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I Série - Número 50

Sábado, 28 de Fevereiro de 1987

PORTE PAGO

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE FEVEREIRO DE 1987

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Cardoso Lage

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Victor Manuel Caio Roque
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 10 horas e 40 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando que vários Srs. Deputados sejam ouvidos como arguidos em processos contra eles pendentes.
Em sessão de perguntas ao Governo, formularam questões ou intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Carlos Candal (PS), Carlos Brito (PCP), Ana Gonçalves (PRD), Gomes de Pinho (CDS) e Cardoso Ferreira (PSD).
Por parte do Governo, responderam os Srs. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira) e da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida) e os Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Garcia Marques), do Orçamento (Rui Carp) e do Ensino Superior (Ferreira Real).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe de Athayde de Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.

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Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Torcato Dias Ferreira.
José Rodrigo Carneiro Costa Carvalho.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Carlos Eduardo Oliveira Silva.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Francisco Menezes Falcão.
Henrique José Pereira de Moraes.
Horácio Alves Marçal.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Vaz da Silva.
Narana Sinai Coissoró.

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Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 376/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Menezes Falcão e outros, do CDS, relativo à criação da freguesia de São Pedro de Muel, no concelho da Marinha Grande, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; 377/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Almeida Santos e outros, do PS, que rege os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; 378/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Magalhães Mota e outros, do PRD, sobre candidaturas às eleições autárquicas apresentadas por grupo de cidadão eleitores, que foi admitido e baixou à 1.º Comissão; 379/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Magalhães Mota e outros, do PRD, relativo à reeleição dos titulares dos órgãos executivos eleitos das autarquias locais, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Pendentes nesta Comissão de Regimento e Mandatos alguns processos referentes a pedidos de comparência de vários Srs. Deputados em tribunal para serem ouvidos como arguidos por imputadas infracções ao artigo 1.º da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, foram tais processos distribuídos para relato, por despacho de 3 do corrente mês de Fevereiro, pelo prazo de quinze dias.
Analisados os diversos processos, cumpre, assim, elaborar o respectivo parecer, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 36.º do Regimento da Assembleia da República e no n. º 3 do artigo 119.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados).
O factualismo a ter em consideração é o que de seguida se passa a enunciar:

1) Pelos ofícios n.ºs 1896, de 30 de Junho de 1986, e 3340, de 27 de Novembro de 1986, do 4.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado Raul de Brito ser interrogado, como arguido, no processo n.º 2456/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento, mas nada disse;
2) Pelo ofício n.º 2752, de 10 de Novembro de 1986, do 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, dirigido ao Exmo. Presidente da Assembleia da República, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado Arménio Santos comparecer naquele Tribunal no dia 24 do referido mês de Novembro, «a fim de ser ouvido em interrogatório» à matéria do processo n.º 5003/86. O referido Sr. Deputado, em 13 de Novembro, tomou conhecimento da solicitação judicial e pronunciou-se dizendo não encontrar interesse em depor; Entretanto, em 2 de Dezembro passado, pelo ofício n.º 2951, foi novamente solicitada autorização para o referido Sr. Deputado comparecer no aludido Tribunal de Instrução Criminal para ser ouvido como arguido no já mencionado processo;
3) Pelo ofício n.º 349, de 5 de Janeiro de 1987, do 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado José Apolinário Nunes Portada comparecer naquele Tribunal para ser submetido a interrogatório, como arguido, no processo n.º 6408/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do pedido, mas nada disse;
4) Pelo ofício n.º 226, de 5 de Janeiro de 1987, do 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado José Manuel Antunes Mendes ser submetido a interrogatório, como arguido no processo n.º 6650/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do teor do ofício, mas nada disse;
Apesar de posteriormente este Sr. Deputado haver enviado a esta Comissão uma declaração do Tribunal Constitucional em que se afirma que o mesmo apresentou a declaração a que se refere o artigo 1.º da Lei n.º 4/83, em 6 de Dezembro de 1983, a verdade é que é ao Tribunal de Instrução Criminal que incumbe, face à instauração do procedimento criminal, declarar extinto esse procedimento, se for caso disso, e não a esta Comissão;
5) Pelo ofício n.º 49, de 5 de Janeiro de 1987, do 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado Abel Augusto Gomes de Almeida ser submetido a interrogatório, como arguido no processo n.º 5110/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento e declarou desejar ser interrogado;
6) Pelo ofício n.º 153, de 5 de Janeiro de 1987, do 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, solicitou autorização para o Sr. Deputado Fernando Manuel Cardoso Ferreira ser submetido a interrogatório, como arguido, no processo n.º 5038/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do ofício, mas nada disse;
7) Por ofício sem número, de 5 de Janeiro de 1987, do 3.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado Reinaldo Alberto Ramos Gomes ser submetido a interrogatório, como arguido, no processo n. º 6412/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do ofício e declarou estar disponível para comparecer à diligência;
8) Por ofício sem número, de 5 de Janeiro de 1987, do 3.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho ser submetido a interrogatório, como arguido, no processo n.º 6403/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do ofício e declarou desejar comparecer para ser ouvido;

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9) Por ofício sem número, de 5 de Janeiro de 1987, do 3.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado Francisco Mendes Costa ser submetido a interrogatório, como arguido, no processo n. º 6643/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do ofício, mas nada disse;
10) Por ofício sem número, de 5 de Janeiro de 1987, do 3.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado José Mendes Bota ser interrogado, como arguido, no processo n.º 6652/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do ofício e declarou estar interessado em ser interrogado;
11) Por ofício n.º 426/87, de 29 de Janeiro de 1987, do 2.º-A Juízo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado José Emanuel Corujo Lopes ser interrogado, como arguido, no processo n.º 6404/86. O referido Sr. Deputado tomou conhecimento do ofício, mas nada disse;
12) Por ofício n.º 474, de 2 de Fevereiro de 1987, do 2.º-A Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para o Sr. Deputado Rui Fernando Pereira Mateus ser interrogado, como arguido, no processo n.º 6414/86. O referido Sr. Deputado declarou desconhecer os motivos para os quais era solicitado e manifestou interesse em ser informado do que se tratava, informação essa já prestada;
13) Por ofício n.º 475, de 2 de Fevereiro de 1987, do 2.º-A Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi solicitada autorização para a Sr." Deputada Maria da Glória Moreira da Costa Padrão Carvalho ser interrogada, como arguida, no processo n.º 6653/86. A referida Sr.ª Deputada tomou conhecimento do ofício e declarou estar interessada em ser interrogada;
14) Todos os processos que ficam referidos foram instaurados contra aqueles Srs. Deputados por incumprimento da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril.
O artigo 160.º da Constituição da República, sob a epígrafe «imunidades», prescreve, no seu n. º 2, que «nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito» e acrescenta, no seu n.º 3, que, «movido procedimento criminal contra algum deputado e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo».
Por seu turno, o artigo 161.º da referida lei fundamental, sob a epígrafe «direitos e regalias», preceitua, no seu n.º 1, que «os deputados não podem ser jurados, peritos ou testemunhas sem autorização da Assembleia durante o período de funcionamento efectivo desta».
No seguimento destes princípios jurídico-constitucionais decorrentes dos dispositivos que ficam transcritos, a Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados) consagra ela própria, sob a epígrafe de «inviolabilidade», que «nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito» (artigo 11.º, n. º 1), e ainda que «movido procedimento criminal contra algum deputado, e indicado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo» (artigo 11.º, n.º 2), para noutro passo, e sob a epígrafe de «direitos e regalias dos deputados», adiantar que «os deputados não podem, sem autorização da Assembleia da República, ser jurados, peritos ou testemunhas, nem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos, excepto, neste último caso, quando em caso de flagrante delito ou quando suspeitos de crime a que corresponde pena maior» (artigo 13.º, n.º 1).
Neste passo haverá desde já que salientar que enquanto os n.ºs 2 e 3 do artigo 160.º da Constituição da República se acham repetidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º do Estatuto dos Deputados, já o mesmo não sucede no tocante ao disposto no n.º 1 do artigo 161.º da Constituição e no n.º 1 do artigo 13.º do referido Estatuto.

Na verdade, o aludido normativo constitucional apenas contempla as hipóteses de «jurados, peritos ou testemunhas», enquanto que o n.º l do artigo 13.º do Estatuto adiantou também as hipóteses de «declarantes», de «arguidos» ou «suspeitos», acrescentamento este que não é de somenos.

Efectivamente, enquanto os jurados, os peritos e as testemunhas são cidadãos chamados a colaborar com os tribunais no sentido de auxiliarem estes a chegar ao apuramento de factos controvertidos, os suspeitos ou os arguidos são partes interessadas em processos de natureza criminal.

Por isso, é correcta a distinção constitucional entre imunidade e direitos e regalias dos Deputados, hão se podendo, porém, considerar como direitos e regalias o acrescento que consta do n.º l do artigo 13.º do Estatuto dos Deputados, mas antes no âmbito das imunidades.

Na realidade, o aludido «acrescento» (permita-se-nos este modo de dizer) mais não é que uma situação específica e perfeitamente enquadrável no princípio consagrado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 160.º da Constituição da República. O legislador ordinário entendeu, e bem, que tal situação deveria, para evitar dúvidas, constar explicitamente do Estatuto dos Deputados e daí que o tenha incluído naquele dito n.º l do artigo 13.º; só que, em nosso entender, deveria incluí-la no âmbito do artigo 11.º, não, certamente, e apenas por se tratar de uma comparência em tribunal, a introduziu naquele artigo 13.º, sendo certo, contudo, que, para além de uma comparência para audição, se está perante uma situação distinta.

Ainda que entendamos admissível e perfeitamente compreensível incluir no artigo 13.º os declarantes pela sua grande similitude com a função das testemunhas, já não existe, numa análise de fundo da situação, uma qualquer similitude entre as figuras processuais aí mencionadas e as dos «suspeitos» e dos «arguidos»; estes sim, têm a ver, e muito, com o procedimento judicial movido contra deputados e até com o próprio andamento dos processos respectivos, já que, face ao regime processual penal vigente, não se vislumbra como poderá

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haver pronúncia definitiva sem audição do deputado incriminado, uma vez que a sua identificação e residência não são ignoradas ou incertas.
Assim, é entendimento desta Comissão que a necessária e prévia autorização da Assembleia da República para que um deputado possa ser ouvido em tribunal como suspeito ou arguido se integra no âmbito das imunidades como decorrências do aludido princípio constitucional constante do mencionado n.º 3 do artigo 160.º
No domínio da problemática das imunidades parlamentares, não se vê que alguma argumentação possa pôr em causa a doutrina expendida no relatório final, datado de 19 de Junho de 1984, da Comissão Eventual de Inquérito à Detenção do Sr. Deputado Manuel Lopes.
Neste relatório diz-se que: «as imunidades parlamentares têm menos em conta a pessoa individual do deputado do que o Parlamento e a sua organização e funcionamento e que as imunidades existem para assegurar a ininterrupção de funções, a defesa do orgão de soberania e o seu pleno e permanente funcionamento, ao abrigo da intervenção de outro órgão ou agente, dentro de determinados limites».
Ora, concretamente à luz de um tal entendimento é que esta Comissão de Regimento e Mandatos, com o voto conforme do Plenário da Assembleia da República, se vem pronunciando no sentido de o deputado não ser suspenso para efeitos de ser submetido a julgamento; já nem sempre tem sido esse o posicionamento adoptado quando se trata apenas de autorizar um deputado a ser ouvido em processo judicial como suspeito ou como arguido, em fase de inquérito preliminar ou de instrução preparatória.
A imunidade parlamentar, contrariamente ao que por vezes se pretende insinuar, não constitui um privilégio do deputado; mas, «como figura constitucional que é, a inviolabilidade dos deputados tem de ser sempre apreciada com a prevalência que sobre o direito comum e, de entre este, o direito penal, assume o direito constitucional» (cf. cit. relatório).
À luz de todo este entendimento, e porque a simples audição dos Srs. Deputados já mencionados, como suspeitos ou arguidos, nos processos instrutórios citados nos ofícios que ficaram referidos não põe em causa o Parlamento, ou uma organização e funcionamento, nem tão-pouco a própria dignificação dos Srs. Deputados ou o cabal exercício das funções inerentes ao cargo de que são titulares; aliás, alguns dos Srs. Deputados em causa pronunciaram-se mesmo no sentido de haver interesse em serem ouvidos.
Não se está no caso em apreço perante uma suspensão de mandato para efeitos de aqueles Srs. Deputados serem submetidos a julgamento, situação que mereceria um maior aprofundamento, tanto mais que a Assembleia da República tem vindo a entender, sem que alguma excepção tenha ocorrido, não dever suspender os mandatos para esse efeito.
Porque as solicitadas autorizações dos Tribunais de Instrução Criminal para aqueles Srs. Deputados aí comparecerem para serem ouvidos como arguidos não põem em causa a dignificação ou o funcionamento da Assembleia da República, nem de modo algum a dignidade dos Srs. Deputados, que para tal nem os seus mandatos são suspensos, afigura-se ser de autorizar os pedidos formulados.
Pelo exposto, a Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia da República emite o seguinte parecer:
Devem ser autorizados os Srs. Deputados Raul de Brito, Arménio Santos, José Apolinário Nunes Portada, José Manuel Antunes Mendes, Abel Augusto Gomes de Almeida, Fernando Manuel Cardoso Ferreira, Reinaldo Alberto Ramos Gomes, Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho, Francisco Mendes Costa, José Mendes Bota, José Emanuel Corujo Lopes, Rui Fernando Pereira Mateus e Maria da Glória Moreira da Costa Padrão Carvalho, a serem ouvidos como arguidos nos processos contra eles pendentes, e já identificados, em datas que lhes venham a ser designadas.

Palácio de São Bento em 18 de Fevereiro de 1987. - O Deputado Relator, António Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, como sabem, a ordem de trabalhos de hoje é uma sessão de perguntas ao Governo.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, para esta sessão, o Grupo Parlamentar do MDP/CDE formulou uma pergunta ao Governo relacionada com o âmbito de colaboração de Mário Correia da Cunha com a DINFO, tendo feito apenas esta pergunta com o objectivo claro de obter os necessários esclarecimentos por parte do executivo em matéria de tal importância. Porém, ao fim da tarde de ontem verificou-se que o Governo não incluiu esta pergunta entre aquelas a que se propõe responder.
Embora se saiba que, segundo o Regimento, o Governo não é obrigado a responder às questões que lhe são dirigidas, é hábito e de elementar cortesia que, pelo menos, esclareça uma pergunta colocada por cada partido. A ruptura com esta praxe parlamentar abre um precedente que, atingindo agora o MDP/CDE, poderá, no futuro, atingir qualquer outro grupo parlamentar.
Esta é, pois, uma atitude por parte do Governo que, desprezando a tradição parlamentar, desmente a sua apregoada capacidade de diálogo e tem o real significado de desrespeito, não apenas por um partido, mas pela Assembleia da República no seu conjunto. Esta declaração vai ser distribuída aos órgãos de comunicação social e, como manifestação de protesto, os deputados do MDP/CDE abandonam o hemiciclo, esperando que casos lamentáveis como este não voltem a ocorrer.

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

Neste momento, os deputados do MDP/CDE abandonaram a Sala.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro? V. Ex.ª pretende, a título de interpelação à Mesa, dar esclarecimentos ao Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha?

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares : - Sr. Presidente, não posso dar esclarecimentos a quem está ausente da sala. Porém, gostaria de os dar à Câmara.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares : - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos do Regimento da Assembleia da República, o Governo escolhe as perguntas a que vai responder pela ordem que tiver por conveniente, dando indicação da sua escolha e dos membros do Governo que estão encarregados de responder, isto até à sessão anterior àquela em que as perguntas se irão realizar.
Assim, gostaria de lembrar à Câmara que a escolha das questões a responder pressupõe pluralidade. Pela teoria defendida pelo Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha, se cada um dos partidos apenas indicasse uma pergunta, como o Governo teria a obrigação de, pelo menos, responder a uma pergunta por cada partido, não havia escolha possível. Logo, o Governo, das oito perguntas formuladas e de que teve conhecimento, escolheu seis. Os Srs. Deputados acham que isto é fugir à resposta às questões que a Assembleia quer colocar, mas eu pergunto se não é antes o Grupo Parlamentar do MDP/CDE que, por esta via, quer impedir o Governo de proceder a qualquer escolha? Afinal, quem é que está a tentar lesar os direitos de quem?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo cumpriu escrupulosamente o Regimento da Assembleia da República. De resto, é manifesto e nós compreendemos a habilidade política do MDP/CDE e de outras forças políticas que tradicionalmente formulavam três, quatro ou cinco questões e que agora apenas formulam uma, na tentativa de cercear o direito de o Governo escolher as perguntas a que responde.
Por isso, o Governo está no pleno exercício dos seus direitos e deles não abdica, apesar de atitudes que gostaria de não qualificar, mas que não deixam de ser atitudes de «Estado espectáculo». Isto é que é espectáculo.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, a interpelação que pretendo fazer diz respeito a um assunto bastante semelhante ao que foi apresentado pelo Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
Com efeito, o Partido Renovador Democrático indicou uma pergunta oral e uma pergunta escrita que gostaria de ver respondidas pelo Governo. Quanto à pergunta oral, a formular por mim próprio, ela já foi objecto de alguns requerimentos e de várias perguntas, mas o Governo nunca a escolheu, o que, aliás, para nós, já é uma resposta.
Essa pergunta era no sentido de saber se o Governo faz ou não sondagens, inquéritos de opinião, e, a partir da resposta, gostaríamos de obter uma série de elementos. Obviamente que se o Governo as não fizesse, era só dizer que não e já o tinha dito há muito. Pôr tanto, já temos esta postura como uma resposta concludente, pois também desta vez apresentámos essa pergunta e o Governo, mais uma vez, entendeu não lhe responder.
A interpretação que faço do artigo 235.º do Regimento, não corresponde, de modo algum, àquela que acaba de lhe ser dada pelo Sr. Ministro Fernando Nogueira. Com efeito, tal como me parece resultar do artigo 235.º - embora como jurista tenha de admitir; que esta interpretação pode não ser única -, cada grupo parlamentar pode formular até duas perguntas escritas e até duas perguntas orais. O Governo escolhe as perguntas, mas isso só acontece se forem formuladas mais de uma, pois se apenas for formulada uma única, entende-se que o Governo lhe deve responder.

Vozes do PS: - Correcto!

O Orador: - De facto, até agora a prática tem sido sempre essa, ou seja, responder a uma pergunta escrita e a uma pergunta oral.
Portanto, tomámos a devida nota de que o Governo não quer responder, designadamente a esta pergunta tão simples e em relação à qual já estamos fartos de' formular requerimentos no sentido de saber se se faz ou não sondagens e quais os seus resultados.
Um Governo que faça sondagens às quais os partidos e a oposição não tenham acesso está a dispor, à custa dos dinheiros públicos, de elementos que a oposição não tem, o que para nós não é admissível num regime transparente de democracia plena, como queremos que seja o regime democrático português.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para. responder ao Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, tem a a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de interpelar a Mesa no seguinte sentido: considera a Mesa que o Governo cumpriu ou não o Regimento da Assembleia da República ao escolher seis das oito perguntas que lhe tinham sido formuladas? Agradeço à Mesa que, se puder, nos esclareça sobre se a postura do Governo é ou não conforme ao Regimento.
Em segundo lugar, não é verdade que o Governo não tenha escolhido qualquer pergunta do PRD; o Governo escolheu uma pergunta do PRD e a ela vai responder.
Quanto à outra questão colocada pelo Sr. Deputado, se V. Ex.ª já tem a resposta, não precisa dela.

Protestos do PCP.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Está dada a resposta: o Governo manda fazer sondagens! Falta agora responder ao resto...

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

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28 DE FEVEREIRO DE 1987 1957

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - A minha intervenção vai no sentido de considerar que esta discussão reduzida aos puros termos do Regimento, para nós, não tem sentido. O Governo fez uma escolha: escolheu não responder à pergunta formulada pelo MDP/CDE. Toda a Câmara conhece a natureza dessa pergunta e a escolha de não responder é um acto político, com significado claro e transparente para toda a Câmara. No momento em que não a escolheu, o Governo recusou-se a responder à pergunta que lhe foi colocada! Tudo o mais são artifícios que não escondem o significado político desta atitude do Governo e há silêncios que são muito mais expressivos que os mais longos discursos.

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso só por mera ignorância de factos é que pode ter cabimento.
Há pouco eu não quis adiantar esclarecimentos suplementares que me pareciam dispensáveis face à crueza das normas regimentais.
No entanto, gostava de dizer à Câmara que o Governo vai responder a uma pergunta, elaborada pelo PCP, cujo contexto e âmbito é o seguinte:
Posição do Governo sobre aludidas actividades de vigilância e fichagem de partidos políticos ou dos seus militantes por parte de agentes ou colaboradores de serviços de informações.
Ora, isto significa que o Governo está aqui na Assembleia para responder a uma questão que contém, de forma implícita, a questão adiantada pelo MDP/CDE, porque diz respeito à mesmíssima coisa, ou seja, com ela pretende-se saber se neste momento se está ou não a proceder à fichagem de militantes de partidos políticos através dos serviços de informações.
Sr. Deputado, deixe-me que lhe diga também que, dada a natureza da matéria e a forma como a pergunta do MDP/CDE vem formulada, é impossível ao Governo responder, sob pena de estar a quebrar um dever de sigilo, o que é punido, através de uma lei que foi aprovada por esta Assembleia da República, com uma pena de prisão de três ou mais anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - O Sr. Ministro disse que o Governo iria responder a uma pergunta do PRD. Porém, e apenas para esclarecer o Sr. Ministro, pois, com certeza que a Câmara o sabe, queria precisar que o Governo vai responder a uma pergunta escrita, não vai responder a nenhuma pergunta oral. E, de facto, a tradição desta Câmara tem sido, penso eu, a de responder a uma pergunta escrita e a uma pergunta oral.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, não quero prolongar o abuso das figuras regimentais e estar a recorrer a interpelações à Mesa que não têm exactamente esse objectivo e, portanto, serei muito rápido.
Quero apenas dizer que a ignorância às vezes tem virtudes e a ignorância que me foi atribuída pelo Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares permitiu, pelo menos, que o Governo fosse um bocadinho mais longe do que tinha ido há pouco. Afinal, o Governo não responde ao MDP/CDE porque, por um lado, a pergunta está subsumida na pergunta do PCP e, por outro, porque tal não lhe era possível.
Não vou sequer questionar esta resposta, creio que a posição do Governo está clara mas, pelo menos, adiantámos alguma coisa: há outras razões, para além das puramente regimentais, que justificam a posição do Governo. Talvez tivesse sido preferível começar por aí, perdendo o Sr. Ministro um pouco o hábito que parece ter adquirido de há uns tempos para cá, de vir a esta Assembleia explicar como é que ela funciona ou como é que deve funcionar, dando-nos lições sobre funcionamento da Assembleia e sobre o seu Regimento.

Aplausos do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, serei muito rápido e quero apenas referir que, quanto a nós, há aqui dois aspectos que merecem ser considerados.
Um aspecto diz respeito à ausência concreta da resposta do Governo a perguntas formuladas pelo PRD e pelo MDP/CDE e isso naturalmente tem um significado político que já foi salientado por outros Srs. Deputados e que me dispenso de sublinhar.
Mas creio que a par desse aspecto, que já está salientado, há um outro que é particularmente importante e que é o da interpretação restritiva do Regimento que o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares aqui nos veio trazer.
Na verdade, nada permite essa interpretação restritiva - nem a letra, nem a praxe interpretativa que foi feita pela Assembleia da República ao longo dos anos em que esta figura foi usada. Sempre se entendeu que estas disposições tinham em vista prevenir uma situação de excessiva abundância, mas nunca, nunca por nunca, permitir a discriminação de qualquer partido de forma a não ver respondidas questões que entendesse colocar ao Governo. Sempre se entendeu que esta figura das «perguntas ao Governo» deveria contemplar a pluralidade da Câmara. Esta é, desde o início, uma das preocupações que tem existido...

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e que sempre tem sido praticada de tal maneira que o próprio Regimento garante, ao ser desencadeada, por um grupo parlamentar, a iniciativa de uma sessão de perguntas ao Governo, tempo suficiente para que os outros grupos parlamentares possam também apresentar as suas perguntas.
Neste sentido, creio que a discriminação parcial em relação ao PRD e a discriminação total em relação ao MDP/CDE é absolutamente inaceitável e deve ficar claro que a interpretação do Sr. Ministro não é procedente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho ouvido, desde o início das interpelações, a invocação permanente da praxe, do costume parlamentar, se se quiser. Mas nesta matéria não podem as oposições ter dois pesos e duas medidas. Sempre que se trata de evocar os seus direitos, a oposição é fértil em chamar à colação o problema da praxe, do costume parlamentar, mas quando se trata de se imiscuir em áreas do Governo, diferentemente daquilo que era costume fazer nesta Assembleia em muitas sessões legislativas, já não se lembra de evocar a praxe parlamentar, de evocar o costume parlamentar!
Os senhores não podem ter dois pesos e duas medidas e querer os direitos que negam ao Governo!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que não vamos prosseguir com este incidente processual, embora ele tenha significado político e parlamentar.
O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares fez uma pergunta à Mesa, interrogando-a acerca da sua interpretação do regimento quanto a este assunto, para saber se houve ou não uma violação do Regimento da Assembleia da República por parte do Governo.
Sr. Ministro, não se verificou uma violação expressa, grosseira, do Regimento ou da Constituição - o que já aqui foi sublinhado -, mas houve um desrespeito por uma prática parlamentar que é em si mesma válida e que merece ser respeitada, pois não é uma prática parlamentar arbitrária ou subjectiva, a qual consiste em tratar os grupos parlamentares de forma igual e segundo a proporcionalidade - essa sim, consagrada na Constituição.
Aliás, o artigo n.º 235.º, n.º 1, do Regimento diz:
Cada grupo parlamentar não representado no Governo pode formular até duas perguntas escritas por reunião e cada grupo parlamentar representado no Governo ou cada agrupamento parlamentar uma.
O Regimento, antes da revisão que alterou este preceito, concedia, de alguma maneira, a possibilidade de os deputados e os grupos parlamentares fazerem um número ilimitado de perguntas. Ora, esta restrição, consignada na revisão regimental, destina-se justamente a disciplinar melhor as perguntas, a obrigar os grupos parlamentares a fazerem menos perguntas para não tornar as sessões e as escolhas tão arbitrárias e também a obrigar o Governo a circunscrever-se mais às perguntas que os grupos parlamentares consideram prioritárias.
Esta tendência regimental parece ser a mais acertada, mas com certeza que irá ser reapreciada em nova revisão do Regimento. Por outro lado, a interpretação do Sr. Ministro levada às últimas consequências chocava um pouco, se não estou em erro, com o facto de neste n.º 1 se dizer que cada grupo parlamentar representado no Governo só pôde formular uma pergunta. Esse direito de escolha que invocou o Sr. Ministro já não se verificava neste caso, dado que estes grupos parlamentares só podem fazer uma pergunta de cada vez.
Creio bem que o resto que se passou é susceptível de um juízo de valor político e não de um juízo de realidade, não competindo à Assembleia ir mais longe.
De qualquer modo, solicito aos grupos parlamentares que na próxima revisão do Regimento da Assembleia da República esta questão das perguntas escritas e orais seja devidamente abordada e modificada.

Uma voz do PRD: - Que consiste em tratar os grupos parlamentares de forma igual!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa, usando agora esta figura com todo o rigor com que o Regimento me permite fazê-lo, para dizer que o Grupo Parlamentar do PS discorda totalmente da interpretação feita pela Mesa, por uma razão simples: admitindo-se que o Governo pode recusar-se a responder, podemos estar perante uma situação perfeitamente caricata, como seja a de o Grupo Parlamentar do PS fixar uma reunião de perguntas ao Governo e entender formular apenas uma pergunta; o Governo, na base de que pode escolher entre responder ou não responder ou de que o facto de existir apenas uma pergunta lhe tolhe a capacidade de resposta, recusava-se a responder à pergunta colocada pelo partido que tinha desencadeado o processo de perguntas ao Governo. Nesse sentido, a interpretação do Regimento feita pela Mesa não pode ter o nosso acordo!
Era apenas isto, sem prosseguir na polémica, que queremos que aqui fique claro para se saber qual é o nosso entendimento nesta matéria.

Aplausos do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta ao Governo, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: A utilização dos meios informáticos e outros meios tecnológicos envolve riscos que são sérios e que a Constituição da República quis prevenir e evitar, tanto na sua formulação originária como no que decorre do texto que hoje é norma, depois da revisão de 1982.
Os cidadãos, entretanto, vêm sendo confrontados, como há dias sublinhava em editorial o Diário de Notícias, com número crescente e inadmissível de invasões da sua privacidade por circuitos de computadorização de dados, cada vez mais generalizada e a decorrer à margem de qualquer regulamentação. Exige-se, por isso, naturalmente, uma resposta clara do Governo a algumas questões centrais.
Aí vão elas, a título meramente indicativo: qual é a base legal para a proliferação de acções informáticas, designadamente para efeitos criminais?
Que suporte encontra na lei o conjunto das actuações informáticas da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais?
Podem o Sr. Secretário de Estado e o Governo garantir à Câmara e ao País que não há nem acesso indébito aos ficheiros, nomeadamente pelos serviços de informações, nem o exercício de qualquer prática de interconexão que, como sabe, é inteiramente vedada pelo artigo 35.º da Constituição da República?

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Um segundo feixe problemático tem a ver com o seguinte: foi filmada, em vídeo, por um corpo policial, uma manifestação de trabalhadores da COVINA em protesto contra a ameaça de despedimentos, realizada há pouco tempo, aquando da inauguração de uma nova linha de fabrico. Como é bom de ver, trata-se de uma recolha de dados pessoais, feita, aliás, com larga cópia de pormenores, com membros desse corpo policial transformados em verdadeiros cameramen, procurando fazer close-up e outras técnicas de filmagens conhecidas, sendo que, assim, se devassava inteiramente, por um lado, a figura ou o perfil dos manifestantes e, por outro, a actividade de democratas, de trabalhadores que protestam, que labutam, que lutam, de dirigentes sindicais, o que constitui uma prática aberrante e a muitíssimos níveis inquietante.
A pergunta urge: que garantias dá o Governo de que actuações destas não voltam a repetir-se? Se preferir, formulo-a de outra forma: trata-se de uma iniciativa meramente casuística, individual, que, como tal, o Governo não subscreve, ou é um acto que o Governo entende ser legítimo? Nesse caso, em nome de quê, sustentado em que legislação, com que fins e onde é que vai parar a defesa dos cidadãos, onde vão parar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos depois de tudo isto?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Garcia Marques): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão colocada pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes insere-se no contexto de uma problemática que assume indiscutível interesse: tem a ver com o problema da compatibilização da utilização da informática para a recolha, tratamento e difusão da informação - que é hoje um instrumento indispensável para o lançamento de uma política em proveito e em benefício do povo - com a defesa e a garantia dos direitos dos cidadãos.
Trata-se de uma temática em relação à qual, há uns tempos atrás, precisamente no «Verão quente» de 1975, tive oportunidade de escrever:
[... ] direi que, para ser eficiente, o Governo tem desenvolver processos de recolha e de avaliação da informação e de encontrar métodos que permitam a sua exploração para fins de planificação e de desenvolvimento tem de proceder à montagem de uma rede completa e actualizada de informações que habilitem a máquina do Executivo a conhecer com rigor, a planear com tempo e a decidir com justiça, tem, em suma, de invadir a esfera das condições de vida dos cidadãos para, com conhecimento de causa, poder lançar os fundamentos de uma prática ao serviço do povo. Mas, como contrapartida, o cidadão receia a interferência do olhar oficial na intimidade da sua vida privada e no âmbito do exercício das suas liberdades. Daí que possa existir, de facto, um conflito entre o exercício das liberdades e a realização prática de outros valores sociais.
Esta breve introdução pareceu-me necessária para situar, do ponto de vista teórico, as questões colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes.
Porque o tempo não o permite, não valerá a pena referir todos os projectos de iniciativa legislativa que já tiveram lugar com vista à regulamentação desta matéria, porque é verdade que, numa área desta sensibilidade, as garantias técnicas e deontológicas não são suficientes para resolver o problema. Torna-se necessária uma regulamentação legislativa.
Na nossa Constituição temos um texto, o artigo 35.º, que define um conjunto de princípios que, na minha opinião - e posso dizê-lo livremente, como cidadão, como jurista e como membro do Governo -, precisam de ser reapreciados, os quais, no entanto, definem um quadro de princípios que visam defender o cidadão da utilização da informática. Isto porque a informática tem, de facto, uma capacidade de potenciação dos riscos, na medida em que permite, através de um processamento e de uma difusão de informação que não é acessível pela exploração de ficheiros normais, uma associação de dados dispersos em termos que possam vir a ser usados por forma que venha a contender com os direitos, liberdades e garantias individuais.
No entanto, escusado será dizer que, sem prejuízo da regulamentação legislativa existente no nosso país, até ao momento estamos perante uma norma integrada no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, que é, portanto, passível de eficácia imediata, através do dispositivo consagrado no n.º 1 do artigo 18.º da Constituição.
Relativamente às questões concretas que me coloca o Sr. Deputado José Manuel Mendes, posso dizer que não é correcto afirmar-se que a Constituição veda absolutamente a interconexão dos ficheiros. No n.º 2 do artigo 35.º a Constituição diz que «são proibidos o acesso de terceiros a ficheiros com dados pessoais e a respectiva interconexão, bem como os fluxos de dados transfronteiras, salvo em casos excepcionais previstos na lei.»
Ora, há disposições legais - dou como exemplo a Lei Orgânica da Polícia Judiciária - que permitem a utilização da informática para a recolha, tratamento e difusão da informação de dados de natureza pessoal. Isto sem prejuízo do respeito que deve ser dado a outros princípios consignados no texto constitucional. Quando eu disse que, na minha perspectiva, o artigo 35.º carece de revisão - e posso prová-lo - não estou a dizer, de modo nenhum, que este artigo não tenha de ser respeitado. É evidente que, como qualquer disposição do texto constitucional, enquanto estiver em vigor, o artigo 35.º tem de ser respeitado. A razão da dificuldade da regulamentação legislativa do disposto no artigo 35.º resulta precisamente do carácter espartilhante, bloqueador, de algumas normas que aqui estão consignadas e que, inclusivamente, vão contra disposições da Convenção do Conselho da Europa acerca desta matéria, designadamente no que se refere aos termos de dados transfronteiras, Convenção essa assinada por Portugal.
Relativamente ao problema da utilização dos meios vídeo, entraríamos, com certeza, numa apreciação de tipo casuístico. É evidente que há uma norma constitucional relativa à protecção da intimidade da vida privada, ao direito à imagem - salvo erro, é o n.º 1 do artigo 26.º do texto constitucional -, e eu julgava que a questão iria ser posta em termos, porventura, mais

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sistemáticos. Estava a admitir que a questão me fosse colocada em termos da interconexão da utilização dos meios vídeo com a utilização de meios de informática. Existem já essas possibilidades; não estamos no campo da ficção científica, só que não acontecem, de modo nenhum, em Portugal.
Mas a captação de imagens por forças policiais em manifestações públicas parece-me, em si, legítima. Darei um exemplo banal da possibilidade de uma mãe, ao trabalhar nas lides domésticas, poder saber como é que está a comportar-se o seu filho através do sistema de captação de imagem vídeo. É evidente....

Risos do PCP.

Deixem-me concluir, por favor... É evidente que um exemplo desta natureza é importante para revelar as consequências perversas que podem resultar da utilização exactamente do mesmo instrumento sé essa captação de imagem, numa mesma casa particular, se destinar, por exemplo, a invadir a privacidade de um adulto ou de um hóspede.
Portanto, ao nível da utilização dos meios vídeo, repito que entraríamos na análise casuística de situações e a apreciação depende da situação concreta de cada caso e também do facto de se saber se poderia ou não ter havido eventual violação dos direitos da intimidade da vida privada ou do direito à imagem.
Creio, assim, que a questão, tal como me foi colocada relativamente à utilização dos meios vídeo, não está situada na sua sede correcta.
Voltando ao problema da utilização das técnicas informáticas, poderia repetir o princípio de que o Governo está empenhado na regulamentação legislativa do texto constitucional. Nesta Câmara já foram apresentados dois projectos de lei e duas propostas de lei que não obtiveram aprovação, sem prejuízo de terem dado lugar a debates extremamente interessantes, que, aliás, também tiveram continuação na comunicação social. O Governo está interessado em proceder à regulamentação legislativa da matéria dentro dos limites definidos pelo artigo 35.º de Constituição, dentro das condicionantes que aquele estabelece e sem prejuízo de considerar que, porventura, seria mais adequado proceder à sua regulamentação após uma concordância do disposto no artigo 35.º com os instrumentos internacionais aprovados por Portugal.

O Sr. Silva Marques (PSP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, tem a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Secretário de Estado citou-se a si próprio, tendo tido a oportunidade de reler algumas páginas do seu livro Informática e Liberdade - se a memória não me atraiçoa, quanto ao título -,...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - ... fez um excurso pelo «Verão quente» de 1975, em vez de se situar em 1987, e de responder concretamente às questões que lhe coloquei; perdeu-se em alguns labirintos teóricos a propósito de informática, dizendo coisas que nós, nesta Câmara, sabemos e deu-se a alguns argumentos de tipo comparatístico assaz curiosos. De repente, estava a ver a sua preocupação em assimilar os polícias às mães que velam pelos seus filhinhos em casa, para os fecharem, para os reprimirem, para os engaiolarem, se for preciso ...
Sr. Secretário de Estado, esta comparação é perfeitamente descabida! Não podemos, de forma nenhuma, comparar os demónios e os anjos, por muito que queiramos e devamos ser antimaniqueístas! Trata-se de um dislate em relação ao debate que estamos a travar e não levará sequer a mal que lhe diga que esta não é forma séria e responsável de rebater as questões que lhe coloquei nem de tratar estes problemas.
Refere, depois, o artigo 35.º, não na postura de quem o defenderá até ao fim, como lhe compete - por isso é que é Governo -, mas na de quem, por um lado, prevê a revisão constitucional desse texto a curto prazo e, por outro lado - o que é pior -, vai fazendo a revisão constitucional todos os dias!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Ou seja, vem dizer que hoje, através da sua Lei Orgânica, a Polícia Judiciária já pode utilizar o recurso à interconexão, que o artigo 35.º da Constituição de República Portuguesa prevê em casos excepcionais previstos na lei ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual lei?

O Orador: - ... e, sendo jurista como é, esquece que essa lei só pode ser uma lei material da Assembleia da República, forjada dentro da malha apertada do artigo 18.º, porque estamos num regime nobre de direitos, liberdades e garantias, que não é disponível na mão de qualquer ministro, de qualquer secretário de Estado ou de qualquer governo que esteja contra a Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Secretário de Estado, tudo fica na mesma, a não ser num aspecto: se algumas preocupações eu tive, no momento em que elaborei a pergunta, neste momento elas estão claramente agravadas. E não vale sequer a pena esgrimir com o argumento do universo climatizado, o universo ao qual nada se pode opor - que é a informática e que são os novos meios tecnológicos do desenvolvimento que se conhece -, para dizer que estamos desarmados e que nada mais há a fazer do que ir atrás de toda a prática indébita que se generaliza.
A postura de uma câmara e de um governo responsáveis é a de defender, intransigentemente, o regime dos direitos dos cidadãos e impedir que proliferem práticas como aquelas que denunciei.
O Sr. Secretário de Estado diz que é casuísmo. Respondo-lhe que é aquele casuísmo suficientemente ilustrativo para que não possa ter-se por despiciendo, que alerta e que põe o Governo, que sob pena de estar totalmente desfasado da vida e das aspirações das populações, em pé de saber o que urge fazer a curto prazo.
Dir-lhe-ei, ainda, Sr. Secretário de Estado, o seguinte: em França, por exemplo - suponho que sabe isto -, a utilização dos meios informáticos pelas polícias e, designadamente, o recurso aos ficheiros e o modo do seu tratamento, foi disciplinada mediante um estatuto legal similar do nosso decreto-lei, no qual se

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estabelece o conjunto dos procedimentos a adoptar, mas também as garantias dos cidadãos em toda essa matéria. Em Portugal, nada disto se faz; nem por despacho! O que está a ocorrer nem por despacho nós o conhecemos!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É clandestino!

O Orador: - É perfeitamente clandestino e é evidente que uma situação deste tipo não pode tolerar-se, de forma alguma.

Sr. Secretário de Estado, coloquei-lhe uma questão particularmente relevante na conjuntura que estamos a atravessar. Esta sessão de perguntas ao Governo irá provar a extrema pertinência e a extrema importância do que acabo de suscitar perante a Câmara. Numa sede destas, não é possível compadecermo-nos com respostas de tipo teórico ou com respostas que, de todo em todo, se afastam de alguma coisa que garanta aos cidadãos portugueses que não estão completamento desprotegidos, sendo certo que com o Governo que têm - este governo -, desprotegidos estarão sempre.
Designadamente, importa que o Sr. Secretário de Estado responda, agora, àquilo a que não respondeu há bocado. Ou seja, pode garantir que não há acesso indébito aos ficheiros, que não há utilização desses ficheiros por terceiros, que não há, designadamente, o recurso dos serviços de informações aos ficheiros existentes e a um tratamento inteiramente ilegal do que lá se contém? Pode garantir que não há interconexões à revelia da lei, sendo certo que existem, como já pude provar e como o Decreto-Lei n.º 54/85, de 4 de Março, claramente atesta?
Eu esperava que um jurista, que um Secretário de Estado da Justiça, viesse rebelar-se, em nome do seu Ministério, contra aquilo que é uma legislação espúria e anticonstitucional. Mas não, o Ministério da Justiça vem aqui assumir o papel de revisão da Constituição na prática, o que é um acto de rebelião contra o Estado democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Queria começar por dizer, a propósito de uma observação do Sr. Deputado José Manuel Mendes, relativamente à ausência de regulamentação legislativa da matéria, que o seu camarada de bancada, Sr. Dr. José Magalhães, afirmou nesta Câmara, salvo erro em Maio de 1984, que nesta matéria não existe um vazio legislativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há a Constituição!

O Orador: - Isto porque a Constituição é directamente aplicável nesta matéria e é melhor termos uma Constituição sem má lei do que uma Constituição subvertida por uma péssima lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Como é a vossa lei!

O Orador: - De qualquer modo, se, de facto, é exacto que mantêm essa disposição, não há então motivo para se rebolarem de tal forma pela inexistência ainda de regulamentação do artigo 35.º da Constituição.
Por outro lado, nesta matéria, que eu saiba, há diversos países ocidentais que tem uma regulamentação legislativa, mas nos países de leste não tenho conhecimento da existência de regulamentação nesta área.

Vozes do PCP: - Ah!... Ah!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem há computadores!

O Orador: - Sei que não existe tal legislação. De qualquer modo, respondendo às suas interpelações em matéria de interconexão de ficheiros, posso-lhe dizer que a interpretação que faço do artigo 35.º da Constituição é diversa daquela que o Sr. Deputado faz.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É diversa da de toda a gente!

O Orador: - E, de facto, na medida em que se autoriza que, por lei ordinária, seja excepcionalmente permitido o acesso de terceiros a ficheiros com dados pessoais e a respectiva interconexão, bem como os fluxos de dados transfronteiras, temos, então, de entrar no detalhe de apreciação da legislação ordinária. E o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que existem numerosos diplomas legislativos que vêm permitir a utilização da informática para o tratamento de dados pessoais e a interconexão de ficheiros, por exemplo, no âmbito da Polícia Judiciária (o artigo 8.º da sua Lei Orgânica), no âmbito da constituição do SIGEP, em que há uma disposição expressa nesse domínio... E muitos outros exemplos lhe poderia dar, embora, devido à escassez de tempo, não o possa fazer.
De resto, seja-me permitido dizer que não considero, de modo nenhum, que me possa ser denegado o direito de exprimir a minha opinião pessoal, enquanto cidadão, enquanto jurista e enquanto membro do Governo, sobre aquilo que considero ser uma norma de natureza espartilhante, como é o artigo 35.º E posso explicar-lhe porquê, sem falar já no problema do direito de acesso absoluto que o n.º 1 permite e que poderia levar a que, através do acesso a bancos de dados de natureza sanitária, o próprio viesse a ter conhecimento da existência de doenças incuráveis, de situações de inimputabilidade da informação - porque o registo é só um - acerca de elementos relativos à sua mulher ou às suas filhas; isto, sem falar no problema do direito de acesso em termos absolutos, tal como está consagrado no n.º 1 do artigo 35.º, sem falar na indefinição do conceito de «terceiros» a que se refere o n.º 2, sem falar de norma perfeitamente absoleta que é constituída pela impossibilidade do fluxo transfronteira de dados e que é um ponto que viola disposições de instrumentos internacionais que Portugal assinou - basta referir o artigo 12.º da Convenção para a Protecção dos Dados Pessoais relativamente ao tratamento automatizado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não quer falar das polícias, claro!

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O Orador: - Desculpe, mas estamos a falar de problemas relacionados com a questão que me coloca.
Portanto, não há dúvida de que esta disposição, que impede o fluxo transfronteira de dados, teria como' consequência a proibição de práticas que são correntes e que têm a ver com reservas de viagens,- reservas de hotéis, transferências bancárias e até com chamadas telefónicas.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - E as polícias?

O Orador: - Quanto às polícias, posso dizer-lhe que, relativamente à Polícia Judiciária - como, aliás, já lhe referi - o artigo 8.º da sua Lei Orgânica permite a constituição de ficheiros que têm alguma informação de natureza nominativa, mas, tanto quanto eu sei, não é permitida a interconexão de ficheiros com bases de dados explorados noutras administrações. Assim sendo, existe, no âmbito do Ministério da Justiça, uma possibilidade de interconexão com um ficheiro relativo ao registo automóvel, que é, no entanto, gerida pela mesma administração e que, no que diz respeito à utilização por parte da polícia, apenas é acessível relativamente a dados que não assumem natureza pessoal.
Aliás, voltando ao artigo 35.º, concordarão, por certo, comigo, que não está feita a definição do que são dados pessoais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!

O Orador: - Creio que é perfeitamente defensável, sem prejuízo do princípio que defendi - do seu respeito integral enquanto se mantiver em vigor -, a opinião de que o artigo 35.º merece uma revisão atenta por esta Câmara, e parece-me que aquilo que estou aqui a dizer é um alerta útil para que o problema seja meditado por VV. Ex.ªs em sede de futura revisão constitucional.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não estou de forma alguma a rebelar-me contra a aplicação daquele preceito, que merece, evidentemente, todo o apoio, e é respeitando as suas disposições que o Ministério da Justiça está, prudentemente, a preparar um projecto legislativo de regulamentação desta área.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. .Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Liminarmente, gostaria de dizer que o Partido Socialista faz eco nesta Câmara das preocupações da opinião pública e do cidadão comum sobre o andamento e o estado de coisas em matéria de serviços de informações. Nós, socialistas, já o dissemos e repetimos: somos a favor da existência, necessária, de serviços de informações, mas temos a preocupação de que tais serviços se confinem aos limites correctos da defesa da democracia e da protecção e respeito pelas liberdades, direitos e garantias individuais.
Existe uma lei, para a qual contribuímos, que, aparentemente, não está a ser posta em prática - pelo menos as suas previsões não estão a ser implementadas -, o que, independentemente dos problemas que recentemente vieram à baila nos jornais, constitui uma preocupação para o Partido Socialista.
O problema das informações é de grande gravidade cívica e política, que não pode nem deve ser dramatizado. Deve, sim, ser encarado com seriedade, com responsabilidade e com consciência da gravidade do assunto. E, assim, liminarmente, pôr-se-á alguma reserva e alguma surpresa por não ter sido o próprio Primeiro-Ministro a vir a esta sessão de perguntas e respostas ...

Vozes do PSD: - Porquê?! Porquê?!

O Orador: - ... sem desprimor para os membros do Governo aqui presentes, todos eles individualidades distintas.
Todavia, acontece que é ao Primeiro-Ministro que compete coordenar e orientar toda a acção dos Ministros respectivos nesta matéria e, especialmente, nos termos do artigo 19.º da Lei n.º 30/84, é do Primeiro-Ministro que depende o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, embora ele possa delegar essa competência. Mas não consta que essa competência tenha sido, até à data, delegada.
Posto isto, gostaria de fazer uma referência: nós somos um partido da oposição e existe um estatuto de oposição. Esta é uma temática muito sensível e estranha-se que, desde há quase um ano, o Governo não comunique, não dialogue e não preste informações aos partidos da oposição. Seria essa, porventura, uma sede adequada ao tom reservado que muitos dos temas sobre segurança e informações revestem.
Quanto à pergunta propriamente dita, esta consiste em saber se está já criado, ou qual a fase em que se encontra, o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e o Serviço de Informações Militares, que, tendencialmente, deve relegar para um aspecto ínfimo o serviço de informações ligado ao Estado-Maior-General das Forças Armadas, o DINFO.
Tem havido a preocupação de nomear para os lugares de responsabilidade figuras impolutas, apartidárias e prestigiadas? Que cautelas tem havido no sentido de impedir a fuga para o estrangeiro de informações que só a nós, Portugueses, dizem respeito?
Em suma, estão os serviços de informações a ser postos a favor da defesa da democracia, servidos por democratas e a ser praticados segundo métodos democráticos que acautelem os direitos, liberdades e garantias individuais?

Aplausos de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Carlos Candal, agradeço as sua palavras e devo dizer-lhe que, obviamente, o Governo partilha de todas as suas preocupações e dos princípios que V. Ex.ª enunciou.
Não foi este Governo que criou o serviço de informações, e sim esta Assembleia, através da Lei n. º 30/84, de forma que não se trata de nenhuma invenção do Governo. O que o Governo está a fazer, fá-lo em cumprimento de uma lei oriunda da Assem-

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bleia da República e com as cautelas determinadas por valores que, como terá de reconhecer, V. Ex.ª compartilha com o Governo. Ou será que o Sr. Deputado considera que a democracia se esgota no partido a que V. Ex.ª pertence? Ou será que considera que os membros deste Governo não são democratas? Ou será que V. Ex.ª considera que o Sr. Primeiro-Ministro não procura zelar pela defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos?

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que razões tem V. Ex.ª para pôr isto em dúvida?

Sr. Deputado, o que afirmou é contraditório: V. Ex.ª exigiu celeridade na implantação dos serviços, mas, para haver essa celeridade, podem ficar em causa as cautelas que o Sr. Deputado referiu, ou seja, que sejam escolhidas as pessoas impolutas, que sejam escolhidos democratas, em suma, que tudo seja feito de modo a que não venhamos a ter surpresas desagradáveis.
O que o Sr. Primeiro-Ministro tem ou não feito em termos de informações aos grupos parlamentares da oposição é, evidentemente, uma questão que pode ser levantada. No entanto, não me parece muito curial que tenha de ser o Sr. Primeiro-Ministro a chamar os partidos da oposição para lhes ir dando conta daquilo que é uma fase de implantação de serviços.
Todavia, posso dizer-lhe - não é segredo de Estado - que ainda ontem o Sr. Primeiro-Ministro teve oportunidade de receber uma delegação do PCP para lhe dar as explicações que o PCP, por sua iniciativa, quis obter, de viva voz, do Sr. Primeiro-Ministro. E o Sr. Primeiro-Ministro entendeu, em nome do Governo, que essa diligência do PCP era justa e razoável, pelo que lhe deu imediato atendimento.
Do mesmo modo, posso também dizer ao Sr. Deputado que o Sr. Primeiro-Ministro recebeu, há dias, a Comissão de Fiscalização dos Serviços de Informações, que é constituída por três elementos eleitos por esta Assembleia da República. Não fez publicidade disso, porque não quer publicitar actos que são decorrência normal da aplicação da lei e exercício normal da actividade democrática.
Agora, Sr. Deputado, pedir que o Sr. Primeiro-Ministro venha a esta sessão de perguntas ... Evidentemente que o Sr. Primeiro-Ministro tem todo o respeito por esta Câmara e tem na máxima preocupação o problema do serviço de informações, mas, no fundo, ao Primeiro-Ministro cabe a responsabilidade de coordenação de todas as políticas e não apenas do serviço de informações e, assim, o Sr. Deputado estaria a dizer que o Sr. Primeiro-Ministro deveria estar sempre em todas as sessões de perguntas, o que vai contra a praxe parlamentar há pouco invocada, de forma tão abundante, pelos Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Agradeço ao Sr. Ministro as informações prestadas e o tom amável e cordato em que o foram, mas ficaram por responder algumas perguntas, como seja a seguinte: em que pé está a institucionalização do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, que é da responsabilidade do Primeiro-Ministro? E o Serviço de Informações Militares em que pé está?
Enquanto não estiverem criados os três serviços, o Conselho Superior de Informações não pode funcionar correctamente! E mais: enquanto não estiverem criados os três serviços fica desprotegida uma das principais cautelas da Lei n.º 30/84, que é a de diversificar e co-responsabilizar vários serviços pelo tema das informações, impedindo que esta matéria possa ser concentrada nas mãos de alguém, de um ministro, de um burocrata discreto, mas poderoso.
Em suma e dizendo de outra maneira: importa acautelar - é essa a nossa preocupação, embora não sejamos os zeladores únicos da democracia nem os únicos com um passado de luta antitotalitarismo, nos dois sectores que a afirmação comporta - que o serviço de informações não se torno autónomo e prepotente dentro do aparelho do Estado, musculado, policiesco, militarizado e, sobretudo, partidarizado.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é para evitar, não que isso aconteça, mas que tais receios nos possam assaltar, que se torna necessário, nesta matéria de grande dignidade, de grande preocupação, que o Primeiro-Ministro convoque os partidos da oposição para lhes dar informações - em democracia é correcto que assim seja - e se permita, se disponha a vir aqui dialogar com o Parlamento.
Para quem sentiu a prepotência de um serviço policial de informações, esta não pode ser considerada uma matéria menor, abaixo do nível de intervenção do Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado, respondo-lhe de forma bastante sumária, embora procurando ser esclarecedor.
A resposta à questão de saber se já está em fase de implementação o serviço de informações estratégicas de defesa é não.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Porquê?

O Orador: - Está implantado, a 90%, o Serviço de Informações de Segurança. Portanto, está praticamente completa a sua implantação, estando-se, neste momento, na fase de instrução do pessoal, instrução não apenas da metodologia ou das técnicas a usar em termos de informação, mas também em termos de formação, justamente no sentido de preservar os valores comuns a todos nós.
Quanto ao Serviço de Informações Militares, esse está a funcionar normalmente, na tradição e no seguimento daquilo que vinha do passado e com adequação à lei existente, não cabendo aqui qualquer observação sobre uma eventual partidarização, porque, como sabe, os militares são apartidários, nos termos da Lei de Defesa Nacional, e não desenvolvem qualquer actividade que possa minimamente ser ligada a razões de natureza partidária.

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Também lhe posso garantir, quanto ao serviço de informações, que este governo, este primeiro-ministro e os ministros responsáveis por aquele serviço recusam peremptoriamente a sua partidarização, pois ele destina-se a defender a independência nacional e a segurança interna, não podendo servir de «prateleira» ou de acomodação a filiados partidários, seja de que partido for. Temos e teremos tido sempre isso em conta, porque se trata de uma coisa muito séria, que tem a ver com os valores fundamentais do regime democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional: Durante a recente interpelação sobre política de defesa nacional, a minha bancada, tendo em conta notícias vindas a público nos jornais, dirigiu ao Sr. Ministro uma pergunta sobre o eventual envolvimento de elementos ligados a serviços de informações nas actividades da organização terrorista GAL. O Sr. Ministro, negando o envolvimento de qualquer oficial das Forças Armadas portuguesas, acrescentou que, por isso mesmo, não havia que responder a desenvolvimentos, nem que tomar qualquer espécie de medidas.
Creio, Sr. Ministro, que a sua resposta se revelou, no mínimo, muito superficial. Na verdade, poucos dias depois vinham a público novas notícias que confirmavam o envolvimento nessas actividades de um elemento, Mário Correia da Cunha - cujo nome também foi revelado pelos jornais -, ligado ao Serviço de Informações Militares e que tinha nessas actividades terroristas do GAL um envolvimento bastante profundo, sendo até acusado do recrutamento para acções terroristas em França, para atentados contra elementos da ETA, de elementos que faziam parte da empresa que presta segurança à Embaixada dos Estados Unidos.
Mais: os jornais revelaram que este elemento, tão profundamente ligado a organizações terroristas, também se dedicava a actividades de vigilância e fichagem de militares de partidos políticos.
É, Sr. Ministro, um duplo escândalo, um enorme escândalo! A Constituição e a lei proíbem clara e determinantemente actividades deste tipo em relação a partidos políticos e à acção dos seus militantes. A própria lei que cria os serviços de informações lhes proíbe estas actividades. Entretanto, Sr. Ministro, é hoje um facto inquestionável, creio, que pelo menos um elemento do Serviço de Informações Militares se dedicava à actividade de espionagem, de vigilância e fichagem de partidos políticos.
E é isto, Sr. Ministro, que não pode deixar de merecer do Governo um esclarecimento perante o País. É que os jornais esclarecem mais: falam na natureza das fichas que teriam sido encontradas, dizem que elas pressupõem uma acção colectiva e não a de um indivíduo isolado, falam de contactos desse elemento com a DINFO até ao momento da sua prisão...
Sr. Ministro, estes são elementos muito escandalosos e não se pode compreender o silêncio do Governo. Como é que o Sr. Ministro explica que, um ano depois da apreensão das fichas criminosas e quase quinze dias passados sobre a revelação da sua existência pela imprensa do nosso país, o Governo não tenha vindo a público prestar um só esclarecimento sobre esta matéria tão grave?
Como é que o Sr. Ministro da Defesa Nacional explica o seu próprio silêncio relativamente a uma situação que não pode deixar de preocupar e alarmar a opinião pública, num país que. viveu durante quase meio século submetido-a uma ditadura de bufos, de vigilâncias e perseguições de natureza política?
Não acha, Sr. Ministro, que o silêncio do Governo é estranho, é chocante e, acima de tudo, é preocupante? É a pergunta que quero deixar, porque o Governo tem de responder a estas questões em público e perante o País.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida): - Sr. Deputado Carlos Brito: A Lei n.º 30/84, votada nesta Assembleia, define os órgãos e os serviços do sistema de informações da República Portuguesa, ao qual incumbe assegurar, no respeito da Constituição e da lei, a produção de informações necessárias à salvaguarda da independência nacional e à garantia da segurança interna.
Para a produção de tais informações não podem ser desenvolvidas actividades de pesquisa, processamento e difusão de informações que envolvam ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na lei.
Contrariamente ao que pode parecer resultar de algumas notícias veiculadas por órgãos de comunicação social, o Governo afirma claramente que a Divisão de Informações exerce a sua acção no estrito cumprimento da lei e que não faz nem promove qualquer vigilância sobre partidos políticos, nem elabora fichas sobre quaisquer indivíduos pelo facto de serem militantes deste ou daquele partido político.
Em todo o caso, por mera razão de cautela e sem prejuízo de quanto acabo de afirmar e face às notícias veiculadas por um semanário no dia 14 do corrente mês, com a concordância do Ministro da Defesa Nacional, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas ordenou que se procedesse às averiguações adequadas, tendo em vista apurar que fundamento terá estado na base das notícias propaladas.
Entretanto, o assunto - como o Sr. Deputado sabe - está a correr os seus trâmites legais nos tribunais, aos quais compete a administração da justiça e a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e reprimir a violação da legalidade democrática.
O Governo tem como constante dos seus comportamentos, Srs. Deputados, manter o respeito pela separação de poderes dos órgãos de soberania e, neste caso, não pode deixar de salientar que todas as supostas revelações publicitadas por órgãos de imprensa e outros de comunicação social são objecto de indagação num processo judicial, cuja decisão cumpre aguardar serenamente.
Assim, uma vez que há a garantia de que o assunto se encontra sob a alçada dos órgãos de soberania que são os tribunais, por um lado, e, por outro, que estão em curso as averiguações já referidas no âmbito do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Governo considera, pois, que estão, accionados todos os mecanismos constitucionais que, no caso. concreto, garantem a preservação da democracia política e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.-

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Recorda-se, no entanto, que é justamente para a defesa e preservação desses valores e também da independência nacional e da garantia da segurança interna que ao serviço de informações incumbe a produção de informações nos termos da lei que esta assembleia aprovou.
Não é preciso realçar, Sr. Deputado, que, pela própria natureza daquelas funções, o serviço de informações se deve preocupar com os indivíduos, qualquer que seja o seu estatuto, desde que ponham em causa a independência nacional e a garantia da segurança interna.
Recorde-se, por último, que a Lei n. º 30/84 - Lei Quadro do Serviço de Informações - valorizou de modo tão fundamental o dever de sigilo relativo à matéria de informações, que não só o impôs como dever a observar rigorosamente por todos que, em razão das suas funções, incluindo os próprios membros do conselho de fiscalização, tomem conhecimento de matérias relativas a informações, como também definiu como crime grave a violação por quem quer que seja desse dever de sigilo, punindo-a com a pena mínima de três anos de prisão.
O Governo, portanto, está no pleno cumprimento da lei - nesta matéria como em todas - e é com total tranquilidade de consciência que se aguarda o resultado das averiguações ordenadas e o julgamento dos processos judiciais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, registo a declaração que acaba de fazer quanto à garantia dada às forças políticas nacionais de interpretação da lei em relação à matéria em discussão. Mas devo dizer que considero que a sua resposta é manifestamente insatisfatória e inadequada, em muitos aspectos. O Sr. Ministro não explicou por que é que o Governo se manteve em silêncio até agora numa questão de tanto melindre e tão susceptível de inquietar tão profundamente a opinião pública e as próprias forças políticas democráticas. Não deu essa explicação!
O Sr. Ministro revela, naturalmente, a sua confiança nos tribunais e essa todos nós a temos, só que há já muita coisa que está na opinião pública. Sendo o Governo o responsável pelos serviços de informações, o Sr. Ministro o responsável por um deles - aquele que está mais directamente em causa -, o Sr. Primeiro-Ministro por todos eles, seria dever do Governo ter mais elementos para esclarecer e sossegar a opinião pública, se for caso disso, ou para dizer quem são os culpados e como se vai proceder em relação a eles.
O Sr. ministro também fala de segredo de justiça e naturalmente que todos nós o respeitamos. Mas a verdade é que vêm a público posições atribuídas a responsáveis do Serviço de Informações Militares - ou da DINFO, como quiser -, vem a público um comunicado da Polícia Judiciária que fala sobre a matéria que, segundo o Sr. Ministro, está em segredo de justiça. Como é que o Sr. Ministro explica que todos os que não deviam falar, os que são obrigados a estar calados, falem e o Governo, que devia falar, esteja calado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a nós, Sr. Ministro, e independentemente das garantias dadas pelo Governo, não se vê que da parte deste haja nesta matéria a sensibilidade para os riscos de preversões a que este tipo de serviços estão sujeitos, como a experiência internacional bem demonstra e como também demonstra já a experiência nacional. Por isso mesmo, Sr. Ministro, entendemos que, independentemente dos inquéritos que pôs em prática, a Assembleia da República deve também, pelo seu lado, continuar a inquirir com vista a esclarecer a situação e a tomar as medidas adequadas de fiscalização no âmbito da sua competência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Deputado Carlos Brito, serei muito breve.
Formulou-me uma pergunta que creio ter ficado cabalmente respondida. Renovo a afirmação segura, clara, inequívoca do Governo de que não há qualquer espécie de vigilância sobre partidos políticos, de que não há qualquer fichagem de pessoas pelo facto de pertencerem a partidos políticos.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não é preciso inquérito?

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Então, para que é que é o inquérito?

O Orador: - Entretanto, o Sr. Deputado fez-me duas observações, sendo uma sobre uma pessoa a respeito de quem os jornais têm falado. Sobre isso devo dizer-lhe o seguinte: o Governo, em todo o caso sempre atento à comunicação social, e com o respeito que, evidentemente, ela merece por ser uma das características de um regime verdadeiramente democrático, não pode em todo o caso, e mormente neste, pautar pelo que vem nos jornais a sua conduta, até porque realmente, neste caso, foi tão controversa a maneira como se descreveu a personalidade e as entidades ao serviço de quem poderia estar uma pessoa que neste momento é arguido de um processo penal, porque desde dizer-se que era informador da PIDE, informador da...

Vozes do PS: - Da DINFO!

O Orador: - ... da DINFO, que presentemente estava a trabalhar, por um lado, para o Serviço de Informações Militares e, por outro, para o Partido Comunista, sei lá que história pode ter este senhor no seu passado e no presente...
Nestas circunstâncias, Sr. Deputado, a única coisa que o Governo tem a fazer é aguardar, muito calmamente, as decisões que venham a ser tomadas nos tribunais e o resultado das adequadas averiguações que o Chefe do Estado-Maior-General ordenou, com a concordância do Ministro.
Quanto à falta ou à tardia resposta do Governo, esta sessão de perguntas foi marcada há cerca de quinze dias. Ora, foi exactamente há cerca de quinze dias ou três semanas que se desencadearam todas essas notícias que invoca.

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O Governo está aqui a responder, em termos cabais, ao objecto da sua pergunta e entende que cumpriu inteiramente o seu dever.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular unia pergunta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves.

A Sr.ª Ana Gonçalves (PRD): - Sr. Secretário de Estado do Orçamento, o Grupo Parlamentar do PRD deseja de V. Ex.ª o esclarecimento cabal sobre a situação dos chamados tarefeiros da Administração Pública, designadamente deseja saber qual é o actual número de tarefeiros exercendo funções há mais de 180 dias, discriminados por ministérios e serviços públicos e, de entre eles, quantos é que foram admitidos: após 1 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Rui Carp): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurando interpretar a questão que me foi colocada, terei de, o fazer perante este Plenário dado que a questão em apreço, tal como está formulada, poderá merecer várias interpretações. Isto porque a expressão «tarefeiros» envolve várias situações de prestação de trabalho à Administração Pública, sendo que, portanto, não podemos responder com o rigor pretendido na parte final da pergunta da Sr.ª Deputada Ana Gonçalves, dado que o seu pressuposto também não é claro.
Efectivamente, são vulgarmente designados como tarefeiros um conjunto de trabalhadores que abrange aqueles que celebram um contrato escrito de tarefa bem específica, no qual, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41/84, claramente se define que não adquirem qualquer vínculo de agente ou de funcionário público - os contratados a prazo - trabalhadores que têm o seu trabalho bem definido pelos Decretos-Leis n.ºs 299/85 e 280/85 (define os contratos a prazo), os prestadores eventuais de serviços e os prestadores de serviços em regime de assalariamento.
Quanto aos trabalhadores tarefeiros, é evidente que eles são dos mais diversos tipos, com os prazos e os regimes mais diversificados, e estão ao abrigo de um contrato individual de trabalho, com produção de efeitos bem definida no tempo e nas tarefas que têm de apresentar ao Estado. A lei é clara nesse sentido e, portanto, pensamos que não podemos - considerar "que sejam sequer agentes do Estado.
Tal acontece também com os contratados a prazo, os quais são contemplados pelo Decreto-Lei n.º 280/85, e por um outro mais específico (para a educação), que é o Decreto-Lei n. º 118/86, de 27 de Maio. Com efeito, estes diplomas definem bem o contrato a prazo certo: é um contrato com determinadas características, que também não confere aos outorgantes a qualidade de agentes. Aliás, de outro modo, o Tribunal de Contas não visaria sequer esses contratos a prazo.
Temos depois os contratados além do quadro, os prestadores eventuais de serviços e em regime de assalariamento, aos quais são garantidos os mesmos direitos e regalias de que goza o pessoal dos quadros da função pública.
É evidente que estes contratados além do quadro têm de reunir determinados requisitos legais para o provimento correspondente aos dos lugares do quadro. São, pois, sujeitos às quotas anuais de descongelamento e têm de garantir determinados deveres equiparáveis aos dos funcionários públicos.
Tudo isto serve para dizer que esta questão é extremamente difícil e que a própria Administração não tem hipóteses de garantir um mesmo tratamento - porque a lei assim o impede - a todo este conjunto de prestadores de serviços ao Estado.
Tal como já tive oportunidade de transmitir a este Plenário e às comissões parlamentares competentes, têm sido realizados levantamentos destas situações ao longo de 1986 e já em 1987. Simplesmente, a interpretação que é dada pelos diversos ministérios, como é dúbia, não nos permite ter uma garantia total sobre os números por ministério e o número total de tarefeiros impropriamente designados como tal. Eu tenho um levantamento mais recente que nos revela que entre contratados a prazo, contratados além do quadro, assalariados e os impropriamente chamados tarefeiros ou, também se pode dizer, os vulgo designados tarefeiros, porque estão numa situação legítima e ilegal de prestação de serviços, muitas vezes fundamentada na ruptura do serviço, pois eles entraram sem quaisquer expectativas de obterem, posteriormente, a qualidade de agentes da função pública ... Mas o que é certo é que eles se mantiveram na Administração.
O próprio Governo já tinha alertado esta Câmara sobre este problema e a própria Lei do Orçamento para 1987 permitiu ao Governo responder às situações, que são justas em termos de direitos garantidos a certos prestadores de serviços, e, ao mesmo tempo, não criar situações de injustiça para aqueles que já têm a qualidade de agentes e que são funcionários. Portanto, não podemos beneficiar agora aqueles que entraram na Administração Pública pela «porta do cavalo». De qualquer modo, os números mais recentes de que disponho e que, portanto, a Secretaria de Estado do Orçamento pode neste momento transmitir apontam para cerca de 11 800 tarefeiros, entre os que são impropriamente tarefeiros e os contratados além do quadro pelos serviços da Administração Pública.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Perdeu, certamente, um zero pelo caminho!

A Sr.ª Ana (Gonçalves (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Gonçalves (PRD): - Sr. Secretário de Estado do Orçamento, efectivamente, partilhamos de algumas preocupações que, no fundo, acabou por expressar e que se traduzem na diversidade que reina na Administração Pública, na imprecisão de conceitos e na dispersão legislativa quanto às modalidades que pode revestir o vínculo jurídico entre o prestador e o dador da actividade profissional. Porém, no entanto, esperávamos, por parte de V.Ex.ª, o esclarecimento sobre algumas destas questões, o que acabou por não fazer.
É evidente que sabemos ser difícil qualificar juridicamente o chamado tarefeiro, pois não sabemos que tipo de contrato é que ele tem. Com efeito, não há con-

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trato de tarefa porque o trabalho que desenvolve também não se enquadra neste tipo de contrato. Também não há um contrato de prestação de serviços porque ele cumpre um horário, tem subordinação hierárquica e cumpre todas as determinações. Na verdade, aquilo que o distingue dos outros agentes administrativos é, exactamente, a inexistência dos direitos e regalias que os agentes detêm.
No entanto, ficaram também por esclarecer, Sr. Secretário de Estado, quais os critérios que presidem à admissão desses trabalhadores - e isto prende-se, obviamente, com a necessidade de uma reforma administrativa profunda. Ficou também por esclarecer se este elevado número ... aliás, devo dizer-lhe que os números que possuo não coincidem com os de V. Ex.ª Com efeito, aqueles que tenho, e que constam do último censo conhecido (Dezembro de 1983), indicam que 76,4% dos trabalhadores da Administração são efectivos (cerca de 263 000), sendo cerca de 23,6% trabalhadores precários, isto é, cerca de 81 000.

Devo dizer-lhe também que este número de 81 000 abrange todo o tipo de relação laboral que o Sr. Secretário de Estado acabou de referir, ou seja, desde os assalariados aos prestadores eventuais, aos contratados a prazo, etc., abrange todos eles. No entanto, a informação que temos é a de que, actualmente, o número daqueles que incorrectamente se designam de tarefeiros ascende a cerca de 70 000.
Gostaria que me comentasse também esta divergência entre os 11 800 trabalhadores tarefeiros que referiu e este número que tenho, ou seja, cerca de 70 000.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - É um erro de cálculo!

A Oradora: - Por outro lado, gostaria que me dissesse se, afinal, este número tão elevado de tarefeiros corresponde ou não às necessidades reais sentidas pelos serviços, e, se for esse o caso, então porque não alargar os quadros, porque não abrir concursos para o preenchimento das vagas existentes. Isto porque, aí sim, haveria transparência na Administração Pública e saber-se-ia exactamente quem é que estava a ser admitido e com base em que critérios. Obviamente que, não se conhecendo nem os critérios nem o processo de admissão, somos levados a suspeitar que poderá haver critérios de favoritismo político a presidir à selecção destes tarefeiros. Por outro lado ainda, gostaria também de saber se o Governo já começou a dar execução ao artigo 10.º da Lei do Orçamento para 1987, nomeadamente o seu n.º 6, o qual aponta exactamente para a necessidade de resolver esta situação que somos unânimes em qualificar como imoral, porque é uma situação que não se pode manter, sobretudo na Administração Pública, e quando é que, resolvendo tal situação, o Estado se começa a assumir como uma pessoa de bem, não dando um mau exemplo aos empresários no incentivo à utilização de mecanismos que conduzem à precarização do trabalho.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr.ª Deputada Ana Gonçalves, é evidente que o Governo teve em ponderação esta questão e, em tempo, consultou inclusivamente o Tribunal de Contas, que é a entidade que vai dar o visto final à regularização de muitos destes casos. O decreto de execução orçamental, já aprovado pelo Conselho de Ministros, permite, ao abrigo da autorização e execução da norma que a Sr.ª Deputada acabou de referir, e que é a do n.º 6 do artigo 10.º da Lei do Orçamento que os designados «tarefeiros» e o pessoal contratado a prazo, que desempenhem funções em regime de tempo completo com sujeição à disciplina, hierarquia e horário do respectivo serviço e que contem mais de três anos de serviço ininterrupto possam ser equiparados a agentes ou funcionários públicos para efeitos de oposição de candidaturas em concursos internos para os lugares do quadro.
Esta solução é, quanto a nós, a menos injusta perante todas as outras, perante os verdadeiros funcionários e agentes da Administração que entraram ao abrigo do concurso, pois, como a Sr.ª Deputada referiu, e muito bem, por detrás de muitas admissões de trabalhos à tarefa, muitas vezes feitos através de ajustes verbais, estão situações de compadrio, situações perfeitamente injustas e que resultam da ineficiência da Administração. Esta é uma questão de cultura da Administração; o Governo orgulha-se de estar a mudar essa cultura e espera que a Assembleia da República comungue da necessidade dessa mudança da Administração e da entrada por critérios transparentes. Isto não pode ser feito num só momento nem num período muito curto, mas estamos a caminhar para esses critérios e para essa cultura. A própria Assembleia da República também tem situações de tarefeiros não transparentes.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - A Assembleia também?

O Orador: - Todos os órgãos de soberania têm responsabilidades na matéria. Vamos ter de regularizá-las, mas não o vamos fazer sem ter em atenção aqueles que entraram cumprindo todas as disposições legais da Administração Pública.
Quanto aos 70 000, esse é um número que se pode atirar como qualquer outro e que não tem qualquer ajustamento à realidade, quando muito será adicionar ao número que referi (11 800) todos aqueles que estão com contratos sazonais ou para além do quadro e que não são tarefeiros. Considero, portanto, totalmente despropositado esse número de 70 000. E possível que o número de 11 800 tenha uma margem de erro - terá certamente e desde logo pela definição de tarefeiro -, mas passar de 11 000 para 70 000 é um completo absurdo.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta ao Governo, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: A legislação sobre eleição dos titulares dos órgãos de soberania é constitucionalmente matéria da reserva exclusiva da Assembleia da República, aliás também a Constituição fixa como princípio geral de direito eleitoral o princípio da representação proporcional e como regra para a eleição dos deputados o método da média mais alta de Hondt.

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É óbvio que a dignidade que a Constituição confere a esta matéria resulta do seu especial melindre e de se considerar que a legislação eleitoral é um elemento estruturante do próprio regime democrático, por isso ela também se acha abrangida pelo elenco de matérias que integram o direito constitucionalmente reconhecido de as oposições serem informadas, regular e directamente, pelo Governo sobre os principais assuntos de interesse público. Aliás, está expressamente prevista no artigo 6.º do Estatuto do Direito de Oposição que a refere como um direito de colaboração legislativa.
Ora, Sr. Ministro, o Governo tornou pública a nomeação de uma comissão para a revisão da legislação eleitoral, não tendo previamente consultado os partidos da oposição nem tendo convidado esses partidos para participar nos respectivos trabalhos, ou sequer deles tendo dado qualquer tipo de conhecimento. É sabido que essa comissão terminou a sua função, e o Governo também não deu a conhecer aos partidos da oposição os resultados do seu trabalho, como não declarou ainda de que forma e quando pretende concretizar os intentos que estão, obviamente, implícitos na nomeação da referida comissão, isto é, rever a legislação eleitoral.
Sr. Ministro, isto é uma situação inaceitável, mas, mais, é uma situação altamente inconveniente e porventura frustrante de um correcto procedimento que vise reflectir sobre a legislação eleitoral portuguesa e, eventualmente, revê-la. O carácter secretista do trabalho já desenvolvido, a ausência de diálogo e algumas intenções que perpassam em declarações de certos dirigentes do seu partido, que não podem por certo desconhecer nem os objectivos nem os métodos nem as conclusões dessa comissão, são de molde a causar-nos sérias preocupações. E, também, levam-nos a prover que este processo incorrectamente iniciado e deficientemente conduzido pode vir a acabar mal, isto é, pode vir a constituir não um instrumento de consolidação e aperfeiçoamento do sistema democrático, como desejamos, mas um factor de discordância sobre um dos seus aspectos nucleares, o que pode pôr em causa a própria essência do regime democrático.
Antes de terminar, queria referir que para nós o consenso não é um objectivo e que nem sequer partilhamos aquela tese de que as leis são tanto mais perfeitas quanto consensuais, mas acreditamos que esta é uma matéria em que é importante procurar obter uma ampla convergência democrática e não estou certo de que isso seja um objectivo impossível, a menos que se pretenda confundir a revisão da legislação eleitoral com qualquer manobra eleitoralista ou com uma base de partilha artificial do poder. Não fazemos esse juízo prévio - aliás, ele já foi feito aqui ontem -, mas reconhecemos que o silêncio do Governo nessa matéria não é de molde a assegurar a transparência do processo e incentiva e propicia essas especulações e suspeitas. É por isso que consideramos que as oposições devem ser informadas e que o País tem o direito de conhecer as intenções do Governo. É de resto por isso que formulamos perguntas concretas que esperamos ver cabalmente respondidas por V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Gomes de Pinho, obviamente que o Governo tem muito gosto em informá-lo, compreendendo as razões de natureza preventiva ou profiláctica da pergunta endereçada ao Governo pelo seu partido. Também não ignoramos a posição do seu partido em termos de sistema eleitoral, quanto ao que está em vigor e àquilo que pode ser o objecto de revisão.
Em relação à referência que fez a afirmações de dirigentes partidários do partido que suporta o Governo, julgo que eles não serão dissonantes entre o que diziam antes do Código Eleitoral ter sido encomendado por uma comissão e o que dizem depois.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Posso mesmo assegurar a V. Ex.ª que, tanto quanto eu sei - e julgo que sei o bastante -, não há nenhum dirigente do partido que suporta o Governo que tenha conhecimento do trabalho produzido pela comissão encarregada pelo Ministro da Administração Interna de preparar um código eleitoral à excepção das pessoas que exercem funções governativas, como é evidente, pois o próprio Ministro que encomendou o estudo é também dirigente do partido. Portanto, o que posso acrescentar a V. Ex.ª é que o estudo que foi apresentado ao Governo tão-pouco ainda foi discutido no seu seio. Posso também acrescentar que, por enquanto, esse estudo não é do conhecimento de todos os ministros do Governo, porque está em análise sectorial dentro do espaço governamental próprio. Não há, portanto, opções tomadas e não se pode sequer falar do sentido das opções que venham a ser tomadas. Mais: a comissão que foi constituída é uma comissão que não tem, longe disso, pelo contrário, qualquer cariz de natureza partidária; como V. Ex.ª sabe estão lá personalidades que são tidas por afectas a três, ou até a quatro, partidos. Não veja V. Ex.ª fantasmas numa acção que foi desencadeada pelo Governo com o único propósito de procurar encontrar um estudo que habilite o sistema jurídico português, naturalmente através da Assembleia da República se chegarmos a levar por diante os propósitos subjacentes à encomenda do estudo, com a compilação de diplomas que estão avulsos, a uniformização de normas sobre legislação eleitoral, que não é comum porque, como sabe, os diplomas legais aplicáveis às diferentes eleições para os diferentes órgãos de soberania ou não, que estão dispersos, não tem uma unidade sistemática, o que seria desejável.
Posso também informar V. Ex.ª para seu descanso, que no relatório final apresentado pelo presidente da comissão se afirma categoriamente que não foram recebidas instruções do Governo no sentido de procurar alterar ou não o sistema eleitoral. O que foi pedido foi apenas e estritamente a análise da eventual possibilidade de se compilar num único texto toda a legislação avulsa que existe. Mas isto não significa, obviamente, que o Governo tenha de lhe dizer, aqui e neste momento, que prescinde do seu direito potestativo de tomar iniciativas legislativas nesta matéria e apresentá-las à Assembleia da República. Portanto, não espere o Sr. Deputado que lhe venha aqui garantir e jurar que o Governo nunca irá apresentar na Assembleia da República uma proposta legislativa tendo em vista a alteração da legislação eleitoral. Mas de momento não é isso que está em causa.

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28 DE FEVEREIRO DE 1987 1969

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Ministro, quero, em primeiro lugar, agradecer-lhe a sua resposta, embora deva confessar que me pareceu que ela foi completamente insatisfatória e inconcludente.
Em segundo lugar, devo dizer-lhe que V. Ex.ª não está a esclarecer um deputado mas sim um partido e, sobretudo, esta Câmara, que tem, de facto, direito a ser esclarecida sobre isto.
Em terceiro lugar, gostaria de constatar dois aspectos preocupantes da sua resposta. O primeiro é que V. Ex.ª não aceitou explicitamente que esta é uma matéria sobre a qual o Governo não apenas tem o direito potestativo de elaborar legislação - aliás, tem-no em relação a todas as matérias -, mas também o dever expresso de informar os partidos da oposição. Mais que isso, é uma das poucas matérias sobre a qual, nos termos do artigo 6.º do Estatuto da Oposição, os partidos da oposição têm o direito de colaborar nos trabalhos preparatórios que o Governo mande fazer quanto à elaboração ou revisão de legislação relativa a partidos políticos e eleições.
Ora, é importante que aqui fique claro que o Governo, mais uma vez, não cumpriu o Estatuto da Oposição e que V. Ex.ª não assumiu aqui a responsabilidade por isso, assim como também não assumiu a responsabilidade que decorreria dessa assunção, que era a de, no mínimo, tentar minimizar os efeitos negativos do incumprimento, até à data, do Estatuto da Oposição.
Mais: V. Ex.ª reforçou - o que também nos deixa preocupados - o carácter secretista que aqui referi quanto à elaboração deste diploma quando disse que dele nem sequer tinham conhecimento todos os ministros.
Bom, esse é um problema interno do Governo, mas é legítimo que nos interroguemos sobre o porquê desse desconhecimento...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está a ser preparado, Sr. Deputado!...

O Orador: - ... e, sobretudo, sobre o porquê desse receio mais amplo que o Governo tem, já não apenas no plano legal - e insisto que não cumpriu as obrigações a que, legal e constitucionalmente, está obrigado -, de discutir abertamente esse problema. Deveria fazê-lo desde o início da reflexão, porque não é obviamente só a partir do momento em que o Governo apresenta a proposta de lei que o problema deve começar a ser discutido. O Governo deve discutir amplamente com todos os partidos políticos -e diria mesmo que não só com os partidos políticos- uma matéria que é nuclear, que é estruturante do sistema democrático.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Pensamos - e não é por estarmos na oposição, porque quando estávamos noutras circunstâncias tomámos atitudes diversas daquela que o Governo está a tomar agora - que é negativo...

O Orador: - Ó Sr. Deputado Silva Marques, agradeço que não perturbe a minha intervenção, embora, se V. Ex.ª quiser, tenha todo o gosto em que me interrompa. Mas penso que se trata de um diálogo entre a oposição e o Governo, que sabe defender-se e não precisa dos seus argumentos brilhantes.
Aliás, se V. Ex.ª achava que esta questão tinha interesse para esta Câmara, poderia tê-la colocado ao Governo. Agora, penso que é de mau tom, ou pelo menos desagradável, estar a impedir-me de fazer uma intervenção em termos adequados.
Mas faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Se o Sr. Deputado me dá licença que o interrompa, agradeço.
Devo dizer que o que se passa aqui não é apenas entre o deputado interpelante e o Governo, senão nenhum de nós tinha razão para estar presente.

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me responder-lhe a essa insurreição que me parece dirigir-se a mim.
É que, de facto, a sessão de perguntas ao Governo...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então nós não devemos seguir o que se está a discutir e ter até o desejo de fazer os nossos comentários?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, com certeza que tem esse direito! Agora o que não pode - e já não é um direito regimental, mas sim uma questão de boa educação - é perturbar a minha intervenção, que era o que o Sr. Deputado estava a fazer!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa se fui indelicado, mas acho que não fui. O que estava era a tentar interrompê-lo, o que é um procedimento regimentalmente correcto, e aí estava a seguir os seus...

O Orador: - Então, faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, os comentários que V. Ex.ª estava a fazer parecem-me - e desculpe que lho diga - excessivamente frágeis, porque é evidente que, normalmente, antes de se fazer uma discussão mais ampla sobre qualquer matéria faz-se um trabalho preparatório.
Ora, com toda a evidência, parece-me que é o que está a surgir. A não ser que o Sr. Deputado no seu grupo parlamentar proceda de outra forma!... Se mesmo dentro dos nossos grupos parlamentares é assim que acontece!... Por vezes trabalho com dois ou três companheiros num documento preparatório, cuja discussão se alarga depois à minha comissão e seguidamente ao meu grupo parlamentar. Não será esse um processo corrente e normal? Então, por que faz comentários nessa base?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, penso que esse é dos tais apoios ao Governo que ele não vai agradecer muito...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Permite-me uma interrupção, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Também não é para agradecer!...

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1970 I SÉRIE - NÚMERO 50

O Orador: - Esse é um problema vosso!

É que nós não estamos perante qualquer matéria, Sr. Deputado! Estamos perante uma matéria que a Constituição e o Estatuto da Oposição qualifica expressamente. Devo, aliás, informá-lo de que é uma das duas únicas matérias sobre as quais a oposição tem um direito legalmente consagrado, que se chama direito de colaboração legislativa.
Não estou aqui a falar de cor nem levianamente; estou a falar seriamente e espero que o Governo entenda a seriedade desta minha intervenção.
Terminaria dizendo ao Sr. Ministro o seguinte: para além dos aspectos constitucionais, legais e políticos, mandaria o bom senso que, numa matéria em que penso que o Governo reconhece dever haver um consenso amplo, uma convergência democrática, se rodeasse a elaboração ou a revisão desta lei de todos os cuidados, o primeiro dos quais seria o de cumprir a lei e o segundo o de procurar dialogar com todos os partidos, que tem o direito de ser ouvidos, mas que, sobretudo, têm o dever de contribuir para que a revisão da Lei Eleitoral seja uma reflexão séria, serena, e que dela surja um aperfeiçoamento da legislação - com o que todos concordamos, porque não somos fixistas, nem fetichistas sobre esta matéria - e não um resultado que possa ser contestado e venha a pôr em causa os processos eleitorais subsequentes.
Era isto que lhe queria dizer e espero que V. Ex.ª queira ou possa responder mais cabalmente às perguntas que aqui lhe deixei, mas sobretudo a esta: pensa ou não o Governo cumprir, em relação a esta matéria, o Estatuto da Oposição?

Aplausos do CDS, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Gomes de Pinho, creio que até hoje o Governo não deixou de cumprir o Estatuto da Oposição em relação ao CDS em qualquer circunstância anterior, como o não fez em relação a qualquer outro partido.
No entanto, os partidos da oposição, com algum nervosismo e perturbação, muitas vezes entram em pânico, porque julgam que o Governo não vai cumprir o Estatuto da Oposição. Já vi um partido reclamar em público que o Governo não estava a cumprir o Estatuto da Oposição porque tinha recebido num dia três partidos da oposição e ainda não o tinha convocado para ser ouvido.
Ó Sr. Deputado, mas quem é que lhe disse que estão esgotados os trabalhos preparatórios de qualquer iniciativa legislativa? Não nasceu ainda nenhuma iniciativa legislativa, nem tão-pouco há um concepturo e se calhar não há um nascituro. O que existe é um estudo.
Para além disso, Sr. Deputado, este governo tem um modo de funcionamento que não é leviano. O facto de ter sido produzido um trabalho por uma comissão não significa que esse trabalho seja imediatamente admitido como bom e que dispense a apreciação do ministro sectorial respectivo, que, se alguma vez entender que deve formular uma proposta legislativa no seio do Governo, há-de assumir a responsabilidade por aquilo que propõe em função das suas opiniões e não em função do resultado final produzido por técnicos, por mais competentes que eles sejam. Foi por isso que, para seu descanso, afirmei que nem tão-pouco todos os ministros conhecem o resultado do relatório, porque o relatório em si não é senão um instrumento de trabalho e de reflexão do ministro, o qual ainda não entendeu propor nada ao Conselho de Ministros.
Portanto, Sr. Deputado, esteja V. Ex.ª descansado, porque, se houver que avançar com consultas à oposição por se ter decidido, então sim, entrar numa fase de concepção de qualquer proposta legislativa, o seu partido não deixará de ser ouvido, como todos os demais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Gostaria de informar a Câmara de que se encontram a assistir à nossa sessão alunos da Escola Secundária de Santa Maria do Olival, de Tomar, cuja presença muito nos apraz e saudamos.

Aplausos gerais, de pé.

Para formular a última pergunta da sessão de hoje, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferrara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mergulhado há alguns anos numa crise económica profunda cujas causas são sobejamente conhecidas, o distrito de Setúbal ensaia neste momento a recuperação, sendo crescente o interesse dos agentes económicos no lançamento de novas iniciativas empresariais. Papel fundamental de apoio às actuais e futuras indústrias do distrito terá, sem margem para dúvida, o Instituto Politécnico de Setúbal, mormente a Escola Superior de Tecnologia.
Nesse sentido, queira o Governo responder à seguinte pergunta: Instituto Politécnico de Setúbal, que objectivo e que futuro?
São estas as questões que coloco ao Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Presidente: - Para responder à pergunta colocada pelo Sr. Deputado Cardoso Ferreira, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Ferreira Real): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira: A pergunta que V. Ex.ª realiza é da maior oportunidade, ao questionar que objectivo e que futuro do Instituto Politécnico de Setúbal.
Na verdade, ele é e será muito em breve um dos factores mais importantes para o desenvolvimento da região de Setúbal, pois vai permitir aproveitar um dos recursos mais importantes da região, que são os seus recursos humanos.
E é precisamente para o mais completo aproveitamento desses recursos, através do profundo melhoramento científico, tecnológico e cultural dos jovens da região de Setúbal, que o Instituto está sendo instalado, no espírito de uma importante e indispensável colaboração entre o ensino superior e a indústria.
O projecto em curso fundamenta-se, para já, na criação de uma escola superior de tecnologia, como objectivo da formação de técnicos superiores nos sectores das tecnologias industrias em áreas como a mecânica, a electrónica, a electricidade industrial e a instrumentação. Para tanto, está a comissão instaladora da escola superior de tecnologia a realizar os estudos

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28 DE FEVEREIRO DE 1987 1971

necessários à definição concreta dos cursos a ministrar face às necessidades especificas da região e dos quadros que para ela serão necessários.
Para já, encontram-se previstos os seguintes cursos: equipamentos térmicos, electricidade industrial, instrumentação e controle, electrónica e computadores, desenho e projecto e gestão de qualidade.
Para tanto, estão já em especialização, através de cursos de mestrado, no Instituto Superior Técnico, nas áreas anteriormente referidas, mais de quatro docentes, tendo, neste momento, a trabalhar em toda programação dos cursos, das instalações e aquisição de equipamentos cerca de doze professores, um deles doutorado.
Foi dado início à construção do edifício da escola superior de tecnologia em Novembro de 1985, com a adjudicação de uma obra no valor de 515 000 contos, mas que, com os adicionais, revisões de preços e IVA, se estima venha a atingir 700 000 contos. A conclusão da obra está prevista para fins de 1988, com simultaneidade na aquisição de equipamentos e mobiliários necessários para o seu funcionamento.
Em projecto, obras e aquisição de equipamento foram já gastos, até 1986, cerca de 512 000 contos, estando previsto para 1987 mais 237 000 contos.
A programação para a instalação desta escola, até 1990, é de cerca de mais 950 000 contos, e o custo total será de 1 700 000 contos.
A sua instalação beneficia, até 1987, de créditos externos do Banco Mundial e de financiamentos do FEDER e virá a constituir a mais importante escola superior de tecnologia do País. Será, com certeza, o principal motor do desenvolvimento da região, através da formação dos técnicos básicos para todo o desenvolvimento de qualquer região do País.
Deve ainda referir-se que também esta instituição procurará o mais intenso contacto com as actividades económicas e culturais, de forma que o Instituto Politécnico de Setúbal seja uma escola viva, profundamente ligada a todas as forças vivas da região de Setúbal, aliás, dentro do espírito novo que se encontra actualmente em quase todas as instituições do ensino superior.
Mas, além da escola superior de tecnologia, o Instituto Politécnico de Setúbal possui também a Escola Superior de Educação, que iniciou o seu processo de instalação no ano lectivo de 1985-1986.
Esta Escola está integrada no processo de formação de docentes em serviço nos ensinos preparatório e secundário, estando a assegurar, no presente ano lectivo, a formação de 230 docentes.
Está previsto iniciar as suas actividades de formação inicial de docentes em 1987-1988, ministrando cursos de educadores de infância e de professores do ensino básico. Para tanto, possui já um corpo docente com 22 elementos, dos quais nove professores-adjuntos.
Esta Escola tem vindo a funcionar no edifício do Freyxel, sede do Instituto Politécnico de Setúbal, que cedeu grande parte das suas instalações para a ESE.
Após várias hipóteses de instalações provisórias para a Escola, foi elaborado muito recentemente um protocolo entre o Instituto Politécnico de Setúbal e o Instituto de Emprego e Formação Profissional, em Setúbal, com a cedência temporária de um andar pertencente ao Instituto e a montagem de nove pavilhões pré-fabricados, em madeira, nos terrenos daquele instituto de orientação profissional.
Prevê-se a conclusão da montagem no fim do próximo mês, resolvendo-se deste modo a instalação provisória da Escola. Mas está já a ser feito, simultaneamente, o projecto das instalações definitivas através do arquitecto Sisa Vieira, para o qual iremos utilizar, ainda este ano, cerca de 65 000 contos, considerando-se que o total da Escola vai atingir 373 000 contos. Isto representa um investimento de 2 milhões de contos no ensino superior de Setúbal.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Então e a directora? Não disse nem uma palavra sobre a questão quente do Instituto Politécnico de Setúbal!

O Sr. António Osório (PCP): - Mas a Escola ficou sem directora!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, se desejar pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, tem a palavra para esse efeito.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Secretário de Estado, agradeço os seus esclarecimentos.
Queria ainda perguntar-lhe se os formandos das respectivas escolas superior de tecnologia e Superior de Educação terão a possibilidade de acesso, numa fase posterior - obviamente, depois de concluída a sua formação -, ao ensino universitário, ou seja, pretendo saber se, para além da qualificação académica que vão adquirir nas duas escolas do Instituto Politécnico de Setúbal, aqueles que estiverem interessados terão a possibilidade de avançar na sua qualificação académica para uma de grau universitário.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr. Deputado, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, essa hipótese é absolutamente possível. Através de estudos especializados posteriores, a serem criados na própria escola, esses alunos poderão obter de imediato a ligação com equivalência a uma licenciatura.
Mas, mais: pode até, dentro da Lei de Bases do Sistema Educativo, haver uma associação entre a escola superior de tecnologia e, por exemplo, a Universidade Nova de Lisboa, que tem a sua Faculdade de Ciências e Tecnologia nessa região.
Portanto, será possível uma colaboração intensa e, consequentemente, haver cursos de nível universitário em ligação com a Universidade, como é permitido pela Lei de Bases do Sistema Educativo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao final da nossa sessão de perguntas ao Governo. A nossa próxima sessão plenária terá lugar na quinta-feira, dia 5 de Março, pelas 15 horas, sendo a ordem de trabalhos destinada a analisar a situação actual da mulher em Portugal, realizando-se pelas 18 horas a votação final global do projecto de lei n.º 233/IV, do PRD, sobre a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 35 minutos.

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1972 I SÉRIE - NÚMERO 50

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Dinah Serrão Alhandra.
Francisco Antunes da Silva.
João José Pereira de Matos.
João Manuel Nunes do Vale.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Mário Jorge Belo Maciel.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.

Partido Comunista Português (PCP):

Jorge Manuel Lampreia Patrício.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Henrique Manuel Soares Cruz.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Flausino Pereira da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José Assunção Marques.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloíso Fernando Macedo Fonseca.
António Domingues Azevedo.
António Magalhães Silva.
Armando António Martins Vara.
Fernando Henriques Lopes.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís do Amaral Nunes.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Lopes Marques.
Francisco Barbosa da Costa.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vítor Manuel Ávila da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

António Vidigal Amaro.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Maria Odete dos Santos.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
João Gomes de Abreu Lima.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Deputados independentes:

Maria Amélia Mota Santos.
António José Borges de Carvalho.

As REDACTORAS: Maria Amélia Martins - Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO: 88$00

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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