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I Série - Número 63 Quarta-feira, 1 de Abril de 1987

PORTE PAGO

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE MARÇO DE 1987

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Cardoso Lage
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 Horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros e da entrada de diversos diplomas.
O Sr. Deputado Lopes Vieira (PRD) falou da situação da UTIC - União de Transportadores para a Importação e Comércio, Lda.
O Sr. Deputado Raul Rego (PS) evocou a figura de Fernando Mayer Garção.
O Sr. Deputado Seiça Neves (MDP/CDE) assinalou o aniversário da morte de Mário Sacramento, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Vasco da Gama Fernandes (PRD), José Manuel Mendes (PCP), Frederico de Moura e Manuel Alegre (PS).

O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP) referiu-se à importância das marinhas de sal de Rio Maior.
O Sr. Deputado Belarmino Correia (PSD) congratulou-se com as melhorias infra-estruturais que estão a verificar-se na zona norte do distrito de Leiria e, no fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Vieira (PS).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) abordou as dificuldades que afectam as CERCIs.

Ontem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PS e do PRD.
Foi prorrogado o prazo concedido à Comissão Eventual para apreciação da proposta de lei n.º 5/IV.
Após discussão na generalidade, foi aprovado o projecto de resolução n.º 35/IV (CDS), sobre a instituição do dia 3 de Junho, data da primeira reunião da Assembleia Constituinte, e destiná-lo a acções de informação e sensibilização dos Portugueses sobre a natureza, competência, funcionamento e importância da instituição parlamentar. Intervieram no debate os Srs. Deputados Vasco da Cama Fernandes (PRD), Gomes de Pinho (CDS), Almeida Santos (PS), José Manuel Mendes (PCP), Mendes Bota (PSD), Seiça Neves (MDP/CDE) e Pedro Feist (CDS).
Discutiu-se e aprovou-se o pedido de inquérito parlamentar n.º 6/IV (PCP), sobre a actuação das entidades portuguesas intervenientes na venda de armas e desvios de fundos e material de guerra no quadro da operação secreta da Administração norte-americana, conhecida por tendo intervindo, a diverso título (mentindo declarações de voto), além do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira), os Srs. Deputados José Cruz (PCP), Ricardo Barras (PS), José Seabra (PRD), Angelo Correia (PSD) e Jorge Lemos (PCP).
Em votação final global foi concedida, com alterações, ratificação ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril (Conselho Nacional de Educação e das Universidades) - ratificação n.º 4/IV (PCP). Produziram declaração de voto os Srs. Deputados Agostinho Domingues (PS), Jorge Lemos (PCP) e Fernando Conceição (PSD).
Procedeu-se à votação final global da proposta de lei n.º 46/IV, que autoriza o Governo a continuar a execução dos programas de reequipamento das Forças Armadas, tendo sido aprovada. Produziram declaração de voto os Srs. Deputados Miranda Calha (PS), João Amaral (PCP) e Angelo Correia (PSD).
Foram ainda submetidos a votação, na generalidade, os projectos de lei n.º 274/IV (PS), 387/IV (CDS) e 313/IV (PRD), sobre a Lei de Bases dos Meios Audiovisuais e Televisão, tendo sido aprovados os dois primeiros diplomas, os quais bobaram à respectiva comissão para apreciação na especialidade.
Após leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, procedeu-se a discussão do recurso interposto pelo PSD sobre a admissibilidade dos projectos de lei n.º 381/IV (PRD), 385/IV (PS) e 386/IV (PCP), relativos ao estabelecimento de normas tendentes a permitir a intervenção da Assembleia da República na definição da participação de Portugal no tocante às questões decorrentes da adesão à CEE. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Rui Macheie (PSD), Magalhães Mota (PRD), Andrade Pereira (CDS), Jorge Loção (PS), Silva Lopes (PRD) e Carlos Carvalhas (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barras Marques de Figueiredo.

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Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Belarmino Henriques Correia.
Cecília Pita Catarino.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Hermínio Pires dos Santos.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Manuel Crucho Esteves Robalo.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Mamei Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando D as de Carvalho.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigues da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José de s Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

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Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida da Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
António Alberto Vieira Dias.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Filipe Neiva Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
José Henrique Meireles de Barros.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Alberto Sá do Rio.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel Caniço Seiça Neves.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

De Antero da Silva Faia, comerciante, com estabelecimento em Lisboa, dando conta de ocorrência verificada com agentes da Polícia Municipal e solicitando que sejam tomadas providências.

Cartas

De Paulette de Sá Santos, residente em Lisboa, remetendo fotocópia de exposição dirigida ao Ministro da Educação e Cultura e pedindo apoio para a sua pretensão; abaixo assinado dos professores da Escola Primária de Tercena, em Queluz, referindo-se à questão do Estatuto da Carreira Docente; e de Carlos Correia de Matos, residente em Lisboa, capeando fotocópias de vários documentos que apresentou contra a administração da empresa Portline, S. A., solicitando a intervenção desta Assembleia.

Ofícios

Da Junta de Freguesia de Urqueira, em Vila Nova de Ourem, anexando uma reclamação apresentada por cidadãos daquela freguesia, que se vêem impossibilitados de atravessar a ribeira de Caxarias, solicitando que seja urgentemente solucionado o problema que lhes está causando graves prejuízos; da Junta de Freguesia de Bustelo, concelho de Amarante, remetendo fotocópia de um texto dirigido aos CTT, com vista a ser suprida a lacuna actualmente existente na distribuição de correio nas freguesias do Marão e solicitando a intervenção desta Assembleia; da Assembleia Municipal de Espinho, dando conta da aprovação naquele órgão autárquico de moção apresentada pela APU, repudiando as actividades da DINFO quanto à anunciada vigilância sobre os partidos políticos; da Câmara Municipal de Lisboa, remetendo o texto da moção ali aprovada por unanimidade, na reunião efectuada em 9 do corrente, sobre o estatuto do eleito local; da Câmara Municipal de Sintra, remetendo fotocópias da documentação referente ao processo da elevação da povoação de Algueirão-Mem Martins à categoria de vila; da Assembleia Municipal de Guimarães, remetendo cópia da moção aprovada por maioria, na reunião realizada no dia 27 do passado mês de Fevereiro, sobre a criação do Município de Vizela; e em nome da comissão de trabalhadores e do secretariado da secção de empresa do Banco Borges & Irmão, com sede em Lisboa, remetendo fotocópia da proposta aprovada em 24 de Fevereiro findo, sobre as medidas governamentais de reestruturação do sector bancário.

Telegrama

Da Fundação Portuguesa de Cardiologia e do seu pelouro de prevenção do tabagismo, manifestando o seu regozijo e reconhecimento pela recente decisão tomada por esta Assembleia de impedir o fumo durante as sessões plenárias.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Nas últimas sessões foram apresentados os seguintes requerimentos: Dia 19 de Março de 1987: ao Ministério do Plano e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Cardoso Ferreira e Ferreira Martins; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Alegre e Seiça Neves; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Hernâni Moutinho, Paulo Coelho, Carlos Luís, Mota Torres e Correia de Azevedo; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Marques Pinto; aos Ministérios do Plano e da Administração do Território e da Administração Interna (44), formulados pelo Sr. Deputado Sousa Pereira; a diversos Ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; à Secretaria de Estado do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Rui Sá e Cunha; aos Ministérios das Finanças e da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado João de Brito; a diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Dias de Carvalho.

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Dia 20 de Março de 1987: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados António Paulouro, José Vitoriano e outros; ao Governo (3), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; ao Ministério da Saúde (3), formulados pelo Sr. Deputado Carlos Pinto e outros; a diversos Ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Marques Pinto; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Conceição.
Dia 24 de Março de 1987: ao Ministério da Educação e Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado Fillol Guimarães; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Daniel Bastos, Gomes de Pinho, Helena Torres Marques, Guerreiro Norte, Fernando Rocha e Agostinho de Sousa; ao Ministério da Justiça (3), formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes; a diversos ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado João de Brito; aos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pescas e Alimentação (2), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Correia de Azevedo; a diversos ministérios (10), formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas (2), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Dia 25 de Março de 1987: a diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Rosado Correia e Leonel Fadigas; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Marcelo Curto e José Seabra.
Dia 26 de Março de 1987: ao Ministério do Plano e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida e outros; a diversos ministérios (4), formulados pela Sr.ª Deputada Odete Santos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado João Maria Teixeira; à Secretaria de Estado do Ambiente, formulado pelos Srs. Deputados Aloísio da Fonseca e Armando Vara; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Paulo Coelho; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Correia de Azevedo; ao Ministério da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Vieira Dias; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (2), formulados pelo Sr. Deputado Leonel Fadigas.
Dia 27 de Março de 1986: ao Ministério do Trabalho e Segurança Social (1S3), formulados por vários Srs. Deputados do PCP; à Direcção-Geral das Alfândegas, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Governo (2), formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; à Secretaria de Estado dos Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Rui Silva; ao Ministério das Finanças, formulado pela Sr." Deputada Helena Torres Marques, e a diversos Ministérios (13), formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário.
Por seu lado, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Vidigal Amaro, na sessão de 7 de Outubro; Roleira Marinho, na sessão de 6 de Novembro; Armando Fernandes, nas sessões de 6 de 11 de Novembro; Licínio Moreira, na sessão de 14 de Novembro; Miranda Calha, na sessão de 18 de Novembro; Sousa Pereira, na sessão de 2 de Dezembro; Reinaldo Gomes, na sessão de 3 de Dezembro; João de Brito, nas sessões de 22 de Dezembro e 26 de Fevereiro; Guerreiro Norte, na sessão d: 15 de Janeiro; José Cruz, na sessão de 16 de Janeiro; Cláudio Percheiro e outros, nas sessões de 16 e 22 de Janeiro e 26 de Fevereiro; Magalhães Mota, na sessão de 22 de Janeiro; Bártolo Campos, na sessão de 23 de Janeiro; Maria Santos, nas sessões de 27 e 29 de Janeiro, e de 4 e 12 de Fevereiro; Álvaro Brasileiro, rã sessão de 27 de Janeiro; José Magalhães e Odete Santos, na sessão de 30 de Janeiro; Luís Roque, na sessão de 3 de Fevereiro; Jorge Lemos, na sessão de 4 de Fevereiro; António Tavares, nas sessões de 6 e 17 cie Fevereiro; Miguel Relvas, na sessão de 13 de Fevereiro; João Corregedor da Fonseca, na sessão de 13 de Fevereiro; Sá e Cunha, na sessão de 20 de Fevereiro, e Carlos Luís e José Apolinário, na sessão de 26 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: a proposta de lei n.º 54/IV, pretendendo que o Governo seja autorizado a aprovar o código do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o código do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e legislação complementar (reforma fiscal), diploma que foi admitido e baixou à 5.ª Comissão; a proposta de lei n.º 55/IV, que estabelece o regime eleitoral dos deputados ao Parlamento Europeu, tendo sido igualmente admitida e baixado à 1.ª Comissão; e uma proposta de deliberação, apresentada pela Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração, a qual pretende a criação de uma subcomissão permanente para a cooperação com os países africanos de expressão oficial portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Vieira.

O Sr. Lopes Vieira (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: numa recente visita realizada à UTIC - União de Transportadores para a Importação e Comerciei, Lda., tomámos conhecimentos da situação preocupam e daquela empresa, quer no aspecto económico pelo risco que corre quanto à sua inviabilização quer no aspecto social, considerando a contingência do desemprego dos muitos trabalhadores que nela se empregam.
Os resultados dos exercícios económicos têm reflectido o facto de a Rodoviária Nacional, principal associada e cliente desta empresa, entregar encomendas a outras empresas concorrentes, pelo que as dívidas da UTIC se ti m acumulado, ultrapassando já os 5 milhões de contos.
A UTIC é presentemente uma empresa de capitais mistos, possuindo o IPE 757o do capital social e estando o restante na posse de 50 empresas privadas do sector dos transportes.
Possui esta empresa uma Unha de montagem de chassis, uma fábrica de radiadores em Lisboa e outra em Vila Nova de Gaia, que empregam 1600 trabalhadores.

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Pela boa qualidade dos produtos que fabrica, a UTIC tem penetrado no mercado estrangeiro. A sua administração encara com boa perspectiva a actividade de uma empresa que fundou no Zaire, de sociedade com o Estado zairense, para transportes públicos, montagem de autocarros e respectiva assistência técnica.
O IPE, que tomara a iniciativa de recuperação económica da empresa, tendo realizado em 1986 um financiamento de 1,5 milhões de contos, em face de uma acção movida pela British Leyland, na qualidade de credor, que poderia levar a UTIC a abrir falência, suspendeu o fornecimento de capitais a esta empresa, o que conduziu a que os trabalhadores deixassem de receber os salários por inteiro.
Pelo que nos foi informado, o IPE, contrariamente ao que pensavam os trabalhadores da UTIC, está interessado na recuperação desta empresa, tendo prosseguido as negociações com a British Leyland para a liquidação dos créditos sobre a UTIC, e, logo que estas sejam terminadas, irá, de acordo com o plano que concebera, liquidar a dívida com a banca.
Só depois de concluídas estas operações o IPE poderia, no seguimento do mesmo plano, conceder financiamento à UTIC para a aquisição de material e para o pagamento de indemnizações aos trabalhadores que rescindam o seu contrato de trabalho.
Todas estas negociações demoram necessariamente a realizar e, enquanto terminam e não terminam, a situação salarial dos trabalhadores é cada vez mais aflitiva.
A UTIC e a empresa Salvador Caetano são, de longe, as mais importantes no ramo industrial do fabrico de autocarros e, consequentemente, a existência de ambas, em especial da UTIC, permite uma acção reguladora da concorrência nesse mercado.
Chamamos, por quanto se expôs, a atenção dos órgãos competentes no sentido de tornar efectiva a boa intenção do IPE, ao querer negociar com a banca a dívida da UTIC e promover a celeridade necessária dessas negociações, para alívio dos trabalhadores, para benefício da empresa e para tranquilidade de todos nós.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu há dias o Dr. Fernando Mayer Garção. Ignorado pelos jornais, a simplicidade do seu desaparecimento foi a simplicidade com que viveu este cidadão puro, modelar no cumprimento dos seus deveres e na força com que sempre reclamou as liberdades da cidadania.
O ideal democrático e a sua fé religiosa, a ambos permanecendo fiel até ao fim, recebeu-os de seu pai, o grande jornalista da República e da propaganda republicana Mayer Garção. Poeta e jornalista da redacção da Marselhesa, de A Lanterna, da Pátria, do Mundo e da Viciaria.
Fernando Mayer Garção formava-se em Direito na altura em que caiu sobre o País a ditadura, entrando nas lutas estudantis e nas revoltas que marcaram as primeiras tropelias do Governo totalitário. No foro de Lisboa conquistava depois um lugar de primeiro plano pelo seu saber e por aquela eloquência vibrante, sensível, toda ela humanidade e delicadeza, que havia de marcar também os grandes comícios da oposição democrática, por vezes interrompidos pela brutalidade das forças do regime imposto.
Fernando Mayer Garção fez parte da Comissão Central do Movimento da Unidade Democrática em 1945, entrou em todos os combates cívicos contra a ditadura e experimentou as salas e as celas do Aljube.
Homem admirável este Mayer Garção, que na sala do 4.º andar do Aljube fazia verdadeiros recitais de poesia para os seus companheiros de cárcere. Com a sua memória privilegiada, tranquila a consciência e a arte de dizer versos de Junqueira e Gomes Leal, de Cesário Verde e António Nobre, Augusto Gil e Afonso Lopes Vieira, transformava essas lentas, esmagadoras horas de um cair de tarde na cadeia em momentos de sonho, de beleza e de poesia.
Participou em todas as campanhas para deputados e para a Presidência da República e foi figura de primeiro plano nos julgamentos dos tribunais plenários. Bem se sabia que as sentenças estavam dadas; mas o protesto dos cidadãos, daquela justiça açaimada, traduzia-se nas palavras vibrantes de Mayer Garção e dos seus colegas do foro. E podem os advogados democráticos portugueses orgulhar-se de nunca terem deixado um réu sem defesa e uma condenação arbitrária sem protesto.
Lembrando na Assembleia da República o democrata, o combatente das horas sombrias que se chamou Fernando Mayer Garção e exprimindo um voto de profundo pesar pela sua morte, quero também render homenagem a sua família, em particular a sua esposa. É que também, no quase meio século de perseguição, nunca faltou aos presos, aos perseguidos da ditadura, o amparo e o carinho dos seus familiares. Também eles eram solidários na grande luta pela libertação do povo português.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do Deputado Duarte Lima.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas razões existem para assinalar aqui e agora a passagem de mais um aniversário - o 18.º - da morte do grande ensaísta, do grande médico e do grande português que foi Mário Sacramento.
Importa que os seus companheiros mantenham límpido e presente o grande legado que nos transmitiu, não permitindo que a poeira do silêncio amortalhe o seu exemplo valoroso. Lembrá-lo à sua maneira, sem louvaminhices estéreis e sem acenos de um adeus hipócrita; mas lembrá-lo como ele próprio escrevia:
Também a saudade é uma força se projecta no futuro uma esperança.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Preso com apenas 17 anos, por denúncia de um professor do liceu que frequentava, foi levado com mais três jovens da sua idade - Álvaro Neves, Joaquim Namorado (ambos já falecidos) e Lúcio Vidal (Juiz Conselheiro, hoje aqui presente na bancada dos convidados) - para a terrível Casa dei Campo, onde todos, sem excepção, foram agredidos,

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chicoteados pelos sicários do salazarismo com chicotes que, cinicamente, tinham os nomes dos mais destacados generais da República Espanhola.
Por mais quatro vezes, ao longo da sua vida de apenas 48 anos, conheceu a prisão, tendo, em consequência de uma delas, perdido o que seria o seu terceiro filho, já que sua esposa, não resistindo a mais este golpe, veio a abortar dias depois da sua captura. Por isso, Mário Sacramento escrevia:
Jovem ainda, sofri em pêlo aquilo que muitos ao longo da vida só conhecem por ouvir dizer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontram-se felizmente dispersos por quase todas as bancadas Srs. Deputados que podem testemunhar o que foi esta vida de paixão e grandeza de Mário Sacramento.
Secretário-geral do 1.º Congresso Republicano de Aveiro, participou nos trabalhos preparatórios do segundo, vindo a falecer entretanto. Morreu a meio da caminhada, ele que tanto direito tinha à vida e que doou aos outros a sua vida de verdadeiro apostolado do socialismo.
Poucos como ele terão associado uma militância cívica sem interrupção ou quebra a uma militância intelectual simultaneamente rica e frustrada pelo relinchar censório, que, em segundos, eliminava o que tinha custado horas de sono, litros de café e indizíveis sacrifícios económicos.
Verdadeiro campeão da unidade e do diálogo, para este partia sempre despido de preconceitos sectários e com a humildade que a sua cultura universalista permitia e impunha.
Médico dos pobres lhe chamavam, porque conseguiu a proeza de, apesar de ser dos melhores radiologistas de Aveiro, morrer completamente pobre. Em carta dirigida à esposa, do reduto norte de Caxias, escrevia:
Amiga: a amizade é a única coisa que vale a pena capitalizar e que, quando é autêntica, nunca falta com os seus dividendos no momento próprio. Julgo, assim, que somos ricos da única coisa que deveras conta e que não trocaria por coisa alguma.
Tendo os seus méritos clínicos chegado ao conhecimento do Governo Francês, foi-lhe oferecida uma bolsa no Hospital de St. Antoine, em Paris. Só que o regime de então, incendiado de ódio, lhe recusou, pura e simplesmente, o passaporte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mário Sacramento deixou uma obra ensaísta enorme, que vai dos Ensaios de Domingo à Estética do Neo-Realismo, da teoria queirosiana ao estudo de Fernando Namora, O Homem e a Obra, do importante prefácio à Praça da Canção, de Manuel Alegre, até ao estudo da lírica de Cesário Verde.
E hoje, que Fernando Pessoa se senta à mesa de todas as tertúlias intelectuais, é cometer irreparável injustiça não afirmar que foi Mário Sacramento quem primeiro, em Portugal, estudou e reflectiu sobre a heteronomia pessoana, num volume quase todo escrito na prisão e intitulado Fernando Pessoa, Poeta da Hora Absurda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: homem que apenas adoptou como sua a metafísica da dor, ardia nele a consciência de um resgate final colectivo, e não o juízo crítico de quem toma a última carruagem do último comboio para o paraíso. Por isso mesmo, escolheu a luta terrena e sem mitos, desigual e tantas, tantas, tantas vezes injusta.
Deu aos outros tudo o que tinha para lhes dar: a saúde, o talento, a firmeza e a generosidade. Morreu de mãos limpíssimas e de bolsos vazios.
Minado por todas as misérias físicas, escreveu a sua carta-testamento, em que, com alguma aproximação, previa a data da sua própria morte.
Nesse documento de impressionante rigor remata com um grito patético:

Façam um mundo melhor! Não me obriguem a voltar cá! Ouviram?!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Evocar Mário Sacramento é, de facto, evocar um homem que lutou e quis um mundo melhor.
Compete-nos também a nós escutá-lo no seu imperturbável silêncio tumular, dando-lhe forma e conteúdo, tomando o seu exemplo como bandeira e medida, sendo, em uma, tão dignos dos nossos mortos como o desejamos ser dos vindouros.
Até porque, como escrevia José Gomes Ferreira, «Os mortos vão ao nosso lado».

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se os Srs. Deputados Vasco da Gama Fernandes, José Manuel Mendes e Frederico de Moura, creio que para, a título de formularem pedidos de esclarecimento, falarem sobre a intervenção do Sr. Deputado Seiça Neves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por uma coincidência triste, invocou-se hoje neste Plenário a memória de dois grandes homens de civismo português: Fernando Mayer Garção - meu colega, meu companheiro, homem de primeira fazia, ele próprio intelectual, poeta, generoso - e Mário Sacramento, com uma obra já deixada para a eternidade.
Quando ouvi referir esses dois nomes, veio-me à colação um ensaio de Gregorio de Maranon sobre o dever dos intelectuais, escrito na capitação republicana da Espanta, deixando uma mensagem forte e viril, de submissão à ditadura. Maranon dizia nesse ensaio que não é intelectual o homem que se debruça sobre o umbigo; não pode ser intelectual o que se afasta do imenso clamor da vida - estou a servir-me de uma expressão de Adolfo Casais Monteiro; «não pode ser intelectual o homem que passa a vida nas bermas quando a estrada está a sofrer ...»
Qualquer deles cumpriu com o seu dever. Porém, o caso de Mário Sacramento é para mim um caso especial. Ensaísta do povo, médico do povo, cidadão do povo, estimei-o fraternalmente.
Havia de ter a última recordação da minha vida, quando os cães-polícias da PIDE foram açulados contra mim e contra o Prof. Cintra na última homenagem que lhe quisemos prestar, com uma romagem ao seu túmulo, em consequência do Congresso Republicano.
Está ainda por descrever, Srs. Deputados, o que foi esta obra, por vozes anónima, dos grandes escritores da resistência. Quando um dia a paciência e o dever obrigarem algumas pessoas, com qualidades suficientes para transmitir essa mensagem, a fazê-lo, havemos de senti que na clandestinidade, à semelhança das

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grandes clandestinidades universais, o poeta português, o ensaísta português, ocuparam, sem dúvida nenhuma, um lugar cimeiro.
Poderiam as nossas ideias - as minhas e as de Mário Sacramento - não serem coincidentes. Porém, havia algo em que éramos totalmente coincidentes: o sentido da dignidade pessoal, o amor às liberdades públicas e a manifesta hostilidade contra a ditadura fascista.
Alias, pouco tempo antes da sua morte, recebi dele uma pequena critica a um livro meu em que não era completamente concordante comigo, o que era perfeitamente natural. Contudo, essa critica havia sido submetida à censura e, mesmo assim, a censura cortou-a.
Eu tenho uma grande saudade, uma profunda saudade de qualquer um destes dois homens.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se alguém mereceria uma evocação profunda, detida, direi mesmo solene, nesta Câmara, era Mário Sacramento.
Com efeito, a personalidade que o Sr. Deputado Seiça Neves evocou hoje, do alto da tribuna, era de tal grandeza que não é legítimo sequer pactuar com as formas mais subtis de esquecimento que sobre ela possam pairar.
Ensaísta modelar, pôde analisar a obra de importantíssimos autores portugueses: de Eça de Queirós a Fernando Pessoa, de Fernando Namora a Manuel da Fonseca, de Cesário Verde a Manuel Alegre.
O seu livro Há Uma Estética Neo-Realista? continua a ser considerado, e justamente, como uma referência obrigatória para o estudo aturado, fundo e rigoroso de um movimento literário que deu novos destinos ao realismo, que o primeiro e o segundo modernismos já haviam feito avançar entre nós.
Diarista, legou-nos considerações, exegeses e propostas de uma riqueza rara, tantas vezes escamoteada e, não obstante, desafiadora.
Residualmente poeta e ficcionista, o seu talento pôde, de certa forma, andarilhar por terrenos ousados de criatividade, crítica e sensibilização.
Democrata de todos os instantes da vida, figura verdadeiramente axial dos congressos republicanos de Aveiro, lutou sempre pela unidade contra o fascismo e pela defesa de um outro devir, belo e desconstrangido, para todos os portugueses.
Para Mário Sacramento a arte transfundia-se no real, o homem individual na conjunção de vontades colectivas capazes de transformar o quotidiano e de criar mundos apetecíveis.
Por isso, é pertinente que, neste momento, homenageando-o, se diga que ele continuará connosco nos múltiplos instantes da construção de uma pátria equânime e livre.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Frederico de Moura.

O Sr. Frederico de Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é apenas por ser deputado por Aveiro que não posso deixar de me associar a uma homenagem a Mário Sacramento. Regionalizá-lo seria confiná-lo, o que não pode caber na minha intenção.
Conheci-o desde o nascimento, fui ao longo do tempo seu amigo e essa amizade robusteceu-se por uma admiração sempre renovada, por isso não podia deixar de me solidarizar com a intervenção do Sr. Deputado e meu prezado amigo Seiça Neves ao trazer a esta Câmara uma baliza na memória de um homem que, ao longo de uma vida afanosa e fecunda em favor da cultura não deixou de, em circunstâncias nenhumas, estar ao parapeito no combate ao fascismo, sofrendo, por isso, o rancor da intolerância então vigente.
Por todas estas razões, sem deixar de relevar o que a cultura portuguesa lhe deve, não pode ser esquecida uma personalidade tão rica culturalmente e tão firme na defesa dos valores da democracia e dos ideais da solidariedade humana.
Por isso me associo à nota evocativa que o Sr. Deputado Seiça Neves, em boa hora, trouxe a esta Câmara.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, associando-me ao que aqui já foi dito e porque não poderia estar calado, gostaria de dizer que não tive o privilégio de conhecer pessoalmente Mário de Sacramento, mas que tenho para com ele uma dívida que não posso pagar.
Devo-lhe a coragem intelectual e cívica com que escreveu o prefácio à 2.ª edição do meu primeiro livro, contribuindo desse modo para a sua consagração e difusão. Mas, mais do que isso, todos lhe devemos uma nova atitude perante a literatura e uma nova fase de crítica literária em Portugal.
Devemos-lhe o ter sido ele o animador dos congressos republicanos de Aveiro, momentos altos e decisivos da oposição democrática e de resistência à ditadura; devemos-lhe uma nova atitude intelectual, cultural e cívica, uma nova maneira de estar perante as coisas da arte e da vida.
Ele foi um precursor do 25 de Abril e, tendo morrido antes dessa data, foi mais futuro do que alguns que hoje estão presentes. Foi um dos construtores das democracia e um exemplo vivo do novo tipo de intelectual que não se fechou na sua «torre de marfim», mas que prejudicou a sua opção literária e a sua actividade do escritor em favor da luta pela liberdade e da luta pela libertação da nossa pátria.
Juntou a pena aos combates do povo, não se fechou em si mesmo, no seu narcisismo a olhar para o seu umbigo; olhou para o futuro, tomou o partido do povo e dos seus combates.
E nesta hora de culto da mediocridade, de apagamento da memória, de esquecimento, de distracção, de confusão, de muita ambiguidade e de alguma demissão, penso que apontar o exemplo de Mário de Sacramento é apontar o exemplo de um homem que nunca se demitiu, que sempre soube estar presente e que soube ser um intelectual como um intelectual deve ser num país como Portugal: comprometido com o seu povo e com as suas batalhas.

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Ele é, com certeza, um dos grandes intelectuais portugueses do século XX e um dos homens a quem o povo português deve a liberdade conquistada a 25 de Abril.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As marinhas de sal de Rio Maior, exploradas há mais de 800 anos, constituem um importante património natural, cultural e arquitectónico.
Situadas a 3 km de Rio Maior, no sopé da serra dos Candeeiros, as salinas têm um papel relevante na vida económica das populações das aldeias da Fonte da Bica, Alto da Serra e Sopé da Serra.
O primeiro documento conhecido reporta-se a 1117 e publicita a venda por Pedro Baragão, ou d'Aragão, e sua mulher Sancha Soares, à Ordem dos Templários, de uma quinta parte que tinham no poço e nas salinas.
A forma de exploração das salinas, divididas por talhos pertencentes a diferentes proprietários, refere-se por regras costumeiras que se mantêm há séculos transmitidas de geração em geração.
O património edificado - poço, picotas ou cegonhas e os armazéns típicos de sal (onde as próprias fechaduras são em madeira) - tem sido preservado graças ao empenho dos salineiros e à comunidade de Rio Maior. O interesse colocado na manutenção do ambiente natural da área permitiu que as marinhas constituam também uma zona turística a ser preservada, não esquecendo a sua importância económica e social e a sua riqueza etnográfica e cultural.
A Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior (onde se encontram organizados os salineiros) e a comissão de defesa das salinas tudo têm feito para que, preservando o património das salinas, se modifique e se racionalize a exploração económica do sal. As autarquias locais (câmara, assembleia municipal e assembleias de freguesia) têm manifestado o seu apoio no sentido de serem reconhecidos os direitos ancestrais dos salineiros.
As salinas têm um poço, ainda agora a única nascente donde brota aguai salgada, que abastece 450 talhos, nos quais se faz a exploração que deixa depositados os cintilantes cristais de sódio.
O poço mede apenas nove metros de profundidade e tem 3,75 m de diâmetro.
Até há poucos anos a água era tirada dia e noite pelos chamados marinheiros, designação pela qual são reconhecidos os homens nas salinas, por intermédio de dois baldes de madeira accionados por duas enormes picotas ou cegonhas.
Hoje uma potente moto-bomba alimenta a marinha, poupando aos homens esse esforço ancestral.
A vontade de progresso não faz com que os salineiros desprezem tradições e velhos equipamentos. Aqueles talhos, cristalizadores e concentradores, foram passando de pais para filhos e talvez por isso, os que lavram a encosta da serra dos Candeeiros e anualmente descem para trabalhar o sal entendam por bem defender o que por tantos anos ali permaneceu imutável.
A riqueza das salinas pode e deve ser devidamente aproveitada.
Por isso, em vez de se tentarem soluções alternativas, que visam a extinção pura e simples das salinas, há que encontrar, com os salineiros e a sua Cooperativa, as formas de uma melhor exploração de sal e aproveitamento da riqueza mineira, sem pôr em causa, contudo, a continuidade daquela área.
É esse o justo equilíbrio que é preciso encontrar.
O Grupo Parlamentar do PCP apresenta na Assembleia da República um projecto de lei que visa a salvaguarda daquela exploração e garante aos salineiros o direito à exploração. Prevê também medidas de apoio concretas para o desenvolvimento económico, para a classificação da área e para a defesa do património.
Estamos certos de com esta iniciativa contribuirmos para a defesa de um património que constitui o ex-líbris de Rio Maior.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Belarmino Correia.

O Sr. Belarmino Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito de Leiria, ao qual pertenço e pelo qual fui eleito, poder-se-á dividir em três grandes zonas, a entendo ao seu desenvolvimento, à sua posição geográfica e à sua densidade populacional: zona centro, sul e norte do distrito.
Hoje quero falar especificamente da zona norte do distrito de Leiria, que, embora sendo uma região de um distrito li oral, bem se pode dizer que é uma região do interior, com todas as características que correntemente definem a interioridade: falta de infra-estruturas de toda a ordem e muito particularmente as de comunicação e em prego.
Quero, pois, hoje pôr em relevo e com isso regozijar-me com as acções positivas e da maior importância que estão a surgir no Norte do distrito de Leiria e que anunciam, sem sombra de dúvida, um futuro melhor e mais próspero para as suas populações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Destacarei em primeiro lugar o acabamento do troço da estrada Pombal-Pontão, a construção do IC 8, Figueira da Foz-Castelo Branco, e o calendário da sua construção global: Pontão-Pedrógão Grande, a Ia içar já este ano (1987) e a concluir em 1989; Pedrógão Grande-Sertã, a lançar em 1988 e a concluir em 1990; Sertã-Proença, a lançar em 1988 e a concluir em 1990; Proença ligação à EN 3, concluída, e EN 3-Castdo Branco, concluída.
Dispenso-me, apesar da grande importância que têm para as suas populações e para o seu desenvolvimento, de frisar ou enumerar os diversos troços que irão ser ligados à IC8.
Destacarei em segundo lugar uma obra de grande envergadura para aquela região - o arranque, muito próximo, da construção do Matadouro Regional de Zêzere, sociedade de capital misto, com o envolvimento das autarquias, do Estado e de capitais privados, que ficará localizado na vila de Pedrógão Grande e que abastecerá todos os concelhos vizinhos.
Também neste concelho vão ser instalados os serviços das Conservatórias do Registo Predial e Comercial e vai ser construída uma gare rodoviária.

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Cumpre-me também fazer referência ao Mercado Municipal de Figueiró dos Vinhos, obra de grande envergadura levada a termo pela respectiva autarquia, e ao Mercado-Feira de Ansião.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas, se quisermos pôr em relevo estes empreendimentos, do maior interesse para os concelhos do Norte do distrito de Leiria, não poderemos deixar de assinalar com igual relevo e reclamar novas iniciativas que urge concretizar, como sejam: o tratamento das matas e a florestação dos terrenos ardidos, a instalação e entrada em funcionamento da zona agrária de Pombal e o lançamento do projecto integrado do pinhal, interior que desenvolverá as potencialidades desaproveitadas nos concelhos de Castanheiro de Pêra, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Ansião e Alvaiázere.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a zona norte do distrito de Leiria é uma região pobre, dizemos mesmo que é o Nordeste do distrito. Contudo, as suas gentes e autarquias não se poupam a esforços, procuram com dinamismo satisfazer as suas necessidades, conjugam vontades e têm direito, com redobrada legitimidade, a esperarem do poder central a concretização das acções que lhe cabem e que, conjugadas com os esforços e iniciativas das populações e das autarquias, conduzirão a um autêntico desenvolvimento.
Sem ofuscar o que foi feito e está feito, impõe-se realçar que muito falta fazer e que é urgente seja feito.
Acreditamos firmemente que os atrasos da interioridade serão vencidos.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Deputado Belarmino Correia, ouvi com muita atenção a sua exposição e, quando a começou, supus que iria enumerar todo um conjunto de carências que regista a região norte do distrito de Leiria.
Contudo, o cerne da sua intervenção acabou por se traduzir no enaltecimento de duas ou três realizações, como a construção do Mercado de Figueiró dos Vinhos e outras semelhantes, não destacando as enormes carências desta nossa região.
Na verdade, congratulou-se pelo facto de o troço da estrada entre Pombal e Pontão ter sido acabado, mas faço-lhe notar que estava previsto que este troço estivesse concluído em 1983.
Portanto, o Sr. Deputado devia era ter realçado o facto de ele só estar em fase de acabamento nesta altura, em vez de se congratular.
E a minha questão é a seguinte, Sr. Deputado: não acha que o Governo, bem como os presidentes das câmaras municipais, que são maioritariamente do seu partido - é uma zona de clara influência do PSD -, não terão enormes responsabilidades no grande atraso desta zona, que a torna numa das zonas mais deprimidas do nosso país?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Belarmino Correia.

O Sr. Belarmino Correia (PSD): - Sr. Deputado Rui Vieira, muito obrigado pelas palavras que me dirigiu e pela pergunta que me fez. Na realidade, não enumerei na minha pequena intervenção as carências que o norte do distrito de Leiria tem, mas disse que há muito que fazer e que queria era regojizar-me com o que estava feito.
É evidente que a estrada Pombal-Pontão era de facto para estar concluída em 1983. Simplesmente, os atrasos das empreitadas, o facto de ter havido empreiteiros que faliram e talvez uma má actuação dos serviços responsáveis pelas estradas e do Governo da altura levaram a que se atrasasse o acabamento dessa estrada. Felizmente que ela foi concluída há pouco tempo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Além disso, quis na minha intervenção realçar a construção do IC8, que é uma estrada importante para aquela região, e de todo o troço que vai entroncar nessa estrada.
De qualquer das maneiras, penso que devemos estar satisfeitos e que, sendo V. Ex.ª deputado do distrito de Leiria, devia estar contente com estas iniciativas e com as obras que vão arrancar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se nas galerias, assistindo à nossa sessão plenária, alunos da Escola Secundária de Jácome Ratton, de Tomar, da Escola Secundária de Benfica e do Colégio de Manuel Bernardes.
A todos saudamos e esperamos que esta sessão represente um marco nas vossas vidas.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer comunidade responsável assume com dignidade todas as grandezas e misérias, alegrias e desventuras de quaisquer dos seus membros.
Contudo, esta comezinha evidência não é compartilhada pelos mais directos responsáveis do nosso país.
Creio que está na lembrança dos mais atentos que esta Assembleia fez integrar no Orçamento do Estado uma verba de 200 mil contos destinada às CERCIs. Pena é que até ao momento o Governo não a tenha posto ao dispor dos destinatários.
Uma visão fria e contabilística da vida desculpará a demora, escudando-se numa pretensa planificação:
Entretanto, a verdade nua e crua é esta: boa parte das CERCIs está em risco de suspender por tempo indeterminado as suas actividades de assistência técnico-pedagógica a vários milhares de crianças deficientes mentais e aos respectivos educadores e técnicos.
Convém lembrar que as CERCIs são pessoas colectivas de utilidade pública, sem fins lucrativos, e assistem crianças e jovens oriundos de famílias económica e socialmente desfavorecidas.
No patamar da penúria, desenvolveu-se a movimentação nacional Pirilampo Mágico, cujo termo ocorre hoje, à qual aderiram inúmeras instituições e cidadãos interessados, de que saliento o papel da Antena Um na sua divulgação.
Para além de se pretenderem obter fundos indispensáveis ao desenvolvimento da obra, está no horizonte desta campanha sensibilizar a sociedade para o pró-

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blema do futuro do deficiente, informar a sociedade das suas diversas actividades, para além de denunciar concretamente as tremendas dificuldades, as pressões constantes, a luta pertinaz que em todos os domínios tem de enfrentar quotidianamente, e tudo fazer para as tentar ultrapassar em defesa da pessoa deficiente.
Julgo que todas as pessoas de boa-fé estão de acordo com estes correctos objectivos.
Penso, ainda, que o coração suplantará o cifrão quando não se pretendem ver fantasmas ideológicos na orientação desta obra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: quem é pai e mãe responsável, quem é homem solidário e de espírito fraterno, compreende, sem grandes explicações, o drama pungente de pais e mães que têm necessidade de dispensar uma maior atenção a um filho diferente.
Não dêem os responsáveis pelo ministério da tutela a ideia de que os governantes são outro tipo de gente, com uma visão matematicamente ridícula, que ignora olimpicamente a angústia dos seus concidadãos.
Pretendo somente lembrar que o Governo cumpra já o que esta Assembleia deliberou, no cumprimento exclusivo do seu dever e no estrito limite das suas competências.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não se perpetue por omissão a terrível filosofia espartana, ignorando os seres que a comunidade ansiosamente gerou e que deverão ser sujeitos plenos de todos os direitos.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e de alguns deputados do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à primeira parte da ordem do dia de hoje lendo um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 31 de Março de 1987, pelas 16 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Partido Socialista:

António José Sanches Esteves (círculo eleitoral de Faro) por Ferdinando Lourenço de Gouveia. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), para os dias 31 de Março corrente a 14 de Abril próximo, inclusive.

Solicitada pelo Partido Renovador Democrático:

Bártolo da Paiva Campos (círculo eleitoral do Parto) por Manuel Ferreira Coelho. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia l de Abril próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos a adidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

Finalmente, d Comissão entende proferir o seguinte parecer:

Os substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) - Secretário, José Manuel Mala Nunes de Almeida (PCP) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - José Mana Peixoto Coutinho (PSD) - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Jaime Manuel Coutinho Ramos (PRD) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Mattos (PRD) - Vasca da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Maria Santos, Ribeiro Teles, Borges de Carvalho e Oliveira e Costa.
Srs. Deputados, a Comissão Eventual para apreciação da proposta de lei n.º 5/IV, solicita que seja prolongado o prazo que lhe foi cedido para emitir parecer sobre a referida proposta de lei por mais quinze dias.
Vamos votar este pedido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando se a ausência dos deputados independentes Maria Santos, Ribeiro Teles, Borges de Carvalho e Oliveira e Costa.
Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão na generalidade d? projecto de resolução n.º 35/IV, do CDS, que visa a instituição do dia 3 de Junho, data da primeira reunião da Assembleia Constituinte, e destiná-lo a acções de informação e sensibilização dos Portugueses sobre a natureza, competência funcionamento e importância da instituição parlamentar.
Para dar início ao debate vou conceder a palavra ao CDS.

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O Sr. Francisco Teixeira (CDS): - Sr. Presidente, pedíamos uns minutos de espera, visto não se encontrar presente o Sr. Deputado que em nome do CDS vai apresentar o projecto de resolução.

O Sr. Presidente: - Vamos aguardar uns minutos, Srs. Deputados.

Pausa.

Sr. Deputado Francisco Teixeira, para não estarmos a esperar mais tempo, se o CDS concordasse, iríamos dar início ao debate com os oradores que já se encontram inscritos na Mesa, apresentando o CDS o seu projecto de resolução logo que chegar o Sr. Deputado que o vai apresentar.

O Sr. Francisco Teixeira (CDS): - Estamos de acordo que assim se proceda, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguma vez havia de acontecer estar de acordo com o CDS. Calhou desta vez e quero felicitá-lo pela iniciativa que teve ao apresentar o projecto de resolução n.º 35/IV e dizer-lhe que o meu partido dá por inteiro o seu acordo a qualquer das duas propostas que ele contém.
Suponho que sou dos poucos deputados constituintes que se encontram nesta Sala - a morte infelizmente já levou bastantes -, mas recordo com a emoção natural a hora muito alta da minha vida em que aqui cheguei, após 50 anos de ditadura, assumindo logo a seguir a vice-presidência desta Assembleia.
A meu ver, o que se pretende com este projecto de resolução é, em primeiro lugar, exaltar o valor do Parlamento, em segundo lugar, recordar a Assembleia Constituinte e, em terceiro lugar, estabelecer um plano de propaganda junto do povo português no sentido de o esclarecer do valor, da validade e da filosofia desta instituição.
Quanto a isto posso dizer a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que o que se passou na Assembleia Constituinte é coisa que merece ser recordada. Foi como se tivéssemos saído das catacumbas e de repente nos víssemos ao ar livre, cheios de sol, numa grande praça pública onde podíamos discutir livremente os problemas no nosso país.
Aqui, nesta mesma Sala, tivemos o orgulho de assistir a debates muito sérios e muito vivos, nada exagerados e nada agressivos, extremamente democráticos e bastante viris, na defesa dos grandes princípios da democracia parlamentarista e do pluralismo partidário.
Quero afirmar aos Srs. Deputados que mal vão os países que descrêem dos parlamentos. Tenho a impressão de que tudo o que de mau se passou neste país foi precisamente pela falta de firmeza, de rigidez de ânimo e de disponibilidade na defesa das instituições parlamentares.
Nesta mesma Sala, cujos ecos de algumas vozes, das mais autorizadas do parlamentarismo português, chegaram até nós, assistiu-se à morte da República ou, pelo menos, ao ocaso temporário da República. Forças reaccionárias partiam carteiras neste Parlamento para que se não votassem as leis do País e isso permitiu a criação de um movimento sedicioso que havia de instaurar em Portugal uma ditadura inclassificável que só terminaria no dia 25 de Abril.
Quando os países descrêem do Parlamento e quando se supõe que se pode resolver alguma coisa neste País fora do Parlamento, estamos no princípio da sonegação dos grandes direitos do homem e dos direitos do Parlamento.
Tudo se deve resolver nesta Casa. Fomos eleitos para isso. A Assembleia Constituinte elaborou a Constituição que temos de respeitar. Não estejamos com soluções extraparlamentares, e não julguemos alguma vez que este país pode ser governado por minorias, quando, na verdade, a Constituição é claríssima e os direitos do homem impõem que os governos dos países só podem ser dirigidos, supervisados e orientados pelas maiorias parlamentares. Quando acontecer o contrário, estabelece-se a confusão, entramos no caos, estamos à beira da ruína. Pois que vão por esse caminho se o quiserem, porque os homens como eu (e são muitos) não vão por esse caminho, como diria Fernando Pessoa.
Estamos de acordo com o CDS nesta invocação e nesta lembrança. Estamos disponíveis, na medida do possível, para dizermos aos nossos eleitores e a qualquer pessoa do valor deste Parlamento, o que ele significa para nós e a força e vontade que temos que ele persista e se preserve contra os equívocos e contra todas as ofensas.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, o meu pedido de desculpa por não ter podido estar presente no início deste debate, ocupado que estava numa conferência de presidentes dos grupos parlamentares sem saber que o debate se estava a iniciar.
Creio, porém, que essa circunstância acabou por ser uma circunstância feliz, porque o meu grupo parlamentar se sente muito honrado pelo facto de este debate ter sido aberto pelo Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não são necessárias muitas palavras para expor o sentido dos objectivos deste projecto de resolução que o CDS hoje submete à vossa apreciação.
Ao instituir o Dia da Assembleia da República procuramos, antes de mais, propiciar um momento de reflexão sobre a primeira instituição da democracia portuguesa. Reflexão que, partindo do interior desta Casa, se estende a todo o País, abrangendo todos os aspectos da nossa vida institucional, desvendando as nossas dificuldades e problemas, partilhando os nossos anseios com os cidadãos que nos elegeram fora dos círculos estritos dos partidos que aqui representamos.
O contacto do Parlamento com o País real, indo ao seu encontro, é também uma forma de suscitar a participação dos cidadãos na vida pública e de lhes dar a conhecer a importante função de mediação que os deputados detêm em democracia.
Mas é também uma pausa. Uma pausa para balanço de um ano de actividade, que não deverá ficar encerrado nos relatórios, mas que deve ser difundido, o mais amplamente possível a todos os cidadãos, para que em

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consciência e objectivamente possam avaliar da importância da função parlamentar e da actividade dos representantes que elegeram.
Mas é também um momento privilegiado para a análise da posição da Assembleia da República face aos outros órgãos de soberania, da forma como decorre esse relacionamento, tendo sempre presente que o respeito recíproco e a solidariedade institucional são valores essenciais do próprio regime democrático e que devemos, nós, dar o primeiro exemplo da sua prática.
Não podemos ainda ignorar a função pedagógica que este tipo de abertura comporta. Somos uma democracia recente, eivada de preconceitos antiparlamentares e que vive uma sucessão de experiências governativas cuja existência, dependendo da Assembleia da República, nem sempre tem encontrado com ela uma relação transparente e clara.
Por outro lado, a diversidade de posições que aqui diariamente se exprime, o pluralismo que é a essência da democracia e a mola real do funcionamento desta instituição, os confrontos entre interesses, ideologias e estratégias, tudo é facilmente transformável, aos olhos de uma opinião pública pouco ou mal informada, em manifestações divisionistas, que geram incapacidade de decisão ou que bloqueiam decisões de outros órgãos de soberania.
É, pois, indispensável dar a conhecer, também com sentido pedagógico e formativo, qual o papel verdadeiro e constitucional da Assembleia no regime democrático, e ninguém melhor do que os deputados para o fazer, com rigor e convicção.
Ao propormos que, pelo menos neste primeiro ano, este dia seja vivido em íntima ligação com o poder local, outra das vertentes fundamentais do poder democrático, e na sede das assembleias municipais, em conjunto com os respectivos deputados e em sessão aberta a toda a população, em particular aos jovens, pretendemos ainda demonstrar a nossa solidariedade para com os autarcas portugueses, a nossa convicção de que não há democracia verdadeira sem um municipalismo forte e autêntico.

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sua singeleza, mas também no seu simbolismo, esta resolução pretende ser um alerta, uma chamada de atenção para os riscos, para os perigos que resultarão para o desenvolvimento do Estado democrático do sistemático denegrimento da imagem da Assembleia da República e das tentativas, venham elas donde vierem e seja qual for a forma de que se revestem, de minimização da instituição parlamentar. Mas também deve exprimir a nossa capacidade de autocrítica, o reconhecimento dos nossos erros e a assunção clara dos limites constitucionais das nossas conferências.
A aprovação desta resolução, que esperamos que se venha a verificar, será, pois, uma afirmação de que os deputados da Assembleia da República saberão pôr de lado aquilo que naturalmente os divide, para assumirem conjuntamente uma atitude cívica de responsabilidade democrática.
E também - e isso não é menos importante - que não estão dispostos a tolerar que o prestígio da instituição que integram e a importância da função que representam sejam postos em causa por quem quer que seja.

Aplausos do PSD, do PS, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já temos uma efeméride de consagração da República: o feriado nacional de 5 de Outubro.
Falta-nos um dia devotado à democracia.

Há, eu sei, o feriado de 25 de Abril. Esse, porém, melhor se identifica com a liberdade.
O projecto de resolução que vamos votar preenche essa lacuna, aliás de forma tão pouco ambiciosa que lhe consagra um dia sem lhe sacrificar uma jornada de trabalho.
Consagremos, pois, à democracia o dia em que pela primeira vez reuniu a Assembleia que viria a elaborar e a aprovar a Constituição da República que há mais de uma década incorpora o pacto social do novo regime.
Sete dias sobre o dia agora marcado, os Portugueses celebram o próprio Portugal, as comunidades portuguesas que o prolongam nas sete partidas e o seu mais alto expoente cultural e humanístico na figura do seu maior poeta e mais famoso emigrante.
Junho em prestará a amenidade do clima e a exuberância da Natureza a essa afirmação de identidade colectiva e de enraizamento patriótico. A alma portuguesa fará D resto.
O projecto surge, pois, a propósito. Tem a avalizá-lo mais de uma década de experiência democrática que resistiu a tudo: à mais grave crise económica desde os anos 30; à conversão de uma economia de guerra numa economia de paz; à transformação de uma economia de reserva de mercado numa economia de mercado concorrencial; à perda das colónias; à absorção pelo espaço continental de quase 1 milhão de portugueses; ao termo da emigração e à tenção na fonte dos tradicionais contingente; de emigrantes; aos traumas de meio século de ditadura; aos excessos de aprendizagem da democracia.
E vem a propósito sobretudo porque, não tendo sido possível evitar pelo caminho algum sofrimento, assistimos ao eterno retorno dos «vendedores de apocalipses». Ei-lo: que de novo insinuam que a liberdade, a democracia e, em concreto, o Parlamento, como sua face mais lídima e sua expressão mais alta, são responsáveis por esse sofrimento.
Éramos iranizados e somos livres? Éramos opressores e somos exemplo de respeito pelos direitos humanos? Estávamos isolados e estamos integrados na Comunidade Europeia? Vivíamos da exploração alheia e vivemos do trabalho próprio? Estávamos em guerra e vivemos em paz? Estávamos indefesos em face da crise afluente e resistimos a ela? Teríamos feito harakiri se continuássemos matando e morrendo, amordaçando as vozes, abafando as consciências, desprezando os valores, cortando as relações, fechando os mercados?
Nada disso conta para os cegos que não querem ver. Aqueles em benefício de quem existiam os privilégios que a democracia baniu e as obscuridades que a liberdade iluminou temam de novo conspurcar a água que mata a segue de ser livre e digno, inquinando-a na fonte de que brotam as leis que são essa água.
Infelizmente, ter eles encontrado um aliado no próprio Governo. Em convergência objectiva com os que combatem a democracia tentando denegrir a sua Casa, a sua matriz, a sua sede, o governo que ainda temos

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aproveita todos os pretextos - os que julga existirem e os que deliberadamente inventa - para atacar e tentar diminuir a instituição parlamentar.
Em qualquer outra democracia, um governo nestas condições há muito tempo se teria considerado na obrigação ético-política de colocar a questão da confiança ou se de demitir!
Indiferente a esse tipo de auto-exigências, o Governo ficciona uma confiança que sabe não ter e atribui-se o direito de desrespeitar a Assembleia de que depende, de ser arrogante para com ela, de a provocar a que o demita para tentar tirar disso capital de queixa e dividendos eleitorais.
A permitirmos que esta situação se mantenha, seremos nós a estar em falta perante indeclináveis exigências éticas.
Não obstante, esta Assembleia tem consentido que o Governo governe. Apesar da sua exígua representatividade - a menor de qualquer Governo constitucional após o 25 de Abril -, tem sobreposto o desejo de estabilidade política às exigências da sua própria dignidade e à tentação de em boa paz o mandar recolher às cabinas.
Em mais de dez anos de prática parlamentar, esta Assembleia só uma vez fez cair um Governo! E só por duas vezes co-assumiu a responsabilidade por governos de iniciativa presidencial.
Em democracia há soluções para todas as crises. Mister é que uma maioria parlamentar se disponha a sufragar uma delas. Em última instância, há o supremo recurso de nova consulta popular, preferível, por menos propícia que se mostre, à perda da própria face.
Em demagogia é que nem sempre há clarividência para todas as jogadas. Veremos em breve se assim é ou não.
Era previsível que esta Assembleia não podia, sem se desfigurar, tolerar, sem limite de paciência e de tempo, que o Governo dela fizesse gato-sapato. Sobretudo quando esta atitude manifestamente configura uma deliberada forma de «provocação» - aliás por diversas vezes explicitada - para que o Parlamento o demita. Tudo indica que vai ser feita a sua vontade.
Eis, pois, que este projecto de resolução surge como resposta adequada aos que persistem em ligar à máquina de reanimação o cadáver do passado. A esses e aos seus aliados objectivos, inocentes ou não. Atacais vós a instituição parlamentar? Consagramo-la nós.
Custa-vos, eu sei. Temeis o pensamento, a liberdade crítica, o voto, o debate parlamentar. São respeitosos para com os vossos avatares. Olham para o fogo dos vossos infernos e não se intimidam. Tomam os vossos privilégios e reduzem-nos a pó!
Julgais porventura que podemos ser vítimas do direito ao desacordo que vos reconhecemos?
Desiludi-vos! É essa a nossa força indestrutível, contra a qual nada podeis.
E, para relembrar estas verdades, denunciar as vossas mentiras e varrer do espírito dos jovens as teias de aranha que nele tecestes, abusando do seu desconhecimento dos vossos erros e dos vossos crimes, é bom que se eleja um dia, um dia de consagração e de festa, em que no altar da nossa determinação e da nossa fé esteja a democracia, com a imagem de S. Bento por orago.
O projecto tem o nosso aplauso, e não apenas o nosso voto.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Visa o projecto de resolução, da autoria do CDS, a instituição anual, a 3 de Junho, do Dia da Assembleia da República, para, a partir dele, se proceder a jornadas de informação e sensibilização sobre a natureza, competência, funcionamento e importância do Parlamento.
A data simboliza, por um lado, o início do traçado da ordem jurídico-constitucional portuguesa e, por outro, o que a lei fundamental acolheu - a Revolução do 25 de Abril, a abertura de novas potencialidades e caminhos para a vida pública nacional.
O debate dinâmico, frontal, aberto, das diferentes opções que têm voz nesta Câmara só existe porque foi possível derrubar a ditadura fascista - é bom não o esquecer! - e conseguimos ensejar, ao longo dos anos, o vasto conjunto das soluções que tendem a aperfeiçoar o confronto de teses e opiniões no sentido da defesa do que para cada um dos partidos é, à sua maneira, a causa popular e o cerne dos interesses mais profundos do País.
Entendemos que a presente iniciativa se deve apreciar à luz destes entendimentos essenciais.
Aqui chegados, importará considerar que o Parlamento, tal como hoje opera, não é ainda a perfeição, o alfa e o ómega da democracia, uma entidade em si mesma erigida aos patamares onde tudo é escorreito e nada exige mudança.
Para nós, urge vitalizar o sistema, dinamizar a estrutura interna do órgão em que estamos inseridos, o que passa, meridionalmente, pela revisão do regimento e pela recuperação de algumas das figuras que o passado provou serem úteis, bem como pela inovação substancial com vista a um travejamento mais correcto da arquitectura da intervenção parlamentar.
Impõe-se reabilitar a apresentação dos projectos de lei; proceder ao aumento global das quotas anuais de fixação das ordens do dia, distribuídas, com proporcionalidade corrigida, pelas forças partidárias; reforçar o instituto da declaração política; aviventar todo o mecanismo das interpelações, designadamente através da criação daquelas em que seja possível a análise meramente sectorial da acção do Governo e se conclua por deliberação que, embora não se confundindo com uma moção de censura, constitua um acto judicativo sobre o comportamento do Executivo.
É fundamental que, de uma vez por todas, se encontrem os ingredientes basilares e que a governação dê resposta aos requerimentos dos deputados, que não podem ser tidos por despiciendos, e devem olhar-se como material relevante de informação e de actuação no quotidiano de todos.
Do mesmo modo, estamos interessados no fortalecimento das petições, justamente porque entendemos que esta Casa deve receber as manifestações do povo português, nos termos e pelas vias da democracia participativa, e dar-lhes sentido acolhimento, procurando, de uma forma sã e aprofundada, solucionar os problemas suscitados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo curial dar incremento àquilo que constitui a medula da actividade do Parlamento, a laboração legislativa, indiscutível é também que haverá que desenvolver os poderosos meios de fiscalização dos actos governamentais, para

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que ele, tão denegrido por tantas e tantas formas de baixa política, entre as quais as sucessivas tomadas de posição por parte do governo de Cavaco Silva, possa, efectivamente, engrandecer a sua própria imagem.
O pensamento que aqui expressamos não se confunde, é bom de ver, com o da guerrilha institucional permanente, com o de desrespeito sistemático e aviltante do conjunto de deputados que integram a Câmara, eleita pelo País e representante da sua vontade, sem dúvida contraditória, contrastante, mas medular.
Para nós, PCP, o Dia da Assembleia da República e também o símbolo de uma relação não patológica entre os órgãos do poder, a afirmação da plenitude da vitalidade democrática contra os gérmenes do totalitarismo, aflorantes, por exemplo, no Gabinete de Cavaco Silva. Fastidioso e desadequado seria, na conjuntura, proceder ao arrolar das tácticas, das estratégias e dos meios utilizados pelo Governo que temos suportado contra esta instância da soberania. Conhecemos os episódios passados, outros episódios irão seguir-se. A próxima madrugada de sexta-feira irá pôr um ponto final na que é, sem dúvida, uma das etapas mais negras de toda a nossa vida pública desde o 25 de Abril.

Uma voz do PSD: - Que exagero!

O Orador: - Reputamos, por isso, mesmo por cima dos sorrisos de grande desespero dos Srs. Deputados do PSD, que a proposta do CDS é positiva, pode e deve ser aprimorada, contém em si, como já foi possível observar-se na 1.ª Comissão, aquando de uma primeira abordagem, os fermentos necessários a uma programação consciente de celebração de uma efeméride grata.
A Assembleia da República é um espelho plural das nossas contradições, apetências e capacidades. É, recorrendo à terminologia constitucional, representativa da pluralidade das opções portuguesas. Importa prestigiá-la e vivificá-la. Desde logo no seu viver interno, como decorre de algumas das indicações a que procedi a propósito da desejabilidade de modificar, pontualmente, o seu Regimento. Mas impõe-se, de igual modo, num âmbito menos particularizado, reagir a todas as vilanias e ataques que lhe são movidos, seja por quem for.
Nesta Casa se preserva uma das essências dinâmicas do modelo democrático que a revolução de Abril viu plasmado na Constituição da República. Por isso, centralmente por isso, o Grupo Parlamentar do PCP está disponível para votar a resolução em debate e, em conformidade, aquando da sua tradução prática, proceder às sugestões criativas que possam fazer com que o Dia da Assembleia da República seja, sem dúvida, mais um dos dias da democracia e do Portugal em luta pela justiça sem constrangimentos.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD está basicamente de acordo com a iniciativa tomada pelo CDS, porquanto entende que e necessário demonstrar perante o País que a imagem que têm criado da Assembleia da República e nisto da imagem há muitos culpados na sua feitura não corresponde totalmente à verdade. É uma imagem que não está de acordo com a essência de grande pilar da democracia, de verdadeira escola da democracia - poderia mesmo dizer.
Mas vir aqui discutir a celebração de um dia da Assembleia da República deveria ter mais a ver com o reflectir sobre nós próprios, sobre as nossas funções, sobre as nossas competências, sobre aquilo que representamos e sobre aquilo que os que representamos esperam que falamos.
Não creio adequado, não creio que esteja à altura da dignidade de uma proposta destas, como a apresentada pelo CDS, da dignidade de uma intervenção como a aqui feita pelo Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes, vir aproveitar esta oportunidade para fazer uma prova «abai de como se utilizam todos os momentos para institucionalizar a guerrilha entre órgãos institucionais na democracia em Portugal.

O Sr. Raúl Junqueira (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Por isso recuso, recuso vibrantemente, que se utilize este momento para vir aqui acentuar ainda mais esta guerrilha e aproveitar a maior parte do tempo destinado a cada partido e a cada grupo parlamentar para fazer fogo sobre o governo de Cavaco e Silva. Teria tempo, Srs. Deputados! Dentro de muito poucos dias terão tempo de demonstrar que, através de um dos instrumentos de que esta Assembleia da República dispõe, a apresentação de moções de censura, pode a Assembleia, se assim o desejar a maioria desta Câmara, derrubar governos, se eles forem tão maus como pretendem fazer crer que este é. Por isso, só diria que a moção de censura peca por tardia.

Vozes do PRD: - Apoiado!

O Orador: - Tantas vezes ansiámos aqui que os senhores passassem à prática os ataques diários que faziam contra o Governo do PSD.
Mas vou atalhar porque também não quero ocupar a maior parte do tempo da minha intervenção com a questão da guerrilha institucional.
Queria apenas lembrar as inúmeras vezes que aqui temos batido palmas de pé aos alunos das escolas secundárias e preparatórias que vêm para esta Câmara, como se também eles próprios estivessem numa escola.
Trata-se, efectivamente, da escola da democracia. E, por isso, também nós temos algo de professores. Mas temos igualmente algo de alunos, porque aprendemos com estes jovens, que, ao virem aqui, manifestam interesse pelas coisas da política em Portugal.
Temos também a responsabilidade de ser professores, e, como tal, devemos ser cuidadosos na utilização que fazemos do nosso mandato, das nossas competências, do tempo que aqui consumimos e que custa muito dinheiro ao erário público. A população espera que nós façamos rentabilizar o nosso mandato nesta Câmara através de um trabalho competente.
Por aqui passaram, desde o 25 de Abril e também desde há muitos anos, em tempos recuados, grandes vultos. Homens que ocuparam estas bancadas vieram a tornar-se bons governantes porque, efectivamente, também aqui fizeram uma aprendizagem através dos debates que travaram relacionados com populações.
A segui ao 25 de Abril tivemos a honra e o prazer de ver homens com a estatura de um Vasco da Gama Fernandes, de um Leonardo Ribeiro de Almeida, de

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um Henrique de Barros, de um Oliveira Dias, de um Tito de Morais e também com a estatura do actual Presidente, Fernando Amaral. Foram homens que souberam, todos eles, sair deste Parlamento acima da instituição partidária pela qual foram eleitos, que souberam, com isenção e independência, muitas vezes com a incompreensão dos seus próprios partidos, gerir as discussões acesas que muitas vezes incendiaram -no bom sentido- esta Câmara.
Por isso, diria que temos a responsabilidade acrescida de demonstrar perante o País que o Parlamento não é «os deputados a dormir numa noite longa de discussão orçamental», que o Parlamento não é apenas «as viagens ao estrangeiro», não é apenas «consumir as ajudas de custo»; o Parlamento está muito para trás destas paredes que aqui temos, está muito para além destas bancadas de onde falamos; o Parlamento tem muito trabalho ao nível das comissões, trabalho anónimo que o grande público não vê. Por vezes, o grande público não dá o devido valor ao trabalho de produção legislativa, ao trabalho de investigação, ao trabalho -por que não de dar vazão a tantas petições, a tantos pedidos de intervenção por parte da população, quando se dirige directamente aos deputados.
E porque a nossa responsabilidade de demonstrar perante o povo português aquilo que é, efectivamente, este Parlamento é muito grande, deveríamos ter cuidado com a segunda parte deste projecto de resolução do CDS. Ela não explicita bem a forma como iremos comemorar, pela primeira vez, o Dia do Parlamento Português, o Dia da Assembleia da República.
250 somos nós, os deputados; 304 são as autarquias locais.
Julgo que no mesmo dia haverá alguma dificuldade em que pelo menos um deputado esteja em cada um dos concelhos do País, para já não falar na eventual dificuldade de mobilização da população para ir assistir a um debate, a um esclarecimento sobre a Assembleia da República, tanto mais quando se trata do primeiro ano em que tal se proporcionará.
Por isso, se bem que nós, PSD, estejamos basicamente de acordo, de todo o coração, com o projecto de resolução do CDS, quase que sugeríamos que fosse estudada, mais em profundidade, uma forma condigna, uma forma mais eficaz, mais segura, mais abrangente do todo nacional ao mesmo tempo da comemoração deste dia que se pretende vir a celebrar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD congratula-se com a apresentação deste projecto de resolução e desde já informo que o seu voto lhe será favorável, com a reserva que já aqui expressei: o Parlamento Português merece criar uma nova imagem, mas merece, sobretudo, que todos nos unamos, sem estarmos aqui com tricas partidárias nem com guerrilhas institucionais, porque ele está acima de tudo isso.
O Parlamento é o verdadeiro pilar da democracia.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Certamente por lapso, Sr. Deputado Mendes Bota, V. Ex.ª incluiu o Sr. Presidente Fernando Amaral entre aqueles que saíram prestigiados desta Assembleia. Ele ainda é o ilustre Presidente desta Assembleia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um jovem que tenha hoje 18 anos, tinha 5 quando o 25 de Abril eclodiu. Vale isto por dizer que a democracia aconteceu há treze anos e que gosta dela quem por ela lutou; gosta mais dela quem sabe o seu preço; ama-a mais quem, por si, pelos seus antepassados, pela sua conduta soube afrontar as garras dos torcionários. Não me esqueço!
E é com felicidade que falo para uma galeria que inclui uma larga percentagem de gente jovem, porque se é esta a sede da democracia, se é este o areópago em que, fundamentalmente, as instituições democráticas se encontram, é bom que os jovens, mais do que ninguém - porque são o futuro, e mais do que isso são a consciência do nosso futuro - saibam como se trabalha nesta Casa, saibam qual a sua importância, saibam o que institucionalmente representa.
Lembro-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que na República Democrática Alemã, no seu dia nacional, todas as crianças que em cada ano completam 14 anos de idade vão obrigatoriamente ...

O Sr. Mário Maciel (PSD): - «Obrigatoriamente». ..!

O Orador: - ... visitar o campo de concentração de Buchenwald. Está lá um pouco da vergonha da Alemanha, está lá sepultada uma parte da nossa consciência de resistentes, está lá sepultada uma grande parte do miserabilismo político europeu da primeira metade do século XX. É ao, vendo as câmaras de tortura, os cemitérios onde repousam 40 000 crianças, os fornos crematórios, os depósitos de dentes de ouro que os nazis arrancavam aos resistentes e ao povo judeu, que as crianças da RDA aprendem também a sorrir, dizendo democracia.
Por isso, não me é indiferente, perante este projecto de resolução do CDS, que esta Câmara esteja hoje vestida com esta roupagem de gente jovem, que se encontra nas galerias; é também a voz a que se destina este projecto de resolução do CDS, com o qual estou inteiramente de acordo; é para que saibam que esta Câmara foi vergonha deste povo até ao 25 de Abril; é para que saibam que aqui não se discutia nada, que este era o miserabilismo da unanimidade; é para que saibam que não havia eleições livres em Portugal; é para que saibam que havia Aljube, Caxias e Tarrafal; é para que saibam que marchávamos perante a vergonha na cauda da Europa, perante o sorriso da Europa e a vergonha de nós próprios.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, atacar a Assembleia da República - e sem que com isto queira reeditar a questão da guerrilha institucional, como o tem sido, por vezes mesmo por formas política e partidariamente desnecessárias - não é apenas fazer chicana de poder, não é apenas fazer chicana partidária, é atacar objectiva e subjectivamente a democracia, é feri-la no seu órgão vital, é tentar feri-la de morte.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O MDP/CDE associa-se por vontade própria a este projecto de resolução do CDS. É bom - ao contrário do que disse o Sr. Deputado Mendes Bota - que saiamos deste aerópago, destas bancadas, destas galerias, que demonstre-

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mós ao país qual o custo, qual o nível, qual o preço, qual o interesse do trabalho desta Assembleia. E preciso dizer o que uma instituição vale para que ela possa ser respeitada e amada pelo povo português. Não é atacando - e de maneira desnecessária - para não lhe chamar outra coisa - que se prestigia este órgão de poder, o principal órgão de poder legislativo da democracia.

Votando este projecto de resolução, o MDP/CDE vota convosco, jovens, vota contra os «novos Césares». Os «novos Césares» não passarão!

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.

O Sr. Pedro Feist (CDS): - Sr. Deputado Seiça Neves, para além de nos regozijarmos com o apoio do seu partido ao nosso projecto de resolução, escapa-me pessoalmente - e perdoe-me que invoque a minha posição pessoal - a razão da referência feita pelo Sr. Deputado a Buchenwald a propósito do nosso projecto de resolução. E digo-lhe isto, apenas, porque da minha família estão enterradas em Auschwitz - e, eventualmente, nem sequer enterrados, visto que já nem existirão - algumas pessoas. De modo que, penso - e era essa a pergunta que lhe fazia -, haverá, ou se o não houver, o Sr. Deputado dir-me-á, alguma comparação exagerada acerca do nosso projecto de resolução e dessa alusão que fez.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado Pedro Feist, é evidente que, quando referi o campo de concentração de Buchenwald, o referi para dizer que é necessário que a juventude conheça o que foi o fascismo e o nazismo, para que possa mais clara e consciente lutar contra ele. Podia ter falado de outros campos de concentração que conheço - Treblinka, Dachau, etc. -, pois eles são sinais da opressão, do hitlerismo, do fascismo, daquilo que nós não queremos. Sr. Deputado, é preciso que se lembre da inscrição na entrada do campo de concentração de Dachau, onde em todas as línguas de todas as nacionalidades de todos os que lá estiveram se lê: «jamais, jamais, never more,...» etc.
É por isto, que esta iniciativa do CDS me parece ser um arrepio, neste sentido de: fascismo em Portugal, nunca mais! Autoritarismo, nunca mais!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está concluído o debate sobre o projecto de resolução n.º 3S/IV (CDS), que, penso, poderá ser votado logo às 18 horas, depois das votações já agendadas para hoje.

Pausa.

Não havendo objecções, assim se fará.

Vamos agora passar à apreciação do inquérito parlamentar n.º 6/IV (PCP), sobre a actuação das entidades portuguesas intervenientes na venda de armas e desvio de fundos e material de guerra no quadro da operação secreta da administração norte-americana, conhecida pela designação de Irangate.
Para fazer a apresentação deste inquérito, encontra-se inscrito o Sr. Deputado José Cruz, mas proponho que se aguarde a chegada do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, pois pediu que o avisássemos quando se iniciasse este debate.

Pausa.

Uma vez que o Sr. Ministro já se encontra presente, vamos, pois, dar início ao debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cruz.

O Sr. José Cruz (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O inquérito parlamentar n.º 6/IV, à actuação das entidades portuguesas intervenientes na venda de armas e desvio de fundos e material de guerra, no quadro da operação secreta da Administração Norte-Americana, conhecida pela designação de Irangate, é uma necessidade objectiva face aos factos já do conhecimento publico, e deve ser encarado com a máxima seriedade pela Assembleia da República.
Infelizmente, o Irangate é apenas um caso da administração americana: a pista portuguesa do Irangate entra cada vez mais pelos olhos dentro.
A forma como o Governo fugiu a dar qualquer explicação à Assembleia da República em relação ao escândalo Irangate é, só por si, justificativa do debate que hoje aqui fazemos.
Para o PCP, a questão fundamental reside em apurar em que condições o Aeroporto de Lisboa e portos portuguesas puderam ser utilizados por uma potência estrangeira na exportação de armamentos para os contras da Nicarágua, país com quem Portugal mantém relações diplomáticas; como foi possível que o Aeroporto de Lisboa servisse de placa giratória para o fornecimento de armas.
Não se trata, pois, neste inquérito, de justificar a forma como está estruturada a indústria de defesa nacional.
A defesa dos postos de trabalho e da viabilização das empresas públicas que trabalham em defesa nacional só é possível com uma correcta reestruturação e aqui têm sido notórias as incapacidades governamentais para uma concreta solução deste problema, no interesse das Forças Armadas e do País.
É necessário, Srs. Deputados, que seja averiguada, até ao fim, a forma como os responsáveis pelas operações secretas regris promovidas pela Administração dos Estados Unidos da América conseguiram ultrapassar os mecanismos de autorização e fiscalização a cargo dos Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros, e n óbvia ofensa às normas legais aplicáveis à exportação de material de guerra português, bem como ao transbordo de armamento proveniente do exterior.
Insistimos no facto de terem sido indicados publicamente o;, números dos voos, as datas, as companhias aéreas er volvidas, as empresas intervenientes na importação e exportação. São dados objectivos, factos, a DGTT - Direcção-Geral de Transportes Terrestes tem-se recusado até à data a fornecer a lista integral dos movimentos de carga e descarga no Aeroporto de Lisboa. Fecha-os a sete chaves, o que reforça todas as suspeições, dúvidas e acusações. Essa lista tem de ser enviada à Assembleia da República.
A sua análise confirmará, por certo, que os cérebros da operação Irangate reservaram para Portugal o papel de se transformar numa das grandes fontes de abaste-

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cimento de armas e munições dos centras da Nicarágua. Os elementos vindos a público revelam também que certificados de destino final foram falsificados de forma a apresentar que as armas vendidas por Portugal se destinam à Guatemala e que o transporte dessas armas se realizou em voo de uma companhia aérea com ligações dos serviços secretos norte-americanos, sendo um ou dois aparelhos desviados para o transporte de mísseis para o Irão. Que um destes voos para o Irão esteve retido em Lisboa até intervenção de serviços secretos estrangeiros.
O inquérito que o PCP propõe permitirá deslindar os pormenores dessa intervenção rocambolesca. Por outro lado, a Comissão Tower analisou um registo de computador contendo uma mensagem onde o tenente-coronel Oliver North informou o vice-chefe do CNS - Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos de que os aviões destinados a transportar armas para os contras podiam ser utilizados para transportar mísseis de Israel para o Irão.
Igualmente se comprovou a existência de um diagrama elaborado pelo tenente-coronel Oliver North e encontrado no seu gabinete no CNS, onde, no que diz respeito às operações e armas (OP ARMS), são citadas as siglas DEFEX, SAT e TWA, presumivelmente correspondentes a uma empresa de comércio de armas portuguesa, e duas outras para o transporte aéreo desses armamentos.
Esta é mais uma prova da forma como o nosso território foi usado pela Administração Norte-Americana.
A gravidade deste escândalo conheceu novas e tenebrosas proporções com a recente revelação feita por um semanário de que a venda de determinados armamentos depositados em Portugal teriam sido adquiridos com fundos provenientes do tráfico de narcóticos.
O Governo do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, longe de esclarecer, de forma pronta e cabal, as múltiplas interrogações, assume uma posição que legitima fundas apreensões quanto à profundidade do seu envolvimento neste escândalo: em 20 de Novembro de 1986 o Primeiro-Ministro desmentiu a utilização abusiva do território nacional e a venda ilegal de armamentos.
Em 22 de Janeiro de 1987 uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde transparece, numa omissão negligenciai, quanto à venda de armamentos, uma incapacidade ou conivência quanto à utilização de portos e aeroportos para carregamentos ou transbordo, substitua a gravidade das falsificações cometidas, os vícios da actuação das diversas entidades fiscalizadoras e os desvios verificados, deixando a claro a fragilidade e precariedade dos mecanismos, meios e rotinas de funcionamento das estruturas responsáveis pela operação de exportação e reexportação de material de guerra.
Aproveitamos para transcrever as declarações do Primeiro-Ministro, numa entrevista dada a um semanário de Lisboa, entrevista na qual Cavaco Silva diz «há certas matérias em relação às quais os interesses superiores do Estado exigem um certo sigilo. O que pergunta (respondia aos jornalistas) prende-se, creio, com o Irangate, que é um caso dos Estados Unidos e não português. O Governo não autorizou de facto nem ocorreram transbordos de armas em aeroportos portugueses, volto a reafirmar. Perante outros pedidos de utilização dos aeroportos nacionais, por aeronaves de outros países, nós analisaremos caso a caso e autorizaremos consoante verificarmos que tal não prejudica os interesses de Portugal e se insere nas relações com países com quem temos laços de amizade, fazem parte do quadro NATO e com os quais temos acordos em matéria de defesa. Posso dizer mais uma coisa: o Governo nunca autorizou a venda de armas para combater governos que consideramos legítimos e com os quais temos relações diplomáticas». Estas declarações de desmentido do evidente reforçam as nossas preocupações e a necessidade do inquérito que agora propomos.
O inquérito parlamentar e o apuramento a fazer pela comissão a constituir deverá dar o esclarecimento de factos que o Governo procurou esconder e que põem em causa a dignidade e soberania nacionais.
O PCP procura as respostas, para que sejam apresentadas ao país, às interrogações que pairam no espírito da opinião pública.
Portugal tem ou não um deficiente sistema de importação e exportação de armamento, que permitiu a sua utilização pelo país traficante de armas?
Qual o conteúdo exacto do suporte magnético do computador utilizado por Oliver North, na parte que diz respeito às conexões com a utilização do nosso país?
Existiram ou não pressões ou intervenções da CIA aquando da passagem pelo aeroporto de Lisboa de mísseis destinados a Teerão?
Que empresas participaram nas remessas das armas e o que é que o Governo vai dizer sobre a utilização dessas empresas?
Qual a nacionalidade das armas transaccionadas e companhias aéreas utilizadas no tráfico?
Assumiu o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, na viagem aos EUA, algum compromisso, designadamente no encontro com William Casey?
Através do presente inquérito, nos termos da Lei n.º 43/77, a Assembleia da República deverá ser informada com o máximo pormenor e clareza, adoptando as medidas necessárias para que lhe sejam fornecidos todos os elementos, oficiais ou públicos, tanto de carácter nacional ou internacional, com vista a apurar todas as circunstâncias em que ocorreu a participação portuguesa no Irangate.
A gravidade dos factos exige que esta Assembleia o aprove, porque assim o exigem os Portugueses e a defesa da independência nacional!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Barros.

O Sr. Ricardo Barros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dentro da filosofia seguida de viabilizar todos os inquéritos pedidos à Assembleia nos termos apropriados, o PS votará favoravelmente mais este pedido de inquérito. Convém alertar porém para os riscos de aprovar sistematicamente toda e qualquer iniciativa do mesmo tipo sem ter em conta outros critérios que os do simples automatismo parlamentar. Tanto mais que a proliferação de inquéritos determinados por fundamentos muitas vezes de razoabilidade discutível só tem contribuído para o esvaimento do seu significado, da sua importância e da sua eficácia.
Neste caso, todavia, votaremos favoravelmente porque, pesem embora os contornos imprecisos da resolução e o carácter da sua fundamentação, consideramos essencial que uma matéria do melindre e da complexidade da que parece ser objecto do presente

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inquérito seja desdramatizada através de um esclarecimento satisfatório sobre os aspectos que têm suscitado muita controvérsia e acesa polémica, quer no âmbito interno, quer sobretudo no domínio externo. Pensa o Partido Socialista que, mais do que os aspectos especulativos e marginais que certamente servem outros interesses que não os nacionais, este inquérito deverá, antes de mais, contribuir para o reforço dos mecanismos legais e administrativos que garantam uma coordenação mais eficaz dos processos de autorização de exportação de materiais de utilização militar importados ou produzidos pela indústria nacional. Na defesa do interesse nacional, o PS recusará, no entanto, que o presente inquérito possa vir a ser desviado dos objectivos que enunciamos e encaminhado para que, por essa via, sejam postos em causa aspectos essenciais de segurança nacional, bem como o papel das indústrias de defesa, no quadro da política do sector e os seus efeitos na balança comercial e na situação do emprego industrial português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Seabra.

O Sr. José Seabra (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas umas breves considerações acerca da matéria hoje aqui em debate e que se refere ao pedido de inquérito parlamentar n.º 6/IV, solicitado pelo PCP, relativo «à actuação das entidades portuguesas intervenientes na venda de armas e desvio de fundos do material de guerra no quadro da operação secreta da Administração Norte-Americana conhecida pela designação de Irangate.
Este caso e a eventual utilização do território português têm suscitado, na opinião pública, natural interesse em conhecer a veracidade dos factos e a eventual responsabilidade, se é que efectivamente ela existe, das autoridades nacionais.
Foi este um tema cuidadosamente tratado pelo PRD aquando da recente interpelação ao Governo sobre defesa nacional, tendo, neste sentido, questionado o executivo para esclarecer se tencionava proceder a um inquérito face à gravidade das notícias divulgadas, principalmente na imprensa dos Estados Unidos da América, nas quais se aludia à utilização do território nacional para trânsito ilegal de armas.
Durante o debate então travado, e apesar de o Governo ter prestado alguns esclarecimentos, continuaram, no entanto, a subsistir alguns aspectos menos claros, passíveis de levarem o executivo a constituir uma comissão de inquérito para averiguação de eventuais desvios as suas decisões, ou as produzidas pelo Governo anterior.
Porém, o Governo preferiu não o fazer, e ao tomar tal decisão deu oportunidade a outro partido representado nesta Assembleia da República de pedir o inquérito parlamentar agora em apreciação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a nossa política externa está fundamentalmente balizada pelo artigo 7.º da Constituição, que diz, no seu ponto 1:
Portugal rege-se, nas relações internacionais, pelos princípios da independência nacional; do respeito dos povos à autodeterminação e à independência; da igualdade entre os Estados; da solução pacífica dos conflitos internacionais; da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
Por seu turno, o programa do Governo anuncia, no capítulo sobre política externa, a intenção de «defender e projecta os interesses de Portugal e dos portugueses no mundo»; «garantir os compromissos assumidos na ordem internacional»; «desenvolver esforços no plano do desarmamento {...] envolvendo [...] uma concertação com outros países no sentido da redução de focos de tesão e conflitos regionais [...]»; «assegurar uma intervenção global e concertada mais activa, eficaz e perenemente na Europa comunitária, no contexto político mundial».
O Governo tem assim explicitadas as principais linhas orientadoras da política externa para a qual lhe cabe a condução e em função da qual deverá gerir e controlar o aparelho de Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD, sublinho, nunca se opor a iniciativas visando o total esclarecimento de quaisquer situações, independentemente da sua procedência e natureza. Se outro procedimento adoptássemos, estaríamos, certamente e directamente, a contribuir pira o avolumar de suspeitas, porventura infundadas.
Que se esclareça a verdade também nesta matéria - eis o nosso objectivo!
E bastaria o facto de se tratar de um inquérito de iniciativa parlamentar, a que nunca nos opusemos, para não alterarmos a nossa posição.
Por isso daremos apoio ao pedido de inquérito em apreço.

Aplausos d? PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como em diversas oportunidades já foi referido nesta Assembleia, existe em Portugal uma indústria de defesa que dá trabalho a cerca de 7000 portugueses, lista situação não foi naturalmente criada pelo Governo, mas também não pode por ele ser ignorada.
Por isso se tem procurado modernizar essa indústria e tomar medi ias de saneamento económico-financeiro e de valorização do nível tecnológico da única empresa pública do sector, a INDEP, que permitam o seu gradual redimensionamento, adequando-a ao mercado estável previsível.
Ao mesmo tempo, o Governo tem tomado todas as providências 10 seu alcance para garantir que a exportação de armas e munições por pane de empresas portuguesas se processe no mais escrupuloso respeito pelas normas legai:, em vigor. Assim tem sucedido, através de uma articulação da actuação dos Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros na análise das operações que lhes são apresentadas.
Por outro lado, convém aqui recordar que a participação de Portugal no comércio internacional de armas corresponde uma percentagem verdadeiramente insignificante permite o volume global de transacções efectuadas nesta área de actividade. Ao mesmo tempo, aquilo que produzimos e vendemos, a natureza dos pró-

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dutos que fabricamos e transaccionamos, não é susceptível de modo algum de ter um peso decisivo na sorte de qualquer conflito. Por outras palavras, não será nunca o material de guerra vendido pelos portugueses que poderá vir a influenciar o desfecho de qualquer conflito armado em qualquer parte do mundo. Não é Portugal que produz os mísseis, os aviões, os equipamentos sofisticados que constituem notícia quase diária dos meios de comunicação social nacionais e estrangeiros.
Por tudo isto, não se pode deixar de estranhar toda a especulação e empolamento que algumas forças partidárias, e em particular o PCP, se têm esforçado por desenvolver em redor desta matéria. O seu comportamento tem criado objectivamente dificuldades suplementares à exportação dos produtos da nossa indústria de armamento, lançando maior incerteza sobre os postos de trabalho existentes, atemorizando potenciais compradores e dificultando a recuperação de um sector em que o Governo continua empenhado, por lhe reconhecer interesse estratégico no plano nacional.
Mas o tema que nos traz aqui hoje ultrapassa em muito este objectivo imediato do PCP. £ que o Partido Comunista não pretende apenas alimentar a perturbação na indústria de armamento portuguesa; quer ir mais longe. O Partido Comunista quer agora que seja criada na Assembleia da República uma comissão de inquérito ao denominado caso Irangate. E isto apesar de o Governo Português já ter afirmado categoricamente, quer em comunicado emitido em Janeiro último pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, quer em sessão de perguntas aqui realizada, quer ainda durante a interpelação ao Governo centrada sobre política de defesa nacional, não ter sido autorizado no período da sua vigência o transbordo em aeroportos ou portos nacionais de material de guerra proveniente dos Estados Unidos da América, ou de Israel, para o Irão ou para a Nicarágua. Também foram já dadas garantias formais de não ter sido autorizada pelo X Governo Constitucional qualquer venda de material de defesa português a organizações ou movimentos que combatam governos internacionalmente reconhecidos, de países com os quais Portugal mantém relações diplomáticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assim, para além da situação anómala em que, caso a presente proposta de inquérito parlamentar fosse aprovada, o Estado Português inevitavelmente incorreria, ou seja, haver uma comissão de inquérito no seio do órgão de soberania que constitui a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, cuja finalidade se reconduziria a investigar um acto ou actos que têm a ver com a administração de um país nosso aliado no seio da NATO. Para além dessa anomalia, dizíamos nós, é parecer do Governo que há razões não confessadas que determinam o PCP a tomar esta iniciativa insólita.
Na realidade, o PCP sabe que não há aqui matéria que possa atingir o actual Governo.
Os alvos do PCP são, no caso presente, portanto outros. Alguns nem ele próprio terá a certeza que existam, mas há objectivos que estão para o PCP perfeitamente identificados.

Uma voz do PCP: - Não apoiado!

O Orador: - Um primeiro será, como dissemos, o de atingir a própria administração norte-americana, procurando alimentar, a partir da Europa, ainda que à custa da eventual instrumentalização do Parlamento Português, uma questão que causou e causa ainda inegáveis perturbações no seu seio. Um segundo, tem naturalmente a ver com o acesso a informações a que de outro modo o PCP nunca acederia. Como sejam informações importantes relativas à NATO ou a aspectos de natureza militar respeitantes à Base das Lajes.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Deixe-se de fitas!

O Orador: - Esta actuação do Partido Comunista insere-se aliás na sua estratégia de tentativa de penetração no aparelho de Estado e de obtenção de acesso a informações que constituem segredo de Estado.
O Governo reafirma, mais uma vez, que não há nada em todo o processo relativo ao denominado Irangate que possa comprometer a sua postura e o respeito pelas leis portuguesas e pelas regras da ética.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É por isso que vêm cá os Americanos!

O Orador: - Entende também ser seu dever alertar os partidos democráticos com assento parlamentar para os objectivos laterais que possam estar na base desta iniciativa.
Antes de terminar, não quero deixar de referir, com a devida vénia, as afirmações que, sobre este mesmo assunto, o Sr. Presidente da República proferiu em entrevista dada recentemente:
O Governo já se pronunciou sobre o tema, com transparência. Aquilo que tem sido feito em matéria de venda de armas por Portugal é o que a lei autoriza. Os Estados Unidos têm uma legislação diferente da nossa. Ora, lá porque eles inventaram o Irangate, não vamos nós aqui procurar ter, em ponto pequeno, o nosso próprio Irangate. É absurdo. Não faz qualquer sentido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo agiu, pois, no cumprimento daquilo que considera ser o seu dever. O Governo nada teme porque nada tem a temer. A Assembleia, porém, é naturalmente soberana para decidir o que melhor lhe aprouver!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, tem a palavra o Sr. Deputado José Cruz.

O Sr. José Cruz (PCP): - Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, creio que teria sido subvertido o sentido do inquérito que o PCP aqui apresenta uma relação ao Irangate. Em primeiro lugar, queremos dizer que esta questão de misturar a indústria de defesa nacional com o presente inquérito é uma manobra lateral para desviar as atenções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista Português tem consciência da situação em que se encontra a indústria de defesa nacional, e o que é objectivo neste inquérito é saber se, sim ou não, o Aeroporto de Lisboa foi uti-

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lizado para transportar os mísseis que vieram de Israel para o Irão, os mísseis Hawk, aqueles que toda a imprensa internacional diz que foram transportados através do Aeroporto de Lisboa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E também saber se a indústria nacional vendeu armas pensando que as estava a vender para a Guatemala quando na realidade havia certificados de destino final falsificados em relação à venda dessas armas. O Governo da Guatemala já ordenou um inquérito para saber se essas armas foram ou não de Portugal e para onde é que foram, não percebo por que é que o Governo Português ainda não fez o mesmo, quando as razões em que o Governo da Guatemala se baseou foi o conhecimento do que diziam os órgãos da comunicação social. Penso que a informação social ainda merece algum crédito e o próprio presidente Ronald Reagan, quando teve início nos EUA o escândalo, também começou por negar tudo para acabar por reconhecer que também se tinha envolvido nesse escândalo,

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sabia de tudo, era o principal responsável!

O Orador: - Não temos qualquer interesse, ao contrário do que foi aqui referido, em aceder à informação clarificada da NATO através deste inquérito do Irangate. O que nós queremos saber é informação de cá de dentro, do nosso país. Ainda no último fim de semana houve um semanário que disse que lhe foi negada uma lista que está aí disponível e que basta carregar num botão de um computador para que, em cinco minutos, ela salte cá para fora.
Creio que as razões que expusemos na nossa intervenção são claras e objectivas: o Irangate é um caso dos Estados Unidos, mas o que queremos apreciar é a participação portuguesa neste caso. É concretamente em relação a isto que o PCP pede um inquérito e espera que ele venha a ser aprovado nesta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Ministro, há informação classificada da NATO?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate.
É chegada a hora do nosso intervalo regimental, pelo que a votação far-se-á às 18 horas, no reinicio dos nossos trabalhos.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 32 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, em primeiro lugar será efectuada a votação final global da ratificação n.º 4/IV (PCP), relativa ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, que cria o Conselho Nacional de Educação e Universidades.

Vamos, pois, votar.

Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente Ribeiro Teles e votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Rui Oliveira e Costa.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho Nacional de Educação votado por esta Assembleia não surge do nada (há muito existia 10 papel um conselho do Ministério da Educação e Cultura), mas é um conselho de facto novo e estruturado de forma a ser um verdadeiro órgão consultivo, dotado de representatividade, para os problemas da educação e do ensino.
Para justificar o voto favorável do Partido Socialista, vale a pena salientar algumas das virtudes do novo órgão:

1) Independência. - Contrariamente ao conselho governamental, o Conselho Nacional de Educação goza de independência e autonomia. Independente nomeadamente do Ministro da Educação e Cultura, este há-de encontrar no conselho a isenção e a competência necessárias à emissão de pareceres fundamentados nas matérias educativas de especial complexidade. Uma subordinação hierárquica retiraria ao Conselho Nacional de Educação essa capacidade imprescindível à satisfação dos objectivos da sua criação. Também por isso propusemos um estatuto condigno para o seu presidente, incluindo a eleição pelo Parlamento e em maioria absoluta, bem como um regimento remuneratório equivalente ao de professor catedrático;
2) Órgão de concertação social. - Em cumprimente do estipulado na Lei de Bases do Sistema Educativo, o CNE acolhe representatividade das forçai sociais, culturais, económicas e sócio-profissionais. Houve o cuidado de articular a representatividade com a eficácia do funcionamento, atribuindo funções específicas à comissão permanente e privilegiando, através de mecanismos adequados, as comissões especializadas;
3) Órgão de avaliação pedagógica. - Conselho de âmbito nacional, abrangendo os vários sectores educativos, o Conselho Nacional de Educação tem condições para ser um autêntico observador da actividade educativa do país, acompanhando e pró lucilando-se sobre as grandes questões de política educativa. Nesta fase de implementação da Lei de Bases do Sistema Educativo, o Conselho terá responsabilidades acrescidas. Importa que a reforma educativa estabelecida na Lei de Bases seja concretizada em plena obediência às determinações da Assembleia da República.
Um Conselho Nacional de Educação não é um conselho do Ministério da Educação, das escolas, das associações cientificas ou de quaisquer outras estruturas. É um conselho do País em matéria educativa. É que a educação não é exclusiva de professores e alunos ou mesmo de pais e encarregados de educação. Diz respeito a todo o País, às universidades e às autarquias, às associações e aos sindicatos, aos cidadãos, individual e colectivamente considerados.
Não há leis perfeitas. Por outro lado, a bondade dos diplomas legais é testada pela realidade. Estamos convencidos de que o Parlamento criou uma estrutura capaz de servir os nobres objectivos da educação e do país.
Estas as razões do nosso voto favorável.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de aprovada a Lei das Bases do Sistema Educativo na passada sessão legislativa, a Assembleia da República deu hoje um importante passo para a sua implementação, aprovando o enquadramento legal no Conselho Nacional de Educação.
Esta matéria foi, desde sempre, marcada por duas concepções radicalmente opostas. De um lado o PSD e o seu Governo, com o apoio do CDS numa atitude conservadora e governamentalizadora, que sempre entenderam, mesmo depois de publicada a Lei de Bases, o Conselho como um mero órgão de consulta do Governo. E, de outro, uma concepção moderna, dinâmica, virada para o futuro, entendendo o Conselho Nacional de Educação como fórum de diálogo, com uma actuação independente e uma composição alargada representativa dos mais importantes sectores de opinião ou indirectamente relacionadas com as questões educativas.
Venceu a modernidade e a perspectiva do futuro. A Assembleia da República cumpriu a tarefa a que se havia obrigado.
Em nosso entender, poderíamos ter ido mais longe na caracterização e no papel interventor do Conselho na definição da política educativa em Portugal, designadamente consagrando mecanismos de consulta prévia obrigatória nas grandes questões da educação e do ensino, como foi proposto pelo PCP. Lamentamos que tal não tenha sido possível.
Importa, contudo, assinalar que a lei que acabámos de votar consagra, no essencial, os grandes princípios que nortearam a intervenção dos deputados comunistas ao longo de todo o processo.
De assinalar, em primeiro lugar, a definição do Conselho Nacional de Educação como um órgão independente e não como um apêndice governamentalizado ao serviço, e na dependência, do Ministro da Educação e Cultura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, cabe sublinhar a constituição formal do Conselho, em que participam, conforme determina a Lei de Bases do Sistema Educativo, representantes das várias forças sociais, culturais e económicas, a par com representantes de todos os grupos parlamentares com assento na Assembleia da República e do próprio Governo, sendo de realçar o facto de competir a esta Assembleia a eleição do presidente do Conselho e não a sua designação ministerial, como defendia o Governo e o partido que o apoia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Merece também especial referência, em terceiro lugar, o quadro de competências do Conselho, que abrange a generalidade das áreas do sistema educativo, bem como a sua capacidade de intervenção sobre todas as questões educativas, quer a solicitação de outras entidades, quer por iniciativa própria.
Finalmente, há que referir o sistema democrático de funcionamento do Conselho, seja em plenário, seja nas suas diversas comissões, bem como a garantia da publicação das suas actas, incluindo as posições de voto de vencido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a entrada em funcionamento do Conselho Nacional de Educação desaparecem dois outros órgãos que haviam sido criados por lei da Assembleia da República, o Conselho Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos, CNAEBA, e o Conselho para a Liberdade de Ensino, passando as suas competências a ser exercidas pelo Conselho agora instituído. Se quanto ao primeiro é de louvar a sua actividade, que certamente não deixará de se repercutir na nova estrutura agora criada, já quanto ao segundo não é possível proceder a idêntico julgamento, pois, infelizmente, nunca foi possível testar a sua capacidade de intervenção.
Srs. Deputados: Está aprovado o quadro jurídico relativo ao Conselho Nacional de Educação. Mas este passo é apenas o início de um novo processo, que desejamos breve, para que o Conselho possa iniciar plenamente as suas funções.
Compete-nos, desde logo, procurar o mais alargado consenso possível para a eleição do presidente do Conselho, de quem dependerá em primeira mão a sua rápida constituição e entrada em funcionamento. Ao Governo compete a regulamentação da lei nas bases legalmente fixadas.
Cabe-nos apelar para que todos os interessados, designadamente as entidades que irão estar representadas no Conselho, iniciem desde já os necessários processos de reflexão para que seja possível, a curto prazo, o início de actividades deste importante órgão superior de acompanhamento da política educativa.
Como até aqui, podem contar com o Grupo Parlamentar do PCP para a concretização dos objectivos que, em conjunto, formos capazes de definir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Conceição.

O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD, hoje como em 1982, considera que em matéria tão importante como é a da educação, em que estão em jogo os interesses das pessoas e o desenvolvimento do País, se impõe, na concepção e implementação de quaisquer reformas, ter em atenção as opiniões e recomendações das forças sociais, económicas e culturais.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta preocupação aparece já no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 125/82, ao afirmar-se:

Há que efectuar a convergência de esforços de todos os que, de alguma forma, estão ligados a tal problemática e que tomam parte, com maior ou menor incidência, nos destinos da educação em Portugal.
Se é assim, por que votámos contra a lei agora apresentada?
Fizemo-lo por várias razões. Em primeiro lugar, porque o decreto-lei foi radicalmente alterado. O Conselho Nacional de Educação, embora funcionando junto do Ministério da Educação e Cultura, deixou de estar na dependência directa do Ministro, de ser o seu «órgão superior de consulta», de ter um presidente por ele

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designado, de poder ser por ele convocado extraordinariamente. O órgão agora criado é independente, tem um presidente eleito pela Assembleia da República e as suas funções específicas são exercidas por iniciativa própria ou a solicitação de «outras entidades». Repare-se que o destinatário normal dos pareceres ou propostas do Conselho, o Ministério da Educação e Cultura, não é expressamente referido, ficando, quando muito, equiparado a qualquer outra organização, incluído na expressão genérica e vaga de «outras entidades». Mais, estamos perante um órgão com capacidade de iniciativa e que pode publicitar, em Diário da República, os seus pareceres, propostas e recomendações, sem a prévia concordância ou homologação do Ministro. Dir-se-ia que se estão a criar as condições óptimas para potenciais conflitos. Ou já se esqueceu que a Lei de Bases do Sistema Educativo, no n.º 5 do artigo 1.º, estabelece que a coordenação da política relativa ao sistema educativo incumbe ao Governo, «através do ministério especificamente vocacionado para o efeito», e que o artigo 46.º da mesma lei é bem claro ao atribuir ao Conselho funções consultivas, que «se realizam sem prejuízo da competência própria dos órgãos de soberania»?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não estaremos a permitir a invasão na esfera de competência do Ministro, uma vez que as atribuições e competências do Conselho se enquadram na acção de coordenação acima referida?
No entanto, ainda não há muito tempo, alguns partidos da oposição defendiam posições bem próximas das consignadas no decreto-lei. Apenas a título de exemplo, refiro que o PCP, numa das suas propostas de alteração, apresentadas na Mesa da Assembleia em 11 de Dezembro de 1985, considerava que o presidente do Conselho Nacional de Educação era o Ministro da Educação e Cultura e que, em caso de delegação dessa função, o presidente seria designado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Educação e Cultura.
E não se diga que esta e outras mudanças de atitude por parte de alguns partidos da oposição resultaram da promulgação da Lei de Bases do Sistema Educativo. De facto, as funções de «acompanhamento» da «aplicação e desenvolvimento» desta Lei estão atribuídas ao Governo, nos termos do seu artigo 59.º e ao abrigo da alínea c) do artigo 201.º e da alínea c) do artigo 202.º da Constituição da República. Mais, o artigo 52. º da Lei de Bases é claro ao determinar que o Governo deve criar as estruturas que «assegurem e apoiem actividades de desenvolvimento curricular, de fomento da inovação e de avaliação do sistema». Isto é, a função «avaliava do sistema» está atribuída ao Governo. No fundo, portanto, a função específica do Conselho, de acordo com o artigo 46.º da Lei de Bases, é emitir pareceres, propostas e recomendações a solicitação, como é evidente, do órgão coordenador da política educativa.
Em segundo lugar, duvidamos da eficácia deste Conselho e até da legitimidade do seu Conselho Permanente. De facto, de acordo com o processo eleitoral previsto para a sua composição e tendo em conta o artigo 25.º da lei votada, o Conselho Permanente carecerá de legitimidade.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porquê? Porque se admite que a eleição dos vice-presidentes e dos vogais possa ser feita quando estiverem empossados metade mais um dos membros do Conselho!
Em terceiro lugar, permito-me chamar a atenção para um facto singular: um órgão independente do Ministério da Educação e Cultura deve ser por ele apoiado, em termos materiais, humanos e financeiros. Vai-se ao ponto de se determinar (artigo 12.", n.º 3) que «a Secretaria-Geral do Ministério da Educação assegura os serviços da contabilidade do Conselho» e, noutros pontos, «que o pessoal necessário à assessoria do Conselho pertença ao quadro dos órgãos e serviços centrais do Ministério» (n.º 2 do mesmo artigo). Por seu turno, o artigo 23.º estabelece que os encargos financeiros serão suportados por orçamento próprio, com «dotação inscrita no orçamento do Ministério da Educação». Eis uma série de pontos de possíveis dificuldades no relacionamento do Conselho com o Ministério.
O tempo é escasso para abordar outras razões justificativas do nosso voto contra. Mas, antes de terminar, gostaria de chamar a atenção da Câmara para o facto estranho de ser possível exercer o direito jurídico-constitucional da ratificação de um decreto-lei passados cinco aros sobre a sua publicação. Pelo menos, havemos de convir que esta demora prejudica gravemente a confiança na produção normativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sousa Pereira pediu a palavra também para uma declaração de voto?

O Sr. Sousa Pereira (PRD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para anunciar que o meu grupo parlamentar fará chegar à Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se agora à votação final global da proposta de lei n.º 46/IV, que autoriza o Governo a continuar a execução dos Programas de Reequipamento das Forças Armadas.

Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e votos contra do PCP e do MDP/CDE.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS votou favoravelmente a proposta de lei de programação militar, não obstante diversos aspectos a cia concernentes que estão aquém das considerações que apresentámos aquando da discussão na generalidade deste diploma. Ou seja, mais concretamente, o respeitante a uma melhor articulação dos investimentos previstos com uma eventual revisão do dispositivo das Forças Armadas, com a reforma das carreiras de pessoal, com o programa específico de limitação de gastos supérfluos e com o maior impacte do programa rã indústria portuguesa, nomeadamente nas indústrias e defesa. No entanto, a modernização das Forças Armadas é um imperativo nacional e o presente diploma, considerando nele pelo menos o indispensável, dá sequência a alguns aspectos relativamente àquele objectivo.

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Por outro lado, o PS, que viu conseguidos esforços seus nesse sentido, considera que a recente apresentação dos dados sobre as missões das Forças Armadas, o Sistema de Forças e Dispositivo, bem como o também recente envio à Assembleia da República por parte do Conselho Superior de Defesa Nacional do Conceito Estratégico Militar, constituem elementos importantes para um consideração mais aprofundada sobre os fundamentos das opções tomadas no domínio da programação militar. Foram ainda aceites alterações importantes que aqui colocámos, tais como, entre outras, a fusão no mesmo documento da Lei Intercalar da Programação Militar e da proposta de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o diploma aprovado põe termo a uma falta de enquadramento em que permaneciam um sector tão relevante da vida nacional como é o da defesa.
Finalmente, e como disse um colega meu de bancada, a partir de agora a programação militar poderá ser um facto estabilizador de previsão da despesa pública na área da defesa, conferindo às Forcas Armadas um maior grau de certeza sobre os montantes financeiros que lhes são afectos e ao país uma maior transparência em matéria de autorização e controle de gastos militares.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Joio Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP pretende, em primeiro lugar, sublinhar a importância institucional das leis da programação militar como instrumentos fundamentais no planeamento a médio prazo dos investimentos em equipamento e reequipamento militar e em infra-estruturas de defesa.
Sublinhamos ainda que, no quadro das necessidades concretas das Forças Armadas portuguesas, ainda hoje em grande parte condicionadas pelo tipo de equipamento a que foram conduzidas pela guerra colonial, ocorrida de 1961 a 1974, o esforço da modernização das Forças Armadas é um claro imperativo nacional, que urge realizar sem demoras.
Entende entretanto o Grupo Parlamentar do PCP que a lei de programação militar que se impõe deveria corresponder aos seguintes seis traços.
Em primeiro lugar, deveria assentar e ter por base um conceito estratégico de defesa nacional que acentuasse a necessidade de uma capacidade autónoma de defesa, isto é, que privilegiasse o interesse nacional.
Segundo: deveria definir opções e meios de financiamento que garantissem a prossecução e execução de um reequipamento militar, que se orientasse fundamentalmente para as necessidades nacionais de defesa.
Terceiro: deveria conter propostas concretamente definidas e temporalmente fixadas, com todo o rigor e transparência.
Quarto: deveria englobar, isto é, pôr em discussão todos os programas com significado para o quinquénio, ou seja, de 1987 a 1991.
Quinto: deveria ser precedido de um amplo debate nacional, que possibilitasse um profundo esclarecimento e um amplo consenso.
Sexto: deveria estimular e apoiar a indústria nacional de defesa.
Sucede, entretanto, que nenhum destes pressupostos estão preenchidos na presente proposta de lei.
Assim, não houve (foi abandonado pelo Governo!) o debate sério e aprofundado que se exigia.
A proposta efectivamente debatida contém afinal uma parte menor da real programação militar em curso, e que se consubstancia nos programas das fragatas Meko 200, A7P e P3B, programas impostos o ano passado à Assembleia da República como factos consumados, valendo no total muito mais de metade do total dos investimentos para o período.
A totalidade desses programas significativos (fragatas, A7 e P3) tem interesse predominante para a NATO e não para o País.
A presente proposta de lei, impondo a sua revisão já em 1988, acaba por ser uma mistificação, carecendo da projecção a médio prazo que se impunha e ficando-se afinal por uma mera lei de programas um curso para dois anos.
A possibilidade de variações de 30% no valor anual dos programas retira qualquer rigor à proposta.
Finalmente, a proposta ignora totalmente a dinamização das indústrias nacionais de defesa.
Cabe muito particularmente salientar que, assentando em financiamentos dos Estados Unidos da América, a programação militar proposta pelo governo Cavaco Silva aparece inserida nas necessidades dos EUA - que orientam e decidem o reequipamento -, em prejuízo dos interesses nacionais. Exemplo claro dessa linha de actuação - que, aliás, percorre toda a proposta - é o facto de os financiamentos vultosos serem feitos para dar cumprimento à ideia de que Portugal seria uma espécie de plataforma aeronaval dos EUA, esquecendo-se as necessidades básicas do exército português e da defesa da nossa integridade territorial. Aliás, o mais vultoso programa para o exército é precisamente a instalação de mísseis antiaéreos na base das Lajes, precisamente para a defesa de vulnerabilidades acrescentadas pela presença das forças dos EUA nessa base.
Srs. Deputados, se já se andou muito quando, pela acção desta Assembleia, se obrigou o governo Cavaco Silva a apresentar esta proposta de lei na Assembleia, em vez de esconder ao país o que andava a fazer em matéria de reequipamento. A verdade é que esta lei deixa à vista os erros profundos cometidos por este Governo em toda esta área, erros que comprometem uma capacidade autónoma de defesa, enfeudam o País a interesses dos EUA e da NATO e comprometem as garantias da independência nacional.
Exige-se que esses erros sejam, a breve prazo, corrigidos.
Estes são os fundamentos do nosso voto contra.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente lei é uma lei de consenso nacional. Basta verificar o tipo de votação ocorrido nesta Assembleia para se perceber que mais de 80 % dos representantes do povo português a aprovaram. É, exactamente por isso, errado aquilo que o Partido Comunista acabou de dizer.
Em segundo lugar, esta lei é uma lei que traduz um amplo debate nacional.
Em democracia estes debates nacionais amplos fazem-se nas sedes onde o povo está representado, ou seja, na Assembleia da República, e o amplo debate

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que se fez acerca dela, em Plenário e na Comissão de Defesa Nacional, anula aquilo que o Partido Comunista acabou de dizer.
Em terceiro lugar, esta lei é uma lei que honra a democracia, visto que é a primeira vez que, em Portugal, com transparência, claramente e de acordo com a Constituição e a lei, os representantes do povo português dotam as Forças Armadas de instrumentos fundamentais, consagrados pela Nação através dos seus representantes.
Aqui, uma vez mais, o Partido Comunista errou.
Em quarto lugar, o objectivo básico sobre o qual foi feita esta lei é o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, ou seja, o documento aprovado, há dois anos, nesta Assembleia, ratificado posteriormente pelo Governo e pelo Conselho Superior de Defesa Nacional.
Como tal, o Partido Comunista não tem razão neste ponto.
Em quinto lugar, esta lei tem como objectivos fundamentais tornar as Forcas Armadas portuguesas o instrumento do Estado Português para a contenção ou dissuasão de eventuais ameaças, dotando-as dos mínimos meios para o efeito.
Os meios de equipamento militar aqui consagrados são meios que respondem a necessidades portuguesas - e não estrangeiras -, que correspondem a necessidades decorrentes do facto de Portugal ter uma plataforma continental, ter dois arquipélagos e ter um vasto espaço aero-naval para defender. Os objectivos são portugueses e não estrangeiros.
Por isso, o Partido Comunista também aqui não tem razão.
Por último, Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta lei ajuda e moderniza as Forças Armadas portuguesas e está de acordo com os objectivos do estado democrático. Esta lei, feita pela primeira vez em democracia, às claras e perante o País, programa a programa, anualmente, com os montantes respectivos a ele apensos, significa, da parte de Portugal, um êxito da democracia.
Quem não se quis ligar ao êxito deste mesmo projecto, e foi só o Partido Comunista, não quis, naturalmente, ligar-se ao êxito da transparência democrática. O problema é dele, não é da democracia portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação na generalidade dos projectos de lei n.ºs 274/IV, do PSD, 313/IV, do PRD, e 387/IV, do CDS, sobre a Lei de Bases dos Meios Audiovisuais e Radiotelevisão.

Vamos votar, em primeiro lugar, o projecto de lei n.º 274/IV, do PS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Rui Oliveira e Costa e Ribeiro Teles, votos contra do PCP e do MDP/CDE e abstenção do PSD.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 313/IV, do PRD.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE e votos a favor do PS, do PRD e dos deputados independentes Rui Oliveira e Costa e Ribeiro Teles.

Srs. Deputados, vamos votar agora o projecto de lei n.º 387/IV, do CDS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Rui Oliveira e Costa e Ribeiro Teles e votos contra do PCP e do MDP/CDE.

Entretanto, deu entrada na mesa um requerimento de baixa à comissão, do seguinte teor:

Os deputados abaixo assinados requerem, nos termos regimentais, a baixa à Comissão Eventual para o estudo da proposta n.º 5/IV, cujo ...

Srs. Deputados, um momento, pois a Mesa não compreende bem, nem a letra nem o conteúdo do requerimento.

Pausa.

O Sr. Gonus de Pinho (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço desculpa porque, de facto, é possível que a letra não seja muito legível.
O sentido do requerimento é o de promover a baixa à comissão dos dois projectos agora aprovados, por um prazo de 30 dias, sendo a comissão aquela que foi encarregada de apreciar a proposta de lei n.º 5/IV, sobre a mesma questão.

O Sr. Presidente: - Já compreendi o sentido do requerimento, Sr. Deputado Gomes de Pinho.
Portanto, o requerimento propõe que os dois projectos agora aprovados baixem à Comissão Eventual, que foi criada pura estudar a proposta de lei n.º 5/IV. Nessa comissão proceder-se-á à discussão e votação, na especialidade, dos referidos projectos de lei.
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, pretendia saber se há declarações de voto na sequência destas votações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há declarações de voto, uma vez que se tratou de votações na generalidade e as declarações de voto são autorizadas apenas aquando das votações finais globais.
Srs. Deputados, vamos agora passar à votação do projecto de resolução n.º 15/IV, do CDS, debatido na generalidade no decorrer da sessão de hoje e que incide sobre a instituição do dia 3 de Junho, data da 1.ª Reunião da Assembleia Constituinte, e destiná-lo a acções de informação e sensibilização dos Portugueses sobre a natureza, competência, funcionamento e importância da instituição parlamentar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por último vamos votar o inquérito parlamentar n.º 6, apresentado pelo PCP, relativo à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à actuação das entidades portuguesas intervenientes na venda de armas e desvio de fundos e material de guerra do quadro da operação secreta da Administração Norte-Americana conhecida pela designação de Irangate.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP e do deputado independente Ribeiro Teles e as abstenções do PSD, do CDS e do deputado independente Rui Oliveira e Costa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao final das votações agendadas para hoje.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o PSD não produziu nenhuma intervenção, o Sr. Deputado Angelo Correia pode fazer a declaração de voto.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não quisemos que por causa do PSD se dissesse que obstacularizariamos uma comissão de inquérito sobre esta questão. Mas, naturalmente, não poderíamos votar a favor por várias razões.
Em primeiro lugar, não votámos a favor por ser um problema que se passou na órbita, não deste Governo, mas do Governo anterior, portanto o Governo nada tinha a temer em relação a uma questão que não lhe diz respeito directamente. Por razões de aspectos não suficientemente indicados em termos de comunicação social e de factos indicadores, não poderemos propiciar a realização de inquéritos por tudo e por nada. Se, com uma situação desta natureza, coonestássemos qualquer tipo de inquérito, a certa altura a instituição parlamentar tornar-se-ia numa comissão de inquérito permanente e não fazia mais nada. Não havia, por isso, razões suficientes e indiciadoras de que fosse necessário levar a cabo um inquérito desta natureza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, há outra razão mais importante, ou pelo menos tão importante: não há dúvidas de que, com a composição desta Assembleia, o inquérito pode ser conduzido num sentido que, na prática, pode prejudicar o interesse português e, aliás, tem-no prejudicado em algumas circunstâncias e com algumas afirmações feitas, que são excessivas face à indústria de defesa nacional. Todas as pessoas sabem que a indústria de defesa em Portugal é limitada, não tem grande capacidade tecnológica, não tem um efeito suficiente para poder desestabilizar qualquer um dos lados da contenda militar que se pode verificar em qualquer lado do mundo e, além disso, não somos uma superpotência em termos militares. No entanto, devo recordar que das indústrias de defesa vivem, seguramente, milhares de trabalhadores e a situação industrial e financeira destas indústrias é débil e difícil, e o nosso receio é que, por via de um inquérito desta natureza e daquilo que ele à partida não procura obter, mas que na prática pode querer chegar aí por efeitos determinados de partidos em questão e em directo, crie-mos um efeito negativo sobre a própria indústria de defesa nacional. Portanto, os efeitos, na prática, seriam debelitadores, quer do sector público quer do privado, do interesse português.
Todas estas razões em conjunto aduzir-nos-iam em não favorecer este inquérito. Mas, para que não se diga que o PSD o dificulta e o impede, abstivemo-nos.
Estamos crentes que o Governo disse simplesmente a verdade, pois mais nada havia a dizer de especial. Irangate não é um problema português; é um problema norte-americano. Não o transformemos num problema português, como o Sr. Presidente da República disse e muito bem!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para anunciar que, na sequência da aprovação da realização do inquérito parlamentar, vamos fazer chegar à Mesa uma proposta sobre a composição da comissão de inquérito.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Pausa.

Srs. Deputados, deu entrada na Mesa uma proposta, apresentada pelo PCP, sobre a composição da comissão de inquérito, que vai ser lida.

Foi lida. Ë a seguinte:

Os deputados abaixo assinados propõem que seja a seguinte a composição da Comissão de Inquérito, cuja criação acaba de ser aprovada, com vista a apurar em toda a extensão a conduta das entidades portuguesas intervenientes na venda de armas e desvio de fundos e material de guerra no quadro da operação secreta conhecida por Irangate, determinando em especial as condições em que pôde ocorrer a utilização, por potência estrangeira, para tais finalidades, de portos, aeroportos e empresas nacionais, bem como as responsabilidades do Governo e da Administração Pública em todo o processo:

PSD - Oito deputados; PS - Cinco deputados; PRD - Três deputados; PCP - Três deputados; CDS - Um deputado; MDP/CDE - Um deputado.

Assembleia da República, 31 de Março de 1987. - Os Deputados do PCP: Jorge Lemos - José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a composição da comissão de inquérito respeita o critério de proporcionalidade. Vamos, pois, votar esta proposta.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do recurso interposto pelo PSD sobre a admissibilidade dos projectos de lei n.º 381/IV (PRD), sobre a interven-

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cão da Assembleia da República em matéria respeitante à participação de Portugal nas Comunidades Europeias, 385/IV (PS), sobre a participação da Assembleia da República na formulação das políticas comunitárias, e 386/IV (PCP), que estabelece normas tendentes a salvaguardar e garantir o pleno exercício das competências da Assembleia da República no tocante às questões decorrentes da adesão à CEE.
Como os Srs. Deputados sabem, trata-se apenas de votar o parecer da comissão. Os Srs. Deputados pretendem que o relatório e parecer da comissão seja lido na íntegra ou apenas a parte conclusiva?

Pausa.

Pelo silêncio, presumo que os Srs. Deputados prescindem da leitura do relatório, pelo que vai ser lido apenas o parecer.

Foi lido. É o seguinte:

Parecer

Os projectos de lei n.ºs 381/IV, 385/IV e 386/IV não enfermam de inconstitucionalidade que obste à sua admissibilidade.

Assembleia da República, 25 de Março de 1987. - O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, António de Almeida Santos. - O Relator, José Mana Andrade Pereira.

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Presidente, penso que, em termos regimentais, pode haver lugar a um debate antes da votação do parecer.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Rui Machete.

Srs. Deputados, está em discussão o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção processa-se em circunstâncias um pouco peculiares. É que não tenho grandes ilusões acerca do resultado da votação do parecer, pois sei que ele vai ser aprovado e a Assembleia da República, por maioria, vai passar por cima das objecções que, oportunamente, foram apresentadas acerca de alguns artigos dos diplomas em causa, dos quais são signatários, respectivamente, o PRD, o PS e o PCP.
Todavia, trata-se de uma matéria extremamente delicada, que mereceria uma ponderação cuidada e que as meras considerações políticas não sobrelevassem sobre os aspectos jurídicos e políticos de fundo que estão inscritos e por detrás desta questão.
Não se nega que se torna necessário encontrar fórmulas adequadas para que a Assembleia da República se encontre em condições de, em plenitude, exercer as suas funções no que diz respeito às Comunidades Económicas Europeias. No entanto, pensa-se que esse exercício, em plenitude das suas funções, não deve traduzir-se em extravasar delas e violar claramente o princípio da separação de poderes. E aquilo de que se trata é, em alguns dos preceitos, uma violação clara do princípio da separação dos poderes em matéria de competência quanto às relações internacionais.
Penso que uma ponderação repito mais atenta poderia conduzir a encontrar soluções consentâneas com o texto constitucional e que satisfizessem as reais necessidades em que nos encontramos de resolver um problema que, naturalmente, a Assembleia Constituinte não tinha diante de si quando elaborou a Constituição. Além disso, não é suficiente alegar o que se passa nas experiências constitucionais estrangeiras, porque as estruturas constitucionais dizem respeito a cada Estado, a cada Constituição, e, naturalmente, têm de observar os respectivos limites e as respectivas definições.
Na realidade, em termos da separação de poderes, em Portugal as coisas são claras: à Assembleia da República cabe fazer leis, fiscalizar a actividade do Governo, estabelecer directrizes em termos do Programa do Governo, que aprova ou rejeita, e, se não está satisfeita com o Governo, censurá-lo e demiti-lo. Aliás, estamos em vésperas de discutir uma moção de censura, ocasião azada para que se veja quem está a favor ou contra a política do Governo.
Porém, r ao cabe à Assembleia da República a condução da política externa, como também não cabe a condução da política interna. Nem o Governo é um simples conselho de administração ou uma direcção-geral da Assembleia da República, a quem esta possa dar instruções ou directrizes vinculantes sobre a maneira como deve comportar-se aqui e ali, salvo, naturalmente, as suas competências legislativas específicas. Isto está claramente especificado na Constituição e, quando nestes diplomas como é o caso, por exemplo, do projecto de lei apresentado pelo PRD se vai ao ponto de pretendia- vincular o Governo a pareceres prévios ou, pelo menos, a influenciá-lo em termos de a Assembleia, com o peso político que tem pois é um órgão que fiscaliza o Governo e que, em última análise, dita a sua sorte -, se pronunciar sobre os termos em que o Governo eleve conduzir a política externa em matéria de Comunidades Europeias, trata-se de algo que exorbita das fincões de fiscalização da Assembleia da República ou cie propulsão por via legislativa, que cabem a este órgão legislativo e político por excelência.
É uma matéria que uma simples pré-compreensão dos esquemas constitucionais torna evidente, mas que - repito -, a atermo-nos por considerações políticas, corremos om risco sério, não apenas em relação à situação concreta deste Governo minoritário e de uma oposição maioritária e dividida, mas também em relação a qualquer outro governo, no sentido de, definitivamente, enviesarmos as coisas, sem benefício para ninguém.
Aquando do recurso interposto pelo PSD foram estabelecidos com clareza, os artigos em que nos apoiávamos, e eles são inequívocos no sentido de uma orientação muito clara nesta matéria. Embora de passagem, na sua fundamentação, o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias refira o problema de os pareceres não poderem ser demasiado pormenorizados, o que é sintomático e evidencia que as coisas não estão completamente claras no espírito de alguns dos juristas que certamente foram os signatários, a verdade é que essa preocupação não

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se traduziu na decisão final e, afinal de contas, o parecer é muito pobre em termos de, para além das políticas evidentes, explicar as razões por que optou pela solução que escolheu.
Diga-se ainda que dos três diplomas em questão, o mais cauteloso de todos é o projecto de lei apresentado pelo PCP: é um projecto de lei que por vezes diz coisas óbvias e repete a Constituição para depois, através dos interstícios, aqui ou além, então avançar em relação a coisas novas e, essas sim, inconstitucionais. E aquele que mais frontal, clara e ingenuamente afronta a Constituição é o projecto de lei apresentado pelo PRD.
Se a Assembleia fosse, como nos velhos tempos do liberalismo, um órgão de reflexão, talvez as minhas considerações merecessem alguma ponderação por parte dos Srs. Deputados. Porém, estando reduzida, como está, a ecoar as decisões dos estados-maiores partidários, não tenho grandes ilusões acerca da sorte destas minhas reflexões. Todavia, cabe-me o dever de o fazer e, embora sem grandes esperanças, espero que na discussão destes diplomas pelo menos algumas destas minhas inquietações venham a obter atenção por parte dos Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Magalhães Mota e Andrade Pereira.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Deputado Rui Machete, em primeiro lugar, gostaria de saber se, para o Sr. Deputado, participar na elaboração da legislação comunitária, depois aplicável directamente na nossa ordem jurídica, corresponde a uma acção de política externa e, muito rigorosamente, se a nossa participação na Comunidade Económica Europeia é ainda entendida como um relacionamento de política externa. Estas considerações são essenciais para o desenrolar de todo o debate e, como tal, precisavam de ser clarificadas.
Gostaria ainda que determinasse como é que considera a participação portuguesa na elaboração de legislação, sejam os regulamentos comunitários com aplicação directa e imediata na ordem jurídica portuguesa, sabendo-se que a ordem jurídica comunitária pode não coincidir com a nossa regra constitucional de delimitação de competências e, portanto, através de um regulamento legislar-se inclusivamente sobre a área de competência reservada da Assembleia da República. O Sr. Deputado considera este problema possível-? No caso de o considerar possível, como o resolve do ponto de vista da rígida separação de poderes? O mesmo se passa quanto às directivas, na medida em que elas também obrigam o Estado Português a legislar, mesmo dentro das suas reservas de competência constitucional, no sentido de obter os mesmos resultados previstos na legislação comunitária.
Um último aspecto tem a ver com a relevância política desta situação. Assim, gostava de saber se o Sr. Deputado pensa ou não que a Assembleia da República, tal como parlamentos de outros países e de todos os países comunitários, deve ou não ser associada a este processo desde a sua formulação originária. Como é que pensa que a Assembleia da República pode reagir em relação a um diploma comunitário com o qual não esteja de acordo a posteriori? Gostava de saber se isso implica apenas a censura ao Governo pelo facto de ter participado na sua elaboração ou se, pelo contrário, a censura sob o ponto de vista político e normativo não resolvia a questão, visto que essa legislação, apesar da censura, entraria à mesma na nossa ordem jurídica?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Machete, prefere responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Rui Machete (PSD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado Rui Machete, V. Ex.ª disse que o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso interposto pelo grupo parlamentar a que pertence é pobre. Devo dizer que aceito que o seja, por duas ordens de razões: a segunda é porque é sempre muito difícil fazer suportar o ónus da prova de factos negativos - e disso se tratava. Porém - e esta é a questão que quero colocar- o Sr. Deputado pensa que é mais rico o recurso que o grupo parlamentar do PSD interpôs?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rói Machete (PSD): - Sr. Deputado Andrade Pereira, a questão que estamos a discutir não é a de saber se o parecer da comissão é rico ou pobre - de resto, não quis ofender nenhum dos signatários do parecer. O que disse foi que a argumentação jurídica era escassa. Portanto, não vale a pena estarmos a discutir a matéria patrimonial de riqueza ou pobreza, pois não foi essa a minha intenção e peço desculpa se alguém se sentiu melindrado por essa circunstância.
O Sr. Deputado Magalhães Mota perguntou se a matéria em questão se tratava de uma matéria de direito internacional. Como o Sr. Deputado sabe, esta é uma questão altamente discutida. O n.º 3 do artigo 8.º da Constituição refere que:
As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre expressamente estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
Ora, é na base deste artigo que o direito derivado vigora na ordem jurídica portuguesa. Portanto, é essa a razão por que, pelo menos para este efeito, não tenho grandes dúvidas quanto a tratar-se de uma matéria de direito internacional e de relações internacionais.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Deputado, não tenho dúvidas de que a matéria se regula em termos de direito internacional e pelo artigo 8.º da Constituição. O que perguntei foi se na sua consideração se tratava de política externa, o que são coisas completamente diferentes.

O Orador: - Sr. Deputado, para mim, as matérias de direito internacional são de política externa. Enfim, esta é a minha opinião e creio que não valerá a pena invocar argumentos de autoridade de outras pessoas que entendam da mesma maneira.
É facto que a Constituição não foi desenhada para a integração europeia. Aliás, sabe-se perfeitamente que uma parte substancial dos constituintes pensava que a integração europeia não devia ser feita. Por exemplo, a opinião dos comunistas era clara a esse respeito e, durante muito tempo, a Constituição foi pensada por eles como uma simples Constituição provisória do balanço que até então se tinha conseguido. Tudo isso marcou claramente o processo constituinte e a Constituição e existem lacunas que deverão vir a ser colmatadas, mas ao nível do exercício do poder constituinte.
Na minha perspectiva, o erro é quando o poder constituído pretende fazer normas que alteram ou integram em termos para além dos previstos na Constituição. É por isso que creio que existe um problema de inconstitucionalidade.
O Sr. Deputado perguntou se não havia aqui algumas directivas que os órgãos comunitários pudessem fazer e que de algum modo colidissem com a competência da Assembleia da República. Devo dizer-lhe que sim, Sr. Deputado, mas é por isso que o problema do n.º 3 do artigo 8.º da Constituição existe.
Se o que V. Ex.ª pretende é adequar a Constituição ao Tratado de Roma, creio que essa é uma preocupação legítima, mas, em sede de revisão constitucional tem de introduzir as modificações necessárias.
Repito que isto não significa que a prática até agora seguida em matéria de informações fornecidas à Assembleia da República seja correcta - isso é outra questão. Porém, estamos apenas a tratar de alguns dos artigos dos projectos de lei que foram apresentados.
É evidente que tanto o Sr. Deputado como eu não temos a ingenuidade de pensar que a circunstância de a Assembleia da República participar juntamente com o Governo é decisiva para influenciar os outros onze Estados e modificar radicalmente as coisas.
Mas, à parte disso - e isso é um argumento em relação ao problema do resultado dos regulamentos ou das directivas - a realidade é, pura e simplesmente, esta: existe uma estrutura do Tratado de Roma e dos seus órgãos que não deve ser enviesada, nem modificada. Se a Assembleia da República entende que, no exercício dos seus poderes constituintes, há outros esquemas, fá-los, modifica a separação de poderes. Isso pode ser bom ou mau. Penso que isso é mau, porque - e aproveito para acrescentar - em matéria de política externa ainda se torna extremamente necessário assegurar uma condução, se quiser, mais autocrática dos negócios políticos do que em matéria de política interna.
A Assembleia da República aprova, mas quem negoceia os tratados é o Governo. Aliás, isso é correcto porque o segredo que hoje, felizmente, na vida democrática e no campo interno, já não é, ou já não deve ser, «a alma do negócio», em matéria internacional, em muitos aspectos, como lembraria Morgenthau - que sobre isso tem ideias claras e sem ilusões - «o segredo ainda é a alma do negócio».
No fundo, o que pretendo dizer, e insisto, é isto: rico ou não rico, porque pobre não interessa muito, o facto é que temos uma boa ocasião de encontrar formulas, de criar cooperação entre o Governo e a Assembleia da República e creio que é um mau critério o de submetê-lo a leis. Mas essa é uma outra questão e que é a de utilizar as leis para coisas que não são suficientemente nobres - mas deixo agora de parte esse aspecto. Agora, não vamos é tentar, por esta via, e usando uma maioria, substituirmo-nos ao exercício do poder constituinte. Se vamos por aí, vamos por um mau caminho e à disponibilidade da Assembleia da República há outras vias.
Já agora, permito-me dizer-lhe que o esquema seguido pele PCP, embora com muitas repetições e porventura com algumas formas sub-reptícias eventualmente sem intenção -, do ponto de vista técnico, é muito mais perfeito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Si. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, vou fazer duas ou três breves considerações, na sequência das palavras do Sr. Deputado Rui Machete.
Gostaria de salientar que não foi sem alguma surpresa - e esta é a primeira nota - que pude ouvir da parte do Sr. Deputado Rui Machete um lamento em relação aqui o que considera ser um condicionamento do comportamento dos deputados, e necessariamente dos grupos parlamentares, relativamente aos estados-maiores partidários.
Não pode ficar sem observação este comentário do Sr. Deputado Rui Machete, quando é sabido que é justamente o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata que, nos últimos meses, nos tem brindado com uma total dependência relativamente ao estado-maior partidário.
Por outro lado, também não deixa de merecer alguma consideração o seguinte aspecto: penso que a circunstancie da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia coloca problema novos ao próprio funcionamento de algumas instituições portuguesas. Numa visão meramente formalista da Constituição, sobretudo após a aprovação do acordo que implica uma circunstância de imposição às ordens jurídicas internas da legislação aprovada no âmbito da Comunidade, porventura haveria quem pretendesse sugerir que isso ser necessária à própria revisão constitucional para adaptar os princípios da soberania nacional à excepção resultante dessa espécie de supra-soberania que resultara do regular funcionamento dos órgãos supra-estaduais da Comunidade Económica Europeia. Naturalmente não é, nem nunca foi, esse o ponto de vista do Parido Socialista e também estou convencido de que não é, nem nunca terá sido, esse o ponto de vista do Sr. Deputado Rui Machete.
Mas se esta matéria, seguramente, ambos rejeitamos uma interpretação tão formalista da Constituição, valerá a pena que nos perguntemos se não é de admitir, quando povos desafios estão colocados ao funcionamento das instituições portuguesas, que se possa,

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com bom senso e moderação, nos termos constitucionais, encontrar uma via de cooperação entre os órgãos de soberania que, de algum modo, concorram embora o modo de concurso seja necessariamente diferente para formar a vontade nacional que se deve, depois, exprimir ao nível dos órgãos da Comunidade.
Justamente o que alguns destes projectos de lei pretendem - e, necessariamente, o que pretende o projecto de lei do Partido Socialista - é que a Assembleia da República possa cooperar para a formação da vontade nacional, em termos de que essa vontade, pelos mecanismos próprios, possa depois, por quem de direito - e neste caso o Governo -, ser levada às instituições da Comunidade Económica Europeia. Por isso no projecto de lei não se avança para nenhuma medida de natureza vinculativa que condicionasse as competências de ordem político-administrativa do Governo, mas tão-só criar formas de cooperação institucional entre os dois órgãos de soberania.
Se a cooperação institucional é já em si mesmo uma exigência constitucional, devemos também salientar que, quer para o Governo, quer para a Assembleia da República, há normas constitucionais que dizem que as atribuições destes dois órgãos, para além daquelas que estão expressas na Constituição, são ainda as que derivarão da lei. Ou seja, é a porta aberta para que, por via da legislação ordinária, se possam consignar algumas novas atribuições, quer ao Governo, quer à Assembleia da República, desde que essas atribuições não violem o princípio, não da separação de poderes, mas da divisão de poderes consignada na Constituição. O que suponho é que das palavras do Sr. Deputado Rui Macheie não resulta a violação desse princípio constitucional de divisão de poderes, nos termos expressos na própria Constituição.
Nesse sentido, penso que a questão é menos de uma interpretação formalista sobre o texto constitucional e mais uma questão política essencial: a de saber até onde, como, por que vias e com que empenhamento político é que a Assembleia da República - que é, por dever próprio, um porta-voz da opinião pública nacional - deve estar atenta, vigilante e actuante em matérias que podem condicionar o destino nacional, não apenas em termos conjunturais mas em termos estruturais, face a decisões comunitárias importantes, e que o Governo Português deve traduzir, não apenas em termos de posição exclusiva de um qualquer Governo mas, tanto quanto possível, numa larga convergência onde possam estar, em conciliação de pontos de vista, não só as forças que num determinado momento apoiam um Governo, mas também aqueles que na oposição possam convergir relativamente aos grandes objectivos de política no domínio da Comunidade Económica Europeia.
É este o objectivo construtivo do projecto de lei do Partido Socialista e penso que sobre este objectivo político essencial vale mais a pena quedarmo-nos nele, em vez de procurarmos, por razões meramente processualistas e - permitam-me que diga - meramente formais, inviabilizar o debate de fundo sobre uma questão política, a nosso ver, essencial.
É com este ponto de vista que votaremos favoravelmente o projecto de lei saído da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e, naturalmente, é também com este ponto de vista que, de uma forma mais desenvolvida, participaremos, no momento próprio, no debate na especialidade sobre os referidos projectos de lei.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, não vou discutir o teor da intervenção de carácter essencialmente político do Sr. Deputado Jorge Lacão; queria apenas referir que está completamente enganado quando qualifica a minha interpretação de formalista. Falei na pré-compreensão da interpretação da Constituição, na estrutura da Constituição e isso nada tem a ver com formalismo, nem com uma visão pandectística de interpretação dos termos constitucionais. E o problema da fornia é extremamente importante. Quando esquecemos as «formas», corremos o risco de deitar pela janela uma data de coisas extremamente importantes e, em última análise, a própria razão por que se introduziu a rigidez constitucional e por que se introduziram limites à revisão da Constituição.
A questão que lhe ponho é esta: se se trata de uma questão de bom senso, será de bom senso fazer uma lei numa matéria em que as coisas deviam resultar daquilo que os anglo-saxónicos chamam uma convencion, uma convenção? É que, no fundo, é assim que as coisas se constróem e não ditando, de uma maneira mandatária, categórica, usando a competência legislativa, formas que, na prática - como, afinal de contas, V. Ex.ª acabou por reconhecer -, acabam por pretender ser inovadoras em relação à Constituição, usando um poder constituinte e que neste momento não assiste à Assembleia.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, quero dizer-lhe que estou de acordo consigo quando diz que a forma pode ser, e é, uma questão importante. A expressão «formalismo» está para além da importância que devemos dar à forma, como regras processuais claras e clarificadoras e tem apenas como incidência questões menores relativamente ao conteúdo político essencial dos problemas.
O Sr. Deputado Rui Machete diz, todavia, que esta questão poderia ter sido resolvida noutra instância, antes de uma iniciativa legislativa e tendo em vista a própria experiência que outros países nos poderiam dar.
Lembrar-se-á o Sr. Deputado Rui Machete que o Partido Socialista, meses a fio, prolongadamente, foi exigindo ao Governo um comportamento diferente no relacionamento do Governo com os partidos da oposição, designadamente ao abrigo do Estatuto da Oposição, para que os partidos, regularmente, fossem informados e pudessem dizer ao Governo os seus pontos de vista em matéria da problemática da CEE. Acerca disto, sistematicamente, o Governo fez orelhas moucas.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado Jorge Lacão?

O Orador: - Faça favor.

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O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, queria apenas perguntar se a lei que VV. Ex.ªs vão aprovar vai ser para durar indefinidamente.

O Orador: - Normalmente, as leis não se aprovam para as conjunturas e procuram ter soluções para os problemas de fundo.
Agora, o que se demonstrou, através desta prática institucional, foi que quem agora está preocupado com a iniciativa legislativa - e não estivesse em tempo útil - é que deveria ter criado mecanismos institucionais não legislativos para resolver o problema.
O que sucede - e é isto que queria tornar evidente - é que a sua bancada - e não direi, em especial, o Sr. Deputado Rui Machete - terá pouca autoridade política para dizer agora aos autores dos projectos de lei que esta iniciativa é intempestiva. Intempestiva terá sido, porventura por omissão, aquele conjunto de iniciativas governamentais que em devido tempo deveriam ter sido tomadas e que, infelizmente, o não foram. Se tivéssemos institucionalizado um outro mecanismo, poderíamos dispensar estes projectos de lei.
Porque assim não foi, porque neste momento, do nosso ponto de vista, os projectos de lei se adequam totalmente à Constituição, porque esta, no que diz respeito às competências políticas da Assembleia da República, determina que essas competências são as prefiguradas na Constituição e na lei, entendemos que, por via da lei, poderemos dar à Assembleia da República esta atribuição política de acompanhar as acções que Portugal enfrenta e tem de resolver no domínio dos órgãos comunitários.
É este o ponto de vista do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Sr. Deputado Rui Machete criticou o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e referiu-se em especial ao projecto de lei apresentado pelo PRD como sendo aquele que mais viola os princípios da Constituição.
Quero afirmar claramente que o projecto de lei apresentado pelo PRD não invade, de forma alguma, a competência do Governo em matéria de política externa - isto para o caso de se entender que esta matéria é do domínio da política externa, o que é duvidoso.
A única limitação que se pode dizer que o projecto de lei apresentado pelo PRD traz ao Governo é a de o Governo ter de fornecer informação que, até ao momento, tem sido recusada à Assembleia da República. É esta a única obrigação que o nosso projecto de lei impõe ao Governo.
O Sr. Deputado Rui Machete deu grande ênfase ao problema dos pareceres prévios que a Assembleia da República prepararia com base nas informações que recebesse sobre os projectos de legislação comunitária. Esses pareceres não são, de forma alguma, vinculativos para o Governo e em parte alguma está isso dito. Antes pelo contrário, no nosso projecto de lei está mesmo explicado que os pareceres não são vinculativos para o Governo.
Compreendemos que em matéria de negociações é impossível ter uma grande rigidez de posições. Com efeito, o Governo precisa de ter flexibilidade, de ter liberdade de negociação, e essa Uberdade não lhe é retirada pelo projecto que apresentámos.
O Sr. Deputado Rui Machete disse, depois, que a limitação ta vez advenha da possibilidade que a Assembleia da República tem de tirar conclusões políticas do facto de os seus pareceres não terem tido o devido acolhimento em termos dos resultados obtidos pelo Governo junto do Conselho das Comunidades.
Ora bem. todos os actos do Governo se prestam a ser objecto de conclusões políticas por parte da Assembleia da República, quer sejam eles tomados no âmbito da Comunidade, quer no da política interna.
O facto de haver pareceres prévios torna até o processo de extracção de conclusões políticas mais sólido, rigoroso e mais claro, uma vez que houve discussão prévia e informação entre as duas partes.

O Sr. Riu Machete (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Silva Lopes, com toda a consideração que tenho por V. Ex.ª, r ao resisto à tentação de lhe perguntar o seguinte: chá que a Assembleia da República é um órgão consultivo do Governo? Por certo que não acha! Portanto, se o Governo vai estar perante um parecer político da Assembleia da República que é um órgão do qual depende politicamente - e, obviamente, perante um debate público, isso significa condicionar fortemente a sua posterior actuação. Ou seja, não podemos pensar nos mesmos termos dos de um simples órgão consultivo e auxiliar do Governo, que não é, certamente, o que está no pensamento do PRD, nem o que corista na Constituição.

O Orador: - Por isso é que eu disse que estes pareceres se prestam a que, depois, a Assembleia da República tire as conclusões políticas se o Governo tomar posições bastante diferentes. No entanto, isso não quer dizer que a Assembleia da República não deva, por exemplo, reconhecer os condicionalismos em que decorre a negociação.
Como, aliás, o Sr. Deputado Rui Machete mencionou de pesagem, este problema existe não só em Portugal, mês em todos os outros países.
O que temos aqui é o chamado problema do «vazio democrático». A legislação aprovada no Conselho de Ministros da CEE é aplicada em Portugal, sobrepondo-se à legislação nacional e não podendo ser objecto de ratificação na Assembleia da República, isto é, escapando por completo ao controle da Assembleia.
A solução encontrada noutros países, e na nossa Constituição não há razão alguma para que se não encontre uma solução semelhante entre nós, é a de os parlamentos poderem a priori manifestar o seu ponto de vista. Posteriormente, e ai é que há limitações impostas pela nossa Constituição, o Governo poderá ter ou não em conta esses pareceres, o que, provavelmente, não se passará noutros países. Contudo, noutros países também os pareceres do parlamento serão provavelmente mais vinculativos, o que não acontece no nosso país.

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O Sr. Deputado Rui Machete, que utiliza sempre uma argumentação que me impressiona, desta vez expôs um argumento que me pareceu um pouco deslocado, que foi o de «o segredo ser a alma do negócio».
Nestes casos não há segredo. Os parlamentos dos outros países da CEE estão, desde o princípio, informados sobre todos os projectos, sobre todas as modificações destes, sobre todas as discussões.
Como o Sr. Deputado saberá, há comissões parlamentares de alguns países da CEE onde se discute todas as agendas de conselhos de ministros. Não vamos tão longe.
Aqui não há, portanto, qualquer segredo que possa justificar a oposição a este diploma.
Este projecto de lei pretende ser um instrumento de diálogo e de cooperação entre a Assembleia da República e o Governo em matéria de integração europeia. Esse diálogo, essa cooperação, não tem existido até agora, por razões que o Sr. Deputado muito bem conhece: o Governo tem-se recusado a fornecer as informações e a dialogar.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: em nosso entender, e aqui dirijo-me especialmente para o Sr. Deputado Rui Machete, este debate era desnecessário se outro fosse o comportamento do Governo e do partido que o sustenta. O Governo tem fugido a qualquer cooperação com a Assembleia da República.
Por isso, quanto a nós, este debate poderá, pelo menos, ter a utilidade de mostrar, mais uma vez, o isolamento a que o Governo e o seu partido se têm remetido.
O PSD e o seu Governo têm agido segundo alguns princípios, quais sejam, o da arrogância, o da não aceitação do controle democrático da Assembleia da República, o da postura do não diálogo, o do seu enconchamento, enfim, o da atitude do «quero, posso e mando».
É irrefutável que o Governo tem pautado a sua acção junto das Comunidades com profundo sectarismo e secretismo.
O País e este órgão de soberania conhecem as conclusões e decisões do Conselho de Ministros, bem como as cedências do Governo, muitas vezes bem nefastas, a posteriori, ou pela comunicação social ou pelo auto-elogio de qualquer Ministro ou Secretário de Estado que chega de Bruxelas.
Penso que o Sr. Deputado Rui Machete reconhecerá que nos debates aqui realizados foi reconhecido por todas as bancadas à excepção da do PSD que a informação prestado pelo Governo era confrangedora e até mesmo inqualificável, quer em relação às questões do Acto Único, quer em relação às de integração europeia.
Sabe-se que há um défice democrático que não é compensado nem pelo Parlamento Europeu, nem pela Assembleia da República e que os outros governos da CEE procuram reforçar a sua capacidade negociai em cooperação com os diversos parlamentos. É o caso dos Parlamentos Dinamarquês, Espanhol, Francês, Irlandês, Italiano, da República Federal da Alemanha, entre outros.
No caso do Parlamento Dinamarquês, de acordo com a lei que ratificou a adesão da Dinamarca às Comunidades, o Governo é obrigado a informar o parlamento sobre o que se passa nas comunidades europeias, a manter a Comissão para os Assuntos do Mercado Comum permanentemente informada de todos os projectos, regulamentos e directivas e a facultar-lhe um briefing da agenda para a reunião seguinte do Conselho de Ministros.
Poderíamos ver o que se passa no caso da Espanha, mas, por certo, o Sr. Deputado Rui Machete tem já essa informação.
Mas o Governo entende, na sua política de subserviência e de menino bem comportado que não precisa de reforçar a sua posição negociai, que não tem de estar sujeito ao controle da Assembleia da República.
Age imitando, simultaneamente, o caracol e a avestruz. Dá informações a posteriori, lentamente, a conta-gotas, e, mal é interpelado, crispa-se e recolhe à sua casca. Chegou mesmo a ameaçar que não mandaria mais nenhum membro do Governo às comissões da Assembleia da República. Depois, sozinho, isolado, subserviente, enterra a cabeça na areia, convencido que esconde as directivas e as resoluções dos órgãos comunitários que vão invadindo o nosso quotidiano, sem prévio conhecimento deste órgão de soberania.
Qual é a posição do Governo em relação às medidas preparadas e em preparação relativas ao Acto Único? A Assembleia da Republica e o País não o sabem.
Por que razão as nossas conservas de peixe continuam numa posição mais desvantajosa que as de outros países terceiros e de países da bacia do Mediterrâneo? Os industriais, os trabalhadores do sector, o País não têm qualquer explicação.
Já como membro do pleno direito das Comunidades, Portugal viu a CEE estabelecer um acordo sobre os têxteis com a Turquia, país terceiro, mais vantajoso que o nosso. Que explicação deu o Governo? Questionado sobre as compensações que tenha pedido ou recebido, nada respondeu.
Ora, é sabido que a exportação dos têxteis para a CEE dos dez diminuiu e que no relatório que o comité têxtil apresentou há duas ou três semanas se mostra que, nas trocas intercomunitárias, Portugal perdeu quota de mercado.
Qual é a explicação que o Governo tem para isto? O PSD sabe alguma coisa sobre o assunto? Poderá dizer-nos alguma coisa?
O povo português e a Assembleia da República têm o direito de saber. Têm o direito de saber por que razão a frota pesqueira artesanal é afastada dos financiamentos comunitários.
Por que razões o Governo se apressou a aceitar, como vimos aqui nas posições assumidas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a pagar o escoamento dos excedentes de manteigas
gordas, para os quais Portugal nada contribuiu? Votou contra, dirão alguns. Votou formalmente contra para salvar a face, pois nas suas declarações aqui na Assembleia da República sempre se mostrou pronto a aceitar tal financiamento. A Espanha já recorreu ao Tribunal de Justiça. E Portugal? O que fez o Governo Português? O Sr. Deputado Rui Machete pode-nos dar alguma informação sobre isto? O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse aqui que o Governo obteria compensações. Quais? A Assembleia da República sabe? Os Srs. Deputados conhecem?

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Os Srs. Deputados do PSD poderão dar-nos algumas informações sobre isto? Não. Mas parece que estão satisfeitos com este estado de coisas, com a posição de apoio acrítico, cego e seguidista do chefe.
É para suprir casos como estes que diversos partidos apresentaram projectos de lei procurando democratizar as relações do Governo com a Assembleia da República, estabelecendo normas tendentes a salvaguardar e garantir o pleno exercício das competências da Assembleia da República no tocante às questões decorrentes da adesão à CEE.
Ora, o que é que o PSD não quer? Que o Governo seja obrigado a prestar atempadamente informações a Assembleia da República; que a Assembleia da República possa acompanhar o processo de implementação do tratado de adesão e as negociações dele decorrentes; que a Assembleia da República se possa pronunciar sobre as grandes linhas orientadoras da política de integração de Portugal nas Comunidades, designadamente sobre os projectos de resolução, directivas, decisões e orientações do Conselho de Ministros da CEE.
Isto é, o PSD não quer que a Assembleia da República possa acompanhar os fluxos financeiros institucionais entre Portugal e a CEE, que a Assembleia da República não se possa pronunciar obrigatoriamente sobre os projectos, directivas e outros actos comunitários, desde que deles constem matérias da sua exclusiva competência.
Ora, é sobre isto que versa o projecto de lei do PCP.
Mas o PSD e o seu Governo não querem cooperar com a Assembleia da República; têm a postura que é de todos conhecida.

O Sr. João Salgado (PSD): - Isso é um chavão!

O Orador: - Não é um chavão, é a realidade que o demonstra, e daqui a dois dias teremos a comprovação do facto.
Estranho comportamento democrático e estranho entendimento do Governo e do PSD, que se furtam a dar informações, a cooperar com a Assembleia da República e a reforçar o poder negociai do País.
Ò Governo não pode legislar em matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, nem esta pode invadir a esfera de competências governamentais. Nisso estamos de acordo.
Mas é esse o comportamento do Governo, Sr. Deputado Rui Machete?

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - O regulamento do FEDER, por exemplo, foi aprovado por resolução do Conselho de Ministros, apesar de conter matérias da competência da Assembleia da República - matéria financeira e orçamental relativa às autarquias. É esta a observância da separação dos poderes?
Os diplomas em apreciação nesta Assembleia da República, como aliás é reconhecido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, não enfermam de «inconstitucionalidade que obste à sua admissibilidade» e aprovação.
Não está em causa que é o Governo que tem, face à Constituição da República, a representação do Estado português nas comunidades europeias. O que está aqui em causa - e é isto que deve ser sublinhado - é o comportamento do Governo, a sua guerrilha institucional, a sua postura arrogante quando estão em causa, inclusive, questões de Estado e questões da maior relevância relativas à soberania e a independência nacionais. E isto não se pode permitir, Srs. Deputados do PSD!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, gostaria apenas de fazer duas considerações e formular-lhe uma pergunta muito simples.
É óbvio que não estou de acordo com as considerações de V. Ex.ª, que aliás se repetem sempre que há intervenções por parte da sua bancada e, portanto, não oferecem nada de inovador nesta matéria.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - São verdades!

O Orador: - Mas V. Ex.ª acabou por dar-me razão e por concordar comigo, o que é um facto relativamente inéditos nestes últimos tempos em termos de bancadas do PCP e do PSD. É que, no fundo, veio dizer que o que está em causa é o comportamento do Governo e que, para sancionar esse comportamento, a Assembleia da República, que acha que o Governo está a violar a Constituição, vai ela própria violar a Constituição.
Mas o que pus um causa não foi que se discutisse politicamente - como V. Ex.ª agora fez e está no seu pleníssimo direito - o comportamento do Governo. O que pus em causa foi que se fizesse uma lei violando os princípios básicos e fundamentais da Constituição em matéria de organização do poder político e de competências os órgãos de soberania. A esse respeito V. Ex.ª disse nada.
No fundo, a questão que quero colocar é a de saber se o Sr. Deputado concorda comigo que isto é para sancionar o Governo, é uma resposta política, é o exercício de um direito punitivo da oposição, mas não é uma lei escorreita do ponto de vista constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, não direi que o Sr. Deputado se está a repetir, embola já o tenha ouvido dizer isto em relação às outras bancadas.
O que penso que seria útil para esta Assembleia da República era que o Sr. Deputado, como jurista e constitucionalista, demonstrasse onde é que está a inconstitucionalidade, e isso o Sr. Deputado não fez. É que não basta dizer que é inconstitucional! É preciso demonstra-lo! E como é que o Sr. Deputado o demonstra? Dizendo que há invasão dos poderes do Governo quando se trata de matérias que são da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República? Então, a Assembleia da República não tem nada a dizer?! Então, temos aqui um conjunto de matérias que, neste momento, não são controladas nem pelo Parlamento Europeu. nem pela Assembleia da República e que são da competência absoluta e relativa desta e a Assembleia da República absolutamente nada diz?!

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O Governo continua a comportar-se em relação a esta matéria, como em relação a outras, com uma postura de «quero, posso e mando».
Em que enquadramento jurídico-constitucional o nosso projecto de lei é inconstitucional, Sr. Deputado? Isto é que o Sr. Deputado deveria demonstrar e não afirmar, porque, senão, começa a repetir-se, e repetindo-se muitas vezes poderá, efectivamente, dar lustro à cassette do PSD, mas não tem razão.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Andrade Pereira é o último orador inscrito para intervir neste debate. Creio que se exceder ligeiramente as 20 horas não haverá nenhuma resistência por parte da Câmara.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve, visto que se trata exactamente de uma curtíssima e impreparada intervenção, apenas para dar conta do sentido de voto do Grupo Parlamentar do CDS sobre o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativamente ao recurso apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD quanto à admissibilidade dos projectos de lei n.º 381/IV, 385/IV e 386/IV.
É óbvio que, como resulta desse parecer, se, efectivamente, estes projectos de lei invadissem matéria de política externa strícto sensu, necessariamente que os mesmos seriam inconstitucionais, porquanto é um dado adquirido - e várias vezes temo-lo afirmado - que a condução da política externa pertence por inteiro ao Governo.
Vamos situar-nos exclusivamente no aspecto jurídico da inconstitucionalidade e não no de saber se se justifica ou não este tipo de iniciativas legislativas como uma reacção ao comportamento do Governo relativamente às oposições. Não vamos aqui discutir se é bom ou mau que determinado tipo de debates públicos tenham lugar nesta Câmara em termos de, porventura, poderem vir a prejudicar ou a diminuir a capacidade negociai do Governo quando este tiver de se pronunciar no Conselho de Ministros da Comunidade. Não se trata disso agora, mas apenas de aquilatar se algum princípio constitucional, e designadamente os invocados na petição de recurso por parte do PSD, obstam à apreciação por esta Câmara dos projectos de lei em causa. E nesta matéria, de acordo com o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, entendemos que não os há, porquanto, se é verdade que o direito derivado passa a ser direito interno e que uma das fontes de produção desse direito é exactamente o Conselho de Ministros da Comunidade, também é verdade que não se trata de um acto de política externa, como tal, a produção desse mesmo direito, que entra no ordenamento jurídico interno em termos de poder garantir a eficácia e a unidade desse direito comunitário. De resto, se houvesse um bom modo de relacionamento entre os órgãos de soberania, designadamente entre o Governo e a Assembleia da República, o facto de haver uma comissão dedicada especialmente ao direito comunitário, como é preconizado em alguns dos projectos de lei em questão, poderia até ser, eventualmente, útil e, em algumas circunstâncias, contribuir para fortalecer a própria posição negocial do Governo.
De qualquer modo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do nosso ponto de vista e com todo o respeito por opinião contrária, não nos parece que haja qualquer invasão ou desrespeito pelo princípio da separação de poderes entre os órgãos de soberania. Em boa verdade, uma qualquer tomada de posição, feita em termos de não prejudicar o próprio sigilo que, em algumas circunstâncias, pode ter o tratamento de algumas matérias, pode até ser útil numa fase prévia à tomada de posição, aí sim, pelo Governo no Conselho de Ministros da Comunidade.
Em todo o caso, a nosso ver, nenhum dos princípios constitucionais invocados no recurso é pertinente para obviar à apreciação destes diplomas.
Quando há pouco referi ao Sr. Deputado Rui Machete que o parecer era pobre ou que, pelo menos, era tão pobre como o recurso, quis dizer que era mais fácil demonstrar pela positiva a inconstitucionalidade destas iniciativas legislativas que demonstrar que não havia nenhuma inconstitucionalidade. Dei até como termo de comparação a dificuldade, bem consabida de todos os juristas, que surge quando existe um ónus da prova relativamente a factos negativos.
V. Ex.ª teve oportunidade de referir que o recurso seria pobre porque houve pouco tempo para o fazer, mas quero recordar-lhe que, nos termos regimentais, o prazo para interpor o recurso é exactamente o mesmo que as comissões têm para emitir o parecer.
De qualquer modo, fica claro que, do ponto de vista do Grupo Parlamentar do CDS e independentemente da posição que vier a assumir relativamente às iniciativas legislativas em causa, afigura-se que não se verifica qualquer inconstitucionalidade que obste à apreciação dos ditos projectos de lei.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Andrade Pereira, o pedido de esclarecimento que lhe quero fazer é sobre a distinção que há pouco V. Ex.ª formulou entre matéria de relações externas, de política internacional ou de direito internacional - não cheguei a aperceber-me inteiramente de qual era o seu pensamento - em sentido estrito e em sentido lato. V. Ex.ª considera que este problema que estamos agora a tratar é em sentido estrito ou em sentido lato? E, de acordo com essa classificação, há ou não violação do princípio da separação de poderes? Isto é, o princípio da separação de poderes que assegura ao Governo a condução da política externa é apenas em sentido estrito e não em sentido lato ou é também em sentido lato? Confesso que esta questão me deixou um pouco perplexo.
Já agora, permita-me que acrescente que também não percebi inteiramente a questão que explicitou acerca do ónus da prova. Disse o Sr. Deputado que acha que é mais fácil provar a inconstitucionalidade do que provar a constitucionalidade. Mas não será assim porque, pela natureza das coisas, é mais fácil provar aquilo que realmente é, ou seja, que se trata de um diploma inconstitucional, do que provar aquilo que não é, ou seja, que o diploma é correcto face às normas constitucionais?

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado Rui Machete, responderei primeiro à última questão que me colocou, porque me sinto mais à vontade para o fazer.
Não sou, de modo nenhum, especialista em política externa, mas considero que não deve haver uma distinção muito clara entre política exterena stricto sensu e política externa lato sensu, se é que a distinção se justifica. O que é para mim claro é que foi, sem dúvida, um acto de política externa a nossa adesão ao Tratado de Roma. Esse foi um acto de política externa estrito, que, por isso mesmo, foi conduzido pelo Governo, ratificado por esta Câmara e promulgado pelo Sr. Presidente da República.
Agora, a partir do momento em que, no desenvolvimento desse Tratado, há um órgão das Comunidades que produz legislação, designadamente sobre matéria que, de acordo com a nossa Constituição, é da competência reservada desta Câmara, parece-me que, pelo processo preconizado por estas iniciativas legislativas ou, porventura, por outras, se houvesse um mais correcto relacionamento entre os órgãos de soberania, como eu próprio referi, conhecer-se-ia qual era o sentido da Câmara, justamente para que a medida em que o Governo participa no Conselho de Ministros da Comunidade na definição da legislação comunitária pudesse estar afinada pelo mesmo diapasão do sentimento da Câmara sobre essa matéria.
Quanto à segunda questão, o que disse não foi que era mais fácil provar a inconstitucionalidade do que a constitucionalidade. O que é mais fácil é provar a inconstitucionalidade do que a ausência de inconstitucionalidade, e era disso que, no fundo, se tratava, face ao recurso apresentado pelo seu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate sobre o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, cuja votação terá lugar na primeira sessão posterior à apreciação da moção de censura ao Governo e à visita, na próxima terça-feira, dia 7, do Presidente francês François Mitterrand.
As sessões de quinta-feira e sexta-feira serão integralmente preenchidas com a apreciação e votação da moção de censura ao Governo apresentada pelo PRD.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Manuel Lopes Tavares.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Carlos Miguel M. Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Limão de Andrade.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
António Alves Marques Júnior.
José Carlos Pereira Lilaia.
Tiago Game iro Rodrigues Bastos.

Partido Comunista Português (PCP):

Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Odete dos Santos.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Carlos José Machado L. Pereira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marcai.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro José Del Negro Feist.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amélia Ca/aleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando Barata Rocha.
João Manuel Nunes do Valle.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Mamei Rodrigues Casqueiro.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel N. Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
João Carcona Gomes Cravinho.

Página 2483

1 DE ABRIL DE 1987 2483

João Rosado Correia.
José Lua do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Magalhães de Barros Feu.
Bártolo de Paiva Campos.
Francisco Armando Fernandes.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria da Glória Padrão Carvalho.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
João Carlos Abrantes.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugênio Nunes Anacoreta Correia.
Hernâni Torres Moutinho.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel do Carmo Tengarrinha.

Deputados independentes:

Maria Amélia Mota dos Santos.

Declaração de voto relativa à ratificação n.º 4/IV do Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril.
Quando, em 17 de Dezembro de 1985, foi apreciado nesta Câmara o Decreto-Lei n.º 125/82, assinalámos a discrepância entre os objectivos do Conselho Nacional da Educação enunciados no preâmbulo e a sua estrutura apresentada no articulado. Defendemos então que o Conselho devia caracterizar-se por participação das várias forças sociais, culturais e económicas, por independência da confiança ministerial e por autonomia de funcionamento. A Lei de Bases do Sistema Educativo veio entretanto clarificar o enquadramento global do Conselho Nacional da Educação ao definir no seu artigo 46.º que este tem por fim «a participação das várias forças sociais, culturais e económicas na procura de consensos alargados relativamente à política educativa» e desde logo lhe atribuir o acompanhamento da implementação da própria Lei de Bases.
Globalmente, a lei de alterações que foi votada consagra o essencial das nossas propostas e garante os princípios fundamentais por nós defendidos. De acordo com esta lei trata-se de um órgão independente do Governo e do Parlamento, que, além de se pronunciar sobre questões educativas que lhe sejam submetidas por outras entidades, tem a competência de, por sua própria iniciativa, emitir opiniões pareceres e recomendações sobre os diversos problemas educativos. O Conselho é ainda autónomo para publicitar os seus pareceres e compete-lhe eleger a respectiva Comissão Permanente.
Por ocasião do debate da generalidade, chamámos ainda a atenção para a pulverização desarticulada de conselhos relativos aos vários sectores educativos. Esta lei de alterações representa um passo significativo no sentido de ultrapassar esta situação. De facto competem ao Conselho Nacional de Educação as funções até agora pertencentes ao CNAEBA e à Comissão de Liberdade de Ensino, agora extintos.
A solução dos problemas da política educativa pressupõe a participação alargada na sua discussão e a convergência de esforços aã prossecução de vastos consensos. O diálogo útil para a elaboração da política educativa não pode circunscrever-se às forças político-partidárias mas inscrever-se no contexto de outras formas de participação social.
Por todas estas razões, votamos a presente alteração ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril.

Os deputados do PRD: Carlos Sá Furtado - José Luís Correia de Azevedo - José Torcato Dias Ferreira - Pinho Silva - Barbosa da Costa - Vitorino da Silva Costa.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Carlos Pinto da Cruz.

Página 2484

PREÇO DESTE NÚMERO: 144$00

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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