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1295 I Série - Número 32
Sábado, 17 de Janeiro de 1987
Porte pago
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Victor Manuel Caio Roque
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Sumário. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Após leitura do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos (PS), procedeu-se à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n. º 233/IV (PRD), sobre a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo) e do Sr. Deputado já referido, os Srs. Deputados Magalhães Mota (PRD), José Manuel Mendes (PCP), José Carlos Vasconcelos (PRD), José Magalhães (PCP), Andrade Pereira (CDS) e Figueiredo Lopes (PSD).
Tendo sido aprovado na generalidade, baixou o projecto de lei à Comissão para exame na especialidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Anes de Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe Athayde de Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
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Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Octávio Júlio Pereira Machado.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
gostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Silva Costa Carvalho.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
João Carlos Abrantes.
José Estevão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria lida Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello César Menezes.
Eugênio Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
José Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
Narana Sinai Coissoró.
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Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia Mota Santos.
Rui Manuel Oliveira Costa.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: ratificações n.ºs 131/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do PCP, que se refere ao Decreto-Lei n.º 405/86, de 5 de Dezembro; 132/IV, da iniciativa do mesmo Sr. Deputado, da Sr.ª Deputada Maria Santos (Indep.) e outros, do PCP e do MDP/CDE, e 133/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Bártolo Campos e outros, do PRD, ambas respeitantes ao Decreto-Lei n.º 3/87, de 3 de Janeiro; projectos de lei n.ºs 335/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do PCP, que aprova medidas cautelares quanto ao futuro da ANOP e respectivos trabalhadores; 336/IV, subscrito pelo Sr. Deputado António Capucho e outros, do PSD, sobre o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos; 337/IV e 338/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Ferraz de Abreu e outros, do PS, o primeiro sobre a Lei de Bases da Regionalização, e propondo, o segundo, a Lei Quadro da Desconcentração; 339/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Dias de Carvalho e outros, do PRD, sobre a criação de vagas nos hospitais para a frequência do internato complementar, destinadas aos médicos que não tiveram acesso ao Serviço Nacional de Saúde; 340/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Adriano Moreira e outros, do CDS, propondo a Lei de Bases da Regionalização; 341/IV, da iniciativa do Sr. Deputado António Capucho e outros, do PSD, propondo a Lei Quadro das Regiões Administrativas, e 342/IV, da iniciativa do Sr. Deputado José Magalhães e outros, do PCP, que garante a todos o acesso ao Direito e aos tribunais.
Todos os projectos de lei referidos baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com excepção do projecto de lei n.º 339/IV, que baixou à Comissão de Saúde, Segurança Social e Família.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o debate sobre o projecto de lei n.º 233/IV, apresentado pelo PRD, respeitante à Comissão Europeia dos Direitos do Homem.
Estão, pois, abertas as inscrições.
Pausa.
Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª pretende usar da palavra para que efeito?
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente existindo um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre este diploma, parece-me que seria útil começarmos os nossos trabalhos precisamente pela leitura desse relatório.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Almeida Santos, uma vez que V. Ex.ª foi o relator da Comissão, solicito-lhe que proceda à leitura do relatório.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.
Passo, então, a ler o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º 233/IV - Convenção Europeia dos Direitos do Homem:
1 - Foi proposta a retirada das reservas formuladas nas alíneas a), e) e f) do artigo 2.º e no artigo 4.º da Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e a consequente revogação destes dispositivos legais.
Trata-se de reservas ditadas por pretensa inconciliabilidade entre dispositivos daquela Convenção e respectivo Protocolo Adicional n.º 1 e dispositivos concernentes às mesmas matérias da Constituição da República.
Posteriormente, em sede de Comissão, os proponentes retiram a proposta de eliminação da reserva constante da alínea a).
2 - Estabelecida uma reserva, no pressuposto da inconciliabilidade entre uma norma de acordo ou tratado e o disposto na Constituição, nada impede que, num segundo momento, se venha a considerar que esse pressuposto inexiste.
Neste caso, é lícito o levantamento, ou a retirada, de reserva em relação à qual esse erro de apreciação ocorra.
Será esse o caso das reservas cujo levantamento vem proposto? Entende-se que sim.
3 - Na alínea e) do artigo 2.º da Lei n.º 65/78 estabelece-se que a alínea b) do n.º 3 do artigo 4.º da Convenção não obstará a que possa ser estabelecido um serviço cívico obrigatório, em conformidade com o disposto no artigo 276.º da Constituição.
Não é aqui posto em causa o acatamento devido à Constituição da República.
Nenhum excesso de escrúpulo condiziria a identificar - de longe ou de perto - a prestação obrigatória de um serviço cívico com «trabalho forçado ou obrigatório», no sentido em que o toma, e proíbe, o n.º 1 do artigo 4.º da Convenção.
Mas, se dúvidas houvesse, eis que a alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo exclui daqueles conceitos «qualquer trabalho ou serviço que fizer parte das obrigações cívicas normais».
É verdade que, no n.º 3 do artigo 276.º da Constituição, o serviço cívico surge como substitutivo do serviço militar, para os que forem considerados inaptos para o serviço militar armado.
É também verdade que, na alínea b) do n.º 3 do artigo 4.º da Convenção, só se exclui da regra da proibição o serviço substitutivo do serviço militar que for imposto aos objectores de consciência.
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Sendo que a Constituição permite o serviço cívico obrigatório não apenas para os objectores de consciência (n.º 4 do artigo 276.º) mas também para os considerados inaptos para o serviço militar armado (n. º 3 do artigo 276. º) não será caso de esse plus colidir com a proibição estabelecida no n.º 2 do artigo 4.º da Convenção?
É defensável que não!
A Constituição admite dois tipos de serviço cívico. E fá-lo em números autónomos do artigo 276. º
No n.º 4, submete os objectores de consciência o serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado.
No n. I 3, sujeita os considerados inaptos para o serviço militar armado a serviço cívico adequado à sua situação. Um e outro, por conseguinte, diferentes na explicação causal, na natureza e na penosidade.
Assim sendo, o primeiro, aplicável aos objectores de consciência, encontra consagração na alínea 6) do n.º 3 do artigo 4.º da Convenção.
O segundo, aplicável aos inaptos para o serviço militar armado, encontra consagração na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º da Convenção.
Não existe, pois, qualquer colisão entre a Convenção e o nosso texto constitucional.
4 - Na alínea j) do artigo 2. º da Lei n.º 65/78 estabelece-se que o artigo 11. º da Convenção não obstará a proibição de organizações que perfilhem ideologia fascista, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 46. º da Constituição.
Assim é. O próprio artigo 11. º da Convenção, o mesmo que consagra a liberdade de associação - aliás enfaticamente reconhecida no n. I 1 do artigo 46.º da Constituição - admite, no seu n.º 2, que o exercício do correspondente direito pode ser objecto de restrições, desde que se revelem necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.
Recusar-se-á, com um mínimo de seriedade, que uma organização que perfilhe a ideologia fascista, perfilha, de forma organizada, ideias e valores que visam negar e destruir «a. dignidade da pessoa humana» e o respeito pela «vontade popular» em que a República Portuguesa se baseia (artigo 1. º da Constituição) o «respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o pluralismo de expressão e organização política democráticas» em que se traduz o Estado de Direito Democrático que a República Portuguesa é (artigo 2.º da Constituição) em suma, e para não ir mais longe, a «legalidade democrática» em que o Estado Português se funda (artigo 3. º, n.º 2, da Constituição)?
Negar-se-á, com um mínimo de credibilidade, que uma organização que perfilhe a ideologia fascista é, num Estado de Direito Democrático, uma organização dirigida à prática de crimes, e como tal passível de enquadramento no artigo 287. º do Código Penal?
Esqueceríamos que é crime a simples tentativa de, por meio de violência ou ameaça de violência, destruir, alterar ou subverter o Estado de Direito constitucionalmente estabelecido (artigo 356. º do Código Penal)?
Esqueceríamos que é crime de ultrage à República fazer perigar o prestígio do Estado e das instituições democráticas (artigo 363. º do Código Penal)?
Esqueceríamos que é crime o incitamento à desobediência colectiva de leis de ordem pública (artigo 364. º do Código Penal)?
Esqueceríamos, enfim, que constituem crimes autónomos a instigação pública ou a apologia pública de crimes, os acima referidos ou outros?
Dito isto, fica dito quanto basta para que tenhamos a proibição de organizações que perfilhem a ideologia fascista por enquadrável nas excepções expressamente admitidas no n.º 2 do artigo 11. º da Convenção.
Não se trata, como é óbvio, de consagrar uma excepção à liberdade de opinião ou de expressão. Trata-se antes de acolher uma excepção à liberdade de associação ou organização política, para lá da fronteira em que começa o negativo dos valores com que se identifica o Estado de Direito Democrático que somos, pela razão elementar de que queremos continuar a sê-lo!
Anote-se, no entanto, que a Convenção, no artigo 10.º, sujeita às mesmíssimas excepções o exercício da liberdade de expressão, na qual se inclui a liberdade de opinião.
5 - No artigo 4.º da Lei n.º 65/78 estabelecem-se reservas ao disposto nos artigos 1. º e 2. º do Protocolo Adicional n.º 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
5.1 - O artigo 1. º do Protocolo - diz-se não obsta a que, por força do disposto no artigo 82.º da Constituição, as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou accionistas possam não dar lugar a qualquer indemnização em termos a determinar por lei.
Que reza o artigo 1. º do Protocolo? Pois que as pessoas têm direito ao respeito dos seus bens, que ninguém pode ser privado do que é sua propriedade, a não ser por utilidade pública e nas condições previstas na lei e pelos princípios gerais de direito internacional.
Que diz respeito ao artigo 82. º da Constituição?
Que a lei determinará os meios e formas de nacionalização e socialização de meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações.
Isto e só isto. A reserva foi determinada pelo disposto no n. O 2 do artigo 82. º da Constituição anterior à primeira revisão da Constituição, e que foi eliminado por esta.
Desaparecido no n.º 2, desapareceu a justificação da reserva que não só pode, mas deve, ser eliminada.
5.2 - O artigo 2.º do Protocolo - acrescenta-se - não obstará à não confessionalidade do ensino público e fiscalização, pelo Estado, do ensino particular, em conformidade com o disposto nos artigos 43. º e 75. º da Constituição, nem obstará à validade das disposições legais relativas à criação de escolas particulares, em conformidade com o disposto no artigo 75.º da Constituição.
Que diz o artigo 2. º do Protocolo n.º 1 ?
Pois que a ninguém pode ser negado o direito à instrução, e que o Estado no exercício das funções que tem de assumir no campo da educação
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e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas.
Também aqui se não vislumbra fumo de colisão entre este dispositivo e o disposto nos artigos 43.º e 75.º da Constituição.
Bem ao contrário. No artigo 43.º, o Estado garante a liberdade de aprender e ensinar. Que melhor forma de não negar o direito à instrução? Mais do que isso, o Estado demite-se de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
Para além disso, precisa-se que o ensino público não é confessional e garante-se o direito de criar escolas particulares e cooperativas.
Tudo, pois, ao encontro dos receios expressos no artigo 2.º do Protocolo. Se o ensino não é confessional e o Estado se autoproíbe uma programação filosófica ou religiosamente dirigida, que melhor garantia do respeito do direito dos pais a assegurarem a educação dos filhos segundo as suas convicções filosóficas ou religiosas?
De igual modo se não vislumbra como poderia invocar-se o disposto no artigo 2.º do Protocolo para impedir o dever de fiscalização do ensino particular e cooperativo que o artigo 75.º da Constituição impõe ao Estado.
Fiscalizar não é dirigir. E melhor fôra que o Estado se desinteressasse da forma como o ensino é exercido nas escolas privadas e cooperativas, como se de rés inter allios se tratasse.
Os deveres do Estado na realização da política de ensino são os constantes do n.º 3 do artigo 74.º da Constituição. Só esses, mas em todo o caso esses.
Por último, também se não descortina inconciliabilidade entre o disposto no artigo 2.º do Protocolo e as disposições legais relativas à criação de escolas particulares. O artigo 2.º do Protocolo refere as funções que o Estado tem de assumir no campo da educação e do ensino, mas não diz que o Estado tem o exclusivo dessas funções!
Esta reserva, como as anteriormente examinadas, peca por excesso de prurido constitucional!
6 - Não é esta a primeira abordagem da possível remoção de reservas desnecessárias insertas na lei que aprovou a Convenção.
O útil - diziam os romanos - não deve ser viciado pelo inútil. É tempo de facto, de expurgar o excesso.
A proposta não enferma de inconstitucionalidades, é oportuna e meritória, está em condições de apreciação pelo Plenário da Assembleia.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: O parecer da Comissão de Direitos Liberdades e Garantias que acaba de ser lido é esclarecedor sobre o alcance da proposta que temos em debate.
Creio, aliás, que muito pouco terei a acrescentar àquilo que no parecer foi dito. Pensamos que é importante situarmo-nos, em todo o caso, no âmbito da discussão que estamos a fazer.
Durante muito tempo a protecção individual, a protecção de cada cidadão, foi feita directamente pelo respectivo Estado. De facto, quando os direitos das pessoas eram postos em causa por outros Estados, era o Estado de que era cidadão, a pessoa cujos direitos tinham sido postos em causa, que vinha interferir na defesa desses direitos. É a fórmula habitual da protecção diplomática, seja ela directa ou indirecta.
Era ainda a fórmula, tão discutível, da chamada «protecção da humanidade» em que alguns Estados se arrogaram o direito de proteger interesses de cidadãos de outros Estados intervindo assim, pela força muitas vezes, no âmbito da esfera de outros Estados.
Quando falamos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não estamos, no entanto, já no âmbito do direito regulador das relações entre Estados, estamos a assumir, e a assumir plenamente, que aqui são os direitos da pessoa como titular de relações jurídicas que se impõem internacionalmente, que são eles o objecto da intervenção e de protecção, porque são esses direitos que são colocados como impondo-se inclusivamente ao próprio Estado de que as pessoas cujos direitos foram violados são cidadãos.
É este sentido do valor e do primado dos direitos individuais imposto à consciência universal, válido para todos, sobrepondo-se aos interesses do próprio Estado de que são cidadãos as pessoas que estão a ser protegidas, é esta concepção ampla, universal, dos Direitos do Homem que está patente na Convenção Europeia. Por isso, Portugal, que pôde após o 25 de Abril tomar lugar de pleno direito no Conselho da Europa, que pôde aderir à sua Convenção dos Direitos do Homem, tem agora ocasião de retirar algumas das reservas então colocadas a essa Convenção e que, como acaba de ser dito no parecer da Comissão de Direitos e Liberdades e Garantias, muitas delas, logo de início só foram explicadas e explicáveis por um excesso de cautela.
Congratulamo-nos por termos tomado a iniciativa de propor a esta Assembleia que essas reservas fossem levantadas. Pensamos que por esta forma damos um passo mais, e de algum modo um passo importante, no sentido de afirmarmos uma vez mais, com clareza, não apenas a plena adesão portuguesa àquilo que são os interesses essenciais de protecção dos Direitos do Homem, onde quer que eles sejam violados, mas também, a nossa afirmação de respeito profundo pelos direitos da pessoa tantas vezes abandonados ou violentados.
Um dos significados da nossa proposta é também o de afirmarmos aqui, uma vez mais, que a nossa legislação fundamental, que as leis por que nos regemos se aproximam desse sentido profundo de consciência universal de que fomos precursores.
Se o direito fundamental de todos, se o direito primário do Homem, do qual dependem todos os outros é o direito à vida, talvez não seja inútil recordar que fomos precursores na abolição da pena de morte.
Creio, por isso mesmo, que importa salientar por esta afirmação, por este retirar de reservas inúteis, que nos mantemos fiéis a esse espírito, a essa orientação, e que os Direitos do Homem terão em nós, sempre, não apenas defensores, não apenas alguns para quem essa defesa é assumida mas também alguns que nos comprometemos à promoção efectiva desses Direitos, promoção efectiva que tem a ver com condições libertadoras, para que numa autêntica democracia social, económica e cultural, os Direitos do Homem possam ser plenamente afirmados e realizados.
Aplausos do PRD, e de alguns deputados do PSD e do PS.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: As grandes declarações de direitos começaram por ser nacionais; foi o que ainda aconteceu com as norte-americanas. A primeira declaração verdadeiramente universal foi a francesa de 1789; nela pela primeira vez se intentou legislar para o mundo todo inteiro, a partir de concepções de base que se queriam comuns e fundamentais. Tributária desse ecumenismo foi a Declaração de 1948; só que as realidades evidenciavam então que não havia já concepções de base universais; para a formulação comum tiveram que se encontrar soluções compromissórias entre as geografias das ideias.
Iniciou-se, logo depois, um novo percurso: o da regionalização, embora por grandes espaços, da comunidade internacional. Esteve no limiar desse percurso a Convenção Europeia de 1950, à qual se seguiriam a interamericana de 1969 e a africana de 1981.
Realmente, um núcleo coerente de direitos assentará em «princípios gerais»; estes, por seu turno, radicam numa realidade aferível em função de solidariedades estruturais e sócio-culturais determináveis e caracterizadas; já o prudente Montesquieu, em quem muitos encontram o fundador do comparatismo jurídico, acautelava, embora com excesso de precaução, que «as leis devem ser por tal forma adequadas aos povos para os quais são feitas que só por um grande acaso as de um país podem plenamente convir a outros».
Temos, pois, o espaço europeu do Conselho da Europa, com o seu património comum e com o perfil que os séculos lhe têm modelado, e que agora, mais do que nunca, se afirma e revigora.
Mas, a ser assim, como se compreenderá que às grandes regras que no mundo regional do Conselho da Europa terão que prevalecer, porque o definem, possam ser apostas reservas?
O certo, porém, é que exactamente a matéria dos direitos do homem será um dos terrenos em que os Estados se revelam mais reticentes em restringir a plenitude do seu próprio ordenamento; isto tem, aliás, sido evidenciado por uma larga mancha de juristas, dos quais destacarei o tão familiar Jean Rivero.
No que respeita à Convenção Europeia, o problema maior que as reservas poderão suscitar é o de, pelo significado que qualitativa ou quantitativamente convoquem, terem o sentido final de descaracterizar o sistema de protecção de direitos que lhe é subjacente.
No caso português, das que foram apostas, algumas, por certo, o descaracterizariam. Só que estiveram em causa opções não sindicáveis; realmente, não se vê que, em termos práticos, o juízo de avaliação pudesse caber, inquestionavelmente, a qualquer órgão de controle.
Isto muito embora se ter já entendido, noutro plano, que, quando no artigo 64.º da Convenção se dispõe que as reservas de carácter geral não são autorizadas, se remete para a Comissão e para o Tribunal Europeu o encargo de, contenciosamente, se pronunciarem sobre a incompatibilidade daí emergente.
O fundamental será que, no próprio juízo do Estado que formula as reservas, esteja ou não a convicção de que a sua ordem jurídica e o seu estatuto de valores são coadunáveis com os do espaço jurídico e ético do Conselho da Europa.
Ora, bem vistas as coisas, é de concluir que, mesmo colocando a questão em termos contemporâneos aos da Lei n.º 65/78, algumas das reservas sempre seriam de considerar excessivas e, para mais, desnecessárias.
Assim logo o pensei, como lembro nas breves palavras que antecedem a anotação à Convenção, feita em 1980 pelo conselheiro Pinheiro Farinha - no que, aliás, ganhei ou já tinha reconfortante companhia.
Como expressão emblemática dessa perversão ao espírito da Convenção, destacarei, por singularmente demonstrativa, a que introduz ressalva ao princípio que impediria que, pelo canal da legislação ordinária, se facultassem situações de confisco.
Do que desta forma sumariamente pondero incontroversamente advirá que se impõe a remoção, até por não ocorrerem as razões que, a meu ver sem fundamento, determinaram a sua formulação.
É, pois, oportuno o suscitar-se agora o problema na sua sede própria, ou seja, em sede parlamentar.
Oportuno e justo.
Nas suas linhas definidoras, a nossa lei fundamental acolhe um catálogo de direitos, liberdades e garantias que, a todas as luzes, é positivo; indevido seria que Portugal persistisse no empolamento das reticências a um quadro normativo, não divergente, no essencial, daquele que globalmente para ele vale pela sua disponibilidade interna, ou seja, a Constituição.
Acontece apenas que o projecto de lei n.º 233/IV não abrange três das reservas e pela leitura do parecer, que, aliás como sempre, foi concludente e claramente elaborado, pelo Sr. Deputado Almeida Santos tive a notícia de que tinha sido retirada a supressão da reserva relativa à prisão disciplinar dos militares.
Direi, muito sinteticamente, face a este quadro, que considero - e suponho que, indo ao fundo das coisas, todos considerarão, embora, por razões de carácter talvez excessivamente legalista, alguns possam pôr dúvidas a esta reticência constituída pela própria reserva - que a reserva respeitante à televisão não tem razão de ser se não se trouxer à colação a própria problemática que está em causa ao nível conjuntural e político interno.
É que, na realidade - como sempre, aliás, tem entendido a jurisprudência formada sobre o artigo 10.º da Convenção -, ele nunca impedirá o monopólio estatal nesse domínio. Portanto, só por uma razão emblemática ou por uma certa preguiça no indagar e no concluir é que talvez não se possa tomar uma posição frontal no sentido de remoção desta reserva.
A outra reserva tem a ver com o lock-out. É evidente que não se pretende alterar a ordem constitucional; pura e simplesmente, o que acontece é que o artigo 11.º, como, aliás, generalizadamente tem sido entendido pelos autores, não tem rigorosamente nada a ver com o lock-out.
Resta a reserva quanto ao artigo 5.º enquanto colidente com a prisão disciplinar imposta a militares. Não há dúvida de que o problema alcança hoje renovado sentido, face ao disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição depois da revisão de 1982. Questão diversa seria a de se ter de adequar o Regulamento de Disciplina Militar ao preceito constitucional; quer isto dizer que será de manter a reserva, face à redacção deste dispositivo constitucional. A questão de direito interno será a de adequar ou não o Regulamento de Disciplina Militar à própria opção da Constituição.
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Diria que me parece que não há risco de omissão de legislar, não alterando, de imediato, o Regulamento de Disciplina Militar, já que a garantia da via judiciária, prevista na Constituição, quer no artigo 20.º quer no próprio artigo 27.º, é de aplicação directa. Creio, aliás, que nunca terá sido questionada essa garantia.
Esta é, em síntese, a posição do Governo, posição essa que não vai contra o projecto de lei n.º 233/IV. Se não for apresentada uma outra proposta de alteração, creio que será de apoiar o diploma apresentado. Pelo menos o Governo apoia-o, porque é uma decisão parlamentar que, embora, a meu ver, não completa, já representará um significativo passo em frente, até do ponto de vista simbólico, no caminho da normalização da nossa vida e das grandes linhas que normativamente nos conformam.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Quando, em 1978, a Assembleia da República utilizou, relativamente à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o instituto da reserva, agiu com inteira legitimidade, tanto face ao estabelecido pelo direito internacional como, sobretudo, no respeito por normas e valores determinantes da nossa ordem jurídico-constitucional. Os magros protestos surgidos, a propósito e na circunstância, dentro e fora do País, eram de todo infundados, provinham de uma concepção instrumentalista dos direitos fundamentais e revelavam, no plano político, uma mal disfarçada hostilidade ao fértil Portugal de após 1974.
Os anos, entretanto, passavam. E se é verdade que permanecem actuais, sólidas, escorreitas, as razões que militaram a favor da não recepção de certos preceitos da Convenção em apreço, é inegável que, consideradas as alterações desde então operadas, outras normas justificam hoje uma reponderação de atitude por parte do Estado que é o nosso.
Com efeito, se não é possível - nem desejável - mudar de agulha em numerosas matérias, de entre as quais as que referenciam o livre desencadeamento do lock-out (essa terrífica arma contra os trabalhadores) e as que branqueariam a imagem tendendo a desresponsabilizá-los, em importantíssimas latitudes, dos agentes da polícia política do fascismo, nada obsta à avaliação da possibilidade de levantar reservas, aí onde tal se afigure positivo.
O que vem proposto no projecto de lei do PRD visa, no essencial, esferas problemáticas em que as objecções de outrora, depois da revisão constitucional, se tornaram inúteis ou desaconselháveis.
A proibição de organizações que perfilhem a ideologia fascista, claramente prescrita na lei fundamental, não é - nem seria nunca - posta em causa pela Convenção e o que a alínea f) do artigo 2.º da Lei n.º 65/78 quis acautelar foi a menor eventualidade contrária, bem como o não enfraquecer de um princípio vital à sociedade nascida com o 25 de Abril.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Como se sublinha no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tais organizações sempre acabariam
rechaçadas pela legislação penal portuguesa, em harmonia com o n.º 4 do artigo 46.º da Constituição da República, sem que o artigo 11.º da Convenção surgisse a esta luz, inequivocamente conflituando com ele. Na realidade, esse comando admite restrições à liberdade de associação quando tal for indispensável para a segurança nacional e para a democracia, o que sem dúvida ocorrerá com estruturas da índole daquela a que aludi. Por outro lado, não permeabiliza perseguições indevidas a partidos políticos ou entidades de natureza social marcante, uma vez que essas perseguições são liminarmente vedadas pela Constituição.
A reserva aposta ao artigo 1.º do protocolo adicional à Convenção Europeia refere, basicamente, um quadro normativo que a revisão constitucional de 1982 ultrapassou. Mal ou bem, ultrapassou. Está agora consagrado que a lei determinará «os meios e formas de nacionalização de meios de produção bem como os critérios de fixação de indemnizações», o que retira suporte à opção da Assembleia da República em 1978.
Quanto ao artigo 2.º do mesmo protocolo, sublinhe--se que, de facto, não subsistem também estribados motivos para sinalizar colisões entre a Convenção e a Constituição da República Portuguesa, designadamente nos seus artigos 43.º e 75.º
A Convenção estipula o direito universal à instrução e a obrigação de os Estados respeitarem o direito dos pais a assegurar a educação e o ensino dos filhos segundo as suas convicções filosóficas e religiosas. Ora, isso mesmo assegura, até com mais rigor e amplitude, o nosso texto constitucional, com a ênfase que a primeira revisão nele acentuou.
É, de resto, altura de lembrar que a protecção dos direitos fundamentais da Constituição da República é, sem dúvida, bem maior e mais profunda do que a da Convenção. Esta, a diversos níveis de análise, é uma carta modesta de disposições prescritivas, tanto no que se reporta ao elenco dos direitos como no que se prende com a sua extensão e natureza. Basta atentar nas diferenças substanciais na consagração do direito à vida, ou, numa outra vertente, em quanto tem a ver com a dimensão participativa inerente a toda a nossa Constituição de 1976, à força que nela assumem os direitos sociais, laborais, económicos e culturais, que urge promover e efectivar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Vão longe os tempos, porém, em que os protagonistas do retrogradismo erigiam em estandarte a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cuja matriz originária liberal, surgida no áspero contexto da «guerra fria», declarava propósitos contraditórios mas, em geral, benvindos. É evidente que no momento que vivemos, como o foi no passado, é totalmente ilídimo procurar, neste diploma que agora examinamos, instrumentos para constranger, na ordem interna, as liberdades públicas e individuais. Sendo certo que a Convenção foi uma das fontes da Constituição da República, sempre esta prevaleceria, prevaleceu e prevalece sobre o direito infraconstitucional. Daí que, no termo de adequada reponderação, entendamos viabilizáveis as propostas em discussão, tendentes à retirada de algumas reservas formuladas pelo Estado Português há oito anos através da Lei n.º 65/78, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
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Entendemos mesmo que, para além do que se irá votar em matéria relacionada com questões da objecção de consciência do serviço cívico e outras no âmbito das Forças Armadas, nada impediria que se tivesse alcançado mais longe, integrando quanto se relaciona com a prisão disciplinar dos militares cujo regime se encontra, na malha rigorosa que se reputa válida, na nossa Constituição, não podendo ainda uma vez as normas convencionais sustentar procedimentos que afrontem a lei suprema que nos rege.
O Sr. José Magalhães(PCP): - Muito bem!
O Orador: - São cinco, em nove, as reservas quê agora se retiram. O PCP considera esse facto positivo e agirá em conformidade. Importa não coonestar empolamentos gratuitos ou espúrios, não zelar pela procrastinação de inutilidades, não valorar o que, valendo o que vale, concita um tratamento sereno e qualificado. Isso fazemos, defendendo, como todas as circunstâncias, os valores democráticos e libertadores a cuja luz avaliamos os preceitos e as leis que hão-de vigorar na nossa ordem jurídica.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem á palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: Relativamente às reservas cuja retirada foi proposta, não tenho nada a acrescentar ao que vem expresso no relatório de que fui relator. Aliás, se houvesse algo a acrescentar, tê-lo-ia feito, com a autoridade que tem nesta matéria o Sr. Ministro da Justiça, não por ser ministro, mas por ser um jurista que de longa data se vem batendo neste domínio pela dignificação da pessoa humana e pela afirmação dos direitos fundamentais.
Portugal - diz a Constituição - rege-se nas relações internacionais pelo respeito dos direitos do homem. Já assim era antes da actual Constituição, se este respeito fosse referido, como tem de ser, a Portugal. Infelizmente, se referente a alguns governos que tivemos e ao regime que precedeu o actual esta afirmação não teria sido verdadeira, antes pelo contrário!
Diz também a nossa Constituição que os preceitos constitucionais ilegais relativos a direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Digamos que a Constituição se não esqueceu de dizer o fundamental para que não restem dúvidas de que também o nosso ordenamento constitucional acolhe o essencial da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Relativamente à Declaração Universal dos Direitos do Homem, penso que ela até tem prevalência sobre a própria Constituição, tal como hoje, depois da adesão de Portugal à CEE, teremos que, brevemente, em sede de revisão constitucional, consagrar claramente que o direito supranacional comunitário se impõe ao próprio direito constitucional português. É mais uma achega para a problemática dos direitos fundamentais.
Quando em 1950 se aprovou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, depois de já estar em vigor a Declaração Universal dos Direitos do Homem, quis-se criar o que foi chamado na altura «um espaço jurídico europeu» numa matéria que é particularmente grata aos" juristas: os direitos fundamentais.
E porquê se o essencial já estava na Declaração Universal dos Direitos do Homem? Porque se entendeu que, apesar de tudo, a sanção da Declaração Universal era mais ética do que jurídica (se não exclusivamente ética) e que era preciso criar na Europa um espaço de ordenamento jurídico europeu em que esses direitos fossem, digamos assim, submetidos a qualquer sorte de sancionamento, no caso de não serem respeitados. E foi assim que, de algum modo, se quis dar corpo a uma constituição alargada supranacional - não, por enquanto, imposta às próprias constituições nacionais -, em que não estão reconhecidos senão os direitos que, politicamente, são passíveis de uma exigência de acatamento.
É assim que, por exemplo, não nos temos de espantar por não ver consagrada nesta Convenção a condenação da pena de morte e de muitos outros direitos - valeria a pena fazer uma recolha dos principais. Por exemplo, não se encontram lá os direitos de asilo, de não extradição ou ao reconhecimento de uma determinada nacionalidade (direito à não apatridia), não está lá o reconhecimento à assistência judiciária em processo civil - esta é uma recolha que fiz de uma leitura sumária, mas há muitos outros -, nem o da imputação da prisão preventiva no cumprimento da pena, nem o da indemnização por acidente, nem o do direito funcional de promoção na carreira. Não se encontram também consagrados na referida Convenção os direitos de revisão do processo de acção penal contra juizes ou funcionários governamentais ou de recurso para instâncias superiores.
Estes são apenas alguns exemplos, para vos dar a ideia de que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem é uma convenção realista e que se situa no domínio do exigível, no domínio do cumprimento e do acatamento exigível e até sancionável. Por isso mesmo ela contém, normalmente, ressalvas que tornam desnecessárias as reservas que habitualmente são apostas pelos Estados membros do Conselho da Europa.
Estou de acordo com o Sr. Ministro da Justiça quando diz que talvez pudéssemos ter sido mais audazes e vou até fazer duas afirmações que podem ser chocantes, embora vá depois tentar justificá-las.
A primeira é a de que foi pena que o PRD tivesse retirado a reserva relativa à prisão disciplinar imposta a militares, em conformidade com o Regulamento de Disciplina Militar (RDM).
Porém, a afirmação talvez mais imprevisível que possa fazer, até porque estive ligado à génese de algumas destas reservas, é a de que, na minha convicção, não há hoje nenhuma reserva que não seja susceptível de ser retirada. Aliás, acho que deveríamos pensar seriamente nisto, porque cada reserva destas é uma «nódoa» que temos na nossa face de país vanguardista dos direitos humanos, dos direitos fundamentais.
Por que é que, sumariamente, estou convencido de que nenhuma reserva é irretirável?
Relativamente à reserva consistente na prisão disciplinar imposta a militares, ela parece-me de retirar por esta razão: a nossa Constituição, em sede de revisão constitucional, veio permitir a prisão disciplinar imposta a militares, desde que haja recurso para um tribunal superior.
Penso que ainda não foi feita a adaptação da legislação ordinária a este normativo constitucional, nomeadamente o RDM, como, aliás, foi revelado pelo Sr. Ministro da Justiça - esse é, no entanto, problema
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da legislação interna. Só que, a partir do momento em que a própria Constituição permite a imposição da prisão disciplinar a militares, não vejo qualquer razão para que se não possa retirar a reserva oposta ao artigo 5. º da Convenção.
A única objecção que, em sede de Comissão, foi invocada diz respeito ao receio das Forças Armadas de que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem se pudesse sobrepor, na ordem interna, à própria Constituição da República. Contudo, não creio que esse receio seja de manter.
Porém, se realmente fosse de manter, diria então que no próprio artigo 5. º da Convenção, relativo à liberdade e segurança, se excepciona o caso do preso ou detido legalmente para garantir o cumprimento de uma obrigação prevista por lei.
O RDM é lei, e se não é, que se lhe dê mais dignidade legislativa - transforme-se em decreto-lei ou mesmo em lei. Porém, se assim for, penso que a própria Convenção, mesmo no caso, que creio não ser de acolher, de a considerarmos supranacional e impositiva em relação à própria Constituição da República, contempla, de entre as suas excepções, a excepção da imposição de penas de prisão a militares no caso previsto na Constituição da República.
Não há, portanto, que ter os receios que parecem ter levado à recomendação de última hora, por parte das Forças Armadas, relativamente a esta reserva.
Outra reserva que me parece retirável - e nisso estou de acordo com o Sr. Ministro da Justiça - é a relativa à televisão. Contudo, nem sempre pensei assim - devo dizê-lo com toda a honestidade. No entanto, não tenho, neste momento, a menor dúvida de que a reserva relativa à televisão, ou seja, a reserva segundo a qual o artigo 10. º da Convenção não impedirá que, por força do n.º 6 do artigo 38.º da Constituição, a televisão não possa ser objecto de propriedade privada, é perfeitamente retirável. E porquê?
Em primeiro lugar, porque, entretanto, houve jurisprudência do Conselho da Europa no sentido de que esta reserva não é impeditiva do monopólio estatal da televisão - é a interpretação das próprias instâncias do Conselho da Europa.
Por outro lado, há também uma discordância, no sentido de que a expressão «autorização», que se encontra no texto da Convenção (artigo 10.º), não exclui o monopólio do Estado sobre a TV.
Portanto, há hoje uma interpretação que, folgadamente, nos permite estar tranquilos na retirada de mais esta reserva.
No entanto, diria que, até com mais atenção, a simples leitura do artigo 10.º da Convenção permitiria esta conclusão, pois o referido preceito diz o seguinte: «O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.» Assim, e bem interpretado, este «regime de autorização prévia» contempla ou pode incluir, como é obvio, a não autorização a determinados sectores de actividade.
Isto parece-me claro e é certamente este raciocínio que se encontra na base da jurisprudência do Conselho da Europa.
Estou igualmente de acordo com o Sr. Ministro da Justiça, quando diz que o artigo 11.º da Convenção não tem nada, mas rigorosamente nada, a ver com a proibição do lock-out. Não sei de onde veio esta reserva, mas a verdade é que, mesmo lido à lupa de uma grande exigência ou de uma grande generosidade o artigo 11.º da Convenção, ele não tem rigorosamente nada a ver com a proibição do lock-out. Portanto, não teríamos nunca que recear que este artigo 11. º pudesse criar qualquer problema à permanência constitucional da proibição do lock-out.
Finalmente, com algumas dúvidas mais - e talvez isso dependesse de um estudo - mais cuidado -, penso que já não se justifica, hoje (justificou-se na altura em que foi formulada), a reserva consistente no facto de se dizer que o artigo 7. º da Convenção não obstará à incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS, em conformidade com o disposto no artigo 309. º da Constituição.
Não sei se há ainda algum processo à espera de julgamento, mas se não houver só esse facto permitirá a eliminação da reserva.
Porém, se existir ainda algum, nessa altura eu próprio porei reservas à eliminação das reservas, embora deva dizer que também aí um estudo mais cuidado me leve a supor - mas, por enquanto, não a concluir que a própria Convenção também contém elementos (as tais cautelas que caracterizam o pragmatismo desta Convenção) que permitiriam dispensar, mesmo originariamente, esta reserva.
Pois, o que é que diz o artigo 7.º da Convenção? Diz que «ninguém pode ser condenado por uma acção ou omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção segundo o direito nacional ou o internacional».
Sabemos que não a constituía no direito nacional, pois era um direito que protegia exactamente os agentes da PIDE/DGS, mas sabemos que no direito internacional houve sempre normas punitivas dos crimes cometidos profissionalmente por qualquer agente da PIDE/DGS e que estavam implícitos no facto de serem agentes de uma policia política.
Diz a Convenção que não pode ser igualmente imposta «uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida». No entanto, diz depois o seguinte: «O presente artigo não invalidará a sentença ou a pena de uma pessoa culpada de uma acção ou omissão que, no momento em que foi cometida, constituía crime segundo os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas.»
Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas estão, em termos de defesa do homem, nas convenções universais de direitos, e todas essas convenções são a condenação mais formal e mais cabal daquilo que era um agente da PIDE/DGS, pelo facto de o ser ou em acção profissional.
Eis, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, as razões pelas quais penso estarmos em condições de eliminar, uma a uma, todas as nódoas que sujam a nossa face de pais vanguardista na defesa dos direitos fundamentais.
E devo dizer que as convenções internacionais que começaram por parecer, ou até por serem consideradas em muitos aspectos como um delírio imaginativo de idealistas que não tinham os pés assentes no solo e na problemática do seu tempo, transformaram-se numa «bomba» mais explosiva que as armas mais explosivas inventadas pelos armamentistas militares. Desta «bomba» eu sou «bombista» e acredito que no momento em que esses idealistas - que, afinal de contas, merecem tanto e em tão alto grau o nosso respeito e a nossa admiração - resolveram ultrapassar
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as filosofias do pecado original, negar a maldade natural e acreditar na capacidade do homem, secundado pelos meios que a ciência e a técnica, sobretudo no domínio da comunicação, do entendimento e da informação instantânea, puseram ao nosso alcance, as convenções universais de direito fizeram mais nos últimos anos - e nos próximos anos farão mais - pela dignificação do homem e pela libertação dos homens do que séculos de luta cívica, de proselitismo religioso e de tudo o que esteve no caminho dessa mesma luta.
Por essa razão, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, empenhemo-nos a sério em levar mais longe a eliminação de reservas à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Eu próprio, se o meu partido estiver de acordo - e tenho a certeza que está - tomarei muito brevemente uma iniciativa nesse sentido. Nessa altura, certamente que encontrarei a melhor compreensão por parte de todos os Srs. Deputados, que farão, tal como fiz agora - e lamento tê-lo feito tão tarde -, um estudo mais aprofundado das reservas que foram formuladas, umas injustamente, outras justamente, mas que caíram em pecado de desactualizarão e desnecessidade.
Repito: tenho como certo que hoje nenhuma delas tem justificação inultrapassável.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr Deputado Almeida Santos, referiu o Sr. Deputado ter sido pena que o PRD tivesse retirado a sua proposta relativa à prisão disciplinar dos militares. Efectivamente isso aconteceu.
Porém, queria perguntar a V. Ex.ª se não tem conhecimento de que isso ocorreu por proposta de outros partidos, apenas para encontrar na Comissão um consenso nessa matéria, não levantando problemas que neste domínio, como já se disse, outros partidos puseram.
Caberá também lembrar que se o PRD não propôs o levantamento de outras reservas, foi por entender que por uma questão de urgência, devia, desde já, fazê-lo em relação a estas que eram consensuais e, por conseguinte, sem prejuízo de, a curto prazo, e logo que se entenda haver condições para tal, propô-lo relativamente às restantes.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, creio que estaremos todos de acordo em que as nossas reservas de 1978 -,que de resto foram aprovadas por unanimidade nesta Câmara com excepção de uma disposição que teve a abstenção, se não me engano, do PSD - foram cautelas. Neste ponto, estamos todos de acordo e também quanto ao facto de que algumas acautelam demasiadamente interpretações da Convenção que, por sua vez, são excessivas.
Lembro-me do clima de alguma paixão com que, na altura, esta matéria foi debatida e de algumas dessas interpretações excessivas da Convenção. Por exemplo, algumas das interpretações que o Sr. Deputado Almeida Santos acabou de exarar - e bem, quanto a mim - quanto ao alcance de certos normativos da Convenção, eram então objecto de dúvidas em sentido contrário. Creio que foi um pouco a pulsão resultante dessas interpretações em sentido contrário que levou esta Assembleia a acautelar, através de reserva, o nosso direito interno.
Ora bem, isto conduz-nos à questão de que ainda hoje, em todo esse debate, tem sido entendido como coisa certa, e ainda que haja discussão apaixonada sobre a questão na doutrina, que a Constituição prevalece sobre o direito convencional, qualquer que seja a sua natureza, incluindo, naturalmente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Como a Constituição, no artigo 16.º, n.º 1, estabelece que «os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional», mas com um sentido aditivo e acumulativo e não com um sentido restritivo ou de conflito, dir-se-ia: excelente! Importa que Portugal faça reservas só para acautelar uma coisa: não a aplicação interna dessas normas, mas que o Estado português não perca a face na ordem internacional, assumindo obrigações que não pode cumprir.
Donde creio ser pacífico que é e será proibido, por exemplo, o lock-out, dado o conteúdo da nossa ordem interna, que são e serão proibidas as organizações fascistas e que é possível, ainda que infelizmente sossobre, a incriminação dos ex-pides na nossa, ordem interna, neste quadro ou noutro, com o levantamento de reservas ou não. Só que isto acautela algumas interpretações, o que pode ser útil.
Não percebi, na sua intervenção, a referência de que a adesão de Portugal às Comunidades teria neste ponto alterado, em qualquer coisa, o quadro da questão. É que como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tem nada a ver com as Comunidades, estritamente e no sentido exacto, porque existia antes delas, pois estas possuem uma estrutura própria, sendo inclusivamente problemático e discutido o regime dos direitos fundamentais no quadro dos tratados constitutivos da CEE, e como tem desde logo com os países subscritores um âmbito de vigência muitíssimo mais vasto do que as Comunidades, creio que a nossa adesão não alterou em nada, neste ponto, o nosso regime em relação à Convenção. Terá colocado problemas - que de resto foram em parte acautelados na revisão constitucional - quanto às normas de direito comunitário, ao qual estas não pertencem, mas não quanto a este ponto.
Por conseguinte, gostaria que o Sr. Deputado Almeida Santos precisasse a sua noção sobre as relações neste ponto entre o direito interno e a Convenção Europeia, porque me parece que o nosso direito interno está e estará salvaguardado.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra para responder, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª já não dispõe de tempo, Sr. Deputado. Porém, a Mesa concede-lhe o tempo necessário para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram colocados.
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Começando, dado a pergunta estar mais fresca, pela questão colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer que referi o alargamento do espaço - de direito supranacional, exactamente pela nossa entrada nas Comunidades. Não disse que a Convenção fizesse parte deste espaço, mas sim que a tendência é no sentido da existência de um direito supranacional, que sucessivamente se vai impondo ao direito interno e que, como tal, temos que estar atentos às convenções universais que tenderão a transformar-se em direito supranacional.
Quanto às cautelas excessivas, não neguei que elas tivessem alguma justificação na altura, mas muitas delas deixaram de a ter. O problema é que se algumas estão velhas, outras foram tornadas inúteis pela revisão constitucional, como é o caso de uma que já foi referida. Interrogo-me, mesmo se outras não decorreram de uma leitura apressada da própria Convenção ou do desconhecimento da jurisprudência das suas altas instâncias. Trata-se de uma revisão, de uma reflexão que deveríamos fazer agora.
Quanto ao que o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos referiu, vamos historiar o ocorrido na Comissão. Aí, começámos por fazer uma discussão muito demorada sobre a necessidade ou desnecessidade da reserva relativa à prisão imposta a militares. Houve um debate muito vivo e penso que, nessa altura, conseguimos convencer os Srs. Deputados que entendiam que a reserva era necessária, de que não o era, com base no facto de ter havido uma alteração da Constituição. E tanto assim que foi elaborado um primeiro relatório em que se concordava também com a retirada dessa reserva e que deu entrada na Mesa, como o Sr. Presidente sabe. Ontem mesmo pedimos para substituir esse relatório por outro, que foi aquele que acabei de ler e onde se consagrava a retirada dessa reserva.
Então, o que aconteceu entretanto? Aconteceu que um Sr. Deputado se fez - e muito bem - porta-voz de alguns receios das Forças Armadas, não no sentido de não reconhecerem que na Constituição estava agora claramente expressa a possibilidade da prisão disciplinar imposta a militares, mas sim quanto ao risco de a Convenção Europeia dos Direitos do Homem se sobrepor como lei supranacional à própria ordem jurídica constitucional portuguesa. Fui logo da opinião de que, obviamente, me parecia que não; se fosse a Convenção Universal não teria essa certeza, mas quanto à Convenção Europeia, pareceu-me que não. Porém, resolvemos dar a nós próprios um tempo de estudo e reflexão sobre este problema, a fim de podermos depois voltar a discuti-lo. Quando nos preparávamos para fazê-lo, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos tomou a atitude que veio a ser consagrada no relatório, para evitar problemas e melindres, bem assim como novas frentes de problemáticas com as Forças Armadas. Dessa forma, prudente e cautelarmente, a fim de evitarmos aqui uma nova frente de debates e questões, decidimos manter essa reserva. Assim, veio a ser consagrado, no último relatório, o facto de ela ter sido, não retirada da Convenção, mas sim da proposta do PRD. Suponho que reproduzi com fidelidade tudo o que se passou.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Em 1978 esta Assembleia, aprovando a proposta de lei n.º 202/I, decretou a ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Protocolo Adicional n.º 1 à mesma Convenção. Nasceu assim a Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro.
Foi um passo importante no caminho da liberdade. Foi um acto de inegável significado histórico. Foi, como assinalou o então deputado Francisco Lucas Pires, o «primeiro acto de estável, global e definitiva integração nacional na ordem jurídico-constitucional europeia».
Àquela ratificação foram, porém, opostas as reservas constantes das diferentes cláusulas do artigo 2.º e do artigo 4.º da dita lei.
Contra tais reservas se pronunciaram, desde logo, algumas entidades e não tão pouco significativas como há pouco referia o Sr. Deputado José Manuel Mendes. Contra essas reservas se pronunciou logo a Ordem dos Advogados, que, em sessão de 2 de Dezembro de 1978, escreveu designadamente: «Lamenta que, apesar de decorridos cerca de 28 anos da conclusão em Roma da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (4 de Novembro de 1950) e de passados cerca de 26 anos da assinatura em Paris do seu 1.º Protocolo Adicional (20 de Março de 1952), seja ainda necessário, por força da ambiguidade legislativa vigente, proceder à respectiva aprovação com as reservas que da referida Lei n.º 65/78 ficaram a constar.»
E acrescentava-se: «Chama a atenção para que, devendo os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem» - argumento, de resto, há pouco já utilizado pelo Sr. Deputado Almeida Santos - «e sendo certo que a Convenção Europeia agora aprovada se destina - segundo o seu preâmbulo - a assegurar o reconhecimento e aplicação universais e efectivos dos direitos enunciados naquela Declaração Universal, resulta em puro absurdo, denunciador de contradições intrínsecas, a formação de reservas àquela Convenção Europeia com fundamento em determinadas disposições da Constituição.» Isto dizia, logo após a aprovação da lei, a Ordem dos Advogados.
De resto, crê-se que tais reservas resultaram do calor e da paixão que a então recente aprovação da Constituição terá ditado, porventura num excesso de cautela, que essas mesmas reservas traduzem.
O direito internacional convencional prevalece sobre o direito ordinário interno, mas cede, como é entendimento generalizado na doutrina e decorre do artigo 277.º da Constituição, perante o direito constitucional, com excepção da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Para além disso, crê-se pertinente que hoje, volvidos dez anos de vigência da Constituição, porventura com mais capacidade de serenidade, nos interroguemos se as normas da Convenção a que aludem as reservas brigam realmente com os também ali indicados preceitos constitucionais.
Quanto às reservas cuja eliminação se propõe no projecto de lei em debate, o parecer da 1.ª Comissão, da autoria do seu presidente, deputado Almeida Santos, demonstra, com clareza inexcedível e sólida argumentação, que lhe são de timbre, a não existência de qualquer inconciliabilidade.
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Seria estulto da minha parte estar a procurar acrescentar a essa argumentação o que quer que fosse, porquanto ela é de todo conclusiva e irrebatível.
Impõe-se a retirada daquelas reservas, pelo que aprovaremos, sem hesitações, com gáudio mesmo, a iniciativa em apreciação, até porque publicamente, há já bastante tempo, tínhamos anunciado a intenção de propor a eliminação dessas e de outras reservas. Mas não deveremos ir mais longe, «expurgar o excesso», investigar a medida do excesso?
De outras reservas sim, porque, aprovado o projecto de lei da iniciativa do PRD, põe-se a questão de saber se não deveremos ir mais longe, se não deveremos expurgar todos os excessos que, no fundo, essas reservas contêm e analisar cuidadosa e detalhadamente qual a medida desse excesso.
Já foi aqui demonstrado, quer na intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, quer na do Sr. Ministro da Justiça, que, pelo menos no que concerne às reservas relativas à televisão e ao lock-out, essas reservas não têm qualquer espécie de sentido. Não têm relativamente à televisão, pois o que a reserva pretendeu foi que o artigo 10.º da Convenção não se opusesse, não colidisse, com a afirmação constitucional do n.º 6 (hoje, n.º 7) do artigo 38.º, de que a televisão não pode ser objecto de propriedade privada. Mas a verdade é que hoje, quer pelo entendimento que a nível internacional se tem tido, quer pela própria evolução que nesta Assembleia se vem registando, no sentido de que a televisão, entendida como um serviço público, pode ser objecto de concessão, há razões para tornar perfeitamente inútil, para tornar desnecessária a existência dessa reserva, ou melhor, para permitir que essa reserva se mantenha formulada em relação à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Também, relativamente ao lock-out, se diz na lei que agora se pretende alterar que o artigo 11.º da Convenção poderia colidir com a proibição constitucional do lock-out. É óbvio que não se pretende - e é necessário que isso fique claramente dito - bulir minimamente com a proibição constitucional do lock-out. Mas o que acontece - e que a nosso ver é claro - é que o artigo 11.º da Convenção não tem rigorosamente nada a ver, nem de longe nem de perto, com a proibição constitucional lock-out, que respeitamos e que não pretendemos sequer ver alterada.
Efectivamente, no artigo 11.º da Convenção o que se diz é que qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses.
Ora, sabendo, como se sabe, que a proibição de lock-out é exclusivamente uma imposição constitucional, no sentido de vedar às entidades patronais o recurso ao encerramento da empresa como meio de luta contra os trabalhadores, isto é, o que se pretende é que o postergamento de tal proibição não se analise numa violação do contrato de trabalho e está fora de dúvida que isso não tem rigorosamente nada a ver com o conteúdo do artigo 11.º da Convenção.
Por ser assim - e porventura baseados em considerações do tipo daquelas que, com todo o brilho, foram feitas pelo Sr. Deputado Almeida Santos - somos mesmo levados a considerar se todas as reservas não deveriam ser afastadas. Mas, pela nossa parte, propomos formalmente em sede de alteração ao projecto em discussão que sejam eliminadas as reservas constantes das alíneas c) e d) do artigo 2.º da Lei n.º 65/78, por entendermos que o estado actual, quer do direito internacional quer do entendimento que nesta Assembleia se vem fazendo dos preceitos constitucionais invocados como colidindo com aquelas normas da Convenção, permite, sem sombra de dúvida, que se afastem também estas reservas.
Para além disso, cremos que vale a pena em sede de comissão - e é esse o objectivo da formulação destas duas propostas de alteração - que nos detenhamos com mais cuidado, serenidade e ponderação na análise destas questões. Daí a razão de termos apresentado tais alterações. Entendemos que seria um passo importante no caminho que irreversivelmente vamos trilhar da europeização da nossa ordem jurídica o afastar de todas as reservas a esta Convenção.
Propomos estas duas na esperança de que todas, já ou ao menos após a revisão constitucional, possam ser afastadas exactamente para cumprirmos esse objectivo.
Aplausos do CDS e do deputado do PSD Cuido Rodrigues.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Figueiredo Lopes.
O Sr. Figueiredo Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Quando em 15 de Junho de 1978, a Assembleia da República aprovou por unanimidade «com aplausos gerais de pé» - como rezam as actas da reunião plenária desse dia - a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, viveu-se aqui um momento histórico e deu-se mais um passo na consolidação do nosso Estado democrático de direito.
Ao aderir à Europa dos direitos humanos, Portugal integrava-se, desde logo, na ordem democrática comum a todos os países da Europa Ocidental.
Não é por isso estranha que a aprovação e ratificação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos seja unanimemente reconhecida como um acto de grande significado histórico e tenha sido saudada com entusiasmo pela larga maioria de deputados que, então, constituíram esta Câmara.
Do mesmo modo também não é de estranhar que o Partido Comunista Português não tenha mostrado o mesmo entusiasmo e, tal como hoje aqui repetiu, tenha, na altura, falado de que estávamos perante uma pequena Convenção de pequenos direitos numa pequena Europa...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é inquestionável.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Nem o senhor, seriamente, consegue discutir isso.
O Orador: - Ao integrar normas de direito internacional europeu na ordem jurídica portuguesa, o nosso país deu mais um passo no sentido da sua plena adesão à Europa das Comunidades, à Europa do Mercado Comum. Portugal, que já na altura era membro do Conselho da Europa, conferia com esta ratificação maior credibilidade internacional à sua jovem democracia e reforçava a sua voz nas Comunidades Europeias.
O Partido Social-Democrata, pela voz autorizada dos seus deputados, manifestou-se particularmente activo e empenhado no debate da proposta de lei que aprovava
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para ratificação a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E tinha particulares razões para adoptar esta atitude. É que a ideologia social-democrata e reformista, defendida e praticada pelo nosso partido, inspira-se e assenta nos valores fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade humana.
Para nós, a finalidade última e de todas as instituições sociais corresponde ao livre desenvolvimento da personalidade integral de cada ser humano. Lê-se, com efeito, no programa do Partido Social-Democrata que «a trave mestra da ordem democrática é o reconhecimento e a promoção dos direitos fundamentais, inalienáveis e imprescritíveis do Homem».
E Sá Carneiro, numa declaração feliz, cheia de conteúdo e de sentido programático, sintetizava estes valores ao dizer que «a pessoa é a medida e o fim de toda a actividade humana. E a política tem de estar ao serviço da sua inteira realização».
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Não reivindicamos, obviamente, o exclusivo da defesa dos direitos e das liberdades fundamentais, mas queremos que aqui seja relembrado o bem fundado das posições que, em 1978, assumiram aqueles que votaram favoravelmente a Convenção. Do mesmo modo, votaremos favoravelmente o projecto de lei do PRD, que retira algumas das reservas estão formuladas.
As reservas à Convenção destinam-se a ressalvar a vigência de normas constitucionais que se não conformavam com as disposições da Convenção. Elas só se justificam, porém, na medida em que a nossa legislação ainda não esteja a par da legislação europeia em matéria de direitos e liberdades fundamentais.
A revisão constitucional de 1982 veio harmonizar algumas dessas disposições, pelo que, hoje, se tornam supérfluas as correspondentes reservas. A proposta de lei vai, pois, ter o efeito de limpar de disposições supérfluas e desnecessárias os textos legais que ratificaram a Convenção e os Protocolos que lhe são anexos.
Pensamos - como aqui já foi dito pela voz autorizada do governante e do cidadão combatente dos direitos do homem que é o Sr. Dr. Mário Raposo e pela clarividência e frontalidade. do deputado Sr. Dr. Almeida Santos - que se poderia ir mais longe na eliminação daquelas reservas que hoje já não se justificam por na ordem jurídica nacional se terem eliminado as contradições que justificaram as reservas.
Mas, no que respeita à eliminação da reserva revista na alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 65/78, não queremos deixar passar a oportunidade de apoiar a iniciativa do partido proponente ao retirar a eliminação desta mesma reserva. Como é sabido, trata-se de uma reserva que respeita à possibilidade de aplicação de sanções disciplinares militares privativas da liberdade. E o problema da adequação dessas sanções privativas da liberdade às prescrições do artigo 5.º da Convenção não deixa de ser, hoje em dia, no direito europeu, um dos mais controversos, não tendo sido, ainda, encontrada uma solução satisfatória em muitos países.
Como é sabido, ao enumerar taxativamente os casos em que a privação da liberdade é legítima, o artigo 5.º da Convenção proíbe implicitamente a aplicação desta pena pelo poder hierárquico. Esta é uma das razões da reserva, mas há mais. Os Estados europeus que subscreveram a Convenção com idêntica reserva têm procurado adaptar as suas leis nacionais a esta norma internacional ou interpretar esta última em termos de permissibilidade. Como é evidente, qualquer adaptação
da lei nacional ao imperativo convencional passa ou pela extinção desta pena ou pela sua jurisdicionalização.
Curiosamente, a lei portuguesa que aprova o Regulamento de Disciplina Militar permite que haja possibilidade de recurso contencioso para um tribunal, o Supremo Tribunal Militar, da aplicação das penas privativas da liberdade. Simplesmente, esta possibilidade é limitada às decisões dos chefes dos estados-maiores, entidades que se encontram nos topos das cadeias hierárquicas dos ramos das Forças Armadas. Quer isto dizer que no Regulamento de Disciplina Militar, não se admitindo hoje recurso hierárquico até essas entidades, poderá haver casos em que, nos termos deste mesmo diploma, não é possível interpor recurso contencioso para o Supremo Tribunal Militar. Isto é, há aqui uma nítida contradição entre as posições da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Regulamento de Disciplina Militar.
Mas não é este, apenas, o ponto de contradição. Mesmo naqueles casos em que o RDM admite recurso para o Supremo Tribunal Militar, veda-se na lei a este Tribunal o conhecimento da matéria de facto, limitando-o ao da matéria de direito. Ora, também aqui, segundo é conhecido, a jurisprudência dominante na Comissão Europeia dos Direitos do Homem é no sentido de que os tribunais devem conhecer tais recursos, tanto de facto como de direito.
Mas há ainda mais. É que a jurisprudência internacional exige o efeito suspensivo de tais recursos em todos os casos, efeito que a nossa lei também não consagra. Nessas circunstâncias, parece-nos mais prudente que se mantenha a reserva agora posta em causa, na medida em que se esta fosse revogada isso equivaleria a sujeitar o Estado Português a uma eventual condenação nos organismos fiscalizadores da aplicação da Convenção por violação de normas internacionais. E se defendemos a manutenção desta reserva, não queremos deixar de referir com toda a clareza que defendemos também que, muito brevemente e com a maior urgência, se impõe a adequação completa destes dispositivos legais à Convenção. Desse modo, deixará de facto de haver qualquer razão na ordem jurídica interna para que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não seja aplicada por inteiro.
Aplausos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que peço aos grupos parlamentares o favor de chamarem os Srs. Deputados, uma vez que vamos proceder à votação.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos votar na generalidade o projecto de lei n.º 233/IV, relativo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Sr. Deputado, tenho conhecimento de que vai ser entregue na Mesa um requerimento de baixa à Comissão, pelo que vamos aguardar durante uns momentos.
Entretanto, tem a palavra para interpelar a Mesa o Sr. Deputado António Capucho.
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O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas informar que estamos disponíveis para votar imediatamente esse requerimento, desde que nele se diga que o diploma baixará à 1.ª Comissão e que os seus autores nos informem por quanto tempo baixará o projecto à Comissão.
Como me estão a dizer que é por oito dias, podemos votar imediatamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Basta, portanto, que um dos Srs. Deputados que subscreve o requerimento nos confirme se é por oito dias e qual é a Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, vamos propor que o projecto baixe à 1.ª Comissão pelo prazo de oito dias.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, V. Ex.ª fará o favor de formalizar o requerimento e de o enviar para a Mesa.
Srs. Deputados, vamos partir do princípio que o requerimento apresentado pelo PS já está na Mesa, pois há consenso geral quanto ao seu conteúdo.
Vamos então votar o requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar no dia 20, terça-feira, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, com inscrição para apreciação e votação de um voto de pesar apresentado pelo PSD; no período da ordem do dia discutir-se-ão as ratificações n.ºs 100/IV e 105/IV, apresentadas pelo CDS e PCP, respectivamente, estando os tempos disponíveis para cada partido já marcados, e a apreciação do inquérito parlamentar n.º 4/IV, apresentado pelo PCP, sobre o processo de aquisição de centrais digitais.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Angelo Ferreira Correia.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Partido Socialista (PS):
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Eduardo de Sousa Pereira.
António Magalhães de Barros Feu.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Partido Comunista Português (PCP):
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Maria Paulouro.
Eurico Lemos Pires.
José Luís Correia de Azevedo.
Tiago Carneiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
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Centro Democrático Social (CDS):
Joaquim Rocha dos Santos.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Deputado independente:
António José Borges de Carvalho.
Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - José Diogo.
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PREÇO DESTE NÚMERO: 56$00
Depósito legal rt. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.