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Sexta-feira, 12 de Dezembro de 198(c)

PORTE PAGO

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE DEZEMBRO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. António Joaquim Bastos Marques Mendes

Secretários: Exmos. Srs.

Daniel Abílio Ferreira Bastos
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes de ordem do dia. - Deu-se conta dos requerimentos, de respostas a alguns outros e dos diplomas entrados na Mesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Capucho f PSD) teceu algumas considerações sobre a aprovação do Orçamento do Estado para 1987. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Lopes Cardoso (PS), Raul Castro (MDP/CDE), João Amaral (PCP) e Jaime Cama (PS).
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas (PCP) protestou contra o aumento de preços recentemente decretado, considerando-o um agravamento das condições de vida das camadas mais desfavorecidas. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Mendes Bota (PSD).
O Sr. Deputado João Cravinho (PS) considerou que o Governo deve ao País uma explicação profunda sobre o que entende relativamente ao debate orçamental, que considerou uma viragem decisiva para o fortalecimento de uma alternativa. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Capucho e Duarte Lima (PSD).
O Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos (PRD) considerou que a rejeição das GOPs de 1987 e a retirada das GOPs de médio prazo representaram uma clara incapacidade do Governo em promover reformas estruturais e uma derrota política.
O Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD) referiu-se à passagem dos 150 anos do Município de Paços de Ferreira e ao I Congresso Nacional de Folclore e Etnologia para jovens e às suas conclusões. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD), pondo em causa a concessão às cooperativas agrícolas da equiparação e armazenistas, referiu-se a uma decisão da Cornara Municipal de Alcobaça, considerando que a mesma permite que os combustíveis adquiridos através de uma cooperativa de que aquela Câmara é sócia não sejam utilizados em finalidades estritamente agrícolas.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra (PCP) levou ao conhecimento da Assembleia algumas situações de ilegalidade e de atentado aos legítimos direitos dos trabalhadores verificados no distrito de Aveiro, exigindo uma resposta do Governo no sentido de pôr termo às situações relatadas.
O Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) criticou o teor de um requerimento, subscrito pelo Sr. Deputado Oliveira e Silva (PS) e por outros deputados de partidos da oposição, relativo à construção de uma escola preparatória e secundária no concelho de Viana do Castelo. Prestou no fim explicações relativas ao uso do direito de defesa exercido pelos Srs. Deputados Oliveira e Silva (PS) e Barbosa da Costa (PRD).
O Sr. Deputado Lemos Pires (PRD), a propósito da formação de monitores promovida pela Associação para a Divulgação das Novas Tecnologias de Informação, considerou avolumarem-se as suspeitas de que a aplicação dos fundos comunitários em acções deformação profissional estaria a produzir formas de gestão irracionais e perdulárias e que delas não estariam ausentes os fumos da corrupção, terminando por solicitar uma explicação do Governo.
O Sr. Deputado Brito Percheiro (PRD) congratulou-se pela decisão da UNESCO em classificar como património da humanidade a cidade de Évora. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Soares Cruz (CDS).
O Sr. Deputado José Magalhães (PCP), a propósito de uma proposta de resolução, apresentada pelo Governo Regional da Madeira à Assembleia Regional da Madeira, relativa à observância de luto em edifícios do seu património ou sob sua tutela, protestou contra a mesma e questionou o Governo e o PSD sobre a a t ilude que irão assumir. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento e ao uso do direito de defesa exercido pelo Sr. Deputado Jardim Ramos (PSD).
O Sr. Deputado Jorge Lacão (PS), na sequência da anterior intervenção, protestou contra as afirmações do Sr. Deputado Jardim Ramos (PSD) a propósito da não observância de luto na Região Autónoma da Madeira pela morte do Presidente Samora Machel. Respondeu no fim a um protesto do Sr. Deputado Cardoso Ferreira (PSD), o qual motivou o uso do direito de defesa por parte do Sr. Deputado José Magalhães (PCP), e ao uso do direito de defesa por parte do Sr. Deputado Jardim Ramos (PSD).
Foi aprovado um voto de saudação pelo 38.º aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, tendo produzido declarações de voto os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Raúl Castro (MDP/CDE), António Paulouro (PRD), Montalvão Machado (PSD) e Almeida Santos (PS).
Foram aprovados os n.ºs 14 e 15 do Diário.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei n. º 36/IV (lei do emparcelamento rural), tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Joaquim Gusmão), os Srs. Deputados Soares Cruz (CDS), Lopes Cardoso (PS), Rogério de Brito (PCP), Luís Capoulas (PSD), Almeida Santos (PS), Álvaro Figueiredo (PSD) e João Abrantes (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Alípio Pereira Dias.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Filipe de Ataíde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Américo Albino Silva Sal t eiró.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia,
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Hugo de Jesus Sequeira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.

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Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Vítor Manuel Ávila da Silva.
Vítor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Melo César Meneses.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Correia de Oliveira.
Manuel Fernando Silva Monteiro.
Maria Adelaide Lucas Pires Soares.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raúl Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:

Maria Amélia do C. Mota Santos.
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os requerimentos, respostas a requerimentos e diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: no dia 20 de Novembro de 1986: ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Santana Maia e outros; a diversos Ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado António Mota; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Magalhães Mota e outros e Henrique de Morais; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Lopes Vieira; a diversos Ministérios (2), formulados pelos Srs. Deputados Ramos de Carvalho e Sá Furtado; a diversos Ministérios (3), formulados pelos Srs. Deputados António Feu e João Barros Madeira; às Câmaras Municipais do Cartaxo e de Abrantes e ao Ministério da Indústria (3), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Dias de Carvalho e Carlos Brito; às Secretarias de Estado da Cultura e do Ambiente (2), formulados pelo Sr. Deputado Costa Carvalho.
No dia 21 de Novembro de 1986: a diversos Ministérios (18), formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Maia e outros; aos Ministérios do Plano e da Administração do Território e da Educação e Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado Leonel Fadigas; a diversos Ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado António Mota; à Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Raúl Junqueiro; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Luís Roque, Roleira Marinho, Jorge Lacão, Ramos de Carvalho, Armando Fernandes e Sousa Pereira; aos Ministérios da Agricultura, Pescas e Alimentação e da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Pinho da Silva; aos Ministérios da Educação e Cultura e da Administração Interna (2), formulados pelo Sr. Deputado Dias de Carvalho; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Oliveira e Silva e outros; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Licinio Moreira.
No dia 2 de Dezembro de 1986: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Reinaldo Gomes, António Guterres, Raul Castro, Costa Brito, Marcelo Curto,

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Vitorino Costa, Carlos Martins, Pereira Coelho, José Tengarrinha e Ilda Figueiredo; a diversos Ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Governo (3), formulados pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Mendes Bota e Jerónimo de Sousa; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Dias de Carvalho, António Mota e Corujo Lopes; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pio Sr. Deputado Lopes Cardoso; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (5), formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Brito, Jorge Lemos, Jorge Patrício e António Osório; a diversos Ministérios (9), formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; ao Ministério da Saúde e às Câmaras Municipais do Porto e de Vila do Conde (3), formulados pelo Sr. Deputado Sousa Pereira; ao Ministério do Plano e da Administração do Território e à Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere (2), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; aos Ministérios da Agricultura, Pescas e Alimentação e da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Pinho da Silva.
No dia 3 de Dezembro de 1986: aos Ministérios do Trabalho e Segurança Social e da Agricultura, Pescas e Alimentação (3), formulados pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Armando Lopes, João Corregedor da Fonseca, Guerreiro Norte, Costa Carvalho, Vasco Marques e Sousa Pereira; a diversos Ministérios (6), formulados pelo Sr. Deputado João Abrantes; à Secretaria de Estado da Juventude, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e Jorge Patrício; ao Governo (8), formulados pelo Sr. Deputado Reinaldo Gomes; a/diversos Ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Ministério da Educação e Cultura (11), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; a diversos Ministérios (12), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes.
No dia 4 de Dezembro de 1986: a diversos Ministérios (6), formulados pelo Sr. Deputado António Mota; a diversos Ministérios (7), formulados pelos Srs. Deputados Anselmo Aníbal e Luís Roque; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado José Cruz; ao Ministério da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; a diversos Ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado Rui de Sá e Cunha; a diversas Secretarias de Estado (3), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Patrício e outros; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Zita Seabra; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Armando Vara.
No dia 9 de Dezembro de 1986: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (2), formulados pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados António Guterres e Lopes Vieira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Daniel Bastos; ao Ministério da Educação e Cultura (2), formulados pelos Srs. Deputados Ramos de Carvalho e Sá Furtado; ao Ministério dás Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Pinho da Silva e Armando Fernandes; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Ministério da Justiça, formulado pelos Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Fernando Carvalho Conceição, na sessão de 3 de Dezembro; Pinho da Silva, na sessão de 30 de Abri; Rodrigues da Mata, na sessão de 7 de Maio; Sousa Pereira, na sessão de 8 de Maio; Fillol Guimarães, na sessão de 4 de Junho; Carlos Lilaia, na sessão de 23 de Junho; Paulo Coelho, na sessão de 3 de Julho; Maria Santos, nas sessões de 10 e 15 de Julho e de 30 de Outubro; António Guterres e António José Seguro, na sessão de 25 de Julho; Manuel Queiró, no dia 3 de Outubro; Rui Silva, na sessão de 6 de Outubro; José Magalhães, Margarida Tengarrinha, Barbosa da Costa e Armando Fernandes, na sessão de 9 de Outubro; Leonel Fadigas, na sessão de 9 de Outubro; Jorge Lacão, na sessão de 16 de Outubro; Raul Castro e Jorge Lemos, na sessão de 23 de Outubro; Magalhães Mota, na sessão de 28 de Outubro; Raul Junqueiro, na sessão de 30 de Outubro.
Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n. º 315/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Manuel Monteiro e outros, do CDS - sobre remunerações mínimas mensais de jovens trabalhadores -, que baixou à 13.ª Comissão; ratificação n.º 119/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Alexandre Manuel e outros, do PRD - sobre o Decreto-Lei n. º 388/86, de 18 de Novembro, que aprova a orgânica do ICEP (Instituto do Comércio Externo de Portugal); proposta de lei n.º 49/IV, da iniciativa do Governo - autoriza o Governo, através do Ministério das Finanças, a elevar o limite global, de 15 para 27 milhões de contos, destinado a empréstimos internos de prazo superior a um ano a conceder ao conjunto das regiões autónomas -, que baixou à 5.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A hora inconcebível a que terminou o debate da proposta governamental do Orçamento do Estado para 1987 desaconselhou que então se torturasse a Câmara com considerações finais ou com declarações de voto orais. Por isso,- decidiu o Grupo Parlamentar do PSD guardar-se para este momento a fim de tecer algumas considerações políticas sobre aquele diploma legal.
Começaremos por referir os aspectos essenciais da declaração de voto oportunamente entregue na mesa.
O Grupo Parlamentar do PSD votou a favor do Orçamento, não por concordar com todas as disposições que foram aprovadas, mas por entender que, apesar de algumas distorções em relação à proposta do Governo, o Orçamento permite ainda cumprir o fundamental do programa a que o Governo se comprometeu e das Grandes Opções que aqui apresentou.
Importa, porém, tomar em devida conta a experiência agora vivida para, a bem da eficiência dos trabalhos da Assembleia da República, o mesmo é dizer, a bem da democracia, não se repetirem os erros agora cometidos. Vimos serem introduzidas nesta Lei do Orçamento, com enorme ligeireza e - diríamos mesmo - com leviandade, uma série de medidas legislativas completamente desajustadas à sua transitoriedade anual e à sua índole de uma lei que prevê receitas e autoriza despesas. Usando este processo especial como «boleia» - processo que tem um objectivo bem definido - as oposições aproveitaram a ocasião para

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fazerem passar numerosas disposições que nada têm a ver com o Orçamento e que deveriam ter sido ponderadas com o necessário cuidado num processo legislativo próprio. Foram assim aprovados preceitos que melhor constariam de diplomas legislativos autónomos ou até de simples regulamentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais grave do que a adulteração do processo orçamental é a aprovação de um número crescente de preceitos que, algumas vezes, extravasam de um modo formal das competências do Governo. Outras medidas, mantendo-se na área das atribuições da Assembleia se consideradas uma por uma, no seu conjunto traduzem uma grave perversão do sistema de repartição de poderes entre aqueles dois órgãos de soberania.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me ainda que aproveite este ensejo para trazer à Câmara duas simples reflexões adicionais relacionadas com o processo de debate e o resultado da votação daquela proposta de lei governamental.
Começarei pelo processo legislativo. Abstenho-me neste momento de abordar outros passos do processo a merecerem, em nossa opinião, ajustamentos profundos, mas que podem e devem ser introduzidos pela própria Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Centro estas considerações apenas na última fase desse processo legislativo.

É insuportável e degradante da condição do deputado e é desprestigiante da instituição parlamentar assistirmos à maratona que representa o debate e a votação da receita em sede de plenário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em cada bancada apenas um número ínfimo de deputados pode acompanhar seriamente os trabalhos, não porque sejam necessariamente os únicos habilitados para o efeito, mas porque a sucessão vertiginosa de artigos em debate e o número profuso de propostas de alteração que em regra recaem sobre aqueles, em muitos casos em cima da hora, tornam impossível à esmagadora maioria dos deputados sequer aperceber-se do que se está a discutir e a votar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De resto, o sistema inviabiliza que as propostas sejam distribuídas por todos e não é a simples leitura pela Mesa que permite a percepção generalizada do que está em jogo.
Mas mesmo aqueles - e são, repito, muito poucos em cada bancada - que conseguem acompanhar os debates acabam não raras vezes por ser vítimas de inevitável desgaste físico e psíquico.
Basta lembrar que no terceiro dia do debate na especialidade se trabalhou nada menos que 22 horas quase consecutivas. Não admira, assim, que não poucas vezes os grupos parlamentares tenham rectificado a posteriori o sentido de voto oportunamente expresso.
Não admira também que muitos se deixem vencer pelo inevitável cansaço decorrente de horas sobre horas de debates, a que necessariamente estão alheios.
E se há quem disso se aproveite através, por exemplo, de execrável reportagem televisiva, reconheçamos que a culpa acaba por ser nossa.

Aplausos do PSD, do CDS e de alguns deputados do PRD.

Perguntarão VV. Ex.ªs a que propósito é que tomo o vosso precioso tempo sobre esta questão, quando é certo que não é aqui e agora que pode ser resolvida,
A resposta é simples: acredito que só será possível proceder aos ajustamentos que consideramos indispensáveis se para eles conseguirmos sensibilizar previamente todos os colegas de todas as bancadas. Só assim será possível vencer a inércia.
E a luta vale a pena, porque está em causa o prestígio da instituição parlamentar, que nos cumpre defender, em homenagem à democracia e ao mandato que recebemos do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A segunda reflexão que pretendia aqui deixar prende-se com o resultado concreto da votação final global do Orçamento do Estado para 1987. Aquando dessa votação, o Sr. Deputado Narana Coissoró fez o favor de requerer a contagem dos votos expressos. Em consequência, ficou claro que os votos a favor dos deputados do PSD eram em número superior ao conjunto dos votos contra oriundos das bancadas do PS, do PCP e do MDP/CDE, quando é certo que estes três grupos parlamentares têm mais deputados que o PSD.
Isto é, mesmo que o CDS não tivesse também votado a favor e se ficasse pela abstenção, ainda assim o Orçamento do Estado seria aprovado.
Não tem esta constatação como objectivo sugerir ou insinuar a dispensabilidade do apoio que o CDS prestou, através do seu voto favorável, à proposta de lei orçamental.
É sempre positiva e razão de sobra para nos congratularmos a atitude da bancada centrista, através do voto, em benefício das propostas do Governo ou dos nossos projectos de lei, mesmo quando no decorrer do debate sejam produzidas intervenções, como então sucedeu, que não merecem minimamente a nossa concordância.
Assim, perante a evidente ausência de um número apreciável de deputados do conjunto PS, PCP e MDP/CDE, de duas uma: ou um surto gripal inusitado atingiu drasticamente a esquerda parlamentar que votou contra o Orçamento, poupando generosamente as restantes bancadas...

Risos do PSD e do CDS.

... ou então tal ausência resultou de factores políticos bem ponderados por quem de direito.
Em nossa opinião, este fenómeno indicia claramente que a esquerda parlamentar não pretende derrubar o Governo, porque sabe bem os custos que isso lhe acarretaria e também porque não representa nem é capaz de assumir uma alternativa credível e legítima, mas concomitantemente obstaculiza a acção governamental, dificultando, sempre que lhe é possível, que este aplique o seu programa, viabilizado nesta Câmara.

Aplausos do PSD.

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Não poupam o Governo a uma oposição quantas vezes desbragada, mas recusam-se a avançar a moção de censura.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Têm medo!

O Orador: - Seria bem melhor para o País e para o prestígio das instituições democráticas que as oposições, incapazes de se constituírem como alternativa política, se habituassem democraticamente a conviver com este Governo, sem subverter o princípio essencial da separação de poderes e permitindo-lhe que governe com o seu programa e não com projectos e objectivos de quem não mereceu a confiança maioritária do povo português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Raul Castro, João Amaral e Jaime Gama.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado António Capucho, quero fazer apenas duas observações em relação ao discurso proferido pelo Sr. Deputado.
A primeira tem a ver com a metodologia de trabalho desta Assembleia, nomeadamente na discussão do Orçamento.
Quero dizer ao Sr. Deputado que, pela nossa parte, estamos abertos a rever o quadro em que se processam nesta Assembleia o debate em geral e o debate do Orçamento em particular. O quadro existente é da responsabilidade de todos nós e resulta da Lei de Enquadramento do Orçamento. Se se recordar esse debate, a votação na especialidade das receitas foi reivindicada como condição fundamental por todas as bancadas, sem excepção, tendo essa obrigatoriedade sido introduzida na própria Lei de Enquadramento.
Creio que não devemos masoquistamente estar a lamentar-nos por aquilo que decorreu. Temos é de considerar natural e ser capazes de retirar da experiência as necessárias consequências e rever no bom sentido. Pela nossa parte estamos abertos, e tão abertos que, na própria noite da discussão do Orçamento, o meu camarada António Barreto não deixou de sublinhar desde logo aqui os defeitos evidentes da forma como esse Orçamento estava a ser debatido. Manifesto desde já a nossa abertura total para essa revisão.
Quanto à análise que o Sr. Deputado fez do resultado da votação em termos numéricos, dir-lhe-ia que, ao questionarem o facto de o Orçamento ter sido aprovado com os votos do PSD e do CDS como se considerassem insuficientes esses votos e procurassem outras formas de apoios implícitos, esta procura de apoios implícitos não é mais do que a manifestação do reconhecimento da extrema fraqueza do Governo e da sua base de apoio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado António Capucho, confesso que fiquei surpreendido com o teor da sua intervenção.

Vozes do PSD: - Não é de admirar!

O Orador: - Não é de admirar porque efectivamente o Orçamento já foi aprovado há cerca de uma semana - faz hoje oito dias.

Vozes do PSD: - Amanhã é que faz!

O Orador: - Nessa altura, vários partidos - aqueles que o quiseram fazer - formularam as suas declarações finais de voto. Mas o Sr. Deputado António Capucho resolveu adiar para hoje um comentário a uma votação orçamental que se processou há oito dias nesta Câmara. Isso é com o Sr. Deputado, mas não se pode dizer que não tenha tido tempo nem oportunidade de ter feito essa declaração no momento próprio.
O que contrasta ainda mais são as considerações que faz em relação à votação final.
Nas suas considerações há um recado para o CDS - e o CDS entenderá certamente porque é que o Sr. Deputado diz que mesmo sem o seu voto teriam conseguido obter a aprovação do Orçamento. Isso não é connosco. Agora, em relação ao que o Sr. Deputado diz sobre a esquerda parlamentar, assumindo-se, pois, como direita parlamentar...

Vozes do PSD: - Essa é boa!

O Orador: - ..., quero dizer-lhe que não tem de se preocupar com a esquerda parlamentar, até porque esta dispensa os seus conselhos e reflexões e determina--se por si própria sem necessitar da direita parlamentar.
E curioso até que o Sr. Deputado se mostre tão cuidadoso com a esquerda parlamentar depois de fazer aqui um lamento sobre as alterações que foram introduzidas no Orçamento. Afinal, a esquerda parlamentar, com mais ou menos deputados, sempre conseguiu salvar algumas disposições importantes do Orçamento. No fundo, é isto que dói ao Sr. Deputado.
Sr. Deputado António Capucho, o que seria actual na sua intervenção era o Sr. Deputado pronunciar-se sobre o último acto do Governo, que foi o do aumento dos preços do pão, do leite, da electricidade, dos transportes, etc. Este é que é um problema actual e sobre isto é que a população gostaria de saber quais as razões que levam este governo a proceder a estes aumentos, depois de ter prometido, no final da discussão do Orçamento para 1986, baixar o preço do leite e do pão. Afinal, o que acontece é o contrário.
Aliás, eu próprio tive ocasião de colocar este problema ao Sr. Primeiro-Ministro, sem saber que ele já tinha no bolso não a baixa dos preços do pão e do leite, mas, pelo contrário - como poucos dias depois se verificou -, o aumento desses preços. Isto mostra que efectivamente não é este governo que é capaz de resolver os problemas dos portugueses e servir a população.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, naturalmente que, quando anunciou pomposamente na madrugada de sexta-feira que iria produzir uma declaração política, pensámos que ia

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fazer uma profunda reflexão sobre algumas questões centrais que o debate do Orçamento trouxe e que mereceriam da sua parte alguma reflexão.
Mas este período de hibernação não trouxe grandes novidades.
Devo dizer que há, pelo menos, dois pontos centrais que o Sr. Deputado António Capucho omitiu, sobre os quais queria questioná-lo.
O primeiro, a nível das omissões, é o seguinte: como é que o Sr. Deputado António Capucho, como presidente do Grupo Parlamentar do PSD, encara a clara desautorização que o Sr. Primeiro-Ministro fez à sua bancada no seu conjunto, ao Sr. Deputado António Capucho, a várias figuras do seu grupo parlamentar e a próprios membros do Governo, ao vir publicamente discordar e criticar uma proposta que foi subscrita por esse Grupo Parlamentar, por V. Ex.ª e até por membros do Governo?
A segunda questão tem a ver com o fundo do problema. Talvez se esperasse que o Sr. Deputado António Capucho viesse aqui reflectir, por exemplo, sobre a clara derrota que o Governo sofreu em relação às Grandes Opções do Plano de Médio Prazo, que o leva até, caricatamente, a retirá-las, «porque o clima está emocional e pode impedir uma aprofundada reflexão». Talvez pensássemos que viesse reflectir sobre o que se passou no debate do Orçamento, designadamente quanto ao fundo da questão.
Ou seja, os partidos da oposição introduziram alterações significativas, nomeadamente do ponto de vista qualitativo, no Orçamento, que traduzem uma clara desconfiança no Governo.
A pergunta que lhe coloco é muito concreta: como é que o Sr. Deputado António Capucho consegue fazer este discurso, depois de todo este tempo, sem reflectir sobre a derrota clara que o Governo sofreu durante este debate? Perguntando de outra forma: como é que vai, afinal, esta direita parlamentar?

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Deputado António Capucho, penso que o facto mais expressivo que resultou da sua intervenção, para além do tempo de reacção extremamente lento do seu partido em relação à forma como se processou a votação do Orçamento, foi a falta de convicção que o líder parlamentar do PSD colocou na apreciação desse resultado.
Daí que lhe dirija algumas questões.
Em primeiro lugar, gostaria de saber como encara o Sr. Deputado a diferença de reacção do seu partido e do Governo em relação àquilo que aconteceu com o Orçamento precedente e se desta vez o facto de o Governo não ter feito uma apreciação global do resultado da votação do Orçamento na Assembleia, um reajustamento global da política orçamental e financeira, e não ter colocado novamente na ordem do dia a questão da confiança não é um sinónimo do decréscimo da densidade e da credibilidade política do Governo no País.
Em segundo lugar, quero também perguntar ao Sr. Deputado o que pensa sobre a situação em que se encontra o PSD como partido minoritário do Governo, na medida em que cada vez mais se afigura ao País que esta solução política não é uma solução ajustada para resolver minimamente os problemas nacionais. Isto porque o Partido Social-Democrata, como partido responsável pelo Governo, não é, por um lado, minimamente capaz de encontrar o terreno político e parlamentar suficiente para viabilizar o seu próprio programa e, por outro lado, aceita e pactua, numa forma de coexistência e coabitação secundária, com os sistemáticos resultados desfavoráveis que encontra no Parlamento.
E a intervenção de hoje do Sr. Deputado na Assembleia é a síntese suprema dessa duplicidade e, portanto, dessa fraqueza: por um lado, discorda, mas, por outro, vem dizer que regista e aceita aquilo de que discorda. Esse é o desafio político fundamental que neste momento se coloca ao Governo e ao Partido Social-Democrata.
Penso que a intervenção de V. Ex.ª, com a referência a factos laterais, pretendeu divertir a atenção para outras temáticas, mas a realidade essencial, substantiva, a verdadeira realidade que no plano político se coloca ao PSD e ao Governo, é a de saber como enfrentar a crítica de que hoje ele é objecto no País, ou seja, de que é um governo sem capacidade política, parlamentar e legislativa para empreender qualquer reforma e para minimamente assumir uma política económica e financeira no País.
A essa fraqueza V.Ex.ª, o Partido Social-Democrata e o Governo terão de responder, mas a mera conclusão, perante este debate, de que o Governo não suscitou a questão da confiança é já um termómetro suficientemente explícito sobre a saúde política do actual governo e do partido que minoritariamente o apoia nesta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constato que nas perguntas que genericamente me são colocadas habilidosamente se escamoteia a questão fundamental.
Na intervenção que produzi insinuei que o conjunto PS, PCP e MDP/CDE teve receio de que o Orçamento fosse viabilizado mesmo sem o voto favorável do CDS - e digo isto muito claramente -, o que mostra que não são alternativa e que não têm capacidade para se assumir como tal. Ora, o contra-ataque que recebo é com fogos de barragem e de diversão, o que, aliás, vem na especialidade do Sr. Deputado Jaime Gama, que, depois de um longo período de silêncio - a não ser em relação às áreas de defesa, em que é manifestamente um perito -, tem estado calado desde o último congresso do Partido Socialista. Porém, congratulo-me pelo seu regresso ao trabalho político.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao facto de eu vir falar sobre isto quase oito dias depois do debate do Orçamento, reconheço que é uma fraqueza própria. Às 8 horas da manhã e depois de 22 horas de debate consecutivo sou incapaz de produzir qualquer coisa que tenha senso ou que, enfim, possa ser produzido com algum mérito em termos de Assembleia da República.

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O Sr. Deputado Raul Castro ficou muito surpreendido por hoje eu ter feito a intervenção que fiz, mas a verdade é que no final da sessão do debate do Orçamento na especialidade disse que me reservava para usar da palavra no primeiro momento oportuno, ou seja, na próxima reunião em que houvesse período de artes da ordem do dia - talvez o Sr. Deputado não tenha ouvido isso ou por estar distraído ou abatido pelo cansaço.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, congratulo-me pelo facto de a bancada do Partido Socialista estar disponível para rever a metodologia - aliás, devo dizer que já sabia isso pela voz do deputado António Barreto, não apenas aqui expressa aquando do debate orçamental, mas através de um artigo que publicou no Diário de Notícias -, mas estou convicto de que é preciso sensibilizar toda a Câmara e não apenas um ou outro deputado que se sinta inferiorizado no decorrer dos debates por não poder acompanhar com um mínimo de consciência o que se está a passar. Não quero alongar-me sobre esta matéria, que, embora não seja secundária, entendi que devia falar sobre ela.
Sr. Deputado Raul Castro, não há nada na minha intervenção - e fui suficientemente cauteloso para o efeito porque seria merecido - que possa dar a entender que deixei algum recado ao CDS. Por isso referi que, se fiz alusão à contagem de votos que o CDS solicitou, foi para outros objectivos complementares distintos. Tive oportunidade de dizer que, sem prejuízo de discordar de algumas intervenções que a bancada do CDS produziu durante o debate orçamental - o que é normal, pois somos partidos diferentes e eles assumem-se como partido da oposição -, não deixei de reconhecer a posição do PSD face ao voto favorável do CDS. Portanto, não insinuei jamais que esse voto era indispensável ao PSD. O PSD recebe sempre com agrado os votos favoráveis às iniciativas governamentais e às suas próprias iniciativas.
Aliás, é estranho que o Sr. Deputado, talvez na impossibilidade de assumir as «dores» da APU, em vias de extinção, assuma as «dores» do CDS, que, de facto, não precisa dessa sua atitude!

Aplausos do PSD.

De resto, Sr. Deputado, as afirmações que produziu - tal como outros deputados desta Câmara - no sentido de que não é este Governo que serve os interesses da população estão por demonstrar. Fomos o partido mais votado nas eleições e todas as sondagens de diversas origens insuspeitas apontam para uma crescente popularidade do Governo junto da opinião pública e para uma crescente intenção de voto junto e a favor do partido que o apoia. Isto parece contrariar liminarmente quaisquer outras considerações que V. Ex.ª queira fazer laterais ao problema de fundo.
Sr. Deputado João Amaral, já que não quero que pense que nesta intervenção o PSD quer escamotear o problema que levantou e que caracterizou como desautorização do Governo ao partido que o apoia, devo dizer que não se tratou de alguma desautorização. Da nossa parte reconhecemos em sede de debate, e por isso não tivemos necessidade de repetir hoje, que a situação foi incómoda para nós. A Câmara votou conscientemente e por unanimidade um determinado diploma e assinámos uma proposta no sentido de dar cobertura orçamental a esse projecto de lei que foi aprovado por unanimidade nesta Câmara. Simplesmente, o Sr. Primeiro-Ministro entendeu em sentido contrário - ou, pelo menos, entendeu que o assunto merecia ser reponderado pela Câmara - e o PSD respondeu que estava disponível para tal.
Ora, não há nisto nenhum drama. Antes pelo contrário! Aquilo que concluímos é que, ao contrário do que VV. Ex.as insistem em afirmar, no sentido de que há um seguidismo cego, que somos uma correia de transmissão em relação ao Governo, tanto neste como noutros pontos que já ocorreram não há coincidência de opiniões entre o Governo e o grupo parlamentar que o apoia. Ora, isso é positivo e demonstra que VV. Ex.ªs exageram e faltam à verdade quando insinuam que não passamos de uma mera correia de transmissão.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado vai desculpar-me, mas creio que o que isto prova é exactamente o contrário. Os senhores tiveram conscientemente - como o Sr. Deputado sublinhou duas vezes - uma certa ideia, votaram-na, defenderam-na e depois, quando o Sr. Primeiro-Ministro vos ralhou, votaram em sentido contrário. Ora, isto significa que, de facto, são uma mera correia de transmissão.

O Orador: - Não interprete assim porque não foi isso que aconteceu, Sr. Deputado. Imediatamente após a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro o que dissemos foi que estávamos disponíveis para reponderar.
Evidentemente que estando disponíveis para reponderar tínhamos que votar contra as propostas que iriam dar cobertura orçamental.
De resto, o PCP, em duas ou três expressões que aí sobressaltaram em intervenções posteriores, também disse que estaria disponível para reponderar o problema. E não vou aqui divulgar questões que se passaram em conferência de líderes, em que a abertura era muito mais larga do que aquilo que o Sr. Deputado parece fazer crer.
Na realidade, após isso apareceu uma proposta que foi votada maioritariamente, acatámo-la, mas que até expressa uma posição mais dura em relação àquela que inicialmente a Câmara parecia estar disponível para encarar.
Portanto, não temos nenhuma vergonha nem pejo em reconhecer que neste ponto concreto não houve coincidência alguma entre os pontos de vista do Governo e do grupo parlamentar que o apoia. Antes pelo contrário, congratulamo-nos pelo facto de o Sr. Primeiro-Ministro, já que entendia que estava a defender os interesses nacionais, não ter tido pejo em colocar o Grupo Parlamentar do PSD numa situação que não era manifestamente cómoda.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fundamentalmente, Srs. Deputados, a resposta global que se pode dar às intervenções que produziram é a de que não responderam a uma quês-

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tão fundamental. Na votação concreta do Orçamento de Estado para 1987 passou-se o seguinte: sozinho o PSD ganhava. Isto não é nenhum desprimor nem enjeitar o apoio que o CDS nos prestou, mas sim reconhecer que nessa bancada houve um surto gripal inusitado. ..

Vozes do PCP: - Nesta bancada?

O Orador: - No conjunto dessas bancadas, Srs. Deputados. Efectivamente, o requerimento não distingue o quantitativo de deputados do PCP e do PS que estavam presentes e portanto não sei; apenas posso ter uma ideia pelo que vi. Portanto, no conjunto dessas bancadas houve ausências que se afiguram excessivas. Ora, isso indicia que VV. Ex."" não queriam que o Orçamento não fosse viabilizado e que os Srs. Deputados não são alternativa credível a este Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP toma hoje a palavra para antes de mais nada exprimir o mais veemente protesto pelo aumento de preços que o Governo acaba de decretar. Não temos dúvidas que ao fazê-lo interpretamos os sentimentos mais profundos dos portugueses. Toda a imprensa dá hoje esse testemunho.
Este pacote de aumentos que vem agravar a vida das camadas mais desfavorecidas precisamente em vésperas de Natal é uma demonstração clara de que este Governo não pode continuar. É mais uma razão para que os partidos da oposição ponham fim a essa política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nada justifica estes aumentos de preços.

O Governo colheu, mais uma vez, esta Assembleia da República de surpresa. Durante mês e meio de discussão do Orçamento nada revelou. Furtou-se mesmo a responder quando lhe foi perguntado se baixava ou não o preço do leite e do pão.
O Governo não o fez durante a discussão do Orçamento. É então a altura do Sr. Primeiro-Ministro vir aqui explicar os aumentos. O Governo tem o dever de o fazer.
No Orçamento nada foi dito sobre o aumento dos preços e estes reflectem-se sobretudo nas classes e camadas sociais de mais baixos rendimentos.
Não deixa de ser significativo e desmascarador da demagogia do Primeiro-Ministro que o Governo, que tanto se proeurou mostrar «preocupado» com a baixa do preço do leite, venha agora aumentar o seu preço. E o mesmo se passa com o pão. São aumentos escandalosos os deste «pacote de Natal».
É também de lembrar que o Governo dizia que não baixava o preço das gasolinas porque só privilegiava os ricos, mas agora aumenta o preço dos transportes públicos, que, este sim, só atinge as camadas de menores rendimentos.
Para os que duvidassem da natureza anti-social e antipopular da política que vem sendo seguida, aqui está mais uma vez a prova.
E estes aumentos são tanto mais incompreensíveis quanto se mantêm as condições externas extremamente favoráveis. Basta ter em conta que a última compra de petróleo se situou, em média, nos 14 dólares o barril...
Isto é mais um exemplo de que este Governo não deve continuar. Passado mais de um ano o executivo não só não dá resposta às mais urgentes questões sociais, como continua a desbaratar meios imprescindíveis ao saneamento da economia e à promoção do desenvolvimento.
Os últimos indicadores da conjuntura fornecidos pelo Banco de Portugal à Comissão de Economia, Finanças e Plano revelam que a taxa de crescimento de vendas de bens de investimento, no 1.º semestre, é cerca de 17 pontos inferior ao período homólogo de 1985; que, contrariamente ao que o Governo tem afirmado, o índice composto de vendas de cimento e aço para a construção, de Janeiro a Setembro deste ano, se situa apenas em 0,7% - repito, 0,7%; que o índice de emprego por conta de outrem apresenta a taxa de 2,4 para o 1.º semestre deste ano; que o nível de utilização da capacidade produtiva do conjunto da indústria transformadora se encontrava no 3.º trimestre ao nível do anterior (77 %), com a diminuição de dois pontos na área da produção de bens de equipamento. E também de salientar, pelo que apresenta de perspectiva, que tanto no inquérito de conjuntura ao comércio como ao da indústria, relativa ao 3.º trimestre, os empresários apontem ainda para um maior agravamento na evolução do volume do emprego.
São dados oficiais. São dados que retratam uma política e um Governo, que acaba de sair derrotado nesta Assembleia da República.
O Presidente do Grupo Parlamentar do PSD pode dizer o que quiser. O Governo pode continuar a disfarçar, a fazer de conta. Mas a realidade não se altera com a táctica da avestruz. O Governo acaba de sofrer três derrotas consecutivas:
Primeira: as Grandes Opções a médio prazo, objecto de tanta propaganda, foram contestadas e ridicularizadas por todo o espectro político. É um texto retrógrado e bafiento. Acabou por ser afastado da discussão com a anuência e diligência do PSD... Agora, é o próprio Governo que vem retirá-lo de vez. E a confissão do desaire.
Segunda: as Grandes Opções do Plano para 1987 foram liminarmente rejeitadas na discussão na generalidade. Foi a segunda derrota do Governo.
Terceira: o Orçamento, que certa comunicação social dizia não vir praticamente a ser modificado, sofreu alterações de inegável significado social, económico e político.
Relembro, entre outras, as que asseguram os aumentos das pensões mínimas do regime geral da segurança social e do regime dos trabalhadores agrícolas a partir do próximo mês de Janeiro, em percentagem idêntica à do salário mínimo nacional. É uma medida de grande alcance social introduzida pela Assembleia da República. E o facto de o Governo, servindo-se da televisão e de certa imprensa, poder vir a chamá-la a si, como o fez descaradamente com a extinção do papel selado, que foi incluída «nas medidas do executivo na luta contra a burocracia», não altera o significado e alcance daquela medida.
Relembro ainda o reforço de dois milhões de contos para o subsídio de desemprego e os salários em atraso; o reforço da verba para as cooperativas de educação

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e recuperação das crianças inadaptadas; as deduções por despesas escolares no imposto complementar; a anulação das taxas moderadoras; a justa consagração de indemnizações aos lutadores da liberdade que, estiveram presos no Tarrafal.
Merece ainda referência especial as propostas aprovadas sobre a CNP obrigando o Governo a cumprir integralmente a resolução da Assembleia da República, bem como as medidas que visam introduzir uma maior moralização, transparência e clareza dos actos governativos. Sublinhamos entre outras as que impedem a venda sem controle das participações das empresas públicas; as que defendem o sector público de comunicação social e, nomeadamente, as referentes à ANOP, à EPNC e EPDP; as que vedam o Governo e a Administração Pública, a auto-propaganda política, paga com o dinheiro dos contribuintes, na publicidade comercial; as que obrigam o Governo a prestar á Assembleia da República informações (e são mínimas), para que este órgão de soberania possa desempenhar com dignidade as suas funções de acompanhamento e fiscalização.
São medidas com peso e significado. Não venha agora o Governo disfarçar, fazer de conta que nada se passou, que a sua situação é a mesma antes e depois da discussão e votação das Grandes Opções e do Orçamento. Não é.
O Governo sabe que foi severa e objectivamente criticado pela maioria desta Assembleia, que tem brechas nas suas fileiras, que há mal estar mesmo no seu partido, que tem mau relacionamento com as Regiões Autónomas, que diminuiu a sua base de apoio social e política, que a sua postura de arrogância e rebelião institucional é condenada. Sabe que já entrou na «corrida contra o tempo».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, a política negativa do Governo não se confina só ao domínio do social e do económico, mas também à soberania nacional e às relações externas do Estado.
É sabido que esta Assembleia da República e o País não foram minimamente informados acerca da visita feita este Verão pelo Primeiro-Ministro aos Estados Unidos da América. Já pertence à história das relações deste Governo com a Assembleia da República a inconfortável e ridícula postura em que se colocaram o Sr. Ministro da Defesa e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros quando vieram à Comissão de Negócios Estrangeiros prestar informações sobre este assunto.
São também conhecidos os qualificativos que mesmo os comentadores da área do Governo teceram ao encontro a sós do Primeiro-Ministro do Governo Português com o director da CIA.
Agora é a imprensa dos Estados Unidos da América a divulgar que uma parte das armas enviadas a terroristas nicaraguenses do chamado caso «Irangate» foram embarcadas em Portugal. Que os aviões fretados pertencem à Southern Air Transport, precisamente * a mesma companhia que a documentação da Secretaria de Transportes norte-americana revela que veio a Portugal embarcar as armas.
A Agência France Press informou também que o nosso país tem sido mencionado como «placa giratória das compras de armamento destinadas aos contras».
No entanto, o Governo, perante estas revelações, continua em silêncio, como se também neste terreno a táctica da avestruz apagasse os factos.
Passaram vários dias. As proporções do escândalo são suficientes para que o Governo preste informações ao País e à Assembleia da República.
Para que o Primeiro-Ministro informe agora sobre a sua visita aos Estados Unidos da América, para que o Governo diga se são ou não falsos os documentos oficiais do Governo americano, se autorizou ou não os embarques de armas e qual a proveniência destas.
O Governo tem o dever de informar com verdade e dar explicações ao País e a este órgão de soberania.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante esta política social, económica e externa é cada vez mais urgente que as convergências pontuais que se têm verificado nesta Assembleia da República assumam outra dimensão. Não é com remodelações, com operações de cosmética, que o Governo altera a sua política. A sua substituição está na ordem do dia.
Um Governo que se mostra incapaz de dar resposta aos mais gritantes flagelos sociais, que desbarata as excepcionais condições que se lhe deparam, que foi derrotado na discussão e na votação das Opções e Orçamento, só tinha um caminho a seguir: apresentar uma moção de confiança. Se não o quer fazer, se não o fizer, então é tempo de a maioria existente nesta Assembleia da República assumir as suas responsabilidades. Há condições objectivas para a concretização da alternativa, e esta é urgente para bem dos Portugueses e de Portugal.

Aplausos do PCP do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, V. Ex.ª começou a sua intervenção por dizer que ia fazer o mais veemente protesto. Ora, por parte dos deputados da bancada do PCP os mais veementes protestos são o quotidiano, o dia-a-dia, e creio que nem sequer sabem fazer mais alguma coisa do que protestar contra algo, uma vez que se mostram incapazes de lutar por algo.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse que o aumento de preços vem agravar as possibilidades económicas das classes mais desfavorecidas. Porém, acho muito estranho que não se tenha feito a mínima alusão aos aumentos das pensões. Ora, as pensões tiveram um aumento extraordinário em Setembro passado, foram agora aumentadas a níveis muito superiores aos da inflação que veio a verificar-se em 1986 e que vai verificar-se em 1987. Portanto, acho muito estranho que o Sr. Deputado não tenha feito a mínima menção a esses benefícios reais para algumas das camadas sociais mais desfavorecidas da população portuguesa.
Depois manifestou também a opinião de que a Assembleia da República foi, mais uma vez, tolhida de surpresa perante o aumento dos preços praticados em alguns bens e serviços essenciais. Não creio que seja tanta surpresa como tudo isso, porque há um ano atrás que o Governo também fez esses mesmos aumentos; garantiu e assumiu o compromisso - que cumpriu - de durante um ano não voltar a mexer nesses preços.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Também era melhor!

O Orador: - Efectivamente, esses aumentos foram muito inferiores em relação aos aumentos da inflação - e é aí nesse diferencial que temos que salientar o benefício efectivo para a população portuguesa.
De resto, não compreendo a surpresa do Sr. Deputado quando vem aqui dizer que o Primeiro-Ministro não dá explicações e referiu-se uma vez mais à viagem que ele tinha feito aos Estados Unidos da América e a outras considerações desse género. Assim, pergunto: se há o direito regimental de quinze em quinze dias chamar o Governo para responder às perguntas que os Srs. Deputados quiserem formular, por que é que não o fazem?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por que é que não usam o direito regimental que noutras alturas utilizam? Porque têm medo, porque sabem que perante os olhos da população o Governo sai sempre favorecido e beneficiado do confronto com uma oposição que não sabe ter argumentos capazes, a não ser o de apresentar veementes protestos.
O Sr. Deputado disse que os transportes tinham aumentado e referiu que o petróleo apenas tinha aumentado em 14 dólares por barril, como se os custos apenas fossem considerados à base do aumento do petróleo.

Vozes do PCP: - Não aumentou, diminuiu!

O Orador: - Mas os senhores do PCP são os primeiros a estar na linha de combate para as reivindicações salariais muito acima dos níveis da inflação esperada e que o Governo procura demonstrar.
O Sr. Deputado referiu-se ainda às derrotas do PSD e do Governo; falou nas GOP's a médio prazo, no Orçamento de Estado alterado. A maior derrota não será a da oposição, que perante a população portuguesa «chumbou» aqui as Grandes Opções do Plano, mas não teve coragem de «chumbar» o Orçamento nem de ser coerente para consigo própria? Essa é que foi a grande derrota da oposição dividida!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado Mendes Bota, de facto vim aqui, em nome da minha bancada, protestar perante este aumento de preços e fi-lo interpretando os sentimentos mais profundos do povo português, que mostra que estes aumentos são incompreensíveis.
Como é que um Governo que ainda há seis meses atrás se mostrava preocupado em não poder baixar o preço do leite (esta Assembleia da República dotou-lhe o dinheiro para baixar o preço do leite e do pão, mas ele não o fez) vem agora, sem qualquer justificação, quando se mantém uma conjuntura externa favorável, quando a Petrogal comprou o petróleo bruto ao preço de 14 dólares o barril - e quando o Sr. Deputado se referiu ao aumento do petróleo espero que tenha sido um lapsus linguae, pois, caso contrário, é um pontapé que dá na gramática porque o petróleo continua a preço muito abaixo das médias do ano passado e até daquelas esperadas pelo Governo para 1986 -, aumentar os preços que no fundamental sobressaem sobre as camadas mais desfavorecidas? Qual e a justificação? Se não se trata de uma política de classes, trata-se de uma política de rendimentos que favorece as classes de maiores rendimentos, como a maior parte das medidas que os senhores aprovaram na proposta orçamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado perguntou por que é que não falamos nalgumas medidas que o Governo tomou e que, segundo afirmou, foram positivas. Sr. Deputado, essas eram medidas por nós reclamadas há muito tempo. Mas por que é que o Governo e o PSD se calam agora quando a Assembleia da República votou e inscreveu no Orçamento o aumento das pensões mínimas do regime geral da segurança social e do regime dos trabalhadores agrícolas a partir do próximo mês de Janeiro? É para que, quando o Governo as aumentar, possa dizer que a iniciativa foi dele?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado disse que o Governo não tinha medo do confronto e se saía sempre bem. Ora, sai-se sempre bem no exterior com o apoio de certos meios da comunicação social, pois os senhores, abusivamente, com a propaganda comercial e sem a propaganda comercial, deformam o que aqui se passa.
Mas se o Governo não tem medo e deve explicações, por que é que o Sr. Primeiro-Ministro não foi à Comissão de Defesa Nacional? Por que é que os Srs. Ministros da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros tiveram aquela postura ridícula, dizendo que não podiam prestar informações porque isso cabia ao Primeiro-Ministro? E o Primeiro-Ministro já as deu ao País?
O Sr. Deputado quer fugir às responsabilidades do seu partido e do seu Governo no que diz respeito à venda de armas que, segundo a imprensa internacional e os documentos oficiais dos Estados Unidos da América, foram embarcadas em Portugal? O Sr. Primeiro-Ministro continua a praticar a táctica da avestruz? Não vem aqui à Assembleia da República dar informações? Não deve dar informações ao País?
O Sr. Deputado António Capucho, presidente do Grupo Parlamentar do PSD, disse que a oposição nem sequer tinha tido número suficiente de deputados para derrotar o Programa do Governo, então, por que é que o Governo não apresenta uma moção de confiança?

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por que é que o não faz? Porque os senhores sabem que seriam derrotados e sê-lo-ão mais cedo do que aquilo que pensam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento subscrito por deputados do PRD que, nos termos regimentais, requerem a prorrogação do período de antes da ordem do dia.

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Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos com toda a atenção a declaração política do Sr. Deputado António Capucho em nome do PSD.
Na realidade, o Governo devia e deve ao País uma explicação profunda sobre o que entende relativamente ao debate orçamental e o PSD, que se manteve praticamente silencioso ao longo de todo o debate, também deve a esta Câmara, também deve ao País, o seu entendimento das consequências do debate orçamental. Devia-a antes da intervenção do Sr. Deputado António Capucho e continua a devê-la, visto que o Sr. Deputado António Capucho, num desânimo compreensível, apenas nos deu mecânica regimental. Nada disse sobre o fundo das questões; absteve-se de ir ao fundo da questão política; limitou-se a falar do processo regimental, em termos que, aliás, são consensuais nesta Câmara.
Recordo-me de que em Março, quando aqui discutimos o Orçamento do Estado para 1986, próximo do término da votação, eram já altas horas da madrugada, o Sr. Deputado António Capucho, porque tinha mais fôlego, mais ânimo e mais coragem, fez então a declaração política que hoje aqui diz que não podia ter feito na passada sexta-feira - e, após sete dias, mal refeito, continuava ainda sem capacidade para a fazer. Noto que, desta vez, nem sete dias lhe chegaram para que houvesse uma recuperação!...
Antes de fazer esta declaração política, fiz uma revisão do que disse, por exemplo, a imprensa de direita, se assim se pode dizer. Um articulista que não é suspeito de ser de esquerda escreveu, com alguma graça mas com inteira verdade, que o Governo estava um bocado como o Benfica - era a sua expressão - após a derrota estrondosa e clamarosa frente ao Porto, ou seja, estava desnorteado. Isto é, o Governo, quanto ao facto de o Porto lhe ter dado o norte, ficou e continua desnorteado.
E o PSD, o partido que após a sessão em que foi discutido o diploma sobre a dedicação exclusiva já não sabemos se apoia o Governo se é apoiado pelo Governo, se está em contradição com o Sr. Primeiro-Ministro ou se, pelo contrário, apoia o Sr. Primeiro-Ministro - é essa a parte fundamental da desorientação que o PSD e o Governo hoje vivem -, continua sem pagar nas questões de fundo.
Esperávamos que o PSD tirasse as consequências políticas deste debate e entendesse, de uma vez por todas, que um governo minoritário, legítimo, plenamente legítimo, não se pode assumir como um governo que dita à Câmara a sua vontade. O Governo tem de entender os conceitos essenciais para que possa haver reformas e não pode - nem deve sequer - chegar aqui pretendendo impor a sua vontade na base dos seus 29%. Isso não chega, está plenamente demonstrado. O Orçamento é a expressão clara de um governo que apenas sabe governar, impondo e não dialogando, como, de facto, é timbre democrático.
O que nos diz este orçamento? Diz-nos uma questão fundamental: é um orçamento de rotina, é um orçamento sem rasgo, é um orçamento a que faltam todas as reformas que nos foram prometidas. Nem uma única reforma se encontra lá inscrita. É um orçamento que erra nas suas prioridades; é um orçamento de continuidade; é, no fundo, um orçamento de gestão.
O Governo, com a sua arrogância -agora já perdida, mas até à apresentação da proposta orçamental mantida bem alto -, afinal de contas, reduziu-se a si próprio a um governo de gestão. Não é mais do que isso e continuará a não ser mais do que isso. Talvez nem sequer seja já isso e esse é o ponto fundamental.
O debate orçamental marcou uma viragem decisiva: é o princípio do fim e é, ao mesmo tempo, uma página que se abre para que a alternativa ganhe a força que um dia se imporá nesta Assembleia.
O que verificamos é que este governo, com esta proposta orçamental, veio aqui confessar que não quer, não pode, não sabe apresentar nenhuma das reformas estruturais de que o País precisa.
A reforma fiscal, ela própria tão facilitada pela presente conjuntura, não é sequer aflorada, mas sim postergada para não se sabe que calendário.
Quanto ao investimento, para falar agora de outras tentativas que este governo deveria iniciar, o que há na proposta orçamental que induza confiança nos investidores, lhes dê o apoio e o suporte de que precisam para que os seus projectos se possam fazer em confiança? Não encontramos lá nenhuma das grandes linhas que pudessem orientar uma política económica, uma política científica, uma política tecnológica de médio e longo prazos. Só assim é que o investimento pode ter sentido.
Quanto a essa política de médio e longo prazos, o Governo sofreu aqui uma derrota estrondosa: as GOPs acabaram por ser retiradas. Tendo o Governo anunciado que fazia das GOPs a sua carta fundamental de médio e longo prazos, agora que as retira tem também de extrair a conclusão de que não tem projecto político, não tem projecto económico, não tem projecto científico e tecnológico que possam abrir futuro a este país. Se tirar essa conclusão tem também de dar o passo seguinte, que é o de vir a esta Câmara negociar com as forças políticas aqui representadas os consensos absolutamente essenciais para que possa haver reformas ou, então, demitir-se por incapacidade própria e não, como é evidente, por qualquer obstrução que a Assembleia lhe tenha feito.
Aliás, deste ponto de vista a questão fundamental é esta: o Governo não se vai demitir, o Governo quer estar no poder pelo poder, o Governo quer, no fundo, gerir a conjuntura, porque não tem outra visão - é isso tão-só que lhe interessa.
Gostaria de dizer aqui muito claramente, em nome do Partido Socialista, que com esta viragem se abriu caminho para um alargamento com vista à construção da alternativa. Alguns senhores deputados pensam que a alternativa nasce da vontade do poder de uns tantos - é a sua visão. Para nós, a alternativa nasce da proposta, nasce do diálogo, nasce do projecto que se constrói consensualmente, em primeiro lugar com o eleitorado e em segundo lugar com outras forças políticas que, não tendo inicialmente votado as suas propostas, apesar de tudo acabam por lhes reconhecer mérito suficiente para que elas constituam a espinha dorsal de um projecto neste país.
O PSD, colocando-se como se coloca sem qualquer capacidade negocial, está em vésperas de se auto-excluir - e este ponto é extraordinariamente grave - de qualquer possibilidade de participar na revisão constitucional.

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Este governo, em vez de aproveitar o clima que existe no País, as condições que existem no País, para abrir caminho para uma revisão constitucional consensual, multiplica os conflitos, que sabe que não levam rigorosamente a lado nenhum; o Governo cria artificialmente divisões para que possa transitoriamente tirar simples capital político ao nível do seu chefe. Digo «o seu chefe» porque, na realidade, este país poderá ter um governo com um chefe, mas não tem um primeiro-ministro.
Ficou demonstrado neste debate que não há primeiro-ministro, quando o Sr. Professor Cavaco Silva veio a esta Câmara desautorizar o seu próprio partido, desautorizar o seu Ministro das Finanças, desautorizar o seu Ministro da Educação. Sem lhes dar sequer prévio aviso, arvorou-se em chefe, mas demitiu-se, na prática, de primeiro-ministro.

Aplausos do PS.

Sucede ainda que este governo dá mostras de descoordenação - e deu-a neste exemplo gritante e dá-a todos os dias nas mais variadas circunstâncias. É, de facto, uma confederação de detentores do Poder, cada um a remar pelo seu lado, não é um governo. É um poder que se desagrega, é um poder que, eventualmente, nem sequer poderá ser remediado pela remodelação que se avizinha.
Não há política externa, todos o reconhecem aqui; não há... (ia dizer que não há defesa, mas há-a); não há ministro da Defesa. Lembro-me de ter visto uma vinda de Bruxelas - parece que é tudo quanto importa ao Governo, infelizmente às vezes dando sinal claro da profunda desorientação em que está - em que um repórter da televisão, de motu próprio, perante o Sr. Ministro da Defesa e o Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, se encaminhou, rápido e preste, para o Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas fazendo-lhe perguntas políticas, perante a aquiescência de cabeça do Sr. Ministro da Defesa. Nessa ocasião, pus-me a pensar: «Que vergonha teria qualquer português que assistisse a essa cena, e muitos deles assistiram!» Que embaraço que deveria ter tido o Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, suficientemente conhecedor das hierarquias e das conveniências políticas, de se ver a substituir, necessariamente e sem apelo, o Sr. Ministro da Defesa, que estava calado, embora aquiescente. Foi uma imagem clara de que não temos ministro da Defesa.
Não temos política industrial - foi aqui dito pelo Sr. Ministro da Indústria. Diz ele que temos uma política global e essa basta e chega. Então não sei por que razão haverá ministro da Indústria!? E por aí fora...
A remodelação, nestas circunstâncias, terá de atingir mais de metade do Governo. Não temos ministro do Plano. Temos ministro da Administração do Território, mas não podemos ter ministro do Plano, como toda a gente sabe. Não temos primeiro-ministro, mas, isso sim, um chefe do Governo que, esquecendo-se da sua qualidade de primeiro-ministro entre os ministros, se dirige à população por cima do Parlamento, por cima do Governo, a fim de alicerçar a sua quota de popularidade pessoal. E de que maneira!...
Não encontrei em nenhum jornal, em nenhum meio de comunicação social, em nenhum partido representado nesta Assembleia ou fora dela qualquer apoio em relação à declaração que o Sr. Primeiro-Ministro aqui veio fazer sobre a dedicação exclusiva. Se o Orçamento se resumia a essa questão, o Sr. Primeiro-Ministro, nessa altura, recebeu a desaprovação completa de todos os partidos.
Nestas circunstâncias, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a lição que este debate orçamental nos dá é perfeitamente clara: a alternativa tem de se construir. Direi mais, a alternativa já está implantada nesta Assembleia, porque o Governo se desagrega e já está reduzido a simples governo de gestão.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Capucho, Costa Andrade e Duarte Lima.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que o PSD dispõe de pouco tempo, prescindo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, como se poderá constatar, dispomos de pouco tempo, pelo que serei breve, tanto mais que um colega meu de bancada mantém a sua inscrição.
Apenas gostaria de repor a verdade em relação a um facto, porque, de resto, o Sr. Deputado João Cravinho não trouxe rigorosamente nada de novo a esta Câmara. Repetiu chavões antigos e não respondeu à questão fundamental ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não é tanto assim!

O Orador: - ..., qual seja o pânico que se instalou na sua bancada quando pressentiu que o Orçamento poderia ser chumbado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A isso não respondeu.
Apenas queria repor a verdade em relação a uma questão. Sr. Deputado João Cravinho, não diga que estivemos silenciosos aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1987, porque gastámos todo o tempo de que dispúnhamos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado João Cravinho salientou na sua intervenção que o PSD, a propósito da discussão da proposta de lei orçamental, tinha de tirar conclusões e devia uma explicação.
O meu colega António Capucho deu uma explicação e tirou uma conclusão: lançou-vos um repto a que os senhores não responderam. A principal conclusão é a de que os senhores não quiseram assumir todas as consequências do voto negativo que podiam tirar.
Mas também pergunto ao Sr. Deputado João Cravinho, que é membro da comissão política do seu partido - o principal partido da oposição, o partido maioritário da oposição -, o seguinte: que consequências tira o PS desta discussão? O PS, que se assume como alternativa perante o País, que resposta no concreto

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quer dar? O que é que o PS vai responder ao repto, à faca apontada ao peito pelo PRD de que tem que ser alternativa a este governo nesta Câmara?'

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Qual é a resposta? Queremos ouvi-la. Qual é o compagnon de route que o Partido Socialista vai escolher?
Diz o Sr. Deputado, a propósito da Votação, que o Governo e o Partido Social-Democrata tiveram aqui uma derrota estrondosa e clamorosa.
Sr. Deputado, havia aqui duas posições antagónicas: a do PS, a do Partido Comunista e a do MDP/CDE, que votaram contra o Orçamento, e a do PSD, que, conjuntamente com outro partido da oposição - o CDS -, votou a favor. E qual foi a posição derrotada? A derrota estrondosa foi a vossa e não a nossa.
Então o Sr. Deputado, que é o ministro sombra do seu governo, faz contas desta maneira? O Sr. Deputado obriga-nos a considerar que temos* de colocar, em Portugal uma questão nova na ordem do dia: é preciso fazer uma remodelação no governo sombra do PS com o ministro das finanças a fazer contas desta maneira!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à possibilidade de o Governo cair, estávamos confrontados com declarações políticas muito claras por parte de todos os partidos aqui intervenientes.
O PS tinha dito, e mantinha, que. votava contra. Ele tinha votado contra na generalidade, tinha-se comportado ao longo de toda a discussão em sentido que não podia permitir equívoco. Poder-se-á acusar o PS de tudo mas, pelo menos, o PS sempre afirmou uma posição clara nesta matéria e foi a única que manteve ao longo de todo o debate da proposta orçamental!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Até antes de a ler anunciou que votava contra!

O Orador: - O Sr. Deputado tem condições de vidente que me escuso comentar, porque não sabe como é que nos pronunciámos antes de ler a proposta. Mas isso não interessa agora! ...
Quanto ao CDS, ele foi perfeitamente claro ao longo da intervenção. Compreendo o susto que apanharam perante a intervenção do Sr.ª Professor Adriano Moreira, líder do CDS, intervenção de grande qualidade. Isto porque os senhores viram a ameaça que se perfilava no futuro, uma vez que na ocasião concreta não havia problema.

Protestos do PSD.

Quanto ao PRD, que tinha sempre dito que viabilizaria com certeza a continuidade do Governo, também não havia problemas.
O que antevejo é que o PSD sabe que os ventos mudaram e, neste momento, já está a internalizar votos futuros.
Bom, digamos que só se morre uma vez. Lá chegará a vez e não vale a pena ter as dores de parto tão cedo. A seu tempo chegará! ...
Quanto ao PS como alternativa, o que vejo é que toda a Câmara considera que a alternativa só pode vir do PS, porque todos se dirigem ao PS. É essa a prova fundamental.

Risos do PSD.

Agora, como a alternativa é nossa, seremos nós a geri-la do modo que nos parecer mais conveniente aos interesses que defendemos, ao País, ao nosso projecto.
Se VV. Ex.ªs, com a vossa propensão habitual de se eternizaram no Governo, estão a pensar que vão dar, digamos assim, a oportunidade de se infiltrarem, estejam completamente enganados, porque para a próxima sairão mesmo do Governo - e sairão pelo vosso pé ..., não talvez pelo vosso pé, mas pela vossa maca. E cairão, digamos assim, no momento em que nós predeterminarmos.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Mas não se preocupem em procurar antecipar esse momento. Têm ainda uns meses de boa gestão. Digo «de boa gestão» porque se estivesse a escrever, teria posto três palavras entre parêntesis ..., mas não ponho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Agradeço-lhe ter-me permitido a interrupção.
É apenas para fazer um curto aparte a propósito de uma passagem da sua intervenção: convosco estamos, de facto vacinados.

Risos do PSD.

O Orador: - Não sei se estão vacinados. O que sei, de certeza, é que estão dispensados.

Aplausos do PS.

Isso é até mais importante porque, estando o PSD no poder há quase dez anos, pretendendo ele sobreviver a todos os seus próprios desaires através do simples truque de mudança de líder, desta vez está perante um problema completamente novo: é que o líder pode mudar de grupo parlamentar no seu conjunto. Ele é que o indicou pelo ralhete que pregou a todos, pela submissão a que obrigou todos.
Simplesmente, o que o vosso líder está a fazer é qualquer coisa que vos deixa profundamente inquietos, um projecto populista que parou, que já não avança mais porque já não pode avançar mais, porque tem os seus limites, e que, ao mesmo tempo, sendo um projecto puramente populista, não se enraíza nas vossas bases e apoios orgânicos, só pode ser prejudicial a cada um de vós.
Hoje em dia, quem tem mais dúvidas sobre o governo PSD, sobre este governo, são os apoios naturais do PSD em termos de afinidade ideológica, de afinidade social-democrática, porque eles entendem que o populismo é a destruição da continuidade social-democrática. Ë esse o vosso grande temor.

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Desta vez a queda é de vez, porque já nem sequer se pode substituir o líder. Depois deste líder, é o dilúvio.
Cuidado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A rejeição das GOPs de 1987 e a retirada das GOPs de Médio Prazo representaram uma clara incapacidade do Governo para promover reformas estruturais no nosso país e representam uma sua também clara derrota política.
Um governo nestas condições é um governo com uma credibilidade pelo menos diminuída. E um governo que se assume decididamente como governo de gestão da conjuntura, gestão que poderá ser feita visando até aproveitar, com objectivos eleitorais, a situação económica excepcionalmente favorável de que teve a sorte de dispor. É um governo que, para lá de gerir melhor ou pior os assuntos correntes, não foi capaz de definir um projecto e de propor mudanças de fundo para o desenvolvimento do País - até porque nunca foi capaz de se reconhecer inequivocamente minoritário e procurar um diálogo constante e fecundo com a oposição.
Face a esta realidade e à aprovação, nas condições em que foi aprovado, do Orçamento do Estado para 1987, o País entra no que se poderá considerar uma nova fase política, a qual corresponde, em larga medida, a uma nova fase da própria acção política do PRD.
Com efeito, se as GOPs de 1987 eram um documento sem o mínimo dos mínimos de qualidade e de rigor, e por isso tinham de ser rejeitadas, como foram, designadamente por um partido como o nosso, que vota de acordo com o juízo que faz sobre o mérito das propostas ou dos projectos submetidos à sua apreciação, o Orçamento do Estado para 1987 constitui fundamentalmente um orçamento de continuidade, se não de rotina. Quer dizer: é também um orçamento de gestão, um orçamento para gerir o que está, mas não para transformar o País, mostrando-se o Governo incapaz de aproveitar e potenciar, em benefício de Portugal e dos Portugueses, todas as condições excepcionalmente favoráveis de que dispôs e dispõe, mercê de uma conjugação de factores como não se verificava há bastante mais de uma década e certamente não se repetirá nos tempos mais próximos.
Deste modo, não o poderíamos votar favoravelmente, apesar das alterações e melhorias que na especialidade esta Assembleia lhe introduziu, com a participação decisiva do PRD, mas também entendemos que não o devíamos votar desfavoravelmente, quer por não padecer em geral da falta de qualidade e rigor técnico que assinalámos às GOPs, quer pelos prejuízos que poderiam decorrer para o País em vários aspectos de estar alguns meses a viver sem orçamento, tendo de recorrer ao regime dos duodécimos.
O nosso voto foi, pois, um voto positivo e coerente de abstenção, pelas razões, aliás, largamente explicadas no decorrer do debate e na própria intervenção final do meu companheiro Hermínio Martinho.
Deste modo, o Orçamento do Estado para 1987 acabou por ser aprovado apenas com os votos favoráveis do PSD e do CDS, tendo-lhe este partido, no entanto, colocado sérias reservas. Assim, também neste aspecto o Governo teve um insucesso, na medida em que a sua proposta de Orçamento do Estado para 1987 sofreu mais críticas e colheu menos apoios que a de 1986, quando era natural que se verificasse exactamente o contrário, dado estar há um ano no Poder, o que não se verificava em relação ao ano anterior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O significado político do que se passou com as GOPs para 1987 e de Médio Prazo e com o Orçamento do Estado, não deve, pois, ser esquecido ou minimizado. E a nova fase política a que atrás me referi pode, no respeitante ao PRD, definir-se essencialmente nos seguintes quatro pontos: primeiro, cada vez maior exigência e rigor em relação ao Governo, terminado que foi o prazo e o crédito que, por razões conhecidas, lhe concedemos; segundo, não admissibilidade de que um governo minoritário se comporte e actue como se o não fosse e, inclusive, afronte até a Assembleia da República; terceiro, recusa de continuarmos a suportar, em silêncio ou sem resposta adequada, ataques injustificados ao nosso partido, venham donde vierem, nomeadamente de quem, por um lado, contribui para manter o Governo - na medida em que não contribui positivamente para uma solução alternativa - e, por outro lado, responsabiliza o PRD por mante-lo; quarto, acentuação da possibilidade ou conveniência de uma alternativa, no actual quadro parlamentar, para a qual naturalmente já contribuímos e contribuiremos, assumindo todas as nossas responsabilidades e esperando que os outros também assumam as suas.
Para isto, e como o presidente do PRD acentuou em intervenção pública no último fim-de-semana, estamos abertos ao diálogo com todos os partidos, a começar pelo PS, a quem, como partido mais votado da oposição, cabem especiais responsabilidades.
É tempo de saber se o PS, que tanto se tem manifestado contra este governo, entende ou não que pela sua parte pode e deve haver uma alternativa e se está disposto a contribuir para ela.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É tempo de o Sr. Primeiro-Ministro dizer se pretende que o Governo se vá mantendo e agindo como até agora; se pretende remodelá-lo mais ou menos profundamente; se quer dialogar em profundidade com a oposição para procurar consensos possíveis; se entende que a actual fórmula governativa está ou não esgotada e se desejaria constituir um governo maioritário, nomeadamente com o PS, que foi seu parceiro no último executivo e já admitiu que lhe irá propor um «acordo de regime». Ou se, pura e simplesmente, o que o Sr. Primeiro-Ministro quer é eleições e não tem a coragem de o dizer, ou está à espera de melhor oportunidade para as tentar provocar, apresentando sucessiva e parcelarmente no Parlamento propostas que sabe que, pelo menos desse modo, os partidos da oposição não podem aceitar, imputando-lhes depois a responsabilidade de uma crise.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do PRD é muito clara: tendo em conta apenas o que consideramos serem os interesses nacionais, viabilizámos, ou não inviabilizámos, este executivo, e demos-lhe o prazo de um ano para mostrar tudo de que era capaz para aproveitar ao máximo as condições excepcionais de que dispunha. Mais o que nos dá uma grande autoridade

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moral para afirmar agora o que afirmamos-, reconhecemos, quando foi caso disso, há muitos meses atrás, que a acção do Executivo estava a ser globalmente positiva.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Findo aquele prazo, e independentemente de um balanço mais pormenorizado e sectorial que porventura venhamos a fazer, chegámos às conclusões que decorrem do que dissemos quanto às GOPs e ao OE: o Governo mostra-se incapaz de promover, ou sequer propor, transformações estruturais, e fraqueja em diversos domínios e sectores, sem embargo de terem sido piores que este vários executivos que o precederam, inclusive o último, PS/PSD. Por outras palavras: o PRD julga que era e é possível fazer mais e melhor do que este governo tem feito e está a fazer. Por isso dissemos e repetimos:
a) Votaremos contra uma moção de confiança que o Executivo apresente;
b) Pensamos que se deve procurar uma alternativa governamental que seja vantajosa para o País e para os Portugueses.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Se houver quem, sendo fundamental para ela, a não deseje ou não seja capaz de contribuir para a sua construção, ter-se-ão de retirar daí as devidas ilações políticas e ponderar a outra luz as soluções possíveis, pois, em democracia, há sempre soluções.
Seja como for, hoje como ontem, entendemos que a estabilidade política - de que a estabilidade governativa é um factor importante mas não único - constitui um valor fundamental para o País, que não pode estar constantemente em eleições. Eleições que não receamos, mas que devem ser apenas um último recurso, dado os evidentes custos que comportam para o País, como o presidente do nosso partido também salientou em declarações no fim-de-semana. Entendemos ainda, como dissemos logo no debate do programa deste Executivo, e mantemos, que uma fórmula de governo minoritário é legítima e pode ser, em certas circunstâncias, aconselhável, se não a única possível.
É neste contexto e dentro destes parâmetros que o PRD caracteriza a nova fase política em que entrámos e a sua acção próxima.
A acção precisa de um pensamento e de uma doutrina que lhe dêem sentido e força, mas o pensamento e a doutrina sem a acção em política nada ou pouco valem.
À esquerda não devem bastar os discursos, por mais brilhantes que sejam, nem devem bastar a reflexão e os debates, por mais profundos que se apresentem.
O desafio que se nos depara é mais difícil, mais exigente, mais concreto, mas é o único que tem a ver realmente com os Portugueses que dia a dia vivem, lutam, sofrem e sonham nesta pátria que é a nossa e que a todos cabe engrandecer.
Pela nossa parte, PRD, estamos aqui a dizer que aceitamos o desafio.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, deu-me a sensação de que, a certa altura do discurso do Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, vi um braço furtivo, que da bancada do PS se levantava a pedir esclarecimentos. Gostaria de concretizar se foi um braço, se uma sombra, ou se não foi coisa nenhuma.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa não viu qualquer sinal, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Anoto, Sr. Presidente, anoto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente: Da bancada do PSD não se levantou nenhum braço nem nenhum pé?!

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - A Mesa também não deu por isso, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo nesta minha intervenção abordar' dois assuntos: o primeiro refere-se à passagem dos 150 anos do Município de Paços de Ferreira e à visita que os deputados do PSD eleitos pelo círculo do Porto efectuaram ao concelho; o segundo refere-se ao 1.º Congresso Nacional de Folclore e Etnografia para Jovens e às suas conclusões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 6 de Novembro findo perfez 150 anos sobre a criação do concelho de Paços de Ferreira, que resultou da reforma administrativa efectuada no reinado de D. Maria II.
Paços de Ferreira é um concelho do distrito do Porto, no coração de Entre Douro e Minho, com uma área de 72 km , 16 freguesias e cerca de 45 000 habitantes.
No dia 6 de Novembro de 1836, Paços de Ferreira inicia uma nova fase da vida colectiva. No entanto, só no princípio do século XX são dados os primeiros passos no sentido de uma industrialização. Com efeito, ainda em 1950 mais de 40% da população activa do concelho trabalhava na agricultura e somente 15% trabalhava na indústria de madeira. A partir dos anos 60 tudo se modificou, passando cerca de 45% da população activa a viver do trabalho da madeira e dos moveis, verificando-se simultaneamente um grande incremento nas indústrias metalomecânica e têxtil e, mais recentemente, nas indústrias extractivas (granito) e no vestuário. A percentagem da população activa na agricultura reduz-se para cerca de 15%, notando-se, contudo, uma certa modernização na empresa agrícola, sobretudo no que concerne à pecuária. Paços de Ferreira é assim, e sem favor, dentro da região norte uma zona de concentração industrial de enorme relevância e de grandes potencialidades alternativas relativamente ao grande Porto, mercê da sua situação geográfica, abundância e habilidade de mão-de-obra e disponibilidade de algumas infra-estruturas.

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Com o 25 de Abril de 1974, novas perspectivas se abriram a Paços de Ferreira com a instauração da democracia e da liberdade.
A população começou a escolher os seus legítimos representantes locais e escolheu bem, optando pela social-democracia, como o projecto mais adequado e capaz de permitir o desenvolvimento e o progresso harmonioso do concelho e das suas freguesias e proprocionar à população pacense um maior bem-estar e melhor qualidade de vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero aqui destacar a figura do presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Dr. Fernando Vasconcelos, que há dez anos preside aos destinos do Município, com total dedicação, competência e entusiasmo, fazendo dele o líder municipal da transformação operada no concelho na última década. O Dr. Fernando Vsconcelos é bem o exemplo e o modelo de autarca que bem serve a sua comunidade, que nele se revê e confia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No entanto, Paços de Ferreira ainda está longe de ser um concelho plenamente desenvolvido e próspero, para isso muito há a fazer, como pudemos verificar na visita que os deputados do PSD eleitos pelo círculo do Porto efectuaram ao concelho no passado dia 25 de Outubro.
Constatámos durante essa visita que o concelho tem enormes potencialidades, que urge aproveitar, e múltiplas carências, que se impõe colmatar.
Irei agora focar sucintamente algumas das questões a que urge dar resposta e que detectámos durante a visita que efectuámos ao concelho, acompanhados pelo presidente da Câmara Municipal, vereadores e alguns membros da Assembleia Municipal.
Paços de Ferreira tem 45 km de estradas municipais, completamente degradadas, que se impõe que a Junta Autónoma das Estradas repare urgentemente, para as pôr a par das estradas municipais que estão em razoável estado de conservação.
Existe um hospital exíguo e completamente degradado, muito mal apetrechado, com um único aparelho de radiologia, avariado há dois anos, e com uns serviços de urgência que não funcionam oito horas por dia. Impõe-se pôr termo a este estado de coisas e torna-se necessário concluir o pavilhão anexo, que vai ampliar as instalações desta unidade de saúde, no qual já se investiram 22 000 contos, e só faltam 12 000 contos para a sua conclusão. Espero que o Ministério da Saúde dê resposta positiva e rápida a esta pretensão justíssima.
Não tem havido por parte do Estado nenhum apoio à área cultural, designadamente à Citânia e ao Museu de Sanfins, que funcionam apenas com o apoio do Município, o qual já investiu mais de 10 000 contos. A Estação Arqueológica da Citânia de Sanfins é das maiores da Europa. Deve por isso merecer o apoio do Estado e espero que a Secretaria de Estado da Cultura o venha a fazer.
É imperioso concluir o Complexo Desportivo de Freamunde, no qual já foram investidos 40 000 contos, na compra de terrenos, na construção de muros de vedação, bancada, parque de estacionamento, acessos e passeios. A obra está parada há mais de dois anos, faltando construir mais uma bancada, balneários e serviços sociais, o que importa em cerca de 32 000 contos.
Espero que o Estado, através da Direcção-Geral dos Desportos, dê o apoio indispensável à conclusão deste importante complexo desportivo, fundamental para servir a comunidade no campo desportivo.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se ainda em Freamunde a construção do pavilhão industrial para apoio às pequenas e médias empresas e a criação do código postal.
Torna-se ainda necessário construir um parque industrial em Paços de Ferreira, aproveitando, para o efeito, os terrenos baldios da serra, que estão completamente desaproveitados.
A concluir direi que constatámos ainda, na visita que efectuámos a Paços de Ferreira, que o edifício da Câmara Municipal é muito exíguo, havendo falta de instalações para as reuniões dos órgãos autárquicos e para os serviços técnico-administrativos municipais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espero que a passagem dos 150 anos do Município de Paços de Ferreira seja um momento importante de reflexão sobre o passado e o presente do concelho, perspectivando assim da melhor forma o seu futuro, abrindo deste modo novos horizontes de desenvolvimento, progresso e bem-estar para a população pacense.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Irei agora focar a realização do 1.º Congresso Nacional de Folclore e Etnografia para Jovens, no qual tive a honra de participar como convidado nas sessões de abertura e encerramento.
O Congresso efectuou-se nos dias 29 e 30 de Novembro e 1 de Dezembro p. p., na freguesia de Arcozelo, concelho de Vila Nova de Gaia, no qual participaram 700 jovens de todo o País e representações das comunidades portuguesas de França e da África do Sul.
Esta iniciativa pertenceu à Federação de Folclore Português e contou com a presença na sessão de abertura do Ministro da Defesa Nacional, Dr. Leonardo Ribeiro de Almeida, e na sessão de encerramento do Secretário de Estado da Juventude, engenheiro Couto dos Santos.
Este Congresso foi uma importante manifestação cultural e uma significativa jornada na defesa da nossa história, valores e tradições.
Durante o Congresso foram apresentados 78 trabalhos focando os seguintes temas: lendas, tradições variadas, loas, danças, rezas e medicina caseira, cantares, instrumentos tradicionais, trajos, tradição oral, testemunhos, provérbios, diligências, construções tradicionais, alfaias, orações e pregões.
O 1.º Congresso Nacional de Folclore e Etnografia para Jovens chegou às seguintes conclusões:

1) Perante o que foi apresentado e debatido, constatou-se que a juventude denota, cada vez mais, uma forte motivação para a pureza, genuinidade e verdade do folclore português, cabendo a esta camada etária o grande papel na recolha e reconstituição, como positivamente demonstrou neste Congresso;
2) Foi declarado e comprovado pelos jovens presentes no Congresso que toda esta motivação em prol do folclore se deve a um trabalho de base abnegado e paciente que a Federação de Folclore Português vem desenvolvendo há mais de dezasseis anos a esta parte junto dos directores, componentes dos grupos folclóricos e população em geral;

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3) Pelo conteúdo das comunicações se provou que os jovens já começaram a entender que o folclore não está só circunscrito ao âmbito dos trajos e das danças, mas também a outras áreas que muito tiveram, e ainda tem a ver, com o povo de cada terra, como rezas, medicina caseira, orações, provérbios, lendas e outros;
4) Fez-se de novo o apelo aos grupos folclóricos para que escolham e utilizem os instrumentos tradicionais relacionados com a sua terra;
5) Mais uma vez foi repudiada a utilização do acordeão nos grupos folclóricos, cujo afastamento tem vindo a ser sugerido pela Federação de Folclore Português;
6) De novo se aludiu ao maior cuidado que os grupos folclóricos deverão ter no seu modo de trajar, evitando elementos estranhos ao trajo e que nada têm a ver com a época a que se referem, como pulseiras, relógios de pulso, unhas e olhos pintados e muitos outros;
7) Salientou-se de novo a necessidade de que os aspectos etnográficos façam parte integrante dos currículos em vigor no nosso ensino como muitas vezes a Federação do Folclore Português já sugeriu aos responsáveis pela educação do nosso País, entendendo os jovens que será mais fácil aprender cabalmente as nossas raízes do passado com e para a projecção no futuro;
8) Mais uma vez foi sugerido que o Estado dote a Federação de Folclore Português com os meios indispensáveis para poder prosseguir e aumentar a sua acção pedagógica junto dos grupos folclóricos portugueses, tanto no nosso território como nas comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo;
9) Que o Estado proporcione à Federação de Folclore Português, e através desta aos grupos folclóricos, as condições necessárias para a publicação em livro do vastíssimo material recolhido, que constitui valioso tesouro da nossa cultura tradicional popular, bem como a publicação dos trabalhos enunciados neste Congresso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Saliento, a terminar, que o Secretário de Estado da Juventude, que presidiu à sessão de encerramento do Congresso, assumiu o compromisso de a sua Secretaria de Estado concretizar desde já a conclusão n.º 9.
Disse.

Aplausos do PSD e do Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD).

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Gostaria de me associar à última parte da questão suscitada pelo Sr. Deputado Manuel Moreira, no que respeita ao Congresso de Folclore para Jovens, que decorreu em Vila Nova de Gaia. Corroboro inteiramente as conclusões que aqui foram apresentadas. Apenas registo o insólito de uma das sessões ter sido presidida pelo Ministro da Defesa Nacional: talvez fosse o ministro disponível para o efeito na altura.
De qualquer forma, entendo que tudo o que se faça pela renovação das mentalidades relativamente ao património cultural deve ser apoiado, não só pelo Governo, mas também por todos os partidos e por todas as forças implicadas no processo de recuperação do nosso passado e da sua amostragem para o futuro.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manoel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Barbosa da Costa: Penso que a presença do Sr. Ministro da Defesa Nacional se verificou, naturalmente, a pedido da Federação de Folclore Português. E considero que a sua presença não foi totalmente despropositada, na medida em que o Sr. Ministro teve a oportunidade na sua intervenção de dizer que aquele congresso e a defesa da cultura tradicional portuguesa são também actos de defesa nacional.

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O preço dos combustíveis teima em manter-se na ribalta da controvérsia. O direito natural e os normativos constitucionais afirmam solenemente a igualdade dos direitos dos cidadãos, mas há sempre quem, com engenho e arte, procure ser mais igual que os outros.
Já estávamos conformados, embora a contragosto, com a ideia de que alguns eleitos, entre os quais se contam os habitantes das regiões autónomas, tenham, como discutível compensação de insularidade, preços de combustíveis de que todos os outros não desdenhariam usufruir.
Julgávamos, talvez inocentemente, que ficaríamos por aqui. Puro engano! Esquecíamo-nos de que é fértil a imaginação humana e que há sempre quem sonhe de noite o que há-de fazer no dia seguinte.
Passemos aos factos. O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 769/74, de 31 de Dezembro, foi a eficaz gazua que abriu a porta para a concessão às cooperativas agrícolas da equiparação a armazenistas, permitindo-se,* assim, o abastecimento de combustíveis a preços inferiores aos praticados para a rede de revenda.
Sendo já de si discutível tal permissão, avoluma-se o problema quando não se põem em questão as condições e volumes de abastecimento e atinge as raias do escândalo e da sem-vergonha quando as cooperativas abastecem de combustíveis, a preços inferiores aos administrativamente fixados para a venda ao público, não apenas os seus associados mas qualquer outro tipo de pessoas.
Estranho procedimento este, mas que a sagaz criatividade de uma câmara municipal reduziu à condição de mero acto de aprendiz de feiticeiro.
De um ofício de fresca data, da Câmara Municipal de Alcobaça, respigamos o passo seguinte:
Tendo sido reestruturado o serviço de fornecimento de combustíveis aos veículos do Município, foi julgado conveniente que o abastecimento de gasolina passasse a fazer-se em todas as bombas abastecedoras localizadas em Alcobaça, um mês cada, já que o fornecimento de gasóleo passou a ser feito pela cooperativa agrícola de que esta autarquia é sócia.

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Se a moda pega, estendendo-se a outras autarquias, será conveniente acrescentar aos critérios de atribuição de verbas do FEF a qualidade de sócio de cooperativa agrícola das autarquias.
A oposição parlamentar bem se esfalfou, e com reduzidos frutos, para que os preços dos combustíveis se ajustassem aos benefícios da conjuntura internacional. E caso para dizer que uma crise de imaginação grassa neste hemiciclo. Em futura contenda, recolha-se o fruto das congeminações singulares dos superdotados, que, pelos vistos, proliferam por este país, com um povo fruto de muitas e desvairadas origens.
Numa aplicação prática e de visíveis frutos que a D. Branca não enjeitaria, parafraseando um conhecido ideólogo, aconselharíamos: «Cidadãos e autarquias de todo o país cooperatizai-vos!»
Há certas situações que devem ser tratadas com ironia e com redução ao ridículo.
Mas a questão é demasiado séria e pena é que instituições tão importantes como as cooperativas sejam maculadas e que, a coberto de indiscutíveis objectivos, haja gente sem escrúpulos que oportunisticamente se aproveite de mecanismos legais correctos.
Parece que todos estamos de acordo em que as cooperativas, de qualquer tipo, são de apoiar e incentivar. Mas assim não.
Antes de mais verifica-se que os postos abastecedores são sujeitos a uma concorrência ao total arrepio da Constituição, que, no seu artigo 81.º, alínea/), diz incumbir ao Estado assegurar a sua equilibrada concorrência. Não falo sequer na obrigatoriedade legal e moral das cooperativas observarem os princípios fundamentais, nos termos constitucionais e de acordo com o Código Cooperativo.
Cabendo ao Estado estimular e apoiar a criação de cooperativas, através da concessão de benefícios fiscais e financeiros e condições mais fáceis de crédito e auxílio técnico, não se deve pôr, contudo, em causa o equilíbrio da concorrência.
Não é, todavia, o que está a acontecer, pois as cooperativas agrícolas estão a permitir que os combustíveis adquiridos através delas não sejam utilizados em finalidades estritamente agrícolas.
É ainda incontestável que a prática seguida não só proporciona como incrementa formas de corrupção e fraude ligadas à obtenção de subsídios de gasóleo.
É tempo de parar com tal tipo de situações, definindo claramente as regras do jogo.
Assim, julgamos ser de implementar uma eficaz fiscalização do regime de preços e do desvio do subsídio referido.
Deve fixar-se o conceito de posto abastecedor de modo a não admitir distinções, obrigando-se à prática uniforme e generalizada dos preços fixados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devemos verificar e incentivar permanentemente a aplicação universal das leis, ajudando as pessoas e as instituições a trilhar caminhos concordantes com a lei, a justiça e a moral, para que cada português, qualquer que seja a sua condição e local de residência, sinta que há plena igualdade de oportunidades, direitos e deveres.

Aplausos do PRD, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numerosas vezes o Grupo Parlamentar do PCP tem denunciado na Assembleia da República novas formas de repressão e de exploração dos trabalhadores que vêm a generalizar-se por parte do patronato, perante a inoperância completa do Ministério do Trabalho e Segurança Social. Tamanha inoperância só pode chamar-se conivência...
Exemplo vivo dessa realidade trouxe-nos há dias a União dos Sindicatos de Aveiro, relatando a situação que se vive em numerosas empresas deste distrito. Para que o Ministro do Trabalho e Segurança Social não possa mais dizer que não conhece casos, vou dar voz, como deputada eleita por esse distrito, a algumas das situações mais gritantes de ilegalidades, de atentado aos legítimos direitos dos trabalhadores, com o objectivo claro de obter uma resposta do Governo.
Comecemos pela situação dos trabalhadores com salários em atraso no distrito. Em Aveiro, o número de trabalhadores com salários em atraso não diminuiu e isso evidencia mais o escândalo da recusa do Governo em aplicar a lei e em nos ter apresentado um saldo de verba não gasta no OE no que respeita aos salários em atraso e a desemprego. Existem hoje, no levantamento dos sindicatos do distrito, 21 empresas, de nove sectores, abrangendo 2119 trabalhadores com salários em atraso e sendo o montante da dívida das entidades patronais de cerca de 600 mil contos. Em Junho deste ano era de 536 mil contos! Isto é, a dívida aumenta.
De entre as empresas que abrangem um maior número de trabalhadores, permitam que saliente a empresa Nova Vouga, com 120, a CETAP, com 131, a FRAPIL, com 235, a Casal, com cerca de 500 trabalhadores, a Manuel de Almeida Lima, corticeira, com 180, e a Cerâmica de Souselas, com 108 trabalhadores. Estes são apenas alguns exemplos.
A par com esta situação agravam-se e generalizam-se novas formas de exploração. O trabalho ao domicílio, sem contrato, sem descontos para a segurança social, sem vínculo laboral, sem horário, é hoje corrente em muitas empresas, nomeadamente no sector da cortiça, e tal verifica-se, por exemplo, na Amorins & Irmãos, na A. Paulo Amorim, na Empresa Industrial de Paços de Brandão, na Orlando Rocha e Melo, na Vitorino Dias Coelho e Sucessores, em empresas do sector têxtil, como a Esmeralda Ferreira Barbosa, Confecções Fonseca, Santiago & Lima, Cândido da Silva Santos, e em muitas empresas do sector do calçado de São João da Madeira, como, por exemplo, a LAFE.
Os contratos a prazo e o abuso do recurso indiscriminado e sistemático a horas extraordinárias sem a devida remuneração, em vez do contrato de novos trabalhadores, são hoje correntes no distrito.
E estão neste caso as empresas do sector corticeiro Amorins & Irmãos, a Corticeira Amorim, a Orlando da Rocha Melo, a A. Paulo Amorim, a INACOR, a Empresa Industrial de Paços de Brandão e numerosas outras empresas de cortiça; o sector têxtil, como a Califa, a Almagre, a IDEPA, a António Pereira Vidal; numerosas empresas do sector metalúrgico e ainda do sector rodoviário, como a União Rodoviária do Caima.
Os contratos a prazos e situações de trabalho ao domicílio, a exploração de mão-de-obra infantil (e basta os Srs. Deputados olharem para a hotelaria no distrito) são utilizados como armas de pressão para atacar os trabalhadores e os seus direitos e são causa directa da profunda degradação social existente no distrito e do aumento brutal da repressão nas empresas.

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Alguns exemplos que nos são trazidos pela União dos Sindicatos de Aveiro são elucidativos: na Auto-Viação do Souto foram recusadas as dispensas aos dirigentes sindicais e cortados os seus direitos; na Corticeira Nortenha, uma das maiores empresas de cortiça do distrito, os activistas sindicais foram colocados de rosto virado para a parede e isolados dos seus camaradas de trabalho; na União Rodoviária do Caima é exercida uma apertada vigilância sobre os trabalhadores, principalmente de delegados e dirigentes sindicais. Ao mais pequeno pretexto são chamados à administração onde são alvo de processo disciplinar; a OLIVA, do sector metalúrgico, não justifica o tempo gasto fora da empresa pelos delegados sindicais; no sector metalúrgico, a RECOR não paga as horas aos delegados sindicais; a FERBAL, do sector metalúrgico, não reconhece o delegado sindical eleito pelos trabalhadores; na António Jesus Evangelista da Silva, um trabalhador foi espancado a ponto de receber tratamento hospitalar, por exercer os seus direitos sindicais; na Vista Alegre, do sector cerâmico, a comissão de trabalhadores sofreu um castigo de oito dias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes são apenas alguns exemplos de como as entidades patronais se aproveitam da situação de impunidade existente nas empresas do distrito de Aveiro, para exercer formas de repressão variadas e violentas sobre os trabalhadores.
Só a justa luta destes tem impedido que seja mais grave a situação laboral e social no distrito. No entanto, há uma pergunta que é evidente. Que tem feito a Inspecção-Geral do Trabalho no distrito de Aveiro? Que faz o Governo para repor a legalidade democrática nas empresas como algumas das que trouxemos aqui como exemplos?
Os trabalhadores desejam uma resposta. Nós, deputados comunistas, exigimo-la!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marimbo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpre aos eleitos locais, quaisquer que sejam os cargos que ocupam, defender os interesses das populações e, particularmente aos deputados, cumpre ainda acompanhar e apoiar as acções dos autarcas, pois são eles os que mais próximo se encontram dos problemas que no dia a dia urge resolver, sem contudo deixarem de criticar aquelas decisões que, eventualmente, atentem contra o interesse colectivo.
Temos tomado posições algumas vezes conjuntamente com deputados de outras bancadas, no sentido de se desbloquearem situações que se arrastam indefinidamente e que, incompreensivelmente, prejudicam o desenvolvimento das nossas comunidades locais, e podemos dizer que dessa acção conjugada se têm obtido resultados bastante satisfatórios, pelo que somos de parecer que tal prática é desejável e da nossa parte não deixaremos de a manter.
Porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é sobre tal problemática que me proponho falar, mas antes rejeitar, em nome dos deputados do Partido Social-Democrata, particularmente dos deputados do PSD de Viana do Castelo, o teor de um requerimento subscrito pelo Sr. Deputado Oliveira e Silva, do PS, e por outros Srs. Deputados de partidos da oposição, que põem em causa a «legalidade» de construção de uma escola preparatória e secundária no concelho de Viana do Castelo, a localizar no Monte da Ola (limite das novas vilas de Darque e Vila Nova de Anha).
É que, nesse requerimento, se fazem acusações verdadeiramente absurdas e se condenam decisões da Câmara Municipal de Viana do Castelo tomadas por unanimidade, decisões que, para além de partirem do órgão autárquico a quem compete decidir, foram clarificadas em Assembleia Municipal e mereceram ainda parecer favorável da Câmara agora em funções (ainda ontem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tal foi sujeito a nova votação) e pela terceira vez a Câmara Municipal decidiu-se pela instalação da escola no Monte da Ola.
Mais estranho é também que tal requerimento tenha merecido o apoio, a assinatura de um deputado do PCP e outro do PRD, que não farão sequer ideia de qual a situação geográfica do Monte da Ola, dado que não são deputados eleitos pelo distrito de Viana do Castelo, e duvidamos até que o Sr. Deputado do CDS tenha também uma ideia muito concreta dessa situação, para além da iniciativa ser feita sem dela se ter dado conhecimento aos deputados do PSD!...

Tivemos o cuidado de contactar a Câmara Municipal de Viana do Castelo e foi-nos referido o interesse que mantém na edificação desta escola e da urgência que se coloca na sua construção, no local em que está prevista: um local amplo, praticamente plano, ao contrário do afirmado no requerimento, bordejado por zonas arborizadas, com fácil acesso e servindo o maior número de alunos e de povoações, na margem esquerda do rio Lima, e que ajudará a tornar mais funcionais as escolas da cidade, hoje superlotadas. Assinalamos que tal localização aproxima a escola de seis freguesias; tais são Mazarefes, Vila Fria, Chafé, São Romão do Neiva, Castelo do Neiva e Alvarães, servindo maravilhosamente, com acessos directos, Darque e Anha, que, para além dos acessos que serviam a escola a instalar no centro de Darque, têm mais quatro estradas e não bloqueia o actual crescimento da vila de Darque, que aliás já não possui espaços livres no seu «miolo».
Podemos adiantar, aliás, que a escola em questão está em fase de concurso público; aliás, foi já adjudicada e só motivos de óbvia «miopia política» poderão justificar tamanho atropelo às regras da democracia, e digo atropelo às regras da democracia, porque as decisões, todas as decisões, assentaram na mais larga discussão e foram assumidas pelos órgãos legitimados para tal.
Pretender impor, de cima, outros critérios seria grave atropelo, e o Partido Social-Democrata - porque do respeito pelo poder local não faz só bandeira - quer deixar aqui claro que o requerimento n.º 474/IV, para além de não traduzir o querer generalizado das populações a quem se destina a escola a construir no Monte da Ola, no concelho de Viana do Castelo, é bem definitório daqueles que vivem cada vez mais isolados das populações, diria que agem contra as populações, e por isso vão sendo, sucessivamente, abandonados, como demonstram os resultados eleitorais verificados no distrito de Viana do Castelo, e estamos certos de que em futuras eleições este atropelo agora cometido não deixará de ser penalizado como merece.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se os Srs. Deputados Oliveira e Silva e Barbosa da Costa.

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O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Pretendia exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Confesso, Sr. Deputado Roleira Marinho, que, perante a sua arenga, a minha primeira ideia foi a de «arregaçar as calças e deixar passar a enxurrada».

Risos do PS.

Mas, já que me visou pessoalmente no seu arrazoado, uso do direito regimental de defesa para lhe manifestar antes de mais a minha estranheza pelo facto de ser o Sr. Deputado, que não é do concelho de Viana do Castelo, a assumir o ingrato papel de defender o que é indefensável: o desvio da escola C+S do importante aglomerado populacional da vila de Darque para o ermo do Monte da Ola, dentro dos limites da freguesia de Anha.
A escola C + S de Darque, assim lhe chama o diploma legal que a criou e sediou naquela vila, donde os seus correlegionários a pretendem desviar, pelos vistos também com a sua solidariedade.
Pergunto a mim próprio o que terá impedido o ex-presidente da Câmara de Viana do Castelo, deputado do seu partido e primeiro responsável por aquele desvio, de vir aqui demonstrar a excelência do Monte da Ola, da sua terra, como sede do ensino preparatório e secundário.
Por que se escusou ele a vir esclarecer-nos das virtudes dessa localização e endossou esse fardo ao Sr. Deputado Roleira Marinho, que nem sequer é do concelho e que, por isso mesmo, sobre aquele tema concreto não conseguiu ir além das frouxas generalidades que todos, resignadamente, ouvimos?
O Sr. Deputado enche a boca com o facto de haver o PSD ganho as eleições no concelho de Viana do Castelo e de deter, portanto, a maioria no executivo camarário, que lhe vem assegurando em termos democráticos o triunfo da sua vontade ...
Tenha cautela, Sr. Deputado, que neste ponto a transparência democrática é só uma condição necessária, não é uma condição suficiente. Também o Odorico ganhou as eleições em Sucupira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - A legalidade de uma decisão administrativa não decorre do simples facto de ter sido votada por maioria: além de ter de se conformar com a lei, carece de ser primacialmente inspirada pelo propósito de satisfazer o interesse público.
Ora é isto que, lamentavelmente, falta na deliberação camarária que priva a vila de Darque da escola que a lei lhe deu.
Ou o Sr. Deputado ignora que a própria Direcção-Geral das Construções Escolares começou por oficiar a Câmara Municipal no sentido de que lhe facultasse, para edificação da escola de Darque, um terreno centralizado relativamente às populações que iria servir?
Ou o Sr. Deputado ignora que os técnicos da Câmara Municipal de Viana do Castelo, consultados para o efeito, começaram por apontar naturalmente dois terrenos da vila de Darque, que é a mais populosa e o principal pólo de desenvolvimento do concelho em toda a margem esquerda do rio Lima?
Ou o Sr. Deputado ignora que os conselhos directivos das escolas secundárias da cidade de Viana do Castelo, ao terem conhecimento da manobra camarária, se apressaram a contestar essa localização absurda, que acarreta graves problemas de transporte e de habitação para os professores, além de impedir que a escola venha a contribuir para absorver os excessos da população escolar daqueles dois estabelecimentos, há muito superlotados?
Ou o Sr. Deputado ignora que os próprios técnicos da Direcção-Geral das Construções Escolares consideram a localização da escola no Monte da Ola uma aberração?
Ignora que o terreno nesse Monte da Ola exibe extensas aflorações graníticas, que dificultarão a execução de várias infra-estruturas, designadamente a de drenagem de esgotos, e que tudo acarretará um gasto suplementar na construção de vários milhares de contos?
Que, não havendo transportes de e para o Monte da Ola compatíveis com os horários escolares, será preciso criar carreiras de autocarros para o efeito, que, além de terem de ser autorizadas, serão, segundo todas as previsões, deficitárias e envolverão compromissos escusados do Município? Que a localização no Monte da Ola cria problemas de segurança, sobretudo para os estudantes mais jovens e do sexo feminino, e reclama também medidas de protecção que incluam o próprio edifício e que, além de onerosas, são sempre precárias?
Não há tempo para continuar a desfiar este rosário, Sr. Deputado Roleira Marinho.
É evidente que a Câmara Municipal nada disto ignora e ainda esta semana o problema foi de novo levantado em reunião que, pelo resultado tangencial de 5 votos contra 4, manteve a deliberação anterior.
Contra a moralidade administrativa funcionou a maioria arrogante e teimosa, que é surda a toda a argumentação, só para que a escola seja, contra a lei, desviada da vila de Darque, que é da APU, e metida à força na freguesia de Anha, terra do ex-presidente do PSD, ainda que se desperdicem milhares de contos do erário público!
Chama-se a isto desvio de poder.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E é por isso também que a última palavra não será dita nesta Assembleia.
Para os actos ilícitos, os tribunais são o último remédio, sempre falível, é certo, e muitas vezes tardio.
Mas cumpre-nos tudo fazer para que a escola C + S do concelho de Viana, na margem esquerda do rio Lima, não venha a constituir uma nova edição, talvez ainda melhorada, do cemitério que sepultou o Odorico.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Barbosa da Cosia (PRD): - Sr. Presidente, para usar do direito de defesa, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Roleira Marinho, dado ter sido pedido por duas vezes a palavra para uso do direito de defesa, pretende o Sr. Deputado dar explicações apenas no final?

O Sr. Roleira marinho(PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

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O Sr. Barbosa da Cosia (PRD): - Queria dizer que sou o tal deputado do PRD que não é de Viana do Castelo; porém, creio que a Constituição não só me permite como me obriga a ser um deputado nacional. Assim sendo, terei necessariamente de atender aos problemas nacionais e não sei se estará aqui alguém do distrito de Leiria que tenha verberado a minha atitude de há pouco: a de falar sobre a Câmara de Alcobaça.
Quanto a esta questão, gostaria de observar que nós, no PRD, não estamos proibidos de tomar iniciativas, isoladamente ou com outros partidos, relativamente a qualquer matéria. Devo dizer ainda que, por razões de ordem profissional - dado ser professor e também um autarca desde há muitos anos ligado às construções escolares -, tenho um conhecimento mínimo destas questões. Como tal, depois da explicação que me foi dada pelo Sr. Deputado Oliveira e Silva, não tive qualquer pejo em subscrever o requerimento que me foi apresentado.
Por outro lado, gostaria de referir que também não é proibido aos deputados conhecer a realidade de círculos de onde não são originários. Creio que foi aquilo que fiz, não tendo esta minha atitude causado qualquer problema. Também entendo que não devem ser utilizados termos como os que o Sr. Deputado utilizou, ou seja, falar de «miopia política», de «falta de democracia» e dizer que pretendemos «impor de cima para baixo...». Creio que as pessoas sabem o que é um requerimento, qual o seu alcance, qual a sua possível projecção e que não estamos proibidos de tecer considerações antes de colocar perguntas.
Assim, pedia ao Sr. Deputado Roleira Marinho que refreasse a sua linguagem porque é fundamental em democracia respeitarmo-nos mutuamente.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - A intervenção do Sr. Deputado Oliveira e Silva foi, no fundo, justificativa daquilo que disse no seu requerimento, mas mantém as mesmas aleivosias e os mesmos termos insultuosos que inscreveu nesse mesmo requerimento.
É verdade que o Sr. Deputado Henrique da Mata não está aqui hoje presente, encontrando-se ausente por motivo de doença. Porém, como deputado do distrito que sou, conheço perfeitamente a situação. Portanto, não foi por ser do concelho de Viana do Castelo, mas por ser do distrito, por conhecer a vontade das populações e por saber que a localização da escola no Monte da Ola é exactamente aquela que não foi inviabilizada por nenhum técnico... na verdade, os técnicos da Câmara Municipal e os das Construções Escolares consideraram o terreno suficientemente capaz e perfeitamente localizado para se poder instalar aí a escola.
Quero dizer ao Sr. Deputado Oliveira e Silva que, no Monte da Ola, a escola cobre, num raio de 1500 m, exactamente quinze freguesias, servindo 17 000 eleitores. Contudo, o local que o Sr. Deputado diz ser o melhor cobre três freguesias, num mesmo raio de 1500 m, servindo apenas 3000 eleitores.
Assim sendo, quero dizer ao Sr. Deputado Oliveira e Silva que estes dados serão suficientes para perceber que, em termos de transportes escolares, a localização do Monte da Ola é a indicada. Ou não sabe o Sr. Deputado como se processam esses transportes?
Quero ainda dizer ao Sr. Deputado que a situação da escola no Monte da Ola é tão justificada como isto: a Junta de Freguesia de Darque requereu a instalação do centro de saúde exactamente a uns 50 m desta localização porque ela cobre a área dessas quinze freguesias de que lhe acabo de falar.
Portanto, Sr. Deputado Oliveira e Silva, apesar de toda essa truculência, o senhor não consegue conhecer nem a gente do distrito nem a gente do concelho de Viana do Castelo, e muito menos a gente que vai ser servida - os alunos e os encarregados de educação - por essa escola.
Quanto aos conselhos directivos das escolas que tomaram posição, sabemos quem são essas pessoas e que conotação política têm.
Gostaríamos que a comissão instaladora pertencesse à escola para tomar posição e não estivesse localizada noutras escolas da área que irá ser servida - e não apenas aqueles da cidade de Viana do Castelo. Porém, os senhores querem, no fim de contas, construir outra escola ao lado das escolas que já existem na cidade, tirando assim a escola às populações a que ela se destina.
Nós sabemos, Sr. Deputado Oliveira e Silva, que essa é uma motivação política e não de interesse regional, de interesse do concelho de Viana do Castelo. Na verdade, a prova está nas posições assumidas pela Câmara Municipal, das quais a última foi assumida por voto secreto, não podendo, portanto, V. Ex.ª afirmar que terão sido os membros do PSD que optaram por essa solução.
Quanto ao que foi dito pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa, só lhe quero dizer que afinal confirmou não conhecer in loco a situação. Porém, reconheço-lhe o direito de intervir em todos os temas de âmbito nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jaime Magalhães (PCP): - Que generoso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Pires.

O Sr. Lemos Pires (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi publicada, no suplemento «Mercado» do semanário Expresso, do último sábado, informação relativamente desenvolvida noticiando a formação de monitores de informática para o país. Trata-se de uma acção de formação promovida pela NT-2000 (Associação para a Divulgação das Novas Tecnologias de Informação), subsidiada pelo Fundo Social Europeu, cujo custo ascende a 450 000 contos e que envolve 200 formandos.
Quando, há dias, ouvimos nesta Câmara o libelo acusatório do Sr. Primeiro-Ministro acerca da decisão tomada por esta Assembleia -sob a forma de lei e, portanto, no uso da sua competência constitucional - de criar incentivos aos universitários e investigadores para uma dedicação exclusiva às suas obrigações, de utilidade pública reconhecida como fundamentalmente necessária ao País, e nesse mesmo libelo se criticavam as remunerações respectivas, não sabemos se devemos ficar atónitos se indignados perante as críticas expendidas, ao nos confrontarmos com o insólito conteúdo da notícia em causa e da responsabilidade que nesta Casa é devida pelo Governo.

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Feitas simples contas, verificamos que a formação de cada monitor custou 2250 contos - ou seja, o equivalente aproximado do custo total de formação (por parte do Estado) de 1,5 licenciados. Repare-se bem nisto e pasme-se: um monitor de informática, que não é um licenciado em informática e nem constitui sequer uma formação superior, custa mais 50% que um licenciado formado em cinco anos!
Quando, há dias, nesta Câmara e no âmbito da discussão do Orçamento, falava na irracionalidade dos sistemas de formação que possuímos - este é um bom exemplo!
Quando, há dias, e na mesma altura, falava nos desperdícios que, porventura, existiriam - este é um bom exemplo.
Quando, há dias, e no mesmo contexto, falava, embora noutros termos, no esbanjamento dos dinheiros da Nação - este é um bom exemplo!
Já corria forte suspeita de que a aplicação dos fundos comunitários em acções de formação profissional estaria a produzir formas de gestão irracionais, perdulárias, e onde, quiçá, não estariam ausentes os fumos da corrupção.
Esta notícia faz-nos avolumar as suspeitas existentes e, por isso e nesta mesma data, será presente o devido requerimento, solicitando uma cabal explicação acerca do modo como a formação profissional, fora do Ministério da Educação, está a ser organizada e gerido o seu funcionamento.
Esperamos agora que o mesmo vigor com que o Sr. Primeiro-Ministro se encarniçou contra as condições necessárias à formação superior e à investigação científica, repetimos, esperamos que o mesmo vigor seja aplicado na resposta tão atentamente esperada!

Aplausos do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora estejamos na hora do intervalo, vamos prosseguir os trabalhos, pois faltam apenas duas intervenções, com as quais se gastarão cinco minutos. Assim sendo, creio ser preferível terminarmos já esta parte dos nossos trabalhos.
Não há objecções a que assim se proceda, Srs. Deputados?

Pausa.

Visto não ser esse o caso, irei dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Brito Percheiro. No entanto, Sr. Deputado, queria preveni-lo de que o seu grupo parlamentar dispõe apenas de dois minutos.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, suponho que o CDS dispõe de tempo, o qual temos muito gosto em ceder ao Sr. Deputado Brito Percheiro.

O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado. Tem então a palavra o Sr. Deputado Brito Percheiro.

O Sr. Brito Percheiro (PRD): - Queria, em primeiro lugar, agradecer ao CDS o tempo que teve a amabilidade de me ceder.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por razões de uma lógica velha de séculos, o Alentejo fez-se das entranhas de um país, crescendo à sua volta - as costas voltadas à terra, os olhos virados para o mar.
No vagar do tempo, o homem foi traçando na planície as marcas indeléveis da sua presença, assegurando a perenidade das suas referências fundamentais, numa inexplicável ciência do devir. Deste modo se foram materializando, no espaço alentejano, testemunhos de sucessivas simbioses do homem com o meio, tornado inteligível pela medição dos seus valores essenciais.
A história do Alentejo é a história do seu isolamento ancestral, de uma interioridade marginal em que, ironicamente se forjaram as razões de um orgulho que se espelha no seu património cultural.
São, pois, inúmeras as vezes em que, para um alentejano, a sua terra é motivo de regozijo. Escassas têm sido, porém, as oportunidades de o compartilhar. Desta vez, no entanto, é uma instituição como a UNESCO, detentora de uma autoridade inquestionável, que obriga Portugal a rever-se numa parte de si próprio.
Ao ser classificada como património da humanidade, a cidade histórica de Évora, assumindo por inteiro a significação maior que decorre da relevante distinção, atribui-lhe, simultaneamente, um sentido particular: o reconhecimento de uma legitimidade há muito invocada, de uma luta antiga, o direito a uma cidade e a uma região que, para além da pedra - e através dela -, possa encontrar o caminho do seu desenvolvimento, contrariando a lógica aparentemente fatal do deserto em que a própria pedra se degrada na voragem do tempo.
O tempo, marca-o o homem. Ao homem cabe a tarefa de buscar o progresso de o assinalar.
A cidade de Évora é parte - agora reconhecida - da memória do homem. Queremos que assim continue!

Aplausos do PRD e do PSD.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Peço a palavra para formular um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado Brito Percheiro, antes de mais queria congratular-me pelo facto de ter concedido tempo para ouvir tão bela e justa intervenção.
Gostaria de lhe dizer que comungo totalmente de todas as afirmações que fez em relação ao Alentejo. Aliás, queria ainda dizer-lhe que é pena que não se defenda mais, nesta Câmara, o património histórico e cultural do País, como é o caso da cidade de Évora - cidade-museu, que deve ser também protegida por todos nós.
Gostava ainda de lhe fazer uma pergunta, no sentido de saber se V. Ex.ª está disposto e disponível a, conjuntamente comigo, subscrever uma proposta para endereçar a quem de direito, a fim de que, em Évora e de uma vez por todas, se acabem os atentados que têm sido feitos a todo aquele património histórico com aquelas pancartas de propaganda política e outras que envelhecem e denegram as pedras daquela cidade histórica.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Brito Percheiro.

O Sr. Brito Percheiro (PRD): - Sr. Deputado Soares Cruz, tal como dizia agora um colega de bancada, esse é um presente envenenado. De qualquer modo, não conheço os termos da proposta do Sr. Deputado, mas,

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logo que a faça, irei com certeza estudá-la e, se achar que estou de acordo com ela, subscrevê-la-ei com toda a força.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, por razões de actualidade, de urgência e de conveniência da minha bancada, intervirá em meu lugar o meu camarada José Magalhães, para cuja intervenção me permitia chamar, desde já, a atenção da Câmara, devido à sua extrema importância.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem então a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação interna do PSD e a sua posição em relação a algumas das questões que o desenvolvimento da autonomia regional tem vindo a suscitar na vida política portuguesa recente atingiram neste momento uma dimensão que é, por um lado, caricata e, por outro lado, perigosa.
Após uma aparente cimeira interna em que os PSD's procuraram concertar-se quanto a uma orientação em que o concerto é um imperativo de unidade nacional, o Presidente do Governo Regional da Madeira, em mais uma peripécia humorística - caricatural, provocatória -, acaba de submeter à apreciação da Assembleia Regional da Madeira um projecto de resolução cujo teor fala por si e que é o seguinte: «Compete ao Governo Regional determinar a observância de qualquer luto em edifícios do seu património ou sob a sua tutela, não sendo autorizada a expressão de tal sentimento em memória de responsáveis por regimes totalitários». É este o teor do projecto de resolução submetido ao Parlamento madeirense.
Este texto é, em si mesmo, de um ridículo atroz. Com efeito, é perfeitamente óbvio que as Assembleias Regionais não têm qualquer competência para estabelecer regras sobre lutos nacionais por morte de entidades científicas, religiosas, políticas ou de qualquer outra natureza, pois trata-se de matéria da exclusiva competência das entidades da República.
Por outro lado, trata-se de uma resposta política enviesada e pouco frontal, um pouco acobardada - palavra rigorosa -, em relação a uma iniciativa do Primeiro-Ministro, que acabou de solicitar à Procuradoria-Geral da República que se pronunciasse sobre a não observância na Região Autónoma da Madeira do luto nacional decretado por altura da morte do Presidente Samora Machel.
Trata-se, portanto, de uma resposta, de uma medida provocatória, que procura, num salto em frente, caricatural embora, responder, com uma provocação inconstitucional a uma medida normal.
Assim, a pergunta que aqui deixamos vai no sentido de saber se o Primeiro-Ministro vai aceitar, incólume e passivamente - aliás como o tem feito até agora, encaixando, golpe após golpe, todas as provocações contra a unidade da Pátria vindas de entidades que são do PSD (é uma questão familiar, percebe-se, mas a unidade da Pátria tem algumas exigências para quem tenha disso um sentido mínimo) -, mais esta provocação ou se vai tomar, finalmente, uma atitude frontal que restabeleça a normalidade do funcionamento de mecanismos e evite que estejamos sujeitos a provocações (a palhaçadas, é verdade), quand même em termos políticos, inaceitáveis.
Deixamos, portanto, aqui lavrado o nosso protesto, sublinhamos a traço, o mais grosso e indignado possível, a caricatura e exigimos a clarificação rápida da posição do PSD sobre esta matéria, creio que com questões que vêm bulir com os poderes da República, com os quais não pode haver brincadeiras, ainda que partam de um conhecido brincalhão, Idi Amin atlântico. Em todo o caso, há limites.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Jardins Ramos (PSD): - Peço a palavra para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o PSD já não dispõe de tempo.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, o CDS cede algum tempo ao Sr. Deputado Jardim Ramos.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Jardim Ramos.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Queria, desde já, agradecer ao CDS, que hoje é pródigo em ceder tempo.
O Sr. Deputado José Magalhães falou de caricatura e de provocação. Mas não será sempre provocação quem, em vida, nunca respeitou os direitos fundamentais do Homem? Será que valerá a pena respeitar luto por alguém que não respeitou, em vida, os direitos que deveria respeitar?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jardim Ramos, francamente não sei o que é que lhe responda. Isto porque se V. Ex.ª não percebe a monstruosidade que consiste em um Presidente ...

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Deputado, monstruosidade são, muitas vezes, cérebros iluminados que não iluminam nada.

O Orador: - Sr. Deputado, estou disposto a discutir consigo a iluminação pública e privada, os iluminados, tudo o que entender, mas vamos assentar agora nesta coisa muito simples: o luto nacional.
O luto nacional não é uma coisa com a qual se possa brincar.
A Assembleia Regional da Madeira e os órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas não têm nenhuma competência em relação aos lutos nacionais, a não ser a de acatarem, quando aqueles sejam determinados, todas as prescrições para que no território respectivo eles sejam observados. E esta é uma questão básica em termos do funcionamento do sistema; não é discutível, ou então não há luto nacional. Isto por

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que o luto está dependente do acatamento ou não por entidades que são totalmente incompetentes para sobre ele se pronunciarem.
Na Região Autónoma da Madeira, por ocasião da morte do Presidente Samora Machel, o Presidente do Governo Regional boicotou activamente o cumprimento do luto nacional na Região - não aconteceu assim nos Açores, em que a situação foi diversa. Boicotou, pois, activamente e, poucos dias depois, recebia o racista-mor, epígono do apartheid, Botha, com grande clangor de tambores, e V. Ex.ª acha que esse é um grande defensor dos direitos humanos - viva o apartheid! Coma V. Ex.ª o apartheid e que lhe faça bom proveito - toda a Europa e todo o mundo civilizados o rejeitam!
Com certeza que V. Ex.ª acha que, na eventual morte do Presidente Botha, deveria, provavelmente, ser decretado um luto regional. Porém, fique V. Ex.ª com esse entendimento, e nem quero discutir isto! Agora uma coisa é para nós indiscutível: a autoridade regional não tem nenhum poder em relação aos lutos nacionais, e esta resolução é caricata, pois visa estabelecer regras para o luto nacional!
A Assembleia Regional da Madeira, ou de qualquer outra região autónoma, estabelecer que o luto é obrigatório por certas personalidades científicas - porventura científicas competentes, que as outras não - ou religiosas - porventura xintoístas não, mas aqueloutras, daquela outra confissão, sim?! Isto é totalmente absurdo; ou seja, quando alguém ultrapassa esta porta, está nos limites da insanidade política e, como tal, tem de ser declarado através dos meios constitucionais competentes.
Nós alertámos esta Câmara para a gravidade disto e V. Ex.ª responde-me com dois anexins, três refrões e quatro ideias gerais sobre o iluminismo. Pois fique V. Ex.ª iluminada, que a vergonha é, naturalmente, infelizmente, das autoridades regionais que assim procedem.
A responsabilidade de punir isso é dos órgãos de soberania da República, que esperemos que actuem, em particular do Primeiro-Ministro, cuja figura nisto é perfeitamente caricata. Com efeito, recebe na sua residência oficial os Presidentes dos Governos das Regiões Autónomas, concerta com eles não sei o quê - é do seu direito - e, dias depois, o Sr. Alberto João Jardim vai ao Parlamento Regional e apresenta esta resolução vergonhosa, que é, ao que parece, uma resposta cobarde a uma iniciativa frontal do Primeiro-Ministro.
Assim, a nossa curiosidade é esta: o que é que vai fazer o Primeiro-Ministro? Não vai fazer nada como não tem feito até agora? Considera que as questões da unidade da Pátria podem ser barganhadas internamente e que um atentado, desde que feito por um familiar, pode passar impune? Na verdade, este é um comportamento inaceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não há protesto quanto a pedidos de esclarecimento, Sr. Deputado.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Então é para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, ao cérebro iluminado de V. Ex.ª não chegou, com certeza, a verdade dos factos. É que na Região Autónoma da Madeira foi observado o luto nacional, pois em todos os edifícios de organismos dependentes da soberania nacional foi hasteada a bandeira a meia-haste, e este é um facto indesmentível, Sr. Deputado. Agora, Sr. Deputado, já que V. Ex.ª é tão iluminado, é tão preclaro nas suas ilações, o resto é consigo.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a explicação é simples.
Considero importante que tenha ficado registado o que o Sr. Deputado Jardim Ramos acaba de dizer, porque não há mentira mais vergonhosa, no sentido exacto da lisura, do que a que consiste em separar a verdade em duas metades, dizendo uma e escondendo a outra dentro da gaveta.
Como se sabe, na Região Autónoma da Madeira, o Governo Regional deu expressas instruções para que nos edifícios da sua responsabilidade e sob a sua superintendência não houvesse o arriar de bandeira, como é obrigatório, e fez capricho e gala nisso. Aliás, ameaçou, concreta e directamente, até em estabelecimentos de ensino, aqueles que queriam cumprir o luto nacional de, se o fizessem, serem sancionados.
V. Ex.ª disse «nos edifícios dependentes da soberania», e disse bem. Isto porque nos edifícios dependentes da soberania cumpriu-se, tal como era obrigatório. No entanto, nos outros, isto é, nos dependentes do Governo Regional, não se cumpriu. E isto é completamente ilegal, inconstitucional; é, em suma, uma atitude corripletamente lesiva do cumprimento de um luto nacional.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - O luto era nacional ou não?!

Risos do PS e do PCP.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, se o estou a perceber bem, V. Ex.ª entende que o luto devia ser cumprido na parte em que era nacional, e não na parte em que era regional. Porém, não sei se V. Ex.ª consegue, com esses raciocínios preclaros, pedir um copo de água para beber, porque isso traduz grandes dificuldades de percepção do real.
Então como é que podemos entender que o luto regional pudesse, na região (ilha), ser cumprido senão lá? Isto é, o luto nacional na região, é na região;

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o luto nacional é regional ou não é coisa nenhuma. Tenho muito pena de ter que estar a explicar isto, mas tenho que o fazer.

Risos do PCP.

Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que vou admitir que o seu raciocínio é um acto infeliz e uma falta de iluminação transitória de V. Ex.ª em relação a este assunto. No entanto, a questão que politicamente se coloca é muito grave.
Não se pode entender que as autoridades possam dispor da bandeira nacional e reivindicar-se do poder de não cumprir, nos «seus edifícios», o luto nacional. Na verdade, se alguma vez isso acontecesse, estava posta em causa uma uniformidade de procedimento em todo o território nacional, o qual estaria então definitivamente partido, o que teria a máxima gravidade.
Portanto, seja para homenagear a memória de A, de B, de C ou de D, de uma personalidade política, cultural, religiosa, cívica, o que for, o que sucede é que as regiões autónomas não têm nenhuma, mas nenhuma, competência em tal matéria, sobretudo quando se trata de relações externas, como de resto era o caso.
Assim sendo, a resolução é totalmente absurda e devo dizer que a defesa que V. Ex.ª acaba de fazer é altissimamente embaraçosa para o partido a que pertence, e mais embaraçosa ainda para o Primeiro-Ministro, que tem permanecido mudo perante todas as provocações em torno das questões que envolvam a unidade da Pátria. Esperemos, no entanto, que não permaneça mudo nesta, mesmo que não sejam os coxos e deficientes argumentos de V. Ex.ª a suportar a posição que hoje foi defendida, e mal, na Assembleia Regional da Madeira.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, do ponto de vista regimental, pedi a palavra para uma intervenção, embora o seu conteúdo seja, na verdade, o de um protesto.
Não se pode ficar indiferente mediante as palavras que aqui foram pronunciadas pelo Sr. Deputado Jardim Ramos. Elas não são só relevadoras de uma total gravidade, são verdadeiramente manifestação de um espírito de impunidade política, e a impunidade política, quando se trata de ser impunidade institucional, não pode ficar em silêncio da parte de quem deseja preservar o regular funcionamento das instituições democráticas e a própria dignidade do Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quando o Sr. Deputado Jardim Ramos vem aqui afirmar que não há que respeitar o luto por quem na vida nunca respeitou os Direitos do Homem e isto se referia à memória do Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel, é evidente que o Sr. Deputado fez nesta Casa uma afirmação de consequências de tal modo graves que o Partido Social-Democrata não pode ficar calado, e repito que não pode ficar calado, perante esta ofensa feita a um Estado com o qual o Estado português mantém relações diplomáticas e, nos termos da Constituição Portuguesa, relações de paternidade especiais.
O Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel, visitou este Parlamento, tendo então o Grupo Parlamentar do PSD aplaudido de pé as palavras por ele proferidas. É a suprema hipocrisia vir aplaudir o chefe de Estado de um país e, depois de morto, vir acusá-lo de nunca ter respeitado os Direitos do Homem.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É ainda maior a hipocrisia quando isto é dito por um deputado pertencente a uma Região Autónoma cujo Presidente, com o apoio desse mesmo deputado, convidou recentemente para veranear nessa Região um presidente de um outro estado - esse sim, unanimemente condenado nas Nações Unidas por violar flagrantemente os Direitos do Homem.
Maior hipocrisia, maior irresponsabilidade política, maior gravidade institucional não se podia esperar das palavras de um deputado desta Câmara. Das duas uma: ou o Sr. Deputado Jardim Ramos faz, de facto, uma supressão das próprias afirmações que aqui lhe ouvimos, ou o PSD tem o dever elementar, em nome da dignidade do Estado, de desautorizar politicamente as palavras do Sr. Deputado Jardim Ramos.
É disso que ficamos à espera.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CE.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jardim Ramos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, se for possível darei, em primeiro lugar, a palavra ao Sr. Vice-Presidente do meu grupo parlamentar e, embora não prescindindo,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradecia que me respondesse à pergunta que lhe fiz: pediu a palavra para que efeito?

Pausa.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - A pedido do Sr. Vice-Presidente do grupo parlamentar do meu partido, vou prescindir da palavra.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cardoso Ferreira pede a palavra para que efeito?

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - É para apresentar um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para exercer o protesto precisa o grupo parlamentar do seu partido de ter tempo e não o tem. Só no âmbito do «direito de defesa» é que poderá usar da palavra.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Utilizarei o direito de defesa, o que, nestas circunstâncias, não é inédito nesta Câmara.

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O Sr. Presidente: - Uma violação do Regimento não justifica violações consecutivas. Para usar da palavra tem de lhe ser cedido tempo, e nem o CDS nem o PS têm já tempo.
No exercício do direito de defesa dou-lhe a palavra, porque, nesse caso, o tempo não conta.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Jorge Lacão, tal como o Sr. Deputado José Magalhães, teceram aqui uma série de considerações à volta de uma questão que, naturalmente, tem estado na ordem do dia. Mas, o que não é possível e o Partido Social-Democrata não pode admitir é que à volta dessa questão se teçam considerações e se tirem ilações perfeitamente injustificadas e especulativas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas porquê?!

O Orador: - O Partido Social-Democrata está, como sempre esteve, atento ao exercício da soberania e a todas as suas manifestações. Tal não significa que, como alguns pretendem também, isso possa de alguma forma implicar reduções, em termos autonómicos, e alguma lesão em conquistas e desenvolvimentos importantes das autonomias regionais.
Sr. Deputado, não é legitimo, a propósito de uma questão sobre a qual naturalmente haverá perspectivas diversas, sobre a qual cada um de nós aqui no exercício legítimo dos seus direitos pode manifestar uma determinada perspectiva (que pode não significar rigorosamente que outros a tenham), tirar daí conclusões, assacar responsabilidades e quase querer levar o Primeiro-Ministro a uma necessidade, a uma fatalidade de tomar posições - posições que tem sido tomadas, que o Sr. Deputado conhece (aliás, citou algumas). Tem havido diálogo, tem havido, por parte do Sr. Primeiro-Ministro e do Governo, a preocupação de esclarecer - dialogando e não confrontando, que é o que os senhores pretendem. Isto é, o que os senhores querem é cavar um fosso entre um Governo Regional e o Governo da República, sem cuidarem das consequências eventualmente lesivas da autonomia regional ou do exercício da soberania em termos do Governo da República.
O diálogo tem sido praticado e o Governo está atento. Naturalmente que o Primeiro-Ministro e o Governo tomarão as decisões que oportunamente entenderem, mas não pressionados por uma Assembleia que quer o conflito institucional (apesar de dele se queixar) entre o Governo da República e um Governo Regional.

Aplausos do PSD. Protestos do PCP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de dar explicações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Que as palavras do Sr. Deputado Jardim Ramos eram indefensáveis já esta Câmara tinha compreendido. Que na voz autorizada de um vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD se venha verdadeiramente procurar confundir o essencial do que aqui foi dito é coisa que também não pode passar em claro.
O Sr. Deputado Cardoso Ferreira vem dizer que o propósito é apenas o de colocar um grão de areia na engrenagem das relações entre o Governo da República e os Governos das Regiões Autónomas, designadamente da Região Autónoma da Madeira. Não é disso que se trata, mas sim de contestar dois pontos essenciais.
Em primeiro lugar, contestar que uma região autónoma reivindique para si a capacidade de actuar discricionariamente em matéria que é da competência exclusiva do Estado e, portanto, dos órgãos que representam a soberania do Estado.
Em segundo lugar, que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira não tenha tido uma palavra de reprovação para a afirmação de um seu colega de bancada, que diz que o chefe de estado de um país, agora desaparecido, nunca respeitou os Direitos do Homem e, por isso, não merecia que em sua matéria se tivesse observado luto.

Protestos do PSD.

É uma questão de uma enorme gravidade, e esta afirmação não pode passar em claro na bancada do PSD, e é acerca dela que nós continuamos à espera de uma resposta política consequente.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira fez menção directa à bancada do PCP e à minha intervenção, fazendo imputações políticas graves que merecem explicação, embora que sucinta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado entende que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira exerceu também o direito de defesa em relação à intervenção que o Sr. Deputado José Magalhães havia produzido?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Expressa, explícita e directamente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cardoso Ferreira confirma, pelo que pode também dar explicações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, a resposta que acabou de produzir infelizmente não é mais do que a expressão verbal de um compreensível enorme embaraço. Na verdade, a sua bancada acabou de dar mostras, a duas vozes (e a mais vozes não foi porque mais não se ergueram), da enorme descoordenação e diferença de ideias numa matéria em que essa diferença é constitucionalmente impossível. Isto é, em torno da questão de um luto nacional e do que significa a unidade da Pátria, não pode haver nenhuma divergência pela simples razão de que, teses como aquelas que foram expendidas no projecto de resolução que citei são inconstitucionais e, mais do que inconstitucionais - no contexto em que foram apresentadas -, são provocatórias.
Sr. Deputado Cardoso Ferreira, quem é que quer cavar um fosso? É a Assembleia da República quando se pronuncia firmemente contra teses como essa? Quem

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quer cavar um fosso é quem apresenta esse projecto de resolução na Assembleia Regional, em que se diz, a certa altura, no preâmbulo, que a Assembleia Regional recusa qualquer outro entendimento que não aquele que o Sr. Deputado Jardim Ramos há pouco, caricaturalmente, aqui expressou, veiculado sobretudo por jornais, referindo-se de uma maneira pedestre e enviesada a uma notícia do jornal Expresso que revelava ter o Sr. Primeiro-Ministro pedido à Procuradoria-Geral da República um parecer sobre os limites e o âmbito do luto nacional - estando a Procuradoria-Geral a reflectir sobre a matéria, mas não podendo concluir senão, provavelmente, aquilo que é evidente, isto é, que o luto nacional é para ser acatado em todo o território nacional, não podendo o Governo Regional fazer qualquer interferência. É perante isto, e em desafio directo e imediato a isto, que o Governo Regional delibera avançar com esta provocação qualificada.
Pergunto ao Sr. Deputado quem cava fossos e quem avança a provocação. É o PSD regional! Com tanto azar e tanta má-fé que o Sr. Deputado Jardim Ramos confirma aqui, em gargalhada, aquilo que é dito em provocação. Creio que isto é grave num partido que é, apesar de tudo, unitário; que tem um perfil de identidade nacional.
O Sr. Deputado deixa isso sem resposta.
Eu não lhe marco nenhum tempo de resposta porque não tenho legitimidade para isso, nem tenho autoridade para dizer ao Primeiro-Ministro que é agora que se deve pronunciar, e não depois.
Espero, e esperamos todos, com muita atenção uma tomada de posição, quando a provocação é tão directa e aleivosa - porque S. Ex.ª se tinha reunido com estas Ex.as, do mesmo partido, para acordarem e concertarem uma política comum em relação a matérias que o exigem seriamente.
Em relação à questão dos insultos à memória do Presidente Samora Machel, considero intolerável e inqualificável aquilo que aqui foi dito pelo Sr. Deputado Jardim Ramos. O que acho lamentável é que, na sua defesa, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira não tenha dito uma palavra que desagravasse e tornasse aquela intervenção mais tolerável, acabando assim por corroborar a posição inacreditável do Sr. Deputado Jardim Ramos. É toda a sua bancada que suporta essa vergonha, e, sem que se retracte disso, a vergonha continua.

Protesto!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jardim Ramos tem vindo a pedir a palavra para que efeito?

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, lamento ter de continuar esta discussão, mas considero que tenho sido ofendido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma vergonha!

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Não é vergonha, Sr. Deputado José Magalhães!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jardim Ramos para exercer o direito de defesa.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Deputado, mal iria este país democrático se os partidos não fossem livres de dizer o que sentem e, mais do que os partidos, se cada homem, como parlamentar e como homem, não o fosse, pois cada um de nós está acima dos partidos. Tenho o direito sagrado de dizer aquilo que penso. Disso não abdico - não estou na União Soviética, estou num Portugal democrático e, portanto, posso dizer aquilo que penso.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Mas que espalhanço!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para prestar esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não fique o Sr. Deputado Jardim Ramos com a impressão de que alguém lhe quis sonegar o seu sagrado direito à opinião e à liberdade de expressão.
Que o Sr. Deputado Jardim Ramos pense o que pensa do ex-Presidente da República Popular de Moçambique, é lá consigo; que o Sr. Deputado diga que o seu pensamento não é só seu, mas também do seu partido, então não é já consigo, mas sim com o PSD - apoiante deste Governo. Isso foi o que o Sr. Deputado afirmou. O seu partido tinha um determinado ponto de vista e é o senhor que aqui nos explica que, afinal, não corresponde ao ponto de vista do seu partido, mas apenas ao seu, só a si o responsabilizando, e a mais ninguém.

Protestos do PSD.

Ficamos, assim, a perceber as coisas um pouco melhor.
O Sr. Deputado sustenta a afirmação inicial ou é o seu partido que tem que responder por si?

Protestos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, para dar explicações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é evidente que considero que a liberdade de expressão do Sr. Deputado Jardim Ramos é sagrada. Além do mais, propicia-nos momentos de excelente humor.
A questão que se coloca é que, ao bulir, como veio bulir, com duas questões fundamentais -uma que tem a ver com a unidade da Pátria e outra que tem a ver com política externa portuguesa- e ao revelar pontos de vista que são afrontosamente inconstitucionais, por um lado, e provocatórios no contexto em que são produzidos, por outro, o Sr. Deputado Jardim Ramos, ao exercer a sua liberdade de expressão, coloca um gravíssimo problema político ao seu partido.
Neste momento, não tenho nenhuma pergunta -e não quis agravar o Sr. Deputado Jardim Ramos -, mas tenho muitas perguntas (e temos todos, certamente, muitas perguntas) em relação a um partido que, depois de ouvir tudo o que V. Ex.ª, em livre pensamento, acabou de exprimir, não tem nenhuma posição a não ser aquela posição atrapalhada e atamancada que nos foi aqui debitada e veiculada por um dos responsáveis da sua bancada.

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Se é esta a resposta, então a vossa liberdade de pensamento é um enorme problema para Portugal e para os Portugueses e é preciso esclarecê-lo rapidamente, designadamente pela forma adequada.
Apresentem a moção de confiança!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um voto de saudação proposto pelo PRD - que já foi mandado distribuir -, do seguinte teor:
No 38.º aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Assembleia da República saúda essa data como marco importante de dignificação e fraternidade entre os homens.
Srs. Deputados, se houver consenso nesse sentido, será votado hoje, mas após o intervalo, que servirá de período de reflexão.
Srs. Deputados, declaro interrompida a sessão. Os trabalhos recomeçarão às 18 horas e 30 minutos.

Eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, perguntava aos diversos grupos parlamentares se não há objecções a que o já referido voto de saudação apresentado pelo PRD seja votado ainda hoje.

Pausa.

Assim sendo, vamos passar de imediato à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há tempo para se produzirem declarações de voto, porque elas deveriam, nos termos regimentais, ter lugar no período de antes da ordem do dia, que foi esgotado por todos os grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que tratando-se do que se trata, isto é, da aprovação de um voto com esta natureza, seria justificável estabelecer um consenso em termos de que fosse concedido um tempo mínimo para que algumas palavras possam ser ditas a fim de podermos balizar o acto que aqui praticámos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver objecções a que assim se proceda, a Mesa vai conceder três minutos a cada grupo parlamentar para que as respectivas declarações de voto possam ser produzidas.

Pausa.

Visto haver consenso nesta matéria, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Evoca-se hoje a Declaração dos Direitos do Homem. É boa a circunstância para reflectir e agir.
Lancemos um olhar lúcido sobre o mundo. Que vemos? Terras há em que o esclavagismo persiste, em que se pratica impunemente a esterilização forçada, em que a opressão gera iniquidades sem conta, o imobilismo, a condenação de comunidades inteiras à precariedade e ao sofrimento.
Grandes têm sido, sem dúvida, as conquistas da humanidade, no sentido do progresso, da liberdade e do primado das opções solidárias. Mas conhecemos países em que os direitos económicos, sociais, culturais e políticos são uma miragem ou um novo demónio que se exorciza pela contumácia da violência.
E pensamos que, aqui, nesta pátria que é nossa, doze anos depois de um Abril justiciador e dez após a Constituição arrojada que nos rege, prolifera o número de trabalhadores sem contrato, que existem homens e mulheres que não recebem salário, que engrossam as fileiras do desemprego, nas quais deparamos com milhares de jovens para quem nenhum futuro parece sorrir.
Abrimos os jornais, esse poliédrico espelho dos dias, e lemos, por exemplo, n'A Capital, hoje: «Só queremos uma casinha»; «Quinta da Calçada em pé de guerra»; «Famílias ao frio, pancada na rua» - um rosto contorcionado tem por baixo esta legenda: «Isto é humano? É justo?»
O Diário: «Deficientes apresentam cinquenta reivindicações.» Todas elas elementares, todas elas por atender pelo poder político, que não responde a problemas centrais dos Portugueses.
Congratulamo-nos, pois, pelo evento que concitou a unanimidade da Câmara, mas é esta a ocasião para não enjeitarmos também as responsabilidades que nos cabem no dar conteúdo concreto aos direitos que evocamos; no dar corpo às liberdades, no transformar o chão da disforia e das injustiças em que nos movemos numa realidade que a todos enriqueça e felicite.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aprovada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem só viria, contudo, a fazer parte da ordem jurídica portuguesa em 1978, graças ao 25 de Abril, ou seja, 30 anos após a sua aprovação.
E se hoje temos motivos especiais para nos congratularmos com o seu aniversário, aniversário que decorre em circunstâncias bem diferentes daquelas que existiam antes da sua integração na ordem jurídica portuguesa, a verdade é que os grandes princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos do Homem estão integrados na Constituição da República.
Mas isso não nos pode fazer esquecer que a Declaração Universal dos Direitos do Homem funcionou durante o fascismo como um instrumento de luta de todos aqueles que lutavam pela liberdade, instrumento que era possível invocar e agitar, visto tratar-se de um instrumento aprovado na ordem internacional e em relação ao qual o fascismo receava tomar uma posição de intervenção.
Mas, infelizmente, em alguns aspectos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem ainda se mantém actual. Por exemplo, quando lemos o artigo 23.º e aí vemos assegurado o princípio do direito ao emprego

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e ao trabalho e temos que quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa, quer o panorama do desemprego no nosso País, quer o panorama ainda mais trágico dos trabalhadores com salários em atraso, faz-nos pensar que, infelizmente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem ainda tem actualidade no nosso país.
Ela é um instrumento democrático que, une, na ordem internacional, todos os países que se identificam com os princípios da democracia. Por isso, nos associamos à comemoração de mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Paulouro.

O Sr. António Paulouro (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 38 anos depois de aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Partido Renovador Democrático congratula-se com esse passo importante de dignidade e fraternidade.
Ciente, embora, dos abusos e dos crimes que continuam em muitos lugares do Mundo e que gravemente lesam esses direitos, o PRD, fiel aos princípios que sempre defendeu, julga ser dever de todos os cidadãos fazer da Declaração um sólido factor de entendimento entre os países.
Por tais razões apresentou este voto, sinal 'de respeito' pelas ideias que inspiravam a palavra da Declaração e de responsabilização na tarefa comum em defesa dos direitos humanos.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós, sociais-democratas, não podíamos ficar calados com esta comemoração. Profundamente humanistas como somos interessa-nos, acima de tudo, a pessoa do homem como homem livre e desoprimido sob todos os aspectos.
Não queríamos fazer um aproveitamento político da ocasião. Não queríamos fazer, como outros, a chamada de alguém a quem faz falta uma casinha ou de alguém que, pobre ou miserável, precisa de comer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque então também poderia falar nos povos oprimidos do Afeganistão, da Europa do Leste, da África do Sul, etc.

Vozes do PSD e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Queria falar, isso sim, na liberdade do homem como homem e, nesse sentido, permitam-me que fale na liberdade de um povo que foi nosso, é nosso e há-de continuar a sê-lo, o povo de Timor-Leste, que continua a ser oprimido, pelo que hoje é o momento próprio para aqui o lembrarmos.

Aplausos do PSD, do PS,, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quiseram os meus camaradas que fosse eu a fazer esta breve intervenção, talvez porque se tenham lembrado da minha qualidade de presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Acho que se alguma coisa não faz sentido é gastar muitas palavras para se dizer aquilo sobre o que nenhum homem verdadeiramente digno deixará de estar de acordo. É que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, depois de todas as tragédias por que o homem passou, como a escravidão, a servidão, o feudalismo, os regimes absolutistas e os regimes totalitários (ainda hoje com aflorações nas sociedades humanas), representou o momento mais alto da dignidade do próprio homem.
A nossa geração, quando um dia se fizer a história dela, terá como ponto mais alto do seu orgulho o facto de ter sido capaz de se pôr de acordo para aprovar a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
E nós, Portugueses, podemos permitir-nos o orgulho de ter uma Constituição que não fica a dever nada em reconhecimento, de direitos fundamentais à própria Declaração Universal dos Direitos do Homem. Quando alguém quiser fazer do homem o mais belo retrato humano e cívico dirá: fomos capazes de produzir a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Aplausos gerais.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o CDS anunciou que apresentará por escrito a sua declaração de voto.
Srs. Deputados, entrando agora no período da ordem do dia, anuncio que a votação do projecto de lei n. º 274/IV, conforme acordado em conferência de líderes, fica transferida para terça-feira, às 18 horas.
Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 14 e 15, do Diário respeitantes às reuniões plenárias de 20 e 21 de, Novembro.
Não há objecções, Srs. Deputados?

Pausa.

Consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da proposta de lei n.º 36/IV, sobre a Lei do Emparcelamento Rural.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Joaquim Gusmão): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira formulação de um regime de emparcelamento em Portugal remonta aos finais do século passado e foi proposta num projecto de lei sobre fomento rural em 1887 à Câmara de Deputados. O autor do projecto, Oliveira Martins, para contrariar o inconveniente «progresso da divisão e fraccionação das glebas», pretendia não só criar «um regime especial para aquelas propriedades que atingiram o limite abaixo do qual não convém que sejam divididas», mas também estabelecer «o processo de união ou congregação das glebas dispersas em virtude da fragmentação». Eram os fundamentos de uma política agrária destinada a favore

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cer a propriedade familiar (o casal de família) e o emparcelamento. O «casal de família» só viria a ter expressão legislativa em 1930 (Decreto n.º 18 551, de 3 de Julho); o emparcelamento, em 1919 (Decreto n.º 5785, de 10 de Maio). O regime do «casal de família» está ainda em vigor e aplica-se aos «casais agrícolas» instituídos pela colonização interna. O regime de emparcelamento criado em 1919 ficou por regulamentar e só em 1962, com a Lei n.º 2114, de 16 de Agosto, e o Decreto n.º 44 647, de 26 de Outubro, se tornou aplicável.
Voltando à história do emparcelamento em Portugal, interessa referir um novo projecto de lei, que, também ele, não vingou, mas contém orientações de algum interesse. Trata-se do projecto apresentado em 1899 por Elvino de Brito. Nele se procurava facilitar o emparcelamento aos proprietários que acordassem na formação de propriedade contígua, isentando-os da contribuição de registo nas transmissões e da contribuição predial nos três anos seguintes ao da nova delimitação. Os serviços oficiais forneceriam gratuitamente as plantas topográficas indispensáveis, e gratuitas seriam, também, as avaliações. Com a Finalidade de constituir o «casal de família», isentava-se da contribuição de registo a aquisição de prédio confinante com o do adquirente, desde que não resultasse uma propriedade de área superior a 3 ha.
Parece-me interessante o procedimento proposto para certas situações de encravados: o dono do prédio rústico que envolva completamente outro prédio poderia exigir a expropriação do encravado, desde que este tivesse área inferior a 1 ha, o seu rendimento colectável fosse inferior a um terço do prédio envolvente e nele não existisse casa de habitação do proprietário. O dono do prédio expropriado receberia por este o valor de avaliação acrescido de 25%.
Numa proposta de lei para a criação de serviços cadastrais, apresentada ao Parlamento em 1911 por Brito Camacho e José Relvas mas não aprovada, entre as finalidades visadas pelo cadastro figurava a remodelação do regime de propriedade. Os serviços prestariam «o seu concurso aos proprietários que quisessem aproveitar as garantias de segurança e economia, que as operações de delimitação lhes ofereciam para as suas demarcações particulares e para o seu trabalho de emparcelamento».
Posso ainda referir outras particularidades interessantes do regime de 1919: o emparcelamento poderia ser declarado obrigatório se, pelo menos, dois terços dos proprietários, representando dois terços da superfície submetida a emparcelamento, fossem favoráveis à operação; as despesas resultantes do novo arranjo seriam distribuídas proporcionalmente ao número e valor dos prédios possuídos; os novos prédios ficariam isentos da contribuição predial durante três anos; um proprietário teria direito ao prédio ou parcela onde existisse casa de habitação em que residisse há mais de um ano.
O legislador de 1962 reduziu a dupla maioria de dois terços exigida para a realização do emparcelamento para a simples maioria dos proprietários com a maioria do rendimento colectável. A existência desta maioria simples «pressupõe um interesse digno de prossecução, de que o Estado se não deve alhear», tanto mais que no regime actual é o próprio Estado a financiar o custo das operações, e não os proprietários.
Vem ainda a propósito mencionar uma iniciativa do Conselho de Cadastro, no começo dos anos 30, de estudo de um projecto de decreto-lei prevendo, em
determinadas circunstâncias, o emparcelamento obrigatório nas zonas cadastradas. Esta ideia de aproveitar a realização do cadastro para promover a remodelação predial, já aflorada no projecto de lei de 1911, deve ter estado na origem da preparação do primeiro projecto de emparcelamento da Junta de Colonização Interna, não executado por falta de apoio legal, uma vez que o regime instituído em 1919 continuava por regulamentar. Com efeito, esse projecto incidia sobre aldeias do concelho de Mogadouro, onde recentemente fora efectuado o cadastro geométrico.
Na década de 50, face ao desenvolvimento económico geral que então se verifica, os países europeus começam a definir políticas para o sector agrário com o objectivo de garantir aos respectivos trabalhadores um nível de vida compatível com o dos outros sectores. Para isso teria a agricultura de tornar-se mais eficiente e competitiva, devendo assegurar aos capitais nela investidos uma remuneração equitativa.
Numa reunião da OCDE em 1955 reconhece-se «a necessidade de criar e manter explorações capazes de conseguir um nível de vida satisfatório para o empresário que trabalhe exclusivamente na exploração e para a sua família, prevendo-se ainda uma margem de melhoria correspondente ao nível de vida geralmente em crescimento no conjunto da comunidade».
Desenha-se, pois, uma tendência para a criação de unidades viáveis, para a evolução das empresas familiares de simples subsistência para empresas orientadas para o mercado. Porém, na maior parte dos casos, as estruturas fundiárias dificultam esta evolução. Há que actuar em força na correcção destas estruturas. Publicam-se em vários países leis do emparcelamento ou reformulam-se os princípios orientadores do ordenamento rural.
Portugal não pode ficar alheio a este movimento. Os dados conhecidos do inquérito às explorações agrícolas realizado em 1952-1954 confirmaram a gravidade dos problemas que afectam a estrutura fundiária, a excessiva fragmentação e dispersão das explorações do norte e centro do País.
E a situação não evolui favoravelmente, como o provam os inquéritos de 1968 e 1979.
No período de 1959 a 1964 planificou-se fazer algo no sector do emparcelamento.
As dificuldades foram tantas que deram origem à Lei n.º 2116, de 1962.
Dispõe a base XXIV da Lei n.º 2116 que, «concluídos os trabalhos de execução do plano de recomposição agrária, será lavrado, em relação a cada proprietário, auto que fará menção das operações realizadas quanto aos seus bens e descrição pormenorizada, para efeito de inscrição matricial e de registo predial, do prédio ou prédios que lhe ficaram a pertencer e dos termos de transferência dos direitos e encargos que sobre as suas parcelas primitivas incidiam e devem subsistir»; e logo a seguir: «o auto e as suas certidões ou fotocópias, devidamente autenticadas, constituirão documento bastante para prova dos actos ou factos que dele constem».
Pois se o legislador pensava que os autos de emparcelamento eram documento bastante para o registo predial, enganou-se redondamente. Nenhum conservador do registo predial assim o entendeu e nenhum deixou de querer observar o sagrado preceito do trato sucessivo para a inscrição de um prédio resultante do emparcelamento. Também nunca se conseguiu que o Código

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do Registo Predial abrigasse excepções para contemplar as operações de emparcelamento, estranhas operações em que o prédio atribuído ao proprietário pode ter configuração, área, confinância e localização corripletamente diferentes daqueles que substitui!
Aqui está uma das mais fortes razões que nos levam a pedir com alguma urgência a publicação de uma nova lei do emparcelamento e as consequentes pequenas alterações de algumas disposições do Código do Registo Predial.
Há muitos anos que foram entregues os prédios resultantes do emparcelamento dos perímetros de Estorãos, Cabanelas-Prado e Odeceixe-São Teotónio, e o seu registo continua por fazer.
A concentração das parcelas sem a realização das obras conexas seria insuficiente. Se aquela aponta para o aumento de área das parcelas, para a aproximação das terras ao centro da lavoura, para uma melhor forma de continuar o seu cultivo, há que criar as restantes condições para aproveitar no maior grau a capacidade produtiva do solo e o modo de o explorar. O. recurso às máquinas exige bons acessos, o melhoramento do solo pode exigir obras de drenagem, a intensificação cultural e a rega. Os caminhos e as obras de hidráulica são exemplos de infra-estruturas colectivas cuja realização, na maior parte dos casos, só encontram justificação económica e garantem eficácia* se acompanhadas da reestruturação fundiária.
Pelo que disse até agora, parece que tudo correu razoavelmente ao abrigo da legislação de 1962. O panorama começa a mudar, quando abordamos a condição» do reordenamento jurídico da propriedade.
Há pouco referi que os novos prédios são na prática de difícil ou impossível registo. Ora, a segurança jurídica é outra das regras de ouro do emparcelamento. Além da garantia dos seus direitos, que dá aos titulares dos novos prédios, ela proporciona-lhes também uma base de desenvolvimento, pois cauciona o crédito, garante os investimentos e permite a capitalização.
Não oferece dúvidas que este é um capítulo a melhorar na lei portuguesa de emparcelamento, como também não oferece dúvidas que a conservação dos resultados é outro capítulo a alterar.
Após a titulação dos resultados, incompleta como se viu, a lei é omissa quanto ao que vem a seguir.
Gostaria ainda de acentuar que um verdadeiro programa nacional de emparcelamento não pode restringir-se ao tipo de intervenção até agora privilegiado, o tipo de intervenção concentrada que é o emparcelamento integral e em que a actual lei é omissa. Esta é uma operação valiosa como dinamizadora e viabilizadora de um conjunto de acções destinadas ao desenvolvimento integrado de uma zona.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em resultado do que muito resumidamente referi, é assim que surge a proposta da nova lei, que mereceu a aprovação do Conselho de Ministros em 28 de Abril do corrente ano.
A «proposta de lei de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas», apresentada à Assembleia pelo Governo, faz parte de um conjunto de medidas legislativas que tem em vista criar as condições que proporcionem maior eficácia na transformação ou defesa da estrutura das explorações agrícolas de modo a melhorar a sua produtividade.
No que respeita ao emparcelamento, uma vez que está em vigor um regime que tem permitido avançar com algumas operações de emparcelamento integral - não obstante dificuldades de vária ordem na sua execução e particularmente na titulação dos respectivos resultados -, poder-se-ia perguntar se não seria suficiente propor apenas a alteração de algumas bases da Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962, em vez de se propor uma lei nova.
Da exposição de motivos que acompanha a presente proposta de lei resulta, contudo, claro por que se julgou preferível uma reformulação total dos conceitos, dos processos e dos meios.
A proposta que vai agora ser discutida tem, portanto, como objectivos principais:

a) Redefinir e alargar o conceito de «emparcelamento»;
b) Regulamentar com pormenor bastante os processos de execução das operações;
c) Recriar as condições de constituição e aplicação da «reserva de terras»;
d) Adequar o regime legal do emparcelamento e fraccionamento de prédios e explorações agrícolas às disposições constitucionais e outras sobre a matéria; e
e) Rever e completar a desactualizada fixação das unidades de cultura e introduzir os limites orientadores da dimensão das explorações a privilegiar.
Embora seja do conhecimento desta Assembleia a situação das estruturas fundiárias que se impõe modificar, vale a pena referir sucintamente os números do último recenseamento agrícola, ou seja, o de 1979.
Em cerca de 780 000 explorações recenseadas no continente, podemos concluir que:

Mais de 344000 explorações, isto é, 44%, têm área inferior a 1 ha; Mais de 328 500 explorações, isto é, 42%, têm área compreendida entre 1 e 5 ha;
Cerca de 107000 explorações, isto é, somente 14%, têm área superior a 5 ha.
A superfície média das explorações é de apenas 6,61 ha e o número médio de parcelas por exploração é de 6,3 ha. Estes números não reflectem, porém, a verdadeira situação nas zonas de minifúndio, uma vez que abrangem os distritos do Sul, em que predomina a grande propriedade.
Esta situação de defeituosa estrutura da propriedade rústica e das explorações agrícolas tem constituído sempre um travão ao progresso da nossa agricultura, tanto mais que vêm tardando as medidas apropriadas para a debelar.
Integrados num vasto mercado, onde as explorações dos outros países apresentam muito melhores condições de competitividade, como vão subsistir as explorações agrícolas portuguesas?
A legislação de 1962, embora afirmando o propósito de melhorar as condições técnicas da exploração agrícola, preocupou-se fundamentalmente com a concentração da propriedade rústica dispersa, ainda que tenha procurado acompanhar essa concentração com algumas obras de valorização económica em operações que poderiam ser denominadas de emparcelamento integral. Os simples reagrupamentos de prédios estavam também previstos, mas não foram objecto de adequada regulamentação.

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Ora, um verdadeiro programa nacional de reestruturação fundiária não pode restringir-se à realização de operações de emparcelamento integral, mesmo reconhecendo serem estas operações muito valiosas na viabilização ou dinamização do conjunto de acções destinadas ao desenvolvimento integrado de uma região a que normalmente são associadas.
Mas, quer as limitações dos recursos disponíveis, quer as condições físicas do território, não permitem multiplicar em todo o País o número de tais operações.
Por isso, além de melhorar os normativos aplicáveis as operações de emparcelamento integral, impôs-se prever e regular na presente proposta de lei outras formas de intervenção que visam beneficiar a estrutura das explorações, como são:
O simples reagrupamento predial, em acções de remodelação de menor vulto que dispensam normalmente obras conexas;
O redimensionamento de explorações, mediante o incentivo à compra de prédios confinantes ou próximos e ainda ao arrendamento ou compra de terrenos da «reserva» ou «banco de terras»;
O emparcelamento de exploração, integrando ou não o emparcelamento da propriedade;
A troca ou expropriação de terrenos e árvores, de modo a extinguir encravados, direitos de superfície ou servidões e a rectificar estremas de prédios.
Deste modo será possível diversificar o tipo de intervenções onde quer que sejam detectadas ou reclamadas correcções da estrutura fundiária.
Importa salientar que os processos de execução das diferentes operações não apresentam quaisquer inovações, pois são adoptados os princípios básicos e as técnicas de emparcelamento largamente consagrados em numerosos países da Europa Ocidental, particularmente nos países da Comunidade Europeia, com resultados incontroversos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se dúvidas houvesse, bastaria compulsar as legislações espanhola, francesa, belga, alemã ou holandesa ou os relatórios de actividade dos serviços que nesses países executam as acções de emparcelamento.
Em todo o caso, deve pôr-se em evidência que o processo de emparcelamento obedece, como regra, a um princípio fundamental: a reatribuição, aos proprietários ou empresários abrangidos, de bens de produção equivalentes, em produtividade, aos anteriormente possuídos.
Ao respeito pela equivalência somam-se os benefícios da remodelação parcelar e dos melhoramentos fundiários que eventualmente a completam, traduzidos na melhoria das condições técnicas e económicas de exploração.
Interessa ainda referir aspectos e objectivos que noutras vertentes do emparcelamento são considerados e prosseguidos:

a) A realização de obras e melhoramentos conexos do emparcelamento tem normalmente em vista o interesse colectivo, implica a adesão das populações cujo desenvolvimento sócio-económico se pretende promover e comete aos beneficiários, no âmbito de associações já existentes ou a constituir, a exploração e conservação das obras que não devam ser confiadas às autarquias locais;
b) O incentivo às formas de associativismo agrícola, visando a produção, a transformação e a comercialização dos produtos agrícolas, bem como à instalação de jovens agricultores e ao redimensionamento de explorações de tipo familiar, nomeadamente pelo regime de preferências que lhes é aplicável na compra ou arrendamento de parcelas da «reserva de terras» em certas transmissões de prédios ou explorações;
c) A promoção do redimensionamento de outros tipos de exploração e das unidades prediais pelo menos até ao limiar da sua viabilidade técnica e económica;
d) A segurança jurídica da propriedade dos terrenos sujeitos a emparcelamento, mediante a regularização das respectivas matrizes e do registo predial, um objectivo que a legislação a revogar não salvaguarda de forma pacífica e eficaz face às disposições da legislação específica vigente; e, por último,
e) A participação activa dos próprios agricultores, através da sua representação nas comissões de trabalho e de apreciação dos projectos e bem assim pela ampla abertura à sua intervenção individual nas várias fases dos processos.

No âmbito da lei que se propõe, dificilmente se poderia ir mais longe, embora se admita que certos aspectos das transmissões de explorações possam ser mais profundamente tratados, mas em sede própria, que é a do direito sucessório.
Não terão sido ainda suficientemente salientadas certas matérias contidas na proposta, como, por exemplo, as da fixação das áreas mínimas dos prédios e das explorações agrícolas e as limitações ao seu fraccionamento. Pode sumariamente dizer-se a este respeito que se tem em vista a criação de limites adequados aos diferentes tipos de aproveitamento e de exploração que sejam aconselháveis em cada região ou zona de características homogéneas.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Outras questões são, também, cuidadas na proposta de lei, em termos de assegurar a eficácia da realização das operações, mediante a definição de competências dos organismos intervenientes ou da mais harmoniosa coordenação de acções convergentes na mesma finalidade de melhorar as estruturas agrárias.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Numa nota final explica-se que, ao invés do que anteriormente se verificou com a Lei n.º 2116 e sua regulamentação pelo Decreto n.º 44 647, se optou agora por elaborar uma proposta de lei que apenas não regulamenta matéria que exige estudos subsequentes à sua aprovação.
A prestimosa colaboração da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, do Ministério das Finanças, e da Direcção-Geral dos Registos e Notariado, do Ministério da Justiça, permitiu apresentar no âmbito da presente proposta de lei as alterações que se impõe introduzir no Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, no Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola e no Código do Registo Predial.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.

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O Sr. Presidente: - Inscreveram-se durante a intervenção do Sr. Secretário de Estado, e para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Soares Cruz, Lopes Cardoso, João Abrantes e Rogério de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados,- Sr. Secretario de Estado: Para começar gostaria de lhe pôr uma questão muito breve.
Considera o Governo que a legislação existente é insuficiente, numa perspectiva de suporte para medidas que visam uma implementação do emparcelamento? Se de facto considera, gostaria que me explicasse de uma forma sucinta, claro está, mas um pouco mais evidente do que aquilo que explanou ao longo do seu discurso, quais são as medidas que permitam modificar o actual panorama legislativo, em termos de poder promover de uma forma mais eficaz o emparcelamento.
Por outro lado, gostava de lhe pôr ainda uma questão que a mim, francamente, até talvez me tivesse aturdido, e que é esta: por que razão é que o Governo só ao fim de um ano vem com esta proposta e o faz de uma forma tão repentina? Francamente, não consigo perceber, nem consigo vislumbrar a intenção deste facto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - A escassez do tempo não me permite colocar ao Sr. Secretário de Estado a multiplicidade de perguntas que lhe gostaria de pôr.
Muitas delas têm a ver com o facto de que, como decorre de forma transparente da intervenção do Sr. Secretário de Estado, quando relembrou a esta Câmara que 44 % das explorações agrícolas têm menos de 1 ha e que apenas 14% têm menos de 5 ha, o emparcelamento considerado por si só e se for separado de uma política global de intervenção no sector agrícola, e nomeadamente nas estruturas fundiárias, não será nunca uma resposta aos problemas que se colocam.
Não tenho tempo, e por isso lhe faço apenas uma pergunta muito concreta, e que tem a ver com a total desarticulação desta proposta em relação a uma política global para o sector agrícola.
No artigo 6.º, Sr. Secretário de Estado, diz-se pomposamente que a reserva de terras que desempenha neste esquema um papel importante, será composta entre outras coisas, «... pelos terrenos relativamente aos quais tenha sido declarado o estado de abandono, subaproveitamento ou mau uso, para efeitos de expropriação ou arrendamento compulsivo...».
Como é que o Governo vai dar satisfação ao contido nesta alínea c), quando nós ouvimos - e não há muito tempo - da boca do Sr. Ministro da Agricultura, sentado aí nessa bancada, que não aplicava a lei em vigor sobre os mínimos de aproveitamento, por considerar que era uma lei desestabilizadora. Para além da enormidade que ficou registada na altura, de o Sr. Ministro declarar aqui perante a Câmara que não aplica a lei em vigor, como é que, não a aplicando e considerando-a desestabilizadora, vem a seguir dizer que são os terrenos obtidos ao abrigo dessa lei, que ele não aplica, parte daqueles que constituirão a reserva de terras.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A intervenção do Sr. Secretário de Estado levar-nos-ia a supor que este processo de emparcelamento tem sido um processo pacífico. O Sr. Secretário de Estado chegou mesmo a falar na adesão das populações. A verdade é que a sua intervenção está longe de corresponder a este panorama, porque de facto aquilo de que temos conhecimento é que os processos de emparcelamento em curso, sobretudo os mais recentes, têm tido grande oposição das populações e têm gerado graves conflitos. Dir-lhe-ia apenas que isto aconteceu em relação à Cova da Beira, em relação a Beneciate, em Silves e, concretamente, em relação ao Baixo Mondego, que é o processo que conheço mais de perto. E aqui há a salientar, de facto, algumas questões que não estão contempladas nesta nova lei.
Por exemplo, em relação aos rendeiros, que não foram chamados nem ouvidos em todo este processo, a lei, designadamente no seu artigo 9.º, nem sequer lhes concede preferência nos arrendamentos a fazer ao Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, no banco de terras disponíveis.
Por outro lado, em relação ainda ao Baixo Mondego, o Governo estabeleceu uma unidade de cultura fixada para essa região de 25 ha, o que dará nos 15 000 ha do Baixo Mondego o desaparecimento de 6300 agricultores, dos 7 000 que actualmente existem.
Uma outra questão, que o Sr. Secretário de Estado não referiu, e que gostaríamos de ver explicitada, é a questão do envolvimento das autarquias. Gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado se efectivamente houve alguma audição prévia das autarquias para adesão a este processo ou se, pura e simplesmente, o Governo está a querer envolver as autarquias numa aceitação forçada deste mesmo processo, talvez como forma, digamos, muito particular e muito original de valorizar o papel do poder autárquico, que todos nós sabemos não estar nos objectivos deste Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Pretenderia esclarecer não tanto uma dúvida, mas obter uma confirmação do Governo ou, pelo menos, a sua explicitação.
A proposta de lei estabelece a determinado passo que serão, por um lado, definidas as unidades mínimas de cultura e, por outro lado, as áreas mínimas e máximas limites para as explorações agrícolas familiares e empresariais.
Bom, se admito que a definição de área mínima da chamada exploração familiar existe por pressupor que todas aquelas que estejam abaixo dessa área mínima tendem a constituir a área marginal, e que mais não constituirá que uma reserva para a concentração da terra nas explorações que se inserem já nas áreas ao nível dos valores mínimos definidos para a exploração agrícola familiar, depois, ao diferenciar, em termos de limites de área, explorações agrícolas familiares e explorações agrícolas empresariais, tenho algumas dúvidas. Será que esta definição tem que ver com o carácter

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selectivo, posterior aos diferentes tipos de exploração? Será que podemos graduar, abaixo da área mínima de exploração familiar - praticamente inexistente -, quaisquer medidas de apoio a essas explorações agrícolas denominadas familiares? Haverá um apoio condicionado as explorações empresariais ou existirá já um outro tipo de apoios, designadamente financeiros? É para isto que estão delimitados os diferentes tipos de explorações?
Era a resposta a estas questões que gostaria de ver dadas para nosso esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Deputado Soares Cruz, não diria que a legislação actual é muito insuficiente. O que é certo é que ela tem permitido fazer alguma coisa Já se fizeram no País três pequenos perímetros de emparcelamento, numa ordem de mais ou menos 476 ha, o que não é muito. Simplesmente, como disse na minha intervenção, a finalização desse processo para os actuais detentores da terra é muito difícil, na medida em que, como referi, naquele perímetro de Odeceixe e São Teotónio - que já está pronto há muitos anos -, as propriedades ainda não estão registadas em nome dos seus actuais utentes e cultivadores.
Portanto, esta proposta de lei tem essencialmente em vista regular isso, pois como está previsto no articulado a acta que se faz da troca e do arranjo das parcelas serve para registo, passando a Conservatória do Registo Predial a aceitar esse tipo de registo desde o momento em que a acta esteja assinada e devidamente autenticada.
Penso, por outro lado, que as novas formas que se prevêem de intervenção no emparcelamento dão uma maior latitude às acções do Governo, aceitando, inclusivamente, pedidos de emparcelamento através de associações de proprietários, de grupos de proprietários, podendo também fazer acções de emparcelamento, que até aqui não fazia, em zonas que não têm infra-estruturas rurais.
É o caso de Estorões de Cabanelas, em que se fez uma obra de emparcelamento acompanhada de melhoria de caminhos e de uma rede de rega que por falta de associativismo tem vindo um pouco a decair. É também o caso da Cova da Beira, do Baixo Mondego e de Maciate, em que há obras de emparcelamento que estão em estudo e que se estão a tentar concluir acompanhadas da melhoria das estruturas rurais, como, por exemplo, os caminhos, enxugo e rede de rega.
Esta lei é, assim, um pouco mais avançada e permite a intervenção do Estado, no sentido de evitar o fraccionamento das explorações agrícolas, o que penso ser um grande avanço, pois não permite fraccionar nem reduzir mais a área das explorações agrícolas.
Sr. Deputado Lopes Cardoso, não me lembro, pois não estava presente, de o Sr. Ministro ter feito essa declaração aqui no Plenário. Se nessa lei não está contida a aplicação do aproveitamento mínimo dos solos ou se ela não está em execução directa e actual, pode vir a estar dentro de meses, dentro de anos, o que não impede que não possa estar previsto nesta proposta de lei.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Quando mudar o Ministro, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Talvez, é uma boa hipótese!...

Risos.

O Sr. Deputado João Abrantes referiu, concretamente, a existência de graves conflitos.

Como pessoa muito ligada aos problemas do Mondego e da Cova da Beira, até por dever da função anterior àquela que tenho, e como acompanho de perto esses projectos, lamento dizer que não tenho conhecimento desses graves conflitos.
Quanto a isso, devo dizer-lhe que das 23 reclamações apresentadas em matéria de emparcelamento em São Martinho do Bispo, no projecto do vale do Mondego, só um dos reclamantes tinha razão, e foi-lhe dada.
Portanto, graves conflitos não conheço. O que conheço é o seguinte: há pequenos rendeiros - mas não são antigos rendeiros do vale do Mondego - que arrendaram parcelas de terra a título precário, que pertenciam ao leito velho do Mondego, e há outras parcelas que foram expropriadas a pedido dos proprietários e, portanto, não foram utilizadas nas obras, constituindo estas e as outras o banco de terras.
É um facto, e isso até era motivo de crítica se o Governo o fizesse, que têm arrendado parcelas dos três tipos que referi a agricultores pelo prazo de um ano com renda fixa, porque já se sabe que essas parcelas vão ser integradas depois no novo arranjo. Essas pessoas, na realidade, têm reclamado, mas penso que não têm razão.
Sr. Deputado Rogério de Brito, se bem depreendi das suas perguntas, referiu que há uma diferenciação entre o emparcelamento de explorações agrícolas e emparcelamento de propriedade. Como sabe e já tivemos ocasião de discutir isso...

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado, desculpe, mas não foi essa a questão que eu abordei.
A questão que coloquei refere-se à razão de ser da diferenciação que se estabelece na proposta de lei entre explorações agrícolas familiares e empresariais, definindo limites de área para esse tipo de explorações. Com que critérios é que se estabelecem limites para as explorações familiares e limites para as explorações empresariais? E acrescentei que «a não ser que se pretenda, com base nesses limites, estabelecer graus de apoio, designadamente financeiro, distintos para dois tipos distintos de explorações». Será isso que está em causa e que se pretende? A não ser assim, não compreendo por que é que estão previstos limites de área para explorações familiares e para explorações empresariais. Que critérios estão subjacentes a isto?

O Orador: - Como sabe, isso vai ser regulado se a proposta de lei for aprovada e vier a ter uma redacção definitiva. Esses limites vão ser fixados, como aí diz, dentro do prazo de um ano. Portanto, isso será feito em regulamento, tendo por base o evitar do fraccionamento das explorações.
Como sabe, e já tivemos ocasião de discutir isso pessoalmente, no Mondego - cujo projecto mais recente é o da Cova da Beira - os rendeiros ou os proprietários ficam sensivelmente com a área que têm ou um

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pouco mais. Não se atendeu a um limite técnico, respeitando-se simplesmente a área que as pessoas já exploram ou que detêm como proprietários.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Foi com alguma estranheza e até incompreensão que de um momento para o outro vimos a aflição governativa no agendamento da proposta de lei n.º 36/IV. Francamente não o percebemos, até porque julgamos haver outros aspectos, relacionados com a organização de infra-estruturas agrárias, de muito maior prioridade.
Não queremos com isto dizer que não consideramos muito importante este assunto do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas.
Consideramo-lo mesmo fundamental para a execução da reforma agrária que sempre defendemos, onde exista como base uma estrutura fundiária economicamente viável e em termos que possibilite ao agricultor que a explore um nível de vida comparável aos empresários de outros sectores económicos.
No entanto, entendemos também que os textos legais hoje disponíveis permitem muito fazer neste capítulo. Se nada tem sido feito é porque não tem havido vontade política para o fazer.
Gostaríamos, pois, de começar por perguntar o que leva o Governo a correr com um texto acessório do que já existe.
Esperemos que esta não seja mais uma pergunta a ficar sem resposta, como já vem sendo hábito.
É por de mais evidente, e a exposição de motivos não deixa de o reconhecer, que não está na falta de legislação adequada a causa do grave atraso com que o mundo agrícola se vê confrontado no tocante à realização das operações de emparcelamento.
Ao abrigo da legislação publicada em 1962 (Lei n.º 2116, de 16 de Agosto, e Decreto n.º 44 647, de 26 de Outubro), que havia sido precedida de aprofundados estudos técnicos e jurídicos, foi possível realizar três significativas experiências de emparcelamento destinadas a treinar os serviços oficiais para trabalho de mais envergadura e a demonstrar, perante os agricultores de outros perímetros do emparcelamento, as reais vantagens de tais operações, desmobilizando assim eventuais resistências dos destinatários.
Ainda ao abrigo dessa legislação de 1962 foi possível desencadear, entre outros, os trabalhos de emparcelamento dos campos do Mondego - e não foram, certamente, as insuficiências da legislação que em 1974 determinaram a suspensão das alterações empreendidas e mais tarde retomadas.
O que tem faltado - isso sim - para que um programa de emparcelamento, tão necessário quanto urgente, beneficie do forte impulso há muito exigido pela sombria realidade do agro-lusitano são coisas bem diversas da apontada carência de legislação adequada.
Por um lado, tem sido manifestada - e a proposta governamental reconhece-o - a incapacidade do Ministério da Agricultura para conceber e realizar tarefa que a situação real da agricultura nacional há muito reclama com urgência.
Esse Ministério tem vivido obcecado pelos falsos problemas da chamada «Reforma Agrária», desgastando-se e desgastando os seus meios técnicos e financeiros para enfrentar situações que têm pouco a ver com as reais questões da agricultura nacional.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Muito bem!

O Orador: - A par disso, num Estado em que o dinheiro vai chegando para tudo menos para o necessário, renunciou-se a promover operações de emparcelamento que são complexas, demoradas e caras e que, além do mais, não proporcionam grandes dividendos políticos imediatos.
De qualquer forma, não contestamos a possibilidade e a conveniência de aperfeiçoar legislação que, elaborada há mais de um quarto de século, certamente comporta alguma melhoria.
Mas desejaríamos - isso sim - que com a actual, ou com a que se propõe, o emparcelamento avançasse decisivamente.
Não pode, porém, deixar de nos preocupar uma realidade de que o Governo parece andar bastante divorciado.
A agricultura portuguesa não pode continuar a ser encarada como uma área em que o poder insiste em fazer experiências, alheado de muitos dos seus reais problemas e inquietações.
O Governo continua a revelar incapacidade de propor ao País uma lei de orientação agrícola, que o CDS há muito reclama, definidora de uma política global para o sector.
É espantoso verificar que num país cuja lei fundamental alcandorou o plano e a planificação à dignidade de verdadeiro dogma constitucional ainda não foi possível, dez anos decorridos, elaborar e fazer aprovar plano algum.
A agricultura viu-se abandonada à sua sorte, isto é, à improvisação de soluções, sendo curioso verificar que uma das poucas ideias que ocorreu ao Governo foi a de lançar sobre ela um novo imposto - o imposto sobre a indústria agrícola!...
Compreende-se por isso a profunda inquietação com que os agricultores portugueses encaram as sombrias perspectivas da sua integração na apertada disciplina do mercado comum europeu.
Inquietação tanto maior quanto é certo que constantemente se vêem confrontados com a inépcia da Administração para lhes conceder apoio real.
Um exemplo concreto: os agricultores portugueses pensaram que muito haveria a esperar do Regulamento 797 da CEE, no tocante à imperiosa reestruturação e modernização da exploração agrícola. No entanto, só em Setembro do ano em curso -nove meses após a adesão e mais de um ano após a assinatura do Tratado- é que ao agricultor foi facultada legislação e volumosos cadernos de impressos para poderem apresentar os seus projectos de investimento.
E que sucedeu na prática?
Os agricultores viram-se enredados numa teia de exigências burocráticas, forçados sem discriminação a apresentar complexos projectos técnicos com que só firmas especializadas de consultores saberão lidar.
Neste momento deveria haver - conhecidas as carências nacionais - milhares de projectos apresentados; na realidade há algumas poucas dezenas.

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Estando o sistema de tal forma montado que no ano de 1986, e possivelmente até meados de 1987, nem um só centavo de ajuda financeira, ao abrigo deste importante regulamento comunitário, será recebido por um agricultor português.
O Ministério da Agricultura deveria tentar conhecer as causas desta situação e tentar remediá-la. Saberia, então, que os serviços regionais criam aos agricultores os mais sérios problemas, dificultando e demorando inexplicavelmente a simples passagem de documentos indispensáveis.
Poderão VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, perguntar que tem isto a ver com a questão do emparcelamento agora em debate? Tem e muito.
É que o Governo parece muito preocupado com a falta de legislação que até agora existe, e muito pouco com a sua incapacidade para desencadear as acções necessárias.
O que nos preocupa, pois, é que vamos, possivelmente, ficar dotados de mais uma boa lei e continuar carecidos da aplicação eficaz das leis existentes.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas voltemos ao emparcelamento.
Em zona de minifúndio valerá de pouco emparcelar, isto é, realizar operações complexas e caras, para no fim continuarmos a dispor de explorações incapazes de responder ao desafio económico-agrário da CEE.
Uma política de emparcelamento só será válida hoje em dia, como o CDS tem sublinhado, se, acolhendo os ensinamentos da doutrina social da Igreja e reconhecendo as virtudes de uma realidade sociológica irrecusável, favorecer e encorajar a modernização das explorações agrícolas familiares e se não se dispensar, como até aqui, em ajudas precárias e inconsequentes que não contribuem para alterar em profundidade o sombrio panorama de uma agricultura anquilosada.
Uma política, em suma, capaz de proporcionar aos que debatem no sector agrário um nível de rendimento e de bem-estar social comparável ao de outros sectores produtivos, como já atrás o referimos, permitindo eliminar deste modo a injustiça gritante e imerecida de que sistematicamente têm sido vítimas os agricultores portugueses.
Contribuirá a proposta de lei n.º 36/IV para estes objectivos?
Talvez - se a meta visada for não apenas a de juntar parcelas, mas sobretudo a de criar explorações convenientemente dimensionadas.
A terminar, não deixa de ser curioso que o Governo se abalance a iniciativas de duvidosa necessidade (não pecamos, repito, por falta de legislação, mas de boa aplicação da legislação existente) e pareça alheado de necessidade urgente de solução de um magno problema de agricultura nacional, como é o de reparar sem demora os graves atropelos e tremendas injustiças praticadas à sombra da chamada «Reforma Agrária», assegurando a tranquilidade e estabelecendo de vez a abalada confiança dos agricultores portugueses despojados do seu património.
A reparação imediata dessas injustiças, cuja subsistência é profundamente violadora de direitos fundamentais a que o Estado Português se diz tão apegado, faria certamente mais pela agricultura portuguesa do que as bem elaboradas leis com que o Governo pretende disfarçar a sua incapacidade para agir.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não será o Grupo Parlamentar do CDS que rejeitará a proposta de lei n.º 36/IV, pois entendemos que a mesma visa aperfeiçoar o regime legal existente.
Apresentaremos mesmo propostas de sérias correcções ao articulado, que agora discutimos na generalidade, procurando assim contribuir para a sua melhoria.
Estamos, por isso, na disposição de dar o nosso voto favorável, na generalidade, à proposta de lei n.º 36/IV.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Soares Cruz: Perguntou V. Ex.ª o que levava o Governo a «correr» na apresentação desta proposta de lei, não me referindo agora a outros aspectos particulares da intervenção do Sr. Deputado.
Perguntava-lhe apenas o que o terá levado a esquecer que na sessão legislativa anterior esta proposta tivesse estado agendada a pedido do Governo e que, por insistência de vários grupos parlamentares da oposição, entre os quais o do Sr. Deputado, tivesse sido retirada com o argumento de que, atendendo à sua complexidade e extensão, necessitaria de um maior tempo de reflexão por parte dos Srs. Deputados. O que o levou a esquecer, se este facto é uma evidência?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Capoulas: Em primeiro lugar, regista-se o facto de V. Ex.ª ter deixado ficar em claro muitas outras acusações que fiz na minha intervenção e para as quais gostaria de ter uma resposta política. Enfim, penso que, mais uma vez, quem cala consente e folgo muito de saber que V. Ex.ª me apoia em algumas acusações.
Em segundo lugar, gostaria de dizer a V. Ex.ª que não me recordo de ter sido solicitado ao Governo que retirasse essa proposta, talvez esteja a fazer confusão, e disso me penitencio. No entanto, penso saber que o Governo, que na altura a tinha agendado, a retirou, não a nosso pedido, juntamente com outras propostas de lei que constituíam o chamado «pacote agrícola», que depois não foi mais que uma pequena «saque-ta» ...

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Foi só essa proposta que saiu!

O Orador: - ... porque foi então esvaziado de conteúdo. É isto que lhe tenho a dizer em relação a esquecimentos, pois lembro-me que foi isso que se passou.
Por outro lado, deixe-me dizer-lhe ainda, que entendo, apesar de tudo, que este debate foi mal promovido, pois está suspensa na Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar uma lei importantíssima que pode

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ter grandes conexões com esta, que é a Lei do Arrendamento Rural e que ainda não está pronta. Penso que esta proposta de lei devia ser discutida após a aprovação final global da Lei do Arrendamento Rural.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Começo em clara discordância com o Sr. Deputado Soares Cruz, pois perguntou o que é que fazia «correr» o Governo e eu penso que se alguma coisa este Governo não fez, além de muitas outras que deixou de fazer, foi ter corrido, neste caso.
Oito meses levou este Governo a confirmar ou a estragar o projecto de lei de emparcelamento do anterior Governo. É sem dúvida um Governo expedito!
Esta demora é tanto mais significativa quanto é certo que sendo o mesmo, e ilustre, o Ministro da Agricultura, este teve apenas de fazer, na parte não mudada, o esforço de concordar consigo próprio!
Mas não exageremos. Um país que, desde o Código de Seabra, inspirado no feroz individualismo do Código de Napoleão, vinha salamizando a sua estrutura fundiária, ao ponto de, em vastas regiões, ser já hoje uma sequência de quintais separados por sólidos muros de rivalidades e de pedras, bem podia, sem espasmos de impaciência, esperar mais oito meses por uma lei que - receio bem - não venha na prática a deixar mal vista a nula eficácia das que, com idêntica finalidade, a precederam.
Os vagares do Governo são, aliás, prolongados por novas esperas no futuro. Os limites mínimos de superfície dos prédios rústicos designados por unidades de cultura serão fixados «... por diploma do Governo a publicar no prazo de um ano a contar da entrada em vigor da presente lei» (artigo 64.º). E também «serão objecto de diploma do Governo a publicar no prazo de um ano a contar da entrada em vigor da presente lei», nada menos do que: «a definição do conceito e dos limites mínimos e máximos das explorações de tipo familiar economicamente viáveis...», «a definição do conceito e dos limites mínimos e máximos das explorações de tipo patronal...», «a definição dos limites mínimos e máximos das explorações das sociedades cooperativas agrícolas e de agricultura de grupo» (artigo 69.º).
Em suma, aquilo que eu considero o principal para uma lei de emparcelamento! Devagar, pois, que tenho pressa!
A proposta remete, aliás, para outros diplomas futuros, nomeadamente o que há-de regular a cedência de terrenos por agricultores empresários, às reservas de terras (artigo 6.º, n.º 2).
Abolidos os morgadios, pulverizou-se a propriedade. E hoje a terra, mais do que nunca sacralizada, constitui para o português rural um pedaço de alma! Não se vende! Para dele se separar é necessário que se ampute.
Em termos de produtividade, de. rentabilidade, de competição, de CEE, este defeito de estrutura é certamente deplorável. Em termos de sintomatologia ecológica, por exemplo, equivale a excelente saúde. Os poetas acharão que o Minho é um sonho. Os pintores, o supremo deleite.
E nós, o que deveremos achar?
Somos, enquanto legisladores, os empreiteiros do futuro. Que país queremos ser?
Esta proposta de lei contém uma parte da resposta a essa pergunta, começando por ter o defeito de precedê-la!
Temos nós aqui também outro defeito: o de legislarmos por vezes avulsamente, sem estrela polar e sem bússula. Não me recordo de - após o esforço que conduziu à actual Constituição - termos julgado útil o dispêndio de algum tempo a definir orientações e caminhos, a criar factos portadores de futuro.
A própria Constituição nos vincula - em termos tão irreversíveis que a erigiu em limite material à sua própria revisão - à planificação democrática da economia. Que ao menos nos puséssemos de acordo sobre o nosso futuro económico, já que somos tão avessos a tentarmos entender-nos sobre o nosso futuro existencial.
Mas não! À espessa incapacidade do Governo para nos propor um aceitável destino colectivo, através de uma proposta de grandes opções, somou-se o nosso desinteresse em chamarmos a nós o encargo de escolhê-lo: aditou-se ainda a manifestação de abulia da opinião pública, que não deixou nem por um só momento de cultivar o seu jardim; a coroar esta onda de apatias sequenciais, surgiu um ilustre constitucionalista a prescrever-nos o sedativo confortável da sua douta opinião; podemos muito bem passar sem opções e sem plano!
Diz a Constituição que «a organização económica e social do País é orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano»? Passamos bem sem orientação, sem coordenação e sem disciplina!...
Diz ainda que «o Plano anual constitui a base fundamental da actividade do Governo»? Isso que tem? Basta que nos resignemos a ter, como temos, um Governo que actue sem base!...
Diz por último que «o plano anual... tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado»? Pois diz. Mas tudo se compõe se nos contentarmos com um orçamento inexpressivo ou, se preferirmos, com um Orçamento que é expressão de coisa nenhuma!
Tudo isto para significar que a serena normalidade das coisas deveria ter-nos conduzido a debater aqui, com prioridade em relação à discussão desta lei, que Portugal queremos amanhã, que estrutura de propriedade queremos impulsionar a partir de agora.
Esta proposta de lei contém uma resposta. Quero aqui afirmar que tenho a certeza de serem possíveis outras melhores.
Não obstante, esta proposta de lei, enquanto iniciativa, é portadora de algum mérito. Tive oportunidade de testemunhar esse facto junto do Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, ao ser discutida na sua primeira versão, sem análise aprofundada, diga-se em abono da verdade, no Governo de que ambos fizémos parte.
O Sr. Ministro, e aquele Governo, foram sensíveis a alguns reparos que, após uma rápida leitura, formulei contra ele. Os principais - e nessa altura bastantes - diziam respeito ao abuso de imposições compulsivas. Onde hoje na secção IX do capítulo i se lê «troca ou expropriação de terrenos e árvores» lia-se então, e simplesmente, «trocas forçadas».
Adverti o Governo de então de que era esse um bom caminho para que os sinos voltassem a tocar a rebate,

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os donos das terras se deitassem à frente dos caterpillars e as medidas de emparcelamento caíssem uma vez mais no olvido, embrulhadas na pele de meia dúzia de fanáticos donos de um pé de vinha.
Aceito que, nesta tarefa, se não possa ser contemplativo. Mas não desconheço quanto, neste domínio, é apesar de tudo difícil ser-se desumano. Em última rã tio, um proprietário renitente aceita ser expropriado e pago, a bem da colectividade. Mas não aceita, no comum dos casos, a imposição de que se chegue mais para lá, que a terra dele passe a ser, não aqui mas mais além, não a que era do seu avô mas a que foi do avô do seu vizinho!
A versão que nos chega já não contém em tão alta dose esse defeito.
Ainda assim, justifica muito sérias apreensões. E uma mais cuidada leitura veio a revelar mazelas novas e outras de que me não apercebi então.
O convite à opção entre a aceitação voluntária da permuta e a sujeição à expropriação, surge, no artigo 59.º da proposta, como uma faculdade para a Administração e não como deveria ser, um dever. Ainda assim, & escolha deixada ao convidado é rigidamente condicionada à verificação de numerosos e curiosíssimos factos. Menciono alguns: os prédios terão de ter extremas comuns de extensão superior a 70% dos respectivos perímetros, 70% bem calculados; ou de situar-se entre prédios do mesmo proprietário que, numa extensão superior a 30% do seu perímetro, tenham isoladamente ou em conjunto extremas comuns com aqueles; em qualquer dos casos é necessário que a área total dos terrenos a permutas ou expropriar seja inferior a um terço daquele ou daqueles em que se destinam a ser integrados; tratando-se de árvores, deve o respectivo valor ser inferior a um terço do valor do prédio em que se situam; mais: a opção só poderá ser colocada quando cada uma das parcelas nas condições requeridas tenha área inferior a duas vezes a da unidade de cultura, e por último: as operações de troca terão de ser consideradas justificadas pelo «todo-poderoso» Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária!
Muita sorte temos nós por o legislador dispensar apesar de tudo a medição logarítmica!...
Está-se a ver, com tais dificuldades, exigências e enguiços, a dificuldade consistente na recusa do proprietário é ainda assim a menor de todas!...
Diga-se em abono da verdade que se a troca é difícil, a imposição da expropriação não o é menos. Ela terá de ser precedida de oferta ao recusante do direito sobre terrenos com as seguintes características:
Área não inferior à dos próprios terrenos;
Valor superior em pelo menos 20%;
Natureza análoga quanto a classe de cultura, aptidão e condições de exploração;
Situação não mais desvantajosa quanto à incidência de direitos, ónus, encargos e contratos.
Se é assim difícil vir a encontrar terreno tão rigorosamente medido e especificado, menor não é a tortura quanto à expropriação de árvores. Deverão, neste caso, ter sido oferecidos e recusados:
Árvores de espécie e valor iguais às do recusante;
Terreno contíguo a outro que ao recusante pertença ou, em alternativa, autónomo, mas de valor superior no mínimo de 20%;
Compensação pecuniária de valor superior, no mínimo em 50%, ao das próprias árvores.
Reconheça-se, Srs. Deputados, que era difícil conseguir ser mais exigente quem não quisesse concretizar troca nenhuma!...
Chamei aqui estes exemplos, que me parecem bastante justificativos de quanto esta proposta de lei poderia ser meritória e justificar esperanças, se não fosse tão rígida e tão espartilhante.
Com necessidade ou sem ela, fixa barreiras quantitativas. Querem mais exemplos? Aí vão.
Exige a equivalência em classe de cultura e valor de produtividade entre o prédio resultante do emparcelamento e os que lhe deram origem? Logo se apressa a medir: a equivalência considera-se prejudicada quando a diferença exceda 1 % do valor exacto que deveria ser reatribuído! (artigo 2.º, n.º 2). Um excesso de 2% já não serve!
Na falta de terrenos equivalentes podem ser praticadas compensações pecuniárias? Podem, desde que não excedam 10% do valor dos terrenos ou das benfeitorias [artigo 3.º, alínea b)].
E assim por diante. Uma lei medida a quartilho, rígida onde se exigia que fosse flexível, alfandegária onde se precisava que fosse desobstruente.
Esta errada técnica legislativa reflecte-se ainda noutros aspectos não menos deploráveis, a começar por uma excessiva e não menos entorpecente textura burocrática. Três opções se ofereciam ao legislador: criar estímulos objectivos ao emparcelamento e fiar deles a automática recomposição da nossa estrutura fundiária; estabelecer esquemas de intervenção administrativa, correndo embora o risco de se tornarem burocratizantes; conjugar adequadamente uns e outros.
Tentou-se, na proposta, esta terceira via. Mas, como quase sempre acontece, o nosso atávico pendor burocratizante pesou mais do que o nosso esforço racionalista.
Daí o meu redobrado receio de que, se convertida em lei, esta proposta se limite a alimentar circuitos de intervenção administrativa, a gerar comissões e subcomissões de trabalho, a facturar ajudas de custo e senhas de presença, a saldar-se por mais uma frustração, continuando o País napoleonicamente minifundiário.
Querem mais exemplos? Aqui vão eles.
A preparação e execução dos projectos de emparcelamento são da responsabilidade conjunta nada de cada um assumir as suas responsabilidades, pelo Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, das direcções regionais de Agricultura e do organismo a que tenha cabido a iniciativa, de acordo com as respectivas competências.
A elaboração e execução dos projectos de melhoramentos incluídos no emparcelamento serão asseguradas pelos organismos competentes do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e de outros ministérios competentes em razão da matéria. Vai ser uma bela confusão.
Além daqueles organismos, poderão intervir na preparação e execução do emparcelamento uma comissão de trabalho e uma comissão de apreciação, cuja composição é rigorosamente prevista na proposta, qualquer que seja o tamanho dos emparcelamentos a fazer: gente muita e vária, com direito - claro - a senhas de presença!
Para decidir eventuais reclamações poderá recorrer-se a peritagem por três técnicos da especialidade.
Isto porque, como é natural, há lugar a reclamações e recursos. Reclama-se para a comissão de apreciação e recorre-se para o director do Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária.

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Não se proíbe, como é óbvio, a via sacra dos recursos administrativos a partir daí. E admite-se expressamente que os interessados recorram aos tribunais comuns para definição dos seus direitos. Sabido como estes são lépidos, as comissões de trabalho e apreciação têm trabalho, e que apreciar, até à reforma dos seus membros!
Nos cotovelos deste labirinto burocrático deparamos com os habituais inquéritos, os inevitáveis estudos prévios e os esquisitos protocolos entre organismos do Estado que ameaçam invadir as intendências. Seguem-se os pareceres do Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, as autorizações do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, enfim as resoluções do Conselho de Ministros. Porque sem intervenção do Conselho de Ministros nada feito, qualquer que seja a grandeza, o tamanho, a importância do emparcelamento a fazer. Mas com ela, fia fino.
A resolução do Conselho de Ministros «confere ao projecto aprovado, como é natural, carácter obrigatório para todos os interessados abrangidos...»
Mas obrigatório como, pergunto eu, se não se desafora da competência dos tribunais - nem podia - o sagrado direito de cada um discordar e dispor do que é seu?
Estaremos cá para ver a velocidade com que este governo vai conseguir o primeiro emparcelamento, daqui a três ou quatro anos! Então já cá não teremos este Governo, é claro.
Isto, por um lado. Pelo outro, cai-se no extremo oposto da meia bola e força. Há de tudo nesta proposta.
Desde logo ao transformar-se o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiárias no deus ex machina da terrível maquinação que o esquema no fundo é.
Tem poderes para - vejam Srs. Deputados:
Fazer caducar arrendamentos, decretando a sua intransferibilidade de um terreno para outro, sem que para aí risque nada a vontade dos contratantes (artigo 4.º, n.º 3);
Celebrar protocolos, os tais famigerados protocolos, com o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e outros ministérios;
Constituir e instalar as comissões de trabalho e de apreciação, superintender nelas, contratar peritos e remunerá-los;
Conhecer recursos;
Conferir eficácia a transmissões e partilhas que em regra, por esta lei a não têm. (artigo 26.º, n.º 2);
Adquirir terrenos para as reservas de terras;
Dispor deles;
Exercer direitos de preferência - com total adultação dos equilíbrios tradicionais neste domínio - e que só cedem perante o do comproprietário. Tudo o mais, cede perante o direito de preferência ao Instituto.

Isto para não ir além do principal.
Mas o facilitismo tipo «meia bola e força» espelha-se, com mais avultados riscos, nas seguintes soluções entre algumas apenas:

A aprovação dos projectos de emparcelamento integral depende da sua aceitação pela maioria simples dos proprietários interessados, detendo, cumulativamente, a maioria do rendimento colectável no perímetro respectivo. Parece-me que este apelo ao rendimento colectável é um péssimo elemento, de qualquer modo é o que está lá.

Considero este critério inçado de riscos. Mas não é disso que agora trato. Aquilo para que me permito chamar a atenção do Srs. Deputados é para o facto de se entender «que o não aprovam o emparcelamento aqueles que expressamente o declarem no prazo de quinze dias, contados da última publicação do edital que dê conhecimento público das rectificações do projecto».
O que significa que em matéria de propriedade, ou seja de alma, para os portugueses rurais quem cala consente. Quem não reclamar, quem não disser expressamente que não concorda, passa a concordar, ainda que cale por desconhecimento. Ou por analfabetismo. Temos infelizmente muitos analfabetos. Preparemo-nos para assistir!...
Outro exemplo: No artigo 60.º pré vê-se a notificação dos proprietários interessados, pelos serviços ou órgãos intervenientes nas operações de remodelação predial, a fim de prestarem esclarecimentos necessários. «Venha cá para esclarecer». Se o notificado não cumprir a notificação (sic), não sei se não cumprir é não ir, não responder ou não responder favoravelmente, «sujeita-se, sem possibilidade de reclamação ou recurso, à decisão que for tomada sobre a matéria a que a notificação se refira» (artigo 60.º, n.º 3).
Sem direito de recurso, que a Constituição exige, mas enfim!...
Assim mesmo! Aplaudo a desenvoltura, como aplaudo um bom número de circo. Mas não aplaudo a manifesta inconstitucionalidade deste jurídico atrevimento!...
Um último exemplo: É conferida tal virtude aos pareceres das direcções regionais de Agricultura que, só por si, desencadeiam este lote de consequências jurídicas.
Com base nesse pareceres é deferido o direito de preferência na venda ou dação em cumprimento de prédios rústicos (artigo 63.º). Pareceres! Não são decisões.
Por eles são também certificadas as condições de que depende, em certos termos, o exercício do direito de preferência na alienação de explorações agrícolas economicamente viáveis ou suas fracções, por parte de empresários agrícolas ou arrendatários (artigo 67.º, n.º 4).
Por eles é outrossim deferido o direito de preferência entre vários preferentes nas mesmas condições (artigo 67.º).
Idem àquele ou àqueles que constituam (sic) explorações mais concentradas (artigo 67.º, n.º 6).
Os seus pareceres determinam ainda a permissão do fraccionamento resultante da alienação de parcelas de exploração economicamente viável.
Idem o fraccionamento de explorações agrícolas do tipo patronal.
Certificam enfim a viabilidade técnica e económica das explorações resultantes de actos de divisão, para efeitos de redução de sisa (artigo 36.º do Código da Sisa).
Como se vê, o parecer de uma direcção regional de Agricultura é um «abre-te Sézamo!». Uma chave! Uma benção! Quem tiver a dita de ter por si um parecer favorável, tem tudo. O parecer é o acelerador e o travão. O óleo lubrificante e a areia na engrenagem. Esta proposta consagra o subjectivismo.

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Nessa medida, possibilita o favor.
As condições subjectivas e as autorizações administrativas a que a proposta em apreço sujeita a divisão em substância de prédios ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável - mesmo quando integrem herança a partilhar - retirariam à futura lei a característica de um mínimo de generalidade e igualdade. E colocariam nas mãos da Administração em geral mais poder, passe a caricatura, do que todo o código administrativo!
E foi assim que o actual Governo ocupou os oito meses que levou a retocar a proposta anterior: a meter-se no circuito; a atribuir-se os fiat do sistema; a apropriar-se do inerente poder político.
Pela parte que me toca, não estou de acordo. Uma lei de emparcelamento não pode ser - sei isso - inteiramente imune a actos concretos de administração. Mas também não pode ser, nem deve - pelo menos com o meu assentimento positivo - a justaposição de uma reserva de favores a uma reserva de terras!
Já deixei pelo caminho a nota de que esta proposta de lei, ao desconhecer praticamente a existência de tribunais, (como aliás o direito de superfície e a propriedade das águas e outras instituições conexas com os direitos reais), implicitamente confirma a sua intervenção, os seus poderes, as suas demoras. Um litigante de raça, com um bom litígio, trava a marcha do mais auspicioso emparcelamento.
É essa uma dificuldade irremovível? Claro que não é. Para casos destes e como não podemos desaforar estas matérias das resoluções dos litígios dos tribunais, porque a Constituição não deixa, e faz muito bem, é que se previram na Constituição, e se definiram em lei ordinária, os tribunais arbitrais necessários.
Dê-se aos tribunais, convertidos em legítimo poder de decisão o que, embrulhado em discricionaridade, se quer dar à Administração. Mas aos tribunais arbitrais necessários, segundo critérios de legalidade estrita ou mesmo de equidade, consoante a matéria de que se trate. Ganhar-se-á tempo, objectividade e justiça.
A leitura desta proposta provoca a quem dominar minimamente a linguagem jurídica arrepios de incomodidade. Não se teria conseguido pior resultado se o Código de Napoleão tivesse sido redigido pelo próprio. Que este, ao menos, dominava o francês escrito e deixou cartas de rara beleza. Mas, é claro, não o francês jurídico!
Qualquer que venha a ser o seu destino - e não lho auguro brilhante - esta proposta terá de ser cuidadosamente reescrita, além de repensada.
Um Átila desconhecido, pelo menos para mim, entrou pela gramática adentro e tentou destruir - espero que o não consiga - o rigor conceituai e a beleza formal do nosso direito das coisas.
Não consintamos, Srs. Deputados!
Concluindo, que vai sendo tempo.
Uma proposta que, contendo algumas ideias positivas, nomeadamente ao nível da concepção dos novos tipos de emparcelamento, encara da pior maneira os caminhos que devam conduzir aos resultados que visa.
Interferindo no domínio particularmente sensível da nossa estrutura dominial, todas as cautelas seriam poucas. Surpreendentemente, a proposta do Governo mistura excessos de rigidez com excessos de descontracção, e assegura um produto o mais apto possível a não emparcelar coisa nenhuma.
Quer dizer, situa-se na linha de ineficácia das anteriores leis de emparcelamento, incluindo as que estão em vigor.
É, com efeito, subjectivista e burocratizante, nessa medida estando condenada à discricionaridade, ao bloqueio e ao fracasso.
Pela nossa parte, concebemos a disciplina do emparcelamento mais em termos de estímulos objectivos - legais, fiscais, crediticios e outros - levados ao extremo da nossa imaginação, e menos em termos de intervenção casuística e administrativa.
Não acreditamos no emparcelamento por resolução ou por despacho. E a nossa experiência pregressa, bem como a experiência paralela de outros países que ensaiaram idênticos caminhos, não é de molde a justificar esperanças.
O País precisa de experiências novas e não da retoma de teimosias velhas. Novas experiências postulam uma nova lei. Sei isso. Só por isso não inviabilizaremos um tão mau ponto de partida para um tão importante ponto de chegada.
Mas não fiamos desta proposta, tal como se mostra, qualquer esperança de que venha a ser eficaz e a melhorar as coisas.
Por isso, nos declaramos disponíveis a partir da aprovação sem o nosso voto positivo para juntar a outros os nossos esforços para que, desprezando em grande parte a base que pretende ser, aproveitemos a oportunidade que sem dúvida é, para fazermos a lei de emparcelamento de que o País precisa.
Defendamo-nos, enquanto é tempo, do desconforto de virmos a ter saudades da lei e do decreto-lei que o regime anterior nos legou. Não tiveram o mérito de emparcelar coisa nenhuma. Mas também não tornaram pior o que já estava mal. Isso, Srs. Deputados, não seria digno de nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Almeida Santos inscreveram-se os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Luís Capoulas e Álvaro Figueiredo. Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para recordar ao Sr. Deputado, e meu camarada, Almeida Santos - e espero que ele não me leve a mal - que se esqueceu de sublinhar que este organismo «todo-poderoso» de que reza a proposta de lei é já um fantasma, pois o IGEF foi extinto. De facto, Sr. Deputado Almeida Santos, meu caro camarada, esta proposta de lei tem contornos fantasmagóricos.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos fiquei com uma dúvida. Quando esta proposta de lei ou uma similar foi debatida no Conselho de Ministros do Governo do Bloco Central foi objecto de alguns retoques por intervenção do Sr. Deputado. Na altura, não terá o Sr. Deputado feito demasiada concessão perante a sua consciência em nome da manutenção de um Governo, que servia perfeitamente os interesses da conjuntura de então, ou esta proposta de lei não é exacta ou substancialmente essa outra?
Abstenho-me de comentar as questões jurídicas, para as quais me sinto perfeitamente desqualificado, mas quanto ao rigoroso tratamento dado à questão do emparcelamento, quanto ao aspecto das trocas, e atendendo à forma extremamente arreigada das nossas populações

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à terra, gostaria de saber o que é que, na sua opinião, é preferível: ser suficientemente cauteloso e rigoroso nas avaliações e na criação dos mecanismos que levem a prazo, naturalmente, ao êxito de algum emparcelamento - obviamente que é um objectivo do médio-longo prazo -, ou irmos por processos naturalmente muito mais expeditos, mas também muito mais contestados, como aquele que ocorreu na outra reforma agrária, na do sul do País, em que se classificou as terras por pontos, expropriando arbitrariamente e entregando terras de forma apressada, dolorosa e lenta, porque já lá vão dez anos e ainda é uma questão candente?
Embora sendo, naturalmente, um trabalho moroso, um objectivo que levará anos ou décadas a conseguir, pergunto se não é preferível acolher na lei mecanismos de suficiente rigor e detalhe, mas que permitam a maior equidade possível, do que ir para processos perfeitamente atribiliários e, assim, bastante contestados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Figueiredo.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, a minha pergunta ia um pouco na esteira daquilo que o meu colega de bancada acabou de fazer.
Não acha o Sr. Deputado que os espartilhos a que fez referência - nomeadamente quando focou o problema do artigo 49. º - funcionaram muito mais como medidas que levaram e levam a que a justeza das decisões fossem e sejam o mais possível equilibradas e correctas e que não se transformem, antes, nos tais meios de complicação e nos tais «grãos de areia» a que o Sr. Deputado fez referência?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, ao meu camarada Lopes Cardoso, quer dizer que se o famigerado IGEF, apesar de ter morrido, tem tantos poderes...

Risos do PS.

... não sei se não vale a pena começarmos a desejar a morte.

Risos do PS.

Penso que não é o único instituto que morreu e continua a funcionar e isso não me perturba muito - porventura vai continuar a funcionar com poderes acrescidos. De qualquer modo, reconheço que se me tivesse lembrado disso poderia, pelo menos, ter feito um pouco mais de humor.

Risos do PS.

Sr. Deputado Luís Capoulas, a proposta de lei do anterior Governo não foi objecto de uma discussão em profundidade. Devo dizer-lhe que eu próprio fiz dela - como disse na minha intervenção, que ficou escrita para quem quiser lê-la - uma leitura muito rápida, mas apercebi-me de que havia ali um capítulo que chegava para inviabilizar a lei e esse capítulo era exactamente o das trocas forçadas. E disse: cuidado, pois o apego do português à terra é de tal ordem e de tal força que a troca forçada inviabiliza a troca. E não acredito em trocas forçadas em matéria de propriedade. Acredito numa expropriação de um terreno mínimo que fique no meio de uma grande área que precise de ser unificada; ou bem paga, justamente paga, aceita-se. Agora, troca no sistema de «vais para além à força...» nisso não acredito. Não acredito que seja possível conseguir isso de alguém. Isso foi em parte corrigido, mas em parte corrigido pela adição de novos erros.
Depois, não me lembro de se ter voltado a discutir, na especialidade, ponto a ponto, no tempo do anterior Governo, esta lei. E agora quando a li, confesso-lhe que descobri defeitos de que me não tinha apercebido então. Porque se não teria feito uma crítica muito mais virulenta do que fiz na altura e, não obstante, continuo a reconhecer que a lei tem algumas virtudes, como é óbvio. Não é tudo negativo, até porque - devo dizer-lhe - a lei não tem muito de original e talvez o pior que se deva dizer dela é que reproduz, marca muito de perto, as leis em vigor. E não sei se valerá a pena estarmos convencidos de que estamos aqui a preparar um futuro ridente, quando já sabemos que as leis em vigor, que no fundo quase equivalem a esta proposta de lei, não conseguiram praticamente emparcelar coisa alguma.
Portanto, já vê que não houve violentação nenhuma da minha consciência, nem podia haver - de qualquer modo, eu era um Ministro de Estado, não era o responsável pelo sector da agricultura e muito fiz eu em ler a lei e dirigir-lhe as críticas que dirigi.
De qualquer modo tem razão, pois não é em rigor a mesma proposta e por isso comecei por dizer que este Governo levou oito meses a confirmar e oito meses também a piorar, em muitos aspectos, esta lei. Há muita diferença e se há uma ou outra diferença em que a correcção é positiva, em regra, a correcção é burocratizante, é espartilhante e é, sobretudo, politizante, que é um dos defeitos que imputo a esta lei, quer dizer, o poder político proeurou chamar a si prerrogativas e dei vários exemplos - não estavam todas elas, embora já estivessem algumas, na proposta de lei do anterior Governo.
Depois, pôs-me o problema relativo ao facto de esta lei ter uma preocupação de rigor quantificante - mais de 1 %, mais 30%, mais 70%, mais 10%. Sabe que acredito na justiça de quem governa, pelo que não vamos começar por desconfiar em democracia dos nossos próprios Governos, que são fiscalizados pelos actos eleitorais, dizendo: «este Governo pressupõe-se que é desonesto, de maneira que a diferença ou é de 1 % ou não emparcela coisa nenhuma». Acho que isto, de um ponto de vista legislativo, é uma monstruosidade e acho que essa demonstração de seriedade que o Sr. Deputado pretende ver nesta proposta de lei e que já vinha da anterior, em muitos aspectos, senão em todos, é na verdade um espartilho, que faz com que isto não funcione.
É quase impossível conseguir terrenos e árvores naquelas precisas condições, é quase impossível. O que é que diz a minha experiência que vem do conhecimento das tentativas de países que vão à frente de nós? É que chegaram à conclusão, depois de muitos e muitos ensaios, que a flexibilidade é a regra-mãe neste domínio. Tem de haver flexibilidade.

O Sr. Luis Capoulas (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - O Sr. Deputado concorda que, por outro lado, a discricionariedade pode ser também fonte de muitos maiores problemas - e nós temos ouvido nesta Câmara repetidas vezes acusar a Lei n. º 77/77, a Lei da Reforma Agrária, nomeadamente de que um dos erros de que enferma é exactamente um excesso de discricionariedade?

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Não será preferível, quando se trata de terra, pecar por excesso do que pecar por defeito?

O Orador: - Sr. Deputado, a discricionariedade é um instrumento de trabalho da vida administrativa de qualquer país e é necessária. O que lhe quero dizer é que não é necessário saltarmos disto para a discricionaridade, pela razão simples de que lhe dei o caminho. Por que é que tudo o que é avaliação, sobretudo avaliação quantificante de indemnizações, não vai para ser resolvido nos tribunais arbitrais necessários? Eles existem para isso! A arbitragem é a coisa mais justa que pode haver, porque há um representante de cada parte, e há um terceiro membro - provavelmente um magistrado -, que não será de parte nenhuma, e que estará ali a servir de fiel da balança, a ouvir as duas partes e a arbitrar. Acho que isto é muito mais razoável. Mas repare: é que ao mesmo tempo que se espartilha - e foi por isso que eu disse que a proposta de lei simultaneamente é espartilhante e salta do espartilho para a «meia bola e força» -, lá vêm os famigerados pareceres das direcções regionais a acabar com os espartilhos. Quer dizer, se houver um parecer favorável do IGEF ou, noutros casos, da direcção regional, o espartilho desaparece. Portanto, o espartilho está lá para complicar, mas há sempre uma maneira administrativa de saltar por cima dele, que não é provavelmente a melhor.
Nunca vi um texto legal - e provavelmente o Sr. Deputado também não o consegue ver - que conferisse tão alto poder decisório à figura jurídica do parecer, pois, normalmente, não tem eficácia vinculativa e quando o tem, isso é excepção. Aqui, o parecer decide sempre, escolhe quem é que tem a preferência, escolhem quem é que há-de ser escolhido, escolhe tudo. Portanto, já vê que não posso, de maneira nenhuma, concordar com o Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Álvaro Figueiredo pôs, no fundo, a mesma questão, a que implicitamente já respondi, se o espartilho não serve a justeza das decisões. Não, o espartilho evita as decisões, para começar. Não haverá emparcelamento nenhum, Sr. Deputado, com uma proposta de lei como esta. Ela não vai ser aprovada tal como está e disso dou a minha garantia absoluta, pois conhecendo eu os deputados desta Assembleia, quando se estiver a discutir ponto a ponto e se eu tiver oportunidade de expor as minhas objecções - ao menos as minhas, porque outros outras lhe exporão -, o Sr. Deputado não vai concordar com a lei tal como está. É impossível concordar com a lei tal como está! É uma lei que, a meu ver, representa um passo atrás e nós precisamos de uma lei que represente em relação às que vigoram um decisivo passo em frente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A proposta de lei do emparcelamento rural não pode ser apreciada de forma isolada. A sua análise terá necessariamente de se enquadrar no contexto da realidade sócio-estrutural e económica da nossa agricultura e das suas envolventes.
Atente-se em alguns aspectos que convém pormenorizar. A percentagem de explorações agrícolas com menos de 4 ha, situando-se embora na ordem dos 80% do total das explorações e envolvendo mais de 2 milhões de pessoas, representa apenas menos de 15 % da superfície agrícola do continente.
Significa isto que a incidência sócio-económica prevalece, neste caso, sobre a estrutura económico-agrícola das explorações, sem desprezar, no entanto, que nestes cerca de 15 % da superfície agrícola, e apesar de todos os condicionalismos inerentes, se têm gerado entre 34% a 36% do produto agrícola bruto.
A amplitude dos problemas da nossa agricultura, o seu estado de subdesenvolvimento, estão, pois, muito longe de resultar das deficiências estruturais do minifúndio. Poder-se-á mesmo dizer que se as potencialidades dos recursos existentes ao nível dos restantes 85 % da superfície agrícola estivessem capazmente exploradas, teríamos por certo uma agricultura tão desenvolvida quanto a de outros países europeus.
Afigura-se, pois, inaceitável que se pretenda priorizar a acção a desenvolver sobre o minifúndio em termos de alterações estruturais que podem comportar em si um processo de rotura violenta do tecido sócio-estrutural e económico das populações rurais.
É que a proposta de lei de emparcelamento que o Governo nos apresenta não se remete unicamente a acções de reagrupamento predial ou formas de emparcelamento, em que o objectivo é tão-somente o da melhoria das estruturas da exploração e da dotação de infra-estruturas de valorização da terra.
Nesta proposta de lei está implícita uma filosofia que conduz, por via da selectividade das medidas de política que vêm sendo implementadas, à concentração da propriedade, à custa da liquidação das pequenas explorações agrícolas.
Isto é tanto mais evidente quanto se conjugado com os programas de financiamento previstos para a agricultura, que privilegiam a concentração dos capitais produtivos, em simultâneo com a marginalização das pequenas explorações.
Neste contexto não se poderão ainda esquecer os objectivos manifestos do Governo de reduzir a superfície agrícola a cerca de metade da actual, colocando-nos essencialmente como produtores de pasta de celulose e rolaria, dando satisfação às necessidades da CEE, mas agravando a nossa dependência em produtos agro-alimentares essenciais.
Também a proposta de lei do arrendamento rural, agravando sobretudo a situação dos agricultores rendeiros autónomos, premeia, por um lado, o absentismo e, por outro, conduz à concentração da exploração da terra, à custa da expulsão de grande número de pequenos rendeiros.
Não faltarão, por certo, os que, com uma visão pretensamente tecnicista dos problemas, apoiem calorosamente esta estratégia conjugada.
Mas convirá lembrar que estes que, por exemplo, afirmam que há excedentes de população activa na agricultura também o dizem para a função pública, para a indústria, etc.
E aqui reside uma das grandes contradições de todo este processo em que se enquadra a proposta de lei do emparcelamento. E que esta filosofia de emparcelamento, se defensável, só seria exequível, sem profundos conflitos, se, a precedê-la, se verificasse o desenvolvimento de outros sectores da actividade económica e a sua expansão para o interior das regiões, por forma a absorver os activos disponíveis e a remunerar convenientemente o trabalho.
A não ser que nos pretendam convencer de que advirão vantagens para o País em transformar eventuais excedentes de activos na agricultura em excedentes de reformados precoces.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Recorrendo à sabedoria popular, sempre diremos, como São Tomé, que há que «ver para crer», que é como quem diz: o que tem sido a experiência passada, e sobretudo a mais recente, em matéria de emparcelamento?!

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Tivemos oportunidade de estar num desses processos, tal como outros Srs. Deputados. Refiro-me ao emparcelamento em curso no Baixo Mondego, mais concretamente ao que decorre nos campos de São Martinho do Bispo, às portas de Coimbra.
Ali verificámos todos - e sublinho todos - o mar de irregularidades em que o processo está atolado: há viciação de pontuações (na análise prévia os terrenos foram classificados como de primeira, segunda, terceira e quarta classes e na distribuição há só terrenos de primeira e segunda); há desorganização total de explorações, como, por exemplo, as que possuíam catorze parcelas, casas e eiras, como assento de lavoura, e que após o reagrupamento ficaram privados dessas benfeitorias, enquanto a outras cabem, na distribuição, mais do que uma casa e eira que não possuíam; outras, que possuíam uma única parcela de vinha e a quem tinha sido prometido que o seu emparcelamento estava feito, acabaram por ser remetidos para parcelas a dois quilómetros de distância, em zona de cultura de arroz, que exige a aquisição de equipamentos que não têm condições de adquirir e tecnologias que não dominam.
Em contrapartida, são beneficiados com explorações conjuntas absentistas com inúmeras terras em pousio, ou ainda os que acompanharam os técnicos nos reconhecimentos prévios das terras do perímetro.
As acções de esclarecimento desta acção de emparcelamento nem sequer decorreram na forma prevista na lei de 1962, já que as organizações da lavoura local com expressão legal não foram contactadas para nomear os seus representantes e aos agricultores abordados não foram ditos os direitos de recurso que lhes assistiam. Não sabiam, por exemplo, que na ausência de recurso no prazo de quinze dias era como se estivessem de acordo - isto talvez justifique o número que o Sr. Secretário de Estado aqui apresentou, de apenas 23 reclamações. Mas esqueceu-se de referir, ainda, o número daqueles que não assinaram os processos exactamente por não concordarem com estas questões.
Este processo em curso no Baixo Mondego tem que ter uma resposta clara da nossa parte. Deve ser pura e simplesmente anulado e reconstituído, no respeito pelos direitos legítimos dos agricultores.
Não se pode com esta proposta de lei vir a dar cobertura a acções que são anunciadas pelo Governo como modelos de perfeição, mas que assentam em bases ilegais e injustas e encontram a oposição da esmagadora maioria dos interessados.
E, no caso do Baixo Mondego, alguns de nós assumiram compromissos que não podem ser esquecidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que o País não está em condições de aplicar os seus escassos recursos em acções de execução e resultados duvidosos e com efeitos a longo prazo, quando o País carece de medidas que produzam efeitos dinamizadores no curto e médio prazos.
Deverão ser implementadas medidas que conduzam à correcta utilização dos solos agrícolas e se traduzam no apoio efectivo ao associativismo de produção.
Deve ser dado incentivo ao investimento, como forma de correcção das assimetrias regionais e de dinamização e diversificação da actividade económica.
Deverão corrigir-se os circuitos de mercado, através do reforço da organização dos produtores e activar a dotação de infra-estruturas de valorização dos produtos, por forma que sejam os agricultores a beneficiar directamente das mesmas.
E, nos casos em que se mostre vantajoso o emparcelamento, este deverá ser conduzido no sentido da correcção e valorização das estruturas das pequenas explorações e nunca da sua liquidação, sempre de acordo com os interessados e através das suas representações de classe.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Figueiredo.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Sr. Deputado João Abrantes, V. Ex.ª adiantou a ideia de que a proposta de lei que está em apreço não é uma proposta de reconversão cultural, mas sim, e antes, uma forma de protecção à concentração da propriedade. Suponho que V. Ex.ª se refere aos objectivos do artigo 46.º, que determinam um aumento até aos limites que foram definidos para cada região da superfície das explorações agrícolas. Não acha V. Ex.ª correcto que esse aumento se possa estabelecer, desde que confinados ao que a lei determinar, na procura de uma rentabilização acrescida dos factores de produção que vão ou que já estão a ser utilizados?
Gostaria ainda de lhe formular uma segunda pergunta, que tem como motivo a sua afirmação que esta proposta de lei, de alguma forma, protege ou fomenta o absentismo agrícola. Gostaria que V. Ex.ª me dissesse onde é que na proposta de lei podemos encontrar essa ideia ou, então, qual o artigo que a define?

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Deputado Álvaro Figueiredo, queria dizer-lhe, respondendo as suas perguntas, que não afirmámos que a concentração capitalista da terra resulta unicamente desta lei. Ela não resulta unicamente desta lei, mas também de mecanismos por ela criados e ainda de outras propostas de lei que fazem parte «do pacote agrícola» que o Governo nos apresentou.
Quanto à questão do absentismo, aquilo que referimos não foi exactamente aquilo que o Sr. Deputado disse.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Peço desculpa!

O Orador: - O que referimos foi que temos conhecimento de que as situações de favor com base na lei de 1962, que naquilo que é fundamental se mantêm nesta lei, possibilitam o favorecimento de absentistas, tal como referi, designadamente no vale do Mondego, em relação a pessoas que já possuem parcelas apreciáveis de terra e ainda àquelas que tiveram o privilégio de acompanhar os técnicos nas operações prévias de reconhecimento desses terrenos. Se o Sr. Deputado porventura quiser, caso haja dúvidas, poderei facultar-lhe uma lista não muito pequena dos absentistas que foram favorecidos, bem como dos pequenos e médios produtores prejudicados por estas acções.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Ficava-lhe muito grato, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Agricultura: O MDP/CDE considera que a excessiva fragmentação da propriedade agrícola em vastas zonas do País, bem como das explorações agrícolas que em regra resultam de tal situação, constituem um poderoso travão à introdução de novas tecnologias, à racional organização do

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trabalho, ao aumento da produção e da produtividade e a um maior desafogo económico na vida das populações rurais.
A esta situação desfavorável acresce, em regra, o peso de um elevado número de activos agrícolas nas zonas de minifúndio, impossibilitados de reconverterem o seu modo de vida por falta de empregos em outros sectores de actividade, e uma generalizada falta de estruturas de interesse colectivo, quer de natureza económica quer social, que sirvam de enquadramento e suporte a um verdadeiro desenvolvimento.
O emparcelamento é, assim, apenas uma das peças de um vasto conjunto de acções a desencadear com vista a resolver carências acentuadas de vastas zonas do território nacional, e que terão de incluir, para além de realizações destinadas a facilitar a actividade económica das explorações nos domínios da electrificação, da rede viária, da hidráulica, do apoio técnico e da colocação dos produtos, outras, não menos importantes, no melhoramento das aldeias e na extensão às mesmas de serviços essenciais nas áreas da saúde, do ensino, da cultura, do desporto, etc. ...
Entendida assim a fragmentação e dispersão predial comum dos inúmeros problemas que afectam essas regiões e salientando o facto de que é sobretudo na exploração que recai o únus dessa situação, o qual é ainda agravado pela generalizada escassez de área agricultável, não pode o MDP/CDE deixar de se manifestar, em princípio, favorável à adopção de medidas legislativas visando promover acções de emparcelamento destinadas a melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola, lembrando, no entanto, que diminuto resultado será obtido se elas não estiverem integradas numa verdadeira política de desenvolvimento da agricultura e das condições de vida e de trabalho dos agricultores portugueses.
É neste contexto que se nos levantam dúvidas quanto à oportunidade, conteúdo e orientação que presidirá à aplicação das medidas incluídas na proposta de lei n.º 36/IV, do Governo.
A primeira é a de que, não havendo uma política de desenvolvimento do mundo rural, na sua componente agrícola, articulando-a com a criação de empregos nos sectores secundário e terciário, nomeadamente para absorver os agricultores excedentários em face da organização e racionalização que se diz pretender, nem estando asseguradas a implantação de infra-estruturas de carácter económico e social que determinem uma acentuada melhoria das condições de vida e de trabalho das populações afectadas, as medidas de emparcelamento a tomar, que serão reconhecidamente dispendiosas, correm o risco de poderem vir a tornar-se antieconómicos e anti-sociais, para além de surgirem, à partida, tecnicamente debilitadas.
Outra questão pertinente, é a de ponderar se o diploma em apreço defende suficientemente os interesses dos agricultores - que em muitos casos são apenas rendeiros - ou se estes, na prática, acabarão por ceder perante o interesse dos proprietários - que poderão ser e muitas vezes são, absentistas. Vejam-se as alíneas c) e d) ao artigo 17.º e alíneas b) e c) do artigo 19.º onde se determina que os proprietários designem dois representantes para as comissões de trabalho e de apreciação, enquanto que os rendeiros apenas indicam apenas um, sabendo-se que, em muitas zonas do País, o número de rendeiros afectados por obras de emparcelamento será largamente superior ao dos proprietários.
Por outro lado, pelos antecedentes conhecidos, a possibilidade do IGEF, ou de outro organismo que lhe suceder, vir a declarar a caducidade de contratos de arrendamento cuja transferência considerem prejudicial aos objectivos do emparcelamento, admitida no artigo 4.º, n.º 3, da proposta de lei, dá poucas garantias de salvaguarda dos direitos de quem trabalha efectivamente a terra e dessa actividade tira o seu sustento, pese embora o direito a indemnização aí consagrado.
Mas se o IGEF dá, ou dava, poucas garantias de defesa dos direitos dos rendeiros, a sua extinção precipitada configura propósitos que não andarão longe do reforço do poder arbitrário do Ministro da Agricultura em áreas onde se jogam as relações de poder nos campos, para benefício evidente das classes possidentes, como resulta, por exemplo, da sua actuação na Zona da Reforma Agrária.
Existe, obviamente, uma razão lógica para serem cometidas ao IGEF, pelo diploma em apreço, importantes competências na condução dos processos de emparcelamento, nomeadamente na iniciativa, realização de estudos prévios, elaboração de projectos, realização de expropriações, celebração e declaração de caducidade de contratos de arrendamento, constituição de reserva de terras e concessão de terrenos dessa reserva para acções de emparcelamento: o organismo foi criado com a necessária autonomia administrativa, herdou da Junta de Colonização Interna e do Instituto de Reorganização Agrária funções nesta área e foi-se apetrechando para trabalhos desta natureza; o seu pessoal foi adquirindo conhecimentos e experiência, que o habilitam especialmente para as acções a desenvolver.
Mas o Governo, caricaturalmente, pelo Decreto-Lei n.º 310-A/86, de 23 de Setembro, veio ao arrepio da proposta de lei n.º 36/IV, em vez de dinamizar, extinguir, em vez de melhorar, transferir, desaproveitando estruturas, deixando trabalhadores suspensos da problemática de integração noutros serviços, demonstrando ter um conceito muito particular de gestão, pelo qual é mais eficaz acabar com organismos do que transmitir orientações concretas de trabalho, menos oneroso pôr em dúvida a capacidade do pessoal, e, eventualmente, despedi-lo, do que exigir resultados aos responsáveis, mais compensador criar estruturas paralelas pagas pelo erário público, por vezes à margem da função pública e até contra esta, do que rentabilizar as que existem.
Reserva ainda o Governo para si a competência de fixar as unidades de cultura a considerar para as várias regiões e zonas do País, o que tem profundas implicações nas possibilidades de fraccionamento de explorações e na hierarquização dos direitos de preferência dos diversos interessados na sua aquisição, em caso de alienação de parte ou da totalidade destas.
Ora a experiência tem demonstrado não possuir o Governo a noção da dimensão, condições de trabalho, aspirações, limitações e oportunidades profissionais da esmagadora maioria dos agricultores portugueses nem vontade política para enfrentar os problemas que se lhes colocam.
Arrisca-se esta Câmara, se admitir tal margem de manobra, a ver privilegiado um pequeno grupo de agricultores com capacidades idênticas à dos seus colegas da CEE, que de maneira nenhuma se identificam com a generalidade dos agricultores portugueses.
Em conclusão: a apreciação deste diploma não pode ser dissociada da apreciação global da política agrícola do Governo a qual nos merece sérias reservas. Daí que o MDP/CDE, sem embargo de atribuir ao emparcelamento uma manifesta importância, assuma uma posição crítica em relação a esta proposta legislativa do Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Figueiredo.

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O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Sr. Deputado Raul Castro, V. Ex." deixou antever a ideia de que a presente proposta de lei não acautelou devidamente a posição dos rendeiros.
Pergunto como pode isso ser assim, quando os rendeiros estão representados obrigatoriamente nos órgãos especiais a criar, que são as comissões de trabalho e as comissões de apreciação, verdadeiros órgãos condutores de todo o processo do emparcelamentos E ainda quando, também, os contratos de arrendamento existentes antes do emparcelamento são transferidos para os prédios emparcelados? Apenas se abre uma excepção, caso o IGEF determine que esses contratos de arrendamento são nocivos ao próprio emparcelamento, em que os rendeiros, como é óbvio, são indemnizados de acordo com as condições previstas na Lei do Arrendamento Rural para os casos de expropriação por utilidade pública. Se os rendeiros não aceitarem essa situação poderá ainda o IGEF reinstalá-los como rendeiros em novas explorações. Determina ainda a proposta de lei, para o caso das operações de emparcelamento de exploração, que se deve conjugar a livre vontade dos rendeiros com a livre vontade dos senhorios nas alterações contratuais que vierem a ser estabelecidas, mas para as quais assegura a mesma duração temporal.
Perante tudo isto, a pergunta, inevitável, que pretendo fazer-lhe é a seguinte: entende realmente que a posição dos rendeiros não foi assegurada?

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Álvaro Figueiredo, a questão que colocou não tem que ver com aquilo que foi afirmado na minha intervenção e que se relacionava com as disposições dos artigos 17.º e 19.º Parece-me que isso é inquestionável e talvez por isso o Sr. Deputado não se tenha referido a elas -, mas foi a essas disposições que me referi:
Efectivamente, a proposta de lei prevê que, nas comissões a que se referiu, haja a presença de dois representantes dos proprietários e apenas um dos rendeiros.
Claro que em matéria de princípios tudo é possível, mas, na prática, a inclusão do dobro dos representantes por parte dos proprietários tem, efectivamente, o sinal inegável do critério que o Governo aqui veio defender e com o qual não podemos estar de acordo.
Por outro lado, o Sr. Deputado falou largamente no IGEF que, como sabe, está desde Setembro em liquidação. Então, qual IGEF? O que foi dissolvido? O que está em liquidação? Outro novo organismo? É que, efectivamente, há uma situação contraditória porque este diploma fala do IGEF como se fosse um organismo que continuasse de pé.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - O diploma é anterior, à extinção!

O Orador: - Sr. Deputado, não sei quem me fez a pergunta, mas parece que foi o seu colega de bancada. Tenha paciência, até porque, sem microfone, não o ouço!
Portanto, o IGEF é um organismo a que o diploma faz referência, mas que, neste momento, se encontra em fase de liquidação, pois, desde Setembro, além de dissolvido está em liquidação.
Por isso, jogar aqui com o IGEF é uma situação muito duvidosa. Isto para além das disposições que referem concretamente o dobro de representantes dos proprietários em relação aos rendeiros. Daí a razão da minha crítica, que penso não estar em causa.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, está apenas inscrito para intervir o Sr. Deputado Paulo Campos. Caso falte apenas esta intervenção para encerrarmos o debate, proponho, Srs. Deputados, a hipótese de ela ser realizada ainda hoje.
Em todo o caso, pergunto à Câmara se há mais inscrições.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, para além da possibilidade de novas intervenções, a questão que me permito colocar é a de saber se o Sr. Secretário de Estado entende ou não que deveria, após as várias intervenções, esclarecer algumas das dúvidas que, eventualmente, tenham sido suscitadas no decorrer do debate e particularmente uma, que estranhei desde o início. É que, sendo o diploma anterior à extinção do IGEF, o mínimo que se devia e podia esperar do Sr. Secretário de Estado era que, quando se referiu ao diploma, não tivesse falado do IGEF, mas sim que tivesse explicado aqui como é que tudo isto funciona no novo contexto da Lei Orgânica do Ministério da Agricultura. É inconcebível que o Sr. Secretário de Estado tenha permitido que todo o debate tenha girado em torno de um organismo que já não existe.
Seria útil que o Sr. Secretário de Estado nos prestasse, no termo do debate, este e outros esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no seguinte sentido: como foi solicitada a relação de alguns dos lesados no processo de emparcelamento de São Martinho do Bispo e de alguns casos de atribuições de favor nesse mesmo perímetro, solicito à Mesa o favor de aceitar a relação, que anexo, com o pedido de desculpa pelo facto de ser entregue manuscrita e também porque nela se contêm algumas outras questões, designadamente de alguns proprietários que, reclamando dos seus processos, foram ouvidos pelos serviços, e aos quais foi dito, a um deles - que apenas se dirigiu aos serviços quando foi chamado-, que teria dormido muito e que, portanto, isso permitiu que tivesse tido a atribuição que tinha, e a um outro, proprietário de um único prédio de vinha de que tinha sido expropriado, foi-lhe mandado beber água porque o técnico também a bebia.
Portanto, Sr. Presidente, com estas desculpas, solicito-lhe o favor de receber a relação e de a fazer anexar à acta da reunião de hoje, para poder ser consultada pelos Srs. Deputados que a solicitaram.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa relação poderá ser anexada, como aditamento, à sua intervenção. De qualquer forma, a Mesa decidirá como vai ser inserida na acta da reunião de hoje.
Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Figueiredo.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, pretendo usar da palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Sr. Deputado, ficará inscrito.

O Sr. Secretário de Estado também pediu a palavra. Para que efeito deseja usar a palavra?

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O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Presidente, desejo apenas dizer que estou à disposição da Assembleia para, no final do debate, prestar esclarecimentos, aqueles que souber dar.

O Sr. Presidente: - Ficará também inscrito, Sr. Secretário de Estado. Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de esclarecer que certamente transitarão para a continuação do debate os tempos ainda não gastos.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cerdoso (PS): - Sr. Presidente, pretendia apenas dizer que nunca duvidei que o Sr. Secretário de Estado estivesse na disposição de dar esses esclarecimentos. Foi exactamente por isso que alertei a Mesa para a necessidade de ter também em conta a sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de encerrar a sessão, vou anunciar os tempos de debate ainda disponíveis.
Assim, o Governo dispõe de 8 minutos, o PSD de 30 minutos, o PS já não dispõe de tempo, o PRD de 28 minutos, o PCP de 14 minutos, o CDS de 9 minutos e o MDP/CDE de 6 minutos.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária será amanhã, pelas 10 horas, destinada exclusivamente à comemoração do 10.º aniversário das primeiras eleições locais.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Próspero Luís.
Francisco Jardim Ramos.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Luis Manuel Costa Geraldes.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Hermínio da Palma Inácio.
José Apolinário Nunes Portada.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Magalhães de Barros Feu.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
João Carlos Abrantes.
Octávio Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Hernâni Torres Moutinho.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro José Del Negro Feist.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Henrique Rodrigues Mata.
José Pereira Lopes.

Partido Socialista (PS):

António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Barbosa Mota.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Raul da Assunção Pimenta Rego.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Bártolo de Paiva Campos.
Francisco Armando Fernandes.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugénio Nunes Anacoreta Correia.

Documento enviado para publicação por decisão da Mesa e relativo à intervenção do Sr. Deputado João Abrantes (PCP) sobre a proposta de lei n. º 36/I (emparcelamento rural). Aí se contém uma relação de alguns dos lesados no processo de emparcelamento de São Martinho do Bispo e de alguns casos de atribuições de favor do mesmo perímetro.

Remolhas

A - Situações da desfavor

Proprietário dos móveis TM - 6 aguilhadas + 16 num local abaixo; no meio está José Mendes da Cruz (só agricultor) faz 69 agulhadas (49 são dele), tem barracão,

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930 I SÉRIE - NÚMERO 20

eira; a este dão-lhe parte (um bico) na parte sul do caminho e mandam-no para a Nogueira onde só tem 20 aguilhadas. Ao vizinho dão-lhe a parte do José Mendes Cruz. Pomar é entregue ao vizinho(?).
Alberto de Melo Cardoso - Tem 12 aguilhadas de vinha nas Abertas, é o único prédio; expropriam-lho e vão-lhe dar nas Remolhas; o terraço é para a Escola Superior Agrária, que tem terras em pousio. «Beber água», disseram-lhe ao reclamar.
Joaquim Pinheiro Freitas - Retiram-lhe a vinha nas Abertas e 8 aguilhadas nas Eiras e dão-lhe nas Aroucas (terras arenosas), sem ser pegado a nenhuma das suas 3. «Dormiu muito». Disse-lhe o engenheiro Nelson, ao reclamar.
Afonso Alves Mano - Tem 9 parcelas: 43 aguilhadas; foi-lhe prometida preferência, pediu Amieirinhos, onde tem a maior área; querem dar-lhe Nogueiras. «Veio tarde», engenheiro Nelson.
Augusto Filipe de Oliveira e José Alves Ferreira Janana - 14 parcelas: 60+65 aguilhadas. Não foi atribuída área em nenhuma; tem três telheiros, uma casa de pedra; dão-lhe areal, que não mostraram, no Porto Santiago.
João Dinis Pimenta - 40 aguilhadas no campo, em terras de 1.ª; 10 aguilhadas na Paúla dá 2 Alq/aguilhadas; dão-lhe na Nogueira que dá menos de metade da produção, distante 2 km Casais 20 aguilhadas.
Carta de José Mendes da Cruz ao presidente do IGEF em 2 de Abril de 1986 - Resposta a dizer que fica com pomar sem darem localização.
José da Luz Cortezão - Comprou terreno há 30 anos, com poço, 7 aguilhadas; dão-lhe 18 aguilhadas a 3 km, por 300 contos, tem casa no prédio; é na zona da Grijó, transferem para Cadeirinhas; propôs comprar contígua, foi-lhe prometida, escreveu duas vezes para Lisboa, uma resposta dizendo que a terra devia ir para arroz; os engenheiros disseram que para ele o emparcelamento estava feito porque só tinha uma terra.
Joaquim Morais Borralho - Terra de milho, 4 parcelas; nenhuma lhe foi distribuída, prometeram-lhe que ficaria junto na melhor. Onde lhe foi dado os que lá estão não o deixam entrar.
Maria Morais de Freitas - Assinou sob pressão, mas nenhuma das terras distribuídas coincide com as que tinha.

B - Situações de favor

Joaquim Mogofores - Juntaram-lhe as terras todas no prédio da casa.
Almeida Móveis TM - Juntaram-lhe na casa em atribuição de desfavor do José Mendes da Cruz.
Adriano Lucas da Paula - Andou com os engenheiros, atribuição de favor.
Francisco Vale Leitão - Andou com os engenheiros, atribuição de 3 ha todos juntos.

C - Situação de desfavor

Produtores de milho transferidos para zona de arroz; por outro lado aos do milho diz-se que essas terras são para arroz, onde nunca se fez.
António Sousa Simões - Terreno com 10 aguilhadas próprias mais 20 de renda em anexo, ao Porto dos Casais, encostado a Grijós. Por força da represa na Vagem Grande o terreno foi inundado, recebeu 36 contos de indemnização relativos a 1982 e não mais pôde cultivar; vendeu vacas, corrimões de vinha inutilizados. Transferido para a Geria, pensou comprar e disse-o ao engenheiro Nelson, que afirmou não ser necessário, pois ficaria com tudo junto.
Afonso Mano - 8 parcelas com 45 aguilhadas; não lhe é atribuída terra em nenhuma delas, vai para a terra de areias das Nogueiras (4.ª classe). Quer no Telheiro ou nos Amieirinhos. Agora já lhe cedem aí com menos 4 aguilhetas.
José Alves Ferreira Janana e Augusto Filipe de Oliveira - 14 prédios, nenhum deles lhe foi atribuído; escreveu para Lisboa, a resposta foi que não tem fundamentação.-Terrenos atribuídos ao engenheiro Folhas.
Medina - Fica com três casas, não tinha nenhuma.
Zé Cruz e Móveis TM - Há concordâncias deste para ficar nos dois lados e resolver o problema com o Cruz. Foi dito isto ao engenheiro Nelson, no campo, mas não aceitou.
Alfredo da Costa Roque Vaz - 4 parcelas, uma com 20 aguilhadas, e uma vinha, mandam-no para mais de 1 km, sem vinha, quando lhe disseram que a vinha não entrava.
José Pratas Silvestre - Terrenos nas Eiras com 1 ha, mais de 20 parcelas, foi-lhe prometido juntar nas Eiras com outros do cunhado que também tem nas Eiras. Vai ficar nas Requeiradas e nos Cadoicinhos.
José Matos Cortesão - Perguntaram-lhe se queria comprar, disse que sim, junto das dele, tem só uma propriedade, casa, poço; vai para os Cadoicinhos; era na Grijó.
Joaquim Pinheiro Freitas - maior terra (8 aguilhadas) nas Eiras, pediu para lhe juntar a essa, vai para as Aroucas, «Você dormiu muito», disseram-lhe ao reclamar.
José das Neves Ladeira - Tem só uma terra nas Eiras (7000 m2), querem dar-lhe areia nas Nogueiras.
Álvaro Pinheiro de Freitas - 100 aguilhadas nos Prazos e mais outras terras.
João Pires Leal - É rendeiro e não foi contactado quanto aos prédios que faz -, 3 aguilhadas só num prédio, sustento para a família, 78 sacos de batata, 40 aguilhadas, milho, nabos, aveia para gado.

Os REDACTORES: Carlos Pinto da Cruz e José Diogo.

PREÇO DESTE NÚMERO: 168$00

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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