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I Série-Número 42

Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 1987

DIÁRIO da Assembleia da República

PORTE PAGO

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE FEVEREIRO DE 1987

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto B. da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 15 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação dos requerimentos, das respostas a alguns outros e dos diplomas entrados na Mesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Macheie (PSD) teceu considerações sobre algumas disposições da lei do licenciamento das estações emissoras, que mereceu o veto político do Sr. Presidente da República e está em apreciação na Assembleia. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP), Raul Castro (MDP/CDE), Alexandre Manuel (PRD) e Jorge Lacão (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Rogério Moreira (PCP) criticou a política educativa do Governo, designadamente no âmbito do ensino superior.
O Sr. Deputado Miranda Calha (PS) alertou a Câmara para o grave significado da recente vaga de suicídios nas cadeias portuguesas, nomeadamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
O Sr. Deputado José Magalhães (PCP) lamentou o assassínio de mais um taxista e referiu-se à urgência da implementação de medidas de segurança para estes trabalhadores.
O Sr. Deputado Pinho Silva (PRD) abordou alguns problemas dos agricultores e produtores de batata transmontanos.
O Sr. Deputado Oliveira e Sousa (CDS) criticou algumas disposições da Lei de Bases do Ambiente recentemente aprovada pela Assembleia da República, referiu-se à política preconizada pelo CDS sobre a defesa da qualidade do ambiente e falou dos inúmeros problemas ambientais da região de Aveiro.
O Sr. Deputado António Paulouro (PRD) referiu-se à situação dos trabalhadores das minas da Panasqueira e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Pereira Lopes (PSD).
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo (PCP) manifestou a sua preocupação pela forma como irá decorrer o processo da concessão das novas zonas de jogo.
O Sr. Deputado Defensor Moura (PRD) chamou a atenção da Câmara para a situação de miséria que atinge diversas famílias do Alto Minho, nomeadamente de Viana do Castelo.
O Sr. Deputado Carlos Martins (PRD) alertou a Assembleia da República para a destruição sistemática que se tem vindo a processar dos serviços no sector da energia eléctrica.
A Câmara aprovou ainda um voto de pesar pela morte de um estudante no passado dia 30 de Janeiro.

Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do CDS.
Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 216/IV (PCP) - Rede Nacional de Abate. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Rogério de Brito (PCP), Álvaro Figueiredo e Luis Rodrigues (PSD), Paulo Campos (PRD), Vasco Miguel (PSD), Alberto Avelino (PS), Soares Cruz (CDS), António Campos (PS) e Álvaro Brasileiro (PCP).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio dos Anjos Gomes.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.

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Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Nunes do Valle.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe Athayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Solteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Defensor Oliveira Moura.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.

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Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia Cruz.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco M. Menezes Falcão.
Carlos Eduardo Oliveira Sousa.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Abaixo-assinado

m nome de um grupo de estudantes do ensino secundário, tendo como primeiro subscritor Rui Manuel Santos Costa, que vieram junto desta Assembleia protestar contra o abuso de autoridade, com referência ao assassínio do seu colega António Filipe.

Carta

Do SITAVA - Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, com sede em Lisboa, juntando fotocópias de duas moções aprovadas por unanimidade em reunião que os delegados sindicais efectuaram em 29 de Junho findo, uma sobre situação social dos trabalhadores e outra rejeitando o tecto salarial na TAP e na ANA.

Ofícios

Dos conselhos directivos das Escolas Secundárias de Santo André, em Santiago do Cacém, e de Raul Proença, nas Caldas da Rainha, remetendo documentos sobre a obrigatoriedade de passagem à disciplina de Português.
Do conselho de gerência do Hospital Distrital de Évora, remetendo fotocópia da acta da reunião ali efectuada em 22 do passado mês de Janeiro, sobre órgãos de gestão e administração dos hospitais.
Da Direcção Nacional da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, remetendo fotocópia de exposição feita no sentido de darem a conhecer a sua posição face ao artigo 103.º do projecto de lei orgânica dos serviços técnico-administrativos do Ministério Público.

Telegramas

Da União das Adegas Cooperativas, com sede no Peso da Régua, em nome da vinicultura associada na região do Douro, no sentido de ser revogado o Decreto n.º 313.
Dos delegados sindicais dos engenheiros técnicos civis do distrito de Castelo Branco, repudiando o documento de trabalho n.º 2 do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes que consideram prejudicial para a classe.

«Telex»

Da Direcção do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, dando conta do seu regozijo pela rejeição, por esta Assembleia, do decreto-lei sobre gestão hospitalar, saudando-a por esse facto.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes:
Dia 3 de Fevereiro de 1987: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Leonel Fadigas, Correia de Azevedo e Barbosa da Costa; a diversos Ministérios (6), formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado António de Brito; à Secretaria de Estado das Vias de Comunicação, formulado pelo Sr. Deputado Rui Sá e Cunha; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Joaquim Gomes, Carlos Sá Furtado e Jaime Coutinho.
Dia 4 de Fevereiro de 1987: ao Governo (3), formulados pelos Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Rui Rabaça Vieira e Miranda Calha; a diversos ministérios (18), formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; ao Ministério do Plano e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Reinaldo Gomes; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados António de Brito e António Guterres; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Raul Castro.
Dia 6 de Fevereiro de 1987: a diversos ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro; a diversos ministérios (6), formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; a diversos ministérios (2), formulados pelo Sr. Deputado Aniceto Calado e outros; ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado António Tavares; ao Ministério da Educação e Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Gomes; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e outros; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Leonel Fadigas; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados António Esteves e Reinaldo Gomes.

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O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: João Abrantes, na sessão de 20 de Março; Carlos Martins, na sessão de 20 de Maio; Defensor Moura, na sessão de 12 de Junho; José Apolinário e António Esteves, na sessão de 3 de Julho; Jorge Lacão, na sessão de 16 de Outubro; Roleira Marinho, na sessão de 30 de Outubro; Pinho Silva, nas sessões de 19 de Novembro e 9 de Dezembro; Dias de Carvalho, na sessão de 20 de Novembro; Reinaldo Gomes, no dia 25 de Novembro; Raul Junqueiro, na sessão de 2 de Dezembro; Luís Roque, na sessão de 3 de Dezembro; Armando Fernandes, na sessão de 3 de Dezembro; José Cesário, na sessão de 16 de Dezembro; José Magalhães, na sessão de 18 de Dezembro; Maria Santos, na sessão de 18 de Dezembro; Zita Seabra e Sousa Pereira, na sessão de 22 de Dezembro; Rui Rabaça Vieira, na sessão de 9 de Janeiro; Ramos de Carvalho e Carlos Sá Furtado, na sessão de 22 de Janeiro.
Deram, entretanto, entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes projectos de lei: n.ºs 354/IV, da iniciativa do Sr. Deputado António Feu e outros, do PRD, sobre a extensão do diploma do mecenato ao desporto amador, que baixou à Comissão de Administração Interna e Poder Local; 355/IV e 356/IV, ambos da iniciativa do Sr. Deputado Ferraz de Abreu e outros, do PS, propondo, o primeiro, alterar o artigo 88.º da Lei n.º 49/86, de 31 de Dezembro, e debruçando-se, o segundo, sobre a alienação das participações do sector público por negociação particular, que baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; 357/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Miranda Relvas e outros, do PSD, propondo a criação da freguesia da Moita do Norte, no concelho de Vila Nova da Barquinha, que baixou à Comissão de Administração Interna e Poder Local; 358/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Jaime Gama, do PS, que propõe a elevação da vila de Odivelas à categoria de cidade, que baixou igualmente à Comissão de Administração Interna e Poder Local.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, como é do conhecimento geral, está agendada para a próxima quinta-feira a apreciação do veto presidencial sobre a lei de licenciamento de estações emissoras de radiodifusão.
Acontece que todas as forças políticas representadas nesta Câmara pronunciaram-se sobre o veto presidencial em termos de entenderem que ele deveria merecer uma cuidadosa reflexão sobre as causas que o motivaram e os problemas que lhe estão subjacentes. Por outro lado, é manifesto que se trata de uma decisão muito delicada e que, no mínimo, exige uma completa informação de todos os deputados que a vão tomar.
Na verdade, Sr. Presidente, afigura-se-nos não estarem reunidas as condições para que se possa fazer a apreciação desse veto na sessão da próxima quinta--feira, além do mais, porque, ao que suponho, não há ainda um relatório da subcomissão que esteve a ouvir vários interessados e que, provavelmente, se pronunciará sobre essas audiências, nem sequer da Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que em última análise também se deverá pronunciar sobre a decisão do Sr. Presidente da República.
Face à grande responsabilidade que impende sobre esta Assembleia, de que, julgo, todos nós estamos conscientes e que queremos assumir com pleno conhecimento dos factos que aqui vamos apreciar, permitia-me sugerir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a convocação ainda esta tarde de uma conferência de líderes - e era este o objectivo da minha interpelação - para que possamos reponderar e reapreciar a decisão de agendamento da referida lei para o dia 12 do corrente mês.

O Sr. Presidente: - Em função do que é requerido por V. Ex.ª, Sr. Deputado, promoverei a realização de uma conferência de líderes às 17 horas e 30 minutos, ou seja, durante o intervalo dos trabalhos parlamentares.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, queria pedir a V. Ex.ª que marcasse outra hora porque às 17 horas e 30 minutos temos uma reunião do grupo parlamentar, pelo que não nos será possível comparecer à conferência de líderes. Pela nossa parte, não vejo qualquer inconveniente em que a conferência de líderes se realize durante os trabalhos parlamentares, por exemplo às 17 ou às 18 horas.

O Sr. Presidente: - A Mesa também não vê nenhum inconveniente nisso, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que interpele também a Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para manifestar a minha surpresa pela interpelação agora feita pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho, uma vez que na última conferência de líderes, realizada na passada quarta-feira, esta questão, na altura suscitada por alguns deputados do PSD, foi devidamente debatida, tendo a conferência entendido que estavam reunidas as condições constitucionais, regimentais e de preparação de opinião de cada grupo parlamentar para que se pudesse dar cumprimento a um agendamento que havia sido feito com uma grande antecedência. Com efeito, nenhum grupo parlamentar foi surpreendido com esta marcação, pois ela foi feita com grande antecedência e foi objecto de uma reapreciação na passada quarta-feira. Portanto, parece-nos ser um tanto surpreendente que a questão volte de novo a ser colocada.
Pela nossa parte, naturalmente que compareceremos à conferência de líderes se o Sr. Presidente a convocar, mas com esta surpresa que não queríamos deixar de manifestar.

O Sr. José Lello (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - É também para interpelar a Mesa sobre esta matéria, Sr. Deputado?

O Sr. José Leio (PS): - Exactamente. O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Leio (PS): - Sr. Presidente, queria salientar que na última conferência de líderes, na qual estive presente, este problema foi apresentado não pelo grupo parlamentar que agora o fez, mas por outro, e o nosso entendimento foi o de que estavam criadas as condições para que o agendamento fosse feito para a próxima quinta-feira.
Por isso, não vendo qualquer razoabilidade ou fundamento para os argumentos aqui expendidos, também não encontramos qualquer razão para que não se efectue essa conferência de líderes, mas desde já ressalvamos a nossa posição, já adiantada na anterior conferência de líderes, de que consideramos que estão criadas todas as condições para que no dia 12 se possa debater este diploma.

O Sr, Presidente: - Srs. Deputados, na altura oportuna, certamente cerca das 16 horas, convidarei os Srs. Presidentes dos grupos parlamentares para uma reunião no meu gabinete, a fim de tratarmos desta matéria mais demoradamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, está depositado na Mesa um voto sobre a recente vaga de suicídios no Estabelecimento Prisional de Lisboa, o qual se encontra aberto à subscrição das bancadas que entendam fazê-lo.
Em todo o caso, Sr. Presidente, creio que seria útil clarificar a possibilidade de esse documento ser votado no decurso do período de antes da ordem do dia da reunião plenária de hoje.
Nestas circunstâncias, gostaríamos que a questão fosse colocada às diversas bancadas tanto no sentido da subscrição como, pelo menos, no sentido de uma imediata clarificação da possibilidade de discussão e votação deste documento nesta reunião plenária de hoje, dada a instância da matéria e a sua gravidade, para a qual creio que todos estaremos sensibilizados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que não há necessidade de nenhuma clarificação, na medida em que os votos entrados na Mesa antes do inicio da sessão, como foi o caso, tem de ser votados no final do período de antes da ordem do dia.
Entretanto, já diligenciei no sentido de que o referido voto seja fotografado e distribuído por todos os grupos parlamentares.

O Sr. António Capucho (PSD): - Dá-me licença que interpele a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Magalhães já teve a gentileza de distribuir pelas diversas bancadas a proposta de voto.
No entanto, queria suscitar a seguinte questão ao Sr. Deputado José Magalhães: da parte da nossa bancada, embora haja uma predisposição para considerar positiva a oportunidade e, de resto, o próprio conteúdo do voto, gostaríamos de poder reflectir um pouco mais sobre ele. Temos a prerrogativa regimental de, potestativamente, requerer o respectivo adiamento para a próxima sessão, prerrogativa essa que exerceríamos se V. Ex.ª considerasse que seria ainda oportuno e pertinente apreciá-lo, e votá-lo na próxima quinta-feira. Ë que, de facto, neste momento não estamos em condições de, acedendo à sua sugestão, subscrevermos o voto sem uma prévia reflexão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, se V. Ex.ª pretende responder à questão que lhe foi posta, faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, quando tivemos a iniciativa de contactar com as diversas bancadas no sentido de apurar se era possível obter uma votação desse documento ainda nesta reunião plenária fizemo-lo movidos por um certo sentido de urgência.
Isto é, se a Assembleia da República quer contribuir positivamente para inverter o sinal de uma vaga que a todos nos parece muitíssimo preocupante, haverá que agir o mais depressa possível. Poderemos até interrogarmo-nos sobre se não deveríamos ter já tomado uma posição pública que contribuisse para, de alguma maneira, combater o clima que está criado no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
Nesse sentido, e sem prejuízo de contribuirmos para que o PSD possa reflectir pelo compasso de espera que lhe pareça adequado, apelávamos também à bancada do PSD no sentido de o fazer com a máxima urgência, se possível ainda nesta reunião plenária e até ao termo do período de antes da ordem do dia, por uma razão simplicíssima, que é a de que este voto tem implícito um sentido de urgência que, de outra forma, pode ser prejudicado.
Portanto, alertamos todos os Srs. Deputados, e em particular a bancada do PSD, para este vector, que nos parece muito grave.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia, como regime político próprio de homens livres, assenta na responsabilidade das pessoas e no respeito escrupuloso da sua autonomia. Constrói-se não apenas por uma opção momentânea, mas pelo esforço porfiado e de reflexão e pela acção quotidiana dos cidadãos. A democracia para ser pujante e plena tem de ser interiorizada, de viver no coração dos homens.
Se a democracia não resulta assim e apenas de uma única decisão fundamental que a decrete para todo o sempre, a verdade é que as boas leis ajudam à sua edificação e são indispensáveis para o seu aprofundamento; as más leis, pelo contrário, constituem um entrave ao seu progresso e podem mesmo, em certas circunstâncias, contribuir para a sua derrocada.

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A chamada Lei Quadro do Licenciamento de Estações Emissoras de Radiodifusão, vulgo Lei da Rádio, cujo decreto da Assembleia foi vetado pelo Sr. Presidente da República e que a Câmara vai reapreciar, esta semana, é, na sua formulação actual, um exemplo claro de uma má lei, com efeitos perniciosos graves. Representa, a nosso ver, um retrocesso democrático e mais um perigoso enviesamento no sistema de separação de poderes consignado na Constituição.
Não posso, por isso, deixar de manifestar aqui, na Assembleia da República, centro vital da democracia portuguesa, em nome do meu partido e no meu próprio, a grande preocupação que me causam as notícias de que, em vez de aproveitar este novo tempo de reflexão, propiciado pelo veto presidencial, para corrigir o que deve ser corrigido, os partidos que votaram a favor da primeira versão se preparem para a fazer vingar, em segunda votação, por forma inalterada. A estranheza é tanto maior quanto, em declarações prévias, o líder de um deles parece concordar com algumas das críticas básicas que têm sido feitas à lei, embora daí não retire as consequências práticas que a coerência impunha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na sua realidade objectiva, independentemente do que pensaram e quiseram os seus autores materiais, a propósito da regulamentação anódina de um licenciamento, a lei, ao instituir um conselho da rádio com a composição e competências que lhe atribuiu, veio criar um sistema intervencionista e um controle do Estado sobre o exercício da actividade de radiodifusão manifestamente excessivos, cujo grau de elevada discricionariedade pode facilmente descambar em acções censórias ou em repressões abusivas.
Com efeito, ao conselho da rádio previsto na lei cabem importantíssimos poderes não apenas no licenciamento, mas também na orientação da actividade das estações emissoras, uma vez licenciadas.
É a ele que compete emitir parecer sobre as propostas de licenciamento feitas ao Governo em resultado de concurso público previamente aberto, parecer que, se for negativo, vincula o Governo, e é ainda ao conselho que cabe emitir parecer prévio, fundamentado sobre a aplicação de sanções, as quais podem ir até à proibição do exercício da actividade de radiodifusão.
Transfere-se, assim, para um orgão auxiliar da Assembleia da República, mas politicamente irresponsável, a competência para recusar alvarás. É uma solução que vem na esteira de outras já tomadas pela Assembleia e que, ao irem-se somando umas às outras, acabam por fazer que seja a Assembleia e não o Governo quem venha a superintender e dirigir importantes sectores da Administração Pública, em contradição com o disposto no artigo 202.º da Constituição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Maioritária mas dividida, incapaz de oferecer uma solução governativa alternante, a oposição escolhe, face ao governo minoritário, a solução mais cómoda: retirar-lhe competências e praticar, pela via do controle, uma guerra de usura. Não atenta assim a oposição, pelo menos os partidos democráticos que aspiram a poder voltar a ser poder, que deste modo inviabilizam a possibilidade de funcionamento, no actual sistema, de um governo minoritário. Essa sua atitude, se não for causada pela miopia da paixão política, só terá explicação se estiverem convencidos e quiserem generosamente contribuir para que haja, na próxima Assembleia, um governo de maioria PSD ...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os membros do conselho da rádio são inamovíveis durante o triénio do seu mandato, o que lhes concede um estatuto de grande independência (isto é o que a lei prevê). Porém, a composição do conselho é determinada preponderantemente por critérios políticos e corporativos, ao serem cinco dos seus treze membros escolhidos pela Assembleia da República, dois pelo Governo e ainda dois por associações, sindicais. Esse carácter político de escolha impede que se logre o objectivo fundamental de entregar a um conjunto de homens sábios e experientes, alheios às contendas da vida política, decisões delicadas que envolvem o exercício de direitos fundamentais. Os exemplos dos modelos escolhidos do Conselho de Comunicação Social e de Imprensa, com muito menos poderes dos agora dados ao conselho da rádio, ilustram bem que, apesar de boas vontades, não se conseguiu o ideal de autoridade e de imparcialidade a que se aspirava.

O Sr, António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E sublinhe-se, não se obteve esse resultado desde logo e independente da boa vontade e do mérito dos seus membros porque o processo de escolha vicia à partida o resultado.
Em síntese: ao conselho da rádio, que, pela sua composição, vai inevitavelmente ter uma componente política predominante, e com um aspecto ideológico provavelmente bem diferente do resultado de eleições democráticas, confia-se papel determinante na apreciação dos candidatos à obtenção de alvarás e do próprio comportamento ulterior dos licenciados, segundo critérios que envolvem grande subjectivismo e contaminação pelas concepções políticas perfilhadas.
Por outra parte, centralizou-se a discussão no problema da reversão das licenças de frequência modulada dadas legitimamente e por actos constitutivos de direitos à Rádio Renascença e à Radiodifusão Portuguesa. Essa centralização fez passar despercebido que esta lei desconhece inteiramente o respeito devido às confissões religiosas em geral e, quanto à igreja católica, o seu relevo histórico, cultural e espiritual na sociedade portuguesa e ainda as exigências decorrentes da Concordata; ignorou-se também que ela viola, além disso, frontalmente, o artigo 41.º, n.º 5, da Constituição, que, quanto as confissões religiosas, garante a utilização dos meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades. O pluralismo não pode violentar a autonomia interna dos particulares, sob pena de se transformar em intolerância e em atitude persecutória.
Institui, ainda, esta lei um processo de validação das licenças legalmente processadas no domínio da legislação anterior, subordinando-se agora a condições novas introduzidas pelo novo diploma e envolvendo, obviamente, a possibilidade de, não sendo consideradas satisfeitas, poderem conduzir à revogação das referidas licenças. .

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Se atentarmos, sobretudo, à especificidade da Emissora Católica Portuguesa, às garantias dadas pelo artigo 41.º, n.º 5, da Constituição em conjugação com o artigo 38.º, n.º 2, e às disposições concordatárias, compreender-se-á que não se pode aplicar sem mais à Rádio Renascença, sob pena de inconstitucionalidade, o regime comum previsto nos artigos 8.º e seguintes deste decreto legislativo (estatuto editorial, pluralismo político, etc.).
Este processo de validação a que são submetidos os anteriores operadores agrava, assim, enormemente o arbítrio e a indeterminação que este projecto, a ser aprovado pela Assembleia, vem introduzir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendeu o projecto da lei da rádio pôr ordem no pulular anárquico das rádios livres. Mas a via que escolheu redunda em controles discricionários e tem riscos de perigosa politização na fiscalização de liberdades fundamentais. Quis reforçar o pluralismo e a tolerância, mas os efeitos que consegue são o do desrespeito da autonomia das rádios privadas e a ameaça do intervencionismo censório. Introduz, sem necessidade, o gérmen de um grave conflito entre a Igreja e o Estado, que todos temos o dever moral estrito de evitar. Alguns dos seus preceitos sofrem de inconstitucionalidade material, ao violar frontalmente o princípio da separação de poderes e os artigos 38.º, n.º 2, e 41.º, n.º 5, da Constituição.
Para aqueles que queiram permanecer cegos aos valores materiais postos em causa, sempre diremos que, ao não terem sido consultadas as regiões autónomas, o decreto da Assembleia padece também de inconstitucionalidade formal, por violação do artigo 231.º, n.º 2, da Constituição.
Parece, assim, que um mínimo de bom senso exigiria que aproveitássemos a oportunidade que nos foi dada pelo veto presidencial para procedermos a uma análise e discussão profundas e serenas. O País e a democracia terão tudo a ganhar; os partidos políticos representados nesta Assembleia só se poderão enobrecer com isso. Por minha parte, continuo a acreditar nas virtudes do diálogo. Tenho esperança de que a Assembleia me não desiluda.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Jorge Lemos, Raúl Castro, Alexandre Manuel e Jorge Lacão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a primeira constatação feita por parte da nossa bancada é a de que o PSD, com esta intervenção, acaba de tirar legitimidade à pretensão do CDS que nos sugeriu um eventual adiamento do debate e da apreciação pela Assembleia da República da lei da radiodifusão. Deste modo, o PSD acaba neste momento de iniciar o reexame.
Poderemos dizer que o Sr. Deputado Rui Machete está no lugar certo no tempo errado e está no lugar errado no tempo certo. É um problema do Sr. Deputado Rui Machete.
Pelo nosso lado, consideramos que no dia 12 será o momento certo e o lugar certo para a reapreciação parlamentar desta matéria. Aliás, Sr. Deputado Rui Machete, pelo nosso lado, já tínhamos conhecimento da sua intervenção - ela não foi muito inovatória - através da leitura de alguns semanários do passado sábado.
Quanto aos comentários que temos a fazer sobre ela reservamo-nos para o momento oportuno, ou seja, para o dia 12.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Rui Machete, estando marcado para quinta-feira o debate em relação à chamada lei da rádio, a intervenção de V. Ex.ª assume um carácter insólito.

Protestos do PSD.

Na realidade, não estamos habituados a assistir a intervenções sobre matérias agendadas antes do dia em que essas mesmas agendas se efectivem. Sem ter uma palavra para explicar por que razão é que estava desfasado no tempo, V. Ex.ª veio aqui dissertar sobre a lei da rádio, aliás, sem apresentar elementos novos.
De qualquer forma, é em relação àquilo que em linguagem vulgar se poderia chamar um «parto prematuro» e que em linguagem parlamentar se terá de considerar uma nova figura, que é a da «intervenção antecipada» que eu queria questionar V. Ex.ª, porque se o sistema se generaliza a sua intervenção antecipada viria a estabelecer o caos nesta Assembleia. Nós não saberíamos em que dia é que deveríamos intervir porque em qualquer dia, antes mesmo do dia marcado para um debate, qualquer deputado resolveria fazer uma intervenção.
É efectivamente uma situação anómala e tanto mais de estranhar num deputado em que se presume que seja cumpridor da ordem parlamentar e doutras. É por isso, Sr. Deputado, que estranho a sua intervenção e não lhe responderei...

O Sr. António Capucho (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - ... porque o debate está marcado para o dia 12 e, aliás, o Sr. Deputado também não trouxe elementos novos na sua intervenção.

Vozes do PSD: - E a pergunta!

O Sr. António Capucho (PSD): - Disseram os dois precisamente o mesmo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Deputado Rui Machete, pela muita consideração que tenho por si, e V. Ex.ª sabe-o, li atentamente o seu artigo publicado em, pelo menos, um semanário, e gostei mais dele do que propriamente da intervenção que fez aqui. De qualquer maneira, é a intervenção que aqui foi efectuada que está em causa. Ainda que as ideias gerais tenham sido as mesmas, a linguagem no jornal foi bastante mais serena e até muito proveitosa, e, embora

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discordando de V. Ex.ª, penso que é nestes termos e deste modo -como o fez no semanário- que se devem debater ideias.
V. Ex.ª refere a prossecução dos fins da igreja católica, e queria lembrar-lhe que esta é uma lei dos licenciamentos e se isso não estivesse já acautelado através das frequências que a Rádio Renascença já detém largamente, isso teria de ser visto no sítio certo, ou seja, na lei da rádio, através do serviço público. E não só da igreja católica, como de todas as outras religiões, como é evidente, proporcionalmente falando.
Também acho que a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete foi muito importante, porque, de facto, pela primeira vez, por parte da sua bancada, situou a questão onde ela deve ser situada.
O que está em causa, Sr. Deputado Rui Machete, não é, de facto, a questão das frequências, mas sim a questão do conselho da rádio. E V. Ex.ª demora largamente na análise do conselho da rádio, e isso sim é que feriu o Governo, porque deixou de poder atribuir as frequências a quem queria.
Por outro lado, queria dizer que, certamente, o Sr. Deputado Rui Machete deve ter lido não a última versão, mas a penúltima da lei dos licenciamentos, porque a versão final, por consenso de todos os membros da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, retirou a palavra «vinculativo».

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, seguramente não serei eu a pôr em causa o mérito intelectual de V. Ex.ª e a sua reconhecida competência em matéria de direito público. Por isso mesmo fiquei algo impressionado com a debilidade dos argumentos que aduziu na Câmara.
A seu tempo iremos debater mais profundamente o problema, mas por agora gostaria de lhe deixar apenas três questões resultantes da sua intervenção.
A primeira delas relaciona-se com a chamada «invasão de competências do Governo» e a eventual violação do artigo 202.º da Constituição da República. Se essa preocupação era tão segura, da parte do PSD, porque terá acontecido que o PSD, aquando do debate, na generalidade, dos diplomas sobre o licenciamento das estações emissoras de radiodifusão, havendo um artigo no projecto de lei apresentado pelo PS que conferia então ao Conselho de Comunicação Social competência para emitir pareceres e condicionava a competência governamental para atribuir os alvarás de licenciamento, não fez qualquer contestação a tal artigo e acabou por votar, na generalidade, favoravelmente o projecto de lei sem ter feito qualquer reparo sobre a matéria?
É certo que se mudou a versão do Conselho de Comunicação Social para o conselho da rádio e isso fez-se tendo em vista que o Conselho de Comunicação Social tem apenas competência quanto ao sector público da comunicação social.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - E não é pequena essa competência!

O Orador: - Mas a filosofia de base não afecta a solução final, uma vez que essa filosofia do conselho da rádio era exactamente a mesma que presidia ao artigo do projecto de lei do PS. O PSD votou favoravelmente esse projecto de lei e não fez a mínima contestação de tal solução em tempo oportuno.
Segunda questão: o Sr. Deputado Rui Machete afirma que os critérios de atribuição dos alvarás envolvem grande subjectivismo por parte da apreciação, no que diz respeito ao conselho da rádio.
Daí, perguntar-lhe o seguinte: numa versão inicial da proposta de lei do Governo, onde a competência para a apreciação dos critérios era exclusivamente conferida ao próprio Governo, havia critérios mais objectivos para a atribuição dos alvarás? Ou reconhece o Sr. Deputado Rui Machete que esses critérios são muito mais reforçados nesta versão da lei e que os critérios são idênticos na sua apreciação tanto para o Governo como para o conselho da rádio? E, assim sendo, como é possível qualificar critérios como excessivamente subjectivistas para o conselho da rádio e não admitir que também o teriam sido, nesse caso, para o próprio Governo, se ele detivesse competência exclusiva e1 própria nesta matéria?
Terceira pergunta: o Sr. Deputado Rui Machete afirmou que por um facto de natureza moral própria da igreja católica esta deveria ter em matéria de rádio, e virtualmente também de televisão, um regime comum e, portanto, não deveria ficar submetida ao regime geral. Deduz desta afirmação o Sr. Deputado Rui Machete que, na linha do seu pensamento, seria V. Ex.ª favorável à definição de um regime comum para a igreja católica que designadamente impedisse à Rádio Renascença, por exemplo, de exercício de actividade comercial no âmbito radiofónico? São estas as três questões sobre as quais lhe agradecia que desse o seu ponto de vista.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - O Sr. Deputado Jorge Lemos e, afinando pelo mesmo diapasão, o Sr. Deputado Raul Castro vieram colocar o problema de eu ter antecipado o debate.
Queria, em primeiro lugar, dizer-lhes que me parece, em particular pelas palavras do Sr. Deputado Raul Castro, que ele começou a antecipar intervenções censórias mesmo ainda não existindo o conselho da rádio, porque discute se eu ou o meu partido podemos ou não fazer uma declaração política sobre a matéria que bem entendermos. Todavia, dir-lhes-ei quais foram as razões fundamentais que me levaram a intervir, fazendo esta declaração política.
Elas são basicamente as seguintes: a Assembleia da República, como citei, transcrevendo uma expressão do Sr. Presidente da República na mensagem que endereçou à Assembleia, é o local correcto, como centro vital da democracia, para, pelo menos os deputados, discutirem problemas fundamentais, como é o caso deste da lei da rádio. Uma vez que fui co-autor de um artigo num semanário, que V. Ex.ª citou, e não poderei, infelizmente, por razões inadiáveis, estar aqui presente no próximo dia 12, e a Assembleia não pôde, apesar de eu ter diligenciado nesse sentido, adiar por três ou quatro dias o debate, pareceu-me que não seria correcto, como deputado, deixar de fazer aqui, na Assembleia da República, um conjunto de observações que entendo serem graves e importantes neste momento sobre o

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problema, para que não possa dizer-se que não intervenho no local próprio e, do meu ponto de vista, no único momento possível em que o posso fazer. Essas são as razões, Srs. Deputados Jorge Lemos e Raul Castro, pelas quais intervim hoje, aqui e agora.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Alexandre Manuel, agradeço-lhe, em primeiro lugar, as palavras amáveis que me quis dirigir.
Penso, todavia, que o tom que utilizei na minha intervenção não fugiu à análise, que pretendi ser serena, de um problema que é extremamente grave e que merece uma consideração cuidada por parte da Assembleia. Tive, de resto, a oportunidade de salientar que tomava em consideração a realidade objectiva da lei, independentemente das motivações, da vontade e do querer subjectivos de quem, em concreto, colaborou mais directamente na sua elaboração, porque não me cabe a mim julgar esse subjectivismo e, naturalmente, ele foi norteado pela preocupação de encontrar a solução mais adequada.
Quanto aos problemas que coloquei, V. Ex.ª concorda comigo que uma das questões mais importantes é justamente a do conselho da rádio, da sua composição e da sua competência. Foi esse um dos propósitos principais da minha intervenção e congratulo-me pela circunstância de V. Ex.ª estar de acordo comigo nessa matéria.
Como terá reparado, ou talvez não, se no artigo que escrevi não tomei em consideração a última versão, porque não a conhecia - não posso conhecer necessariamente as alterações substanciais de redacção que foram feitas em comissão depois da discussão no Plenário -, a verdade é que agora já tomei em consideração essa última versão e por isso disse que apenas o parecer negativo é vinculativo, porque efectivamente assim é. Se, não havendo parecer favorável, não é possível ao Governo dar uma licença, isso significa que o parecer negativo por parte do conselho da rádio é um parecer vinculativo; é assim que tecnicamente as coisas de designam. O facto de se ter eliminado a palavra «vinculativo» obviamente não altera em nada a substância das coisas.
Por outro lado, não posso deixar de estranhar que V. Ex.ª, na crítica que me dirige, não tenha feito nenhuma menção a uma questão, que me parece importante - e que eu sublinhei -, que é a das declarações repetidas que o líder do partido a que V. Ex.ª pertence tem feito na comunicação social e que me parece que levam a esperar uma atitude em coerência do vosso grupo parlamentar.

Uma voz do PSD: - Talvez não!

O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Lacão colocou-me várias perguntas a que tentarei responder sucintamente.
A primeira é respeitante ao problema da separação de poderes. Sr. Deputado, não baseei apenas no problema do artigo 202.º da Constituição da República esta ideia de que a oposição tem vindo a somar uma após outra as matérias que passa a controlar directamente, tem vindo a criar aquilo a que eu chamei um «enviesamento da separação de poderes» tal como se encontra consignado na Constituição. É que se uma ou outra isoladamente não teriam esse significado, o somatório das diversas intervenções que têm vindo a ser aprovadas pela Assembleia da República - haja em vista, por exemplo, o que aconteceu na última Lei do Orçamento - traduzem-se efectivamente em alterações qualitativas substanciais.
Como V. Ex.ª sabe, o princípio da separação de poderes aflora em vários artigos, não apenas num que citei para exemplificar e concretizar. Mas, efectivamente, o que quis dizer e repito é isto: a oposição está dividida e entende não ser conveniente substituir o actual governo minoritário, e então segue um caminho que considero profundamente errado. Não o é, apenas, por ser o combate a este governo - seria natural que a oposição combatesse este governo -, mas porque vicia o próprio sistema político e dominui as possibilidades de um governo minoritário funcionar eficazmente, qualquer que ele seja, o que é extremamente grave. E por isso disse, um pouco ironicamente, «a não ser que a oposição esteja disposta a ajudar o PSD a atingir a maioria»; de outro modo não se percebe muito bem a racionalidade do vosso comportamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, pergunta V. Ex.ª por que é que o PSD só agora faz estes comentários a propósito da lei da rádio.
Bom, penso que justamente a ideia de veto presidencial e da reponderação dos problemas conduz a que as pessoas reexaminem mais aprofundada e cuidadamente as questões. Penso que o veto presidencial deve ser interpretado não como uma «pirraça» do Sr. Presidente da República, mas como uma oportunidade que a Assembleia tem de, num assunto extremamente grave, vir a fazer um reexame do problema. Ora é nesse reexame e por esse motivo que fiz essas observações, que considero extremamente adequadas.
O Sr. Deputado perguntou se os critérios subjectivos não seriam menos subjectivos por ser o Governo a exercê-los e disse ainda que não foi útil a circunstância de se exararem na lei esses critérios, ao contrário da ausência que actualmente existe. Provavelmente não me terei feito compreender, pois o problema básico é este: critérios que são subjectivos, ao serem aplicados por um órgão cuja composição é predominantemente política - e não pode deixar de ser - viciam a aplicação desses critérios. Esta é que é a questão básica, Sr. Deputado!
O Governo é responsável perante a Assembleia da República e pode ser demitido por votos de censura. Porém, este conselho, durante o triénio do seu mandato não pode ser demitido pela Assembleia da República e, politicamente, não é responsável perante ela. Ora vamos criar uma figura curiosa, que foge aos critérios habituais dos órgãos que são democraticamente eleitos. Parece-me, pois, que é aí que reside a gravidade da situação e não da maneira como o Sr. Deputado a colocou.
Por último, V. Ex.ª colocou o problema de saber se a Rádio Renascença deve ou não ter um regime especial e ser-lhe vedada a publicidade. Julgo que há aqui um equívoco manifesto, que importa desfazer. Se o Sr. Deputado pensa que se respeita a liberdade religiosa e o pluralismo reconduzindo-os - no caso da igreja católica passa-se isso e nas outras confissões religiosas será a mesma coisa, mutatis mutandis - ao

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foro das consciências individuais e à sacristia, tem V. Ex.ª uma interpretação um pouco singular do que é a liberdade religiosa.

O Sr. Jorge Lacão (PS):;.- Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr: Deputado, não fui eu, mas V. Ex.ª, quem recusou a existência de um regime comum por parte da Rádio-Renascença. Portanto, foi em nome do entendimento de que a igreja católica deve ter um tratamento especial que o Sr. Deputado também entendia, que a Rádio Renascença devia ter um tratamento especial e não submetido às regras gerais da lei de licenciamento de estações emissoras de radiodifusão. Foi apenas nesse sentido que coloquei a pergunta, mais de acordo com os pressupostos do Sr. Deputado, do que com os meus.

O Orador: - Um entendimento especial, Sr. Deputado, mas não um gueto - são coisas distintas. V. Ex.ª compreende que não basta fazer diferenças entre géneros próximos e diferença específica para se chegarem a determinados resultados. Isso é um formalismo muito condenado em termos de uma jurisprudência estéril dos conceitos...
O problema é este: é evidente que se criarmos condições que na prática, impeçam - porque são gravosas do ponto de vista financeiro - que rádios que tenham uma confissão religiosa, rádios que traduzam uma mensagem de origem religiosa, possam viver, nós, sendo aparentemente muito generosos, acabamos por limitar essa liberdade religiosa. Ora é precisamente isso que penso que não é admissível e ainda menos quando parece estar subjacente a ideia de que é suficiente que através da transmissão de actos religiosos e de algumas prédicas se satisfaça esse exercício da liberdade, tal como se encontra consignado na Constituição.
É contra esse entendimento, que parece estar, subjacente a essas perguntas que me insurjo e pretendo deixar claramente explicitado que assim não se cumpre a Constituição e que não é aceitável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pará uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que futuro se prepara para os jovens estudantes portugueses é a questão que está hoje na ordem do dia das movimentações estudantis. Impõe-se por isso que olhemos com atenção e compreendamos o que se está realmente a passar nas Letras, no ISEF, em Belas Artes e noutras escolas do ensino superior para que as afirmações de preocupação pela juventude com que constantemente se enchem as bocas não se confundam com simples exercícios de retórica. São questões a que não pode ficar alheia, esta Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os estudantes estão hoje a pôr o dedo na grave ferida que afecta o ensino superior. Denunciam a selectividade e exigem saídas profissionais condignas, protestam pela falta de instalações adequadas e, com isso, estão a pôr em causa não um simples e corriqueiro episódio da vida universitária, mas um quotidiano provocado por uma actuação governamental de pendor classista, discriminatório e de becos sem saída.
As reformas que o Ministro da Educação e Cultura tanto se galardeia de estar a preparar não são reformas de fundo. São antes reformas que podem levar o ensino para o fundo, como o demonstram os assuntos que estão na base das movimentações universitárias destes dias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E mais grave ainda, são medidas que, na sua grande maioria, não têm em conta, antes contrariam, disposições fundamentais da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada recentemente por esta Assembleia.
É por isso importante traçar em linhas gerais alguns elementos do quadro da situação actual. Vejamos o caso das Letras.
As insistências múltiplas efectuadas pelos estudantes junto dos conselhos directivos quanto à necessária reestruturação dos cursos deparam sistematicamente com o envio dos problemas para as determinações ministeriais e suas dificuldades económicas. Passada a bola para o lado do Ministério, este responde por sua vez que não há problemas no apoio financeiro à reestruturação curricular, que têm os científicos inteira liberdade de diálogo e que devam ser eles, aliás, os únicos interlocutores. Reafirmam por seu lado os científicos a sua falta de poder deliberativo e a sua .incapacidade de conseguir meios de realizar a transferência curricular para todos os universitários. Mas, entretanto, de novo com a bola do outro lado, é o Secretário de Estado do Ensino Superior que, frente às câmaras de televisão, manifesta acordo implícito com «soluções» para as quais os estudantes não foram sequer ouvidos.
Quererá o Ministério da Educação e Cultura com esta actuação largar a batata quente da reestruturação dos cursos de letras? Pretende o Ministério iludir os estudantes e a opinião pública sobre o significado da existência, hoje, de cerca de 10 000 licenciados nos cursos de Letras que estão no desemprego sem qualquer colocação?
O Governo não pode deixar de ser responsabilizado, sob pena de fuga às responsabilidades, no encontrar de outras saídas profissionais para estes estudantes, não só para esses 10 000, mas também para grande parte destes 14 500 que hoje frequentam os cursos de letras.
E é tanto mais assim porquanto o próprio regime de numerus clausus em vigor desde 1977 afirma no próprio texto da lei que os contingentes a fixar pelo Governo, anualmente, devem ser adequados, à «capacidade de absorção do mercado de trabalho». A prática demonstrou aquilo que já nessa ocasião foi insistentemente denunciado: o números clausus em nada correspondeu ou corresponde a quaisquer necessidades do País devidamente inventariadas, mas tão-somente se reduz à opção pela selectividade social no acesso ao ensino, adicionada da adequação passiva à falta de instalações escolares adequadas. Mas, se quanto ao acesso ao ensino superior estão patentes os nefastos efeitos desta medida, como compreender uma pseudo-solução

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de selectividade reforçada que visa a instituição nas faculdades de letras de um novo numerus clausus a aplicar no regime de transição, negando à esmagadora maioria dos estudantes o direito de acesso em pé de igualdade à formação profissional.
Opta-se, de uma forma que pretendia impor-se como facto consumado - e que assim está em vias de não suceder -, pela restrição do acesso a formação, em vez de se optar como se impõe e como ao Ministério compete pelo alargamento das áreas de formação profissional, dando resposta a novas necessidades do País no domínio da educação e da cultura.
A Assembleia da República não pode deixar de reconhecer que nas faculdades de letras os estudantes têm vindo a demonstrar preocupação pelo futuro que os espera, aliando-se ao seu discernimento a capacidade de apresentação de propostas válidas para se encontrarem soluções correctas e ajustadas. Têm-se colocado numa posição que só por si deve ser aplaudida: querem contribuir, como jovens que são, para o desenvolvimento cultural do País e acreditam que tal é possível; não querem ser indivíduos segregados na própria sociedade e apenas mais uns quantos na longa fila do desemprego.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas a crise universitária, devida em grande medida à política seguida pelos ministros do PSD à frente da pasta da Educação, não se esgota nas faculdades de letras. Ela atinge hoje toda a universidade, ou melhor, todo o ensino superior, não só público como privado, já que o Ministério da Educação e Cultura também aqui interviu de forma desastrosa e, por isso mesmo, a crise está a ter expressão mais significativa nessas recentes movimentações em vários estabelecimentos de ensino superior. É o que se passa, por exemplo, no Instituto Superior de Educação Física de Lisboa e nas Belas-Artes.
No ISEF, aquilo que está em causa não é simplesmente uma matéria profissional, embora também o seja, nem se pode reduzir à simples dimensão desta escola. Pelo contrário, o que se coloca são as suas nefastas consequências no possível aniquilamento prático da educação física como componente curricular obrigatória e parte integrante do processo educativo e de formação das crianças e dos jovens. É por isto mesmo um assunto do País e, como tal, importa ser debatido.
Será que o Ministro quer recuperar o estatuto praticado no regime fascista de professores de 1.ª e de professores de 2.ª de Educação Física? Sabendo-se, como se sabe, que as escolas superiores de educação enveredaram pela formação de professores de Educação Física para o 2.º ciclo do ensino básico, em alguns casos ao arrepio daquilo que estabelece a própria lei de bases, importará esclarecer qual será a instituição que formará professores de Educação Física para os outros níveis de ensino. Ou será que o Ministério pretende, com a não formação de professores, completar a sua política de não construção de instalações desportivas nos estabelecimentos de ensino e inviabilizar assim na prática o direito dos estudantes a uma educação sadia e integral, de que a educação física é componente essencial?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão da educação física nas escolas tem de ser entendida à luz das opções de política educativa nacional, pelo que se não pode compreender o mutismo do Ministério da Educação face aos propósitos do conselho científico do ISEF de Lisboa, particularmente quando parece haver posições assumidas pela Direcção-Geral dos Desportos nesta matéria que envolvem alguma responsabilidade na decisão que se quer tomar. Igualmente tem o Ministério de responder, como o não fez em pergunta que o meu camarada de bancada António Osório há dias formulou, por escrito, na sessão de perguntas ao Governo, sobre qual é a sua opção real quanto à formação a ministrar aos professores de Educação Física e qual o papel que neste caso irão assumir as escolas superiores de educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O silêncio é regra geral cúmplice, e neste caso concreto ele tem, no mínimo, permitido a perpetuação da situação de instalação deste estabelecimento de ensino, em contradição completa com as regras mínimas de gestão democrática das escolas. Será que o regime de instalação do ISEF, que já ultrapassou todos os prazos razoáveis, que tem uma comissão instaladora composta por um único membro, pois todos os outros já se demitiram, que age contra a própria vontade da escola, é ou não uma ponta de lança do próprio Ministro para impor a sua política sem ter que publicamente a assumir?
E que dizer da situação da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, confrontada com gritantes carências de instalações e material, com uma cantina encerrada há já três anos, sem capacidade de contratação do próprio corpo docente, sem os necessários funcionários de limpeza - a situação aí é particularmente caricata -,situação que o Ministro da Educação insiste em ignorar, apesar das inúmeras chamadas de atenção que lhe tem sido dirigidas por professores e estudantes da Escola?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os três exemplos que hoje aqui vos trouxemos não esgotam a profunda crise que afecta a generalidade dos estabelecimentos de ensino superior em Portugal. Esta crise tem responsáveis. Apesar do que alguns dizem, é uma crise que não é conjuntural, mas sim estrutural, e resulta da política que o PSD tem vindo a impor ao longo dos anos no Ministério da Educação e Cultura. A falta de diálogo sério e a política de factos consumados têm sido as formas mais simples que este Ministro da Educação e Cultura tem encontrado para tentar esconder a sua incompetência.
Tal como os estudantes de Letras, do ISEF e da Escola Superior de Belas-Artes, também nós dizemos basta!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A brutalidade dos acontecimentos vem por vezes colidir com a nossa indiferença ou insensibilidade e traz-nos a realidade, a realidade dura da vida que se vive com dificuldade, sem inserção e sem esperança.

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Refiro-me ao conhecimento recente de que mais um jovem se suicidou em cadeias portuguesas. É o quarto caso de suicídio que se dá sem que publicamente houvesse um reparo, uma iniciativa, uma explicação. O que será preciso mais para que tiremos algum tempo ao nosso afã diário e nos debrucemos sobre uma questão tão relevante que leva os próprios intervenientes a decidir que já nada vale a pena e que a morte é, afinal, a única libertação?
Já há algum tempo atrás um colega nosso trouxe-nos este assunto ao hemiciclo, referenciando então que 65% da população prisional é constituída por jovens com menos de 30 anos. O alerta foi dado, mas nada foi feito para evitar as consequências agora visíveis e que, segundo se sabe, podem continuar porque existem nas mesmas condições potenciais situações de suicídio.
Trata-se, pois, de um problema grave. É a nossa juventude que está envolvida. Cabe-nos a nós actuar de modo a preparar um futuro .melhor para as novas gerações è, por isso, não será dispiciendo que se façam duas ordens de reflexão, sobre as quais devemos tirar ilações e agir consentaneamente, e uma constatação de actualidade.
A primeira questão tem a ver com o insucesso escolar. No ensino primário, a nível do ensino oficial, a taxa de repetência em 1982 foi de 41 % no 2.º ano da 1.ª fase e 27% no 2.º ano da 2.ª fase, tendo-se mantido esses valores, desde 1978. Hoje, ainda, os números são idênticos.
No ano de 1982-1983, no ensino oficial a nível preparatório, 24% dos alunos do 5.º ano de escolaridade e 19% dos alunos do 6.º ano reprovaram. Confirmam-se ainda hoje altas taxas de reprovação, a que se associam altas taxas de abandono. No ensino secundário, no ano lectivo de 1981-1982, e no ensino oficial, 36% dos alunos do 7.º ano de escolaridade, 34% do 8.º ano e 32% do 9.º ano reprovaram. Indicadores de rentabilidade com referência a situações de 1981 apontavam para que em média um diplomado leva cinco anos e meio a concluir um curso geral unificado constituído por três anos.
No 12.º ano, via de ensino, e com base nos elementos dos concursos gerais de acesso ao ensino superior de 1984 e 1985, estima-se que dos candidatos pela primeira vez em 1984, 56% foram colocados naquele ano e 22% no seguinte, sendo estes últimos obrigados a adiar por um ano a entrada no ensino superior oficial.
Não esgotei todos os indicadores disponíveis e oriundos de diversas fontes que nos elucidam sobre a situação do ensino em Portugal.
Alguma coisa ou bastantes coisas vão mal no ensino e tarda uma resposta eficaz e adequada de quem tem responsabilidades directas na prossecução e desenvolvimento das políticas de ensino no nosso país ...
A segunda ordem de questões prende-se com ó problema do primeiro emprego e do desemprego entre os jovens. Alguns indicadores apontam para que 50,6% do total de desempregados têm menos de 25 anos de idade, dos jovens desempregados até aos 25 anos 42,2% estão nessa situação há mais de um ano.
Quanto aos jovens que trabalham, o nível de escolaridade é extremamente baixo, o trabalho de menores tende a consolidar-se, há um aumento do trabalho do jovem sem contrato e a prazo e alarga-se a utilização do jovem como mão-de-obra barata e sem segurança.
É evidente que as iniciativas OTJ e OTL não resolvem os problemas na globalidade, a não ser temporária e parcelarmente, e, por outro lado, as verbas aplicadas na formação, muitas baseadas nos fundos provenientes do Fundo Social Europeu, não têm controle referenciado directo, na criação de emprego e apenas adiam e atenuam uma situação social extremamente complexa.
Tal como a educação, também o emprego é um dos mais pesados dramas que a juventude portuguesa enfrenta.
Finalmente, uma constatação de actualidade: a questão de delinquência juvenil, sendo um problema real - vide os números disponíveis sobre os jovens envolvidos -, a verdade é que o mesmo não tem sido encarado na sua plenitude, ou seja, na questão da penalização das infracções, no cumprimento e no local de cumprimento das penas, na situação escandalosa das prisões e na reinserção social.
Já no relatório da Comissão de Juventude, elaborado na sequência de uma visita ao Instituto de Reinserção Social, constatava-se que só muito parcialmente estavam preenchidos os quadros de pessoal respectivo, não estava desenvolvido o seu plano de implantação, detectando-se lacunas nas estruturas de coordenação e na criação dos núcleos de extensão e os meios financeiros eram insuficientes. A Comissão alertou, na sequência do conhecimento desta situação, para a necessidade de o Governo ter em maior atenção o sector da reinserção social.
No entanto, no respeitante a este ponto e também à globalidade da problemática da delinquência, não tem sido prosseguida uma política que ponha em funcionamento todos os dispositivos existentes e crie as condições para uma abordagem diferente de situações de delinquência entre os jovens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os casos de suicídio que são do nosso conhecimento são suficientemente dramáticos e falam por si. A sociedade no seu conjunto tem responsabilidades que não pode alijar.
Referi duas áreas de importância na problemática juvenil: a educação - porque nela reside em grande parte e com a família a formação integral do jovem; o emprego - porque é talvez de par com p problema do acesso às universidades o drama mais significativo dos jovens que desejam entrar na vida activa. Referi ainda a questão da reinserção social dos jovens delinquentes - sabendo-se que aumenta a delinquência e a toxicomania. É fundamental uma resposta adequada às questões colocadas da educação e do emprego, mas se o jovem chega às situações de marginalidade há que criar e dotar estruturas que, rapidamente, suscitem o acompanhamento devido dos jovens e o lançamento de condições de reinserção social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com frequência ouvimos falar da nossa juventude quase que dando a ideia - como o referem diversos responsáveis do Executivo- de que tudo vai bem.
Talvez não seja assim e se todos nós temos responsabilidades acrescidas para com os jovens, não é menos verdade que as políticas definidas nos diversos sectores do Executivo poderão ser em si esteios para o futuro melhor das novas gerações. Temo que, infelizmente, assim não seja.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Tavares.

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O Sr. António Tavares (PSD): - Sr. Deputado Miranda Calha, na intervenção que produziu, em que focou alguns aspectos que a Comissão Parlamentar de Juventude na última reunião teve oportunidade de abordar, referiu a necessidade da criação de estruturas para combater a delinquência juvenil - eu preferia chamar-lhe os comportamentos desviantes - a que neste momento assistimos na juventude portuguesa. Nestes termos, gostava de saber quais as soluções que o Sr. Deputado tem na «manga», porque ouvimos a crítica ao Executivo, mas não tivemos oportunidade de ouvir as soluções.
Talvez dentro em breve a Câmara tenha de ser chamada a tomar posição pública sobre alguns problemas que afectam os nossos jovens no dia-a-dia. Fala-se muito sobre as questões da delinquência juvenil, dos toxicómanos, etc. É quanto a esses aspectos que gostaria de conhecer a opinião do Sr. Deputado, ou seja, gostaria de saber se nos poderia adiantar alguma coisa, por exemplo, quanto a enventuais despenalizações das drogas leves e se a sua posição coincide ou não com a da juventude socialista.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Deputado António Tavares, V. Ex.ª não me colocou nenhuma pergunta em concreto e apenas perguntou se eu tinha medidas na «manga» para resolver este problema. Assim, muito simplesmente, devo dizer-lhe que era bom que o Governo a que o Sr. Deputado está ligado cumprisse o conjunto das medidas que apresentou no Programa do Governo aqui votado em 1985.
Sr. Deputado, abordei esta questão na sua globalidade e devo dizer-lhe que efectivamente se impõem medidas governamentais, mas penso que ela também deve merecer uma reflexão global por parte de todos nós, responsáveis em termos de preparação da nossa juventude. Isto não podemos escamotear nem esconder; antes temos de agir e em primeira instância -repito- caberá ao Governo tomar algumas iniciativas quanto a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos representantes dos grupos parlamentares para o facto de que são 16 horas e 30 minutos, hora que estava marcada para uma reunião da conferência de líderes. Portanto, convido o Sr. Vice-Presidente Marques Mendes para me substituir.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi assassinado mais um motorista de táxi: o décimo em dezoito meses. Chamava-se Jaime dos Santos e tinha 60 anos.
Por isso não venho hoje falar-vos dos problemas de remuneração, ou de segurança social ou de condições de trabalho dos taxistas. Venho falar-vos dos que sofrem na pele riscos inaceitáveis na profissão que assumem quando rolam pelas longas noites suburbanas da Musgueira, Moscavide, Boavista, Circunvalação e outras zonas perigosas.
Não basta que manifestemos todos o nosso pesar por mais esta morte.
Os órgãos de soberania estão hoje confrontados com esta pergunta incómoda: quantos motoristas de táxi é que têm de morrer em Portugal para que finalmente sejam adoptadas medidas que lhes garantam a segurança mínima? Repito: morreram dez; quantos mais vão ter de morrer? Creio que é indispensável que sejam desbloqueadas as medidas em estudo desde 1984, adormecidas nas gavetas da Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
Sabemos que as soluções aventadas, quer no tocante a dispositivos de segurança, quer no tocante a dispositivos de sinalização e alarme, quer quanto a estruturas de protecção e a mecanismos de prevenção, têm custos e apresentam dificuldades.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-nos urgente que sejam ponderadas essas dificuldades e esses custos. Estude o Governo e garanta incentivos e facilidades financeiras à instalação, por exemplo, de radiotelefones e outros meios de segurança, sejam adoptadas medidas para policiar mais e melhor as zonas consideradas das mais perigosas e que são conhecidas. Fixe-se, defina-se e execute-se, em diálogo com os interessados, um plano de segurança para os motoristas de táxi portugueses.
É assim e não através de leis antidemocráticas e liberticidas que se defende a segurança interna, a ordem pública e os interesses dos cidadãos.
É isto que o Grupo Parlamentar do PCP continuará a exigir do Governo. Mas ao manifestarmos o nosso pesar pela morte do motorista Jaime dos Santos, queremos afirmar também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa inteira disponibilidade para considerar as medidas que, no âmbito da própria Assembleia da República, possam contribuir para que se ponha fim definitivo a esta onda de assassinatos.

Aplausos do PCP e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Silva.

O Sr. Pinho Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constitui uma fatalidade cíclica para os agricultores portugueses, e nomeadamente para os produtores transmontanos, a comercialização da batata.
De um ano para o outro, a produção tanto aumenta e a batata apodrece por falta de escoamento como diminui, atingindo preços de fortuna e gerando lucros que não revertem para os produtores, antes são canalizados para a gigantesca cadeia de intermediários, obrigando à importação de várias toneladas deste tubérculo.
Esta facto, muito estranho, é fundamentalmente o reflexo triste da condição lusitana, que tarda em encontrar mecanismos estruturais mínimos que permitam o melhor aproveitamento das nossas capacidades.
A ausência de uma política agrícola permite que cada um lance empiricamente à terra o que a tradição lhe aconselhou, ignorando totalmente os universos envolventes.
Depois, afirma-se que os agricultores são teimosos e que fazem orelhas moucas aos conselhos dos técnicos.
E capaz de haver alguma verdade nestas afirmações, mas não é menos certo que os nossos agricultores não são, infelizmente, empresários que dominem a lei da oferta e da procura ou conheçam os mecanismos do crédito nacional ou estrangeiro, que não raras vezes é canalizado para fins bem diversos dos anunciados.

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As carências culturais da maior parte da população rural e a inexistência de uma acção pedagógica por parte do Ministério, a qual deve estar sempre subjacente a qualquer projecto dê mudança, restringe a capacidade legítima de defesa daqueles que trabalham a terra.
As mulheres e homens que se dedicam à produção da batata não entendem, e nós também não, como é possível importarem-se toneladas e toneladas para preencher o mercado nacional, quando bastaria a batata que a região do Alto Tâmega pode produzir para abastecer o País inteiro. Sabemos, e é legítimo, que quem teve de alimentar o gado com batata ou lançá-la à estrumeira se tente defender quando ela escasseia e o preço é mais convidativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este clima, em que os agricultores não sabem quanto. produzir, resulta numa indefinição permanente, que só agravará os problemas da nossa agricultura. Depois, justifica-se professoralmente, dizendo que o remédio é a importação.
Por que não intervém o Governo, proporcionando um preço de garantia à produção da batata, de forma a orientar e estimular os agricultores e assim reduzir a nossa dependência externa?
O PRD rejeita a teoria simples de que, quando há batata a mais, os agricultores que se desenrasquem, quando falta cá está o Governo para pôr as coisas na ordem através da importação.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 1987, que já leva corrido mais de um mês, foi designado como Ano Europeu do Ambiente - símbolo da importância que a Europa, continente superpovoado e altamente industrializado, dedica aos problemas do ambiente.
E foi já neste ano, numa coincidência simbólica, depois de vários processos legislativos falhados - e recordo que eu próprio participei, já em 1982, na discussão e aprovação na generalidade de alguns projectos sobre este tema -, que se procedeu finalmente à aprovação, em votação final global, de um texto referente à Lei de Bases do Ambiente.
E nesta votação final, o Grupo Parlamentar do CDS, que em 1982 e 1986 aprovara, na generalidade, diferentes projectos, de distintas proveniências partidárias, votou contra o texto final da Comissão, assumindo isolado os custos da coerência e da integridade de princípios, que não trocamos por qualquer popularidade fácil.
Talvez alguns alarmistas, mal informados ou pior intencionados, levantem o brado de escândalo e a suspeição de que o CDS é contra a defesa da qualidade do ambiente e a consequente responsabilização daqueles que o degradam.
Nada mais falso, porém.
A ideia liberal de que os valores ambientais são bens livres, à disposição de quem deles queira usar ou abusar, ou a tendência imediatista e especuladora de que os lucros fáceis de hoje compensam os prejuízos de longo prazo, possivelmente já transferidos para outros, são de todo o oposto dos princípios humanistas da democracia cristã, onde a justiça social e a responsabilidade para com as novas gerações não cedem a modas, pressões ou facilidades de ocasião.
Também não pensamos, naturalmente, que os valores ecológicos sejam intangíveis por si sós, que a qualidade do ambiente seja incompatível com o desenvolvimento económico e tecnológico, que todo o progresso científico seja mau, atitudes que representam, a nosso ver, um totalitarismo tão violento como o anterior. O CDS apoia uma política de defesa da qualidade do ambiente nas suas diferentes vertentes e sempre objectivada no homem e no seu bem-estar físico e psíquico. E apoia, naturalmente, a existência de uma lei de bases do ambiente, que dê enquadramento e alicerces jurídicos a essa política.
Mas crítica o articulado do texto aqui votado, como bem o demonstrou o Sr. Deputado Borges de Carvalho, na declaração de voto que proferiu em nome do nosso grupo parlamentar.
Recordo que, já em 1976, em circunstâncias imensamente mais difíceis e responsabilizantes, o CDS votou, isolado, contra a Constituição, não, evidentemente, por estar contra a existência de uma Constituição ou sequer de todos os artigos do texto votado, mas por entender que este estava enformado por princípios com os quais não concordava e eram descabidos numa lei fundamental.
Hoje, vemos que são outros partidos a reconhecer a validade dessa posição e até a levantar a bandeira da desideologização da Constituição, embora não nos possam retirar o valor da nossa coerência.
Ressalvadas as diferenças de escala, não estranharemos que, a médio prazo, ao implementar e desenvolver a Lei de Bases do Ambiente, há pouco aprovada, sejam os outros partidos a reconhecer as deficiências do texto e a propor a sua alteração.
Mas, da mesma fornia que aceitamos democraticamente a votação maioritária da Constituição e nela nos integramos, valorizando os aspectos que consideramos válidos e trabalhando, nos termos da lei, para a correcção daqueles com que discordamos, também relativamente à Lei de Bases do Ambiente, agora que a maioria da Câmara a aprovou, com o apoio expresso do Governo, através do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais, vamos trabalhar para que ela não seja uma mera declaração de intenções, vamos potenciar o que de bem ela tem e vamos exigir de todos, aos vários níveis de actuação, que haja uma coordenação de actuações, uma continuidade na acção e uma responsabilização efectiva dos agentes da degradação ambiental, sejam privados ou públicos.
Ora uma política efectiva do ambiente não passa apenas, nem sequer maioritariamente, pelas grandes acções publicitadas na comunicação social, sejam elas espectaculares, como as demolições na Arrábida e na serra da Estrela, ou de largo alcance científico, como a defesa e reserva de espécies e nichos ecológicos raros - e todos recordamos nomes como o parque do Geres, o sapal de Castro Marim ou o lince da serra da Malcata.
Mas mais importante, porque de âmbito territorial e incidência populacional mais vastos, é a defesa da qualidade do ambiente, em termos de vida humana, nomeadamente nas zonas onde, por maior concentração de pessoas e actividades, mais este é agredido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como deputado eleito pelo distrito de Aveiro, mais uma vez venho alertar esta Câmara para os problemas ambientais existentes na região, na sequência da intervenção de outros deputados, quer da minha bancada quer de outros partidos.

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E esta insistência e aparente repetição do tema deve--se a dois factores fundamentais: por um lado, ao ecossistema da ria de Aveiro, de grande valor e manifesta fragilidade, cuja degradação é patente; por outro lado, à grande densidade populacional e crescimento industrial, baseado em inúmeras pequenas e médias empresas disseminadas por vastas áreas do seu território.
Relativamente à ria de Aveiro e ao sistema de dunas e linhas de água associadas, que se estende da barrinha de Esmoriz, a norte, até à lagoa de Mira, a sul, o seu estado resume-se em três palavras: assoreamento, poluição e salinização.
Os braços mais longos e distantes da barra, finda que foi a actividade tradicional dos moliceiros, estão assoreados ao ponto de, nalguns sítios, já não permitirem a navegação local e de recreio. E a barrinha de Esmoriz, que conhecemos atractiva e acolhedora, está quase reduzida a um pântano mal-cheiroso, dano ambiental que se pode atribuir, por inteiro, à nossa geração, pois, por este andar, já nada teremos para legar aos que nos sucederem; e talvez se venha a ter de dizer o mesmo da, ainda hoje, encantadora pateira de Fermentelos.
A poluição, de origem industrial e urbana e também em parte derivada da química agrícola, destrói as possibilidades piscícolas e de atracção turística; e se, no pólo industrial de Estarreja, funciona já uma Comissão de Gestão do Ar, para o controle da poluição atmosférica e tomada de medidas, que esperamos que todos cumpram, ficam ainda os riscos de poluição das águas, em solos permeáveis e com alto lençol freático, e fica também o problema da segurança do tráfego rodoviário e ferroviário de matérias perigosas em zonas urbanas, na iminência de uma catástrofe humana ou ecológica.
A salinização das águas, que se agrava constantemente com as obras da barra e do porto comercial, atinge cada vez mais longe, destruindo os campos do Baixo Vouga, sem que a tão falada estrada-dique arranque ou se estudem e executem sistemas alternativos de protecção. Bem diz o povo que «o bom é inimigo do óptimo»; na procura de um «óptimo» mítico, elocu-brando no conforto dos seus gabinetes, ninguém avança no que seria pelo menos «bom» para os agricultores da região.
Criou-se um Gabinete da Ria e Baixo Vouga e esperava-se que dele saíssem os estudos e iniciativas para revitalizar a zona da ria, defendendo a sua qualidade ambiental e promovendo o seu aproveitamento económico, agora que ficaram ultrapassadas actividades tradicionais, como a recolha do moliço, a pesca artesanal e mesmo, provavelmente, a exploração salineira.
Mas poderiam ficar o turismo - com as condições ímpares de estar a cavaleiro entre mar e ria -, a piscicultura - no aproveitamento de um perímetro molhado infindo - e uma agricultura modernizada dos riquíssimos terrenos de aluvião envolventes; é para essas novas actividades que eu alerto o Gabinete da Ria, que poderia servir de elo de ligação entre as autarquias, interessadas mas com áreas e meios limitados de intervenção, e a administração central, demasiado distante para um empenhamento efectivo.
No Norte do distrito, por outro lado, depara-se com uma zona fortemente industrializada, onde proliferam pequenas empresas, fruto do esforço individual ou familiar em que a dimensão média já assume foros de gigante, mas a densidade supre as limitações de cada uma.
Nos sectores da cortiça, do calçado, das ferragens e metalurgia ligeira, do papel e de outros, com relevância para o vasto concelho de Santa Maria da Feira, desenvolve-se um processo cíclico e auto-sustentado, onde a população gera novas empresas, logo novos postos de trabalho, que atraem mais população.
Mas este dinamismo arrasta dois problemas capitais: um ambiente urbano que recria aspectos medievais, onde a fábrica está paredes meias com a habitação, quando não está na cave ou na garagem da própria casa; e um sistema infindo e denso de poços de abastecimento de água e fossas ou valas de esgoto que inquinaram todas as águas subterrâneas e superficiais da região.
Não se pode pôr em causa a validade económica e social das pequenas empresas. Mas a aplicação dos dispositivos legais sobre o licenciamento prévio e avaliação de impactes ambientais, tal como é prevista na Lei de Bases do Ambiente, apresenta profundas dificuldades ante a dimensão individual de cada agente, onde só o somatório adquire relevância.
Aqui há, claramente, um caso de necessidade de intervenção exterior, dinamizadora e coordenadora, como aliás foi reconhecido pelos dois últimos governos, relativamente aos problemas do saneamento básico, nomeadamente a adução das águas captadas no rio Douro, sua distribuição domiciliária e drenagem dos correspondentes esgotos, para o que foi aprovada uma resolução do Conselho de Ministros no Verão de 1985 e posteriormente atribuídas verbas da administração central e dos fundos comunitários.
Mas porque de uma situação de calamidade pública se tratava e se trata, com problemas sanitários que já revestiram características epidémicas, mais há que fazer e mais depressa há que actuar.
E, nomeadamente, há que evitar que se faça uma mera transferência da poluição e dos seus inconvenientes, assegurando a construção e funcionamento de estações de tratamento de águas residuais, devidamente adequadas e dimensionadas para o tipo de efluentes a tratar - misto de domésticos e industriais -, de forma a impedir que esses efluentes, através das bacias hidrográficas da zona, desaguem no rio Douro, fonte das próprias águas potáveis que aí se bebem, ou na ria de Aveiro, já tão maltratada e que merece melhor sorte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na superação destes problemas e na defesa dos valores de Aveiro e seu distrito, esperamos que todos os aveirenses congreguem os seus esforços acima das divisões de grupos ou estratégias.
O colóquio que, na passada semana, decorreu em Aveiro, por iniciativa da associação industrial local, poderá prefigurar a criação de um fórum para a discussão, em comum, dos anseios e interesses do distrito e o apoio às soluções a implantar.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Paulouro.

O Sr. António Paulouro (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação dramática dos mineiros da Panasqueira, aqui várias vezes referida, assume agora aspectos ainda mais graves.

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No passado dia 5 a BERALT (empresa concessionária) dirigiu ao Sr. Secretário de Estado do Emprego mais uma petição destinada a legalizar novos despedimentos. Assim: não se opor a que, dos 1000 trabalhadores que ainda restam, sejam despedidos, em três fases, 925, ficando 75 para serviços de guarda e manutenção.
Não sei, talvez além da empresa em causa ninguém saiba, se as razões invocadas são, rigorosamente verdadeiras. Admitamos que sim.
Algumas surpreendentes, como esta: «O consumo anual de concentrado de volfrâmio nos países da Comunidade Económica Europeia é duas vezes e meia superior à produção anual das Minas da Panasqueira (única mina em laboração na área da CEE), e apenas se consegue colocar nesse mercado 2497o da produção da empresa, por falta de adequados dispositivos preferenciais.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A angústia em que vivem, desde há anos, estes 1000 trabalhadores e suas famílias e muitos outros que da economia. mineira dependem, têm de ter, ao menos, a clarificação necessária acerca das medidas que o Governo pensa adoptar.
Cabe ao Ministério do Trabalho defender os trabalhadores, entre todos eles, principalmente os mineiros, os mais sacrificados, até agora entregues à boa vontade do seu sindicato pobre.
Cabe-lhe igualmente esclarecer as dúvidas que se acumulam sobre uma empresa que há décadas paga mal nos períodos fartos e despede quando, como agora, os preços do volfrâmio descem. Cabe ao Governo estudar as alternativas possíveis, pô-las em prática com coragem e inteligência. Cumprirá, assim e apenas, uma das suas obrigações essenciais.

Aplausos do PRD, do PCP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pereira Lopes.

O Sr. Pereira Lopes (PSD): - Sr. Deputado António Paulouro, ouvi com atenção a sua intervenção e, como deputado eleito pelo círculo de Castelo Branco, não posso deixar de, no essencial, estar de acordo com ela..
É evidente que é um motivo de forte preocupação a ameaça de despedimentos que se pretendem concretizar nas Minas da Panasqueira. Penso, contudo, que as responsabilidades não podem ser única e simplesmente assacadas ao Ministério do Trabalho.
Embora dizendo-lhe já que estou disposto a, com o Sr. Deputado e com outros, dar as mãos no sentido de evitarmos o pior - que serão - os despedimentos -, pergunto-lhe se acha correcta a afirmação que produziu de que é ao Ministério do Trabalho que, única e exclusivamente, compete defender os trabalhadores. Penso que é uma afirmação que tem implícita uma aceitação de um paternalismo exagerado por parte do Governo, por parte do Ministério do Trabalho.
Aceito que o Ministério do Trabalho deve estar atento; o que já não posso aceitar é que a defesa dos trabalhadores caiba única e exclusivamente ao Ministério do Trabalho.
Os trabalhadores têm as suas estruturas representativas e a essas, sim, cabe defendê-los de pleno direito.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Paulouro.

O Sr. António Paulouro (PRD): - Sr. Deputado Pereira Lopes, eu não disse que cabe exclusivamente ao Ministério do Trabalho defender os trabalhadores. Mas cabe principalmente ao Ministério do Trabalho, pelo poder que tem, pelas obrigações que assumiu, pelo respeito que deve à Constituição, defender os trabalhadores.
Quem melhor do que o Ministério do Trabalho pode defender os trabalhadores? Quem melhor do que o Ministério do Trabalho pode pôr aqueles 1000 trabalhadores, não digo em sossego, porque será muito difícil, mas, ao menos, dar-lhes alguma compreensão e sobretudo, como eu disse, esclarecer uma situação que até hoje não foi esclarecida?
Ultimamente, quem produziu as afirmações mais graves acerca dos trabalhadores das Minas da Panasqueira foi o Secretário de Estado da Indústria e Energia, Sr. Todo-Bom, que fez uma declaração desastrada, infeliz, que levou ao despedimento de 350 trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Pereira Lopes, Presidente da UGT e pessoa a quem muito prezo, certamente saberá disto e, no momento próprio, tomará as medidas necessárias para que esse assunto seja esclarecido, como pedi.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Notícias recentes em diversa imprensa vieram chamar a atenção para o facto de 1987 ser o ano em que se iniciam novos contratos de concessão de zonas de jogo, nomeadamente na Póvoa de Varzim, Espinho, Tróia e Vidago.
Mas se relativamente a Vidago a abertura de concurso público já foi publicada no Diário da República e se para Tróia tem sido afirmado que o concurso deve ser aberto até ao fim do mês, já o que se passa com a Póvoa de Varzim e Espinho levanta as mais sérias apreensões. É que, quanto a estes dois casos, tem sido afirmado que não irá haver concurso público, mas apenas negociações particulares com as actuais empresas concessionárias ou uma negociação directa por convite. Ora, a serem verdadeiras tais afirmações do Secretário de Estado do Turismo, Licinio Cunha, o jogo de milhões vai ser jogado com cartas viciadas. Exige-se, pois, um esclarecimento urgente desta situação.
Como é sabido, em Espinho quem há largos anos domina é a SOLVERDE, da família Violas, a quem o Conselho de Inspecção de Jogos, num relatório de 1981, acusava de «jogadas dilatórias» e «engenhosa manipulação dos valores contratuais». No entanto, foi-lhe prorrogada a concessão de jogo em Espinho e continuaram todos os apoios governamentais à sua actividade, mesmo com prejuízo das autarquias vizinhas, de que o exemplo mais escandaloso foi a execução recente do despacho de Junho de 1985 do ex-Ministro do Comércio e Turismo, Ferreira do Amaral, que expropriou, em processo de urgência, terrenos da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, atribuindo-lhes um preço muito inferior ao seu valor real. Nesses terrenos da zona da Granja está agora a SOLVERDE, no final

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do prazo que lhe fora estipulado, a iniciar a construção de um hotel. Mas da proposta aprovada pela autarquia gaiense, exigindo a obtenção de contrapartidas no direito de concessão da zona de jogo, nada se sabe. Tudo continua no maior dos silêncios.
Não pode continuar o proteccionismo e as benesses que têm sido concedidas à SOLVERDE, com prejuízo das populações e das autarquias de Espinho e de Vila Nova de Gaia. Como não podem continuar os favores à SOPETE, com prejuízo das autarquias e da população da Póvoa de Varzim.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É necessário estabelecer contrapartidas que tenham em conta o negócio de milhões que o jogo envolve. É preciso garantir que esses milhões contribuam, efectivamente, para o desenvolvimento local. Mas é igualmente necessário que o processo seja transparente e o jogo não seja viciado.
A abertura de concurso público para as concessões das zonas de jogo é o mínimo que se exige para a clarificação de todo o processo, para que haja um mínimo de seriedade e isenção na sua concessão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Defensor Moura.

O Sr. Defensor Moura (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No 3.º Encontro da Pastoral Social, realizado há alguns dias na Casa da Diocese de Viana do Castelo, foi denunciada a situação de autêntica miséria que se vive em muitas zonas do Alto Minho.
Os cerca de 200 participantes no encontro tiveram oportunidade de conhecer as várias vertentes da miséria que grassa no esquecido distrito de Viana do Castelo, afectando as famílias e os indivíduos, em especial jovens desempregados e os idosos, sem que as organizações de solidariedade social disponham de meios para lhes dar solução e sem que se adivinhem iniciativas dos organismos estatais capazes de as resolver em tempo oportuno.
A degradação das habitações, a desocupação e marginalização dos jovens, a solidão dos idosos e a fome qualitativa são apenas alguns dos aspectos da dramática situação de miséria que atinge numerosas famílias do Alto Minho, agora denunciados pelos responsáveis religiosos da região.
Sendo conhecido o esforço desenvolvido pelo Estado para resolver situações semelhantes, nomeadamente no distrito de Setúbal, não posso deixar de alertar esta Assembleia para os graves problemas que se vivem no distrito de Viana do Castelo, incentivando os organismos estatais a desencadear iniciativas que conduzam à sua resolução.
As organizações de solidariedade social, apesar do esforço que têm desenvolvido neste campo, são incapazes de dar solução a todas as situações que se lhes deparam, se o Estado não as apoiar adequadamente, assumindo a sua responsabilidade de promover o bem-estar das populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe ao poder central e aos seus representantes na região, auscultar as necessidades das populações e desenvolver iniciativas, especialmente no que se refere ao emprego e à Segurança Social, indispensáveis à correcção destas situações.
O Alto Minho não pode continuar a ser marginalizado das benesses governamentais, só porque está distante dos principais centros de decisão ou porque as suas populações têm menor capacidade de reivindicação.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Martins.

O Sr. Carlos Martins (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa intervenção tem por objectivo alertar esta Câmara para a destruição sistemática que se tem vindo a processar de um serviço de importância relevante para a colectividade, a dos serviços eléctricos; designação como são conhecidos desde 1927.
A chamada Lei Orgânica da Direcção-Geral de Energia - o recente Decreto-Lei n. º 522/86 - é um passo mais, e importante, de tal destruição.
Com a criação da EDP, em 1976, instalou-se, com foros de dogmatismo, uma crença segundo a qual os serviços eléctricos não tinham fundamento para manterem a influência que conheceram desde a sua origem.
Alguns aspectos parecem, especialmente, de focar.
Em primeiro lugar, o Estado demite-se progressivamente da sua função fiscalizadora e passa, em certa medida, 'a depender de uma grande empresa pública.
Na prática, visto que a designação da pessoas a deslocar para a Direcção-Geral de Energia é feita pelo Governo, assiste-se à partidarização de serviços que, nos termos da lei, devem exercer o controle sobre todas as entidades públicas e privadas do sector eléctrico.
O decreto-lei em causa retira aos serviços uma parte extremamente importante da sua tradicional área de jurisdição, a produção hidroeléctrica. Esta orientação contraria o princípio, que sempre vigorou, de haver uma só entidade a tutelar toda a rede eléctrica nacional. Como se isto não bastasse, o projecto não tem uma palavra para explicar a razão do procedimento e para informar qual a entidade que passa a tutelar a produção hidroeléctrica.
Estamos perante o fenómeno de disseminação da coisa eléctrica pelos diversos sectores da administração pública.
Um dos muitos problemas que esta disseminação cria é o do atendimento e apreciação das reclamações, inevitáveis no estabelecimento de instalações eléctricas, às vezes até antes das próprias instalações, como é o caso das indemnizações relacionadas com as albufeiras dos aproveitamentos hidroeléctricos, situação que está a acontecer com as indemnizações a atribuir em consequência da construção da central do Lindoso. No futuro, provavelmente, as diversas entidades chamadas a intervir procurarão o meio de atribuir a outrem a competência ou obrigação de resolver as dificuldades.
Esta indefinição, por princípio, é continuada pela indefinição resultante da má redacção do articulado. Para citar apenas um exemplo, confunde-se energia eléctrica com produto energético.
Estará também na mente dos actuais dirigentes que os estudos ou projectos no domínio da energia eléctrica sejam encomendados fora da Direcção-Geral da Energia?
Talvez, pois tal já começou a ser implementado com o projecto de decreto-lei regulador da autoprodução de energia eléctrica. Tal projecto não passa de uma tosca tradução da regulamentação espanhola, sem a menor

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preocupação de adaptação ao modelo legislativo nacional. Estas iniciativas tem em vista menosprezar a CORIEL - Comissão para o Estudo e Revisão dos Regulamentos de Segurança das Instalações Eléctricas?
Um ponto que não pode deixar de ser focado é o das tarifas de energia eléctrica. O novo diploma mete no mesmo saco o estudo dos preços do fuel, do carvão e da lenha e o estudo das tarifas de energia eléctrica. Quem assim procede não tem ideia da problemática da elaboração de tarifas de energia eléctrica.
É uma tentativa, parece que conseguida, para menosprezar a actividade tarifária. Vem a propósito recordar que a Portaria n.º 390/86, de 24 de Julho, elaborada sem a audição do serviço que tradicionalmente se ocupava das questões tarifárias, foi objecto de reclamação fundamentada logo após a sua publicação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aos serviços eléctricos, agora direcção, não têm estado a ser cometidas as funções que deveria desempenhar, p que tem acarretado prejuízos para a colectividade.
A Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos assistiu ao desenvolvimento do Pais e para ele contribuiu significativamente.
A energia eléctrica, porque é motor do progresso, não pára de crescer e a esse crescimento deve corresponder um engrandecimento dos respectivos órgãos orientadores do Estado.
O alargamento da produção de energia eléctrica a áreas não tradicionais, como a energia eólica - já uma realidade -, à energia proveniente dos lixos, possível a todo o momento, permitindo ao mesmo tempo resolver o problema grave dos lixos nas grandes cidades e o aproveitamento integral dos recursos hídricos, a partir do lançamento de uma política séria, realista e actual, são outras tantas questões a exigir actuações do tipo da ex-Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos.
Existem nos serviços quadros de carreira que devem ser correctamente utilizados e hierarquicamente colocados.
A nossa preocupação é grande em relação a toda está situação. Essa preocupação é acrescida pela lei orgânica agora publicada.
Continuaremos atentos ao evoluir da situação.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, passamos agora à apreciação de dois votos. Um deles, que deu entrada na Mesa antes do início da reunião, relativo à situação da cadeias portuguesas e um outro, que deu entrada no decorrer dos trabalhos, as 16 horas e 35 minutos, sobre a morte de um estudante.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Supunha, que existia consenso por parte dos vários grupos parlamentares, mas, como, o Sr. Deputado Guido Rodrigues pede a palavra, faça favor.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, damos o nosso acordo em relação a um dos votos. No que respeita ao voto sobre os reclusos, esse acordo não pode ser dado, uma vez que queremos ponderar melhor os termos em que ele se encontra formulado. Temos, aliás, nos termos regimentais, um requerimento no sentido de essa votação ser adiada, que, de seguida, faremos chegar à Mesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Certamente por desatenção, não foi perceptível para a nossa bancada qual a posição do PSD em relação a cada um dos votos e qual deles seria o objecto do adiamento pedido pelo PSD.
Se compreendemos bem, o que o PSD solicitava era que o voto sobre a situação prisional fosse adiado.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Exacto.

O Orador: - Ora, tivemos oportunidade de expor, no início da reunião, a urgência de que esse voto se reveste e o nosso interesse em que ele fosse votado ainda nesta sessão.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Faça favor.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado, lamento muito, mas temos de ponderar os termos em que o voto se encontra redigido - não só o seu preâmbulo, como o voto em si -, pelo que não podemos dar o nosso consenso para que seja votado hoje.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Verificamos que o PSD está a utilizar os seus direitos regimentais, mas é com grande mágoa que constatamos não ser possível que a Assembleia dê hoje resposta a uma questão tão importante como a suscitada nesse voto.
Quanto ao outro, logicamente que, sendo nós subscritores, se for entendido que estamos em condições de votar, pelo nosso lado votamo-lo já.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrou na Mesa um requerimento do seguinte teor:

Nos termos do artigo 76.º, n.º. 4, do Regimento, os deputados abaixo assinados requerem o adiamento para a próxima reunião do Plenário do voto apresentado hoje na Mesa relacionado com a situação no Estabelecimento Presional de Lisboa.

Este voto transita, portanto, para a próxima reunião, que terá lugar na quinta-feira.
Quanto ao outro voto - o n.º 44/IV -, ele já entrou no decurso da reunião e poder-se-á proceder à sua votação, se para isso houver consenso por parte de todos os grupos parlamentares.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente,, solicitava que a Mesa procedesse à leitura do voto que de seguida porá à votação.

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O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.

Foi lido. É o seguinte:

No passado dia 6 de Fevereiro, mais de 1000 estudantes do ensino secundário de Lisboa dirigiram-se à Assembleia da República a fim de manifestar o seu veemente repúdio pelo crime de que foi alvo o jovem estudante António Manuel Alves, de 16 anos de idade, assassinado no dia 30 de Janeiro por um graduado da Guarda Fiscal, em condições particularmente chocantes, face à gravidade dos factos.

A Assembleia da República:

1) Manifesta o seu profundo pesar pela morte do estudante António Manuel Alves e exprime à família e aos colegas as suas mais sinceras condolências;
2) Considera imprescindível a mais pronta efectivação da responsabilidade criminal, civil e disciplinar aplicável;
3) Pronuncia-se pela adopção urgente, no âmbito das forças de segurança, de medidas preventivas com vista a acautelar o cumprimento das disposições legais quanto ao uso de armas de fogo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, como primeiros subscritores, gostaríamos de fazer a apresentação do voto.
Pedia que o Sr. Deputado Jorge Patrício o pudesse fazer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Fomos alertados, na passada sexta-feira, por uma delegação de jovens, que tiveram oportunidade de se manifestar em frente do Palácio de São Bento, para um acontecimento trágico que nos preocupa bastante e que, no nosso entendimento, impõe a adopção das medidas necessárias para que situações desta gravidade não possam voltar a acontecer no nosso país.
Foi morto um jovem de 16 anos por uma autoridade policial - ao que sabemos, sem qualquer justificação para isso -, sendo para nós bastante preocupante que qualquer cidadão (particularmente jovens indefesos) possa ser alvejado por agentes da autoridade.
Nestes termos, entendemos por bem apresentar este voto, não só com o objectivo de nos solidarizarmos com a família e os colegas deste estudante que viveram (e vivem) o desaparecimento deste seu ente querido, mas sobretudo para alertar a opinião pública e, antes de mais, para alertar as autoridades para que tomem as medidas necessárias - e que urgem ser tomadas rapidamente -, para que situações de que esta é mais um exemplo deixem de existir em Portugal.
É este o nosso objectivo ao apresentar este voto e supomos que ele irá ter o acolhimento devido por parte de todos os Srs. Deputados e de todos os grupos parlamentares aqui presentes, por forma a manifestarem esta sua vontade veemente de tomar medidas face a situações destas.
Os jovens são mortos. Isto não pode acontecer, e é exactamente por esse motivo que tomámos esta iniciativa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não existem mais inscrições. Vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Srs. Deputados Independentes Rui Oliveira Costa, Gonçalo Ribeiro Telles, Maria Santos e Borges de Carvalho.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à ordem do dia, de que consta a discussão do projecto de lei n.º 216/IV, da iniciativa do Partido Comunista Português, sobre as condições e o processo a que deve obedecer a criação da rede nacional de abate.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Queria apenas solicitar ao Sr. Presidente uma pequena interrupção, uma vez que a intervenção está a acabar de ser dactilografada para ser trazida ao Plenário.

O Sr. Presidente: - Está concedido, Sr. Deputado.
Enquanto se concede este breve espaço de tempo, iríamos proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos. Agradecia ao Sr. Secretário que fizesse o favor de o ler.

Foi lido. É o seguinte:

Em reunião realizada no dia 10 de Fevereiro de 1987, pelas 16 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Miguel Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral de Leiria), por Francisco Manuel de Menezes Falcão. Esta substituição é pedida nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 10 de Fevereiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

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Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - José Maria Peixoto Coutinho (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Manuel Luís (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Jaime Manuel Coutinho Ramos (PRD) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Vasco da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP).

Está em discussão, Srs. Deputados.
Não havendo inscrições, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Srs. Deputados Independentes Rui Oliveira Costa, Gonçalo Ribeiro Telles, Maria Santos e Borges de Carvalho.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Pergunto ao Sr. Presidente, tendo em conta que são 17 horas e 15 minutos, se não poderíamos antecipar o intervalo, recomeçando um pouco mais cedo a sessão já em condições materiais para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está então encerrada a sessão para o intervalo regimental.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Para uma intervenção, de apresentação do projecto de lei n.º 216/1V - Rede nacional de abate, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que- deveria também dizer Srs. Membros do Governo, mas, como este não está presente, julgo ser importante registar que, em matéria desta importância para o sector agrícola, o Governo prima pela sua ausência.
O projecto de lei n. º 216/IV, do PCP, que visa definir as condições e o processo a que deve obedecer a criação da rede nacional de abate, coloca esta Assembleia perante duas opções: ou opta por uma clara definição quanto à natureza, orientação e estruturação da rede nacional de abate, que proteja os legítimos direitos dos produtores, consumidores e comerciantes e que garanta a própria viabilidade da rede nacional de abate e dos investimentos nela envolvidos - e é isto que o projecto de lei em apreço pretende garantir -, ou opta pela legislação em vigor e pela rede nacional de abate que vem, ao seu abrigo, sendo implementada pelo Governo, inviabilizando assim a produção pecuária em vastas zonas do continente, condicionando o próprio consumo nas regiões interiores e condenando à falência a própria rede nacional de abate.
Importa, entretanto e desde já, para que os objectivos do projecto de lei e este debate não sejam desvirtuados, deixar bem claro que nem pretendemos pôr em causa a existência de uma rede nacional de abate, nem tão-pouco pretendemos promover a reabertura de matadouros que não garantam as condições hígio-sanitárias indispensáveis para preservar a saúde pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quem afirme o contrário está a fazer um juízo de intenção que é de sua inteira responsabilidade e que não corresponde à verdade.
Posta a questão nos seus devidos termos, passemos aos factos.
Em primeiro lugar, importa analisar a natureza da rede nacional de abate que o Governo pretende implementar: 30 matadouros para 251 concelhos, o que corresponde a uma média superior a um matadouro para cada oito concelhos; um matadouro. para cada 3000 km2 em média, verificando-se, em mais de 20% dos casos, que este valor médio é largamente ultrapassado, situando-se entre os 4500 km2 e 7000 km2, e mais que quintuplicando no caso do matadouro de Beja. De realçar que estes pouco mais de 20% dos matadouros da rede nacional de abate serviriam cerca de 60% da superfície total do continente.
Ora, tendo em consideração a estrutura produtiva, a rede viária e as suas características e as próprias estruturas do abastecimento e consumo públicos, não se poderá negar que estamos perante uma estratégia de elevada concentração dos abates, cujos reflexos se farão sentir, inevitavelmente, ao nível das economias da produção e do abate, do comércio e do consumo. Vejamos em que medida.
Da concentração regional dos abates resultará o alargamento substancial das distâncias entre a produção e o abate, factor tão mais importante quanto é certo que parte substancia] da produção retornará, após o abate, às zonas de origem. No caso dos bovinos, mais de 40% das zonas produtoras retêm toda a produção e,- no caso dos ovinos e caprinos, esta percentagem sobe acima dos 50%. Em contrapartida, só cerca de 20% das zonas ou regiões produtoras revela uma percentagem de exportação significativa.
Nestas circunstâncias, criar-se-ão custos diferenciais inerentes ao transporte dos gados, cuja amplitude poderá variar na proporção de 1 para 300, ninguém ignorando os seus reflexos na formação dos preços.
Como é evidente, estes custos a serem imputados à produção remeterão, progressiva e inevitavelmente, vastas zonas produtoras para a condição de marginais, onde a produção se tornará economicamente inviável. Inviabilidade que persistirá se, pretendendo-se defender administrativamente o preço na produção, se reduzir a margem de comercialização dos comerciantes. Neste caso, a inviabilidade resultará do desinteresse da procura, a qual optará pelas carcaças lançadas no mercado, sejam estas de origem nacional ou comunitária (não esquecer que a produção nacional vai ter de se confrontar com a concorrência resultante da livre circulação). Resta, em alternativa, que os preços de garantia ao produtor sejam considerados como «à porta do

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matadouro», embora pagos na concentração junto à produção. Nestas condições, os custos diferenciais serão suportados por todos os intervenientes no mercado.
É esta a solução que advogamos ao propormos a constituição, em simultâneo com a rede de abate, de uma rede nacional de parques de concentração de gado para abate - sem prejuízo de as suas funções se poderem alargar à função de recolha de animais para recria. Estes parques, directamente ligados aos matadouros regionais e ao organismo de intervenção, seriam o garante dos preços ao produtor e do escoamento da produção, passando logicamente os matadouros a comercializar as carcaças e derivados.
Mas a viabilidade deste sistema estará inevitavelmente dependente das economias de escala (infra-estruturas, amortização dos equipamentos, custo dos transportes, energia, etc.) e da garantia de que a produção participará e beneficiará directamente de todas as mais-valias entre a produção e o mercado retalhista ou até mesmo entre aquela e o consumidor. E aqui pesa sobretudo a orientação e estruturação a dar à rede nacional de abate.
Quais os conceitos adquiridos pelo Governo em relação a esta rede? Comecemos pelas exigências de ordem técnica e sanitária.
Em relação à situação actual, prevê-se que, em 1987, ainda estarão em funcionamento 96 matadouros oficiais e 136 matadouros privados. Destes, só cinco e dezasseis, respectivamente, foram considerados como estando em condições de se ajustarem às exigências do Decreto-Lei n.º 304/84, embora carecendo ainda de melhoramentos.
Eu noto algumas dúvidas e devo dizer que estes são dados rigorosos da própria Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Dos restantes, só catorze matadouros oficiais e 42 matadouros privados são admitidos como recuperáveis mediante grandes alterações.
Temos assim que só 20% dos matadouros oficiais ainda em funcionamento e 40 % dos privados em laboração poderão vir a subsistir, sendo certo que, mesmo destes, cerca de 70% estão dependentes da capacidade de realizar e rentabilizar os investimentos exigidos.
Lógico, pois, que se questione se o problema reside unicamente nas condições técnicas e sanitárias dos matadouros existentes. Diremos que também, mas não só...
É que, efectivamente, as exigências do Decreto-Lei n. º 304/84 são excessivas. De tal modo excessivas que comprometerão, inevitavelmente, a própria capacidade concorrencial da nossa produção em relação à produção comunitária.
E atenção, que quando dizemos que as exigências técnicas e sanitárias são excessivas, dizemo-lo não apenas em termos económicos, mas também em termos da própria racionalidade técnica e sanitária, seja esta apreciação feita em termos absolutos seja por comparação com as exigências comunitárias, para quem tanto costuma falar e reivindicá-las.
A este respeito, aliás, vejamos alguns aspectos suficientemente elucidativos.
O Decreto-Lei n. º 304/84 exige uma linha de abate e visceração para cada espécie. No entanto, na Comunidade estão generalizados e aprovados, mesmo para exportação, matadouros com linhas de abate e visceração comuns. Mas, pasme-se, esta exigência nacional acaba por ser aplicada com dois pesos e duas medidas.
A título de exemplo, refira-se o caso do matadouro de Pedrógão, projectado com uma capacidade de laboração de 2000 t/ano, distribuída por três linhas de abate de doze bovinos/hora, 60 suínos/hora e 180 ovinos e caprinos/hora. Em função do potencial de abate da região e do consumo, estima-se que o tempo de ocupação das linhas de abate não exceda globalmente, no seu conjunto, as três horas por dia (0,4 horas para os bovinos, l,2 horas para os suínos e 1,1 horas para os ovinos e caprinos).
A Câmara Municipal, apercebendo-se que, nestas condições, o investimento é pura e simplesmente inviável, solicitou autorização para uma única linha de abate. Ora, a Direcção-Geral da Pecuária não só não autorizou, como, ainda por cima, deu como justificação que «o operário português não se encontra preparado para fazer uma desinfecção como deve ser». Como diria o outro: é incrível! É mesmo do outro mundo! E, a propósito, quem falou de retornarmos ao Terceiro Mundo?!
Mas, retomando a questão, acontece que a mesma Direcção-Geral da Pecuária, que não autoriza a linha de abate comum para o matadouro de Pedrógão, autoriza-a para a CONSAL e a UNIAGRI e, pior, autoriza-a no caso de novos matadouros privados, como acontece para Viana do Alentejo; será preciso dizer nomes? Se for preciso, também se dizem!
E aqui se coloca também a questão dos critérios e da transparência de processos. Questão que se pode estender, e ainda a título de exemplo, a um outro tipo de exigências injustificadas, mas que, e talvez por isso mesmo, propiciam o arbítrio e, porventura, mais que isso... Vejamos: A DGP impõe uma distância mínima de 30 m entre o sector sujo e o limite da área do matadouro (vedação). Nesta conformidade, tem rejeitado projectos, como aconteceu para Marco de Canaveses, Carvalhos e Santa Maria da Feira. No entanto - e lá vêm os dois pesos e as duas medidas -, aprova, em idêntica situação de não cumprimento daquela distância, novos matadouros ou a ampliação e remodelação de outros, como acontece, por exemplo, em relação ao matadouro dos Nobre.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - São os amigos...!

O Orador: - Mas, enfim, pondo de parte a questão das bitolas (embora não as omitindo), o excesso de exigências acaba por assentar num pressuposto de todo em todo inaceitável: o de que a sanidade começa nos matadouros e não nas explorações pecuárias, na circulação dos animais (não esquecer aqui o contrabando de gado doente, a ineficácia, o arbítrio e a corrupção ligadas às guias de circulação de gado) e na inspecção sanitária antes do abate. A isto se chama pura inversão das normas e das regras!
E não admira que assim seja. Os veterinários são, em grande parte dos casos, obrigados a acumular as actividades de médico veterinário municipal, subdelegado da JNPP e de inspecção nos matadouros, para já não falar da actividade privada que surge por acréscimo.
De onde a cobertura sanitária não é eficaz, como ineficazes são todas as outras actividades.
Ainda a este propósito, importa ter presente que, em 1971, o Decreto-Lei n.º 237/71 criou o «Corpo de Inspectores Sanitários» que a DGP, ao fim de todos estes anos, ainda não implementou. No entanto, a verdade

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é que, se a inspecção fosse feita aos animais para abate ainda em vivo, a maioria das exigências técnicas e sanitárias não tinha qualquer razão de ser e a aprovação nas linhas de abate situar-se-ia largamente acima dos 90%. O que se passa é que a grande maioria das inspecções só se realiza muitas horas após o abate, já com as próprias miudezas preparadas. E cabe perguntar: quem fala de saúde pública?
Mas, ainda em termos de critérios e transparência que envolvem a implementação da rede nacional de abate do Governo, atente-se em mais dois casos.
Após contrato para prestação de serviço a terceiros com o matadouro dos Nobre, a findar com a entrada em funcionamento do matadouro regional, para viabilizar a obtenção de uns largos milhares de contos do FEOGA, destinados à ampliação daquele matadouro, foi-lhe atribuída nova área de prestação de serviços (pela «candonga»), que não contempla sequer Rio Maior, onde o matadouro está instalado, mas que abrangerá Caldas da Rainha, Óbidos e Peniche. Assim sendo, como vai ser em relação ao previsto matadouro regional do Bombarral?
Outro caso respeita a Setúbal. O matadouro em funcionamento, segundo as exigências legais, não serve. O único matadouro regional já implementado destina-se apenas ao abate de suínos. Como será, pois, para as outras espécies (bovinos, ovinos e caprinos)? A resposta parece já estar a ser dada: um novo matadouro a instalar no Montijo, já aprovado pela DGP e enviado para Bruxelas, correspondente a um volume de investimento superior a 700 000 contos. Não se dedicando - porque dela se trata - a indústria Isidoro à transformação de carnes de bovino, ovino e caprino, e não podendo, pelo menos de acordo com a lei, vir a prestar serviços de abate a terceiros, o matadouro projectado para estas espécies apenas se pode entender com a garantia de que será integrado, por contrato, na rede nacional de abate, substituindo o matadouro de Setúbal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Independentemente da própria filosofia subjacente à rede nacional de abate do Governo e para os que parecem reconhecer nela um manancial de virtualidades que nos projectarão para fora do Terceiro Mundo, vejamos algumas características da sua estruturação e que decorrem dos critérios técnicos, sanitários e de regionalização.
Primeiramente, a rede nacional de abate projectada terá uma capacidade instalada de abate na ordem das 223 000 t, contra um potencial de abate de 131 300 t, a nível do continente. Ou seja: a capacidade instalada excederá em cerca de 70% o contingente da produção nacional disponível para o abate. Nestas condições, poder-se-á ignorar a questão da própria viabilidade da rede nacional adoptada pelo Governo?
Em segundo lugar, cerca de um quarto dos matadouros da rede nacional de abate, mesmo que viesse a funcionar com uma única linha de abate, não atingirá sequer as quatro horas diárias de laboração. Nestas condições, poder-se-á ignorar a questão da viabilidade da rede nacional de abate?
Em terceiro lugar, mais de 80% das linhas de abate de bovinos, ovinos e caprinos são economicamente inviáveis, face ao tempo de actividade diária prevista em função do potencial de abate.
Apenas a título de exemplo: matadouro MAPI-NORTE: bovinos, l hora diária; suínos, 0,8 horas diárias; ovinos e caprinos, 0,1 horas diárias'; total - 1,9 horas/dia. Matadouro UNIAGRI: bovinos, 1,2 horas diárias; suínos, 0,7 horas diárias; ovinos e caprinos, 2 horas diárias; total - 3,9 horas/dia. Matadouro de Vila Nova de Famalicão: bovinos, 2,8 horas diárias; suínos, 2,1 horas diárias; ovinos e caprinos, 0,9 horas diárias... e poderia continuar o relatório, se o tempo o permitisse.
Nestas condições - volto a perguntar - poder-se-á ignorar a questão da viabilidade da própria rede nacional de abate?
Quem vai, Sr. Presidente e Srs. Deputados, suportar os custos de uma rede de abate condenada, desde logo, à falência? Serão os sucessivos aumentos das taxas de abate, que acabarão por recair sempre sobre os produtores e inviabilizarão a própria economia da produção?!
Como é possível, nestas condições, levar a produção a participar no capital social destes matadouros? Quem assume a responsabilidade de aliciar os produtores a suicidarem-se economicamente? Como se constituirá o capital social destes matadouros se a produção não se interessar neles, quer por descapitalização, quer por não reconhecerem neles qualquer função de utilidade e lugar?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não só nós pretendemos pôr em causa a existência de uma rede nacional de abate, como a defendemos. Mas não é esta rede que o Governo propõe que serve os interesses do País, numa perspectiva de desenvolvimento social, económico e técnico e de salvaguarda da produção nacional. E, diríamos mais, se não for suspensa a lei, as consequências poderão ser totalmente irreparáveis. Pensámos que a rede nacional de abate deve ter duas componentes em termos de matadouros: os matadouros concelhios (que de acordo com a dimensão dos concelhos, do seu potencial de abate, da rede viária, poderão, em certos casos, agrupar mais do que um concelho) e os matadouros de âmbito regional.
Os primeiros, pensamos que deverão destinar-se a efectuar os abates que se destinam unicamente a ser consumidos nos próprios concelhos, não podendo exportar a carne para fora do concelho ou dos concelhos que sirvam.
Os segundos, os matadouros regionais, destinar-se-ão a abater os excedentes concelhios e destinar-se-ão a regularizar o abastecimento a nível nacional e a proceder à exportação para os mercados exteriores, designadamente o comunitário, quando para tal existam condições. Neste contexto, logicamente, o número dos matadouros regionais deveria ser reduzido e a sua implantação e capacidade instaladas teriam de ser adequadas, como é óbvio, à esta situação.
Não se trata de uma proposta original esta que fazemos, ela assenta em experiências da própria Comunidade e em países que cometeram erros semelhantes aos que se estão a cometer agora entre nós e que esperemos não persistam. Tiveram de arrepiar caminho e pagaram caro. Seria incompreensível e inadmissível que viéssemos a ter de pagar erros previamente reconhecidos.
E sempre direi que aqueles países não são propriamente terceiro mundistas. A França, por exemplo, será incluída em tal bloco por aqueles que consideram o nosso projecto próprio do Terceiro Mundo?

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que apresentámos recolheu o apoio expresso da generalidade dos agricultores e de mais de 80% da autarquias do País. Duas razões estarão na base de tal apoio: o elevado número dos que estão contra o projecto da rede nacional de abate do Governo e o elevado número dos que reconheceram no nosso projecto de lei a abertura à definição e implantação de uma rede nacional de abate que sirva os interesses do País, que salvaguarde os interesse dos produtores e dos consumidores e que garanta a actuação do comércio sem lhe provocar estrangulamentos.
Também terá havido quem visse na nossa iniciativa um acto de oportunismo. É falso e profundamente injusto.
Estudámos profundamente a situação e avançámos a fundamentação das nossas críticas e propostas. Esperemos que outros possam fazer o mesmo, com rigor e com conhecimento dos factos.
Tentámos ser oportunos, isso sim, e fomos, com certeza, profundamente coerentes com a visão que temos dos problemas e a vontade de querer construir um futuro bem melhor para a nossa agricultura e para o nosso país.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Rogério de Brito os Srs. Deputados Álvaro Figueiredo e Luís Rodrigues. Porém, como o Sr. Deputado Rogério de Brito esgotou todo o tempo do seu grupo parlamentar, a Mesa irá ter alguma benevolência e conceder-lhe dois minutos para responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Figueiredo.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Sr. Deputado Rogério de Brito, a rede nacional de abate foi criada, ao que suponho, em 1979. Ao abrigo da disposição que a criou - salvo erro, a Resolução n. º 256/79 -, até Março de 1986, foram fechados 133 matadouros municipais. Após essa data, apenas 33, ao que julgo, tiveram esse mesmo destino. Por que é que só agora - e lembro ao Sr. Deputado que estamos em 1987 - o PCP, pela voz de V. Ex.ª, se alarma com a situação e vem pedir a abertura de mais alguns matadouros municipais, alegando demasiada concentração de abate num reduzido número de matadouros?
Uma segunda pergunta que gostaria de lhe fazer seria a seguinte: face à posição assumida por V. Ex.ª da necessidade de mais matadouros abertos, se não houver, numa rede alargada do País, matadouros em boas condições sanitárias, como se poderão fazer as intervenções suportadas pelo FEOGA-Garantia?
Gostaria de fazer ainda uma terceira pergunta a V. Ex.ª.
V. Ex.ª preconiza o alargamento a quase todos os concelhos de matadouros municipais? Assim sendo, como compatibiliza o Sr. Deputado essa situação com o necessário rigor da respectiva inspecção sanitária?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues.

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Rogério de Brito, gostaria de dizer que partilho das muitas preocupações que o senhor aqui trouxe, mormente as que dizem respeito à distância entre a produção e o abate, que trazem diversos problemas e muitas vezes o acréscimo do custo da carne no acto do pagamento.
No entanto, também queria fazer lembrar que, de qualquer forma, a rede nacional de abate, criada pelo Decreto-Lei n.º 304/84, ainda está em vias de implementação e desenvolvimento e o Sr. Deputado trouxe aqui algumas críticas, mas não reconheceu os aspectos mais benéficos da implementação da rede nacional de abate criada por este decreto-lei.
Começou o Sr. Deputado por dizer que não era interesse do Grupo Parlamentar do Partido Comunista reabrir os matadouros encerrados, com a implementação deste dispositivo da rede nacional de abate e nem tão-pouco abrir os matadouros que não ofereçam condições hígio-sanitárias convenientes, assim, perguntar-lhe-ia como é que compatibiliza o início da sua intervenção com o disposto no artigo 5.º do projecto de lei do grupo parlamentar de que o senhor é o primeiro subscritor e que diz muito simplesmente, «... é suspensa a aplicação do Decreto-Lei n. º 304/84, no que respeita aos matadouros de serviço público em funcionamento à data de 23 de Outubro de 1985, os quais manterão ou retomarão a sua actividade».
A segunda questão - e obviamente que presumo qual será a resposta que o Sr. Deputado irá dar - refere-se à excessiva estatização que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista apresenta quando diz que os matadouros deverão ser património da Junta Nacional dos Produtos Pecuários ou, num projecto um pouco mais arrojado, deverão apresentar uma situação de capital misto, em que as autarquias e os produtores sejam maioritários nos matadouros.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado Álvaro de Figueiredo, foi o Sr. Deputado que me colocou as questões não foi?

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Julgo que sim, julgo que sim!

O Orador: - Em primeiro lugar, aquilo que referi não foi a questão dos matadouros que já foram fechados. Sobre essa questão apenas poderia pôr em equação o porquê de terem sido fechados matadouros com condições idênticas ou melhores que outros que se mantiveram abertos. Para quem tenha dúvidas, dado que fica próximo para irem confirmar, poderia dar como exemplo o seguinte: o matadouro de António Fernando Dias Cunha, em Sobral de Montagraço, foi fechado e em idêntica situação, ou pior, manteve-se aberto um outro que é da Sociedade das Carnes de Sapataria. Isto é só um exemplo, mas poderia dar outros!
Poderia pôr em questão o caso dos matadouros fechados, mas não o faço. O que ponho em questão é isto: é que de todos os matadouros ainda hoje em laboração, apenas uma pequeníssima percentagem é considerada como estando em condições. Ora, aquilo que eu disse foi que poderão ser imputadas razões de ordem hígio-sanitaria para o encerramento destes matadouros, mas não são apenas essas. E quando digo que não são apenas essas é porque as regras que definem as condições em que os matadouros podem funcionar ou encerrar são extraordinariamente excessivas em relação, repito, às leis vigentes na própria Comunidade.

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Dei o exemplo da obrigação de existência de uma linha de abate por espécie, o que condena à partida mais de 80% dos matadouros que vão constituir a rede nacional de abate. Ora, isto não é possível, é uma perfeita loucura, e o que pergunto é se estamos aqui para manter uma rede nacional de abate que está condenada, logo à partida, à falência. É esta a questão! ...
Em relação à questão de porque é que só agora o PCP se alarma com a situação, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que o alarme vem quando, no decurso da própria experiência dos factos que vão sendo adquiridos, se encontram motivações e razões para nos alarmarmos, como é evidente.
Dei aqui toda uma série de exemplos que, logicamente, não lhe poderia ter dado aqui há uns meses atrás, porque eram aspectos que só agora foram constatados. Por exemplo, a falta de transparência numa série de esquemas, a cedência de áreas de exploração a matadouros privados, a susbtituição de um matadouro regional por um outro matadouro privado que entra pela porta do FEOGA e muitos mais outros casos.
Digo-lhe sinceramente que não dispunha, até esta altura, destes dados. Aliás, não se esqueça que a rede nacional só foi estruturada tal como está em Maio de 1986 e, portanto, só a partir dessa altura é que era possível fazer o estudo. E, Sr. Deputado, mais do que se preocupar com tentar contrapor as suas razões às minhas, peco-lhe que efectivamente estude matadouro a matadouro, região a região, relativamente aos potenciais de abate, aos potenciais de consumo, à capacidade instalada e depois me diga se vamos ou não caminhar para a falência da própria rede nacional de abate. Na verdade, à partida parece-me que estamos nós muito mais preocupados em defendê-la do que os senhores, porque pelo menos não queremos a sua falência, o que terá repercussões gravíssimas para os agricultores e para a economia deste país.
Preconizo o alargamento da rede a matadouros municipais, é evidente que sim, Sr. Deputado. Se referi aqui o exemplo de que 20% dos matadouros vão servir 60% da superfície total do continente e exactamente esta zona é a mais desfavorecida, a mais subdesenvolvida, como quer o Sr. Deputado que esta forma de concentração não se constitua como um factor limitativo ao próprio desenvolvimento da produção e à sua viabilidade?!

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Antes pelo contrário!

O Orador: - Mais; como quer o Sr. Deputado que animais que vão ter de suportar custos de transporte que chegam a atingir aos 200 km...
Sr. Deputado, é preciso não saber quais são os custos dos transportes hoje em dia ... são 200 km de ida e outros tantos de retorno para satisfazer o abastecimento local, regional, o que não é comportável!

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Não, não!

O Orador: - Sr. Deputado, em vez de dizer que não, agradecia que então dissesse porque é que não.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Julgo que acabou agora de afirmar que o problema dos transportes incidia também no regresso depois do abate.

O Orador: - No caso em que se destina ao abastecimento das próprias zonas de origem ...

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Queria só esclarecer o Sr. Deputado de que o abastecimento de carne depois do abate é assegurado, no seu transporte, pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários a um custo unitário de 3$50 por quilo, independentemente da distância. Portanto, tanto faz percorrer 1 km como 200 km.

O Orador: - Olhe Sr. Deputado, coloque 3$50 por quilo, junte-lhe a despesa da deslocação dos tais 200 km da produção ao local de abate ...

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Não, não!

O Orador: - Não, eu coloquei-lhe estas duas componentes, a ida e o retorno, e são as duas que têm de ser avaliadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lamento muito, mas o tempo do Sr. Deputado já se esgotou.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, pondo só mais esta questão.
Fico espantado como é que, efectivamente, causa tanta aflição a perspectiva de sé reduzir o número de matadouros da rede regional ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo. Conclua só o seu pensamento e nada mais, se faz favor.

O Orador: - ... conferindo-lhes, a viabilidade que com a actual estrutura não tem?! Como é que isto causa tantas comichões?! Não consigo entender, sobretudo, quando temos o exemplo de outros países onde isto pretendeu ser feito, quando sabemos que, por exemplo, em França, quando a produção ficou privada de matadouros a nível concelhio acabou por entrar nas matanças clandestinas, nos matadouros privados que nem sequer estavam autorizados a realizar os abates para terceiros!
Bom, isto é o que vai acontecer no nosso país. É esta a opção que tomamos? Assuma a responsabilidade quem a quiser assumir ...
Não tenho possibilidade de continuar, mas diria tão-somente que efectivamente não queremos. uma rede estatizante nem sequer preconizamos isso. O que dizemos é que o capital social deve ser maioritariamente constituído pelos agricultores, pelas autarquias e pela Junta ou pelo organismo que a substituir. E digo-lhe porquê, Sr. Deputado: é para salvaguardar que, efectivamente ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lamento imenso, mas já não dispõe de tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

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O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que se faça uma abordagem séria da problemática do abate, temos seguramente de deixar de olhar para trás, para tempos tão recuados que teríamos de novo a matança colectiva à volta da fogueira, ou mesmo para épocas já bem próximas, em que apesar de alçada do Estado, a proliferação de matadouros que não passavam de casas de abate sem o mínimo de condições era uma constante. O nosso espaço económico foi alargado, a competitividade aumentou assustadoramente, os hábitos alimentares começam a sofrer grandes transformações, aliados a uma nova mentalidade, a um maior aproveitamento dos tempos livres, que obrigam a novos produtos, praticamente já confeccionados, o que não pode deixar de traduzir-se numa entrada em funcionamento de novas tecnologias a par de uma mão-de-obra especializada.
Não podendo como é evidente ficar de parte, ou deixar de serem respeitadas as condições de produção e a procura da dimensão adequada, dentro da racionalidade das nossas possibilidades.
O Estado tem de procurar o equilíbrio entre a produção e o consumo e actuar com veemência perante aqueles que tentam, a todo o custo, emperrar a modernização e valorização do sistema.
O projecto de lei n.º 216/IV, do PCP, a ser aprovado seria um desses travões que nós a todo o custo tentamos evitar, era de novo a proliferação de casas de abate, era o derrubar de uma estrutura que embora tendo alguns defeitos, e nós reconhecemos alguns, no entanto também não tememos afirmar que o saldo é bastante positivo.
O que é necessário é assumir aqui nesta sede, se somos ou não adeptos de uma rede nacional de abate; se não somos, devemos dizer abertamente e não vir com formas encapotadas, tentar o desmoronamento desse plano, através de um projecto de lei que a ser aprovado iria abrir um processo, direi mesmo um retrocesso, de imprevisíveis consequências.
Mas se pelo contrário somos adeptos de uma rede nacional de abate, devemos provocar um debate sério com técnicos e políticos responsáveis em sede de Comissão Parlamentar de Agricultura, de forma a nos inteirarmos da justeza ou não da actual rede nacional de abate, se ela realmente serve as populações ou se porventura terá de ser alargada a fim de se cumprir a missão a que se destina.
O projecto de lei n.º 216/IV, do PCP, não passa de uma iniciativa populista irracional, com um preâmbulo que não passa de um rebuçado com recheio de demagogia, para depois sermos confrontados com um articulado que além de mal cuidado e confuso tem no seu artigo 5.º o único ponto claro, onde define exactamente o que o PCP pretende com este projecto; a suspensão do Decreto-Lei n.º 304/84, que se torna inexequível se atendermos que muitos antigos matadouros já não existem, outros estão transformados em logradouros, salas de exposições, garagens de câmaras, etc.
O projecto de lei n.º 216/IV, apresentado pelo PCP, pretende definir as condições a que deve obedecer a criação da rede nacional de abate.
O conceito da rede nacional de abate que consta daquele projecto de lei não é o mesmo que desde há muitos anos é utilizado entre nós e foi introduzido de maneira formal e definitiva pela Resolução do Conselho de Ministros n. º 256/79, distinguindo-se nessa Resolução a rede nacional de abate - matadouros -
da rede nacional de recolha de gado - polivalente, servindo também para concentração de gado para recria, reprodutores, etc. incluindo condições para as espécies bovina, ovina e caprina.
No projecto de lei a rede nacional de abate compreenderia uma «rede nacional de matadouros» e uma «rede nacional de parques de concentração de gado para abate».
A diferença não é meramente semântica, porque sendo indispensável que se apoie a lavoura na comercialização de gado para outros fins, isto é, devendo existir parques de concentração de gado para esses outros fins, a inclusão na rede nacional de abate dos parques de concentração de gado para abate implicaria que se multiplicassem estruturas difíceis de manter com a indispensável participação da produção que são especializadas e dispendiosas.
Mesmo feita essa correcção ao projecto de lei, ocorre perguntar para quê definir de novo conceitos que já estão em aplicação e que já foram transformados em programa actualmente em fase avançada da sua execução.
E não vejo nada de substancialmente novo nas definições (excepto o aspecto que referi e com o qual não concordamos) nem sequer nos objectivos; porque a rede nacional de abate ou a rede nacional de recolha de gado que está em implementação têm igualmente como objectivos:
Orientação ou boa afectação dos recursos; Escoamento de produção; Regularização do mercado; Melhoria da qualidade dos produtos; Correcção dos circuitos comerciais; Participação dos produtores na gestão das estruturas e na formação de preços; Preços compensadores para a produção; Formação dos preços junto da concentração.
À parte o âmbito dos parques de recolha de gado, a orientação defendida no projecto de lei é aquela que desde há sucessivos governos já foi formalizada e vem sendo seguida. Nada de novo este projecto de lei introduz - não se lhe vê sentido.
Já a parte seguinte do diploma (artigos 4.º, 5.º e 6.º), merece o nosso desacordo.
O artigo 4.º visa limitar os matadouros da rede nacional de abate ao serviço de abate para terceiros. Não se entende porquê instituir uma limitação ao abate de gado da própria empresa e à desmancha e comercialização por grosso das carnes respectivas, criando-se assim dificuldades à sua viabilização e à própria racionalização da actividade. A solução contrária é a que vem tendo cada vez mais expressão nos países da Comunidade Económica Europeia e até permite resolver problemas de abastecimento a pequenas povoações sem o recurso a mais intermediários.
Também não se entende a razão de se pretender eliminar a possibilidade de efectuar contratos-programa com matadouros das empresas privadas quando isso seja vantajoso para o abastecimento público, rentabilizando-se assim investimentos e evitando-se duplicações.
O artigo 5.º é em muitos casos impossível de cumprir e constituiria um grave retrocesso nas condições de abate do País. É tecnicamente condenável em todos os aspectos e mereceu a condenação unânime dos técnicos dos organismos com competência técnico-sanitária neste domínio.

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Além disso, pretende-se no próprio articulado, alíneas a) a d) sugerir que se justifica pela não existência de um plano de rede nacional de abate, global e integrado, e pela não fundamentação dos critérios de planeamento da regionalização e da localização dos matadouros de âmbito regional, bem como da sua capacidade - o que não é verdade.
O artigo 6.º é vazio de conteúdo: nenhum dos matadouros de serviço privado satisfaz as condições em matéria de laboração exigidas pela regulamentação em vigor relativa às normas de higiene, saúde pública e segurança. Também nenhum deles tem tratamento de efluentes que obedeça às normas relativas ao saneamento público.
O artigo 7.º destina-se a manter em vigor o Decreto-Lei n.º 304/84, de 18 de Setembro: Este decreto-lei foi o fruto de trabalho difícil, demorado, tecnicamente apurado e conseguiu o consenso dos organismos e técnicos nesta matéria, que envolve muitas e variadas disciplinas técnicas.
No nosso entendimento é o único que faz sentido neste projecto de lei que muito beneficiaria se a ele se limitasse.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não venha o PCP dizer que valeu a pena ter apresentado este projecto à discussão, porque entretanto ficámos todos a pensar nesta problemática, as verdadeiras razões certamente que não foram ditas, mas eu atrever-me-ia a referir algumas, como sejam a de criar a instabilidade e a confusão entre as populações e, mais uma vez, tentar liderar a oposição.
O PSD não teme iniciativas destas porque elas vêm nuas de argumentação política e técnica. Nós continuamos a acreditar na rede nacional de abate, continuamos a dizer que ela não é obra acabada, mas que deve sempre constituir matéria do Governo; não abdicamos é de uma informação correcta e precisa sobre o que possa ser uma evolução nesta área.
A concentração de abates é, quanto a nós, absolutamente necessária e urgente, para que se torne rentável o abate, a salvaguarda dá saúde pública, o combate à poluição pela possibilidade de instalação de mecanismos purificadores dos efluentes, defender a saúde dos efectivos animais pela detecção o mais rápida de doenças contagiosas, permite o desenvolvimento pecuário através da aquisição" dos excedentes da lavoura, melhorar o preço* do produto porque elimina intermediários, melhor aproveitamento da carcaça e maior clareza nas pesagens. Qualquer paragem ou retrocesso neste processo deitará por terra todo um esforço que tem vindo a ser feito ao longo de muitos anos e que visa no essencial a criação de condições para se encontrar o equilíbrio entre o produtor e o consumidor.
Porque o nosso objectivo é este, votamos contra o projecto de lei n.º 216/IV do PCP, que visa prejudicar, a implementação da rede nacional de abate. Porém, estamos disponíveis para tratar, em comissão, com toda a profundidade, a rede nacional de abate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - A- Mesa foi informada de que o PS concede tempo ao PCP por- forma que o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro possa formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Vasco Miguel.
Assim sendo, estão inscritos, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Alberto Avelino, Soares Cruz, António Campos e Álvaro Brasileiro. Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Deputado Vasco Miguel, em toda a sua intervenção e, em particular, na parte final da mesma, defendeu a rede nacional de abate, com o que me congratulo, assunto esse que já foi discutido em comissão e neste Plenário.
Há pouco tempo deslocámo-nos ao Ministério da Agricultura pára debatermos esta matéria e é pena que o Governo não nos tenha retribuído hoje com a presença de um dos seus membros, nomeadamente com a do Sr. Secretário de Estado, com quem estivemos na quarta-feira.
Uma das questões que se coloca é precisamente a da rede nacional de abate, que não pode ser fruto de uma mera portaria ou de uns livretes ou opúsculos que vão aparecendo. Esta é a realidade!
Diz-se que existe a Resolução n.º 256/79, que define a rede nacional de abate, mas também se pode afirmar que existe a Constituição que diz que há-de haver regionalização neste país. É não é por acaso que todos os partidos que aqui estão representados já apresentaram os seus respectivos projectos sobre regionalização
Acha ou não, o Sr. Deputado, que a rede nacional de abate - embora existindo a nível de Resolução do Conselho de Ministros e no capítulo n do Decreto-Lei n.º 304/84 - deve vir a esta Câmara para ser discutida e aprovada?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado Vasco Miguel, acha ou não que é importante uma rede nacional de abate no País?
V. Ex.ª acha ou não que é um aleijão o projecto que o PCP aqui nos apresenta hoje para disciplinar a rede nacional de abate ou para intervir nessa área?
Presumo que, vou adiantar-me partindo do princípio de que a sua resposta é afirmativa, a rede nacional de abate é um assunto de interesse nacional, que, de alguma forma, é o início de uma regionalização. Nesse sentido, como é que V. Ex.ª explica que o Governo tenha o comportamento que hoje teve?
O Governo tem andado preocupado com esta matéria. Ao longo dos anos têm passado pelas várias secretárias ministeriais diversos projectos sobre a rede nacional de abate, que hoje não é mais do que um «labirinto nacional de abate» porque ainda não nos conseguimos entender, de uma vez por todas, sobre qual a lei que queremos para o País.
Acha ou não que é inqualificável a atitude do Governo de não ter vindo aqui hoje dar-nos explicações, a nós, ao País, aos municípios e a todas as autarquias que têm sido espoliadas de todos os seus bens em prol de uma Junta Nacional de Produtos Pecuários que nem sequer as tem indemnizado ou curado de um processo de indemnização, que era o mínimo que se poderia aceitar?

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

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O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado Soares Cruz, uma vez que é um ilustre membro da Comissão de Agricultura e Mar, lembro-lhe que a Comissão começou a habituar o Governo com as suas frequentes visitas, pelo que, por esse princípio, qualquer dia o Plenário reúne nos diferentes ministérios.

O Orador: - O Sr. Deputado e meu excelentíssimo amigo Lopes Cardoso com certeza que não me deve ter visto entrar pela porta do Ministério para ir tratar com o Sr. Secretário de Estado qualquer assunto relativo a esta matéria... Julgo que ainda é esta a sede própria a que os membros do Governo se devem deslocar para prestar esclarecimentos ao País!

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, repetindo, pergunto ao Sr. Deputado Vasco Miguel se acha ou não que é uma atitude inqualificável a de o Governo não ter vindo aqui explicar-nos, de uma vez por todas, o que se passa com a rede nacional de abate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Vasco Miguel, gostaria que confirmasse aqui se o fecho e a abertura de matadouros tem obedecido a critérios técnicos ou a critérios políticos.
Essa é a primeira grande questão que se coloca hoje, dado que há matadouros que estão a ser fechados e outros a ser mantidos sem a definição de algum critério técnico ou, pelo menos, sem que os critérios sejam muito transparentes.
Penso que todos nós somos a favor da rede nacional de abate, só que, neste momento, julgo que nem o Ministério sabe o que é isso que se chama de rede nacional de abate. A razão para isto é muito simples: tem estado a ser subsidiada pela CEE a instalação de matadouros sem nenhum critério, sem nenhuma planificação, sem nenhuma localização técnica, ou seja, «sem rei nem roque». E, no entanto, esta é uma questão vital para a economia portuguesa!
Gostaria de saber se o Sr. Deputado me acompanha nestas preocupações ou se está ao lado do Governo, que, neste momento, permite que sejam subsidiados matadouros «encostados» uns aos outros, sem estarem localizados junto da produção.
Trata-se de uma pouca vergonha - e este é o único termo que se pode encontrar para descrever esta situação!
Por outro lado, também quero lamentar o facto de o Governo não estar aqui presente para nos informar sobre alguns critérios que possam existir relativamente à instalação de matadouros, os quais desconhecemos na totalidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Deputado Vasco Miguel, quero dizer-lhe que sobre o nosso projecto não disse nada na sua intervenção.
Gostaria de lhe colocar algumas questões, mas não disponho de muito tempo. Contudo, como o Sr. Deputado anda sempre tão bem informado, não quero deixar de lhe fazer a seguinte pergunta: o Sr. Deputado sabe o que se passou na reunião entre o Sr. Secretário de Estado e a firma Rebelos, quanto ao matadouro do Cachão, reunião essa que teve lugar na última quinta-feira? Pode ser que o Sr. Deputado saiba alguma coisa sobre o assunto e possa dar uma achega relativamente ao mesmo.
É verdade que a firma Rebelos vai tentar ficar com o matadouro do Cachão? É verdade que o IROMA já subsidiou a firma Rebelos para essa finalidade? O Sr. Deputado sabe que só em Bragança existem mais de 14 000 assinaturas protestando contra o encerramento desse matadouro? Acha que as populações, os agricultores, têm vagar para andar a protestar não tendo razão? Pode dar uma imagem do que se passou em Bragança, da luta que os agricultores, os comerciantes, as pessoas ligadas à produção de carne estão a fazer em prol e em defesa dos seus interesses?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Srs. Deputados, folgo muito que a oposição esteja preocupada com a ausência do Governo. Certamente, queria ter aqui o Governo. Gosta do Governo! Para nós, isso é bastante honroso.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vou ter que responder muito rapidamente a alguns pedidos de esclarecimento, porque o PSD ainda irá produzir outra intervenção. E digo alguns, pois não vou responder a todos os pedidos de esclarecimento formulados, dado que há perguntas que realmente não têm razão de ser, são perguntas que não têm nada a ver com o que estamos aqui a tratar, absolutamente nada!
Em relação ao caso concreto do Sr. Deputado António Campos, que trouxe aqui problemas da Comunidade Económica Europeia e de subsídios, devolvo-lhe a pergunta: Sr. Deputado, conhece algum matadouro subsidiado nessas condições que acabou de referir? Conhece algum matadouro que fosse fechado pela Junta Nacional de Produtos Pecuários e para o qual não tivesse sido criada alternativa?

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas não lhe dou a voz. Se puder, faça depois uma intervenção.
Sr. Deputado Alberto Avelino, a sua pergunta já tem alguma razão de ser. Digamos que estudou a matéria, que não foi o free-lancer da sua bancada. Mas, Sr. Deputado, como é que é possível, aqui em Plenário, discutirmos uma rede nacional de abate sem termos um staff técnico? Estamos de acordo que ela deve ser discutida, pois ela não é obra acabada, como referi na minha intervenção.
Respondendo ao Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, recordo que eu não disse que o Sr. Deputado Rogério de Brito não tinha dito nada. Com o vosso projecto é que não se ficou a saber o que é que os senhores

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queriam. Na verdade, ele disse algo e o que eu fiz foi desmontar corripletamente, de baixo até cima, o que entendi ser a vossa pretensão.
Sr. Deputado Alberto Avelino, vamos discutir esta matéria, estamos disponíveis para ter um debate sério em sede de comissão, trazendo ou convidando quem acharmos necessário; participaremos nesse debate com todo o afinco e com toda a dedicação para que o debate seja sério.
A rede nacional de abate não é um processo acabado, ela, em si, não pode ser estática, tem de ser dinâmica. A própria evolução, os novos métodos alimentares provocam uma dinâmica tal nesta problemática que não vale a pena estarmos a pensar numa rede nacional balizada, pois estamos inseridos numa área onde nem sequer existe uma resolução que defina exactamente onde é que deve ficar situado o nosso matadouro a integrar na rede nacional de abate. Aliás, se há aqui deputados que têm algumas lamentações acerca desta problemática, nós seremos certamente uns deles; portanto, estamos disponíveis para debater o assunto, pois a rede não está acabada. Tudo o que existe neste momento acerca da rede nacional de abate, todos os pareceres dos técnicos que realmente dominam estas áreas, são no sentido de que ela precisa de reajustamentos. Nós também entendemos isso e, aliás, ela já foi reajustada quatro vezes, pelo que pode sê-lo mais uma vez. Não há problema nenhum nisso!
Mas, Sr. Deputado Alberto Avelino, se o projecto do PCP fosse aqui aprovado, era o fim! Nunca mais teríamos rede nacional de abate, porque amanhã teríamos bovinos, suínos, ovinos e caprinos pendurados em todas as vigas das adegas deste país.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Claro!

O Orador: - Ora, isso era o desmantelar de uma estrutura que vem sendo estudada meticulosamente há muitos anos e que foi implementada num governo do bloco central. E bom que o Sr. Deputado também não esqueça estas coisas, que são importantes - não devemos meter sempre aquilo que não queremos na gaveta, é bom que nos lembremos disto! Portanto, as questões são sérias, vamos para a frente, Sr. Deputado!
Sr. Deputado Soares Cruz, parece-me que quando respondi ao Sr. Deputado Alberto Avelino, de certa forma, também lhe respondi a si. É importante a rede nacional de abate, é importante que haja um debate sério sobre esse assunto, mas a aprovação deste projecto era com certeza o fim da filosofia da rede nacional de abate. Foi isto que quis dizer na minha intervenção.
Peço desculpa por não poder dar-vos uma resposta mais dilatada acerca das questões que me colocaram...

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Deputado, quem não sabe mais a mais não é obrigado!

O Orador: - .... mas é que o PSD vai ainda fazer uma intervenção acerca destas questões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Soares Cruz pediu-me para intervir em primeiro lugar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Deputado Soares Cruz informou a Mesa de que prescindiu da palavra.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar a minha intervenção por lamentar a ausência dos membros do Governo.
Quer o Sr. Deputado Vasco Miguel que gostemos do Governo, mas é o mínimo de princípio e de dever de uma instituição chamada Governo estar aqui nesta instituição chamada Assembleia da República quando se discute uma matéria que lhe diz respeito. Por outro lado, também penso que, já que alguns deputados ligados a esta matéria se deslocaram ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, não seria mau a retribuição da visita, pelo menos péla parte,' do Sr. Secretário de Estado.
Há aqui algumas perguntas a colocar aos membros do Governo, às quais, na expectativa de que o Governo tenha algum leitor do Diário da Assembleia da República, este talvez possa responder na via directa ou indirecta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 661/74, de 26 de Novembro, criou instrumentos legais, de maneira abusiva, quanto a nós, para que os matadouros municipais e casas de matança bem como todo o seu equipamento fossem transferidos do património das autarquias para o património da Junta Nacional dos Produtos Pecuários (JNPP), atribuindo a esta Junta a implementação de uma rede nacional de abate com a eventual criação de novas unidades, a transformação de outras em unidades industriais e o encerramento daquelas que não oferecessem condições técnico-sanitárias.
Bem lutaram as autarquias contra essa usurpação patrimonial, em vão, diga-se, embora uma ou outra tenha conseguido subsídios parciais do Governo, mais para agradar em tempo de eleições do que para resolver a questão de fundo e em definitivo.
É à sombra do decreto-lei atrás citado que a JNPP procede ao encerramento de mais uma centena de matadouros, princípio este que não queremos contestar, pois estas casas de abate não ofereciam, em regra, o mínimo de condições hígio-sanitárias e, salvo raras excepções, assistiu-se à aceitação tácita das autarquias afectadas, cientes que estavam da falta de condições higiénicas que estes matadouros ofereciam aos consumidores e das consequências poluitivas a jusante acarretadas após o abate.
Esta primeira e grande triagem é, sem sombra de dúvida, um passo importante para a melhoria da saúde pública, em termos de consumo, para a disciplina dos participantes a montante e a jusante desta actividade e para alguma segurança do consumidor. Infelizmente, não se assistiu a uma actividade paralela da JNPP e das actividades económicas de maneira a evitar toda a espécie de candonga, de contrabando e de traficância de gado.
Perguntamos, ainda hoje: que é feito de uma comissão para análise dos casos de contrabando de gado?
Que tem feito o Governo senão transferir a tutela desta comissão deste para aquele ministério e daquele para aqueloutro?

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Estará mesmo o Governo interessado, com a transparência devida, em mostrar-nos ou elucidar-nos sobre o que se passa?
E aqui vai a pergunta aos membros do Governo que aqui deviam estar: Acaso querem os Srs. Membros do Governo adiantar-nos algo sobre o trabalho dessa comissão? Certamente todos ficaríamos agradecidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Decretos-Leis n.ºs 304/84, de 18 de Setembro, e 430/85, de 23 de Outubro, nomeadamente o primeiro, permitem dar cumprimento ao Decreto-Lei n.º 661/74, de forma mais correcta e equilibrada, promovendo a realização de vistorias aos matadouros, e criar critérios bem definidos, digamos mesmo à exaustão, para a sua classificação.
Achamos, pois, correcta e oportuna a sua existência; o mesmo não diremos da sua aplicação pela JNPP e pela Direcção-Geral da Pecuária, que, sem ouvir a lavoura e as autarquias, na regionalização da indústria do abate, unilateralmente encerraram mais alguns matadouros, como por exemplo Montemor-o-Novo e Bragança, muitos deles com razoáveis condições hígio-sanitárias de funcionamento, sem se importarem com as centenas de quilómetros que os utentes desses matadouros passaram a fazer todas as semanas. Nos tempos de hoje, tempos de Abril, tempos de democracia, soluções desta natureza, com impactos e profundidade bem acentuados e bem reconhecidos, não podem, não devem, ser resolvidas só no Terreiro do Paço quando instituições, como câmaras municipais e a própria lavoura, agentes activos, são, pura e simplesmente, esquecidos. Não se percebe que, em plena regionalização e plena afirmação das autarquias como projectores do desenvolvimento local e regional, estas não sejam ouvidas em assuntos de interesse económico vital para as regiões.
É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, com diálogo, ter-se-iam evitado situações bem conhecidas da opinião pública; ter-se-iam evitado guerras acesas aqui e além, neste e naquele município; ter-se-ia evitado, porventura, este debate (o PCP não teria coragem de apresentar este projecto de lei).
A actuação da JNPP foi brusca e agressiva em vez de levar a cabo este processo de centralização dos abates de forma menos rápida, de maneira a conduzir à formação de estruturas convenientes que permitissem não fazer sentir mudanças bruscas, e até drásticas, na vida das pessoas que têm o seu sustento assente no vasto negocio de carnes.
A execução da legislação foi efectuada contra todas as normas de equilíbrio que a aplicação de uma lei deve procurar obter, ainda mais agravada pelo facto de o sector ter estado, durante muitos anos, num estado de esquecimento, com a consequente degradação dos serviços.
Difícil é compreender a pressa, que transformou, num dia, matadouros capazes de assegurar o abastecimento público em boas condições hígio-sanitárias, para, no outro dia, passarem a ser considerados matadouros sem condições mínimas para abate.
Todos sabemos que um assunto tão complexo e vasto, com profundas implicações de ordem social e económica e de interesse especial em muitas zonas do País, onde o matadouro é e seria o centro dominante da economia dessa zona, não deveria ter sido tratado com tanta pressa, e como assim aconteceu, terão sido adulterados, na prática, a intenção e o sentido verdadeiramente correctos do legislador, nas áreas de higiene e salubridade neste campo.
Na realidade, o que se verifica hoje em todo o País é que continuam no activo matadouros sem possuírem condições de higiene, ou pelo menos as mínimas exigidas pelo Decreto-Lei n.º 304/84.
Daí que concordemos com a parte do preâmbulo do projecto de lei em discussão, quando diz que «foram concedidas licenças a matadouros cujas condições são idênticas ou mesmo inferiores às de outros situados dentro da mesma região e a quem foram negados licenciamentos».
O projecto de lei n.º 216/IV, do PCP, tem, para nós, um mérito: na parte preambular, por um lado, toca em assuntos que nos fazem estar de acordo, na generalidade, e, por outro lado, leva-nos a trazer a esta Câmara uma discussão que é necessário fazer-se sobre a rede nacional de abate, que consideramos a regionalização da pecuária em Portugal, e que, naturalmente, não poderá ser feita por mero acto administrativo na figura de uma portaria do ministério da tutela.
Têm tido os vários executivos dificuldade em criar e implementar uma rede nacional de abate de maneira a dar cobertura social, económica e geográfica para o País.
Longe vão os tempos em que o alemão Dr. Ritter, expert na matéria, foi convidado a fazer um estudo de implantação de uma estrutura semelhante à rede nacional de abate.
Nessa altura, e já lá vão cerca de 30 anos, aquele técnico apresentou um estudo em que criava sete matadouros em todo o País. Depois, após 1979 e até Maio de 1986, vários planos directores da rede nacional de abate são concebidos, mas, como se sabe, até hoje ainda não foram implementados, embora o presidente da JNPP tenha sido a mesma pessoa. Forçoso é reconhecer as dificuldades técnicas e políticas que se vão deparando, não se aceitando que é um mero acto técnico. A eventual implantação do Matadouro Regional do Alto Alentejo em Sousel, em vez de Estremoz, freguesia de Veiros, é um exemplo de que a rede nacional de abate não é só uma questão técnica mas também política.
«Os lobbies também fazem parte da democracia» - dizia aqui há tempos o meu camarada António Barreto.
Com lobbies ou sem eles, não pode esta Assembleia ter uma acção meramente passiva perante a rede nacional de abate. Da nossa parte, Partido Socialista, queremos ser actores nesta cena. A rede nacional de abate não pode ser, como já se disse, um mero acto administrativo do Governo.
Deste modo, e se, como atrás deixámos expresso, concordamos, na generalidade, com a parte introdutória do projecto de lei n.º 216/IV, o mesmo não poderemos dizer do seu articulado.
Enquanto nada temos a opor aos artigos 1.º e 2.º, dúvidas se nos põem quanto aos artigos 3.º e 4.º, e rejeitamos totalmente o artigo 5.º
Este projecto de lei visa a atribuição, em regime de exclusividade, ao aparelho de Estado da exploração dos matadouros de serviço público, o que quer dizer que somente os matadouros propriedade da JNPP ou de sociedades mistas em que a maioria do capital social seja participado maioritariamente pela Junta e ou autarquias e produtores da respectiva região poderão integrar a rede nacional de abate e, portanto, prestar serviços de abate a terceiros.

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Todos os outros tipos de matadouros, ainda que satisfazendo as condições técnico-funcionais legalmente exigidas e até mesmo que disponham de capacidade de laboração e localização adequadas, não poderão prestar tais serviços.
Esta disposição, para além de constituir séria ou mesmo total restrição a outras iniciativas, pode obrigar ao aparecimento de matadouros públicos,, e ou mistos para servir regiões já dotadas de estruturas de abate. com condições e capacidade suficientes para assegurar quer o escoamento de produção quer o abastecimento público, apenas pelo facto de serem privadas.
Na nossa opinião, interessará, quer à produção quer ao consumidor, que o País alcance, com a rapidez e a sensatez possíveis, uma rede nacional de abate que assegure os objectivos enunciados no artigo 1.º deste projecto de lei que estamos a discutir e com os quais concordamos, independentemente de a rede ser constituída por matadouros públicos mistos ou privados.
Finalmente, achamos que a suspensão do Decreto-Lei n.º 304/84, de 18 de Setembro, seria um retrocesso significativo e perigoso; seria um autêntico baralhar sem saber como dar de novo.

O Sr. Paulo Guedes (PRD): - Muito bem!

O Orador: - Assim e porque entendemos haver matéria aproveitável neste projecto de lei, achamos que a Comissão de Agricultura deverá melhor ponderar esta questão, nomeadamente sobre o que se pretende para a rede nacional de abate.

Aplausos do PRD.

Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Paulo Campos e Rogério de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Deputado Alberto Avelino, ouvi as judiciosas considerações que teceu, mas gostaria que, se pudesse e quisesse; me esclarecesse sobre um pequeno pormenor. A certa altura o Sr. Deputado afirmou que considerava um pouco bizarro que um matadouro, um dia, fosse considerado em condições técnicas e sanitárias suficientes para estar aberto e que, no seguinte, estivesse fechado por falta dessas mesmas condições.
Não conheço nenhum exemplo de uma situação dessas, só conheço exemplos de matadouros que foram encerrados por já não terem as condições técnicas e sanitárias para estarem abertos.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado como é que resolveria esta questão de um matadouro estar encerrado num dia, quando na véspera ainda estava aberto. Se o Sr. Deputado discorda desta rapidez de actuação, como é que propõe que se faça? Que se vá encerrando a pouco e pouco, mês a mês?
Com franqueza, não percebo, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, vou gastar cerca de um minuto e meio dos três que me foram concedidos pelo PS há pouco.
Sr. Deputado Alberto Avelino, quero colocar-lhe apenas uma questão, relativa à problemática da integração ou não na rede nacional de abate das matadouros privados.
A nossa preocupação fundamental quanto a esta questão tem a ver com a necessidade de evitar aquilo a que se poderá chamar concorrência paralela, que conduz inevitavelmente a sobrecapacidades instaladas. Aliás, a própria legislação em vigor, de autoria do Governo, apenas admite como excepção a intervenção dos matadouros integrados na rede nacional na prestação de serviços de abate a terceiros, por contrato, tendo este carácter provisório, pois só vigorará enquanto não for construído o matadouro regional, subscrito pelas entidades competentes, por forma a constituir uma sociedade mista.
Uma outra questão tem a ver com o artigo 5.º do projecto de lei em discussão. Gostaria de chamar a atenção do Sr. Deputado para o facto de o artigo 5.º, tanto quanto me apercebo, ter a ver com o problema da suspensão da aplicação da lei e, consequen-temente, com a reentrada em serviço dos matadouros que se encontravam ao serviço em 23 de Outubro de 1985.
Como o Sr. Deputado se deve recordar, essa questão foi, em devido tempo considerada pelo Sr. Deputado como um óbice. Um outro partido, o PRD, colocou igualmente esta questão e por isso imediatamente nos aprontámos a reconhecer o óbice colocado e a dizer que assumíamos, desde logo, a presunção de que este artigo deveria remeter, para efeitos de reabertura destes matadouros concelhios, apenas para aqueles que efectivamente reunissem as condições hígio-sanitárias necessárias à preservação da saúde pública. Foi um compromisso que assumimos desde logo e, portanto, esse aspecto estaria ultrapassado.
Um outro aspecto tem a ver com a suspensão do decreto-lei, que, ao contrário do que aqui se tem dito, não visa permitir reaberturas a granel, mas sim impedir que se possa avançar no cimento armado e na montagem de equipamentos em matadouros condenados a falir e que depois não serão deitados abaixo o betão nem destruir os equipamentos para corrigir as situações irreversíveis que serão criadas e que terão custos muito graves, quer para a produção, quer para a economia do abate animal no nosso país.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

Q Sr. Alberto Avelino (PS): - Respondo, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Paulo Campos, a quem quero dizer que, se calhar, só ouviu uma linha com mais atenção e ouviu com menos o conteúdo geral da minha exposição.
Como sabe, há alguns matadouros em funcionamento que estão condenados a serem «abatidos». É uma questão de tempo! Assim, é fácil inferir que esses também não terão as condições mínimas. Mas mesmo assim - e o Sr. Deputado sabe-o -, muitos deles são fechados apenas por capricho de alguns delegados da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que têm bitolas de apreciação diferentes.
Não ponho em dúvida que o questionário seja rígido, mas; como sabe, muitos deles foram preenchidos tipo totobola - cruzinha aqui, cruzinha acolá.

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Outros matadouros são fechados por birrinhas locais bem focadas. Não houve, portanto, um espírito de isenção total e para o mesmo matadouro houve, por vezes, apreciações diferentes. Isto é, dentro daquele princípio de que perante o mesmo estímulo, diferentes, pessoas reagem de maneiras diferentes. Realmente, as diferentes pessoas reagem de maneiras diferentes e foi isso o que sucedeu, o que é condenável.
Pelo que me pareceu poder inferir da conversa que tivemos com o Sr. Secretário de Estado, actual presidente do IROMA, ao que creio, alguns casos serão revistos, o que quer dizer que alguns matadouros agora fechados poderão ser reabertos. Pelo menos um ou outro admito que sim, e houve essa aceitação por parte de um membro do Governo. Talvez aqui dêem razão quanto a que disse na minha intervenção!...
Quanto às questões postas pelo Sr. Deputado Rogério de Brito, quero dizer que também concordo que a concorrência paralela se deverá evitar, mas o que quis dizer na minha intervenção foi que, não vejo razão para onde haja um matadouro misto ou privado com todas as condições, ainda que com carácter provisório, se construir um matadouro regional. Porquê? Apenas para ser da JNPP e, assim, dar serviço a terceiros? Se porventura já existir um matadouro com condições, que possa prestar serviço a terceiros e a prestação de serviço não por taxada por níveis superiores àqueles que o matadouro regional faria, não vejo razão!
Quanto ao artigo 5.º, aceito os argumentos que apresentou. Porém, eles não resultam do que está escrito, são, digamos, argumentos a posteriori.
Na verdade, há pouco dizia que seria mau que alguém considerasse oportunista -já que oportuna teria sido- a apresentação deste projecto de lei em Maio de 1986; mas eu direi, com toda a franqueza, Sr. Deputado, que o PCP hoje não apresentaria este articulado e talvez isso pudesse melhorar bastante a nossa discussão e eventualmente poderia ter sido aprovado outro decreto-lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora seja já quase um lugar comum nas intervenções que têm sido produzidas, começo por criticar viva e veementemente a ausência do Governo neste debate. E não o faço por gostar de ver o Governo aqui, mas sim porque gosto e gostaria de ver o Governo a cumprir correctamente as suas obrigações; na verdade era obrigação do Governo estar aqui hoje, para prestar todos os esclarecimentos que têm sido solicitados e a que ele se escusa, em sede própria. É esta a razão porque apresento este veemente protesto pela ausência do Governo.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Creio que o Sr. Deputado Rogério de Brito, em nome do PCP deu aqui ao longo da sua intervenção de apresentação do projecto de lei, uma lição de modéstia, de humildade e de autocrítica.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, o Sr. Deputado fez uma exposição em defesa do projecto de lei em que em nada defendeu o que de facto consta do referido projecto de lei, mas sim, um outro conjunto de questões com as quais eventualmente poderíamos estar de acordo, só que não têm nada a ver com o projecto de lei. E é humildade, é modéstia e é autocrítica, porque isso revela que o PCP entendeu, desde Maio até hoje, que o seu projecto de lei está eivado de erros, está perfeitamente desadequado e não tem credibilidade suficiente para, de um ponto de vista técnico e político, merecer uma discussão aprofundada.
É o próprio PCP que o aceita, quando se escusa, quando se recusa a fazer aqui a defesa do seu projecto de lei. Aquilo que é substancial no seu projecto não foi aqui abordado pelo PCP!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PCP, através do Sr. Deputado Rogério de Brito, diz que aquilo que pretende é a discussão da rede nacional de abate - no fundo, foi o que foi afirmado pelo Sr. Deputado.
Devo dizer, Sr. Deputado Rogério de Brito, que, pela parte do meu partido, há total abertura para o reequacionar aqui, em sede própria, na Assembleia da República, da rede nacional de abate. Só que não será pela via deste projecto de lei que lá chegaremos!
O Sr. Deputado fez aqui afirmações que reputo de importantes, mas que escapam à minha capacidade de ser informado. Por exemplo, V. Ex.ª afirmou que mais de 80% das autarquias estavam de acordo com o projecto de lei do PCP.
Tenho acesso às informações recebidas na Comissão de Agricultura e Mar e a outras que eu próprio recolhi. Devo dizer que os números não correspondem minimamente aos tais «mais de 80%»!
Mas para além de os números não corresponderem, é importante, é útil, é necessário dizer aqui, nesta Câmara, que a esmagadora maioria dos pareceres favoráveis que vieram de câmaras municipais são pareceres sem qualquer credibilidade do ponto de vista técnico, porquanto se limitam a, em três ou quatro linhas, expressar a sua concordância genérica com o projecto de lei do PCP e nada mais dizem. Isto não são pareceres que mereçam de facto, credibilidade, do ponto de vista técnico e sanitário e é isso que aqui estamos a discutir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Rogério de Brito fez também uma afirmação que, no fundo, é a repetição de outras anteriores, com a qual também não podemos estar de acordo, de forma alguma. Afirma V. Ex.ª que a esmagadora maioria dos agricultores do País estava de acordo com o projecto de lei do PCP. Desconhecemos quais os canais que podem garantir ao PCP a audição da esmagadora maioria dos agricultores deste país, mas nós temos alguns canais e não chegámos às conclusões a que chegou o PCP, quanto à tal adesão da esmagadora maioria dos agricultores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que vale a pena fazer uma breve análise da evolução deste processo dos matadouros desde 1974.

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No projecto de lei. n.º 216/IV, de 22 de Maio de 1986, consignava-se que o Governo assumia pela primeira vez a responsabilidade de condução e superintendência do abate neste país. Foi uma decisão importante, pela situação caótica, que é do conhecimento de todos nós, em que se encontrava o abate em Portugal.
Basta a experiência pessoal de qualquer um de nós, adquirida no conhecimento de um ou de vários matadouros, para saber que alguns de matadouro só tinham' o nome, eram barracões, sem quaisquer condições, quer do ponto de vista higiénico, quer sanitário, quer. técnico, nem a montante, nem a jusante, que não garantiam um mínimo de qualidade e de segurança, quer aos consumidores, quer aos produtores, quer aos próprios, funcionários, quer ainda, de um ponto de vista sanitário, aos efectivos pecuários.
A partir de 1974, a JNPP foi a entidade que ficou com a responsabilidade de superintender a todos os matadouros municipais, .que passaram para a sua dependência, tendo, sucessivamente e ao longo dos anos, encerrado matadouros. Encerrou, mais de 100, por entender que não tinham viabilidade, de um ponto de vista técnico è sanitário, e, por outro lado, por entender que não eram necessários aos interesses das populações e dos produtores.
Curiosamente, ao longo desses anos, nenhuma contestação se levantou ao encerramento desses matadouros.
Posteriormente o Governo, através do Decreto-Lei n. º 304/84, entendeu estabelecer, pela primeira vez em termos' rigorosos e técnicos, o que é um matadouro, quais os seus objectivos e quais são as condições técnicas e sanitárias a que os matadouros devem obedecer, o que era descrito em anexo, .com grande pormenor.
Ao mesmo tempo que continuavam os encerramentos de matadouros públicos, esse decreto-lei estabelecia que aos matadouros privados eram concedidos prazos para apresentarem projectos de recuperação do ponto de vista técnico e sanitário que os adequassem às normas aí estabelecidas.
Fizeram-se as vistorias e é conveniente referir que elas foram feitas tendo por base uma grelha de apreciação técnica perfeitamente objectivada, e sem ser por técnicos «avulsos» mas sim por equipas técnicas, representando três organismos distintos, que foram objecto dê um empenhamento de formação por parte dos organismos oficiais.
O resultado dessas vistorias foi comunicado aos proprietários, que tiveram, além do tempo de reclamação que utilizaram, a oportunidade de apresentarem os seus projectos, quê foram analisados e despachados. Mas aquilo que se verificou foi que, quando estava praticamente esgotado o prazo dado por este decreto-lei, quase nenhuns (se é que alguns) dos proprietários tinham feito adequações nos seus matadouros no sentido de estes poderem ser relicenciados.
Tendo em atenção a necessidade e a utilidade de. dar oportunidade ao sector privado neste domínio e as repercussões; eventualmente negativas e chocantes, do seu encerramento maciço, esses prazos foram prorrogados. Esgotada essa prorrogação, no dia l de Abril de 1986, procedeu-se obviamente ao encerramento de todos aqueles que não tinham aproveitado esses intervalos de tempo, suficientemente dilatados, para se reapetrecharem.
E aquilo que se veio a verificar é que só nessa altura se despoletaram grandes contestações de incidência pública. É conveniente esclarecer que é nessa fase que se dá o encerramento de cerca de 30 matadouros públicos, não tendo havido quaisquer contestações aos mais. de 100 que anteriormente tinham sido encerrados.
E a contestação também é importante ser analisada. A título de exemplo poderemos focar a situação do matadouro de Amarante, que tinha de encerrar, o que originou uma contestação por parte das populações e da autarquia, etc. A concentração ir-se-ia fazer em Baião, cujo matadouro tinha dificuldades, do ponto de vista de capacidade, em suportar a sobrecarga que lhe foi imposta, mas recentemente fez-se um acordo entre Amarante, através da sua autarquia, e a Junta Nacional dos Produtos Pecuários que se consubstanciou na apresentação de um projecto de obras por parte da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, na assunção por parte da Câmara Municipal de Amarante do. custear dessas obras e no seu compromisso de que o matadouro encerrará quando abrir o matadouro de Penafiel, que será o matadouro regional onde Amarante se vai inserir.
Mas mais do que isso penso que é importante referir que a própria Câmara Municipal de Amarante subscreveu o capital do matadouro de Penafiel. Não houve uma rejeição da Câmara Municipal de Amarante em relação ao futuro matadouro regional; houve sim uma contestação a um problema pontual que foi resolvido através do diálogo e a contento das partes, sendo certo que a autarquia de Amarante acabou por expressar à Junta Nacional dos Produtos Pecuários os seus agradecimentos pela maneira como o processo decorreu.
Surge, então e nesta fase, o projecto de lei do Partido Comunista.
O Partido Comunista, refira-se, não contestou aquilo que de facto é mais importante nesta questão do encerramento e reabertura de matadouros, que são as normas técnicas apensas ao Decreto-Lei n.º 304/84. Isto é, o Partido Comunista na altura - e elas foram publicadas em 1984 - não as contestou do ponto de vista técnico e sanitário, vem a contestá-las posteriormente à sua final implementação, pretendendo pura e simplesmente, no seu projecto de lei, a reabertura dos matadouros. Isto é, no fundo, a substância do projecto de lei do Partido Comunista.
Às considerações sobre a rede nacional de abate e, sobre os parques de concentração de gado para abate são questões marginais no contexto e na essência do projecto, que não marginais em relação à questão, porque são coisas fundamentais nesse aspecto. O Partido Comunista ignorou que os matadouros públicos que seriam reabertos, se fosse aprovado este projecto de lei, foram matadouros classificados - na classificação feita, como há pouco referi, pela Junta Nacional de Produtos Pecuários, pela Direcção-Geral da Pecuária e pelo IAPA - como matadouros sem recuperação possível, ou seja, tipo D, ou, ainda pior, matadouros sem classificação.
Estes matadouros não têm qualquer classificação possível do ponto de vista técnico e sanitário e, no entanto, o Partido Comunista, numa atitude, do nosso ponto de vista, flagrantemente contrária aos interesses da saúde pública e, mais do que isso, também numa manifestação estatizante, entende que estes matadouros devem ser reabertos sem quaisquer condições. E é uma atitude estatizante pela simples razão de que no

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artigo 6.º o Partido Comunista põe condições de cumprimento das normas técnico-sanitárias anexas ao Decreto-Lei n.º 304/84 para os privados mas para os públicos não põe, podendo estes abrir sem quaisquer condições do ponto de vista técnico-sanitário.
No fundo, penso que é importante verificarmos quem é que beneficiou e quem é que foi prejudicado com o processo progressivo de encerramento dos matadouros. Beneficiaram indubitavelmente as populações consumidoras, que de um ponto de vista de garantia em termos dos seus direitos à saúde ganham com certeza. Passaram a ter mais garantias os produtores, porque deixaram de estar sujeitos a todas as práticas ilícitas que todos conhecíamos, porque se praticavam nos matadouros encerrados. Terão sido eventualmente prejudicados os intermediários, porque o único prejuízo que foi aqui referido pelo PCP foi o do agravamento dos custos dos transportes.
Tive a oportunidade de referir há pouco - interrompendo a intervenção do Sr. Deputado, que amavelmente mo permitiu - que o abastecimento a partir dos matadouros é, quanto a transportes suportados pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, sujeito a uma taxa fixa de 3$50 por quilograma, independentemente da distância a percorrer, o que não tem, de facto, qualquer incidência expressiva.
Em segundo lugar, quanto ao transporte para o matadouro, é relevante sabermos que a situação de deslocação de gado no País antes do abate é uma situação de quase turismo interno. Os porcos alentejanos são abatidos em Rio Maior, as reses de Montalegre vêm ser abatidas a Lisboa, etc., etc.!
Aquilo que acontece é que exactamente por isso não há qualquer agravamento dos custos de transportes, porque a prática já era de longas deslocações suportadas pelos intermediários. Mas, mesmo assim, se o Sr. Deputado quiser dar-se ao trabalho de fazer umas simples contas, verificará que para deslocações da casa média dos 100 Km o custo médio por quilograma, de peso vivo para essa distância andará entre os 4$ e os 5$.
O tal grande agravamento, se existisse, somados os 3S50 que a Junta cobra com os 4$ ou 5$, andaria pelos 8$ ou 8$50, o que não é expressivo nas flutuações que - e o Sr. Deputado sabe-o tão bem como eu - existem nos preços da carne e que não têm nada a ver com mecanismos deste tipo, mas sim com factores de flutuação contrários aos interesses dos produtores e dos consumidores, que só serão solucionados através de uma rede nacional de abate e de uma rede de parques de concentração. É assim que esse problema se soluciona e não por outras vias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A rede nacional de abate não está minimamente equacionada no projecto de lei apresentado pelo PCP, onde só estão indicados uns vagos princípios, com os quais obviamente todos mais ou menos concordaremos, mas que em nada se distanciam dos diversos documentos que têm sido produzidos pelos sucessivos governos, bem como do opúsculo de Maio de 1986 que o Sr. Deputado possui.
É óbvio que a rede nacional de abate é de grande importância nacional e é evidente que ela deverá motivar o empenhamento de todos nós, enquanto representantes do eleitorado português, para a sua análise.
Exactamente nesse sentido, e à semelhança aliás do que outros partidos já aqui expressaram, o PRD tem total abertura para discutir a rede nacional de abate com base no documento do Governo de Maio de 1986, num projecto de lei que o PCP queira apresentar sobre esta matéria ou numa proposta de lei que o Governo queira aqui apresentar, mas não por esta via.
Em relação à questão da implementação progressiva da rede nacional de abate que está legalmente em vigor, por processos que poderemos considerar ou não os melhores, ela provocou alguns problemas, como o bairrismo, que não se prenderam até hoje minimamente com contestações de natureza técnica. Vide, e só a título de exemplo, o caso de Sousel e de Monforte. Tecnicamente estava aconselhada a localização prioritária em Monforte, com uma diferença de quoficientes de 0,09 para Sousel. Acontece que a sociedade mista que se pretendeu constituir para Monforte andou a «rebolar» durante ano e meio sem que se conseguisse constituir o capital, em relação ao qual a Junta se propunha entrar com 40%, e, de um momento para o outro, através da Câmara Municipal de Sousel, apresentou-se a proposta de constituição de uma sociedade em que a Junta só tinha que participar com 10% do capital e um projecto para a CEE ao abrigo da 355. É esta a realidade. O ser em Sousel ou em Monforte teve a ver com a maior ou menor dinâmica das respectivas câmaras e não com questões de natureza técnica.
Estamos abertos a equacionar todo o problema da rede nacional de abate, mas entendemos que tal não se faz pela via deste projecto de lei, que de facto o que pretende é responder às movimentações que se desencadearam em certas áreas muito restritas do País após o dia 1 de Abril de 1986. E este projecto não tem qualquer fundamentação técnica para esses dois artigos, os artigos 5.º e 6.º
Quanto a tudo o resto, rede nacional de abate, rede de parques, etc., sim senhor, temos total disponibilidade para os discutir. Mas admitir, com prejuízo flagrante dos direitos das populações e do direito à saúde dessas populações, que se reabram os matadouros, tal como o Partido Comunista propõe, isso nunca.

Aplausos de alguns deputados do PRD e do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Paulo Campos, os Srs. Deputados Rogério de Brito e Alberto Avelino.
Sucede, porém, que o Sr. Deputado Paulo Campos não dispõe de tempo para responder.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, pretendia dizer a V.ª Ex.ª que, após certas divagações sobre um acto de modéstia e autocrítica que eu teria praticado e após a referência ao atentado que o Partido Comunista Português teria proposto à saúde pública, desejo exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Sr. Deputado, tem a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado Paulo Campos, se eu tivesse dado uma lição de modéstia e autocrítica, devo dizer-lhe que teria sido com muito gosto, porque acho que isso é, digamos, um princípio que deve ser adoptado por qualquer pessoa de bem, ou seja, ter-se capacidade para se reconhecerem erros.

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Acontece, no entanto, que não se tratou de nada disso.
O Sr. Deputado disse que o projecto de lei nada tem a ver com a minha intervenção. Ora, na minha intervenção, eu coloquei as questões da rede de concentração do gado para abate e da razão de ser de a propormos e justifiquei-as. Ao contrário do que o Sr. Deputado diz, não é marginal nem foi colocada numa situação secundária, mas em simultaneidade com a questão dos matadouros.
Segunda questão: no nosso projecto de lei não pretendemos definir com precisão a rede nacional de abate exactamente porque se trata de uma matéria complicada; contudo, definimos as condições para a implementação dessa rede, deixando ao próprio Governo a capacidade de reflectir sobre elas, de reformular os seus conceitos e de poder dar satisfação aos objectivos que devem presidir à rede nacional de abate. É isso que propomos no artigo 5.º a estruturação e o enquadramento integrado da rede nacional de abate, a fundamentação dos critérios de planeamento da regionalização e da localização dos matadouros, bem como da capacidade instalada, o estabelecimento integrado e simultâneo das infra-estruturas, desde a concentração à oferta ao nível de produção até à distribuição a jusante dos matadouros, etc.
Por outro lado, apresentámos, na nossa intervenção, o nosso ponto de vista quanto àquilo que deveria ser a rede nacional de abate, que é um outro aspecto da questão. Fizemo-lo exactamente por estarmos disponíveis para procurarmos a solução mais adequada.
Quanto ao atentado à saúde pública, queria dizer-lhe, com toda a serenidade, que V. Ex.ª não está a ser correcto na forma como coloca a questão. É que o Sr. Deputado sabe que essa questão foi suscitada entre nós há já muito tempo. Inclusivamente, no caso presente, foi suscitada entre mim e V. Ex.ª e, de imediato, reconheci que, efectivamente, tinha havido um lapso, isto é, que de forma alguma era defensável que fossem feitas exigências de ordem hígio-sanitária para os matadouros privados e não o fossem para os matadouros públicos.
Disse-lhe que estávamos inteiramente ao dispor para subscrevermos imediatamente essa alteração no relatório e parecer da comissão respectiva,...

Uma voz do PSD: - É verdade!

O Orador: - ... pondo exactamente as mesmas exigências. Disse também que assumiríamos essa posição aquando da apresentação do projecto e, efectivamente, assim aconteceu.
Mas escamotear isto, sinceramente, Sr. Deputado, não me parece correcto e magoa. Magoa porque isso não foi sério.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Penso que o Sr. Deputado Rogério de Brito ter-se-á sentido ofendido por eu ter dito que foi um protesto. Foi a única coisa em que o Sr. Deputado invocou o seu direito de se sentir ofendido. Penso que, de facto, isso não é uma ofensa. Mas o contrário sim: teria eu razão para me sentir ofendido pelo facto de o Sr. Deputado ter dito que não era uma atitude séria da minha parte?! Meias verdades não, a verdade toda.
Ora, como sabe, a verdade toda foi eu ter-lhe apresentado a crítica que referiu e o Sr. Deputado ter-me apresentado imediatamente a sua disponibilidade para se comprometerem, em discussão na especialidade, a deixarem introduzir essas alterações, ao que eu lhe retorqui que preferia que o Partido Comunista alterasse o seu projecto antes da discussão na especialidade.
É muito diferente uma coisa da outra, Sr. Deputado, e a razão é simples: é que a aprovação de um projecto contra o qual se está, por razões de princípio, na expectativa de alterações na especialidade é substancialmente diferente da aprovação de um projecto que sofreu, antes da discussão e da votação, as alterações que se exigiam para que o voto fosse favorável.
Sr. Deputado, é esta a realidade e a verdade dos factos.
Quero dizer-lhe que todas as condições que o Sr. Deputado aqui referiu para a rede nacional de abate, contidas no seu projecto, têm - como eu disse há pouco, na minha intervenção - uma pouquíssima diferença em relação a diversas afirmações contidas em diversos documentos produzidos por diversos governos. Não traz nada de novo, não vai mais longe do que já se foi através de diversos governos. É neste sentido que é marginal, dentro do projecto do Partido Comunista, embora eu tivesse dito que era uma questão não marginal, no contexto daquilo que estamos a debater.
Por último, queria dizer-lhe que quando referi que o Sr. Deputado tinha tecido um vasto volume de considerações, que nada tinham a ver com o projecto, me referia, por exemplo, a todas as suas afirmações proferidas sobre questões económicas ligadas à dimensão dos matadouros e em que se limitou a apresentar um rol de números perfeitamente contestáveis - devo dizer-lhe -, sem referir que o limiar de rentabilidade de um matadouro, com os requisitos técnicos e sanitários exigidos pela lei portuguesa em vigor, anda acima das 4000 t/ano e que isso é perfeitamente incompatível com os tais múltiplos matadouros concelhios que o Sr. Deputado pretenderia ver proliferar por todo o país.
Pelo contrário, o Sr. Deputado não referiu qual seria a total inviabilidade económica desses pequenos matadouros, que proliferariam pelo País e que não atingiriam 1000 t/ano nem teriam capacidade de suportar os importantes investimentos necessários às condições técnicas e sanitárias exigidas.
Devo dizer-lhe, a título de exemplo e para finalizar, que um matadouro que tenha um abate de 1000 t/ano, só em termos de tratamento de efluentes, carece de investimentos a rondar 100 000 contos. Não é compatível com o processamento de 1000 t, como o Sr. Deputado rapidamente verificará, se fizer umas continhas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faltam apenas três minutos para as 20 horas.

Lembro-lhes que este projecto é uma marcação e ainda estão inscritos, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Alberto Avelino e para intervir o Sr. Deputado Luís Capoulas.

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11 DE FEVEREIRO DE 1987 1689

Entretanto, pediu também a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz, a quem solicito o favor de informar a mesa para que efeito deseja usar da palavra.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Para uma intervenção, Sr. Presidente, mas devido à hora e ao facto de termos marcada, para as 20 horas, uma reunião do nosso grupo parlamentar, parto do princípio que intervirei na próxima quinta-feira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esta discussão não pode ser protelada, visto tratar-se de uma marcação.
Quanto muito, e caso haja consenso, a votação ficará para a próxima semana, mas a discussão tem de terminar hoje.
Por isso, dou apenas a palavra ao Sr. Deputado Alberto Avelino, para que possa formular os pedidos de esclarecimento.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Deputado Paulo Campos, apreciei muito a sua deambulação técnico-linguística, para agradar a gregos e, possivelmente amanhã, a troianos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Não, é para agradar a portugueses.

O Orador: - Muito bem, muito bem. Fica-lhe muito bem o seu sentido nacional.

O Sr. Álvaro Figueiredo (PSD): - Gosto de os ver zangados.

O Orador: - Voltando ainda à questão dos aspectos hígio-sanitários, por exemplo o matadouro de Montemor-o-Novo foi desactivado e, segundo creio, vão abater o gado a Setúbal.
Ora, é a própria Câmara Municipal de Setúbal que diz que o matadouro não tem condições. Quer dizer, não se melhorou nada.
Por outro lado, o Sr. Deputado citou a questão das distâncias e fez contas. O Sr. Deputado saberá, muito melhor do que eu, se, porventura, no transporte a 100 km - como citou -, o stress provocado nos animais determina ou não uma diminuição de peso nas carcaças respectivas.
Por outro lado, também há muitos aspectos hígio-sanitários que foram tidos em consideração, só que não sei se, no fundo, não se pretendeu aliviar o esforço do homem, aplicando mais a técnica em detrimento do aspecto sanitário. Cito-lhe, por exemplo, um seu colega veterinário que refere um matadouro em que o tratamento de tripas era feito à mão - e acho que eram óptimas para dobrada - e quando passou a ser feito mecanicamente, tornaram-se impossíveis de consumir, dados os resíduos fecais existentes nessas tripas. Como vê, a técnica alivia o trabalho do homem usa-se a máquina porque se pensa que é mais higiénico, mas acontece isto!... Quem o diz é um colega seu, Sr. Deputado Paulo Campos!

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Eu sei!

O Orador: - De qualquer maneira, queria fazer-lhe apenas esta pergunta: pelo menos, acha ou não que mereceu a pena ter-se discutido hoje aqui este assunto, que se tenha chamado a Plenário a discussão da rede nacional de abate?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Campos, V. Ex.ª não dispõe de tempo para responder, mas a Mesa concede-lhe um minuto, rigorosamente, para esse efeito.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, o CDS cede três minutos ao Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Agradeço ao CDS o tempo que me concedeu.
Sr. Deputado Alberto Avelino, quanto ao stress - e como eu disse há pouco -, é evidente que existe o stress provocado pelo transporte e que pode ter alguma quebra ligeira no peso, em vida.
Mas, como também disse há pouco, é evidente que isso é uma situação já suportada pela esmagadora maioria do gado «turístico» do nosso país. Não é por aí que vamos lá.
Em contrapartida, devo dizer-lhe que a concentração do gado também tem outras consequências negativas. Há todo um conjunto de doenças de concentração que existem, mas não podemos ter soluções rigorosamente perfeitas. Exactamente por essa razão, Sr. Deputado, é que podem acontecer situações pontuais, como aquelas que referiu, da lavagem das dobradas. Também li esse parecer e devo dizer-lhe que o considero altamente incorrecto, porquanto situações dessas poderão existir sempre pontualmente, mas nunca existem normalmente.
Pegar no afloramento pontual de um erro de processamento técnico para daí extrapolar para a normalidade da incorrecção do processamento técnico, em melhores condições técnicas, é incorrecto, para não dizer outra coisa.
Quanto ao problema do matadouro de Montemor-o-Novo, e para finalizar, queria dar-lhe a seguinte informação: meses antes do encerramento deste matadouro, mais de metade do seu volume de abate já tinha saído por livre iniciativa de quem o tinha em mão, pois era uma única pessoa que detinha mais de metade do volume de abate desse matadouro.
Por outro lado, e respondendo também a uma dúvida que o Sr. Deputado expressou durante a sua intervenção, o encerramento dos matadouros tem vindo a verificar-se, nalguns casos, passando o abate para matadouros que não têm condições ideais. Mas o que com certeza têm é condições globalmente consideradas melhores do que aquelas que tinha o matadouro que encerrou. É o caso do matadouro de Setúbal, que, ao nível da inspecção e do controle de qualidade final das carnes, é preferível ao de Montemor-o-Novo, embora não seja, efectivamente, a solução ideal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regimental do termo da sessão, pelo que declaro encerrado este debate. Estavam ainda inscritos outros Srs. Deputados, mas essas intervenções estão prejudicadas.
Parece haver consenso no sentido de a votação ser transferida para a próxima quinta-feira, às 18 horas. Aliás, o próprio Partido Comunista é que o poderia requerer...

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O Sr. Soares Cruz (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, sei que é uma marcação e que V. Ex.ª encerrou o debate, mas parece-me que, nas marcações, há um dispositivo regimental que permite a intervenção de, pelo menos, um orador por cada partido. Contudo, se V. Ex.ª e a Câmara entenderem que o CDS não pode usar da palavra, nós acatamos isso pacatamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Soares Cruz, chegámos à hora regimental e não houve qualquer requerimento pedindo a prorrogação da sessão. Por isso, não tenho outra solução que não seja a de declarar encerrado o debate.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Nesse caso, Sr. Presidente, e sob a forma de interpelação à Mesa, aproveito para informar V. Ex.ª de que o CDS, valendo-se de mais esta circunstância, apresentará, no prazo máximo de oito dias, um projecto que vise, exactamente, esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, queria dizer o seguinte: se, efectivamente, o que faltou para o termo do debate é a intervenção do Sr. Deputado do CDS, dentro do sistema de consenso que tem sido estabelecido em diferentes ocasiões, solicitamos ao Sr. Presidente o favor de consultar os diversos grupos parlamentares no sentido de saber se há ou não algum inconveniente em que os trabalhos se prolonguem por cinco ou dez minutos para que essa intervenção seja produzida. Em situação diferente, requereríamos o prolongamento dos trabalhos até à produção da intervenção do Sr. Deputado do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devo informá-lo de que ainda estão três Srs. Deputados inscritos para produzirem intervenções: os Srs. Deputados Luís Capoulas, Soares Cruz e Rogério de Brito. Além disso, não deu atempadamente entrada na Mesa nenhum requerimento solicitando o prolongamento da sessão.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer a interpelação à Mesa pelo Sr. Deputado João Amaral.
Em segundo lugar, gostaria de dizer que creio que o caminho seguido pela Mesa é o correcto, é o regimental e vamos ter oportunidade de voltar a esta matéria. Portanto, abdico de usar da palavra.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa, na medida em que V. Ex." não marcou a votação deste projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há pouco referi que tinha havido consenso no sentido de a votação deste diploma ter lugar na próxima quinta-feira, às 18 horas.
Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar na quinta-feira, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia. Do período da ordem do dia constam a nova apreciação do diploma sobre o licenciamento de estações emissoras de radiodifusão (Decreto n.º 61/IV da Assembleia da República) e às 18 horas a votação do projecto de lei n.º 216/IV.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, julgo que seria conveniente referir e precisar que essa ordem do dia que V. Ex.ª anunciou é, de facto, a que está marcada, sem prejuízo de uma eventual deliberação em sentido diferente da conferência de líderes parlamentares que terá lugar amanhã, uma vez que foi esse consenso que resultou da conferência de líderes extraordinária que hoje se realizou.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho informação de qualquer alteração a este agendamento. No entanto, se houver alguma alteração, ela será anotada.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião. Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Dinah Serrão Alhandra.
Joaquim da Silva Martins.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingos.
António de Almeida Santos.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Henriques Lopes.
José Barbosa Mota.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Bártolo de Paiva Campos.

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Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Antunes Mendes.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Henrique José Pereira de Moraes.
Hernâni Torres Moutinho.
José Augusto Gama. Narana
Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José Mendes Bota.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues Azevedo.
António Magalhães Silva.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Helena Torres Marques.
João Rosado Correia.
José Augusto Fillol Guimarães.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Eduardo de Sousa Pereira.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Francisco Armando Fernandes.
José Luís Correia de Azevedo.
José Torcato Dias Ferreira.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Manuel Loureiro Roque.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
João da Silva Mendes Morgado.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia Mota Santos.
António José Borges de Carvalho.

Voto

Desde o passado mês de Dezembro foram já cinco os reclusos portugueses que puserem termo à vida. Em recente deslocação ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pôde apurar que haverá naquele Estabelecimento pelo menos 30 reclusos no limiar da autodestruição.
Esta situação, sem precedentes na história prisional recente, veio alertar, de forma dramática, para as graves carências e condições frequentemente desumanas das instituições penitenciárias, que atingem particularmente os jovens reclusos.
Sendo comprovadamente necessárias medidas de fundo que conduzam a uma decidida melhoria das condições prisionais, a trágica situação agora registada (cujo desenvolvimento não pode, infelizmente, ter-se por controlado) exige acções específicas, algumas das quais já em curso, que, sem mais demora, logrem impedir novas mortes nas prisões portuguesas.
Nestes termos, a Assembleia da República:

a) Exprime o seu pesar pelas mortes dos cinco reclusos que puseram termo à vida no Estabelecimento Prisional de Lisboa e manifesta a sua profunda preocupação pelas condições afrontadoras da dignidade humana ainda existentes em estabelecimentos prisionais;
b) Considera imprescindível a adopção de medidas que dêem resposta às situações de risco de destruição e autodestruição de reclusos, designadamente através do combate ao isolamento inicial dos reclusos e da garantia do seu adequado acompanhamento por técnicos de educação, de educação, de reinserção social e, quando necessário, por especialistas no tratamento da toxicomania;
c) Pronuncia-se pela rápida concretização das medidas de fundo para as quais foi aprovada cobertura financeira no Orçamento do Estado para 1987, com vista à melhoria das condições de vida prisionais.

Assembleia da República, 10 de Fevereiro de 1987. - Os Deputados: José Magalhães (PCP) - José Manuel Mendes (PCP) - João Amaral (PCP) - Carlos Brito (PCP) - Raul Castro (MDP/CDE).

As REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins.

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PREÇO DESTE NÚMERO 152$00

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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