aprovados 11 100 000 contos.
Mas o importante - e é isto que, penso, deve ser realçado neste debate sobre o Orçamento - é que pela primeira vez se fez da agricultura uma prioridade de facto e não mais uma prioridade de discurso. Pela primeira vez, canalizaram-se para este sector verbas realmente elevadas; há um programa específico de desenvolvimento da agricultura portuguesa, planeado a dez anos e com metas definidas para os próximos três anos; há já em funcionamento todos estes regulamentos que vão fazer a verdadeira modernização da agricultura portuguesa.
E, aproveitando o facto de estar, neste momento, no uso da palavra, respondo à pergunta que o Sr. Deputado Neiva Correia ontem colocou em plenário: «O que é que vai acontecer ao SIFAP?»
Como sabem, a negociação com Bruxelas previa que o SIFAP, na sua forma actual, terminasse em 31 de Dezembro de 1986, mas o Governo está, neste momento, em negociações com o Banco de Portugal no sentido de manter o SIFAP para além dessa data de modo que não só o crédito de campanha continue, pois é extremamente importante pela garantia que dá aos agricultores de terem acesso aos seus créditos, como também de modo que os próprios encargos financeiros sejam participados.
Estamos ainda a trabalhar, em conjunto com o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal, no sentido de encontrarmos uma solução que permita àqueles agricultores que não se enquadrem no Regulamento n.º 797, nem na sua versão comunitária nem na sua versão de ajudas nacionais, poderem continuar a utilizar o SIFAP, e isto porque temos a noção muito clara de que este organismo tem virtudes de uma certa flexibilidade que, admitimos, o Regulamento n.º 797 neste momento talvez não tenha.
É pena que a limitação de tempo não me permita ir um pouco mais fundo nestas questões nem para abordar o problema das pescas. No entanto, aconselhava os Srs. Deputados que me antecederam no uso da palavra a, antes de afirmarem o que quer que seja, terem o cuidado de pedir ao Ministério da Agricultura os dados de que necessitam, embora eu admita não ter fornecido, por exemplo, os valores correspondentes aos enquadramentos do Regulamento n.º 355, que já existem, e não ter chamado a atenção para o facto de o programa de acção florestal prever acções a um período de dez anos.
A propósito de acção - florestal, disse o Sr. Deputado Rogério de Brito que «vamos assistir à eucaliptização do País». Sabe o Sr. Deputado, no total dos 400 000 ha, para um período de execução de dez anos, qual é a área prevista para a florestação com eucalipto? São 38 000 ha, ou seja, 9,5 %; o resto é para florestar com outras espécies. Isso está previsto no programa de acção florestal e programado para dez anos.
Os documentos que acabo de referir são documentos existentes, que o Sr. Deputado, a quem reconheço um conhecimento profundo da agricultura, tinha obrigação de conhecer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Frazão, Raul Brito, João Corregedor da Fonseca, Neiva Correia, Rogério de Brito, Paulo Campos e João Morgado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Frazão.

O Sr. José Frazão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: É verdadeiramente uma lástima que as Grandes Opções do Plano não contenham sequer um mínimo sinal de orientação para os agricultores portugueses reorganizarem os seus sistemas de produção com vista a alcançar o duplo objectivo de incrementarem os seus rendimentos e a produção nacional.
Se o MAPA não tem capacidade para elaborar um plano indicativo para a agricultura portuguesa, poderia proceder, à semelhança das autoridades comunitárias, que tornam públicos, com frequência, documentos de reflexão sobre a situação da agricultura comunitária e sobre a perspectiva da sua evolução, nos quais se equacionam os problemas mais candentes do sector e se apontam caminhos possíveis para a sua solução.

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O MAPA demite-se voluntariamente desta função, atitude que o desvaloriza, e com isso torna-se responsável e cúmplice com o espontaneísmo anárquico do investimento na formação de capital fixo na agricultura, nomeadamente o investimento comparticipado pelos fundos comunitários.
O MAPA, neste domínio, nem sequer o papel do polícia sinaleiro quer desempenhar; contenta-se com ser mero recoveiro dos projectos portugueses.
As consequências nefastas desta conduta começam a estar à vista de todos. Assim, em relação aos projectos aprovados pela Comissão Europeia no âmbito do Regulamento n.º 355 podemos verificar que o investimento vai concentrar-se nos distritos do litoral na proporção de 67,3 %. Apenas 32,7 % vão localizar-se nos distritos do interior, incluindo neste grupo o distrito de Santarém, que absorve 70 % do investimento.
Relativamente ao conjunto de projectos que aguardam aprovação, as coisas não são melhores porque a sua análise confirma e reforça a tendência referida e revela uma outra tendência que acentua as disparidades sectoriais.
Por esta forma, iremos assistir ao aparecimento de fenómenos de sobre e subinvestimentos regionais e sectoriais. Em vez de caminharmos no sentido de corrigir assimetrias, o que deveria constituir uma das prioridades da política do MAPA, tais fenómenos servirão para consolidar o País dual que somos, para promover os desperdícios e o esbanjamento dos recursos escassos.
Tinha mais perguntas a colocar-lhe, Sr. Ministro, no entanto, fico-me por aqui.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Brito.

O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A integração de Portugal nas Comunidades Europeias levanta problemas sérios em alguns sectores da economia nacional, em especial no sector agrícola. Daí, a negociação feliz de um Plano de Desenvolvimento Específico da Agricultura Portuguesa e de períodos transitórios.
O valor do PEDAP, distribuído por dez anos, atribui à agricultura nacional, a preços actuais, uma verba mais ou menos de 105 milhões de contos, ou seja, uma média anual de 10,5 milhões de contos.
Este período de dez anos para a aplicação do PEDAP, coincidente com os períodos transitórios, visa adaptar a agricultura nacional neste interregno à forte concorrência dos produtos agrícolas comunitários.
Terminando para uma parte substancial dos produtos agrícolas o período transitório ao fim de cinco anos, desde logo ressalta a necessidade de os fundos do PEDAP serem utilizados preferencialmente nos primeiros anos, até porque os investimentos neste sector demoram anos até atingirem o máximo dos seu rendimento.
Constata-se, porém, que em 1986 o PEDAP teve uma dotação comunitária de 1,4 milhões de contos e em 1987 estão previstos 4,8 milhões de contos, o que, no cômputo final, dá 6,2 milhões de contos, valor muito abaixo dos 21 milhões de contos, que é a média prevista para 1986-1987.
Por isso, perguntamos: considera V. Ex.ª que, a este ritmo de modernização e reestruturação, a agricultura nacional estará preparada para, no fim do período transitório, enfrentar a agressiva concorrência comunitária?
Como pensamos que vai responder negativamente, perguntamos também a V. Ex.ª se o Governo admite, desde já, a renegociação dos períodos transitórios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor dm Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito da pergunta que vou formular ao Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, que, aliás, expôs com bastante entusiasmo as suas opiniões relativamente à política do seu Ministério, queria referir-me, antes do mais, a uma declaração anteontem proferida pelo Sr. Ministro das Finanças, quando quis fazer o favor de me responder. Dizia o Sr. Ministro das Finanças, num tom irónico, que eu era enciclopédico ou qualquer coisa do género. É evidente, Sr. Ministro, que um grupo parlamentar de três deputados não pode ser especialista em todas as matérias! ... Mas, como deve calcular, no nosso partido temos um grupo de especialistas, que, não raras vezes, são mais conhecedores do que os Srs. Ministros...

Protestos do PSD e risos do PS.

Talvez não seja o caso do Sr. Ministro, mas não quero deixar de o referir, afavelmente, a propósito do remoque irónico do Sr. Ministro das Finanças.
Sr. Ministro da Agricultura, quero colocar-lhe duas ou três questões. Assim queria saber, Sr. Ministro, se entende que os padrões europeus de baixa percentagem de população activa agrícola serão os que, num futuro e médio prazo, vão servir para Portugal - isto, enquanto houver no nosso país o desemprego que há, o subemprego que há, os salários em atraso que há e que tão desfavoravelmente nos caracterizam.
Realmente, quando se fala na CEE e nos padrões europeus, tendo em atenção a situação caótica que se vive no mercado de trabalho, nomeadamente nas pequenas (pequeníssimas) parcelas agrícolas, acha que estamos em condições de implantar esses padrões europeus?
Gostaria também de saber, Sr. Ministro, se entende ou não que se deve ir ao encontro do agricultor que temos com um serviço de extensão rural. O Sr. Ministro vai dizer que sim, mas eu refiro-me ao seu ambiente natural levando-lhes o apoio, o incentivo à produção e encorajamento à sua estruturação em organismos de base que funcionem mesmo a nível de aldeia, em cooperativas de compra e venda de máquinas de produção, mútuas de gado, organizações de baldios, etc. ...
Perante o panorama que existe no País, gostaria de saber como é que o Governo pensa ir ao encontro do agricultor que temos, nomeadamente como é que pensa criar serviços de formação profissional para todos os agricultores receptivos, muito em especial os jovens, dado o espírito de inovação que se pretende levar às aldeias e do qual os jovens podem ser os mais importantes vectores. A propósito de jovens, o Sr. Ministro assenta muito a sua actuação nos jovens empresários, mas a verdade é que o nível etário da população activa na agricultura é muito elevado e tudo indica que não deixará de o ser nos próximos dez ou quinze dias. Portanto, apoiar apenas os jovens empresários parece-me extremamente perigoso. O que é que pensa fazer para ir ao encontro do agricultor médio que temos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Neiva Correia.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - Sr. Ministro da Agricultura, quero, em primeiro lugar, agradecer-lhe as explicações que deu, nomeadamente quanto aos esforços para manter em actividade o SIFAP em relação aos

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investimentos. E desejava pedir-lhe que pusesse todo o seu empenho nisso, dada a importância que tem essa questão. E também para que, dentro do que for possível, fossem diminuídas as faltas de flexibilidade que tem o Regulamento n.º 797, já que quanto ao princípio da substituição de uma bonificação de juros por uma bonificação de capital, ele seria mais interessante.
Por outro lado, queria perguntar-lhe se o que afirmou quanto aos critérios de aplicação do Regulamento n.º 355 é verdade em relação ao caso concreto do programa para o vinho, dado que as informações de que disponho indicam que a CEE tem muitas reticências quanto a aceitar projectos individuais no campo do vinho sem a aprovação de um programa (com o sentido que lhe é dado pelo Regulamento n.º 355).
Por outro lado, lamento que não tenha podido confirmar as opiniões expressas pelo Sr. Deputado Rogério de Brito no que diz respeito à predominância do eucalipto e do pinheiro nos 400 000 ha a florestar, pois parece-me que se tivesse confirmado essa opinião poderíamos ficar mais descansados em termos de utilidade para o País.
Em segundo lugar, lamento também que não tenha podido confirmar que a maior parte dos financiamentos se destinem a empresas agrícolas privadas, pois penso que, nesse caso, seriam melhor aplicados. É que, na realidade, quando se insiste tanto nas assimetrias temos de ter presente que é óbvio que nós iremos sempre ter grandes assimetrias, a começar pelas pescas. Os investimentos das pescas vão concentrar-se no litoral, os das florestas, pelo contrário, no interior e os da agricultura nos locais onde há terrenos agrícolas, portanto também no litoral. Gostaria muito que não recusasse a existência de assimetrias, ou que até, em termos de investimento, se venham a manifestar assimetrias, desde que elas possuam uma base natural. Por isso, desejava pedir-lhe também que, na medida do possível fosse revista a classificação das «regiões desfavorecidas», porque, com a classificação que foi feita, quase toda a região do Ribatejo-Oeste do distrito de Lisboa é dada como não desfavorecida. Ora, sabemos que particularmente a parte norte do distrito de Lisboa está extremamente dependente de uma cultura como a vinha, e que todo o esforço de investimento que for feito, nomeadamente no âmbito do Regulamento n.º 797, está prejudicado em relação às zonas designadas como desfavorecidas. Na realidade, esta zona, em termos comunitários, não é zona favorecida e, em termos nacionais, é uma zona que, por ter outras condições, outras alternativas, nomeadamente para regadio, é igualmente desfavorecida.
Queria ainda chamar a sua atenção, Sr. Ministro, para o facto de, em termos das instruções relativas à aplicação do Regulamento n.º 355, haver a exclusão de investimentos relativos à elaboração de VQPRDs. No momento em que estamos a fazer um esforço para a melhoria da qualidade para que possamos concorrer no campo dos vinhos de marca, isto impossibilitaria a aplicação deste regulamento à fase que é condicionadora da qualidade. Porque as uvas têm qualidade, mas se a tecnologia não for adequada - e neste momento há que fazer grandes investimentos, nomeadamente no campo do controle da vinificação, do frio e de outras condições, como centrifugações e filtrações -, não conseguiremos obter a qualidade que pretendemos e que é possível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Ministro, muito rapidamente, porque o tempo não permite ir muito longe, gostaria apenas de dizer que, em relação ao aumento do Orçamento do Estado para o investimento, não basta haver aumento - é preciso gastá-lo e gastá-lo bem.
Dou-lhe só três exemplos, relativos ainda às ajudas de pré-adesão: o grau de realização do programa de produção e comercialização da horticultura é, desde 1983, de 39,5%; o grau de realização relativo à viabilização das explorações leiteiras da Beira Litoral é, desde 1984, de 7,5 %; e, em relação à arborização das áreas afectadas por incêndios florestais na zona de Cabeça da Rainha, o grau de realização é, desde 1984, de 10,4 %. Isto são exemplos que demonstram que não basta ter dinheiro, que é preciso gastá-lo e saber como gastá-lo, sendo elucidativos ainda, a este respeito, os exemplos que dei em relação ao investimento constante do Regulamento n.º 355.
Sobre isso eu diria que é estranha a argumentação que o Sr. Ministro avançou. Mais: eu diria que o Sr. Ministro é mau pagador! E vou dizer-lhe porquê: durante a preparação deste debate, nas comissões da especialidade, levantei este problema junto do Governo e era essa a altura para me terem informado. Repito, Sr. Ministro: quando recebi os elementos que o Sr. Ministro nos enviou e coloquei de imediato esse problema ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento, numa reunião que tivemos no âmbito da Comissão de Integração Europeia.
A segunda questão relaciona-se com o facto de o Sr. Ministro afirmar que temos um enquadramento e que, portanto, os projectos irão ser seriados. Ora, cada projecto ou este conjunto de projectos envolve milhares de contos na sua elaboração. Estaremos, então a deixar os empresários realizar projectos que só posteriormente irão ser seriados em Bruxelas, em vez de o serem aqui?
Teremos nós de perguntar onde está esse enquadramento? Não! Esse enquadramento tem de ser posto à disposição dos agricultores e dos empresários portugueses para saberem onde devem projectar e investir. Nós não temos de pedir esse enquadramento; ele tem de ser posto à disposição do País.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, quanto à questão do programa de acção florestal, há-de explicar-me como vai convencer os nossos agricultores a investirem em espécies arbóreas de revoluções longas, sabendo que efectivamente - e como é justo - eles têm imediatamente um interesse de rentabilidade. É aqui que reside um dos grandes problemas do sector florestal, Sr. Ministro.
Quanto à política agrícola, o Sr. Ministro insiste em dizer que há uma política agrícola!..., confundindo drenagens, regadios e electrificações com política agrícola. Mas, ó Sr. Ministro!, embora eu saiba que V. Ex.ª é um generalista - já foi Ministro da Indústria, do Comércio, da Agricultura, etc. -, sempre o aconselho a saber o que é efectivamente uma política agrícola.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Presidente, depois de ouvir o Sr. Ministro, eu gostaria de fazer muitas perguntas, alguns comentários e bastantes correcções. No entanto, o tempo impossibilita-me de o fazer e, por isso, limito-me a um cumprimento e uma pergunta.
Depois de ouvir o discurso do Sr. Ministro tenho de cumprimentá-lo pela sua dupla capacidade de improviso: capacidade de improvisar discursos e capacidade de improvisar políticas.

Risos do PRD.

E, para que nos entendamos definitivamente, a pergunta é esta: o Governo vai ou não pagar indemnizações na Zona da Reforma Agrária?

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Todos nos damos conta de que muito do que não está feito no nosso país, na área da agricultura, se deve à carência de técnicos, que, todos sabemos, se encontram concentrados em Lisboa.
Diz-nos V. Ex. a que iremos agora assistir a um processo de desenvolvimento e investimento na agricultura, e eu pergunto: que podemos esperar em relação à presença de técnicos na periferia de Lisboa? Isto é: podemos nós continuar a contar apenas com o pequeno número de técnicos que se espalham por todo o País ou poderão os nossos agricultores contar com o auxílio dos técnicos que, indevidamente, se concentram em Lisboa? E, se assim é, que medidas é que o Ministério tem previstas para incentivar essa deslocação?
É porque, Sr. Ministro, se não houver os meios humanos técnicos para acompanhar o desenvolvimento agrícola do País, não interessa haver financiamentos nem projectos, porque não haverá desenvolvimento.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação:

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero dizer que irei responder telegraficamente às questões que me foram colocadas, em virtude de o Governo já não dispor de muito tempo.
Em relação ao Sr. Deputado José Frazão, penso que ele não me colocou questões, antes fez uma intervenção, aproveitando habilmente os três minutos de que dispunha ao abrigo da figura regimental de pedidos de esclarecimento. Portanto, não lhe irei responder.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Cada linha era uma pergunta, Sr. Ministro.

Risos do PS.

O Orador: - Relativamente ao Sr. Deputado Raul Brito, gostaria de dizer que o valor do PEDAP previsto para este ano é de 4 milhões de contos, mas estão previstos cerca de 6 milhões de contos de origem comunitária e cerca de 700 000 contos destinados aos próprios beneficiários. Portanto, o total do PEDAP este ano é de 11 milhões de contos.
Informo também o Sr. Deputado de que, embora a verba comunitária seja de 105 milhões de contos, isto vai corresponder a um investimento global de cerca de 200 milhões de contos, na medida em que os 105 milhões de contos são só uma percentagem daquilo que é o investimento global.
De qualquer maneira, a própria Comunidade, na programação que fez para todos os países, previu não ser possível, no primeiro ano de arranque de um projecto como este, atingir logo os valores de «pleno cruzeiro»; daí o considerar até bastante ambicioso o valor que nós apresentámos no Orçamento deste ano, mas estou convicto de que o vamos satisfazer.
O facto de nos anos anteriores os orçamentos do Ministério da Agricultura terem baixo grau de utilização - questão suscitada pelo Sr. Deputado Rogério de Brito e outros senhores deputados - devesse a razões várias, que muitas vezes tiveram a ver com o atraso com que os Orçamentos do Estado eram aprovados e também com o sistema, que então existia, de aprovação das fichas de projectos para a agricultura segundo esse sistema, todos os projectos tinham uma ficha.
O Governo já alterou esse processo de actuação e assim, uma vez integradas no Orçamento, as verbas vão ficar disponíveis para investimento a partir do princípio do ano. Portanto, pela primeira vez o Ministério da Agricultura vai dispor de verbas desde o início do ano, o que vai traduzir-se no aumento significativo dos investimentos. Aliás, a prova é que já a semana passada fizemos a adjudicação de obras de construção de caminhos rurais e regadios tradicionais no valor de cerca de 350 000 contos e de cerca de 500 000 contos em electrificação rural. Estou, pois, convicto de que esse problema, que existia antes no Ministério e que nenhum outro governo anterior resolveu, foi agora resolvido por este governo.
Quanto às questões levantadas pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, a primeira das quais dizia respeito à população activa na agricultura, começarei por dizer que em Portugal, como sabe, o valor desse indicador é de 23 %, quando na Europa anda à volta dos 10%. É, pois, evidente que o problema é delicado, mas a modernização da agricultura portuguesa vai obviamente continuar a reduzir esse número, como se tem notado nos últimos anos - há dez anos esse valor era muito mais elevado.
Aliás, devo dizer que neste campo talvez tenhamos uma pequena vantagem - que neste momento é um inconveniente mas que pode ser visto, em termos futuros, como uma vantagem -, que é a idade bastante avançada de um número muito elevado de agricultores, que, com esquemas especiais de pré-reforma, que estão já a ser discutidos em Bruxelas, poderão vir a ser retirados deste sector de actividade. De resto, como também deve saber, mais de 50 % da população portuguesa ultrapassou já os 55 anos de idade.
Portanto, penso que essa evolução vai ser atenuada no nosso caso, embora reconheça tratar-se de um problema que tem de ser visto com toda a atenção.
Relativamente à questão que também colocou de o Ministério conseguir transmitir ao agricultor as inovações tecnológicas no domínio agrícola, dir-lhe-ei que

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isso só será possível através de uma correcta rede de extensão rural e de uma adequada formação profissional dos técnicos ligados ao sector.
Aí estou 100 % de acordo com V. Ex.ª Aliás, dessa filosofia resulta já o que há pouco lhe disse, ou seja, que as únicas verbas em que fomos muito acima das médias foi nas verbas atribuídas às direcções regionais de agricultura, em que a média foi de 16,6 % no Orçamento corrente, e na verba destinada à formação profissional, portanto duas verbas bastante superiores às dos orçamentos anteriores.
Ainda este ano inaugurámos dois centros de formação profissional e temos ainda um conjunto de outros em desenvolvimento - já agora, com todo o prazer informo V. Ex.ª de que temos prevista a ocupação a 100% de todos os centros de formação profissional que o Ministério tem, porque é uma área, cremos, de extraordinária importância.
Quanto aos incentivos aos jovens agricultores, é claro que vamos apostar neles, embora, como é evidente, não possamos descurar os mais velhos. De facto, pensamos que nas acções de modernização e de alteração de mentalidades que é necessário introduzir na agricultura se devem privilegiar os jovens, como de resto o Regulamento n.º 797 da CEE já faz.
Ao Sr. Deputado Neiva Correia, para além do que já referi sobre o SIFAP, direi que iremos envidar todos os esforços no sentido de chegarmos a um acordo sobre o problema. Relativamente aos critérios a adoptar na aplicação do Regulamento n.º 355, terei todo o prazer em facultar-lhos, embora oportunamente eles venham a ser publicados.
No que respeita às questões do vinho, é verdade que no seio da Comunidade existem neste momento restrições à aprovação de projectos no campo do vinho, como também no do leite e de outros produtos excedentários na Comunidade.
Estamos neste momento a discutir com Bruxelas no sentido de lhes mostrar que os projectos que estamos a implementar neste sector não são projectos de aumento de capacidade mas sim de melhoria de qualidade e de diversificação. Nomeadamente com os projectos no sector do leite, o que basicamente se pretende é a sua diversificação em produtos industriais, como o iogurte, queijos, etc., projectos esses que ajudam a fazer o escoamento do leite e que, portanto, devem ser aprovados. E neste momento temos boas razões para prever que se possam alterar as orientações da Comunidade no sentido do bloqueio desses projectos.
De qualquer modo, o Sr. Deputado poderá encontrar nos critérios que lhe irei fazer chegar a confirmação de que também no sector do vinho se seleccionaram os critérios de melhoria da qualidade para demonstrar claramente que é isso que pretendemos.
Relativamente ao predomínio da cultura do eucalipto em detrimento das outras espécies florestais, na intervenção que há pouco fiz já dei os valores que demonstram o contrário e que são estes: 38 000 hectares, ou seja, 9,5 % da área total a reflorestar.
Pensamos que há outros sectores importantes a desenvolver. É evidente que nas empresas agrícolas privadas a agricultura é uma actividade basicamente privada. O Regulamento n.º 797 dirige-se às explorações privadas, e, portanto, será através delas que o desenvolvimento se irá processar, o que não significa que, na parte de desenvolvimento das infra-estruturas área de aplicação do PEDAP -, esse desenvolvimento não tenha de ser assegurado pelos serviços públicos.
Relativamente à eventual alteração das «zonas desfavorecidas» de que V. Ex. e falou, devo dizer-lhe que sei que a região do Ribatejo-Oeste não foi integrada nessas zonas, mas dir-lhe-ei também que considero impossível renegociar essa alteração com Bruxelas, na medida em que a CEE inicialmente nos tinha apresentado um projecto em que apenas 45 % do País era considerado dentro do conceito de «zonas desfavorecidas» e acabou por aceitar uma zonagem, que é a que existe, em que 80% do País é «zona desfavorecida», abrangendo 66 % de todas as explorações agrícolas. Trata-se de uma situação altamente benéfica em relação aos outros países da Comunidade e, por isso, com toda a honestidade lhe digo que não vejo qualquer possibilidade de rever essa demarcação.
Em relação aos VQPRDs, como já lhe disse, toda a política do Ministério em relação ao Regulamento n.º 355 vai no sentido de implementar a qualidade.
Ainda sobre as questões colocadas pelo Sr. Deputado Rogério de Brito, e no que toca ao grau de realização, já lhe referi as razões de carácter funcional que levaram a esse reduzido grau de realização de que falou e espero bem ter o prazer de, no próximo ano, ver V. Ex.ª «dar o braço a torcer» e dizer que nós temos razão porque temos um elevado grau de realização.
Quanto ao problema do enquadramento, é evidente que o enquadramento dos projectos é público e será dado a conhecer - não vamos de maneira nenhuma fazer disso uma questão! -, mas, Sr. Deputado, há outro enquadramento que existe à partida: como sabe, ao nível da Comunidade existem plafonds financeiros estabelecidos por regulamento e esse é outro enquadramento que por si próprio também vai fazer uma selecção.
Há pouco, quando o Sr. Deputado dizia que eram as grandes empresas que iam beneficiar, esqueci-me de lhe dizer uma coisa, que, penso, o Sr. Deputado Vasco Miguel acabou por lhe referir: é que dos nove projectos até agora aprovados pela Comunidade, oito são de cooperativas agrícolas, o que demonstra também que o facto de os projectos irem para Bruxelas não significa que eles sejam aprovados.
Sobre o programa de acção florestal (PAF), penso ,que as vantagens que ele traz aos agricultores irão fazer com que venham a aderir a este processo. Mas na realidade, Sr. Deputado, V. Ex.ª foi um pouco contraditório ao dizer que eles são mais atraídos pelo eucalipto... De qualquer modo, nós vamos limitar essa possibilidade de expansão do eucalipto.
Ao Sr. Deputado Paulo Campos direi que fico muito grato que, depois de uma intervenção tão «virulenta» da sua parte, tenha acabado por dirigir-me apenas uma pergunta, o que me leva a crer que consegui dissolver todas as eventuais dúvidas que poderiam existir no seu espírito.

Risos do PSD.

No entanto, em relação às indemnizações, espero bem, antes do fim do ano, ter publicado um decreto-lei fixando os critérios das indemnizações provisórias.
Como sabe, as verbas das indemnizações vêm do Tesouro e não do orçamento de cada um dos Ministérios ...

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Não sabia não! ... Lá isso é verdade!

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O Orador: - Pois..., não sabia isso! Mas, como também demonstrou que não sabia muitas outras coisas, era natural que também não soubesse essa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ainda ao Sr. Deputado João Morgado, estou de acordo quanto à necessidade de fixar os técnicos no campo. É importante criar condições para os fixar e neste Orçamento as direcções regionais vêem aumentadas as suas verbas em 5 % do total das despesas do Ministério - passam de 33 % para 37 % -, sem considerar aí a Direcção-Geral das Florestas, que nas suas circunscrições florestais também tem direcções regionais, porque se as integrarmos passam a representar 60 %.
Portanto, como lhe disse, dentro do critério de austeridade privilegiámos exactamente o dar dinheiro para a fixação desses técnicos. Nas leis orgânicas dessas direcções regionais estão previstos esquemas nesse sentido, esquemas que ainda não estão nem podem entrar em execução este ano, porque ainda não estão em funcionamento as leis orgânicas.
Resumindo, estou de acordo com V. Ex.ª em que não se pode passar da teoria à prática se não reforçarmos os meios postos à disposição das direcções regionais, com a fixação de técnicos que possam acompanhar os agricultores, especialmente os que têm menos possibilidades de se formarem a si próprios.
Peço desculpa pela forma telegráfica como respondi, mas procurei não passar em claro nenhuma das questões que me foram colocadas.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco de Melo.

O Sr. Vasco de Melo (CDS): - Antes de começar queria confessar que estou um bocadinho mais tranquilizado por há pouco ter ouvido o Sr. Deputado Rogério de Brito defender os interesses dos empresários - consola-nos ouvir isso desse lado!

Vozes do CDS: - Muito bem!

Risos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, o meu partido votou aqui favoravelmente a proposta de lei n.º 43/IV, em conformidade, aliás, com a atitude do Governo, que, ao explicitar em documento autónomo as Opções do Plano para 1987, aceitou a insuficiência, do ponto de vista constitucional, do seu primitivo texto.
A minha intervenção insere-se na perspectiva do que aqui foi deliberado, não deixando de apreciar o grau de coerência entre o médio prazo, que, apesar de não ser objecto de discussão imediata, não poderá deixar de ser considerado nas Opções para 1987, e a sua tradução na proposta de lei do Orçamento do Estado.
Começarei, assim, por constatar que na tentativa de caracterização da situação actual do País não podem deixar de registar-se os problemas decorrentes do elevado grau de envelhecimento da população portuguesa, com os inerentes reflexos no sistema de segurança social, o nível de instrução da população e da desadequação das qualificações profissionais às necessidades do mercado de trabalho, a rigidez do mercado de trabalho, resultante de uma legislação labora( única na Europa, e a destruição da racionalidade económico-política inerente aos grupos económicos privados e que não foi superada por uma racionalidade económica do grupo Estado.
É essas transformações e à ausência da racionalidade económica do agir do sector empresarial do Estado, subtraído em larga medida aos critérios de eficácia impostos pelo mercado, que deve imputar-se, nomeadamente, a responsabilidade na política de industrialização, assente, em larga medida, na implementação de projectos «energia intensivos», com o consequente aumento (também sem paralelo no conjunto de países da OCDE) da elasticidade de consumo de energia/PIB. E à mesma política haverá que atribuir-se a quebra da eficiência média do investimento produtivo, traduzido numa elevação substancial da relação capital-produto, com as inerentes consequências sobre o nível do emprego e dos desequilíbrios estruturais da nossa balança de pagamentos.
Saliente-se ainda o relevo dado à problemática da nossa adesão às Comunidades Europeias, havendo contudo de lamentar a ausência de referência aos problemas que decorrem, para muitas das nossas empresas industriais, da abertura do mercado português não só à concorrência comunitária, mas também à dos países que beneficiam na Comunidade de um tratamento mais vantajoso.
Quanto às opções propriamente ditas deter-nos-emos principalmente nas de carácter económico, se bem que alguns aspectos mereçam ser clarificados e quantificados.
A referência a problemas mais específicos, igualmente de médio prazo, como o programa de correcção estrutural do défice externo e o programa financeiro de contenção do défice do sector público, apresentado no Orçamento do Estado para 1987, poderão explicar, em parte, o carácter genérico do texto. Porém, só de posse destes documentos será possível avaliar com rigor da exequibilidade dos objectivos finais face aos objectivos intermédios, contidos nos referidos programas.
O Governo, ao propor o «combate ao desemprego e reforço da economia», reconhece que as condições de vida futura dos Portugueses dependem fundamentalmente do volume de investimento que a economia for capaz de realizar nos próximos anos e da eficiência na utilização desses recursos.
Propõe-se assim que a formação de capital fixo cresça, nos próximos anos, a um ritmo não inferior a 8 %-10 % reais por ano, que o crescimento anual regular do consumo privado seja de 2,5 % e que, por último, se verifique um acréscimo de produto de 4 % a 5 %.
Reconhece-se ainda, embora implicitamente, que as grandes potencialidades de aumento de produção e da oferta de emprego se encontram hoje no sector empresarial, enquanto as possibilidades de criação de emprego produtivo do sector público estão praticamente exaustas.
É, pois, ao sector privado que caberá o papel de «motor de expansão económica», mas subsistem, quanto a nós, algumas condicionantes que poderão pôr em causa esta estratégia.

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A primeira é a que se refere ao défice extremamente elevado das contas do sector público, que, ao absorver uma elevada percentagem da poupança, limita consideravelmente o volume de recursos disponíveis para investimento produtivo sem que se incorra num excessivo endividamento externo.
Consciente deste facto, o Governo refere a necessidade de serem tomadas medidas tendentes a reduzir de forma programada esse défice sem ser pela via dos acréscimos dos níveis de tributação e do aumento dos encargos que incidem sobre as empresas. Mas da leitura do Orçamento do Estado para 1987 conclui-se que o nível das despesas públicas em relação ao produto será aproximadamente de 45 %, não se devendo afastar de forma significativa do valor verificado no ano anterior.
Corroborando este facto, é ainda de referir que para o ano de 1987 se apontam taxas de crescimento reais de 9,1 % e 32,9 % para, respectivamente, as despesas com o pessoal e aquisição de bens e serviços, ao mesmo tempo que são claramente subestimadas as despesas com o Serviço Nacional de Saúde.
Também do lado das receitas os valores propostos no Orçamento do Estado para 1987 não denotam qualquer tentativa de contenção da carga fiscal, o que contraria claramente as opções expressas, o que poderá comprometer toda a estratégia proposta, pela não realização do volume esperado de investimento, tanto mais que não nos parece credível, face a este Orçamento, reforçar-se significativamente a capacidade de autofinanciamento das empresas.
A apreciação, embora genérica, que acabamos de fazer deixa-nos a convicção de que, como aliás já se referiu, estamos na presença de documentos com um elevado grau de imprecisão, problema que deveria ter sido ultrapassado com a apresentação de vários programas autónomos referidos ao longo do texto. Só desta forma se constituiria um quadro de referência para os agentes económicos dando coerência e constância a uma política de ataque aos principais desequilíbrios de que enferma a economia nacional.
Falando agora mais como empresário do que como político, farei alguns comentários sobre o que os agentes económicos sentem em relação aos textos em debate e à política efectiva do Governo que lhes está subjacente.
Uma primeira - e talvez mais profunda - impressão é de que «pouco - ou nada - muda». É certo que o investimento não se faz por decreto, mas é por uma sequência de decretos, encadeados e enquadrados numa política, que se cria o ambiente que promove a motivação para o investimento: e marcante nesta perspectiva é a conjunção de duas assunções:
A de que o investimento será reprodutivo, isto é, gerará os lucros suficientes para o amortizar e ainda sobrar qualquer coisa;
A de que o património próprio posto em jogo gozará, a prazo, de suficiente segurança que justifique a sua aplicação num dado investimento, em alternativa a outras opções.
Não posso negar que agora existe, no mundo empresarial, um ambiente diferente e melhor do que havia há uns anos atrás, mas também tenho de confessar que ainda não começou, nem vejo que comece, nas condições e prazos previstos nos documentos em apreço, o ritmo de investimento que o País precisa.
E isto, essencialmente, porque as duas assunções atrás referidas ainda não podem ser assumidas com a extensão e dimensão que são necessárias.
Lucros - que ainda é uma palavra feia, ou pelo menos não bonita - é duvidoso que possam existir: tudo e todos parecem empenhados em aspirá-los logo que apareçam; neste aspecto, sugiro aos senhores deputados e membros do Governo que conversem sobre o assunto com qualquer empresário estrangeiro, porque com portugueses parece haver ainda demasiados complexos.
Segurança, ainda nada se fez para corrigir os efeitos das ditas nacionalizações, bem pelo contrário, ao olhar atónito dos empresários espoliados continua a dar-se a outros aquilo que se lhes roubou.
Cabe aqui, aliás, um pequeno comentário pontual, mas que penso ser importante: esta manhã, a uma pergunta do meu partido, respondeu o Sr. Ministro da Indústria que não havia políticas ministeriais isoladas, mas sim uma política conjunta do Governo, com reflexos sectoriais, coordenados entre si, ao nível dos diversos ministérios, afirmando concretamente que a carga fiscal imposta sobre os lucros das empresas e o crescimento do crédito abaixo da taxa de inflação - políticas sectoriais do Ministério das Finanças, deduz-se - não prejudicavam as políticas de promoção do investimento na indústria - política sectorial do seu Ministério.
Se, portanto, estes são os reflexos de uma política coordenada, penso que então será fácil considerar que estamos perante aquela frase popular de que se está a < dar com uma mão e a tirar com a outra», e talvez daqui venha a principal justificação para o que disse na minha intervenção: para quê investir - mesmo que o consiga- se depois me tiram o que vier porventura a ganhar? Estaria a ser uma espécie de funcionário público, sem sequer a segurança de emprego destes! Confirma-se, assim, que ganhar dinheiro continua a ser pecado e, ao que parece, se a política é de facto coordenada a este ponto, estamos positivamente numa «caça à nota» como nunca se viu!
O esforço de investimento, de renovação tecnológica, de dinamização comercial, de aperfeiçoamento da gestão, que há que fazer para fazer face ao impacte de adesão à CEE é enorme; pouco ou nada se fez que motive, quanto mais permita, aos empresários portugueses meterem mãos à obra, nesta ingente e urgente tarefa. Os documentos em apreço começam - ao menos - a levantar o desafio, mas ainda estão demasiado aquém daquilo que é necessário.
O Parlamento tem responsabilidades, e grandes, nesta matéria. Pode - e deve - exigir ao Governo que actue depressa e bem, mas não pode impedir que se implementem as medidas que sejam orientadas no sentido de promover as alterações de fundo necessárias à mudança do sistema económico, condição indispensável ao progresso do País e à justiça social a ele inerente.
Como empresário, como português e como deputado penso que os documentos agora em apreço, apesar de alguns objectivos positivos, enfermam ainda de vícios e mantêm situações que são contraproducentes; penso que não é ainda em 1987 que o País começará a «dar a volta» e resta saber se, mais tarde, ainda será a tempo.

Aplausos do CDS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD felicita-se e congratula-se pela apresentação dos vários documentos que o Governo apresentou à Assembleia da República.

Dozes do PRD: - O que é que se esperava!

O Orador: - Em primeiro lugar, porque o Governo cumpre a lei, contrariamente àquilo que alguma oposição vinha dizendo, e cumpre a lei no elemento mais matricial e entrosador daquilo que a própria Constituição determina.
Em segundo lugar, porque o Governo - o governo minoritário, com uma gestão de um ano apenas - tem a capacidade política de apresentar uma proposta de lei de Grandes Opções de curto e médio prazo, além da apresentação em tempo parcial do Orçamento do Estado.
Por último - mas não em último - pelo tipo e natureza do documento que o Governo apresenta; o Governo honra a Assembleia da República e o País ao apresentar-lhe um documento de natureza eminentemente política. As Grandes Opções do Plano são um texto político para uma câmara política, não são um documento exclusivamente técnico; pelo contrário, são um documento entrosado tecnicamente, mas que, em si, tem uma concepção política matricial. Nesse aspecto, há aqui um paradoxo político, que se manifesta em toda a sua plenitude durante este debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles que acusavam o Governo da República de possuir uma natureza tecnocrática, uma natureza exclusivamente quantificadora e economicista, são aqueles que hoje, ao solicitarem que o Governo tivesse uma natureza e uma acção distintas daquelas que eles desejavam - e que, afinal, o Governo hoje mostra não ter -, quando o Governo apresenta a esta Assembleia um documento de natureza eminentemente política, se refugiam, colocando o debate num âmbito não político, mas sobretudo sectorial, quantificado e limitado.
Aqueles que no passado criticavam o Governo de tecnocracia hoje recebem a resposta em termos políticos e comprometem-se com um passado em que, afinal, demonstraram ter errado perante eles próprios; ou seja, pediram uma coisa - que o Governo hoje faz - e acusaram-no de fazer outra, quando, afinal, o Governo já tinha uma matriz diferente.
É por isso que este paradoxo que hoje em dia se manifesta na discussão das Grandes Opções do Plano encobre, a nosso ver, uma outra atitude. O Governo diz uma coisa que é trivial, mas que é necessário e essencial ser dita hoje: é a ideia que comanda a política e a história; é a mundividência que legitima a acção política; é o projecto de sociedade que determina e legitima a acção no quotidiano. E isto, parecendo trivial, é importante, para duas matrizes: para uma, que não teve tempo, capacidade ou desejabilidade de afirmar um rosto político nítido, claro e visível, sacrificando-o em termos de pragmatismo e consenso sempre afirmados, para outros, porque, em circunstâncias em que exerce o poder, prescindiu da ideologia e de um rosto próprio, sacrificando-o com o álibi da conjuntura, da dificuldade, do presente, mas sem nunca ter conseguido afirmar o seu próprio projecto político. É por isso que hoje faz sentido apresentar um documento político, com rosto, alma, clareza e conteúdo.
Saudamos, por isso, o Governo.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Colegas meus, e membros do Governo, tiveram oportunidade de apresentar aspectos relativos ao orçamento e às opções anuais. Não ficaria bem numa câmara política deixar de meditar em tudo aquilo que determina e justifica o curto prazo, que é, afinal, a grande opção de médio prazo, a estratégia geral do próprio Estado afirmada e definida, neste caso, pela Assembleia da República, por proposta do Governo - refiro-me, obviamente, à ideia estratégica que decorre das Grandes Opções do Plano.
As Grandes Opções do Plano contêm uma ideia, como diria numa expressão feliz o Sr. Ministro do Plano, «uma ideia quanto a Portugal». Essa ideia é hoje necessária, no dia, no momento e no ano em que Portugal tem definidos, com algum rigor, os contornos mais importantes da sua inserção em organizações, em áreas e em pertenças em tratados que legitimam e justificam a sua acção para o futuro.
As Grandes Opções, para nós, são a concretização e o desenvolvimento do conceito estratégico de defesa nacional, aprovado no Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo então Sr. Presidente da República, general Ramalho Eanes, e apoiado publicamente pela generalidade dos partidos democráticos nesta Câmara, no debate que aqui se travou em 1984. Estas GOPs desenvolvem, corporizam e praticam aquilo que já foi, pois, definido; nesse aspecto, têm o nosso aplauso e apoio. Daí decorre que a matriz do conceito de defesa nacional - conceito que diz que Portugal se defende mais numa missão de defesa de estratégias indirectas do que numa missão exclusivamente militar - é a preservação da nossa cultura, da nossa identidade, da nossa língua, das relações de Portugal com o exterior e consigo próprio nas nossas comunidades, é a defesa da nossa economia, de inúmeras áreas onde Portugal deve ser defendido nas suas capacidades de investigação, de produção de tecnologia própria e de produção artística e cultural.
Essa ideia tem aqui pleno cabimento e plena aceitação. É por isso que a ideia, sendo inovadora, é correcta e adequada ao Portugal do futuro; é por isso que da leitura do texto das GOPs decorrem dois parâmetros essenciais: um de medidas que consolidam o número de graus de liberdade da nossa independência nacional e outro que traduz um conjunto de medidas que flexibilizam os instrumentos do Estado e das relações sociais. Um e outro merecem particular atenção. Referirei em particular um deles: o elemento integrador dos chamados elementos essenciais da independência nacional, que são as Forças Armadas.
O orçamento das Forças Armadas é um orçamento que não pode deixar de ser escamoteado nem pode ser colocado em termos diferentes daquilo que é: um orçamento que, em termos reais, significa um crescimento de 12 %, na hipótese do valor da inflação estimado pelo Governo, ou de 10010, na hipótese pessimista lançada pela oposição.

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Nunca no Portugal democrático depois do - 25 de Abril se verificou um crescimento tão acentuado e tão claro em termos reais do orçamento do Ministério da Defesa Nacional.
Todavia, este orçamento esconde duas realidades distintas: uma de equipamento e uma de funcionamento corrente. É que, se fizermos a soma das rubricas que respeitam aos investimentos de médio e longo prazo, à Lei de Programação Militar e às despesas de material, sobretudo àquelas que dizem respeito ao equipamento de futuro, temos um crescimento de 225 % neste ano. O Orçamento para 1987 vai concretizar opções de 1986, já, aliás, iniciadas parcialmente em 1985, que denunciam que, no final desta década e princípio da próxima, Portugal terá os investimentos militares das Forças Armadas do século XXI Portugal prepara hoje aquilo que serão as Forças Armadas do fim deste século!
Só que a concretização financeira decorre este ano e em 1987, 1988, 1989 e 1990, e só nessa altura, esses equipamentos estarão presentes em Portugal.
Por isso, vai verificar-se nos próximos três anos uma evolução em crescimento rápido e acelerado das despesas de equipamento militar, simultânea com um crescimento, apenas em termos reais, de 0,5 % ou 1 % das despesas de funcionamento corrente, que são aquelas que se adequam ás Forças Armadas do presente. Ou seja, neste Orçamento coexistem duas situações diferenciadas: a preparação do equipamento das Forças Armadas do dia de amanhã, paralela com a capacidade de formação e funcionamento das Forças Armadas do corrente ano.
A partir de 1990, a lógica política que decorre desta proposta será a de uma desaceleração das verbas para equipamento e uma transferência de uma parte desses recursos para despesas de funcionamento, de modo que se consiga, dessa maneira, reequilibrar o sistema militar, isto assumindo como natural e previsível uma contenção, na ordem dos 3 elo do PIB, das despesas de defesa, aspecto este que, como sabem, é superior ao de países como a Itália, a Noruega e o Canadá.
Desse modo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, será uma injustiça não perceber que este Orçamento é o Orçamento de preparação do futuro das nossas Forças Armadas. Não têm, por isso, tanta razoabilidade algumas críticas que lhe foram formuladas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não poderemos também, em segundo lugar, deixar de o considerar um elemento fundamental que respeita aos chamados vectores de flexibilização que decorrem das Grandes Opções do Plano.
Portugal é pensado como um país que manifestará uma forte propensão para uma confluência de interesses. Maior abertura do País significa maior capacidade de flexibilização para respostas rápidas e ameaças rápidas. Portugal necessita, desse modo, no seu aparelho produtivo, no seu aparelho de informação, no seu aparelho administrativo, de modernizar-se.
Que diz a oposição a respeito disso? Diz que sim. Nos seus programas, no seu discurso, todos os dias o diz, só que, no seu voto, infirma essa atitude.
Por isso, quando a flexibilização é instrumento essencial para governar Portugal, a oposição, nos momentos em que lhe é pedida a capacidade de o demonstrar, nega-o. É, assim, estranho e aberrante que, ontem, o Sr. Deputado João Cravinho, do Partido Socialista, tenha dito que este governo não fez reformas estruturais.
Srs. Deputados, estamos com certeza no maior paradoxo e na maior injustiça cometida. Reformas estruturais estão a ser feitas, desde a adaptação de toda a legislação e da acção portuguesa à Comunidade Económica Europeia, até à modernização do sistema financeiro: Se não foram feitas mais, de quem é a responsabilidade? É do Governo, que não apresentou legislação básica de reformas estruturais na economia, na diminuição do peso do Estado, na legislação laboral, na Reforma Agrária, ou será dos senhores, ou de alguns dos senhores, que, quando o Governo apresenta essas reformas estruturais, as aniquilam, chumbam e impedem?

Aplausos do PSD.

De quem é a responsabilidade de não existirem mais reformas estruturais em Portugal? É do Governo, que as propõe, ou dos senhores, que as inviabilizam?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com que moral pode a actual direcção do Partido Socialista reclamar e dizer não a coisas a que no passado, em projecto, dizia sim, mas que não ousou é não teve a coragem de as confirmar na prática?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que moral tem hoje a oposição para vir dizer aqui o que os outros não fazem, quando, no momento em que lhes é dada a oportunidade, ela não a quer? Oposição que, em algumas áreas, em alguns domínios, carece até, do nosso ponto de vista, da percepção de uma realidade. É que o seu discurso de hoje perante o País é um discurso que legitima a sua falta de estratégia e capacidade de manifestação política.
Basta ver o que acontece neste debate, em que o Governo apresenta um documento político. Que respondem algumas das oposições? No terreno político, nada respondem, fogem, refugiam-se no mero terreno técnico, formal, do artificialismo, da crítica menor. Quando o Governo apresenta um documento de substância política, algumas oposições fogem ao debate político. E não creio que seja por não o quererem fazer, por não quererem responder nesses termos, mas sim, porque, no nosso ponto de vista, campeia hoje em muita da oposição uma desorientação estratégica, a ausência de um perfil político, mesmo depois de todas as renovações que o MASP prometeu e de todos as renovações culturais e ideológicas que a actual direcção socialista prometeu. O resultado é escasso, não é suficiente, não é visível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esse é o mal da oposição. E pior do que esse mal é o tipo de discurso e mensagem que fazem no País. O Governo fala de trabalho e os senhores respondem com crítica, o Governo fala de labor, de imaginação e de concretização e os senhores falam de crise. Na véspera da realização da reunião cimeira dos dois primeiros-ministros dos Governos de Portugal e de Espanha para resolver problemas de comum

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interesse ibérico, a antevisão do dirigente socialista a essa cimeira é a de que «podem abrir uma crise». Quando o País queria ver resolvidos problemas de contencioso entre os dois Estados, a ,resposta do PS é a da possibilidade de abertura de uma crise, face a um momento de decisiva necessidade perante o próprio País.

Aplausos do PSD.

É a diferença de linguagem, de mensagem. É na diferença entre a capacidade, a esperança e á crise, de um lado e do outro, que está a diferença de comportamento político e de percepção do eleitorado perante aquilo que cada um desempenha e é neste momento em Portugal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Muito mais haveria a dizer, mas interessa-nos ficar com a ideia básica de que o Governo apresentou um documento político criticável - o Governo, aliás, pediu a crítica. Esperamos e desejamos a crítica. Em democracia é tão necessário ser-se governo como oposição. Esperamos a crítica ansiosamente, porque será com certeza de uma resposta em termos adequados àquilo que é proposto que surgirá um futuro melhor para todos nós.
De qualquer das formas, em nome do Partido Social-Democrata - e digo isto independentemente de sermos seus militantes ou deputados, pois o simples facto de sermos portugueses nos levaria a dizê-lo - saudamos, louvamos e damos o nosso apoio à iniciativa do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Marques Júnior, José Lello e Raul Castro.

Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Ângelo Correia, não resisto à tentação de lhe fazer uma simples pergunta.
Ao ouvir o Sr. Deputado pensei que estava numa câmara diferente desta. Falou de «documentos maravilha» que ninguém consegue descobrir; falou de um governo que consegue fazer e propor coisas e documentos extraordinários que ninguém consegue vislumbrar. Palavra de honra que pensei estar numa câmara diferente e que as pessoas que me rodeiam, os deputados e os ministros, não eram estes deputados e estes ministros. De facto, não vislumbrei esse cenário « maravilhoso» que o Sr. Deputado acabou de referir.
O Sr. Deputado falou de um documento político, das grandes opções do Conselho de Estratégia e Defesa Nacional e, inclusivamente, das Forças Armadas do século XXI.
Gostaria apenas de colocar-lhe a seguinte pergunta: pode o Sr. Deputado dizer-me que política de defesa nacional é que temos? É ou não verdade que esse reequipamento das Forças Armadas para o século XXI é um reequipamento perfeitamente ad hoc, que não tem em conta a realidade nacional, as capacidades e potencialidades deste país e um estudo aprofundado do que devem ser as Forças Armadas do século XXI?
É ou não verdade que esse acréscimo para a defesa nacional de que o Sr. Deputado fala foi feito e tornado antes de definida esta coisa simples que é o conceito estratégico-militar, missões das Forças Armadas, sistema de forças e de dispositivo? Então que coerência existe?
Não existe política e existe um reequipamento, quando o Sr. Deputado sabe perfeitamente que esse reequipamento antecedeu a própria e simples definição de conceito estratégico-militar e das missões das Forças Armadas e deveria ter sido ao contrário! Que coerência, Sr. Deputado?!

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Leio (PS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, ouvi-o e considerei que V. Ex.ª está demasiado vocacionado para as questões do século XXI.

Risos do PS e do PSD.

Embora questionando algumas análises que fez em relação às questões em matéria de defesa - e V. Ex. e falou na questão do investimento que se fará para conseguirmos ter as Forças Armadas do futuro -, dir-lhe-ia que provavelmente esse investimento apenas pretenderá repor todo aquele investimento que não foi feito durante o tempo dos sucessivos Ministérios da Defesa do seu partido que tiveram a responsabilidade pela pasta da Defesa Nacional, os quais não tiveram capacidade para implementar esse investimento, de molde que as Forças Armadas fossem já as do presente.
V . Ex. e disse que teríamos as Forças Armadas do futuro. Perguntar-lhe-ia como é que isso seria possível se as verbas de manutenção e funcionamento no presente Orçamento variam apenas 4,3 %, não cobrindo sequer os valores da inflação. Como é que poderemos ter as Forças Armadas do futuro quando não acautelamos o presente?
Perguntar-lhe-ia também como é que entende que o investimento das Forças Armadas se dirige prioritariamente para os sectores da Marinha e da Força Aérea, quando a variação nas despesas de material e de equipamento do Exército é de zero. Pergunto-lhe que Forças Armadas é que teremos no futuro quando não é acautelado o equilíbrio entre os seus ramos no presente.
Finalmente, V. Ex.ª falou na recente cimeira ibérica e nas intervenções «negativas» do meu partido para que essa cimeira tivesse tido um resultado extremamente relevante, em termos de política externa, entre os dois países. Pergunto-lhe, Sr. Deputado, qual foi o resultado dessa cimeira? Toda a gente sabe que o resultado foi «zero».

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Angelo Correia, o Sr. Deputado usou tanto os termos «matiz» e «matricial» na sua intervenção que eu pediria licença para pedir também uns esclarecimentos «matriciais» em relação ao seu discurso.

Risos.

Em primeiro lugar, dá-me ideia de que o Sr. Deputado não terá assistido a algumas intervenções, nomeadamente a do meu colega de bancada José Manuel Tengarrinha e, ontem, a do Sr. Deputado Almeida Santos,

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em relação às Grandes Opções do Plano. Aquilo que toda a Câmara pôde verificar foi que se trata de um documento que toca as raias do ridículo e provocou a hilariedade desta Câmara.
Como é que o Sr. Deputado pode. escolher este documento para ilustrar a «grande obra» do Governo? É algo que efectivamente só por ausência temporária do Sr. Deputado do hemiciclo ou por falta de leitura integral do texto se pode aqui afirmar.
O certo é que o Sr. Deputado, que se tem dedicado em especial a esta matéria e, como é sabido, faz parte da Comissão de Defesa Nacional, proeurou, em matéria de orçamento, referir-se ao que diz respeito à defesa nacional. Nesta parte, a questão que lhe coloco é a seguinte: o Sr. Deputado afirmou que este Orçamento representa a preparação do futuro das Forças Armadas. Devemos, pois, concluir que, na opinião do Sr. Deputado, não representa a preparação do presente das Forças Armadas? É esta a pergunta que lhe deixo.

Vozes do MDP/CDEE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por responder ao Sr. Deputado Raul Castro.
Sr. Deputado, as minhas referências à «matriz» são uma deformação de engenheiro, porque uma das disciplinas fundamentais de engenharia é a da álgebra matricial. Como tal...

Risos do PSD.

Cada um tem os seus defeitos, só que alguns têm a coragem de os exibir, como é o meu caso.

Risos do PSD e do CDS.

V. Ex.ª admitiu que eu ontem não teria ouvido a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, mas ouvia-a com toda a atenção; aliás, dir-lhe-ei que ela talvez tenha provocado hilariedade nele próprio. Simplesmente, do meu ponto de vista, a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos - e, além de a ter ouvido, li-a - foi baseada num conjunto de frases que ele retirou, tendo tentado tirar de uma parte uma ilação para o todo.
Tenho pena que o Sr. Deputado Almeida Santos não esteja aqui para me ouvir referir a comparação possível que poderia ser pegar numa parte e daí inferir para o todo. Suponha o Sr. Deputado Raul Castro que o Sr. Deputado Almeida Santos estava agora aqui com uma gravata excelente, linda, deslumbrante. V. Ex. a olha para ele e diz-lhe: «Mas que bela gravata V. Ex.ª tem! Seguramente que é o representante ou advogado das multinacionais, de enormes empresas portuguesas ou estrangeiras.»

Risos do PSD e do CDS.

... o que não é verdade, porque a gravata, que é uma parte do todo, nunca pode estiolar nem esconder a alma socialista, a alma de esquerda, a alma do Sr. Deputado Almeida Santos! ...

Risos e aplausos do PSD.

Ou seja, tomar uma parte pelo todo é sempre um extraordinário erro em qualquer metodologia de qualquer ciência, muito mais grave em política, é um erro que já não faço.

Risos do PSD.

Em relação à questão que o Sr. Deputado Raul Castro coloca sobre se isto é um orçamento de defesa de preparação das Forças Armadas do futuro e - por que não? - do presente; diria que não pode ser do presente por uma razão muito simples, que passo a explicar: um equipamento para as Forças Armadas -uma fragata, por exemplo- demora quatro anos a construir; aviões, como por exemplo aqueles cuja compra aprovámos em Julho deste ano, demoram dois ou três anos a construir. O que acontece é que esses projectos começam a pagar-se...

Protestos do PS.

Penso que os murmúrios de VV. Ex.ªs não serão de ignorância perante estas questões, nem serão provavelmente de surpresa...

Risos do PSD e do CDS.

De qualquer das formas, VV. Ex" saberão que começa a pagar-se num determinado ano, que depois há três, quatro ou cinco anos de pagamento das chamadas anualidades (risos do CDS) e que só no fim é que vêm os equipamentos. Por isso, começa a pagar-se agora para cá estarem daqui a quatro ou cinco anos. É nesse sentido que o Orçamento para 1987 e uma lei desta Assembleia aprovada em Julho deste ano e relativa a quatro programas significam na prática a preparação das Forças Armadas do amanhã, que, no meu ponto de vista; terão uma tradução orçamental vultosa, a mais vultosa de todas, em 1989. Basta para isso não só analisar a «racional» militar presente neste Orçamento como também ler a lei de programação militar que anteontem o Governo depositou na Assembleia da República, na qual já está registado um conjunto de instrumentos importantes. Permita-me registar três: os chamados radares SICCAP, intercepção área e artilharia antiaérea e - o mais importante, que para si é sensível - o programa de equipamento da brigada de forças especiais. E com isto respondo ao Sr. Deputado Marques Júnior.
Nesse sentido estamos a preparar o futuro, sendo certo que sacrificando relativamente o presente. Simplesmente, aqui trata-se de uma opção política.
Srs. Deputados, podiam verter no Orçamento para 1987 o mesmo crescimento de despesas de funcionamento corrente que estão a verter para equipamento militar. O que é que acontecia nesse caso? Nas minhas contas, o crescimento real do orçamento da defesa não era de 12%, ou seja, de 21,74% em termos monetários, mas sim de, aproximadamente, 40%. Pergunto: VV. Ex.ª e o País legitimariam politicamente um crescimento do orçamento da defesa nacional este ano de 40 % em termos nominais? Eram capazes de o fazer? Nós teríamos dificuldades, porque teríamos de sacrificar uma de duas variáveis: ou agravaríamos o défice do Orçamento do Estado ou sacrificaríamos aspectos essenciais de incrementos colectivos, de que o País também carece.
Por isso, há um sacrifício relativo do funcionamento, que mesmo assim é um crescimento, de 9,56% em ter-

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mos de despesas de funcionamento normal. Este número de 9,56 % significa, para uma inflação esperada de 8% ou 9%, na pior das hipóteses, um crescimento real de zero e, na hipótese normal, de 1 % ou 2%.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não é a taxa de consumo corrente que tem de aplicar!

O Orador: - É, é, Sr. Deputado.
Sr. Deputado João Amaral, não me leve a mal, pois tenho por si grande respeito e consideração e já lhe disse que o senhor é homem de futuro (risos do PSD), mas, às vezes, V. Ex.ª e o seu partido, ao falarem de dados, cometem alguns dislates.
Por exemplo, quando ontem interpelaram o Sr. Ministro das Finanças sobre o consumo de cimento e aço, o Sr. Ministro falava em termos reais e VV. Ex.ªs respondiam em termos aparentes, dizendo que consumo real e consumo aparente são a mesma coisa...

O Sr. Eduardo (Pereira (PS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, com isso até o Sr. Ministro das Finanças está admirado! ...

Risos do PS e do PCP.

O Orador: - ... quando não são: um é aquele que se faz mais, aquele que resulta do saldo da importação e da exportação - é certo que VV. Ex.", naturalmente por leitura apressada ou por falta de leitura, não souberam interpretar a diferença entre essas duas realidades, essas duas taxas. É por isso que, muitas vezes, não tem sentido fazer comparações em termos de taxas.
Mas eu tento ser honesto e imparcial numa realidade...

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é difícil!

O Orador: - Não, não é difícil. VV. Ex.ªs é que muitas vezes não querem ver a realidade, porque, quando têm os números à vossa frente, não os querem ler.
Com toda a sinceridade, quero dizer uma coisa: penso que a preparação das Forças Armadas, em termos de Força Aérea, em termos de sistemas globais, e de Armada, para a década de 90, está claramente garantida e assegurada, como eu disse - e eu sou, no mínimo, credível.
No Exército, creio que talvez tenhamos de repensar algumas realidades e de recondicionar alguns factores.
Penso que isso será inevitável e necessário.
Mas dizer, como VV. Ex.as querem dizer, que este é o pior orçamento, que este é um orçamento que apenas assegura a sobrevivência do presente das Forças Armadas é uma leitura errada.
Por isso, Sr. Deputado Marques Júnior, às suas perguntas sobre que leituras tinha eu feito e que livros tinha eu lido, respondo-lhe que li os mesmos que V. Ex. a leu, a não ser que, das duas uma: ou V. Ex. a não os tenha lido ou os tenha lido de uma maneira diferente daquilo que lá está escrito.
O problema essencial, meus senhores, não é na percepção daquilo que lemos: é também na maneira como desejamos interpretar e na acção que legitima e concretiza o que lá está escrito.
Tenho uma garantia, que os senhores também têm: a de que, com a execução que deu em inúmeras áreas do País durante este ano, o Governo dá garantias de execução suficiente, capaz e credível a muitas das coisas com que se comprometeu.
Quando acusam o governo de «oportunidade perdida», deviam era olhar para VV. Ex.a` e pensar que são, em muitos casos, a oposição da perca de oportunidades.
VV. Ex.as são a «oposição da perca de oportunidades» do crescimento real dos salários em Portugal; são a oposição da «perca de capacidade» da diminuição do endividamento do País; são a oposição da < perca de capacidade» de termos resolvido alguns problemas na área do sector administrativo do Estado; quanto ao sector empresarial do Estado, VV. Ex.as não o quiseram fazer.
Não vale a pena lerem onde as coisas não estão. Vale é a pena sermos todos um pouco humildes, perante uma realidade que é visível - mais do que para nós para o povo português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Antes de iniciar a minha intervenção no debate em curso, quero exprimir o nosso protesto perante o mais recente gesto do Sr. Primeiro-Ministro.
Quando devia estar aqui a participar nos trabalhos e a dar à Assembleia os esclarecimentos que ela pede...

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PS(r): - Essa é boa!

O Orador: - ... decidiu, uma vez mais, demonstrar o enfado com que encara as regras, os trabalhos e as tradições parlamentares.

Dozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao «palácio da democracia» o Primeiro-Ministro e o seu governo preferiam o «palácio da propaganda».

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

Fozes do (PCP): - Muito bem!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Tolice, tolice!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Falta de argumentos!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Depois de o Governo nos ter enviado as Grandes Opções do Plano não é mais possível ignorar que esse texto existe. Ali está a cultura, a doutrina e a política deste Governo.
Não poderei deixar de ter em conta este facto. Não discutirei essa proposta de lei, mas discutirei aquele pensamento.
A leitura das Grandes Opções a médio prazo e para 1987 e do Orçamento para 1987 obriga-nos a algumas observações gerais.

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Em primeiro lugar, o texto das Grandes Opções é simplesmente o mais delirante de todos quantos entraram nesta instituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Do estilo ao conteúdo, da forma aos objectivos, dos pressupostos às orientações, este texto é a negação da modernidade cultural, da racionalidade democrática e da humildade indispensável no serviço público. As Grandes Opções são um desvario de cultura, que, como tal, deverão ser derrotadas nesta Assembleia.
Segundo, não existe qualquer espécie de relação fundamental entre as Grandes Opções a médio prazo e o Orçamento para 1987, que, em princípio, é o primeiro ano do médio prazo. Este último é sobretudo um orçamento de rotina, de manutenção e de continuidade. Em certo sentido, é até melhor que assim seja, pois se o Orçamento traduzisse a política das Grandes Opções seria caso para dizer que estamos perdidos. É melhor que assim seja, dizia, mas, mesmo assim, é medíocre, porque, numa altura em que há meios, seria melhor, ou antes, seria a estrita obrigação do Governo acudir às necessidades, reformar e mudar políticas atávicas.
Dito isto, voltemos por breves minutos às Grandes Opções. Estas serão certamente recusadas, desmontadas e mesmo postas em ridículo, não só pelos deputados, mas também por todos quantos, na sociedade, tiverem a oportunidade de consultar tão nefasto documento. Vale todavia a pena sublinhar alguns defeitos deste plano. Sublinhar para condenar.
Antes de mais, a recusa do Governo em se considerar europeu, o que não é muito grave, e em considerar europeus Portugal e os Portugueses, o que já o é. Por entre falácias e lirismos, com pretextos fúteis e argumentos barrocos, o Governo recusa-se a dizer simplesmente: somos europeus e da Europa, queremos o que de melhor tem e deu ao mundo, da ciência ao pensamento, da civilização à democracia, da técnica à cultura.
E, no entanto, somos europeus. Somos e queremos sê-lo, Srs. Ministros, por mais que lhes custe. Sê-lo-emos, sem deixar de ser patriotas, mas não aceitando o novo patriotismo atlântico e intermediário que o Governo nos oferece.
Já queríamos ser europeus em 1945 e desejámos festejar, com os europeus, a vitória da liberdade e da cultura sobre a barbárie. Mas houve quem o não quisesse e o impedisse.
Também queríamos ser europeus nos anos 60, quando poderíamos ter ajudado ao nascimento de novos Estados independentes e de novas nações africanas, que, aliás, tínhamos ajudado a fazer. Também então houve quem o não quisesse e quem impedisse que cumpríssemos um destino possível de povo civilizado.
Em 1974 queríamos ser europeus. Também então houve quem tentasse evitá-lo, em nome de todos os despotismos revolucionários. Dessa vez, no entanto, ganharam os que queriam que Portugal fosse europeu, moderno e civilizado. Mas ganharam também os que queriam acabar de vez com o patriotismo retrógrado dos que amam a pátria «com frases rangentes donde sai um aroma», como dizia Eça de Queiroz.
Ganharam os outros patriotas, os que amam o seu país «com emoções pequeninas, triviais e caseiras», ganharam os que querem dizer a Portugal, hoje como em 1880: «Se és pobre, trabalha; se és ignorante, estuda!» Se há patriotismo que vale a pena é o da «instrução e o do trabalho», o da «ciência e da justiça» (Eça de Queiroz).
Queremos ser europeus, Srs. Ministros, ter mais escolas e melhores universidades, bibliotecas nos liceus, alfabetizar todos os portugueses, ensinar a ler e a contar, a ciência e a técnica, a música e o desporto, a democracia e a tolerância. Não queremos ser «ponte», nem «intermediário», nem «euro-porto», nem «plataforma rotativa»: queremos ser europeus, livres, cultos e civilizados, que é a melhor maneira de respeitar Portugal e de respeitar os Portugueses. Não queremos que a nossa cultura esteja dominada pela geoestratégia, como acontece com a doutrina do Governo. Não queremos que ela se traduza nos mitos paroquiais e provincianos que, sob a hipócrita capa da «identidade nacional», alimentam e fundamentam os despotismos domésticos.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não quer ser nada!

O Orador: - Seremos europeus e não serão os Srs. Ministros que o impedirão!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas há pior, Srs. Deputados: Ao ousar definir Portugal (o que ninguém lhe pede que faça!), ao definir-se culturalmente e ao sugerir uma política para a cultura, a educação e a ciência, o Governo prepara-se simplesmente para estabelecer um apartheid cultural! «Ou muito português, ou muito bom!» Custa a acreditar que alguém tenha ousado, com despudor, propor uma tal política. Alta cultura e grande ciência universal para os génios: eis que é puramente reaccionário. Muito português, muito genuíno, muito parado no tempo: eis que também é estritamente reaccionário! Moderno e cosmopolita para os poucos felizes! Telúrico, a cheirar a urze mas também a lama, verdadeiro mas também pobre e imutável, para os outros, para todos!
Que pensarão disto o Ministro da Educação, a Secretária de Estado da Cultura e o Secretário de Estado da Ciência! Desafio-os a virem aqui à tribuna defender tão insólita política. Gostaria de os ver... para nunca mais os esquecer!
Os melhores saem de entre os muitos. Os génios, os sábios e os artistas surgem quando a massa crítica é grande. E a primeira obrigação do poder político é a de promover a cultura, a ciência, as artes e as técnicas para todos. De todos sairão os melhores. O Governo parece pretender distinguir os sábios, fazendo um deserto à volta, ou recusando a mudança e a modernidade ao conjunto do povo.
O Sr. Primeiro-Ministro não criará um apartheid cultural e científico: não lho permitiremos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, este primeiro exame, na generalidade, das propostas e lei do Governo permite chegar a algumas conclusões, com particular incidência nos domínios da educação, da ciência e da cultura.
A rotina e a continuidade são os princípios que modelaram os orçamentos. Vão-se distribuindo dinhei-

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ros pela simples razão que já se distribuíram antes. Nas Grandes Opções vitupera-se contra o estado de coisas na educação e na cultura; no orçamento mantém-se quase tudo como antes. Mas há excepções. A primeira, um programa de bibliotecas de leitura pública, que merece o nosso apoio. A segunda, um aumento interessante de verbas para investigação científica.
Mas vale a pena interrogarmo-nos: será suficiente o esforço para a investigação? Não é.

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - Dizem-no os especialistas e os próprios cientistas. Apesar do aumento, no fim do próximo ano estaremos ainda mais longe dos países desenvolvidos. Isto, num ano em que existem os meios; o orçamento para a ciência ficou-se abaixo de 0,5 % do produto.
E os 260 000 contos para as bibliotecas serão suficientes? Contemplam-se quatro arquivos distritais e seis bibliotecas, de Sernancelhe a Linhares da Beira: a este ritmo, em que século haverá bibliotecas para quase todos os portugueses? Em que século se acabará de construir o essencial e o básico?
Mesmo o pouco que há de bom ou de razoável aparece sem critério, sem política e sem fundamentação.
Mantém-se a rotina relativamente às desigualdades sociais perante a escola. Mantém-se a rotina nas construções escolares. É a continuidade na política do arbitrário, do exibicionismo burguês e do espírito de antiquário na cultura. É a continuidade (ou mesmo agravamento) perante o analfabetismo e a educação de adultos. É a rotina e a continuidade, apesar de haver meios; apesar de haver uma Lei de Bases do Sistema Educativo a respeitar e a pôr em prática; apesar de o partido do Governo (ou talvez por isso mesmo) ser há anos e anos o responsável pelo Ministério da Educação. É a continuidade na ausência total e confrangedora de ligações entre a cultura e a educação, apesar de os departamentos pertencerem agora ao mesmo Ministério.
Mas há outra coisa que mudou: a educação deixou de ser prioridade política e orçamental. Foi-o durante nove meses. Agora já não é, o que se reflecte imediatamente no esforço financeiro, mas também no esforço político e intelectual que o Governo despende relativamente à educação, à ciência e à cultura. E com isso estamos totalmente em desacordo.

Uma voz do PSD: - Não esperávamos outra coisa!

O Orador: - E isso consideramos grave atentado ao progresso de Portugal. Em Portugal, muito especialmente em Portugal, a educação, a ciência e a cultura são prioritárias, qualquer que seja o ponto de vista ou o critério: o da democracia, o da justiça social, o do progresso, o do desenvolvimento, o dos direitos do homem ou o da dignidade nacional. A educação mereceria mais e mais, melhor e melhor. Merecia ser consistentemente uma prioridade durante dez, vinte, trinta anos, até que haja resultados visíveis e irreversíveis.
Sr. Ministro, já viu as dezenas de estantes vazias nas bibliotecas das novas escolas, especialmente as preparatórias e secundárias? Já viu as novas escolas sem qualquer instalação desportiva?
Porque não quer o Governo fazer um grande esforço financeiro e cultural com as bibliotecas escolares e com os recintos desportivos escolares, uns e outros abertos às populações, sobretudo em áreas rurais e nos bairros periféricos e suburbanos?
Com a taxa de insucesso em crescimento, com a proliferação dos horários duplos e triplos, com as escolas superlotadas, com a taxa de abandono em crescimento, com o aumento de insegurança nas escolas, com a esmagadora maioria dos portugueses tendo apenas a escola primária elementar ou menos, com números de alunos por professor que nalguns distritos podem ultrapassar os 60, com tudo isto, a educação e a cultura bem mereciam a prioridade, o esforço e o sacrifício de todos. O essencial, Srs. Ministros, as armas do futuro são a ciência, a instrução, a cultura, as técnicas, as invenções, as ideias, as artes e as letras: são estas as prioridades. É este o nosso patriotismo.
Em vez disso, o Governo tem a audácia inédita, o descaramento de vir dizer que «não são necessários mais livros, nem mais professores de Português ... »!

O Sr. Cuido Rodrigues (PSD): - Não disse nada disso!

O Orador: - A irresponsabilidade de quem assim pensa e fala deveria ser politicamente punida. A verdade é que os irresponsáveis não têm limites na imaginação delirante: este Governo propõe-se toda a espécie de disparates, desde a «reportugalização de Portugal» à definição do seu carácter nacional, desde fazer de Portugal um «euro-porto curioso», até «rever e actualizar o conceito de cultura». Com estas promessas, não me custa aceitar a ideia de que os irresponsáveis devem ser contrariados.
Ao lado da rotina e do desprezo relativo pela educação, outra característica das políticas do Governo e das propostas de lei que aqui nos traz é o centralismo autoritário. Apesar dos apelos românticos que as Grandes Opções fazem à sociedade civil, ao risco, ao liberalismo, ao espírito de aventura e à criatividade, contra o estatismo, a verdade é que as decisões na educação, na ciência e na cultura se mantêm na estrita dependência da autoridade central, burocrática e política. O Governo tem medo da liberdade, tem medo da participação.
Não concede às universidades toda a autonomia necessária nos programas, na gestão orçamental, no recrutamento, no regime de prescrições, na sua organização, na administração das admissões de estudantes e até na avaliação.
Reconhece universidades privadas, num gesto para o qual é particularmente incompetente; reconhece diplomas privados sem nunca os ter visto, sem que eles existam sequer; paga subsídios e apresenta-se como garante da qualidade de ensinos superiores privados inexistentes, sem imaginar sequer que todos esses reconhecimentos deveriam pertencer ao mundo académico e científico, ao mercado, aos estudantes e suas famílias.
Perante uma situação degradada do ensino do Português, por causa das más escolas, dos defeitos do sistema de ensino, da má televisão e da preparação insuficiente dos professores, perante tudo isso, o Governo reage como sabe: com a repressão e a autoridade, fazendo pagar as vítimas e transformando os professores em carrascos.

Uma voz do PSD: - Não apoiado!

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O Orador: - Não se pode fazer política séria para a educação, a ciência e a cultura administrando o que está, cuidando das coisas em vez de cuidar das pessoas, continuando a decidir, nos ministérios, sem a participação dos intelectuais, dos professores, dos artistas, dos cientistas e dos técnicos. A maior parte dos projectos governamentais para a cultura, por exemplo, traduzem apenas o arbitrário. Porquê este convento e aquela muralha e não os do lado? Por que recebem as três Academias 60 000 contos e o Gabinete de Relações Internacionais 100 000? Por. que se compra um parque e um palácio no valor. comercial de meio milhão de contos? De cada uma destas decisões se pode dizer que está bem. Mas porquê? Porquê estas? Como e porque são distribuidor os subsídios aos teatros, aos escritores, às bandas e a miríades de organizações? É sobretudo aqui, num colossal saco azul para a cultura, o reino do arbitrário. Os critérios devem ser encontrados nas escolhas e nas políticas, por um lado -, nas opiniões dos interessados e no seu trabalho, por outro. Quem são os interessados? As autarquias, as regiões, as associações, os professores, os estudantes, os cientistas e os intelectuais. Sc o Governo adora os deuses de iniciativa privada, por que não os cultiva também na educação e na cultura? Por que não remete as decisões sobre inúmeros aspectos concretos, incluindo acções e subsídios, para conselhos independentes das artes, das letras e das ciências?
A política do arbitrário é inimiga da cultura, da ciência e da educação, mas é amiga das clientelas e da política de fachada. Tem algum sentido pagar insuficientemente a dezenas de museus, alguns deles fechados, outros sem visitantes, muitos sem animação, quase todos sem qualquer ligação com a educação e a escola? Tem algum sentido deixar desenvolver-se o gigantismo absurdo e paternalista do Instituto do Património? Só descubro um sentido: promover o arbitrário para seleccionar clientes e beneficiários.
Tem algum sentido prever 40 000 contos para artesanato e folclore e 580 000 para a ópera de São Carlos, 450 000 para o Teatro de D. Maria e 360 000 para as orquestras? Apetece perguntar: a ópera e as orquestras sinfónicas são muito boas ou muito portuguesas? Olhando para cada uma destas verbas, é sempre possível dizer que «está bem». Mas a política de conjunto é inexistente, ou errada e desajustada. E com uma política diferente, feita a partir de uma ideia e não como simples soma ou agregado de projectos avulso e de acções a granel, as verbas seriam certamente diferentes.
Para a cultura, já o dissemos mais de uma vez, há dois meios importantes: a escola e a televisão. Curiosamente, ambas parecem esquecidas pelo Orçamento e pelo Plano. Bibliotecas, recintos de desporto, instrumentos de música, locais para teatro, laboratórios e máquinas científicas nas escolas, fazem mais pela cultura e pela ciência do que a maior parte dos planos e programas que nos apresentam. Preservar o património e desenvolver a cultura é sobretudo motivar, ensinar e sensibilizar as pessoas para respeitarem os sítios onde vivem, os centros históricos, as cidades e os edifícios, como também os rios, as montanhas e as praias. Que política de educação e cultura é esta que faz comprar um convento aqui e umas pratas. acolá, ao mesmo tempo que deixa destruir as cidades velhas, os bairros históricos, a Ribeira, no Porto, a Avenida da Liberdade, o cabo Espichel e quase todos os rios? A esta cultura se aplicará o que alguém disse: «Tirar ao que faz falta para dar ao que faz vista!» Consistirá a política do «muito bom ou muito português» em comprar terrinas de sopa da Companhia das Índias enquanto se come em pratos de plástico? A única política de cultura e património que faz sentido é a que se destina às pessoas e à vida.
Que política de educação e cultura é esta que esquece, marginaliza e ignora o mais importante instrumento contemporâneo, a seguir à escola, que é a televisão? Nem a língua portuguesa, nem o teatro, nem o livro, nem a música, nem o cinema, nem a história, nem a geografia, nem a ecologia, nem o espírito cívico, nem a democracia, se desenvolvem e defendem sem a televisão. Mas uma televisão livre, independente, culta, aberta e crítica mete medo ao Governo. Poderia a televisão estar ligada a uma autoridade independente? O Governo diz não. Poderia a televisão chamar os artistas portugueses, os humanistas, os cientistas, os professores e os escritores? O Governo não quer. Em vez disso: concursos e concursos; medíocres programas revivalistas; toneladas de enlatados; e uma informação estreitamente controlada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só lhes posso dizer, Srs. Ministros, que pela televisão que nos dão os senhores têm uma bem triste ideia dos Portugueses e do que eles podem ser. Apetece perguntar: são os Portugueses muito bons ou muito Portugueses?
Srs. Membros do Governo, o Grupo Parlamentar Socialista ofereceu-se já para colaborar com o Governo nalgumas correcções ao Orçamento, entre as quais uma dotação mais importante e prioritária para a educação.
Até agora, e quase chegámos ao fim, o Governo tem dito claramente que prefere um orçamento minoritário, partidário e sectário. Se assim é, o problema é o seu e o da sua miopia. Mas que não nos venha depois falar do interesse nacional e da sua vontade de diálogo: hipocrisia, pura hipocrisia.
Quanto às Opções, apenas lhes posso dizer que já chumbaram. Mesmo que passassem aqui, não serão retomadas por quem de direito - nem pelos autarcas, que querem eles próprios ter algo a dizer sobre a educação e a cultura do nosso povo e sobre os seus sítios; nem pelos cientistas, que querem trabalhar para a comunidade com autonomia e criatividade e não como simples intermediários ou como agentes da geoestratégia; nem pelos professores, que, apesar de mal pagos, não é apenas de dinheiro que precisam: é sobretudo de um lugar digno na sociedade que eles pretendem, assim como as condições para exercerem com responsabilidade o seu papel de agentes de modernização e de formação de cidadãos livres.
Com eles, faremos um Portugal bem diferente daquele que jaz nos vossos planos.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE, do deputado Silva Lopes (PRD) e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Barreto os Srs. Deputados Virgílio Carneiro, Vítor Crespo, Luís Capoulas, Joaquim Domingues e Silva Marques.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Virgílio Carneiro.

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O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, após tê-lo ouvido com a melhor atenção possível, fiquei com a sensação de que V. Ex.ª padece de um de três males...

Uma voz do PSD: - Deve ser dos três!

O Orador: - ... , ou talvez dos três males simultaneamente: um pessimismo atroz, uma grande frustração e ou uma irreprimível inveja da coragem excelente deste governo.

Aplausos do PSD.

Só isso explicará esse derrotismo, já mórbido, que afinal nós compreendemos e desculpamos...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Obrigadinho!

O Orador: - ... a quem luta tenazmente por alcançar «um lugar ao sol».
Voltou V. Ex.ª às «teclas» já batidas: o Orçamento não dá prioridade à educação, as verbas não chegam para coisa alguma, a Lei de Bases do Sistema Educativo não foi cumprida - pudera, ela já está cumprida! -, não há escolas que cheguem e outras diatribes.
Está claro que ninguém de boa fé e com um mínimo de sentido de justiça afirmaria que este orçamento do Ministério da Educação, que é superior ao orçamento de «luxo» do ano passado e que ocupa o segundo lugar nos grandes «bolos» do Orçamento do Estado, a seguir ao sector dos transportes, não dá prioridade à educação.
Além disso, Sr. Deputado, não é só o volume excessivo de dinheiro que significa prioridade. Não será também dar prioridade a preocupação manifestada pelo aperfeiçoamento pedagógico e pela inovação pedagógica?
Não será dar prioridade proceder a uma mais rigorosa racionalização dos recursos humanos e materiais?
Não será dar prioridade uma maior exigência na deontologia profissional dos agentes educativos?
E tudo isto, juntamente com as quantias distribuídas por várias rubricas, no montante, salvo erro, de cerca de 2 milhões de contos, destinados ao apoio a alunos com necessidades especiais, à formação de professores e técnicos especiais, a subsídios para diversas instituições de itinerância de inovação pedagógica, à formação de professores integrados nas escolas secundárias, ao apoio técnico e pedagógico a várias escolas secundárias e do ciclo preparatório, à formação e orientação escolar e profissional, a novos jardins-de-infância, não será dar prioridade à educação?
Além disso, «Roma e Pavia não se fizeram num dia». Sr. Deputado, peço-lhe que aguarde mais algum tempo e verificará os resultados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que talvez seja a primeira vez que me sinto profundamente embaraçado ao usar da palavra nesta Casa, dado o respeito que tenho pelo Sr. Deputado António Barreto, pelo facto de reconhecer nele um universitário e pelo facto de ver tão violentamente violados - desculpem o pleonasmo - a ética e os costumes universitários. É que há limites para os abusos de linguagem, há limites para a caricatura e há mesmo limites para a linguagem política, que tem uma certa liberdade.
Sr. Deputado António Barreto, não lhe quero fazer muitas perguntas, mas, como membro do Partido Social-Democrata, como cidadão, como universitário e, porventura, como intelectual, quero deixar aqui o meu veemente protesto.
É que V. Ex.a, ao afirmar que o Governo diz que se recusa a ser português, está a fazer uma injustiça de tal monta que se desacredita nas suas considerações.

Aplausos do PSD.

Mas não foi só isso que disse, Sr. Deputado, falou de arbitrariedades.

O Sr. António Barreto (PS): - Não está afalar verdade.
Eu não disse que o Governo se recusava a ser português. Isso que está a dizer é mentira!

O Orador: - Pois... , V. Ex. ª disse: «O Governo recusa-se a dizer: somos europeus» - peço perdão e também disse que se recusava a ser português.
Disse tanta coisa que, efectivamente, a minha mente quase se não pode alinhar: falou em repressões, em reinos do arbitrário ... , falou em tanta coisa, que ninguém de bom senso pode aceitar.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Tanta asneira!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado disse que não havia prioridade para a educação.
É evidente que no ano passado houve prioridade para a educação e que este ano o Orçamento é do mesmo nível de grandeza.
No entanto, não queria deixar de lhe chamar a atenção para o seguinte: sempre que os governos foram da liderança do Partido Socialista - e isso pode provar-se - baixaram as percentagens do produto interno bruto para a educação, baixou a construção de escolas, baixou o número de jardins-de-infância, baixou a colocação de professores, baixaram todos os índices de progresso e de desenvolvimento da educação.

Aplausos do PSD e protestos do PS.

Vozes de alguns membros do Governo: - Muito bem!

O Orador: - Quando V. Ex.ª, Sr. Deputado António Barreto, diz que nas universidades não há autonomia pedagógica nem de qualquer outra natureza, está completamente a tresler.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a autonomia de que hoje gozam as universidades portuguesas é de nível comparável ou superior a quase todas as universidades do sistema estatal.
Se V. Ex.ª reparar que basta uma portaria para fixar o número de créditos de determinado curso e que compete a toda a universidade fazer o que bem entende sobre a estrutura do curso, se verificar que cabe às universidades nomear os seus assistentes e fazer todos os concursos, se reparar que as universidades têm auto-

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nomia científica e, se quiserem, autonomia administrativa e financeira, e continuar a dizer o mesmo, então, V. Ex.ª está infinitamente a tresler. Por isso, com mágoa, não posso deixar de fazer aqui um grande protesto pela sua intervenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, sinto-me tentado a renunciar ao uso da palavra, depois de ter ouvido o meu companheiro de bancada Vítor Crespo, pois comungo com ele da profunda decepção sentida ao ouvir a sua intervenção.
Quero apenas realçar um aspecto, porque, além de ter ofendido o Governo e a bancada social-democrata, me tocou particularmente.
O Sr. Deputado insinuou, ou disse mesmo, que as Grandes Opções do Plano indiciavam uma intenção de constituição de um apartheid cultural. Quero rejeitar liminarmente esta suspeita infundada do Sr. Deputado e dizer-lhe, muito seriamente, que recuso qualquer legitimidade para falar desses indícios a quem, quando no governo, mais cavou o fosso existente na nossa sociedade entre os pobres e os ricos, num governo daqueles que, falando em nome do socialismo, mais miséria ajudaram a criar e mais riquezas ilegítimas fomentaram à custa de economias subterrâneas e paralelas.
Portanto, um governo que se tem empenhado como nenhum outro em promover a justiça social, em fazer justiça aos mais desfavorecidos, não pode minimamente, de boa fé, ser apelidado ou suspeito de criar qualquer espécie de apharteids, sejam culturais, económicos, sociais ou quaisquer outros.
Era apenas isto que tinha para lhe dizer, pois, quanto ao restante, remeto-o para as considerações do meu companheiro de bancada Vítor Crespo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Domingues.

O Sr. Joaquim Domingues (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, serei extremamente rápido. Não poderei, no entanto, deixar de comentar que, ao ouvir o tom grande e eloquente, quasi épico, da sua intervenção, não pude deixar de recordar o que se passou na altura em que o Orfeu foi publicado e em que os apoiantes do Dantas clamavam que os autores do Orfeu fossem para Rilhafoles.
V. Ex.ª está a tomar uma atitude que me parece muito semelhante a essa ao falar num texto delirante. Suponho que essa não é forma de abordar o problema, sem, perante ele, tomar uma atitude crítica, que me parece não tomou. Aliás, V. Ex. a refere-se à falta de critérios, e eu pergunto-lhe em nome de que critérios é que fala nessa falta.
É evidente que a proposição de medidas, se exige critérios, está sujeita a uma crítica também baseada em critérios.
Pergunto, pois, a V. Ex.ª em que critérios baseou a sua crítica, até porque, tanto quanto pude ouvi-lo, resulta precisamente de uma leitura de medidas avulsas em relação às quais nem sequer pôde, tanto quanto vejo, meditar suficientemente.
Citar-lhe-ei apenas dois exemplos, atendendo, como disse, à falta de tempo.
Relativamente aos subsídios de teatro, possivelmente V. Ex.ª não conhece o texto que a Secretaria de Estado da Cultura divulgou para os órgãos de informação em que são expostos os critérios a que obecedeu essa distribuição e as linhas de orientação futura. Parece-me que não tem a mínima razão para, por exemplo, neste caso, se referir à falta de critérios, a não ser devido ao seu eventual desconhecimento desses mesmos critérios.
Por exemplo, em relação às bibliotecas, referiu que o programa de leitura pública do Governo se resumiria à criação de bibliotecas e arquivos em Sernancelhe, Linhares, Lamego, etc. Possivelmente V. Ex.ª leu muito apressadamente os documentos do Governo, quando é verdade que há mais de uma semana a Secretaria de Estado da Cultura enviou para a 4.1 Comissão um documento em que são distribuídos 263 000 contos para este efeito, mas noutra rubrica são distribuídos 360 000 contos para o programa de leitura pública, que, como suponho que sabe, será feito em colaboração com as autarquias locais.
São apenas exemplos que lhe cito para tentar mostrar aquilo que lhe disse. Isto é, V. Ex.ª citou avulsamente situações sem obedecer a qualquer critério de crítica.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado António Barreto classificou as Grandes Opções a médio prazo de delírio. Devo dizer-lhe que não foi só delírio; foi muito mais. O Sr. Deputado entrou no arsenal adjectivante já conhecido, tal como «reaccionário», «lamacento», etc.
Sr. Deputado António Barreto, mesmo que utilizasse essa linguagem, era-lhe exigível mais preocupação demonstrativa, e o Sr. Deputado ficou-se, quanto ás Grandes Opções, pela agressão afirmativa. Não sei se será essa a nova «grande opção» da nova direcção socialista!? ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não se distinguirá grande coisa das velhas «grandes opções» da velha direcção socialista, de que tivemos ontem aqui um sobejo exemplo por parte do Sr. Deputado Almeida Santos. Direi mesmo que entre o velho e o novo estilo prefiro o velho estilo, pelo esforço de criatividade literária.

Risos do PSD.

Mas não posso preferir o velho estilo pois não consigo diferenciar os dois estilos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - diz o Sr. Deputado António Barreto o seguinte: «As Grandes Opções que estes indivíduos delirantes, reaccionários e lamacentos nos apresentam não prestam porque o futuro do País, o País, se faz através das pequenas opções.» É verdade: o grande faz-se através do pequeno. Só que as suas pequenas opções são ainda muito mais delirantes do que o que o adjectivo «delirante» poderá significar.

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Repare: o Sr. Deputado abordou o tema fundamentalmente através da forma interrogativa e eu pergunto porquê. Mas mesmo que o método fosse bom, repare o delírio por onde se meteu: perguntou por que é que se compravam palácios, por que é que se compram umas pratas. Ora bem, a pergunta é legítima, só que o juízo é-o após a resposta, e o Sr. Deputado, então, deveria ter pedido esclarecimentos.
Imagine, Sr. Deputado António Barreto - e falo-lhe com muita seriedade e sinceridade -, que eu queria colocar o debate político no terreno, que é o seu, ou pelo menos foi-o neste momento, e lhe perguntava: por que é que a nova direcção socialista quer discutir novas Grandes Opções? Para quê enviar a cidadãos desprevenidos e indefesos uma carta com grafismo de luxo? Para quê? Para ganhar eleitores? Para os perder? De qualquer modo, o meu juízo acerca desse eventual desperdício ou dessa eventual loucura, legitimamente, só teria lugar após a sua resposta. E, se quiser, ainda está a tempo de ma dar! Para quê essa carta com grafismo de luxo? Para portugueses sem poder de compra, como os senhores dizem? Ou apenas para uma elite social? Mas então onde está a querer captar a nova direcção socialista? Nas camadas privilegiadas da sociedade portuguesa?

Vozes do PSD: - Exacto!

O Orador: - Sr. Deputado António Barreto, eu não vou por aí.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Então, fique pelo caminho!

O Orador: - Pois que vão os senhores, Srs. Deputados socialistas. Poderia dizer-se que estou a correr alguns riscos do ponto de vista eleitoral quando vos digo que os senhores por aí não ganham; pelo contrário, só perdem.
Ontem, o Sr. Deputado Almeida Santos dizia-nos«0 que quero é aproximar-me dos tribunos do século passado.» Eles falavam assim, pois falavam. Só com esta diferença: o Sr. Deputado Almeida Santos, embora com o brilho que lhe é peculiar, está muito longe do modelo, mas ainda está muito mais longe do tempo. Não do deles, mas do seu.
Hoje, felizmente, não há sufrágio censitário. Todos podem votar... mesmo aqueles que não têm tempo para ociosamente seguir os exercícios literários dos tribunos. E hoje a maioria do eleitorado é constituída por esses que não têm tempo, por isso eles querem não os exercícios literários dos seus modelos, mas quem lhes fale depressa e claro, que é o caso do actual governo. É isso que o Sr. Deputado não compreende.

Aplausos do PSD.

Mas estejam descansados. Estou a dar-vos algumas pistas...

Risos do PSD.

... para melhorarem a vossa nova direcção política. Mas não corro riscos, por esta razão muito simples: os senhores não têm emenda.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Deputado António Barreto, como sempre faço quando V. Ex.ª fala, ouvi-o com atenção ler a sua intervenção, porventura o seu trabalho de casa. Provavelmente, foi feito ontem à noite, e estava, como sempre, bem redigido, embora num tom que já aqui suscitou, por parte da bancada do PSD, algumas reacções porventura justas.
Como deve ter reparado pelo pedido de esclarecimento que ontem tive ocasião de fazer ao Sr. Ministro do Plano, comungo de algumas das inquietações que V. Ex. a aqui trouxe. No entanto, ao ouvi-lo fiquei sem perceber até onde vai o sopro liberalizante da nova esquerda que V. Ex. e representa e qual é a profundidade que atinge. isto porque V. Ex. e, ao mesmo tempo que faz esses apelos, vem dizer que ao Governo incumbe, como primeira de todas as suas missões, a promoção da cultura. Como penso o contrário, ou seja, que cabe ao Estado a promoção das condições que conduzam, em liberdade, a sociedade à produção da cultura, pergunto-lhe onde é que se situa exactamente.
Em segundo lugar, o discurso de V. Ex. e trouxe-me alguma inquietação em relação ao Partido Socialista, porque, como sabe, o Partido Socialista é sempre um tema importante para as minhas preocupações mais profundas.

Risos do PSD e do CDS.

De facto, quando ontem ouvimos o Sr. Deputado Almeida Santos fazer a sua diatribe no estilo que lhe é peculiar, ressumava do seu discurso aquilo que tem sido fundamental no PS a que nos temos habituado. O Sr. Deputado Almeida Santos disse «regionalização, sim, mas há problemas», «o mercado como factor influente no fenómeno cultural, jamais», «nas entrecolunas deste orçamento vêem-se ataques velados à fímbria das vestes do sector público», e V. Ex. a vem aqui fazer o discurso contrário: reconhece a influência do mercado na cultura, faz o discurso regionalizador, diz que o Estado é gigante. Afinal, o que é, Sr. Deputado?
É aquilo que diz o líder do seu partido, ontem repetido pelo Sr. Deputado Almeida Santos, ou seja, «queremos melhor Estado mas não mais pequeno», ou é aquilo que V. Ex. º nos vem dizer?
Ao fazer o seu discurso, o Sr. Deputado representou o partido onde se filiou há pouco tempo ou continua a ser o simpático deputado independente de há uns meses atrás?
É esta fundamentalmente a questão que ponho e, acima de tudo, como suponho que V. Ex.ª se assume como membro da sua bancada, gostaria de saber qual é, afinal, a política do Partido Socialista: é a política de esquerda moderna, liberalizante e outras coisas - que não sei bem o que são, mas admito que sejam muito válidas -, é a esquerda jacobina representada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, ou é a esquerda do PS aquando da revisão constitucional, em que serviu de guardião às conquistas estatizantes do PCP? Qual é, afinal, o PS perante o qual estamos, perante o qual a Nação está?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Ouvi mais intervenções e comentários do que perguntas, mas vou tentar responder àquelas que me pareçam ser perguntas formais.

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Quanto a saber se estou pessimista, pergunto quem o não há-de ser com o governo que temos.
Quanto a saber se estou frustrado, devo dizer-lhe que sim, por ver tudo tão atrasado nos mundos que referi, ou seja, no da educação, no da cultura. Com certeza que estou frustrado! Inveja é que eu não tenho, nenhuma, sobretudo do senhor.
O Sr. Deputado voltou a repetir o que o Ministro da Educação aqui disse ontem, ou seja, que estávamos a rebater teclas batidas. Por que razão é que a tecla da falta de educação há-de deixar de ser batida? Não percebo porquê.
Já ontem o Sr. Ministro da Educação disse: «Vamos deixar de falar de analfabetismo; vamos deixar de falar dos 50 01o de portugueses com menos de quatro anos de escolaridade obrigatória. Vamos deixar de falar disso.» Srs. Deputados, vamos deixar de falar disso quando isso acabar, e não antes. Então, vamos deixar de falar disso para deixar o Sr. Ministro em paz? Não vamos deixar de falar disso nunca! ... E hei-de rebater esta tecla, mesmo que me chamem velho ou da esquerda arqueológica. Chamem-me o que lhes apetecer. Enquanto houver analfabetos, enquanto houver gente a levar móveis de campismo às costas para as escolas porque o Ministério não soube tratar a tempo com as fábricas de móveis, enquanto houver isso, eu carrego na tecla, Sr. Deputado, não pararei de carregar na tecla. Sou arqueológico? Pois diga-o à vontade, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado disse que o Programa do Governo ia racionalizar, ia melhorar a pedagogia, ia haver mais rigor, ia acabar com o desperdício. Quero provas disso. E aproveito este momento para, a propósito de um problema importante - que, aliás, é relativo a várias das perguntas feitas pelos Srs. Deputados -, dizer que é razoavelmente caricato que estejamos a debater o Orçamento, as Grandes Opções do Plano a médio prazo e as Grandes Opções do Plano para 1987 sem termos suficientes instrumentos. Não me refiro só aos números, mas também à avaliação do que se fez no passado, pois esse é um grande problema que diz respeito ao funcionamento deste órgão de soberania e das relações entre Parlamento e Governo.
Perguntou um outro Sr. Deputado o que é isso dos critérios. Mas qual critério? Eu gostava de ter um critério para saber se os milhares que se deram no ano passado a uma escola, a um teatro ou a uma fanfarra foram bem aplicados e quais são os critérios políticos que o Governo entendeu aplicar numa decisão. É isso que nos falta.
Na minha intervenção eu disse - e o Sr. Deputado devia ter ouvido - que se poderá talvez dizer que, isoladamente, qualquer destas decisões está certa. Eu não sei se compraram um palácio, ou uma chícara ou uma terrina de sopa e se isso é justo ou não. Talvez isso seja bem feito. O que não se percebe é a razão dessa compra. Não se percebe qual é a inspiração política global, a inspiração cultural, que leva a cada uma destas decisões. Somos chamados a aprovar, por um voto global, milhares de pequenas decisões, e não estamos informados nem da avaliação que se faz das decisões anteriores, nem temos os meios para fazer um exame lúcido e crítico do que se fez no passado. É esse o problema dos critérios.
O Sr. Deputado Vítor Crespo, além de ouvir mal, o que é um defeito muito grave quando se está a debater numa Assembleia - mas o Sr. Deputado já corrigiu o lapso auricular que o levou ao início de uma intervenção inflamada, mas que depois perdeu bastante porque partiu de um pressuposto errado -, ou está há muito tempo fora da universidade, ou então não sei. O que é facto é que esqueceu as éticas e os costumes universitários, porque me veio acusar de ter faltado aos costumes e à ética universitários, o que, pura e simplesmente, não é verdade. Aliás, devo dizer-lhe que gosto muito pouco das pessoas que quando perdem os argumentos políticos se refugiam na moral e na boa educação. Eu não fui malcriado com ninguém, eu não ofendi ninguém...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: -... , e o Sr. Deputado vem aqui falar, logo a seguir, de boa educação, de ética, de moral e de outras coisas que, normalmente, reflectem uma espécie de fugidismo da ideia de quem perdeu os argumentos racionais para debater e discutir.
Ainda há pouco tempo um grande filósofo europeu que veio a Portugal - e que não é de esquerda -, quando lhe perguntaram o porquê da moral e das relações entre a moral e a política, disse pura e simplesmente: «Não podem ser misturados esses assuntos. À moral o que é da moral e à política o que é da política.» E a fusão entre moral e política é um primeiro passo para o totalitarismo, Sr. Deputado. Não é possível fundir a moral e a política. O comportamento de um político deve ser tabelado por regras morais na política, como em qualquer actividade humana. E o juízo moral e ético sobre um comportamento humano, político, científico ou outro deve ser rigoroso em qualquer circunstância. E o comportamento político não tem qualquer desculpa para falhar à moral - nem o político, nem o universitário, nem o académico, nem o financeiro, nem o económico, nem nenhum comportamento. O que não se pode é fazer uma fusão perigosíssima entre um e outro mundo.
O Sr. Deputado falou em governos de liderança socialista. O Sr. Deputado utilizou esse pequeno termo interessante - «liderança socialista» - porque estava a referir-se aos governos que tiveram ministros da Educação do PSD. Posso recordar-lhe que os Ministros da Educação dos últimos governos de liderança socialista se chamavam Seabra e Deus Pinheiro, tanto quanto a informação histórica me confirma.
Devo dizer-lhe que o Sr. Deputado, às vezes, me impressiona. O Sr. Deputado, antigo Ministro da Educação, foi ontem mesmo negado e varrido da história pelo actual Ministro da Educação, que disse: «Esta coisa dos antigos Ministérios da Educação acabou. Agora começou vida nova; o passado é o passado e nada do passado presta. Agora começa uma vida nova.» Imediatamente olhei para si, para ver se via uma reacção, mas não vi e fiquei surpreendido. A falta de reacção a esta espécie de frecha frontal será talvez aquilo a que o Sr. Deputado chama «costumes universitários». Eu chamo-lhe moleza, Sr. Deputado.

Risos do PS.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Deputado Vítor Crespo, estou nesta Câmara há um ano desde a última vez que aqui entrei, várias vezes pedi a vários deputados da sua ban-

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cada para interromper e todos eles jamais me concederam um segundo para o fazer. Olhe, amor com amor se paga, Sr. Deputado!

Risos.

Quanto à autonomia universitária, eu julgava que o Sr. Deputado fosse um seu defensor, um grande defensor.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - E sou!

O Orador: - Até lhe devo dizer que tem currículo. Quando estava no Ministério da Educação tomou três ou quatro das medidas mais revolucionárias no caminho da autonomia universitária. Se eu pudesse despir o meu casaco de deputado e vestir o de universitário, agradecia-lhe, como, aliás, já várias vezes o fiz pessoalmente.
Simplesmente toda a gente sabe que, hoje, em Portugal, a autonomia universitária é reduzidíssima e isso seguramente não é culpa apenas deste Governo mas de muitos dos governos que estão para trás dele e de 50 anos de corporativismo e de obscurantismo. É contra isso que quero lutar. O centralismo na universidade portuguesa não foi certamente criado pelo actual Governo, mas vem de trás. Mas o actual Governo é que tem de combater esse centralismo universitário, e, como o Sr. Deputado sabe perfeitamente, a autonomia universitária portuguesa é muito pequenina ao lado das autonomias universitárias das grandes universidades europeias e do mundo ocidental.
O Sr. Deputado aparece quase a defender o arqueológico, o velho, o que está, simplesmente para defender o seu Governo. Separe as coisas, Sr. Deputado! Defenda o Governo com uma mão, mas defenda a universidade com a outra, se faz favor.
Quanto ao Sr. Deputado Luís Capoulas, digo-lhe francamente: não seio que lhe responder. O Sr. Deputado acha que foram os socialistas que fizeram em Portugal os pobres e os ricos. É o que o Sr. Deputado acha. Mas o Sr. Deputado esquece o mundo, esquece a história. Desculpe - é um gemido do coração -, mas devo dizer-lhe que falhou completamente de objecto, de sentido, de noção, de ideia, de números, falhou tudo. Saiu-lhe do coração. Ó Sr. Deputado, tem o seu direito!
Ao Sr. Deputado Joaquim Domingues julgo que já lhe disse o essencial do meu pensamento. Se estamos de acordo ou não estamos, não sei, mas certamente que não.
Quanto às bibliotecas, disse que o plano de bibliotecas de leitura pública merece o nosso apoio. O Sr. Deputado não terá ouvido, porque só ouve outras coisas. Paciência!
Quanto aos subsídios, insisti - e mencionei - que, mais do que os critérios, na questão do teatro e do resto, o que importava era devolver a decisão à sociedade. E existem possibilidades teóricas, existem modelos diversos no mundo que indicam que, por exemplo, conselhos das artes, conselhos da música, conselhos das letras, conselhos das ciências podem fazer uma ligação muito mais profunda entre as fontes financeiras, as fontes de dinheiro e os beneficiários dessas medidas. São, pois, esses conselhos independentes que eu gostaria que se criassem.
Estão-me a advertir de que estou a ultrapassar o meu tempo, pelo que terei de ser rápido.
Sr. Deputado Borges de Carvalho, as suas considerações, a sua maneira de olhar para o Partido Socialista, deixo-lhas a si, com as suas originalidades. Devo-lhe dizer que eu, pessoalmente, nunca perco a independência de espírito, quer esteja num partido quer não, e falei como socialista, como membro desse partido, devidamente autorizado por este partido e, ao mesmo tempo, com a minha independência de espírito. Aliás, espero que cada um dos socialistas aqui presentes tenha simultaneamente a pertença ao partido e a independência de espírito, pois é assim que entendo o socialismo democrático, é assim que entendo o espírito democrático. Entendo que, quando se é membro de um partido, nunca se deve perder a independência de espírito e a independência pessoal. E sê-lo com orgulho. Eu sou-o!
Quanto ao sopro liberalizante e à promoção da cultura, eu não disse que era o Governo que devia fazer cultura; pelo contrário, eu disse, num dado momento, que o mais importante instrumento cultural de um governo são as escolas. Não é nas tenças, não é nos dinheiros que os governos dão às pessoas, mas é na escola que se começa.
O Sr. Deputado chamou-lhe «criação das condições» - se não me angario foi esse o termo que utilizou. Se se levar para as escolas instrumentos de música, recintos desportivos, bolas de futebol, cestos de basquetebol, instrumentos de química e de física, livros, se se encher as bibliotecas das escolas secundárias - e a mais importante acção cultural do Governo começa na escola, com a educação do espírito, com a educação física -, se é a isso que o Sr. Deputado chama sopro liberalizante, estamos juntos no mesmo combate.
Ao Sr. Deputado Silva Marques devo dizer que não percebi nada do que disse.

Risos.

Falou de uma carta com grafismo de luxo e comparou isso com um palácio. Não percebi nada do que disse.
De facto, falei num palácio e até acrescentei: talvez a decisão de comprar um palácio seja boa. O benefício da dúvida está aí. Talvez seja boa. O que eu gostava era de ter um critério.
Em Lisboa não se constrói um grande parque há dezenas de anos, Sr. Deputado, e, em contrapartida, destroem-se árvores, avenidas e casas antigas todos os dias. Penso que há qualquer coisa de absurdo entre, por um lado, dar meio milhão de contos para comprar uma casa e dizer «estamos aqui a preservar e a rebocar as ameias», quando, por outro lado, no mesmo dia, se vão perdendo centenas de milhares de contos com árvores nas ruas e com casas antigas substituídas pelos mamarrachos que todos conhecemos. Há qualquer coisa de absurdo nesta política!
Sr. Deputado, concordo que não é só este governo que anda a destruir casas. Com certeza que não! Mas os governos não se fazem só para de repente começarem no ano zero. Do que eu acuso este governo, nestas matérias, é de não ter agido com suficiente força para combater o que vem de trás, desde a poluição e destruição das cidades, dos parques e da natureza ao analfabetismo. Este governo não tem força e não tem lutado contra isso como queremos. É disto que acuso o Governo, Sr. Deputado.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra. para exercer o direito de defesa, figura que, segundo creio, pelas regras anunciadas durante a tarde, não conta para os tempos globais.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, exerço o direito de defesa porque o Sr. Deputado António Barreto afirmou não ter percebido nada. Isto significa que não me consegui explicar bem e, portanto, preciso de repor essa lacuna que o Sr. Deputado me atribuiu.
O Sr. Deputado António Barreto referiu que não quer dizer que um palácio não deva ser comprado e que pode ser que o palácio deva ser comprado. É evidente. Foi por isso que eu, relativamente à nova direcção do seu partido, fiz referência a um caso particular, que tanto pode estar bem feito como não.
O Sr. Deputado António Barreto diz que tudo isto é um absurdo, mas também contribui para que assim seja ao dizer que estas Grandes Opções do Plano não prestam para nada, ainda por cima no plano das pequenas opções, que são, segundo o seu discurso, pequenas perguntas.
O Sr. Deputado devia, ao menos, ter esboçado um exercício de contraposição dos seus critérios, dos tais que não existem, pois tem a obrigação genérica de, em termos de debate político, sobretudo de quem pretende ser alternativa, fazer ao menos um esboço dos critérios alternativos. Foi esta a questão que lhe quis colocar e que o Sr. Deputado disse não ter percebido.
Sr. Deputado António Barreto, embora não só pessoalmente, estou sempre ansioso de ouvir discursos alternativos, e durante este debate não os tenho ouvido. Devo dizer-lhe que a ausência não vem só da sua bancada, mas também de todas as outras. De uma já não os esperamos, mas da vossa, com uma direcção política renovada, ou mesmo daqueles que se designam de renovadores... contudo não tenho ouvido esse discurso alternativo, essa crítica alternativa.
Concordo consigo quando o Sr. Deputado diz que os génios surgem de uma grande massa crítica, mas por vezes a realidade impõe excepções. A nossa massa crítica é paupérrima, a tal ponto que quem mais a deve produzir - a oposição - não a produz e refugia-se nas coisas técnicas e interrogativas.
De facto, a massa crítica do nosso país é estreitíssima, daí que este governo tenha de constituir uma excepção à regra geral. Este governo toca as raias da generalidade, não obstante a massa crítica ser estreitíssima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar explicações ao Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Presidente: - Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, tanto quanto percebi, o Sr. Deputado Silva Marques usou da palavra ao abrigo do direito de preenchimento de uma lacuna, que, creio, é uma figura regimental nova. O Sr. Deputado defendeu-se, mas defendeu-se de nada, e o que na realidade fez, dando explicações, foi uma intervenção diferente e nova. Não tenho a certeza, mas parece-me que se arrisco a dizer qualquer coisa o Sr. Deputado Silva Marques encontrará um novo direito para pedir a palavra.
Assim sendo, só queria dizer ao Sr. Deputado que, no tempo de que disponho e nas funções que exerço como deputado da oposição, limitei-me a sugerir alguns critérios no que toca à educação e à cultura, bem como à aplicação de alguns fundos públicos e do Estado e à prioridade de alguma maneira de olhar para a política cultural e educativa, tendo-lhe sugerido alguns critérios, algumas políticas, bastante diferentes daqueles que o Governo nos sugere.
Se o Sr. Deputado não está de acordo, não esteja. O que não tem é o direito de dizer que tal não existe. É como a avestruz que faz isso e mete a cabeça... num certo sítio.
Portanto, Sr. Deputado, releia a minha intervenção e lá verá alguns critérios e algumas propostas políticas diferentes bem concretas, delimitadas e definidas. Se não estiver de acordo, não esteja; é o seu dever!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vou referir-me a dois sectores vitais da nossa vida: a agricultura e a habitação.
Se as Grandes Opções do Plano consideram que «o desenvolvimento do sector agrícola depende tanto dele como, até provavelmente mais, do desenvolvimento de outros sectores da economia», podemos estar perante um conceito, já velho em Portugal, que encara o desenvolvimento agrícola como resultante do desenvolvimento de outros sectores, ou seja, o desenvolvimento agrícola a reboque de outros desenvolvimentos.
Esta insistência em menosprezar a agricultura tem-se traduzido, na prática, pela ausência de uma política agrícola à altura dos problemas e do desinteresse dos agricultores em produzirem para o País, o que pode ser causa importante da quebra da produção agrícola que tão pesada é para a economia nacional.
Aliás, esse mesmo menosprezo pelos agricultores actuais justifica o modo como se encara a participação dos jovens agricultores no imediato futuro da agricultura portuguesa - como há pouco ficou patente na intervenção do Sr. Ministro -, como se só houvesse agricultores jovens ou como se eles fossem predominantes - e infelizmente não o são -, ou como se eles pudessem, a curto prazo, dar uma resposta imediata às nossas carências agrícolas globais. Ora, não pode considerar-se que actualmente o referido - passo a citar - «chamamento, preparação e apoio aos jovens» tudo resolva, porquanto a grande maioria dos nossos agricultores não são jovens, nem o serão nos próximos anos, pois a substituição dos que neste momento existem só lentamente irá ocorrendo. E temos assim todo o esforço de preparação e incentivo centrado na parcela de agricultores mais importante para o futuro sem ter na devida conta a estrutura da nossa actual agricultura com todos os seus defeitos e qualidades e que devemos encarar com realismo.
Há a intenção de reduzir a percentagem de 22% da população activa empregada a mais longo prazo, como há bocado o Governo confirmou, quando, não como acontece agora, a agricultura não seja refúgio de desempregados que nela se vão ocupando à falta de

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melhor. Mas se a realidade é mesmo esta, ou seja, 22% da população activa, sempre é mais preferível uma fuga para a agricultura do que para o desemprego ou para um subemprego, ainda menos produtivo do que o emprego agrícola, porque não cria sequer o que consome.
Mas para haver possibilidade de fazer deslocar o emprego na agricultura é necessário que exista um desenvolvimento dos restantes sectores vitais da nossa economia. De outra forma estaremos a criar um exército de reformados precoces e de desempregados - tal como o Sr. Ministro confirmou há bocado - com problemas sociais bastante graves.
Os padrões europeus da baixa percentagem de população activa agrícola não são os que nos servem num futuro a médio prazo enquanto houver no País o desemprego, o subemprego e os salários em atraso que tão desfavoravelmente nos caracterizam.
A fixação exclusiva dos jovens na agricultura depende, na nossa opinião, de profundas transformações sócio-estruturais e económicas, o que não é admissível perspectivar no curto e médio prazo.
Nesta medida o que se impõe é potencializar a estrutura existente, até porque se demonstra que, independentemente do nível médio etário dos nossos agricultores e do seu grau de formação, a verdade é que sempre que têm sido tomadas medidas de fomento e incentivo a resposta tem sido dada. Podemos apontar como exemplo o leite, que em oito anos passou de um grau de satisfação de necessidades reais do País da ordem dos 20 % para 80 %, bem como o tabaco, etc.
E a política agrícola, reflectindo a dinâmica das grandes organizações de agricultores de âmbito nacional ou regional - como já está a acontecer -, significa uma política agrícola ao serviço dessas grandes organizações e de grandes agricultores, verdadeiras corporações de interesses dos mais influentes agricultores e intermediários. Essa política, na nossa opinião, significa o ressurgir, digamos, do corporativismo.
Essas corporações só existem para a defesa dos seus maiores, dos sócios mais influentes, os que têm a mobilidade e os meios que lhes permitem situar-se onde está o poder político e, aí, inflecti-lo no sentido da defesa dos seus interesses económicos, pondo o poder político ao seu serviço.
Consideramos, então sim, indispensável ao País, na situação em que se encontra, uma política agrícola verdadeiramente democrática que procure atingir os seguintes objectivos: ir ao encontro do agricultor que temos, com um serviço de extensão rural, no seu ambiente natural, levando-lhes o apoio e o incentivo à produção e encorajamento à sua estruturação em organismos de base que funcionem ao nível de aldeia; cooperativas de compra e venda de máquinas de produção; mútuas de gado; organização de baldios; consolidar o sistema de recolha organizada e exclusiva de leite nas áreas de recolha das cooperativas de leite; criar serviços de formação profissional para todos os agricultores ainda receptivos, partindo das organizações de base, chegar, por organizações de grau superior, ao nível do concelho ou da região e até ao âmbito nacional, por uma forma que garanta que a pirâmide criada não sirva para enquadrar e esmagar os pequenos mas, ao contrário, para que estas organizações constituam efectivamente o veio transmissor dos legítimos direitos dos agricultores.
Ao mesmo tempo que se incentivam as organizações de base dos agricultores, deve o Estado apoiar a evolução da situação destas, criando legislação e condições que facilitem um correcto emparcelamento, o arrendamento, o cultivo efectivo e, se necessário, compulsivo, dos terrenos agrícolas, de modo que a terra agrícola seja de facto posta a produzir e por forma que ofereça uma maior garantia aos agricultores, dando-lhes protecção e apoio de que necessitarem enquanto esse apoio e protecção não existirem por via associativa.
Também não se pode descurar situações que decorrem da incapacidade de os agricultores exercerem a sua actividade por doença, velhice, emigração e outras situações equivalentes, que merecem um tratamento especial, como é evidente.
Em complemento, na zona da Reforma Agrária, condição indispensável a uma actividade agrícola normal, será a cessação dos múltiplos ataques às cooperativas de produção sob os mais variados pretextos, a definição do estatuto da terra, o reconhecimento efectivo das estruturas agrícolas existentes. Como essas estruturas são as mais adequadas para dar resposta imediata aos desafios da CEE, devem criar-se-lhes condições de estímulo e proporcionar-se-lhes os apoios financeiros e técnicos necessários à prossecução deste objectivo nacional.
Tudo o que atrás se referiu no que respeita quer à zona do minifúndio quer à zona da Reforma Agrária tem como um dos seus resultados mais importantes um efeito positivo na situação do desemprego e do subemprego que o País atravessa com a criação de oportunidades de trabalho.
Enfim, continuamos, apesar da CEE, apesar destas Grandes Opções do Plano e deste Orçamento do Estado, sem uma política agrícola global. Esta, sim, é uma triste realidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou passar rapidamente a uma outra questão de que pouco se falou esperemos que o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações possa referir-se a este sector: a habitação.
No que respeita à habitação, as Grandes Opções do Plano para 1987 referem, na sua primeira parte, com bastante ênfase, a importância da resolução do problema habitacional.
Recordemos algumas das afirmações aí contidas: «Aspectos dramáticos e de solução claramente difícil são os que aparecem no sector da habitação.» E até agora pouco ou nada fez!; «A falta de habitação ou a sua inacessibilidade, por razões de preço ou de quantidade, é, por certo, um princípio maior de desumanização.» Estamos de acordo, Sr. Ministro! «Mais do que nunca nas sociedades modernas e em qualquer zona mais urbana ou mais rural a habitação corresponde não só a uma necessidade colectiva de maior importância mas representa também um factor relevante para aferir dos padrões globais do bem-estar das populações.» Estamos totalmente de acordo, Srs. Ministros!
Ao passar-se desta primeira parte (onde são múltiplas, como se pode ver, as afirmações da consciência do grave problema habitacional) para as grandes linhas da política proposta para 1987, assim se pode avaliar com clareza a efectiva importância que o Governo atribui a esta magno problema.
Afirma-se nas Grandes Opções do Plano que é necessária a dinamização do mercado da construção e habitação promovendo acções tendentes à reorganização do sector.

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A dinamização do sector da habitação passa pelo relançamento do mercado de arrendamento, que conjuntamente com o estímulo ao mercado de habitação própria, deverá poder vir a resolver o grave desequilíbrio estrutural que se verifica no sector da habitação, bem como adopção de adequados regimes de crédito à habitação, etc.
A verdade, porém, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, é que o mercado de arrendamento continua a não dar sinais de relançamento e as casas que há para alugar são pouco acessíveis à maioria da população.
As novas medidas de crédito à aquisição de casa própria são ainda muito recentes, mas as primeiras reacções indicam que houve uma redução dos beneficiários com bonificação de juros, como se pode verificar por textos públicos.
O mercado da habitação continua estagnado na opinião dos industriais da construção, como se pode ver pelo «Relançamento da construção contínua e sem atractivos», na Revista Urbanismo e Construção, n.º 151, do dia 20 do mês passado.
O fomento da habitação social permanece como uma miragem, sendo este, a nosso ver, o aspecto mais grave da política errada deste Governo e dos que o antecederam.
Praticamente não se verificaram adaptações e inovações no quadro da actividade das empresas de obras públicas e construção civil, não obstante o prometido nas Grandes Opções do Plano para 1986, a não ser no que respeita à legislação sobre empreitadas de obras públicas, e isto por força da necessária adaptação às normas da CEE.
A situação continua na realidade a traduzir-se por um acentuado marasmo, aliás patente no desânimo dos industriais da construção, apenas tendo havido de significativo, no mau sentido, a entrada em funções da lei das rendas, a partir do Verão de 1986, com todos os reflexos sociais negativos daí decorrentes. E nós somos por uma alteração da Lei das Rendas.
Num país onde as carências conhecidas são no mínimo da ordem dos 70 000 fogos/ano, o Estado despenderá com a construção de habitações, pelas vias indicadas, o montante global de 14 432 000 contos, o que permitirá construir as «fabulosas» quantidades de 1000 fogos por promoção directa e cerca de 3100 por meio do referido apoio a prestar a outras entidades.
Enfim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este é um dos mais graves problemas sociais do País, e quer as Grandes Opções do Plano quer o Orçamento do Estado que debatemos pouco irão concorrer para a solução. Ou seja, este é mais um dos aspectos negativos da governação deste Governo.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Grupo Parlamentar do PCP entendeu intervir neste momento sobre os problemas dos sectores dos transportes, da habitação e das vias de comunicação, sectores por todos considerados fundamentais na qualidade de vida das portuguesas e dos portugueses.
As propostas de lei que aqui analisamos são percorridas por um apelo constante à chamada lógica de mercado e à liberdade permissiva. Nem sequer excepcionam, nessa lógica, sectores e áreas do viver colectivo, como a habitação, os transportes e as vias de comunicação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de vos expor três pontos sobre os transportes.
Em primeiro lugar, os grandes operadores de transportes nacionais, nervos vitais de contacto e enlace das forças produtivas, da estrutura de empregos e dos núcleos urbanos, são tratados pelo mínimo de valores. Dizemos que são entediadamente tratados como enteados pela administração central, que preferiria, certamente, subsidiar - até a fundo perdido -, por razões que a razão não aceita, operadores privados.
Segundo ponto: o orçamento desenvolvido de áreas de viver colectivo dos transportes, como os serviços municipalizados de transportes de grandes cidades, por exemplo de Aveiro, Braga, Portalegre, Barreiro e Coimbra, são deixados sem quaisquer valores: é uma situação de ruptura que se quer criar, propiciando a imposição da lógica cega do mercado que se implantará em zonas onde o serviço público tem uma história e uma qualidade que importa relevar. O Grupo Parlamentar do PCP não quer deixar de referir, desde já, que se encontra disponível, em especialidade, para encontrar soluções que levem à inscrição de verbas que permitam o funcionamento de um serviço público essencial para estas populações.
Terceiro aspecto: nas grandes transportadoras nacionais e nos grandes gestores de estruturas, a TAP, a CP, a ANA, sente-se, nas Opções do Plano e no Orçamento do Estado, o peso das opções de novos espaços, o compromisso envolvente com a internacionalização, a incapacidade notória para o rasgo de investimento. Os oito milhões de contos à CP atestam isso mesmo. Demagogicamente, aponta-se em artigo autónomo o que já está contemplado nos valores analíticos das EPs e demagogicamente esquece-se o volume global de investimentos de 1986 para se dar a tónica de uma nova política. Infelizmente não a há.
Uma referência à habitação. É pena que tenha de ser breve, porque a chamada «lógica de mercado» é também a aferidora governamental da política da habitação. Isto é, perante as manchas de degradados face ao conjunto importante de insolventes em termos de habitação própria, o Governo aponta duas lógicas de intervenção: espera os resultados de uma, implanta a outra. A primeira lógica, ilógica, é a de esperar os resultados da lei do aumento das rendas, que, a nosso ver, apenas veicula uma transferência de rendimentos acelerada, pondo entre parêntesis obras de conservação e não incentivando decisivamente a promoção habitacional para arrendamento; a segunda das lógicas aponta para o esvaziar sistemático, embora discreto, de toda a intervenção da administração central na área da habitação. Mesmo que o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações ou o Sr. Secretário de Estado da Construção e Habitação digam, com a mão no peito, que o problema habitacional está na primeira linha das suas preocupações, os valores orçamentados para a habitação são ridículos e desmentem as suas afirmações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os valores para a promoção directa e apoiada são ridiculamente pequenos; os números de fogos em construção não resolvem minimamente quais-

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quer problemas salientes. O projecto de realojamento tem uma pequeníssima dimensão 500 000 contos, que, aliás, contrastam com os quase dois milhões de contos anunciados nesta Casa, no PIDDAC de 1986, naquilo que era a plurianualidade.
Relativamente à promoção apoiada com 280 000 contos, alguém que trabalhe com estes números sabe bem que o que eles valem é não haver promoção apoiada, é desapoiar a produção. Os valores dos orçamentos do Instituto Nacional de Habitação e do ex-Fundo de Fomento de Habitação - extinto há quatro anos, mas ainda sobrevivo - relevam apenas da continuidade das obras.
Estamos no campo da habitação perante um Governo que se fixa em parâmetros de tudo deixar ao mercado e de apenas intervir em termos parabancários. Com este Governo bem podem esperar alguns, muitos, dos seus eleitores e até autarcas da área do PSD. Estamos confrontados com uma política creditícia que, por mais loas que o Governo faça, conduz a amortizações e juros incomportáveis para a enorme maioria dos que vivem dos seus rendimentos do trabalho.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou referir-me à política de investimentos no domínio das vias de comunicação.
Podemos contraditar o Sr. Ministro: estamos numa carência significativa de projectos novos. Temos em 24 milhões de contos de investimento previsto menos de 10% em projectos novos, meio milhão de projectos novos, aliás projectos novos orçamentados emblematicamente, pois todos eles são corridos, varridos, circulados a 10 000 contos. É a política de primeira pedra. É a cativação de um futuro em termos discutíveis. A rede secundária que o Governo pretende entregar às autarquias é objecto de opções, com uma quebra real de investimento na ordem dos 8 %. Mantém valores nominais, e sabido como é o estado geral da rede, pode bem ver-se qual o verdadeiro significado da entrega aos municípios da gestão das estradas: é autêntico presente invenenado. Julgamos importante que na Assembleia da República se volte a este assunto, em breve, anunciando desde já o Grupo Parlamentar do PCP a disposição de o fazer. Os valores a investir em acesso a centros urbanos são altamente diminutos, como o próprio Sr. Ministro reconheceu em comissão, e dir-se-ia que os créditos externos só se consignavam à modernização da rede de acessos ao exterior, numa opção que não deveria deixar de ser integrada.
Daí dizemos que as opções do Governo não servem o desenvolvimento do País, mas sim modelos importados de internacionalização acelerada e desregrada e de não utilização planificada dos recursos naturais, técnicos, financeiros e humanos do nosso país.
Tal política não serve.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Orçamento para 1987 do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) atinge o valor global de, praticamente, 85 milhões de contos, ou seja, mais 8,5 % do que o do orçamento do ano em curso.
Significa isto que, a preços esperados para 1987, o Orçamento do Estado do MOPTC mantém o mesmo valor real de 1986, após ter crescido substancialmente neste ano relativamente a 1985.
Continuar-se-á, assim, em 1987 o esforço particularmente intenso feito em 1986 nas dotações orçamentais do Ministério, em conformidade com a relevância social das actividades que através dele se desenvolvem e a prioridade que o Governo lhes atribui.
Como o orçamento é um dos meios utilizados para satisfazer os objectivos de uma política, as referências que passo a fazer a cada um destes conjuntos de despesas do Ministério visam pôr em relevo a articulação entre os meios financeiros e objectivos das políticas de que são suporte.
Os referidos 85 milhões dividem-se em três grandes conjuntos de despesas: as despesas com o funcionamento dos serviços, atingindo 22,8 milhões de contos, crescendo 20,8 % relativamente a 1986, taxa de crescimento ilusória, como adiante referirei; os investimentos do plano, no montante de 43,7 milhões de contos, crescendo mais 8,2 % do que em 1986; as contas de ordem, no total de 18,5 milhões de contos, valor ligeiramente inferior a 1986.
As contas de ordem aparecem previstas para 1987 com uma alteração de grande relevo relativamente a 1986: desapareceram as despesas do ex-Fundo Especial de Transportes Terrestres, que passaram, em grande parte, para os orçamentos da Direcção-Geral de Transportes Terrestres e da Direcção-Geral de Viação. Através destas dírecções-gerais queremos acelerar a implementação do programa de supressão de passagens de nível, a melhoria das condições de trânsito e da interconexão entre diferentes meios de transporte e ainda o estímulo à renovação da frota de veículos de serviço público.
Quanto às outras rubricas, as contas de ordem, reflectem um aumento da actividade dos organismos autónomos, dos quais têm grande relevo as administrações pecuárias.
O acréscimo da competitividade dos portos nacionais, incentivado pela profunda reforma efectuada agora nas suas bases de gestão - que datavam da década de 40 -, e a revisão de taxas e direitos em benefício da navegação e dos carregadores hão-de traduzir-se no crescimento da actividade dos portos, com os reflexos inerentes no Orçamento do Estado.
Relativamente à taxa de 20,8 %, a que atrás aludi, quanto às despesas de funcionamento dos serviços do Ministério, ela é ilusória. De facto, as despesas do ex-Fundo Especial de Transportes Terrestres, transplantadas para a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e para a Direcção-Geral de Viação, são as responsáveis por este acréscimo. Não fosse esta transferência contabilística, e verificar-se-ia que as despesas de funcionamento do Ministério decresceriam, em termos reais, na ordem dos 13 %.
Também aqui os cifrões traduzem uma política: a de combater os gastos supérfluos e a deficiente utilização dos recursos financeiros utilizados na gestão corrente do Estado, aplicando as economias em investimentos produtivos e na distribuição mais equitativa dos rendimentos.
Os investimentos do Plano mantêm-se ao nível atingido em 1986, que, como aqui então assinalei aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1986, o esforço financeiro do Orçamento do Estado cresceu consideravelmente, ao nível do Ministério, em cerca de 52 %.

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Recordo estes números com dois intuitos: primeiro, para sossegar todos aqueles que em Abril passado tanto se preocuparam - e ainda hoje se preocupam - com a capacidade de realização pelo Ministério do plano de investimentos aprovado.
Mantendo até fins do ano o crescimento do ritmo de execução do Plano que se vem verificando, mês após mês, é de esperar que o grau de realização final se situe acima dos 90 %; a segunda razão por que citei os acréscimos de 1986 relativamente a 1985 é para recordar que crescimentos de tamanha amplitude não se repetem em anos sucessivos, o que não deverá ser ignorado quando se comparam os valores plurianuais.
A distribuição das verbas do Plano de 1987 por grandes grupos de empreendimentos dá, aproximadamente, dois. terços para as vias de comunicação e um terço para edifícios, dos quais cerca de 90% são de habitação.
As vias de comunicação continuam, assim, a absorver a maior parcela de recursos disponíveis para investimento. Aqui, o que o Estado não fizer ninguém o pode fazer por ele.
Se podemos e devemos esperar mais economia de mercado no sector dos transportes, não é no campo das infra-estruturas que isso deverá ocorrer.
As vias de comunicação estão a ser modernizadas, obedecendo a três condições: a de facilitar as correntes de tráfego de e para a Europa, como o exige o processo de integração económica em curso; a de promover o desenvolvimento regional, desencravando algumas das regiões do interior, e a de responder às exigências do tráfego, eliminando estrangulamentos existentes, especialmente nas áreas urbanas.
Os recursos financeiros que estão a ser aplicados na consecução destes objectivos, sobretudo se tivermos em conta que para eles contribuem também os investimentos a cargo de empresas públicas como sejam a CP, o Metropolitano de Lisboa, a BRISA e a ANA, são de montante muito elevado: cerca de 60 milhões de contos a despender em 1987.
Este número não tem qualquer paralelo no passado e corresponde a uma fase essencial da modernização do nosso sistema de transportes.
Refiro especialmente que no campo ferroviário existem atrasos de dezenas de anos, obrigando a um enormíssimo esforço de recuperação, melhorando inclusivamente os padrões de segurança das circulações, embora reconhecendo a impossibilidade de atender às necessidades totais dos 3500 km de rede aberta à exploração.
Há, nesta matéria, opções delicadas a tomar, pensando que a Assembleia da República terá oportunidade de as discutir, no quadro global de apreciação dos problemas dos transportes terrestres.
O artigo 68.º da proposta de lei do Orçamento de Estado para 1987 traduz claramente as intenções do Governo em matéria de modernização ferroviária e as disposições que desde já está disposto a tomar.
À habitação social é dedicado, aproximadamente, um terço dos recursos previstos para o PIDDAC do Ministério e que se destinam a suportar, através do Instituto Nacional de Habitação, esquemas de financiamento à construção de habitação social em condições especialmente favoráveis e, através da comissão liquidatária do ex-Fundo de Fomento da Habitação, a concretização dos últimos empreendimentos em curso, até à efectiva extinção deste organismo.
Como é sabido, o Programa do Governo prevê a execução descentralizada da política de habitação. Ao Estado-administração central cabem funções de financiamento e de assistência técnica às câmaras municipais, às cooperativas e às empresas privadas que actuem no quadro dos contratos de desenvolvimento de habitação.
Sendo assim, as verbas usualmente constantes do PIDDAC do Ministério irão decrescendo, na rubrica relativa ao ex-Fundo de Fomento da Habitação, até se reduzirem a zero nesta rubrica.
Isso não quer dizer, como é evidente, que o sector da habitação social esteja a ser relegado para plano secundário. Quem conclua assim precipita-se na apreciação dos valores orçamentais e no significado que eles comportam.
Aos recursos constantes do PIDDAC do Ministério terão de juntar-se os recursos financeiros disponíveis nas instituições especiais de crédito para o financiamento dos diversos programas de habitação social.
As verbas relativas a indemnizações compensatórias para as empresas públicas têm, para o ano de 1987, em conta o objectivo financeiro que o Ministério fixou: o total dos resultados de exercício, sem indemnizações compensatórias, relativo às sete empresas que as recebem, deverá manter-se com um valor nominal sensivelmente constante e igual ao obtido em 1985.
Temos de introduzir um patamar no crescimento das indemnizações compensatórias ao longo dos últimos anos, reduzindo, assim, o esforço dos contribuintes.
Da execução do Orçamento do Estado para 1987, no que respeita ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, e da actividade das empresas públicas dos transportes e comunicações resultarão fortes impulsos em alguns sectores da economia portuguesa, onde surgem oportunidades para utilização, na maior escala possível, da mão-de-obra, dos materiais e da massa cinzenta nacionais.
E esta utilização, associada à prática de preços que sustentam comparação válida com os praticados nos mercados internacionais, deve constituir o critério de maior influência nas decisões a tomar.
O sector da construção está em recuperação rápida, como se demonstra através dos vários índices disponíveis.
Na indústria ligada ao material e equipamento de transportes, a renovação do parque ferroviário e rodoviário acentuará os efeitos gerais de retoma geral da actividade económica.
Particularmente, pretende-se que a SOREFAME possa contar com o trabalho contínuo e regular de uma linha de fabrico de material ferroviário.
O mesmo se não pode ainda dizer dos estaleiros de construção naval.
Se o relançamento da marinha de comércio, estimulado pelas medidas de fundo já adoptadas e por outras que se seguirão, produzirá efeitos benéficos no campo da reparação naval, no campo da construção tem sido difícil encontrar em Portugal soluções razoavelmente competitivas para os tipos de navios que se pretendem operar.
Num contexto internacional especialmente desfavorável para estes propósitos - o mercado dos navios em segunda mão continua abundante nas ofertas -, não abdicará o Governo do exame de todas as possibilidades que se possam oferecer nesta área, de acordo com as regras fixadas pelas Comunidades Europeias.

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Quanto à indústria do material eléctrico e electrónico, o incremento dos investimentos em telecomunicações (o investimento projectado atinge nos CTT e TLP cerca de 40 milhões de contos, sem recorrer ao erário público) traduzir-se-á em efeitos benéficos no que se refere a equipamentos de transmissão e a terminais de assinante, incluindo a comutação privada.
Nos equipamentos de comutação pública, o País terá de enfrentar a reconversão industrial, originada pela introdução das tecnologias digitais.
Não vai ser fácil, porque se trata de uma profunda mudança tecnológica. De resto, os exemplos de outros países dão-nos uma imagem dos problemas, mais fáceis ali, mais difíceis acolá, que terão de ser resolvidos no campo industrial.
Mas é uma evolução irrecusável e irreversível, obrigando os agentes económicos a actuar a tempo e horas, a ter alguma coragem, muito engenho e a não pequenos sacrifícios para que a situação final seja, para todos, melhor do que a inicial.
O progresso tem destas coisas. Mas quem o recusa?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Luís Roque e Anselmo Aníbal.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Soão Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Ministro, o mercado da habitação continua estagnado, segundo declaram os industriais da construção, como se pode ver por relatórios e afirmações tornadas públicas.
O fomento da habitação social é realmente uma miragem, como há pouco tive oportunidade de declarar. Neste país faltam 70 000 casas por ano e com as verbas previstas no Orçamento apenas podemos construir cerca de 4000.
Também formulei ao Sr. Ministro das Finanças uma questão idêntica àquela que lhe vou formular e à qual o Sr. Ministro das Finanças fugiu com uma resposta rápida.
Considerando que a formação bruta de capital fixo em construções representa no País cerca de 55 % ou 56 % e que no ano em curso não registará um crescimento superior a 3 %, que o consumo de cimento cresceu apenas 2,8 % no período de Janeiro a Setembro de 1986, relativamente ao mesmo período de 1985, sendo esta taxa de aumento obtida com evoluções de mais de 3,8 % no 1.º trimestre, 5,7 %a no 2.º trimestre e 0,7 % no 3.º trimestre - o que denota uma interrupção forte de uma dinâmica de recuperação do sector da construção que se vinha fazendo sentir no 1.º trimestre -,como classifica a actuação do Governo neste domínio? O que se vai passar no sector da construção de habitação? O que se vai passar com este importante e gravíssimo problema, tanto mais que está provado que os incentivos ao crédito e ao acesso ao crédito não têm sido muito utilizados?
Em relação aos números que adiantei, para não se afirmar que são valores errados, digo-lhe - tal como o faz o Sr. Ministro das Finanças - que são números do relatório da CIMPOR e de todo o sector cimenteiro do continente e das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Ministro, começarei por me debruçar sobre o PIDDAC do sector da habitação.
Relativamente ao PIDDAC de 1986, aqui aprovado, no Orçamento deste ano há uma restrição de 624 000 contos.
Em relação ao custo total do sector, essa redução ascende a 14 900 000 contos e em termos de dinheiros públicos isto corresponde a uma restrição de 2 870 000 contos.
Por outro lado, o corte na promoção directa é de 118 000 contos.
O Governo não lança novos fogos e tem em construção apenas 885 habitações para realojamento - e estas são as únicas que permitem renda social, o que corresponde a cerca de 13,8 % dos fogos em construção durante este ano.
Fazer um comentário a isto não é necessário, pois basta reportar-me ao comentário feito pelo Sr. Secretário de Estado da Habitação, quando diz que o Instituto Nacional da Habitação é um instituto parabancário. Assim sendo, ficamos confusos quanto ao facto de saber se é a Caixa Geral de Depósitos ou a Secretaria de Estado da Habitação que está a mais.
Em relação ao sector de transportes, comunicações e meteorologia há uma redução de 1 900 000 contos, este ano o porto de Aveiro sofre um corte de 1 300 000 contos e o de Viana do Castelo uma redução de 630 000 contos. Para melhoria de portos, este ano não é nada mau!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - O Sr. Ministro diz que os cifrões traduzem uma política.
O seu ministério tem uma verba de 84 milhões de contos, em termos globais, nas despesas de funcionamento e em 1986 tinha 87 milhões de contos.
Por mais voltas que dê não consigo verificar esta diminuição nacional, que até é mesmo nominal, num ministério que tem áreas tão importantes como as dos transportes, da habitação e das comunicações.
Um segundo aspecto prende-se com o facto de o Sr. Ministro banalizar o «deve» e o «haver», designadamente em matéria de vias de comunicação, relativamente às quais o Sr. Ministro pensa que se trata de uma dádiva, quando deveria saber que no lugar das «receitas em circulação» há o imposto sobre gasolina, que essa rubrica está directamente ligada à Direcção-Geral de Viação, aos impostos de compensação e aos impostos sobre a venda de veículos automóveis.
Fez as contas do deve e do haver? Ou seja, os 24 milhões de contos que afirma dar à circulação e às vias de comunicação têm algo a ver com o volume das receitas de circulação?
A terceira e última questão refere-se ao facto de o Sr. Ministro falar de um patamar válido para as indemnizações compensatórias.
Ao ouvi-lo reitero a dúvida, que já tive oportunidade de lhe expor em comissão, de que, de patamar em patamar, as indemnizações compensatórias possam ir até ao esvaziamento. Julgo ser esse o sentido da vossa política e o das opções que faz.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Relativamente às questões formuladas pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, parece-me que não posso encontrar melhor resposta do que o próprio parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano, que penso ser subscrito pelo Sr. Deputado e que se refere à recuperação acentuada que começou a verificar-se no mercado da habitação.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Roque, quero referir que na minha intervenção procurei deixar claro que, havendo um organismo cuja extinção está em curso, como é o caso do Fundo de Fomento da Habitação, as verbas que aparecem no PIDDAC relativamente a esse organismo hão-de ser anualmente decrescentes, até se reduzirem a zero.
Procurei pôr em relevo que para se avaliar em cifrões o que se está a passar na política habitacional do País - e falou só na habitação social - teríamos de entrar em linha de conta com o que se faz através das instituições especiais de crédito. A habitação social está também em relançamento, embora, efectivamente, haja ainda estrangulamentos existentes.
Relativamente à questão dos portos, obviamente que as respectivas despesas de investimento não podem ser anualmente decrescentes. Hoje, temos nos portos um problema prioritário relativamente ao problema dos investimentos, o da sua gestão, e é esse o que atacaremos o melhor possível no decurso do próximo ano.
No que respeita às questões colocadas pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal, quanto às indemnizações compensatórias já na Comissão tive ocasião de referir, e aqui no Plenário voltei a fazê-lo, que também nas empresas públicas temos necessidade de racionalizar os custos de exploração. Não podemos aceitar custos crescentes todos os anos só por que se trata de empresas públicas e só pelo facto de que recebem indemnizações compensatórias.
De acordo com os gestores - o assunto está a ser discutido e os contratos de programa estão em curso de revisão -, julgo ser viável encontrar um patamar nos resultados financeiros das sete empresas que recebem indemnizações compensatórias no triénio de 1985-1987.
Com esse objectivo de grande racionalidade que alcançaremos, as indemnizações compensatórias podem perfeitamente ser estacionárias em valor nominal, o que, repito, muito beneficiará o contribuinte português.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Manafaia.

O Sr. Carlos Manafaia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com estas Grandes Opções do Plano e este Orçamento, continua adiada a resolução dos grandes problemas do sector das pescas, sector importante, talvez mesmo determinante, para a recuperação económica do País.
Basta verificar que, na parte referente às pescas, incluída na chamada «Opção IV - Correcção dos grandes desequilíbrios estruturais», nada se define de concreto quanto à reestruturação do sector, tanto em relação ao sector produtivo como em relação ao transformador, que são entre si interdependentes.
Quando se diz que o nosso esforço pesqueiro se deve reorientar para as grandes profundidades e para o largo, faz-se uma afirmação gratuita, abstracta e imprecisa.
É que das grandes profundidades, do largo e da nossa ZEE, pouco ou nada sabem os nossos governantes nem tão-pouco dão condições aos nossos cientistas e pesquisadores para ser feita uma justa avaliação dos recursos, tarefa essa imprescindível na definição de uma correcta política para o sector.
Por outro lado, reclama-se uma actuação muito especial em matéria de investigação científica e tecnológica, mas as verbas destinadas à investigação científica não são suficientes e de facto não correspondem à satisfação das necessidades sentidas neste campo.
Apesar de o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação ter aqui afirmado, enfaticamente, que no Orçamento deste ano havia um aumento de 55 % no sector da investigação científica, nós afirmamos, também enfaticamente, que esta percentagem sobre um orçamento que foi manifestamente insuficiente para as necessidades do sector contínua a não resolver as enormes carências deste sector. E nós, homens do mar, sabemos como é urgente resolvê-las, sob pena de colapso a curto prazo.
E é sabido que sem se dotarem os organismos de investigação com verbas suficientes não é possível apresentar uma política de pescas capaz de resolver os grandes problemas com que o sector de debate.
Para a chamada renovação e reconversão da frota destinam-se verbas para o abate de embarcações, mas só embarcações da pesca artesanal, em particular da artesanal local, sem que previamente tenha havido um estudo do impacte desta medida.
São 419 embarcações que se propõe abater, mas com que critérios? Existe alguma razão especial para abater num só ano um tão grande número de embarcações no principal subsector da pesca, que é a artesanal, onde se localiza o maior número de pescadores?
Será esta mais uma forma inovadora do Governo para renovar e reconverter a nossa frota de pesca?!
Será que esta é mais uma forma inovadora do Governo para combater o desemprego?
Ainda no mapa vil há uma verba de 75 000 contos para um programa de pesca experimental e outra de 40 400 contos para experiências de pesca. Para já, gostaríamos de ver clarificada qual a diferença entre uma e outra. E mais, a quem vão ser atribuídas essas verbas? A organismos de investigação ou a armadores? E, se a estes, que resultados concretos se esperam destes investimentos?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É necessário e urgente dotar o País de um plano nacional de pescas onde sejam contemplados, entre outros, os seguintes aspectos fundamentais: dotar os organismos de investigação e pesquisa com as verbas suficientes para rapidamente ser feita uma avaliação correcta dos nossos recursos, pois só assim será possível reestruturar correctamente a nossa frota pesqueira; proceder a uma fiscalização eficaz da actividade piscatória, evitando assim os abusos que diariamente se cometem e também a invasão das nossas águas por barcos estrangeiros; implementar a formação profissional no sector, tendo em vista um melhor aproveitamento dos recursos humanos existentes; proceder em ritmo mais acelerado à construção de mais portos de pesca.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estas medidas aqui expostas sinteticamente que consideramos fundamentais para a resolução dos principais problemas que afectam o sector das pescas.
São estas medidas que não encontramos nas Grandes Opções nem no Orçamento do Estado para 1987, continuando assim adiada a resolução dos problemas de um sector tão carenciado como é o sector das pescas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta minha intervenção vou referir-me aos reflexos que o nosso relacionamento financeiro com a CEE tem sobre o Orçamento do Estado.
Não estamos aqui na Assembleia da República em condições de formular uma apreciação satisfatória sobre o que serão os resultados efectivos desse relacionamento no ano corrente. Mas se nos queixámos da insuficiência de informações sobre fluxos financeiros entre Portugal e a CEE relativos ao ano de 1986, as perspectivas apresentam-se bem piores para 1987. Ao menos em 1986 o Governo tinha-nos fornecido uma previsão desses fluxos financeiros, com a sua repartição entre administração central, autarquias locais, Segurança Social, regiões autónomas e empresas. Essa previsão pôde vir a revelar-se pouco precisa, o que aliás era natural, mas, mesmo assim, fornecia indicações úteis. Mas para 1987 o Governo nem isso faz.
Conforme se refere no relatório da Comissão de Integração Europeia, na proposta de Orçamento para 1987 não há nenhuma indicação sistemática com a previsão dos fluxos financeiros entre Portugal e a CEE. Há algumas previsões dispersas sobre alguns desses fluxos, mas não se dispõe de explicações sobre a natureza das transferências a que elas se referem nem sobre a fundamentação dos valores apresentados. No que toca aos fluxos com incidência no Orçamento do Estado, há uns que foram incluídos na proposta do Governo e outros que nela não aparecem. É de salientar em especial a falta de qualquer dotação relativa à contribuição financeira, deduzida das respectivas restituições, que o nosso país tem de pagar para o Orçamento Comunitário. Também será de mencionar que as contribuições do FEDER para o PIDDAC foram inscritas entre as fontes de financiamento dos projectos do Ministério da Agricultura, mas que não se seguiu o mesmo caminho no que respeita ao Ministério da Indústria.
O Governo justifica a falta, na sua proposta orçamental, de algumas verbas importantes relativas a fluxos financeiros com a CEE com o argumento de que não será possível prever essas verbas enquanto o Orçamento das Comunidades não estiver aprovado. A solução que o Governo propôs para compensar tal falta foi a de solicitar as autorizações legislativas a que se referem os n.ºs 4, 5, 6 e 8 do artigo 14.º da proposta de lei orçamental. Com essa solução pretende o Governo ficar com a possibilidade de alterar o Orçamento do Estado sem necessidade de ratificação pela Assembleia da República para nele inscrever os montantes dos fluxos financeiros com a CEE que deveriam ter sido incluídos nas propostas que nos foram submetidas.
A solução que o Governo nos propõe representa um grave entorse às disposições relativas às funções de controle da Assembleia da República sobre o Orçamento do Estado. Com o argumento de que a previsão é difícil, o que se nos pede é que aprovemos um orçamento em que já sabemos que não estarão incluídas todas as receitas nem todas as despesas. Pede-se-nos ainda que aceitemos que as receitas e despesas agora omitidas possam posteriormente ser acrescentadas ao Orçamento sem intervenção da Assembleia da República.
No Orçamento há, como não podia deixar de ser, muitas outras despesas e receitas de previsão difícil. Também, por exemplo, as receitas dos impostos e as despesas com juros da dívida pública são de difícil previsão. Ora isso não é razão para que essas receitas não sejam incluídas no Orçamento. E de facto elas São incluídas, como sempre tem sucedido.
Não é por isso que nós podemos deixar o Governo com a possibilidade de inscrever posteriormente uma previsão dos fluxos financeiros entre Portugal e a Comunidade.
Se aceitássemos a solução pretendida pelo Governo, estaríamos a criar um precedente que subverteria por completo as regras básicas de controle orçamental;
Será, por isso, evidentemente necessário que o Governo nos apresente, com base nos dados que já possua, as melhores estimativas que neste momento possa elaborar a respeito das receitas e despesas omissas na proposta orçamental. Essas estimativas poderão ser a base das dotações orçamentais a aprovar pela Assembleia da República. E se elas se vierem a mostrar desajustadas em face das verbas que forem inscritas no Orçamento das Comunidades, o Governo terá sempre ao seu dispor soluções fáceis para corrigir as dificuldades que daí possam resultar. Se não puder resolver essas dificuldades através de transferências de verbas nos termos da legislação existente, poderá, quando disso necessite, obter da Assembleia da República as autorizações para as ratificações orçamentais que se mostrem necessárias. Estou certo de que a Assembleia da República concederá essas autorizações sem dificuldades e com presteza, dado o interesse nacional de não se criarem obstáculos aos fluxos financeiros entre Portugal e a Comunidade.
Para terminar, gostaria de voltar a fazer referência a um ponto que já aqui abordei numa intervenção anterior, mas que é de importância fundamental para o nosso País: o do futuro das transferências financeiras entre Portugal e a CEE.
Como o Governo já tem reconhecido, embora o não tenha ainda admitido claramente nesta Câmara, há sérios riscos de que, com o actual sistema, Portugal venha a tornar-se dentro de poucos anos contribuinte financeiro líquido para o Orçamento da Comunidade. Por enquanto essa situação não existirá, uma vez que em 1986 nos foram restituídos 87 % da contribuição financeira para o Orçamento da Comunidade e que em 1987 a percentagem será ainda de 70%. Mas a posição portuguesa passará a ser cada mais desfavorável à medida que a percentagem da restituição for descendo gradualmente, até ser só de 40 % em 1989 e até ser eliminada dentro de cinco anos.
Além disso, essa posição também será afectada negativamente quando, finda a primeira fase do período de transição, passarmos a ter de entregar na Comunidade toda a receita dos direitos niveladores, que por enquanto somos autorizados a conservar em parte.

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Tem-nos sido dito que a compensação para o saldo financeiro negativo que pode vir a ser provocado pelas importações de produtos agrícolas será encontrado nas transferências a receber do FEOGA-Orientação, do FEDER e do Fundo Social Europeu. Simplesmente, todos sabemos que por causa dos apertos financeiros da Comunidade os recursos desses fundos se têm mostrado cada vez mais limitados. Os fundos estruturais têm vindo a acumular cada vez mais atrasos nos seus pagamentos. Mesmo que a quota portuguesa nos recursos desses fundos seja estabelecida com generosidade, não será fácil que ela se mostre suficiente para assegurar daqui a dois ou três anos um saldo global positivo nas transferências financeiras entre Portugal e a CEE.
É por tudo isso que temos de estar alerta. É urgente que o Governo estude possíveis soluções e vias de negociação para resolver as dificuldades que se desenham no horizonte. Mas se isso tem estado a ser feito - o que é duvidoso -, o Governo tem guardado nessa matéria, como aliás em muitas outras, um total silêncio em relação à Assembleia da República.
A haver algum trabalho já feito, adivinho qual é a justificação do Governo para não nos dar quaisquer informações sobre ele. A justificação, que já temos ouvido noutros casos, estará contida no velho adágio popular de que o «o segredo é a alma do negócio». O Governo pretende que, quando há negociações, não deve proporcionar quaisquer informações à Assembleia da República porque isso prejudicaria os resultados a obter.
Esse comportamento do Governo é a meu ver profundamente errado. As negociações com a CEE sobre problemas de fundamental importância não são só do interesse do País.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como já aqui disse noutras ocasiões, há possibilidades efectivas de encontrar entre os partidos da oposição apoio para as posições apresentadas pelo Governo em Bruxelas quando se trate de negociar questões de grande interesse nacional. Nesses casos, os negociadores portugueses estariam certamente em posição muito mais forte se estivessem apoiados não só em instruções do Governo mas também em orientações aprovadas pela Assembleia da República. Isso tem acontecido noutros países. Todos nós, o Governo e a oposição, nos devemos esforçar para que também aconteça entre nós.
Este governo não tem, porém, mostrado qualquer disposição para aproveitar a contribuição que a Assembleia da República pode dar para reforçar as posições negociais portuguesas. Prefere mesmo provocar a confrontação, ao manter a Assembleia da República pouco informada sobre o que se está a passar.
Está provado que não é assim que o Governo conseguirá esconder os seus reveses nessas negociações, como se demonstrou recentemente acontecer com o caso PEDIP.
Quando é que o Governo se mostrará disposto a mudar a sua atitude?

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Continuamos a ouvir, não sabemos com que fundamento, que para este governo a juventude constitui uma das suas principais preocupações. Face à realidade concreta, quase diríamos que de uma lamúria se trata!
Insistem em afirmar que a Secretaria de Estado da Juventude tem como propósito desenvolver uma política global e integrada de juventude, ou horizontal, como agora lhe chamam.
Se porventura o PSD e o Governo fossem obrigados a pagar impostos por cada mentira que nos pregam, de certeza que hoje teríamos, com alguma sorte, um orçamento sem défice.
A realidade é, porém, bem outra, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e constatamo-la diariamente. O Governo não tem nenhuma política orientada para a resolução dos mais candentes problemas juvenis! A Secretaria de Estado da Juventude não passa de um pequeno departamento governamental, sem verbas, onde se faz muita propaganda e demagogia, mas sem intervenção naqueles que são os problemas fundamentais dos jovens portugueses.
E as propostas de lei em debate aí estão para o demonstrar.
Face às necessidades e interesses imediatos dos jovens portugueses, particularmente nos domínios do emprego, do ensino, da habitação, bem como noutras matérias, nomeadamente no que se refere ao combate à droga e à delinquência juvenil, as propostas que o Governo nos apresenta estão para a juventude como a noite está para o dia.
No que se refere ao desemprego, o Governo afirma que em 1986 diminuiu e que vai continuar a diminuir em 1987.
Mas sobre esta matéria importa que nos entendamos!
Será que o Governo considera emprego o recrudescimento da exploração do trabalho infantil e juvenil?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Será que considera empregados os jovens que se encontram abrangidos pelo decreto-lei da aprendizagem? Ou mesmo até aos jovens que se encontram a frequentar cursos de formação profissional? Será ainda que para o Governo os jovens dos OTL e OTJ são jovens empregados? Ou será que o Governo pretende resolver o desemprego juvenil através do subemprego e do trabalho precário?
A não ser assim, como se justifica, por exemplo, que as verbas destinadas ao pagamento de remunerações do pessoal eventual da função pública, os chamados «tarefeiros» aumentem 1193 %? Ou seja, de cerca de 850 000 contos em 1986 passa para quase 5 milhões de contos em 1987.
São interrogações concretas a exigir respostas concretas, para que possamos todos perceber qual a concepção governamental em matéria de emprego.
E que política de emprego para a juventude será esta, quando o Governo não dota a Inspecção-Geral do Trabalho das condições e verbas para que possa desempenhar as suas funções em matéria de fiscalização da precariedade do trabalho e da exploração do trabalho infantil e juvenil.
Este é o panorama que o Governo nos oferece para 1987.
Relativamente à educação, questão fundamental para o desenvolvimento dos jovens portugueses e, em consequência, do próprio País, o Governo traz-nos uma

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brilhante novidade. O que era a prioridade das prioridades em 1986, deixou de o ser em 1987. Estranha concepção de prioridades a que este Governo tem! O Governo faz de conta que não existe a Lei de Bases do Sistema Educativo. Faz de conta que as famílias portuguesas vivem abastadamente, e, vai daí, diminui as verbas para a acção social escolar. Faz de conta que os serviços sociais universitários correspondem às necessidades e, como tal, cortam-se verbas substanciais no PIDDAC e nas despesas correntes, impedindo objectivamente o aumento do número de bolseiros e os apoios aos estudantes.
Mas também no domínio da habitação o panorama não é diferente.
O Governo demite-se das suas responsabilidades nesta matéria, nomeadamente no domínio da construção de habitação social. Juntando a isto o recente agravamento do crédito jovem e das condições de acesso ao crédito por parte dos jovens e casais jovens para a aquisição de casa própria, perceberemos que para 1987 o Governo nos prepara um ano magro no domínio da habitação.
No domínio da justiça é particularmente grave a ausência de meios capazes para apoiar a reinserção social dos jovens detidos, bem como os escassos recursos previstos para o combate à droga e para a recuperação e apoio a jovens toxicómanos.
Torna-se, assim, claro que em muitas matérias estes são problemas de somenos importância e por conseguinte não devem, na sua opinião, merecer preocupação.
Não temos esse entendimento das coisas!
Assim como não consideramos de somenos importância, por exemplo, os problemas dos jovens que cumprem o serviço militar obrigatório. O decréscimo das verbas para o SMO é a demonstração clara da falsidade das afirmações do Governo e da própria lei apresentada à Assembleia da República e impede objectivamente o encurtamento do período de prestação do SMO, tão propagandeado pelo Governo e também pela Juventude Social-Democrata, bem como o aumento do pré para níveis aceitáveis e a melhoria das condições de alimentação, alojamento e transporte dos jovens militares.
Como é apanágio de governos demagógicos, também este tenta limpar a triste imagem que decorre da sua nefasta política!
O objectivo é claro! Servindo-se das enormes dificuldades da juventude, socorre-se de algumas artimanhas e falsas soluções, tentando assim iludir os jovens e canalizá-los para o apoio e suporte político e eleitoral da direita.
Um governo que actua com tais propósitos, desperdiçando dessa forma a capacidade e energia criadora dos jovens, não é digno da juventude que somos. Por isso é também tempo que se vá embora.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Respondendo a críticas que lhe foram formuladas no sentido de que o Governo subalterniza o objectivo de reforma administrativa, já que fazia desaparecer a área respectiva da orgânica do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro
respondia em I S de Novembro de 1985 (durante o debate do Programa governamental) que extinguir a Secretaria de Estado da Administração Pública seria um «bom exemplo» da forma de « conseguir obter uma melhor Administração Pública».
A um ano de vista, já podem ser analisados os resultados desta óptica governamental, que entregou a gestão dos recursos humanos ao Ministério das Finanças e separou a reflexão e a actuação sobre a modernização da Administração Pública da gestão concreta.
A nota fundamental que se apura é a de que o âmbito das questões relativas à reforma da Administração Pública se reduziu na actividade do Governo, às medidas (pontuais e desconexas) que apresenta nas propostas de Orçamento do Estado.
O disparate deu o resultado esperado: a reforma da Administração Pública está entre parêntesis e a gestão dos recursos humanos está reduzida a meras operações de contabilidade pública.
Por detrás deste sistema (ou, melhor dizendo, desta falta de sistema) orgânico e institucional não há qualquer inocência e está uma prática vergonhosa, que os números e os factos evidenciam.
Parece que, pelo menos, seria de sublinhar quatro pontos.
Primeiro: subjacente à produção de novas leis orgânicas está o objectivo de substituir responsáveis e de enxamear a Administração Pública de afilhados, dependentes do partido, do PSD, instalado no Governo.
Segundo: a política (contabilística) que vem sendo seguida traduz-se no desrespeito das garantias de emprego dos trabalhadores da função pública e no recurso sistemático a situações de trabalho precário, nomeadamente a tarefeiros e outras situações.
Terceiro: prossegue o desmantelamento de serviços públicos de intervenção económica e o enfraquecimento de serviços relacionados com prestações sociais, nomeadamente nos campos da saúde, da educação e outros.
Quarto: o Governo constrói dia a dia uma pesada máquina de ingerência no campo próprio de actuação das autarquias locais, visando através dos órgãos desconcentrados, de órgãos que dirige e dele dependem, evitar a regionalização e a reforma da Administração Pública que a acompanhará necessariamente.
É dentro destas quatro linhas de concreta acção política governamental que assumem o seu significado as normas contidas no Orçamento e relativas à função pública.
Propõe o Governo incentivos á deslocação para a periferia - e confessou que praticamente não gastou nada de relevante da verba de 2 milhões de contos inscrita no Orçamento do Estado deste ano de 1986 para esse fim.
Propõe o Governo alterar o vigente sistema de bonificação das aposentações antecipadas - sistema, aliás, introduzido pela Assembleia durante a discussão do Orçamento para 1986 - e, ao mesmo tempo, espantosamente, promove esse sistema, que quer revogar, com anúncios (tipo «agência de viagens») mostrando as delícias da reforma antecipada no sistema aprovado pela Assembleia.
Propõe o Governo a tributação dos funcionários públicos e, questionado nas comissões, reconheceu não ter definido a solução para os problemas complexos - e complexos são, Srs. Deputados, quer para os trabalhadores, quer para as autarquias, quer para outras entidades -, problemas esses que resultam de uma tri-

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butação definida em 1987 como meramente contabilística e de ser inevitavelmente em 1988 o pagamento real de impostos.

Propõe-se o Governo adoptar instrumentos de mobilidade e reafectação, bem como o chamado não aumento dos efectivos da Administração Pública, e simultaneamente aumenta escandalosamente as verbas para pessoal eventual e para aquisição de serviços.

E esta é a questão de fundo. Aliás, deve dizer-se que o nível de manipulação de verbas na rubrica «Pessoal» atinge as raias do inadmissível.

Reconhece o próprio Governo que da verba inscrita na rubrica «Pessoal» no ano de 1986 vão sobrar vários milhões de contos, mas simultaneamente faz o cálculo de evolução dessa verba para 1987 com base na previsão que reconhece empolada de 1986

Conduz um processo negocial que não passa de uma mascarada e que conduziu aos resultados conhecidos.

Inscreve nas rubricas para. pessoal eventual verbas que representam, em relação ao ano anterior, uma evolução de tal ordem que justificam a suspeita de que, para além da crescente precarização do emprego, se pretende atingir alguns objectivos que conjunturalmente possam tornar apetecível para o Governo fazer em 1987 um recrutamento abundante de potenciais eleitores que sublinho «eleitores» ).

Srs. Deputados, as questões da reforma da Administração Pública e da gestão dos recursos humanos representam um dos pontos negros da acção do Governo. Será urgente que a Assembleia desenvolva o debate respectivo, com tempo e profundidade.

Não se pode aceitar, . Srs. Deputados, que a gestão dos recursos humanos transforme em regra práticas como as que foram assumidas pelo Sr. Primeiro-Ministro e pelo. Sr. Ministro Álvaro Barreto.

O primeiro, quando remete para membro do conselho de gestão de uma empresa pública um membro do seu próprio Gabinete. O segundo, quando em papel timbrado do Ministério da Agricultura, mete uma «valente cunha» para que um tal «rapaz» que, por acaso se chama Moço - aliás, isto tem graça, um rapaz moço! -, e que por acaso é marido de uma sua colaboradora, venha preencher um lugar na mesma empresa pública.

Dozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - A Administração Pública, Srs. Deputados, não é um negócio de família e não pode ser tratada assim.

Os «puros» ministros deste governo ficam a descoberto com acções deste tipo e com a política que estão a seguir em relação à Administração Pública, política essa que não deve nem pode prosseguir.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada esta fase da discussão, vamos interromper os nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 25 minutos.

Recomeçaremos às 22 horas com as declarações finais de cada grupo parlamentar, pela ordem crescente da sua representatividade, terminando com o encerramento por parte do Governo e com a correspondente votação na generalidade das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1987.

Está, pois, suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Os vários grupos parlamentares vão agora usar da palavra a fim de efecturem as declarações que precedem o encerramento deste debate.

Tem então a palavra, em nome do MDP/CDE, o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate que se desenvolveu aqui foi esclarecedor não apenas pelo que no decorrer dele se afirmou mas especialmente, em muitos aspectos, pelos equívocos e ambiguidades que o Governo procurou conservar e até pelos silêncios que em muitas questões graves manteve e que não deixaram, por isso, de ser menos eloquentes.

Em relação às Grandes Opções do Plano (GOPs) para 1987, o que antes de tudo ressalta com maior evidência é que muito pouco, quase nada, se diz sobre as políticas que o Governo tenciona por em prática para alcançar os objectivos que se propõe. O texto deixa-nos, de facto, na ignorância sobre as medidas o Governo pretende aplicar sobre questões tão decisivas para o futuro da nossa sociedade, particularmente num momento em que defrontamos a concorrência das mais fortes economias das Comunidades, como os desequilíbrios estruturais na agricultura, na indústria, nas assimetrias regionais e nas finanças públicas, entre outras. É um enunciado de objectivos muito genéricos sem quaisquer referências concretas ao ano de 1987 e, como se reconhece no relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, «sem indicações suficientemente claras e precisas sobre os instrumentos e programas necessários para realizar os objectivos anunciados».

Os debates que se desenvolveram durante estes três dias, em especial as intervenções dos membros do Governo, não permitiram preencher lacunas, aclarar obscuridades ou concretizar generalidades. Nestas circunstâncias, a sua aprovação significaria, pois, em grande medida, um cheque em branco entregue ao Governo, com custos previsivelmente muito elevados para o povo português e também para quem se responsabilizasse por o ter passado.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não menos graves é o facto, justamente salientado também no mesmo relatório, de que «a evolução sectorial do PIDDAC parece mostrar que o Governo não tem definida uma hierarquização das suas prioridades, colocando os investimentos do Plano, em boa parte, na dependência do destino funcional dos eventuais recursos comunitários, o que», acrescenta a Comissão de Economia, «poderá provocar fortes e inconvenientes distorsões no desenvolvimento equilibrado do País».

Sectores que registam fortes diminuições de dotações - como os da educação, formação profissional, saúde, habitação, indústria e energia - deveriam ser considerados prioritários por serem suportes indispensáveis do nosso desenvolvimento económico e progresso social. Refira-se, designadamente, o sector da educação, onde a Lei de Bases do Sistema Educativo, recentemente promulgada, consigna que a «Educação será considerada, na elaboração do Plano e do Orçamento do Estado,

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como uma das prioridades nacionais», registando-se aí, porém, um decréscimo de dotações que porá em causa o arranque do processo de concretização daquela Lei de Bases, com graves prejuízos para a edificação de um ensino democrático no nosso país.
Quanto ao sector empresaria do Estado, o investimento previsto para o próximo ano acusa uma acentuada quebra em relação a este ano e, o que é ainda mais grave, sem que o Governo explicite as razões por que o faz. Dominado por razões de ordem ideológica, ao serviço de uma concepção que nem sequer é a de um capitalismo avançado, o Governo prepara-se assim para prosseguir no estrangulamento do sector público, que não se vê como, nas actuais circunstâncias, possa deixar de ter papel fundamental no relançamento da nossa economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Conter e ir gradualmente diminuindo o défice público é uma preocupação que, sendo obviamente legítima, só pode, no entanto, merecer aprovação se for correcta a via para a alcançar. Ora, o Governo escolheu, em nosso entender, uma via errada. Para diminuir o défice reduziu ao máximo todas as despesas, incluindo as produtivas. Investe menos para obter, desde logo, um saldo negativo menor.
A verdade é que as circunstâncias favoráveis existentes justificariam uma outra orientação. As despesas não reprodutivas deveriam ser reduzidas ao mínimo, tendo, no entanto, o cuidado de garantir, com uma eficiência mínima razoável, os serviços essenciais que competem ao Estado.
Quanto às despesas reprodutivas, estas deveriam crescer, de forma a permitir que sectores de importância fundamental do sector público administrativo aumentassem a sua produtividade e a sua produção, se modernizassem e pudessem ainda reforçar o aparelho produtivo em sectores com um grande dinamismo previsível. Esta orientação levaria a que, inicialmente, o saldo negativo aumentasse, mas os seus efeitos positivos em toda a economia seriam consideráveis e acabariam por dar origem a receitas suplementares.
Uma outra questão central é a da distribuição do rendimento nacional, que tem sido feita de forma mais desiquilibrada, em desfavor da parte do trabalho, o que tem conduzido a situações sociais cada vez mais injustas. Ora, a verdade é que os aumentos de vencimentos, sem terem de dar saltos bruscos, poderão crescer mais do que o previsto pelo Governo - é socialmente justo, economicamente possível e há condições para isso. Só que a orientação apontada pelo Governo não o permitirá, agravando ainda mais as disparidades sociais.
Maiores disparidades e injustiças sociais decorrerão também do regime fiscal proposto pelo Governo através do Orçamento, devido a um maior agravamento dos impostos sobre os rendimentos do trabalho, como é o caso do imposto profissional e do imposto complementar, na parte que se refere aos rendimentos do trabalho, sendo este agravamento mais do dobro do aumento que sofrem os impostos sobre a propriedade e o capital, nomeadamente a contribuição industrial e o imposto sobre aplicações de capitais.
Por estas razões, o MDP/CDE votará contra as propostas de lei relativas às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento.
No entanto, de acordo com a orientação responsável que sempre tem seguido, se porventura estes documentos forem aprovados, o MDP/CDE empenhar-se-á, na comissão especializada, em contribuir para a sua melhoria, rectificando, com propostas concretas, os aspectos mais gravosos que eles contêm.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. )Presidente: - Em nome do Grupo Parlamentar do CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No documento chamado Grandes Opções do Plano, apresentado pelo Governo ao Parlamento, e que, por agora, não estão em discussão, começa-se por uma citação, indirectamente feita, de uma sentença de Agostinho da Silva - um português vivo cuja grandeza bem merecia uma referência directa. Mas citação inquietante, porque não pode apelar-se ao pensamento do professor sem, ao mesmo tempo, abranger na invocação o mileranismo de Joaquim de Fiora, o frade que viveu entre 1190 e 1202, cuja profecia lhe tem merecido estudo e atenção. Trata-se de admitir que o mundo foi, numa primeira fase, governado pelo Pai, depois pelo Filho, e finalmente pelo Espírito Santo. Fica-se na preocupação fundada de que se imagina que estamos, desde agora, tranquilamente entregues a esta última regência, cuja primeira manifestação milagrosa talvez os seguidores do frade pudessem encontrar na favorável conjuntura económica externa, que tem evitado que seja maior do que é o desastre português.
Alguns cépticos insulares, a julgar pelas notícias de hoje, pensam que a intervenção milagrosa não tem manifestações visíveis na evolução da sociedade civil portuguesa, caracterizada como «uma democracia em que é quase crime não alinhar no oficiosismo».
Pela nossa parte, frequentemente surpreendidos pela imagem publicitada de escassos contactos e relacionamentos com o poder instalado, mesmo quando a pedido deste, julgamos entender que o «Estado-espectáculo» em que vivemos presta mais atenção ao eleitoralismo, que essa técnica procura servir, do que à angustiante realidade da nossa vida civil, em que os valores éticos se degradam, as famílias se desagregam, o falso paraíso da droga cresce a tapar a falta de esperança concreta da juventude, a classe média está em degradação, a insegurança do trabalho e da poupança faz parte do quotidiano e até a integridade da Pátria, para falarmos mais adiante da sua viabilidade independente, é desafiada, usando impunemente os meios de comunicação à disposição de todos.
De acordo com as técnicas a que já estamos habituados, vamos, certamente, ser estimulados com uma pregação governamental sobre as excelências da situação a que chegámos, e os Portugueses, que um dia qualquer serão chamados a votar, ouvirão isso e pouca oportunidade terão de ouvir outra coisa.
Entretanto, e para além dos números das excelentes máquinas de calcular e dos exercícios algébricos, a primeira e mais grave conclusão que tiramos deste Orçamento é que ele confirma que marchamos para a situação de Estado exíguo, isto é, que não tem recursos para satisfazer as necessidades para as quais os homens inventaram essa criatura.
Não se trata apenas da fragilidade da unidade do Estado, demonstrada na série de conflitos institucionais em que temos vivido, sobretudo no âmbito da proble-

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mática das autonomias, que podem desenvolver-se sem que se encontre uma autoridade política que assuma a gestão da crise. Por isso, vimos as Forças Armadas, contra todas as previsões constitucionais, dirigirem-se, de novo, directamente ao País, porque não há conflito que não exija uma voz tribunícia.
Mas, justamente, o orçamento das Forças Armadas é uma das demonstrações de que caminhamos para Estado exíguo, porque, como diz a Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, trata-se de «um orçamento de continuidade, consagrando a tendência de carácter restritivo registada nó último decénio».
Temos um novo conceito estratégico militar, oportunamente aprovado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, mas a proposta do Orçamento não revela ajustamentos funcionais, ou outros, que conduzam à melhoria da eficácia e da prontidão operacional, e os responsáveis não consideram o reforço orçamental suficiente no que respeita à sustentação e às opções de modernização e alargamento do sistema de forças.
Sobre a lei da programação militar para o ano de 1987 não podem tecer-se considerações, salvo as que respeitam à legalidade do processo adoptado, porque ainda faz parte dos mistérios da profecia que nos revela a primeira página das Grandes Opções. Com isto não dizemos que este governo, ou outro, poderiam fazer melhor, mas concluímos que o optimismo do discurso governamental esconde esta caminhada para a exiguidade do Estado, como entidade responsável e soberana na cena internacional.
Teremos de concluir o mesmo quando nos debruçamos sobre o orçamento da educação e o comparamos com a realidade do País.
A Constituição defende, e nós sustentamos, a liberdade da escola e a escola livre, e sempre damos como exemplo a Universidade Católica, que não se insere na categoria das escolas privadas, mas está no âmbito da escola livre. Todavia, a realidade é que os princípios constitucionais estão a ser aplicados em termos de construir uma sociedade que Marcuse julgou ver nas sociedades ricas e poderia agora ver nas sociedades pobres.
Afligiu-se o sociólogo com o facto de que o mercado, em vez de ir ao encontro das necessidades, inventava necessidades para a sustentação do mercado, criando o homem unidimensional.
Entre nós, vista a incapacidade crescente do Estado para acolher a procura dos estudantes que ambicionam a formação superior, verificada a impossibilidade em que está de cumprir o dever constitucional de assegurar a todos tal resultado, é da sua exiguidade que está a nascer um mercado em que a debilidade da resposta estadual é tapada por uma oferta privada unidimensional, porque apenas oferece as opções que estão ao alcance do seu investimento e não pode oferecer as que seriam exigidas pelas vocações frustradas. Talvez devamos dizer que prestam o serviço que podem, porque o Estado não presta o serviço que deve e a consequência é um desencontro entre as vocações, as formações, as necessidades do País e o mercado de trabalho.
Por outro lado, talvez seja oportuno meditar sobre a resposta que pode ter, neste sistema de Estado exíguo e mal orientado, o princípio segundo o qual os jovens, sobretudo os jovens trabalhadores, gozam de protecção especial no que respeita ao ensino, à cultura e ao trabalho, numa sociedade que ainda não reencontrou a dignificação do ensino das artes e ofícios nem lhe é consentido que pratique a regra de que toda a maneira de ganhar a vida é igualmente digna e de que os homens apenas se aproximam ou diferenciam pela maneira como vivem.
Não precisamos que nos demonstrem que o Ministro da Educação faria mais e faria melhor se pudesse, mas os números já debatidos largamente mostram a exiguidade do Estado sem necessidade de ataques despropositados aos gestores, e ainda nos fica, pelo menos, o milagre da «Santa Gulbenkian», e outros membros da corte terrestre das fundações, a que recorrem algumas vocações e necessidades menores.
Acresce aquilo que diz respeito à nossa política externa e seu aparelho. Neste momento, segundo as informações que recolhi, e admito algum erro de pormenor, o nosso embaixador em Nova Deli também o é no Afeganistão e no Sri-Lanka; o nosso embaixador em Moscovo também o é na Mongólia e na República Democrática da Coreia; o nosso embaixador na Tailândia também o é no Vietname, na Birmânia e na Malásia; o nosso embaixador em Tóquio também o é na República da Coreia e nas Filipinas; o embaixador em Brasília também o é na Bolívia; o embaixador na Colômbia também o é em El Salvador e no Equador; o embaixador no México também o é na República Dominicana, na Guatemala, no Haiti, nas Honduras e na Nicarágua; o embaixador na Venezuela também o é em Granada, na Guiana e na Jamaica; em relação ao Brasil, consideram-se bem informados os que falam no encerramento dos consulados em Belém, em Curitiba e em Salvador.
Um dos sinais da debilidade do Estado está sempre na incapacidade de acompanhar a complexidade crescente da vida internacional pelo exercício efectivo da representação permanente e recíproca. Mais uma vez admitimos que o Governo faria melhor se pudesse, mas que a exiguidade para a qual tendemos não o consente e tenderá a torná-lo mais difícil.
Fazemos ainda uma referência à política de cooperação, que parece um ponto essencial para todos os governos que vão passando.
Independentemente de discutir o conceito de cooperação pelo qual se orienta o Governo, notamos que as verbas despendidas com a Direcção-Geral de Cooperação e com o Instituto para Cooperação Económica é de 1,3 milhões de contos e que o montante das verbas despendidas com Cabora-Bassa tem sido de 7 milhões de contos por ano, isto é, mais de cinco vezes as verbas que são afectadas directamente para a cooperação.
Com esta última verba suportamos as consequências de riscos políticos que nem as instituições de seguros se atrevem a considerar e ainda não tivemos a capacidade estadual de rever a situação, com apoio nos argumentos que não faltarão aos consultores numerosos e escolhidos de que o Governo nos vai dando notícia.
Mas a comparação dos números é suficiente para demonstrar como a capacidade do Estado está longe do grande desígnio da cooperação, de resto mais orientada para o consumo e necessidades imediatas do que para o multiplicador da formação de quadros e abertura ao investimento. Por isso somos regularmente informados do êxito da renegociação das dívidas, o que simplesmente significa, de facto, uma relação de doação de recursos que não temos e que representam uma gota de água que se some no mar das carências dos países do Sul pobre que nos interessam.
Esta situação de debilidade crescente do Estado, que engorda sem criar músculos, continuamos a entender

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que vem do sistema mais do que dos homens. E a crítica evidente que temos a fazer é que o Governo se resigna ao sistema, não apenas nos actos mas na semântica, quando se apressa a qualificar-se de esquerda moderna. É por isso que as intervenções dos nossos deputados acentuaram, em relação a este Orçamento, o seguinte, que resumo: é um Orçamento de continuidade, que não encontrou apoio para a mudança em nenhuma reforma estrutural prometida entre as que foram invocadas para justificar o derrube do Governo anterior, com a consequência de novas eleições e da esquerdização do quadro parlamentar directamente decorrente desse acto; há uma continuação no aumento da despesa pública, com substancial aumento dos recursos nacionais absorvidos pelo sector público administrativo, com particular significado no aumento das despesas com pessoal; agravamento do peso da dívida pública acumulada, não obstante a baixa da cotação do dólar; ausência de uma estratégia política de adaptação à CEE em áreas fundamentais, como, por exemplo, na política industrial e agrícola.
Resignado o governo ao sistema, assumindo-se como esquerda moderna, tem de dizer-se que rege o sistema acumulando apenas erros? Para quem aceite um Estado tutelar e dirigista - que repudiamos -, algumas medidas fiscais, condescendentes com a necessidade de reanimar a economia, têm sido apreciadas pela iniciativa privada, mas é menos apreciado o adiamento da reforma fiscal. Mas nada remedeia a submissão ao sistema que, no período de 1974 a 1986, levou o investimento a registar uma taxa de variação média anual negativa, que significa, segundo declarações de responsáveis, que a nossa capacidade produtiva instalada não só não se expandiu como diminuiu nesta década.
A adesão ao sistema significa a submissão à lógica do mesmo e a continuada evolução para Estado exíguo. Esta marcha apenas será detida com a alteração do sistema, imposta por uma mobilização social esclarecida sobre as condições reais do País, pela via de uma economia social de mercado que abra os caminhos da regeneração. E aqui nasce uma questão importante: vale a pena rejeitar um orçamento que é de continuidade? Tem vantagens ficar então submetido ao anterior? Ou será mais útil tentar melhorar alguma coisa na especialidade, corrigindo certas dotações manifestamente insuficientes sem aumentar o défice; reduzir, em princípio, as transferências para o sector público empresarial; diminuir a carga fiscal pela eliminação ou atenuação de alguns impostos; controlar as dotações que razoavelmente pareçam visar fins puramente eleitoralistas, ou compensar eventuais aumentos de despesas com receita proveniente de alienação de património?
O sistema está a conduzir-nos para um desastre. A prudência aconselha a tentar reduzir a área do desastre, enquanto a mobilização das vontades cívicas e das consciências não consinta inverter a marcha em que Portugal caminha para Estado exíguo.
Mas a área do desastre também se alarga com a instabilidade governativa e esta é constantemente posta em causa pelos desafios institucionais que o Governo pratica, na Assembleia e fora dela, como aconteceu, no meio deste importantíssimo debate, com as declarações de hoje do Primeiro-Ministro, celebrando um evento que nunca aconteceu, isto é, a aprovação do Programa do Governo por esta Câmara.

Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Esta imprudente prática não pode contar sempre com a compensação da prudência e sentido de responsabilidade dos outros, designadamente do CDS, ao qual frequentemente se prodigalizam tratamentos de desinformação.
Nada nos desvia, porém, da fidelidade ao interesse público e queremos que fique claro o seguinte: o Governo fez bem em não insistir na discussão das Grandes Opções do Plano a médio prazo, porque deveriam ser reprovadas; as Opções para 1987 preenchem apenas uma exigência formal da Constituição e não vale a pena discutir o seu conteúdo.
Resta o Orçamento. Vamos votar a seu favor na generalidade, na esperança de que o Governo aceite a realidade da situação parlamentar e de que, na especialidade, sejam acolhidas as propostas construtivas que forem feitas.
O Governo tem de assumir que este voto não é final. Não entenda que sai daqui com um triunfo, sai habilitado a discutir as correcções necessárias, sem uma crise política que não é ele que evita, mas que pode provocar, se os conflitos institucionais continuarem. A estabilidade governativa do governo minoritário fica absolutamente dependente de o próprio Governo querer ou não querer provocar eleições gerais.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No encerramento do debate orçamental, com um governo que privilegia, como as maiores das suas Grandes Opções, a propaganda e o eleitoralismo, parece-nos essencial, tanto como deixarmos as razões por que vamos votar contra as propostas de lei governamentais, pormos em evidência o desaire sofrido pelo executivo PSD/Cavaco Silva nestes três dias de discussão na Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Propomo-nos, com este objectivo, esclarecer as quatro questões seguintes: Em primeiro lugar o significado da cisão das GOPs a médio prazo e a falta de dignidade substancial das GOPs para 1987; em segundo lugar, as razões principais da nossa oposição à proposta de lei do orçamento; em terceiro lugar, as principais alterações que defendemos, e, por último, o quadro político que este debate revela.
Em relação ao primeiro aspecto, parece-nos importante salientar que a cisão da proposta das Grandes Opções, o adiamento da votação e a consequente secundarização das GOPs a médio prazo constituem uma grande derrota do Governo, que só ficou menos nítida pela demorada querela processual que rodeou a deliberação da Assembleia da República.
Nesta operação o Governo perdeu tudo, perdeu os efeitos que pretendia tirar com uma pomposa proposta de Grandes Opções a médio prazo, destinada a tornar-se o pólo do debate orçamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não evitou ser metido a ridículo pelo conteúdo retrógrado e a forma extravagante de um

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estranho documento. Não conseguiu livrar-se dela por enquanto e, a menos que tenha a coragem de retirá-la, aqui voltará, dentro de dias, com as Grandes Opções no regaço e sem o expediente de outras matérias para discutir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sempre queremos ver quem serão os valentes ministros que nesse debate se dignarão acompanhar o Ministro Valente de Oliveira. Por muito má impressão que se tenha do Governo, surpreende que o Conselho de Ministros possa ter aprovado um tão inquietante como patusco diploma, onde, nos aspectos substanciais, se combina um nacionalismo de sabor fascizante e um servilismo, em face do imperialismo e do estrangeiro, do mais aviltante...

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD.

... e que, na sua forma, se mistura o estilo das récitas da Mocidade Portuguesa salazarista com o que de mais ridículo Eça de Queirós fustigou nos Acácios, nos Abranhos e nos Gouvarinhos.

Protestos do PSD.

Há que dizer, no entanto, que quando o debate parlamentar se iniciou, as Grandes Opções a médio prazo já estavam em queda, provocada pelo salutar movimento de repulsa que suscitaram na opinião democrática do País e que se traduziu em muitas tomadas de posição de escritores, jornalistas e outras figuras da cultura.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É a classe operária!

O Orador: - Quero prevenir os senhores deputados do PSD de que, se não são capazes de ter uma postura democrática, tenham ao menos em atenção que, depois de mim, falará ainda um representante do vosso partido e um representante do Governo, que encerrará o debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, não vão querer que repliquemos com uma conduta tão pouco adequada à Assembleia da República como aquela que os senhores deputados estão a manter.

Aplausos do PCP.

Uma voz do PSD: - São apartes!

O Orador: - Adiadas as GOPs a médio prazo, temos agora para votação o triste «complemento» que tem sido designado «GOPs de 1987».
Não contestamos tanto a sua dignidade formal, uma vez que resultou da cisão feita nos termos regimentais. Contestamos, isso sim, que o seu conteúdo tenha dignidade para ser votado pela Assembleia da República.
Como se reconhece no relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, as estimativas e as projecções macroeconómicas não merecem crédito e são vagas, raras ou não existem as definições das políticas económicas que o Governo se propõe seguir em áreas fundamentais, como, por exemplo, na candente questão do emprego. As GOPs 87 são, claramente, um cheque em branco, ou até um cheque sem cobertura... orçamental, que implicam um vínculo de confiança para serem apoiadas. Duvidamos que qualquer outro partido, além do PSD, se disponha a isso. O PCP diz não a esta proposta de lei, que é exemplo da falta de cuidado e da incompetência do Governo em tudo que não seja a propaganda, e onde, apesar das omissões, está bem expresso o agravamento da política restauracionista. Por tudo isto o PCP votará contra ela.

Uma voz do PSD: - Já sabíamos! Vota contra tudo!

O Orador: - O PCP vota também contra a proposta de lei do Orçamento de Estado, pela análise que explanou largamente ao longo do debate e de que saliento agora as cinco razões essenciais.
Primeiramente, o PCP vota contra o Orçamento proposto para 1987 porque ele prossegue a actuação governamental já seguida em 1986, que conduziu a que fosse desperdiçada uma conjuntura externa excepcionalmente favorável para o nosso país e que teria permitido, se outra fosse a política, relançar a economia nacional e melhorar, acentuadamente, as condições de vida do nosso povo.
Em segundo lugar, o PCP vota contra o Orçamento porque ele consagra uma distribuição dos dinheiros públicos em que algumas obrigações fundamentais do Estado, designadamente no campo social, são sacrificadas em benefício das clientelas do Governo e dos grandes interesses capitalistas de que ele é serventuário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Orador: - São exemplos concludentes desta política de tirar aos pobres para dar aos ricos, a diminuição em relação a 1986, mesmo em termos nominais das verbas destinadas ao subsídio de desemprego, aos salários em atraso e à reestruturação industrial, bem como uma política fiscal que dá isenções aos grandes interesses económicos e agrava a carga fiscal sobre os trabalhadores e a população laboriosa.
São igualmente significativas da errada política governamental a diminuição da maior parte das rubricas das despesas públicas da Educação (especialmente a acção social escolar, a educação de adultos, o ensino especial e a investigação cientifica nas universidades) e a diminuição das despesas de capital com a educação, a saúde, a habitação e o urbanismo e a indústria e energia.
Em terceiro lugar, votamos contra o Orçamento, porque comporta os dispositivos para que continue a política de estrangulamento das empresas públicas, visando o seu desmantelamento e entrega das partes mais rentáveis aos altos rendimentos, o que, além de inconstitucional e ilegal, está a traduzir-se na paralisação e destruição do aparelho produtivo do País, com o seu cortejo de desastrosas consequências económicas e sociais.
Em quarto lugar, votamos contra o Orçamento, porque este contém novas medidas de benefício e protecção ao grande capital e às transnacionais e é vazio quanto às orientações que assegurem uma viragem no sentido do relançamento da economia nacional.

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Por último, votamos contra o Orçamento, porque as contas do Governo não nos merecem confiança. Como foi salientado no debate, o Governo apresenta nos seus documentos três versões diferentes para a estimativa do défice de 1986, que divergem em várias dezenas de milhões de contos. Em relação a outras rubricas, o Governo apresentou contas erradas, que já substituiu uma e duas vezes. Não se trata, neste caso, apenas de incompetência. O Governo manipula os números, sobreavalia despesas e subavalia receitas para esconder os «sacos azuis» e os «sacos pardos» que quer furtar ao controle da Assembleia para objectivos que não são do interesse nacional, mas dos interesses eleitoralistas do Governo e do PSD.

Aplausos do PCP.

Sabemos muito bem que, por mais profundas que sejam as alterações na especialidade, não é possível, a partir delas, fazer outro orçamento, ou mesmo mudar no que é essencial a natureza deste.
Mas o debate na especialidade, se vier a ter lugar, representará uma real possibilidade de atenuar as mais graves omissões, distorções e injustiças da proposta de lei governamental e de redistribuir algumas verbas de forma mais consentânea com o interesse nacional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O PCP orientará as suas propostas de alteração na especialidade - se esta vier a ter lugar em duas direcções principais: a melhoria das condições de vida do povo português e a defesa das empresas públicas e o relançamento da economia nacional.
Em relação às primeiras apresentaremos propostas visando, designadamente, o aumento das verbas para assegurar o pleno cumprimento da lei do combate aos salários em atraso, o aumento geral das pensões e reformas (que ainda estão muito longe da metade do salário mínimo nacional que pretendemos), a revogação imediata das chamadas taxas moderadoras sobre a saúde, o reforço das verbas para a alfabetização de adultos, para o ensino de crianças deficientes e para a investigação científica nas universidades e o aumento do montante destinado aos subsídios de renda de casa.
Continuaremos a insistir em matéria dos preços dos combustíveis, para que o fuel e a nafta deixem de ser tributados e para que os restantes combustíveis tenham uma baixa parcialmente correspondente à baixa do preço do petróleo.
Apresentaremos propostas para o reforço das dotações de capital para o conjunto das empresas públicas e para o pagamento das indemnizações compensatórias pelo serviço público prestado, nomeadamente para as empresas de transportes.
Gostaríamos de chamar a atenção para a circunstância de que é este o lugar e a altura para introduzir correcções na política económica governamental. Não sobram hoje dúvidas que, neste momento, a Assembleia da República detém plenitude de poderes em matéria orçamental.
No plano crítico, que me recorde, nunca outras propostas de política orçamental foram objecto de uma tão severa e firme desaprovação por parte da Assembleia da República como estas propostas de GOPs e Orçamento para 1987. Em praticamente todas as comissões parlamentares o PSD ficou sozinho, a votar contra os pareceres muito críticos aprovados por todos os outros partidos. A vigorosa oposição manifestada em Plenário por todos os partidos, à excepção do do Governo, também ultrapassa tudo o que até agora se assistiu.
É claro que o Governo tem o controle bastante sobre uma certa comunicação social para conseguir que seja transmitida ao País uma ideia diferente e até oposta do que aqui se tem passado. Certos órgãos apresentam mesmo o Governo como o grande triunfador e as oposições em dificuldades para fazer críticas.

Palavras inaudíveis do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).

Creio que o Sr. Deputado Silva Marques não fez nenhuma intervenção e por isso está carenciado do uso da palavra. Mas tenha paciência...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que não estabeleçam diálogo e que, sobretudo, guardem o silêncio conveniente para que o Sr. Deputado Carlos Brito possa prosseguir a sua intervenção.

O Orador: - Felizmente, o País vai sabendo como se fazem estas coisas e quem as faz. Creio que por tudo isto se torna de grande urgência que a Assembleia da República legisle, o mais rapidamente possível, sobre os meios áudio-visuais.
É possível que, apesar de tudo, este péssimo Orçamento venha a passar na generalidade. Alguns partidos podem pensar, erradamente, que como não há outro e é preciso um, mais vale este que nenhum.
Já é o que acontece com o governo minoritário do PSD. Isolado e fustigado pelas críticas das oposições, vai subsistindo, só porque algumas destas consideram, erradamente, que não é ainda oportuno substituí-lo, e como é preciso um, mais vale este que nenhum, concluem.

O Sr. Alípio Dias (PSD): - Faltam ainda três anos!

O Orador: - Há no País o sentimento de que tudo isto é provisório e a muito curto prazo: o Orçamento, o Governo e a sua política. É uma situação absurda e extremamente perigosa.
O governo PSD/Cavaco Silva aproveita-se dela o mais que pode. Transforma-se, de facto, no estado-maior eleitoral do PSD, consome largamente os dinheiros públicos na campanha e utiliza a conjuntura económica e financeira favorável para distorcer as regras de intervenção eleitoral e fazer exercícios sistemáticos de marketing sob sucessivos sectores do eleitorado. Instala-se cada vez mais na comunicação social e na Administração Pública; não se limita à manipulação diária, corrente; selecciona quadros, prepara o futuro; intensifica o ataque aos direitos dos trabalhadores e às transformações democráticas de Abril, especialmente à Reforma Agrária e às empresas públicas, cujo desmantelamento procura acelerar a favor de grupos bem definidos.
No plano institucional, o Governo prossegue a guerrilha, usa e abusa das desconsiderações à Assembleia da República - como ainda hoje aconteceu -, com o objectivo de desprestigiá-la e aos partidos da oposição junto da opinião pública e tentar descarregar sobre ela e sobre eles a responsabilidade pelos erros e incompetência da sua política.

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Torna-se evidente que as forças democráticas que se opõem ao Governo não podem assistir, expectantes, às manobras pouco democráticas e ilegítimas do poder governamental para se consolidar e impor a sua política.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O nosso povo e o nosso país merecem que a actual conjuntura seja aproveitada em seu proveito e em seu benefício.

Aplausos do PCP.

O governo PSD mostrou que não é capaz de o fazer, porque está demasiado preocupado em servir-se da conjuntura em proveito próprio. É então natural que os olhos se virem para os partidos da oposição, que dispõem de uma larga maioria na Assembleia da República. Nós, no PCP, aceitamos com grande disponibilidade o desafio desses olhares.

Risos do PSD.

Desmascarando e votando contra as propostas do Governo, queremos contribuir também para que o desafio que largas camadas do nosso povo lançam aos partidos da oposição para que encontrem uma alternativa democrática seja não só uma esperança, mas uma certeza a curto prazo de melhores dias para os Portugueses e para Portugal.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Em nome do Grupo Parlamentar do PRD, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Se quiséssemos um retrato, tanto quanto possível exacto, da situação do País, tal como resulta da sua Administração Pública, teríamos de concluir que os meios humanos e materiais da Administração estão mal repartidos em relação às missões do Estado, que não correspondem às prioridades que se estabelecem em termos dessas mesmas missões, que os ministérios centralizam, inclusivamente porque o seu melhor pessoal está em Lisboa e não na periferia, e que o conjunto da Administração se caracteriza por estratificações horizontais muito fortes e pela concentração dos poderes de decisão.
Tudo isto é agravado pelo «para-quedismo» das direcções de confiança política, que desaguam, de repente, nos lugares cimeiros da Administração.
Quem decide não tem tempo; mal lê os papéis que lhe apresentam, justifica o seu poder mediante correcções formais, e os problemas de redacção ficam assim mais importantes do que as ideias expressas. Os jovens reivindicam, mas muito poucos chegam sequer a assinar o correio.
Há um desperdício de tempo dos dirigentes, da capacidade de informação e de experiência, de devoção à coisa pública por parte de muitos funcionários, e assim não se podem privilegiar utentes.
Temos um Estado organizado a partir de clientelas e de rituais, com feudalismos autónomos, incapazes de, por isso mesmo, realizar missões com prioridades definidas.

Sr. Presidente, Srs. - Deputados: Em que medida as propostas de lei que temos aqui presentes alteram ou podem alterar este estado de coisas?
O Orçamento entrou a tempo? Terá entrado formalmente, mas, porque o rigor é exigente, apresentámos, ontem mesmo, na Mesa uma proposta de alteração ao Regimento que prevê que o tempo de apreciação do orçamento e do plano se conte a partir do momento em que os governos cumpram as suas obrigações face à lei de enquadramento do orçamento. Portanto, apresentem textos completos, com todos os elementos necessários à apreciação pela Assembleia da República.

Aplausos do PRD.

Teremos uma proposta orçamental capaz de redistribuir efectivos e meios?
Dissemos, ao longo do debate, tratar-se de um Orçamento de continuidade, sem fixação de objectivos...

Uma voz do PSD: - O Governo é o mesmo!

O Orador: - ... e, mais ainda, sem meios de controlar a sua realização.
Dissemos que da proposta orçamental nos parece resultar que ela tem despesas subavaliadas e receitas sobreavaliadas ou no limiar do seu máximo, tudo parecendo indicar que o défice efectivo deverá ser próximo do previsto, ao contrário do que este ano aconteceu.
Isto exige uma maior responsabilização por parte de quem administra os dinheiros públicos, que, afinal, mais não são do que o produto das contribuições de todos nós.
Isto exige que o rigor e a transparência tenham uma sequência imediata em termos de responsabilidade. Por isso mesmo apresentaremos na Mesa, na sequência desta intervenção, uma proposta de aditamento à proposta de lei do orçamento, responsabilizando criminalmente os membros do Governo que não respeitem as dotações orçamentais.
Não queremos que possa prosseguir impunemente uma política de irresponsabilidade, em que um determinado membro do Governo possa realizar despesas sem cobertura orçamental ou recusar que a Assembleia da República lhe confira verbas -- porque as considera insuficientes -, para que o mesmo ministro anuncie a sua suficiência e que feche depois o ano com défice, porque, afinal, a Assembleia tinha razão. Isto não poderá prosseguir e o desafio aqui fica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também não consideramos possível que a proposta de lei de orçamento possa prosseguir com tão elevados graus de indeterminação, como aqueles que resultam de não ter incluída uma estimativa, ainda que grosseira, das incidências orçamentais dos fluxos financeiros com a CEE.
O compromisso de inscrever o montante da contribuição financeira do Estado Português é de discutível legalidade, uma vez que ou já estão inscritas contrapartidas no Orçamento - e convirá saber onde - ou haverá acréscimo de despesa e deverá ter lugar uma alteração orçamental da exclusiva competência da Assembleia da República.
Mais ainda: não poderão ser concedidas as autorizações legislativas que nos são pedidas, pois não votamos intenções nem confiamos nelas.
Do mesmo modo, não pode ser aberto o depósito indeterminado e em branco, a favor de uma lei de pro-

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gramação militar que não estará necessariamente discutida nem votada aquando da aprovação do Orçamento.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para que uma proposta de lei do orçamento possa ser plenamente discutida e assumida, seria necessário que o Governo se assumisse como governo minoritário que é, sem ter do diálogo a ideia de imposição, mas tendo, pelo contrário, a ideia responsável de que o orçamento que a Assembleia acabar por elaborar representa uma responsabilidade colectiva, porque tem também destinos colectivos.
A proposta de lei do Governo é o começo de um processo; não é o seu fim, não fechou o lugar a um debate e não pode impor rigorosamente nada. E se isto é verdade em quaisquer condições, é-o mais ainda quando um governo está em minoria.
Detive-me até agora apenas a falar da proposta de lei orçamental. É que basta o facto de a proposta de lei consubstanciar um orçamento de gestão do presente, sem qualquer ideia de futuro, para levar a concluir que há neste conjunto de textos uma desvalorização do Plano.
Creio que se actua, ou parece estar a actuar-se, como se o Governo fosse um governo de gestão, ao utilizar o Orçamento para gerir a conjuntura e nada mais - e dirão, pelo menos, alguns de nós, que a gerir mal.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não é possível manter-se uma situação em que as questões sejam apresentadas como fechadas, em que o diálogo seja ignorado ou apenas «para consumo interno»; e a autopropaganda, em que a gestão só se compatibiliza com a tentativa de prosseguir através do eco - e quando falo em eco estou obviamente a distinguir aquilo que devia ser uma comunicação social daquilo que apenas é propaganda -, a utilização dos ecos não pode prosseguir indiscriminadamente.
Este é um orçamento de continuidade, mas de continuidade que não situamos apenas no momento presente. Um orçamento é uma continuidade num tempo que se prolonga e é o resultado de muitas acções e de muitas omissões tomadas ao longo do tempo. Não ignoramos isso neste debate e não o fazemos porque pensamos - e julgamos que muitos portugueses pensarão como nós - que não é possível passar uma esponja sobre a história e que não é possível que, neste país, tanto nos últimos anos como nos próximos, afinal ninguém tenha passado ou vá passar pelo Governo.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Muito bem!

O Orador: - Temos a certeza que as culpas ficam sempre solteiras, no entanto havemos de nos interrogar sobre os governantes que existiram. E isso não pode deixar de ser assumido. Não é possível dizermos que «nada aconteceu; que não estávamos cá», pois estávamos e estávamos todos.

Vozes do PRD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - É bom que isso se diga e que as responsabilidades se assumam, porque nenhum de nós é alternativa de si próprio. Nenhum de nós pode querer assumir-se agora como alternativa que não foi ou como o silêncio que manteve.

Aplausos do PRD.

Se o Orçamento é uma continuidade, então é uma continuidade que vem de trás, tal com as leis laborais, tal como a repartição da informação por um tratado de Tordesilhas ...

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - ... tal como o clientelismo desenfreado, tal como formas que assumem, por exemplo, a sua expressão directa e concreta na votação há pouco ocorrida nesta mesma Casa sobre a EPAC.

Aplausos do PRD.

Decideremos do nosso voto com inteira tranquilidade e responsabilidade, sem cuidarmos saber quais são as votações alheias.
Em democracia, não há nada que seja dramático.

Uma voz do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Todas as situações têm solução e todas elas têm saída. Há sempre alternativas em democracia. E por isso é maior a responsabilidade de quem as não constrói e de quem pensa poder ser alternativa sozinho, porque é no plural que somos mais fortes e porque a quem compete criar alternativas é a quem, em primeiro lugar, recebeu para isso votação suficiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votaremos de acordo com a nossa reflexão, com a nossa própria ponderação do debate, e não de acordo com aquilo que sabemos serem os votos alheios nem de acordo com aquilo que pensamos poder ser a consequência de uma votação. Votaríamos exactamente da mesma maneira se estivéssemos sozinhos.
Não optamos nem nunca optaremos pela tranquilidade das «costas quentes» de quem confia em votações alheias.

Aplausos do PRD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: é com a consciência da nossa responsabilidade própria - e não enjeitamos as responsabilidades que pretendemos assumir perante o futuro e perante o presente - que vamos votar.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo tentou utilizar o momento do debate sobre as Grandes Opções do Plano e do Orçamento de Estado para 1987 para fazer um balanço de um ano de exercício de funções.
Fê-lo no Palácio Foz, infelizmente fora do Parlamento, e, em boa parte, há que reconhecê-lo, contra o Parlamento.
Com uma capacidade de propaganda e auto-elogio sem paralelo na história recente da democracia portuguesa, o Governo em geral, o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro das Finanças, em particular, procuraram de novo atribuir ao mérito da sua acção a evolução globalmente positiva que vem sendo registada pela economia portuguesa ...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Felizmente!

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O Orador: - ... em consequência exclusiva de uma conjuntura económica favorável e sem precedentes nas últimas décadas.
É verdade que têm acontecido em Portugal coisas boas e que há coisas que são devidas à acção do Governo. Só que, e permitam-me que cite um conhecido professor de Direito, as coisas boas não foram em geral devidas à acção do Governo e as coisas devidas à acção do Governo raramente se podem classificar como boas.

Aplauso do PS.

O Sr. António Capucho (PSD): - Boa piada!

O Orador: - Por isso chamamos a este governo o governo da oportunidade perdida.

Protestos do PSD.

Por isso consideramos que o Governo é inteiramente responsável por se não ter aproveitado um momento único para criar em Portugal uma dinâmica de entusiasmo colectivo e de confiança no futuro que nos permitisse lançar, e lançar assente em bases sólidas, um forte impulso de modernização solidária da economia e da sociedade portuguesa.
Não teremos, provavelmente, outra vez até ao fim do século um momento tão propício para que, simultaneamente, se possa:
Amortizar e ou renegociar em condições mais favoráveis parte significativa da dívida externa de médio prazo;
Relançar com energia o investimento e a criação de postos de trabalho, prioridade das prioridades num país com uma taxa de desemprego já de si preocupante, mas que assume, no caso dos jovens, o carácter de verdadeiro drama;
Melhorar cautelosa, mas significativamente, os mecanismos da solidariedade social e as condições de vida dos Portugueses, tão afectadas pela austeridade que o esbanjamento dos anos da Aliança Democrática veio tornar inevitável;
Lançar as grandes reformas estruturais que a modernização do País exige.
É verdade que, pelo jogo normal do deve e do haver, se reduziu a dívida de curto prazo; é verdade também que algum relançamento económico se registou, embora modesto, sobretudo face ao baixo nível do ponto de partida; é verdade que os salários reais cresceram ligeiramente, embora a parte do trabalho no rendimento nacional tenha diminuído e bastante; é verdade que algum progresso houve nas pensões de reforma. Só que tudo isto é, em primeiro lugar, muito pouco face ao que era possível. A prova disso é que Portugal, o país europeu ocidental mais pobre, aquele cujos cidadãos sofrem maior número carências e de carências mais graves, vai ter este ano, em termos proporcionais, o maior saldo positivo da Europa na balança de transacções correntes com o exterior, saldo que se situará certamente entre os 1 500 000 000 e os 2 000 000 000 de dólares. O número 1100, previsto no texto da proposta do Orçamento, é um puro disparate, que só serve para que o Governo anuncie em breve um saldo maior, na próxima operação de propaganda, prevista certamente lá para o fim do ano.
Os graves erros de previsão do Governo quanto ao saldo da balança, às receitas fiscais e a outras variáveis para 1987 e, mesmo, para 1986 levam-nos a pensar que o Sr. Ministro das Finanças aderiu ao regresso às origens preconizado nas Grandes Opções do Plano a médio prazo e substituiu as modernas técnicas de previsão económica pelo método dos Lusitanos, que, segundo Estrabão, vaticinavam o futuro examinando as vísceras dos animais.

Risos do PSD.

Vozes do PSD: - Deixou o marxismo e foi para o estrabismo!

O Orador: - Só que as melhorias foram, em segundo lugar, em grande parte conseguidas, apesar do Governo, nalguns casos mesmo contra o Governo. Um exemplo simples o ilustra.

Risos do PSD.

Ainda bem que os senhores deputados do PSD aproveitam e apreciam o meu sentido de humor!
Espero que continuem tão bem dispostos lá mais para o fim da sessão.

Risos do PSD.

Como dizia, o Governo fixou tectos salariais, aliás vários, extremamente apertados na negociação colectiva.
Lembremos os 13,5 % de aumento para os bancários. Só que a dinâmica reivindicativa dos trabalhadores obrigou que, contra a vontade do Governo, os salários reais tivessem crescido cerca de 5 01o. Este facto indesmentível não impediu no entanto o Sr. Primeiro-Ministro, no seu discurso do Pontal, de atribuir à acção do Governo o mérito de tal subida, que, repito, foi conseguida contra as pressões do próprio Governo. É uma falsidade que os Srs. Ministros têm repetido amiúde, por tudo quanto é sítio, na certeza de que uma mentira muitas vezes repetida acaba por se transformar em verdade.
É que o Governo substituiu a definição das políticas capazes de resolver os problemas concretos dos portugueses, por um discurso permanente contra a oposição e o Parlamento.
É que o Governo substituiu a capacidade de administrar com eficácia o País, pela montagem de um gigantesco sistema de propaganda e de manipulação dos órgãos da comunicação social estatizados, onde hoje impera o medo, o que é indigno duma verdadeira democracia.
Propaganda que recorre sistematicamente a anúncios comerciais na televisão, na rádio, nos jornais, que vendem as medidas do Governo como se de um dentifrício se tratasse e que é feita com a insensibilidade humana dos que põem na boca de profissionais do espectáculo, seguramente muito bem pagos, um júbilo despropositado por as pensões sociais terem atingido os 7500$, o que, correspondendo embora a um aumento positivo, continua a não assegurar condições mínimas para que os reformados tenham a vida digna que todos certamente lhes desejamos.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Vocês não aumentaram mais quando lá estiveram.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para o ano pia mais fino!

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O Orador: - O Governo transformou-se assim, ilegítima e escandalosamente, numa simples comissão eleitoral do PSD, fazendo-o à custa dos dinheiros públicos, pagos pelos contribuintes, pagos por todos nós.
Fê-lo, aliás, recorrendo por sistema à chamada técnica do discurso eficaz. Não interessa que as palavras sejam verdadeiras ou falsas. Interessa apenas que elas possam convencer uma opinião pública que, à custa do silenciamento sistemático dos outros, se procura manter pouco informada e, portanto, pouco esclarecida.
O Governo repete e repete, martelando um conjunto limitado de frases curtas, directas e incisivas. Técnica a que os especialistas chamam kiss (keep it short, simple) e, como alguns mais honestos acrescentam, stupid.
Um exemplo bem ilustrativo: na sequência do debate parlamentar sobre a extinção da CNP, debate de que o Governo saiu claramente derrotado, só o Sr. Primeiro-Ministro teve acesso ao Telejornal, e para dizer que, por causa da decisão da Assembleia e dos prejuízos da CNP, faltam verbas para construir escolas, estradas e hospitais.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É verdade!

O Orador: - Já ouvi por três vezes esta frase, sempre a mesma, na boca do PSD e dos seus dirigentes, na televisão. Todos os desmentidos feitos a este respeito pelo meu Partido foram na RTP silenciados.

Uma voz do PSD: - Não tem crédito!

O Orador: - É uma falsidade óbvia, como o próprio Governo reconheceu, mantendo a extinta CNP em funcionamento e não cortando no orçamento deste ano, apesar de a CNP não ter sido extinta, nenhuma escola, nenhuma estrada, nenhum hospital.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No ano passado as oposições, face a um mau orçamento do Governo, decidiram oferecer ao Governo um bom orçamento. Foi um erro, importa reconhecê-lo agora. Sempre que isso lhe interessou, o Governo não cumpriu as alterações introduzidas na Assembleia, sempre que estas lhe convieram, o Governo utilizou-as em seu proveito político próprio, como se de iniciativa sua se tratasse, utilizando a máquina da propaganda que refen.
Por isso decidimos este ano expor com clareza, logo no início do debate, quais as condições que o Partido Socialista considerava indispensáveis para contribuir para a viabilização do Orçamento do Estado e das Grandes Opções. Foi o meu colega João Cravinho que as expôs sem ambiguidades ao Sr. Ministro das Finanças.
Queríamos em primeiro lugar transparência e verdade nas contas públicas.
Queríamos saber se o Governo estava disposto, coerentemente, a eliminar das Opções para o ano de 1987 todas as referências às já tristemente célebres Grandes Opções do Plano a médio prazo, que, através do seu partido, contribuiu para retirar envergonhadamente do presente debate.
Pretendíamos que o Governo estivesse disposto a discutir connosco e a rever o cenário macroeconómico para 1987, que está manifestamente errado no que se refere ao crescimento do consumo e ao défice da balança de pagamentos. Não pode haver uma boa política na base de más previsões económicas.
Queríamos que o Governo se dispusesse a revelar a verdadeira previsão das receitas, que é superior em muitos milhões de contos à que foi apresentada, nomeadamente no que se refere aos impostos indirectos que aparecem a crescer apenas 2,9%.
Pretendíamos saber se, com base nessa revisão, o Governo se manifestava disposto a: reduzir ligeiramente o défice orçamental; aumentar as despesas com a educação e a investigação científica; reforçar as dotações para o subsídio de desemprego; aumentar as verbas destinadas à cooperação com os países africanos de expressão portuguesa; aumentar o montante dos incentivos ao investimento privado.
Estas são as condições necessárias a uma verdadeira estratégia de modernização na solidariedade. Recusá-las é recusar essa estratégia, é apostar no dia-a-dia, na propaganda, no eleitoralismo.
Em relação a todas estas questões, o Governo não respondeu nem manifestou qualquer desejo de diálogo.
O Governo, embora minoritário, nunca se manifestou disposto a fazer um orçamento de maior consenso nacional, conforme a atitude do PS lhe proporcionava. O PS vai, pois, em coerência, votar contra as Grandes Opções e contra o Orçamento. Esse voto seria sempre normal da parte de um partido de oposição que o ano passado votou contra a formação deste Governo, mas a recusa do Governo em aperfeiçoar as suas propostas, em diálogo connosco e com o Parlamento, é que verdadeiramente determinou a nossa decisão final. Com estas Opções e este Orçamento continuarão a não ser feitas em 1987 reformas de fundo para a modernização da economia portuguesa. O Governo já falhou este ano nessa matéria e continuará a falhar no próximo. O Governo, repito, vive para a conjuntura e para a preparação de eleições. Não promoveu nem promoverá a reestruturação das empresas públicas; não proeurou nem procurará apoiar a recuperação das empresas privadas em dificuldades; não incentivou nem incentivará suficientemente o investimento industrial de modernização e a inovação tecnológica e certamente não proporá a revisão das leis laborais; a este propósito convém recordar que o Governo só quis o confronto com a Assembleia e não apresentou qualquer proposta ao Parlamento depois de ver reprovado o seu pedido de autorização legislativa. Ao contrário o que propomos implicaria outras prioridades em matéria de subsídio de desemprego, de verbas para a educação e investigação, de incentivos ao investimento privado e de reestruturações industriais e inovação.
Ao votar contra as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1987, o PS assume uma posição autónoma de coerência e de clareza. Se fôssemos Governo, teríamos outras opções, e faríamos outro orçamento, diferentes e, em nossa opinião, melhores.
O PS não se define como suporte deste Governo. Define-se como alternativa ao Governo e ao PSD. Alternativa de progresso e de modernidade, mas também alternativa de justiça e de solidariedade.
O PS assume inteiramente os seus votos e as suas atitudes políticas e está disposto a assumir também, todas, mas todas, as responsabilidades que daí possam decorrer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa, em nosso entender, que numa intervenção nesta fase de encerramento do debate sobre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1987, mais do que proceder a uma análise das propostas em apreço, ainda que na generalidade - tarefa que coube aos meus colegas de bancada que me precederam -, importa antes estabelecer um balanço sucinto do debate e anunciar as conclusões que retirámos e justificam o nosso voto.
E a primeira conclusão é a de que as propostas em apreço, face à conjuntura envolvente e aos objectivos fixados por quem tem inequívoca legitimidade para governar, merecem na generalidade a nossa concordância e o nosso aplauso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Embora de maioria relativa, o Governo, ao apresentar nos prazos constitucionais as propostas sobre as Grandes Opções do Plano com o Orçamento do Estado, mais uma vez desmente na prática aqueles que lhe imputam a intenção de fomentar uma crise política. O nosso horizonte temporal coincide com a legislatura, tanto mais que é esse, em nosso entender, o imperativo ditado pelo interesse nacional. Por isso, o Governo tem a ideia, o projecto de sociedade e, consequentemente, as opções que ultrapassam o curto prazo.
Mas, também com a apresentação das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1987 o Governo desmente ainda, na prática, aqueles que, à falta de outros argumentos, lhe imputam um cariz exclusivo ou predominantemente tecnocrático.
De resto, ao transformarem o debate na generalidade, como foi patente, numa verdadeira ladainha de lamentações, na especialidade, sobre alegadas insuficiências de verba em sectores específicos, as oposições evidenciaram quase sempre nas intervenções produzidas que não têm, elas sim, nem ideia, nem projecto, nem grandes opções. Não têm, em suma, política global alternativa.

Aplausos do PSD.

Têm apenas afloramentos ou espasmos tecnocráticos.
Os senhores deputados, especialmente os senhores deputados do Partido Comunista, podem fazer o barulho que entenderem, pois já estamos habituados, desde 1974, a participar em assembleias com as vossas habituais manobras...

Protestos do PCP.

Sob palavra de honra, prometo que não vos chamarei sociais-fascistas no meu discurso.

Aplausos do PSD.

O debate que agora se encerra constitui um fracasso para as oposições radicais, designadamente para o Partido Socialista, que tentou, em vão - aqui e além com alguma fogosidade destemperada -, assumir a liderança da alternativa à esquerda ao actual Governo. Por aqui desfilaram a generalidade dos candidatos socialistas às diversas pastas governamentais, e aqui ficou claro que, por este andar, continuarão na sombra crepuscular, de onde, aliás nunca saíram.

Aplausos do PSD.

E não deixamos de registar a lamentável tentativa de ridicularizar de forma que ultrapassa em muito o sadio sentido de humor e que, obviamente, longe de afectar o Governo, só atingiu quem ainda há pouco foi pesadamente derrotado como candidato a primeiro-ministro e, por arrastamento, o próprio Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Já o Partido Comunista - não temos pejo em reconhecê-lo - evidenciou mais uma vez neste debate que é ele quem lidera, de facto, a oposição, pela oposição ao Governo, rebocando não apenas o MDP, mas também os socialistas.

Risos do PS.

E é pena que assim suceda. Bem melhor seria para o País e para a democracia que o PS assumisse uma postura que claramente fosse demarcável do maximalismo do PCP.

Vozes do PSID: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às restantes oposições, temos que procuraram exprimir, em regra com carácter construtivo, as reservas que naturalmente as matérias em apreço, lhes merecem.
Um ou outro afloramento crítico mais desbragado releva certamente de estilos pessoais. Uma ou outra postura mais doutoral explica-se talvez pela confusão entre este púlpito como local próprio para o debate parlamentar e a cátedra universitária, que tem outros fins e outro sentido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se é certo e também natural que não partilhamos da maior parte das críticas suscitadas por estas oposições, não deixaremos, em sede de especialidade, se os diplomas em apreço fizerem vencimento, de analisar e ponderar, sem juízos preconcebidos, eventuais propostas concretas de alteração que entendam apresentar, desde que não desfigurem as propostas do Governo nem comprometam os objectivos de política geral e sectorial que o Executivo se propõe alcançar.

Neste momento, regista-se algum burburinho na Sala.

Sr.- Presidente, se me permite um parênteses, constato que V. Ex.ª considera estarem reunidas as condições para eu continuar no uso da palavra!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não queria fazer comentários porque - e não gosto de fazer política de funil - todos temos que dar testemunho de que, efectivamente, estamos aqui para nos respeitarmos uns aos outros, mas infelizmente nós não soubemos de início dar o exemplo que desejávamos.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Sobretudo peço - e isto é um apelo veemente que estou a fazer - que guardem o silêncio conveniente e necessário para que os senhores deputados que fazem as suas intervenções se possam fazer ouvir e também para que a Mesa os possa acompanhar.
0 Sr. António Capucho, faça favor de continuar.

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O Orador: - Sr. Presidente, queria apenas acrescentar que sempre que na minha bancada se ouvirem insinuações de atitudes fascizantes em relação ao Governo reagiremos violentamente.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1987 devem ser votados favoravelmente na generalidade, não apenas porque têm mérito próprio. Devem ser votados favoravelmente, também, porque serão instrumento essencial a um governo legitimado nesta Câmara e manifestamente apto para completar na íntegra e em estabilidade toda a legislatura que constitui o seu horizonte temporal. Mas devem ainda ser votados favoravelmente porque é certamente essa a esmagadora vontade popular que apoia inequivocamente - e em grau jamais registado desde o 25 de Abril - o Primeiro-Ministro Cavaco Silva e o Governo que lidera.

Aplausos do PSD.

Pela nossa parte, a posição não é difícil.
O balanço extremamente positivo de um ano de acção governativa, o mérito e a adequação dos diplomas em apreço sobrelevam claramente meros imperativos de solidariedade partidária, que nunca estiveram em causa, mas que também não precisaram até agora, nem precisam neste momento, de ser invocados.
Com o mesmo entusiasmo com que activamente temos apoiado o Governo e o Primeiro-Ministro, votaremos sim. Pelo nosso país e não por este país. Por Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para o encerramento do debate, concedo a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz precisamente hoje um ano que o X Governo Constitucional obteve a sua investidura parlamentar. Apresentámos então um programa que foi votado por esta Câmara e propusemo-nos cumpri-lo.
Um ano volvido, aqui estamos de novo, agora para apresentar o Orçamento do Estado para 1987 e as Grandes Opções do Plano, com a serenidade que nos é dada pelo sentimento do dever cumprido.
Não receamos o julgamento dos Portugueses sobre o nosso trabalho.
Muitos vaticinavam para esta ocasião do debate do Orçamento do Estado para 1987 uma crise política de dimensões consideráveis, crise na qual o Governo estaria particularmente interessado.
Mais uma vez a realidade desmentia aqueles que em vez de se preocuparem com a essência das coisas se entretêm com a elaboração de calendários, com a montagem de cenários, com a ficção de pequenas histórias.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo não quer nenhuma crise política. O Governo quer que o País progrida, que o País se desenvolva, que o bem-estar dos Portugueses melhore. E, por ser assim, o Governo não anuncia crises, apresenta trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É esse, deve ser esse, o objectivo de todos os órgãos de soberania - ode dotarem o País da necessária estabilidade política para que não seja interrompido o processo de desenvolvimento e modernização em que estamos empenhados.
Existem cada vez mais indicadores de que as diferentes componentes da comunidade nacional se encontram vivamente empenhadas na manutenção dessa estabilidade. Para quem disso duvide, basta atentar no histórico acordo recentemente atingido no Conselho Permanente de Concertação Social em matéria de política de rendimentos para 1987. Deve ser aplaudida a atitude responsável das entidades patronais e dos representantes sindicais, que assim souberam ir ao encontro do desejo profundo de estabilidade e progresso da maioria do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, se assim é, mal seria que!. nós, titulares dos diferentes órgãos de soberania, não traduzíssemos, mais fielmente do que ninguém, a expressão claramente perceptível da vontade popular no sentido da estabilidade e do progresso.
Vive-se presentemente um clima de distensão político-institucional, e com ele os Portugueses só têm a lucrar.
Disse, há precisamente um ano, desta mesma tribuna: «Existe agora uma oportunidade para que os Portugueses encarem de forma diferente a política. Seria bom que os cidadãos não continuassem a ver nos políticos e na política o obstáculo à resolução dos seus problemas quotidianos.»
Tem sido possível manter um frutuoso relacionamento político-institucional com a Presidência da República, e por nós, Governo, estamos como sempre preparados para que o mesmo suceda entre o Parlamento e o Executivo.
Todos, seguramente, entendem que não temos qualquer motivo para desejarmos conflitos com a Assembleia da República - órgão representativo da vontade plural do eleitorado.
Tudo continuaremos a fazer para desenvolver uma sã cooperação interinstitucional. Mas que não haja ilusões de que alguma vez possamos ceder na nossa postura ou nos nossos princípios. Somos intransigentes na rejeição de interferências de outros órgãos de soberania na área da competência própria do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim o reclama não só o cumprimento das promessas que fizemos aos Portugueses como também o princípio do equilíbrio da repartição de poderes - pilar do nosso sistema democrático.
Temos a obrigação de exigir que nos deixem cumprir o que prometemos e que à nossa acção não sejam colocados entraves injustificados. A este propósito, queria aqui anunciar que recebi do Sr. Presidente do Tribunal Constitucional o acórdão sobre a Lei n.º 32/85, de 29 de Agosto, alteração ao Orçamento do Estado para 1986. Nesse acórdão, votado por unanimidade, o Tribunal Constitucional reconhece a inconstitucionalidade das alterações votadas por esta Assembleia...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não todas, não todas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Resuma lá isso!

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530 I SÉRIE - NÚMERO 14

O Orador: - ... Confirmando assim o que a este propósito o Governo não se cansou de repetir.

Aplausos do PSD.

Quanto ao sucedido com o Orçamento suplementar, diz este acórdão do Tribunal Constitucional, que passo a citar textualmente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Cite lá textualmente o resto!

O Orador: - «Conferir sempre tão amplos poderes à Assembleia da República seria criar a possibilidade de uma modificação de orçamento ou até de um novo orçamento.
E isso, a Constituição não o pode querer. De facto, uma tal possibilidade equivaleria a permitir que a Assembleia da República, depois de munir o Governo com um instrumento de trabalho, que é o orçamento com o qual aquele aceitou governar, lhe `trocasse' esse instrumento por outro completamente diferente, e tão diferente que, com ele, o Governo não pudesse ou quisesse governar.» B, mais adiante, «uma tal faculdade legislativa, a existir, equivaleria a abrir a possibilidade de introduzir desequilíbrios nos poderes do Estado, contra o que justamente postula o princípio de separação e interdependência a que se refere o n. O 1 do artigo 114.º da Constituição. Princípio de divisão e interdependência em que vai necessariamente implicada uma ideia de equilíbrio, de checks and balances.
Julgo que o acórdão me dispensa de mais comentários sobre a razão do Governo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não dispensa, não!

A Sr. a I

O Sr. Duarte )Lima (PCP): - Vamos lá ouvir o discurso.

O Orador: - Só renovo um apelo: deixem-nos trabalhar na nossa esfera de competências. Não pedimos mais nada!
Sr. presidente, Srs. Deputados: Como disse, queremos cumprir e, por isso, continuamos a trabalhar com denodo para tudo realizar, e realizar a tempo. Não antes do tempo nem fora do tempo.
Os objectivos anunciados há um ano e desenvolvidos na apresentação do Orçamento do Estado e Grandes Opções para 1986 foram, no essencial, alcançados.
O relançamento da economia é uma realidade, esperando-se um aumento do produto interno bruto da ordem dos 4 % em 1986. O relançamento do investimento é hoje também inquestionável. Os valores disponíveis do consumo de cimento e aço, dos empréstimos para a habitação, dos concursos de obras públicas, das importações de máquinas e material de transporte, da venda de veículos comerciais não deixam margem para dúvidas.
O indicador da procura global de bens de investimento constante do inquérito de conjuntura à indústria transformadora do 3.º trimestre deste ano regista um forte saldo positivo, quando no mesmo trimestre do ano passado era fortemente negativo.
Tal foi possível porque os agentes económicos sentiram que a confiança foi reestabelecida porque foi tomado um conjunto amplo de medidas favoráveis ao
investimento. Foram definidos novos sistemas de incentivo, mais flexíveis e transparentes, que actuam cada vez mais como um estímulo ao dinamismo e não como um simples benefício que acoberta a ineficácia ou o oportunismo.
O sector da construção foi reanimado essencialmente devido ao aumento das obras públicas, à descida das taxas de juro, ao novo sistema de crédito à habitação, começando-se já a notar os efeitos de arrastamento que lhe estão associados.
As inovações introduzidas no sistema financeiro proporcionaram uma notória dinamização do mercado de capitais, não só dando condições mais favoráveis para o financiamento das empresas como facultando alternativas para a aplicação de poupanças. Começaram a ser canalizados para o investimento produtivo e, portanto, para o desenvolvimento sustentado do País, recursos que, durante anos, estiveram simplesmente depositados.
Esta é mais uma prova de que o Governo, através da sua acção, gerou um clima de confiança a que o País não estava habituado.
A expansão da produção e do investimento foi balizada por outro grande objectivo, tido como prioritário neste primeiro ano de governo - o combate à inflação.
Hoje, podemos afirmá-lo com segurança, a inflação está controlada. A meta dos 14 % que aqui foi anunciada há um ano, e que muitos duvidaram que fosse alcançável, foi vencida e mesmo ultrapassada.
Encerraremos o ano de 1986 com uma taxa de inflação abaixo dos 12 %. Este resultado não teria sido possível sem a inversão das expectativas inflacionistas que a política do Governo conseguiu realizar.
Desta forma podemos assistir, em 1986, a um aumento real do poder de compra dos salários e das pensões - o maior dos últimos dez anos.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos consciência, naturalmente, da elevada quebra dos salários reais ocorrida nos últimos anos e que justifica a correcção positiva da ordem dos 4 % a 5 % registada no ano em curso.
Não posso, no entanto, deixar de estranhar o comportamento de certas forças políticas e sindicais face à subida do poder de compra dos salários ou quando o Governo toma medidas que se traduzem na melhoria das condições de vida do povo português. Pelo tipo de afirmações que fazem agora, quando no passado guardavam silêncio, até parece que prefeririam que os salários reais continuassem a cair ou que não se desse resposta às carências dos grupos mais desfavorecidos da sociedade portuguesa.
Felizmente é cada vez maior o número daqueles a quem já não enganam os discursos dos falsos defensores dos trabalhadores.

Aplausos do PSD.

O Governo não se deixará impressionar por afirmações infundadas.
Vamos continuar a trabalhar para desenvolver e modernizar o País, prestando atenção particular à melhoria das condições de vida dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos, de uma forma coerente, sólida e responsável.

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21 DE NOVEMBRO DE 1986 531

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O primeiro ano do Governo coincidiu praticamente com o da integração de Portugal nas Comunidades Europeias. Uma das prioridades do Governo foi a promoção das adaptações estruturais e administrativas necessárias ao pleno aproveitamento das potencialidades da adesão.
Temos sabido dar resposta às solicitações surgidas no âmbito comunitário. Temos participado activamente em todas as estruturas e temos assegurado, com eficácia, a defesa dos nossos legítimos interesses. A participação na CEE exige um esforço de negociação permanente, negociações que são complexas e difíceis, requerendo muita firmeza e coesão.
As instituições comunitárias reconhecem o progresso conseguido pelo Governo na preparação e selecção dos projectos a apresentar a co-financiamento. É-nos grato registar a afirmação dos serviços da Comissão, de que são palavras textuais: «A capacidade de resposta de Portugal foi muito maior do que a inicialmente prevista.»
Quero referir, para desfazer dúvidas, que até Outubro último o saldo dos fluxos financeiros provenientes das Comunidades, em termos líquidos, orçava os 27,2 milhões de contos a favor de Portugal.
Convém recordar aqui que no balanço financeiro das relações entre Portugal e a CEE, elaborado em Julho de 1985, se previa para 1986 um saldo a nosso favor de apenas 6,5 milhões de contos. Neste momento 0 saldo é positivo, e em Outubro será de 27 milhões de contos.
O País vai começando a habituar-se a esta nova etapa da sua história. Os Portugueses têm vindo a ganhar a convicção de que está ao seu alcance ganhar o desafio da integração europeia.
Assim o entendam também certas forças políticas que, estranhamente, parecem agir às vezes, nesta matéria, limitadas pela defesa de meros interesses partidários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a aprovação do Orçamento do Estado apresentado pelo Governo à Assembleia da República permitirá não apenas a consolidação dos resultados francamente positivos já alcançados durante este ano como também dará mais solidez ao novo ciclo de progresso em que se projecta o futuro do País.
Na realidade, Portugal, se desfrutar de estabilidade política, dispõe neste momento de condições para se tornar o país europeu de crescimento económico mais rápido no período de 1986-1990 e conseguir compatibilizar esse objectivo com a ausência de desequilíbrios externos insustentáveis.
A consolidação da taxa de crescimento do produto alcançada em 1986 permitir-nos -á aproximar gradualmente dos padrões de desenvolvimento da Europa comunitária.
O crescimento acelerado e sustentado da produção pressupõe uma adequada expansão do investimento.
A política económica do Governo tem sido definida tendo em mente esse objectivo, sendo de destacar as medidas tomadas no domínio da taxa de juro, da redução da carga fiscal sobre as empresas e da clarificação das regras do mercado.
O Governo continuará em 1987 a seguir uma política económica clara e coerente, por forma a reforçar ainda mais o clima de confiança dos investidores. Continuaremos a apostar inequivocamente na livre iniciativa, tal como acontece em todos os países da Europa desenvolvida, como começa agora a ser reconhecido até na própria União Soviética e é confirmado pelos notáveis progressos da agricultura na República Popular da China. A livre iniciativa é a fonte das verdadeiras forças do desenvolvimento.

Aplausos do PSD.

O controle da inflação continuará a merecer em 1987 a atenção do Governo, de modo a reforçar os resultados conseguidos em 1986.
Actuaremos de modo a não cairmos outra vez no ciclo vicioso de inflação-maior aumento salarial-mais inflação, de que os trabalhadores têm sido sempre os primeiros a suportar os custos.
Esperamos que as organizações patronais e sindicais, dando exemplo de responsabilidade, não voltem a colocar os interesses particulares acima dos interesses do País como um todo.
Partindo de um crescimento dos preços de cerca de 19% em 1985, quando a média nas Comunidades Europeias era de 5 %, situar-nos-emos em 1986 abaixo dos 12 %, reduzindo assim de catorze para oito pontos percentuais o diferencial face aos nossos parceiros europeus. Em 1989-1990 Portugal pode estar bem próximo dos países da CEE em matéria de taxa de inflação.
Prevê-se que a inflação em 1987 ronde os 8 % a 9 %, o que tornará possível pensar num novo ajustamento das taxas de juro, não podendo, no entanto, deixar de ser mantida uma adequada remuneração da poupança.
Muitos, quando anunciámos o objectivo de 14% para a inflação, duvidaram de que conseguíssemos. Órgãos de comunicação social e individualidades experientes na matéria ainda há poucos meses vaticinaram índices superiores. Nós, porém, logo em Julho, mudámos a nossa meta para 12%. Também, nessa altura alguns sorriram - embora, então, já com pouco à vontade -, os mesmos que só falam nas excelências de uma conjuntura internacional que, pelos vistos, não souberam prever, ao mesmo tempo que procuram esconder que essa conjuntura só por si nunca teria sido suficiente para justificar os resultados alcançados, como o demonstra a situação económica pouco optimista que atravessam outros países europeus beneficiários das mesmas condições externas.

Aplausos do PSD.

Agora que está alcançada a taxa de inflação anunciada, importa passar à fase seguinte.
Sabemos que o interesse do País é que mal alcancemos um objectivo nos lancemos para outras metas cuja consecução exige especial empenhamento. É com este estilo que queremos estar na política. Escolher objectivos, comprometermo-nos com eles, lutar por eles. Essa é a acção que vale a pena.
Confiamos que o consenso obtido no Conselho Permanente de Concertação Social frutifique em 1987, devendo então ser-lhe atribuído grande parte do mérito pelo resultado conseguido em matéria de inflação.
O Governo mantém a firme intenção de continuar a pugnar em 1987 pelo aumento dos salários reais, para que haja, de facto, uma nova melhoria das condições de vida dos trabalhadores, os quais não devem estar condenados a ser os parentes pobres da Europa.

Aplausos do PSD.

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Mas o que não pode suceder de forma alguma é que pela via de aumentos salariais exagerados se reinstale o clima inflacionista, que tanto marcou as famílias portuguesas no passado recente.
Para tanto, conta o Governo com o comportamento consciente dos trabalhadores e empresários, a quem se pede um esforço sério no aumento da produtividade. Esta será, sem dúvida, a via mais adequada para assegurar o crescimento dos salários reais sem pôr em causa a competitividade e solvabilidade das empresas e garantir os postos de trabalho.
Encontrado o caminho do controle da inflação, entendemos concentrar prioritariamente a nossa atenção no combate ao desemprego.
O Governo continuará a empenhar-se, e o Orçamento do Estado para 1987 contém medidas concretas nesse sentido, no desenvolvimento e fortalecimento das nossas empresas, principalmente através do investimento produtivo e da inovação tecnológica, e para que o crescimento da produção se faça preferencialmente pela criação de mais emprego.
Estou certo de que os trabalhadores estão cada vez mais conscientes de que só com empresas viáveis se podem criar novos postos de trabalho com carácter duradouro e que é correcta a política do Governo visando reduzir o custo relativo do emprego. É pena que certas forças políticas insistam em fechar os olhos ao que é óbvio.
Temos todos de ter a coragem necessária para pôr termo ao arrastar penoso de empresas que não têm viabilidade numa economia sã, num quadro aberto e concorrencial como aquele em que nos inserimos. Mantê-las para assegurar postos de trabalho fictícios é, para além de uma ilusão que custa muito caro aos contribuintes, uma solução provisória e distorçora do funcionamento da economia.
A política proposta pelo Governo possibilitará no período de 1987-1990 um crescimento médio do emprego de 1 % a 2 % ao ano. Como é bem sabido, nesta matéria as responsabilidades não são só nossas. O Governo não fugirá às suas. Esperamos que as outras forças políticas façam o mesmo.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma preocupação constante no Orçamento do Estado para 1987, à semelhança do que aconteceu no ano passado, é o combate firme ao desperdício de recursos.
Temos todos, governantes e governados, de nos compenetrar que os dinheiros do Estado pertencem ao povo português. Ao Governo cabe a responsabilidade de os aplicar do modo socialmente mais rentável, de forma correcta, não transigindo com os desperdícios. Não podemos, pois, aceitar resignadamente despesas de rentabilidade social duvidosa ou quase nula, a manutenção de serviços cuja utilidade já se extinguiu, ou que são meras duplicações de estruturas existentes, nem podemos aceitar que se encaminhem verbas que satisfazem principalmente interesses de grupos públicos ou privados.
Neste ponto somos, na realidade, intransigentes e não podemos, na defesa de princípios que consideramos essenciais, deixar de denunciar posições que os contrariam.
Ninguém nega que é relativamente elevada a carga fiscal sobre aqueles que cumprem as suas obrigações para com o fisco, nomeadamente sobre os rendimentos do trabalho. No entanto, seria desejável que aqueles que falam na necessidade de aliviar essa carga e de melhorar o nível de satisfação das necessidades sociais - com o que concordamos - seria desejável, dizia eu, que tivessem uma atitude coerente relativamente a tudo aquilo que significa desperdício ou utilização menos criteriosa dos dinheiros públicos.
É grave que a comunidade nacional continue a ser forçada a suportar custos resultantes da ineficiência, da má organização e da falta de racionalidade do nosso sistema económico. Consideramos grave erro insistir em que empresas públicas, actuando em sectores concorrenciais, devam ser mantidas hoje e no futuro - como certas forças querem - à custa do dinheiro dos contribuintes.
Tem sido bem patente a preocupação do Governo em prosseguir uma política de redução do défice do sector público, que, a médio prazo - no início da próxima década -, deverá representar menos de 5 % do produto interno bruto.
Nos Orçamentos do Estado para 1986 e 1987 foram já dados alguns passos - embora talvez ainda insuficientes - no sentido da redução do défice.
Deve ter-se presente a rigidez que caracteriza o lado das despesas do Orçamento.
Na elaboração do Orçamento, o Governo confronta-se sempre com um grande volume de despesas incompreensíveis. Assim, no Orçamento do Estado para 1987, só os encargos com o pessoal, juros e transferências representam, no seu conjunto, 85 % do total das despesas correntes. Apesar dessa rigidez - só superável no médio prazo através de profundas reformas estruturais e de uma acção persistente e corajosa -, o défice corrente do sector público administrativo apresenta, em 1987, um decréscimo bem sensível.
Será mantida em 1987 a disciplina orçamental, de que já demos provas neste primeiro ano de governo, a par da preocupação de rigor que presidiu à preparação do Orçamento.
Concordamos. com a afirmação contida no relatório da CEE sobre Portugal de que «o esforço de moderação das despesas públicas de funcionamento e de limitação dos subsídios às empresas deve ser mantido».
Continuaremos, também, a desenvolver um grande esforço no combate à evasão e fraude fiscais, com atenção particular em áreas até aqui consideradas como quase imunes.
A política orçamental - e o financiamento dos défices que o Orçamento implica - não pode continuar, como acontecia no passado, a impor à política monetária um carácter excessivamente restritivo, dificultando a satisfação das necessidades de financiamento do sector produtivo e induzindo uma ineficiente afectação de recursos. Temos vindo a mudar a forma de financiamento do sector público, diversificando as fontes e os instrumentos e fazendo com que a parcela não monetária represente uma quota-parte cada vez mais significativa.
Os Srs. Deputados mais informados sobre esta matéria sabem que o Governo introduziu inovação significativa ao desenvolver esforços para articular adequadamente as políticas orçamental e monetária e ao assegurar a sua coerência com os objectivos da política económica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O programa de investimentos da Administração crescerá em 1987 cerca de 5 % em termos reais, tendo sido conferida grande prio-

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ridade ao desenvolvimento da agricultura. É tempo de passarmos das palavras aos actos: o período de transição negociado com as Comunidades e os avultados recursos financeiros que são postos à nossa disposição constituem uma ocasião única para realizar um importante salto qualitativo neste sector. Pela nossa parte, não a desperdiçaremos.
Na área da defesa nacional o Governo, ao mesmo tempo que reconhece a necessidade de modernização das Forças Armadas, a partir de uma situação como a actual, de grandes carências em equipamento moderno, entende que o acréscimo de recursos financeiros para programas de aquisições se deve inscrever num sistema de planeamento ordenado e a prazo. É esta a forma pela qual objectivos de forças correctos poderão ser alcançados de modo eficiente, atentos os limitados recursos que o País dispõe.
Embora a Lei de Defesa Nacional esteja em vigor desde o final de 1982, foi este ano que pela primeira vez se desenvolveu a sequência de acções de planeamento nela prevista, a qual conduziu ao estabelecimento, como instrumento interno de trabalho, dos objectivos de forças que serviram como referencial para a preparação da proposta de lei de programação militar para o período de 1987-1991.
O método de programação militar a prazo agora encetado, porque mais coerente e objectivo, irá reduzir as especulações que anualmente surgem em torno dos chamados «orçamentos militares».
Quando se olha apenas para as verbas orçamentais de um ano e sem qualquer perspectiva quanto às missões atribuídas às Forças Armadas e aos sistemas e objectivos de forças, é compreensível que a alguns pareçam insuficientes os montantes destinados a despesas militares, quando comparadas com as carências que, de facto, são muitas.
Mas cabe aqui distinguir duas situações que são bem diferenciadas: num caso estão os sectores nos quais se incluem as próprias Forças Armadas, que, numa compreensível ânsia de bem servir e no desejo de verem o País melhor equipado e pronto para a defesa, gostariam que fossem desde já afectados mais recursos para as aquisições militares; outro caso, bem diferente, é o daquelas forças que por razões políticas, meramente conjunturais, procuram dramatizar as carências inevitavelmente sentidas como meio de atacar o Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles que se preocupam honestamente com os problemas de defesa terão também a lucidez de reconhecer que não é possível nem razoável já e de uma só vez dispor de todas as verbas que pareceriam necessárias para equipar as Forças Armadas em face das imensas carências que se verificam noutros sectores da vida do País. A batalha do desenvolvimento em que o Governo está firmemente empenhado é uma componente essencial, por onde também passa a resolução dos problemas de defesa nacional.

Aplausos do PSD.

Mesmo assim, a relevância que o Governo atribui ao papel das Forças Armadas está bem patente no Orçamento em discussão.
Não só as despesas militares correntes não sofrem em 1987 redução em termos reais como o Governo destinou 16 milhões de contos adicionais para os programas de aquisições de equipamento e de infra-estruturas.
Acrescem ainda os programas de reequipamento que são apoiados com fundos provenientes do auxílio externo, que poderão totalizar, em 1987, um valor próximo dos 30 milhões de contos.
Analisando de outra maneira, verifica-se que o total das despesas militares suportadas pelo Orçamento do Estado cresce em termos reais cerca de 12 % em relação a 1986 e que esse crescimento é basicamente destinado a aquisições.
Com esta perspectiva, só agora tornada possível, do que a prazo se vai poder executar, torna-se mais clara a falta de fundamento e de realismo das especulações e campanhas sobre a insuficiência de verbas atribuídas às Forças Armadas.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pelo contrário, posso afirmar que com este Governo se está a lançar, em bases sólidas, o apetrechamento de um aparelho militar moderno, à altura das responsabilidades nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No prosseguimento do que afirmámos quando da apresentação do Programa do Governo, este Executivo continua a apostar na juventude. A demonstrá-lo está o facto de, para 1987, as verbas destinadas a esta área registarem um acréscimo de mais de 50%. Tivemos a preocupação de reforçar substancialmente as verbas destinadas ao sector da juventude para lançar novos programas em áreas tão importantes como a reinserção social, mas sobretudo para prosseguir, agora com maior dimensão, os programas que foram lançados em 1986 e que se revelaram de maior interesse para os jovens.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está neste caso o Fundo de Apoio À Iniciativa de Jovens Empresários, que tendo sido lançado em 1986 a título experimental gerou a apresentação de cerca de 100 projectos em apenas três meses. Por isso, este Fundo terá um crescimento de cerca de 200 % .
Também o turismo e o intercâmbio juvenil mereceram tratamento especial em termos de investimento para 1987. Num só ano investiremos mais que nos últimos cinco anos e, pela primeira vez, haverá verbas próprias para o intercâmbio juvenil quer interno quer externo. Nesta matéria começamos a colocar-nos a par dos nossos parceiros europeus.
O emprego e formação profissional dos jovens constituem uma das maiores preocupações do Governo.
Por isso, consagramos em termos orçamentais cerca de três milhões de contos à ocupação temporária de jovens e criação do primeiro emprego e cerca de dois milhões à aprendizagem, além das verbas consagradas à formação profissional co-financiada pelo Fundo Social Europeu.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Consideramos que a promoção do desenvolvimento tecnológico e científico do País exige a sensibilização dos jovens para essas questões. Haverá, assim, vários programas neste domínio em 1987, desde as tecnologias das comunicações às ciências humanas e investigação científica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No final do século XX e quando Portugal enfrenta mais um desafio

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da sua história, entendeu o Governo ser seu dever definir um projecto para o nosso futuro.. Queremos que seja um projecto, mobilizador, capaz de tirar o máximo proveito da capacidade dos Portugueses e de os compensar pelo empenho na sua realização.
Foi com esse espírito que foram elaboradas as Grandes Opções do Plano para 1987-1990. Em política é preciso escolher e nós tivemos a ousadia de escolher. Não estamos arrependidos.
Tornámo-nos membros das Comunidades Europeias no passado dia 1 de Janeiro. Passámos a mover-nos num determinado quadro, sujeitos a determinadas regras genéricas. Não obstante, permanece um amplo campo de escolha, que cabe a nós, Portugueses, fazer, traçando o caminho que queremos seguir quanto ao Portugal do futuro..
A estratégia de desenvolvimento da economia portuguesa tem de ser concebida e executada neste novo quadro de inserção na CEE.
Para nós, o desafio europeu, de que tanto se fala, não é uma simples expressão de retórica. Sabemos que para vencê-lo é preciso que o esforço de modernização da nossa economia seja uma constante nas decisões do nosso dia-a-dia.
Com o nosso trabalho e com os nossos recursos, teremos de encontrar, em cada momento, as políticas mais correctas.
O caminho para a modernização tem de ser aberto nesse novo espaço económico, vasto e rico de oportunidades, embora sem descurarmos outros, nos quais dispomos de algumas vantagens comparativas.
São muitas as alternativas ou escolhas que se nos apresentam e exigem decisões em tempo oportuno.
Queremos nós garantir, no Portugal do futuro, um forte peso do Estado na actividade económica ou desejamos criar um espaço crescente para a actuação da livre iniciativa?
Queremos manter o sistema de acentuado intervencionismo administrativo na vida económica e financeira ou queremos dar a primazia às forças do mercado, conferindo uma maior racionalidade ao financiamento da economia?
Estamos nós empenhados em fazer as reformas que permitam a mudança para a modernização ou deseja-mos permanecer agarrados a tabus, preconceitos e ideologias que adiam a solução dos problemas nacionais e entravam o progresso?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Queremos incentivar o aparecimento de empresários dinâmicos, com sentido de risco e dispostos a lançarem empresas de concepção moderna, ou preferimos alimentar a inércia própria daqueles que só sabem sobreviver na dependência tutelar do Estado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Queremos que o nosso sistema industrial se apoie em unidades de ineficiência económica comprovada, que geram prejuízos permanentes, ou em empresas lucrativas, flexíveis, versáteis e com uma adequada aproximação aos mercados?
Queremos viver num país em que a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento sejam extensíveis a todas as regiões ou aceitaremos resignados o acentuar do dualismo litoral-interior?
Poderia continuar a enunciar um sem-número de outras alternativas, mas não vou fazê-lo. O que quero significar é que ao fazer política hoje é preciso ver mais longe e fazer escolhas quanto aos caminhos do futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por muito que isso possa custar a alguns, o Governo não deixará de optar e enquadrar a sua acção no ano de 1987 numa perspectiva de médio prazo, que traduz o projecto de liberdade, desenvolvimento, modernidade, bem-estar social e cultural, afirmação de identidade que ambicionamos para Portugal.
A nossa escolha é clara. Atribuímos à iniciativa privada o papel motor do desenvolvimento económico; queremos construir uma economia de mercado moderna, livre e concorrencial...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É monopolista!

O Orador: - ... damos primazia aos mecanismos de mercado e queremos maior racionalidade no funcionamento da economia; queremos empresários dinâmicos e criativos, abertos ao risco e à inovação, que criem riqueza, realizem lucros e paguem os salários atempadamente.
Defendemos a via reformista para a realização das mudanças que são necessárias para vencer os desafios que se nos colocam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A esta Assembleia cabe neste momento a responsabilidade de se pronunciar sobre documentos fundamentais para a vida do País: o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano.
O Governo trabalhou afincada e cuidadosamente na preparação desses documentos e entregou-os ao Parlamento no prazo constitucionalmente previsto, o que é quase inédito na nossa história recente.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É quase, é!

O Orador: - As comissões parlamentares puderam contar com a participação empenhada dos membros do Governo em numerosas reuniões que antecederam este debate.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Faltaram foi muitos documentos!

O Orador: - É com satisfação que registo o bom clima em que decorreram essas reuniões, verdadeiras reuniões de trabalho. Foi aí reconhecido, tácita ou expressamente, que os membros do Governo prestaram praticamente todos os esclarecimentos e informações solicitados pelos Srs. Deputados e responderam a todas as questões postas.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - Daí a nossa surpresa perante algumas das críticas produzidas durante o debate no Plenário.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O Sr. Primeiro-Ministro não esteve aqui durante a primeira parte do debate. Não ouviu o que se passou!

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O Orador: - Será que as discussões profícuas devem ser exclusivo das reuniões especializadas? Será que o ritual dos debates em Plenário não pode incluir também a discussão construtiva? Vozes insuspeitas têm reconhecido que o Orçamento do Estado para 1987 está bem elaborado. Os Srs. Deputados não podem negar essa verdade.
É fácil, para quem não é Governo, prometer ou exigir melhorias, visto não ter a responsabilidade de transformar as promessas em realidade. É já uma rotina ouvir certos partidos da oposição propor aumentos de despesas para este ou aquele sector e ao mesmo tempo reduções de impostos, pois têm a certeza de que não lhes caberá prover o desequilíbrio daí resultante.
Porém, quem governa e quer governar bem não pode decidir correctamente em matéria orçamental separando o lado das receitas do das despesas e, dentro destas, tratando separadamente cada um dos sectores. A discussão da política orçamental só pode ser séria e correcta se for global.
Perante um volume de recursos que é claramente escasso, há que ponderar as diferentes aplicações e interesses em causa e tentar avaliar as consequências das escolhas alternativas de forma a maximizar a utilidade social resultante do Orçamento e cumprir os objectivos fixados pela política económica e social.
O Governo tem pautado a sua acção por prometer pouco. Prefere falar daquilo que efectivamente fez. E tem vindo a fazer, gradualmente, tudo quanto lhe tem sido possível, dentro do condicionalismo político em que vivemos - condicionalismo onde esta Assembleia ocupa um lugar importante.
Foi dentro de muito trabalho e de intensa actividade este primeiro ano de vida do Governo.
Procurámos cumprir tudo quanto prometemos nesta Casa, há exactamente um ano. Essa é a única forma como sabemos e queremos governar.
O que esperamos desta Assembleia é uma análise séria da proposta do Orçamento do Estado que lhe foi submetida e um comportamento coerente, quer com a viabilização do Programa há um ano atrás, quer com votação favorável da moção de confiança em Junho passado.
O Governo aposta na estabilidade política para acautelar o futuro do País.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Por isso é que vai criando instabilidade!

O Orador: - Não sendo um fim em si mesma, a estabilidade é, contudo, indispensável para manter o clima de confiança necessário à execução de uma estratégia de progresso, para a concretização de um novo ciclo de expansão da economia nacional que faça apagar os efeitos dos anos de crise e austeridade que tanto nos marcaram no passado e para mobilizar o interesse de todos os portugueses para a construção de um melhor futuro colectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queremos cumprir para que possamos ser julgados com fundamento na nossa acção. Não temos qualquer receio de sermos julgados hoje, se for preciso. E este debate é também um julgamento, mas não só para o Governo.
Conhecemos, pese a confusão de alguns, os vários tempos políticos, mas eles não nos guiam. Guiamo-nos por nós próprios no juízo que permanentemente fazemos dos interesses e aspirações do povo português.
Como disse, não temos gasto muito tempo com palavras, não prestamos atenção a honrarias, não nos deslumbramos com o poder.
Disse há um ano nesta Assembleia que um novo ciclo se tinha iniciado para o sistema político português e concretamente para o sistema partidário.
E fiz então votos de que o novo ciclo então aberto viesse a redundar em benefícios para o povo português. Afirmei mesmo nessa ocasião: < Não há-de escapar certamente a quem souber interpretar o sentido e o alcance das últimas eleições que elas abrem um novo ciclo político à democracia portuguesa. E quero acreditar que será para bem, e será para bem se os responsáveis pela representação nacional a todos os níveis e pela gestão da coisa pública se colocarem sempre no puro plano dos interesses nacionais e, portanto, acima dos grupos e dos partidos, se puserem de parte os fanatismos ideológicos, o enfeudamento a interesses estranhos ao País, a ambição do poder pelo poder, as mesquinhas querelas pessoais que dividem e rebaixam, as clientelas alimentadoras e beneficiadoras dos processos de aviltamente e corrupção.»
Houve, na altura, muita incredibilidade e fui alvo de várias invectivas. Quero acreditar que hoje todos já reconheceram que os Portugueses ansiavam de facto por um novo tempo. Os Portugueses querem um Estado digno e dignificado.
Não é este o local nem é agora a altura para analisar os sintomas da nova fase que a democracia portuguesa começa a viver.
São sintomas visíveis e o povo português dá-se bem conta deles. Aliás, aqueles que ainda não se aperceberam dessa realidade começam a sentir os efeitos dessa limitação.
Com mais ou menos atraso, todas as forças políticas pouco a pouco vão tentando adaptar-se aos novos tempos - até as mais fechadas e dogmáticas ensaiam tímidos passos -, embora seja visível que nem todas sabem ainda o que devem mudar e como mudar.
Por nós, contenta-nos que todas, cada uma à sua maneira, se adeqúem às novas exigências. A competição é essencial à democracia e a modernização das várias forças políticas e a seriedade e actualidade das suas propostas serão sempre sinais de progresso para Portugal.
Gostamos de ver a responsabilidade nos comportamentos, a fidelidade aos compromissos assumidos e o sentido de dever para com a comunidade alargados a todos os que optaram pela vida política democrática. Todos os quadrantes políticos necessitavam de mudar alguma coisa neste domínio. Da nossa parte foi isso que nos propusemos há mais de um ano. Por isso temos vindo e continuaremos a lutar.
Insistimos em que somos o Governo de Portugal, e não o Governo de partidos, sectores, grupos ou individualidades.
Mas é bem sabido que prestamos uma atenção especial àqueles que de entre nós são os mais desfavorecidos. Ninguém nos censura - porque ninguém nos pode censurar - de governarmos para os privilegiados. Procuramos agir com justiça e com determinação, mas sempre tendo no pensamento quem mais necessita de um governo eficaz.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos procurado executar uma política coerente, devidamente coordenada, articulada e calendarizada no tempo.

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E assim temos actuado em equipa, sempre em equipa. Uma equipa de quem se começou por dizer ser tecnicamente superior, mas politicamente fraca, para agora se dizer precisamente o contrário. Registamos a contradição e percebemos a razão da mudança!
Por nós, só queremos estar à altura dos cargos que nos foram confiados.
Recusamo-nos navegar à vista e viver apenas a governação do dia-a-dia. Governar é realizar um projecto, é abrir novos horizontes.
Mesmo contra a vontade de alguns, uma coisa garanto: continuaremos sempre a governar com os olhos postos no futuro, assumindo as nossas responsabilidades por inteiro e não temendo o julgamento dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na sequência de uma deliberação que foi tomada em tempos, foi apresentada na Mesa uma proposta de substituição subscrita pelos Srs. Deputados Rui Machete, Ivo de Pinho e Nogueira de Brito, a qual vai ser lida pelo Sr. Deputado Secretário.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de substituição

Na sequência dá deliberação do Plenário da Assembleia da República que decidiu dividir a proposta de lei n.º 43/IV em dois projectos de diplomas autónomos; nos termos do artigo 149.º, n.º 3, do Regimento, e que versam respectivamente sobre as Grandes Opções do Plano para 1987 e sobre as Grandes Opções do Plagio para 1987-1990, os Deputados abaixo assinados, membros da Comissão de Economia, Finanças e Plano, propõem o seguinte projecto de lei das Grandes Opções para 1987:

Artigo 1.

1 - São aprovadas pela presente lei as Grandes Opções do Plano para 1987.
2 - O texto anexo faz parte integrante desta lei.

Artigo 2.º

1 - Nos termos da presente lei e demais legislação aplicável, fica o Governo autorizado a elaborar o plano anual para 1987.
2 - O Governo fará publicar, por decreto-lei, o plano a que se refere o número anterior.

Artigo 3. º

O Governo promoverá o plano anual para 1987 e elaborará o respectivo relatório de execução até 30 de Junho de 1988.

Assembleia da República, 2 de Novembro de 1986. - Os Deputados: Rui Machete (PSD) - Ivo Pinho (PRD) - Nogueira de Brito (CDS).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rui Machete tinha pedido para fazer uma breve declaração. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, era apenas para dar uma curta explicação justificativa da apresentação desta proposta de substituição. De resto, quando no texto se diz «propõem o seguinte projecto de lei das Grandes Opções para 1987», quer referir-se à substituição do texto, e não a um projecto de lei, como é óbvio, embora não tenha sido emendado.
No fundo, queria referir duas coisas. Primeiro, que esta é uma proposta de substituição apresentada à Câmara como mera decorrência lógica da deliberação do Plenário, que decidiu cindir a proposta de lei n.º 43/IV. Portanto, como é óbvio, o facto de esta proposta de substituição ser apresentada por três deputados membros da Comissão de Economia, Finanças e Plano não significa que haja qualquer pré-juízo sobre o voto dos respectivos grupos parlamentares acerca desta mesma proposta.
Em segundo lugar, queria referir que o seu objectivo, se for votado, é o de consumir, na parte relativa às Grandes Opções do Plano para 1987, a proposta de lei que, como VV. Ex.as sabem, constitui as Grandes Opções do Plano para 1987-1990. Isto é, fica de pé a parte que não é objecto desta proposta de substituição para ulterior decisão da Assembleia sobre qual o destino a dar-lhe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com estes esclarecimentos, penso que estamos em condições de se proceder à votação desta proposta de substituição.
Vamos, pois, votar, na generalidade, este texto que foi apresentado e que o Sr. Deputado Rui Machete agora referiu. Se for aprovado, respeita apenas às Grandes Opções do Plano para 1987 e a parte restante será objecto de uma conferência de líderes para se marcar uma data para o respectivo agendamento e discussão, tal como foi combinado.
Vamos, pois, votar; Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PRA dó PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Maria Santos e Ribeiro Teles, e votos a favor do PSD, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho, e do Deputado Correia Gago do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para registar que V. Ex.ª não perguntou quem é que se abstinha. É provável que ninguém o faça, mas gostaria que fizesse a pergunta.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª toda a razão.
Quem se abstém, Srs. Deputados?

Pausa.

Não há abstenções.
Srs. Deputados, vou submeter à votação a proposta de lei n.º 43/IV.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para interpelar a Mesa em relação ao processo de votação?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ou houve um grandíssimo equívoco da minha parte ou o

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equívoco é alheio, mas, Sr. Presidente, creio que acabou de ser votada a proposta de substituição da proposta de lei n.º 43/IV, que é precisamente a que o Governo intitulou «proposta de lei das Grandes Opções do Plano de Médio Prazo e para 1987» e que, como sabe, a Assembleia da República cindiu, tendo procedido, há pouco, à votação da parte atinente às Grandes Opções do Plano para 1987. Não há, pois, mais nada a votar, nos termos decorrentes da deliberação que anteriormente tínhamos assumido. Quando muito, só cabe votar-se a proposta de lei respeitante ao Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, entendo que, pelo menos, se deveria cumprir o ritual donde resulta que, como se procedeu à votação de uma proposta de substituição, que foi rejeitada, necessariamente terei de pôr à votação a proposta de lei de base, que se mantém.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, entendo a démarche, o cuidado, a cautela e a prudência da Mesa. Em todo o caso, creio que vale a pena ponderar com um pouco mais de cuidado a questão da votação. Porque, Sr. Presidente, esta proposta de substituição, que os Srs. Deputados proponentes assim crismaram, técnico-juridicamente é uma proposta de clarificação da cisão que operámos na proposta de lei n.º 43/IV. Isto é, se lermos atentamente o texto que os Srs. Deputados subscreveram, veremos que ele reproduz o texto da proposta de lei n.º 43/IV na parte respeitante às Grandes Opções do Plano para 1987. Suponho, até, que o artigo 3.º desse articulado é igual ao articulado da proposta de lei n.º 43/IV, palavra a palavra. Portanto, não se justifica a démarche.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ivo de Pinho.

O Sr. Ivo de Pinho (PRD): - Sr. Presidente, para que não prevaleçam quaisquer espécie de dúvidas, é evidente que V. Ex. e notou - bem como a Câmara - que fui um dos proponentes dessa proposta de substituição e que votei contra o texto que V. Ex.ª pôs à votação.
Quando subscrevi a proposta, na qualidade de elemento da Comissão de Economia, Finanças e Plano, fi-lo apenas para formalizar uma proposta de deliberação que tinha sido apresentada ontem nesta Câmara. Tratava-se, portanto, de formalizar a cisão da proposta de lei n.º 43/IV; penso que o Sr. Presidente pôs logo o texto à votação e, por isso, votei contra. Portanto, julgo que o melhor procedimento seria votar primeiro o texto da proposta de substituição que foi entregue na Mesa e depois, sim, votar o texto da proposta de lei n. I 43/IV.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Machete, tem a palavra.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, era para subscrever ou reforçar a argumentação que foi expendida pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Efectivamente, a Câmara já deliberou a cisão da proposta de lei n.º 43/IV. Houve grupos parlamentares que votaram de uma maneira e outros de outra, mas a deliberação está feita e, portanto, o texto desta proposta não é um normal texto de substituição, em que teríamos que voltar atrás ao texto base, mas é apenas a concretização lógica, a decorrência dessa opção, para termos um texto para votar. Foi nesse sentido que tal texto foi apresentado e, quando V. Ex.ª o pôs à votação, a interpretação que se me afigurou correcta foi justamente no sentido de que votámos e foram rejeitadas, por maioria, as Grandes Opções do Plano para 1987.

Efectivamente, como há pouco tive ocasião de dizer e agora foi também clarificado pelo Sr. Deputado Ivo de Pinho, essa posição não pré-juizava sobre o voto dos Srs. Deputados que subscreveram essa proposta de substituição.
Portanto, penso que a interpretação que correspondia à nossa intenção e que me parece estar objectivada no texto é aquela que deu o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. presidente, também como signatário deste texto, era para confirmar que aquele apenas se destina a formalizar, em sede desta votação, uma deliberação já tomada pela Câmara ontem, que, aliás, se completou com uma outra - que V. Ex. º já aqui repetiu -, de acordo com a qual a votação das Grandes Opções do Plano até 1990 seria oportunamente agendada pela conferência dos representantes dos grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Sim, Srs. Deputados. Concordo com a interpretação dada pelo Sr. Deputado José Magalhães e secundada pelos Srs. Deputados Rui Machete e Nogueira de Brito, mas haverão de compreender que manda a jurisprudência das cautelas no sentido que a Mesa tinha determinado. É que se tratava de uma proposta de substituição que, com a votação, ficou prejudicada. Portanto, tínhamos que ir ao texto. Só que o texto corresponde precisamente às intenções.
Só que, como o texto corresponde precisamente às intenções da Câmara, não será necessário proceder-se à segunda votação.

O Sr. Golpes de Pinho (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - É essa a interpretação dos Srs. Deputados?

O Sr. Correia Gago (PRD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Correia Gago (PRD): - Sr. Presidente, devo dizer que votei no entendimento de que se estava apenas a ratificar a cisão formal entre a proposta de lei relativa às Grandes Opções do Plano para 1987 e o que virá a ser o texto que esta Câmara oportunamente discutirá sobre as opções a médio prazo.

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Votei, portanto, nesse sentido, mas, se o alcance da votação foi outro, terei de pedir para corrigir a posição que tomei.

O Sr. Presidente: - O sentido da votação foi o que referiu, Sr. Deputado, pelo que oportunamente anunciarei a rectificação da sua posição devoto.
É, pois, este o entendimento.
Vamos agora votar a proposta de lei n.º 44/IV, que respeita ao Orçamento do Estado para 1987.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): = Sr. Presidente, não posso deixar de pedir a palavra para exercer o direito de emitir uma declaração de voto em relação à votação que efectuámos agora.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: o Grupo Parlamentar do PCP congratula-se pela rejeição do documento denominado «Grandes Opções do Plano para 1987».
Se as chamadas «Grandes Opções do Plano a médio prazo», como aqui ficou demonstrado, eram - e infelizmente são ainda - um documento caricato, provavelmente um dos mais caricatos da história parlamentar deste século, as GOPs para 1987, agora rejeitadas (o chamado «complemento subscrito pelo Governo»), geram uma verdadeira nulidade, completamente omissiva, que descrevia em paupérrimo aquilo que é a política do Governo e que o Sr. Primeiro-Ministro aqui nos serviu já requentado, depois de a ter servido ao vivo ao País na conferência de imprensa que deu às 13 horas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi um sacrifício a que nos tivemos de submeter o de aceitar este texto como proposta de lei. Não era realmente uma proposta de lei mas, sim, um rascunho, e ainda por cima mal feito.
Aceitámo-lo só para podermos rejeitar com o significado que isso tem. É um acto normal, é o exercício, pela Assembleia da República, daquilo que são as suas prerrogativas políticas; demitir-se-ia se, colocada perante um documento assim indigente e nocivo para os interesses do País, aceitasse votá-lo em nome de um qualquer interesse geral institucional, como aquele que o Sr. Primeiro-Ministro tentou agigantar em vão, provavelmente com base em falsas informações ou expectativas indevidas.
Este acto é, em nosso entender, positivo. Não nos admira que choque o Governo, porque o Governo tem das relações com a Assembleia da República uma noção distorcida, viciada e - devo dizê-lo francamente desconforme com as normas e padrões constitucionais.
É inaceitável, a qualquer título, que um primeiro-ministro se dirija à Assembleia da República nos termos em que ouvimos há pouco o Sr. Primeiro-Ministro dirigir-se ao Parlamento para tocar um assunto melindroso. Uma declaração de inconstitucionalidade não é uma coisa ligeira; deve ser reproduzida e analisada em toda a sua complexidade, com seriedade e sobretudo com inteireza.
É particularmente chocante que um governo, que já viu sucessivamente declaradas as inconstitucionalidades de vários diplomas seus, um deles usurpando a nossa competência fiscal e outro usurpando a competência da Assembleia da República em relação ao estatuto das empresas públicas - e há mais -, ouse vir à tribuna do Parlamento acusá-lo, em nome do Tribunal Constitucional, de ter cometido um conjunto de inconstitucionalidades, que ainda por cima descreveu mal, o que é grave. Com efeito, o Sr. Primeiro-Ministro descreveu mal, o que acho uma imprudência. Deve ter maus conselheiros constitucionais, porque, no preciso momento em que a Assembleia da República, no entendimento do Tribunal Constitucional e de todos (mas todos) os constitucionalistas, tem plenos poderes orçamentais, veio aqui desafiá-la a que exerça neste preciso momento esses poderes - que os tem todos e que esperamos sejam devidamente exercidos. É imprudente e é um desafio inaceitável.
Por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro distorceu o alcance da decisão do Tribunal Constitucional. O Sr. Primeiro-Ministro não pode vir à Assembleia da República dizer metade ou um terço daquilo que o Tribunal Constitucional decidiu! Não é honesto! Não pode fazê-lo! Porque isto é algo de muito grave, pedimos ao Sr. Presidente da Assembleia da República que seja anexado à acta desta reunião plenária o teor integral do Acórdão do Tribunal Constitucional, que está em nosso poder. É preciso que o povo português conheça inteiramente o conteúdo da decisão do Tribunal Constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que o Tribunal Constitucional fez foi três coisas, e não uma. Com efeito, reconheceu e sublinhou, em primeiro lugar, os plenos poderes da Assembleia da República em relação à aprovação do Orçamento do Estado deste Orçamento que vamos ter em mãos daqui a pouco, Sr. Primeiro-Ministro.
Em segundo lugar, o Tribunal Constitucional entendeu que a Assembleia da República, uma vez aprovado o Orçamento do Estado e no curso da sua execução, não pode alterá-lo livremente, tendo que circunscrever-se a certos limites, mas não aos que o Governo queria no seu pedido de declaração de inconstitucionalidade - sublinhe-se isto com três pontos!!! Por exemplo, se no acto orçamental a Assembleia da República inscrever, como foi o caso em Abril passado, receitas subavaliadas, viciadas - aquelas operações típicas do Ministro Cadilhe - e se, por exemplo, deixar um défice empolado com colchões e almofadas, coisa de que o Ministro Cadilhe também gosta muito, não pode corrigi-las adiante e, portanto, o Governo pode gabar-se mais tarde de brilharetes a que não tem direito nenhum. Quer isto dizer que devemos ser prudentes. É uma lição de que tomamos nota.
O Tribunal Constitucional veio, também, acentuar que, se porventura, a Assembleia da República se esquece de inscrever dotações para finalidades sociais eminentes, por exemplo aumentar a verba para o leite

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ou inscrever uma dotação para salvar a ANOP, não pode ulteriormente fazer essa correcção. Nós tomamos boa nota disso.
Por outro lado, se quisermos proteger os cidadãos isentando-os de certos deveres, devemos fazê-lo agora, porque depois o Governo pode invocar o direito de veto.
Ora, temos um Governo - ninguém tenha ilusões, pois isso ficou demonstrado - que é capaz de invocar o direito de veto da lei travão a propósito de situações em que há trabalhadores a estoirar de fome, como é o caso dos salários em atraso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo foi capaz de, em relação a uma lei de salvação nacional, de interesse social urgentíssimo, dizer que não a aplicava, que ia invocar a lei travão. Toda a gente sabia que ele podia fazê-lo, mas ninguém acreditava que fosse capaz de poupar uma verba de 7 milhões de contos à custa de trabalhadores com salários em atraso. Mas foram capazes disso!

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso ter em atenção que é este governo, com este cariz e com esta capacidade, que temos pela frente, e não outro. $ outra lição!
Finalmente, o Tribunal Constitucional não deu nenhuma razão ao Governo em relação a uma questão capital de que fazia cavalo de batalha, qual seja a do direito da Assembleia da República de impor ao Governo a obrigação de lhe prestar informações de carácter económico-financeiro com prazo e data certos. O Tribunal Constitucional acabou de reconhecer, para todos os efeitos, que a Assembleia da República tem o direito, o poder e, porventura, o dever, face ao interesse nacional, de impor essas obrigações ao Governo e que este não pode furtar-se a elas. E nós sabemos como o Governo a elas se furtou gravissimamente durante o mês de Setembro, em que fez uma guerra absolutamente lamentável à Assembleia da República, sonegando-lhe informações vitais sobre a questão do aumento dos combustíveis, o que lesa gravemente os Portugueses, pois impediu a baixa imediata dos combustíveis, que era obrigatória a partir de 1 de Outubro. Isto ficou claro na decisão do Tribunal Constitucional.

Vozes do PSD: - Já terminou o tempo!

O Sr. (Presidente: - Queira fazer o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já fazê-lo, Sr. Presidente. Em todo o caso, não quero invocar a tolerância que foi concedida ao Sr. Primeiro-Ministro, porque não quero usar de privilégio igual.

O Sr. Presidente: - Agradeço que o não faça, Sr. Deputado.

O Orador: - Não obstante, há uma ideia de remate que considero indispensável: é inaceitável que o Governo se comporte perante a Assembleia da República com a arrogância e sobretudo com a falta de verdade que foi exibida no discurso do Sr. Primeiro-Ministro. Isto porque os acórdãos do Tribunal Constitucional são visíveis, mas e a propaganda que é feita no exterior? Essa é feita ilegal e inconstitucionalmente, mas é mais difícil de rebater. No entanto, há-de ser rebatida, como hoje foram aqui rejeitadas as lamentáveis GOPs que o Governo apresentou.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou contra as Grandes Opções do Plano por considerar que se trata de um documento incredível e até ridículo. Constitui, por isso, um expediente com que o Governo procura salvar a face, atribuir a culpa do fracasso da sua política à Assembleia da República, como ainda hoje à tarde o Sr. Primeiro-Ministro voltou a afirmar, no Palácio Foz, embora há momentos tenha afirmado que não quer criar conflitos com a Assembleia da República.
E não se pode aceitar que o Sr. Primeiro-Ministro se permita tentar criticar a oposição, citando parcialmente acórdãos do Tribunal Constitucional, e se subestime em não considerar o que propositadamente ignorou, apesar de incitado pela oposição a fazê-lo, visto que a conclusão que se tem de tirar é que assim vai fazendo carreira no Governo o exemplo do Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, ao amputar um parecer da Procuradoria-Geral da República de uma das suas mais importantes conclusões.
Se este debate foi um julgamento para o Governo, como afirmou o Sr. Primeiro-Ministro, então não há dúvidas de que, tanto nas opiniões críticas expressas pela maioria desta Câmara como na votação das Grandes Opções do Plano, o Governo foi considerado culpado.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista tem uma declaração de voto a fazer. Simplesmente, como os dois diplomas foram discutidos em simultâneo, com o assentimento de V. Ex.ª, o PS prefere fazer uma única declaração de voto final.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em princípio, o meu Grupo Parlamentar não tinha intenção de fazer uma declaração de voto, pois é clara a razão pela qual votámos a favor das Grandes Opções do Plano para 1987. Porém, o tipo de reacção e as palavras que foram proferidas em declaração de voto pelo representante do PCP levaram-nos a mudar de ideias.
Efectivamente, não se compreende bem - a não ser pelo choque e pela dor que pode ter causado o aresto do Tribunal Constitucional - o tipo de reacção tão desbragado como aquele que neste momento o Sr. Deputado produziu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Afinal de contas, o que é que o Sr. Primeiro-Ministro disse? Citou, como era do seu direito, um acórdão do Tribunal Constitucional, o qual dirimiu uma contenda, um litígio e sufragou a tese, que eu próprio tive ocasião de expor, quer na Comissão de Economia, Finanças e Plano, quer aqui no Plenário, e que, em última análise, se traduz naquilo que é a correcta interpretação da Constituição.
O Partido Comunista Português não está de acordo, mas o que me espanta é que quando o Tribunal Constitucional toma decisões que o desfavorecem reage de uma maneira que é verdadeiramente inaceitável e incorrecta.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - É falso!

O Orador: - Não compreendemos que, de um ponto de vista democrático, se tenha uma posição quando do Tribunal Constitucional sufraga as nossas posições e se tenha uma posição completamente contrária quando assim não é.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é desonesto! Não foi isso que dissemos.

O Orador: - É isso que lamentamos! Para mim é verdadeiramente incompreensível que pessoas que são juristas capazes sejam cegas pela paixão política em termos de produzirem as afirmações e as invectivas que VV. Ex.ªs produziram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sinceramente que lamento isso e espero que tal não se volte a repetir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O que criticámos foi a falta de rigor, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Gago, quero informar V. Ex.ª de que a declaração que há pouco fez será devidamente considerada para rectificação do voto que formulou.
Assim sendo, passo a anunciar, agora rectificado, o resultado da votação da proposta de lei n.º 43/IV (Grandes Opções do Plano para 1987):

A proposta de lei foi rejeitada, com votos contra do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Maria Santos e Ribeiro Teles e votos a favor do PSD, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação da proposta de lei n.º 44/IV, que diz respeito ao Orçamento do Estado para 1987.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e dos deputados independentes Borges de Carvalho e Oliveira e Costa, votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Maria Santos e Ribeiro Teles e a abstenção do PRD.

O Sr. Ivo de Pinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A diferença de posições evidenciadas pelo PRD nas votações das Grandes Opções do Plano para 1987 e da proposta de lei orçamental para o mesmo ano constituiu uma manifestação do sentido da responsabilidade que caracteriza a nossa intervenção na vida política portuguesa.
Votámos contra as Grandes Opções do Plano para 1987. Era, a nosso ver, a única posição possível face às injustificáveis deficiências, insuficiências e lacunas do referido documento.
Votando como votámos, mostrámos, além do mais, que, contrariamente ao que maliciosamente foi insinuado por um partido da oposição, não temíamos - nem temeremos - a discussão e apreciação das Grandes Opções do Plano para 1987-1990. O que para nós esteve em causa foi o despropósito de se discutir agora um documento tão importante para a vida dos Portugueses. É bom recordar que as opções de médio prazo não foram objecto de apreciação por parte de qualquer comissão parlamentar. Nestas condições, não seria leviano discutir, necessariamente de forma perfunctória, orientações que hipotecam o futuro do País e dos Portugueses?
Votar as Grandes Opções do Plano para 1987-1990 no decurso do presente debate seria cair num logro - bem armadilhado, de resto, pelo Governo - que, necessariamente, afectaria, de forma negativa, o prestígio desta Assembleia.
A nossa posição na votação da proposta de lei do Orçamento foi também clara.
Votar negativamente significaria proporcionar um impasse com efeitos perversos para o País e para os Portugueses, que jamais entenderiam que obscuros jogos políticos hipotecassem, uma vez mais, a sua estabilidade e o seu futuro.
Votar favoravelmente significaria avalizar uma política orçamental de continuidade, não redistributiva e refractária à necessária transformação e adaptação estrutural do País.
A abstenção revelou-se, pois, a única posição coerente e digna, forte e determinada, a assumir por um partido que, como o PRD, não se demite das suas responsabilidades. A posição que assumimos não significa, pois - como, aliás, ficou bem demonstrado pelas intervenções que efectuámos no decurso do debate -, concordância com a proposta governamental. Por isso, participaremos activamente nos esforços que a Assembleia da República tem o direito e o dever de desencadear em ordem à introdução de ajustamentos praticáveis que minimizem as incidências negativas de uma proposta de lei orçamental que não ponderou adequadamente as exigências do sistema sócio-económico e os legítimos anseios dos Portugueses.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PS participou neste debate e votou sempre em coerência com os seus princípios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ivo de Pinho.

O Orador: - Quando estão em jogo aspectos fundamentais e decisivos para a vida do País, quando se

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está perante um governo que, no dia em que se gaba de fazer um ano, vem reiterar a falta de respeito pelos princípios constitucionais e pelas boas relações institucionais, não pode haver abstenção. Ou se é ou se não é, não se pode ser e não ser. O Partido Socialista é partido de oposição, assume as suas responsabilidades. O Partido Socialista é representante aqui, nesta Assembleia, de uma cultura política que move ascensionalmente a história contemporânea. O Partido Socialista é defensor de um património político que integra, desde longa data, o melhor das tradições democráticas portuguesas. O Partido Socialista é oposição construtiva porque, sendo defensor desse património e da cultura política a que me referi, não pode ser senão oposição construtiva. E mais, é o partido maioritário da oposição, é - e este debate provou-o longamente - a alternativa a este governo do PSD.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, assumimos aqui uma posição clara desde o início do debate. Além disso, gostaria de dizer que em democracia a alternativa exerce-se de modos vários e complementares: a alternativa exerce-se democraticamente pela crítica vigorosa; a alternativa exerce-se democraticamente pelo apontar de soluções diferentes; a alternativa exerce-se vigorosamente indicando as linhas mínimas de um consenso necessário à luz dos interesses nacionais; a alternativa exerce-se também apontando com confiança e abertura a linha dos consensos máximos possíveis em função do interesse nacional. Tudo isto aqui fizemos ao longo do debate.
Logo de início pusemos condições claras e esperámos, ao longo do debate, posições claras, mas o Governo fugiu sempre a ir ao encontro das nossas exigências mínimas, como fugiu sempre a ir ao encontro das exigências nacionais. Por isso, não podíamos senão votar contra.
Permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que lembre algumas dessas condições: logo no início do debate dissemos que não podíamos aceitar previsões macroeconómicas erradas, previsões essas que todo o hemiciclo, à excepção do PSD, que não pôde, eventualmente, expressar a sua opinião sincera, reconheceu de facto estarem erradas. Por outro lado, houve também reconhecimento integral por parte da Câmara de que as contas públicas continuam confusas e de que não há nelas transparência, não há rigor. Temos três números para o défice de 1986, quantos números chegaremos a ter para o défice de 1987?
Também não podemos aceitar que o PSD continue a ser o partido do défice que nada quis fazer, acompanhando toda a Câmara no sentido de o diminuir. Não podemos aceitar as subavaliações das receitas do IVA, não podemos aceitar as subavaliações do imposto sobre produtos petrolíferos, não podemos aceitar que se continue a aumentar o défice com essas subavaliações, como não podemos aceitar, igualmente, que se continue a minimizar a educação.
Onde é que está a prioridade da educação neste Governo? Onde é que está o máximo que se deve fazer a favor da investigação científica e do desenvolvimento? Fez-se alguma coisa, é verdade, e aplaudimos isso, mas também temos a dizer que é possível e necessário fazer muito mais. Gostaríamos de ter encontrado abertura do Governo para esse esforço, mas tal não aconteceu. Também não encontrámos nenhuma abertura para considerar as necessidades daqueles que estão desempregados. Na base não sei de que raciocínio, o Governo não abriu a oportunidade de um consenso nessa área, como também não quis dialogar sobre outros problemas tão prementes como os incentivos ao investimento privado na área industrial.
Um governo que tanto falou da abertura de Portugal ao mundo fechou as portas da cooperação, dá-lhe verbas exíguas, não permite que, de facto, os Portugueses se encontrem com a sua própria história. Um governo assim não poderia ter a nossa aprovação!
Permitam-me agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que fale das GOPs. O Partido Socialista quis discutir as GOPs e verificou um facto verdadeiramente espantoso, que não posso deixar de verberar: vimos nesta Assembleia o Governo a pressionar no sentido da discussão das GOPs a médio prazo e o seu partido a votar em sentido contrário. E não só se verificou essa contradição como, logo a seguir, se veio a dar outra ainda maior: vimos o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território fazer uma intervenção sobre as GOPs a médio prazo quando elas já estavam excluídas desta agenda e vimos, com maior espanto ainda, um Sr. Deputado do PSD intervir em relação às GOPs a médio prazo quando elas já estavam excluídas desta agenda, por força da própria votação do PSD. Chamamos a isto «a máscara e o rosto» para dizer que não nos importa saber, nestas condições, quem é a «máscara» e quem é o «rosto», pois tanto um como o outro são dignos das suas mútuas incoerências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto às GOPs a médio prazo, aqui as encontraremos e terão certamente o mesmo destino que as GOPs de 1987, pois seria bizarro que passasse o maior quando o menor foi aqui chumbado, ou antes, que passasse o menor quando o menoríssimo foi aqui chumbado. Nestas condições, o nosso voto encontra-se plenamente justificado.
Uma última consideração para referir que, quando aqui votámos contra as GOPs de 1987 e contra o Orçamento de 1987, fizemo-lo porque este governo foge desde o primeiro dia - e hoje veio confirmá-lo - às suas responsabilidades, recusa o diálogo, é oposição ao País. Não podemos tolerar que um governo minoritário venha à Assembleia para se regozijar de ser minoritário contra o próprio País. É preciso que algo mude urgentemente e que este nosso voto abra o caminho a essa mudança, pois ainda será tempo. Veremos se o Governo entende que, de facto, as tarefas nacionais que nos aguardam a todos a todos dizem respeito e não são apenas tarefas das suas clientelas.
Aplausos do PS.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para uma curta declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero sublinhar a incoerência meramente política - mas fundamentalmente política - do voto de rejeitar as Grandes Opções e de deixar passar o Orçamento.
Em segundo lugar, quero dizer que, neste momento, e em face desta votação, vamos, naturalmente, seguir com extrema e redobrada atenção a discussão e a votação, na especialidade, deste Orçamento.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Aplausos do PSD e do CDS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão de amanhã terá lugar às 10, para apreciação de um voto de repúdio apresentado pelo CDS acerca das afirmações proferidas por José de Almeida, dirigente da FLA, e ainda para aprovação dos n.ºs 9 e 10 do Diário da Assembleia da República, apreciação e votação de três pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos e das ratificações n.ºs 109, 111 e 114, respeitantes ao Decreto-Lei n.º 358/86, procedendo-se ainda à respectiva votação final global dos projectos de lei n.ºs 172/IV e 177/IV.
Nada mais havendo a tratar por hoje, dou por encerrados os trabalhos.

Era 1 hora e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alípio Pereira Dias.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Anes de Azevedo.
António Manuel Lopes Tavares.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
João Álvaro Poças Santos.
João Luís Malato Correia.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota. José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Helena Torres Marques.
João Rosado Correia.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Correia Gago.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
Luís Augusto Pestana Mourão.
Maria Cristina Albuquerque.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Comunista Português (PCP):

Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel dos Santos Magalhães.
Maria Odete Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.

Deputados independentes:

António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Manuel Azevedo Gomes.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Joaquim Gomes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Horácio Alves Marçal.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

AS REDACTORAS: Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira - Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO: 308$00

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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