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I Série - Número 60
Quinta-feira, 26 de Março de 1987
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA
2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE MARÇO DE 1987
Presidente: Ex.mo. Sr. António Joaquim Bastos Marques Mendes
Secretários: Ex.mos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Victor Manuel Caio Roque
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos
Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
Conduziu-se a interpelação ao Governo n. º 3/IV (PCP), sobre política geral, centrada na situação laborai, designadamente sobre os problemas do desemprego, dos salários em atraso, do trabalho precário e do trabalho infantil.
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Mira Amaral) e dos Srs. Secretários de Estado da Juventude (Couto dos Santos} e do Emprego e Formação Profissional (Fernandes Morgues), os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Agostinho Domingues (PS), Jorge Patrício e Rogério Moreira (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Ferro Rodrigues (PS), António Mota (PCP), António Marques (PRD), Manuel Martins (PSD), Carlos Coelho e António Tavares (PSD), José Apolinário e Aloísio da Fonseca (PS), Narana Coissoró (CDS), Cláudio Perchem (PCP), Bártolo Campos (PRD), José Mota (PS), fida Figueiredo (PCP), Duarte Lima (PSD), Ana Gonçalves (PRD), Vidigal Amaro e Octávio Teixeira (PCP).
Encerraram o debate o Sr Deputado Carlos Brito (PCP) e o Sr Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe).
Entretanto, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados.
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Flausino Pereira da Silva.
Francisco Hermínio Pires dos Santos.
Francisco Jardim Ramos.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Luís Malato Correia.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Francisco Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
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Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia B. Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur T. Sá Furtado.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo C. da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida da Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Carlos José Machado L. Pereira.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Horácio Alves Marcai.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Alberto Sé do Rio.
Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE): João Cerveira Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: ratificações n.05 144/1V e 145/IV, ambas da iniciativa do Sr. Deputado Sá Furtado e outros, do PRD, relativas respectivamente aos decretos-leis n.5 143/87, de 23 de Março, e 145/87, de 24 de Março, que foram admitidas; projecto de lei n.º 397/1 V, da iniciativa da Sr.ª Deputada Odete Santos e outros, do PCP, relativo ao combate à exploração do trabalho infantil, que foi admitido t baixou à 3.ª Comissão; projecto de lei
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n.º 398/1 V, também da iniciativa da Sr.ª Deputada Odete Santos e outros, do PCP, propondo alterações ao Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro (Código de Processo do Trabalho), que foi admitido e baixou à 3.ª Comissão; projecto de lei n.º 399/IV, da iniciativa da Sr.ª Deputada Independente Maria Santos, sobre a lei quadro das Regiões Administrativas, que foi admitido e baixou à comissão eventual especializada; projecto de lei n.º 400/IV, da iniciativa do Sr. Deputado José Apolinário e outros, do PS, propondo a criação do «Dia do estudante», que foi admitido e baixou à 13.ª Comissão; projecto de lei n.º 401/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Coelho e outros, do PSD, propondo a criação do «Dia Nacional do Estudante», que foi admitido e baixou à 13." Comissão; e, finalmente, projecto de lei n.º 402/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Corujo Lopes e outros, do PRD, propondo a criação da freguesia da Vergada, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Rolando, 2.º ano da Escola Preparatória de Vizela, numa redacção integrada nas Comemorações do Dia Mundial da Criança, em 1986: - Não fiz o ciclo, mas agora gostava de continuar a estudar.
- Já trabalhas? O que fazes?
- Já, em vestuário.
- Gostas do trabalho que fazes?
- Não.
- A que horas te levantas e te deitas?
- Levanto-me às 7 horas e deito-me às 10 horas.
- Gostarias de continuar toda a vida este trabalho?
- Não, gostaria de ter um melhor.
- Que fazes nas horas livres?
- Vejo televisão e ajudo a minha mãe.
13 anos, uma adolescência garroteada na raiz. Uma idade povoada de corvos, onde se quereria a liberdade dos folguedos, o estudo, a quimera dos ninhos, um viver desconstrangido. Estes «putos» são trolhas, pasteleiros, cosem e embalam sapatos, vendem fruta na margem da estrada, são ajudantes de mecânico e de construção civil, dobram toalhas de felpo, aprendem a chulear, empacotam, confeccionam pano de lençol, empregam-se, sem qualquer vínculo legítimo ou legitimável, na limpeza, nos cafés, no carrego dos produtos de mercearia. Laboram horas a fio, madrugada fora quando o patrão o entende, a troco de um salário que oscila entre os 4000$ e os 8000$. Às raparigas nem faltará, mais ano menos ano, como na Josias Barroso, no distrito de Braga, quem as engravide em massa e as atire para os labirintos da prostituição. Estes garotos não podem ser meninos num país cuja Constituição lhes garante o direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. Vemo-los descendo as rampas obscuras, no frio Inverno do Minho, à saída das oficinas clandestinas; surpreendemo-los, em grupos, encostados aos muros, mastigando, sob a tutela do apertado relógio do empregador, uma refeição inconsistente e desadequada; encontramo-los exaustos, subnutridos, macilentos de anemia, cheios de medo quando interpelados.
Venho de uma terra onde a miséria mora, à qual regressam formas de exploração que actualizam os infernos da revolução industrial descritos por Dickens ou Pereira Gomes, escalavrada por injustiças que, humanamente, doem e, politicamente, se não toleram. Grassam as situações de escravatura, de desemprego, de subcontratação, de precarização laborai, de destruição do aparelho produtivo, de violação dos direitos dos trabalhadores e de corrupção impunida.
O desemprego afecta 42 000 pessoas, sendo de aproximadamente 12 000 o número dos que, fornecendo uma mão-de-obra fautora de riqueza, não recolhem, no curso dos meses, a menor contraprestação monetária. A fome instalou-se nas casas desses miúdos a quem estrangulam os sonhos.
Deolinda, uma vez mais grávida, mãe de dois filhos, oito meses de salário em atraso, de guarda à empresa, em Barcelos, há longo tempo encerrada:
- Recebo apenas o subsídio do 7/A. O meu homem está à espera da indemnização da Cruz de Pedra e não arranja sequer uns biscatos. A minha sogra vive connosco. É velha e muito doente. Tivemos de aceitar que o nosso rapaz entrasse para uma chafarica de chapeiro.
- Quanto lhe pagam?
- Uma desgraça. 7 contos por mês.
- E as aulas?
- Não vai. Acabou a primária e não pudemos mante-lo sem ganhar algum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Governo torna o miserabilíssimo redundante, transforma o sofrimento de milhares e milhares de portugueses em banalidade, a precariedade em lugar comum, a espoliação e o esbulho em prática bem vinda. A verdade, porém, é que não é lícito ficar impassível ante a dor de uma comunidade. Aquele que perdeu o impulso de se indignar perante o quadro da degradação social e, correlativamente, agir para transformá-lo demitiu-se não só de qualquer atitude política responsável, mas sobretudo do que no homem é uma essência: o seu instinto de solidariedade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A intervenção do Ministro do Trabalho neste debate, bem como os comportamentos de pane da bancada que o apoia, revelam a cínica indiferença dos Torquemadas, dos que resvalam para o abismo de olhos vendados pela cólera de classe contra os que oprimem.
Já os meus camaradas e outros deputados arrolaram para o processo de condenação governamental em curso importantíssimos dados globais e pontuais. Acrescentaria, exemplificativamente, alguns relativos ao distrito que me elegeu:
Generaliza-se a perseguição a dirigentes e delegados sindicais nos diferentes sectores, com destaque para os das indústrias eléctricas, metalúrgicas e têxteis, para os que operam no STAL ou na construção civil;
A Inspecção actua, em regra, segundo estritos e formais critérios de defesa do patronato; não tem em mira, como devia, no cumprimento da
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legislação saída da Assembleia da República, a viabilização das empresas e a manutenção dos postos de trabalho, sempre que são desencadeados os mecanismos da Lei n.º 17/86; não vê, não ouve, não detecta quase nada que brigue com as leis vigentes nas suas diligências fiscalizatórias nos locais de laboração. Os donos de uma fabriqueta encarceram as trabalhadoras enquanto os inspectores visitam as instalações; ao cabo de minutos, elas gritam, gritam alto, mas os delegados do poder padecem de surdez selectiva. Na Teles e Mendes ou na TVP paga-se, como em inúmeras congéneres suas, inscrevendo nos envelopes valores superiores aos efectivamente prestados; a Inspecção-Geral do Trabalho ignora-o;
A GOTTS desconta nos montantes devidos aos seus operários as peças imperfeitas, penaliza brutalmente quem se rebela junto das instituições oficiais; na VIMATEX e em dezenas e dezenas de unidades fabris estipulam-se intensos ritmos, com elevadas cargas de horários extra não remunerados; a manufacturação no domicílio e à peça avoluma-se, atingindo índices inquietastes; aumentam as falências fraudulentas; sobem as dívidas patronais à Previdência; inexistem condições de higiene e segurança na maioria dos estabelecimentos industriais. A Inspecção-Geral tudo desconhece, fecha os olhos em jeito de passa-culpas ou de aplauso discreto, recusa a companhia dos sindicalistas nas deslocações que efectua, confirma-se, em geral, como um puro veículo das opções anti-sociais do executivo de Cavaco Silva;
Na RAMOA procedeu-se a uma ilegal transferência de equipamentos para uma entidade satélite, a ALÇO, já após o accionamento dos institutos previstos nas normas referentes aos salários em atraso. Entretanto, com trabalhadores a perceberem um magro subsídio, o patrão negoceia a admissão de uma parte daquele contingente despedido para os efectivos da nova empresa adrede criada. Que medidas adoptaram, face a isto, o Ministério do Trabalho, o Governo Civil, os múltiplos departamentos do Estado? Nenhumas, é evidente:
Casos como os da CHROMOLIT, da GORI, da Carlos Matos, da POLÃ, da Arquinho ou, entre imensos, da SAMPEX são o espelho disferido de uma orientação governativa que leva ao acentuar dos factores de degenerescência estrutural e semeia, em perfeita lógica, as conjunturas do desespero, da pobreza extrema, de irregularidades a esmo, de aviltantes injustezas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Braga é um distrito pleno de potencialidades, com uma população jovem, capaz e criativa. Não pode ser condenado, pelas mãos da administração do PSD, ao retrocesso ou à estagnação, à desesperança, à hipoteca do futuro. Os exauto-radores do dinamismo contido na proclamação dos «amanhãs que cantam» - e que acabam agora de se sentar na bancada governamental - não deverão prosseguir a aberrante construção dos «hojes que choram», dos «devires do luto». Não é uma fatalidade a reprodução e a pessimização da moldura que por todos é apurada. Os homens, as mulheres e as crianças do
Minho fazem jus a um quotidiano diverso, modificado, reconduzido às fermentantes hipóteses do 25 de Abril. Urge uma arquitectura político normativa assente na não discriminação, no não sacrificar de quem trabalha e produz, apta a vivificar a rede empresarial, a incrementar a transparência e a força do projecto constitucional. Pari. tanto, sabíamo-lo e estamos a prová-lo no decurso da interpelação, impõe-se a substituição do gabinete minoritário a que imputamos as responsabilidade pelo eclodir de fenómenos que envergonham o século e desafiam a consciência do País. Nesse sentido agirá o PCP. Com pertinácia e confiança, na unidade com quantos se vêm dispondo a desactivar a hidra de sete cabeças das nossas chagas colectivas.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, quero felicitá-lo pela sua intervenção e, na qualidade de deputado eleito pelo distrito de Braga e pelo conhecimento que tenho dos assuntos que o Sr. Deputado aqui trouxe, dizer-lhe que partilho integralmente das suas inquietações.
Porque o tempo é muito pouco, gostaria de muito rapidamente acentuar aqui alguns dos aspectos que, ao que creio, estão contidos no espírito e na letra da sua intervenção.
Antes de mais, parece que todas as vozes se devem levantar para problemas desta natureza e, sobretudo, contra o facto de haver claramente um adormecimento da opinião pública quanto a estas matérias. Este governo tem conseguido, através dos órgãos de comunicação social que domina, fazer esquecer alguns problemas angustiantes. Como deputado eleito pelo PS não posso deixar de levantar aqui a minha voz pelo facto de, durante o governo do PS, tantas inquietações terem sido trazidas ao de cima, de se ter mantido viva a chama do protesto - apesar de o PS ter tido de levar à prática algumas medidas duras - e agora se verificar um adormecimento intencional.
Vozes como a do Sr. Deputado são fundamentais para que se levante a inquietação legítima sobre problemas de tão grande importância.
Há ainda dois outros aspectos que aqui quero focar. Um deles é o problema da escolaridade obrigatória, pois não há dúvida que muitas dessas crianças estão ainda na idade da escolaridade obrigatória. Como é que é possível que estejam fora da escola sem que o Ministério da Educação e Cultura assuma as suas responsabilidades? É necessário que seja feito o levantamento rigoroso de todas as crianças que estão a ser exploradas e, ainda por cima, numa altura em que deveriam estar na escola.
Finalmente, quero registar aqui um aspecto muito positivo: algumas escolas do distrito de Braga, nomeadamente do ensino preparatório, fizeram autênticos trabalhos de investigação com os seus alunos visando o levantamento destas situações. É um empenhamento por parte das escolas altamente significativo, louvável a todos os títulos, e que mostra que muitas escolas do distrito sabe TI hoje encontrar um meio de ultrapassar as suas próprias paredes para inserir os seus alunos na problemática social.
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, por razões de organização do tempo da minha bancada, apenas lhe agradecerei aquilo em que se sintonizou com as preocupações da intervenção que produzi e apoiarei o que acaba de dizer, em senso crítico correcto, sobre a situação escolar de muitas crianças do distrito de Braga.
Está nas nossas mãos - do PS, do PRD, do MDP, do PCP -, nas mãos de uma franca maioria de deputados desta Câmara, o resolver desses problemas. Estou confiante em que, ao cabo desta experiência extremamente relevante da interpelação sobre trabalho, saberemos encontrar os caminhos do entendimento necessário.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude.
O Sr. Secretário de Estado da Juventude (Couto dos Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desemprego juvenil é hoje o problema que mais desafia a nossa capacidade de intervenção, a nossa responsabilidade colectiva e a vontade política para o consenso nacional.
Esta tem sido a posição do Governo e a interpretação que faz deste problema.
E, por isso, o Governo tem procurado, através de acções concretas, criar novas oportunidades para os jovens, possibilitando a sua inserção na vida activa.
Foi assim que, em 1986, se verificou o maior boom de formação profissional até hoje verificado e que possibilitou a largas dezenas de jovens encontrar um emprego.
Para 1987, o Governo reforçou a prioridade dada à criação de emprego, através de um esforço orçamental acrescido e de uma rigorosa gestão das contas públicas.
Em 1986, mais de 160 000 jovens estiveram envolvidos em acções de formação e experiências profissionais. Em 1987, cerca de 170 000 jovens serão envolvidos em acções de formação profissional, cerca de 40 000 em experiências de trabalho, 35 000 em programas de inserção na vida activa, cerca de 30 000 em programas de formação em tecnologias de informação, cerca de 6000 em programas de aprendizagem e apoio ao auto-emprego. Por outro lado, da aplicação do Decreto-Lei n.º 257/86, de 27 de Agosto, que concede às empresas a isenção do pagamento da contribuição para a Segurança Social durante dois anos, se admitirem jovens, resultou, até meados do corrente mês, na celebração de 17 300 novos contratos de trabalho por tempo indeterminado.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto significa que, no total, cerca de 300 000 jovens terão oportunidades de integração na vida activa no decurso do corrente ano. Estarão, assim, mais preparados para responderem à procura no mercado de trabalho.
Esta é a política do Governo: fornecer aos jovens uma ferramenta que lhes permita, com autonomia e responsabilidade, construir o seu futuro no respeito das suas opções.
Mas o emprego não se gera se não aparecerem novas empresas. Por isso, o Governo criou mecanismos próprios para apoiar a actividade empresarial dos jovens, quer através de um fundo próprio (que já permitiu, em 1986, a algumas dezenas de jovens construírem a sua própria empresa), quer através dos fundos estruturais da CEE, nomeadamente para os jovens agricultores. Só nos dois primeiros meses deste ano foram aprovados cerca de 250 projectos, num valor global de 1,6 milhões de contos.
No total, o esforço financeiro em 1987 para os jovens será, contando com o apoio às actividades empresariais, superior a 70 milhões de contos.
Perguntaria, Srs. Deputados, se já alguma vez se tinha feito tal esforço e se se criaram tantos programas para responder às aspirações dos jovens, ou seja, se já alguma vez se proporcionaram aos jovens tantas oportunidades de preparação para o mercado de trabalho e de ajuda a encontrarem um emprego?
Não será esta a política mais adequada para os jovens, ou seja, permitir que eles próprios, sem paternalismos ou processos dingistas, encontrem ou criem o seu próprio emprego?
Mas, afinal que política de emprego nos apresenta o PCP? Nenhuma; porque depois do discurso vazio e da crítica destrutiva segue-se o silêncio, a falta de propostas concretas, a sua própria frustração e, portanto, o vazio. É o discurso do quanto pior melhor.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por muitas voltas que se dê ou por muitas buscas que se façam nos manuais das ideologias políticas, os mecanismos para a criação de mais emprego passarão, sempre - mas sempre -, entre outras, pelas seguintes vertentes: aumento de investimento, revitalizando as empresas existentes e criando outras novas; maior clima de confiança entre empregador e empregado - o que pressupõe um novo quadro para a legislação laborai; reforço da formação profissional, respondendo às novas exigências tecnológicas, e criação de condições para haver mobilidade de mão-de-obra.
Mas, qual tem sido o comportamento do PCP quanto a estas quatro vertentes? Total obstrução. Apostando na instabilidade, defendendo a situação de manter os jovens indefinidamente na fila de espera, no que diz respeito à obtenção do primeiro emprego, obstrução à renovação das empresas e à sua reestruturação e medo da mobilidade da mão-de-obra.
Srs. Deputados, é isto que nos leva a uma questão de fundo, e que é escamoteada pelas questões superficiais que por vezes aqui são colocadas.
O que está em causa, hoje, e que o PCP tem medo de assumir, é que somos confrontados com uma nova sociedade, assente na modernização e em novos valores culturais, gerando novas mentalidades, o que exige uma forma de estar na política mais pragmática e consistente.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Ora, isto não é compatível com sistemas velhos e ideias de século passado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olha quem fala!
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O Orador: - Aliás, é este o sentimento da juventude portuguesa e a sua reacção a ideias velhas.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Os jovens estão cansados de bloqueios e não percebem que em nome da política partidária se ponham em causa as oportunidades que lhes são dadas para construírem o seu futuro.
Portugal vive hoje um clima de optimismo moderado, de esperança no futuro e de desejos de modernização.
Hoje, os jovens acreditam no futuro e sentem-se elementos fundamentais neste processo de modernização que está em curso.
Uma voz do PCP: - Eles não acreditam!
O Orador: - E não vale a pena, Srs. Deputados, construírem-se teorias matemáticas e construírem-se novos modelos estatísticos para tentar apresentar outros números.
Felizmente que a matemática é uma ciência exacta, e os números falam por si.
Mas ontem nesta Câmara descobriu-se uma nova teoria de matemática estatística. Aguardo com curiosidade o novo manual de matemática estatística que certamente o Sr. Deputado Octávio Teixeira vai apresentar publicamente - pelo menos foi o que depreendi da sua intervenção.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Custa-lhe a compreender as coisas ... é de natureza. Nasceu assim, coitado!
O Orador: - Quando o PCP fala de aumento de pobreza, sou obrigado a concluir que têm andado por outros países e que não conhecem a realidade do País.
Mas, talvez seja isso que aflige os Srs. Deputados. Quanto mais justiça social e bem-estar o Governo aplica e defende mais difícil se lhes torna construir o discurso político assente em modelos da década de 50.
Sejamos coerentes, Srs. Deputados, que a ideologia nos separe, fico satisfeito, mas que se esteja contra mais justiça social e bem-estar para as populações, já me custa a perceber.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Repare-se na fragilidade dos argumentos económicos do partido interpelante que para criticar os bons resultados da política económica do Governo se refere apenas à conjuntura externa ...
Mas, será que, por exemplo, a Irlanda, a Grécia e até mesmo a vizinha Espanha não são deste planeta? Não estavam, também, no mesmo plano para poderem beneficiar dessa conjuntura externa?
Comparem-se os resultados desses países e de Portugal e depois fale-se com autoridade.
Só que, nessa altura, ter-se-ia certamente de inverter o discurso e elogiar o Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente uma reflexão sobre o trabalho infantil.
O Governo tem combatido, por todos os meios, este problema. Não podemos permitir que, no final do século XX, seja ofendida a dignidade humana na sua componente mais voluntariosa: a juventude.
Mas, Srs. Deputados, não usemos chavões, sejamos mais pragmáticos e responsáveis.
O Estado somos todos nós, e em democracia a participação de todos é fundamental. Por isso, os sindicatos, as associações, as colectividades, etc., todos têm uma quarta-parte de responsabilidade se pactuarem ao permitirem que se desenvolva tal estado de coisas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo sempre governou e governa em diálogo. Se têm soluções concretas para os grandes problemas nacionais, apresentem-nas. Estamos dispostos, como já várias vezes afirmei nesta Câmara, a discutir e implementar essas medidas desde que respondam às aspirações dos jovens portugueses.
E aqui desafio o PRD a apresentar as soluções - se é que, porventura, as tem - que, no seu discurso de ontem, deixou entender possuir. Apresentem-nas hoje nesta Câmara!
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não têm alternativa!
O Orador: - E também gostaria, já agora, de saber que tipo de listado o PRD defende. Da sua intervenção não compreendi se defendia um Estado marxista, um Estado providência ou um Estado liberal.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É neste quadro de diálogo que expressei que aproveito para responder ao Sr. Deputado Carlos Coelho, uma vez que não tive oportunidade de o fazer ontem por falta de tempo.
O Governe e nomeadamente o Ministério do Trabalho e Segurança Social e a Secretaria de Estado da Juventude estão disponíveis a apoiar as acções que o Conselho Nacional de Juventude venha a desenvolver para se fazer um debate nacional sobre o desemprego juvenil.
Porque o Governo entende que sendo as medidas estruturais determinantes do futuro, devem ter sempre a participação dos jovens.
Srs. Deputados, os problemas que afectam os jovens atingem-nos de igual maneira, independentemente da área ideológica em que se colocam.
Sejamos responsáveis e dignos de merecer a confiança da juventude portuguesa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado da Juventude, inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Patrício e Rogério Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - O Sr. Secretário de Estado da Juventude pode subir àquela tribuna e dizer aquilo que muito bem entende e quer.
O Sr. António Capucho (PSD): - Como não estamos na União Soviética, é assim...!
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O Orador: - Simplesmente, suponho que não tem o direito de, numa tentativa de minimizar as coisas, dizer que só o Governo é que apresenta propostas e tem iniciativa para resolver as questões e os problemas com que todos nós estamos confrontados.
Assim, aquilo que pergunto ao Sr. Secretário de Estado da Juventude é se considera ou não que a actividade do Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República, através da apresentação de inúmeros projectos de lei, contribui para que esta Câmara possa discutir e analisar diversas questões. Refiro-me, por exemplo, ao subsídio de desemprego, à discriminação salarial, ao último projecto de lei que apresentámos sobre medidas de combate à exploração do trabalho infantil, e podia referir inúmeras outras iniciativas que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou.
Por outro lado, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado da Juventude se está ou não interessado, através de propostas legislativas ou através de iniciativas de outra espécie, em colaborar com a Assembleia da República para ser possível o diálogo e a convergência de que V. Ex.ª tanto falou. É que não conseguimos descortinar essa atitude por parte do Governo, mas sim a atitude contrária.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Juventude, V. Ex.ª está a seguir um caminho ambicioso, que o levará certamente, um dia destes, a ser secretário de Estado da propaganda... da propaganda e da juventude, pode ser que dê para acumular as pastas!
Risos do PSD.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Essa só por piada!
O Orador: - Mas reconheço a sua capacidade de iludir através dos números e de jogar com aquilo que, ao fim e ao cabo, seja talvez uma brincadeira juvenil. Isto é, o Sr. Secretário de Estado pega neste conjunto de programas - aliás, em grande parte importados de outros países e das normas comunitárias - e joga com eles como se com isso estivesse, de facto, a resolver os problemas, as aspirações da juventude, e como se essa fosse a sua bola de cristal, a sua varinha mágica para responder a esses mesmos problemas.
O Sr. Secretário de Estado da Juventude parece ignorar o quotidiano da juventude portuguesa de hoje. Ou seja, fala da criação de postos de trabalho? Não fala! Fala do combate à precarização do trabalho? Não fala! O Sr. Secretário de Estado oculta aquilo que é fundamental para o jovem: o direito a ter um emprego estável, digno, que dê para criar família, para constituir a sua vida e para prosseguir o seu futuro.
Tenho aqui um dado da Caritas portuguesa - não é do PCP, mas da Caritas portuguesa - em que se afirma que mais de um terço das famílias portuguesas está aquém de um limiar de pobreza absoluta e quase 50% abaixo de um limiar de pobreza relativa. Que resposta tem o Sr. Secretário de Estado para esta situação? Entende que os jovens não são atingidos por ela? Jovens que hoje não conseguem arranjar emprego e se o conseguem é a prazo, ao dia, à semana ou em situações como as daquelas crianças que aqui foram já descritas por vários camaradas meus, ou seja, situações de pobreza incrível? Acha que hoje, doze anos após o 25 de Abril, essa situação é admissível?! Pode o Secretário de Estado da Juventude dar-se ao luxo de vir falar nesta Assembleia desta forma displicente em relação a problemas tão dramáticos, tão vividos e que hoje são sentidos mais do que nunca?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - É esta a resposta que o Governo dá aos problemas da juventude?
Sr. Secretário de Estado, gostaria de ouvir da sua parte um comentário sobre estes assuntos, se é que está disponível e tem interesse em o fazer.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado Rogério Moreira não ouviu parte da intervenção do Sr. Secretário de Estado!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude.
O Sr. Secretário de Estado da Juventude: - Sr. Deputado Jorge Patrício, gostaria de lhe dizer que na minha intervenção disse muito claramente: se W. Ex." têm propostas, apresentem-nas, pois estou sempre na disposição de as discutir. Sempre disse isso e digo-lhe mais: não é possível, seja a quem for, fazer política de juventude em Portugal se tal não se processar através do diálogo com todas as organizações de juventude; a não ser assim, jamais será possível construir uma política de juventude.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto às propostas, já referi nesta Câmara que existe um órgão, que é o Conselho Consultivo da Juventude, onde todos os jovens de todas as organizações têm assento, no qual já este ano, ao fim de oito meses de trabalho, foram analisadas cerca de oito questões de fundo.
Acho que, mais do que isto, Sr. Deputado, a vontade deve partir de quem tem as propostas ou de quem pretende discuti-las.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Para vocês a aprendizagem caiu num saco roto!
O Orador: - Está a ser discutida, Sr. Deputado.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Rogério Moreira, gostaria de lhe dizer que quando se é novo se vibra mais com estes problemas e estou de acordo consigo. Porém, nunca devemos confundir aquilo que nos vai na alma com a realidade do País, sob pena de distorcermos essa mesma realidade.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): Ora aí está um comentário pertinente!
O Orador: - Sr. Deputado, quanto à criação de emprego, esta é uma questão da visão de Estado que cada um de nós tem. Portanto, nem vale a pena entrar na discussão desse assunto, porque o seu Estado é diferente do meu.
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No que diz respeito à pobreza, Sr. Deputado, dir-lhe-ia, em primeiro lugar, que nenhum outro governo até hoje se preocupou tanto com as pensões de reforma, nem nenhum as aumentou tanto como este governo o fez.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, se há zonas do País - e conheço-o, porque tenho conversado com jovens - onde existem casos a que é preciso acorrer (e é a esses que o Governo vai atender), gostaria de lhe dizer que aí o seu partido tem fortes responsabilidades nas situações geradas.
Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PCP.
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Em Setúbal?!
O Orador: - Basta percorrer determinadas zonas do País, que não cito, para se perceber que são os jovens de hoje que estão a ser vítimas de acções aventureiristas que se tomaram, pois só se pensou em um, dois ou três anos e esqueceu-se que o futuro iria afectar sobretudo aquela população mais jovem, que hoje enfrenta enormes problemas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Hoje estão a pagar isso, Sr. Deputado, e acho que os senhores, antes de falarem sobre estas questões, deveriam pensar em como elas surgiram.
Protestos do PCP.
Quanto à precarização do trabalho, gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado, que também aqui é preciso haver ética e moral políticas.
Onde é que está a responsabilidade? Por que é que existe precarização do trabalho? Porque a legislação distorceu isto tudo! Os Srs. Deputados sabem isso. Contudo, não têm a vontade nem a coragem políticas de o assumir perante o País e de dar uma resposta aos jovens, que estão a ser os mais sacrificados com o sistema que hoje temos.
Srs. Deputados, sejamos coerentes, respeitemos a ética e a moral políticas, pois acho que isso é fundamental.
Aplausos do PSD.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Em que escola é que você anda? Deve ter apanhado uma grande negativa no 1.º trimestre!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.
O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (Fernandes Marques): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já foram aqui referidos, nomeadamente na intervenção do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, diversos números e diversas situações que tinham sido tratadas pelos Srs. Deputados do partido interpelante.
Não obstante os esclarecimentos que já foram prestados, alguns Srs. Deputados persistiram em afirmações que não correspondem à verdade. Daí que haja necessidade de insistir) em algumas das informações já prestadas, de forma que não fiquem dúvidas sobre qual é a posição do Governo a respeito de alguns dos fenómenos analisados.
Assim, relativamente ao trabalho infantil, o Governo já teve oportunidade de dizer, quer aqui nesta Assembleia quer através dos órgãos de comunicação social, que esta é uma situação intolerável e que o Governo a combaterá cem a máxima firmeza.
Alguns Srs. Imputados ouviram talvez o que eu disse numa pequena entrevista dada à televisão relativamente a esta questão, nas só ouviram metade do que eu disse. Isto porque referi que muitas destas situações resultavam da ganância (é esta a expressão) dos exploradores da mão-de-obra infantil, embora conjugada também com a ganância de alguns pais, que muitas vezes pretendem ter mais rendimentos em sua casa, eventualmente para fazerem face a despesas supérfluas, do que terem.
Protestos de PCP.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Tenha siso!
O Orador: - Siso tenha o Sr. Deputado e não me interrompa, por favor, pois eu não o interrompi! Nunca interrompi nenhum Sr. Deputado quando está a produzir a sua intervenção! Por isso peco-lhes a bondade de terem para comigo o mesmo comportamento!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas há limites para aquilo que se diz!
O Orador: - Há limites sim, Sr. Deputado, há limites para aquilo que se diz e para aquilo que se faz! Sr. Deputado, o juízo é seu! Deixe-me falar também, pois há liberdade em Portugal!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. António Capucho (PSD): - Isto não é a União Soviética!
O Orador: - Portanto, como estava a referir, se esta exploração ca mão-de-obra infantil pode resultar de situações de carência económica de algumas famílias, resulta também muitas vezes da ganância conjugada de alguns pais com alguns exploradores empresários.
Aliás, devo dizer a este respeito que o Ministério do Trabalho e Segurança Social, através da Inspecção Geral do Trabalho, em colaboração com as repartições de finanças e com os responsáveis do Ministério da Educação e Cultura a nível regional, tem procurado, tanto quanto possível, combater estas situações. E fá-lo nas suas acções normais de inspecção, como o faz também em acções de inspecção especificamente viradas para o combate a este fenómeno.
Na verdade, este ano foram já feitas duas acções específicas viradas para o combate ao trabalho infantil e foram, nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Porto, detectadas cerca de 100 situações, que foram, naturalmente, penalizadas.
Também já durante este mês de Março foi feita uma acção específica de combate ao trabalho infantil nos distritos de Centro do País - Aveiro, Viseu, Coim-
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bra e Leiria - e foram detectadas mais 72 situações, sendo que, naturalmente, os responsáveis por estas infracções foram igualmente penalizados.
Agora, não há dúvida é que é também indispensável um trabalho pedagógico junto dos pais, que são, de certa forma, cúmplices da exploração dos seus próprios filhos. E indispensável, através da escola, das autarquias locais, das associações sociais e culturais e também das organizações sindicais que este fenómeno seja combatido, nomeadamente por intermédio da condenação da opinião pública.
De qualquer forma, o combate a este fenómeno também não beneficia nada com algumas intervenções de alguns dirigentes sindicais, nomeadamente como aquelas que vêm no jornal Notícias da Covilhã, de 20 do presente mês.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Relativamente à questão dos salários em atraso, convém que não se esqueça que, um mês depois de este governo ter tomado posse, pela primeira vez foram tomadas medidas concretas para minorar a situação social dos trabalhadores vítimas deste fenómeno. Com efeito, foi em Janeiro que foi publicada legislação que garantiu a todos os trabalhadores vítimas desta situação um mínimo de solidariedade social, através da sua equiparação a desempregados involuntários.
Por outro lado, há números que se agitam relativamente aos trabalhadores que são ainda vítimas desta situação e às empresas que poderão ser abrangidas pela previsão da Lei n.º 17/86, números esses que, de facto, não correspondem minimamente à verdade.
Desde a entrada em vigor da Lei n.º 17/86 até 28 de Fevereiro deste ano, isto é, até há cerca de três semanas, foram apresentados, com base na lei da Assembleia da República sobre salários em atraso, exclusivamente 167 requerimentos. Será que os trabalhadores das empresas, que muitas vezes se diz estarem com salários em atraso, e que não estão, são masoquistas? Será que esses trabalhadores não recebem salários durante muitos meses e não querem ter acesso ao subsídio de desemprego? Ou será que alguém, com intenções pouco claras, manipula números, pensando que continua a manipular os trabalhadores, a sociedade portuguesa e a opinião pública como manipulou em 1974, 1975 e 1976?
Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PCP.
O Orador: - Relativamente à Inspecção-Geral do Trabalho, pela primeira vez o Governo enviou à Assembleia da República, o ano passado, o relatório da actuação da Inspecção Geral do Trabalho em 1985. Aliás, parece que com pouco êxito relativamente a alguns dos Srs. Deputados, porque, pelos vistos, nem isso leram.
De qualquer forma, nós somos perseverantes, somos persistentes, e este ano enviaremos também para a Assembleia da República, pela segunda vez - e volto a repeti-lo, é este o Governo que pela primeira vez faz isto -, o relatório das actividades da Inspecção-Geral do Trabalho em 1986.
No entanto, poderia adiantar já alguns números relativamente às intervenções deste organismo.
Assim, o ano passado foram feitos cerca de 25 000 pedidos de intervenção, dos quais 8900 foram feitos directamente por trabalhadores, 8200 por organizações sindicais e os restantes por outras entidades, nomeadamente departamentos oficiais.
Destes pedidos de intervenção - e havia pedidos que estavam pendentes do ano anterior - foram solucionados 27 000, o que significa que houve uma recuperação, relativamente a 1985, de pedidos de intervenção que estavam pendentes.
Durante o ano de 1986 foram também efectuadas 98 000 visitas de inspecção às mais diversas empresas dos mais diversos sectores de actividade.
Aliás, também nesta área de intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho, pela primeira vez em 1986 foi feita uma acção inspectiva de carácter global ao sector da agricultura. Isso nunca tinha sido feito, e esta acção global relativa à agricultura teve fundamentalmente um carácter pedagógico, já que era a primeira vez que se efectuava. Ela incidiu sobre todos os tipos de exploração agrícola, ou seja, sobre as empresas privadas, sobre as cooperativas e também, naturalmente, sobre as unidades colectivas de produção.
Por outro lado, dentro da sua actuação coerciva, que também exerce quando a acção pedagógica não resulta, foram levantados, em 1986, 11 610 autos de notícia, o que correspondeu a um valor de multas e coimas de 320 000 contos.
Estes são alguns números que queria referir para prestar um esclarecimento sobre um assunto que estava convencido já ser do conhecimento dos Srs. Deputados, mas que, pelos vistos, alguns demonstraram ignorar.
Por último, queria referir mais uma vez a questão da legislação laborai.
O Governo cumpriu aquilo que tinha prometido, e fê-lo apresentando nesta Assembleia um pedido de autorização legislativa, ^acompanhado dos textos que faria aprovar, se esta Câmara lhe concedesse a autorização solicitada. Admitiu mesmo que, se os Srs. Deputados pretendessem introduzir algumas alterações que pudessem beneficiar o conjunto dos três projectos, o Governo estava disposto a esse diálogo.
Aliás, antes de se ter apresentado esta proposta na Assembleia da República houve diálogo efectivo - os responsáveis dos partidos democráticos sabem isso e naturalmente que o confirmarão - com os diligentes dos partidos democráticos (do PS, do PRD, do CDS ...) nesse sentido. Não foi, portanto, por falta de diálogo que a Assembleia da República não pôde aprovar o pedido do Governo. Pelo contrário, a Assembleia bloqueou aí o trabalho do Governo. Agora, lavando as suas mãos como Pilatos, vêm alguns Srs. Deputados desafiar o Governo para novamente apresentar propostas, para novamente dialogar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diálogo tem limites e um desses limites é a boa-fé por parte de com quem se dialoga. Porém, não está garantido neste momento que o comportamento dos partidos com que dialogámos na altura oportuna se tenha entretanto alterado.
De qualquer forma, também o PS, nas jornadas parlamentares de Setembro do ano passado, afirmou claramente que ia apresentar nesta Câmara uma proposta de revisão da legislação laborai, respeitante a contratos a prazo, cessação do contrato individual de trabalho e trabalho temporário. Contudo, até agora parece-me que nada fez.
O Sr. António Capucho (PSD): - Esqueceram-se!
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O Orador: - Também o PRD disse, durante a campanha eleitoral, que uma das suas preocupações máximas era a revisão da legislação laborai. No entanto, pergunto o que é que até agora fez ou apresentou o PRD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não obstante isto que agora referi, o Governo não está, como é óbvio, de braços cruzados e pensa que é através da concertação social, através do diálogo com as forças sociais que estão interessadas na concertação social, que poderão encontrar-se pistas para ultrapassar esta dificuldade e para se contribuir para a modernização do nosso país. Aliás, esse caminho da concertação social é um caminho que está aberto, o qual as forças sociais já demonstraram que possuem vocação e vontade de continuar a trilhar.
Portanto, o Governo vai continuar a trilhar o caminho da concertação social.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Ferro Rodrigues, António Mota e António Marques.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, V. Ex.ª tem o meu apoio quando manifesta preocupação pelo trabalho infantil. Mas, quando considera como factor principal deste problema a ganância dos pais, aí já tenho sérias dúvidas em dar-lho.
Como o Sr. Secretário de Estado deve ter conhecimento, há uma publicação do partido interpelante onde se fazem algumas denúncias, como seja o caso do presidente do conselho directivo da Escola Preparatória de Felgueiras, que diz que «neste ano lectivo, de 970 processos transferidos no final da escola primária, só 850 concretizaram a sua inscrição na escola. Os miúdos saem da escola e vão trabalhar para casa até se deitarem».
No distrito de Braga, denunciam as estruturas sindicais, 200 empresas exploram o trabalho infantil. De 900 empresas existentes em Famalicão, 30% são clandestinas e utilizam crianças, que trabalham catorze horas ou mais por dia e a quem se paga de 6000$ a 10 000 por mês.
A Liga Operária Católica - portanto, uma instituição que é insuspeita para V. Ex.ª - denuncia o facto de no distrito de Braga haver crianças que trabalham de dez a doze horas por dia, auferindo salários mensais que oscilam entre 5000$ e 7000$.
Os sindicatos citam todas as empresas conhecidas onde se utilizam crianças que trabalham sob a exploração patronal.
Ontem o Governo já declarou o facto de ser extremamente difícil colocar à porta de cada empresa um inspector do trabalho ou um membro do Governo a vigiar esta situação; é evidente que o problema não é fácil. Contudo, gostava de saber se o Governo tem em vista algum programa em que inclua as autarquias, os governadores civis, possivelmente as próprias autoridades policiais, uma vez que a Inspecção-Geral do Trabalho não poderá atalhar tudo - e este também é um caso a ser visto - no sentido de travar definitivamente esta exploração medieval que se está a verificar em Portugal.
Perante um programa credível que termine com esta exploração, talvez V. Ex.ª - se ainda for membro do Governo - tinha possibilidade de vir à Assembleia dizer-nos, perante um inquérito efectuado, qual a percentagem de crianças que trabalham por força da ganância dos pais.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª pretende responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Secretário de Estado, curiosamente, o Governo, quando dispõe de alguns indicadores ou de alguns resultados que encara como positivos, lança os foguetes, faz a festa, diz que é um governo que governa, que executa o seu Programa, inclusivamente que ultrapassa as metas, etc., como ontem se pôde verificar no início da intervenção do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social. Porém, quando não consegue ou não quer resolver os problemas, comporta-se como um governo da oposição e assume-se como um governo de um partido minoritário, dizendo que a responsabilidade é da Assembleia da República e dos partidos da oposição.
Aqui a legislação laborai tem costas muito largas. A incapacidade que os senhores manifestam em relação ao combate ao trabalho precário com ultra-exploração, ao trabalho infantil e à incapacidade de dominar o crescimento descontrolado da contratação a prazo remetem-na para a Assembleia da República e para os partidos da oposição, o que me parece completamente absurdo.
Aliás, o Governo tem uma concepção de diálogo bastante peculiar, que é o diálogo feito com base em pedidos de autorização legislativa. Isto quer dizer que é um diálogo que quando começa já está encerrado à partida.
Sr. Secretário de Estado, se para o Governo o diálogo tem limites - V. Ex.ª afirmou isso e, pelos vistos, mostrou quais são os limites estruturais do diálogo que concebe -, para nós a paciência tem limites.
O Sr. Ferraz, de Abreu (PS): - Muito bem!
O Orador: - Efectivamente, e tal como prometemos nas jornadas parlamentares, temos legislação laborai pronta e dizemos muito claramente que não manteremos durante muito mais tempo a nossa paciência em relação a espetarmos iniciativas do Governo.
Por outro lado, é estranho que neste momento o Governo não responsabilize apenas a oposição e a Assembleia da República, como, inclusivamente, em relação ao trabalho infantil, vá buscar um argumento que, do ponto de vista intelectual, me parece inferior, que e o de considerar pais gananciosos como com responsáveis do trabalho infantil. Sr. Secretário de Estado, é pura demagogia o facto de ir buscar um problema que pode ser extremamente marginal, que
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não tem qualquer significado político, para exprimir a sua posição de completa incapacidade em relação às respostas que esta Assembleia da República lhe vem exigindo durante esta interpelação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. António Capucho (PSD): - Esqueceram-se do projecto de lei?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Secretário de Estado, em vez de formular pedidos de esclarecimento, vou fazer um protesto em nome da minha bancada, porque V. Ex.ª fez aqui algumas afirmações que - e desculpe que lhe diga - não são correctas.
Quando vem aqui dizer que em certa medida o trabalho infantil se deve à ganância dos pais, o Sr. Secretário de Estado ou não conhece a realidade ou nunca foi às empresas e contou apenas aquilo que lhe disseram, e informaram-no mal. Eu fui às empresas, estive em Felgueiras, na Regilde Pratick, na ARTILÓ, na Jackpot, falei com as crianças, com os pais delas e até com os patrões e« verifiquei que havia duas razões para o trabalho infantil: a primeira é devido à situação de miséria em que aquelas famílias vivem e a segunda é devido à ganância do patronato.
Quando o Sr. Secretário de Estado vem escamotear a questão de fundo, que é a situação degradante em que aquelas famílias vivem, peço desculpa, mas ou V. Ex.ª vem enganar esta Assembleia, ou vem falar de coisas que não conhece, ou que conhece muito mal, ou que lhe contaram.
Quanto à questão dos salários em atraso, gostaria de dizer duas coisas: os senhores continuam a falar na diminuição do número de trabalhadores com salários em atraso. Os senhores contabilizam o 13.º mês? Contam o subsídio de férias? As diferenças salariais dos contratos colectivos? Estas remunerações não fazem parte da vida económica dos trabalhadores? É bom que não venham aqui escamotear números, porque esta não é a verdade dos factos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.
O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar quero dizer que o discurso que V. Ex.ª produziu me parece todo ele intolerável e, em relação ao trabalho infantil, parece-me mesmo incrível - não lhe chamarei arrogante, dado que não tenho por hábito adjectivar dessa maneira.
Gostaria, pois, que comentasse alguns dados acerca do «milagre» do emprego. A população desempregada aumenta, no sector masculino, entre o 3.º e o 4.º trimestre e 12 000 novos trabalhadores procuram emprego. Aumenta ainda em 28 000 daqueles que aguardam o primeiro emprego. O desemprego continua a aumentar, na ordem de 5000, para os jovens que procuram o primeiro emprego. No sector masculino acentua-se ainda mais, com 8000 jovens que procuram um novo primeiro emprego. Na população que aguarda um novo emprego - e aqui é mais flagrante - aumenta o desemprego em 16 000 unidades. Naqueles que há menos de um ano efectuam diligências de emprego, aumenta o desemprego em 12 000 unidades e, naqueles que no sector masculino procuram emprego há mais de um ano, aumenta o desemprego em 10 000 unidades. Gostaria que o Sr. Secretário de Estado comentasse todos estes dados em relação ao «milagre» do emprego.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.
O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, quanto à questão do trabalho infantil, mais uma vez vou repetir aquilo que tenho dito, ou seja, que há exploração do trabalho infantil, o que consideramos uma situação intolerável, há ganância dos empregadores, que exploram a mão-de-obra infantil, mas também há alguma dose de ganância por parte dos pais, que aceitam que as crianças sejam exploradas. Esta é uma questão de ponderar valores.
Por parte do Governo, nomeadamente do Ministério do Trabalho e Segurança Social, esta situação é intolerável. Combatê-la-emos com todas as possibilidades que tivermos e, tal como temos feito, continuaremos a apelar a todas as entidades autárquicas, sindicais e às organizações sociais que tenham conhecimento destas situações, porque desde que elas nos cheguem ao nosso conhecimento faremos actuar os mecanismos de que dispomos.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, devo dizer-lhe que é com preocupação que também vemos aumentar a precarização do emprego. Mas ela resulta da legislação que está em vigor e, como o Sr. Deputado sabe, o Governo não tem meios para combater a utilização abusiva dos contratos a prazo. De qualquer forma, as medidas de incentivo à criação de emprego dos jovens que foram implementadas por um decreto-lei do início de 1986 e reformuladas por um outro decreto-lei em Agosto de 1986 favorecem em termos financeiros as empresas que admitam jovens com contratos por prazo indeterminado. Ora, aqui está uma medida indirecta de combate à precarização do emprego que, como foi referido, já contribuiu para que com base nestes incentivos fossem admitidos nas empresas cerca de 16 000 jovens.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quantos com contratos a prazo?
O Orador: - Sr. Deputado, a questão do número de trabalhadores com contratos a prazo já foi referida pelo Sr. Ministro.
Devo dizer que fiquei com uma expectativa grande relativamente a saber quando é que o Partido Socialista vai perder a paciência e vai apresentar na Assembleia da República a proposta de revisão da legislação laborai que disse que ia apresentar.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Se calhar, mais depressa do que pensam!
O Sr. António Capucho (PSD): - Não são capazes!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Ministro «sombra» não tem nenhuma!
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O Orador: - O Sr. Deputado António Mota abordou, mais uma vez, a questão do trabalho infantil.
Na intervenção que produzi referi que há muitas situações em que os pais colaboram, por carências graves do ponto de vista económico das respectivas famílias. Ora, aquilo que se deve fazer é criar condições económicas que permitam a todas as famílias um grau mínimo de bem-estar que possibilite que pais e filhos tenham acesso aos bens indispensáveis e assim os jovens poderão formar a sua personalidade e desenvolver-se de forma a serem úteis à comunidade e realizar-se humana e profissionalmente. Esses são os objectivos.
Porém, creio que em parte isso já foi conseguido no ano passado, porque é um dado adquirido de todos, que o rendimento das famílias aumentou com o crescimento efectivo do poder real de compra.
O Sr. Deputado António Marques referiu-se à questão do trabalho infantil. Longe de mim tratar uma questão destas, que é chocante, com arrogância, Sr. Deputado. A este respeito, deveremos ser arrogantes - e sê-lo-emos -, mas é para com os exploradores da mão-de-obra infantil.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E seremos arrogantes no sentido de combater esta situação, sem qualquer espécie de limites, a não ser os que a lei nos traça.
Porém, temos que ter consciência de que não é apenas através da actividade repressiva que vamos resolver o problema, mas sim através da melhoria das condições económicas das famílias e da condenação, por parte da opinião pública, de situações como estas.
Relativamente aos números de emprego e desemprego de jovens a que o Sr. Deputado se referiu, já o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social abordou esta questão e possivelmente ainda irá fazer uma outra intervenção sobre esse tema.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Martins.
O Sr. Manuel Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português para a abertura de um debate centrado na situação laborai causou em mim um misto de expectativa e curiosidade.
Expectativa e curiosidade pelo facto de o debate, que esteve marcado para a semana passada, ser a sequência lógica do seminário que a central sindical que sempre se tem comportado como verdadeira correia de transmissão do partido interpelante havia realizado aqui em Lisboa, e do qual saiu como conclusão mais importante o reconhecimento da necessidade por vezes do recurso ao despedimento de trabalhadores para a viabilização das empresas. Daí a minha expectativa pelas restantes conclusões.
No entanto, e como disse o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa logo no início do debate, o anúncio pelo PRD da apresentação de uma moção de desconfiança deve ter alterado a estratégia a seguir e, com certeza, vai o País perder a oportunidade de assistir a mais uma inflexão do Partido Comunista Português, reconhecendo a meritória actuação do Governo no campo laborai.
Da minha parte, esperava ver nesta proposta institucional de actuação mais uma manobra concertada do partido interpelante com as organizações sindicais que controla, para, embora de uma forma envergonhada, alterar a forma de actuação seguida após o 25 de Abril e que conduziu quer à divisão sindical, da qual são os únicos responsáveis, quer ao alheamento cada vez maior dos trabalhadores portugueses pelo movimento sindical que representam e, consequentemente, à sua perda de força.
Srs. Deputados do Partido Comunista Português, se este debate fosse o pontapé de partida para uma forma de actuação institucional da vossa parte e das organizações que controlam, estes dois dias de debate seriam úteis e marcariam, por certo, um marco histórico no nosso processo democrático. Mas, peia forma como aqui se têm apresentado, de uma maneira arrogante, pretendendo lançar sobre este Governo as responsabilidades pelo que de mal hoje ainda existe e, mais do que isso, pretendendo acusá-lo por ocorrências que já são do passado, e que este Governo corrigiu, não vejo que tal seja possível.
Srs. Deputados do Partido Comunista Português, tantas têm sido as correcções de percurso que o povo português vos tem obrigado a efectuar, mas que por vezes só ter sido feitas quando as mesmas já têm causado graves e por vezes dolorosos sacrifícios principalmente à que es que dizeis defender. Para quando mais uma correcção, esta na vossa forma de agir no mundo laboral? Por quanto tempo mais quererão continuar à margem da realidade nova que hoje se vive neste campo específico? Para quando da vossa parte o assumir uma posição dialogante e de concertação com todas as forças existentes em vez de um arrebanhar por vezes indignificante de trabalhadores para manifestações de rua que apenas servem os vossos interesses partidários?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por que não uma formação capaz a esses mesmos trabalhadores, para que os mesmos possam enfrentar os desafios que cada vez com mais acuidade se lhes colocam? Para quando o assumir das graves responsabilidades que vos cabem pela situação económica em que colocastes a maioria das empresas em 1974 e 1975, quando tivestes a responsabilidade pela governamentação do País? Com que coragem vêm V. Ex.ªs acusar este Governo pela situação que hoje se vive dos salários em atraso, quando sabem que esta praga é fruto não só da má gestão de alguns empresários sem escrúpulos, não só do desvio para benefício pessoal do património das empresas, mas principalmente é fruto do acumular de débitos quer à banca, quer ao sector estatal, por parte das empresas devido à desastrosa política seguida pelos governos que V. Ex.ªs tanto defendiam porque deles faziam parte e eram os principais responsáveis, e contra os quais ninguém podia levantar a sua voz, como hoje W. Ex.as aqui fazem livremente, mesmo fazendo acusações que nem a vós próprios convencem. Estou certo?
Seria bom que se analisassem as causas do não pagamento dos salários por parte das empresas que assim procedem, para se saber quando começaram as dificuldades, para se saber quando foi que as mesmas deixaram de cumprir as suas obrigações para com o sector estatal principalmente com a segurança social, quando começaram a recorrer ao crédito bancário e a não satis-
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fazer as suas obrigações para com essas mesmas instituições bancárias. Seria bom que isso se averiguasse. Talvez ou com certeza seriam V. Ex.ªs a estar no banco dos léus para responderem pela gestão desastrosa dos negócios do Estado nos anos em que foram governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas falando de salários em atraso, com que autoridade querem acusar este Governo por esse flagelo, quando é dado adquirido por parte das mais insuspeitas instituições que algo foi feito para fazer frente a essa situação e que foi este Governo que V. Ex.ªs aqui têm acusado quem teve a coragem de o fazer, foi este Governo quem, pela primeira vez, produziu legislação para acabar com esse verdadeiro flagelo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputados do Partido Comunista Português: Tem sido evidente, nas intervenções que já produziram neste debate, que também da vossa parte não existem dúvidas de que foi graças à política económica seguida por este Governo que se, obstou a que as empresas com salários em atraso tenham aumentado como até tenham diminuído.
A prova de que V. Ex.ªs são os primeiros a reconhecê-lo são os números que neste debate nos forneceram, que, comparados com os trazidos a esta Câmara em debates anteriores, provam o que acabo de afirmar.
Outra das razões apontadas para esta interpelação é o problema do desemprego.
É um flagelo que existe em Portugal, que nem eu nem o Partido Social-Democrata nem o próprio governo que apoio o nega, e que urge combater, como aliás este Governo tem feito, e com resultados, embora não sejam os que estou certo todos nós aqui presentes desejaríamos, porque o satisfatório seria que não houvesse um único trabalhador sem o seu posto de trabalho. Porém, é uma realidade em que algo foi feito.
É natural que para V. Ex.ªs esta evidência vos custa a reconhecer e, por tal motivo, é necessário tentar convencer-nos, como tentou o Sr. Deputado Octávio Teixeira, de que tudo o que de bom aconteceu durante a vigência deste Governo foi efeito da conjuntura internacional que nos foi favorável, só o que não disse foi se essa conjuntura só foi favorável para Portugal ou se abrangeu os outros países, principalmente os da Europa dos Doze, onde estamos inseridos.
Basta, Srs. Deputados, ler os dados disponíveis, publicados não por este Governo, não pelas entidades nacionais que se encontram vocacionadas para nos facultar esses dados, das quais W. Ex.as poderiam duvidar, mas devem ler os dados publicados pela OCDE sobre esta matéria, comparando a realidade portuguesa com as dos restantes países da Europa em que nos inserimos.
Façam uso do bilhete de identidade, atravessem a fronteira, vão aqui bem perto, à nossa vizinha Espanha, com governo socialista, com uma economia a anos de distância da nossa e comparem o desemprego que lá existe com o verificado entre nós.
O que levou também o Partido Comunista Português a agendar esta interpelação é a existência de trabalho juvenil e que ultimamente tem servido de bandeira ao PCP e a organizações que lhe são afectas. Este é um problema que também a nós nos preocupa, mas não só agora, há muito tempo, pois não é um problema deste ou do anterior Governo, é um problema que sempre existiu e que quanto mais recuarmos no tempo mais se fez sentir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diálogo que o Governo fomentou entre os diversos agentes económicos e sindicais (excepção feita aos controlados pelo Partido Comunista Português) no Conselho Permanente de Concertação Social tem contribuído para que algumas das bandeiras usadas pelos Srs. Deputados interpelantes e suas organizações afins tenham sido derrubadas e a mais evidente é o controle da inflação. Estou convencido de que outras se lhes seguirão, pelo que lanço um desafio aos Srs. Deputados interpelantes para mais um desvio de percurso porque é mais que evidente que não foi nem será com manifestações mais ou menos orquestradas, não será com discursos mais ou menos inflamados, que conseguirão resolver os problemas que afligem a população portuguesa. É antes pela via do diálogo e da concertação que os verdadeiros problemas se resolverão, a não ser que sintam necessidade de continuar a ter uma bandeira para a mobilização do vosso cada vez menor número de seguidores.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.
O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: no programa apresentado na Assembleia da República. O X Governo Constitucional fazia incidir na figura da concertação social a solução milagrosa, verdadeira poção mágica, que haveria de irradicar e, se possível, para sempre todos os aleijões de que padece a sociedade portuguesa.
E fazia-o de boa-fé, suponho, tentando que acreditássemos ser a concertação social a mãe de todas as virtudes.
Ela nos haveria de ofertar uma verdadeira política de rendimentos e, através dela, a melhoria das condições de vida e de trabalho dos nossos concidadãos, não seria apenas uma realidade, seria, isso sim, uma evidência.
Esqueceu-se todavia o Governo de nos alertar, um lapso todos nós temos, de que desde o passado ano de 1976 até aos nossos dias todas as tentativas honestas ou hipócritas de sacralizar a concertação social foram ou fogos-fátuos ou nados-mortos, das quais apenas nos reza a história que foram um fracasso total.
Só a título de exemplo, o famoso Conselho Nacional de Rendimentos e Preços, criado pelo Decreto-Lei n.º 646/76, de 31 de Julho, pleno de potencialidades, assente numa representatividade tripartida cujas atribuições e âmbito eram a fazer crescer água na boca, apesar de tudo, ou por isso mesmo, nem o seu próprio regulamento interno conseguiu aprovar, mesmo reconhecendo-se que chegou a reunir para alcançar tal desiderato, mas pelas intenções que se quedou até à sua morte, ocorrida muito discretamente em 12 de Junho de 1982 com a certidão assinada pelo Decreto-Lei n.º 225/82.
Outras tentativas de criação de estruturas orgânicas tripartidas foram ensaiadas em políticas subsectoriais abarcando o emprego, a igualdade e as condições de trabalho, a segurança social.
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Citarei apenas o órgão de gestão tripartida das instituições de segurança social - o famoso Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, criado pelo Decreto-Lei n.º 549/77, de 31 de Dezembro; a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, que nasceu através do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro; o Conselho Nacional de Higiene e Segurança no Trabalho, oriundo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 204/82, de 16 de Novembro.
O que eu temo é que o Governo tenha consciência de que a concertação social, tal como tem vindo a ser praticada, não nos levará a bom porto.
E se o temo é porque razões me assistem, e de sobra, para disso suspeitar.
É que o Governo no mesmo programa que parecia todo ele girar sobre esquemas em torno da concertação social também nos ia dizendo, para que constasse, que iria transformar, e passo a citar, «Conselho Permanente de Concertação Social e o Conselho Nacional do Plano num conselho económico social» - Fim de citação.
Ora, se o Governo escreve no seu programa uma transformação estrutural dê tanto alcance é porque reconhece a falta de consistência ou mesmo o fracasso da via percorrida até agora.
Um conjunto de factores, comuns às diversas experiências, têm segregado insuficiências que nos elucidam acerca dos resultados negativos da concertação social.
Primeiro, os diversos agentes que integram a estrutura de concertação social, o Governo e os parceiros sociais, têm actuações diferenciadas.
O Governo não apresenta nenhuma política social definida para além daquilo que a conjuntura consente.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Por outro lado, o Governo recorre por sistema à vertente política da concertação, pondo de parte o pragmatismo.
Ao invés, gere e activa quase todas as iniciativas, sendo o núcleo para onde convergem e de onde irradiam grande parte das tensões.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Os parceiros sociais - as associações sindicais e patronais - sofrem de uma doença até hoje incurável e que muito tem contribuído para o fracasso da concertação, que é a chamada representatividade.
Por outro lado, não foi garantida, e por isso salvaguardada, a presença dos representantes das organizações independentes, sindicais ou patronais.
m segundo factor de fracasso é a falta de informação, a sua insuficiência ou pouca credibilidade.
Sem que esteja assegurada uma informação actual e fiável sobre o todo sócio-económico a que se hão-de reportar os objectivos e moldadas as políticas, a concertação social não é possível.
O que possuímos hoje são informações desactualizadas, diversas, consoante a fonte, carecendo de crédito, cujas vias, formas e versões dispensam quaisquer comentários.
Por tais motivos, percebemos agora os «verdadeiros consensos sociais», autênticos «exemplos históricos» que a concertação social nos oferece, envolvida em tais roupagens.
Daqui deriva que não é aceitável que seja usada a figura da concertação social para condicionar ou influenciar o exercício do direito da liberdade sindical ou de negociação colectiva, em última consequência.
Ao contrário disto, o Governo deveria abandonar a excessiva regula nentacão das políticas de relações colectivas de molde a permitir que a negociação seja cada vez mais sócia mente responsável.
A abundância de preceitos que limitam e anelam a contratação colectiva são formas de intervenção e intromissão intoleráveis num regime democrático.
Todavia, entendemos que a negociação colectiva é por si só uma forma de concertação que é necessário não esmagar porquanto ela representa como função social o melhor instrumento de defesa dos interesses e das relações sócio- profissionais.
Por tudo isto, entendemos que o Conselho Permanente de Concertação Social não é de aceitar nos moldes actuais parque distorce por completo, sendo restritivo, o espírito que deve presidir e enquadrar o tratamento das questões laborais e sócio-laborais.
Acresce ao que acabo de dizer o facto de terem sido critérios iminentemente político-partidários que regeram até agora a composição do Conselho Permanente de Concertação Social.
Por isso a representatividade foi sempre posta em causa e quedou-se muito aquém do universo ideal de responsabilidade do todo social.
Para que a sociedade democrática portuguesa se desenvolva, nós defendemos a criação de um conselho económico-social, que de qualquer modo não esgota, longe disso, a ideia de concertação social.
Este conselho, alargado a todos os sectores da sociedade portuguesa, deverá pronunciar-se sobre todas as matérias económicas ou sociais, elevando o prestígio dos parceiros sociais, a credibilidade dos órgãos, cumprindo os objectivos prosseguidos, que serão necessariamente o desenvolvimento harmonioso da sociedade portuguesa.
Não nos esqueçamos que a concertação social não se alcança apenas porque se diz, repetidamente, que se vai «fazer».
Quando proclamada unilateralmente é sinal de fraqueza, é indiciadora de falta de razões, de meios e de medidas Dará agir sobre a sociedade.
Mas se o objectivo de quem governa for o encontrar de u na solução global para Portugal, o exercício do poder, feito de verdade e demonstrando as efectivas condições e exigências sociais e sócio-económicas, revelada; através de acções tendentes a uma real partilha de poderes, então a verdadeira concertação será possível e o consenso surgirá como consequência lógica.
Até lá aguardamos.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Martins.
O Sr. Manuel Martins (PSD): - Sr. Deputado António Marques, ontem, após a intervenção da sua colega Ana Gonçalves, o meu companheiro de bancada Rui Salvada colocou uma questão que, em parte, ficou por responder e que era a de saber qual a diferença entre o discurso da Sr.ª Deputada e as posições assumidas pela CGTP/Intersindical.
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Hoje, após o seu discurso, essa pergunta põe-se novamente: qual é a diferença que existe entre o seu discurso e as posições que têm sido assumidas pela Intersindical, principalmente em relação ao Conselho de Concertação Social?
Há uma relação com as posições que o próprio PCP sempre aqui tem assumido e em que não vislumbrámos nenhuma diferença. Pelo menos, penso que ela não existe.
Gostaria que hoje nos respondesse, se fosse possível, a esta pergunta.
O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.
O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Deputado Manuel Martins, serei muito rápido.
A sua bancada continua a viver povoada de fantasmas.
Risos do PSD.
Nós somos gente desempoeirada. Não temos disso. Risos do PSD.
O Sr. Deputado perguntou-me que diferença existe.
Eu trouxe aqui uma questão que passou em claro pela vossa bancada. Apenas disse que o Governo, no debate do seu Programa, apresentou a intenção de transformar o Conselho Permanente de Concertação Social e o Conselho Nacional do Plano num outro conselho mais alargado, num conselho económico e social. Nós continuamos a aguardar que isso se verifique porque, na verdade, neste momento a Concertação social é um logro, é um simulacro e, até poderia fazer, que, na verdade, não há Concertação social.
O Sr. António Capucho (PSD): - Não foi isso que se perguntou!
O Orador: - Se o Governo tem intenções de muito rapidamente proceder a uma efectiva Concertação social criando um conselho mais alargado, muito mais representativo, continuamos a aguardar para ver.
Não confunda o nosso discurso com o discurso da bancada de um outro partido que tem todo o direito de o fazer. E não o faça tentando, de alguma maneira, fazer girar os fantasmas por toda esta Câmara porque deste lado, na nossa bancada, não há fantasmas; há-os certamente na vossa.
O Sr. António Capucho (PSD): - Por que é que não responde à pergunta? Nós até lhe damos dois ou três minutos!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: em tudo o que é discurso, entrevista, conferência de imprensa, os senhores falam da juventude!
Criaram até uma secretaria de estado que, segundo dizem, serve para desenvolver uma política «horizontal» e que por essa via estão aptos a resolver os problemas juvenis.
Não faltam inclusivamente os anúncios televisivos nos quais pretendem fazer crer que tudo está bem, porque finalmente chegou o Governo que tudo resolve e tudo faz em prol da juventude. Mas o que é um facto é que tudo isto não passa de encenação!
Fala o Governo que está a criar uma imensidade de postos de trabalho, particularmente para os jovens.
Mas em que condições? Ou será que são os programas OTJ que criam o tal emprego de que o Governo fala?
E quantos postos de trabalho foram destruídos, Srs. Membros do Governo? Porque já fizeram as contas, são capazes de nos fornecer os números em troca das habituais palavras destituídas de conteúdo?
O Governo, através da propaganda conhecida, criou uma enorme expectativa quanto à consagração legal de um novo regime do salário mínimo nacional. Dizia que com tal diploma iriam ser eliminadas as discriminações salariais de que os jovens são vítimas. Afinal de contas, a montanha pariu um rato. O decreto que aprovou é claramente desvalorizador do princípio constitucional - a trabalho igual, salário igual -, com a agravante de acentuar e apelar ainda mais à discriminação salarial em razão da idade.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O Governo afirma insistentemente que é na formação profissional que reside o remédio para todos os males.
Mas, entretanto, o Governo não faz o levantamento das necessidades do Pais em termos de mão-de-obra qualificada? O Governo não define as prioridades. Â maior parte das acções decorrem por decorrerem. É ou não verdade que só 10% dos que frequentaram cursos de formação profissional conseguiram obter emprego? E em que condições o obtiveram? Com estabilidade ou a prazo?
E será que o Governo se pretende esconder por detrás das verbas do Fundo Social Europeu e das acções por este financiadas? Os Srs. Membros do Governo têm de explicar por que razão não tomaram ainda as medidas que possibilitem, de acordo com a lei de bases, uma correcta articulação entre o sistema educativo - o mercado de trabalho - e a formação profissional. E isto é uma matéria totalmente importante para podermos avaliar da formação profissional de que os Srs. Membros do Governo tanto falam.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ao mesmo tempo que o Governo afirma que o desemprego juvenil diminui, generalizam-se as situações de trabalho precário e de trabalho sem contrato, o que retira qualquer credibilidade e seriedade às afirmações e juízos governamentais.
O Governo não ignora que o desemprego feminino aumentou. Que o desemprego juvenil se esconde por detrás do subemprego. Que, por exemplo, na função pública cerca de 100 000 trabalhadores, na sua esmagadora maioria jovens, exercem uma actividade profissional numa situação precária e sem quaisquer direitos.
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O Governo não ignora que, por exemplo, no sector da construção civil e da indústria têxtil, milhares e milhares de jovens trabalham numa completa instabilidade e insegurança quanto ao seu futuro. Sujeitos a baixos salários e em muitos casos a vergonhosas situações de repressão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda nos recordamos daquele famoso anúncio televisivo, no qual o jovem protagonista, dando a boa nova à namorada, gritava alegremente que tinha conseguido o seu primeiro emprego, sentando-se de seguida em frente ao painel de um computador.
Os Srs. Membros do Governo são capazes de nos informar quantos jovens obtiveram o seu primeiro emprego através da medida propagandeada nesse anúncio televisivo?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Secretário de Estado disse há bocadinho!
O Orador: - O desemprego juvenil, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é uma questão muito séria que diz respeito a muitos milhares de jovens que vivem uma situação de total insegurança e incerteza e não é compatível com atitudes desta natureza nem com anúncios televisivos à semelhança de outros que apregoam as virtudes do detergente que lava mais branco ou de um qualquer tipo de sabonete mais ao gosto das estrelas de cinema.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos do PSD.
O Orador: - E porque o Governo tenta apregoar os programas OTJ como uma medida incentivadora de criação de novos postos de trabalho, é necessário que o Governo esclareça quantos foram criados: Em que áreas profissionais? Mas também qual o vínculo contratual existente.
Os 10% que os senhores referem desenvolvem a sua actividade profissional em regime de contrato por tempo indeterminado ou com contrato a prazo?
Ou será antes que ficaram em regime de tarefeiros da função pública?
E os outro 90%? Que trabalharam durante seis meses, recebendo apenas 75% do salário mínimo nacional! Sem quaisquer regalias sociais! Sem direito a subsídios de transporte nem alimetação! Sem direito ao estatuto de trabalhador-estudante! Vão voltar outra vez para o desemprego? Então é assim que o Governo pretende resolver o problema do desemprego juvenil?
E o trabalho sem contrato, a que se vêem sujeitos milhares e milhares de jovens, que, em virtude de o Governo não desenvolver uma política séria de desenvolvimento do País e geradora de novos postos de trabalho, outra alternativa não tem senão a de se sujeitarem a essas humilhantes condições de trabalho, que nos fazem regressar à época novecentista da exploração e insegurança?
Esta é a modernidade e a inovação que o Governo tanto gosta de apregoar?
Estas são as condições de trabalho que o Governo reserva para os jovens portugueses: o trabalho a prazo, à hora, à peça, ao metro, sem horas, sem descanso e mal pagos?
O Governo tenta inculcar a ideia de que o acesso ao emprego por parte dos jovens não está garantido por causa da «rigidez» das leis do trabalho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas quem é que o Governo pretende convencer, que para empregar os filhos é preciso despedir os pais?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador - Quem é que o Governo pretende convencer, que as entidades patronais - e eu chamo a atenção do Sr. Ministro para esta questão, que me parece que é importante -, depois de revista a legislação laborai, preferiam contratar jovens em vez de trabalhadores qualificados e experientes quando, nessas circunstâncias e em resultado da tal precarização do emprego e da ameaça constante do despedimento, outra alternativa não restaria a esses trabalhadores senão a de se sujeitarem ao trabalho sem direitos e aos baixos salários?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É que esta é uma questão importante que o Sr. Ministro deveria esclarecer. O que o Governo pretende é transformar aquele que é o principal direito do ser humano - o direito ao trabalho e à realização profissional - numa qualquer coisa sem importância para que possa ser exercido em quaisquer condições e circunstâncias.
Não é a legislação laborai que impede a criação de novos postos de trabalho para os jovens!
O que impede a criação de novos postos de trabalho é a política suicida do Governo, que promove o encerramento de centenas de empresas, que promove o despedimento em massa e que destrói o aparelho produtivo nacional!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Assegurar o pleno emprego dos jovens não pode ser entendido como uma questão à margem.
Assegurar a estabilidade dos jovens no emprego pode e tem de ser uma preocupação fundamental do Estado e que é indissociável de uma política de expansão e democratização da escolaridade e do desenvolvimento económico, social e cultural do nosso país. E isto o Governo não faz.
Assegurar o pleno emprego dos jovens, eliminar a precariedade e clandestinidade do trabalho, a discriminação salarial, o trabalho infantil, é condição fundamental para que a juventude se sinta interveniente na construção de um futuro diferente e melhor.
O Governo manifestamente não aceita esta opção.
E cor isso, dizemos, com os jovens: «governo Cavaca Silva, não obrigado»!
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Este debate está empolgante!
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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso é chacota!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Eu ainda não comecei, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa ...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não é consigo!
O Orador: - Ah! Foi uma troca de palavras que passou ao lado!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Você é um homem nervoso!
O Orador: - Sr. Deputado Jorge Patrício, vou colocar-lhe quatro questões muito breves.
A primeira refere-se ao facto de o Sr. Deputado ter dito que este Governo encarou a criação da Secretaria de Estado da Juventude quase como uma panaceia que iria resolver todos os problemas da juventude. Insisto em que assim não é. Já ontem tivemos ocasião de trocar algumas palavras sobre esse assunto. O que penso, e gostaria que o Sr. Deputado precisasse o seu raciocínio, dizendo se concorda ou não connosco, quando pela primeira vez propusemos a criação de uma Secretaria de Estado da Juventude com essas características, é que a política de juventude é por definição marcadamente intersectorial e carece, na estrutura orgânica do Governo, de uma colocação que lhe permita ter um acompanhamento interministerial. Doutra forma a política de juventude será sempre sectorial, não dará resposta à globalidade e à complexidade dos problemas e julgo que com isso todos concordamos.
A segunda questão tem a ver com a criação de empregos. Os Sr s. Deputados Jorge Patrício e Rogério Moreira formularam sobre esta matéria pedidos de esclarecimento à intervenção do Sr. Secretário de Estado da Juventude, pois, pelos vistos, não ouviram uma parte da intervenção em que o Sr. Secretário de Estado dizia que só com o diploma legal que o Governo aprovou - que dá isenções fiscais às empresas que contratem jovens com contratos sem prazo - esse número se cifra, se não estou em erro, em 17 000.
Provavelmente o Sr. Deputado Jorge Patrício estaria distraído e, portanto, não tem sentido a veemência com que afirma que o Governo tem que dizer quantos é que já beneficiaram desse sistema, uma vez que o Sr. Secretário de Estado já o fez na intervenção que produziu e em relação à qual V. Ex.ª formulou alguns pedidos de esclarecimento.
A terceira questão tem a ver com uma afirmação em que o seu grupo parlamentar e o seu partido têm repetidamente insistido - quanto a nós erradamente - em relação à filosofia da OTJ. O Governo nunca disse que a ocupação temporária de jovens era um emprego e, portanto, não faz sentido o discurso demagógico que o PCP tem vindo a fazer, dizendo que os jovens da OTJ saem para o desemprego. Não saem para o desemprego; eles não estão empregados. A OTJ é um programa ocupacional, que pretende dar uma experiência profissional, mas é óbvio que não é um emprego. E tanto não é um emprego que não está subordinado ao regime da legislação laborai. Isso parece evidente a toda a gente, menos a quem quer fazer crer aos jovens que estão neste programa ocupacional que ao saírem da sua experiência profissional o Estado teria quase que uma responsabilidade em lhes garantir o emprego.
A quarta e última questão tem a ver com a rigidez da legislação laborai.
Sr. Deputado Jorge Patrício, é evidente que a rigidez da legislação laborai se vira fundamentalmente contra os jovens. É também uma obra de demagogia dizer que quem defende a alteração da legislação laborai ...
Protestos do Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
Ó Sr. Deputado, é verdade! E a legislação laborai toda: quer os contratos a prazo, quer o diploma sobre cessação de contrato individual de trabalho, como ontem aqui foi afirmado.
O que não podemos é rever uma parte da legislação laborai e não rever a outra. Temos que encarar a legislação laborai como um todo e revê-la, no sentido de a flexibilizar.
É obra de demagogia dizer que se trata de tentar empregar jovens despedindo os pais. É tentar pôr os filhos contra os pais e provocar um conflito de gerações.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - É mais!
O Orador: - Como ontem ficou bem claro neste debate, a flexibilidade da legislação laboral, longe de constituir uma permuta etária em relação aos postos de trabalho, permitirá a criação de mais emprego, a criação de mais postos de trabalho e é nisso decididamente que todos queremos apostar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Deputado Carlos Coelho, esperava melhor do Sr. Deputado. Em todo o caso, vou dizer-lhe o seguinte: não se trata de haver mais secretarias de Estado ou menos secretarias de Estado, mais ministérios ou menos ministérios. A questão central em tudo isto é a política do Governo, Sr. Deputado Carlos Coelho. Essa é que é a questão fundamental. Portanto, ainda que haja uma Secretaria de Estado da Juventude - ou outra qualquer - que trate destes problemas, desde que o Governo Português não esteja disposto a resolver os problemas do País e, sobretudo, os da juventude, o Sr. Deputado Carlos Coelho pode propor a criação de uma imensidade de secretarias de Estado que isso não resolverá nenhuns problemas. Portanto, é o que se passa também com esta Secretaria de Estado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas o Estado tem feito coisas, não é?
O Orador: - Relativamente às outras questões que o Sr. Deputado abordou, digo-lhe que não falei das isenções fiscais, mas sim daquele brilhante anúncio televisivo que começou a aparecer na televisão logo a seguir à posse do Sr. Secretário de Estado.
E falo agora, também, das iniciativas locais de emprego. Por acaso, até tenho aqui o requerimento que me enviou o Sr. Secretário de Estado, em que diz que «existem no País cerca de 740 iniciativas locais de emprego, que criaram algumas centenas de novos postos de trabalho, talvez um por cada iniciativa local». Nós não contestamos a necessidade de haver várias
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formas de criação de emprego; o que contestamos é a facilidade com que o Governo aproveita estas iniciativas -que na prática não produzem quase nada em termos de criação de postos de trabalho- e que faça uma grande campanha demagógica, dizendo que está a criar empregos para os jovens por todo o lado, quando isso é mentira, é completamente falso.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Governo não tem de criar empregos; tem é de criar condições!
O Orador: - Não sei se o Sr. Deputado vê muitas vezes a televisão. Eu vejo algumas e serei eu que tenho azar porque quando vejo televisão «dou» sempre por essas iniciativas e esses programas brilhantes da Secretaria de Estado da Juventude, que, até aqui, não têm resolvido os problemas dos jovens.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É uma fixação!
O Orador: - Relativamente aos OTJ (Ocupação de Tempos dos Jovens), devo dizer ao Sr. Secretário de Estado -e era bom que o Sr. Ministro do Trabalho nos esclarecesse- que era importante sabermos quais os programas que contam para as estatísticas. É que quem conta para estatísticas são as pessoas empregadas. Essa é que é a verdade! Portanto, estes OTJ por um lado não são empregos, mas por outro contam para as estatísticas. O Sr. Deputado Carlos Coelho seria capaz de me explicar porquê?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não sei!
O Orador: - Não sabe, mas devia saber!
E depois o Governo vem dizer que o desemprego juvenil está a diminuir! Essa é que é a verdade, Sr. Deputado, e isso não podemos esconder em lado nenhum!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Relativamente à legislação laborai, coloquei uma questão muito séria. Os senhores dizem que a legislação laborai impede a criação de novos postos de trabalho para os jovens. O que pergunto é qual é a entidade patronal que, depois de revista a legislação laborai, prefere contratar jovens em vez de trabalhadores qualificados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Essa é que é a questão, porque, nessa altura, vão verificar-se salários baixos porque os trabalhadores não têm capacidade reivindicativa e são obrigados a suportar o que as entidades patronais e o Governo lhes querem impor, que são os salários baixos e o trabalho sem direitos.
Qual é a entidade patronal que contrata jovens, que não têm qualificação nem formação profissional, em vez de contratar trabalhadores qualificados e experientes?
O Sr. Deputado não consegue responder a isto.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Tavares.
O Sr. António Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já ontem o Sr. Ministro do Trabalho considerou que não é possível fazer a gestão do novo modelo de desenvolvimento com a mentalidade e os instrumentos do passado.
Sempre defendamos que a intervenção dos jovens portugueses tem revelado, nos últimos anos, grande capacidade criativa e de decisão, além de um elevado grau de participação.
O relançamento da economia portuguesa é um facto. Basta atender ao crescimento do PIB (produto interno bruto), entre 4,25% e 4,5 %, contra a média de 2,5% nos países comunitários. A inflação diminui e a taxa de desemprego em sentido restrito era de 8% em Dezembro de 1986, bastante inferior à da média europeia.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Será, pois, no quadro de uma economia que implica a adesão a um modelo de desenvolvimento, de Estado e de sociedade que deveremos enquadrar a política de emprego. Não é criando emprego no sector público ou mantendo artificalmente empresas inviáveis a caminho da falência. Por isso mesmo defendemos, nesta Câmara, a alteração do actual enquadramento jurídico-laboral no sentido de uma maior flexibilidade do mundo do trabalho que permita aos desempregados o direito ao emprego. E necessário moralizar o recurso aos contratos a prazo - um em cada seis que trabalham por conta de outrem não tem contrato permanente.
O apoio à contratação de jovens, como o Governo fez através do diploma legal que concede isenções fiscais às empresas que contratem jovens sem contrato a prazo, foi já um primeiro passo. Não aceitamos o jovem condenado a receptor de emprego, mas antes como potencial criador do mesmo.
Assim, entendemos os programas ocupacionais, OTL e OTJ, como um primeiro passo para o espírito empreendedor do jovem se afirmar e preparar para as exigências da vi ia activa.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Iniciativas como as do Fundo de Apoio às Iniciativas de Jovens Empresários e o apoio aos jovens agricultores provou que os jovens são capazes de ter a iniciativa de criarem emprego e riqueza.
O drama do desemprego afecta todos os países do mundo e a introdução de novas tecnologias ainda o fará aumentar mais se não forem tomadas medidas de controle por um lado e se não se alargar o próprio conceito de emprego, estendendo-o a outras áreas até aqui consideradas de menos importância.
Enquanto se verifica uma tendência para o desemprego diminuir em Portugal, na vizinha Espanha o governo maioritário de Felipe Gonzalez teve uma taxa de desemprego de 21,7%. Por isso mesmo o Governo apostou na formação profissional, com o apoio do Fundo Social Europeu, onde submeteu dossiers referentes a 396 000 pessoas, das quais 235 000 jovens, como um dos meios de combater o desemprego juvenil.
Alertamos, contudo, aqui e agora para a necessidade de salvaguardai a qualidade das acções de formação profissional. É preciso que se diga aos jovens, cujos conhecimentos teórico-práticos são adquiridos através
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das acções a desenvolver em formação profissional, que esta é tão qualificante quanto outros meios de obter formação. Por isso, ao aderir a este tipo de formação o jovem sabe que está a adquirir conhecimentos que lhe poderão proporcionar uma melhor preparação para a vida activa.
Muito há, certamente, ainda que fazer e para a JSD basta que haja um jovem desempregado para que a nossa voz se deva fazer ouvir.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas demagogia seria ignorar os esforços que este governo tem desenvolvido para atenuar esta difícil situação e grave seria ignorar o investimento de mais de 60 milhões de contos que o Governo investiu só em 1987 para debelar este problema.
Inconformistas como somos, o que podemos assegurar ao Governo e ao Sr. Ministro do Trabalho, em especial, é que podem contar com o nosso apoio crítico para fazer ainda mais e melhor.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado António Tavares, só gostaria de lhe colocar duas ou três questões a propósito da sua intervenção.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado falou na perspectiva de que era preciso ter objectivos realistas e que a posição que defendia era realista. Mas, paralelamente a isto, disse que «basta que haja um jovem desempregado para que levantemos a nossa voz». Deverei inferir daí que o Estado deve ter um papel de maior protagonista na criação de emprego? Deverei inferir que o Sr. Deputado entende o pleno emprego como um objectivo a atingir? Deverei, também, inferir que o Sr. Deputado considera que tem sido essa a política deste governo em matéria de emprego, em matéria de criação de emprego para a juventude?
Pôr-lhe-ei agora uma segunda questão. O Sr. Deputado diz que o desemprego tende a diminuir. Segundo os números oficiais divulgados pelo Governo, que contestamos, tal verifica-se pelo facto de ter havido um aumento de cerca de 20 000 postos de trabalho. Isto refere-se a quê? Aos OTJ, aos ATD? O Sr. Deputado considera que estes programas são postos de trabalho, emprego para jovens? o Sr. Deputado considera -como se fez num anúncio publicitário do Governo, que mais parecia anunciar sapatilhas de desporto- que há 20 000 empregos à espera dos jovens e que esses empregos são os OTJ? Trata-se de publicidade enganosa, fraudulenta para com o jovem.
O Sr. Deputado considera que é isso a política de emprego criada pelo actual governo? Como deputado eleito pela JSD, o Sr. Deputado considera que é essa a perspectiva do governo em matéria de política de juventude? Ou será que o Sr. Deputado, tal como a sua organização, não tem hoje mais nenhuma perspectiva para a criação de emprego que não seja a de bater palmas àquilo que é a ausência de política deste Governo em matéria da criação de emprego para jovens?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Tavares.
O Sr. António Tavares (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, obviamente que a JSD não existe só para bater palmas. Existe para muito mais coisas; já o provou no passado, no presente e vai continuar a prová-lo no futuro.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por isso é que é maior do que a JS, por exemplo.
O Sr. José Apolinário (PS): - A ver vamos!
O Orador: - Quanto à posição realista que V. Ex.ª contrapõe sobre a situação do Estado interventor e sobre a do pleno emprego, quero dizer-lhe que não afirmei que o Estado deveria ser interventor ou regulador, mas, sim, que o Estado existe para criar condições para que o trabalho possa eventualmente surgir.
Quanto ao pleno emprego, trata-se de uma meta, de um ideal, que ninguém disse que era possível alcançar. Não falei nisso, portanto V. Ex.ª deve ter interpretado mal as minhas palavras.
Quanto ao problema de que o desemprego tende a diminuir, já no pedido de esclarecimento formulado ao Sr. Deputado Jorge Patrício o meu companheiro de bancada Carlos Coelho teve oportunidade de explicar que os OTJ e os OTL não são postos de trabalho e eu próprio o digo. Trata-se de programas ocupacionais, que não são propriamente vendidos como anúncios de sapatilhas de desporto porque são matéria muito importante.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Não se nota!
O Orador: - Portanto, como organização, ainda temos do Governo da República uma ideia de que este é o Governo de Portugal e não o de uma qualquer «República das Bananas» que publica anúncios de sapatilhas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mola (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se exemplo há da crise que se vive no sector mineiro, é o das minas da Panasqueira. Antecedendo esta interpelação e no âmbito da sua preparação, visitei estas minas, tendo sido informado pela administração de que em Fevereiro foi apresentada ao Ministério do Trabalho uma proposta de despedimento colectivo, abrangendo 925 trabalhadores, ficando apenas excluídos desta proposta 75 trabalhadores, para assegurarem os serviços de manutenção. A administração aguarda pela resposta do Governo para proceder aos primeiros 150 despedimentos.
No entanto, e por mais estranho que pareça, a mina encontra-se em plena laboração, produz, vende, exporta e os trabalhadores são requisitados para trabalho extraordinário aos sábados.
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Situação caricata esta, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que é por si elucidativa da incompetência e má política deste governo, que sacrifica, sem pudor, os interesses da nossa economia em prol de interesses alheios.
Mas este é apenas um exemplo da grave situação que vive o sector mineiro. Foi essa, aliás, a conclusão de um encontro sobre este tema recentemente realizado em Coimbra e promovido pelo meu partido.
Ficou evidenciada a profunda crise que se manifesta neste sector, com reflexos negativos na vida económica do nosso país, na situação de muitos milhares de trabalhadores e suas famílias, bem como na vida social das regiões onde se situam as minas.
Portugal possui importantes reservas de substâncias minerais, que não têm sido aproveitadas em benefício do desenvolvimento do País.
Segundo dados divulgados durante o encontro, Portugal tem reservas de 600 000 000 t de metal contido e de tungsténio, 60 000 t de metal contido e reservas de urânio superior a 10 000 t.
Na Europa Ocidental as reservas portuguesas, designadamente de pirites, minérios de cobre, ferro e tungsténio, ocupam um dos primeiros lugares. Por sua vez, o volfrâmio ocupa um lugar inigualável em todo o mundo, contendo entre 72% e 77% de tungsténio (caso da Panasqueira), enquanto o teor nos outros países é muito inferior.
Não obstante, o panorama é desolador e inquietante quanto ao futuro.
Existem actualmente cerca de duas centenas e meia de concessões mineiras, nas quais a extracção do volfrâmio (só ou acompanhado de outras substâncias, sobretudo estanho) é um dos principais objectivos. Porém, só uma pequeníssima percentagem está (ou esteve alguma vez) em actividade, sendo de realçar que a produção nacional provém fundamentalmente das minas de dois coutos mineiros (o da Panasqueira e o da Borralha, que representam mais de 90 % da produção), cabendo às restantes minas reduzidas quantidades. Entre estas, destacam-se a mina de Argozelo (Mirandela), as do couto mineiro de Vale das Gatas, as do couto mineiro de Valdarcas, a mina de Vale do Minho (mina de Tarouca).
Actualmente todas estas minas mais importantes estão com a lavra suspensa, à excepção da Panasqueira.
Das 1154 concessões mineiras apenas 104 estão em laboração, número que tenderá a reduzir caso se confirmem os encerramentos previstos.
Enquanto isto, Portugal importa a totalidade dos seus minérios de ferro para a indústria siderúrgica, apesar de possuir as maiores reservas de ferro da Europa Ocidental.
Relativamente à indústria química, importa enxofre e cloreto de sódio, apesar de termos reservas de pirites enquanto fonte de enxofre e sal-gema mais do que suficientes para as suas necessidades.
E, mais grave ainda, Portugal importa estanho enquanto fecha minas que se encontravam no activo e que produziam quantidades mais do que necessárias.
Portugal, de país rico em substâncias minerais, tem-se vindo a transformar num importador crónico, de que resulta inevitavelmente o agravamento dos nossos saldos negativos na balança de pagamentos.
Perante tal situação, apetece perguntar: que vantagens tem para Portugal uma multinacional ou várias que exploram o nosso subsolo retirando de lá a sua
riqueza transformada em tungsténio, cobre, prata e até ouro sem qualquer contrapartida? Com a agravante de que, quando os l acros são grandes, voam para o estrangeiro, lugar seguro, claro.
Quando não lhes interessa, fecham as minas.
Alienam os nossos recursos, destroem o nosso subsolo, desbaratar as nossas riquezas. E que medidas toma o Governe? Fica quedo e mudo, fazendo orelhas de mercador.
As multinacionais descobriram a fórmula milagrosa para resolver os seus problemas: inventam crises; as coisas correm mal, é da crise; falham um projecto, é a crise; despedem trabalhadores, estamos em período de crise.
Chegou a altura de perguntarmos: que crise é esta que dura há tantos anos e só afecta os trabalhadores, deixando de fora os capitalistas?
As minas encerram, os trabalhadores são lançados no desemprego Logo vem o argumento: é a baixa das cotações internacionais. Que argumento falacioso!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação que se vive neste sector é das mais graves do País e demonstra bem a política de submissão de sucessivos governos de direita aos interesses destes tubarões que são as multinacionais
O salário médio para o sector ronda os 29 000$, correspondendo a um dos valores mais baixos que se praticam na indústria.
Em 1986 encerraram minas de estanho e volfrâmio, a maioria das quais pequenas empresas, com S a 10 trabalhadores. Apenas seis minas, Borralha, Argozelo, Vale das Gatas, Montezinho, Ribeira e Ronforte (esta última no distrito de Portalegre e as outras em Trás-os-Montes), ficaram abrangidas pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 74/86, sobre a suspensão da lavra e do contrato de trabalho.
Na extracção o destes minérios continuam em laboração duas minas: Nave de Haver (Guarda), com cerca de 40 trabalhadores, e Panasqueira, com 1000.
No Pejão há a ameaça de redução de 90 trabalhadores.
Nas minas do Lousal, e também por interesses de uma outra multinacional, a SAPEC, paira a incerteza sobre o seu futuro e o espectro do desemprego para os 200 trabalhadores que nela laboram.
Também várias pequenas explorações de quartzo encerraram em consequência da paralisação em 1983 dos fornos da MILNORTE (o forno montado pela VICOMINA5 não chegou a laborar), ambos os casos alegadamente por causa do alto custo da energia.
Mais recentemente, por causas idênticas, pararam os fornos eléctricos de Canas de Senhorim (CPFE) e a EUROMINAS (Setúbal), levando ao encerramento total das restantes minas de quartzo que laboram no País.
No total foram eliminados, nestas minas, mais de 400 postos de trabalho, além de estarem em causa mais de 15000 postos de trabalho na indústria transformadora a jusante.
Só nos últimos dezoito meses foram destruídos 1800 postos de trabalho no sector mineiro.
Esta situação não atinge só os mineiros, mas grandes camadas da população que dependem, quase exclusivamente, da actividade das minas.
Nas terras do Nordeste Transmontano, devido ao encerramento das minas, foram afectadas mais de 12000 pessoas.
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Na Borralha outro numeroso grupo de trabalhadores vive já uma situação social grave. A mina encontra-se inactiva desde 1985, sem que se tomem decisões e medidas que relancem a exploração.
Nas Beiras, particularmente nos concelhos da Covilhã, Fundão e Pampilhosa da Serra, o encerramento das minas da Panasqueira afectará 20 000 pessoas.
O eventual encerramento das minas do Lousal afectará não só os 200 mineiros e as suas famílias, mas toda a população daquela freguesia.
É esta a dolorosa realidade a que o governo Cavaco Silva está a sujeitar os trabalhadores do sector mineiro.
Só no plano interno, com uma política de desenvolvimento económico que passa pelo aproveitamento dos nossos recursos naturais, deve ser encontrada a resolução para os nossos problemas.
Os problemas económicos e sociais do País não se resolvem e só se agravarão se não for travada a política actual do Governo e da rapina das multinacionais.
Este governo nada faz pela reabertura das minas, nem pelo desenvolvimento do projecto de ferro de Moncorvo, nem tão-pouco fomenta a criação de novos postos de trabalho.
A política deste governo não interessa aos trabalhadores nem aos Portugueses; é necessário um novo governo, uma nova política, para que sejam respeitados os verdadeiros interesses nacionais.
Assim o exigem os Portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Aloísio da Fonseca.
O Sr. Aloísio da Fonseca (PS): - Sr. Deputado António Mota, ouvi a sua intervenção com atenção.
Naturalmente, trata-se de uma situação bastante aflitiva, vivida em regiões ou zonas do País fortemente desfavorecidas. É necessário olharmos determinadas potencialidades mineiras aí existentes, para assim criarmos alternativas à população que aí vive e que, ao longo dos tempos, tem sido sacrificada.
O Sr. Deputado falou das minas da Panasqueira, focou o problema da Borralha e poderia ter focado tantos outros problemas, como é o caso, por exemplo, de Vale das Gatas.
O Partido Socialista já trouxe aqui, a este Plenário, a sua preocupação relativamente ao problema do sector mineiro de Trás-os-Montes e da Beira. A situação é grave, os mineiros estão no desemprego, as minas não estão a laborar e até hoje ainda não tivemos da parte do Governo, uma resposta satisfatória para o problema da Borralha e das minas de Vale das Gatas.
Por isso, sob a forma da figura do pedido de esclarecimento, queria deixar aqui registada a preocupação do Partido Socialista relativamente a estas situações. Queria também deixar aqui registada a grande apatia que o governo tem revelado para conseguir uma solução ajustada, necessária e urgente para o problema das minas da Borralha e de Vale das Gatas, que, ao lado de outros problemas sociais -o desemprego e o encerramento de empresas empregadoras-, está a afectar toda a região do norte e do interior do País.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Deputado, agradeço as perguntas colocadas ao falar de algumas situações que aqui trouxe.
Sr. Deputado, trouxemos aqui esta intervenção, no decorrer desta interpelação ao Governo, porque consideramos que a situação é, de facto, muito grave.
Naturalmente, consideramos que este Governo tem graves responsabilidades nisto. É que, se virmos o que é o Decreto-Lei n.º 74/86, concluímos que nada mais é do que pagar aos trabalhadores que ficam nas minas para fazer a sua manutenção. Isto é, quando o volfrâmio dava muito dinheiro -e ainda dá-, quando a sua cotação era alta, as multinacionais voavam com os lucros lá para fora. Agora, porque baixou, devido a razões conjunturais do mercado internacional que não interessa trazer para aqui -podemos discutir isso noutra altura-, as multinacionais dizem ao Governo «nós encerramos as minas, vamo-nos embora», como aliás fizeram na Borralha. Já conhecemos desde 1985 a miséria existente lá em cima, em Trás-os-Montes, tal como acontece agora na Panasqueira.
Mais: curiosamente, tenho agora de dizer isto ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, porque naturalmente o Sr. Ministro não sabe, mas eu vou explicar-lhe. É que, por exemplo, em conversa com um administrador das minas da Panasqueira, soube que ele não quer a aplicação do Decreto-Lei n.º 74/86 porque não quer manter lá os trabalhadores e pagar-lhes o subsídio de desemprego. O que ele quer é despedir os trabalhadores. É isso que tem acontecido nas minas: estão à espera que volte a subir a cotação do vulfrâmio para aquela quantidade que é, de facto, o seu grande lucro, para as reabrirem.
É que, de facto, Sr. Deputado, esta crise mineira é provocada pelas multinacionais: são as multinacionais que, neste momento, ainda estão a sobrecarregar a nossa economia para salvaguardar a defesa e os interesses das minas.
Por que é que se mantém a concessão a estas empresas, a estas multinacionais, quando elas não respeitam a nossa economia? Por que é que não se lhes retira a concessão mineira? Por que não se responsabilizam estas multinacionais pela situação de miséria que estão a criar em várias regiões do País e na nossa economia?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A interpelação constitucional e regimental que está a decorrer sobre a política laborai tem servido para demonstrar a extrema fraqueza de um governo que urge ver substituído.
Auto-propaganda e manipulação de números - esta foi a resposta dos governantes às críticas devidamente fundamentadas que a oposição tem apresentado.
Sem surpresa ouvimos aqui o Ministro e os Secretários de Estado continuarem os argumentos utilizados no direito de antena do partido que apoia o Governo, a juntar à escandalosa utilização dos principais órgãos de comunicação social, como acontece diariamente, e várias vezes ao dia, na televisão.
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Continua o Governo a não apresentar programas credíveis de desenvolvimento económico, de aproveitamento das nossas potencialidades e recursos, o que possibilitaria o arranque desejado do nosso país e que, como é evidente, concorreria decisivamente para a criação de postos de trabalho - e não a sua diminuição, como aconteceu com a actuação governamental, ou seja, a diminuição do desemprego.
O Governo também já não vai a tempo. Perdeu todas as oportunidades, e tudo indica que também já não vai fazer mais mal ao País.
O Governo preferiu, arrogantemente, durante o penoso período para os Portugueses desde que está em funções, propagandear-se e promover conflitos contra a Assembleia da República, órgão de soberania que, antes do mais, tem obrigatoriamente de respeitar. Saiu-se mal com este tipo de actuação, mas prejudicou muito gravemente o próprio país. E isso será facilmente verificável, Sr. Ministro, quando este pesadelo -ou seja, este governo- deixar de nos preocupar.
O balanço da sua actividade será então efectuado. Nessa altura, os Portugueses ficarão a saber em que estado o PSD, através do seu governo, deixou, na realidade, o País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, apesar das excepcionais condições económicas externas, o que é que se verificou durante este ano? O desemprego não diminuiu, manteve-se. Apenas cerca de um quarto dos desempregados recebe subsídio ou seguro de desemprego. Cerca de 20% dos desempregados são jovens com menos de 25 anos; mais de metade dos desempregados encontra-se nessa situação há mais de um ano; continua a praga dos salários em atraso; agravou-se a precarização do emprego.
Dados do Instituto Nacional de Estatística, respeitantes ao 3.º trimestre de 1986, mostram que, sendo o número de contratados a prazo 13,2% da mão-de-obra empregada, dos trabalhadores admitidos durante este trimestre 68,8% foram contratados a prazo e apenas 8,7% a título permanente.
Generalizou-se o recurso ao trabalho à tarefa, à hora, ao domicílio, ao aluguer de mão-de-obra; explora-se miseravelmente o trabalho infantil; inúmeras empresas e instituições não cumprem os salários convencionais nem a legislação sobre salário mínimo. De acordo com valores do próprio Ministério do Trabalho, cerca de 800 000 trabalhadores sobrevivem em trabalhos clandestinos, totalmente à margem do quadro legal vigente. São cada vez mais gritantes os desníveis de rendimentos, com alguns a usufruir de luxos espampanantes e muitos a viverem na pobreza absoluta.
Ora, o que fez o governo PSD para contrariar esta grave situação? Agravou o problema e fez diminuir os postos de trabalho. O Governo tem sido incapaz, e concorreu para o agravamento das tensões sociais.
Enquanto isso, o Governo intensifica as operações ilegais de expropriação de terras da Reforma Agrária, multiplica as tentativas de liquidação do sector empresarial do Estado, conduz uma guerrilha contra as instituições e, em particular, contra a Assembleia da República, atenta contra a gestão democrática das escolas e dos hospitais, procura destruir o que lesta do Serviço Nacional de Saúde e lançou o caos no ensino; o caos completo, Srs. Deputados.
A visão do governo PSD em relação ao emprego, à modernização e ao desenvolvimento é distorcida. Assim, aceita elevadas taxas de desemprego como se
isso fosse uma situação aceitável e toma como ponto de referência o também altíssimo desemprego nos países da CEE.
O Governo tem contemporizado e contemporiza com as situações do trabalho precário e clandestino e justifica essa sua actuação com aquilo que classifica de «rigidez da legislação laborai e uma demonstração da vitalidade das leis do mercado». A alteração da legislação laborai, tal como o governo PSD pretende, só criaria ainda maiores níveis de desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, julgávamos que o Governo iria aproveitar a oportunidade desta interpelação para, ao menos, apresentar um vago programa de criação de postos de trabalho, de diminuição do desemprego, de rigor na repressão ao patronato que explora medievalmente o trabalho das crianças.
Nada disso aconteceu. O Governo continua arrogante, repudia as críticas positivas, não aceita qualquer sugestão, por mínima que seja, da oposição. Para o governo PSD, a verdade e a sapiência reside nele e tudo o mais é para recusar.
Perspectivas de melhoria da situação? Nenhuma; nenhuma resta e, na interpelação, o Governo reforçou-nos a ideia de que tem de ser rápida e urgentemente substituído por um governo que defenda os verdadeiros interesses nacionais e que abandone a prática política arrogante e antidemocrática deste governo do PSD.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos
Em reunião realizada no dia 25 de Março de 1987, pelas 11 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Francisco Antunes da Silva (círculo eleitoral de Castelo Branco), por Manuel Crucho Esteves Robalo. Esta substituição é determinada, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 40.º da Lei n. º 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 24 de Março corrente, inclusive.
Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
António José Borges de Carvalho (círculo eleitoral de Lisboa), por António Filipe Vieira Neiva Correia. Esta substituição é determinada, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), para os dias 26 de Março corrente a 9 de Abril próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelo s aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
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Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - José Maria Peixoto Coutinho (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Manuel Luís (PS) - Jaime Manuel Coutinho Ramos (PRD) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Srs. Deputados, está em discussão o relatório e parecer que acabou de ser lido.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, antes de interrompermos os nossos trabalhos para o intervalo do almoço, vou anunciar os tempos ainda disponíveis, excluindo os do encerramento.
Assim, o Governo dispõe de 36 minutos, o PSD de 15 minutos, o PS de 23 minutos, o PRD de 17 minutos, o PCP de 17 minutos, o CDS de 10 minutos e o MDP/CDE de 14 minutos.
Srs. Deputados, como neste momento não há inscrições para pedidos de palavra e faltam apenas cinco minutos para a hora regimental do intervalo para o almoço, vamos interromper agora os nossos trabalhos.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o CDS vai proferir agora a última intervenção e, naturalmente, agradava-nos bastante que estivesse presente o Ministro do Trabalho e Segurança Social...
Vozes do CDS, do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - .. ou algum Secretário de Estado, para não talarmos aos deputados, pois trata-se de uma interpelação ao Governo e não de um discurso à Câmara.
Portanto, se o Sr. Presidente permitisse, aguardaríamos até chegar pelo menos um membro do Governo.
Vozes do CDS, do PS e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa já está a diligenciar no sentido de avisar o Governo de que reiniciámos os trabalhos.
De qualquer modo, Sr. Deputado Narana Coissoró, só lhe darei a palavra depois da chegada dos membros do Governo.
Pausa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Trabalho, Srs. Deputados: Dentro de dias esta Assembleia celebrará o 13.º aniversário da Revolução de Abril e, como se vai tornando rotineiro, os diversos partidos farão as suas profissões de fé sobre as virtudes da democracia alcançada acompanhadas de críticas ao actual governo, que vive hoje mais de propaganda do que da obra que prometeu realizar no sector laborai.
No entanto, se se proceder a um balanço do que se tem efectivamente realizado em Portugal na área da política social, o saldo é desolador, sendo o principal responsável por este estado de coisas o Partido Social-Democrata, ...
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - É o cúmulo!
Uma voz do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - ... que desde 1979 ocupa ininterruptamente o Ministério do Trabalho e tem feito desfilar pela torre da Praça de Londres as suas mais altas competências tecnocráticas e os mais importantes dignatários políticos. Tudo foi prometido, como é sabido, e nada foi realizado: a modificação das leis do trabalho, que hoje é uma selva de decretos-leis, regulamentos, portarias, despachos normativos e até instruções de inspecção do trabalho que a nossa integração na CEE e as actuais necessidades prementes do País, ditadas pela conjuntura económica e política, tornaram ineficazes, quando não amarelecidas e bolorentas. Também nada ou pouco se avançou no último ano, não obstante a quase diária pregação do actual titular da pasta, nos apoios e incentivos à manutenção dos postos de trabalho e criação de novos empregos; a luta contra a discriminação sexual quanto à igualdade de oportunidades continua a ser uma figura de retórica; a inserção profissional dos jovens no mercado de trabalho tornado o mote favorito da propaganda do Primeiro-Ministro na televisão, apresenta resultados nulos; o combate à precariedade do emprego já desapareceu do discurso oficial; a redução do tempo de trabalho foi atirada para a responsabilidade do Conselho de Concertação Social; o diagnóstico e a terapêutica das verdadeiras razões que lançam as empresas em situação económica difícil foram colocados no plano secundário das exigências do Ministério do Trabalho ou comodamente transferidos para o Ministério das Finanças e até da Justiça; o aprofundamento das liberdades e da representação dos trabalhadores e dos quadros intermédios dentro das empresas vai-se tornando um assunto tabu no noticiário fornecido pelo executivo aos órgãos da comunicação social, especialmente estatizada; a reformulação do direito disciplinar transformou-se no braço de ferro entre o radicalismo de alguns sectores da esquerda parlamentar e a inabilidade do cavaquismo para o levar
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a bom termo pelo diálogo e colaboração institucional das partes interessadas; a legislação sobre os conflitos laborais, tal como a revisão da lei da greve e a preparação de condições para atenuar a proibição do lock-out, não interessa ao governo que temos, que pretende tão-somente ocupar o sistema em que vegeta; a negociação colectiva resume-se hoje na fixação directa ou indirecta de tectos salariais, em vez de progredir no campo do alargamento programado da sua aplicação à totalidade dos trabalhadores por conta de outrem, e os acordos colectivos nas grandes empresas, que deveriam ser um sinal de vitalidade e dinamismo da nova estrutura social do País, são antes o sinal inequívoco da impotência deste Governo para criar o necessário clima de confiança nos investidores, empresários e outros agentes do progresso económico.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Isto é muito engraçado!
O Orador: - A política social do Governo, como o contraponto da gritaria do PCP e da CGTP, esgota-se nas comunicações debitadas durante o tempo de antena do Sr. Ministro Fernando Nogueira, no seu telejornal e nas curtas e bem medidas frases da autoria do Sr. Primeiro-Ministro, que o pequeno ecrã divulga em rodapé às imagens fornecidas para consumo obrigatório dos seus espectadores.
As reformas estruturais - que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que infelizmente não está aqui presente, naquele seu particular talento de definir por palavras muito simples os conceitos muito complexos, define como somatório de pequenas e sucessivas reformas conjunturais - são as que o País conhece como este episódio, fútil e ridículo, que os jornais anunciaram da transferência do secretário da nossa Embaixada de Moscovo para o Consulado de Benguela para afirmação da política externa do Sr. Engenheiro Pires de Miranda.
Há dias ouvimos aqui o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, que também não está agora presente, afirmar e repetir incessantemente que a condução da política externa pertencia exclusivamente ao Governo e só ao Governo, mas até hoje o Sr. Ministro do Trabalho, que também não está presente, ...
Risos.
... não foi ainda capaz de declarar nesta Câmara que é ao Governo e só ao Governo que compete a responsabilidade pela política económica e social e da defesa do emprego em Portugal.
Como seria importante que o Sr. Ministro do Trabalho, como bom gestor e homem avisado que é, demonstrasse ao País, e principalmente aos investidores, empregadores e gestores, que o progresso económico é sempre condicionado fundamentalmente pela qualidade das relações profissionais, que o enriquecimento do diálogo social é indispensável numa democracia como a nossa, deixando ao critério da livre negociação dentro da empresa as modalidades de duração e organização do trabalho, bem como a sua própria negociação salarial.
Quanto às prioridades na política do emprego, entende o CDS que as autarquias locais devem ser estimuladas, mediante o fornecimento de dados sobre o emprego, os desempregados e as modalidades de formação profissional, para que tomem nas suas mãos, com a necessária ajuda dos serviços do Ministério do Trabalho, a criação de pequenas empresas ou a reconversão das uniddes já improdutivas. Para nós a iniciativa local de emprego - que é outro nome da descentralização - deve ser uma das prioridades da política social.
O Sr. Ministro do Trabalho nos últimos dias tem-se multiplicado em afirmações sobre o grande erro da extinção do ensino técnico-profissional em Portugal após a Revolução de 25 de Abril, cujos antecedentes devemos, aliás, buscar na reforma do socialista Veiga Simão, no consulado de Marcelo Caetano. Temos hoje dezenas de milhares de jovens sem condições para entrarem no mercado do trabalho, porque lhes falta a indispensável aprendizagem, o que cria graves distorções tanto na formação inicial dentro da empresa como na própria planificação do emprego pelas associações patronais.
Impõe-se, por isso, como condição prévia, uma renovação profunda do nosso sistema escolar, mediante a urgente revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo, como oportunamente alertámos e temos vindo a insistir. O nosso projecto de criação da escola de artes e ofícios será o primeiro passo decisivo nesse sentido; o passo seguinte será a definição de vários estágios de formação e de quadro legislativo que garanta a ligação entre a qualificação adquirida e a manutenção do posto de trabalho alcançado, de uma forma estável e duradoura, através de formação profissional contínua.
O combate à precariedade do emprego tem por objectivo reconstruir a comunidade de trabalho, garantindo a cada trabalhador que a integra um estatuto consentâneo com a sua dignidade de homem e de cidadão e com a sua contribuição para o progresso social do País, que é de todos. Isto reclama a reformulação global da lei do contrato de trabalho e não apenas do capítulo do despedimento, de modo a contribuir para a tão falada flexibilização da gestão das empresas. A nova legislação deve eliminar a rigidez que afecta actualmente u organização dos recursos humanos, permitir a mobilidade interna e externa dos trabalhadores, consagrar a diferença entre pequenas e grandes empresas, tudo baseado na definição de uma estratégia social gê ninada com a estratégia industrial e educacional que urge definir para os próximos anos.
O conhecimento desta estratégia global, que o Governo ainda não soube definir, deve servir de eixo para modernizar a indústria e assegurar a transformação do aparelho produtivo. A reforma do parque empresarial deve ser subordinada a esta política global de recursos humanos, e não de uma maneira isolada e conjuntural, enfeudada à visão egocêntrica de cada empresa isolada do contexto regional, em primeiro lugar, e da sua inserção na actividade nacional, como sucede actualmente.
Também é com a divulgação desta estratégia sócio-industrial que deve ser definido o quadro da política de duração do trabalho: os ritmos e as modalidades da redução do trabalho devem ter em conta a diversidade de situações de cada empresa e as aspirações dos trabalhadores que nelas trabalham. A redução do tempo de trabalho não pode ser feita à custa da competitividade do aparelho produtivo, que tem tendência para expandir, com prejuízo da utilização dos equipamentos ou criando entraves à importação de novas tecnologias e do know-how tão necessários para atingir-
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mos os níveis de produtividade correntes nos países parceiros da Europa, que já começa a estar presente dentro das nossas fronteiras.
Sr. Presidente, Srs. Ministros e Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados:...
Uma voz do PSD: - Agora já cá estão!
O Orador: - ... Nesta intervenção final do CDS, neste debate, quisemos apenas apontar alguns problemas de política social em que divergimos da orientação do Governo. Acreditamos que a democracia económica exige reforço do diálogo social dentro de cada empresa e impõe a colaboração entre os parceiros sociais e o Governo em vez de auto-suficiência panglossiana em que assenta a actuação arrogante deste executivo minoritário e cada vez mais e mais partidarizado.
Por outro lado, em vez do permanente confronto institucional, só a cooperação institucional entre o Governo e a Assembleia da República poderá permitir a definição e execução de uma estratégia industrial e social que já referi e não seja puramente «pêpêdista» ou «pêessedista», mas autenticamente nacional, como convém ao nosso país nestes primeiros anos de adaptação às realidades da CEE, para a valorização da função dos trabalhadores, dos quadros e dos empresários, no domínio da tecnologia e do saber, à organização do trabalho do dia-a-dia. Sei que isto incomoda o Sr. Ministro do Trabalho, mas a democratização, factor sine qua non do progresso social, é indissociável da participação de todos os agentes de produção, e este só é possível com a confiança que o Governo possa suscitar no espírito colectivo do País. Não é infelizmente o caso deste governo minoritário, que ocupa o sistema para a mera gestão dos seus interesses partidários, sem qualquer política social digna deste nome.
O Sr. Adérito de Campos (PSD): - Essa agora!
O Orador: - Só um governo com o apoio maioritário de uma ampla base social, estável, coerente e dinâmica, como os democratas-cristãos dos países europeus erigiram dos escombros da Segunda Guerra, poderá iniciar a grande reforma da política social e industrial em Portugal. É este o voto do CDS.
Aplausos do CDS.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Disse mal!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Percheiro.
O Sr. Cláudio Percheiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo Português, depois da queixa apresentada pelas organizações sindicais, acaba de ser condenado pelo Comité para a Liberdade Sindical da OIT por ter impedido o legítimo desenvolvimento da contratação colectiva com as organizações representativas dos trabalhadores da Administração Pública.
Esta deliberação da OIT constitui evidentemente uma demonstração exemplar de toda uma política errada e lesiva dos interesses dos trabalhadores da Administração Pública que o Governo vem pondo em prática, política que se traduz na negação do que anunciava.
O Governo dizia que queria «desburocratizar, combater a corrupção, rigor e transparência na administração dos dinheiros públicos, valorização dos critérios de capacidade e competência no preenchimento de cargos da Administração, transparência de processos e métodos».
Mas os resultados demonstram o contrário. Demonstram:
O desmantelamento de serviços públicos de intervenção económica;
O enfraquecimento de serviços relacionados com a saúde, segurança social e educação;
A precarização do emprego, com recurso sistemático ao trabalho precário (prestação de serviços, contratos a prazo, tarefeiros);
A produção de legislação com medidas pontuais e desconexas;
A não aplicação da reestruturação de carreiras;
As alterações de má fé às medidas aprovadas pela Assembleia da República e introduzidas no Orçamento do Estado;
A falta de respeito e cumprimento na participação das organizações de trabalhadores.
Todas as alterações que o Governo vem efectuando no aparelho da Administração Pública, reestruturações sucessivas, regulamentação desconexa, extinção de serviços e transferências para o sector privado traduzem-se na instabilidade, no desemprego, permitem e visam o compadrio e a cunha e resultam na destruição de muitos lares de funcionários públicos.
São vastíssimos os exemplos que poderíamos referir. Apontemos alguns:
ICEP (Instituto de Comércio Externo de Portugal) - 447 trabalhadores terão de se desvincular da função pública;
ASE (acção social escolar) - mais de 1000 técnicos vão ser integrados nos serviços administrativos das escolas, com todas as implicações que daí advirão;
ARS (administrações regionais de saúde) - milhares de trabalhadores em instabilidade de emprego encontram-se em regime de instalação há mais de oito anos;
INH (Instituto Nacional da Habitação) - 570 trabalhadores e técnicos do ex-FFH remetidos para o quadro de excedentes;
GÁS (Gabinete da Área de Sines) - 300 tarefeiros suspensos (admitidos em seguida à factura), mais de 1000 efectivos à procura de vaga;
ISEF (Instituto Superior de Educação Física) - em regime de instalação há mais de dez anos;
Centros regionais de segurança social, casas do povo, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, caixas de previdência - cerca de 20 000 trabalhadores sem qualquer situação definida;
MEC (Ministério da Educação e Cultura) - 6000 trabalhadores contratados a prazo;
MS (Ministério da Saúde) - 12 000 trabalhadores a título precário;
MAPA (Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação) - 4000 trabalhadores a título precário.
E o escândalo máximo, Srs. Deputados: no Instituto do Emprego e Formação Profissional, 900 contratados
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admitidos, em desrespeito pelos cerca de 2500 trabalhadores que o Governo pretende desvincular da função pública.
Estes técnicos qualificados, cuja função na formação profissional de trabalhadores lhes estava acometida, é hoje desempenhada nos chamados centros protocolares de formação.
O Estado paga durante três anos a formação desses trabalhadores, aumentando a riqueza dessas empresas que exploram estes trabalhadores na sua produção, sem custos, e até, pasme-se, Srs. Deputados, em alguns casos recebendo dinheiro para equipamentos, máquinas, ferramentas e instalações.
Que nos terá para dizer o Governo sobre o vazio criado aos cerca de 7000 trabalhadores dos organismos de coordenação económica?
Milhares de trabalhadores exercem funções que correspondem a necessidades permanentes dos serviços e vêm desempenhando todos os trabalhos normais ao longo de vários anos.
Mas têm estes trabalhadores direito a férias, subsídios de férias e de Natal, protecção na maternidade (dispensa após o pano), regalias sociais (assistência médica e medicamentosa), a não ser por esquemas obscuros que dependem da boa vontade das hierarquias?
Srs. Deputados, a Assembleia da República aprovou medidas contidas no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 49/86 - Orçamento do Estado para 1986 - para regularização desta situação. Que fez o Governo?
Vozes do PCP: - Nada!
O Orador: - No Decreto-Lei n.º 100-A/87, de 5 de Março, no artigo 16.º, limitou-se a «recomendar aos serviços e organismos da Administração que poderão abrir concursos internos de ingresso até 31 de Dezembro de 1987 para os trabalhadores que tenham três anos de serviço ininterrupto até ao termo do prazo de candidatura e desempenhem funções de tempo completo, sujeição à disciplina, hierarquia e horário de serviço».
Que levou o Governo a não atender o desejo expresso da Assembleia da República? Desconhecerá o Governo os problemas burocráticos dos concursos, regulamentos, realização de provas, publicações, vistos do Tribunal de Contas e de que muitos dos trabalhadores com vários anos de serviço, ano a ano, são dispensados por períodos de dez ou quinze dias, não sendo portanto possível a muitos milhares possuírem três anos ininterruptos, apesar de há largos anos desempenharem funções na Administração Pública?!
Há dias, nesta Assembleia, o PSD e o Governo apelidaram de demagógico e oposicionista à actuação do Governo o projecto que visa atribuir um subsídio aos jovens à procura do primeiro emprego.
«200 000 jovens estarão aptos a enfrentar o mercado do trabalho até final deste ano» - citei palavras do Sr. Secretário de Estado do Emprego, mas, Srs. Deputados, nada pode ilustrar melhor a oferta e procura de emprego se, tal como eu, os Srs. Deputados consultarem alguns exemplares do Diário da República e verificarem que para 600 vagas em serviços da Administração Pública houve nada mais nada menos do que 70 000 concorrentes.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - Srs. Deputados, engrossa dia-a-dia o quadro de excelentes pela falta de vontade política, pela incompetência nas soluções justas, no diálogo com os trabalhadores e suas organizações. É hoje o quadro de excedentes a prateleira para muitos trabalhadores.
É necessária uma verdadeira reforma na Administração Pública que respeite os direitos dos trabalhadores, dignifique a sim função e crie condições para que eles se empenhem e participem, como pretendem e querem, na prossecução do interesse público.
Política que não é seguida pelo Governo.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paiva Campos.
O Sr. Paira Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A formação profissional tem sido considerada como factor essencial no desenvolvimento e há quem atribua à sua ausência ume parte cia actual crise económica portuguesa. Os recursos humanos são tanto ou mais decisivos que os recursos materiais; daí a importância da sua valorização, independentemente da influência que esta possa ter no acesso, permanência e promoção no emprego. Apesar da sua importância, a política de formação para o trabalho tem sido praticamente nula, não passando de mera propaganda.
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Limitar-me-ei, por hoje, à política de formação profissional deste governo conduzida pelo Ministério do Trabalho, não me referindo também à que é levada a cabo com as verbas do Fundo Social Europeu. Dois colegas meus já aqui apelaram, noutro momento, para a necessidade de uma clarificação pública sobre a utilização de tais verbas. Quando, por ocasião de uma visita do Sr. Primeiro-Ministro, se lê nos jornais que o FUNDETEC despendeu em 1986 4 000 000 de contos para formar cerca de 500 jovens, isto é, 8000 contos por jovem, e, ao mesmo tempo, no preâmbulo do recente decreto-lei sobre prescrições e precedências, o Governo informa que cada aluno universitário custa ao país 300 contos por ano, temos de convir que algo precisa de ser esclarecido.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E muito urgentemente! Tanto mais que o total das verbas gastas, em 1986, nos programas do Fundo Social Europeu, cerca de 32 milhões de contos, é superior ao do orçamento de todo o nosso ensino superior, politécnico e universitário; e os programas propostos para 1987 orçam os 100 milhões de contos, praticamente metade do orçamento global da educação. Quais são os critérios seguidos pelo Governo na triagem dos programas e no controle da sua execução e por que não optou por programas nacionais de formação? A qualificação que está a ser produzida com estas verbas é proporcional aos custos ou estamos perante mais um submundo de árvores de patacas para uns quantos privilegiados?
Vozes do PRD: - Muito bem!
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O Orador: - Mas por hoje referir-me-ei, como disse, à formação profissional da responsabilidade directa ou indirecta do Ministério do Trabalho através do seu Instituto do Emprego e Formação Profissional: formação em cooperação, aprendizagem e formação nos centros.
A formação em cooperação diz respeito ao apoio técnico, pedagógico e financeiro prestado pelo Estado através de acordos e protocolos estabelecidos com entidades dos sectores público, cooperativo ou privado que desenvolvam acções de formação profissional. No que ao apoio para actividades específicas de formação diz respeito, verifica-se que não é precedido de um exame rigoroso das possibilidades da entidade requerente para as efectuar, nem do respectivo programa. É quase inexistente o apoio técnico-pedagógico por parte do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Pelo que este esquema facilmente se transforma numa via camuflada de subsidiar empresas para fins diferentes da formação, acrescendo o facto de não existirem mecanismos que evitem a celebração de protocolos unicamente por critérios de satisfação de clientelas partidárias ou de eleitoralismo.
Por que será, Sr. Ministro, que cerca de dois terços dos participantes na formação em cooperação no ano de 1986 são da região de Lisboa e só 22% da população abrangida são mulheres?
A ausência de envolvimento dos representantes dos trabalhadores em todo o processo mostra como os seus interesses não ocupam nele o devido lugar. O facto de esta formação não ser certificada, o que seria importante para efeitos de promoção e além disso tornaria o trabalhador menos dependente da empresa que a adquiriu, confirma a pouca atenção prestada à defesa dos interesses dos trabalhadores.
Algumas das críticas feitas são extensivas à formação em cooperação que se efectua em cerca de duas dezenas de centros protocolares.
Gostaríamos de saber, Sr. Ministro do Trabalho, a que se deve a quase existência de apoio técnico-pedagógico à formação em cooperação, qual a duração média de cada curso e o aproveitamento verificado, bem como o custo de cada hora ou semana de formação por indivíduo. E, a propósito de custos de formação, não pensa o Sr. Ministro que o seu cálculo por tipo de curso e posto de trabalho facilitaria o processo de determinação do montante de apoio financeiro a atribuir pelo Estado em cada caso? Como sabe, o processo de candidatura a estes apoios exige uma recolha de informação de tal modo complexa para a média das nossas empresas que provocou a emergência e florescimento de empresas de serviços para o organizar. Sabe o Sr. Ministro se muitas dessas empresas são da iniciativa de técnicos do seu próprio Ministério ou se estes, pelo menos, com elas trabalham?
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - A formação profissional realiza-se também em regime de aprendizagem para os jovens de 14 a 24 anos que não continuaram estudos após a escolaridade obrigatória, ou seja, o 6.º ano de escolaridade; como sabemos, são dezenas de milhares os adolescentes que em cada ano abandonam o ensino sem qualquer iniciação ao mundo do trabalho. Iniciado há dois anos, este regime abrange actualmente cerca de 3000 aprendizes a quem é atribuída uma bolsa para seguirem em empresas um programa de formação com a duração de três anos, o qual inclui formação geral, formação tecnológica com prática simulada e prática real no posto de trabalho devidamente acompanhada.
A oferta de lugares de aprendizagem está longe de satisfazer a população potencialmente interessada. Estamos longe dos 20 000 lugares prometidos e propagandeados no tempo de Rui Amaral para a fase de arranque. Também aqui o apoio técnico-pedagógico, a formação de formadores, a avaliação contínua e a avaliação que o Instituto do Emprego e Formação Profissional é suposto realizar são praticamente inexistentes. De tal modo que, sobretudo nas empresas sem experiência anterior de formação, os aprendizes só «estão lá» e não lhes é proporcionado um acompanhamento formativo da prática real de trabalho; pouco ou nada se sabe sobre o funcionamento da formação tecnológica. Em muitos casos, mais uma vez estamos perante um sistema camuflado de atribuir subsídios a empresas que, além disso, disporão de mão-de-obra gratuita ou barata.
É certo que, em alguns casos, poucos, são as escolas que asseguram a formação geral e a formação tecnológica, realizando-se a prática acompanhada nas empresas; talvez esteja aqui um dos esquemas prioritários a desenvolver em termos de futuro, sobretudo sempre que de formação profissional sistemática se trate; além do mais, este esquema tornaria mais viável o desempenho por parte das escolas da função que lhes cabe, de acordo com a recente lei de bases da educação, de preparar para a vida do trabalho em todos os seus cursos.
Para além da escassa oferta e da duvidosa qualidade da formação oferecida e adquirida em muitos casos, há indícios de que se trata de uma formação cara: a fazer fé em declarações prestadas no recente I Encontro Nacional da Aprendizagem, cada aprendiz custaria, no Alentejo, 800 contos por ano. Será possível, Sr. Ministro, dizer-nos quanto custa um aprendiz por ano no conjunto do País?
Mas, para além de fomentar, apoiar e participar em acções e programas desenvolvidos por outras entidades, o Ministério do Trabalho realiza programas próprios nos seus dezasseis centros de formação profissional, estando uma dezena de novos centros a ser lançados. Este é um modelo fracassado de formação profissional, não se compreendendo por que se insiste no erro gastando milhões de contos sem ter em conta a sua rentabilidade.
Para começar, quando os equipamentos destes centros estão instalados, os das empresas do sector já mudaram. Aos problemas da desactualização permanente dos equipamentos e da inadequação ao posto de trabalho, de resolução impossível, acresce a falta de flexibilidade nos cursos fornecidos, que ontem podiam corresponder às necessidades regionais de emprego e hoje ou amanhã já não. Daí que, embora a oferta de cursos seja inferior à procura, no momento da chamada dos candidatos, estes desistem por causa da distância do centro relativamente à sua residência. Para já não acentuar defeitos mais facilmente superáveis, tais como a falta de actualização dos monitores de formação e o facto de não se produzirem novos programas, continuando-se com as progressões únicas importadas há vinte anos de França, onde já foram há muito abandonadas e substituídas pelas progressões modulares.
Neste contexto, não admira que a formação nestes centros seja caríssima e os benefícios escassos em ter-
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mós de quantidade de trabalhadores abrangidos e de qualidade da respectiva qualificação, que se limita às tecnologias rudimentares da respectiva profissão e é quase sempre inadequada às exigências reais do posto de trabalho nas empresas. Além disso, é pequena a percentagem que consegue entrar no mercado de emprego. Não se compreende, Sr. Ministro, por que se insiste no modelo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se as medidas legislativas do governo do bloco central relativas à aprendizagem e à formação em cooperação continham algumas potencialidades, a implementação que se lhes seguiu, efectuada já por este governo, é um autêntico fracasso em termos de quantidade e qualidade de formação oferecida e adquirida. Este governo, no domínio da formação profissional, só faz cartazes ou spots televisivos para propaganda e só gasta dinheiro.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - É certo que uma outra medida legislativa tomada pelo anterior governo para aumentar a capacidade de execução das políticas de formação profissional foi a reestruturação do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Mas a implementação desta reestruturação bloqueou o Instituto e a já fraca capacidade de resposta agravou-se; os seus melhores quadros colocam-se numa atitude de expectativa ou procuram novos contextos de trabalho.
Um dos motivos de reestruturação do Instituto era a indispensável e urgente necessidade de admitir técnicos (monitores de formação profissional, técnicos de emprego, conselheiros de orientação profissional). Ora, a admissão de técnicos foi preterida em favor da admissão maciça de chefias, sobretudo nos serviços centrais, ocupadas por elementos afectos ao partido do Governo, desmotivando a dedicação dos quadros competentes e reforçando a ideia, que vai sendo corrente entre nós, de que afinal a melhor qualificação para o emprego é a simpatia pelo partido do Governo. Assim já não é preciso uma política de formação profissional! A própria criação de departamentos mais parece ser ditada pela necessidade de colocar certas pessoas do que pelas exigências da realização dos objectivos do Instituto; veja-se a existência de dois departamentos de formação profissional a nível dos serviços centrais.
Este empolamento dos serviços centrais através da estrutura macrocéfala já aprovada é tanto mais inconsequente quanto um dos outros motivos da reestruturação do Instituto era a sua desconcentração, conferindo-se às estruturas regionais todas as atribuições que não fossem consideradas de natureza nacional. Ora, já são tantas as chefias a nível central que se torna difícil encontrar o número de chefias regionais necessário para uma estrutura minimamente operante; com efeito, acaba de aparecer um projecto de estruturas regionais praticamente decapitadas. Também aqui até a desconcentração e a necessidade de transferência de recursos humanos para os serviços periféricos são só slogans para tentar enganar o provinciano que me orgulho de ser!
Além disso, o estatuto do pessoal deveria ter sido aprovado no prazo de 90 dias a contar da entrada em funções da comissão executiva; mais de um ano depois, o estatuto parece ainda longe de aprovação, com efeitos negativos muito fortes no clima de trabalho e nas perspectivas de carreira dos actuais funcionários, que vêem as suas remunerações exageradamente desproporcionadas relativamente às que auferem as novas chefias e alguns técnicos que começam a ser contratados sobretudo para os serviços centrais. O descontentamento legítimo aumentou com o conhecimento do recente projecto de alteração do decreto-lei que reestruturou o Instituto. De acordo com este projecto de alteração, os acuais membros do Instituto que optem pelo vínculo à função pública ficarão, não no quadro do Instituto, mas no da Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, de onde poderão ser requisitados ou não para o Instituto, sabe-se lá com que critérios!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. Ao constatar que o actual governo nem sequer conseguiu realizar algumas das potencialidades da legislação do anterior governo não significa que estejamos de acordo com a política de formação profissional que tal legislação consubstancia.
Este governo, como os anteriores, não tem uma política global de preparação dos cidadãos para o trabalho. O Governo funciona mais como um banco de apoio financeiro do que como banco de apoio técnico-pedagógico e de fomento de iniciativas. Ó Governo diz que a população abrange e quanto gasta, não se interessa pela qualificação produzida e pela sua adequação ao desenvolvimento do País. A actual formação profissional é procurada pelas empresas porque precisam ou desejam dinheiro e não porque procurem formação; abrange uma pequena percentagem da população que dela necessita; concentra-se na formação contínua, quase ignorando a inicial, nos níveis mais baixos e intermédios de qualificação; é muito cara proporcionalmente aos benefícios; segue os esquemas das acções pontuais e da formação profissional acelerada; é inadequada e pouco utilizada no mercado do emprego; preocupa-se apenas com a qualificação para o posto de trabalho e com a adaptação dos trabalhadores às novas tecnologias, enfrentando, com decepção, a triste realidade de que a melhor formação para o trabalho, inexistente na maioria dos trabalhadores portugueses, é a formação básica; quase sempre foge à questão da certificação e o envolvimento dos representantes dos trabalhadores é pouco sensível, mais parecendo unilateralmente ao serviço dos interesses dos empresários.
Mas sobretudo o que falta para uma política de formação profissional é a definição de uma plano de desenvolvimento a médio prazo que dê sentido a um subsistema articulado de formação inicial para o trabalho no âmbito do sistema educativo mais vasto, conforme determina a respectiva lei de bases, aprovada há poucos meies nesta Assembleia, e dê ainda sentido a uma rede de inserção no mundo do trabalho e de formação contínua resultante de uma pluralidade de iniciativas apoiadas técnica, pedagógica e financeiramente pelo Estado. Só assim teremos uma política determinada de preparação dos cidadãos para o trabalho articulada com o desenvolvimento do País.
Aplausos do PRD e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado ainda faltarem cerca de duas horas de debate e uma hora para o encerramento, informo que não haverá intervalo regimental.
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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Mota.
O Sr. José Mota (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:
Que o mundo laborai português está eivado de problemas atestam-no, desde logo, a elevada taxa de desemprego, onde não é parcela de menos seriedade a dos jovens à procura do seu primeiro emprego, e o nível geral de condições de trabalho e de vida de grande parte dos trabalhadores.
Muito embora se possa alegar não ser esta ocasião azada para tal debate, temos para nós que se não deve - não pode - dissociar da situação geral sócio-económica qualquer discussão sobre os problemas que afectam os trabalhadores. Não se pode cair na tentação, fácil, de justificar situações com a desculpa da conjuntura ou procurar alijar responsabilidades perseguindo fantasmas e inventando (ou não) bodes expiatórios.
É claro que essa é matéria importante, mesmo na medida em que qualquer sistema, por mais perfeito que seja, depende sempre da capacidade e honestidade daqueles a quem compete administrá-lo e velar pelo seu cumprimento.
O que queremos deixar claro nesta nossa posição é que, sendo os problemas globais sérios e graves, a sua resolução não se encontrará com medidas pontuais, avulsas e desconexadas. Bem pelo contrário, o que se exige de todos nós é a frontalidade para atalhar o problema de fundo e a capacidade e a vontade política para encontrar as soluções adequadas. E aquela é a modernização do País - modernização das estruturas sócio-económicas, mas também, e desde logo, das mentalidades.
Por isso são bem vindas todas as propostas concretas que vêm sendo divulgadas e que se deseja sejam discutidas, na perspectiva que sempre tivemos de que só na base do diálogo responsável entre todos é possível criar condições para um empenhamento de todo o tecido social e económico que conduza à evolução estável, conquanto gradual, no sentido da melhoria da situação geral e, por essa via, à erradicação de muitos dos males epidémicos que hoje nos afectam.
Não atingiremos, seguramente, esse desiderato se, cómoda quanto enganadoramente, continuarmos a agitar o espantalho da legislação laborai (leia-se «lei dos despedimentos») como causa de todos os males, como o fazem alguns empresários e suas estruturas associativas, da mesma forma que a nenhum lado chegaremos - salvo no que possa respeitar a mais uns votos de cada vez maior número de desesperados - se tão-só nos preocupar encontrar bodes expiatórios para a situação, mas nada fazendo para a sua superação.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - É claro que não caímos no malogro de bater nas «costas largas» do sistema e tanto nos bastar como justificação, isentando todos os responsáveis, de entre os quais não terá quota menor o Governo e, em particular, o Ministério do Trabalho.
Não se poderá, por outro lado, retirar das nossas palavras que consideramos de somenos os problemas com que actualmente os trabalhadores se debatem e que tudo se deve subjugar ao objectivo último da modernização do País, e, este atingido, então o resto se veria...
Há problemas concretos, situações graves e abusos de tal monta que se exige actuação imediata e firme, resolvendo os actuais e desencorajando a sua propagação.
O desrespeito ao cumprimento da lei não pode passar impune, mas isso é o que se verifica, no concreto, face à incapacidade de actuação da Administração Pública, de que é exemplo lapidar a Inspecção do Trabalho, e à morosidade dos tribunais do trabalho.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - De há muito vimos reclamando a necessidade de profundas reformas àqueles níveis, que consideramos absolutamente essenciais para um normal funcionamento de qualquer sistema e sem as quais este, por melhor que seja, não funcionará.
Não se pode continuar a esperar meses e meses pela actuação da Inspecção do Trabalho e esta estar à partida limitada por legislação que coarcta a sua intervenção e por meios claramente insuficientes, como se não admite aguardarem-se anos pela resolução de um diferendo em tribunal, que muitas vezes é um despedimento do trabalhador sem justa causa, absolutamente dependente dessa resolução.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Da mesma forma não resolvem o problema do trabalho infantil ou do trabalho ao domicílio os relatórios ou as participações pontuais feitos pelos agentes da Administração Pública.
A exigência de uma actuação eficaz que reprima as ilegalidades tem a ver com a celeridade da sanção e com o peso desta por forma que o exemplo, ao contrário do que hoje acontece, desincentive potenciais prevaricadores.
É claro que se não pode escamotear a verdade e sabemos que em muitos casos os empregadores não serão os únicos responsáveis pelas situações criadas. Há, infelizmente, exemplos de casos de trabalho de menores de 14 anos ao lado de seus pais, admitidos nas empresas a pedidos destes e para seus ajudantes. Serão, decerto, excepções, tanto quanto é regra tais situações decorrerem das sérias dificuldades de muitos agregados familiares de trabalhadores, da insuficiência do nosso sistema de ensino e da revolução das mentalidades que continua por fazer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, e porque, necessariamente, na maioria dos casos o recurso quer ao trabalho infantil quer ao trabalho domiciliário é clandestino, reconhecemos não ser fácil o combate.
O que também se não pode é esperar por que o mal se transforme em epidemia para só depois se estudar um «plano de emergência».
No caso particular das indústrias têxtil e vestuário, concorrerá decerto para tal estado de coisas a ausência de um programa de reestruturação e modernização do sector a par de uma certa euforia, provavelmente efémera, que se vive em resultado de algumas momentâneas facilidades de mercado.
Mas já na indústria do calçado, onde também aqueles problemas são notórios, a situação terá causas diversas - para além da comum e que é a exploração desen-
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freada por parte de empresários sem escrúpulos - e que no essencial têm a ver com as insuficiências que se verificam nos domínios do ensino e da formação profissional.
Como conceber o recurso a trabalho clandestino e em particular infantil num país com tão elevado número de desempregados, máxime num sector como o têxtil e o vestuário onde tal «coexistência» assume gravidade acrescida pelo facto de serem cada vez mais os casos de encerramentos e falências de empresas?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E também estes são casos que se arrastam pelos ministérios e instituições públicas e pelos tribunais, aguardando os trabalhadores por uma resolução que nunca mais chega ou quando é dada os não contempla minimamente.
em a propósito recordar a situação criada por este governo ao bloquear a aplicação da lei sobre salários em atraso aprovada nesta Assembleia, gerando confusões a todos os níveis, provocando enormes atrasos no pagamento das prestações aos trabalhadores, não accionando mecanismos e diligências que lhes eram impostos por essa lei, numa palavra, prejudicando claramente os trabalhadores afectados, em total desrespeito e com gélida insensibilidade pela gravidade das situações desses milhares de cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É fácil constatar, neste campo, uma quantidade enorme de problemas, pelos quais haverá, naturalmente, múltiplos e variados responsáveis.
Como se vê, sem dramatismos ou especulações - de uns e outros foram (naturais) protagonistas os nossos profecias da desgraça -, a situação é realmente grave, exigindo uma actuação persistente, mesmo com base nos normativos e meios actuais, da parte do Governo e em especial do Ministério do Trabalho, enquanto, em simultâneo e com igual empenhamento, se deve efectuar a discussão alargada e profunda que conduza à implementação das medidas necessárias ao desenvolvimento e modernização do País.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os números oficiais, apesar de não apresentarem a realidade dura dos graves problemas que afectam as mulheres, são já de si significativos: quase 50 % das mulheres empregadas não têm contrato efectivo; cerca de 57% dos desempregados são mulheres.
E os números oficiais só não são mais elevados porque a baixa de actividade escamoteia o número crescente de mulheres que são classificadas como domésticas, tentando assim esconder o verdadeiro desemprego. A somar ao aumento de 104 000 domésticas em 1984-1985, que o Governo refere no relatório à OIT, há mais algumas dezenas de milhares em 1986. Não é preciso saber álgebra para concluir que a filosofia da defesa do regresso da mulher ao lar está a atingir os seus objectivos: esconder o desemprego crescente que a política governamental provoca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento não há inscrições.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - A praxe parlamentar das interpelações devia aconselhar que aqueles que dispõem de riais tempo usassem primeiro da palavra, mas, olhanco para a bancada do Governo, que está muito pobre, inscrevemos a nossa camarada lida Figueiredo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo, para uma intervenção.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É sabido que, mesmo assim, o desemprego feminino só não é mais elevado porque as mulheres recorrem ao trabalho ocasional e ao domicílio, ao trabalho mais ou menos irregular (venda atribulante, trabalho à tarefa, ao domicílio, a dias, à hora), enquanto não conseguem um emprego estável.
São mais de 300 000 as trabalhadoras com trabalho precário e mais de 415 000 as mulheres que aparecem nas estatísticas como trabalhadoras por conta própria.
São os números de uma realidade de centenas de milhares de mulheres que, na maior parte dos casos sem qualquer remuneração certa, sem emprego assegurado, teimam em trabalhar em condições muitas vezes vexatórias da sua própria dignidade.
São mulheres que de norte a sul trabalham na agricultura, de se sol a sol e acumulam com as tarefas domésticas numa exploração sem limites. São mulheres que foram despedidas, no calçado e na têxtil, que em casa cosem sapatos, fazem tapetes, tecem malhas, costuram vestuário para fábricas nacionais e multinacionais que as sim se livram dos encargos da Segurança Social e dos salários certos que até aí lhes tinham de pagar e que, às vezes, ainda recebem por isto subsídios do Fundo Social Europeu.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - São as mães trabalhadoras que após um mês de parto regressam ao trabalho clandestino na fábrica, caso contrário arriscam-se a não receber os míseros 15 contos mensais que empresas de tapetes da zona de Gaia lhes pagam.
São as mulheres trabalhadoras da indústria eléctrica submetidas a um desgaste constante visando o seu despedimento como na CENTREL, na MESSA, na DCP, na SIPE e tantas outras.
Não tem limites a imaginação repressiva de patrões sem escrúpulos, a que a IGT não só faz orelhas moucas como, em muitos casos, dá apoio claro. A CABLESA é um exemplo. Aí laboram 900 trabalhadoras, 800 das quais são contratadas a prazo. Entretanto, recentemente, o Ministério do Trabalho autorizou-a a laborar continuamente, o que pode implicar que as mulheres sejam obrigadas a trabalhar à noite, apesar de Portugal ter ratificado a convenção da OIT que proíbe o trabalho nocturno para mulheres na indústria e se a legislação portuguesa continuar a proibir o trabalho na indústria.
São as acrescidas discriminações no acesso ao emprego, quando as trabalhadoras são confrontadas, mesmo paia conseguir um contrato a prazo, com perguntas relacionadas com a sua vida pessoal e familiar. No comércio, em centros comerciais e mesmo em fábri-
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cãs, tudo são pretextos para excluir a admissão de mulheres: estarem grávidas, serem casadas, tencionarem ter filhos.
Paralelamente e em consequência de toda esta situação agrava-se a discriminação feminina e aumenta o fosso entre as remunerações salariais médias de base dos homens e as das mulheres. De acordo com os dados oficiais do Ministério do Trabalho, em 1985 os homens auferiam mais 28% do que as mulheres. Mas em Junho de 1986 os homens auferiam mais 39% do que as mulheres. Com este governo, a discriminação salarial das mulheres atingiu o seu valor máximo após o 25 de Abril.
Não faltam justificações oficiais para esta situação, nomeadamente a falta de formação das mulheres.
Mas que formação profissional existe para mais de 250 000 mulheres desempregadas? Que programas existem, quer do IEFP, quer do Ministério do Trabalho, que dêem particular atenção ao facto de cerca de 57% dos desempregados serem mulheres?
A realidade actual da política governamental aí está a demonstrar que este problema do desemprego feminino está a ser resolvido remetendo as mulheres para casa. A solução para o desemprego é o aumento do número de domésticas. Para quê, pois, formação profissional para as mulheres?! Na óptica governamental o que é preciso é ensinar-lhes a tomar conta da casa e a substituir as creches e infantários que o Governo não cria.
A verdade é que não existe qualquer coordenação entre uma política de emprego, de reestruturação industrial, de fomento da produção agrícola, de educação e de formação profissional.
E quanto ao controle e utilização dos muitos milhões de contos do FSE, a realidade e o debate já demonstraram que não são preocupação deste governo.
Por isso continuaremos a bater-nos aqui na Assembleia da República para que os direitos, das mulheres reconhecidos na Constituição e nas leis, sejam de facto aplicados.
O acesso e a igualdade de oportunidades no emprego, a não discriminação salarial em função do sexo, têm de deixar de ser letra morta.
A luta activa e criativa das mulheres portuguesas é a certeza de que as esperanças de Abril se hão-de cumprir, com outro governo e outra política.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A presente interpelação do Partido Comunista foi, politicamente, um acto falhado. Como um acto falhado havia sido idêntica interpelação que o mesmo partido aqui havia feito no ano transacto.
É legítimo perguntar: que má sina, que sorte madrasta acompanha o Partido Comunista? Em primeiro lugar, a estabilização política verificada em Portugal nos últimos anos forçou-o, progressivamente, a abandonar as tradicionais acções de rua, as manifestações e as marchas heróicas que constituíram durante tantos anos o principal instrumento de que se serviu para desgastar e derrubar governos.
Viu-se depois o Partido Comunista obrigado a conviver com os mecanismos típicos do Estado parlamentar e agora, que ameaçava habituar-se a essa convivência, eis que as duas principais iniciativas que toma nesse quadro redundam num claro falhanço.
O País passará por este debate com a indiferença de quem passa pelas coisas mais rotineiras e sensaboronas.
Porque foi isso que sucedeu com este Parlamento. A ausência de um número muito expressivo de deputados, a forma apagada e pouco convincente como as diversas oposições conduziram este debate, são uma prova evidente da banalização da interpelação do Partido Comunista.
É certo que isso se deveu, em parte, à apresentação, pelo PRD, de uma moção de censura ao Governo, que subsumiu politicamente a discussão da presente interpelação.
Vozes do PSD: - Apoiado!
Vozes do PCP: - Não apoiado!
Risos do PCP.
O Orador: - E a este propósito seja-nos permitido referir ...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Os problemas são os salários em atraso. Esse é que é o problema! E quem tem experiência são os trabalhadores!
O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, dá-me licença que eu continue ou quer que faça um intervalo para ouvir as admoestações da Sr.ª Deputada Odete Santos? Ouço-a com todo o prazer.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, de facto, é possível fazer apartes, mas com a necessária contenção, de forma a não perturbar o orador. Aliás, não faz sentido enxertar aqui outra discussão.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado Duarte Lima.
O Orador: - Dizia eu que, a este propósito, referimos que a apresentação da referida moção de censura merece desde já duas observações: em primeiro lugar, veio evidenciar que o Partido Comunista Português encontrou o aliado táctico ideal, capaz de tomar por si as iniciativas políticas mais delicadas; em segundo lugar, deu-nos a oportunidade única e inesquecível de assistir ontem, pela televisão, a um raro exercício linguístico do líder do PRD, o qual, após cerca de vinte minutos de hesitações, ...
Risos do PCP, do MDP/CDE e do PS.
O Orador: - ... confessou de forma titubeante e engasgada as razões últimas que levaram os renovadores democráticos a tentar abrir uma crise política, que se funde com o recente incidente entre o Parlamento e o Governo, provocado pela programada deslocação de uma delegação parlamentar à Estónia.
Mas não é apenas este o motivo pelo qual a presente interpelação é um acto falhado: é que, de facto, o interpelante não tem razão.
Não tem razão porque, ao contrário do que afirma, foram atingidas as principais metas macro-económicas a que o Governo se propunha em 1986:
O crescimento económico global situou-se entre 4,25% e 4,5%, quando a projecção estabelecida pelo Governo era de 4%;
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O investimento em capital fixo situou-se próximo dos 10%, quando a meta do Governo se situava entre os 9% e os 10%;
A inflação caiu para 11,7% em média anual e para 10,6% em Dezembro sobre Dezembro, quando a meta do Governo apontava para os 12% anual;
A taxa de desemprego passou de 10,4% 1985 para 10,2%, média anual. E lembramos que o objectivo do Governo para 1986 era o de evitar a subida do desemprego - objectivo, diga-se de resto, em que parte dos partidos que hoje se opõem ao Governo não acreditavam;
Vozes do PCP: - É falso!
O Orador:
O nível de bem-estar melhorou, graças à diminuição da inflação, à subida real dos salários, das pensões, do emprego, bem como à redução da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho;
Os salários reais cresceram cerca de 4%, em estimativa provisória;
Portugal registou a segunda melhor posição, entre os países da OCDE, na BTC. Está é superavitária em cerca de 5% do PIB;
O Governo protagonizou, juntamente com os parceiros sociais, no âmbito do Conselho de Concertação Social, uma política realista de diálogo e de verdadeira concertação social. Fê-lo sem alarde, mas com êxito, que deve ser justamente repartido pelos parceiros sociais que participam naquele órgão. É certo que a central sindical próxima do Partido Comunista em nada contribuiu para este êxito, que se traduziu sem dúvida numa situação de maior distensão social. Mas trata-se de uma automarginalização que tem a ver com diferenças profundas de entendimento sobre a forma como devem funcionar os mecanismos de concertação e diálogo num Estado democrático de tipo ocidental;
Diminuiu drasticamente o número de empresas com salários em atraso, bem como o número de trabalhadores afectados por este flagelo social. E poderá diminuir mais esse número, graças à reanimação da economia a que se assiste em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por aqui se vê, pois, que o interpelante não tem razão em interpelar. Infelizmente o interpelante só é pródigo em críticas vagas e não em soluções e o que é curioso é que está a começar a contaminar, com este ligeiro pecadilho, alguns partidos da oposição. Pois remédio sério para os males apontados foi coisa que aqui não vimos.
Criticou-se o trabalho infantil praticado nalgumas empresas, facto que também nós condenamos com veemência, no que temos a certeza de ser acompanhados pelo Governo.
Mas não é que nenhum dos Srs. Deputados, em particular do Partido Comunista, deu uma mão amiga ao Governo para lhe explicar como acabar, cerce, com tão condenável situação? Sabido que é que o Governo não pode meter um fiscal, permanentemente, em cada empresa; sabido que é que a IGT tem actuado crescentemente nesta área, mais por sua iniciativa do que por iniciativas de terceiros; sabido que é que nos casos detectados a ICT tem procedido, de forma expedita, como a lei exige, como fazer mais e como fazer melhor? Compreendo que não queiram ajudar o Governo, mas não querem os Srs. Deputados ajudar as crianças injustamente exploradas, as mesmas crianças que fugiram assustadas dos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Odete Santos?
Não hesitem, Srs. Deputados, contribuam com as vossas imaginosas soluções. Não apenas os do Partido Comunista, mas também aqueles que se esqueceram de pôr em prática, quando estiveram no poder, as panaceias sobre as quais leccionaram agora cursos apressados para adultos.
Numa coisa temos de concordar. Que esta interpelação foi útil. Ela veio mostrar, mais uma vez, que a posição à esquerda do PSD não tem alternativas para o governo nem para a sua política. Assistimos aqui ao desfiar morno e apagado de alguns enunciados bastante genéricos sobre política de emprego, mas ficou claro que não há pontes de comunicação entre os princípios defendidos pelas oposições.
A oposição à esquerda do PSD deixou claro, mais uma vez, que não se entende relativamente à afirmação positiva de políticas alternativas a este Governo, e isso é uma derrota evidente e clamorosa do Partido Comunista, que tem feito dessa ideia a pedra de toque do seu discurso político.
A oposição entende-se apenas no domínio das bagatelas política: e não no domínio das principais questões atinentes ao Estado. Consegue unir-se para pedir a ratificação de decretos-leis do Governo, consegue unir-se para aprovar a constituição de comissões parlamentares cê inquérito em número ciclópico, consegue unir-se para legislar de afogadilho em matérias em relação às quais existe competência concorrencial com o Governo (quando não mesmo em matérias que são da exclusive competência deste), mas não consegue unir-se para prosseguir as finalidades mais nobres que ao Parlamento estão reservadas, nomeadamente para legislar nas principais áreas de relevo político que a Constituição delimita como da exclusiva competência parlamentar.
A oposição diz sentir a necessidade e a premência das tão decimadas reformas estruturais, chega mesmo ao ponto da afirmar que as que o Governo apresentou não prestara. Mas não foi capaz, como lhe competia, de levar a cabo e de apresentar nesta Assembleia nenhuma dessas reformas legislativas por sua exclusiva iniciativa.
Vozes do PCP: - Está distraído!
O Orador: - A oposição uniu-se contra o Governo, mas num plano meramente negativista, e nunca num plano em que evidenciasse capacidade para apresentar uma alternativa credível e melhor.
Por isso a moção de censura em trânsito, que o PRD anunciou, é um nado-morto. O PRD, partido originalíssimo, cometeu a proeza rara de apresentar uma moção de censura cujo destinatário visível é o Governo, mas que tem como destinatário último o Partido Socialista, e há mesmo quem diga que o próprio Presidente da República.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ns bancada do PSD apreciamos muito estas ini-
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ciativas dos partidos da oposição de interpelar com tanta frequência o Governo. Sabemos que isso corresponde a uma aspiração razoável e legítima de conhecer os segredos da boa governação. E pensamos que estas interpelações podem, assim, cumprir um duplo objectivo, simultaneamente informativo e didáctico: os Srs. Deputados de alguns partidos da oposição ficam esclarecidos sobre o acerto das principais medidas do Governo e têm ao mesmo tempo a oportunidade de aprender alguns rudimentos da arte de bem governar, que lhes serão úteis se, por infortúnio nosso, um dia o País os incumbir dessa tarefa.
Protestos do PCP.
O Orador: - Não podemos, porém, deixar neste debate de dizer o seguinte: é que os problemas que o Partido Comunista está a querer equacionar com esta interpelação são-lhe directamente imputáveis, porque foi o PCP o principal responsável, nos anos quentes de 1974-1975, pela principal destruição do aparelho produtivo português. É ao Partido Comunista que tem de se perguntar por que é que o investimento se concentra mais no Norte do País e teima em não se fixar na península de Setúbal.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E por que é que há trabalho infantil no Norte?
O Orador: - E poderíamos igualmente perguntar por que é que as principais empresas cujos trabalhadores foram e são vítimas de salários em atraso são aquelas que maior intervenção destruidora sofreram do Partido Comunista.
Por tudo isto, o PCP não devia hoje ser o interpelante, mas sim o interpelado.
Não temos dúvidas, porém, que a esperança de melhores dias começa a nascer nessas empresas. Haja em conta o que se passou recentemente na LISNAVE, com a vitória, para a comissão de trabalhadores, da lista afecta à central democrática UGT. Essa esperança começa a ser partilhada um pouco por todo o País.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Verificámos mais uma vez nesta interpelação que uma das vossas principais angústias reside no facto de este governo ser minoritário. É verdade. O Governo é bom, mas é minoritário!
Mas descansem os Srs. Deputados da oposição, em particular aqueles que se situam à esquerda da bancada que apoia o Governo: a seu tempo lhes daremos a satisfação de observarem connosco que a melhor alternativa a um governo minoritário do PSD é a de um governo maioritário do PSD.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves e o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves.
A Sr.ª Ana Gonçalves (PRD): - Sr. Presidente, tenho de o informar que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa se inscreveu primeiro do que eu.
O Sr. Presidente: - Se assim é, e não o ponho em dúvida, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito obrigado, Sr.ª Deputada Ana Gonçalves.
Sr. Presidente, pretendia usar o direito de defesa da honra da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Nessas circunstâncias, não é para pedir esclarecimentos mas para exercer o direito de defesa que V. Ex.ª pretende a palavra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Duarte Lima veio, mais uma vez, fazer humor negro com a questão que tem estado aqui muito no centro deste debate e que é a existência de exploração de mão-de-obra infantil denunciada por deputados que foram às empresas utilizadoras daquela mão-de-obra, as quais foram referenciadas por jornalistas e homens da comunicação social íntegros através de várias notícias.
Só porque deputados procuraram trazer a esta Assembleia a verdade dos factos, o Sr. Deputado Duarte Lima faz humor negro com uma questão que qualquer democrata, com a sua consciência de justiça social, devia ter em conta, na medida em que é uma manifestação extrema, profunda e preocupante da sociedade portuguesa.
O Sr. Deputado Duarte Lima teve o nível ético do Governo, do secretário de Estado que, em relação a este problema fundamental, falava da ganância dos pais.
Mas porque o Sr. Deputado fez afirmações graves, porque parece que esteve distraído e pôs o Partido Comunista Português numa posição meramente destrutiva, acabo esta pequena intervenção com uma interpelação à Mesa: é ou não verdade, Sr. Presidente, que o Partido Comunista Português não se limitou a denunciar esta situação e entregou na Mesa um projecto de lei que visa dar combate à exploração de mão-de-obra infantil?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Quanto à pergunta formulada à Mesa pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, confirmo que deu ontem entrada na Mesa um projecto de lei, apresentado pelo PCP, no sentido de proibir o trabalho infantil.
Sr. Deputado Duarte Lima, deseja dar explicações ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Desejo sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, em primeiro lugar, nunca referi, nem na minha intervenção de hoje nem na interpelação que lhe fiz ontem, na ganância dos pais. Não fiz vez nenhuma referência a esse argumento.
Em segundo lugar, também não quis fazer humor negro com isto. Não me passa pela cabeça que as crianças se possam assustar quando vêem o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa ou, eventualmente, a Sr.ª Deputada Odete Santos simplesmente por que os vêem. Não foi isso que eu quis dizer; o que quis evidenciar,
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Sr. Deputado, foi que numa questão deste tipo não é tão fácil denunciar essas situações como V. Ex.ª pensa e aqui afirmei. E não o é porque, da mesma forma que as crianças fugiram de V. Ex.ª, fogem diante dos membros da Inspecção do Trabalho quando estes lá vão!
Foi isto que eu quis referir e longe de mim a intenção de fazer humor negro com esta situação da exploração de menores, que nós consideramos lastimável e que eu condenei. Fi-lo talvez com algum humor, mas permita-me o recurso ao humor, que é um instrumento linguístico que nós, tal como VV. Ex.ªs, podemos utilizar. Não aceitamos aquilo que parece ser uma tentativa de pôr uma rolha na boca dos deputados do PSD; se VV. Ex.ªs se riem e usam o humor, nós também podemos fazê-lo!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Duarte Lima, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves.
A Sr.ª Ana Gonçalves (PRD): - Sr. Deputado Duarte Lima, ouvi com a atenção devida a sua intervenção e devo dizer-lhe que, quando se referiu à entrevista que o presidente do PRD, general Ramalho Eanes, deu na televisão, disse uma série tão grande de disparates que eu nem me vou dar ao trabalho de os comentar.
Risos do PSD.
Vozes do PRD: - Muito bem!
A Oradora: - E não os vou comentar pois seria uma mera perda de tempo. Compreendemos que o Sr. Deputado - penso que naquela que foi a última intervenção do PSD - tenha tentado desviar a atenção da Câmara de uma interpelação do PCP sobre matéria laborai para a moção de censura, mas esta situação revela à saciedade a incapacidade da sua bancada para justificar os grandes problemas que nós e as outras bancadas aqui levantámos durante estes dois dias de debate.
Ficou provado que o PSD é incapaz de ir em socorro do Governo porque as medidas deste governo, pura e simplesmente, não têm socorro!
Vozes do PRD: - Muito bem!
A Oradora: - Por outro lado, se compreendemos este desvio das atenções desta interpelação sobre trabalho para a moção de censura pela razão que expus, compreendemo-lo ainda por uma outra, que é o patente nervosismo da sua bancada.
Vozes do PSD: - Ora, ora!..
A Oradora: - É verdade, Srs. Deputados! Mas tenham calma, pois a moção ainda não deu entrada na Mesa e a sua apresentação será diferida no tempo para que sejam articulados os interesses desta Câmara com os interesses nacionais, nomeadamente com a visita de Estado que o Sr. Presidente da República está a efectuar ao Brasil.
Aliás, se os Srs. Deputados estivessem menos nervosos e mais atentos ao que se está a passar no País, já teriam ouvido esta explicação por parte do meu partido.
Referiu ainda o Sr. Deputado Duarte Lima que a deslocação à União Soviética será o único motivo para esta moção de censura, mas tenha calma, Sr. Deputado, pois verá que há muitos outros motivos e que essa foi unicamente a gota que fez transbordar o copo de água!...
Por outro lado, o Sr. Deputado disse ou insinuou -devo dizer que não prestei muita atenção, pois tantos foram os disparates que alguns me fugiram- que éramos aliados ácticos do PCP. Sr. Deputado Duarte Lima, não me diga que ainda se situa no tempo em que tudo o que não era «situação» era comunismo? E esse o seu entendimento?
Aplausos do PRD e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr.ª Deputada Ana Gonçalves, minha cara amiga - permita-me que a trate assim...
Risos.
Não se riam muito, pois pode ser mal interpretado.
Retomando o assunto, devo dizer que é com prazer que respondo às perguntas que me fez.
No que se refere à questão que colocou, de a referência à moção de censura ser um desvio das atenções, devo dizer-lhe que não se trata de um desvio de atenções. O que é curioso é que V. Ex.ª não reparou que a primeira intervenção sobre esta questão, feita pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, não começou com uma referência à interpelação mas sim com uma referência à moção de censura e é estranho que a Sr.ª Deputada, que agora teve uma reacção epidérmica em relação à minha intervenção, não tenha tido reacção semelhante à do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, quando ele demorou uns minutos a falar da moção de censura, tendo dito inclusivamente que este debate era premonitor da moção de censura. V. Ex.ª não ficou agastada com isso nessa altura e só agora, no final do debate, é que ficou agastada! Deve ser do cansaço...
Risos do PSD e do CDS.
Refere a Sr.ª Deputada que não falamos de mais nada a não ser da visita à Estónia. Devo dizer-lhe que, pelo que percebemos das intervenções do Sr. Deputado Hermínio Martinho, à saída de Belém, e do Sr. General Ramalho Eanes, o problema é essencialmente esse.
V. Ex.ª diz que a moção está em trânsito por razões de Estado e eu pergunto se as mesmas razões de Estado não justificam que o PRD aguarde o regresso do Sr. Presidente da República para então apresentar a moção de censura.
Quanto a questão dos aliados tácticos -note que referi aliados tácticos e não aliados estratégicos-, ela tem a ver com o facto de o PCP ser o partido que, desde o momento em que este governo tomou posse, tem defendido, com maior coerência e rigidez, que este governo tem de cair e que é preciso encontrar uma alternativa nesta Câmara para o substituir, ou seja, que se deve apresentar uma moção de censura. Só que, talvez por conveniência política, o PCP tem-se recusado a apresentá-la.
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Assim, quando digo que V. Ex.ª é uma aliada táctica do PCP, quero dizer que o PRD está a fazer aquilo que o Partido Comunista anda a pedir há muito tempo mas que não tem coragem política para fazer. VV. Ex.ªs foram, de certa forma, um instrumento dócil dessa táctica.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, anotei que V. Ex.ª ouviu muitos disparates da minha boca e não pôde contabilizar todos, o que é natural. Com o tempo que vai ter de gastar hoje para contabilizar os disparates que disse ontem na televisão o líder do seu partido, como é que lhe há-de sobrar tempo para ouvir os meus?!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento a Mesa não tem mais inscrições.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, o Governo dispõe de 36 minutos e penso que é importante sabermos se o Governo vai utilizá-los ou não. Se não os utilizar, obviamente que vai haver inscrições de várias bancadas.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O silêncio do Governo significa que não pretende utilizar os 36 minutos?
O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, quem cala nem sempre consente. Acaba de haver uma intervenção provinda da bancada do grupo parlamentar que sustenta o Governo, e, assim, não parece curial ao Governo falar de imediato.
É só por isso!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: «1986 foi o ano de ouro da economia portuguesa» - afirmação aqui feita ontem pelo Sr. Ministro do Trabalho, que nos brindou de seguida com muitos números, muitas contas, muitas estatísticas, para tentar justificai os chavões que vem vendendo à comunicação social, procurando fazer crer que Portugal é o paraíso da CEE, e que há uma melhoria real nas condições de vida dos Portugueses.
Nada mais falso, a discussão aqui efectuada durante estes dois dias de debate já revelou, e o próprio Governo teve de admiti-lo, que os problemas existentes no mundo laborai são deveras graves. Existe um enorme número de desempregados, de jovens à procura do primeiro emprego, existe trabalho precário, subsiste o flagelo dos salários em atraso, os contratos a prazo são a regia em vez da excepção e renasce e prolifera o trabalho infantil.
As condições de trabalho na maioria das empresas são más, não obedecem no mínimo às regras de segurança e higiene no trabalho e põem em risco a saúde e a própria vida dos trabalhadores.
Para esta situação contribui o reduzido índice de trabalhadores abrangidos por acções de medicina no trabalho (apenas 10%), a inexistência de serviços sociais de empresa e a inoperância da Inspecção do Trabalho.
Estão, pois, assim criadas as condições para que haja um tão elevado grau de sinistralidade laboral. Perto de 250 000 acidentes de trabalho por ano, números que pecam por defeito, pois só são considerados os acidentes com um dia ou mais de incapacidade, existem empresas auto-seguradoras que não dão números para a estatística e muitos empregadores não fazem sequer seguros. Destes números, há a salientar o elevado índice de acidentes mortais (378 em 1985), que também pecam por defeito, pois apenas são consideradas as mortes no local de trabalho.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - No que respeita a doenças profissionais, o quadro é igualmente negro. As péssimas condições de trabalho que se verificam, por exemplo, nas pedreiras, nas minas, na construção civil, e a falta de prevenção e de acções de medicina no trabalho nestes locais permitem que doenças profissionais como a silicose e outras pneumoconioses atinjam números elevadíssimos (mais de 10 000 incapacitados) e constituam cerca de 80% de todas as incapacidades provocadas por doenças profissionais.
Por outro lado, a legislação sobre o regime jurídico de acidentes do trabalho e de doenças profissionais está profundamente desactualizada e não tem em conta a evolução da medicina, as novas técnicas e possibilidades de tratamento e recuperação de certos tipos de lesões. Também a tabela de incapacidades data de 1960, e, apesar de ter sido criada, em 1975, uma comissão para a sua revisão, esta ainda não foi realizada.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se esta é a situação vivida entre aqueles que hoje têm o privilégio de ter um emprego remunerado a tempo -até já custa a adjectivar-, que condições de vida e de saúde para os largos milhares de desempregados, para os trabalhadores com salários em atraso, para aqueles que trabalham sem qualquer contrato, ou para as crianças que são obrigadas a substituir os bancos da escola pela fábrica?
Estudo recente, levado a efeito no Centro de Saúde Mental de Setúbal e com o apoio estatístico da Escola Nacional de Saúde Pública, sobre o tema «A insegurança de emprego e a situação de salários em atraso constituem ou não um factor de risco em saúde pública?» chegou, entre outras, à seguinte conclusão:
1 - O estudo comparativamente controlado a que se procedeu demonstra que a situação de insegurança de emprego e de não recebimento de salários determina alto risco de descompensação depressiva e ansiosa e, por consequência, um problema de saúde pública a nível individual, familiar e social geral.
Os problemas de saúde pública podem ser quantificados e traduzidos por indicadores, indicadores que são unanimemente aceites em todo o mundo como demonstradores das condições sociais vividas num país.
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São elas as taxas de mortalidade infantil e a morbilidade por doenças infecciosas, da qual a taxa de morbilidade por tuberculose é uma das suas principais componentes.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estes números, apesar de serem dos mais elevados da Europa, crescem em Portugal.
Espantoso, mas verdadeiro!
Apesar de ter diminuído a taxa de natalidade, subiu a taxa de mortalidade infantil e aumentou a morbilidade por tuberculose pulmonar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É exacto!
O Orador: - Estes, sim, são os números da nossa vergonha e que traduzem a realidade social vivida no nosso país. Uma população sem saúde é necessariamente uma população pobre e não há manipulações estatísticas que possam desmentir esta triste mas significante realidade.
E, Srs. Deputados, estas taxas não dependem apenas dos serviços de saúde, elas dependem principalmente das condições de vida e de trabalho existentes numa região ou num país.
E dói, Srs. Deputados, é chocante, que o Sr. Ministro do Trabalho não tenha dito uma única palavra sobre esta questão.
Mais do que indicadores de saúde, estes dados são indicadores sociais e demonstram assim, na prática, a realidade social e a qualidade de vida existente em Portugal no tal «ano de ouro da economia».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores portugueses, os operários, os camponeses, os desempregados, os jovens, não se alimentam nem vivem de números, de mais ou menos PIBs, de taxas de inflação, ou de estatísticas manipuladas pelo Sr. Ministro.
Eles querem aquilo a que têm direito.
Eles querem condições de vida dignas. Querem o direito ao trabalho e ao salário, querem que seja assegurado aos seus filhos o direito ao ensino e à saúde, o direito a um futuro melhor e feliz.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Mira Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi referido nesta Assembleia, esta interpelação parlamentar salda-se por uma dupla derrota do Partido Comunista Português...
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Ora, ora!
O Orador: - Em primeiro lugar, incapaz de mobilizar os trabalhadores, o PCP recorre aos mecanismos típicos daquilo que ainda há pouco, e de forma desdenhosa, chamava de democracia burguesa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É constitucional!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É o exercício de direitos!
O Orador: - Em segundo lugar, a análise aqui feita sobre a situação económica portuguesa e sobre as condições dos mercados de trabalho e emprego mostra, de forma objectiva, que o Partido Comunista não tinha qualquer razão para fazer esta interpelação parlamentar. Se alguém tinha interesse em revelar os números era o Governo e não era, obviamente, o PCP. Há apenas dois número em que, de facto, há coisas por definir, mas é também muito importante que, em relação a eles, sejam postos os pontos nos in. Refiro-me aos contratos a prazo e ao trabalho infantil.
Quanto aos contratos a prazo, o Governo avisou, nesta Assembleia, que a não alteração da legislação laborai, como o Governo tinha pedido, só podia gerar mais precarização no trabalho e um maior número de contratos a prazo.
É preciso perceber, se queremos viver numa economia de mercado, que as empresas são fundamentais nessa economia e que são a motivação e as determinantes das decisões dos agentes económicos e dos empresários que conduzem a orientação dessa economia de mercado. É fácil compreender que, com a legislação laborai que temos, os empresários não possam arriscar-se a admitir jovens com contratos sem prazo e que só os possam admitir com contratos a prazo. A prova foi feita através de um decreto-lei do Governo sobre a admissão de jovens, que referi ontem, pelo que me abstenho de voltar a referi-lo.
O segundo aspecto é a questão do trabalho infantil, e aqui há, mais uma vez, uma contradição do Partido Comunista Português. Pergunto, na linguagem habitual do PCP, se se á uma contradição do marxismo ou da burguesia de esquerda.
Risos.
Na realidade, o que se passa é que o Partido Comunista Português diz que há trabalho infantil, que as famílias não tom recursos, que não têm condições económicas para sustentar o nível de vida do agregado familiar. Ora como o Partido Comunista Português diz que o trabalho infantil aumentou, daqui concluir-se-ia que, em 1986, as condições económicas se teriam degradado; no entanto, é o próprio Partido Comunista Português que reconhece que os salários reais aumentaram cerca cie 5 % e que o consumo privado aumentou cerca de 6%. Pergunto se isto não é uma contradição.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não, não é!
O Orador - Sr. Deputado Octávio Teixeira, é só raciocinar e compreenderá o problema!
Uma voz do PCP: - Isso é um raciocínio brilhante!
O Orador: - Nunca disse aqui que a legislação laborai era o único obstáculo nem que a sua alteração iria resolver todas os problemas da economia portuguesa. Falei aqui num ciclo virtuoso...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Virtuoso?!
O Orador: - ..., referindo-me ao facto de que as condições actuais de crescimento económico podiam facilitar a £ Iteração dessa legislação e de que a maior eficiência dos mercados de trabalho e emprego faria
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crescer ainda mais a economia do nosso país. É assim que o problema se coloca e não da forma como o quiseram deturpar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em todo o caso, gostaria de dizer que aquilo que tenho referido é que o Ministério do Trabalho e Segurança Social e o Governo têm cumprido o seu Programa naquilo que é da sua competência exclusiva. É óbvio que, no que têm de vir à Assembleia da República, o Governo ainda não acabou de cumprir o seu Programa e os Srs. Deputados sabem isso, pois impediram a alteração da legislação laborai que estava no Programa do Governo.
Gostaria de voltar a chamar a atenção da melhoria nítida da situação dos mercados de trabalho e emprego em 1986 e de lhes dizer também que houve uma melhoria da cobertura social dos desempregados, através do subsídio de desemprego. O número de desempregados, inscritos nos centros de emprego, que estão a receber subsídio de desemprego melhorou de 27,5%, no 4.º trimestre de 1985, para cerca de 32%, no 4.º trimestre de 1986.
Em relação aos salários em atraso, é importante ver onde é que estes se geraram e também onde é que se geraram as dívidas à Segurança Social. Este problema surgiu naquelas empresas que foram vítimas, em 1975, da intervenção de forças que nós bem conhecemos. Posso citar alguns números que elucidam, de forma particularmente significativa, esta matéria: no início de 1974, as dívidas à Segurança Social eram de cerca de 1 milhão de contos e, em 1976, elas já eram de cerca de 12,5 milhões de contos. Pergunto: quem foi o responsável por este aumento espectacular das dívidas à Segurança Social? Foi quem degradou o tecido económico-social do nosso país e provocou, não só as dívidas à Segurança Social, como também a situação de salários em atraso, que temos.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Gostaria aqui de referir que o problema dos salários em atraso é basicamente um problema económico, que não se resolve só com uma Inspecção-Geral do Trabalho eficaz. A Inspecção-Geral do Trabalho, obviamente, é eficaz, tem funcionado bem e sabe detectar quais as situações de salários em atraso.
Mas, Sr.ª Deputada Ana Gonçalves, compreenda a diferença entre o jurídico e o económico: detectar e punir situações de salários em atraso não é resolver situações de salários em atraso. Os salários em atraso são, no fundo, mais um fenómeno da má flexibilidade que se tem gerado na economia portuguesa. Até este momento, tudo foi rígido na economia portuguesa e a única coisa que, infelizmente para os trabalhadores, foi flexível foram os salários reais e os contratos a prazo. Os salários em atraso são o limite de flexibilidade do salário real: é o salário real igual a zero. Se quiser analisar a situação segundo outro prisma, os salários em atraso são o chamado desemprego não explícito.
Portanto, o problema dos salários em atraso resolve-se com a recuperação económico-financeira e é por isso que muitas empresas estavam com salários em atraso. Após a posse deste governo e durante o ano de 1986, muitas empresas recuperaram e passaram a pagar atempadamente os salários. O problema é económico-financeiro, não é administrativo, Sr.ª Deputada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Àqueles que referem que o Ministério do Trabalho e Segurança Social patrocina despedimentos em massa devo dizer que isto é rotundamente falso e resulta de falta de conhecimento da realidade ou de pura demagogia.
O Ministério do Trabalho e Segurança Social age escrupulosamente de acordo com as leis, e todos sabem que não estou de acordo com as leis laborais existentes, mas, enquanto elas existirem, respeito-as e são essas leis que aplico. Por isso, posso dizer-vos que, dos cerca de 1800 pedidos de despedimentos que foram feitos ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, apenas cerca de 500 foram autorizados. Ora, isto mostra o escrúpulo e o cuidado com que são analisados todos os processos de despedimento colectivo chegados ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, embora o Ministro do Trabalho e Segurança Social, como já referi várias vezes, não esteja de acordo com a legislação laborai existente.
Em relação às Minas da Panasqueira, posso dizer-vos que quer o Ministério da Indústria e Comércio, quer o Ministério do Trabalho e Segurança Social estão a acompanhar o problema das minas. Já fizeram um despacho conjunto que permite dar uma primeira resposta, do ponto de vista social e económico, a um conjunto de trabalhadores que aí continuam em funções e que são pagos pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social, em colaboração com o Ministério da Indústria e Comércio. Obviamente que as Minas da Panasqueira são mais um elemento deste dossier que está a ser analisado nos dois ministérios, com o cuidado que a dimensão social do problema exige. Aliás, esta dimensão social é sempre analisada nos processos de despedimento colectivo, como é próprio de um governo suportado por um partido social-democrata.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em termos de política de emprego e formação profissional, confesso que, depois de ter gasto aqui largos minutos a explicar o que era uma política de emprego e formação profissional numa pequena economia aberta, como a portuguesa, de facto, já não tenho paciência para repetir o que disse. Gosto de repetir as aulas de um ano para o outro, mas repetir a mesma aula em dois dias seguidos, confesso que, pelos anos que já tenho de ensino, não tenho paciência para tal.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ainda vai ter muitas novidades sobre isso!
O Orador: - No que diz respeito a custos de acções de formação profissional, devo dizer que os Srs. Deputados têm já o orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional desde Outubro de 1986 e o respectivo plano de acção, e daí, com umas simples contas de aritmética - é só dividir ou multiplicar -, conseguem calcular todos esses custos.
Ainda em termos da lei que regulamenta a formação e cooperação, talvez não saibam, mas posso dizer-
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-vos, que ela é um instrumento privilegiado de colaboração entre o Estado e as associações sindicais e patronais no financiamento da formação profissional.
Mas, afinal, vejo que alguns não querem centros de formação protocolares e outros dizem que há falta de apoio às empresas. Afinal em que é que ficamos?
Srs. Deputados, há aqui uma contradição sobre esta matéria. Porém, devo dizer que os centros de formação profissional protocolares não são substitutos dos centros de formação profissional estatais; são complementares e ambos estão inseridos no mesmo sistema de formação profissional, que tenta suprir as carências de formação técnica dos trabalhadores portugueses na sequência de um dos maiores erros económicos cometidos no nosso país - e foram cometidos muitos depois do 25 de Abril -, que foi a extinção do ensino técnico-profissional, que, como aqui foi referido, começou até antes do 25 de Abril.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Posso dizer-vos que quer o Ministério da Educação e Cultura quer o Ministério do Trabalho e Segurança Social estão a trabalhar de forma articulada nesta matéria e o exemplo público e visível disso foi a minha presença e a do Sr. Ministro da Educação e Cultura e os discursos convergentes e coincidentes que produzimos no recente encontro sobre a lei da aprendizagem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É também exemplo palpável do que acabei de dizer aquilo que vamos fazer em Viseu, ou seja, vamos conciliar um centro de formação profissional com a escola superior politécnica que lá vai ser construída. Isto são exemplos da articulação, da coordenação interministerial de um governo que não é uma constelação de ministérios mas, sim, um bloco uno e coeso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ainda em relação ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, o que me conseguiram dizer foi que havia dois departamentos de formação profissional. Há sim, Srs. Deputados, e há-os a pedido das forças sociais.
Com a chamada terciarização das economias, o sector terciário das economias tem cada vez mais peso e bom será que isso aconteça em Portugal - e está a acontecer.
Vozes do PSD: - Exacto!
O Orador: - Se temos de acarinhar e apoiar o sector terciário, não podemos esquecer o sector secundário e a indústria, e é por isso que, em paralelo com um departamento para a formação profissional na indústria, foi criado, pela primeira vez no Instituto do Emprego - repito, a pedido das forcas sociais -, um departamento para a formação profissional no sector terciário. Quem não perceber isto não compreende as realidades da evolução da economia portuguesa e a necessidade de formação profissional no sector terciário.
Quanto ao problema de centralização/descentralização, devo dizer que quem ler o plano de acção de médio e longo prazo do Instituto do Emprego e Formação Profissional perceberá que não existe contradição, que as coisas não são contraditórias, são perfeitamente convergentes. E aqui os delegados regionais do Instituto do Emprego e Formação Profissional, na sequência da implementação dos conselhos consultivos regionais, que será feita dentro de uma semana, vão ter um papel crescente nas acções de formação profissional e também no controle e na análise das acções de formação profissional financiadas pelo Fundo Social Europeu.
Isto é a política correcta de coordenação de esforços dentro da formação profissional e é a política correcta de ampla descentralização no terreno das acções do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Qualquer organismo desta dimensão à escala nacional, como aliás acontece na moderna gestão das organizações, deve ser bastante centralizado quanto aos objectivos e metodologias, mas amplamente descentralizado no terreno, quanto à implementação e execução desses objectivos. Besta a linha do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
No que respeita às políticas de juventude, pergunto que autoridade moral, que preocupações éticas e que competência técnica têm aqueles que têm criado, através da actual legislação laborai, todas as barreiras à entrada dos jovens no mercado de trabalho, para depois criticarem o Governo por não ter uma política de juventude. Isto ou e falta de conhecimento da realidade ou é falta de ética política ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A respeito da higiene e segurança no trabalho, posso dizer-vos que dei instruções para que o relatório de PIAC fosse traduzido para português para ter ampla divulgação e vai ser divulgado juntamente com a nota e informação sobre o PIAC que foi feita pelo grupo de trabalho português.
Portugal já está num estado de desenvolvimento que lhe permite pensar pela sua cabeça e não precisa de obedecer cegamente às instruções dos organismos internacionais. Colhe delas aquilo que têm de bom, mas nós também temos competência e know how na matéria. Portanto, não vamos seguir o relatório do PIAC de forma cega, vamos segui-lo naquilo que é positivo, e por isso vou contrastar esse relatório com o relatório dos experts portugueses.
Na sequência destas recomendações, estamos a reestruturar o Ministério do Trabalho e Segurança Social, designadamente na área da higiene e segurança do trabalho e da Caixa Nacional dos Seguros e Doenças Profissionais, e estamos também, neste momento, em diálogo com as forcas sociais para que, dentro dessa nova lei orgânica do Ministério, possamos ter um novo tipo de organismo que saiba satisfazer melhor as solicitações neste campo extremamente importante.
Além disso, vamos dar à Inspecção-Geral do Trabalho acrescidas competências no campo do controle e da fiscalização das acções de higiene e segurança no trabalho, como, aliás, é recomendado no relatório do PIAC. Aqui seguimos as instruções do PIAC. Aqui seguimos as instruções do PIAC com todo o gosto!
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - Quanto aos subsídios de renda, tenho de dar razão ao PCP. Na realidade - aliás, como a estatística mostra -, tanto erram que acabam por acertar! De facto, fomos levados pelo PCP nesta matéria.
O PCP arranja um drama em todos os problemas da vida nacional, empola as coisas e, neste caso, fomos levados por ele, pois convencemo-nos de que o problema dos aumentos das rendas era de tal modo preocupante que acreditámos nos números do PCP segundo os quais íamos ter cerca de 200 000 pessoas abrangidas pela Lei das Rendas. Na realidade, mais uma vez se demonstrou que a montanha pariu um rato e o empolamento do PCP era perfeitamente artificial ...
Protestos do PCP.
No ano de 1986 pediram subsídio de renda apenas 12 000 pessoas. Portanto, o problema não tinha a dimensão social que o PCP gosta de dar a todos os problemas da vida portuguesa que não a têm - e um deles é a legislação laborai, que também não tem a dimensão e a gravidade que o PCP gosta de dar aos problemas.
Ainda em relação à Inspecção-Geral do Trabalho, gostaria de reforçar que esta, em 1986, atendeu 123 000 consultas, fez 27 740 intervenções a pedido e realizou 99 000 visitas inspectivas para 1 290 000 trabalhadores. Ora, isto mostra que a Inspecção actuou e não é mera ficção. A Inspecção-Geral do Trabalho desencadeou ainda nove acções globais especiais, abrangendo 710 000 trabalhadores de 17 000 empresas, atendeu requerimentos para a aplicação da lei dos salários em atraso, feita por esta Assembleia - isto mostra que estamos a cumprir essa lei - e atendeu 167 empresas com salários em atraso. Portanto, estamos a cumprir a lei que a Assembleia da República fez, mas, como já referi na altura, não é esta lei que vai resolver este problema, porque ele é económico e não se resolve só por via legislativa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No que concerne ao trabalho infantil, volto a referir que, em 1987 - e para além das acções feitas em 1986 -, foi feita uma acção especial de 21 a 24 de Janeiro nos distritos do Porto, Viana do Castelo e Braga em que foram detectados 110 jovens com menos de 14 anos a trabalhar, dos quais conseguimos apanhar apenas 82. Como já foi referido, está montado um esquema em que os jovens fogem, esquema esse que tem a conivência dos empregadores e dos pais das crianças, que, a maior parte deles, são trabalhadores filiados nas organizações sindicais.
A Inspecção-Geral do Trabalho tem um papel importantíssimo na prevenção, no acompanhamento e detecção do trabalho infantil, que - e todos estaremos de acordo nesta Câmara - é de repudiar e evitar. Mas evitar implica uma reforma das mentalidades, uma consciencialização do problema, o que não se faz pondo um inspector-geral de trabalho atrás de cada empresário!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Fizemos outra acção - e iremos fazer mais - em que apanhámos mais 36 jovens nestas condições nos distritos de Aveiro, Coimbra, Viana e Viseu.
Para terminar, gostaria de me referir ao aspecto da concertação social em que o Governo tem estado profundamente empenhado - basta ver a dinamização que tem sido feita no Conselho Permanente de Concertação Social. E para aqueles que não têm tido a felicidade de conhecer essa experiência ímpar de concertação social que ai se têm vivido explicarei quais são os mecanismos do Conselho Permanente de Concertação Social e fá-lo-ei através dos tais famigerados projectos de decreto-lei do Governo sobre o lay-off, a flexibilização dos horários de trabalho e as agências de colocação.
As afirmações aqui produzidas mostram que alguns, infelizmente, não têm possibilidades de conhecer como é que esse órgão trabalha.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi feita uma listagem dos pontos que havia a tratar, em 1987, nesse Conselho, todos concordaram que eram três os principais e o Governo imediatamente se prontificou a dar uma primeira ajuda, um primeiro passo, enviando para o Conselho três documentos de trabalho provenientes do Ministério do Trabalho e Segurança Social. São documentos que não foram sequer a Conselho de Ministros, são apenas uma introdução ao problema, para serem discutidos nos grupos técnicos e aí, se os parceiros sociais estiverem de acordo, serão feitos projectos de decreto-lei que, então sim, irão a Conselho de Ministros.
Nunca ninguém me ouviu - e todos os parceiros do Conselho de Concertação Social o podem testemunhar - tomar uma posição fechada sobre estes textos; referi mesmo algumas dúvidas que tinha sobre eles e disse que gostava de auscultar as forças sociais, nunca disse que os ia levar sob esta forma a Conselho de Ministros.
Assim, desejo a colaboração das forças sociais nesta matéria.
Foi isto que ficou assente no Conselho Permanente de Concertação Social e é bom que aqueles que não tiveram a felicidade de perceber como é que o Conselho funciona aprendam, porque ele é o órgão vital da concertação em Portugal, na perspectiva social-democrata deste governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, pediram a palavra os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Ana Gonçalves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, V. Ex.ª, entre muitas outras coisas que fez, produziu uma afirmação na sua intervenção que não deve ter sido pensada, porque, se não, nunca a faria. Por um lado, porque é por demais cómica e, por outro lado, porque coloca o Governo numa posição bastante periclitante.
Refiro-me à afirmação relativa ao problema do subsídio de renda. Então o Sr. Ministro diz que nessa matéria o Governo foi a reboque do PCP. Ora vejam lá que temos um governo para andar a reboque do PCP. Então é preferível ter o PCP no Governo e escusamos de gastar «correias»!
Aplausos do PCP.
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Além disso, essa afirmação é falaciosa, o que é evidente, visto toda a Câmara ter tido a oportunidade de, na altura em que a proposta de lei apareceu, ver os estudos feitos pelo Governo em que se apontava o número x de potenciais candidatos ao subsídio de renda.
Por conseguinte, a questão que o Sr. Ministro queria pôr a claro ficou muito escura, porque se houve incompetência foi por parte do Governo, uma vez que quem fez os cálculos e os aceitou foram os serviços do seu Ministério.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Ministro, creio que em relação ao problema da formação profissional, esta é uma das questões em que todos estamos de acordo que se trata de uma necessidade para o País. Contudo, o problema é que a formação profissional que está a ser feita não serve, ou, pelo menos, tem grandes condições para não servir o País. E isto porque, por um lado, não há um plano de formação profissional; o que acontece é que o Ministério vai aceitando as propostas que lhe apresentam. Não existe, pois, uma análise mínima no sentido de dizer que, no futuro, vamos precisar disto, isto e isto, pelo que é para este lado que devemos canalizar a formação profissional. Nada disso está a ser feito!
Por outro lado, nenhum formando tem a garantia de colocação profissional depois de acabar esse período de formação.
Sobre a questão do trabalho infantil, Sr. Ministro, o problema essencial é que o trabalho infantil existe, tal como o próprio Governo reconhece. E existe, fundamentalmente, porque o Governo não toma medidas nem promove acções para impedir que a exploração, neste caso, das crianças se verifique. É uma responsabilidade do Governo, exclusivamente!
A afirmação que o Sr. Ministro tentou imputar ao PCP - e que não é do nosso partido - foi no sentido das afirmações do Sr. Secretário de Estado, que dizia que era a ganância dos pais que levava à existência de trabalho infantil. Isso é falso! A verdade é que, se ele existe, isso é da responsabilidade exclusiva do Governo porque o devia combater e não o devia permitir.
Em último lugar, quero dizer-lhe que já sei que V. Ex.ª tem dificuldade na álgebra -e depois, porque agora não há tempo, poderei dar-lhe, rapidamente, alguma instrução sobre o assunto -, mas, mesmo assim, gostaria de referir que mantenho a minha opinião sobre a melhoria do rendimento real de que falei ontem. O rendimento real é um conceito que pode ser discutido, mas que não pode ser extrapolado dizendo--se que isso originou a melhoria do rendimento dos trabalhadores portugueses.
Para ser simples, e para ver se o Sr. Ministro percebe, passo a explicar: considere um casal, ambos empregados e cada um a receber o seu vencimento, num determinado ano. Ora, se no ano seguinte um deles ficar desempregado e o outro, empregado, aumentar o seu salário real em 4% ou 5%, é evidente que, apesar disso, aquele conjunto de trabalhadores portugueses diminui o seu rendimento.
É que a questão está precisamente na distribuição do rendimento nacional, porque neste caso diminui a parte que cabe ao rendimento de trabalho. Por isso, em termos nacionais, o rendimento dos trabalhadores piorou e agravou-se mais do que em qualquer outro ano dos últimos doze anos.
Já ontem tive oportunidade de o dizer, Sr. Ministro: faça a analiso do chamado «salário de equilíbrio», isto é daquele salário que permitiria que sem haver aumento de emprego os salários mantivessem o mesmo peso no rendimento nacional e veja que se verificou a maior queda dos últimos doze anos. E isto está provado com números oficiais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pretende responder de imediato ou no final do outro pedido de esclarecimento?
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves.
A Sr.ª Ana Gonçalves (PRD): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, pela enésima vez V. Ex.ª veio aqui repetir exactamente o mesmo discurso.
Diz o Sr. Ministro, a propósito das leis laborais, que vai perdendo a paciência para explicar. Ora bem, Sr. Ministro, ou debatemos isto seriamente e todos ficamos esclarecidos, ou então também nós por certo perderemos a paciência para o ouvir.
Proferiu o Si. Ministro, como exemplo para justificar que embora as leis não sejam alteradas V. Ex.ª se empenha na aplicação rigorosa das leis vigentes, uma afirmação que me pareceu de todo descabida. Referiu como exemplo que dos 1800 pedidos de despedimento colectivo que deram entrada no seu Ministério só 500 foram despachados.
Aquilo que lhe pergunto é se o que se pretende com a alteração da; leis é eliminar os critérios ou é o despedimento tout court. É isso que se pretende? Caso contrário, este exemplo que o Sr. Ministro referiu não tem qualquer cabimento porque penso que os critérios deverão ser sempre utilizados.
Mais, devo referir que nas propostas que enviou em anexo à proposta de lei de autorização legislativa não constava nenhuma alteração de fundo no despedimento colectivo que e iminasse a exigência de critérios para que o seu Ministério autorizasse o despedimento colectivo.
Aquilo que gostava que o Sr. Ministro esclarecesse com toda a seriedade -e isto prende-se com uma dificuldade tremenda que pelo menos o PRD tem, bem como os outros, a não ser um ou outro partido que tenha fontes próprias no que diz respeito a informação estatística- é se o Governo tem uma análise séria e exaustiva das eventuais consequências de uma alteração às leis laborais, no sentido que constava das propostas que vieram em anexo à proposta de autorização legislativa.
A este respeito devo dizer que nem aí o Governo teve qualquer imaginação porque o grande argumento de fundo que expõe é o de que as leis têm de ser alteradas, mas para tal limitou-se a recuperar uma proposta do anterior governo PS/PSD e apresentá-la à Assembleia da República.
Há ou não um estudo exaustivo sobre as eventuais consequência, das alterações? Na verdade, elas até nem eram tão substanciais como tudo isso, e aí estou de
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acordo, embora haja algumas forças que, efectivamente, fazem crer que elas são alterações radicais - algumas poderão ser gravosas mas, no fundo, não há tantas alterações como tudo isso -, porque se limitavam a facilitar o despedimento individual (aí é que está o aspecto gravoso das alterações).
De qualquer modo, e para terminar, aquilo que queria saber é se, efectivamente, há ou não um estudo exaustivo, se o Governo sabe a que nível é que isso iria suscitar a confiança dos investidores e, na sequência disto, qual o número de postos de trabalho que seriam criados, ou, por outro lado, qual o agravamento no desemprego que isto iria suscitar. E porque a minha pergunta é séria, peco-lhe que tente justificar aqui quais as eventuais consequências da alteração da legislação laborai - e só compreendo que o Governo reivindique as alterações estando na posse destes conceitos. Se mais uma vez eu sair daqui sem estes dados, então continuarei a dizer que as alterações à legislação laborai são «os seus amanhãs que cantam», e lamento dizer isto, Sr. Ministro, porque já sei que não gosta da expressão.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira disse aqui ontem que eu deveria ter nascido no século passado. Ora se isso tivesse acontecido não teria tido o prazer de conhecer V. Ex.ª e de ouvir as suas engraçadas afirmações.
Risos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas conhecia o Conselheiro Acácio, com o qual se entendia bem!
Risos do PCP.
O Orador: - Em termos de subsídios de renda, o Governo reconheceu que se enganou nas contas. O Governo, com todo o à-vontade e transparência, reconhece os seus erros, e o que quis explicar foi que foram analisadas aqui as determinações desse erro. Nós também erramos de vez em quando, não acertamos sempre e desta vez reconheço, com toda a humildade, que errei, mas expliquei por que é que errei.
Quanto à questão referente ao plano de formação profissional, devo dizer-lhe que esse plano existe, mas, na nossa perspectiva, um plano de formação profissional não é um plano burocrático feito no meu gabinete, sem ouvir o mercado e as forças sociais. Essa é a lógica dos sectores industriais e dos sectores prioritários da indústria, transposta para a formação profissional. O nosso plano é feito de acordo com as forças sociais auscultando-as e é por isso que damos igualmente muita atenção à formação profissional feita nas empresas.
É nesse sentido que trabalhamos e eu, ao contrário do Sr. Deputado, que é um iluminado, sou incapaz de congeminar um plano de formação profissional para todo o País durante o ano. Não tenho a sua competência, Sr. Deputado! Nem todos podem ter a sua competência, Sr. Deputado!
A terceira questão que me colocou, referente ao rendimento das famílias, é de fácil resposta e até penso que se limita a algumas somas. O Sr. Deputado tem os salários reais a aumentarem cerca de 5%, o consumo privado aumentou mais do que isso, o emprego cresceu na economia portuguesa, o que significa que, de facto, houve mais gente a receber salários, exactamente ao contrário daquilo que o Sr. Deputado afirmou.
Como felizmente se melhorou a situação dos trabalhadores portugueses em 1986, o Governo conseguiu que se fizessem adições e não subtracções, como o Sr. Deputado gostaria.
Em relação às questões suscitadas pela Sr.ª Deputada Ana Gonçalves, penso que ainda não percebeu aquilo que eu disse aqui aquando da discussão das leis laborais, que foi o seguinte: nos nossos textos queríamos deixar a figura de despedimento colectivo apenas para aqueles casos em que a dimensão do social era de tal modo que implicava a intervenção administrativa do meu Ministério e, portanto, era aqui que havia um aligeiramento do processo. Mas obviamente que, naqueles casos em que é necessário recorrer ao despedimento colectivo, estou de acordo consigo em que as alterações não irão ser muito grandes em comparação com o que temos neste momento. Contudo, há que melhorar o sistema e só recorrer aos despedimentos colectivos nos casos que têm óbvia dimensão social. Um deles, que é evidente, é o caso das Minas da Panasqueira, em que é inconcebível que o poder político não tenha uma palavra a dizer sobre a matéria.
Por outro lado, nos outros casos de despedimento de um ou dois trabalhadores, expliquei aqui que o actual esquema, tal como está, induz as empresas a tentarem despedir cinco trabalhadores para conseguirem despedir os dois que precisavam. Ora, isto é fazer passar as custas do processo para trabalhadores que não têm culpa nenhuma e é perigoso ter isto na lei. É por isso que a análise económica e financeira sobre esta matéria é feita com todo o cuidado no meu gabinete. Mas tal análise, repito, poderia ser facilitada se conseguíssemos chegar a um acordo sobre esta matéria.
Quanto ao que a Sr.ª Deputada referiu sobre o estudo exaustivo das eventuais consequências das alterações às leis laborais e à confiança nos investidores, aconselho-a a ir visitar as empresas, a conhecer o mercado de trabalho e emprego, e verá que aqueles que estão no terreno lhe dirão de facto aquilo que pensam sobre a matéria. Melhor do que eu, eles poderão dizer-lhe! Abandone por uns dias o Parlamento e vá às empresas conhecer a nossa realidade.
A Sr.ª Ana Gonçalves (PRD): - Isso não pode ser feito empresa a empresa!
O Orador: - O que se pretende com a alteração da legislação laborai é justamente aumentar o volume de emprego e dar confiança aos investidores de forma a que eles admitam trabalhadores com contratos definitivos em vez de contratos a prazo.
No fundo é aumentar o bolo do emprego, porque alguém ainda não percebeu no nosso país que o que se quer fazer é manter o «bolo» estático e substituir uns pelos outros. É a isso que chamei uma visão conservadora do problema; nós temos uma visão dinâmica, a de aumentar o «bolo» através da alteração da legislação laborai. A legislação para nós é um instrumento activo de uma política de emprego, e não leis esclerosadas, ultrapassadas pela realidade social e económica da nossa época, Sr.ª Deputada.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nesta intervenção final do Partido Socialista gostaria de, muito brevemente, procurar extrair quatro grandes conclusões deste debate.
A minha primeira grande conclusão é que, em relação às principais questões que estiveram no centro do debate, notou-se, por parte do Governo, uma ausência de respostas minimamente satisfatórias. Assim, demonstrou-se que o Governo não coloca a política de emprego como a questão fundamental que enforma de modo genérico a política global em todos os sectores.
Demonstrou-se que o Governo não tem uma estratégia que articule a formação profissional com a criação de emprego e com a mudança de especialização internacional do País. O Governo lava as mãos face ao trabalho temporário com ultra-exploração e face ao aumento descontrolado dos contratos a prazo.
Quanto ao trabalho infantil, o Governo co-responsabiliza os pais gananciosos que querem obter rendimentos adicionais e não actua, firme e claramente, contra este escândalo social.
Até agora o Governo não demonstrou ter tido qualquer preocupação relativamente à degradação das condições de trabalho existentes em muitas empresas. O Governo comporta-se como um contrapoder, como um governo de oposição ao Parlamento, reconhecendo a sua incapacidade para proceder a reformas de fundo. Para o Governo há limites para o diálogo, curiosamente prévios ao próprio diálogo. Para nós - já o dissemos e voltamos a afirmá-lo -, há limites para a paciência democrática.
A segunda grande conclusão é a de que o Governo quer utilizar o Conselho Permanente da Concertação Social para obter dividendos de propaganda. Contudo, em relação a legislação com incidência laborai, trata-o com arrogância ou sobranceria, como foi o caso da revisão do regime jurídico sobre a negociação colectiva. Aliás, julgo que o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social sabe que a UGT já afirmou ir pedir aos grupos parlamentares para requererem a ratificação do diploma assim que for publicado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma terceira grande conclusão é a de que este debate permitiu clarificar divergências e diferenças tanto à esquerda como à direita do hemiciclo: à esquerda, sobre o papel do Estado na regulação económica e social ou sobre a importância do Conselho Permanente da Concertação Social; à direita, sobre o ritmo e os processos de desregulação social.
Uma quarta e última conclusão é a de que este debate, apesar de ter sofrido a incidência dos efeitos da situação política criada pelo anúncio de uma moção de censura ao Governo, teve fases de grande interesse, em que a Assembleia da República mostrou querer e poder aprofundar consensos amplos em redor de grandes problemas nacionais e dos trabalhadores.
Que o Governo tome, a tempo, consciência deste facto!
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, ainda para uma intervenção, o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma última reflexão sobre o problema do desemprego em Portugal e na Comunidade Económica Europeia.
O Governo nunca disse que tinha o problema do desemprego resolvido. Quem disser isso é irrealista. O que dissemos - e é para isso que apontam os indicadores - é que a situação no mercado de trabalho e de emprego melhorou, tendo o número de desempregados em Portugal descido cerca de 12,8%.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, nesta matéria do desemprego, o Conselho de Ministros dos Assuntos Sociais da CEE está a chegar à conclusão de que, de facto, ninguém pode cantar vitórias. Mais à direita ou mais à esquerda no espectro político, não há vitórias sobre esta matéria. Infelizmente, até agora apenas têm havido uns vencidos, que são os desempregados.
Em todo o caso, o modelo democrático europeu é incomparavelmente melhor do que outros modelos existentes. É um modelo em que formalmente estão todos empregados, rias, na prática, estão todos desempregados, porque o salário que recebem é inferior ao subsídio de desemprego português.
Era esta a última reflexão que gostaria de fazer.
Aplausos ao PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate, passando--se, de imediato, ao período de encerramento.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros de Governo, Srs. Deputados: O debate que a Assembleia da República travou nestes últimos dois dias a propósito da interpelação sobre a situação laborai desencadeada pelo PCP não teve nada de académico.
Não foi também apenas uma mera confrontação de políticas.
Estiveram em causa algumas das questões mais determinantes das condições de vida de uma grande parte dos portugueses.
Estiveram também em apreço questões básicas determinantes da actuação do Governo e dos diferentes partidos chamados à discussão.
A tudo isto veio juntar-se a circunstância fortuita, mas especialmente condicionante, de, nas vésperas do início da interpelação, ter sido anunciada a apresentação de una moção de censura pelo PRD.
Nada do que aqui se passou (tanto no comportamento do Governo, como no dos partidos que o vão julgar na próxima semana) foi alheio ou indiferente a essa circunstância
As opiniões emitidas e as posições carreadas pelas diferentes bancadas da oposição sobre uma área de governação das que mais afecta o bem-estar do nosso povo ganhou, por isso mesmo, uma importância muito especial.
Ora, a primeira conclusão mais geral e rigorosamente objectiva que se pode retirar deste debate é a condenação implacável da política laborai do governo PSD/Casaco Silva não apenas pelo partido interpelante, o PCP, mas por todos os partidos da Assem-
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bleia, com excepção do partido do Governo. Esta condenação parte, naturalmente, de pressupostos e posições políticas e ideológicas diferentes e mesmo muito diferentes, mas não se limita a aspectos parciais, atinge de facto a concepção e sentido essenciais da política do Governo.
Comentou-se da bancada do PS: «o procedimento deste Governo [...] deixa antever o pior».
Asseverou-se da bancada do PRD: «Não descortinamos neste Governo uma política de emprego, nem uma política de trabalho».
Observou-se da bancada do MDP/CDE «este Governo não tem nenhum programa económico-social credível e viável».
Até o CDS, que reconheceu o desconforto de ser chamado a pronunciar-se nesta matéria num confronto Governo-oposição, não deixou de manifestar as «mais sérias reservas sobre a orientação do Governo, que vai apontando para uma crescente desvalorização da mão-de-obra nacional».
A segunda conclusão geral é a profunda preocupação que aqui se manifestou de uma ponta à outra do hemiciclo, com a excepção do PSD, evidentemente, face à degradada situação laboral do País e às grandes chagas sociais que minam a nossa sociedade, com relevo para aquelas que o PCP, como partido interpelante, colocou no centro do debate, designadamente o desemprego, a precarização do emprego, o trabalho clandestino, os salários em atraso e a exploração do trabalho infantil. De uma das bancadas da oposição afirmou-se que o País mantém «os indicadores mais graves» no contexto da Europa Ocidental e de outra interrogou-se mesmo «se Portugal não estará a regredir no tempo».
Esta unanimidade na preocupação e na condenação contrasta profundamente com a leviandade, ligeireza e irresponsabilidade propagandista do Governo, bem evidenciadas no discurso de abertura do Ministro do Trabalho, especialmente na auto-satisfação e na fanfarronice com que aqui se permitiu proclamar que «o País está no bom caminho» ou que «1986 foi um ano de ouro» e na desfaçatez com que nos quis impingir estatísticas manipuladas para afirmar que marchamos à frente da Europa. É absolutamente ridículo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Absolutamente ridícula é também a prosápia com que este Ministro do Trabalho pretende apresentar o seu liberalismo serôdio, estafado, retrógrado e socialmente desumano, como uma «atitude moderna e europeia», permitindo-se apelidar de conservadores ou de «paleomarxistas» os que fazem oposição às suas teses incomensuravelmente reaccionárias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é um exagero!
O Orador: - É uma ofensa à inteligência e à dignidade da Assembleia que este Ministro do Trabalho queira fazer passar por europeias e modernas a tese governamental de que o emprego certo e seguro com estatuto e garantias já passou à história ou à confessada atitude cúmplice do Governo face à generalização dos contratos a prazo, às mais hediondas formas de trabalho clandestino, à mais repugnante exploração do trabalho infantil, a pretexto de que a Assembleia não o deixa liberalizar os despedimentos sem justa causa.
Não se contesta que o Ministro fale como europeu. Mas fala como um daqueles desumanizados arregimentadores de mão-de-obra que a literatura europeia do século passado celebrizou.
O Sr. Ministro fala como um capataz saído das páginas de Dickens ou de Zola. Ou como um daqueles economistas políticos que o nosso Garrett interrogava para saber «o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desumanização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta para produzir um rico?».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A pergunta é arrepiantemente actual quando se considera a política social deste Governo e os seus dramáticos resultados.
Produzir lucros, aumentar lucros do grande capital é a missão profunda que este Ministério de Trabalho indiscutivelmente se atribui.
Uma voz do PCP: - Ora aí está!
O Orador: - E neste ponto conseguiu efectivos resultados. Surpreende até que o Sr. Ministro, que disso se teria vangloriado junto dos empresários, não o tenha feito aqui, na Assembleia da República. Será já o síndroma da moção de censura?
O que é espantoso é que no proclamado «ano de ouro» o Governo tenha conseguido reduzir a parte do trabalho no rendimento nacional, fazendo-a baixar de 47% para 437o. É caso para perguntar para onde foi o ouro, Sr. Ministro. Para os trabalhadores não foi.
Isto põe a claro a política salarial do Governo. Isto mostra o que é a vossa política de tectos salariais com ou sem concertação. E é por isso que se pode continuar a afirmar, sem retórica ou demagogia, que o Governo continua a tirar aos pobres para dar aos ricos.
O Ministério do Trabalho está transformado na secção de pessoal da empresa cavaquista.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em vez de justiça e de solidariedade social, a acção que lhes está atribuída e que efectivamente desenvolve, como demonstrámos com numerosos exemplos no debate, visa a redução dos direitos dos trabalhadores e a protecção da repressão, da coacção e da arbitrariedade patronais.
Começámos este debate fazendo nove acusações fundamentais à política laborai do Governo.
Não é por acaso, e assume um grande significado político, que o Governo se mostre incapaz de discutir com a Assembleia da República cinco das mais chocantes acusações formuladas.
O ressurgimento do trabalho infantil, a generalização do trabalho precário e clandestino, os despedimentos em massa, a protecção e incentivo à repressão patronal e o reaparecimento de novas zonas de pobreza.
O Governo está tão profundamente comprometido com estas situações aberrantes que não só não tem resposta para o que aqui foi dito por todas as bancadas, à excepção da sua própria, como se mostra mesmo
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insensível às intervenções preocupadas que a tal respeito têm sido feitas por destacadas figuras da cultura, da igreja, de democratas de todas as tendências e amplamente divulgadas pela comunicação social. E quer convencer-nos este Governo que é defensor dos direitos humanos!
O Ministro do Trabalho tinha-se preparado para escamotear neste debate a questão do trabalho infantil.
É mesmo assim espantoso que, depois de pressionado pelas nossas intervenções, e colocado, sem fuga, perante essa monstruosidade social, que um deputado de outra bancada classificou de «essa, sim, verdadeiramente paleolítica», a única coisa que o Governo foi capaz de observar na primeira intervenção do Sr. Ministro é que se trata de um fenómeno de «conivência entre pais e empregadores».
Creio que as considerações produzidas posteriormente pelo Sr. Ministro na sua segunda e terceira intervenções constituem um atestado de que este Sr. Ministro não tem, na verdade, competência nem sensibilidade para o cargo que desempenha.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Mas as responsabilidades do governo do PSD/Cavaco Silva nesta matéria são absolutamente indeclináveis.
Tal como os salários em atraso se expandiram como fenómeno na vigência do governo PS/PSD com o PSD na pasta do Trabalho, o regresso inadmissível do trabalho infantil, como fenómeno em expansão, verifica-se com o Governo PSD/Cavaco Silva e com o Ministro Mira Amaral na pasta do trabalho.
Em face da indisponibilidade do Governo para tomar verdadeiras medidas nesta área, é necessário que se registe para a história quem são os culpados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É também significativo que o Governo, questionado por todos os lados na Assembleia da República e na comunicação social sobre a escandalosa fragilização e inacção da Inspecção-Geral do Trabalho, se tenha furtado a discutir as suas ideias e a sua política nesta área.
Os comportamentos do Ministério do Trabalho e da sua Inspecção tornam-se suspeitíssemos face às situações de verdadeira selva laboral, denunciadas na imprensa, como as que se verificam no Algarve, particularmente na época alta do turismo.
O Ministro do Trabalho não foi capaz de nos explicar por que não quer uma inspecção de trabalho forte, prestigiada e actuante. Os trabalhadores precisam dela e nós secundaremos aqui a sua luta.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sobre os despedimentos em massa, a repressão patronal, o trabalho clandestino, a precarização do emprego e as situações de pobreza, trouxemos ao debate, nas diferentes intervenções de deputados do PCP, abundantes factos e pertinentes questões, a que esperamos que, ao menos na última intervenção, o Governo não procure, de novo, fugir e escamoteá-las.
O Ministro do Trabalho procurou fazer, na sua intervenção de abertura, uma operação de magia em relação à questão fundamental do aumento do desemprego.
Afinal, ao contrário do que a realidade vem demonstrando, o Governo procuraria dizer que o desemprego teria baixado.
Só que o truque mágico do Ministro falhou redundamente, pois a operação de manipulação estatística havia sido previamente desmontada na intervenção do meu camarada Octávio Teixeira.
Quando disse que não basta diminuir a população activa, transferindo estatisticamente mulheres desempregadas para a categoria de domésticas e considerar como empregado quem trabalhe pelo menos uma hora por semana, para reduzir a realidade pungente e dramática do desemprego
Foi, aliás, o próprio Governo que reconheceu, em relatório enviado à OIT, que uma das causas da baixa da população activa é o aumento de 104 000 do número de domésticas, apenas nos dois últimos anos.
A batota este à vista. É realmente apenas uma questão de aritmética...
O Governo - o Ministro do Trabalho, o Ministro das Finanças e outros ministros - têm que se convencer de que não basta manipular as estatísticas para dar a ideia de que estão resolvidos os problemas que é incapaz de resolver.
Isso era possível antigamente com a existência da censura prévia e de outros instrumentos de coacção.
Mas hoje, nas condições da democracia e apesar do controle do Governo sobre a televisão e os órgãos de comunicação social, essas mentiras já não pegam, porque, além do mais, a realidade é conhecida e sobretudo sentida por milhares de portugueses!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sobre o desemprego, o Sr. Ministro do Trabalho encareceu-nos a leitura de publicações estrangeiras para verificarmos os êxitos do seu Governo. Ora, um recentíssimo o documento dos serviços do Parlamento Europeu acentua, em título, que a taxa de crescimento do desemprega se agrava em Portugal, quantificando-a, de Janeiro de 1986 a Janeiro de 1987, em mais de 5%.
Sem comentários!
Leia também o Sr. Ministro as publicações estrangeiras...
A análise e o discurso do Sr. Ministro do Trabalho demonstra que a política laboral do Governo tem três vectores essenciais: os baixos salários e a sobreexploração do trabalho, os contratos a prazo e a precarização do emprego e o projecto de liberalização total dos despedimentos sem justa causa.
E isso que ressalta por todas as costuras do discurso ministerial, quando enfatiza o «encarecimento relativo do factor trabalho», quando exorcita os «excessos salariais», quando encarece as maravilhas da «moderação salarial», quando explica a necessidade do «recurso aos contratos a prazo» quando, a propósito de tudo e de nada, excomunga a «rigidez da legislação laboral».
É este, sen nenhuma espécie de dúvida, o horizonte que a política laborai do governo promete aos Portugueses.
Os seus resultados estão à vista e foram condenados por todas as bancadas, com a excepção da do partido que apoia o Governo, naturalmente.
O debate, aqui ocorrido nestes dois dias, sobre a política laborai do Governo pôs, assim, claramente em evidência a urgente necessidade de uma política alter-
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nativa. Mas não só, como já foi sublinhado há pouco pelo Sr. Deputado Ferro Rodrigues; o debate permitiu também definir zonas de largo consenso nas linhas mestras dessa alternativa, contribuindo assim para estabelecer alguns dos seus contornos fundamentais.
Da nossa parte, Partido Comunista Português, ao suscitarmos este debate por meio de interpelação ao Governo, se visávamos fazer o diagnóstico da grave situação a que a política governamental conduziu, procurávamos e procuramos, também e fundamentalmente, contribuir, com as nossas propostas, para dar resposta às questões sociais existentes, através da adopção de uma política alternativa.
Resumindo os traços fundamentais das propostas do PCP, importa sublinhar que subjacente a essas propostas está a ideia central de que o melhoramento das garantias e das condições de vida dos trabalhadores e do povo em geral é, em si mesmo, um objectivo prioritário de uma política de desenvolvimento.
O melhoramento das condições de vida, pane integrante dos objectivos do regime democrático, constitui, inserido numa política económica dinâmica e progressiva, um factor de alargamento do mercado interno, de animação das actividades económicas e de aumento da produção.
Apresentamos propostas concretas em três áreas determinantes: na questão do emprego, na área dos salários e na área das garantias e direitos dos trabalhadores.
Quanto ao emprego: a criação de novos postos de trabalho, através de uma política de desenvolvimento assente nos investimentos produtivos e na dinamização da economia e que aproveite todas as potencialidades da conjuntura favorável, deve constituir objectivo prioritário.
Paralelamente, deve ser eficazmente apoiada a manutenção do emprego existente, pondo termo aos despedimentos massivos e abusivos.
A adopção de novas tecnologias deve ser estimulada, mas deve ser sempre ponderada nos seus efeitos sociais. O progresso tecnológico deve ser um instrumento ao serviço das necessidades e dos interesses dos trabalhadores e do povo, e não o contrário.
Uma política de emprego coerente deve, por outro lado, ter como ponto de referência a garantia de segurança, tornando-se por isso urgente revogar a actual legislação permissiva sobre contratos a prazo, substituindo-a por legislação que garanta o seu carácter excepcional e só os permita em situações perfeitamente tipificadas.
Também as formas de trabalho precário e clandestino devem ser duramente combatidas, de forma prioritária.
A política de emprego deve dar particular atenção à situação das mulheres e dos jovens criando condições para garantir o seu acesso, sem discriminações negativas, ao mundo do trabalho. No que respeita aos jovens, assume ainda particular importância o estatuto da aprendizagem e, no que respeita às mulheres, impõe-se levar à prática a legislação progressiva aprovada pela Assembleia da República sobre a mãe trabalhadora.
Finalmente, importa sublinhar o papel da formação profissional, através da aprovação de um plano global de formação profissional, que envolva a plena utilização das estruturas existentes e a criação de novos centros.
Quanto aos salários: impõe-se o rigoroso cumprimento da lei contra os salários em atraso aprovada nesta Assembleia, fazendo cessar de vez essa inadmissível chaga social.
Por outro lado, torna-se urgente garantir a significativa evolução dos salários reais invertendo a escandalosa tendência na repartição de rendimentos, de a parte dos trabalhadores diminuir de peso em proveito dos lucros, isto na precisa altura em que existe uma evolução positiva do PIB.
Para alcançar este objectivo, é fundamental fazer cessar os bloqueios (com tectos salariais) e os boicotes patronais à desejável evolução da massa salarial, impondo-se garantir o pleno exercício do direito à contratação colectiva, incluindo os trabalhadores da função pública.
Deve ser actualizado o salário mínimo, por forma a eliminar discriminações introduzidas pelo Governo e a elevá-lo para um nível digno e compatível com as novas possibilidades da economia.
A política de rendimentos deve também assentar numa política fiscal que defenda o trabalho, deve valorizar particularmente as prestações sociais (incluindo o abono de família) e as diversas componentes de uma política social, designadamente a garantia do direito à saúde e à educação.
A situação dos reformados deve ser permanentemente acompanhada para que não se percam os progressos feitos pela sua luta e pelo apoio que têm recebido de partidos democráticos e nos últimos dois anos o apoio que receberam da própria Assembleia da República.
Também a protecção no desemprego, incluindo o dos jovens, deve ser substancialmente alterada, visando-se níveis aceitáveis de subsídio e o alargamento da sua incidência, por forma a dar resposta a todas as situações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, quanto à área das garantias, direitos e interesses dos trabalhadores: permita-se que refira em primeiro lugar a necessidade, imediata e urgente, de combater o vergonhoso alastramento da exploração do trabalho das crianças, matéria sobre a qual apresentamos um projecto de lei.
Trata-se, desde logo, de reconhecer como um valor fundamental o respeito pelas garantias e direitos inscritos na Constituição e nas leis para os cidadãos em geral e para as diferentes camadas e sectores da população portuguesa.
É também esse valor fundamental que deve presidir a toda a acção do Estado no que respeita aos direitos dos trabalhadores e das suas organizações, designadamente pelo integral respeito da liberdade sindical, dos direitos e da acção das comissões de trabalhadores, dos direitos e interesses gerais dos trabalhadores em áreas tão determinantes como, por exemplo, a do regime de prestação do trabalho, a do horário ou da do direito a férias.
Uma significativa alteração da situação social hoje vivida deve desde logo pressupor que o exercício pleno dos direitos fundamentais é uma componente decisiva do regime democrático, pelo que, em vez de ser tolhido e ser criado medo no exercício desses direitos e no combate às suas violações, o que se torna necessário é reforçar as condições para o seu integral respeito.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - É necessário estimular as formas de intervenção e participação dos trabalhadores e das suas organizações em todas as esferas da vida económica e social, apoiando o controlo de gestão, nomeando os gestores eleitos pelos trabalhadores para as empresas públicas, garantindo a intervenção representativa das organizações sindicais nos organismos e entidades públicas, designadamente nos ligados ao emprego, à formação profissional, à segurança social e ao planeamento.
É necessário reforçar a inspecção de trabalho, fazendo cessar a actual situação de bloqueamento e inacção, como necessário é garantir a celeridade e eficácia da justiça no trabalho e facilitar o acesso dos trabalhadores ao direito.
Impõe-se avançar com decisão em múltiplos campos dos interesses e direitos dos trabalhadores, como, por exemplo, na prevenção e reparação dos acidentes e doenças profissionais, na redução do horário de trabalho, no alargamento das regalias sociais.
Estas são, Srs. Deputados, nas três áreas referidas (emprego, salários e protecção dos direitos, garantias e interesses dos trabalhadores) propostas que, da nossa parte, PCP, avançamos com sentido construtivo.
Ao apresentarmos aqui alguns pontos de uma plataforma de resposta a alguns dos aspectos mais graves da presente situação laborai, manifestamos o nosso propósito de contribuir para a elaboração de uma política alternativa através de diálogo franco com outras forças democráticas.
Os pontos que adiantamos constituem a nosso ver um verdadeiro imperativo nacional na hora presente. Configura uma plataforma realista, adequada às condições de excepcional conjuntura que atravessamos.
Mas é inquestionável que uma política assente nestes objectivos é inconciliável com as posições retrógradas, o liberalismo serôdio e as concepções do grande capital que enformam a política laborai do Governo e que ficaram bem patenteadas neste debate.
A questão que com grande acuidade se coloca no fim desta interpelação e a poucos dias da votação da moção de censura é a de saber como se pode sequer admitir o prosseguimento deste Governo.
Hoje a Assembleia conclui um julgamento muito severo da política laborai do Governo.
O governo PSD/Cavaco Silva voltou a chumbar. Como antes chumbara quando se discutiu o orçamento e as grandes opções. Como antes chumbara quando se discutiu a defesa nacional. Como antes chumbara quando se discutiu a política de justiça. Como chumbado foi na política de saúde e na gestão hospitalar, nas tentativas de destruição do sector público da comunicação social e em múltiplos aspectos da política de ensino.
A interrupção definitiva da presente acção governativa é, portanto, um acto natural consentâneo com os sucessivos juízos de condenação que a Assembleia tem vindo a emitir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se pode admitir que continue um governo que se prepara para continuar na mesma linha de afrontamento e guerrilha institucional que conduziu ao inadmissível e lamentável incidente político e diplomático criado pelo Governo a propósito da visita parlamentar à União Soviética e com o qual pôs em xeque não apenas a dignidade externa da Assembleia, mas o prestígio externo do Estado e do País.
No sábado passado, na habitual linha de arrogância governamental, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares permitia-se dar lições à Assembleia censurando o facto de esta exercer plenamente as suas competências particularmente na área fiscalizadora e não se remeter apenas à acção legislativa.
Queria o Secretário de Estado impedir que a Assembleia convocasse Membros do Governo, fizesse sessões de perguntas e realizasse interpelações. Bem se percebe porquê.
O Secretário de Estado foi ainda mais longe. Demonstrando uma vez mais que o Governo não é capaz de se assumir como governo minoritário que é, resolveu desafiar as oposições todas dizendo sem mais nem menos que «os partidos da oposição não levam a sua acção até às últimas consequências porque são impotentes».
Há uma semana atrás, no debate sobre a viagem parlamentar à UR:3S, o Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares desafiava os partidos da oposição dizendo «apresentem, apresentem uma moção de censura!».
O Sr. Duarte Lima (PSD): - E o PCP não respondeu?!...
O Orador: - Este apelo já ele hoje não poderá fazer. Mas é capaz ainda assim de, voltando-se para certas bancadas, continuar a dizer «votem! votem uma moção de censura».
Vozes do FCP: - Ele é assim?
O Orador: - Hoje mesmo o Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, podia dirigir-se à Assembleia no encerramento da interpelação, mas prefere falar fora daqui, foge para o í eu lugar dilecto, o ecrã da televisão, ao abrigo de qualquer contestação.
É absolutamente inadmissível que a Assembleia continue a sujeitar-se a este tipo de desconsiderações, de intrigas, de desafios e de chantagens.
É tempo de dizer alto e de começar vida nova com a demissão f substituição do Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O PCP está inteiramente disponível para discutir com os outros partidos da oposição democrática a alternativa política e a política alternativa que é agora imperioso concretizar.
O PCP regozija-se com o debate que proporcionou ao tomar a iniciativa desta interpelação. Com ela demos voz e a Assembleia em muitos aspectos deu razão aos trabalhadores que estão em luta contra situações iníquas que de denunciámos e por objectivos justos que aqui trouxemos. A sua luta não será em vão. Este debate permitiu também que nesta hora e nesta situação, em vésperas de uma moção de censura, os diversos partidos fossem colocados perante as mais duras, dramáticas e gritantes realidades sociais que exigem uma resposta pronta e frontal que não se compadece com mesquinhas conveniências partidárias.
Estamos certos que por tudo isto fizemos obra positiva a favor do nosso povo e do nosso país.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: antes de conceder a palavra ao Sr. Ministro das Finanças, para encerrar o debate por parte do Governo, devo assinalar a presença na tribuna do Corpo Diplomático da Comissão Especializada de Transportes e Comunicações do Parlamento Finlandês. Saudamos com muito agrado a visita dos Srs. Deputados finlandeses.
Aplausos gerais.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o emprego cresceu em 1986 e o desemprego baixou.
Vozes do PCP: - Ah! Ah!
O Orador: - Vamos prosseguir nesta trajectória em 1987 e nos anos seguintes.
Aplausos do PSD.
Pretendem alguns Srs. Deputados que se vá muito mais depressa. E estimável um tal sentimento.
Mas será razoável? Isto é, haverá convergência, nesta matéria, entre o sentimento e a razão?
Permitam VV. Ex.ªs que responda com a sabedoria popular. «Devagar, que temos pressa» [...]. E nesta matéria do combate ao desemprego, mais do que noutros domínios, é fundamental que não precipitemos as coisas.
Por várias ordens de razões.
A primeira, desde logo, porque os mecanismos macroeconómicos não perdoam as acelerações excessivas do crescimento.
Fizemos em 1986, e vamos continuar a fazer em 1987, crescimento económico com regulação controlada, sem erros de activismo da política económica e com passos decisivos no sentido da redução da inflação, da disciplina orçamental e da flexibilização dos mercados.
Temos visto confirmada pelos factos a justeza da nossa orientação quanto às metas e ao uso das políticas macro-económicas de gestão da procura e da oferta globais. Com elas temos suscitado o crescimento económico a bom ritmo e temos evitado os excessos de velocidade e as derrapagens.
A segunda ordem de razões que nos impede de falsas pressas decorre de sermos, e bem, uma economia de mercado e fazermos parte da Europa do Mercado Comum. A livre iniciativa, a propriedade privada e a responsabilidade empresarial são bases essenciais e determinantes do nosso sistema económico.
Por vezes, ouvimos afirmações tão desprendidas da realidade que chegamos a pensar que essas pessoas acreditam que resolveriam o problema do desemprego mediante um decreto-lei obrigando todas as entidades empregadoras - Estado e empresas - a aumentar em 1987 os seus postos de trabalho em percentagem igual à taxa de desemprego. Seria o milagre económico nascido de um ovo de Colombo.
Pura ilusão.
Seria a loucura no Poder.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - Seria a gargalhada do mundo inteiro.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - E seria um decreto-lei que produziria efeitos precisamente contrários aos esperados, porque abalaria profundamente, até aos alicerces, o edifício da confiança dos empreendedores e empregadores; porque negaria todas as leis da racionalidade microeconómica; porque geraria uma onda hiper-inflacionária imparável; porque faria retrair o investimento para o nível zero de pura descapitalização; porque, enfim, depois da «festa», causaria a maior depressão da nossa História.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A maior depressão que haveria de ir tão fundo quanto o necessário para gerar factores de autocorrecção.
A terceira ordem de razões que nos impede de andar depressa demais tem a ver com o conflito entre a busca da modernização e o combate ao desemprego.
Todos reconhecemos que a presente situação da economia portuguesa requer um substancial esforço de modernização e de aumento da produtividade e da competitividade.
Ora, como VV. Ex.ªs muito bem sabem, há concorrência entre ter mais emprego e ter mais produtividade. Não é uma concorrência mutuamente exclusiva. É possível e é recomendável para Portugal conseguir um compromisso.
Um tal compromisso seria impossível se a economia estivesse a crescer a baixo ritmo em 1986, 1987 e nos próximos anos. Teríamos, nessa hipotética recessão, de aceitar muito mais desemprego se quiséssemos modernizar a economia.
Com a economia portuguesa a crescer a bom ritmo - cerca de 4% em média anual até 1990, como está projectado pelo Governo - assistiremos ao avanço gradual, mas irreversível, da nossa estratégia macro-económica que aposta na modernização do Pais sem desemprego e sem inflação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É um objectivo de médio prazo - dificílimo, não o escondemos. Mas sabemos como atingi-lo. Desde Novembro de 1985 que temos uma política económica que nos levará lá. Deixem-nos executá-las em estabilidade. O País e W. Ex."5 julgar-nos-ão pelos resultados finais.
Aplausos do PSD.
Entretanto, poderão VV. Ex.ªs julgar os resultados intermédios. A nossa estratégia é plurietápica. A primeira etapa foi vencida e os seus resultados estão aí, indesmentíveis. Se são gratificantes para o País e para o Governo, são muito mais embaraçosos para quem não acreditou nas nossas metas e nas nossas políticas, se lhes opôs e procurou induzir nos agentes económicos expectativas divergentes.
O País conseguiu, na primeira etapa da nossa estratégia gradualista, resultados que observadores imparciais têm classificado como impressionantes.
Destacarei três resultados, sem maçar com estatísticas que são já do conhecimento dos Srs. Deputados: inflação; investimento; emprego e desemprego.
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Ainda há dias, na posse do director do GAFEEP, fizemos referência detalhada aos resultados macroeconómicos de 1986. Ontem o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social retomou parte desses números e apresentou-os a VV. Ex.ªs. Não vou, pois, repeti-los.
Cumprimos as nossas metas de 1986.
Não nos deslumbramos com os resultados. Sabemos que não é fácil manter estes elevados níveis de desempenho. Mas estamos a conduzir as coisas para que 1987 seja uma segunda etapa de excelência da nossa estratégia. Sem perder o controle da economia. Como dissemos, o Governo quer o progresso dos Portugueses, mas não quer o descontrole dos equilíbrios macroeconómicos.
Não é novo, da parte do Governo, este modo de ver e fazer política económica. VV. Ex.ªs terão, por certo, bem presente que do Programa do Governo, apreciado nesta Câmara em Novembro de 1985, consta precisamente essa que é uma das linhas mais essenciais da acção governativa: a estratégia de progresso controlado.
1986 foi o primeiro ano de efectivo cumprimento da nossa estratégia de progresso controlado. 1987 vai ser o segundo ano. Com menos inflação, mais emprego, menos desemprego, mais investimento, menos défices, mais crescimento e bem-estar para as famílias portuguesas.
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados: Sem investimento e sem crescimento económico não há novos empregos sólidos.
Por razões não só de combate ao desemprego, como também de modernização da economia e de correcção de desequilíbrios macro e microeconómicos, Portugal precisa ver o investimento crescer, em termos reais, entre 8% e 10% ao ano, durante cinco ou seis anos, incluindo 1986.
Repito, é uma meta ambiciosa. Mas é essa a aposta do Governo.
Perguntar-me-ão VV. Ex.ªs o que tem feito o Governo para motivar o investimento empresarial, já que é este quem tem de realizar a maior parte desse esforço de crescimento.
Antes de mais, o investidor quer sentir confiança. Temos procurado assegurar um bom clima de investimento. E tudo indica que o temos conseguido. Há indicadores objectivos de que vivemos em 1986 e 1987 níveis de confiança incomparáveis com qualquer outro dos doze anos de 1974 a 198S.
Quer o investidor sentir, também, que tem condições competitivas de custo. E a isso se dirige a nossa política de redução dos custos unitários de produção, que inclui 4 ramos de actuação ao nível da política macro-económica: primeiro, a política fiscal; segundo, a política de taxas de juro; terceiro, a política de rendimentos e de concertação social; quarto, a política cambial, com a quebra do ciclo vicioso inflação/desvalorização, que já está conseguido.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Interpelar o Governo sobre o problema do desemprego é iniciativa que, no mínimo, sofre de assincronia relativamente aos factos da economia portuguesa e às acções governativas..
Os factos são simples e fáceis de evidenciar. A taxa de desemprego baixou quase 12% entre os fins de 1985 e os fins de 1986: passou de 10,9% para 9,6%! Quem o diz é o Instituto Nacional de Estatística.
Não nos deixemos enlevar por estas estatísticas nem lhes damos significância absoluta ...
O Sr. António Osório (PCP): - Nem nós!
O Orador: - ... , mas, sem dúvida, a sua significância relativa é incontestável.
As acções governativas são várias no domínio da política labora, do combate ao desemprego, da protecção aos dei empregados - e a elas já se referiu desenvolvidamente o Senhor Ministro do Trabalho. Sobre o domínio da política macroeconómica, ficou, mais uma vez um depoimento nestas palavras.
Mas não poderia terminar sem sublinhar uma outra demonstração de assincronismo que, com o devido respeito, fere a presente interpelação. Tem o Governo ultimado a PCEDED (Programação de Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego), documento fundamental que tem estado a ser apreciado em Conselho de Ministros e que elenca o conjunto de medidas já assumidas, ou a assumir, de promoção de investimento, a única via para atacar as raízes dos nossos problemas persistentes do emprego, da modernização e da balança de bens e serviços.
As projecções macroeconómicas da PCEDED apontam, com prudência e portanto com segurança, para atingirmos a situação de «pleno emprego», ou seja, de desemprego natural, em 1992 ou 1993. Até lá, a taxa de desemprego irá regredindo paulatinamente, ao ritmo máximo possível em compatibilização com o crescimento, paute tino também, da produtividade. Mais cedo do que isso, é sonho, é irresponsabilidade ou é ignorância.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mais tarde do que isso, torna-se cada vez mais provável que aconteça à medida que persistirmos nos erros e nos bloqueamentos que a jovem democracia portuguesa foi cometendo ao longo de anos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, somos chegados ao final dos nossos trabalhos de hoje.
A sessão plenária de amanhã terá início às 15 horas, com a seguinte ordem de trabalho: projectos de lei n.ºs 274/IV, do PS, lei das bases dos meios audiovisuais; 3137IV, do PRD, lei da televisão, 378/IV, do CDS, lei da radiotelevisão. Este último projecto de lei está, no entanto, sujeito à apreciação de recurso que sobre ele impende.
Na sessão de amanhã proceder-se-á ainda à eleição de dois Srs. Deputados para integrarem a delegação portuguesa ao Conselho da Europa.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, há pouco propus à conferência de líderes, e esta anuiu, o adiamento sine die da eleição a que V. Ex.ª fez referência.
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O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Assim sendo, amanhã não terá lugar a eleição referida.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Domingos Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
oaquim da Silva Martins.
José Augusto Limão de Andrade.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Manuel Crucho Esteves Robalo.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Partido Socialista (PS)
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
António João Percheiro dos Santos.
Arménio Ramos de Carvalho.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Luís Correia de Azevedo.
Paulo Manuel Q. Guedes de Campos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Maria Odete dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
António Alberto Vieira Dias.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João da Silva Mendes Morgado.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Manuel Caniço Seiça Neves.
Deputados Independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Rui Manuel Oliveira Costa.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José Angelo Ferreira Correia.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Rui Manuel Parente Chancerelle Macheie.
Partido Socialista (PS)
António Cândido Miranda Macedo.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Maria Paulouro.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Francisco Armando Fernandes.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
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2398 I SÉRIE - NÚMERO 60
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Hernâni Torres Moutinho.
Eugênio Nunes Anacoreta Correia.
José Augusto Gama.
José Henrique Meirelles de Barros.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Pedro José Del Negro Feist.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Deputados independentes:
Maria Amélia Mota Santos.
António José Borges de Carvalho.
Os REDACTORES: Carlos Pinto da Cruz - Maria Amélia Martins - Cacilda Nordeste.
PREÇO DESTE NÚMERO: 200$00
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.