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I Série - Número 51
Sexta-feira, 6 de Março de 1987
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE MARÇO DE 1987
Presidente: Exmo. Sr. António Alves Marques Júnior
Secretários: Exmo. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Victor Manuel Caio Roque
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da entrada na Mesa de dois projectos de lei.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD), baseando-se no exemplo de um jovem agricultor com vocação para a escultura, referiu-se à necessidade de o Estado criar as condições para que estes exemplos não se percam.
O Sr. Deputado Henrique Mata (PSD) referiu-se à extracção de inertes do leito dos rios, em especial das bacias hidrográficas do Lima e do Minho, e à urgência de tal actividade se processar através de um planeamento, ordenamento e gestão adequados.
O Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP) abordou a situação de quase ruptura no funcionamento do serviço de urgência de pediatria do Hospital do Barreiro.
O Sr. Deputado Oliveira Teixeira (CDS) chamou a atenção do Governo para a situação resultante dos incêndios do Verão passado no concelho de Vila de Rei.
O Sr. Deputado Corujo Lopes (PRD) referiu-se à acentuada quebra na exploração do caranguejo na ria de Aveiro, apelando para que se tomem medidas no sentido de preservar este recurso. Respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Horácio Marçal (CDS).
O Sr. Deputado José Lello (PS) abordou a situação das redes viárias e dos problemas dos transportes urbanos da Área Metropolitana do Grande Porto.
O Sr. Deputado Armando Fernandes (PRD) apontou algumas deficiências do poder local, em especial a falta regular de inspecções aos municípios.
O Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) elogiou a actividade do X Governo Constitucional em diversos aspectos da política económica e social, criticando a posição dos partidos da oposição. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) e Vidigal Amaro (PCP).
O Sr. Deputado António Marques (PRD) criticou o presidente da Câmara Municipal de Gondomar por ter agredido um trabalhador daquele município. Respondeu, depois, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Raúl Brito (PS).
O Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP), acerca da intervenção do Sr. Deputado Duarte Lima (PSD), criticou a actuação do Governo no campo da saúde, tendo respondido, depois, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Malato Correia.
Ordem do dia. - Após leitura do relatório da Comissão da Condição Feminina, procedeu-se ao debate subordinado ao tema «A situação actual da mulher em Portugal», no qual intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Vasco da Gama Fernandes (PRD), Maria Santos (Indep.), Helena Torres Marques (PS), Ilda Figueiredo (PCP), José Gama (CDS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Silva Marques (PSD), Alda Nogueira (PCP), Margarida Borges de Carvalho (PSD) e Odete Santos (PCP).
Foi aprovado, em votação final global, o projecto de lei n. º 233/IV (PRD) - Convenção Europeia dos Direitos do Homem -, tendo produzido declarações de voto os Srs. Deputados Andrade Pereira (CDS), Figueiredo Lopes (PSD), José Magalhães (PCP), Jorge Sampaio (PS) e Magalhães Mota (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Abílio Gaspar Rodrigues.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
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1974 I SÉRIE - NÚMERO 51
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João Manuel Nunes do Vale.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Ferreira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Helena Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José Torcato Dias Ferreira.
José Rodrigo Costa Carvalho.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes..
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
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6 DE MARÇO OE 1987 1975
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
José Augusto Gama.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
Maria Amélia Mota Santos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente Cartas
Da comissão de trabalhadores da Sociedade de Mecânica Setubalense, dando conta da reunião efectuada no passado dia 17 do corrente, em que repudiaram a alteração do regime do horário de trabalho, do descanso obrigatório ao domingo, da proibição do trabalho nocturno as mulheres, da contratação colectiva e do lay off, manifestando a disposição de lutarem pelos seus direitos.
De uma comissão em nome dos funcionários do extinto Grémio da Lavoura do Planalto de Manica e Sofala, em Moçambique, dando conta da grave situação em que os mesmos se encontram e pedindo para que seja prestada justiça à sua causa.
Ofícios
Do conselho directivo da Escola Preparatória de Viseu, remetendo fotocópias de exposições que foram dirigidas ao Sr. Ministro da Educação por três professores daquele estabelecimento de ensino, todas relacionadas com a aplicabilidade das normas fixadas na proposta de lei n.º 44/IV, aprovada nesta Assembleia.
Do Sindicato das Indústrias Eléctricas do Centro, com sede em Coimbra, capeando fotocópias de correspondência trocada entre esta estrutura sindical e o Ministério do Trabalho e Segurança Social, solicitando a colaboração desta Assembleia para a pretendida resolução do assunto em causa.
Do Sindicato dos Engenheiros e Técnicos do Norte, com sede no Porto, remetendo o texto da moção aprovada por unanimidade na assembleia que realizaram no dia 14 do passado mês e que se refere ao Decreto-Lei n.º 73/73.
Do conselho directivo da Escola Secundária de Camões, em Lisboa, remetendo o texto de um comunicado aprovado na reunião da Escola, que se efectuou no passado dia 6 do corrente, sobre o recente assassinato do aluno António Filipe Alves.
«Telex»
De Júlio Pontes, delegado distrital em Évora da Associação Nacional de Farmácias, chamando a atenção para tentativas de abuso por parte de alguns interessados, referindo-se ao actual projecto de lei n. º 20/IV.
Da direcção do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, referindo-se ao plenário geral dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, levado a efeito no Hospital de D. Estefânia, no passado dia 19 do mês findo, e exigindo a publicação imediata de vários diplomas que se encontram pendentes e se prendem com a sua actividade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 380/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Gomes de Pinho e outros, do CDS, propondo a alteração do Decreto-Lei n.º 20/85, de 17 de Janeiro, o qual foi admitido e baixou à 3.ª Comissão, e projecto de lei n. º 381/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Silva Lopes e outros, do PRD, sobre a intervenção da Assembleia da República em matérias respeitantes à participação de Portugal nas Comunidades Europeias, tendo sido igualmente admitido e baixado à 11.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Cosia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um jovem agricultor de 19 anos de idade, de Oliveira do Hospital, despertou para o mundo da arte, mais concretamente para a escultura, quando, numa ocasional visita a um museu, confrontado com alguns exemplares expostos, ficou positivamente petrificado perante alguns trabalhos escultóricos.
Felizmente, a seu lado estava um homem atento. Tratava-se do presidente da Câmara local, escultor de profissão, pessoa culta, interessada e dinâmica, que, no meu entendimento, é um exemplo frisante do que deve ser um autêntico autarca.
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Ao observar a reacção do jovem, questionou-o, procurando saber do interesse do jovem em se iniciar na actividade que tanta impressão lhe causara. A resposta afirmativa denunciou a esperança do jovem, comungada pelo seu interlocutor.
As primeiras lições foram ministradas pelo presidente-escultor, que logo confirmou as inatas qualidades do jovem. Da sua febril actividade surgiram, rapidamente, várias peças que emolduram hoje o notável Museu de Bobadela, também ele fruto notável da obra de um homem que, na minha opinião, está a desenvolver um relevante trabalho no seu concelho. Uma fina sensibilidade, um raro domínio dos materiais, aliado a uma notável inspiração, produziram obra digna de ser vista.
Constatando ser preciso ir mais além, tentou o presidente da Câmara a obtenção de uma bolsa de estudos junto do ministério da tutela. A resposta foi seca e brutal: era necessária a apresentação de um diploma. Sem isso nada feito. E o jovem agricultor, agora com 25 anos, lá continua na sua aldeia, a arrancar da terra madrasta o pão que o diabo amassou, maldizendo, decerto, o país onde nasceu.
Contudo, o presidente da Câmara, sempre ele, lá continua a ajudar o agricultor-que devia ser escultor, procurando que ele se realize em part-time, incentivando-o e ministrando-lhe lições nos limites das suas possibilidades.
Tomámos contacto com este caso, igual a tantos outros que acontecem um pouco por todo o País, numa visita da Comissão de Administração Interna e Poder Local à zona da serra da Estrela, actividade esta que tem o maior interesse em ser repetida noutras regiões e noutros domínios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pena é que os canudos continuem a ser a única gazua que ainda abre algumas ferrugentas portas. Às vezes, para quebrar a rotina e estragar a estatística dos ciosos da normalidade, lá aparece um Ferreira de Castro no romance, um Aureliano Lima na escultura, um António Aleixo na poesia e mais alguns outros, que demonstram, contra ventos e marés, que o génio e o talento são bem mais fortes que muitos diplomas que pretendem consagrar autênticas nulidades.
Diz-se por aí, cada vez com menos convicção, que houve uma revolução em 25 de Abril de 1974. E as pessoas que o afirmam fazem-no na consciência de que revolução é sinónimo de mudança de mentalidades e de processos. Infelizmente, a pratica quotidiana desmente, vezes sem conta, essa cada vez mais tíbia qualificação. Todavia, a esperança deve ser o último sentimento a morrer na alma humana.
Daí que confiemos que a Secretária de Estado da Cultura, que tem dado algumas indicações de que pretende trilhar o rumo certo, faça alguma coisa pelos dotados do nosso país, a quem a ausência de tudo negou a entrada na escola da aprendizagem correcta, permissiva da perfeita realização da sua vocação e de que o jovem agricultor de Oliveira do Hospital é apenas um exemplo.
Ultrapassemos os mecanismos, talvez bem elaborados, juridicamente correctos, maduramente pensados, mas manifestamente coarctadores do desenvolvimento da imaginação criativa do homem. E daqui exorto a Sr.ª Secretária de Estado da Cultura a permitir a entrada da revolução, pela porta certa, na vida cultural do nosso país, permitindo o acesso de todos os dotados aos legítimos benefícios que devem ser usufruídos por todos os portugueses, qualquer que seja a sua origem e condição.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Mata.
O Sr. Henrique Mata (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos anos temos assistido a uma preocupação sistemática e progressiva relativamente à defesa e protecção dos interesses ambientais e sua correcta gestão.
A gestão dos recursos hídricos tem vindo a merecer a atenção dos organismos com competência e atribuições para tal; contudo, tem de reconhecer-se que a extracção de inertes não tem sido gerida convenientemente, ocasionando perdas irreparáveis e uma degradação dos ecossistemas em que a reposição das condições iniciais será extremamente difícil. Nestas circunstâncias, torna-se urgente uma intervenção imediata no sentido de responsabilizar e dotar com os meios necessários os organismos que têm a seu cargo a defesa e protecção das recursos hídricos e dos interesses ambientais adjacentes (zonas húmidas, margens, praias fluviais, etc.).
A extracção de inertes em Portugal está regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 403/82, de 24 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 164/84, de 21 de Maio.
O Decreto-Lei n. º 403/82 regulamenta a extracção de materiais inertes depositados nas zonas de escoamento e expansão das águas de superfície, quer correntes, quer fechadas.
No seu preâmbulo, justifica-se a sua promulgação devido aos seguintes aspectos:
A extracção de materiais inertes pode afectar gravemente as condições de funcionalidade das correntes, o uso das águas para diversos fins, a integridade dos leitos e margens, a segurança das obras e, de uma forma geral, as características dos ecossistemas, introduzindo alterações no seu funcionamento susceptíveis de conduzir a situações de ruptura;
A extracção desses materiais não poderá ter o objectivo prioritário de atender às necessidades de mercado, antes deverá subordinar-se não só às disponibilidades existentes como também, e principalmente, obedecer a condicionalismos de natureza física, morfológica ou ecológica das zonas onde se realiza;
Importa, pois, situar o problema da extracção de materiais inertes, quer ao nível de gestão racional dos recursos das bacias hidrográficas, quer ainda no que respeita à política geral de extracção de inertes, e ambas no quadro global da conservação e utilização dos recursos naturais.
Podemos concluir que se reconheceu a existência de uma série de lacunas que se pretenderam sanar com o disposto no Decreto-Lei n.º 403/82. Não obstante, a sua aplicação em termos práticos foi nula, devido fundamentalmente à inexistência de uma correcta gestão dos recursos hídricos e de organismos devidamente apetrechados e vocacionados para tal.
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Surge, assim, o Decreto-Lei n.º 164/84, de 21 de Maio, alterando vários artigos do referido Decreto-Lei n. º 403/82 e estabelecendo os critérios a que deve obedecer a extracção de materiais inertes.
E por isso logo no seu preâmbulo se diz o seguinte:
O Decreto-Lei n.º 403/82, de 24 de Setembro, visou definir um conjunto de normas disciplinadoras da extracção de materiais inertes das áreas sob jurisdição hidráulica. A verdade, porém, é que os instrumentos legais criados por aquele diploma não têm permitido impedir eficazmente a ocorrência de vultosos prejuízos derivados da extracção de inertes, ocasionando uma situação extremamente crítica e, por isso, carente de medidas imediatas.
Ora, as bacias hidrográficas dos rios Lima e Minho são, no momento presente, as abastecedoras do mercado nortenho de inertes, isto porque, na maior parte das bacias hidrográficas, a extracção de inertes foi proibida. Assim, deslocam-se a Viana do Castelo veículos pesados provenientes de diversos pontos da zona norte e centro do País (Coimbra, Águeda, Aveiro, Lamego, Porto, Braga, Vila Real, Bragança, etc.).
Concluímos, pois, que estamos perante um grande recurso mineiro e não devemos ignorar, por outro lado, que os inertes (areia, areão, godo, cascalho, etc.) são fundamentais para a indústria da construção civil e outras actividades.
Não será, porém, lícito que a extracção de inertes, que movimenta a jusante uma série de actividades económicas, se processe sem um planeamento, ordenamento e gestão adequados, de forma a evitar a degradação e destruição dos interesses ambientais e, em certos casos, pondo, inclusive, em causa outros interesses públicos.
Não podemos continuar a permitir que as margens dos rios Lima e Minho continuem a ser degradadas dia após dia. Esta degradação tem tido lugar através do aterro de zonas húmidas, como por exemplo o sapal da Meadela, zona de grande valor ecológico, viveiro de diversas espécies piscícolas e de reprodução de várias aves aquáticas e de uma fauna e flora para muito preservar. Não pode também esquecer-se o sapal de São Lourenço, a veiga de São Simão, as lagoas de Vila Franca e de Bertiandos e outras zonas húmidas do Lima.
De facto, a inexistência de um plano de extracção de inertes no rio Lima tem ocasionado graves prejuízos e consequências dramáticas e dolorosas, como seja a perda de muitas vidas humanas. Efectivamente, já houve vários afogamentos de adultos e crianças nas praias fluviais, locais turísticos e de lazer, mas onde, incrivelmente, existem autênticos poços provocados pela extracção da areia.
E não deve deixar de assinalar-se ainda um outro facto que, não constituindo tragédia, origina, no entanto, uma situação que o Município de Viana do Castelo não aceita e antes repudia, como tem feito a Câmara Municipal, aliás, por diversas formas e ocasiões. Trata-se do duro desgaste e permanente degradação dos caminhos e vias municipais provocados pelos veículos de grande tonelagem utilizados no transporte da areia, que, sendo uma riqueza existente no território vianense, dele sai sem qualquer contrapartida.
São vários milhares de contos por ano, respeitantes ao pagamento das taxas previstas na lei, que não tem qualquer aplicação no concelho de onde aquele valioso mineral é retirado.
Por nossa parte, e como medidas a tomar, entendemos premente se proponha a execução de um plano de extracção de inertes que tenha em consideração a defesa e protecção dos recursos hídricos e dos interesses ambientais e públicos.
A execução desse plano, pensamos, deverá contar com a participação da Direcção-Geral do Ambiente e Recursos Naturais, da Comissão de Coordenação da Região do Norte, dos municípios da respectiva bacia hidrográfica, da delegação em Viana do Castelo da Direcção da Hidráulica do Douro, da Direcção-Geral de Portos e das capitanias, para além de outros organismos.
Deve ser definido o papel de cada organismo com jurisdição do rio Lima, responsabilizando-o pelas acções de degradação que ocorram na sua área de jurisdição. Os diplomas legais que cada organismo utilizar para gerir a área em que tem competência e atribuições deverão ser os mesmos, para haver uniformidade de critérios.
Definição das áreas de actuação da Direcção-Geral de Portos, competências e atribuições do licenciamento de inertes. A legislação em vigor apenas se aplica às áreas de jurisdição da Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos.
Cumprimento e fiscalização do disposto nos diplomas legais que regem a extracção de inertes, no Decreto-Lei n. º 321/83, de 5 de Julho (Reserva Ecológica Nacional), e outras disposições legais.
A delegação de Viana do Castelo da Direcção Hidráulica do Douro deve ser dotada com equipamento, meios financeiros e humanos, de acordo com as atribuições e competências que tem.
Assim, tendo em atenção o valor ecológico dos diversos interesses ambientais da bacia hidrográfica do Lima, pensamos que será importante a implementação de medidas de protecção, particularmente para os sapais da Meadela e São Lourenço, veiga de São Simão, lagoas de Vila Franca e Bertiandos e ainda outras zonas húmidas daquele rio.
Relativamente ao rio Minho, é imprescindível a implementação de medidas de protecção para o estuário desse rio até Seixas do Minho, incluindo as zonas húmidas do rio Coura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Visamos, com esta simples intervenção, alertar e velar pela defesa efectiva e protecção do ambiente e conservação dos recursos naturais existentes na região do Alto Minho, de modo a preservar a sua riqueza paisagística, ambiental, ecológica e até arqueológica.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Visitei o Hospital do Barreiro na passada semana. Ao fazer agora esta intervenção, apenas pretendo alertar a Câmara e os responsáveis governamentais para a situação de ruptura que se verificará na urgência de pediatria deste Hospital, se não forem tomadas medidas urgentes pelo Ministério da Saúde.
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O novo Hospital do Barreiro, inaugurado em Setembro de 1985, mantém-se inexplicavelmente em regime de instalação e ainda não tem qualquer quadro de pessoal aprovado. Esta situação aberrante conduz, por um lado, à situação de não haver concursos para o preenchimento das vagas médicas existentes nas diversas especialidades e, por outro lado, à saída do hospital de especialistas, que, entretanto, são colocados noutras unidades de saúde.
São exemplos gritantes deste estado de coisas o que se passa nos serviços de pediatria e de medicina interna. Em pediatria, onde estavam colocados oito pediatras, saíram seis, estando o serviço reduzido a apenas dois; em medicina interna, onde trabalhavam oito internistas, nesta data apenas existem três.
Esta a situação existente e a que urge, rapidamente, pôr cobro. Se não for autorizado pelo Ministério da Saúde que os médicos pediatras fiquem em comissão de serviço no Hospital do Barreiro, deixarão de haver urgências pediátricas. Dentro de poucos dias a situação poderá ser extensível à medicina interna.
A qualidade dos serviços prestados à população e o acesso aos cuidados de saúde não podem ser postos em causa. Urge rapidamente acabar com o regime de instalação e com todos os bloqueios que estão a impedir a existência de um quadro de pessoal no Hospital do Barreiro, de modo que aos profissionais de saúde, nomeadamente aos médicos, possa ser dada a possibilidade de concorrerem para as especialidades existentes.
Só assim se poderão rentabilizar os serviços e pôr em pleno funcionamento um Hospital que cobre uma população de cerca de 250 000 habitantes.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Teixeira.
O Sr. Oliveira Teixeira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há mais de meio ano que uma sucessão de incêndios transformou em terra queimada 90 % da superfície do concelho de Vila de Rei.
O pequeno concelho situado no pleno centro geodésico de Portugal continental vivia sobretudo da exploração florestal, dado que a restante actividade agrícola está reduzida aos pequenos vales e praticamente não existe nenhuma actividade industrial.
Este pequeno concelho, afastado dos grandes eixos viários, necessita urgentemente da solidariedade de toda a comunidade nacional, concretizada através de apoios específicos que afastem o perigo do desemprego e que evitem o tradicional recurso à emigração e à migração para os nossos centros urbanos. Já hoje, ao fim da tarde de domingo, partem de Vila de Rei para Lisboa em autocarros cheios de mão-de-obra barata, que regressam ao fim do dia de sexta-feira, para ocupar-se da lavoura e reencontrar a família. É este amor à terra que merece o respeito e necessita do apoio de todos os portugueses.
Que as estratégias do partidarismo não ocultem as reais necessidades de um povo que não pode ser penalizado porque com eleições livres escolheu de modo diverso do poder dominante na zona do pinhal!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando as populações emocionadas choravam a perda dos seus haveres, quando o desespero das cinzas desassossegava toda uma comunidade, quando a última faúlha consumia o que já, praticamente, não havia para consumir, choveram promessas dó governo central que caíram como uma dádiva. Era a voz da solidariedade que chegava e se acolhia, era a gota de água a apagar o desespero.
Passavam os dias, os meses, e das promessas podemos dizer que «tudo o vento levou». Não chegaram. Não vieram. Talvez porque Vila de Rei fica longe do Terreiro do Paço.
O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Talvez porque Vila de Rei não desce até à cidade em marchas de protesto ruidoso. Talvez porque os votos de Vila de Rei não incomodem os políticos instalados no poder. Sai, assim, maltratada a justiça. É, assim, vã a palavra «solidariedade». Continuam mais esquecidos os esquecidos. Será, todavia, ligeireza pensar que é curta a memória dos homens ou que as reacções dó interior estão condenadas ao silêncio.
O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Em nome das populações enganadas não calaremos a nossa voz enquanto as promessas feitas a Vila de Rei, devastada pelo incêndio, não forem finalmente cumpridas:
Aplausos do CDS e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Corujo Lopes.
O Sr. Corujo Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo dos tempos, sempre o caranguejo constituiu um dos mais abundantes recursos da ria de Aveiro, tendo a sua captura reflexos assinaláveis no contexto sócio-económico da região. Assumiu no passado a captura deste crustáceo uma actividade agro-marítima importante, pois em conjunto com o moliço extraído do leito das águas da ria era aplicado como fertilizante, das terras de cultura da beirada lagunar. Com o aparecimento dos fertilizantes químicos e o êxodo rural, tal actividade foi praticamente abandonada.
Todavia, com a quebra da produção de alguns recursos e a necessidade da procura de outros em alternativa, foi esta exploração reactivada há cerca de seis anos, mas agora unicamente destinada ao consumo humano.
É assim que diariamente se vem assistindo ao carregamento para Espanha de enorme quantidade de caranguejo, destinado, designadamente, a linhas de produção industrial de sopas de marisco; ao repovoamento de viveiros e ao abastecimento de restaurantes após engorda em tanques especiais.
Só que, dadas as características verdadeiramente industriais deste tipo de exploração, com as capturas a atingirem 6000 kg diários, o stock deste crustáceo está praticamente esgotado, correndo-se até o risco da sua extinção. E o mais grave, senão mesmo criminoso, é que a maior intensidade das capturas se verifica no período da desova, altura em que se multiplicam as encomendas vindas, designadamente; de Espanha.
Porém, e por mais estranho que isto pareça, a situação - esta situação - é do conhecimento dos organismos oficiais de investigação das pescas e das autoridades marítimas, que por tal estado de coisas
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continuam a demonstrar uma total indiferença. Não se fica, no entanto, por aqui toda a gravidade da situação. Assim:
As exportações são efectuadas sem qualquer controle;
A comercialização não se verifica através da lota, como legalmente está determinado;
O pagamento é realizado em escudos, o que não possibilita qualquer entrada de divisas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para esta e outras questões que medidas se propõe tomar o Governo? A avaliar pelas respostas a um requerimento por mim feito em Julho passado, e dirigido ao Governo, parece que nenhumas. Limitam-se os departamentos do Estado questionados sobre a matéria a dizer apenas que:
O regulamento da pesca e apanha do moliço na ria de Aveiro data de 1917, e estipula que a captura do caranguejo é efectuada todo o ano e sem qualquer limite;
Se aplica também para este tipo de pesca um decreto-lei de 1939, assim como o Regulamento Geral das Capitanias, aprovado por decreto-lei de 31 de Julho de 1972;
E, ainda, que a preservação do recurso em questão depende fundamentalmente de uma eficaz fiscalização por parte da Capitania do Porto de Aveiro, mas que, dadas as características da ria, não é possível efectuá-la com eficácia;
Ou então informam que todo o caranguejo capturado deverá ser vendido em lota, de acordo com a legislação em vigor, e que a sua exportação é livre, não dando lugar à emissão de licenças de exportação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É de todo inaceitável que a pesca na ria de Aveiro continue a ser regida por uma lei de 1917, quando é sabido que, com especial incidência nos últimos anos, os seus recursos estão a ser depredados.
Como se verifica pelas respostas dadas às questões levantadas acerca desta matéria, o Governo nada adianta relativamente às medidas a tomar, limitando-se apenas a constatar uma realidade. É tempo de dizer basta e passar de imediato das palavras às acções.
Assim, é urgente desencadear os mecanismos indispensáveis que não só possibilitem a preservação deste recurso, cuja reposição de stocks, segundo dados recolhidos, demorará cerca de quinze anos, como também disciplinar a sua captura.
Os recursos naturais deste país não podem, com efeito, continuar a ser delapidados em proveito de alguns, poucos, com graves prejuízos da economia nacional.
Aplausos do PRD e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.
O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Deputado Corujo Lopes, ouvi com muita atenção a sua intervenção sobre um problema da ria de Aveiro, que desde há muitos anos vem preocupando não só os deputados desse distrito como outros que a ele não pertencem.
V. Ex.ª levantou o problema da pesca do caranguejo e da sua exportação para Espanha e referiu-se à legislação que data de 1927, creio eu, legislação essa altamente desactualizada tendo em conta a importância da pesca na ria de Aveiro.
Penso que estas intervenções têm o maior interesse e não podemos deixar de defender aquilo que temos de importante na zona de Aveiro, tais como, no campo da gastronomia, as célebres caldeiradas e as sopas de marisco, para protecção do turismo.
Apesar de o Sr. Deputado Corujo Lopes se ter debruçado, com os pormenores que todos ouvimos, sobre os problemas desta zona, gostaria de saber se não se deveria também preocupar na sua intervenção com a actividade piscícola nas rias abandonadas. Todos sabemos que a cultura de sal em Aveiro está a atravessar um mau bocado e que era necessário reconverter a ria, especialmente as marinhas abandonadas.
Pergunto, pois, se nessas marinhas não se poderia lançar o desenvolvimento da exploração de mariscos, inclusivamente do caranguejo.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Corujo Lopes.
O Sr. Corujo Lopes (PRD): - Sr. Deputado Horácio Marçal, mais uma vez agradeço as amáveis palavras que me dirigiu. Aliás, isso é apanágio das gentes e dos deputados de Aveiro, que, tenho a certeza, estão unidos na defesa dos interesses da sua região, da sua gente.
Efectivamente, a legislação que referi não data de 1927, mas de 1917.
O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Ainda é pior!
O Orador: - Por caricato que pareça, esta é a realidade!
É evidente que o salgado de Aveiro está condenado por diversos motivos, entre os quais as características do solo e das salinas. Enfim, há diversas situações que levam que o salgado de Aveiro esteja condenado.
Já em tempos fiz aqui uma intervenção a defender que a alternativa é a aquacultura. Só que, por estranho que pareça - aliás, nós, Aveirenses, estamos um pouco habituados a ser desprezados em benefício de outros -, no projecto que recentemente foi apresentado em Bruxelas e que visa o desenvolvimento da aquacultura do nosso país, a ria de Aveiro foi excluída com a alegação de que está poluída. Sabemos que existe poluição, especialmente no rio Vouga, e que a ria de Aveiro sofre alguns efeitos dessa poluição. Mas, dadas as características das suas correntes, ela não é tão grave como se quer fazer crer.
É, pois, absolutamente pertinente e prioritário que se desenvolva a aquacultura na ria de Aveiro. Aliás, algumas salinas, embora por métodos artesanais, já estão transformadas para a piscicultura e pelo conhecimento que tenho da matéria isso é rendível.
Portanto, penso que temos todos, e os Aveirenses em especial, de defender e unir esforços no sentido de que a ria de Aveiro e o seu salgado sejam, como alternativa, transformados na aquacultura.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
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O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O grande conflito das metrópoles modernas situa-se entre uma opção: • um passageiro por quatro metros quadrados ou quatro passageiros por metro quadrado.
Com efeito, nas grandes zonas urbanas, cujo crescimento foi condicionado pelos factores do desenvolvimento económico e, por essa razão, o modelo urbanístico daí resultante é deficiente, a dualidade transporte pessoal - transporte de massas coloca-se com particular acuidade.
E, diga-se, as opções neste domínio não se revelam muito fáceis. Tanto mais que a precariedade em infra-estruturas e em equipamento é extremamente limitativa, em termos de soluções de curto e de médio prazo. Assim, nem as populações poderão prescindir do transporte particular, muitas vezes unipessoal e, por essa razão, um agente de atravancamento urbano, nem a solução transportes colectivos abrange as necessidades mínimas, resolvendo o problema na sua globalidade.
Daí a necessidade de um planeamento rigoroso que tenha em conta as estratégias de resolução futura deste problema, aliado à urgência de rentabilizar os meios existentes, de molde a minimizar um problema como o dos transportes suburbanos. Um problema que se interliga com as questões do ordenamento urbanístico e com a implantação ou modernização de redes viárias e ferroviárias compatíveis.
O desenvolvimento de pólos industriais sem qualquer tipo de planificação determinou uma pressão demográfica incomportável para alguns aglomerados carentes de infra-estruturas, planos directores e equipamento. Assim, verificam-se diariamente fluxos de trânsito desordenado e sem uma lógica que decorreria se a inserção dos pólos habitacionais e dos centros geradores de emprego fosse harmónica e planificadora.
Assim, e por este tipo de razões, zonas como a área metropolitana que é hoje o Grande Porto se encontram neste domínio, não longe do limiar da ruptura.
Com efeito, a falta de uma planificação cuidadosa e a marginalização sistemática quanto aos investimentos do Estado em termos de infra-estruturas e equipamento conduziram a que hoje se imponha com urgência um conjunto de acções que visem fluir, ordenar e facilitar o tráfego de pessoas e bens nessa zona laboriosa e de relevante interesse para a economia nacional.
No âmbito rodoviário, se se encontram em construção ou em concurso à distância algumas vias que facilitarão ligações ou a penetração no interland, como é o caso do troço de auto-estrada Albergaria-Mealhada, dos troços IP IV Amarante-Vila Real e Campo-Paredes e da chamada variante Póvoa-Vila do Conde e da auto-
-estrada entre Porto e Águas Santas, a verdade é que o lançamento das suas sequências a implantar no tecido urbano se encontra atrasado, o que condicionará obviamente o acesso a essas grandes vias. Com efeito, não se vislumbra a solução do acesso ao novo aeroporto com uma remodelação profunda e a subsequente redefinição do traçado da estrada nacional Porto-Póvoa até Mindelo; tarda a ser lançada a grande circunvalação exterior constituída pela estrada nacional n.º 208, que temo possa vir a ser hipotecada pelo fluxo de construções na zona da sua implantação. Por outro lado, a via rápida Águas Santas-Campo-Valongo, peça fundamental da ligação ao IP IV, ainda demorará a estar pronta.
Entretanto, constrói-se a via de cintura interna que constituirá o atravessamento urbano da cidade do Porto e será a ligação essencial ao IP IV e à auto-estrada Porto-Famalicão. No entanto, estando já em execução o troço Porto-Águas Santas deste último percurso, a segunda fase da via de cintura interna que permitirá a ligação total estará longe de ser lançada, tanto mais que apenas recentemente foi concursado o bairro que alojará a população residente nas áreas a expropriar.
Em termos ferroviários, o panorama é francamente desolador, pese embora as construções em curso ou a iniciarem-se da ponte ferroviária do Douro, das oficinas e do centro de manutenção da CP. Com efeito, se o traçado, o estado da via e a carência de equipamento adicional cerceiam hipóteses de uma franca melhoria na ligação com Lisboa, o estado das restantes ligações ferroviárias do Porto é francamente desolador.
A penetração para Espanha através de Barca de Alva foi, como aqui oportunamente denunciei, desactivada, constituindo hoje a linha do Douro apenas uma via de interesse inter-regional, com inegáveis potenciais, é certo, mas expurgada dessa capacidade que detinha de constituir um veículo de exportação dos produtos nortenhos. Por outro .lado, aguardam-se investimentos importantes e essenciais que viabilizem a electrificação e a duplicação das linhas Porto-Marco de Canaveses, Porto-Braga e Porto-Póvoa. A primeira revela-se, todavia, prioritária, se atendermos a que uma melhoria substancial do transporte ferroviário para o interior...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado...
O Orador: - ... libertaria a área metropolitana do Porto de uma pressão demográfica que contende com a garantia ...
Peço desculpa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu é que tenho de lhe pedir desculpa por o interromper, mas peço aos Srs. Deputados silêncio, uma vez que está muito barulho. Há pouco o Sr. Deputado não ouviu, pelo que lhe agradeço agora a sua atenção.
Agradeço, pois, o favor de fazerem menos barulho, porque o Sr. Deputado José Lello não consegue fazer-se ouvir. Faça favor de continuar.
O Orador: - Só tenho a agradecer-lhe, Sr. Presidente, mas pelos vistos V. Ex.ª só conseguiu o meu silêncio, o que já não é mau.
Risos.
Retomando o que estava a dizer, a primeira revela-se, todavia, prioritária, se atendermos a que uma melhoria substancial do transporte ferroviário para o interior libertaria a área metropolitana do Porto de uma pressão demográfica que contente com a garantia e salvaguarda dos terrenos agrícolas de qualidade do litoral e da zona da Maia. Finalmente, impõe-se rentabilizar e vocacionar para o transporte urbano e suburbano a via de cintura, hoje votada ao ostracismo, bem como necessário se revela a ligação da linha da Póvoa ao aeroporto, uma obra relativamente acessível e de importância fundamental.
O Porto e o Norte, permanentemente marginalizados na atribuição de dinheiros públicos para obras de fomento e de base, não poderão esperar por muito mais
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tempo o desbloqueamento destes projectos, que no actual estado de coisas se revelam essenciais, de molde a prover ao tão desejado desenvolvimento desta região. Um desenvolvimento que beneficiará obviamente desse complemento ao atravessamento horizontal constituído pela navegabilidade do rio Douro, um tema outrora tão decantado por certos sectores e que hoje vai navegando na indefinição e num quase esquecimento, o que a ausência de estruturas portuárias fluviais e a falta de tratamento da barra do Douro mais sublinham. Um desenvolvimento que, enfim, decorrerá, igualmente, numa zona responsável pela maioria das exportações nacionais, de um equipamento portuário moderno e eficiente, que se não coaduna com o triste espectáculo da existência de centenas de metros de cais inertes e inoperacionais há mais de uma década por alegadas razões de ordem técnica. O Norte precisa de algo mais do que palavras e o tempo escasseia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes.
O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está a tornar-se um lugar-comum afirmar-se ser o poder local uma das maiores, se não a maior conquista da Revolução de Abril.
As suas realizações, a energia de autarcas competentes e capazes, trouxeram ao poder local larga cota de popularidade, não se eximindo nenhum político que se preze a tecer ditirâmbicas loas aos feitos realizados pelas edilidades.
Mas, a par dos cânticos em honra dos municípios, o poder central - e julgo que todos os poderes centrais o fazem - inventa modos e maneiras subtis para tirar ao poder local muito da sua independência. Os exemplos são muitos e tornava-se fastidioso enumerá-los, e a discussão dos projectos de lei sobre a regionalização virá dizer-nos se assim é ou não no tocante à efectiva descentralização de poderes para a periferia. Por seu turno, alguns edis tudo têm feito no sentido de contrariarem o sentimento geral no tocante aos benefícios que resultaram para as populações do facto de os órgãos municipais serem geridos por cidadãos eleitos por essas mesmas populações. Referimo-nos concretamente à má gestão nalgumas câmaras, referimo-nos a acontecimentos que vão sendo noticiados sobre atitudes menos correctas, actos de desonestidade, benefícios para os próprios ou famílias, pequenas malfeitorias no tocante a preenchimento de cargos, acções de nepotismo, algum autoritarismo, isto tudo por parte de meia dúzia de autarcas. Enfim, pode-se dizer serem a excepção que confirma a regra.
Entretanto, também neste ponto haveria que questionar o poder central sobre a forma como tem procedido a fim de se evitarem tais situações. Parece não ser feito nada. E uma das maneiras de ter feito algo é realizar inspecções ordinárias às câmaras municipais, pois tais inspecções, além de terem um carácter normal, servem na maioria das vezes para corrigir situações, nalguns casos simples, que com o decorrer dos anos se transformam em problemas graves.
Mas o poder central parece comprazer-se em deixar correr o marfim até quando se detectarem casos anómalos e então intervir com fereza, pondo de lado o velho aforismo «mais vale prevenir que remediar».
É que, só no distrito de Santarém, o quadro das inspecções ordinárias efectuadas aos municípios é elucidativo. Senão, vejamos:
Abrantes (última inspecção ordinária) - 15 de Novembro de 1962;
Alcanena (última inspecção ordinária) - 16 de Maio de 1959;
Almeirim (última inspecção ordinária) - 18 de Novembro de 1964;
Benavente (última inspecção ordinária) - 16 de Novembro de 1948;
Chamusca (última inspecção ordinária) - 8 de Fevereiro de 1961;
Constância (última inspecção ordinária) - 15 de Novembro de 1960;
Ferreira do Zêzere (última inspecção ordinária) - 22 de Abril de 1949;
Golegã (última inspecção ordinária) - 3 de Fevereiro de 1966;
Mação (última inspecção ordinária) - 21 de Maio de 1959;
Rio Maior (última inspecção ordinária) - 2 de Dezembro de 1952;
Santarém (última inspecção ordinária) - 12 de Outubro de 1968;
Torres Novas (última inspecção ordinária) - 25 de Fevereiro de 1960;
Vila Nova da Barquinha (última inspecção ordinária) - 6 de Outubro de 1964.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, somos defensores do poder local, advogamos a regionalização, pensamos ser a descentralização uma forma inequívoca de conferir a maioridade às populações e seus órgãos democraticamente eleitos. No entanto, somos pela irresponsabilidade do poder local, somos contra as formas «maneirinhas» de arregimentar o poder local, somos contra a política de pau numa mão, pão na outra, somos pela dignificação dos agentes locais, razão por que nos permitimos chamar a atenção do Governo para a urgente necessidade de serem corrigidos os pontos focados nesta intervenção.
Aplausos do PRD e do deputado do MDP/CDE Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dezasseis meses depois da posse do X Governo Constítucional, presidido pelo Prof. Cavaco Silva, catorze meses depois da adesão de Portugal à CEE, com tudo quanto isso significa para o nosso futuro colectivo, um ano depois da eleição do actual Presidente da República, é pertinente que procedamos à avaliação do funcionamento das instituições governativas do nosso país, entendido o conceito de instituições governativas em sentido lato, englobando a tríade institucional que relaciona, reciprocamente, o Governo, o Presidente da República e a Assembleia da República.
A oportunidade de proceder a tal avaliação resulta acrescida pelo facto de a recente aquisição por Portugal do estatuto de membro da Comunidade Económica Europeia colocar o País numa situação política muito
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particular, já que a necessidade de negociações constantes, no contexto comunitário, de questões vitais para o nosso futuro exige um poder político forte, estável e de legitimidade indiscutida.
Em Novembro de 1985, houve vozes que duvidaram da durabilidade, da eficácia e da aptidão do governo do Prof. Cavaco Silva - governo de simples maioria relativa - para assegurar as condições de estabilidade governativa pela qual os Portugueses tanto ansiavam.
Eram vozes cépticas, que viam na composição mono-partidária do Governo, cercado por uma maioria parlamentar de esquerda hostil, um sinal premonitor de que não seriam melhoradas as condições de vida dos Portugueses, de que não seriam resolvidos os problemas estruturais da nossa economia, de que não existiria acalmia social, de que não disporíamos de capacidade bastante para negociar com os nossos parceiros na CEE os problemas mais delicados no período de pós-adesão.
Como deve ser grande, hoje, a desilusão desses profetas em cujos vaticínios de desgraça já poucos acreditarão, porque o tempo e a acção do Governo se encarregaram de os desmentir.
Todos os indicadores disponíveis demonstram que as coisas correm melhor em Portugal: o investimento e a produção cresceram, os salários reais aumentaram, a subida brusca do custo de vida foi contida, o ritmo de crescimento da inflação diminuiu drasticamente, a dívida externa foi substancialmente reduzida. O primeiro ano de adesão à CEE saldou-se em resultados altamente favoráveis para Portugal, silenciando cerce vozes áridas e sanhudas que anunciavam a catástrofe como consequência da nossa integração. A confiança no País cresceu, a estabilidade do Governo consolidou-se, graças à condução eficaz, esclarecida e determinada do Primeiro-Ministro, cujos prestígio e credibilidade junto dos Portugueses se têm mantido em níveis espectacularmente elevados.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O espectro da crise está afastado e emudeceu a maioria dos que há pouco mais de uni ano nos asseguravam, com fé e convicção inauditas, que Portugal caminhava inexoravelmente para o negro portal do abismo.
Em muitos sectores da sua actividade, o Governo inovou profundamente tomando medidas de vasto alcance e não temos dúvidas de que há muitos que politicamente se situam à nossa esquerda que gostariam de ter assumido a sua paternidade.
Temos, hoje, mais solidariedade social, a distensão política é maior e a conflitualidade social situa-se em níveis muito mais baixos e absolutamente normais numa sociedade plural e democrática.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E não se diga que tem havido falta de diálogo do Governo para com a Assembleia. Essa é a explicação de quem «atira a pedra e esconde a mão». O Governo tem dialogado com a Assembleia da República, só que não pode abdicar do cumprimento do seu Programa, que a Assembleia não inviabilizou, nem das competências que a Constituição lhe confere. O Governo tem feito todos os esforços para que haja harmonia institucional, sem quebra das competências constitucionais de cada órgão de soberania. Isso é evidenciado pelo excelente relacionamento institucional que tem mantido com o actual Presidente da República, como de resto já havia mantido com o anterior.
Seja-nos permitido, a este propósito, afirmar aqui que consideramos que a postura adoptada pelo Presidente da República no primeiro ano do seu mandato nos parece extremamente útil e benéfica para o País, já que ele se tem assumido como um agente de moderação, de equilíbrio e de unidade entre os Portugueses. Não temos dúvidas em afirmar que isso tem contribuído, de modo muito significativo, para a acalmia da sociedade portuguesa. Como não acompanhá-lo e segui-lo nesse exemplo? Como não deixar aqui o desafio aos partidos da oposição parlamentar à esquerda do Governo de fazerem igualmente um esforço nessa direcção?
Nós não podemos deixar de nos preocupar com um facto que consideramos grave, e que reside na tentativa que alguns partidos têm feito, nesta Câmara, de passar de uma fase que até aqui era de relativo bloqueio ao Governo para uma fase de nítida ingerência na sua esfera de competências.
Nós não podemos deixar de nos preocupar quando observamos que alguns partidos, nesta Câmara, correm novamente o risco de confrontar decisões da Assembleia da República com mais declarações de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional e com mais vetos por parte do Sr. Presidente da República. Pensamos que isso diminuirá drasticamente o prestígio deste órgão de soberania, que nos compete defender, e que tem sido, tantas vezes, imerecidamente denegrido.
Nós não podemos deixar de nos preocupar com a obsessão de alguns partidos que não optam por legislar preferencialmente em áreas da competência reservada da Assembleia - onde por certo teriam inúmeras oportunidades de provar o seu autoproclamado espírito de inovação, com isso contribuindo para a modernidade do País -, preferindo antes legislar sobre matérias acerca das quais existe competência concorrencial com o Governo. Não podemos deixar de considerar isso como uma tendência, que reprovamos, no sentido da governamentalização da Assembleia da República.
Nós não podemos deixar de nos preocupar com o risco de o sistema de governo entrar em degenerescência por via legislativa e de vermos afectado o equilíbrio constitucional de poderes.
Em qualquer democracia, a oposição faz tanta falta como o governo. Mas há que distinguir o combate legítimo ao governo ou à sua política do combate que introduz efeitos preversos no funcionamento do sistema.
Quando se chega aqui, quando se quer enfraquecer o Governo por esta via, acaba por se enfraquecer a credibilidade das próprias instituições governativas.
Por isso nos parece, neste momento, legítimo perguntar: que pretende a oposição, sobretudo aquela que já foi governo, e que se reclama, preferencialmente, do privilégio de ser alternativa? Quer governar já o País, ou pretende que outros o façam por enquanto? Se quer governar o País, porque não se assume como tal, promovendo a destituição do Governo pelas vias que constitucionalmente estão ao seu alcance? Será que tem medo de eleições? Será que quer ir para o Governo sem eleições? Será que quer fazer como aqueles clubes que
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perdem no campo e querem ganhar na secretaria? Se pretende que outros governem o País neste momento, não faria então mais sentido que se limitasse a uma oposição crítica e construtiva, que não viesse criar bloqueamentos ao funcionamento do sistema?
Quer, como oposição, ajudar a resolver problemas que são de toda a comunidade nacional, ou prefere encontrar, um dia em que hipoteticamente os Portugueses lhe confiram o mandato de governar, um sistema de governo desfeito, sem credibilidade, sem operacionalidade e sem segurança? Como garante essa oposição, com o seu comportamento actual, que não se verá, no futuro, confrontada com comportamento idêntico? Ou deveremos antes concluir que tal oposição tem apenas uma vocação irreprimível para se perder nas estepes verbais, mas nunca para assumir as responsabilidades da governação?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos muitas razões para estar satisfeitos com a acção do actual governo. Os resultados até agora obtidos legitimam que dele possamos esperar muito mais no futuro.
E queremos assinalar que uma das suas principais virtudes terá sido a de promover uma estabilidade política real. Isso é um bem inestimável, que os Portugueses desejam, e por isso ficamos duplamente satisfeitos quando ouvimos vozes insuspeitas, como a do Sr. Deputado António Barreto, afirmar que anseiam por um governo de legislatura para Portugal, ainda que esse governo seja, citando este deputado, o do Prof. Cavaco Silva.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Apoiado!
O Orador: - Os senhores dizem, com frequência, que é tudo fácil, porque é boa a conjuntura externa. Mas há países da CEE, com maiores níveis de desenvolvimento que Portugal, que beneficiaram da mesma conjuntura, mas que não a puderam aproveitar por serem mal geridos internamente. Ainda bem que o Governo Português não seguiu alguns conselhos de muitos dos senhores deputados que estão à nossa esquerda, porque naturalmente os resultados não seriam tão positivos.
Não temos dúvidas que o actual governo tem vocação de governo de legislatura. Sabemos que o povo português gostaria que tal vocação se cumprisse, para que não se interrompesse o ciclo do progresso por ele iniciado.
O País precisa de estabilidade, de progresso e de harmonia institucional. O momento particular que vivemos, dando os primeiros passos nesse desafio novo e difícil que é o da adesão à CEE, reforça essa exigência, tornando mais premente a necessidade da colaboração institucional entre todos os poderes do Estado, e não a criação de conflitos artificiais, de crispações e de um ambiente político de bloqueamento de poderes.
Portugal dispõe, neste momento, de todas as condições para que a estabilidade se consolide, para que o progresso económico e social se acentue e para que a harmonia institucional seja uma realidade indiscutível.
Temos um bom governo e um bom Primeiro-Ministro, que tem orientado toda a sua acção no sentido de dar consistência prática a estes bens.
Temos um Presidente da República que também já defendeu repetidas vezes a necessidade da estabilidade política, da harmonia institucional e do aproveitamento cabal da oportunidade que temos neste momento de lançar em termos definitivos as bases do progresso económico e social.
Será que os senhores deputados da oposição à esquerda do Governo conseguem resistir à sedutora tentação de darem a sua contribuição para concretizarmos um objectivo tão merecedor do nosso melhor esforço?
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Apoiado!
O Orador: - Gostaríamos, senhores deputados, que o interesse partidário se não sobrepusesse ao interesse nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado Duarte Lima, inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Vidigal Amaro.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Duarte Lima, V. Ex.ª falou na sua intervenção de um ano de actividade parlamentar, mas não compreendi bem como é que fez uma análise da actividade governativa indicando os diversos órgãos de soberania, misturando a Assembleia da República com a actividade governativa.
Julgávamos que o PSD ia fazer uma intervenção política de fundo que demonstrasse claramente a excelência da actuação do Governo. Não foi isso que aconteceu e a intervenção do Sr. Deputado foi sincopada, para não dizer fraquinha, tocou num assunto aqui, noutro acolá, falou no governo de legislatura, em moções de censura, na falta de diálogo do Governo com a Assembleia da República, na CEE, mas não teve uma linha de análise da actividade governamental que possamos considerar séria.
A certa altura da sua intervenção, V. Ex.ª referiu que o Governo tomou medidas de vasto alcance ao longo do último ano. Gostava que o Sr. Deputado, sincera e honestamente, nos dissesse muito claramente que medidas de vasto alcance para o País aplicou o Governo nos sectores do ensino, do trabalho e da saúde.
E começando com o sector do ensino, diga-nos, Sr. Deputado, se é ou não um verdadeiro caos o que se está a verificar no ensino em Portugal, o que se está a passar em todos os sectores desta actividade. Aliás, como V. Ex.ª sabe, há já um forte descontentamento não só dos professores do ensino secundário e dos professores catedráticos como também dos estudantes do ensino superior e secundário. Sr. Deputado, diga-nos concretamente o que é que o Governo fez até hoje para poder realmente aplicar a política de ensino de que o País necessita.
E já que V. Ex.ª falou na Europa e da nossa entrada na CEE, diga-nos como é que Portugal se tem preparado neste campo para fazer face aos desafios comunitários no campo do ensino.
No campo do trabalho e do emprego, Sr. Deputado, os índices indicam - e V. Ex.ª não o poderá desmentir - que aumentou o número de desempregados, facto agravado, ainda por cima, com uma quebra do número de postos de trabalho. O que é que o Governo fez neste campo para minorar esta situação?
Diga-nos, Sr. Deputado, o que é que se passa no sector da saúde. Que tipo de política de saúde e que Serviço Nacional de Saúde tem implementado este governo
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para ocorrer às carências populacionais, sem ser aquelas medidas que sabemos que a Sr.ª Ministra da Saúde tem andado a efectivar, conseguindo criar um ambiente totalmente hostil à sua pessoa.
Só em relação a estes três pontos, que medidas de «vasto alcance» aplicou o Governo ao longo deste ano?
E já agora lamento, Sr. Deputado, que V. Ex.ª, não sendo o Prof. Cavaco Silva nem membro do Governo, venha dizer perante esta Assembleia, sabendo tudo o que se tem passado entre ela e o Governo, que não tem havido falta de diálogo do Governo com a Assembleia da República. Essa é nova e na realidade é uma das boas anedotas parlamentares que já ouvimos nesta Câmara. Na verdade, vir um deputado desta Assembleia dizer aos outros deputados que o Governo nunca fugiu ao diálogo com a Assembleia da República - antes pelo contrário, originou um forte confronto e conflito com a Assembleia - é uma coisa nova, lamentável e que não lhe fica bem, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Duarte Lima deseja responder de imediato ou no fim do outro pedido de esclarecimento?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Duarte Lima, ia-me circunscrever apenas ao sector da saúde e às maravilhas que este governo tem feito neste campo. E começava por lhe falar nos quadros médicos dos hospitais distritais. Os quadros desses hospitais não estão, neste momento, preenchidos em 40%, há vagas e não há concursos para o seu preenchimento. Conhece esta realidade, Sr. Deputado?
No que diz respeito aos enfermeiros, existem vagas em todas as unidades de saúde e existem centenas de enfermeiros contratados a prazo nesses estabelecimentos de saúde. Porquê, Sr. Deputado? O mesmo se pode dizer quanto aos funcionários administrativos e quanto ao pessoal auxiliar.
E o que é que se passa com os medicamentos, Sr. Deputado? Ainda há pouco tempo, por exemplo, um citostático era comparticipado a 100%. Hoje, como essa comparticipação baixou, uma pessoa que sofra de um carcinoma, para comprar este medicamento, tem de pagar mensalmente 27 contos e tal. Esta é outra realidade. O Sr. Deputado não a conhece?!...
Sabe o Sr. Deputado a que é que conduziu o redimensionamento das embalagens de medicamentos feito pela Sr." Ministra da Saúde? Ao aumento de dispêndio por parte dos utentes, ao aumento do pagamento feito pelo Serviço Nacional de Saúde e ao grande lucro das multinacionais. Isto são dados indesmentíveis, que já hoje o Governo confirmar.
Para terminar, Sr. Deputado, vamos falar de dados reais. V. Ex.ª desconhece que dados estatísticos do INE dizem que aumentou a tuberculose em Portugal? Desconhece que há surtos de meningite e de tuberculose em Portugal? O Sr. Deputado também desconhece que neste último ano aumentou entre nós a taxa de mortalidade infantil, que já era a mais alta da Europa? O Sr. Deputado é capaz de negar estes dados? É capaz de dizer que este governo governa bem, quando a mortalidade infantil aumenta no nosso país? Sr. Deputado, tenha termos.!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, vou ser muito rápido porque realmente não me foram colocadas perguntas que versassem sobre o conteúdo da minha intervenção, ou se o foram foi muito superficialmente.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca está com preocupações estéticas relativamente àquilo que me fica bem ou mal e disse que o que acabei de transmitir foi uma boa anedota. Sr. Deputado, se quisesse responder no mesmo tom diria que uma boa anedota ouve-se sempre nesta Câmara quando V. Ex.ª se levanta para falar!
Risos do PSD.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Ficam-lhe as paredes do estômago untadas!
O Orador: - Fiz uma declaração política geral - e com isto respondo a V. Ex.ª e ao Sr. Deputado Vidigal Amaro, que veio falar de citóstáticos e outras coisas que tal - e sobre o seu conteúdo, nomeadamente no que respeita às relações entre o Governo e a Assembleia da República e sobre esta tendência preocupante que aqui vi evidenciar-se de a Assembleia se querer imiscuir em áreas de governação fora do seu campo normal de competências, V. Ex.ª nada disseram. Era isto que gostava de ver contestado, e os Srs. Deputados sobre isto nada adiantaram.
Por outro lado, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, V. Ex.ª ainda por cima anda mal informado e não tem os elementos todos actualizados, quando diz que o desemprego em Portugal aumentou. Não aumentou, Srs. Deputados, e os dados de que disponho, que são dados oficiais da OCDE, mostram que realmente o desemprego diminuiu entre nós 0,2%. É um facto!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - E quem dá os dados à OCDE?
O Orador: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, V. Ex.ª pode ter as suas fontes, mas realmente estas fontes da OCDE merecem mais credibilidade do que as fontes que o Sr. Deputado colhe pelos seus mecanismos particulares.
Gostava que os Srs. Deputados dissessem que realmente o crescimento do produto não foi aquilo que aqui referi e que diminuiu. Quando eu disse que aumentou, baseava-me em dados oficiais, em dados reais que os senhores não discutem, tal como não discutem o facto de o índice de preços ao consumidor ter tido a maior descida dos países da CEE e de o crescimento dos salários reais ter tido a maior subida dos países comunitários.
Isto, Srs. Deputados, foi alcançado por acção do Governo e é isto que querem evitar discutir, quando fogem para falar dos citostáticos e de outras questões como esta.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - E os citostáticos?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vidigal Amaro, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Fica inscrito para uma intervenção, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.
O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Televisão mostrou-nos imagens, nos fins da semana passada, a rádio comunicou-nos a notícia e os jornais explicaram-nos tudo.
O presidente da Câmara de Gondomar, município com 442 trabalhadores ao seu serviço, usando de inqualificável prepotência, agrediu, selvática e brutalmente, um trabalhador que por ser correcto e honesto não se quis vergar aos desígnios menos correctos daquele autarca.
O trabalhador espancado, que recebeu tratamento hospitalar, sofreu ameaças de morte, para além da tentativa de estrangulamento, de um hematoma no sobrolho esquerdo e de uma ferida exposta na mão direita.
A cobardia que se abateu sobre o assessor autárquico, homem indefeso e doente, ainda a restabelecer-se de um enfarte do miocárdio, é o corolário das situações de ilegalidade e prepotências, sinónimos da ideia que o pseudo-autarca faz do poder local: «Posso, quero e mando.» Retira funções a trabalhadores e deixa-os na inactividade, casos dos encarregados Srs. Neves da Rocha e Rocha de Sousa, não cumpre as deliberações camarárias, o que levou o executivo a retirar-lhe recentemente as delegações tácitas, intromete-se na organização dos trabalhadores organizando a sua lista, que foi derrotada na eleição para a comissão de trabalhadores do STAL, e tantas outras situações que levaram os 442 trabalhadores a dizerem: «basta de ilegalidade, basta de covardia, basta de prepotência, basta de atitudes indignas».
O poder local não se revê neste cidadão, que há muito perdeu a faculdade de se intitular presidente da Câmara.
A democracia não concede o direito a esta ovelha ranhosa de a representar. Os trabalhadores, com a serenidade que lhes é peculiar, mas também com a força da solidariedade, encontrarão a resolução deste caso, em que a coerção em forma de agressão física nos faz lembrar as tentativas de uma qualquer ditadura de má memória.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Brito, para formular um pedido de esclarecimento.
O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Deputado António Marques, durante a sua intervenção referiu uns acontecimentos que, de facto, têm sido relatados nos jornais.
Queria perguntar-lhe se o Sr. Deputado sabe se, efectivamente, existe alguma queixa formal apresentada por algum trabalhador aos órgãos próprios, nomeadamente aos tribunais.
Em segundo lugar, queria perguntar-lhe se o Sr. Deputado sabe que, posteriormente a essa agressão referida nos jornais, os poderes que referiu como tendo sido retirados à Câmara pela veração já tornaram a ser concedidos ao Sr. Presidente da Câmara pela mesma vereação. Chamo a sua atenção para isto porque, de facto, temos de esperar a verificação e a análise destas situações de quem tem o direito próprio para o fazer pois que, naturalmente, tal não compete ao Sr. Deputado nem aos jornais.
Se tem conhecimento do que acabei de referir, por que razão é que não o disse na sua intervenção e se reportou a uma data anterior?
Eram estes os esclarecimentos que lhe queria pedir.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.
O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Deputado Raul Brito, eu estava com alguma dificuldade porque, como não dispunha de tempo, não suspeitava que algum Sr. Deputado quisesse pedir qualquer esclarecimento sobre este assunto, que domino e que conheço profundamente.
Na verdade, em tempo próprio e no momento oportuno, os trabalhadores apresentaram diversas queixas a diversos órgãos e, pelo menos, algumas delas surtiram efeito. É que, neste exacto momento em que falo, está um inspector administrativo na Câmara Municipal de Gondomar para tomar conta da ocorrência com a profundidade que o caso merece. Logo, os esforços que os trabalhadores desenvolveram foram coroados de êxito.
Segunda questão: as delegações tácitas que foram retiradas ao Sr. Presidente da Câmara não foram repostas na sua totalidade. Aliás, no presente caso, não houve nenhum Sr. Vereador da Câmara Municipal de Gondomar que tivesse deixado de estar exaustivamente solidário com os trabalhadores nesta matéria.
Os casos de prepotência que se passaram na Câmara Municipal de Gondomar - que espero terem terminado aqui - foram unanimemente recusados por todos os Srs. Vereadores. Daí que me surpreenda, Sr. Deputado, que de algum modo se possa tentar iludir o que me parece ser o peculiar bom senso que qualquer autarca deve ter para poder prosseguir...
O Sr. Raul Brito (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Deputado, não pode tirar essas conclusões dos meus pedidos de esclarecimento. Eu não emiti juízos de valor. Pedi-lhe foi que o Sr. Deputado também não os emitisse, até que as instituições próprias fizessem a avaliação deste caso.
Ou o Sr. Deputado quer voltar aos tempos em que qualquer um se sentia no direito de julgar os outros?
O Orador: - Não, Sr. Deputado, de maneira nenhuma. De qualquer modo, com a sua interrupção fiquei um pouco mais esclarecido, porque me tinha passado pela mente que o Sr. Deputado estivesse a tentar defender um autarca que, como disse, não merece minimamente esse nome.
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O que acontece na Câmara de Gondomar é o avolumar de prepotências que, espero, o inspector administrativo venha a pôr a nu e a explicar, se for caso disso.
Mas, Sr. Deputado, há uma questão que me parece que fica salvaguardada: é que todos os Srs. Vereadores da Câmara de Gondomar foram unânimes em retirar as delegações tácitas ao Sr. Presidente da Câmara, foram unânimes em concordar que esta situação não poderia de modo nenhum ser passível de não ser tratada com a profundidade que merece.
Com a serenidade que lhes é reconhecida, os trabalhadores da Câmara de Gondomar não beliscaram sequer o Sr. Presidente da Câmara, apesar da prepotência que foi levada ao cúmulo de ter agredido um trabalhador doente, um trabalhador que, neste momento, estava em convalescença de um enfarte de miocárdio.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve e intervenho só para não deixar cair nesta Câmara a impressão de que, nas perguntas que fiz ao Sr. Deputado Duarte Lima, não me referi a assuntos abordados na sua intervenção.
O Sr. Deputado veio falar de números estatísticos e das maravilhas que este governo tinha realizado. Ora, eu contrapus com números, também estatísticos, dados pelo próprio Governo. E são esses os números que é necessário que sejam bem frisados.
No campo da saúde tudo está pior. Todos nós sabemos a importância que a taxa de mortalidade infantil tem para um país. É, realmente, único e é de lamentar que em Portugal, no ano de 1986, aumente a taxa de mortalidade infantil. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto nem nos países do Terceiro Mundo! A taxa de mortalidade infantil, a nível mundial, tem vindo a cair de ano para ano. Como é possível que em Portugal, em 1986, esta taxa suba?
Quanto à questão dos citostáticos de que o Sr. Deputado Duarte Lima diz que eu falei, digo-lhe que não foi só a esses que me referi mas sim aos medicamentos que cada vez estão mais caros e que os cidadãos não podem comprar. Concretamente, falei de um medicamento, que era comparticipado em 100%, que serve para tratar o cancro e que agora custa 28 contos por mês ao doente que precisar dele para se tratar. Trata-se de dados muito concretos e foi precisamente acerca destes que alertei a Câmara.
Verifica-se exactamente o mesmo problema quanto à tuberculose. Quando, hoje, esta é praticamente uma doença erradicada na Europa, em Portugal sobe o número de casos. E sobe não só a tuberculose pulmonar como também a meningite tuberculosa, como é o caso nas minas da Panasqueira, onde, agora, se verifica um surto desta doença.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto é extremamente grave e não pode acontecer no nosso Portugal.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, pediu a palavra o Sr. Deputado Malato Correia. Antes de lha dar, informo-o de que o PSD já está a utilizar tempo cedido pelo CDS. Nesse sentido, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, acabo de o ouvir afirmar, já por duas vezes - aquando do pedido de esclarecimento que fez ao deputado Duarte Lima e, agora, na sua intervenção -, que os doentes que necessitam de citostáticos têm de os pagar.
Pergunto-lhe: será verdade que um doente que se vai tratar, de uma neoplasia ao Instituto Português de Oncologia paga os citostáticos? Digo-lhe que isso não é verdade, Sr. Deputado. O doente não paga nada e é preciso que isso fique bem claro.
Se um doente for procurar um médico num consultório particular é natural que tenha que pagar o citostático. Eu diria, até, que tal deveria ser obrigatório, porque nós, os médicos, não estamos todos habilitados a fazer tudo - longe disso - e, por isso, existem as especialidades médicas. E é perfeitamente incrível que o Estado esteja a subsidiar medicamentos que são extraordinariamente caros e que estão a ser prescritos por colegas que não possuem a diferenciação profissional suficiente para o poderem fazer.
Numa política de saúde de seriedade, impõe-se que o dinheiro seja gerido da melhor maneira, que os doentes sejam protegidos técnica e economicamente. E como é que se protege um doente que tem uma neoplasia necessitada de um tratamento prolongado e que não tem dinheiro para pagar esse medicamento? É recorrendo a serviços do Estado que estão tecnicamente habilitados para o fazer. E aí - tenha paciência! -, nenhum, doente paga um tostão! Por amor de Deus, Sr. Deputado, isto é a verdade, é preciso que se diga e é preciso que fique bem claro!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Malato Correia, o senhor não tem conhecimento de casos concretos como eu tenho.
Para tomar citostáticos receitados pelo IPO um doente não recebe comparticipação. Conheço o caso de um doente que é beneficiário da ADSE...
O Sr. Malato Correia (PSD): - Eu até nem sei! Eu até nem sou médico!
O Orador: - Eu explico-lhe!... A embalagem é de 100 cápsulas e era comparticipada em 100%. Como agora o Estado só dá comparticipação nas embalagens de 20 cápsulas, o medicamento deixou de ser comparticipado. Este é o dado concreto e o IPO não cede o medicamento aos doentes!
O Sr. Deputado não tinha conhecimento deste assunto. Só por isso falou desse modo.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado, tenha paciência! Esse argumento de que «eu coheço um caso» não colhe. Desculpe, mas não sei como é que o caso
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foi tratado e, de facto, um caso não faz uma lei. Inclusivamente, não sei se esse caso que conhece não seria o de alguém mal informado ou se não teria sido perfeitamente deturpado na maneira como foi apreciada a situação. Se for preciso, faço um requerimento à Assembleia nesse sentido, mas o que lhe garanto e, depois, lhe demonstro é que qualquer doente com uma neoplasia que é tratado no Instituto Português de Oncologia não necessita de pagar nada; quer seja em embalagens de 100 cápsulas quer seja de 20.
Sr. Deputado, tenha paciência, mas esta é que é verdade. Não me venha falar desse tal caso ou naquele que vem nos jornais como, ainda outro dia, dizia um seu colega de bancada a propósito de outra situação. O que é preciso é ter dados oficiais e não se ficar naquilo que um amigo «lá fora» lhe diz. Informe-se concretamente. Factos é que é preciso!
Estou de acordo consigo, como seu colega que sou e, amanhã, como doente potencial, em que deve haver uma possibilidade de tratamento eficaz, correcto e o mais barato possível. Mas, por amor de Deus, não vá arranjar argumentos destes para dizer que o Governo está a governar mal!
Vamos gerir bem e será o senhor o próprio a ser beneficiado pela política de saúde que se está a fazer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado acabou por fazer uma autêntica intervenção e não desdisse nada do que eu afirmei. O que lhe digo, Sr. Deputado, é que o IPO não fornece os medicamentos. Além disso, um canceroso não precisa de estar internado, pois pode tratar--se em casa. Ora, precisando de fazer o tratamento em casa, o IPO não dá comparticipação para o pagamento dos medicamentos! E os medicamentos em embalagens de 100 cápsulas que eram comparticipados em 100%, hoje deixaram de o ser.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado, no meio de toda esta troca de pontos de vista entre os dois Srs. Deputados surgiu-me uma questão. Admitindo que, porventura, o Sr. Deputado Malato Correia teria razão, ponho aos dois a questão de saber se o Instituto Português de Oncologia está em condições de responder a todos os doentes nesse estado.
O Orador: - Sr. Deputado, está a pôr-me uma pergunta a que não sei responder. Com certeza que não está. O que é certo é que muitos doentes cancerosos, que nós conhecemos, fazem o seu tratamento em casa e pagam mais ou menos pelos medicamentos, conforme a comparticipação do Estado. Ora, esta era de 100%, por conseguinte, os doentes não pagavam os medicamentos. Com esta medida de os medicamentos só serem comparticipados se forem em embalagens de 20 unidades e visto que o laboratório só produz embalagens de 100 porque não lhe interesse saber quem paga, o medicamento deixou de beneficiar da comparticipação estatal.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Dá-me licença que o interrompa novamente, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado, é que, de facto, sendo - como julgo - que o Instituto não tem possibilidades de dar resposta a todos os doentes nesta condição, ainda que fosse certa a afirmação do Sr. Deputado Malato Correia, o Sr. Deputado teria toda a razão na sua intervenção. Porque, pelo menos no que diz respeito a todos esses doentes aos quais o Instituto Português de Oncologia não pode dar resposta, eles deixariam de beneficiar de qualquer tipo de comparticipação e estariam impossibilitados de se tratarem ou, pelo menos, de o fazerem nas condições em que o Sr. Deputado referiu.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Malato Correia pede a palavra para que efeito?
O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lopes Cardoso fez uma pergunta a dois deputados. O Sr. Deputado Vidigal Amaro...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permito-me recordar-lhe o que se passou.
O Sr. Deputado Vidigal Amaro fez uma intervenção, a que se seguiu um pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado e a que ele respondeu. O Sr. Deputado Malato Correia dialogou com o Sr. Deputado Vidigal Amaro com o tempo cedido para a resposta ao pedido de esclarecimento. Durante esse mesmo tempo de resposta, o Sr. Deputado Vidigal Amaro cedeu tempo igualmente ao Sr. Deputado Lopes Cardoso. Até aqui, tudo bem! Só que, entretanto, se esgotou o tempo para a resposta, pelo que insisto na pergunta: o Sr. Deputado Malato Correia pede a palavra para que efeito e ao abrigo de que disposição regimental?
O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, insisto que o Sr. Deputado Lopes Cardoso fez um pedido de esclarecimento a dois deputados: ao primeiro deles o Sr. Deputado Vidigal Amaro respondeu que não sabia...
Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, não me concede a palavra para responder ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, tenho que interpelar a Mesa, para dizer que o IPO, como qualquer outro instituto de oncologia, em Portugal ou em qualquer parte do mundo, não está todos os dias apto a responder a todos os casos, porque a solicitação da técnica é cada vez maior e a capacidade de resposta não pode ser imediata, tanto mais que a capacidade de procura é superior à capacidade de oferta.
No entanto, tornáramos nós que todos os estabelecimentos de saúde em Portugal funcionassem como está neste momento a funcionar o IPO.
A resposta do Sr. Deputado Vidigal Amaro não permite quaisquer conclusões em contrário. E a afirmação do Sr. Deputado Lopes Cardoso de que aquele Sr. Deputado, afinal de contas, tinha razão também não é correcta.
Era isto o que queria dizer, Sr. Presidente.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, é só para esclarecer que não fiz nenhuma pergunta ao Sr. Deputado Malato Correia. Pedi-lhe várias vezes que me permitisse interrompê-lo, mas ele não me deixou. Agora, concluo que afinal não teria valido a pena tê-lo interrompido, porque não respondeu à dúvida que levantei.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o período de antes da ordem do dia, passamos de imediato ao período da ordem do dia, do qual consta a leitura do relatório da Comissão da Condição Feminina sobre «A situação actual dá mulher em Portugal».
Para a leitura deste relatório, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão.
A Sr.ª Maria da Glória Padrão (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou proceder à leitura do relatório elaborado pela Comissão da Condição Feminina, que é do seguinte teor:
A Comissão da Condição Feminina:
Considerando que a participação das mulheres em igualdade com os homens é uma condição da democracia e da promoção da própria igualdade assim como uma exigência fundamental da justiça social;
Considerando que a sensibilização do público em geral e dos órgãos de soberania em particular aos aspectos positivos da mudança de atitudes é fundamental para a alteração de mentalidades;
Considerando que, por várias razões, o processo de democratização entre nós está muito longe de estar cabalmente concluído;
Considerando as recomendações e resoluções das Comunidades Europeias e da Organização das Nações Unidas;
Considerando que a troca sistemática e a avaliação das informações e das experiências de organizações de mulheres é importante para uma política de acção positiva;
decidiu estabelecer contactos, sob a forma de audiências, com todas as organizações de mulheres inscritas nas ONGS e propor um debate na Assembleia da República sobre «A situação actual da mulher em Portugal».
Contornadas algumas dificuldades, o debate foi agendado pela conferência de representantes dos grupos parlamentares para o dia 5 de Março.
Foram ouvidas em audiência treze organizações de mulheres: Movimento Democrático das Mulheres, União Noelista Portuguesa, Organização das Mulheres Socialistas, Organização das Mulheres Sociais-Democratas, Organização das Mulheres Comunistas, Organização das Mulheres Centristas Democratas Cristãs, Graal, Liga dos Direitos da Mulher, Intervenção Feminina, Organização das Mulheres da CGTP, Organização das Mulheres da UGT, Cooperativa Editorial das Mulheres e Movimento Esperança e Vida.
Também houve uma audiência com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e nó Emprego (CITE) e outra com a Comissão da Condição Feminina (governamental).
Dos encontros e da documentação fornecida por algumas organizações, foi possível fazer uma caracterização da situação da mulher em Portugal. Apesar de muito incompleta, por razões que se prendem sobretudo com os tipos de organizações contactadas e com as áreas sociais ou geográficas em que elas actuam, conseguiu-se atingir objectivos que a Comissão da Condição Feminina se propôs: ouvir de partes interessadas que representam um papel cívico, social e laboral os problemas que nas respectivas perspectivas são obstáculos à plena participação das mulheres e levam a situações discriminatórias.
Das audiências realizadas e da documentação obtida concluiu-se o seguinte:
A unanimidade em relação a factores de discriminação que dependem de uma atitude mental ainda feita de estereótipos, quer interiorizados pelos homens, quer interiorizados por mulheres.
O desfasamento entre a lei portuguesa e a realidade, de que se destaca:
1 - Diversas organizações de mulheres deram particular atenção à situação da mulher no trabalho, considerando condição essencial para a emancipação a independência económica da mulher, a sua realização profissional e pessoal.
Da análise realizada e dos estudos disponíveis é possível constatar:
A taxa de actividade feminina é de 38%, mas os números oficiais indicam que 270 000 mulheres activas estão desempregadas, representando cerca de 58% dos desempregados totais;
40% da população empregada são mulheres, trabalhando cerca de metade no sector dos serviços, distribuindo-se a outra metade mais ou menos identicamente pela indústria e pela agricultura;
A maior parte das mulheres que trabalham na agricultura fazem-no em explorações do tipo familiar, não recebendo qualquer remuneração salarial. As mulheres são apenas 14% dos patrões e constituem 80% dos trabalhadores não remunerados na agricultura;
Das 1 642 000 mulheres empregadas só 54% têm contrato permanente, ou seja, cerca de 890 000 mulheres;
É elevado o número de mulheres que trabalha por conta própria, sem trabalhadores ao seu serviço (cerca de 430 000): venda ambulante, trabalho ao domicílio, artesanato, trabalho nas explorações agrícolas familiares;
Tem aumentado o número de mulheres empregadas sem contrato permanente ou noutra situação precária. São mais de 300 000;
A quase totalidade das mulheres que trabalha por conta própria não tem remuneração certa e em muitos casos é deficiente ou mesmo inexistente o apoio da Segurança Social;
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Nos sectores de actividade e profissões em que as mulheres predominam os salários são baixos e bastante inferiores aos dos homens;
De acordo com o inquérito trimestral de emprego do Departamento de Estatística do Ministério do Trabalho e Segurança Social, em Junho de 1986 a remuneração média de base para o total de pessoas ao serviço a tempo completo (excluindo a agricultura) foi de 43 298$ (homens/mulheres), auferindo os homens mais 39% do que as mulheres, sendo pois a remuneração das mulheres em média inferior a 71 % da dos homens. Em 1979 aquela diferença era de apenas 25%;
Em Junho de 1986 as remunerações de base médias mensais para os trabalhadores a tempo completo nos sectores em que há mais mulheres eram as seguintes:
Homens
Mulheres
Indústria têxtil .........
31 990100
25 755SOO
Fabrico de artigos de
42 153100
24 302100
Indústria de alimen-
42 898SOO
28 214SOO
Fabrico de calçado ..... Comércio ..............
29 376ÍOO 68 568SOO
22 265SOO 37 559SOO
Restaurantes e hotéis ...
39 397800
31 972100
As mulheres raramente ascendem a postos de chefia. Apesar de representarem 52 º7o das profissões científicas e liberais e mais de 46% do pessoal administrativo, não chega a 12% as mulheres que são directoras e quadros superiores administrativos e são apenas cerca de 3 % dos quadros superiores da Administração Pública;
Constata-se que são também as mulheres as mais atingidas pelo trabalho a tempo parcial na indústria e nos serviços;
Foi sublinhado que o recurso ao trabalho ocasional e ao domicílio, ao trabalho mais ou menos irregular (venda ambulante, serviços de limpeza, trabalho à peça e à tarefa, etc.), tem permitido escamotear um maior desemprego das mulheres, embora com maior instabilidade de emprego, pior remuneração e mais difíceis condições de trabalho;
Foi igualmente referido que em muitas empresas são estabelecidos condicionalis-mos discriminatórios, quer na admissão de mulheres trabalhadoras, quer no acesso a cargos de chefia e direcção, quer ainda na frequência de cursos de formação profissional. Foram mesmo dados exemplos da opressão sexual e do não respeito pela dignidade das mulheres nos locais de trabalho;
Contactada a CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego), a funcionar no Ministério do Trabalho sobre o controle das discriminações de
que a mulher é vítima, foi referido à Comissão da Condição Feminina pela presidente da CITE que ainda pouco conhece do problema por ter tomado posse apenas há um mês;
A Comissão foi também alertada para uma proposta governamental que visa pôr em causa a proibição do trabalho nocturno para as mulheres operárias na indústria argumentando com a igualdade. A Comissão da Condição Feminina alerta para as consequências de tal medida, dadas as dificuldades sociais e familiares que a mulher operária continua a ter de enfrentar;
Foi igualmente considerada preocupante e condenada a discriminação que atinge as jovens raparigas, quer no acesso ao emprego, quer no próprio trabalho, bem como a proliferação do trabalho infantil em certas zonas do País;
Quanto às mães trabalhadoras foram referidas acções discriminatórias e flagrantes casos de não cumprimento dos princípios constitucionais e da lei que considera a maternidade e a paternidade como funções sociais eminentes, cabendo à sociedade e ao Estado a garantia da sua realização profissional e de participação na vida cívica do País.
2 — Várias organizações de mulheres alertaram para os problemas que resultam do não cumprimento da legislação que se dirige de um modo especial à mulher, tendo sido referido que três anos após a sua aprovação três leis fundamentais continuam por aplicar, a Lei n.º 3/84 (educação sexual e planeamento familiar), a Lei n.º 4/84 (protecção da maternidade e da paternidade) e a Lei n. º 6/84 (exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária de gravidez);
No que se refere à lei sobre educação sexual e planeamento familiar foi referido que em 1986 apenas existiam 472 centros de saúde com planeamento familiar, quando existem em Portugal mais de 2000 centros de saúde;
Por outro lado, em muitos centros de saúde não há meios necessários para a sua acção;
Um dos princípios preconizados nesta lei é o das consultas de planeamento familiar e atendimento para jovens, regulamentado pela Portaria n.º 52/85, de 26 de Janeiro, que pouca aplicação tem tido;
Quanto à educação sexual pouco tem sido feito, faltando um programa de educação sexual nas escolas e campanhas dirigidas nos grandes meios de comunicação social, nomeadamente na RTP, nos termos da lei;
Quanto à Lei n.º 4/84 (protecção da maternidade e da paternidade) foi sublinhado que têm faltado medidas para a sua aplicação;
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A assistência materno-infantil continua a apresentar grandes deficiências;
Foi considerada com preocupação a decisão governamental de encerrar maternidades que façam menos de 1500 partos/ano, dado ser necessário atender não apenas ao número de partos mas também à distância a que ficam as maternidades e à falta de acompanhamento na gravidez de mais de um quarto das mulheres portuguesas;
Em relação à Lei n. º 6/84 (exclusão de ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária de gravidez), foi considerada preocupante a relutância na aplicação da lei, nos termos em que está definida, nos hospitais ou nas maternidades;
Esta situação foi considerada tanto mais grave quanto contínua o aborto clandestina.
3 - Foram ainda referidos como preocupantes alguns aspectos sociais que envolvem sobretudo as mulheres, nomeadamente:
Situação económica difícil de muitas mães solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas com filhos a cargo e a quem o Estado não presta qualquer apoio especial.
Situação difícil de viúvas sem emprego que se encontrem em extrema indigência económica por não receberem pensão de sobrevivência, dado que os seus maridos, sendo trabalhadores por conta própria ou rurais, faleceram sem estarem inscritos no regime da Segurança Social;
Foi igualmente chamada especial atenção para o atraso com que começam a ser recebidas as pensões de sobrevivência das viúvas dos beneficiários do regime geral da Segurança Social e dos funcionários públicos, atraso que chega a atingir um ano;
A prostituição e a droga que afectam mulheres jovens mereceram igualmente a atenção de várias organizações de mulheres. Foi chamada especial atenção para a necessidade de combater as causas destas situações e de o Estado criar e incentivar medidas de apoio à reinserção social das mulheres vítimas dessas situações, bem como medidas de apoio especial às mulheres detidas em prisões, sobretudo às que são mães com filhos pequenos;
Foi igualmente denunciada a situação de violência, quer nas famílias, quer na sociedade, bem como os casos de violação, tendo sido defendida a criação de centros de atendimento policial nos grandes centros urbanos e tendo em vista a necessidade de, dentro de uma política de protecção às vítimas de crimes, se criarem nos principais centros urbanos centros de atendimento para as vítimas. Propõe-se que no atendimento estejam pessoas especializadas para esses casos, que atingem sobretudo as mulheres;
Foi proposto que as comissões criadas na dependência do Governo, e as associações legalmente constituídas, que tenham por objectivo o combate as discriminações de que são vítimas as mulheres possam constituir-se assistentes nos processos penais em que se indicie a prática de um ilícito motivado pela opressão e discriminação da mulher;
Quanto à participação ou não das mulheres nas Forças Armadas foi considerado essencial a realização de um amplo debate público com a participação das organizações de mulheres antes de a Assembleia da República tomar qualquer decisão sobre o problema;
Foi reconhecida a falta de uma política geral de informação sobre questões de igualdade motivadora de uma alteração de estímulos e de mentalidade, sobretudo através dos órgãos de comunicação social, nomeadamente da Radiotelevisão Portuguesa e da Radiodifusão;
A apreensão pela escassa representação de mulheres a nível dos centro de decisão, quer política, quer empresarial, foi uma das questões mais sublinhadas;
Para além da subalternidade no interior, dos próprios partidos a nível de estruturas decisórias, foi constantemente referido como sintoma discriminatório a percentagem de 5 % de mulheres na Assembleia da República, a não existência de mulheres portuguesas no Parlamento Europeu, que, inclusivamente, fez baixar a quota de representatividade do público feminino nesse órgão internacional, a debilidade de percentagem a nível do poder local e a representatividade de 10% nos quadros superiores das empresas,
Foi anotado que se mantém o condicionamento de comportamentos sexistas a nível de educação nos conteúdos dos manuais escolares;
Foi sublinhada a fraca representatividade das mulheres nas estruturas de decisão ligadas à educação e ao ensino, situação tanto mais grave quanto o campo de trabalho é de recrutamento maioritariamente feminino;
Foi referida a necessidade de reflexão entre docentes sobre causas e consequências de repartição tradicional dos papéis femininos e masculinos e simultaneamente a necessidade de os docentes identificarem e combaterem as várias situações da discriminação sexista verificadas nas escolas e a urgência do fomento das acções que possibilitem a mudança na prática pedagógica e a eficácia de políticas educativas que conduzam à igualdade de oportunidades;
Foi reconhecida como condicionante de discriminação a desigual repartição das funções familiares e os preconceitos tanto das mulheres como dos homens em relação à participação efectivamente partilhada nos trabalhos domésticos;
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Foi denunciada a falta de estruturas locais de apoio (creches, infantários, etc.) que permitam disponibilidade e segurança à mulher para poder participar de modo diferente na vida cívica e no mundo do trabalho;
Foram referidos os aspectos básicos resultantes da imagem da mulher veiculados pelos órgãos de comunicação social, nomeadamente pela Radiotelevisão Portuguesa e pela máquina publicitária que influenciam fortemente os conceitos sexistas, nomeadamente na imagem passiva e na imagem de uso que dão da mulher;
Foi questionado o sentido político e ideológico da actividade científica, sobretudo no que respeita às novas tecnologias de reprodução e à falta de informação da mulher no que concerne tanto à parte científica como às consequências desconhecidas dos tratamentos com hormonas de fertilização;
Foi reconhecida a necessidade de formação e de igualdade de oportunidades nos domínios das novas tecnologias.
Finalmente, a Comissão da Condição Feminina votou as seguintes conclusões:
1) A mulher portuguesa continua a ser vítima de profundas discriminações nos diferentes sectores da vida nacional: acesso ao trabalho, emprego, participação na vida política, nomeadamente em cargos de direcção dos órgãos partidários e nas instituições políticas;
2) Considera-se necessário dar a maior atenção aos problemas da igualdade visando o cumprimento do princípio constitucional de igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres e a abolição do fosso que se mantém entre a lei e a vida;
3) Insiste-se na necessidade de ser efectivamente reconhecido à Comissão da Condição Feminina parlamentar o direito de se pronunciar e dar parecer sobre todas as iniciativas legislativas que envolvam questões de igualdade bem como sobre problemas específicos das mulheres;
4) Insiste-se na necessidade de a CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) e de a Comissão da Condição Feminina a nível governamental desenvolverem acções eficazes que visem o combate às discriminações, a defesa e o cumprimento das leis que defendem os direitos da mulher, bem como a sua divulgação. Propõe-se que o Governo dote aquelas Comissões com os meios financeiros, técnicos e humanos necessários;
5) Propõe-se a realização de um debate público incluindo as organizações de mulheres sobre a participação de mulheres nas Forças Armadas;
6) Insiste-se na necessidade de amplas campanhas de divulgação, nomeadamente na RTP e RDP, dos direitos da mulher e das leis específicas;
7) Propõe-se que o Governo dê a maior atenção ao combate às discriminações da mulher no trabalho, nomeadamente no que se refere ao acesso ao emprego, à promoção profissional, às remunerações salariais e à formação profissional, devendo para o efeito tomar as medidas necessárias;
8) Propõe-se que as comissões criadas na dependência do Governo e as associações de mulheres legalmente constituídas que tenham por objectivo o combate às discriminações de que são vítimas as mulheres possam constituir-se assistentes nos processos penais em que se indicie a prática de um ilícito motivado pela opressão e discriminação da mulher;
9) A Comissão da Condição Feminina continuará a dar a maior atenção às situações de discriminação das mulheres e de não cumprimento das leis vigentes, assim como a outras situações sociais de flagrante injustiça.
Palácio de São Bento, 26 de Fevereiro de 1987.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora dar início às intervenções. Como os Srs. Deputados sabem, cada partido dispõe de quinze minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.
O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Esta curta intervenção poderia ter lugar na minha bancada, mas entendi que há problemas e assuntos que merecem a dignidade desta tribuna. Quero olhar para os meus colegas, para o público e não quero estar de costas voltadas para ninguém embora, topograficamente, seja agora obrigado a estar de costas para a Presidência.
Risos.
Ainda tive a felicidade de conhecer algumas mulheres que lutaram afanosamente, em períodos muito graves e difíceis, pela dignificação da mulher. Lembro-me de Adelaide Cabete e recordo-me, antes dela, de Maria Amália Vaz de Carvalho e entre as vivas, felizmente, da minha querida amiga Elina Guimarães. E, num simbolismo extremamente comovente, encontra-se nesta Sala, uma mulher que esteve nove anos e seis meses na cadeia à conta da ditadura. E foi o sacrifício de mulheres como esta que permitiu que aqui estivéssemos hoje todos.
Refiro-me à deputada e minha amiga Alda Nogueira.
Aplausos gerais.
Esse problema tem duas faces - ou duas vertentes, como agora se diz, é chique - a vertente jurídica, que é uma história, um lenda, as leis escrevem-se, formalizam-se, mas não se cumprem humanamente. Estou a sentir perto de mim, à minha volta, aliás numa vida que começa já a ser longa, algumas galerias de mulheres que me apetece recordar neste momento em que, através de um relatório tão bem feito e tão eloquente, foi definida a situação da mulher em Portugal.
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Durante os 40 anos em que exerci a advocacia, vi mulheres que me procuravam, angustiadas com a situação dos seus maridos, nas cadeias da ditadura. Nas minhas passagens por terras de exílio, encontrei-as ao lado dos maridos pobres e abandonados e algumas vezes sem esperança. Além disso, tive ainda a honra de ter estado na cadeia com algumas mulheres portuguesas. Isto merece ser recordado para algumas das pessoas que se encontram nesta Sala e que certamente nunca ouviram falar neste assunto.
A vida da mulher em Portugal continua a ser extremamente difícil, embora os lares sejam hoje totalmente diferentes dos do meu tempo de menino. Mas não é possível viver-se hoje com alguma dignidade, neste país, sem que a completação da mulher seja absolutamente indispensável.
E vejo-as no sacrifício dos seus empregos e, depois deles, nas horas em que mereceriam o descanso no regresso ao seu lar, no trabalho árduo do dia-a-dia, com as crianças que necessitam de cuidados e os maridos doentes ou necessitados de carinho.
Vejo uma galeria de mulheres necessitadas, que bateram à minha porta em momentos de angústia, com os maridos presos a pedir uma coisa que lhes não podia dar. Não podia dar a liberdade; apenas todo o meu carinho e interesse pela situação dos maridos.
É uma galeria que merecia ser registada numa Assembleia como esta, que nasceu da Revolução de Abril, exactamente para que a mulher pudesse ter na sociedade portuguesa o lugar que, infelizmene, ainda não tem. Evoco-as com muito sentimento e faço votos para que esta Câmara saiba ultrapassar o formalismo das leis, convertendo-as na realidade merecida pelas mulheres deste país.
Na minha vida de advogado de província, cheguei um dia a uma terra em que se começava a verificar o êxodo da população. Estou ainda a ver com os meus olhos mulheres com os filhos às costas a atravessar a fronteira a salto, por estarem a morrer de fome na sua terra. As que aqui ficavam, essas viam partir com pungente saudade, desconhecendo por quanto tempo, os seus maridos e filhos. Temos todos o dever de recordar esta galeria magnífica e brilhante que acabo de referir.
Minhas senhoras, mulheres de Portugal, muito obrigado!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (indep.): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos num país com cerca de 11 milhões de habitantes, dos quais mais de metade são mulheres. Olhando esta Assembleia, composta por 250 deputados, encontramos apenas doze mulheres e podemos perguntar: o que é que se passa com as outras 113 mulheres que aqui não estão?
A maior parte nem sequer tentou, porque não sente a sua participação como útil, porque pensam que o seu saber não é um saber, porque foram convencidas de que este não é o seu lugar. Outras há que foram convencidas da sua incapacidade; outras queriam e não puderam, porque a actividade profissional mais a glorificada função de esposa, mais a glorificada função materna, as deixa esgotadas para qualquer outra espécie de ambição ou expectativa. Finalmente, outras quiseram e puderam, mas nas listas foram colocadas em lugares não elegíveis.
Mas um país, uma sociedade, não se constrói só numa Assembleia; faz-se sobretudo no quotidiano e aí, como hoje nas galerias, estão as mulheres, inventando novas relações, uma nova maneira de estar, construindo uma nova ordem social.
Mas, como seria se elas aqui estivessem? Que trariam ao debate dos problemas nacionais?
Em primeiro lugar, trariam um maior pragmatismo, porque as mulheres estão habituadas a atingir objectivos concretos em tempo útil; trariam outros valores mais ligados ao quotidiano, à vida, as pessoas enquanto tal e não uma dignidade ou humanidade abstractas. Trariam uma justiça mais imediata, mais próxima, uma mais correcta apreciação das particularidades, da diferença, das próprias minorias.
Trariam, de certeza, uma nova filosofia a esta Assembleia, dariam a partir daqui uma nova imagem de justiça (porque os homens que carregam, há muito tempo, com a pesada tarefa de tudo conceptualizar, tudo gerir, tudo administrar, partilhariam essas tarefas com as suas companheiras e morreriam muito menos de esgotamentos e enfartes).
Dar a palavra às mulheres é dar a palavra à utopia, e isso era dar curso à invenção da vida no quotidiano.
Mas, por que é que se tem medo deste emergir da utopia? O que se teme perder? O jantar a horas? A camisa impecável? Uma ouvinte atenta e acrítica?
Em nome da igualdade é-lhes pedido o exercício de uma profissão (para além da de dona de casa?!), mas é-lhes-recusado o salário igual. Em nome da diferença é-lhes atribuído o papel de tratar dos filhos, de gerir a economia doméstica, mas é-lhes recusado o acesso à gestão igualitária da sua vida familiar. Em nome da diferença, vai-lhes sendo explorado o corpo (a mulher objecto que na publicidade tudo vende para alimentar o consumismo) enquanto lhes é recusado o tratamento igualitário face à nossa própria interioridade, que nos define, de facto, como pessoa.
Propõem-nos hoje o serviço militar obrigatório: mais outro falso direito que nos é «legado» em nome da igualdade, sem que nós próprias, as mulheres, fôssemos chamadas a pronunciarmo-nos sobre o serviço militar obrigatório para as mulheres.
Em nome de uma pretensa igualdade, utilizam-nos como alvo de violências, quer físicas, quer psíquicas.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Nós queremos, de facto, o direito à igualdade e à diferença, queremos que eles possam ser exercidos como factor de desenvolvimento individual e comunitário, a que qualquer ser humano deve ter direito.
Assim, dizemos não às falsas igualdades e às falsas diferenças, que têm sido o suporte das normas sociais vigentes.
A Assembleia da República será sempre o espelho da sociedade e, no futuro, será certamente um espelho diferente.
Em primeiro lugar, porque as mulheres não serão excepção, o que significará, para esta Assembleia, uma nova dinâmica, uma outra maneira de estar na vida.
Em segundo lugar, será a origem de uma nova ordem social, em que os direitos à igualdade e à diferença estejam de facto garantidos.
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Em terceiro lugar, não será necessário, nunca mais, um dia internacional para evidenciar as condições em que vive metade da humanidade, as mulheres.
Mas porque é preciso criar, desde já, esse novo futuro, gostaria de pôr à consideração desta Assembleia a seguinte proposta: que a Comissão da Condição Feminina passe a integrar todas as deputadas eleitas, que são doze, independentemente dos partidos que representam.
Vamos lá ver qual vai ser a decisão da próxima reunião de líderes.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputadas, Srs. Deputados: Também agora em Portugal a lei é igual para todos, mulheres e homens.
Mas é-o na realidade? São mesmo iguais as oportunidades oferecidas aos portugueses e as portuguesas? Então por que é que em Portugal, nos lugares de decisão, as mulheres estão tão pouco representadas?
Por que é que, sendo mulheres a maioria dos trabalhadores das profissões científicas e liberais, apenas 15 % ocupam lugares de direcção e de quadros superiores?
Por que é que apenas 1 % dos municípios portugueses têm uma mulher como presidente da Câmara?
Por que é que, num total de catorze pastas ministeriais, só há uma ministra ...
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Só uma, mas má!
A Oradora: - ... e em 32 Secretarias de Estado apenas três são chefiadas por mulheres?
Por que é que na Assembleia da República há apenas 5% de deputadas?
Por que não há uma única deputada portuguesa ao Parlamento Europeu?
Poder-se-ia dizer que tal resulta de termos sido o último país do Conselho da Europa a dar à mulher o direito de voto, bem como direitos idênticos aos dos homens.
Com efeito, enquanto em Portugal apenas em 1976 foi dado a todas as mulheres o direito de voto, a Dinamarca deu-o em 1915 - 60 anos antes, portanto -, a Áustria e a Alemanha em 1918, a Holanda e o Luxemburgo em 1919, a Islândia em 1920, a Suécia em 1921, a Irlanda em 1922, só depois a Inglaterra em 1928, a Noruega e a Espanha em 1931, a Turquia (calcule-se) em 1934, a França em 1944, a Itália em 1945, a Bélgica em 1948, a Grécia em 1952, Chipre em 1960, a Suíça em 1971, e enfim Portugal em 1976.
Será em consequência deste acordo tardio para os direitos das mulheres que nesta Assembleia da República há apenas doze deputadas?
Um estudo recentemente publicado pela União Inter-parlamentar sobre a «Repartição de lugares entre homens e mulheres nos Parlamentos», permite-nos conhecer a situação de 70 países e verificar que, com menos deputadas do que nós, estão os Barbados, o Botswana, a Costa Rica, o Haiti, a Costa do Marfim, o Quénia, o Malawi, a Serra Leoa, a Tunísia, a Zâmbia, e ainda o Kuweit, a Líbia, Marrocos e Singapura, onde não há nenhuma deputada.
Estes são os países que têm menos deputadas do que nós.
No entanto, se analisarmos a situação percentual, constatamos situações bastante diferentes e também mais difíceis de compreender. Com efeito, a Assembleia Nacional e o Senado franceses tinham, em 1985, 35 deputadas, ou seja, pouco mais de 4% do seus 808 lugares; na Câmara de Deputados helénica apenas há 4% de deputadas; dos 511 lugares existentes na Dieta Nacional japonesa, apenas 3% são ocupados por mulheres; no Parlamento inglês, dos 650 lugares só 3,5% foram ganhos por mulheres, e nos Estados Unidos da América, dos 511 lugares do Congresso e da Câmara de Representantes, apenas 4,5% são mulheres!
A situação é, pois, bem mais complexa e tem a ver com razões já exaustivamente analisadas por quem estuda e se preocupa com esta matéria: a tradição, manifestada através de uma evolução histórica de não participação política da mulher; a educação, também historicamente discriminatória e sexista; o papel da mulher na família, externamente absorvente como mãe e dona de casa; a prática dos partidos políticos, tão adaptada ao comportamento, às obrigações e ao tipo de vida tradicional dos homens, e, por fim, a religião, que outorga à mulher um papel secundário, quer no seu comportamento diário, quer traduzido no facto de os seus dignitários serem sempre homens.
O relatório que, em Outubro passado, serviu de introdução à conferência realizada em Atenas sob a égide do Conselho da Europa, sobre a «Igualdade de participação política da mulher a nível local e regional» dizia expressamente: «As três religiões da Europa, e mesmo do resto do mundo - cristianismo, judaísmo e religião muçulmana -, são extremamente masculinas.»
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Por falta de tempo e pelo tipo de audiência a que esta intervenção se destina, apenas me referirei, e de modo necessariamente breve, a dois destes aspectos: a educação e os partidos políticos.
É um facto que as mulheres tiveram um acesso ao ensino muito recente.
Passaram à história, em Portugal, nomes como o de Elisa Andrade, que, em 1889, foi a primeira portuguesa a licenciar-se em medicina, ou o de Carolina Michaellis de Vasconcelos, que no ano a seguir à implantação da República foi a primeira mulher nomeada para uma cátedra universitária.
Mas, como muitos de nós sabemos por experiência própria, era reduzida ainda há vinte anos a frequência universitária feminina em muitas das nossas escolas superiores.
Felizmente também neste aspecto a situação se modificou radicalmente; multiplicaram-se por toda a parte, sobretudo na província, os modernos jardins-de-infância, bem como inúmeras novas escolas primárias; já é raro o município que não dispõe de escola preparatória, e para estes níveis de ensino as câmaras municipais asseguram transportes gratuitos. Multiplicaram-se nos últimos anos o número de escolas secundárias, insuficientes, porém, face à explosão do número de estudantes, a que não será estranho o facto de agora muitas raparigas continuarem os seus estudos.
As universidades portuguesas - apesar de algumas faculdades terem mais alunos que toda a Universidade de Oxford, por exemplo - são incapazes de absorver os alunos e alunas que aí tem acesso.
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As últimas estatísticas sobre a representação de mulheres no ensino superior em Portugal são bem interessantes e gratificantes.
Enquanto no ano lectivo de 1970-1971 as mulheres representavam pouco mais de 40% dos alunos admitidos ao 1.º ano, em 1984-1985, com numerus clausus, este valor quase atingiu 60%.
O maior número de mulheres verificou-se nas Ciências Exactas e Naturais, nas Ciências Sociais e Humanas e nas Ciências da Saúde, mas as maiores taxas de aumento registaram-se nas Ciências de Engenharia (em que a taxa de feminização duplicou neste período) e nas Ciências da Agricultura e Pecuária.
Também a representação feminina no total de diplomas do ensino superior universitário passou de um terço do total em 1970-1971 para mais de metade dez anos depois.
Os acréscimos mais acentuados na representação feminina deram-se nas diplomadas em Ciências Médicas, Ciências Jurídicas, Ciências Agrárias, Ciências Económicas, e Engenharia.
No que respeita a doutoramentos, verificou-se que na década de 70, 18% dos doutoramentos foram realizados por mulheres. No período de 1980-1984, houve grande expansão nos doutoramentos realizados no País, tendo 109 mulheres sido aprovadas nestes cinco anos.
No entanto, se analisarmos o que se passa neste domínio na gestão universitária, constata-se que, no ano lectivo de 1984-1985, a representação feminina na presidência de órgãos de gestão universitária (conselhos científicos, conselhos directivos e conselhos pedagógicos) era apenas de 9 em 75 lugares.
Verifica-se mais uma vez que, quando se passa à nomeação para lugares directivos, aí, por muitas mulheres que haja dando excelentes provas, é muito difícil que a escolha não recaia sobre um homem.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Vejamos agora o que se passa com os partidos políticos.
Num relatório publicado em 1985 pelo Conselho da Europa, sobre a «Situação das mulheres na vida política europeia», fazem-se análises bem interessantes sobre as mulheres e os partidos políticos, bem como sobre as mulheres e o leadership político.
Depois de referir que as mulheres em geral preferem os partidos conservadores, esclarecem que raramente o número de militantes femininos num partido excede 40%, sendo dados alguns exemplos: 39% dos trabalhistas igleses são mulheres, bem como 33% do Partido Comunista Francês, 23 % do Partido Social Democrata alemão e 50% do Partido Conservador sueco.
Verifica-se, porém, neste relatório que não só o número de mulheres inscritas é raramente igual ao dos homens, mas ainda que a direcção dos partidos é essencialmente um assunto masculino. Acrescenta-se mesmo «que se se analisarem os órgãos deliberativos e executivos dos partidos se constata que, em todos os países, as mulheres estão representadas nos primeiros e não nos segundos».
Quanto ao leadership político, constata o relatório que: em primeiro lugar, o número de mulheres ultrapassa raramente um décimo do total dos deputados, salvo na Suécia, onde são um terço; em segundo lugar, que ás mulheres deputadas são geralmente eleitas pelos partidos de esquerda; em terceiro lugar, que a presença de mulheres nos. parlamentos tem pouca influência nas decisões políticas, já que não estão, ou estão muito pouco representadas nos órgãos decisórios dos partidos ou do governo..
Como se vê, a situação não é muito diferente da vivida em Portugal.
Um dos inúmeros relatórios a que tive acesso - e quero aqui agradecer publicamente, quer à Comissão Governamental da Condição Feminina, quer aos movimentos feministas, pelos excelentes elementos de trabalho que têm produzido ou a que têm acesso e que amavelmente me forneceram -, um desses documentos dizia que estatisticamente está provado que as mulheres são normalmente penalizadas sempre que há eleições indirectas.
Ora, o que acontece na maioria dos países, e também em Portugal, é que as eleições directas começam por ser indirectas.
Com efeito, a primeira e até a batalha mais importante a vencer para se ser eleito é estar integrado numa lista em lugar elegível.
E esta é a etapa mais difícil de transpor.
Já há pouco referi que a vida nos partidos é organizada para os homens. Só quem não pertence a um partido político não o reconhece. Às reuniões partidárias fazem-se geralmente à noite, o que torna difícil a uma mulher participar, sobretudo se casada, sobretudo se tiver filhos.
Quem ultrapassar esta situação, vê-se normalmente integrada numa reunião de homens, muitas vezes sem mais nenhuma mulher a participar, reuniões essas que terminam, normalmente muito tarde.
Tudo isto parece simples. Mas as mulheres que me estão a ouvir sabem que não o é. Para aquelas que mesmo, assim não desistem, o programa estende-se: são fins de semana fora de casa, discutindo nova legislação, novas medidas, procurando as alternativas possíveis, despertando interesse para a acção partidária. São longas viagens, muitas vezes sozinhas pelas estradas, normalmente a altas horas da noite.
Para um mulher poder fazer política tem de ter força para não desistir, e precisa, primeiro de tudo, de ter uma vontade enorme de participar, mas logo em seguida de ter um apoio incondicional da família.
É por isso que nem sempre é fácil a uma mulher participar neste tipo de vida partidária. E a consequência é que, quando se formam as listas, são os homens quem nelas figuram, só homens, ou só homens em lugares elegíveis.
E, portanto, muitos reconhecem, muitos sabem que há mulheres, no nosso país, nos outros países, perfeitamente capazes de desempenharem a sua função política, com igual competência, mas de uma outra maneira, porque nós efectivamente somos outras. Temos uma visão mais pragmática, sensível e concreta de vermos a realidade.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Por tradição, por educação, pela forma como os partidos e a sociedade estão organizados, as mulheres são negativamente discriminadas na vida política.
É um juízo de facto que já ilustrei suficientemente.
Já se viu que, para se combater uma situação negativamente discriminatória, não basta a existência de leis enunciando princípios igualitários: a sociedade encarrega-se de os diferenciar.
Só medidas discriminatórias positivas conduzirão, com o tempo, à igualdade que todos desejamos, já que foi esta Assembleia maioritariamente masculina que
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votou tais leis: é um maior esforço de informação, de educação, de formação profissional, de apoios familiares institucionais que ajudarão a mulher no futuro a participar de forma crescente.
Mas é sobretudo uma vontade política de querer ver a mulher participar que, na minha perspectiva, se impõe.
Não basta inscrever mulheres nas listas: o CDS, por exemplo, foi o partido que nas eleições legislativas de 1985 mais mulheres candidatou e não elegeu uma única.
Em Inglaterra, o Partido Conservador é também o que tem mais mulheres inscritas: mas mulheres eleitas só tem duas: uma é Primeiro-Ministro e a outra líder parlamentar na Câmara dos Lordes. São bons exemplos, mas a qualidade, neste caso, não é suficiente.
Por isso, eu defendo as quotas como um mal menor: ou se fixa uma percentagem de participação da mulher em lugares elegíveis - opção partidária ou nacional - ou, a pretexto de não se querer introduzir processos discriminatórios, garante-se a discriminação.
Sei que este não é um método bom. Sou a primeira a defender que não se deve eleger mulheres por serem mulheres. Mas que se escolham mulheres que sejam capazes de realizar competentemente a função que nos exigem. Muitas portuguesas estarão dispostas a fazê-la com a maior competência, dedicação e espírito de servir.
Eu quero realmente ver a mulher portuguesa não discriminada da vida política e, portanto, numa primeira fase e para que sirva de exemplo, proponho que em futuras leis eleitorais nacionais e para já dentro dos partidos - na constituição dos seus órgãos e sempre que haja eleições - se passe a adoptar o sistema de quotas.
É apenas um passo. Mas é um passo significativo, exemplar e simbólico.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Para finalizar, permito-me sugerir, hoje que festejamos o Dia Internacional da Mulher, que a Assembleia da República dê mais um outro passo exemplar no sentido de demonstrar que realmente quer e entende a igualdade entre homens e mulheres e esse passo será o de substituir na linguagem oficial o termo «Direitos do Homem» por «Direitos Humanos».
Todos sabemos que por «Direitos do Homem» se entende os direitos do homem e da mulher.
Mas quando este termo apareceu em 1793, com a Revolução Francesa, ele apenas significava os direitos do homem e não os da mulher.
Olympe de Gouges apresentou então uma «Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã» e pagou com a guilhotina o seu arrojo.
Os tempos são outros, felizmente. Mas não basta anunciar propósitos. É preciso concretizá-los. Por que não este gesto tão significativo e tão bonito de, também em Portugal, os «Direitos do Homem» passarem a ser para todos os «Direitos Humanos»?
É uma resolução em que se propõe que a Assembleia da República adopte as medidas adequadas a este objectivo que hoje aqui lhe entrego, Sr. Presidente.
Que toda a Câmara compreenda que também os gestos são importantes em política.
Mas não bastam os gestos. Em 1987, onze anos após a publicação da Constituição Portuguesa, a mulher continua a ser vítima de injustas discriminações nos diferentes sectores da vida nacional: acesso ao emprego, vida familiar, participação na vida política.
São inúmeros os casos em que as mulheres reconhecem que as instituições existentes não são suficientemente sensíveis aos seus problemas, nem actuam de forma a garantir-lhes o exercício dos direitos que a lei lhes confere, mas que a sociedade lhes nega.
Por isso, tenho a honra de, em nome do Partido Socialista, apresentar um projecto de lei que cria o lugar de adjunta do Provedor de Justiça para os Direitos da Mulher.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra à oradora inscrita a seguir, informo-vos que, por acordo entre todas as bancadas, não haverá intervalo regimental.
Entretanto, solicito ao Sr. Vice-Presidente José Vitoriano o favor de me vir substituir na presidência.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-presidente José Vitoriano.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A realização deste debate culmina todo um conjunto de audiências com diferentes organizações de mulheres que, dando embora desigual atenção a aspectos diversificados da situação actual da mulher portuguesa, puseram o acento tónico na discriminação que persiste, no fosso que separa a lei da vida.
O relatório aprovado pela Comissão e há pouco aqui lido reflecte, de alguma forma, as preocupações manifestadas, mas há aspectos que, pela sua gravidade, merecem uma maior reflexão.
A reduzida participação de mulheres nos órgãos de decisão quer a nível político quer a nível profissional é, sem dúvida, um dos mais graves condicionalismos à concretização da igualdade de oportunidades e, simultaneamente, um travão à abordagem do problema da discriminação.
Aqui, na própria Assembleia da República, se reflectem e se vivem estas dificuldades: o escasso número de mulheres deputadas (5 %), o permanente pôr em causa a existência da Comissão da Condição Feminina, o não reconhecimento, na prática, das suas competências, as vicissitudes porque passou a marcação do debate que hoje estamos a realizar, desde obstáculos à sua marcação até aos escassos quinze minutos conseguidos, do mau uso que é feito do princípio da igualdade quando se trata de pôr em causa direitos positivos ou de se remeter as mulheres para as ocupações, as tarefas ou os serviços que tradicionalmente lhe têm sido cometidos, tentando perpetuar uma situação de dupla exploração e de subalternidade.
Insere-se nesta perspectiva a forma como tem sido encarada a participação das mulheres nas Forças Armadas.
No entanto, cabe aqui destacar a posição assumida pela Comissão da Condição Feminina, e que consta do relatório, da necessidade de realização de um debate público, incluindo as organizações de mulheres, sobre a participação de mulheres nas Forças Armadas. É evidente que tal debate só tem pleno sentido se anteceder qualquer decisão da Assembleia da República nesta matéria.
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Insere-se igualmente numa perspectiva de discriminação da mulher a posição governamental e as declarações do Ministro do Trabalho relativas à tentativa de impor às mulheres o trabalho nocturno na indústria, pondo em causa a própria Convenção da OIT que Portugal ratificou.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - A este propósito é importante sublinhar a recente tornada de posição das organizações de mulheres representadas no Conselho Consultivo da Comissão da Condição Feminina governamental, rejeitando a proposta do Ministro do Trabalho e demonstrando que, além dos problemas físicos que provoca o trabalho nocturno na indústria, a sua abertura às mulheres significa uma dupla exploração, dada a concreta situação social e familiar.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Sendo hoje geralmente reconhecido que uma das condições essenciais para a emancipação é a independência económica, o exercício de uma profissão, acompanhada da correspondente remuneração, a verdade é que, como denunciaram várias organizações de mulheres, se mantêm e intensificam situações de desigualdade no acesso ao emprego, no trabalho, nas remunerações salariais, na dificuldade de promoção na carreira, na formação profissional.
A manutenção de elevados níveis de desemprego e o aumento da precarização do emprego contribuem para o multiplicar de situações de exploração sexual em que a dignidade da mulher é posta em causa. Tudo são pretextos para não admitir ou para despedir mulheres: ser casada ou ir casar, estar grávida ou ter filhos.
Os contratos a prazo ou o trabalho mais ou menos clandestino facilitam a vida de patrões sem escrúpulos a que a política governamental dá cobertura, quer pelo não funcionamento da Inspecção do Trabalho e da CITE - Comissão para a Igualdade do Trabalho e no Emprego -, quer pelas tentativas de alteração da legislação laboral e do não cumprimento das leis que definem os direitos da mulher.
Merece especial referência pela sua gravidade o não cumprimento de leis aprovadas há três anos por esta Assembleia da República: lei de protecção da maternidade e da paternidade, lei da educação sexual e do planeamento familiar, lei da exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, ou ainda a lei do acompanhamento da mulher durante o trabalho de parto.
Como refere o relatório da Comissão da Condição Feminina, quanto ao planeamento familiar ou faltam centros ou faltam meios necessários para a sua acção, sendo quase nula a existência de centros de atendimento para jovens. Quanto à educação sexual falta tudo: o programa de educação nas escolas e as campanhas dirigidas nos meios de comunicação social, nomeadamente na RTP.
Quanto às enormes deficiências na assistência materno-infantil somam-se agora as ameaças da decisão governamental de encerrar maternidades que façam menos de 1500 partos/ano.
Paralelamente agravam-se situações de flagrante injustiça social como resultado do escasso planeamento familiar, da falta de educação sexual e de informação, do não apoio materno-infantil, das difíceis condições de trabalho e de desemprego a que é sujeita a mulher, da escassa rede de infra-estruturas sociais de apoio à família e da não aplicação da lei do aborto nos hospitais e maternidades. O aborto clandestino e a prostituição são algumas dessas consequências.
Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, cabe aqui ressaltar, em vésperas de 8 de Março, as mais diversas iniciativas que se estão a realizar um pouco por todo o lado alertando para os problemas da discriminação da mulher, propondo medidas que lhes ponham cobro e exigindo, nomeadamente, o cumprimento da legislação em vigor.
Na Assembleia da República a Comissão da Condição Feminina, apesar das limitações e condicionalismos já referidos, soube acompanhar todo este movimento e dar-lhe expressão através do relatório que apresentou ao Plenário, facto inédito até hoje.
Os males estão, no essencial, detectados. Importa agora contribuir para a sua cura, cabendo à Comissão zelar pelo cumprimento das conclusões do relatório.
Pela nossa parte não nos pouparemos a esforços para que assim aconteça.
Impõe-se a aprovação, a curto prazo, de algumas iniciativas legislativas, nomeadamente a atribuição de um subsídio especial aos filhos a cargo de mães ou pais sós, em precária situação económica, o reconhecimento de direitos de carácter social às pessoas que tenham vivido em união de facto, a atribuição de uma pensão de alimentos à mãe só durante o período de gravidez, a garantia de alimentos a menores, bem como de outras iniciativas que têm vindo a ser propostas por organizações de mulheres e que são de indiscutível alcance social.
Mas é necessário que fique claro que para além da importância da aprovação de nova legislação, temos de unir esforços para exigir o cumprimento quer das leis actuais quer do que viermos a aprovar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - É essa também a fala de milhares e milhares de mulheres que por todo o País, em vésperas de 8 de Março, reivindicam que da igualdade de direitos se passe à igualdade de oportunidades e se ponha cobro ao fosso que separa a lei da vida.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do MDP/CDE e da Sr.ª Deputada Independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.
O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou evitar cair nas duas variantes da espada de Carlos Magno, que dizem ter sido «comprida e chata.»
O CDS associa-se à celebração do Dia Internacional da Mulher com a preocupação de que agarrar este dia de forma exacerbada, obsessiva, pode ser um contributo perigoso para a escalada da mulher/espectáculo que é urgente desmontar. Por esta mesma razão não contribuímos para fazer finca-pé excessivo na dicotomia macho/fêmea sob pena de se resvalar para a redução dos campos ou para o enfatizar de fronteiras com prejuízo da construção de pontes, que deve ser a nossa preocupação maior. Homens e mulheres são amigos, não adversários, companheiros desta jornada comum
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que tem de ser promovida lado a lado, sem complexos ou ciúmes, porque uns e outros se completam. Já lá vai, felizmente, o tempo das interacções desniveladas, do exclusivo das iniciativas em vários domínios, do índex das profissões proibidas à mulher. Se não pretendemos, por isso, colocar a mulher num andor porque no dia 8 de Março não há espectáculo, não contem também connosco para feminismos restauracionistas, folclóricos, que arquivos obsoletos guardam ciosamente. Não a sublimamos, por isso, com o insenso do elogio farto, não resistindo, embora, a repetir a suave ironia de Herculano quando escreve: «tirai a mulher do mundo e o mundo será um ermo triste e melancólico», como não damos guarida alguma aos pessimismos de Castilho ou Schoppenhauer porque, desde logo, o bom gosto os proíbe.
Uma virtude tem este 8 de Março: é a de chamar a atenção para certas formas de discriminação que ainda subsistem. Estas existem. As situações que as confirmam estão aí, ninguém as inventou. Sem a evidência dos campanários mas com nitidez suficiente para poderem ser desmentidas. Denunciar esta situação tem sido gesto obrigatório de todos os partidos, mormente em todos os dias 8 de Março que nascem e morrem sob o signo da mulher.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Se é verdade que o advento da igualdade aparece esculpido na Constituição de 1976; se é verdade que a «Década das Nações Unidas para a Mulher», foi tempo eleito pela sua Assembleia Geral para o rastreio e o diagnóstico, para o levantamento e a resposta às diferentes situações que rodeiam a vida da mulher; se é verdade que a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, aprovada aqui nesta Assembleia correspondeu ao compromisso solene de erradicar, quer de jure quer de facto, todas as formas de discriminação, a verdade é que, como dizia o P.e António Vieira, «entre os decretos e a sua execução vai, muitas vezes, uma eternidade». Já dizia em 1949, a este propósito, Simone de Beauvoir: «mesmo quando direitos são abstractamente reconhecidos à mulher um hábito secular impede que se encontrem nos costumes a expressão concreta desses direitos», numa referência óbvia a uma certa maldição cujas raízes se perdem na noite dos tempos distantes. Daí o continuar por aí à solta a discriminação, cuja denúncia parece ser gesto de mera rotina que os seus destinatários teimam em ouvir com pouca convicção.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não fazemos a denúncia das discriminações de forma ressabiada, exagerada, gritada. Fazemo-lo sem «espadas e varapaus» mas com espírito aberto e dialogante. Recusamos, por isso, o discurso do gueto, ou da ilha, porque, pesem embora certas formas de discriminação, não vemos a mulher prisioneira, sitiada, nesta cidade sempre nova que é a vida que homens e mulheres, completando-se mutuamente, têm a obrigação de partilhar e de viver, em igualdade de responsabilidades, de direitos e obrigações, dentro das diferenças naturais que, de forma biológica, os animam.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Ninguém pode ignorar, muito menos extinguir, por decreto esta complementariedade. «A oposição dos sexos não quebrou o mitsein original, o ser com, porque nenhuma clivagem da sociedade por sexos é possível», como sublinhava a escritora do Deuxiéme Sexe. Não estamos, por isso, ao lado de quem pretenda que este dia seja posto ao serviço de visões desagragadoras, extremistas, que, estas sim, acabam por dar da mulher uma ideia distorcida que uma sociedade moderna já não consente e que o sentimento comum, no seu fluir sereno, rejeita.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Já provámos que não queremos fazer deste dia um dia de silêncio, nem tão-pouco, quedar-nos na roupagem cativante das palavras escolhidas e, muito menos, contribuir para fazer desta sessão a sessão do verbo reivindicativo, nervoso, como se esta Assembleia fosse o colectivo do dedo apontado, o plenário da intransigência, ou a hora para pôr em dia os desabafos femininos, históricos ou inventados. O respeito que a mulher nos merece, pessoa como o homem, portadora de valores eternos, não consente que este dia seja desfigurado, instrumentalizado, em nome de invocações que a não engrandecem. Aproveitar este tempo de antena para, sofregamente, fazer a apologia da interrupção voluntária da gravidez, esgrimindo argumentos velhos de traumas e rugas, ou para dar «vivas» àquela educação sexual defendida por forças para quem a mulher é coisa, objecto...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Truca, truca!
O Orador: - ... é um mau serviço prestado à dignidade da mulher e à memória da história que criou esta data.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não contem connosco para esta tarefa, nem para esses apartes de mau gosto.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Apelamos a uma reflexão conjunta e serena à volta deste dia, fixando-nos neste ponto de referência da estabilidade social que é a família, onde tantas vezes, à mesma mesa, se senta a mulher mãe, empregada ou não, a mulher avó, carreando a complexidade dos problemas da terceira idade, e a mulher jovem, a deparar cada vez mais com horizontes pardos e sombrios no seu futuro. E todos juntos, mulheres e homens, num pacto de aliança, vivamos de forma solidária este tempo novo que a democracia nos trouxe e que correspondeu, no que à mulher diz particularmente respeito, a deitar pela janela fora as formas discriminatórias. Pode estar ainda por fazer a revolução cultural das mentalidades. Esta, todavia, já saiu do adro, já percorreu um importante caminho, a menos que decapitemos a memória que permite as comparações. Só esta revolução apagará as últimas barreiras que restam, queimará os últimos resquícios, para que os direitos abstractos e as possibilidades concretas se conjuguem, «sem o que a liberdade não passa de uma mistificação», com dizia Beauvoir.
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Façamo-lo, todavia, de forma amiga e dialogante. Estamos neste século, já não estamos em Pompeia, que certo tipo de discursos nos recorda. Quando a arqueologia nos mostrou as estátuas de cinza de Pompeia notava-se que os homens estavam modelados em movimentos de revolta, desafiando o céu ou procurando a fuga, enquanto as mulheres se conservavam curvadas, dobradas sobre si mesmas, com o rosto voltado para a terra. Não queremos que estas imagens de impotência, de fatalismo, próprias da mulher em tempo recuado, se repitam, ressuscitem. Era sinal de que o relógio da história tinha parado.
Mas se me é permitida alguma ironia, dentro da solenidade desta data, diria que os homens tem de estar atentos aos comedimentos desta celebração sob pena de, numa Pompeia imaginária, as estátuas de cinza dos homens e das mulheres passarem a estar em posições invertidas.
Permitam-me, finalmente, que ao saudar todas as mulheres, de todos os estados e condições, lembre aqui as mulheres emigrantes na sua odisseia de sonhos e quereres - e de sofrimentos, também -, que eu saúdo e recordo com particular legitimidade.
Aplausos do CDS, do PSD, do PRD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1985, rio relatório da ONU, salientava-se que a mulher cumpre no mundo dois terços do trabalho, recebe um décimo dos rendimentos e possui menos de um centésimo dos bens.
No nosso país alguns orgulham-se de a nossa situação ser, em média, melhor do que os indicadores atrás referidos. Mas corresponderá isso à verdade? Será que já se fez tudo o que é necessário para alcançar o objectivo da igualdade efectiva da mulher no nosso país? Cremos bem que não.
Tanto é assim que nos últimos anos se deu início, na nossa opinião, a um nítido retrocesso no sentido da desigualdade efectiva da mulher. Para prova do que afirmámos podemos citar alguns indicadores estatísticos e a própria acção do actual e de outros governos. Assim, após uma série de anos em que se verificou a subida da taxa da actividade média da população e um maior equilíbrio entre a taxa. da actividade masculina e feminina, a taxa de actividade tem decrescido nestes últimos dois anos, por força de uma quebra de actividade feminina, o que agravou novamente esse desequilíbrio, aumentando o número das mulheres consideradas como domésticas devido à falta de uma política de emprego eficaz no nosso país.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Tem aumentado o número de mulheres jovens à procura do primeiro emprego. A acção social do Estado tem vindo a diminuir ou não se faz atempadamente, resultando daí que as instituições de solidariedade social, como creches, jardins-de-infância, estabelecimentos pré-escolares, centros de dia para idosos e crianças, são em número insuficiente e estão na sua grande maioria em difícil situação financeira. Há mesmo zonas em que diminuiu fortemente, número de crianças utentes destas instituições de solidariedade.
Para agravar a situação consta mesmo que o Governos se prepara para diminuir algumas importantes conquistas da mulher trabalhadora no campo das chamadas discriminações - positivas, como a protecção na maternidade, limitações ao trabalho nocturno e proibição do trabalho subterrâneo (minas), com a argumentação - suprema ironia! - de que estas discriminações são anticonstitucionais e provocam o desemprego das mulheres, assim como dificultam o seu ingresso num emprego.
Assim, fomenta o próprio Governo a discriminação. Os argumentos de protecção, argumentos de alguns estratos mais conservadores de proteger a família das tradições, fomentam o regresso da mulher à tal situação de doméstica e de dona de casa, aumentado assim a sua dependência em relação ao homem.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, mas que grande esforço tem de ser efectuado no nosso país, no plano cultural e no aumento da acção social do Estado!
Compete-nos a nós, Srs. Deputados, dar um eficaz contributo para a transformação da nossa sociedade, concorrendo para criar condições que propiciem uma maior intervenção e participação da mulher no emprego e na vida pública em condições de igualdade com o homem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas que dizem directamente respeito à mulher devem preocupar-nos á todos. Infelizmente há uma certa tendência para menosprezar os gravíssimos problemas de ordem social, económica e humana que atingem duramente enorme percentagem de mulheres portuguesas, tendência essa a que não é alheio o próprio Governo.
Em Portugal, a mulher ainda é francamente discriminada e temos de reconhecer que a mulher sofre mais, está cada vez mais sobrecarregada de problemas a acrescer a todos os outros que preocupam a generalidade das famílias, principalmente das que vivem em condições mais carecidas.
A situação política, económica e social que se vive no nosso país é grave e ela deve preocupar de igual modo a mulher e o homem; não há qualquer hipótese de separação. O aumento do desemprego, a discriminação salarial, a falta de apoios sociais de vária ordem, um ensino caótico, tudo isto constitui um muito amplo leque de problemas extremamente graves que prejudicam a criação de um ambiente social satisfatório. E, já agora, convém referir novamente o facto de, três anos depois de aprovadas as leis do aborto e da educação sexual e do planeamento familiar, tais leis não serem aplicadas totalmente em Portugal. Estes são, sem dúvida, problemas que abrangem toda a sociedade e não apenas a mulher. Mas sejamos francos, Srs. Deputados, a mulher é fortemente discriminada entre nós e a vários níveis, desde os salariais até à chantagem sexual para a obtenção e manutenção do emprego, o que serve para demonstrar como ainda há muito a corrigir na sociedade portuguesa. . A situação agrava-se quando se verifica grande inoperância e desinteresse governamental, para corrigir tais desequilíbrios resultantes de uma prática machista - não há que fugir ao termo -, aberrante e inaceitável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De uma forma geral estamos de acordo com o relatório da Comissão da Condição Feminina, pois traduz muitas das nossas
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preocupações. O MDP/CDE, neste curto debate sobre a situação da mulher em Portugal, entende que já é tempo de se pôr termo a uma situação tão grave como é, na realidade, o da discriminação da mulher no nosso país.
Aplausos do PS, do PRD e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na tribuna do corpo diplomático encontra-se a assistir aos nossos trabalhos uma delegação da Assembleia Popular da República Democrática de São Tomé e Príncipe, de visita ao nosso país, dirigida pela sua Presidente: a Sr.ª D. Alda Espírito Santo.
Convido os Srs. Deputados a saudarem, com uma salva de palmas, esta delegação.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, a Mesa pensa que se deveria interromper o debate neste momento para procedermos à votação final global do projecto de lei n.º 233/IV.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Presidente.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de saber se há mais oradores inscritos para intervir sobre a matéria em discussão.
O Sr. Presidente: - Há, sim, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, assim sendo, entendo que seria de todo em todo conveniente prosseguirmos até ao termo deste debate e só depois procedermos à referida votação, isto se todos os grupos parlamentares estiverem de acordo.
O Sr. Presidente: - Se não houver objecções por parte dos grupos parlamentares, assim se fará.
Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão.
A Sr.ª Maria da Glória Padrão (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conta-se que o oficial do estado-maior Korzybski tinha estudado cuidadosamente o seu mapa antes de uma ofensiva do segundo exército russo-polaco no decurso da Primeira Guerra Mundial. Tinha-o estudado cuidadosamente, mas no terreno real havia um fosso e atrás dele metralhadoras alemãs emboscadas: tragicamente o mapa não era o território. Por isso, Alfred Korzybski aprendeu e disse que «um mapa não é o território, um mapa não representa todo o território, um mapa pode desenvolver-se até ao infinito».
O apontamento escolhido como introdução e exemplo não significa, de modo nenhum, o querer trazer para o terreno que neste momento nos ocupa uma linguagem de estratégia guerreira. Se refiro a história é porque a questão de um mapa estatístico me lembra sempre a do mapa territorial.
Mas, antes de fazer uma ou outra consideração sobre questões estatísticas, um imperativo obriga-me a lembrar o dicionário apertado em que a nossa organização económica ancora - e peço desculpa de ir lembrar
o óbvio. É relativamente pequeno e polariza-se em torno da semântica da quantidade e do fim para a quantidade. E o dicionário é: sistema (conjunto de coisas organizadas de maneira coerente para obter um resultado pretendido), objectivos (conjunto de finalidades fixadas à partida), previsão (cálculo mais ou menos provável sobre evoluções nos anos futuros), planificação (definição de objectivos a médio prazo e de políticas necessárias para atingir os objectivos), programa (conjunto de medidas cuja execução prevista no plano deve assegurar a realização de objectivos fixados a priori), custo-eficácia (critério de julgamento posto em moda pelos militares - para quem o custo quase não conta - e utilizado hoje pelos civis).
Depois, com este código curto, há que ver como se encadeiam os trabalhos logicamente ordenados e como se estabelecem os corredores de comunicação entre eles ou como o sistema se torna prática para o sistema - por isso se está na situação saturada da autofagia. Há que ver como se articula, ou como se sistematiza, uma sociedade a caminho da técnica e como é que se pode prever que no ano 2000 haja em Portugal tantas dezenas de milhar de automóveis ou tantas centenas de mortes na estrada. Há que tornar credível uma alienação crescente de tal modo que os peritos das estatísticas não adoeçam se a produção automóvel ou o número de mortos baixarem em alguns por cento em relação às previsões. Estranha aberração esta do nosso tempo que quer bloquear o movimento da própria vida pela colonização do presente e do futuro através da quantidade! Estranha alienação a da religião da eficácia económica e tecnocrática!
Vem isto a propósito do a propósito e também dos dados estatísticos nacionais que revelam a diferença, o bloqueio e até a regressão no que respeita às situações discriminatórias em relação à mulher em Portugal, dados que, por razões diferentes e até opostas entre si, me lembram sempre a situação do mapa de Korzybski: eles são só um sintoma e não uma bíblia de embrutecimento inteligente ou um qualquer livro vermelho do mundo de alfabetos analfabetos. Valem o que valem e valem sobretudo o uso que deles se fizer. Valem o entendimento quantificável que não é o entendimento qualificável.
De qualquer modo, no eixo da quantidade, a disparidade lida é chocante e da sua leitura se levanta uma questão importante: é voz mais ou menos unânime que temos um corpo de leis em relação às questões de igualdade que não nos envergonha, antes nos coloca numa certa forma de vanguarda. Então, se há uma disparidade tão grande entre o código e a prática é porque estas leis entre nós são uma linguagem democrática falaciosa. Se temos o corpo de leis que temos (e portanto a questão de que se trata não é de determinação política) e elas não se cumprem é porque é o próprio sistema que está em causa. E o que se coloca hoje é a coragem de ultrapassar uma (ou esta) concepção puramente sistémica com o que isso tem de intenso desafio e abolindo uma certa forma de morfologia e de sintaxe que o actual e estreito dicionário propõe e exercita.
É por isso que, e para só citar um exemplo quase como desabafo de passagem, a reinvidicação, por mulheres, de quotas fixas de mulheres em órgãos de decisão a que pela Europa e pela América se vai dando o nome redutor e vergonhoso de «discriminação pela positiva», não é mais do que um sintoma grave da
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apropriação do sentido generalizado da alienação do quantificável, não é mais do que a reprodução do sistema que o sistema vai parindo e me lembra sempre alguns escolásticos da Idade Média, que procuravam explicar como é que a chama material atiçada pelos diabos do Inferno queimava, sem o devorar, o corpo imaterial dos condenados.
O Sr. Guerreiro Norte (PRD): - Muito bem!
A Oradora: - De resto, e ainda de passagem e ainda como desabafo, este pregão reinvindicativo (como outros) - e tenhamos a honestidade de o reconhecer - vai tendo o caminho que se condena: denunciam-se estereótipos, guerreiam-se estereótipos e entretanto accionam-se, em situação euforizante, os mecanismos linguísticos (e portanto mentais) que desencadeiam e vincam outros estereótipos. O que significa, sob o ponto de vista do enunciado e sob o ponto de vista da enunciação, a permanência da mulher, requerida pela mulher, no lugar ancestral da fala que não se f transforma - é rigorosamente o. discurso do mesmo ou a tomada de posse do discurso do outro.
O Sr. Guerreiro Norte (PRD): - Muito bem!
A Oradora: - E aquilo de que se trata, o que é importante, é a produção do discurso próprio, a fala que se transforma - é o discurso outro. Ele não está, entre nós, prioritariamente nas determinações políticas nem no troar de linguagens só superficialmente modificadoras e portanto que nada modificam. O que é importante, de facto (e isto é já axiomático ou esteriotipado), é uma questão de mentalidade e de inteligência. Da inteligência que diz (e mais uma vez parafraseando Korzybski), que um sistema não é o território, que um sistema não representa todo o território. E acrescento, querer ingressar no (neste) sistema pode ser uma forma de trituração ou de... aniquilamento.
Por isso, o que está em causa é a inversão do sistema ou a distorção sistémica (ousaria dizer não-sistema se não assustasse muito), de tal modo que se trabalhe a passagem da sociedade económica ou pós-económica à sociedade do saber. Não se trata de aperfeiçoamentos nem de adaptações semi-automáticas, nem de simples transferências de funções, mas da revisão profunda de uma sociedade internacionalmente bloqueada. E o bloqueio não deve ser atribuído a esta ou àquela categoria de homens, nem a esta ou àquela instituição, porque a sua origem está na angústia paralisante que se apoderou de todos nós perante a complexidade e a aceleração do futuro e porque, como diz Darrenmatt, estamos num mundo carecente de rosto e o que nos une é o medo à bomba atómica.
Vozes do PRD: - Muito bem!
A Oradora: - Trata-se, cada vez mais colectivamente, de pensar um futuro em acto que não se deixe apanhar nos mecanismos às vezes tão confortáveis que são muito de hoje, na armadilha das próprias obliterações emotivas e apaixonadas neste mundo em que cada vez mais somos, sem querermos e quantas vezes sem sabermos todos, os sinais tangíveis de um sítio que se compreende pelo número, pela estatística, pela pressa, pelo produto quantificável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja por caminhos lentos, quase imperceptíveis, seja em certos momentos, como o actual, por movimentos mais rápidos e que chamam a atenção, acordam-se motivações e discutem-se polivalências. É o que vem acontecendo, nacional e internacionalmente, com organizações de mulheres que de outras formas querem a vez e a voz. E isto é um acontecimento muito importante, demasiado importante, desde que a colocação nunca seja corporativa ou com comportamento de permanente sindicato, nem de sentidos unívocos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - É muito importante porque no grande espaço do feminino (que não é específico de mulheres) se pode trabalhar de um modo diferente a metamorfose do quantitativo para o qualitativo que leva até à sociedade aberta pelos caminhos da solidariedade: num tempo de interrogações profundas temos de responder todos juntos aos vários quadros da necessidade. As urgências do século são cada vez mais colectivas e não pode uma meia dúzia de pessoas apostar-se para abanar o rochedo de Gibraltar e renunciar porque ele não se mexeu. As urgências do século de onde tem de sair o presente e o futuro são cada vez mais prementes e a moratória é curta e não permite nenhumas estratégias de obstrução: nem desajustamentos entre leis e práticas, nem reproduções de sistemas anquilosados seja por quem for, nem massificações (uma das vulnerabilidades mais frágeis do nosso tempo), nem êxodos de competências, nem correlações antinaturais entre a necessidade e a procura. O problema para nós complica-se porque agarrar um corpo de antecipações à abertura futura que é imprevisível é simultaneamente agarrar o rápido cumprimento integral do quadro das necessidades de sobrevivência, de segurança, de comunicação, de respeito da pessoa, da realização da personalidade, quadro em que não há prioridades. É tudo primeiro.
Com o despontar da sociedade baseada no saber, parece formar-se diante de nós uma descontinuidade. Mas é nessa sociedade, a partir de já, que o horizonte dos possíveis aparece como ilimitado por implicar o profundo movimento íntimo de nós.
E que, apesar de tudo, não se veja o presente com olhos de catástrofe «um mapa não é um território, um mapa não representa todo o território, um mapa pode desenvolver-se até ao infinito».
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito da mulher, estranho seria que não se ouvissem homens. A subalternidade social da mulher é também a do homem, tolhido pela sua própria inferioridade civilizacional. Por isso a luta é comum. Identificando-se com a do género humano, da pessoa, pela dignidade ou se se quiser pela liberdade e pela igualdade, condição prévia do direito à personalidade plena e desse modo à diferença.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - A mulher tem pela sua frente muito maiores obstáculos a vencer do que o homem, que têm a sua raiz determinante não em razões de ordem natural, mas sim em razões profundamente alicerçadas de ordem cultural.
E de tal modo assim é que superficiais classificações de direita e esquerda, conservantismo e progressismo, saltam em estilhaços quando se passa do mero formalismo das profissões de fé gerais, do plano do abstracto e despersonalizado para o plano do concreto e do quotidiano. Não se é, não sendo. As palavras que voam sem nada que as ligue à realidade do quotidiano não são uma luta, são uma acomodação envernizada; não são uma mutação autêntica do ser e do ser-se, são uma hipocrisia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O princípio é tão válido e aplicável quer ao homem que não se reconhece inferior na sua superioridade, intelectualmente assumida ou através de uma igualdade apenas preconizada mas de facto rejeitada, quer à mulher que aceita passivamente a subalternidade.
Mas se a questão dos direitos é sobretudo uma sucessão de lutas, de comportamentos assumidos, de factos, em ruptura com o estatuto social da desigualdade, e não simples profissões de fé, não poderia deixar de referir uma das lutas, um dos acontecimentos que mais subverteram a espessa e repressiva crosta cultural e política da sociedade portuguesa contemporânea.
Acabou de passar um quarto de século, 25 anos bem contados e com quantos acontecimentos em cima, sobre a célebre Carta a Uma Jovem Portuguesa, que um colega meu, Artur Jorge Marinha de Campos, publicou em Coimbra, no ano de 1961, e que havia de marcar o decisivo arranque de um movimento estudantil que viria a abalar de forma irremediável os muros da clausura que o núcleo duro de uma classe dirigente, cego e ferozmente fechado sobre si mesmo, teimava em manter de pé.
Porquê a profundeza, a força, a energia expansiva e explosiva desse movimento? Porque ele havia tocado e quebrado o tabu da relação entre homem e mulher, produzindo num ápice a centelha reveladora de que ambos precisavam da liberdade e a liberdade de ambos.
A Carta a Uma Jovem Portuguesa foi no fundo e sobretudo uma carta a um jovem português, a quem faltava não menos que à sua companheira o reconhecimento do outro, da outra, identificador e libertador.
É assim que, se a reinvidicação política ou jurídica da igualdade não toma verdadeira dimensão quando despojada do seu profundo sentido cultural, o único que lhe transmite força e autenticidade, é pura falsidade fazer crer que a mutação cultural e a libertação dispensam a liberdade. Não há libertação sem liberdade. Não há libertação possível autêntica, da pessoa, do homem, da mulher, em parte alguma da terra, sob a asfixia da ditadura e do partido único.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No seio do movimento revolucionário que alagou e transformou as sociedades e o mundo no primeiro quartel do nosso século, um contraste sobressai carregado de simbólica significação. De entre os grandes pensadores e dirigentes revolucionários da época são homens os que secundarizam e mesmo negam a liberdade como valor permanente e insubstituível da libertação, enquanto que são mulheres os que de forma mais notabilizada mantêm a indissolubilidade do elo entre uma e outra e dizem não ao assassínio da liberdade.
São de Rosa Luxemburgo, essa grande mulher da extrema-esquerda do que então era a social-democracia alemã, e por isso duplamente insuspeita, quando o movimento revolucionário começava a abandonar o estandarte da liberdade, narcotizado por vitórias espúrias e poderes inesperados, estas corajosas, incómodas e premonitórias palavras:
A liberdade apenas para os partidários do governo, apenas para os membros de um partido - por mais numerosos que sejam - não é liberdade. A liberdade é sempre pelo menos a liberdade daquele que pensa de modo diferente. Isto não em virtude de um apego abstracto e fanático à ideia de justiça, mas porque tudo o que a liberdade comporta de instrutivo, de salutar e de purificador depende daquele princípio e deixa de ser eficaz quando a liberdade se torna um privilégio.
Mas é também uma outra grande mulher que nos dá a chave da liberdade autêntica, da liberdade libertadora, sobre a qual e só sobre a qual se podem erguer as grandes construções humanas. Reproduzo palavras de Mary McCarthy, escritora de sentido social americana também do nosso século, citada por Shimon Peres no frontispício do seu livro A Herança dos Sete: «Sou suficientemente amadurecida para compreender que as pessoas não são menos importantes do que as ideias.»
Não, não há libertação sem Uberdade. Não, não há liberdade libertadora sem o derrubamento dos espessos e abjectos muros do sectarismo.
As mulheres e os homens oprimidos de todo o mundo o sabem.
Aplausos do PSD, do CDS e de alguns deputados do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, igualmente para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Alda Nogueira.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de dar início propriamente à minha intervenção, permitam-me que, para além da saudação que já aqui foi feita à delegação da Assembleia Popular da República Democrática de São Tomé e Príncipe que se encontra entre nós, vos peça uma saudação especial para a sua Presidente, que, assim como eu, passou pelas cadeias fascistas, tal como naquela altura acontecia com os militantes nas colónias que lutavam pela independência e liberdade dos seus países.
Aplausos do PCP, do PSD, do PS, do PRD, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje e dentro do pouco tempo que ainda nos resta, pensamos ser de sublinhar aqui a importância para todas as mulheres portuguesas da realização, em Novembro passado, da Conferência Nacional do PCP sobre a Emancipação da Mulher no Portugal de Abril.
Do amplo e aberto debate nela travado, da proveitosa e rica discussão ali havida, com frontalidade, verdade e sem complexos, sobre as mais polémicas e deli-
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cadas questões que se prendem com a situação dá mulher no nosso país, quer no campo laboral, quer social, quer político, se concluiu que «o êxito na luta pelo reconhecimento efectivo dos direitos das mulheres e pela sua emancipação é inseparável do êxito da luta pela transformação democrática da sociedade».
Fazer sair esses direitos do papel para a vida, fazer cumprir as leis, a começar pela lei fundamental - a Constituição -, implica por si só a luta diária das mulheres mais conscientes e democráticas do nosso país, luta que é um dos aspectos não menos importantes para a transformação da sociedade.
O já aqui referido afastamento progressivo da mulher dos centros de decisão e da vida social e política, a que vimos assistindo cada dia que passa, tem expressão bem viva e negativa na já aqui sublinhada reduzida percentagem de mulheres deputadas a esta Assembleia da República e no facto não menos negativo de não termos feito eleger uma única deputada para o Parlamento Europeu, com todas as consequências que daí advêm e que também já aqui foram apontadas.
Mas importa sublinhar que não interessa eleger ou escolher para os centros de decisão da vida laboral, social e política mulheres que estejam de costas viradas para a democracia e para o 25 de Abril. E menos ainda mulheres que estejam de costas viradas para os problemas das mulheres, que são muitos, como o relatório da Comissão Parlamentar da Condição Feminina e as intervenções havidas aqui mostraram.
Tão-pouco pensamos que a questão de haver cotas obrigatórias para a percentagem de mulheres a eleger para centros de decisão seja a forma de ir, progressivamente, pondo fim a tão injusta discriminação.
Pensamos, sim, que é dentro dos seus próprios partidos e fora deles que nós, mulheres, com ou sem partido, mas de reconhecida idoneidade democrática, devemos, ombro com ombro, com os homens que a nós se juntarem, reclamar a nossa participação nos lugares de direcção ou nos órgãos políticos, que são a base da nossa sociedade democrática.
Da mesma forma, as organizações democráticas de mulheres unitárias têm um importante e decisivo papel a desempenhar nesta luta contra a discriminação política e social junto quer dos governos quer dos partidos:
Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os problemas das mulheres ultrapassam as fronteiras dos próprios partidos. É que a nossa luta contra a discriminação política e social faz convergir em pontos muito significativos mulheres de vários partidos e mulheres sem partido.
Assim pensamos. Assim agimos e agiremos na prática, aqui ou lá fora, no nosso quotidiano, cujo agravamento reclama uma política democrática, um governo democrático!
Aplausos do PCP, do PRD, da deputada independente Maria Santos e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Margarida Borges de Carvalho.
A Sr.ª Margarida Borges de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será um lugar-comum afirmar que a simples circunstância de se dedicar, certos dias a determinados grupos sociais ou a temáticas específicas representa, por si só, que estas temáticas requerem atenção que normalmente lhes não é dada, ou que aqueles grupos sociais são vítimas de injustiças ou discriminações a que se pretende pôr cobro.
Seria, pois, de desejar, em princípio, que se deixasse de sentir qualquer necessidade de discutir a problemática específica da mulher, reconhecida, aceite, entrosada que fosse na vida da sociedade a sua plena igualdade em relação ao homem, seu concidadão, parceiro, companheiro e irmão.
A luta pela igualdade de direitos da mulher tem sido longa, por vezes dura e sempre difícil. O seu adversário nessa luta só erradamente pode ser identificado com o outro sexo. Era, e é, esse adversário .mais o peso de convenções e hábitos sociais seculares, por demais enraizados, do que os agentes de tais convenções e hábitos. Eles eram e são, indistintamente, homens e mulheres.
Hoje, em Portugal, já não é possível afirmar, pelo menos na generalidade, que a ordem jurídica, o sistema político ou a intenção social afirmada sejam discriminatórios ou injustos para com as mulheres. Bem pelo contrário, jurídica e politicamente, Portugal é, nesta matéria, um país avançado: Quem olhar só para as superestruturas por certo dirá que chegou o momento de, conquistada a igualdade, começarem as mulheres a lutar pelo. direito à diferença.
No entanto, a realidade objectiva é bem diversa. A mulher portuguesa continua afastada da plenitude da sua participação possível na vida da sociedade, continua a sofrer, injustamente, as sequelas da sua condição sexual, continua a sentir-se presa de ditames sociais provenientes de costumes que há muito deviam ter sido ultrapassados.
Pouco sentido terá o lutar pelo direito já conquistado. Nenhum sentido terá assumir a posição de inimigo de uma sociedade injusta e discriminatória. O que terá sentido útil será encontrar os porquês de uma situação e os caminhos, para os suplantar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida de que a conquista de direitos pela mulher tem sido coeva da evolução da vida das sociedades para níveis cada vez mais aperfeiçoados de. desenvolvimento. É à medida da afirmação da indispensabilidade da participação feminina em praticamente todos os sectores da cultura e da economia das nações que a mulher tem vindo a afirmar e a consagrar a sua posição de plena igualdade no. direito e nas oportunidades, acrescida do reconhecimento jurídico e social das suas diferenças específicas em relação ao homem.
E é por isso que entre nós tão difícil é ainda à mulher afirmar-se, na igualdade e na diferença, negociar a sua posição objectiva na sociedade e participar, nas decisões que a todos dizem respeito.
É que estivemos afastados do desenvolvimento durante, tempo demais. A sociedade portuguesa viveu prisioneira do casulo de palha que o Dr. Salazar lhe teceu e, ao sair dele, caiu noutro espartilho, este cruelmente fabricado pela pacotilha estatista de revolucionários de feira franca.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Herdeiros, desses dois males, tem-nos sido difícil fazer caminhar o País no sentido do aperfeiçoamento cultural, económico e social.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
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A Oradora: - Á batalha das mulheres portugueses é, por isso, hoje em dia, mais do que a batalha do direito, a grande batalha nacional pelo desenvolvimento, pela cultura, por uma economia sã, por um país que funcione e que trabalhe.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Não vale a pena lutar pelo direito da mulher e continuar a aceitar superstruturas económicas estatistas e anquilosantes; não vale a pena lutar pelo emprego e manter um sistema económico, constitucionalmente obrigatório, que já provou não servir para criar o trabalho e a riqueza desejáveis; não vale a pena lutar por novas oportunidades e não pensar mais que, pelo menos tendencialmente, foi abolida a concorrência entre as pessoas e substituída por múltiplas teias proteccionistas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Renegociar a posição da mulher no tecido social, muito bem! Guardar ciosamente as conquistas alcançadas, sem dúvida! Exigir o reconhecimento das diferenças com todas as suas consequências, por certo! Mas, acima de tudo, trabalhar para que Portugal seja um país desenvolvido, onde as oportunidades se multipliquem, onde haja para todos um lugar ao sol, onde a liberdade substitua o controleirismo, onde a sã concorrência entre as pessoas seja fonte dinâmica do devir social.
Porque, se não queremos, nem jamais aceitaremos, ser parte menor de uma sociedade machista, tão pouco nos interessa ser membros privilegiados de uma sociedade estagnada, de um país adiado, de uma terra de pobres pedintes ou objecto de propaganda de um totalitarismo qualquer.
Aplausos do PSD e do CDS.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não sei se neste debate há lugar a pedidos de esclarecimento, mas, se a Câmara não se opuser, conceder-lhe-ei a palavra.
Pausa.
Dado que ninguém se manifesta em contrário, tem V. Ex.ª a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Deputada Margarida Borges de Carvalho, passando por cima de outras intervenções hoje produzidas neste debate que nitidamente ladearam a questão e que, em vez de serem uma reflexão sobre o problema das mulheres portuguesas, foram nitidamente provocatórias, gostaria, no entanto, de colocar-lhe algumas questões, na medida em que falou muito da herança do passado e de que é preciso que as mulheres escolham os caminhos, mas não se percebeu muito bem quais são, na sua opinião, esses caminhos.
Tenho presente um relatório do Governo Português entregue à OIT sobre as questões do emprego em Portugal, onde se fala do problema do emprego/desemprego das mulheres e se reconhece que a taxa de actividade das mulheres baixou precisamente porque aumentaram as mulheres domésticas. Aliás, o relatório da Comissão da Condição Feminina que hoje aqui ouvimos revela isso mesmo.
Temos a experiência, pelas taxas de actividade desde o 25 de Abril, de que as mulheres não são domésticas porque o querem ser; as mulheres querem trabalhar, querem desenvolver uma actividade profissional e são remetidas para o lar precisamente pela política de governos como este, que conduzem ao desemprego dos homens e sobretudo ao desemprego das mulheres.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Gostaria de lembrar, a propósito, que houve aqui uma intervenção que falou em liberdade e em libertação, mas não referiu o que é liberdade, que, na realidade, não é o mero reconhecimento de direitos formais, mas também de direitos económicos.
Sr.ª Deputada, sendo nós um país em que prolifera o trabalho das mulheres no domicílio, o trabalho clandestino, o trabalho à peça, o trabalho à tarefa e a exploração das próprias crianças no trabalho infantil - o que duramente sentem as mulheres -, gostaria de lhe perguntar se é esta a política de desenvolvimento, se é esta a política que interessa aos direitos das mulheres!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Borges de Carvalho.
A Sr.ª Margarida Borges de Carvalho (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, é evidente que a sua intervenção foi a que esperávamos ouvir por parte do PCP.
Não compreendeu com certeza, ou talvez não saiba, quais são os caminhos que realmente propomos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sei bem demais!
A Oradora: - Se os conhece bem demais e os rejeita, então, o problema não é meu, porque o povo português está mais comigo do que consigo, Sr.ª Deputada.
Aplausos do PSD.
Propomos os caminhos do desenvolvimento. A Sr.ª Deputada prefere o subemprego, o falso emprego, a fantochada que é o facto de constar nas estatísticas um nível zero de desemprego e, na realidade, as pessoas estarem no emprego a fazer o que no nosso país se chama «ronha no serviço» por haver estruturas antiquadas que não evoluem para poderem realmente dar ocupação a essas mesmas pessoas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Temos uma noção de dignidade humana diferente da sua. Queremos participar, ser úteis, mas nunca sermos utilizadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr.ª Deputada, perdoe-me a exaltação, mas ela não ficará muito aquém da sua.
Estou firme no convencimento de que a proposta do meu partido e as da sociedade democrática têm pró-
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porcionado ao ser humano não só o melhor nível económico, e sabe bem que não é só isso o que defendo, mas também uma melhor, qualidade de vida.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Odete Santos(PCP): - Ainda bem que falou, que é para as mulheres portuguesas ficarem a saber o que pensa!
O Sr. Presidente: - Srs: Deputados, dou por terminado este debate, pelo que iremos proceder à votação final global do projecto de lei n.º 233/IV, apresentado pelo PRD, sobre a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Contudo, aguardaremos o momento para que os Srs. Deputados que se encontram fora ao hemiciclo-possam regressar à Sala.).
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa;
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que poderíamos aproveitar a pausa a que V. Ex.ª acaba de se referir para que se procedesse à leitura do relatório complementar que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborou e aprovou em 28 de Janeiro deste ano sobre a retirada adicional de duas- reservas à Convenção\Europeia dos Direitos do Homem, para além da que o PRD propunha.
O Sr. Presidente: - Não havendo objecções, assim será feito, Sr. Deputado V. Ex.ª é o relator da Comissão?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, mas, se V. Ex.ª assim o entender, poderei ler o referido texto...
O Sr. Presidente:.- Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório é do seguinte teor:
Comissão, de Assuntos Constitucionais, Direitos; Liberdades e Garantias.
Relatório complementar sobre a proposta de retirada de mais duas reservas à Convenção Europeia dos Direitos do Homem
1 - No decurso da discussão sobre o projecto de lei n.º 233/IV, relativo à retirada de algumas reservas à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, deputados do CDS apresentaram na Mesa a proposta de eliminação de mais duas:
A constante da alínea c) do artigo 2.º da Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, segundo a qual «o artigo 10.º, da Convenção não impedirá que, por força do disposto no n.º 6 do artigo 38.º da Constituição, a televisão não possa ser objecto de propriedade privada».
A constante da alínea d) do mesmo artigo da mesma lei, segundo à qual «o artigo. 11.º - da Convenção não obstará, à proibição do lock-out, em conformidade com o disposto no artigo 60.º da Constituição»
2 - Antes da votação, o projecto de lei em referência baixou de novo a esta Comissão, agora para que esta se pronuncie sobre as novas e transcritas propostas de eliminação de reservas.
A Comissão entendeu dever pronunciar-se no seguinte sentido:
a) Quanto à reserva constante da mencionada alínea c):
Uma leitura mais atenta do disposto no artigo 10.º da Convenção teria permitido concluir pela inutilidade da correspondente reserva.
Na verdade, e no seu n.º 1, depois de afirmar o direito à liberdade de expressão e as liberdades em que esse direito - se desdobra, esclarece que «o presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia».
Daí a pertinência do entendimento de que a permissão de um regime de autorização prévia comportava a previsão - constítucional da não autorização em certos casos, sem conflito de legislações. Acontece, porém, que já era este o entendimento consagrado por jurisprudência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem. Nomeadamente por decisão de 7 de Fevereiro de 1968, a mesma pronunciou-se no sentido de que «a expressão 'autorização' que figura no artigo 10.º não exclui o monopólio do Estado sobre a televisão».
A reserva nasceu, pois, inútil e não deixou de sê-lo depois de ter nascido. Pode pois ser retirada -com as vantagens inerentes ao sentido político que isso faz- sem prejuízo da subsistência do resultado visado com o disposto no n.º 6 dó artigo 38.º da Constituição Portuguesa.
b) Quanto à reserva constante da mencionada alínea d):
Mesmo lido à lupa, não é possível descortinar no artigo 11.º da Convenção... nada que, de longe ou de perto, contenda com a proibição do lock-out constante do artigo 60.º da Constituição Portuguesa. Aquele artigo trata da liberdade de
reunião pacífica e de associação,/incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses.
Assim sendo, a reserva agora em apreço nasceu sem objecto e sem motivo. Não só pode como deve ser retirada. Eliminando-a, elimina-se um equívoco.
3 - Estas duas ponderações foram objecto de quase consenso, visto que os representantes do PCP, sem dele se dissociarem, entenderam exprimir reservas quanto à oportunidade e significado
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político da eliminação proposta, já que, tendo tais reservas sido formuladas, a sua supressão pode acarretar equívocos, ainda que infundados.
4 - A Comissão ponderou ainda a possibilidade da retirada das duas únicas reservas que continuam a subsistir: as constantes das alíneas a) e b) do artigo 2.º da citada Lei n.º 65/78.
Embora sem poder sobre essa possibilidade emitir opinião formal, até porque lhe não foi sujeita qualquer proposta no sentido da sua eliminação, ainda assim admitiu:
Que a eliminação da reserva relativa à prisão disciplinar imposta a militares, hoje permitida em certos termos pela nossa Constituição, é perfeitamente dispensável - se não desde já inútil - desde que sejam introduzidas, em sede de lei ordinária, as necessárias medidas de adaptação ao texto constitucional, tal como saiu da 1.ª revisão da Constituição, nomeadamente a regulamentação da garantia de recurso.
Nessa linha de entendimento deliberou expor ao Ministro da Defesa a necessidade da promoção dessas medidas e sensibilizar esta Assembleia para a conveniência de uma ulterior ponderação da possibilidade de remoção de mais esta reserva.
Quanto à eventual eliminação da reserva à incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS, em conformidade com o disposto no artigo 309.º da Constituição, a Comissão deliberou ouvir a esse respeito a Procuradoria-Geral da República sobre a respectiva utilidade residual, supondo que a tenha, voltando depois a apreciar o assunto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias fez chegar à Mesa o texto resultante da votação na especialidade do projecto de lei n.º 233/IV - que retira reservas formuladas pelo Estado Português à Convenção Europeia dos Direitos do Homem -, texto esse que vai ser lido de imediato.
Foi lido. É o seguinte:
Comissão do Assuntos Constitucionais Direitos, Liberdades e Garantias
Texto resultante da votação na especialidade do projecto de lei n.º 233/IV - que retira reservas formuladas pelo Estado Português à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Na sequência da discussão e votação na especialidade do projecto de lei n.º 233/IV e das propostas de alteração que em relação ao seu articulado foram apresentadas e se encontram referenciadas no relatório complementar aprovado pela Comissão em 28 de Janeiro de 1987, é o seguinte o texto aprovado:
Artigo 1.º
São retiradas as reservas formuladas nas alíneas c), d), e) e f) do artigo 2.ª da Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada para ratificação pela referida lei.
Artigo 2.º
São retiradas as reservas formuladas ao Protocolo Adicional n.º 1 à Convenção Europeia no artigo 4.º da Lei n. º 65/78.
Artigo 3.º
São revogadas as alíneas c), d), e) e f) do artigo 2.º e o artigo 4.º da Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro.
Artigo 4.º
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à publicação.
Srs. Deputados, estamos já em condições de submeter à votação final global o projecto de lei n.º 233/IV, apresentado pelo PRD.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha declaração de voto tem por objectivo congratularmo-nos pela aprovação, por unanimidade, da retirada das reservas que, no fundo, eram um empecilho à integração plena de Portugal na ordem jurídico-constitucional europeia.
Na verdade, quer as reservas retiradas por iniciativa do PRD, quer as que o foram por nossa iniciativa, são passos em frente quanto à parificação do nosso ordenamento jurídico-constitucional relativamente à ordem jurídica que vigora na Europa.
É importante que nos europaizemos também na construção do nosso edifício jurídico.
Conforme resulta da leitura do relatório complementar, ficaram ainda pendentes duas reservas, uma respeitante às sanções militares e uma outra relativa à punição de agentes da ex-PIDE/DGS.
Nós próprios não propusemos a eliminação destas duas reservas, porque, relativamente à primeira, somos conhecedores de algumas sensibilidades que nessa nobre instituição que é as Forças Armadas se teriam levantado sobre esse assunto. Avisado pareceu, conforme consta do relatório da Comissão, que sobre ela se ouvisse o Sr. Ministro da Defesa. Relativamente à segunda reserva, a que tinha em vista a punição dos agentes da ex-PIDE/DGS, entendemos não tomar a iniciativa de propor a sua eliminação pela razão decisiva de que, determinando o artigo 1.º da Lei n.º 8/75 que algumas penas se possam estender de oito a doze anos - o que fará com que, nesses casos, o prazo de prescrição nos termos do artigo 117.º do Código Penal seja de quinze anos -, pode acontecer que, eventualmente, alguns agentes estejam nessa situação.
Pode mesmo acontecer que todos os casos tenham já sido apreciados, que a Procuradoria-Geral da República venha informar nesse sentido e que, então, se possam eliminar essas duas reservas.
De qualquer forma, congratulamo-nos com os importantes passos dados.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Figueiredo Lopes.
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O Sr. Figueiredo Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao prever no seu artigo 64.º que «qualquer Estado pode formular reservas a propósito de qualquer disposição da Convenção, na medida em que uma lei então em vigor no seu território esteja em discordância com aquela disposição», a Convenção Europeia dos Direitos do Homem reconhece que no seio das sociedades democráticas se podem admitir limitações aos direitos e liberdades internacionais protegidas, desde que haja para tanto razões ponderosas normalmente ligadas à defesa do próprio regime democrático e à protecção e segurança dos cidadãos.
Todavia, estas reservas têm de ser formuladas de modo exaustivo e devem ser assumidas na própria lei interna; daí que se compreenda uma certa tendência para, por vezes, se ir longe demais - como aconteceu no caso português - no elenco de tais reservas.
O levantamento das reservas a que agora se procede corresponde, assim, a uma louvável iniciativa parlamentar, reconhecendo-se que deixaram já de se verificar os pressupostos que levaram à sua formulação; esta a conclusão a que se chegou, quer no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quer nos diversos discursos proferidos por ocasião da apreciação na generalidade do projecto de lei que acaba de ser votado.
E se somos dos que entendem que é preferível formular reservas, que mais tarde se venham a retirar por se revelarem inúteis, do que submeter o Estado e as instituições nacionais aos mecanismos de controle e aos juízos críticos dos órgãos internacionais previstos na Convenção, também não hesitamos em afirmar que muitas das reservas agora eliminadas terão sido introduzidas por excessos de cautela e de prurido constitucional - como aqui foi, de resto, sublinhado - e não por qualquer receio de o Estado Português estar a assumir, na ordem internacional, obrigações que não pudesse cumprir.
Temos, com efeito, uma Constituição e vivemos num Estado democrático onde os direitos e as liberdades se agrupam num quadro bem estabelecido e amplo, contrariamente ao que, infelizmente, ainda acontece noutras paragens onde ainda hoje se sofre e se luta pela liberdade e pelas garantias dos direitos humanos.
A aprovação deste projecto de lei representa, pois, um passo significativo no sentido do aperfeiçoamento do nosso ordenamento jurídico, a que podemos, além disso, atribuir o valor simbólico de uma evolução em direcção à completa normalização da nossa vida democrática.
E nunca são de mais os esforços que a sociedade e os responsáveis políticos possam desenvolver tendo em vista a adequação constante e concreta da acção política à realidade portuguesa, num anseio permanente pela dignificação da pessoa e pela valorização e defesa intransigente dos direitos do homem.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o Grupo Parlamentar do PCP aderiu à ideia e à iniciativa desencadeadas pelo PRD, no sentido do levantamento de reservas, deduzidas oportunamente, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Reservas são cautelas. Se são cautelas, tal como aqui foi invocado, servem para defender os Estados e o seu próprio prestígio, na lisura na contratação internacional, a sua própria face perante a comunidade internacional e, naturalmente, para fazer vingar, até ao ponto em que possa e deva fazer-se vingar, o projecto constitucional que existe em dado momento numa determinada comunidade. Foi esse o nosso caso.
Reflectindo hoje retrospectivamente, talvez se possa pensar que se foi longe de mais e que purgamos hoje aquilo que no passado foi excessivo. Todavia, quem ler os debates que em 1978 aqui foram travados poderá ver que as cautelas que ficaram consignadas na lei foram partilhadas pela generalidade das bancadas, foram cuidados que quase unanimemente foi entendido que deviam ser adoptados, a fim de salvaguardar o prestígio do próprio Estado Português e a regularidade da sua actuação no plano internacional.
As reservas - permitam-me que o invoque agora - foram fonte de polémica porventura excessiva, foram fonte de discussão apaixonada; o seu alcance e sentido sobre a democraticidade da sociedade portuguesa e do seu regime foram esgrimidos por vezes por «fás» e por «nefas» com excessos, no sentido de contestar a própria ordem constitucional nascida do 25 de Abril. A isso sempre nos opusemos, a isso nos continuamos e continuaremos a opor.
Entendemos que o levantamento agora operado, em certos aspectos, é ele próprio polémico.
Gostaria de sublinhar o entendimento, que já na Comissão pudemos exprimir, de que o levantamento das reservas em relação à questão da televisão privada e do lock-out, embora seja carecido, quanto ao seu alcance, de qualquer interpretação restritiva ou negativa, e sendo reserva inútil porventura na altura em que foi feita e ainda hoje, é susceptível, no presente momento, no presente contexto, na presente oportunidade, de ser objecto de interpretações equívocas. Só por isso, sem nos dissociarmos do sentido da fundamentação, mostrámos as reservas que tivemos ocasião de exprimir na Comissão e que aqui reproduzo de novo.
Permitam-me, finalmente, que sublinhe que em nada fica alterado o nosso quadro legal interno e, menos ainda, naturalmente, o nosso quadro constitucional.
Se a «europeicidade» de uma ordem jurídica fosse mensurável pela bitola da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Portugal estaria muito além da Europa, assim definida estreitamente, porquanto a nossa pletora constitucional, a nossa armadura constitucional de protecção dos direitos fundamentais, excede em muito, e ainda bem, a bitola e o espartilho da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
No fundo, aquilo que agora acabamos de fazer, sendo porventura relevante para eliminar equívocos, não altera - e não altera em coisa alguma - a armadura constitucional dos direitos fundamentais em Portugal.
Questão é que funcionem os mecanismos da sua defesa, questão é que funcionem, designadamente, os tribunais, cujo caos é conhecido, e não proliferem formas de composição privada de justiça, como está a suceder neste momento e como aqui tivemos ocasião de discutir recentemente, e que se cumpram em Portugal os direitos reconhecidos aos Portugueses e à pessoa humana, em geral.
Para isso, continuaremos a procurar contribuir por todos os meios e com o voto de hoje também.
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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num momento de congratulação unânime a propósito desta votação que acabámos de proceder, penso que não é totalmente descabido trazer à colação a circunstância de - e raramente pessoalizo - ter sido o primeiro português que aplicou directamente esta Convenção, enquanto membro da Comissão Europeia dos Direitos do Homem.
Devo acrescentar que se hoje se dá um passo positivo no sentido do levantamento destas reservas, nunca, em cinco anos de trabalho intenso nessa Comissão, as reservas foram impeditivas de um controle jurisdicional ou parajurisdicional - como se queira - por parte da ordem jurídica prevista na Convenção e pelos mecanismos aí consignados no sentido desse controle em relação à prática ou ao funcionamento da ordem jurídica portuguesa.
De resto, como já aqui foi salientado pelo Sr. Deputado que me antecedeu no uso da palavra, assistiu-se, em muitas ocasiões, a um debate totalmente falseado, porque todas estas coisas têm o seu tempo histórico, e raramente se deu o devido realce à circunstância de o Estado Português, em 1978, corajosamente, como foi visto e apreciado no Conselho da Europa, não só ter ratificado a Convenção, mas tê-lo feito subscrevendo o direito de queixa previsto no seu artigo 25.º Este é que foi o ponto essencial daquilo que, em meu entender, era possível ter sido feito em 1978.
Teria sido curioso termos juntado duas votações: aquela que há dias fizemos sobre um protocolo adicional que permite ampliar os moldes de funcionamento da Comissão Europeia dos Direitos do Homem com a votação de hoje. Essa, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é que é a grande questão.
No fundo, a grande questão resume-se a isto: a ordem jurídica portuguesa, os cidadãos, os advogados, etc., têm ainda praticado muito pouco o mecanismo internacional que está hoje ao seu alcance. As queixas portuguesas são extremamente reduzidas, não tanto, como é evidente, porque não haja situações que mereçam esse direito de queixa, mas porque a nossa «europeização», neste sentido concreto, muito pouco tem feito, e é imperioso fazer-se mais, quer quanto ao atraso dos processos como a muitos outros aspectos do processo penal, etc.
Adquirido o nosso tempo próprio - e é disso que se trata em matéria de tratados internacionais -, que nos permite, hoje, após a revisão constitucional, fazer um levantamento destas reservas, estamos de facto em situação de nos podermos congratular, mas ao mesmo tempo de nos empenharmos para que aquilo que é um controle jurisdicional europeu seja efectivamente praticado por todos aqueles que o têm ao seu alcance, o que não é matéria difícil.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Moía (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulamo-nos naturalmente pela aprovação unânime pela Assembleia da República do projecto de lei que apresentámos e gostaríamos que essa congratulação fosse entendida no seu exacto significado, pelo menos no exacto significado que para nós tem.
Pensamos que a aprovação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como foi feita em 1978, nesta mesma Assembleia, representou por parte do Estado Português um acto corajoso e adequado ao seu tempo.
Portugal ratificou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem naquilo que ela tinha de fundamental e ratificou-a de uma forma que permitia estender a jurisdição internacional à defesa dos direitos das pessoas em Portugal.
Esse foi o significado profundo da ratificação e o facto de ela ter sido feita num determinado tempo histórico merece a nossa saudação.
A história faz a história, o tempo passou, e hoje, após a revisão constitucional, após a experiência adquirida, é possível introduzir o levantamento de toda a série de reservas, o que acabou por ser feito com o voto unânime desta Assembleia.
Pensamos que também esse é um motivo de congratulação, porque também neste tempo, que é o nosso, adquirimos a maturidade suficiente - perdoe-se-me a palavra - para que esse levantamento de reservas tenha sido feito pela forma tranquila e serena como o foi, sem o calor apaixonado e desvirtuado dos debates de 1978, em que muitas vezes procurámos resolver problemas internos com a sua exportação para outras paragens. Penso que o facto de hoje não o termos feito tem naturalmente um significado que é, também para nós, motivo de congratulação.
Finalmente, queria acrescentar que, pela nossa parte, o facto de nesta matéria ter sido possível uma iniciativa parlamentar tem também uma importância que gostaria de realçar e que é a da necessidade de atentarmos no papel que cabe ao Parlamento português em matéria de política externa.
Pensamos que temos de desenvolver esse capítulo da nossa actividade, sob pena de o Parlamento ser necessariamente diminuído nas suas funções de controle, e mesmo de iniciativa, e que a adesão às Comunidades Europeias nos confronta com esse desafio e com esse problema que necessária e seriamente teremos de enfrentar.
Congratulamo-nos, portanto, pela aprovação unânime do projecto de lei, no sentido que tentei expor nesta declaração de voto.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, às 10 horas. Da respectiva ordem de trabalhos consta, além do período de antes da ordem do dia, a discussão do projecto de lei n.º 367/IV (PCP), que institui um novo enquadramento legal à venda de bombas de carnaval, tendo em vista a segurança dos cidadãos e, em especial, das crianças.
Está encerrada a sessão, Srs. Deputados.
Eram 19 horas e 10 minutos.
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2008 I SÉRIE-NÚMERO 51
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Flausino Pereira da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
João Álvaro Poças Santos.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Custódio Jacinto Gingão.
João António Gonçalves do Amaral.
Maria Odete dos Santos.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Arménio dos Santos.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
José Carlos Travassos Relva.
José Filipe Athayde de Carvalhosa.
José Mendes Melo Alves.
Partido Socialista (PS):
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
Carlos Cardoso Lage.
José Manuel Torres Couto.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Fernando Dias de Carvalho.
José Carlos Pereira Lilaia.
José da Silva Lopes.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo de Brito.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Carlos Eduardo Oliveira Sousa.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
João da Silva Mendes Morgado.
Manuel Vaz da Silva.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.
Os REDACTORES: José Diogo - Carlos Pinto da Cruz.
PREÇO DESTE NÚMERO: 144$00
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.