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I Série - Número 19

Quarta-feira, 10 de Dezembro de 1986

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE DEZEMBRO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto B. da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Deu-se conta da apresentação de alguns diplomas e aprovaram-se os n.º 11, 12 e 13 do Diário.
Na passagem do 11.º aniversário da invasão de Timor Leste pelas forças da Indonésia, foi aprovado um voto de solidariedade para com o povo timorense, apresentado pela Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação de Timor Leste. No fim, em nome de todos os grupos parlamentares, o relator da Comissão, Sr. Deputado Vitorino Costa (PRD), produziu uma declaração sobre o assunto.
O Sr. Presidente relatou o modo como decorreram os trabalhos da 4.ª Conferência dos Presidentes dos Parlamentos Ibero-Americanos, há dias realizada em Madrid.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n. º 274/IV (PS) - Lei de Bases dos Meios Audio-Visuais. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira), os Srs. Deputados Raul Junqueiro (PS), Costa Carvalho (PRD), João Corregedor da Fonseca e Raul Castro (MDP/CDE), Gomes de Pinho (CDS), Borges de Carvalho (Indep.), Narana Coissoró (CDS), Jorge Lacão (PS), Jorge Lemos (PCP), Gomes de Almeida (CDS), Vieira Mesquita (PSD), Alexandre Manuel (PRD) e Correia Afonso (PSD).
Entretanto foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PRD.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Alípio Pereira Dias.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Filipe de Atayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.

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José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Ferreira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Horácio Alves Marçal.
Maria Adelaide L. Pires R. Soares.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Fernando Silva Monteiro.

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Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António José Borges de Carvalho.
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
Maria Amélia Mota Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que entraram na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes projectos de lei: n.º 312/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Armando Fernandes e outros, do PRD, propondo a criação de um museu ferroviário no Entroncamento, que baixou a Comissão de Educação, Ciência e Cultura; n.º 313/IV, apresentado pelo Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos e outros, do PRD, sobre a Lei da Televisão, que baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; n.º 314/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Alexandre Manuel e outros, do PRD, sobre os Estatutos da Radiotelevisão Portuguesa, que baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em resultado do que foi acordado em conferência de líderes e por razões de ordem histórica, entendeu-se que devia ser apreciado pelo Plenário um voto apresentado pela Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação de Timor Leste.
Não haverá lugar a declarações de voto, visto que elas serão substituídas por uma declaração que se encontra subscrita por todos os Srs. Deputados e que irá ser lida pelo presidente daquela Comissão.
É do seguinte teor o referido voto:

Voto

A Assembleia da República manifesta a sua total solidariedade à resistência do povo timorense contra a ocupação indonésia.
Condena as violações dos direitos humanos perpetradas em Timor Leste pela forca invasora e recusa qualquer tipo de solução que não tenha em conta o direito daquele povo à autodeterminação.
Continuará activamente empenhada na prossecução de todas as iniciativas que visem conduzir à satisfação das legítimas aspirações do povo de Timor Leste.
Este voto vem assinado por vários Srs. Deputados em representação de todos os grupos parlamentares. Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

Dado não haver inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Rui Oliveira e Costa, Ribeiro Telles, Maria Santos e Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitorino Costa, para produzir a declaração que há pouco anunciei.

O Sr. Vitorino Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como relator da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação de Timor Leste e em nome da mesma vou ler o texto que invoca a posição dessa mesma Comissão na lembrança do 11.º aniversário da invasão de Timor Leste pelas forças da Indonésia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Onze anos após a ocupação militar de Timor Leste pelas forças indonésias, a Assembleia da República, representante legítima do povo português, faz, uma vez mais, eco do seu sentir, repudiando a ocupação daquele território e condenando as violações dos direitos humanos praticadas pela força invasora.
Quer, por outro lado, esta Câmara exprimir a sua firma intenção de tudo continuar a fazer para que o indiscutível direito do povo de Timor Leste à autodeterminação se torne uma realidade.
Reafirma, igualmente, o seu compromisso e disponibilidade para sensibilizar a opinião pública nacional e internacional para a situação existente em Timor Leste.
Foi neste quadro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se inscreveu a elaboração do relatório da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação de Timor Leste, tornado público nos últimos dias de Novembro.
É um trabalho obtido após cerca de quatro meses de pesquisa, reflexão e debate no seio da Comissão e as suas conclusões espelham o consenso de todas as forças partidárias nela representadas.
Sem pretender ser um documento meramente histórico, ele é, antes e sobretudo, um instrumento de trabalho e um meio de consciencialização e sensibilização. A sua tradução em francês, inglês e espanhol permitirá, de hoje em diante, dotar as delegações desta Assembleia, nas suas deslocações ao exterior, de um suporte documental importante para a defesa dos direitos do povo timorense.
Por outro lado, a sua divulgação pelos diversos parlamentos do mundo contribuirá para o esclarecimento da questão de Timor Leste e para a universal condenação da posição indonésia.
Documento de inegável valor, pela sua actualidade e rigor, constitui, por outro lado, um imparcial mas veemente libelo contra as violações do direito internacional e dos direitos do homem cometidas pela força invasora de Timor Leste, enquanto, por outro, surge como uma homenagem à coragem de um povo que recusa a dominação alheia e luta pela preservação da sua própria identidade, pela independência e pela paz a que tem direito.
A Assembleia da República, que ao longo deste ano tem acompanhado com particular atenção a evolução da situação de Timor Leste, aproveita esta oportunidade para se congratular com as iniciativas do Presidente da República e do Governo, no sentido de procurarem uma solução digna para Timor Leste e para Portugal.
Igualmente, sublinha e saúda a resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, pelo que a mesma representou na justa compreensão da situação de Timor Leste.

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Nesta data em que evocamos a invasão de Timor Leste pela Indonésia, levada a cabo em 7 de Dezembro de 1975, a Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste propôs a esta Assembleia o voto que acabamos de aprovar por unanimidade.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é já do vosso conhecimento, chefiei uma delegação a Madrid composta por mim, pelo Sr. Vice-Presidente Marques Júnior e pelo Sr. Deputado Carlos Brito, Presidente da Comissão para os Assuntos Luso-Espanhóis.
Penso que esta delegação desenvolveu a sua acção com dignidade, de modo a prestigiar a nossa instituição. A Quarta Conferência dos Presidentes dos Parlamentos Ibero-Americanos teve algum desconforto, que foi vencido, e fundamentalmente tudo resultou em aspectos bastantes positivos. A delegação portuguesa propôs que a próxima reunião dos presidentes tenha lugar no Brasil, sugestão que foi aceite por unanimidade. Posso garantir que a delegação se portou com aquela perspectiva que tínhamos pensado, no sentido de se afirmar a posição de Portugal no lugar a que legitimamente tem direito pelo nosso historial, que nos garante toda a legitimidade ao lado de Espanha no domínio das descobertas, sobretudo no que respeita às comemorações da descoberta da América.
Devo, portanto, garantir ao Parlamento que a delegação cumpriu - e segundo pensamos bem! - a incumbência que lhe pertencia.
Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 11, 12 e 13 do Diário da Assembleia da República, respeitantes às reuniões plenárias de 14, 18 e 19 de Novembro findo.

Pausa.

Não havendo reclamações, consideram-se aprovados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão na generalidade do projecto de lei n.º 274/IV, apresentado pelo PS e relativo à Lei de Bases dos Meios Audio-Visuais.
Devo informar que, por acordo em conferência de líderes, se determinou que os tempos atribuídos seriam os seguintes: PSD, PS e Governo - 35 minutos, cada; PRD - 30 minutos; PCP - 25 minutos; CDS - 20 minutos; MDP/CDE - 15 minutos.

Para uma intervenção, concedo a palavra ao Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, presumo que o Governo se vai fazer representar neste debate, pelo que peço a compreensão da Mesa e do Sr. Deputado Raul Junqueiro para uma pequena pausa de alguns minutos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, vamos aguardar alguns minutos.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A forte evolução tecnológica dos últimos anos, com especial incidência na informática, na electrónica e nas telecomunicações, originou e continua a originar profundas mudanças nas sociedades modernas.
Um dos sectores que mais directamente sofreu os efeitos das novas tecnologias foi o da comunicação social, onde os meios escritos e audiovisuais têm sentido a necessidade imperiosa de se adaptar às novas realidades.
Vejamos um pouco mais atentamente o caso dos meios audiovisuais, com destaque para a rádio e para a televisão.
O aparecimento de um número significativo de novos suportes de difusão e de novos meios de comunicação veio determinar não só maior rapidez e fiabilidade na transmissão da informação mas também maior acessibilidade técnica e económica ao exercício das actividades de radiodifusão sonora e televisiva.
Daqui resultaram consequências importantes, a começar pela própria internacionalização da comunicação.
A rádio e a televisão por satélite aboliram as fronteiras e criaram uma extraordinária aproximação entre todos os povos do mundo, levando a sua progressiva partilha universal dos mesmos problemas, das mesmas realizações, das mesmas manifestações desportivas e culturais, dos mesmos anseios quanto ao futuro.
Esta internacionalização, à qual, de resto, o cinema dera já no passado um contributo importante, é ainda acentuada pelo rápido desenvolvimento da indústria de videogramas que tem popularizado com êxito videocassettes dos mais variados conteúdos.
Outra consequência, directamente relacionada com a internacionalização da comunicação, tem a ver com o risco sério que passou a existir para o património cultural e linguístico de cada país, sujeito agora à concorrência exterior, sobretudo por parte dos mais ricos e desenvolvidos.
Foi precisamente a consciência desse risco que fez surgir movimentações nacionais preconizando a liberalização do acesso aos meios audiovisuais, como forma de possibilitar o aparecimento de uma maior divulgação da língua e das obras nacionais, mercê do reforço da produção interna.
Aliás, em face da maior acessibilidade técnica e económica à rádio e à televisão, a iniciativa particular tem acentuado igualmente por todo o lado pressão no mesmo sentido.
Outra consequência da evolução tecnológica nos meios audiovisuais tem que ver com o crescimento espectacular das necessidades de informação, quer numa perspectiva universal, quer numa perspectiva regional.
Enquanto, por um lado, cada vez mais a mesma mensagem atinge os povos de todo o mundo, por outro lado, cada vez mais é reclamado o tratamento específico dos problemas nacionais, regionais e locais. Tal significa que a informação, como denominador comum das sociedades modernas, tem de poder exercer-se a todos os níveis e em todas as direcções.
E daqui pode extrair-se uma última consequência das mudanças em curso: é a de que o pluralismo de opiniões e de ideologias, essência de qualquer democracia, passará a ser mais eficazmente salvaguardado com

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a pluralidade de meios do que a insustentável tutela político-administrativa sobre as empresas públicas monopolísticas audiovisuais.
É esta nova situação que tem vindo a constituir em todos os países democráticos, nomeadamente nos europeus, um verdadeiro desafio ao poder político.
As premissas são bem diferentes de há uma década atrás e por isso mesmo alguns dos mais bem defendidos e guardados «tabus ideológicos» são postos agora em causa.
O que se tem passado e vai passar em Portugal não é substancialmente diferente do que se passa e vai passar nos restantes países da Europa.
O poder político não pode atrasar por muito mais tempo a definição de uma resposta clara e coerente às novas realidades do mundo audiovisual.
Atentemos, por exemplo, no que se passa hoje em Portugal.
A nível da rádio e perante a inexistência de legislação adequada, cerca de seis centenas de iniciativas particulares e cooperativas estão concretizadas do Norte ao Sul do País.
As duas estações oficiosas começam a ceder terreno perante as chamadas «rádios piratas» ou «rádios livres». Ainda há poucos dias foi divulgada uma sondagem demonstrando que, em Lisboa, no estrato etário até ao 24 anos, uma rádio pirata batia pela primeira vez e largamente a audiência das estações oficiais.
O mesmo se passa noutros locais, do Algarve a Trás-os-Montes, onde algumas rádios, nascidas de iniciativas locais, ganham e consolidam posições de dia para dia.
A nível da televisão surgiram igualmente as primeiras TVs piratas, as quais já ascendem a mais de duas dezenas, sobretudo nos grandes centros urbanos.
Entretanto, a televisão oficial espanhola e a televisão regional da Galiza cobrem em número cada vez mais significativo a população portuguesa, ao mesmo tempo que aumenta a instalação de antenas parabólicas capazes de receber dezenas de programas de televisão oriundos dos diferentes satélites que cobrem Portugal.
Isto sem esquecer a crescente popularidade da indústria de videogramas, como o provam os cerca de 400 clubes de vídeo e o parque de mais de 200 000 video-gravadores existentes no nosso país.
Perante esta situação, importa reagir com urgência mas também com coerência.
A obrigação do poder político é actuar, mas não de qualquer modo ou a qualquer preço.
Não podemos mais agir para resolver casos meramente pontuais, preencher vazios momentâneos, encontrar soluções de ocasião.
O poder político não se pode colocar na posição do bombeiro que tenta apagar os fogos resultantes da sua própria falta de acção.
Ele tem a obrigação de prever a evolução futura, de legislar atendendo a um modelo coerente e global, de definir as regras de progressão, de enquadrar as novas realidades do audiovisual.
Caso contrário, ficaremos colocados na ingrata posição em que esta Assembleia estará dentro de dias, quando aprovar a lei dos licenciamentos da rádio (com centenas de rádios já a funcionar sem quaisquer regras) ou em que o Governo se colocou quando, em matéria de abertura de televisão, entendeu que a única proposta a fazer era a de entregar, sem concurso público e sem definição de qualquer outra alternativa, um canal à igreja católica.
É dentro deste contexto que o Partido Socialista, não rejeitando a quota-parte de responsabilidade que lhe cabe nesta matéria, decidiu apresentar um projecto de lei de bases dos meios audiovisuais, que, acima de tudo, pretende ser um contributo para a definição urgente de um modelo audiovisual para o nosso país, capaz de acolher e tratar as novas realidades com que nos defrontamos.
O projecto de lei de bases dos meios audiovisuais divide-se em duas partes distintas. Por isso mesmo, acabámos de entregar na Mesa da Assembleia da República um requerimento solicitando a divisão do projecto em duas partes distintas.
A primeira, visa definir as regras básicas do que, em nosso entender, deve ser um modelo audiovisual, atendendo de modo prevalecente ao exercício das actividades de rádio e de televisão.
A segunda, visa definir o futuro modelo de gestão das empresas públicas de rádio e de televisão, numa perspectiva de lhes proporcionar a criação de efectivas condições de independência do poder político e do poder económico.
Vejamos, pois, separadamente, quais os pontos de maior importância que se levantam em cada uma das partes mencionadas, assim como as respostas que entendemos dever dar-lhes caso a caso.
No que toca à primeira parte, ou seja, ao modelo global para o audiovisual, distinguiremos sete questões essenciais.
A primeira é desde logo o acesso aos meios audiovisuais e concretamente ao exercício das actividades de radiodifusão sonora e televisiva.
O projecto prevê que a iniciativa privada e cooperativa possa, à semelhança da iniciativa pública, aceder à rádio e à televisão.
Trata-se de uma opção clara, remetendo-se os termos e as condições desse acesso para as futuras leis de licenciamento da rádio e da concessão do exercício da actividade televisiva.
Se no que toca à radiodifusão sonora não se levantam problemas especiais neste domínio, já no que respeita à radiodifusão televisiva temos consciência de algumas limitações de natureza constitucional.
Na verdade, a Constituição da República, designadamente o seu artigo 38.º, foi sempre invocada como a responsável pela impossibilidade jurídica da abertura da televisão à iniciativa privada.
No entanto, e correspondendo à forte evolução que se tem verificado a todos os níveis no sector audiovisual, começou a ganhar consistência a interpretação de que o dispositivo constitucional mencionado apenas impediria a propriedade privada das infra-estruturas de televisão (rede de emissão, transmissão e retransmissão) e não a concessão a entidades privadas do exercício da actividade televisiva propriamente dita.
Esta interpretação actualista do texto constitucional tem vindo a obter uma cada vez maior convergência de opiniões, como ainda recentemente ficou demonstrado nas audiências a que procedeu a Comissão Parlamentar Eventual para a Análise da Proposta de Lei n.º 5/IV (Comissão TV).
Somos, pois, de opinião que, nos termos expostos, é possível ultrapassar com segurança as dificuldades

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jurídicas apontadas inclusivamente pelo PS e, em conformidade, encarar favoravelmente o aparecimento da iniciativa privada na televisão.
Questão diferente é a de saber a forma e as condições em que irá ser permitida a televisão privada em Portugal.
Trata-se de um problema a resolver no âmbito da discussão da futura lei da concessão do exercício da actividade televisiva, momento em que o Partido Socialista apresentará o seu próprio projecto.
O que importa salientar para já é que, em nossa opinião, a televisão privada nacional é inevitável e salutar, esperando-se que a mesma, uma vez implementada, possa, acima de tudo, ser entendida como uma forma de contribuir para uma melhor informação e programação que, assegurando o respeito pelo pluralismo e o direito à diferença, se traduza na promoção e dignificação da língua, da cultura e da produção nacionais.
A segunda questão essencial para definição de um modelo audiovisual tem a ver com o conceito de serviço público e a sua aplicação às diversas formas de fazer televisão.
Entendemos que as emissões audiovisuais, quer sejam asseguradas por entidades públicas quer por entidades privadas, deverão respeitar sempre determinadas exigências características do serviço público, em ordem nomeadamente a salvaguardar os princípios fundamentais garantidos constitucionalmente no capítulo dos direitos, liberdades e garantias.
Daí que o projecto de lei em apreço inclua uma série de disposições onde se discriminam os fins gerais e os fins específicos dos operadores públicos e privados de rádio e de televisão.
Ai se contemplam igualmente as adaptações que terão de ser feitas aos diversos tipos de rádio e de televisão, tendo em linha de conta não só o carácter público ou privado da entidade emissora, mas também o grau de cobertura do território nacional.
Futuramente novas adaptações deverão ter lugar, sobretudo em relação a meios de comunicação audiovisual, utilizando novos suportes de difusão, os quais poderão ser vocacionados desde o início para emissões especializadas ou mesmo interactivas, a exigir tratamento conforme.
O importante será reter desde já que, em nossa opinião, toda a actividade de radiodifusão sonora e televisiva assumirá características de serviço público, ainda que adaptáveis, independentemente do seu exercício estar confiado a entidades públicas ou privadas.
A terceira questão prende-se com a necessidade de defender a língua, a cultura e a produção nacionais.
Trata-se de um ponto a que atribuímos grande importância e que, a nosso ver, constitui uma das principais razões que pode justificar e até incentivar o acesso de iniciativas particulares, nomeadamente à televisão.
A esmagadora invasão de programas estrangeiros a que está submetida, por exemplo, a televisão pública nacional, situação agravada, como tive oportunidade de atrás mencionar, com o fenómeno da internacionalização da comunicação, está a colocar em grave perigo o património cultural português, de que a nossa língua é um dos principais valores.
A organização da resposta a este desafio que as novas tecnologias de difusão e a inexistência de uma indústria vídeo e cinematográfica nacional colocam tem de passar por estímulos claros à produção em português, mobilizando para o efeito todos os recursos disponíveis, públicos e privados.
Daí que o projecto de lei por nós apresentado referencie expressamente esta problemática, na expectativa de que as novas iniciativas a autorizar no campo dos meios audiovisuais possam contribuir, de fornia positiva, para a dinamização e reforço da produção nacional, no respeito dos nossos valores culturais, que urge promover.
A quarta questão diz respeito aos suportes de difusão das novas iniciativas audiovisuais.
O que defendemos nesta matéria pode sintetizar-se no princípio de que quem quer exercer as actividades de radiodifusão sonora ou televisiva as deve pagar integralmente.
Tudo sem prejuízo de uma adequada coordenação dos diferentes meios que compõem as múltiplas redes de emissão, transmissão e retransmissão existentes no País ou a construir no futuro.
Constitui, na verdade, motivo de preocupação constatar o enorme desperdício de recursos quer em investimentos quer em manutenção que hoje se verifica neste campo, com a desnecessária duplicação de infra-estruturas nas redes primárias da rádio e da televisão públicas e ainda das telecomunicações, para já não citar as redes paralelas das organizações policiais e militares e de algumas empresas públicas de transportes.
Na maior parte dos países europeus este problema foi resolvido, na área civil, pela afectação a uma única entidade (em regra o operador nacional de telecomunicações ou a empresa pública de teledifusão) da responsabilidade de construção e manutenção de todas as infra-estruturas públicas de difusão de sinais de telecomunicações e de radiodifusão sonora e televisiva.
No caso português, perante as dificuldades que uma solução semelhante acarretaria a curto prazo, pensamos que o órgão previsto no projecto de lei em análise, o conselho permanente de teledifusão, poderá minimizar os inconvenientes actuais e preparar adequadamente o futuro.
No que toca às futuras iniciativas particulares, no caso da rádio e da televisão, elas próprias deverão suportar o custo total das infra-estruturas onde se vierem a apoiar.
No entanto, na área da televisão, tais infra-estruturas deverão reverter de imediato, logo que construídas, para o Estado, em face do referido anteriormente a propósito do disposto no artigo 38.º da Constituição da República, mantendo-se as entidades concessionárias como fiéis depositárias das mesmas até ao termo das respectivas concessões, competindo-lhes todas as obrigações em matéria de conservação e manutenção.
Mesmo assim, a construção de infra-estruturas, a cargo das futuras iniciativas particulares no campo da rádio e da televisão, deverá obedecer aos condicionalismos e às especificações técnicas que vierem a ser definidos pelo conselho permanente de teledifusão.
Os princípios que acabamos de expor, consagrados no projecto de lei em apreço, deverão igualmente aplicar-se, com as devidas adaptações, às emissões de rádio e de televisão que utilizem outros suportes tecnológicos, designadamente cabo e satélite, e ainda a outras formas de televisão, como por exemplo a de alta definição.
A quinta questão tem a ver com a necessidade de preservação dos registos magnéticos, oriundos das emis-

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soes audiovisuais, os quais devem ser considerados para todos os efeitos elementos essenciais do nosso património histórico e cultural, que, a todos os títulos, urge proteger.
Sabemos que a sua manutenção é de difícil gestão e exige recursos financeiros vultosos, razões pelas quais grande parte dos registos magnéticos mais antigos, quer em filme, quer em vídeo, se encontram hoje em risco iminente de deterioração e de perda.
O projecto de lei que submetemos à consideração da Assembleia da República preconiza a criação de um organismo próprio, o Instituto Nacional da Imagem e do Som, o qual seria incumbido da importante tarefa acima mencionada, substituindo ainda com sucesso as malogradas tentativas de pôr em pé um museu da rádio ou um museu de televisão, além de que poderá permitir o aproveitamento comercial de produtos retirados desses registos, com vista à promoção do nosso património histórico e cultural.
A sexta questão, uma das mais relevantes, reporta-se à necessidade de criar uma entidade independente, a quem deveriam ser atribuídos poderes de salvaguarda dos meios audiovisuais e, em particular, os de ter uma posição decisiva em matéria de atribuição de licenciamentos e de concessões.
O projecto de lei em análise prevê a constituição de um conselho nacional do audiovisual, o qual deverá funcionar junto da Assembleia da República como órgão independente.
Temos a consciência de que esta será uma das matérias mais delicadas e simultaneamente mais polémicas a debater.
Ao fim e ao cabo, de acordo com o modelo proposto, o conselho terá um papel determinante em áreas fundamentais, como, por exemplo, as que respeitam à atribuição de novos licenciamentos e de novas concessões.
Teoricamente, seria possível conceber três tipos de soluções para resolver o problema de quem deverá superintender em assunto de tanta importância e complexidade.
A primeira consistiria em deixar todas as competências no seio do Governo, a segunda consistiria em confiar tais competências à Assembleia da República, em substituição do Governo, a terceira consistiria em criar uma entidade independente, onde fosse possível fazer prevalecer os critérios de objectividade e consensualidade sobre os de natureza meramente política ou político-partidária.
A nossa proposta aponta claramente nesta última direcção, através da criação do referido conselho nacional do audiovisual.
Á composição que preconizamos para o conselho e que consta do projecto de lei deve ser entendida mais a título exemplificativo do que a título taxativo.
Certamente que, durante a discussão na especialidade, será possível encontrar uma filosofia de funcionamento e uma composição resultante de um consenso alargado, onde se faça adequada ponderação entre a representação institucional e a representação dos sectores mais ligados ao audiovisual.
Em matéria de tanta relevância, importa encontrar uma solução que, permitindo ao Governo a organização e a condução dos processos de licenciamento e de concessão, fizesse depender os mesmos do parecer da entidade referida, a qual, através da sua múltipla e diversificada representação, poderia garantir com
eficácia a salvaguarda da indispensável independência dos meios audiovisuais em face do poder económico e do poder político.
Uma última referência neste domínio, para salientar que a criação desta nova entidade será a todos os títulos inevitável, uma vez que não existe no nosso ordenamento jurídico outra a quem pudessem ser agora acrescentadas as competências em análise.
O próprio Conselho da Comunicação Social, previsto na Constituição da República, não seria o órgão adequado, já que apenas abrange os órgãos directa ou indirectamente dependentes do Estado e não tem vocação específica para tratar os aspectos mais técnicos dos licenciamentos e das concessões.
A sétima e última questão relaciona-se com as próprias empresas públicas de rádio e de televisão, as quais nunca deverão ser postas em causa pelo futuro aparecimento de novas iniciativas, públicas ou privadas, no campo da radiodifusão sonora e televisiva.
O projecto de lei em apreço tem este ponto em devida conta, garantindo o normal exercício das respectivas actividades e igualmente os meios técnicos de que dispõem e as infra-estruturas que utilizam ou venham a ter necessidade de utilizar.
A segunda parte do projecto de lei de bases dos meios audiovisuais, como tive ocasião de referir, visa definir um novo modelo de gestão para as empresas públicas de rádio e de televisão.
Pensamos que a definição e posterior implementação de tal modelo será fundamental para garantir a actividade normal das empresas, até aqui sujeitas constantemente a intoleráveis intromissões político-partidárias, e ainda para lhes permitir enfrentar com êxito a concorrência das futuras novas iniciativas particulares.
O modelo da governamentalização da rádio e da televisão só vigora hoje em Portugal no contexto europeu.
O modelo da parlamentarização, mais ou menos assumido, acaba por apresentar os mesmos inconvenientes do da governamentalização, não garantindo qualquer protecção às habituais interferências político-partidárias; por isso mesmo, está em vias de extinção nos poucos países europeus onde ainda é adoptado.
O modelo de representação de interesses, aquele que é preconizado no projecto de lei que submetemos à consideração da Assembleia da República, baseia a designação dos diferentes órgãos sociais das empresas num conselho geral, onde têm assento personalidades representativas das actividades mais ligadas à televisão e à opinião pública especializada.
Este modelo, não pondo em causa o que se encontra legalmente consagrado em matéria de designação dos responsáveis pela actividade informativa, teria ainda a vantagem de despartidarizar as nomeações dos gestores, salvaguardar a competência da gestão administrativa, técnica e operacional, assim como a defesa dos utilizadores.
A sua implementação em Portugal, para além de contribuir para uma efectiva independência da RDP e da RTP, constituiria sem dúvida um grande desafio institucional e uma insofismável prova de maturidade do poder político.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são, em linhas gerais, as principais matérias versadas no projecto de lei dos meios audiovisuais.

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Outros capítulos, tratando assuntos como os referentes a direitos de antena, de resposta, de réplica política, dispositivos penais e processuais, encontram igualmente acolhimento no projecto de lei.
Entendemos porém não os referenciar expressamente nesta exposição, não só para não a tornar demasiado longa, mas também porque consagram soluções debatidas há pouco tempo na Assembleia da República, aquando da discussão na generalidade dos projectos de lei da rádio.
O presente diploma, a ser aprovado, constituirá, como tive ocasião de acentuar, um importante contributo para a definição de um modelo audiovisual para o nosso país e também um factor de aceleração na resolução dos problemas que hoje se colocam neste sector.
Ficaríamos, pois, a dispor de uma lei que substituiria a actual lei da televisão e preencheria o vazio provocado pela inexistência de uma lei da rádio.
Ficaríamos igualmente com o enquadramento de base que permitiria, a curto prazo, aprovar a lei de licenciamentos da rádio e a lei de concessão do exercício da actividade televisiva.
Ficaríamos ainda com um novo modelo de gestão das empresas públicas que implicaria, no imediato, a aprovação de novos estatutos para a RDP e para a RTP.
Ficaríamos finalmente de posse de todos os instrumentos legais que são indispensáveis para dar resposta às prementes solicitações das novas realidades do mundo audiovisual.
A análise do diploma na especialidade permitirá, por outro lado, recolher as contribuições dos outros grupos parlamentares, que serão indispensáveis para o aperfeiçoamento do projecto de lei e para se obter o consenso que se impõe, sobretudo nas matérias de maior delicadeza e complexidade.
Declaramo-nos desde já abertos ao diálogo, ao mesmo tempo que apelamos ao Governo para construtivamente juntar os seus esforços aos nossos, no sentido de se ultrapassarem eventuais e naturais divergências e dificuldades.
Não podemos esquecer que estamos perante questões da maior importância, as quais não devem ser pretexto para um afrontamento político-partidário, mas antes para um diálogo onde tem de imperar o verdadeiro sentido de Estado.
É a primeira vez que, numa perspectiva coerente e alargada, se pretende consagrar a possibilidade legal do exercício da actividade de televisão pela iniciativa privada.
É a primeira vez que, sem peias de qualquer espécie, se procura definir um modelo coerente e estável para o audiovisual.
É a primeira vez que se tentam consagrar os mecanismos destinados a garantir uma efectiva independência das empresas públicas de rádio e de televisão.
Se a tudo isto juntarmos a circunstância de a Subcomissão Parlamentar da Comunicação Social estar prestes a chegar à versão final da lei dos licenciamentos de rádio e ainda o facto de a Comissão Parlamentar Eventual para Análise da Proposta de Lei n.º 5/IV (Comissão TV) poder vir a elaborar um texto alternativo ao do Governo, a lei de concessão do exercício da actividade televisiva, bem podemos concluir que estamos perante um momento de decisiva importância.
Cabe, pois, a cada um de nós assumir as suas responsabilidades.
Do nosso lado, não hesitamos em fazê-lo, na convicção de que o País não pode aguardar por mais tempo a resolução de questões tão fundamentais para o seu desenvolvimento, progresso e modernização.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Costa Carvalho, João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Gomes de Pinho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, creio que neste momento é útil levantar a seguinte questão processual: chegou à nossa bancada um requerimento apresentado pelo Partido Socialista no sentido de pedir a votação separada de duas partes do diploma, invocando para isso o artigo 149.º do Regimento.
Ora, o artigo 149.º do Regimento é claro. De facto, fala nessa possibilidade, mas diz no n.º 3: «A Assembleia pode deliberar que a discussão e a votação incidam sobre divisão do projecto ou proposta cuja autonomia o justifique.» Esta não é, aliás, uma questão inédita, uma vez que já ocorreu a propósito das Grandes Opções do Plano.
Penso que os autores do projecto de lei deviam ter deixado claro se a discussão e a votação são feitas separadamente, antes mesmo que a Mesa admitisse o requerimento, e depois decidíamos, independentemente dos resultados, o que é que iríamos fazer: se primeiro discutiríamos e votaríamos uma parte - e qual é a parte sobre a qual recai o direito potestativo à fixação da ordem do dia utilizado pelo Partido Socialista - e o que é que fica para as calendas, o que é que fica para outra oportunidade.
Enfim, tínhamos de clarificar esta questão, sob pena de não sabermos, neste momento, se vale a pena fazermos pedidos de esclarecimento em relação a uma parte que não está em discussão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, tínhamos entendido que o requerimento se limitava tão-só à votação, que não à discussão.
Senão, vejamos o texto que deu entrada na Mesa:
Os deputados abaixo assinados, do Partido Socialista, nos termos e para os efeitos do artigo 149.º do Regimento, requerem que a Assembleia da República delibere a divisão do projecto de lei n.º 274/IV, para efeitos de votação separada, nos seguintes termos:

Votação autónoma do capítulo I (Disposições gerais), capítulo n (Programação), capítulo III (Conselho Nacional do Audiovisual), capítulo IV (Instituto Nacional da Imagem e do Som), capítulo vi (Suportes de difusão), capítulo VII (Direito de antena), capítulo viu (Direito de réplica política dos partidos de oposição), capítulo IX (Direitos de resposta ou de rectificação), capítulo X (Formas de responsabilidade), capítulo XI (Disposições penais), capítulo XII (Disposições processuais),

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capítulo XIII (Disposições finais e transitórias), à excepção dos artigos 93.º e 94.º - bases dos meios audiovisuais.

Votação autónoma do capítulo v (Modelo de gestão das empresas públicas de rádio e de televisão) e artigos 93.º e 94.º do capítulo XIII.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, nesse caso invoco o Regimento. É que não há votação ponto por ponto nem de duas partes na generalidade. Há, sim, a possibilidade de cindir para se discutir e votar uma parte e, posteriormente, discutir e votar a outra parte.
Votações à laia de ponto por ponto na generalidade creio que, salvo melhor opinião, não são possíveis nem desejáveis.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, afigurou-se-nos ser de interesse para conhecimento da Câmara a nossa intenção de requerer, justamente como o Sr. Presidente acabou de sublinhar e que consta do próprio requerimento, exclusivamente para efeitos de votação, a votação autónoma, portanto o desdobramento em dois textos, do projecto de lei inicialmente apresentado.
Corresponde isto à intenção por parte dos autores do requerimento de que a discussão possa ser conjunta e a votação separada.
Naturalmente que o artigo do Regimento invocado pelo Sr. Deputado António Capucho refere a possibilidade de separar a discussão e a votação. Entendemos nós que quem pode o mais pode o menos e se é possível separar para efeitos da discussão e votação, naturalmente que também é possível manter uma discussão simultânea e, apesar disso, uma separação autónoma no que diz respeito à votação. É essa a clara intenção dos requerentes.
Nesse sentido e de acordo com a interpretação da Mesa a nossa intenção é a de que o requerimento não seja votado neste momento, mas apenas em momento prévio ao momento declarado para a votação.
Se o Sr. Deputado António Capucho convergir neste entendimento, penso que o incidente está superado; se tiver alguma dúvida sobre isto os subscritores, depois de anunciarem a intenção de requerer a separação da votação, não têm nenhuma dificuldade em retirar, neste momento, o requerimento para o reapresentar no momento que considerarmos oportuno, ou seja, no momento prévio à votação, como acabei de explicar.

O Sr. Presidente: - Há pouco o Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra. Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que os requerentes anunciaram que, para já, iriam retirar o requerimento, prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Na altura própria a Mesa pronunciar-se-á sobre esta matéria.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, é que fiquei com uma dúvida quando o Sr. Presidente referiu que a Mesa se pronunciaria na altura própria.
Pergunto se não é esta a altura própria, a não ser que o Partido Socialista tenha retirado o requerimento. É que está levantada uma questão prévia que, a meu ver, deve ser resolvida, isto é, a de saber qual é a interpretaçâo que a Mesa dá à disposição regimental que permite a cisão dos projectos para efeitos de discussão e votação.
Não devemos continuar a discussão sem que primeiro essa questão prévia esteja resolvida.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o que nós não quisemos, como autores do requerimento, foi colocar o Plenário da Assembleia na situação de estar a discutir os documentos ignorando a intenção do Partido Socialista de requerer a divisão do documento em dois.
Na intervenção que o meu camarada Raul Junqueiro fez, anunciou à Câmara a intenção de, em momento oportuno, suscitar uma votação, de acordo com o requerimento apresentado.
Não temos nenhuma dificuldade, para não criar agora nenhum processo complexo em termos processuais, de, neste momento, retirar o requerimento para o reapresentarmos aquando do momento da votação.
Agradecia ao Sr. Presidente o favor de considerar o documento retirado e, na altura oportuna, voltaremos a apresentá-lo.

O Sr. Presidente: - O requerimento está, então, retirado.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Raul Junqueiro, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.

O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, disse V. Ex.ª que temos de reagir não só com urgência mas também com coerência.
No entanto, o projecto de lei do Partido Socialista parece-me mais estático do que dinâmico para fazer frente, nomeadamente, à opulência comunicativa do país vizinho.
A situação pós-monopólio - que, de certo modo, também é aflorada no projecto de lei - vai obrigar a que as actuais condições deixem de ser protegidas pelas fronteiras nacionais e pelos monopólios públicos.
Pergunto: como é que V. Ex.ª compreende o equilíbrio e a difusão dos programas, sabido que esse mesmo equilíbrio tem dependido mais do mercado internacional?
Os artigos 22.º, 23.º e 24.º referem, designadamente, as atribuições, a competência e a composição do Conselho Nacional do Audio-Visual. Nomeadamente a alínea b) do artigo 22.º parece-me ser - mas o Sr. Deputado fará o favor de me esclarecer - um bloqueamento

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à lei de licenciamentos de radiodifusão, que praticamente está aprontada, e, na alínea d) do mesmo artigo, verifica-se uma ingerência muito directa nas competências e atribuições do Conselho de Comunicação Social e do Conselho de Imprensa.
Diz V. Ex.ª, inclusive; que o Conselho de Comunicação Social não teria cabimento nesta acção, partindo do princípio de que isto era um assunto mais técnico do que constitucional. No entanto, ao reparar-se na constituição do Conselho Nacional do Audio-Visual, vemos que, em dezanove elementos, dois' ou três são técnicos enquanto que, os outros, salvo, melhor opinião, nada têm a ver com a técnica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, no pressuposto de que o Sr. Deputado Raul Junqueiro responderá no final de todos os pedidos de esclarecimento.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, ouvi atentamente a sua intervenção e devo dizer-lhe que tenho algumas dúvidas, nomeadamente, no que diz respeito ao pluralismo ideológico que consta do artigo 6.º Parece ser uma questão para ser discutida na especialidade; em todo o caso, gostava de saber, Sr. Deputado, quem garante este «pluralismo ideológico e a livre expressão e confronto das diversas correntes de opinião, essenciais à prática da democracia.» É evidente que este é um princípio fundamental, mas a verdade é que, depois de todo este projecto que o PS chama «lei de bases», ele se desmultiplica numa série de conselhos e de órgãos diversos.
Diz o n. º 1 do artigo 21.º que «O Conselho Nacional do Audio-Visual (CNA) é uma autoridade administrativa que tem por objectivo a salvaguarda, nos termos da Constituição e da lei, da liberdade de expressão através do som». Creio que isto não basta, pelo que gostaria de saber, Sr. Deputado, como é que é garantido este pluralismo ideológico.
O Sr. Deputado Costa Carvalho já levantou a questão do Conselho de Comunicação Social, que poderá actuar sobre órgãos do sector público, ainda assim pergunto: e em relação a outros órgãos privados? Será que o pluralismo ideológico só diz respeito a estes órgãos públicos? Ou também diz respeito aos privados? Sendo assim, como é que se vai desenvolver essa fiscalização?
O projecto de lei refere toda uma série de órgãos, de institutos, imagem e som, Conselho Nacional do Audio-Visual, etc., e o artigo 37.º diz que «Os órgãos sociais das empresas públicas de rádio e televisão são em cada uma das empresas o conselho geral, o conselho de administração, a comissão executiva, o director--geral e a comissão de fiscalização».
Gostava de saber, Sr. Deputado, se com esta amálgama vai haver eficácia na gestão dos respectivos órgãos, quer de rádio, quer de televisão.
O conselho geral é composto por vinte entidades, pelo menos, existindo depois o conselho de administração, a comissão executiva e a comissão de fiscalização. Possivelmente que todos eles serão necessários; em todo o caso, gostava de saber se, às tantas, não haverá um conflito. É que são vinte pessoas a decidir as normas gerais, mais o conselho de administração, mais a comissão executiva...
Pergunto: qual o tipo de eficácia que poderá existir neste sector?
O artigo 3.º, que tem como epígrafe «Fins gerais dos serviços públicos de radiodifusão e televisão», diz na alínea e) «Divulgar mensagens [creio que do Presidente da República] e comunicados dos órgãos de soberania». Ora bem, isso já existe um pouco; gostava de saber se isto diz respeito apenas ao sector público ou se também diz respeito ao sector privado. Talvez tivesse lido mal mas a verdade é que não encontrei essas normas no sector privado. Pergunto: quem garante a divulgação dessas mensagens, embora no artigo 11.º se faça uma certa referência a isso?
A alínea a) do artigo 3.º fala em «Contribuir para a formação e informação do povo português, defendendo e promovendo os valores culturais do País, designadamente a língua e a música portuguesas»; no entanto, a alínea b) do artigo 4.º fala em «Promover os valores culturais da região ou da localidade». Isto pressupõe que apenas as emissoras da televisão ou da rádio locais devem promover apenas os valores culturais da região ou da localidade.
Pergunto se aqui não deve existir também a promoção dos valores culturais do País. Não vejo muito bem, por hipótese, Freixo de Espada à Cinta promover apenas os valores da localidade. Não há outros valores culturais essenciais ao País que devem ser preservados?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, o esclarecimento que pretendia pedir-lhe diz respeito ao artigo 2.º e à perplexidade que me causa a sua redacção relativamente à possibilidade de concessão da actividade de televisão a entidades privadas, visto que, quanto ao licenciamento da actividade da radiodifusão, este já estava expressamente previsto pelo n.º 8 do artigo 38.º
Mas quanto à possibilidade da concessão da actividade de televisão, queria apresentar-lhe duas ordens de razões. Em primeiro lugar, gostaria de lembrar-lhe que, aquando da revisão constitucional de 1982, o projecto de revisão n.º 2/II da Aliança Democrática previa a possibilidade dessa mesma concessão a entidades privadas, o que significa que essa ideia foi discutida durante a revisão constitucional, tendo sido rejeitada. E significa assim que a actual redacção do n.º 7 do artigo 38.º corresponde a uma redacção que encerra definitivamente a possibilidade de concessão a entidades privadas.
E também queria acrescentar que nessa altura o Sr. Deputado Almeida Santos, do PS, observou o seguinte em relação ao projecto da AD nesta matéria: «O seu espírito é o de proibir que a televisão», referia-se ao n.º 7 do artigo 38.º, «seja utilizada por entidades privadas.» Ora, se ela pode ser utilizada a título de concessão é manifesto que aquela finalidade não, é atingida. E, mais à frente, o mesmo Sr. Deputado referia: «Dizer-se que o dono só pode ser o Estado mas que toda a gente a pode utilizar não tem sentido.» Isto significa, Sr. Deputado, que, em face destas duas ordens de razões, o «arrumar» definitivo da interpretação -que aparece agora no artigo 2.º do projecto do PS-, aquando da revisão constitucional, e as posições então assumidas pelo PS, através do Sr. Deputado Almeida Santos, deixam-me numa situação de perplexidade perante este projecto de lei.

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Era relativamente a esta matéria que gostaria de ouvir a explicação da viragem tão radical do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Raul Junqueiro: Gostaria de começar por saudar a mudança de posição do PS, expressa no seu discurso, sobre a questão, designadamente da abertura da Televisão à iniciativa privada.
É importante verificar essa mudança, tanto mais que é certo ter sido o PS que, por várias vezes, impediu nesta Câmara a aprovação de projectos -alguns deles, aliás, da iniciativa do meu partido- que teriam permitido, há mais tempo, tomar essa decisão. Mas esta mudança vem-nos provar que, ao fim e ao cabo, não andamos a pregar em vão, o que, em todo o caso, é benéfico.

Risos do CDS.

Mas gostaria também de perguntar o que é que terá entretanto mudado de forma que o PS alterasse a sua posição. Não foi seguramente, Sr. Deputado, a doutrina constitucional, da qual, aliás, o seu colega de bancada Jorge Lacão é um ilustre e esforçado cultor.

Risos do CDS.

Não consta que neste último ano tenha havido qualquer mudança sobre a matéria. Também não foram as condições de ordem técnica, o progresso tecnológico - que V. Ex." tem acompanhado- que, parece-me, permitiam verificar há um ano atrás exactamente as constatações que agora retirou.
Não! O que mudou, se é que mudou -e parece que sim -, foi o PS. Mas é importante que fique aqui esclarecido o que é que mudou no PS: se a doutrina - e nós congratular-nos-emos com isso -, se a estratégia, ou pura e simplesmente a posição; isto é, se o PS é estatizante quando está no Governo e liberal quando está na oposição. Não se trata de uma questão académica, Sr. Deputado, e por isso a coloco com alguma veemência. O que é importante para todos nós, sobretudo para os eventuais utilizadores da lei que venha a ser aprovada a partir da iniciativa agora tomada pelo PS, é saber se no futuro não será possível que este ou outro PS venham a nacionalizar as estações de televisão que possam vir a ser criadas ao abrigo da legislação agora apresentada pelo seu partido.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria fazer algumas perguntas ao Sr. Deputado Raul Junqueiro, que são, aliás, mais comentários do que propriamente perguntas.
Disse V. Ex.ª a determinado passo do seu discurso que esta lei impunha da nossa parte uma atitude de consenso, que era uma plataforma a partir da qual todos nos podíamos entender, etc.,... Permito-me, porém, chamar a atenção de V. Ex.ª de que, para mim, a liberdade, o pluralismo, a independência e outras palavras que andam muito na boca das pessoas e muito pouco na prática se realizam muito mais -e perdoe-me o que se pode talvez chamar pleonasmo- pela liberdade, pelo pluralismo e pela independência do que pelas regulamentações.
Desta forma, para mim, a actividade sobre que esta sua lei se debruça deveria ser mais desregulamentada do que regulamentada.
Admito a regulamentação naquilo que a técnica ou a tecnologia impõem, mas não naquilo que politicamente V. Ex.ª, afinal, aqui vem trazer.
Essa plataforma poderá, portanto, ser muito natural para V. Ex.ª, mas para mim não o será com certeza.
Por outro lado, esta lei tem numa mão a abertura de determinados serviços à iniciativa privada e na outra a regulamentação dessa actividade em termos públicos. V. Ex.ª, logo no artigo 2.º, atribui a característica de serviço público aos audiovisuais e só supletivamente, quase com desprezo, estabelece, na segunda parte do n. º 1 do artigo 2.º, que também alguns privados poderão actuar nesse campo.
Isto, Sr. Deputado, decorre evidentemente da filosofia do seu partido, que continua a ser estatizante. Se não, vejamos: até agora, outros serviços de informação, como os jornais que eram propriedade do Estado, tinham uma tutela pública, em consequência da herança gonçalvista dos jornais públicos. E agora V. Ex.ª vai estender essa tutela também à actividade privada. Desta forma parece, por um lado, estar a liberalizar, mas, por outro, está a estatizar.
Como o tempo é curto, deixar-lhe ia só mais uma pergunta. V. Ex.ª queria - e essa é uma das grandes ilusões dos estadistas da informação - mais um conselho independente, pluralista, apartidário, etc. ... Vai mais uma vez à procura do impossível Catão que pode resolver todos os problemas com total independência? Não acredito nesse tipo de conselhos, nunca acreditei.
E mais: V. Ex.ª queria um conselho enorme, com uma representatividade alargadíssima -um conselho político corporativo que fosse uma espécie de união entre a Assembleia da República e uma espécie de inexistente câmara corporativa-, que iria tutelar toda esta matéria, para depois o reduzir a um conselho executivo de três membros. Quer dizer: todos os audiovisuais em Portugal passariam a depender de três senhores, eventualmente muito importantes, mas que, com certeza, não teriam nem legitimidade nem direito para tutelar actividades que lhes não dizem directamente respeito, e nem deveriam, relativamente a entidades políticas como esta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raúl Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, serei bastante breve, uma vez que o meu partido dispõe de pouco tempo para este debate.
Relativamente às questões que o Sr. Deputado Costa Carvalho me colocou, gostaria de dizer que a primeira que levantou é de facto extremamente importante. Trata-se da questão que consiste em saber, ao fim e ao cabo, como é que nós podemos valorizar, na prática, a produção nacional, os programas nacionais, face à concorrência exterior. E um problema grave, que não afecta apenas Portugal; mais do que Portugal, afecta a Europa, onde um problema semelhante se põe face à concorrência da programação, que vem sobretudo dos

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Estados Unidos e do Japão. Creio que a aposta terá efectivamente de passar por um empenhamento no aproveitamento de todos os recursos disponíveis, públicos e privados, em ordem a fazer aumentar essa produção.
A defesa que aqui fazemos da iniciativa privada na televisão, nomeadamente, justifica-se muito por essa perspectiva. É porque acreditamos que a possibilidade de existência de novos meios de comunicação constituirá uma excelente oportunidade para permitir uma maior produção nacional e só a maior e melhor produção nacional é que pode de facto justificar uma melhor televisão.
Quanto à segunda questão, os problemas que levantou - bem como o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca - relativamente à composição do Conselho Nacional do Audio-Visual, queria dizer - e disse-o na minha intervenção - que a nossa posição nesta matéria é de uma flexibilidade total. Nós entendemos que, quer quanto à filosofia de funcionamento quer quanto à composição, o local correcto para a sua determinação será a comissão adequada, na especialidade, onde consensualmente deveremos tentar encontrar uma solução que represente de facto uma maior ponderação sobre esta matéria.
Pensamos que teríamos, todavia, de criar um novo conselho, uma vez que o único existente hoje no nosso ordenamento jurídico que poderia ter funções um pouco semelhantes a estas é o Conselho de Comunicação Social. Porém, o Conselho de Comunicação Social é manifestamente inadequado para o exercício deste tipo de competências. E isto por duas razões: em primeiro lugar, porque, nos termos constitucionais, só tutela os órgãos directa ou indirectamente dependentes do Estado, e nós aqui pretendemos «abrir» a outras iniciativas; em segundo lugar, porque a sua composição não é de molde a assegurar determinados requisitos de natureza técnica que serão essenciais para a reflexão sobre os problemas especialmente do espectro rádio-eléctrico na sua globalidade e dos licenciamentos e concessões.
Por seu lado, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pergunta-me quem garante o pluralismo ideológico. Devo dizer-lhe que esta disposição já consta, de resto, da própria Lei da Televisão e que o pluralismo ideológico será evidentemente garantido pelos dispositivos constitucionais e legais existentes. Mas, Sr. Deputado - e eu também o referi na minha intervenção -, creio que, em face da forte evolução que hoje se regista nos meios audiovisuais, o pluralismo ideológico e o pluralismo de opiniões serão no futuro muito mais eficazmente garantidos pela possibilidade de existência de órgãos competindo entre si do que pela intervenção do Estado, pela intervenção político-administrativa numa única empresa.
Penso que os novos mecanismos de difusão e as novas tecnologias de teledifusão nos levam claramente a uma conclusão desse tipo.
Quanto à circunstância que referiu de que há muitos conselhos e muitos órgãos, dir-lhe-ei que não são tantos como isso: há apenas um único conselho - porque teria sempre de existir - com palavra decisiva em matéria de licenciamentos e de concessões. O outro conselho existente, que é o respeitante ao modelo de gestão - e aqui respondo já também a um outro Sr. Deputado que me colocou uma questão idêntica -, corresponde a um modelo muito semelhante àqueles que hoje se estão a instituir nos países europeus. Ou seja: a fase da governamentalização, a fase dos gestores designados unicamente pelo Governo, já passou, em termos europeus. Neste momento apenas Portugal e Chipre têm gestores na comunicação social e na televisão designados pelo Governo; nos restantes países vigoram modelos diferentes. E nós pretendemos evoluir para um modelo desse tipo, não acentuando a tónica numa excessiva intervenção parlamentar, mas sim numa «representação de interesses».
No que toca ao Sr. Deputado Raul Castro, que aqui nos disse que o MDP/CDE está perplexo com a posição do Partido Socialista, dir-lhe-ei que o PS assume nestas circunstâncias e nesta matéria uma posição politicamente nova, uma posição que tentei justificar exaustivamente na minha intervenção, posição essa que é ditada essencialmente pela grande mudança que se está a verificar nos meios de comunicação audiovisual, que se está a verificar por força da evolução tecnológica e que se está a verificar por um caminho acelerado para uma sociedade de comunicação como o serão todas as sociedades modernas.
A interpretação que defendemos para o artigo 38.º é uma interpretação «actualista» e pensamos que através dela é possível configurar a distinção que consiste em considerar a propriedade pública como a que se refere à infra-estrutura, à rede de emissão, transmissão e retransmissão, e que o exercício da actividade televisiva pode ser confiado a entidades particulares.
Mas, evidentemente, o Tribunal Constitucional decidirá sobre esta matéria, como decidiu em todos os países europeus onde a questão foi colocada. Aceitaremos essa decisão, como é natural.
No que toca ao Sr. Deputado Gomes de Pinho, queria dizer-lhe que me pareceu que as suas considerações foram extremamente injustas, e tenho de fazer um protesto, porque o Sr. Deputado colocou aqui a questão de saber se o Partido Socialista não viria mais tarde a nacionalizar as estações que agora permitiu.

Uma voz do PSD: - É uma boa pergunta!

O Orador: - O Partido Socialista, como o Sr. Deputado muito bem sabe, bateu-se sempre pela liberdade e pelo pluralismo, inclusivamente nos meios de comunicação social. O PS não aceita lições seja de quem for, e muito menos do CDS, no que toca a esta matéria, porque, nomeadamente, quando foi difícil enfrentar neste país vagas de totalitarismo, quem esteve na primeira linha contra essa vaga foi o Partido Socialista e não o CDS ou o Sr. Deputado.

Uma voz do CDS: - Não apoiado!

O Orador: - Em segundo lugar, quero dizer que o Partido Socialista tem nesta matéria uma posição politicamente nova, posição que aqui justificou exuberantemente. O que quero dizer ao Sr. Deputado é que esta não é uma posição de incoerência, pois o PS esteve, no passado, contra projectos que pretendiam não abrir a televisão à iniciativa particular mas consagrar certas formas limitadas de abertura da televisão, o que mais não seria, em muitos casos, do que consagrar certos privilégios - como, de resto, acontece com a proposta de lei n.º 5/4 que o Governo aqui apresentou nesta legislatura.

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Quanto ao Sr. Deputado Borges de Carvalho, depois de o ouvir fiquei a pensar que o Sr. Deputado não teria prestado muita atenção à minha intervenção, nem sequer teria lido com muita atenção a lei que apresentámos, porque ela representa precisamente o contrário do que o Sr. Deputado referiu.
Uma coisa lhe devo dizer: essa afirmação que o Sr. Deputado faz de que não é preciso regulamentar e de que não será necessário definir as normas que hão-de presidir a um modelo audiovisual ou que hão-de definir a forma como os licenciamentos são feitos, ou como as concessões são atribuídas, é uma afirmação original, não representando mais do que o pensamento anarquizante de V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pede a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para defender a honra do meu partido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Raul Junqueiro, na falta de argumentos, socorreu-se de um chavão que há muito tempo não ouvíamos, e é mau sinal que tenha feito ressurgir neste momento o fantasma do antifascismo quando o seu partido está a fazer tudo para fugir disso e para recordar aqui outros chavões que ouvimos em 1975 e 1976 e que tanta desgraça provocaram a todos os partidos democráticos.
Quero dizer que em 1975 o CDS esteve sempre na primeira linha contra o totalitarismo. Tanto é assim que o malogrado e saudoso deputado Amaro da Costa, sentado no lugar do presidente deste Grupo Parlamentar, disse alto e bom som que no primeiro dia em que se travasse o combate aberto contra o totalitarismo de esquerda o CDS estaria na primeira linha. E mereceu o louvor do então líder do Partido Socialista - Mário Soares -, que se sentava na bancada do Governo como Primeiro-Ministro.
O Sr. Deputado Raul Junqueiro hoje, por conveniências políticas, esqueceu-se, como se esqueceu de igual modo das suas actuais conveniências políticas. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que essa recordação, que pessoalmente lhe fica mal, bem como à pessoa que se encontra a seu lado, de trazer outra vez à Assembleia os fantasmas antifascistas não colhe dividendos, nem do seu partido, nem da Assembleia, nem do País.
Tenham juízo, se faz favor.

Risos.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Não vou responder ao pesadelo antifascista do Sr. Deputado Narana Coissoró. Direi apenas que não era minha intenção, como é evidente e resulta claro das minhas palavras, fazer qualquer ofensa aos dirigentes do CDS e muito em particular a Adelino Amaro da Costa, figura que eu muito respeito e de quem era amigo pessoal.
Limitei-me a reagir a uma afirmação que considerei particularmente infeliz do meu amigo Sr. Deputado Gomes de Pinho, quando referiu a possibilidade de o Partido Socialista vir a nacionalizar, no futuro, as iniciativas particulares que agora se propõe abrir. Creio que é uma afirmação injusta porque representa exactamente o contrário de toda a conduta política passada do próprio PS, que sempre foi um partido que se bateu pelo pluralismo e pela liberdade, como, de resto, o Sr. Deputado naturalmente reconhecerá.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Paço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Borges de Carvalho pede a palavra para que efeito?

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Para defesa de honra, Sr. Presidente.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - É porque não gosto que me chamem anarquista, coisa que nunca fui e que considero menos lustrante para a minha pessoa.

Risos.

O Sr. Deputado Raul Junqueiro disse que eu não tinha percebido o que ele tinha estado a dizer. Percebi, e muito bem. V. Ex.ª é que não percebeu nada do que eu disse.

Risos.

Daí é que vem a confusão, a anarquia e tudo o mais. E para que não se instale a anarquia na Assembleia da República, o que seria uma maçada, devo recordar ao Sr. Deputado que afirmei que considerava plenamente justificável o licenciamento e tudo o mais. O que não considero justificável é que se tente controlar ideologicamente os órgãos de informação através dos programas que fazem, isso é que já se encontra fora do meu pensamento e, a meu ver, devia estar fora de lei.
Para terminar, devo dizer-lhe que levei muitos anos da minha vida a ouvir confundir os que defendiam a liberdade com os anarquistas. Quem fazia isso sistematicamente era o Dr. Oliveira Salazar e os seus sequazes, e custa-me muito ver um deputado socialista, hoje e aqui, usar precisamente o mesmo tipo de argumentos.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar algumas explicações.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Gostava de dizer ao Sr. Deputado Borges de Carvalho que estranho muito que se tenha ofendido com o que lhe disse, porque, devo dizer-lhe, tenho um grande respeito pelos anarquistas e pelo seu movimento.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Se eu lhe chamasse anarquista, gostava?

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O Orador: - Utilizei a expressão apenas para caricaturar, de algum modo, a intervenção de V. Ex.ª, uma vez que o que acaba de dizer confirma aquilo que lhe disse.
V. Ex.ª vem agora dizer-me e reafirmar que ao ler este projecto de lei lhe deu a impressão de que o PS pretendia controlar ideologicamente não sei bem o quê
- programas e meios de comunicação social, rádio, televisão e jornais -, quando, de facto, o que aqui expusemos foi precisamente o oposto.
Eu retiro a palavra anarquizante porque quando a utilizei o fiz no bom sentido do termo e com o grande respeito de admiração que tenho pelo movimento anarquista.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A transparência e o rigor, enquanto valores indissociáveis da democracia, reclamam que o Governo através desta minha intervenção diga aqui e agora o que o projecto de lei em discussão suscita em termos de apreciação crítica. Não hesitamos em fazê-lo.
Nem os Srs. Deputados haveriam de consentir que o não fizéssemos.
O presente projecto afirma a sua razão de ser em duas vertentes essenciais, a saber: a consolidação do regime democrático e a evolução tecnológica. Manifestamente os seus autores ficaram-se pelas intenções. O resultado final é a antítese daquilo que afirmam querer.
E assim é, porque não se consolida o regime democrático quando não se legisla para o País, mas contra o Governo. Não se consolida o regime democrático quando se faz tábua rasa do princípio constitucional fundamental que consagra o Governo como orgão superior da Administração Pública (artigo 185.º da CRP) e quando se pretende restringir, arbitrária e injustificadamente, o poder-dever do Governo de superintender na administração indirecta do Estado [artigo 202.º alínea d) da CRP], ambos os princípios são violados de forma frontal, nomeadamente pelos artigos 38.º, n.º 2, alínea a), 39.º e 41.º, n.ºs 1, 5 e 6, do projecto de lei em apreço.
A Assembleia da República não quererá por certo pôr em causa o cerne do nosso regime político-constitucional e o equilíbrio de poderes entre os diferentes órgãos de soberania. Por isso, tanto bastaria o que foi dito para o presente projecto não poder merecer a aprovação desta Câmara.
Mas há mais, Srs. Deputados. Há muito mais.
Com efeito, também a reclamada evolução tecnológica aparece como um mero pretexto que serve para fundamentar soluções que ela própria obrigaria a rejeitar e apresenta outras que revelam carências essenciais neste domínio.
O projecto, no seu todo, parte do conceito básico contido no seu artigo 2.º, segundo o qual «as actividades da radiodifusão e da televisão constituem serviços públicos, a prosseguir pelo Estado [...]».
A coberto da evolução tecnológica, cai-se de novo numa concepção arcaizante da comunicação de massas que vem ao arrepio do movimento claramente em curso nos países ocidentais.
Claro que aquelas actividades podem ser exercidas numa perspectiva de serviço público pelas entidades a quem for confiada essa tarefa pela comunidade. Porém, o exercício da actividade em si não deve estar submetido à disciplina e obrigações específicas do serviço público.
Algo está no mínimo pouco claro no projecto em discussão, pois se apenas se admite o exercício daquelas actividades a operadores privados «mediante concessão e licenciamento», isso significa que, nomeadamente em relação à actividade da radiodifusão, se vai além do preceituado constitucionalmente (artigo 38.º, n.º 8, da CRP). Isto para além de se falar em licenciamento por referência a serviços públicos, o que não tem qualquer cabimento.
Depois, para um projecto com a ambição que os seus autores lhe quiseram auto-atribuir, há lacunas e carências normativas assinaláveis no domínio da televisão por satélite e por cabo, nos conceitos e definições utilizados que, não raras vezes, não coincidem com a terminologia da convenção internacional das telecomunicações, isto só para referir alguns exemplos.
É ponto assente, portanto, que o presente projecto não tem os alicerces que os seus autores reclamam. Na verdade, nem a consolidação do regime democrático nem a evolução tecnológica são bem tratados, e de passagem seja-nos permitido acrescentar que é pelo menos estranho que haja quem aceite colocar ao mesmo nível conceitos de natureza e de importância tão diversa. Abordando agora a questão por um outro prisma qual seja a da oportunidade política da iniciativa, a nossa perspectiva crítica não pode ser menor.
Assim, é manifesto que o projecto surge desenquadrado do trabalho parlamentar desta matéria.
Na verdade estão na subcomissão, desde Maio, aprovados por unanimidade, os projectos e propostas de lei da radiodifusão e as de licenciamento de estações emissoras de radiodifusão e desde Fevereiro a proposta de lei da televisão.
Por isso, da eventual aprovação do presente projecto só pode resultar um efeito, qual seja o de aumentar a confusão e o de prolongar os atrasos de regulamentação em matérias tão sensíveis e em relação às quais a invocada inovação tecnológica, se há coisa que reclame, é a celeridade.
A capacidade de inovação deste projecto de diploma é também, tudo sempre com o maior respeito por opinião em contrário, praticamente inexistente e quando existe é perniciosa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não existe quando repete muitas vezes ipsis verbis textos já em vigor como as leis da televisão, do tempo de antena e do direito de resposta e réplica política às declarações do Governo, ou textos em ultimação como os dos projectos e propostas de lei da radiodifusão. É perniciosa quando viola de forma estrondosa, como já foi referido, o princípio da separação de poderes e ainda quando pretensamente quer introduzir um sistema de gestão moderna para o mundo do audiovisual, acabando por levar ao extremo a consabida tendência para a pulverização exponencial dos órgãos e conselhos que arrastarão o caos e acentuarão o emaranhado das teias institucionais.
Mantendo-se embora a existência de duas empresas públicas, uma para a televisão e outra para a rádio, neste projecto reforça-se a intervenção do Conselho

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de Comunicação Social, mantém-se a corresponsabilização do Governo em moldes que consideramos totalmente inaceitáveis e prevê-se a criação de numerosos novos órgãos.

Vozes do PSD: - Muito mais!

O Orador: - Assim, onde a Lei de Bases Gerais das Empresas Públicas exige apenas a existência do conselho de administração e da comissão de fiscalização, o projecto de lei reclama para as empresas públicas referidas a criação de mais os seguintes órgãos: conselho geral, comissão executiva e director-geral.
A par disto, estão ainda previstas as assembleias de opinião, no artigo 5.º, n.º 3, do projecto; o Conselho Nacional do Audio-Visual, artigos 21.º e seguintes, o Instituto Nacional de Imagem e do Som, artigo 29.º, e o Conselho Permanente de Teledifusão, artigo 49.º

Vozes do PSD: - Ainda é pouco!

O Orador: - Convenhamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é demais. Atrevo-me mesmo a dizer que a ser aprovado semelhante sistema, o que só por absurdo se admite, estaríamos caídos na ausência total de senso...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu diria mesmo «insenso».

O Orador: - ... e no desperdício irresponsável de recursos públicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estamos, salvo melhor opinião, perante uma lei de bases. Para que o presente projecto pudesse ser classificado como tal não podia ter a linguagem retórica que tem, as tentações programáticas que encerra e as contradições que comporta.
Se o presente projecto fosse aprovado, a Assembleia estaria, do nosso ponto de vista, a cometer um grave erro e a incorrer, uma vez mais, naquilo que foi já reconhecido pelo dirigente máximo do partido a que pertencem os deputados subscritores do presente projecto, quando afirmou que tem havido interferências da Assembleia da República na área da competência própria do Governo. Mas estaria também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a lançar a confusão e o caos no sector, a desperdiçar o trabalho já desenvolvido nas subcomissões e comissões desta Assembleia, nas quais jazem há largos meses projectos atinentes à matéria, e a dar a ideia de que em Portugal, a catorze anos do século XXI, a pretexto da defesa da democracia e por causa da inovação tecnológica, o que é preciso é aumentar o gigantismo e o peso do Estado, introduzir a partilha dispersa da responsabilidade nos órgãos de gestão das empresas públicas de comunicação social e inviabilizar a identificação clara aos olhos do público e de todos de quem é responsável, porquê e perante quem.
Srs. Deputados, recuso-me a acreditar que a fixação antigovernamental de alguns possa obstruir o bom senso de todos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, o projecto do PS não tem, pelas suas palavras, alicerces. Porém, perdoe-me que lhe diga, esperávamos de si e do seu Governo bastante melhor do que aquilo que acabou de trazer a esta Câmara. Portanto, se alguma coisa não tem alicerces, tal é a intervenção de V. Ex.ª
Em primeiro lugar, vem queixar-se «aqui d'el rei» que vêm tirar poderes ao Governo e não dá uma palavra sobre qual deveria ser, do ponto de vista do Governo, o destino do sector público de comunicação social, no que diz respeito aos seus órgãos de gestão. Ou seja: por omissão, o Governo continua a confirmar que a melhor orientação seria aquela em que esses órgãos dependessem da governamentalização completa em que estão situados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora, aí está!

O Orador: - Se alguma culpa temos - e o PS também a tem -, é a de não termos, em tempo oportuno, alterado este sistema, pois não basta definir os princípios de defesa, da independência, do pluralismo e do rigor. Com efeito, é preciso criar um modelo institucional adequado. Contudo, e por omissão, o Sr. Ministro acha que este modelo é o modelo adequado.
Acerca disso temos conversado, porque é hoje patente aos olhos de todos que esta governamentalização vergonhosa não pode continuar, estejam os senhores no Governo e nós na oposição ou o PS amanhã no Governo e os senhores na oposição.
Quanto à questão relativa aos numerosos órgãos a que aludiu, o Sr. Ministro confundiu -voluntariamente, segundo suponho- coisas que não devem ser confundidas. Isto porque confundir órgãos inerentes a uma empresa pública com órgãos que nada têm que ver com os órgãos de gestão de uma empresa pública é uma confusão lamentável!
Por isso lhe perguntava se terá lido com atenção que o Conselho Nacional do Audio-Visual não pode, em nenhum caso, ser confundido com o conselho geral de uma empresa de comunicação social. Aliás, perguntava-lhe ainda se não terá reparado que o Instituto Nacional da Imagem e do Som é isso mesmo: é um instituto com atribuições e funções próprias, que nada têm a ver com a existência de um conselho, mas com uma entidade nova para realizar uma função nova.
Essa função, que, anteriormente, segundo a Lei da Televisão e também os projectos de lei da rádio, procurava realizar-se através de uma fonoteca nacional, faz-nos compreender a todos que melhor do que uma fonoteca nacional ou um museu nacional da rádio e da televisão, que não têm capacidade operacional para gerir arquivos e produzir novos programas, é ter um instituto com esta operacionalidade, tal como aqui a configuramos. Só que confundir isto com o Conselho Nacional do Audio-Visual ou com os órgãos inerentes de uma empresa pública ... Não lhe parece, Sr. Ministro, que, isto sim, é o caos mental em termos de discurso político?
Assim sendo, gostaria que o Sr. Ministro desse, se possível, uma reinterpretação acerca das questões que aqui formulou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

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O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de lhe dizer que se V. Ex.ª esperava melhor do Governo, devo confessar que não podia esperar melhor da política de comunicação social preconizada por si e pela sua bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, reparei em tudo, e foi por isso que fiz a intervenção que fiz, Sr. Deputado.
Com efeito, reparei que há uma inflação verdadeiramente inaceitável de órgãos de diferente natureza, os quais são, ao todo, sete ou oito. É que não entendo como é que é possível fazer um sistema coerente, ou seja, como é que é possível haver uma responsabilização pelo que se vai passar com a comunicação social através do sistema aqui vertido.
Além disso, e só para exemplificar como o Sr. Deputado e a bancada em que se encontra assente ...

Risos do PSD e do CDS.

... têm posições diferentes sobre esta matéria de comunicação social à medida que se afastam do poder, lembrava apenas o que se passou em termos de licenciamentos de estações emissoras de radiodifusão.
O partido de V. Ex.ª, através de uma proposta de lei apresentada durante a vigência do governo anterior -proposta de lei n.º 14/III-, defendia que o licenciamento das estações emissoras devia pertencer ao Governo através de resolução, de despacho ou, em situações excepcionais, através de decreto-lei, e isto sem qualquer condicionalismo.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Já se esqueceram!

O Orador: - O partido de V. Ex.ª, Sr. Deputado, já apresentou nesta Assembleia da República, na actual legislatura, um projecto de lei de licenciamento -projecto de lei n. º 142/IV-, em que a concessão de alvarás é feita pelo Governo, embora precedida de parecer do Conselho de Comunicação Social.
Finalmente, V. Ex.ª e o seu partido, ao fim de tantos meses, resolvem que não é assim e, à medida que se distanciam da possibilidade de ser Governo, entendem que agora o Governo nem sequer pode ter a mínima interferência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.

O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei em apreciação propõe-se corporizar as linhas mestras de um modelo audiovisual, por considerar desajustada e virada para o passado a legislação existente.
Esta proclamação de um Estado de quase anomia é, de algum modo, contrariada pela abundância de coalescência, não raro sobrepujantes. Provam-no as aglutinações da Lei da Radiotelevisão, da Lei da Imprensa, da garantia do direito de réplica política dos partidos da oposição, da lei sobre as notas oficiosas e dos competentes artigos da Constituição.
A par destas transposições, são de assinalar algumas paralepses, sem dúvida evitáveis, se fosse respeitada a máxima latina do age quod agis. Assim, dir-se-ia estarmos confrontados menos com uma lei de bases e mais com um esboço de documentação aleatória, ou com uma «caixa negra» que só o não terá pelo seu claro anticartesianismo.
Um outro objectivo do projecto de lei: estabelecer com clareza e realismo a definição de «audiovisual». Eis-nos perante dois artifícios para, à boa maneira do mestre Plangloss, explicar «que os que afirmaram estar tudo bem, disseram apenas uma asneira, porque deveriam ter dito que tudo está o melhor possível».
Seduzido certamente pelos mitos dinâmicos, o projecto de lei não parece ter encontrado, por isso mesmo, o conceito do audiovisual, mas sim uma estrutura imaginária do pensamento, proporcionando indicações sobre a direcção global que acompanha o desenvolvimento tecnológico. Daí que a definição surja muito arrimada à letra -isto é, como limitação-, ou penetrando, embora timidamente, na área restrita da telemática.
A verdade é que não são bem diferenciados os sistemas técnicos, os meios e os instrumentos audiovisuais.
À míngua de melhor precisão, opta-se pelos sortilégios da opulência comunicativa, com algum maravilhoso à Alvin Toffler e nenhum remetimento à ecologia da comunicação, ciência a que pouco ou nada se atende em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se este projecto de lei vir deferidos a clareza e o realismo a que se propõe, então que tudo seja feito de modo que o «bezerro electrónico» não se transforme, por incúria ou menos bom aviso, no omnipresente bezerro de oiro; e seria tanto mais de lamentar que, para além do mito e da magia, fosse recamado das competências e fruições até aqui reconhecidas ao Conselho de Comunicação Social e ao Conselho de Imprensa.
Além disso, e porque acautelado contra a tentação das conezias, o espírito ficaria mais esclarecido e, certamente, mais aberto às «pouco literárias e nada mágicas leis tecnológicas e económicas», para, inclusive, ser estabelecida uma imprescindível política de industrialização e comercialização da tecnologia televisiva, através da fixação dos mecanismos dessa acção industrial e comercial.
O audiovisual é, economicamente, um fenómeno de país rico, mesmo muito rico. Isso obriga, nomeadamente, a que não se veja a televisão de serviço público apenas como um suporte para a difusão.
No entanto, o projecto de lei em debate é omisso nas sinergias necessárias a uma estratégia de produção capaz de nos dizer qual será o peso português no pudding europeu, a fim de se poderem enfrentar os grandes desafios culturais, económicos e tecnológicos dos próximos anos. Talvez valesse a pena considerar os exemplos típicos do Brasil, dos Estados Unidos e do Japão, os maiores exportadores de produtos audiovisuais para a Europa. Os Estados Unidos e o Japão conseguiram integrar a indústria televisiva na do cinema e fazer desta a estrutura do sistema televisivo. No Brasil, são o teatro e o cinema que fornecem as estruturas em que se apoiam as produções de telenovelas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se considerarmos que neste projecto de lei há 96 artigos, funcionando uma boa parte deles em circuito fechado ou como varredura, sou tentado a dizer que a metade seria mais do que o todo, quando ajustadamente acomodadas as correcções e adjunções que o próprio preâmbulo do diploma admite serem necessárias. Assim julgamos dever acon-

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tecer e com o empenhamento e esclarecimento exigidos pela importância e actualidade do assunto, até para que não suceda cairmos na originalidade de aprovarmos uma lei de audiovisuais com muito de rádio e apenas com o vídeo da televisão.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista entendeu reservar a ordem do dia desta reunião plenária para a apreciação do seu projecto de lei n.º 274/IV - designado «Lei de bases dos meios audiovisuais».
Trata-se, efectivamente, de matéria de primordial importância, para a qual a Assembleia da República deverá encontrar soluções que tenham em conta a diversidade das situações em presença, reflictam os avanços da moderna tecnologia e dêem resposta às possibilidades de aproveitamento dos meios audiovisuais.
Gostaríamos, Srs. Deputados, que este debate pudesse ser realizado em condições mais propícias para uma profunda reflexão sobre as reais implicações das transformações que vêm assinalando a verdadeira revolução audiovisual em curso. Duvidamos, porém, que assim possa suceder.
No quadro de uma intensa ofensiva manipuladora, o governo lançou um ultimato à Assembleia da República exigindo a aprovação de legislação que liquide o sector público de comunicação social. Este debate faz-se, pois, sob ultimato de um Governo minoritário, que quer, a todo o custo, forçar a aprovação de medidas comprovadamente reprovadas pela maioria da Assembleia da República.
Este facto não pode ser ignorado, e a atitude de rebelião e desafio assumida pelo Governo, numa atitude que cremos não ter precedentes na historia constitucional portuguesa, exige resposta cabal e, sobretudo, eficaz.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Seria incompreensível que no momento em que o Governo põe a ferro e fogo empresas públicas de comunicação social, acelerando a liquidação da ANOP, a reprivatização da Rádio Comercial, a reprivatização de partes da EPNC e da EPDP, a Assembleia da República se limitasse a fazer uma reflexão geral sobre os audiovisuais e a projecção jurídica das novas conquistas tecnológicas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Correríamos o risco de, feita a reflexão e apagadas as luzes da projecção, ouvirmos ao fundo da sala a voz do Secretário de Estado Marques Mendes - e agora talvez também a do Sr. Ministro Adjunto Fernando Nogueira -, com os dedos frescos ainda da tinta de mais uns tantos despachos de enterro de empresas públicas, exclamar em tom irónico: «E tudo o vento levou», Srs. Deputados.
Infelizmente não é caricatura. Pois não é este o Secretário de Estado que, sem o sentido do ridículo, acaba, hoje mesmo, de conceder uma entrevista a um matutino, em que se gaba de que o Governo não teve até agora nenhuma derrota política em matéria de comunicação social?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que exagero!

O Orador: - E lá vai dizendo que tudo o que o Governo havia inscrito no seu Programa irá ser posto em prática.
Exige-se, pois, Srs. Deputados, que não sacrifiquemos as necessidades imediatas à reflexão estrutural, mas exige-se também que saibamos considerar esta última com as concretas perturbações, anomalias e distorções resultantes da actuação de um governo que, ainda que moribundo, procura consumar, a todo o vapor, medidas inconstitucionais fortemente lesivas do direito à informação.
É essencial não adiar por mais tempo a aprovação de medidas que permitam: desgovernamentalizar, reestruturar e modernizar, viabilizar e desenvolver o sector público de comunicação social; definir uma nova política para o audiovisual; apoiar a informação escrita e difundir o gosto pela leitura; garantir novas condições do exercício da profissão dos jornalistas e dos demais trabalhadores do sector, e melhorar a qualidade da informação produzida e salvaguardar a independência dos sistema informativo nacional.
É nesta óptica que encaramos a revisão da legislação relativa ao sector, a qual não pode, nas presentes circunstâncias, deixar de ser acompanhada das medidas cautelares que se revelem necessárias. É, aliás, o que acaba de suceder no quadro do próprio debate orçamental, com a aprovação de disposições que asseguram o regular pagamento por duodécimos de dotações para empresas públicas de comunicação social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dito isto, torna-se evidente que encaramos com natural abertura algumas das soluções adiantadas pelo projecto do PS quanto ao novo modelo de gestão que propõe para as empresas públicas de radiotelevisão e de radiodifusão.
O mesmo se poderá dizer quanto à ideia da criação de uma entidade de composição plural, que tenha como principal missão uma intervenção vinculativa no processo de licenciamento de estações emissoras de radiodifusão.
Quanto à primeira questão - a do modelo de gestão de empresas públicas de comunicação social -, a Assembleia da República está em perfeitas condições de, rapidamente, avançar com soluções. Sabe-se que estão pendentes em comissão várias iniciativas já aprovadas, na generalidade, no início deste ano - do PCP, do PRD e do próprio PS -, que permitem dar corpo legal a normativos que impeçam a governamentalização e manipulação dos órgãos de comunicação social do sector público.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Que é fundamental!

O Orador: - As propostas agora avançadas não deixarão, certamente, de enriquecer o debate, que se quer profundo, não esquecendo, contudo, a urgência de que se reveste a aprovação de medidas específicas para o sector.
Quanto à segunda questão, é para nós evidente que se trata de matéria a ser integrada nos diplomas que neste momento apreciamos na Subcomissão Parla-

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mentar de Comunicação Social relativos às leis da rádio e do licenciamento de estações emissoras de radiodifusão.
Importará, contudo, salientar desde já que são inaceitáveis disposições como as constantes do artigo 39.º do projecto, que apontam para a exclusão administrativa da participação nos conselhos gerais das empresas públicas de uma central sindical - a CGTP - Intersindical -, que representa a larga maioria dos trabalhadores portugueses e das suas estruturas sindicais.
De igual modo, não poderá deixar de merecer referência a total ausência de disposições quanto à participação das regiões administrativas nos conselhos gerais, conhecidos que são os esforços unânimes desta Assembleia da República para que rapidamente se promova a sua criação. Ao contrario, não suscitam qualquer objecção as numerosas disposições do projecto em debate que compendiam e recolhem, no essencial, disposições já em vigor na Lei da Televisão ou que constam de projectos já aprovados na generalidade relativos à radiodifusão.
Merecem, no entanto, juízo oposto as disposições do projecto tendentes a viabilizar, antes de uma revisão constitucional, o exercício de actividades televisivas por entidades privadas. Devo dizer que neste ponto a iniciativa suscita mesmo certa perplexidade.
Ecoa ainda na memória a clara afirmação constante do programa eleitoral do PS de que qualquer alteração legal dependeria de uma reponderação do quadro constitucional, sobre cujo sentido limitativo não sobram dúvidas, por razões que o PS aqui reiteradamente invocou, designadamente pela voz do Sr. Deputado Jorge Lacão, aquando da não admissão do projecto de lei n.º 305/III, do CDS, e da proposta de lei n.º 5/IV, que visavam objectivo similar.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - Quanto às interpretações actualizadas da Constituição, importa que se diga que mal iríamos se através delas se pretendesse antecipar soluções que só a própria revisão constitucional deve, se o entender, vir a concretizar.
Pela nossa parte, o que então dissemos podemos reafirmar. Não vemos que tenham ocorrido circunstâncias que legitimem uma alteração de posição. E, em terceiro lugar, uma tal alteração - a ser desejável - só poderia ter lugar após uma revisão constitucional.
Proceder de outro modo não só constituiria um grave precedente institucional como, nas presentes condições, só poderia significar a instauração de novas formas de manipulação ideológica por parte de grandes grupos económicos, que aliás não escondem a sua sanha às forças de esquerda e uma pressa suspeita de intervirem na vida política nacional através desse meio poderoso que é a TV. Que eles o queiram percebe-se, que o queiramos nós francamente não, por todas as razões ...

Vozes do PSD e do CDS: - Oh, oh, oh!

O Orador: - Não sei por que é que os senhores deputados do PSD e do CDS estão tão nervosos...

Risos do PSD e do CDS.

Estou a produzir um discurso normalíssimo, num debate que se quer normal. Não vejo a vossa irritabilidade neste momento.
Mas, dizia eu, que essas bancadas queiram acabar com o monopólio público da Televisão, percebe-se. Agora que queiramos nós, as forças de esquerda, acabar com esse imperativo, já não se pode perceber, já que ele é muito importante para nós e representa a preservação do ideal libertador do 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também não ignoramos a proliferação de parabólicas, emissões espanholas, clubes de vídeo, autarquias constituídas em agentes de retransmissão, etc. Mas não podemos fechar os olhos aos poderosos interesses argentários que se posicionam para engolir os meios e o mercado publicitário da RTP, sem vantagem para os Portugueses.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - Isto só nos leva a reafirmar que o que se coloca neste momento é a importância de modernizar a RTP.
E gostaria aqui de salientar que o meu partido organizou recentemente um largo seminário em que se pôde discutir a fundo todas estas matérias e ponderadamente adoptou soluções que tenho o cuidado de transmitir aqui aos senhores deputados porque penso que podem ser participações úteis para o presente debate.
Mas, dizia eu, para modernizar a RTP é preciso: melhorar a qualidade das emissões, defendendo os dois canais existentes e assegurando a sua autonomia e complementaridade; dando mais peso à produção nacional e à promoção da língua portuguesa. Ainda neste quadro são urgentes medidas que permitam a diversificação e a programação para cobrir de forma mais articulada toda a gama de interesses, motivações e valores com implantação social significativa; a criação de espaços de representação social nas emissões normais; o desenvolvimento da «TV útil»; o estudo de viabilidade de emissões regionais de TV, etc., etc.
É também necessário rentabilizar a RTP, aprovando medidas de viabilização económica, concluindo a rede primária de emissores, assegurando e melhorando a intervenção da RTP no programa europeu do satélite - intervindo sempre para defesa dos interesses nacionais -, aproveitando integralmente os recursos humanos e materiais da empresa e dando prioridade ao aparelho de produção, tornando-o mais vivo e mais criativo, com formação profissional específica para atingir esses objectivos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também quanto à RDP é necessário desgovernamentalizar, desenvolver o serviço público, combatendo a degradação profissional, técnica e da programação. Importa, ainda, fazer cessar a política de capitulação face aos interesses públicos, designadamente com o abandono dos projectos de reprivatização da Rádio Comercial.
Sublinhe-se, finalmente, que uma nova política para o audiovisual não poderá deixar de estimular o desenvolvimento da produção nacional, seja no vídeo, no cinema ou na rádio, estimular o intercâmbio com outros países e fomentar a cooperação, procurando promover e defender a cultura portuguesa, combater as tentativas de penetração e domínio das transnacionais do audiovisual e, também, assegurar a criação de uma indústria audiovisual nacional, conjugando para esse fim meios financeiros da RTP, da RDP,

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de outras empresas públicas do sector, do Instituto Português do Cinema, de produtores privados e de outras entidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É nosso entendimento que com urgência se devem concluir os processos relativos à Lei da Radiodifusão e ao licenciamento das estações emissoras de radiodifusão, ao do reforço das garantias de independência dos órgãos de comunicação social do sector público, designadamente no que se refere à Radiotelevisão. Estas medidas não poderão fazer esquecer a urgência da aprovação do necessário enquadramento legal para a profunda renovação tecnológica em curso, no sentido de reforçar o regime democrático e salvaguardar a independência nacional.
Pelo nosso lado, tudo faremos para que tais medidas se concretizem no mais curto prazo possível. Esperamos sinceramente que também seja esta a opinião desta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao termo desta parte da nossa sessão, pelo que vamos fazer o nosso intervalo regimental.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Almeida.

O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: A comunicação social, particularmente os meios estatizados, tem sido e tende a continuar a ser, ao que tudo indica, centro de acesa discussão quanto ao seu presente e particularmente quanto ao seu futuro. Tudo se tem discutido, do acessório ao essencial, frequentemente de forma apaixonada e em tom dramático, ignorando-se que a emoção que embarga a voz prejudica a clarividência e induz em atitudes e decisões de duvidoso proveito.
É certo haver quem pretenda que toda esta polémica interessa apenas à chamada classe política - o País, esse, de pouco se ralaria com as vicissitudes do caso, alheio aos problemas dos media ocupado, isso sim, com preocupações mais concretas e objectivas. E não nos parece, também, que este seja o primeiro problema político nacional.
Julgaríamos até desejável que o Governo e a Assembleia da República não dedicassem parcela tão significativa da sua actividade aos meios de comunicação social. Que não se vivesse nesta agitação permanente de mais e mais diplomas, deliberações e pedidos de ratificação.
Para tal era necessário, contudo, que se tivesse atingido um quadro institucional estável, corroborado por um juízo de adesão maioritário da sociedade e dos partidos que é suposto representá-la.
Mas interessará este problema, apenas, à classe política? Estamos seguros que não. Trata-se de algo que interessa a vários títulos à comunidade no seu conjunto, que é factor essencial do seu desenvolvimento sócio-cultural e tão decisivo é que muitos dos desafios com que hoje se debate o nosso país só serão vencidos com a contribuição essencial dos meios de comunicação.
Assim sendo, parece, o que importa é dar o salto em frente e resolver definitivamente as questões que se nos colocam neste originalíssimo país. Em nenhuma outra nação contemporânea há caso paralelo de avanços, hesitações e recuos como entre nós, com a nossa comunicação social estatizada. Porquê? Há, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro, um rosário de motivos próximos e remotos, que concorrem para o quadro deplorável que temos à nossa frente. A sua enunciação é prescindível - tal é a consciência geral que deles se tem. Referir-me-ei apenas a dois deles, típicos de países que não queremos ser.
Em primeiro lugar, o preconceito sistemático por parte dos partidos, designadamente dos governos, do controle dos meios de comunicação estatizados. É certo que a Constituição da República e a lei ordinária são claras e formais quanto à sua independência e pluralismo. Mas a nenhum de nós é lícito ignorar quanto o engenho humano é capaz sempre que lhe importa contornar a lei ou mesmo defender pública e politicamente a sua bondade, o benefício do discreto desprezo pela substância da norma.
Este vezo permanente de influência desmesurada é de tal ordem que nenhum partido dos que compõem esta Assembleia poderá, seriamente, discordar da constatação.
Em segundo lugar, a reiterada incapacidade dos sucessivos governos constitucionais de construir uma política clara e despartidarizada para o sector. Ao que se veio a somar, por um lado, o reconhecido insucesso do Estado na gestão das actividades empresariais e, por outro, a dança interminável dos gestores públicos no sector.
Até que chegou este governo e, como lhe competia, esboçou um programa para a comunicação social estatizada. Em síntese, o governo do Prof. Cavaco Silva propõe-se reduzir o sector público a um jornal diário, uma estação de rádio, um canal de televisão e uma agência noticiosa.
Que é necessário reduzir a dimensão do Estado nos media, desde sempre o dissemos com particular clareza. Mas uma política não é apenas uma mera definição apriorística de meios. Há-de ser, antes de mais, um enumerado substancial de objectivos, depois a fixação dos seus meios instrumentais e, subsequentemente, a afectação de recursos.
Propõe-se o Governo reduzir o sector público a um jornal diário, uma rádio, uma televisão e uma agência noticiosa? Ora bem, pede-se, para que nos entendamos, que torne mais clara a razão de ser deste seu propósito. Porquê um e não dois, três ou nenhum? Por razões de estrita natureza económica ou financeira? Ou por que tal dimensão corresponde às necessidades reais da prestação do serviço público? Mas a ser esta a justificação efectiva dos objectivos governamentais, que se explicite sem equívocos o que se entende por serviço público. Que se dissolva, de vez, a neblina que envolve o conceito e que tem permitido dar guarida a interesses que nada têm a ver com o serviço público, mas que o País paga pesadamente em dinheiro e em polémicas em que não se revê.
Que se defina o seu conteúdo e objectivos para, em função deles, se determinar a exacta dimensão dos meios operacionais necessários e que se estabeleça

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o quid diferenciador do serviço público assegurado pelo Estado daquele outro, também serviço público, assegurado pelos particulares.
É indispensável que se ponha ponto final nesta enorme barafunda em que todos estamos envolvidos. Não deve a oposição opor-se ao Governo só porque é oposição - nós não o temos feito; não pode o Governo resolver os problemas de fundo, pegando-lhes apenas pela vertente da sua aparência, embora seja esta que chega mais imediatamente ao conhecimento do cidadão eleitor.

Vozes do CÉUS: - Muito bem!

O Orador: - É urgente reformar a comunicação social pelos serviços que deve prestar ao País, pela necessidade de se instaurar a imparcialidade e o critério na administração dos apoios financeiros, para que os profissionais do sector possam, com estabilidade, corresponder às exigências da sua função e para que o País logre acompanhar a velocidade que a última década imprimiu à evolução tecnológica do sector.
Tudo isto são preocupações gerais que à primeira vista pouco terão a ver, directamente, com o projecto de lei n. º 274/IV do Partido Socialista, hoje em apreciação. Mas face ao passo que representa esta iniciativa legislativa entendemos ser necessário dar a nossa contribuição para o diagnóstico dos males do presente, confiados que por esta via, contribuímos não apenas para o debate geral como, sobretudo, para um indispensável acerto das soluções futuras. - O projecto de lei n.º 274/IV é um texto ambicioso, desde logo pela extensão dos seus propósitos. Introduzir num único instrumento as bases gerais da regulamentação dos audiovisuais, definir o modelo de gestão das empresas públicas e a sua articulação entre si e com as empresas também públicas de telecomunicações, o direito de antena, da réplica, de resposta e rectificação e todo o sistema penal inerente, é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o regresso às ordenações de que nos dá notícia a história do direito pátrio!
Desçamos, todavia, um pouco à substância dos preceitos. Para sublinhar que, finalmente, o Partido Socialista se propõe autorizar a abertura da televisão à iniciativa privada, através da concessão da sua exploração.
Após longos e porfiados esforços de imobilismo estatista, com as televisões estrangeiras a chover de Espanha e do céu, o PS, num derradeiro e tocante alento reflecte profundamente, discute intensamente e, derramando alguns suores frios, moderniza-se, fazendo a descoberta da legislatura: a interpretação actualista do artigo 38.º, n.º 7, da Constituição da República. Saudamos a evolução do socialismo interno e recordamos, modestamente, que quem porfia sempre alcança.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Já não nos merece idêntico aplauso, o capítulo terceiro, relativo ao Conselho Nacional do Audio-Visual.
Não que sustentemos a manutenção do actual regime inteiramente governamentalizado, mas porque do nosso ponto de vista as deficiências da actual situação não justificam a passagem para o regime proposto, burocrático, complexo, dispendioso e seguramente mau servidor dos interesses gerais.
Defendemos a criação de um órgão restrito, desgovernamentalizado, despartidarizado e desparlamentarizado, tão neutro quanto possível, que assegure a objectividade da sua actuação e com competência meramente consultiva, devendo, contudo, o Governo fundamentar publicamente e por escrito as suas decisões sempre que estas não coincidam, no todo ou em parte, com o parecer do órgão.
A este propósito, não posso deixar de anotar a referência feita pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro, do PS, no que diz respeito à composição e às finalidades e objectivos do Conselho Nacional dos Audio-Visuais, que representa uma abertura para a discussão em matéria com a qual não concordávamos da maneira como estava formulada no projecto de lei.
O regime referido aplicar-se-ia, pelo menos, quanto ao exercício de certas competências, de que damos, como exemplo, o licenciamento e a concessão.
Em suma, sustentamos a constituição de um órgão de natureza opinativa e consultiva que não retire da esfera do Governo competências inerentes à função governamental, mas que Emite a discricionaridade relativa da sua actuação.
Propõe o PS, também, a criação de um instituto nacional da imagem e do som, com o objectivo de conservar, tratar e explorar os arquivos audiovisuais das entidades públicas emissoras de programas de rádio e televisão. Estamos de acordo com o objectivo, desde que ele não venha a constituir mais um encargo despropositado para o Orçamento do Estado e se articule convenientemente o seu funcionamento com a Cinemateca Nacional. Num país de escassos recursos como o nosso, em que a latitude do sector administrativo e empresarial do Estado excede, largamente, os limites do razoável, com um Orçamento de Estado a reflectir tais anomalias, deve a Assembleia da República dar o exemplo de parcimónia em todas as iniciativas que possam incrementar a despesa pública. A criação de um organismo com as finalidades propostas para o instituto nacional da imagem e do som é útil, é necessária. Mas é fundamental que se prevejam formas adequadas de financiamento comedido e se coordenem os meios técnicos disponíveis pertencentes a entidades diversas.
Continuando a seguir a sistemática do projecto, deparamos com um capítulo consagrado à definição de um modelo de gestão das empresas públicas de rádio e televisão. Tal modelo de gestão é constituído por cinco órgãos: o conselho geral, o conselho de administração, a comissão executiva, o director-geral e a comissão de fiscalização. Não entraremos na análise detalhada deste capítulo, tão óbvias são as nossas discordâncias das concepções que enformam o modelo. Há, nas empresas de comunicação do Estado dois planos que, embora conexos, devem ser tratados com a maior autonomia: o do serviço, ou melhor, do conteúdo do serviço que prestam e o da mera gestão empresarial. Sobre este último devem ser atribuídas ao Governo as competências normais de tutela das empresas públicas. Qualquer outro sistema, designadamente o proposto agora pelo Partido Socialista, conduz à instauração de regimes baços, difusos, que tornam em última instância impossível responsabilizar politicamente quem quer que seja pelos eventuais insucessos na gestão das empresas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

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O Orador: - Não se vê a lógica da proposta, mas adivinha-se a impunidade geral que implicaria e a sua conflitualidade virtual com o poder executivo.
Integram ainda a proposta de lei n. º 274/IV várias disposições de natureza técnica e programática, outras instituem mecanismos de coordenação entre as empresas públicas de radiotelevisão e radiodifusão e destas com as empresas estaduais de telecomunicações. Finalmente o texto recolhe o direito vigente em matéria de direito de antena, de réplica, de resposta ou rectificação, encerrando-se o articulado com algumas disposições de natureza penal e transitória.
São, apesar de tudo, normas não essenciais na avaliação global da proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro: A comunicação social estatizada carece do estabelecimento de medidas claras, profundas e eficazes; os meios audiovisuais encontram-se no limiar de uma nova fase. Nada, neste domínio, deve ser deixado ao acaso dos acontecimentos. O Estado não dá boa nota de si quando se manifesta impotente para acompanhar, oportunamente, as grandes aspirações sociais e depois, tardiamente, expede o legislador para, a reboque dos acontecimentos, criar à pressa o enquadramento jurídico indispensável.
Não deve o Estado sustentar hoje veleidades de monopólio público na comunicação social; não deve, também, em nome do interesse público, criar um enquadramento normativo asfixiante da actividade. Deve, isso sim, legislar sobre os grandes quadros de desenvolvimento do sector, incentivar a modernização e a criatividade, fomentar a presença da nossa cultura, apoiar o que é genuinamente nosso. E, paralela ou previamente, criar condições objectivas para que a liberdade, a isenção e o pluralismo sejam mais do que meras referências da lei, para que os órgãos de comunicação não sejam vistos como fortalezas de manipulação do poder para que, sem constrangimentos expressos ou implícitos, possam desempenhar cabalmente a sua função, repercutindo todos os contrastes, todas as singularidades e todas as aspirações de nossa sociedade plural.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Apressou-se o Partido Socialista em trazer a esta Assembleia da República o projecto de lei n.º 274/IV, denominado «Lei de Bases dos Meios Audio-Visuais», que fez rodear de tal expectativa e alarido junto da opinião pública que nos levou a pensar que teríamos uma verdadeira lei de bases adequada à realidade do nosso País, mas, qual promessa sem efeito, somos forçados a concluir que apesar dos esforços despendidos pelos seus patrocinadores e autores, o referido projecto poderá corresponder aos sonhos de alguns, mas não passa, como demonstraremos, quanto ao seu conteúdo, de um alinhar de ideias utópicas, de inspiração estrangeira e sem valimento ou aceitação na sociedade portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que somos portugueses e nesta matéria, como em muitas outras, haveríamos de saber legislar não só com o sentido da oportunidade mas também com rigor e em comunhão com os interesses, as aspirações e as realidades nacionais, evitando erros por outros cometidos, mercê de precipitação.
Todos e nós próprios compreendemos e sentimos que os quadros jurídicos são necessários e imprescindíveis à vida em comunidade, mas os mesmos terão de surgir naturalmente, com base em experiências comparadas e comparáveis, próprias e alheias.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Para que nos servirão os edifícios jurídicos estrangeiros por mais bem construídos e arquitectados que se apresentem quando na nossa própria casa ainda não fomos capazes de erguer algumas traves mestras, como sejam: a lei dos licenciamentos de rádio, a lei da actividade radiofónica (vulgarmente conhecida por lei da rádio) e a lei da radiotelevisão?
Será possível e, diríamos mesmo, prudente, vestir as roupagens decorativas dos pseudograndiloquentes princípios brandidos no projecto de lei em discussão, sem primeiro ganhar no quotidiano a necessária experiência da aplicação das leis mais simples, menos complexas e menos pretensiosas?
Não somos dos que defendem o apertar conceituai e normativo dos objectivos da relevante matéria da comunicação audiovisual, em virtude de acreditarmos na rápida evolução tecnológica, na criatividade dos próprios meios de comunicação social e no seu grande poder de adaptação.
É o presente projecto do PS obra dos condicionalismos e da necessidade de afirmação de um partido político de oposição, mas, em boa verdade, não podem os seus progenitores esperar complacência nesta matéria, pois o fenómeno do poder e da sua conquista já não é um problema da elite dirigente mas tornou-se um problema de comunicação social.
Em consequência, e nisso concordamos com a parte do preâmbulo do documento em discussão que o refere, a informação deve ser livre, pluralista e isenta, mas este tão caro objectivo não se realiza unicamente com a abolição dos impedimentos e discriminações previstos na Constituição. Consegue-se, também e sobretudo, com o desaparecimento dos monopólios estatais (entre nós é notório e pernicioso o monopólio da Radiotelevisão).

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Que apareça pois a multiplicidade de vozes e de imagens que dará à noção de «pluralismo de expressão» o seu genuíno e originário significado.
É da sã concorrência que há-de nascer, com o vigor das coisas permanentes, o verdadeiro pluralismo feito com a rica personalidade do Homem e das instituições pois só ele, em liberdade, é senhor e capaz de criar.
Aplaudimos, de igual modo, os tímidos afloramentos de abertura à iniciativa privada da televisão reflectidos em alguns, embora escassos, dos preceitos constantes do projecto, mas já não compreendemos e registamos de forma negativa o empolamento e a defesa que é feita do sector público e da titularidade construída segundo uma estiolante filosofia estatal e estatizante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A iniciativa privada, cujos projectos conhecidos constituem já hoje um facto na sociedade

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portuguesa - casos da igreja católica, de grupos económicos sólidos ligados à comunicação social escrita e de grupos regionais - mereceria um melhor, mais aberto e mais explícito quadro jurídico que acolhesse soluções idênticas, quer para a televisão privada quer para a televisão, enquanto empresa pública. É tempo de coexistência do audiovisual privado e público. É tempo de dar ao público o direito de opção, o direito de escolher o programa que lhe interessa. É tempo de o público escolher o que entenda ser o melhor - e este desiderato será sempre o resultado da concorrência que nobilitará o próprio serviço público afastando-o da degradação das coisas únicas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Que pruridos tem o Partido Socialista que o levam a não provar ser um criador de Liberdade? E que, convenhamos, o facto do espaço radioeléctrico ser um bem do domínio público não significa que ele seja propriedade do Estado, pois o Estado não é o proprietário do domínio público que há-de pertencer a todos.
Bom seria que lado a lado com a empresa pública de televisão existisse a empresa privada de televisão, com a mesma dignidade e igualdade de tratamento normativo, o que infelizmente não acontece.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Assim é que se fala!

O Orador: - O projecto de lei do PS, para além de repositório de princípios e valores, pura repetição de conceitos já legalmente consagrados, é pródigo na criação de novas entidades como seja o «Conselho Nacional do Audio-Visual», composto por dezanove pessoas, o «Instituto Nacional da Imagem e do Som», com estatuto a definir por decreto-lei, e ainda, no âmbito das empresas públicas, para além dos normais órgãos sociais, de composição não homogénea e alargada, fomos descobrir o «Conselho Permanente de Teledifusão».
Por outro lado, o projecto em discussão prende-se com modelos de gestão das empresas públicas de rádio e de televisão que se revelam um verdadeiro corpo estranho de normas impertinentes no contexto de uma lei de bases dos meios audiovisuais.
O projecto em análise não se mostra suficientemente atento a considerar que na rádio, já ontem, como nos dias de hoje, na televisão sem fronteiras, o audiovisual progride a par da rápida evolução técnica verificada na micro-electrónica, nos satélites e na opto-electrónica, construindo-se cadeias de audiovisual e melhorando-se a recepção de som e imagem. É curioso anotar que, a nível europeu, 11 milhões de espectadores vêm televisão por cabo, prevendo-se que serão 25 milhões em 1990, e que até 1983 apenas a Eurovisão utilizava o satélite para programas desportivos quando, na actualidade, a França e a Alemanha já lançaram os seus satélites de difusão directa, projectos estes seguidos por outras entidades (Europa TV, Telex e SARIT).
É a este panorama de horizontes indefinidos e em mutação permanente que o projecto PS não responde.
Desfigura a sua nominação de lei de bases ao regulamentar ao pormenor, designadamente, o Conselho Nacional do Audio-Visual, que, aliás, dados os dezanove elementos que o compõem, é mais um orgão destinado a não funcionar e propenso a despender ao erário público substanciais verbas, sem esquecermos a invasão que faz no campo das atribuições administrativas, como órgão anómalo de decisão.
Outro tanto se dirá do «Instituto Nacional da Imagem e do Som» que arquiva a imagem e o som e até chega a tornar-se automaticamente proprietário dos arquivos alheios de que poderá servir-se, espante-se, para a produção de programas cujos proventos de comercialização constituem receitas próprias.
De igual modo, contra a lógica e natureza das coisas, como atrás referimos, o capítulo v contém normas sobre o modelo de gestão das empresas públicas de rádio e televisão. Nada de mais inadequado e verdadeiramente espúrio que contemplar numa lei de bases de audiovisuais matéria de gestão de empresas públicas. E chega-se até ao pormenor de definir a composição dos órgãos sociais com um conselho geral de 28 membros, um conselho de administração de sete membros, uma comissão executiva de três membros e, para além da comissão de fiscalização, um director-geral. Tudo isto para as empresas públicas de televisão e de rádio.
Por último questiona-se sobre se é adequada a integração numa lei, que pretende ser de bases do audiovisual, da regulamentação do exercício dos direitos de antena, de réplica política dos partidos de oposição e de resposta ou de rectificação que já hoje têm lei própria.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: É preciso mudar de mentalidade e de óptica. Os meios audiovisuais não podem continuar a ser instrumentos de poder. Eles são um poder por si próprios e, como tal, criaram e criarão as suas próprias regras.
Não somos contra uma autêntica lei de bases dos meios audiovisuais, só que não embarcamos em soluções precipitadas, conjunturais e tão pouco amadurecidas.
Temos leis em preparação, em sede de especialidade para se votarem nesta Câmara e que são muito mais necessárias e urgentes - como a dos licenciamentos de rádio e a de actividade radiofónica.
Vamos dar tempo ao tempo, adquirir a necessária e indispensável experiência, reflectir sobre tudo isto e, só então, de forma cuidadosa e menos impaciente, teremos condições para elaborar uma lei de bases dos meios audiovisuais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado Vieira Mesquita começou por qualificar o projecto de lei apresentado pelo PS como consubstanciando um conjunto de ideias utópicas de inspiração estrangeira. O que é que o Sr. Deputado achava se eu qualificasse o seu discurso, que acabámos de ouvir, como um conjunto de ideias passadistas de inspiração provinciana? Sinceramente foi o que me pareceu deduzir das suas palavras.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Tem alguma coisa contra a província?

O Orador: - Contra a província não, mas contra o provincianismo tenho e espero que saiba distinguir entre o que é a província e o provincianismo.

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O Sr. Mendes Bota (PSD): - Parece que o senhor é que não sabe!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado Vieira Mesquita diz que o Conselho Nacional do Audio-Visual tem um excesso na sua composição e que, porventura, ele é demasiado heterogéneo e invade a competência do Governo no seu domínio de competência administrativa.
Ou estou muito enganado, ou no programa eleitoral e, sobretudo, no Programa de Governo do PSD, existem afirmações contra a desgovernamentalização do sector público da comunicação social. Pode o Sr. Deputado explicar-me o que é que, do ponto de vista do PSD, se propõe para efectivamente consagrar a desgovernamentalização do sector? Ou nessa matéria só ficamos por palavras no que diz respeito à atitude do Governo e à bancada que o apoia?
Admito que discorde do modelo de projecto relativo ao Conselho Nacional do Audio-Visual, mas diga-me por favor qual é o projecto do PSD para desgovernamentalizar o sector.
Quanto às empresas, o Sr. Deputado acha que elas têm um excesso de órgãos. Para além do conselho geral - e suponho que não estará contra a existência de um conselho geral numa empresa pública - haverá ainda um conselho administrativo que se desdobra numa comissão executiva. Mas, Sr. Deputado Vieira Mesquita, se nós, com a flexibilidade que aqui referimos, abandonarmos a ideia da comissão executiva e restringirmos o número dos membros que compõem o conselho geral? Com esta solução o senhor passa a estar de acordo? Gostaria muito de saber se neste caso passaria a estar de acordo com o modelo.
Ou será que afinal a questão é outra?
O Sr. Deputado faz criticas de pormenores porque tem uma divergência de fundo essencial e essa é, afinal, a de manter o sector público da comunicação social, naquilo que sobrar dele, totalmente na dependência do Governo e no resto fazer um desmantelamento, sem discutir aqui na Assembleia da República qual o modelo sério e convergente que o sector público da comunicação social deve ter em termos de âmbito.
Sr. Deputado, estou muito curioso de ouvir as suas respostas às questões que lhe acabo de formular.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, depois de constatar o seu entusiasmo, mais próprio de um comício do que desta discussão...

Risos do PSD.

.. .Queria formular-lhe algumas questões. Já tive oportunidade de o fazer ao Sr. Deputado Raul Junqueiro, autor do projecto, mas a bancada do MDP/CDE ainda tem algumas dúvidas, pelo que perguntar-lhe-ia o seguinte: estará V. Ex.ª contra o respeito pelo pluralismo ideológico constante do artigo 6.º deste projecto? Estará V. Ex.ª contra a defesa da liberdade de expressão que também consta deste projecto? e contra a divulgação de mensagens do Presidente da República, do Governo, das notas oficiosas da Assembleia da República? Desejava, ainda saber se é contra um conceito de fiscalização com a participação de trabalhadores, conforme este projecto prevê?
Se estiver contra isto, estará contra tudo o que está actualmente em vigor neste país.
Pergunto também ao Sr. Deputado qual o modelo de gestão que defende. Que modelo de gestão defende V. Ex.ª que deve ser adoptada para os órgãos de comunicação social estatizados? Será um método diferente, mais moderno ou, como nós tivemos oportunidade de verificar há cerca de um mês, como o que se aplicou para o Diário Popular!
Gostava, pois, de saber se entende que o melhor método é a governamentalização constante dos órgãos de comunicação social estatizados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a gestão «sheltox»!

O Orador: - Gostava de saber se o seu partido pensa que até agora o melhor modelo de gestão existente nos órgãos de comunicação social é aquele que tem vindo a ser seguido de há vários anos a esta parte.
Finalmente, Sr. Deputado, desejaria saber se V. Ex.ª está contra ou a favor do disposto no artigo 2.º deste projecto onde se diz:

1 - As actividades de radiodifusão e de televisão constituem serviços públicos, a prosseguir pelo Estado, através de uma ou mais empresas públicas, nos moldes constantes dos respectivos estatutos, e por operadores privados, mediante concessão e licenciamento?
Se V. Ex.ª está contra, então está contra tudo aquilo que o seu partido e o seu Governo têm defendido; se está a favor, terá de concordar com este projecto de lei.
Afinal, em que lugar se situam V. Ex.ª e o seu partido perante as realidades que constam deste projecto?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, começo por lamentar o tom da intervenção de V. Ex.ª que, na sequência daquele que foi utilizado pelo Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, Fernando Nogueira, acaba por revelar um aspecto muito curioso: é que o PSD e o Governo, que tanto têm apregoado a liberalização no acesso aos meios audiovisuais, que tanto têm propagandeado a defesa da iniciativa privada para a rádio e para a televisão, confrontados com uma proposta concreta nesse sentido, invocam a Constituição da República e argumentos que nada têm a ver com o cerne do assunto e, curiosamente, fogem a essa situação.
Daqui cada um de nós tirará as suas conclusões, e uma delas, talvez a não menos relevante, é a de que, no fundo, o PSD e o Governo estão satisfeitos com a actual situação, com o monopólio existente na televisão no nosso país...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - .. .e que, realmente, a tão propagandeada abertura é tão-só um disfarce para continuarem a utilizar a televisão pública como têm feito até aqui.

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Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - A propósito, gostaria de colocar ao Sr. Deputado Vieira Mesquita algumas questões.
A primeira diz respeito a uma afirmação de V. Ex.ª que não entendi muito bem. Disse o Sr. Deputado que o espectro radioeléctrico é do domínio público mas não é da propriedade do Estado. Sr. Deputado, quem é o proprietário do domínio público? O Estado não tem nada que ver com o espectro radioeléctrico? Então não é um dos deveres essenciais do Estado cuidar do espectro de frequências?
Porque se pronunciou contra o Conselho Permanente de Teledifusão, gostaria de lhe perguntar: o Sr. Deputado concorda com a descoordenação que existe entre as várias redes de emissão, transmissão e retransmissão existentes no País? Concorda que a RDP, a RTP, os CTT, as organizações policiais, as organizações ligadas aos transportes, as empresas públicas de transportes tenham, lado a lado, nos principais montes e serras deste País, os mesmos emissores, o mesmo pessoal, trabalhando para o mesmo fim? O Sr. Deputado concorda que é aceitável manter-se esta situação no futuro? E se não concorda com o modelo que nós propusemos qual é a sua alternativa, Sr. Deputado?
Em último lugar, quanto ao Instituto Nacional da Imagem e do Som, o Sr. Deputado não pensa que é importante que alguém cuide devidamente dos registos magnéticos, quer em filme, quer em vídeo, quer em audio, que são parte integrante do património cultural do nosso país? O Sr. Deputado conhece as condições em que a esmagadora maioria desses registos se encontra? Sabe o perigo concreto que representa para o nosso património a perda de tais registos? Não é fundamental que tenhamos uma iniciativa no sentido de preservar tais recursos? E não é fundamental também que as novas iniciativas que se constituam, nomeadamente no âmbito da televisão, possam ter acesso a registos magnéticos que em determinado momento não podem ser considerados como pertença de ninguém, mas como pertença da comunidade? E se o Sr. Deputado não concorda com a nossa proposta, qual é a sua alternativa?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Dessa última parte gostámos!

Aplausos do PS e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita, para responder às questões que lhe foram formuladas.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, começo por lhe responder, dizendo-lhe que não o vou apodar com qualquer chavão, como V. Ex.ª fez no começo da sua intervenção, porque respeito o lugar em que estamos e a liberdade que temos de expressar as nossas opiniões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à discussão da lei de bases dos meios audiovisuais, penso não ser este o lugar próprio para a discutir na especialidade, pois estamos a fazê--lo na generalidade e não lhe vou aqui dizer quais os modelos que o meu partido propõe para aquilo que chamam a desgovernamentalização.
Não há que temer o modelo de gestão que existe na actual Radiotelevisão Portuguesa. Ele tem gerido a RTP com isenção, com pluralismo...

Uma voz do PS: - Essa é boa!

O Orador: - ... e com abertura a todo o espaço ideológico que no nosso país existe.

Risos do PS.

O Orador: - Não vejo razão para que estejamos a lançar uma suspensão sobre um órgão que, efectivamente, tem desempenhado com competência a função que exerce de acordo com o estatuto que o rege. Por isso mesmo, não me encaminho tão facilmente para esses chavões da desgovernamentalização ou da desparlamentarização. Muitas vezes a criação de órgãos paralelos só serve para pintar situações, porque eu não acredito nos neutros. Não vejo neutralidade, muitas vezes, naquilo que os senhores propõem. Os senhores hoje, na oposição, pretendem criar órgãos que possam dominar e fazem assim a partidarização desses mesmos órgãos e da gestão dessas empresas.

Aplausos do PSD.

Sr. João Corregedor da Fonseca, quero dizer-lhe que muitas das coisas que afirmou não estiveram, nem declarada nem implicitamente, na minha intervenção. V. Ex.ª pode ter a certeza que comecei por afirmar que somos pela isenção e pela liberdade de expressão nos meios audiovisuais. Isso está suficientemente claro. Agora quanto às causas que determinam essa isenção e esse pluralismo na informação, são bem outras as causas que defendemos.
Defendemos a séria concorrência em que tenham acesso a esses poderosos meios de comunicação social, não só a empresa pública que o Programa do Governo defende, como seja uma empresa pública de radiotelevisão, um jornal ou uma rádio, mas também a iniciativa privada.
É da harmonia do debate permanente entre essas diferentes entidades que pode nascer o verdadeiro, autêntico, pluralismo.
Creia, portanto, Sr. Deputado, que somos pela isenção, pela liberdade e pela independência dos órgãos de informação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que não defendemos é o permanente conservadorismo em que VV. Ex.ªs apostam e que em nada querem mudar.
Entendemos que se deve caminhar, hoje, passados mais de dez anos de democracia, para ideias muito mais abertas.
Esse pluralismo a nível mundial entra-nos pela casa dentro. Veja o que acontece com as antenas parabólicas que estão a instalar pelos nossos concelhos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado, no artigo 2.º deste diploma cria-se a possibilidade de haver operadores privados.
Afinal, está ou não a favor deste projecto de lei?

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O Orador: - Eu respondo-lhe, Sr. Deputado.
Quanto ao artigo 2.º, relativo à titularidade, pergunto-me por que é que se fala em empresas públicas e não em empresas privadas!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não fala?

O Orador: - Por que é que se fala «nos moldes constantes dos respectivos estatutos, e por operadores privados»? O que é isso de «operadores privados»? Por que é que aqui também não se há-de consignar em igualdade de tratamento empresas privadas que se poderão constituir segundo as formas que estão previstas nas leis das sociedades comerciais?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Assim já está claro!

O Orador: - É exactamente por isso que eu disse na minha intervenção que não discordamos com o que aqui está consignado, mas entendemos que aquilo que o Partido Socialista fez neste domínio é ainda tímido. Ele deve ser claro e não deve ter nenhum tipo de preconceito em propor, claramente, que tenham acesso aos órgãos audiovisuais, de televisão e de rádio, as empresas privadas, em pé de igualdade com as empresas públicas.
É isso que desejamos ver consignado numa lei de audiovisuais.
Quanto ao Sr. Deputado Raul Junqueiro, quero dizer que defendemos indiscutivelmente - como, aliás, já transpareceu das minhas respostas e da própria intervenção que produzi - a iniciativa privada.
Aliás, estamos a passar por essa experiência. Os grupos ligados à comunicação social escrita, os grupos ligados a regiões, à igreja católica, têm-se debruçado sobre este problema e tem afluído a esta Assembleia perante a comissão especializada que tem estado a trabalhar nesse problema.
O Sr. Deputado sabe por que é que isso está a ser tratado? Porque o Governo propôs uma alteração à lei da actividade da Radiotelevisão, por forma a consentir o acesso da iniciativa privada ao meio audiovisual que é a radiotelevisão.
Contudo, esse tema arrasta-se há mais de um ano e ainda não foram capazes - designadamente esta Assembleia - de legislar no sentido de alterar a Lei da Radiotelevisão, por forma a permitir o acesso da igreja católica, conforme proposta do Governo nesta matéria.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - A igreja católica não é iniciativa privada!

O Orador: - Quanto ao domínio público, quando digo que não é propriedade do Estado, é porque entendo que o domínio público pertence a todos os portugueses.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E a quem é que pertence o Estado? O Estado pertence ao PSD!?

O Orador: - O exercício desse direito é feito pelo Estado, que é pessoa colectiva, mas, em primeira ordem, ab origine, esse domínio público é de todos os portugueses, pelo que deve ser devolvido a todos os portugueses.
O Estado não deve criar monopólios que só sirvam as empresas públicas. Deve servir as empresas públicas e deve servir as empresas privadas.
Quanto ao Instituto Nacional da Imagem e do Som, trata-se de um problema que poderemos discutir na altura própria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de alteração aqui hoje anunciada pelos subscritores do projecto de lei n.º 274/IV - ainda não suficiente, no entanto, para evitar impedimentos constitucionais - veio limitar ainda mais o âmbito de um texto que a si mesmo se apresenta como um projecto de lei de bases dos meios audiovisuais. Uma ambição demasiadamente grande por parte de quem, corrigidas as necessárias alterações exigidas pela Constituição, não vai além da definição dos «princípios fundamentais das actividades de radiodifusão sonora», da televisão do sector público e do «modo de actuação das empresas que delas se ocupam». Um nome demasiado ambicioso para uma lei que, pretendendo-se de bases e de todos os meios audiovisuais, esquece questões tão importantes como a discografia, o vídeo e, sobretudo, o cinema.
Ou seja e por outras palavras: o projecto de lei agora em discussão, além de não contemplar todas as técnicas de registo de som e imagem, passa ao lado de formas de reprodução que já muito deixaram de ser promessa, porque constituem, de facto, fenómeno importante, com mecanismos e interesses que jamais o legislador, qualquer legislador, poderá facilmente ignorar.
E mais ainda quando, como agora, nos vemos confrontados com um texto que, consequência da «análise combinada da consolidação do regime democrático» com a «evolução tecnológica» (estou a citar o preâmbulo), pretende perdurar-se no tempo e representar «um verdadeiro consenso político e social».
De facto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, extirpadas que sejam as referências ao regime de licenciamento em relação aos operadores privados de televisão, e a substituição da concessão por subconcessão, o projecto de lei n. º 274/IV poderá constituir uma achega à lei da rádio, que brevemente irá ser debatida na Subcomissão para a Comunicação Social ou ainda funcionar como um dos documentos sobre os quais, por certo, se debruçará a Comissão Eventual para a Televisão.
Não, no entanto, um projecto de lei de bases dos meios audiovisuais.
E, mesmo assim, terá de atender às sugestões já hoje aqui adiantadas, algumas delas pela minha própria bancada, pela voz do deputado Costa Carvalho, terá de atender às exigências trazidas pela Lei n.º 20/86 e pelo Decreto-Lei n.º 358/86, que, depois de ratificado, passará a estabelecer o regime da alienação de participações ou bens e instalações detidas pelo Estado em empresas de comunicação social; aos princípios que, dentro de dias, irão por certo ser consagrados na lei dos licenciamentos de rádio; ou ainda na transformação do previsto Instituto Nacional de Imagem e do Som em verdadeiro arquivo nacional do som e da imagem em movimento, depois de completado o levantamento, há anos iniciado por uma comissão, entretanto obrigada a ficar pelo caminho.

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Estas, no entanto, são questões a ser debatidas na especialidade, se este projecto vier a ser aprovado na generalidade.
Por agora, Sr. Presidente, Srs. Deputados, quererei apenas acrescentar que este projecto chegou tarde de mais. Traz o atraso de alguns anos e na forma como se apresenta poderá significar tão-somente a consolidação das partilhas acontecidas ad longo dos últimos anos e que, neste momento, terão de ser tidas em conta.
É que, a ser aprovado assim, permaneceriam inalteráveis muitas das situações nascidas de flagrantes injustiças, como aquelas que aqui, nesta Casa, em Julho de 1985, foram unanimemente reconhecidas pelos deputados que integraram a Comissão Eventual ,de Inquérito à Televisão Portuguesa. Aí se reconhece, por exemplo, a admissão de jornalistas por razões meramente partidárias, com a finalidade de, tanto na informação como na programação, se dar cumprimento ao estabelecido em tempo de coligação governamental, no caso, o denominado bloco central.
E o mesmo -é do domínio público- se verificou em relação à rádio ou em relação a outros órgãos de comunicação que não vêm agora ao caso.
A comunicação social precisa, de facto, de moralização urgente. Também através de legislação adequada, só que, na situação actual, tendo em conta as partilhas antes acontecidas, para que, na medida do ainda possível, diminua um pouco a força dos «comissários políticos», seja dada um pouco de moralização a situações que tiveram por origem apenas interesses partidários.
Só assim, de facto, poderá acontecer comunicação social.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: «No que se refere à televisão, o Estado não pode abdicar de ser ele próprio a fazer a gestão das frequências, cabendo-lhe definir o sistema de comunicação de suporte electrónico, incluindo os objectivos a atingirias formas de organização empresarial e a natureza do seu capital. É por isso imperioso proceder à revisão da lei da televisão.
Nesta revisão, ter-se-á em conta o movimento existente nos países das Comunidades Europeias, no sentido de a adaptar a novos meios de difusão e de recepção resultantes da evolução tecnológica, com acesso à iniciativa privada.
Mas é preciso, ainda, rever o estatuto, da empresa pública concessionária do serviço, de televisão - Radiotelevisão Portuguesa, E. P. -, no sentido, nomeadamente, da desgovernamentalização da sua gestão, de modo a impedir as degradantes tentativas de controle político por parte das forças partidárias que em cada momento detenham o poder executivo.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já todos perceberam, acabei de ler o Programando actual governo, numa passagem relativa à comunicação social. Todavia, o que aqui vimos hoje, quer pelas palavras do Sr. Ministro de Estado, quer pelas palavras do Sr. Deputado Vieira Mesquita, foi a negação completa dos propósitos constantes do próprio Programa do Governo.
Censurou-se aqui que o Partido Socialista procurasse desgovernamentalizar o sector e disse-se que essa expressão de «desgovernamentalização» não encobria senão o propósito de, por outros meios, partidarizar os órgãos dos conselho atinentes a este sector.
O Sr. Deputado Vieira Mesquita deu a governamentalização de barato e afirmou mesmo que o actual modelo de gestão, no que à RTP diz respeito, vai muito bem de saúde, «deixem-nos estar», não poderia ser melhor do que é.
Esta é, obviamente, uma contradição completa da afirmação sustentada pelo próprio Governo.
No que diz respeito à gestão do espaço radioeléctrico, ouvimos o Sr. Deputado Vieira Mesquita admirar-se de o PS sustentar que deve ser o Estado e só o Estado a sua única entidade gestora, afinal de contas a mesma ideia que é defendida no Programa do Governo pelo próprio Governo.
Por outro lado, o Sr. Ministro de Estado veio aqui condenar, de certo modo, a iniciativa do Partido Socialista, afirmando que ela não se destinava a legislar para o País mas contra o Governo, justamente porque procurava desgovernamentalizar o sector público do audiovisual.
Pelo que consta do Programa do Governo, pelas palavras do Sr. Ministro e do Sr. Deputado Vieira Mesquita, verificamos o quanto, afinal, o poder criou uma predisposição completamente diferente daquela a que, pelo menos teoricamente, se propôs de início.
Afinal de contas, é o PSD que, hoje, está nos antípodas das suas declarações iniciais sobre esta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Usei da palavra apenas para que ficasse registado como, nesta sessão plenária, houve uma contradição completa entre o Governo e o seu Programa, entre a bancada que apoia o Governo e o próprio Programa do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Jorge Lacão, inscreveram-se os Srs. Deputados Correia Afonso, Gomes de Pinho e Borges de Carvalho. Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, quando começou a ler um livro - cuja leitura, aliás, já antes lhe tinha sido recomendada, mas, ao que parece, só agora olhou para ele - pensei que fosse tirar outras conclusões, e surpreendeu-me, efectivamente, a forma como lê determinada literatura.
Será necessário explicar ao Sr. Deputado o seguinte: a isenção na comunicação social é um bem ou um resultado que funciona como limite inatingível, porque todo o homem carrega em si mesmo uma carga de que se não consegue libertar, e, portanto, por mais isento que queira ser, ele nunca é completamente isento. É na base desta realidade que está a filosofia de que quando se fala em isenção na comunicação social é da diversificação dela que se trata.
E quando o Governo diz que quer reter no domínio público apenas um posto de televisão, um de rádio e um jornal, isto quer dizer que quer desgovernamentalizar, porque mandando para a iniciativa privada outros postos de televisão, outros postos de rádio, outros jornais, se cada um deles não consegue ser isento, o conjunto de pontos de vista diferentes permite ao receptor, que no fundo é o destinatário da comunicação

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social, que organize a sua imagem e a sua realidade com os pontos de vista diferentes dos diversos emissores. Isto é o que quer dizer desgovernamentalizar. O que o Sr. Deputado defende no seu projecto é, pelo contrário, governamentalizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque não está lá o segredo, mas os senhores já o devem ter, da forma como irão dominar ou tentar dominar a comunicação social, pois é sempre esta a luta partidária que temos visto na maior parte dos organismos de há uns anos para cá e acabam por dar a triste imagem, que todos nós já várias vezes aqui vimos, do Conselho de Comunicação Social.
Portanto, queria apenas perguntar ao Sr. Deputado Jorge Lacão se não tinha percebido que desgovernamentalizar é apenas remeter a generalidade dos órgãos de comunicação social para a iniciativa privada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, já tivemos ocasião de dizer aqui com clareza que o que este projecto de lei tem de novo e a única coisa que tem de verdadeiramente importante é o reconhecimento que faz, pela primeira vez, de forma inequívoca, de que o PS admite que no quadro da actual Constituição é possível abrir a televisão à iniciativa privada. O CDS sabe destinguir o fundamental do acessório, e creio que é importante dizer isto para que não haja qualquer dúvida quanto à nossa posição sobre esta matéria.
No entanto, há uma questão que gostaria de lhe pôr, e aproveito a sua intervenção para a colocar. Não ignora o Sr. Deputado que está pendente nesta Assembleia uma outra iniciativa legislativa que prevê a atribuição de um canal de televisão à Igreja. A fórmula utilizada pelo seu partido - aliás, já em segunda versão - no artigo 2.º não é para nós inequívoca quanto ao modo como essa iniciativa, neste momento pendente na Assembleia, pode ou não ter acolhimento no projecto do PS. Este projecto, com efeito, admite que o serviço de televisão possa ser prosseguido pelo Estado através de empresas públicas ou por operadores privados. Ora, é sabido que a Igreja não pode ser considerada - obviamente - nem uma empresa pública, nem um operador privado, porque tem, de facto, um estatuto de direito público, que aliás resulta de tratados internacionais que responsabilizam o Governo Português, e, portanto, aparentemente, a Igreja não é contemplada neste projecto.
Gostaríamos de ver esclarecida esta questão, que, como é compreensível, é uma questão fundamental e gostaríamos também de ser esclarecidos sobre se o PS não refere essa situação na convicção de que é possível fazer uma fusão dos projectos de lei com as iniciativas existentes ou se está disposto a clarificar a redacção do artigo 2.º, em termos de garantir inequivocamente que as confissões religiosas, e em particular a igreja católica, que com o Estado Português tem um acordo internacional celebrado, pode ser titular do direito a utilizar a televisão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Deputado Jorge Lacão, o regresso a esta Sala de alguns elementos da luzida comitiva do PRD que se foi encontrar com o seu partido esta tarde faz-nos lembrar a questão candente de hoje que é precisamente a tentativa do «sim» ou do «não» entre as organizações a que VV. Ex.ªs pertencem, e espera-se que desta vez o «sim» ou o «não» não dêem o «nim» ou algo equivalente.
De qualquer maneira, é a intervenção do Sr. Deputado Alexandre Manuel de há pouco que me faz pôr ao Sr. Deputado uma questão. O PRD, pela boca daquele Sr. Deputado, veio aqui defender que o projecto do PS seria incompleto na medida em que não prevê outros meios de informação, tais como discos, cassettes, postais ilustrados e outros, sobre os quais também deveria ser exercida tutela, ou seja, que o PS deveria «abrir» as competências dos conselhos ali previstos à tutela daqueles meios de informação.
O que quero saber é se o PS, de facto, acolhe esta proposta ou se considera que está fora do projecto de lei que hoje nos trouxe à discussão, e, caso esteja de acordo, se acha conveniente mais algum órgão oficial ou oficioso para tutelar isto e, bem assim, quantos postos de trabalho mais quererá, se acolher essa proposta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Respondendo em primeiro lugar ao Sr. Deputado Correia Afonso, quero dizer, se me permite, que acho que hoje na sua bancada as coisas vão de mal a pior...

Risos do PSD.

... e digo-lhe porquê. Quando me colocou a questão supus que ia aproveitar para relevar as palavras do Sr. Deputado Vieira Mesquita, mas afinal de contas foi apenas para esclarecer sobre o sentido da desgovernamentalização.
Nas palavras do Sr. Deputado Correia Afonso, esta visa, nem mais nem menos, do que remeter a generalidade do sector público para a iniciativa privada. Ou seja, afinal de contas o Sr. Deputado Correia Afonso vai muito para além daquilo que propõe o Programa do Governo, pois este propõe a restrição do sector público e o Sr. Deputado acabou de nos propor, pura e simplesmente, o desmantelamento total do sector público.
Já tínhamos ideia de que esse era o propósito do - PSD, todavia ainda bem que o Sr. Deputado nos deixa isso aqui confirmado. Em todo o caso, gostaria de lhe dizer que essa não era a visão do Governo, quando referiu aqui a expressão desgovernamentalização, e, já agora, e se me permite a maçada, vou voltar a ler o Programa do X Governo Constitucional, que diz:

É preciso ainda rever o estatuto da empresa pública concessionária do serviço da televisão, R. T. P., no sentido nomeadamente da desgovernamentalização da sua gestão, de modo a impedir as degradantes tentativas de controle político por parte das forças partidárias que em cada momento detenham o poder executivo.

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Ora, estou de acordo com este conceito de desgovernamentalização, mas não estou de acordo com a afirmação do seu colega de bancada quando há pouco nos disse que não há que temer o actual modelo de gestão existente na R. T. P.
Afinal, em que é que ficamos quanto à desgovernamentalização, Sr. Deputado Correia Afonso? Vale o Programa do Governo ou vale a nova afirmação do Sr. Deputado Vieira Mesquita? Se nos pudesse esclarecer acerca disto, também lhe ficaríamos gratos.
Quanto ao Sr. Deputado Gomes de Pinho e à questão que me colocou: o Sr. Deputado não queira aproveitar a embalagem, se me permite a expressão, para resolver hoje algo que nem o CDS nem outras bancadas até hoje nunca conseguiram resolver. Já se discutiu muito na Assembleia da República qual a natureza do estatuto jurídico da igreja católica. Já, inclusive, se invocou muitas vezes a Concordata para -sendo, como é, um acordo internacional entre o Estado Português e a Santa Sé- procurar deduzir daí a natureza pública da igreja católica e, por esse facto, o não impedimento constitucional, se o houvesse, à iniciativa da igreja no exercício da actividade televisiva. O que o PS pensa é que, na opinião do Partido Socialista, não há nenhum equívoco acerca desse ponto: a igreja católica pode perfeitamente, se constituir uma empresa -a Rádio Renascença é uma empresa, do ponto de vista jurídico, autónoma em relação à igreja- para, com exclusividade de objecto, vir a concorrer ao concurso público. O que talvez o Sr. Deputado não admita é que a igreja católica se coloque em condições de igualdade com os demais concorrentes para participar num concurso público. Pode ser que esteja aí a razão eventual da nossa divergência, se a houver.
Portanto, o que pensamos quanto a este ponto é que as condições do concurso público devem ser gerais e abstractas e todos os candidatos, incluindo a entidade que a igreja católica venha a constituir, devem concorrer a esse concurso em termos de igualdade jurídica.
Quanto à questão do Sr. Deputado Borges de Carvalho, quero dizer que pode o Sr. Deputado ficar descansado pois não temos qualquer propósito de criar algum conselho, nem nesta matéria nos move o aumento dos postos de trabalho, pois a questão essencial aqui é outra bem diferente.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Não parece!

O Orador: - Quanto à flexibilidade que aqui referimos ela vai no sentido, já hoje afirmado pelo meu camarada Raul Junqueiro, de aliviar -passe a expressão- alguns dos aspectos que os Srs. Deputados criticaram e não de os vir a sobrecarregar. Pode, portanto, partir descansado deste debate, pois não sobrecarregaremos o projecto de lei em matéria de conselhos e estaremos até abertos para os aligeirar até onde for admissível, desde que o objectivo central não seja posto em questão.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - E as cassettes?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por referir que notei o desvelo com que o Sr. Deputado Jorge Lacão quis ter a bondade de ler o Programa do Governo, que agora parece tomar por bom. Reconheço que «mais vale tarde do que nunca» e, portanto, apreciei sinceramente a forma como quis referir-se ao Programa de Governo. Só que, quer parecer-me que o Sr. Deputado continua a não entender o que lá está escrito.
O que se diz no Programa do Governo -e foi bem lido por V. Ex.ª e compreendido por toda a Câmara, porque penso que a linguagem que encerra é uma linguagem transparente e límpida- é que, no momento oportuno, o Governo se propõe promover legislação para alteração do estatuto da empresa pública RTP, tendo em vista uma maior desgovernamentalização na nomeação dos seus gestores. Simplesmente, isso há-de ser uma consequência, isto é, não considera o Governo que seja curial proceder à alteração do estatuto da RTP, E. P., enquanto esta Assembleia da República não decidir, de uma vez por todas, qual o grau de abertura que quer conferir ao exercício da actividade da televisão em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não adianta estar a rever os estatutos da RTP -e só não entende isto quem não quiser entender- enquanto não se souber quem pode exercer e em que medida é que a RTP poderá continuar a exercer a actividade de radiotelevisão em Portugal. Não costumamos pôr os carros à frente dos bois e tão-pouco costumamos, como diz o principal subscritor deste projecto de lei do PS, apenas por querer reconhecer finalmente que é desejável que se abra à iniciativa privada a televisão em Portugal, cobrir isso pomposamente com uma lei de bases sobre todos os meios audiovisuais. Afinal de contas, Sr. Deputado, estamos aqui a discutir um projecto de lei sobre a lei de bases dos meios audiovisuais, e em relação a todos eles, ou esta foi uma forma encapotada encontrada pelo PS para vir agora reconhecer aquilo que podia já ter reconhecido na comissão especializada que está a tratar justamente do artigo 2.º da lei da radiotelevisão? É muito pouco, Sr. Deputado, para um projecto de lei que tem 96 artigos -qual deles com mais implicações, a nosso ver nefastas, nos meios audiovisuais e na gestão de todo esse sistema, que é um sistema delicado e melindroso-, pretender encobrir apenas um reconhecimento tardio de que é necessário dar maior abertura ao exercício da actividade de televisão em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que conta são mais os actos do que as palavras e a verdade é que no conselho de gerência da RTP não existe, contrariamente ao que tem sucedido no passado quando foram outros partidos os responsáveis pela tutela, nenhum elemento que seja militante do partido que constitui o suporte político deste Governo. O director de informação e o director de programas não têm nada a ver com o partido político que suporta politicamente o Governo.
Isto é que é desgovernamentalização e despartidarização, mais do que as palavras e as intenções mas vertidas em lei.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra, mas o PS já não dispõe de tempo que permita ao Sr. Deputado intervir.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o Governo cede tempo ao Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradecendo a benevolência do Governo, não posso, em todo o caso, deixar de ser crítico em relação às palavras do Sr. Ministro.
O Sr. Ministro veio-nos dizer que o Governo não quer pôr o carro à frente dos bois, na medida em que aguarda a definição do âmbito da abertura da televisão à iniciativa privada, para só depois tomar a iniciativa legislativa que se propôs de rever o estatuto da RTP. Todavia, no parágrafo imediatamente anterior àquele que se refere ao estatuto da RTP, leio, no que se refere à televisão:
O Estado não pode abdicar de ser ele próprio a fazer a gestão das frequências, cabendo-lhe definir o sistema de comunicação de suporte electrónico, incluindo os objectivos a atingir, as formas de organização empresarial e a natureza do seu capital. É por isso imperioso proceder à revisão da lei de televisão, n.º 75/79.
Sr. Ministro, estes objectivos de revisão da Lei n.º 75/79 foram escritos pelo seu Governo, mas o seu Governo apresentou aqui uma lei de revisão da lei da televisão n.º 75/79, que se remetia apenas a dar um canal de televisão à igreja católica.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Aí é que está!

O Orador: - Ou seja, não somos nós que estamos a colocar o carro à frente dos bois, os senhores é que se esqueceram dos objectivos que consignaram para a revisão da lei de televisão. E é por isso que estamos, agora, a apresentar uma lei de fundo, já que os senhores abdicaram de cumprir o vosso próprio programa.
Não acha, portanto, que há uma contradição entre o propósito constante do Programa do Governo, de revisão da Lei n.º 75/79, com os objectivos que li e a revisão que nos foi proposta limitada à abertura de um canal de televisão à igreja católica? Não são duas coisas diferentes, Sr. Ministro?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Jorge Lacão, lamento dizer, mas penso que hoje não está num dia feliz. É que a mesma razão que justifica que o Governo ainda não tenha revisto os estatutos da RTP, justifica que, dado ser uma questão polémica, em relação à qual o seu partido, num passado recente, assumiu posições divergentes quanto à apreciação constitucional sobre se pode haver ou não abertura da televisão à iniciativa privada, se a igreja católica pode ou não ter um canal por direito próprio e em propriedade plena, o Governo não tenha querido tomar a iniciativa de fazer a revisão global da lei da televisão, enquanto a Assembleia da República, que é o órgão competente nesta matéria, não decidir, de uma vez por todas, qual a verdadeira interpretação a dar à Constituição e o que quer fazer em termos de legislação ordinária sobre o exercício da actividade de televisão em Portugal.
É que o Governo quando apresentou a proposta de lei a que o Sr. Deputado se refere, também disse que havia abertura, da sua parte, que não prescindiria de considerar que é inegável que a igreja católica pode ter um canal. Mas não escondia a possibilidade e a sua abertura para que outras entidades pudessem vir a exercer a actividade de televisão em Portugal, que não apenas a igreja católica e o Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, como nos termos do artigo 61.º, n.º 5, o autor do projecto pode requerer a respectiva votação no final do debate, e presumo que este está terminado, das duas uma: ou se esqueceu ou não tenciona requerer. Se se esqueceu a nossa bancada estaria disposta a fazer uma pausa para que pudesse requerer a votação, se não está interessado é sintomático.

O Sr. Presidente: - Ainda não encerrei o debate, Sr. Deputado, mas penso que não há mais inscrições.
Entretanto, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 9 de Dezembro de 1986, pelas 18 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Partido Renovador Democrático:

Carlos Corrêa Gago (círculo eleitoral de Lisboa) por Rui José Santos Silva. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 7 de Dezembro corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral, apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.

Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

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880 I SÉRIE - NÚMERO 19

A Comissão: Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - António Manuel Marques Mendes (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Manuel da Costa Candal (PS) - Carlos Manuel Luís (PS) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, em relação à matéria da ordem do dia, não há mais inscrições.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, era nosso entendimento - e agradecíamos que nos dissesse se tal entendimento será regimentalmente admissível- que, não apresentado agora o requerimento da votação, esta ficaria automaticamente transferida para a sessão seguinte para a hora regimental das votações.

O Sr. Presidente: - Será transferida para a próxima quinta-feira às 18 horas, Sr. Deputado.
Não havendo mais inscrições, Srs. Deputados, dou por encerrado o debate, e a votação processar-se-á na quinta-feira, às 18 horas.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Pretendia saber se está pendente na Mesa algum requerimento que promova a cisão deste projecto do PS.

O Sr. Presidente: - Não está não, Sr. Deputado. Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente: no momento da votação o requerimento será apresentado à Mesa. Porém, se o Sr. Presidente entender que a sua apresentação deverá ser efectuada até ao fecho da presente sessão, apresentá-lo-emos ainda antes do seu encerramento, embora se destine a ser votado na próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Não conheço o teor do requerimento, mas se porventura respeita ao processo de votação, deverá ser apresentado antes da sua realização, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Nesse caso, Sr. Presidente, o PS entregará de imediato o referido requerimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como disse V. Ex.ª, se o requerimento disser respeito à votação, deverá ser apresentado antes da sua efectivação. Se o apresentar neste momento, terei que o submeter desde já a votação, dados os requerimentos serem de votação imediata. Assim, penso que a altura mais oportuna para V. Ex.ª apresentar o requerimento é precisamente no momento que precede a votação.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Estamos de acordo com o entendimento que o Sr. Presidente acabou de dar e, como tal, iremos apresentar o requerimento no acto da votação precedendo a votação de fundo.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, considero que é manifestamente insólito o que se está a passar. O PS divulgou um requerimento que pretende a cisão do projecto de lei para efeitos de votação, quando o disposto no Regimento é muito claro: a Assembleia pode deliberar que a discussão e a votação incidam sobre a divisão do projecto, mas não pode deliberar que a votação incida sobre a divisão do projecto.
De facto, se esta situação fosse levada às últimas consequências, poderíamos então requerer que, a propósito de uma discussão na generalidade e após a sua conclusão, um grupo parlamentar pudesse requerer a votação ponto por ponto, o que é manifestamente insólito!
Assim sendo, e conhecendo todas as bancadas o teor do requerimento, penso que este pretenso incidente criado pelo PS deveria ser imediatamente dirimido, a fim de não ser criada uma situação - totalmente desajustada para o prestígio desta Assembleia -, de suspense hitchockiana até à próxima quinta-feira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que tem sido entendimento da Mesa que, antes da votação na generalidade, qualquer deputado possa requerer que a votação se faça ponto por ponto. Tem sido sempre a norma seguida. Se V. Ex.ª consultar o artigo 86.º, verificará que o processo de votação deste requerimento é sempre possível, cabendo a decisão à Câmara.

O Sr. António Capucho (PSD): - O Sr. Presidente desculpar-me-á, mas embora a minha experiência parlamentar não seja longa, jamais vislumbrei nesta Câmara a hipótese da votação de um diploma na generalidade, ponto por ponto. V. Ex.ª poderá consultar outras bancadas, mas penso ser totalmente inédito, Sr. Presidente! E tal facto constituiria o desvirtuamento total dos princípios regimentais que tratam, em primeiro lugar, da generalidade e, depois, da especialidade. É o que me leva a considerar insólito e com objectivos claros este requerimento do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, nos termos do entendimento formulado pela Mesa e por V. Ex.ª, estávamos totalmente de acordo com essa

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10 DE DEZEMBRO DE 1986 881

interpretaçâo regimental. Em todo o caso, para esclarecer um pouco as dúvidas suscitadas pelo Sr. Deputado António Capucho, devo dizer que não se trata manifestamente de votar ponto por ponto. Caso o requerimento venha a ser votado favoravelmente pela Câmara, desdobrará, nos termos do artigo 149.º, um projecto de lei em mais do que um documento a votar. Porém, é a própria Câmara que previamente se pronunciará, votando o requerimento, se o deseja ou não fazer.
Desta forma, ninguém é compelido a votar nos termos que o PS deseja, só porque o deseja. A apresentação de um requerimento supõe que a Assembleia delibere, votando-o.
A única questão que estava presentemente em causa era, Sr. Presidente, a de saber se o momento oportuno para votar o requerimento era agora, antes do final desta sessão, ou aquando da votação, na próxima quinta-feira. O Sr. Presidente entendeu que o momento oportuno seria na próxima quinta-feira, previamente à votação, e nós manifestámos o nosso acordo quanto a esse entendimento.

O Sr. Presidente: - Efectivamente, só me pronunciei sobre a oportunidade desse requerimento.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, visto que a questão se suscita, é preciso que fique claro que a disposição regimental que se relaciona com esta matéria é o n.º 3 do artigo 149.º De qualquer modo, é bom que fique esclarecido que não existe qualquer hipótese de cisão de um projecto de lei, e sim a possibilidade, quando requerida, da votação relativa à divisão de um projecto de lei. Mas não quanto à cisão de um projecto de lei, pois, de outra forma, teríamos de admitir que, por simples requerimento, se passasse a ficar confrontado com duas iniciativas legislativas ou dois documentos autónomos, como se entretanto pudesse arrumar-se um bocado essa iniciativa legislativa.
Não há qualquer hipótese de cisão em termos cirúrgicos. O que o Regimento prevê, ao abrigo do n.º 3 do artigo 149.º, em caso de apresentação de requerimento nesse sentido, é sujeitar a discussão e a votação a divisão do projecto ou proposta cuja autonomia o justifique. Mas, cisão de documento, propriamente dita, não está prevista e creio que não teria sentido admitir essa hipótese.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, continuo a pensar que a Mesa se pronunciou, apenas e tão-só, quanto à oportunidade da apresentação do requerimento, e não quanto à sua substância, até porque não o conhece.
Srs. Deputados, a nossa próxima sessão realizar-se-á na próxima quinta-feira, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia, do qual consta apenas a discussão da proposta de lei n.º 36/IV (Lei do Emparcelamento Rural).
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
António Magalhães Silva.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Rui José dos Santos Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alfredo de Brito.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João Gomes de Abreu Lima.
José Augusto Gama.
José Luis Nogueira de Brito.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Correia de Oliveira.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro José Del Negro Feist.

Deputados Independentes:

Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Cecília Pita Catarino.
Francisco Jardim Ramos.
José Olavo Rodrigues da Silva.

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882 I SÉRIE - NÚMERO 19

José Pereira Lopes.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
António Cândido Miranda Macedo.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul da Assunção Pimenta Rego.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Bártolo de Paiva Campos.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
José Fernando Pinho da Silva.
Luís Augusto Pestana Mourão.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Rodrigues Vitoriano.
Octávio Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

António Vasco Mello César Menezes.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.

Rectificação ao n.º 108, de 8 de Outubro de 1986

(1.ª Sessão Legislativa)

Tendo-se inserido, por lapso, no frontispício do n.º 108 do Diário da Assembleia da República a expressão «Sessão Suplementar», deve a mesma considerar-se sem efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do Regimento.

As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO: 112$00

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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