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I Série - Número 36
Quarta-feira, 28 de Janeiro de 1987
PORTE PAGO
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1987)
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Bastos Mota Torres
Francisco Barbosa da Costa
Jorge Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e da entrada na Mesa de um diploma.
O Sr. Deputado Manuel Martins (PSD) apelou para que se encontrem soluções que resolvam o problema da poluição provocada pela Central da Tapada do Outeiro, em Medas, Gondomar.
O Sr. Deputado Frederico de Moura (PS) referiu-se à homenagem prestada à Prof.ª Doutora Andrée Crabbé Rocha pelas Faculdades de Letras de Coimbra e de Lisboa, tendo ainda elogiado a sua obra como estudiosa da nossa literatura e como tradutora.
O Sr. Deputado António Osório (PCP), a propósito da realização da 1." Assembleia do Sector Intelectual do Porto, do PCP, enumerou uma série de carências culturais com que aquele distrito se debate.
O Sr. Deputado Armando Fernandes (PRD), além de ter tecido considerações sobre o abandono a que são votados os arquivos em Portugal, manifestou preocupação face à possibilidade de uma biblioteca americana microfilmar o acervo documental da Biblioteca da Ajuda.
O Sr. Deputado Miguel Relvas (PSD) fez um balanço do Cartão Jovem, iniciativa da Secretaria de Estado da Juventude, que considerou positiva mas com possibilidades de ser aperfeiçoada.
O Sr. Deputado Carlos Ganopa (PRD) chamou a atenção para as deficientes condições de funcionamento do Hospital Distrital de Setúbal, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Vidigal Amaro (PCP) e Mendes Costa (PRD).
O Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) condenou a actuação das forças de segurança na inauguração de uma nova unidade de produção da COVINA.
O Sr. Deputado Carlos Matias (PRD) salientou a importância da etnografia e do folclore no nosso país.
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 27, 28, 29, 30, 31 e 32 do Diário.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos seguintes projectos de lei: n. º 6/IV (PCP) - Revogação dos aumentos e reformas para membros do Governo e deputados; n. º 121/IV (PSD) - Introduz alterações ao artigo 16.º da Lei n. º 4/85, de 9 de Abril (estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos); n.º 127/IV (PRD) - Sobre o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, alterações à Lei n. º 4/85, de 9 de Abril; n.º 336/IV (PSD) - Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, e n.º 346/IV (PS) - Proposta de alteração da Lei n. º 4/85, de 9 de Abril.
Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados José Carlos Vasconcelos (PRD), Guerreiro Norte e António Capucho (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP), Agostinho de Sousa (PRD), Almeida Santos e Carlos Candal (PS), Gomes de Pinho (COS), Raúl Castro (MDP/CDE), Jaime Gama (PS) e Ilda Figueiredo (PCP).
Entretanto, foi aprovada em votação final global a proposta de lei n.º 33/IV - Estatuto político-administrativo da Região Autónoma dos Açores, tendo produzido declaração de voto o Sr. Deputado Melo Alves (PSD).
Após ter anunciado a ordem de trabalhos para a sessão seguinte, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio dos Anjos Gomes.
António d'Orey Capucho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
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Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Filipe Ataíde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Octávio Júlio Pereira Machado.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgilio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira. Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva de Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José Rodriguo da Costa Carvalho.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
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Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço da Silva. António da Silva Mota. António Manuel da Silva Osório. António Vidigal Amaro. Belchior Alves Pereira. Bento Aniceto Calado. Carlos Alfredo de Brito. Carlos Manafaia. Cláudio José Santos Percheiro. Custódio Jacinto Gingão. Domingos Abrantes Ferreira. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. João Carlos Abrantes. Jorge Manuel Abreu de Lemos. José Estêvão Correia da Cruz. José Manuel dos Santos Magalhães. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Rodrigues Vitoriano. Luís Manuel Loureiro Roque. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Ilda Costa Figueiredo. Maria Odete dos Santos. Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida. Adriano José Alves Moreira. António Filipe Neiva Correia. António José Tomás Gomes de Pinho. Carlos Eduardo Oliveira Sousa. Francisco António Oliveira Teixeira. Horácio Alves Marçal. João José Camacho Borges Pinho. José Luís Nogueira de Brito. José Maria Andrade Pereira. Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão. Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca. José Manuel do Carmo Tengarrinha. Raul Fernando Morais e Castro.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles. Maria Amélia Mota Santos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
certas
Abaixo-assinado de Manuel Gomes da Silva e outros, residentes em São João da Madeira, contestando a ,aprovação da Lei da Rádio, que pretende prejudicar os direitos da Rádio Renascença; de Vasco Marques,
residente no Bombarral, propondo que, nos termos do Decreto-Lei nº 11/82, a vila de Mafra seja eleita à categoria de cidade, com a intervenção do Presidente desta Assembleia; e dos organismos representativos dos trabalhadores da COVINA, remetendo vários documentos tratando de assuntos referentes à empresa e que foram aprovados no plenário que se efectuou no passado dia 12 do corrente.
Ofícios
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção, Madeiras, Mármores e Pedreiras, com sede no Porto, enviando o texto de uma resolução aprovada em assembleia realizada no passado dia 13 de Dezembro referente às dificuldades com que se debatem os trabalhadores da TABOPAN; da Assembleia de Freguesia de Alhos Vedros, no concelho da Moita, enviando moção, que foi aprovada na sessão ordinária do passado dia 22 de Dezembro, sobre a Creche e Jardim-de-Infância O Charlot; da Assembleia Municipal de Espinho contendo a moção, aprovada em reunião do passado dia 7 do corrente, sobre a adjudicação da Zona de Jogo de Espinho; da Assembleia Municipal de Chaves remetendo fotocópia da moção aprovada em reunião realizada no dia 17 do passado mês de Dezembro de apoio aos taxistas daquele concelho, face às dificuldades que lhes são levantadas em Espanha, quando os espanhóis, em Portugal, circulem livremente; e da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez e da Junta de Freguesia de Barroselas, a primeira remetendo moção sobre a competência na gestão dos baldios e a segunda ainda neste domínio, apoiando o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Nas últimas sessões foram apresentados os seguintes requerimentos: na sessão do dia 22 de Janeiro de 1987, ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado António Guterres; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Mota Torres; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pela Sr. Deputada Helena Torres Marques; a diversos ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Cláudio Percheiro e outros; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados António Osório e Amélia Azevedo; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado António Paulouro, e ao Ministério da Administração Interna (2), formulados pelos Srs. Deputados Ramos de Carvalho e Sá Furtado.
Na sessão do dia 23 de Janeiro de 1987, ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Magalhães Mota e Bártolo Campos; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Daniel Bastos, Aloísio da Fonseca e António Paulouro; aos Ministérios da Educação e Cultura e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (2), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; a diversos ministérios (3), formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Odete Santos; a diversos ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (2), formulados pelo Sr. Deputado António João de Brito, e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Ganopa.
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O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes senhores deputados: Carlos Martins, na sessão de 10 de Março; Sousa Pereira, nas sessões de 8 de Maio, de 6 de Novembro e de 2 de Dezembro; Corujo Lopes, na sessão de 8 de Maio; Jorge Lemos, nas sessões de 8 de Maio e de 17 de Dezembro; Barbosa da Costa, na sessão de 9 de Maio; Pinho Silva, na sessão de 22 de Maio; Raul Junqueiro, nas sessões de 4 e 19 de Junho; Fernando Dias de Carvalho, na sessão de 2 de Julho; Carlos Lage e outros, na sessão de 7 de Julho; Luís Roque, na sessão de 9 de Julho; Jerónimo de Sousa, nas sessões de 17 de Julho de 16 de Outubro; António Mota, na sessão de 7 de Outubro; Maria Santos, nas sessões de 9 de Outubro e de 18 de Novembro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 19 de Novembro; Vidigal Amaro, nas sessões de 16 de Outubro e de 12 de Novembro; Domingos Duarte Lima, na sessão de 23 de Outubro; António Brito dos Santos, na sessão de 6 de Novembro; Ilda Figueiredo, na sessão de 11 de Novembro; João Abrantes, na sessão de 13 de Novembro; José Mendes Bota, Rui Silva e Carlos Brito, na sessão de 18 de Novembro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 19 de Novembro; José Cesário, na sessão de 2 de Dezembro; Rui Sá e Cunha na sessão de 19 de Dezembro; Armando Fernandes, na sessão de 20 de Novembro; José Apolinário, na sessão de 3 de Dezembro; Cristina Albuquerque, na sessão de 22 de Dezembro, e José Gama, na sessão de 26 de Novembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deu entrada na Mesa o seguinte diploma: projecto de lei nº 346/IV, da iniciativa do Sr. Deputado António Almeida Santos e outros, do PS - Propostas de alteração da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, que versa o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, o qual foi admitido e baixou à 1ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Martins.
O Sr. Manuel Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consciência que cada vez mais os povos vão tendo para a necessidade de um combate eficaz ao verdadeiro flagelo que é a poluição, levou a que o ano que agora começou seja considerado como Ano Europeu do Ambiente. E se outras razões não existissem, esse simples facto já nos devia obrigar, a nós, Portugueses, a dedicar algum do nosso tempo ao debate desse verdadeiro flagelo do século XX.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora grande parte da poluição seja provocada pelas unidades industriais e como Portugal não é ainda nenhuma grande potência industrial, mas talvez até por isso, em alguns dos espaços do nosso território esse flagelo faz-se sentir com uma intensidade que é necessário combater.
É se pólos de desenvolvimento industrial existem para os quais têm as entidades oficiais sido alertadas, outros existem que causam talvez maior destruição e morte e sobre os quais o silêncio tem sido total. E casos ainda existem que nem de pólos de desenvolvimento se tratam, mas de simples unidades industriais isoladas, que poucos benefícios proporcionam às populações onde
são implantadas, e que, pela sua natureza, pela sua deficiente construção, pelas matérias-primas que utilizam ou, o que ë mais grave, por desleixo no seu funcionamento, poluem o meio ambiente onde se encontram.
É para chamar a atenção das entidades competentes, e em especial do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, que, pelo trabalho que está a desenvolver, estou certo que ao caso irá dedicar a sua melhor atenção, assim como dos órgãos de comunicação social, que neste, como noutros casos, devem ter uma importante missão a desenvolver, que hoje aqui levanto a minha voz para chamar a atenção para uma unidade industrial implantada isoladamente num belo recanto deste nosso país e que, ao longo dos seus 30 anos de funcionamento, tanta destruição e morte tem causado sem que para a qual se vislumbre uma solução.
Estou a referir-me à poluição provada pela Central da Tapada do Outeiro, em Medas, Gondomar. Inaugurada há já mais de, 30 anos, esta foi a primeira de uma série de centrais térmicas que existem no nosso pais.
Implantada numa zona que, embora paredes meias com a cidade do Porto, devido à falta de meios de comunicação com essa grande metrópole, da mesma poucos benefícios conseguia, principalmente no campo do emprego, pelo que as populações se dedicavam quase em exclusivo ao amanho das pequenas parcelas de terreno que possuíam ou arrendavam.
E foi fácil à então Termoeléctrica Portuguesa conseguir não a recusa a tal empreendimento, como hoje em dia acontece noutras localidades, onde empreendimentos do género se projectam, mas, pelo contrário, um apoio quase geral e total ao mesmo. Era a possibilidade de postos de trabalho que se esperavam para os residentes e vindouros, era o desenvolvimento que enfim chegava a este seu torrão natal e que de outro modo seria difícil conseguir.
Mas essa esperança cedo se transformou em desilusão!
Poucos foram os que conseguiram o tão desejado posto de trabalho na unidade então inaugurada.
Quase nulo foi o desenvolvimento provocado pela mesma unidade!
Muitos foram, porém, aqueles que a partir de então começaram a sentir os efeitos devastadores de tão poluente indústria que acabava de se implantar.
Unidade destinada a consumir os carvões pobres da bacia carbonífera do Douro, minas do Pejão e de São Pedro da Cova, mal iniciou a sua actividade e logo fez sentir os seus efeitos, não só na vegetação, que até então aí verdejava, como até no próprio ferro existente, quer nas habitações quer nas próprias ramadas e muito especialmente nas próprias populações.
De tal maneira se sentiam tais efeitos que não foi difícil demonstrar à então Termoeléctrica Portuguesa a necessidade de compensar materialmente os atingidos nos seus bens e a partir dessa data têm os proprietários ou rendeiros sido indemnizados pelos prejuízos que vêm sofrendo.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se os prejuízos materiais podem ser compensados, embora nem sempre os prejudicados fiquem satisfeitos, os danos humanos ninguém os consegue reparar, pois a saúde é um bem que não tem preço.
Por tal motivo é urgente que se tomem as medidas necessárias para que esta situação se altere o mais rápido possível, não devendo continuar a sacrificar-se
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a vida e o habitat natural de populações inteiras, ainda que em nome das necessidades energéticas do País e da manutenção dos postos de trabalho, quer seja dos funcionários da EDP ou das minas do Pejão, porque essa é uma falsa questão.
Muito se poderia e devia fazer para minorar os prejuízos e evitar tanta poluição.
Em requerimento, que hoje mesmo irei apresentar, quero saber do Governo o que foi feito dos estudos elaborados por técnicos estrangeiros, que durante algum tempo equacionaram o problema provocado pelas cinzas e gases exalados pelas chaminés da Tapada do Outeiro e a possibilidade de as mesmas chaminés serem aumentadas.
Que este meu apelo não caia no esquecimento, é o que espera e deseja toda a população atingida pelos malefícios da poluição provinda das chaminés da Central acima citada.
Por se encontrarem a escassos quilómetros do Porto, junto ao rio Douro e perto da barragem de Lever-Crestuma, têm estas populações possibilidades turísticas em potencialidade, têm recursos de prazer e lazer que podem e devem ser explorados turisticamente, têm já em funcionamento um dos melhores parques de campismo nacional, senão mesmo europeu. Mas se tudo continuar como até aqui tudo se perderá irremediavelmente.
Será isto que desejamos para os nossos filhos? Um pais poluído, sem vida, simplesmente morto?
O meu apelo e a vontade de tudo fazer para acabar com este verdadeiro flagelo aqui ficam, na esperança de receber de todos vós, e em especial do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, a ajuda necessária.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Frederico de Moura.
O Sr. Frederico de Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorreu há pouco em Coimbra uma homenagem à Prof. º Doutora Andrée Crabbé Rocha, organizada pelas Faculdades de Letras de Coimbra e de Lisboa, a pretexto da última lição daquela catedrática.
Na sessão comemorativa, a que presidiu o reitor da Universidade de Coimbra, em representação do Sr. Presidente da República, a Prof. º Andrée Crabbé Rocha deu a sua última lição, elegendo para núcleo dela a personalidade e a obra de Cesário Verde, tema que foi tratado com uma penetração e uma subtileza dignas de nota sublinhada e a que o seu magistério universitário -e extra-universitário- já tinha habituado os portugueses atentos.
Seria uma omissão culturalmente condenável que nesta Casa se não erguesse ao menos uma voz, embora modesta, a colocar uma baliza na retentiva dos Srs. Deputados a quem, por motivos vários, tivesse passado despercebida aquela homenagem.
Realmente, a personalidade da doutora Andrée Crabbé Rocha não merece que, a nível desta Câmara, uma bruma espessa de silêncio omita, ao menos, uma palavra a realçá-la.
A obra que deixou no seu percurso, a quase certeza de que essa obra não terá cessado com a última lição e que testemunha uma profícua actividade em favor da língua e da cultura portuguesas, impõem, na minha opinião, que, imperativamente, se deixe nesta Câmara uma nota de reconhecimento.
A doutora Andrée Crabbé Rocha, nascida em Nantes e licenciada em Filologia Românica na Universidade de Bruxelas, desde muito jovem que patenteou, expressivamente, a sua lusofonia. E assim, logo na sua dissertação inaugural, mostrou esse pendor, escolhendo para tema da tese a obra e a personalidade de Fialho de Almeida, tendo sido aprovada com Grande distinction e obtendo, logo a seguir, a mesma classificação na conquista do grau de Agrégé de l'enseignement au degré superieur.
Suponho que não será de omitir que alguma coisa terá influído no seu pendor o magistério de Vitorino Nemésio, ao tempo leitor de Português e professor de Cultura Portuguesa na universidade onde a doutora Andrée fez a sua licenciatura.
Posteriormente, e após a sua fixação em Portugal, onde adquire a nacionalidade portuguesa pelo seu casamento com Miguel Torga, doutora-se na Faculdade de Letras de Lisboa com uma notável tese sobre o teatro de Garrett e ali exerce a sua actividade docente até 1947, ano em que o pendor inquisitorial que impregnava então a política portuguesa lhe rescinde o contrato, num Conselho de Ministros afadigado na pesquisa minuciosa de heresias políticas e que, no caso, nem existiam sequer a céu aberto.
Como outros professores, igualmente vitimas do zelo policial farejante, a doutora Andrée Rocha dedica-se ao ensino particular e rege cursos na Alliance Française, faz investigação minuciosa, exerce uma actividade intensiva de tradutora, realiza conferências e debruça-se afanosamente sobre problemas de literatura portuguesa.
Posteriormente, a partir de 1970, volta à Faculdade de Letras de Lisboa, após concurso, e aí se mantém até 1974, altura em que se transfere para Coimbra.
A sua profícua actividade como estudiosa da nossa literatura exprime-se por um intenso trabalho de pesquisa e interpretação de escritores nossos, que é testemunhada pelo seu número e pelo seu polimorfismo e que, iniciada com trabalhos sobre Fialho, se estende pelo teatro de Garrett, pelo estudo do Cancioneiro Geral, pela epistolografia de autores portugueses, por estudos de teatro -como, por exemplo, no seu valioso volume, a que deu o titulo de Aventuras de Anfitrião, importado do primeiro ensaio do volume, a par da colaboração, profusa e variada, no Dicionário da Literatura de Jacinto do Prado Coelho, e na Enciclopédia italiana dello Spectacollo, etc.
A par de tudo isto realiza conferências sobre literatura e cultura portuguesas em Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto, Rio de Janeiro, Viena de Áustria, Hamburgo, Gottingen, Kiel, Roma, Florença, Bolonha, Veneza e Paris.
Isto tudo sem falar na sua actividade de tradutora, que lhe permitiu, para além de verter para francês poemas de seu marido, investir com as grandes dificuldades que o empreendimento comportava, com a tradução da Trilogia das Barcas, de mestre Gil Vicente, e da Carta do Achamento do Brasil, de Pêro Vaz de Caminha.
Mas, e para além deste trabalho operoso, sumariamente inventariado, a doutora Andrée Crabbé Rocha ultrapassou o bafio dos arquivos e o clima livresco das bibliotecas e, percorrendo o Pais de lés a lés, aspirou o perfume dos matos e o cheiro da terra portuguesa, contactou atentamente com o povo, debruçou-se sobre os seus costumes e sobre as suas tradições e amou este Portugal nuclear no que tem de mais expressivo e de mais individualizante.
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Por todas estas razões, tão fugazmente referidas, creio que será legítimo que, nesta Câmara, fique, ao menos, uma baliza a anotar o fim de uma notável carreira universitária, fechada, aliás, com chave de ouro: a lição sobre a obra de Cesário Verde, que ficará, para além de tudo, como um contributo importante neste ano em que o poeta é relembrado e sublinhado com contributos de vários quadrantes e de mérito variado.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Osório.
O Sr. António Osório (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar de cultura hoje, em Portugal, pressupõe um esforço no sentido de aprender, compreender e aprofundar a investigação da realidade. Não uma realidade abstracta, fora do tempo, num pais imaginário, mas a realidade do País em que vivemos, nos múltiplos aspectos de que se reveste o fenómeno cultural.
Tal como foi afirmado na 1.8 Assembleia do Sector Intelectual do Porto, do PCP, realizada na passada semana: «Os problemas que nos rodeiam são nossos; nada do que acontece no mundo, ao nosso lado, nos é estranho, porque somos homens é homens de cultura.»
No Porto, como no resto do Pais, a obra dos governos de direita nos últimos dez anos tem sido uma obra de aviltamento da cultura, de destruição dos avanços democráticos que, na vida cultural, o 25 de Abril nos trouxe.
No plano da política cultural, estes governos pouco se distinguiram, na substância, da orientação imprimida neste domínio. Umas vezes ministério, outras secretaria de Estado, nuns casos com mais demagogia e instrumentalização, noutros com uma acção menos exuberante e pretenciosa, mas sempre com a mesma concepção elitista e mercantil, com igual prática autoritária ou falsamente dialogante.
A política seguida pelo governo de Cavaco Silva continua e agrava os aspectos negativos das orientações que têm vindo a ser seguidas neste domínio: promovendo o progressivo decréscimo das verbas destinadas à actividade cultural, particularmente para o lançamento de novos investimentos e para o estímulo, apoio e subsídio à produção artística e cultural, quer de artistas e organismos culturais autónomos, quer de associações e grupos amadores; não definindo nem implementando políticas que possibilitem o desenvolvimento independente do teatro, do livro, da música, da dança, das artes plásticas e do cinema, bem como da sua promoção e divulgação junto das populações; degradando as condições de funcionamento e a actividade desenvolvida pelas instituições culturais dependentes do Estado ou para-estatais; mantendo a níveis muito reduzidos a intervenção no campo do levantamento, estudo, defesa, valorização e divulgação do património artístico, cultural e arquitectónico, bem como da tradição cultural popular e da investigação etnográfica; falta de apoios à descentralização cultural e à itinerância; desvalorizando e subalternizando a cultura e os autores portugueses, particularmente no domínio da música, do cinema e da televisão.
Esta política é, no distrito do Porto, a principal responsável pela insuficiência, degradação ou desaproveitamento dos equipamentos culturais e pelas acentuadas
assimetrias regionais, pelo adiamento de diversos projectos culturais, pela brutal destruição do património urbano, monumental, cultural, industrial e natural da região, pelo empobrecimento da vida cultural e artística.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Orquestra Sinfónica do Porto persiste a braços com enormes carências de instrumentos e instalações, bem como de músicos. Não há uma companhia de dança e são insuficientes os apoios - ao Circulo Portuense de ópera. Das 134 bibliotecas do distrito, apenas 20 são públicas e só 6 dispõem de mais de 20 000 volumes, ao passo que mais de metade tem menos de 2000 livros. A adaptação do Convento de São Bento da Vitória a centro nacional de música e a recuperação das zonas históricas do Porto e de Gaia não avançam. O Museu de Literatura não é contemplado com qualquer verba no Orçamento do Estado para 1987 e o seu encerramento é mesmo admitido pelo governo. Demorou dez anos a aquisição das instalações para o Museu de Arte Moderna, cujo projecto inicial está em risco de ser desvirtuado caso se concretizem os propósitos do actual governo de entregar a sua propriedade e direcção a uma fundação constituída pelo grande capital privado. Os subsídios regulares ao teatro independente foram reduzidos apenas a duas companhias, e a 17 000 contos para 1986-1987, persistindo a discriminação do TEP - uma companhia de grandes tradições na cidade, que, apesar de não dispor nem de instalações próprias e condignas nem de subsídio regular, vem persistindo e progredindo. O teatro para a infância deixou igualmente de ser contemplado. O FITEI não recebe o apoio indispensável à sua consolidação e expansão. A aquisição e readaptação do Teatro de São João continua adiada, apesar de ter sido proposto pelo Grupo Parlamentar do PCP que figurasse no Orçamento do Estado para 1987. Também a instalação de uma cinemateca não se concretiza. O Orçamento do Estado não prevê qualquer verba para a defesa do património etnográfico, para a recuperação de monumentos classificados, para a preservação e defesa de valores culturais, para a adaptação e instalação de recintos culturais no distrito e para o apoio à actividade editorial.
Recentemente a Secretária de Estado da Cultura afirmou no Porto, a propósito da publicação da chamada «lei do mecenato»: «Os sectores empresarial e intelectual devem caminhar de braço dado»; «é importante favorecer uma intervenção privada na vida cultural do Pais.» Tais afirmações ilustram bem o objectivo do governo Cavaco Silva: subordinar a criação e actividade cultural aos interesses de classe, critérios e gostos da grande burguesia.
Esta política não serve os artistas, os intelectuais e o Pais. Ontem, como hoje, o PCP continuará, com determinação, a lutar por uma política alternativa: pela democratização, descentralização cultural e independência da cultura face ao aparelho de Estado; por apoios à actividade cultural e à produção artística; pelo desenvolvimento do ensino artístico; contra o corte de subsídios aos grupos de teatro e outros organismos culturais; pela defesa e promoção da cultura portuguesa contra a colonização cultural.
Tal política é possível, urgente e necessária; assim assumam os partidos da oposição democrática as responsabilidades que lhes cabem na criação de uma alternativa democrática ao governo de Cavaco Silva.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes.
O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A capacidade para comunicar, não só a larga distância, mas também por meio de documentos escritos e gráficos, é uma característica peculiar do género humano. A criação, programação, preservação e utilização desses documentos são actividades exclusivamente humanas, que têm desempenhado um papel fundamental da conservação da nossa larga memória, como muito bem diz Stephen Parker.
Desde a aparição da escrita se impôs a necessidade de constituir colecções organizadas de documentos com os usos mais variados. Para esse fim nasceram os arquivos. Os arquivos são parte da memória das nações, não se devendo poupar esforços para os reconstituir, para os alargar, para os tornar mais eficazes.
Em Portugal, os arquivos, salvo raras e honrosas excepções, nunca mereceram a atenção devida por parte do Estado, e mesmo hoje o panorama é desolador.
Ainda recentemente, em mais um desabafo, a historiadora Miriam Halphen Pereira chamava a atenção para o modo como importantes acervos documentais de diversos ministérios eram tratados. E se recentemente os arquivos distritais, alguns arquivos distritais, passaram a ter melhores instalações e se o nosso vizinho Arquivo da Torre do Tombo (a maior memória da Nação) irá, dentro de algum tempo, ser transferido para um novo edifício, nem por isso o problema se pode considerar resolvido. Só num país como Portugal é que se podem votar ao abandono dezenas e dezenas de arquivos, muitos deles possuindo preciosa documentação. Ele são os arquivos da misericórdia, ele são os arquivos municipais, ele são os arquivos da empresa, etc.
Tanto as instituições políticas, sociais ou culturais como as empresas industriais ou bancárias têm necessidade de voltar às suas próprias origens, como tentam encontrar, na sua própria história, a energia para superar as dificuldades do presente. Para tal todos têm de recorrer aos arquivos. Mas quando eles não estão organizados, não possuem pessoal habilitado ou instalações capazes, como é isso possível?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As considerações agora tecidas vêm a talhe de foice face ao problema ventilado nos últimos tempos na nossa empresa. Referimo-nos concretamente ao «filantrópico» gesto de uma biblioteca americana de microfilmar o acervo documental da Biblioteca da Ajuda. A história é conhecida: a Hill Monarchic Manuscript Lybrarie, do Minesota, propõe-se organizar uma filmoteca medieval e para isso microfilmar «gratuitamente» a massa documental da Biblioteca da Ajuda.
Tendo em conta as considerações atrás expendidas, devíamo-nos congratular pelo facto e ficarmos eternamente gratos àquela generosa instituição, o que não é o caso. E não é pelo seguinte: vão ser remetidos para a América manuscritos únicos no mundo, bem como códices onde se fala da nossa história em África, no Oriente e no Brasil, decerto já é a lei do mecenato a funcionar! Só que, no caso vertente, quem ganha é a América. Sendo a América uma nação rica materialmente, procura por todos os meios enriquecer-se culturalmente. Ninguém lhe deve levar a mal esta vontade. Só que esse propósito não deve ser conseguido à custa do nosso património.
Não pomos em causa a necessidade de serem microfilmados os nossos arquivos, de todos os arquivos, pomos em causa, isso sim, o modo como se faz. É que em nenhum pais civilizado do mundo se entrega, de mão beijada, importantes documentos da sua história sem previamente ter assegurados alguns aspectos. E neste ponto gostava de saber:
a) Assegurou a Secretaria de Estado da Cultura as necessárias contrapartidas culturais e comerciais?
b) Os lucros da posterior comercialização dos
microfilmes a quem vão pertencer?
c) Teve-se em conta o principio da reciprocidade?
Personalidades de todos os quadrantes e de todos os matizes culturais ou políticos protestaram, protestam, e a nosso ver bem, contra o consentido. Pode o nóvel presidente do IPPC dizer que as pessoas protestam sem conhecer o acordo na sua totalidade. Talvez assim seja, mas uma coisa parece certa: o arquivo da biblioteca (inteirinho) vai ser microfilmado com destino aos Estados Unidos. As consequências não vão tardar: ele vai ser o menor afluxo de investigadores estrangeiros a Portugal, ele vai ser a perda da especificidade da nossa documentação, ele vai ser o abrir caminho para outras tropelias do género. Por este andar, qualquer dia vai a massa documental da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e a seguir, sabe-se lá, o próprio Arquivo da Torre do Tombo. Em troca de quê?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bom seria que o IPPC nos informasse do modo como se processou este atentado ao património de Portugal, bom seria ficarmos a saber quanto é que o IPPC vai receber por esta operação de transferência da nossa cultura.
Ao que parece, Portugal vai receber uma cópia gratuita. Portugal, qual cavaleiro medieval oferece tesouros de incalculável valor e vai ficar agradecido por lhe aceitarem a oferta.
É que, em Portugal, nunca se ouviu falar no princípio da reciprocidade, nunca se ouviu falar em contrapartidas, nunca se ouviu falar no acautelamento dos nossos interesses. Em Portugal, pura e simplesmente, dá-se. Até quando?
Aplausos do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do deputado Raúl Rêgo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguei Relvas.
O Sr. Miguel Relvas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seis meses após o lançamento do Cartão Jovem, torna-se fundamental proceder aqui a um balanço desta iniciativa da Secretaria de Estado da Juventude e, porventura, retirar algumas achegas e conclusões para o seu futuro desenvolvimento.
Em vigor desde Julho do ano passado, o Cartão Jovem tem sido, em muitas opiniões, um êxito imprevisível; noutras opiniões, um incentivo ao puro consumismo dos jovens.
Quanto a nós, estamos certos de que ele constitui, por princípio e em princípio, uma expressiva oportunidade que se oferece aos jovens. E uma oportunidade que não se deve desprezar, conhecidas que são as dificuldades acrescidas da condição do jovem, e isto não obstante os importantes passos que já foram dados em matéria de política de juventude.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Por outro lado, não podemos deixar de louvar a decisão anunciada de tornar claro que os previsíveis lucros financeiros desta iniciativa terão sempre como direitos beneficiários os jovens, que assim verão reverter em seu favor o seu próprio investimento.
Deste modo, e segundo esta decisão, 40 % destinar-se-ão a financiar actividades das associações juvenis através do Conselho Nacional de Juventude, enquanto os restantes 60 % contribuirão directamente para financiar a criação de centros de informação e documentação em associações juvenis, de molde a que os jovens possam dispor de uma melhor rede de informação e ver facilitado o seu acesso a essa informação.
E esta é, pois, uma consequência positiva do Cartão Jovem, que, não sendo esperada, prova que esta iniciativa foi subavaliada e demonstra que, no futuro, ela pode ainda evidenciar maiores virtualidades e ser melhor explorada.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Boa, boa!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Juventude Social-Democrata entende, no entanto, que só é possível potenciar e avaliar melhor a utilização e o valor do Cartão Jovem sendo conhecidos os dados referentes à experiência destes primeiros meses, ou seja, torna-se indispensável dispor dos dados relativos à distribuição geográfica e por sectores das empresas que aderiram à iniciativa, bem como quanto à distribuição geográfica das vendas do Cartão e ao tipo de consumo que ele proporcionou.
Entendemos também como prioritário o lançamento de um inquérito público, de forma a permitir que sejam os próprios jovens a expressar a sua opinião relativamente aos benefícios do Cartão e aos sectores que abrange.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Ora aí está uma boa questão!
O Orador: - Só nessa altura estaremos,, pois, em condições de fazer o balanço final e só nestas circunstâncias poderemos aperfeiçoar a iniciativa e dela retirar o melhor proveito para os jovens.
Vozes alo PSID: - Muito bem!
O Orador: - É com este sentido que desde já avançamos duas pistas para reflectir.
Em primeiro lugar, a vantagem de dar ao Cartão Jovem uma maior expressão na área cultural e desportiva, sem com isto limitar o acesso a novas áreas de utilização.
Em segundo lugar, envidar todos os esforços junto do Governo Francês, com vista à validação da utilização conjunta dos respectivos cartões em ambos os países.
Esperamos assim que seja possível, com este esforço conjunto, incentivar os restantes países comunitários a aderir a esta iniciativa, para que o Cartão Jovem Europeu possa ser uma realidade a médio prazo para todos os jovens da Europa comunitária.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
Pausa.
Visto o Sr. Deputado Jorge Lemos não se encontrar presente, concedo a palavra, igualmente para uma intervenção, ao Sr. Deputado Carlos Ganopa.
O Sr. Carlos Ganopa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sector diferenciado da saúde da população de Setúbal está entregue aos cuidados de um hospital que funciona em condições deficientes, ante a indiferença da Srª Ministra da Saúde, a quem, desde já, responsabilizo por esta situação.
Com efeito, o Hospital Distrital de Setúbal (São Bernardo) foi construído para substituir o velho Hospital do Espirito Santo, insuficiente e já inadequado para fazer face às necessidades crescentes da população de Setúbal.
Desde a sua inauguração, o caminho percorrido foi longo, numa cidade e numa região cujas solicitações se multiplicaram com o crescimento que se verificou a partir da década de 60.
Actualmente, o Hospital de São Bernardo é uma unidade hospitalar com serviços de internamento nas principais especialidades, serviços auxiliares de diagnóstico, serviço de urgência, bloco operatório, serviço de hemoterapia, pavilhão de consultas externas, e possui ainda três unidades dotadas com o mais moderno equipamento, que são as unidades de hemodiálise, de cuidados intensivos e de tratamento intensivo de coronárias.
Da área de acção do Hospital apenas os doentes do foro neurocirúrgico e alguns com patologias infecciosas transitam para os hospitais centrais.
Com o grande crescimento demográfico nos últimos anos na região de Setúbal começaram a verificar-se situações de rotura nalgumas áreas do Hospital, devido ao facto de, em tempo, não se terem efectuado as ampliações e adaptações necessárias, ocorrendo ainda situações anómalas, que se vão arrastando ano após ano sem qualquer solução visível, e para agravar toda esta situação, no inicio deste ano saíram do Hospital 46 médicos policlínicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com um bloco operatório que necessita de uma ampliação urgente, um equipamento de raios X inadequado, um laboratório ultrapassado e com instalações exíguas, serviços de oftalmologia que não possuem equipamento adequado, um serviço de urgência que atende mais de 200 pessoas por dia, e cuja situação foi agravada pela saída de 46 médicos policlínicos, infra-estruturas dificientes, nomeadamente no respeitante ao abastecimento de água e na rede de esgotos, e com uma rede telefónica antiquada, este é o panorama geral que se nos apresenta no Hospital de São Bernardo.
Mas como se isto não bastasse, nas duas unidades mais modernas do Hospital, a de hemodiálise e a de cuidados intensivos, a primeira está inoperativa e a segunda funciona a expensas do Hospital, sem os recursos humanos, técnicos e financeiros indispensáveis, tendo, durante o ano de 1986, apresentado um défice de 30 000 contos.
A unidade de hemodiálise, inaugurada em 1985, possui instalações e equipamento do mais moderno, mas não funciona devido à não existência de um quadro de pessoal aprovado.
Esta unidade, que custou ao Estado 38 000 contos, não tem nefrologistas e constitui a maior carência do Hospital.
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Entretanto, os doentes da região de Setúbal recorrem aos serviços de um centro privado estrangeiro na própria cidade, provocando encargos ao Estado no montante de dezenas de milhares de contos mensais.
Num pais com carências, nomeadamente nesta área da medicina, e sendo o Hospital de Setúbal beneficiado coma unidade que possui, custa-nos a acreditar que a Sr. Ministra da Saúde não tenha conhecimento desta situação, viabilizando a existência de um centro privado, com grande prejuízo para a população de Setúbal, e não fazendo qualquer aproveitamento do investimento efectuado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A cidade de Setúbal e a sua região enfrentam hoje uma crise que se reflecte em todas as suas estruturas e também no seu Hospital. No entanto, penso que já é tempo de iniciarmos o trajecto ascendente que nos levará à resolução dos seus principais problemas.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PC P): - Sr. Deputado Carlos Ganopa, em primeiro lugar quereria solidarizar-me com a sua intervenção. Durante o ano passado também tive a oportunidade de visitar o Hospital de Setúbal e posso afirmar que nestes meses que entretanto passaram nada melhorou.
A situação é realmente caótica, mas o que se passa no Hospital de Setúbal passa-se um pouco em todos os hospitais, quer centrais, quer distritais, inclusivamente ao nível dos cuidados primários de saúde.
E para este caos que reina hoje na saúde em Portugal a Sr. Ministra da Saúde apresenta duas causas fundamentais: uma, a culpa de todos os técnicos de saúde, principalmente dos médicos, que a Sr. Ministra acusa de não cumprirem, e, a outra, a gestão democrática dos hospitais, que a Sr Ministra da Saúde questiona. Estas são as causas que a Sr. Ministra aponta para o mau funcionamento dos hospitais.
Gostaria que o Sr. Deputado me dissesse se acha que são estas as razões do mau funcionamento dos hospitais ou se, pelo contrário, será a tutela que não dá os meios necessários para os hospitais poderem funcionar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Costa.
O Sr. Mendes Costa (PRD): - Sr. Deputado Carlos Ganopa, ouvi com muita atenção a sua intervenção sobre o Hospital de São Bernardo, de Setúbal, e tive conhecimento de que V. Ex. visitou o Hospital recentemente.
Na sua intervenção, o Sr. Deputado apontou várias criticas, que são justas; o Hospital de Setúbal tem deficiências, como vários outros hospitais, que estão a ser colmatadas no tempo ...
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - E bem!
O Orador: - ... , com os recursos disponíveis.
Por outro lado, V. Ex. falou no serviço de hemodiálise e disse que o serviço está inoperante há bastantes meses. Creio que o Sr. Deputado deve ter conheci-
mento de que a direcção do Hospital anunciou há dias que este serviço de hemodiálise iria começar a funcionar no próximo mês de Fevereiro. Se o Sr. Deputado não tinha conhecimento deste facto, informo-o dele aqui, na Assembleia da República.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Há-de ser brevemente. Já era no ano passado! ...
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Ganopa.
O Sr. Carlos Ganopa (PRD): - Srs. Deputados, antes de mais queria agradecer as questões que me colocaram. Na realidade, tive o prazer de visitar o Hospital de São Bernardo no dia 19 deste mês e verifiquei que realmente as suas carências são bastante graves.
Quanto às questões que o Sr. Deputado Vidigal Amaro me colocou, gostaria de lhe dizer que, em relação ao problema da gestão hospitalar, o PRD apresentou um projecto de lei sobre as bases da gestão hospitalar e que nós discordamos frontalmente da lei orgânica hospitalar precisamente devido à nomeação da gestão de cada hospital em vez da sua eleição, que defendemos.
Penso que a administração regional de saúde é o exemplo da má gestão, pelo que me dispenso de fazer algum comentário sobre este assunto.
Em relação ao facto de a Sr. Ministra da Saúde culpabilizar os médicos, essa questão, Sr. Deputado, daria para um longo debate. O que verifiquei foi que o Hospital de Setúbal tem falta de médicos no seu quadro, pelo menos de 32 médicos, e que o serviço de urgência é neste momento assegurado por policlínicos P-1, sem experiência, e por médicos do quadro, que são desviados dos seus serviços habituais, o que provoca grandes danos nos cuidados de saúde dos utentes do Hospital.
Isto é o resultado de verificações in loco, que pude constatar.
Em relação ao serviço de hemodiálise, posso dizer ao Sr. Deputado Mendes Costa que quando visitei o Hospital esse serviço não funcionava, que neste momento também não funciona e que em 1 de Fevereiro, que me disseram ser a data marcada para a sua entrada em vigor, ele também não há-de funcionar.
Primeiro, porque o Hospital não tem quadro aprovado para o serviço de hemodiálise e, segundo, porque o nefrologista que foi nomeado compulsivamente é do Hospital de Curry Cabral, em Lisboa. Que eu saiba, no Hospital de Setúbal existe um nefrologista, só que ele também não pertence ao quadro do Hospital, pelo que, neste momento, passarão a existir dois nefrologistas sem serem do quadro do Hospital de Setúbal.
Ora, não vamos reeditar o que se passa na unidade de cuidados intensivos, que também não tem quadro, o que obrigou a que o hospital deslocasse técnicos de saúde para lá, ficando a perder, só no ano de 1986, 30 000 contos, sem qualquer cobertura do Ministério da Saúde.
A Caixa de Previdência e a ADSE devem ao Hospital de Setúbal 24 000 contos, não sendo possível ao hospital gerir qualquer orçamento com dívidas desta ordem nem abalançar-se a deslocar mais técnicos de saúde para a unidade de hemodiálise, a expensas dessa unidade, quando esses custos vão recair sobre
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o hospital, porque o nefrologista recém-nomeado é do Hospital de Curry Cabral, logo não pertence ao quadro do hospital. A unidade não pode arrancar imediatamente, sendo necessário fazer a análise das águas e o levantamento do estado de funcionamento dos equipamentos. E digo-lhe, Sr. Deputado, que, dado o tempo que os equipamentos estiveram parados, eles já não têm garantias e até temos dúvidas se a casa que os forneceu ainda existe.
Isto levanta uma série de questões muito graves e esta inactividade da unidade, além dos prejuízos que provocou à povoação de Setúbal, está a provocar ao Estado a saída de milhares de contos mensais, que de outra forma talvez não tivéssemos necessidade de despender.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se passou com a actuação das forças de segurança destacadas para o local onde se efectuou, no passado dia 19, a inauguração de uma nova unidade de produção da COVINA não pode deixar de suscitar na Assembleia da República uma profunda reflexão, pelos aspectos preocupantes que daí podem advir para a tentativa de limitação do exercício de direitos e para a própria liberdade e democracia.
Apesar da folga que a administração lhes havia dado, os trabalhadores da COVINA entenderam estar presentes no momento em que o Ministro da Indústria e Comércio ia inaugurar a nova unidade de produção daquela empresa. Fizeram-no no exercício dos seus legítimos direitos, porque se encontram preocupados com o futuro dos seus postos de trabalho, hoje ameaçados por sucessivos processos de despedimento colectivo e reformas compulsivas.
No decurso da cerimónia, os trabalhadores foram surpreendidos pela concentração de um forte aparato policial no local.
Estranha-se, desde logo, que tenha sido solicitada a presença de tal força de polícia quando decorria uma cerimónia de inauguração de uma nova unidade de produção de vidro, certamente ao serviço do desenvolvimento do País, de há muito reivindicada pelos próprios trabalhadores da empresa.
Mas estranha-se mais ainda, que tal força policial, por sobre a ostentação do seu material de repressão, tenha procedido à filmagem com uma câmara de vídeo de vários trabalhadores, de acordo com instruções que previamente lhe íam sendo comunicadas.
Em primeiro lugar, importa apurar por que motivo tal força policial recorreu à filmagem de trabalhadores.
Em segundo lugar, importa saber qual o destino das imagens recolhidas. Por fim, cabe ao Governo esclarecer o objectivo da recolha das imagens. Muitas mais interrogações se colocam. Quem deu instruções à força policial para proceder daquele modo? Será que o Governo tem em montagem um arquivo de imagens de cidadãos que não lhe são afectos ou contestar a sua política? E se assim for, qual a base constitucional e legal para tal decisão? Serão instruções do gabinete de segurança coordenado pelo Ministro da Administração Interna?
Importa que o Governo esclareça se está em preparação um ficheiro dos cidadãos e se os dados recolhidos se destinam ou não a ser utilizados nos registos informáticos dos serviços de informações.
Tais atitudes, Srs. Deputados, trazem o cheiro do passado, com memória viva das câmaras de filmagem ou máquinas fotográficas que eram usadas para identificação dos lutadores pela liberdade no período fascista.
Mas esses dias passaram. Portugal é um estado democrático no qual os cidadãos têm direitos constitucional e legalmente consagrados, pelo que é inadmissível que actuações como a atrás referida se possam verificar, sobretudo quando têm origem em forças cuja missão é precisamente a de assegurar o exercício desses mesmos direitos.
Vozes do PCIP: - Muito bem!
O ®rmdoa: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP, ciente da gravidade dos factos, considera que esta Assembleia da República não pode deixar de proceder à sua análise exaustiva, reclamando do Governo as explicações que a situação exige e adoptando as medidas necessárias e prevenir a sua repetição no futuro.
Nesse sentido o meu grupo parlamentar irá suscitar o problema na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para que desde já se promovam as necessárias diligências para um completo esclarecimento de toda a situação, bastante anormal, que se verificou.
Aplausos do PCP, do MDPICDE e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias.
O Sr. Cardos Matias (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pátrias são antes e acima de tudo espaços culturais.
As verdadeiras fronteiras não passam nas serras ou nos rios, nos vales ou nas montanhas, mas por dentro de nós mesmos, no mais fundo das nossas almas!
Se analisarmos a composição da terra de cada lado da fronteira, veremos que é em regra a mesma, mas se analisarmos as estruturas das almas veremos que são diferentes.
Por isso não podemos dividir terras sem rasgarmos culturas e almas, porque a Pátria é algo amassado em nossa própria substância, simultaneamente transcendente e imanente a cada um de nós.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O OradoP: - Em todo este contexto o folclore desempenha o mais relevante papel. Não há hoje estudioso, escola, academia ou universidade que não saiba que só através dele e com o seu indispensável auxílio será possível conhecer a formação e a evolução cultural e social do povo. Ninguém medianamente culto ignora que o folclore fornece elementos valiosos e muitas ciências e que até as próprias leis, e esta Câmara sabe-o melhor que ninguém, têm sido adaptadas aos usos e costumes, depois de elas se terem mostrado impotentes para os reformar.
Pela etnografia e pelo folclore se conhece a vida da humanidade nas suas actividades e tendências, nas suas criações, na sua imaginação e nos seus sentimentos, e se apura o que nela é transitório e permanente, particular ou individual, comum ou colectivo.
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Pelo folclore pode o sociólogo estabelecer as relações entre os fenómenos sociais e culturais, tanto no tempo como no espaço.
Se a importância da etnografia e do folclore está demonstrada e não pode contestar-se, importa que os seus elementos constitutivos sejam divulgados por todas as formas possíveis: livros, conferências, exposições, cortejos, rádios, jornais, TV, etc.
Importa ainda introduzir estudos de etnografia e folclore, para além dos cursos de Antropologia Cultural e Social existentes nas universidades de Lisboa, nos cursos superiores, nomeadamente de onde saem os professores das nossas escolas.
É que o folclore não deve ser esquecido na formação moral e na educação das camadas novas.
A este respeito, honra ao Brasil, que levou à UNESCO, primeiro, a sugestão do aproveitamento do folclore na educação.
Temos em Portugal detectados cerca de 1500 agrupamentos folclóricos - a densidade de agrupamentos folclóricos mais forte da Europa.
Perante a formação de grandes blocos políticos com tendências hegemónicas ou perante a criação de grandes colossos económicos nos quais livre ou forçadamente se integram, os povos com história e identidade, como o nosso, procuram defesas para preservar os valores que lhes são caros.
Dos cerca de 1500 agrupamentos referidos, 250 estão filiados na Federação do Folclore Português, sediada em Vila Nova de Gaia.
Instituição prestigiada, orientada por dirigentes eleitos dotados de elevado espírito de missão e patriotismo, ela vê a sua acção limitada por falta de uma sede condigna e por falta de apoios sistematizados das entidades oficiais ou privadas.
A este respeito urgirá criar um conselho nacional de folclore ou mesmo um instituto nacional com representação dominante da Federação do Folclore Português, onde os vários departamentos do Estado, Ministério da Educação e Cultura, Secretaria de Estado do Turismo e outras entidades, como a Fundação Gulbenkian, tenham assento, e que vise a coordenação e o encorajamento do estudo e pesquisa das artes populares e apoie e garanta a qualidade, autenticidade e classificação das associações de folclore existentes, separando o trigo do joio, o gato da lebre.
Em seminário promovido em 1984 pelo Grupo Etnográfico de Cantares e Trajes de Manhouce, e apoiado pelos 19 agrupamentos de Lafões, foi tal reclamado, na sequência de outras sugestões feitas anteriormente.
Sem êxito.
Outras conclusões ali apuradas, como a que recomendava a representação do folclore regional ou da federação nas estruturas regionais e locais de turismo, têm tido consagração.
E porque falámos em terras de Viseu, importará salientar a obra de recolha etnográfica feita no distrito pelos grupos de Torredeita, que possui um ecomuseu, Silgueiros, Parada de Gonta, Cavernães, Pias de Cinfães, Dourares, Serrases, São João da Serra, Carvalhal de Vermilhas, Fornelo do Monte, São Martinho das Moitas, São Pedro de Paus, Fafel, São Félix, Valadares e Manhouce, considerada a segunda aldeia mais portuguesa de Portugal, por isso a aldeia das nossas vidas.
Aplausos do PRD e de alguns deputados do PSD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se entre nós os alunos da Escola Secundária de São João do Estoril e da Escola Secundária n.º 1 de Torres Vedras, que nos vieram visitar.
Agradeço o favor de assinalarem a sua presença da forma habitual.
Aplausos gerais.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando agora no período da ordem do dia, estão em aprovação os n.ºs 27, 28, 29, 30, 31 e 32 do Diário, respeitantes às sessões plenárias de 6, 7, 9, 13, 15 e 16 de Janeiro corrente.
Pausa.
Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, passamos à apreciação conjunta, na generalidade, dos seguintes diplomas: projecto de lei n.º 6/IV (PCP) - Revogação dos aumentos e reformas para membros do Governo e deputados; projecto de lei n.º 121/IV (PSD) - Introduz alterações ao artigo 16.º da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril (estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos); projecto de lei n.º 127/IV (PRD) -Sobre o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, alterações à Lei n.º 4/85, de 9 de Abril; projecto de lei n.º 336/IV (PSD)- Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos; projecto de lei n.º 346/IV (PS) - Proposta de alteração da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril (estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos).
Estão em discussão, Srs. Deputados.
O Sr. Secretário vai ler o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º 6/IV.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos):
Parecer sobre o projecto de lei n.º 6/IV (revogação da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril)
I
1 - Subscrito por diversos deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP), foi apresentado o projecto de lei em referência - visando formalmente a «revogação dos aumentos e reformas para membros do Governo e deputados» facultados pela Lei n.º 4/85.
2 - O diploma foi correctamente adjudicado a esta 1.ª Comissão, para o efeito previsto no n.º 1 do artigo 137.º do Regimento.
II
3 - Integrado por um único artigo, o projecto de lei em apreço - mais amplamente do que a sua epígrafe sugere - propõe a revogação da Lei n.º 4/85 (com repristinação das normas anteriores por esta prejudicadas).
III
4 - A lei assim posta em xeque teve origem na proposta de lei n.º 88/III e no projecto de lei n.º 400/III (subscrito por deputados do CDS) que
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foram discutidos na generalidade pelo Plenário da Assembleia em 6 e 7 de Dezembro de 1984, sendo ambos aprovados por maioria.
Tendo esses diplomas baixado à 1.8 Comissão, para discussão e votação na especialidade, o articulado constante do respectivo relatório -essencialmente derivado da proposta de lei- foi objecto de votação final global na reunião plenária da Assembleia da República do dia 10 de Janeiro de 1985, sendo aprovado por maioria.
Contra esse chamado «estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos» votaram, designadamente, os deputados do PCP.
5 - Tendo o correlativo decreto da Assembleia da República n. 116/III sido enviado para promulgação ao Presidente da República, e havendo este feito uso do seu direito de veto suspensivo, veio a ser devolvido ao Parlamento para nova apreciação, nos termos da concernente mensagem, lida ao Plenário em 21 de Fevereiro de 1985.
6 - A reapreciação desse decreto n.º 116/III iniciou-se em 12 de Março de 1985 e terminou na reunião plenária do dia seguinte, havendo sido tal diploma confirmado por maioria, na generalidade, mediante votação nominal.
Votaram contra, designadamente, todos os deputados presentes do Grupo Parlamentar do PCP.
Todas as subsequentes propostas de alteração na especialidade, apresentadas pelo PCP, vieram a ser rejeitadas, pelo que a versão primitiva do decreto foi integralmente mantida, tendo o articulado da lei vindo a ser publicado no Diário da República em 9 de Abril de 1985.
V
7 - Face à reiterada oposição global do PCP ao teor da Lei 4/85, e tendo entretanto ocorrido eleições legislativas que alteraram a composição político-partidária da Assembleia da República, bem se compreende que deputados seus tenham vindo -na IV Legislatura- pedir a respectiva revogação, ao abrigo da alínea b) do artigo 159.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º do Regimento da Assembleia da República.
VI
8 - Nestes termos, a 1. a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
O projecto de lei n.º 6/IV encontra-se constitucional e regimentalmente em condições de ser submetido à apreciação do Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 21 de Janeiro de 1987. O Relator, Carlos Caudal. - O Presidente da Comissão, António de Almeida Santos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, dado que V. Ex.ª tem presente o relatório respeitante ao projecto de lei n.º 121/IV, quer ter a bondade de o ler?
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, para além do relatório que foi lido há mais quatro projectos de lei em apreciação. Pela minha parte, pouparia à Câmara a leitura de mais quatro relatórios.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se todas as bancadas estiverem de acordo e se o desejarem, assim se fará.
Pausa.
Dão-se, pois, os relatórios como reproduzidos no respectivo Diário da Assembleia da República.
Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, para uma intervenção.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ordem do dia de hoje corresponde ao primeiro agendamento, nesta sessão legislativa, do Partido Renovador Democrático. Não tendo sido agendado o projecto de lei que apresentámos há cerca de um ano, no sentido de modificar a Lei n. 4/85, conhecida pela designação de estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, optamos por fazer de tal projecto a nossa primeira marcação nesta sessão legislativa, quer pela importância que atribuímos à matéria quer pelo carácter emblemático de que ela se reveste.
Recorde-se que na anterior sessão legislativa o nosso primeiro agendamento foi o de um projecto de lei que visava, de acordo com o nosso compromisso eleitoral, permitir que às eleições autárquicas municipais pudessem ser apresentadas listas por cidadãos e não apenas por partidos políticos. Isto é: permitir que os cidadãos, cuja capacidade de intervenção na vida cívica e política deve ser fomentada e estimulada de todos os modos possíveis, permitir que os cidadãos, dizia, possam intervir directamente na orientação e nos destinos do seu município, apresentando listas para os executivos camarários e para as assembleias municipais, sem necessidade da chancela partidária, sem necessidade do beneplácito prévio de um partido, com todas as consequências daí eventualmente decorrentes.
Tratava-se e trata-se, a nosso ver -e qualquer que viesse ou venha a ser o seu grau de concretização ou de eficácia, se assim me posso exprimir- de uma medida da maior importância, até do ponto de vista simbólico, para se atingir um dos vários objectivos que levaram à criação do PRD, e que consideramos de grande interesse nacional: democratizar mais a democracia, fazer com que os cidadãos participem mais, e com maior capacidade, na vida, designadamente política, do seu país, a todos os níveis -que deve ser, pelo menos potencialmente, uma acção ou, no mínimo, uma preocupação de todos e não só de alguns poucos... -, participem mais, e com mais capacidade para o fazer, na vida da sua região, na vida da sua terra, na vida da comunidade a que pertencem. O que passa, além de outros aspectos -inclusive culturais ou educacionais de reforma de mentalidades-, por se combater a partidocracia, as tentações ou mesmo tentativas de serem os partidos a monopolizar a intervenção política.
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O que passa, repito, por combater a partidocracia exactamente para defender e valorizar os partidos, instrumentos decisivos, essenciais e insubstituíveis do regime democrático. Quem o não compreende, parece-nos que compreende pouco...
Mas a que propósito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, recordamos o projecto de lei que constitui o nosso primeiro agendamento da anterior sessão legislativa, projecto que o PRD em breve voltará a apresentar, porque ele nos continua a surgir como justo e necessário e porque pode ser que já se tenham desvanecido os critérios de «oportunidade» que alguns partidos invocaram para votar contra ele?
Recordamo-lo precisamente para pôr em relevo duas coisas.
Primeiro, que, como naquele caso, o nosso primeiro agendamento desta sessão legislativa tem como objecto um projecto de lei que, em nosso juízo, para lá da sua importância prática, tem um peso político e simbólico relevante.
Segundo, que, também à semelhança daquele caso, em que (nomeadamente) combatemos a partidocracia para defender os partidos se questionamos aqui o que consideramos privilégios ou benefícios injustificados de titulares de cargos políticos, não é para pôr em causa tais titulares, e muito menos os respectivos orgãos, mas para os defender, para defender e reforçar o regime democrático, para defender e melhorar, sobretudo, a imagem dos deputados e da Assembleia da República, cerne e coração da democracia.
Não esquecemos -e é mesmo bom sublinhá-lo, num país como o nosso, que durante 48 anos viveu sobre o jugo de um regime tirânico, que obviamente deixou sequelas que não se apagam de um dia para o outro -, não esquecemos que as instituições democráticas são objecto de ataques dos que preferem ainda a ditadura e a servidão, em toda a sua ignomínia. E não esquecemos que, por via de regra, os parlamentos são o principal alvo desses ataques, quer exactamente por serem o cerne ou o centro da democracia, quer porque constituem a instituição democrática mais vulnerável, porque a mais aberta, a mais transparente, aquela em que tudo se passa aos olhos dos cidadãos e na qual se reflectem e se exercem em toda a sua pujança, e naturalmente também com todos os aspectos aparentemente negativos, as divergências, as tensões e os conflitos que existem na própria sociedade.
Naturalmente não vamos entrar aqui em toda a rica e diversificada problemática da acção e situação dos parlamentos na sociedade contemporânea e da necessidade que eles têm, como todas as instituições, de se adaptar à realidade dos novos tempos e até das novas técnicas. Uma coisa é certa: nenhum democrata, nenhum cidadão consciente, pode negar o seu papel insubstituível e o seu valor único de referencial democrático.
E ninguém pode negar também aquela sua vulnerabilidade, tanto maior, e muito maior quando o Governo, o executivo - que é quem pode dar a ideia demagógica, falsa e não democrática que só ele faz, realiza, enquanto o Parlamento se limita a falar e a impedi-lo de fazer... -, não colabora com a sua dignificação, antes, inclusive, o critique ou ataque por cumprir o seu papel, designadamente de fiscalizar com rigor a acção do Governo e tomar todas, mas todas, as iniciativas e medidas da sua competência.
Mesmo nos países de longa e firme tradição democrática e parlamentar, como é o caso dos Estados Unidos da América, há exemplos do que afirmamos, e um dos mais significativos é decerto este: já tinha rebentado há muito o escândalo Watergate, provara-se a grave actuação, política e moralmente corrupta, do presidente Nixon, que entretanto renunciou, e ainda, segundo as sondagens, a sua imagem era melhor e a sua popularidade maior que a do prestigioso Congresso dos Estados Unidos, que em vários domínios (designadamente quanto a vários poderes que tem - e esta Assembleia da República não tem) constitui exemplo democrático.
Ninguém pode negar, finalmente, que há uma distinção muito simples e clara, mas em nosso juizo muito importante a fazer. E ela é esta: há os que combatem o regime democrático, e designadamente o Parlamento, através dos seus erros e defeitos; e há os que combatem os seus erros e defeitos para defender o regime democrático, designadamente o Parlamento.
É esta, óbvia e indiscutivelmente, a posição do PRD, ao longo de toda a sua actuação em geral e em particular ao apresentar -com as considerações que eu próprio então fiz nesta tribuna- e agendar, há um ano, o seu projecto sobre as candidaturas independentes para as eleições municipais, e ao fazê-lo agora em relação ao projecto de lei que hoje nos ocupa, a propósito do chamado «estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos».
Quem não compreende aquela distinção e confunde os segundos com os primeiros acaba por prestar o melhor serviço a estes, isto é, àqueles que combatem o regime democrático e o Parlamento através dos seus defeitos e erros.
Sendo bem claros, quanto à matéria sub judice, o PRD entende que a Lei n.º 4/85, por força de algumas das suas disposições, e designadamente nas circunstâncias ou na conjuntura em que foi aprovada, não constituiu um bom serviço prestado a este Parlamento e, por isso, ao regime democrático e ao Pais. Essa lei continha e contém algumas disposições chocantes, que se traduzem naquilo que, como já salientei, consideramos privilégios ou benefícios injustificados para os titulares dos cargos políticos. Bem certo que o decurso do tempo e o facto de o Pais, entretanto, ter saído da situação de carência, com a consequente política de austeridade em que se encontrava, já representam mudança assinalável naquelas circunstâncias. E só por isso o PRD não propõe já alterações ainda mais substanciais à Lei n. 4/85, relativamente a artigos que, se ao tempo já existisse e estivesse representado nesta Assembleia, nunca poderiam merecer o seu voto favorável.
Não defendemos o «miserabilismo» na política nem em nada, mas entendemos que não se pode confundir dignificação com simples aumento de remunerações ou regalias, antes entendemos que ela passa por muitos outros aspectos, desde os políticos aos dos meios e das instalações.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Muito bem!
O Orador: - Sabemos perfeitamente que hoje qualquer quadro médio/superior com alguma qualificação ganha mais do que um deputado e qualquer administrador de empresa, ou nem isso, ganha mesmo mais do que um ministro, ou que um deputado que exerça uma profissão liberal, mesmo que a não abandone,
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desde que cumpra aqui o seu mandato com a dedicação e assiduidade exigíveis, pode sofrer um prejuízo económico não despiciendo. Mas não esquecemos as dificuldades inerentes a um sistema em que há, natural e se calhar inevitavelmente, remunerações iguais para devoção, qualificação e trabalho diferentes, nem esquecemos a componente ética e política do problema e a necessidade de, em prol da democracia, deixar claro na opinião pública que desempenhar um cargo político, designadamente electivo, não é, para usar a expressão popular, um «tacho», mas uma forma de exercício da acção cívica e de prestação de serviço ã comunidade.
Não ignoramos que, o que quer que esta Assembleia decida ou faça, não faltarão os ataques e os impropérios dos anti-democratas e às vezes até, infelizmente, de algum partido aqui representado, que, quando as suas posições não obtêm vencimento, em vez de respeitarem democraticamente as posições vencedoras, embora manifestando a sua total discordância em relação a elas, não se eximem a considerações ou acusações sem nenhum fundamento e que provavelmente ainda são mais graves e piores para este Parlamento do que aqueles ataques e impropérios. Não ignoramos isto. Mas é necessário a este nível, como ao nível do constante aperfeiçoamento e melhoria do seu funcionamento, que a Assembleia da República tudo faça para que não exista qualquer fundamento ou pretexto para tais acusações e ataques.
Aliás, julgamos que há uma consciência generalizada da enorme diferença e melhoria, em qualidade e quantidade, do trabalho deste Parlamento na actual legislatura como, se bem recordo, o Sr. Presidente da Assembleia já assinalou, designadamente ao encerrar a anterior sessão legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é dentro destes objectivos e parâmetros que se situa a iniciativa legislativa do PRD que agendamos para hoje e que será apresentada pelo meu companheiro de bancada Agostinho de Sousa. Como foi dentro dos mesmos objectivos e parâmetros que apresentámos, aquando da discussão e votação do Orçamento do Estado, uma proposta sobre os «crimes de responsabilidade» cometidos por titulares de cargos políticos, proposta que retirámos para que, face a algumas reservas suscitadas, o tema pudesse ser objecto de reflexão alargada e procura de soluções consensuais, que esperamos venham a ser encontradas a breve prazo.
Também na matéria que hoje aqui nos ocupa desejaríamos que tal consenso fosse encontrado e para isso estamos, como sempre, inteiramente abertos e disponíveis para ponderar as opiniões alheias e, se for caso disso, fazer, na especialidade, as alterações que se mostrem aconselháveis.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, o PRD diz que introduziu uma nova dinâmica na vida política portuguesa, que se traduz, fundamentalmente, na seriedade e no rigor, assumindo, naturalmente, uma nova postura política, o que seria bom. Mas para isso os actos devem corresponder à teoria.
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Assim, como o projecto de lei que V. Ex." e o seu partido apresentam vem revogar substancialmente alguns preceitos da lei que foi aprovada há menos de dois anos por dois terços desta Assembleia - maioria suficiente para rever a Constituição da República -, queria perguntar-lhe se o Sr. Deputado acha que esse acto, a ser praticado por esta Assembleia, não constitui, de alguma forma, um certo desprestígio para esta Câmara, e que, por consequência, iria contra o que o PRD preconiza, ou seja, o prestígio das instituições.
Segunda pergunta: em consciência, o Sr. Deputado está mesmo convicto de que alguns preceitos, designadamente o das subvenções vitalícias, constituem, efectivamente, privilégios escandalosos dos senhores deputados?
Terceira pergunta: se porventura este projecto de lei fosse aprovado nos termos propostos pelo PRD, e porque não tem carácter retroactivo, o Sr. Deputado pode dizer-me em que situação ficariam aqueles ex-deputados que já estão a receber subvenção vitalícia e os que ainda exercem funções e que, devido à duração do seu mandato, já adquiriram direito a essa subvenção, os quais, uma vez abandonada a Assembleia, não aufeririam qualquer subsídio? Acha que isto seria justo?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado, quanto às duas últimas perguntas, não irei responder, porque, como disse, o meu companheiro Agostinho de Sousa irá tratar desses problemas, o qual poderá responder-lhe depois, se o Sr. Deputado entender que a intervenção não o faz em relação às perguntas agora formuladas.
Em relação à primeira pergunta, é evidente que, quando apresentou este projecto de lei e agora o agendou, o PRD entendia que o mesmo corresponde aos objectivos que refen. Isto é, que o diploma corresponde aos objectivos da necessária e indispensável dignificação e prestígio do Parlamento.
Julgo que, com realismo e com equilíbrio, nós reconhecemos - reconheci-o na minha intervenção- que muitos dos aspectos que nos chocavam, chocavam também, penso eu, o povo português, para além dos aspectos demagógicos que poderá ter havido no tratamento deste tema. Esses aumentos e esses privilégios (pelo menos, nós condicionámo-nos a considerá-los como tal, embora eu não os tenha apelidado de escandalosos) chocaram, dada a situação que então se vivia. Como o Sr. Deputado estará recordado, havia uma grave crise e verificava-se uma situação muito pior do que hoje. Como referi, penso que, com o tempo, alguns desses aspectos se diluíram ou foram ultrapassados. Na altura, houve uma grande parte do povo português que ficou chocada com essa matéria. Obviamente que, nesse aspecto, a Assembleia está numa posição difícil, porque tem de legislar em matéria que lhe diz respeito.
Portanto, entendemos que esta matéria está de acordo com o nosso projecto político e com as nossas propostas e que não fica de modo nenhum mal que, a dois anos de distância, a Assembleia reformule ou reconsidere estes dois aspectos. O que pretendemos é apenas que, quanto à questão das reformas, seja aplicado o regime geral aos deputados e não o excepcional e, quanto ao caso do subsídio de reintegração, que não tenham direito a ele pessoas que, ao virem para
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a Assembleia, suspendem funções, por vezes públicas, que depois retomam e em que, obviamente, não têm nenhum prejuízo, o que não se justifica. Este é um dos casos de injustiça, e vemos com satisfação que o PS apresentou um projecto de lei que tenta, pelo menos, minimizar as injustiças graves que podem existir a manter-se a lei tal como está. Este é um dos aspectos em que admitimos nos convençam a alterar a nossa posição em sede de especialidade e admitimos que haja casos, designadamente o das profissões liberais, de pessoas que por aqui terem exercido funções venham a sofrer na sua vida profissional. Parece-nos é que quando o preceito é generalizado desta forma acabam por ser beneficiadas muitas outras pessoas. E pelo conceito que temos (e que entendemos que esta Assembleia deve defender) da acção política como acção cívica e missão de serviço público, entendemos que é perigoso que se mantenha um dispositivo deste género.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão hoje em apreciação várias iniciativas concernentes ao estatuto dos titulares de cargos políticos, diploma aprovado em votação global final, há cerca de dois anos, pelos votos conjugados, designadamente do PS, do PSD e da ASDI.
O PSD apresentou dois projectos sobre a matéria, de âmbito muito circunscrito, tendo em vista abranger duas situações concretas não contempladas na lei.
O primeiro refere-se às «despesas de representação», que a lei concedeu a todos os titulares da Mesa da Assembleia da República, com excepção dos vice-secretários. Ora, a experiência demonstra que o exercício deste cargo proporciona empenhamento e responsabilidade que não é sensivelmente diferente dos que resultam do exercício do cargo de secretário. Assim, prevendo a lei a atribuição aos secretários de um abono mensal para despesas de representação no montante de 15% do respectivo vencimento, entendemos propor para os vice-secretários o escalão imediatamente inferior, ou seja, 10%.
O segundo projecto de lei de nossa iniciativa respeita à situação dos deputados que são designados governador ou vice-governador civil. Afigura-se legítimo que, para efeitos de contagem de tempo, se considere o efectivo desempenho daqueles cargos, isto é, que não se interrompa a contagem de tempo do exercício do mandato de deputado.
E, permita-me o parêntesis, Sr. Deputado Carlos Candal - já que, entretanto, me chegou as mãos o relatório da 1.ª Comissão sobre este nosso projecto de lei, subscrito pelo Sr. Deputado -, para dizer que tem toda a razão quando refere que a redacção do nosso projecto de lei poderá não ser a mais feliz. Na realidade, é exactamente isso que o Sr. Deputado refere aqui no relatório, ou seja, apenas se deseja recuperar para a contagem em questão o tempo de desempenho das funções de governador ou vice-governador civil de quem, sendo deputado, haja suspendido para o efeito o seu mandato.
De qualquer modo, V. Ex.ª tem razão e poderemos precisar na especialidade esta redacção, caso o diploma faça vencimento na generalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, como é natural, vem propor a pura e simples revogação do estatuto remuneratório.
No preâmbulo do projecto de lei nada acrescenta aos argumentos que aduziu aquando da aprovação daquele diploma há dois anos atrás. Também nós nada temos a acrescentar ao que nessa oportunidade justificou o nosso voto. Por isso votaremos contra o projecto de lei do PCP sem mais considerações, para além do seguinte.
Registamos a incoerência de quem está globalmente contra o estatuto e ao mesmo tempo colhe placidamente os benefícios do que tem por injusto. Que nos conste, da bancada do PCP não surgiu nenhuma iniciativa colectiva no sentido de recusar o que afirma serem benefícios escandalosos ...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Então vamos votar contra!
O Orador: - Igualmente não nos merece apoio, na generalidade, a iniciativa do PRD. No essencial, pretende-se eliminar a «subvenção mensal vitalícia» para os membros do Governo, deputados e juizes do Tribunal Constitucional, mantendo-a para os ex-Presidentes da República, e ainda eliminar o «subsídio de reintegração». Estas as propostas fundamentais do PRD.
Não alteramos também neste caso a posição que assumimos oportunamente em defesa destes dispositivos, que, em nosso entender, favorecem a dignificação dos titulares dos cargos políticos, assegurando-lhes condições de auto-suficiência indispensáveis ao exercício daquelas funções com total independência.
Não basta, quanto a nós, que os titulares de cargos políticos aufiram remunerações compatíveis e condignas. Importa também que, após o desempenho desses cargos, tenham garantias mínimas de reintegração nas profissões que exerciam e condições de sobrevivência adequadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se assim não sucedesse, estaríamos a fomentar o desempenho de cargos políticos preferencialmente por quem tivesse abastadas posses materiais e a provocar constrangimentos à indispensável progressiva profissionalização em tempo inteiro, em especial dos deputados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se somos contra a revogação pura e simples das referidas subvenção e subsídio, somos, por outro lado, sensíveis à necessidade de adaptar e corrigir a lei em conformidade com aquilo que a própria experiência entretanto recomendou. De resto, num aspecto essencial, a lei determinava, no seu artigo 27.º, a regulamentação da acumulação da subvenção mensal vitalícia com outras pensões, o que ainda não foi feito. E é óbvio que não concordamos com a acumulação sem limites nem condições.
As propostas do PS dão resposta plausível a esta e a outras questões, carecidas de reapreciação. Mas mais adiante abordaremos estas propostas. Voltando ao projecto de lei do PRD, analisemos genericamente outros pontos para além daqueles a que já nos referimos.
Primeiro, pretende-se limitar ao Presidente da República a distribuição de mais de uma viatura oficial. A lei previa que também o Presidente da Assembleia
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da República, V. Ex.a, e o Primeiro-Ministro pudessem dispor de mais do que uma viatura. Com o devido respeito, a restrição é manifestamente descabida ou mesmo ridícula e não merece mais referência.
Segundo, pretende-se retirar aos deputados residentes em círculo diferente daquele por que foram eleitos as ajudas de custo inerentes às deslocações a esses círculos para o exercício das suas funções. É um problema que merece ponderação, mas que, a ser rectificado o que está estabelecido, só deverá - ou só deveria produzir efeitos para a próxima legislatura, em ordem a que os partidos tenham essa situação em linha de conta na selecção dos seus candidatos.
Terceiro, pretende-se revogar regalias e benefícios previstos, designadamente, no Estatuto do Deputado. Se bem interpretamos o alcance da redacção do artigo 2. º do projecto de lei do PRD, seriam eliminados, por exemplo, os artigos 13.º e 18.º daquele Estatuto. Isto é, ficariam sem efeito, designadamente, a utilização dos transportes colectivos ou do reembolso das despesas de deslocação em viatura própria. Não se nos afigura razoável!
Assim, se não acolhemos, na generalidade, o projecto de lei do PRD, satisfaz-nos pelo menos constatar a correcta posição de princípio deste partido, do PRD, e que resumidamente se pode extrair das seguintes passagens do preâmbulo do projecto de lei de que é autor e que, com a devida vénia, cito:
[...] não se deseja nem se aceita, de nenhum modo, alinhar com aqueles que pretendem que os titulares dos órgãos de soberania tenham remunerações incompatíveis com a dignidade e a responsabilidade dos cargos políticos e demagogicamente daí retiram pretextos para acusações infundadas que chegam a visar o próprio regime democrático.
Continuo a citar o PRD:
[...] não se esquece que um profissional liberal médio, v. g., aufere, no exercício da sua actividade, por trabalho correspondente ao que deve exercer na Assembleia da República e no Governo, remuneração superior. Nem tão-pouco se esquece que qualquer administrador de uma empresa pública - e ainda mais os administradores de empresas privadas de idêntica dimensão - auferem remunerações muito mais elevadas.
E continuo a citar o PRD:
Este facto tem estado na origem da recusa de muitos cidadãos à candidatura a deputados e determinado que os gestores públicos optem por permanecer nas suas respectivas administrações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: analisemos agora o projecto de lei do PS. Neste caso, estamos perante um conjunto de alterações que merecem a nossa aprovação genérica.
De facto, o grupo parlamentar socialista introduz não apenas correcções pertinentes de pormenor, como as que se referem aos artigos 23.º e 24.º, mas vem também na prática regulamentar e clarificar os dispositivos vigentes, que se referem à subvenção mensal vitalícia e ao subsídio de reintegração em termos que se nos afiguram responsáveis e correctos. Deste modo, apesar de também não compreendermos o alcance
exacto do disposto no artigo 3. º (novo artigo 31. º-A), não deixaremos de acolher genericamente as propostas do PS, a fim de as ponderar em sede de especialidade:
Em suma, Sr. Presidente, Srs. Deputados, nada justifica a revogação pura e simples do estatuto remuneratório nem a eliminação de alguns dispostivos contemplados nessa lei e que se afiguram essenciais a assegurar condições de exercício de funções políticas com independência, mesmo que só tenham eficácia após a cessação dessas funções.
No entanto, passados dois anos da aprovação do estatuto, é oportuno proceder-se à revisão e adequação desses dispositivos tendo em conta a experiência entretanto colhida e face à necessidade de os regulamentar como, de resto, a própria lei previa para alguns deles.
Hoje, como há dois anos, não receamos o aproveitamento demagógico que possa ser feito da nossa postura, já que ela visa dignificar os titulares de cargos políticos, os órgãos de soberania e, portanto, o próprio Estado.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Capucho inscreveram-se os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Agostinho de Sousa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, às questões de fundo que estarão em causa neste debate procuraremos responder com as intervenções que serão feitas por deputados da minha bancada, mas não posso deixar passar em claro a insinuação feita em relação à minha bancada, pois penso que nada é pior do que uma insinuação.
Porque conheço o Sr. Deputado já há algum tempo e porque prefiro a clareza das suas ideias a insinuações, pergunto-lhe: neste caso concreto, e tendo em conta esta questão de fundo tão polémica, considera preferível a especulação e insinuação, como pretendeu fazer, ou um debate sério, que procura prestigiar o Parlamento, numa posição ética e institucional?
Uma segunda questão tem a ver com os deputados. É ou não verdade que o que está em causa neste debate são as remunerações dos titulares de cargos políticos, incluindo as dos membros do Governo - que, por acaso, o Sr. Deputado, na sua intervenção, omitiu?
Em relação às insinuações feitas, permita-me um desabafo pessoal, que gostaria tivesse em conta quando ataca o nosso projecto de lei: sou deputado há doze anos, desde a Assembleia Constituinte - e aqui, combato a sua especulação -, pelo que teria direito a um subsidio vitalício, enquanto, se regressasse à empresa onde trabalhava, onde para chegar a operário especializado tive de passar por uma filtragem de doze anos, ganharia, de acordo com o contrato colectivo dos metalúrgicos, cerca de 30 e poucos contos. Não acha que isto choca um bocado, Sr. Deputado?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.
O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Sr. Deputado António Capucho, vou-lhe fazer algumas perguntas suscitadas pela sua intervenção, que ouvi com muita
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atenção. Em primeiro lugar, pergunto-lhe se concorda que o subsídio de reintegração - que atinge níveis que aproximadamente rondam os 1228 contos em cinco anos, 1475 contos em seis anos e 1721 contos em sete, no caso dos deputados, e que no caso dos ministros atinge 1598 contos em cinco anos, 1918 contos em seis anos e 2237 contos em sete anos - seja atribuído sem uma disciplina prévia das condições de atribuição, sobretudo porque isto pressupõe aparentemente uma compensação por danos materiais.
Faço realçar que ainda está por apurar a situação de expectativas legítimas, inexistentes em relação aos deputados que exerceram as suas funções antes da publicação desta lei - não sei se o Sr. Deputado terá números que possam credenciar quais os deputados que previsivelmente tenham sofrido qualquer espécie de dano e quais aqueles que, num regime de função pública, não optando por vencimentos mais baixos, vêm a receber através da Assembleia da República.
Perante uma situação que claramente ultrapassa critérios técnicos administrativos ou financeiros, que é fundamentalmente uma questão de incidência política, de definição da inserção institucional do próprio deputado - e, portanto, de definição correcta dessa isenção com o tratamento de assuntos, como o das incompatibilidades, exclusividades, relações possíveis entre a remuneração e a retribuição por outras actividades -, perante este condicionalismo, reforçado por outros que em intervenção posterior tentarei demonstrar, perante a circunstância de, em relação à subvenção, se tratar de um caso único no conserto das 200 ou 250 profissões existentes em Portugal, caso único que começa com a discriminação no próprio interior dos órgãos de soberania (afastando-se a magistratura com base no argumento de que terão um estatuto autónomo), pergunto-lhe, Sr. Deputado, se entende isto como correcto. Mais: esta situação é de privilégio em relação a todos os países da Europa, incluindo os da CEE - não na fixação e na admissão de uma reforma, mas nas condições de atribuição dessa subvenção mensal vitalícia -, pois ai exige-se, no mínimo, uma idade e um tempo de serviço mínimos. Mais ainda: 87,5 % das respostas dadas por 40 parlamentos demonstram que nesses casos havia também sujeição a impostos. Perante tudo isso, Sr. Deputado, pergunto-lhe se, na verdade, considera ser esta uma boa solução.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respondo em primeiro lugar ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, para lhe dizer que não insinuei nada. Limitei-me a fazer uma afirmação peremptória, que ficou escrita e que cito: «Registamos a coerência de quem está globalmente contra o Estatuto e ao mesmo tempo colhe placidamente os benefícios do que tem por injusto.» Isto é uma afirmação, não é uma insinuação!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Então vamos votar contra.
O Sr. Adérito Campos (PSD): - É só mais uma demonstração de facto!
O Orador: - Em relação às questões postas referentes às duas figuras da lei, que são de facto controversas, quero deixar claro que na minha intervenção referi que, em primeiro lugar, a própria lei previa que o Governo regulamentasse, designadamente, a acumulação desta pensão de sobrevivência com outro tipo de pensões, o que não foi feito, ou, pelo menos, não o foi com a extensão que entendemos adequada.
Referi também peremptoriamente que a nossa bancada acolhe, na generalidade, como boas as soluções que, quanto a esta matéria pensão de sobrevivência e subsídio de reintegração - o PS apresenta. E já tínhamos tomado a iniciativa de, caso não tivesse chegado ao Plenário qualquer proposta neste sentido - porque, de facto, só chegou na quinta ou sexta-feira da semana passada -, em sede da 1. º Comissão, se ponderar a regulamentação por iniciativa da própria Assembleia, ou seja, não vale a pena discutir em abstracto, tal como está regulamentado na Lei n.º 4/85, estas matérias, sem termos em conta que há uma predisposição de toda a Assembleia para as regulamentar de forma a colmatar os aspectos que para algumas bancadas assumem foros de escândalo.
Acrescentando alguma coisa à resposta que já dei, digo ao Sr. Deputado Agostinho de Sousa que a lei prevê, em relação a estas duas figuras, resposta para situações médias e que é evidente que cada um de nós pode apresentar aqui situações limite. Porém, em relação ao subsidio de reintegração, por exemplo, não se trata de indemnizar os titulares de cargos políticos por danos materiais que lhes ocorram pelo exercício de um destes cargos que a lei contempla.
A talhe de foice, direi ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa que, obviamente, não pretendi reduzir este diploma ...
«A talhe de foice» vem apropriado ...
Risos.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Tem alguma coisa contra a foice?
O Orador: - Não disse «de foice e martelo». Disse «de foice».
Diria, pois, ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa que os titulares são os que estão referidos na lei e não apenas os deputados. São o Sr. Presidente da República, membros do Governo - é a alínea b), não se esconderam -, os deputados à Assembleia da República, os ministros da República para as Regiões Autónomas e os membros do Conselho de Estado. Depois acrescenta-se que são equiparados para este efeito os juízes do Tribunal Constitucional.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Agente vai ver isso!
O Orador: - Retomando o fio à meada e largando a foice, diria que não se trata de indemnização por danos materiais, mas de favorecer ou compensar a retoma da profissão. Evidentemente que podemos prefigurar situações limite nesta matéria. Por exemplo, um médico de Bragança, quando regressar, após oito anos na Assembleia da República, certamente não terá clientes e terá de fazer um esforço brutal do ponto de vista profissional e material para recuperar a sua profissão.
Pois bem, o subsidio de reintegração visa de algum modo compensar e proporcionar esta reintegração na sua profissão. Não há nenhum escândalo nisso!
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Como também não há nenhum escândalo - e V. Ex. acabou por dar razão, com uma pequena reserva, que é o limite mínimo de idade - na questão do subsídio mensal vitalício, já que, como consta do excelente relatório apresentado pelo Sr. Deputado Relator, o Sr. Deputado Carlos Candal, que prefigura as situações que existem em inúmeros outros parlamentos.
Bom, aquilo que efectivamente acontece é que, na maioria deles - tive oportunidade de o constatar - se condiciona a uma determinada idade, por exemplo aos 40, noutros casos aos 60, 58 ou 55 anos. Temos um projecto que, sobre esta matéria e sobre o subsídio de reintegração, apresenta soluções sérias, positivas e construtivas, que é o projecto do Partido Socialista, que estamos prontos a viabilizar. Agora não vamos é utilizar a figura em abstracto do subsídio de reintegração e da pensão mensal vitalícia para provocar ainda mais escândalo ou para inventar escândalo se o assunto ao fim de dois anos, como ocorre, aliás, noutros parlamentos, não apenas na Europa mas também da América e da Ásia, como está profusamente descrito neste relatório, encontrar um ponto que seja um ponto de razoabilidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático entrou na cena política pregando moral ...
Vai no 16.º mês de pregação e de vida. E então? Que exemplos dignos de catecismo deu ele aos ímpios?
Decorre o 16. º mês em que, podendo renunciar a ele, os seus deputados usufruem placidamente o regime de remuneração dos cargos políticos que dizem violentar as suas consciências. Era tão fácil permitirem-se o aconchego de alma consistente em não receberem um só ceitil que fosse além do que têm por justo!
Risos do PS.
Dizem «chocantes» os acréscimos aprovados pela Lei n.º 4/85, «num quadro de referência às demais funções e cargos da vida portuguesa». Mas deixam intocada aquela que, nessa linha de incompreensão, seria seguramente a mais chocante de todas, ou seja, a remuneração auferida, na qualidade de ex-Presidente da República, pelo seu próprio presidente.
Vozes do PRD: - Já estávamos à espera disto!
O Orador: - Isto porque, essa mais do que nenhuma outra, e tenho muita honra em ter estado na base dessa iniciativa, tem por essencial justificação - que continuo a ter por boa, apesar de o único titular desse direito ter passado a exercer as funções de dirigente partidário - a dignificação do alto cargo político em que fez jus ao correspondente direito.
Mas se assim é - e implicitamente vem reconhecido que seja - relativamente a um dos vértices, porque o não há-de ser, com as gradações tidas por justificadas, em relação aos demais escalões da pirâmide?
No preâmbulo do seu projecto, os senhores deputados do PRI) reconhecem aquilo que foi há pouco lido pelo Sr. Deputado António Capucho e que, por isso mesmo, prescindo de reproduzir.
Pergunto a seguir: que fez então correr os senhores deputados do PRD para declive tão acentuadamente crítico?
Antes de mais - dizem -, «a inoportunidade do excesso das correcções, na altura»; depois, a consideração de que o escopo da dignificação dos cargos políticos «não é exclusivo do seu exercício, nem tão-pouco mais imperativo nesse domínio que em outros de' equivalente responsabilidade e complexidade»; estaria enfim por determinar a efectiva ocorrência dos visados reforço de dignidade e acréscimo de eficácia.
Que dizer destas autojustificações?
Desde logo, que não são nem podem ser as reais. A oportunidade então era só esta: o Presidente da República ganhava 60 100$. Sensivelmente o que, na prática, ganharia o seu motorista!
Os ex-Presidentes da República não tinham estatuto, nem remuneratório nem qualquer outro; não lhes estava, sequer, vedado o estatuto de frequentadores da sopa dos pobres.
Os deputados à Assembleia da República ganhavam 59 900$. Menos do que milhares de funcionários públicos; menos do que a maioria dos funcionários do Ministério das Finanças, onde pontificou o actual Primeiro-Ministro, que aqui há dias se mostrou tão preocupado com as distorções salariais; menos do que muitos dos funcionários desta mesma Assembleia!
Como aos titulares de cargos políticos não era reconhecida nenhuma subvenção após o termo do exercício das suas funções, fazia-se política de olho posto no lugar ou na função de origem, ou na travessia para cargo que desse direito a reforma.
Éramos -e ainda somos- a família política mais mal remunerada da Europa! O próprio Dr. Salazar -modelo de frugalidade para os que usam raciocinar fazendo tábua rasa da inflação e da depreciação da moeda- auferia mais efectivo poder de compra, quando caiu da cadeira, do que aufere o actual Primeiro-Ministro! Embora fosse mais reduzido o seu poder de consumo!
Risos.
Um ministro ou um deputado corriam o risco -disse eu no debate de então- de estenderem a mão a ver se chovia e de alguém lhes deixar cair nela, humilhante, uma moeda!
Mas a família política portuguesa não é apenas a mais mal remunerada! Também a mais mal instalada, a mais mal secretariada, a mais mal assessorada. O deputado português é um nómada do deserto dos corredores de São Bento! É aí que recebe os eleitores, dialoga com os jornalistas e rabisca as leis.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
Resumamos: não tem qualquer tradução na realidade o nº 3 do artigo 48. º da Constituição, quando prescreve que: «Os deputados têm direito a um tratamento adequado a garantir a sua independência.»
É verdade que o País estava em crise. Mas não vale a pena tentar ignorar que a ultrapassagem das nossas dificuldades financeiras não dependia da poupança do que a mais passaram a auferir os titulares de cargos políticos.
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Mas, se assim fosse, padeceria então de igual inoportunidade a poda, que neste momento, se propõe das demasias de então. Segundo o Sr. Primeiro-Ministro, a crise está vencida! ...
Vozes do PSD: - É verdade)
O Orador: - Com mais acerto se consideraria que responsáveis políticos prestigiados, independentes e a tempo inteiro, são mais significativamente contribuintes da superação da crise do que a diferença entre a «esmola» que recebiam e o salário «minimamente justo» que recebem! Era esta a oportunidade! Uma oportunidade que só a demagogia mais espessa pôde ter deixado levar a tais extremos de contestação)
Aceita-se que a função política não seja a única cuja dignificação justifica as nossas apreensões. Mas não se aceita que outras existam, «de equivalente responsabilidade e complexidade», em que essa exigência seja tanto ou mais imperativa.
Quais, tenho eu a ousadia de perguntar?
Que cargo público -político ou não- implica maiores responsabilidades e complexidades e deve ser revestido de maior dignidade e independência do que o de Presidente da República, deputado à Assembleia da República, membro do Governo ou do Tribunal Constitucional?
A democracia tem, em grande medida, o prestigio que tiverem os seus rostos mais ostensivos e os seus agentes mais responsáveis. Menosprezar estes é desprezar aquela.
É porventura eleitoralmente tentador pactuar com a critica fácil, sobretudo se for corrente, aos agentes políticos e até ao regime democrático. Sabe-se de onde sopra o vento. Vivemos tempo demais em ditadura dissolvente de tudo quanto cheirasse a democracia para que não remanescessem vozes saudosistas a imputar às novas instituições tudo quanto de mal acontece, desde a crise económica mundial às síndromas da readaptação à liberdade. Mas não se compreende facilmente que quem é a sua voz se sirva dela para a denegrir em nome de exigências éticas que de ético só têm o nome, à demagogia mais calculista -não resisto a dizê-lo- indo buscar o resto.
Sobretudo sabendo que não faltará quem salvaguarde o que aparentemente autocolocam em risco, assumindo o supostamente «odioso» do que rotulam de inadmissíveis privilégios discriminatórios)
Como se não fosse verdade que ainda hoje o Presidente da República ganha menos do que a maioria dos gestores públicos e os deputados menos do que a totalidade dos gestores, a maioria dos magistrados e das altas patentes militares, e até de muitos funcionários públicos, incluindo alguns -afinal não excessivamente pagos- desta Assembleia)
Mais: como se o Presidente da República, os membros do Governo e os deputados não continuassem, hoje ainda, a auferir apenas entre um sexto e um terço do que auferem os seus homólogos das democracias que nos devem servir de paradigma)
A designação de deputados portugueses ao Parlamento Europeu veio revelar este pequeno «escândalo»: o de que um deputado àquele Parlamento aufere remuneração global da ordem de dez vezes a que recebem os seus colegas da Assembleia da República) Vamos começar aos «morras» à CEE?
É assim «exorbitante» o que o Estado Português paga aos seus deputados!
O argumento de que estão por demonstrar os efectivos acréscimos de dignidade e de eficácia é, decerto, a mais pobre das razões.
Bastaria opor-lhe que também não está demonstrado o contrário.
Bastaria acrescentar que a relação de conexão entre um salário digno e a dignidade do cargo não costuma carecer de demonstração.
Poderia, malevolamente, ripostar-se que iniciativas como estas contribuem fortemente para neutralizar os efeitos positivos das mais dignificantes medidas.
Mas não! Manda a prudência que se fique pela consideração de que não há automatismo em todas as relações de causa e efeito; que a dignificação de uma instituição se constrói com persistência e com fé, e sobretudo desautorizando as tentações demagógicas que se lhe atravessem no caminho.
O salto na remuneração não foi de molde a produzir efeitos espectaculares. Mas acabará por determinar efeitos positivos e seguros. O cargo de deputado já não tem necessariamente de ser um fait divers, um part-time ou um «biscate». O deputado já não tem de passar o tempo a acorrer ao escritório privado para suprir o quantum satis da sobrevivência. O deputado já não tem de viver a angústia da aposentadoria sem pensão.
Vozes do PCP: - Isso são tretas!
O Orador: - Se isto não contribui para que diminuam as resistências a que concorram a deputados os melhores; se isto não proporciona a dedicação a tempo e vida inteiros à acção política; se isto não reforça a independência dos titulares de cargos políticos, pondo-os a coberto de fraquezas e tentações, então o PRD tem razão e sou eu que já não sei distinguir até que ponto uma causa determina tendencialmente um efeito.
Onde, porém, o projecto do PRD põe o ramo da sua indignação é na subvenção vitalícia e no subsidio de reintegração.
Pois é lá possível que um deputado ou membro do Governo, apenas ao fim de oito anos de exercício dessas funções -no pressuposto de que nesse momento findem- aufiram vitalícia e mensalmente entre 35 e 40 contos?
Tomemos consciência de que estamos a falar de qualquer coisa como o bastante para almoçar e jantar todos os dias em qualquer restaurante médio! Não estamos a falar em barras de ouro!...
E depois o «escândalo» de mais 4 % por cada ano completo a mais até ao limite de 80 % do vencimento de deputado em exercício, ou sejam mais cerca de cinco almoços/mês! Será que o ex-deputado, a partir de oito anos a fazer leis -não a engarrafar pirolitos-, tem a veleidade de querer almoçar todos os dias?...
Risos do PS, do PSD e do CDS.
Já sei: o que choca o PRD é o paralelismo com a pensão de reforma do funcionário comum. Este tem de suar três décadas; o deputado menos de uma! Há moralidade nisto?
Se não quisermos praticar a hipocrisia das bonitas palavras pactuando com as feias realidades, basta que atentemos em que é tão chocante isso como a diferença entre a mais baixa e a mais alta pensão de reforma! Ou entre a remuneração mínima e máxima, tanto faz!
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Se o sacrifício da justa remuneração dos deputados e governantes permitisse superar as precárias condições de vida de tantos cidadãos, era imperativo esse sacrifício, ainda que a política tivesse de ser encarada como um sacerdócio. Mas é de algum modo ao invés: carece de significado o que a esse título se poupe, comparado com o que se ganha assegurando aos mais aptos responsáveis políticos condições de dignidade e de independência. Tornando, em suma, a intervenção política atractiva para os melhores cidadãos!
Coerente, a esse respeito, esforça-se por ser o Partido Comunista. Como ser comunista é -ou foi, pelo menos, na sua vertente blanquista- defender que todos ganhemos o mesmo, e tenhamos a mesmíssima reforma...
Vozes do PCP: - É falso.
O Orador: - Propõe que se fulmine a lei. Bem basta, para seu sofrimento e desgosto, que se regresse ao abuso de um deputado ganhar os suculentos 59 900$ que ganhava em 1985, mais a correcção da inflação, enquanto o salário mínimo continua a ser a condenação à fome que todos sabemos!
Mas os senhores deputados do PCP, esses, ao menos, aliviam a consciência entregando ao Partido, ao que parece, a demasia. Podiam renunciar a ela a bem do Estado? Podiam. Mas entendem, não sem alguma lógica, que mais bem gerida é ela pelo seu Comité Central!
Risos do PS, do PSD e do CDS.
E mais! Quando se deu o caso de poderem influir decisivamente na redução do leque salarial, foi o que se viu: os últimos aproximaram-se vertiginosamente dos primeiros, independentemente do que cada um de nós pense das vantagens concretas dessa cristianíssima tendência!
Têm, pois, a minha compreensão!
Compreendo menos bem os senhores deputados do PRD. Respeitando a diferença -como agora se diz- defendendo uma justiça social que premeia o mérito em contraponto do demérito e a diligência em contraponto da preguiça, não tendo da concorrência burguesa a visão demoníaca dos cristãos primitivos, nem a visão apocalíptica dos comunistas utópicos, por que estranha alergia negam a elementaridade que há em reconhecer que, sendo a classe política a mais responsável, deve ser a mais prestigiada, sendo a mais poderosa, deve ser a mais independente, e sendo uma coisa e outra, deve ser atractiva -repito- para os melhores cidadãos?
Não é sequer verdade que, mesmo aí, estejamos desacompanhados pela comunidade democrática.
Há países em que os deputados asseguram o direito a pensão de reforma a partir dos quatro anos de exercício de funções (Grécia, Inglaterra, Israel e Chipre, por exemplo), a partir dos cinco (Bélgica, índia, Itália), a partir dos seis (Alemanha Federal, Canadá, Suécia).
Acresce que o limite mínimo de oito anos é julgado bom por muitas outras democracias (a Austrália, a Bélgica, para a câmara dos representantes, a Dinamarca, a Irlanda).
De resto, a lei não dispõe sobre as regras de previdência a aprovar e os descontos a exigir para que, após oito anos, os deputados, membros do Governo e equiparados assegurem o direito a uma pensão vitalícia.
Ser deputado ou membro do Governo não é nem fácil nem cómodo. Não é caso para se ter «inveja» do que ganham ou da reforma que têm.
E depois é sabido que, nestas matérias, o mal é começar. Começa-se por recusar ao deputado o direito a um salário digno e não tarda que apareça quem ache mal empregado todo e qualquer salário que com ele se gaste. Pois não fica mais em conta deixar que um ditador faça ele mesmo as leis? Basta que nos não preocupe que fique mais caro, em direitos!
Curiosamente, no projecto do PRD, depois de no intróito se ter dito do subsidio de reintegração o que o Dr. João Jardim não disse no continente (Risos do PS, do PSD, do CDS e de alguns senhores deputados do PCP.), nada, na proposta legislativa, se continha a esse respeito.
Esquecimento? Ou a premonição de que os seus subscritores não iam ficar no Parlamento os oito anos que dão direito à subvenção vitalícia (Risos e aplausos do PS, do PSD e do CDS.), conveniente sendo, nessa perspectiva, não molestar por demais o subsídio de reintegração? Parece que de lapso se tratou. Advertidos dele, os subscritores do projecto apressaram-se a corrigi-lo.
É aí que o PRD pode ter alguma razão. E porque a tem, o meu Grupo Parlamentar propôs alterações, que se lhe afiguram correctivas e justas, ao regime deste subsídio.
Propusemos, aliás, outras melhorias, como, por exemplo, a eliminação do direito a optar pela remuneração do lugar de origem, o que desigualiza a remuneração dos deputados e sobrecarrega o orçamento da Assembleia com o pagamento de uma diferença não fixada por ela, nem em muitos casos por lei! A Lei n.º 4/85 não é para nós uma vaca sagrada. Onde merecer ser corrigida, pois que o seja. Mas com seriedade e sem demagogia.
Merece também referência a proposta que tencionamos apresentar de eliminação do direito dos parlamentares europeus (depois de conversarmos com eles) a um subsidio de transporte no interior do País equivalente ao que os deputados da Assembleia da República auferem. Parece-nos que este subsídio não tem lógica, pois não há paralelismo de situações, para além de existir um subsidio legal atribuído pelo Parlamento Europeu.
O nosso ponto de vista é, de resto, o de que a dignificação da função política passa tanto por garantias de independência económica como pelo reforço das suas responsabilidades. Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai apresentar um projecto de lei revendo e reforçando as situações de incompatibilidade funcional dos deputados. E hoje mesmo fez entrega aos líderes parlamentares do anteprojecto da lei dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, que se obrigou a elaborar até ao fim do corrente mês, a fim de que, com base nele, e em amplo consenso, se elabore o correspondente projecto definitivo. Não é mais do que um anteprojecto, mas penso que será uma base de trabalho para um projecto de lei consensual. Estranhamente, também, o PRD escarmenta-se com os acréscimos de regalias dos governadores civis. Mas acontece que a lei em apreço - única de que o PRD propõe a alteração - nada diz a respeito deles, a não ser para prescrever que o exercício desse cargo faz suspender o direito à percepção da subvenção mensal vitalícia.
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Ou será que se reporta à proposta inicial, onde o governador civil era considerado, e bem, titular de cargo político, dela tendo sido riscado só porque se entendeu que tal deveria constar de estatuto próprio, até hoje não aprovado?
Srs. Deputados, já que tanto se invocaram pruridos de consciência, quero por fim afirmar, por exigência da minha própria, que por esta razão me não pesa.
Não padeço do complexo de, enquanto ministro, ter explorado ou, enquanto deputado, estar explorando o meu país. Servi-o e sirvo-o sem dele me servir.
Comecei a fazer política quando a única recompensa eram as perseguições e as ameaças, o exílio ou a prisão.
Quem a fez por esse preço, ou com esse risco, não faz agora pelo que em razão dela recebe. No balanço entre o que dou e o que recebo tenho a veleidade de me considerar credor. Nunca desempenhei nem desempenharei cargo público para que não tenha sido democraticamente eleito ou politicamente designado por quem democraticamente o foi.
Sou, e faço questão de acentuar que sou, o principal responsável pela lei em apreço. Estive na sua génese e defendi-a, em representação do Governo, neste Parlamento.
Aconteceu isso com muitas outras, o que me ensinou que fazer leis é porventura a forma simultaneamente mais nobre e mais pesada de assumir responsabilidades.
Assumo as minhas. Mas não estou disposto - nunca estive, nem estarei - a receber lições de moral.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Almeida Santos, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado Almeida Santos, como é seu hábito, V. Ex. º produziu uma intervenção de fino recorte literário e com o fino humor que o caracteriza.
Como sabe, desde há muito o aprecio, mas lamento que, neste caso, o seu humor tenha sido atingido por alguma coisa que não estou muito habituado a ver em si, para além das divergências naturais, designadamente a alguém que, de facto - como disse e muito bem -, tem decerto o record de presenças nos governos deste pais depois do 25 de Abril.
De facto, disse que não estava habituado a uma certa demagogia, que chegou até ao ponto de perguntar se não ficaria mais barato que um ditador fizesse, ele próprio, as leis.
Na nossa intervenção e na nossa exposição sobre este projecto fugimos à demagogia. Eu próprio também fugi à literatura, embora não estivesse certo de a fazer com o brilho de V. Ex. - e não o faria certamente. Portanto, como não entrámos em demagogia, não esperava de V. Ex. demagogias desta ordem, como não esperava que citasse ou pessoalizasse o seu caso, que muito respeito. De facto, penso que não será o melhor para esta Câmara entrarmos na pessoalização dos problemas.
No entanto, a sua intervenção teve outros méritos, nomeadamente, e desde logo, o de colher o aplauso unânime do bloco que apoiou o anterior governo ...
0 Sr. António Capucho (PSD): - E não só!
O Orador: - ... e, com certeza, de alguns outros senhores deputados.
Quando criticamos um diploma, de forma alguma estamos a pôr em causa as pessoas ou os órgãos de que fazem parte e penso que tive todo o cuidado de o salientar. Mais: tive o cuidado de salientar que é óbvio e nítido que para um advogado - e para mais ilustre - que vem para esta Assembleia exercendo as suas funções como as exerce, dai só lhe podem redundar prejuízos económicos pessoais.
Mas julgamos que o que está em causa não é isso, é uma questão política, é uma questão moral para a população em geral. Nós não queremos atacar aqui ninguém e lamentamos que, efectivamente, o mesmo não se tivesse passado na sua intervenção, ainda que no seu estilo peculiar - já sei que me irá dizer: não tenho outro, é o meu.
Finalmente, tomo a devida nota da sua premonição de que os subscritores desta proposta talvez não vão ficar aqui oito anos.
V. Ex. º terá de perdoar que eu lhe recorde que as suas premonições não têm sido brilhantes quanto a cálculos.
Aplausos do PRD.
Não vale a pena recordar as últimas eleições, em que, de acordo com a sua premonição, o PRD não teria chegado aos 6%. Pode ser que se engane, mas, se não se enganar, devo dizer-lhe - não quero pessoalizar que, pela minha parte, não fica nada agastado. Sou um jornalista, advogado e cidadão no exercício da política. Só entrei para um partido - e o Sr. Deputado convidou-me várias vezes e sugeriu-me alguns lugares que eu nunca aceitei - e só vim para aqui para cumprir o que entendo ser um dever cívico e no momento em que o entendi.
Não preciso de lugares, e muita gente aqui não precisa deles. Por isso, quando apresentamos projectos de lei ou tomamos posições não é a pensar no nosso futuro pessoal.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, retribuo o que possa haver de cumprimento naquilo que disse inicialmente sobre a minha maneira de ser.
Na verdade, o meu amigo mesmo deu a resposta: é esta a minha maneira de ser, e às vezes desagrada.
Devo dizer-lhe que a função dela não é agradar, quer dizer, não escolhi esta para agradar, escolhi esta para doer. Desta vez foram vocês as vitimas, o que lamento.
Mas não me diga que é um humor tingido de demagogia, pois nunca fui tão sincero como fui hoje. Repare até que me coloco fora do eléctrico da opinião pública, que os senhores tomaram, pois foram os senhores que tomaram o eléctrico da crítica fácil ...
O Sr. Carlos Candal (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... , da crítica popular, do agrado do povo, enquanto eu me coloquei exactamente na posição oposta. Nunca o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos invocou tão inapropriadamente e tão inoportunamente a palavra demagogia.
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O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça o obséquio. Já sabe que sim.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Só lhe queria recordar que utilizei isso a propósito dessa sua expressão ou dessa sua pergunta « se não ficaria mais barato que um ditador fizesse, ele próprio, as leis».
A minha interrupção era apenas em relação a esta frase.
O Orador: - Agradeço a pergunta que me fez ou a correcção que pretende introduzir, mas devo dizer-lhe que julguei, quando o meu amigo fez referência ao meu humor, que tinha percebido que isso era uma manifestação de humor. Não é outra coisa, pois eu coloquei isso na palavra dos críticos à democracia, que criticam aquilo que um deputado ganha e que amanhã poderão vir dizer «por que é que se lhes paga tanto? Não era melhor um ditador que fizesse a lei?» E eu disse que ficava mais barato em dinheiro, mas mais caro em direitos.
Penso que fui muito claro acerca disto.
O Sr. Deputado disse que não esperava que eu pessoalizasse. Curiosamente, não me referi a ninguém em especial. Referi-me a um partido, e um partido não é propriamente uma pessoa, mas sim uma associação, embora, em termos genéricos, se possa considerar uma pessoa. Mas nunca entendi que falar num partido fosse pessoalizar.
Mas devo dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos: V. Ex. sabe o apreço que tenho por isso, e é verdade que o convidei para um cargo pelo menos, que me lembre, para o de director-geral da Comunicação Social, que o meu amigo recusou.
Devo dizer-lhe que o cargo ficaria bem preenchido, e foi pena que não o tivesse aceitado. Como calcula, convidei-o pela sua competência, mas não me lembro de o ter convidado para qualquer outro cargo.
De qualquer modo, queria dizer-lhe o seguinte: é que o meu amigo fala em que eu pessoalizei, mas, por mais mal que eu tenha dito, por mais ironia que eu tenha feito, por mais crítico que possa ter sido relativamente ao vosso projecto, não disse nada que se pareça com aquilo que os senhores disseram de um projecto em cuja base eu estive e que aqui defendi como membro do Governo.
O Sr. António Capucho (PSD): - É verdade!
O Orador: - É que se esquecem das palavras que usaram acerca dele: privilégio, incompreensível e discriminatório.
Eu tentei demonstrar que se a lei está defeituosa corrije-se, mas que nenhum partido político e nenhum deputado, em meu entender, tem o direito de, perante a opinião pública - porque foi isso que me pareceu que os senhores quiseram conseguir -, denunciar os seus colegas de Parlamento dizendo que fizeram uma lei para si próprios, que é uma conezia. Não é! Esta lei é justa pelo mínimo, não é justa pelo máximo, comparada com o que acontece nas democracias desse mundo fora. Foi isso que eu tentei. dizer.
Portanto, estava muito à vontade porque, por mais critico que eu tivesse sido, não o fui ao ponto a que os senhores foram relativamente à lei que foi aprovada.
E espanta que aqueles que a votaram voltem agora a vota-la, que aqueles que a votaram agora aplaudam a sua defesa?! E mais que coerente e não pode ser de outro modo. Mas não são coerentes - e desculparão que vo-lo diga, porque eu o disse en passant, mas já aqui também foi dito. Eu até compreendia as vossas posições se às palavras fizessem corresponder os actos: se achavam que ganhavam demais, renunciavam à diferença, se achavam que os subsídios eram injustos, diziam «nunca receberemos esse subsídio».
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Essa da parte de um socialista! ...
O Orador: - Se o fizerem, nesse momento eu respeito-os. Desculpará que lhe diga, Sr. Deputado, mas, enquanto não o fizerem, é muito cómodo tomarem uma iniciativa que sabem ir ser derrotada, para ficarem com a glória dela e com as vantagens da derrota. Isso é que eu não posso aceitar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto aos oito anos, o Sr. Deputado disse que as minhas previsões não são brilhantes.
Como deve calcular, foi uma graça. Oxalá que fiquem aqui muitos anos, sobretudo aqueles de vós que o povo entender que merecem ficar.
Mas, na verdade, quando os senhores, no intróito da lei, davam uma tareia no subsidio de reintegração e depois não faziam nada para o modificar - chamei-vos a atenção para isso e logo o Sr. Deputado disse que ia corrigir -, reconheça que era uma tentação dizer-vos que, se calhar, era porque não tencionavam cá estar os oito anos.
Portanto, era isto que tinha a dizer-lhe, Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, em resposta aos seus reparos e às suas perguntas. Agradeço que as tenha formulado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora fazer o intervalo regimental.
Recomeçaremos os nossos trabalhos às 18 horas e 15 minutos, com a votação final global do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Está, pois, suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 33/IV, respeitante ao estatuto dos Açores.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Melo Alves.
O Sr. Melo Alves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente lei de revisão do Estatuto da Região Autónoma dos Açores foi naturalmente ocasião para um amplo debate nacional acerca da
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autonomia política dos arquipélagos portugueses, permitida pelos ideais do 25 de Abril e traduzida na Constituição de 1976.
No que se refere às autonomias administrativa e financeira daquelas regiões, elas foram desenvolvidas, aperfeiçoadas e democratizadas pelo novo regime, que restaurou, numa efectiva e eficaz realidade, aquilo que o autoritarismo e centralismo anteriores haviam quase feito desaparecer de uma maneira perversa a encapotada.
A grande novidade de Abril foi, porém, o reconhecimento da evolução das aspirações autonomistas dos povos insulares e a aceitação e o apoio às novas formas por que, em liberdade, desejavam ser Portugal.
Assim, foi consagrada a autonomia política e, consequentemente, foram constituídas as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, integrantes da República, numa nova forma que o Estado passou a ter em Portugal.
É à luz desta realidade política, cultural e constitucional que deve ser encarada a actual revisão do Estatuto. Deste modo, o debate havido no processo legislativo em curso, nos termos constitucionais, não devia nem podia desfigurar os novos institutos jurídicos e políticos livremente adoptados e prosseguidos pela Nação Portuguesa.
O PSD orgulha-se de, desde o inicio, ter compreendido a natureza das reformas necessárias e de sempre ter sabido desenvolver adequadamente as suas linhas fundamentais, harmonizando a forma do Estado ao objectivo comum da unidade da Nação.
Neste momento, pois, o PSD reafirma que nunca esteve em causa a prevalência dos símbolos nacionais sobre os regionais e que estes últimos também são património político e cultural da Nação, por naturalmente emanados de uma sua parcela componente.
O PSD repudia algumas ideias de pendor centralista surgidas no debate nacional, designadamente as tendentes a restringir drasticamente na prática a autonomia política das regiões insulares, com argumentos de unidade do Estado ou de completa igualdade da maneira de ser e de sentir ou das reais condições de todos os povos portugueses, onde quer que se encontrem.
A unidade do Estado não implica o espezinhamento do direito à diferença nem o igualitarismo de todas as instituições políticas e administrativas. O modelo do Estado não é apenas um; hoje o Estado Português está legitimamente organizado com duas regiões autónomas, dotadas com órgãos políticos próprios, democraticamente escolhidos: entendemos não haver que alterar, mas apenas que aperfeiçoar.
O PSD congratula-se pelo diálogo institucional havido, verdadeiro diálogo gerador de cedências mútuas e, sobretudo, de melhor esclarecimento e compreensão de cada uma das posições. E congratula-se especialmente por, apesar das várias alterações introduzidas na proposta inicial, a Assembleia da República ter aprovado uma revisão que não subverte a autonomia consagrada na Constituição e na vida real.
O PSD mostra ainda a sua satisfação por ter sido respeitado, com todas as suas consequências, o princípio da reserva de iniciativa legislativa da Assembleia Regional em matéria estatutária, principio constitucional este que, constituindo a única reserva absoluta que hoje as regiões autónomas detêm, é essencial à defesa dos seus direitos adquiridos, à sua mitigada capacidade de auto-organização e à dignidade da sua assembleia legislativa como instituição do novo Estado Português.
O PSD reconhece e apoia o carácter português, vinculado à vivência real, da construção constitucional das autonomias regionais e recusa puros modelos importados ou decorrentes de meros conceitos jurídicos, por mais respeitáveis que sejam uns e outros.
Finalmente, o PSD continua a confiar na compreensão das mudanças, na capacidade de realização e na solidariedade actuante por parte de todos os portugueses, continentais, açorianos e madeirenses, na construção do futuro da Pátria comum.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roberto Amaral.
O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que vou fazer chegar à Mesa a declaração de voto por escrito do meu grupo parlamentar.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volvidos quase dois anos após a aprovação da Lei nº 4/85, que trata do estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, no quadro de uma nova situação política e perante uma Assembleia da República de composição diferente, a questão volta a estar na ordem do dia. Não talvez da forma dramatizada como o Pais a viveu na altura, mas a merecer um tratamento ético e institucional numa perspectiva de inserção das instituições democráticas no Pais real que temos.
Cabe neste quadro fazer uma reflexão prévia.
A Assembleia da República, no quadro das suas atribuições constitucionais e ao contrário de outros órgãos de soberania, tem o mérito e a desvantagem de ter um funcionamento democrático, aberto e transparente, sujeito ao acompanhamento, à critica e à influência da opinião pública face aos actos, decisões e comportamento dos seus deputados.
A sua vulnerabilidade acentua-se quando a sua actividade é silenciada e distorcida, quando outro órgão de soberania (e no caso concreto e actual o Governo) procura provocar zonas conflituais e potencia a distorção e a manipulação, particularmente através da televisão e da rádio, sem excluir as campanhas de alguns jornais e escribas de extrema direita, que nunca se conformaram com a existência da democracia em Portugal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quando a televisão filma as bancadas vazias no momento do funcionamento de várias comissões, quando aponta a objectiva para o deputado mais cansado pela maratona de muitas horas e ao mesmo tempo silencia esta ou aquela alteração no orçamento que pode envolver a melhoria das condições de vida para muitos portugueses, quando tece rasgados elogios ao Governo, escolhendo as horas nobres para dar voz a tudo o que é ministro, secretário e subsecretário, na inauguração, na decisão e nem que seja na intenção, e ao mesmo tempo silencia a ida de toda a Mesa, da Assembleia da República ao Presidente da República ou atira o programa Parlamento para o intervalo
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de dois filmes de desenhos animados, torna-se claro um objectivo: desprestigiar esta instituição democrática, divorciá-la do País real e transformar os deputados numa classe inútil, paga principescamente pelo erário público.
Se melhor prova não houvesse, bastaria ouvir os noticiários de hoje, na rádio, onde se procura dar a ideia de que aqui apenas estão em causa as remunerações dos deputados, quando todos sabemos que também estão em causa as dos membros do Governo.
Para o Grupo Parlamentar do PCP, para o meu Partido, a questão da dignificação deste órgão de soberania é uma questão importante para a defesa do regime democrático. Mas essa dignificação não será alcançada, antes pelo contrário, com uma medida avulsa e profundamente incompreendida pelo nosso povo, conformada no estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Importante é dar maior capacidade de intervenção aos deputados e melhorar o contacto com os eleitores e cidadãos, é criar melhores instalações e serviços de apoio aos grupos parlamentares e à Assembleia da República, fios condutores de algumas das nossas iniciativas no passado recente e que a lei orgânica pontualmente acolhe.
E não nos iludamos! Não foi pela aprovação do estatuto remuneratório, pelo aumento substancial de regalias e privilégios, que a Assembleia da República tem vindo a exercer uma acção globalmente positiva e que funciona melhor a nível de comissões e do plenário.
Tal facto é motivado pelas alterações políticas verificadas, porque o partido governamental é minoritário, porque as forças democráticas da oposição têm sabido, em momentos importantes, convergir, aproximar-se, desse país real que temos, legislar pontualmente em correspondência com algumas das aspirações mais fundadas do nosso povo, travar e suster algumas das actividades mais nefastas e a ofensiva do Governo face às transformações sócio-económicas operadas no regime democrático nascido com o 25 de Abril.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há que dizer que o que hoje está em causa não são só as remunerações dos deputados, são também as dos outros titulares de cargos políticos. Atente-se no quadro seguinte, que, sem referência a alguns privilégios especiais, mostra o nível de vencimentos acrescidos de despesas de representação.
Presidente da República - 354 620$;
Primeiro-Ministro - 265 960$;
Ministro - 222 270$;
Secretário de Estado - 189 975$;
Deputado - 126 000$.
E para que fique desmistificada de vez a hipocrisia populista do Governo (e particularmente do Primeiro-Ministro, quando aqui recentemente na discussão do Orçamento do Estado veio fazer mais um número de falsa indignação face à questão dos professores catedráticos e investigadores científicos), vale a pena referir um exemplo - só um, porque o levantamento total seria um escândalo -, o das remunerações dos gestores PSD de uma empresa pública nomeados pelo Governo PSD: presidente 293 750$ de vencimento, mais 73 437$50 de despesas de representação. Contas feitas, dá 367 187$50. É obra, Srs. Deputados! É mais do que recebe o Presidente da República!
O Sr. António Mota (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Vogais - 235 000$ de vencimento, mais 54 000$ de despesas de representação. Total, 289 050$.
Vozes do PCP: - É um escândalo!
O Orador: - Pouparemos os senhores deputados a mais um exercício de matemática, não incluindo o telefone, a viatura, o motorista, a gasolina e as deslocações ao estrangeiro.
Cai assim por terra o falso moralismo do Governo do PSD.
Neste quadro, a conclusão óbvia será: afinal não são os deputados quem mais ganha.
Não temos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma visão miserabilista das coisas ou conceitos franciscanos sobre os titulares de cargos políticos; recusamos o populismo fácil, mas esquecer a realidade, este povo concreto, essas centenas e centenas de milhar de trabalhadores com salários em atraso e as centenas de milhares de desempregados - afinal eleitores que legitimaram com o seu voto os nossos mandatos, esquecer que na indústria mobiliária, nos têxteis, na construção civil, os trabalhadores destes sectores tinham em Junho do ano passado um salário médio de 24, 26 e 32 contos mensais e já agora, a talhe de foice, Sr. Deputado Capucho, sem subsídio vitalício, é cavar um fosso, é separar esse país real desta Assembleia e dos deputados. E a Lei n.º 4/85 faz isso: desajusta e separa esta instituição das classes laboriosas mais desfavorecidas.
E não há nenhum discurso, por mais fino recorte literário que tenha, por muitas comparações que faça com a CEE, que consiga fazer esquecer esta questão fundamental: olhar para cima; ajustar por cima e olhar para fora é esquecer e subestimar este país concreto, este povo concreto, os seus anseios, as suas dificuldades, os seus problemas e o seu sentido de justiça.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É nesta exacta dimensão que se insere o projecto de lei do Partido Comunista Português.
E à luz do quadro anteriormente traçado, acrescido agora pela necessidade sentida por outros grupos parlamentares, que vêm agora anunciar a apresentação de projectos de lei sobre crimes de responsabilidade e sobre incompatibilidades, quando todos sabemos da celeuma que está a levantar a lei sobre a declaração de rendimentos, quando estão na Mesa mais uma série de medidas avulsas e de enxertos à Lei n.º 4/85, coloca-se afinal uma questão central.
É necessário repensar todas estas situações e corrigir excessos e privilégios dos titulares de cargos políticos inscritos na Lei n.º 4/85, reaproximar o deputado aos eleitores e aos cidadãos, dignificar e legitimar mais e mais o seu mandato e a própria instituição onde nos inserimos e onde trabalhamos, encontrar soluções globais, e não medidas avulsas. Com opções, é certo. Por vezes, com opções de fundo, assumindo as responsa-
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bilidades de interventores activos sobre o processo que transforma as coisas e a vida, abdicando e sacrificando interesses fulanizados e o carreirismo, numa perspectiva de assegurar e aprofundar a democracia e ajudar a construir a felicidade colectiva.
É esta a perspectiva da bancada comunista, que nada tem de utópica, porque assenta nos justos sentimentos dos trabalhadores e do povo português e no guião orientador e fundamental da Constituição da República Portuguesa.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Deputado, fiquei surpreendido com a designação, de tom monárquico, de que os deputados ganhavam principescamente.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Eu não disse isso. Cuidado!
O Orador: - Mas não penso que, se a monarquia fosse assim, fosse muito desequilibrada socialmente.
Penso que o Sr. Deputado - e deverá reconhecê-lo - misturou diversas situações. O que está aqui em discussão é a remuneração dos titulares de cargos políticos. Não está aqui em discussão se os gestores ganham mais do que devem ou se ganham desproporcionadamente em relação à sua competência e à sua produção e também não está aqui em causa se há classes sociais no nosso país que não ganham nada ou que ganham abaixo do mínimo de sobrevivência. O problema é o equilíbrio e o nível das remunerações dos deputados e dos outros agentes políticos.
Gostaria de lembrar ao Sr. Deputado, para o confrontar com uma realidade, que no Partido Comunista, com a sua própria estrutura - não interessa que seja má, é própria -, nomeadamente os deputados, quando se candidatam, dão como profissão «funcionário do PCP». Isto significa que os deputados do PCP têm uma carreira política assegurada.
Protestos do PCP.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Isso é mentira!
O Orador: - Não é assim?!...
O Sr. João Amaral (PCP): - Eu não sou!
O Orador: - Pronto, eu retiro a referência de que nas candidaturas conste, em relação a muitos candidatos, «funcionário do PCP», mas posso demonstrar-vos que assim será. Os que são...
Vozes do PCP: - Nem todos são!
O Sr. António Capucho (PSD): - São quase todos!
O Orador: - Bom, o argumento é o mesmo e tem a ver (Protestos do PCP.) com o problema das remunerações. É um problema que aqui ainda não foi levantado e que tem a ver...
Protestos do PCP.
O Orador: - Bem, dou então a mão à palmatória. Nem todos os candidatos a deputados serão funcionários e só os que o são é que indicam essa profissão.
Mas o que queria perguntar era se este problema não tem também a ver com a existência da carreira política em Portugal, que é um tema que ainda não foi aqui aflorado.
Quer dizer, a instabilidade política, a curta duração dos parlamentos, a renovação sistemática dos candidatos são factores que deveriam ser tidos em conta nesta discussão.
Por outro lado, gostaria de chamar a sua atenção para a circunstância de que o Parlamento não é mal colocado perante a opinião pública só pela extrema direita. Não gostaria de deixar de sublinhar que muitas vezes o Partido Comunista, entre outros partidos, se tem encarregado de, na sua intervenção política (respeitável), deixar o Parlamento mal colocado junto da opinião pública.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para além disso, no relatório da União Interparlamentar não constam as benesses dos deputados de muitos países do chamado «Bloco de Leste» e é sabido que, não obstante poderem manter os vencimentos dos respectivos postos de trabalho, têm manifestas benesses sociais, nomeadamente em termos de habitação, transportes, hotéis, etc., que, se não constituem dinheiro, são, de algum modo, um privilégio.
Esta temática não foi aqui abordada e parece-me que a sua omissão constitui também uma forma de demagogia.
Por outro lado, não é exacto que o Partido Comunista sempre tenha pretendido valorizar o parlamentarismo. Por exemplo, quando os deputados à Assembleia Constituinte, que era pressuposto ganharem 10 contos por mês, estiveram seis meses sem receber vencimento e tiverem os mais abonados que se quotizar para sustentar os outros que não tinham dinheiro para sobreviver em Lisboa, não penso que alguma vez o Partido Comunista tenha reivindicado do então Presidente Vasco Gonçalves o pagamento àqueles que estavam aqui a trabalhar em prol da democracia, nessa altura ainda numa fase mais idealista, em que porventura se prescindiria de remuneração, mas não já daquela mínima necessária à sobrevivência.
Estes são aspectos que foram omitidos no seu discurso e que gostaria de deixar sublinhados.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Carlos Candal, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que tentei na minha intervenção - e obviamente que a poderia ter feito de outra forma, mas foi uma opção da minha bancada - procurar que este debate não resvalasse para o estilo de intervenção que, surpreendentemente, acaba de ser feita pelo Sr. Deputado. Procurámos dar um ar sério ao debate, na medida em que, se ele resvalasse para o sentido que o Sr. Deputado aqui lhe deu, quem ganhava eram, precisamente, aqueles que estão contra o exercício democrático desta instituição democrática, que, na nossa opinião, deve ser dignificado aos olhos do nosso povo.
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Gostaria agora de fazer uma primeira correcção à afirmação feita pelo Sr. Deputado de que eu tinha falado em vencimentos principescos. Volto a ler o que citei - e devo dizer-lhe que, geralmente, não sou gago -, que foi o seguinte: «desprestigiar esta instituição democrática, divorciá-la do País real e transformar os deputados numa classe inútil, paga principescamente pelo erário público».
Repare que é isso o que dizem aqueles que manipulam, particularmente a televisão, e quem anda junto dos trabalhadores e do povo muitas vezes tem ouvido desabafos deste tipo por culpa da televisão, que «apanha» um deputado que, ao fim de vinte e quatro horas, fica num sonolento, que filma uma bancada vazia porque nesse momento está reunida a Comissão de Defesa ou a Comissão de Economia, Finanças e Plano ou a Comissão de Trabalho, que tem 25 deputados, etc. Ora, o Sr. Deputado sabe bem que é assim e, portanto, aquilo que referi não foi nada do que o Sr. Deputado disse.
Agora, a questão central é, de facto, a do equilíbrio. É que o seu erro é o de fazer comparações por cima. O Sr. Deputado não olha para o País real que temos e não faz comparações como eu fiz em relação a esta questão de fundo de existirem hoje trabalhadores que ganham menos do que o salário mínimo nacional. E não ouvi na sua intervenção nem nas intervenções de outros deputados da sua bancada falar dos tais salários dos trabalhadores portugueses e dos tais trabalhadores da Europa da democracia de que o Sr. Deputado falou.
Portanto, era importante que o Sr. Deputado não fizesse só comparações por cima e não olhasse só para fora mas, sim, olhasse para o Portugal concreto que temos.
Quanto à questão dos funcionários políticos do meu Partido, gostaria de lhe dizer que não sou funcionário do Partido mas admiro muito os homens que estão aqui sentados nesta bancada, que, com o seu exemplo, me ensinaram muitas coisas e me levaram a participar neste processo exaltante e a compreender a sua luta antes e depois do 25 de Abril.
Mas a questão não pode ser colocada em termos de funcinários de partidos. Há pouco coloquei uma questão ao Sr. Deputado António Capucho - que, obviamente, ele omitiu, talvez por falta de tempo - que volto agora a colocar: é que, tendo eu 39 anos, quando terminar o meu mandato e regressar à empresa recebo um subsídio de 50 contos para além daquilo que recebe um operário qualificado, que são 34 contos.
Esta é que é a questão do equilíbrio que o Sr. Deputado referiu, mas não comparado por cima e sim por baixo.
Deixe-se de provocações anticomunistas, Sr. Deputado! O debate é demasiado sério para isso! Esperava que isso acontecesse por parte da bancada do PSD ou do Sr. Deputado Silva Marques, para já não falar da bancada do CDS. Agora, do Sr. Deputado Carlos Candal ... , de facto, foi uma desilusão! ...
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gumes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do CDS neste debate baseia-se nas seguintes ideias fundamentais:
Em primeiro lugar, a coerência com as posições assumidas no passado e, em especial, aquando da discussão
da Lei n.º 4/85, que veio a consagrar o estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos, contra a qual, como é sabido, o CDS votou.
Em segundo lugar, a dignificação das instituições democráticas, garantindo-lhes adequadas condições de funcionamento e preservando a sua imagem pública.
Em terceiro lugar, a preocupação de retirar a esta discussão a carga demagógica que alguns parecem pretender aproveitar, para daí usufruírem benefícios fáceis, mesmo que à custa da possibilidade de se encontrarem soluções razoáveis!
Em quarto lugar, a procura de uma solução consensual numa matéria de tão grande importância para o funcionamento do regime democrático, o que se não compadece nem com precipitação nem com qualquer forma de oportunismo.
Em quinto lugar, a convicção de que seria útil para o Pais e inteiramente justo para as dezenas de milhares de autarcas que diariamente asseguram o funcionamento da administração local e a resolução de problemas fundamentais da população portuguesa que, ao repensar-se o estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos, se aproveitasse a oportunidade para nele abranger também os eleitos locais.
Finalmente, mas não menos importante, a ideia de que no Estado patrimonial que temos, embora não devêssemos ter, seria adequado não dissociar o estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos de uma reflexão mais ampla que abrangesse todos os que exercem funções em nome do Estado, designadamente os gestores públicos, cujas remunerações e outras regalias se deveriam tornar transparentes e do conhecimento da opinião pública.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Rejeitamos, portanto, liminarmente as soluções que desprezam a necessidade de atribuir aos titulares dos cargos políticos uma remuneração e um sistema de segurança social que garanta as condições materiais para a sua independência e dedicação à causa pública, pressupostos do regular funcionamento das instituições democráticas, porque divergimos claramente nas concepções de Estado que estão subjacentes a essas posições e da prática política que elas revelam.
Por outro lado, não concordamos também com as soluções aqui apresentadas que assentam no puro continuismo em relação à lei actual, sem atender à necessidade de um re-exame à luz da experiência adquirida e da necessidade de moralização do exercício dos direitos que ela consagra.
Mas não inviabilizaremos a passagem do projecto que permite reflectir sobre os problemas que a actual lei coloca, com vista à procura de soluções que se enquadrem nos objectivos que sempre defendemos.
Impõe-se, porém, uma referência prévia ao modo como se organizou e se está a processar este debate.
Entendemos, na verdade, que não se seguiu a via mais adequada ao encontro das soluções equilibradas e sérias que propugnamos.
Uma matéria com esta natureza e com a delicadeza acrescida que resulta do facto de os autores da decisão que venha a ser tomada serem também dela directamente beneficiários implicaria uma ponderação prévia e aprofundada que permitisse uma auscultação dos titulares de outros órgãos de soberania e um esforço de rigor na análise de legislação existente e do modo
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como tem vindo a ser aplicada, o que só em sede da comissão parlamentar competente ou de uma comissão parlamentar constituída para o efeito poderia ser feito. Só assim seria possível evitar que este debate estivesse inquinado de um vicio - que, aliás, quase todas as soluções apresentadas revelam - que é menos o de tentar encontrar soluções justas para os problemas que existem e mais o de procurar obter vantagens políticas da sua simples apresentação.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Rejeitamos veementemente este procedimento, porque num país com escassa cultura política e uma tão curta experiência democrática pode ser lesivo da imagem pública da Assembleia da República, que todos temos o dever de defender. Mas não ignoramos as deficiências do funcionamento deste órgão de soberania, não omitimos as responsabilidades dos seus membros; o que rejeitamos são os argumentos fáceis e demagógicos que procuram identificar os deputados como uma casta de privilegiados, desligados do País real, o que não é verdade.
Porque rejeitamos o método seguido e não acompanhamos as intenções farisaicas que visivelmente revelam alguns dos projectos apresentados, entendemos não dever, pela nossa parte, apresentar neste momento uma iniciativa própria.
Propomos, isso sim, um caminho diferente, sério e construtivo, ético, mas não demagógico: a análise serena e desapaixonada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da lei actualmente vigente, na perspectiva da correcção das suas deficiências e anomalias. Fazêmo-lo com a consciência tranquila de termos sido, de entre os partidos que agora se propõem rever essa lei, o único que votou contra ela, por discordarmos de várias das suas disposições e, em especial, por julgarmos que ela não traduzia, com a transparência que a democracia exige, a solidariedade que deve existir entre os que representam o povo e o servem e o povo que os escolheu.
Nessa sede formularemos, pois, as nossas propostas e contribuiremos para o aperfeiçoamento de um instrumento jurídico fundamental para o bom funcionamento do regime democrático que responsabilize os titulares dos cargos políticos pelas altas funções que exercem, exigindo um comportamento ético e socialmente irrepreensível, que lhes assegure condições materiais para o exercício independente das suas funções, mas os não transforme numa casta de privilegiados, que estabeleça mecanismos rigorosos que garantam o necessário controle jurisdicional da sua actividade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nada temos a mudar do que aqui dissemos há anos, porque agora, como então, não confundimos o que de essencial está em jogo quando se discute esta matéria com interesses circunstanciais ou acessórios.
Esperamos, por isso, que se não voltem a cometer os mesmos erros de então.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal. V. Ex. dispõe de dois minutos.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Queria apenas fazer uma indagação ao Sr. Deputados Gomes de Pinho, que
não se referiu ao projecto de lei do Partido Socialista, porventura por não ter tido oportunidade de o estudar, já que foi apresentado um pouco serodiamente.
Gostaria de lhe perguntar, agora que o conhece com certeza, se esse projecto de lei, que introduz várias alterações limitativas, justificadas, ao estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, não se trata, na sua consideração, de um projecto ético e não demagógico.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, pedia-lhe o favor, rápido, de me dar dois esclarecimentos.
Primeiro, falou em casta de privilegiados em relação aos deputados. Pedia-lhe o favor de me esclarecer concretamente em que é que no actual regime remuneratório dos deputados corremos o risco de poder ser considerados uma casta de privilegiados? Não gostaria que fosse uma referência simples.
Segundo, falou também numa relação de solidariedade entre o deputado e aqueles que o elegeram. Em que é que o actual regime remuneratório pode implicar uma quebra dessa solidariedade?
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado Carlos Candal, ao contrário do que V. Ex. referiu, falei expressamente do projecto de lei do Partido Socialista - só não o atribuí ao PS, mas era óbvio que o texto de minha intervenção não poderia ser outro -, que considerei um projecto e passo a citar, «que permite reflectir sobre os problemas que a actual lei coloca com vista á procura de soluções que se enquadrem nos objectivos que sempre defendemos».
Entendemos, de facto, que o projecto de lei do Partido Socialista é um projecto que pretende analisar a lei actual sem a pôr globalmente em causa, mas procurando, à luz da prática da sua vigência, eliminar anomalias e injustiças que podem resultar da sua aplicação. E são precisamente essas anomalias e injustiças, que o próprio Partido Socialista reconhece existirem, que podem vir a permitir que essa lei seja considerada por alguns, que não nós, como uma lei que configura os deputados como uma casta privilegiada. Nós, Sr. Deputado Almeida Santos, não consideramos que assim seja. Sempre dissemos que não o consideramos e rejeitamos todas as soluções que aqui são apresentadas que, de facto, partem desse pressuposto e, por isso, têm um carácter eminentemente demagógico.
O que consideramos é que temos um dever permanente de simultaneamente fazermos uma afirmação de solidariedade com o povo que nos elegeu. E essa afirmação pressupõe uma cuidadosa ponderação dos direitos dos titulares dos cargos políticos com os seus deveres e também com a situação global do País. Foi isso que esteve na base das posições que assumimos há dois anos e é precisamente a mesma ponderação que hoje, em circunstâncias diferentes, nos levará a tomar posição sobre os projectos de lei que estão em causa.
Aplausos do CDS.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE mantém hoje, necessariamente, a posição que assumiu nas duas discussões já havidas no Parlamento antes e depois do veto, embora parcial, do então Presidente da República, general Ramalho Eanes.
Entendemos que nas condições concretas do nosso país, com milhares de desempregados, com milhares de trabalhadores com salários em atraso, com milhares de trabalhadores com trabalho precário, nomeadamente com contratos a prazo, com o baixo nível das reformas e as condições existentes para as obter, com o actual nível médio dos salários, estas condições concretas em que vive a grande parte do povo do nosso país são incompatíveis e contrárias às remunerações fixadas na Lei n.º 4/85 para os deputados e membros do Governo e, sobretudo, a duas regalias nela introduzidas, que são a subvenção mensal vitalícia e o subsidio de reintegração, nas condições ali formuladas.
Têm-se comparado os vencimentos dos deputados fixados por esta lei com os vencimentos de deputados de outros parlamentos da Europa. Mas naturalmente que esta comparação nos levaria longe, porque ela não poderia deixar de se estender também ao nível dos salários que têm os trabalhadores desses países e ao nível dos salários que têm os trabalhadores no nosso país, que é tão baixo que tem sido apresentado pelo actual governo como o mais poderoso incentivo para o investimento do capital estrangeiro no nosso país.
Quanto ao argumento de que estas remunerações, fixadas e em vigor desde Abril de 1985, contribuíram para a exclusividade de funções de deputados, pensamos que está também por demonstrar que tenham determinado a exclusividade de funções dos deputados que antes daquela data não faziam do cargo de deputado a única actividade lucrativa.
Está também por demonstrar que as remunerações em vigor desde aquela data tenham contribuído para uma assiduidade aos trabalhos parlamentares, sobretudo quando as alterações em vigor do Regimento da Assembleia da República, em relação às votações com hora marcada, estimulam precisamente o contrário.
Foi aqui, no entanto, referido, naturalmente em tom jocoso, pelo Sr. Deputado Almeida Santos que a oposição fazia glória da sua própria oposição a esta lei para colher as vantagens da respectiva derrota. Embora se trate de um argumento que eu creio que seja caricatural e risonho, não gostaria, aliás nos mesmos termos caricaturais e risonhos, de deixar de responder a V. Ex. citando-lhe a exemplo do seu correlegionário León Blum, também socialista reformista, que, sendo considerado, e, ao que parece, com verdade, como um homem rico, quando uma vez lhe perguntaram por que é que ele, sendo socialista, não distribuía a sua fortuna pelos Franceses, respondeu que não valeria a pena porque se o fizesse nem sequer um franco tocaria a cada francês.
Para nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os projectos de lei em apreço aparecem divididos por um marco. De um lado estão o projecto de lei apresentado pelo PCP, que propõe a revogação da Lei n.º 4/85, e o projecto de lei apresentado pelo PRD, que, sem o propor, prevê a revogação do subsídio de reintegração através da revogação do artigo 31. º e algumas
outras medidas de moralização do diploma, nomeadamente o n. I 3 do artigo 17. º ou o n. I 2 do artigo 4. º ou o n.º 1 do artigo 27. º Em relação a esses diplomas, na generalidade, votá-los-emos favoravelmente.
Do outro lado estão os projectos de lei apresentados pelo PS e pelo PSD. Embora reconhecendo que no projecto de lei apresentado pelo PS, mais acentuadamente - é o caso do artigo 29. º e do n. 5 do artigo 31.º -, e de alguma maneira, de passagem, nos breves projectos de lei apresentados pelo PSD existem alguns princípios e propósitos de moralização da lei, a verdade é que o nosso voto não poderá ser favorável porquanto esses três projectos repousam na defesa dos princípios fundamentais da Lei n.º 4/85, em relação à qual o MDP/CDE sempre votou negativamente. Daí que não os possamos votar favoravelmente, embora reconhecendo que estes três projectos, em especial o do PS, têm alguns propósitos moralizadores.
Desta forma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o MDP/CDE irá votar favoravelmente, na generalidade, os projectos de lei apresentados pelo PCP e pelo PRD e abster-se-á em relação aos outros três projectos de lei.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.
O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de entrar na apresentação do projecto de lei, quero referir duas breves questões prévias, sendo a primeira para dar uma explicação sobre a proposta de aditamento. Creio que o Sr. Deputado Almeida Santos adiantou uma hipótese que, devo dizer, não tem razão de ser. Tratou-se de um lapso e, como sei que V. Ex.º é uma pessoa de boa formação, acredito que aceitará esta, explicação, que, aliás, está perfeitamente credenciada pelo que consta dos n.os 13, 14 e 15 do preâmbulo do projecto.
Quanto à inclusão de uma norma transitória, devo dizer que a julgamos dispensável (sem prejuízo de a incluirmos), até porque após a entrada em vigor desta lei suspender-se-ia todo e qualquer pagamento de subvenção ou de subsidio de reintegração.
Ao fazer a apresentação do presente projecto de lei, o PRD entende ser útil e necessário um esclarecimento prévio. Num momento em que os ataques à Assembleia da República se intensificam numa conjugação circunstancial de acção dos adversários ideológicos da democracia e das conveniências políticas do actual Executivo, a delicadeza da controvérsia, sem prejuízo da necessária firmeza recíproca, obriga a um esforço redobrado de serenidade e objectividade no debate a que pretenderemos tirar toda a carga de afrontamento.
A iniciativa situamo-la no plano da pura divergência institucional, repondo a análise e a discussão de uma lei que, na concessão daquilo que considerámos (e continuamos a considerar, não obstante os argumentos já produzidos nesta Câmara), como injustificados e excepcionais benefícios de «reforma» e de «reintegração», deu causa a uma generalizada reacção pública.
Pretendemos também, e por isso, demarcar-nos daqueles que, por outras razões e com diferentes objectivos, negam aos titulares de cargos políticos o direito a uma remuneração à altura da dignidade e da responsabilidade das suas funções e igualmente dos que instrumentalizam os equívocos, os desvios e as injustiças desses privilégios para atacarem as instituições democráticas em geral e a Assembleia da República em par
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ticular - assunto este que numa outra intervenção teve já o devido desenvolvimento a cargo do companheiro José Carlos Vasconcelos.
A discussão do estatuto remuneratório continua a manter uma utilidade prática indiscutível. As eleições legislativas de 6 de Outubro de 1985 modelaram uma nova situação política com a alteração da composição da Assembleia da República. Por sua vez, os partidos que formaram a maioria que votou favoravelmente a lei desencadearam afirmações reiteradas de uma prática política moralizadora que levavam - e ainda levam - a conjecturar uma coerente receptividade à revogação dos privilégios em causa.
A Assembleia da República foi confrontrada, por imperativo constitucional, com o encargo de decidir sobre um assunto que, pela sua natureza pecuniária e por serem os deputados os principais beneficiários, se revestia indiscutivelmente de evidente melindre.
Assumiu, como lhe competia, as suas responsabilidades perante um risco agravado de uma virtude ser previsivelmente diminuída e um erro sempre agravado, como já se ponderou no preâmbulo do projecto.
A missão, em nosso entendimento, não resultou satisfatória e desencadeou uma onda de protestos e de suspeições que contribuem para afectar o crédito da Assembleia da República.
Não se põe em causa a importância da retribuição no estabelecimento e consolidação de uma carreira política que se pretende digna, independente, de qualidade e progressivamente profissionalizada.
A desactualização, no que respeitava particularmente aos deputados, criou desequilíbrios injustificados e inadmissíveis.
O nível das remunerações noutras actividades da Administração Pública excedia os praticados com os parlamentares, e o confronto com o dos vencimentos de certas empresas públicas e privadas que aqui não estão em causa - acentuava a diferença.
Os deputados ganhavam menos que os chefes das Casas Civil e Militar do Presidente da República, que os chefes de gabinete dos membros do Governo e dos próprios grupos parlamentares, que os governadores civis e os presidentes das câmaras, que os vereadores a tempo inteiro, que todos os directores-gerais e equiparados, que os juízes de direito, incluindo os de 1. º instância, como foi ponderado numa intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos e que aceitamos perfeitamente.
Nada justificava a prevalência das retribuições em causa sobre as dos representantes do órgão central da democracia. Aceitá-mo-lo.
Simplesmente, como se sublinhou na exposição de motivos do projecto, formulámos as nossas reservas apenas sobre a percentagem dos aumentos e a sua oportunidade, dada a situação de crise, sem prejuízo de aceitar a dificuldade de «ser oportuno» em decisões do género.
Reconhecemos, todavia - e aí o afirmámos -, que os aumentos se diluíram na actualização das remunerações dos referidos cargos, sobretudo da Administração, e na inflação.
A nossa discordância recai, assim - e isto tem importância para uma crítica que irei fazer à intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos -, inteiramente sobre as regalias atribuídas pelos artigos 24.º, 25.º e 31. º da Lei n. I 4/85 - além de outros acertos de menor relevo sobre as matérias do n.º 2 do artigo 4.º, do n.º 3 do artigo 17.º, do artigo 27.º, do n.º 1 do artigo 28. º e do artigo 29. º
A concessão dessas regalias, que se traduzem em assinaláveis vantagens monetárias, suscitou - e disso não tenham dúvida - um movimento de geral desagrado e rejeição popular e contribuiu para alimentar um clima de indesejável divórcio com a classe política, oportunisticamente explorado pelos inimigos do regime democrático.
Como legítimos representantes e intérpretes da vontade popular não poderemos colocar-nos à margem dos apelos de solidariedade, raiz de uma democracia real, e criarmos, pelo contrário, a imagem de que lhe prometemos a esperança, assegurando, antecipadamente, as nossas regalias e segurança...
O País debatia-se com uma crise económica e social, unanimemente considerada a mais grave dos últimos anos, que revestia aspectos extremos: o maior défice de sempre, as restrições impostas pelo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o desemprego massivo, com predomínio da população jovem - cerca de 500 000 a 600 000 desempregados -, as pensões de baixo nível, a queda do valor real dos salários (15 % e 13 % em 1983 e 1984, respectivamente), empresas com salários por pagar no todo ou em parte ou com salários em atraso, com trabalhadores a continuarem a prestar o seu trabalho, e, a culminar, graves problemas de sobrevivência em milhares de lares portugueses. E aqui permitam-me, Srs. Deputados, que, para fugir também à acusação fácil de demagogia, pergunte se há alguém que realmente possa contestar a existência destes elementos, e se é demagogia, e existindo eles, invocá-los numa circunstância concreta de solidariedade democrática. Erro, sim, seria inventá-los; cumplicidade inadmissível, sim, também, é passar-lhes ao largo!
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Será muito difícil, também, demonstrar que as exigências de dignificação, de responsabilidade e de independência sejam exclusivas das funções políticas - e aqui discordo do Sr. Deputado Almeida Santos - ou mesmo mais imperativas que noutras áreas da vida portuguesa para justificação das regalias de privilégio.
Mas não é só - este é um aspecto essencial para o qual chamo a atenção da Câmara - com uma situação conjuntural de crise que pretendemos sustentar a nossa opção. Isto é uma mutilação da nossa posição.
Há outros fundamentos de natureza estrutural que, salvo o devido respeito, não mereceram o acolhimento devido e necessário por esta Câmara quando votou favoravelmente a lei.
As normas que concedem tais regalias não têm paralelo no mundo do trabalho em Portugal - e desafio qualquer Sr. Deputado a indicar-me, entre as 200 ou 250 profissões existentes neste pais, uma só que goze destes benefícios. Elas iniciaram a discriminação no interior dos próprios órgãos de soberania ao excluir a própria magistratura. Não discuto que deveria ser incluída ou excluída, mas com isso quero apenas traçar o itinerário e os limites da discriminação que se vai ampliando, até passar por países da CEE, pela maioria dos países da Europa e por algumas grandes potências ou outros países de muito maior estabilidade social e riqueza que Portugal.
E quero aqui acentuar que essa extensão se faz em termos que contrariam fundamentalmente aqueles critérios que têm o favor da maioria dos apoios, que são
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exactamente os critérios baseados na estrutura geral da economia, no nível geral dos salários e igualmente no custo de vida.
Nenhum país da CEE consagra esta situação nos termos em que ela aqui foi posta porque - reparem, Srs. Deputados - em todos é, pelo menos, exigido um requisito - que se atinja uma idade mínima que, salvo erro, oscilará entre os 50 e os 67 anos. Entre 40 países consultados para o efeito, apenas vejo uma excepção - o Canadá. Por conseguinte, não há uma equiparação e a enumeração que consta do parecer, se prova a existência de uma reforma autónoma, não prova a bondade dos argumentos que aqui foram invocados a seu favor.
O diagnóstico da crise de profissionalização e de qualificação da carreira política - mormente dos deputados -, da sua dignidade, responsabilidade e independência, centrou-se na necessidade de uma retribuição capaz e na defesa da atribuição da subvenção mensal vitalícia e do subsídio de reintegração. Pergunto: numa Assembleia eminentemente política, com pessoas com alta capacidade política, com experiência política, por que não tratou, inclusive, de abordar outros aspectos, tal como o das deficiências de funcionamento da Assembleia, aqui já postas em causa? E até nem ficaria mal uma palavra de atendimento à situação dos deputados da província que lutam com dificuldades agravadas de alojamento, de readaptação ambiental e de apoios logísticos...
Pergunto, pois, se é possível deixar passar em claro esses erros ou vícios de funcionamento e se, fundamentalmente e em termos políticos, é compreensível deixar de considerar a solução, no quadro geral de uma inserção institucional, do próprio Estatuto do Deputado. Se é possível uma solução desintegrada deste condicionalismo, se é possível esquecer ou ignorar a fortíssima componente política, que está na base daquilo que muitas vezes perturba ou não assegura a dignidade de consciência do próprio deputado. Refiro-me à partidocracia dominante, em prejuízo do funcionamento prestigiado dos próprios partidos, nos termos em que o deveremos exigir.
Há situações de compromisso que, muitas vezes, impedem o deputado de agir com independência, sujeitando-o, como todos sabemos, às sanções que vão desde a «purificação» - termo «inquisitorial» que já tive oportunidade de ouvir em vários partidos - até aos processos disciplinares e à aceitação de votações prévias. Chamo aqui a atenção para o facto de esta Câmara se ter divorciado, nestes últimos anos, daquilo que tem sido a sua «governamentalização», criando nos bastidores as maiorias, através de votações prévias ou pré-fabricadas por acordos interpartidários. Estes são elementos políticos de estrutura que não contribuem para a independência e a dignidade da função.
Para terminar, gostaria de fazer um ligeiro desvio: a história dos próprios debates deu a indicação de uma fraquíssima informação sobre o assunto. Não foram feitos - ou pelo menos publicados - os devidos estudos de direito comparado e das implicações orçamentais e nós temos essa prova. Basta rever a história dos debates. Inclusivamente não foram fornecidos à Comissão de Assuntos Constitucionais, que teve o encargo de elaborar o respectivo parecer, os elementos necessários para o efeito.
Sem ofensa, pergunto: quantos Srs. Deputados têm, neste momento, elementos bastantes para, em consciência, responder às seguintes questões: quais são os parlamentos em que há o regime de exclusividade? Quais os parlamentos em que as reformas dependem do número de anos de exercício da actividade de deputado? E de descontos?
Mais ainda - desconhecem-se factores deste género: que em 87,5% dos 40 parlamentos consultados, como consta do relatório apresentado pelos seus secretários--gerais, as retribuições dos parlamentares estão sujeitas a tributação, o que não acontecia em Portugal, para além de existir uma série de factores ligados ao próprio estatuto com influência nas retribuições e que dizem respeito à exclusividade, às incompatibilidades, à relação das incompatibilidades com o exercício e com as remunerações, à influência ou incidência da idade no próprio regime de remunerações, etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: entendemos que a estrutura fortemente centralizadora dos partidos também é dificilmente conciliável com a pretendida liberdade de acção e de consciência dos deputados e acaba até por se reflectir nas suas relações com o eleitor. É por isso que o princípio da liberdade de voto, consagrado no PRD, assume, no caso, uma importância inovadora.
Saliento, por fim, que não houve, sequer, o cuidado de consagrar um conjunto mínimo de regras para disciplinar a concessão desses direitos.
Daí que, coerentemente, o PRD continue a entender que as alterações que propõe são social e politicamente correctas e necessárias e revestem um sentido ético relevante que determina a apresentação do projecto e cria um natural espaço de abertura a uma discussão, na especialidade, susceptível de levar ao desejado aperfeiçoamento das soluções que achamos possíveis e que preconizamos.
Para terminar, e sem ofensa, gostaria que me concedessem mais um minuto para dizer que, de maneira nenhuma, «acusamos» a ironia posta pelo Sr. Deputado Almeida Santos na sua intervenção naquilo que tem de ironia em si, embora não aceitemos o que é o seu fundo. Isto porque sabemos que a ironia é o elogio da inteligência, uma arma dos inteligentes, sobretudo de quem a produz. Há, aqui, exemplos ilustrativos da incapacidade de fazer rir. Infelizmente, temos muito mais a tradição de agentes passivos e objecto do humor do que agentes activos desse mesmo humor. E até de objecto do riso. Também lhe digo, Sr. Deputado Almeida Santos, que o Sr. Deputado, num país à procura do sorriso, é um achado, no melhor sentido.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, certamente para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Almeida Santos e Carlos Candal. Acontece, porém, que tanto o Sr. Deputado Agostinho de Sousa como o PS não dispõem de tempo.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Raul Castro, do MDP/CDE, cede-me 3 minutos, pelo que agradecia que registasse esse privilégio de que agora passo a gozar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Agostinho de Sousa, devo dizer que, como sempre, gostei de o ouvir, sobretudo pelo entusiasmo que pôs na intervenção e pelas suas palavras finais.
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Pois bem, queria dizer-lhe o seguinte: dá-me a impressão de que, quando fala em generalizada reacção pública, a preocupação do seu Partido é a de capitalizar votos. Depois, acho que quer defender a Assembleia da República pela estranha forma de a atacar.
Ora, os ataques que tinham sido feitos a esta lei, que são aliás compreensíveis - compreende-se lá que se possa alguma vez subir um tostão no ordenado de um deputado sem que haja crítica pública! -, ficaram lá para trás. Por que é que os renovam, os reavivam, os consolidam, com esta vossa discussão e esta proposta?
Diz o Sr. Deputado que só pôs em causa o grau dos aumentos. Desculpe, mas pôs a questão do excesso referindo que o excesso relativamente aos deputados era de 60%, esquecendo-se de dizer que o do Sr. Presidente da República foi de 160%. Tudo depende do ponto de partida. Ganhávamos tão pouco que, necessariamene, uma correcção mínima tinha de ser expressiva em percentagem. Aliás, não podia deixar de ser assim.
Depois, acaba por reconhecer que ganhávamos menos que toda a gente - ainda hoje ganhamos menos do que muita gente -, mas, curiosamente, não tira daí a conclusão de que, afinal de contas, a correcção foi correcta, foi exacta, foi justa. Pelo contrário, invoca de novo uma crise que, de algum modo, já foi superada, se não na totalidade, pelo menos em parte.
Quando há pouco o Sr. Deputado falou em Léon Blum, que belíssima resposta ele deu. Que é que Léon Blum disse? Disse isto: «Se eu, sacrificando a minha fortuna, resolvesse o problema das pessoas que têm carência, sacrificava-a, mas a verdade é que não resolvo.» Eu então completo a resposta de Léon Blum dizendo isto: «Não é com o sacrifício da fortuna do Blum que se resolve o problema da miséria em França, mas é com Léons Blums que se constrói a grandeza da França.»
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado falou em regalias excepcionais, em discriminação. Devo dizer-lhe que, felizmente, há discriminações positivas até na Constituição da República. Não são todas negativas.
Pergunto-lhe se alguma vez poderemos ser responsabilizados e ter complexos por ganharmos mais que aqueles que, infelizmente, com drama nosso, ganham tão pouco, como o salário mínimo nacional. Alguma vez eu posso aceitar um argumento de que os maiores responsáveis pela condução da vida de um país ganhem mais, significativamente mais, do que ganha quem não recebe salário mínimo ou quem está desempregado? Que é que uma coisa tem a ver com a outra?
Diz o Sr. Deputado que não fizemos um estudo de direito comparado. Foi uma observação inoportuna, porque no relatório da Comissão há dados de direito comparado.
Nós conhecemos o direito comparado, Sr. Deputado. Eu estudei o direito comparado quando fiz a proposta que esteve na base desta lei e devo dizer-lhe que tanto em Inglaterra como em França há subsídios para secretariado de pessoal e assessoria jurídica ou documental. Na Alemanha, há subsídio de função; há comparticipação nos custos do correio e telefone e é dado um montante para as cartas, por exemplo; há renda de gabinete na circunscrição; há assistência na circunscrição; há, para 1977, um reembolso dos gastos documen
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tados com colaboradores parlamentares e outros até ao montante de 5523 marcos; há reembolso dos gastos documentados em viagem no interior da Alemanha, e desde que esses gastos sejam documentados não há limite; há subsídios de viagem para o estrangeiro com um montante diário bastante generoso, como deve calcular; há subsidio de despesa na doença; em casos especiais, o próprio Presidente pode ordenar que seja prestada uma subvenção não só aos ex-deputados como aos actuais deputados e suas famílias.
Sr. Deputado, não invoquemos o dieito comparado para não termos de nos envergonhar, apesar de tudo, da nossa modéstia, porque creio que, com aquilo que hoje ganhamos, podemos dignamente trabalhar se nos derem condições; isto é, um gabinete, um telefone e uma assessoria condigna.
A remuneração chega; ela basta; não queremos mais! Não queremos é voltar outra vez às remunerações indignas que tivemos.
Por último, quando fala na partidocracia, que é que quer dizer? Que devemos deixar de ser uma democracia partidária? Que os partidos devem deixar de ter o papel e o poder que têm hoje no País? Entendamo-nos sobre as palavras, porque elas têm de ser pesadas, como os ourives pesam o ouro.
Por último, relembro-lhe apenas isto: a pergunta fundamental que lhe fiz, e não a vou repetir, ficou sem resposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
Peço-lhe o favor de ser breve, uma vez que já não dispõe de tempo.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, a minha intervenção é mais um complemento do relatório que fiz, porque, em relação ao projecto inicial do PRD e ao tal lapso que já foi confessado, de que não estava proposta a revogação do artigo 31.º (ou seja, o PRD, no seu projecto inicial, pelo tal lapso, mantinha o artigo 31.º), não tive oportunidade de dizer que há vários países onde os deputados que se retiram de funções sem terem perfeito o número de anos mínimo para terem direito a uma pensão têm direito a uma compensação à forfait, que é o equivalente ao nosso subsídio de reintegração. A titulo exemplificativo, falarei na Austrália, na Alemanha Federal, na França e no Brasil.
E, já agora, permito-me acusar o projecto de lei do PRD de três vícios: incoerência, radicalismo e elitismo.
Incoerência, porque o primeiro privilégio de alguém que é remunerado pelo seu serviço é o de receber um salário diferenciado superior ao dos outros trabalhadores. Nessa altura, a coerência do PRD devia levar a propor a baixa do vencimento dos deputados...
Radical, porque se compreendia que se fizesse depender, como em alguns países acontece, a tal pensão da exclusividade de funções de, designadamente, uma idade mínima, de um maior número de permanência, da continuidade ou não interrupção de funções, de descontos para uma caixa especial ou até que se propusesse a redução do montante dessa pensão. Mas não é isso que se faz; propõe-se, sim, um corte radical dessa pensão.
Elitismo, porque enquanto o Presidente da República -e não nego a alta dignidade da função, mas, em termos de remuneração, isso já é compensado por um
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maior salário -, ao fim de cinco anos de funções, fica a receber 80% do vencimento, enquanto um primeiro-ministro ou um presidente da Assembleia da República, ao fim de quatro anos, fica a receber 40 % do vencimento, e os deputados ao fim de oito anos ficam a receber 80 %, pela proposta do PRD podiam andar aqui toda a vida e mais seis meses e não recebiam nada.
Pergunto: isto é ou não uma perspectiva elitista da vida política?
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, sob a figura regimental de interpelação à Mesa, desejo dar um pequeno esclarecimento sobre o relatório e o lapso referidos pelo Sr. Deputado Carlos Candal na sua intervenção.
De facto, é de tal maneira evidente que se trata de um lapso que o próprio Sr. Deputado Carlos Candal fez o seu relatório como se lá estivesse patente essa disposição, a qual só depois ele e nós próprios constatámos que não estava.
Trata-se portanto de um lapso, até porque no preâmbulo do nosso projecto de lei estava explicada toda a razão de ser do diploma.
O Sr. Caros Candal (PS): - Sr. Deputado, não sei se se trata de um lapso ou de um acto falhado, porque provavelmente muitos deputados não gostariam de propor a revogação do artigo 31. º
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.
-lhe vinte e poucos países em que não existe sequer pensão de reforma, e dos 40 países, volto a dizê-lo, não há um só que a atribua nestas condições.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Deputado, pode-me indicar quais são os países, desses vinte e poucos que referiu, cujos regimes são democráticos e em quais é que imperam ditaduras?
O Orador: - Bem, Sr. Deputado, não tive essa preocupação, e vou-lhe dizer porquê: comecei por lhe dar o exemplo fundamental das democracias ocidentais; acentuei o exemplo da área da CEE, em que estamos inseridos; referi o caso de potências fundamentais cujos regimes são democráticos, e só por acréscimo referi essa.
O Sr. Jaime Cama (PS): - Permita-me que o interrompa mais uma vez, Sr. Deputado, e que lhe diga que tem dados absolutamente errados.
Os únicos sistemas políticos onde não há nenhuma espécie de pensão, que é a filosofia inerente ao projecto do PRD, são precisamente de ditadura.
Não há nenhuma democracia onde vigore o regime as
proposto por VV. Ex. , embora eu também entenda que o sistema em vigor deva ser reformado. Contudo, o que VV. Ex.as propõem é a sua radical eliminação e, nesse sentido, propõem a solução adoptada pelas ditaduras.
V. Ex.ª deveria ter estudado melhor esse assunto.
O Orador: - Não, Sr. Deputado. Esse é um argu-
0 Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Sr. Deputado mento que, salvo o devido respeito, não colhe perante Almeida Santos, discordo consigo, e tenho de o fazer tudo aquilo que aqui foi dito.
porque voltou uma vez mais a referir o problema da Faça uma interpretação global do que aqui foi dito,
remuneração, para a qual aceitamos a explicação que veja as prioridades de afirmação que fiz e verá que esse
dei, mas para a qual temos de afastar a explicação que argumento não colhe. Dê-lhe apenas a responsabilidade
o Sr. Deputado deu. e a importância que ele tem como elemento acessório.
Por outro lado, invoca-se aqui a situação do Sr. Pre- Para terminar, quero explicar algo que é fundamen
sidente da República, que é, com efeito, uma situação tal; falei em «partidocracias», Sr. Deputado Almeida
de privilégio. Mas, relativamente a isso, tenho uma opi- Santos, e digo-lhe que sou um inexperiente no Parla
nião diferente da do Sr. Deputado Carlos Candal e,
mento, sou inexperiente nos cargos políticos, pelo que
eventualmente, da do Sr. Deputado Almeida Santos. terei limitações inevitáveis. Contudo, não as tenho rela
É que, quanto ao Presidente da República, como tivamente à democracia, porque há 40 anos lutei na
figura máxima do Estado, como órgão superior de mesma trincheira em que o Sr. Deputado lutou. Por
soberania, como representante da República, aceito per- tanto, quando refiro aqui a partidocracia, estou única
feitamente essa discriminação, que tem paralelo em e exclusivamente a referir alguns dos efeitos que con
muitos países. Mais, quando ela foi estabelecida em
função ou a favor do então Presidente da República, sidero serem um excessivo peso no problema dos par
general Ramalho Eanes, ele estava até praticamente no tidos, pois quanto á exclusividade de certas candidatu-
ras e a outros aspectos respeito os partidos tanto
quanto V. Ex.ª
final do seu mandato, o que é curioso.
Relativamente ao direito comparado, eu não quis dizer que o Sr. Deputado Almeida Santos não o estudou, mas que a apreciação do direito comparado deveria ter sido facultada a várias pessoas juntamente com os estudos sobre as implicações orçamentais deste encargo, o que não aconteceu. Mais, houve até uma aceleração, uma acção expeditiva do próprio parecer, a qual os senhores conhecerão melhor do que eu, uma vez que eu não estava cá.
Assim, continuaram e continuam a fazer-se interpretações muito duvidosas dos elementos disponíveis quanto aos outros países. Por exemplo, posso indicar-
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está já devidamente clarificada a posição do Grupo Parlamentar do PCP quanto ao estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos.
Importa agora tecer algumas considerações rápidas sobre as diferentes propostas aqui apresentadas por outras bancadas. Quanto à iniciativa legislativa apre-
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sentada pelo PRD, ela atende alguns aspectos daquele estatuto: a abolição da subvenção mensal vitalícia e a abolição do subsídio de reintegração.
Como se refere na exposição de motivos do citado projecto de lei, os preceitos relativos às subvenções mensais vitalícias e de reintegração desencadearam uma onda de protestos pelo seu carácter de privilégio e discriminação. Todos sabemos que, quer a pensão vitalícia, quer o subsídio de reintegração, previstos na Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, não têm qualquer razão de ser.
Foi precisamente sobre esta matéria, contida nos artigos 24. º, 25. º, 27. º e 31. º do estatuto remuneratório que confere aos titulares de cargos políticos um estatuto de privilégio, que o Presidente da República de então fez assentar a sua decisão de veto da lei. É que é difícil encontrar paralelo, mesmo noutros países, de situação social desafogada e instituições democráticas há muito estabelecidas.
Quanto à subvenção ou pensão vitalícia é inaceitável que um membro do Governo ou deputado, independentemente da sua idade, ganhe direito a tal subvenção desde que perfaça 8 anos de exercício do cargo.
Certamente que os senhores deputados já repararam que um secretário de Estado ou ministro com menos de 30 anos pode, por exemplo, ter direito a uma pensão vitalícia superior ao salário médio que vigora no País. E mais, esta subvenção vitalícia mensal é acumulável com outros vencimentos na actividade privada ou na função pública e com outras pensões de aposentação e de reforma.
Estamos pois de acordo com a posição do PRD, quando propõe a revogação de tão injusto privilégio, como naturalmente estamos de acordo com algumas medidas que visam a restrição do uso de viaturas oficiais, a eliminação de ajudas de custo para deslocações de deputados efectuadas ao círculo que os elegeu e quando residam em círculos diferentes daqueles por que foram eleitos. Estaríamos igualmente de acordo com a revogação de todos os privilégios especiais concedidos aos titulares de cargos polfticos, nomeadamente aos membros do Governo. Damos o nosso acordo ao aditamento agora anunciado pelo PRD de considerar a revogação do privilégio especial, que é o subsídio de reintegração, e que vale para todos os titulares de cargos políticos que, por não terem oito anos de mandato, não atingiram o direito a subvenção vitalícia mensal. Os membros do Governo, os deputados e os membros do Tribunal Constitucional nestas condições têm direito a um subsídio de reintegração de tantos meses quanto o número de semestres em que tiverem exercido o cargo.
É um privilégio que distancia o titular do órgão de soberania do país real e não dignifica o cargo que exerce.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que o debate está a revelar e a tornar claro é que não é com medidas avulsas que se resolve o problema da dignificação do exercício dos cargos políticos. É necessário reconsiderar a globalidade da questão, tendo como objectivo orientador a aproximação do país real por parte de quem exerce um cargo político e não o cavar de um fosso cada vez maior.
Insere-se na perspectiva de medida avulsa e de afastamento do país real a medida proposta pelo PSD de pretender alargar os privilégios previstos para os membros do Governo e deputados aos governadores e
vice-governadores civis que tenham desempenhado ou venham a desempenhar quaisquer daqueles cargos. Não podemos concordar com tal proposta.
Situação algo paralela se passa com o projecto de lei n.º 346/IV, do PS, que, mantendo todos os privilégios previstos na Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, num caso ou noutro apresenta algumas regulamentações que, no dizer dos seus autores, pretende cercear, embora tenuamente, alguns dos aspectos mais gravosos. Mas a verdade é que apenas contemplam aspectos muito parcelares do problema.
A dignificação do cargo político exige a reconsideração global de toda a problemática que envolve o exercício dos cargos políticos, nomeadamente a regulamentação dos crimes de responsabilidade de quem exerce tais cargos, o aperfeiçoamento da lei dos rendimentos e outras que visem a transparência e a clarificação das funções exercidas.
Pela parte do Grupo Parlamentar do PCP há total disponibilidade para encontrar as melhores soluções para este novo enquadramento legal exigido pela Constituição da República.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate. A respectiva votação na generalidade dos diplomas que estiveram em apreço far-se-á na próxima quinta-feira, pelas 18 horas.
Na próxima reunião, a realizar quinta-feira, pelas 15 horas, haverá período de antes da ordem do dia e no período da ordem do dia proceder-se-á à apreciação das ratificações n.º5 126/IV (PCP), 127/IV (PRD) e 128/IV (PS), relativas ao Decreto-lei n.º 16/87, de 9 de Janeiro (Lei Orgânica Hospitalar), que revoga o Decreto-lei n.º 129/77, de 2 de Abril.
Nada mais havendo a tratar por hoje, declaro encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 55 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes senhores deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Aurora Margarida Borges de Carvalho. Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho. Fernando José Alves Figueiredo. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. João Álvaro Poças Santos. Joaquim da Silva Martins. José Assunção Marques. José Luís Bonifácio Ramos. José Manuel Rodrigues Casqueiro. José de Vargas Bulcão. Luís Manuel Costa Geraldes. Luís Manuel Neves Rodrigues. Valdemar Cardoso Alves.
Partido Socialista (PS):
José Barbosa Mota. José Manuel Torres Couto. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Mário Manuel Cal Brandão. Victor Hugo de Jesus Sequeira.
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Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa. Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Partido Comunista Português (PCP):
Joaquim Gomes dos Santos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Eugénio Nunes Anacoreta Correia. Henrique José Pereira Morais. Henrique Manuel Soares Cruz. Hernâni Torres Moutinho. João Gomes de Abreu Lima. João da Silva Mendes Morgado.
Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho. Rui Manuel Oliveira Costa.
Faltaram à sessão os seguintes senhores deputados.-
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues de Carvalho. Amândio Anes de Azevedo. Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Jorge de Figueiredo Lopes. Arménio dos Santos. Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas. Cecília Pita Catarino. Henrique Luís Esteves Bairrão. José Luís Malato Correia. José Augusto Santos Silva Marques. Manuel da Costa Andrade. Maria Antonieta Cardoso Moniz. Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Helena Torres Marques. José Apolinário Nunes Portada. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. Manuel Alfredo Tito de Morais.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António João Percheiro dos Santos. Hermínio Paiva Fernandes Martinho. Joaquim Jorge Magalhães Mota. José Carlos Pereira Lilaia. José da Silva Lopes. Maria Cristina Albuquerque. Rui de Sá e Cunha.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. Carlos Campos Rodrigues Costa. Octávio Rodrigues Pato. Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
José Augusto Gama. José Miguel Nunes Anacoreta Correia. Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias
Parecer sobre o projecto de lei n.º 121/1V
(alterações ao artigo 18.º de Lei n.º 4/85, de 9 de Abril)
1 - Subscrito por deputados do Partido Social-Democrata (PSD), foi apresentado o projecto de lei em referência, correctamente adjudicado a esta 1.ª Comissão, para o efeito previsto no n.º 1 do artigo 137.º do Regimento.
2 - Fundamentalmente, tal projecto propõe que, por aditamento de um novo preceito ao artigo 16.º da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril (estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos), os Vice-Secretários da Mesa da Assembleia da República passem a ter direito a «um abono mensal para despesas de representação no montante de 10% do respectivo vencimento», desde que desempenhem o respectivo mandato de deputado «em regime de exclusividade».
3 - A propósito, constate-se que actualmente, sob a aludida condição, os Secretários da Mesa do Parlamento têm jus a um abono mensal para tal tipo de despesas cifrado em 15 % do vencimento, nos termos do n.º 3 do artigo 16.º da mencionada lei, sendo certo que os Vice-Secretários nada auferem a idêntico título.
4 - E refira-se que a competência dos Secretários e dos Vice-Secretários da Mesa da Assembleia da República (aqueles e estes em número de quatro) se encontra fixada pelo artigo 28.º do Regimento.
Concretamente, aos Vice-Secretários incumbe «substituir os Secretários nas suas faltas ou impedimentos» e «servir de escrutinadores» (cf. n.º 2 do preceito citado).
5 - Finalmente, diga-se que a iniciativa legislativa em apreço encontra natural cobertura na alínea b) do artigo 159.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 5. º do Regimento da Assembleia da República.
6 - Posto isto, a 1.ª Comissão entende proferir o seguinte parecer:
O projecto de lei n.º 121/IV encontra-se constitucional e regimentalmente em condições de ser submetido à apreciação do Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 21 de Janeiro de 1987. - O Relator, Carlos Candal. - O Presidente, António de Almeida Santos.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias
Parecer sobre o projecto de lei n.º 127/1V
(alterações à Lei n.º 4/85, de 9 de Abril)
1 - Subscrito por doze deputados do Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático (PRD), foi apresentado o projecto de lei em referência.
2 - Tal diploma encontra-se correctamente adjudicado a esta 1. º Comissão, para o efeito previsto no n.º 1 do artigo 137.º do Regimento.
3 - Fundamentalmente, o projecto de lei em apreço propõe a reapreciação da Lei n.º 4/85 numa perspectiva restritiva, que, designadamente, passa pela supres-
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são da chamada «subvenção mensal vitalícia», atribuível a determinados titulares de cargos políticos quando cessem funções.
III
4 - O diploma formula três artigos de lei, a saber: a) No seu artigo 1. º propõe a alteração dos regimes estatuídos pelos artigos 4.º, 17.º, 24.º, 25.º, 27.º, 28.º e 29.º da mencionada Lei n.º 4/85, nos termos que subsequentemente discrimina; b) No seu artigo 2.º faz consignar especificamente que do exercício das respectivas funções não poderão resultar para os deputados outras regalias ou benefícios além dos expressamente previstos no respectivo estatuto e no estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos (a lei a rever) e declara revogada a legislação vigente em contrário; c) No seu artigo 3. º fixa a data da entrada em vigor da projectada lei («no dia imediato ao da sua publicação»).
IV
5 - Relatemos então agora as propostas concretas de alteração ao articulado da actual Lei n.º 4/85:
a) Quanto ao respectivo artigo 4.º, o projecto de lei do PRD pretende que o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro e os Vice-Primeiros-Ministros tenham direito a veículos oficiais para uso pessoal à razão de apenas um para cada entidade tal como se encontra estatuído para os outros membros do Governo e entidades equiparadas e para o Presidente do Tribunal Constitucional -, apenas subsistindo a ausência de limitação quantitativa para a utilização de viaturas oficiais a favor do Presidente da República;
b) Em relação ao artigo 17. º da Lei n.º 4/85, os deputados do PRD propõem substancialmente a supressão do actual n.º 3, que aos parlamentares residentes em círculo diferente daquele por que foram eleitos confere direito (durante o funcionamento efectivo da Assembleia da República) a ajudas de custo, até dois dias por semana, nas deslocações que para o exercício das suas funções efectuem ao círculo por onde foram eleitos;
c) Quanto ao artigo 24.º da mesma lei, o projecto em análise propõe a permanência do seu actual n.º 2, alusivo à subvencão mensal vitalícia de que beneficiam os ex-presidentes da República, uma revisão limitada do seu actual n.º 4, quanto ao regime de atribuição de subvenção mensal vitalícia aos ex-presidentes da Assembleia da República e aos ex-primeiros-ministros, e declara acumulável, para o efeito, o tempo de exercício em qualquer desses cargos (aliás, à semelhança do que o n.º 2 do actual artigo 27. º já determina para os antigos presidentes do Parlamento e primeiros-ministros).
A alteração relevante implicitamente proposta para este preceito é a supressão da atribuição de subvenção mensal vitalícia aos demais antigos membros do Governo, aos antigos deputados e aos ex-juízes do Tribunal Constitucional que não fossem magistrados de carreira, essencialmente prevista no seu n.º 1;
d) Abordando o artigo 25.º da Lei n.º 4/85, referente ao cálculo da subvenção em causa, os deputados do PRD adaptam a respectiva redacção à restrição
subjectiva acabada de mencionar a alteram o regime da respectiva atribuição aos ex-presidentes da Assembleia da República e ex-primeiros-ministros, actualmente regido pelos n.º 4, 5 e 6 do preceito;
e) Em relação ao artigo 27.º da lei cuja revisão se propõe, o projecto de lei em análise reformula as regras fixadas no seu n.º 1 para acumulação da citada subvenção (atribuível a antigos presidentes do Parlamento ou primeiros-ministros) com pensão de aposentação ou reforma, estatuindo-lhe directamente limitações de montante que estavam remetidas para a regulamentação a efectuar pelo Governo; por outro lado, consigna essas limitações para a acumulação que o n.º 2 consente às subvenções a que tenham direito ex-presidentes da Assembleia da República e ex-primeiros-ministros;
f) Quanto ao n.º 1 do artigo 28. º da Lei n.º 4/85, os deputados do PRD propõem a redução de 75 % para 60% da sucessão mortis causa do viúvo, descendentes e ascendentes na subvenção mensal vitalícia que coubesse a antigo presidente do Parlamento ou primeiro-ministro falecido, sendo certo que a supressão da atribuição de tal subvenção a outros ex-titulares de cargos políticos ou equiparados prejudica, obviamente, idêntica transmissão para os respectivos cônjuges sobrevivos e referidos parentes a cargo;
g) Tratando o artigo 29.º da citada lei da subvenção a atribuir aos titulares de cargos políticos que se incapacitem - atribuindo-lhes fixamente 50% do correlativo vencimento enquanto durar a respectiva incapacidade -, o diploma subscrito pelo PRD usa aquela percentagem como limite, ficando o montante concreto da subvenção a depender da natureza, do grau e da duração da incapacidade, em condições a regulamentar pelo Governo.
Inovadoramente, o projecto de lei em apreço condiciona a concessão da subvenção por incapacidade ao não exercício pelo beneficiário de qualquer outra actividade remunerada, determina a respectiva actualização automática e considera-a acumulável com qualquer outra pensão de invalidez.
VI
6 - A propósito da actual previsão de uma subvenção mensal vitalícia para antigos titulares de cargos políticos que hajam exercido funções durante oito ou mais anos, e particularmente quanto aos deputados, parece justificado registar - ainda que sumariamente - alguns dados do direito comparado.
6.1 - São numerosos os países cujo ordenamento jurídico confere aos antigos deputados uma pensão desse género, como resulta, designadamente, das recolhas de elementos efectuadas pela União Interparlamentar e publicadas nas suas edições de Os Parlamentos do Mundo.
6.2 - Antes da resenha que vai fazer-se, importará, todavia, sublinhar que variam muito de parlamento para parlamento as remunerações, os diversos abonos pecuniários e as facilidades e serviços de natureza directa ou indirectamente económica que os deputados recebem, variando ainda o regime fiscal a que se encontram sujeitos.
Convirá também lembrar que nalguns países o mandato de deputado é exercido em regime de exclusividade de funções.
Por outro lado, é muito variada a duração do período de funcionamento e das sessões de trabalho dos diversos parlamentos.
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6.3 - Esquematicamente, a seguir se enumeram alguns países cujos antigos deputados têm direito a uma pensão regular fora do regime comum da previdência socia1 nacional e, bem assim, se sintetizam os pressupostos da sua concessão e respectivo conteúdo e transmissibilidade, não sem antes esclarecer que em muitos países os deputados descontam previamente para a mesma pensão uma percentagem do seu vencimento (variável de parlamento para parlamento):
Alemanha Federal: pensão de 25 % do vencimento aos seis anos de funções (acrescida de 5 % por cada ano mais) e 65 de idade.
Austrália: pensão de 50 % a 75 %a do vencimento aos oito a dezoito anos ou mais de funções, parcialmente transmissível ao cônjuge viúvo e a filhos menores.
Áustria: pensão de 48 % a 80% do vencimento aos dez anos de funções e 55 de idade.
Bélgica: Senado: pensão variável, consoante os descontos efectuados, aos cinco anos de funções e 58 de idade; Câmara dos Representantes - pensão variável, consoante os descontos efectuados, aos oito anos de funções e 55 anos de idade ou aos 65 anos de idade.
Canadá: Senado - pensão até 75 % do vencimento, dependente dos montantes auferidos nos últimos anos e do tempo de serviço, aos seis anos de funções-, Câmara dos Comuns -pensão até 75 % do vencimento aos seis anos de funções.
Chipre: pensão até 66 % do vencimento aos quatro anos de funções e 60 de idade.
Costa Rica: pensão proporcional ao tempo de serviço (mínimo de dez anos), completa apenas aos 30 anos de funções e 50 de idade.
Dinamarca: pensão, dependente do tempo de serviço, aos oito anos de funções e 67 de idade, parcialmente transmissível ao cônjuge viúvo e a filhos menores.
Finlândia: pensão até 66 % do vencimento aos quinze anos de funções e 60 de idade, parcialmente transmissível à família.
França: pensão normal aos 55 anos de idade e reduzida e sob requerimento aos 50, de montante dependente do tempo de serviço.
Grécia: pensão até 80 % do vencimento aos quatro anos de funções e 55 de idade.
Índia: pensão variável aos cinco anos de funções.
Indonésia: pensão de 6 % a 75 % do vencimento.
Inglaterra: Câmara dos Comuns - pensão de 1/6o por ano de serviço aos quatro anos de funções e 65 de idade, parcialmente transmissível ao cônjuge viúvo e filhos menores.
Irlanda: pensão até ao máximo de dois terços do vencimento (para 26 anos de serviço), aos oito anos de funções (à razão de '/40 do vencimento por cada ano), sendo metade transmissível ao cônjuge viúvo.
Israel: pensão de 4 % do vencimento por cada ano de serviço aos quatro anos de funções e 40 de idade.
Itália: pensão variável com a idade e o tempo de serviço, aos cinco anos de funções e 50 de idade.
Japão: pensão aos dez anos de funções e 60 de idade.
Noruega: pensão de 66 % do vencimento aos doze anos de funções e 65 de idade (ou quando a antiguidade e a idade somarem 75 anos, com um mínimo de três anos de serviço), desde que em regime de exclusividade, transmissível em 60 % ao cônjuge viúvo.
Nova Zelândia: pensão, até ao máximo de dois terços do vencimento, aos nove anos de funções, à razão de 1/32 do vencimento por cada ano de serviço.
Suécia: pensão, dependente do tempo de serviço, aos seis anos de funções e 50 de idade.
Tanzânia: pensão aos dez anos de funções.
Zâmbia: pensão de 12,5 % do vencimento, aos três anos de funções.
6.4 - Algumas das referidas pensões são actualizadas automaticamente, em função dos aumentos dos vencimentos dos deputados em exercício; outras seguem a evolução das subvenções da previdência do respectivo país.
6.5 - Nalguns países, para a antiguidade do deputado só conta o tempo do(s) mandatos) exercido(s) em continuidade.
7 - No projecto de lei sob apreciação não se estipula qualquer norma transitória que regule a problemática dos direitos adquiridos, que se colocará se - como aí se propõe - vier a ser suprimida a concessão da subvenção mensal vitalícia a titulares de cargos políticos actualmente prevista no n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 4/85.
8 - Finalmente se diga que a iniciativa legislativa em referência tem manifesta cobertura na alínea b) do artigo 159.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 5. º do Regimento da Assembleia da República.
9 - Posto isto, a 1. ª Comissão entende proferir o seguinte parecer:
O projecto de lei n.º 127/IV encontra-se constitucional e regimentalmente em condições de ser submetido à apreciação do Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 21 de Janeiro de 1987. - 0 Relator, Carlos Candal. - O Presidente, António de Almeida Santos.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias
Parecer sobre o projecto de lei n.º 336/IV (alterações
ao artigo 24.º da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril)
1 - Subscrito por deputados do Partido Social-Democrata (PSD), foi apresentado à Assembleia da República o projecto de lei em referência.
2 - Tal diploma encontra-se correctamente adjudicado a esta 1.ª Comissão, para o efeito previsto no n.º 1 do artigo 137. º do Regimento.
3 - Fundamentalmente, os deputados do PSD propõem-se, mediante o aditamento ao artigo 24.º da Lei n.º 4/85 de preceito próprio, que o tempo de exercício das funções de governador ou vice-governador civil seja «tido em conta para efeitos de contagem dos anos de efectivo exercício das funções referidas no n.º 1» do mencionado artigo.
4 -Estipula este n.º 1 que «os membros do Governo, os deputados à Assembleia da República e os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira têm direito a uma subvenção
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mensal vitalícia, desde que tenham exercido os cargos ou desempenhado as respectivas funções, após 25 de Abril de 1974, durante oito ou mais anos, consecutivos ou interpolados».
5 - Pondera-se no preâmbulo do projecto de lei em apreço que o aditamento proposto ao artigo 24.º da Lei n.º 4/85 pretende contemplar outras situações semelhantes às já previstas -que são, assim, o desempenho de funções como membro do Governo, deputado ou juiz não profissionalizado do Tribunal Constitucional-, «que, por isso, merecerão [...] tratamento idêntico», porquanto, «na verdade, sendo os governadores e vice-governadores civis os representantes locais do Governo, afigura-se [...] legítimo que, para efeitos de contagem de tempo de exercício das funções de deputado à Assembleia da República, se tenha em conta o tempo efectivo de desempenho daqueles cargos».
6 - Confrontando estas considerações com a redacção proposta para o efeito, parecerá que se pretende que aos deputados poderá, na contagem dos anos referidos no citado n.º l do artigo 24.º, ser adicionado ao(s) período(s) de exercício de mandato o tempo em que tenham porventura servido como governadores ou vice-governadores civis, ainda quando então não fossem titulares de mandato (suspenso) de deputado.
Seria uma «repescagem de tempo» (permita-se a expressão, por sugestiva), semelhante à que o n.º 7 do artigo 25.º da mesma lei faz a favor dos antigos deputados à Assembleia Constituinte.
7 - Todavia, a leitura do parágrafo final do dito preâmbulo sugere que não é isso o que se pretende, porquanto aí se pondera que «o regresso às funções de deputado [...], após passagem pelos governos civis, determina [...] que não seja interrompida a contagem de tempo do exercício de mandato de deputado».
Na verdade, destas considerações parece decorrer que apenas se deseja recuperar para a contagem em questão o tempo de desempenho das funções de governador ou vice-governador civil de quem, sendo deputado, haja suspendido para o efeito o seu mandato.
A favor desta interpretação pesa ainda a circunstância de não virem complementarmente propostas quaisquer obras de adaptação a fazer no n.º l do artigo 31.º da dita lei.
Mas, se for esta a perspectiva dos subscritores do projecto de lei, a redacção do texto de lei proposto parece então pouco feliz.
8 - In fine do articulado do projecto de lei em apreço propõe-se que a lei preconizada produza efeitos a partir de l de Janeiro de 1985.
Trata-se do mesmo início de vigência conferido à Lei n.º 4/85 pelo seu próprio artigo 35.º
9 - A tal propósito, importará advertir que este referido dispositivo vem sendo interpretado em algumas (decisivas) instâncias de maneira literal e restritiva - que não terá, aliás, estado na intenção do legislador-, suscitando desequilíbrios e injustiças relativos e até situações sociais chocantes (concretamente referidas à não aplicação dos artigos 28.º e 29.º do estatuto remuneratório em referência a certas situações de decesso ou incapacidade formalmente pelos mesmos abrangidas, mas ocorridas anteriormente à referida data de l de Janeiro de 1985).
10 - Finalmente registe-se que a iniciativa legislativa em referência encontra manifesta cobertura na alínea b) do artigo 159.º da Constituição e na alínea 6) do n.º l do artigo 5.º do Regimento da Assembleia da República.
11 - Posto isto, a 1.ª Comissão entende proferir o seguinte parecer:
O projecto de lei n.º 336/IV encontra-se constitucional e regimentalmente em condições de ser submetido à apreciação do Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 21 de Janeiro de 1987. - O Relator, Carlos Candal. - O Presidente, António de Almeida Santos.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Parecer sobre o projecto de lei n.º 346/IV (alterações à Lei n.º 4/85, de 9 de Abril)
1 - O projecto de lei em referência é subscrito por deputados do Grupo Parlamentar Socialista e encontra--se correctamente adjudicado a esta 1.º Comissão, para o efeito previsto no n.º l do artigo 137.º do Regimento.
2 - O diploma em apreço propõe nos artigos 1.º, 2.º e 3.º alterações aos artigos 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 29.º e 31.º, a eliminação do artigo 19.º e o aditamento de um novo artigo, o 31.º-A, à Lei n.º 4/85, regimes cuja entrada em vigor, segundo o artigo 4.º, deverá ser no dia seguinte ao da publicação da pretendida correlativa lei.
3 - Concretamente, e quanto ao visado artigo 23.º do estatuto remuneratório em causa, o projecto de lei preconiza a redução das ajudas de custo abonáveis aos membros do Conselho de Estado.
3.1 -A alteração proposta ao artigo 24.º da Lei n.º 4/85 visa suprimir o actual n.º 2 dessa disposição.
3.2 - A proposta formulada quanto ao artigo 26.º da mesma lei consiste não só na ampliação do número de cargos cujo exercício faz suspender o recebimento da subvenção mensal vitalícia prevista no antecedente artigo 24.º, mas também na inovação de uma norma que, genericamente, determina a suspensão de tal abono sempre que o respectivo beneficiário assuma qualquer cargo público cuja remuneração não seja inferior ao montante dessa mesma subvenção.
3.3 - Quanto ao artigo 27.º da lei a alterar, o projecto de lei dos deputados socialistas limita concretamente a acumulação de pensões permitida pelo n.º l do preceito.
3.4 - O texto em apreço defende depois a introdução de uma limitação ao actual regime da subvenção a conceder a titulares de cargos políticos em situação de incapacidade, condicionando especificamente a respectiva atribuição a incapacitados ao não recebimento de vencimento ou subsídio superior a tal subvenção.
3.5 - Com referência ao actual artigo 31.º da aludida Lei n.º 4/85, os socialistas pretendem disciplinar restritivamente a atribuição do chamado «subsídio de reintegração».
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4 - A eliminação do artigo 19.º retira aos deputados a possibilidade até agora conferida àqueles que sejam funcionários de optarem pelos respectivos vencimentos e subsídios, em vez de receberem as remunerações normais de deputados.
7 - Nestes termos, a 1.º Comissão entende proferir o seguinte parecer:
O projecto de lei n.º 346/IV encontra-se constitucional e regimentalmente em condições de ser submetido à apreciação do Plenário da Assembleia da República.
5 - O novo artigo 31.º-A proposto pelos socia
listas contém a afirmação de um princípio jurídico e Palácio de São Bento, 27 de Janeiro de 1987. -
ético: os deputados não poderão auferir outros direi- O Relator, Carlos Candal. - O Presidente, António de
tos ou regalias, além dos expressamente previstos na Almeida Santos.
lei.
6 - A iniciativa legislativa em apreço encontra
cobertura legal na alínea b) do artigo 159. º da Consti
tuição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º do Regi
mento da Assembleia da República.
Nota. - Estes pareceres são aqui publicados por ter sido dispensada a respectiva leitura.
AS REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Cacilda Nordeste.
PREÇO DESTE NÚMERO: 152$00
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.