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Sábado, 23 de Janeiro de 1988 I Série - Número 44

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JANEIRO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
Foram aprovados os n.ºs 31 a 35 do Diário.
Prosseguiu a apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 25/V (PSD), que condiciona a afixação da publicidade ou da propaganda, bem como a realização de inscrições ou pinturas murais. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (ID), Herculano Pombo (Os Verdes), José Manuel Mendes (PCP), Jorge Loção (PS), Nogueira de Brito (CDS), Licínio Moreira e Vieira Mesquita (PSD), Igrejas Caeiro (PS), Mendes Bota (PSD), Maria Santos
(Os Verdes), Rui Silva (PRD), Carlos Oliveira (PSD) e Helena Roseta (Indep.).
Após leitura dos relatórios e pareceres das Comissões de Trabalho, Segurança Social e Família e da Juventude, iniciou-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 19/V - Instituti, no âmbito do regime não contributivo da Segurança Social, para os jovens à procura do primeiro emprego, uma prestação pecuniária designada «subsídio de inserção dos jovens na vida activa». Usaram da palavra, além do Sr. Ministro Adjunto e da Juventude (Couto dos Santos), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Miranda Calha (PS), Álvaro Amaro (PCP), Armando Vara e José Apolinário (PS) e Isabel Espada (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. de Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel Ascensão Belém.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Coito Pita.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Carvalho Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.

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Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco Igrejas Caeiro.
Helena de Melo Torres Marques.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Leio Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Bolseiro Amaro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo de Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Eduardo Linhares de Castro.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
José Silva Lopes.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.9 157/V, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas e outros, do PCP, relativo à criação da freguesia de Porto Salvo, no concelho de Oeiras, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 158/V, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP, relativo ao combate à exploração do trabalho infantil, que foi admitido e baixou às 3.º e 13.º Comissões; projecto de lei n.º 159/V, da iniciativa do Sr. Deputado Casimira Gomes Pereira e outros, do PSD, relativo à criação da freguesia de Casais do Vale da Pedra, no concelho do Cartaxo, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 160/V, apresentado pelo Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP), relativo à garantia dos alimentos devidos a menores, que foi admitido e baixou à respectiva comissão.
Deu entrada na Mesa a proposta de lei n.º 29/V, que suspende, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1988, a aplicação do artigo 2.º da Lei n.º 26/84, de 31 de Julho, que foi admitido e baixou à 5.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 31 a 35 do Diário, respeitantes, respectivamente, às reuniões plenárias dos dias 15, 16, 17, 18 e 22 de Dezembro findo.
Estão em discussão.

Pausa.

Visto não existirem objecções, dou por aprovados os Diários.
Srs. Deputados, vamos continuar a apreciação da proposta de lei n.º 25/V (PSD), que condiciona a afixação da publicidade ou da propaganda, bem como a realização de inscrições ou pinturas murais.
Estão inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Licínio Moreira vários Srs. Deputados, o primeiro dos quais é o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, a quem concedo de imediato a palavra.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado Licínio Moreira, já não a primeira vez que o PSD e mesmo o Governo levantam aqui, na Assembleia da República, esta questão. Sabemos porquê, como é evidente! Em nossa opinião, o PSD não está muito interessado em que se mantenham nas ruas das nossas terras as publicidades políticas e sindicais.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que com o 25 de Abril, e depois dele, se verificou neste país - e certamente que o Sr. Deputado é da minha opinião - uma magnífica e sadia manifestação de liberdade e de criação artística com

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murais e cartazes, onde o povo português manifestou a sua grande alegria e satisfação pela liberdade e também os seus anseios e preocupações ao longo dos anos. É evidente que o PSD sempre se insurgiu contra isto - e a verdade é que não se encontra aqui presente o actual Ministro dos Assuntos Parlamentares -, mas não vamos com sofismas, Sr. Deputado: o PSD não está, não esteve e nunca estará contra a propaganda comercial nas ruas. Disso não temos a mais pequena dúvida!
A propósito de ambiente e de qualidade de vida, o Sr. Deputado refere ao artigo 66.º da Constituição. Ora, seria interessante lermos, alínea a alínea, este artigo, porque o Sr. Deputado apenas o refere, mas não lê as alíneas onde se diz «prevenir e controlar a poluição, os seus efeitos e formas prejudiciais de erosão».
Diga-me, Sr. Deputado, o que é que tem sido feito? Como é que se encontram as nossas ruas, as nossas estradas? Como é que está a situação dos transportes?
Na verdade, a poluição mantém-se a todos os níveis e não há maneira de ser atacada. Temos uma Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais que se preocupou apenas com questões secundárias, que também apoiamos! ... Mas onde está, e a propósito do artigo 66.º da Constituição, por exemplo, a qualidade de vida que verificamos nos bairros de lata, que poluem, isso sim, e onde vivem dezenas e dezenas de milhares de famílias nas cidades portuguesas?
Essa história de se falar na qualidade de vida apenas porque os sindicatos ou os grupos políticos têm os seus cartazes e fazem a sua propaganda política é uma graça de mau gosto, para não a classificarmos de outra maneira.
O Sr. Deputado fala no artigo 37.º da Constituição - nós também falamos nele -, que respeita à liberdade de expressão e informação. É uma censura prévia aquilo que os senhores estão a fazer com este vosso diploma, e eu pergunto-lhe, Sr. Deputado: Acha ou não que a Lei n.º 14/79, que até já teve alterações em 1985, é suficiente? Essa lei prevê ou não nos seus artigos os termos em que se vedam a afixação de propaganda, etc., etc.?
O Sr. Deputado sabe muito bem que essa lei existe. Não acha que ela é já suficiente? Sr. Deputado, quando se fala daquilo que se passa no estrangeiro é preciso que não o façamos apenas de ouvido, mas que se verifique exactamente o que nele se passa, porque senão corre-se o risco de apresentar exemplos que às vezes não colhem.
Sr. Deputado, que critério é que as câmaras devem optar para a afixação desses cartazes políticos e sindicais?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Licínio Moreira, certamente sabe que alguns dos nossos antepassados tiveram de partilhar as cavernas, por exemplo, com os ursos e, também, com outras espécies animais de menor entendimento do que o nosso dito antepassado. Apesar disso e arriscando a sua vida, durante longas noites pintou as paredes dessas cavernas. Ora, Sr. Deputado, se não tem sido isso, talvez hoje não tivéssemos tido acesso àquilo que foram os seus sonhos e anseios de progresso...
Sendo assim pergunto-lhe, Sr. Deputado: Está ou não de acordo comigo quando digo que se o nosso «antepassado» se tivesse submetido à lei então vigente, a «lei da selva», tal como hoje a conhecemos, não teria tido a oportunidade de nos transmitir os seus anseios? Neste sentido, nós, hoje, descendentes desse homem que arriscou a vida para pintaras paredes e também como ele impossibilitados de chegar aos
meios de comunicação (que hoje temos ao nosso dispor), não teremos também o direito de exprimir nas paredes e em outros locais aquilo que são os nossos anseios e sonhos de liberdade?
A segunda pergunta que gostaria de colocar-lhe tem a ver com épocas um pouco mais recentes, ou seja, com a «Santa Inquisição» neste país.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se está ou não na disposição de propor um «auto de fé» para o mentor ideológico das campanhas quer da AD, campanha vitoriosa, quer do PSD, que acabou por pintar de cor de laranja tudo aquilo que era país, em Julho - mês que não é de laranjas, como todos sabemos -, e em que até os passes sociais eram dessa cor.

Uma voz do PSD: - Fica mais bonito!

O Orador: - Será que vamos ter o prazer de assistir a um «auto de fé», na comemoração, enfim, não sei de que centenário da queima do judeu?
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que ouvi, com alguma comoção, os seus apelos à manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado. Será que esta proposta de lei tem em vista eliminar aqueles obsoletos anúncios que encimam os prédios da baixa pombalina e que, de entre outras coisas, nos impedem de ver o Castelo de São Jorge? Será que a Câmara de Lisboa, nomeadamente depois da aprovação desta proposta de lei, vai ser obrigada a retirar das suas colinas toda a monstruosa propaganda publicitária que nos impede de termos um ambiente ecologicamente equilibrado?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Licínio Moreira, tivemos ontem a oportunidade de ouvir a intervenção com a qual abriu, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, o debate em torno do projecto de lei n.º 25/V.
A minha camarada Odete Santos estava inscrita para neste momento intervir, mas faço-o eu, para lhe colocar uma questão singela.
Como o Sr. Deputado sabe certamente, o regime de licenciamento administrativo não pode, em nenhum dos seus momentos, ir contra os direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República, robustecidos com a força jurídica do artigo 18.º No projecto de lei de que é subscritor verifica-se que o articulado não acautela, minimamente, a possibilidade de, por via administrativa, se introduzirem mecanismos censórios, discriminatórios, contrários de todo em todo ao exercício normal numa democracia dos direitos de informação, expressão e propaganda. Desejo confrontá-lo, de uma forma simples, com esta questão, que, creio, apesar de tudo, é medular na discussão que travamos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Licínio Moreira, com toda a franqueza, que «quem semeia ventos colhe tempestades».
Pelas reacções ocorridas ontem no Plenário, depois da sua intervenção, percebemos por que é que essas tempestades aqui surgiram.

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O Sr. Deputado Licínio Moreira fez um discurso que é uma amálgama...

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - São verdades!

O Orador: -..., um conjunto de insinuações, algumas das quais - permita-me que lhe diga - são totalmente despropositadas relativamente à matéria que se encontrava em debate.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito mesmo!

O Orador: - Sr. Deputado, isto só releva da situação que infelizmente se está a tomar hábito por parte da sua bancada e que é a arrogância intelectual e totalmente contraditória, em muitos casos, com as disposições assumidas pelos mesmos deputados em sede de comissão.
Quer o parecer desta legislatura quer o da legislatura passada elaborados pela 1.ª Comissão afloram um conjunto de dúvidas de constitucionalidade que foi subscrito na Comissão pelos próprios Deputados do PSD, inclusive pelo Sr. Deputado Licínio Moreira. Chega-se ao Plenário e essas questões são totalmente escamoteadas, como se não existissem ou fossem questões menores.
Penso que é uma maneira completamente abstrusa de encarar com frontalidade, franqueza e verdade problemas que são sérios e mereciam uma discussão séria. Não ignore o Sr. Deputado Licínio Moreira que o PS converge com o PSD e com outros partidos quanto à preocupação de racionalizar a utilização de elementos de propaganda com vista a que eles não contribuam para degradar as condições ambientais e patrimoniais do País. Quanto a isto, penso que deveríamos estar definitivamente entendidos.
Portanto, o problema não deve girar à volta de insinuações sobre quem quer e quem não quer realizar este objectivo. O problema é o de saber se este objectivo é ou não alcançável, considerando e garantindo um regime de protecção, tal como deve ser, dos direitos, liberdades e garantias. Há ainda dúvidas sobre alguns aspectos do projecto de lei apresentado pelo PSD, e, tendo elas sido suscitadas ao longo de todo este tempo, deveriam já ter merecido, por parte desse partido, reflexão suficiente para nos ler sido dada uma resposta.
Gostaria de voltar a colocar algumas questões e obter, se possível, da parte do Sr. Deputado Licínio Moreira uma resposta clara.
Entende ou não, Sr. Deputado Licínio Moreira, que a propaganda feita pelos partidos políticos e a actividade publicitária feita pelas empresas comerciais são a mesma coisa? São realidades funcionalmente distintas e, como tal, não devem ter idêntico tratamento ao nível de um projecto de lei com estas características.
Entende ou não, Sr. Deputado Licínio Moreira, que o articulado do seu projecto não acautela suficientemente um regime geral e tem como consequência negativa o subordinar a administração prévia caso a caso, ou seja, actos de licenciamento individual - as autorizações para a afixação de propaganda -, designadamente por partidos políticos, e que isso viola directamente a Constituição, pelo que teríamos todos de emendar a mão nesse capítulo?
Sendo certo que em matéria de direitos de informação e de comunicação todas as infracções, como diz a Constituição no n.º 3 do artigo 37.º, estão necessariamente submetidas às regras gerais do direito penal e aos tribunais, querer reverter as infracções para o regime do direito de uma ordenação social é, neste aspecto, uma fuga ao dispositivo
constitucional; logo, neste particular, terá também de ser emendado o projecto de lei apresentado pelo PSD?
Peço-lhe, Sr. Deputado Licínio Moreira, que responda com franqueza a estas questões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Deputado Licínio Moreira, acalmada a tempestade de ontem provocada pelo seu discurso, e para a qual V. Ex.ª conta sempre com a colaboração solícita do PCP...

Risos do PS.

... - de facto, estão sempre prontos a atiçar estas tempestades e a encher estas nuvens -, tempestade que no fundo se destinava a esconder o verdadeiro objecto da nossa discussão, que era este fraco exercício da proposta normativa, gostaria de lhe colocar uma questão muito simples.
O Sr. Deputado afirmou ontem que considerava que o regime constante do projecto de lei do qual são subscritores era o mais adequado e correcto para tratar o problema que diagnosticou. Isso, aliás, já foi feito várias vezes nesta Assembleia, e o CDS sempre tem concordado. Não e o diagnóstico que está em questão, mas, sim, a terapêutica, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Licínio Moreira, qual é o regime que V. Ex.ª considera mais adequado? Sabemos que há no diploma uma intenção de devolução de problema para resolução em sede autárquica, mas o que é que VV. Ex.ªs devolvem ou pretendem devolver? Continuamos com as nuvens da tempestade de ontem a dificultar-nos uma clara visão da vossa pretensão. VV. Ex.ªs devolvem o poder de regulamentar, em termos gerais e abstractos, o problema da afixação da propaganda? Devolvem o poder de licenciar espaços, a que VV. Ex.ªs chamam «casos», o que não deixa de ser curioso, pois são casos iguais a espaços, ou VV. Ex.ªs devolvem também o poder de licenciar, sem regulamentação, sem prévio licenciamento de espaços, concretamente os actos de afixação de propaganda, numa arbitrariedade que só seria limitada pela regra contrária, ou seja, proibitiva do artigo 3.º?
Esta dúvida, Sr. Deputado Licínio Moreira, foi aflorada no parecer da Comissão e foi aqui levantada repetidamente o ano passado, aquando da discussão do projecto de lei sobre esta matéria. É uma dívida que, apesar de tudo, VV. Ex.ªs ainda não curaram - e isso é lamentável - de resolver com a apresentação de uma nova iniciativa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Licínio Moreira.

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou utilizar todo o tempo de que disponho para responder aos pedidos de esclarecimento que me foram formulados, na medida em que há vários Srs. Deputados da minha bancada que ainda querem intervir nesta discussão. Além disso, creio que a maior parte das perguntas que foram colocadas já se encontram esclarecidas na intervenção que produzi e no próprio texto do diploma que está em debate e que já foi abordado por várias vezes, nomeadamente quando em 1985 aqui foi discutida a inconstitucionalidade deste diploma e quando, em 1986 e 1987, foi debatido na generalidade.

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Em relação ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, por mais uma vez se verifica que os Srs. Deputados da ID se solidarizam com o PCP, o que é completamente aceitável, na medida em que se encontram aqui neste hemiciclo graças ao PCP, defendendo que o País, volvidos quase catorze anos após a Revolução do 25 de Abril, deveria, no seu entendimento - seu, do PCP e de seus acólitos -, manter-se numa revolução permanente. Eu sei que é isso que interessa ao PCP, ou seja, que não haja tranquilidade para que o povo português trabalhe e para que acredite na Nação, no país que os viu nascer. Contudo, nós entendemos as coisas de uma forma diferente e o povo tem dado razão ao PSD, e ainda muito recentemente se verificou isso ao conferir-lhe mais de 50 % dos lugares desta Câmara.
Ao Sr. Deputado Herculano Pombo devo dizer que a época das cavernas já passou há milhares de anos e que, se efectivamente os energúmenos que aporcalham as nossas cidades, vilas e grandes aldeias do País fizessem as pinturas rupestres, concordaríamos inteiramente, porque isso não danificaria grandemente o ambiente em que vivemos e a própria paisagem natural.
Dizer-se que durante as campanhas eleitorais passadas o PSD também contribuiu para isso é um facto, e já por várias vezes nos penitenciámos disso. Porém, numa campanha eleitoral não podemos deixar de nos servir dos mesmos elementos e argumentos dos outros partidos que disputam as eleições.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Más nós prescindimos!

O Orador: - O Sr. Deputado perguntou o que é que o PSD, sobretudo desde que se encontra sozinho no Governo, tem feito em relação à criação de um ambiente equilibrado e ecologicamente sadio. As acções estão bem à vista, Sr. Deputado! Aliás, recordo-lhe que na legislatura passada foi aprovada, por unanimidade, a Lei Quadro do Ambiente, que todos os partidos desta Assembleia votaram favoravelmente, acreditando que os governantes do sector do ambiente a iriam executar.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Mas ainda não a regulamentaram, apesar de já ter passado o prazo.

O Orador: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, quero dar-lhe os parabéns pela moderação que empregou no seu pedido de esclarecimento.
Naturalmente a noite fez-lhe bem, pois reconsiderou as frases intempestivas que ontem aqui proferiu e que, do meu ponto de vista, foram injustas, na medida em que sempre tive para com o Sr. Deputado - aliás, devo dizer que o mesmo sempre tenho recebido de V. Ex.ª - um trato amável e amigável.
Porém, na discussão política não posso prescindir de usar argumentação que fica muito aquém daquela que naturalmente os Deputados do PCP usam em relação ao meu partido. Basta ler - e repito isto mais uma vez - as intervenções dos Srs. Deputados do PCP nos debates travados acerca deste diploma para se chegar a essa conclusão: há aí, efectivamente, invasão de certos sectores que não mereciam ser invadidos pela argumentação por vós expendida nesta Assembleia.

O Sr. José Magalhães (PCP): -O que é que ele quer dizer com isto?

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar devo esclarecer que não disse quaisquer «inverdades»
na afirmação que fiz. Aliás, quando no discurso que ontem produzi referi que na discussão deste diploma o Partido Socialista me parecia ser dois partidos, apenas me baseei no debate que aqui foi travado em 1985 e em 1986. Nessa altura, todo o PS, que até tinha quase o dobro de deputados nesta Câmara, aprovou, sem titubear, o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Portanto, na discussão que aqui teve lugar acerca desse parecer não se ouviu nenhuma voz contra. A única coisa que se ouviu foi uma voz vinda de uma bancada ao lado da do PS a insurgir-se contra a vossa bancada, dizendo que o que eles queriam - eles, PCP - era a revolução permanente no País, o que queriam era que as nossas ruas, avenidas e largos fossem sucessivamente aporcalhados. Ora, foi precisamente a voz do seu colega de bancada e caro amigo Igrejas Caeiro que nessa altura se insurgiu grandemente contra a actuação do PCP.
O Sr. Deputado disse que no projecto de lei que apresentamos não distinguimos a propaganda política nem a propaganda comercial. Ora, é um facto que em certos casos não a podemos distinguir. Não vejo que distinção é que pode haver entre o anunciar um comício político no Pavilhão dos Desportos e anunciar no mesmo Pavilhão ou, por exemplo, no Coliseu dos Recreios a vinda da Cicciolina. Suponho que o anúncio puro e simples de uma actividade partidária não tem mais dignidade do que o anúncio de uma reunião puramente recreativa, teatral ou futebolística.
O Sr. Deputado Jorge Lacão referiu ainda que o artigo 4.º do diploma em questão não acautela devidamente o direito de informação. Ora, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que este projecto de lei não pretende atingir o conteúdo das mensagens mas sim que essas mensagens sejam acantonadas em certos espaços das nossas cidades, vilas e aldeias, e aí qualquer pessoa pode exercer o livre direito de informar. Porém, o que não pode é, com infracção daqueles três direitos constitucionais, como seja o da propriedade privada, o do direito ao ambiente ecologicamente sadio e à fruição cultural, que tom tanta dignidade como o direito à informação, serem violados desde há catorze anos a esta parte.
Quanto ao facto de este projecto de lei transformar as violações ao direito de informação em infracções que não têm dignidade criminal, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que as coimas que aqui estão previstas não o são em relação à infracção ao direito de informação, mas sim ao direito que as pessoas têm de, em certos espaços, poderem dar largas a esse direito de livre informação. É, pois, isso que está cominado neste projecto de lei: não às violações ao direito que a pessoa tem em si de dar uma mensagem conforme entenda.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, efectivamente defendemos que a providência que aqui apresentámos à discussão, e que pretendemos seja aprovada na especialidade, nos parece a mais eficaz e razoável.
Porém, acrescentámos - e V. Ex.ª lembrar-se-á disso se esteve atento, sobretudo à parte final da intervenção que produzi - que acolheríamos muitas sugestões, quer ao longo da discussão, quer do recurso de inconstitucionalidade, quer o ano passado, aquando da discussão deste diploma na generalidade. Eu próprio disse que me parecia ser de acolher uma sugestão dada por um deputado do PS, como me parece ser de acolher que durante as campanhas eleitorais não haja qualquer necessidade de licenciamento de afixação dos cartazes e propaganda política nos locais e nos suportes que para isso estejam destinados. Daí que a interrogação que o Sr. Deputado fez não tenha razão de ser.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo o Regimento, V. Ex.ª não tem direito a formular protestos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Então, peço a palavra ao abrigo da figura regimental de defesa da honra do meu agrupamento parlamentar.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Como é hábito quando é invocada a defesa da honra, a Mesa concede sempre a palavra, pois é uma figura regimental muito subjectiva. Porém, solicito obediência ao espírito e aos termos regimentais.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, V. Ex.ª ouviu tão bem como eu as lamentáveis suspeições daquele Sr. Deputado Licínio Moreira.
Sr. Deputado, comecei por citar o artigo 66º do projecto de lei em questão e li algumas partes da Constituição; citei o artigo 37.º da Constituição e fiz-lhe perguntas sobre a lei eleitoral, a que V. Ex.ª não respondeu, porque nem sempre é capaz de saber do que se trata.
V. Ex.ª, Sr. Deputado, foi bastante grosseiro ao lançar suspeição sobre nós dizendo que só estamos solidários com o PCP, dando a entender que não temos a nossa própria autonomia, que não somos capazes de ser independentes. Inclusive, mal-educadamente, o Sr. Deputado disse que estávamos aqui à custa de um outro grupo parlamentar. Ora, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que V. Ex.ª está aqui à custa de muitos que deste lado lutaram contra o fascismo para que o senhor possa ter acesso às grosserias lamentáveis que está para aí a dizer. Nós temos a nossa própria independência e não nos afastamos nem um centímetro dela em defesa de um projecto político pelo qual nos batemos há dezenas de anos e tomamos as posições públicas e notórias, tal como o fizemos há meia dúzia de meses.
Ao contrário de outros, não receamos nem um centímetro a vossa crítica. É bom que o Sr. Deputado olhe para o seu grupo parlamentar, para o seu partido e para o seu próprio Governo! Na verdade, não nos vendemos por coisa alguma!
Já há cerca de dois anos o Sr. Deputado foi extremamente grosseiro para com o Sr. Deputado Raul Castro, o que nos levou a cortar relações pessoais com V. Ex.ª, até que pediu desculpas pela grosseria que utilizou.
Temos conhecimento das nossas próprias limitações e das limitações dos outros, nomeadamente das suas, Sr. Deputado. V. Ex.ª habitua-nos às suas baixas insinuações, às suas suspeições diminutas, fruto de um espírito tumefacto de prazeres equívocos, e o seu prazer equívoco é ofender. V. Ex.ª nem sequer merece o susto da resposta clara que está a pedir.
Agradeço-lhe, pois, que tanto aqui como noutro local tenha mais cuidado no tipo de palavreado baixo e diminuto que utiliza! Tenha cuidado, Sr. Deputado, com aquilo que diz! Eu próprio sou uma pessoa firme, mas não sou grosseiro, não sou mal-educado nem ofendo aqui ninguém. O Sr. Deputado leia o que disse e depois de descansar no fim-de-semana talvez me dê razão.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Licínio Moreira.

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, a intervenção que acabou de formular não merecia sequer que me levantasse para dar explicações. Na verdade, apenas o fiz para reafirmar que não retiro nada daquilo que afirmei.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Continua grosseiro!

O Orador: - Por várias vezes temos notado que a ID, ou, antes deste agrupamento parlamentar, o MDP/CDE, pretende estar totalmente independente em relação ao partido que lhes deu a mão para serem eleitos deputados.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - O senhor continua a ser mal-educado!

O Orador: - Não vale a pena o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca falar muito alto e até fazer ameaças. O senhor poderá fazer as ameaças onde quer que seja, pois eu não terei medo, nem aqui, nem na rua, nem em parle alguma.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Na rua?

O Orador: - Sr. Deputado, a única coisa que lhe digo é que, efectivamente, não vale a pena estar a discutir consigo, porque o senhor não merece!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - O senhor não merece é um susto!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defender a honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a defesa da honra tem aspectos muito subjectivos, portanto concedo-lhe a palavra, chamando a atenção de V. Ex.- para o respeito do Regimento e do seu espírito, de modo a não prolongarmos indevidamente os nossos debates através desta figura regimental.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, V. Ex.ª produziu afirmações que, efectivamente, ofendem a minha bancada. O Sr. Deputado disse que nós estávamos aqui à custa de muitos que estiveram na luta do antifascismo. Quero, pois, declarar que muitos dos meus companheiros estiveram nessa luta.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - É verdade!

O Orador: - Por isso, V. Ex.ª foi injusto na afirmação que produziu.
Não vou prolongar por mais tempo a defesa da honra da minha bancada porque, tal como os membros da Mesa, entendo que não é com este tipo de incidentes que estaremos a prestigiar a Assembleia da República - e ela precisa disso.
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, se estamos aqui é porque o povo português confia em nós! Por isso, somos maioria, porque a obtivemos em eleições livres.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, V. Ex.ª tem toda a razão. Sabemos que dentro do PSD há muita gente séria e honrada que merece o nosso respeito e a nossa amizade, e sabemos também o papel que tiveram antes do 25 de Abril para que o fascismo fosse erradicado e para que muitos deputados que aí estão pudessem usar da palavra.
Estava a referir-me concretamente ao deputado que o antecedeu no uso da palavra.
Sr. Deputado Vieira Mesquita, ao fazer o reparo que fez - e que tem todo o direito em o fazer - preste atenção àquilo que disse o Sr. Deputado Licínio Moreira. O que o Sr. Deputado Licínio Moreira disse são ofensas graves
- principalmente na segunda intervenção que fez -, que me levam a ter de cortar relações pessoais com ele, o que é lamentável. Assim, pela segunda vez, ele terá de pedir desculpas, pois a ofensa que fez é lamentável!
A verdade é que não nos afastamos um centímetro do nosso projecto político, o que nos leva a tomar posições públicas sem receio de ataques sujos e diminutos como aqueles que fez o Sr. Deputado Licínio Moreira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 25/V, hoje em discussão, uma vez mais apresentado pelo PSD, dará, por certo, motivo e argumento para quem acusa a Assembleia da República de malbaratar o seu tempo, perdendo-se em intermináveis debates e acabando, algumas vezes, por não chegar a produzir a norma legislativa adequada à solução do problema de interesse geral que se pretendia contemplar.
Servindo de álibi para as promessas não cumpridas, são afinal os denunciadores da pretendida inoperacionalidade da Assembleia da República que as mais das vezes estão na origem da maior parte do tempo perdido nesta casa.
O projecto de lei n.º 25/V, apresentado pelo PSD, é exemplar do tempo inutilmente perdido em três sucessivas legislaturas.
É evidente estarmos todos de acordo ser urgente a necessidade de acabar com o abuso agressivo da afixação desbragada de cartazes por tudo o que é parede, desrespeitando o direito de todos nós ao bom ambiente para viver em comunidades limpas, evidenciando a beleza e o património histórico construído de muitas cidades e lugares de Portugal.
É geral o consenso quanto à urgente defesa do direito à propriedade privada, constantemente desrespeitado pela inutilização de pinturas e revestimentos dos imóveis, deixando irreconhecíveis as construções urbanas.
É dado adquirido a premente iniciativa legislativa deste órgão de soberania no sentido de habilitar as autarquias à regulamentação local susceptível de prevenir abusos e evitar a necessidade de recurso a medidas de natureza sancionatória.
O que ao longo de três legislaturas se contesta, no diploma em discussão, são as dúvidas de inconstitucionalidade suscitadas pelo projecto de lei n.º 25/V, apresentado pelo PSD, que não consegue compatibilizar os vários direitos em causa.
Só o PSD não admitiu ainda não poder confundir-se a publicidade e a propaganda comerciais com a mensagem ou a comunicação política, pelo que terão de ser diferentes as soluções a contemplar.
Estes princípios têm sido largamente defendidos, com pertinente argumentação, pelos representantes das forças políticas que procuram encontrar com o PSD a lei exigida pela grande maioria dos portugueses.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Até hoje o PSD ainda não aceitou abdicar da enormidade que seria fazer depender de prévio licenciamento camarário cada mensagem ou acto de comunicação política.
Acresce que esta forma de licenciamento careceria ainda de parecer favorável da Junta Autónoma de Estradas, da Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, da Direcção-Geral de Turismo e do Serviço Nacional de Parques e Conservação da Natureza.
Nos longos debates, preenchendo dezenas de páginas do Diário da Assembleia da República, pressente-se aqui e além a vaga hipótese dialogante de utilizar a discussão na especialidade para afeiçoar o diploma e torná-lo apto a defender-nos de quantos, impunemente, sujam e deterioram as paredes da nossa terra.
Recorda-se que as anteriores edições deste projecto sempre mereceram votação favorável na generalidade, com baixa à respectiva comissão para efeitos de discussão e votação na especialidade, nunca concretizadas.
Era de esperar que o PSD, ao retomar a iniciativa, tivesse em conta toda a história anterior, de modo a retocar o seu projecto, evitando a repetição que por certo vai ocorrer.
Pergunta-se: esta falta de atenção do PSD pelas restantes forças políticas aqui representadas é apenas acto displicente de quem não esteve para incomodar-se a consultar os antecedentes ou, o que seria mais grave, resulta de mais uma afirmação do novo-riquismo político, fazendo sentir que a força numérica da sua bancada tem agora oportunidade de resolver a seu bel-prazer o problema da afixação de publicidade e das pinturas murais, sem ter em conta as avisadas dúvidas e propostas dos restantes partidos?
Pela análise de quanto já foi dito acerca das várias edições, nunca aumentadas nem corrigidas, deste projecto de lei, é convicção do Partido Socialista ser possível elaborar uma lei escorreita em que o direito à liberdade de expressão e informação, contemplado pelo artigo 37.º da Constituição, seja rigorosamente respeitado, embora compatibilizado com o direito à propriedade privada (artigo 62.º da Constituição) e o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (artigo 66.º da Constituição).
Com o maior respeito pelas competências das autarquias, a necessária e urgente lei deve habilitar as câmaras municipais a produzir regulamentos de harmonia com as especificidades locais que o problema levanta.
Por estarmos certos do bom trabalho que é possível produzir, em comissão, no debate e votação na especialidade, o Partido Socialista votará favoravelmente, na generalidade, o projecto de lei n.º 25/V, ressalvando, no entanto, a posição a tomar na 1.ª Comissão, quando decorrer o debate na especialidade, se a actual maioria não mantiver a disponibilidade para expurgar o diploma da gritante inconstitucionalidade que apresenta o requentado projecto de lei n.º 25/V.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado Igrejas Caeiro, gostaria de, muito rapidamente, e em primeiro lugar, registar a moderação da intervenção de V. Ex.ª Penso que as nossas bancadas estão de acordo quanto à necessidade da criação de um normativo que, efectivamente, ponha cobro à situação que hoje está em debate; no entanto, gostaria de assinalar dois factos.

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Em primeiro lugar, V. Ex.ª começou por referir que ao longo dos debates de sucessivos anos se colocaram grandes dúvidas acerca da inconstitucionalidade deste diploma e terminou referindo a gritante inconstitucionalidade. A pergunta que lhe faço é a seguinte: em que é que ficamos, na dúvida ou na gritante inconstitucionalidade?
Em segundo lugar, quero referir que não existiu, por parte do PSD, qualquer falta de atenção para com as outras forças políticas o facto de não se introduzir qualquer alteração nos sucessivos projectos de lei que foram apresentados. Existe, sim, a nossa intenção declarada de que, servindo este diploma como texto base de trabalho, em sede de comissão ele deixaria de ser um projecto do PSD, pois chegaríamos a um texto para este diploma que seria o fruto do trabalho conjunto e do consenso entre as diversas forças políticas.
Também sabemos que não basta fazer uma lei para que ela seja cumprida, pois, se não houver consenso na aplicação e no respeito por essa lei, ela será inútil. Sobre esta matéria já existem muitas leis em Portugal que, na prática, não têm qualquer aplicação.
Queria perguntar ao Sr. Deputado Igrejas Caeiro se entende que é falta de atenção do PSD pelas outras forças políticas a não introdução de qualquer alteração neste diploma, e, então, se o problema é tão candente e se existem alterações que outras forças políticas desejam colocar, por que é que essas forças políticas não apresentaram também projectos de lei alternativos sobre esta matéria?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Deputado Mendes Bota, desculpar-me-á se não o trato por «V. Ex.ª» - que é um hábito criado nesta Assembleia -, pois entendo que essa expressão deve ser substituída por «Sr. Deputado».

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acho que é ridículo «V. Ex.ª» para cá, «V. Ex.ª» para lá, quando no nosso tratamento diário o «V. Ex.ª» está banido há muito tempo. Portanto, Sr. Deputado, não se admire se eu o tratar apenas por «Sr. Deputado», e nunca por «V. Ex.ª».

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Até lhe agradeço, Sr. Deputado!

O Orador: - É claro que a questão que me colocou é subjectiva. Quando eu referi as dúvidas suscitadas por este diploma quanto à sua constitucionalidade, falava exactamente das próprias dúvidas que os elementos da sua bancada têm levantado em consequência das referências feitas pela oposição.
Do meu ponto de vista e do da minha bancada, a inconstitucionalidade é gritante! Trata-se, portanto, de uma relatividade entre a sua e a minha bancada.
O Sr. Deputado pergunta por que é que não apresentámos um projecto de lei alternativo. A resposta é evidente! Sempre que apareceu este projecto de lei requentado - como disse há pouco- esperávamos que houvesse a possibilidade de, em sede de comissão, introduzir alterações que entendíamos indispensáveis para que a lei viesse a ser o que desejamos, para que todos a pudessem cumprir, como, aliás, o Sr. Deputado diz e bem.
Sr. Deputado, estamos, pois, dispostos a, em sede de comissão, dar a nossa participação para evitar o que está mal e acrescentar o que entendemos que possa estar bem.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é nova na Câmara a matéria de que nos ocupamos. Já em sessões anteriores o PSD intentou, mediante projecto de lei, estabelecer um regime inconstitucional de afixação da publicidade e propaganda, bem como da realização de inscrições e pinturas murais. Que mudou desde então? No essencial, nada. As más soluções persistem, traduzindo uma obstinação molesta que, no abrir do presente debate, importa denunciar. Isto é: o partido do poder, posto perante uma lúcida e generalizada oposição - no passado como agora! -, fecha-se como ostra na defesa de um plano que contende iniludivelmente com direitos fundamentais da Constituição do País.
Com efeito, a iniciativa legislativa em análise confunde propaganda política com publicidade comercial, miscigena realidades que são distintas, amalgamando os respectivos regimes jurídicos, segue caminhos e usa pseudo-argumentos tortuosos.
Ninguém defende a liberdade de pinchar os Jerónimos, arrasar a janela manuelina do Convento de Tomar com um brioso cartaz,...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Era o que faltava!

O Orador: -... tapar a porta de entrada da moradia de Cavaco Silva com uma malha de garridos colantes que gritem: «Viva o Prof. Freitas do Amaral!»

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Era o que vocês queriam!

O Orador: - Mas sabe-se que, por força da conexão entre as disposições constitucionais, constantes, designadamente, dos artigos 37.º e 18.º, a livre expressão e divulgação do pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio só pode ser sujeita a constrições - no caso de eventual colisão de interesses e normas- nos termos de uma malha apertada. Bem se compreende esta tutela rigorosa, tanto numa vertente que não esqueça os 48 anos de ditadura fascista, como quando se têm em conta as apetências autocráticas de governações revéis ao adquirido de Abril.
Outro tanto se não justifica, é óbvio, no tocante à publicidade comercial. Não dispõem da mesma dignidade institucional -e, portanto, de igual inserção e garantia na lei fundamental - a promoção de um detergente e a convocação de um comício partidário ou de uma manifestação de trabalhadores. Eis o que não pode ser escamoteado. Ora, antes de tudo, os deputados do PSD continuam a pretender sustentar o contrário, o que, só por si, é bastante significativo e foi aqui alvo de críticas de toda a gente.
O Partido Socialista, na pretérita legislatura - como há momentos o Sr. Deputado Igrejas Caeiro -, reprovou os expedientes ensejados pela direita cavaquista. O PRD, Os Verdes e os democratas que hoje compõem a ID emitiram severos juízos. O CDS, momentaneamente ausente, opôs-se. E, ao cabo de procelas e jornadas aclaradoras, os autores do projecto martelam o mesmíssimo prego abstruso, sem alterar uma vírgula ao texto, apesar das proclamações de abertura e da necessidade de modificações proferidas pelo então deputado António Capucho.

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Argumenta-se com o facto de se querer apenas criar um mecanismo regulamentador, passível de elaboração pelo legislador ordinário e pelos órgãos da administração local. Só que, nesta lógica falsificadora, se iludem aspectos de grande relevância: primeiro, não tem natureza regulamentar um corpo de preceitos que se mova na área dos direitos, liberdades e garantias, por fornia a prescrever limitações indébitas; segundo, só a lei poderá restringir tais direitos, nos casos expressamente previstos, revestindo características de generalidade, abstracção e irretroceptividade, sem diminuir a extensão e o alcance do seu conteúdo dispositivo e nos termos do mínimo necessário; terceiro, qualquer delegação de competências nas câmaras municipais é inteiramente vedada quanto à produção de normativos inovatórios, mesmo os adjectivos, que firam a essência do direito em questão.
O projecto da bancada governamental instaura a censura prévia ao conferir amplos poderes de regulamentação às autarquias, permitindo que, pelo licenciamento administrativo, se gerem as maiores aberrações, da discricionaridade à perseguição política, atasca-se num pântano fatal.
O que está em causa, assevera-se enviezadamente, é a destinação de espaços e suportes para mensagens, e não o controle das comunicações elas próprias. E se, perguntará o cidadão anónimo, se reduziram os locais por forma a só restar uma zona Ínfima? Será ínfima para todos? Todos sabemos que o gato oculto deixou o rabo ao sol. O Governo, que detém e manipula a comunicação social do sector público, com destaque para a televisão, e dispõe do apoio da maioria clara dos órgãos privados de imprensa e rádio, onde se acoitam os interesses dos grupos económicos, deseja acantonar os opositores num magro contingente de placaras, de que partilha, negligentemente, uma repartição só formalmente equânime. Pôr outro lado, é evidente que o direito inalienável de propaganda, expressão e formação, através da acção dos partidos e forças político-sociais, da vontade popular, ficaria na dependência, de facto, em muitos casos, do arbítrio dos actos administrativos concretos.
O PSD tem em mira as inscrições murais, as pinchagens, os cartazes, tanto de índole comercial como política. Usa um bacamarte parlamentar para obter, via legislação, a pulverização de importantes instrumentos de intervenção política. A arma, apesar de façanhuda, está romba e não detonará. O Tribunal Constitucional, em circunstâncias várias, declarou já a inconstitucionalidade de procedimentos dispositivos que busquem a administrativização de direitos fundamentais. O que faz correr as hostes de cavaco Silva, na Assembleia e fora dela, não é inédito nem difícil de desmistificar. Só que surge enroupado com véus angelizantes, adulteradores, impregnados de ludíbrio. Brada-se, por exemplo: «Há que assegurar um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado!» ou então: «Queremos obstar a atentados à propriedade privada!» E acrescenta-se: «A força dos artigos 66.º e 62.º da Constituição não é menor do que a do contido nos comandos sobre a liberdade de expressão e propaganda.»
Pois bem, ninguém ignora a semântica e a sistemática constitucional. Se há quem advogue a faculdade de poluir são certos lobbies que assediam o PSD e o seu executivo; não somos nós! Não conhecemos quem proponha que se rache a camartelo a casa, o carro, o estabelecimento comercial de quem quer que seja, nem sequer dos irados Sr. Deputado Joaquim Marques e outros do PSD. A legislação em vigor, desde logo o Código Civil, já acautela e protege, através de regras correctas, o universo de que nos ocupamos. Quer isto dizer que não é possível legislar inovadoramente no domínio em que o PSD se agita, se contor-ciona, tão ávido e canhestro, que faz tábua rasa de princípios inarredáveis de organização da nossa vida colectiva? É claro que é possível, de forma equilibrada, constitucional, embora o projecto de lei n.º 25/V seja uma péssima base de trabalho. O nosso voto contra exprime uma rejeição e um protesto justo. Se o diploma, não obstante, vier a desaguar na 1.ª Comissão, contribuiremos criativamente para uma solução escorreita. Só que, para o ser, quando regressar a Plenário, para ultimação parlamentar do processo legislativo, nada terá a ver com a criatura esconsa que acabámos de examinar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado José Manuel Mendes está hoje mais calmo, sem dúvida nenhuma, mas eu também gosto de o ver...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Irado!

Risos.

O Orador: - «Irado», exacto, pois penso que literariamente até a «veia» beneficia com isso.

Risos.

A questão que lhe coloco não é das de irar, mas sim das de acalmar, e é a seguinte: V. Ex.ª parte do princípio de que a regulamentação camarária e autárquica da matéria relativa ao exercício da liberdade de expressão é necessariamente restritiva do direito consagrado no artigo 37.º da Constituição.
VV. Ex.ªs falam muito bem em lobbies e eu, na sequência dessa vossa terminologia, falaria no «nó duro» da vossa argumentação. Este é, pois, o «nó duro» da vossa argumentação!
Ora, eu interrogo-me e interrogo o Sr. Deputado José Manuel Mendes sobre se admite ou não que é necessária a regulamentação nesta matéria relativa ao exercício de direito de liberdade de expressão. Trata-se, em princípio, de um direito cujo exercício se pode socorrer de um enorme conjunto de meios e, portanto, necessita de ser organizado por forma a, designadamente, não colidir com outros direitos.
Penso que a distinção quanto a esta matéria terá de ser um pouco mais espiciosa, porque aquilo que aparentemente possa ser uma restrição introduzida pelo regulamento não é mais que a expressão de uma restrição emanente ao próprio direito, como Vieira de Andrade tem sublinhado.
Sr. Deputado João Amaral, nada de fazer caretas, tenha paciência!...

O Sr. João Amaral (PCP): - É a liberdade de expressão!...

O Orador: - Pelo menos está num espaço autorizado e licenciado.

Risos.

Sr. Deputado José Manuel Mendes, há efectivamente, apesar do espanto da sua bancada, limitações emanentes aos próprios direitos, designadamente as que resultam da sua inserção no contexto de outros direitos.

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A questão que lhe coloco é a seguinte: V. Ex.ª admite que haverá possibilidade de devolução à regulamentação autárquica - e eu não tenho preconceitos contra o exercício das competências pelas autarquias, é preciso salientá-lo! - que não se traduza na emanação de regulamentos restritivos, mas apenas de regulamentos necessários à organização do exercício deste direito?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, como há outro pedido de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - O Sr. Deputado José Manuel Mendes referiu-se, taxativamente, a alguns acórdãos do Tribunal Constitucional, dizendo, nomeadamente, que eles referiam a inconstitucionalidade do nosso projecto.
Gostaria de perguntar-lhe se tem conhecimento dos acórdãos do Tribunal Constitucional de 28 de Fevereiro de 1978 e de 28 de Março de 1978 acerca de algumas posturas municipais que foram analisadas por este Tribunal e das quais passo a citar algumas passagens, não querendo, contudo, abusar da paciência de V. Ex.ª:
O direito de expressão e de informação, tal como o define a Constituição da República, não pode ser limitado ou impedido por qualquer tipo ou forma de censura, ficando as infracções a esse direito submetidas ao regime de punição da lei geral a apreciar pelos tribunais judiciais nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º daquele diploma.
O artigo 15.º das posturas municipais do Porto [era este o caso em análise], que proíbe, além do mais, riscar e sujar muros ou outras vedações das ruas, largos e demais lugares públicos, nada tem a ver com aquele direito de expressão e informação.
Trata-se de disposições não incompatíveis que tutelam interesses diferentes: aquele, a liberdade de expressão e de informação, e este, a limpeza e segurança dos lugares públicos a cargo da respectiva câmara, daí que não possa afirmar-se inconstitucionalidade daquela postura municipal.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, gostaria que comentasse este acórdão do Tribunal Constitucional.

O Sr. Joaquim Fernandes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, a questão que me coloca não é nova mas importante.
Dir-lhe-ia que, quando a regulamentação autárquica não é restritiva, obviamente se não coloca qualquer questão de inconstitucionalidade. No entanto, quando ela é restritiva, colocam-se, sobretudo quando essa restrição se traduza numa pura disponibilidade do direito pela autarquia, sem o mínimo enquadramento legal.
O que acontece é que, como pode inferir da minha intervenção, defendemos que nesta matéria, que é sensível, estão em presença, por um lado, o direito de expressão, o
direito de propaganda, o direito da formação da própria vontade popular e, por outro lado, interesses de natureza privada e outros que a Constituição tutela em relação ao ambiente e à qualidade de vida.
Não pode talhar-se um regime que abra as portas ao arbítrio, à discricionariedade, à decisão casuística. É necessário encontrar uma malha que, no quadro das disposições constitucionais e sem fazer enfraquecer o direito fundamental à expressão e à propaganda política, possa acautelar os outros direitos que, de alguma forma, com ele colidirem.
Não disse, hoje, perante a Câmara, nem no passado, que era impossível tocar nesta matéria, fosse de que modo fosse, por via legislativa. O que disse, e repito, é que é exigível que qualquer intervenção seja feita não no quadro do projecto do PSD mas no de um entendimento rigoroso e escorreito do que é a Constituição da República e do que está em jogo.
Quanto aos acórdãos que o Sr. Deputado Mendes Bota referiu, devo dizer-lhe que eles são conhecidos e não tem a ver exactamente com aquilo que estamos neste momento a tratar.
As portarias a que se refere têm alguma vaga cobertura em disposições legais preexistentes. Há momentos aludi ao Código Civil, mas há mais, nomeadamente o Código da Estrada. Sempre que as câmaras municipais agem no enquadramento de uma lei, em sentido técnico e estrito, obviamente não se coloca a questão da constitucional idade. Nos casos que cita o problema é talvez um pouco este, embora eu não conteste o ponto de vista jurídico--constitucional expresso pelos respectivos relatores dos acórdãos. Seria até curioso dizer-lhe que, como pode verificar, as teses expressas nos mencionados acórdãos fizeram vencimento por uma escassíssima minoria, logo depois completamente substituída por outras maiorias em sentido contrário, mesmo apesar da existência de alguma regulamentação que hoje se entende, a meu ver justamente, carecer de fundamentação constitucional.
Repito que o que está em causa é essencialmente isto: o povo português saiu do túnel de 48 anos de obscurantismo e de fascismo, farto de formas censórias e constrições ao exercício da liberdade de expressão. No presente, esse mesmo povo pretende uma propaganda sem restrições indevidas e dispondo de uma tutela constitucional relevante paralela à prescrita para a acção dos partidos políticos, que são, como sabe, uma das forças da democracia. Não pode, de forma alguma, nem o PSD nem ninguém intentar através de mecanismos inidóneos, porque feridos de inconstitucionalidade, atacar esses direitos, ainda por cima abrindo mão a actuações casuísticas, muitas vezes à revelia da própria vontade do legislador. Toda esta realidade tem de ser considerada.
Uma democracia é um livre jogo de forças, é um equilíbrio entre forças que se movimentam, mas é também um exercício de legalidade e de uma alta sagacidade política, deste modo, importa, realmente, que uma câmara democrática não incorra na pecha ou no desleixo de permitir que, por qualquer via, se ponham em causa princípios fundamentais e direitos que exigiram longos sacrifícios do nosso povo até ao momento de serem garantidos, e muito bem, numa Constituição que, segundo o nosso entendimento, deve continuar a merecer o respeito de todos, incluindo os que no Governo ou nesta Câmara actuam no exercício do poder.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de conceder a palavra ao próximo orador inscrito, recordo a todos os grupos parlamentares a realização de uma conferência de líderes às 12 horas.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao voltar a apresentar o articulado do agora projecto de lei n.º 25/V, o PSD não o faz por uma mera questão de teimosia, de capricho partidário ou de aproveitamento conjuntural do facto de dispor de uma maioria confortável nesta Câmara.
Seria fácil agora chegar aqui e impor a lei da contagem dos votos, que também é democrática. Mas que fique desde já bem claro não ser esse o nosso estado de espírito. Temos a consciência plena da delicadeza e da profundidade das questões em análise, sobretudo quando elas envolvem situações de compatibilização e regulamentação do exercício de diversos direitos e liberdades fundamentais consagrados constitucionalmente.
Este é o mesmo texto de idêntico projecto de lei que apresentámos na anterior legislatura, mas não é um texto encerrado.
Pensamos, pois, que em sede de discussão na especialidade se deverá tentar o máximo consenso possível e iniciar logo ali o «acordo de cavalheiros» de que em tempos falava o deputado António Barreto.
O que está em causa não é, nem pode ser, um apagar da história a memória da propaganda do após 25 de Abril. O 25 de Abril e o período que se lhe seguiu marcou tão profundamente a transformação da sociedade portuguesa que não haverá já qualquer detergente ideológico ou legislativo que o consiga remover.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mesmo com todos os seus excessos, pensamos que foi importante esse período de descompressão propagandística, que marcou uma época em Portugal.
Artistas murais, alguns deles fazendo-se hoje pagar principescamente por trabalhos decorativos, ofereceram às urbes deste país obras de indesmentível beleza e cunho artístico. O Portuguese graffitti conheceu rápido incremento, onde o calão e a provocação não raras vezes se juntaram ao humor e à imaginação.
Uma só frase, este slogan, «Abaixo o Governo», tem resistido ao passar dos tempos, comum ao antes e ao depois da ditadura. Todos os primeiros-ministros dos governos anteriores reconhecem hoje o abono promocional que a pintura dos seus nomes nas paredes lhes trouxe. Não há legitimidade política para um primeiro-ministro que não seja publicamente convidado a ir para a rua.

Risos do PS.

E é inquestionável que a própria concepção do cartaz como forma de expressão e propaganda deu um notável contributo para o desenvolvimento da criatividade e da imaginação.
Tudo isto é verdade, mas do que não nos podemos alhear é que os «resíduos históricos» da propaganda do pós-25 de Abril empalideceram nas paredes, sob o sol, a chuva e os anos. Foram soterrados por toneladas de papel, afixados sem nexo e em sobreposição.
Onde ontem emanava a imaginação popular livre e espontânea, sucederam-se os slogans standardizados do marketing e da sociedade de consumo, se os slogans standardizados do marketing e da sociedade de consumo, numa vaga de comercialismo exacerbado não sistematizado, onde se junta a promoção de espectáculos pornográficos ao anúncio de paz.
Tudo isto resultou numa amálgama enorme e indistinta de cores, de vultos e de manchas, em toneladas de tinta e de papel, e à qual o passante quotidiano já nem reage, já não ri, não se emociona, nem vocifera, nem protesta.
Tudo isto resultou por falta de regulamentação, por impotência legislativa das autarquias, num caos de propaganda e de lixo, na montra das nossas casas, nos taipais das nossas obras, na pedra dos nossos monumentos.
Nós compreendemos que pessoas como José Manuel Mendes gostem de viver «nas sociedades tumultuarias do fervilhar da opinião pública, que sejam realmente a manifestação de uma vontade livre». Mas temos também o dever de proteger aqueles - e acreditamos serem a maioria do povo português - que não gostam de viver em tumulto permanente nem sujeitos às agressões de qualquer natureza, ainda que emanem do livre exercício da vontade de cada um. É que a nossa liberdade também acaba no preciso momento em que colide com a liberdade do nosso semelhante.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao voltar a apresentar o presente projecto de lei, o PSD não tem outro objectivo que não seja o de conferir às autarquias locais o suporte legal que lhes faltava para exercerem cabalmente as atribuições que nesta matéria lhes estão cometidas. Não se trata de silenciar quem quer que seja, não se trata de restringir direitos e liberdades, mas de adequá-los a outros, com igual legitimidade constitucional.
Não se trata de impor novos processos de propaganda, mas tão-só de regular a aplicação de processos já existentes.
Como autarcas que também somos não nos repugna aceitar a imposição de criação pelos municípios de uma área mínima obrigatória de espaço publicitário, destinado essencialmente à livre utilização por todas as forças político-partidárias e sindicais, abrangendo aqui o direito à livre expressão das minorias.
Estamos convictos da viabilidade de vincular automaticamente os concessionários de licenças para a instalação de placarás publicitários, à construção acumulativa de uma determinada percentagem do espaço concessionado, para os fins que atrás enunciámos. Mas como autarca que nos prezamos de ser, não podemos aceitar suspeições prévias de manipulação política e partidária, nem de instinto censório, que alguns pretendam lançar sobre aqueles virão a ter o poder de aplicar o articulado da lei.
Nem será tão-pouco aceitável qualquer hierarquização de dignidades constitucionais que subalternize o poder local face a outras instituições, como ele também organizadoras e representantes da expressão e da vontade popular.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Mendes Bota, estou de acordo com algumas considerações que o Sr. Deputado teceu na intervenção que acabou de proferir, mas existem outras com as quais não posso, de forma alguma, concordar.
Diz o Sr. Deputado serem as autarquias locais elas próprias organizadoras da vontade popular. Olhe que não, Sr. Deputado Mendes Bota, isso é um grande equívoco da sua parte - tem de rever a sua adequação aos normativos constitucionais!
Por outro lado, afirma ainda o Sr. Deputado haver impotência legislativa por parte das autarquias locais. Olhe

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que também isso não pode verificar-se, porque as autarquias locais não têm competência legislativa, portanto não podem manifestar impotência numa área em que elas nem sequer têm a mínima competência ou capacidade. Aquilo a que de certo se quis referir foi às disposições regulamentares, que têm natureza administrativa e têm de estar adequadas nos termos da lei. Simplesmente, os regulamentos a que no projecto de lei do PSD se confere possibilidade de virem a ser aprovados pelas autarquias deixam tanto no dúbio a possibilidade de regulamentação de matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias que correríamos o risco de ter trezentos e tal regulamentos, tantos quantas as autarquias do País, regulamentando matéria de direitos, porventura em termos contraditórios entre si.
O Sr. Deputado Mendes Bota, que não quer viver numa sociedade tumultuaria, admite a existência no seu país de uma regulamentação tumultuaria dos direitos, liberdades e garantias? Estou convicto de que não pretende isso.
Permito-me tirar uma conclusão, perguntando-lhe se está de acordo em partilhar dela: Sr. Deputado, o PSD estará francamente disponível para uma ponderação séria na especialidade deste tipo de problemas, visando impedir que a versão final do diploma em discussão não possa ser susceptível das acusações de que tem sido alvo pelo grupo parlamentar do meu partido e, todavia, se possa realizar o objectivo útil, para o qual todos queremos convergir?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, para o que dispõe de dois minutos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota: A minha primeira questão traduz-se no conjunto de problemas suscitados pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, que coonesto, uma vez que se referem, de facto, a um núcleo essencial, ao qual importa dar resposta.
Num outro ângulo, o Sr. Deputado reconhece, certamente, que, na complexidade da matéria em discussão, deve proceder-se com bastante rigor. Um exemplo a confirmá-lo: no centro de uma cidade, lato sensu. deve acautelar-se do mesmo modo um taipal de obras e a fachada de uma igreja? Deve decretar-se uma mesma repressão para a utilização de matérias manifestamente indeléveis e imperecíveis para a de materiais que são de clara perecibilidade, de facílima remoção e não constituem, na verdade, um ataque duradouro à paisagem?
Sabemos que as questões são distintas e que a malha legal que os Srs. Deputados do PSD pretendem fazer aprovar ignora certas realidades, como as que acabo de enunciar.
Uma última pergunta para situar o debate num outro problema.
Depois de tudo o que se disse nesta Câmara e apesar de a intervenção do Sr. Deputado Mendes Bota ser bem diferente, em alguns aspectos, da que ontem foi proferida pelo seu colega de bancada Sr. Deputado Licínio Moreira, pensa o PSD poder prosseguir com o projecto em análise sem de forma nenhuma admitir a renúncia aos claros vícios de inconstitucionalidade que estão formulados? Ou antes pensa poder, no trabalho de Comissão, em conjunto com os outros deputados, organizar um feixe de ideias que possa ter integração legislativa em conformidade com a Constituição e que não adultere quer o direito de expressão e propaganda quer os outros direitos importantes que têm sido objecto da nossa apreciação?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Mendes Bota, apreciei a eloquência com que uma vez mais e pela sua voz foi traçado o diagnóstico da situação que se vive no nosso país em matéria de afixação de publicidade e de propaganda, bem como a da realização de inscrições e pinturas murais, mas, ao contrário do Sr. Deputado José Manuel Mendes, fiquei mais preocupado com a sua intervenção do que com as intervenções que já foram produzidas pelo Sr. Deputado Licínio Moreira.
O Sr. Deputado Mendes Bota faz algumas confusões no que se refere à intervenção autárquica e a sua intervenção leva-me a concluir que V. Ex.ª terá tido um dedo forte na redacção do projecto em discussão, o que me permite colocar-lhe a seguinte questão: na sequência das intervenções do Sr. Deputado Licínio Moreira, estava eu convicto e começava já a formular a resposta à intervenção apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, pensando que o PSD estava na disposição de consentir que fossem feitas grandes e profundas correcções no texto do diploma em debate, visando alcançar um objectivo, que, segundo suponho, é partilhado por todos. Estamos todos muito desgostados com a acumulação de papéis e de disparates que proliferam pelo nosso país e que não têm nada a ver com a liberdade de expressão, a não ser com uma forma doentia de libertar a expressão.
Mas depois da sua intervenção fiquei com dúvidas e volto então à pergunta do Sr. Deputado Jorge Lacão: está o PSD disposto a aceitar trabalhar na especialidade, visando melhorar o diploma e, designadamente, a limá-lo de todas as possíveis inconstitucionalidades de que pode ser acusado e fazer que ele constitua uma malha mais densa que vá cobrir o poder de intervenção das autarquias locais?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota, que dispõe de cinco minutos.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, vou procurar ser telegráfico na minha intervenção, uma vez que um colega da minha bancada deseja ainda fazer uso da palavra para uma intervenção.
Antes de mais, quero dizer que o texto da minha intervenção está à disposição dos Srs. Deputados, que poderão nela verificar da total disponibilidade do PSD para, em sede de Comissão, admitir as várias sugestões feitas.
Evidentemente, não assumimos o compromisso de pactuar com a subversão total do nosso texto, mas creio ser possível estabelecer consensos, e algumas das dúvidas expostas, mesmo aquelas sobre o carácter da constitucionalidade do diploma, poderão, em trabalho de comissão, ser perfeitamente admitidas e encontrada uma solução que possibilite o tão desejado amplo consenso, sem o qual a lei será inócua e sem qualquer prossecução prática.
O Sr. Deputado Jorge Lacão chamou a atenção para as minhas referências à impotência legislativa das autarquias. Com efeito, considero isso um preciosismo de um jurista conceituado, como é V. Ex.ª Não sou jurista e portanto peço desculpa se eventualmente cometi algum lapsus linguae em termos de linguagem jurídica, mas penso que as disposições regulamentares a cargo de uma câmara municipal também tem algo de caracter legislativo.
Relativamente à questão de disseminação pelo país de trezentos e tal regulamentos municipais diferentes, entendo que o diploma que sair da Comissão poderá estabelecer as normas e os limites por que esses regulamentos municipais

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se devem pautar. E evidente que não posso dar o meu aval, e certamente a bancada do meu grupo parlamentar também não o fará, à existência de regulamentos de tal forma díspares que impossibilitem a verificação de uma certa continuidade «legislativa» regulamentar de um município para outro, estabelecendo-se 300 critérios completamente diferentes ao longo do País; creio que teremos de acautelar essa matéria.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, tal como o Sr. Deputado, também eu partilho de preocupações de carácter material. Não foram só as ideias que evoluíram. Muitas outras coisas evoluíram desde a tecnologia ao tipo de materiais utilizados na propaganda. Certamente que a questão que põe sobre a propaganda feita em taipais de obras versus fachada de igreja no centro de uma cidade também nos preocupa. A questão do mobiliário urbano, bem como a do património arquitectónico, preocupa-nos aos vários níveis, pois julgamos ser importante ter em atenção não só os projectos novos mas também os projectos já feitos ou os que se recuperam.
Quanto à questão do Sr. Deputado Nogueira de Brito no sentido de saber qual a disposição do PSD para trabalhar na especialidade este diploma, já tive oportunidade de referir que a nossa disponibilidade é total para o efeito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A liberdade não se ensina, mas é predisposta pela educação, e a liberdade, como todas as coisas humanas, não funciona validamente senão sobre um fundo de hábitos socialmente adquiridos. É precisamente aqui que a informação pode ajudar o esforço dos cidadãos para conhecer a vida pública e nela participar, porque detém a acessibilidade dos instrumentos que lhe permitem comunicar: expressão concreta da política em movimento, no momento actual para um futuro partilhado.
O que se exige é um constante equilíbrio entre as realidades da vida, a percepção que delas tem de adquirir cada indivíduo e a nossa capacidade legislativa para o traduzir.
Expresso estas ideias, visando trazer à vossa consideração reflexões que provoquem dúvida, que perturbem, que animem este debate. Dizia Rui Mário Gonçalves que «a capacidade reflexiva é incómoda para o poder, quando lhe lembra que uma sociedade sã se define pela criatividade».
Pretende o projecto de lei n.º 25/V, apresentado pelo PSD, condicionar a afixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais, objectivo final que exigiria, quanto a nós, um processo de pedagogização cívica que, aumentando as possibilidades de informação plural e diversificada, garantisse paralelamente o exercício normal da vida democrática.
É impossível esquecer que a sociedade portuguesa se viu tolhida durante muitos anos na sua dinâmica própria, que conseguiu apenas há treze anos rejeitar as peias que lhe eram impostas, que aboliu a censura, que proclamou a liberdade de expressão e a liberdade de associação, que fez surgir uma linguagem de novas imagens.
Então o poema visual individualizou-se como escrita: escrita mural de um momento histórico, de uma cidade e de um povo, num período em que as multiformes mensagens de rua nos ofereceram constantes mensagens de mudança.
Toda esta nova postura social era inevitável e teria de vir a dar-se; por isso, surgiram novos símbolos, produtos de um determinado contexto histórico-social. Por isso, os muros foram imediatamente apropriados para uma intensa
actividade política. Por isso, cresceu uma nova maneira de utilizar p espaço urbano e não apenas em função de valores partidários mas também em função de valores lúdicos. Por isso e por toda a parte, as pessoas se expressaram nas ruas e os muros receberam a poesia, a cor e o pensamento. As paredes popularizaram-se, como suporte social da expressão visível de um grupo em relação a outros grupos.
As paredes foram e são ainda um meio directo de comunicação e acção. Os que pretendem servir a democracia e sistematicamente inibem o cidadão a retomar o controle da sua vida social e política contradizem-se plenamente se não assumirem uma postura consentânea com a ideia que a sociedade somos todos nós, que os seus eleitos devem provocar movimento, mas não se substituírem aos sujeitos do seu desenvolvimento.
Na realidade o que está em jogo é algo bastante mais profundo e vasto e que, parecendo à primeira vista correcto, pode destruir as raízes de uma nova postura social.
É que este projecto de lei contêm algumas, eu diria «nebulosidades» de foro jurídico, que podem destruir na prática a essência e a vitalidade de uma consciência cívica e política que cresce modelada pela participação ampla de um cada vez maior número de indivíduos.
E não é com «despertadores» electrónicos que se desperta a nova mentalidade. Não se legisla esquecendo que o tempo da formação é um e que o tempo histórico outro. Que desenvolver não é dois mais dois igual a quatro e pronto! É mais do que isso, é saber ajudar a crescer no respeito pelo ritmo da diversidade social, se se quiser partilhar a construção do futuro.
O próprio parecer da Comissão clarifica, no entanto, essa «nebulosidade» quando diz que «é de admitir a hipótese de uma inconstitucionalidade orgânica» (artigo 32.º); como se lê no acórdão n.º 74/84 do Tribunal Constitucional exarado em 10 de Julho de 1984, «a liberdade de expressão, que o artigo 37.º, n.º 1, garante, compreende o direito de manifestar o próprio pensamento e, bem assim, o da livre utilização dos meios através dos quais esse pensamento pode ser difundido».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém melhor que os ecologistas é contra a degradação da paisagem, a utilização indiscriminada e desrespeitadora do património edificado e natural.
Os ecologistas não preconizam a «pichagem» dos monumentos nacionais e sabem que não há liberdade para destruir a arte.
Mas não nos digam que o ambiente se defende à custa da censura, da castração das potencialidades expressivas. Não nos digam que a criação de painéis, que são «grilos» plásticos da força criativa que irrompe num quotidiano entristecido pelas longas esperas dos transportes públicos, pela distância a que a competição obriga, devem estar sujeitos a autorização burocrática.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado verão ardeu uma árvore.
Aqui há um mês alguém deixou cair lixívia num rio.
Ontem ruiu um prédio numa cidade portuguesa.
Estes três acontecimentos, sejamos sensatos, não põem em perigo o meio ambiente.
Mas se lhes disser que no Verão passado arderam centenas de hectares de floresta.
Se lhes disser que diariamente os nossos rios e a nossa atmosfera são envenenados.
Se lhes disser que o património construído das nossas cidades se degrada neste país e, o que é mais grave, com efeitos cumulativos.

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Tudo isto afecta de modo significativo o ambiente. Mas, diz-se, que o ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado está posto em causa por propaganda política pontual no espaço cronológico.
Eufemismo, Sr.ªs e Srs. Deputados.
Plantam-se eucaliptos ecologicamente desadaptados;
Instalam-se indústrias altamente nocivas;
Povoam-se os ares de aeronaves de forças militares estrangeiras;
No entanto alguns dizem que o ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado está posto em causa por propaganda política pontual no espaço cronológico.
Eufemismo!
Ou será esta palavra suficiente!
Temos propostas de alteração que visam estabelecer prioridades em relação àquilo que se diz ser a finalidade do projecto.
Anulem-se projectos megalómanos de infra-estruturas turísticas tendentes a aniquilar áreas naturais protegidas. Proceda-se à legislação conveniente a um correcto ordenamento florestal. Inicie-se um desenvolvimento auto-sustentado do País, tendente a anular assimetrias, impedindo a macrocefalia de certas regiões. Promova-se a qualidade da vida nos centros urbanos, estabelecendo um correcto relacionamento entre trabalho e habitação, entre produção e consumo. Permita-se que o povo deste país gere a sua própria cultura, falando a sua própria linguagem e encontrando o seu próprio discurso.
Mas também apresentámos propostas de alteração ao projecto agora em discussão.
Sr.ªs e Srs. Deputados: Ontem à noite passou um filme estrangeiro na televisão portuguesa, um cantor, cantou rock em língua que não a nossa, congressistas discursaram em idiomas que foram traduzidos.
Hoje de manhã vi nas paredes da minha cidade cartazes escritos em português.
Um povo é o seu idioma, no que ele transporta da própria imagem de quem o fabrica.
Não se legisla uma cultura nem nunca se poderão estabelecer normas para a criatividade.
Nunca se poderá ordenar a poesia, mas cautela: pode-se retardá-la, mesmo impedir que afirme a sua voz!

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 25/V, apresentado pelo PSD, tem como objectivo fundamental condicionar a afixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais.
Gostaria de afirmar nesta Câmara que somos sensíveis a alguns dos problemas subjacentes.
Há, na realidade, que distinguir liberdade de expressão dos meios legítimos para os utilizar e, neste caso, não enjeitaremos a hipótese que se venha a legislar nesse domínio, embora não nos pareça que o projecto de lei que agora apreciamos se adeqúe a prosseguir esses objectivos, dado que, pelo seu conteúdo, se verifica uma inversão do objectivo, ou seja, passa tudo a ser proibido, excepto o que as autarquias locais autorizem, disposição que, alem de poder conter alguma inconstitucionalidade orgânica, poderá também levantar problemas de ordem diversa.
Como é do conhecimento público, o exercício dos direitos, liberdades e garantias faz pane do domínio que é reservado à lei e, por isso, nesta matéria dever-nos-emos rodear das maiores cautelas. Intentar a exclusividade de possibilitar às câmaras municipais de elas próprias estabelecerem e decidirem os regulamentos para o exercício desta actividade será permitir às câmaras municipais, por via de lei ordinária, que estas regulem no sentido de impor restrições ao exercício de direitos.
Independentemente da boa-fé que a nós, legisladores, nos deve assistir, seria, no mínimo, caricato permitir que uma lei saída da Assembleia da República autorize que num qualquer dos mais dos 300 concelhos deste país se regularmente em matéria de liberdade pública e proporcionar aos órgãos municipais uma tão vasta e complexa competência, deixando, inclusive, órgãos institucionais, com a sua própria dignidade e competência constitucional, dependentes de um poder municipal, sem possibilidades, inclusive, de posterior ratificação de um órgão superior.
Somos de opinião que a liberdade de propaganda, embora disciplinada, deve existir como regra; as proibições, como excepção.
Não há neste projecto de lei a cautela, que apontaríamos de imprescindível, de declarar as proibições somente depois de assegurados ou, pelo menos, previstos os locais ou critérios da sua criação para propaganda, através, eventualmente, de posturas a sancionar pelas assembleias municipais.
Do articulado facilmente se retirará que cada câmara municipal terá o seu critério, cada concelho as suas decisões para conceder ou denegar licenciamentos para a escolha de locais, para a decisão sobre superfícies mínimas para propaganda, em função da área do concelho, do número e de partidos, para conciliar a concorrência da publicidade e da propaganda, quer de partidos, quer de entidades comerciais, quer de associações recreativas, culturais, religiosas, ele., bem como alcançar a partilha equilibrada que defina critérios de prejuízo de beleza ou de enquadramento dos monumentos. Conjecturamos um futuro de confusão e casos eventuais de grave injustiça.
Naturalmente que com os autores do projecto de lei partilhamos das suas preocupações, dos excessos e desvios ao bom senso por vezes verificados, designadamente quanto a alguns atropelos cometidos sobre a paisagem e a propriedade privada.
Várias foram as intervenções anteriores à minha em que os senhores deputados que usaram da palavra, incluindo deputados do PSD, afirmaram a necessidade urgente de, em sede de comissão, muito do conteúdo deste diploma ser alterado. Inclusive, foi afirmado que, após a discussão na especialidade, este projecto de lei do PSD poderia transformar-se num projecto de consenso. Saudamos a iniciativa e à mesma daremos a nossa melhor colaboração e devo dizer que o nosso voto não obstruirá esse objectivo.
Estaremos, no entanto, atentos e o nosso sentido de voto, em votação final global, será o reflexo do consenso que hoje parecemos querer defender e que esperamos, muito sinceramente, atingir.
Propomo-nos encontrar uma solução de consenso num quadro constitucional adequado que não só é viável como necessário, alargando o espectro das proibições em termos concretos e clarificados, aumentando-as em número, alargando-as no alcance, ajustando-as a exigências e conveniências de natureza social, ambiental e política.

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Assumiremos a responsabilidade que parece querermos enjeitar, conferindo às câmaras a responsabilidade das decisões que nos cabem.
Mostrar-nos-emos abertos a uma solução menos controversa e mais correcta, onde a razão de viver num país limpo seja também sinal de liberdade, de responsabilidade e do direito à expressão que cada cidadão tem constitucionalmente direito.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, volvido um ano, ou pouco mais, perante um texto de projecto que reproduz total e completamente aquele que então aqui estivemos a discutir (falta agora entre nós o ardoroso defensor da liberdade de pinchagem, Sr. Deputado Agostinho de Sousa, do PRD), perante o qual a primeira questão que se nos coloca é a de saber quem imita quem.
Nesta incapacidade técnica de formular textos normativos, nesta atitude de suprema indiferença perante a conformidade constitucional do que é proposto, nesta incapacidade total de aprender com os erros já cometidos e com as experiências já feitas, não sabemos se é o Governo que se aposta em imitar a maioria, se, pelo contrário, é a maioria que (ao menos para disfarçar...) imita servilmente o Governo.
Com efeito, a Assembleia viu-se confrontada -ia a dizer, e talvez com razão, bombardeada -, num espaço de dias, com uma sucessão de propostas do Governo e agora com este projecto de lei do PSD que são bem o exemplo acabado do que não deve fazer-se.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em qualquer dos casos, tratam-se, sem dúvida, de exemplos claros de como uma concretização desajeitada e sem qualidade pode comprometer boas ideias e bons objectivos.
Num caso, a ideia boa de privatizar e de um modo geral de reduzir o peso do Estado é claramente comprometida pelas propostas desastradas, cujo processo de discussão está em curso e cuja má qualidade é já tão nítida que nos leva necessariamente a duvidar sobre as reais intenções que terão presidido à sua apresentação no Parlamento.
Agora, este projecto de lei n.º 25/V, reprodução do que já foi projecto de lei n.º 308/IV, só não nos faz duvidar sobre o que se pretende, dado o empenho sincero com que na legislatura passada nos foi apresentado pelo então deputado António Capucho, hoje Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
De qualquer modo, a discussão que então ocorreu foi, descontados alguns exageros, interessante e poderia ter sido útil se tivesse iluminado os autores da actual proposta, previamente despidos de complexos maioritários.
É com particular autoridade que tecemos estas considerações, pois que, na legislatura passada, votámos favoravelmente o projecto na generalidade, depois de termos sustentado, invocando Vieira de Andrade, que a regulamentação, enquanto organização do exercício de um qualquer direito, é compatível com a respectiva inviolabilidade e de, com a ajuda do mesmo autor, termos admitido que o disposto no artigo 18.º da Constituição não é incompatível com uma certa dose de devolução às câmaras municipais para exercício de competências que lhes são próprias.
Simplesmente, não deixámos, então, de salientar que se tornava necessário corrigir o texto, de forma a, entre outros aspectos, eliminar as imprecisões que afectavam alguns dos seus preceitos, com destaque logo dado ao n.º 1 do artigo 1.º, as equiparações pouco razoáveis nele consagradas entre mera publicidade e propaganda política, a margem de discricionariedade que os normativos correspondentes ao já citado n.º 1 do artigo 1.º e ao artigo 3.º sem dúvida conferem.
Ora, o que acontece, repete-se, é que os defeitos apontados se mantêm ipsis verbis.
Continuamos, assim, a não saber o que deve entender-se por licenciamento de «casos», dúvida que assaltou também os membros da Comissão e que, no fundo, significa que o respectivo preceito tanto dá para cometer às câmaras o poder para licenciar a afixação concreta de propaganda, sem outras regras que não sejam as do artigo 3.º, como para simplesmente licenciar os espaços (e não casos) em que a propaganda há-de ser afixada.
Por outro lado, e admitida a interpretação mais benévola, também continua a ser de difícil entendimento a, pelo menos aparente, restrição que a alínea b) do n.º 1 introduz ao direito de propriedade, obrigando o proprietário a obter licenças para no espaço das suas janelas ou dos seus muros afixar simples escritos de arrendamento...
Caricato, dir-se-á. E poderia, no entanto, ter sido remediado. Não foi e lamenta-se.
De qualquer modo, apesar de tudo, continua o CDS, com a coerência que sempre o caracteriza, a considerar importante salientar, a propósito deste debate:
A necessidade de salvaguardar o regime de defesa dos direitos, liberdades e garantias contra todos os ataques, mais ou menos disfarçados, que possam ser-lhe dirigidos;
A consciência de tal defesa passa pela compatibilização dos vários direitos consagrados na Constituição, no plano do seu exercício e, tendo em conta os seus limites imanentes, na perspectiva do contexto constitucional;
A consciência de que a liberdade de expressão, na medida em que permite a utilização de quaisquer meios, pode colidir com diversos valores também com assento constitucional;
A consciência de que a mesma liberdade de expressão deve ser valorada de modo diferente, consoante os fins visados, e que deve atribuir-se importância especial à que se destina a objectivos de propaganda política e partidária, no contexto de um regime político de pluralismo partidário;
A consciência de que nem toda a intervenção autárquica implica, por si, a introdução de restrições à liberdade de expressão;
A consciência de que a compatibilização entre a defesa da liberdade de expressão e as atribuições e competências das autarquias implica a publicação de um regime legal de enquadramento mais substancial que o constante da proposta.
De acordo com estes parâmetros votaremos na generalidade, na especialidade e em votação final global.

Aplausos de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Oliveira.

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O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma política rigorosa de ambiente, para além de ser uma das exigências das sociedades modernas, é um elemento essencial de desenvolvimento que todos nós, certamente, pugnamos para o nosso país.
Discute-se hoje e aqui, além do mais, a consideração dos efeitos nefastos produzidos pela afixação desenfreada de publicidade ou propaganda, bem como a realização indiscriminada de inscrições ou pinturas murais, de todos conhecidos, efeitos esses que contribuem para a acelerada degradação quer do património construído quer do natural, com os danos ambientais que daí advêm, em inequívoco atentado ao direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, senão mesmo ao direito de propriedade.
Torna-se, pois, necessário disciplinar o exercício de tais actividades, intenção da iniciativa legislativa em análise, dado que não concebemos, certos de que a esmagadora maioria dos que nos elegeram nos acompanha, que se possa ser insensível à presente situação, que é, efectivamente, caótica e degradante.
Que o digam os proprietários ou usufrutuários dos prédios que constantemente são abusivamente usados como meio de transmissão de determinados interesses, aos quais são alheios, por via da apropriação, necessariamente condenável, que normalmente anónimos fazem das respectivas paredes e fachadas! Será legítimo, por indiferença ou em nome de certa tradição, aceitar-se manter esta situação?
E quando esses mesmos proprietários ou usufrutuários, apesar de contrariados, mas de forma persistente, procedem à limpeza dessas paredes e fachadas, em prol do asseio, da dignidade e na defesa da sua consideração, e, decorridos que sejam alguns dias, por vezes horas, se vêem novamente violados por idênticas actividades! Será legítimo considerar a paciência virtude inesgotável dos homens?
E as câmaras municipais, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que, afectando parte das suas possibilidades, promovem operações de limpeza e lavagem das paredes das áreas da sua jurisdição e que, logo após, constatam que essas mesmas paredes voltaram a ser preenchidas pelo que acabaram de limpar e lavar! Será que não é frustrante?
Porque queremos contrariar este estado de degradação com a persistência indispensável de quem sabe ser reflexo da preocupação generalizada do povo português, apresentámos o presente projecto de lei, de carácter necessariamente regulamentador, que, cremos, aponta em si mesmo com eficácia para que seja restaurada a limpeza das fachadas, avenidas, ruas, largos e praças públicas, por forma a também evitar agressões futuras ao património que é de todos nós e de cada um de nós, preservando assim um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Ficaremos, contudo, receptivos a que todos os aqui legitimamente representados, para além da manifestação de bondade e reconhecimento pela promoção da presente iniciativa, que reflecte, sem qualquer espécie de dúvida, o sentir da esmagadora maioria do povo português, contribuam de forma construtiva a encontrar o texto suficiente para que não haja o menor atentado ao que quer que seja, no respeito claro e inequívoco da nossa lei fundamental.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria dirigir um pedido de esclarecimento à bancada do PSD e também à bancada do Governo, embora a resposta tenha de vir da bancada governamental, dado que o diploma que estamos a apreciar foi da iniciativa do então deputado António Capucho e anterior Ministro da Qualidade de Vida.
Tenho ouvido hoje, nesta Câmara, com algum agrado, apelos para que haja um certo consenso na redacção final do diploma. Penso que isso é decisivo e, como costumo dizer, onde não há bom senso não há consenso. Este é um daqueles diplomas em que a questão é de bom senso e, se houver bom senso, encontraremos o consenso.
A pergunta é esta, Sr. Deputado Carlos Oliveira e bancada do PSD: estão os senhores dispostos a introduzir, na especialidade, neste diploma o princípio do poluidor-pagador? Em Espanha, por exemplo, o ónus da retirada da publicidade, seja política seja comercial, recai sobre a entidade que a afixou ou, não se podendo saber quem ela é, sobre a entidade beneficiada pela propaganda. Este é um princípio internacionalmente aceite e o Estado Português, em vários diplomas ratificados internacionalmente sobre questões de ambiente, tem reiterado a sua adesão ao princípio do poluidor-pagador. Penso que seria uma boa norma introduzir isto na lei.
A segunda questão é a seguinte: estão os senhores dispostos a aceitar como um critério de princípio para o estabelecimento das zonas a preservar e das zonas menos necessitadas de tal preservação a recuperação do conceito de centro ou zona histórica, estabelecido na Lei de Bases do Ambiente?
Há pouco, um senhor deputado da bancada comunista dizia-nos que é muito diferente a fachada de uma igreja da de um muro ou da de um taipal de obras. A lei portuguesa já aponta, de certo modo, para o estabelecimento de áreas a proteger nas zonas urbanas, porque naturalmente não é nas zonas de floresta ou de parque verde que se vai afixar publicidade; isso faz-se nas zonas urbanas. Está previsto na Lei de Bases do Ambiente a regulamentação dos centros ou zonas históricas portuguesas? Em muitas autarquias portuguesas há gabinetes a cuidar deste aspecto. Seria um bom princípio, retomando o que a deputada Maria Santos disse, criarmos áreas mais protegidas da publicidade do que outras e poderíamos recuperar este conceito de centro ou zona histórica para preservar essas áreas da afixação indiscriminada de publicidade.
Está o PSD disposto a aceitar estes dois princípios, aliás já reconhecidos noutras leis, das quais pelo menos uma é da vossa iniciativa?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Oliveira, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Uma vez que não disponho de muito tempo, vou colocar apenas duas questões ao Sr. Deputado Carlos Oliveira.
Primeiro: não lhe parece que as suas preocupações em termos ambientais deviam virar-se prioritariamente para o assalto que todos nós, cidadãos, e o património português sofremos devido a anúncio de tipo comercial? Não

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devíamos fazer um esforço no sentido de garantir aos cidadãos um ambiente humano e ecologicamente equilibrado?
Segundo: não lhe parece que, em vez de tentar reprimir um direito, se devia educar o cidadão de forma a não colidir com o direito dos outros cidadãos?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Oliveira.

O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Começando por responder à Sr.ª Deputada Helena Roseta, devo dizer-lhe que o princípio do poluidor-pagador será contemplado dentro das nossas preocupações - aliás, esse princípio é uma das regras da política de ambiente determinada pela Comunidade. Com efeito, um dos princípios fundamentais da política comunitária do ambiente, adoptada pela primeira vez na sequência da cimeira de Paris de 20 de Outubro de 1972 pelos chefes de Estado ou de Governo dos países da Comunidade, é exactamente esse. Seria, pois, de estranhar que não o tivéssemos em atenção.
Quanto à preservação das áreas de natureza histórica, naturalmente que o seu pedido de esclarecimento reflecte uma preocupação que não é só sua, mas nossa, é de todos nós.
Quanto à questão levantada pelo Sr. Deputado do Partido Os Verdes, lembro-lhe que não estabelecemos a distinção entre a propaganda de natureza comercial e a de natureza política. Aliás, nos tempos que correm a propaganda de natureza comercial é até bastante mais intensa do que a propaganda de natureza política. Ora, a sua não distinção tem exactamente como objectivo a não discriminação e a necessidade de se considerar esses dois tipos de propaganda.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O que é mau. Isto não é nem deve ser a democracia do sabonete!

O Orador: - Não é a democracia do sabonete, mas infelizmente as paredes estão sujas e têm de ser lavadas!
Entroncando um pouco na sua segunda questão, devo dizer-lhe que foi nossa preocupação, ao apresentar o projecto de lei, para além do objectivo propriamente dito de regulamentar, que o diploma tivesse uma função educadora. Necessariamente que a consagração deste projecto de lei irá ter repercussão pública e daí que esteja inserta na sua própria propositura e na sua própria promoção nesta Assembleia essa tal função educadora. Aliás - e há pouco já respondi à Sr.ª Deputada Helena Roseta -, o princípio do poluidor-pagador visa questões de ordem de prevenção, com o qual estamos de acordo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre a proposta de lei n.º 25/V. A sua votação terá lugar no próximo dia 26, pelas 19 horas e 30 minutos.
Passamos à discussão da proposta de lei n.º 19/V, que institui no âmbito do regime não contributivo da Segurança Social, para os jovens à procura do primeiro emprego, uma prestação pecuniária designada «subsídio de inserção dos jovens na vida activa».

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para recordar que foram apresentados para instituírem este debate dois relatórios e pareceres, sendo um da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família e outro da Comissão de Juventude, que ainda não nos chegaram às mãos. Creio que seria útil que esses documentos fossem distribuídos pelas diferentes bancadas e, eventualmente, até que fossem lidos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família sobre a proposta de lei n.º 19/V - institui no âmbito do regime não contributivo da Segurança Social, para os jovens à procura do primeiro emprego, uma prestação pecuniária designada «subsidio de inserção doa Jovens na vida activa».
1 - A proposta de lei n.º 19/V visa a instituição de uma prestação pecuniária para os jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos à procura do primeiro emprego. Nesta categoria incluem-se quer os jovens que nunca tenham trabalhado quer os que tenham trabalhado, por conta própria ou de outrem, por um pendo inferior a 180 dias.
2 - Esta matéria havia já sido versada no Decreto-Lei n.º 156/87, de 31 de Março. Em relação a este diploma, a presente proposta introduz algumas alterações. Assim, nomeadamente, o período de inscrição no centro de emprego da área da residência, condição para a atribuição do subsídio, foi reduzido de doze para seis meses e o rendimento máximo per capita do agregado familiar do requerente desta prestação pecuniária, que era igual à pensão do regime não contributivo da Segurança Social, foi alterado para 50 % da remuneração mínima estabelecida para a generalidade dos trabalhadores.
3 - Entretanto, a Lei n.º 35/87, de 18 de Agosto, revogou o citado diploma. A proposta de lei n.º 19/V altera, em vários pontos, o regime previsto na Lei n.º 35/87. Desde logo, trata-se, na proposta, de uma pensão enquadrada no regime não contributivo da Segurança Social, enquanto a lei em vigor integra a questão no contexto do regime geral de segurança social, como se depreende do seu conteúdo e da sua epígrafe, onde se lê «Subsídio social de desemprego a jovens candidatos ao primeiro emprego».
Por outro lado, a proposta ora apresentada regulamenta, de um modo mais completo, esta matéria. Assim, refere-se como condição de concessão do subsídio a capacidade e disponibilidade para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 20/85, de 17 de Janeiro. Define-se concretamente o agregado familiar do requerente, o que não sucedia na Lei n.º 35/87. Aqui, distingue-se o requerente casado, cujo agregado compreende o cônjuge e os descendentes, do não casado, que inclui os parentes e afins do 1.º grau, bem como os irmãos a cargo destes.
Promove-se, no artigo 8.º da proposta de lei, uma melhor concretização das prioridades dos jovens beneficiários do subsídio, que têm validade nas iniciativas e programas de apoio ao emprego, à contratação salarial, à formação profissional e outras.
São, também, explicitadas as sanções a aplicar em caso de comportamento fraudulento do requerente.
A atribuição do subsídio ao candidato fica dependente da conclusão do 9.8 ano de escolaridade ou de curso de formação profissional ou ainda a ausência de matrícula escolar há, pelo menos, dois anos.
Estão expressamente previstos na proposta os casos de substituição da prestação por um subsídio de formação ou bolsa de aprendizagem, garantindo-se o pagamento da diferença quando o valor destes seja infe-

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rior ao do subsídio de inserção na vida activa. Estão ainda estabelecidos na proposta os fundamentos da suspensão de concessão desta prestação pecuniária, bem como se expõe o princípio da não cumulação com outras prestações da Segurança Social, quer dos regimes contributivos, quer do não contributivo. Tudo pontos que não se encontram previstos na Lei n.º 35/87.
O montante do subsídio, que a referida lei determina ser igual a 70 % do valor mais elevado do salário mínimo nacional, é na proposta igual ao valor da pensão do regime não contributivo da Segurança Social. Por outro lado, o período mínimo de inscrição no centro de emprego é alterado de três para seis meses.
4 - Salienta-se que, por força do artigo 14.º da proposta de lei, tem aplicação subsidiária o disposto no Decreto-Lei n.º 20/85, de 17 de Janeiro, em tudo o que se não incompatibilize com a natureza do regime não contributivo.
5 - O pagamento do subsídio, que se inicia no mês seguinte ao da apresentação do requerimento, poderá ser concedido por um período de quinze meses. O beneficiário terá, no decurso do 8.c mês, de renovar a declaração comprovativa, sob compromisso de honra, das condições necessárias para a atribuição do subsídio. Também aqui se altera o disposto na Lei n.º 35/87, que obriga o beneficiário a fazer prova desses requisitos no decurso dos 6.º e 12.º meses.
6 - Tendo em conta o exposto, nada há a objectar à subida a Plenário da proposta de lei n.º 19/V.
7 - A Comissão aprovou o presente parecer por unanimidade.

Palácio de São Bento, 19 de Janeiro de 1988. - O Presidente da Comissão, Joaquim Maria Fernandes Marques. - O Relator, José Alberto Puig dos S. Costa.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rogério Moreira pede a palavra para que efeito?

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - A intenção é de novamente interpelar o Sr. Presidente a respeito da distribuição do parecer da Comissão Parlamentar de Juventude. O que acabou de ser lido é sobre o mesmo assunto e sobre a mesma proposta de lei, mas é um parecer da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família. Há pouco tinha aludido ao parecer da Comissão de Juventude, que igualmente se pronunciou sobre esta matéria e elaborou o seu parecer, o qual, segundo creio, não foi distribuído e também não foi lido - como agora foi possível verificar. Por isso agradecia que o Sr. Presidente tomasse as diligências necessárias para a sua leitura e distribuição.

O Sr. Presidente: - O que o Sr. Deputado pretende é que seja distribuído?

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, creio que na sequência da leitura do parecer da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família faria sentido também ler este parecer. Aliás, é bastante mais curto e não ocuparia muito tempo à Câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem esse parecer.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): -O Sr. Presidente da Comissão de Juventude talvez possa ajudar o trabalho da Mesa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado Carlos Coelho pede a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, só para confirmar que foi enviado -julgo que ontem ou antes de ontem - o parecer para a Mesa - presumo que foi para o Sr. Presidente da Assembleia da República. Para cumprirmos os dispositivos regimentais, uma vez que foi lido o parecer da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, parece-me próprio que também seja lido o parecer da Comissão de Juventude (13.º Comissão).
Igualmente queria solidarizar-me com a interpelação do Sr. Deputado Rogério Moreira no sentido de solicitar à Mesa que instruísse os serviços no sentido de serem distribuídas cópias dos dois pareceres aos grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, é igualmente para interpelar a Mesa - aproveitando também esta paragem -, no sentido de sensibilizar a Mesa e a Câmara para uma coisa que começa a acontecer aqui na Assembleia da República e que é a de se agendar a discussão dos problemas da juventude para o fim da sessão de sexta-feira e, depois, a Câmara fica com este aspecto vazio - como se constata. Parece que a juventude, em Portugal, não merece um tempo nobre de discussão aqui no Parlamento.
Sr. Presidente, é para lamentar isto porque é um caso que se tem repetido desde que aqui estou. Não será científica esta apreciação mas, neste caso, resulta de a minha sensibilidade estar chocada por, mais uma vez, constatar que temas que têm a ver com os problemas da juventude não merecem da parte dos Srs. Deputados - e da parte inclusivamente de quem tem a responsabilidade do agendamento das sessões - um tratamento igual aos outros temas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Também é para uma interpelação, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, considere como quiser, mas queria dar uma explicação porque o que acabo de ouvir é injusto e não quero que as palavras passem sem um reparo e a reposição da verdade sobre aquilo que acabo de ouvir por parte do Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Na conferência de líderes têm sido agendadas as matérias à medida que há notícia de que os projectos de lei ou propostas de lei estão

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prontos para serem discutidos em Plenário e não tem sido feita qualquer discriminação entre assuntos de trabalho, assuntos de juventude, assuntos disto ou daquilo, a não ser quando o Governo peide prioridade ou urgência sobre um tema ou quando o Governo diz «tenho prioridade nisso, gostaria que esta matéria fosse agendada antes das outras». Então, a conferência de líderes, naturalmente, toma isto em atenção e agenda em conformidade.
Quanto a este assunto que está em discussão, este diploma foi normalmente agendado e não foi objecto de qualquer discriminação por ser referente à juventude ou não. Até mais: toda a sessão de hoje estava destinada à discussão deste tema. Simplesmente, a zaragata em que a Assembleia se «meteu» - parece que se está a tornar usual entre o PCP e o PSD - levou a que esta matéria fosse relegada para mais tarde. Isto é, não demos conta do recado, pois ontem devíamos ter discutido o projecto de lei n.8 25/V, da iniciativa do PSD, sobre o condicionamento da afixação de publicidade, e toda a sessão de hoje seria dedicada a discutir a proposta de lei n.º 19/V. A Assembleia não tem culpa disso, eu não sou porta-voz do Sr. Presidente, mas tenho o maior empenho em repor a verdade e levantar a «luva», como se costuma dizer.

Pausa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Sr. Presidente, é só para reiterar a solicitação à Mesa para, sem prejuízo da leitura do parecer que, entretanto, julgo já terá chegado à Mesa...

O Sr. Presidente: - Ainda não chegou, Sr. Deputado.

O Orador: - Então, Sr. Presidente, é para sugerir que não se inicie a discussão enquanto o parecer não for encontrado. Os serviços terão de o localizar.

O Sr. Presidente: - É o que estamos a fazer, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Vara (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Armando Vara pede a palavra para que efeito?

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, uma vez que há dificuldade em encontrar o parecer da Comissão da Juventude, informo V. Ex.ª de que tenho em meu poder uma cópia do referido parecer, do qual fui relator. Se o Sr. Presidente autorizar, poderei transmitir à Câmara o seu conteúdo.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Vara (PS): - É do seguinte teor

Parecer da Comissão de Juventude, na generalidade, sobre a proposta de lei n. º19/V
1 - A proposta de lei n.º 19/V - Subsídio de inserção dos jovens na vida activa visa instituir no âmbito do regime não contributivo da Segurança Social uma prestação pecuniária para os jovens à procura do primeiro emprego.
2 - De salientar que a matéria sobre a qual se pretende legislar está já prevista na Lei n.º 35/87, da Assembleia da República, sob a designação de «subsídio social de desemprego aos jovens à procura do primeiro emprego», que revogou o Decreto-Lei n.º 156/87, de 31 de Março, sobre a mesma matéria. A proposta de lei em apreciação revoga a legislação existente acima referida.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador:

3 - Em síntese, a proposta de lei n.º 19/V visa atribuir uma prestação pecuniária no valor da pensão do regime não contributivo da Segurança Social aos jovens à procura do primeiro emprego com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos que reunam as condições previstas no articulado da proposta de lei.
4 - Em relação à lei em vigor sobre a matéria são de realçar, entre outras, as seguintes alterações:
a) Redução do montante do subsídio, que passa de 70% do valor mais elevado do salário mínimo nacional para o valor da pensão do regime não contributivo da Segurança Social;
b) Aumento do período mínimo de inscrição num centro de emprego de três para seis meses;
c) Conclusão com aproveitamento do 9.s ano de escolaridade, de um curso de aprendizagem ou de formação profissional ou ainda não terem estado inscritos nos últimos dois anos em qualquer estabelecimento de ensino oficial ou particular,
d) Institui um conjunto de normas referentes ao pedido de subsídio, período de concessão, substituição, suspensão e não cumulação do subsídio, bem como uma norma sancionatória para os casos de adopção de comportamentos fraudulentos.
5 - A Comissão Parlamentar de Juventude considera que a proposta de lei n.º 19/V está em condições de ser discutida e votada no Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 20 de Janeiro de 1988. -

O Coordenador da Subcomissão, Armando Vara. -

O Presidente da Comissão, Carlos Miguel Coelho.

Sr. Presidente, este parecer foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa pede desculpa pela falha que acaba de ser registada. Serão tomadas medidas para que não se volte a repelir.
Vamos iniciar o debate desta matéria.
Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude.

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude (Couto dos Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O acesso dos

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jovens ao primeiro emprego constitui a porta de entrada para a sua efectiva inserção na vida activa.
É esta fase que marca o início da autonomia e responsabilização do jovem perante a sociedade.
Assim, é fundamental criar oportunidades concretas para que os jovens possam participar na construção da sociedade, que lhes incutam o espírito empreendedor e reforcem a sua capacidade de iniciativa.
Desta forma, estaremos a reconhecer aos jovens um papel de intervenção activa, a respeitar os seus direitos como cidadãos e a motivá-los para a participação e a responsabilidade social.
Por isso, o Governo tem-se preocupado em diversificar essas oportunidades, com vista a criar mais emprego e a garantir aos jovens uma adequada inserção no mundo do trabalho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Assim, em 1986, mais de 160 000 jovens estiveram envolvidos em acções de formação profissional e experiências profissionais e mais de 60 000 participaram em actividades diversas.
Em 1987, cerca de 180 000 jovens foram envolvidos em acções de formação profissional, cerca de 40 000 em experiências de trabalho, 35 000 em programas de inserção na vida activa, cerca de 30 000 em programas de formação em tecnologias de informação, cerca de 5000 em programas de aprendizagem e apoio ao autoemprego. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 257/86, de 27 de Agosto, que concede às empresas a isenção do pagamento da contribuição para a Segurança Social, durante dois anos, quando admitam jovens por tempo indeterminado, já foi aplicado a mais de 30 000 jovens.
Em acções de âmbito cultural, científico e desportivo e actividades de sensibilização participaram mais de 180 000 jovens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a política de juventude que começou a ser construída há dois anos e que já envolveu, de acordo com os dados referidos, mais de meio milhão de jovens. Vamos prossegui-la e concretizá-la com a participação activa e responsável dos jovens.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Assim em 1988, desenvolveremos programas nos quais irão participar ainda mais jovens.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em dois anos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, fez-se mais neste sector que no último decénio.
A nossa preocupação é, portanto, termos jovens empregados e não jovens subsidiados.
Com efeito, o combate ao desemprego juvenil não se faz com subsídios de desemprego. Faz-se, sim, através da adopção de medidas sustentadas e permanentes, que promovam o investimento, que revitalizem as empresas já existentes e promovam o aparecimento de outras novas; faz--se através do apoio às iniciativas lançadas pelos próprios jovens e que criem novos empregos; faz-se pelo reforço da confiança entre empregador e empregado; faz-se através de formação profissional adequada e da mobilidade geográfica; faz-se ainda valorizando os nossos recursos humanos mais jovens.
Foram estas medidas de política que permitiram que em 1987 se atingisse a mais baixa taxa de desemprego verificada nos últimos anos em Portugal, e que criaram mais de 80 000 novos postos de trabalho no último semestre.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Refira-se que foi a melhor performance a nível europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É com base no respeito por estas ideias e princípios que o Governo apresentou a proposta de lei, em discussão, à Assembleia da República.
Fê-lo porque entende que este assunto deve ser abertamente discutido na busca do maior consenso possível.
Fê-lo porque se trata de matéria que ultrapassa a própria política de juventude e tem a ver com critérios de justiça social.
Fê-lo, ainda, porque não confundimos paternalismo com uma política séria dos jovens e para os jovens.
A proposta de lei em discussão reveste os seguintes aspectos:
É sucinta e clara quanto à sua aplicabilidade e exequibilidade;
Consagra disposições que evitam que o subsídio de desemprego estimule o abandono escolar, conforme a oposição pretende (talvez para depois vir dizer que há
insucesso escolar e trabalho infantil...);

Vozes do (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Facilita o processo administrativo, garantindo que os elementos informativos para candidatura sejam fornecidos apenas sob compromisso de honra;
Estabelece um regime preferencial em programas de emprego e formação profissional lançados pelo Governo para os jovens que estejam a receber este subsídio, de modo que este seja um elemento de integração social;
Alarga as condições de acesso, permitindo que um maior número de jovens venha a beneficiar deste subsídio;
e, finalmente, mantém o princípio do Decreto-Lei n.º 156/87, isto é, o subsídio de inserção na vida activa é igual, em montante, ao valor da pensão do regime não contributivo da Segurança Social.
Respondemos, assim, a uma questão tão fundamental como a de justiça social e solidariedade entre gerações.
Aqui reside a grande diferença entre a proposta de lei do Governo e as pretensões da oposição, que consideramos irrealistas e demagógicas. De facto, seria socialmente injusto que um jovem que acabasse de sair do sistema escolar viesse a receber um subsídio duas vezes superior ao de um cidadão que trabalhou arduamente uma vida.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - É mais do que isso!

O Orador: - Seria economicamente um suicídio desviar largos milhões de contos para um subsídio improdutivo e com duração limitada, quando o mesmo montante pode servir para criar muitos postos de trabalho estáveis.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estáveis com o pacote laboral?

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O Orador: - Seria culturalmente um erro promover, através de um paternalismo próprio dos estados controleiros, uma mentalidade assistência! nos jovens, quando a juventude portuguesa tem demonstrado precisamente o contrário.

Aplausos do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por de mais evidente no estrato juvenil português que esta juventude tem assumido:

Sentido de responsabilidade;
Vontade inabalável de decidir o seu próprio destino;
Profundo sentimento de solidariedade social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ao contrário, o Governo não cumpre a lei!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a questão de fundo e que deve ser assumida politicamente, com frontalidade e clareza.
De um lado, temos uma oposição que, invocando os princípios de justiça social, preconiza a demagogia e a irrealidade, dado que se encontra demasiado preocupada em criar mecanismos que bloqueiem o progresso e o desenvolvimento e se deixa arrastar mais pelos interesses partidários do que pelas grandes tarefas nacionais.
Do outro lado, temos o Governo, que pretende, com realismo e de forma sustentada, construir uma política global de juventude, que potencie as políticas sectoriais em benefício dos jovens, que estimule a sua capacidade de iniciativa e o seu espírito empreendedor e que lhes garanta mais autonomia e responsabilização. Enfim, uma política que assegure aos jovens de amanhã um futuro ainda melhor.
Na vida como na política há os que, não tendo ideias exequíveis, nem sendo capazes de apresentar propostas válidas e criativas, estabelecem quadros de referência irreais, usam a demagogia como bengala, demonstram desconhecer a realidade nacional e procuram bloquear o progresso e o desenvolvimento. Felizmente que os jovens têm demonstrado estar conscientes da diferença que existe entre o sonho e a realidade, sabem separar o trigo do joio e recusam qualquer tipo de paternalismo ainda que este venha envolvido dos mais nobres sentimentos sociais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Cada responsável político, independentemente do seu posicionamento ideológico, tem hoje a grande responsabilidade de compreender a realidade juvenil portuguesa e de saber interpretar correctamente as aspirações dos jovens. Por isso, a todos cabe a tarefa de colaborar na construção de uma política global de juventude permitindo aos jovens consolidarem os seus espaços de participação. O que eles, hoje, vão construindo com tanto trabalho e empenho não deverá, amanhã, ser destruído em nome desses mesmos jovens.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Narana Coissoró, Miranda Calha, Álvaro Amaro, Armando Vara, José Apolinário, Isabel Espada e Rogério Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, há aqui uma falsa ideia que é a de que os problemas da juventude só podem ser debatidos pela juventude. Acho que pensar-se desta maneira é uma atitude de «juventude» e não de juventude. Os problemas da juventude dizem respeito a todos, dizem sobretudo respeito a esta Câmara, a estes deputados e, principalmente, àqueles que sabem controlar os ardores e demagogias dos jovens a respeito desses problemas.
O discurso que V. Ex.ª, Sr. Ministro, acaba de fazer pareceu-me querer, na sua maior parte, sangrar em saúde. Quis sangrar em saúde porque quis adiantar um certo número de críticas, quis dizer que tudo o que pudesse vir da bancada da oposição sobre a matéria seria demagógico, que a proposta de lei apresentada a esta Câmara não é paternalista, que é preciso ver isto e ver aquilo.
Simplesmente, esta proposta de lei que V. Ex.ª traz hoje ao Parlamento fica imensamente aquém dos próprios propósitos do Governo. Se verificarmos, por um lado, o grande programa que o Governo se propõe cumprir - e que apoiámos - de combate ao insucesso escolar e as várias medidas que, para esse combate, nele são propostas, constatamos que a proposta de lei aqui apresentada por V. Ex.ª vem ao arrepio desse combate ao insucesso escolar - e, após a nossa intervenção, poderemos demonstrá-lo.
Em segundo lugar, V. Ex.ª não pode esquecer que tem uma monstruosidade no pacote laboral, na lei dos despedimentos e dos contratos a prazo relativamente aos jovens, quando o Governo diz que os contratos a prazo são especialmente indicados para os jovens, o que levanta sobre eles a espada de Dâmocles, pois nunca podem ter a certeza de um trabalho definitivo, permanente, lançando-os na inquietude e no desemprego no fim dos prazos dos contratos.
Em terceiro lugar, V. Ex.ª, com a sua proposta de lei, apela ao insucesso escolar, quando diz, por exemplo, «aquele que não estiver a trabalhar mais de 180 dias perde [...]». Quer dizer, uma pessoa tem de largar o emprego para não perfazer esses 180 dias? Esses 180 dias contam-se continuamente ou interpoladamente? Como é afinal feita a contagem destes 180 dias? Diz ainda V. Ex.ª no texto da sua proposta de lei: «Isto não se aplica àqueles que estão matriculados [...]» Quer dizer, uma pessoa só pelo facto de estar matriculada não tem acesso ao subsídio aqui proposto? E se não conseguir frequentar as aulas, se apenas se matriculou e, depois, por qualquer razão da sua vida, principalmente de carácter económico, a mais frequente e a mais motivadora do mesmo insucesso escolar, não teve hipóteses de frequentar as aulas? Então este jovem, só porque esteve matriculado, perde esta esmola? Porque, na verdade, 8000$ ou 9000$ são uma esmola, embora também seja de opinião que não podemos entrar na demagogia de dar dinheiro para aqueles que não trabalham, pois isso pode ser uma «anestesia» para a procura de emprego e para a vontade de trabalhar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - A juventude da última fila falou!

O Orador: - Concordo com V. Ex.ª quanto a este argumento. Mas este argumento é falacioso porque não há jovem - a não ser que seja um psicopata - que queira passar a vida toda à custa de subsídios. Isso é uma visão trágica da juventude e nós temos dela uma visão optimista e construtiva.

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Portanto, se dar dinheiro pode anestesiar a vontade de trabalhar, dar esmola também não salva o subsídio de desemprego.
Estas algumas das questões iniciais que aqui quero deixar e peço licença à Juventude Social-Democrata para lhe solicitar que tome em boa conta que não é a juventude instalada, que não é batendo palmas a soluções incompletas, que não é com posições de mero «sim-sim» que a juventude resolve os seus problemas.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro Adjunto e da Juventude: Ouvi o Sr. Ministro com a maior atenção, mas, em relação ao seu discurso, nada fez alterar a minha ideia de que esta proposta de lei nada mais é que uma birra - uma birra do Governo, obviamente.
Não se reformula o Decreto-Lei n.º 156/87, nem a Lei n.º 35/87. Pretende-se, tão-só, por parte do Governo, revogar esta última lei, aqui aprovada com uma única posição contrária, a do PSD. É, portanto, uma espécie de revanche dessa derrota do PSD aqui na Assembleia.
Esta situação originou que não se aplicasse a lei e, pior que isso, revelou ter um único fito: limitar o acesso ao subsídio de desemprego e reduzi-lo drasticamente.
Sr. Ministro, é evidente que não podemos deixar de votar contra esta proposta de lei. No entanto, faço-lhe três perguntas.
Primeira: não considera contraditório a exigência do 9.º ano de escolaridade, quando a obrigatoriedade da sua frequência não está ainda em vigor e quando certamente muitos dos interessados neste subsídio são porventura os que mais incorrem no insucesso escolar, muitas vezes motivado pelas deficientes condições de vida do agregado familiar, e que a proposta de lei aqui apresentada está em contradição, por exemplo, com o significativo programa de luta contra o insucesso escolar apresentado por um colega de V. Ex.ª, o Sr. Ministro da Educação, com o qual, certamente, não está em desacordo?
Segunda: não é estranho que a verba proposta para o subsídio de desemprego seja nivelada pela pensão do regime não contributivo da Segurança Social quando o que se pretende é o lançamento de um esquema inovador para a inserção dos jovens na vida activa? Esse estímulo é a comparação com a pensão do regime não contributivo da Segurança Social?
Terceira: não acha o Sr. Ministro que já se perdeu muito tempo a pôr em prática um esquema de apoio aos jovens que já devia estar a funcionar há bastantes meses e não o está devido rigorosamente à obstrução do Governo?

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Nem mais!

O Orador: - Um último comentário, Sr. Ministro. Com o pacote laborai que aí vem e com o que se prevê para os jovens vê-se qual é o sentido não paternalista do Governo. Aliás, parafraseando um colega seu também no Governo, parece que chegou o tempo de não se contar com o emprego estável-palavras do seu ilustre colega, Ministro do Trabalho. E, portanto, isto o que se pretende em termos de jovens.
E, já agora, mais uma pergunta, na sequência da sua intervenção: considera que Estados como os da Bélgica, da República Federal da Alemanha e da Itália, onde existe este tipo de subsídio, são Estados «controleiros», Sr. Ministro?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro.

O Sr. Álvaro Amaro (PCP): - O Sr. Ministro discorreu aqui acerca do assunto em debate e a grande conclusão que podemos tirar é a de que considera injusta a atribuição de um subsídio de desemprego aos jovens nas condições que conhecemos. Ora, será que o raciocínio é o de atribuir um subsídio escasso aos jovens para eles se mexerem na procura de emprego? Será este o raciocínio? Isto não e acreditar muito pouco no dinamismo próprio da juventude? Será que isto é contraproducente com o incentivo ao emprego? Ou será que não se trata de um incentivo ao emprego, mas antes de um incentivo ao trabalho precário? O Sr. Ministro acha francamente que é possível um jovem sobreviver com 8600$? Trata-se de uma esmola? Ou será que esse jovem, nessas difíceis condições, não irá procurar outras formas de trabalho e nomeadamente o trabalho clandestino?
Por outro lado, penso que é também importante fazer uma referência a dados que o Sr. Ministro aqui forneceu. V. Ex.ª falou na criação de elevado número de postos de trabalho, mas de certeza que esses novos postos de trabalho criados não se circunscreveram à área da juventude. Afirmou também que o actual projecto de lei proposto pelo Governo alarga as condições de acesso ao subsídio de desemprego. Alarga as condições de acesso, Sr. Ministro? Então se aumenta a obrigatoriedade de inscrição no centro de emprego de três para seis meses, se determina a obrigatoriedade de conclusão do 9.º ano unificado, de um curso de aprendizagem ou de um curso de formação profissional para que o jovem possa inscrever-se num centro de emprego, considera que isto é alargar as condições de acesso?

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - É alargar para dentro!

O Orador: - Referiu ainda V. Ex.ª ser preferível que o montante aplicável nesta forma de protecção social aos jovens fosse utilizado na criação de empregos estáveis. De facto, o que nós queremos não é o subsídio; é emprego. Mas, enquanto isso não surge, lá terá de haver o subsídio. Pensamos que uma coisa não é incompatível com a outra. Curiosa é essa definição de emprego estável. Que tem o Sr. Ministro a dizer da estabilidade que aí vem com o novo pacote laborai, nomeadamente em relação aos jovens entre os 18 e os 25 anos e à procura do primeiro emprego, quando os considera classe privilegiada para ser contratada a prazo?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Ministro, pedi a palavra para fazer um breve comentário à intervenção de V. Ex.ª e pedir-lhe um esclarecimento.
Um breve comentário que me é sugerido pela forma como o Sr. Ministro introduziu aqui esta questão, que, confesso, não esperava. Habituei-me a acompanhar a actividade e as intervenções do Sr. Ministro e a ouvi-las com grande atenção -naturalmente que o facto de um ministro falar ao País ou à Câmara merece sempre

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atenção- pois confesso que, vindas do Sr. Ministro, me despertavam um interesse particular pela forma como normalmente punha as questões - uma forma apaixonada, demonstrativa de que pretendia e de que pretende resolver problemas, mas desapaixonada quanto ao raciocínio necessário para que as coisas sejam postas como devem ser.
Hoje o Sr. Ministro vem à Assembleia da República com um discurso que eu já não ouvia há bastante tempo, um discurso dizendo que deste lado estamos nós, os bons, que queremos que os jovens tenham emprego, que queremos que os jovens consigam trabalhar, que queremos que tenham sucesso, do outro lado estão vocês, os maus, que querem que os jovens andem na droga, que querem que andem na «pedinchice», etc.
Confesso que não esperava que o Sr. Ministro viesse aqui com um discurso desses. Nada o faria prever e, no fundo, nós temos também - penso que o Sr. Ministro nos fará essa justiça - de considerar que na parte das oposições, naturalmente da parte dos deputados do PS, também há interesse em que as coisas se resolvam e em que os jovens tenham melhores condições de vida. E que, naturalmente, esse interesse pode levar-nos a ter pontos de vista diferentes do Governo sobre as diversas formas de encarar os problemas, mas não nos dá, em princípio, o direito de considerar que só nós somos os detentores da verdade, que os outros não têm razão.
A pergunta que lhe queria pôr tem a ver com uma afirmação de V. Ex.ª e que se refere, nomeadamente, ao alargamento do número de jovens com possibilidade de acesso, se bem entendi, ao subsídio de inserção. Suponho que o Sr. Ministro refere essa questão pelo facto de a lei que está em vigor prever um subsídio de cerca de 19 000$ para os jovens enquadrados nas condições previstas nessa lei e a proposta de lei em debate o reduzir para 8600$. Consequentemente, havendo uma verba prevista para determinado número de jovens, se for reduzido o montante de subsídio, poderá ser aumentado o número de abrangidos por essa lei. Só nisso vejo razão para o Sr. Ministro falar em alargamento do número de jovens com acesso ao subsídio de desemprego, pois, em tudo o resto, a proposta de lei aqui apresentada restringe o número de jovens em condições de a ele ter acesso.
O pedido de esclarecimento que fazia ao Sr. Ministro era no sentido de que tomasse mais claras as razões que o levam a fazer esta afirmação e me informasse em que é que esta proposta de lei vai permitir que um maior número de jovens seja abrangido pelo subsídio social de desemprego.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PCP): - Sr. Ministro, começaria por relembrar - e de alguma forma também rememorar nesta Câmara - alguns dados que dizem respeito aos jovens confrontados com a situação do desemprego.
Sabe certamente o Sr. Ministro que mais de 50 % do total de desempregados no nosso país são jovens. Sabe também o Sr. Ministro que, desses, cerca de 75 % são jovens à procura do primeiro emprego.
Gostaria também de referir que desse total de jovens apenas 10 % tem possibilidade de acesso ao subsídio de desemprego nas actuais condições. Em relação aos cidadãos que recebem subsídio de desemprego, mais de 34 % têm um rendimento per capita abaixo do salário mínimo nacional - isto com base em dados de 1987 -, ou seja, abaixo de 25000$, que era então o salário mínimo nacional.
Esta situação é confrangedora e revela a falência de uma política pretensamente dirigida à juventude, que nos questiona e que exige de nós um maior esforço no sentido de propiciar novas oportunidades e a criação de um espaço de intervenção para os jovens.
Ora, o Sr. Ministro veio aqui com um discurso que começaria por classificar de um discurso a pique, em queda, decadente. E se assim o classifico é porque só não trouxe inovações em relação ao debate realizado na sessão legislativa passada, como veio ainda aqui dizer que a série de acções de formação profissional era um conjunto de iniciativas para inserção dos jovens na perspectiva do emprego.
Ora bem, Sr. Ministro, quantos postos de trabalho em concreto é que essas iniciativas de formação profissional criaram?
Sr. Ministro, para além daquilo que é conhecido dia após dia, através dos órgãos de comunicação social, em que é que isso se reflectiu no crescimento e na valorização dos jovens portugueses?
Nessa matéria da formação profissional esperamos, aliás, que o inquérito pedido pelo PS possa seguir em frente e possa demonstrar algumas realidades, nomeadamente que não há política de formação profissional, que há apenas o uso e desbarato de um crescente investimento por via do Fundo Social Europeu e que esta pretensa iniciativa em favor dos jovens, que o Sr. Ministro aqui veio apresentar, não tem afinal nada a ver com os interesses dos jovens e apenas é, como aqui já foi classificado, uma birra, no fundo, uma teimosia.
Diria que quem erra mais que uma vez erra duplamente e com essa teimosia o Governo está a errar duplamente.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr. - Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Ministro, ouvi atentamente o seu discurso e se não conhecesse a proposta de lei agora apresentada diria que o Sr. Ministro tinha as melhores intenções na defesa dos interesses dos jovens.
A verdade é que a proposta de lei tem um espírito totalmente diferente dos pressupostos que o Sr. Ministro aqui apresentou.
Lamento também, apesar de gostar do seu discurso, que o Sr. Ministro tenha falado mais da política que o Governo tem levado a cabo no sentido de defender a juventude e tenha esclarecido tão pouco esta Câmara sobre as consequências que esta proposta de lei vem trazer no caso de ser aprovada.
Porque não me senti esclarecida com a sua intervenção e porque há pelo menos três dúvidas que me restam desde a primeira vez que li a proposta de lei, e vou colocá-las agora. São muito sucintas e, se o Sr. Ministro puder, agradecia que me respondesse.
Em primeiro lugar, logo no preâmbulo da proposta de lei refere o Governo que a motivação que o levou à elaboração deste diploma terá sido o facilitar as condições de acesso ao subsídio de desemprego. Gostaria que o Sr. Ministro me indicasse uma única proposta de norma que venha facilitar as condições de acesso a esse subsídio, porque eu, na verdade, só consegui encontrar normas que vêm restringir as condições de acesso.
Em relação à segunda questão, gostaria de fazer notar ao Sr. Ministro que nas normas revogatórias se refere que vai ser revogado, através desta proposta de lei, o Decreto-Lei n.º 156/87 e ainda a Lei n.º 35/87. Há aqui um pequeno lapso, porque o Decreto-Lei n.º 156/87 já não existe, já foi

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revogado pela Lei n.º 35/87. Daí pretender saber por que razão vem ele referido novamente.
A minha última questão relaciona-se com um dos aspectos mais importantes desta proposta de lei. Parece-me que é um aspecto gravíssimo, pode passar despercebido e não queria que isso acontecesse, de maneira nenhuma. É o n.º 2 do artigo 3.º desta proposta, que vem estabelecer uma condição que não existia para a inscrição nos centros de emprego. Segundo esta norma, a partir deste momento só se pode inscrever nos centros de emprego quem tiver o 9.º ano de escolaridade ou um curso de formação profissional. Sr. Ministro, eu gostaria de saber, primeiro, porque se legislou nesse sentido, depois, se isto se aplica apenas aos jovens que têm entre 18 e 25 anos ou se aplica também à totalidade das pessoas que se queiram inscrever num centro de emprego.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude.

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude: - Começando por responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró, devo dizer que o meu discurso é o mesmo, e já por duas vezes tive oportunidade de o fazer. Aliás, respondendo a algumas questões colocadas por outros Srs. Deputados, devo dizer que não mudei. Os Srs. Deputados, provavelmente, é que mudaram, porque tive oportunidade de intervir nesta Câmara aquando do debate sobre o subsídio de desemprego e aquando da interpelação feita ao X Governo Constitucional sobre política laborai. Esses dois discursos estavam na mesma linha deste. Por isso, não mudei, o discurso é o mesmo.
Quanto à questão colocada pela Sr.ª Deputada Isabel Espada sobre o insucesso escolar, o que a lei diz é que tem subsídio quem tiver o 9.º ano de escolaridade, um curso de formação profissional ou um curso de aprendizagem, mas salvaguarda aqueles que tenham abandonado o sistema escolar. Esta é uma das inovações da lei.
Agora, o que não se pode permitir, Sr.ª Deputada, é que se esteja, por um lado, a combater o insucesso escolar e, por outro, se diga que se vai dar 20 000$ a um jovem que depois deixa de estudar. Acha isto correcto?

Vozes do PCP: - Não é nada disso!

O Orador: - O problema é de fundo e nos moldes em que a oposição o apresenta é um incentivo ao abandono escolar, é uma desmotivação.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Apolinário (PS): - Dá-me licença que interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Sr. Deputado, dar-lhe-ei a palavra no fim.
Sr. Deputado Miranda Calha, não o entendo, pois não existe birra nenhuma, porque esta foi sempre a posição do X Governo e consta do seu Programa do Governo e que esta Câmara não rejeitou. Portanto, se o Governo não o cumprisse, estaria a cometer uma inconstitucionalidade. O que a Câmara deve dizer, neste momento, é que o Governo está a cumprir o seu Programa, porque ele não foi rejeitado nesta Casa. O Governo tem, pois, que cumpri-lo. Está lá escrito e esplanado e é o único ponto do Programa do Governo em que inclusivamente se fundamentam as razões.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

Vozes do PS: - Lá isso é o único!

O Orador: - Quanto ao 9.º ano de escolaridade, Sr. Deputado, refiro o mesmo aspecto: está prevista e salvaguardada a questão da situação do abandono escolar.
Fez-me também uma pergunta, relativamente ao subsídio nivelado pelo sistema não contributivo da Segurança Social. É evidente - e vou responder, para abreviar, a algumas das questões que outros Srs. Deputados já fizeram - que foram os Srs. Deputados que introduziram na lei aprovada por esta Câmara, que a lei aqui aprovada entrava em vigor respeitando o artigo 170.º, n.º 2, da Constituição. O Governo limitou-se a cumprir exactamente a legalidade democrática. A Câmara aprovou, o Governo cumpriu. O que significa que, havendo um decreto-lei que foi aprovado anteriormente pelo Governo e não tendo sido revogado, face à norma que lhe introduziram, necessariamente o Governo tinha de executar o decreto-lei que estava em vigor. Respeitou a lei. Neste aspecto, Srs. Deputados, o Governo não pode ser acusado. Se foi ao abrigo do artigo 170.º, n.º 2, o problema não é do Governo, porque foi decidido na Assembleia da República.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Foram vocês que quiseram!

O Orador: - Quanto ao subsídio noutros países da Europa, Srs. Deputados, se pretendem dizer à opinião pública que há subsídios na Europa muito semelhantes àqueles que propõem, e se a opinião pública não sabe, estão a fazer - a meu ver - um erro que não pode ser feito em termos de informação aos jovens. Na maior parte dos países europeus não existem sistemas como os que aqui são propostos. Pelo contrário, existem sistemas de incentivo à procura de trabalho, à formação, à aprendizagem Não existe nada deste género. Têm contratos de formação e de empregos dentro das próprias empresas. Mas, provavelmente - compreendo também -, é por erro de tradução do inglês ou do francês. Mas, aí, não é responsabilidade que me cabe.

Risos do PSD.

Vozes do PS: - Está errado!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Está certo! Está certo!

Risos

O Orador: - Sr. Deputado Álvaro Amaro, penso que já respondi à maior parte das questões que me colocou.
Quanto ao subsídio de emprego, o problema não se relaciona com o montante ser superior ou inferior. Tem é que ter por trás dele um critério de justiça social, é isso que é importante, pois de outro modo não é justo, Sr. Deputado. Têm que compreender isto. Aliás, esta questão é igual à questão que coloquei ao Sr. Deputado Narana Coissoró e é com o que termino o meu discurso: o pior que se pode fazer à política de juventude, em Portugal, é criar nos jovens uma mentalidade assistêncial, é gerar um conflito de gerações. Isso é o pior que se pode fazer aos jovens. Não podemos criar conflitos de gerações!
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: V. Ex.ª pretende dar a um jovem 20 000$ por mês, quando aquele que trabalhou uma vida inteira tem 8600$? Acha isso justo?

Vozes do PCP: - Mas o que é que está mal?

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O Orador: - Esta é a realidade e o Sr. Deputado não pode sonhar, porque o País tem 10 milhões de habitantes e todos têm os mesmos direitos perante a Constituição.

Aplausos do PSD.

Mas o Sr. Deputado Álvaro Amaro foi mais longe e, no fundo, acabou por demonstrar - ou, pelo menos, deixou escapar - aquilo que lhe vai na alma: até já tentou deixar transparecer a ideia de «um subsídio de desemprego ou um emprego». Os Srs. Deputados vêem sempre em tudo onde é que o Estado pode intervir e subsidiar a estabilidade. Isso é mentalidade assistência!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Vivemos todos dependentes da Santa Casa da Misericórdia!

O Orador: - Isso não é de um Estado que queira promover o desenvolvimento e o progresso e com isso, francamente, Sr. Deputado, não posso estar de acordo. Um subsídio de desemprego ser comparável a um emprego?! Nunca vi!

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Não é nada disso!

O Orador: - É evidente que, quando falo em alargar as condições de acesso - e respondo também à Sr.ª Deputada Isabel Espada - é fácil, pois há uma lei em vigor. Não foi o Governo que introduziu a norma, dizendo que era ao abrigo do artigo 170.º, n.º 2, da Constituição enquanto não existir a Lei do Orçamento.
Sr. Deputado Armando Vara, compreendo que tivesse feito a observação que fez porque não costume fazer intervenções focando alguns aspectos. Mas também lhe devo dizer que foi necessário lançar este aleita para aquilo que se está a passar em termos de política de juventude. Muitos dizem: isto é tudo para os jovens, só se pensa nos jovens. E a questão não é essa! É por isso que tentei fazer um apelo ao Sr. Deputado para que, de facto, ponhamos sobre a mesa, no que diz respeito à política de juventude, propostas concretas, exequíveis, para que amanhã, conforme digo, aquilo que eles andam a construir com tanto trabalho e com tanto sacrifício não possa depois ser destruído em nome dos mesmos jovens. Foi esse o meu apelo, Sr. Deputado.
Por outro lado, não se trata de saber se de um lado estão os bons e de outro estão os maus, porque, conforme lhe disse, este é o terceiro discurso que faço e é exactamente igual aos anteriores. Não se trata disso, Sr. Deputado. Estou colocado perante factos reais e há duas coisas que nunca podemos escamotear: perante os factos reais ou os números, temos de tirar as conclusões necessárias. Foi só isso que fiz.
O Sr. Deputado José Apolinário já nos habituou, nesta Câmara, às suas intervenções com certo calor. Mas, quando se trata de jovens, pelo menos, sejamos mais correctos com os números que lançamos e tenhamos em mente que este país tem, dos 12 aos 30 anos, cerca de 2,5 milhões de jovens, que devem merecer todo o respeito, quer seja de uma área ideológica ou de outra. São todos jovens e não é a área ideológica que diz que são desempregados de uma cor ou de outra. Estão todos vivendo os mesmos problemas.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que o número de jovens desempregados é inferior a 50 % do montante global.
Provavelmente o Sr. Deputado não consultou os últimos números, pois já há números de Dezembro. Se os tivesse consultado, necessariamente teria tirado essa conclusão.

O Sr. José Apolinário (PS): - Se calhar o Governo não pôs à disposição esses números!

O Orador: - E mais, Sr. Deputado: onde é que estão os 75 % dos jovens à procura do primeiro emprego? Os jovens à procura do primeiro emprego representam, neste momento, 36,7 %, Sr. Deputado!

O Sr. José Apolinário (PS): - O Sr. Ministro está a manipular os números!
O Orador: - Sr. Deputado, provavelmente V. Ex.ª ainda anda a consultar os números de Janeiro. Já passou um ano, existem relatórios e estes números são divulgados pela OCDE e pela CEE. Consulte-os.
Sr. Deputado, V. Ex.ª referiu a falência da política e o discurso decadente.
Tive oportunidade no X Governo Constitucional de dizer, nesta Câmara, sobre esta questão, que quem tem ideias que as apresente, que as ponha sobre a mesa. Sr. Deputado, onde é que estão as suas ideias? Onde é que estão as suas propostas?

Aplausos do PSD.

Será que um governo, quando governa, não deverá ser um governo de todos os portugueses? Ou só deve governar com as ideias do partido que o apoia ou não? Será que um governo não é para todos os portugueses?

Uma voz do PS: - É o que se tem visto!

O Orador: - Quanto aos postos de trabalho criados, Sr. Deputado, referi no meu discurso que só no último semestre foram criados 80 000 novos postos de trabalho.

O Sr. José Apolinário (PS): - O Sr. Ministro manda para aí uma série de números!

O Orador: - O Sr. Deputado, estão aí os números. São 80 000 no último semestre.
Sr.ª Deputada Isabel Espada, quanto às facilidades de acesso ao subsídio, penso que já anteriormente lhe respondi, mas repito que é em comparação com a lei em vigor e, necessariamente, só depois da entrada em vigor da Lei do Orçamento é que as comparações serão outras. Ou será que me tentariam dizer agora que não respeitasse a lei em vigor?! Porém, a lei em vigor é essa e vou respeitá-la! A lei só será revogada com a Lei do Orçamento.
Quanto à questão da inscrição nos centros de emprego, penso que tem cabimento na mesma resposta que dei ao Sr. Deputado Narana Coissoró. De facto, há uma norma que diz: «tenham abandonado o sistema escolar há dois anos», porque a partir de agora têm que ser salvaguardados esses direitos. No entanto, não podemos perder de vista que a aplicação da Lei de Bases do Sistema Educativo está neste momento a ser trabalhada pelo Sr. Ministro da Educação para que se comece, aos que já entram este ano, a exigir o 9.º ano de escolaridade.
Por outro lado, estão a aumentar-se as acções de aprendizagem, os cursos de formação profissional e, portanto, não podemos desviar os jovens desses objectivos e dessas prioridades, que se devem sobrepor fundamentalmente ao subsídio.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeitos, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, podia usar da palavra para um protesto mas, pela simpatia que pessoalmente o Sr. Ministro me merece, não usarei essa figura regimental.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é para um protesto ou para um pedido de esclarecimento?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é para pedidos de esclarecimento, pois já pedi o esclarecimento que pretendia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode usar da palavra para fazer protestos, mas se quiser fazer uma intervenção ficará inscrito para a próxima reunião, uma vez que já passámos a hora regimental.
Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar terça-feira, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia constará a votação do projecto de lei n.º 25/V, a continuação da discussão da proposta de lei n.º 19/V e a discussão da proposta de lei n.º 16/V.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
José Luís Bonifácio Ramos.
José de Vargas Bulcão.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António Manuel Oliveira Guterres.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.

Partido Comunista Português (PCP):

Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Luísa Amorim. Maria Odete Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria Pereira.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando Sequeira Roriz.
Flaustino José Pereira da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natal ia de Oliveira Correia.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira-Carlos Pinto da Cruz.

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