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I Série - Número 48

Quarta-feira, 25 de Fevereiro de 1987

PORTE PAGO

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE FEVEREIRO DE 1987

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes

José Carlos Pinto Basto da Mota Torres

António Lopes Marques

José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
O Sr. Deputado Almeida Santos (PS) e o Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo) usaram da palavra no início da interpelação ao Governo, apresentada pelo PS, com vista à abertura de um debate sobre política geral, centrada nas políticas da justiça e sectoriais anexas.
No debate que se seguiu usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Garcia Marques), os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), José Magalhães (PCP), João Salgado e Licinio Moreira (PSD), Odete Santos (PCP), Vieira Mesquita (PSD), Almeida Santos (PS), José Manuel Mendes e Rogério Moreira (PCP), Eduardo Pereira e Jorge Lacão (PS), Custódio Gingão (PCP), Raúl Castro (MDP/CDE), Marcelo Curto (PS), José Luís Ramos (PSD), José Carlos Vasconcelos (PRD), Miranda Calha (PS), Hernâni Moutinho (CDS), Jaime Coutinho (PRD), Correia Afonso (PSD), Tiago Bastos e Bártolo de Campos (PRD), Jorge Patrício (PCP) e Jorge Sampaio (PS).
Encerraram o debate o Sr. Deputado Jorge Sampaio (PS) e o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira).
Entretanto foi aprovado um voto de pesar pelo falecimento do poeta, compositor e cantor José Afonso, tendo sido guardado um minuto de silêncio em sua memória.
A Câmara aprovou ainda diversos pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos no sentido de autorizar senhores deputados a deporem em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão era 1 hora e 45 minutos do dia seguinte. _______

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 50 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António d'Orey Capucho.
Arlindo da Silva André Moreira.
Belarmino Henriques Correia.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
João Domingos Abreu Salgado.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe de Athayde de Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.

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António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva de Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Artur T. Sá Furtado.
Francisco Armando Fernandes.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Fernando Pinho da Silva.
José da Silva Lopes.
Manuel Gomes Guerreiro.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Estêvão Correia Cruz.
Maria Alda Barbosa Nogueira.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
José Augusto Gama.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Narana Sinai Coissoró.
Manuel Vaz da Silva.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Raul Fernando Morais e Castro.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia Mota Santos.
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: ratificação n.º 139/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 65/87, de 6 de Fevereiro, que foi admitida; ratificação n.º 140/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do PCP e do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, relativa ao Decreto-Lei n.º 57/87, de 31 de Janeiro, que foi admitida, e, finalmente, a proposta de lei n.º 52/IV, relativa à autonomia universitária, que foi admitida e baixa à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Informo os senhores deputados de que, por acordo entre os presidentes dos grupos parlamentares, hoje, às 15 horas, terá lugar a apreciação e votação de um voto de pesar pelo falecimento do Sr. José Afonso.
Mais informo que foi igualmente deliberado que a Assembleia da República se faça representar no funeral por uma delegação parlamentar, constituída por um deputado de cada partido e chefiada pelo Sr. Vice-Presidente Marques Júnior. A delegação sairá do Parlamento às 14 horas.
O voto de pesar que será apreciado às 15 horas foi já presente à Mesa e está aberto à assinatura dos senhores deputados que o pretendam fazer.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é para informar que há consenso nas bancadas no sentido de o voto de pesar ser apreciado na quinta-feira. Hoje apenas o votaremos e guardaremos um minuto de silêncio, segundo me informaram.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. Na realidade, disse apreciação, mas hoje só se votará, e os comentários que, porventura, os senhores deputados entendam dever fazer suscitados pelo voto de pesar serão feitos na quinta-feira, no período de antes da ordem do dia.
Vamos iniciar a nossa ordem de trabalhos, da qual consta a interpelação ao governo n.º 4/IV (PS), com a abertura de um debate sobre política geral, centrado nas políticas da justiça e sectoriais anexas.
Ao partido interpelante, na pessoa do Sr. Deputado Almeida Santos, concedo a palavra para a intervenção de abertura do debate.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Esta interpelação destina-se a agir como um despertador: o Governo e o País dormem sobre as rotinas da justiça; é urgente acordá-los!
O Governo ressona também sobre a mancha do desemprego, a agonia das empresas, a anarquia do ensino e o paleolítico da agricultura, confortado pelos

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sacramentos da queda do dólar e da baixa do preço dos combustíveis? É bem verdade! Mas é no sector da justiça que mais arriscadamente se joga o futuro desse supremo referencial humano, cívico e político que o cidadão é.
Há sete anos ao leme da justiça, o PSD e os seus ministros não dão o menor sinal de insatisfação em face da rotina. Aparentemente, ainda se não deram conta de que, precisamente no decurso desse septénio, se tornou indisfarçável o mundo novo que aí está, e seguramente aí vem, a envelhecer irremissivelmente a ideia e o sistema de direito que herdámos da colonização romana e que, desde então, temos mantido com o mesmo empenho conservador com que se preserva uma víscera num frasco de álcool!
Entretanto, o nosso Ministério da Justiça dorme! Mal encoberto pela simpatia transbordante do actual Ministro - o que da Justiça mais tempo o foi depois de Abril -, conformado assiste e acha que a melhor política é deixar correr o marfim.
Sr. Ministro já teve a bondade de esclarecer que o seu Ministério não é o «guardião das leis». Se fosse assim, chamar-se-ia, logicamente, o Ministério das Leis. Mas não: é da Justiça que se chama. Mas como «da Justiça» se autogovernam, zelosas da sua independência, as magistraturas e são «irresponsáveis» pelos seus juízos os magistrados?
Tem acaso o Ministério da Justiça algo a ver com a morosidade crescente das decisões judiciais? Acaso é a ele que tempos de responsabilizar por o saldo dos processos entrados, relativamente aos julgados, crescer continuamente? Ou o facto de, ao ritmo a que julgam, os processos pendentes só ao fim de quatro anos terem sido todos julgados, se mais nenhum entrasse?
Ou com o facto de, ao fim de anos, já ninguém relacionar a decisão com o conflito ou a pena com o delito? Ou com a circunstância de, ao fim de anos, a partilha de bens ter perdido o interesse, a falência ter perdido eficácia, a indemnização ter perdido valor ou a reparação da honra já não fazer nenhum sentido?
Ou será ele o culpado de os processos continuarem a ser cosidos a agulha e baraço, como no tempo da Maria Castanha?
Ou de a informatização da justiça continuar a ser uma miragem, quer ao nível dos dados sobre legislação e jurisprudência, quer ao do dia a dia da vida nos nossos tribunais?
A única polícia que depende do Ministério da Justiça - a Judiciária - vai ela também reforçando cada vez mais o seu capital de autonomia!
Da justiça dos registos ou do arquivo de identificação não é pertinente falar. São burocráticos, tabeliões, preto no branco, lidam com dados computorizáveis, ainda que não computorizados. E laboram em tal ritmo de stress que só poderão ser expressão de justiça quando com esta se confunda a confusão!
O sistema prisional e os serviços tutelares de menores não têm nada a ver com a justiça. São mesmo a terra prometida da iniquidade. Pois como? Justo uma cadeia? Apeteceria ser admitido nela! Justo um reformatório? Que restaria do amor de mãe?
Ter-se-á a justiça refugiado nos serviços de combate à droga?
É sabido que não! Existem para fazer o seu número, mas desde que foram criados e tirando alguns relativos êxitos da brigada que na Polícia Judiciária dá caça ao traficante, no mais goza de inteira liberdade o toxicodependente - inclusive a de morrer!
Fica o quê? A justiça da construção e conservação dos tribunais? Foi chão que deu uvas! Desde que os cofres dos tribunais, sob a gestão do PSD, «abriram
falência» e pedem esmola ao Orçamento do Estado, desapossados do orgulho da sua independência, o Ministério da Justiça praticamente deixou de construir, deixou de conservar e os pingos da chuva que entram no pretório, curiosos de saber como nele se julga, são recebidos, não de empreiteiro em riste, mas de balde em punho!...
Conhecidas as concepções do PSD sobre a justiça, que fazem do Ministério da Justiça em espectador, perdida ao fim de sete anos a esperança em que o Ministério mude, ou bem que mudamos de governo ou bem que prescindimos de justiça, pelo menos da que do Ministério deveria vir e não vem! ...
Eça - sempre Eça -, atento aos ministérios do seu tempo, achava que reformavam demais, ainda que só na letra dos decretos. E legou-nos esta visão inquietante: «Todo o Ministério que entra deita reforma e cupé. O Ministro cai - o cupé recolhe à cocheira e a reforma à gaveta.»
Bom observador, mas mau profecia, Eça foi por antecipação injusto para com os ministérios do PSD e, sobretudo, para o actual governo. É mentira que façam reformas! E vão, seguramente, deixar vazias as gavetas!
O seu a seu dono: ao PSD e aos seus ministérios o conservadorismo das concepções e o imobilismo das políticas!
Das mudanças que a contragosto faz, não é sequer o actual governo o verdadeiro «culpado». Pois, se tivesse governado sozinho no tempo do anterior, com o dólar e o preço do petróleo a subirem todos os dias, teria ele baixado a taxa de juros ou feito subir o saldo da balança de transacções correntes? Ninguém hoje poderia «acusá-lo» dessas «perigosas inovações». É sabido que quando presidiu ao executivo em conjuntura idêntica à do anterior governo, elevou o défice da balança até ao zénite dos números e empurrou para cima, tanto quanto pôde, as taxas de inflação e de juros.
Inversamente: podia este governo, com o dólar e o preço do petróleo a baixarem até ao aviltamento, opor-se com êxito à queda das taxas de inflação e de juros e ao saldo positivo da balança? É claro que não podia!
Onde pode, este governo conservador conserva! Conserva o desemprego, conserva a anarquia escolar, conserva doente a saúde, agónicas as empresas, paleolítica a agricultura. Tem acaso política para a indústria? Ninguém o pode acusar disso! Mas regressemos ao nosso tema: tem, porventura, incomodado a rotina no sector da justiça? Seria injusto um tal libelo!
O cidadão perde confiança na justiça? Os poderes de facto penetram nos circuitos de deliberação e decisão? A autoridade do Estado dissolve-se na poliarquização do poder? O crime organizado reforça-se? O crime comum já não consegue cama nas prisões? O suicídio prisional epidemiza-se?
O Instituto de Reinserção Social arrasta-se penosamente (depois de extinto e de novo convalidado) por falta de meios? Os juízes não aplicam as penas alternativas da pena de prisão? Os presos preventivos coabitam com os definitivamente condenados e aprendem o crime com eles? Há prisões que são uma enxovia? A reabilitação pelo trabalho continua a ser uma fraude? O emprego após a saída da prisão continua a ser uma miragem? A tutela de menores produz suicidas e rebeldes? A Polícia Judiciária, ao prender corajosamente os seus corruptos, denuncia o icebergue da própria corrupção? A justiça continua morosa? O Centro de Estu-

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dos Judiciários já produziu a quantidade mas continua distante da qualidade? O estudo do direito comparado permanece quintal de iniciados? O actual Ministro já decretou a morte do Gabinete de Direito Europeu? Os registos rebentam pelas costuras? A droga já mata sem o incómodo de uma noticia? A informação jurídica pratica níveis que transformam em monumental agressão cultural o princípio de que a ignorância da lei a ninguém aproveita? O acesso ao direito converte a igualdade de todos perante a lei na mais descarada mentira? O acesso aos tribunais continua a ser privilégio de ricos e via sacra de pobres? O Ministério não tem política financeira, nem de pessoal, nem de informática (apesar de pioneiro dela), nem de investigação criminal, nem de reinserção social, nem prisional, nem de execução das penas, nem tutelar de menores, dignas desse nome? Nem política legislativa, limitando-se a designar grupos de trabalho - vai numa dezena - nada baratos e nem sempre eficientes? Acaba de ver por um canudo o Gabinete de Apoio Técnico Legislativo, que foi a luz dos olhos desse Ministro e que, de repente, deixou de ser?
Uma inspecção aos cofres - de resultados incógnitos - teve no entanto o resultado da demissão do director do Gabinete de Gestão Financeira e a sua indeglutível e, no entanto, deglutida substituição por uma técnica oriunda do Ministério das Finanças?
Aparentemente, o actual Ministro, embora peso-pesado ...

O Sr. António Capucho (PSD): - Que engraçado!

O Orador: - ... não tem peso político para se impor aos seus pares e aos grupos corporativos com que lida, ou seja, para converter em actos as suas mais salutares intenções.
Em tudo isto há uma dramática quota de verdade. Uma verdade que se acumula a partir de longe, pois nenhum Ministro da Justiça e nenhum governo são pontualmente imunes a um juízo de culpa.
Mas não se exige deste ou de qualquer outro governo o milagre do banimento da droga, da erradicação do crime, da burocracia diligente e da justiça pronta. Mas exigia-se-lhe que não adormecesse e que mais empenhadamente lutasse por isso, ainda que antecipadamente certo de que longa, árdua e incerta seria em qualquer caso essa luta. Pediam-se-lhe orçamentos de combate à insegurança dos cidadãos, à degradação do homem, à sua destruição pela droga e pelo crime, ainda que com sacrifício de alguma demagogia e algum cimento armado.
O PSD enche a boca com o seu personalismo. Politicamente, esquece o homem e privilegia o betão!

O Sr. António Capucho (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Chega por isso a ser injusto julgar mal ministros que até nem são assim tão maus, directores-gerais que, quando calha, até são bons funcionários, que, não raro, chegam a ser excelentes e fazem o que podem. Mas que podem pouco, porque lidam com quadros exíguos ou impreparados, quando não em larga medida impreenchidos por demora de descongelamento ou falta de verba.
Em alguns casos, a penúria traduz insensatez. Começou com um ministro da justiça do PSD a prática ilegal de desviar verbas dos cofres do Ministério para
custear remunerações suplementares de funcionários. O mal foi começar. De discriminação em discriminação e de bónus em bónus, foram-se exaurindo os cofres, ganhando a partir daí os edifícios dos tribunais o direito a cair de podres. Começam de facto a exercer esse direito!
O actual Ministro, incapaz de remar contra essa maré, foi pactuando com a solução encontrada e, quando já não podia prolongá-la, passou a certidão de óbito à autonomia dos cofres, de que o Ministério fora sempre tão zeloso!...
Sem essa autonomia e sem a correspondente possibilidade de lançar a construção de novos tribunais e de lhes imprimir prestígio arquitectónico compatível com a dignidade da função, agora na fria dependência do negregado PIDDAC, o Ministério da Justiça ficou mais pequeno e mais triste! Não tarda que emparelhe com o Martinho da Arcada no abatimento dos arcos e na saudade da passada grandeza!...
Temos todos -numa perspectiva de Estado de reconduzir o cidadão à obediência à lei substituindo logo que possível este governo, que tão insensível a esse valor fundamental se mostra, mas ajudando-o, enquanto não pudermos substitui-lo, com o estímulo da nossa crítica.
A regra tem sido legislar cada vez mais e cada vez pior e deixou com este governo de ser coisa nunca vista a recusa arrogante, por ele, de acatamento de leis desta Assembleia.
A sobreposição ou o conflito de normas, as leis que ninguém cumpre sem que ninguém se importe e os prazos legais não cumpridos entraram a provocar azia na nossa dieta democrática.
A incerteza, instalou-se nos negócios jurídicos e em geral nas relações regidas por normas.
Prometem-se sem cessar novos esforços de simplificação processual e burocrática e o resultado são quase sempre mais ardis de processo e mais burocracia!
Empenhámo-nos na despenalização das bagatelas e o resultado está no abuso das coimas e das respectivas medidas acessórias, com a administrativização de sanções de tal modo pesadas que é posto em causa o melhor do Estado de direito, ou seja, o princípio da judicialização da instrução, da acusação e do julgamento!
Muitas das leis não tentam a captação dos valores prevalecentes na comunidade, mas a protecção de interesses individuais ou de grupo nem sempre dignos de tutela. O recurso ao instituto da ratificação dos diplomas do Governo está aí para lavar e durar.
Despojado, em regra, de participação institucional na feitura das leis -a prevista na Constituição ou qualquer outra-, o cidadão tenta participar de facto através de instrumentos de pressão, o que não raro consegue. O corte da estrada, a sabotagem do voto, a manifestação da rua, a greve da véspera, o editorial de circunstância, a homilia de protesto, ou mesmo a berrata de galeria, são os instrumentos mais visíveis. Mas há obviamente outros, tanto mais eficazes quanto mais subtis!
A linguagem das leis está longe do desejável rigor matemático. É cada vez maior o número de indivíduos que se julga apto ao papel de Licurgo. Em Portugal escreve-se, aliás, cada vez pior o português. O predomínio da oralidade na comunicação tinha de produzir esse resultado.

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A ciência jurídica suporta mal o desfavor da tecnocracia. Sofre com isso o rigor e padece a arrumação dos conceitos. Artesanalizado, o processo legislativo degrada-se. E tudo isto porque, instalado este belo Parlamento, demo-nos por quites com a democracia formal. Esquecidos de que, se ao deputado, que convém ser plúrimo na formação e na origem, compete a captação vivência! do direito no contacto com os cidadãos e, em última instância, a revelação e expressão da sua vontade, não lhe cabe, só por sê-lo, saber direito ou dominar a técnica legislativa.
A tarefa de formular leis, seja ao nível do projecto seja ao nível da proposta, deve competir a comissões especializadas de que esta Assembleia não dispõe.
Não às comissões permanentes, a que cabe o papel de miniparlamentos, de «parlamentos liofilizados», como já se lhes chamou, onde a vontade legislativa se define, imune aos constrangimentos da televisão e dos holofotes; mas a órgãos técnicos permanentes, especializados na ciência do direito, dominando a linguagem jurídica, familizarizados por larga experiência com a técnica de fazer as leis.
Não temos esses órgãos, como não temos gabinetes, mesas, cadeiras, telefones, assessoria para os deputados. Em boa verdade, temos o heroísmo de suprir a carência de tudo isso e de suportar estoicamente críticas de ineficácia que nela têm a sua raíz!...
E não me digam que não temos dinheiro! Nada há de mais caro do que os efeitos nocivos de uma lei má e pagamos todos os dias esse duro preço! Nada há de socialmente mais nocivo que o espectáculo do incumprimento da lei e estamos condenados ao dia a dia desse espectáculo.
Tomemos consciência disto: a partir de certo grau de desobediência à lei, deixaremos de ser uma comunidade civil e um Estado politicamente organizado!
Ora já se viu que não dispomos de Ministério da Justiça que se preocupe com isso. Não é - disse ele - guardião da lei. É espectador dela. A tal ponto que, repito, tendo o actual Ministro criado e posto a funcionar um Gabinete de Apoio Técnico-Legislativo, por sinal recheado de bons profissionais e destinado a desempenhar o importante papel de contribuir para a perfeição técnica dos diplomas dimanados do Governo -entre nós o mais prolífico legislador-, logo dele foi despojado para se o colocar ao nível da Presidência do Conselho, o que traduz a visão tecnocrática e liquidatária do Ministério da Justiça do actual Primeiro-Ministro.
Ou travamos este declive ou o Ministério da Justiça entra no rol das excrescências, limitado a processar as folhas dos vencimentos dos funcionários e a olear os computadores.
A esta crítica da qualidade das leis não fogem, sequer, as principais. As esperanças depositadas no novo Código Penal -a que dois mestres de Coimbra asseguraram excelente recorte técnico- foram neutralizadas pelo efectivo aumento da criminalidade e o agravado sobrepovoamento das prisões.
A reforma do Código de Processo Civil ficou-se por remendos que não tocam o fundo do enigma processual. Falta imaginação, falta arrojo, falta a espada que corte o nó górdio dos ritos seculares.
A reforma do Código de Processo Penal nasceu inconstitucional, ia jurar que, mesmo na sua nova versão, inconstitucional continua e não creio que represente, ela também, o pacto com a novidade de que a jurisdição penal precisa. Não existem criados, de resto, os meios necessários à sua efectiva aplicação!
A nova lei das sociedades, de perfeccionismo em perfeccionismo, acabou por vir à luz do dia recheada de imperfeições. Excessivamente casuísta e miudinha, regulamentar até à obcessão, logomáquica, palavrosa, mal escrita, divorciada não raro dos concretos melindres da vida das sociedades.
Uma vacatio legis de dois meses - aliás, de férias -, apesar de não ter sido objecto de discussão pública, a recusa do tempo normalmente necessário à adaptação dos pactos sociais das sociedades, o mistério em torno do que nela é imperativo ou supletivo, a não publicação simultânea das alterações ao registo comercial e, enfim, a rejeição do produto final pelo principal autor do projecto são -passe o atrevimento do diagnóstico - do foro psiquiátrico!...
Quer dizer: quando o Ministério da Justiça acorda do seu coma profundo para legislar apetece ministrar-lhe um sedativo para que volte a adormecer antes que de novo legisle!...
Pior do que uma lei má é o desconhecimento das boas. É sabido que, nos termos da Constituição «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei».
Constitui também um regalo cívico podermos ler, na matriz das leis, que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito [... ] em razão da sua situação económica ou condição social».
Excelente para cozinhar utopias é ainda o princípio segundo o qual «só podem ser criminosos os indivíduos que têm a necessária inteligência e liberdade».
Descendo à terra por um fio de luz, como o Cristo do poema de Pessoa, que vemos nós? Que nem os mais sábios conhecem todas as leis; que os mais ignorantes não conhecem nenhuma, embora tenham vaga notícia das que os obrigam a pagar impostos; que ninguém a esse respeito informa ninguém, que, apesar disso, a ignorância da lei a ninguém aproveita, sendo a sanção correspondente à sua violação tão pesada para o douto como para o néscio; que a justiça é cara e os bons profissionais do foro caríssimos e que, apesar disso, ninguém pode ser prejudicado ou privado do acesso a ela por não ter com que pagá-la!
Para a fome, há sempre a sopa dos pobres!
Para a doença, há sempre a Mitra!
Para o analfabetismo retardado há, de década em década, um assomo de vergonha que assopra a brasa quase extinta de uma fugaz campanha nacional contra o analfabetismo!
Quem não tem casa, tem barraca!
Quem não tem roupa, tem só por deferência de Deus o frio em conformidade!
Só para quem não conhece as leis não há remédio! Quem fez o mal julgando que praticava o bem, quem errou supondo que estava certo, quem o injusto com o justo confundiu, não é réu do crime de ser ignorante, é réu do crime que ignorava! E não é condenado por ser elevado o preço da justiça, é condenado por não ter com que pagar esse preço!
Que horror, Srs. Deputados! Foi este o mundo que para nós quisemos? É este ainda o mundo que para nós queremos?
A é injustamente acusado. Mas é inculto e pobre. Não alcança sequer de que o acusam. Entra num tribunal onde se fala uma linguagem que para ele é chi-

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nês. Entra sozinho, porque não teve com que constituir defensor. Acusado de furto; tem aparência de ladrão. O próprio defensor oficioso, defensor de ocasião, alheado e bocejante, está, no fundo, convencido de que ele tem cara disso. Com as aparências contra ele, é óbvio que a aparência passa a ser a realidade.
B é justamente acusado. Mas ;é douto e rico. Conhece os meandros da engrenagem. Aparece de Hmousine, de sobretudo de astracã e de estrela do foro em punho. É a imagem do cidadão enquadrado, bem sucedido, temente a Deus. Embarrila, não é embarrilado. Junta pareceres pagos a peso de ouro. Se necessário, mete incidente, mete agravo, mete viagem ao estrangeiro. Em última instância, fica por lá. Até à primeira amnistia. Até ao primeiro perdão.
São iguais perante a lei? Iguais no acesso ao direito? Iguais no acesso aos tribunais? Iguais no acesso à justiça? Direi antes que é alta a cotação da aparência na bolsa da hipocrisia!...
A pensar nestes e noutros «sonhos por haver», introduzimos no nosso texto constitucional, quando o revi-mos, mais esta bela proclamação:

1 - Todos têm direito à informação e à protecção jurídica, nos termos da lei.
2 - A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

Endereçámos esta mensagem ao Ministério da Justiça, mas já se disse que ele dormia e esquecemo-nos de o acordar.
Honra seja ao actual Ministro, que em diversos escritos e momentos tem ido buscar à sua alma de advogado, que nunca deixa de ser, a indignação mais viva contra esta iníqua situação. Mas ou não tem encontrado eco ou não tem dado sobre a mesa o murro. A caminho de cinco anos volvidos sobre a entrada em vigor daquele belo texto, apuramos isto: a abertura na Avenida do Infante Santo de uma experiência piloto de gabinete de consulta jurídica gratuita! Nada mais! Quanto a informação jurídica, zero! Quanto a patrocínio judiciário, o velho, iníquo e grotesco regime de assistência judiciária, concebido como esmola e praticado ao seu nível. Quanto à defesa oficiosa em processo penal, a mesma vergonha: o defensor nomeado pelo juiz, com direito a remuneração de miséria se tiver o talento de perder a acção; se distrair e tiver êxito, a remuneração é tê-lo tido. Como expressão de farisaísmo, dificilmente se encontraria melhor!
Lembro sempre, quando reflicto nisto, aquela saborosíssima história em que um pobre diabo, vítima de um erro judiciário, cumpriu dez anos de cadeia até que se descobriu o verdadeiro culpado. Recebido no Parlamento para lhe serem apresentadas públicas desculpas, entre discursos e flores, tudo rejeitou. E exigiu, mal-humorado, o direito de delinquir, sem ser preso, até ao limite da prisão já cumprida. A história prossegue naturalmente com ele a delinquir e a mandar pôr na conta!...
Não é terrivelmente lógica?
Está aí para discussão um projecto do Grupo Parlamentar do PCP sobre este tema. Um bom projecto, com o «senão» de algum irrealismo no imediato. Mas que serve como tema para a profunda reflexão que devemos a nós mesmos.
Pelo que me diz respeito, morro de vergonha. E já se viu que o actual Ministério da Justiça tem destas coisas uma visão miúda, vagarosa e baratucha!
Já fomos capazes de ir à Lua e estamos a entrar e cada vez mais fundo nos segredos da vida. Mas continuamos incapazes de encontrar um sucedâneo em liberdade para as penas de prisão.
Não obstante, todos sabemos que o sistema prisional destrói!' Por mais que o douremos com preocupações ressocializantes, sabemos que mais ensina ó crime do que o evita e que mais desumaniza o delinquente do que o recupera.
Mas se a privação da liberdade é em muitos casos um mal infelizmente necessário, não se segue dai que não devamos tentar reduzir o recurso a ela e humanizar o mais possível esse recurso.
Entretanto, as velhas prisões regorgitam de presos (8500 depois da última amnistia) e o Ministério da Justiça faz a «gestão hoteleira» dos edifícios. Não trata, não reeduca, não recupera. Hiberna, enquanto o sistema se degrada.
Sete anos de gestão social-democrata, sete anos de resignação e de promessas. Ainda não se quis perceber que o que se poupa no sistema prisional é malbaratado pelo reforço da criminalidade não só não prevenida como gerada pelo próprio sistema.
Portugal gasta com os reclusos, per capita, doze vezes menos do que os Países Baixos e catorze vezes menos do que a Suécia. A capitação alimentar diária é de 200$. Há camaratas instaladas em refeitórios. Em cada cela são, quando calha, encaixotados três reclusos. Que melhor marketing para a promoção da homossexualidade? Comem, por vezes, em cima das próprias camas. Apesar de nos últimos cinco anos o Ministério ter aumentado 80 % em termos de pessoal (dado fornecido pelo actual Ministro), nas prisões há 86 vagas de educadores, 580 vagas de guardas prisionais, o quadro médico está praticamente por preencher e não há praticamente enfermeiros profissionalizados.
Na cadeia de Monsanto os presos dormem em enxergas, nos corredores, e tem, pela calada da noite, a visita da rataria. Não existem critérios para a distribuição e instalação dos detidos preventivamente ou já condenados, dos delinquentes primários e dos habituais, dos jovens e dos curtidos em anos e em práticas delitivas, dos senhores de si e dos toxicodependentes: A ordem reinante é a da promiscuidade. De sorte que o que já recebeu ordens maiores inicia o noviço, o devasso sexual corrompe o inocente, o traficante de droga faz o que quer do que agoniza sem ela.
Já não será o inferno de Dante. Mas não está tão longe como isso de uma página de Dickens!
E claro que, para que tenha podido ser assim, não foram os Ministros da Justiça do PSD os únicos a dormir. Dormiram de algum modo todos os que os precederam, sem excluir eu próprio.

Vozes do PSP: - Muito bem!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Tem toda a razão!

O Orador: - Dormiram todos os governos e dormiu por longo tempo a própria comunidade, que só reage saudavelmente quando sacudida pela notícia de que nas cadeias ocorrem suicídios em cadeia, pese o facto de isso poder representar mais uma campainha de alarme do que um sintoma. Suicidam-se incomparavelmente

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mais jovens em resultado da droga, sem que ninguém os conte ou sem que, aparentemente, ninguém se alarme com isso.
Mas sem dúvida que, agravando-se sempre, o problema se tornou mais agudo nos últimos sete anos e, nessa medida, mais imperdoável a passividade dos responsáveis pelo sector da justiça.
Era possível ter feito mais do que decretar de quando em vez uma amnistia que alivie a pressão sobre o sistema? Sem dúvida que sim!
É imperdoável que continuem a aplicar-se com injustificável frequência penas de prisão de pequena duração. A pena de prisão deve ser um último recurso e a execução de penas de curta duração tem mais efeitos nocivos do que vantagens.
É lamentável que se não tenham criado ainda condições que permitam aos tribunais a aplicação das penas alternativas da pena de prisão, para além do que na resistência a essa aplicação possa decorrer da idiossincrasia do próprio julgador. Desde Janeiro de 1983 foram aplicadas apenas 50 penas de prisão por dias livres, 15 de trabalho a favor da comunidade e 64 em regime de prova. Porquê esta resistência às novas penas não detentivas?
Só agora, com a aprovação do Código de Processo Penal, se pôs termo em abstracto ao abuso inexplicável da prisão preventiva. 43% dos actuais detidos não foram ainda condenados. Muitos deles serão absolvidos. Até à condenação definitiva, presumem-se inocentes. A que título sujeitá-los aos mesmos vexames dos velhos cadastrados? Em caso de absolvição, quem responde pelos prejuízos sem conta, dos quais a lesão da honra não será, por certo, o menor?
A Constituição reconhece o direito dos cidadãos injustamente condenados à indemnização pelos danos sofridos. E os injustamente acusados e depois absolvidos?
É lamentável que os tribunais de execução das penas não tenham ainda podido corresponder - por falta de vontade política e de meios - à esperança que neles depositámos.
É lamentável que o Instituto de Reinserção Social, a que está cometida uma tão importante tarefa pré e pós setencial, durante a prisão e após ela, tenha começado por ser proscrito pelo actual Ministro, depois por ele tolerado, mas nunca verdadeiramente amado! Aparentemente, o actual Ministro preferia vê-lo substituído por mais uma direcção-geral. Pois crie-a, Sr. Ministro!
Não é o perfil orgânico o que mais interessa - sobretudo num Ministério praticamente sem lei orgânica, em que se não sabe bem quem manda nem em quê -, mas a vontade política de assegurar à entidade que disso cuide competência, autoridade e meios para pôr um «anjo da guarda» no caminho dos delinquentes.
A montante, é também lamentável o aviltamento em que se deixaram cair os serviços tutelares de menores. Dos 2000 lugares existentes em 1972, vamos em menos de 1000. Há instalações inaproveitadas, centenas de lugares por prover, verbas reiteradamente decrescentes afectas à prevenção do crime ao nível em que o crime desponta.
Resultado: abusa-se da pena de admoestação com reenvio dos jovens a casa dos pais e centenas de jovens em situação de perigosidade fazem bicha, à espera de vez, à porta do sistema.
Parece que se encara agora o projecto de construção de três novos estabelecimentos prisionais. Tê-lo-emos, pois, lá para os idos de 90.
Argumentou-se até agora com falta de verba. Não é verdade! O que tem faltado é vontade política. Tem havido dinheiro para obras menos instantes. E sempre tive por certo que, ocupando os estabelecimentos prisionais, tantas vezes, grandes áreas no coração das cidades - veja-se Lisboa, veja-se Coimbra -, não seria difícil ceder essas áreas, para urbanização, construindo-se com o produto dessa operação prisões modelares, em terrenos menos valiosos, circundados por um parque industrial, que poderia ser privado, onde os detidos se profissionalizassem e trabalhassem durante a prisão, já que não podem ser encarados a sério, nem o regime de profissionalização nem o de trabalho actualmente praticados.
E que foi feito, já não digo dos institutos de criminologia - que julgo mortos, e bem mortos! -, mas da ideia que lhes esteve na base?
Desistimos definitivamente de estudar cientificamente o fenómeno sociológico que o crime representa? Desistimos de continuar a estudar as suas causas, das mais próximas às mais remotas, de descobrir as suas vulnerabilidades e de afinar contra ele as melhores terapêuticas?
São conhecidas algumas das suas causas principais e sabe-se até que ponto são múltiplas e complexas. Mas eu tenho para mim que, se quisermos seleccionar uma delas como primeira das causas, em si e porque muitas outras a ela se reconduzem, iremos sempre dar ao desemprego. O desemprego antes do crime e depois da prisão. Que leva ao crime directamente e por interposta desgraça, seja esta a prostituição, seja a droga, seja a própria prisão como factor de degradação e como escola.
Uma má política de emprego pode constituir o factor mais altamente criminogéneo!
Não faz sentido falar de política criminal isoladamente de outras políticas sectoriais que com ela contendem. Como não faz sentido criticar o Ministro da Justiça por não ter política criminal nenhuma, sem simultaneamente culpabilizar o Governo por não ter política para o desemprego que não conduza ao seu aumento, política educativa que não acentue o seu caos, política de juventude que não reforce o seu abandono, política de desporto que não potencie o seu colapso.
Tudo porque o Governo tem da vida uma visão tecnocrática, do emprego uma visão economicista, da educação uma visão defensiva, da juventude uma visão conservadora, do desporto visão nenhuma!
Tinha aqui um capítulo sobre a droga, onde também entendo que este Ministério tem reagido nos últimos dez anos como um rotino-dependente, mas não tenho tempo.
Gostaria, se tivesse tempo, de «picar» este Ministério da Justiça noutros pontos sensíveis da sua enorme lassidão. Gostaria de convencê-lo de que da sua vigilância depende, a muitos títulos, a salvação de todos nós.
Mas não tenho. Outros camaradas meus e deputados de outros grupos parlamentares irão certamente tocar nas «feridas» que deixei dormentes.
Uma coisa tenho por certa: a partir desta interpelação, com o empenhamento do Ministério da Justiça ou sem ele, nada vai ficar na mesma. Chamaremos a nós essa preocupação. Outro tanto farão certamente outros

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grupos parlamentares e fará, sem dúvida, a comunicação social, estou certo disso. Tanto quanto por ora pretendemos foi deixar aqui um grito no silêncio, um murro na mesa, um atrevimento na rotina!

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que pediram a palavra para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Almeida Santos que só o poderão fazer quando entrarmos no debate propriamente dito.
Para uma intervenção, ainda no período de abertura, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não destoa dos esquemas parlamentares que a relação Governo-oposição resvale numa virtual conflitualidade - quase se poderá dizer, por vezes, que se trata de uma relação tabelarmente conflitual. Na base do antagonismo estará, por certo, para além de casuísticas razões, a natural perspectiva de movimentar, imediata ou diferidamente, mecanismos de alteração e a necessidade, como que «estatutária», de fomentar condições para que tal alteração se opere. Condições que não raramente nem terão a ver com o rigor dos juízos ou o proveito do País, bastará que sirvam, mesmo que só reflexamente, o propósito de accionar aqueles mecanismos.
Na específica circunstância de um governo dimanado de uma maioria parlamentar (mesmo que protagonizada pelo partido mais votado e em irreprimível ascenção em termos de eleitorado) ...

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... ganhará o antagonismo potenciado alento.
E nem o neutralizará o facto de a oposição se desdobrar por vários partidos, cujas temáticas, personalidades determinantes, práticas políticas e interesses reconhecíveis sejam, quanto a pontos matriciais, inconciliáveis. Inconciliáveis, pelo menos, se a coerência, o rigor e a fidelidade às próprias definições não tiverem, pour cause, transitado para as frouxas penumbras do relativo e do precário.
Foi, obviamente, jogando com estes dados (que são dos livros) que acudiu à lembrança do Partido Socialista a presente interpelação.
Sabe ele que, tradicionalmente, os problemas que relevam dos espaços do Ministério da Justiça e da administração da justiça são, no contexto da opinião pública portuguesa, os menos conhecidos e, por conseguinte, os mais permeáveis a que a verdade seja convocada para o terreno da contraverdade. Sabe ele, por outro lado, que em tais áreas não se colocam questões que convoquem abissais dissonâncias ideológicas. Sabe ele, portanto, que estará aqui ao seu alcance, com alguma sorte e com alguma sobredose de demagogia - aliás, ainda agora mesmo exemplificada - ...

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... consumar, mesmo que por um só dia, o sonho que acalenta de liderar a oposição, aliciando os vários partidos para uma frente comum face ao Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Feitas as contas à vida - à sua a um tempo frágil e complexa vida interna e à sua tateante vida externa -, optou, pois, o Partido Socialista pelo já trilhado caminho das situações úteis: ora foi o voto útil, ora o corpo de ideias útil, ora as ligações úteis.
É, por tudo isto, de supor que o Partido Socialista tenha acordado hoje bem disposto, antegozando uma auspiciosa jornada e a noção que inevitavelmente terá de não poder ir além de uma desertificante e incriativa maledicência, dissociada de qualquer vantagem para a comunidade, não terá, por certo, esbatido o seu matinal sorriso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E até se compreenderá que assim seja: motiva-o a cálida alegria do reencontro com as posturas meramente úteis - ora a dos votos, ora a de um oscilante corpo doutrinal, ora a das ligações contraditórias.
É por esta bitola e com esta pecha que está hoje aqui a acontecer uma interpelação futilmente «útil».
Futilmente útil porque corresponde apenas a uma patética necessidade de afirmação, mesmo que feita ao preço de um desgarrado conjunto de afirmações inconsequentes. Como interpelante, nem estará o PS intencionalizado a indagar e a controverter políticas de fundo, como ainda agora se mostrou e como ao final se apurará, tudo se terá quedado na estrita e socialmente improdutiva moldura dos diagnósticos ad terrorem, dos prognósticos miserabilistas e das pontualizações não essenciais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E é pena que isto assim se passe. Não obstante a infixidez e a volubilidade de que ciclicamente dá mostras, e no que pesa à propensão para beneficiar do que aparentemente lhe é útil, desmemoriado da sua obrigação de contribuir para a utilidade geral, detém o Partido Socialista, na geografia política portuguesa, um passado e um lugar que até o deveriam vocacionar para percursos mais nítidos e para métodos eticamente mais certos.
E é de referir, exactamente neste momento, que o Sr. Deputado Almeida Santos, enfrentando virtualmente um Ministro pesado, com o seu verbo fácil, leve e demasiado ligeiro, mencionou alguns factos que são, pura e simplesmente, inverídicos. Poderia arrolar uma série deles, mas ficar-me-ei, de momento, pelo Gabinete de Apoio Técnico-Legislativo (GATL). O Sr. Deputado acabou de dizer que o GATL tinha sido criado pelo actual Ministro da Justiça e que era a menina dos olhos de ouro do mesmo Ministro da Justiça. Ora, o Sr. Deputado - até por ter feito parte do anterior governo numa função determinante - deveria saber que o GATL não foi criado pelo actual Ministro, e que ele nesta mesma Assembleia, salvo erro em 1982, e em escritos ulteriores, sempre sustentou que um órgão com aquela configuração deveria estar sediado na Presidência do Conselho. Consequentemente, vale, pelo menos, ao actual Ministro da Justiça o rigor da coerência. Assim acontecesse com todos os demais!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Por outro lado, é estranhável - e também incidentalmente o refiro - que, quando o Ministério da Justiça sabe não ter recursos financeiros adequados para fazer face à grande tarefa da justiça e pede o envolvimento geral do Governo para a execução dessa tarefa, e o Governo responde, e o Governo como um todo coerente e articulado ...

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... corresponde, em termos financeiros e de apoio de todo o tipo, a essa necessidade, que o Sr. Deputado Almeida Santos reduza esta situação, própria de um governo articulado, coeso e que sabe o que quer, à simples situação de os cofres andarem a pedir esmola. É com esta bitola e com esta perspectiva que se equacionam neste hemiciclo, neste momento, problemas tão graves para o povo português como o são os da justiça!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na tipologia das figuras parlamentares, destinar-se-á a interpelação a apurar qual a política do Governo, a fim de que a Assembleia da República melhor a possa ajuizar e, em consequência, melhor possa exercer o poder (que ninguém contestará) de o responsabilizar politicamente, quando for caso disso. Uma interpelação não é um espectáculo, mas um modo de conhecer, para correcta e sobriamente avaliar.
Opa, está hoje em causa a actuação do Governo quanto a uma das suas áreas: a da justiça - embora, pour cause, e aproveitando a ocasião e o ensejo, o Sr. Deputado Almeida Santos se tenha espraiado em muitas outras áreas do Governo.
Pois bem. Como todos os Srs. Deputados muito bem sabem, tem o Ministério da Justiça cumprido com rigorosa prontidão, disponibilidade e amplitude o seu dever de informar a Assembleia. Não houve pedido de esclarecimento que não tenha sido imediata e detidamente prestado. Não ocorreu qualquer solicitação ou sugestão de comparência ao nível da 1.ª Comissão que não tenha tido cooperante acolhimento, sem olhar a oras nem pensar em conveniências. Todos os serviços, todos os documentos, toda a informação útil foi sempre franqueada sem reticência ou restrição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Ministério da Justiça tem sido um ministério colaborante, um ministério transparente.
Por assim ser, logo será de reflectir sobre o cabimento e a finalidade desta interpelação, atingidas como têm sido, pelas vias não sensacionalistas da prática quotidiana, os seus declaráveis objectivos.
Não será, pois, certamente no plano do normal relacionamento entre os dois poderes do Estado uma interpelação útil - a não ser na perspectiva que apenas vale para consumo próprio do Partido Socialista e para os seus específicos interesses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deu-se, para mais, o caso de no último ano o Governo ter apresentado oito propostas de lei oriundas do Ministério da Justiça. Todas elas foram
aprovadas, dando origem a diplomas legais que já se encontram publicados, excepção feita ao que se refere ao ilícito penal societário, já, no entanto, elaborado e para breve aprovação final em Conselho de Ministros. Surgiram, assim, leis com o relevo e a projecção da que instituiu os tribunais marítimos, da que disciplinou a arbitragem voluntária e da que regulou a nova orgânica do Ministério Público; isto para além do Código de Processo Penal.
Cada uma das propostas de lei deu motivo a um amplo debate, quer em plenário, quer na 1.ª Comissão, e, através das intervenções que produzi, ficou a Assembleia inteiramente a par de algumas das grandes linhas de acção do Ministério da Justiça.
Nenhum dos pontos de vista que sustentei mereceu substancial reparo da Assembleia; penso mesmo que só a proposta de lei relativa ao Código de Processo Penal suscitou assinalável discordância, e essa da bancada do Partido Comunista.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E não só!

O Orador: - É, pois, de concluir que a política geral do Ministério da Justiça não foi objecto de fundamentada crítica por parte do partido interpelante quando o poderia ter sido, o que mais pertinente torna a perfiguração que, a contragosto pessoal, fiz e faço das motivações que o impeliram para este debate.
Sucedeu, aliás, que em 1986 o Governo aprovou alguns significativos diplomas, com irrecusável incidência no tecido económico e social português; não irei agora fazer a sua listagem ou promover o seu marketing; registo, pura e simplesmente, que, ao que saiba, nenhum deles foi chamado a ratificação pelo partido interpelante.
Ora, assim sendo, se realmente as leis oriundas do Ministério da Justiça são más, se o Ministério da Justiça, não sendo obviamente le Ministère de la Loi, como em tempos se quis em França, é o Ministério particularmente responsável pela produção e preparação legislativa, pergunto qual a razão de ser da afirmação do Sr. Deputado Almeida Santos quando diz que mais valeria o Ministério da Justiça estar adormecido, em vez de preparar as leis que efectivamente foram publicadas. Ou será que o Partido Socialista deixou de exercer a sua responsabilidade de chamar à ratificação diplomas de essencial relevo para a vida colectiva do nosso país?

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Está hoje a ser objecto das atenções gerais a situação prisional portuguesa.
Não o era, de todo em todo, em fins de Agosto de 1978, quando o Partido Socialista deixou directamente de ter a seu cargo o Ministério da Justiça; sublinho o directamente, já que o problema prisional não é dissociável da política geral do Governo; o Ministério da Justiça, por si só, não pode operar milagres ou fabricar recursos de que não disponha.
Ora, deu-se o caso de, precisamente em fins de Agosto de 1978, eu próprio ter ingressado no III Governo Constitucional - o sempre bem lembrado governo de Nobre da Costa, bem lembrado pelo que em escassas semanas de atribulada gestão fez ou preparou na então nossa amodorrada vida colectiva. (Amodorrada exactamente como sequela dos governos que o antecederam.)

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Pois bem. Do contacto que logo tive com a situação prisional colhi a conclusão de que ela se encontrava num ponto extremo de degradação. O Despacho n.º 23/78, de 10 de Outubro, que foi publicado no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Outubro de 1978, e se encontra reproduzido no n. º 280 do Boletim do Ministério da Justiça, dá bem a imagem de como as coisas então se passavam. E nem se diga que carreguei nas cores do que então observei, uma vez que não me poderia mover qualquer questiúncula ou animosidade político-partidária. Era um governo «independente».
Estavam quase todos os estabelecimentos prisionais em galopante degradação. Entretanto, a sua recuperação arrastava-se desmesuradamente. E cito-me: «Basta referir como exemplo que a substituição total das fechaduras da cadeia central de Lisboa demorou quase dois anos!» Ocorria um subaproveitamento dos principais estabelecimentos. «Assim [cito-me] a cadeia central do Norte tem uma lotação para 450 reclusos e recebia (em 30 de Setembro de 1978) 335. O Estabelecimento Prisional de Lisboa, respectivamente 729 e 394.»
Em suma, todos os estabelecimentos prisionais apresentavam uma situação semelhante a esta.
Propus-me então levar a cabo dois objectivos, que estão expressos no referido despacho e que agora são aqui anunciados como um facto novo, como um esforço criativo despontado das locubrações do exílio do poder em que actualmente se encontra o Partido Socialista.
Dizia eu que me propus levar a cabo dois objectivos: o de assegurar uma distribuição equilibrada por todos os estabelecimentos, evitando, designadamente, que muitos presos preventivos se mantivessem afastados das famílias e dos tribunais onde corriam os processos; para tal impunha-se, desde logo, que se normalizassem os critérios de selecção e de distribuição dos presos.
Salientei então: «Importa acelerar as obras necessárias à utilização plena e eficaz dos grandes estabelecimentos prisionais com recurso à mão-de-obra prisional. Advirá, para mais, deste reatamento do recurso à mão-de-obra prisional a ocupação dos reclusos. Inactivos, dizia então (como que sobrecondenados à inactividade), os reclusos vêem a sua personalidade ainda mais afectada, física e moralmente. Urgia reorganizar o trabalho prisional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Grande Nobre da Costa!

O Orador: - E isto porque, como no mesmo despacho relatei, «a homossexualidade, a droga, o jogo, a depressão e a agressividade são hoje, infelizmente, nos estabelecimentos prisionais - à excepção daqueles onde abunda o trabalho indiferenciado (Sintra, Leiria, Santa Cruz do Bispo, Alcoentre) -, a ocupação dominante dos reclusos». Na cadeia central do Norte existiam então 200 inactivos; na cadeia central de Lisboa, 162; em Pinheiro da Cruz, 216.
Em face de tudo isto, foram accionadas medidas de recurso para a conservação, beneficiação e, se possível, ampliação dos estabelecimentos. Foi então pensada a ampliação dos bairros de funcionários; foram encetadas formas de cooperação com a Secretaria de Estado do Emprego e preparou-se o acabamento e planificação do complexo oficinal de Vale de Judeus, por completo inaproveitado.
Os anos correram e, a partir deste impulso ou, pelo menos, deste alerta - e isto é que foi um alerta, não o alerta que o Sr. Deputado Almeida Santos há pouco referiu - as coisas saíram do letargo em que se encontravam; verificou-se, designadamente, um reatamento dos esquemas sistematizados do trabalho prisional.
É o caso de lembrar que em 1978 a população prisional se situava na ordem dos 5 000 reclusos e que em 1980 ainda se quedava nos 5642.
Quando regressei ao Ministério da Justiça, em Fevereiro de 1985, aquele número fora catapultado para a casa dos 9000, a que se adicionavam cerca de 100 reclusos/mês. Quem folhear, por exemplo, os jornais de 4 de Junho desse ano dar-se-á conta de que eu próprio considerava a situação como «explosiva» - apontando desde logo para a necessidade imperiosa de se construírem novos estabelecimentos prisionais. Só que, então, e infelizmente, os cofres não podiam pedir esmola a ninguém. O editorial, como sempre sóbrio e objectivo, do Diário de Notícias de 7 desse mês reflecte bem a posição que evidenciei e as preocupações que exprimi.
Só que as obras não nascem apenas da vontade política; resultam, como é óbvio, dos recursos financeiros com que essa vontade política pode ser estruturada.
Isso só se viria a alcançar plenamente ao longo de 1986. quer pelo esforço dos meios financeiros previstos para esse ano, quer pelas dotações orçamentais para
1987.
Direi, em síntese, que no Orçamento do Estado para 1985 estavam inicialmente previstas dotações para despesas com pessoal, correntes e de capital, de
2 158 059 contos; esse número elevou-se em 1986 para 3 109 052 contos; em 1987 arrancar-se-á com 4 684 397 contos. Quanto ao PIDDAC, dos serviços prisionais, foi de 10 000 contos em 1985, passando a ser 739 640 contos em 1987.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Bela coisa!

O Orador: - Talvez melhor do que faria o Sr. Deputado se - evidentemente, em hipótese meramente académica e irrealística - estivesse no poder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em 1986 ingressaram nos serviços 236 novos guardas prisionais e 41 outros funcionários. É, aliás, de assinalar que, ao contrário do que muitas vezes se diz, jogando com números de uma maneira fácil, o número actual de guardas prisionais é de 2149, para um número óptimo que se estima em 2500.
Estão, finalmente, a ser programados os novos estabelecimentos, começando pelo de Lisboa e do Funchal. Há um plano, que se iniciará em 1987, de recuperação de estabelecimentos em particulares condições de degradação, como é o caso do de Ponta Delgada. A magna questão da cadeia de Monsanto, que se espera possa ser encerrada em 1988, será enfrentada em termos drásticos e realísticos logo que se obtenha a disponibilidade do reduto sul do forte de Caxias, condicionada pela natural afectação aos serviços que nele se encontram instalados do edifício anexo à Penitenciária.
Entretanto, a grande viragem na política prisional portuguesa consumar-se-á - e nisso estou de acordo com o Sr. Deputado Almeida Santos - por uma alteração de critérios quanto à aplicação da pena de pri-

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são, que para os casos de pequena ou média criminalidade deve constituir uma medida de último recurso. A substituição da prisão por outros meios de reacção de natureza penal para que decididamente aponta o Código Penal não pode ser imposta pelo poder executivo: é uma opção do poder judicial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E concretizar-se-á, ainda, quando se ponha, finalmente, termo ao «escândalo» da prisão preventiva, acidulado pelo Decreto-Lei n.º 477/82; é, na verdade, sabido que o período de prisão preventiva raramente tem efeitos positivos; é um período de frustração e de ansiedade - sobretudo no caso dos jovens -, vivido num universo inelutavelmente estigmaticante. De 31 de Dezembro de 1982 a 31 de Dezembro de 1985 a taxa de aumento de preventivos foi de III %, enquanto no Reino Unido a taxa se situou nos 23%, ficando-se em 16%, 4% e 1%, respectivamente em França, na Espanha e na Bélgica. Ao invés, a taxa foi negativa na Itália, na Dinamarca, na República Federal da Alemanha, na Irlanda, na Noruega e na Suécia, onde a redução foi, respectivamente, de 9%, 9%, 17%, 21%, 23% e 29%.
Em Portugal, a percentagem de preventivos em relação ao total de reclusos rondava tradicionalmente os 25%; em 1982 ainda era de 31,9%; em 31 de Dezembro de 1986 a percentagem explodira para 43%. E na faixa etária dos 16 aos 21 anos era então particularmente alarmante: 57,8%, em relação ao total de reclusos.
É exactamente a isto que se propõe a aplicação imediata, nesta parte, do Código de Processo Penal.
Evidentemente que, logo com a tendência em malquistar tudo e a maldizer tudo, que provém exactamente desse universo tão ignorado como é o Ministério da Justiça, logo se contradisse que os juízes não tinham possibilidade de ajuizar os processos em quinze dias. É evidente que isto é, pura e simplesmente, um irrealismo. Não tem qualquer razão de ser. Não tem qualquer pertinência.
É certo que os casos dos cerca de 3000 presos preventivos que existem nas nossas cadeias vão ser apreciados por 500 juízes, incluindo o da relação e o Supremo, quando os processos lá estiverem pendentes, cabendo, desse modo, a consideração de quatro ou cinco casos a cada juiz. É, realmente (e totalmente), uma inexactidão afirmar-se isto.

Protestos do deputado do PCP José Magalhães. Se o Sr. Deputado quiser interromper, faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não!

O Orador: - O Sr. Deputado reserve as suas ebulições para depois.
Aliás, o crescimento global de reclusos (preventivos e condenados) coloca-nos a longa distância dos países do Conselho da Europa. De 1 de Fevereiro de 1983 a l de Fevereiro de 1986 a taxa de aumento foi aqui de 83%, enquanto em França se quedou em 25%, na Itália em 20%, no Reino Unido em 5% e em Espanha em 4%. Na Áustria, na República Federal da Alemanha e na Suécia a população prisional decresceu nesse período em 5%, 9% e 15%, respectivamente.
É evidente que não há política de reconversão prisional que possa resistir a estes dados, que relevam do sistema legal e dos critérios da sua aplicação.
Sem que devidamente se atente na urgência em remover os obstáculos que são prévios ao desmedido empolamento da população prisional, e que nada terão a ver com o Ministério da Justiça, fala-se, e com toda a razão, na deplorável situação da cadeia de Monsanto - e preconiza-se que ela seja encerrada de imediato, como se a culpa de ela estar aberta fosse, a prazo avistável, imputável ao Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esquece-se que os últimos estabelecimentos prisionais construídos datam dos anos 60 e que a construção de cada um deles se processou então ao longo de, pelo menos, dez anos.
Tudo está preparado para que as construções agora previstas se desenrolem num prazo de dois, três anos.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Referiria agora o boom da nossa população prisional e, apesar de tudo, a não significativa sobrelotação que se verifica na generalidade das prisões portuguesas.
Como revela o número de Junho-Julho de 1986 da revista Justice - órgão do Sindicato da Magistratura Francês -, a capacidade das prisões francesas estava então excedida nos seguintes termos: Baumettes, 231%; Lião, 221%; Mompilher, 400%; Bois-d'Arcy, 271%; Fleury-Mérogis, 169%, etc.
Em Espanha, o Carcel Modelo de Barcelona recolhia em Agosto de 1986 2400 reclusos, para uma lotação de 400.
Entretanto, diria que hoje, em Portugal, na generalidade dos estabelecimentos, quase todos os reclusos trabalham. À formação profissional clássica, em produção e em ocupação, estão afectadas cerca de 100 oficinas, compreendendo mais de 20 especialidades; essas actividades e as actividades agro-pecuárias e de manutenção ocupam cerca de 70% dos reclusos condenados. Para além disso, e mercê de acordos com o Ministério do Trabalho, estão a decorrer cursos de formação profissional acelerada, abrangendo um conjunto de actividades técnicas especializadas.
O ensino primário é ministrado em 25 estabelecimentos, o preparatório em 10 e o secundário em 5. Cerca de 1000 reclusos beneficiam desse ensino.
Como sabem, porque já foi tantas vezes dito na Comissão que agora seria uma redundância e um vão espectáculo repeti-lo - e eu recuso-me, por vezes, a corroborar determinadas situações espectaculares -, eu diria que o número de licenças de saída precária foi de cerca de 3000, apenas com 92 inêxitos. Trata-se de um número realmente surpreendente em qualquer país do mundo.
Portugal, apesar de tudo o que se tem dito, é o país da Europa com menor taxa de evasões (0,77 %) - consultem os senhores deputados os documentos do Conselho da Europa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E fora em 1986 o país com menor taxa de suicídios (5).
As greves da fome não excederam em 1986 o não significativo número de 28.

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Creio que, mesmo os senhores deputados que não possuírem formação jurídica, lêem os jornais e sabem perfeitamente tudo o que se passa nos estabelecimentos prisionais dos outros países.
Ainda ontem, curiosamente, o Diário de Lisboa apresentava quatro ou cinco artigos particularmente esclarecedores desta matéria.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No tocante à administração da justiça, está a criar-se a falsa ideia - que tende a tornar-se uma psicose - de que os tribunais portugueses funcionam com uma ímpar lentidão. Na exposição de motivos da proposta de lei orgânica dos tribunais - que eu próprio elaborei - demonstro que se trata de uma circunstância comum e quase que inafastável quanto à justiça judicial por todos os cantos do mundo.
Assim sendo, é perfeitamente oportunístico queixarmo-nos de que há realmente uma excessiva lentidão da justiça em Portugal.
Poderão existir meios para a acelerar, mas ela, por si só, desenrola-se exactamente ao mesmo ritmo da justiça da maior parte dos países, sobretudo dos países latinos.
Basta ler uma revista da especialidade em que se refiram as datas das decisões das três instâncias nela publicadas para verificarmos que em França um processo demora normalmente três anos a subir à Cour d'Appel e que daí à Cour de Cassation mediarão, pelo menos, mais três ou quatro anos.
Dizia eu, em 1984, que a meta de uma justiça judicial expedita não comportará soluções miraculosas. E disse isso num tom perfeitamente asséptico, já que não tinha então a mais remota ideia de um dia me voltar a ver envolvido nesta complicadíssima e, no entanto, segundo creio resultar das palavras do Sr. Deputado Almeida Santos, repousadíssima tarefa que é o Ministério da Justiça.
Tudo o que então disse está a ser rigorosamente cumprido.
Reformulou-se o Código de Processo Penal; estão em adiantada fase de preparação o Código de Processo Civil e o Código do Contencioso Administrativo; publicou-se, entrementes, a chamada «reforma intercalar» de processo civil, que, boa ou má, foi também aprovada pelo Sr. Deputado Almeida Santos e, como sabe, adveio da minha iniciativa. Estão em curso intensificado os trabalhos de informatização jurídica, que merecerão, daqui a pouco, mais detido relevo, e está a ser feita a racionalização da gestão e dos métodos e procedimentos.
O Sr. Deputado Almeida Santos teve realmente pouca sorte ao invocar o sistema de acesso aos tribunais, porque ele já está em Conselho de Ministros. E é natural que estivesse, porque, como o Sr. Deputado muito bem sabe, a expressão «acesso ao direito» até resultou da Ordem dos Advogados, quando eu lá estava. Como sabe, normalmente fala-se em «acesso à justiça». É uma problemática a que naturalmente o Ministério da Justiça não poderia ficar alheio.
A Lei Orgânica dos Tribunais, como a lei sobre o sistema de acesso ao direito e à justiça ou a lei sobre o júri (que também já está concluída), darão, por certo, causa a um construtivo debate nesta Assembleia - perante a qual sempre me apresentarei com a disponibilidade e a abertura que entendo necessárias a uma produtiva cooperação.
O grande flanco da crise é hoje o do equipamento judiciário. Só que, salvo melhor opinião, não se trata de um problema de política, mas quase diria que se trata de uma questão de intendência. É que as questões às vezes são de intendência quando convém, caso contrário são de política.
Política houve, sim, na gestão dos recursos próprios do Ministério, que, como muito bem disse o Sr. Deputado Almeida Santos, estavam prestes a atingir o grau zero em 1985 e que hoje começam a ficar desbloqueados. E não houve qualquer intervenção ou tutela do Ministério das Finanças. O Sr. Deputado Almeida Santos talvez me conheça o suficiente para saber que eu nem sequer figuraria esse tipo de tutela e talvez me conheça o suficiente para saber que quando é necessário o tal murro na mesa -não se anda aí a dar murros a torto e a direito, como resulta evidente, é uma figura metafórica como é muito do seu agrado - ...

Risos do PSD.

... tomo uma posição firme, quando é caso disso.
O Orçamento do Estado era em 1985 de 6 200 000 contos. Passou a ser de cerca de 10 milhões em 1986, para atingir o limiar dos 13 600 000 para 1987. Nos mesmos anos o PIDDAC foi, respectivamente, 30 000 (no ano de 1984 fora de 3000), de 2 milhões e meio (dos quais 2 milhões a cargo dos «cofres» que já não tinham fundos para lhe fazer face) e de 3 500 000 (totalmente a cargo do Orçamento do Estado).
A crise dos «cofres», que era desde há anos perspectivável, fez, entretanto, que, enquanto em 1982 se tivesse gasto, com base neles, cerca de 523 600 contos com equipamento judiciário, tal número se tivesse quedado, evidentemente contra a minha vontade, em 1986 nuns difíceis 211 418 102S.
Estou em crer que a reconversão dos esquemas financeiros do Ministério da Justiça, discreta e perseverantemente conseguida, ficará a marcar o ponto de arranque da nova administração da justiça.
Quase diria que será talvez o momento mais histórico (histórico nesta pequena história que é a vida de todos nós e de que resulta a contingência da nossa própria dimensão) da minha vida; talvez como o tenha sido, em tempos, a Ordem dos Advogados. Porque, na realidade, conseguiu-se superar um conjunto de dificuldades que pareceria totalmente intransponível.
Recordo a situação de pré-ruptura (outra pré-ruptura que existiu) que fluiu da não coincidência das leis de organização judiciária de 1976 e 1977 e do efectivo funcionamento do Centro de Estudos Judiciários.
Quer dizer, fizeram-se as leis e não se pôs em funcionamento o Centro de Estudos Judiciários, como elas postulavam.
O défice de juízes chegou a atingir a casa das centenas. Foi exactamente o Centro de Estudos Judiciários, criado por um diploma de Setembro de 1979, mas relativamente ao qual a mim próprio coube a tarefa de assegurar o arranque e a viabilização no governo de Francisco Sá Carneiro, que fez ultrapassar, como aliás logo se perspectivou, este flanco da crise.
A verdade é que o Centro de Estudos Judiciários começou em 1980 praticamente do zero e terminou em Dezembro de 1980, exactamente com a actual conformação que nem a floresta dos anos e dos critérios conseguiu alterar. Ele aí está com a sua configuração originária.

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É de supor que isso venha a acontecer com tudo o mais.

Creio no que se está a fazer de positivo e no que se está a remover de negativo.

E espero que esta interpelação, que o Partido Socialista entendeu ser-lhe «útil», numa peculiar acepção, virá realmente a ser útil para todos nós e até para a opinião pública e, mais decisivamente que tudo isto, para os nossos horizontes colectivos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para fazer perguntas ao Sr. Deputado Almeida Santos inscreveram-se os Srs. Deputados Costa Andrade, José Magalhães, João Salgado, Licinio Moreira, Odete Santos e Vieira Mesquita.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, penso que um dos aspectos que talvez exija uma certa prioridade neste tipo de debates e de discussões políticas é o de definirmos um certo paradigma de imputações políticas.
Normalmente, quando se trata de avaliar a actuação política de qualquer sector, o Partido Socialista diz geralmente que «o PSD está há tantos anos no Governo». Isto é, o Partido Socialista adopta uma postura segundo a qual as acções políticas são, única e exclusivamente, dependentes dos ministros que, em cada momento, presidem as diferentes pastas. Sr. Deputado, penso que o Partido Socialista não deveria seguir por este caminho. Penso que não devemos estar a matar postumamente o Primeiro-Ministro que Mário Soares foi. Penso que ele existiu como Primeiro-Ministro, que coordenou e que tinha confiança nos seus ministros e penso que coonestava a acção política de todos estes.
Portanto, penso que isto não é correcto, mas é uma questão de opção e podemos optar por este paradigma. Finjamos, então, que no governo anterior cada ministro era responsável pelo seu sector. Pois bem, os ministros do PSD foram responsáveis pelo que fizeram, e que fica então para o Partido Socialista? Uma integração europeia?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Exactamente!

O Orador: - Já lá vou!
A tão decantada recuperação financeira? Mas a recuperação financeira foi levada a cabo por um independente, o Prof. Hernâni Lopes! Mas a adesão europeia foi conduzida por um independente, o Dr. António Marta!
Então, o que resta da acção do Partido Socialista nesse governo? Será uma actuação no domínio da comunicação social de que, agora, o Partido Socialista diz pior do que Mafoma dizia do toucinho? O que resta, então, da acção do Partido Socialista? Será um decreto-lei de gestão hospitalar de que, agora, o Partido Socialista diz pior do que Mafoma dizia do toucinho? Será uma lei de segurança -honra seja feita ao seu autor, que a assumiu na altura- de que, agora, o Partido Socialista, em relação às propostas, diz pior do que Mafoma dizia do toucinho?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Outra vez?!

O Orador: - Sr. Deputado, é uma questão de optarmos. Podemos optar por um paradigma de responsabilidade global do Governo ou por um outro de imputação individualizada. Só que me parece que este não é benéfico.
O discurso do Sr. Deputado Almeida Santos foi longo, aqui e além com o brilho a que o Sr. Deputado já nos habituou, mas onde facilmente avulta muita contradição, muita insuficiência, muita injustiça objectiva, um certo «morro de vergonha». Dá-me a impressão que o Sr. Deputado estava a ser sincero quando usou a expressão «morro de vergonha». É que para falar de política de justiça em nome da bancada do Partido Socialista tem que fazê-lo com alguma vergonha. Porque, Sr. Deputado Almeida Santos, de todos os partidos, penso que é o Partido Socialista o que menos tem segregado uma política de justiça de autonomia. O Partido Socialista é o maior deserto em matéria de justiça.
O Sr. Deputado acusou o Governo de conservadorismo. Ora, em matéria de justiça, penso que nesta Câmara não há partido que tenha assumido posições mais conservadoras, mais reaccionárias, mais ultramontanas do que o Partido Socialista. Logo a seguir à publicação do Código Penal surgiram algumas campanhas do sector mais ultramontano: «os presos vão todos para a cadeia», «coitada da nossa segurança», «coitadas das nossas mulheres, das nossas criancinhas. ..». Chegou a escrever-se que o Ministro Meneres Pimentel «entregou Portugal aos criminosos». O Partido Socialista fez a campanha eleitoral de 1983 toda sob o tónus de revogação do Código Penal, porque era um código de insegurança. Fê-lo na base de uma linha de crítica que na América só se fez durante o «maccartismo» ou, em 1984, durante a campanha eleitoral de Barry Goldwater para a presidência, que foi uma das campanhas mais conservadoras e mais reaccionárias.

Aplausos do PSD.

Estudos feitos à imprensa, nessa época, denunciam claramente esta situação. E a intervenção que agora acaba de ser feita é prova disso.
O Sr. Deputado lamenta-se que os tribunais não apliquem as penas alternativas. Não sei se subjacente a esta afirmação não estará uma premissa maior, dizendo que o Governo devia dar «porrada» nos magistrados para que aplicassem as penas alternativas...

Risos do PSD.

É que, a não ser assim, a afirmação é descabida aqui.
Também fiquei um bocadinho chocado com a afirmação do Sr. Deputado de que o CE J (Centro de Estudos Judiciários) produz qualidade e não quantidade. Penso que se trata de uma afirmação injusta. Não sou membro do CEJ nem tenho qualquer responsabilidade, mas, como todo o cidadão interessado, acompanho todo o trabalho que aí é feito. Penso que é um trabalho de alta qualidade, muito empenhado e que não desmerece no confronto com instituições congéneres da Europa.
Penso que isto é também uma prova de um certo conservadorismo, de uma certa contradição, de uma certa vergonha e de um certo mal estar. Compreendo que para falar de uma política de justiça do Partido Socialista só o Sr. Deputado Almeida Santos o consegue, já que com o seu brilho põe um certo manto dia-

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fano de fantasia sobre isto que está aí e que é um deserto em matéria de política de justiça. Mas os defeitos afloram, pois o sol não se tapa com uma peneira e as coisas aparecem.
Do mesmo passo em que diz que é preciso criarmos alternativas à prisão - e é -, o Sr. Deputado lamenta a excessiva administrativização do exagerado recurso às coimas, assim como o seu pesado teor. Sr. Deputado, penso que não se pode sustentar as duas coisas ao mesmo tempo - ou se opta por uma ou por outra -, até porque as coimas são uma alternativa progressista à antiga pena de prisão. Sr. Deputado, temos que ter a consciência de que á prisão é um fenómeno histórico. A prisão não está prescrita nos Dez Mandamentos. A prisão apareceu historicamente e haveremos, talvez, de «abrir mão» dela. Ainda não sabemos bem quando, mas talvez um dia possamos «abrir mão» da prisão. O que não se pode é criticar o Governo por isso. Talvez a crítica devesse ser feita também ao governo anterior, porque penso que, como ministro, o Sr. Deputado também recorreu às contra-ordenações e deve haver dezenas de diplomas subscritos por si em que o fazia. Mas não podemos é criticar o recurso às contra-ordenações, ao mesmo tempo que queremos evitar as penas curtas de prisão. É evidente que, em Portugal e em todo o Mundo, as contra-ordenações constituem um instrumento privilegiado para se eliminarem as penas curtas de prisão. E é evidente que as contra-ordenações têm que ser pesadas, sob pena de não terem o efeito de prevenção. Mais: é evidente que os transgressores normais das contravenções pesadas são os grandes transgressores de «colarinho branco», aqueles cuja discriminação positiva o Sr. Deputado ali esconjurou não sei se com alguma vergonha. Porque as contra-ordenações verdadeiramente pesadas são contra os white collar, não são, obviamente, contra o pequeno delinquente.
É evidente que há sete anos que o Partido Socialista não tem responsabilidade na política de justiça e que está isento de sujar as mãos no esprágmata da política no quotidiano. Mas talvez seja possível perguntar-lhe: nestes sete anos o que é o Partido Socialista decantou quanto a alternativa? Faço-lhe esta pergunta porque só assim é que este debate tem sentido. Na verdade, não tem sentido o facto de os senhores promoverem este debate para concluírem que o Governo é mau. Essa conclusão já os senhores tiraram, errada e infundadamente, há muito tempo. Igualmente não tem interesse fazer-se este debate para se dizer à opinião pública que os senhores pensam que o Governo é mau porque isso já o disseram há muito tempo com insucesso para vós e para vosso azar, porque esse é um discurso de surdos. Os senhores dizem que o Governo é mau, mas a opinião pública está «noutra».
Portanto, este debate não se fez para esse efeito, mas talvez tenha outra utilidade: estará a emergir aí uma política de justiça alternativa do Partido Socialista? Uma verdadeira política com horizontes diferentes, com valores e metas diferentes em relação àquela que está agora a ser aplicada? O Partido Socialista estará a segregar esta política ou, pelo contrário, o único sinal de uma política que está a emergir é o facto de o Partido Comunista ter um projecto próprio relativo ao acesso ao direito, que, de resto, considero um bom projecto?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Também está comprometido com o Partido Comunista?

O Orador: - Será que a política que emerge do Partido Socialista não passa de um razoável projecto do Partido Comunista?
Sr. Deputado, este foi o único sinal de uma nova política que se viu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, embora sendo afirmação comprometedora e um pouco sinistra, devo começar por dizer que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista considera esta interpelação não um acto futilmente útil ou um acto de maledicência, mas, sim, um acto positivo e bastante oportuno na actual situação de agravamento da crise da justiça.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - De saída da crise!

O Orador: - ... em diversos aspectos, que deveriam sensibilizar toda a Câmara e que, em nosso entender, exigem um debate muito sereno, muito desapaixonado e muito informado. Lamento que, da parte do Governo, tenha surgido uma reacção crispada como raras vezes tem sido materializada nesta Câmara.

O Sr. Vieira Mesquita (PSP): - Não tem nada!

O Orador: - Creio, no entanto, que é normal que assim aconteça face ao descalabro que tem a sido a gestão do PSD nesta área e, em particular, durante a vigência deste governo concreto.
Aliás, é sintomático que o Ministro Mário Raposo tenha evocado com saudade e melancolia os tempos heróicos do governo Nobre da Costa - como sabemos, tinha pouco a ver com o PSD, strícto sensu - para dizer que aí foram lançadas as bases de tudo, que aí estavam todas a boas razões e que o que veio depois é apenas a continuação de um grande primeiro amor, o qual, naturalmente, não tem o sabor de tudo o que foi a primeira.
Creio que é bom tema de reflexão para hoje, Sr. Deputado Almeida Santos, a pergunta que lhe dirijo: há, realmente, um Ministério da Justiça, hoje, em Portugal? Isto é, o que é que resta do Ministério da Justiça?
Sabíamos que no Ministério da Justiça havia determinadas áreas quê eram um pouco sensíveis: a justiça militar não é com o Ministério da Justiça; a justiça fiscal é muito mais com o Ministério das Finanças, que, de resto, anda há dez anos a parturejar a reforma dos ilícitos fiscais, que não saiu e que duvidamos que saia, designadamente quanto aos crimes. Em relação ao Tribunal de Contas, é também com o Ministério das Finanças. Em relação aos tribunais do Trabalho, o Ministro do Trabalho diz que é com o Ministro da Justiça e este diz que é com o Ministro do Trabalho. Entretanto, a situação degrada-se.
Agora há duas situações novas.
A primeira é a Resolução n.º 85/86, de 11 de Dezembro, do Conselho de Ministros. Como os Srs. Deputados sabem, essa resolução atribuiu ao Ministro da Administração Interna, na qualidade de Ministro de Estado, competência para centralização total das polícias e dos Serviços de Informação. Isto

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é completamente ilegal. Contraria a Lei dos Serviços de Informação, tal como foi aqui aprovada, contraria um princípio de elementar bom senso e, no caso concreto, amputa o Ministro da Justiça de uma competência fundamental em relação às polícias. De qualquer maneira, em relação a isto e à questão da PJ não é preciso amputá-lo, porque ele demite-se. Num momento de crise, não há uma palavra que permita defender o prestígio e a dignidade da corporação que está a ser atacada de vários lados e que ousou, corajosamente, romper alguns véus de silêncio, mas que precisa de apoio do poder político. Esse apoio não existe. Este é um tema de reflexão que creio valer a pena aprofundar.
A segunda questão diz respeito à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, agora apresentada, a qual é, também, um ponto de viragem e que contém esta afirmação espantosa escrita pelo punho do Ministro:
[... ] a figura do Ministro da Justiça sofreu um drástico apagamento institucional no domínio da administração da justiça [...]
S. Ex.ª considera-se despojado, amputado e castrado de competências, o que quer dizer que a sua intervenção nesta área fulcral se há-de ressentir fatalmente.
Finalmente, Sr. Deputado Almeida Santos, creio que, desde 1986, todos estamos a sentir uma diferença no Ministério da Justiça. Creio que, desde a fuga de presos de Pinheiro da Cruz e dos actos que, depois, foram praticados pelo Governo, o Ministro da Justiça está em situação de mera gestão, tutelado por um Secretário de Estado da confiança directa do Primeiro-Ministro...

Risos do PSD.

... e exibe publicamente um enorme desânimo. Srs. Deputados, esta situação é legível. Quem tenha aberto as páginas do jornal Expresso, do passado sábado, fica de boca aberta a pensar como é possível que, no meio de uma situação de crise absoluta, o Ministro declare que «sei o que quero, tenho propostas, mas duvido que, no meio de uma floresta de incompreensões e de dificuldades, seja possível levá-las a cabo». A que dificuldades é que o Ministro se refere? Para que serve um ministro se não para enfrentar dificuldades? Que atitude é esta se não uma atitude de desânimo que, depois, passa por aquilo a que assistimos do alto daquela tribuna e que é o agastamento quando alguém diz, por exemplo, que é ridícula a verba afecta às construções prisionais?
Srs. Deputados, no ano passado não houve PIDDAC para a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. Toda a gente sabe isto! A verba que está inscrita no Orçamento deste ano é miserável. Isto está registado nas actas da 1.ª Comissão e quem quiser ler leia! Os serviços tinham proposto uma verba de 7,5 milhões de contos para ser afectada ao Ministério da Justiça e foram cortadas as segundas e as terceiras prioridades e esta verba ficou reduzida a 3,5 milhões de contos. Toda a gente sabe isto! Não se podem escamotear estes factos, não se pode fazer vantagem destes dados, não se pode negar esta realidade. Assim não se vai a sítio nenhum.
Finalmente, Sr. Deputado Almeida Santos, pôr-lhe-ei três perguntas concretas em relação a questões críticas. Como é que o Partido Socialista encara as medidas de urgência em relação à situação da Polícia Judiciária? Como é que o Partido Socialista encara a questão do imbróglio na aplicação do Código de Processo Penal, designadamente quanto à ilusão de que a sua aplicação vai conduzir a uma libertação em massa de presos preventivos e, também, quanto à verdadeira bagunça inextricável na sua regulamentação? Qual o papel da Assembleia da República neste campo? Qual é a posição do Partido Socialista em relação ao Código Penal, cuja avaliação global está ainda por fazer, sendo certo que, em grande parte, este soçobrou por falta de mecanismos que permitissem aos juízes portugueses aplicarem as inovações fulcrais que o Código continha e que não puderam ser aplicadas por falta de meios? Eram estas as três perguntas que lhe dirigiria, para além da congratulação pelo acto que o Partido Socialista acaba de praticar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.

O Sr. João Salgado (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, que foi Ministro da Justiça, sabe que foi dos primeiros a abrir as brechas dos dinheiros dos cofres que, há pouco, referiu na sua intervenção, autorizando que por aquele orçamento fossem pagos, por despacho, vencimentos para o gabinete e fossem feitas aquisições de material para diversas direcções-gerais. O que tem a dizer sobre este aspecto?
Quantos palácios da justiça mandou construir, já que tinha como técnicos no gabinete respectivo pessoas que vieram de Moçambique e que, por conseguinte, eram da sua inteira confiança e responsabilidade?
Eram estas as perguntas a que gostaria que o Sr. Deputado Almeida Santos respondesse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Licinio Moreira.

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, pelo seu trabalho profissional durante cerca de um quarto de século na então cidade de Lourenço Marques e, depois, aqui no País, onde, até há pouco tempo, se mantinha no top quanto ao tempo de governante no pós-25 de Abril, V. Ex.ª teve um contacto directo com a justiça, durante quase toda a sua vida. Por isso, naturalmente que não lhe é estranho o facto de em 1974 a crise da justiça já existir. Havia falta de magistrados, havia falta de funcionários, a morosidade dos processos já existia e era patente a degradação dos edifícios onde se desenvolvem os trabalhos atinentes à justiça.
A seguir ao 25 de Abril, e num período de cerca de três anos, o número de processos duplicou: passou, em 1977, para cerca de 1 milhão quando, em 1974, havia somente cerca de 500 000 processos - em 1985, este número quintuplicou. Nesta situação, os edifícios continuaram a degradar-se, embora se fossem construindo alguns, a morosidade processual agravou-se também e o aspecto aliciante das magistraturas do Ministério Público e Judicial não existiu, sobretudo nos primeiros anos a seguir à Revolução.
O Partido Socialista, de que V. Ex.ª faz parte, foi chamado a governar por duas vezes, nos anos de 1976, 1977 e 1978 e em 1983, 1984 e 1985, tendo V. Ex.ª e o seu camarada de partido Dr. Santos Pais sido Ministros da Justiça.

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Tendo V. Ex.ª conhecimento da situação da administração da justiça em Portugal, não só por trabalhar nessa área como por ter sido governante em Portugal durante longos períodos, por que é que, durante o tempo em que o Partido Socialista foi Governo, não interessou todos os ministros na administração da justiça? Durante esse tempo todo em que V. Ex.ª foi Ministro da Justiça, por que é que o Ministério da Justiça viveu sobre si como se fosse quase um ministério gueto, vivendo somente das suas verbas? É que nessa altura as verbas oriundas do Orçamento do Estado - em 1975 atingiram, no máximo, 30 000 contos -, não eram mais do que verbas simbólicas.
Como foi afirmado há momentos pelo Sr. Ministro da Justiça, o que é certo é que este governo, quer em 1986, quer no corrente ano, afectou já verbas vultosas do Orçamento do Estado, as quais no ano passado foram de 2 500 000 contos e que este ano estão programadas para serem de 3 500 000 contos. Acha V. Ex.ª que - e essa pergunta já lhe foi dirigida pelo Sr. Ministro da Justiça - é uma esmola a transferência do Orçamento do Estado para o Ministério da Justiça das verbas necessárias para finalmente acabar com a degradação dos edifícios e das prisões? Ou entende V. Ex.ª e o PS que o Ministério da Justiça deve continuar a viver sobre si, como - tal como há bocado se referiu - um ministério gueto?
Finalmente, por que é que o PS durante estes cinco ou seis anos que esteve no poder nada fez - como V. Ex.ª concordou - pela justiça?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, as questões muito concretas que gostaria de lhe colocar versam sobre duas afirmações que V. Ex.ª fez - e em nossa opinião, muito bem - sobre a denegação da justiça e o acentuar das desigualdades no acesso à justiça.
Começaria por abordar a proposta de lei da orgânica dos tribunais judiciais. Em primeiro lugar, em relação às alçadas dos tribunais estas aumentam em mais de 500%. Traduzir-se-á esta situação num aumento exagerado de preparos? Pelas minhas contas, acções como as de divórcio, que pagavam 13 000$ de preparos sem despesas, passam a pagar mais de 21 000$. Trata-se ou não da promoção do acesso à esmola de tal assistência judiciária?
Por outro lado, não corresponderá este aumento das alçadas também a um cercear do direito de recurso, a privar os cidadãos a todos os graus de jurisdição?
Também relativamente à questão da desigualdade, gostaria de lhe colocar, ainda sobre essa proposta de lei, mais algumas questões.
Na proposta de lei prevê-se a criação de tribunais a que todas as pessoas deverão deslocar-se quando as acções forem da competência destes tribunais, contrariamente à situação actual, em que poderemos dizer que a justiça é ao pé da porta. Não sei se V. Ex.ª já fez essas contas, mas, por exemplo, a deslocação de uma testemunha de Almodôvar a Beja custará à pessoa interessada em levar a referida testemunha ao tribunal quatro contos, entre transportes, refeições, etc.
Pretender-se-á exterminar uma espécie que já está a dar sinais inquietantes de extinção e que é a «espécie testemunha»? Não corresponderá esta situação a desincentivar as pessoas de recorrerem aos tribunais e à denegação da justiça?
Para terminar, não darão estes tribunais de círculos fora de portas origem a uma machadada na advocacia dos pequenos centros urbanos, uma vez que as pessoas terão tendência a procurar os advogados das sedes dos tribunais de círculo para certas acções? E não serão também afectados os juízes? Não corresponderá esta situação a uma despromoção, colocando os juízes de círculo numa permanente instabilidade, na medida em que se a sua comissão de serviço não for renovada, terão que ir sabe-se lá para que comarca?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª «pintou» no seu discurso -discurso pessimista, permita-me que lhe diga, sobre a situação da justiça em Portugal- e veio dizer que o Governo dorme sobre a justiça e que a informatização no Ministério de Justiça é uma miragem. Lembro apenas -e tenho de o dizer- que foi com este Governo, através deste Ministro da Justiça, que se publicou a Lei das Sociedades Comerciais, a Lei de Arbitragem Voluntária, a Lei dos Tribunais Marítimos, a Lei Orgânica do Ministério Público, o Código de Processo Penal, o Código de Registo Comercial e a alteração ao Código Penal no que respeita ao agravamento das sanções penais em caso de incêndios florestais.
E queria também referir-lhe que a Direcção-Geral dos Serviços Informáticos se ocupa, já hoje, da identificação civil, da abertura de processos na Polícia Judiciária, das pessoas a procurar nesta Polícia, do registo automóvel, do ficheiro das pessoas colectivas, da estatística do Ministério de Justiça, dos vencimentos e abonos aos funcionários da justiça, do processamento de óbitos, da informatização dos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e, designadamente, tem-se dedicado ao processamento do apuramento de resultados em várias eleições. Como é que é possível qualificar esses serviços informáticos de mera miragem no Ministério da Justiça?
Por outro lado, queria referir-lhe -porque tive essa experiência pessoal- que, embora nas nossas prisões nem tudo vá bem, existem porém coisas que não podemos escamotear, designadamente os passos positivos que se deram no sentido da reabilitação pelo trabalho. Sabe V. Ex.ª -aliás o Sr. Ministro da Justiça já aqui o referiu- que 70% dos presos estão hoje ocupados pelo trabalho? Pensamos que essa é a política a prosseguir.
Sabe V. Ex.ª que quando foi Ministro da Justiça nem 30% dos presos estavam abrangidos pelo trabalho no campo de reabilitação?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Se alguém aceitar essa estatística, é um lírico!

O Orador: - Que dizer do Instituto de Reinserção Social? Não foi no domínio do IX Governo Constitucional que se tentou acabar com este Instituto, tendo essa medida sido tentada através do Ministério da Reforma Administrativa, sob o qual V. Ex.ª tinha tutela?
Gostaria de o ouvir sobre isto, porque penso que no domínio da justiça em Portugal muito se tem feito, nomeadamente através do Ministro Mário Raposo, que tem dedicado o seu tempo e o seu trabalho à resolução dos problemas da justiça, que vêm muito de trás.

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E V. Ex.ª sabe que não é com uma «varinha de condão» que se chega a um sector tão importante da Administração Pública portuguesa e se resolvem os problemas de repente.
Está-se no bom caminho para a resolução dos problemas e penso que lá chegaremos, com trabalho e com cooperação. É isso que o Sr. Ministro da Justiça tem provado querer, designadamente na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde não tem regateado a sua presença, bem como o diálogo, de forma a resolver os problemas da justiça.
Eram estas questões, Sr. Deputado, que gostaria de ver esclarecidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder às questões que me colocaram o mais telegraficamente possível, uma vez que já usei parte do tempo da minha bancada atribuído aos meus camaradas e não tenho o direito de repetir essa falta.
Contudo, agradeço as perguntas que me fizeram, embora as que vêm do lado do PSD me tenham deixado profundamente preocupado, como aliás já me deixou preocupado o discurso do Sr. Ministro da Justiça. Julgava que o Sr. Ministro estava preocupado com o sector da justiça, mas verifico que não, que nem ele nem os deputados do PSD têm a menor preocupação. Acham que tudo está bem e que nós é que somos «atrevidotes» em pôr isso em causa.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Julguei até que o Sr. Ministro acabaria por nos agradecer, porque se alguma coisa é verdade é que o Ministério da Justiça tem sido marginalizado em matéria de dotações financeiras. Os problemas da justiça resolvem-se fundamentalmente com dinheiro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E quero deixar aqui muito claramente esta afirmação. Não tem havido esse dinheiro, mas julguei que com o estremeção que tentámos dar com esta interpelação o Sr. Ministro da Justiça e os Srs. Deputados do partido que o apoia ficavam bastante agradecidos por termos podido contribuir para sensibilizar o Primeiro-Ministro, que aqui estava presente, no sentido de deixar de ser tão tecnocrata e passar a preocupar-se mais com os problemas que dizem respeito ao homem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Costa Andrade indignou-se muito por causa dos problemas de paradigma. Acho que o senhor ofendeu o Sr. Ministro da Justiça, que deve ser um ministro responsável, e eu responsabilizo-o. O Sr. Deputado isentou-o de responsabilidade, dizendo que a responsabilidade é colegial e colectiva, pelo que não se pode atacar um só ministro. Isto não obstante o seu partido, quando eu era Ministro da Justiça, ter feito uma interpelação acusando-me de tudo e mais alguma coisa, e se bem se lembra, não me saí nada mal dessa interpelação e desejo ao Sr. Ministro que não se saia pior desta que lhe estamos a fazer agora.
Pude, aliás, demonstrar nessa altura o que se estava a fazer, o que se tinha feito, o que se pensava fazer, e pude afirmar, sem que ninguém me contestasse, que se tinha crescido o crime organizado, por outro lado, não podia afirmar-se com segurança que tivesse crescido o crime comum, pois havia muitas espécies de crime que inclusivamente tinham diminuído estatisticamente. Além disso, foi, como sabe, o tempo das grandes reformas resultantes da Constituição, o que impediu que se tivesse o tempo necessário para se fazerem outras obras noutros sectores. Por isso mesmo me auto--responsabilizei pelo que aconteceu nas prisões, porque não houve tempo de olhar para elas, mas houve tempo para aumentar o número de guardas prisionais e assistentes sociais, já que se teve a compreensão de que fundamentalmente sem pessoal qualificado não era possível resolver os problemas das prisões. De qualquer modo, não me parece que o problema prisional tenha chegado ao estado caótico em que se encontre neste momento, e também assim respondo já ao Sr. Ministro pela afirmação que fez.
Também lhe quero dizer que quanto à sua afirmação de que o Partido Socialista quando teve a pasta da Justiça foi um zero, o meu amigo é mau em matemática, é bom em direito, não se fala mais nisso!...

O Sr. Ministro da Justiça: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: - É só para lhe dizer que não afirmei isso!

O Orador: - Tinha tomado nota, mas, nesse caso, peco-lhe desculpa, Sr. Ministro.
Sr. Deputado Costa Andrade, é verdade que se afirmou que o Ministro Meneres Pimentel entregou Portugal aos criminosos! Mas não fomos nós que afirmámos isto, foi a direita que vos suporta!
Quanto às penas alternativas de prisão, se o Sr. Deputado, como ilustre criminalista que é, acha que devemos desistir e «deixar correr o marfim», muito bem.
Agora, se acha que a única maneira de o fazer é obrigar os juízes com um chicote - e logo aí levantou a suspensão quanto à aplicação das penas - é óbvio que quanto a esse ponto não partilho dessa medida extrema.
Contudo, entendo que um Ministério da Justiça não pode alhear-se desse facto e que deve criar as necessárias condições - e sabemos exactamente quais são - para que essas penas possam ser aplicadas.
Por outro lado, se o Sr. Deputado está satisfeito com a qualidade do Centro de Estudos Judiciários, eu estou mais insatisfeito. Acho que o Centro de Estudos Judiciários tem capacidade para produzir melhor.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Obviamente!

O Orador: - Quanto às coimas, se o Sr. Deputado também é tão insensível ao facto de uma entidade administrativa poder aplicar, sem as garantias jurisdicionais, penas como, por exemplo, a apreensão de um

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barco que vale milhões de contos, eu não sou insensível a isso. Acho que o Estado de direito não passa por aí e entendo que temos que nos preocupar com a maneira como estão a ser aplicadas as coimas. Ás coimas, aliás, não são a única alternativa: as penas alternativas de prisão também o são, e é por esse caminho que temos de enveredar.
O Sr. Deputado José Magalhães perguntou-me se deve haver Ministério da Justiça. A parte do meu discurso que não li continha exactamente essa pergunta. Depois, segundo o Sr. Ministro, o Ministério da Justiça não tem nada a ver com as leis. Não o acompanho nessa afirmação!
Depois de tudo o que disse, o que resta do Ministério da Justiça? Resta qualquer coisa que terá ainda o direito de ser considerada um ministério ...

O Sr. Ministro da Justiça: - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça o favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, só queria referir, categoriamente, que não disse que o Ministério da Justiça não tem nada a ver com as leis.
O que disse foi que o Ministério da Justiça não era lê Ministère de la Loi no sentido monopolizador de toda a actividade legiferante ou legislativa. . Aliás,, o que eu acabei de dizer já foi dito várias vezes.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Ministro, mas a verdade é que a sua afirmação, embora em francês, foi «não somos lê Ministère de la Loi». Acho que o Ministério da Justiça é o ministério da lei.
Por outro lado, se qualquer dia ou amanhã o Ministério da Justiça - agora sem os cofres, porque perdeu a sua autonomia, sem o Gabinete de Apoio Técnico-Legislativo, enfim, sem tudo aquilo que referiu - for uma Secretaria de Estado, ficarei triste mas não surpreendido ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Quanto aos cofres, direi que o Sr. Ministro da Justiça escolheu mal este assunto, para me dar uma reprimenda, porque, se nalguma coisa os ministros do PSD tem culpas graves, é exactamente na gestão dos cofres. Eu deixei os cofres com l milhão e meio de contos em 1977, o que representará hoje qualquer coisa como 15 milhões de contos.
Faziam-se tribunais, havia dinheiro para isso, mas não se pagavam suplementos de vencimentos a funcionários.

O Sr. João Mesquita (PSD): - Compravam-se móveis!

O Orador: - Compravam-se efectivamente móveis, mas isso eram bens que entraram no inventário do Ministério.
Na altura havia uma gestão correcta dos cofres que imprimia uma dignidade e uma independência ao Ministério da Justiça que está completamente perdida. Por isso digo e repito que o Ministério da Justiça «pede esmola» ao Orçamento do Estado.
É claro que se pode dizer que 3 milhões de contos não é esmola, mas para mim não é o montante que interessa mas sim a quebra de independência. O Ministério da Justiça deixou de se gerir financeiramente e tem lá hoje uma senhora a geri-lo porque se provou que não era capaz de se gerir a si próprio.
Questionou-me também o Sr. Deputado José Magalhães sobre a posição do PS face a vários assuntos. Não tenho tempo para lhe responder, mas ainda assim dir-lhe-ia que, por exemplo, a Polícia Judiciária precisa de instalações, de meios, de instrumentos, de dinheiro, de formação e de quadros e que o Código de Processo Penal precisa de meios para poder ser aplicado, sob pena de ser outro fiasco igual ao das penas substitutivas de prisão. Tenho pena, mas creio que o Código de Processo Penal vai mesmo ser um fiasco!
Disse o Sr. Deputado João Salgado que fui dos primeiros a abrir as brechas no dinheiro do Ministério. É mentira, Sr. Deputado. Como já lhe disse deixei l milhão e meio de contos nos cofres do Ministério da Justiça, porque tive a preocupação de o não exaurir até ao último tostão. Era necessário haver uma base para garantir as obras que se faziam e muitos tribunais foram iniciados e muitos foram continuados. Porventura poucas inaugurações se fizeram, porque nunca fui dado a inaugurações.
Em relação à pergunta de quantos palácios da justiça mandei construir, devo dizer-lhe que o número não interessa. Agora o que lhe digo, Sr. Deputado, é que no tempo em que era Ministro da Justiça a população prisional era de cerca de 3500 presos. Aí tem a resposta para os 8500 que existem hoje. Se acha que a situação prisional era tão má, então, como a de hoje, faça o favor de adequar as contas e ver que os edifícios são os mesmos e que, portanto, a situação não podia ser tão grave.
O Sr. Deputado Licinio Moreira disse que em 1974 a crise da justiça já existia. Claro que sim, vem de longe! Mas agravou-se sempre e nos últimos sete anos agravou-se de sobremaneira. E é evidente que quanto mais tempo se demora a travar a decadência de uma instituição, mais responsáveis são aqueles que estão na ponta final dessa degradação.
Quanto à afirmação de Ministério gueto, só com as suas verbas, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que o Ministério viveu só com essas verbas, tinha condições para isso - penso que ainda as tem -, desde que obviamente o Orçamento do Estado pague aos funcionários do Ministério da Justiça aquilo que os cofres pagam para ele.
Também acho que verbas vultosas são esmolas, no sentido de que são uma quebra de independência.
Estivemos cinco ou seis anos no poder com a área da justiça, mas quando lá estivemos creio que não merecemos críticas como as de que agora está a ser objecto este governo.
Sr.ª Deputada Odete Santos, não estudei o problema das alçadas dos tribunais pelo que não sei se justifica ou não o aumento de 500%. O que lhe posso garantir é que o custo da justiça não está ao alcance de todas as bolsas e a igualdade de todos perante a lei é, como lhe disse, uma mentira.
Quanto aos tribunais de círculo, à primeira vista parece-me errado que se desloquem as pessoas em vez de serem os tribunais a se deslocarem, mas porventura o Sr. Ministro terá uma explicação para isto, e espero que ele no-la dê até ao fim deste debate.

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O Sr. Deputado Vieira Mesquita disse que eu sou pessimista. Terrivelmente. Sr. Deputado! A justiça é um dos sectores que está em degradação acelerada e é um sector que está a deixar degradar o próprio homem, aquele que é julgado nos tribunais por conflitos humanos, aquele que é internado jovem nos organismos tutelares de menores, aquele que cai na alçada das prisões. Esse homem está a degenerar-se, está a degradar-se, tal como aquele que é vítima de droga, sem que nada ou praticamente nada se faça contra isso, para além daquilo que se começou a fazer há dez anos. O homem está a ser degradado e é por isso que lanço este grito de alarme.
Quanto à afirmação de que nem tudo vai bem nas prisões, digo-lhe que vai tudo mal e que os pequenos remendos que se têm feito e os anúncios do que se vai fazer não me tranquilizam, de modo nenhum. Foi essa, aliás, a conclusão que tirámos das visitas que ultimamente se fizeram às prisões.
No que concerne à tentativa de tentar acabar com o Instituto de Reinserção Social, devo dizer-lhe que, obviamente, não foi - como deve calcular - nenhum departamento que não fizesse parte do próprio Ministério da Justiça, porque o departamento centralizador dos órgãos que deviam desaparecer recebia as «folhinhas» com a descrição daqueles que se deviam colocar na proposta de lei. Não era, com certeza, o Ministro de Estado que ia pensar em deitar abaixo o Instituto de Reinserção Social.
E também fez mal o Sr. Ministro da Justiça em pretender dar-me uma reprimenda a esse respeito, dizendo que foi sempre coerente e que sempre entendeu que o Gabinete de Apoio Técnico-Legislativo deveria estar junto da Presidência do Conselho de Ministros. Lembro-lhe, Sr. Ministro, o despacho que proferiu onde diz precisamente o contrário e lembro-lhe afirmações que fez em que muito justamente se louvou o papel importante que desempenhava o Gabinete de Apoio Técnico-Legislativo.
Lembro-lhe também, Sr. Ministro, que até quando o Gabinete foi criado pelo Ministro Rui Machete, V. Ex.ª disse que já tinha criado uma coisa no género e que era importante o papel do apoio técnico-legislativo do Ministério da Justiça, em contradição com a sua afirmação de que este Ministério não é o Ministério das leis. Entendendo-o como um ministério das leis, como assim o entendeu, muito recentemente, um ministro francês e assim se entende lá fora.
Se não é um ministério das leis, então sim, talvez valha a pena passar a ser Secretaria de Estado, porque o papel principal, a meu ver, é exactamente defender os sistemas jurídicos, a ideia de direito e o respeito da lei por todos os cidadãos. Se falhar nesse papel, o Ministério da Justiça pode continuar a dormir com o meu aplauso, porque na verdade não precisa de acordar para nada. Fazer leis más - e repito, muito más - cada vez que acorda, não vale a pena nem justifica o acto de acordar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, penso que nestas como em todas as outras discussões, devemos colocar as coisas com clareza e não nos devemos refugiar em slogans mais ou menos apressados em relação a questões que são manifestamente sérias - aliás, creio que o Sr. Deputado também o entende assim, pois tem sido dessa forma que sempre tem abordado as questões.
No entanto, devo dizer que me parece que o Sr. Deputado se desvia dessa própria imagem quando, pura e simplesmente, atira com o argumento do Estado de direito contra o sistema das contra-ordenações. Sr. Deputado, das duas, uma: ou as contra ordenações são intrinsecamente más, são contrárias aos princípios do Estado de direito e então devemos bani-las do nosso ordenamento jurídico - e se assim é importa dizê-lo; ou são conformes ao Estado de direito, - e são-no - e o Sr. Deputado não pode, com alguma ligeireza, invocar que não dão as garantias ao Estado de direito. Da autoridade que aplica as coimas há recurso para os tribunais nos termos do Estado de direito.
O Sr. Deputado disse uma coisa que é extremamente grave: ao Sr. Deputado não repugna, não viola os princípios do Estado de direito que a uma peixeira que trabalha no mercado e que tenha na sua banca praticamente tudo lhe seja aplicada uma coima na base da qual se lhe apreenda a mercadoria ou o produto de um ou dois dias de trabalho -isso não é grave, pois são só umas poucas centenas de escudos-, mas apreender um iate de luxo já vai contra os princípios do Estado de direito.
Sr. Deputado, penso que cada um tem de assumir as coisas! É perfeitamente legítimo dizer que apreender um iate de luxo vai contra os princípios do Estado de direito, mas apreender o peixe de uma peixeira já não vai contra esses princípios. Mas, então, não se chorem lágrimas pela desigualdade e pela discriminação de que os pobres estão a ser vítimas deste país; então, não se diga que a justiça está ao serviço dos ricos, porque o que agora se pretende é dar «porrada» sem garantias do Estado de direito contra a peixeira e dar todas as garantias a favor de quem tem iates de luxo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, apenas quero dizer que se tem dúvidas sobre a sua honra, eu não tenho. O Sr. Deputado é um homem honrado e, portanto, pode estar tranquilo.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Foi um expediente!

O Orador: - Bom, se é expediente aí começo a ter dúvidas.

Risos.

Sr. Deputado, referi-me a um barco de pesca; se o senhor fala em iate é por sua conta e não tenho nada a ver com isso. Porém, continuo a dizer que quando as coimas foram criadas, foram-no para punir as bagatelas penais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não é verdade!

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O Orador: - Se o Sr. Deputado acha que as coimas surgiram para punir crimes graves, creio que está em causa o Estado de direito e deste pensamento o Sr. Deputado não me afasta por mais nota negativa que me dê na sua qualidade de professor de Direito Penal.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Justiça inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães, Gomes de Pinho, Odete Santos, José Manuel Mendes, Rogério Moreira, Eduardo Pereira, Jorge Lacão, Maria Santos, Custódio Gingão, Almeida Santos, Raul Castro, Marcelo Curto e José Luis Ramos.
Visto estarmos a atingir a hora regimental de interrompermos a sessão, estes Srs. Deputados ficarão com a palavra reservada para as 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura de vários pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foram lidos.

São os seguintes:

xmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no oficio n.º 131 - processo n.º 5826 - 3.ª Secção do 15.º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, de 22 de Janeiro último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Manuel Rogério de Sousa Brito, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ser inquirido como testemunha, no processo acima referenciado.

Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 4 de Fevereiro de 1987. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Em conformidade com a carta de 22 de Janeiro último, enviada a V. Ex.ª pelo Sr. Deputado António Magalhães Feu, em que solicita autorização para depor como testemunha no processo n.º 2413/83, no 5.º Juízo Correccional do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, tenho a honra de comunicar que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a prestar declarações no processo em causa.

Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 4 de Fevereiro de 1987. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 27 - processo n.º 189/83 - 2.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, de 7 de Janeiro corrente, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de:

a) Autorizar o Sr. Deputado José Mendes Bota a ser ouvido como declarante no processo em causa;
b) Não se pronunciar sobre o Sr. Deputado João Barros Madeira, por aquele se encontrar, nesta data, com o seu mandato suspenso.

Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 4 de Fevereiro de 1987. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no ofício n. º 233 - processo n.º 978 - 1.ª Secção do 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Coimbra, de 29 de Janeiro último, enviado a esta Comissão, acerca do Sr. Deputado Carlos Alberto Santana Maia, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a prestar declarações no processo em causa.

Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 18 de Fevereiro de 1987. - O Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, António Cândido Miranda Macedo.

Vamos passar à votação conjunta de todos estes pareceres.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, tal como ficou acordado da parte da manhã, o Sr. Secretário vai agora proceder à leitura do voto de pesar pela morte de José Afonso, subscrito por deputados de todos os grupos parlamentares.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes):

Voto de pesar

José Afonso morreu ao cabo de prolongada e dolorosa enfermidade, de um percurso humano, cívico e político que lhe grangeou o respeito, o apreço de vastas camadas do nosso povo. Cidadão inconformado, assumiu, desde a juventude, a luta pela liberdade e pela democracia, suportando a prisão e o ostracismo, o silenciamento hostil da obra singularíssima com que abriu rumos novos na música portuguesa. Cantor da insubmissão, da confiança, dos dias ásperos e das horas acesas da

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construção de Abril, foi sempre, acima de tudo, uma personalidade fraterna, desafiadora, radical. Não temendo a controvérsia, moveu-se nos terrenos da exigência estética, ideológica e cultural, combatendo todas as formas de acomodamento ou de opressão. A Revolução de 1974 deve-lhe o sinal de partida, um cantar particularmente luminoso, testemunho de energia colectiva e de apego melódico às raízes populares.
Poeta, compositor, intérprete inigualável, desencadeou com a sua voz as tempestades da mudança e da porfia. Sonhou uma pátria justa e livre; por ela se bateu com extrema coerência e dignidade. A sua morte, ocorrida após longos momentos de sofrimento, durante os quais suscitou uma emocionante onda de solidariedade nacional e internacional -pesem embora as omissões dos poderes públicos- empobrece-nos de forma irremediável, mesmo sabendo que continuará connosco no devir da esperança.
Por isso, a Assembleia da República, reunida, em sessão ordinária a 24 de Fevereiro de 1987, exprime o seu profundo pesar pelo desaparecimento físico de José Afonso, figura imperecível da música e da cultura portuguesas.

O Sr. Presidente: - Tal como combinámos, vamos apenas proceder à votação deste voto de pesar, visto que as declarações de voto passarão para o período de antes da ordem do dia da próxima quinta-feira.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade,

Gostaria de comunicar à Câmara que a Mesa também se associa a este voto de pesar e sugiro que guardemos agora um minuto de silêncio.

A Câmara aguardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, retomando a ordem do dia, relembro que ficaram com a palavra reservada para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Justiça os Srs. Deputados José Magalhães, Gomes de Pinho, Odete Santos, José Manuel Mendes, Rogério Moreira, Eduardo Pereira, Jorge Lacão, Maria Santos, Custódio Gingão, Almeida Santos, Raul Castro, Marcelo Curto, José Luís Ramos e Cavaleiro Brandão.

Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, o discurso que há pouco produziu é lamentável em relação a um debate que gostaríamos que fosse informado e travado num clima que poderia ser de intenso diálogo. No entanto, creio que o discurso foi revelador da situação de surdez e de intolerância em que o Ministério se tem afundado, em particular nos últimos tempos. Por exemplo, é significativo que há cerca de um ano o Ministério não ouça os funcionários judiciais, o que bem seria necessário num momento em que se preparam reformas que exigem um empenhamento desses funcionários, o que, de resto, tem problemas específicos.
Um outro exemplo de intolerância é o clima de acusação em relação à questão do Código de Processo Penal. A reforma processual penal é um eixo da política legislativa que exigiria o máximo esforço conjugado possível, mesmo por parte dos discordantes. Aquilo a que se tem assistido é a uma campanha - que considero insensata - de acusação de quem discorda. Quem discorda está, fatalmente, ao lado do diabo; ou é um velho do Restelo ou, simplesmente, é desprovido de ideias, ou está feito com o inimigo e, em relação ao Código de Processo Penal, isto é o pior que pode acontecer.
Lembro-me dos tempos em que aqui no Plenário discutíamos o código e em relação a algumas das inconstitucionalidades que o Tribunal Constitucional acaba de reconhecer que existem o Sr. Ministro exclamava sobranceiramente: «Quais inconstitucionalidades!?... Isso é má vontade, é um parti pris dos deputados arguintes, movidos por quaisquer maus intuitos...» Isto é, substituiu-se o clima de reflexão conjunta por um clima de acusação intolerante que descambou naquilo que descambou: seis artigos chumbados pelo Tribunal Constitucional e um código, que devia ser um factor de estabilidade, transformado em factor de polémica. Isto é o resultado de uma determinada orientação política que consideramos negativa.
Nesta circunstância, as perguntas que pretendo colocar - porque, mantendo-se como se mantém no lugar de Ministro da Justiça, o Sr. Ministro, independentemente do futuro, é responsável pela política do seu Ministério - relacionam-se com o Código de Processo Penal. Quem fez o decreto preambular do Código de Processo Penal? Interrogo-me em relação a isso. Não acredito que tenha sido o Sr. Procurador-Geral da República, não acredito que tenha sido o Prof. Figueiredo Dias! Se passou pela cabeça de alguém mandar o Ministério Público acusar, nos processos de transgressões, incluindo portanto estacionamentos proibidos, em relação a tudo o que está pendente nos nossos tribunais, isso implicaria pelo menos 100 magistrados do Ministério Público em full-time para despachar os milhares e milhares de processos pendentes. A situação criada é perfeitamente - como lhe hei-de chamar? - de emergência, ou melhor, caricata! Em todo o caso, ela é criada pelo Governo num domínio em que creio que não podia ser criada.
A segunda questão diz respeito às ilusões em relação aos presos preventivos. Como é que é possível dar aos presos preventivos portugueses a ilusão de que a entrada em vigor do Código lhes vai dar a liberdade celeremente, dizendo o Código o que diz em matéria de prisão preventiva e havendo uma campanha securitária inspirada pelo Governo, o que constitui ela própria um factor que levará os juízes a pensar quatro vezes, responsavelmente, antes de poderem vir a submeter-se ao azurrar do Governo no sentido de libertarem dezenas de criminosos, criando um clima de pavor, o que é próprio da campanha desencadeada pelo Ministério da Administração Interna nesta matéria? Sr. Ministro da Justiça, em que é que ficamos?
A terceira questão relaciona-se com a legislação regulamentar. Como é que se compreende que neste momento haja um conflito insanável entre a Polícia Judiciária e a Procuradoria-Geral da República relativo à delimitação de águas quanto às competências em matéria criminal? Como é que é possível que não haja o encaminhamento normal da resolução de um conflito desta natureza e haja uma posição de apilamento em relação a um conflito? Em que é que ficamos numa matéria destas?
Como é que é possível cumprir o calendário de reforma que o Governo sonhou, quando neste momento, em que deveriam estar a decorrer os cursos

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de formação dos 400 funcionários necessários para o Ministério Público, nem há cursos, nem perspectivas de funcionários, nem sequer perspectivas de reciclagem dos 650 actuais funcionários do Ministério Público?
Nestes termos, pergunto como é que é possível continuar a dizer, com um ar muito sério, muito composto e muito reservado, que o Código de Processo Penal entra em vigor em Junho de 1987. Creio que esta forma de tratar uma questão desta gravidade não é adequada ao Ministério da Justiça, seja quem for o seu titular, ou co-titular responsável.
Finalmente, Sr. Ministro, gostava de saber por que é que não estão em aplicação as conclusões do relatório que foi elaborado na sequência da fuga de Pinheiro da Cruz.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, curiosamente, no discurso que produziu não houve uma única Unha sobre a situação da justiça laboral. Tal facto poderia dever-se à falta de tempo se não houvessem sintomas de que, de facto, a justiça laboral é ainda hoje a parente mais pobre da justiça.
Relativamente à degradação do parque judiciário, e no âmbito da justiça laboral, creio que bastará ler o reconhecimento da inaptidão do Governo na proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais, quando de novo procura empurrar para as autarquias locais a instalação e as despesas com obras nos tribunais.
No capítulo dos tribunais de trabalho, basta ir à Avenida de Almirante Reis ver a situação daquelas instalações e como os acidentados de trabalho se acotovelam, mesmo ao lado da bicha que se forma para a sopa dos pobres.
Deve ainda ver-se como é que se fazem exames e juntas médicas nas salas de arquivo dos tribunais de trabalho - é o caso, por exemplo, de Setúbal. Deve ver--se como é que as pessoas se acotovelam no Tribunal de Trabalho de Leiria, onde há 4000 processos pendentes e instalações indignas de um tribunal.
Na intervenção que produziu, o Sr. Ministro disse que o Ministério da Justiça era um Ministério colaborante, o que é verdade. Mas é colaborante com o quê? No capítulo da justiça laboral é colaborante com a política do Ministério do Trabalho, isto é, com a política de desemprego, com a política que incentiva despedimentos e com a política que incentiva a proliferação de trabalho clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E colabora com o Ministério do Trabalho porque na parte do Ministério da Justiça há uma absoluta inércia no que toca aos aspectos instrumentais do direito do trabalho.
Sr. Ministro da Justiçai como é que um trabalhador pode confiar na justiça laboral e recorrer a ela para pôr termo à clandestinidade de trabalho? Como o pode fazer, quanto é certo que as últimas estatísticas oficiais conhecidas declaram que a média nacional de duração de um processo de trabalho é de 33 meses, de 40 meses para as execuções e de cinco anos para alguns casos de acidentes de trabalho? Como pode um trabalhador confiar nisso quando sabe que ao acréscimo de processos de acidentes e trabalho em 1986 - e, lamentavelmente, até crianças de 13 anos de idade são vítimas de acidentes de trabalho, tal como os jornais referem - não corresponde, por parte da máquina judiciária, um acelerar desses processos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - De facto, esta tem sido a colaboração dada pelo Ministério da Justiça na área laboral.
Sobre estes aspectos instrumentais do direito de trabalho, V. Ex.ª, que citou copiosamente alguns diplomas do Ministério de que faz parte, não falou, por exemplo, do que se passa com a revisão do Código de Processo do Trabalho que, numa reunião sobre o debate orçamental, anunciou estar a ser revisto. O que é que se passa com esta lei que precisa de ser revista para repor a igualdade entre trabalhador e entidade patronal no acesso à justiça?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por que é que se encerram numa gaveta as medidas necessárias para pôr em funcionamento os juízes sociais? Por que é que para o descongestionamento dos tribunais de trabalho o Ministério da Justiça conta tão-só com a verdadeira .degradação da justiça, quanto aos direitos dos trabalhadores?

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, o panorama do sistema prisional português é conhecido e não vale a pena voltar a traçar-lhe o retrato. Importa, isso sim, saber quais as medidas que o Ministério tem adoptado para alterar o rumo das coisas - que é grave - e que sinais existem de começo de percurso de uma curva diferente, de um caminho diferente. Ora, o discurso que produziu durante a parte da manhã não nos tranquiliza; muito pelo contrário, perturba-nos e inquieta-nos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As verbas que. o Sr. Ministro gloria, atribuídas à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, oriundas do PIDDAC de 1987, são escassas - é preciso dizê-lo - e repousam numa realidade que não pode ser escamoteada, que é a ausência completa de um PIDDAC em 1986. A mim e aos deputados da bancada de que faço parte não nos impressiona minimamente o uso reiterado, sistemático, da argumentação comparatística, o chamar à colação o que se passa em Montpellier ou no. Carcel Modelo em Barcelona, o saber-se que lá fora as prisões rebentam pelas costuras. O que queremos saber é se em Portugal vamos continuar a manter uma situação a todos os níveis intolerável.
O Sr. Ministro sonha com o milagre da libertação dos presos a partir das normas do recém parturejado Código de Processo Penal.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Esse sonho é antigo, só que o milagre não ocorre por acaso, é preciso accionar os mecanismos indispensáveis para que alguma coisa comece a mudar.
Nas visitas às cadeias, a Comissão Parlamentar tem ouvido queixas de todos, dos detidos, dos directores dos estabelecimentos prisionais, dos psicólogos; não digo dos médicos porque não existem nem dos guardas porque as circunstâncias sabidas são as de que, em geral, não são atendidas as suas propostas, nem dos enfermeiros porque chegámos ao extremo de haver prisões onde não há um único.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - A verdade é que, diante de presos a dormir em curros húmidos, em enxovias - e isto não é miserabilismo -, o discurso do poder consiste em pôr óculos cor-de-rosa, afirmar que isto é assim há muito tempo e que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que se as obras de fundo se não fazem num dia, as primeiras horas da transformação vão corridas e é totalmente inaceitável que as coisas se mantenham como mantêm.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não basta a crítica do que está antes da presença do Ministro Mário Raposo na governação. É preciso que se demonstre que com o Ministro Mário Raposo na governação os factos se não agudizaram e não pioraram. Ora, o indiscutível é que, independentemente de algumas acções pontuais, em termos globais o quadro é catastrófico e não é por acaso que os suicídios surgem. Não está a bancada do PCP a sentar especialmente no banco dos réus seja quem for pela culpa directa e imediata dos suicídios, mas está, isso sim, a pôr o dedo numa ferida, dizendo de uma forma cabal e categórica que não ocorrem por geração espontânea os actos de auto-extermínio e que, desde já, urge definir as iniciativas que tenderão a pôr cobro à vaga que nos constrange.
Sr. Ministro, era um pouco sobre isto que se impunha ouvi-lo e ouvir, por exemplo, o que é que o Ministério pensa em relação à necessidade do reforço das verbas para conservação, manutenção e funcionamento, sendo certo que estamos perante uma moldura que não deixará de repetir o que aconteceu em 1986, ou seja, um 2.º semestre em que não há dinheiro para as despesas elementares.
O que é que o Sr. Ministro fará para o aumento da capitação, cujo valor é hoje absolutamente incomportável para quem quer gerir uma situação em si mesma degradada? Onde estão as medidas sanitárias? Era bom que, em vez do discurso geral, nos pudesse indicar aspectos concretos da política que tem em mente. Onde está o quadro de médicos, onde está o quadro de enfermeiros, onde está o quadro de guardas prisionais, onde está o descongelamento que permite o preenchimento dos lugares vagos, sem os quais nada, mas nada, se alterará?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, no discurso que produziu afirmou por várias vezes não ser sua intenção dar aqui qualquer espectáculo. Porém, permita-me que diga que alguns elementos que aqui não trouxe - e aqui peca sobretudo por omissão - são espectacularmente tristes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro recuou no tempo e recordou um conjunto de escritos que produziu em diversos momentos, comparou a nossa situação com a de outros países e deu a entender que a dos outros é muito pior do que a nossa - logo, aqui d'el-rei, não há nada assim de tão preocupante quanto isso!
O Sr. Ministro dá um quadro quase que paradisíaco da vida nas prisões. Todos trabalham, todos estudam, etc.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma alegria!

O Orador: - Talvez até aqui valesse a pena confrontar estes dados com o conjunto de elementos - aliás, bastante trabalhados - que a própria Subcomissão de Assuntos Prisionais recentemente elaborou. Alguém está aqui a não dizer a verdade toda!
Quanto a novas acções e a medidas concretas que foram tomadas, creio que o que o Sr. Ministro disse não foi mais do que tímidas referências aqui e acolá. Vou dar o exemplo de dois aspectos particularmente preocupantes em relação aos jovens. O Sr. Ministro falou de «intensificação das acções tutelares de menores e de apoio a acções preventivas». Mas quais as medidas e que acções, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro foi aqui vago e deixou tudo para outras circunstâncias e outros momentos, tal como fez ainda há dias numa entrevista que deu ao Diário de Notícias, onde referia essa matéria. Mas o que é ainda mais grave é que esta ausência de clareza nas medidas e nas propostas já se notava no Programa do Governo. Em relação ao Serviço Tutelar de Menores, o Programa do Governo dizia que «serão alvo de especial preocupação». Ficámo-nos pela névoa, ficámo-nos pela não concretização das propostas!? Era isso que importava também aqui esclarecer, Sr. Ministro.
Com efeito, a justiça de menores continua a ser, no nosso país, uma justiça menor. Será que, finalmente, vai agora o Sr. Ministro decidir a criação e implementação do previsto conselho de prevenção da criminalidade? Será essa uma das medidas que importa assumir?
Por outro lado, no discurso que produziu, o Sr. Ministro não dedicou uma única palavra acerca da questão da toxicomania; em todo esse discurso de inúmeras páginas não ouvimos uma única palavra a respeito do problema dos jovens dependentes da droga. Creio que essa omissão é grave! Será que esta é uma questão que não tem dignidade para ser tratada por um ministro? Será que isto é apenas a repetição de uma encenação já aqui trazida num outro momento pelo Sr. Secretário de Estado, onde, de uma forma algo escorreita, se limitou a referir um conjunto de medidas, mas sem qualquer tipo de calendarização, sem qualquer tipo de preocupação em dizer quem as vai executar, quando, com quem e com que meios?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - Face a isto, pergunta-se se o apelo hoje feito se resume ao de há uma semana: «Vamos aos grandes consensos em relação aos problemas da droga»
- esta foi a expressão utilizada pelo Sr. Secretário de Estado - porém, será que hoje, mais uma vez, nada irá ser dito, por exemplo, quanto ao desbloqueamento das vagas por preencher nos serviços que tratam desta matéria? Será que quanto à coordenação e às acções conjugadas entre os vários ministérios nesta mesma área continuará a nada ser dito?
Será que também ficou metida na gaveta a única referência que o Programa do Governo tinha na área da justiça em relação ao problema da droga, que era exactamente a de «actualizar-se-á a legislação penal secundária relativamente ao consumo e tráfico da droga»?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Ministro, consciente de me ir ocupar de uma questão pontual - seguramente não essencial ao debate, na opinião de V. Ex.ª, feita num Parlamento de um país em que, também na sua opinião, é baixíssima a taxa de evasões e em que a apregoada lentidão de justiça é uma acusação incompreensível da oposição -, gostaria que o Sr. Ministro, em primeiro lugar, nos confirmasse que, em 1985, quando das fugas da Penitenciária de Lisboa foram ordenados três inquéritos, um pelo Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais, outro pelo Sr. Ministro da Justiça e outro pelo Sr. Primeiro-Ministro. Em segundo lugar, gostaria que nos informasse acerca dos resultados apurados por esses inquéritos ou, no caso de estes não terem sido concluídos, qual a situação em que hoje se encontram, isto é, gostaria de saber se foram ou não arquivados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Ministro da Justiça, a sua intervenção pareceu-me, a vários títulos, espantosa: em primeiro lugar, pela sua preocupação, ao tecer várias páginas de considerações sobre a matéria, em dilucidar quais os propósitos últimos da iniciativa do Partido Socialista; espantosa também por ver que o Ministro da Justiça perde tempo a procurar fazer juízos de valor acerca da iniciativa de um grupo parlamentar, em vez de ganhar o seu tempo de forma útil, explicando a política do seu Ministério; espantosa, por isso mesmo, por verificar que perdeu todo o tempo e não nos disse nada, designadamente acerca das razões que, em seu entender, conduziram à última vaga de suicídios. E não vale a pena escamotear esta importante questão, limitando-a apenas a mero efeito conjuntural.
Também nada nos disse relativamente à problemática da reinserção social, como se fosse uma questão para a qual o Ministério nada tivesse a dizer, e sobre o esforço ou a ausência de esforço no combate à droga ou sobre a política relativa à tutela de menores.
Espantosamente, o Sr. Ministro nada nos disse sobre as implicações regulamentares que decorrem para a nova estruturação da Polícia Judiciária como, afinal de contas, nada nos disse relativamente aos chamados programas de investimento informático.
De tudo, portanto, um enorme espanto, donde resultará que muitas perguntas neste debate ainda deverão e terão de ser colocadas. No entanto, por agora, cingir-me-ia apenas a duas.
Disse o Sr. Ministro que o Decreto-Lei n.º 477/82 era, afinal, a causa directa daquilo que considerou o escândalo das prisões preventivas. E eu pergunto-lhe: como é possível ter o Sr. Ministro identificado a causa directa do escândalo das prisões preventivas e não ter há tantos anos revogado o referido diploma? Como é possível, portanto, que considere que essa é uma situação que verdadeiramente choca a dignidade humana mais elementar e, estando nas mãos do Ministro da Justiça a possibilidade de revogar esse instrumento legislativo, deixasse correr os anos sem o ter feito? Será que não o fez por ausência .de coragem política? Gostaria que nos explicasse quais as razões de tão grave omissão.
Uma segunda questão: o pedido de autorização legislativa concedido pela Assembleia da República relativamente ao Código de Processo Penal, no n.º 30 do artigo 2.º, atribuiu à Polícia Judiciária a iniciativa para suscitar ao juiz de instrução as escutas telefónicas. Todavia, na versão actual do Código de Processo Penal, o impulso para a iniciativa das escutas não vem circunscrito à Polícia Judiciária, mas aberto a toda e qualquer polícia e sabemos que as polícias, no nosso actual espectro, são mais de vinte.
Por isso pergunto: será que a regulamentação desta matéria foi conscientemente diferida do Código de Processo Penal para a futura lei orgânica da Polícia Judiciária? E, a ter sido assim, considera o Sr. Ministro da Justiça que essa lei orgânica é o lugar adequado para regulamentar uma matéria tão essencial no capítulo dos direitos, liberdades e garantias?
Finalmente, e ainda em ligação com esta questão, o Conselho de Ministros aprovou recentemente uma resolução nos termos da qual é conferida ao Ministro de Estado competência para coordenar directamente todas as polícias, designadamente a própria Polícia Judiciária e os Serviços de Informações. Pergunto: admite o Ministro da Justiça de Portugal que, por uma resolução do Conselho de Ministros, assim se possa «passar o pé» à Lei dos Serviços de Informações aprovada na Assembleia da República? Será possível «passar o pé» às disposições que visavam ser reguladas em sede da Lei de Segurança Interna e, designadamente, que um único Ministro de Estado tenha a competência da coordenação de todas as polícias, sem que os respectivos ministros da tutela tenham assento no Conselho Superior de Segurança?
São estas questões indiferentes para o seu Ministério? Como a elas não se referiu, gostaria que nos desse agora as respostas adequadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Ministro da Justiça, interpelar é perguntar e ser interpelado é, naturalmente, responder. Não vejo como se possa responder a uma sequência de perguntas (que fazem parte da interpelação), tirando do bolso um papel e lendo aquilo que se trouxe de casa. Eu não fiz esse ultraje ao seu Partido quando era Ministro da Justiça e o seu Partido me interpelou. Respondi de improviso, ponto por

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ponto, e não deixei nenhuma pergunta sem resposta, nem sequer aquela que, nessa altura, se referia ao quentíssimo problema do aborto.
O Sr. Ministro, como vinha de casa com a lista, em seu entender, das coisas boas do seu Ministério, não reconheceu, em meu entender, nada que estivesse mal. Daí que seja levado a perguntar-lhe -diga-nos agora que ainda tem tempo- se existe alguma coisa que entenda estar mal no seu Ministério.
Já sabemos que nos cofres está tudo bem, mas gostaria de ouvir de novo afirmar que está tudo certo. Já sabemos que sempre esteve de acordo em que o Gabinete de Apoio Técnico-Legislativo sempre deveria estar -e está muito bem- na Presidência do Conselho de Ministros. Já sabemos que o Instituto de Reinserção Social é uma coisa tolerada e não deve ser mais do que isso. Já sabemos que o dinheiro chega: os seus funcionários e directores-gerais estão a ouvir-nos e provavelmente algo desconfiados de que seja tanto como isso.
Diga-me então, por favor, Sr. Ministro, que tem o privilégio de conhecer o sortilégio do milagre dos pães. E relativamente às prisões, quando nos diz que há países em que elas estão piores, diga-nos por favor, para a minha e para a nossa tranquilidade, que se refere ao Koweit e não a nenhum país europeu.
E se não puder efectivamente tranquilizar-me com a afirmação de alguma angústia relativamente ao que corre mal no Ministério da Justiça há mais de sete anos a esta parte, se nada disso o preocupa, gostaria de felicitá-lo por essa invejável bem aventurança. Se efectivamente não pode dar-nos o testemunho de nenhuma angústia pessoal, do reconhecimento sincero de que há muita coisa errada e muita coisa por remediar, então, Sr. Ministro, como seu amigo, só lhe posso aconselhar essa coisa que sei que no fundo deseja: é que volte muito depressa a ser o brilhante advogado que sempre foi e continuará a ser.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, já muitos deputados aqui demonstraram como vai mal a justiça em Portugal. Mas a questão que aqui quero trazer tem a ver com aquilo que se passa com o Supremo Tribunal Administrativo. Como o Sr. Ministro deve saber, já foram proferidos 405 acórdãos, dos quais 309 já transitaram em julgado. Até hoje, nenhum desses acórdãos foi cumprido.
Diga-nos, Sr. Ministro, que é o Ministro da Justiça de um país democrático, o que tem a dizer sobre esta matéria. Lava daí as mãos, não tem nada a ver com isto?... Que justiça é esta? Era sobre esta questão que gostaria que desse explicações à Câmara.
É claro que o seu governo tem vindo ao longo do tempo a dizer que esses acórdãos versavam sobre matérias processuais sem grandes problemas. Contudo, o tempo foi passando, os acórdãos foram-se processando e acontece que hoje já há mais 33 acórdãos noutra instância, no tribunal pleno, acórdãos esses que também deram razão às cooperativas. É neste sentido que pergunto: qual é a desculpa que o Sr. Ministro e o Governo arranjam agora para não cumprirem estas sentenças que vêm do tribunal pleno? Continuarão a dizer que é vício de forma? Ou o vício está no Governo e é o vício de não cumprir?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - O Sr. Ministro da Justiça, na sua intervenção, teve ocasião de se referir a vários diplomas publicados pelo seu Ministério. Gostaria de saber, visto não ter encontrado no seu discurso nenhuma referência a essa questão, qual o sistema judiciário que este governo possui. Isto é, pretendia que me elucidasse sobre quais os objectivos desse sistema judiciário, sobre qual a conexão existente entre os vários diplomas publicados e qual o timing da publicação de cada um deles em relação a estes pressupostos do mesmo sistema judiciário.
E a dúvida provém ainda mais do facto de em alguns desses diplomas se encontrarem atitudes contraditórias da parte do Ministério. Assim, o Sr. Ministro anunciou que estava já em Conselho de Ministros um diploma sobre o sistema de acesso ao direito e, simultaneamente, no dia 18, foi enviada à Assembleia da República a proposta de lei orgânica dos tribunais, na qual se verifica que o Governo entende que a alçada da 1.ª instância deve passar de 120 para 800 contos e a da 2.ª instância de 400 para 2500 contos. Isto significa que na 1.ª instância há um aumento de mais de 600% e na 2.º um aumento que ronda a mesma percentagem. Este aumento brutal das duas instâncias insere-se no sistema de acesso ao direito que se encontra no Conselho de Ministros?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - O Sr. Ministro referiu também na sua exposição que «era oportunístico falar de lentidão da justiça», mas na proposta de lei orgânica consta a seguinte afirmação no ponto 8 do preâmbulo: «[...] ninguém contestará que a administração da justiça é aqui [...]» -naturalmente em Portugal- «[...] por vezes demasiado lenta [...]» Pergunto ao Sr. Ministro qual das afirmações é, afinal, a verdadeira: a feita hoje ou aquela que o foi no preâmbulo da lei orgânica.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Grande lapso!

O Orador: - Por outro lado, e ainda para esclarecimento da ideia de que não existe por parte do Governo um sistema judiciário, desejaria referir um outro exemplo: é que, no preâmbulo, ao referir-se ao tribunal colectivo, o Sr. Ministro invoca que se impõe acabar com a justiça itinerante. E porquê? Por virtude do desenvolvimento dos transportes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - São gratuitos!

O Orador: - Mas mais adiante, na p. 2, ao defender-se que os tribunais de 1.ª instância possam reunir em local diverso da sede, o Sr. Ministro invoca a dificuldade dos meios de comunicação. E eu pergunto ao Sr. Ministro: então só há facilidade de transporte para os juízes e a dificuldade é para as outras pessoas? Afinal, há facilidade ou há dificuldade?
Tudo isto é de molde a fazer persistir a ideia de que, efectivamente, o Governo não tem uma visão de conjunto do sistema judiciário e da justiça em Portugal.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Ministro da Justiça, nós assistimos e ouvimos aqui um discurso que o Sr. Ministro trazia escrito e que começava por classificar esta interpelação do Partido Socialista como uma interpelação futilmente útil. E este «útil» até está entre aspas, não se percebendo muito bem porquê.
Depois de um requisitório e de toda uma série de carências e de críticas que o Sr. Deputado Almeida Santos lhe fez, o Sr. Ministro manteve o seu discurso pré-escrito. Mas a sua resposta ministerialmente optimista é uma resposta que considero futilmente inútil porque, em suma, o que nos diz é que fez muitas leis e que as leis são boas, embora em relação a algumas como, por exemplo, o Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional não seja da mesma opinião e ache que são bastante más. E eu acho também que as leis, más ou boas -e efectivamente elas são más-, têm que ser aplicadas.
Pergunto ao Sr. Ministro que medidas, não necessariamente legislativas, vai tomar para gerir estas inconstitucionalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional.
Que medidas é que vai tomar para aplicar as suas «boas» leis? Que medidas vai tomar para, por exemplo, reanimar o Instituto de Reinserção Social, que tem por função fundamental aplicar as penas de substituição que são efectivamente medidas de grande alcance e que parecem estar adormecidas?
O Sr. Ministro disse também que temos agora uma escola de estudos judiciários e que os oficiais de justiça e os secretários judiciais iam ter funções acrescidas. Lê-se a proposta da lei orgânica que o Sr. Ministro apresentou e o que vemos, relativamente às secretarias judiciais, são meramente duas pequenas atribuições, que, mesmo assim, pergunto se todas ou a maior parte das secretarias judiciais poderão aplicar. Pergunto-lhe, Sr. Ministro, quais as medidas que vai tomar para, a formação de secretários judiciais e dos oficiais de justiça e se vai ou não encarar a hipótese de lhes dar maiores atribuições, na medida em que esta é uma forma de libertar o juiz de funções não meramente judiciais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Ministro da Justiça, a questão que pretendo colocar-lhe já foi levantada anteriormente, mas a razão por que o faço é muito simples: julgo que o Sr. Ministro não teve oportunidade de referir, dada a limitação de tempo, a questão da coordenação das polícias. Qual a sua posição sobre esta questão? Será melhor ou não a posição actual do Governo para a resolução desta questão que já se vem arrastando há longos anos?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em estilo, por assim dizer, telegráfico, passarei a abordar as questões que me foram colocadas, começando por explicitar um ponto que se me afigura essencial. O Sr. Deputado Almeida Santos, que, devo sublinhá-lo, é um velho amigo meu e que como velho amigo subsistirá, interpelou-me - e interpelar é perguntar, o que consequentemente suscita uma resposta -, referindo que eu trazia o papelinho no bolso e que logo rapei do papelinho para lhe responder. Ora, devo dizer-lhe que isso aconteceu exactamente como fruto desta afectividade que entre nós existe: é que eu já o conheço suficientemente bem para saber o que me vai perguntar.

Risos e aplausos do PSD.

E razão tinha eu, porque as perguntas que o Sr. Dr. Almeida Santos me colocou foram todas, no essencial, cabalmente respondidas.
Apesar de com isso não estar a ter aquela afectividade que o Sr. Deputado Almeida Santos justifica, é evidente que não desejo que ele volte à sua brilhante carreira de advogado. Ele é realmente indispensável à vida pública; eu não serei tão indispensável, mas, enquanto for necessário a este governo, enquanto este governo for necessário ao País, enquanto merecer a confiança do Governo e do Primeiro-Ministro, continuarei no Ministério da Justiça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na mesma linha de pontos de vista, poderia continuar no mesmo tom genérico, mas, até por uma razão de abreviação, irei responder ponto a ponto a cada um dos Srs. Deputados.
Imputa-me o Sr. Deputado José Magalhães falta de diálogo, falta de sentido de reflexão conjunta, possivelmente falta de sentido de reflexão conjugada. Claro que tenho muito prazer em estar conjunto com o Sr. Deputado José Magalhães... .

O Sr. José Magalhães (PCP): - Salvo seja!

O Orador: - ... mas conjugada não, porque, evidentemente, somos de partidos diferentes...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - ... e, portanto, a minha obrigação é não estar na mesma posição.
Devo, contudo, dizer que o Sr. Deputado José Magalhães não está a ser justo - e, já que estamos a falar em justiça, isto convoca uma ideia de justiça - quando diz que o Ministro da Justiça não tem sentido de diálogo. O Ministro da Justiça tem vindo prestantemente à Assembleia e até tem sempre sublinhado que, do diálogo que tem mantido com esta Assembleia, tem auferido vantagens, designadamente na melhoria de textos. E tanto é assim que quando este Ministro da Justiça, que, pelos vistos, na opinião do Sr. Deputado Almeida Santos, devia retornar rapidamente ao foro, era deputado viabilizou algumas leis que foram da iniciativa de outros grupos parlamentares que não o do PSD. Foi o caso da Lei de Defesa do Consumidor, como bem se recordarão, da lei da igualdade entre os cônjuges e outras semelhantes.
Portanto, não há tanta falta de diálogo como o Sr. Deputado pretende inculcar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi essa a questão que lhe coloquei, Sr. Ministro!

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O Orador: - Diria que o Sr. Deputado põe as coisas nesses termos... Aliás, a propósito de o Sr. Deputado Almeida Santos me impelir novamente para o foro, devo dizer que até me sinto bem na Assembleia, porque, na verdade, até compreendo que a oposição tenha uma missão contraditória. É o chamado «princípio do contraditório». Agora, não devemos levar o princípio do contraditório até a um ponto excessivo, porque, senão, acabaremos por deturpar aquilo que, na realidade, a todos nós...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro, a minha pergunta era muitíssimo mais simples do que tudo isso: qual foi a data da última audiência com o Sindicato dos Funcionários Judiciais? Foi a de Abril de 1986 ou houve alguma posterior a essa data? Não há! E em relação aos magistrados judiciais e do Ministério Público?
Foram estas as questões que coloquei, Sr. Ministro! Não disse que V. Ex.ª não vem aqui falar connosco, porque vem!

O Orador: - Sr. Deputado, é evidente que isso não faz parte da política do Governo nem deveria constituir objecto de uma interpelação. O mal é que o sentido que nós temos na justiça é discutir bagatelas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas isto são bagatelas?!

O Orador: - ... é a fascinação da bagatela que impenitentemente está a corroer a arquitectura institucional do nosso país...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... nós só nos prendemos com pequeneces, como diria Jacinto Benavente, e é por causa disso que não vamos a parte nenhuma.

Aplausos do PSD.

Devo, entretanto, dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que, se bem me recordo, relativamente à Associação dos Magistrados Judiciais, ela é recebida sempre que o solicita, como acontece exactamente com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público - e pode perguntar-lhes se não é assim que acontece com qualquer deles -, e quanto à Associação dos Oficiais de Justiça recebê-la-ei daqui a uma semana, se não estou em erro. Quanto ao Sindicato dos Funcionários Judiciais, não me recordo que tenha pedido uma audiência...

O Sr. João Salgado (PSD): - O Sindicato não representa ninguém!

O Orador: - ... mas é natural que o tenha feito. De qualquer modo, tenho sempre o cuidado de dizer que não concedo audiências; proporciono reuniões de trabalho. Nem comités de reivindicação nem audiências paternalísticas; eu fomento reuniões de trabalho paritárias...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... disponíveis e com toda a abertura, que sempre espero seja recíproca.
Quanto à Lei Orgânica dos Tribunais, esclarecerei que ainda recentemente a Associação dos Oficiais de Justiça me enviou um ofício manifestando total concordância à perspectiva que eu próprio e as pessoas que comigo colaboram tínhamos perspectivado quanto à nova arquitectura e à nova orgânica judiciaria.
A primeira pergunta está, portanto, respondida.
Quanto à segunda pergunta, que me foi colocada pelo Sr. Deputado...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro, quero só recordar-lhe que não era só uma pergunta, mas sim cinco, relativamente ao Código de Processo Penal.

O Orador: - As outras tenho-as escritas, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem é que pode assumir perante o País a responsabilidade da redacção daquele incrível decreto preambular? Ou isto também é uma bagatela?!

O Orador: - Sr. Deputado, é evidente que tudo aquilo que sai do Governo é da responsabilidade do Governo, pelo que o que sai concretamente do Ministério da Justiça é da responsabilidade do Ministro da Justiça. Logo, eu assumo-a. Agora, é óbvio que pode haver uma imprecisão ou qualquer necessidade de completamento. Isso está a ser resolvido a nível da Comissão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!...

O Orador: - Portanto, a resposta é esta, Sr. Deputado.
Quanto à questão dos presos preventivos, gostaria de referir que no fim da inauguração do Palácio da Justiça de Oliveira de Frades, que ocorreu há três ou quatro dias - e afinal de contas o facto de se estar a inaugurar significa que está feito e lamento ter de inaugurar, mas não se pode desencadear o início de funções de um tribunal sem a sua inauguração, por mais discreta e sóbria que ela seja e por mais afectação de tempo que ela acarrete -, um jornalista perguntou-me como é que se ia conseguir fazer com que os juízes pudessem encarar todos os casos de prisão preventiva que lhes são remetidos, que agora lhes serão injectados desprevenidamente e sem qualquer cuidado para a sua banca de trabalho. Eu disse-lhe: olhe, o melhor é o senhor perguntar ao Sr. Presidente do Conselho Superior da Magistratura e do Supremo Tribunal de Justiça que está aqui ao meu lado e ao Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, pois certamente eles poderão informá-lo rapidamente sobre isso. Eu não sabia minimamente o que é que eles iriam dizer, mas, como é evidente, o que eles disseram foi exactamente o que há pouco referi. É que, apesar de trazer o tal papelinho de casa, já sabia que

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isso iria ser agora perguntado e, portanto, já trazia isso escrito. A verdade é que tudo é prognosticável, porque, no fundo, os ataques desferidos contra o aparelho da justiça sob a capa de um intuito de cooperação, de um fomento do diálogo são sempre iguais: assentam sempre na impossibilidade dos meios. Como é que neste momento se pode dizer que o Código de Processo Penal, que é um diploma inegavelmente bem feito, rigoroso, tecnicamente indiscutível...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Viu-se!

O Orador: - ... e que não tem seis artigos chumbados, mas apenas pequenas partes de artigos que, no critério do Tribunal Constitucional - que, evidentemente acatamos e respeitamos -, foram considerados não conformes à Constituição, perguntava eu como é que neste momento se pode prognosticar que o Código de Processo Penal será um falhanço? Isto é exactamente querer que as coisas corram mal...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é, não!

O Orador: - ... e foi por isso que ainda há dias disse que, apesar de saber perfeitamente o que quero, terei dificuldade em o levar até final. É porque, na realidade, surgem-me constantemente estas dificuldades. Como é que em Fevereiro se pode dizer o que é que vai acontecer em Junho, quando na realidade todos sabemos que, relativamente ao Tribunal de Monsanto - e alguns dos presentes sabem exactamente o que se passou com o Tribunal de Monsanto -, foi decidida a sua construção num dia e passados três meses ele estava pronto.
Ora, se em matéria de equipamento judiciário o que a aplicação do novo Código de Processo Penal postula é o aumento de algumas salas dos tribunais superiores, fundamentalmente dos da Relação e quanto muito a adequação de algumas salas dos tribunais para o debate instrutório. E como já está prevista a admissão de 400 funcionários de justiça para acudir às necessidades de aplicação do Código, não se poderá, com consciência, com verdade, com rigor e com autenticidade, dizer neste momento que daqui a quatro meses o Código há-de ser um falhanço.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que é com este tipo de argumentação que não me conformo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem nós!

O Orador: - Referiu também o Sr. Deputado a questão da legislação regulamentar e do conflito entre a Polícia Judiciária e a Procuradoria-Geral da República. O Sr. Deputado acaba de me dar uma novidade (se novidade é), pois ignoro totalmente esse facto. Sei que está a ser preparado um diploma para adequar a orgânica da Polícia Judiciária às necessidades do Código de Processo Penal. Curiosamente esse é o único diploma que ainda não está corripletamente elaborado e que até agora não suscitou qualquer dúvida ou reticência da parte de ninguém, mas se o Sr. Deputado me está a dizer isso certamente que estará melhor informado. Pode ser que lá nos dessous, nos bastidores, nas alfombras dos órgãos existam casos que não conheço.

Risos do PSD.

Realmente confesso o meu desonhecimento desses factos.
Relativamente às conclusões do relatório sobre a fuga de reclusos de Pinheiro da Cruz, dir-lhe-ei com toda a clareza e verdade - porque não oculto, sou transparente e às vezes talvez o seja de mais, apesar da minha aparente opacidade...

Risos do PSD.

Ia eu a dizer que recebi agora uma nota do Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais, que diz o seguinte:

Sr. Ministro, a Inspectora Dr.ª Maria Clara entregou ontem concluso o processo disciplinar à fuga de Pinheiro da Cruz. - Fernando Duarte.
Não sabia disto e, embora tenha mandado instaurar um processo, a verdade é que um processo disciplinar não pode ser feito sobre o joelho. Ele foi feito com todo o rigor, com toda a isenção - com tanta isenção que nem sabia que já estava concluso - e será inteiramente posto à disposição (e com isto respondo ao Sr. Deputado Eduardo Pereira), em arquivo aberto, desde que não haja sujeitos ou situações...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro, a questão que formulámos não foi essa. Foi sim sobre as recomendações que o magistrado do Ministério Público, autor do relatório, fez quanto à segurança do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, foram rigorosamente tomadas em conta todas essas medidas!

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Não pode ser, Sr. Ministro, interrompem sistematicamente!

O Orador: - Não faz mal. Na verdade, até é óptimo que isso aconteça para que este aspecto fique bem esclarecido.
De facto, tudo isso foi levado em conta e está a ser aplicado. Por mais boa vontade que haja - e neste caso a boa vontade é ao contrário -, actualmente os senhores deputados não conseguem encontrar lacunas no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz e na generalidade dos estabelecimentos prisionais portugueses.
A Sr.ª Deputada Odete Santos falou, com toda a razão, na justiça laboral, que é, de facto, uma justiça fundamental. E evidente que o Ministério da Justiça é colaborante com a política do Ministério do Trabalho. Só que considero-a boa e tenho a obrigação de solidariedade para com o Governo. Com muita honra a assumo e com muito gosto a concretizo, até porque, se bem me recordo, é um preceito constitucional. Mas nem preciso seria que houvesse um preceito nesse sentido, pois é espontânea a minha adesão a uma política que considero certa, o que aqui responsavelmente afirmo.
Acontece, entretanto, que, como já disse aos senhores deputados, está a ser preparada, no âmbito do Ministério do Trabalho, a revisão do Código de Processo do Trabalho.

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O Sr. Deputado José Manuel Mendes referiu novamente o inquietante sistema prisional dos presos preventivos e os argumentos comparatísticos. Dir-lhe-ei apenas que quando invoco o argumento comparatístico é com esta simples finalidade: se a generalidade dos países do mundo evoluem em todas as frentes e fazem progresso em todos os passos, por que é que haverá um malaise comum no sector prisional? Sendo certo que nos outros países, como ainda há pouco apontei com números concretos, a população prisional aumentou, quanto muito, 24%, nos últimos três ou quatro anos e em Portugal aumentou 83%, como é que as estruturas podem estar preparadas para um facto que é inteiramente exterior ao Ministério da Justiça? Não durmo em boa consciência, Srs. Deputados! Preocupo-me sinceramente com todos estes problemas, sinto-os na minha carne e no meu espírito! Agora, o que não posso é vir para aqui dizer mea culpa, os senhores deputados têm razão, o Governo é um inepto! Evidentemente, não posso dizer isto, que era, certamente, o que os senhores deputados gostariam de ouvir e assim prestar-lhes-ia um relevante serviço...
O Sr. Deputado Rogério Moreira falou, aliás com grande rigor, no problema da justiça de menores e da toxicomania. Devo dizer-lhe que não aludi a isso pela simples razão de que houve uma distribuição de tarefas e, portanto, será o Sr. Secretário de Estado quem, dentro de breves momentos, irá referir não só o que se tem feito mas também o que se irá fazer nesse domínio. E isto porque quando se diz com verdade e objectividade o que é que vai ser feito, isso também significa alguma coisa, Mas nesta área não apontaremos apenas para o futuro, mas responderemos já pelo passado, ou seja, por aquilo que efectivamente já está feito.
Ao Sr. Deputado Eduardo Pereira já respondi ...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Já?!

O Orador: - Sim, já disse que os inquéritos foram feitos e que estão inteiramente à sua disposição!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - E os resultados?

O Orador: - Quanto aos resultados não se apurou nada. Não posso impor a um procurador-geral-adjunto da República que encontre culpados se ele chega à conclusão de que não os há. O que há é um processo elaborado por um procurador-geral-adjunto da República que está inteiramente à sua disposição e que conclui pela verificação de que se deveria aguardar pela evolução da averiguação a cargo da Polícia Judiciária, o que se está evidentemente a fazer.
Entretanto, para que o Sr. Deputado, com um melhor conhecimento de causa e, sobretudo, com um melhor conhecimento do processo possa fazer perguntas e debitar afirmações, o melhor é ver o processo que está inteiramente à sua disposição e à de qualquer senhor deputado.
Relativamente ao problema do consumo de droga por menores, o Sr. Secretário de Estado falará sobre isso.
Perguntou-me o Sr. Deputado Jorge Lacão por que é que não revoguei o Decreto-Lei n.º 477/82.
Bom, segundo a lista de inscrições que ouvi foi referida, o Sr. Deputado irá falar já de seguida e nessa altura terá ocasião de melhor precisar o seu pensamento, porque o que é preciso é que precisemos e, na realidade, isto fica sempre nas nuvens do indefinido e do vago.
O Sr. Deputado acusou-me a mim, Ministro Mário Raposo, de não ter revogado o Decreto-Lei n.º 477/82. Ora, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que o Decreto-Lei n.º 477/82 foi publicado no uso de uma autorização legislativa, pois é da competência reservada da Assembleia da República. O Sr. Deputado sabe também que em 1985 não o poderia revogar e que foi aqui pedida uma autorização legislativa para legislar em matéria de processo penal e que aí estava prevista a revogação desse decreto-lei.
Consequentemente, Sr. Deputado, ele foi revisto e alterado o mais rapidamente que foi possível. Agora, o que não podemos é fazer leis em cima do joelho e alterá-las precipitadamente. Sobretudo, não se podia, logo que obtida a autorização legislativa por parte da Assembleia da República, publicar qualquer diploma que no uso dessa autorização revogasse esse diploma, porque, como é sabido, uma autorização legislativa não pode ser usada mais do que uma vez.
Quanto ao problema da coordenação das polícias, que até suscitou um pedido de esclarecimento por parte de um deputado da bancada do meu partido, o Sr. Deputado José Luís Ramos, devo dizer que a coordenação das polícias é um dado irrefragável que ninguém pode questionar nem pôr em causa. A verdade é que a coordenação das polícias não retira a autonomia, a independência, a disponibilidade de cada uma das polícias. Em suma, não descaracteriza nenhuma das polícias.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É espantoso!...

O Orador: - A Polícia Judiciária continua incolumemente como era.
Acontece que o governo Nobre da Costa, que saudosisticamente invoco, porque entendo que em qualquer altura devemos prestar justiça a quem merece a justiça, já tinha no programa da justiça por mim próprio elaborado a ideia de promover a criação de uma coordenação da actividade de prevenção criminal que permitisse potenciar esforços. É evidente que a coordenação da actividade, de um ponto de vista logístico ou de articulação, de coerentificação de actuações, é perfeitamente natural, existe em todo o mundo. A verdade é que têm sido levantadas tantas dificuldades à aprovação da Lei de Segurança Interna que, sem entrar em matéria da competência legislativa da Assembleia, o Governo decidiu -e com a minha inteira concordância, como é óbvio- encontrar um sistema de articulação de actuações que melhor rentabilizasse e potenciasse a actuação de cada uma das polícias. Mas isso não tem nada a ver com a vida interna das polícias; tem a ver sim com a articulação do sistema.
Ao Sr. Deputado Custódio Gingão direi que não sei se os acórdãos foram ou não cumpridos, nem quando é que começaram a deixar de ser cumpridos. Mas certamente que qualquer membro de qualquer governo onde eles não tenham sido cumpridos poderá responder a essa questão, designadamente o Sr. Deputado Almeida Santos ou qualquer dos senhores deputados que tenha pertencido a um governo anterior.
Na verdade, esse é um assunto que me escapa. Não tenho interferência nem no Supremo Tribunal...

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O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Ministro, permite-me uma interrupção?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - É que é muito grave que o Sr. Ministro diga que isto lhe escapa! É muito grave uma situação dessas, Sr. Ministro!

O Orador: - Sr. Deputado, sinceramente, por mais apetência de diálogo que queira ter, não posso estabelecer diálogo nesta base. Isto, embora reconheça que o seu ponto de vista é um ponto de vista ... respeitável como todos os pontos de vista, só que eu não lhe posso dar a resposta porque nem eu interfiro no Supremo Tribunal Administrativo, nem o Supremo Tribunal Administrativo me presta contas a mim, nem as coisas se passam no domínio do Ministério da Justiça. O Sr. Deputado Custódio Gingão pode fazer a pergunta a um membro do Governo, competente, que não a mim, obviamente.

Vozes do PSD: - Eles não percebem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Raul Castro, que formulou uma pergunta quanto ao problema das alçadas e do acesso ao direito, devo dizer-lhe que em todos os países do mundo -como, aliás, V. Ex.ª que é um jurista altamente qualificado sabe- o valor das alçadas tende a aumentar. Este facto não enfraquece, de maneira nenhuma, a chamada «garantia da via judiciária», mas tem a ver com uma certa selectividade das acções e até com um objectivo de justiça social, porque é através do aumento das receitas oriundas da actividade judiciária que se pode promover um sistema de acesso ao direito, ...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Que tem que ser mais caro...

O Orador: - ... que se pode promover um sistema de apoio, um sistema de atendimento, de apoio jurídico à vítima, o qual, aliás, está neste momento em preparação no Ministério da Justiça. É através de tudo isto que se consegue desencadear um conjunto de actuações que melhorarão a vida de todos, embora eventualmente com desvantagem para alguns, para aqueles que podem, para aqueles que têm realmente poder económico.
O Sr. Deputado encontrou uma frase em que eu digo: «a administração da justiça é demasiado lenta»: Pois é evidente que a administração da justiça é demasiado lenta! Mas o Sr. Deputado Raul Castro esqueceu--se de referir o que também digo sobre a razão de ser da lentidão da administração da justiça.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Sr. Ministro da Justiça: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro, eu referi-me a uma afirmação que V. Ex.ª fez hoje aqui, dizendo que era puramente oportunístico referir-se à lentidão da justiça, quando neste diploma está escrito o contrário. É esta a situação.
Quanto ao problema das alçadas, o Sr. Ministro sabe perfeitamente que, elevando o valor da alçada da Relação para 2500 contos, é esse o valor, por exemplo, das acções de divórcio. Uma pessoa que hoje se queira divorciar e que paga preparos e custas numa acção de 400 contos, passa a pagá-los numa acção de 2500 contos.

O Sr. Ministro da Justiça: - Muito rapidamente, pois não posso gastar mais tempo, só queria observar o seguinte: em primeiro lugar, como sabe, o imposto de justiça e os custos da justiça são flagrantemente degressivos, em termos tais que uma acção de 2500 contos, ao invés do que muita gente suporá -refiro-me não aos senhores deputados, evidentemente, mas aos assistentes-, não custa seis vezes mais que uma acção de 400 contos, como sabe.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -.Custa 67% mais ...

O Orador: - Em segundo lugar, é óbvio que para quem não possa pagar integralmente encontrou-se um sistema, que será em breve apresentado na Assembleia da República, porque já está para ser discutido em Conselho de Ministros, de acesso ao direito e de acesso à justiça, em que, sem complicações nem complexidades, preconiza que .aqueles que não podem total ou parcialmente suportar os encargos de justiça terão a possibilidade de, apesar de tudo, terem assegurada a garantia da via judiciária.
Não adiantarei mais e para terminar direi apenas e em referência ao que observou o Sr. Deputado Marcelo Curto, que pela primeira vez e desde há muitos anos se estão a preparar neste momento, ou melhor se estão já a efectivar, cursos de formação de oficiais de justiça, que são largamente concorridos, que são largamente produtivos e que estão a melhorar a qualidade e a promover, quer profissional quer cultural quer socialmente, essa classe funcional, que é indispensável a um eficaz funcionamento da justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, penso usar da palavra para defesa da minha bancada em relação a uma afirmação, e só uma, do Sr. Ministro da Justiça.

Vozes do PSD: - Isso não existe!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, esta bancada está completamente disponível para debater as questões mais melindrosas e temos um sentido de cooperação institucional em relação a elas.
Agora, não estamos disponíveis nem para abafar escândalos nem para aceitar passivamente acusações de «passagem por alfombras» - creio que foi o que o Sr. Ministro da Justiça disse: «alfombras» - em relação a questões que se prendem com processos legislativos em curso em gabinetes ministeriais.
O Sr. Ministro fez essa imputação, porventura impensadamente, e eu peço-lhe que a rectifique por-

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que é público, é notório, e só quem não ler os jornais é que não sabe, que está em debate na Procuradoria-Geral da República já há muito tempo - como V. Ex.ª não pode ignorar por dever de ofício e como eu não posso ignorar devido ao meu mandato de deputado - um processo de elaboração da lei sobre o quadro dos funcionários do Ministério Público como diploma legislativo complementar do Código de Processo Penal.
Sabemos que no âmbito da Polícia Judiciária está em debate desde há meses a questão da sua lei orgânica. O próprio Sr. Ministro da Justiça anunciou na Comissão que ela seria presente à Assembleia da República.
Sabemos também que não há textos finais destes dois documentos. Sabemos até que o articulado da Procuradoria-Geral da República sobre a lei do seu quadro de funcionários, terá sido entregue já em Julho e que neste momento o Governo - dizem os trabalhadores, isto não é secreto, no dia em que neste país isto for secreto e algum partido ou algum deputado pudesse ser acusado de «navegar em alfombras», mal andaria a gestão das coisas públicas - pensa integrar a regulamentação deste aspecto no Regulamento Geral das Secretarias Judiciárias.
Toda esta questão é melindrosa e eu pergunto a V. Ex.ª se não tem a Assembleia da República o direito a ouvir uma explicação com A, B, C, D, ou seja, com cabeça, tronco e membros, sobre isto, sem se descambar imediatamente para a imputação de «alfombras» e outros aspectos.
O Sr. Ministro da Justiça contará connosco para um debate com lisura, com transparência, mas para abafar escândalos não e para imputações aleivosas absolutamente não!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, quero dizer-lhe que não tenho absolutamente nada a rectificar. Assumo inteiramente o que disse!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mal!

O Orador: - O Sr. Deputado é que desassumiu aquilo que há pouco disse. V. Ex.ª disse que havia um conflito entre a Polícia Judiciária e a Procuradoria-Geral da República quanto às suas competências recíprocas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E não há?

O Orador: - Ora não há qualquer conflito que seja do meu conhecimento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Fica em acta!

O Orador: - O que há da parte do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da República é um projecto legislativo sobre o quadro de funcionários da Procuradoria-Geral da República que foi analisado cuidadosamente, como é habitual, no Ministério da Justiça, que já está preparado, que já está ultimado - tenho-o aqui, curiosamente - e que irá ser remetido para Conselho de Ministros sem qualquer obstáculo, sem qualquer dúvida, sem qualquer sombra, sem qualquer ingerência da Polícia Judiciária.
Consequentemente, quando o Sr. Deputado refere que há um conflito entre a Polícia Judiciária no caso da lei organizativa do quadro do pessoal do Ministério Público, mantenho integralmente aquilo que digo. Isso só poderá existir nos bastidores, nas «alfombras», não sei se disse «alfombras» ou o que é que terei dito, sei apenas que mantenho o que disse, porque é exactamente o meu pensamento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Fica em acta. Nós mantemos.

O Orador: - O que há, na realidade, é um projecto, uma proposta ou uma sugestão dimanada da Procuradoria-Geral da República, que foi estudada no meu Ministério, que foi por ele assumida - porque quem tem responsabilidade de preparação legislativa é o Ministério da Justiça, como é óbvio - e que está pronta e será (não foi hoje, porque estou aqui) amanhã remetida para o Conselho de Ministros.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente que não é do meu estilo nem da minha maneira de ser fazer imputações que atentem contra a dignidade, já não digo contra a honra, porque isso não aconteceria de maneira nenhuma, mas até contra a dignidade parlamentar. E o Sr. Deputado, ainda para mais, sabe perfeitamente que sempre que é necessário dialogar sobre factos concretos, sobre ideias nítidas, sobre coisas claras, eu dialogo com toda a disponibilidade.
O Sr. Deputado «arremessou» com uma ideia que não só não confirma agora...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mantenho!

O Orador: - Então, diga qual é a fonte. A não ser que não possa revelar as fontes de informação!

Risos do PSD.

Francamente, então diga em que é que se traduz esse litígio, essa dissonância, diga concretamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro.

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
Para além da nossa conversa melindrosa ou meticulosa ou não sei quê, diga agora... a céu aberto, à Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro, digo-o agora e já, a céu aberto, a céu fechado, onde entendamos.
A fonte é a leitura dos jornais e é a leitura dos documentos que são transmitidos à Assembleia da República.

Risos do PSD.

O Orador: - Estou esclarecido, Sr. Deputado! Os jornais, com todo o respeito que me merecem, publicam aquilo que o Sr. Deputado diz. V. Ex.ª diz o que os jornais referem; consequentemente, isto é um

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boomerang e por isso estamos neste obscurantismo em matéria de justiça. Estou entendido, muito obrigado!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença de concluir o pensamento, Sr. Ministro?
A Assembleia da República recebeu um ofício da associação dos investigadores da Polícia Judiciária, que certamente terá chegado também ao Ministério da Justiça, exprimindo um conjunto de objecções, de discordâncias e de divergências em relação a alguns dos aspectos do articulado que o Sr. Ministro acaba de referir.
Considero que essas objecções e essas divergências devem ser atentamente ponderadas, naturalmente não devem ser dramatizadas, mas não podem ser escamoteadas e ignoradas.
Mantenho, em consequência, tudo o que disse e esperamos pelo desenrolar dos acontecimentos. Daqui a alguns meses, se V. Ex.ª aí estiver e eu aqui, debateremos a questão com os dados todos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os senhores excedem--se até regimentalmente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem se excede são alguns senhores que estão aí no meio.

O Sr. Silva Marques(PSD): - Vão tosquiar e são tosquiados!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Acabou há pouco V. Ex.ª, em resposta a uma pergunta que lhe pude formular, de dizer que não teria podido revogar o Decreto-Lei n.º 477/82, porque o mesmo teria sido aprovado e publicado ao abrigo de uma autorização legislativa. Ficamos agora a saber, pela primeira vez, Sr. Ministro da Justiça, que decretos-lei aprovados pelo Governo ao abrigo de autorizações legislativas precisam também de autorizações legislativas para serem revogados! E uma inovação na nossa ordem e prática constitucional que V. Ex." veio hoje trazer à Assembleia da República!
Passarei, entretanto, a proferir a minha intervenção.
Todos consideramos que a justiça é valor inalienável das sociedades contemporâneas e que a sua aplicação corresponde a uma das mais nobres missões do Estado de direito democrático. Por maioria de razão, a justiça criminal reflecte o grau de consciência axiológica que uma sociedade tem de si própria, o nível de cultura civilizacional que alcançou.
Infelizmente, sobre a estrutura legislativa do Estado reformista descobrimos, quase perplexos, num mundo criminógeno de miséria e de sofrimento perante o qual não temos o direito de ficar indiferentes. Perante o qual deveremos perguntar-nos, a nós, titulares do poder político, o que fizemos para o minorar, o que não estamos a fazer para o modificar. Em nome da mais elementar protecção dos direitos humanos, da recuperação individual dos deliquentes, mas em nome, também, da defesa da sociedade em geral e da dignidade de cada cidadão em particular.
Diz o Ministro da Justiça - e é verdade - que entre 1981 e 1985 a população prisional praticamente duplicou, que continua a crescer e está largamente acima da capacidade dos nossos estabelecimentos penitenciários; reconhece o Ministro que os presos preventivos alcançaram - para vergonha nossa - uma cifra negra, única na Europa; admitem todos - por mais voltas que dêem à estatística - que a vaga de suicídios nas prisões portuguesas atingiu uma taxa de alarme insuportável; reparam os serviços competentes, confirma-o a Polícia Judiciária, que a delinquência juvenil sobe em flecha, ligada sobretudo ao tráfico e consumo da droga ( + 24% em 1985, +35% de casos em 1986), arrastando à prática de muitos crimes, designadamente contra a propriedade; confessa o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça que a droga toca 40% da população prisional, a qual ronda os oito mil e quinhentos reclusos.
Cá fora, há quem calcule que 5% dos jovens em idade escolar são efectivos consumidores e sabe-se que, mais de 10 000 se encontram em grave situação de toxicodependência, não sendo, na melhor das hipóteses, possível recuperar mais do que 30% dos carentes de tratamento, os quais só em 20% dos casos recorrem a este.
Esta é apenas uma parte retratável de um quadro ensombrado pelo desemprego, que não pára de crescer entre os jovens, integrados como potenciais consumidores, mas repelidos como produtores efectivos, onde os problemas da formação profissional, do insucesso escolar e do meio familiar e ambiental exigem, mais do que nunca, a prioritária preocupação dos poderes públicos. As tendências criminógenas nascem da crise da sociedade e dos seus valores e vão, quantas vezes, agravar-se nas prisões.
O Ministro da Justiça queixa-se de que «uma floresta de dificuldades e incompreensões se vai adensando ao ritmo de uma certa psicose de negativismo». É talvez próprio dos ministros queixarem-se com particular ênfase das incompreensões, sempre que registam insucessos governativos. Mas o Ministro e a sua política não podem ser poupados quando estão em causa questões tão sérias que ameaçam abalar os próprios fundamentos da sociedade.
Para além da proliferação legislativa a que se vem dedicando, tem o Ministério uma efectiva política criminal? Está, de facto, a administração da justiça criminal a funcionar sob orientação de programas claramente delineados e eficazmente executados?
O Ministro da Justiça dirá que sim. Lamentamos ter de dizer-lhe que não.
Sem embargo de se reconhecer que o orçamento do Ministério para 1987, em face da exaustão dos cofres, registou um aumento global da ordem dos 35 %, sabe-se que durante o ano de 1986, os investimentos públicos na área da justiça foram de todo em todo irrisórios. Para além de um esforço assinalável, mas insuficiente, nas dotações de investimento à Polícia Judiciária, nada mais teremos do que remendos no parque e equipamento judiciário, reconhecidamente em profunda crise, e, quanto ao mais, no essencial, dotação de verbas destinadas à construção de três novos estabelecimentos prisionais, de que nenhuma pedra, provavelmente, acabará por ser lançada em 1987.

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O Governo respondeu com pouco mais de 3 milhões de contos, aos mais de 7 propostos pelos vários departamentos da justiça. No PIDDAC para 1987, a percentagem dos investimentos da justiça acaba por representar uns envergonhados 2 % da dotação global.
No entanto, às perguntas oportunamente formuladas relativamente às gravíssimas carências detectadas em vários departamentos, foram os deputados uma vez mais remetidos para os milagres dos cofres, na esperança de que do seu regaço volte a brotar um dia o maná de outros tempos. E quando o PS reivindicou, na esteira da Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias, a aplicação de um programa urgente no sector da justiça, obteve do Ministério pouco menos do que indiferença. Indiferença sempre politicamente reprovável, mas agora - há que dizê-lo - humanamente intolerável.
Entretanto, avolumaram-se as situações de estrangulamento e de rotura e os responsáveis dos serviços dificilmente conseguem esconder a penúria de meios com que lhes é dado responder a exigências cada vez maiores.
Penúria de meios - reconhecemo-lo - que não são de hoje nem de ontem, mas que, pela sua persistência, não legitimam a pretensão governamental de que o «Estado, todo ele, se envolveu na grande empresa da justiça» e de que «o ano de 1987, significaria o momento da viragem». Direi, pois, Sr. Ministro da Justiça, citando as suas próprias palavras e por muito que lhe custe, que «as difíceis horas que passam não se coadunam com ingenuidades». Nem com as nossas nem com as suas, Sr. Ministro da Justiça!
Seria, por exemplo, ingenuidade admitir que a entrada em vigor do normativo que finalmente anula a natureza incaucionável de certos crimes viria pôr termo à degradação que se vive nas cadeias portuguesas. A demonstrá-lo está a expectativa gorada relativamente aos efeitos positivos de descompressão prisional, a médio prazo, resultantes da última amnistia.
Não basta, com efeito, como os juízes reconhecem - eles que estão agora colocados perante decisões de delicadíssima ponderação de interesses -, colocar um indivíduo fora da cadeia. Importa, sobremaneira, saber em que condições de reinserção social a libertação pode fazer-se. Para centenas de jovens marginalizados pela família e pela sociedade deixá-los à porta de uma prisão, sem qualquer apoio, é apenas dar-lhes passaporte para a reincidência.
Todavia, os serviços de reinserção social não têm possibilidades de acompanhar a trajectória dos que vão ficar em liberdade, a aguardar julgamento.
Pergunto por isso ao Ministério da Justiça se desenvolveu qualquer acção especial para preparar a esperada saída de muitos jovens preventivos. Mas respondo antecipadamente que o não fez, apesar de se saber que a aplicação aos reclusos do plano individual de recuperação ou é altamente deficiente ou é, na maioria dos casos, pura e simplesmente inexistente, como ficou patente em face da declarada impotência dos serviços perante os suicídios que já ocorreram.
Em face dos quais se impõe que perguntemos: quantos relatórios de observação individual, médicos, psiquiátricos, dos educadores, dos técnicos de reinserção, pode o Ministério exibir em cada um dos casos conhecidos de suicídio?
Ficando, como aparenta, de mãos vazias, não pode o Governo pretender que prossegue uma orientação penitenciária de reinserção social. Tal orientação não existe - não tem concepção estratégica, plano de aplicação e, em muitos casos, sequer viabilidade prática.
A ausência de uma estruturada política criminal é, na verdade, de uma confrangedora evidência em domínios tão decisivos como os serviços prisionais, de combate à droga e da reinserção social.
Vejamos, em primeiro lugar, a situação prisional.
Já se salientou que o custo médio anual da manutenção de um recluso é, em Portugal, menos de um quinto da Inglaterra ou um décimo dos países escandinavos. A dotação diária para um preso é actualmente de 220$ para alimentação, roupa e calçado.
Competindo ao Ministro da Justiça fixar em cada ano o custo médio de internamento dos reclusos, como entende o Sr. Ministro que em 1987 uma diária de 220$ possa vestir, calçar e alimentar um homem? Assegura, com tal verba, uma nutrição mínima que garanta o equilíbrio físico e psíquico dos reclusos? E como resolve o problema das dietas sob prescrição médica? Ao Ministro da Justiça compete, igualmente, fixar as remunerações dos reclusos em contrapartida do trabalho prisional legalmente calculáveis com base nos salários dos trabalhadores livres, na natureza do trabalho e na qualificação profissional.
Sucede que no Estabelecimento Prisional de Sintra os deputados encontraram os presos recebendo um vencimento diário de 50$, 1500$ mensais, distribuíveis pelos respectivos fundos de reserva e fundo disponível. Como resultado, os reclusos não logram muitas vezes receber mais do que 500$ mensais. Por dia, menos de 20$. Não posso deixar, pois, de questionar o Sr. Ministro sobre se, de boa fé, pode falar de preparação de um preso, pelo trabalho, para a vida activa, reduzindo-o desta forma a uma condição de subagente a todos os títulos inqualificável e em flagrante violação das recomendações do Conselho da Europa.
Entretanto, afirma-se que cerca de 70% dos reclusos condenados estão efectivamente ocupados em trabalho ou actividades de manutenção. Invocam-se acordos celebrados com o Ministério do Trabalho para a promoção de cursos de formação profissional e a criação, pelo FAOJ, de centros de actividades várias.
Pergunto: a recuperação das antigas oficinas e centros agro-pecuários obedeceu a algum estudo prévio, de sociologia criminal, tendo em vista as exigências de orientação profissional colocadas pelas características das novas populações prisionais? Aonde e como se acertou o passo por tantas experiências europeias de formação de pequenas unidades, susceptíveis de desenvolverem nos delinquentes os sentimentos de solidariedade e de responsabilidade, com ofertas alternativas de programas de trabalho e de ocupação dos tempos livres?
Sem disputar os seus méritos para a época, a reforma prisional de 1936 não pode hoje servir-nos de modelo. Os problemas da sociedade urbana e consumista de hoje não se resolvem com os revivalismos de ontem, com respostas obsoletas, concebidas para modelos estáticos de ruralismo ou de incipiente desenvolvimento da indústria.
Novos problemas colocam novas exigências e implicam novas respostas.
As grandes cadeias penitenciárias, amalgamando homens como rebanhos, «fizeram» o seu tempo. Proteger a sociedade, impedindo que a prisão funcione como o mais grave dos estigmas psicológicos e a mais

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eficaz escola do crime, obriga a fazer entrar «fresco» no sistema prisional, a optar por regimes flexíveis de educação e de trabalho, a optar pelo regime aberto, no cumprimento das penas, em todos os casos que, pela sua perigosidade, não imponham medidas de segurança e especial protecção.
Esta concepção implicaria, porém, o reforço de um sistema de cadeias regionais, com efectivas ligações ao meio ambiente comunitário. Será que tal orientação é defendida por este governo? Ao contrário, também aqui verificamos que a modernidade fica à porta, cedendo o passo a rotineiros conservadorismos, que prolongam antigas inércias e persistem em velhos vícios. Inércias e vícios que uma política negligente deixou agravar até à náusea, como se comprova pelas roturas na gestão do sistema já de si disfuncional, cuja revisão orgânica continua, no entanto, «a marcar passo», com prejuízo da eficácia e da dignificação das carreiras de quantos nele trabalham.
Os serviços prisionais dispõem, em 1987, para alimentação, assistência, manutenção das prisões e demais despesas correntes, de verba inferior à de 1986. Lutam com uma dramática falta de clínicos e enfermeiros, de que resulta uma assistência médica e sanitária em muitos casos nos limites da indigência. Não dispõem de adequado apoio psiquiátrico nem de rastreio à tóxico-dependência. A constituição de um núcleo embrionário de tratamento de toxicómanos é uma tímida e localizada tentativa dos serviços de colmatar a ausência de medidas de fundo. Ainda assim é prosseguida por avençados e tarefeiros. Os psicólogos por sua vez não são uma especialidade integrada pelo Ministério. Os educadores estão em carência de muitas dezenas. O quadro de guardas prisionais está por preencher em centenas de vagas.
Em conclusão: na prática, a reforma prisional está por fazer.
Acresce que essa reforma deverá igualmente rever o modo de funcionamento dos tribunais de execução de penas, cuja acção deveria ser complementada com o alargamento das competências do Ministério Público e o enquadramento dos serviços de reinserção social. Ou não concorda o Ministério da Justiça com tais reformas? Ou não as considera prioritárias?
Mas se a juntar ao que referimos - que é já muito - acrescentarmos que os presos preventivos não são recolhidos em estabelecimentos adequados ou em secções próprias, inexistem centros de observação para a fase de acolhimento, não são aplicados, na prática, critérios de separação entre reclusos condenados e preventivos, maiores e menores, primários e reincidentes, tudo em manifesto incumprimento da lei penitenciária; que subsistem sérios desfasamentos entre serviços centrais e externos da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, com prejuízo de orientações genéricas e comuns aplicáveis a todos os estabelecimentos; que carecem de reestruturação os respectivos serviços de inspecção; que se encontram por aplicar formas adequadas de cooperação entre os serviços prisionais e os de reinserção social; que não existe escola de formação teórica e prática para os funcionários dos serviços prisionais, teremos irrevogavelmente de concluir pela total fragilidade dos pressupostos em que poderia assentar uma decidida política prisional, a qual não logrou, sequer, como já se viu, fechar até hoje a cadeia de Monsanto, cuja situação de degradação é aviltante da mais elementar dignidade humana. Nestas circunstâncias, bem pode dizer-se, como um alto responsável do sector, que há prisões onde a tendência para o suicídio apenas se rende à promiscuidade e por causa dela.
Em matéria prisional, o Governo fica, pois, inequivocamente pronunciado como culpado pela rotura a que se chegou. E não pode ser absolvido.
Analisemos, em segundo lugar, Srs. Deputados, o papel do Gabinete de Coordenação do Combate à Droga.
Mantém-se pendente, desde 1983, a elaboração de um programa nacional de luta contra a droga. A própria reestruturação da orgânica de planeamento há muito aguarda a prometida transformação em órgão nacional de planeamento, com natureza interministerial. E os vícios orgânicos de «dupla coordenação burocrática entre o Gabinete e o Centro de Estudos e Profilaxia da Droga, há muito detectados, continuam por remediar.
O consumo da droga; entretanto, sobe em flecha, sobretudo da heroína, em breve provavelmente da cocaína, amanhã talvez do crack.
Porém, Portugal continua a servir de grande entreposto de circulação da droga, provinda tanto do Oriente como do Norte de África ou da América do Sul. Sem detectores de raios X instalados nas fronteiras, sem grupos de detecção especialmente treinados, sem controle das encomendas postais oriundas do estrangeiro, estamos verdadeiramente à mercê dos traficantes e oferecemos-lhes os nossos jovens como cobaias.
Às direcções regionais do CEPD incumbe dotar o País de núcleos regionais de rastreio e tratamento. Até ao momento, quantos núcleos foram criados? Que se saiba, nenhum. E um toxicodependente, em Lisboa, quanto tempo aguarda por uma consulta? Um mês, ao que parece.
As modalidades de tratamento em «aglomerado populacional restrito» são, entretanto, reconhecidamente desejáveis. Quantas comunidades dê tratamento se encontram instaladas?
As acções de profilaxia e de reinserção social em fase de recuperação dos toxicómanos supõem eficazes níveis de cooperação interdisciplinar. Quais, então, os níveis já estruturados com carácter de permanência?
O acompanhamento de reclusos toxicodependentes impõe formas de tratamento por entidades especializadas do CEPD. Há quanto tempo, designadamente em Lisboa, tais especialistas não entram num estabelecimento prisional?
Tem o hospital-prisão de Caxias algum serviço especializado no domínio do combate à droga?
A ineficácia e ausência de respostas é por demais gritante para que o Ministério da Justiça não possa embandeirar em arco perante o aumento de 47% da despesa global do Gabinete de Coordenação.
De facto, possuindo o Gabinete um quadro de pessoal de 304 unidades, só 46% estão preenchidas. O número de docentes do CEPD em 1986 é igual ao de 1978. E os 30 a 40 novos lugares técnicos que se pensa preencher requerem, nas condições disponíveis, um prazo de formação de um a três anos.
Mesmo em plenitude de acção, reconhece-se que os serviços públicos apenas poderão satisfazer, ao nível do tratamento, cerca de 20% das necessidades dos toxicómanos do País.
Impõe-se, pois, uma vigorosa campanha de sensibilização social, geral e específica, sobretudo no domí-

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escolar, onde algumas acções tímidas têm prosseguido, mais à custa do reforço de verbas aprovadas ela Assembleia da República do que de uma orientação explícita do Ministério.
Igualmente se impõe a aplicação de um programa de apoio técnico e financeiro a entidades públicas ou privadas empenhadas no rastreio da toxicodependência. Se perguntarmos ao Ministério o que foi feito e se este nos responder com verdade, dir-nos-á que tudo, neste domínio, está por fazer.
Por isso há que dizer ao Governo, em nome das gravíssimas responsabilidades que todos temos pelo futuro das novas gerações, que a situação tem de inverter-se urgentemente e que esta é uma prioridade nacional que se não compadece com meras acções demagógicas ou de propaganda.
Também aqui, como se demonstrou, o Governo não pode ser ilibado pela grave crise a que chegámos.
Avaliemos, Srs. Deputados, em terceiro lugar, o nó górdio da ressocialização ou a sua situação de encruzilhada.
Fruto de uma visão criminalista de largo alcance, tal como ela resultava do novo Código Penal, o Instituto de Reinserção Social tem andado à boleia das conjunturas e ainda recentemente o actual Ministro da Justiça admitia a sua passagem a simples direcção-geral.
Do ponto de vista institucional, o Instituto de Reinserção Social parece agora definitivamente salvo. Mas, ironia das ironias, o seu orçamento para 1987 é em termos reais inferior ao de 1986.
A conclusão é evidente: o Instituto não poderá cumprir as missões para que se encontra destinado e cuja relevância surge agora altamente acrescida com a perspectiva de entrada em vigor do novo Código de Processo Penal.
Bloqueado que se encontra quanto à correcta instalação dos centros regionais e, sobretudo, dos núcleos de extensão e formação das equipas, o Instituto, com menos de 150 técnicos a nível nacional, é todavia chamado a desempenhar acções vitais: na fase pré-sentencial, no acompanhamento das medidas alternativas de prisão, na preparação do plano de recuperação individual dos delinquentes reclusos, nas medidas atinentes à prisão preventiva e à liberdade condicional, na reinserção social dos ex-reclusos e, por maioria de razão, das próprias vítimas, no acompanhamento da situação psico-social das suas famílias, na recuperação interdisciplinar dos toxicómanos, como no apoio aos inimputáveis, e na reinserção dos jovens sob tutela jurisdicional.
Eis, Srs. Deputados, uma tocante proclamação da missão ressocializador que ao Estado incumbe, em solidariedade com toda a sociedade. Eis um autêntico programa de combate social à delinquência, apoiado, extenso e intenso! Se tivermos em conta que tal programa é legalmente exigido tanto pelo Código Penal como pelo novo Código de Processo Penal, concluiríamos estar em face de uma nobre e exaltante prioridade de política criminal por parte do Ministério da Justiça.
Infelizmente, as realidades contradizem os juízos de intenção.
E por tal forma os contradizem que estaremos provavelmente perante um beco sem saída. Ou perante um alçapão aparentemente colocado no caminho da reforma penal para desde cedo a comprometer e inviabilizar, no que ela contém de inovadoramente positivo.
O diminuto recurso, pelos tribunais, à aplicação das medidas de ressocialização demonstra já o relativo fracasso da melhor filosofia penal. Mantendo-se o bloqueio ao desenvolvimento dos serviços de reinserção social, tal fracasso será irremediavelmente agravado. E tímidas medidas para desbloquear, em cima da hora, alguma contratação de técnicos não suprirão as graves roturas a que a negligência do Ministério da Justiça já conduziu toda a problemática da reinserção social. Especialmente agravada, em certos casos, pela insensibilidade de quem governa.
Vejam-se, por exemplo, os casos de estrangulamento ao exercício da profissão que resultam de impossibilidade de validar certas cartas de condução a condenados em regime de liberdade condicional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É incrível!

O Orador: - Ou as graves situações decorrentes da recusa do Ministério do Trabalho em conferir aos ex-reclusos direito ao subsídio de desemprego contado em função do trabalho prisional efectivamente prestado...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É lamentável!

O Orador: - ..., o não empenhamento da segurança social ao apoio às famílias; pondere-se, ainda, nas persistentes omissão do Estado em constituir - como está obrigado- um seguro social apto a assegurar a indemnização do lesado que não possa ser satisfeita pelo delinquente.
Em tais casos, que fez o Ministério da Justiça? Efectivamente, o Ministério nada fez.
Falar, nestas condições, tanto de reinserção do delinquente como de especial protecção da vítima é proselitismo que não convence, é retórica que não demove nem comove. Também no capítulo da reinserção social deste Governo se pode, pois, fundamentadamente, dizer que é espantosamente negligente. Ao ponto de tal negligência se afigurar intencional e premeditada.
Mas o combate à criminalidade sofre ainda, noutras áreas, de amplas indecisões. Algumas no cerne mesmo do sistema institucional de promoção dos direitos dos cidadãos, de garantia da segurança jurídica e da paz pública.
Ao Ministério Público são agora atribuídas funções de direcção de investigação criminal, ficando-lhe, para o efeito, subordinadas as entidades de polícia criminal.
Pode o Ministério da Justiça assegurar que o número, a colocação e as condições de trabalho dos magistrados do Ministério Público garantem uma efectiva orientação da investigação?
Sendo considerado agente de polícia criminal todo e qualquer agente de qualquer polícia que intervenha no processo, a todas elas -às cerca de vinte polícias existentes- serão cometidas idênticas funções gerais de combate ao crime? Ou haverá especialização? Qual a vocação futura da Polícia Judiciária? Vai continuar a debater-se com os processos de cheque sem provisão como a parte mais volumosa do seu trabalho? Vai continuar impreparada para o combate ao delito anti-económico, que recorre a meios sempre mais complexos e sofisticados? Vai especializar sectores para o combate ao crime de maior gravidade? Vai continuai; com métodos rotineiros de investigação individual ou vai constituir grupos operativos de investigação?

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E as bagatelas penais, apesar do tropismo criminógeno que poderão revelar, ficarão sem especial cuidado? Em face da política a prosseguir, que tipo de expansão territorial está em programação para a Polícia Judiciária? Aquela que o seu actual director, sem rebuços, considera francamente desajustada?
Pretende o Ministério, ao fim e ao cabo, que uma acção concertada de combate ao crime possa desenvolver-se sem resposta clara a estas questões?
De facto, tal não é possível. E por isso seria exigível que a proposta de lei orgânica da Polícia Judiciária fosse conhecida contemporaneamente ao novo Código de Processo Penal. E que conhecida fosse igualmente a atitude do Ministério perante o inquérito suscitado, por corrupção e irregularidades, na Directoria do Porto da Polícia Judiciária.
Numa outra vertente, exigível é, ainda, que o Ministério dê a conhecer o programa de informatização jurídica a que tanto se vem referindo, como forma de tornar mais expedita a aplicação da justiça pelos tribunais. Limitado o alcance do programa de informatização dos respectivos pareceres, em curso na Procuradoria-Geral da República, definida como objectivo a informatização da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente para apoio da administração activa e dos órgãos legislativos, ainda recentemente se reconheceu que, além do Tribunal de Polícia de Lisboa, o propalado programa de aplicação informática aos tribunais estava ainda sem conteúdo.
Mas o Ministro sugere o contrário. Diga-nos, então, em quantos e quais tribunais, em que círculos e comarcas, no decurso de 1987, vão ser instalados métodos de procedimento informático no domínio jurídico, designadamente no criminal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente interpelação representa, antes de mais, uma convocação política da opinião pública para a injusta situação da justiça em Portugal. Como se demonstrou, tal injustiça é, em muitos casos, uma ignomínia social ou representa uma negligência que a ninguém engrandece. Não engrandece, seguramente, o promotor partidário da política de justiça que não temos - e que vai para sete anos não muda de mãos.
Mas esta interpelação, ficando como um aviso, constituirá um marco. O PS, depois dela, não aceita que tudo fique como estava.
Diga o Governo, com conta e medida, o que se propõe fazer. Diga-o claramente e sem falsas promessas. Para que, decididamente, empenhadamente, possamos erguer o edifício da justiça sobre os escombros do que encontrámos.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, ouvi-o com todo o interesse, mas a verdade é que, quando a Comissão dos Assuntos Prisionais começou a funcionar, o Sr. Deputado nunca manifestou qualquer interesse sobre esse tema nem em relação às visitas às cadeias, bem pelo contrário. Vem agora falar do tema, vem agora preocupar-se com essas questões quando estas começam a vir para os jornais, quando a situação se começa a acalorar. Já estamos habituados às atitudes desse jaez.
Contudo, gostava de lhe perguntar concretamente o seguinte: pareceu-me que o Sr. Deputado estava contra a filosofia do actual Código Penal. V. Ex.ª pensa que as cadeias que existem neste país são boas e que, como tal, devemos reforçar a sua melhoria porque é dessa maneira que conseguimos recuperar as pessoas durante a formação que, de alguma maneira, queremos fazer em termos de reinserção social? É pelo apanágio da cadeia enquanto tal que o Sr. Deputado quer fazer alguma melhoria neste país?
Por outro lado, perguntava-lhe quem é que o Sr. Deputado quer pôr no banco dos réus relativamente aos recentes suicídios. É por aí que vamos? É pela demagogia fácil e de alguma maneira jornalística que, através de uma interpelação, por mais séria que seja, queremos fazer alguma coisa neste país? Ou não será de outra maneira, implementando reformas ou eliminando legislação que está de há anos e anos desajustada ao país que temos e ao país que queremos construir, que talvez consigamos fazer mais alguma coisa?
Fundamentalmente, a questão que lhe quero colocar é a seguinte: o Sr. Deputado falou aqui que no ano de 1987, em relação ao Ministério da Justiça e ainda nomeadamente no que respeita a despesas com o pessoal e a despesas correntes, as verbas orçamentais teriam diminuído. É fácil fazer demagogia, mas alterar factos, é que não é. Por favor, diga-me como é que as verbas diminuíram se tenho perante mim um mapa em que se diz que o Orçamento do Estado de 1986 tem 2 248 000 contos e outras despesas com pessoal 883 000 contos e no ano presente temos não 2 mas 3 milhões e não 883 000 contos mas 1 340 000 contos. Quais são os seus números, Sr. Deputado? Não vamos alterar factos porque por aí não iremos de certeza a lado nenhum.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, creio que fez um diagnóstico de vários aspectos da nossa justiça e que dificilmente merece contestação, salvo uma perspectiva fechada, kamikaze, isolada como aqui foi exibida pelo Governo, infelizmente. Gostava, todavia, de lhe falar de uma omissão do seu discurso, que são os tribunais de execução de penas. Creio ser uma matéria que tem andado arredada das preocupações, não digo já do Governo, pois isso tem sido ostensivo, mas que penso que mereceria aqui, na Assembleia da República, também uma maior atenção.
Todos sabemos que há quatro tribunais de execuções de penas em Portugal, há sete juízos, dois no Porto e três em Lisboa e os outros dois noutros dois distritos. Sabemos também que a vida dos juízos dos tribunais de execução de penas é como que uma vida de automobilistas, ou seja, correm de cadeia para cadeia, deslocam--se milhares de quilómetros, a localização dos tribunais é perfeitamente inadequada, está distante das sedes dos próprios estabelecimentos prisionais, que são a razão da existência dos tribunais de execução de penas. Para dar um exemplo, direi que o Tribunal de Lisboa precisaria seguramente de mais dois juízes e dos funcionários correspondentes e está, assim, numa situação que é gravíssima, o Governo não lhe acode, enfim ...

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No entanto, gostava de o alertar para este aspecto: de acordo com o novo Código de Processo Penal, os tribunais de execução de penas vão ver aumentados o seu movimento e a duração dos processos.
Ora, não estão absolutamente preparados para isso! O número de processos por magistrado é absolutamente preocupante. Eles não podem cumprir as suas funções, não só as que já têm face à lei, como também não poderão cumprir aquelas que lhes vão ser cometidas, e as consequências disso são muito graves porque as suas competências já são muito magras.
A administração penitenciária tem hoje um conjunto de actos dos quais não cabe recurso e que, todavia, são decisivos para a vida do preso. Penso, por exemplo, na transferência, mas também penso, por exemplo, noutros actos que têm a ver com a liberdade, com o regime disciplinar, etc. Não há recurso desses actos e isso é inconstitucional e além do mais é malsão.
Gostava de lhe perguntar qual é a disponibilidade do Partido Socialista para considerar a necessidade de uma reflexão que culmine numa revisão legislativa deste aspecto.
A segunda questão tem a ver com a situação da Policia Judiciária. Que o Ministro da Justiça escamoteie por completo e não dedique uma só palavra à situação da Polícia Judiciária é da responsabilidade do Governo. O Governo lá sabe porque é que guarda esse silêncio em relação à questão da Policia Judiciária! Creio, no entanto, que, no momento em que aquela estrutura enfrenta uma situação que é melindrosa mas que deve e tem de ser ultrapassada, pois ousou levantar aquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos chamou «a ponta de um icebergue», era útil que o Partido Socialista precisasse a sua posição sobre as medidas que podem ser encaradas para garantir a defesa da Polícia Judiciária como polícia com a missão fulcral que tem e para a prestigiar como deve ser em Portugal.
Terceiro aspecto: o Código de Processo Penal e a situação criada pelo decreto preambular. Como é que vamos sair dela? O Ministro da Justiça disse que assume a responsabilidade, mas não nos disse como é que vai sair dela. Espero que a ideia não seja a de fazer um decretozinho-lei através do qual o Governo, usurpando competências, pretenda corrigir aquilo que em má hora aprovou, pois esse caso seria inconstitucional. Há que vir à Assembleia da República, espero eu, para corrigir essa situação com a máxima urgência. Da nossa parte há disponibilidade completa para que essa alteração seja feita com a máxima celeridade possível e eventualmente com preterição de outros debates agendados.
Em todo o caso, que venha à Assembleia da República, de contrário corrigiríamos com uma entorse adicional aquilo que já é suficientemente grave.
Está o Partido Socialista disponível para corrigir aquilo que seria uma tragédia para os tribunais de polícia, designadamente aqui em Lisboa?
Eram estas as perguntas que lhe deixava.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Naturalmente não é difícil fazer uma interpelação a um governo em matéria de justiça. O Ministro da Justiça, o Governo de qualquer país, terá sempre no sector da justiça as suas maiores dívidas para com a colectividade. É assim em todas as colectividades do mundo, até porque o domínio da justiça é o domínio da utopia permanentemente deslocada, pois o domínio da justiça é o domínio da realização do direito, é o domínio da integração social, é o domínio da interiorização de normas fundamentais de convivência numa sociedade democrática.
Acontece que tudo isto está sempre em movimento recíproco. Todas estas variáveis são variáveis não dependentes de manipulação por qualquer engenharia social: podemos derrotar um montanha rompendo-a com um túnel ou fazendo pontes; estabelecer padrões efectivos de comportamento a nível humano é sempre extraordinariamente difícil. As mutações sociais estão aí e as normas herdadas ou adquiridas tornam-se obsoletas, não encontrando qualquer eco na consciência colectiva e, portanto, estar-se-á sempre em dívida em matéria de justiça. O direito nunca estará permanentemente realizado, a sociedade nunca estará perfeitamente integrada e os níveis de conformidade de comportamento desejável nunca estarão assegurados.
A tese da normalidade, da universalidade e da ubiquidade do crime, por exemplo, é uma tese clássica na sociologia. Desta tese só os criminólogos socialistas se desviaram durante um período relativamente temporário na história das ideias, mais ou menos nos anos 20 a 30, correspondente à afirmação de um certo voluntarismo dialéctico na história, chegando-se a acreditar que nos anos 30 desapareceria o crime nas sociedades socialistas então em vias de realização.
Contudo, isto hoje está completamente ultrapassado.
Dizia eu que se estará sempre em défice em matéria de justiça e daí a facilidade com que se pode fazer uma interpelação nesta matéria. Daí também a facilidade com que se faz um diagnóstico como o que acaba de ser feito agora. Só que isto obriga-nos a colocar algumas perguntas. Por imperativo constitucional a matéria da justiça, ou quase toda ela, está directa (na sua maior parte) e indirectamente (na outra parte) na dependência da Assembleia da República ou dos parlamentos. Numa Assembleia da República onde se tem o poder para gizar e estabelecer as linhas de uma política criminal não basta dizer que não há uma política criminal nem basta dizer que, em matéria de justiça, se tem caído no domínio da negligência.
A quem isto diz cabe perguntar o que tem sido feito. Naturalmente que é fácil sindicar o Governo, na medida em que este não cumpre as suas próprias metas, não cumpre a sua própria política. Contudo, não posso deixar de manifestar alguma perplexidade pelo modo como o Partido Socialista expôs a sua posição, através da intervenção que acabou de ser feita, embora esta mostre com alguma pertinência algumas deficiências, alguns débitos do Governo. Essa intervenção fala dos défices em matéria de ressocialização, ideia que não é cara, e até uma ideia que as ideologias socialistas de justiça rejeitam, é uma ideia que os criminólogos e os políticos criminais socialistas que se prezam rejeitam e acusam ...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Socialistas de onde?! ...

O Orador: - Se quiser eu explico-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas explique agora.

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O Orador: - Digo-lhe, então, muito brevemente, que todos os teóricos, sem excepção, de todos os países - e não conheço a reflexão do Partido Socialista português -e-, todos os práticos ... e, note, mesmo aqui em Portugal os criminólogos que se reivindicam de esquerda, os que escrevem ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Conclua o pensamento, Sr. Deputado. É que isto assim é angustiante!

Uma voz do PSD: - Tenha calma, que ele já explica tudo!

O Orador: - Não estou a ouvir, Sr. Deputado José Magalhães ...

O Sr. António Capucho (PSD): - Não lhe concederam a interpelação! ...

O Sr. Presidente: - Não entrem em diálogo, Srs. Deputados. Queira prosseguir, Sr. Deputado Costa Andrade.

O Orador: - Eu dava autorização ao Sr. Deputado José Magalhães para ele me interromper, se o desejar. Parece-me que manifestou, interesse nisso ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi uma interrupção, mas um aparte, Sr. Deputado Costa Andrade:

O Orador: - Mas censório, com imperativo no sentido de que eu concluísse as minhas afirmações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não; Sr. Deputado. Foi apenas um aparte.

O Orador: - Foi o que percebi.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Além de se exprimir mal, percebe mal!

O Orador: - Além de...

O Sr. João Abrantes (PCP): - Percebeu mal!

O Orador: - Acredito, porque certamente que eu não perceberia a ressocialização em liberdade e em democracia que o Sr. Deputado promoveria. É que essa faz-se à custa do Gulag, Sr. Deputado. Acredito, pois, que não perceba esta, mas, felizmente, o defeito é meu.
Acredito que o Sr. Deputado não perceba isto, mas devo dizer-lhe também que não estou para lhe explicar:
Mas, dizia eu, que a ideia da ressocialização é apodada, por toda a gente socialista que escreve sobre estas matérias, de reaccionária, de conservadora, porque - dizem os socialistas progressistas que se prezam - não há que ressocializar, há é que transformar a sociedade. É que por cada criminoso que se ressocializa é menos apetência, é menos potencial de luta e de reivindicação desta sociedade capitalista.
O que a sociedade capitalista quer é integrar os delinquentes através da ressocialização. O Sr. Deputado não saberá isto, mas esse problema não é meu.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que muito folgo em constatar que estamos de acordo com isso. A ressocialização é um ideal nobre, vale a pena prossegui-lo e em relação ao qual temos agora também a concordância do Partido Socialista. Vamos para a ressocialização! Foi, de resto, o Partido. Social-Democrata que lançou esta ideia na política criminal portuguesa.
Mas dizia que o Partido Socialista se perfila neste debate não como um «governo-sombra», que não tem - não tem aqui o «ministro-sombra» desse governo - mas como uma espécie de «Ministro das Trevas», em relação à política deste governo. Quer dizer o Partido Socialista, que é o maior partido da oposição, que, é um partido de quem seria de esperar uma política: alternativa, tê-la-á?
Admitamos que as críticas que foram feitas são pertinentes - admitamos, sem o consentir -, o que aconteceria? Acontecia que este governo ainda não tinha implementado plenamente a sua política. E o Partido Socialista? O maior partido da oposição que está aí, o partido que constituiu há relativamente pouco tempo um «governo-sombra», hoje não estará aqui na sombra; estará nas trevas, uma vez que os da sombra não estão aqui. Que tem o Partido Socialista a dizer? Qual é o historial do Partido Socialista, já que fala há sete anos em matéria de política de justiça?

O Sr. António Capucho (PSD): - Nenhum!

- O Orador: - Se bem me recordo, há três ou quatro diplomas, descontado naturalmente o Ministério do Sr. Dr. e Deputado Almeida Santos, que, na altura
- ironia do destino -, bom Ministro que era, ainda não era militante do Partido Socialista, se bem me lembro.....

O Sr. Almeida Santos (PS): - Passei a ser...

O Orador: - É verdade, não é, Sr. Deputado!? Passou a ser depois de ter feito uma boa obra...

Risos do PSD.

.. .mas ainda entrou com o olhar que trazia de independente.

Risos do PSD.

Porque, se puxar, pelos arcanos da minha memória, lembrar-me-ei que nesta matéria o Partido Socialista fez algumas leis verdadeiramente espantosas. Por exemplo, em 1978 o PS trouxe aqui uma lei de criminalização da prostituição e da homossexualidade- pasmem os progressistas! - em nome dos velhos valores morais da colectividade portuguesa. Prostitutas e homossexuais para a prisão! E isto em 1978! Era tão espantosa esta, lei, que, dispondo na altura o Partido Socialista de maioria nesta Câmara, não conseguiu vencer-se a si próprio. Os valores morais e tradicionais da colectividade portuguesa caíram aqui no «Vale dos Caídos» e as prostitutas e os homossexuais não foram para as cadeias do Partido Socialista.

Risos do PSD. . ...

Há dois ou três anos, o Partido Socialista, corri uma grande hesitação, com grandes dúvidas, trouxe aqui, a reboque do Partido Comunista, uma vez que foi o Partido Comunista - honra lhe seja feita! - que desencadeou o processo, uma lei da despenalização de algumas situações de aborto. Isso é. histórico. .:.
Depois disto, o que é que o Partido Socialista tem feito? Vem aqui clamar, por exemplo, que no Supremo

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Tribunal Administrativo as coisas não andam, mas ao mesmo tempo atira para o Supremo Tribunal Administrativo a tarefa de os agrimensores irem medir as reservas da Reforma Agrária. Em vez de darem provimento às queixas dos cidadãos - que são muitas - os Srs. Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo são desviados da sua função de guardiães da legalidade para andarem, talvez, a medir reservas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - V. Ex.ª, ilustre jurista - aguardamos, aliás, com redobrado interesse a sua tese de doutoramento -, tem andado pelos tribunais ou limita-se a dar pareceres? V. Ex.ª tem feito advocacia penal na barra ou limita-se a dar pareceres? V. Ex.ª sabe como funcionam os tribunais neste país?

Vozes do PS, do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Respondendo-lhe com uma pergunta, pergunto-lhe se isso é algum inquérito de personalidade.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Tenho a maior simpatia pelo Sr. Deputado...

O Orador: - Eu também. É recíproco.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - ... e o que anseio saber, desde que estou a ouvi-lo, é como é que V. Ex.ª vai concluir, e desejo extremamente que a sua ilustre tese de doutoramento, que muito anseio ler, não seja mais um livro de 1500 páginas que tem pouca utilidade para a criminologia portuguesa.

O Orador: - Sr. Deputado, penso que isso é manifestamente inadequado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - V. Ex.ª está a insultar há meia hora. Tem mais responsabilidades do que eu...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, peço-lhe o favor de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. Penso, no entanto, que não posso deixar de responder ao que foi dito. É que o problema não é meu; quem deixou que o debate prosseguisse não fui eu, Sr. Presidente. Salvo melhor entendimento, não fui eu que permiti.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que estas intervenções são perfeitamente inadequadas.
É verdade que tenho posto ao serviço do País o pouco que sei em matéria de tarefa legislativa e continuarei a fazê-lo.
Gostava que o Sr. Deputado fizesse as suas críticas, do ponto de vista da adequação, do rigor e da perfeição ou da imperfeição das leis, porque elas têm-nas - ninguém tira as leis de coxas perfeitas, como Júpiter tirava as deusas. Agora, vir aqui fazer as intervenções que fez é profundamente inadequado. Apesar de tudo, devo dizer-lhe que continuarei a manter o respeito que tinha, e continuarei a ter, pelo Sr. Deputado.
No entanto, também não posso deixar de, em nome da bancada do PSD, dizer o seguinte: em nome de uma alternativa, está a ser interpelado um governo e é essa alternativa que eu proeuro. Compreendo que o Sr. Deputado fique extremamente nervoso. Aliás, foi o Sr. Deputado que saltou, não fui eu. Eu estava onde devo estar, por força do direito que tenho de usar da palavra; o Sr. Deputado é que saltou inadequada e desabridamente, não fui eu.
Mas este povo, o País, tem de saber se o que, neste momento, se está a tratar em Portugal em matéria de justiça é apenas uma política que está em vias de execução, com alguns défices, com algumas lacunas, ou se há ou não uma política alternativa.
Não tenho culpa que o Partido Socialista tenha feito as propostas legislativas que fez! Não tem outras..., mas o problema não é meu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lacão se deseja responder já ou depois do intervalo.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Respondo depois do intervalo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper agora os trabalhos para o intervalo.
Entretanto, informo-os que às 18 horas vamos proceder a votações.
Peço aos membros da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste o favor de se deslocarem ao meu Gabinete a fim de fazermos uma reunião.
Está interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ao Sr. Deputado José Luís Ramos devo dizer que na minha intervenção tive a preocupação de colocar questões que me parecem de uma enorme seriedade e que ultrapassam, de longe, a situação partidária na óptica de observação desses problemas, que têm uma dimensão nacional, para além das perspectivas ideológicas em que cada um de nós possa ver determinadas questões. Tive, pois, essa estrita preocupação. Infelizmente, não verifiquei na pergunta que me fez preocupação idêntica.
Quando se trata de fazer críticas ao Governo, não é só porque o Governo o é - e eu, como deputado, sou deputado da oposição -; trata-se fundamentalmente de determinar se objectivos essenciais (alguns dos quais, diria mesmo a maioria, estão legalmente consagrados), que vinculam a Administração, estão ou não a ser prosseguidos. O que demonstrei é que tais objectivos não estão, de modo algum, a ser prosseguidos e, como procurei fazer uma intervenção estritamente rigo-

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rosa, faço-lhe um desafio para observar na minha intervenção, que está escrita, se algum dos dados a que me referi não é efectivamente objectivo e se foge à realidade.
Aproveito a oportunidade para lhe dizer, a propósito de ter sugerido que eu tinha feito uma falsa afirmação no que diz respeito às despesas correntes, que me reportei às despesas correntes da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e é evidente que, ao nível dos serviços prisionais, as despesas correntes orçamentadas, após a revisão do Orçamento do Estado para 1986, foram superiores àquelas que originariamente estão consignadas para 1987.
Ao Sr. Deputado José Magalhães devo dizer que eu, ao contrário do que sugeriu, não omiti a necessidade de se fazer a reforma dos tribunais de execução de penas. Penso que é necessário avaliar os níveis de participação desejável do Ministério Público no próprio funcionamento dos tribunais de execução de penas e, ao mesmo tempo, é necessário enquadrar melhor todos os serviços de reinserção social na sua acção vinculada ao próprio funcionamento dos tribunais de execução de penas. É também necessário meditar sobre o próprio alargamento desses mesmos tribunais.
Estas são questões para as quais não só estamos abertos como consideramos ser necessária a reforma, que deve ser prioritária.
No que diz respeito ao Código de Processo Penal, já há pouco, numa pergunta feita ao Sr. Ministro da Justiça, pude aludir à necessidade de ponderar alguma regulamentação de certos aspectos aí referidos, designadamente em coordenação com a orgânica da Polícia Judiciária. Por isso fiz uma crítica frontal ao Governo: é que, se queria demonstrar que tinha uma política criminal consistente, não poderia estar a legislar a esmo, tendo de nos apresentar, em pacote devidamente relacionado, não apenas o Código de Processo Penal mas também a revisão dos tribunais de execução de penas e a própria lei orgânica da Polícia Judiciária.
Quanto a algumas das soluções para essa polícia, elas têm necessariamente de se inscrever num quadro mais vasto de política criminal e é o Governo que tem de determinar se quer fazer da Polícia Judiciária uma polícia com cobertura nacional e integral, para responder ao combate a todo o tipo de criminalidade, ou se a quer especializar para certo tipo de crimes especialmente graves. Nessa situação, pergunto, então, que outras polícias ficariam com a incumbência do combate genérico à criminalidade.
São questões que não podem ser respondidas de imediato, mas cuja formulação tem de ser feita e para as quais o Governo não pode deixar de ter uma resposta integrada e consistente.
Ao Sr. Deputado Costa Andrade quero dizer que, na abundância das suas palavras, sinceramente senti que lhe escasseavam as ideias. Ou então foi manifestamente uma incapacidade minha para, na floresta das suas frases, poder descortinar o sentido essencial das suas perguntas.
Fez várias alusões, referindo-se uma delas à ausência do «ministro-sombra» do PS nos debates essenciais sobre a justiça. Quero dizer-lhe que o «ministro-sombra» do PS, porque não é deputado, não pode intervir nesta Câmara, mas, desde o início dos trabalhos, tem estado atentamente - porventura mais atentamente do que muitos deputados - a seguir, a par e passo, este debate sobre a justiça. Remeto-o para os órgãos de comunicação social de amanhã, para que possa tomar notícia das declarações sobre a política de justiça hoje mesmo produzidas pelo porta-voz do Partido Socialista.
Quanto à questão que referiu de haver ideólogos que na área do pensamento criminal, eventualmente de esquerda socialista, não estariam de acordo quanto às metas da ressocialização, quero dizer-lhe que, sinceramente, não quero entrar em especulações que me parecem de domínio meramente metafísico e que preocupam o Sr. Deputado, mas, porventura, mais ninguém. E digo que não preocupam mais ninguém em termos de política criminal, uma vez que aceito que preocupem em termos académicos.
Mas ainda a este propósito, quero dizer-lhe que se descobriu que certos criminólogos de certa esquerda, afinal, são contra a ressocialização, terá porventura descoberto que esses tais criminólogos são os assessores directos e predilectos do actual Ministro da Justiça, que, revelando uma total opacidade à política de ressocialização, dá ideia de que está a prosseguir uma política orientada por «politólogos» de esquerda e não por moderados sociais-democratas, como certamente o Sr. Deputado Costa Andrade gostaria.
Estas são, portanto, questões que, a meu ver, não têm, como acabo de lhe demonstrar, nenhuma substância. Quanto à sua afirmação final de que os ministros e os ministérios da justiça estão sempre em dívida, também estou de acordo. Mas todos nós devemos colocar-nos uma questão para profunda reflexão. Como é possível defender uma política de justiça minimamente consistente quando o PIDDAC para este sector representa, envergonhadamente, apenas 2% do PIDDAC para 1987? Será que a justiça, num país tão carecido dela, pode desenvolver-se, em cada ano, com 2% do plano global dos seus investimentos? Sr. Deputado, eu não quero crer que isso seja possível e por isso disse que não tem razão a afirmação do Ministro da Justiça ao dizer que, em 1987, todo o Estado está envolvido na «empresa» da justiça. Antes estivesse, mas, infelizmente, não está, e foi isso que demonstrei na intervenção que fiz.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém ousa escamotear a realidade: a justiça vive hoje uma grave crise em Portugal. O momento é de perigos sérios no horizonte. E de viragem. Concentram-se os sinais de degradação, com a explosão judicial e penitenciária a destacar-se, proliferam as formas selvagens de privatização da justiça. Evidências como as do eclodir de empresas de segurança à revelia do Estado, em substituição da Polícia Judiciária e de outras polícias, as da propagação de práticas do tipo da cobrança, por agências que actuam livremente, de créditos difíceis ou da assinatura coactiva de cheques sem cobertura, com garantia para além da lei civil, dão bem a notação dos rumos e do imperativo de os invertir sem detença.
Diga-se, a propósito da referência à Polícia Judiciária, que é escandaloso, numa conjuntura particularmente melindrosa, que o ministro da tutela não tenha proferido uma palavra no seu discurso em defesa do prestígio e dos instrumentos de dignificação daquele corpo policial.

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Não obstante a rudeza do diagnóstico, o sentimento de desprotecção dos cidadãos face às várias formas de criminalidade, as acções governamentais são, em regra, de muito fraco alcance e caracterizam-se por um notório desnorte. Aí está a inextrincável bagunça da reforça penal a prová-lo. Para lá de publicado o Código com mazelas que obrigaram o Grupo Parlamentar do PCP a suscitar a sua ratificação pela Assembleia da República, além dos erros nevrálgicos de conteúdo, continuam por lobrigar-se os diplomas complementares e a infra-estruturação da sua entrada em vigor. As consequências, como temos alertado, serão amargas e inevitáveis. É urgente arrepiar caminho.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Chegou-nos, entretanto, o texto de uma nova lei orgânica dos tribunais judiciais. É uma peça que milita nas opções grosseiras que, desde sempre, vêm motivando a crítica e a oposição dos sectores interessados da vida nacional. Ao proceder ao alteamento das alçadas e das custas (nas acções de estado, por exemplo, o valor sobe em flecha), a proposta do Governo promove, ao cabo e ao resto, uma justiça cara e distante das populações, uma verdadeira política antidemocrática de denegação do direito, em especial às camadas mais carenciadas, àquelas que suportam já o ferrete das precariedades impostas por Cavaco Silva e pelo PSD. A senda a percorrer é justamente a contrária: a do eliminar dos fossos que separam a comunidade e os tribunais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O homem comum acede com dificuldade - quando acede - à lide cível, laboral ou penal, espera anos a fio o desenredar da trama pré-sentencial, exaure dinheiros e sente crescer em si uma progressiva descrença na lei e nos mecanismos da sua eficácia. O Ministério responde-lhe agudizando os pólos de tensão e sublinhando as vertentes do desconchavo. A nossa época, porém, não se compadece com os modelos perimidos do passado, alargam-se os direitos públicos e individuais, é preciso acertar o relógio pelas indicações de um meridiano democratizador. Que se fez, então, nos domínios do acesso?
Em 1986, tarde e mal se aproveitaram os quantitativos para o efeito inscritos, pelo Parlamento, no Orçamento do Estado. Abriu-se um gabinete de consultas de âmbito limitado, nenhum passo ousado se apercebe no sentido da remoção dos iníquos moldes vigentes para o patrocínio, são nulas as iniciativas de fundo para a generalização da informação jurídica. O acesso ao direito mora num 9.º andar de uma avenida de Lisboa, confinado ao mínimo, como uma pérola para discurso galante mais insignificativo ainda e sem indícios de desenvolvimento para breve.
Apesar das simpatias do Sr. Ministro por esta problemática, não há definições claras de prioridade nem efectivações de planos que tranquilizem os mais pacientes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - É tempo para o debate do projecto do PCP e de todos os que se lhe queiram juntar, para aprovar uma lei azada. A política do acesso fracassará se for feita às pingas e às escondidas, tendo de ser ousada para ser eficiente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, urge acudir à ruptura do sistema prisional, à insuficiência e ao mau estado do parque judiciário; pôr fim à frouxidão constrangedora do combate à droga, à corrupção, ao crime violento e à delinquência; à tibieza da actuação do Instituto de Reinserção Social; ao nível de pobreza dos empreendimentos da informatização jurídica e técnica. Exige-se acabar com o silencio sistemático como réplica às reinvindicações dos magistrados, funcionários dos diferentes aparelhos dependentes do Ministério, dos guardas prisionais, dos reclusos. A persistência da morosidade processual, autêntico flagelo num quotidiano de sufocações de múltipla ordem, não pode ser encarada como fatalidade. Os suicídios que se repetem nas cadeias reclamam medidas e não apenas lágrimas e considerações piedosas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não aguardemos que a Comissão Europeia dos Direitos do Homem volte a condenar o Estado Português, sedimentando a exaustão, o descrédito, o negativismo, a desesperança, a inquietação.
É inaceitável que o Governo prefira condenar a comunicação social pela crítica que produz, a instituição parlamentar e os partidos desencadeadores de interpelações, os juízes, os descontentes e os inconformados, que, em lugar de se fecharem como ostras em torno dos seus pontos de vista, publicitam o desacordo e a proposição frutuosa. Ao invés de detectar, com segurança, os novos pontos de fricção e degenerescência numa radiografia há uma década feita e analisada, e atacar, de maneira audaz, os factores de perturbação e desmoronamento, o Governo privilegia o discurso minimizador, periférico, autocongratulatório, descosido e frequentemente apostado em alijar responsabilidades.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Não pode o titular da pasta da Justiça comprazer-se no administrar de uma ronceirice inçada de tecidos putrescentes, erigido em expoente da rotina, incapaz de movimentos alteradores e inovatórios, do calendarizar de realizações, da fiscalização de execução, do rigoroso cumprimento de prazos, da rebeldia contra a desconsideração financeira, da propulsão de vontades que demudem o rosto congestionado do presente. Isolando-se (ou deixando-se isolar), preterindo o concurso de disponibilidades informadas, o departamento dirigido pelo Dr. Mário Raposo definha, e definha a olhos vistos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É grave!

O Orador: - As reformas legislativas prosseguem a sua letargia insana. Os novos Códigos de Processo Civil e do Trabalho, os anunciados Código do Registo Comercial e Lei Orgânica do Registo de Comércio, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciários (depositada, na semana passada, na Mesa da Assembleia), demoraram, com as inerentes e nocivas sequelas.

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Os tribunais, por seu turno, oferecem um panorama desolador. Aprovámos, recentemente, quantitativos monetários para uma intervenção de emergência nesta esfera. Onde estão eles aplicados?
Episódios tristes como o de São João Novo não são fruto do acaso, dão que pensar, exibem pústulas, para que o poder não lança sequer uma mirada cuidadosa. Se a casa depradada em que se administra a justiça na Praia da Vitória é testemunho gritante do que se não tolera e favorece uma imagem desprestigiante do País, outros inúmeros signos de falência ocorrem um tanto por todo o lado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - No entretanto adormecem, nas marasmáticas sucessões de PIDDACs, projectos de construção e remodelação. É imperioso que principiem ou concluam os Tribunais de Albufeira, Coruche, Ponte de Lima, Vila Franca do Campo, Braga, Alvaiázere, Ourique, Pampilhosa da Serra, Vila Viçosa, Leiria, Covilhã, entre dezenas e dezenas, com graus de urgência variáveis. É fundamental sanear os painéis de explosão, sejam eles a Boa Hora (que rebenta pelas costuras sem que se edifiquem os novos tribunais criminais de Lisboa) ou, como já esta manhã se sinalizava, a inadequação de instalações que obriga o Ministério Público a laborar sem uma cadeira ou o JIC de Setúbal a funcionar num átrio, ante a reiterada indiferença do Executivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a bancada do PCP não elege o miserabilismo em método. A face da deprimência é tal que nem as modestas novidades dos últimos lustres lhe atenuam os sulcos. E é lastimável que ecoem no hemiciclo as panglóssicas vozes que, no dealbar da sessão, proclamavam o melhor dos reinos quando a Dinamarca fede.
O que é facto incalável é que não podem manter-se o atulhamento dos tribunais, a lentidão da marcha dos processos, o volume altíssimo das pendências, o aumento das acções e a incorrespondência de meios para prontamente as solver, o regime de assistência judiciaria e o patrocínio, as más condições de trabalho dos magistrados. Nestes alicates trucidantes sucumbe, sem defesa, o mais pobre, já que o rico encontra, com relativa presteza, a água - ilídima que seja - capaz de lhe salvar o moinho contrariado.
Uma vez mais aflora a magna questão das vias a perfilhar. A resolução do descalabro não passa, certamente, pela reimposição de três classes de comarcas, contra o desejo da magistratura judicial, pelo advento do milagre que brotaria do brutal onerar dos custos da justiça (brutal e antidemocrático, como afirmámos) com vista a uma drástica redução dos contingentes processuais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Impõe-se, em consonância com as linhas prepositivas que enunciámos, a radical mutação da filosofia adoptada no diálogo com os agentes, actuantes e utentes judiciários. Enquanto houver juízes a braços com dificuldades de habitação, discriminações remuneratórias, sobrecarga horária, falta de apoio em diversificadas latitudes da sua actividade, enquanto o Ministério Público, cujo perfil de competências cresceu com a óptica do Código de Processo
Penal, se sentir situado no coração da penumbra, sem mecanismos nem infra-estruturas que disciplinem uma participação eficaz, enquanto se somarem, à espera de actos solucionadores concretos, os problemas que afectam o dia-a-dia dos funcionários judiciais, dos escrivães aos oficiais de diligências (estes transformados em prisioneiros dos guichets das estações postais), a precisão de equipamentos, a sobrelotação das secretarias, a magreza das verbas de funcionamento, não será criada a atmosfera mínima que permita enveredar, de forma consequente, por uma inadiável modificação das rotas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E nem nos detemos, por ora, na inércia dos arquivos, nos riscos a que se acham expostos, no desmazelo votado ao extenso e valioso património artístico localizado nos palácios da justiça, nas necessidades inatendidas de apetrechamento e actualização das bibliotecas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consciência dos Portugueses tem vindo a ser sensibilizada, na sequência do surto de suicídios acontecidos desde há dois meses, para a chaga viva que é a rede penitenciária. O retrato é do domínio comum. Ainda que descomprimida pela amnistia que aprovámos em 1986, ela é o espelho multiface das injustiças sociais, de uma política que potência bolsas de marginalidade, fome, o desconcerto afectivo, o bloqueamento do futuro, e escolhe entre os oprimidos e os fracos o bode expiatório da sua agonia. Evito a descrição exaustiva. Mas é impossível que, em frente dos destroços, se escutem os indignos violinos de quem os transmuta em palco de festim.
É inaceitável que, corrido já demasiado tempo, se não haja encerrado Monsanto, com a garantia de alternativas credíveis. E onde estão as cadeias de Lisboa, Faro e Funchal, cuja edificação se afiançara a ritmos de celeridade?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estão no papel!

O Orador: - O PIDDAC/86 para as cadeias não existiu. Os menos de 750 milhões de contos que constam do de 1987 são fatia deveras estreita para o que se pretendia. O Ministro Mário Raposo reputou-a confortável. Ora, as dotações para manutenção e funcionamento implicarão, pela certa, um reforço no 2.º semestre deste ano. E não se concebe que alguém repouse no idílio de ver o Código de Processo Penal esvaziar as prisões para declamar retóricas de circunstância sobre feridas de que todos se queixam: a ridícula capitação de 220$ para alimentação e vestuário dos reclusos; a ausência de actuações assinaláveis no tratamento e na profilaxia de toxicómanos detidos; o congelamento da contratação de técnicos, guardas, médicos, enfermeiros, educadores, pessoal administrativo; a insuficiência actual da interferência do Instituto de Reinserção Social, depois de terem sido extintas as intervenções, por longo período, do Gabinete de Planeamento e Coordenação do Combate à Droga nos estabelecimentos prisionais; o fracasso da aplicação da legislação penal, sobretudo no tocante aos procedimentos não detentivos.
As prisões, feitas depósitos de indivíduos, inviabilizam as tarefas ressocializatórias e, em não pequenas proporções, a recuperabilidade pela prática laboral.

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Nelas se misturam jovens e idosos, preventivos e condenados, primários e delinquentes crónicos, sendo insatisfatória, apesar de tudo, a taxa de ocupação em esquemas laborais regulares e mais baixa ainda a dos presos integrados numa correcta planificação de aulas e de formação profissional. Acresce que o salário atribuído aos reclusos envolvidos em linhas de produção é intolerável, rondando os 50$/dia, o que clamorosamente traduz o exercício de modelos de exploração compulsiva de quem trabalha.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As horas que vão corridas atestam da importância e do mérito da interpelação em curso. Procurámos carrear para ela elementos de ponderação. Lembrámo-nos, aliás, de que seria útil distribuir à Câmara e à comunicação social um conjunto de documentos informativos em que, telegraficamente, se traça a silhueta da situação da justiça portuguesa.
Depois desta jornada, a Assembleia da República não se eximirá, como não se eximiu até aqui, a dar o seu contributo qualificado para o ultrapassar da rotunda crise - assim o entendemos! - cujos contornos ficam delineados. É indeclinável, na matéria que nos ocupa, uma efectiva co-responsabilização de esforços. Pela nossa parte, PCP, avançamos, hoje mesmo, com mais um projecto de lei, desta feita na área sensível do regime dos estágios da advocacia. A ele, mais alguns se seguirão. Paralelamente, participámos e participaremos com a nossa reflexão e a diligência da nossa atitude para um positivo virar de agulha, neste sector como em toda a vida governativa do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Garcia Marques): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há uma consideração prévia que se torna indispensável fazer: o Ministério da Justiça de hoje muito pouco tem a ver com aquele que a Lei Orgânica, ainda em vigor, moldou nos princípios dos anos 70. De facto, passou-se de um ministério de cerca de meia dúzia de direcções-gerais, cujas estruturas tinham sido sedimentadas pelo tempo e balizadas por rotinas de muitos anos, para um ministério com uma problemática complexa, com um número acrescido de departamentos, alguns deles nascidos e vividos num ambiente de grande instabilidade política.
No espaço de tempo de que disponho, vou tecer algumas considerações sobre várias matérias relativas a diversos serviços do Ministério da Justiça e, ao fazê-lo, responderei a algumas questões até agora colocadas.
Considerando a situação de crise herdada, existente já no 25 de Abril de 1974 e agravada nos anos seguintes, em matéria de tribunais e organização judiciaria, justifica-se fazer a inventariação das principais medidas adoptadas.
Assim, no que respeita ao recrutamento de magistrados:
Em 1977, afirmou o Sr. Ministro da Justiça de então, Dr. Almeida Santos, nesta Assembleia, que em Abril de 1974 teríamos uma falta de, pelo menos, 300 juízes. E reconheceu também que, em 1977, tínhamos ainda falta de juízes.
Em 1979, o número de magistrados não havia ainda atingido o quantitativo considerado necessário em 1974 - quedava-se, na altura, num acréscimo de 137 magistrados relativamente a 1974, o que perfazia um total de 578 magistrados judiciais.
As medidas adoptadas permitiram alcançar, neste domínio, resultados que ninguém pode, com seriedade, deixar de reconhecer como espectaculares.
Com efeito, em 1986, o número de magistrados judiciais ultrapassou o milhar em 96 unidades.
Por sua vez, o número de magistrados do Ministério Público passou de 292, em 1974, para 628, em 1986.
A opção por um sistema de recrutamento e formação profissional de magistrados, cometido ao Centro de Estudos Judiciários, a que foi dado arranque em Janeiro de 1980, permitiu, de então até ao presente, a formação de mais de 1200 auditores de justiça, através da programação e execução de dezanove acções de formação.
A solução de recrutamento de magistrados implementada não teve como único efeito o de ter revelado potencialidades para responder, em número, às exigências que os quadros de magistrados vinham colocando.
A este propósito valerá a pena salientar a qualidade do trabalho de formação desenvolvido pelo CEJ, bem traduzida, por exemplo, no crescente aumento de classificações de Muito bom e de Bom com distinção atribuídas aos novos magistrados saídos do Centro de Estudos Judiciários.
Permitiu também que se iniciasse, de forma sensível, a recuperação da capacidade de resposta de um sistema esclerosado e sem virtualidades para encontrar os caminhos da sua própria reconversão.
Passando ao recrutamento de funcionários de justiça, direi que, a par da carência de magistrados, a insuficiência dos quadros de pessoal das secretarias judiciais era também gravíssima.
Tornava-se igualmente prioritário redimensionar esta componente humana dos tribunais. E isso foi feito!
Assim, o número de oficiais de justiça evoluiu de 2695, em 1974, para 5889, em fins de 1986.
Por outro lado, existe neste momento uma bolsa de cerca de quatro centenas de titulares do respectivo estágio em condições de poderem ser providos nos lugares do quadro. E espera-se poder iniciar, no próximo mês de Abril, um novo estágio a ser frequentado por cerca de 600 candidatos.
Como já referiu o Sr. Ministro, especial atenção foi consagrada ao recrutamento, selecção e avaliação dos oficiais de justiça, ou seja, às condições do seu ingresso, valorização e acesso nas carreiras, pressuposto indispensável da respectiva dignificação.
Acabaram-se com as promoções por via administrativa, cujas funestas consequências são de todos conhecidas.
Em matéria de métodos de trabalho e da sua renovação, serão já em Abril estendidas a todo o País medidas de desburocratização e modernização, cessando, por exemplo, a secular prática dos processos cosidos

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com agulha e linha. Também aqui o reparo do Partido Socialista surge, por conseguinte, antes de tempo - pecado capital para quem no início da interpelação arrogou, nesta matéria, o papel de despertador.

Risos do PSD.

São por demais apontadas as deficiências em matéria de instalações dos serviços de justiça.
Muito se fez, porém, neste campo, na década de 80, tendo sido concedida primeira prioridade à resolução dos problemas que entravavam a conclusão de empreendimentos que já deveriam estar concluídos, ao mesmo tempo que se encontrou solução para a instalação de tribunais, de competência genérica e do trabalho, que, embora criados em 1978, não se previa quando poderiam ser declarados instalados.
Sendo tão curta a memória dos homens, é oportuno lembrar os tribunais criados no papel pelos governos socialistas e que os governos da responsabilidade do PSD vieram paciente e esforçadamente a instalar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi o que aconteceu, por exemplo, com os Tribunais do Trabalho de Santo Tirso, Penafiel, Vila Franca de Xira, Vila Nova de Gaia e Loures e com o Tribunal da Comarca de Sesimbra, todos deixados em «ponto morto» pelo governo do PS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E sabe-se como a jurisdição nos tribunais do trabalho, designadamente nos grandes centros urbanos, beneficiou largamente das medidas que têm sido adoptadas.
Sem a pretensão de ser exaustivo, e sem que com isto se pretenda esconder as carências graves que continuam a afectar o parque judiciário nacional, importa lembrar aos que se limitam a enunciar desgraças que entre 1982 e o dia de hoje foram instalados os Palácios da Justiça de Benavente, de Cinfães, de Figueiró dos Vinhos, de Grândola, da Lourinhã, da Lousã, de Montemor-o-Novo, de Barcelos, de São Roque do Pico, de Caminha, de Paredes; de Penafiel, de Valpaços e de Oliveira de Frades e ainda os Tribunais de Ferreira do Zêzere, de Mondim de Basto e de Loures e, para além dos tribunais do trabalho já referidos, os de Sintra e da Maia e, bem assim, os Juízos de Polícia do Porto. Isto sem falar na instalação em edifício novo de alguns juízos do Tribunal de Cascais, do Tribunal de Polícia de Vila Nova de Gaia e da adaptação do imóvel do Tribunal de Serpa.
Outras, muitas outras, obras e projectos estão, como se sabe, em fase adiantada de execução.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

Muito em breve será inaugurado o novo Palácio de Justiça de Estarreja, ao qual outros se seguirão em ritmo que se deseja possa ainda ser acelerado.
No que se refere aos serviços tutelares de menores, tem-se vindo a intervir, como nunca se fez nos últimos doze anos, na resolução dos problemas que se colocam em três áreas diferenciadas: os recursos humanos, os recursos financeiros e o aproveitamento das instalações disponíveis.
Consciente de que, também em matéria de delinquência, importa atacar os fenómenos nas suas mais precoces manifestações, o Governo encara hoje este departamento com a atenção que lhe é devida, abandonando-se a tendência para o tratar como uma direcção-geral menor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As limitações de tempo só me permitem enunciar alguns breves tópicos de entre as acções já realizadas ou em curso.
Assim: em termos orçamentais, cabe acentuar uma significativa melhoria nas disponibilidades da Direcção-Geral, que se traduzem num aumento médio de 57,4% em relação ao orçamento de 1986; também no PIDDAC/87 se verifica um reforço das verbas disponíveis para o apetrechamento das oficinas e estabelecimentos e para remodelações e reparações diversas; no que se refere ao aproveitamento de instalações, estão em fase adiantada de preparação acordos de cooperação com congregações religiosas, tal como a Casa Salesiana, ou com instituições particulares de solidariedade social, como é o caso das Obras do Ardina e de Nossa Senhora das Candeias, que permitirão, a curto prazo, a utilização integral dos lares de semi-internato e polivalentes do Porto e de Coimbra; foram lançadas obras de reparação de envergadura em diversos institutos de reeducação, encontrando-se as mesmas já em curso, em São Fiel, no Centro de Observação e Acção Social do Porto, no Instituto da Guarda e no Instituto de São Domingos de Benfica, em Lisboa; foram recentemente inaugurados diversos melhoramentos, oficinais e desportivos, no Instituto de Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia, e na Escola Profissional de Santa Clara, em Vila do Conde; foi concluído o projecto de decreto-lei que cria o Instituto de Apoio aos Serviços Tutelares de Menores; foi implementado o conselho técnico da DGSTM; foi elaborado um programa OTJ para 1987 bem mais ambicioso e realista; melhorou-se, com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional, a preparação pedagógica e profissional do pessoal que ministra o ensino; estão em curso iniciativas várias no domínio do recrutamento de pessoal e de transição de carreiras; procedeu-se à entrega aos estabelecimentos tutelares de quinze bibliotecas, constituídas por mais de 2200 volumes; intensificou-se o trabalho de investigação do grupo permanente de análise da problemática relacionada com as jurisdições de menores e de família constituído no Centro de Estudos Judiciários; criou-se um grupo de trabalho para o desenvolvimento de acções concretas, tendo com destinatários os menores abandonados ou em risco das zonas degradadas da Sé e do Barredo, da cidade do Porto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De todas estas iniciativas se espera que, rápida mas seguramente, se alcancem formas mais práticas e eficazes de acção articulada entre todas as instituições e serviços que, de uma forma ou de outra, assegurem a protecção do menor.
Concretizar, de forma correcta e integrada, uma política de protecção da infância é um tremendo desafio que urge vencer, quaisquer que sejam os seus custos.

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E não carecemos, para o efeito, de motivações especialmente elaboradas, de complexas análises ou de sofisticados argumentos. São a vida, a convivência e o rigor moral que no-lo impõem.
Não me vou debruçar sobre o sistema prisional, uma vez que o Sr. Ministro já o fez com cópia de detalhes. No entanto, não deixarei de lembrar que, na intervenção produzida nesta Assembleia em Junho de 1986, o Sr. Deputado Almeida Santos, então com a responsabilidade da pasta da Justiça, respondendo a críticas feitas à sua gestão prisional, disse: «Não pode fazer-se um Código de Processo Penal sem estar definido o novo Código Penal e não pode fazer-se uma verdadeira reforma prisional sem estes dois códigos estarem aprontados. Pelo contrário, seria pôr não apenas o carro adiante dos bois mas adiante dos bois e do próprio boieiro.»

Aplausos do PSD.

Não será legítimo supor que a justificação de então seja, por justa, a justificação de agora?
Vítima de um movimento pendular de apoio e rejeição por parte de personalidades e forças políticas, é necessário que quanto à reinserção social se reafirme a aposta que claramente nela faz este governo - aliás o nosso Código Penal e, agora por forma mais exigente, o Código de Processo Penal não só a consagram como a consideram vertente integrante da política criminal.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Consequência de tais indefinições é a situação de insuficiência de meios humanos com que os serviços se debatem ainda hoje. No entanto, de Agosto a Dezembro de 1986 verificaram-se dez novas admissões e em Janeiro e Fevereiro deste ano foram já autorizados quatorze novos ingressos, metade dos quais para técnicos de reinserção social. Estas acções de recrutamento irão ter continuidade com o provimento de mais algumas dezenas de lugares, tendo em vista a instalação efectiva de mais nove equipas de reinserção social (Matosinhos, Leiria, Aveiro, Caldas da Rainha, Faro, Cascais, Oeiras, Sintra e Setúbal, das quais as duas primeiras já possuem instalações).

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assegurarão, para além das actividades decorrentes das suas competências específicas, o apoio aos tribunais e estabelecimentos prisionais das respectivas áreas.
Assim, respondo pela afirmativa à pergunta colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão a propósito das medidas em curso para acudir às exigências que decorrerão da aplicação do novo Código de Processo Penal.
No domínio da implantação do serviço social prisional e pós-prisional, providencia-se em articulação cada vez mais estreita com os tribunais de execução das penas: o apoio psico-social à quase totalidade da população prisional; o acolhimento do recluso em cumprimento de pena, recolha de informação e elaboração e execução do plano de acompanhamento e preparação da liberdade condicional, e o reforço das tutelas de liberdade condicional, em número de 928, em 1984, e de 2101, em 1986.
No domínio do apoio técnico aos tribunais deu-se resposta à generalidade das solicitações dos tribunais na fase pré-sentencial, elaborando-se nos últimos quatro anos um total de 2203 relatórios, dos quais 36,66% no ano findo, e execução à totalidade das medidas alternativas à prisão.
No domínio legislativo está praticamente ultimado o diploma relativo à emissão do certificado do registo criminal, de modo que o conteúdo não dificulte o acesso ao emprego público ou privado.
Estuda-se a regulamentação do subsídio de desemprego por forma a abranger os trabalhadores ex-reclusos, promove-se a adopção de uma regulamentação sobre o apoio a prestar à vítima de infracções penais e estabelecem-se medidas de apoio na criação de novos postos de trabalho, considerando-se designadamente a criação de subsídios reembolsáveis e linha especial de crédito para lançamento de unidades produtivas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No domínio da cooperação entendeu--se diversificá-la com instituições públicas e privadas, conjugando esforços e prestando apoio técnico e financeiro. Neste particular, realizaram-se acordos com a União, a Obra do Ardina e o Lar de Acolhimento a Menores de Nossa Senhora das Candeias.
Apraz-me reafirmar a este propósito que é nossa profunda convicção que a acção prosseguida pelas entidades públicas não deve prejudicar o princípio da responsabilidade dos cidadãos, das famílias e das comunidades na protecção contra as situações de carência, disfunção e marginalização social, pelo que o Estado reconhece e valoriza a acção desenvolvida pelas instituições particulares de solidariedade social, prestando-lhes apoio sob a forma de acordos de cooperação.

Aplausos do PSD.

Facto sumamente grave, e que muito vem preocupando o Governo, é o da expansão da droga e do amargo cortejo das suas funestas consequências.
Reconhece-se hoje, em todos os quadrantes, a extrema dificuldade em se encontrar resposta adequada para problema de tamanho melindre, que não respeita fronteiras nem distingue credos ou ideologias: se, por exemplo, foi possível constatar que na Suíça, nos últimos dez anos, triplicaram os crimes relacionados com a droga, assinalar-se-á igualmente a preocupação há breves dias revelada em Viena por responsável do Ministério da Saúde da União Soviética ao admitir que mais de 46 000 cidadãos daquele país estão oficialmente registados como drogados e que o seu número vem aumentando nos últimos anos.
De facto, a toxicomania galopante (crescimento rápido do número de indivíduos atingidos pelo abuso de drogas) e a politoxicomania (diversificação do consumo) caracterizam a situação de inúmeros países, não sobrando razões, infelizmente, para confiar numa próxima e radical inversão destas tendências.
Em Portugal, não somos - nem poderíamos ser - imunes a este problema. E nem o facto de ele não assumir entre nós a extensão e gravidade que alcançou em outros países nos impediu de reconhecer a urgência da tomada de amplas e firmes medidas de combate ao flagelo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Por isso se apresentou, no passado mês de Outubro, um plano integrado e global visando prevenir e reduzir a procura e controlar a oferta de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, o qual, pelo destaque que então mereceu nos diversos órgãos de comunicação social, me dispenso agora de detalhar.
O desenvolvimento deste plano, já em curso nalguns dos seus programas, deverá ser, a muito curto prazo, conhecido pela opinião pública. Nela se integram - e cito apenas a título exemplificativo - e reestruturação do Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, através do diploma que se encontra já em circulação.
Muito se tem alcançado com os meios disponíveis pelo Ministério da Justiça e ninguém poderá deixar de reconhecer, a título de exemplo, o desenvolvimento que têm conhecido as acções de repressão do tráfico, graças - sobretudo - à porfiada e competente acção da Polícia Judiciária (que cumpre muito justamente enaltecer), em especial a partir do momento em que foi possível dar por encerrada a desastrosa experiência da sobreposição de competências neste domínio, fruto de infeliz legislação preparada no tempo do Sr. Ministro Almeida Santos.
Bastará referir que quadruplicou, nos últimos cinco anos, o número de traficantes detidos ou identificados (148, em 1982, e 597, em 1986) e que quase quintuplicou o volume das drogas apreendidas (cerca de 1,2 t e de 5,7 t, respectivamente em 1982 e 1986).
E, falando da Policia Judiciária, departamento de relevante importância no âmbito do Ministério da Justiça, não é necessário recordar, por serem do conhecimento geral, os resultados em muitos casos espectaculares da sua actividade operacional de investigação.
Trata-se de uma instituição sensível às especulações mas em relação à qual posso afirmar, por conhecimento de causa, que tem alicerces que resistem com firmeza aos abalos provenientes dos profetas da desgraça ou dos apóstolos da instabilidade.
Voltando ao combate à droga, posso assegurar que as acções em curso, a par com outras medidas, garantem o propósito de avançar sem tibiezas ou delongas. Como exemplo pode-se anunciar a decisão de descongelamento de certas admissões, o que viabilizará o provimento de vários lugares dos quadros dos serviços de combate à droga.
Mas sem esquecer, nem aceitar que outros facilmente esqueçam, o que, a respeito do combate à droga, afirmou nesta Casa o Sr. Deputado Almeida Santos, então Ministro da Justiça:
Não se julga que esteja ao nosso alcance conseguir «rapidamente e em força» o que nenhum outro país até hoje conseguiu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vivemos num mundo em que, aos olhos de todos, se exibem as liberdades mais absolutas, nas expressões mais insólitas, a par das carências mais fundas e das opressões mais radicais.
Por razões várias, o mundo dos valores aparece profundamente abalado e esbatem-se as balizas ou os pontos de apoio vitais. Transferem-se as guerras para as estrelas e os falsos paraísos para a terra, por meios igualmente violentos e alienadores. A droga é um deles.
Ela aí está, a cada encruzilhada difícil, dormente promessa de apaziguamento ou Uberdade, miragem de uma mão entendida à dor que não se entende.
E é junto desse sofrimento que a vida terá de ser «assunção», no duplo sentido etimológico da palavra - .«assumir» e «elevar»- e exactamente por esta ordem.
Para que assim seja, e porque estamos vivos, devemos agigantar-nos na luta contra a «nova peste», na convicção de que a solidariedade dos homens se levanta a cada desafio e engendra, a cada ultraje, novas armas de vitória.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A estrutura dos registos e do notariado pode ser assimilada a uma locomotiva pesada que, no essencial, não foi alterada desde há cerca de quatro dezenas de anos.
Tal facto obrigou a efectuar um levantamento cuidado da situação, o que começou a ser feito através de um inquérito aos recursos humanos e financeiros levado a cabo no início de 1986.
Como resultado dessa recolha de dados foram encetadas diversas acções de correcção, preparatórias das medidas de fundo, cujo começo de concretização se espera para curto prazo.
Assim, foram aceleradas as acções de formação profissional, tendo sido já realizados nove encontros para conservadores do registo predial, e no domínio do funcionamento dos serviços foi possível introduzir sensíveis melhorias.
A iniciativa mais importante foi a instituição da inspecção-orientação dos serviços do registo e do notariado, medida muito mais preocupada com a melhoria funcional dos serviços do que com a fiscalização e repressão, e, tendo como objectivo o serviço a prestar às populações e obedecendo às palavras de ordem «Simplificar» e «Desburocratizar», objectivos inscritos no Programa do Governo, foram publicados, em áreas conexas com esta, diversos diplomas legais.
Quanto aos serviços centrais, de um orçamento que tornava impossível a própria sobrevivência, sem o recurso às constantes ajudas financeiras dos cofres (em 1985, 23 000 contos, e, em 1986, 31 000 contos), passou-se, em 1987, para 248 000 contos.
Em face da publicação dos Códigos das Sociedades Comerciais e do Registo Comercial, projectou-se toda uma nova estrutura orgânica para o registo de comércio, adaptada às novas condições de vida económica e capaz de responder aos desafios do futuro.
Está igualmente em preparação um projecto de reorganização dos serviços centrais.
Encontra-se, finalmente, em fase de estudo um projecto integrado de informação dos serviços, incluindo quatro subsistemas, que abrangirão, respectivamente, a informação relativa às pessoas (singulares e colectivas), à propriedade, a actos notariais e à gestão do pessoal e de recursos financeiros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está ainda em curso a revisão do registo nacional das pessoas colectivas, cujos serviços serão integrados na Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, assim se dando execução ao propósito enunciado no Programa do Governo.

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O trabalho desenvolvido em matéria de informática no Ministério da Justiça é significativo, digno de encómios e de todos conhecido. Abrange as áreas da identificação civil e dos registos, da investigação criminal e da gestão de reclusos, e da gestão financeira e dos recursos humanos. No ano passado desenvolveram-se os trabalhos preparatórios da primeira aplicação no âmbito da gestão judiciária e arrancou-se com o primeiro projecto de tratamento automático de documentação jurídica, com a informatização dos pareceres do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República.
Como é então possível dizer-se, como o fez o Sr. Deputado Almeida Santos, nesta Câmara, aquando do debate acerca do Orçamento e das Grandes Opções do Plano, que a informática avança «a passo de boi» do Ministério da Justiça?

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A passo de galinha!

O Orador: - Só a ignorância do muito que se está a fazer pode explicar tal afirmação, que, pela sua inexactidão, não posso deixar de repudiar vivamente.
Aproveitando a breve entrada em vigor do Código de Processo Penal, irá ser dada uma pujante projecção à informática judiciária, para o efeito se mobilizando estruturas e técnicos da Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, da Direcção-Geral dos Serviços de Informática e do Gabinete de Estudos e Planeamento e contando com a orientação do Conselho Superior da Magistratura e com a rede dos serviços dependentes do Ministério Público, que em breve disporão de meios reforçados de acção. Mas compreender-se-á que cabe ao Governo definir a forma e o timing do anúncio da implementação do referido projecto de informática judiciária.
E não se cometa a injustiça de afirmar que se está apenas a falar de projectos. O Ministério da Justiça já demonstrou a sua capacidade neste domínio, orgulhando-se do seu papel pioneiro na utilização das técnicas informáticas dentro da Administração Pública nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como diziam os latinos, dor mientibus non sucurrit jus - «a justiça não ajuda os que dormem».
Ao contrário de outros, nós não dormimos, nem permitiremos que adormeça o zelo com que é urgente defendê-la e restaurá-la. Por isso, estamos certos, ela nos assistirá.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, creio que o seu discurso e a atitude da bancada do PSD acabam de comprovar que o Ministério da Justiça -talvez desde Agosto, aliás, como de manhã sublinhei- é uma secretaria de Estado, sendo o seu discurso aquela música pela qual a bancada do PSD ansiou esta manhã em vão, que acaba de obter e de saudar com palmas. É uma relação fiduciária entre si e a bancada do PSD, é um assunto interno e sobre isso não me pronuncio.
Porém, não posso deixar de sublinhar que V. Ex.ª acabou de desempenhar aqui um papel -enfim, aquele por que optou (é consigo)- de acusador do PS, embora isso seja com o PS; ele se defenderá, se achar que isso merece resposta. Contudo, fê-lo num tom que não deixou de me surpreender. É que diria que V. Ex." chegou de uma galáxia, de avião ou de trotinete, há uns dias, quando desempenhou no Ministério da Justiça, durante anos a fio, a função de director-geral dos Serviços Judiciários, a qual cumulou, em parte e durante três anos, com o cargo de secretário-geral.
Onde é que V. Ex.ª estava quando todos estes horrores aconteciam? Estava, porventura, cumprindo esses horrores, tanto quanto percebi. No entanto, essa é uma questão de legitimidade e de coerência e cada qual assume aquela que quer ou que pode.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O segundo papel que assumiu aqui foi o de Secretário de Estado anestesista. Mas anestesista de todos nós, e aí devagar... É que V. Ex.ª teve ocasião de, num debate mais íntimo connosco - que, para bem de todos nós, está registado em acta -, declarar uma coisa que, na altura, considerei promissora e, aliás, bastante honesta: «Não se fazem omeletes sem ovos.» Dir-se-ia que isto era uma vulgaridade, mas não o é; em matéria de justiça, dizer isto exige bastante coragem.
«[...] A verba de 733 000 contos para as necessidades existentes no parque judiciário nacional é mínima [...]» - Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, 5 de Novembro de 1986, na 1." Comissão. E isto que disse, em relação a este como a outros aspectos -e isso está documentado em acta-, é verdadeiro. Com efeito, a verba é mínima e o parque está desfeito. Só que VV. Ex.ªs agarram no problema e lançam-no para quem? Para as autarquias locais, em relação ao parque judiciário.
A grande solução genial que V. Ex.ª subscreve e que aqui traz com um orgulho cavaquista, anunciando, do alto da tribuna, a leitura do PIDDAC, que é uma coisa que tem 300 programas, e, portanto, se eu ler dez, são dez, e se ler 300, são 300, e são todos eles grandiosas acções que vão desde 1000 contos até 14 000 contos, até 300 000 contos - é uma questão de ler, é como um rol de roupa; dá grande efeito para quem não conheça a realidade das finanças desgraçadas do Ministério... Portanto, como ia dizendo, aquilo que V. Ex.ª fez e inventou de genial foi lançar para as autarquias a responsabilidade das reparações. Isto é de truz, merece palmas, é um grande esforço, mas creio que é pouco e mau!
No entanto, noto a mudança de atitude: passou da atitude de humildade honesta e rigorosa, cifrada nos factos, para a arrogância desmedida e para o anúncio pomposo de verdadeiros estalinhos de carnaval, o que é o caso de algumas das coisas que leu.

Risos.

Agora, dadas as afirmações do Sr. Secretário de Estado, gostaria de lhe fazer algumas perguntas concretas.

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Primeira pergunta concreta: é ou não verdade que, em 1982, um estudo elaborado no Ministério apontava para a necessidade de mais 800 funcionários, medida a executar logo em 1983? Sabemos que não aconteceu nada disso. Em 1986, o Sr. Ministro da Justiça, finalmente, acedeu. V. Ex.ª não estava lá nessa altura e o Ministério não estava salvo! Mas a verdade é que o Sr. Ministro acedeu em 1986 e anunciou a criação imediata de 372 lugares.
Pergunto-lhe se algum desses lugares foi criado. Creio que V. Ex.ª poderá responder, honestamente, que não.
Segunda questão: o que é que está a acontecer com o movimento actual que abrange 700 funcionários e que vai ser datado de 30 de Janeiro de 1987? É um movimento tão artesanal e com tais flutuações e incorrecções que, neste momento, não está ainda completo, nem sequer há uma lista actualizada de antiguidades no Ministério da Justiça. O que é que os senhores estão a fazer em relação a isto? Acham que este é que é o sistema informático rapidex e spontanex que V. Ex.ª elogiou do alto da tribuna?
Finalmente, em relação ao concurso de estagiários do Porto, que foi anulado, como é que V. Ex.ª explica a famosa questão dos alunos com 20 valores, dos quais faltaram agora 40% às provas, em Lisboa, havendo, dos que compareceram, dois terços de «chumbos»? Quem é que vendeu os «pontos», o que é que o Ministro, o Secretário de Estado e o Ministério sabem sobre isto?
Finalmente, por que é que os tribunais não têm, nesta data de Fevereiro de 1987, os seus orçamentos aprovados e em vigor, estando a viver por duodécimos? E por que é que os tribunais não têm receitas próprias? Por exemplo, os tribunais de instrução criminal têm de pagar do seu bolso os «tustos» para enviar correio, sob pena do correio não ser enviado? É isto que V. Ex.ª entende como mais uma grandiosa realização do governo de Cavaco Silva e do Ministério em que trabalha?

Vozes do PSD: - Isso não é verdade! O Orador: - Isto é verdade! Prove-o!

Por fim, Sr. Secretário de Estado, é realmente sintomático que tenha sido V. Ex.ª a dizer uma só palavra sobre a Polícia Judiciária - uma palavra que faz tremer de horror, não sei porquê, algumas bocas. Essa palavra é, no entanto, inquietante.

Veio falar dos profetas da desgraça e dos semeadores da instabilidade. Portanto, gostaria de perguntar a V. Ex.ª - que, de resto, já lá foi director-adjunto - se não acha que aquilo que semeia a instabilidade é o facto de não serem clarificadas as situações e de pender sobre todos os funcionários, e não apenas sobre os responsáveis, a suspensão de rolarem processos, de aceitarem dinheiros, de aceitarem vídeos, de entrarem em sistemas de corrupção. Gostaria que me dissesse se não é isso que infama a corporação e que exigia da parte do Governo uma atitude mais frontal e, sobretudo, mais corajosa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de lhe perguntar ainda que medidas é que o Governo está a tomar, para além das declarações pomposas que V. Ex.ª aqui mais uma vez reproduziu.
No terreno em concreto, e quanto à Lei Orgânica da Polícia Judiciária, qual é a verdade - o Ministro não o disse - sobre este diploma? O que é que está a impedir que ela seja trazida à Assembleia da República?
Por último e já agora, Sr. Secretário de Estado, por que é que famosos casos, que são terríveis segredos em relação à Polícia Judiciária, como o caso Ferreira Torres, o caso do Padre Max, o caso dos navios que rebentaram em Viana do Castelo a dada altura de certo ano e outros, não são esclarecidos, desvendados e clarificados para prestígio da corporação e, naturalmente, do próprio Governo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, a sua intervenção foi muito mais colorida, em tons alegres e berrantes, do que a intervenção do Sr. Ministro da Justiça.
V. Ex.ª proeurou responder a algumas questões colocadas na parte da manhã e também tocou a questão dos tribunais do trabalho. Porém, não respondeu a questões muito concretas que lhe coloquei relativamente à degradação das instalações dos tribunais do trabalho - casos concretos -, não respondeu o que é que o Governo pensa fazer em relação à situação do Tribunal do Trabalho de Leiria, que se encontra numa situação de verdadeira ruptura, e não falou sobre o tempo de duração dos processos nos tribunais do trabalho.
Em relação à questão do movimento de processos, queria dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado, que tenho na minha mão estatísticas, já de 1986, de um determinado tribunal que tem quatro juízes, por onde se prova que, em matéria penal e apesar da amnistia, transitaram para o ano de 1987 muito mais processos do que os que ficaram do ano de 1985. Em matéria de justiça cível acontece a mesma coisa - esses dados são reais.
Sobre a questão do parque judiciário - que parece que está uma maravilha - queria ainda colocar-lhe questões concretas como esta: o que pensa o Governo fazer em relação, por exemplo, a tribunais que estão numa catástrofe, como o Tribunal do Seixal, como o Tribunal de Setúbal, em que já caiu o tecto? No entanto, o Governo inscreveu no PIDDAC para este ano 340 contos para o novo Tribunal Judicial de Setúbal - para que é que dão 340 contos?! No segundo ano inscreveu 500 contos - para que é que dá isto, para que palácio de justiça dá isto?!
De facto, Sr. Secretário de Estado, a degradação do parque judiciário é bem evidente. E queria terminar por lhe dizer que se é verdade que a justiça não ajuda os que dormem, os que dormem também não ajudam a justiça, e o Governo, nesta matéria, dorme.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Coutinho.

O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Prescindo, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, igualmente para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dado que o meu grupo parlamentar não tem tempo disponível para fazer perguntas ao Sr. Secretário de Estado, uso da palavra apenas para registar o seguinte: da parte da manhã o Sr. Ministro da Justiça deixou-nos o vazio, deixou-nos a expectativa para a intervenção do Sr. Secretário de Estado. Porém, a intervenção do Sr. Secretário de Estado é um conjunto de medidas avulsas já anunciadas antes do Orçamento para 1987. Não houve nenhuma política inovadora, nenhuma visão estratégica dos problemas essenciais do combate à droga, da reinserção social e da administração prisional.
Foi, portanto, uma verdadeira desilusão a intervenção política do Sr. Secretário de Estado e, como não tenho perguntas a fazer, aqui deixo isto para que fique e para que conste.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Lacão ao poder, já!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Também vou falar telegraficamente, pois é óbvio que também não disponho de tempo. Porém, o Sr. Secretário de Estado citou-me tantas vezes que não queria deixar de lhe agradecer essa amabilidade e queria pedir-lhe que, de futuro e se puder, sobre problemas actuais, cite as minhas opiniões actuais e não as de há dez anos.
Por outro lado, queria dizer-lhe que entre o discurso do Sr. Ministro e o seu próprio há um desfasamento tão impressionante que não sei o que hei-de pensar. Com efeito, o do Sr. Ministro foi absolutamente vago, uma nuvem que não dá chuva, o seu foi a chuva que cai gota a gota, mas que não resolve qualquer problema. Trata-se de um discurso miudinho, casuístico, certo, obviamente - fez um belo elenco de pequenas medidas ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O PIDDAC!

O Orador: - ... -, mas nem um nem outro (um por ser demasiado vago e outro por ser excessivamente casuístico) nos puderam tranquilizar quanto à existência de uma política coerente no Ministério da Justiça.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Este é um ministério de ruptura, e foram-no reconhecendo; desde logo a orgânica, desde logo a ruptura financeira - não o puderam ocultar -, a ruptura penitenciária, a ruptura judicial, a ruptura tutelar de menores e a ruptura da droga, porque parece que só agora, ao fim de dez anos, é que se vão tomar medidas.
O Sr. Secretário de Estado foi brilhantíssimo em enunciar as medidas que vão tomar, mas não disse que o seu partido está há sete anos à frente do Ministério da Justiça e que há sete anos que ou não fazem nada ou fazem essas coisas miúdas que são exactamente a negação de uma política global ...desculpe-me ser tão rápido a dizer o que penso sobre o seu discurso. Apesar de tudo tenho que felicitá-lo, porque creio que fez um belo esforço no sentido de minimizar os aspectos negativos de um ministério em ruptura e sem política.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça. Embora já não disponha de tempo para o fazer, a Mesa concede-lhe três minutos.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Queria começar por dizer, relativamente às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado José Magalhães, que me parece que lhe custou a ouvir a enunciação dos casos concretos de obra feita em matéria de parque judiciário. Só assim consigo interpretar as suas palavras nessa matéria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu já tinha lido o PIDDAC!

O Orador: - Em relação aos oficiais de justiça, a simples apreciação do mapa da sua evolução quantitativa permite demonstrar os esforços que os governos da responsabilidade do PSD fizeram nesta matéria.
Em 1979 havia 4100 oficiais de justiça, em 1980 passaram para 4684, em 1983 para 5053, em 1984 para 5316 e em 1986 atingiu-se o número de 5889, ou seja, no ano passado ingressaram cerca de 600 oficiais de justiça.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E o volume de serviço quanto é que ingressou?

O Orador: - Relativamente ao problema do concurso anulado, penso que quando há algo que não corre bem, quando há suspeitas sobre a correcção, sobre a fïdedignidade de uma determinada prova, nesse caso só há que fazer o que fez o Ministério da Justiça: anulá-la e mandá-la repetir.
No que se refere à Polícia Judiciária e relativamente à respectiva lei orgânica, sabe o Sr. Deputado que estão em curso os trabalhos preparatórios.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E onde é que está o director-geral?

O Orador: - E quanto aos problemas ocorridos no âmbito da Polícia Judiciária, também sabe o Sr. Deputado que, infelizmente, sempre houve e sempre há-de haver casos lamentáveis como este numa instituição tão difícil como é a Polícia Judiciária.
Relativamente ao que me perguntou a Sr.ª Deputada Odete Santos, quero começar por dizer que nunca afirmei que o parque judiciário era uma maravilha. Com efeito, enumerei um elenco de realizações, acentuando que havia dificiências às quais era importante obviar. Agora, é um facto, e ninguém mo pode desmentir, que foram realizados aqueles empreendimentos que enunciei. É evidente que há instalações degradadas. Só que houve também obra feita e muito está a ser feito ainda.
É verdade também que não se fazem omeletes sem ovos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - As autarquias é que as estão a fazer!

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O Orador: - Simplesmente, se é exacto que a verba que foi indicada, de cerca de 700 000 contos, era insuficiente para acudir a todas as necessidades, também é verdade que o Governo está consciente do esforço que tem de realizar neste domínio. E podem os Srs. Deputados estar certos de que tudo será feito no sentido de acudir às necessidades mais prementes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pelas autarquias, segundo a vossa óptica!

O Orador: - Relativamente ainda às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Magalhães, quero salientar que a minha nomeação se ficou a dever exclusivamente a proposta do Sr. Ministro da Justiça, que muito me honrou com a sua escolha. Com efeito, magistrado como sou, não estava de forma nenhuma à espera de ser proposto por ele para este lugar.
De resto, e voltando a uma referência que há pouco fez, essa minha nomeação foi anterior aos incidentes ocorridos em Pinheiro da Cruz e considero totalmente deslocada a referência feita à minha passagem pelo Ministério, na qualidade de director-geral dos Serviços Judiciários, por razões que todos entenderão.
No que se refere às observações do Sr. Deputado Jorge Lacão, entende que elas constituem um cumprimento.
De facto, tratou-se de um enunciado de medidas, houve a preocupação de referir iniciativas tomadas. Contudo, penso que a resposta à sua intervenção foi dada pelas palavras que o Sr. Deputado Almeida Santos teve a amabilidade de pronunciar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos de Vasconcelos.

O Sr. José Carlos de Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A vastidão do tema que hoje nos ocupa, a limitação do tempo e o facto de outros partidos, a começar naturalmente pelo interpelante, decerto trazerem a este debate um amplo material de dados, números, estatísticas, levam-nos a que esta nossa intervenção inicial pretenda, fundamentalmente, dar uma síntese de alguns aspectos mais críticos da situação da justiça em Portugal, sobre eles interpelando o Governo.
Assim, e desde logo, podemos dizer que a justiça em Portugal sofre, em vários domínios, de graves deficiências e vícios estruturais, que pouco se tem feito para corrigir - e não só este governo, como aqueles que o precederam.
Muito brevemente, e penso que sem sermos pessimistas, mas apenas realistas, é lícito afirmar que: a justiça em Portugal não é, de facto igual para todos, é cara, é lenta - e é, por isso, muitas vezes, injusta; há tribunais inadmissivelmente degradados, faltam instalações e meios, em alguns casos mesmo humanos; nas prisões, em estado, pelo menos, de pré-ruptura, a recente onda de suicídios veio chamar dramaticamente a atenção para uma situação que não pode continuar; a reinserção social, o combate à droga e a recuperação de toxicómanos exigem um esforço e um desenvolvimento que não se compadecem nem se coadunam com as verbas que lhes têm sido afectadas; a Polícia Judiciária necessita de se organizar em novos moldes para dar resposta às necessidades do adequado combate ao crime, enquanto recentes casos de alegada corrupção vieram confirmar rumores que desde há muito circulavam, sem que houvesse notícias das indispensáveis investigações; o nosso Código de Processo Penal pressupõe, para a sua aplicação, a existência de condições e meios que não se verificam ainda nem parece estarem a ser devidamente preparados, para que ele possa entrar eficazmente em vigor na data prevista; a revisão do Código de Processo Civil continua por. concluir, como se impõe até para a sua simplificação e maior eficiência dos tribunais, enquanto desde 1979 se sucederam os diplomas avulsos - sete diplomas, sete - que nada ou pouco resolveram; etc., etc.
Mas comecemos por uma questão essencial e de que entre nós tão pouco e tão deficientemente se tem cuidado: a questão do acesso ao direito. E quando dizemos que tão pouco e tão deficientemente tem sido cuidada esta questão essencial, uma vez mais não nos estamos a referir apenas - ou neste particular até sobretudo - ao actual Ministro da Justiça, que com ela se tem preocupado e que naturalmente, inclusive pela sua experiência de advogado e bastonário da Ordem, está consciente da sua importância e gravidade.
Assim, no Orçamento do Estado de 1986, pela primeira vez foi prevista uma verba para o acesso ao direito, mas no montante ridículo de 12 500 contos, que no Orçamento do Estado de 1987 subiu para 90 000 contos, a dividir por três parcelas de 30 000 contos destinadas a acções de apoio judiciário em matéria civil e criminal, a consulta jurídica e a acções de promoção de informação jurídica. Entretanto, através do Despacho n. º 61/86, viria a ser nomeada uma comissão para «efectuar o levantamento e a concretização das diversas vertentes de uma política de acesso ao direito», e já em Janeiro do ano corrente abriu em Lisboa o primeiro gabinete de consulta jurídica gratuita, na base de uma acordo celebrado com a Ordem dos Advogados, que aliás repetidamente chamou a atenção para o problema, no II Congresso, e que está a fazer um esforço para preencher os objectivos que justificaram aquela criação.
É já alguma coisa, mas só na medida em que for o princípio de muito mais, pois o que há a fazer, o que se tem de fazer, é imenso, desde logo para dar cumprimento ao artigo 20.º da Constituição da República, que bem se poderá considerar - neste e noutros aspectos - estar a ser violada por omissão. Aliás, esta rica e complexa temática é uma daquelas que se relaciona com as reformas estruturais e com a sociologia da administração da justiça, ramo científico entre nós pouco cultivado, com raras excepções, entre as quais será de destacar a do Prof. Boaventura Sousa Santos, que no último número da Revista Crítica de Ciências Sociais, que dirige, sublinha com justeza:
O tema do acesso à justiça é aquele que mais directamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdade sócio-económica.
E lembra o autor experiências de diversos países ocidentais, desde os centros de consulta jurídica organizados pelos sindicatos alemães até à advocacia convencionada, na Inglaterra, e aos escritórios de advocacia em Nova Yorque, pagos pelos Estados, situados nós bairros «mais pobres da cidade e seguindo uma estratégia advocatícia orientada para os problemas jurídicos dos pobres enquanto problemas de classe».

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Por sua vez, o Conselho da Europa desde há muitos anos tem emitido recomendações e resoluções de evidente interesse e pertinência sobre a matéria, sendo de destacar a do Comité de Ministros de 2 de Março de 1978, aceite por Portugal.
Enquanto isto, uma dúzia de anos após o 25 de Abril, o nosso país queda-se por uma ultrapassada e caduca legislação sobre assistência judiciária e pelas nomeações oficiosas de advogados, obrigados a, na prática gratuitamente, dar uma «aparência» de igualdade entre as partes e os cidadãos, quando de facto há uma profunda, uma profundíssima mesmo, desigualdade entre eles. Desigualdade ainda acentuada pelos elevados custos da justiça e pela sua morosidade, que é também uma forma do seu encarecimento e de pôr ainda em pior situação os economicamente mais fracos.
É sabido que são os obstáculos e as desigualdades económicas, sociais e culturais que tornam os cidadãos de facto desiguais perante a lei e a justiça. Entre nós, mesmo após o 25 de Abril, estes obstáculos e desigualdades mantiveram-se no essencial - e, no curto período em que se disse combater tal iníqua situação através de uma justiça chamada «popular», foi infelizmente ainda a inadmissíveis injustiças, abusos e iniquidades que se assistiu.
Ou seja: o acesso ao direito não melhorou sensivelmente com a revolução libertadora, e em todos os sectores da justiça, no seu conjunto, não se conheceram mudanças estruturais profundas, como se impunha.
Ora, todos devem ter acesso, em pé de igualdade, à justiça como devem ter à saúde.
Assim, urge criar qualquer coisa como um serviço nacional de justiça que dê resposta às necessidades no sector e dê cumprimento aos preceitos constitucionais a esta matéria atinentes; ou, se quiser, um sistema nacional de acesso ao direito, como propõe o Partido Comunista no seu projecto de lei n.º 342/IV, projecto que, a vários títulos, constitui uma iniciativa legislativa louvável e de assinalável interesse, que se espera mereça de todos os responsáveis a devida atenção, e em cujo excelente e bem fundamentado preâmbulo se acentua com justeza:
O Estado de direito democrático estará por realizar [completamente acrescento eu], enquanto existirem direitos definidos na lei sem que a maior parte dos cidadãos possa exercê-los ou ter sequer consciência deles.
Neste sector importa, pois, que o Governo diga, claramente, o que pretende fazer para lá dos primeiros passos agora dados. Que propostas e que medidas tem em estudo ou em preparação? Como pensa combater a efectiva diferença dos cidadãos perante a lei e a justiça, fazendo com que a igualdade jurídico-formal não seja destruída pela desigualdade sócio-económica e cultural? Que juízo faz do projecto de lei do PCP? E pretende apresentar neste Parlamento alguma proposta de lei sobre a matéria?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, ultrapassada esta questão prévia essencial são ainda imensos e muito graves os problemas - as mais das vezes acumulados, repito, em virtude de vícios estruturais e da falta de acção e de resposta de sucessivos governos. De facto, a justiça, como a cultura, nunca parece ter constituído prioridade para nenhum governo, decerto porque não dá dividendos eleitorais pelo menos tão imediatos como os que podem resultar da acção noutros domínios.
Assim, chegou-se a uma acentuada degradação nos tribunais, sendo dezenas e dezenas, talvez não exagerado, mas podem calcular-se em cerca de 100 aqueles que têm já hoje instalações inadmissíveis, inadequadas, pelo menos insuficientes ou a necessitar de reparações.
Da Guarda à Ponta do Sol, de Setúbal a Vila Praia da Vitória, de Albufeira a Povoação, de Melgaço ao Seixal, de Vila Flor ou Vila Nova de Foz Côa a Almeida, é um extenso rol de mazelas e carências. Haverá mesmo edifícios a ameaçar ruína ou que levaram o juiz a fazer julgamentos nos bombeiros.
No que respeita às «casas de função» dos magistrados, a situação não é melhor - e todos se queixam que não têm cessado de piorar, havendo até quem, com especiais responsabilidades na magistratura, advogue que a criação e manutenção das casas dos magistrados passe para as autarquias respectivas (o que, obviamente, pressuporia, no entanto, lhe fossem dados meios para tanto).
Deste modo, é possível também ouvir histórias de juízes que têm de viver em casas a que faltam portas ou janelas ou em que chove copiosamente - e um deles até terá ameaçado ir viver para a cadeia! -, ou que têm gabinetes como aquele (e aqui bem perto, nos JICs de Cascais) que, estando a trabalhar, lhe caiu em cima o tecto, ainda por cima, com ratos!

Risos.

Pergunta-se, pois, como foi possível chegar a esta situação? O que fizeram sucessivos governos para a remediar - ou impedir? E o que vai fazer, em concreto, este governo? Como foi possível que, face a este panorama, a execução do PIDDAC tivesse sido, em 1986, insignificante, como foi? A verba de 542 000 contos previstos agora para «obras de construção e aquisição de instalações para tribunais» vai ser aplicada devidamente e em ordem a remediar as piores situações no mais curto prazo de tempo possível?
Vai-se privilegiar ainda a política de grandes construções - naturalmente demoradas e muito dispendiosas - ou tentar-se-á arranjar por compra ou aluguer outros edifícios (como aliás tem já acontecido em várias comarcas, inclusive nos arredores de Lisboa), ou mesmo nos casos mais graves e urgentes, se necessário, encontrar outras soluções expeditas? Eis algumas das muitas perguntas que se poderiam pôr e que precisam de resposta.
Como de resposta precisam, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, outras questões relacionadas ainda com os juízes, os tribunais e seu funcionamento deficiente. Também como pode ser ele melhor em comarcas onde um juiz chega a ter 10 000 ou 11 000 processos pendentes?
E isto, por mais incrível que pareça, não é uma ficção: é (a estarem certos os números de que dispomos) uma «realidade», também aqui bem perto de Lisboa, em Almada. E em outras comarcas dos arredores, como Sintra ou Vila Franca, a situação é semelhante e atingiu mesmo, há alguns anos, um «extremo» e um dramatismo que só pode ser avaliado por quem o sofreu na pele - designadamente as partes e os advogados.
Que se vai fazer para que tal deixe de suceder e não sejam mais possíveis exemplos como os que referi, designadamente, ainda agora, o da Comarca de Almada?

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E mesmo nos juízos cíveis de Lisboa - que não é, longe disso, das comarcas onde a situação se encontra pior - o número de 1500/2000 processos pendentes por juiz não será já excessivo? (Recorde-se que, de acordo com as estatísticas da justiça de 1985, o número médio de processos pendentes e entrados, por magistrado, foi de 1345, contra 749 em 1974 e 1492 em 1982.) E como se justifica que ao mesmo tempo existam comarcas que têm poucas dezenas de processos por ano (uma delas terá até somente quinze)? Não será indispensável uma reformulação também a este nível da nossa organização judiciária - se houver colagem política para tanto - que, como há tempos sublinhava o conselheiro Rodrigues Bastos, «ainda é regida por legislação do século XIX, no seu essencial», o que, obviamente, nos reconduz à, desde há anos, esperada lei orgânica dos tribunais - cuja urgência é mais que evidente. É certo que a semana passada o Governo pediu prioridade para aquele diploma, mas não é menos verdade que nessa altura ainda nem sequer tinha chegado à Assembleia da República a respectiva proposta, o que só depois aconteceu. Seja como for, não se pode esquecer que, após o PRD ter anunciado a interpelação ao Governo em matéria de defesa, este anunciou o envio para a Assembleia da Lei Orgânica do respectivo Ministério, mas ela ainda cá não chegou; agora, aconteceu algo de semelhante com a lei orgânica dos tribunais, só que esta já chegou.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma barraca!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, com esta temática se prende, ou melhor: a ela se encontra indissociavelmente ligada, a da celeridade e da própria eficiência dos tribunais, a que já de passagem me referi. Que a justiça portuguesa, por força de vários factores, é lenta e morosa, é uma realidade sabida e, pior, sofrida por muitos.
Quem tem experiência do foro já viveu ou pelo menos conhecem numerosos casos impressionantes - e que até, se levados às competentes instâncias internacionais, conduziriam inevitavelmente à condenação do nosso país. Casos que, em certas circunstâncias, acabam por equivaler, em última análise, a uma verdadeira denegação de justiça. Há processos e processos - cíveis, penais, administrativos ou laborais - que se arrastam por longos anos, com todos os prejuízos e consequências daí decorrentes. É uma situação muito grave que se mantém, não obstante, em termos estatísticos, no ano de 1985, o número de processos findos (814 199) ter aumentado em maior proporção, relativamente ao ano anterior (em que tal número foi de 770 925), do que o número total de processos pendentes e entrados: 1 856 192 em 1985, contra 1 942 623 em 1986.
Ainda segundo as estatísticas da justiça de 1985, a média de duração das acções cíveis é da ordem dos 20 meses nas acções de despejo, dos 21 meses nas acções de divórcio litigioso e dos 26 meses nas acções de reconhecimento do direito de propriedade e de indemnização a responsabilidade civil. Porém, a experiência de todos aqueles que conhecem os tribunais diz que, por exemplo, quanto a estes últimos, os de maior valor emergentes de acidentes de viação - que, em geral, configuram as situações mais dramáticas em que os AA. se encontram em verdadeiro «estado de necessidade» - demoram, em média uns quatro anos ou mais, o que faz com que os sinistrados ou as famílias das vítimas as mais das vezes só acabem por ser indemnizados meia dúzia de anos após os respectivos acidentes.
Isto para não falar de casos excepcionais, que, se calhar, todos os advogados aqui presentes, como eu, têm e que demoram mais de dez e mesmo quinze anos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ë um escândalo!

O Orador: - E situações semelhantes, ou ainda piores, se verificam nos tribunais de trabalho, não obstante uma relativa melhoria que decorre da substancial diminuição de processos entrados (66 811 em 1977, contra 47 268 em 1985). Mas esta diminuição de processos entrados nos tribunais de trabalho não significará também que as partes, sobretudo os trabalhadores, procuram não recorrer a estes tribunais exactamente porque sabem o que isso pode significar para eles?
Quanto aos processos-crimes, também a situação não é melhor, e já na fase de julgamento a duração média de um vulgaríssimo processo por ofensas corporais é de um ano, por furto é de dezassete meses, por atentado ao pudor de 22 meses e por homicídio de três anos. Se agora se acrescentar a isto todo o, muitas vezes, longo período de instrução do processo, logo se calcula onde se vai parar, sobretudo se forem necessárias certas perícias médico-legais!
Enfim, e para não me alongar mais, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (que tem cerca de 3500 processos pendentes) o tempo médio de decisão dos recursos é de quatro anos. Das três subsecções que podia ter, só duas estão a funcionar, ainda faltam dois juízes para o quadro estar completo e depois de ter saído a sua lei orgânica, a 27 de Abril de 1984, só em Março de 1986 foram preenchidas nove outras vagas.
Pergunta-se: como é possível todo este quadro sombrio? O que se está a fazer para o corrigir, para lá da acção, que entendemos positiva, do Centro de Estudos Judiciários na formação dos novos magistrados? Quando pensa o Governo que se verificarão melhorias sensíveis em tal quadro?
E, mais concretamente, no que concerne aos processos cíveis: o que se passa com a revisão do Código de Processo Civil, domínio em que, desde 1979, já saíram sete diplomas avulsos, as mais das vezes com alterações que pouco ou nada acrescentavam, mesmo quando prometeram muito - como é o caso das modificações relativas aos articulados, à especificação e ao questionário -, enquanto se continuam a aguardar mudanças mais profundas que, de facto, tornem mais simples, claro e eficaz o processo e, em consequência, a justiça. Qual, repito, o estado dos trabalhos da revisão do Código?
Mas, falando de direito adjectivo, obviamente se reveste de particular acuidade a recente publicação do Código de Processo Penal, diploma de grande importância e propondo algumas soluções inovatórias.
O que quer que delas se pense, uma coisa é indiscutível e reúne consenso unânime: a sua eficaz entrada em vigor pressupõe e exige uma série de condições - de meios materiais, técnicos e humanos -, sem a verificação das quais se assistirá ao mesmo fracasso, à mesma derrocada que ocorreu com os TICs.
Ora, que saibamos, o Governo ainda quase não pregou um prego para fazer o que há a fazer - e tanto é -, excepto, porventura, quanto à formação de

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magistrados do Ministério Público no CE J. Mas serão suficientes para o que o novo CPP exige? E estarão em condições de exercer as suas funções quando o Código entrar em vigor? E no que respeita aos também indispensáveis funcionários de justiça? E quanto às instalações para as novas diligências e actos processuais agora previstos, designadamente os debates instrutórios?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não existem!

O Orador: - E a indispensável ampliação de capacidade dos tribunais da relação, etc., etc.?
De pôr ainda, naturalmente, aqueles que se prendem com a indispensável legislação complementar. Assim, e supondo-se que está praticamente concluída a lei sobre o júri, quid júris quanto à Lei Orgânica da Polícia Judiciária? E quanto à lei de cobertura médico-legal do País, sabido que é ser este outro aspecto fundamental e responsável por enormes atrasos nos processos, verdadeiro cancro, em especial no concernente aos casos do foro da psiquiatria?
E já agora, ainda em matéria penal, porque ainda não saíram os diplomas regulamentares da Lei Orgânica do Ministério Público, de Julho de 1986, e que deviam ter sido publicados no prazo de 90 dias?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - E como se explica a actual «desactivação» dos institutos de criminologia? Para quando a concretização de um grande Instituto de Política Criminal?
Para quando, também, a criação de uma instituição de controle e eficiência da legislação, que teste os resultados práticos das leis que se fazem, que podem ser, em teoria, muito «bonitas», mas depois falharem rotundamente na sua aplicação? Em que outro país da Europa não existe um organismo que tenha tal objectivo, para tanto promovendo os necessários estudos sociológicos, estatísticos, etc.? E não deveria ser esse - e não o de assessoria jurídica - o escopo do Gabinete de Apoio Técnico à Legislação?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É verdade!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, outro domínio que merece particular atenção, que o meu tempo já não permite dar-lhe nesta intervenção, é o da Polícia Judiciária, que no Orçamento de Estado de 1987 é contemplada com um muito substancial aumento de dotação, que atinge 1 210 000 contos, dos quais 504 000 contos se destinam à «optimização das telecomunicações», 396 000 contos à «reinstalação de serviços», 100 000 contos à «reconversão da frota automóvel» e 600 000 contos à «informatização».
Espera-se, como já se disse, a sua lei orgânica, que é urgente; espera-se que dê resposta adequada aos combates mais instantes que se devem prosseguir contra a grande criminalidade, entre esta incluindo a que se prende com a droga.
Espera-se que casos de alegada corrupção, como aqueles que agora estão a ser investigados, não sejam mais possíveis e não se deixe chegar até onde terão chegado (pois os rumores, e se calhar não só, relacionados com funcionários acusados de ligação a ela já vêm muito de trás e alguns deles já tiveram outros processos, que não impediram sequer as suas promoções...), como se espera que as investigações sejam levadas até às últimas consequências, quaisquer que elas sejam. Será assim?
Como vai ser a lei orgânica da P J? Será possível que a PJ continue, com a sua actual estrutura, a dedicar--se à «investigação», que as mais das vezes nem o chega a ser e nem precisa de o ser, da pequena criminalidade, que representa cerca de 50% do volume do seu trabalho, sendo 21 % dos processos referentes a cheques sem cobertura? A quem se vai cometer a instrução da pequena criminalidade? Pretende-se uma solução conforme o modelo alemão, o inglês, ou qualquer outro? O que se vai fazer para lhe dar mais operacionalidade e eficiência e para que os casos de graves homicídios, com hipotéticas incidências políticas, que envolveram figuras conhecidas e sobre as quais circularam abundantes rumores - o do padre Max, de Ferreira Torres e de Cabanelas -, fiquem por esclarecer, como continuam?

Vozes do PRD e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eis, ainda, só algumas das muitas perguntas que se podiam colocar neste capítulo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, em matéria de justiça, revestem-se ainda de especial importância - e mesmo de especial dramatismo neste momento - as gravíssimas condições prisionais, que os recentes sete suicídios puseram tragicamente em fogo, como de particular acuidade é também toda a problemática da profilaxia e do combate à droga, da reinserção social e dos menores - aspectos que constituirão objecto de intervenções autónomas de outros meus companheiros de bancada.
Queria versar, ainda que brevemente, um último aspecto, que se prende com os registos e o notariado.
Primeiro, sob o ângulo de interesse dos utentes, os cidadãos continuam a sofrer atrasos e bichas intermináveis naqueles serviços, sobretudo nos notários (tantos deles pessimamente instalados), por força de uma burocracia e de velhas práticas a que urge pôr cobro. Quando é que isso acontecerá?
Segundo, sob o ângulo dos notários, que desde há uma dúzia de anos, e mais insistentemente desde o seu congresso realizado em Outubro de 1982, têm reclamado a correcção dos desvios actualmente existentes no sistema jurídico português ao tradicional princípio do notariado latino e que têm solicitado a criação de uma comissão de reforma e estudo do notariado, reforma que, aliás, o Governo previu nas GOPs de 1986. Qual é a situação, o que é que o Governo está a fazer ou vai fazer neste domínio?
Enfim, e avulsamente, três últimas perguntas: pensa o Governo dotar a Ordem dos Advogados com a autonomia financeira reclamada no II Congresso dos Advogados pelas razões constantes das suas conclusões? Pensa dar algum contributo para a promoção dos estagiários da advocacia (actualmente 800 só em Lisboa)? Enfim, quando começam a funcionar os tribunais marítimos?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A situação no sector da justiça é particularmente delicada e grave. Esperamos que esta interpelação chame a atenção para ela e para a necessidade de este governo agir com rigor, determinação e competência.

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Aconteça o que acontecer, e para terminar, depois de tantas mazelas e carências, citando um grande poeta, «a busca da justiça continua».

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, o Sr. Secretário de Estado, referindo-se à Polícia Judiciária, optou por aludir a profetas da desgraça e outras criaturas - que, aliás, não identificou.

Risos.

... em vez de fornecer elementos à Câmara sobre a situação que ela vive.
Que medidas pensa o PRD deveriam ser adoptadas, com urgência, no sentido da defesa da credibilidade, do reforço da eficácia e da dignificação daquela Polícia?
O Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária não se encontra nas galerias, mas, ainda .assim, importa que ouçamos a resposta que tiver para nos dar.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, depois deste debate creio que todos nós ficámos cientes de uma questão urgente: o decreto preambular que aprovou o Código de Processo Penal, por um erro grave dos seus autores - não sabemos quem foram, mas foi o Ministro, como ele próprio confessou há bocado -, tem de ser imediatamente corrigido, sob pena de colapso dos tribunais de polícia.
Gostava de lhe perguntar, Sr. Deputado, se o PRD está disponível para conceder a máxima urgência ao processo legislativo que aqui se desencadeie, nesta Assembleia da República, para evitar essa situação lamentavelmente criada pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Quanto à segunda pergunta, quero dizer que o PRD está sempre disponível para estudar tudo o que seja necessário, designadamente em termos de urgência, para colmatar lacunas existentes em legislação ou para tomar iniciativas legislativas positivas, como aquela do PCP que eu referi, em matéria de acesso ao direito, e que urge tomar.
Quanto à primeira pergunta, feita pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, devo dizer que, obviamente, pensamos que isso se deve fazer e, inclusivamente, já o dissemos na Comissão, pelo menos uma vez e por meu intermédio, na presença do Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária.
Não vou aqui repetir o que disse nessa altura - e disso peço desculpa -, pela simples razão de que não tenho tempo, pois falei talvez durante mais tempo do que estava previsto e ainda vão usar da palavra outros companheiros de bancada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estamos todos sem tempo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper agora os nossos trabalhos, que recomeçarão às 21 horas e 30 minutos.

Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 10 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro .da Justiça, Srs. Deputados: Recentemente tive o ensejo, nesta Câmara, de referenciar a situação dos jovens que procuraram no suicídio a saída para uma vida certamente que em grande medida cheia de dificuldades, incompreensões e desinserção social.
Evoquei essa situação já não tanto pelo drama - que por si fala - mas pela preocupação do aumento de criminalidade, delinquência juvenil e toxicomania.
De facto, utilizando-se diversos indicadores» constatar-se que na última década se verificou um agravamento considerável de criminalidade, que a natureza dos crimes efectuados tem vindo a acentuar-se nos crimes contra a propriedade e que se agrava a dimensão juvenil de criminalidade.
Na sequência, ainda, a população prisional tem aumentado e consequentemente o índice recluso/guarda, o que contribui para a criação de um ambiente de mal-estar nos estabelecimentos prisionais, já de si de exíguas dimensões e deficientemente equipados.
Acresce ainda que as características da população reclusa se terá modificado, o que implica desde logo, pelo menos, a necessidade uma nova forma de acompanhamento por técnicos profissionalmente qualificados para tal efeito.
Não nos vamos deter agora nem na análise das causas que estarão na base e na razão dos desvios comportamentais que levam aos caminhos da delinquência, da marginalidade e da toxicomania nem na análise da situação escandalosa das prisões, que, devido a tal situação, se transformam em verdadeiras escolas do crime.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interpelamos o Governo, nesta área da justiça, sobre as razões por que, entre outras, não foram implementadas as medidas necessárias para fazer face ao problema da delinquência juvenil e especialmente à sua prevenção.
Qual a política do Ministério da Justiça sobre estas duas questões?
O próprio. Programa do Executivo propunha, «a nível orgânico dos serviços, a necessidade de uma política de criação e recomposição de equipamentos funcionais e infra-estruturais e uma adequada, formação profissional dos funcionários para os valorizar, estimular, e capacitar».
Noutro passo, o mesmo Programa referia «a necessidade de redimensionamento do Instituto de Reinserção Social, para o colocar mais aptamente ao serviço de uma política integrada de ressocialização e para simplificar a sua estrutura e natureza orgânica». Neste contexto mencionava-se também a reactivação dós «institutos de criminologia».

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Finalmente e mais adiante eram referidos os serviços prisionais e os serviços tutelares de menores como merecedores de especial preocupação: às novas realidades sociais teriam de corresponder novos meios de resposta - dizia-se.
Pois bem, Sr. Ministro: que se passou de tal maneira importante que impedisse o cumprimento das promessas efectuadas?
Onde estão os novos meios de resposta às novas realidades sociais?
Aliás, há pouco, o Sr. Secretário de Estado Adjunto fez um esforço grande para tentar recompor o descomposto, mas, além da manifestação de boas intenções sobre diversas iniciativas a tomar ou em curso (em curso até quando?), acabou por não dar resposta a diversas questões relativas aos serviços prisionais, nomeadamente no que respeita ao tratamento dos toxicómanos reclusos; no que respeita à área de inserção social não se referiu à entrada de técnicos em número suficiente; no que se refere ao combate à droga não falou sequer na criação de um núcleo regional de profilaxia contra a mesma.
No âmbito do Departamento dos Serviços Tutelares de Menores, há um conjunto de questões concretas que aqui quero deixar e em relação às quais espero respostas concretas e que é o seguinte: qual a razão por que a Divisão de Animação dos Tempos Livres nunca foi activada? qual a razão porque a Divisão de Orientação Pedagógica se encontra - já há vários meses - sem responsável?
Os serviços externos desta estrutura são constituídos pelos estabelecimentos tutelares de menores.
Qual a razão por que os centros de acolhimento especializados nunca foram criados?
Os estabelecimentos tutelares de menores dispõem de uma capacidade estimada em cerca de 1000 lugares. Porque são manifestamente insuficientes, o que se propõe o Ministério fazer para corresponder às necessidades?
Dados conhecidos, aliás, demonstram a falta de recursos dos serviços, o que propicia o subaproveitamento das instalações existentes sem permitir a abertura de novas (algumas, parece, já concluídas).
Dado o aumento referido de delinquência juvenil e dado que na impossibilidade de aplicação de outras medidas previstas no Decreto-Lei n.º 401/82, devido à falta de estruturas, a medida tutelar mais frequentemente aplicada (depois da admoestação e entrega aos pais) continua a ser a de internamento, o que provoca o aumento constante da lista de menores à espera de vaga - cerca de 200, actualmente -, pergunto o que pensa o Ministério da Justiça fazer perante a situação?
Torna-se imperiosa uma maior flexibilidade e inovação dos métodos de tratamento dos jovens inadaptados. Tem-se feito alguma coisa nesse sentido?
Mais: tem-se desenvolvimento o tratamento em meio aberto ou acompanhamento educativo? Tem-se propiciado o reforço de quadros técnicos sociais?
Há vários lares de semi-internamento fechados por falta de pessoal ou equipamentos.
Por quanto tempo mais se manterá a situação?
Os estabelecimentos tutelares de menores encontram-se com graves problemas em matéria de pessoal. Cerca de 400 lugares previstos nos quadros da Lei Orgânica dos Serviços Tutelares de Menores estão por preencher. Até quando?
Sobre o Instituto de Reinserção Social ainda recentemente a Comissão de Juventude da Assembleia da República se pronunciou - na sequência de uma visita à instituição - sobre a falta de pessoal, falta de desenvolvimento do respectivo plano de implantação, a detecção de lacunas nas estruturas de coordenação e na criação dos núcleos de extensão.
Que medidas se tomaram sobre esta matéria?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejamos receber uma resposta sobre as questões colocadas - umas de política geral do Ministério, outras sobre o funcionamento das estruturas deste departamento.
Precisamos de saber afinal qual é o empenhamento do Ministro da Justiça na política criminal dos jovens delinquentes, na luta contra a droga, na tomada de medidas no âmbito da prevenção.
Por relevantes, deixava ainda mais duas questões: a fim de possibilitar a execução das medidas correctivas de internamento em centros de detenção, foi publicado o Decreto-Lei n.º 90/83, de 12 de Fevereiro, que não teve qualquer aplicação até hoje. Continuará no papel no futuro? A elaboração do plano individual de readaptação dos reclusos tem sido parcialmente inviável.
Até quando se manterá a situação?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Levantei algumas questões.
Certamente que outros colegas colocarão outro tipo de problemas.
Pelo que me é dado ver talvez concluísse que há leis e regulamentos. Falta, no entanto, vontade política para concretizar medidas e activar iniciativas.
Os jovens, tal como na educação e no trabalho, também nesta área da justiça se deparam com a incompreensão e talvez com a insensibilidade.
A juventude, sempre apresentada na linha das preocupações governamentais, vê-se relegada para o esquecimento.
Não é toda a propaganda que se tem feito que fará esquecer a falta de resolução real dos problemas que os jovens, neste final de século, defrontam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Licinio Moreira.

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Para um debate sério sobre a problemática da justiça - seja a da produção legislativa e da sua aplicação pelos tribunais, a do sistema prisional, a dos registos e do notariado, a dos magistrados judiciais e do Ministério Público, a da Polícia Judiciária, a do combate à droga, ao terrorismo e banditismo -, de forma a poder responsabilizar o actual Governo e o Partido Social-Democrata, há que ter em atenção o seguinte: o conteúdo do Programa do X Governo Constitucional na área da justiça, aprovado nesta Assembleia em Novembro de 1985, quer no tocante às suas principais orientações políticas e aos objectivos fundamentais, quer relativamente às medidas políticas, legislativas ou outras a adoptar ou a propor à Assembleia da República ou ao Presidente da República; a situação existente no País quando este governo iniciou as suas funções; ou, se pretender ir mais longe, isto é, recuar ao ano de 1980, por ter sido a partir desse ano que o Partido Social-Democrata passou a ter responsabilidades governativas, qual a situação existente

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em Portugal neste sector da justiça; para, finalmente, fazer um balanço daquilo que se fez e ainda há por fazer, mas ainda pode vir a ser realizado no espaço temporal de quatro anos, tendo em conta que apenas um terço desse tempo foi consumido pelo actual Governo.
Relembrando hoje o que aqui foi discutido e aprovado em Novembro de 1985, no concernente à área da justiça do Programa do X Governo Constitucional, salientarei que as medidas legislativas referidas foram, na sua parte substancial, aprovadas e postas em vigor.
Com mais pormenor se ocupará da produção legislativa deste governo um companheiro de bancada, que, com o maior brilho e rigor, demonstrará o saldo altamente positivo que em tão pouco tempo foi obtido pelo Ministério da Justiça.
Não resistirei, contudo, a dizer que legislação há muito prometida e esperada teve a sua entrada em vigor graças à actuação do X Governo Constitucional e do seu Ministro da Justiça, Dr. Mário Raposo, a saber: Estatuto do Ministério Público; criação dos tribunais marítimos; Código das Sociedades; Código do Registo Comercial; lei da arbitragem; lei das empresas singulares de responsabilidade limitada; Código de Processo Penal, não falando de legislação menor.
E grande parte das medidas legislativas constantes do Programa do actual Governo, e que ainda não foram definitivamente aprovadas, sabemos nós, pela maneira franca, aberta e disponível com que o Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça e todos os Srs. Directores-
Gerais deles dependentes se apresentam nesta Assembleia, que estão em fase de ultimação para aprovação em Conselho de Ministros ou para envio e aprovação nesta Câmara.
Assim, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, já aprovada em Conselho de Ministros, é mais um projecto de diploma legislativo que, em breve, esta Assembleia irá apreciar, discutir e votar. A legislação complementar postulada pelo novo Código de Processo Penal aprovado recentemente, e que versará as matérias da Polícia Judiciária, do registo criminal e da reabilitação, da execução de penas, do sistema médico-legal e do júri e dos jurados, também está em fase de acabamento, conforme confirmou, há dias, o Prof. Figueiredo Dias, presidente da comissão encarregada da elaboração do novo Código de Processo Penal e legislação complementar.
Também as comissões encarregadas de elaborar o novo Código de Processo Civil e de rever o Código Penal de 1982 trabalham afincadamente com vista a dotar o novo ordenamento legislativo de instrumentos absolutamente indispensáveis à simplificação e celeridade dos processos judiciais de natureza cível e ainda a preencher lacunas de incriminação e desequilíbrios na dosimetria das penas.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mas não é tão-somente no campo da produção legislativa que, no tocante ao sector da justiça, o actual Governo merece aplausos por aqueles que, despindo-se das suas vestes partidárias, apreciem, com objectividade, a actuação do Ministério da Justiça.
Na verdade, deram-se já, embora com prudência e realismo, passos significativos na concretização de uma política de acesso ao direito, ideia que tendo despontado no I Congresso dos Advogados, em 1972, foi retomada no III Governo Constítucional, que criou uma Comissão de Acesso ao Direito, e pelo VI Governo Constitucional, em cujo Programa se inseria um ponto respeitante à concretização legislativa de uma política de acesso ao direito. Sobre este ponto também falará um colega de bancada.
Têm continuado as acções de integração jurídica comunitária, iniciadas a partir de 1980, tendo como destinatários os magistrados judiciais e o Ministério Público, os advogados e outros profissionais do direito.
Em resposta ao reconhecimento geral das vantagens da utilização das técnicas de tratamento automático da informação, o Ministério da Justiça deu passos firmes no sentido da informática abranger a gestão do pessoal das secretarias judiciais e dos empreendimentos físicos afectos à instalação dos tribunais, bem como à racionalização do funcionamento das secretarias judiciais e acompanhamento da marcha dos processos.
Também a ressocialização do delinquente vem merecendo do Ministério da Justiça actuações dignas de nota, como foi o acordo de cooperação celebrado entre o Instituto de Reinserção Social e a «A União» - obra dê auxílio e recuperação aos ex-reclusos e suas famílias, com sede no Porto - reconhecendo o Estado, pela primeira vez, após a criação daquele Instituto, a acção valiosa desenvolvida na área da recuperação dos delinquentes pelas instituições particulares de solidariedade social, em que o apostulado e o zelo dominam em flagrante contraste com a falta de dedicação desinteressada que, normalmente, caracteriza os serviços do Estado.
Ainda a este propósito são de sublinhar os acordos de cooperação que o Ministério da Justiça vem formulando, crescentemente, com o Ministério da Educação, com vista a assegurar nos estabelecimentos prisionais a escolaridade básica (800 reclusos-alunos no ano lectivo de 1986-1987) ou à frequência do ensino secundário (155 no corrente ano lectivo), com o FAOJ, em actividades educativas, nomeadamente na projecção de filmes, colóquios, empréstimo de livros, animação de leitura, criação de oficinas de serigrafia, de encadernação, de fantoches, de fotografia, ensino de música e organização de grupos de teatro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o paraíso!

O Orador: - Com a Secretaria de Estado dos Desportos, visando o desenvolvimento da prática desportiva nos estabelecimentos prisionais, com a Direcção-Geral e a Secretaria de Estado das Comunicações, que determinou a instalação de três centros inforjovem em estabelecimentos prisionais centrais, tendo em vista o ensino da informática aos reclusos menores de 25 anos, com o Ministério do Trabalho, de forma a possibilitar aos reclusos formação profissional em moldes técnico-científicos adequados que lhes abra perspectivas futuras de emprego e reintegração social.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A presente interpelação teve já o seu ensaio aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1987 e das Grandes Opções do Plano para 1987-1990. Nessa altura, o Sr. Deputado Almeida Santos, esquecendo dados de que tomou conhecimento ao longo da sua longa carreira de governante e mesmo de Ministro da Justiça, minimizou a actuação do Ministério da Justiça e considerou pouco ambiciosos os projectos nesse sector.

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Com efeito, em 25 de Abril de 1974 a situação existente, em matéria de administração da justiça, era já de crise, traduzida nos seguintes indicadores: insuficiência de magistrados e de funcionários da justiça e consequente existência de comarcas desprovidas de magistrados durante largos períodos de tempo; carreiras profissionais dos magistrados sem estímulos ou aliciantes; tendência para uma cada vez maior desertificação dos quadros; degradação das instalações e do equipamento de um número muito elevado de tribunais; morosidade de tramitação processual.
Esta crise foi agravada, como consequência das profundas transformações sociais vividas nos anos seguintes no País e do regresso de centenas de milhares de cidadãos nacionais que viviam nas ex-colónias portuguesas.
O Ministério da Justiça não estava estruturado para poder responder a um tão grande desafio: de meio milhão de processos judiciais, em 1974, passou-se para o dobro no fim de 1977 e para dois milhões de processos no fim de 1985.
E, para além das carreiras de magistrados judiciais e do Ministério Público continuarem sem grande atracção, a partir de 1977, por imperativo constitucional, passou a haver duas magistraturas independentes entre si e com uma preparação e formação diferentes do que vinha sucedendo até aí e que passou a sê-lo no Centro de Estudos Judiciários, que entrou em funcionamento em 1980.
Daí que a grande falta de juízes existentes já em 1974, e agravada posteriormente pelo aumento de processos judiciais para julgar e da reduzida formação de magistrados durante alguns anos, só conseguiu ser vencida no ano de 1986, passando-se de 336 juízes a trabalhar nos tribunais de jurisdição ordinária em 1974, o que dava um juiz para 27 000 habitantes, para mais de 100 juízes no fim de 1986, fazendo baixar percentagem de um juiz para menos de 10 000 habitantes.
Quanto aos magistrados do Ministério Público, a sua formação e preparação operaram-se de modo e forma equiparados aos dos juízes, não se tendo conseguido, ainda, a satisfação de todas as necessidades daquela magistratura.
Relativamente aos funcionários de justiça, que eram cerca de 2800 em 1974 e subiram sensivelmente para o dobro no fim de 1986, só o ano passado tiveram o primeiro curso de formação para escrivães de direito, dando-se cumprimento ao disposto nos artigos 104.º e 108.º do Decreto-Lei n.º 385/82.
Também aqui se entrou no bom caminho, conhecida que é a fundamental importância funcional dos escrivães de direito no desempenho correcto da chefia das secções de processos e no exemplo e no ensino dos oficiais de justiça mais jovens e inexperientes.
Na «pré-interpelação» feita em Dezembro de 1986 pelo Sr. Deputado Almeida Santos, a que atrás já me referi, já foi afirmado, e voltou a sê-lo pelo mesmo deputado na presente interpelação, que o actual Governo na área da justiça não tem executado um plano de construções, nomeadamente no que se refere ao parque judiciário português.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma evidência!

O Orador: - Quem assim fala esquece os progressos significativos que se verificaram em todo o território nacional nos últimos cinco anos e fazem esquecer os tempos difíceis de há 20-25 anos em que praticamente só as cidades dispunham de edifícios condignos.
Se se conhecer bem o País - e quem se apresentou ao eleitorado em Outubro de 1985 como candidato a Primeiro-Ministro tinha essa elementar obrigação -, não pode ignorar que em 1982 foram concluídos nove palácios e edifícios destinados a tribunais e outros serviços [Benavente, Cinfães, Figueiró dos Vinhos, Grândola, Lourinhã, Ferreira do Zêzere, Mondim de Basto, Santo Tirso (Tribunal do Trabalho) e Sintra (Tribunal do Trabalho e de Instrução Criminal)]; em 1983 os Palácios da Justiça da Lousã e de Montemor-o-Novo e o edifício para o Tribunal do Trabalho e de Polícia de Vila Nova de Gaia; em 1984 seis edifícios para instalação de tribunais e outros serviços [Barcelos, São Roque do Pico, Loures, Maia (Tribunal do Trabalho), Vila Franca de Xira (Tribunal do Trabalho e Conservatórias), e Porto (Tribunal de Polícia)]; em 1985 os edifícios em que foram instalados os Tribunais Judiciais de Caminha, Cascais, Serpa e Sesimbra; em 1986, os Palácios da Justiça de Paredes, Penafiel e Valpaços, e, finalmente, no fim da semana passada, o Palácio da Justiça de Oliveira de Frades.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao enunciar os palácios da justiça e edifícios destinados à instalação dos tribunais e de outros serviços dependentes do Ministério da Justiça não se pretendeu significar que tudo já está solucionado quanto ao equipamento judiciário. O que se pretendeu dizer é que muito se fez nos últimos cinco anos, tendo em conta a diminuição progressiva da fonte financeira do Ministério da Justiça que, até ao ano de 1986, constituía apenas os Cofres do Ministério da Justiça, pois as dotações oriundas do Orçamento do Estado para as despesas de capital não passaram de verbas simbólicas (3250 contos em 1983, 3000 contos em 1984 e 30 000 contos em 1985), até que o actual Governo passou a ver o Ministério da Justiça como um departamento igual aos outros e não a viver sobre si, afectando-lhe verbas significativas a tirar do Orçamento do Estado, pelo que o PIDDAC-Justiça teve as dotações de 2 500 000 contos em 1986 e 3 500 000 contos para 1987.
É deveras significativo que tenha sido o X Governo Constitucional a empenhar, pela primeira vez, verbas avultadas absolutamente necessárias para se conseguirem novos edifícios ou a reparação e ampliação dos degradados para neles instalar com dignidade os tribunais, os serviços de registo e do notariado e as prisões.
E o Partido Socialista, autor da presente interpelação e cujo secretário-geral chefiou três governos constitucionais (o I, o II e o IX), e, portanto, se responsabilizou pelos Orçamentos do Estado respeitantes aos anos de 1976, 1977, 1978 e de 1984 e de 1985, nunca se preocupou com a área da justiça, mesmo quando Ministros seus militantes (Drs. Almeida Santos e Santos Pais) sobraçaram a pasta da Justiça.
Basta atentar nas verbas insignificantes, meramente simbólicas, que foram inscritas nos Orçamentos do Estado durante aqueles cinco anos atrás referidos, a maior das quais, em 1985, atingiu 30 000 contos.
A presente interpelação serve para evidenciar mais uma vez, que o Partido Socialista pouco ou nada faz quando por duas vezes esteve no poder, mesmo quando da última vez tinha a maior maioria de sempre pronta

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a apoiá-lo na aprovação das reformas estruturais Géis laborais, agrárias, eleitorais, etc.) e que todos os pretextos serviram para ir adiando.
O povo, porém, não se deixa enganar como já sucedeu em 6 de Outubro de 1985. Nessa altura bem se cantou «o choradinho» da pretensa ambição do Prof. Cavaco Silva que o levara a romper com a coligação PS/PSD, mas o eleitorado, na sua esmagadora maioria, não atendeu ao queixume.
Também hoje a «marcha do petróleo e do dólar», na designação pitoresca do meu companheiro Alberto João Jardim, inventada pelo ministro «sombra» das finanças do PS, não irá cativar o povo português, pois ele bem sabe que, para além da baixa de cotação do petróleo e de outros produtos importados pagos com a moeda norte-americana e da queda do dólar, o crescimento económico, a queda da inflação, a expansão do investimento, o aumento dos salários reais não foram benefícios da população a que a eficácia do governo do PSD fosse alheia. É que a baixa de cotação do petróleo e a queda dó dólar que outros países igualmente importam ou se servem para pagar ao estrangeiro foram iguais para a Grécia, Irlanda e Espanha, que tiveram crescimento económico de zero, 1,5% e 3%, respectivamente, enquanto em Portugal foi de 4,25%.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Igualmente o superavit do nosso país nas contas externas representou 5,7% e em países como a Grécia, Irlanda, Noruega e Dinamarca se registaram défices que vão de 1,8% a 6,8%, não obstante a baixa de cotação do petróleo e a queda do dólar norte-americano serem os mesmos em todos os países.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Licinio Moreira, creio que V. Ex.ª terá a gentileza de pagar direitos de autor pela intervenção que proferiu, uma vez que a respectiva parte final é uma reprodução da intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, aquando da última interpelação ao Governo, e a outra parte é uma reprodução da intervenção que o Sr. Secretário de Estado Sacadura Garcia Marques há pouco aqui produziu.

Risos.

Em relação à filosofia fundamental da sua intervenção, há uma coisa que me choca e que é o facto de todos adorarem a política do Governo.
Não há suicídios na Penitenciária! Na Polícia Judiciária «está tudo na maior»! O Sr. Deputado nem sabe quem é o subinspector Regadas! É tudo um reino de inocentes!...

Risos.

Quero colocar-lhe a seguinte pergunta: acha o Sr. Deputado que os autarcas do PSD que estão a criticar a proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais, apresentada pelo Governo, são birutas? Ou seja, quando criticam o facto de se querer transferir os encargos da construção dos edifícios e distanciar a justiça das populações, acha que «estão feitos» com o inimigo? Ou será que acha que estão varridos? Será que esta questão não é para ser discutida seriamente em lugar de se imputarem ao adversário as intenções mais lunáticas?
Uma outra questão prende-se com o facto de as regiões autónomas serem totalmente omitidas na proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais. Qual a razão de tal facto?
O Partido Social-Democrata não tem uma política para a organização judiciária das regiões autónomas?

Vozes do PSD: - Tem, sim!

O Orador: - Não tem, não!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Licinio Moreira, considera o PSD que estão criadas as infra-estruturas indispensáveis para a entrada em vigor do Código de Processo Penal, nomeadamente no que concerne aos diplomas complementares, que continuam por produzir, e aos meios financeiros, técnicos e humanos que se reclamam?
Conhece a situação da rede penitenciária, as queixas e reivindicações dos responsáveis, dos reclusos, dos guardas, dos técnicos?
A seu ver, qual é a causa e que medidas entende que devem ser tomadas de imediato?
Que pensa da circunstância de os Serviços de Registo, do Notariado funcionarem sem orçamento e que mecanismos de correcção lhe parecem dever ser implementados com carácter urgente?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Licinio Moreira.

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes, o tempo de que disponho é demasiado restringido, pelo que peço aos meus dois colegas de bancada, que ainda desejam intervir que nas suas respectivas intervenções respondam às questões que me foram colocadas.
De qualquer modo, e de uma maneira muito sucinta, quero dizer que quanto à lei orgânica dos tribunais judiciais, como o Sr. Deputado José Magalhães sabe, estamos ainda a tempo, uma vez que o processo legislativo ainda vai a meio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O processo legislativo vai começar!

O Orador: - Não. O processo legislativo vai a meio, uma vez que já existe a proposta de lei e, portanto, já foi desenvolvido muito trabalho.
Quanto à entrada em vigor do Código de Processo Penal, Sr. Deputado José Manuel Mendes, V. Ex.ª sabe perfeitamente, pois já foi dito na 1.ª Comissão, que entendemos que algo tem de ir à frente e o que foi à frente foi o Código de Processo Penal.
Entendemos que as infra-estruturas efectivamente precisas para que esta lei entre em vigor virão a seu tempo.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho.

O Sr. Herminio Moutinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de produzir a minha intervenção propriamente dita, gostaria de referir à Câmara um pormenor bizarro.
No Telejornal das 19 horas e 30 minutos, a Televisão noticiou ao País que o CDS tinha desistido de intervir neste debate. Ora, o CDS está inscrito para intervir neste debate desde o início do mesmo.
Não conhecemos a fonte que a Televisão utilizou para dar esta notícia, mas esta não nos surpreende uma vez que, aquando da interpelação ao Governo sobre defesa, solicitada pelo PRD, o CDS proferiu aqui algumas declarações importantes e as mesmas foram silenciadas pela Televisão.
Assim vai a informação neste país.

Aplausos do CDS, do PS, do PRD e do deputado José Magalhães, do PCP.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Embora eu não tenha assistido ao Telejornal das 19 horas e 30 minutos, por amável informação do Sr. Deputado Hernâni Moutinho soubemos que o PRD é companheiro do CDS neste debate, uma vez que também foi noticiado que o PRD tinha renunciado a intervir sobre esta matéria.
Assim sendo, fazemos nossas as palavras que o Sr. Deputado proferiu a este respeito.

Aplausos do PRD, do PS, do CDS e do deputado José Magalhães, do PCP.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: A presente interpelação sobre a justiça que, antes de mais, representa o exercício normal de um direito constitucional e regimental, diz respeito a um domínio que interessa inequivocamente a todos os portugueses e que actualmente se encontra, por razões sobejamente conhecidas, no centro das maiores preocupações.
Não é de facto possível ignorar por mais tempo a enorme crise que hoje se abate sobre o poder judicial, consequência de um lento processo de degradação que põe em causa todo o edifício judiciário e que assume maior dimensão no que aos serviços prisionais concerne e, sobretudo, às péssimas condições de funcionamento dos tribunais, nomeadamente os de 1.ª instância.
Mas se durante anos, consideráveis, esta imagem não aparecia de maneira evidente, antes se transmitia a aparência de uma certa normalidade isso deve-se, em grande medida, à extraordinária dedicação, competência, sacrifício, direi mesmo ao autêntico espírito de sacerdócio dos magistrados judiciais, como do Ministério Público, e bem assim ao zelo, competência e capacidade de trabalho dos funcionários judiciais.
Sem embargo de que tais atributos se vão mantendo, porventura de forma menos entusiástica - o que de resto se compreende -, a ausência de uma clara, determinada política de justiça, o adiar sistemático de soluções que reclamavam adopção imediata, as medidas avulsas e desconexas ou as meias medidas, uma produção legislativa dispersa, desastradamente inflacionária, a inexistência de devido apoio aos magistrados, a subavaliação das carências, a não afectação dos necessários meios para uma correcta e eficaz administração da justiça, tudo isto, e muito mais, fizeram com que a taça transbordasse.
Com efeito, de crise, e crise grave se trata, e o próprio Governo a admite, e a ela se refere, desde logo na exposição de motivos da Lei Orgânica dos Tribunais, que na semana transacta foi entregue nesta Assembleia, seguramente por mera e natural coincidência.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio.

O Orador: - Obviamente, não responsabilizamos o Sr. Ministro da Justiça pela crise judiciária, por isso que a responsabilidade da política de justiça atinge o Governo in tolum.
E parece-nos de elementar justiça referir aqui a disponibilidade que o Ministro permanentemente tem manifestado para dialogar com esta Assembleia, designadamente com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde se tem deslocado com frequência, sempre que solicitado, prestando esclarecimentos e ouvindo sugestões e críticas.
Não raro reconheceu o Sr. Ministro o bem fundado das críticas, que com claro espírito construtivo lhe foram formuladas, manifestou adesão a muitas das sugestões feitas e mostrou de forma inequívoca comungar das preocupações que foram sendo transmitidas e até o desagrado pela dificuldade de tornear obstáculos e conseguir soluções eficazes em tempo útil.
Só que, de facto, não decorreram daí resultados que transformassem esta interpelação ao Governo num acto inútil e desnecessário.
Oxalá este debate, que só pode ser sério e sereno - de parte do CDS é assim, como sempre -, produza importantes contributos, responda a todas ou à maior parte das dúvidas e interrogações postas e aponte medidas credíveis em horizonte temporal que se alcance.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não decorreu ainda muito tempo sobre a data em que nesta Assembleia se discutiu e votou, primeiro, o Estatuto dos Magistrados Judiciais e posteriormente a Lei Orgânica do Ministério Público.
O CDS, em cada um dos momentos, teve oportunidade de afirmar a sua segura convicção de que aqueles debates muito teriam ganho se pudessem ter sido feitos em simultâneo com a Lei Orgânica dos Tribunais, face à conhecida interdependência dos estatutos com a organização judiciária.
A impossibilidade de considerar simultaneamente a articulação dos três diplomas não permitiu o enriquecimento, que seria óbvio, de tal debate, e a Lei Orgânica ora apresentada, que não terá acolhido as sugestões daqueles a quem mais de perto toca, vem suscitando já públicas críticas e, nalguns casos, justificados receios quanto às consequências da sua aplicação.
Não sendo este o momento adequado a emitir opinião sobre tal diploma, o que se remete para outra oportunidade, dir-se-á de passagem que nos suscita algumas reservas e preocupações, desde logo, porque se afigura que o acesso à justiça levará mais um rude golpe.

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Não se compreende, Sr. Ministro, por exemplo, o entendimento, por um lado, de que o acesso à justiça não dependerá de haver tribunais «ao pé da porta», dado o desenvolvimento do País e das redes viárias e de transportes - citei - e, por outro lado, a previsão de que todos os tribunais de 1.ª instância possam reunir em local diferente do da sede, acrescentando - e passo a citar - «ser susceptível de preencher esse condicionalismo o facto de o número e a residência dos intervenientes no processo, conjugado com a dificuldade dos meios de comunicação [...], tornar particularmente gravosa a prática dos actos diligências na sede do tribunal».
Esta nos parece uma evidente contradição, que em altura mais oportuna se abordará.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Criou esta Assembleia, já na anterior legislatura, uma subcomissão exclusivamente destinada a acompanhar os assuntos prisionais.
É sabido que produziu trabalho reconhecidamente válido e de tudo o que apurou de manifesta relevância, a exigir terapêutica urgente, sem hesitações, deu contas às instâncias com a obrigação e competência para atacar as enormes e graves mazelas de que o sistema prisional enferma.
Não saiu esta Assembleia do estrito âmbito das suas competências, que desempenhou, mas daquilo que fez, muito ou pouco, não teve ensejo de constatar qualquer consequência no plano das concretas realizações.
Todos sabemos disso. Infelizmente o País também sabe e vai a pouco perdendo a confiança.
E não podem ignorar-se os suicídios que ocorreram em estabelecimentos prisionais, em número impressionante e em curto espaço de tempo, nem deixar de reconhecer tratar-se de um evento dramático, revelador de um grau de degradação verdadeiramente chocante.
Certamente que já outros aconteceram, e se não podemos deixar-nos impressionar por exagerados empolamentos e posições demagógicas, não é menos certo que todos temos que considerar, e ponderar, que jamais eles assumiram tão grande espectacularidade e dimensão social.
Nós temos a segura convicção de que o magno problema dos serviços prisionais, que naturalmente não tem apenas a ver com o Ministério da Justiça, terá de encontrar solução, além do mais, e sobretudo, antes e depois da entrada dos presos nos estabelecimentos prisionais.
O mesmo é dizer que é fundamental, deve ser prioridade do Estado, que não pode ser adiada, fazer - se é que não está feito - o diagnóstico das causas da delinquência, nomeadamente a juvenil, e atacá-las com determinação, firmeza e real vontade de as eliminar, poupando à sociedade a desnecessária perda de vidas, além do mais, e fornecendo aos jovens, acidentalmente envolvidos no mundo do crime, os meios indispensáveis ao seu perfeito enquadramento social.
Isto prende-se, como é óbvio, com a questão da droga, que vai alastrando, como verdadeira praga imparável, com chocante impunidade, e o cortejo de consequências dramáticas de que no dia-a-dia todos nos vamos dando conta.
Mas como encara o Governo esta candente questão?
Se quer, como afirma, dar passos no sentido da sua resolução, entende que tal vontade encontrou expressão orçamental mínima? Terá o gabinete de combate à droga qualquer hipótese, com os meios materiais e humanos de que dispõe, de acudir a, pelo menos, 10% dos casos que se lhe deparam? Qual o número de casos ou pessoas que podem actualmente ser acompanhados com êxito?
A indicação que possuímos diz-nos serem insignificantes e não podemos considerar ser aceitável, e muito menos decisivo, o argumento de falta de verbas, que sempre se repete.
Estará o Instituto de Reintegração Social dotado dos meios precisos na prossecução dos objectivos que são a sua razão de ser?
Para nós, CDS, a resposta é claramente negativa.
E quando é que, finalmente, irão ser preenchidas as mais de 500 vagas no quadro de guardas prisionais?
E para quando o encerramento de estabelecimentos prisionais que todos, Governo incluído, entendem que já há muito não deveriam estar abertos?
Finalmente, para quando eliminar os factores, conhecidos, que tornam as cadeias autênticas escolas de crime, quando deviam funcionar como instrumento para recuperar quem, em dado momento, por razões, as mais diversas, enveredou pelos esconsos caminhos da criminalidade?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estes, e outros aspectos, merecem ser tratados com a maior atenção, todo o rigor e, sobretudo, com pressa.
Tem de ser para já. Não pode ser para amanhã, porque aqui estamos claramente no campo das coisas que não consentem adiamentos.
As amnistias, que com frequência algo excessiva, têm sido decretadas não lograram conseguir duas das virtualidades que lhes apontavam, quais sejam, o desbloqueamento dos tribunais e o descongestionamento nas cadeias.
Enquanto o Ministério Público promovia e o juiz decidia os processos a que a amnistia era aplicável, o serviço ia-se acumulando e os presos que saíam davam lugar a outros, quando não aconteceu mesmo que alguns regressaram no dia seguinte.
E aqui ocorre abordar a questão do funcionamento dos tribunais, matéria de extrema importância e delicadeza, que não pode, nem deve ser omitida, que justifica sérias perguntas e aguarda prontas respostas do Governo.
Não pode ser forte um país em que o poder judicial seja fraco.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E isso acontece hoje em Portugal sem que, contudo, possam assacar-se a magistrados e funcionários as responsabilidades dessa circunstância.
Não pode, de facto, perder-se de vista que sem um poder judicial digno, dotado dos instrumentos necessários à prossecução dos objectivos que lhe são cometidos, o regime enfraquece precisamente porque cede num dos elementos fundamentais da sua arquitectura jurídico-política.
E deve lembrar-se que foi a não cedência, apesar de tudo, dos juízes portugueses a uma certa intemperança legislativa, caldeada numa época em que todos os outros órgãos de soberania, ainda que não legitimados, sofreram e provocaram desequilíbrios manifestos, que permitiu plena salvaguarda e defesa de uma unidade de valores subjacente aos princípios poéticos da ordem jurídica portuguesa.

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Cabe aqui, por isso, saudar a independência e isenção dos juízes, que moldaram as suas decisões por critérios legais, e da própria consciência, rejeitando as grilhetas que alguns quiseram sugerir, quando não impor.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Considerando, porém, que os tribunais também são os funcionários que neles trabalham, é, no mínimo, preocupante que nenhuma indicação haja sobre o que se pensa fazer em matéria de apoio, e nomeadamente para a necessária actualização que as constantes alterações legislativas impõem, em ordem a um necessário e desejado reforço da sua qualificação.
E isto é tanto mais urgente quanto é certo que atingimos, ou estamos a atingir, uma época em que por força da idade ou de aposentação por outros motivos, os tribunais ficarão privados de toda uma geração de funcionários altamente qualificados e dedicados, peça fundamental no seu funcionamento, com a eficácia, celeridade e qualidade que apesar de todas as limitações ainda foi possível até aqui imprimir.
Trata-se, como é sabido, e muito particularmente por quem tem contactos com a vida do foro, de aspectos com uma extraordinária interligação, face ao carácter permanente e muito estreito da relação magistrado-funcionário, que quase estávamos tentados a qualificar de dependência recíproca, considerando esta no sentido da tal eficácia e qualidade da justiça a administrar, pela qual todos nos batemos.
Ora, aquilo que avulta, de forma tão gritante que não é entendível nos finais deste século XX, é que a justiça vem sendo administrada em edifícios decrépitos, em muitas comarcas, profundamente inadequados ao desempenho de tão nobre missão, impropriamente chamados tribunais, ou casas de justiça, e que constituem um atentado à dignidade das pessoas a quem cabe o exercício de tal tarefa.
De entre os vários exemplos conhecidos, citarei dois, que me parecem reflectir com exactidão o quadro que sumariamente tracei e que tem de exagerado. Um nos Açores e outro no Nordeste Transmontano, para que também se saiba o que são os custos da insularidade e interioridade em matéria de justiça.
Na cidade da Praia da Vitória as instalações onde o tribunal funciona envergonham a justiça portuguesa e o próprio País.
De facto, funcionários, secretárias, máquinas de escrever, processos, etc., arrumam-se amontoadamente numa espécie de corredor sob um tecto que ameaça ruína.
Quem precisa ou tiver de dirigir-se aos gabinetes - pomposamente assim chamados - dos magistrados terá de atravessar a sala de audiências, que apenas se reconhece pela disposição da bancada destinada a magistrados e advogados.
Acrescente-se a isto que ao juiz da comarca é atribuída uma casa onde a chuva penetra com toda a facilidade e o obriga a colocar a cama noutra dependência que não o quarto.
Isto acontece, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, ali na Praia da Vitória, mesmo ao fundo da base americana das Lajes.
Que pobre imagem da justiça portuguesa!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, e os exemplos poderiam multiplicar-se, os tribunais de Vimioso, Moncorvo, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães e Alfândega da Fé, no Nordeste, só por ironia assim de podem chamar.
Dotados de instalações antiquíssimas, completamente inadequadas e ainda degradadas, revelam carências chocantes, que vão desde o hoje vulgar fotocopiador à exiguidade e pobreza de mobiliário, à falta de aquecimento, ou, quando ele existe, à falta de verba para funcionar.

O Sr. José Gama (CDS): - É inacreditável!

O Orador: - Não raras vezes, estas peças antigas, a pedirem demolição, têm ao lado, recentemente surgidos, edifícios destinados a outros serviços, também do Estado, estes reunindo excelentes condições para que melhor se faça o contraste flagrante.
Alguns são até em excesso, e as pessoas, os utentes dos serviços de justiça interrogam-se do porquê de tal estado de coisas, deste abandono, que não pode deixar de vivamente nos impressionar.
Estes exemplos não são únicos - bom seria que fossem - e o Sr. Ministro sabe que assim é.
A tudo isto acresce as impróprias casas de habitação que aos magistrados são atribuídas e que estão à vista de todos.
E não é o caso de que algum magistrado reivindique instalações luxuosas. Não. Apenas com a sobriedade e dignidade devidas à pessoa e ao cargo que desempenha.
É inadmissível, é mesmo surrealista, é de outra época que a sala de jantar da casa de habitação do juiz tivesse de ser utilizada como sala de audiências. Aconteceu em Vimioso.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O que acabamos de referir a título exemplificativo, para ilustrar o estado a que estas coisas chegaram, não são meras caricaturas, mas factos concretos, reais, de hoje, sendo certo que não quisemos, apesar de tudo, desenvolver alguns outros pormenores.
E que tudo isto, e o mais que não foi apontado, contribui de forma alarmante para a falta de credibilidade que está a atingir a justiça portuguesa, é para nós fora de qualquer dúvida.
Dir-se-á, como mero apontamento, que o Gabinete de Gestão Financeira não dá a menor resposta a estas exigências, e outras, e nem mesmo responde a solicitações que reiteradamente, por ofício, lhe são feitas, como sucede, por exemplo, com o Sr. Juíz do círculo de Bragança.
A administração da justiça em Portugal é não só demasiadamente lenta, como também cara, e inacessível a muitos cidadãos, circunstância que a nova lei orgânica, a não sofrer alterações, virá a agravar substancialmente.
Certamente não estamos sós neste aspecto. Mas estamos muito pouco acompanhados.
E os exemplos que podem apontar-se de falta de celeridade na administração da justiça não assumem a mesma dimensão nem podem servir de conforto para os nossos males.
Teremos de procurar igualar-nos com quem faz melhor do que nós, infelizmente são tantos, não sendo com paleativos, como alguns que se apontam, ou medidas avulsas que a justiça se tornará expedita e, consequentemente, credível e merecedora da confiança dos Portugueses.

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Aqui, Sr. Ministro - mas também noutros domínios -, a resignação será indesculpável.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Importa que o preenchimento dos quadros dos tribunais se faça tempestivamente, e isso, que se nos afigura uma tarefa simples, não está a ser feito.
Do mesmo modo que não se entende o recurso frequente ao esquema da requisição de magistrados para Lisboa sem que previamente haja o cuidado de preencher a vaga que se abre e onde comprovadamente faz mais falta do que no serviço para onde é deslocado.
São estas algumas sugestões que neste momento entendemos dirigir ao Governo e em particular ao Sr. Ministro da Justiça.
A que acrescentamos, para o necessário reforço da dignidade das funções, a premência de que sejam pagas as importâncias, avultadas, em dívida aos juízes que são forçados a prestar serviço em comarcas que não são as suas, em eliminar as dificuldades e injustiças que ocorrem em matéria de vencimentos, como aquilo que acontece, por exemplo, quando um juiz estagiário passa a efectivo em comarca de ingresso.
Não são aspectos menores estes que de maneira sumária aqui afloramos. E nem seria preciso referir a circunstância da exclusividade de funções e da independência de quem as exerce.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao Governo e ao Sr. Ministro da Justiça cabe um importante, um decisivo papel no enfrentar destas e doutras questões, e muito concretamente no que concerne ao equipamento judiciário, à reformulação dos meios e processos de trabalho, formação e acompanhamento de magistrados e oficiais de justiça, ultimação das leis de processo, etc.
A formação contínua e q acompanhamento de magistrados é uma exigência evidente. Por isso que o hiperdimensionamento da ordem jurídica implica uma globalidade de conhecimentos, alguns de formação recente, cujos aspectos doutrinários importa conhecer, para uma subvenção jurídica que encerre todos os elementos necessários a uma correcta valoração e decisão.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quisemos, neste debate, apontar situações que urge ponderar, deficiências que importa eliminar, lacunas a integrar para necessária segurança e eficácia jurídica, e fizemo-lo com intuito construtivo e com o objectivo de contribuir para uma reflexão que a todos obriga, para além das divergências que possam existir.
Assim no-lo impõem também a nossa maneira de encarar os problemas do País e a nossa consciência.
Só assim o País poderá acreditar na justiça e o poder judicial será verdadeiramente prestigiado.
É esse o nosso mais profundo e íntimo desejo e a nossa viva esperança.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Hernâni Moutinho, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: José Manuel Mendes, José Magalhães e Rogério Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Hernâni Moutinho, muito rapidamente desejo colocar-lhe duas questões. A primeira vai no sentido de saber que medidas considera o CDS necessárias para a cobertura do território nacional por inspecções da Polícia Judiciária, sobretudo tendo em conta a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal e os índices de criminalidade, de corrupção e de tráfico de droga.
A segunda refere-se à nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, que contém todas aquelas más soluções que pôde enumerar na sua intervenção, há momentos. Sobre uma delas, porém, gostaria ainda de ouvir a opinião do Sr. Deputado: é a que consiste no alteamento das alçadas e, consequentemente, das custas, no promover do distanciamento da justiça em relação aos cidadãos e, portanto, na denegação de acesso ao direito. Que há a fazer, do seu ponto de vista: seguir o caminho proposto pelo Governo ou optar por soluções totalmente diferentes, que tenham em vista a defesa da democracia e dos interesses do cidadão comum?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Hernâni Moutinho, creio que, face à degradada situação da justiça, o Sr. Deputado fez uma coisa que considero positiva: recusou-se a imitar o Governo no traçar de um panorama cor-de-rosa. É uma questão de realismo! Receio é que o Primeiro-Ministro o inclua no rol dos profetas da desgraça e de outros aleivosos que hoje aqui foram zurzidos.
Gostava de lhe fazer algumas perguntas concretas. Uma delas é no sentido de saber como é que encara a execução, a aplicação, a ponderação da «operação reforma do Código de Processo Penal» face ao desastroso decreto preambular, ao conteúdo do diploma e às reformas complementares.
A segunda questão refere-se ao projecto por nós hoje apresentado sobre a reformulação do estágio de advogados. Como é que o CDS encara a questão do estágio dos advogados e as suas debilidades e que propostas é que tem?
A terceira refere-se às vítimas de crimes. Que protecção é que o Sr. Deputado entende ser necessária assegurar e garantir às vítimas de crimes, que, como sabe, hoje em dia se encontram lamentavelmente desprotegidas?
São estas as perguntas que lhe deixo, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra b Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Deputado Hernâni Moutinho, o CDS, aqui há dias, trouxe ao Plenário o problema de toxicomania entre os jovens e particularmente o da falta de medidas para a sua prevenção. A resposta do Governo, na ocasião, foi a que vimos. Foi, na nossa opinião, um simples relato de ideias a aplicar não se sabe bem quando nem como. Hoje, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça - e já que o Sr. Ministro se escusou a falar sobre esta matéria - nada adiantou em relação à sua intervenção anterior e apenas a repetiu em versão reduzida, aduzindo ainda meia dúzia de afirmações filosofantes sobre o tema, talvez com algum cabimento, mas sem ir concretamente ao assunto.

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Pergunta-se: está o CDS satisfeito com o nível da resposta governamental sobre este assunto? Não acha o CDS que é tempo de a Assembleia da República, também ela, se preocupar acerca dele? Que sugestões tem exactamente o CDS em relação a este problema da toxicomania entre os jovens?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho.

O Sr. Hernâni Moutinho (CDS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, julgo que, em relação ao custo da justiça, e concretamente em relação à pergunta que me colocou, fiz uma abordagem, ainda que de passagem, na minha intervenção sobre este problema. O Sr. Deputado seguramente queria referir-se ao aumento das alçadas, pois creio que tudo decorre daí. O aumento das alçadas implica o aumento das custas. Decorre daí, naturalmente, um ónus extraordinário para a população e, sobretudo, para aquilo que se considera ser o mundo rural, em matéria de aplicação da justiça.
De facto, creio que aquilo que se aponta como solução para minimizar esta situação - a criação de julgados de paz e de tribunais arbitrais - não vai resolver rigorosamente nenhum problema, não vai ter a mínima hipótese de eficácia, como comprovadamente já está a acontecer com outras iniciativas.
Portanto, a minha convicção é a de que, tal como está, este aumento das alçadas - que, como sabe, e pelo que pude aperceber-me por uma leitura muito rápida da Lei Orgânica dos Tribunais, passa a ser de 2500 contos para a Relação e de 800 contos para os tribunais de l.8 instância -, sendo tão substancial, vai, desde logo, implicar uma sobrecarga no pagamento de preparos (inicial, subsequente e para julgamento). Assim, as populações não têm, de facto, possibilidade de acesso ao direito.
E se o tribunal colectivo vier a funcionar na sede do círculo judicial, então vamos assistir à necessidade de deslocação em massa das panes, dos advogados e das testemunhas, porventura por várias vezes, porque o julgamento não se faz à primeira. E isto é, de facto, um encargo terrível para as pessoas e, nomeadamente, para as mais carenciadas, que, inclusivamente, não irão recorrer à justiça nestas circunstâncias por falta de meios para o fazer.
E se, como seria lógico, essas pessoas se socorressem de advogados residentes na sede da comarca, muito bem! Se tiverem de socorrer-se de advogados na sede da residência, então maior será a sobrecarga, maior será o ónus, porque isso implica a deslocação do advogado.
Sr. Deputado José Magalhães, quanto ao Código de Processo Penal, julgo ser um documento tecnicamente bom. Deixemo-lo entrar em vigor para depois formularmos juízos. Creio que tem realmente benfeitorias - como V. Ex.ª costuma dizer com frequência - importantes, que é bastante melhor do que aquele que está em vigor e, portanto, guardaremos para momento posterior uma tomada de posição sobre as suas virtudes e os seus defeitos.
Julgo que haverá algumas dificuldades. Desde logo, há uma que, aproveitando a sua pergunta, me leva a, em jeito de sugestão, pedir ao Sr. Ministro da Justiça que o Código não entre em vigor no dia 1 de Junho de 1987...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem é possível!

O Orador: - ..., pois parece-me descabido, e que entre no dia 1 de Outubro para que o período de férias judiciais possa servir de tempo de reflexão, para que advogados, juízes e delegados do Ministério Público possam conhecer o diploma e não haver uma transição brusca de um código em vigor para outro no dia imediato.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há uma ratificação pendente na Assembleia da República.

O Orador: - De facto, é essa data de l de Junho a data para que se está a apontar, é essa a expectativa dos juízes e pareceu-me útil fazer aqui esta referência ao Sr. Ministro.
Quanto ao estágio de advocacia, já vi o projecto apresentado pelo PCP. Não tive ensejo de o ler com o vagar que um diploma deste teor requer, mas, pela vista que lhe dei, parece-me que tem algumas virtudes e disposições importantes que urge implementar. Creio até que o próprio Governo estará de acordo com muitas dessas coisas e não estará satisfeito, com certeza, com o estado actual.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esperemos que sim!

O Orador: - Quanto à protecção às vítimas de crimes, o CDS já defendeu e defende agora - e creio que o Governo também sustenta essa tese - que elas deverão obter a garantia de um ressarcimento que não esteja ao sabor de qualquer conjuntura e, nomeadamente, do desaparecimento ou da eventual carência de meios do autor do crime para suportar a indemnização que, em concreto, for devida.
Quanto à questão posta pelo Sr. Deputado Rogério Moreira, reparou com certeza o Sr. Deputado que, embora também um bocado de passagem, na minha intervenção fiz referência ao problema da droga. Disse que tem bastante a ver com a delinquência juvenil e que o CDS está bastante preocupado com isso. O próprio Sr. Ministro da Justiça, várias vezes, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, manifestou esta preocupação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não há é verbas!

O Orador: - Estamos numa interpelação sobre justiça e não fica mal dizer, porque é verdade, que o Sr. Ministro da Justiça reconhece esse mal, esse problema e considera que ele é grave e que é urgente atacá-lo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pudera!

O Orador: - O problema da falta de verbas é um problema que não podemos considerar como argumento para não se atacar este problema, que é gravíssimo e urgente.
Sobretudo, é preciso arranjar mecanismos de intervenção no circuito da droga para cortar o mal pela raiz, em vez de se adoptar medidas que, realmente, não são mais do que paleativos, como há pouco eu disse, e que não resolvem rigorosamente coisa nenhuma.
Perguntou-me se estou satisfeito com o Instituto de Reinserção Social (IRS). O seu director esteve numa

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reunião da 1.ª Comissão e ele próprio não está satisfeito, sobretudo porque os recursos postos à disposição do IRS não são suficientes - nem nunca o seriam - para atacar desde já o magno problema que é a droga.
Não estamos obviamente satisfeitos, gostaríamos que o IRS tivesse uma capacidade de actuação muito mais ampla, muito maior e fosse capaz de atender e acompanhar os reclusos depois da sua saída da prisão para que não se verifique aquilo que ocorre frequentemente aquando das amnistias, isto é, o regresso à cadeia pela prática de um crime idêntico ou porventura mais violento que aquele que leva à condenação e à prisão.
Portanto, também gostaríamos que o Instituto de Reinserção Social tivesse meios para desempenhar eficazmente as suas funções. Ele tem capacidade para as desempenhar, os meios é que escasseiam.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Duas notas prévias importa aqui referir: respeita a primeira à posição adoptada pelo Sr. Ministro da Justiça, na parte inicial da sua intervenção, no tocante aos juízos de intenção que formulou relativamente aos objectivos da presente interpelação, falando nomeadamente no «aliciar dos vários partidos para uma frente comum». Não se trata apenas da quebra de uma imagem de fair play a que o Sr. Ministro da Justiça nos tem habituado, mas, o que é bem mais grave, da demonstrada incompreensão do que significa uma interpelação parlamentar, e, necessariamente, da sua inserção no próprio regime democrático.
Só teremos todos que nos congratular com o sintoma de vitalidade que representa uma interpelação parlamentar como meio de debater no local próprio a política do Governo em determinado sector, de forma a dela prestar contas perante esta Câmara e perante o País.
A segunda observação prévia que desejamos formular concerne às condições económicas e financeiras de que o actual governo tem desfrutado através da conjugação ocasional de factores altamente benéficos. É sabido que este governo pôde beneficiar da descida do preço do petróleo e da baixa cotação do dólar, mas convirá acrescentar que, segundo insuspeitas conclusões do Fundo Monetário Internacional, «os preços mundiais das matérias-primas atingiram em 1986 o seu mais baixo valor da última década», como foi há dias anunciado em Washington.
Tal significa que não pode o Governo neste ou em qualquer outro sector invocar dificuldades económicas ou financeiras para justificar aquilo que não fez.
E ainda seria de lembrar que só o IVA rendeu em 1986 240 milhões de contos.
Não é, portanto, por falta de dinheiro que o Governo pode defender-se daquilo que não realizou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Perguntei ao Sr. Ministro da Justiça qual era o sistema judiciário que o seu governo pretendia pôr em prática, com o sentido de apurar quais os objectivos assumidos e qual a conexão e o timing da sua realização. A pergunta não obteve resposta. Contudo,
parece manifesto que ela importava o seu esclarecimento, quando, nomeadamente não se encontra conexão entre os brutais aumentos dos valores das alçadas dos tribunais e o divulgado propósito de um diploma governamental sobre o sistema de acesso ao direito. Respondeu apenas o Sr. Ministro à questão pontual da elevação do valor das alçadas, tentando esbater as suas graves consequências, ao afirmar que um outro diploma posterior viria a acorrer a tal situação.
Mas, com isto, o Sr. Ministro acabou por demonstrar que efectivamente não existe nem um sistema nem uma política judiciária, pois tapa-se amanhã o que se destapou hoje, ao sabor das consequências negativas daquilo que primitivamente se fez.
De resto, a consideração de alguns aspectos da situação dos tribunais conduz à mesma conclusão. Ainda há poucos dias, sob o título «Juízes e funcionários acusam Ministério da Justiça - Tribunais poderão parar por... falta de verbas!», os jornais faziam-se eco da grave situação decorrente da falta de orçamento do Gabinete de Gestão Financeira, integrado no Ministério da Justiça, para o ano em curso, orçamento que devia estar aprovado até 31 de Dezembro do ano findo, sendo tal falta de molde a pôr em perigo o normal funcionamento dos tribunais, que poderão parar a curto prazo.
Por outro lado, os oficiais judiciais, também conhecidos por oficiais de diligências, queixam-se de que, tendo de efectuar o serviço externo da respectiva secretaria, preparar a expedição da correspondência e proceder à respectiva entrega e recebimento, prestar assistência às audiências e fazer o serviço que lhes for distribuído, passam a maior parte das tardes a entregar a correspondência por avença, uma média diária de 200 a 300 cartas, a que têm de colar os respectivos talões de registo, enquanto as manhãs são quase exclusivamente ocupadas a preencher os recibos respeitantes a tais registos e a deslocarem-se à estação dos CTT para trazerem a correspondência, tendo ainda de ir à Caixa Geral de Depósitos fazer o pagamento das respectivas guias. É assim evidente que não lhes resta tempo para executar as outras tarefas a que estão obrigados.
Se daqui passarmos para a situação física dos tribunais, por exemplo, na cidade do Porto, o panorama é igualmente bem negro. Os juízos de instrução criminal funcionam no edifício da Polícia Judiciária, no último pavimento e apenas em metade dele. Não são apenas os inconvenientes de não haver uma clara separação entre uns e outros, pois acresce ainda a isto as incríveis condições em que os juízes de instrução criminal têm funcionado, bastando referir que dez funcionários repartem com os móveis um espaço de 48 m2, subdividido para as duas secções, por contraplacado e dexion, consoante foi revelado numa recente reportagem jornalística. Há cerca de um ano um incêndio no Tribunal de São João Novo, onde funcionavam todos os tribunais criminais, danificou gravemente as instalações, prejudicando o seu funcionamento, que já era deficitário. Na altura o Sr. Ministro prometeu a realização de obras, mas tais obras não foram feitas. E como consequência disto, não só um dos juízes correccionais teve de ser transferido para o edifício do Tribunal de Polícia, obrigando os magistrados a percorrerem a distância que os separa do Tribunal de São João Novo para participarem nos tribunais colectivos, como um outro juízo teve de ser transferido para a cave do edifício acidentado.

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E que dizer do Tribunal de Família, antiga casa de habitação, forçadamente adaptada a tribunal, onde as pessoas se acotovelam nos corredores e um aviso junto de um corrimão aconselha a não se encostarem por falta de segurança?
Acresce ainda que, no que respeita, por exemplo, ao Código do Processo Penal, não existe discordância apenas da parte do PCP, como o Sr. Ministro da Justiça aqui referiu, pois tal discordância na sua aplicação, decidida pelo Governo, tal como o diploma se encontra, tem tido, como é público, clara divergência por parte de magistrados e advogados. E o mesmo se passa no que diz respeito à situação das cadeias portuguesas, que, aliás, o artigo do Diário de Lisboa de ontem, citado pelo Sr. Ministro, intitulava, sintomaticamente, «Portugal: as mesmas prisões de há 30 nãos e os (muitos mais) presos de 87.»
De resto, no colóquio sobre «A prisão e as prisões», realizado recentemente por iniciativa do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, foi evidenciado que as prisões portuguesas estão superlotadas e desumanizadas, sendo preocupante a elevada percentagem de presos preventivos (43 %), com a agravante de 57,8 % terem idades entre os 16 e os 21 anos.
Referiu aqui o Sr. Ministro que construiu o Governo em três meses o Tribunal de Monsanto, como é sabido, para o julgamento dos réus das FPs 25. Isto quer dizer que o Governo, neste caso, teve vontade política de resolver um problema que enfrentava.
Mas quer dizer também que se os outros problemas não são resolvidos não é, essencialmente, por falta de meios, mas afinal por falta de vontade política para isso.
Daqui conclui o MDP/CDE que esta interpelação responsabiliza o Ministério da Justiça e o Governo por tantas e tão graves deficiências que aqui foram devidamente assinaladas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Como defende John Rawls, uma teoria, por mais atractiva e esclarecedora que seja, tem de ser recusada ou revista se não for verdadeira; de igual modo não importa que as leis e instituições estejam ordenadas e sejam eficientes; se são injustas, terão de ser reformadas ou abolidas. Daí que, conclui aquele autor, a justiça seja a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento.
O Programa do X Governo Constitucional dá particular relevo à acção neste domínio e defende, como primordial objectivo, a adequação da justiça à dignidade e aos justos interesses das pessoas numa efectiva relação de proporcionalidade, tendo em vista a concretização de diversas tarefas, de entre as quais salientarei as seguintes: aprovação da legislação processual penal; redimensionamento do Instituto de Reinserção Social; especial atenção aos serviços prisionais.
Quanto ao primeiro aspecto, salientarei que a recente aprovação daquele diploma contém a distinção entre a chamada criminalidade grave e a pequena criminalidade, que justificam, como realidade distinta que é, uma reacção social e formal diferente. Destaca ainda a possibilidade de suspensão provisória do processo sumaríssimo e o abandono de distinção entre instruções preparatória e contraditória, entre outras.
Mas há que realçar, sobretudo, as medidas contidas no novo Código de Processo Penal, em sede de prisão preventiva. Elimina-se a vexata quaestio da incaucionabilidade dos crimes estipulados nos Decretos-Leis n.ºs 274/75, de 4 de Junho, e 377/77, de 6 de Setembro, que é mantida na revisão da legislação penal pelo Decreto-Lei n.º 477/82.
A prisão preventiva, à luz do novo Código de Processo Penal, acentua-se como medida cautelar processual, pelo que nunca deve ser obrigatória, mas apenas subsidiária ou mesmo excepcional, tendo a autoridade judiciária que tomar uma decisão em atenção às circunstâncias concretas do caso.
Há uma nítida adequação com a filosofia do Código Penal no que concerne à postura face à prisão, uma vez que este diploma legal entende a prisão como um mal a evitar no estádio da condenação e estipula uma vasta panóplia de medidas substitutivas da prisão.
Desta forma, completa-se e reforça-se o arquétipo jurídico-penal que o Código Penal ensejou, pois que as medidas alternativas à prisão só fariam sentido com a abolição da incaucionabilidade dos tipos de crime. Não faria sentido deter um cidadão em regime de prisão preventiva, por prática de um crime incaucionável, 7 e 8 meses ou mesmo mais, para lhe aplicar depois, em sede de sentença, uma medida substitutiva da prisão.
É de louvar a atitude do Governo, em sede de aprovação do Código de Processo Penal, ao estipular a imediata entrada em vigor do novo regime legal consagrado no artigo 209.º, assim como a consequente revogação do anterior decreto-lei.
Quanto ao segundo aspecto, direi que a obra realizada até hoje pelo Instituto de Reinserção Social, na prossecução das suas atribuições, tem-se afirmado de uma maneira crescente. Toda a actividade de planeamento, gestão e coordenação, mesmo os projectos de concepção e regulamentação (v. grande alteração dos requisitos de ingresso na função pública, regulamentação da emissão de certificados de registo criminal ou a defesa dos trabalhadores ex-reclusos no âmbito do novo diploma regulador do subsídio de desemprego), o apoio técnico aos tribunais na aplicação e execução das medidas penais de prisão alternativa a estas e o apoio aos reclusos em estabelecimentos prisionais ou em liberdade condicional.
De destacar, nesta última parte, os relatórios para escolha e medida da pena, sobre a personalidade e condições de vida do réu e, eventualmente, da vítima e o acompanhamento da suspensão e execução da pena ou a da substituição da multa não paga por dias de trabalho.
De sublinhar a acção de particular relevo que os técnicos do Instituto de Reinserção Social têm nos estabelecimentos prisionais, onde a sua acção abrange o apoio ao recluso e respectivas famílias, a articulação com vários sectores da instituição prisional, no sentido de preparar, da melhor forma possível, a saída em liberdade.
Porque a ciência judiciária do direito se sobrepõe cada vez mais à tradicional ciência do direito, muito mais e melhor tem de ser feito nesta área particularmente sensível. Mas é o próprio Instituto de Reinserção Social que, de olhos postos no futuro, se lança na

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prossecução e desenvolvimento do seu objecto. Veja-se, por exemplo, á articulação com as instituições públicas e privadas com vista à criação das condições para implementar as medidas de trabalho a favor da comunidade, a instituição de lares de transição e centros de dia para jovens delinquentes social e familiarmente desinseridos.
Estou certo que com medidas tendentes a dinamizar o processo de integral aplicação da legislação penal, com uma divulgação promovida pelo Instituto de Reinserção Social de todas as virtualidades do sistema e com uma interiorização, por parte dos tribunais, mais rápida e integral da filosofia da actual legislação penal, a reforma que preconizamos será conseguida em toda a sua dimensão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É o próprio Código Penal que, no respectivo preâmbulo, ao consubstanciar como trave mestra que as penas devem ser executadas com sentido pedagógico e ressocializador, se interroga em saber se aquele objectivo pode ou não ser destruído pela existência da prisão. É pacífico considerar, nos dias de hoje, as prisões como potenciais escolas de crime, ao predisporem o recluso para um comportamento anti-social. Só que ninguém se atreve, dadas as razões de segurança da sociedade onde nos inserimos, a defender consequentemente a sua abolição. Daí que, se temos que viver com as prisões, impõe-se assegurar um. sistema penitenciário gradualmente renovado, respeitador do ser humano e que compatibilize o respeito da autoridade do Estado e a segurança dos cidadãos com um tratamento dos reclusos que possibilite a sua reintegração social.
Situa-se neste enfoque o trabalho prisional que, em conjunto com a formação profissional e a formação escolar, integram uma das importantes técnicas de tratamento penitenciário no sistema prisional português. Em situação de formação profissional clássica, repartidos por várias instituições e várias especialidades, encontram-se ocupados, como já foi referido, 70% dos reclusos condenados.
Mercê dos acordos com outros Ministérios, nomeadamente o Ministério do Trabalho, têm vindo a ser, paralelamente àquelas actividades, promovidos cursos de formação profissional em diversas áreas, para assim acentuar este enfoque que já atrás referi.
Mas, se isto é assim, é um facto a existência de más ou, por vezes, péssimas instalações prisionais e, em certos casos, de superlotação de determinados estabelecimentos.
É certo que a prisão de Monsanto não serve e é infra-humana. Mas, segundo testemunhos da época, ela já não servia há 40 anos. No entanto, quem, senão o actual Governo, tomou a decisão de a encerrar? Quem senão o actual Governo tomou iniciativas em sede de construção de novas cadeias?

Vozes do PSP: - Muito bem!

O Orador: - Não basta falar ou conceder entrevistas. Há que decidir e executar medidas concretas de índole reformista e este Governo tem-no feito sem tibiezas ou incoerências.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não basta falar em Émile Durkheim para explicar a recente vaga de suicídios. Um dos jovens que há dias pôs termo à vida já tinha estado detido anteriormente, em regime de prisão preventiva, durante oito meses, tendo sido absolvido no julgamento. Tratava-se da segunda prisão preventiva, que já se arrastava há 10 longos meses sem que o julgamento se efectivasse. Acrescente-se ainda que a esmagadora maioria dos jovens que recentemente pôs termo à vida se encontrava em regime de prisão preventiva:
Estou em crer que as recentes medidas em sede de legislação processual penal, com particular destaque para o novo regime da prisão preventiva, aprovado recentemente pelo Governo, como já referi, as novas tarefas cometidas ao Instituto de Reinserção Social e as medidas tomadas pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais no que concerne especialmente ao regime de acolhimento e ao acompanhamento de tóxico-dependentes melhorarão substancialmente ás deficiências do sistema.
Assim é notória, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros e Srs. Deputados, a particular atenção, empenho e capacidade de resposta que o Ministério da Justiça tem demonstrado nesta área sensível e de capital importância para os dias de hoje e, sobretudo, para a sociedade mais justa e solidária quê queremos construir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Coutinho.

O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros' do Governo; Srs. Deputados: Hoje em dia a palavra juventude é utilizada até à exaustão como sinónimo do futuro e esperança num Portugal mais próspero e justo.
Os vários governos, com insistência, elegem aparentemente os jovens como ponto prioritário da sua acção e apresentam-se como seus incontestáveis defensores.
Lamentavelmente meus senhores, é aqui que a hipocrisia mais se aviva e se assiste ao maior desfasamento entre as palavras e os actos, numa falsidade inquietante. O tema desta curta intervenção prende-se com a situação e perspectivas dos menores em perigo físico e moral que, pelo facto de serem vítimas das maiores carências, não deixam de ser jovens e portugueses.
A falta de afecto, compreensão e de condições de vida saudável; o ódio, revolta e inadaptação; o consumo de estupefacientes, a mendicidade, vadiagem e prostituição levam em média anualmente cerca de 2000 adolescentes aos tribunais de menores, acusados de praticaram as mais variadas infracções criminais.
Ora, face a este gritante fenómeno o que têm feito os nossos governantes pela demanda de soluções?
Pouco, tão pouco, que diríamos que a opção se tem traduzido no comportamento da avestruz quando vislumbra dificuldades.
Para além da falta de eficazes e correctas políticas de educação, emprego, habitação, etc., matérias sobre as quais não nos pronunciaremos hoje visto não caberem directamente no objecto desta interpelação, assiste-se a um autêntico descalabro nos serviços que acolhem os menores e que têm, por lei, a responsabilidade de lhes fornecer acompanhamento e apoio a vários níveis com vista à sua reeducação e readaptação social.

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Senão, vejamos: a secção masculina do Centro de Observação e Acção Social de Lisboa tem uma zona dita de isolamento para casos «mais difíceis» com quartos sem mobiliário onde, à noite, são colocados colchões velhos e mantas para os menores dormirem.
O Instituto de São Fiel, em Louriçal do Campo, possui um ginásio que serve de camarata onde as crianças dormem há anos, ocupando até o próprio palco e as galerias, suportando no Verão temperaturas elevadas e um ambiente abafado e no Inverno o frio e a humidade.
O Centro de Observação e Acção Social do Porto suspendeu há cinco anos as obras respeitantes à restauração da secção feminina, o que provocou a total inutilização de uma parte significativa do estabelecimento.
O Centro Escolar de São Bernardino tem os menores amontoados num só pavilhão e o seu director lamenta-se da escassez de verbas disponíveis para alimentação e da falta de educadores e pessoal de vigilância.
O Instituto de São José condicionou a lotação por falta de pessoal e de verbas para alimentação.
O Instituto de Caxias, não obstante possuir espaço para o internamento de mais menores, encontra-se impossibilitado de o fazer também por escassez de funcionários.
O Instituto da Guarda, devido à interrupção das obras que se estavam a efectuar, comprometeu o funcionamento normal e o aproveitamento do estabelecimento tornando-o desconfortável e vulnerável à penetração do frio e das intempéries que fustigam a região.
O Centro Polivalente de Faro é uma casa fantasma. Desde que foi adquirido e até ao momento nunca funcionou e, - pasme-se - já teve duas directoras.
Os lares de semi-internato do Porto e de Lisboa encontram-se igualmente de portas fechadas.
Segundo palavras proferidas pelo próprio Secretário de Estado da Justiça, «só estão providos menos de 50% dos lugares do quadro dos serviços tutelares de menores» o que tem levado os serviços a recorrerem a tarefeiros e elementos oriundos dos programas OTJ - Organização do Tempo dos Jovens, privando os menores de acompanhamento que se afigura imprescindível por pessoal qualificado.
Assim, como consequência da exiguidade de verbas para alimentação, da degradação de alguns edifícios, do não funcionamento de outros e da falta de pessoal, temos um grande número de menores a aguardar vagas nos estabelecimentos tutelares e até na rua.
À laia de exemplo podemos citar o Centro de Observação e Acção Social do Porto onde, no fim de Outubro do ano transacto, aguardavam cumprimento de medida judicial 57 rapazes e 22 raparigas, havendo um jovem que esperou quinze meses para ser colocado no Instituto de São Fiel. Só assim se explica que menores, a quem foi vedado o cumprimento de medida de internamento ou colocação nos estabelecimentos de reeducação, lares de semi-internato ou instituto médico-psicológico, acabem por ser enviados mais tarde ou mais cedo para as cadeias onde aí, sim, se arranja sempre lugar.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, muitas das crianças inadaptadas e marginalizadas serão inevitavelmente os criminosos de amanhã se a sociedade não os souber receber, compreender e preparar para que se reconheçam úteis a si próprios e ao seu país.
Como tal, há que inverter a nossa realidade.
Os menores delinquentes não podem ser considerados como um peso morto que é necessário atirar para uma agreste instituição que velará para que não importunem o pacato e civilizado cidadão. Os serviços tutelares de menores deverão ter como único objectivo a protecção, a assistência, a educação e a recuperação das crianças e jovens que por eles têm que passar.
É esta a primeira grande metamorfose a operar na vida quotidiana dos estabelecimentos de reeducação e nos centros de observação e acção social. Só o menor com toda a gama de problemas inerentes à sua entrada ali, à sua personalidade e com toda a complexidade de carências de que é portador poderá constituir a razão essencial da existência dos mesmos.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, é inadmissível que ao longo dos anos e de sucessivos governos os graves problemas vividos nos serviços tutelares de menores tenham sido sistematicamente esquecidos para não dizer sonegados. Infelizmente, os ventos de mudança ainda não se fazem sentir, a avaliar pela inércia revelada por este executivo. Não é suficiente tapar uns pequenos buracos num edifício em riscos de ruína, é necessária uma acção determinada e renovadora, para lhe dar a estrutura de que necessita a fim de se manter recto, seguro e viável.
Já afirmava Lacassagne:
O meio social é o caldo de cultura da criminalidade; o micróbio é o criminoso que não tem importância senão quando encontra o caldo que o faz fermentar.
Não esqueçamos que os nossos serviços tutelares, tal como estão, constituem componente nociva desse mesmo caldo.
Vai o Ministério da Justiça assumir a obrigação de debelar esta verdadeira crise que atravessam os referidos serviços e que tanto prejudica um sector da tão propalada força do futuro, a Juventude?
A ver vamos...

Aplausos do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado Eduardo Pereira (PS).

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jaime Coutinho, a minha pergunta é muito simples.
Há tempos, o Sr. Deputado apresentou um conjunto de requerimentos ao Governo sobre a situação dos Serviços Tutelares de Menores. Nesses requerimentos assinalou a existência, no âmbito desses serviços, de um conjunto de escândalos que, de resto, delimitou muito concretamente. A minha pergunta vai no sentido de saber se o Sr. Deputado tem já resposta do Governo em relação às questões muito concretas que suscitou ou se continua a ver o silêncio espesso que o Governo entendeu manter sobre esta questão, a qual devia exigir uma resposta cabal.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Coutinho.

O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Sr. Deputado José Magalhães, para o esclarecer devo dizer que, aos dez

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requerimentos que apresentei até ao momento, só recebi resposta do Governo a um deles que era sobre a situação das instalações da Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores.
Quanto às respostas aos requerimentos que me parecem essenciais e que, afinal, acabei por repetir na minha intervenção, até ao momento não houve qualquer tipo de resposta sobre essa matéria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Talvez o Governo possa responder um dia destes!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quase no final do século XX podemos afirmar ser hoje generalizado o reconhecimento dos direitos do homem, não obstante continuar, infelizmente, a ser regra, em extensas áreas do nosso planeta, o seu desrespeito ou violação.
Foi longa a caminhada através dos séculos antes que se pudesse dizer, como Radbruch, que «o conceito de pessoa é necessariamente um conceito de igualdade».
Sem ir a tempos mais recuados, creio não ser possível falar em direitos do homem sem recordar, pelo menos, a primeira declaração que formalmente a eles se referiu, produzida em 1776 na Virgínia, logo seguida em 1789, em França, da «declaração dos direitos do homem e do cidadão».
De um conceito inicialmente político dos direitos do homem, evoluiu-se para um conceito também económico, social e cultural, de que é exemplo claro a Constituição Portuguesa. Não basta, no entanto, reconhecer direitos ao homem. É preciso também assegurar a todos o seu efectivo exercício.
Por vezes, devido a carências económicas ou insuficiências culturais, o cidadão desconhece direitos que tem, ignora os interesses que a lei lhe protege, está impedido de defender uns e outros em tribunal.
Não chega, portanto, declarar direitos. É preciso que aos menos desfavorecidos, quer económica, quer culturalmente, se dê a possibilidade de os exercer. Só assim será possível democratizar a justiça e realizar a igualdade jurídica dos cidadãos.
Com esse objectivo surgiram recentemente em todo o mundo ocidental experiências legislativas e outras com a preocupação de tornar o direito acessível aos cidadãos.
No campo da informação jurídica citarei apenas os seguintes: nos Estados Unidos, as Legal Aid Societies, que rapidamente alastraram pelo território norte-americano; na Grã-Bretanha, a assistência jurídica prestada com o apoio financeiro da Law Society; na Suíça, o Permanence, criado pela Ordem dos Advogados de Genève como gabinete de apoio jurídico ao público; em França, os gabinetes de consulta jurídica criados pelas Ordens dos Advogados e pelos sindicatos.
Na área do apoio judiciário merecem referência especial: na Grã-Bretanha a Legal Advice and Assistance Act, de 1972; em França, no mesmo ano, a Aide Judiciaire; na Suécia, em 1976, a Lei da Assistência Judiciária.
Em Portugal, após a revisão de 1982, a Constituição, no seu artigo 20.º, dispõe o seguinte:

Todos tem direito à informação e à protecção jurídica, nos termos da lei.
A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
É o que entre nós se passou a chamar «acesso ao direito». Vem substituir a antiga Assistência Judiciária e a nomeação oficiosa, que têm estado em vigor e que não satisfizeram.

Convertidas em mero formalismo, que não assegura minimamente a defesa dos direitos dos interessados, a assistência judiciária e a nomeação oficiosa permitiram apenas que à classe forense fosse atribuído todo o custo social do instituto.
O novo acesso ao direito - que encaramos com esperança - é estruturalmente diferente. Apresenta-se em três vertentes:

A informação jurídica; A consulta jurídica; O apoio judiciário.

A informação jurídica vem ao encontro de um direito constitucional, o de ser informado, e traduzir-se-á em acções a promover pelo Governo para tornar conhecidas as leis e o direito.
A consulta jurídica será assegurada através de gabinetes para o efeito constituídos, aonde se dirigirão os interessados, para expor os seus casos concretos.
Finalmente, o apoio judiciário abrange a dispensa de pagamento dos encargos do tribunal e dos respectivos advogados e solicitadores.
Na futura regulamentação do apoio judiciário deverá introduzir-se, no entanto, o máximo de objectividade, de forma a dotar o instituto de certeza e segurança.
O apoio judiciário dirige-se aos economicamente mais desfavorecidos. Defina-se, portanto, com objectividade, a situação de carência económica - tomando como unidade o salário mínimo - de forma a retirar ao juiz a discricionariedade na concessão ou recusa do apoio judiciário. Não é socialmente aceitável deixar a decisão ao mero critério do julgador, com todos os inconvenientes que resultam desse critério variar de pessoa para pessoa, de tribunal para tribunal.
Também na determinação das remunerações aos profissionais forenses devemos procurar não cair no subjectivismo. Creio que um esquema próximo do francês, com a publicação de tabelas de honorários, distinguindo espécies de processos e instâncias, poderá ser boa solução, pois evitaria o trabalho imposto e diversificado da avaliação peça a peca.
De qualquer forma, a Ordem dos Advogados deverá ser o orgão competente para coordenar e controlar o instituto do acesso ao direito, nomeadamente fazendo os pagamentos aos profissionais do foro com os fundos que o Estado puser à sua disposição.
Na área da consulta jurídica já se fez mais. Dentro do plano geral de acesso ao direito, o Ministério da Justiça celebrou, em finais de 1986, um convénio com a Ordem dos Advogados para assegurar o funcionamento, em Lisboa, de um gabinete de consulta jurídica. Esse gabinete, que já arrancou, constitui uma experiência que será alargada, depois, a todo o País.

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Ao mesmo tempo está pronta, a aguardar aprovação em Conselho de Ministros e posterior remessa a esta Assembleia, uma proposta de lei sobre o acesso ao direito, no cumprimento do artigo 20.º da Constituição. Trata-se de matéria que recolherá, certamente, um largo consenso nesta Câmara e que permite configurar a sua aprovação em prazo útil.
Cabe, portanto, ao X Governo Constitucional o mérito de dar forma e substância ao acesso ao direito. Por este facto felicito o Governo e, em particular, o Sr. Ministro da Justiça.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E lamento que, num momento tão importante como este de interpelação ao Governo na área da justiça, seja visível um vazio na bancada do Partido Socialista que permite pensar que esta interpelação não passa de um mero formalismo.

Aplausos do PSD.

O instituto do acesso ao direito irá permitir a todos os portugueses - independentemente da sua condição económica, social, ou cultural - o exercício Brohi afirmou que «o ideal da justiça é o princípio constitutivo da vida política». Srs. Deputados, a implementação do acesso ao direito - cujo mérito cabe a este governo - será mais um tributo prestado a esse valor ou ideal que é a justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado Correia Afonso, V. Ex.ª fez, pelo menos na parte inicial da sua intervenção, uma divagação teórica e julgo que abstracta, sobre a questão do acesso ao direito, designadamente sobre as formas que pode revestir.

Entretanto, quando eu já, de certa forma, desanimava de o ver referir algo de concreto, foi o Sr. Deputado que nos anunciou - pelo menos não dei conta que o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado o tivessem feito, e se porventura o fizeram peço desculpa, até porque houve uma altura em que, por razões que não vem ao caso mencionar, tive de me ausentar - que o Governo tem uma proposta de lei para apresentar sobre esta matéria.
Eu tinha referido, e até em termos elogiosos, o projecto de lei do PCP e tinha questionado o Governo - ainda não obtive respostas - sobre esta matéria, sobre o que pensava do diploma do PCP e se pensava apresentar uma proposta de lei. Acabo de saber, por intermédio de V. Ex.ª, que o Governo tem uma proposta de lei. É uma nova forma de o Governo anunciar as suas intenções...

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, só queria esclarecer que não dei qualquer privilégio ao Grupo Parlamentar do PSD. Realmente, aqui na Sala, num petit comité, falei com Srs. Deputados de várias bancadas sobre esse projecto de proposta de lei. Portanto, não houve propriamente uma penalização ou um interposição de nenhum grupo parlamentar.

O Orador: - Com certeza, Sr. Ministro.
Aliás, de V. Ex.ª não esperava outra coisa. Acontece é que o PRD costuma estar fora dos pequenos comités, embora com V. Ex.ª tivesse muito gosto em estar presente. E aproveito a oportunidade para, uma vez mais, salientar que, de V. Ex.ª e de toda a equipa do Ministério da Justiça, a Assembleia costuma ter uma receptividade e uma colaboração que gostaríamos muito de ter da parte de todos os departamentos governamentais.

O Sr. Ministro da Justiça: - O PRD não estava fora do comité, estava apenas fora da Sala, logo não pôde organizar um petit comité. Contudo, com o Sr. Deputado será sempre um grande comité.

O Orador: - Claro, com a presença do PRD, passa de facto a ser um grande comité. Mas esperamos que V. Ex.ª nos avise quando organizar esses comités porque teremos muito gosto em estar presentes.
Mas deixando esta parte lateral, queria aproveitar para pedir ao Sr. Deputado Correia Afonso, se puder, nos dizer algo sobre essa proposta de lei ou então sobre o que o PSD, ou mesmo V. Ex.ª, defende nesta matéria, designadamente quanto aos vários modelos possíveis: desde a advocacia convencionada até certos tipos de intervenção que citei como existentes em alguns países ocidentais, nomeadamente nos Estados Unidos da América. Qual é, pois, o modelo que V. Ex.ª entende que deve ser utilizado em Portugal?
Por outro lado, o que pensa que o Estado Português deve assegurar em meios, designadamente orçamentais, para que seja prosseguido este objectivo essencial que permita aos cidadãos terem um acesso ao direito, logo à justiça, em condições minimamente dignas e não na total desigualdade que hoje se verificar e que faz com que possamos dizer que, infelizmente, também em matéria de justiça, há cidadãos de primeira e de segunda?

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Correia Afonso, longe de nós «puxar galões» em relação à questão do acesso ao direito. É sabido que o PCP foi o primeiro partido, e até agora o único, que apresentou um projecto de lei sobre essa matéria. Na altura do debate de apresentação, o Sr. Deputado Correia Afonso até teve ocasião de nos dirigir algumas palavras elogiosas e o Sr. Ministro da Justiça até se deu ao trabalho de, num despacho publicado na 2.ª série, em 24 de Junho de 1986, dizer que se tratava de um documento notável que deveria ser objecto na reflexão e de atenta análise.
Espero que não se passe em relação ao acesso ao direito o que se passou quanto ao papel selado: a Assembleia da República aboliu o papel selado e depois assistimos a uma luta um pouco ridícula em que o Governo se reclamava do mérito de o ter abolido. Abolimos o papel selado, tal como vamos abolir a desigual-

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dade no acesso à justiça, e isso será um mérito dos partidos que votarem tal diploma, sem louvaminhas e sem tentativas de chegar primeiro a uma meta a que é importante que cheguemos o mais depressa possível e em maior e mais alargada formação.
Sr. Deputado, gostava de lhe fazer uma pergunta, não sobre isto, mas sobre uma outra questão em relação à qual espero que o Governo, já não digo que se antecipe porque não o pode fazer, mas que chegue à vanguarda, se não se ofende com esta expressão. Refiro-me à questão das vítimas de crimes.
Como é que encara a criação de dispositivos especiais, designadamente de SOS/vítimas e de mecanismos de antecipação de certas indemnizações e incentivo às associações de vítimas para acabar com a situação lamentável que se vive no País nesse domínio? Era esta a pergunta que lhe deixava, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem. a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Correia Afonso, o meu camarada José Magalhães já pôde sinalizar uma das pechas que enodoam o seu discurso, que, suponho, terá agora oportunidade de corrigir. De qualquer forma, ainda subsistem algumas dúvidas.
O Sr. Deputado fez um excurso histórico-teorético sobre as realidades do acesso ao direito, tendo citado Radbruch. Fiquei, apesar de tudo, tranquilo, porque temi que, a certa altura, viesse o Lõwnstein ou o Otto Bachoff, na época da revisão constitucional, e aparecesse para aí à defender a anti-constitucionalidade das normas constitucionais. Enfim, ficámo-nos pelo Radbruch, o que já não é mau.
A verdade é que, depois, procedeu à análise de toda uma problemática que, de facto, é importante. A dado momento, referiu as acções empreendidas pelo Governo - que todos sabemos serem indiciáticas e pouco significativas, deixando inteiramente de fora aquelas que entende serem urgentes e de propulsionar no curto e no médio prazo:

Gostaríamos, pois, de conhecer o pensamento do PSD e do Sr. Deputado Correia Afonso nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Srs. Deputados, é evidente que esta matéria da justiça é uma matéria séria que, portanto, deve ser olhada com a consciência de que todos contributos, venham eles de qualquer bancada, mesmo da bancada do PCP, embora mais raros, são bem recebidos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mais raros?!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Ministro não é da mesma opinião!

O Orador: - Todos juntos não somos de mais para tratar de uma área que, neste momento, é maltratada e que tem de evoluir. Mas essa evolução é necessária, não só agora, mas desde há décadas, tal como é necessário que todos tenhamos consciência disto.
O Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos disse que eu divaguei através de experiências que se passaram lá fora. Foi um caminho que escolhi: vir de lá de fora até aqui, para chegar à realidade do acessorato direito em Portugal.
E o que se passa nesta matéria no nosso País é que, efectivamente, se estão a dar passos significativos. Claro que não sou o porta-voz do Governo para poder dizer ao Sr: Deputado qual o conteúdo minucioso do texto que está para aprovação em Conselho de Ministros. Mas como fez uma pergunta relativa ao meu pensamento quanto ao modelo, posso dizer-lhe aquilo que me parece mais conveniente em Portugal.
Como sabe, o acesso ao direito tem, tal como há pouco referi, três vertentes. Na informação jurídica que, no fundo, tem como objectivo elucidar os cidadãos dos direitos que possuem, têm de ser desenvolvidas acções pelo Governo, usando a comunicação social, e não só, de forma a fazer chegar ao cidadão mais distante e mais afastado o conhecimento daquilo que está na Constituição e nas outras leis e de que ele é titular; no fundo, é dar-lhe o conhecimento dos direitos que ele pode exercer.
Quanto ao problema da consulta jurídica, ele é mais complicado porque precisa de um desenvolvimento logístico através do País. Não se pode esperar que se venha de Trás-os-Montes à consulta em Lisboa.
Neste momento está instalado um gabinete de consulta jurídica gratuita em Lisboa, mas está experiência tem de ser alargada ao resto do País.
Estaria a mentir se hão confessasse ao Sr. Deputado que é difícil fazer uma boa cobertura do País em termos de consulta jurídica. No entanto, acho que se deve fazer a melhor que for possível no sentido de procurar que os gabinetes cheguem aos cidadãos.
Quanto ao apoio judiciário, creio que o modelo francês - e há pouco referi isso - talvez seja o que melhor se adapte ao caso português. Como sabe, antes havia a Assistance Judiciaire que em 1972 passou a ser Aide Judiciaire. E no próprio jornal oficial que estão publicadas as tabelas e as tabelas distinguem as espécies de processos: distingue em cada processo quanto é por cada instância, de forma a criar-se um: critério que não fica dependente de subjectivismo. Quando o advogado a quem se recorre em termos de apoio judiciário intervém, ele sabe perfeitamente quanto é que vale o seu trabalho. É evidente que estes fundos tem de ser obtidos através do Orçamento do Estado; mas - e também neste aspecto seguiria a experiência francesa - o pagamento deve ser feito através da Ordem, porque a advocacia continua a ser uma, profissão exercida em termos liberais.
Em França, o próprio jornal oficial define, em termos perfeitamente claros e objectivos, o que é a carência económica, de forma que retira ao tribunal a possibilidade de dizer que, neste caso, em que se ganha 30 000$, há carência económica e depois dizer no tribunal ao lado que quando o rendimento é de 25 000$ a carência já não existe. Portanto, proeurou criar-se uma certa uniformidade de critérios - julgo que aqui deveríamos seguir o mesmo caminho.
Se o Sr. Deputado me perguntar se isso deve aparecer na proposta de lei sobre o acesso ao direito, dir-lhe-ei que talvez isto seja matéria regulamentar, mas que deverá ser necessariamente publicável para que todos; saibam com o que contam, quer os profissionais, quer os que recorrem ao instituto de acesso ao direito.

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Sr. Deputado José Magalhães, há pouco referi que nesta matéria de acesso ao direito, como em tudo nesta área da justiça, todos os contributos são necessários, e quando não sejam recolhidos pelo menos dão maiores alternativas a escolher.
Não tive a preocupação de recusar ao PCP o mérito de já se ter interessado pelo acesso ao direito. Apenas disse que no campo do Governo o estudo estava feito, o texto estava pronto e apenas aguardava a aprovação do Conselho de Ministros. Volto a dizer que aqui, na Assembleia, não fui o porta-voz dessa novidade.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, muito brevemente, porque o tempo de que disponho está a esgotar-se, apenas lhe direi que nesta área da justiça há muita matéria sobre a qual me poderia debruçar e alguma com necessidade de tratamento urgente: estou a pensar nas prisões, estou a pensar nas instalações judiciárias, estou a pensar na reforma do pessoal judiciário, estou também a pensar na própria reforma do processo. Simplesmente, quando refiro estas áreas tenho a consolação de saber que o Governo as está a atacar, que as conhece e que as vai procurar resolver.
Porém, os Srs. Deputados não podem esperar que esta matéria, que se não resolveu em 50 anos, se resolva em catorze meses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Tiago Bastos.

O Sr. Tiago Bastos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O estado dos estabelecimentos prisionais é, na sua generalidade, calamitoso!
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tem tido a oportunidade de visitar algumas prisões ao longo do País e a sua opinião parece unânime: o sistema prisional português está, no mínimo, em muito mau estado! Várias vezes tem encarado a necessidade de se virem a adoptar medidas de emergência para pôr travão à situação de completa degradação que hoje se vive.
Não estou convencido que os suicídios ocorridos sejam resultado só desta situação, mas não há dúvida nenhuma de que ela ajudou e ... bastante.
Num debate sobre justiça, como este que hoje está aqui a decorrer, não podemos ignorar esta situação, nem encontrar umas quaisquer respostas fáceis.
O Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais, que, honra lhe seja feita, tem prestado preciosa colaboração, e nos parece, de facto, empenhado, não pode ao mesmo tempo dizer que não tem pessoal médico, enfermeiro, guardas prisionais, não pode ao mesmo tempo dizer que as verbas não chegam para a manutenção e funcionamento e, simultaneamente, afirmar que a única coisa que está mal é Monsanto, ainda que, no caso, tenha abundantes razões.
De facto, quem quer que visite Monsanto, mesmo que de passagem, perceberá que não é possível ter grupos de jovens, alguns mesmo muito jovens, metidos às dezenas em curros, horas e horas seguidas, com recreios curtíssimos, com camas no chão que mais parecem enxergas, enfim, envoltos em toda uma degradação difícil de imaginar!
É fácil concluir que Monsanto se devia fechar, que Monsanto já devia estar fechado há uns 20 anos, mas é grave que nada se faça para que isso aconteça e, ao invés, continuemos a encher aquele estabelecimento prisional. Diz-se sempre que não há dinheiro; mas quando foi preciso fazer o tribunal de alta segurança exactamente em Monsanto, o dinheiro apareceu.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Muito bem!

O Orador: - Mas se Monsanto é péssimo, a generalidade dos outros estabelecimentos estão bem longe de serem bons!
Aqueles que visitamos - e refiro-me particularmente aos de preventivos - tinham graves problemas de higiene. Assim, por exemplo, na Penitenciária de Lisboa, os reclusos, na sua grande maioria, dispõem apenas, para a sua higiene diária enquanto estão fechados, de um balde colocado no interior da cela.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - A assistência médica é altamente insuficiente e rareiam os enfermeiros a ponto de, com frequência, a assistência ter de ser prestada pelos próprios reclusos. Múltiplos exemplos poderiam ser dados para ilustrar aquilo que afirmo. Citarei apenas o caso daquela rapariga tóxico-dependente que obteve o teste de gravidez cinco meses depois de solicitado ou daquela outra que foi engessada dois meses depois de ter partido o braço.
Sabemos que a responsabilidade desta situação não é deste governo, nem de qualquer outro considerado de modo isolado, mas de todos os que passaram pelo poder, embora com grau diferente.
Mas importa dizê-lo com frontalidade - este governo age irresponsavelmente quando orçamenta verbas que, em 1986, não chegaram sequer para meio ano, ou quando este ano orçamenta verbas que, à partida, se tem a certeza de que serão claramente insuficientes.
Este governo age de modo pouco responsável quando acena com o Código de Processo Penal como resolução para todos os problemas dos presos preventivos, o que se sabe não irá nem poderá acontecer.
Mas, além disto, o Governo não preenche os quadros de pessoal. Sabemos que o quadro de enfermeiros, de médicos, de educadores e de guardas não está preenchido, sabemos também que os serviços têm carências urgentes, mas o Governo limita-se a fazer o diagnóstico. E é assim - e este é apenas um exemplo - que num quadro de 145 educadores estão preenchidos pouco mais de metade. Mais: os técnicos de educação funcionam como meros censores. Tem sido essa a sua função e é essa a imagem que mantém junto dos reclusos.
A situação agrava-se ainda mais - e de que modo - quando se misturam preventivos com reclusos que estão a cumprir penas, alguns por crimes graves, jovens com velhos, presos com grandes antecedentes criminais com outros que são primários, etc.
Tudo isto faz com que se assista a uma profunda perversão na utilização dos estabelecimentos prisionais, ou seja, os estabelecimentos prisionais estudados para a reinserção social, para a recuperação para o trabalho, estão a ser utilizados como depósitos de indivíduos reincidentes com uma taxa de recuperabilidade baixíssima - 52% dos reclusos são reincidentes.

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É particularmente grave quando verificarmos que o número de condenados no escalão etário entre os 20 e os 29 anos vem aumentando progressivamente e que os preventivos representam 40% da população prisional, sendo 57,8% dos jovens detidos entre os 16 e os 21 anos que estão em regime de prisão preventiva, chegando-se ao ponto de numa população de oito mil e tal reclusos a diferença entre condenados e preventivos ser apenas de 870. Gostaria de lembrar que a ONU considera a prisão preventiva um último recurso e, mesmo assim, com uma duração mínima possível.
Não podemos esquecer a outra face da medalha, ou seja, os guardas prisionais, que são poucos e vivem em condições insuportáveis, chegando mesmo a fazer 70 horas semanais... pudemos, aliás, apreciar o ambiente esgotante de trabalho daqueles homens.
Neste caso, é a segurança que tem de ser posta em causa, são os fins da prisão que têm de ser questionados.
Por outro lado, o auxílio aos tóxico-dependentes continua a ser largamente insuficiente. Ficámos a saber que em 1990 vão existir, no seu conjunto, dez unidades de tratamento que vão cobrir menos de 40 % das necessidades. Mas a situação é ainda mais grave em relação aos reclusos tóxico-dependentes, que não podem, pura e simplesmente, ser atirados para dentro de uma cela.
Algumas palavras sobre os sete suicídios que no espaço de dois meses ocorreram nas prisões portuguesas.
Não se pode dizer despreocupadamente que o número não é elevado, que comparativamente com outros países é até bastante baixo, esquecendo, entre outras coisas, que neste curto espaço se ultrapassou já o número médio de suicídios por ano!
Este problema tem-nos preocupado bastante, designadamente à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Parece que só o Governo não está especialmente preocupado.
Mas referi este assunto particularmente para realçar um facto que me parece espantoso. Com efeito, foram precisos cinco suicídios para que se tomassem algumas medidas louváveis, mas que não se compreende que tenham demorado tanto tempo a ser tomadas. Não se compreende, por exemplo, que fossem preciso cinco suicídios para que os técnicos do Instituto de Reinserção Social passassem a ter um contacto mais estreito com os técnicos de educação...
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Gostaria, por fim, de colocar algumas questões ao Governo, especialmente a si, Sr. Ministro. Em primeiro lugar, qual é a orientação do Governo em relação às cadeias que estão abertas e que deviam estar fechadas?
Em segundo, quando é que o Governo racionaliza a utilização dos estabelecimentos prisionais em ordem ao cumprimento da legislação em vigor?
Em terceiro, o que é que se pretende fazer para melhorar a situação dos guardas prisionais?
Qual é a ideia do Governo sobre a manutenção e funcionamento dos estabelecimentos prisionais?
O que é que o Governo pensa de uma capitação de 220$ diários por recluso?
Mas a responsabilidade do Governo em matéria de justiça vai mais além. Temos que nos questionar até que ponto a justiça é reflexo dessa situação social.
Uma última questão: a violência e o aumento da delinquência juvenil tem muito a ver com o desemprego. Os índices atrás referidos do aumento de condenados no escalão etário dos 20 aos 29 anos não podem deixar de mostrar que tal relação com a elevada taxa de desemprego e principalmente com os jovens à procura do. primeiro emprego existe.
A falta de perspectivas de futuro para os jovens é um factor indispensável a considerar na execução de uma política de justiça e não é por acaso que a OCDE recomendou reformas antecipadas, dizendo que em termos sociais é preferível acelerar reformas de gente válida do que travar o acesso ao emprego dos jovens.
Já tínhamos visto que o Governo não tem uma política global de juventude, estamos agora a constatar que também não tem uma verdadeira política de justiça.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Tiago Bastos, se bem que o tenha ouvido com atenção, existem todavia alguns pontos que gostaria de ver precisados ou mesmo corrigidos.
O primeiro ponto é relativo às dotações do Orçamento do Estado. Disse o Sr. Deputado que as verbas eram ridículas. Tenho à minha frente o mapa relativo às dotações das verbas para 1986 e, no que respeita aos serviços prisionais, a que o Sr. Deputado se referiu, não só a dotação inicial mas também o reforço para 1986, o total não perfaz uma verba tão ridícula assim: trata-se de 3 954 052 contos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma fartura!

O Orador: - Para este ano, e em relação à dotação inicial, temos 3 276 000 contos, só para despesas com pessoal, num total de 4 684 000 contos. Falta ainda, caso venha a revelar-se necessário, algum reforço nesse sentido. Assim, como é que nos pode dizer que as verbas são ridículas?
Dizer que o Governo não está preocupado com esta questão, dizer que a maioria dos jovens se encontra em prisão preventiva é, Sr. Deputado, uma grande inconsistência, porque certamente não tem conhecimento que o regime que vigorava para prisão preventiva foi revogado, nomeadamente o diploma que referi e houve um artigo do Código de Processo Penal que entrou imediatamente em vigor. O sistema foi completamente alterado porque o Governo está atento a esta situação e quer alterá-la substancialmente.
O Sr. Deputado está ou não de acordo com a filosofia do Código Penal, que o Código de Processo Penal complementa e justifica? É bom que as coisas se digam aqui, a fim de começarmos a definirmo-nos.
Nomeadamente em relação ao Instituto de Reinserção Social, o Sr. Deputado está ou não de acordo com o seu objecto, com as tarefas que a este Instituto foram cometidas e designadamente com o reforço de competências que lhe são atribuídas com a aprovação do novo Código de Processo Penal?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

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O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Queria apenas de forma muito rápida colocar ao Sr. Deputado Tiago Bastos a seguinte questão: o Sr. Deputado participou em visitas a diferentes estabelecimentos prisionais, e, muito oportunamente, trouxe-nos hoje aqui o retrato de algumas das situações com que a Comissão se defrontou ao visitá-los. Na sequência da intervenção do Sr. Ministro da Justiça em relação a este problema concreto - que diria que foi quase como uma tentativa de deitar água na fervura -, gostaria que comentasse a seguinte afirmação do Sr. Ministro de Justiça: «Em Portugal, o que é possível fazer nos parâmetros da gestão prisional tem sido levado a cabo com intensificado ritmo e com objectivo sucesso.»
Gostaria, Sr. Deputado, que comentasse esta frase e que me dissesse se, na sua opinião, tem sido feito tudo aquilo que é possível fazer.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Tiago Bastos.

O Sr. Tiago Bastos (PRD): - Começaria pela questão colocada pelo Sr. Deputado Rogério Moreira para dizer, em traços breves, que não estamos de acordo com esta opinião do Sr. Ministro. É evidente, na medida em que se isso fosse verdade, então ainda mais vergonhoso seria que estivéssemos na situação em que estamos.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Luís Ramos, no que respeita ao facto das verbas serem ridículas ou não, não as frisei desse modo: disse sim que eram insuficientes...

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Disse ridículas!

O Orador: - Desculpe, não disse ridículas...

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Ficou registado!

O Orador: - ... mas não interessa! Se quiser chamar ridículas, não ofende ninguém.
O que lhe queria dizer era pura e simplesmente que o Sr. Deputado expressou a opinião de que elas são suficientes e eu não vou adiantar mais nada. Vamos esperar pelo meio do ano para vermos se estas verbas são suficientes e se vão resolver os problemas de que o sistema prisional padece.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pode haver um milagre!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - São só as verbas de manutenção! Fora as outras!

O Orador: - Quanto ao Código de Processo Penal, o que nós questionamos - e que eu questionei na minha intervenção - é que se criaram expectativas com o Código de Processo Penal que, a nosso ver, não são admissíveis. Quis-se fazer crer aos reclusos que, com a entrada em vigor deste Código de Processo Penal, os seus problemas estavam resolvidos, iam todos para a rua.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É grave! É grave!

O Orador: - Aliás, se nos acompanhou nas visitas foi isto que foi dito e foi esta a grande expectativa que o Governo alimentou. Todos os presos nos perguntavam por isso e os senhores respondiam...

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado, em relação às visitas, sinceramente não vi ninguém do Governo dizer aos presos o que quer que fosse sobre essa matéria. Quem alimentou essas expectativas, se alguém houve, não foi certamente o Governo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Se calhar fomos nós!

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Trata-se de uma incorrecção e de uma incorrecção muito grave.
O que eu lhe perguntava -e continua de pé a pergunta - era se, quanto à prisão preventiva, a alteração que este novo Código de Processo Penal propicia é ou não mais justa, é ou não conducente com as situações que nós próprios registámos quando visitámos as cadeias.

O Orador: - Penso que terá ouvido o discurso do Sr. Ministro e que terá lido as actas das reuniões. Sempre foi dito, quanto aos preventivos, para estarem descansados, que a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal iria resolver tudo, que não havia problema e que teríamos as cadeias todas libertas de pessoas.

O Sr. José Magalhães (PCP): São 2000! Vem no último Expresso.

O Orador: - Foi esta a situação criada e nós não acreditamos que tal aconteça, nem que o Sr. Deputado acredite que isso venha a acontecer.
Quanto ao Código de Processo Penal, já aqui tomámos uma posição quando essa matéria aqui foi discutida. O que não acreditamos - e que o meu camarada já frisou na sua intervenção- é que existem meios humanos, financeiros e técnicos para pôr em execução e para dar cabal cumprimento ao Código.

Risos do PSD.

Penso que a palavra «camarada» não vos deve chocar assim tanto como isso, não é?

Vozes do PSD: - Não! Não!

O Orador: - Mas se choca, paciência! Penso ter respondido às suas questões.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aproveitando-me da concessão de seis minutos que me foi feita por um dos grupos parlamentares, vou tentar responder, telegraficamente, a alguns dos pontos que aqui foram suscitados, rendendo-me ainda uma vez mais às virtualidades da instituição parlamentar.
Não há dúvida, como alguém aqui disse, que cheguei um pouco crispado e saio perfeitamente desinibido, bem com a minha consciência, porque entendo que

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nada de essencial foi dito de novo contra a política do Governo em matéria de justiça, mas sim em relação às situações tradicionais e, por assim dizer, ancestrais da justiça no nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Muito pontual e telegraficamente, diria que, quanto aos guardas prisionais, o seu estatuto foi alterado e a sua decisiva promoção se operou em 1980, através da sua equiparação ao pessoal da Polícia de Segurança Pública, que, curiosamente, se efectuou através de um diploma assinado pelo então Primeiro-Ministro, pelo actual Primeiro-Ministro e por mim próprio. Como paradigma do que deveria ter sido sempre feito em matéria de diplomas que representassem assunção de encargos, estes foram suportados pelo Orçamento do Estado e não pelos Cofres, porque compartilho da ideia do Sr. Deputado Almeida Santos de que se deveria ter evitado a gradual degradação dos Cofres.
Direi, depois, que foi 1986 que os guardas prisionais, pela primeira vez, tiveram o subsídio de renda de casa. Como sabem, eles têm residência obrigatória nos estabelecimentos prisionais e uns têm casas fornecidas pelo Estado e outros não têm, o que gerava uma situação de desigualdade. Assim, suportando o encargo de cerca de 80 000 contos por ano, o Governo atribuiu a todos os guardas que não tivessem residência fornecida pelo Estado um subsídio de compensação.
Depois, os guardas prisionais eram os únicos agentes de segurança, em sentido lato, que não tinham passes, o que para a sua actividade é indispensável. E, apesar de o Governo ter a concepção de que não se pode imputar ligeiramente às empresas concessionárias de transportes o encargo de suportar a atribuição de gratuitidade a que ele, Governo, procede, o Governo, através do Ministério da Justiça; vai assumir o encargo, através de um diploma já aprovado em Conselho de Ministros e que, suponho, já está para publicação, de atribuir transporte gratuito aos guardas prisionais.
E, decisiva e finalmente, pela primeira vez, nos termos gerais da função pública, vai ser atribuído aos guardas prisionais o montante de horas suplementares a que tiverem direito. Consequentemente, aplica-se rigorosamente a lei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma reivindicação de há anos!

O Orador: - E é inexacto, não sendo evidentemente uma desvirtuação propositada, mas sim o fruto de uma informação talvez deficiente transmitida ao Sr. Deputado, que a média de horas semanais de trabalho dos guardas prisionais seja de 70 horas. Poderá ter havido um ou outro caso em que se tenha atingido essa cifra, mas a média andará entre as 40 e as 50 horas. O que não significa que o seu trabalho não seja de grande penosidade, de grande responsabilidade; e que a situação penal e prisional portuguesa muito não deva ao pessoal de vigilância dos serviços prisionais.- Pessoal esse que, contrariamente ao que foi suposto, nunca esteve em conflito com o actual Ministro da Justiça - e não tenho conhecimento de qualquer conflito anterior -, mas com condições que, na realidade, não viam imediatamente resolvidas e que não dependiam inteiramente do Ministro da Justiça nem deste Governo.
Quanto ao discurso, no sentido amplo de mensagem, de conjunto de palavras, de levado de conhecimento, que o Ministro da Justiça terá feito na Comissão, no sentido de que a libertação de todos os presos preventivos seria uma panaceia universal, por via da aplicação do Código de Processo Penal, é evidente que ninguém acreditará que deputados tecnicamente tão qualificados - como o são os que compõem a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - «fossem» numa eventual «balela» referida pelo Ministro da Justiça.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não fomos, não!

O Orador: - Façamos esta justiça aos Srs. Deputados!
Mas a verdade é que o Ministro da Justiça não disse isso - e já não invoco registos, porque nem sabia que estas conversas eram registadas, mas ainda bem que o são, porque, assim, poder-se-á consultá-los.
Quanto à questão do estágio dos advogados, que também foi aqui referida, dir-lhe-ei que concordo que esse é, de facto, um problema gravíssimo da vida jurídica portuguesa. O estágio dos advogados é a maneira mais expedita e fatal de fazer com que, no início de uma profissão que se quer livre, os profissionais se tornem dependentes. Com efeito, tornam-se dependentes de um emprego alternativo, tornam-se dependentes de um familiar... enfim, tornam-se dependentes de qualquer factor que não resulta do normal percurso numa carreira. Consequentemente, o Ministério da Justiça está neste momento, em cooperação com a Ordem dos Advogados - como, de resto, sempre esteve, irias só neste momento é que tem elementos preparados sobre isso - a, finalmente, enfrentar o problema. Isto não só através dos mecanismos do acesso ao direito, que não podem ser, eles próprios, a chave da questão, porque senão seria imputar aos beneficiários ou aos utentes do sistema de acesso ao direito uma prestação de serviços virtualmente menos qualificada, como é necessariamente a de profissionais forenses no início da carreira, mas também através de uma dotação para a Ordem dos Advogados que não resulte de uma benesse, de uma generosidade ou de um arbítrio do Ministro da Justiça, mas sim de um parcela da Procuradoria, sistema que, aliás, era o anterior a 1969.
Também de passagem, direi que o Tribunal de Praia da Vitória está, realmente, em péssimas condições. Penso, aliás, que em Portugal o problema mais grave da justiça é o do equipamento judiciário, designadamente o das instalações judiciárias. Nunca relutei em afirmar isso e disse-o até na exposição de motivos da lei orgânica dos tribunais. No entanto, como muito bem reconheceu o experiente deputado Almeida Santos, é um problema de verbas que não existiam e que passarão a existir. Esse problema será, portanto, resolvido da mesma maneira que o foi o da falta de juízes.
A intervenção produzida pelo Sr. Deputado Hernâni Moutinho pareceu-me, de resto, como sempre, perfeitamente equilibrada e construtiva. Aliás, em geral considero que o são as intervenções de todos os Srs. Deputados, e devo dizer que não destrinço os deputados de nenhuma bancada; há, por assim dizer, uma racionalização universal.

Risos do PSD.

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Mas gostaria de dizer ao Sr. Deputado Hernâni Moutinho que não há qualquer contradição entre a criação dos tribunais de circulo e a possibilidade de os tribunais se reunirem, em caso de necessidade, em locais diferentes da sua sede. É que, como é evidente, uma coisa é a regra e outra é a excepção e não pode haver nenhuma regra inflexível que não consinta a sua adequação à realidade. É isto, por assim dizer, um princípio de equidade universal que tem, como tal, de ser aplicado também à actividade dos tribunais.
Finalmente, outra contradição que me foi apontada foi da elevação das alçadas e o acesso ao direito. É evidente que não vejo aqui nenhuma contradição. Existe uma política de acesso ao direito que se traduz em atribuir a possibilidade de as pessoas pleitearem com dispensa de pagamento de custas e de preparos em caso de insuficiência económica, havendo, evidentemente, um aumento de alçadas com o consequente aumento de preparos nas acções de Estado, designadamente para aqueles que têm possibilidades económicas. É um princípio de justiça distributiva; é um comezinho princípio de igualação de oportunidades. Talvez fique mal, talvez não seja a igualdade universal, talvez não seja a socialização generalizada mas é, pelo menos, um princípio gradualista de criação de igualdades idênticas para todas as pessoas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Ministro da Justiça, aguardava da sua proverbial boa vontade e simpatia que respondesse às questões que lhe foram colocadas e, quando prometeu um estilo telegráfico, tinha esperança que das cerca de 27 perguntas que lhe fiz respondesse a algumas.
Efectivamente, respondeu à do estágio mas a mais nenhuma. Por isso, muito rapidamente vou seriar, do fim para o princípio, algumas delas que poderiam ter resposta telegráfica. Perguntei quando começavam a funcionar os tribunais marítimos, se o Governo pensava ou não dotar a Ordem dos Advogados de autonomia financeira, se o Governo ia ou não criar uma comissão de reforma do notariado - que, aliás, previu nas GOPs de 1986 e que não chegou a concretizar -, como é que estava a legislação complementar sobre o Código de Processo Penal, designadamente a Lei de Cobertura Médico-Legal do País e a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, por que é que ainda não saiu a regulamentação da Lei Orgânica do Ministério Público, dado que se esgotou em Outubro os 90 dias, etc., etc.
Infelizmente, nenhuma destas perguntas teve resposta. Todavia, por um lado fico contente porque, como sabe, sou seu velho amigo e pessoa que o aprecia sob muitos aspectos - e já hoje aqui o pus em destaque, e na minha intervenção inicial pus em relevo que muitos problemas resultam de vícios estruturais que não se podem imputar apenas a este governo - mas, por outro lado, fico perplexo quando V. Ex." diz que entrou aqui crispado e vai sair daqui não relaxado mas descontraído. E porquê? Porque, em sua opinião, na parte crítica nada de essencial terá sido dito de novo quanto à política do Governo neste domínio. Ora, é isso que me preocupa, porque se se tivesse dito alguma coisa de novo, V. Ex.ª podia sair descontraído, pois ia, com certeza, ponderar do que de novo aqui se tivesse dito para corrigir as situações; mas se o que aqui se disse, infelizmente, já não é novo, já foi dito várias vezes, o que é pena é que o Governo não o tenha corrigido, como devia, face a essas observações que já antes tinham sido feitas...

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bártolo Campos.

O Sr. Bártolo Campos (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O número de toxicodependentes tem aumentado no nosso país, a fazer fé nas pessoas e instituições ligadas ao problema; a expansão tem ido mesmo no sentido da dependência face às chamadas drogas duras. Desde já gostaria de levantar uma questão relativa à caracterização do fenómeno com incidência predominante na população jovem: não existe no nosso país um verdadeiro estudo epidemiológico. Um estudo encomendado a um organismo de sondagens e inquéritos e em que se gastaram algumas centenas de contos no início da década nunca conduziu a resultados devidamente tratados.
Todos, ou quase todos, tivemos já a oportunidade de conhecer de perto, na pessoa de um familiar, amigo ou vizinho, os graves efeitos físicos e psíquicos da toxicodependência que, além da gravidade de que se revestem em si próprios, conduzem por vezes a comportamentos delinquentes. Que medidas têm sido tomadas para evitar ou tratar estas situações? Sem considerar as que se destinam a evitar a circulação e o acesso às drogas, deter-me-ei mais nas medidas que têm por objectivo directo prevenir ou tratar a toxicodependência. Três grupos de medidas merecem a nossa atenção: medidas de prevenção, medidas de tratamento psico-médico-social e medidas jurídico-penais. A nível dos organismos públicos as duas primeiras dependem dos centros de estudos e profilaxia da droga a funcionar no âmbito do Ministério da Justiça; os últimos, dos tribunais e das cadeias.
Desde já nos podemos interrogar se o posicionamento dos serviços de profilaxia da droga no âmbito do Ministério da Justiça não provocará no imaginário dos toxicodependentes uma estreita associação com os serviços de carácter policial correspondentes, conduzindo, assim, a um evitamento ou reticência no recurso aos mesmos. Esta questão não seria evitada pela sua inserção no Ministério da Saúde, o que, além disso, facilitaria a colaboração das outras unidades de saúde deste Ministério?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No âmbito da prevenção está em curso uma experiência piloto centrada nas escolas e realizada por professores mediadores com o apoio dos centros de profilaxia da droga. O modelo seguido foi importado da Suíça sem que tivesse havido preocupação de analisar a sua adaptabilidade ao nosso contexto. Além disso, continua por fazer uma avaliação da experiência, necessária para conhecer os seus resultados e decidir da sua expansão, modificação ou termo. Consta também que na dependência da Secretaria de Estado da Juventude estaria a ser preparada uma campanha de informação maciça sobre os efeitos nocivos das drogas. A ser verdade, foram devidamente ponde-

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radas as críticas feitas noutros países a este tipo de estratégia que têm levado ao seu abandono? Uma política de prevenção psico-médico-social da toxicodependência deverá inserir-se no contexto de uma política de apoio psico-médico-social aos jovens e não como realidade focalizada no consumo de drogas.
Para já não referir o valor preventivo fundamental das condições sócio-económicas de existência, só como ilustração atente-se que a recuperação de toxicodependentes é mais difícil junto dos desempregados.
No domínio do tratamento, os centros da droga não dispõem de unidades de desintoxicação e estas também não existem nos hospitais, que, aliás, parecem colocar reticências à sua realização. Como única alternativa fica o recurso muito oneroso a clínicas privadas que não deixam de aproveitar-se da situação. A desintoxicação não é, porém, suficiente; é necessário um acompanhamento prolongado de natureza psico-médico-social.
A nível público só funcionam três centros (Porto, Coimbra e Lisboa), embora outros estejam projectados. Por que permanece estacionária há vários anos a capacidade de atendimento dos centros existentes, sabendo-se que a taxa de cobertura das necessidades varia entre 10% e 30%, segundo os vários autores? Que estudos da eficácia dos seus métodos têm sido realizados?
Entretanto surgiram também iniciativas privadas, de que as mais conhecidas são «O Patriarca» e o «Desafio Jovem». Relativamente a estas iniciativas, públicas ou privadas, é de referir: em muitos casos são necessárias comunidades terapêuticas, o que não existe em todos os centros estatais de profilaxia da droga; a experiência de outros países tem mostrado que a baixa eficácia do tratamento deste problema, que é muito delicado, aumenta com a existência da diversidade de dispositivos; daí que os novos centros públicos não deveriam multiplicar a mesma estratégia e que será de incentivar o aparecimento de iniciativas privadas inovadoras; convém, no entanto, assegurar-se da qualidade destas iniciativas privadas antes de autorizar o seu funcionamento e lhe conceder o devido apoio. Que tem feito o Governo neste sentido? Sabendo-se, nomeadamente, da existência de inquéritos noutros países relativamente à associação «O Patriarca», que medidas tomou o Governo para autorizar ou não o seu funcionamento em Portugal e conceder-lhe eventual apoio?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Bem perguntado!

O Orador: - Neste contexto, torna-se necessário criar uma comissão especializada para analisar todas as iniciativas existentes ou a surgir.
No domínio jurídico-penal levantaria só uma questão: não se justificará um debate sobre a eventual descriminalização do consumo de drogas leves, já efectiva noutros países? Como sabemos, a entrada no circuito jurídico-penal e a passagem por prisões é plena de consequências negativas para os jovens, as quais devem ser evitadas a todo o custo. Aliás, toda a evolução no domínio das medidas relativas à delinquência vai no sentido da desjudicialização desta.
Não falarei no sistema prisional - como sabemos, o tratamento penitenciário tem-se revelado ineficaz - mas chamaria a atenção para a prioridade a dar aos dispositivos de reinserção social de molde a prevenir a reincidência e permitir um recomeçar de vida social sem estigmas. Porquê a quase estagnação do Instituto
de Reinserção Social e para quando um ritmo mais acelerado no desenvolvimento dos seus meios, de que se destaca o pessoal especializado, tais como psicólogos e assistentes sociais? Neste capítulo urgem ainda programas especiais visando o emprego de ex-toxicodependentes e condições preferenciais para o seu acesso à formação profissional, como já acontece em outros grupos sociais.
Já disse que as insuficientes acções desenvolvidas até agora não têm sido objecto de avaliação tanto mais necessárias quando se trata de experiências novas no nosso país. Não só tem faltado esta preocupação com a avaliação, como praticamente nada se tem feito no domínio da investigação nas nossas universidades ou em organismos específicos quer relativamente à toxicodependência, quer relativamente às várias formas dos chamados comportamentos desviantes. Num domínio tão complexo não conseguiremos avançar sem investigação própria, até porque estas questões estão intimamente ligadas a factores culturais, sociais e económicos e, portanto, devem ser contextualizadas.
Para quando uma escola de criminologia no nosso país, à semelhança do que já existe há muito tempo na maior parte dos países europeus?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Falta-nos uma política global, integrada, coordenada e decidida relativamente à toxicodependência, nomeadamente junto da população juvenil.
Também este governo não tem tomado medidas significativas neste domínio quer se trate da sua prevenção, quer do seu tratamento psico-médico-social ou penal.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No tocante aos jovens qual é a principal acção do actual Ministério da Justiça? A resposta para nós é preocupante.
Basicamente reprime! Pratica em larga escala aquilo que deveria ser evitado: a prisão! Prende-o e prende-os mal!
Em contrapartida escasseiam as acções e iniciativas que levem até aos jovens o conhecimento dos seus direitos, em particular no que diz respeito à assistência judiciária, à divulgação de direitos fundamentais dos menores, à informação dos seus direitos sociais, laborais e na família.
Para a prevenção da delinquência juvenil, continuam por criar, por exemplo, conselhos de prevenção da criminalidade, diversas vezes anunciados, mas sem nunca passar das intenções.
Assim como continua por concretizar a tão necessária articulação entre diversos departamentos governamentais que permitam aqui uma resposta global, concertada e eficaz. Refiro-me em particular às acções a desenvolver conjuntamente pelos Ministérios da Educação, da Saúde e da Justiça, nomeadamente no que concerne à prevenção da toxicomania.
Continua a ser reduzida a área de intervenção de organismos previstos na Organização Tutelar de Meno-

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rés, que visam essencialmente desenvolver acções de orientação, acompanhamento e reinserção dos jovens. Neste quadro é espantoso que o Governo, na proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais recentemente apresentada à Assembleia da República, venha propor a redução de 12 para 9 anos a idade a partir da qual passa a intervir o Tribunal de Menores, retirando às comissões de protecção poderes de intervir junto dos jovens deste escalão etário.
Nestas circunstâncias perguntamos como é possível dar credibilidade a discursos e aplausos, solenemente manifestados pela representação portuguesa na Reunião de Beijing, onde foram aprovadas «as regras mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores»?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, à falta de justiça, soma-se porém o galopar de escandalosas injustiças. E a isto não podemos ser indiferentes. É muito curto identificar justiça apenas com os tribunais. É vergonha nacional que crianças de 11, 12 e 13 anos sejam forçadas a deixar os estudos para irem trabalhar, na maior parte das vezes em situações verdadeiramente desumanas, porque lá em casa os cinco ou seis contos que recebem são indispensáveis para a sobrevivência da sua família.
Que sociedade é esta que permite que os jovens trabalhadores sejam discriminados no seu salário, em razão da idade? Que Governo é este que não dá aos jovens o ensino e a qualificação profissional a que têm direito e de que o País carece?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Ao fim e ao cabo que justiça é esta que nega a satisfação das necessidades básicas dos jovens portugueses, que frustra a realização dos seus sonhos e aspirações, que torna quase impossível a sua felicidade, que faz da solidariedade letra morta? Estas são importantíssimas questões que sempre terão de ser colocadas. Até porque, no fim de contas, elas são a principal causa e terreno fértil para que a marginalidade e a delinquência juvenis se avolumem.
Neste quadro é impossível deixar de concluir que, na sequência de outros, a política do seu Governo é, Sr. Ministro, uma profunda injustiça para com a juventude portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - Afirmei no início que os serviços dependentes do Governo reduzem a sua acção junto dos jovens à aplicação de mecanismos repressivos. Esta constatação pode ser feita designadamente pela leitura diária da imprensa. Quem desconhece as violências policiais aplicadas aos jovens nas esquadras? Ainda recentemente vários jornais referiram o caso de três jovens violentamente espancados na esquadra da Costa da Caparica. Ou ainda, e de muito maior gravidade, o caso do jovem estudante do Liceu Camões assassinado por um agente da autoridade. São exemplos que traduzem a agressividade e violência de pessoas e instituições que deveriam ter comportamentos e atitudes bem diferentes.
Se o jovem é preso, seja por furto simples associado ou não ao consumo de droga, furto de automóvel ou consumo de estupefacientes entra, muitas vezes preventivamente, num mundo bastante mais agressivo do que aquele em que vivia. E aqui Sr. Ministro, permita-me que lhe diga que se é verdade que os jovens que se suicidaram não tinham qualquer apoio familiar encontrando-se completamente sós, é também verdade que receberam na cadeia o último empurrão para pôr termo à vida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - O Governo não pode sacudir responsabilidades neste momento em que a prisão se transformou num local para onde entram jovens, e cito o Sr. Director dos Serviços Prisionais, «sem nada que os prenda à vida». Mas também, e agora dizemos nós «sem nada lá encontrarem».

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não pretendemos que a prisão lhes dê tudo aquilo que não têm. Seria impensável tal coisa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Mas o que sabemos é que, por exemplo, a Penitenciária de Lisboa tem dramáticas carências de pessoal para um total de cerca de 500 reclusos. E é assim que os jovens pouco ou nada podem esperar desta instituição. Apenas encontram o isolamento, a violência e a desumanidade.
Quem falar com jovens reclusos, ouvirá, inevitavelmente, expressões do tipo: «sei hoje dez vezes mais do quando para aqui entrei» e que não ilustra a aquisição de conhecimentos escolares nem a aprendizagem de qualquer profissão, mas tão-somente um melhor conhecimento do submundo da criminalidade, das suas regras, esquemas e métodos...
Lamentavelmente não é diferente o panorama no que diz respeito à adopção de medidas no plano do combate à droga. A dimensão que o fenómeno assume implica medidas rápidas e eficazes. E aquilo que perguntamos é se vamos esperar até 1990, data em que o Governo prevê a instalação das dez unidades de tratamento de toxicómanos e que, segundo as suas próprias informações, não vão cobrir mais de 30 % a 40 % das necessidades. Até lá o Governo vai assistir impávido e sereno ao alastrar do fenómeno? E os outros 70% ou 60% dos casos não abrangidos por tais unidades de tratamento? O que é que lhes está reservado a não ser a indiferença e a incapacidade do seu Governo?
Todas estas questões são, como é evidente, importantíssimas e quase todas elas têm sido encaradas como assuntos menores.
Impõe-se uma mudança radical de atitudes!
Mas, como comprovado está, com este governo e esta política de justiça lá não chegaremos.

Aplausos do PCP, MDP/CDE e alguns deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

Uma voz do PSD: - Outra?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quando foi anunciada esta interpela-

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cão do PS, logo certas trombetas próximas do Governo desencadearam uma campanha bastante atimbalada e sonora em torno desta ideia: «o PCP abriu novas frentes de luta e agora ataca no domínio da defesa nacional, agora ataca no que diz respeito à segurança interna, ataca no que diz respeito à justiça».

O Sr. Mendes lota (PSD): - E à regionalização!

O Orador: - Creio que é gente que, além de divisionista, anda a dormir, pois que se agora «atacamos», já «atacamos» há muitos anos, porque nos preocupamos há muitos anos com as questões da justiça e as demais referidas. É sinal da situação doentia em que o País vive que uma interpelação tão normal - e tão útil como esta está a ser - seja encarada pelo Governo com o alarme com que foi encarada. E é lamentável a tentativa, um pouco infantil, de desvalorizar uma realização cuja importância se impõe por si mesma.

Protesto do Sr. Deputado Roleira Marinho do PSD.

Se o Sr. Deputado quiser falar, pode usar da palavra. Até terei muito gosto em ouvi-lo.
Um trabalho como o que a Assembleia da República vem desenvolvendo em matéria de justiça parece-me, aliás, sumamente útil e meritório para todos. É um dós campos em que a cooperação institucional poderia valer particularmente.
Não é indiferente, na verdade, que a Assembleia da República, por exemplo, prepare o debate orçamental do sector da justiça, como tem conseguido fazê-lo nos últimos anos, nomeadamente nos Orçamentos para 1986 e 1987. Os trabalhos preparatórios que desenvolvemos - e, que de resto, foram aprovados por unanimidade - são, só por si, um levantamento exaustivo da situação do sector, o que é importante em termos de democracia e de transparência. Quer dizer que qualquer cidadão (passe a ficção, dadas as desigualdades reais que todos conhecemos) pode ter acesso a esses documentos e conhecer os principais indicadores de gestão. Isso é também importante para contrariar as versões falsificadas ou a demagogia fácil do género «somos os primeiros!» em que o Governo é perito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Infelizmente, o que a análise do Orçamento em vigor para este ano revela é a insuficiência gritante das verbas destinadas ao sector da justiça. E o ano passado foi pior.

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - E há dois anos!

O Orador: - A responsabilidade era vossa também! Não havia PIDDAC, como aqui foi denunciado. Apesar disso, referindo-se à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, o Sr. Ministro da Justiça dizia em Abril de 1986: «O Orçamento chega.» Disse-o aqui. E, todavia, chegado o mês de Junho, todos vimos como o Orçamento não chegou. Era 30% inferior ao Orçamento real do ano anterior! Isto foi revelado pelo subdirector-geral da DGSP do Ministério na cerimónia da sua tomada de posse no mês de Junho. E nós, deputados, viemos a saber isto da boca do subdirector-geral, quando o Ministro tinha asseverado, dois meses antes, o contrário! E o País só nessa altura é que soube. Isto é mau. Não é uma forma transparente e, entendemos nós, não é uma forma saudável de gerir as questões da justiça. Não é uma gestão de verdade, não é uma gestão de rigor, o que em matéria de justiça é extremamente grave, porque não é possível enganar ninguém. Não é possível dizer «estamos com uni melhor Orçamento», quando todos os dias os magistrados entram no «sítio» - vamos chamar-lhe assim - onde trabalham e encontram o panorama que todos os senhores que andam pelos «sítios» judiciais sabem que existe: degradação geral e preocupante em tudo, nas instalações, no número de funcionários, na qualidade de trabalho produzido, na acumulação do trabalho, em tudo, em todos os indicadores negros que desfilaram hoje aqui diante de nós mais uma vez - e ainda bem que desfilaram.
Não é possível ocultar esta realidade. Não a ocultarão aos magistrados, nem ocultarão aos funcionários, nem aos cidadãos!
Dizem os senhores: «há 6000 funcionários! Bestial! Excelente!» Sr. Presidente e Srs. Membros do Governo, todos sabemos que estes funcionários são largamente insuficientes, todos sabemos que precisavam de uma outra formação e não a tem,- todos sabemos o drama que tem sido a própria não realização dos concursos, todos sabemos como é aberrante no Ministério da Justiça em 1987 não haver publicada uma lista gerar das antiguidades - para se reclamar de um erro, de uma asneira, é preciso requerer certidões dos requerimentos dos outros candidatos, requerer certidões que depois são emitidas uma a uma. Quanto custam? Quanto? Quantos é que os senhores estão a dissuadir de recorrer através deste método?
Concluo, portanto, que não é possível enganar toda a gente ao mesmo tempo e menos ainda aqueles que estão a sofrer na carne a situação... Leia-se o relatório da Procuradoria-Geral da República sobre a situação dos serviços. É um documento objectivo, não é um programa do Governo nem um relatório do Governo nem um panfleto; é um mapa impressionante de carências.
Creio que nesta matéria a situação atingida exige uma tomada de posição o mais alargada e o mais consensual possível. Não é admissível desencadear ataques ou operações do género «o partido A é um profeta da desgraça; o deputado B é verdadeiramente um ateu, um marxista, um pedreiro livre, quer destruir a pontapé o sistema judicial», só porque ousa dizer três ou quatro verdades, que toda a gente que anda pelos tribunais sabe que são verdades.
A questão essencial é a de saber qual é a saída. A nossa preocupação tem sido realmente a questão da saída.
Em primeiro lugar, creio que não é bom para ninguém que o Ministério da Justiça tenha perdido poderes. Sem dúvida que é preciso coordenar as polícias, mas isso não se confunde com a centralização das polícias e, menos ainda, se confunde com a centralização das polícias e dos serviços de informações. Aquilo que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/87, que foi aqui citado, fez foi centralizar as polícias e os serviços de informações e estabelecer aquilo que a Lei do Serviço de Informações proíbe terminantemente. A resolução é ilegal, a resolução é inconstitucional e a situação de facto criada é muito perigosa.
O facto de o Ministro da Justiça assistir alegremente a tudo isto, fazer silêncio quanto à PJ e ver sair competências pela borda fora como quem vê alijar uns quilos a mais é muito, muito preocupante para o regime democrático e para o funcionamento do sistema de justiça.

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Em segundo lugar, creio que o Ministério da Justiça perdeu o sentido do planeamento. O Ministro fala de uma série de objectivos, às vezes com ar nostálgico, melancólico, até simpático - o que é muito perigoso, porque sorrindo ilude as realidades -, proclama avulsamente objectivos meritórios e consensuais. Por exemplo quem é que aqui na Câmara diz: «trabalho para os presos, não!»? Ninguém, como é óbvio! Há, digamos, uma espécie de grande consenso em torno dos méritos de trabalho prisional. Mas não há as necessárias acções! Dizem-nos que aquilo que hoje sucede é que 70% dos presos trabalham! Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Dizer isto é verdadeiramente tentar lançar uma ilusão. Desde logo os presos preventivos, em regra, não trabalham, pois não são obrigados a isso; são meia dúzia os que o fazem. E os esquemas de trabalho quais são? Como é que se podem considerar satisfatórios? O que é que tem essa actividade a ver com uma actividade económica útil, rentável, que forme para a vida, para a reinserção social, para «agarrar» um emprego, trabalhar? Nada. E isto é sabido por quem anda por lá também.
Creio que todos perdemos com o facto de o Ministério da Justiça ter perdido o sentido do planeamento, falar de objectivos só em geral e ser incapaz de fazer um calendário, de fazer programas, que têm de ter meios, que têm de ter recursos financeiros, que têm de ter gente, homens, mulheres, que é preciso ganhar, conquistar, para ideias, para uma tarefa, que ainda por cima é dura e é complexa, exigindo, como exige, confiança. São milhares de magistrados, de funcionários judiciais, guardas prisionais. São milhares e milhares de pessoas que é preciso pôr a funcionar em função de um projecto! O facto de o Ministério da Justiça ser incapaz de fazer tudo isto - embora o Ministro seja capaz de lembrar com saudade o despacho que fez em 1978, em que disse tudo o que é possível dizer de bondoso em relação ao que é bom fazer nas prisões - é uma debilidade e uma vulnerabilidade para todos nós. Não é apenas para o partido do Governo; é para todos nós, é para a República, é para a Assembleia da República e é para todos os partidos.
Por outro lado, o Ministério da Justiça é incapaz de ser interlocutor válido, actuante, reinvindicativo face a outros ministérios, desde logo o Ministério das Finanças - que é fundamental, como se tem visto para o descongelamento das admissões de pessoal, para as verbas, para os reforços ... -, mas também o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério do Trabalho e Segurança Social, o Ministério da Saúde. O Ministério da Justiça está incapaz de levar a cabo aquela que é uma das suas tarefas basilares!
Em quarto lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que o Ministério da Justiça perdeu largamente o sentido da legalidade. Tem uma lei orgânica que é caduca, que prevê, ela própria, seis ou sete serviços, quando neste momento há 22 serviços no Ministério com dignidade de direcção-geral. Não há uma lei orgânica! Os senhores são inteiramente incapazes de fazer uma lei orgânica. A Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Serviços prisionais, por exemplo, que é uma das leis mais jovens das leis orgânicas que estão dentro da velha orgânica do Ministério, não é cumprida, não é aplicada, ninguém a lê, ninguém lhe liga! Ë um monstro tentacular centralizado! Ninguém se preocupa em saber o que é que daquilo é verdade ou o que é que daquilo é ficção! Isto é uma vulnerabilidade, e é gravíssimo!
Segunda nota da falta de sentido de legalidade: o Ministério não deglute o novo regime financeiro que a Assembleia da República aqui aprovou, por unanimidade, aliás, no Orçamento do Estado. Pura e simplesmente, não sabe viver sem cofres em estado de anarquia. Com os cofres disciplinados estrangula, bloqueia, e portanto há demoras de meses. Como tal, os tribunais em Fevereiro de 1987 ainda não têm orçamentos, vivem em duodécimos, como há pouco lembrei, e é verdade - o Governo não o desmentiu. É grave que isso aconteça. E continua a haver os 711 serviços de registo e notariado que não têm orçamento e entregam trocos ao Ministro. Enquanto isto acontecer estamos na Papuácia!
Outro sintoma da perda da legalidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é em relação à Lei do Sistema Penitenciário, sobre cujo incumprimento é impossível que se continue a ter generalizadamente uma atitude de apatia e rotina. É obrigatório que os presos estejam em celas de um ou de três e nunca de dois? Não, passa-se por Monsanto e entende-se naturalíssimo que haja celas de dois ou que haja curros cheios de jovens como macacos empilhados até ao tecto! A administração penitenciária acha isso normal!
Não pode ser, mas é assim. Há lei no papel, mas de facto está instaurada uma situação de anomia. A lei prevê inspecções, mas não se fazem inspecções! Bom, depois da fuga sangrenta de Pinheiro da Cruz, sim senhor, disse o Ministro da Justiça como quem descobria uma grande, grande, grande coisa: «[...] vamos fazer inspecções, um hábito que se perdeu [...].» Espantoso! Como é que é possível que se tenha instalado uma rotina tal, que se tenha perdido o hábito de fazer inspecções? Perdeu-se o sentido da legalidade em todas as dimensões, incluindo nesta, que nos parece fundamental.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Entendemos que a presente situação da justiça é muito perigosa.
O Governo enjeita responsabilidades. A culpa é dos outros, de preferência, é da oposição, que é «má», é «pérfida». Por outro lado, o Governo vê em tudo críticas mortais e manobras diabólicas do PCP, o que, como aqui provámos hoje de novo, é injusto. Finalmente, assinale-se que o Governo prepara uma fuga em frente. A Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais é um fuga em frente. E, desde logo, uma tentativa de enjeitamento para as autarquias de responsabilidades em relação às construções. O tal problema que o Sr. Ministro da Justiça dizia que era uma questão gravíssima, fulcral, basilar, vai para as autarquias! Em relação ao acesso ao direito, a proposta do Governo é simples: eleva as alçadas, logo eleva as custas, distancia os tribunais das populações. Logo, consegue-se menos gente a litigar! Está resolvido o congestionamento! Devo dizer que este é um verdadeiro ovo de Colombo, mas um ovo profundamente antidemocrático.
Achamos que é preciso evitar essa fuga em frente, tal como em relação ao Código de Processo Penal urge que a Assembleia da República pondere as medidas de urgência tornadas necessárias pelo decreto preambular e que, por outro lado, pondere o próprio conteúdo e o calendário de realização da reforma em si mesma. Quanto à data da sua entrada em vigor, prevista para 1 de Junho de 1987, dizemos: é impossível! E isto não é uma «profecia da desgraça», é um cômputo razoável dos prazos e dos meios. Não há meios, não há estruturas e não há instrumentos regulamentares em

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zonas sensíveis. Em nosso entender, é significativo que o director-geral da Polícia Judiciária não esteja aqui. Ver-se-á, dentro de um ou dois meses, se o assinalar desta ausência é mais uma profecia da desgraça ou a percepção de uma triste realidade ...
Finalmente - e creio que este será o finalmente final -, as reformas que são necessárias ...

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, nós usámos de alguma flexibilidade neste debate e solicitava a todos a paciência e a tolerância, que vos faltam noutras áreas, de me concederem a vossa atenção por mais, digamos, três minutos.
Pode ser, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

Protestos do PSD.

O Orador: - E três minutos para fazer uma única alegação: a de que consideramos que é sumamente injusto que, face à contribuição que o PCP tem procurado dar ao debate das questões da justiça, tanto nos debates anteriores como neste próprio debate se procure ...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo, mas só quero dizer que V. Ex.ª não está a dever nenhum favor à Mesa, porque está a usar tempo que lhe cedeu o MDP/CDE!

O Orador: - Exactamente, Sr. Presidente. Há pouco eu estava a pedir o favor da atenção e não o favor do tempo, naturalmente!

Risos do PSD.

Face ao contributo que foi dado por este grupo parlamentar, e que à puridade se reconhecerá, creio que é muito injusto que o PSD tente vestir-nos um São Benito, ou aquela máscara terrível - que o Primeiro-Ministro gosta de nos pôr - de terríveis demolidores que não apresentam propostas positivas. Aqui procurarão pendurar essa máscara, mas não encontram saliência - salvo seja - onde possam pendurá-la! Apresentámos um conjunto de projectos de lei que são um esforço, modesto que seja, para desbloquear nós de estrangulamento do sistema. Em relação ao acesso ao direito, ouvimos elogios ao nosso projecto em relação à vítimas e ao estágio dos advogados também.
Mas gostava de vos anunciar a todos que consideramos imprescindível que a Assembleia da República se pronuncie dentro em breve, e para isso procuraremos contribuir, sobre duas outras questões que consideramos nodais. A primeira é da reforma dos tribunais de execução de penas, a segunda é, sem dúvida, a da revisão da própria Lei do Sistema Penitenciário. Abordo apenas a última.
Cremos que é chegado o momento de fazer uma triagem. Não pode continuar uma situação em que não há uma lei quadro do sistema penitenciário e em que o que no fundo há é um regulamento feito por um governo que estava à beira da morte em 1979 e que não é acatado, nem tido como lei por ninguém, verdadeiramente. A administração prisional cumpre-o ou não cumpre, consoante calha. Há mesmo ofícios governamentais de resposta a requerimentos em que se diz que embora a lei diga isto ou aquilo, «não é possível cumprir»!
Gerou-se uma atitude em que a lei só é lei para justificar, por exemplo, actividades de repressão, por exemplo a censura de correspondência fora das estritas prescrições constitucionais ou ainda a restrição abusiva da vida sexual dos reclusos e outros aspectos de repressão no interior das cadeias.
Por outro lado, não há recurso das decisões fulcrais da administração penitenciária! Não há! Isso é inconstitucional e não pode continuar. Creio que a Assembleia da República deve tomar posição sobre esta matéria e aprovar um bom conjunto de normas, uma lei quadro, não um regulamento, que faça uma depuração e impeça esta situação aberrante: a de sabermos todos que há estabelecimentos para certo tipo de reclusos e andarem lá amalgamadas todas as espécies de reclusos e não se fazer a triagem elementar prevista ha lei, repetindo-se dia a dia esse espectáculo, penoso e inaceitável, de os jovens estarem misturados com velhos reincidentes.
Essa situação não pode continuar! Se é preciso uma lei para que essa situação não continue, faça-se a lei! Pela nossa parte, daremos contributo para que isso aconteça.
A última palavra será em relação à intolerância. Creio que é necessário um debate assente em factos, um debate de verdade, assente na verdade, sem manejos propagandísticos e tentativas de justificação daquilo que é injustificável.
Esse debate não se conseguirá enquanto se apelar a cruzadas, como aquela a que apelou há dias o Primeiro-Ministro, ou se vir em tudo ataques e tentativas sotumas e horrendas de demolição e desestabilização do regime democrático. Vai-se por mau caminho, muito mau, quando o Primeiro-Ministro declara em Braga que «os apelos à movimentação estudantil, a exemplo do que tem acontecido em Espanha e França, são uma clara irresponsabilidade», quando vê em todas as críticas, por exemplo, naquelas que aqui foram feitas, tentativas de demolição irrazoáveis. Elas são justas e são feitas por todas as bancadas (do PCP, do MDP/CDE, do PS, do PRD, do CDS), só não o sendo pelo PSD (e mesmos isso em público...). Está gerado um espírito de intolerância, que é inteiramente impropício à resolução dos problemas nacionais. Não é de estranhar: o Governo é incapaz de resolvê-los, mas é preciso lutar por uma outra solução. Disso não desistiremos, podem ter a certeza!

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, entramos na fase do encerramento.
Tem a palavra, em nome do partido interpelante, o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Antes de iniciar a intervenção, queria agradecer à Mesa, aos grupos parlamentares e ao Governo a concordância que deram à nossa solicitação no sentido de que esta sessão fosse prolongada.
Foi um acordo a que se chegou penso que sem dificuldade e, pela parte que toca ao Partido Socialista, cumpre-nos agradecer.

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Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista decidiu abrir um debate sobre a justiça por meio de interpelação ao Governo. Não será certamente a única interpelação, nem prescindiremos de nenhum dos mecanismos constitucionais para fazer ouvir a nossa voz, nas circunstâncias difíceis deste nosso viver democrático.
A justiça, Sr. Ministro da Justiça, é uma causa nacional; não é uma causa partidária - não é sobretudo um debate de advogados para advogados, não é um debate entre o Sr. Dr. Mário Raposo e, por exemplo, o Sr. Dr. Almeida Santos; é um debate nacional.
E se este debate teve virtualidades - e teve muitas - foi, pelo menos, para nos dar a todos e ao País a consciência de que esta questão é nacional, tem a ver com o nosso presente, tem a ver, decisivamente, com todo o nosso futuro - o nosso futuro colectivo, o nosso futuro democrático, o nosso futuro como nação, o nosso futuro de progresso e o nosso futuro de modernização.
Não é também, e sobretudo, um debate para resolver os problemas de consciência do Sr. Ministro, Dr. Mário Raposo, mesmo que ele tenha sobre as questões da justiça, e para empregar o francês de que ele tanto gosta, uma visão tipo la vie en rose.
Qualquer que tenha sido a posição tomada pelos vários partidos neste debate, há, sem dúvida, uma preocupação nacional a que o Parlamento tem de responder, como tem respondido a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com a dignidade e o trabalho profundo que tem posto à disposição deste Parlamento, do Governo e da Nação, no seu conjunto.
Não se trata, de facto, de um debate em que se tenha apenas passeado em torno de números; supomos que terá ficado clara a questão fulcral desta noite e que é decisiva: é que nesta questão da justiça, como porventura em muitas outras, a ansiedade com que hoje saímos daqui é pelo facto de ao Governo lhe faltar um desígnio, consciência da seriedade dos problemas, vontade, no fundo, a necessidade de mobilizar as vontades e as consciências deste país para encontrar os consensos necessários indispensáveis à resolução de causas e questões que, com certeza, não são de agora, são nacionais, são estruturais, e só com um empenhamento generalizado podem ter um vislumbre de solução.
É por isso que fizemos esta interpelação, é por essa disponibilidade que aqui declaramos ter que não nos arrependemos de a ter desencadeado e de ter estado aqui, até ao final, com todos os grupos parlamentares e com a atenção que todos os deputados deram - pelo menos os que aqui estão neste momento - a este debate decisivo.

Aplausos do PS.

Supomos que também terá ficado claro que entre uma máquina de propaganda, que diz que tudo vai bem, aliada a uma situação internacional favorável, temos aqui os dois sustentáculos do Governo que temos.
O Governo adia sistematicamente a governação em favor da simples gestão; é incapaz de tomar opções de fundo, gerando em volta delas os consensos necessários; trata-se, afinal, de um governo minoritário, que se comporta com a arrogância conhecida.
Os Portugueses vão compreendendo as insuficiências de uma tal forma de governar e que a ausência de políticas e de reformas estruturais terá necessariamente custos graves para o País, porque continuamos um país adiado, uma vez mais, da resposta necessária aos grandes desafios que há anos e anos nos afligem.
O acumular de erros, de hesitações, de recuos tácticos e de medidas desconexas representa no imediato um desaproveitamento da situação económica internacional favorável e, no médio prazo, o que é mais grave, o gorar de legítimas expectativas do povo português.
Em Novembro de 1986, o porta-voz para a justiça do Partido Socialista chamou a atenção para a necessidade neste sector de um verdadeiro programa de emergência, que pudesse fazer face as situações de ruptura visíveis em vários pontos do sistema judiciário, de prevenção criminal e prisional.
Fizemo-lo, aliás, acompanhando recomendação idêntica da comissão parlamentar competente.
Era então já claro que as insuficiências em meios de toda a ordem ameaçavam de paralisia e de ruptura em vários pontos do aparelho judiciário, policial e prisional.
Aliás, de vários outros sectores, incluindo de pessoas ocupando cargos de responsabilidade na hierarquia da administração, vinham surgindo repetidos alertas.

V. Ex.ª Sr. Ministro, veio alguns dias depois afirmar que não acreditava em medidas de emergência para solucionar os problemas da Justiça.

A situação que ficou bem patenteada no debate que está a findar aí está para demonstrar cabalmente que tínhamos então razão em reclamar acção firme e imediata, dotada de meios adequados para evitar que o continuar de um processo rápido de degradação das condições se fosse afinal acentuando.
O Governo parece ter aqui, como em muitos outros sectores, preferido adoptar a posição de avestruz, só se decidindo a actuar perante a ruptura definitiva ou, o que é pior, mesmo a tragédia. E bem um exemplo típico deste governo minoritário, sem horizonte, fazendo do exercício do poder a sua última justificação.
Neste sector, como naturalmente na generalidade dos sectores da governação, não existe afinal uma política coerente, servida por meios adequados.
O Ministério da Justiça, aproveitando em muitos casos do trabalho produzido anos atrás, tem tentado apresentar produção legislativa com um cariz modernizante e pretensamente com capacidade, por si só, para uma substancial alteração das condições do actual sistema.
Só que essa produção legislativa aparece dezenraizada de um plano de conjunto e sem qualquer base estrutural subjacente, correndo naturalmente sérios riscos de ficar bem aquém da eficácia prática que se apregoa irá ter.
Não basta aqui, como noutros sectores, legislar, as mais das vezes, com opções seguidistas de figurinos estranhos, embebidos noutros meios sociais e com estruturas administrativas bem diversas, quase sempre bem melhores do que as existentes no País.
Os exemplos de legislação moderna que anos depois ainda continua em grande parte por cumprir, por incapacidade de criar as estruturas necessárias, são infelizmente multidão - bem claros são os exemplos do Código Penal (quanto a toda a sua filosofia humanizante e ressocializadora) e a reforma penitenciária, muita dela evidentemente já sem vida fora do texto legal.

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Receamos que o recente Código de Processo Penal - e dizemos com preocupação e não com nenhum outro motivo -, a entrar em vigor dentro de poucos meses, possa ter um destino idêntico, falho das estruturas mínimas exigidas para o seu integral cumprimento.
Ainda assim o Ministério da Justiça, ao sabor dos acontecimentos, não tem previsão, não leva a cabo um levantamento sistemático das necessidades, não programa, e, o que é mais importante, não age em função de opções tomadas no quadro de uma estratégia.
O resultado é que os acontecimentos, a vida real, as necessidades dos cidadãos acabem por se impor como indesmentíveis realidades face à ausência de previsão e de opções adequadas.
Tem faltado a vontade política para a resolução de problemas, conduzindo a um arrastamento de situações que, só quando saltam para os meios de comunicação social, é que passam a constituir preocupação do Governo que tenta acudir ao incêndio quando o fogo já pouco deixou de pé. E perante esta situação o Governo vai-se repetindo a apodar de miserabilista o discurso das realidades.
Tudo isto tem conduzido a uma administração frustrada nos seus vários níveis, sem objectivos certos, sem rumo, arrastada ao ritmo de um quotidiano difícil, por mais que clamem os seus dirigentes que é necessário finalmente que o poder encare de frente e com coragem a situação global do sector.
A descoordenação entre as actividades dos vários sectores do Ministério, a falta de mútua informação, os esforços infrutíferos para programar com coerência e executar com eficácia, aparecem neste debate como tónicas transparentes de um aparelho que só não desmotivou completamente a Administração por esta ainda ter em muitos dos seus quadros a capacidade para crer que algo tem de mudar.
Aproveito para louvar os senhores detentores dos cargos decisivos da Administração do Ministério da Justiça que, mau grado as condições, têm em muitos casos procurado servir o País, cientes de que a Administração deste País não é o Governo, não é do PSD, mas é do Estado Português, em suma, de todos os portugueses.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

É urgente que haja uma política para o sector - coesa, coordenada, clara. E essa política tem de ser, em sector como o da justiça, geradora de amplo consenso das forças políticas e sociais, começando por um levantamento sistemático das carências mais agudas e tornando transparente a todos esse universo da justiça, que alguém recentemente classificava de kafkiano e que nos fomos habituando a ver no sistema judicial, prisional, policial, e de um modo geral, no aparelho estatal da Justiça.
As coordenadas que pensamos fundamentais para essa nova política de justiça têm naturalmente que se pautar pela identificação dos pontos nevrálgicos de ruptura, de forma a ser possível estabelecer prioridades claras, que permitam programar as acções de emergência e ligá-las num todo coerente, que possa dar seguimento a uma necessária actuação perspectivada no médio prazo.
Temos a consciência clara de que o estado de degradação a que se deixou chegar a justiça não poderá de um momento para o outro ter solução fácil; mas é
necessário iniciar de imediato uma decisiva viragem que não se pode resumir a injectar meios financeiros adicionais, sem que as estruturas estejam preparadas para deles fazer uso; nem na simples criação de novos quadros legais de actuação. Sendo uma e outra acções indispensáveis em muitos aspectos, só terão sentido útil ao serviço da execução de uma política clara e modernizante.
O funcionamento do aparelho judicial é uma preocupação do nosso partido. A modernidade, a simplificação de processos, a transparência de métodos e a criação de estruturas físicas e humanas, dignificadas nos vários níveis de actuação, tem de constituir a trave mestra de uma política nova para o aparelho judicial. É urgente uma reforma global das leis processuais, num sentido profundamente simplificador e com a noção clara de que o processo é um meio ao serviço da justiça material e não um espartilho apertado, condicionante das soluções de fundo.
A criação de um corpo profissional de funcionários de justiça com formação adequada e em muitos casos especializada, mormente no que respeita ao funcionalismo que terá que coadjuvar o Ministério Público na sua nova função no quadro do Processo Penal, são condições de viragem da situação esclerosante em que se encontra o nosso aparelho judicial.
Um esforço especial de dotação dos tribunais, de instalações e equipamentos à altura da dignidade da função terá de ser feito e aqui se impõe, em muitos casos, a nota de emergência que já fizemos ressaltar.
Uma justiça rápida, clara, dignificada aos olhos dos cidadãos é um dos alicerces de um estado democrático moderno; já se perdeu muito tempo; não é possível hesitar mais.
A política criminal anunciada pelo Código Penal de 1982 está ainda em grande parte por realizar. Um novo passo será dado com a publicação do Código de Processo Penal. Esta política merece o nosso apoio, muito mais certamente do que o apoio que o Governo lhe dedica.
Na verdade, é necessário, para que o sentido geral dos textos base da política criminal não se percam inteiramente falhos de consequências práticas, que as estruturas necessárias estejam criadas e sejam postos à sua disposição os meios indispensáveis de actuação. Ora, o que tem sucedido até agora é ou uma indefinição total quanto aos instrumentos institucionais capazes de dar sentido a essa nova política criminal ou a ausência completa de meios para que ela possa ser levada a cabo. A história do quase abandono a que foi votada a Direcção-Geral de Menores; as contínuas hesitações em volta da política de reinserção social e do respectivo Instituto; a situação de estagnação, para não dizer de confusão, em que se encontram os meios institucionais de prevenção e combate à droga são apenas alguns exemplos das indefinições, hesitações e contradições em que o Ministério se tem enredado e que apareceram claramente no decorrer deste debate.
Pensamos que nesta matéria está tudo praticamente por fazer, desde acções de formação aos vários níveis, ao reforço dos quadros das instituições, à criação de mecanismos de coordenação das acções de prevenção criminal e de reinserção social.
Só assim se dará verdadeira credibilidade a uma nova política criminal; só assim será possível passar do experimentalismo e da improvisação para uma acção consistente que dê conteúdo útil a uma visão moderna do

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problema criminal em que o Governo parece não acreditar. É essa a nossa aposta e pensamos ser a aposta certa. A provisoriedade e a improvisação pagam-se aqui caro; a comunidade nacional já o percebeu. É tempo que o Governo o entenda.
O panorama da situação prisional é hoje por demais conhecido de todos; são os próprios responsáveis máximos do sector que o denunciam. Mas também aqui as nossas opções são bem diversas das do Governo. Discordamos da opção, declarada como prioritária, da construção de estabelecimentos de segurança máxima. É uma opção precipitada, sem qualquer estudo prévio que se conheça, mais uma medida inconsistente com a nossa política prisional e motivada pela fuga para a frente em que este Governo parece ser fértil.
Dizemos não à construção de grandes estabelecimentos, afirmamos uma clara opção por estabelecimentos de dimensão média, com o reforço, aproveitamento e reestruturação dos estabelecimentos regionais. A segurança máxima é a morte da ideia de ressocialização e, embora não façamos desta a panaceia para todos os males do sistema prisional, entendemos que é no estabelecimento de média dimensão que melhor se resolvem os problemas da segurança, sem necessariamente afectar a acção dos factores de humanização das cadeias.
Os problemas da prevenção criminal e da reinserção social assumem, como já aqui foi dito por vários parlamentares de vários partidos, uma especial gravidade no que respeita aos jovens, e não os foco neste momento.
A ligação às comunidades familiares e locais, a implementação de lares de semi-internato e de transição, um investimento sério na prevenção e combate à droga, a criação de centros de detenção especiais para jovens adultos, a cobertura completa do País pelo Instituto de Reinserção Social, dando apoio aos tribunais de comarca, aí estão algumas medidas que, coordenadas por um organismo de cúpula com a participação de instituições privadas, dêem sentido a uma nova política neste sector fundamental da política criminal.
Entendemos, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, poder dizer que o saldo deste debate é amplamente positivo. Conseguimos o que nos proposemos com a interpelação: não só trazer a público a problemática complexa e sensível da justiça, aliás nos últimos tempos presente nos órgãos de comunicação social, como denunciar a inexistência de uma política do Governo para o sector.
Pensamos que de ora em diante nada poderá continuar como até agora e estamos certos que o debate será alargado e aprofundado e que o Governo terá de ouvir o que de muito têm para dizer as forças políticas e sociais e os agentes da Administração aos vários níveis.
A situação é, como ficou patente, grave e atinge os próprios fundamentos do Estado de direito democrático quando o sentimento da comunidade perante o aparelho judiciário é o da generalizada descrença.
A imagem do Estado é em boa parte a que é dada pelo seu aparelho judicial, pela sua política criminal, pelo seu sistema prisional.
Por nós continuaremos como até agora atentos e interventores. Mas também dispostos a colaborar na criação de um amplo consenso nacional em torno desta problemática da justiça, com vista ao encontro das soluções mais ajustadas e à criação dos meios para a sua execução.
Neste sentido de crítica, mas também de criação de um consenso amplo em torno desta problemática, dizemos claramente ao Governo que é tempo, já tardio, mas ainda tempo, de a iniciativa e de a coragem substituírem finalmente o marasmo e a hesitação.
Usando da plenitude do nosso estatuto de oposição, aqui estamos mais uma vez a alertar todas as forças políticas e o Governo para aquilo que em nosso entender urge iniciar e levar a cabo sem demora. É, assim, inadiável: primeiro, criar as condições de dignidade no funcionamento dos tribunais a todos os níveis, com um esforço de investimento em instalações, equipamento e pessoal e com as reformas processuais e de orgânica aptas a fazer do aparelho judiciário um factor de modernização e dignificação do Estado de direito; segundo, lançar um plano de formação nas várias carreiras e nas várias categorias profissionais existentes no Ministério, acompanhado de uma verdadeira política de gestão do pessoal; terceiro, completar de imediato os grandes textos básicos da política criminal com dispositivos legais capazes de lhes dar unidade e sentido útil, quer ao nível da prevenção quer ao nível do combate à criminalidade e à ressocialização dos delinquentes; quarto, reformular os instrumentos institucionais e criar organismos de coordenação da acção sobre os jovens em situações de associabilidade, completando e levando a cabo uma verdadeira política, coesa e determinada, de prevenção criminal incidindo sobre a juventude, e, quinto, criar as condições de integral cumprimento da lei penitenciária, com a criação de sistemas claros de coordenação entre os vários agentes institucionais com intervenção na vida prisional.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Eis as linhas de força que pensamos, neste campo, essenciais de imediato para o País. O PS anuncia que irá tomar, no quadro destas indicações, as iniciativas legislativas essenciais à sua execução integral.
Estamos e estaremos a cumprir o dever de uma oposição consciente dos grandes problemas do Estado e da democracia. Foi nesta perspectiva e apenas nesta que aqui estivemos.
Vai sendo tempo, mais do que tempo, que o Governo cumpra também o seu dever, enquanto lhe for deixada essa possibilidade.

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A Assembleia da República, enquanto assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, detém, nos termos da Constituição, competência política, legislativa e de fiscalização. Compete-lhe ainda, em relação ao Governo, apreciar o respectivo programa e votar moções de confiança e de censura.
Vale a pena reflectir sobre o modo e a forma por que a Assembleia tem exercido essas competências em relação ao X Governo Constitucional.
Constata-se, e ninguém ousará negá-lo, que raros têm sido os casos em que a Assembleia ou os deputados que a compõem têm tomado iniciativas legislativas que sejam da sua reserva absoluta ou relativa. Ao invés, de forma algo original, o Parlamento revela grande fru-

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galidade em iniciativas legislativas próprias e, de entre as que tem tomado, manifesta clara preferência por áreas que se podem considerar concorrenciais com as do Governo, quando não mesmo da sua competência exclusiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Quem quisesse usar de alguma crueza ou mesmo de simples frontalidade diria que a Assembleia da República não tem usado o que é seu, pela cobiça que tem do que a outros pertence, com manifesto prejuízo para o que é de todos.

Aplausos do PSD.

Acontece mesmo que em relação a alguns instrumentos e aspectos comummente considerados como bloqueamentos estruturais da realidade portuguesa, e que só pela via da aprovação de leis stricto sensu podem ser ultrapassados, o Parlamento não apenas se abstém de tomar as iniciativas que por direito e dever próprios lhe competiriam, como ainda rejeita as que lhe são presentes através da acção do Governo. Esta circunstância é agravada pelo facto de, posteriormente, as forças políticas que mais contribuem para essa rejeição virem reclamar com o maior à-vontade e despudor junto da opinião pública que o Governo não realiza as reformas estruturais. Tais forças políticas não fazem, não deixam fazer e depois ainda clamam que determinadas reformas não estão feitas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS e do PCP: - Não apoiado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Felizmente que, na limitada perspectiva dessas forças políticas, as reformas estruturais se reconduzem a um ou dois exemplos cuja acuidade política, por razões históricas e sociológicas, atingiu particular significado num passado recente, ignorando ou fingindo ignorar que muitas outras já estão realizadas ou em curso de realização, algumas vezes com o seu próprio contributo, como adiante se verá em mais detalhe ao analisar a problemática objecto da presente interpelação, ou seja, a política de justiça.
Em matéria de fiscalização ao Governo, o panorama, manda a verdade que se afirme, não será mais auspicioso. Com efeito, a Assembleia da República, até ao presente, vinha mostrando uma preferência quase obsessiva pelo instituto da ratificação, o que, sendo mais uma expressão do estado de espírito atrás retratado, é, em qualquer caso, um mau sintoma. Com efeito, desde o início da presente legislatura, foram apresentados já 90 pedidos de ratificação de diplomas do X Governo Constitucional.
Ora, sabendo-se como se sabe que, a par do instituto da ratificação, a Assembleia dispõe de mecanismos, como os das sessões de perguntas ou das interpelações, para fiscalizar as políticas do Governo, e que, podendo realizar-se quinzenalmente aquelas e duas por sessão legislativa e por grupo parlamentar no caso destas, a Assembleia se limitou, até hoje, a promover apenas quatro sessões de perguntas e outras tantas interpelações, sabendo-se isto, dizíamos, é legítimo concluir que a Assembleia tem preferido tentar substituir-se ao Governo, através do uso indiscriminado e sem critério da força algébrica dos votos, do que avaliar com rigor e isenção, através do debate das ideias, o acerto das políticas postas em execução pelo Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Muito mal!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso que o Governo não pode deixar de saudar, com alguma fundada esperança, aquilo que parece ser o início da inversão desta tendência e que se traduz por uma aparente maior disponibilidade por parte das forças políticas da oposição para usarem mais amiúde as figuras constitucionais, e regimentais, da sessão de perguntas e da interpelação. E que, estamos em crer, tal atitude poderá contribuir para uma certa discrepância entre a Assembleia e o Governo, pela circunstância de os membros deste último poderem vir ao Parlamento não para sistemática e de forma desprovida de qualquer racionalidade verem as suas opções legislativas alteradas ou deformadas mas antes para terem oportunidade de, pela via do diálogo, prestarem contas e fundamentarem o que está feito e o que está por fazer na respectiva esfera de acção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tão pouco em relação às competências políticas da Assembleia, no que respeita à apreciação do Programa do Governo, aprovação de moções de confiança e apresentação e votação da moção de censura, se pode dizer que o comportamento da generalidade dos grupos parlamentares venha obedecendo a princípios de coerência.
A Assembleia da República viabilizou o Programa do X Governo Constitucional livre de qualquer ónus ou coacção, do mesmo passo que em diferentes ocasiões têm tentado impedir ou, quando menos, dificultar o cumprimento daquele mesmo Programa. Em momento ulterior o Parlamento viria a conferir uma renovada legitimidade e autoridade ao Governo aprovando uma moção de confiança por este solicitada.
A chamada oposição de esquerda, detendo embora uma maioria aritmética, é absolutamente inconsequente e ineficaz. Limita-se a falar em vez de agir, a fazer malabarismos retóricos que não enganam nada nem ninguém, a não ser eventualmente a si própria ou aos respectivos directórios partidários, sempre disponíveis para a auto-ilusão e para o autoconvencimento.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Essa é uma auto-análise!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo quanto disse, e que corresponde a uma apreciação que pretendemos objectiva da experiência vivida do relacionamento entre a Assembleia da República e o X Governo, mais realçará a forma positiva como decorreu a interpelação presente, da qual todos, Governo e oposição, podemos ter tirado bom proveito. Justo é referir que o partido interpelante, ao contrário de outros, não quis nem se deixou seduzir, no caso concreto, pela tentação do dramatismo fácil ou pelo empolamento excessivo de um acto parlamentar normal e desejável e que só ganha em dignidade se dele não se quiser extrair o que ele por natureza não pode dar.

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Parece-nos, porém, que ao respeito da forma e da ética dos comportamentos não correspondeu idêntica valia de conteúdo. De resto, já o requerimento que fundamentou a interpelação se apresentava pobre de ideias e de substância, que nem a heterodoxia linguística de alguns extractos disfarçava. Com efeito, se as expressões «acções delitivas», «situação evidente» e as «políticas de justiça e sectoriais anexas» primaram pelo peculiar, não arrastaram contudo consigo qualquer ideia original, qualquer proposta mais arrojada ou solução inovadora.
Pelo contrário, o requerimento e as intervenções subsequentes respigaram algumas ideias já contidas no programa do X Governo Constitucional e em plena execução, na sua maioria, ou retomaram a estafada e totalmente despropositada tentativa de fazer responsabilizar o partido que constitui suporte do Governo por todos os males do sistema judicial português, pela circunstância de, nos últimos sete anos, o responsável pela pasta da Justiça ter sido invariavelmente por si indicado.
Vale a pena perder um pouco de tempo para denunciar uma afirmação que é tanto mais surpreendente quando vem de onde menos devia vir e, de tanto repetida, pode ser tomada como boa, quando, na verdade, se trata de uma mistificação. Só por ignorância ou má-fé se pode defender que é possível formular um juízo isolado sobre determinada política sectorial, que, ainda por cima, neste caso, é horizontal, separando-a da orientação global da governação, desinserindo-a do enquadramento social e político envolvente e do respectivo quadro legal e constitucional.
Será que o Ministro da Justiça, quem quer que ele seja, pode ser responsabilizado, de per si, pelos surtos de criminalidade, pelos aumentos do tráfego da droga, ou, a outro nível, por uma eventual distribuição menos favorável dos recursos financeiros públicos contidos nos diferentes e sucessivos orçamentos do Estado?
Mas, ainda que o pudesse ser, e ainda que houvesse culpas individualizáveis, elas não se confundiriam e não se reconduziriam sempre à condução da política global do Governo e, porventura, a quem, em nome do Estado democrático e em representação do povo, compete fiscalizá-la?
O Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria bom que, uma vez por todas, certos sectores políticos abandonassem falsos argumentos que já se viu que a população não acolhe, pois as últimas eleições legislativas foram disso prova evidente. O veredicto popular foi claro. Penalizou quem tinha a penalizar e escolheu quem quis escolher. O juízo do passado está feito, vamos agora atentar no futuro. O Governo e o partido que o apoia têm provas dadas em matéria de respeito pela vontade popular e seria bom que outros fossem capazes de acompanhar esse exemplo de humildade e maturidade democráticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ultrapassado este pequeno incidente, vale a pena atentar no fundo da questão e perguntar muito simplesmente: tem ou não o Governo cumprido as suas promessas eleitorais e os correspondentes compromissos programáticos assumidos perante esta Câmara em matéria de justiça? A resposta é inequívoca. O Governo, aqui como noutras áreas, está a cumprir escrupulosamente aquilo que se propôs realizar.
Por isso, a par dos méritos já reconhecidos a esta iniciativa do Partido Socialista, terá agora de se acrescentar o de ter proporcionado ao Governo a oportunidade de fazer, mais uma vez, a demonstração que não perde nunca de vista os seus objectivos e que vem cumprindo a um ritmo e com uma fidelidade assinaláveis as acções que lhes correspondem.
Mas façamos uma rápida comparação entre o capítulo do Programa do Governo atinente à justiça e o que está efectivamente executado no que respeita ao que tem a ver com a intervenção da Assembleia da República.
Assim, foi ao abrigo do Programa do Governo que foi apresentado à Assembleia e por esta aprovado um conjunto de propostas de lei atinentes à área de justiça, das quais destacaremos, pela sua particular relevância e significado, a lei de autorização legislativa em matéria de processo penal, ao abrigo da qual já foi publicado o novo Código de Processo Penal, a Lei dos Tribunais Marítimos, a Lei Orgânica do Ministério Público, a Lei de Arbitragem Voluntária, a lei que autoriza o Governo a definir, no âmbito do Código das Sociedades Comerciais, ilícitos criminais e correspondentes sanções penais, e ainda a lei que aprova as sanções penais aplicáveis em caso de incêndios florestais. Isto para não falarmos já na proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais que já foi remetida pelo Governo a esta Assembleia. E tudo isto, ainda, sem poder deixar de realçar e enaltecer os esforços, as iniciativas e as acções já realizadas e em preparação com o objectivo de concretizar, em termos práticos e concretos, o supremo objectivo, tantas vezes proclamado como bandeira política, mas sempre esquecido e secundarizado, do acesso dos cidadãos ao direito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há memória que em qualquer outra sessão legislativa de qualquer outra legislatura tenha sido aprovado um tão significativo e numeroso conjunto de leis relativas ao sector da justiça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim como não será ousadia afirmar que não se encontra na actual legislatura, ainda que se considere por junto todas as iniciativas dos diferentes grupos parlamentares, um conjunto de leis tão fundamentais para a construção do Estado de direito democrático e para o nosso sistema jurídico. Esta é que é a verdade.

Aplausos do PSD.

Não faz qualquer sentido, por isso, o teor dos apartes e também de algumas afirmações produzidas durante este debate, cuja causa próxima só pode residir em pura distracção ou frustrações ainda não sublimadas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é forte!

O Orador: - Srs. Deputados, é sabido que a justiça, como função do Estado, comporta duas vertentes fundamentais: a produção normativa, com vista a manter permanentemente actualizado o sistema jurídico, e a administração da justiça e o sistema prisional.
Em qualquer dos casos, como foi abundantemente referido pelos Srs. Ministro da Justiça e Secretário de Estado Adjunto, a actividade do Governo tem sido tão dinâmica e tão eficaz quanto as circunstâncias e os recursos disponíveis o permitem.

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Pelo contrário, e nomeadamente na vertente da produção normativa, quais têm sido as iniciativas neste domínio tomadas pelo partido interpelante e pela restante oposição?
A pobreza do panorama oferecido pela oposição nesta área é porventura mais chocante do que em qualquer outra.
O balanço salda-se por um zero absoluto. É uma verdade inquestionável.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Inverídico!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que arrogância!

O Orador: - Permita-se-me a ironia que, em relação ao partido interpelante, já houve duas conferências de imprensa em que se anunciou que se iriam divulgar as medidas a tomar.
Pior ainda se considerarmos áreas coadjuvantes ao mundo da justiça, como seja o domínio da segurança interna, onde, se alguma coisa a oposição tem feito ou continua a fazer, esse algo chama-se inércia ou obstrução pura e simples.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, não é admissível que uma lei fundamental para a construção do Estado de direito continue a jazer, sem qualquer explicação válida ou justificação bastante, em trabalhos de comissão. Isso não incomoda a consciência dos Srs. Deputados?
Também em matéria de administração da justiça e do sistema prisional, se bem que naturalmente não caiba aqui à oposição fazer, no sentido estrito de facere, seja o que for, a verdade é que não a vemos produzir uma ideia útil, adiantar uma sugestão cabal ou preconizar qualquer reforma.

O Sr. José Manual Mendes (PCP): - Sectário!

O Orador: - No fundo, a oposição limita-se a reclamar que são precisos mais agentes de justiça e que é preciso investir mais dinheiro. Tudo soluções impossíveis ou utópicas, pois, concomitantemente, não são capazes de adiantar onde ou em que sector se deve deixar de gastar para poder gastar-se aqui.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É falso!

O Orador: - A iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista propiciou, como já referi, a oportunidade ao Governo de demonstrar que cumpre o seu Programa sem sensacionalismo, mas com determinação, esforçadamente, mas sem espaventos, diligentemente, mas sem agressividade. E trouxe à evidência que, contrariamente ao que muitas vezes se quer fazer crer, o Governo vem introduzindo autênticas reformas estruturais, neste caso ao nível da construção do Estado, promovendo vastos consensos e às vezes até alcançando unanimidades nesta Assembleia da República, bastando para tal que os partidos da oposição não tenham erigido os obstáculos estruturais, que se vão assim ultrapassando, em tabus ou mitos ditados por preconceitos próprios do socialismo utópico ou marxizante de que ainda se não libertaram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quis o partido interpelante abrir este debate com uma imagem pitoresca, chamando despertador à sua própria iniciativa de interpelação.
Julgamos a imagem infeliz, mesmo contraproducente para os seus autores, e daí que os resultados talvez não tenham sido os por si esperados. Com efeito a demonstração de que este debate não conseguiu suscitar sequer o empenhamento e a participação muito activa dos deputados do Partido interpelante está bem patente na circunstância de que quando os trabalhos se iniciaram hoje de manhã a bancada do PS estava circunscrita a um número demasiado reduzido de deputados. Afinal, para eles o despertador parece não ter tocado.

Risos do PSD.

Talvez que o que aqui se passou desperte, enfim, a razão num partido que, por embrenhado numa oposição tão cega, parece que deixou de ver e que, por isso mesmo, tem assumido posições que ignoram a realidade nacional, a situação que o País vive, e fogem ao mais real e genuíno sentimento dos Portugueses.
Esperamos que este debate ajude, em suma, o PS a despertar para a realidade, já reconhecida pelos Portugueses, de que o Governo está a cumprir a palavra dada.
É certo que nem tudo está feito, mas, para um governo cujo objectivo temporal é a legislatura, há-de reconhecer-se que o grau de execução do seu Programa, ao fim de quinze meses, excede o que em termos puramente cronológicos seria de esperar e o que muitos admitiriam ser possível em tão curto espaço de tempo. No entanto, isso não constituirá para nós pretexto para abrandar ritmos de trabalho nem para hesitar em termos de determinação. É nosso firme propósito continuar a lutar, sem tréguas, para que haja mais e melhor justiça para os Portugueses.
O Governo recusa acomodar-se à sombra do trabalho já realizado. A resignação não é timbre do nosso comportamento. Fazer mais e melhor é objectivo permanente da nossa acção. Assim o exigem os Portugueses, assim o requer o interesse nacional, a que guardamos estrita obediência, assim o postula a necessidade de vencermos os desafios do presente e do futuro. Na justiça, como em tudo o mais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, com alguma bonomia, desejo fazer uma breve defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra para esse efeito.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares - e não farei qualquer comentário ao que está fora da defesa da honra -, apesar de ter feito um ataque a este Parlamento, que não me parece muito pertinente na voz de um ministro para os Assuntos Parlamentares, invo-

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25 DE FEVEREIRO DE 1987 1913

cou a minha consciência, na qualidade de presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, perguntando se eu não tenho problemas de consciência pela circunstância de estar por aprovar, há tanto tempo, a Lei de Segurança Interna.
Queria dar a seguinte resposta ao Sr. Ministro: a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias não tem culpa que o Governo introduzisse no Código de Processo Penal disposições inteiramente paralelas a muitas das que constavam dessa proposta de lei, com conhecimento do próprio Governo, disposições essas que vieram a ser lei, ou, melhor, não chegaram a sê-lo, mas foram submetidas à fiscalização do Tribunal Constitucional, estando, portanto, pendente a dúvida sobre se eram ou não constitucionais.
Há quatro ou cinco dias recebemos publicado o texto definitivo do Código de Processo Penal, depois de o Tribunal Constitucional se ter pronunciado.
Intrometeu-se esta interpelação. A nossa demora é apenas de quatro ou cinco dias. De modo nenhum me pesa na consciência o facto de não ter sido aprovada antes.
Era só isto que eu queria dizer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar no dia 25, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia, para o qual está agendada a discussão do projecto de lei n.º 309/IV, com tempos previamente marcados em conferência de líderes, como é do vosso conhecimento, realizando-se as votações às 18 horas.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Era 1 hora e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Jardim Ramos.
Flausino Pereira da Silva.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Magalhães de Barros Feu.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo.
José Torcato Dias Ferreira.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.

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1914 I SÉRIE - NÚMERO 48

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Estêvão Correia da Cruz.
Maria Alda Barbosa Nogueira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
António Filipe Neiva Correia.
Carlos Eduardo Oliveira Sousa.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Francisco Manuel Menezes Falcão.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel do Carmo Tengarrinha.

Deputados independentes:

António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Barbosa Mota.
José Manuel Torres Couto.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
José Rodrigo da Silva Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Victor Manuel Ávila da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Manuel Rogério de Sousa Brito.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
João da Silva Mendes Morgado.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Os REDACTORES: José Diogo - Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins - Ana Maria Morgues da Cruz - Carlos Pinto da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO: 352$00

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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