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22 DE JANEIRO DE 1988 1387

Ainda que assim se não entenda - sustentam os autores do projecto sub judice -, «sempre se deveria considerar que uma tal 'restrição* a um direito fundamental teria fundamento na Constituição (o já citado artigo 66.º) e que uma tal limitação expressa (artigo 18.º, n.º 2) se destinaria a salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos». Nesta linha de pensamento os autores opinam que o direito a um bom ambiente e qualidade de vida, nos termos do artigo 66.º, e o direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º, não possuem dignidade constitucional inferior à liberdade de expressão e de informação, consagrada no artigo 37.º da Constituição.
De acordo com o preceituado no artigo 37.º da Constituição, «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio [...]». Tal direito inscreve-se no título da Constituição atinente aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º), considerando a Constituição (artigo 18.º) que:

a) Tais preceitos «são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas»;
b) A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição;
c) Devem as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
d) As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto;
e) Não podem ter efeito retroactivo;
f) Nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Em face da moldura constitucional, impõe-se conhecer o exacto alcance normativo do projecto de lei n.º 25/V.
Do ponto de vista formal, a matéria de direitos, liberdades e garantias obedece, em toda a sua extensão, ao princípio do domínio reservado da lei. Só a lei pode restringir tais direitos e apenas nos casos constitucionalmente admitidos.
Quanto ao projecto de lei (artigo 3.º, n.º 2), que confere às câmaras municipais a faculdade de «publicação de regulamentos sobre espaços destinados à afixação de publicidade ou propaganda e realização de inscrições ou pinturas murais», e de admitir a hipótese de uma inconstitucionalidade orgânica.
Há, todavia, quem admita que a «lei (formal) pode facultar às autarquias locais a intervenção regulamentar no domínio reservado, designadamente no dos direitos, liberdades e garantias» (José Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976).
Estaremos, porém, no que ao projecto de lei diz respeito, em domínio exclusivamente regulamentar? Qualquer afixação de publicidade ou de propaganda de qualquer natureza (artigo 1.º) carece de prévio licenciamento das câmaras municipais.
Ora, por mais vinculado que seja o acto administrativo, fazer depender o exercício de um direito fundamental de um acto prévio e casuístico de licenciamento poderia abrir o risco de tal direito cair na disponibilidade dos órgãos da Administração. Situação essa que, de todo em todo, a Constituição visa
impedir em matéria de direitos, liberdades e garantias, salvo nos casos por ela previstos.
Aduzir-se-á que o licenciamento apenas procura disciplinar os espaços a utilizar e o modo de utilização dos meios de difusão e nunca condicionar o conteúdo das mensagens.
Ora, como se lê no Acórdão n.º 74/84 do Tribunal Constitucional, exarado em 10 de Julho de 1984, «a liberdade de expressão, que o artigo 37.º, n.º 1, garante, compreende o direito de manifestar o próprio pensamento (aspecto substantivo) e, bem assim, o de livre utilização dos meios através dos quais esse pensamento pode ser difundido (aspecto instrumental)».
Donde poderia concluir-se que a faculdade conferida às câmaras municipais para regulamentar de forma materialmente inovatória na ordem jurídica, podendo assim atingir o conteúdo essencial do direito, como a capacidade que lhe é conferida para aplicar sanções de natureza contravencional, são susceptíveis de incorrer em dois vícios de inconstitucional idade: no primeiro caso, inconstitucionalidade orgânica, no segundo caso, inconstitucionalidade material, por subsumir «as infracções cometidas aos princípios gerais do direito criminal e à competência dos tribunais judiciais» (artigo 37.º, n.º 3, da Constituição).
Subsiste, entretanto, um problema essencial suscitado pelo projecto de lei em análise.
Poderá a lei ordinária regular as condições de exercício dos direitos consagrados no artigo 37.º da Constituição?
Esse parece ter sido o ponto de vista do legislador ordinário, designadamente ao proibir, através da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, a afixação de cartazes ou a realização de inscrições ou pinturas murais (artigo 66.º, n.º 4) em «momentos nacionais, edifícios religiosos, sedes de órgãos de soberania ou de regiões autónomas, tal como em sinais de trânsito, placas de sinalização rodoviárias, interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo estabelecimentos comerciais».
Estaremos, nestes casos, perante uma autêntica excepção ao artigo 37.º por aplicação do n.º 2 do artigo 18.º? Ou, em lugar de restrição ao exercício de um direito fundamental, estar-se-á, como sugerem os autores do projecto de lei, perante um caso de compatibilização material de normas e direitos constitucionais só aparentemente incompatíveis?
Afirma Vieira de Andrade (citado do acórdão supra-referido) que há leis reguladoras (leis de organização) que disciplinam a boa execução dos preceitos constitucionais e, com essa finalidade, poderão, quando muito, estabelecer condicionamentos ao exercício dos direitos. Condicionamentos - sublinhe-
-se -, e não restrições. Mas, diz ainda Vieira de Andrade, «este poder 'regulamentar' do legislador é um poder vinculado, não lhe sendo, por isso, possível afectar ou modificar o conteúdo do direito fundamental, sob pena de se inverter a ordem constitucional das coisas».
Essa inversão da ordem constitucional das coisas - ao atribuir vasta competência regulamentar às autarquias, ao tratar os eventuais ilícitos no âmbito de um direito de mera ordenação social, ao condicionar o exercício da liberdade de expressão a actos administrativos prévios- surge latente no projecto de lei n.º 25/V.

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