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I Série - Número 61 Sexta-feira, 27 de Março de 1987

DIÁRIO da Assembleia da República

PORTE PAGO

IV LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE MARÇO DE 1987

Presidente: Ex.mo Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr Presidente declarou aberta a sessão eram 15 horas e 25 minutos

Deu-se conta da apresentação de diversos diplomas.
Foram aprovados os n.ºs 50 a 55 do Diário.
Após leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o pedido de impugnação, apresentado peio MDP/CDE, sobre a admissibilidade do projecto de lei n.º 387/IV (CDS) - Lei da Radiotelevisão -, procedeu-se à sua apreciação, tendo intervindo, a diverso titulo, os Srs. Deputados Seiça Neves (MDP/CDE), Andrade Pereira (CDS), José Manuel Mendes (PCP) e Marques Mendes (PSD). Aprovado o parecer, produziram declaração de voto os Srs. Deputados Magalhães Mota (PRD) e Raul Junqueira (PS).
Lidos os pareceres respectivos da Comissão já referida, iniciou-se a discussão, na generalidade, dos projectos de leis n.ºs 274/IV (PS), 313/IV (PRD) e 387/IV (CDS), sobre a Lei de Bases dos Meios Audiovisuais e Televisão. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs Deputados Jorge Lemos (PCP), Jorge Lacão f PS), Alexandre Manuel (PRD), Seiça Neves (MDP/CDE), Raul Junqueira (PS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Vieira Mesquita e Correia Afonso (PSD), Abel Comes de Almeida (CDS), Magalhães Mota e Costa Carvalho (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Hermínio Pires dos Santos.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Nunes do Vale.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim da Silva Martins.

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José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Limão de Andrade.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José de Vargas Bulcão
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.

uís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Crucho Esteves Robalo.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Pereira Pinto.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia B. Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva de Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur T. Sá Furtado.
Fernando Dias de Carvalho.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Caeiro Pás unhas.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo C. da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silve Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Manafaia.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.

orge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia Cruz.

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José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

António Filipe Neiva Correia.
Abel Augusto Gomes de Almeida.
António Alberto Vieira Dias.
Carlos José Machado L. Pereira.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marcai.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
José Henrique Meirelles de Barros.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Alberto Sá do Rio.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
João Manuel Caniço Seiça Neves.

Deputados independentes:

Maria Amélia Mota Santos.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: a proposta de resolução n.º 11/IV, que pretende seja aprovada a Convenção entre a República Portuguesa e a República Socialista Checoslovaca para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento, diploma este que foi admitido e baixou à 8.ª Comissão, e a proposta de Lei n.º 53/IV, da iniciativa da Assembleia Regional da Madeira, sobre as taxas da RTP e da RDP na Região Autónoma, tendo sido igualmente admitida e baixado à 1.ª Comissão.

O Sr. José Lello (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação ia no sentido de recordar a V. Ex.ª -porventura não seria necessário- que foi ontem publicado o n.º 65 da 1.ª série do Diário, no qual vem transcrita a reunião plenária de 13 de Março de 1987, sessão em que o Plenário desta Assembleia aprovou um projecto de resolução no sentido de que fosse proibido fumar neste Hemiciclo.
Assim sendo, gostaria de saber se, em função desta publicação, V. Ex.ª já deu indicações no sentido de que fosse providenciada a afixação, nas zonas do público, de dísticos que indiquem a proibição de fumar para o público e se V. Ex.ª não quererá chamar a atenção do Plenário no sentido de recordar aos Srs. Deputados e a todos os srs. participantes -quer da imprensa quer todos os outros- que está, a partir deste momento, vedado fumar nesta Sala.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço a V. Ex.ª o favor de ter lembrado a afixação dos dísticos, que penso ser uma boa sugestão, sendo que a tomarei em consideração.
Devo também dizer que a Mesa já retirou os cinzeiros que aqui tinha, precisamente para deixar de fumar, ou, pelo menos, para não despertar essa possibilidade, e estou convencido de que os Srs. Deputados irão seguir aquilo que ficou aprovado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra de novo?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, eventualmente se os Srs. Deputados não prescindirem de fumar por iniciativa própria, sugeria a V. Ex.ª que desse indicações para que fossem também retirados os cinzeiros de todas as bancadas. Se, porventura, isso ainda não bastasse, seria também de se proceder à afixação de indicativos de proibição de fumar nas bancadas, o que era capaz de ser sugestivo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tomar-se-ão as providências necessárias ao cumprimento da lei.
Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs SÓ a 55 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 27 de Fevereiro último, e de 5, 6, 10, 12 e 13 de Março corrente.
Há alguma objecção, Srs. Deputados?

Pausa.

Visto não haver quaisquer objecções, entendê-los-ei como aprovados.
Srs. Deputados, vamos entrar no ponto 1.2 da primeira parte da ordem de trabalhos - Apreciação da impugnação apresentada pelo MDP/CDE sobre a admissibilidade do projecto de lei n.º 387/IV (CDS), relativo à Lei da Radiotelevisão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, uma vez que aquilo que se vai votar nesta fase é o parecer formulado pela 1.ª Comissão, parecia-me que deveria começar-se pela leitura desse parecer.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado.
Vamos então ouvir, como introdução a esta discussão, a leitura do referido parecer, a qual irei pedir ao Sr. Deputado Vieira Mesquita o favor de efectuar.

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Foi lido. É o seguinte:

Parecer sobre o recurso de admissibilidade do projecto de lei n.º 387/IV (CDS) apresentado pelo MDP/CDE.

O Grupo Parlamentar do MDP/CDE vem arguir, no recurso acima identificado, a inconstitucionalidade do projecto de lei n.º 387/IV, relativo à abertura da actividade televisiva à iniciativa privada, por entender que o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa impede a televisão de ser objecto não só de propriedade privada, como também de a sua gestão ser realizada por outras entidades que não públicas.
A questão suscitada - interpretação do n.º 7 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa - tem sido objecto de larga controvérsia na doutrina, não se tendo chegado a uma interpretação unívoca de tal preceito.
No entanto, tal questão chegou, até aos dias de hoje, como um problema em aberto, sendo certo que, muito brevemente, serão discutidos em Plenário da Assembleia da República os projectos do PS e do PRD sobre e a propósito de idêntica matéria.
Nestas circunstâncias, e tendo esta Comissão concluído que os aludidos projectos reunirão condições de subir a Plenário, não se vê motivo para que outrossim se deixe de adoptar o mesmo procedimento.
Nesta conformidade, é parecer desta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, por maioria, que o presente recurso não merece provimento.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos como os órgãos de comunicação social ajudam, deformam e moldam a chamada opinião pública, por vezes distorcendo-a. Necessitando hoje de vultuosos investimentos em material humano e em sofisticadas aparelhagens electrónicas, só o grande capital financeiro pode aspirar ao seu controle exclusivo.
De órgãos meramente informativos, transformaram-se os mass media, sobretudo a partir do pós-guerra, em opulentos instrumentos das classes dominantes, temidos pelo poder político, funcionando não poucas vezes como verdadeiro contra-poder que fazia cair ministros ou mesmo governos, estrelejar crises políticas ou ribombar a vitória deste ou daquele candidato, desta ou daquela força política.
Dizia-se, ainda no pós-guerra, que na América mais poder que o presidente só Deus e mais poder do que Deus só o director do Washington Post.
Esse crescente poderio e essa crescente influência na esfera do poder político fizeram com que este se acautelasse e regulamentasse com alguma sobriedade o seu exercício. E assim que aparece o carácter público, estatal ou estatizado, dos mais fones meios de comunicação social, entre os quais avulta, evidentemente, a Televisão.
Senhora de muitos ardis, é a única que no seu meio consegue vestir em exclusivo o manto da linguagem visual ao domicílio, quase sem custos, para além dos decorrentes da aquisição da aparelhagem mais ou menos sofistica ia. Criada e aplaudida pelo poder, foi, porém, curto o seu namoro, já que à ciumeira da segunda correspondia uma clara misofobia do primeiro.
De esposa e amante compíscua, transformou-se em escrava, que, embora insubmissa, se sentava contrariada à mesa do poder. Com o seu amadurecimento, mais fortes foram sendo os laços devidos a seu amo e senhor.
O teor público da sua génese estava agora legislado e codificado, deixando lacrimejantes os voluptuosos amantes de ontem. A grande dama iria deixar de receber e proteger os seus favoritos na milionária alcova, com a qual só mitómanos e duendes sonhavam.
Difícil foi também a nova vida mais repartida, menos faustosa, mas mais útil.
Mesmo a sua natureza pública não impediu que sagrados princípios que ataviam a sua existência sofressem contestação, desvios e mesmo adulterações. E por isso, enquanto muitos se queixavam da sua isenção e do seu pluralismo, da sua democraticidade interna e da má qualidade dos seus serviços, outros rejubilavam pelo vestido de chita com que a Televisão aparecia finalmente nos écrans.
Impossíveis de regulamentar total ou completamente continuavam a ser, pois, os princípios de acesso das entidades particulares e o chamado direito à diferença.
Na sua vaguidade exemplar, a parte final do artigo 38.º do nosso texto fundamental dava em si mesma conta dessa dificuldade quase insuprível. E hoje deixa-nos que pensar sobre a hermenêutica da lei, sobre a sua leitura analógica e sobre a criação de situações que, a posteriori e à SUE revelia, se pretendem despoletar.
É evidente que a década que decorreu entre o texto inicial e a actualidade muito apresentou em termos de avanço tecnológico e de sofisticação de meios.
Mas não e claramente essa a questão principal. Essa remete-se para a vexata quaestio de saber até que ponto a lei ordinária pode mexer na lei constitucional. E se as respostas são evidentes quando a regulamentação se faz contra legem, tornam-se titubeantes na sua vaguidade ou na sua vacatio.
Conviria, por isso, ouvir o que mestres ancestrais entendiam por «imprensa pública», como, por exemplo, o Prof. Marcello Caetano. Com efeito, diz o velho mestre de Direito Administrativo:

Como oportunamente ficou dito, o instituto público terá por substracto uma empresa quando esta consista numa organização em que se combinem o capital fornecido por pessoas colectivas de direito público (capitais públicos) com a técnica e o trabalho paia produzir bens ou serviços destinados à oferta no mercado, mediante um preço que cubra os custos e permita o financiamento normal d 3 empreendimento.

Constitucionalistas mais actualizados, homens cuja autoridade creio que ninguém ousará discutir, abordam também este assunto. É o caso, por exemplo, de Vital, Moreira que, comentando na sua Constituição Anotada o artigo 8.º, diz o seguinte:

Ser do estes a razão de ser e o enquadramento constitucional da Televisão, compreende-se então que a norma abranja igualmente a interdição de entrega ou concessão da Televisão a quaisquer outras entidades, independentemente da sua natureza. Além do mais, porque não se vê como poderia então ser respeitado o princípio da igualdade e não discriminação no acesso à Televisão.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estes argumentos muito mais do foro do Direito do que propriamente do da política, embora uns possam vir a desembocar noutros. Tal nos faz colher, com segurança, a certeza de que o artigo 38.º da nossa Constituição não pode ser mexido por via ordinária, nem em termos de concessão de bens ou serviços, nem em termos de concessão de exploração tout court. Uma e outra situações prefigurariam, de facto, uma mexida no texto constitucional, ou seja, uma parcial revisão da lei fundamental.
O sentido laborai da norma aponta, inequivocamente, para tal asserção, e esta sai reforçada se tivermos em conta, numa procura do sentido sistemático que neste artigo se encontra, a parte I da Constituição (Direitos, Liberdades e Garantias) e não a sua parte n, sobre a organização económica, o que indicia, desde logo, que a Televisão não pode ser considerada como meio de produção económica.
De resto, não faria sentido que o legislador constituinte estivesse a proibir neste artigo a possibilidade da apropriação privada de algo, possibilidade essa que já se encontra proibida no artigo 83.º da Constituição, referente a nacionalizações e desnacionalizações. Na verdade, estando a RTP nacionalizada desde Dezembro de 1975, seria redundamente que o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição abrangesse apenas a titularidade da propriedade dos meios de distribuição.
Assim sendo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pelas razões invocadas, votaremos pela inconstitucionalidade deste projecto de lei.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do MDP/CDE veio arguir, em recurso próprio, a inconstitucionalidade do projecto de lei n.º 387/IV, relativo à abertura da actividade televisiva à iniciativa privada, por entender que o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa impede a televisão de ser objecto não só de propriedade privada, como também de a sua gestão ser realizada por outras entidades que não públicas.
Porque considera que uma e outra coisa veda o diploma fundamental, avança que só no âmbito da próxima revisão da Constituição se poderá discutir o impacte que as novas tecnologias exercem sobre este veiculo de comunicação social e só então essa influência poderá eventualmente modificar o seu tratamento constitucional.
Também o CDS considera que esta matéria deve ser objecto de revisão constitucional, mas na perspectiva da possibilidade de a televisão passar a ser um serviço não exclusivamente público e, consequentemente, passar a permitir-se também a propriedade privada dos instrumentos e das infra-estruturas necessárias à prestação daquele serviço.

O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Disso não se trata, porém, agora. Agora trata-se apenas de analisar se com o preceito constitucional contido no n.º 7 do artigo 38.º, onde se prescreve que «a televisão não pode ser objecto de propriedade privada», é coonestável o projecto de lei n.º 387/IV, do CDS, designadamente na parte em que este preconiza o exercício da actividade da radiotelevisão por entidades privadas, através de concessão.
Como já em outro momento tivemos ocasião de dizer neste Plenário, maneira fácil de ultrapassar a dificuldade consistiria em defender que este normativo constitucional se reporta tão-só à propriedade no sentido jurídico-económico do termo, isto é, veda apenas a propriedade privada da televisão, mas não a sua gestão por entidades privadas.
Ou ainda, de outro modo, pretender que a proibição constitucional atinge apenas a apropriação privada dos instrumentos e das infra-estruturas necessárias à «distribuição e transporte por intermédio de ondas electromagnéticas de imagens permanentes e sons destinados à recepção directa pelo público», e não à emissão de programas. Dir-se-ia, nesta hipótese, que o conceito de «televisão», utilizado no citado n.º 7 do artigo 38.º, abrangeria aqueles instrumentos e infra-estruturas. e não os serviços de comunicação. Crê-se, porém, não ser correcta esta posição.
Pelo contrário, a inserção daquele normativo no título relativo a «direitos, liberdades e garantias», a própria epígrafe «liberdade de imprensa» impõe que, no preceito constitucional em análise, «televisão» é não só um meio técnico de comunicação, mas também ou até, principalmente, os serviços de comunicação que, através daqueles, se prestam ao público, ou seja, a emissão de programas acessíveis ao público.

«televisão», tal como é concebida neste preceito, não é pois um bem económico e, muito menos, um bem de produção como, de resto, defende o MDP/CDE no seu recurso. E tem, por força da decisão constitucional, tal como hoje existe e sem prejuízo de o CDS entender que a mesma deve ser objecto de revisão, de estar sujeita ao regime de propriedade pública e afectada a um fim de utilidade pública. É um bem do domínio público.
Ora, as coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado, pelo que são insusceptíveis de redução à propriedade particular, imprescritíveis e impenhoráveis. Mas, à luz das normas do direito público, as coisas públicas podem ser comerciáveis, admitindo, designadamente, «a criação de direitos reais administrativos e de direitos administrativos de natureza obrigacional em benefício dos particulares, designadamente concessões, como ensina, não o velho, porque infelizmente já não faz parte do número dos vivos, mas o insigne mestre Marcello Caetano no seu Manual de Direito Administrativo.
Assim, a natureza pública do bem «televisão» não impede a sua exploração por entidades particulares desde que essa exploração obedeça ao regime de concessão (do domínio público e de serviço público), o que envolve, por parte do Estado, o poder de a regulamentar e de resgatar a concessão, quando for caso disso.
Decorre daqui que o n.º 7 do artigo 38.º não proíbe a concessão do serviço público «televisão» a pessoas de direito público ou de direito privado. Ponto é que o legislador, no exercício da competência prevista na alínea x) do artigo 168.º da Constituição, estabeleça o regime jurídico da exploração da televisão, definindo, designadamente, quem para isso pode requerer e obter concessões. É isso que com a presente iniciativa legislativa do CDS e de outros partidos se pretende alcançar.

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Aliás, recentes pareceres do Prof. Jorge Miranda, do Dr. Barbosa de Melo e do Prof. Afonso Queiró se pronunciaram claramente no sentido de o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição possibilitar a concessão de canal televisivo a entidades não públicas.
De resto, outra coisa não teria em vista o saudoso deputado engenheiro Adelino Amaro da Costa quando, na Assembleia Constituinte, defendeu, contra quem pretendia que no artigo 38.º se dissesse que «a televisão será objecto de propriedade de empresa pública», a forma negativa que acabou por ser plasmada na Constituição.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por último e num outro plano, não quer deixar de estranhar-se que o Grupo Parlamentar do MDP/CDE tivesse entendido dever impugnar o projecto de lei do CDS e não tivesse adoptado idêntica postura relativamente aos outros projectos que hoje vão ser discutidos e que igualmente prevêem a concessão de televisão a entidades privadas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Em suma, cremos que nada obviará a que o parecer da l.1 Comissão, em apreciação e ali votado por maioria, seja também aprovado nesta Câmara, julgando-se assim improcedente o recurso de admissibilidade interposto e permitindo a apreciação do projecto de lei n.º 387/IV, do CDS.

Aplausos do CDS.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado Andrade Pereira, ouvio-o com muito gosto, pois formulou uma explanação jurídica «em defesa de sua dama», pela qual o cumprimento. Simplesmente, parece-me que a dama não tem defesa.

O Sr. António Capucho (PSD): - As damas têm sempre defesa, Sr. Deputado!

Risos.

O Orador: - Assim, para além de lhe dizer, a latere, que foi por acumulação de trabalho que o Grupo Parlamentar do MDP/CDE não impugnou os dois outros projectos de lei, colocava-lhe duas questões.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se pensa ou não que tem sentido económico a atribuição de um canal de televisão a uma entidade privada e, no caso de a resposta ser afirmativa, que norma constitucional é que a regula. Isto porque o facto de V. Ex.ª se agarrar à alínea x) do artigo 169.º, salvo o devido respeito, não é nada! É que mesmo nesse caso a Assembleia não pode, como é evidente, legislar contra a norma constitucional - está acima do artigo 169.º, é outro tecto, nada tem a ver com isso!
Portanto, se é, de facto, de natureza económica a exploração que o projecto de lei do CDS claramente prevê para a televisão, eu queria saber onde é que no artigo 38.º está prevista tal asserção, de onde é que dimana tal possibilidade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado Seiça Neves, tanto quanto sei V. Ex.ª é advogado. Nessa qualidade, surpreendeu-me que ache que esta dama não tem defesa. Nos consideramos que todas as damas têm defesa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Esta até já está defendida por ela própria.
Quanto à questão que me põe, Sr. Deputado, o problema que se coloca claramente é o de que, entendendo a televisão como um bem do domínio público e suponho que fui suficientemente claro na demonstração de que o era de acordo com o artigo 38.º da Constituição, não há dúvida de que é na alínea x) do artigo 168.º, e não do 169.º, como referiu, que se deve definir o regime dos bens sujeitos ao domínio público. É isso o que consta da Constituição e não me parece que haja qualquer contradição entre a posição que aqui defendi e os textos constitucionais citados.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados A questão em debate é velha, de alguma forma entorpecente e valeria a pena determo-nos no essencial, procedermos a uma mera introdução perfunctória ao problema, sem paixão e sem, correlativamente, valorizarmos em excesso aquilo que em si mesmo não vale muito. Desde a aprovação do texto constitucional, em 1976, que várias têm sido as tácticas e diversos os discursos no sentido da oposição à norma segundo a qual a Televisão não pode ser objecto de propriedade privada.
A falta de norte em toda a movimentação da direita portuguesa faz-se sentir, desde logo, considerando e cotejando entre si os projectos de lei do CDS, mas tendo, igualmente, em conta o que foi a proposta de lei da AD e o projecto de revisão constitucional apresentado, pela mesma defunta aliança, nos arredores de 1982. Ora se defende o princípio da possibilidade da cindibilidade entre a propriedade e gestão, ora se entende, na sua sequência, que ao Estado apenas deve pertencer a titularidade dos meios de transposição de imagem, cabendo a qualquer operador privado a produção televisiva ora se visa a concessão a uma entidade que se proclama pública e que é a igreja católica, ora se advoga, de forma ainda mais azougada, a pura e simples privatização. A análise desta cornucópia prova à saciedade a falta de argumentos e o aleijão jurídico-material e até ideológico que subjaz ao comportamento das forças que têm trazido a esta Câmara a questão que hoje voltamos a apreciar.
Os argumento; de natureza adjectiva, ou teórica, ou ideológica, embora os mesmos venham sendo, de quando em vez, acrescentados de uns quantos apêndices que também não relevam: é em nome do realismo, é em nome do desenvolvimento tecnológico, recorrendo a interpretações que se dizem actualistas e úteis do pensamento do legislador constitucional, é em nome da

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tolerância, da objectividade, do pragmatismo, da prudência. .. Céus! Paremos por aqui pois, já chega até à náusea. É em nome de tudo isto que se pretende pôr em causa aquilo em que a Constituição foi clarividentemente precisa, ou seja, a televisão não pode ser objecto de propriedade privada.
Na lógica do preceito, na substância que o enforma, pretendeu, inequivocamente, quem o votou e o fez lei que o Estado mantivesse, em regime de monopólio, a televisão e que qualquer relação jurídica que a seu pretexto ou propósito se estabelecesse fosse uma relação jurídica pública, jamais confundível com qualquer tipo de contrato privado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Vir, neste momento, o parecer da 1.ª Comissão dizer que tem sido larga a controvérsia da doutrina à volta da matéria não é mais do que empolar as posições de uns quantos que, independentemente do mérito ou do demérito, que agora não importa considerar, têm servido a defesa anticonstitucional de modelos que são de natureza meramente partidária e ideológica.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Há pouco foi referido um texto, aliás conhecido, de Marcello Caetano, e eu direi, depois de ter lido aqui ou além, o Manual de Direito Administrativo, 1.º vol., do Prof. Freitas do Amaral, que pensamento do falecido professor da Faculdade de Direito de Lisboa já se acha suficientemente edulcorado e adulterado para que os Srs. Deputados dessas bancadas possam, com vantagem despudorada, invocar o Prof. Freitas do Amaral em defesa de uma tese completamente insufragável. Mas isto não dá dignidade de controvérsia às posições abertamente, irritamente, inconstitucionais que a direita em geral tem vindo a defender ao longo dos tempos e que, no presente, na previsão de uma revisão constitucional a curto prazo, não deixa de acirradamente invocar. E chega ao nó górdio de uma verdadeira turquez que acaba por estrangular a tentativa insidiosa do CDS. É que o CDS entende, por um lado, que a revisão constitucional, essa sim, iria pôr no são alguma coisa que hoje não é aceitável nem possível dirimir, com toda a clareza, em sede do que são os seus desejos. Mas, na passada e aproveitando as fraquezas da conjuntura, intenta, enviesando mas cambilhando um preceito constitucional, fazer valer, num projecto de lei, aquilo que sabe que, em bom rigor técnico-jurídico, para não dizer mais, é totalmente incontestável por quem tenha destas coisas uma postura séria e de princípios.
Senão vejamos: vem de longe a voz do Sr. Deputado Almeida Santos na Comissão Eventual de Revisão Constitucional - ele, há momentos, encontrava-se nesta sala e é pena que agora não esteja, pois certamente apoiaria a afirmação:

O espírito da Constituição é o proibir que a televisão seja utilizada por entidades privadas. Ora, se ela pudesse ser utilizada a título de concessão, é manifesto que aquela finalidade não seria atingida.

É bom lembrar que isto foi afirmado exactamente na altura em que uma proposta para o n.º 6 do artigo 38.º, vinda dos arsenais da AD, era chumbada na Comissão ao pretender não apenas a privatização da televisão mas também a possibilitação do seu exercício por operadores privados, designadamente pela via jurídica administrativa da concessão.
Já depois disso, numa outra oportunidade, o então deputado Luís Nunes de Almeida, hoje juiz do Tribunal Constitucional, dizia, em termos absolutamente escorreitos, que:

A admitir-se uma televisão privada, só um número reduzido de entidades poderia lançar tal empreendimento, concentrando-se assim, nas mãos de poucos, um poder eventualmente superior a alguns dos tradicionais poderes do Estado.

E ainda, mais recentemente, o Sr. Deputado Jorge Lacão (aqui à minha esquerda) tinha oportunidade de lembrar perante a Câmara o que passo a citar:
A norma da televisão, inserida no título dos direitos, liberdades e garantias, é uma norma excepcional para a televisão, da qual a meu ver só há apenas uma dicotomia - ou a titularidade pública ou a titularidade privada, que é excluída pela própria Constituição.

E acrescentaria, muito bem:

Nesse sentido, à luz da Constituição, eu só vejo uma possibilidade para a televisão, a que ela seja objecto da titularidade pública e não outra.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A Constituição não mudou!

O Orador: - É claro que pode contrabandear-se toda a mexerufada ideológica anticonstitucional para defender a televisão privada e pode inclusivamente dizer-se, como se diz no preâmbulo do projecto de lei do CDS, que a comissão criada para a análise da proposta de lei do Governo n.º 5/IV provou, na audição com as várias entidades, que é irreversível a televisão privada, donde importa, por mera prudência, legislar rapidamente neste domínio, esquecendo que nós não vivemos no reino da anomia e que esta não é a república nefelibatística sonhada pelo CDS, mas sim uma república concreta chamada Portugal, com uma lei fundamental chamada Constituição da República, que os Srs. Deputados têm que respeitar, gostem ou não gostem dela!

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - É perfeitamente intolerável tentar, olhos nos olhos e face a face, dar cunho de normatividade e de normalidade jurídica àquilo que é, a todos os títulos, intolerável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não valerá continuar a argumentar, embora a matéria seja conhecida, franca e disponível. Quando, em sede de revisão da Constituição, para o n.º 8 do artigo 38.º se pensou inscrever e estabeleceu, para o caso da rádio, que as «estações emissoras de radiodifusão só podem funcionar mediante licença a conferir nos termos da lei», é evidente, para quem quer que não esteja cego ou vendado, que o legislador que procedia à revisão do texto constitucional, se tivesse querido qualquer regime similar para a televisão, o teria consagrado, tanto mais que havia pró-

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postas apresentadas nessa direcção. Não quis, diferiu, quando muito, a hipótese de repensar toda a problemática: seja ela a do desenvolvimento tecnológico do audiovisual, a do conjunto dos elementos que a sociedade portuguesa e a realidade hoje nos oferecem, ou aquela que muito bem entenderem, deverá ser sindicada em sede de revisão constitucional. Antes dela nada estamos dispostos a aceitar, desde logo porque não nos vendemos, seja a troco do que for, quando temos que guiar-nos por padrões que são do mundo dos princípios.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A iniciativa do CDS viola contundentemente - não quero ser deselegante para com o CDS, mas a boca estava a pedir-me uma palavra mais qualificadora -, direi, portanto, apenas, que viola contundentemente o artigo 38.º, n.º 7, da Constituição, viola as prescrições do artigo 39.º sobre a liberdade, isenção e pluralismo, que são questões fundamentais, pelo que deve ser submetida àquele que é o justo juízo que, infelizmente, não consta do parecer do Sr. Deputado Vieira Mesquita, mas consta de uma qualquer visão sã e escorreitamente mais séria: o de uma clara inconstitucionalidade que deve perimi-la e não permitir que passe, no trânsito das ideias e dos projectos, enquanto a ordem das coisas, a ordem jurídico-constitucional, se mantiver como é.
Por último, uma só palavra para dizer que esta matéria mereceria, obviamente, com outros tempos, considerações extremamente mais vastas, não apenas no âmbito puramente técnico-jurídico e no âmbito da constitucionalidade, mas na esfera material do projecto-lei e naquela para que reenvia, ou seja, o que é o mundo da televisão, o que importa acautelar com a televisão que temos e não contra aquilo que é, apesar de tudo, uma garantia da melhor das televisões possíveis, o monopólio estadual.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Marques Mendes e Andrade Pereira. Só que o Sr. Deputado José Manuel Mendes não dispõe de tempo para responder. Mesmo assim pretendem fazer os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, a bancada do PSD cede dois minutos ao Sr. Deputado José Manuel Mendes para que ele possa responder.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, ouvi a sua intervenção a propósito desta matéria e parece que a sua posição é muito clara: televisão - não propriedade - não gestão. Creio, portanto, que o Sr. Deputado põe esta temática em termos absolutos no sentido de que a Constituição não admite excepções.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se o artigo 41.º, n.º 5, poderá ou não constituir desde logo uma excepção no que diz respeito às confissões religiosas, sobretudo quando diz, logo à cabeça, que:
É garantida a liberdade [... ] bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.
Aqui, levanta-se a questão de saber se «próprios» significa ou não propriedade e se «utilização» significa ou não gestão.
Pergunto-lhe se este preceito, inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, fala em meios de comunicação social e se o artigo 39.º, que abrange também a televisão, não é aplicável, sem mais, por força do n.º l do artigo 18.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, esta minha intervenção, necessariamente curta por força das circunstâncias, assume um duplo aspecto: um primeiro de protesto e um segundo de pedido de esclarecimento.
Protesto, Sr. Deputado José Manuel Mendes, porque V. Ex.ª cometeu a injustiça de considerar que o CDS pretendeu embrulhar aqui uma revisão constitucional que pretende fazer, quando, na realidade, julgo que fui muita claro quando frisei os dois momentos e as duas posturas do CDS em relação aos dois problemas que ficaram claramente distintos. De facto, o CDS considera que, em termos de revisão constitucional, se deve alterar o artigo 38.º, n.º 7, da Constituição, por forma a permitir quer o exercício do serviço de televisão por particulares quer a própria propriedade dos meios, dos instrumentos e das infra-estruturas necessárias â prestação desse serviço por particulares. Esse é realmente um problema que o artigo 38.º, n.º 7, não consente e que o CDS levantará em sede de revisão constitucional. Isso é uma coisa diferente de sabermos, nos te mós do actual n.º 7 do artigo 38.º, que impõe que a Televisão seja um serviço, se esse serviço público não pode ser concebido através de um contrato público de concessão. E o primeiro pedido de esclarecimento que lhe faço é o de saber, já que tanto falou em rigor técnico-jurídico, se, considerando que estamos em face de uma norma jurídico-pública característica do serviço televisão, não entende que a concessão do domínio público é exactamente uma figura de direito público e que estamos exactamente no domínio do Direito Administrativo, no domínio do direito publicístico.
A segunda questão era a de saber, com todas as considerações que produziu acerca dos debates da Constituinte e da revisão constitucional, que sentido atribui V. Ex.ª ao facto de tantos partidos se terem batido para que no artigo 38.º ficasse a afirmação positiva de que a televisão deve ser propriedade de empresa pública e se tivesse, depois de grandes lutas e discussões, enveredado pela forma negativa que ficou no artigo 38.º, n.º 7?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado, o tempo é manifestamente escasso para responder às questões que foram suscitadas. De qualquer forma, diria, em tom sumário, o seguinte: acusei efectivamente o CDS de alguma multiplicidade táctica em relação à matéria e até disse que isso relevava de um certo desnorte no tentar conseguir aquilo que sabia, à partida, não se conformar com o dispositivo constitucional.

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Não disse que quereria, neste momento, contrabandear uma revisão constitucional a propósito do projecto de lei. A leitura das actas comprovará com todo o rigor, o que exactamente afirmei.
Gostaria de dizer que o Sr. Deputado Andrade Pereira certamente não ignora que a Constituição da República prescreve, de forma iniludível, que o exercício da gestão privada, nos termos do artigo 89.º, n.º 3, implicaria a imediata transferência para o sector privado do que é do sector público, como, aliás, o Tribunal Constitucional já afirmou em acórdãos a que, seguramente, já teve acesso. O que leva manifestamente a concluir que, neste domínio, como desde sempre dissemos, as próprias relações a estabelecer pelo Estado, a propósito da televisão, no domínio jurídico, serão relações públicas, e não outras, não viabilizando, por força do dispositivo a que acabo de aludir, quaisquer transferências que visem pôr em causa o sector público enquanto tal.
As questões colocadas pelo Sr. Deputado Marques Mendes têm a ver com uma antiga querela. O Sr. Deputado também sabe, até porque é deputado há muitos anos e atento a estes problemas, que a tese da aplicação directa do artigo que referiu, relativo, designadamente, à igreja católica, tem sido emergida e submersa, consoante as circunstâncias, pelas forças que lutam pela televisão privada. E porquê? Porque elas sabem que, efectivamente, o princípio se aplica, mas aplica-se onde e nas condições que a própria Constituição em si prevê. Isto é, aplica-se em tudo aquilo em que se não aplica, passe a tautologia. Ora, não se aplica no domínio da televisão onde a Constituição claramente diz que a televisão não pode ser objecto de propriedade privada; aplica-se em todos os outros casos em que a Constituição não estabeleça, de uma forma claramente proibitiva, o que aqui frontalmente estabelece.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Pela minha parte, faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Foi pensando concretamente nesse argumento do Sr. Deputado José Manuel Mendes que referi que o n.º 5 do artigo 41.º fala, por um lado, em «utilização» e, por outro lado, em bens próprios.
Há dois conceitos diferentes e, por isso, há pouco os referi para ver como os concatenava dentro do seu princípio.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É bom ler!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Marques Mendes, o que o n.º 5 diz é isto:

É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticada no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social própria para o prosseguimento das suas actividades.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o que está a ser discutido!

O Orador: - Estamos num domínio totalmente distinto daquele que. neste momento, aqui discutimos, como o Sr. Deputado francamente reconhecerá.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É lógico!

O Orador: - Gostaria de dizer, a finalizar, isto: não está vedada a criação de novos canais de Televisão. Como também não estão vedadas as conexões regionais, municipais, intermunicipais, desde que no sector público. Há uma vasta gama de potencialidades e de hipóteses a explorar. É esse o caminho a seguir.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - É por ele que todos devemos ir e não, naturalmente, por soluções que contrariam o nosso texto fundamental e, aliás, o bem fundamentado das normas que temos estado a invocar para «condenadar» por inconstitucionalidade, o projecto de lei apresentado pelo CDS.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já que não há mais inscrições, dou por encerrado o debate.
Vamos agora votar o parecer apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que foi lido pelo Sr. Deputado Vieira Mesquita.
Vamos, pois, votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS; do PRD e do CDS e com votos contra do PCP e do MDP/CDE.

Srs. Deputados, informo-os de que se encontram presentes nas galerias, assistindo a esta sessão, alunos da Escola Secundária n.º 2 de Abrantes, da Escola Secundária n.º 2 dos Olivais e da Escola Secundária de Ponte da Banca. Agradeço o favor de os saudarem na forma costumada.

Aplausos gerais.

O Sr. Deputado Magalhães Mota pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, o nosso grupo parlamentar não interveio no debate e pretendemos fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente o parecer da Comissão por algumas razões que passarei sucintamente a expor.
Em primeiro lugar, o parecer da Comissão Constitucional n.º 29/79 é claro quanto à possibilidade de concessão da actividade de televisão.
Ao apreciar a constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 248/I, a Comissão Constitucional concluiu, com efeito, que:

[... ] o que está em apreço é saber se a Assembleia da República, ao decretar, no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 248/I, que o serviço público de radiotelevisão será objecto de concessão a empresa pública, violou ou não o preceituado no artigo 38.º da Constituição. A este respeito a resposta só pode ser negativa. Com efeito, quer se admita ou não que a ratio deste último preceito implica a proibição de gestão privada de televisão, entende esta Comissão que, em qualquer hipótese,

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a Assembleia da República seria, uma vez mais, competente no uso do seu poder legislativo genérico para decretar que o citado serviço público, propriedade do Estado, seja objecto de concessão a empresa pública.

A primeira questão, saber se a actividade de televisão pode ser objecto de concessão, está resolvida nos termos deste parecer da Comissão Constitucional.
Restaria a hipótese de se saber se a concessão pode ser efectuada também a empresas privadas, visto que, quanto a empresas públicas, o problema estaria, por este lado, resolvido.
Ora bem, a Comissão Constitucional tem o cuidado de pôr em causa na sua formulação «quer se admita ou não que a ratio deste último preceito» - estou a citar - «[...] implica a proibição da gestão privada da televisão [...]», ou seja, a Comissão Constitucional teve dúvidas quanto a esta proibição.
Em segundo lugar, pensamos que o instituto da concessão, como instituto público que é, permite perfeitamente, conservando a orientação superior no sector público - por isso ele concede -, que seja efectuada a concessão a favor de entidades privadas, como é, aliás, típico deste instituto de Direito Administrativo.
Por estas razões, pela própria dúvida da Comissão Constitucional, votámos favoravelmente o parecer da Comissão.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueira.

O Sr. Raul Junqueira (PS): - O Grupo Parlamentar do PS votou favoravelmente o parecer da 1.ª Comissão, e as razões que nos levaram a fazê-lo foram já por nós suficientemente explicitadas e justificadas durante o debate parlamentar ocorrido na sessão plenária de 9 de Dezembro de 1986. Por isso mesmo, não intendemos agora no debate, uma vez que o projecto de lei apresentado pelo CDS acaba por, nesta matéria, seguir uma metodologia que, de alguma forma, está contida no próprio projecto de lei apresentado pelo PS relativamente aos meios áudio-visuais.
Entendemos - e tivemos ocasião de o dizer na altura -, numa posição politicamente nova, que dentro do actual modelo constitucional seria perfeitamente possível, ressalvando a propriedade pública dos meios de difusão, entendidos como rede de emissão, transmissão e retransmissão, através da figura jurídica da concessão, permitir que entidades não públicas, nomeadamente privadas, acedessem à televisão.
Esta interpretação e posição do PS, que foi devidamente explicitada na sessão plenária a que acabei de me referir e que baseou a própria metodologia prevista no nosso projecto de lei, é, no fundo, a razão que, em coerência, nos leva a concordar com o parecer da Comissão e que nos fez votar contra a impugnação do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Para interpelar a mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, para que fique registado no Diário, quero dizer que o Grupo Parlamentar do MDP/CDE, apenas porque não quer ser acusado de impedir a discussão dos projectos de lei que constam da ordem do dia, não requereu a contagem do quorum de votação. Portanto, deixámos que se procedesse à votação, mas - e repito, Sr. Presidente - não queremos deixar de referir que foi por nossa vontade que não pedimos essa verificação, possibilitando assim a discussão dos três projectos de lei.

O Sr. Andrade Pereira (PSD): - Essa generosidade! ...

O Sr. Presidente: - Ficou registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos passar à 2.ª parte da ordem de trabalhos, que consta da apreciação dos projectos de lei n.º 274.ºIV, apresentado pelo PS, 313/IV, apresentado pelo 3RD, e 387/IV, apresentado pelo CDS - em função da procedência do parecer que foi apresentado -, sobre a Lei de Bases dos Meios Áudio-Visuais e Televisão.
Como os Srs. Deputados sabem, há tempos atribuídos para cada partido.
O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é precisamente para solicitar a leitura dos pareceres - penso que há mais de um - e para me inscrever para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Concedo, então, a palavra ao Sr. Deputado Vieira Mesquita para que proceda a essa leitura.

Foi lido. É o seguinte:

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º 274/IV, do PS - Lei de Bases dos Meios Áudio-Visuais.

O Partido Socialista apresentou um projecto de lei de bases dos meios áudio-visuais, visando a regulamentação do exercício da actividade de radiodifusão sonora e de televisão, bem como o estabelecimento de regras atinentes ao modo de actuação das empresas que têm por objecto esta actividade.
No presente parecer exclui-se a apreciação do capítulo V, relativo ao modelo de gestão das empresas públicas de rádio e de televisão, tendo em consideração que os seus autores entenderam que esta matéria ficará a aguardar outra oportunidade, sendo, em consequência, desanexada do projecto que vai subir a Plenário para efeitos de discussão e votação.
De igual modo, também não se apreciam os normativos relativos ao exercício da actividade de radiodifusão (licenciamentos), uma vez que, recentemente, foi publicada a Lei n.º 8/87, de 11 de Março, está em fase de ultimação uma lei sobre actividades de radiodifusão.
Posto isto, passaremos à análise do projecto do Partido Socialista, circunscrevendo esta aos restantes capítulos que se ocupam da actividade de televisão e de outras matérias conexas.

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A Constituição da República estatui, no seu artigo 38.º, n.º 7, que «a televisão não pode ser objecto de propriedade privada», o que tem suscitado ampla e controversa interpretação político-jurídica, largamente representativa das várias correntes de opinião, pondo em relevo, ao longo dos tempos, uma questão que tem merecido dos homens políticos, dos juristas e, na generalidade, da própria sociedade uma importância fundamental no âmbito dos meios de comunicação social.
Uns têm defendido a impossibilidade constitucional de cindir a titularidade do direito de propriedade do modo social de gestão, outros, pelo contrário, sustentam a legitimidade de tal distinção, enquanto outros, ainda, entendem que tal questão poderá ser resolvida por lei ordinária através da figura jurídica da concessão.
O projecto do PS, enfoca-se logo no seu preâmbulo, tem como valores fundamentais, a prosseguir e a realizar, a liberdade, o pluralismo e a isenção da programação e da informação, e, no seu dizer, para serem alcançados «é fundamental que se instituam os mecanismos necessários, dando aos critérios da competência e do profissionalismo, da concorrência e do pluralismo e da estabilidade e da responsabilidade o seu justo valor».
É assim que o capítulo I «disposições gerais», consagra a possibilidade de a actividade de televisão poder ser exercida quer por entidades privadas quer por entidades públicas, recorrendo-se à figura da concessão para operar a transferência do exercício da actividade para empresas privadas.
Relativamente às empresas públicas admite-se a constituição de assembleias de opinião visando uma maior participação dos telespectadores acerca do conteúdo das emissões e cria-se um Conselho Nacional do Áudio-Visual, a funcionar junto da Assembleia da República, como órgão independente, que tem como atribuições poderes de natureza administrativa e apresenta uma composição ampla.
Com a inovação representada pelo Instituto Nacional da Imagem e do Som (capítulo IV), dá-se nova forma à preocupação já existente na legislação anterior (Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro), assegurada pelo Museu da Televisão e pela Filmoteca Nacional.
De igual modo se configura a existência de um Conselho Permanente de Teledifusão, com funções de coordenação dos planos relativos à gestão das redes de emissão, transmissão e retransmissão e ainda à aplicação de novas tecnologias de teledifusão.
Nos capítulos VII, VIII e IX mantêm-se consagrados os direitos de antena, de réplica política dos partidos de oposição, de resposta ou de rectificação.
As formas de responsabilidade previstas abrangem matéria disciplinar, civil e criminal. No capítulo das disposições penais, as multas aplicáveis aos infractores estão estabelecidas em dias, mas a multa envolve sempre um critério pecuniário que não vem expresso. No que respeita ao artigo 82.º do projecto refere-se uma figura em desuso no nosso direito - a contravenção - substituída pelo regime de contra-ordenações, desde a entrada em vigor do Código Penal de 1982.
Em conclusão e face ao exposto no presente parecer, esta Comissão é de opinião de que a presente iniciativa legislativa, com exclusão do seu capítulo V, reúne condições de subir a Plenário a fim de aí ser discutida e votada.

Palácio de São Bento, 24 de Março de 1987. - Pelo Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, António de Almeida Santos. - O Relator, José Júlio Vieira Mesquita.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a interpelação, para além de ser dirigida à Mesa, é também dirigida ao PS, dado que é o autor do projecto que está em debate.
Acabou de ser lido um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e seria bom ouvirmos a opinião do autor do projecto relativamente a algumas questões, dado que a Comissão não o pode vincular a manter ou não manter capítulos.
Gostaria de saber, em rigor, por parte do PS, se se mantêm em discussão neste debate os capítulos m «Conselho Nacional do Áudio-Visual» e IV «Instituto Nacional da Imagem e do Som», admitindo que os capítulos relativos aos direitos de antena, de resposta e de rectificação não causam qualquer problema...
Seria, pois, importante que o PS nos esclarecesse sobre este assunto para podermos clarificar o quadro de matérias que aqui vamos debater e as exactas soluções aqui propostas.

O Sr. Presidente: - Porque a Mesa entende que é pertinente a questão levantada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, peço aos Srs. Deputados Raul Junqueiro ou Jorge Lacão o favor de nos esclarecerem.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lemos, dado que esta matéria não direi que foi consensualmente admitida no que diz respeito à posição dos partidos sobre o conteúdo próprio do parecer, mas quanto à metodologia a adoptar ela foi primeiramente preparada no âmbito da Subcomissão de Comunicação Social e depois levada à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, presumíamos que o PCP soubesse que no que se refere a essa parte da metodologia já está definitivamente admitidos em relação a todos que há uma desintegração, por vontade dos próprios autores, do capítulo V, justamente como o parecer refere, que tem a ver com o modo social de gestão, e os outros subsistem como matéria para o debate.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Todos?

O Orador: - Justamente!

O Sr. Presidente: - Foi dada a explicação, Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estou esclarecido, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, peço a suspensão dos trabalhos por 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Porque é regimental, está concedida. Sr. Deputado. Interrompemos os trabalhos por 15 minutos.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 53 minutos.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Certamente por lapso do Sr. Deputado Vieira Mesquita e por minha desatenção na altura - do que me penitencio -, não foi lido o parecer relativo ao projecto de lei do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estava convencido de que o parecer que foi lido se referia aos dois projectos de lei.
Nesse caso, concedo a palavra ao Sr. Deputado Vieira Mesquita para proceder à leitura desse parecer.

Foi lido. É o seguinte:

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º 387/IV, do CDS - Lei da Radiotelevisão.

Alguns deputados do Centro Democrático Social apresentaram o projecto de lei em epígrafe, que regulamenta o exercício da actividade de radiotelevisão no território nacional.
O mencionado projecto faz a distinção entre «sistema de distribuição» e exercício da actividade de radiotelevisão, mantendo o primeiro na propriedade do Estado, mas podendo a segunda ser exercida pela empresa pública RTP e por empresas privadas.
A exploração do meio televisivo por entidade privada tem por base o acto administrativo da concessão, disputando, em concurso público, as empresas interessadas o acesso à referida actividade.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 38.º, n.º 7, estatui que «a televisão não pode ser objecto de propriedade privada», o que tem gerado larga controvérsia na doutrina relativa à sua interpretação, defendendo uns a impossibilidade de cindir propriedade e gestão, outros defendem o contrário e outros, ainda, entendem que se está perante uma questão em aberto a resolver por lei ordinária.
O projecto do CDS, em análise, defende a abertura da televisão à iniciativa privada, através do recurso ao acto jurídico da concessão, a efectuar por concurso público.
Por outro lado, prevê, sem pôr em causa a competência administrativa do Governo, um Conselho de Radiotelevisão, com atribuições consultivas de fiscalização e de participação.
O mencionado Conselho, constituído por treze elementos, prevê a duração do mandato por três anos apenas para o seu presidente, nada dizendo sobre os demais membros.
Face ao exposto e em conclusão, é parecer desta Comissão, votado por maioria, que o projecto em apreço reúne condições de subir a Plenário a fim de ser discutido e votado.

Palácio de São Bento, 26 de Março de 1987. - O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, António de Almeida Santos. - O Relator, José Júlio Vieira Mesquita.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ser irreversível o fim do monopólio televisivo - como tudo, de facto, o parece indicar -, ele não se compadece, no entanto, com aquilo que alguns pretendem apelidar de «fatalismos tecnológicos», nem, muito menos, com interesses políticos.
Foi mais ou menos assim que há cerca de um ano, nesta Assembleia, encerrámos a nossa participação no debate sobre a eventualidade da abertura da televisão à iniciativa privada.
Recordámos, então, os limites impostos pela Constituição - da competência legislativa à polémica questão da utilização e gestão do «meio» televisivo -, alertámos para os avanços tecnológicos que tornariam inevitável, a curto prazo, tal abertura; denunciámos os oportunismo s eleitoralistas que têm rodeado a apresentação de boa parte dos textos legislativos a esta Câmara e reconhecemos o facto de Portugal ser, porventura, dos países europeus menos preparados para enfrentar esse embate de inevitáveis consequências em vários domínios, incluindo o cultural.
Por isso, prometemos tudo fazer para que a inevitabilidade de tal abertura viesse a acontecer ainda em «tempo útil», mas depois de definidas as regras-quadro do espaço televisivo e sem esquecer questões tão importantes como o mercado publicitário ou a dimensão de serviço público, que, não constituindo vocação da iniciativa privada, jamais, no entanto, poderá estar ausente de um órgão com a força e a importância da televisão. É que se o «monopólio » estatal de utilização da TV não nos parece, hoje, possível nem, porventura, defensável, menos sustentável, no entanto, será a «liberalização» selvagem que venha a permitir o domínio e a manipulação de um bem finito e tão poderoso como este por parte de grupos de pressão económicos, ou políticos.
Hoje, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PRD está, de facto, a dar mais um passo importante para o cumprimento cessa promessa, para o seguimento de um compromisso público que, iniciado com a proposta de constituição de uma comissão eventual (uma comissão que, apesar das objecções de uns e das alterações estratégicas de outros, conseguiu realizar trabalho útil, permitindo, designadamente, uma mais serena e profunda apreciação do problema e uma importante recolha de material e de informação), um compromisso público, dizia eu, que, iniciado com a proposta de constituição de uma comissão eventual, se prolongou com a apresentação da um projecto de lei, subscrito por deputados do meu grupo parlamentar, nos primeiros dias de Dezembro de 1986 e o seu agendamento agora.

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Não, porventura, um documento final, como não o é nunca nenhum projecto ou proposta de lei, mas uma boa base de trabalho que, tendo em conta o País real que somos - da situação sócio-económica aos apetites desenfreados que a televisão sempre tem despertado em todos aqueles que, ao longo dos tempos, têm vindo a ocupar as cadeiras do poder -, advoga que o serviço público até agora desempenhado pela RTP deverá ser mantido através dos dois canais terrestres actualmente existentes e que deseja, a todo o custo, evitar que, entre nós, a televisão privada venha a cair nos abismos da mediocridade - que é a situação permanente verificada em alguns países europeus.
Não também um documento «fechado», como em democracia jamais o poderá ser um texto destes, mas um projecto de lei que, proclamando claramente a abertura da televisão à iniciativa privada, advoga o concurso público, limita a distribuição, respeita o princípio da igualdade de oportunidades, consagra critérios de qualidade que, respeitando o pluralismo ideológico, assegurem a livre expressão e o confronto das diferentes opiniões, garante o exercício dos direitos de antena e de resposta, exige uma percentagem gradual de produção nacional (e não apenas em termos de serviço informativo ou de transmissões desportivas), aponta como fins específicos da televisão a promoção do progresso social e dos valores culturais do País, no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, e cria espaços alargados e gratuitos de emissão destinados às confissões religiosas «pública e notoriamente reconhecidas e implementadas no nosso país», em ordem à divulgação e prossecução dos seus valores e objectivos espirituais.
É, finalmente, o projecto de um texto legal que, tendo sempre presentes os princípios constitucionais, estabelece que a iniciativa privada apenas poderá ter acesso ao sector televisivo através do regime jurídico da subconcessão.
O direito à distribuição, esse, continuará a ser pertença exclusiva do Estado, como o determina a Constituição, quando, no n.º 7 do seu artigo 38.º, diz textualmente que «a televisão não pode ser objecto de propriedade privada». Ou seja, e de acordo com a opinião de alguns constitucionalistas, à televisão é vedado, ser «objecto de uma relação jurídica de propriedade privada». E, deste modo, a relação entre o Estado e a televisão não pode ser uma relação privada, mas de direito público, com todas as consequências daí inerentes, designadamente a independência perante o poder político, o pluralismo na expressão e a objectividade na informação.
Em resumo: a abertura à iniciativa privada da utilização dos meios e serviços de televisão não é inconstitucional, desde que tal utilização seja devidamente regulamentada e quando tal facto não equivalha necessariamente à alteração da titularidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, mais que desejável, a abertura da televisão à iniciativa privada aparece, de facto, como questão urgente, se desejamos ainda e de algum modo controlar os acontecimentos (o caso do caos verificado em relação ao espectro radiofónico deveria servir-nos de exemplo), se pretendemos acompanhar a reforma que lá fora está acontecendo, se não queremos ir a reboque dos acontecimentos.
Talvez ainda seja possível recuperar o tempo perdido, sobretudo se formos capazes de, atendendo à acção conjugada das forças políticas e sociais em presença, copiar o que deve ser copiado, mas recusando também o que tem de ser recusado.
O importante, no caso, é que, como alguém ainda recentemente o afirmava, «a rudeza do combate dialéctico» entre defensores da televisão pública e defensores da televisão privada não impeça os intervenientes de «tomar consciência dos riscos, das dificuldades e dos defeitos dos seus próprios propósitos», porque tentando antes «realçar os inconvenientes da opção do adversário». Sobretudo diante dos avanços tecnológicos, da «inundação» via satélite, da governamentalização da televisão pública, das «experiências» que por todo o País se vão multiplicando, às dezenas, com o apoio dos poderes locais e com a cumplicidade do poder central.
Ao elaborar este projecto e ao tomar a iniciativa do seu agendamento, o PRD tem consciência de que está a dar um passo importante na importante questão do audiovisual, que já não poderá mais ser olhado como curiosidade de ficção científica, mas terá antes de ser enfrentado, com urgência e coragem, a ver se ainda vamos a tempo de impedir os jogos do poder e de evitar os apetites económicos.
Cada dia que passa mais difícil será, de facto, a autonomia diante da inevitável planetarização do espaço audiovisual, mais apertada será a margem de manobra do legislador, para ditar as alternativas que, no caso, terão de ser construídas à colonização cultural.
Como o PRD claramente o pretende, através deste projecto que hoje, aqui, irá ser votado: um texto que, ao contrário do que alguns desejariam, parte do princípio de que o fim do monopólio televisivo por parte do Estado terá de ir além da mera liberalização. Porque, de facto, terá de constituir uma verdadeira alternativa que vá bastante além da emissão, que colabore no preenchimento desse enorme vazio que, entre nós, continua a ser a produção televisiva. O desafio da nossa identidade cultural também passa por aí. Nenhuma identidade cultural poderá, a curto prazo, pelo menos, prescindir do audiovisual.
Mais do que defender o que já não nos pertence, importa antes enfrentar a realidade, aproveitando todas as possibilidades que, apesar de tudo (ela foi elaborada num tempo em que essa mutação parecia mais suave), a Constituição nos concede. Sob pena de então já ser tarde de mais.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lemos, Seiça Neves, Raul Junqueira, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lacão, Vieira Mesquita e Correia Afonso.
Tem pois a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Deputado Alexandre Manuel iniciou a sua intervenção com uma afirmação que, do nosso ponto de vista, é questionável: o facto de a abertura ao sector privado ser irreversível.
Como sabe, sobre essa matéria temos conceitos bastante diversos, de qualquer modo gostaria de chamar-lhe a atenção para que, independentemente desse seu juízo, creio não ser este o momento próprio para nos manifestarmos sobre ele e que iremos ter oportunidade de, a bem curto prazo, no início da revisão constitucional, tratarmos desta matéria.

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Entretanto, no essencial, pretendia ver clarificado por parte do PRD o que hoje aqui vai ser discutido.
O PRD apresentou estes projectos de lei, um deles introduzindo pequenas alterações à Lei da Televisão - «pequenas» no sentido de «poucas», no sentido da quantidade e não da qualidade. Uma dessas alterações prevê a possibilidade de a RTP vir a subconcessionar canais de televisão, mas todo o quadro, todo o normativo que dá corpo ao que o Sr. Deputado Alexandre Manuel defendeu na sua intervenção, não está previsto no projecto de lei.
É, pois, bom que se saiba se o PRD o tenciona trazer para este debate, dizendo claramente as regras por que nos vamos gerir, porque uma coisa é estarmos a falar em conceitos largos, como os que constam do vosso projecto de lei n.º 313/IV, e outra coisa é podermos falar de adaptações concretas constantes do projecto de lei n.º 314/IV. Gostaria de o saber com rigor.
Poderão argumentar que seria difícil agendar os dois projectos. Do meu ponto de vista não teria sido, uma vez que se trata de dois projectos de lei profundamente interligados e que se lêem mal um sem o outro.
Portanto, independentemente da crítica de fundo que trazemos à vossa iniciativa, gostaria de, para já, lhe colocar esta questão: o que é que o PSD entende que está neste momento em discussão? Apenas os princípios genéricos do projecto de lei n.º 313/IV ou a exacta estrutura e conteúdo que lhe dá corpo no projecto de lei n.º 314/IV?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, lê-se no preâmbulo do projecto de lei do PRD em discussão que ele representa uma tentativa séria para se lutar contra um certo monopólio estatal da televisão. Mas, lido todo o projecto de lei, não se divisa que haja um controle ex adverso, isto é, não se vê que controle é que há para que a mesma concessionária não possa dominar mais de um canal ou todos os canais disponíveis. Não prevê, pois, nenhum controle a esse nível. E porquê? Não é esta uma nova possibilidade que temos de, em termos financeiros, se criar um novo monopólio de outro tipo?
Em segundo lugar, devo dizer que há uma coisa que me espanta no projecto de lei do PRD: as isenções fiscais generosíssimas que o PRD atribui a uma empresa que, normalmente, se destinará a ser, económica e financeiramente, extremamente forte. São nada mais nada menos do que treze isenções, e, entre elas, citando apenas algumas, aparecem a contribuição industrial, o imposto do selo, o imposto de capitais, o imposto da sisa, o imposto sobre veículos, etc.
Que razão há para esta «generosidade» fiscal, em tempo de contrição, em tempo de dificuldade, em tempo de recuperação económica?
Depois, Sr. Deputado Alexandre Manuel, fala-se, segundo creio, no n.º l do artigo 5.º, na possibilidade da cedência do «meio», como se lhe chama no preâmbulo: ceder, em que condições? Neste caso, quem é que pode ser cessionário e que condições regulamentam a cessão? É que, não sei se o Sr. Deputado me está a perceber, mas isto pode ser, efectivamente, uma fuga à norma que disciplina a atribuição de um canal a uma empresa privada.
Como é que se conjugam estas duas situações?
Depois, no artigo 5.º, diz-se vagamente que esta televisão se baterá por uma informação livre e pluralista. O que é isto de uma intervenção «livre e pluralista»? Não deveria o projecto tipificar melhor, quantificar e precisar o que se entende por isto?
Finalmente, e n.º 2 do artigo 5.º diz que há uma recusa de intervenção administrativa. Por outro lado, o n.º 3 do artigo 3.º diz que o Governo pode intervir, exactamente, administrativamente - é certo que apenas em cenas condições. Em que é que ficamos: há possibilidade d; intervenção administrativa ou não?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueira (PS): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, gostaria que me pudesse explicitar duas ou três questões, relativamente às quais me ficaram algumas dúvidas depois de ter ouvido a sua intervenção.
A primeira diz respeito à figura jurídica da subconcessão. Tanto quanto percebi, o PRD entende que a forma de permitir o acesso da iniciativa privada à televisão será, não directamente a concessão a uma entidade privada, mas, sim, a concessão à RTP, a qual, por seu lado, subconcessionara a entidades privadas.
Se é assim, gostaria de lhe perguntar, Sr. Deputado, se não acha que isto pode ser extremamente limitativo do próprio exercício da televisão por entidades privadas, uma vez que, ao fim e ao cabo, será a RTP a definir o moda e as condições do exercício da actividade privada para as empresas que, afinal, são suas concorrentes.
Portanto, trata-se de uma questão importante que eu gostaria que o Sr. Deputado explicitasse um pouco melhor, porque, em princípio, nós pensamos que esta modalidade será capaz de limitar os princípios da leal concorrência.
Um outro aspecto é o seguinte: se, de facto, a figura jurídica é a da subconcessão, quem é que vai construir as infra-estruturas que as futuras subconcessionárias vão utilizar? São infra-estruturas a construir pela RTP, pagas por esta e postas ao serviço das entidades subconcessionárias ou são as próprias entidades subconcessionárias a construir essas infra-estruturas?
Finalmente, uma outra questão é a que tem que ver com os suportes tecnológicos para a difusão dos sinais de televisão. No projecto do PRD fala-se sempre em canais terrestres e, apenas quanto a estes, se admite a possibilidade de permitir o acesso à iniciativa privada através da forma da subconcessão.
Gostaria de lhe perguntar como é que encara o exercício da iniciativa privada relativamente a outros meios tecnológicos.
Finalmente, a última questão é a de saber em que medida o P1D vê a possibilidade de atribuir a mais de uma entidade privada um canal de televisão. Penso que isso esta implícito no vosso projecto, mas gostaria que clarificasse melhor esta parte. E, se isto é assim, ou seja, se o PRD admite que um canal possa ser partilhado por várias entidades, gostaria de saber se pensa que isto será viável num pais como o nosso, com um mercado tão pequeno e em que, de facto, se poderiam colocar problemas de viabilização económica para essas mesmas empresas.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, depois de o ouvir fiquei com algumas dúvidas.

Uma voz do CDS: - Já as tinha antes!

O Orador: - E dúvidas sérias.
V. Ex.ª utilizou uma linguagem assustadora ao dizer que «é necessário impedir que o País vá a reboque dos acontecimentos», que «é necessário recuperar o tempo perdido», e que «a abertura à iniciativa privada é uma questão tão urgente». Realmente, Sr. Deputado, causa-me certas dúvidas ouvir isto de si. Gostava de saber qual é o «reboque» dos acontecimentos. Com certeza, V. Ex.ª irá dizer-me que, perante as novas conquistas tecnológicas, vamos ter aqui - e já temos - programas internacionais de outras televisões. Bom, é um facto, mas a verdade é que esses programas de televisão internacionais não fazem campanhas eleitorais em Portugal, não são manipuláveis por um qualquer governo ou um qualquer partido que esteja no Governo.
Sr. Deputado, o que é que quer dizer por recuperar o tempo perdido? V. Ex.ª entende que a Constituição tem impedido uma grande evolução no País, nomeadamente neste campo? Os artigos 38.º e 39.º da Constituição serão assim tão maus que V. Ex.ª agora se rebela contra eles?
O Sr. Deputado Seiça Neves já lhe fez algumas perguntas e eu vou também pedir-lhe um esclarecimento.
Sr. Deputado, quem é que fiscaliza o concurso público para a concessão dos canais?
Nesse aspecto, e para minha admiração, o projecto de lei do CDS é bastante mais avançado do que o do PRD, porque o dos deputados do CDS, nos artigos 10.º e 11.º, prevê, pelo menos, a existência de um conselho de radiotelevisão, aliás idêntico a um conselho que criámos na lei de licenciamento da rádio.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Não, não!

O Orador: - É parecido, pois só não tem como presidente um juiz do Conselho Superior de Magistratura.
Portanto, Sr. Deputado, gostava de saber como é que este concurso se desenvolverá, como vai ser fiscalizado. Não terá de haver um parecer ou é apenas o conselho de gerência da Radiotelevisão Portuguesa que aprecia esses concursos? Já agora, um outro aspecto, muito simples: no artigo 6.º diz-se que a programação deve respeitar o pluralismo ideológico e que, quanto ao cumprimento destes princípios, a fiscalização será feita por um órgão independente, a criar por lei especial.
Mas o artigo 5.º declara que a liberdade de expressão de pensamento através da Radiotelevisão integra o direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista. Aqui, no n.º 2, nada existe quanto à fiscalização desta informação livre e pluralista.
Será que a programação de que V. Ex.ª fala no artigo 6.º integra também a informação? Neste caso, se integra a informação, para quê criar um órgão independente, se já existe, por exemplo, o Conselho de Comunicação Social, que poderá fiscalizar esta informação? Mas, se assim é, por que razão é que, no
artigo 5.º, não se fez uma referência expressa à fiscalização da informação livre e pluralista, essencial à prática da democracia, como VV. Ex.ªs dizem e nós concordamos?
Estas são algumas das questões que pretendemos sejam bem esclarecidas.
Já agora, no preâmbulo do vosso projecto, dizem: «[...] o domínio e manipulação de um meio tão poderoso como a TV pelo grande poder económico [ ..]» Na realidade, perante o vosso projecto de lei - e o Sr. Deputado Seiça Neves já se referiu a ele -, temos sérias dúvidas que não venha a haver um grupo de pressão económica que possa facilmente dominar os restantes canais terrestres que possam vir a ser concedidos à iniciativa privada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, eu diria que, lendo com alguma atenção o projecto de lei do PRD, mais seríamos levados a concluir que ele não visa permitir a abertura da televisão à iniciativa privada mas antes reforçar as atribuições e competências do conselho de gerência da RTP ...

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ... na medida em que o princípio da subconcessão deixa nas mãos de um conselho de gerência de uma empresa pública uma total discricionariedade para a oportunidade de atribuição de eventuais novos canais de televisão.
Se assim é - e parece-me que é assim no modelo pensado pelo PRD -, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Alexandre Manuel se lhe parece, realmente, que a entidade melhor colocada para definir, em termos de interesse público, se deve haver um ou mais novos canais de televisão, em regime, eventualmente, de subconcessão ou de concessão, mas a utilizar por entidades privadas, é o conselho de gerência de uma empresa pública.
Por outro lado, e ainda ligado com esta questão, gostaria que me esclarecesse do seguinte: recentemente, ao aprovarmos a lei de licenciamento das rádios, todos nós - os que votámos favoravelmente esse diploma - estivemos de acordo em que deveria haver uma entidade independente para garantir condições de isenção no processo de atribuição dos licenciamentos. Todavia, tanto quanto é sabido, o PRD não curou de constituir qualquer entidade independente para atribuição de futuras concessões a entidades privadas, ainda que sob a forma de subconcessão.
Gostaria de saber do Sr. Deputado Alexandre Manuel se entende que essa entidade independente não tem aqui razão de ser, porventura por o órgão de informação televisão ser de menos importância, ou se, pelo contrário, entende que os conselhos de gerência da RTP teriam todas as garantias de isenção para o exercício de uma tal competência.
Uma terceira pergunta relativamente à questão das infra-estruturas: julgo haver uma contradição entre o projecto do PRD que agora estamos a analisar, o qual diz, no n.º 6 do artigo 2.º, que é possível a subconcessão, na totalidade ou em parte, das respectivas programações. Portanto, aqui não se fala da eventualidade de novos canais, sejam de âmbito nacional, regional

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ou local; fala-se das respectivas programações, induzindo a que seriam as programações dos dois canais actualmente existentes. Mas, embora não esteja agora em discussão, ao vermos o projecto de estatuto da RTP, verifica-se que se trata, afinal, de novos canais. Sendo assim, novos canais implicariam novas infra--estruturas. Dentro desta modalidade pensada pelo PRD, da subconcessão, gostaria que me dissesse se as infra-estruturas seriam, no seu custo, suportáveis pelas entidades privadas, e, nessa altura, em que condições o poderiam ser, ou se seriam suportadas pela RTP, o que implicaria um notável reforço da capacidade de investimento desta empresa pública.
Gostaria, pois, que nos clarificasse também este aspecto, que nos parece decisivo para a interpretação a fazer acerca do modelo pensado pelo PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, registámos a declaração e a concordância do seu partido quanto ao acesso da iniciativa privada ao meio televisivo.
No seu projecto, através da figura da subconcessão, V. Ex.ª diz que a Radiotelevisão Portuguesa - portanto, uma empresa pública - cederá a programação, no seu total ou parcialmente, à iniciativa privada.
A pergunta que lhe quero colocar é a seguinte, porque, para nós, o artigo 2.º deve ser clarificado ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nós também achamos que sim!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Por outros motivos!

O Orador: - Como dizia, queria colocar-lhe a seguinte pergunta: isto significa que esse acesso à programação da TV pública equivale à gestão social por parte de empresas privadas no «meio» de televisão, que fica na disponibilidade da empresa privada a quem venha a ser concedida essa utilização?
Outra pergunta: que entende V. Ex.ª por programação a ceder?
Por outro lado, no vosso projecto VV. Ex.ªs reservam o primeiro e o segundo canal da televisão para a concessionária do serviço público. Todos nós sabemos que a criação de um outro canal envolve investimentos vultosos. O vosso projecto, ao fazer esta proibição, e não optando pela cedência de um desses canais à iniciativa privada, significará que se pretende adiar até às calendas gregas o acesso da iniciativa privada à utilização do meio televisivo?
São estas as perguntas que lhe deixo, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, neste projecto do PRD contém-se uma afirmação muito grave, que, aliás, foi repetida na sua intervenção.
Textualmente, talvez com qualquer desvio de palavra, mas o sentido é este, V. Ex.ª disse o seguinte: foi constituída uma comissão eventual para análise da proposta de lei n.º 5/IV, que fez um trabalho útil, e esse trabalho acabou por ser aproveitado pelo PRD, para a apresentação Io seu projecto de lei n.º 313/IV.
Esta é a primeira questão que lhe coloco, Sr. Deputado.
Em Janeiro de 1986, iniciou os seus trabalhos uma comissão eventual criada apenas para análise da proposta de lei n.º 5/IV.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - O Sr. Deputado Correia Afonso deve ter confundido a minha intervenção com o preâmbulo do projecto de lei apresentado pelo CDS, pois não fiz essa afirmação. Ela realmente vem no preâmbulo do projecto de lei apresentado pelo CDS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E é errada!

O Orador: - Sr. Deputado Alexandre Manuel, não quero desmenti-lo, mas a nota que tomei sobre aquilo que ouvi da sua intervenção naquela tribuna foi a seguinte: a comissão eventual constituída para análise da proposta de lei n.º 5/IV fez um trabalho útil, que terminou com a apresentação do nosso projecto. Talvez não tenham sido precisamente estas as palavras que proferiu, mas este é o sentido de uma frase e queria chamar a atenção do Sr. Deputado para a profunda hipocrisia política que representa esta afirmação.
Uma comissão começa o seu trabalho em Janeiro de 1986, para a análise de uma proposta de lei, e o Sr. Deputado diz que apenas serviu para fundamentar, criar e formular o projecto de lei que há pouco apresentou a este Plenário. Sr. Deputado, efectivamente isso parece-me desvirtuarão só o sentido de uma comissão eventual como também a boa-fé que deve existir nos trabalhos parlamentares; no entanto, aguardo que V. Ex.ª me corrija esta afirmação.
O Sr. Deputado Alexandre Manuel diz, tal como o PRD, que o seu projecto de lei é um projecto de abertura, da televisão à iniciativa privada. Confesso, no entanto, que 1 o texto do vosso projecto de lei e fiquei com dúvidas sobre se ele, em vez de ser de abertura, não será de encerramento. Pelo que se retira dessa leitura, a actividade de televisão fica com algumas limitações. E aqui quero esclarecer o seguinte: uma das limitações que não dependem do projecto de lei é a relativa ao espaço electromagnético, que é finito, pelo que tem de ser gerido - portanto, nem todos poderão ter acesso a ele, e sabemos que, em termos internacionais, ternos direito a quatro canais nacionais -, mas depois existe outra limitação que também não resultou da acção do PRD - até porque nessa altura o PRD ainda nem sequer existia! - e que consiste no n.º 7 do artigo 31.º da Constituição.
Finalmente, verifico que, por este projecto de lei, todos os camas são atribuídos à concessionária pública Radiotelevisão, ou seja, são logo atribuídos à Radiotelevisão dói:: canais e os outros que restam serão ou não subconcessionados conforme o critério da própria Radiotelevisão. Ora, se o Sr. Deputado chama a isto abertura à iniciativa privada, tenho muitas dúvidas que o seu sentido de abertura se ia igual ao dos restantes partidos democráticos.

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Para terminar, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse uma dúvida que efectivamente me aflige. Pelo vosso projecto de lei existirão duas entidades, a concessionária pública e as subconcessionárias (que eu agrupo como subconcessionárias), e a fiscalização dos princípios que lá constam, pluralismo, isenção e todos os outros, será feita pelo Conselho de Comunicação Social, no caso da concessionária, e por um órgão a criar, no caso das subconcessionárias. Ora, creio que isto, eventualmente, originará critérios diferentes de fiscalização da execução dos princípios ou do seu cumprimento, pelo que pergunto ao Sr. Deputado que critério foi este que permite que a mesma actividade seja fiscalizada pelo Conselho de Comunicação Social ou por outra entidade, conforme seja uma actividade exercida pela concessionária pública ou pelas subconcessionárias.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Começo por dar uma resposta que poderá englobar muitas das questões que me colocaram. O projecto de lei n.º 313/IV deverá ser entendido em conjunto com o projecto de lei n.º 314/IV. Um complementa o outro e é o seu aditamento...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É assim que vão ser votados!

O Orador: - Como o Sr. Deputado Jorge Lemos sugeriu, o seu aditamento é uma hipótese que não excluímos.
O Sr. Deputado Seiça Neves referiu duas questões muito concretas: uma delas tem a ver, no entanto, com a má leitura feita do texto do nosso projecto de lei. No artigo 44.º, relativo às isenções fiscais, dizemos que a empresa concessionária do serviço público de radiotelevisão é que tem direito a tais isenções.
O Sr. Deputado Seiça Neves questionou, de seguida - e esta questão foi levantada também por outros senhores deputados -, sobre quem controlava a liberdade e o pluralismo. Devo dizer-lhe que o próprio artigo 6.º do nosso projecto de lei é claro. Além disso, e muito importante, é que, em relação à informação, já existem processos de controle que devem continuar a existir. Mas, como sabe, em relação à programação, não existia esse controle e queremos que ele passe a existir. Aliás, isto acontece no seguimento de um projecto de lei que o PRD apresentou a esta Câmara, que já foi aprovado há cerca de um ano e, apesar de então ter sido aprovado o pedido de urgência, ainda aguarda vez na Subcomissão.
Apesar de a intervenção preventiva do Governo poder ser discutível - questão que aceito -, recordo que ela se fará por decreto-lei. Haverá sempre depois a possibilidade de ratificação.
O Sr. Deputado Raul Junqueiro criticou o facto de a RTP ser concessionária. Assim, a abertura prevista no nosso projecto de lei será extremamente limitativa. É verdade, Sr. Deputado Raul Junqueiro, é realmente uma abertura extremamente limitativa e exigente. Mas, perante um fenómeno como o é a televisão, que importa ser tratado de modo diferente de muitos outros órgãos de comunicação social - veja-se o uso e abuso que desse órgão tem sido feito -, é preciso evitar que, com a sua abertura, se permitam ainda mais usos e abusos.
O Sr. Deputado Raul Junqueiro colocou-me ainda uma questão muito concreta, que, embora não refira, penso que se trata da televisão por cabo. Pondo, neste momento, de lado a constitucionalidade da questão - embora pense que isso tenha de ser discutido -, quero dizer-lhe que, à partida e sem mais, não sou contra a televisão por cabo. Aliás, não há razões técnicas nem doutrinárias, neste momento, que a impeçam. Até penso que haverá alguns motivos que a levem a considerar útil. No entanto, quero recordar ao Sr. Deputado Raul Junqueiro que o seu alcance bastante restritivo e o seu elitismo nos levam a que pensemos seriamente antes de a aprovarmos.
Ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que me levanta a questão...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - As questões!

O Orador: - Sim, colocou-me várias questões. Aliás, eu não esperava esse seu adjectivo..

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Qual adjectivo?!

O Orador: - Sr. Deputado, lamento que com a sua prática de muitos anos de jornalismo e o seu conhecimento profundo destas questões seja levado a esquecer, por exemplo, a explosão dos satélites e a multiplicação das antenas parabólicas. Uns e outras acabaram com as ilusões do «orgulhosamente sós» que parece continuar a fazer doutrina neste País...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Não se espalhe, Sr. Deputado.

O Orador: - A outra questão já a esclareci ao responder ao Sr. Deputado Seiça Neves.
O Sr. Deputado referiu-se à necessidade de um órgão independente, quando já existe outro similar. Quanto a isso - e aproveito também para responder à questão levantada pelo Sr. Deputado Correia Afonso -, devo dizer que, tal como existe o Conselho de Comunicação Social para os órgãos de comunicação social do sector público, também existe outro órgão para controlar os órgãos do sector privado.
Sr. Deputado Jorge Lacão, devo dizer-lhe que fiquei profundamente sensibilizado com o defensor da iniciativa privada em que o Sr. Deputado se transformou.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não defendi nada!

O Orador: - Espero que os «muito bens» expressos pela bancada do CDS em relação à sua intervenção tenham ficado registados nas actas da sessão.

Risos do CDS.

Sr. Deputado Jorge Lacão, como sabe e já o referi, é preciso entender este projecto de lei com o projecto de lei n.º 314/IV, onde estão definidas claramente essas regras. Aliás, devo dizer que, neste caso, essas regras são muito semelhantes às do projecto de lei apresentado pelo seu partido.
Em relação as novas infra-estruturas, é evidente que, teoricamente, elas terão de ser instaladas pela RTP. Nada impede que se possa chegar a um acordo, em que sejam os próprios candidatos a instalar essas novas

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antenas, tendo em conta o que eles depois terão de pagar à concessionária. Como se recorda -foi-o várias vezes afirmado na Comissão-, neste momento, em Portugal, seria extremamente dispendioso e quase impensável montar um sistema completamente separado das actuais infra-estruturas na RTP. Os técnicos ouvidos foram unânimes nesta questão.
Sr. Deputado Vieira Mesquita, realmente a minha intervenção sobre a abertura da Radiotelevisão à iniciativa privada já não é novidade.
Há já cerca de um ano, com efeito, defendi numa intervenção que novos canais deveriam existir para o sector privado. Aliás, quero dizer-lhe que, em sede da Comissão Eventual para a Televisão - não sei se V. Ex.ª esteve presente, creio que não -, todos os técnicos que lá intervieram foram unânimes em dizer que a montagem do novo canal não demoraria mais de seis meses, portanto o tempo suficiente para, depois de aprovada a lei, se fazer a legislação complementar. Basta que haja vontade para isso. Nesse sentido, de resto, o projecto de lei n.º 314/IV prevê mesmo o aumento do capital estatutário da televisão com vista à instalação desses novos canais.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Correia Afonso, quero dizer-lhe sinceramente que lamento a sua expressão «hipocrisia política», pois de modo algum afirmei o que o Sr. Deputado me atribui. Estive a ler agora a minha intervenção e não consta nela nada do que diz que eu afirmei. Assim, nada tenho a responder.
O Sr. Deputado faça o favor de ler a minha intervenção. Terei muito gosto em lha fazer chegar já às mãos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, na sequência das respostas que nos foram dadas pelo Sr. Deputado Alexandre Manuel e presente que foi a afirmação reiterada de que o projecto de lei n.º 314/IV estava também em debate, gostaria de questionar a Mesa, as restantes bancadas e o próprio PRD sobre se, para clarificar o debate, aceitariam ou não que o projecto de lei n.º 314/IV formalmente fosse discutido e votado, como decorre das intervenções que acabamos de ouvir - isto sob pena de não sabermos o que é que estamos a votar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não estamos ainda a votar, estamos a apreciar os projectos de lei n.ºs 274/1 V, 313/IV e 387/IV, e o quadro da discussão ficou estabelecido quando se abriu o período dos debates.
Srs. Deputados, chegamos à hora regimental do intervalo, pelo que dou por interrompidos os trabalhos até às 18 horas e 10 minutos.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, logo no começo da presente sessão legislativa, tomou a iniciativa de apresentar um projecto de lei de bases dos meios áudio-visuais que, cor forme foi então salientado, pretendeu ser um contributo sério para a definição de um modelo para o nosso país, capaz de acolher e tratar as novas realidades com que nos defrontamos neste domínio.
O debate travado aquando da discussão na generalidade, em Dezembro passado, mostrou ser aconselhável cindir o projecto em dois, de modo a distinguir o articulado referente às bases dos meios áudio-visuais do que respeitava à gestão das empresas públicas RTP e RDP, os quais haviam sido apresentados em conjunto por razões de natureza meramente formal.
A requerimento do próprio Partido Socialista, o projecto baixou na altura a Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde efectivamente se consumou a cisão.
Volta hoje a subir a Plenário a primeira parte do projecto relativo às bases dos meios áudio-visuais, acompanhando os projectos de lei sobre televisão que entretanto foram apresentados pelo PRD e pelo CDS.
Tendo tido a oportunidade de justificar e explicitar detalhadamente e presente iniciativa do PS na sessão plenária de 9 de Dezembro de 1986, dispenso-me agora de fazer nova apresentação global, preferindo destacar algumas das questões que considero essenciais neste debate.
A primeira diz respeito à abertura da televisão à iniciativa privada, possibilidade contemplada nos três projectos de lei em apreço, ainda que com diferenças significativas.
Podemos afirmar, na verdade, que existe hoje em Portugal um larga consenso quanto à necessidade de permitir o acesso de iniciativas não públicas ao exercício da actividade televisiva.
A opinião pública nacional exige cada vez com maior insistência respostas, em português, aos desafios colocados pela progressiva penetração das televisões estrangeiras.
Todos conhecemos a inevitabilidade e a irreversibilidade dessa penetre cão, proporcionada pela sofisticação e banalização dos novos meios tecnológicos de difusão, com destaque para os satélites.
Todos conhecemos igualmente os níveis de audiência em Portugal da TV espanhola, que, nos últimos tempos, passou, inclusive, a enviar para o nosso país equipas de reportagem com a finalidade de cobrir diariamente os acontecimentos nacionais, principalmente no Norte.
Todos conhecemos finalmente as múltiplas TVs piratas que vão surgindo um pouco por toda a parte, ameaçando gerar um movimento semelhante ao das rádios.
Daí que o poder político não possa ignorar por mais tempo as mudanças que se vêm processando na comunicação áudio-visual, sob pena de lesar gravemente os principais valores culturais do País e de pôr em causa a própria identidade nacional.
É por isso importante e digno de nota que a Assembleia da República esteja hoje a analisar e a debater três projectos de lei que, independentemente das soluções concretas que encerram, consagram a possibilidade legal do exercício da actividade televisiva por iniciativas não públicas.
O Partido Socialista defende a abertura da televisão a novas iniciativas nomeadamente privadas, conside

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rando que tal deverá ser feito com urgência, num quadro de regras claras e transparentes, a definir o mais consensualmente possível.
A segunda questão essencial tem a ver com o modo como se irá processar o acesso das novas iniciativas.
A solução que preconizamos passa pela realização de concursos públicos e pela adopção da figura da concessão por um período limitado de tempo, ainda que renovável.
Pensamos que se assegurará desta maneira uma total independência de processos e também uma igualdade de oportunidades a todos os eventuais interessados.
Repudiamos assim a atribuição de canais de televisão através de meras decisões administrativas e colocamos em dúvida a eficácia e o rigor da metodologia de subconcessões a efectuar pela própria RTP.
No primeiro caso, estaríamos no domínio da total discricionariedade, onde certamente sobrelevariam os critérios da oportunidade e da conveniência político-partidária; no segundo caso, estaríamos perante uma limitação grave dos princípios da livre competição, já que caberia à empresa pública decidir sobre o modo e as condições em que deveriam operar as empresas privadas que vão ser suas concorrentes.
Por outras palavras, pensamos que, nesta como noutras matérias, importa adoptar regras que, assumindo como positivo e necessário o aparecimento da televisão privada, impeçam a distorção e a ambiguidade susceptíveis de conduzir a fenómenos de intolerável partidarização ou de mera partilha de tempos de programação, à custa das infra-estruturas e do investimento do Estado.
A terceira questão relaciona-se com o conceito de serviço público, que, em nosso entender, deve estar presente em todo o exercício da actividade televisiva, independentemente de o mesmo ser levado a cabo por entidades públicas ou entidades privadas.
Sem prejuízo das adaptações que tal conceito deva necessariamente sofrer, consoante a natureza pública e privada dos futuros operadores e consoante o tipo e o grau de cobertura das respectivas emissões, importará garantir que o exercício da actividade televisiva respeite os princípios fundamentais consagrados constitucionalmente, com destaque para os da isenção, independência e pluralismo ideológico e de opiniões.
É certo que um futuro canal de televisão por satélite especialmente vocacionado para a divulgação musical ou para a passagem de produções cinematográficas tem de estar sujeito a um conceito de serviço público muito diferente daquele que, por exemplo, vinculará um futuro canal de televisão por satélite primordialmente dedicado à informação.
Em todo o caso, o que não pode ignorar-se é que, num caso e noutro, importa salvaguardar princípios fundamentais de comunicação decorrentes directamente do texto Constitucional, que ambos deverão ser obrigados a respeitar.
A quarta questão prende-se com a necessidade de defender a língua, a cultura e a produção nacionais.
Trata-se de um ponto, conforme tivemos a oportunidade de salientar, a que atribuímos grande importância e que, a nosso ver, constitui uma das principais razões que pode justificar e até incentivar o acesso de iniciativas particulares à televisão.
A esmagadora invasão de programas estrangeiros a que está submetida, por exemplo, a televisão pública nacional, situação agravada com o fenómeno (tão
característico dos nossos dias) da internacionalização da comunicação, está a colocar em grave perigo o património cultural português, de que a nossa língua é um dos principais valores.
A organização da resposta a este desafio que as novas tecnologias de difusão colocam e que a inexistência de uma indústria vídeo e cinematográfica nacional agrava tem de passar por estímulos claros à produção em português, mobilizando para o efeito todos os recursos disponíveis, públicos e privados.
Daí que a futura televisão privada tenha de ter presente esta realidade, inserindo a sua actuação numa perspectiva de valorização dos recursos nacionais.
A quinta questão reporta-se à propriedade, utilização e manutenção das infra-estruturas necessárias à actividade televisiva, entendendo-se como tal os meios de emissão, transmissão e retransmissão.
Sendo incontroversa a interpretação do artigo 38.º da Constituição da República, remetendo tais infra-estruturas para a propriedade do Estado, torna-se evidente que, no contexto actual, os operadores privados de televisão terão de utilizar meios públicos de emissão, transmissão e retransmissão.
No entanto, não parece justo nem de resto funcional que a televisão privada nasça e viva à custa do erário público, mesmo que parcialmente.
Nesta conformidade e porque somos defensores do princípio de que, em matéria de televisão, quem a quer exercer a deve pagar toda, pensamos que as futuras iniciativas privadas na área da televisão deverão suportar integralmente os custos das infra-estruturas onde se vierem a apoiar.
Tais infra-estruturas, uma vez construídas, reverteriam de imediato para o Estado, mantendo-se, no entanto, as entidades concessionárias como fiéis depositárias das mesmas até ao termo das respectivas concessões, competindo-lhes todas as obrigações em matéria de conservação e de manutenção.
Estes princípios, ainda que com adaptações, aplicar-se-iam igualmente às emissões de televisão que utilizem outros suportes tecnológicos, designadamente cabo e satélite, e ainda a outras formas de televisão como, por exemplo, a de alta definição.
Tudo isto sem prejuízo da indispensável coordenação com as infra-estruturas de emissão, transmissão e retransmissão já existentes e em funcionamento, as quais, lamentavelmente, se encontram em estado de significativa desorganização, repetindo diversas vezes investimentos e despesas desnecessários.
A sexta questão refere-se à necessidade de criação de uma entidade independente, a quem deveriam ser atribuídos poderes de salvaguarda dos meios audiovisuais e, em particular, de ter uma posição decisiva em matéria de concessões.
O PS propôs a constituição de um conselho nacional do audiovisual, o qual deveria funcionar junto da Assembleia da República, como órgão independente, pretendendo assim fazer prevalecer, em áreas de grande delicadeza e complexidade, critérios de máxima objectividade e consensualidade.
A composição por nós apontada deve ser entendida mais a título exemplificativo que a título taxativo, sendo essencial, no entanto, que aí se proceda a uma adequada ponderação entre a representação institucional e a representação dos sectores mais ligados ao áudio-visual.

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Em matéria de tanta relevância, e lembrando a solução adoptada na lei dos licenciamentos de radiodifusão, importa encontrar uma metodologia que, permitindo ao Governo a organização e a condução dos processo de concessão, fizesse depender os mesmos do parecer da entidade referida, a qual, através da sua múltipla e diversificada representação, poderia garantir, com eficácia, a salvaguarda da indispensável independência dos meios audiovisuais em face do poder económico e do poder político.
Entre uma solução que deixe todas as competências no seio do Governo e uma outra que as confie à Assembleia da República (só para identificar conhecidos modelos alheios), será aconselhável optar por uma solução de bom senso, capaz de harmonizar os interesses em jogo, sobrepondo o sentido de Estado às conveniências meramente políticas ou político-partidárias.
A sétima e última questão tem que ver com a circunstância de a televisão privada não se dever fazer à custa da televisão pública.
Já tivemos ocasião de explicitar o nosso pensamento neste domínio, por diversas vezes, mas, para que não restem dúvidas, repetimos que a RTP deve ver salvaguardadas não só as infra-estruturas de que dispõe actualmente, nomeadamente as redes do 1.º e do 2.º canais, mas também os meios de que vier a necessitar para a sua expansão futura, assim como os mecanismos de financiamento ao seu dispor, muitas vezes insuficientes para fazer face a determinadas obrigações de interesse público, como acontece com as emissões para as regiões autónomas.
Estamos certos de que o advento da televisão privada constituirá um forte incentivo à reorganização da RTP, como aconteceu com outras empresas publicas europeias, indispensável à melhoria da qualidade da respectiva programação e à isenção dos serviços informativos.
Estas, Sr. Presidente e Sr s. Deputados, são algumas das questões essenciais no debate que estamos a travar e que importará reflectir com ponderação.
A aprovação dos projectos na generalidade constituirá, sem dúvida, um importante e significativo sinal político positivo, que em muito prestigiará a Assembleia da República, pela atenção demonstrada a um tema de tanta importância e significado.
Na especialidade e no âmbito da Comissão Parlamentar adequada será possível prosseguir o debate e, em tempo oportuno, chegar a um texto único, resultante das contribuições agora analisadas e de outras que eventualmente venham a ser ainda apresentadas.
O Partido Socialista, com espírito construtivo e com determinação, continuará a procurar colaborar com os restantes grupos parlamentares, a fim de poderem ser encontradas as soluções que mais interessam ao nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Abel Gomes de Almeida, Jorge Lemos, Magalhães Mota, Alexandre Manuel, Costa Carvalho, Sousa Pereira, João Corregedor da Fonseca e Seiça Neves.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida.

O Sr. Abel Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, princiámos por nos congratular pelo facto de è volta de problema tão discutido, mas também tão importante para o País, se verificar uma larga maioria consensual nesta matéria. Este é um bom augúrio para o futuro dos audiovisuais do nosso país.
Relativamente ao projecto de lei apresentado pelo PS, do meu pó ato de vista, ele padece de uma excessiva preocupação de regulamentação de questões de pormenor, que, mais do que facilitar ou esclarecer a actividade da radiotelevisão no nosso país, vão constituir verdadeiros empecilhos à natural fluência da actividade. Mas certamente que este ponto será, atempadamente, e se for caso disso, objecto de análise aquando da discussão na especialidade.
O projecto de lei do PS cria o conselho permanente de teledifusão, onde participarão as empresas públicas de radiodifusão ; televisão, bem como empresas públicas de telecomunicações. O propósito é compreensível: trata-se de procurar, de forma institucional, gerir com economia e eficácia os meios disponíveis.
Neste particular, o reparo ou o comentário que posso fazer é o de QUÊ me pareceria aconselhável que também nesta sede os futuros operadores privados tivessem assento no plano consultivo, num plano que venha a ser esclarecido, pois esta matéria também lhes diz respeito e das suas achegas poderá resultar benefício geral.
A parte final do diploma do PS tem a ver com o direito de réplica política, de resposta ou rectificação, as várias formas cie responsabilidade, disposições penais e variadíssimas disposições processuais. Trata-se de matéria comum a vários sectores da comunicação e o que me parece mais razoável e sistematicamente mais correcto -de resto, é isso mesmo que propomos no projecto de lei que apresentamos- é que esta matéria, a fim de evitar repetições porventura pouco prestigiantes e que, as mais das vezes, se tratam de repetições ponto por ponto da mesma regulamentação em várias teses, venha a ser objecto de um código restrito aplicável ao conjunto dos domínios que devem estar sujeitos a estas disposições.
Quanto à quês ta 3 da RTP, que é um dos pontos mais sensíveis de toda a discussão da televisão, como poderão verificar, não pomos em causa a existência, a subsistência e o progresso da radiotelevisão portuguesa nem, à partida, a existência de um ou dois canais. O que nos parece razoável e absolutamente imprescindível é que a existência e a manutenção da actual dimensão da empresa técnica venham a sei objecto de estudo e de definição precisa, porque nos repugna admitir a imutabilidade do status quo, só porque assim está. É necessário que se saiba se o que existe é excessivo ou é suficiente ou, até, se os meios disponíveis carecem de ser profundamente revistos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, creio que não valerá a pena comentar mais uma vez nesta Casa a diferença de posições do seu partido relativamente o programa eleitoral com que se apresentou aos Portugueses nas passadas eleições e a posição que neste momento o PS, vem defendendo pela voz do Sr. Deputado. Enfim, é um problema do PS que ele próprio terá que resolver! Do nosso ponto de vista, não é legítimo alterar posições com essa rapidez nem dar cambalhotas como essa.

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Diz o Sr. Deputado -e ai estamos de acordo- que é necessário reforçar a produção nacional. Porém, gostaria que me desse um quadro exemplificativo e quantificado que nos permitisse ter uma ideia do que é que, em termos internacionais, tem sido o aumento da produção nacional decorrente da actividade das televisões privadas. Também gostaria que me desse um quadro exemplificativo e quantificativo quanto à defesa da língua e da cultura dos países em que se têm vindo a constituir televisões privadas.
O Sr. Deputado lembra-se que os Srs. Murdoch e Berllusconi quando iniciaram os seus empórios também diziam que pretendiam intervir na televisão para defender a língua e a cultura dos seus países? Hoje creio que nenhum de nós pensará ou poderá acreditar que os Srs. Murdoch ou Berllusconi defendem a língua ou a cultura dos seus países. Pelo contrário, tentam destruir a língua e a cultura de outros países. Gostava que o Sr. Deputado dissesse como é que em Portugal a televisão privada -isto é, quais são os seus cálculos quantificadamente vem beneficiar e defender a língua e a cultura portuguesas.
Como sabe, normalmente os privados têm a mira do lucro: produzir em termos nacionais é muito caro, ao passo que comprar «pacotes de enlatados» é muito barato e até talvez tenha mais audiência. Se o Sr. Deputado Raul Junqueira pudesse explicar esta questão com rigor, creio que seria muito importante para o presente debate.
Finalmente, gostaria de colocar uma questão ao PS, que me parece essencial nesta discussão, até para definirmos o quadro geral em que nos colocamos. Durante cerca de um ano tivemos actividade numa comissão que, ouvindo durante muito tempo variadíssimas entidades, analisou uma proposta do Governo, que era inaceitável, sobre a concessão de um canal de TV à Igreja. Por proposta do PS essa matéria deveria considerar-se encerrada e baixar a Plenário, de modo que ficasse clarificado que, independentemente das posições dos partidos quanto ao acesso ou não acesso a actividades privadas de televisão, havia uma que não se aceitava, que era a via proposta pelo Governo.
Portanto, o PS deveria clarificar porque é que em determinado momento propôs a adopção de clarificar o terreno aprovando um relatório e remetendo-o para o Plenário dizendo que «tudo bem, mas proposta do Governo não, pois esse caminho não nos serve». Porém, em determinada altura vem dizer-nos: «bem, vamos deixar ficar tudo como está, o que interessa é o granel na comissão, venham todos os que estão, mais o canal TV para a Igreja, mais tudo quanto aparecer».
Esta questão é importante porque o PS, ao vir aqui defender o que defendeu, tem de nos dizer, com clareza e rigor, se aceita comparar, ou melhor, meter no mesmo «saco» a proposta do Governo e discuti-la no mesmo pé de igualdade com as propostas que aqui vem colocar. Na realidade, elas são completamente contraditórias!
Portanto, enquanto esta questão não ficar definida perante este Plenário, creio que é difícil percebermos a posição do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Deputado Raul Junqueira, penso que seria importante - e esse é o primeiro esclarecimento que lhe peço - conhecer exactamente as razões que balizam o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista.
Pergunto: trata-se de razões tecnológicas derivadas de modificações impostas pelo progresso técnico ou trata-se de uma evolução ideológica em relação ao próprio posicionamento perante a actividade privada na comunicação social? É um ponto importante do debate, tanto mais importante quanto permite situar no tempo a apresentação desta iniciativa legislativa, sabido como é que a televisão por cabo não é um processo tecnológico recente, pelo menos em termos de tempo, e que os videodiscos e os satélites são também anteriores ao último acto eleitoral realizado em Portugal.
A segunda questão tem a ver com a concorrência. Neste campo televisivo, ela terá naturalmente de ser vista por via do tal progresso tecnológico, não apenas no espaço nacional como também em termos internacionais. Isso é sensível, não só em termos da produção mas também em termos da própria recepção e num país com as limitações geográficas do nosso, isso é particularmente sensível, como é conhecido por toda a gente que habita a chamada zona fronteiriça com a Espanha, para não irmos mais longe e não pensarmos sequer na difusão por satélites.
Dentro desse quadro, pergunto: que perspectivas e que linhas de abertura ou linhas de actuação prevê o vosso projecto de lei?
A terceira é uma questão bem concreta e que tem a ver com a concessão a todos os concorrentes a emissões televisivas.
Implicando que as infra-estruturas são da responsabilidade desses concessionários, qual o prazo de concessão, entendido como razoável, para a amortização dessas infra-estruturas e que implicações terá esse prazo temporal considerado razoável na própria limitação do processo de revisão constitucional, criando direitos adquiridos a esses concessionários e por esse período de tempo?
Tendo em conta esse problema da concessão, que estatuto para a empresa pública de radiotelevisão, se ela ficar em pé de igualdade, no acesso ao serviço público televisivo, com todos os outros intervenientes no sector, quando ela tem a responsabilidade de assegurar algumas infra-estruturas básicas que têm de ser postas ao serviço de toda a colectividade?
Que evolução em relação às taxas de televisão, visto que a abertura do sector poderá implicar um tratamento diferente nessa situação de parafiscalidade, pelo menos?
Em último lugar, pergunto: que tipo de actuação, por parte do Estado, na defesa de um serviço público que garanta a identidade e a cultura nacionais, perante a possibilidade de uma concentração de empresas, não de âmbito nacional mas de âmbito internacional? Ou seja, que posicionamento por parte do Partido Socialista, por exemplo, em relação à integração de cadeias portuguesas na cadeia Murdoch ou noutra qualquer cadeia de televisão?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.

O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Deputado Raul Junqueira, há pouco referiu-se à produção. É sabido que os novos aperfeiçoamentos tecnológicos futura-

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mente elevarão, ainda mais do que hoje, a qualidade da emissão e da recepção, mas os programas, quer queiramos ou não, continuarão a ser os mesmos, isto é, com fraca qualidade. Entretanto, no projecto de lei do PS está prevista a constituição de assembleias de opinião pública.
O Sr. Deputado Raul Junqueira conhece muito melhor do que eu a existência da chamada televisão interactiva, ou seja, aquela que permite uma via de retorno à central de televisão a partir do domicílio do espectador.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado Raul Junqueiro, o seguinte: face a este panorama, quais as vantagens e conveniências dessas assembleias de opinião pública?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, já aqui foi expressa a nossa posição em relação ao vosso projecto de lei - temos, por exemplo, sérias dúvidas em relação ao artigo 2.º -, mas as questões que gostaria de lhe colocar são muito concretas.
O artigo 6.º - e creio que já uma vez tive oportunidade de o referir - no seu n.º 2 diz o seguinte:

A liberdade de expressão do pensamento através da radiodifusão e da televisão integra o direito fundamental dos cidadãos a uma programação e informação que, através dos diversos órgãos de comunicação, assegurem o pluralismo ideológico e a livre expressão e confronto das diversas correntes de opinião, essenciais à prática da democracia, à defesa da paz e do progresso económico e social do País.

Gostava de saber quem fiscaliza a aplicação destes preceitos, segundo o vosso projecto de lei? Qual é o papel do Conselho de Comunicação Social, no respeito por estes preceitos importantes que constam neste artigo?
Uma das questões para nós importante tem a ver com a utilização das infra-estruturas e dos arquivos fílmicos, arquivos de produção, nomeadamente da Radio-televisão Portuguesa.
Gostava de saber se, perante a vossa iniciativa, os operadores privados podem utilizar livremente essas infra-estruturas da Radiotelevisão Portuguesa e todos os seus arquivos, quer arquivos gerais, quer arquivos das suas próprias produções. A Radiotelevisão Portuguesa vai ser obrigada a ceder a operadores privados os seus próprios arquivos e infra-estruturas?
O n.º 1 do artigo 21.º diz que:

O Conselho Nacional do Audiovisual (CNA) é uma autoridade administrativa que tem por objectivo a salvaguarda, nos termos da Constituição e da lei, da liberdade de expressão através do som e da imagem e do acesso aos respectivos meios de comunicação.

Gostava de saber, uma vez mais, qual é aqui o papel do Conselho de Comunicação Social.
Por outro lado, a alínea d) do artigo 22.º diz o seguinte: «Garantir o direito a informar e a ser informado [...]».

Face ao Conselho Nacional do Audiovisual e ao Conselho de Comunicação Social, gostava de saber se não vai haver uma duplicação e quem é que tem um papel fundamental para garantir estes preceitos que, como é evidente, são importantes. Isto independentemente da posição de fundo que temos em relação à possibilidade de assegurar a operadores privados a utilização da Radiotelevisão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, há um pormenor que aqui queria invocar: pela primeira vez interpelo-o directamente e, ao fazê-lo, queria invocar, emocionadamente, nesta Câmara que fomos da mesma república de Coimbra, do «Ninho dos Matulões». Na altura, quando lá convivemos, era difícil pensarmos que esta situação viesse a deparar-se um dia na nossa vida. Felizmente que assim é!
Mas passo a pôr-lhe as dúvidas que tenho.
Em primeiro lugar, há um denominador comum em relação a todos os projectos de lei: é que a entrega da televisão a operadores privados vai democratizar, «inde-pendentizar», melhorar a informação.
A questão que ponho ao Partido Socialista - que nessa matéria tem maior responsabilidade - tem a ver com o diploma que apresentou e é a seguinte: da experiência, onde é que se colhe que uma televisão privada seja melhor, méis independente, mais democrática, mais competente do que uma televisão pública? Onde e donde é que podemos colher essa experiência? Onde é que a podemos vazar?
Há ainda uma grande preocupação por pane do Partido Socialista, e não só, que é a de tornar independente a informação dos grupos económicos. Pergunto: tornar independente como? Em que medida? Quais são as medidas que o projecto de lei do Partido Socialista contém que possam assegurar ao povo português que os novos opere dores televisivos são independentes dos grupos económicos, nomeadamente do grande capital financeiro?
Dentro da preocupação do Partido Socialista de não monopolizar a informarão, seria credível, desejável que estivesse regulamentado o acesso dos operadores privados à televisão, e falo em regulamentado no sentido de não poder haver um operador privado que detivesse vários canais de televisão para que a sua intervenção e a sua influência junto da opinião pública seja mais sensível e conecta.
Finalmente, uma questão que parece de pormenor, mas não é. Ne artigo 11.º diz-se que determinado tipo de notas oficiosas, de comunicações da Presidência da República, etc., devem ser transmitidas com a máxima urgência. Pergunto: o que é a «máxima urgência»? Por que não obrigar ou substituir a expressão «a máxima urgência» pela «obrigação de simultaneidade» em relação à televisão estatal?

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder a todas as questões que me puseram, que foram de facto muitas.

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Começaria por responder ao Sr. Deputado Gomes de Almeida, dizendo que não concordo com a afirmação que fez de que no projecto de lei do Partido Socialista há uma excessiva preocupação de regulamentação.
Na verdade, o que pretendemos tratar neste diploma foi aquilo que qualificámos como as questões fundamentais que se colocam em matéria de áudio-visuais. E essas questões fundamentais para as quais procurámos dar, de imediato, um contributo constituem os diversos capítulos do nosso projecto de lei.
É evidente que com esta metodologia de apresentação também expusemos mais o nosso diploma a diversas críticas, na medida em que começámos por formular logo propostas concretas, ao contrário, por exemplo, do que acontece com o projecto de lei do CDS, que, relativamente a algumas destas questões fundamentais, ou não as refere ou diz que mais tarde as tratará em lei própria. É, portanto, uma questão de metodologia, mas não uma questão de excessiva regulamentação.
No que diz respeito ao conselho permanente de teledifusão, penso que, de facto, será muito importante que este órgão ou outro semelhante venha a existir e, do nosso ponto de vista, nada obsta a que futuros operadores privados também aí tenham assento, na medida em que o importante neste conselho permanente de teledifusão será conseguir uma certa disciplina nas redes de emissão, transmissão e retransmissão. Todos nós sabemos que hoje há uma multiplicidade de redes com a mesma finalidade, redes essas atribuídas não apenas à RTP ou aos CTT, mas também a muitas outras empresas públicas e até a organismos de serviços militarizados, quando, efectivamente, com uma única rede ou, pelo menos, com menos redes seria possível conseguir os mesmos objectivos. Portanto, a ideia será não remediar aquilo que está feito, porque isso é irremediável, mas, pelo menos quanto ao futuro, conseguir uma melhor disciplina.
Por outro lado, no que toca à última observação que o Sr. Deputado fez quanto à circunstância de o nosso projecto de lei tratar matérias tão diferentes como os direitos de réplica e de resposta, as questões processuais, os dispositivos penais, et c., devo dizer-lhe que a ideia é precisamente essa, isto é, que este projecto possa, de alguma forma, constituir uma espécie de código relativamente a estas questões, de forma que não haja repetição de dispositivos, como hoje acontece em diversos diplomas legislativos. Estou certo de que poderemos caminhar neste sentido em trabalho de especialidade.
Por fim, no que diz respeito à RTP, não temos a ideia de que a RTP é imutável e que a sua dimensão ou a sua metodologia de trabalho devam continuar a ser no futuro como são actualmente. Pensamos, no entanto, que é fundamental garantir em Portugal a existência do serviço público de televisão, da empresa pública de televisão, com as infra-estruturas actuais, com o seu primeiro e segundo canais - cada um, naturalmente, com a sua vocação e com a sua finalidade. É que seria mesmo absurdo que, no momento em que nos preparamos para receber a televisão privada, permitíssemos, de alguma forma, que esta nascesse e se constituísse à custa da empresa pública. Creio que ninguém pretende que este desiderato seja obtido.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Jorge Lemos, devo dizer-lhe que fiquei muito sensibilizado com a busca que fez no sentido de confrontar bem o programa eleitoral do Partido Socialista com a nossa posição actual. Sensibiliza-me sempre muito essa posição do Partido Comunista, sempre atento a essas questões, mas sempre lhe quero dizer que não vale a pena preocupar-se muito com esse problema, porque já no programa eleitoral de Outubro de 1985 o Partido Socialista tinha referido expressamente que era a favor da televisão privada e que, portanto, encetaria as medidas e os mecanismos necessários para a obter. Sr. Deputado, de facto, o Partido Socialista, conforme foi aqui reconhecido, assumiu nesta matéria uma posição politicamente nova, que tive ocasião de explicar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, não digo que o Partido Socialista não tenha falado no problema, mas o que o Partido Socialista dizia era que uma lei ordinária não podia revogar disposições constitucionais. Isto porque considerava que, nos termos da actual Constituição, havia um impedimento constitucional ao acesso à actividade de radio-televisão por parte do sector cooperativo ou do sector privado.
Portanto, foi esta alteração de posição, que não me parece de somenos, que quis salientar na pergunta que lhe coloquei - aliás, nem foi uma pergunta, foi um comentário.

O Orador: - O Sr. Deputado é um deputado atento e, portanto, esteve naturalmente com muita atenção e com elevado sentido de participação no debate que tivemos aqui em 9 de Dezembro passado, altura em que tivemos ocasião de abordar esta questão exaustivamente e em que expliquei que a posição assumida pelo Partido Socialista neste matéria era politicamente nova.
Aproveito, de resto, para lhe dizer, e também ao Sr. Deputado Magalhães Mota, que colocou esta mesma questão, que o que se passa é que o poder político e os partidos políticos não podem ignorar por mais tempo as realidades, as mudanças que se estão a verificar na comunicação audiovisual. O que se passou nesta matéria foi que o Partido Socialista, coerentemente com o seu último congresso, onde a questão foi debatida e onde, na moção de estratégia política que foi aprovada, resultou claro este tipo de iniciativa, reconheceu essa realidade e preparou-se, como partido moderno e atento que deseja ser, para ter nesta matéria uma posição nova, no sentido de acolher e de responder positivamente aos novos desafios do audiovisual.
No que se refere às suas outras perguntas, que vão no sentido de saber até que ponto é que a televisão privada pode contribuir para um aumento da produção nacional ou quanto ao grau de protecção e defesa da língua e da cultura nacionais, dir-lhe-ei que é essa a minha convicção e será esse o sentido da nossa intervenção em sede de especialidade.
O problema que hoje se coloca nesta matéria é o de que a televisão privada é uma nova oportunidade que é fornecida aos produtores e aos autores nacionais para poderem, através de mais um novo meio de difusão, expor as suas obras, ver tratados os seus escritos e valorizado aquilo que, efectivamente, constitui o patrimó-

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nio cultural nacional. É que a situação monopolista que hoje se vive em Portugal, como se tem vivido na Europa, tem revelado que há fortes limitações a uma valorização desse património, e essa talvez seja uma das razões por que, quer em Portugal, quer nos países europeus, estejamos hoje confrontados com uma fortíssima concorrência de produções estrangeiras não europeias. Ainda recentemente os ministros europeus desta área - e julgo que o Sr. Secretário de Estado que está aqui presente participou nessa reunião - debatiam com preocupação este problema, isto é, a situação de monopólio que se viveu na Europa durante muitos anos, que foi, talvez, uma das causas principais da estagnação da indústria videográfica europeia.
Por outro lado, ainda a respeito da situação da televisão pública, com certeza que o Sr. Deputado conhece o muito que a televisão pública tem feito em prol da cultura nacional. A televisão privada virá certamente ajudar a que a televisão pública faça muito mais.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Menos!

O Orador: - Colocou-me ainda o Sr. Deputado uma questão sobre a comissão eventual para apreciar a questão da atribuição de um canal de televisão.
Devo dizer-lhe que nessa matéria o Partido Socialista sempre teve uma posição coerente. Tivemos oportunidade de a expressar aqui, no Plenário, relativamente à proposta de lei n.º 5/IV, e depois, em sede de comissão, manifestámos uma posição semelhante. Foi, de resto, por iniciativa do Partido Socialista que uma série de diligências foram feitas por essa mesma comissão e hoje todos os grupos parlamentares são levados a reconhecer que nessa sede se avançou bastante e que o trabalho produzido foi positivo.
O Partido Socialista pensa, pois, que essa comissão, até pela vocação específica dos seus membros, deve poder analisar os projectos de lei que foram já apresentados e outros que eventualmente venham a sê-lo, porque neste momento ela reúne, dentro da Assembleia da República, a competência necessária para poder acelerar a apreciação, na especialidade, desses projectos de lei.
Ao Sr. Deputado Magalhães Mota gostaria de dizer que algumas das questões que me colocou - e à primeira já respondi - são, de facto, questões de pormenor, para as quais o Partido Socialista tem respostas, que revelará através de contributo próprio, que já foi anunciado, quanto à futura lei de concessão da actividade televisiva.
É evidente que não podíamos dizer neste projecto de lei qual é exactamente o prazo de concessão ou qual é a nossa posição relativamente ao modo de funcionamento das empresas públicas, às taxas, à publicidade em termos específicos e concretos. Essa é uma matéria a regulamentar ...

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Permite-me uma interrupção. Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Deputado, em termos de prazo bastava-me uma ordem de grandeza.
É que, já que falou nas amortizações, é completamente diferente serem 10 anos ou serem 90 anos.

O Orador: - Li já dar-lhe a resposta a essa questão. Por enquanto, estava na primeira parte, ou seja, estava a justificar porque é que o Partido Socialista não apresentou esses prazos concretos que o Sr. Deputado está a pedir. É que, na realidade, não apresentámos um projecto de lei de concessão da actividade televisiva, mas sim urra lei de bases dos meios áudio-visuais.
Mas na intervenção que hoje aqui fiz e na intervenção feita em Dezembro de 1986, tive ocasião de explicitar a posição do PS sobre esta matéria e que certamente será objecto do tal contributo que o PS apresentará nesta matéria. Ou seja, pensamos que a RTP deve continuar com os meios de financiamento de que hoje dispõe - acabei de o dizer na intervenção que fiz.
No que toca à concessão, pensamos que deve ser feita por um período limitado de tempo que, naturalmente, terá de ser reflectido em conjunto com todos os outros partidos. Não adiantámos um prazo, nem de quinze nem de vinte anos, como o fizeram outros grupos parlamentares, como o CDS e o PRD, mas, obviamente, quando referimos um período de concessão, referimo-nos a uni período de concessão razoável, que tenha em linha de conta o tipo de investimento feito.
A outra questão que me colocou foi esta: qual o estatuto que será conferido à RTP, se ela ficar em pé de igualdade com a iniciativa privada? O que se pretende é que a RTP se veja protegida em termos de missão de serviço público, que lhe compete e lhe continuará a competir, mas, efectivamente, terá de ter um estatuto que seja de concorrência salutar e saudável como as empresas privadas. Não se justificaria que configurássemos um equema legal em que a RTP tivesse privilégios que pudessem desvirtuar essa competição e essa concorrência, como penso que aconteceria se viesse a ser consagrado e modelo do PRD. É que, se for a RTP, de acordo com aquilo que o PRD propõe, a definir o modo e as condições de actuação das empresas privadas que vão ser suas concorrentes, como é que se poderá falar de competição, de concorrência salutar e saudável?
Pensamos que não deve ser essa a forma que deve vir a figurar no futuro documento legal, nesta matéria.
O Sr. Deputada Magalhães Mota ainda me colocou uma outra questão, que tem a ver com a nossa posição sobre o tipo de actuação do Estado face às ligações de grupos portugueses a grupos internacionais. Devo dizer que, nesta matéria, a minha opinião é a de que o Estado tem de garantir efectivamente aos grupos portugueses, à iniciativa privada portuguesa, o acesso ao exercício da actividade televisiva, sem prejuízo de formas de cooperação com grupos internacionais, sobretudo europeus. Penso que isso é extremamente importante, sem prejuízo de a maioria desses grupos ou dessas empresas ser nacional. Tem de existir aqui, neste domínio, uma perspectiva aberta e também nesta matéria teremos de fazer um grande esforço de aproximação e de colaboração com a Europa, porque não podemos vencer estes desafios nem valorizar os nossos recursos isoladamente.
Quanto à pergunta feita pelo Sr. Deputado Costa Carvalho sobre as vantagens das assembleias de opinião e da televisão interactiva, devo dizer que, quanto a mim, as assembleias de opinião são um meio informal de manter um contacto próximo entre o telespectador e quem dirige a televisão.

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Quanto à televisão interactiva, ela terá o seu lugar no futuro, pois, como o Sr. Deputado sabe, uma das principais características do fenómeno da comunicação no futuro será essa grande aproximação entre o emissor e o receptor e evidentemente que a adopção de novos métodos e meios tecnológicos irá dispensar...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, no entanto, queira concluir.

O Orador: - Se me permite, Sr. Presidente. É que as perguntas também foram muitas...
Como dizia, será a introdução destas novas tecnologias que levara depois a uma adaptação dos esquemas legais no mesmo sentido.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca perguntou-me, a propósito do artigo 6.º do projecto de lei do PS, quem é que iria fiscalizar a liberdade de expressão. O nosso projecto de lei é claro: o conselho nacional do audiovisual.
Aliás, relacionando este conselho com a sua última pergunta, devo dizer-lhe que propomos a criação deste órgão porque há uma lacuna no ordenamento jurídico português. O Conselho de Comunicação Social não tem, como o Sr. Deputado sabe, por força dos dispositivos constitucionais, possibilidade de tutelar empresas privadas, nomeadamente de rádio e de televisão. E é em virtude disso que pensamos que se deve aproveitar a ocasião para superar essa lacuna e criar uma nova entidade.
Quanto à utilização de infra-estruturas, julgo já ter respondido à pergunta que fez.
Quanto à questão dos arquivos, devo dizer que o projecto de lei do PS aponta para a criação do instituto da imagem e do som com a finalidade primeira de preservar os recursos magnéticos hoje existentes na RTP, sujeitos a uma forte degradação, prevendo até que a sua utilização possa ser feita sob a forma de exploração comercial por forma a valorizar esses recursos.
Finalmente, ao meu querido amigo e «matulão», deputado Seiça Neves, gostaria de dizer, com toda a amizade, que julgo já ter respondido de alguma forma nas anteriores intervenções às questões que me colocou. Aproveito só para lhe dizer que, do meu ponto de vista, a questão da televisão privada e da televisão pública não se pode pôr hoje em termos dicotómicos; não se pode dizer que uma é melhor do que a outra. Penso que cada uma delas tem o seu lugar na sociedade portuguesa e que as duas, em conjunto, podem contribuir efectivamente para melhorar não só a informação, mas também a programação e todos os valores que há pouco referi, porque cria nesta matéria a ideia de competição, de concorrência. E esta ideia de competição, de concorrência - aliás, por força nomeadamente da evolução tecnológica há uma enorme proliferação dos meios de difusão - é certamente a melhor forma de podermos contribuir para essa melhoria de informação e de qualidade de programação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida.

O Sr. Abel Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão simultânea dos projectos de lei n.ºs 274/IV, 313/IV e 387/IV, sobre a abertura da televisão à iniciativa privada demonstra que este objectivo político deixou de ser tabu para a maioria dos partidos políticos com representação parlamentar.
O CDS congratula-se com esta consonância, tendo apenas a lastimar o tempo consumido no longo processo que foi necessário percorrer para se chegar aqui.
Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é hoje comummente aceite por todos os países ocidentais que os valores da liberdade e do pluralismo são incompatíveis com o monopólio estadual de emissão. Não se trata, naturalmente, de pôr em causa, entre nós, a existência e a subsistência da RTP. Bem, ao contrário, nós estamos certo que a concorrência vai constituir um factor positivo para o aumento da eficiência da empresa e para o melhor ajustamento da sua programação.
Mas se partilhamos das preocupações dos que entendem que a RTP deve prosseguir e progredir, já não podemos estar de acordo com a indefinição existente à volta do conceito de serviço público. É necessário e urgente que se aclare este conceito precisando a sua natureza, conteúdo e os meios indispensáveis à sua prossecução. É indispensável que se imponha à RTP a obrigação estrita de cobrir todo o território nacional por forma a que os portugueses - todos -, de Trás-os-Montes às regiões autónomas, tenham acesso em condições técnicas aceitáveis à emissão; que se preveja o estabelecimento de acordos entre a empresa e departamentos oficiais e outras instituições, com vista à difusão de programas de manifesto interesse para o desenvolvimento social do País. Que esses objectivos sejam articulados num sistema que vincule o Estado à compensação financeira da empresa do eventual baixo nível comercial desses programas. Enfim, que se pondere a manutenção do actual sistema de taxas em coexistência com a publicidade comercial, por forma a encontrar-se o justo equilíbrio entre a necessidade de sobrevivência da RTP e o estabelecimento de um regime de paridade de condições de concorrência entre a empresa pública e os futuros operadores privados.
Isto e muito mais carece de ser estabelecido em diploma autónomo, claro, preciso e da maior consensualidade possível. Sem esta definição continuaremos a assistir a que frequentemente se invoque o serviço público como instrumento de conquista de puros objectivos particulares, corporativos ou partidários. Por isso o CDS propõe no seu projecto que a natureza e o conteúdo de tal serviço, bem como os meios indispensáveis à sua prossecução, venham a ser legalmente definidos.
Defendemos que a abertura à iniciativa privada seja feita por concessão após concurso público. Não nos deteremos na análise da constitucionalidade da figura jurídica, tão clara é, que esta tese defendida pelo meu partido ao longo dos anos acabou por obter a anuência maioritária da Câmara. Julgamos, entretanto, que a abertura do concurso deve ser precedida da aprovação de um conjunto de regras que lhe sejam aplicáveis, normas naturalmente gerais e abstractas mas que considerem, como é indispensável, o grau de representatividade cultural e social dos candidatos, a qualidade técnica e a consistência dos seus projectos.
Prevê o nosso projecto a criação de um conselho da radiotelevisão. Trata-se de um órgão a que atribuímos a maior importância e que, por isso, justifica o desenvolvimento de algumas considerações.
Entre nós, e em muitos dos países do Ocidente, o problema dos audiovisuais transformou-se numa quês-

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tão polémica, não no que diz respeito à admissibilidade comummente aceite do acesso de operadores privados, mas no que toca à regulamentação da actividade. Tratando-se de um bem finito em que a concorrência é, por razões técnicas, necessariamente limitada; e sendo, por outro lado, um meio indispensável ao desenvolvimento da sociedade, a competência para aprovar a legislação atinente varia de país para país. Mas o denominador comum da evolução dos sistemas nos últimos anos é indubitavelmente no sentido de não ser atribuída ao Governo a totalidade das competências. Os graus de variação são diversos, e não cabe aqui analisá-los. Sublinhamos apenas que o CDS, na elaboração do seu projecto, teve em atenção o estudo comparado dos sistemas em vigor, não propriamente para copiar um qualquer dos modelos existentes - velha pecha nacional - mas para, na consideração das tendências gerais da nossa época, construir o sistema que julga adequado à realidade concreta do País.
É neste quadro de ponderação que surge, desde logo, o conselho da radiotelevisão, com extensas competências consultivas, fiscalizadoras e de iniciativa, das quais destacamos, entre outras, a de emitir parecer prévio quanto à definição de serviço público, à indigitação dos membros do conselho de gerência da RTP e à atribuição de concessões. Quanto a este último aspecto a decisão final compete ao Governo que todavia fica vinculado à obrigação de fundamentar circunstanciada e publicamente a sua decisão sempre que esta se desvie do parecer emitido pelo conselho de radiotelevisão. Trata-se, claramente, de uma solução equilibrada entre os dois extremos de tudo atribuir ou tudo retirar à competência governamental. Não deseja o CDS apresentar uma solução salomónica - nem sempre no meio está a virtude - mas um esquema participado, dignificador e responsabilizante. Cremos que as decisões a adoptar neste domínio devem ser fruto do concurso de várias contribuições competentes, representativas e desinteressadas.
Daí que, na composição deste conselho, o CDS proponha a inclusão de personalidades designadas ou eleitas por órgãos ou instituições insuspeitas, corrigindo assim a trajectória de um precedente recente em que, sob a forma aparente de neutralidade institucional, se visou, do nosso ponto de vista, favorecer a representação de interesses certamente legítimos, mas não no âmbito das atribuições desse órgão.
Tem o conselho da radiotelevisão várias outras importantes tarefas. A de fiscalizar a adequação da actividade da RTP à sua prestação do serviço público, bem como o cumprimento pelos operadores privados das condições impostas pela concessão. Enfim, um quadro de competências nem excessivas nem exíguas ou meramente formais e que por isso não é atacável de inutilidade ou de intromissão, representando apenas uma tentativa séria de instituir um órgão crítico quando for caso disso, mas sempre desinteressado e construtivo na ponderação das matérias que lhe irão ser cometidas.
Contempla o articulado do nosso projecto vários outros domínios; cremos, contudo, ser dispensável proceder à apresentação e justificação das soluções propostas dado tratar-se de preceitos que ou julgamos pacíficos ou, pelo menos, facilmente compreensíveis.
Resta finalmente referir que, do nosso ponto de vista, nenhuma dúvida existe quanto aos direitos concordatários e constitucionais da igreja católica ao exercício da actividade no nosso país. Mas que, para além disso, a sua representatividade social e cultural tornam claro como seria iníquo qualquer regime legal ou decisão administrativa que preferisse ou ignorasse as legítimas pretensões daquela que e, seguramente, a mais respeitada e enraizada instituição nacional.
Relativamente aos dois outros projectos também em discussão, do Partido Renovador Democrático e do Partido Socialista, congratulamo-nos com a circunstância de convergirem, um e outro, para o mesmo objectivo político de abertura. Temos, contudo, sérias objecções a opor a vários dos seus dispositivos. Julgamos, todavia, preferível possibilitar que a discussão serena e cuidada na especialidade permita alcançar as soluções desejáveis, à antecipação deslocada de críticas ponto por ponto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 16 de Março de 1984, o CDS apresentou o projecto de lei n.º 305/III.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E que foi correctamente chumbado!

O Orador: - Sobre a abertura da televisão à iniciativa privada, 10 dia 13 do mês em curso fez presente novo projecte sobre .1 mesma matéria, agora com o n.º 387/IV, isto é, o mais antigo e o mais recente dos projectos submetidos à Assembleia da República.
E não nos reclamamos de outro mérito que não seja o da perseverança na defesa de objectivos e políticas que correspondem aos reais interesses do povo português.

Aplausos tio CDS

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Seiça Neves, Jorge Lacão e João Corregedor da Fonseca.
Entretanto, e para que a Mesa possa gerir o tempo, pergunto ao PRD se vai pedir o cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 61.º ou se, conforme informação chegada à Musa, há consenso por parte de todas as bancadas para que o debate continue amanhã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, com efeito, foi obtido consenso por parte de todas as bancadas para que o debate prossiga amanhã.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Solicitei este esclarecimento para que o mesmo ficasse registado. Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida, era conhecida a posição do MDP/CDE à partida, entendendo que todos os projectos de lei estavam feridos de inconstitucionalidade, por violarem o n.º 7 do artigo 38.º da nossa lei fundamental. Mas se partimos para esta discussão com essa posição, que foi derrotada em votação plenária, também devemos dizer que, depois da leitura que fizemos de todos os projectos de lei, achamos o do CDS o mais pobre, o mais descabido e, eventualmente, o mais perigoso.
E o mais perigoso porquê? Desde logo, porque se institui i m prazo de vinte anos para a concessão. Ora, vinte anos correspondem a uma geração, Srs. Deputados! E não só se institui este prazo, que é o mais

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longo de todos os diplomas, como, para contrabalançar esta generosidade, neste projecto de lei do CDS nem sequer se prevê qualquer mecanismo que permita uma eventual rescisão do contrato de concessão. Isto é, fora da responsabilidade civil e criminal, a empresa concessionária pode, a seu bel-prazer, como quem usa um brinquedo, contra ou a favor de quem quiser, usar o canal de televisão que lhe iria ser entregue - mal de nós se o fosse!
Depois, no artigo 14.º do projecto de lei diz-se que há coisas que é necessário transmitir em directo, mas não está prevista nenhuma obrigação de simultaneidade, por exemplo, em relação a notas oficiosas, a discursos do Sr. Presidente da República ou a assuntos de natureza política urgente. Quanto a este aspecto, não há referência absolutamente nenhuma. Segundo o vosso projecto de lei, acontecimentos destes podem ser transmitidos às três da manhã, e sê-lo-ão na mais estrita legalidade.
Em seguida, fala-se na organização de registos. É evidente que uma empresa concessionária de um canal de televisão terá de dispor de registos, terá de tê-los organizados e, eventualmente, terão de ser computorizados. Simplesmente, neste diploma não se diz a quem se destinam esses registos, quem os controla, quem tem acesso a eles, nem se diz qual é o objectivo dessa organização de registos e desse recenseamento.
Depois, Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida, é estranho que, ao contrário dos do PRD e do PS, este seja o único dos projectos de lei que não fala nos direitos de tempos de antena para a oposição nem no estatuto da oposição e que não contém nenhum normativo para a defesa dos direitos de quem for oposição num dado momento histórico. Porquê, Sr. Deputado?
Finalmente, o projecto de lei do vosso partido menciona o problema dos canais de televisão local, mas, sendo o vosso apenas um dos diplomas que aborda este assunto, não há nele uma palavra sequer sobre a regionalização - e sabemos que esta não está feita, como é evidente. A regionalização é um longo processo político que está em curso, digamos que é o «processo da moda», mas não se lê nem uma palavra acerca de uma futura e eventual articulação das novas estruturas administrativas criadas pela regionalização com uma futura televisão local. Não está prevista qualquer participação desses órgão do poder, a serem constituídos, quer como órgãos fiscalizadores, quer como executivos.
Na minha opinião, isto revela bem a perspectiva que o CDS tem sobre a televisão, os perigos que decorrem da aprovação do vosso projecto de lei.
Eram estas as questões que lhe queria pôr, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida, gostaria de lhe formular uma questão para clarificação de algumas das considerações que fez relativamente à natureza do serviço público de televisão.
Também eu estou de acordo consigo em que importa fazer um debate na sede própria, porventura um debate na especialidade, sobre qual deve ser a natureza do serviço público de televisão e para saber se entidades privadas que, amanhã, exerçam a actividade televisiva deverão ou não, também elas, cumprir alguns dos objectivos de um serviço público. Como sabe, é este o ponto de vista do Partido Socialista.

as para precisar melhor a posição do CDS, gostaria, com base num exemplo, que me respondesse ao seguinte: quando a Assembleia da República teve oportunidade de rever a Lei Eleitoral para a Presidência da República e de a adaptar aos normativos constitucionais resultantes da última revisão constitucional, alguns partidos, designadamente o seu, procuravam aproveitar essa oportunidade para conseguirem que estações emissoras de rádio privadas deixassem de ficar vinculadas à obrigatoriedade legal de emissão de tempos de antena em períodos eleitorais (nessa altura ainda não se punha o problema da televisão privada). Quanto ao PS, este é um claro exemplo da forma como este serviço público deve continuar a ser prestado por estações emissoras de rádio ou de televisão, ainda que privadas. Gostaria que o CDS me respondesse, desde já, se entende que assim não deve ser e se, portanto, tal matéria não deveria ficar vinculada a entidades privadas que, amanhã, viessem a exercer a actividade televisiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida, serei rápido, porque já não disponho de muito tempo.
No vosso projecto de lei não existe nem ao menos uma linha a respeito de informação isenta e pluralista, nada sobre programação pluralista...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para quê?

O Orador: - . . nada que fiscalize essa tranquila cláusula; não é preciso! Eis um pequeno reparo imediato.
No artigo 6.º do diploma diz-se que «A actividade da radiotelevisão é exercida pelas empresas privadas após a concessão através de concurso público [...]». Sr. Deputado, este artigo, pura e simplesmente, abre a possibilidade de monopólios de grupos de pressão económica, porque em todo o articulado nada prevê a possibilidade de se porem dificuldades a esses monopólios para não tomarem conta de vários canais, de vários programas, do que quiserem. Gostava que me desse alguma palavra a este respeito.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Também, o que é que se esperava do CDS?

O Orador: - No artigo 5.º diz-se: «A natureza, o conteúdo e os meios indispensáveis à prossecução do serviço público a prestar pela RTP serão definidos por decreto-lei [...]». Em que tipo de serviço público estará a pensar o Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida? Será que um destes serviços públicos consistirá em prestar serviços próprios aos operadores privados, nomeadamente quanto a cedência de infra-estruturas, até de viaturas? Sabe-se lá! Já naquele debate em comissão sobre a concessão de um canal televisivo para a Igreja ouvimos alguns requerentes dizerem que até queriam a publicidade da RTP e até receber metade do valor das taxas cobradas.
Sr. Deputado, em relação à alínea g) do artigo 12.º e às competências desse conselho da radiotelevisão que por lá aparece, onde diz «[...] emitir parecer prévio

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sobre a atribuição de concessões [...]», também gostava de saber se é este um parecer consultivo e não vinculativo.
Já agora, na alínea d) diz-se: «Pronunicar-se sobre a indigitação dos membros do conselho de gerência da RTP».
Porque não pensar, Sr. Deputado, em alargar as competências previstas nesta cláusula, de modo a pertencerem ao Conselho de Comunicação Social e não ao conselho de radiotelevisão?
Agradecia que o Sr. Deputado me esclarecesse sobre um passo do artigo 8.º que não estou a perceber bem. Aí diz-se: «As normas referidas no n.º l do artigo anterior deverão considerar, nomeadamente, o grau de representatividade cultural e social dos candidatos à concessão, a qualidade técnica [...]». Em que privilégio está a pensar, Sr. Deputado? O que quer dizer, exactamente, a frase «considerar [...] o grau de representatividade cultural e social [...]»? Mas, depois, V. Ex.ª, na sua intervenção, referiu-se a uma instituição como sendo a mais credível deste país. Não sei se será!
Gostava de sabei, muito claramente, o que pensam o Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida e o CDS acerca da eventual pretensão da Rádio Renascença de obter a concessão de um canal de televisão privada, como, aliás, todos sabemos que pretende. Será que deve concorrer ou não em igualdade de circunstâncias com os outros candidatos? Irá ter outros privilégios, de acordo com este artigo 8.º? Realmente, o que se pretende dizer com estes privilégios, que parecem já estar na mente do CDS, quanto à concessão de um canal a essa tal instituição, Rádio Renascença, que continuo a considerar como uma empresa comercial que visa o lucro -e o lucro fácil-, como todos nós temos verificado?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida para responder, gostava de vos propor que a sessão de amanhã se iniciasse com a continuação deste debate.
Não há objecções?

Pausa.

Uma vez que ninguém se manifesta em contrário, assim se fará, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida

O Sr. Abel Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço o ensejo que me deram de esclarecer alguns pontos em resposta a algumas nutridas questões que aqui me foram colocadas.
Sr. Deputado Seiça Neves, queria referir-lhe que não vale a pena insistir nas questões de constitucionalidade do diploma. O ponto está ultrapassado, pelo que vou passar a uma outra questão que colocou.
Diz o Sr. Deputado que é perigosíssimo e constitui uma ameaça à existência dos mais elementares direitos que a concessão seja dada pelo prazo de vinte anos. Simplesmente, não é isso o que o nosso projecto de lei diz, Sr. Deputado. O que ele diz é que o limite do prazo será de vinte anos, e como entendemos que esta matéria deve ser ponderada com cuidado, achamos preferível regulamentar convenientemente os prazos de concessão em sede e momento próprios.
Agora, compreendo que o Sr. Deputado preferisse que tivesse colocado aqui um prazo máximo de um ou dois anos para a concessão. Mas, enfim, o Sr. Deputado sabe que nunca foi esse o nosso ponto de vista!...
Quanto aos mecanismos de rescisão, devo dizer-lhe que é bem verdade que V. Ex.ª não teve o ensejo de ler o nosso projecto de lei com atenção. E explico porquê: é que justamente, no seu articulado figura uma norma que diz, com clareza, que os preceitos aplicáveis ao consenso público - que não nos propomos apresentar aqui, nem seria este o momento certo para o fazer - deverão ser objecto de regulamentação.
É evidente que, do nosso ponto de vista, a atribuição de concessões não pode ser incondicional, aconteça o que acontecer, cumpra-se ou não o caderno de encargos. Nunca tal sustentámos e causa-me perplexidade que o Sr. Deputado coloque a dúvida sobre a evidência da necessidade de haver uma observância rigorosa do cumprimento das condições impostas na concessão, sob pena de se seguirem várias consequências, uma das quais, no limite, poderá ser o seu próprio cancelamento.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - - Faça favor.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida, quando pergunto se o projecto de lei pré/ê a rescisão é exactamente para prevenir que a empresa concessionária possa atentar contra princípios importantes da democracia e faltar ao contrato.
O Sr. Deputado vai desculpar-me, mas a pergunta que lhe fiz não teve resposta. O que lhe questionei foi se, no vosso projecto de lei, se previa ou não qualquer medida de rescisão do contrato face a graves violações contratuais.

O Orador: - Sr. Deputado, não estou a redigir a nova fórmula do Código de Amurabi; estou sim a fazer uma lei-quadro genérica, que diz concretamente que essa matéria tem de ser objecto de regulamentação. E pode estar o Sr. Deputado ciente - e se não estava passa a estar - de que entendemos que a regulamentação deve prever consequências para o incumprimento do contrato por parte dos concessionários. De resto, nas competências do conselho de radiotelevisão figura, como pode constatar na alínea f), o seguinte: «Fiscalizar a observância, pelos operadores, das condições impostas pela concessão e propor ao Governo, sendo caso disso, a adopção das medidas que entenda adequadas à correcção dos desvios verificados.» No limite, Sr. Deputado, não me repugna admitir - pelo contrário, perfilho essa opinião - que seja admitida a possibilidade de, em casos particularmente graves, a concessão ser resgatada, no sentido que o Sr. Deputado pretende sugerir.
Relativamente à questão das notas oficiosas que o Sr. Deputado também colocou, o nosso diploma prevê justamente que as notas, cuja publicação é uma obrigação legal, o sejam pelos futuros operadores. Mas é evidente que, neste domínio, teremos de chegar, porventura, a soluções mais claras em sede de especialidade, se for caso disso e se assim for entendido. Simplesmente, parece-nos perfeitamente claro que todas as

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notas que são de divulgação imperativa e categórica estão contempladas no nosso projecto, donde não vejo o porquê das suas reticências.
Quanto aos registos e ao seu controle, devo dizer-lhe que isso corresponde a uma preocupação «controleira» sistemática. Mas controlar o quê?! O que significa controlar os registos? Quer o Sr. Deputado que se institua um regime policial sistemático no sentido de os futuros operadores privados serem sujeitos, por tudo e por nada, a um controle que não tem outro propósito que não seja o de, eventualmente, prejudicar o funcionamento normal dessas emissões? Se há responsabilidade criminal - e tudo se passa diante dos olhos do espectador -, que seja assacada essa responsabilidade! Se há questões para os concessionários serem penalizados por incumprimento das normas da concessão, que o sejam!
Mas, Sr. Deputado, realmente não perfilhamos esse propósito persecutório e lastimamos vê-lo aqui, uma vez mais, sustentado.
No que respeita à questão da regionalização, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que isto não é um diploma de regionalização. Nem eu nem o Sr. Deputado sabemos como vai ser a futura regionalização do País. É uma questão em aberto. Então, num diploma sobre a abertura da televisão à iniciativa privada, com que poderes e com que competência é que vou prever órgãos da regionalização e regiões?
Do meu ponto de vista, a sua pergunta não tem cabimento, Sr. Deputado. Contudo, devo recordar-lhe que, no nosso texto, no artigo 11.º, que fixa a composição do conselho da radiotelevisão, temos prevista a representação da Associação Nacional dos Municípios, que é a representação do poder local possível neste momento.
Passando às perguntas que me foram feitas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, devo dizer que a questão que me colocou não é nova; creio mesmo que já a discutimos várias vezes, em outras oportunidades e momentos.
Sei qual é o pensamento do Sr. Deputado sobre esta matéria e julgo que V. Ex.ª também sabe qual é o meu entendimento e do meu partido sobre o problema do serviço público. É simples: tal como se encontra expresso nos vários locais e diplomas em vigor, o conceito de serviço público é quase indeterminável, tão fluidos são os seus contornos.
Dou-lhe um exemplo, que, aliás, referi na minha intervenção: serviço público pode ser a obrigação que deve competir à televisão de chegar, em condições aceitáveis, a todos os pontos do território nacional, como também pode ser a transmissão de determinados programas de natureza cultural, que, todavia, normalmente não são, como sabe, programas de rentabilidade comercial.
Cumprirá à RTP prosseguir esses objectivos. Agora levanta-se um problema que é o da forma de compensar a empresa pública pela prestação desse serviço público, criando critérios objectivos e claros que favoreçam não só a prestação do serviço público mas tornem transparentes as regras de concorrência da empresa com as futuras empresas privadas e dignifiquem ainda a própria RTP.
É este o nosso entendimento e suponho que, no essencial, poderemos encontrar aqui uma larga margem de acordo.
Ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca preocupa a omissão do nosso diploma em matérias como a informação.
Creio que não tem razões para se preocupar, e isto por motivos vários. Não só porque esses problemas são capazmente assegurados noutras sedes como também no nosso próprio projecto de lei dizemos que a programação das concessionárias deve visar a promoção dos valores da cultura portuguesa, da solidariedade e independência nacional, da tolerância e da objectividade da informação.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Não basta!

O Orador: - Eu sei que para o Sr. Deputado isso não basta, mas, um dia, o Sr. Deputado há-de-me dizer o que é que lhe basta e, nessa altura, talvez eu possa aperfeiçoar as minhas tentativas de redacção, não diria à satisfação dos seus interesses, mas a um aclaramento devido das nossas posições.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca colocou ainda questões relativamente ao parecer prévio do conselho de radiotelevisão a propósito da indigitação de gestores.
Achamos que é razoável que um órgão composto por personalidades como aquelas que indicámos - que, efectivamente, garante, este sim, a neutralidade nos vários planos e, simultaneamente, a representatividade política incontroversa - possa ter opinião em matéria de indigitação de gestores da empresa pública...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Nesse caso, por que não um parecer vinculativo?

O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca sabe perfeitamente qual a posição e a atitude do meu partido - discutimo-la muitas vezes - em matéria de pareceres vinculativos destes conselhos. Portanto, não vamos reeditar aqui essa discussão.
Não sei se, no futuro, em todas as circunstâncias e em todos os momentos, os partidos que reclamavam e que conseguiram consagrar a natureza vinculativa do parecer prévio noutros diplomas vão continuar satisfeitos e encantados com tal norma. O futuro o dirá!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É melhor ir à bruxa!

O Sr. Raul Junqueira (PS): - Quando formos governo, temos de revogar isso!

O Orador: - Quanto ao privilégio que, eventualmente, existirá relativamente à igreja católica, creio que os Srs. Deputados ouviram bem mas não gostaram do que ouviram; entenderam bem, mas não o quiseram demonstrar.
No nosso diploma não há qualquer privilégio e estabelecemos o princípio do concurso público de forma tão clara quanto possível. Quanto a essa matéria, creio que não existe qualquer dúvida por parte de ninguém.
O que também acontece é que não temos dúvidas -mas essa é a nossa atitude como partido- de que, for forca de disposições, quer concordatórias quer constitucionais, a igreja católica tem direito de acesso ao meio televisivo.
E não se trata de um privilégio.

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2428 I SÉRIE - NÚMERO 61

Ao contrário, privilégio poderá ser colocar entidades diferentes e com títulos diversos num plano de igualdade.
O texto que propomos à Assembleia é claro sob esse ponto de vista. Haverá concurso público e não vamos além do enunciar três ou quatro princípios que nos parecem fundamentais como orientadores da futura regulamentação de concurso público.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não diga mais, senão perde mais uns votos.

O Orador: - Para finalizar, quero dizer que, do meu ponto de vista, acho inteiramente inadequado que a entidade que futuramente tiver de proceder à ponderação das várias candidaturas considere a igreja católica no mesmo e estrito plano em que poderá ser considerado qualquer candidato privado da Rua da Betesga.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, somos chegados ao final dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, com a seguinte ordem de trabalhos: continuação do debate conjunto dos projectos de lei n.ºs 274/1V (PS), 313/1V (PRD) e 387/IV (CDS); apreciação do projecto de resolução n.º 35/IV, relativo ao aniversário da 1.ª reunião da Assembleia Constituinte; inquérito parlamentar n.º 6/IV, sobre a actuação das entidades portuguesas intervenientes na venda de armas, desvio de fundos e material de guerra no quadro da cooperação secreta da Administração Norte-Americana e a apreciação das ratificações n.ºs 75/IV e 78/IV, respeitantes ao Decreto-Lei n.º 121/86, de 28 de Maio.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, a propósito da ordem de trabalhos que acaba de anunciar para a sessão plenária de amanhã, quero referir que numa troca de impressões havida com representantes de todas as bancadas deste hemiciclo formou-se um acordo indiciário para que se procedesse primeiro à apreciação do inquérito n.º 6/IV, e só depois à apreciação do projecto de resolução n.º 35/IV. Isto tinha o acordo do partido proponente, o CDS, e de todas as bancadas. Ao que parece, suscita-se agora uma dúvida do PSD ...

O Sr. Presidente: - Se não houver objecções, alterar-se-á a ordem de apreciação dos diplomas.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, na realidade o Sr. Deputado José Manuel Mendes não falou comigo, porque eu não estava aqui, certamente.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Certamente!

O Orador: - Mas nós para a programação dos trabalhos para amanhã tivemos em conta a ordem inicialmente prevista, pelo que não damos acordo a que seja feita a alteração.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, concluo afirmando que há pouco não traí a verdade quando disse que se tinha formado um acordo indiciário, uma vê? que havia algumas questões sobre as quais os partidos tinham reservado a emissão de uma posição definitiva para mais tarde.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, mantém-se a ordem de trabalhos que anunciei. Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel M. Almeida Coelho.
Dinah Serrão Alhandra.
Flausino Pereira da Silva.
Joaquim Eduardo Gomes.

Partido Socialista (PS):

António Frederico Vieira de Moura.
António Magalhães Silva.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Apolinário Nunes Portada.
José Luís do Amaral Nunes.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Victor Manuel Ávila da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alfredo de Brito.
Cláudio José Santos Percheiro.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel tantos Magalhães.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Eugênio Nunes Anacoreta Correia.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados Independentes:

Rui Manuel Oliveira Costa.

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27 DE MARÇO DE 1987 2429

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.

Partido Socialista (PS):

António Cândido Miranda Macedo.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Barbosa Mota.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Manuel Cal Brandão.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
José Rodrigues Vitoriano.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
Hernâni Torres Moutinho.
Pedro José Del Negro Feist.

Deputados Independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.

As REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira.

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PREÇO DESTE NÚMERO: 128$00

_____Depósito legal n.º 8818/85_____

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E P.

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