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Quinta-feira, 18 de Dezembro de 1986 987
PORTE
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE DEZEMBRO DE 1986
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de vários diplomas.
Foi discutida e aprovada a proposta de resolução n.º 7/IV - Aprova para ratificação o Acto Único Europeu. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pires de Miranda), os Srs. Deputados Carlos Carvalhas (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Raul Brito e António Esteves (PS), Silva Lopes (PRD), Guido Rodrigues e Victor Crespo (PSD), Lopes Cardoso (PS), Adriano Moreira (CDS), Jaime Gama (PS), Cristina Albuquerque (PRD), Rogério de Brito (PCP) e Sá Furtado (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe de Athayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
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José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva de Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
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Luis Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello César Menezes.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Correia de Oliveira.
Maria Adelaide Lucas Pires Soares.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro José dei Negro Feist.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
Maria Amélia Mota Santos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: o projecto de lei n.º 321/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Lopes Cardoso, do PS -transfere para os tribunais administrativos a competência para a atribuição das reservas previstas na Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro-, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; o projecto de lei n.º 322/IV, da iniciativa do Sr, Deputado Independente Gonçalo Ribeiro Telles -criação do Município de Vizela-, o qual foi igualmente admitido e baixou à 10.ª Comissão, e a ratificação n.º 121/IV, da iniciativa do Sr. Deputado José Magalhães e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 388/86, de 18 de Novembro, que aprova a Lei Orgânica do ICEP - Instituto do Comércio Externo de Portugal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação da proposta de resolução n.º 7/IV, que aprova para ratificação o Acto Único Europeu.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pires de Miranda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O documento que a Assembleia da República hoje aprecia, com vista à sua formal ratificação, é já bem conhecido dos Srs. Deputados. Todos estamos recordados, na verdade, do debate que, por iniciativa do Governo, aqui se realizou em 7 de Fevereiro passado, precisamente sobre o Acto Único Europeu, debate encerrado pelo Sr. Primeiro-Ministro. Dois dias antes, eu próprio compareci perante a Comissão de Integração Europeia para fornecer informações e esclarecimentos sobre o Acto Único.
Considerando o Governo da maior importância um diálogo efectivo e construtivo entre o Parlamento e o Executivo sobre os grandes problemas da política externa e, em particular, sobre p tema fulcral da integração de Portugal nas Comunidades Europeias, tivemos o cuidado de, ainda antes da assinatura do Acto Único, suscitar o exame deste novo e importante instrumento ordenador da vida comunitária pelos Srs. Deputados. Aliás, já em Dezembro de 1985, e igualmente numa manifestação eloquente do valor que o Governo atribui ao diálogo com os partidos da oposição com assento parlamentar, o Sr. Primeiro-Ministro havia efectuado encontros com os dirigentes desses partidos, dando-lhes conta das linhas de orientação política relativamente às Comunidades Europeias e, em particular, ao conteúdo do Acto Único Europeu. No seguimento destes encontros, o Sr. Primeiro-Ministro enviou, em final de Janeiro, o texto do Acto Único àqueles partidos.
Quero aqui reiterar a disposição do Governo para prosseguir e intensificar o diálogo com a Assembleia da República em matéria de política externa, de que o caso do Acto Único é um bom exemplo. Como é bem sabido, as grandes prioridades desta política são, nas suas linhas gerais, objecto de um saudável consenso por parte dos partidos democráticos, o que se tem manifestado numa continuidade, desde há dez anos, na condução dos negócios estrangeiros do Estado Português. Este consenso reforça a credibilidade e a eficácia da nossa política externa e, por isso, importa promover o seu permanente aprofundamento.
É isso que temos procurado fazer. Pela parte do Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia e pela minha parte, e no domínio específico da integração europeia, estivemos sempre disponíveis para colaborar com a Assembleia, designadamente comparecendo na Comissão de Integração Europeia quando para tal solicitados. Devo sublinhar, de resto, que, a partir de agora, se torna mais necessário o diálogo entre o Parlamento e o Executivo sobre a marcha da integração europeia em geral e da posição portuguesa nesse movimento em particular. De facto, se durante o primeiro ano após a nossa adesão os problemas que se colocaram aos negociadores portugueses -pois a vida na Comunidade Europeia é uma negociação permanente...- eram relativamente claros quanto aos objectivos a visar pela nossa parte, não existindo grande margem para dúvidas quanto ao que tanto parlamentares como governantes pretendiam obter, daqui para a frente as coisas tornam-se mais complexas. Cada vez mais a nossa integração na Europa vai suscitar problemas novos, a requerer, por isso mesmo, uma intensificação do diálogo entre a Assembleia e o Governo.
A experiência que este primeiro ano de vida na Europa Comunitária trouxe tanto aos parlamentares como aos governantes facilitará a realização de um diálogo mais permanente. Pela nossa parte, empenhar-nos-emos na promoção desse diálogo, que terá apenas por limites, que todos compreendem, a necessidade de manter, por vezes, uma prudente reserva quanto a posições tácticas a assumir no quadro comunitário, de modo a não prejudicar a força negocial portuguesa.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo o Acto Único Europeu sido assinado há precisamente dez meses, poderá perguntar-se por que é que só agora o Governo traz este documento à Assembleia para ratificação.
A resposta é simples: independentemente de o debate que aqui tivemos, ainda antes da assinatura do Acto Único, ter sido bem concludente quanto ao sentir largamente maioritário da Câmara, não se suscitando assim quaisquer dúvidas sobre o assunto, pretendeu o Governo deixar passar algum tempo antes da ratificação formal para que fosse possível ter já uma ideia da forma como decorrera o primeiro ano de adesão.
Afigurava-se, na verdade, conveniente que uma medida com a solenidade inerente à ratificação de alterações importantes aos tratados que instituíram as Comunidades Europeias apenas fosse tomada após esclarecidas as incertezas que, inevitavelmente, o início da nossa integração punha. Neste primeiro e decisivo ano na Europa Comunitária estava em jogo boa parte do nosso futuro como Estado membro. Agora, tendo o País obtido o essencial daquilo que pretendia, tais incertezas desapareceram, podendo e devendo o Acto Único ser ratificado com a tranquila consciência de que estamos no caminho certo. Por certo que os senhores deputados não deixarão de corroborar este comportamento, aconselhado pelas mais elementares regras das cautelas exigidas em matérias de tanto melindre.
Acresce que nos pareceu conveniente que este debate para ratificação do Acto Único ocorresse apenas depois de realizado o Conselho Europeu de Londres. Este Conselho foi muito importante para nós e, no fundo, para o futuro da própria integração europeia. A circunstância de não se haverem tomado, em Londres, decisões espectaculares não deve obscurecer o essencial. E o essencial foi que neste Conselho se registaram avanços significativos na consciência, tanto por parte dos Estados membros como das instituições comunitárias, em relação à urgência de tomar medidas drásticas permitindo a reforma das finanças comunitárias e o reforço da coesão económica e social - isto é, a canalização de menos fundos para a sustentação artificial de preços e de mais recursos para acções de reestruturação e reconversão, permitindo, designadamente, a atenuação das disparidades de desenvolvimento no interior do espaço comunitário.
Deste modo, com o capital de experiência que representou o primeiro ano de adesão, culminando no Conselho de Londres, a ratificação pela Assembleia da República do Acto Único Europeu assume um significado que certamente não teria se tal ratificação houvesse ocorrido pouco tempo após a assinatura deste documento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O balanço do primeiro ano de Portugal como membro das Comunidades Europeias é francamente positivo. Os resultados mostram-se mesmo bastante mais favoráveis do que aquilo que muitos de nós, Portugueses, e também a maioria dos nossos parceiros comunitários e das instâncias da CEE, estávamos à espera.
O saldo financeiro com a Comunidade, favorável a Portugal, deverá situar-se, no final do ano, em cerca de 30 milhões de contos. É um resultado importante, mas não está aí o mais importante. Na verdade, o essencial é que temos sabido aproveitar as ajudas comunitárias, demonstrando uma excelente capacidade para apresentar projectos válidos em Bruxelas.
Foi notável a capacidade de resposta da Administração Pública portuguesa às exigências decorrentes da adesão. Desde a adaptação de numerosíssima legislação às normas comunitárias até à participação regular nas mais variadas instâncias da Comunidade, a Administração portuguesa, a todos os níveis, surpreendeu muita gente em Bruxelas e proporcionou-nos um legítimo motivo não só de orgulho como, sobretudo, de confiança no futuro de Portugal na Europa.
Paralelamente, também o sector privado está a responder positivamente, o que se traduz, por exemplo, na melhoria de cobertura das importações pelas exportações para Espanha (que, em parte, resulta já do êxito obtido na negociação sobre as regras de origem) e no crescente interesse quanto à utilização directa de ajudas comunitárias.
Como é do conhecimento geral, no decurso deste primeiro ano era necessário concluir a negociação de pontos que não haviam sido encerrados ou resolvidos no Tratado de Adesão. Recordo, a título de exemplo, o que ficou estabelecido em matéria de relacionamento comercial com Espanha, bem como com os nossos ex--parceiros da EFTA -com reflexos muito favoráveis nas nossas exportações têxteis, tanto para a EFTA como para a Comunidade-, com a flexibilização do Protocolo 17. Avançámos, também, na negociação dos regulamentos agrícolas e do PEDAP, ao mesmo tempo que foram devidamente salvaguardados os interesses portugueses em matérias como a política mediterrânica da Comunidade e o novo Acordo Multifibras. Também se acompanhou cuidadosamente o diferendo comercial entre a CEE e os Estados Unidos.
No plano da cooperação em matéria de política externa, demonstrámos uma elevada capacidade de afirmação nacional, valorizando no quadro comunitário o nosso particular relacionamento histórico, cultural e político com outras áreas do globo - nomeadamente África Austral, Brasil e Estados Unidos. Por isso a nossa voz tem pesado, e pesado significativamente, sempre que a Comunidade procura encontrar posições comuns quanto a certos problemas, como os que afectam a África Austral.
A circunstância de termos passado a contribuir para se encontrarem posições comuns europeias sobre as grandes questões da política internacional em nada afecta a soberana capacidade nacional para, autonomamente, determinarmos a nossa política externa. Acontece que nada nem ninguém nos obriga a aceitar aquilo com que porventura não concordemos e não seja, por hipótese, concordante com o interesse nacional. Mas todos compreenderão que também é do interesse nacional contribuir para que a Europa -e Portugal através dela- fale cada vez mais com uma só voz na cena internacional.
Para um país da dimensão do nosso, os esquemas de cooperação europeia em matéria de política externa reforçam a capacidade nacional de afirmação no plano internacional. E é evidente já para todos, creio, que o facto de estarmos na Europa constitui um motivo suplementar para darmos mais atenção ao nosso relacionamento histórico com outras regiões do globo, para assim valorizarmos o contributo que temos a dar à própria Europa.
Permitam-me que ilustre esta orientação basilar da política externa portuguesa com a circunstância feliz de, neste preciso momento, se encontrar em Portugal, pela primeira vez desde sempre, em visita oficial, o Sr. Ministro das Relações Exteriores de Angola.
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De um modo geral, poderá dizer-se que o País, ao fim de quase um ano de participação nas Comunidades Europeias, se foi habituando à vida comunitária - sem sobressaltos, com a normalidade e a naturalidade de quem se sente europeu e capaz de responder ao desafio que a integração nos põe. Esta progressiva e natural integração da sociedade portuguesa nas Comunidades, nos mais variados planos em que ela se desdobra, constitui, em minha opinião, o traço mais positivo do primeiro ano após a adesão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A opção europeia é uma escolha nacional que merece a concordância de todos os partidos democráticos e o apoio larguíssimamente maioritário do povo português. Trata-se, afinal, da opção por um modelo democrático e ocidental de organização da economia, da sociedade e do Estado.
O Acto Único Europeu pretende relançar a integração europeia, revendo em bases realistas os tratados que fundaram as Comunidades e abrindo novas perspectivas para o futuro. Não se foi tão longe quanto muitos de nós pretenderíamos, mas importa sobretudo dar passos seguros, afastando ilusões supranacionais que a experiência já desmentiu, sem por isso pôr em causa o ideal de uma Europa mais unida, mas mantendo a sua grande riqueza, que é a diversidade dos seus povos, das suas regiões, das suas nações.
No debate que aqui tivemos em 7 de Fevereiro passado, a maioria dos partidos deu o seu apoio inequívoco ao Acto Único Europeu. O Sr. Deputado Vítor Crespo manifestou, em nome do Partido Social-Democrata, inteiro acordo à revisão do Tratado de Roma que o Acto Único consubstancia. Pelo Partido Socialista, o Sr. Deputado Jaime Gama considerou que «a plataforma obtida no texto do Acto Único Europeu é, irrecusavelmente, um compromisso cauteloso e positivo que representa um avanço insofismável no modo de funcionamento das Comunidades». A Sr.ª Deputada Cristina Albuquerque, do Partido Renovador Democrático, considerou que a Assembleia deveria congratular-se com o Acto Único Europeu e, do mesmo Partido, o Sr. Deputado Silva Lopes declarou ser a posição do Grupo Parlamentar do PRD a de que a Assembleia deveria dar o seu apoio ao Governo para este assinar o Acto Único. No mesmo sentido se pronunciou o Sr. Deputado Narana Coissoró, que acentuou o apoio do Centro Democrático Social ao Governo nus negociações para dar expressão concreta ao Acto Único.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em face das posições tomadas nesta Assembleia em Fevereiro passado, não oferece dúvidas qual o sentir maioritário da Câmara quanto à ratificação do Acto Único Europeu. Nem interessa agora repetir a análise que eu próprio então fiz do conteúdo do Acto Único. Apenas me permito recordar, muito resumidamente, alguns dos traços essenciais deste documento.
Consagra-se no Acto Único o objectivo, que Portugal apoia; de criar, em princípio até 1992, um grande espaço europeu sem barreiras internas. Mas a concretização do mercado interno deverá ser acompanhada de uma outra acção, também consagrada no Acto Único e para nós, Portugueses, de evidente relevância: a promoção da convergência das economias nacionais dos Estados membros, num esforço de reduzir disparidades de desenvolvimento. É de salientar que as medidas previstas no Acto Único tendentes a reforçar a coesão económico-social da Europa comunitária representam para Portugal um contributo adicional - isto é, para além dos já previstos no Tratado de Roma e no Tratado de Adesão (este, aliás, em nada afectado, naturalmente, pelo Acto Único) -, um contributo adicional, dizia, no sentido de ajudar o país a recuperar a distância que o separa dos níveis sócio-económicos comunitários.
O Acto Único também consagra novos mecanismos institucionais, designadamente a votação no Conselho por maioria qualificada, em certos e bem determinados casos, em vez da unanimidade. Pretende-se um funcionamento rápido e eficaz das instituições, mas tal objectivo não porá em causa a independência nacional, não só porque o próprio esquema das votações torna extremamente remota a hipótese de o nosso país não vir a poder bloquear, ligado a outros Estados membros, decisões por hipótese desfavoráveis aos interesses nacionais, como também porque, em caso de estarem em causa interesses vitais para Portugal, o recurso à exigência da unanimidade, se bem que uma prática extrema e por isso só a ela se devendo, recorrer em casos especiais, não deixou, com o Acto Único, de continuar a ser uma possibilidade aberta a qualquer Estado membro.
O nosso país, como aqui expus mais em pormenor em Fevereiro passado, ressalvou que a aplicação do voto maioritário, em certas áreas, não deve lesar sectores sensíveis da nossa economia, sendo de estabelecer, sempre que necessárias, medidas transitórias adequadas.
Por outro lado, o Acto Único prevê um maior papel institucional, ainda que em escala modesta, para o Parlamento Europeu, e consagra a cooperação interestatal entre os países membros em matéria de política externa - uma área onde, como já acentuei, são patentes os benefícios para a afirmação internacional das posições diplomáticas portuguesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não tem dúvidas, como não as tem a maioria desta Assembleia, de que o Acto Único Europeu representa um avanço importante para a integração europeia, em que o nosso país apostou há muito.
Como europeus, estamos interessados em que a Comunidade prossiga, de maneira realista e equilibrada, a sua integração. Como portugueses, estamos não só empenhados na construção da Europa, de que fazemos parte, e para a difusão de cuja civilização tanto contribuímos, como estamos vitalmente interessados em acelerar o desenvolvimento económico e social do País.
Por tudo isso, apoiámos a elaboração do Acto Único e assinámo-lo em Fevereiro passado. Cabe agora à Assembleia da República a sua ratificação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Carlos Carvalhas, João Corregedor da Fonseca, Raul Brito e António Esteves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: V. Ex." afirmou que o Acto Único é um bom exemplo de bom relacionamento com a Assembleia da República. Porém, não é isso o que pensa a Comissão de Integração Europeia nem a maioria desta Assembleia da República.
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Em 7 de Fevereiro fez-se aqui uma apreciação do Acto Único já depois dos factos consumados, isto é, depois da negociação concluída. No entanto, dez meses depois aparece aqui o Governo, de supetão, pedindo a ratificação do Tratado de Adesão.
Além disso, o Governo não fez acompanhar esta sua proposta dos mínimos esclarecimentos, tal como o fizeram vários governos nos diversos Parlamentos europeus - e isso pode verificar-se por uma leitura simples. A proposta nem sequer veio acompanhada de uma exposição de motivos.
Na sua intervenção, o Sr. Ministro limitou-se a repetir aquilo que já tinha dito aquando da primeira apreciação, e as explicações que nos deu sobre as razões por que o Governo só agora pediu a ratificação não colhem.
Quando V. Ex.ª diz que havia ainda dúvidas e que era, portanto, necessário saber-se se as vantagens e desvantagens nos aconselhariam à ratificação do Acto Único, nós perguntamos: há um mês ainda havia dúvidas? Há quinze dias o Governo ainda tinha dúvidas? Por que é que se deixou chegar a ratificação para esta data? Para que a Assembleia da República venha aqui assinar como se fosse de cruz, como se se tratasse de um qualquer documento? É que, como o Sr. Ministro sabe, este é um documento de inegáveis consequências para o nosso futuro e soberania e para o futuro das Comunidades. Será que o Governo pensa que a ratificação de um tratado é um mero pró-forma?
Sr. Ministro, em relação à sua intervenção, gostaríamos de saber se o Governo pensa ou não que se mantém, com o Acto Único, o direito de veto, isto é, o compromisso de Luxemburgo.
Gostaríamos igualmente de saber se, atendendo aos interesses dos emigrantes portugueses, a nova redacção do artigo 49.º é ou não susceptível de criar dificuldades à circulação de pessoas, de cidadãos.
Quanto aos fundos, o Sr. Ministro voltou a falar do saldo positivo que se espera para o fim do ano. No entanto, esta Assembleia da República ainda não sabe qual é o montante da contribuição financeira deste ano para a CEE - o Governo tem-se recusado a dá-la, e sabe-se ser superior àquela que foi apresentada no início do ano.
Ainda em relação às contas que nos apresentou, relativas a Outubro, em que se referia um saldo de 19 milhões de contos, faltam nesse documento - cito - «os pagamentos dos direitos niveladores e dos direitos alfandegários». Ora, estes direitos aduaneiros e niveladores, que o Governo cifrava em 15,1 milhões de contos, serão bastante superiores, estavam aqui pagos apenas 5 milhões, e não é crível que o Governo vá pagar 10, 11 ou 12 milhões de contos no último mês. Com efeito, isto altera substancialmente o saldo entre recebimentos e pagamentos.
Portanto, era importante que o Governo prestasse à Assembleia da República informações precisas sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Como já tivemos oportunidade de referir aqui em Fevereiro, não nos move, no Grupo Parlamentar do MDP/CDE, qualquer preconceito político contra a Europa. Vemos, isso sim, com franca apreensão, com bastante preocupação, a forma apressada como se processou a negociação para a integração de Portugal na Comunidade e, como é evidente, as consequências possivelmente nefastas que tal negociação apressada poderá vir a criar a Portugal.
A verdade é que estamos agora integrados na Comunidade, interessando, pelo menos, defender abertamente os nossos interesses no âmbito dessa mesma Comunidade. Não sei se dentro de um ou dois anos - talvez nem venha a ser necessário - será preciso qualquer tipo de renegociação, mas é um assunto que veremos ao longo dos tempos.
Em relação a esta questão do Acto Único Europeu, o Sr. Ministro declarou ser esta uma matéria de melindre - é realmente uma matéria melindrosa -, declarou-nos estar o Governo sempre disponível e que, a partir de agora, é necessário um maior diálogo com a Assembleia da República, aliás obrigado pelos novos problemas com que Portugal se vai confrontar. Assim, gostaria de saber quais são esses novos problemas que o Sr. Ministro entende que Portugal vai ter de enfrentar.
Em relação ao atraso, já foi abordada essa questão, e é evidente, Sr. Ministro, que se o Governo tivesse enviado à Assembleia da República, por exemplo, há dois meses - não precisava de ser mais cedo -, este projecto de resolução, tal teria possibilitado à Comissão de Integração Europeia ter um contacto, um diálogo muito estreito com o Governo, requerer os elementos necessários para podermos apreciar aprofundadamente esta situação, e a Assembleia da República teria também tido a possibilidade de recolher outro tipo de elementos e de informação noutras áreas.
O Sr. Ministro sabe que a Assembleia da República vê com grande apreensão um determinado tipo de situações existente relativamente a Portugal e à CEE. Aliás, em 26 de Junho, o Sr. Deputado Silva Lopes, como Presidente da Comissão de Integração Europeia, apresentou aqui um importante relatório da deslocação de uma delegação a Bruxelas e a Estrasburgo, onde se levantaram muitas questões e onde, desde logo, ficou assente que era necessário um debate muito aprofundado com o Governo em relação a este assunto - o Governo não disse que não...
Portanto, criticamos claramente o facto de o Governo não ter atentado nessas situações e de ter trazido aqui, agora, apenas num dia, o projecto de resolução de ratificação do Acto Único Europeu, o qual nem sequer vem fundamentado.
Gostaria apenas de lhe colocar duas outras questões muito rápidas, Sr. Ministro.
Há quem entenda que o Acto Único acentua a transferência de poderes de soberania dos Estados membros para as instituições comunitárias.
Segundo o Governo, existe ou não essa responsabilidade?
Se tal possibilidade não existe, gostava de saber, exactamente, qual a argumentação do Governo para tal facto.
Gostava igualmente de saber quais os problemas que se colocam a Portugal perante a criação de um grande mercado interno até 1992, e o que é que está a ser feito com vista a enfrentar esse desafio extremamente poderoso que Portugal vai ter de assumir. Ou será que vamos também perder uma série de anos sem prepararmos o País -tal como aconteceu durante aqueles anos de negociação para a entrada na Comunidade,
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em que Portugal não se preparou absolutamente nada-, podendo ficar Portugal, em 1992, com problemas acrescidos?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Brito.
O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, naturalmente que estamos de acordo na questão de fundo, isto é, na ratificação do Acto Único. No entanto, a sua intervenção suscitou-nos duas discordâncias importantes.
A primeira delas diz respeito à referência feita pelo Sr. Ministro ao diálogo que tem havido, quer no âmbito da Assembleia da República, quer relativamente à opinião pública, acerca de uma questão como esta, a qual é, a nosso ver e naturalmente, a maior reforma dos últimos anos da vida comunitária. Contudo, a forma como o Governo tem tratado este assunto, e que se pode resumir a duas discussões apressadas -uma delas aquando da assinatura do Tratado, que, por sinal, o Governo tinha já subscrito, e a outra agora, apresentando o pedido de ratificação mesmo em cima da data de discussão- não é, a nosso ver, o melhor método para, por um lado, esclarecer e motivar a população portuguesa sobre uma matéria de tanta importância e, por outro lado, para poder justificar que o Governo diga que tem havido um amplo diálogo.
Com efeito, penso que tem acontecido o contrário, isto é, que não tem havido diálogo no que concerne a esta matéria. E o modo como o Governo apresentou formalmente este documento na Assembleia, não enviando qualquer esclarecimento sobre uma única das disposições do Acto Único, vem, de certa maneira, confirmar esta opinião, que temos de emitir aqui, discordando assim frontalmente de tal actuação.
Por outro lado, o Sr. Ministro justificou o atraso argumentando dúvidas ou incertezas e, pela nossa parte, ficámos sem saber se tais incertezas se referiam ao próprio conteúdo do Acto Único ou se se reportavam a matéria de negociação no âmbito do Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades.
Pensamos que, se se referiam ao conteúdo do Acto Único, o Governo não terá utilizado a melhor forma para o fazer, porque perdeu a oportunidade. Se, por outro lado, se referiam a negociações que têm de ver mais com a gestão do Tratado de Adesão, pensamos não ser essa também a forma mais curial de o fazer. Daí a nossa discordância e estas referências que acabámos de fazer, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
O Sr. António Esteves (PS): - Sr. Ministro, com o devido respeito, gostaria de lhe dizer que, para nós, o seu discurso foi uma desilusão. Foi uma desilusão que se vem juntar às grandes desilusões que o nosso processo de integração na Europa nos tem trazido ao longo deste ano.
Em Fevereiro, V. Ex.ª veio aqui apresentar, pela primeira vez, o Acto Único. Aliás, deve realçar-se que o único acto digno de louvor do Governo em relação ao processo de adesão à CEE foi a iniciativa que tomou de, antes de proceder à assinatura, suscitar o debate do Acto Único na Assembleia da República. Para além disso, não vemos nada de significativo ou de importante quanto a iniciativas tomadas pelo Governo em relação a estas matérias.
Pelo seu discurso, V. Ex.ª quis-nos fazer entender ou crer que a Assembleia da República não passa de uma pequena câmara de ressonância da acção e da actividade do Governo em relação à CEE. Disse até que, face àquilo que se passou na discussão de Fevereiro, este voto era um voto certo: as posições estavam tomadas.
De facto, pela nossa parte, estão tomadas porque o nosso entendimento da CEE -como, aliás, a história da intervenção do nosso partido ao longo destes dez anos o demonstra- é o de uma aposta muito profunda na integração europeia. Foi o nosso partido que desenvolveu todo o processo em Portugal e, com coerência, o continuou até agora.
Daí que a nossa posição não pudesse ser diferente, embora o Governo merecesse uma posição diferente da nossa parte.
V. Ex.ª não trouxe, neste discurso -como julgamos que deveria ter trazido-, um pouco daquilo que é ou que devia ser a filosofia do Governo em relação à CEE. Como encara o Governo a CEE? Que futuro para a CEE?
A certa altura, V. Ex.ª disse que, no caso deste Acto Único, não se foi tão longe quanto o Governo desejaria. Em quê, Sr. Ministro? Em que é que não se foi tão longe? Que mais queria o Governo? Que propostas fez o Governo que não foram aceites no âmbito da revisão do Tratado? É que nós não sabemos que futuro pensa o Governo para a Comunidade.
Que propostas fez e que propostas pretende fazer? Qual é a ideia que o Governo tem da Europa?
V. Ex.ª também disse que tudo correu bem ao longo deste ano. Para nós, não correu bem.
V. Ex.ª veio, de facto, algumas vezes aqui à Assembleia, quando esta, por ter dúvidas sobre aquilo de que tinha conhecimento através da imprensa, lhe solicitava alguns esclarecimentos. No fundo, os esclarecimentos que foram trazidos à Comissão de Integração Europeia reduziram-se a alguns números sobre os fluxos financeiros e a algumas ideias gerais, mas imprecisas, sobre aquilo que devia ser a política portuguesa na Comunidade.
Sr. Ministro, não consideramos que a política portuguesa nas Comunidades seja um problema de intendência, uma questão de deve e haver.
Quando V. Ex.ª se regozija com um saldo de 30 milhões de contos, dizendo que isto é o balanço do ano, um balanço altamente positivo da adesão de Portugal à CEE durante o primeiro ano, não sabemos como fez essas contas, nem se é esta a concepção do Governo em relação à CEE, isto é, se se traduz, afinal, num balanço favorável de 30 milhões de contos ao longo do primeiro ano de integração.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas referiu não ter havido debate prévio. Ora, isso não é verdade, pois no dia 7 de Fevereiro fizemos aqui um debate sobre esta matéria.
Quero lembrar que este Governo tomou posse numa altura em que o Acto Único já estava numa avançada situação...
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O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Dá-me licença, Sr. Ministro?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro, eu não disse que não houve um debate prévio. Nós sabemos que no dia 7 de Fevereiro houve aqui um debate, no qual nós interviemos, mas o que se verificou foi a discussão de um facto já consumado.
O Sr. Ministro apresentou aqui o Acto Único para apreciação, mas sem documentação suficiente e explicações mínimas. Nós fizémos uma apreciação desse Acto Único, mas, repito, já depois do facto consumado, depois de já estar negociado. Por isso, a Assembleia da República não o acompanhou, como devia.
Também é claro o que se passou aqui depois: o Governo reteve durante vários meses o Acto Único, nem fez qualquer exposição acerca das consequências dos diversos dispositivos do Acto Único.
Eu até julgo que uma boa parte dos Srs. Deputados, mesmo os mais directamente ligados a este tema, desconhecem, ainda hoje, o significado da maior parte dos artigos do Acto Único.
Ora, e como já tive oportunidade de referir, os outros Governos apresentaram documentação circunstanciada sobre as implicações e as modalidades de aplicação do Acto Único, mas este Governo não apresentou nada ...
O Orador: - Então vou ser mais explícito, Sr. Deputado.
O que sucedeu foi que o Governo, ao tomar posse, se viu confrontado com uma negociação em curso. Naturalmente, acompanhou-a com todo o cuidado, e antes de ter sido assinado o Acto Único o Sr. Primeiro-Ministro falou com todos os partidos aqui representados, através dos seus delegados parlamentares, explicando os pontos principais que, sobre esta matéria, estavam a ser negociados em Bruxelas. Foi só depois dessa informação, e só depois de ter o Acto Único na sua forma final ...- e, como eu disse, este Governo «apanha» o Acto Único no último mês.
Portanto, não podíamos ter feito anteriormente aquele debate ou qualquer conversa com os partidos sobre esta matéria. Como sabem, isto passou-se em Dezembro, e, logo a seguir, houve contactos com os grupos parlamentares, pois o Sr. Primeiro-Ministro falou com todos eles e explicou-lhes as principais implicações, quais as propostas que nos eram feitas e quais as que nós gostaríamos que tivessem sido modificadas.
Mais adiante explicarei um pouco melhor isto, quando responder a um Sr. Deputado da bancada socialista.
Portanto, não houve assinaturas do Governo antes do debate aqui feito.
Como esse debate foi conclusivo, o Governo assinou o Tratado. Nada de novo se passou desde essa data até agora: o texto é absolutamente o mesmo, só que agora há que ratificá-lo.
Lembro aos Srs. Deputados que não é só Portugal que está nestas condições: hoje e amanhã, outros Parlamentos de outros países europeus estão a debater esta mesma matéria.
Se países que já eram membros da Comunidade há muitos anos tomaram esta precaução, mais aconselhável seria que um país, que é um iniciado nestas lides,
tomasse esta precaução adicional - daqui a pouco, explicarei um pouco melhor a razão porque resolvemos proceder desta maneira.
Portanto, não é correcto dizer-se que não tomámos precauções para informar a Assembleia.
Tenho de reconhecer que, durante o período de negociações do Acto Único, em Novembro e Dezembro, a informação não terá sido muito completa relativamente à parte dessa negociação acompanhada por este Governo. Mas os Srs. Deputados compreenderão qual a situação política que então se vivia em Portugal: eventualmente, não era possível haver um diálogo entre uma Assembleia que acabara de tomar posse e um Governo que também acabava de tomar posse.
Quero ainda dar uma explicação sobre o problema do veto.
O Sr. Deputado tem razão, pois mantém-se o compromisso do Luxemburgo - como é chamado -, isto é, se realmente houver um assunto de interesse vital - como, aliás, eu expliquei - o País pode exigir a unanimidade. Ou seja, por outras palavras, pode vetar.
Portanto, quanto a esse respeito, não há dúvidas.
Quanto ao problema dos saldos, confirmo o número que indiquei e que o Governo já há um tempo tem vindo a indicar, que é de cerca de 30 milhões de contos.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Dá-me licença, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro, a minha pergunta foi no sentido de saber qual é, este ano, a contribuição financeira de Portugal para a CEE, pois o Governo ainda não a indicou à Assembleia da República.
O Orador: - Sr. Deputado, repito o que lhe disse há pouco: o saldo líquido, já entrando em consideração com essa contribuição, é de cerca de 30 milhões de contos.
Penso que, provavelmente, esse número será superior - julgo que já estou em condições de o dizer, porque obtive ontem os números -, mas como ainda não temos a certeza quanto ao volume dos direitos, achamos mais cauteloso mantermo-nos nos 30 milhões de contos. É muito provável que seja superior, mas como não temos a certeza sobre qual a verba que terá de ser paga, referente a direitos, achamos que este é o número que devemos indicar aos Srs. Deputados, à Assembleia e ao País.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca afirmou que a negociação inicial do Tratado foi apressada. Não queria comentar esse facto. Julgo que temos de louvar a maneira como, apesar de tudo e de algumas dificuldades - certamente que as houve, e só quem negoceia essas coisas é que sabe -, se desenrolou a negociação, pois foi um acordo aceitável, feito pelo governo anterior e ratificado por esta Assembleia.
Havia ainda alguns problemas por solucionar e foi isso que se fez no ano seguinte.
Não estou aqui a criticar - antes pelo contrário - o governo anterior, que negociou o acordo. Com certeza que o negociou da melhor maneira e a Assembleia da República e o povo português deram-lhe o seu acordo.
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Portanto, é o que temos, e devo dizer que não o podemos considerar um mau acordo. Pelo contrário, acho que foram obtidas as garantias possíveis; naturalmente, queríamos mais, mas parece-me um acordo equilibrado.
Quanto à referência ao relatório de 26 de Junho, do deputado Silva Lopes, sobre esta matéria - como não sei se o deputado Silva Lopes vai intervir no debate, apenas comento as afirmações do Sr. Deputado interpelante -, direi apenas que esse relatório fazia um relato circunstanciado da situação e foi apreciado. Contrariamente ao que alguma imprensa terá referido, no sentido de que iríamos ser contribuintes líquidos, o que nele se diz - e julgo que estou a interpretar bem - é que corríamos o risco de sermos contribuintes líquidos, o que é totalmente diferente.
Felizmente, os resultados do primeiro ano de adesão mostram que não é assim.
Falarei um pouco mais sobre esta matéria quando referir os problemas que preocupam a CEE.
Diria ainda que o Governo está sempre disponível para prestar à Assembleia todos os esclarecimentos, em Plenário ou, como é mais habitual, na Comissão. De resto, o Sr. Secretário de Estado, eu próprio e outros membros do Governo tivemos contactos com a Comissão de Integração Europeia durante o ano, não só para tratar de problemas da responsabilidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros, como para tratar de assuntos sectoriais mais específicos. A lista das reuniões com a Comissão de Integração Europeia poderá não ser muito longa, mas julgo que terá sido suficiente. Mas, se a Assembleia achar que para o futuro são necessários maiores contactos, o Governo está disposto a fazê-lo, como é sua obrigação. Digo isto porque me parece que o que há que acertar com a Assembleia diz respeito aos problemas novos que Portugal vai enfrentar na Comunidade. Como eu disse, o que se impunha durante o primeiro ano era a nossa presença activa na defesa dos nossos interesses. Foi isso que se fez e se conseguiu.
Podemos, portanto, estar satisfeitos. Mas nada de radicalmente novo se passou: era preciso atar as pontas das coisas que ficaram por atar, daquelas coisas que, necessariamente, teriam de ficar por fazer. Refiro--me às regras de origem e a outros aspectos da negociação, que não foram concluídos antes da assinatura.
Foi isso que se fez e que se concluiu. Já acabo de responder ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, mas antes disso queria dizer-lhe que, de modo algum, a soberania portuguesa é afectada nos problemas económicos. Ao assinarmos o Tratado de Roma e o nosso Tratado de Adesão, estávamos exactamente a alienar, conscientemente, determinados poderes de decisão. Mas é assim mesmo, e não pode haver dúvidas a esse respeito. Há certos aspectos que agora deixaram de ser exclusivamente da nossa competência, determinada fixação de preços agrícolas, etc., mas isso não pode causar surpresa à Assembleia, porque constitui o próprio Tratado de Roma.
Mas, como disse, temos salvaguardas para esses aspectos, quando julgarmos que eles são de interesse vital para o País.
Quanto à política externa, não há qualquer alienação da soberania, isto é, continuamos a ser «senhores».
Queria agora explicar os problemas novos. Os problemas novos que se colocam são os problemas financeiros, os problemas da Política Agrícola Comum e a da coesão.
Não há dúvida de que em 1986 a Comunidade cumpriu, em relação a Portugal e aos outros países, os problemas que tinha assumido.
Mas também é verdade, e não é segredo para ninguém, que a situação financeira da Comunidade é bastante preocupante. Portanto, o que se vai discutir nos próximos meses são esses problemas. E esses são os problemas vitais: como é que a Comunidade deve aplicar os fundos de que dispõe se quer continuar a viver? Chegam as contribuições actuais? É conveniente a distribuição dos dinheiros que é feita pelas diversas actividades e pelos diversos fundos? Parece que não.
É evidente que a Política Agrícola Comum tem de ser reformulada, pois, se não for, não vai haver dinheiro suficiente e, obviamente, põe-se em risco a própria Comunidade.
Portanto, esses são pontos importantes, relativamente aos quais nós temos que tomar posições importantes. São esses os aspectos importantes; os outros, como é o caso das regras de origem, eram muito importantes, mas nós não tinham dúvidas de que o que o Srs. Deputados queriam era que nós conseguíssemos uma solução capaz. Ora, julgo que não valeria a pena perguntar se deveríamos tentar incorporações de produto português em 30 %, 40 % ou 60 %, pois todos nós sabíamos que deveríamos conseguir o mais possível.
Nada disso estava em causa, mas a táctica teve de variar todos os dias. Parece-me, portanto, que nessas áreas havia a certeza de que a posição que o Governo estava a tomar era a posição que todas as pessoas razoáveis e, por maior razão, os deputados teriam de tomar: não estavam em causa senão coisas absolutamente conhecidas.
Como eu disse, a partir de agora, a política agrícola, a política financeira, a política de coesão e o mercado interno obrigam a uma reflexão muito profunda. É isso que se está a fazer, foi isso que se fez, foi isso que os Primeiros-Ministros fizeram na reunião de Londres. E é com certa satisfação que podemos ver que a consciência da Comunidade sobre essas matérias é agora muito mais alerta.
Há que resolver estes problemas durante o ano de 1987. E são esses problemas que o Governo tem que discutir com a Assembleia ou com as comissões parlamentares, se assim for entendido.
Peço desculpa por ter de ser tão breve, mas talvez possa mais tarde elaborar um pouco mais o meu raciocínio.
Passando a responder aos Srs. Deputados Raul Brito e António Esteves, tenho que dizer que não nos surpreende a posição do Partido Socialista. Obviamente, o Partido Socialista foi um dos partidos que em Portugal mais interesse pôs na nossa adesão à Europa, juntamente com os outros partidos democráticos. Isso não está em causa, Srs. Deputados.
Mas julgo que não é justa a apreciação de que nós estamos apenas preocupados com os fluxos financeiros. Nós pomos ênfase nesse aspecto, porque é um dos aspectos que os partidos estão sempre a levantar e é por isso que damos informações. Obviamente, temos que as dar, mas damos-lhe mais relevo porque são os próprios partidos que suscitam essas respostas.
Julgo que não pode haver dúvidas de que este Governo encara a nossa adesão à Europa como um instrumento importante do desenvolvimento, ligado à maneira de estar no mundo, isto é, à escolha da sociedade em que queremos viver.
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Portanto, felizmente, esses aspectos não são discutidos porque já acordámos neles.
Quando pomos um pouco de ênfase na parte financeira, é que essa crítica, que me parece não ser justa, pelas razões que acabo de apontar. E não é só o dinheiro que interessa!
Quanto à razão porque atrasámos o pedido de ratificação, já a expliquei na minha intervenção inicial: quisemos dar tempo, e refiro, a propósito, que alguns países também fizeram o mesmo.
Além disso, quisemos ter a consciência de que o primeiro ano era um sucesso, que a nossa integração estava a correr nos melhores moldes.
Como compreenderão, tecnicamente, nestas reuniões internacionais ajuda por vezes ter ainda qualquer coisa importante para decidir. Foi apenas isso que nos levou a atrasar o pedido de ratificação.
Como disse ainda ontem, hoje e amanhã haverá parlamentos europeus discutindo estas matérias.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.
O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o Acto Único Europeu representa como que uma revisão constitucional para a CEE. Ele introduz as alterações mais profundas que até agora tiveram lugar nos tratados de base pelos quais se regem as instituições e as actividades das Comunidades Europeias.
Será por isso desnecessário salientar a sua relevância e o seu possível impacte no desenvolvimento económico e social do nosso país.
O Acto Único foi assinado, em 17 e 29 de Fevereiro de 1986, por todos os países da CEE. Na generalidade desses países, os Governos pouco tempo demoraram, após a assinatura do Acto Único, para, o submeter aos seus Parlamentos, com vista à ratificação. Mesmo os Parlamentos que só ratificaram o Acto Único na semana corrente detinham em quase todos os casos o instrumento de ratificação depositado há muito pelos seus respectivos Governos. Quase todos esses Governos fizeram acompanhar as suas propostas de ratificação de relatórios descritivos, explicando o conteúdo das disposições do Acto Único e as ,suas implicações para os respectivos países.
Os Parlamentos da maior parte dos Estados Membros da CEE tiveram, assim, possibilidades de estudar o Acto Único de forma detalhada e de preparar cuidados relatórios sobre as suas consequências.
Em Portugal as coisas passaram-se de maneira bem diferente. O Governo reteve o texto do Acto Único durante mais de nove meses antes de o enviar à Assembleia da República.
Durante nove meses o Governo não preparou qualquer nota explicativa do tipo das> que foram elaboradas por outros Governos da CEE.
Só agora, que estamos já no fim do prazo previsto para a ratificação por todos os Estados Membros da CEE, é que o Governo pede à p/essa à Assembleia da República que ratifique o Acto Único. Se a Assembleia se atrasasse nessa ratificação, o Acto Único não poderia entrar em vigor na data prevista e Portugal apareceria a bloquear todo o processo pelo qual se pretende introduzir um vasto conjunto de modificações nos
Tratados das Comunidades Europeias, sem dúvida as mais importantes desde que esses Tratados foram assinados. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros explicou-nos há momentos que reteve o Acto Único Europeu durante dez meses para poder fazer o balanço do primeiro ano da integração de Portugal da CEE. Simplesmente onde está esse balanço? Que informações nos traz o Governo a esse respeito?
Serão as duas ou as três frases que sobre a matéria o Sr. Ministro incluiu no seu discurso? Foi por causa dessas frases, aliás superficiais, que o Governo reteve o Acto Único durante onze meses? Foi por essa razão que impediu a Assembleia da República de agora discutir adequadamente as modalidades de execução e aplicação desse instrumento?
Ou foi por causa do argumento de que se esteve à espera dos resultados do Conselho Europeu?
Mas foi o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros que nos disse que nada de importante resultou dos trabalhos desse Conselho com relevância para o Acto Único Europeu. Aliás, se assim não fosse, como se explicaria que os outros governos dos países da CEE não tenham sentido a necessidade de atrasar o envio dos textos a ratificar aos respectivos Parlamentos?
As explicações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não conseguem, a meu ver, esconder o facto de que estamos perante uma manifestação de grave irresponsabilidade do Governo em matéria de tanta importância como o Acto Único Europeu.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não consideramos justificação satisfatória aquela em que nos foi dito que a Assembleia da República não precisará de muito tempo nem de informações adicionais do Governo para se pronunciar, uma vez que, o Acto Único já foi objecto de uma discussão preliminar na sessão de 7 de Fevereiro do ano corrente.
Isso por duas razões: em primeiro lugar, a discussão de 7 de Fevereiro também foi feita sem que a Assembleia da República tivesse tido a possibilidade de proceder a um trabalho prévio adequado. O texto do Acto Único chegou nessa altura à Assembleia da República apenas uns escassos dias antes da sua discussão em Plenário. Nessa altura, não se considerou que a escassez de tempo para a preparação da discussão constituísse uma limitação grave porque se contava com a possibilidade de se proceder a uma discussão mais profunda por altura da ratificação do Acto Único.
Em segundo lugar, a discussão a que se procedeu em 7 de Fevereiro referiu-se exclusivamente a princípios gerais. Sobre esses princípios foi então manifestada pela Assembleia da República uma posição maioritária de concordância, que por certo ainda se manterá. Mas há que discutir as condições de execução das medidas previstas no Acto Único. Isso foi feito na generalidade dos parlamentos da CEE, que nas suas decisões de ratificação incluíram considerações e orientações relativas a essas condições de execução. Ora o Governo, ao procurar impor-nos um prazo de apreciação e discussão excessivamente curto, põe totalmente em causa as nossas possibilidades de analisar, nessa altura, os problemas de execução e aplicação das orientações traçadas no Acto Único e de formular a esse respeito as decisões que a Assembleia da República considere apropriadas.
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Um outro ponto da maior importância é o das informações que o Governo nos deveria ter fornecido acerca das implicações do Acto Único. O Governo poderia, ao menos, ter aproveitado os nove meses em que reteve esse tratado para preparar um relatório explicativo dessas implicações, com vista à informação da Assembleia da República e do País. As únicas informações que o Governo nos forneceu a esse respeito foram apenas as que constam dos discursos do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Primeiro-Ministro na sessão já referida de 7 de Fevereiro passado e na sessão de hoje.
Procedi à comparação das informações desses discursos com as que foram prestadas pelos governos de outros países da CEE aos respectivos parlamentos não só através de declarações ministeriais mas principalmente através de relatórios expressamente elaborados para o efeito. A conclusão que imediatamente se extrai de tal comparação é a de que as informações fornecidas pelo Governo Português são extremamente pobres quando comparadas com aquelas de que outros parlamentos da CEE puderam dispor.
O Sr. António Barreto (PS): - Muito bem!
O Orador: - Apesar disso nós temos condições aqui na Assembleia da República para estarmos razoavelmente informados sobre o significado das disposições do Acto Único Europeu. O Grupo Parlamentar do PRD não tem por isso quaisquer dúvidas sobre o voto a exprimir a propósito da ratificação desse Acto.
Simplesmente, as informações de que dispomos tivemos de as ir buscar essencialmente ao material apreciado nos parlamentos de outros países da CEE. Assim, o que eu sei sobre o Acto Único Europeu devo-o mais às explicações apresentadas por outros governos de países da Comunidade do que às informações do Governo Português.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
Tivemos neste caso a sorte de dispor na Assembleia da República de uma documentação relativamente abundante com textos apresentados noutros parlamentos da CEE. É claro que o Governo em nada contribuiu para a compilação dessa documentação. Ela foi reunida exclusivamente graças à diligência dos serviços da Biblioteca da Assembleia da República, cuja iniciativa neste domínio merece ser louvada.
Referi acima que o Grupo Parlamentar do PRD se considera razoavelmente informado sobre o significado das disposições do Acto Único Europeu e não tem dúvidas quanto à votação da sua ratificação.
Simplesmente, as discussões sobre a ratificação deveriam incluir também a análise das modalidades da sua execução e aplicação.
Foi isso que sucedeu nos parlamentos de quase todos os países da CEE. Mas isso não poderá aqui suceder hoje porque o Governo não nos prestou as informações necessárias nem nos deixou as possibilidades de tempo que seriam indispensáveis.
Sem embargo da ratificação do Acto Único Europeu, há diversos pontos relativos às modalidades de execução e aplicação das disposições nele contidas que carecem de ser esclarecidas, dada as suas implicações para que a nossa economia, para a competência das nossas instituições e para o nosso desenvolvimento económico e social.
Para tentar obter os esclarecimentos necessários, passo por isso a formular um certo número de questões a respeito de tais pontos.
As questões que vou apresentar constituem uma lista razoavelmente longa. Mas espero que se reconheça que todas elas se referem a pontos de maior importância. Espero também que se reconheça que seria muito grave que o Acto Único começasse a ter efeitos práticos sem que a Assembleia da República e o povo português obtivessem do Governo respostas adequadas para essas questões.
A primeira questão refere-se ao Compromisso do Luxemburgo: A Sr.ª Thatcher, na sua apresentação do Acto Único perante a Câmara dos Comuns, considerou que o Compromisso do Luxemburgo não estava revogado. O Primeiro-Ministro Chirac tomou posição idêntica perante a Assembleia Nacional Francesa. Os governos de outros Estados membros, por exemplo os da Bélgica e da Itália, exprimiram uma opinião oposta. O próprio Parlamento Britânico manifestou o receio de que o Compromisso já não tenha validade.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que diz ter discutido claramente o Acto Único com a Assembleia da República, só há poucos minutos nos deu a conhecer a posição do Governo a esse respeito. Mesmo assim, fê-lo apenas em resposta a uma questão que lhe foi posta por um deputado.
De qualquer maneira, pergunto: uma vez que o Governo entende que o Compromisso do Luxemburgo continua em vigor, considera o Governo que Portugal tem condições para o invocar quando se considerar que decisões tomadas no Conselho por maioria são susceptíveis de afectarem os interesses vitais do nosso país? Repito que esta opinião não é aceite por vários Estados da CEE, pelo Parlamento Europeu e pelo próprio Parlamento Britânico, que tem sobre ela as maiores dúvidas.
A segunda questão refere-se ao processo de cooperação entre o Parlamento Europeu e o Conselho das Comunidades.
O processo de cooperação entre o Conselho e o Parlamento Europeu aumenta os poderes do Parlamento Europeu numa escala que este considera insuficiente. Este processo poderá, mesmo assim, ter influência sobre as decisões do Conselho, uma vez que este pode aprovar por maioria qualificada as decisões do Parlamento mas só as pode rejeitar por unanimidade. Assim, pergunto: nos casos em que as decisões do Parlamento Europeu contrariem interesses vitais nacionais, que possibilidades vê o Governo de fazer prevalecer os seus interesses?
O terceiro ponto a abordar refere-se à declaração de ratificação do Acto Único proposta pelo Parlamento Europeu.
O Parlamento Europeu, ao pronunciar-se sobre o Acto Único, convidou os parlamentos nacionais a que na ratificação desse Acto incluam uma declaração estabelecendo, além de outros, os seguintes pontos:
O Acto Único ficou muito longe de realizar a União Europeia, mas essa União é mais necessária do que nunca;
É necessário reforçar o poder democrático do Parlamento Europeu, nomeadamente atribuindo-lhe poderes de co-decisão em matéria de legislação comunitária;
Nos casos em que as decisões do Conselho possam ser tomadas por maioria, poderão ser utilizadas as práticas que consagram a possibilidade
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unilateral de impedir a adopção de um acto comunitário. Por outras palavras, não pode invocar-se o Compromisso do Luxemburgo.
Qual a posição do Governo a respeito desta proposta do Parlamento Europeu? Qual será, no entender do Governo, a posição que melhor convém ao nosso país?
Passo agora a abordar certas questões relativas ao mercado interno.
Sabe-se que a Comissão da CEE elaborou uma lista de cerca de 300 medidas para integral realização do mercado interno até 1992.
Essas medidas terão consequências muito profundas sobre a economia nacional, nomeadamente no domínio da produção de mercadorias e serviços, na livre circulação de capitais, no direito de estabelecimento, etc.
As decisões sobre a implantação dessas medidas poderão em geral ser tomadas por maioria, mas há casos importantes, de entre os quais cabe destacar o da livre circulação, em que é exigida a unanimidade.
Nestas condições, pergunta-se: que medidas relacionadas com o mercado interno foram tomadas recentemente ou estão em curso de preparação para serem adoptadas no próximo ano? Que possibilidades terá Portugal de, num processo em que prevalece o voto maioritário, defender adequadamente os sectores que experimentam dificuldades em se abrir a plena concorrência comunitária? Que se tem passado concretamente nos movimentos de capitais e o que é que se está a passar nos transportes aéreos e marítimos, dois domínios de maior importância para a economia nacional, sobre os quais o Governo não prestou até agora quaisquer informações à Assembleia da República? Considera o Governo que é adequado, do ponto de vista económico, impor ao nosso país a livre circulação de capitais e exigir a unanimidade para a livre circulação de pessoas?
Passo agora a abordar o princípio da coesão.
As disposições em que se estabelece o princípio da coesão económica e social são sem dúvida das que no Acto Único Europeu se revestem de maior alcance para o nosso país.
Nessas disposições estabelece-se, acima de tudo, que a Comunidade procurará reduzir as diferenças entre as diversas regiões e procurará reduzir o atraso das regiões menos favorecidas.
A este respeito cabe perguntar: considera o Governo que, com as actuais disposições em matéria de financiamento das Comunidades, há possibilidades de transferir para as regiões menos desenvolvidas, incluindo em especial as do nosso país, os montantes de contribuições dos fundos estruturais necessários para compensar essas regiões das consequências que sobre eles terá a aplicação das medidas de realização do mercado interno? Que espera o Governo das contribuições futuras do FEDER, tendo em conta que o Acto Único exige, por um lado, a unanimidade para a alteração das regras de funcionamento desse Fundo e permite, por outro lado, a maioria qualificada para as decisões de aplicação dos respectivos recursos?
De seguida, vou mencionar alguns problemas da capacidade monetária.
Em consequência do Acto Único Europeu o Tratado da CEE passa a fazer referência explícita ao Sistema Monetário Europeu.
Pergunta-se ao Governo: será que as disposições do Acto Único sobre a capacidade monetária implicarão que Portugal tenha de passar desde já a considerar activamente a hipótese de se tornar membro do Sistema Monetário Europeu? Ou poderá o nosso país manter-se indefinidamente afastado desse Sistema? Considera o Governo que a adesão ao Sistema Monetário é desejável? Na hipótese afirmativa, para quando? Sob que condições? Quais as medidas preparatórias necessárias?
Quanto à investigação e o desenvolvimento tecnológicos, as disposições do Acto Único sobre a investigação e o desenvolvimento tecnológico prevêem, além do mais, a adopção de programas quadros plurianuais nos quais serão enumeradas as acções a realizar.
Os jornais informaram há dias que o Conselho das Comunidades não aprovou um programa de investigação e desenvolvimento tecnológico que lhe foi apresentado pela Comissão. Não fiquei a saber se se tratava de um programa quadro plurianual do tipo dos que são referidos no novo artigo 130.º-M do Tratado da CEE a introduzir pelo Acto Único Europeu. Nesta matéria, como em quase tudo o que diz respeito às decisões que vão sendo tomadas nas Comunidades, o Governo nada nos informou.
Nestas condições, pergunto: que se pode esperar para o nosso país das novas acções previstas no Acto Único em matéria de investigação e desenvolvimento tecnológico? Em que projectos temos participado recentemente? Quais as possibilidades e dificuldades de participação nacional em projectos que a Comunidade venha a desenvolver? Foi já preparado pela Comissão e submetido ao Conselho um programa quadro plurianual? Se não se tratava de um plano do tipo previsto no Acto Único, confirma-se que o Conselho rejeitou recentemente um programa proposto pela Comissão relativo à investigação e ao desenvolvimento tecnológico? Na hipótese afirmativa, quais eram as características desse plano? Que posição tomou a delegação portuguesa aquando da sua discussão? Quais as razões da rejeição pelo Conselho da proposta que havia sido apresentada pela Comissão?
Finalmente, vou referir-me as consequências do Acto Único sobre os poderes e competências da Assembleia da República.
Em vários dos Parlamentos da CEE que já aprovaram o Acto Único Europeu, uma das questões a que se deu maior importância foi a da diminuição dos poderes desses Parlamentos que virão a resultar das alterações de natureza institucional introduzidas no Tratado do Acto Único. Por essa razão, os Parlamentos de alguns países, ao discutirem o Acto Único, consideraram necessário reforçar o processo pelo qual são consultados a respeito dos projectos de decisão do Conselho que estejam a ser preparados nos serviços da Comissão e noutras instâncias comunitárias. Esse processo de consulta permite a intervenção desses Parlamentos na fase de preparação das decisões. Por essa forma se procura preencher, embora de forma não inteiramente satisfatória, o chamado «vazio democrático». Como é sabido, esse vazio resulta do facto de muitas decisões que eram da competência dos Parlamentos nacionais ou que estavam sujeitas ao seu controle terem passado a ser da competência do Conselho das Comunidades e não estarem sujeitas ao controle de instituições parlamentares, compostas por representantes directamente eleitos pelo povo, incluindo o Parlamento Europeu.
Em Portugal o chamado «vazio democrático» tem sido total. A Assembleia da República nunca foi consultada durante a fase da preparação das decisões
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do Conselho sobre as posições a tomar pelo Governo Português na negociação dessas decisões. Mas nesse domínio temos mesmo ido mais longe: a Assembleia da República nem sequer tem sido informada adequadamente sobre as decisões que foram tomadas sobre a forma como decorreram as negociações que delas resultaram e sobre as suas consequências para Portugal.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Nestas condições, será de perguntar: que soluções encara o Governo para manter a Assembleia da República adequadamente informada sobre as medidas de execução das grandes orientações traçadas no Acto Único Europeu? Pensa o Governo passar a consultar a Assembleia da República durante a fase de preparação das decisões de maior relevância destinadas a pôr aquelas medidas em aplicação?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A lista de questões que apresentei foi longa, apesar de me ter limitado a pontos escolhidos de entre os de maior importância. Mesmo assim, não inclui questões relativas às disposições do Acto Único sobre o meio ambiente, os problemas sociais e a cooperação no domínio da política externa.
O meu objectivo com a apresentação dessas questões foi duplo: em primeiro lugar, procurarei que se obtenha do Governo, na medida do possível, ainda na sessão de hoje, informações que há muito tempo nos deveriam ter sido prestadas. Em segundo lugar, procurei mostrar bem a extensão e relevância das informações de que carecemos para apreciar de forma mais adequada quais poderão ser os problemas relacionados com a execução e aplicação prática das transformações institucionais e das políticas previstas no Acto Único.
Se não obtivermos hoje, da parte do Governo, respostas cabais para questões como as que formulei, ficaremos com a medida das gravíssimas insuficiências de que o Governo deu provas em todo este processo. Ficamos a suspeitar que o Governo - que tanto apregoa o seu rigor e a sua competência - tem mostrado uma surpreendente ligeireza perante os enormes desafios que a execução de boa parte das disposições do Acto Único vai pôr ao nosso país. Ficamos com mais uma prova de que o Governo mostra a maior indiferença pelas suas obrigações de informar cabalmente a Assembleia da República sobre os aspectos fundamentais de relacionamento com as Comunidades Europeias. Ficamos com razões para acreditar que foi o propósito de evitar que a Assembleia da República discutisse adequadamente as modalidades de execução e aplicação prática do Acto Único que levou o Governo a tardar mais de nove meses em submeter o seu texto à ratificação que agora nos é solicitada apressadamente.
Vozes do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Orador: - A Assembleia da República não pode aceitar o jogo para o qual o Governo a quis manifestamente empurrar. É verdade que agora somos deixados sem outra alternativa prática que não seja a de votar hoje a ratificação do Acto Único, apesar de não termos podido proceder aos trabalhos preparatórios que consideramos desejáveis. É verdade também que teremos de nos limitar a votar uma simples decisão de ratificação do Acto Único, sem termos tido a possibilidade
de lhe acrescentar disposições relativas às modalidades da sua execução e à construção da União Europeia, à semelhança do que foi feito noutros Parlamentos da CEE. Mas já que não podemos considerar as disposições desse tipo nos trabalhos de hoje, teremos de o fazer mais tarde, em sessão especial da Assembleia da República, a fixar para esse efeito dentro de um prazo relativamente breve. A eficácia dessa sessão ficará a depender em grande medida dos trabalhos preparatórios que deverão ser desenvolvidos no âmbito da Assembleia da República, nomeadamente através das suas comissões especializadas. Esperamos que o Governo venha a contribuir para esses trabalhos com um espírito de cooperação e com fornecimento de informações adequadas, que até aqui têm faltado por completo.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Silva Lopes, em Fevereiro do ano corrente foi nesta Câmara discutido o Acto Único Europeu, antes da sua assinatura pelo Governo.
O Sr. Deputado Silva Lopes declarou que a posição do Grupo Parlamentar do PRD era a de que a Assembleia deveria dar o seu apoio ao Governo para assinar o Acto Único. V. Ex.ª tinha certamente os elementos necessários que lhe permitiram fazer tal afirmação, pois, pelo que conheço do Sr. Deputado e pelo que aprecio a sua pessoa, não o vejo a fazer afirmações gratuitas ou não ponderadas em tais circunstâncias.
Por outro lado, coloco-lhe a seguinte questão: é do conhecimento do Sr. Deputado Silva Lopes que na maioria dos outros Parlamentos não houve um debate prévio à assinatura do Acto Único e que aqui em Portugal, na Assembleia da República, esse debate se efectuou?
Pergunto ainda ao Sr. Deputado Silva Lopes se as considerações que fez sobre a falta de informações da Assembleia sobre o Acto Único não resultarão da circunstância concreta de os senhores deputados não terem solicitado informações objectivas, precisas e atempadas sobre este assunto ao Governo.
É que vi muitas vezes, na Comissão de Integração Europeia, serem formuladas questões de carácter meramente geral, mas, pelo contrário, não vi serem colocadas questões objectivas, precisas e concretas.
Finalmente, Sr. Deputado Silva Lopes, quanto às perguntas que agora fez ao Governo sobre esta matéria, não entende V. Ex.ª que elas correspondem, no fundo, a decidir aqui e já uma negociação que está prevista ser realizada até 1992 e que, se porventura tivesse ou pudesse ter uma resposta nesta altura, isso seria limitar totalmente a nossa capacidade negocial que o Governo irá desenvolver da melhor maneira no decorrer desse prazo?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente, no sentido de saber
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quanto tempo ainda disponho e para pedir se a Mesa me poderia inscrever, porque julgo que a intervenção do Sr. Deputado Silva Lopes merece resposta.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª dispõe ainda de vinte e cinco minutos. A Mesa tomou nota da sua inscrição.
Para responder, tem a palavra o. Sr. Deputado Silva Lopes.
O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Deputado Guido Rodrigues, a sua primeira questão relaciona-se com o facto de o PRD ter dito em 7 de Fevereiro que estava de acordo com o Acto Único Europeu e de levantar agora todas estas questões.
Suponho que o Sr. Deputado não esteve com atenção ao meu discurso...
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Estive, estive!
O Orador: - Então se esteve com atenção verificou que no meu discurso já dei resposta a esta sua questão, pelo que não vale a pena estar aqui a repetir-me.
No discurso que proferi voltei a dizer que estamos suficientemente bem informados acerca dos princípios que estão contidos no Acto Único Europeu. Não temos é informação satisfatória a respeito das modalidades da sua execução, e para o demonstrar coloquei um certo número de questões para as quais não tenho resposta. Gostaria de saber se o Sr. Deputado as tem, porque se as tiver e se mas quiser fornecer, agradecia!
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Silva Lopes, efectivamente há muitas questões em relação às quais não tenho resposta, mas pergunto ao Sr. Deputado se só obteve as informações que possui através dos serviços da Assembleia da República. Na realidade, o Sr. Deputado não teve informações fornecidas pelo Governo ao longo da variadíssimas trocas de impressões que teve com ele?
O Orador: - Sobre o Acto Único Europeu, não, Sr. Deputado. As únicas informações que o Governo forneceu sobre o Acto Único foram as que estão contidas nos discursos do Primeiro-Ministro e do Ministro dos Negócios Estrangeiros na sessão de 7 de Fevereiro, e devo dizer que reli com muita atenção os dois discursos e que fiquei com uma grande sede de informações adicionais que, por enquanto, não possuo.
Além disso, como referi, fiz uma comparação entre essas duas informações e as que foram prestadas nos Parlamentos de outros países e encontrei uma diferença abismal, como se pode constatar pela tal documentação que obtivemos.
O Sr. Deputado Guido Rodrigues disse ainda que nos outros países não houve debate prévio sobre o Acto Único Europeu. Realmente sobre essa matéria nada sei, admito que não tenha havido, mas o que digo é que as condições em que se realizou aqui o debate prévio também não foram satisfatórias.
Recebemos o texto do Acto Único Europeu alguns dias antes da sessão na qual ele foi debatido e a Comissão de Integração Europeia não teve tempo de proceder a uma análise capaz das disposições do Acto Único. Já nessa altura o Governo nos colocou perante um facto consumado e nos obrigou a uma declaração apressada, tal como sucede agora.
O Sr. Deputado referiu ainda que se não temos informações, foi porque não as pedimos. Sobre isto gostaria de dizer que não temos informações porque o Governo não as deu e não tivemos tempo de as pedir.
É que se o Governo nos tivesse dado pelo menos um mês, mês e meio, entre o momento em que solicitou a ratificação e o momento da sua discussão aqui na Assembleia da República, teríamos certamente corrigido essas afirmações.
Aliás, já tínhamos pedido ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para ir hoje à Comissão de Integração Europeia, admitindo que a discussão seria um pouco mais tarde, lá para Janeiro. Depois, verificámos que a discussão tinha de se efectuar hoje e por isso não tivemos sequer oportunidade de lhe pedir informações sobre o Acto Único Europeu.
Quanto ao problema referente ao mercado interno, o Sr. Deputado diz que a resposta às questões que coloquei implicaria que o Governo definisse já a sua posição sobre negociações que decorrerão daqui até 1992, o que limitaria indevidamente a capacidade de negociação do Governo.
O Sr. Deputado teria razão se eu tivesse feito perguntas sobre todas as medidas que terão de ser decididas até 1992. Mas as questões que coloquei referem-se essencialmente a medidas que já foram tomadas, sob cujo conteúdo nada sabemos.
As perguntas que coloquei referem-se nomeadamente aos movimentos de capitais e às discussões que estão em curso respeitantes à livre concorrência no domínio dos transportes aéreos e marítimos. Isto são coisas que se estão a passar agora, não são coisas que se vão passar em 1992, e sobre isto alguma informação que temos é a que colhemos nos jornais. Sobre isto e sobre tudo o resto, porque, de facto, o Governo não nos dá qualquer informação sobre as negociações que estão a decorrer na CEE.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Crespo.
O Sr. Victor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O Acto Único Europeu, que introduz alterações aos tratados das Comunidades, vem hoje, pela segunda vez, à discussão desta Câmara.
A sua primeira análise teve lugar em Fevereiro passado. Nessa altura, o Governo tomou a iniciativa de suscitar o debate do Acto Único, antes de proceder à sua assinatura, munindo-se da posição prévia dos diferentes partidos políticos, no que revelou uma postura totalmente transparente e inteiramente dialogante.
Porque então tudo foi dito e esclarecido, resta-me apenas dizer algumas palavras, que têm por finalidade realçar a importância das alterações introduzidas ao Tratado de Roma, e exprimir a vontade do Partido Social-Democrata em participar activamente na construção da Europa.
Europa que deseja reencontrar a sua grandeza secular; que é berço dos grandes movimentos culturais; que deu forma ao progresso de que desfrutam todos os povos; pátria de pensamento e sede de grande parte
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do desenvolvimento científico e tecnológico. Hoje, quando outras regiões e continentes disputam aquela liderança no progresso, é necessário criar condições para transformar de novo a Europa num espaço privilegiado que lhe permita continuar a dar o seu contributo ímpar para o progresso da humanidade, para que seja um lugar cimeiro na procura de um futuro que responda às aspirações da juventude, para que concorra na definição das escolhas que se impõem no limiar do novo século.
Para que assim aconteça, é necessário ultrapassar divisões e dar um novo impulso à construção de uma Europa unida.
No debate de Fevereiro ficou bem clara a posição maioritária da Assembleia em favor da integração europeia e da revisão dos tratados. Nem outra coisa seria de esperar, sabendo-se que há na sociedade portuguesa um largo consenso em favor da adesão às Comunidades, do qual apenas se exclui o Partido Comunista Português.
Tendo em conta o que então se passou, o debate de hoje seria quase supérfluo, não fosse o caso de competir à Assembleia da República decidir sobre a ratificação do tratado que constitui o Acto Único Europeu. Importa, porém, que o façamos com a solenidade e a praxe que são próprias dos grandes acontecimentos.
Em Fevereiro, hoje e sempre que houve lugar para nos pronunciarmos, o PSD manifestou a sua posição favorável às alterações introduzidas nos tratados das Comunidades Europeias.
As razões da nossa posição temo-las abundantemente explicitado e são bem conhecidas, pelo que se tornaria ocioso elencá-las mais uma vez.
Do debate de Fevereiro até hoje, nada aconteceu que pudesse alterar o nosso ponto de vista. Pelo contrário, só o vimos reforçado. De facto, no momento da primeira discussão do Acto Único ainda subsistia a dúvida quanto à intenção da Dinamarca em vir a subscrevê-lo ou não, o que acabou por ser esclarecido da forma mais cabal e positiva, através de uma consulta popular, num referendum, em que os Dinamarqueses deram o seu voto favorável às reformas propostas. E de tal maneira que foi o Parlamento Dinamarquês o primeiro a ratificar o tratado de reforma institucional da Comunidade Europeia.
Outras reservas que, por aqui ou além, existiam soçobraram após a decisão do Folketing.
A ideia que domina é a de que o Acto Único e a alteração do Tratado de Roma é a necessária, embora não muito profunda.
Alteração que tem por objectivo dar maior operacionalidade à Comunidade Europeia, imprimindo-lhe uma maior dinâmica e dando-lhe o rejuvenescimento que se impunha.
O que se consegue pela introdução de uma maior flexibilidade no funcionamento das instituições existentes, que facilita a tomada de decisões, pelo reforço da colaboração com o Parlamento Europeu e pela introdução de novas políticas e realizações comunitárias.
Propõe-se a criação de um grande mercado interior até 1992, fomenta-se o desenvolvimento científico e tecnológico e estabelecem-se os princípios de uma cooperação europeia em matéria de política externa, visando a sua crescente harmonização.
A simples constatação do modo de funcionamento da Comunidade, a observação das suas sucessivas crises de crescimento e até mesmo a nossa experiência comunitária dão bem a medida de que era necessário fazer alguma coisa, criar um novo étan, evitar o que alguns chamaram de «euroesclerose», que resultou da própria evolução das Comunidades, em certa medida do seu sucesso, dos sucessivos alargamentos e também das mudanças profundas que se operaram nas sociedades contemporâneas mais avançadas. Ou se dava um salto qualitativo ou se caía numa degradação progressiva, que todos queriam evitar. Assim nasce a declaração do Luxemburgo, a declaração solene de Stuttgard e o Projecto de Tratado da União Europeia, animado por Altiero Spinelli.
As objecções e reticências que se manifestaram relativamente ao Acto Único não tinham a ver com o reconhecimento das suas necessidades, mas tão-somente com o saber até que ponto se devia progredir. Para uns, ficou-se aquém do que seria desejável; para outros, foi-se mais longe do que se devia.
Porém, o compromisso final a que se chegou é, em nosso entender, a justa medida. Não é só o possível, mas também o desejável. E é também esta a conclusão que se recolhe dos debates de ratificação havidos nos diversos parlamentos.
O progresso das instituições, para ser real e duradouro, não pode desligar-se da possibilidade de o materializar sem resistências disruptivas ou apreensões generalizadas. É tão inconveniente ir devagar de mais como depressa de mais.
Esta posição, que também partilhamos, é particularmente sensata para o caso português.
O Acto Único consagra um princípio que para nós é extremamente rico de consequências -o da coesão económica e social- que vai permitir, através do adequado uso das intervenções estruturais, que possamos atingir no termo do período de adesão uma situação de desenvolvimento próximo do de outros países comunitários.
Precisamos, no entanto, de utilizar nas melhores condições essas possibilidades e aproveitar ao máximo o seu impacte positivo. Não aceitamos uma Europa a duas velocidades. Somos europeístas, mas também somos euro-realistas.
Se, ao mesmo tempo que fazemos um grande esforço de adaptação interna às Comunidades, tendo em conta o nosso atraso relativo, tivéssemos de arcar com as dificuldades adicionais resultantes de um processo inevitavelmente complexo e de uma reestruturação institucional profunda do funcionamento dos mecanismos da própria Comunidade, a nossa tarefa seria um pouco mais árdua.
Os nossos interesses estão devidamente salvaguardados com a revisão dos Tratados, com a nova dinâmica e operacionalidade que dela resulta e ainda com o alargamento a novas políticas e actividades. Coisa diferente seria defendermos, neste momento, uma modificação mais profunda na Comunidade Europeia quer na sua orgânica, quer ainda na sua composição.
Apoiamos a revisão do Tratado de Roma por a considerarmos adequada e por entendermos que ela permite uma integração sem dificuldades de mais que nos ajude a conseguir a modernização e desenvolvimento do País, tal como o desejamos e definimos, aproveitando as ajudas comunitárias de que podemos dispor, sem embargo de continuarmos a lutar por um empenhamento cada vez maior dos nossos parceiros no âmbito dos princípios da coesão económica e social, ou seja, das políticas estruturais. Só assim se conse-
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guirá realizar o mercado interior, «o espaço sem fronteiras interiores no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurado».
Isto dito, importa acrescentar que o PSD considera o Acto Único como um primeiro passo, uma primeira reforma, de um processo que deve levar a uma institucionalização progressiva da União Europeia, procurando novos caminhos e estabelecendo outros mecanismos e processos de melhoria institucional da Comunidade na direcção de uma Europa mais coesa e politicamente mais integrada, o que importa fazer reflectir já nas nossas eleições para o Parlamento Europeu, que irão decorrer no próximo ano.
Somos dos que acreditam na Europa e não vêem na concretização da União Europeia qualquer perigo para a manifestação plena da independência nacional. Nos tempos modernos, esta consegue-se melhor em cooperação do que pelo isolamento.
Somos dos que acreditam na importância de muitas das organizações multilaterais que surgiram no pós--guerra, naquelas que, tendo por base o respeito pela dignidade do homem, têm dado um precioso contributo para a paz, para o desenvolvimento e para a compreensão entre os povos.
A Comunidade Europeia, embora seja uma organização que visa essencialmente objectivos de natureza económica -agora de âmbito mais alargado após o Acto Único-, tem mesmo assim, em nossa opinião, a seu crédito uma boa quota-parte na eliminação de antagonismos seculares que se faziam sentir no Centro da Europa e que originaram no passado ainda não muito distante profundas e dramáticas refregas que semearam o sofrimento e a morte a milhões de cidadãos europeus.
Não há melhor antídoto para tensões e disputas do que o diálogo constante, a procura de soluções comuns, o entendimento dos povos e a compreensão das suas culturas, a cooperação política e também uma perspectiva de defesa comum.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A discussão do Acto Único e a sua ratificação têm também um significado que gostaríamos de pôr em evidência: a reafirmação e confirmação do nosso empenhamento europeu, que é salutar fazer agora que está cumprida a experiência do primeiro ano da nossa participação nas Comunidades.
Por isso, temos por inoportuno trazer para a discussão da ratificação do Tratado qualquer balanço deste ano de integração ou qualquer outra questão colateral.
Seria fora de propósito, já que não é disso que somos chamados a tratar. O que importa mais é reforçar a ideia europeia e não deslustrá-la.
Estamos de inteiro acordo em que esse balanço se faca, mas no momento próprio. Desejamo-lo, por todas as razões e ainda porque ele vai permitir demonstrar que certas ideias que alguns pretendem veicular não têm razão de ser. Esse balanço vai demonstrar que o primeiro ano de adesão decorreu de forma altamente positiva, melhor mesmo do que se poderia esperar.
Só tentativas de aproveitamento político -para nós inteiramente ilegítimas, porque ferem os interesses nacionais- poderão justificar certas análises de alguma oposição tão grosseiramente distorcidas. Uma discussão desta natureza, que se quer aprofundada, confundida com o momento de aprovação do Acto Único, tem inevitavelmente efeitos perversos e -diria mesmo - antinacionais, por poder diminuir a nossa força negocial. Não será de mais desejar a coesão e a postura comuns na frente externa dos que defendem os mesmos objectivos. Importa ter presente que os trabalhos da Assembleia do dia de hoje serão analisados pelos nossos parceiros, tal como nós o fizemos relativamente aos debates nos outros parlamentos e como o reconhecem aqueles mesmos que desejaram mais tempo para o debate, com o argumento de que não se fosse pensar externamente que dávamos pouca importância a um acto de tal relevância.
Não julgamos próprio o momento para discutir questões de intendência, não apenas pela razão apontada, mas essencialmente porque fazemos da integração europeia algo de muito mais do que uma operação de deve e haver.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não deixa, porém, de vir a propósito que faça agora um comentário sobre as condições políticas do sucesso da integração.
Todos os que defendem a integração na CEE e até mesmo os que se lhe opõem sabem que a participação na Comunidade Europeia e a forma como ela decorrer ditarão o nosso futuro por alguns anos.
Para o sucesso da integração são cruciais e determinantes os anos de transição - não o primeiro ou o segundo, mas o conjunto de todos eles. É necessária uma acção programada de adaptação de estruturas, de remoção de bloqueios, de normalização de regras, de criação de novos mecanismos, de destruição de desequilíbrios de toda a natureza; numa palavra, modernização.
As declarações de intenção europeísta ficariam vazias de sentido e seriam mesmo enganosas se não fossem levadas a todas as suas consequências.
Em nosso entender, não satisfaz o interesse nacional tentar, a todo o custo e a qualquer preço, procurar engendrar climas de crise, anunciá-los e perturbar a estabilidade necessária para a tomada de medidas essenciais e inevitáveis nos campos económico e social.
Não satisfaz o interesse nacional procurar impedir a reestruturação do aparelho produtivo, que, de qualquer modo, terá de se fazer, senão pelo nosso querer, pela imposição externa no desenvolvimento de compromissos comunitários que voluntariamente assumimos.
Não satisfaz o interesse nacional não criar condições de competitividade que permitam a penetração dos nossos produtos nos mercados externos e permitam à produção portuguesa a satisfação da maior parte das necessidades do mercado interior.
Não satisfaz o interesse nacional que se inutilizem anos de adesão através de obstruções à actividade governativa ditadas pela mera procura do poder ou satisfação de ambições.
Os anos de 1986-1992 são anos da História. Não nos furtaremos a ser julgados pela maneira como os soubermos viver politicamente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata dá o seu apoio à ratificação do Acto Único Europeu, como já tivemos ocasião de declarar na discussão-debate de Fevereiro.
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Mas não nos ficamos por aqui. Proclamamos a nossa disponibilidade para colaborar, durante todo o período de adesão, nas iniciativas que façam da integração na Comunidade um sucesso, por estarmos certos de que dessa maneira estamos a preparar um futuro mais próspero e mais consentâneo com a história, cultura e valor do nosso povo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Lopes Cardoso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Victor Crespo falou do sucesso da integração e elogiou toda a integração de Portugal na CEE, o que pressupõe que V. Ex.ª está devidamente informado sobre tudo o que diz respeito à nossa integração, nomeadamente sobre o balanço destes meses após a adesão de Portugal à Comunidade.
O Sr. Deputado Victor Crespo ouviu claramente o Presidente da Comissão Parlamentar de Integração Europeia suscitar uma série de dúvidas, que colocou serenamente quando falou da tribuna.
Julguei que V. Ex.ª iria talvez dar resposta a essas dúvidas levantadas pelo Sr. Deputado Silva Lopes, tanto mais que declarou, logo de início, que este debate é quase supérfluo e desnecessário, porque já em Fevereiro tivemos aqui um debate. E, Sr. Deputado, já que se fala tanto do debate de Fevereiro, seria também conveniente ler o relatório da Comissão de Integração Europeia dessa altura e ver em que condições é que esse debate se fez. Também apareceu aqui, na Assembleia da República, a trouxe-mouxe e em cima da hora. Convém ler esse relatório, que está assinado pelo relator, Sr. Deputado Melo Alves.
Na realidade, o Sr. Deputado não deu esclarecimentos sobre as dúvidas que todos têm, algumas das quais já foram lançadas aqui.
Parece também que, com o devido respeito, o Sr. Deputado está em contradições com as declarações do Sr. Ministro, quando este afirma que, perante os problemas novos suscitados, é necessário haver um cada vez mais estreito diálogo com a Assembleia da República, que não tem na realidade existido. Se o Sr. Ministro diz isto e V. Ex." afirma que o debate até é supérfluo e desnecessário, há aqui, na minha opinião, uma boa contradição.
V. Ex.ª parece estar bem informado sobre determinadas questões, pelo que lhe colocaria uma questão e repetiria algumas das questões que coloquei ao Sr. Ministro.
Coloco-lhe, por exemplo, a seguinte questão: V. Ex.ª está devidamente informado sobre as consequências que vão decorrer para Portugal e sobre o que está a ser feito para fazer face a esses desafios com a construção do grande mercado interno até 1992? Coloquei esta pergunta ao Sr. Ministro, o qual teve a bondade de me responder a várias questões, mas não teve possibilidade de me responder a esta. Julgo, porém, que, como o Sr. Ministro ainda se encontra presente e o Sr. Secretário de Estado também está cá, iremos com certeza tocar nesta matéria.
Entende ou não o Sr. Deputado, por exemplo, que a construção desse grande mercado colocará graves problemas a uma economia enfraquecida como é a nossa? O que é que, nomeadamente, o Governo está a fazer nesta matéria?
Já agora, gostaria também de saber se está ou não informado sobre outras matérias. Nomeadamente, no que diz respeito à questão do veto, gostaria de saber se está ou não em funcionamento e quais são as consequências ou não consequências. Ë tudo brilhante, Sr. Deputado? Há ou não situações graves quando se passa para uma maioria qualificada e não para a regra da unanimidade, como até agora acontecia?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado Victor Crespo, permitir-me-á que comece por lhe dizer que, tanto quanto me decepcionou a intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, apreciei a sua intervenção. E, quando digo que a apreciei, digo-o sinceramente, não obstante, obviamente, não estar de acordo com tudo o que o Sr. Deputado disse.
Creio, porém, que o Sr. Deputado fez o seu discurso colocando as questões ao nível em que elas devem ser colocadas neste debate e recusando-se - do nosso ponto de vista, muito bem - a cair na pecha, em que caiu o Sr. Ministro, de tudo reduzir a uma questão de intendência. O Sr. Ministro veio aqui alinhar com aqueles que da Europa têm a concepção de que a Europa são os fundos e é um mero problema de intendência o de trazer-nos aqui o balanço, traduzido, no fundo, numa conta mal feita de mais ou menos 30 milhões de contos. Digamos que o Sr. Deputado fez o discurso que em nosso entender o Sr. Ministro deveria ter feito.
Quem tivesse entrado de supetão nesta Sala sem saber os últimos desenvolvimentos da política portuguesa ter-se-ia sem dúvida interrogado sobre se porventura, ao ouvi-lo, não teria tido já lugar a tão falada, retomada e adiada remodelação ministerial.
Dito isto, e passando à questão concreta que quero colocar-lhe, se bem entendi, embora de forma mais mitigada, também o Sr. Deputado colocou a questão em termos de que teria sido desejável ir mais longe no Acto Único. A questão que lhe coloco é a de saber em quê, como e onde, em seu entender, se poderia ou deveria ter ido mais longe no Acto Único.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Crespo.
O Sr. Victor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por cumprimentar simultaneamente os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Lopes Cardoso por me terem dado possibilidade de responder a algumas questões e até pela forma elegante como colocaram as questões.
À parte disso, tenho de fazer um protesto em relação ao Sr. Deputado Lopes Cardoso por estar a procurar fazer insinuações que não têm nenhum sentido fazer neste ou noutro local e que, aliás, até contradizem a postura que o Sr. Deputado Lopes Cardoso tomou, ao dizer que este debate deveria ser colocado a um nível elevado, como o tem sido em todas as intervenções que foram feitas, embora, obviamente, discorde de muitos aspectos da intervenção do Sr. Deputado Silva Lopes.
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Respondendo ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, informo-o de que não sei tudo sobre a Comunidade, nem ninguém sabe tudo sobre ela. Se leu atentamente, como presumo que leu, aquele dossier que tivemos ocasião de ler, verificou que ninguém sabe tudo sobre a Comunidade e que alguns, pertencentes até a parlamentos mais apetrechados do que o nosso, se queixam disso.
Mais: seria um absurdo total saber tudo sobre a Comunidade, o que significaria que ela estava rígida, moribunda, senão morta já neste momento.
Quanto à questão das condições em que se fez o debate, elas foram, Sr. Deputado, as condições suficientes para um debate dessa natureza.
Recusei-me - e disse-o expressamente - a analisar todas as consequências para o dia-a-dia de uma negociação perene que se trava na Comunidade. Toda a gente sabe que é natural que tenhamos de discutir o dia-a-dia da Comunidade.
Coloquei-me, porém, uma postura política dos grandes princípios e da Constituição, postura que é aceite por todos os parlamentos e todos os debates que tivemos ocasião de travar. Nas línguas europeias que sou capaz de perceber - e ainda são algumas - verifiquei que em quase todos os debates a postura era idêntica: a de que o Acto Único era um documento razoável, embora não o último, pois era parte de um processo no caminho para uma unidade da Europa, que se vai fazer progressivamente. E julgo que até expliquei a maneira como ela deveria ser feita.
É óbvio que, se a tentássemos fazer de supetão, procuraríamos arranjar situações de tal maneira desagradáveis para a Europa que, em vez de a melhorarmos, destruí-la-íamos. De resto, isso mesmo foi admitido por Spinelli, que aceitou que o Acto Único era, afinal, a melhor solução do momento, que iam procurar tirar-lhe todas as potencialidades e que não desistiam, como eu próprio confessei não desistir, de progredir no sentido de uma maior integração. E essa é a posição de que comungam todos os europeístas de todo o pêlo e de todos os azimutes.
Não há, de forma alguma, uma contradição com aquilo que o Sr. Ministro disse. O Sr. Ministro explicou mesmo por que é que tinha referido algumas questões de intendência, porque isso tem sido suscitado pelos grupos parlamentares e ele veio apenas ao encontro - estou a socorrer-me das palavras do Sr. Ministro - da própria vontade daqueles. Não percebo como é que se é criticado por vir ao encontro da vontade e dos desejos dos grupos parlamentares e se é criticado quando eventualmente isso não se possa fazer.
Em relação às consequências do mercado interno, elas têm de ser negociadas pouco a pouco e em colaboração com a Assembleia da República, com os outros Governos dos países comunitários e - embora não seja correcto empregar-se aqui a palavra «colaboração» - com o evoluir da sociedade, e negociadas num prazo cujo termo é, como o próprio Acto Único prevê, o ano de 1992. E devo dizer que - e não há puridade, porque é em público - pouca gente acredita que cheguemos lá em 1992. Esta é uma meta aproximativa, mas todos nós estamos interessados em chegar lá o mais depressa possível.
Quanto ao Compromisso do Luxemburgo, tenho a mesma posição que o Sr. Ministro já indicou - a de que ele existe -, pelo que não vale a pena estar a perder mais tempo com esta questão.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, de saber até onde se pretenderia ir mais longe, disse expressamente que se trata de ir até à União Europeia.
Mas não me pergunte quando: será à medida que for possível, sem criar tensões disjuntoras - julgo que foram as palavras que utilizei - ou apreensões generalizadas.
Aplausos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pretende interpelar a Mesa?
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Não é propriamente para interpelar a Mesa, Sr. Presidente. O Sr. Deputado Victor Crespo, simultaneamente à resposta que teve a amabilidade de dar à questão que lhe formulei, esboçou também um protesto em relação à minha intervenção. Face a esse protesto, gostaria de dar uma explicação ao Sr. Deputado Victor Crespo.
O Sr. Presidente: - Aquele protesto não é bem uma figura regimental. Mas não vejo inconveniente em dar a palavra ao Sr. Deputado, tanto mais que ainda dispomos de algum tempo.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
A explicação que eu queria dar ao Sr. Deputado é a de que não fiz qualquer insinuação. Fiz isso sim, uma afirmação muito clara: afirmei que o Sr. Deputado fez aqui o discurso que era legítimo esperar, por parte da Câmara, fosse feito pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Os discursos foram feitos, estão gravados, foram ouvidos e cada um poderá ajuizar do sentido que subjaz à minha afirmação, isto é, cada um poderá, desse modo, analisar se, na realidade, não foi o Sr. Deputado Victor Crespo que fez aqui o discurso que deveria ter sido feito pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inquestionável que as alterações ao Tratado de Roma que nos são presentes para ratificação vão ter influência significativa, quer para as Comunidades Europeias, quer nas consequências que resultam da integração do nosso país.
Isto era suficiente para que o Governo, até para reforçar o poder negocial, tivesse tido um comportamento e um relacionamento bem diferente com a Assembleia da República.
Mas, o Governo preferiu os factos consumados. A apressada apreciação, aqui realizada em 7 de Fevereiro, do projecto do Acto Único Europeu foi feita depois de concluídas as negociações e sem que o Governo se dignasse acompanhá-lo por documentação explicativa mínima.
Agora, passados dez meses, o Governo vem pedir a esta Assembleia da República que, de supetão, ratifique de cruz o Acto Único, sem sequer acompanhar o pedido de uma exposição de motivos, da explicação das alterações, nomeadamente em relação ao mercado interno, da avaliação das consequências e das modalidades da sua aplicação.
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Era o mínimo que se poderia exigir de um governo responsável que, com vantagem para si e para o País, quisesse a intervenção e o acompanhamento activo da Assembleia da República.
Os pedidos de ratificação feitos pelos vários governos da CEE, como já foi aqui afirmado, foram precedidos de documentação circunstanciada e explicativa das alterações, como se pode verificar nos relatórios já publicados. ,
A atitude do Governo é inadmissível.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O PCP apresenta o seu protesto por mais este comportamento do Governo, que, objectiva e propositadamente, subalterniza a Assembleia da República em matéria de inegável interesse nacional.
A Assembleia da República tem o direito e o dever de acompanhar, intervir e fiscalizar o processo de integração e a aplicação do Acto Único ao nosso país. Tem o dever de exigir que o Governo Português saiba e queira reforçar a posição negocial no Conselho - para obter compensações e derrogações efectivas face as consequências da sua aplicação.
Em tal matéria é imprescindível a prestação de informação rigorosa e verdadeira por parte do Governo, quer a este órgão de soberania, quer à opinião pública, é imprescindível a cooperação institucional, a real participação das forças sociais e económicas, sem discriminações de ordem política ou ideológica, na definição das orientações a assumir e no controle das medidas comunitárias.
Acto Único exigia, agora, precisamente no momento da sua ratificação, um debate sério e aprofundado. O Governo impediu-o quer na inexplicável demora com que o apresentou à Assembleia da República, quer pela não prestação de informações indispensáveis sobre um texto que não é nem fácil, nem linear, mas sim «confuso e até ambíguo».
Aliás, esta foi também a opinião expressa por um deputado do PSD ao Parlamento Europeu. Veremos se com a apreciação que fez não será também desautorizada pelo Sr. Primeiro-Ministro!
Srs. Deputados, as repercussões do Acto Único têm a ver, por um lado, com a extensão das matérias que serão decididas pelo Conselho por maioria qualificada e, por outro, com a realização de novas políticas, sobretudo com a abertura do Mercado, isto é, com a realização do mercado interno único até 1992.
A extensão da tomada de decisões do Conselho por maioria qualificada não é estranha à integração de Portugal e da Espanha é às concepções da «Europa a duas velocidades» e aos interesses dos países do Norte.
Com esta alteração, são os pequenos países, os países de economia mais débil, e os sectores sensíveis e vitais das suas economias que se encontram prejudicados.
Matérias em que era exigida a unanimidade - livre estabelecimento de profissões não assalariadas, livre prestação de serviços, movimento de capitais, liberalização dos transportes marítimos e aéreos - passa a ser exigida somente a maioria simples. Em contraste, as decisões sobre a livre circulação de pessoas, a que era exigida maioria simples, passa a ser exigida maioria qualificada.
Por sua vez, com a realização do mercado único é inegável que aumentam as vantagens dos «países ricos» e que se acentuam os factores negativos para a nossa economia, nomeadamente para os sectores mais sensíveis e vitais.
Abstractamente, os textos comunitários afirmam que a chamada coesão económica e social deveria preceder a abertura do mercado interno. Mas o Acto Único não a garante, nem garante a superação das disparidades regionais.
De um lado, temos a realidade das centenas de medidas já preparadas pela Comissão para a realização do mercado único, com metas calendarizadas e meios vinculativos, em maioria qualificada.
De outro, temos algo de vago, uma espécie de voto pio. O artigo 130.º-A do Acto Único não diz, por exemplo, que a Comunidade reduzirá a diferença entre as regiões, mas sim que a Comunidade procurará reduzir...
É sabido que a ineficácia dos fundos chamados estruturais se agravou com o alargamento à Espanha e a Portugal e com a acentuação das dificuldades financeiras e orçamentais da CEE.
O Relatório da Comissão do Orçamento do Parlamento Europeu diz textualmente: «O Acto Único define uma série de objectivos políticos e de novos domínios de actividade para a Comunidade em matéria de coesão económica e social, de política social, de investigação tecnológica e do meio ambiente [...] Mas», e continuo a citar, «não se preocupa entretanto sobre as incidências financeiras dos novos sectores de intervenção.» E acrescenta: «Esta carência é particularmente grave e condenável porque se vem juntar a uma situação de asfixia financeira que paraliza o funcionamento normal das políticas comunitárias já em vigor.»
Em relação ao FEDER, por exemplo, a Comissão dos Orçamentos considera que a programação financeira até 1990 representa uma diminuição real das despesas, contrária à declaração de intenção relativa ao artigo 130.º-D.
Por sua vez, a Comissão dos Assuntos Sociais e do Emprego - e cito - «consta infelizmente que o Acto Único não traduz um verdadeiro progresso na política social comunitária», e a Comissão do Ordenamento do Território diz mesmo que «o Conselho tende a realizar economias nos fundos estruturais, perdendo de vista o objectivo fundamental da luta contra as disparidades regionais».
Quanto ao emprego, a Comissão dos Orçamentos põe mesmo em dúvida que o «grande mercado sem fronteiras» e a «Europa das tecnologias» tenham efeitos positivos sobre este. Mas, se tiverem, diz a Comissão, «só os países mais industrializados e avançados beneficiarão».
Srs. Deputados, perante o reforço da supranacionalidade que o Acto Único veio introduzir e face ao quadro exposto, era de todo o interesse que o Governo Português nos informasse se, atendendo aos interesses dos emigrantes portugueses, pensa ou não que a nova redacção do artigo 39.º é susceptível de prejudicar a realização do princípio da livre circulação, se se pronuncia pela necessidade de manter em relação aos fundos os critérios de concentração geográfica e se considera que deve ser definida quanto antes a aplicação do novo artigo 8.º-C com vista à defesa dos sectores vitais da nossa economia. A lista das questões a colocar é longa, mas ficarmo-nos por aqui, visto que a maioria já hoje foi aqui formulada.
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Mas consideramos lesivo do interesse nacional que o Governo não tenham aproveitado o reforço do poder negocial, obtido com as negociações do Acto Único, para renegociar os aspectos mais lesivos dos acordos com a CEE e que apareça aqui com factos consumados.
Não é com a propaganda, com a falta ou falsas informações que o Governo anula as consequências da adesão e a sua acção no Conselho.
O Governo sabe que a Assembleia da República desconhece ainda qual a contribuição financeira deste ano de Portugal para a CEE - ainda hoje isso foi aqui perguntado e não obtivemos resposta. Sabe que o saldo que tem apresentado entre recebimentos e pagamentos é bem inferior àquele que apresentou no Orçamento de 1986 e que tem anunciado oficialmente. Sabe que as autarquias, até Outubro, dos 7 milhões anunciados pelo Governo só tinham recebido l milhão.
O Governo não desconhece que os produtores de tomate viram apodrecer na terra uma boa parte da sua colheita, que, passado um ano, não há qualquer decisão sobre a expansão e modernização da siderurgia, enquanto cerca de 40 milhões de contos de maquinaria se encontra encaixotada a deteriorar-se.
O Governo sabe, por exemplo, que empresas produtoras de estanho (neo-estanho) viram os seus resultados, com a adesão, passarem de positivos a negativos, que a indústria electrónica se encontra em dificuldades, que cerca de 90% das empresas portuguesas de calçado começam a defrontar-se, mesmo a nível interno, com a concorrência estrangeira, que, segundo o representante do IAPME1 no Algarve, com a adesão, a indústria conserveira algarvia poderá extinguir--se a curto prazo.
O Governo devia ter consciência de que, ao nada propor para as embarcações de pesca com menos de 9 m, está a impedir qualquer hipótese de financiamento pela CEE em relação à pesca artesanal, que a negociação do acordo multifibras vai criar maiores dificuldades aos exportadores têxteis, tendo perdido uma boa ocasião para pôr em causa o regime de quotas a que se encontra submetida esta indústria.
O Governo não desconhece também que neste primeiro ano de adesão se agravou o défice comercial com a Espanha e com a CEE. Mas, apesar de tudo isto, o Governo aparece aqui irresponsavelmente sem explicações convincentes e pedindo urgência.
Ora, com o Acto Único, a CEE que Portugal encontrará após o período transitório não será a mesma que existia no momento da celebração do Tratado de Adesão. A construção do «grande mercado» colocará ainda mais graves problemas a uma economia atrasada como a portuguesa e as disposições de carácter institucional serão de aplicação imediata.
Não haja dúvidas de que a aplicação das teses ultraliberais que inspiram o Acto Único não visa defender os «pequenos países» da Comunidade, mas são sim uma defesa dos «grandes países» da Comunidade a 10 face ao alargamento.
Por isso, é nosso entendimento que a ratificação do Acto Único deveria ser pelo menos acompanhada de uma declaração complementar, sob a forma de projecto de resolução, que enquadrasse a interpretação e o entendimento da AR, não só quanto ao alcance e significado de algumas disposições, como vinculasse o Governo à prestação atempada das informações necessárias quanto ao processo da sua aplicação.
Nós continuamos a pensar que a defesa do interesse nacional é ditada pelo povo português e não pela «Europa de Bruxelas».
Para nós a soberania nacional é indivisível e a independência nacional é inalienável.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a fim de conjugarmos os interesses da Assembleia com os do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que tem de se ausentar dentro de alguns momentos, vamos interromper os nossos trabalhos, ficando com a palavra reservada o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Está, pois, suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Morara (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto decorriam os trabalhos sobre a ratificação do Acto Único Europeu, fui recordando as palavras amargas que Ortega escreveu em 1952, quando lhe parecia já evidente que a Europa estava a perder a função directora do Mundo em que lhe aconteceu a ele viver: «se o europeu se habitua a não mandar, bastará geração e meia para que o velho continente, e atrás dele o mundo inteiro, caia na inércia moral, na esterilidade intelectual e na barbárie total». Abstraindo da violência do estilo que brotava da angústia pessoal, a lucidez do escritor mostrava a consciência aguda de que uma estrutura mundial tinha desabado sem projecto de substituição, que dificilmente seriam absorvidos os marginalismos consequentes, e que a maneira de ser Europa, que conhecera e vivera, tinha chegado ao fim. Mas um fim, tantas vezes repetido, de apenas um sistema político e não o desastre definitivo de uma cultura nem da capacidade de produzir novos desígnios, nem da vontade de reorganizar o convívio dos seus povos, e destes com o mundo que descobrira, que unificara, que tinha governado, e que finalmente a desafiava, obrigando-a a reencontrar-se e a definir uma nova maneira de estar no mundo. O Acto Único Europeu, que motivou este debate, é um passo numa marcha que ainda será longa, porque ele não abrange a Europa toda, não inclui toda aquela que corresponde à definição de valores que proclama, nem aquela que está violentamente impedida de proclamar os mesmos valores. A nova maneira de ser Europa está longe de uma definição, e por isso mais devemos reverenciar a coragem dos que não desistiram quando tudo parecia perdido, aproveitando o seu realismo para avaliar os resultados conseguidos. Nesta avaliação parece que devemos distinguir aquilo que respeita às Comunidades, que vão constituindo a sua estrutura com experiência e prudência, e aquilo que diz respeito a Portugal, como País que enfrenta uma experiência nova. É nesta perspectiva que o debate aqui iniciado deve alargar-se a um debate nacional, já que o acidentado percurso da adesão portuguesa foi dominado por exigências políticas que não deram espaço e tempo às reflexões que este debate deve ter a ambição de
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provocar. Naquilo que se refere às próprias Comunidades, talvez seja oportuno lembrar os três documentos fundamentais que precederam o Acto Único: a solene declaração da Cimeira de Estugarda (Stuttgart) de 1983; o projecto da União Europeia de 1984, do Parlamento Europeu; o Relatório do Comité Ad-Hoc de 1985, tudo sem deixar de pôr em relevo a campanha programática do Partido Popular Europeu, em que o CDS se integra. E sublinhar ainda que a decisão que finalmente viabilizou a conclusão do Acto Único foi tomada contra a vontade de três países membros, uma novidade no sistema de integração europeia: Inglaterra, Grécia e Dinamarca.
Poderá isto significar que o sistema adquiriu uma lógica própria, que a assinatura necessariamente unânime do Acto confirma? Se esta pudesse ser uma conclusão do exame do processo, talvez devesse ser considerada a mais importante, porque seria um daqueles factos normativos contra os quais não podem, ou podem menos, teimar as ideologias, mesmo as constitucionais. Não existem, porém, neste domínio, conclusões seguras sem a confirmação da experiência posterior, e se o Acto Único aperfeiçoa um processo não pode, todavia, garantir um futuro evidentemente condicionado por variáveis exteriores que o sistema não domina.
A vontade de reconstruir a Europa, de lhe dar nova expressão e forma, a toda ela e não apenas a uma parte dela, do Atlântico aos Urais e não dos Urais ao Atlântico, continua aparecer o recurso fundamental do processo. O Acto Único é um passo, mas ainda fica pela frente uma longa marcha. Neste adiantamento da pequena Europa parece de salientar os aperfeiçoamentos estruturais: em vez do antigo método de criar novas formas organizacionais dentro da integração europeia, a consolidação das organizações existentes, agregando num só texto a Cooperação Política Europeia e as Comunidades Europeias; a alteração do princípio absoluto da unanimidade do Conselho de Ministros, pela introdução do método da maioria qualificada; o reforço da posição do Parlamento; saltou-se sobre um dos mais antigos baluartes da soberania nacional, ao definir uma estrutura legal para a Cooperação Política Europeia, com previsíveis efeitos na política internacional. Para além destes pontos estruturalmente significativos, temos um novo capítulo sobre cooperação económica e política monetária, a cooperação na investigação científica e tecnológica é intensificada, e, pela primeira vez, a política do ambiente é um objectivo das Comunidades. Visto assim, em relação à Comunidade dos Doze, e comparando o decidido com o projectado nos documentos antecedentes que lembramos, o Acto pode parecer a alguns modesto, a outros o limite possível da integração política, a cépticos que o ónus de completar o projecto do Mercado Único em 1992 pode sofrer o destino de outras obrigações calendarizadas no passado e que não puderam ser cumpridas. Mas os que se lembram de a Europa ter sido comparada a uma velha árvore que bastaria abanar para cair, e para a qual o Plano Marshall foi definido como uma estaca, podem reconhecer que o trabalho foi duro e recompensado.
Seria, todavia, irreal imaginar que a Europa livre chegou ao ponto de estar apta a responder aos desafios, que são ameaças em muitos domínios, desde a competição económica à autonomia estratégica. Pelo contrário, são pesadas as hipotecas que pesam sobre ela como um todo e dificílimas as coordenações das políticas que a ligam a tratados que aparecem sobrepostos, com fronteiras cruzadas, dependentes de centros de decisão independentes e exteriores à própria Europa. O Acto Único não é a bandeira erguida no topo da montanha, é um ferro cravado na encosta pelo escalador que não desiste.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Naquilo que porém respeita a Portugal, o acontecimento é de uma importância que exige o mencionado debate nacional: porque altera o sentido de uma política secular porque acarreta responsabilidades em domínios onde não dispomos, por isso, de qualquer experiência passada; porque é dificilmente sustentável que a resposta nacional possa ser dada se teimarmos em manter um sistema que nos esgota; porque devemos querer ser um Estado participante e não apenas uma região a reabilitar pelo auxílio alheio: e nada disto é possível com a submissão a um Estado patrimonial que nos fala constantemente das ajudas e talvez porque julga que assim suportamos civicamente melhor a dependência.
Aplausos do CDS.
No Ocidente europeu também podemos dizer, com pessimismo, que não há verdadeiramente nada de novo, naquilo que respeita à incapacidade de os Estados se assumirem com uma responsabilidade unitária e compartilhada com vontade e decisão, salvo o Acto Único.
A Grécia, que serve ao mesmo tempo de identificação da nossa cultura e de exemplo da nossa anarquia, permitiu-se dizer simultaneamente estas duas coisas: pela voz do Presidente Tsatos que «não podemos continuar a discutir eternamente o tamanho, a forma e a cor dos tomates se queremos que a ideia europeia progrida entre os povos»; e pela voz do ministro Pangalos que «reprovamos, designadamente à CEE, o estar excessivamente alinhada como EUA. Para ser um bom europeu será necessário aceitar a política nuclear da OTAN? Dissemos não desde o princípio [...] Para nós, a Espanha é o nosso 32.º cliente e o nosso 3.º concorrente! Não é possível que os fracos suportem sós o preço do alargamento, e de resto a opinião pública não o aprovaria».
O que significa que o primeiro reflexo dos europeus unidos, que dizem querer o alargamento da Europa, é sempre defenderem-se contra as novas admissões, e de condicionar o seu voto pela obtenção de contrapartidas em domínios alheios à questão de fundo.
Será isto que pensaram Weiss, Coudenhove-Kalergi, Briand, Shumann, Monnet, Gasperi, Churchill, Adenauer e até mesmo o tantas vezes pouco claro De Gaulle?
Estamos definitivamente condenados à peste branca que diminui a população europeia, ao declínio económico, ao desemprego progressivo, à desistência de acompanhar o avanço tecnológico, à dependência nos domínios da segurança e da defesa, à incapacidade de identificar um catalisador comum, à falta de espaço de manobra, à carência de fontes confiáveis de matérias-primas?
Será que Raymond Aron, ao meditar sobre a Europa moribunda, sugeria o último capítulo da obra de Spengler sobre a decadência do Ocidente?
O «Europessimismo» é sem dúvida a outra face da confiante lógica objectiva que sustenta a continuidade de projecto do agressor provável e do herdeiro presun-
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tivo que vigia de cima do Muro de Berlim. E não poderá ser eliminado sem aceitar, com Raymond Barre, que «a oportunidade da Europa é a lucidez, o trabalho e a vontade dos europeus». O voluntarismo político, sem o qual nenhum outro factor é mobilizável, mas que realmente se reconhece dificilmente para além da cortina de palavras em que se transformou o mais espesso discurso político europeu de todos os tempos.
É acreditando na permanência da paz, única garantia de que o factor tempo não faltará ao voluntarismo europeu, que pode incentivar-se a campanha no sentido de restabelecer a confiança, sem a qual a Europa não conseguirá, como necessita, harmonizar as políticas de defesa, tornar coerentes as políticas externas, assegurar que não perderá ao menos o segundo lugar nas áreas económicas e geográficas. Porque potência europeia, só existe na ficção estatística que não tem dificuldade em arrumar as partes num conjunto, faltando-lhe sempre que as vontades políticas estejam de acordo. E estas não convergiram, até hoje, no sentido de considerar globalmente o desafio económico, de considerar globalmente o interesse dos povos que habitam um território realmente definido pela decisão e acção de poderes exteriores. A consciência de ser um reduto, uma cidadela acossada, a Roma que foi obrigada a recolher as legiões sem previamente o ter decidido, não se desenvolveu suficientemente no sentido de permitir que coordenação substitue a anarquia em que se afundou, em duas guerras civis chamadas mundiais, a autoridade com que a Europa falou ao mundo durante séculos. Esperamos que o Acto Único marque um ponto de viragem.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na ocasião em que se procedeu ao debate preliminar sobre o Acto Único Europeu, e que precedeu a sua assinatura pelo Governo, o PS deixou bem claro o seu apoio às reformas introduzidas no funcionamento das Comunidades Europeias. A nossa posição não variou e, por isso, iremos votar favoravelmente a sua aprovação.
O Acto Único alarga as competência das Comunidades em matérias tão significativas como o mercado interno, a capacidade monetária, a política social, a coesão económica e social, a investigação, o desenvolvimento tecnológico e o ambiente. A cooperação política europeia reforça-se significativamente. O Parlamento Europeu e a Comissão vêem os seus poderes alargados. O sistema decisório dos órgãos comunitários liberta-se de alguns entraves que o bloqueavam. Trata-se de um aperfeiçoamento de claro sentido positivo.
Não é, porém, agora ocasião para repetir o que ficou dito no debate de 7 de Fevereiro de 1986. Para além do sentido que as alterações implicam, e que para muitos é ainda redutor de uma autêntica União Europeia, afigura-se-nos estarem adequadamente salvaguardados mecanismos para contemplar interesses vitais da economia portuguesa na fase inicial da integração, nomeadamente no que respeita à construção do mercado interno e ao papel acrescido dos fundos estruturais na coesão económica e social das Comunidades.
A elaboração do Acto Único foi um processo paralelo à decisão de alargamento, visto, aliás, por alguns como medida cautelar face ao recurso abusivo ao veto por parte de alguns Estados membros. As resistências a vencer na negociação do novo tratado vieram igualmente testar os dois novos aderentes quanto ao seu posicionamento europeu. Salvaguardando os seus interesses essenciais e uma vez assinado o documento, que não derroga o período transitório previsto no Tratado de Adesão, Portugal não teria qualquer vantagem em atrasar o processo de aprovação e ratificação, isolando--se entre os novos membros e colocando-se eventualmente no grupo dos retardatários do processo de união europeia. Várias vezes o PS chamou a atenção para este ponto e lamenta profundamente que só agora o Governo tenha trazido o assunto à Assembleia da República. Inutilmente, sem a menor inserção em qualquer estratégia diplomática consistente, acabámos por erosionar um capital importante junto dos nossos parceiros comunitários.
Qual a razão deste facto? Será o avivar do preconceito antieuropeu da campanha eleitoral do PSD em 1985, a sua investida contra a integração e a defesa, não cumprida, da renegociação da adesão? Será a consequência de, por interferência do PSD, se ter bloqueado a estruturação dos adequados mecanismos de ligação às Comunidades desde a assinatura do Tratado de Adesão até 31 de Dezembro de 1985, data de publicação da orgânica da Direcção-Geral das Comunidades Europeias e da reestruturação do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Será por, apesar de criados na legislação, tais organismos ainda não se encontrarem em funcionamento pleno? Será por se ter partidarizado a nomeação dos altos funcionários para as Comunidades? Ou será porque o Governo, assente numa solução política extremamente frágil e minoritária, não tem a capacidade para enfrentar com segurança o desafio do ajustamento estrutural necessário à entrada de Portugal na Europa? Assustado com um ritmo mais acelerado no que respeita à edificação do mercado interno e ignorando os méritos resultantes do reforço do papel dos fundos estruturais, bem como da cooperação política europeia, o Governo padeceu de um complexo neoproteccionista no que respeita ao momento de escolha para aprovação e ratificação do Acto Único, colocando Portugal na faixa menos Europeísta dos membros das Comunidades. Um erro diplomático que afecta a nossa credibilidade no interior do sistema comunitário e que, para mais, assentou numa avaliação totalmente errada das expectativas de ratificação por parte de outros Estados membros. Se estavam, como estão, salvaguardados interesses vitais no que respeita ao ajustamento faseado entre a construção do mercado único e o alargamento, nomeadamente quanto ao processo decisório, se o reforço do papel dos fundos estruturais e da cooperação política nos são extremamente vantajosos, não havia a menor razão para a hesitação e o atraso. O Governo procedeu com muita irresponsabilidade e incompetência neste domínio particular.
Aliás, este foi apenas um dos vários sintomas da incapacidade do actual governo para enquadrar satisfatoriamente o dossier europeu. Numa perspectiva mais global, e sem entrar no exame minucioso do balanço da adesão capítulo a capítulo, que esta Assembleia deve efectuar em momento oportuno, sublinharia os factores negativos.
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O Governo não procedeu a uma modificação de orgânica e funcionamento que o tornasse apto a uma resposta satisfatória aos problemas colocados pela adesão. O Conselho de Ministros continua a funcionar na modalidade clássica, típica de um período pré-integração, e a coordenação interministerial é de forma manifesta e insuficiente, como o atesta o fraco nível de acompanhamento dos assuntos ao nível de Bruxelas.
A Administração não está a sofrer um processo de readaptação e reciclagem face aos procedimentos comunitários. A recém-criada Direcção-Geral das Comunidades Europeias está longe do funcionamento pleno; a estruturação dos pólos de acompanhamento e elaboração da política comunitária, a nível de cada ministério, está por fazer; a articulação de posições, bem como a tomada de decisão, são confusas e a transmissão de instruções é extremamente morosa.
A participação da Assembleia da República no processo de integração tem sido mínima. Passa à margem do Parlamento Português informação vital para o desempenho das suas funções legislativas e para o exercício normal do seu poder fiscalizador. O Governo não tem compreendido o papel da instância parlamentar nacional na vida das Comunidades.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador - A educação dos agentes económicos para os mecanismos e regras de funcionamento da economia comunitária deixa muito a desejar. Agricultores, empresários do sector pesqueiro ou da indústria e comerciantes carecem de uma acção divulgadora continuada sobre o novo enquadramento das suas actividades, sobre o acesso aos fundos, sobre as reconversões necessárias, sobre as oportunidades que se abrem no mercado alargado.
A opinião pública é deixada à margem na dilucidação completa das implicações da adesão e do desafio que a mesma representa para a modernização do País. Ao secretismo governamental sobre a essência dos assuntos em debate alia-se o caciquismo propagandístico sobre a divulgação dos montantes das transferências, numa acção por completo deseducativa, provinciana e desajustada em relação às tarefas dos responsáveis governamentais num país da Europa democrática.
Aplausos do PS.
No final do século XX o Governo procede com o pior espírito do século XIX.
O Governo é insusceptível de elaborar posições próprias sobre os grandes temas do debate europeu. Nas reuniões em Bruxelas qual tem sido a voz de Portugal sobre assuntos tão relevantes como a reforma da política agrícola comum, a crise orçamental, o papel dos fundos estruturais e a sua posição relativa face aos mecanismos de garantia, o desenvolvimento regional, a juventude, o emprego e a formação profissional, o lançamento de novas empresas, a inovação científica e técnica, a política monetária, as relações exteriores, a cooperação para o desenvolvimento ou a Europa dos cidadãos? Pouco teremos ultrapassado o anonimato. Por enquanto, Portugal é receptáculo e não polarizador de políticas comunitárias. Em área tão sensível como a cooperação para o desenvolvimento, ainda não lográmos um posicionamento que nos permita responder com eficácia às aspirações da África lusófona.
Em matéria de consulta e cooperação política, quanto ao caso de Timor, não o conseguimos inserir nas preocupações da diplomacia comunitária e debilitámos as nossas relações com a ASEAN. Seria inimaginável pior somatório de desaires diplomáticos em área tão delicada a que o Estado Português se encontra moralmente obrigado. O Governo não conseguiu definir e muito menos executar o conjunto de reformas estruturais tornado necessário pela integração europeia de Portugal. As Grandes Opções do Plano a Médio Prazo atestaram plenamente essa debilidade básica do actual executivo. Optando por uma perspectiva defensiva, chauvinista, meramente bilateral, anticomunitária na sua filosofia determinante, contraditoriamente arrogante e mendiga na definição do papel do País, o Governo demonstrou que não é capaz de programar os ajustamentos de que a economia portuguesa carece.
Aplausos do PS.
Recusando antecipar o futuro ou mesmo encarar com realismo o presente, o Governo vive na óptica de diferir os prazos do calendário da integração, socorrendo--se, de momento, da evolução da conjuntura internacional para esconder a ausência de medidas de fundo. A realidade se encarregará, porém, de demonstrar como cada dia perdido representará um vasto conjunto de sacrifícios acrescidos para a economia e a sociedade portuguesas.
Neste primeiro ano de adesão, pelas razões que apresentei, o Governo não se pode orgulhar da forma como tem conduzido os interesses estratégicos de Portugal. O atraso no envio do Acto Único à Assembleia não pode ser interpretado como um mero descuido secundário. Ele tem raiz numa profunda e continuada incúria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É neste contexto que a Assembleia da República procede à aprovação de tão importante instrumento diplomático. Esperamos que o documento agora adoptado estimule um novo e decisivo impulso da política europeia de Portugal. Que reforce o caminho da União Europeia. Que contribua para um papel mais activo da Europa no Mundo. Em suma, que, ao dar-lhe o seu assentimento, a Assembleia da República, consciente das debilidades reveladas pelo Executivo na orientação do sector, aproveite também para reafirmar de forma convicta a sua confiança na vitalidade das Comunidades Europeias e no futuro europeu do Portugal democrático.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Presumo que para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - O meu pedido de palavra é para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª terá de escolher.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Peço então esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Diz o Sr. Deputado e meu caro amigo Jaime Gama que o posicionamento do PSD é contra a adesão às Comunidades.
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Onde é que o Sr. Deputado ouviu tais afirmações por parte do PSD, por parte de membros responsáveis do PSD, nas últimas campanhas eleitorais? Onde é que o Sr. Deputado e meu amigo ouviu tais afirmações? Isso mais parecem aleivosias do que afirmações.
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado retoma as velhas e revelhas afirmações de que o Governo não preencheu os lugares na Comunidade; os partidarizou...
Vozes do P§: - É verdade!
O Orador: - ...; não acompanha os assuntos de Bruxelas...
Vozes do P§: - É verdade! O Orador: - ...; fala do caciquismo... Vozes do f B: - ..., do chauvinismo... Vozes do P§: - É verdade!
O Orador: - ..., da arrogância, etc.
Ó Sr. Deputado, V. Ex.ª parece que está a fazer concorrência aos adjectivos, pois está a listá-los. Poderíamos, se calhar, somar o número de adjectivos que V. Ex.ª utilizou erroneamente!
Certamente que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, uma vez que eu não sou porta-voz do Governo, a propósito desta matéria, lhe dará outras informações que eu, no caso concreto, não pretendo dar. De qualquer maneira, quero fazer notar que as afirmações feitas por V. Ex.ª são suas e não dos responsáveis pela Comunidade Económica Europeia, que, em numerosas oportunidades, em numerosas ocasiões, têm elogiado a actuação do actual governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Cardoso Cunha, por exemplo!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Deputado Guido Rodrigues, começando pelo fim, dir-lhe-ei que o País fará um dia - espero que o seu partido também e que o Governo, em particular, igualmente - o balanço do que tem sido o processo de adesão de Portugal às Comunidades Europeias neste primeiro ano de integração.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Exacto!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Estamos tranquilos!
O Orador: - Espero que, na abertura dos trabalhos parlamentares, esta Assembleia, como lhe compete, se debruce em profundidade sobre o tema e, em certa medida, venha dessa forma suprir a lacuna do Governo na apresentação ao País e ao próprio Parlamento da formulação das políticas comunitárias. Nessa altura, teremos a ocasião de, em toda a extensão, ver até que ponto tem sido negativa a acção do actual executivo. O Parlamento concluirá a seu tempo!
Porventura, mais tarde do que aquilo que já hoje concluem inúmeros sectores técnicos da alta Administração portuguesa e daquilo que também já concluíram os empresários portugueses. Mas a seu tempo tiraremos essa conclusão!
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Agradeço-lhe, Sr. Deputado, por me ter permitido a interrupção.
V. Ex.ª está a retirar desde já a conclusão de que o resultado é negativo. Veremos, Sr. Deputado e meu amigo, se esse resultado será negativo ou se será positivo, como julgamos.
O Orador: - Sr. Deputado, sobre isso não tenho dúvidas. A minha intervenção foi um contributo e um alerta sobre o que penso serem essas características negativas. Espero também que o seu grupo parlamentar medite sobre algumas delas. Penso que também o pensa e penso que também é acessível a esse género de raciocínio.
Quanto ao facto de eu ter utilizado adjectivos, o Sr. Deputado enganou-se porque só referiu o exemplo de substantivos.
Risos do PS.
Não lhe querendo imputar um erro de classificação gramatical, chamar-lhe-ia a atenção apenas para essa diferença.
Quanto à primeira pergunta, que é a fundamental, devo dizer-lhe que o País sabe - eu sei-o de forma particular - a obstrução que o Partido Social-Democrata fez na fase final que antecedeu à assinatura do Tratado de Adesão, unicamente por razões de alvejamento ou flagelação política do então primeiro-ministro, porventura vendo aí a possibilidade de diminuir a sua capacidade de se transformar num candidato presidencial. Foi uma perspectiva politicamente errada, não só como os resultados vieram a demonstrar como até hoje o demonstram as relações do Governo com o Sr. Presidente da República - para quê tanta canseira ao longo deste trajecto para hoje ter uma atitude tão cooperante? -, e foi também um mau passo dado ao serviço do País. Isto porque o PSD fez nessa ocasião antepor a razões de interesse nacional razões de estratégia eleitoral sem fundamento.
E quando o PSD, de todo em todo, se viu obrigado a ter que acompanhar a assinatura do Tratado de Adesão - até exigiu que um dos seus membros do Governo viesse a subscrever o Tratado (somos o único país em que o Tratado de Adesão é também assinado por um ministro da Defesa)...
O Sr. Moreira (PSD): - Era vice-primeiro-ministro!
O Orador: ... -, nessa ocasião, o seu partido teve que encontrar uma saída política para essa questão, que foi a de dizer: «Sim, nós subscrevemos, mas vamos, se formos governo, renegociar o Tratado de Adesão.»
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Ora, o seu partido não renegociou nenhum Tratado de Adesão porque, naturalmente, o não poderia fazer e também porque, naturalmente, o não deveria fazer.
Pena é que só tenha concluído isso depois de ter chegado ao Governo!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Albuquerque.
A Sr. ª Cristina Albuquerque (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O processo de ratificação do Acto Único suscita-nos de imediato uma reflexão sobre os seus fins no plano de construção da Europa Comunitária. Porquê um tratado, celebrado em 1986, 30 redondos anos depois do Tratado de Roma, que aparentemente não envolverá uma significativa alteração dos meios de decisão já existentes?
Para quê um Acto Único que parece ser sentido pela generalidade dos países membros da Comunidade mais como um compromisso de fé em momento de crise do que como uma modificação significativa da ideia e da forma da Europa e dos seus meios?
Pensamos que a relativa serenidade e a menor preocupação com que os doze Estados membros da Comunidade, talvez com a excepção da Dinamarca e, de certa forma, do Reino Unido e da Grécia, acolheram o Acto Único não pode iludir-nos sobro o seu grande significado político no plano institucional, tanto no que respeita ao que representa de desenvolvimento das instituições europeias, como no que revela de reequilíbrio da Europa num sentido cauteloso, mas claro, de reforço da supranacionalidade perante a vontade soberana de cada membro.
Redimensionamento institucional, antes de mais.
A Europa criada pelos tratados que instituem a CECA, o EURATOM e a CEE foi e é, essencialmente, a criação de uma Europa económica ou comercial, traduzida, aliás, na expressão corrente de Mercado Comum.
A tentativa política de construção de uma Europa unida correspondente ao reordenamento dos interesses nacionais no fim da guerra e responsável primeira dos resultados conseguidos no plano económico, essa tentativa política de construção de uma união europeia com um real significado político, confrontou-se com as divergências patenteadas pelos seus membros iniciais e, sobretudo, com a distância permanente entre o entendimento dessa união como uma Europa Estados soberanos, sustentada sobretudo pela França gaullista, por exemplo no célebre «relatório Fouchet» e o entendimento dessa união como uma Europa tendencialmente supranacional e federativa, sustentada sobretudo pelos países do Benelux.
O Acto Único vem formalmente dar à Europa e aos tratados que instituem as comunidades essa dimensão inerente à essência política da Europa, a criação da união europeia, fundindo numa dimensão institucional e única os fins das Comunidades Europeias e da cooperação política europeia e destinando-as ao «objectivo de construir em conjunto para a união europeia», segundo o seu artigo 1.º
Temos, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a honra de, nesta Assembleia, ao ratificar este tratado, podermos contribuir para a institucionalização da ideia europeia, sustentando-a na longa e lenta caminhada que esta fez já, desde o imediato pós-guerra até aos nossos dias, desde as margens do Reno aos estuários do Douro e do Tejo.
Reequilíbrio de natureza política da Europa, depois.
Os tratados que instituem as Comunidades contêm, é certo, a par de disposições que consagram a regra da unanimidade, outras que prevêem a decisão por maioria.
No entanto, a evolução política das próprias Comunidades levou a que a prevalência da regra da unanimidade viesse a ser esmagadora. O compromisso do Luxemburgo veio, efectivamente, a consagrar a componente da vontade nacional de cada Estado membro em termos que claramente afectaram as disposições do tratado que permitiam a decisão por maioria, na medida em que impunha a unanimidade de decisão quando estivessem em causa interesses fundamentais de um Estado membro.
Mas, inevitavelmente, o Acto Único comporta um reequilíbrio da Europa no sentido da decisão supranacional, possível contra a vontade dos membros colocados em minoria.
É difícil prever até que ponto tal tendência se tornará efectiva, mas os alargamentos sucessivos das Comunidades levam a crer que, desde o tête-à-tête franco--germânico, fundamental na criação das Comunidades, até à inclusão do Reino Unido e à integração das economias periféricas de pequenos países, tal alargamento impunha uma real efectivação das regras da maioria.
O Acto Único vem, aliás, reforçar os poderes do Parlamento Europeu e parece lícito supor que este reforço assenta também na necessidade de legitimar a autonomia da Comunidade em relação aos seus membros.
Podemos, pois, contar com a simultaneidade da nossa integração na Europa e o reforço da tendência supranacional, imposto mais pelo alargamento, porque resultante da dinâmica política que lhe é inerente, do que pelo próprio Acto Único.
À honra de contribuir para a construção da Europa acresce a inerente responsabilidade perante os Portugueses, e temos o dever de lembrar aqui, a nós, seus eleitos, ao Governo e à opinião pública, que essa responsabilidade pode ser agora maior.
A questão envolve uma mais clara responsabilidade política no tratamento da nossa relação com as Comunidades e uma preocupação acrescida com a nossa capacidade de resposta ao tratamento técnico dos problemas concretos no plano comunitário e com a nossa capacidade de antecipação na abordagem diplomática das negociações, alianças e blocos possíveis.
A história das Comunidades prova-nos que países como é o caso da Holanda, da Bélgica e do Luxemburgo encontram mais conforto para as suas posições numa supranacionalidade, em que a maioria as pode tornar relevantes, do que num consenso imposto, onde dependem do velo dos grandes.
Mas não nos iludamos. É preciso que Portugal vença a distância técnica que ainda nos afasta da percepção permanente da importância comunitária no nosso futuro.
A autonomia dos órgãos comunitários em relação aos Estados membros só poderá ser aproveitada por Portugal se a nova participação na Europa ao nível político, diplomático e técnico for forte, multifacetada e permanente.
Portugal e os governos portugueses terão de saber assumir a sua quota-parte de participação e decisão nos órgãos europeus.
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E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, bem vai Portugal precisar de o fazer! Isto porque o Acto Único tem também uma tradução económica: o mercado interior, que pretende ser, afinal, o desenvolvimento último da livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais prevista no Tratado de Roma.
Todos sabemos que o princípio da livre circulação de mercadorias sofre ainda hoje significativas restrições físicas nas alfândegas e que as protecções aduaneiras internas têm sido gradualmente substituídas, na sua função restritiva, por regras de contingentação ou até por medidas de conformidade com normas aparentemente técnicas ou exigências sanitárias ou outras que apenas como tal se não justificariam.
As Comunidades propõem-se, com o Acto Único, preparar um conjunto de medidas que permitam, até 1992, o desmantelamento das barreiras alfandegárias e a eliminação de critérios técnicos que consentem ainda hoje a existência de impedimentos à livre circulação de mercadorias.
A nossa atenção fica, desde logo, despertada pelos problemas imediatos que se nos suscitarão pela coincidência da implementação do mercado interior, em 1992, com o termo do período transitório de Portugal, nesse mesmo ano, para os produtos industriais.
Interrogamo-nos, é certo: não é a liberalização comercial interna um objectivo da Comunidade e, portanto, um pressuposto da adesão? É certo que sim. Mas a experiência das Comunidades leva-nos a crer que a relação interna de forças sempre tem delimitado esse princípio em função dos interesses nacionais e que cada membro tem tentado aproveitá-lo ou restringi-lo, conforme as suas conveniências.
Ora, é certo que, para Portugal, a referida coincidência não será a melhor solução: em 1992 teremos um mercado de que as economias mais ricas dos nossos parceiros poderão, com maior liberdade, dispor. E todos temos consciência de que a aceleração da liberalização favorece, em princípio, mais as economias fortes e menos as mais fracas.
E este favorecimento é ainda acentuado se, com algum sentido crítico, lermos o Livro Branco apresentado pela Comissão ao Conselho das Comunidades.
Efectivamente, aí se constata que, apesar das intenções, nem todas as quotas poderão ser eliminadas e algumas permanecerão até tuteladas pela Comissão.
O nosso poder negocial será, por isso, fortemente solicitado, em primeiro lugar, para os produtos têxteis, na medida em que a iniciativa negocial terá de ser dos próprios interessados, ou seja, nossa.
Por outro lado, esse mesmo Livro Branco propõe, como medidas sectoriais no âmbito da eliminação das fronteiras técnicas, as que respeitam às seguintes mercadorias: veículos com motor, tractores e máquinas agrícolas, géneros alimentícios, produtos farmacêuticos e medicamentos de alta tecnologia, produtos químicos, construção e materiais de construção.
É fácil constatar que as medidas sectoriais preconizadas respeitam a produtos que contribuem para o défice da nossa balança comercial.
Teremos, pois, de lutar pelo equilíbrio no mercado interior. Se este pretende atingir a livre circulação de mercadorias na sua plenitude, então invoquemos esse princípio e sustentemo-lo com persistência negocial e domínio das questões técnicas. Não poderemos, de resto, contar com muito mais do que o nosso poder negocial, já que as disposições previstas no Acto Único para atenuar os riscos inerentes à desigualdade de poder entre as várias economias se limitam a uma declaração de princípios quanto ao desenvolvimento harmonioso do conjunto da Comunidade e à sua coesão económica e social, que se esgota na possível utilização dos fundos estruturais. Ora, sabemos bem que estes fundos estão cada vez menos recheados, em consequência das dificuldades orçamentais resultantes, em parte, da política agrícola comum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que nesta Assembleia está em discussão a ratificação de um tratado que consagra a ambição europeia, Portugal tem de assumir essa ambição, mas também os riscos que lhe são inerentes.
Por força da adesão, e agora do Acto Único, os caminhos da Europa vencerão, a partir de 1992, muito mais facilmente os Pirinéus. Para que Portugal leve os seus caminhos até à Europa é, porém, preciso que aprenda a construí-los, com determinação e pertinácia.
Para isso precisamos de obreiros desses caminhos.
É ao Governo, que tem a responsabilidade da Administração Pública, que cabe encontrar e formar esses obreiros.
Efectivamente, precisamos de um enorme esforço de organização e de formação de quadros políticos, diplomáticos e técnicos com que possamos contar para lutar nestas difíceis batalhas.
Os Portugueses sempre souberam lutar fora da sua casa e não será por terem apeados os muros do seu quintal que se vão atemorizar. Mas o seu esforço de adaptação à mudança só será útil se for organizado, e organizado em função da grandiosidade da empresa.
Que esta Assembleia saiba assumir o risco da empresa!
Que este Governo, queira e saiba começar a criar os meios para moderar esse risco e permitir aos Portugueses defrontá-lo!
Aplausos do PRD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr.ª Deputada Cristina Albuquerque, apreciei e subscrevo grande parte das suas afirmações. O seu discurso foi na realidade muito mais optimista do que o do Sr. Deputado Silva Lopes. A forma de abordagem dos problemas só mostra que V. Ex.ª e todos os que entre nós se interessam por esta matéria, pela adesão às Comunidades e pelo Acto Único Europeu, possuem as mais amplas informações sobre tão importante assunto. Congratulo-me por isso.
O discurso de V. Ex.ª foi, na realidade, o oposto daquele que aqui foi pronunciado pelo Sr. Deputado Jaime Gama, que a antecedeu: um optimista, claro e virado para o futuro; o outro pessimista, derrotista e negativo. Entre um e outro não hesito em verificar qual é aquele que apresenta uma tese construtiva, de futuro, e aquele que, pelo contrário, salienta e quer retomar o passado, o negativo.
Gostava ainda de me penitenciar pelo lapsus linguae cometido por mim há pouco. Os políticos são tão acusados de pronunciarem imensos adjectivos, de adjectivarem grande parte das suas observações que cometi um lapsus linguae..., mas certamente a Câmara me perdoará.
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Por outro lado, queria ainda congratular-me com dois factos: primeiro, o de o Tratado de Adesão ter sido assinado por quatro pessoas, sendo uma delas a do Vice-Primeiro-Ministro, uma vez que foi nessa qualidade que o Sr. Ministro da Defesa o assinou; segundo, o de as relações institucionais entre o Sr. Presidente e o Sr. Primeiro-Ministro serem óptimas. Isso é, na realidade, um motivo de congratulação para todos nós.
O Sr. Presidente: - Para responder ao Sr. Deputado Guido Rodrigues, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Albuquerque.
A Sr.ª Cristina Albuquerque (PRD): - O Sr. Deputado fez várias considerações, e não me colocou directamente nenhuma pergunta a não ser que eu estaria em contradição com o Sr. Deputado Silva Lopes. Penso que foi isto que o Sr. Deputado disse...
O Sr. Guido Martins (PSD): - Posso interrompê-la Sr.ª Deputada.
Oradora: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Na realidade, Sr.ª Deputada, eu não disse isso, mas sim que o tom do seu discurso e das suas afirmações foi diferente. O que, aliás, é perfeitamente compreensível. Tons complementares abordaram aspectos complementares: um, colocou-se numa determinada posição, o outro, o de V. Ex.ª colocou-se noutra posição, o que é perfeitamente correcto.
A Oradora: - Exactamente, era o que eu ia dizer. O Sr. Deputado Silva Lopes, tal como eu, entende que o Acto Único é um passo importante para a construção da Europa. Ele pôs algumas questões e levantou outras sobre a forma de aplicação deste Acto e sobre as repercussões que pode ter para a economia portuguesa daqui por diante. Por conseguinte, penso que é complementar relativamente à minha intervenção.
Seja como for, gostaríamos também de nos congratular pela intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, quando entendeu ser necessário, daqui por diante, ter uma relação com a Assembleia da República e com os agentes económicos portugueses de maior informação, de menor secretismo para que seja possível a construção dessa Europa que todos queremos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conferência de líderes deliberou que hoje não faríamos intervalo e que o debate prosseguiria até à sua conclusão. No final do debate, procederemos à votação.
Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rogério de Brito, a quem concedo a palavra.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Poderão alguns ser levados a subestimar o impacte da ratificação do Acto Único Europeu para o sector agrícola, argumentando que na prática os objectivos do mesmo já estão implícitos na adopção da política agrícola comum. Enganam-se os que assim pensam.
O aprofundamento do mercado interno trará, inevitavelmente, consequências acrescidas na evolução daquela e gravosas no futuro da agricultura portuguesa.
Com efeito, na avaliação do Acto Único Europeu não se pode deixar de ter em consideração a natureza e a situação de profunda crise da política agrícola, comunitária, assim como a conflitualidade de interesses e contradições que lhe estão subjacentes.
Hoje, não é mais possível ignorar a irracionalidade técnico-económica da gestão dos recursos e dos investimentos nos domínios do capital e dos equipamentos em que a PAC mergulhou. Tão-pouco se poderão ignorar os crescentes desequilíbrios decorrentes das políticas de mercado e preços dominadas pelos interesses dos Estados mais desenvolvidos e das multinacionais do ramo agro-alimentar.
Quebrada que foi na década de 70 a fase de expansão económica que possibilitou a absorção pelos outros sectores da economia do êxodo rural decorrente da adopção de uma política de liquidação do emprego na agricultura e da pequena exploração agrícola (o emprego na agricultura nos anos 1960-1970 diminuiu cerca de 60% na Comunidade), tal política passou a significar agravamento do desemprego e das tensões sociais.
As disparidades económicas entre os diferentes Estados e regiões não deixaram de se agravar progressivamente.
Os desequilíbrios do mercado são crescentes e vêm afectando fortemente o crescimento dos rendimentos em termos monetários.
O rendimento líquido dos agricultores, em termos reais, não passa hoje de 80% a 85% do registado há nove anos atrás.
A natureza e orientação das medidas de política para a produção são responsáveis por enormes excedentes agrícolas, a par de uma crescente dependência em bens agro-alimentares face ao exterior da Comunidade.
Assiste-se neste contexto à situação caricata de, por um lado, se gastarem cerca de 1500 milhões de contos/ano com a manutenção e gestão dos excedentes agrícolas (que ultrapassam os 16 milhões de toneladas de cereais, as 540 000 t de leite em pó, as 990 000 t de manteiga -hoje já se dá manteiga às vacas, nos arraçnamentos- as 730 000 t de carne bovina), e por outro, se despender com importações quase o dobro do valor das exportações de bens agro-alimentares.
E não se trata aqui apenas de uma questão de produções excedentárias, pese o facto de o crescimento em volume da produção agrícola da comunidade se situar próximo dos 2% ao ano, enquanto a procura interna não excede os 0,5%. Está igualmente em causa uma política que conduz a que sejam despendidos milhões de contos de importações desnecessárias e concorrenciais - os stocks de cereais, por exemplo, são sensivelmente equivalentes às importações de produtos substitutivos.
Por outro lado, entrou-se no ciclo vicioso. Quer isto dizer que, perante as tentativas conjunturais de retracção da produção, quer por redução dos preços aos produtores, quer por redução de áreas e efectivos pecuários, de imediato os produtores procuram acréscimos de produtividade que compensem as quebras dos rendimentos reais. Mas esta via acaba não só por ser altamente selectiva, agravando as disparidades económicas, como esta está longe do êxito para a grande maioria dos agricultores. Além de que agrava a dependência em consumos intermédios. Tenha-se presente que enquanto entre 1981 e 1985 as exportações cresceram 19,8%, as importações de produtos agro-alimentares cresceram mais de 30%.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É este quadro de rotura a que a política agrícola comum conduziu que podemos tomar por exemplo, por referencial, por dinamizador da nossa agricultura?
Poderemos ignorar a conflitualidade entre os interesses da nossa agricultura e dos nossos agricultores e esta situação?
Somos altamente carentes em bens essenciais como sejam os cereais, o leite e a carne de bovino, enquanto a comunidade é altamente excedentária. Acrescem nesta situação, altamente desvantajosa, a nossa baixa produtividade e os nossos preços à produção bastante mais elevados. Por outro lado, dificilmente - para não dizer com todas as probabilidades de ser impossível - beneficiaremos de quaisquer fundos comunitários para o desenvolvimento destas produções.
Em 1992 estaremos confrontados com a livre concorrência destes produtos comunitários. Como evitar a inviabilização destas produções para milhares de agricultores e a diminuição da produção nacional?
Os excedentes anuais de vinho na comunidade representam mais do dobro da nossa produção vinícola anual, na qual predominam os vinhos de consumo corrente. Como vamos suportar a concorrência dos vinhos comuns, sobretudo da Espanha e da Itália, significativamente mais baratos que os nossos?
Sendo certo que o programa de reconversão vitivinícola para os próximos dez anos apenas cobre, em termos de reconversão da vinha, cerca de 10% da área total, e em termos de arranque, cerca de 5%, que expectativas podem alimentar os nossos agricultores e o País?
Quando o programa de reconversão olivícola apenas cobre uma ínfima parte da área do nosso olival, e ainda por cima contrapõe à reconversão de pouco mais de 30 000 ha o arranque de 60 000 ha, para onde caminhamos? Que alternativas são oferecidas aos nossos produtores?
Quando estamos perdendo os nossos mercados tradicionais de concentrado de tomate, por falta de preços competitivos e é a organização europeia dos industriais de tomate a reivindicar o que o Governo Português não tem tido capacidade ou vontade de negociar - que é a eliminação dos montantes compensatórios para as nossas exportações de concentrado - que podemos esperar?
Quando somos o único Estado membro onde não é aplicada a retirada de excedentes do tomate em fresco, por incompetência ou incapacidade negocial, o que podemos esperar?
Quando o Governo Português aceita a estratégia comunitária de reduzir a superfície agrícola, sendo certo que a Comunidade o faz para reduzir excedentes, mas sendo certo também que a nossa situação é exactamente contrária porque somos altamente carentes em produções agrícolas, que podemos esperar no futuro?
Como aceitar a perspectiva do Governo de redução da nossa área agrícola a cerca de metade da área actual, a pretexto da capacidade de uso dos nossos solos, como se a estrutura dos mesmos fosse um factor imutável?
E como desenvolveremos a nossa estrutura produtiva quando, por exemplo, os projectos de pré-adesão aprovados em 1984 registam graus de realização, como por exemplo no caso da viabilização das explorações leiteiras da Beira Litoral de 7,5%; no caso da arborização de áreas afectadas por incêndios florestais de 10,4%; no caso do desenvolvimento agro-pecuário para a produção de leite de 11 %; no caso do melhoramento animal e produção de carne do Ribatejo e Oeste de 0%. Para onde caminhamos, nestas condições?
E que dizer da orientação para que tendem os investimentos nas infra-estruturas de transformação e comercialização dos produtos agrícolas, privilegiando fundamentalmente os grandes industriais, os grandes importadores e os grandes intermediários?
Como é possível, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, que, decorrido um ano de integração e quando o Governo solicita a ratificação do Acto Único Europeu, continuemos sem ter uma estratégia de orientação e definição de prioridades para a produção, ou apareça um membro do Governo - como ontem aconteceu na Televisão - dizendo que essa orientação é definida pelos preços comunitários, e por termos ou não preços competitivos para eles?
Como é possível, decorrido um ano da adesão, e quando o Governo nos solicita a ratificação do Acto Único Europeu, que continuemos sem ter um ordenamento agrícola e florestal?
Que o Governo continue a não responder a todas as questões que aqui acabei de colocar?
Para onde caminhamos? Eu diria, a concluir, que se, para nós, a integração na Comunidade Económica Europeia é gravemente lesiva dos interesses nacionais, e no caso presente da nossa agricultura, se aliado a estes inconvenientes da adesão há ainda o comportamento do Governo e a sua incapacidade de definir e executar uma política agrícola que preserve e acautele os interesses nacionais, os interesses dos nossos agricultores, a situação encontra-se então duplamente agravada.
É nestas condições, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que aqui se vai ratificar o Acto Único Europeu. A pergunta é: quem garante que estamos a caminhar para a construção do futuro? Quem garante que não estamos a avançar para a destruição da nossa independência económica em bens agro-alimentares, para o comprometimento do futuro da nossa economia agrícola?
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sob forma de interpelação à Mesa, pretendia dar conhecimento à Assembleia da República de que o meu partido apresenta e deposita na Mesa - e dava assim conhecimento a todos os grupos parlamentares - um projecto de resolução complementar relativo à aprovação do Acto Único.
Este projecto de resolução faz alguma interpretação dos seus dispositivos e pensamos que a sua apreciação e votação pela Assembleia da República, no preciso momento em que está a ser discutida a ratificação do Acto Único, constituiria um contributo positivo ao reforço negocial de Portugal e à defesa da soberania e dos interesses nacionais.
Dado o método que o Governo escolheu para a ratificação deste tratado, nós não tivemos a oportunidade de agendar este projecto de resolução complementar, pelo que a sua apreciação ficará, o que lamentamos,
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para data oportuna. Mas não queríamos deixar de o depositar na Mesa e dele dar conhecimento a todos os grupos parlamentares e também ao Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
Entretanto, o Sr. Deputado Eduardo Pereira pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, nós tínhamos na verdade inscrito o Sr. Deputado António Esteves e temos ainda mais um ou dois deputados para inscrever. Porém, penso que devíamos seguir um certo rotativismo. O PSD não inscreve mais ninguém até ao fim do debate?
O Sr. Presidente: - Não há nenhum Sr. Deputado do PSD inscrito. Já fizemos algumas diligências e, à excepção do Sr. Deputado António Esteves e do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, não há mais ninguém inscrito.
Tem assim a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
O Sr. António Esteves (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Após cinquenta anos de isolamento internacional, coube ao Partido Socialista o relançamento da nova imagem de Portugal no mundo.
Um dos vectores essenciais dessa nova era da política externa portuguesa consistiu na abertura à Europa. O Partido Socialista assumiu então, sozinho, a aposta no projecto europeu, no que, deve dizer-se, veio depois a ser seguido pelo PSD e pelo CDS.
O projecto europeu tinha, naquela altura, para o Partido Socialista, o objectivo de consolidar a democracia e a liberdade conquistada e ainda o de incluir Portugal num espaço cultural e económico desenvolvido e aberto ao futuro.
Hoje, ao contrário de então, é fácil reconhecer que o nosso espaço político natural só poderia ser a Europa.
Após longas e laboriosas negociações, aderimos à Europa das Comunidades.
A esmagadora maioria do povo português aceitou sem reservas esta grande opção em que deposita as maiores esperanças de paz, de progresso e de desenvolvimento.
Porém, a Europa a que aderimos era uma Europa cristalizada na formulação dos tratados já com cerca de 30 anos de vida sem alterações.
Passados tantos anos, o Tratado de Roma deixaria de ser o instrumento adequado à construção da Europa que hoje se deseja.
Por isso, há anos que os continuadores do sonho de Jean Monet vêm pugnando por grandes reformas.
E é assim que o ano de 1986, que marca a nossa entrada nas Comunidades, assinala também a primeira grande reforma do Tratado de Roma através do Acto Único Europeu.
Entramos na Europa no ano em que ela se renova a si própria, e cabe aqui dizer que também essencialmente ao Partido Socialista coube a tarefa de acompanhar os trabalhos que conduziram à adopção dos princípios que informam o Acto Único.
Não será pois de estranhar que hoje venhamos, em coerência, dar o nosso apoio à ratificação deste tratado.
Caberá, contudo, pôr a questão de saber se o Acto Único consagra todas as soluções que poderíamos desejar. Em Portugal, como nos restantes Estados, haverá naturalmente os que, mais europeístas, dirão que a reforma é tímida, como surgirão aqueles que, através de uma visão de nacionalismo estreito, dirão que se foi longe demais.
Por nós, diremos que o consenso a que se chegou, e que foi naturalmente difícil, encontrou prudentemente soluções adequadas.
Por isso, no essencial, merecem o nosso apoio: a ampliação dos poderes do Parlamento Europeu; a ampliação dos poderes da Comissão; o aperfeiçoamento dos mecanismos de decisão através da introdução do método de maiorias qualificadas; o alargamento dos poderes do Tribunal Europeu, acessível agora aos cidadãos como tribunal de primeira instância; a construção do mercado interno; o princípio da coesão económica e social, e, enfim, a cooperação política em matéria de política externa.
Mas, além disso, damos igualmente o nosso acordo às novas políticas da Comunidade relativas à investigação e desenvolvimento tecnológico, ao meio ambiente e aos assuntos sociais.
Faríamos, contudo, um comentário para referir que, em nosso entender, seria bom ter ido um pouco mais longe na ampliação dos poderes do Parlamento Europeu, visto que, tratando-se do único órgão resultante de eleição directa, nele caberiam os poderes necessários para suprir algumas dificuldades resultantes de naturais contradições existentes no seio das Comunidades.
Convém, por outro lado, reflectir nas consequências que para Portugal podem advir destas novas regras. Limito-me a chamar a atenção para um dos pontos: a construção do mercado interno até 1992, que é, certamente, a inovação que maiores e porventura mais graves repercussões terá na nossa economia interna.
Se, para Portugal, entrar na Europa era já um desafio que nos colocava algumas perplexidades, a perspectiva de nos encontrarmos, «dentro de sete anos, em igualdade de condições com os restantes Estados, muito mais desenvolvidos, num mercado sem fronteiras, constitui seguramente um compromisso nacional da maior responsabilidade.
Poderá dizer-se que temos a garantia de que será respeitado o nosso tratado de adesão e ainda de que estão previstas cláusulas de salvaguarda para os países menos desenvolvidos como o nosso, mas a verdade é que com o Acto Único o ritmo da Europa passa a ser diferente daquele que existia no quadro da nossa negociação e que, consequentemente, se a Europa alarga a passada, nós temos de ser capazes de a acompanhar.
Tal situação coloca-nos algumas interrogações no plano interno e que são tanto mais legítimas quanto é certo que o País e a Assembleia da República desconhecem em absoluto qual seja a política deste governo face às Comunidades.
Será que o Governo tem uma política? Até agora o País apenas tem ouvido falar dos fluxos financeiros entre Portugal e a CEE. Todos os dias se divulgam notícias sobre os milhões de contos que se recebem. Os números divulgados são habitualmente imprecisos e frequentemente contraditórios, mas, da parte do
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Governo, face à propaganda fácil que tem efeito, parece haver a intenção de convencer os Portugueses de que a CEE é, no essencial, uma nova versão da árvore das patacas.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Continuar por este caminho é um erro que pode sair caro.
Quanto ao resto das questões comunitárias, é o segredo completo.
O País e os partidos da oposição têm vindo a ser informados a posteriori dos muitos insucessos e dos poucos sucessos que o Governo tem conseguido.
Os importantes interesses nacionais em jogo impõem que o Governo mude de atitude.
A nossa integração na CEE é um grande vector da política externa portuguesa, que exige consensos nacionais, mas o Governo segue uma orientação diversa e guarda ciosamente no segredo dos gabinetes questões do maior interesse nacional.
Neste campo há que registar de positivo e digno de louvor apenas um acto do Governo, o de ter suscitado um debate sobre o Acto Único, prévio à assinatura do tratado.
Mas à excepção deste caso, e mesmo em ocasiões privilegiadas para o Governo expor os seus pontos de vista sobre a política europeia, como foram as ocasiões da apresentação das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, o Governo não o fez.
Face à exiguidade de informações, a Comissão da Integração Europeia, por ocasião daqueles debates, solicitou a alguns membros do Governo esclarecimentos sobre estas questões, mas pouco mais conseguiu do que alguns números sobre as verbas dos fundos estruturais e algumas informações gerais, vagas e imprecisas.
Por tudo isto, é neste momento natural e legítimo colocar ao Governo algumas interrogações.
É legítimo querer saber que medidas de política interna está o Governo a preparar para fazer face aos impactes da construção do mercado interno.
Qual é a concepção que tem da Europa comunitária e do papel que nela nos cabe, o que pensa o Governo dos problemas levantados pela política agrícola comum e pelos stocks agrícolas; como encara o Governo os problemas financeiros da CEE; qual a sua atitude face ao compromisso de realizar eleições para o Parlamento Europeu em 1987; que posições vai tomar quanto às modificações a efectuar no regime dos fundos estruturais.
Poderíamos prosseguir no nosso rol de dúvidas e apreensões, que preocupam o País e nos impõem o dever de exigir uma clara mudança da atitude do Governo.
A opção europeia assumida exige a definição de uma política nacional com dimensão e contornos que hão-de transcender largamente o voluntarismo do Sr. Primeiro-Ministro e o programa deste governo minoritário.
Trata-se de uma exigência que, em nome do interesse nacional, temos o dever de colocar.
Sr. Presidente, ao darmos o nosso acordo à ratificação do Acto Único, temos consciência da importância das modificações introduzidas e do desafio mais frontal que agora se coloca no nosso país.
Não estamos seguros de que o Governo assim pense. O PSD, em Junho de 1985, vacilou quanto à assinatura do Tratado de Adesão, agora com o Acto Único mostrou-se mais decidido.
O Sr. Adérito de Campos (PSD): - Não vacilou nada!
O Orador: - Fazemos votos para que esta mudança de atitude tenha como consequência uma mudança de política.
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Furtado.
O Sr. Sá Furtado (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Acto Único representa um passo em frente na construção da Europa politicamente unificada e impediu um desastroso bloqueio institucional. Não anuncia a união europeia, mas é seguramente um avanço, embora tímido, na caminhada das pátrias da Europa em direcção à pátria dos cidadãos. Constata-se ser um progresso limitado, todavia na recta direcção, relativamente às expectativas ambiciosas do início dos anos 70. Para nós constitui um facto histórico de singular e ímpar relevância, por significar uma ruptura dramática na nossa postura de potência secular virada prioritariamente para o além-mar.
A Europa dos Seis foi-se abrindo até alcançar os Doze, com a recente entrada dos países do Sul, a Grécia, Portugal e Espanha.
Á Comunidade conta com 320 milhões de habitantes, o que é em si a razão de apontar o Acto Único para a livre circulação, em 1992, de pessoas, serviços, mercadorias e capitais, indo além da criação de um mercado único, pois estabelece o conceito de espaço europeu único, de índole mais ampla, transcendendo as restritas implicações comerciais.
A baixa de competitividade da Europa a partir dos anos 70 tornou imperativa a arquitectura de um grande mercado capaz de enfrentar a agressividade industrial e técnica dos Estados Unidos e do Japão. As próprias normas técnicas já não são, em muitos casos, europeias, mas americanas e japonesas, o que é sinal amesquinhante por demais óbvio para ser disfarçado.
O Acto Único não se limita a consagrar um espaço de livre troca, indo mais além, ao preconizar uma postura intervencionista que definitivamente enterra o neo-liberalismo no mausoléu da história económica. Entre estas políticas de acompanhamento refiro a relativa a «Investigação e Desenvolvimento Tecnológico» (novo título vi da parte m do tratado) e a referente a «O Ambiente» (novo título vil). Representam significativas inovações e saldos qualitativos históricos na edificação política europeia.
A constituição de um grande mercado interno não é de per si bastante, podendo até representar uma maior fragilidade se o Acto Único não considerasse o reforço das bases científicas e técnicas da indústria europeia e, consequentemente, a sua competitividade internacional. Um grande mercado interno europeu obriga lucidamente a uma intensa e profunda coope-
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ração tecnológica. Não só a investigação científica e tecnológica é aí contemplada, mas também a pesquisa pré-competitiva visando o lançamento no mercado de produtos de alta tecnologia. Estão criadas as condições para enfrentar os alvores da terceira revolução industrial.
A concretização de um espaço europeu sem fronteiras internas pressupõe e obriga à cooperação e coordenação em matéria de investigação e de desenvolvimento tecnológico através de um programa-quadro plurianual, adoptado por unanimidade, e de programas específicos e complementares, votados por maioria qualificada.
Os grandes desafios, prenunciadores do futuro que já anda por aí, situam-se em cinco grandes áreas: a aeronáutica e o espacial, as máquinas-ferramentas e a robótica, os novos materiais, o agro-alimentar e a biotecnologia e as aplicações das pesquisas comuns. Há já resultados positivos de cooperação científica no âmbito europeu, como claramente o provam os programas Esprit, Race, Jet e Eureka, potenciadores da capacidade concorrencial da Europa.
Conceito engenhoso que o Acto Único alberga é o da Europa de geometria variável, que pela sua flexibilidade prenuncia uma elevada eficácia.
O Acto Único é ainda um acto de fé nas empresas do velho continente a que estas têm que corresponder. As empresas portuguesas têm que aceitar este desafio, adaptando-se e modernizando-se. Novas empresas têm que ser lançadas, cabendo ao Estado um papel dinamizador no seu arranque. A lógica do mercado alargado vai-nos levar a abandonar o recurso frequente e regulador de práticas monetaristas de curto alcance para nos obrigar a uma estratégia comercial ofensiva de longo termo. O imediatismo tem de ser inexoravelmente deitado pela borda fora.
Como já referi, a Europa comunitária afasta-se definitivamente do laissez-faire, adoptando o princípio eminente da coesão social e económica que deverá ser inteligentemente invocado pelo Governo Português para acautelar a nossa actual fragilidade estrutural e possibilitar a modernização do nosso anacrónico tecido produtivo, reduzindo as tensões sociais e o sofrimento do nosso povo. Ao Governo cabe fermentar e acompanhar a modernização do nosso sector produtivo, adoptando políticas e acções que minimizem e atenuem os custos humanos e sociais que toda a ruptura tecnológica necessariamente implica.
Já foi aqui referida a pouca importância com que o Governo trata o Parlamento, não lhe fornecendo as informações necessárias. Dando de barato que o Governo se encontra suficientemente informado, mais preocupante é reconhecer não ter o Governo encetado as imprescindíveis reformas estruturais a que a integração obriga. O desenvolvimento científico e tecnológico não tem sido encarado como prioritário pelo actual governo. A paralisia dos centros tecnológicos, o Orçamento de 1987 e as palavras recentemente proferidas aqui, por alguém com altas responsabilidades, revelam através da fria objectividade dos números, e ainda na expressão intimista de uma atitude cultural, que é a negação da Europa da modernidade.
Sendo o Acto Único apenas um passo na unificação europeia, a negociação permanente e a defesa sem descanso dos interesses do País têm de ser assumidas pelo Governo Português. De tal maneira que, com o nosso contributo, se evite o agravamento do fosso que existe entre os países ricos do Norte e os países pobres do Sul da Europa.
A definição de uma política nacional, pela própria lógica e imposta pelo Acto Único, deverá ser plurianual no domínio da ciência e da tecnologia. Ora, este tipo de política, com estes programas plurianuais, não pode nem deve ser mais largamente adiado.
Lamentamos que o Acto Único seja omisso quanto às políticas da cultura, da educação e da juventude. A construção da Europa dos cidadãos obriga a que, futuramente, sejam incluídas secções nestas questões fundamentais, essenciais e definitivas. O Governo Português não deverá deixar cair no rol do esquecimento a tomada de iniciativas para que tal venha a acontecer.
Como já foi dito por meus companheiros da bancada do PRD, ratificamos o Acto Único como esperança e consciência de se estar a apontar e construir o futuro e, ainda, na certeza de que Portugal está a dar o seu contributo honrado e sério para que a grandeza do Velho Continente venha de novo a ser afirmada. Fazemo-lo, contudo, numa atitude crítica, de quem é europeu e é descendente da herança cultural e racionalista de um Descartes, de um Kant, de um Russell.
À Europa económica, dos contabilistas, do deve e do haver, tem que se dar o passo à Europa da cultura, da ciência, da fraternidade, da alegria, da pátria europeia dos cidadãos.
Para nós, Portugueses, o Acto Único deve ainda recordar-nos e manter-nos sempre vigilantes relativamente às nossas obrigações históricas, que nos compelem à cooperação activa com os países africanos de língua oficial portuguesa.
A necessidade de uma política comunitária do ambiente foi proclamada pelos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade na Cimeira de Paris, em Outubro de 1972.
Deu-se agora um passo importante, ainda que frouxo, na sua consagração constitucional, inscrevendo um título sobre este domínio. Os objectivos de preservação, protecção e melhoria da qualidade do ambiente merecem o nosso apoio. Pena é que a defesa da soberania de cada Estado tivesse neste aspecto levado à adopção da regra da unanimidade. Cada país poderá assim, nomeadamente, prosseguir a sua política nuclear de acordo com os seus exclusivos interesses, podendo em consequência localizar as suas centrais nucleares junto das fronteiras com seus vizinhos, visto que continua a fazer lei o artigo 37.º do Tratado EURATOM. Como dizia Jacques Delors, Presidente da Comissão das Comunidades Europeias, o Acto Único traduz a Europa do possível. Havendo que perseverar para que o ambiente seja considerado um bem colectivo no concerto europeu e não isoladamente no interior de cada Estado.
As modernas formas de produção tornam efectivamente obsoleto este entendimento, pelo que quer o Governo português quer o Parlamento devem diligenciar para que o ambiente seja considerado à escala planetária.
Mas, adentro das nossas portas, devemos ter uma atenção muito cuidadosa quanto ao que se passa na nossa fronteira com Espanha e com a Zona Económica Exclusiva.
A tecnologia tem a investigação a montante e a indústria a jusante. Não compreender este facto, ao mesmo tempo simples e essencial, é manter Portugal à margem da história, e consequentemente da verdadeira Europa, é condenar-nos a sermos eternamente
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o país da emigração, da resignação, de fornecedores de mão-de-obra barata, de intermediários em pequenos, negócios. Temos que dar o nosso contributo honrado e digno e dedicarmos o nosso melhor à cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa, o que pressupõe conhecimento de agir e de transformar com ciência, empenho e arte.
O tempo do «orgulhosamente sós» passou. Estamos na Europa sem complexos nem reservas, acreditando em nós próprios, organizando-nos, planeando, acautelando os nossos legítimos interesses de Pátria de oito séculos que somos, fazendo valer os nossos direitos, respeitando conscienciosamente as nossas obrigações.
Desta forma, devemos contribuir para a edificação da Europa, que com tempo e sábia paciência terá que se estender do Atlântico aos Urais, percorrida por um novo Renascimento de humanistas, de cientistas, de artistas, de filósofos, de visionários, cadinho perene de antigas civilizações a que cada geração tem obrigação de dar o seu entusiástico contributo.
Aplausos do PRD.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Peço a- palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sá Furtado não terá tempo para responder, o que não impede que V. Ex.ª...
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Nós daremos o tempo necessário para que o Sr. Deputado Sá Furtado possa responder.
O Sr. Presidente: - Então, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Sá Furtado, V. Ex.ª referiu e repetiu vários aspectos já referenciados pelos oradores anteriores da oposição sobre a adesão à Comunidade Económica Europeia e sobre o Acto Único Europeu, reiterando várias reticências que os mesmos lhes merecem.
No entanto, V. Ex.ª pôs uma tónica específica na investigação, na ciência, na cultura, na alegria, na fraternidade, nos artistas, nos filósofos, nos visionários. Esta parte do seu discurso diz respeito efectivamente a uma área que eu compreendo que deva ser referida.
Mas, para além disso, V. Ex.ª acusou o Governo de diversas malfeitorias e de vários efeitos perversos, nomeadamente da paralisia dos centros tecnológicos, e isso foi uma afirmação que me chocou.
Na realidade, sabe V. Ex.ª que o Centro Tecnológico da Metalomecânica tem neste momento em funcionamento várias unidades e que continuam a ser lançadas outras unidades de apoio à indústria?
Sabe V. Ex.ª que ainda no mês passado arrancou em São João da Madeira o Centro Tecnológico do Calçado?
É evidente que estas questões têm de ser analisadas em termos plurianuais, pois um centro tecnológico não se constrói num ano, não se constrói em poucos dias.
Aliás, não teria sentido nenhum constituir uma unidade de apoio à indústria, uma unidade que, no fim de contas, se destina a fazer investigação aplicada directamente relacionada com a indústria sem ter os pés bem assentes no chão, sem se saber se é isso que exactamente se precisa.
Não queremos constituir mais LNETIs, mais unidades enormes, com muitos funcionários, com muito equipamento, mas com utilização efectiva diminuta para a indústria.
Sobre este ponto concreto, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Furtado.
O Sr. Sá Furtado (PRD): - Sr. Deputado Guido Rodrigues, se, de facto, V. Ex.ª ficou chocado com a paralisia dos centros tecnológicos, também eu fiquei. Portanto, estamos igualmente chocados e todas as pessoas...
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Mas não há paralisia nenhuma!
O Orador: - Não!? O Sr. Deputado disse que estava chocado com a paralisia dos centros tecnológicos. Portanto, entre mim e V. Ex." há qualquer coisa de comum: quando um centro tecnológico é paralisado ficamos chocados.
Agora, o que está em causa é a questão factual de saber se os centros tecnológicos foram ou não paralisados. Essa foi a questão que o Sr. Deputado levantou e o que lhe digo é que eles foram, de facto, paralisados.
Ora, quando qualquer coisa é paralisada isso não quer dizer que não possa arrancar mais tarde, e o que o Sr. Deputado disse foi que alguns deles já arrancaram. Mas isto não impede que eles tivessem estado paralisados.
Muito concretamente, posso dar-lhe exemplo de um, que é o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, que paralisou em Janeiro de 1986 - portanto, já vai para um ano - e ainda não arrancou, não tendo sequer uma comissão instaladora. O mesmo acontece com o Centro Tecnológico da Madeira e julgo que também com o Centro Tecnológico da Metalurgia.
Portanto, ainda bem que alguns deles arrancaram agora, mas o que recrimino - e acho que é uma política negativa - foi que tivesse havido uma paralisação. Mas a paralisia não implica que não haja recomeço de actividade e nisso estamos de acordo. Estamos ambos chocados e esperamos que políticas deste tipo, de carácter retrógrado, não se venham a repetir.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em Julho do ano passado o Grupo Parlamentar do MDP/CDE decidiu não participar no debate suscitado pela proposta de resolução apresentada pelo Governo de então, ou seja, a proposta que aprovava o Tratado para Ratificação entre a CEE e Portugal.
Nessa altura, a nossa decisão fundamentava-se, entre outras razões, pelo facto de a negociação para a adesão portuguesa à Comunidade ter decorrido em circuns-
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tâncias que, na nossa opinião, era francamente negativas e por nunca ter sido aberto um amplo debate nacional sobre tão importante matéria, a exemplo, aliás, do que aconteceu noutros países. Nessa altura dizíamos:
Na falta de um debate nacional, que o Governo sempre contrariou, sobre as consequências políticas, económicas, sociais e culturais da adesão; perante o atraso económico em que o País se encontra face aos países da CEE; tendo em conta a natureza actual da Comunidade Económica Europeia e a crise económica e político-institucional em que continuam mergulhadas, a adesão à CEE inviabiliza qualquer projecto autónomo de desenvolvimento nacional e, por isso, o MDP/CDE se lhe opõe.
Nessa ocasião, também salientámos, a propósito da CEE, que a linha essencial do MDP/CDE a respeito da chamada «integração europeia», linha essa aprovada no Congresso do MDP/CDE em 1981 e que se mantém em vigor, que «o MDP/CDE preconiza uma atitude pragmática em relação a este problema, entendendo que acima de tudo importa apreciar esta questão em análise liberta de opções apriorísticas e que atende exclusivamente à avaliação das consequências políticas, económicas, sociais e culturais da adesão e nas confrontações com hipóteses alternativas».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao referirmos estas nossas posições, pretendemos, desde já, declarar que estamos particularmente à vontade neste debate.
Uma vez que Portugal aderiu à CEE, impõe-se agora, em nossa opinião, defender o melhor possível os interesses do País no seio da Comunidade.
A questão que se nos coloca é a de saber se esses interesses têm sido, na realidade, bem salvaguardados. Perante a falta de um balanço profundo deste primeiro ano - balanço que não deve circunscrever-se apenas ao deve e haver, como o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nos referiu - torna-se, de certo modo, difícil fazer essa análise.
O presidente da Comissão Parlamentar de Integração Europeia e outros deputados apresentaram neste debate muitas das dúvidas que subsistem sobre o papel desempenhado por Portugal na CEE e o comportamento da Comunidade perante Portugal.
O Governo cometeu, na nossa opinião, uma imprudência ao não ter remetido à Assembleia da República em devido tempo o pedido de ratificação. E foi imprudente porque impediu a Assembleia da República de discutir amplamente toda a problemática da CEE; impediu, ainda, o que não deixa de ser grave, a Assembleia da República de obter todos os elementos essenciais para se apreciar convenientemente esta questão.
Teria sido útil para todos, incluindo com certeza o Governo, que, se assim o tivesse feito, facilitaria até a posição de voto a tomar pelos diversos grupos parlamentares. Não o entendeu desta forma o Governo. Fez mal até porque, como ficou perfeitamente comprovado ao longo destas horas, não vai poder fugir a um muito amplo debate na Assembleia da República devidamente preparado e que terá certamente lugar dentro de algumas semanas.
E não basta dizer-se que o debate realizado em Fevereiro tornaria esta discussão supérflua, como ouvimos esta manhã da boca de um dos Srs. Deputados do PSD com mais responsabilidade nesta matéria.
Como é evidente, a Assembleia da República não abdica das suas prerrogativas e, se não recusou o debate proposto pelo Governo, também obrigará o Governo a remeter para a Assembleia da República todos os elementos que forem julgados necessários para esse mesmo debate.
Aliás, nem outra atitude seria de aceitar, até porque o próprio Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou esta manhã que os «problemas novos» que surgem constantemente determinam um diálogo mais estreito com esta Câmara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Acto Único Europeu reveste-se de algumas dificuldades e a sua apreciação deveria ter decorrido com outra profundidade.
Perguntas a fazer sobre o impacte da nossa adesão, existem muitas; terá de ser apreciada, capítulo a capítulo, sector a sector, a presença portuguesa na CEE; terá de ser apreciada a aplicação do Acto Único, nomeadamente no que diz respeito às consequências da construção do grande mercado interno até 1992 sobre uma economia tão débil como a nossa e perante a falta de preparação do País para os problemas que, necessariamente, vamos ter de enfrentar.
O debate de hoje tem revelado as deficiências provocadas pelo método adoptado pelo Governo.
Por exemplo, ficou sem resposta esta questão sobre as consequências para Portugal desse mercado interno, como está por definir claramente se o compromisso do Luxemburgo está ou não em vigor.
Estas e muitas outras dúvidas necessitam de um mais completo esclarecimento, pelo que o Grupo Parlamentar do MDP/CDE não pode .hoje dar o seu voto favorável à ratificação do Acto Único Europeu pretendida pelo Governo.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Brito.
O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Assembleia da República vai proceder à ratificação do Acto Único. Este Acto, nos termos do n.º 2 do seu artigo 33.º, entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao do depósito do instrumento de ratificação do Estado signatário que tenha procedido em último lugar a essa formalidade.
Tendo as diversas instituições comunitárias desde sempre pugnado e reafirmado o interesse em que a sua entrada em vigor se verificasse no início de 1987, uma questão prévia desde logo se nos punha para iniciar este debate: porquê só agora, na última quinzena de 1986, a ratificação? Porquê aguardar desde Fevereiro, data da assinatura do projecto, até 17 de Dezembro para submeter o Tratado à apreciação da Assembleia da República?
Eram perguntas legítimas e que mereciam uma resposta pronta e rigorosa. O Governo, no decurso já deste debate, esboçou algumas explicações, as quais, no entanto, continuam a não nos satisfazer.
E isto porquê? Porque pensamos que o atraso verificado pode aparecer aos nossos parceiros como uma posição de pouco entusiasmo, face à construção europeia, o que, não sendo verdade, nunca deveria ter transparecido, pelas consequências negativas que daí poderão advir para Portugal e para a solidez das nossas convicções na participação da Europa.
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A integração de Portugal nas Comunidades, a par da questão de Timor Leste, são efectivamente dois vectores da política externa portuguesa que têm suscitado um amplo consenso nacional. A atitude do Governo e a carga de ambiguidade que comporta não podem ser aceites pelo PS e por todos aqueles que, como nós, acreditam no futuro do País e da Europa, através da gradual integração das políticas que poderão ser levadas a cabo de um modo mais satisfatório por instituições comuns do que pelos diversos Estados isoladamente.
De insatisfação continua a ser igualmente a nossa apreciação às justificações apresentadas pelo Governo para explicar a ausência de diálogo e cooperação com a Assembleia da República.
A promessa do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, pelo que insere de autocrítica, ao apontar para um novo e profícuo relacionamento com a Assembleia da República, dispensa-nos de repetir as críticas que, neste plano, a quase totalidade da Câmara já formulou.
Fica-nos a esperança que Portugal não será o último país a depositar o instrumento de ratificação junto do Governo italiano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O estabelecimento de uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus foi o objectivo que os seis signatários do Tratado de Roma colocaram a encabeçar o respectivo preâmbulo do Tratado.
Os sucessos obtidos no plano económico e social pelos povos dos países membros das Comunidades Europeias rapidamente demonstraram as vantagens relativas da associação entre Estados e da realização de certas políticas e tarefas por organizações com as características das escolhidas.
O êxito justificou a adesão de outros países a este projecto, de tal forma que, decorridos poucos mais de três décadas sobre a constituição da primeira instituição comunitária (a CECA), a Comunidade Europeia integra já doze países, com perspectivas de próximos alargamentos.
Realidade dinâmica, não ficou indiferente às transformações e problemas da sociedade moderna. Por isso mesmo os seus mentores não deixaram de considerar nos tratados constituintes os preceitos que permitissem aos seus seguidores realizar esta obra da construção europeia. No decurso dos anos, a Comunidade, no respeito pelos princípios e tendo em conta esse objectivo maior, soube adaptar e valorizar as suas instituições, criou os recursos financeiros próprios indispensáveis ao seu funcionamento e majorou os instrumentos para melhor concretização dos seus propósitos.
Neste quadro se insere o Tratado que em 8 de Abril de 1965 cria o Conselho Único e uma Comissão Única para as três comunidades - a CECA, a CEE e a EURATOM; no mesmo contexto cabe a decisão de 21 de Abril de 1970, relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados membros por recursos próprios da comunidade; de igual modo, faz sentido o Tratado que em 10 de Outubro de 1975 altera algumas das disposições do Banco Europeu de Investimentos, como o acto de 20 de Setembro de 1976 relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal, para dar alguns exemplos significativos.
Estas alterações e adaptações, conquanto positivas e oportunas, não foram suficientes para consagrar as mudanças institucionais necessárias para responder às dificuldades provocadas pelos consecutivos alargamentos, não conseguiram resolver os problemas mais prementes com que se debate e confronta a Comunidade, nomeadamente os da modernização e reconversão industrial, dos excedentes da política agrícola comum (PAC) e os da insuficiência dos recursos financeiros, nem tão-pouco asseguraram nos últimos anos o desenvolvimento económico e social que a Europa precisava para acorrer às aspirações e necessidades dos seus povos.
Em consequência, após doze anos de crise, a Europa acumulava desemprego, perdia competitividade em sectores estratégicos e caminhava para uma crescente perda de influência no plano das relações internacionais.
O Acto Único é a resposta possível de uma Europa consciente do seu dever, que reencontrou a sua fé e está animada da vontade de prosseguir a obra de construção europeia, iniciada em Paris e Roma.
Como resposta possível não nos satisfará, nem certamente àqueles que desejavam o salto representado pelo Projecto de União Europeia, aprovado pelo Parlamento Europeu. O Acto Único é, no entanto, um avanço significativo para o reforço da união europeia e garantia do relançamento da economia e da independência da Europa.
As novas disposições aos tratados que instituíram as Comunidades propõem-se construir a unidade da Europa em três planos que consideramos fundamentais: aprofundamento das políticas existentes e extensão das políticas comunitárias a novos campos de actividade; estabelecimento de um novo equilíbrio institucional; promoção da cooperação europeia.
O aprofundamento das políticas existentes visa primordialmente a realização de um verdadeiro mercado interno até 1992. Para a prossecução deste objectivo o Acto Único propõe, a par da criação de um espaço sem fronteiras internas, no qual a circulação das mercadorias, das pessoas e dos serviços é livre, o desenvolvimento de acções tendentes ao reforço da coesão económica e social da Comunidade. A extensão das políticas comunitárias dirigir-se-á fundamentalmente às áreas da investigação e desenvolvimento tecnológico e ao ambiente.
Estes avanços são afirmativos, na medida em que facilitarão as relações inter-Estados e cidadãos comunitários, promovendo simultaneamente a convergência das economias, através de uma melhor e racional utilização dos fundos comunitários pelos países menos desenvolvidos.
Os Estados com economias mais débeis poderão utilizar transitoriamente o artigo 8.º-C para proteger os sectores seriamente afectados.
As disposições do Acto Único não prejudicam as disposições do Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias, pelo que a economia portuguesa só beneficiará da reforma dos fundos estruturais.
Positivas são, de igual modo, as novas políticas de investigação e desenvolvimento tecnológico, pois irão permitir aos investigadores, às universidades e às empresas nacionais beneficiar de apoios financeiros e poder participar no desafio das novas tecnologias, tão necessárias ao crescimento e bem-estar das populações europeias, já agora afectadas pela crescente competitividade da América e do Japão.
As acções da Comunidade em matéria de ambiente, fundamentando-se nos princípios da acção preventiva, da reparação dos danos ao ambiente e no princípio do poluidor-pagador, só poderão favorecer um país como
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o nosso, onde as indústrias fortemente poluidoras estão instaladas e quando se dispõe de uma orla marítima tão extensa. O resultado obtido no plano institucional para melhorar a eficácia de decisão dos órgãos comunitários e para reduzir o défice democrático do Parlamento Europeu, conquanto não corresponda, no nosso ponto de vista, ao que seria legítimo esperar, é um contributo positivo e um sinal inequívoco que a Europa tomou o caminho certo.
A transferência do Conselho para a Comissão das competências de execução das normas emitidas pelo primeiro, a utilização da maioria qualificada em decisões que até agora exigiam a unanimidade e o reforço das atribuições da Comissão e do Parlamento Europeu são progressos que merecem referência especial.
A partir da ratificação do Acto Único a Comunidade disporá de condições mais favoráveis para, em maior liberdade, decidir e agir com oportunidade e de forma mais participada.
O Parlamento Europeu, além do mais, passou a emitir parecer vinculativo nas admissões de novos membros e nos acordos que a Comunidade estabeleça. Um outro aspecto importante deste Tratado tem a ver com a cooperação europeia em matéria de política externa e segurança. Esforçando-se por formular e aplicar, nestas áreas, uma política comum, a Europa, sem limitar a autonomia de cada membro, reforçará a unidade, a paz e a segurança de todos e fortalecerá a sua posição no mundo.
Por outro lado, tendo em conta as posições do Parlamento Europeu sobre a situação de Timor Leste, que a partir da ratificação terão de ser devidamente tomadas em consideração pelos países membros, o Governo português dispõe de uma força e de um espaço de manobra que, correcta e oportunamente utilizados, poderão facilitar o encontro de uma solução que ponha fim à invasão indonésia e permita ao povo timorense encontrar a paz e realizar a sua independência.
O Acto Único não irá, por si só, resolver e responder aos problemas e desafios com que a Europa se debruça. É contudo, mais um passo, lento, mas seguro, no processo da construção e da unidade europeia.
O PS irá, pois, votar favoravelmente a ratificação deste Tratado. Fá-lo com a consciência tranquila e com a convicção de que, pela sua realização, Portugal e os Portugueses irão melhorar o seu nível de vida, viver num espaço de solidariedade e contribuir para a garantia da paz e cooperação no mundo.
À guiza de remate, impõe-se referir que o Governo não deu explicações satisfatórias sobre a política de integração europeia. O Governo não definiu uma concepção clara e coerente sobre o futuro da Europa e sobre o alcance do Acto Único Europeu. De facto, confirma-se aquilo que já receávamos: o Governo não tem pensamento próprio sobre o papel de Portugal nessa construção.
Aplausos do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para produzir uma intervenção, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Acto Único Europeu é um passo importante na construção da Europa. O seu texto resultou do compromisso possível entre os seus Estados membros, mas trata-se de um texto equilibrado onde, como já foi dito por muitos dos deputados e, logo à partida, pelo Governo, os interesses e especificidades de Portugal foram salvaguardados. Aliás, parece ser esta a opinião da maioria dos Srs. Deputados desta Câmara.
No entanto, o projecto europeu enfrenta grandes problemas e não há que os iludir. A título de exemplo, diria que agora há que pôr a funcionar eficazmente esse instrumento importante que é a cooperação política a nível europeu.
Trata-se, também, de enfrentar problemas conhecidos resultantes da aplicação da PAC, dos problemas financeiros existentes e dos fundos estruturais. O mercado interno e a sua ligação à coesão são também aspectos muito importantes que terão que ser tratados em 1987. Esses problemas irão ser discutidos com o Parlamento, para que assim a posição portuguesa possa reflectir uma opinião fundamentada, tendo o acordo de todos os intervenientes.
Quero lembrar aos Srs. Deputados que a generalidade dos Estados membros só em Novembro e Dezembro fez a ratificação do Acto Único. Portanto, não estamos em posição singular e podem estar certos que a posição portuguesa em nada é afectada por o fazermos nesta data.
Srs. Deputados, o Parlamento quer fazer o balanço do ano de 1986, mas esse também é o objectivo do Governo.
Porém, vamos fazê-lo na altura própria, com objectividade, confrontando as nossas opiniões. O Governo tem consciência que, em 1986, muito se fez, mas nesse debate que se irá realizar iremos expor os nossos pontos de vista para os confrontar com os dos Srs. Deputados.
Gostaria, ainda, de dar alguns esclarecimentos a algumas perguntas que aqui foram colocadas. O primeiro refere-se ao problema do veto e ao compromisso do Luxemburgo e devo dizer que não temos dúvidas de que ele se mantém.
O Sr. Deputado Silva Lopes quis saber quais as medidas recentes quanto ao mercado interno. Apenas lhe direi que elas dizem sobretudo referência a problemas de normalização de produtos e que isso em pouco ou em nada nos afecta. Os grandes problemas do mercado interno irão ser resolvidos até 1992 e, como sabem, o que nessa altura não estiver resolvido terá de ser discutido.
Em relação ao caso de Timor Leste devo dizer que esta é uma matéria que é tratada no âmbito da cooperação política e o Governo não deixará de o fazer com todo o interesse, tal como tem acontecido até agora.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Lopes Cardoso.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro, V. Ex.ª disse que o balanço de 1986 irá ser feito e referiu o debate que a Assembleia da República irá promover. Devo dizer que para esse debate a Assembleia espera todo o apoio do Governo, fornecendo-nos todos os elementos que na altura lhe forem solicitados.
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Contudo, vou alertar para um facto que é real e recente. Um jornal da tarde que me chegou agora à mão, na primeira página e com grande relevo, refere o seguinte: «Empresários afirmam: dinheiros da CEE estão a ser mal aplicados» - isto, a propósito de um seminário que está a decorrer.
Sr. Ministro, era conveniente estarmos atentos a todos estes problemas que não são apenas referentes ao Acto Único Europeu - e que a Assembleia da República pretende debater, na sequência do que em 26 de Junho aqui foi afirmado, pois essa matéria já devia ter sido agendada -, mas sim a toda a problemática da CEE e da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, as consequências negativas e positivas e o próprio comportamento dos outros países da CEE perante Portugal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Ministro, há quem tenha por costume começar pelo fim. Ainda esperei um momento para que o Sr. Ministro terminasse pelo princípio, isto é, que aproveitasse a sua intervenção final para dizer aquilo que não disse na sua intervenção inicial.
Porém, verificamos que chegamos ao fim deste debate sem conhecer o entendimento que o Governo tem do significado político que a ratificação do Acto Único assume para todos nós Portugueses e para a Europa. Sobre o essencial o Sr. Ministro e o Governo não disseram nada. Isto significa bem a desvalorização que o Governo pretende trazer a este Acto, patente, aliás, na inexplicável e incompreensível ausência do Sr. Primeiro-Ministro durante todo este debate e no momento da votação que assume uma dimensão de extrema importância. Isto é bem o reflexo do modo como o Governo encara este problema, bem expresso no modo como o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros interveio ao longo deste debate.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pela nossa parte procurámos - até pela multiplicidade das intervenções - dar a este debate a solenidade e a importância que ninguém lhe pode retirar. Mas para a história do nosso país, para a história da Europa, ficará no registo das actas o modo como o Governo e o Ministro dos Negócios Estrangeiros encararam todo este processo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, devo dizer-lhe que, efectivamente, vamos fazer o balanço da nossa actividade em 1986 e vamos discutir toda a problemática da adesão.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso referiu que o Governo não disse o que pensava do Acto Único. Ora, isso não corresponde à realidade; pois, quer no debate que travámos em Fevereiro deste ano, quer na intervenção inicial que formulei, isso foi bem claro.
Quanto à não presença do Sr. Primeiro-Ministro neste debate devo dizer que isso não tem qualquer significado político. Trata-se, pois, de uma impossibilidade e a verdade é que é o Governo quem escolhe quem deve estar presente neste debates.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - O Governo escolhe e nós ajuizámos, Sr. Ministro!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições dou por encerrado este debate.
O Sr. Secretário vai ler a proposta de resolução que vai ser objecto de votação.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Proposta de resolução à Assembleia da República:
Nos termos da alínea d) do n. º l do artigo 200.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de resolução:
Artigo único
É aprovado para ratificação o Acto Único Europeu estabelecido entre os Reinos da Bélgica e da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Grão-Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, concluído em 17 e em 28 de Fevereiro de 1986, cujo texto original em português segue em anexo à presente resolução.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar esta proposta de resolução.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS, votos contra do PCP e a abstenção do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar amanhã, com período de antes da ordem do dia. Do período da ordem do dia consta a discussão da proposta de lei n.º 47/IV; das ratificações n.ºs 106/IV (PCP), 112/IV (PRD) e 115/IV (PS); das propostas de lei n.ºs 48/IV e 49/IV, e a apreciação do Orçamento Suplementar e do Orçamento para 1987 da Assembleia da República.
Às 18 horas proceder-se-á à votação na generalidade da proposta de lei n.º 36/IV, respeitante à Lei de Emparcelamento Rural.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
José Guilherme Coelho dos Reis.
Luís Manuel Costa Geraldes.
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Partido Socialista (PS):
António Domingues Azevedo.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Magalhães de Barros Feu.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Henrique Manuel Soares Cruz.
José Luís Nogueira de Brito.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Henrique Luis Esteves Bairrão.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Luís António Damásio Capoulas.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António Carlos Ribeiro Campos.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Eurico Lemos Pires.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Fernando Pinho da Silva.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Vitorino da Silva Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
António Vidigal Amaro.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira e Costa.
Os REDACTORES, Ana Maria Marques da Cruz José Diogo.
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PREÇO OESTE NÚMERO: 133$OO
_____Depósito legal n. º 8818/85_____
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.