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Quinta-feira, 24 de Março de 1988 I Série - Número 66

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE MARÇO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
Foram aprovados os n.ºs 55 a 57 do Diário.
Foi igualmente aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando um deputado a depor como testemunha.
Os Srs. Deputados Ferro Rodrigues e Elisa Damião (PS) iniciaram o debate da interpelação ao Governo n.º 2/V (abertura de um debate de política geral centrado nas políticas social e laboral), intervindo também, a diverso título, além dos Srs. Ministros do Emprego e da Segurança Social (Silva Penedo) e das Obras Publicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins) e dos Srs. Secretários de Estado da Construção e Habitação (Elias da Costa) e da Segurança Social (Luís Filipe Pereira), os Srs. Deputados Joaquim Marques, Rui Salvada, Vieira Mesquita, Filipe Abreu, Mendes Bota, José Puig, João Costa e Barata Rocha (PSD), Luís Roque (PCP), Eduardo Pereira (PS), José Magalhães (PCP), Silva Lopes e Rui Silva (PRD), Nogueira de Brito (CDS), João Corregedor da Fonseca (ID), Herculano Pombo (Os Verdes), Manuel Filipe, Jerónimo de Sousa e Apolónia Teixeira (PCP), Jorge Sampaio (PS), Raul Castro (ID), António Mota (PCP), José Régio e Guilherme Pinto (PS), Isabel Espada e Hermínio Maninho (PRD), José Mota (PS), Carlos Oliveira e Armando Cunha (PSD), Rogério Moreira (PCP), José Apolinário (PS) e Carlos Coelho (PSD).
Encerraram o debate o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho) e o Sr. Deputado Vítor Constando (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro Cunha.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel Ascensão Belém.
João Maria Pereira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Serra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Liberal Correia.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
Helena de Melo Torres Marques.
João Barroso Soares.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Torres Couto.
José Vera Jardim.
Manuel Alfredo Tito de Morais.

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Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Salseiro Amaro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
José Silva Lopes.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa o projecto de lei n.º 207/V - Elevação da freguesia de Cacia à categoria de vila -, apresentado pelo Sr. Deputado Narana Coissoró e outros, do CDS, e o projecto de lei n.º 208/V - Elevação a vila da freguesia da Carapinheira -, apresentado igualmente pelo Sr. Deputado Narana Coissoró e outros, do CDS, que baixaram à 10.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 55, 56 e 57 do Diário (l.1 série), respeitantes às reuniões plenárias de 26 e 27 de Fevereiro e 1 de Março, respectivamente.

Pausa.

Como ninguém se opõe, consideram-se aprovados. Vai ser lido um parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos.

Foi lido. É do seguinte teor:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 463/88, processo n.º 6643/86, do 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, de 10 de Fevereiro de 1988, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho e Joaquim Eduardo Gomes a serem inquiridos como testemunhas no processo em referência.
Entende esta Comissão Parlamentar não dever pronunciar-se sobre o Sr. Deputado ao Parlamento Europeu Carlos Pimenta, sugerindo que o referido deputado seja avisado pelos Serviços de Relações Internacionais desta Assembleia da República.
Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 21 de Março de 1988. - O Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, tal como consta da ordem do dia de hoje e foi combinado na conferência de líderes, haverá, em primeiro lugar, um período de abertura do debate, feito pelo PS e pelo Governo, que disporão de 60 minutos cada um e em que poderão intervir mais de um deputado do PS ou de um membro do Governo; em seguida, haverá um período de debate, onde estarão incluídas as perguntas e as respectivas respostas relativas às intervenções proferidas no período de abertura do debate; por fim, haverá um período de encerramento do debate. Informo que não há transferências de tempo.

Pausa.

Srs. Deputados, encontram-se na galeria a assistir aos trabalhos alunos e professores da Escola Secundária de Ferreira Dias, do Cacem.

Aplausos gerais, de pé.

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Dando início à interpelação ao Governo n.º 2/V, apresentada pelo PS, sobre a abertura de um debate centrado nas políticas social e laborai, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No princípio de Fevereiro passado o Partido Socialista, preocupado com a manifestação de incapacidade e falta de vontade política do Governo, em matéria social, com os sinais de profunda insatisfação de trabalhadores que em vários sectores económicos enfrentavam grandes obstáculos ao prosseguimento de negociações de instrumentos de regulamentação colectiva e também, e fundamentalmente, com o pacote laborai que era anunciado, apresentava na Mesa desta Assembleia uma interpelação ao Governo sobre política social e laboral.
Em primeiro lugar, o PS preocupava-se com a lógica de desresponsabilidade do Governo face à gravidade de importantes questões sociais que permaneciam não apenas sem solução como sem que fosse indicado qualquer caminho para a sua progressiva resolução:
O abuso do trabalho temporário, que quase sempre assume um processo degradante, marcado pelo aluguer de mão-de-obra a agências privadas de colocação, vivendo à margem da lei e menosprezando totalmente a dignidade do trabalhador;
O trabalho efectuado nos mais diversos sectores como se de trabalho por conta própria ou profissão liberal se tratasse, correspondendo a uma total desprotecção para aquele que na realidade é assalariado e ao desenvolvimento de formas de concorrência desleal entre empresas que cumprem as suas obrigações parafiscais e empresas que recorrem a estes expedientes para se eximirem a esse dever;
O incontrolado aumento dos contratos a prazo, com recurso a fórmulas claramente ilegais para todos, excepto para quem tem, entre outros mandatos, o de cumprir a lei;
A continuação do escândalo nacional e internacional do trabalho infantil, onde tímidas e piedosas intenções de alcance limitadamente repressivo pouco ou nada adiantavam;
A permanência de milhares de salários em atraso, correspondendo a milhares de situações dramáticas ao nível individual e familiar;
A passividade face à manutenção de situações vergonhosas nas condições de trabalho em muitíssimas empresas, com aspectos altamente negativos a nível da higiene e segurança ou da saúde, o que ilustra a hipocrisia do Governo em matéria de ambiente;
A aceitação como normais de horários de trabalho obviamente excessivos em numerosas actividades, pondo em causa direitos humanos fundamentais;
O escamotear da inexistência de uma verdadeira política de formação profissional, integrada numa perspectiva de modernização assente na educação e desenvolvimento permanente dos nossos recursos humanos, por intermédio de operações propagandísticas de repressão sobre possíveis meros peões de um jogo onde imperam figuras de outro alcance, o que, aliás, permitiu um excelente pretexto para alguns saneamentos de carácter político;
A configuração do deliberado afundamento do nosso sistema de segurança social, com horizontes cada vez mais negros face à inexistência e qualquer política séria para a reforma do seu financiamento, para o cumprimento escrupuloso das obrigações orçamentais do Estado, para a eficácia da cobrança das suas receitas, para a obtenção de maiores níveis de apoio aos seus beneficiários - reformados, doentes, inválidos, desempregados, muito especialmente;
O agravamento de uma postura tão depressa tecnocrática e desumana como populista e demagógica em matéria de saúde, o que, por si só, justificaria outra interpelação;
O cinismo representado pela conjugação da ausência de uma política de habitação social com o agravamento das necessidades fundamentais a esse nível.
Em segundo lugar, o PS preocupava-se com os primeiros sinais de instabilidade social que apontavam para o não cumprimento do acordo de rendimentos e preços negociado no Conselho Permanente de Concertação Social - não cumprimento deliberado por parte do Governo, que, aparentemente, fora o principal entusiasta para a sua aceitação parcial. As greves na Carris eram um primeiro momento de revelação daquilo que dificilmente se poderá não interpretar como má fé negociai por parte do Governo. Aparentemente, a inflexibilidade a que o Governo obrigou o conselho de gerência dessa empresa visava marcar desde o início nas negociações efectuadas no sector público empresarial uma política acentuadamente restritiva que permitisse subverter o espírito do acordo estabelecido. Na verdade, o Governo mostrava à evidência que só aparentemente aceitara a reivindicação sindical de total afectação dos ganhos de produtividade real aos aumentos de salários reais, pois, manipulando a seu bel-prazer o conceito de produtividade esperada, visava objectivamente que desde as primeiras grandes negociações ficasse tacitamente estabelecido o cumprimento do que já era ameaçado pelo PCEDED - a continuada transferência de rendimentos reais com sacrifício daqueles que apenas vivem do seu salário. As greves na Carris representam a resposta de trabalhadores que percebem que os resultados que alcançarem, positivos ou negativos, marcarão decisivamente os importantes momentos de negociação colectiva que se seguirão. A aparente provocação do Governo, levando às primeiras greves, exprime, antecipando, a gravidade do que se procura atingir - utilização da grande demagogia e dos serviços, propagação mais eficazes para isolar aqueles que lutam, na perspectiva de uma derrota exemplar que constituísse uma lição impeditiva de outras veleidades noutras áreas.
Em terceiro lugar, o PS preocupava-se profundamente com o pacote laborai e aquilo que ele mostrava de essencialmente classista na política do Governo. Os trabalhadores por conta de outrem, a quem estas dizem directamente respeito, são a maior força social do País, constituem certamente uma componente importante na fase eleitoral do partido do Governo, não serão quatro milhões mas quase três milhões de portugueses, corresponde a quase três quartos das famílias. O pacote

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laborai revela a arrogância permanente de um governo que assim menospreza a grande maioria do País. Na verdade, o pacote laborai apresentado, ao contrário do apregoado, nada tem a ver com a modernização das empresas, mas sim com o regresso do paternalismo e autoritarismo da parte do patronato que ainda não se adaptou às regras de informação, consulta e negociação entre parceiros sociais igualmente dignos e imprescindíveis, nada tem a ver com o fim da divisão entre trabalhadores protegidos e trabalhadores precários, já que incentiva (dando cobertura legal) práticas abusivas de contratação a prazo, que atingirão sobretudo os jovens - componente do eleitorado a quem foram prometidos mundos e fundos.
Portanto, há menos de dois meses, quando avançámos com o pedido de interpelação, fazíamo-lo conscientemente, em nome de interesses que muito prezamos - os interesses nacionais, de coesão mínima para o arranque de um processo de modernização solidária que desejamos, tal como a esmagadora maioria do povo português, e que hoje não há desculpas de mau pagador que possam constituir álibis do Governo se não se verificar.
Decorridas algumas semanas, o panorama agravou-se de forma substancial:
O cinismo social subiu mais uns patamares, já que nada de essencial aconteceu no domínio da intervenção do Estado na regulação social, a não ser um decreto-lei de regularização das dívidas à Segurança Social politicamente grave e tecnicamente absurdo;
O afrontamento social avançou mais uns passos, na medida em que não apenas na Carris, mas noutras empresas de transportes do sector público, as gerências, compelidas pelo Governo, insistiram em apresentar verdadeiros tectos salariais injustos, irrealistas e contrários aos acordos negociados no Conselho de Concertação Social. E, entretanto, o Governo, desorientado pela sua falta de razão, apavorado perante o descontrole no ritmo de combate à inflação, atacava brutalmente os direitos dos trabalhadores, utilizando a requisição civil de forma venal absurda, discriminatória e atentatória de liberdades essenciais;
De forma pouco ou nada transparente, tentando vender gato por lebre, o Governo, num ritmo quase semanal, vai alterando o pacote laborai, com mudanças acessórias, em aspectos jurídicos não decisivos, enquanto no essencial tudo fica na mesma: uma revisão retrógrada e unilateral da legislação actual.
Na verdade, há uma grande dose de cinismo social quando no mesmo ano em que se tentam aplicar medidas de forte restrição salarial, de sensível alargamento da carga fiscal sobre quem vive do seu salário, de forte penalização sobre grande parte das pequenas e médias empresas, que necessitam de crédito como nós necessitamos de oxigénio, se decretam medidas que, longe de resolverem os problemas fundamentais do sistema de segurança social, têm como principais beneficiários os devedores de má fé. Com efeito, quem senão aqueles que hoje apresentam uma situação financeira desafogada pode apresentar planos de pagamento das dívidas à Segurança Social, que constituem autênticos pré-

mios à ilegalidade, podendo ir até ao completo perdão de juros? E como é que esses agentes económicos alcançaram essa situação financeira? Não terá sido também contando com futuros perdões, quando, no quadro de uma melhoria muito forte da situação das empresas, continuavam pura e simplesmente a não pagar o que deviam? E, assim, mais uma vez, o que aparece como tecnicamente irrebatível representa um prémio aos maiores prevaricadores - por exemplo, é dada a possibilidade de recurso a linhas de crédito bancário para pagamento e, como as entidades bancárias só não recusaram esse acesso a quem tiver situações favorecidas, há um óbvio benefício para aqueles que, independentemente das conjunturas, positivas ou negativas, independentemente das possibilidades reais, efectivas ou nulas, pura e simplesmente não pagaram num momento porque sabiam que o adiamento era altamente compensador. Porque, Srs. Membros do Governo, não vale a pena perder muito tempo para provar que em situações de inflação como a portuguesa dividir as dívidas antigas em capital e juros, como se a segunda componente fosse menos dramática, não significa outra coisa senão atirar areia para os olhos da opinião pública que, além do mais, é também formada por eleitores contribuintes. Porque, Srs. Membros do Governo, é economicamente inexplicável que a dívida para com a Segurança Social, que era de 74,2 milhões de contos em finais de 1984, tenha tido o inconcebível aumento de quase 100% entre esse momento e finais de 1987, num período em que todos os observadores são unânimes em considerar que, sobretudo por efeito da grande alteração no enquadramento externo, a situação portuguesa a nível microeconomia) melhorou notoriamente. Porque, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, não é aceitável que aquilo que há dois anos foi apresentado como a resolução do problema no tempo do Ministro Mira Amaral seja agora completamente ultrapassado, sem qualquer balanço, sem qualquer autocrítica, sem nenhuma explicação aos Portugueses. A menos que para os senhores haja duas espécies de contribuintes: os que, não pagando, se prejudicam seriamente e os que, não pagando, se beneficiam absolutamente. Em matéria de pagamento de atrasados à Segurança Social - e os Srs. Governantes sabem-no -, o mais dramático é que se desenvolvam expectativas de sistemática benevolência e de que a fraude é compensadora. O que agora foi feito não apenas não responde a esta questão, como justifica a sua colocação. E, quando se atinge a situação em que é generalizado o sentimento de que «quem paga o que deve é parvo porque quanto mais tarde melhor», é o Governo do País que está em causa, sob pena de poder vir a estar mais tarde o próprio regime.
Segundo ponto: perante a brutal desaceleração no ritmo de queda da inflação (que pode ser explicitada por estes números - de Fevereiro de 1986 para Fevereiro de 1987 a queda foi de 6,6 pontos; de Fevereiro de 1987 para Fevereiro de 1988 a queda foi de 2 pontos), o Governo, face à mais do que natural oposição dos trabalhadores à imposição de verdadeiros tectos salariais, age cada vez menos com a cenoura e cada vez mais com o cacete. A requisição civil, instrumento legal de utilização em última instância, face a ameaças de grande gravidade sobre a generalidade dos cidadãos que pudessem resultar do legítimo direito à greve em sectores de serviços fundamentais, passa a ter uma uti-

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lização banalizada, como se o Sr. Primeiro-Ministro, pelo facto de presidir a um partido que obteve 51% nas últimas eleições, pudesse, por isso, ter o direito de coarctar os direitos democráticos, impedir a vigência da parte da Constituição que lhe desagrada, agir como se Portugal não estivesse integrado na Europa democrática e fosse uma «república da bananas» ou um bantustão dependente do «quero, posso e mando».
Terceiro ponto: para quem considera que «nunca se engana e raramente tem dúvidas» chefiar um governo como o que em menos de dois meses já apresentou quatro versões do pacote laborai é um feito que só conteria algo de glorioso se estivesse desde sempre previsto e alcançasse os resultados esperados: partir de uma versão de tipo cavernícola para, como se de uma transacção em certas áreas do Norte de África se tratasse, chegar a um pseudocompromisso que correspondesse ao objectivo da partida. Porque, se não for assim, então o Sr. Primeiro-Ministro deve declarar pública e solenemente, pelo menos, que às vezes se engana e frequentemente tem dúvidas. Mas a verdade é que da primeira para a quarta versão os passos dados não são suficientes e, embora outros camaradas meus estejam preparados para intervir na especialidade sobre esta matéria, não gostaria deixar de dizer que:
Este pacote laborai não serve, pela sua rigidez - a imperatividade não permite a negociação entre parceiros representativos, trata-se de um controle abusivo do Estado sobre a sociedade civil; este pacote laborai não serve, pelo desprezo pela justiça que revela - a não obrigatoriedade de reintegração em certos casos, mesmo depois de provada a injusta causa do despedimento, não chega a representar uma caricatura da justiça;
Este pacote laborai não serve, pela arbitrariedade que incentiva - ao admitir a inaptidão revelada após o período experimental como justa causa de despedimento individual, o que se está é a abrir as portas ao despedimento sem justa causa;
Este pacote laboral não serve, pelo desprezo dos direitos humanos que favorece - ao admitir a inadaptação do trabalhador às modificações tecnológicas como justa causa objectiva para o despedimento individual, mas sem que haja qualquer controle sindical sobre o processo e, sobretudo, sobre as acções de formação e reciclagem exigíveis, com direito a indemnizações miseráveis, a legislação que o Governo visa despreza os direitos humanos (em muitos casos, de trabalhadores que foram, no passado, decisivos para os lucros das empresas);
Este pacote laboral não serve, pelo seu carácter discriminatório; os jovens, principal contigente dos desempregados à procura do primeiro emprego, são discriminados, já que o contrato a prazo passa a ser a regra com base legal.
Em resumo, hoje, dia da interpelação ao Governo, a situação social apresenta-se profundamente agravada em relação ao que acontecia aquando da apresentação desta interpelação. E convém recordar que já nessa altura as perspectivas de alcance de uma coesão social indispensável eram diminutas. A verdade está, neste caso, à vista desarmada de todos nós: este governo alcançou em poucos meses aquilo que era inimaginável - a convergência numa mesma atitude repulsiva por parte de trabalhadores socialistas, sociais-democratas, independentes e comunistas; a marcação para um mesmo dia, 28 de Março de 1988, de uma greve geral por parte de duas centrais sem qualquer história de concordância em questões nacionais de importância fundamental, apoiadas já por muitos e muitos milhares de trabalhadores assalariados, organizados em sindicatos filiados na UGT, na CGTP ou em sindicatos independentes ou, pura e simplesmente, não sindicalizados.
Algo vai mal na governação de Portugal quando tudo isto é alcançado após quase três anos de dádivas celestes resultantes de alterações fundamentais no enquadramento internacional da economia portuguesa, quando tudo isto é atingido após quase três anos de crescimento do produto e do investimento e sem apertos na balança de transacções correntes ou na balança de operações não monetárias. Algo vai mesmo muito mal quanto tudo isto acontece no momento em que observadores internacionais insuspeitos de comungarem ideais socialistas apontam Portugal como um país cada vez mais distante da Europa onde se procura integrar, por razões de subdesenvolvimento e de injustiça social.
Não aproveitando a disponibilidade estratégica para o diálogo por parte da maior parte dos trabalhadores organizados sindicalmente, não aproveitando as vantagens de um contexto internacional que felizmente continua a ser fundamentalmente favorável, não aproveitando a maioria absoluta de que dispõe nesta Assembleia aparentemente de forma incondicional, o Governo opta por uma estratégia de confrontação social, de combate às organizações representativas de trabalhadores, o Governo escolhe o terreno do afrontamento e da arbitrariedade, desprezando a verdadeira concertação e o diálogo democrático. Talvez porque a permanente atmosfera de conflitos com vários grupos sociais forneça ao Primeiro-Ministro aquilo que de outro modo dificilmente conseguiria - os álibis para a incapacidade política, as justificações para os fracassos. Ô Partido Socialista afirma-se profundamente preocupado com o ambiente de guerra política contra os trabalhadores assalariados e as suas organizações que o Governo vem fomentando. O Partido Socialista não entende como é possível que o Governo e o partido que o suporta venham conduzindo uma guerra frontal contra sindicatos onde milham - e, nestes casos, honra lhes seja feita - trabalhadores sociais-democratas e que representam uma das bases eleitorais que permitiu o sucesso conjuntural de 19 de Julho de 1987. O Partido Socialista declara solenemente que tudo fará para que a intransigência do Governo e a abertura de uma guerra declarada contra os trabalhadores não venham a pôr em causa as possibilidades de conjugar a modernização económica com a solidariedade social. Porque, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, é o futuro do nosso país e da nossa democracia que está em causa. E com o Portugal democrático não se brinca, nem mesmo tendo, num dia sem repetição, 51 % dos votos expressos.

Vozes do PS: - Muito bem.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Então não há palavras?

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Isto parece um velório!

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O Orador: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista tem sido, ao longo dos anos, o partido mais consequente com a defesa e desenvolvimento do regime democrático e com a afirmação do pluralismo. O Partido Socialista teve uma intervenção política determinante para a construção da democracia representativa e a adesão de Portugal à CEE.
O Partido Socialista é um partido de esquerda, moderno, que aposta na inovação, na criação, na iniciativa, que já demonstrou não hesitar na condução de políticas realistas, servindo o interesse nacional, mesmo quando não desconhece as consequências eleitorais negativas. Somos um partido patriótico e realista, inconformista e dinâmico. Não vivemos do populismo, Srs. Deputados do PSD.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Isso é um auto-elogio!

O Orador: - Por isso, dá-nos uma certa vontade de rir quando nos acusam de conservadorismo. Mas quem são os conservadores em Portugal: os que querem um Portugal baseado na solidariedade social entre os cidadãos ou os que querem que os privilégios de uns assentem cada vez mais na opressão social e económica de muitos? Quem são os conservadores em Portugal, Srs. Deputados do PSD, ...

Vozes do PSD: - São os que não mudam!

O Orador: - ... os que querem mudar o País no sentido de uma especialidade produtiva, capaz de resistir em economia aberta, ou os que, em nome de ideologias sacralizadores de um mercado inexistente, apostam na manutenção de uma estrutura económica de apagada e vil tristeza, que apenas beneficia uma minoria e por tempo limitado? Mas quem são os conservadores em Portugal, Srs. Deputados do PSD ...

Vozes do PSD: - São vocês!

O Orador: -... o Partido Socialista, que se bate pela modernização e desenvolvimento ...

Protestos do PSD.

... assentes na valorização do homem ...

Protestos do PSD.

Vejo que os Srs. Deputados do PSD estão muito excitados! Fico muito contente!

Como estava a dizer, assentes na valorização do homem e da inteligência, pela defesa do ambiente e da qualidade de vida, pela articulação das políticas de inovação social e económica com a modernização ao nível micro-económico, pelo desenvolvimento de uma política de ciência e tecnologia, pelo fortalecimento do desenvolvimento regional, pela gestão das relações no quadro da CEE debaixo de uma lógica onde se articule o nosso desenvolvimento com o reforço europeu, pela melhor distribuição do rendimento e combate às desigualdades sócio-económicas no acesso às capacidades de enriquecimento da participação na sociedade portuguesa? O PS, que se bate por tudo isto, sabendo que só o podemos alcançar pela mobilização da criatividade da capacidade de realização e coesão social dos Portugueses, com diálogo e negociação, na base da prospectiva, da programação, da informação, para gerir a conflitualidade e mobilizar para o consenso democrático? Não, Srs. Deputados, os conservadores não estão na esquerda democrática e moderna. Hoje o seu poder assenta praça num governo que tentou exorcizar o termo, como se com isso exorcizasse a realidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, em Portugal, temos um governo que é conservador porque pretende impor pela lei da força as suas concepções, que, em última análise, procuram manter relações económicas e sociais injustas, porque incentivadoras de uma efectiva desigualdade de oportunidades. O Governo que não conte com a passividade do PS para consolidar o seu conservadorismo. O PS, para além de não aceitar lições de modernidade vindas de quem, no passado como no presente, pouco ou nada apostou num futuro de democracia e desenvolvimento, tudo fará, na oposição como no Poder, para a construção de um Portugal onde dê gosto aos Portugueses viver, e não apenas aos turistas visitar.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, não quero acabar esta intervenção de abertura nesta interpelação, que todos esperamos permita um debate aprofundado e clarificador, sem lançar alguns desafios ao Governo e ao partido que o suporta:
1 - O Partido Socialista convida o Governo a explicitar os objectivos, instrumentos e políticas que prossegue em matéria social em sentido lato, ou, precisando melhor, convida o Governo a demonstrar que tem alguma política social que não seja o lavar as mãos e assistir ao aumento dos problemas em domínios como a habitação, saúde ou Segurança Social.
2 - O Partido Socialista desafia o Governo a demonstrar que possui qualquer alternativa em matéria de reforma do financiamento do sistema da Segurança Social, de modo a combater a tempo as sombrias perspectivas de ruptura a prazo. Concretizando, o PS desafia o Governo a desmentir solenemente que esteja nas suas intenções congelar qualquer evolução positiva para os beneficiários da Segurança Social pública como forma de incentivo ao desenvolvimento de esquemas privados em vectores como a reforma ou a doença.
3 - O Partido Socialista propõe ao Governo que esclareça o que vai fazer para travar o processo de enorme desenvolvimento da desigualdade e hipocrisia sociais, ou seja, o PS propõe ao Governo que concretize as formas como prevê que o sensível enriquecimento de alguns venha a conduzir ao crescimento da riqueza para todos.
4 - O Partido Socialista incentiva o Governo a estabelecer urgentemente metas realistas em matéria de inflação para 1988 e 1989; clarificando o proposto, o PS incentiva o Governo a não deixar mergulhar na total falta de credibilidade os objectivos de inflação esperada, sob pena de se desenvolverem expectativas de tal modo negativas que venham a empurrar artificialmente uma alta de preços escusada.

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5 - O Partido Socialista apela ao Governo para prosseguir e impulsionar uma verdadeira política de concertação social e a não continuar a tentar instrumentalizar o Conselho Permanente de Concertação Social ou a conjugar o reconhecimento formal do papel dos parceiros sindicais com a condução de manobras visando o seu isolamento e aniquilamento.
6 - O Partido Socialista desafia o Governo a cessar as pressões sobre as administrações das empresas públicas e a deixar funcionar o mercado em matéria de contratação colectiva; mais precisamente, desafiamo-los a acabar com a imposição de tectos salariais que ofendem simultaneamente gestores e sindicatos responsáveis.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O socialismo moderno!

O Orador:

7 - O Partido Socialista convida o Governo a terminar com a utilização abusiva das requisições civis, a não confundir serviços mínimos e serviços máximos, a cumprir a lei da greve, a não proceder de forma intimidatória nas suas relações com os trabalhadores assalariados em luta. Mais concretamente, o PS convida o Governo a levantar, com urgência, a absurda requisição civil por 30 dias que aplicou aos trabalhadores do Metro.

Protestos do PSD.

8 - O Partido Socialista propõe ao Governo que, para bem da democracia e da coesão social indispensável ao País, não recue um milímetro, mas um quilómetro, em matéria de pacote laboral.

Risos do PSD.

Mais precisamente, propomos ao Governo que reconheça que, depois de múltiplas dúvidas e hesitações, acabou por se enganar e que aceitará alterações significativas em questões como a imperatividade, a reintegração, a inaptidão como causa objectiva de despedimento, os direitos dos delegados sindicais, a restrição da contratação a prazo, o controle tripartido sobre as consequências de mudanças tecnológicas que ponham em causa postos de trabalho.

Protestos do PSD.

Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, consideramos que, para poderem sobreviver e desenvolver-se, as empresas nacionais terão de proceder a profundas mudanças internas. Herdeiras de conceitos e estruturas projectados segundo princípios organizacionais ultrapassados, muitas empresas portuguesas continuam a prosseguir um modelo de gestão caduco.
Defendemos a mudança de valores, de atitudes, de comportamentos, de cultura de empresa, que permita respostas sistemáticas às crescentes exigências de competitividade em espaços económicos alargados e abertos.
O primado dos recursos humanos exige, sem dúvida, educação e formação, mas também dignidade e segurança.
Se Portugal continuar a seguir o caminho da especialização no que os outros parceiros europeus menosprezam, a usar a política de salários baixos e precarização do emprego, corremos o grande risco de aprofundar o nosso carácter periférico no preciso momento em que as condições para a modernização e para o desenvolvimento são as mais favoráveis de sempre. E, se isso acontecer, não contem com o silêncio ou passividade do Partido Socialista.
Somos um partido interclassista: se hoje a nossa voz se ergue para defender firmemente os direitos dos assalariados portugueses ...

Protestos do PSD.

Repito, se hoje a nossa voz se ergue para defender firmemente os direitos dos assalariados portugueses, é porque estamos profundamente convictos de que tal é imprescindível para a construção de um Portugal moderno e solidário.

Aplausos do PS, do PRD, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Tal como estava previsto, os pedidos de esclarecimento serão feitos após o período de abertura do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Aquando do debate do Orçamento concluí a intervenção que então fiz com o seguinte aviso ao Sr. Primeiro-Ministro: «O estado de graça terminou, os trabalhadores impacientam-se e exigem os resultados que lhes prometeu.»
Hoje venho a esta tribuna salientar aspectos de grande gravidade na gestão da política social do governo do PSD.
O Governo já é responsável pelo clima de instabilidade social que se vive.
Em matéria de concertação social, acuso o Governo de não respeitar os acordos e de fermentar o confronto social.
Quanto à contratação colectiva, denuncio o Governo porque não respeita a liberdade contratual dos parceiros e intervém com imposições ilegítimas.
No campo da liberdade sindical, afirmo que o Governo encetou um perigoso confronto com as organizações dos trabalhadores.
Acrescento que, no domínio do direito à greve, o Governo, com a requisição civil, leva o confronto a ultrapassar os limites da democracia.
Protesto, finalmente, contra um governo que, com a legislação laboral, mais não pretende do que criar uma autêntica «espada de Dâmocles», uma ameaça sobre a cabeça dos trabalhadores no activo, no desemprego e na reforma.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Essa é de rir!

O Orador: - O Partido Socialista tinha previsto na sua campanha eleitoral que uma vitória deste PSD se saldaria por um retrocesso para a democracia representativa e a participação dos trabalhadores na economia. Verificamos agora que, infelizmente, o primeiro governo maioritário de um só partido se presta a servir interesses de uma minoria.
Sendo para nós claro que o Primeiro-Ministro é o Governo, ou seja, a opinião do conjunto dos seus ministros pouco vale em face da sua vontade de poder,

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pouco interessa o que os outros disseram, prometeram ou não cumpriram; o que interessa é o que o Primeiro-Ministro efectivamente quer, uma vez que é o responsável pelo clima social que se vive.
Assim, vamos aos factos.
Estabeleceu o Governo, no âmbito do Conselho de Concertação Social, com alguns parceiros sociais, um acordo de política de rendimentos para 1987; tal acordo tinha como pano de fundo o aprofundamento da concertação social, iniciada já há longo tempo e nunca concretizada a este nível.
Recebeu o Primeiro-Ministro um prémio de confiança, em vésperas de campanha eleitoral, que foi instrumento precioso para dar credibilidade à sua política governativa. Mas o Primeiro-Ministro é ingrato e pretendeu sonegar aos parceiros sociais os resultados positivos desse acordo para os trabalhadores, chamando a si todas as virtudes da melhoria das condições de vida dos Portugueses.
Tão significativos foram os resultados no tecido social português que, ao renovar o acordo, se refere explicitamente no seu preâmbulo que aquele contribuiu, de forma decisiva, para a consolidação de um clima de confiança na economia portuguesa.
O Sr. Primeiro-Ministro sabia, por certo, que a central sindical democrática que o assinou corria riscos evidentes de incompreensão generalizada por lhe ter concedido um tal suporte de confiança. Todavia, os resultados de 1987, obtidos pela firmeza dos sindicatos democráticos nos processos negociais, permitiam acreditar que, sendo maioritário em 1988 e com um acordo renovado, a contratação colectiva a nível nacional decorresse de forma ainda mais positiva e sem conflitos.
O Governo tinha tudo o que era necessário para garantir a paz social e governar, criando emprego e modernizando o País: todos os parceiros sociais sentados no Conselho Permanente de Concertação Social e um acordo de política de rendimentos que lhe é favorável. Mas, na sua visão mesquinha e manipuladora, utilizou tais trunfos como meios de travar o direito à negociação colectiva, ao invés de assumir o papel de promotor do desenvolvimento de processos de negociação voluntária das convenções colectivas, para a regulação do emprego, tal como estabelece a Convenção n.º 38 da OIT, subscrita pelo Estado Português.
O acordo de política de rendimentos para 1988 pretendia «a modernização da economia através de um maior esforço de investimento e de formação, dos ganhos de produtividade nas empresas; a correcção estrutural do défice externo e do desemprego; o combate à inflação e um moderado, mas consistente, aumento dos salários reais que, juntamente com o aumento do emprego, criem condições para a melhoria da distribuição dos rendimentos».
Estabelecia mais o acordo que «as negociações salariais fossem conduzidas em função da inflação esperada» e, por outro lado, «tivessem em conta os ganhos esperados de produtividade e a competitividade nas empresas».
Verificou-se que a generalidade dos processos negociais decorridos neste trimestre, quer na área da CCP - Confederação do Comércio Português, quer na área da CIP - Confederação da Indústria Portuguesa, decorreram sem conflito, com celeridade e cumprindo o acordo formalizado pelos parceiros sociais, com acréscimos superiores aos 9%.
E que fez o Governo, com o acordo?
No que respeita ao sector empresarial do Estado, o Governo tem procurado impor uma política de tectos salariais, marginalizando os gestores públicos, impedindo-os de gerir livremente as empresas, que são, ou deveriam ser, responsáveis e autónomas, forçando as empresas públicas a seguir rígidas orientações directamente do Governo e do GAFEEP, que controla, até ao pormenor, os custos do factor «trabalho», ignora deliberamente o acordo de política de rendimentos, esquece os incentivos aos trabalhadores e assume um autoritarismo crescente, à medida que se verifica a rejeição pelos trabalhadores desta orientação governamental, empresa a empresa.
Os resultados desta política autoritária estão à vista: os trabalhadores compreenderam agora o seu liberalismo económico, o seu «melhor Estado, menos Estado».
O Sr. Primeiro-Ministro, ao aumentar a intervenção do Governo na gestão das empresas públicas, pretende desacreditar o Estado-gestor, criando condições psicológicas para a sua alienação, assim como tentar utilizar o sector público para os seus objectivos de poder, como se o exercício responsável deste fosse uma permanente campanha eleitoral e uma constante afirmação de autoridade.
O Sr. Primeiro-Ministro - infelizmente ausente - não soube continuar a via, que deveria ser a sua, de racionalização de gestão das empresas públicas, do controle dos custos financeiros, não esquecendo nunca o papel de serviço público destas mesmas empresas; transformou-as em meros instrumentos de controle das contas do Estado.
O que tinha sido possível em 1987, a redução da conflitualidade, não sucedeu este ano. São exemplos disso os TLP, a CP, a Carris, a EDP, a PETROGAL, o Metro e muitos outros. É ridículo dizer que o crescendo de dificuldades resulta da luta partidária contra um governo social-democrata, uma vez que as greves têm sido feitas pela esmagadora maioria dos trabalhadores - e não temos a veleidade de pensar que são todos socialistas. A ilação que tiramos é a de que estão revoltados com a actuação do Governo, estão contra a sua política social e a sua nefasta intervenção nos processos negociais. Sabemos que a actual regulamentação da negociação colectiva, o Decreto-Lei n.º 519-C1/79, não é um modelo europeu de orientação das negociações. Por um lado, impede explicitamente a regulamentação das actividades económicas no tocante aos períodos de funcionamento, regime fiscal, formação de preços e outros; por outro, dificulta a concretização sectorial e empresa a empresa dos objectivos do acordo para 1988, de modernização da economia, de correcção do desemprego e de participação dos parceiros sociais, no sentido global da aplicação do investimento.
Urge harmonizar a negociação do CPCS com a negociação de empresa, única forma de promover a contratualização das relações colectivas de trabalho, libertando a capacidade negociai dos parceiros sociais, sujeições impostas pelo Governo, que se intitula desestatizante e que, afinal, é o mais intervencionista, onde não deve.
Como paga da disponibilidade acordada em 1987 para aceitar a moderação salarial, os trabalhadores foram em 1988 premiados pelo Governo com o aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do tra-

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balho. Os escalões do imposto profissional são actualizados apenas no valor de referencial da inflação esperada (6%) e, mais grave ainda, os escalões do imposto complementar (que, como se sabe, incidem sobre os rendimentos do ano anterior) não foram sequer actualizados, quando se sabe que o nível médio dos acréscimos salariais foi de 12%, sendo eliminadas ou reduzidas isenções até aí existentes. Significa isto a subversão das recomendações assinadas pelo Governo.
O Sr. Primeiro-Ministro retira por via fiscal o que os trabalhadores haviam adquirido em sede de concertação.
Verificou-se uma drástica redução de acordos de empresas publicadas e que passaram de 92 em 1985 para 49 em 1987, não parecendo abrandar a fúria intervencionista do seu governo, que, com mão de ferro, impede a livre negociação e intervém, reduzindo de 636 os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho publicados em 1985 para 527 em 1987.
Mas onde a solidariedade impunha a sua intervenção na defesa dos trabalhadores mais desfavorecidos o Governo nada faz.
Só a utilização de PRTs permite contemplar a negociação colectiva, seja em áreas vedadas ou onde esta não é possível, por ausência de representantes dos parceiros sociais, seja para intervir na sua função reguladora, onde comportamentos atentatórios do direito negociai bloqueiam os processos de negociação.
Estes fenómenos sociais, com consequências gravíssimas para dezenas de milhares de trabalhadores que, durante anos, viram os seus salários actualizados com base nas portarias de regulamentação, quem os vai resolver?
O governo liberal do Sr. Professor Cavaco Silva diz ter cumprido o seu dever ao fixar o salário mínimo nacional, mas condena os trabalhadores das instituições privadas de segurança social, o comércio e escritórios, entre outros, a aguardar sem aumento até serem abrangidos pelo salário mínimo nacional.
Mas este governo teima em levar longe o seu processo de sedução, mistificações e enganos. Vejamos o exemplo da função pública.
Em 1987 firmou um acordo salarial que só foi aceite por alguns sindicatos da UGT, porque dele constavam contrapartidas calendarizadas, tais como a redução do horário de trabalho, a entrar em vigor no Orçamento do Estado de 1988, a revisão da aplicação do Decreto-Lei n.º 384-B/85 até 31 de Dezembro de 1987 e a negociação até 30 de Novembro de 1987 das remunerações e abonos pagos aos trabalhadores pelo Estado Português no estrangeiro. O Governo não cumpriu ainda estes compromissos.
Em relação à evolução da inflação, esconde a todos os interessados os resultados do seu cálculo retrospectivo do novo índice de preços ao consumidor. O acordo do Conselho Permanente de Concertação Social assenta em referenciais para a inflação e para a produtividade de que todos os parceiros devem ter cabal conhecimento, sem o que não há processo negocial, mas sim logro.
O direito à livre contratação colectiva e constitucional, bem como o direito à greve. Todavia, o Governo fez tábua rasa desses direitos dos trabalhadores, sendo a Carris um caso exemplar do abuso governamental.
O SITRA, sindicato da UGT, decretou greve, em processo perfeitamente legal, respeitando a prestação de serviços mínimos indispensáveis, nos termos estabelecidos pela empresa.

O Conselho de Ministros decide, porém, dar orientação à comissão administrativa da Carris para esta redefinir os serviços mínimos. Esta, sob pressão, estabelece uma listagem de serviços mínimos que mais não é do que impedir a realização objectiva da greve, sem qualquer consulta aos sindicatos sobre esta matéria, apesar de a Lei da Greve definir que cabe aos sindicatos assegurar, durante a greve, os serviços mínimos indispensáveis, responsabilidade que este sindicato sempre cumpriu.
Esta atitude viola o artigo 1.º da Lei da Greve. Mas o Governo não fica por aqui e pela Portaria n.º 84-A/88, de 8 de Fevereiro, dos Ministérios das Obras Públicas, Tranportes e Comumicações e do Emprego e da Segurança Social, decreta a requisição civil da Carris.
Este acto do Governo indigna não apenas os trabalhadores da Carris, mas também o Congresso da UGT, reunido em Braga, que, num quase uníssono, aprova uma proposta de greve geral contra a legislação anunciada pelo Governo, tendo como pano de fundo a indignação que tal requisição de 30 dias, prorrogável automaticamente para os trabalhadores da Carris, provocou, pelo que representa de ilegalidade e de arrogância, ao pretender retirar aos trabalhadores da Carris o direito à greve. Os congressistas sentem que a ameaça os atinge também, tanto mais que o chamado «pacote laboral» está apenas adiado.
Quem tem actividade sindical há muitos anos, antes mesmo da queda da ditadura, sabe que os sindicatos viveram nos últimos 25 anos experiências apaixonantes pelo seu envolvimento humano. Estas organizações foram, para os trabalhadores de todas as classes sociais, depositárias da esperança por uma vida melhor, mas também agentes activos do derrube da ditadura e foram, sobretudo, instrumentos privilegiados da construção da democracia.
Não há democracia sem instituições, mas democrático não será o regime que não tiver sindicatos fortes, independentes e livres e se livre não for a actividade sindical.
O Governo tem de ter consciência do serviço patriótico e abnegado de homens e mulheres na construção da democracia que, sob o projecto sindical democrático, não apenas a nível nacional, mas também nos locais de trabalho, tornaram possível a normalização da vida nacional em períodos muito difíceis. Disponíveis para o diálogo e a negociação, nem sempre populares, inverteram a cultura existente e a imagem do sindicalismo para uma intervenção pacificadora e responsável, cumprindo cabalmente os compromissos assumidos.
Os sindicatos são importantes para a participação dos trabalhadores na construção do progresso social. São exemplos disso os países que construíram projectos de sociedade alicerçados em fortes estruturas associativas dos trabalhadores e dos cidadãos. Os casos da Europa do Norte, da Áustria, da Alemanha ou da Itália de hoje não seriam possíveis sem os sindicatos.
Os políticos e os gestores modernos, por razões de maior eficácia, compreenderam já a desvantagem de terem uma relação de confronto com os sindicatos ou

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de os relegarem para uma intervenção meramente simbólica, quando o diálogo social se tem mostrado a melhor via para o progresso e a competitividade das empresas.
O Programa do Governo anuncia a revisão da lei das associações patronais e sindicais dentro dos princípios de liberdade e autonomia consagrados nas convenções da OIT. Pensamos que é possível e desejável aperfeiçoar o Decreto-Lei n.º 215-B/75, mas tememos que a intenção do Governo seja no sentido de restringir a actividade sindical democrática e, consequentemente, a participação positiva dos trabalhadores nas empresas.
Invoca o Governo princípios de liberdade sindical adoptados pela OIT, princípios que, todavia, o Governo viola. Refiro, a título de exemplo, o sindicato construído pelos trabalhadores civis dos estabelecimentos das Forças Armadas, que viram recusada a publicação dos seus estatutos.
Invocando a Convenção n.º 87, sobre liberdade sindical, e com o parecer favorável da Procuradoria-Geral da República, o sindicato não logrou obter a publicação dos estatutos, pelo que apresentou queixa ao Comité de Liberdade Sindical, órgão constituído no seio do Conselho de Administração da OIT e com competências específicas em matéria de direito sindical, e que veio a concluir que os trabalhadores civis das Forças Armadas estão abrangidos pela Convenção n.º 87, tendo, pois, o direito de constituir, sem autorização prévia, as organizações da sua escolha, conclusão datada de 1985, mantendo o Governo até agora a recusa de publicação do acto de constituição e dos estatutos do sindicato.
É legítimo, pois, que nos interroguemos sobre a revisão da lei sindical e encaremos com preocupação as propostas do Governo, uma vez que o chamado «pacote laborai» começa por impedir o acompanhamento do movimento sindical durante o processo disciplinar e suprime a protecção ao dirigente e ao delegado sindicais, que ficam assim mais expostos, uma vez que ficam sujeitos a todas as sanções previstas no artigo 11.º, criando uma norma revogatória específica no artigo 3.º, que anula ou diminui o direito ao exercício da actividade sindical no interior da empresa, em franca violação das Convenções n.ºs 87 e 135 da OIT.
O Governo não cuidou da reforma do sistema judicial do trabalho e do código de processo; o Governo não aumentou a diminuta capacidade de intervenção da Inspecção do Trabalho; o Governo aumentou as dificuldades de acesso à justiça, que fica mais distanciada do trabalhador mais desfavorecido, uma vez que os próprios sindicatos terão dificuldades em garantir o apoio jurídico, devido ao aumento da custas.
Justiça que não é célere não é justiça, e justiça que não é acessível, também não o é.
Resta-nos acreditar na independência dos tribunais portugueses, para quem é remetida a responsabilidade social e cívica de defender o mais fraco - agravadas embora as suas condições de trabalho com a anunciada redução dos juizes de trabalho em Lisboa e no Porto -, uma vez que, punido o trabalhador com a única sanção prevista na lei, o despedimento, cabe ao juiz decidir ainda, em caso da inocência do trabalhador, da sua reintegração. Isto se o trabalhador recorrer - o que significa que a não reintegração será sempre a regra.
A simples leitura das ironicamente chamadas «causas objectivas» demonstra que o artigo 18.º da proposta de lei dos despedimentos, designadamente as suas alíneas a), b) e d), respectivamente sobre inaptidão, inadaptação e confiança, prima pela subjectividade e coloca todos os trabalhadores como potenciais vítimas da sua indiscriminada aplicação.
A questão da confiança nos quadros superiores, sendo de facto prática corrente nos países superdesenvolvidos (é verdade), é difícil de entender num país onde os quadros escasseiam. Ao invés de se criarem relações de confiança e de estímulo, sustenta o Governo o espírito populista que vêm nos quadros a causa de todos os males das empresas portuguesas, favorecendo uma larga percentagem de empresários portugueses que mantêm uma gestão tecnicamente antiquada, autoritária e castradora da iniciativa dos seus quadros.
Esta cláusula esconde ainda a intenção do saneamento político que o Governo tem vindo a fazer aos conselhos de gestão que não são da sua confiança partidária, sendo a Marconi um exemplo recente.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Encontrou o Governo parceiros sociais dispostos a rever as leis laborais, dispostos mesmo a assumir as responsabilidades, uma vez mais impopulares, para acabar com a ideia, que o Governo desenvolveu, de que não haverá mais criação de emprego devido à legislação existente. Porém, o Governo entendeu conduzir este processo de uma forma marcadamente ideológica, que lhe retira a máscara social-democrata. O Governo optou por um posicionamento de direita, não legislou numa lógica de solidariedade e de justiça social, mas sim no sentido de acentuar as desigualdades, e fomentou mesmo a injustiça, uma vez que não há adequação entre a gravidade da falta e a natureza da punição, que é sempre a pena capital.
A imperatividade da lei é inadmissível, inconstitucional e viola a Convenção n.º 98 da OIT, no seu artigo 4.º A sobreposição da lei à liberdade negocial entre os parceiros sociais anula a contratação colectiva, dado que no artigo 2.º desta proposta se proíbe a negociação de melhores condições para os trabalhadores.
Diz o Governo que esta é a melhor lei da Europa. Será que se pretende dizer que uma criança nascida no Minho, em Trás-os-Montes ou no Alentejo tem as mesmas condições, oportunidades e garantias que uma criança nascida na Suécia ou na Alemanha?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Os trabalhadores são, regra geral, serenos, pacientes e generosos, esperavam do Primeiro-Ministro e do seu governo as mesmas atitudes, ou seja, a correcção de toda esta política laborai. Aliás, os trabalhadores já deram provas de grande espírito de sacrifício. Em nenhum país da Europa Ocidental se fez a recuperação que foi feita em 1983-1985, sem convulsões sociais, porque os trabalhadores compreenderam o que estava em causa naquela altura. Mas os trabalhadores têm também um grande sentido de justiça e, mais cedo ou mais tarde, farão o julgamento das medidas propostas pelo Governo, bem como da sua estratégia negocial.

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É certo que o Governo tem não só uma enorme maioria para governar mas também uma enorme máquina de propaganda. Contra isso, cito Thomas Jef-ferson: «uma só pessoa com razão e com coragem é uma maioria.» E nós somos muitos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues, os Srs. Deputados Joaquim Marques, Rui Salvada, Vieira Mesquita, Filipe Abreu e Mendes Bota.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Elisa Damião, os Srs. Deputados José Puig, João Costa, Joaquim Marques e Barata Rocha.
Peço ao Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia Nunes de Almeida o favor de me substituir na presidência.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Silva Peneda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A parte inicial da interpelação do Partido Socialista localizou-se muito nas questões que estão relacionados com o pacote laborai. Ora, devo dizer que no dia 14 de Abril, tal como está agendado, teremos oportunidade de discutir, ponto por ponto, toda essa matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, disse o Sr. Deputado Ferro Rodrigues algumas inverdades, que passo a esclarecer.
De facto, foram produzidas três versões - e só três versões -, de acordo com uma estratégia e uma metodologia aprovadas por unanimidade por todos os parceiros sociais em sede de Conselho de Concertação Social.
Pois bem, foi decidido que o Governo elaboraria uma primeira versão que foi distribuída, apenas e exclusivamente, aos parceiros sociais, e estes, com base nesse trabalho, elaborariam as suas críticas.
Ora, com base nas críticas fornecidas pelos parceiros sociais, o Governo elaborou uma segunda versão, que foi posta à discussão pública por um período superior àquele que a lei estipulava. Em tempos anteriores nunca nenhuma proposta esteve tanto tempo em discussão pública!...
Finalmente, e tal como estava combinado, o Governo aprovou em Conselho de Ministros a terceira versão, que é aquela que se encontra na Assembleia da República.
Deduziu-se da intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues que, quando o Governo dialoga, fomenta o diálogo e a concentração social (e nós somos pelo diálogo e pela concertação social), é hesitante, mas, quando o Governo decide, quando o Governo não se deixa enlear nas esteias de um diálogo, que é nitidamente uma actuação paralisante à acção governativa, então o Sr. Deputado passa a chamar-nos arrogantes. Preso por ter cão e preso por não ter!...

Aplausos do PSD.

Também ficou claro na intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues que gostaria que governássemos para grupos. Certamente era aquilo que o seu partido faria se fosse governo!...

Aplausos do PSD.

Ficou bem claro na sua intervenção, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que somos insensíveis às pressões de determinado tipo de grupos.

Vozes do PCP: - E são!

O Orador: - Quero dizer-lhe muito claramente, nesta Câmara, que somos insensíveis às pressões de quaisquer grupos, venham elas donde vierem, mesmo do seio do partido a que pertenço. A nossa postura é eminentemente nacional.

Aplausos do PSD.

Gostaria de acrescentar que esta interpelação do Partido Socialista vai permitir ao Governo demonstrar nesta Câmara que a política social e de emprego que temos prosseguido, no seguimento da aprovação do Programa do Governo, ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É um desastre!

O Orador: - ... se tem pautado por critérios e por medidas de acção orientados para a efectiva melhoria da vida dos cidadãos portugueses.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vê-se!

O Orador: - O Partido Socialista também aqui tenta recuperar para si os frutos de uma política de efectiva protecção dos mais carenciados e dos grupos mais vulneráveis, como os pensionistas e os desempregados, que o Governo, consciente e gradualmente, tem sabido implementar, dentro de uma estratégia de progresso controlado e de justo equilíbrio entre as potencialidades de geração e de distribuição de riqueza.
Como área importante de protecção dos cidadãos, a política de segurança social que o Governo tem imprimido está inserida, de facto, numa política concertada de rendimentos e de emprego, ajustada à situação económica do nosso país e alicerçada no equilíbrio entre os recursos financeiros disponíveis e os objectivos de redistribuição social e de cobertura prioritária das pessoas mais desprotegidas.
A actuação desenvolvida no sector da Segurança Social tem sido norteada por objectivos essenciais, dos quais destaco:
Melhoria do bem-estar e da qualidade de vida dos Portugueses;
Promoção da justiça social, ajudando os mais desprotegidos, criando condições para uma efectiva igualdade de oportunidades e defendendo os titulares de rendimentos fixos das injustiças provocadas pela inflação;
Dinamização da execução de uma política global de protecção à família, à infância e juventude, idosos e deficientes;
Fortalecimento da sociedade civil, favorecendo o desenvolvimento de movimentos de solidariedade e estimulando o direito à iniciativa dos cidadãos.
Sem preocupações de exaustão, enunciam-se, em seguida, algumas medidas concretas tomadas pelo Governo relativamente àqueles objectivos.

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E situo-me apenas no plano dos factos.
Prosseguiu a política de melhoria real das pensões, abonos e subsídios, sobretudo os que se destinam prioritariamente às pessoas mais desprotegidas.
As pensões tiveram um aumento médio, em Dezembro de 1987, de 12%, e a pensão mínima, de 13%, o que corresponde a uma expectativa de acréscimo real de 6%. Esta actualização, no cumprimento do objectivo de manter, sem excepções, o princípio da anualidade da revisão dos benefícios sociais, implicou um esforço financeiro adicional de cerca de 34 milhões de contos.
As prestações familiares e os subsídios complementares tiveram, já na vigência deste governo, um aumento anualizado de 13%, o que também se traduziu por um acrescido montante de encargos e por uma melhoria efectiva do poder de compra daquelas prestações.
Tudo isto foi possível fazer sem aumentar as contribuições para a Segurança Social (que, aliás, foram diminuídas em 1 % no anterior governo), mas através de uma maior produtividade financeira do sistema e do início da recuperação no que concerne às dívidas à Segurança Social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como VV. Ex.ªs sabem, o Governo acaba de pôr em prática um novo sistema de regularização de pagamento tempestivo das contribuições, chamando todos os empresários e trabalhadores para a responsabilidade social do cumprimento atempado e efectivo dos seus deveres para a Segurança Social e, por essa via, para com a protecção dos mais desfavorecidos.
Esta reformulação do sistema de cobrança de dívidas à Segurança Social visa dois objectivos fundamentais, a saber: recuperação de dívidas à Segurança Social, por um lado; estabelecimento de uma nova disciplina contributiva, conducente à retoma do pagamento regular das contribuições à Segurança Social por parte das empresas devedoras, por outro.
Visa-se, deste modo, não só a regularização de dívidas acumuladas ao longo dos anos, como, igualmente, dar moralização ao sistema de cobrança, com introdução de medidas corajosas e inovadoras para sancionar aqueles que não cumpram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vem-se, assim, realizando, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem demagogia, uma política que procura consagrar o equilíbrio entre o desejável e o possível, entre a satisfação dos deveres sociais e a exigência dos deveres colectivos, entre a justiça e a solidariedade.
Mas assim como se repudia uma visão economicista da política social como mero apêndice da economia, insensível às prioridades no combate às carências sociais, também não se consagra a visão de uma segurança social sem limites financeiros e suportada pela ilusão do papel-moeda, sem contrapartida produtiva.
Os mundos e fundos que a oposição sempre é tentada a pedir e a fazer crer que é possível concretizar só seriam, assim, possíveis com uma política demagógica que iria ser suportada pelos mais desfavorecidos, através, sobretudo, do aumento dos preços.
O Governo tem a consciência de que o social não pode ser desinserido da economia, constituindo esta verdadeira matéria-prima daquele, e, por isso, tem procurado, como verdadeiro imperativo rural, garantir, dentro daqueles limites, um rendimento social de compensação no cumprimento do papel que à Segurança Social cabe.
Em coerência com o objectivo de reforço do papel da sociedade civil, tem-se vindo a dar prioridade ao apoio financeiro e técnico às iniciativas particulares de solidariedade social.
Tem-se procurado combinar equilibradamente o objectivo da cobertura prioritária de regiões com escassos equipamentos sociais com o da correcção de assimetrias relativas e acumuladas ao longo do tempo.
Tem-se, assim, prosseguido uma política de respeito e valorização do voluntariado, favorecendo-se as situações criativas e desburocratizadas de protecção colectiva de iniciativa particular.
Mas não tem ficado por aqui a acção do Governo em matéria de segurança social.
Recentemente, introduziram-se alterações na protecção contra a doença, melhorando-se a fórmula de cálculo dos respectivos subsídios, diminuindo as condições de acesso e índice de profissionalidade na protecção em caso de doença e instituindo-se um subsídio mínimo de doença.
O Governo aprovou também um diploma que reformula a atribuição de subsídios de maternidade, paternidade e adopção.
Com o diploma aprovado o Governo automatiza, pela primeira vez em Portugal, a disciplina da atribuição de subsídios da maternidade face à regulamentação das prestações de doença. Com este diploma aprovado introduzem-se várias alterações conducentes à melhoria da protecção social na maternidade, sendo especialmente relevante o estabelecimento de um montante mínimo para o subsídio de maternidade, que se situará em 50% do salário mínimo do sector. Insisto, é uma medida tomada pela primeira vez em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foram aumentadas substancialmente as prestações sociais concedidas aos deficientes e melhoraram-se as condições de atribuição de subsídios de educação especial.
Aprovou-se um diploma sobre a alienação de fogos pertencentes à Segurança Social, de modo a, no futuro, fazer reverter mais receitas para a distribuição social pelos grupos mais vulneráveis da sociedade portuguesa.
Estabeleceram-se as condições institucionais adequadas à definição e execução de uma política nacional de apoio à velhice, com carácter global e integrado, não só na perspectiva de defesa do valor real das prestações sociais, como, igualmente, de equipamentos e acção social adequados à protecção da terceira idade.
Finalmente, encontra-se em preparação um diploma que irá permitir a atribuição de uma pensão unificada no caso dos trabalhadores no activo que, no âmbito da sua actividade profissional, tenham sido sucessivamente abrangidos pelo regime geral da Segurança Social e pelo regime de protecção social da função pública.
A redução dos gastos operativos e administrativos do sistema de Segurança Social tem sido uma preocupação constante do Ministério do Emprego e da Segurança Social, de modo a aumentar a produtividade das instituições.

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Assim, no Orçamento para 1988 as despesas de administração situam-se em 4,7 % do total das despesas correntes, o que representa uma melhoria substancial em relação a anos anteriores e traduz uma eficiente gestão e utilização de recursos que podem ser medidas por padrões europeus.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É, assim, preocupação do Ministério gastar cada vez menos dinheiro na administração do sistema para que mais dinheiro possa ser canalizado para o pagamento de benefícios sociais.
Igualmente vem constituindo preocupação do Governo os objectivos de simplificação e moralização do sistema de segurança social, alternando, por um lado, as rotinas e procedimentos relativos ao cálculo das prestações, de modo a encurtar significativamente o tempo de espera do seu pagamento, e, por outro, viabilizando um novo sistema de verificação das incapacidades permanentes, de modo a evitar fraudes e abusos na atribuição da pensão de invalidez.
Finalmente - e também pela primeira vez em Portugal -, foi criado um sistema integrado de informação de gestão da Segurança Social, pelo qual as respectivas instituições hoje são confrontadas com critérios e padrões de avaliação da sua eficiência interna e fundamentalmente da sua eficácia social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este sistema integrado de gestão traduz uma atitude deliberada, um processo permanente de enquadramento, orientação e controle por meios informáticos da execução de medidas de política, programas, projectos e acções, nomeadamente as que respeitem à organização e optimização dos recursos, em ordem à efectiva melhoria da realização dos fins do sistema de segurança social.
Tudo isto vem sendo realizado no seguimento das acções desenvolvidas no âmbito do X Governo, dentro de um quadro global e coerente e cujos princípios e filosofia se têm norteado pela sistemática melhoria da protecção social.
Caberá perguntar ao partido interpelante o que fez nesta matéria quando foi governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - O Ministro era do PSD!

O Orador: - A política de actualização das prestações sociais foi quase inexistente ...

Vozes do PS: - O ministro era do PSD!

O Orador: - ... basta recordar que o abono de família e restantes prestações familiares não foram actualizados uma única vez entre 1974 e 1979, período em que o Partido Socialista assumiu a liderança do Governo por mais de uma vez.

Aplausos do PSD.

O mesmo aconteceu em relação às pensões, que ou não foram actualizadas pura e simplesmente ou o foram bastante aquém da taxa de inflação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quem era o ministro?

Voz do PS: - O ministro era do PSD!

O Orador: - Esquecem-se os Srs. Deputados do PS de desde 1985, altura em que o Prof. Cavaco Silva assumiu o cargo de Primeiro-Ministro, até hoje o aumento médio das pensões em Portugal foi de mais de 100%.

Aplausos do PSD.

E, enquanto desde que o Prof. Cavaco Silva é Primeiro-Ministro as pensões aumentaram mais de 100%, em contrapartida o PS soube, no tempo em que foi governo, aumentar a taxa de contribuição para a Segurança Social, exigindo mais sacrifícios aos contribuintes e trabalhadores portugueses, sem dar quaisquer contrapartidas sociais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Que venha do Brasil o ministro para responder a isso!

O Orador: - Também o PS não quis, ou não soube, potenciar o considerável papel das instituições particulares de solidariedade social, designadamente das misericórdias, nada fazendo depois do ataque que a estas tinha sido dirigido em pleno período do gonçalvismo, através da oficialização e nacionalização das suas estruturas sociais e hospitalares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É, pois, puro exercício de hipocrisia política o que o Partido Socialista pretende fazer com esta interpelação: interpelar o Governo e o partido que mais têm feito pela protecção dos mais desfavorecidos, quando desperdiçou a oportunidade de, tendo sido governo, demonstrar por actos aquilo que aqui procura mitificar por exercícios de retórica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Mandem vir o Amândio de Azevedo do Brasil.

O Orador: - Quanto à política de emprego, é também manifesto o exercício de hipocrisia por parte do partido interpelante quando acusa o Governo de deteriorar as condições de vida dos Portugueses.
Como pode o PS dizer isso se foram os dois últimos governos do PSD os primeiros a combater com sucesso as situações de salários em atraso, o que levou a uma redução de cerca de 70% dos casos (cerca de 6 milhões de contos e 65 000 trabalhadores há dois anos, contra 2 milhões de contos e 20 000 trabalhadores em Dezembro de 1987)?
Como pode o PS dizer isso se foram os dois últimos governos do PSD que aumentaram claramente os salários reais, mais do que alguma vez tinha acontecido em qualquer outro período desde o 25 de Abril, recordando-se aqui que no ano de 1987 as remunerações dos trabalhadores tiveram um aumento real de 4% em média?

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Como pode o PS dizer isso se a taxa de desemprego desceu consideravelmente nos últimos dois anos, aproximando-se de valores que técnica e socialmente são bastante satisfatórios (6,6% em Dezembro de 1987, contra 9,0% em 1985) e que constituem a terceira mais baixa taxa de desemprego da CEE, conforme esta semana revelaram as próprias estatísticas comunitárias?

Como pode o PS dizer isso se o índice de conflitua-lidade no mercado de trabalho, medido pelo número de greves, diminuiu consideravelmente nos últimos dois anos, limitando-se a algumas empresas públicas e da área de Lisboa?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Como pode o PS dizer isso se foi na vigência dos governos do Prof. Cavaco Silva que foi possível, através do diálogo e da concertação sociais, obter consensos e acordos de política de rendimento e preços, no justo equilíbrio entre o crescimento moderado dos salários e o progresso económico e social impulsionado pela credibilidade e confiança no actual governo?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Como pode o PS dizer isso se agora se inverteu a tendência ocorrida em 1984 e 1985 de deterioração do salário mínimo nacional, cujos aumentos verificados ultrapassam largamente a taxa de inflação estimada?

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): — Boa!

O Orador: — Finalmente, como pode o PS dizer isso se a taxa de inflação, que atingiu os 297o há poucos anos, se aproxima agora de valores da média comunitária, defendendo-se, deste modo, os valores do poder de compra dos titulares de rendimentos fixos, como os pensionistas e reformados?

Como principais vectores de actuação da política específica de emprego, referem-se — gostaria de referir em particular— os seguintes:

Incentivação do desenvolvimento do emprego, através do fomento de condições que possibilitem a criação de novas unidades produtivas, especialmente no âmbito de operações integradas de desenvolvimento regional. É que nós entendemos que não se criam empregos sem empresas e estas não surgem sem o aparecimento de agentes com capacidade de empreender;

Apoio aos grupos especialmente atingidos pela crise económica passada, nomeadamente os jovens, os desempregados de longa duração e os deficientes, tendo em vista facilitar a sua entrada ou reingresso no mercado de trabalho;

Participação nos processos de reestruturação e reconversão sectorial e no apoio a sectores em crise, de forma a minorar as consequências negativas sobre os trabalhadores, procurando integrar esses processos em programas de desenvolvimento regional e local. A título de exemplo, citam-se os casos da assinatura do acordo

CECA, para a indústria siderúrgica, a reestruturação da indústria de lanifícios e a viabilização feita por este governo de empresas, como os Fornos Eléctricos.

Tudo isto se fez com a consciência de que só com uma actividade económica a funcionar com dinamismo e confiança se geram os investimentos que hão-de viabilizar os empregos de amanhã. Por isso, não temos uma visão administrativa de criar ou sustentar postos de trabalho por decreto-lei, mas pela criação de condições de impulso da economia nacional.

A título exemplificativo, citarei, em seguida, alguns programas de luta contra o desemprego que foram lançados na vigência deste executivo, bem como do X Governo:

Apoio ao desenvolvimento de iniciativas locais de emprego (ILEs) com viabilidade económica e social e inseridas em processos de animação e desenvolvimento local (está previsto para 1988 o dispêndio de cerca de l milhão de contos para esta actividade);

Conservação do património cultural, com qualificação em ofícios artesanais e respectiva inserção no mercado de trabalho (está previsto o gasto de l milhão de contos em 1988, o que significa um acréscimo de 2567o em relação a 1987). Também neste sector demonstramos sensibilidade para os problemas do foro da cultura;

Programas ocupacionais e sazonais para jovens e desempregados de longa duração que mobilizarão 16 700 jovens e 13 300 adultos em actividades de interesse colectivo;

Formação e integração empresarial de quadros nas PMEs;

Apoio à criação de empresas, sobretudo através da criação de ninhos de empresas que desenvolvam novas potencialidades de empresariado, e que começaremos em breve por uma região mais deprimida e com problemas sociais como é a península de Setúbal, à qual damos prioridade.

Bastante significativas são as medidas já tomadas e em vias de ser tomadas relativas à protecção em caso de desemprego e à criação de incentivos à contratação de jovens, desempregados de longa duração e deficientes.

Está já aprovado um diploma que altera significativamente o regime de subsídio de desemprego no sentido de o aproximar dos padrões vigentes nos países da Europa Comunitária.

Alargar-se-ão as condições de atribuição de subsídio e alongar-se-á o seu período de pagamento; é reduzida para 60 anos a idade de antecipação da pensão de velhice para os beneficiários que esgotarem as prestações de desemprego e melhorar-se-á a fórmula de cálculo das prestações.

Voz do PSD: — Muito bem!

O Orador: — No seguimento de um diploma que regulou a criação de incentivos à contratação de jovens até aos 30 anos, isentando o pagamento de contribuições para a Segurança Social pelas entidades patronais

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que empreguem jovens desempregados, o Governo tem concluído um novo e semelhante normativo para os desempregados há mais de doze meses.
Este normativo prevê um apoio financeiro não reembolsável de montante igual a doze vezes o valor do salário mínimo, garantindo aos admitidos, desde que haja lugar ao aumento do volume de emprego e de acordo com os programas do Instituto do Emprego e Formação Profissional, e a dispensa de pagamento das contribuições patronais para a Segurança Social relativas aos trabalhadores contratados por períodos que variam conforme a idade do trabalhador, podendo atingir os 36 meses, se o mesmo tiver mais de 40 anos.
As preocupações evidenciadas por este diploma são comuns às que se verificam nos vários países das Comunidades Europeias e pretende-se com ele obter resultados significativos numa estratégia de combate ao desemprego de longa duração.
A proliferação de contratos a prazo tem sido uma resposta do sistema à inflexibilidade da legislação laborai, pelo que o Governo, através da alteração desta, irá criar condições para a sua desincentivação, onerando ao mesmo tempo o recurso a esta via precária de contratação.
Mas, para além desta orientação, que é evidente, o Governo aprovou já ou está em vias de aprovar um novo diploma para estabelecer medidas de combate à precariedade de emprego.
Pretende-se com este diploma incentivar a transformação de contratos de trabalho a prazo em contratos por tempo indeterminado.
Para o efeito, as entidades empregadoras que convertam contratos a prazo por contratos por tempo indeterminado são dispensadas, relativamente a esses contratos, do pagamento das contribuições patronais para a Segurança Social por períodos que variam consoante a idade dos trabalhadores, podendo atingir 30 meses, se a idade do mesmo ultrapassar os 40 anos.
A filosofia subjacente ao diploma corresponde ao empenhamento do Governo na criação de condições para uma redução efectiva da instabilidade laborai que resulta da celebração do número exagerado de contratos de trabalho a prazo.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No âmbito da política de formação profissional, tem sido preocupação do Governo aperfeiçoar cada vez mais as condições de acesso das entidades formadoras aos fundos públicos e comunitários afectos a esta área.
Como já tive ocasião de afirmar, aquando do pedido da instauração de inquérito à aplicação das verbas do Fundo Social Europeu pelo PS, o Ministério está a desenvolver um trabalho articulado e coerente na área de importância estratégica para o desenvolvimento do nosso país como é a formação profissional.
Neste sentido, encontra-se já elaborado, tendo sido já entregue no Conselho Permanente de Concertação Social, um projecto de regulamento e uma matriz de orientação que, beneficiando da experiência dos últimos dois anos, define as principais prioridades a satisfazer, desde a natureza dos agentes formadores às profissões, aos níveis de formação, aos sectores de actividade a privilegiar, às exigências pedagógicas, processuais, financeiras e fiscais das acções de formação a empreender. É a tradução da política mais coerente de formação profissional que até agora se fez e que estará em vigor em 1989.
Encontra-se também já elaborado um projecto de diploma que visa redefinir por forma transparente todos os requisitos indispensáveis para a celebração de contratos de formação, estabelecendo com clareza todos os direitos e deveres das entidades formadoras e dos for mando s, bem como do papel dos centros de emprego da conjugação entre a oferta e a procura de acções de formação.
Para além do estabelecimento de prioridades na afectação dos meios postos à disposição da formação, tem sido nossa preocupação definir, com toda a clareza, o papel que ao Estado, à sociedade civil e à estrutura empresarial cabe nesta matéria, bem como superar a insuficiente articulação entre o sistema formal de ensino e o sistema de formação profissional. Neste campo se insere, aliás, a criação de escolas profissionais, de iniciativa eminentemente local e com aproveitamento articulado dos recursos disponíveis, no âmbito dos Ministérios da Educação e do Emprego.
Tem-se, assim, vindo a edificar uma renovação política de formação profissional.
Uma formação profissional que não se limite a transformar numa mera subsidiação assistencial aos jovens, distorcendo a sua própria razão de ser.
Mas antes uma formação profissional que suporte efectivas capacidades geradoras de emprego, isto é, que não se esgote na simples aquisição de conhecimentos técnicos, mas que prepare efectivamente os jovens para a adaptação a postos de trabalho profissionalmente específicos.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma formação profissional que, por um lado, privilegie o sistema de formação em alternância, isto é, a aprendizagem, como o elo mais forte que se quer ver desenvolvido entre a escola e a empresa, e, por outro lado, beneficiando do aumento da componente profissionalizante do ensino formal, assuma um carácter mais selectivo e ajustável às constantes mutações tecnológicas que se vão operando a uma cadência nunca experimentada anteriormente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso ter feito, embora de uma maneira breve, a demonstração de que este governo, ao contrário do que se pretende crer, tem subjacente uma filosofia de actuação de resposta efectiva aos problemas concretos que afligem os Portugueses.

Aplausos do PSD.

Uma política baseada na conciliação entre progresso económico e justiça social e impulsionadora da efectiva criação de condições para o exercício da igualdade de oportunidades.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Essa agora!!...

O Orador: - Uma política que, no plano social, permita um nível adequado de prelecção, mas que contenha fortes incentivos para o trabalho e que tenha um custo burocrático moderado.

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Uma política de que beneficiem os mais desprotegidos, através de acções concretas, em vez do excesso de verbalismo e de retórica tão do gosto do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Vítor Constando (PS): - Não apoiado!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Ó Srs. Deputados, aplaudam de pé!...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - V. Ex.ª está sempre de pé, para que é que quer os outros se levantem?
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, para um intervenção.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política de habitação do actual governo tem quatro objectivos prioritários:
1.º Acelerar a construção habitacional, por forma que o País disponha, no mais curto período possível, de 600 000 novos fogos, com vista a suprimir deficiências habitacionais irreparáveis e, por isso mesmo, de particular acuidade;
2.º Facilitar a compra de casa própria a estratos sociais de rendimentos médios;
3.º Desenvolver a cooperação entre a administração central e a administração local, nomeadamente com vista a promover a construção de habitação social, realojar famílias de débeis recursos, vivendo em condições muito precárias, recuperar prédios degradados onde é possível e conveniente continuar a oferecer fogos para arrendamento;
4.º Relançar o arrendamento habitacional.
Certamente que estes quadro grandes objectivos não esgotam as metas que uma política de habitação deve prosseguir.
Mas nos tempos que correm o Governo considerou-os como as metas prioritárias.
Vejamos o que se tem passado na prática destes dois últimos anos de 1986 e 1987, já que os primeiros meses de 1988 ainda não nos forneceram indicadores apropriados.
A construção habitacional, avaliada em número de fogos concluídos, foi de 119 175 fogos no triénio de 1980-1982 e de 108 385 no triénio de 1983-1985.

Uma voz do PCP: - Quantos é que caíram?

O Orador: - Assim, quando precisámos de acelerar a disponibilidade de habitação condigna, antes de o X Governo tomar posse, a construção habitacional havia diminuído em cerca de 10% (comparando os referidos triénios).
Através de incentivos específicos, como as isenções de sisa para habitação até 10 000 contos, de novas formas de mobilização de poupanças (como são os fundos imobiliários e as contas poupança-habitação), do aumento generalizado do poder de compra da população, da modernização do crescimento dos custos da construção, das prioridades de crédito fixadas e de algumas outras medidas, o número de fogos em construção em 1987 inverteu a tendência vinda de 1985.
Não temos ainda dados seguros, pois as estatísticas da habitação e construção elaboradas pelo INE só estão disponíveis com atrasos consideráveis.
Mas há alguns indicadores que não enganam, como o consumo do cimento (cresceu 3% em 1986 e mais 8% em 1987), do aço (mais 16% em 1986 e mais 40 % em 1987) e do vidro (mais 2,7 % em 1986 e mais 4% em 1987), que nos induzem a pensar ter crescido sensivelmente o número de fogos em construção nos anos de 1986 e 1987.
O crédito para construção aumentou de 84 % entre 1987 e 1985. E este é outro indicador da tendência que não engana.
O número de fogos concluídos em 1986 foi cerca de 7% superior ao de 1985, de acordo com as últimas estatísticas do INE.
Podemos também comparar o número de licenças concedidas para novas construções destinadas à habitação. No continente, se em 1986, relativamente a 1985, o seu crescimento foi moderado, em 1987, relativamente a 1986, apresentava já no 3.º trimestre um acréscimo de 8,5%.
Mas se construir mais é um dos objectivos prioritários, apoiar quem menos ganha, para que possa ter acesso a uma habitação condigna, também o é.
O sistema de crédito à compra de habitação própria com juros bonificados foi completamente reformulado em 1987, tendo em conta o caso específico dos jovens (a quem foram atribuídas facilidades acrescidas) e as famílias mais numerosas (a que foi dada a possibilidade de adquirir habitações de maior número de divisões e, portanto, de maior preço, sem perderem a bonificação de juros).

Uma voz do PSD: - É uma política social. Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a baixa das taxas de juro, permitida pelos ganhos no combate à inflação, já reduziu a mais de metade o serviço da dívida por cada 1000 contos de empréstimo, tornando não só mais suaves as prestações mensais, como também compatibilizando a sua progressividade com a política de rendimentos das famílias.
As reacções não se fizeram esperar: de 36 246 pedidos de crédito em 1985 passou para 65 900 em 1987, ou seja, + 82%; de 26 650 contratos celebrados em 1985 passou-se para 58 777 em 1987, ou seja, +121%; o crédito jovem atingiu o número de 10 422 contratos celebrados em 1987, ou seja, uma quota de 22% do mercado.
Nunca se registaram no País valores tão elevados e significativos no âmbito da aquisição de casa própria como os verificados em 1986 e, sobretudo, em 1987.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Cerca de 100 000 famílias, nestes últimos dois anos, resolveram o seu problema da habitação por esta via, ou seja, sensivelmente o mesmo número do período dos quatro anos anteriores (1982-1985).

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Além de que outras 120 000 famílias, com contratos celebrados em 1982 e 1985, viram a sua taxa de esforço (prestação mensal sobre rendimento familiar) substancialmente reduzida relativamente aos últimos anos.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento da cooperação entre a administração central e a administração local é um objectivo do maior relevo na execução da política de habitação.
Não se trata de atribuir novas competências aos municípios sem contrapartidas financeiras. Trata-se, sim, de conjugar esforços na detecção das necessidades localmente expressas e da atribuição pela administração central de financiamentos em condições particularmente favoráveis, alguns mesmo a fundo perdido.
Vale a pena insistir para que se examine com a maior objectividade quais os resultados da política seguida com o Estado promotor directo da habitação social, que era prática até 1986.
A promoção da habitação social nas mais diversas localidades do País e comandada dos gabinetes do Terreiro do Paço não foi bem sucedida.
Os problemas acumularam-se. O controle centralizado descontrolou-se a si próprio. A extinção do Fundo de Fomento da Habitação foi o resultado inevitável.
Os X e XI Governos passaram a adoptar uma política de habitação social descentralizada, fruto da colaboração com os municípios, com as cooperativas e com as empresas privadas que se disponham a executar aquele tipo de habitações através de contratos de desenvolvimento de habitação.
No ano de 1987 aprovou-se a construção de 9281 fogos de habitação social, o que representou mais do dobro dos que foram aprovados em 1985.
Em 31 de Dezembro passado estavam em curso ou em fase final de construção cerca de 22 000 fogos de habitação social, mais de metade dos quais de promoção cooperativa e cerca de 3500 de promoção municipal.
No que respeita ao realojamento de famílias de débeis recursos vivendo sobretudo em «ilhas» e «barracas», o apoio às iniciativas municipais cresceu substancialmente em 1987.
Os contratos celebrados fazem ultrapassar o número de 13 000 fogos a construir ao abrigo deste programa, com prazos de execução que se escalonam entre dois e sete anos e envolvendo recursos que já atingem os 43 milhões de contos.
É uma enorme tarefa de cooperação com os municípios, os quais são comparticipados com 50% do valor da construção.
Lisboa, Porto, Setúbal, Oeiras, Aveiro, Portalegre e Olhão são exemplos que já se podem citar como ilustrativos da referida cooperação, que irá sendo gradualmente estendida a outras localidades.
Conjugando agora estes números relativos ao realojamento com aqueles outros relativos ao da habitação social de promoção municipal, cooperativa e empresarial, vê-se a envergadura do que está em curso com a participação activa do Estado.
Este grande esforço descentralizado e apoiado por dois organismos da administração central - o INH e o IGAPHE -, hoje com posicionamentos orçamentais diferentes dos que caracterizavam o ex-FFH, tem levado alguns que estão nesta sala, quando da apreciação do Orçamento do Estado, a não interpretarem correctamente os números que mudaram de linha, de coluna ou de quadro.
Confundindo descentralização com desresponsabilização, dizem que o Estado, ao proceder assim, se está a demitir de uma função social relevante.
Como os números confirmam, trata-se de uma errada maneira de ver.
A recuperação de prédios degradados é outra das áreas onde a cooperação do Governo com os municípios pode ter benefícios públicos muito sensíveis.
É sabido que o congelamento durante longos anos das rendas habitacionais levou à degradação das condições de conservação de muitos edifícios.
O fenómeno afecta sobretudo as cidades de Lisboa e do Porto.
Para fazer face a esta situação existia desde 1976 um programa de recuperação de imóveis degradados (PRID), cujos resultados foram muito limitados.
Daí o apelo que os municípios fizeram ao Governo no sentido de completar os esquemas existentes com novas disposições, porventura mais eficazes.
Daí a resposta que o Governo deu através do Decreto-Lei n.º 4/88, de 14 de Janeiro, instituindo o Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), com vista à execução das obras de conservação e beneficiação definidas no artigo 16.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro (Lei das Rendas).
É um regime totalmente novo, que vai ser posto à prova nos próximos tempos. À partida, parece reunir condições de sucesso.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Novo? Copiado de outro, mas é «totalmente novo»! ...

O Orador: - Em qualquer caso, é mais uma demonstração cabal de que o Governo não fica quieto e sossegado em áreas de tamanha relevância social.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não me diga!

O Orador: - Finalmente, quanto aos quatro dos grandes objectivos da política de habitação que comecei por enunciar - o relançamento do mercado de arrendamento -, foi o X Governo que passou do papel à prática a Lei das Rendas, cuja discussão se arrastou no tempo do governo do bloco central.
Assim se desfez um mito que vinha de muitos decénios: o congelamento das rendas em Lisboa e no Porto, primeiro, e no restante país, depois, como necessidade imperiosa da resolução do problema da habitação em Portugal.
Accionados, nos começos de 1986, os mecanismos da execução da lei, os resultados, reconhecemos, não têm agradado nem a inquilinos nem a senhorios.
Os primeiros, porque entendem que o Estado deveria ter sido mais generoso na atribuição dos subsídios de renda e que, tendo esta subido, deveriam os segundos fazer as obras nos prédios, dados os maiores proventos que arrecadam.
Os segundos - os senhorios -, porque entendem que as receitas provenientes das correcções extraordinárias das rendas estão fixadas em valores muito baixos e pouco valem para o equilíbrio financeiro da gestão de imóveis.

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Há, assim, razões que podem assistir a uns e a outros.
A sua ponderação virá a determinar soluções porventura mais adequadas.
Reconhece-se que, apesar da pontualidade e regularidade com que o Governo vem aprovando, nos termos da lei, as correcções das rendas, isso não é suficiente para que ressurja com vigor a construção de prédios para arrendamento habitacional.
Além do mais, é de admitir que ainda se não tenha dado tempo ao tempo, pois as medidas desta natureza têm um período de maturação para dar os seus resultados.
Continuamos a observar, ainda por mais algum tempo, as reacções do mercado.
É que se, por um lado, não pode modificar-se abruptamente um sistema que se consolidou ao longo de tantos anos, também, por outro, não deveremos deixar de estudar todas as medidas, socialmente aceitáveis, capazes de suscitar o investimento em fogos para arrendamento, sem o que o mercado da habitação continuará desequilibrado.
Temos consciência de que estão ainda muitas coisas por fazer no domínio da habitação e, particularmente, na habitação social.
Interrogamo-nos mesmo como foi possível chegar ao fim de 1985 com tamanha soma de atrasos: construção de fogos em ritmo largamente insuficiente, mecanismos de intervenção do Estado na habitação social completamente ultrapassados e mercado de arrendamento habitacional em estagnação total.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Foi devido ao governo da AD.

O Orador: - Houve que inverter esta situação, encontrando novas formas de fazer as coisas, utilizando os recursos financeiros disponíveis com a maior eficácia e concretizando na prática os ideais da solidariedade social que nos movem.

Aplausos do PSD.

O Programa de Desenvolvimento da Habitação Social, em elaboração pelo Instituto Nacional de Habitação, vai permitir definir para um período de três a cinco anos as intervenções mais importantes neste domínio da política habitacional.
Mas, como os números provam à saciedade, os resultados alcançados pelos X e XI Governos contrastam já com os de quaisquer outros governos.
Isso nos encoraja a prosseguir, no futuro, por caminhos mais ambiciosos na melhoria do bem-estar da população portuguesa, sobretudo dos mais desfavorecidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Se houvesse justiça divina, agora caía!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já foram indicados os nomes dos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues. Entretanto, inscreveram-se para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Elisa Damião os seguintes Srs. Deputados: José Puig, João Costa, Joaquim Marques e Barata Rocha.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: Silva Lopes, Rui Silva, Basílio Horta, João Corregedor da Fonseca, Herculano Pombo, Manuel Filipe, Jerónimo de Sousa, Apolónia Teixeira, Jorge Sampaio, Maria Santos, Raul Castro, Narana Coissoró, António Mota, José Reis, Raul Rego, Osório Gomes, Guilherme Pinto e Álvaro Amaro.
Finalmente, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: Luís Roque, Eduardo Pereira, José Magalhães e Vidigal Amaro.
Srs. Deputados, vamos dar início ao primeiro bloco de pedidos de esclarecimento e respostas relativos à intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues e depois, conforme a hora a que terminar, decidiremos se iniciamos o segundo bloco de pedidos de esclarecimento dirigidos à Sr.ª Deputada Elisa Damião.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o Partido Socialista tem sido penalizado em sucessivas eleições, porque, de facto, quando formou governos, não cumpriu as promessas eleitorais. Mas o mais espantoso é que o Partido Socialista não cumpre as suas promessas, mesmo quando está na oposição.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vou dizer porquê.
Quando o ano passado o Sr. Deputado Ferro Rodrigues era ministro do Trabalho -embora «ministro sombra» - do Partido Socialista, durante um debate que aqui se travou, o Sr. Deputado, na qualidade de «ministro sombra» - e era eu na altura Secretário de Estado do Emprego - e na sequência de um debate também sobre a questão da revisão da legislação laborai, disse que desafiava o Governo novamente, apesar de o Governo já ter cumprido a sua promessa, a trazer à Assembleia da República a proposta de revisão da legislação laborai, que nessa altura foi chumbada por esta Assembleia, e disse ainda V. Ex.ª que o Governo estivesse descansado porque, em breve, o Partido Socilista - que aliás, tinha deliberado nas Jornadas Parlamentares da Figueira da Foz ser indispensável rever a legislação laboral portuguesa - estava a perder a paciência e que se o Governo não apresentasse novas propostas, o Partido Socialista iria apresentá-las. Eu pergunto: até hoje passou-se um ano e o Partido Socialista, mesmo na oposição, não cumpre essas promessas?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à questão da precaridade do emprego e dos contratos de trabalho a prazo, creio que temos de lembrar o seguinte: esta lei dos contratos a prazo, para variar, é uma lei socialista que não foi debatida com nenhum parceiro social, tanto quanto

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eu sei, muito menos com os sindicatos, e também não foi debatida no Conselho de Concertação Social, até porque este Conselho ainda não existia. Não há dúvida de que esta lei dos contratos a prazo é a primeira responsável pela proliferação dos contratos a prazo, até porque ela não consagra qualquer espécie de penalização para quem utilizar abusivamente contratos a prazo, e ela é também uma lei socialista. Assim, pergunto: O cinismo relativamente a esta questão social da precaridade do emprego é do Governo ou do partido interpelante, nomeadamente do Sr. Deputado Ferro Rodrigues?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, todos conhecemos o esforço desenvolvido pelo Governo no sentido de cumprir uma promessa eleitoral que foi feita enquanto a campanha se desenrolou e que depois ficou expressa no próprio Programa do Governo, aqui aprovado, constituindo a emanação normal do programa eleitoral do PSD e do Governo. Nele havia claramente esta afirmação: «O Governo vai promover a revisão da legislação laborai, tendo em conta a legislação europeia existente nesta matéria, de forma a fomentar o emprego, a combater a precaridade do emprego e a criar mais possibilidades de emprego produtivo para os jovens e para os desempregados de longa duração.» Foi isso que foi feito. Mas, por um lado, isto parece que não chegou; este diálogo, que vai em mais de quatro meses, não chegou, mas o diálogo tem limites, nomeadamente temporais. Nesta matéria, como toda a gente sabe, é extremamente difícil obter um consenso absoluto, mas foi obtido um consenso.

Uma voz do PS: - Mas que consenso?

O Orador: - Um consenso possível a respeito de muitas das matérias. Há ainda divergências, mas compete ao Governo, é dever do Governo, dirimir as divergências e assumir-se como Governo, e foi isso que o Governo fez.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria ainda de perguntar ao Sr. Deputado o seguinte: depois deste trajecto todo de diálogo de mais de quatro meses, o Sr. Deputado parece que critica o facto de ter havido três ou quatro versões do chamado «pacote laborai». Isto significa que, de facto, o diálogo deu os seus frutos, que as posições das partes se foram aproximando e o consenso possível foi obtido. O consenso que não foi possível obter foi assumido pelo Governo, na sua qualidade de representante dos Portugueses, de agente executivo das políticas que propôs aos Portugueses.
Fala ainda o Sr. Deputado em tectos salariais. Os governos do Sr. Prof. Cavaco Silva, quer este quer o anterior, nunca impuseram qualquer tecto salarial. Mas, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, se há especialistas em tectos salariais, são-no alguns dos actuais deputados da sua bancada, a começar pelo secretário-geral do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado Vítor Constâncio, que, na qualidade de Ministro das Finanças de um governo socialista, para variar, aprovou o Decreto-Lei n.º 121/78, de 2 de Junho, o qual consignava sanções tremendas para entidades patronais que furassem o chamado tecto salarial.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já está no uso da palavra há cerca de cinco minutos e a regra estabelecida em conferência de líderes foi de três minutos. Faça favor de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, será que posso continuar, utilizando mais algum tempo, que depois será descontado naquele que foi atribuído à minha bancada?

O Sr. Presidente: - A regra estabelecida é de três minutos para perguntas, sendo o limite máximo de cinco minutos, respeitando o que foi acordado em conferência de líderes. Assim, para não desvirtuar o debate, e porque o Sr. Deputado já utilizou os cinco minutos, peco-lhe que conclua a sua intervenção.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Termino com outra afirmação bastante cínica do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que falou em duas requisições civis que o Governo fez este ano «para dar satisfação a necessidades das populações, sobretudo das populações mais carenciadas».
O Sr. Deputado sabe quantas requisições civis fez o governo socialista em 1977? Fez quatro requisições civis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª fez um discurso confuso, sombrio, claramente adequado à sua condição de «ministro sombra», ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e gostaria de lhe pedir alguns esclarecimentos.
Antes, porém, gostaria de prestar-lhe também um esclarecimento, isto para não utilizar a figura regimental de defesa da honra.
O Sr. Deputado sentiu necessidade de invocar os sociais-democratas para justificar algumas passagens no seu discurso. É certo que tal já demonstra uma fraqueza, mas, em relação a este aspecto, devo prestar-lhe alguns esclarecimentos.
O primeiro é o de que neste momento o que existe são sindicatos que estão ou não a aderir a determinado tipo de actuações e, como V. Ex.ª sabe, não há sindicatos socialistas, nem sociais-democratas, nem comunistas, há sindicatos. E, quanto à organização dos trabalhadores sociais-democratas (TSD), devo dizer-lhe que novos factos, que diariamente chegam ao nosso conhecimento, nos levam a reponderar seriamente as posições que anteriormente têm vindo a ser tomadas, porque a forma como todo este processo está a ser trabalhado nos leva a concluir que se está a fazer um aproveitamento político indecente dos trabalhadores e dos seus interesses.

Aplausos do PSD.

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Portanto, Sr. Deputado, queria dizer-lhe que hoje, possivelmente, esta questão será clarificada e que V. Ex.ª não tem autoridade nem legitimidade para falar em nome dos sociais-democratas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Nem quero ter!

O Orador: - Em segundo lugar, tratarei do esclarecimento que lhe queria pedir.
Devo dizer que, quando V. Ex.ª fez o seu discurso, me surgiu uma séria dúvida sobre se estava a interpelar o actual governo ou se estaria a interpelar o seu próprio partido e os respectivos governos.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque, conforme já aqui foi sobejamente demonstrado, durante os governos liderados pelo seu partido, os trabalhadores portugueses não deixaram de ver baixar o seu nível de vida, o desemprego aumentou constantemente e os salários em atraso foram uma chaga criada por governos de maioria socialista. E, quando este governo tenta recuperar o País, aumenta o nível de vida dos Portugueses e diminui o desemprego, V. Ex.ª está a interpelar quem? O governo actual ou o seu próprio partido?
Finalmente, após ter-lhe pedido este esclarecimento, deixe-me fazer aqui um desabafo. Oxalá o «ministro sombra» do PS nunca venha a ser um «ministro luz» deste país!

Aplausos do PSD. Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª acabou de fazer um discurso de «interpelação» frouxo, ténue, composto de generalidades miserabilistas e de «confusionismo».

O Sr. José Magalhães (PCP): - Este é o auto-retrato da bancada do PSD.

O Orador: - É assim que cognomino o seu discurso. O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É a sua opinião!

O Orador: - E, a propósito de uma dessas suas generalidades, vou demonstrar-lhe que assim é.
Concretamente, V. Ex.ª diz que este governo banalizou o acto da instituição da requisição civil. Ora, V. Ex.ª sabe que neste país todos os governos que estiveram em funções até hoje instituíram, ao todo, onze situações de requisição civil.
Quatro destas ocorreram durante a vigência de um governo socialista em 1977; em 1979 verificou-se uma; em 1980, mais uma; em 1981, uma também; em 1983, outra; em 1986, outra, e, em 1988, duas. Uma desta situações, que V. Ex.ª aqui invocou para afirmar que o Governo banalizava, foi decretada para a Carris, um serviço público de transportes sediado na capital do nosso país.
V. Ex.ª sabe que houve uma greve parcial e sectorial durante x dias, em 18, 19, 20 e 21 de Janeiro, enquanto a instituição da requisição civil surgiu no mês de Fevereiro. E porquê? V. Ex.ª, certamente, não anda de autocarro nem percorre as ruas de Lisboa, porque, senão, teria ouvido aos trabalhadores mais desfavorecidos, que são quem utiliza estes transportes, frases deste tipo: «Mas o que é isto? Ninguém olha por isto?»
O Governo cumpriu o seu dever. Mais uma vez, foi coerente, esteve ao lado dos desfavorecidos e das classes trabalhadoras,...

Risos do PS e do PCP.

... não alinhou pelas elites nem pelos que manipulam os trabalhadores.
Os trabalhadores não são crianças nem devem ser utilizados como «carne para canhão» da maneira que os senhores estão a fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Resumindo, os trabalhadores da Carris, por essa teoria, não podem fazer greve.

O Orador: - Os trabalhadores são responsáveis, não são infantis. A este respeito, leia-se o que disse o antigo bispo do Porto, que muito se debruçou sobre esta questão.
Não instabilizem o País por motivos políticos! No seu todo, vive-se neste país e ele está estabilizado.
Assim, deixo-lhe a minha pergunta: no seu discurso, V. Ex.ª não conta com esses trabalhadores? V. Ex.ª não conta com essas classes desfavorecidas que estavam peadas, que tinham de ir para o emprego e não se podiam fazer transportar?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, todos ouvimos a intervenção de V. Ex.ª nesta Câmara, que, de facto, foi monocórdica. É evidente que não poderia ter sido uma intervenção brilhante porque não tinha matéria para brilhar.

Risos do PSD.

V. Ex.ª é «ministro sombra» do PS e quer «um lugar ao sol», mas tê-lo-á somente quando o seu partido ganhar as eleições e tiver o apoio do povo português.
Sr. Deputado, pelo que ouvi e tal como já aqui foi dito, V. Ex.ª veio proferir uma série de generalidades que já tiveram resposta. Enfim, V. Ex.ª veio «à tosquia», mas acabará por «ser tosquiado».
Sr. Deputado, apenas lhe queria dizer que nas intervenções de representantes do Partido Socialista aqui proferidas se tentou dar a ideia geral de que o País está a «ferro e fogo», de que estamos num ambiente de agitação social muito grave, e queria dizer-lhe que essa é uma ideia completamente provinciana. V. Ex.ª vê o que se passa em Lisboa quando, de facto, há graves nos diversos sectores e tudo fica complicado, mas esquece que o resto do País está a trabalhar, que está calmo e que está a viver na mais completa paz social.

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O senhor não pode esquecer isto e tem de ter a noção da realidade que se passa em Portugal, e não apenas em Lisboa e somente nalgumas empresas de transportes.

Protestos do PCP.

Sr. Deputado, no próximo dia 14 de Abril iremos ter nesta Assembleia o debate sobre política laborai e então conversaremos. Mas, como social-democrata, apenas lhe queria dizer que, quando vejo a CIP e os sindicatos a criticarem fortemente o pacote laborai do Governo, compreendo perfeitamente as suas posições. Mas tenho a certeza de que, por isso mesmo, o Governo do meu país conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio, que é o que os Portugueses querem, é o que defendem e é o que defenderam quando fizerem esta escolha nas últimas eleições.
Por isso, estamos profundamente convictos de que estamos no caminho certo, e não vale a pena virem com convites à desunião desta bancada e com tentativas de nos criarem complexos, porque sabemos o que queremos, com quem vamos e como vamos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Complexos? Então é um problema de consciência.

O Orador: - Portanto, podem ter a certeza de que na nossa bancada não acontecerá o mesmo que já aconteceu na vossa. Porque, se estiver em causa alguma eleição do nosso líder, votaremos todos nele, e não no Dr. Álvaro Cunhal! Estamos coesos, estamos unidos, e, portanto, não nos criam complexos de espécie alguma.

Risos e protestos de alguns deputados do PS e do PCP.

Srs. Deputados, estejam calmos! Pode custar-vos ouvir as verdades, mas têm de ouvi-las.
Quanto à Lei da Greve, dir-lhes-ei que vivemos num Estado de direito, que há que cumprir a lei e que, quando não o for, há que impor o respectivo cumprimento nas suas várias vertentes. Quando os trabalhadores em greve não asseguram os serviços mínimos, a lei tem de ser cumprida e o Governo exerce o seu direito com a legitimidade democrática que lhe advém desta Câmara e do próprio povo português.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, queria fazer-lhe uma pergunta, que já aqui fiz, mas que é bom que repita para que a opinião pública comece a ter a noção das realidades e para que não seja só ouvida a vossa voz e a das oposições.
V. Ex.ª e o seu partido vieram aqui fazer uma interpelação ao Governo sobre política laborai e social. Por acaso leu com atenção o Orçamento do Estado para 1988? Sabe V. Ex.ª que a Inspecção-Geral do Trabalho teve um aumento de 26% na respectiva dotação orçamental? Sabe V. Ex.ª que, quanto ao Fundo Social Europeu, este aumento foi superior a 30%? Sabe V. Ex.ª que no sector de higiene e segurança no trabalho o aumento foi de mais de 20%? Acha V. Ex.ª que este governo não teve uma noção realista das necessidades do nosso país em matéria de política social?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, em primeiro lugar, gostaria de render-lhe homenagem por pensar que V. Ex.ª era bem capaz de fazer melhor do que aquilo que fez quando, ao subir à tribuna, produziu o discurso. É porque num debate desta natureza, mais a mais suscitado pelo Partido Socialista, era normal que a primeira intervenção fosse efectivamente de fundo, a intervenção de choque, ou seja, aquela que provoca mais expectativa. Diríamos que, ao ouvir o tom morno, de «água chilra», da intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o Sr. Deputado nem sequer soube suscitar nem concitar o entusiasmo da sua própria bancada, ou seja, o Sr. Deputado esteve a preencher uma parte do programa, tal como naqueles concertos onde se reserva para a segunda metade a actuação do artista principal.

Risos do PSD.

O Sr. Deputado estava, efectivamente, a preencher o programa da primeira parte. Diríamos até que, na expectativa de uma intervenção de arrasar, o Sr. Deputado, efectivamente, arrasou-nos a todos, a todas as bancadas, mas de tédio.
Passando ao texto da sua intervenção, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, devo dizer que V. Ex.ª fez, efectivamente, uma denúncia da passividade do Governo, da inexistência de políticas em matéria de formação profissional, de segurança social e de habitação, mas, estranhamente, recusou-se a concretizar exactamente onde é que, nessas políticas, o Governo falhou. Passou, digamos, a latere, nomeadamente quanto à Segurança Social, porque apenas se «agarrou» ao decreto-lei relativo à regularização das dívidas e referiu tratar-se de uma subida de escalão do «cinismo» social.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não é assim que se diz!

O Orador: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, se mais não conseguiu, vai pelo menos ficar como inventor do «cinismógrafo». Há-de explicar-nos como é que funciona esse instrumento! ...

Risos do PSD.

Devo dizer que, efectivamente, passou ao lado de todas as políticas de segurança social, da actuação, da revalorização, da actualização de pensões de velhice, de sobrevivência, de invalidez e da criação de serviços de emergência social nos centros regionais de segurança social, tal como está previsto que este governo vá lançar. Não falou sobre a política de equipamento, de apoios à primeira e à segunda infâncias, ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - À terceira infância!

O Orador: - ... à terceira idade, aos deficientes. Passou à margem de tudo isso.
Mas o que mais me espantou foi, Sr. Deputado, também o seu espanto sobre o facto anormal que este governo terá conseguido, ou seja, a convocação de uma greve geral. Portanto, Sr. Deputado, devo dizer-lhe, muito claramente, que pensamos que as greves gerais não são desejáveis para o País.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Bem me parecia!

O Orador: - Mas também não devemos dramatizar, porque vivemos, efectivamente, em democracia e a convocação de uma greve geral é um sintoma de vitalidade democrática. Há, portanto, democracia para aqueles que a convocam, para aqueles que são livres de a ela aderir, mas também para aqueles que são livres de criticar os seus objectivos e de denunciar, como é o caso da greve geral do dia 28, que ela é uma greve política, tal como ficou claramente determinado perante a opinião pública, perante o povo português em geral.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues para responder às perguntas que lhe foram colocadas, gostava de relembrar que há uma conferência de líderes pelas 14 horas e 30 minutos na Sala D. Maria.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Srs. Deputados, o Partido Socialista dispõe de uma hora para a segunda parte do debate. Por consequência, vou procurar responder muito rapidamente à maior parte das questões que me foram colocadas. Embora eu não tenha grande experiência parlamentar, penso que, quando uma bancada fica doída e enervada, tenta minimizar as intervenções adjectivando-as.

Vozes do PS: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - É só você que a quer adjectivar?!

O Orador: - Ora, não foi por acaso que isto se passou em relação a todos os deputados. Portanto, é um facto que estavam bem organizados.
Em relação à pergunta do Sr. Deputado Joaquim Marques, devo dizer que o Partido Socialista tinha intenção de apresentar no anterior quadro parlamentar uma proposta de revisão da legislação laboral. Mas, como sabem, houve uma crise política, uma mudança de situação, e neste momento há um governo com uma maioria absoluta.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente que hoje a situação política é diferente; portanto, não pode obrigar a que se cumpram promessas feitas noutro quadro parlamentar. Tudo isto é perfeita demagogia.
A lei dos contratos a prazo foi, efectivamente, da iniciativa do PS e a questão que colocamos não é a de que não deva haver essa lei, mas sim - e os senhores têm sido os principais fomentadores - a do seu não cumprimento e, mais do que isso, a de as alterações que propõem serem no sentido do agravamento dos seus aspectos mais negativos.
Apesar de o Governo ter dito e assumido no programa eleitoral do PSD que ia promover a revisão da legislação laboral - logo tudo isto não deveria causar grande estranheza -, devo dizer que deveriam ter discutido bastante mal dentro do vosso próprio partido esse pormenor do programa; caso contrário, não se compreenderiam as posições distintas, do ponto de vista público, que pessoas importantes do vosso partido, inclusivamente deputados, têm tomado em relação a esta matéria.
Em relação aos tectos salariais, devo dizer que o secretário-geral do Partido Socialista, na hora própria, saberá responder, numa intervenção que ainda hoje fará, à acusação que lhe foi feita, assim como em relação à questão da requisição civil.

Uma voz do PSD: - Foi o Sr. Deputado quem fez a afirmação!

O Orador: - O Sr. Deputado Vieira Mesquita - aproveito já para passar rapidamente sobre a sua interpelação - falou de uma forma bastante demagógica sobre a questão da defesa dos interesses dos trabalhadores assegurada pela requisição civil. Lembro-o, Sr. Deputado, de que houve sondagens de opinião, feitas em Lisboa, que apontavam para uma grande compreensão por parte do povo em relação à greve na Carris. Os senhores aproveitaram os órgãos de informação para transmitirem ao País...

Protestos do PSD.

... uma imagem de legitimidade democrática para a requisição civil.

Aplausos do PS.

Ao Sr. Deputado Rui Salvada gostaria de dizer que a confusão e o carácter sombrio dos discursos dependem muitas vezes de três coisas: da atenção, da abertura e da inteligência dos ouvintes.

Risos do PSD.

Gostaria, portanto, que isso ficasse bem claro.
O Sr. Deputado Filipe Abreu tem a certeza de que esta legislação é óptima apenas porque encontrou nela um ponto de equilíbrio?! É realmente estranho que só o Sr. Deputado e a sua bancada tenham encontrado um ponto de equilíbrio na legislação. Isto porque todos os parceiros sociais consideram que ela não tem qualquer ponto de equilíbrio; pelo contrário, é altamente fomentadora do desequilíbrio e da instabilidade social.
O Sr. Deputado Mendes Bota diz-me, em relação à questão da Segurança Social, que apenas me agarrei a uma questão banal, uma questão que mete, «por acaso», uns milhões muito largos de contos. Chamo a atenção para a gravidade desta questão e espero que durante o debate os senhores sejam capazes de responder de uma forma mais clara àquilo que está muito claramente colocado nessa intervenção e a que o discurso do Sr. Ministro não respondeu.
Fiquei muito contente por ouvi-lo dizer que a greve geral é um sintoma de vitalidade democrática. Esperemos, Sr. Deputado Mendes Bota, que na segunda-feira, de manhã, o Governo seja consequente com essa sua afirmação e não utilize requisições civis a torto e a direito para tentar resolver a situação.

Protestos do PSD.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - O senhor é que analisa! A requisição civil também é democracia!

O Orador: - Quanto ao problema que os senhores têm colocado de serem acusados ou porque são hesitantes ou porque são arrogantes, devo dizer-lhe que não há contradição. Aí é que os senhores se enganam.

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A hesitação e a arrogância são duas faces de uma mesma moeda. Se os senhores são hesitantes, é porque têm muitas dúvidas, e normalmente procuram escondê-las com a arrogância, e conseguem-no muitas vezes, mas não a maior parte delas.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Arrogância é o que o Sr. Deputado está a fazer!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda temos tempo de fazer o segundo bloco de perguntas e as respectivas respostas antes do almoço.
Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, houve alguns pontos da sua intervenção que julgo merecerem um melhor esclarecimento.
Quanto ao primeiro ponto, V. Ex.ª frisou que o pano de fundo da declaração da greve geral no Congresso da UGT foi o sentimento de indignação pela requisição civil decretada pelo Governo na Carris. Queria que a Sr.ª Deputada esclarecesse - julgo que é importante que o faça aqui para que todos os portugueses saibam, porque a Sr.ª Deputada, ao que parece, esteve no Congresso da UGT, logo está dentro do que lá se passou - qual foi, de facto, o ponto ou o factor dominante, preponderante, para que fosse decretada a greve geral. Foi o chamado «pacote laboral» ou a requisição civil? A greve geral é contra a alteração à lei laboral ou é contra a manutenção da lei da requisição civil?
O segundo ponto que me suscitou algumas dúvidas tem a ver com o facto de a Sr.ª Deputada dizer que a reintegração dos trabalhadores não era a regra nesta proposta de alteração à lei laborai, tendo-a fundamentado com a seguinte frase: «se o trabalhador não recorrer, portanto, se não impugnar judicialmente o despedimento, não há integração». Daí concluiu que a reintegração não é regra.
Sr.ª Deputada, como não percebi muito bem essa sua afirmação, desejo que me explique como é que a reintegração é regra perante a actual lei laboral. Como é que então há reintegração em regra? Se o trabalhador não impugnar judicialmente o despedimento, parece-me que nunca mais é reintegrado.
Por outro lado, a reforma do sistema judicial de que falou, no âmbito do trabalho, parece-me até pouco consentânea com algumas afirmações que se têm feito a propósito dos tribunais do trabalho. Por exemplo, ainda ontem ouvi dizer que para se criar a convicção no juiz de que não era possível manter a relação de trabalho bastavam três testemunhas; se calhar, com quatro testemunhas por parte do trabalhador isso ficava ilidido. Isto é quase uma contabilidade de testemunhas! ...
Portanto, a reforma do sistema judicial dá-se nas mentalidades e na maneira como ela se vem entendendo.
Disse ainda a Dr.ª Deputada que a imperatividade da lei é inadmissível e inconstitucional. Pergunto, Sr.ª Deputada, se a proposta de lei é mais imperativa do que a lei actualmente em vigor e, se não o é, por que é que nunca a impugnou por inconstitucionalidade.
Vou fazer duas considerações: a primeira é para dizer à Sr.ª Deputada que nós, na bancada do PSD, estamos solidários com a sua admiração pelo espírito de sacrifício demonstrado pelos trabalhadores entre 1983 e 1985, mas esperamos que a Sr.ª Deputada esteja também solidária connosco na admiração e no regozijo que sentimos pelo facto de, actualmente, os trabalhadores não terem que fazer esses sacrifícios.
Em jeito de consideração final, quero dizer-lhe que as críticas que ontem ouvimos a propósito do debate televisivo das alterações às leis laborais e as que hoje ouvimos na Assembleia da República - contamos ainda com as críticas do CDS, até para fundamentar este ponto - vêm comprovar que o PSD e o Governo estão, de facto, no caminho certo e na rota em que todos os portugueses acreditam.
O PSD e o Governo estão no caminho da social-democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Costa.

O Sr. João Costa (PSD): - A Sr.ª Deputada Elisa Damião falou, durante o seu discurso, de empresas públicas, empresas públicas e empresas públicas...
Sr.ª Deputada, quero dizer-lhe que os trabalhadores das empresas privadas são a esmagadora maioria deste país. Esta manhã, ao entrar na Assembleia da República, um colega meu, operário da construção civil que trabalha nesta Casa, perguntou-me: «Ouve lá, volto a vir a pé para o trabalho na próxima segunda-feira? Porquê? Porque já paguei o passe social, não é verdade?»
É assim, Sr.ª Deputada, que os trabalhadores deste país pensam.

Aplausos do PSD.

Uma voz do PS: - Esse é um trabalhador «enviesado»!

Risos do PCP e do PS.

O Orador: - A Sr.ª Deputada referiu-se à Alemanha e à Áustria. Certamente que já lá foi, mas eu também, Sr.ª Deputada, e muitas vezes. A senhora sabe quantas horas deram à Alemanha os sindicalistas, os operários e os patrões alemães para a reconstruírem depois da Segunda Guerra Mundial? Pergunte-lhes isso quando lá for, Sr.ª Deputada, e não vá só para ver as paredes das ruas da Alemanha. Nós, neste país, se queremos ser ricos, também temos de trabalhar mais, e eu e os meus filhos queremos ser ricos, Sr.ª Deputada!

Risos do PS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vê-se! Nota-se!

O Orador: - Para isso temos de construir riqueza, senão não saímos da «cepa torta».

Risos de alguns deputados do PSD.

A Sr.ª Deputada referiu-se a um anúncio que há da legislação sobre a lei sindical. Será que a Sr.ª Deputada ainda está a pensar que devemos ser regidos por

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muito mais tempo pela célebre Lei n.º 215-B, aprovada pelo Conselho Superior da Revolução, de «má memória»? É saudosista! Olhe lá, não faça isso!

Risos do PSD.

Protestos de alguns deputados do PS e do PCP.

A Sr.ª Deputada Elisa Damião também se referiu aos despedimentos e devo dizer-lhe que sou contra eles.
Em 1975 fui contra os despedimentos e continuo a sê-lo, Sr.ª Deputada. Assumi isso publicamente, na rua.
Mas, Sr.ª Deputada, em relação aos despedimentos que são feitos por sindicatos, esses nem sequer o são por escrito: põem simplesmente o trabalhador à porta. Tanto a Sr.ª Deputada como eu sabemos isso!

Protestos do PCP.

Tenha cuidado, Sr.ª Deputada, pois é preciso dizermos sempre todas as verdades.
Notei que não falou nos tribunais do trabalho. O que aflige os trabalhadores que vão para o desemprego é o facto de terem que recorrer ao tribunal do trabalho. Isso é que os aflige, Sr.ª Deputada, porque estão anos e anos à espera de verem resolvidas as suas questões nesse tribunal. Vamos ver quando é que lutamos contra isso. Aliás, eu já estou à espera vai fazer cinco anos.
A Sr.ª Deputada também não falou nos salários em atraso. Admirei-me!
Felizmente que o meu governo, o governo do Partido Social-Democrata, reduziu esta chaga, que foi introduzida pelo seu partido - uma vez que foi o PS que introduziu os contratos a prazo -, ...

O Sr. Raul Rego (PS): - Isso foi há dez anos!

O Orador: - ... tendo como consequência salários em atraso que levaram algumas empresas, trabalhadores e as suas família à ruína. Sobre isso a Sr.ª Deputada nada disse, mas eu sei bem porquê e a Sr.ª Deputada sabe muito bem onde é que eu quero «enxotar a mosca»!...

Risos do PSD.

Naturalmente, na sua bancada haverá pessoas que têm essa chaga na casa que dirigem. Isso é grave! Vamos ver se os salários em atraso terminam.
Para concluir, quero dizer-lhe o seguinte: a senhora defende as empresas públicas, mas eu não - e digo-o publicamente aqui, mas já o disse noutros lugares -, porque as empresas públicas têm sido o sorvedouro dos impostos pagos pelos trabalhadores que trabalham desde o nascer até ao pôr do Sol e só «comem» o suor do seu rosto. Foi aquilo que fiz durante trinta e tal anos: «comi» só o suor do meu rosto, nunca o suor dos outros, Sr.ª Deputada! Temos que ser para as empresas públicas da mesma forma como somos para as privadas, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PSD e protestos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Costa utilizou quatro minutos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, na sua intervenção V. Ex.ª fez afirmações com que podemos concordar, e que traduzem preocupações que também são nossas, mas também fez uma «espantosa» afirmação, na sequência da «espantosa» intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que foi a de manifestar dúvidas sobre se é necessário ou não rever a lei sindical.
O movimento sindical democrático desde o princípio tem dito e reafirmado que é indispensável rever a lei sindical por forma a adequá-la aos princípios da liberdade sindical consagrados na Convenção n.º 87 da OIT.
Portanto, espanta-me essa posição da Sr.ª Deputada Elisa Damião e fico na dúvida sobre se neste momento a UGT - mas talvez não seja aqui a oportunidade para a Sr.ª Deputada me responder a esse aspecto - terá modificado a sua opinião a este respeito.
No entanto, queria lembrar à Sr.ª Deputada que, por vezes, há funções que são desempenhadas em simultâneo, quer na direcção de partidos políticos, quer na direcção de organizações sindicais. Há uma disposição da lei sindical que, muito concretamente, diz isto: «É incompatível o exercício de cargos em corpos gerentes de associações sindicais com o exercício de quaisquer cargos de direcção em partidos políticos.» A Sr.ª Deputada acha que o Partido Socialista está a respeitar este princípio consagrado na lei que ainda está em vigor?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barata Rocha.

O Sr. Barata Rocha (PSD): - A Sr.ª Deputada Elisa Damião trouxe-nos aqui um discurso que, de facto, não nos surpreende. E não nos surpreende porque contém todos as contradições que ele próprio nos apresentou, não só as contradições, como também a falta de argumentos, que começam a ser extremamente usuais nestes últimos dias, enquanto se discute matéria laboral.
Disse V. Ex.a, Sr.ª Deputada, que as centrais sindicais só aceitaram a participação na revisão laboral para demonstrar que o Governo não tinha razão fundamentada para declarar que era necessária a revisão das leis laborais. Foi isso que V. Ex.ª disse. Não terá utilizado exactamente estas mesmas palavras, mas a interpretação é esta, com certeza! E, se assim o disse - e disse com certeza -, quero perguntar-lhe, na sua qualidade de dirigente sindical e particularmente da central sindical UGT, se aquando da aceitação da participação da UGT neste processo não estaria já no vosso espírito inviabilizar tudo o que fosse revisão laboral, dificultar todo o trabalho realizado. Em suma, e utilizando uma terminologia hoje muito corrente em determinadas áreas, houve ou não da parte da UGT honestidade política aquando da aceitação da sua participação na revisão das leis laborais?
De facto, a vossa participação terá sido a participação honesta e empenhada que os trabalhadores portugueses exigem, sobretudo a defesa dos interesses dos próprios trabalhadores?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Começando pelo Sr. Deputado José Puig, quero dizer-lhe que efectivamente o pano de fundo da greve, para todos os trabalhadores que a ele aderiram,...

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Todos, não!

A Oradora: - ... eram as leis laborais, que também já eram o «pano de fundo» no próprio Congresso da UGT.
Não estou aqui para falar da UGT nem é como seu membro que aqui intervenho. É no Conselho Permanente de Concertação Social que a UGT responde a essas questões. Lamento a ignorância de alguns Srs. Deputados nessa matéria ...
Por outro lado, direi ao Sr. Deputado, a título de esclarecimento, que a requisição civil dos trabalhadores da Carris caiu no momento em que se discutia a legislação laborai e criou um clima francamente emocional, ...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não é com base nas emoções!

A Oradora: - ... que fez com que os trabalhadores também se sentissem ameaçados no seu direito à greve.
Outra questão que o Sr. Deputado colocou foi a da reintegração, e é óbvio, é objectivo que ela está dificultada.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Está dificultada, porquê?

A Oradora: - E o recurso dos trabalhadores aos tribunais também está bastante dificultado, conforme eu disse na minha intervenção. Mas o Sr. Deputado pode constatar isso pela simples leitura da legislação. A inexistência da reforma dos tribunais ...

O Sr. José Puig (PSD): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - O Sr. Deputado pode inscrever-se de novo, se o Sr. Presidente autorizar.
A inexistência da reforma dos tribunais prejudica naturalmente o mais fraco e toda a legislação vai nesse sentido.
Em relação à imperatividade da lei, efectivamente ela não é um modelo europeu e é contra os mais elementares princípios da livre negociação colectiva. Isto o Partido Socialista sempre disse. Portanto, continuaremos a lutar pela liberdade de negociação.
Relativamente ao Sr. Deputado João Costa, compreendo o seu estado de espírito. O senhor aproveitou para desabafar aqui. Deram-lhe uma tribuna e o senhor utilizou-a da pior maneira, nem lhe respondo. Teve a sua oportunidade!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Em relação ao Sr. Deputado Joaquim Marques, tenho muita pena de que o seu partido não tenha entendido que o senhor foi um excelente secretário de Estado - eu acho que foi. O senhor vai
fazendo os possíveis por demonstrar que efectivamente é um bom secretário de Estado e que teria feito mui bom trabalho. Acho que sim! É pena que o seu pá tido não assuma nessa matéria o seu passado quando o senhor foi secretário de Estado e também em rei cão a um outro social-democrata que foi ministro . Lamentamos isso!
Relativamente a outras questões, que colocou com algum cinismo, devo dizer-lhe que «quem tem telhados de vidro» não deve pôr aqui essas questões. Basta olhar para a sua bancada para perceber que também ela está em contravenção com as recomendações da lei. Aliás, lembro-lhe que na minha intervenção eu disse reconhecer a necessidade e até desejar que se fizesse a revisão da Lei n.º 215-B.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Tenho dúvidas, tenho dúvidas.

A Oradora: - O Sr. Deputado Joaquim Marques estava desatento, na ânsia de me apanhar em falta. F resto, tenho dúvidas de que a prática do Governo, nesse sentido. E tenho dúvidas pelos exemplo Sr. Deputado!
Sr. Deputado Barata Rocha, permita-me que lhe diga, penso que o senhor disse rigorosamente nada uma vez que afirmou aquilo que eu não disse. O Sr. Deputado disse exactamente o contrário do que eu demonstrei na minha intervenção. E o que demonstrei foi a disponibilidade dos parceiros sociais, mais longe até do que muitos dos sindicatos teriam desejado no sentido de se comprometerem com a revisão da legislação laboral, entregando até uma proposta sua no Conselho Permanente de Concertação Social.
Portanto, é completamente infundamentada a sua intervenção, que, aliás, denota uma gravíssima falta e informação e de qualidade, que eu desejaria que esta bancada tivesse posto no debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Há pedidos de interpelação Mesa por parte do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e do Sr. Deputado Jorge Sampaio.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Sr. Presidente, como ainda faltam alguns minutos para as 13 horas, convinha-nos que Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ainda da parte da manhã, pudesse responde às questões que lhe foram suscitadas - em número relativamente reduzido - e que dariam um prolongamento da sessão da ordem dos dez ou quinze minutos. Penso que a Câmara poderá anuir a esta solicitação.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa e já agora, se me permite, para um comentário à sugestão que acabou de ser feita, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, ia dizer uma coisa antes da interpelação à Mesa. Como estou inscrito para fazer uma pergunta, pedia a V. Ex.ª para

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providenciar durante a tarde que, quando chegasse a minha vez, me mandassem chamar, se a conferência de líderes ainda estiver a decorrer.
Relativamente ao ponto que foi levantado pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, tinha acabado, há meia hora, de esclarecer o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações de que percebemos perfeitamente a sua necessidade quanto à troca das perguntas, mas sinto que tenho o dever de esclarecê-lo de que durante a tarde também teremos intervenções relativamente ao sector que o Sr. Ministro tutela e que, nessa medida, não podemos dispensá-lo.
Portanto, o Sr. Ministro já fica a saber de antemão que, com certeza, há vários comentários a matérias da sua responsabilidade. Quanto à troca da ordem das respostas, é da praxe não nos opormos, sem que, todavia, deixemos de dizer duas coisas que nos parecem importantes.
Em primeiro lugar, não fizemos qualquer comentário relativamente à ausência do Sr. Primeiro-Ministro neste debate, nem tencionamos fazê-lo, porque, infelizmente, em Portugal - e sem prejuízo dos grandes compromissos que sempre há para todos os senhores governantes -, de facto, o Parlamento, na cronologia, na classificação dos compromissos, não vem em primeiro lugar. É pena! No início não fizemos qualquer comentário a este respeito, não vamos fazê-lo agora. Todavia, em relação ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, na medida em que tencionamos abordar matérias da sua tutela, não vamos ficar impedidos, com a ausência do Sr. Ministro, de fazer as exposições e comentários que entendermos relativamente a essa matéria. Penso que é um mau princípio.
Sem prejuízo dos compromissos respeitáveis que todos os membros do Governo têm, parece que só há um que se sobreleva do Parlamento e que são compromissos internacionais do Estado Português.
Em meu entender, o Parlamento está acima de todos os outros compromissos possíveis. A praxe, que nós de maneira alguma defendemos ou sequer aceitamos, não vamos pô-la hoje em causa. O aviso está feito ao Sr. Ministro da forma privada e pública que entendemos conveniente.
V. Ex.ª decidirá como entender, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, em curtos segundos para dizer que a minha solicitação não tem nada a ver com a presença ou ausência, na parte da tarde, do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Podemos acertar com os Srs. Deputados da bancada do PS que tencionam fazer intervenções na área da habitação a hora mais adequada para produzi-las.
Por outro lado, também não faço comentários sobre ausências de líderes parlamentares a este debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, da nossa parte damos o nosso acordo ao que foi solicitado pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Aceitamos perfeitamente que se façam as perguntas ao Sr. Ministro e que se prolongue em cerca de quinze minutos esta sessão da manhã.

O Sr. Presidente: - Srs. deputados, não percebi exactamente, e em parte julgo que é das dificuldades de audição, o comentário do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: se propôs a continuação dos debates ou se efectivamente, em face daquilo que se tinha dito, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações estaria disponível para estar aqui no princípio da tarde. Pergunto, por isso, ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares qual é a sua posição.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Peço desculpa, Sr. Presidente, julguei que tinha sido claro.
Mantenho a minha solicitação no sentido de os debates serem prolongados por mais dez minutos, para que o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações possa responder às perguntas que lhe forem feitas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - O Sr. Ministro disse que um dos quatro vectores do seu programa era a construção da habitação social. A verdade também é que o Sr. Ministro já nos habituou à maneira abstrusa como define a habitação social. O Sr. Ministro não pode esquecer que foi o seu Ministério que extinguiu o Fundo de Fomento da Habitação e instituiu o Instituto Nacional da Habitação apenas como uma entidade parabancária que empresta dinheiro a prazo para a construção de habitação.
Já perguntámos, mais de uma vez, se o seu Ministério não ficaria mais enriquecido extinguindo a Secretaria de Estado da Habitação e criando, talvez, uma secretaria de Estado para empréstimos ...
Por outro lado, o Sr. Ministro teceu loas às cooperativas, dizendo que as cooperativas de habitação são as maiores construtoras de habitação neste país. Mas a verdade é que também foi o seu Ministério que cortou às cooperativas o crédito colectivo, concedendo-lhes apenas o crédito individual. E, como se ainda não chegasse, uma portaria editada há dias obriga as cooperativas à prova do rendimento de todos os agregados familiares, isto como forma de estrangular ainda mais as cooperativas.
Quem recorre às cooperativas está na mesma situação de quem recorre ao empréstimo numa instituição bancária. Portanto, eu pergunto só isto: e aqueles que não podem recorrer às instituições bancárias porque não têm capacidade económica para o fazer? Quem constrói habitação social para eles, Sr. Ministro?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Ministro, como tenho um pouco mais de pudor que alguns deputados da bancada do PSD, não vou dizer que só depois de ouvir a sua intervenção é que percebi que a interven-

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cão do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social não era tão demagógica como isso. Mas, digamos, não quero fazer qualquer referência... vou apenas falar dos quatro grandes pontos a que o Sr. Ministro chamou uma «política de habitação».
Nego-me a aceitar que o Sr. Ministro tenha uma política de habitação. O Sr. Ministro tem algumas medidas de actuação no sector da habitação e, em relação ao primeiro ponto, o Sr. Ministro avança, como se fosse a maravilha das maravilhas, com a necessidade de se construírem 600 000 fogos. O Sr. Ministro desconhece o que toda a gente conhece, isto é, que se torna necessário construir mais de 750 000 fogos e que há 500 000 para reparar?
Segundo ponto da sua intervenção, segunda questão em relação às suas linhas de actuação: o Sr. Ministro faz um grande finca-pé, procurando tomar medidas para que os rendimentos médios alcancem os empréstimos. «Facilitar a compra de casa própria a estratos sociais de rendimentos médios» - está escrito pelo Sr. Ministro. Esse não é o problema. O problema é saber como tem habitação um terço das famílias portuguesas, que são 900 000 e que não têm solvabilidade para recorrer ao crédito ou, sequer, para pagar uma renda adequada.
Terceiro ponto, terceira questão: esta política toda que definiu em que é que se apoia? É nos 4 milhões de contos do Instituto Nacional de Habitação para 1988? É nos 22 milhões de contos do IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado)? Esta política em que é que se alicerça, visto que não há dinheiro no orçamento para isto?
Quarto ponto, quarta questão: o Sr. Ministro fala de relançar o arrendamento habitacional. Sr. Ministro, não sei se sabe que entre 1970 e 1974 se construíam 50% para arrendamento. E também não sei se sabe que neste momento se constróem 1000 fogos para arrendamento. Gostava que o Sr. Ministro explicasse como é que vai conseguir isso para poder, mesmo que quisesse, resolver o problema até ao final do ano, o que seria triplicar os valores de construção actual e multiplicar por oito as reparações. Penso que é um bocadinho difícil e demagógico afirmá-lo.
Para terminar, coloco duas últimas questões: o Sr. Ministro disse que de 1980 a 1982 se construíram mais 10% do que no período de 1983 a 1985 e penso que, ao referir isso, queria uma explicação. Ela aqui vai: é que nesse período estava o PSD no Governo e houve duas eleições, em 1981 e 1982. Portanto, a razão por que se construiu mais nesse período foi a de que o PSD fez um esforço eleitoralista para construir mais alguns fogos.
Parece que um dos problemas da política de habitação é a falta de dinheiro. O Sr. Ministro é capaz de me explicar por que é que o empréstimo do Banco Mundial continua depositado no Loyds Bank quando existem vários projectos já entregues? Porquê, Sr. Ministro, não aplicar essa vultosa verba na construção de habitação?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, V. Ex.ª aludiu exclusivamente a problemas da habitação e sabemos que tem não um mas três pelouros ou três áreas de responsabilidade no Governo. É estranho que numa interpelação sobre trabalho o Ministro do Emprego e da Segurança Social não discuta a questão do pacote laborai e que o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações não discuta transportes - que «por acaso» é uma área sensível. Eu gostava de perguntar a V. Ex.ª se isto é um mero acaso ou se está disponível para responder ainda agora, antes do almoço, a algumas questões também sobre os problemas dos transportes e sobre a questão particular da requisição civil e do abuso inqualificado que o Ministério a que V. Ex.ª preside vem praticando quanto a este Instituto.
Se me clarificasse, se me desse um sinal verde, vermelho ou amarelo quanto a este aspecto, eu podia prosseguir.

Pausa.

Sr. Ministro, estou a perguntar se V. Ex.ª está disponível para ser perguntado, a esta hora, sobre as questões da requisição civil, ou se o Governo entende planificar o debate de outra forma e garantir que V. Ex.ª compareça noutra altura para aprofundar esse aspecto, ou se foi tudo isto um acaso, e nessa circunstância eu não faria qualquer pergunta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Presidente, respondo às perguntas que me fizeram, inclusivamente a esta que o Sr. Deputado José Magalhães acaba de fazer.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem novamente a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, é verdadeiramente espantoso que V. Ex.ª se tenha dirigido à Câmara focando exclusivamente os problemas de habitação. Percebe-se! Tratou-se de fazer uma operação propagandística. O Ministro do Emprego e da Segurança Social distribui pelo País 2 milhões de panfletos sobre as virtualidades do pacote laborai. V. Ex.ª vem à Assembleia da República e mais modestamente distribui um discurso. Cada qual faz o que pode!...
Quanto às atitudes do Ministério em relação à requisição civil, devo dizer que nos parece estranho que o Governo não coloque aqui, frontalmente, a questão do abuso desse instituto, uma vez que está a usá-lo não como arma de excepção que é, mas como um verdadeiro «camartelo», que é brandido com violação qualificada da Constituição e da lei.
Ao que parece, pelos vistos porque se dedica excessivamente ao domínio da habitação, V. Ex.ª não teve tempo para ler a Lei da Greve nem para reflectir sobre o que constitui o problema da requisição civil como instituto de excepção que é. Portanto, viola os pressupostos materiais, faz requisições que excedem estes e tem uma noção verdadeiramente «abracadabrante» que abrange tudo. Isto tem aplicações no passado e, ao que parece, também no futuro.

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Gostaria de perguntar a V. Ex.ª se é verdade que ordenou ou que uma empresa -refiro-me, concretamente, à CP - sob a tutela do seu Ministério está a ordenar a inventariação, escritório a escritório, de quantos funcionários deverão estar a trabalhar no dia da próxima greve geral.
Também gostaria de saber se V. Ex.ª entende que o funcionamento dos escritórios faz parte dos serviços mínimos obrigatórios da CP, que, tanto quanto sei, assegura transportes ferroviários.
Por outro lado, queria perguntar-lhe se entende que a circulação de comboios de mercadorias também constitui um serviço mínimo obrigatório. E quais? Comboios de mercadorias a granel ou todos?
Devo dizer que estamos inquietos quanto a esta noção de serviço mínimo obrigatório, a qual é abertamente inconstitucional, porque a requisição civil está a ser usada como arma de coacção sistemática para se obterem resultados negociais. E não sei se V. Ex.ª será o seu autor ou se conhece a declaração de um porta--voz governamental, segundo a qual uma famosa requisição civil, concretamente a da CP, se destinava a ficar em vigor até haver um acordo. Dizia o porta-voz: «agora que já há ou que se está prestes a chegar a acordo, levanta-se a requisição». Isto passou-se em relação à Carris e traduz um espírito completamente ilegal e inconstitucional face ao que sejam as virtualidades próprias de uma requisição civil.
Por outro lado, Sr. Ministro, a noção de níveis mínimos de serviços obrigatórios que está a ser aplicada também é inconstitucional e ilegal. Se V. Ex.ª se der ao trabalho de ler a lei, verificá-lo-á. Por exemplo, no caso da greve da TRANSTEJO, em 16 de Março, estabeleceram-se horários:
Cais de Alcântara-Cacilhas: entre as 5 horas e 30 minutos e as 10 horas e entre as 17 horas e as 20 horas e 30 minutos circulará um barco de quinze em quinze minutos;
Cais do Sodré-Cacilhas: entre as 6 e as 10 horas e entre as 17 horas e as 20 horas e 30 minutos circulará um barco de vinte em vinte minutos; entre a l hora do dia 17 e as [...] não haverá circulação de carreiras.
Ah! Felizmente! E por aí adiante!
Pergunto a V. Ex.ª: que noção é esta de serviços e de níveis mínimos obrigatórios? O mínimo é tudo?
Com esta noção de nível mínimo obrigatório, que espaço seria deixado aos trabalhadores para a definição e o exercício dessa coisa elementar e constitucional que se chama o direito à greve, direito este que o Governo pretende esbarrondar por duas vias: através da requisição civil «bruta» ou através da requisição «envergonhada», ínvia ou disfarçada, que é a definição de uma noção de serviços mínimos obrigatórios que viola os limites constitucionais?
No meio de tudo isto, hoje, dia de interpelação ao Governo, como é que V. Ex.ª é capaz de vir a esta Assembleia da República e calar-se sobre esta matéria? A não ser que eu esteja a fazer algo terrível e deselegante. Ou será que V. Ex.ª já tinha preparado uma fulgurante declaração política sobre esta matéria, mas que a estava a reservar para depois da hora do chá e não para a hora do almoço?

Risos.

Se assim for, pedir-lhe-ei desculpas, naturalmente, e far-lhe-ei a vénia regimental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Deputado Luís Roque, relativamente à posição que o Governo toma em matéria de política de habitação, a sua é uma pergunta que me tem formulado constantemente e a que vou responder, provavelmente pela vigésima vez, e sempre do mesmo modo. Embora não tenha a pretensão de convencê-lo, Sr. Deputado, responder-lhe-ei mais uma vez.
Na execução da política de habitação, a administração central provou que funcionava mal. Vivemos num tempo em que as decisões devem ser descentralizadas na maioria dos aspectos da nossa vida colectiva.
No que respeita à questão da habitação social, tivemos toda a experiência adquirida através do funcionamento do Fundo de Fomento da Habitação. Sendo um organismo que fazia financiamentos, que fazia projectos, que lançava e controlava empreitadas e que cobrava rendas à medida que o número de fogos ia crescendo, quando, de Melgaço a Vila Real de Santo António, o número de habitações do Fundo atingiu os 40 000, o sistema -o modelo, se quiser!- ruiu, rebentou pelas costuras.
Estamos a praticar um sistema descentralizado. Apoiamo-nos nos municípios, nas cooperativas e nas empresas privadas que queiram fazer contratos de desenvolvimento da habitação.
Estamos convencidos de que vamos encontrar melhores soluções para os problemas. A priori era um convencimento, e os números do breve balanço que fiz no meu discurso provam-no cabalmente e encorajam-nos a prosseguir nesta via.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente às cooperativas e ao crédito para a compra individual ou colectiva de habitações, o Sr. Secretário de Estado esclarecê-lo-á depois, dado que conhece essa matéria em pormenor.
Quanto às perguntas do Sr. Deputado Eduardo Pereira, verifico que se nega a aceitar que este governo tem uma política de habitação. Que hei-de fazer para evitar que o senhor o negue? Não está nas minhas mãos!
Quanto a objectivos e aos principais meios de acção, a política de habitação está formulada no Programa do Governo. Assim, constam deste Programa os princípios essenciais que devem presidir à utilização de uns e não de outros meios de acção para atingir esses objectivos. Se o Sr. Deputado Eduardo Pereira não quer ler nem estudar a fundo o Programa do Governo, então não posso fazer nada nem posso dissuadi-lo do seu convencimento acerca da inexistência de uma política de habitação.
Sr. Deputado, a política de habitação existe, tem objectivos, tem meios de acção e tem princípios, a que aludi na minha intervenção.

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O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Esta tarde responder-lhe-ei!

O Orador: - O Sr. Deputado Eduardo Pereira referiu-se a um número de 600 000 fogos, quando os inquéritos feitos nos dizem que há 750 000. E até um estudo de uma associação empresarial, publicado há dias, fala da necessidade da construção de 1 500 000 fogos em Portugal.
Assim, vou ler-lhe, pausadamente, o que disse na minha intervenção:
[...] acelerar a construção habitacional, por forma a que o País disponha, no mais curto período possível, de 600 000 novos fogos, com vista a suprir deficiências habitacionais irrecuperáveis e, por isso mesmo, de particular acuidade.
Do conjunto de habitações que há a fazer destaquei a prioridade da construção de 600 000 fogos, mas, como não quero falar à toa diante da Câmara, não disse se este número deveria ser construído em cinco, três ou dois anos. É certo que admiti essa pergunta da sua parte, mas quis destacar, claramente, que se tratava de um subconjunto do total que é necessário construir.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Peço-lhe desculpa, mas agora não. Deixe-me chegar ao fim da minha resposta, porque disponho de pouco tempo.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - O senhor esquece-se de que há 60 000 casais a precisar de casa todos os anos!...

O Orador: - Ó Sr. Deputado Eduardo Pereira, mas é que vai resolver-se o problema de 900 000 famílias mal instaladas!... Referi-me aos problemas do alojamento, dos créditos para realojamento que estamos a implementar e referi até as localidades onde isso está a ocorrer: 10 000 fogos em Lisboa, 2000 no Porto, e por aí fora até atingir os 17 000.
Do que é que se trata? Há uma intervenção do Estado através da administração municipal. O Estado, administração central, paga metade do valor/fogo e a administração municipal a outra metade. A partir daí pode haver rendas anormalmente baixas para satisfazer esses estratos populacionais. Vamos caminhar nesse sentido. Para isso já envolvemos, como disse, 43 milhões de contos, o que não é nenhuma brincadeira. Repito, já envolvemos 43 milhões de contos e, como sempre digo, desafio aqueles que me precederam a provar que fizeram melhor do que se está a fazer.
Perguntou-me o Sr. Deputado como vou relançar o mercado de arrendamento. Penso que essa pergunta é pertinente, Sr. Deputado; apoiamo-nos na lei do bloco central, na Lei das Rendas, e executamo-la, creio eu, dentro do seu espírito e da sua letra. Estamos, no entanto, a chegar à conclusão de que essa lei é insuficiente porque não estão a aparecer casas construídas para arrendamento, como alguns dos Srs. Deputados do seu partido exuberantemente afirmaram que havia de acontecer, uma vez publicada a lei.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - É falso!

O Orador: - Disse aqui claramente:
Os inquilinos não estão satisfeitos porque pagam de mais e não vêem obras; os senhorios acham que as correcções extraordinárias são de menos.
Sr. Deputado, disse, e repito, que estamos atentos ao problema e não passará muito tempo para que possamos discuti-lo mais a fundo. Como vê, compreendo perfeitamente a pergunta que o senhor formulou.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Deixe-me acabar, Sr. Deputado.
Sr. Deputado José Magalhães, estou aqui com um espírito de dar à Câmara todos os esclarecimentos que me sejam pedidos e que humanamente possa dar.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Estou a pedir-lhe que me deixe fazê-lo, Sr. Ministro!

O Orador: - Srs. Deputados, vim hoje para aqui com a indicação dada pelo Partido Socialista, que interpela o Governo, de que a área que seria tocada era a da habitação, para além da do trabalho. Por isso não se estranhe que o meu discurso, intitulado «Os resultados da política de habitação», só foque esse ponto.
Terei muito gosto em responder a perguntas da do estilo que o Sr. Deputado José Magalhães fez relativamente à requisição civil. Tive já ocasião de esclarecer que a requisição civil é, de facto, uma decisão extraordinária e não uma decisão normal. Foi também aqui dito, por vários Srs. Deputados, o número de vezes que ela foi tomada e indicados os governos que o fizeram.
A requisição civil não põe em causa o direito à greve; dirige-se apenas aos trabalhadores que, estando em greve, devem cumprir os serviços mínimos. Dirige-se a esses e só a esses!
Quanto à discussão do que deve ser o serviço mínimo...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Aí é que bate o ponto!

O Orador: - ... Sr. Deputado, podemos de facto discutir o que ele deve ser.
Há aqueles que dizem que o serviço mínimo é pôr as luzes a funcionar ou guardar os escritórios -e isso é um serviço de segurança e não um serviço de transporte- e aqueles que dizem que «é tudo mínimo». Como é que podemos entender, por exemplo, que a Carris, às horas de ponta, leve os autocarros a mais de 100% ou que não haja autocarros suficientes? Como é que, à hora de ponta, não há-de ser tudo mínimo?
Entre um extremo e o outro podemos encontrar uma solução, talvez melhor do que aquelas que têm sido utilizadas, mas acredite que não pomos em causa o direito à greve e que privilegiamos a concertação social. Estas medidas quando são tomadas são-no por um dever, como eu disse publicamente, indeclinável de qualquer governo para, por um lado, respeitar o direito à greve e, por outro, respeitar o direito ao trabalho.
Era esta a resposta que queria dar-lhe.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Eduardo Pereira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, penso que é para um protesto, mas V. Ex.ª dirá se é para uma interpelação.

Risos do PSD e do PRD.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Provavelmente, vai fazer uma intervenção!

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, sem sequer saber o objectivo, como posso definir se é para um protesto ou para uma interpelação que pretende usar da palavra?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, vou explicar o objectivo: o Sr. Ministro não respondeu à minha questão sobre o depósito de verbas do Banco Mundial no Loyds Bank e, tendo mesmo sido chamado à atenção, negou-se a responder.
Gostava, pois, que o Sr. Ministro me dissesse se não respondeu porque se esqueceu ou porque não o quis fazer.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transporte e Comunicações: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se assim entender, o Sr. Ministro poderá esclarecer o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, devo dizer-lhe que não respondi porque me esqueci. Na minha exposição passou-se essa pergunta.

Mas, devo dizer-lhe, não tenho qualquer informação no sentido de que essa verba esteja por utilizar. Não tenho qualquer informação, repito.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - O quê?!

O Orador: - Não há verbas do Banco Mundial por utilizar nesta matéria de habitação, mas talvez o Sr. Secretário de Estado da Construção e Habitação, que se encontra a meu lado e que naturalmente segue essa questão com mais pormenor, lhe possa dar uma informação mais completa do que a minha.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É melhor chamar o Jacinto Nunes!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que estamos a fugir um pouco ao Regimento. Mas, enfim, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Construção e Habitação.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Quem fugiu foi o Sr. Deputado Eduardo Pereira! Ele é que é um «fugidor»!

Risos.

O Sr. Secretário de Estado da Construção e Habitação (Elias da Costa): - Penso que o Sr. Deputado Eduardo Pereira se está a referir aos apoios que vêm sendo dados ao Governo Português através da AID.
Gostaria de precisar se é mesmo essa a questão, porque, ao nível das verbas afectas ao Instituto Nacional de Habitação, os apoios que temos são os da AID, através de tranches que, neste momento, estão aprovadas em cerca de 50 milhões de contos.
Em 1987 foram utilizados 12,5 milhões de contos e em fins de Dezembro do mesmo ano foram negociados e concretizados 12,5 milhões de contos, que entraram nos cofres do Estado Português nos finais de Janeiro e que estão a ser aplicados e controlados através da própria AID, que, como sabe, acompanha, a par e passo, o Instituto Nacional de Habitação. Portanto, não há qualquer motivo de preocupação nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos, que se reiniciarão às 15 horas.
Está interrompida a sessão.

Eram 13 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Para formular pedidos de esclarecimento ao Governo, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, vou colocar uma questão relativa à política de rendimentos que está a ser posta em prática no corrente ano.
Numa política de rendimentos bem concebida e em condições de equilíbrio, as percentagens de aumento dos salários devem, em princípio, ser iguais à percentagem de aumento esperado na taxa de inflação mais a taxa de aumento esperada na produtividade média na economia. Esta referência à taxa de aumento de produtividade média na economia é extremamente importante pelas razões que vou passar a mencionar: é que no acordo da concertação social fala-se da produtividade ao nível das empresas ou dos sectores onde são negociados os salários. Simplesmente, isso dá como resultado que as taxas de aumentos salariais tenderão, de acordo com essa regra, a variar enormemente de umas empresas para outras ou de uns sectores para outros, em função das evoluções diferenciadas da produtividade.
Quando olhamos para o que normalmente é recomendado como política de salários e de rendimentos noutros países, que têm aplicado políticas deste tipo, verificamos que o que se recomenda nesses países - aliás, é isso que vem exposto na maior parte dos textos sobre a matéria - é que se tome como padrão a taxa de aumento esperado médio da economia, por forma que os aumentos salariais sejam mais ou menos semelhantes em todos os ramos e em todas as empresas. É evidente que há sectores onde a produtividade sobe mais do que noutros, mas aí os preços tenderão a subir menos ou até a descer, para que os benefícios da produtividade sejam partilhados não só pelos trabalhadores mas também pelos consumidores.
Em compensação, nos sectores onde a produtividade sobe menos do que na média haverá um aumento de preços mais rápido do que a média. É assim que vemos que funcionam as políticas de rendimentos e preços na maior parte dos países onde têm sido ensaiadas.

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Porém, entre nós não se adoptou essa decisão e daí resultam consequências que me deixam um pouco intrigado. Creio que é com base no facto de não se ter tomado como referência um aumento da produtividade média que vimos o Governo a fazer propostas de aumentos salariais da ordem dos 6% em alguns sectores por ele controlados - 6,5%, como foi o caso do funcionalismo público, ou 1%, às vezes.
Ora, o que acontece é que, mesmo que acreditemos nas perspectivas de inflação do Governo, nos 6% que o Governo negociou no Conselho de Concertação Social - e em que já não acreditamos, mas não vou abordar agora esse ponto -, temos de admitir que o aumento médio da produtividade para o ano de 1988 é, pelo menos, de 2%. E se somarmos 2% a 6% chegamos à conclusão de que neste país os salários deveriam aumentar, em 1988, pelo menos 8%.
Sendo assim, por que é que o Governo tem insistido tanto em taxas de aumentos salariais bastante inferiores, que contribuíram enormemente para a instabilidade social, para os climas de conflitos laborals em que temos estado a viver? Que resposta é que o Governo tem para esta atitude que tomou e que explica por que é que nesta altura estamos com tantas dificuldades no sector laboral?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, é do conhecimento público que existe um enorme manancial de mão-de-obra «perdida» pelo nosso país, que, a ser apoiado como na realidade o deveria ser, criaria riqueza para Portugal e daria a possibilidade de muitos cidadãos aplicarem a sua técnica e capacidade numa arte que lhes proporcionaria rendimentos próprios e projectos de futuro. Refiro-me aos artesãos.
Infelizmente, em Portugal, o artesanato, considerado uma arte menor, tem sido, salvo raras e louváveis excepções, vetado a um quase total abandono, com os prejuízos óbvios para a riqueza e cultura do nosso país.
O anterior governo, preocupado com a total inoperância verificada no apoio aos nossos artesãos - e recorda-se a inactividade da CIPA, Comissão Interministerial para o Artesanato, que está paralisada há três anos, da CEA, Comissão Executiva para o Artesanato, que nunca funcionou, e dos NARAS, que estão hoje totalmente desactivados -, fez publicar em 10 de Novembro de 1986 um despacho conjunto de vários ministérios (que integrava também o Ministério de que o Sr. Ministro faz parte), em que se criava um grupo de trabalho que deveria entregar no prazo máximo de um mês propostas para encontrar mecanismos de actuação. E o facto é que entregaram um relatório em que se apontavam soluções válidas para a recuperação do artesanato e valorização dos nossos artesãos. Pergunto, Sr. Ministro, porquê esta indiferença ao trabalho executado pelos nossos artesãos? Por que é que não se cria um departamento específico para o apoio ao artesanato? O Sr. Ministro sabe, com certeza, que são muitos os milhares de pessoas que em Portugal, não tendo emprego fixo, aplicam o seu trabalho nesta área e, até ao presente, o Governo nada fez para os apoiar, verificando-se mesmo nalguns casos abandonos que, naturalmente, vêm engrossar o número de desempregados no nosso país.
Temos bons exemplos no mundo, concretamente na Europa, de como é que se incentiva o artesanato e de como é que esta arte é geradora de postos de trabalho. Em França existe o Ministério de Artesanato, em Espanha existe a Empresa Nacional de Artesania, em Angola existe a ARTIANG, que, inclusivamente, já fez exposições em Lisboa e no Estoril. Por que é que nós não seguimos estes exemplos, Sr. Ministro?
No discurso que produziu, o Sr. Ministro salientou o facto das facilidades postas em prática e concedidas aos faltosos por atrasos verificados no pagamento das contribuições à Segurança Social. Já tive oportunidade de dizer nesta Câmara - e repito - que estamos perfeitamente solidarizados com o Sr. Ministro quando se aplicam sanções aos infractores, que naturalmente são grandes empresas, nomeadamente na não concessão de subsídios das Comunidades.
No entanto, recordo, Sr. Ministro, que a Segurança Social também está em falta nos seus pagamentos e que um dos casos visados por essa falta não tem quaisquer outros recursos de sobrevivência. E dou exemplos, Sr. Ministro: há quase três anos que a Segurança Social não cumpre os acordos celebrados com o Serviço Nacional de Bombeiros, e situações dramáticas já hoje se verificam. Tenho números: aos bombeiros do distrito de Beja, as ARS devem uma quantia superior a 30 000 contos; aos bombeiros de Vila Real, a dívida até ao fim de Fevereiro era de cerca 9000 contos; o diferencial do preço do quilómetro, cujo acordo foi celebrado em Janeiro de 1986, tinha sido pago apenas em 25 % aos bombeiros do Algarve, em Dezembro de 1987.
O Sr. Ministro tem consciência do dramático desta situação? Até quanto é que pensa que os bombeiros terão capacidade de resposta na assistência às populações, não recebendo o pagamento do transporte dos doentes num período razoável para, logicamente, fazerem face às despesas inerentes a essa função?
Sr. Ministro, há casos em que os postos abastecedores de combustível recusaram atestar as ambulâncias, o que implica que os doentes tenham de «ficar em terra». O que é que V. Ex.ª pensa disto e o que é que tem a responder a esta situação?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado utilizou quatro minutos. Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, na intervenção de resposta às intervenções interpelantes, V. Ex.ª afadigou-se em enumerar um conjunto de medidas que classificou como de alcance social claro e nítido e que ilustram a preocupação social deste governo e a eficácia da sua política. Por outro lado, o partido que apoia o Governo a que V. Ex.ª pertence ganhou as eleições de 19 de Julho passado com uma maioria expressiva,

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inédita no nosso sistema eleitoral, a qual tem vindo a reivindicar como um sinal efectivo e claro de legitimidade democrática - e até algumas vezes mais que um sinal claro e nítido de legitimidade democrática - para travar e descaracterizar ou caracterizar num sentido negativo as nossas iniciativas como oposição.
Posto tudo isso, Sr. Ministro, com uma política social clara, de efeitos positivos, portadora de uma preocupação social nítida, apoiada por uma maioria claramente interclassista e vastíssima, como é que chegamos a esta situação? Que explicação poderá V. Ex.ª fornecer para a situação actual? Em vésperas de uma greve geral, a qual é declarada com o acordo de membros do seu próprio partido, que corresponde a uma situação perante a qual o meu partido já tomou posição muito clara e que é uma situação de crispação e de conflito social que W. Ex.as nunca nos deixaram adivinhar quando pediam ao País a ampla maioria de que dispõem, como é que o País vai reagir perante isto? Para quê, se a paz não está instalada entre nós, antes pelo contrário!

Vozes do PSD: - Está! Está!

O Orador: - Vamos ver, Srs. Deputados!

Avanço, Sr. Ministro, e peco-lhe que me responda, criticando a minha posição, se a explicação para esta situação de crise social -grande maioria, preocupação social, preocupação por uma política de concertação social - é devida a esta circunstância de o Governo em que V. Ex.ª se integra ter adoptado como política para resolver o problema das contradições existentes na sua base social de apoio uma política que eu diria que é de «faz que anda, mas não anda». Isto é, o Sr. Ministro avança com uma proposta de lei destinada a flexibilizar as relações de trabalho, justifica-a, diz mesmo que, no fundo, ela se destina a inverter o panorama do emprego no País, e submete-a a um processo de concertação. Perante críticas que sofre, ontem vimo-lo na televisão a tentar dizer-nos que, afinal, a lei que tem proposta para ser aprovada é a menos europeia de todas, é a que menos flexibiliza, não é flexibilizadora, antes pelo contrário, introduz grande rigidez.
Perante esta posição vemos que o Sr. Ministro acaba por ser criticado por todos os trabalhadores presentes e por todas as entidades patronais. Faz que anda, mas não anda! É um bocado o que se passa com o processo das privatizações, em que as propostas que estão submetidas a esta Assembleia são propostas de «faz que andam, mas não andam».
Sr. Ministro, por outro lado não explicará também esta situação de crise nítida a atitude que VV. Ex.ªs têm tomado perante a Assembleia e a oposição, a atitude que é também da crispação e pronunciadora desta crispação social e que é de defesa permanente? Quer dizer, parece que VV. Ex.ªs ainda não estão convencidos de que dispõem de maioria na Câmara e de que têm essa maioria para operar! Perante esta interpelação do PS, tão preocupado com as medidas de carácter social que VV. Ex.ªs não tomaram, mas que o Sr. Ministro diz que tomaram, não seria, porventura, mais correcto colocar à Câmara o problema de saber para onde é que vai...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª atingiu o limite máximo de cinco minutos. Portanto, faça favor de terminar os seus pedidos de esclarecimento.

O Orador: - Sr. Presidente, gostaria de terminar o meu raciocínio. Transfiro o tempo da bancada...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para não distorcer o debate em questão, combinámos que os três minutos podiam ser prolongados até cinco minutos e que no limite desse tempo a Mesa avisava os oradores e cortava-lhes o uso da palavra. Portanto, apenas peço o favor de terminar o mais brevemente possível para não distorcer o debate, tal como ficou acordado na conferência de líderes parlamentares.

O Orador: - Certamente, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, o que estava a perguntar é se não seria preferível aproveitar esta interpelação ao Governo para colocar um problema à Assembleia, que é o problema do destino da nossa Segurança Social. Com as medidas que VV. Ex.ªs têm tomado, que futuro tem a nossa Segurança Social? E que futuro teria com as medidas que o PS nos está a propor?
O mesmo se diga da taxa de inflação, da política de rendimentos, no fundo, da política de flexibilização das relações de trabalho. Não será porque o Governo se crispa na defesa e não está ainda convencido de que dispõe de uma maioria que, no fundo, as situações de crise se vão sucedendo, não só cá dentro, como também na própria sociedade portuguesa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, V. Ex.ª referiu na intervenção que fez que são pelo diálogo e pela concertação social. Porém, em nossa opinião, não é disso que o Governo tem dado provas, aliás, como ontem foi demonstrado por V. Ex.ª no debate travado na televisão, ao mostrar-se, uma vez mais, insensível e indiferente a argumentações justas e ponderadas. V. Ex.ª deve ter a gravação do espectáculo ontem travado na TV e é capaz de me dar razão depois de voltar a ver o que para lá disse.
À preocupação social dos dirigentes sindicais respondeu o Ministro com um «não» rotundo sem avaliar claramente as consequências desse «não» rotundo.
Esta manhã, o Sr. Ministro apontou um quadro cor-de-rosa sobre a situação do País. Chegou a dizer que o Governo adopta uma política baseada na conciliação entre o progresso económico e a justiça social. Aqui, Sr. Ministro, tocamos no busílis! O que disse não corresponde à verdade e o pacote laborai aí está para demonstrar o contrário!
Em nossa opinião, a actuação governamental no tocante à política laborai é extremamente preocupante. Sem cuidar de melhorar as condições de vida dos trabalhadores, o Governo tem deliberadamente provocado situações de flagrante injustiça, de insegurança, de instabilidade e de confrontação social, ao contrário da justiça social que V. Ex.ª referiu no discurso que produziu hoje da parte da manhã.
O Sr. Ministro esqueceu de se referir à insegurança no trabalho, às centenas de milhares de contratados a prazo, às centenas de milhares de desempregados. Não basta referir os 6,6% que V. Ex.ª apontou, pois é preciso dizer quantas pessoas são, e são centenas de milhares. O Sr. Ministro também esqueceu de se referir à

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falta de perspectivas para os jovens em busca do primeiro emprego e a quem ainda muito recentemente o Governo diminuiu drasticamente o subsídio a que teriam direito. Com tanto esquecimento, já foi destacando demagogicamente «a melhoria» do bem-estar e da qualidade de vida dos Portugueses, como seja a promoção social, a protecção à família, a idosos e a deficientes, como o Sr. Ministro apontou no seu discurso. Nesse caso seria interessante ouvir as posições do Sr. Ministro para justificar o descontentamento geral da população - descontentamento esse cada vez mais crescente -, confirmado por sondagens publicadas em jornais afectos à área governamental. Perante esta situação, que é a nossa posição, gostaria de saber como é que o Sr. Ministro justifica não só a convocação da greve geral para o dia 28, apoiada por duas centrais sindicais, por sindicatos independentes e por imensos trabalhadores não filiados, mas também a onda de greves que há vários meses tem grassado no País e se tem desenrolado um pouco por todo o País. Sr. Ministro, V. Ex.ª julga que se a política governamental não criasse tanto descontentamento haveria esta onde de greves e a própria greve geral do dia 28 deste mês?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Depois destes debates a que temos assistido, começa a ficar claro para nós que o Governo persiste em não dar mostras de querer implementar uma verdadeira política social que contribua decisivamente para esbater as grandes assimetrias que se verificam no tecido social português.
A única preocupação deste governo tem sido a criação de uma imagem de marca, de design rigorosamente europeu para utilização em numerosos spots publicitários, quer para consumo interno, quer para consumo externo, como temos vindo a assistir ultimamente.
É de crer até que, sofrendo de um complexo de inferioridade europeísta, a primeira coisa que o Sr. Primeiro-Ministro deve fazer todos os dias de manhã é rever-se no seu espelho mágico e perguntar: «Espelho meu, haverá algum governo mais europeu do que eu?»

Risos.

Vozes do PSD: - Essa já é velha!

O Orador: - Creio que esta será a primeira preocupação do dia-a-dia do Sr. Primeiro-Ministro!
De facto, o único referencial para a análise do tecido social português tem sido até agora o modelo europeu ou os modelos europeus -não sabemos- pintados com as cores da conveniência, uma vez que as metas que se pretendem atingir são aquelas que nos países da Europa comunitária são as mais gravosas para os cidadãos. São essas e não as outras!
De facto, o Governo não lê a realidade no livro real do dia-a-dia da maioria dos cidadãos portugueses e persiste em fabricar uma realidade que caiba nos esquemas encolhidos daquilo que tem sido a sua política anti-social. Se lançarmos um olhar límpido, não coado, pela propaganda oficial sobre a realidade portuguesa, facilmente constatamos como sobe vertiginosamente o mercúrio nos termómetros, que são a delinquência juvenil, a prostituição, as bolsas de pobreza cada vez mais extrema, a marginalidade. Penso que ninguém terá dúvidas sobre o valor destes termómetros como indicador da sanidade do tecido social.
Mas, pegando apenas num destes termómetros, vou colocar algumas questões, não sei a que ministro, mas ao Governo: como explica o Governo o aumento galopante do número de cidadãos que encontram na prostituição o único meio de subsistência? Como explica o Governo o aumento do número de mulheres que caem na prostituição depois dos 30 ou dos 40 anos? Como explica o Governo que a quase totalidade dos cidadãos que se prostituem - e são muitos milhares - sejam oriundos das classes economicamente mais débeis? Como explica o Governo que o fenómeno continue a alastrar apesar do expectro da sida? Como explica o Governo que, apesar da magnitude e do dramatismo deste fenómeno, não hajam dados oficiais e que os únicos estudos encomendados pela Administração, um em 1977 e o outro em 1985, não tenham sequer sido publicados? Neles haviam propostas que, a serem cumpridas, provavelmente trariam algumas novidades.
Que resposta tem este governo para este fenómeno que já está classificado na ONU como a escravatura do século XX? Que terá tudo isto a ver com o desemprego e com a precarização do trabalho? Que terá tudo isto a ver com a ausência total de uma política social que tenha em vista o cidadão português real e não o cidadão herói de uma qualquer banda desenhada na Europa? Que terá tudo isto a ver com o aumento do número de famílias que vive em condições infra-humanas? Ou será que a raiz deste fenómeno está na perversão sexual de centenas de milhares de cidadãos portugueses? Ou será que o Governo considera que se trata de um submundo que nada tem a ver com os cidadãos mais decentes?
Ignorar e esconder estes temores sociais não fará de Portugal um país mais europeu e não contribuirá, certamente, para a criação de uma consciência europeia, como disse o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Anastácio Filipe.

O Sr. Anastácio Filipe (PCP): - Sr. Ministro, vou colocar-lhe uma pergunta simples e rápida e peco-lhe que a sua resposta não seja complicada. A questão é a seguinte: como explica o Sr. Ministro que instituições privadas de solidariedade social, sem fins lucrativos, como as CERCIs, recebam da Segurança Social e por utente menos de metade dos subsídios atribuídos as instituições com fins lucrativos, como os colégios particulares, quando as primeiras até produzem um melhor entendimento do que os segundos, como posso comprovar?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, descontando a frase, mais ou menos bombástica, sobre a questão da hesitação e da arrogância e retirando um pouco a imagem

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celestial da auto-satisfação pelas coisas feitas na área da Segurança Social, V. Ex.ª recusou pronunciar-se sobre a questão candente da proposta de lei dos despedimentos do governo do PSD.
A razão dessa atitude reside fundamentalmente no facto de essa matéria estar agendada aqui na Assembleia da República para o dia 14 de Abril, logo o não dever pronunciar-se, para já, sobre a matéria.
Nós pensamos que o critério é discutível. Mas, de qualquer forma, porque não deixou de abordar mesmo assim e ao de leve a questão processual, falando da primeira, segunda, terceira e quarta versões do chamado pacote laborai, gostaria de colocar esta questão ao Sr. Ministro: como sabe, houve uma discussão preliminar, porque a matéria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores é reservada à Assembleia da República. Portanto, aquilo que foi publicado na separata do Boletim do Trabalho e Emprego, de 17 de Dezembro, era apenas um projecto de intenções, na medida em que não poderia ser classificado de proposta de autorização legislativa ou proposta de lei, do qual V. Ex.ª diz -e é público - que não retira nem uma vírgula.
Entretanto, a maioria que apoia este governo resolve dar prioridade ao agenciamento dessa proposta de autorização legislativa. Queria perguntar-lhe, muito concretamente, se isso quer dizer que para o Governo a discussão pública está feita, incorrendo em mais uma inconstitucionalidade formal, pois, como o Sr. Ministro sabe, a Lei n.º 16/79 obriga à discussão pública, à verdadeira discussão pública, na medida em que cerca das 350 organizações que se pronunciaram o fizeram no sentido do repúdio e da recusa liminar do texto do projecto de intenções que o Governo colocou, mas reclamando que a sede própria de discussão dessa matéria fosse aqui, na Assembleia da República.
Ora, como as malhas apertadas da autorização legislativa não vão permitir isso, gostaria de saber se o Governo vai incorrer em mais uma inconstitucionalidade formal com este diploma, não permitindo um grande debate nacional através da publicação do texto em separata, não permitindo que a Assembleia da República se possa pronunciar plenamente em relação a uma matéria vital para a própria democracia portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Ministro, assistimos a uma exposição sobre segurança social quando aqui discutimos a interpelação sobre as questões laborais e sociais. Mas gostaria de colocar algumas questões que me ocorreram da sua intervenção, nomeadamente quando afirma que está a praticar uma política de segurança social justa, etc., enunciando diversos objectivos.
Relativamente ao subsídio de doença, que discutimos neste Plenário há um mês atrás, gostaria de saber se as alterações verificadas e que aqui foram enunciadas comportam ou não as situações existentes anteriormente à data do Decreto Regulamentar n.º 36/87. E coloco esta questão porque aqui a discutimos e foi devido à maioria PSD que o projecto de revogação do referido decreto não foi aprovado.
Sobre o subsídio de maternidade, lembro o Sr. Ministro de que esta não é uma questão nova, nem o Governo tem o privilégio de a considerar pela primeira vez, assim como lembro que foi aprovada nesta Assembleia uma lei que autonomizou à partida esse subsídio. Portanto, a confusão foi gerada pelo decreto regulamentar que os senhores fizeram sair em Junho de 1987. Esta é que é a realidade!
Outro aspecto que ainda gostaria de tratar no âmbito da Segurança Social refere-se ao facto de o Governo aqui referenciar, com algum orgulho, suponho eu, as várias iniciativas que tem tomado face às pensões, às reformas, etc. Portanto, pergunto ao Governo se é motivo de orgulho manter a situação da maioria dos reformados e pensionistas deste país, que vivem com reformas de miséria abaixo dos 13 contos mensais. Será que isto é motivo de orgulho para qualquer governo que se preze de justiça social?
Uma outra questão diz respeito à recuperação das dívidas à Segurança Social. Todos conhecem, com certeza, a regulamentação mediante a qual a recuperação das dívidas assenta no pagamento em bens. Sr. Ministro, como é que está regulamentada e salvaguardada esta situação, imaginando, por exemplo, que uma hipotética fábrica de gelo paga em bens as dívidas que tem à Segurança Social? Como é que os centros regionais de segurança social poderão prestar contas dos respectivos pagamentos por parte destas entidades?
Por outro lado, a quem é que as pequenas empresas devedoras se devem dirigir para usufruírem do chamado acordo de crédito, que é instituído neste momento e que o Governo tanto anuncia? A quem se devem dirigir estas entidades, considerando que - como é do vosso conhecimento - esta situação é do desconhecimento da generalidade das instituições bancárias? E como é que está a ser regulamentada e quais são as medidas que o Governo tem pensadas?
E, para finalizar, mais uma questão relacionada com o subsídio de doença: o Governo veio aqui anunciar que finalmente repunha uma situação criada e provocada pela gestão do então governo de Cavaco Silva. Relativamente aos retroactivos dos efeitos negativos deste decreto e se, efectivamente, se constata que é necessário rever as condições e critérios para a atribuição do subsídio de doença, como é que o Governo pensa colmatar as graves dificuldades criadas a milhares de trabalhadores que foram lesados e ainda se encontram lesados com a vigência deste decreto, que ainda não foi alterado?
Portanto, continuamos a assistir a um anunciado de intenções, que na prática não correspondem, efectivamente, à realidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, gastou cinco minutos do seu tempo.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Ministro, nesta interpelação suscitada pelo Partido Socialista e como já aqui foi dito, V. Ex.ª adoptou a técnica habitual - que no que respeita ao Partido Socialista é tão habitual que até surpreende como ainda é utilizada -, que é V. Ex.ª esquece-se - e compreende-se - que o

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interpelado é o Governo e não o Partido Socialista, e que quanto àquilo que foi a actividade do Partido Socialista dentro e fora do Governo, já se registaram várias provas eleitorais com as consequentes conclusões que o eleitorado tomou.
VV. Ex.ªs agora é que são o governo, VV. Ex.ªs é que têm legitimidade para governar...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Por isso é que vamos aprovar a lei laboral.

O Orador: - ..., mas nós temos legitimidade para vos fiscalizar.
E, por isso, o que queria perguntar ao Sr. Ministro era se V. Ex.ª não se terá recordado, nas comparações que fez, que houve em Portugal um governo da AD, seguramente entre 1980 e 1983, e que começou com o Ministro das Finanças, hoje Primeiro-Ministro, o engrossamento até à ruptura - digamos assim - do maior défice externo da história financeira portuguesa.
Será que V. Ex.ª se esqueceu de que o partido que está aqui foi um dos apoiantes desse governo? Será que porventura V. Ex.ª se esqueceu, ou haverá quem se possa esquecer, de que esse governo teve em condições que se conhecem, condições dramáticas, membros do seu partido, o Sr. ex-Deputado Amândio de Azevedo, o Sr. Deputado Rui Machete e por aí fora?
Será que VV. Ex.ªs querem continuar a fazer este passe de mágica gigantesco, que é estarem simultaneamente na oposição e no governo, consoante convém, consoante as conveniências?
A esse respeito já chegou o que fizeram e VV. Ex.ªs agora são o governo único, exclusivo, legítimo, têm maioria para governar. O que nós queremos discutir não é o que fizemos em circunstâncias diferentes, não é o que poderíamos ter feito em circunstâncias diferentes, mas é o que VV. Ex.ªs estão a fazer agora.
Quais são afinal as vossas políticas, quais são afinal as tonalidades de governação num país democrático que, curiosamente, dispõe de circunstâncias de enquadramento externo da economia portuguesa nunca vistas na economia portuguesa nos últimos quinze anos?
VV. Ex.ªs dispõem de uma maioria política e por isso é que estamos preocupados, porque apesar de o Governo ter maioria política e uma situação excepcional de enquadramento externo de economia, o País interroga-se sobre qual é efectivamente o seu futuro, qual é a coesão social que vai perdurar através das tarefas de modernização, qual é, afinal de contas, a política que VV. Ex.ªs têm na Segurança Social, no emprego, para o Fundo Social Europeu, para o trabalho infantil, para tudo isso e que são afinal questões decisivas neste momento e não aquela que em circunstâncias diferentes e difíceis da nossa vida política, e que V. Ex.ª escamoteia, porventura tivéssemos feito.
É sobre estas questões, porque VV. Ex.ªs pertencem a um partido que é uno, é o partido do Dr. Sá Carneiro ou o partido do Sr. Professor Cavaco Silva, é o partido de V. Ex.ª, não há dois partidos, o do Dr. Rui Machete ou do de V. Ex.ª Estão no Governo, estão na oposição, são o mesmo partido e, por isso, tenham a coragem de responder hoje pelas políticas que têm, pelas políticas que anunciam e não por aquelas que porventura foram executadas em circunstâncias profundamente diferentes.
V. Ex.ª não se pode ter esquecido disto, se se esqueceu é politicamente reprovável e gostaria de o ver esclarecer este ponto decisivo.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Vocês são oposição e querem ser governo, mas para isso têm de esperar quatro anos!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Ministro, gostaria de tecer algumas considerações relativamente ao discurso que V. Ex.ª tem produzido, não só aqui na Câmara, também ontem no debate da televisão e anteriormente noutros debates aqui no Parlamento, que me parecem reforçar a ideia dos mitómanos do europeísmo deste governo.
Na verdade, acho que há constantemente uma tentativa de introduzir na lógica do Governo, e concretamente na lógica do seu discurso, esta ideia de estarmos sempre dependentes de parâmetros que nos são exteriores e esquecer a realidade concreta e objectiva, que é a realidade social portuguesa, que é a realidade económica e cultural deste país. Esta é a primeira questão que gostaria de lhe deixar.
A lei dos despedimentos é, segundo palavras de V. Ex.ª, o caminho indispensável para aproximar a economia portuguesa dos padrões de nível da Europa, prioridade que V. Ex.ª considera, e são palavras suas, como fundamental para este país que somos nós, para este país que tem uma realidade, onde existe pobreza, não é verdade? Existe pobreza em Portugal, existe miséria, existe falta de saúde, existe falta de habitação... Portanto, é uma realidade que levaria a estabelecer outro tipo de prioridades, que respondessem efectivamente aos problemas com que se debate a sociedade portuguesa actual.
Ora, o que nós vemos é que as prioridades que estão estabelecidas, para além de terem parâmetros muito relacionados com realidades diferentes e com a dita Comunidade Económica Europeia, não propiciam a afirmação do indivíduo enquanto ser responsável, trabalhador, elemento da sociedade portuguesa., afirmam, pelo contrário, sistemas económicos e outros, que desvalorizam a participação efectiva do indivíduo e, portanto, do sujeito do desenvolvimento. Na realidade, nós não estamos a desenvolver, nós estamos a apresentar modelos e sistemas económicos para algo abstracto, quando devia ser para pessoas. Quem é o sujeito do desenvolvimento? São as pessoas concretas, são os Portugueses!
Assim, continuam a copiar-se os ditos bons exemplos - e digo «ditos bons exemplos» porque é o Governo que o afirma - da Europa, mas esquecem-se aqueles que são inconvenientes, ou seja, os ditos bons exemplos é flexibilidade para despedir e nós perguntamos: então e os salários que são diferentes dos salários que os Portugueses têm, que são mais altos na Europa, não convém também que sejam actualizados?
Por outro lado, é sempre afirmado por parte do Governo que decide «em nome do País» - e estas também são palavras suas - e perguntar-lhe-ia: em nome de que país? De um país abstracto? Ou de um país que

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tem um rosto? Ou de um país que tem gente concreta, que tem gente que tem vontade, que tem trabalhadores, entre os quais 2 800 000 que trabalham por conta de outrém? Se é em nome deste país concreto, então tem de haver respostas para esta gente que lhe dá corpo.
Certamente que vai falar no 19 de Julho, mas gostava que ampliasse, que considerasse um pouco mais amplamente e não restringisse.
Por outro lado, no seu discurso há também uma contradição quando diz que «nós fazemos para todos», assim como se todos fôssemos uma massa homogénea e indiferenciada, quando não somos, há diferenças e é preciso respeitar essas diferenças e é preciso ser capaz de dar corpo a uma política que aceite a diversidade social produtiva e económica e também a diferença de felicidade que certamente em Portugal é diferente para várias pessoas.
E então retomam-se «leis para andar à moda da Europa», que também é uma frase sua, portanto, para o Governo é bom este modismo, «porque as leis actuais portuguesas não favorecem o capital», são palavras suas de ontem. V. Ex.ª quer implantar em Portugal regras que na Europa já demonstraram que não prestam, que estão mal, pois há mais de 20% de desempregados em Espanha, em França o desemprego atingiu níveis extremamente graves. São essas as modas que têm de vir para Portugal?
E agora outro aspecto: não lhe parece excessiva e desajustada a prática de confrontar a juventude com esta ideia de opor empregados contra desempregados, juventude contra trabalhadores que têm o seu posto de trabalho? Não lhe parece este um falso conflito para desestabilizar, para estabelecer contradições, para movimentar algum sentido que não é o sentido mais útil, que é o sentido do progresso que V. Ex.ª afirma e do desenvolvimento?
Para terminar, dir-lhe-ia que tudo isto me soa muito a falso e gostaria que clarificasse, se é possível clarificar, estas contradições que me surgem do seu discurso e da sua prática.
Brecht dizia: «Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz que violentas são as margens que o comprimem.» V. Ex.ª quer assumir o papel de margem, mas o rio tem leis naturais, ele tem de correr, é fluente e há-de desaguar. Portanto, V. Ex.ª, por muito que queira, não pode ser margem deste rio que é natural, desta vontade plena de uma afirmação do direito à diferença.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não deixe o rio correr de mais se não ainda se afoga!

A Oradora: - Gostaria que V. Ex.ª reflectisse sobre a grande contradição entre o que é a realidade portuguesa, o que é o seu discurso e o que é a prática governativa na área do emprego e da segurança social.

Vozes do PCP e da ID: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Maria Santos utilizou 5 minutos.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Ministro, na intervenção que V. Ex.ª aqui produziu não houve, ao contrário do que era de esperar, quaisquer referências à proposta de lei laboral. Argumentou V. Ex.ª que haverá uma data futura para discutir a proposta, mas o certo é que dentro de cinco dias vai realizar-se uma greve geral no País por causa da proposta de lei laboral do Governo.
V. Ex.ª esteve ontem num debate na televisão a discutir com os vários parceiros sociais justamente a proposta de lei laboral e já foi distribuída pelas casas de todos os cidadãos um desdobrável do Governo ...

Vozes do PSD: - Não é do Governo, é do PSD!

O Orador: - ... tentando defender a proposta de lei laboral que o Governo anunciou, mas que o PSD rectifica, dizendo que não é do Governo.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Governo é que é nosso, o que é diferente!

O Orador: - De qualquer forma, o desdobrável distribuído enferma - seja o Governo ou o PSD o seu autor - de dois erros fundamentais, um dos quais é comparar a proposta de lei com uma proposta de 1985 que não chegou a entrar em vigor, quando o que está em causa é a legislação que existe.
O outro é referir-se à proposta de lei com meias verdades, isto é, com i n verdades. Por exemplo, quando se diz que não pode haver despedimento sem justa causa e se ler, por exemplo, o artigo 18.º, verifica-se que, na prática, justa causa é tudo. E isto que se esqueceram aqui de dizer.
De qualquer forma, nesta matéria, Sr. Ministro, o que eu gostaria era de saber em nome de que razões é que V. Ex.ª omitiu por completo qualquer referência a esta proposta de lei.
É evidente que a defesa dela é muito difícil e terá sido por isso que V. Ex.ª não se referiu a ela.
Por outro lado, V. Ex.ª encaminhou a sua intervenção no sentido de abordar outras áreas, nomeadamente a área do desemprego. Mas quanto a esta, e ao referir as medidas concretas, V. Ex.ª indicou nada menos de quatro diplomas inexistentes: um, que altera o regime de subsídio de desemprego, que já está aprovado; outro, para desempregados há mais de doze meses, que já está concluído; outro, sobre contratos por tempo indeterminado, que já foi aprovado pelo Governo; e ainda outro, sobre o regulamento de formação profissional, que o Governo também teria já aprovado.
A verdade é que V. Ex.ª, para tentar demonstrar a valia da intervenção do Governo, teve de se socorrer de diplomas inexistentes, porque são diplomas que são ainda embriões de diplomas legais, não viram ainda sequer a luz da publicidade e, por isso, foram anunciados como diplomas já ultimados e em aprovação.
Foi por isso que V. Ex.ª teve de se socorrer - e é esta a outra pergunta que lhe deixo - de diplomas inexistentes?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, na intervenção que fez

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esta manhã referiu que o Governo tinha legislação para acabar com os contratos a prazo. Todavia, há uma grande contradição entre aquilo que V. Ex.ª disse e o que está consignado nesta proposta de lei.
Senão, vejamos: o início da laboração de uma empresa justifica que todos os trabalhadores sejam contratados a prazo; é criada a figura do contrato incerto; possibilita-se a reconversão dos contratos a prazo em contratos incertos; admite-se a possibilidade de se contratar a prazo os trabalhadores das obras públicas, construção civil, montagens e reparações industriais, indivíduos à procura do primeiro emprego, desempregados de longa duração e jovens com menos de 25 anos.
Gostaria que o Sr. Ministro nos explicasse como é que concilia estas disposições da proposta de lei com a intervenção que fez.
Desculpe o desabafo, mas julgo que há uma certa hipocrisia entre aquilo que V. Ex.ª diz e o que está aqui consignado, que é o que o Governo pretende realizar na prática.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Reis.

O Sr. José Reis (PS): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, V. Ex.ª deu-nos de manhã um panorama muito colorido sobre os reformados e pensionistas, mas não resisto à tentação de lhe colocar uma questão sobre este assunto.
Existem em Portugal cerca de 1200 reformados e pensionistas dos Caminhos de Ferro de Benguela e há mais de 20 meses que a Caixa de Previdência não paga as pensões que lhes são devidas. Trata-se de uma situação dramática, tanto mais que o Governo, através da Comissão Mista Angolana, tem perfeito conhecimento da situação e até agora, para além das reconfortantes palavras de solidariedade de S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado da Cooperação, nada foi feito.
Gostaria, pois, que o Sr. Ministro nos dissesse como e quando vai resolver esta questão.
Disse o Sr. Ministro que a protecção na doença está melhorada. No Plenário da Assembleia da República de 25 de Fevereiro último -onde este tema foi discutido e o Governo primou pela ausência - evidenciou--se, através de vários exemplos, que as alterações introduzidas pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social vieram agravar a situação dos trabalhadores que sofrem de doenças ou acidentes de longa duração, que recebem subsídios de desemprego, das trabalhadoras com licença de maternidade e ainda dos jovens a cumprir o serviço militar obrigatório. Agradecia que o Sr. Ministro nos explicasse como foram aplicadas estas alterações, já que na realidade não introduziram melhorias nenhumas.
Não tenho tempo para lhe colocar muito mais questões, mas não resisto à tentação de lhe pedir que nos dê a sua análise das medidas que foram tomadas face ao elevadíssimo número de acidentes de trabalho sofridos por jovens com idade igual ou inferior a 24 anos. É que as estatísticas aqui são bem reveladoras: 31% do número total de acidentados referem-se a jovens nesta idade e 37,6% dos acidentes são na construção civil. Gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse como é que vê esta questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Pinto.

O Sr. Guilherme Pinto (PS): - O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social veio hoje a este debate deixar duas mensagens: em primeiro lugar, veio desautorizar os ministros do PSD que ocuparam anteriormente a pasta do Trabalho e, em segundo lugar, veio mostrar-se ufano e satisfeito com a obra do seu Ministério.
Se em relação ao «balanço e contas» entre os ministros do PSD vou esquecer o assunto, relativamente às realizações deste governo gostaria que me esclarecesse algumas questões.
Em primeiro lugar, pergunto qual é a posição do Sr. Ministro sobre o poder disciplinar dentro das empresas. Acredita que ele só é aceitável por razões legítimas e extremamente controláveis ou opta pela versão da «cenoura» e do «bastão», emitida pelo Sr. Ferraz da Costa no último sábado ao Expresso, como aliás parece indiciar o pacote laboral?
Por outro lado, como é que o Sr. Ministro pode vir dizer a esta Assembleia que está a recuperar as dívidas à Segurança Social, quando é sabido que nos dois últimos anos essas dívidas quase duplicaram?
Pergunto ainda como é que o Sr. Ministro pode dizer que há concertação se todos os parceiros sociais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social rejeitaram em bloco o pacote laboral?
Como é que o Sr. Ministro pode demonstrar aqui alguma satisfação quando mais de 1 milhão de reformados recebem apenas 13 000$ da Segurança Social, quando apenas um quadro dos desempregados recebe subsídio de desemprego ou outro, quando dificultou a atribuição do subsídio de doença com o Decreto Regulamentar n.º 36/87 e quando cerca de 35% das famílias portuguesas são compostas por inactivos ou contêm no seu seio desempregados? Aliás, gostaria de saber como é que o Sr. Ministro compagina o aumento, em quase 2%, das famílias com inactivos com os propalados sucessos deste governo em matéria de emprego.
Pergunto também que medidas vai tomar o Sr. Ministro em relação à higiene e segurança no trabalho, quando se sabe que, durante o tempo de vigência do seu governo, houve um aumento de 20% dos casos mortais de acidentes de trabalho.
Por último, gostaria de perguntar-lhe quando é que vai cumprir o Programa do Governo em matéria de segurança social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, foi muito bom ouvi-lo dizer que pelo País vai tudo bem, que a paz social é um facto e que só em Lisboa é que existe alguma contestação social...
Sr. Ministro, de facto é em Lisboa que existe uma população activa mais abundante, bem como em toda a faixa litoral. Portanto, é natural que a contestação social seja mais intensa na zona do litoral, porque é aí que se concentra uma grande população de trabalhadores por conta de outrem. No interior, a população é essencialmente rural, como o Sr. Ministro sabe, e, para além disso, é uma população que não está tão

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bem informada em relação às questões sociais e laborais, pelo que talvez não esteja consciente dos problemas que neste momento se levantam aos trabalhadores. Daí que não haja no interior tanta contestação, não tanto por concordarem com o Governo, mas provavelmente porque, pura e simplesmente, não conhecem a gravidade do diploma do pacote laboral.
Em todo o caso, penso que é pertinente falarmos neste momento da instabilidade social, porque ela existe de facto.
Gostaria que o Sr. Ministro tivesse a coragem - e sei que conhece os números - de dizer a esta Câmara quantos trabalhadores estiveram envolvidos em acções de contestação social, acções grevistas, nos últimos meses comparativamente com o ano anterior nas áreas que essas acções grevistas abarcaram e, face a esses números, dizer se existe ou não um aumento da contestação social, se ela é ou não um facto no nosso país neste momento.
Lembro ao Sr. Ministro que no ano passado um deputado do seu partido referiu neste hemiciclo, a propósito de uma interpelação ao Governo sobre a mesma matéria, que a paz social era um facto, que naquela altura não havia contestação, que a contestação social tinha diminuído 25% e que tudo isso era reflexo da eficácia da acção governativa.
Nestas circunstâncias, gostaria de fazer ao Sr. Ministro a seguinte pergunta: sendo um facto que hoje em dia a contestação social aumentou, não será isso também um reflexo, na mesma lógica, do aumento da ineficácia governativa?
O Sr. Ministro focou na sua intervenção uma outra questão que tem a ver com a concertação social, sobre a qual gostaria de o interpelar.
A concertação social é um dos objectivos consagrados do Programa do XI Governo Constitucional. Sei que o Sr. Ministro tem, em relação a esta questão, uma ideia um pouco liberal. Ouvi-o dizer na rádio que o diploma do pacote laboral era o exemplo máximo da concertação social, uma vez que não agradava a ninguém: nem ao patronato, nem aos empregados. Seria, portanto, à partida a definição máxima de consenso alargado e de concertação social.
Penso que isto é inverter totalmente a normal ordem de valores e de conceitos e, por isso, pergunto-lhe: face a esta situação, pensa que é possível aprovar um pacote laboral, fazê-lo vigorar, inovar em termos de legislação laboral, sem o acordo de nenhum parceiro social? Qual pensa que pode ser a exequibilidade de uma lei que não é aceite nem pelo trabalhadores nem pelas entidades patronais?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se nas galerias alunos do Colégio Académico, de Lisboa, e da Escola Secundária de D. Maria II, de Braga, acompanhados pelos respectivos professores.

Aplausos gerais.

Informo ainda a Câmara que, na sequência da conferência de líderes ocorrida imediatamente após o almoço, amanhã reunirão as comissões e na sexta-feira haverá sessão às 10 horas, prolongando-se depois de almoço. Pelas 12 horas de sexta-feira far-se-ão votações.
Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, que dispõe de quinze minutos, para além da tolerância normal de dois minutos.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de agradecer aos Srs. Deputados a oportunidade que me deram de poder prestar mais esclarecimentos acerca da política social que vem sendo seguida no Ministério por que sou responsável.
O Sr. Deputado Silva Lopes colocou uma questão a que o meu colega, Ministro das Finanças, teria mais condições para responder. Em todo o caso, não quero, de modo algum, fugir à pergunta, independentemente dos esclarecimentos mais pormenorizados que, com certeza, ele poderá dar.
Chamo a atenção que também no acordo de concertação social se atende à situação financeira das empresas. O Sr. Deputado Silva Lopes fez referência a algumas recomendações de instâncias internacionais e de peritos nessa matéria, mas relembro que, tanto quanto é do meu conhecimento, a OCDE também defende, em termos de promoção de emprego, que os aumentos dos salários devem ter em conta não só o aumento de inflação esperada como também parte da produtividade esperada para a empresa ou para o sector. Isto para justificar mais investimento e mais emprego. Ou seja, a OCDE hoje defende claramente que a forma de criar emprego não é à custa de defender os actuais postos de trabalho, mas sim mobilizando incentivos e energias no sentido de criar cada vez mais postos de trabalho.
Portanto, quando pergunta por que é que não se adoptou outro tipo de conceitos e falou no rendimento médio esperado da economia, não quero ir mais longe e a minha resposta é muito simples: o Conselho de Concertação Social entendeu que o conceito de inflação esperada associado à ideia de produtividade esperada seria aconselhável, e isto vigorou em 1986 e em 1987, tendo sido aconselhado também para 1988. Insisto na necessidade de analisarmos toda esta problemática, atendendo também à situação financeira real de cada uma das empresas.
O Sr. Deputado Rui Silva falou do artesanato, mostrando-se muito preocupado com os mecanismos institucionais e com a forma de as comissões interministeriais gerirem toda esta problemática.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que tem aqui um apoiante declarado das actividades de artesanato, não só porque estou a defender todo um aspecto importante de expressão cultural de muitas regiões do nosso país, mas fundamentalmente porque, através do apoio ao artesanato, podem criar-se formas de rendimento complementar apreciáveis, até para os estratos de população normalmente deficientes. Estive, inclusivamente, em Vila do Conde no outro dia a apoiar essas actividades de uma forma deliberada, e não é por acaso que no Orçamento do Estado para este ano o apoio a actividades independentes subiu de cerca de 600 000 contos para 985 000 contos.
Portanto, Sr. Deputado, esteja descansado que não é através das comissões interministeriais que se apoia de uma forma decisiva o artesanato. Tenho uma convicção profunda, por razões de carácter cultural e também de natureza económica, pois constitui uma forma de geração de rendimento muito apreciável para estratos de população que não teriam acesso a outro tipo de rendimentos, de que a forma concreta de apoiar estas actividades - e estou habituado a responder com factos - é através de um reforço financeiro muito

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apreciável e do empenho muito grande que tanto eu como o Sr. Secretário de Estado do Emprego pomos nesta matéria.
Por falar em artesanato, há também um programa que recentemente sofreu um salto qualitativo e que tem a ver com a conservação do património cultural.
A conservação do património cultural também pode ser ligada a este apoio em determinado tipo de actividades. Os mais interessados nessa matéria tiveram recentemente oportunidade de assistir a uma exposição feita no Fórum Picoas por diversos artesãos, no âmbito de um programa, que considero notável, de recuperação de património muito valioso das nossas aldeias, vilas e cidades do interior, que a não ser recuperado tende a ser desperdiçado e perdido.
Fiquei tão impressionado com esse trabalho e com a forma dedicada como alguns jovens estão neste momento a encontrar uma vocação, excelentemente apoiados por magníficos monitores, que não tive qualquer pejo em dar um grande salto qualitativo, em termos de conservação do património cultural.
É na área do Alentejo que neste momento se localiza grande parte desse foco, mas há outras zonas do País onde a conservação do património cultural, sendo uma necessidade, encontra hoje agentes muito motivados, especialmente nos escalões etários mais jovens. Daí não ter hesitado em fazer alguma ginástica orçamental, passando de uma dotação de 378 000 contos para uma de l milhão de contos, que é quanto este ano estamos dispostos a investir no domínio da conservação do património cultural.
O Sr. Deputado disse que a Segurança Social está em falta relativamente a certos pagamentos. Peço desculpa, mas há aí uma confusão entre segurança social e saúde, pois, como sabe, quem é responsável pelo pagamento aos bombeiros e às administrações regionais de saúde não é a Segurança Social.
O Sr. Deputado tem na sua frente o membro do Governo, na altura exercendo outras funções, que mais apoiou os bombeiros. Na verdade, tive responsabilidade na criação do Serviço Nacional de Bombeiros e também tive oportunidade de ser autor de legislação sobre seguros para bombeiros. Por outro lado, porque nessa altura fui autor desse projecto, sou muito sensível a essa forma de organização, na linha dos princípios de voluntariado que defendo.
De qualquer modo, não é a Segurança Social que está em falta; se houver alguma falta por parte do Estado, não a encontra no meu Ministério.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito fez uma intervenção a vários títulos interessante, tentando pôr o Ministro numa situação difícil, mas à qual o Ministro facilmente responde ou, se preferir, analisa, pois não se tratou de uma questão objectiva.
O Sr. Deputado e até o líder do seu partido dizem que devíamos andar mais depressa. Depois, noutras circunstâncias, afirmam que devíamos esperar pela revisão constitucional para determinado tipo de diplomas. Já tive ocasião de dizer, hoje de manhã, que se dialogamos e procuramos até à exaustão a busca do consenso mais alargado possível a acusação que nos é feita é a de que estamos a ceder a determinado tipo de forças. Se há um momento em que entendemos que não devemos confundir diálogo com acção paralisante, acção governativa, aparece o argumento de que somos intransigentes.
A sua observação sobre esta matéria tem muito a ver com questões, às quais, de uma forma muito simples, respondo do seguinte modo: para além de termos um interesse na governação, que é o de cumprir o nosso programa, que é conhecido e foi aprovado por esta Câmara, também temos um estilo, e o nosso estilo não se prende com pressões de grupos, como tive ocasião de sublinhar na primeira parte da minha intervenção de hoje de manhã, mesmo que elas venham de dentre do próprio partido.
Portanto, quem assume o interesse nacional, quem tenta tomar decisões acima de interesses de grupos, com certeza que a cada passo, a cada dia, tem de arrostar com algumas doses de incómodo. Só que preferimos aceitar esse incómodo que surge daqui e dacolá, na certeza de que estamos a trilhar o caminho mais adequado.
Também foi dito que quem interpela o Governo é o Partido Socialista e não eu, pelo que a minha intervenção aqui, segundo o entendimento do Sr. Deputado, deveria ser uma exposição exaustiva sobre política de segurança social.
Tenho feito noutras ocasiões intervenções nesta Câmara, em sedes próprias, sobre qual é a política de segurança social, mas o meu papel hoje é responder a uma interpelação feita pelo Partido Socialista e, portanto, é isso que estou a fazer, e conduzirei todo o debate nesse sentido.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca e outros Srs. Deputados tentaram fazer uma grande confusão entre uma posição de firmeza que o Governo tomou no fim de um longo processo, onde claramente assumiu a proposta de legislação laboral - que com todo o gosto e tranquilidade terei ocasião de discutir no dia aprazado para o efeito - , dizendo que, no seu entendimento, se trata de um verdadeira proposta de concertação.
Outros Srs. Deputados perguntaram como é que isso é possível se ninguém está de acordo com a solução que o Governo adoptou. É que, de facto, não pode sair como resultado da concertação social a vontade de uma das partes. Seria um processo errado de concertação social se uma das partes se visse exclusivamente neste processo. Isso seria a negação de concertação. A concertação social é um processo de cedências mútuas e não um processo de vencidos e vencedores. E quem tem o papel mais ingrato e mais difícil num processo de concertação social, que assumimos e valorizamos, é o Governo, porque é ele que tem de fazer a síntese. Mal iríamos se no final de um processo de concertação social apenas uma das partes se regozijasse com o resultado.
Portanto, Sr. Deputado, isto é a prova mais evidente de que o que saiu da concertação social é o máximo denominador comum de todos os assuntos que aí foram discutidos.
A justiça social, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, faz-se com factos, e eu apresentei factos. Disse que desde que o Prof . Cavaco Silva é governo os salários reais aumentaram

Vozes do PS: - É Primeiro-Ministro!

O Orador: - Disse que desde que o Prof. Cavaco Silva é Primeiro-Ministro e é Governo - e continuará a sê-lo por muitos e bons anos - as pensões aumentaram mais de

Protestos do PCP.

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Sr s. Deputados, são dados inequívocos! Comparem os valores de 1985, quando as pensões eram de 5500$, com os de hoje, em que as pensões são de 13 000$.

Protestos do PCP.

Alguns Srs. Deputados queixam-se relativamente a esta matéria quando...

Protestos do PCP.

Tenho de repetir isto mais uma vez porque os Srs. Deputados não o ouviram no meu discurso. Quando o partido interpelante foi governo não aumentou, nem de perto nem de longe, as pensões como os governos do Prof. Cavaco Silva fizeram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando o número de desempregados aumentou 16%, quando a taxa de desemprego...

Protesto do PCP.

Tenho de repetir isto porque os senhores não ouviram! Tenho de repetir até os senhores perceberem!...

Aplausos do PSD.

Só me calarei com estes números, porque eles são tão óbvios, quando os senhores perceberem. Quando perceberem não explico mais, mas os senhores têm de perceber!...
É verdade que os salários reais aumentaram 4%; é verdade que a taxa de desemprego diminui como em nenhum país da Europa...

Protestos do PS e do PCP.

Isto são factos indesmentíveis e é natural que os senhores fiquem desesperados. Mas isto são os indicadores de eficácia de uma política social. Uma política social não é avaliada por discursos!

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Não se pode é tirar com uma mão o que se dá com a outra!

O Orador: - Uma política social tem de ser avaliada por factos concretos!

Aplausos do PSD.

Se os senhores enchem a boca com os mais desfavorecidos, eu não pretendo encher a boca com discursos políticos; apresento factos reais e quero ser julgado pelos factos reais da actividade deste governo e do anterior. É assim que se avaliam as políticas de uma forma séria em qualquer parlamento e é nesse plano que estou disposto a ser julgado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Isso é demagogia!

O Orador: - Demagógico, Sr. Deputado, é o seu discurso! Estou a falar de factos indesmentíveis! Ninguém é capaz de desmentir os factos quantitativos que estou a enunciar.

O Orador: - O Sr. Deputado Anastácio Filipe perguntou-me como explico o apoio às instituições privadas de segurança social no domínio das CERCIs.
Queria lembrar ao Sr. Deputado que essa é uma área que tem a ver fundamentalmente com o Ministério da Educação e não com o Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Nesse domínio, porém, queríamos dizer que aumentámos significativamente, em cerca de 15%, o subsídio de educação especial, que tem também a ver com as CERCIs. Ó resto do apoio às CERCIs é da responsabilidade do meu colega, o Sr. Ministro da Educação, que certamente noutra altura terá a oportunidade de explicar-lhe essa matéria.
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa veio com o problema da inconstitucionalidade de um processo formal - à falta de outros argumentos usa agora o do processo formal - relativamente à legislação laboral.
Sr. Deputado, aqui a resposta é de bom senso, sem necessidade de se usar argumentos formais. O Sr. Deputado defendeu a tese de que o Governo devia apresentar uma proposta de autorização legislativa, proposta essa que permitiria iniciar depois um processo de discussão pública. Imagine a hipótese que, nesse processo de discussão pública, se chegava a um tipo de consenso com os parceiros sociais que infringia o conteúdo da proposta de autorização legislativa. Isso significava que se tinha chegado a um acordo com os parceiros sociais, mas que não se podia legislar em conformidade com o acordado porque a autorização legislativa não contemplava esse tipo de matéria.
Sr. Deputado, o Governo apresentou, com grande clareza, uma proposta de autorização legislativa, a que anexou o decreto-lei que se propõe rever e onde estão contidas todas as matérias. É um processo da maior transparência possível e do maior respeito que se pode ter perante um parlamento.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Sr. Ministro Capucho ensina-lhe isso...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Estamos de acordo, não vale a pena!

O Orador: - Essa técnica de divisão também não dá resultado com este governo, não pega. Este governo é muito coeso.

Risos do PSD.

A Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira falou no subsídio de doença, cujo sistema foi já revisto pelo actual Governo, contemplando...

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Depois de seis meses?

O Orador: - Sr.ª Deputada, estou a falar de factos. O sistema foi revisto, isso é um facto. O que a Sr.ª Deputada pode dizer-me é que foi mal revisto, que não está de acordo. Quero lembrar-lhe que prometi nesta Câmara, aquando da discussão do Orçamento do Estado, exactamente à Sr.ª Deputada, em sede de Comissão, que este diploma ia ser resolvido em determinados parâmetros. Neste momento estou em condições de dizer à Sr.ª Deputada que a minha promessa foi cumprida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Mostre!

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O Orador: - Sr.ª Deputada, aguarde pela publicação no Diário da República!
Mas posso adiantar-lhe que, nas pensões provisórias de invalidez, introduzimos o subsídio mínimo, que flexibilizámos o índice de profissionalização e que a protecção aos doentes de longa duração teve um aumento de 65% para 70%, entre outras inovações. Autonomizámos também o subsídio de maternidade, na sequência de uma justa reclamação, especialmente de algumas Sr.ªs Deputadas deste Parlamento, onde tive a oportunidade de dizer que, comparando o estado de maternidade ao estado de doença, não fazia sentido de qualquer espécie...

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): -Estava consagrado na lei!

O Orador: - Só que com uma diferença substancial, Sr.ª Deputada. É que o cálculo estava ligado à doença e nós autonomizámos o subsídio de maternidade e introduzimos um subsídio mínimo de 507o do salário mínimo nacional. Isto foi o que fizemos em termos de alterações - e estou a responder à pergunta que a Sr.ª Deputada me fez acerca do subsídio de maternidade: autonomizámos o sistema, o que se fez pela primeira vez no nosso país.
Referiu depois que a segurança social recebia pagamento em bens e foi buscar o exemplo, absurdo e caricato - desculpar-me-á -, do gelo.

A Sr.ª Deputada percebe pouco disto...

Risos do PSD.

... pois não sabe distinguir o que é dação em pagamento de pagamento em bens. Dação em pagamento é o que se encontra consignado no diploma relativo às dívidas à Segurança Social e que não deixa hipóteses nenhumas de pagamento em bens, sejam eles gelo ou quaisquer outros de natureza diferente. A dação em pagamento só pode ter lugar mediante critérios rigorosos, que estão definidos no decreto sobre o pagamento de dívidas à Segurança Social.

Uma voz do PS: - Isto faz-me lembrar o Alfaia!

O Orador: - Decreto que pela primeira vez se faz de uma forma tão cuidadosa e tão sistemática, prevendo sanções bastante gravosas para as empresas em falta. Só lamento que os senhores tentem politizar uma matéria tão importante como o é a da regularização das dívidas à Segurança Social, em que aquilo que está em causa é o alimento fundamental da protecção aos mais desfavorecidos, que deveria ter um grande consenso nacional.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Isso é autocrítica!

O Orador: - Queria também dizer, Sr." Deputada, que a regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social está praticamente concluída em termos internos de trabalho de ministério e que terei oportunidade, mais uma vez, de cumprir a promessa que nesse sentido fiz nesta Câmara. Aviso já que são cerca de 900 artigos, passa dos 900 artigos.

O Sr. Fernando Gomes (PCP): - Isso é uma ameaça?

O Orador: - Não é uma ameaça, é apenas o cumprimento de uma deliberação desta Câmara. Esta Câmara aprovou uma lei de bases e mandatou o Governo para regulamentá-la. Estou apenas a prestar contas, estou a responder a perguntas que me foram feitas e estou a dizer que está feito, que está cumprido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado Jorge Sampaio disse - e eu compreendo as razões por que o fez - que não tenho o direito, como membro do Governo interpelado, de fazer aqui determinado tipo de comparações com governos que, segundo o Sr. Deputado, já foram julgados pelo eleitorado e que já tiveram a sua época e o seu tempo.
Sr. Deputado, para além daquelas comparações apresentei factos e volto a repeti-los: o aumento de pensões - mais de 1007o entre 1985 e 1987-, a diminuição da taxa de desemprego, a diminuição da inflação como nunca foi conseguida até ao momento, o aumento dos salários reais...

Vozes do PSD: - Ainda não perceberam?

O Orador: - ... , uma subida do investimento, que cresceu 20% em volume, ...

Vozes do PS: - Já disse isso!

O Orador: - Tenho de repetir mais uma vez até os senhores perceberem!

Aplausos do PSD.

Este aumento de 20% é um resultado inquestionável em termos europeus.
Também o poder de compra dos mais desfavorecidos, conforme tive oportunidade de demonstrar, subiu de forma substancial.
Por isso, Sr. Deputado Jorge Sampaio, com todo o respeito, gostava de lhe perguntar o que é que da interpelação do PS sai de inovador?

Vozes do PSD: - Nada!

O Orador: - O que é que da interpelação do PS sai de alternativa em relação à política de segurança social do Governo?

Vozes do PSD: - Nada!

O Orador: - O que é que sai da vossa interpelação que seja capaz de apresentar a esta Câmara e ao País um caminho novo, uma nova política, uma forma de atacar os problemas no domínio do emprego e da Segurança Social?

Vozes do PSD: - Nada!

O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Sampaio desculpar-me-á, mas esperava que a interpelação do PS e da oposição trouxesse algo do inovador. A crítica só se f az - e nesse caso é positiva - quando acompanhada de uma alternativa, de um caminho diferente. Acredite, Sr. Deputado, que gostaria que no Grupo Parlamentar do PS houvesse alguém que apresentasse, juntamente com a sua crítica, uma alternativa à poli-

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tica de segurança social que está a ser seguida pelo Governo. Mas não a vislumbro. Portanto, Sr. Deputado, tenho de me basear em determinado tipo de argumentos, pois quando o PS esteve no governo foi autor de uma determinada política nessa área e o que eu tenho de comparar são resultados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Mandem vir o Amândio do Brasil!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Maria Santos acusou--me de eu estar muito preocupado com a Europa e de tentar «europeizar» todas as medidas que se tomam e todo um conjunto de questões que têm a ver com um espaço a que aderimos.
Gostaria de ir um bocadinho mais longe no meu comentário e dar conta, em especial à Sr.ª Deputada, de como é que eu vejo a Europa e de como é que eu vejo Portugal integrado nesse espaço.
Sr.ª Deputada, a Europa não é um espaço uniforme. É, pelo contrário, um mosaico de diferenças, muito complexo. Se a Europa tem alguma pujança em termos económicos, o segredo disso reside talvez na diversidade que existe entre as suas múltiplas componentes, na consagração do direito à diferença nos vários países europeus. Daí a expressão de muitos movimentos e de novos pensadores, que falam hoje em Europa das regiões, ...

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Essa é nova!

O Orador: - ... em contrapartida à Europa de outros espaços mais alargados.

Faço esta referência para dizer, muito claramente, que a minha concepção de desenvolvimento para o meu pais, para o nosso país, é o de que ele só será real e autêntico se tiver em conta não só as acções dos destinatários mas, fundamentalmente, também as dos agentes de desenvolvimento.
O desenvolvimento não é qualquer coisa que possa ser pensado num gabinete por alguém que pretenda fazer uma legislação a caminho de um continente onde é tão difícil encontrar um modelo único.
O modelo de desenvolvimento tem sempre a ver com o empenho daqueles que fazem o desenvolvimento e quem faz o desenvolvimento são as comunidades locais, são as sociedades locais, e não um governo, por mais competente ou menos competente que ele seja.
O que o Governo tem de fazer, fundamentalmente, é fornecer o enquadramento e criar o tal clima de confiança e de galvanização que levem a potenciar as energias dos verdadeiros agentes de desenvolvimento, que, ao fim e ao cabo, são todos os cidadãos.

Aplausos do PSD.

Terminaria esclarecendo que sou pela consagração do direito à diferença, sou pela valorização dos diferentes espaços regionais. Em suma, a minha visão de integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia tem a ver com o papel que temos de desempenhar e que é a valorização do todo pela valorização de cada uma das panes. Portugal é uma das partes e com a sua valorização com certeza que vai contribuir para a valorização desse todo.
Sr. Deputado Raul Castro, V. Ex.ª interpelou-me sobre política social laboral e não propriamente sobre a legislação que, no dia 14 de Abril, com todo o à vontade e com toda a tranquilidade aqui virei defender. O Sr. Deputado anotou alguns diplomas que eu, a título exemplificativo, disse que este governo tinha aprovado em termos de legislação em matéria social. Podia enumerar-lhe outros e, se o não fiz, foi só porque, na ocasião, quis poupar os Srs. Deputados. Aliás, essas medidas, que desconhecia, foram anunciadas numa conferência de imprensa que dei no dia 25 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, utilizou já os 25 minutos de que dispunha. Queira abreviar as suas considerações.

O Orador: - Sr. Presidente, tenho ainda de responder a três Srs. Deputados. Vou procurar ser rápido.
Queria ainda informar o Sr. Deputado Raul Castro de que o diploma sobre o trabalho temporário está já aprovado pelo Governo e está dependente da sua análise no âmbito da concertação social.
As agências privadas de colocação de trabalhadores já foram também objecto de actuação do Governo, como o foi também todo um conjunto mais de diplomas que a falta de tempo não me permite enumerar.
O Sr. Deputado António Mota falou de questões relacionadas com legislação laboral, que terei todo o gosto em desenvolver no próximo dia 14 de Abril.
O Sr. Deputado José Régio falou num assunto muito pormenorizado, que tem a ver com os Caminhos de Ferro de Benguela. Confesso que, neste momento, não estou em condições de lhe poder responder. Vou, no entanto, recolher a informação necessária sobre os trabalhadores dos Caminhos de Ferro de Benguela.
Quanto ao subsídio de doença, penso que já prestei os esclarecimentos que me pediu.
Quanto aos assuntos de trabalho em matéria de higiene e segurança social, queria também tranquilizar o Sr. Deputado. A nível interno está a trabalhar-se - e bem - nessa matéria. Inclusivamente, temos uma série de directivas a aprovar muito em breve, que resultaram da nossa integração na Comunidade Económica Europeia.
O Sr. Deputado Guilherme Pinto utilizou também a técnica de divisão entre governantes antigos e governantes actuais. É muito velha, também não pega, Sr. Deputado! É óbvio que eu não opto pela «cenoura» e pelo «bastão».

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Onde está o «bastão»?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Quem é a «cenoura»?

O Orador: - Tenho uma visão humanista da sociedade portuguesa e, repito, é óbvio que não opto nem pelo «bastão» nem pela «cenoura». E estou disposto a prová-lo em qualquer tipo de dificuldade.
Sr.ª Deputada Isabel Espada, relativamente ao número de acções grevistas dos últimos anos, que me pediu, informo que em 1985 foram 557, em 1986 foram 426 e em 1987 ficaram nas 263. Portanto, uma tendência decrescente. Não tenho o número final de 1988, mas posso dizer-lhe que elas se situam nas empresas

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públicas do sector de transportes e na zona de Lisboa e posso dizer-lhe também que, com certeza, vamos ficar num número muito mais baixo.
Quanto à concertação social também já fiz considerações acerca dessa matéria e ficou bem claro que a nossa concepção de concertação social tem a ver, fundamentalmente, com a busca de consensos, tão alargados quanto possível. Ninguém pode ignorar que esta matéria de legislação laboral é talvez - e seguramente - das mais complexas e das mais difíceis que alguma vez algum governo ousou levar ao Conselho Permanente de Concertação Social, governo que durante tanto tempo esteve silenciado perante tantas mentiras e tantas calúnias que muitos disseram sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Ena pá!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Herculano Pombo pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, creio ter sido o quarto deputado interpelante e, apesar disso, o Sr. Ministro não me respondeu.
Recordo-me que lhe fiz dez perguntas e fiquei sem saber se o Sr. Ministro pretende ou não responder. Conforme a resposta do Sr. Ministro, assim formularei uma opinião.

O Sr. Presidente: - Queria informar a Câmara, para organização dos nossos trabalhos, que o Sr. Deputado Hermínio Martinho irá fazer uma intervenção, após a qual haverá um intervalo de meia hora.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - As minhas desculpas ao Sr. Deputado Herculano Pombo. De facto, perante todo um conjunto de notas que tomei, saltei a sua pergunta sobre como é que o Governo vê a prostituição, a que nós podíamos acrescentar outros fenómenos sociais, que também nos preocupam.
É uma resposta que, para ser completa, seria muito longa. Não é com facilidade que se analisam fenómenos das funções sociais, sobretudo à volta de colorações urbanas de cidades como Lisboa e Porto. Isso levar-nos-ia a pensar no ordenamento do território, na forma como são pensadas as urbanizações das nossas cidades. Levar-nos-ia, portanto, muito longe, porque tudo isso está relacionado com este tipo de fenómeno.
De qualquer modo, gostaria de, muito sinteticamente, dizer-lhe que a forma eficaz de atacar chagas sociais como essa é com o aumento das condições de crescimento e desenvolvimento da economia, com o aumento do poder real de compra, com o aumento das prestações sociais dos mais desfavorecidos. Queria também dizer ao Sr. Deputado que seria descabido da minha parte dizer que só através de medidas administrativas deste género podemos pôr um tampão no problema e podemos irradicar determinado tipo de fenómenos.
O assunto requeria uma análise muito mais profunda, que nos levaria, inclusivamente, a pensar na forma de organização das nossas vilas e cidades, nos transportes, em todo um conjunto de questões, muito complexas, que não há tempo para analisar.
Sr. Deputado, concretamente e no domínio da segurança social, isto combate-se fundamentalmente com o aumento do crescimento da economia, com o aumento das prestações sociais e com todo um ritmo de crescimento que, ao mesmo tempo, distribua de forma mais equitativa o produto desse crescimento, de modo a minorar a situação dos mais desfavorecidos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr s. Deputados: O debate que hoje se processa nesta Câmara surge num momento tão oportuno quanto delicado da vida do País.
A interpelação ao Governo sobre política social e laboral que estamos a debater foi apresentada por um dos partidos que subscreveu, ao tempo do chamado «governo do bloco central», um acordo sobre um «pacote laboral» que, em boa verdade, tem de considerar-se, globalmente, tão negativo como aquele que foi presente pelo actual governo.
«Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades», diz, e bem, o povo. Não é, naturalmente, indiferente para a democracia portuguesa que o Partido Socialista tenha alterado a sua posição nesta matéria. Trata-se, sem dúvida, de um sinal que consideramos positivo, que deixa pressentir posições igualmente firmes e abertamente democráticas no processo, já formalmente em curso, de revisão constitucional.
A memória - sobretudo a memória política - é curta, bem o sabemos. Por isso importa recordar a todos quantos - e são, felizmente, muitos - hoje se empenham em inviabilizar o denominado «pacote laboral» que foi a acção do PRD - é oportuno recordar - que impediu que o episódio que hoje se vive e a agitação social que agora se sente não tivessem ocorrido anteriormente.
Fomos nós, renovadores, que impedimos, na legislatura anterior, a aprovação do «pacote laboral» nado e criado nas águas - infelizmente turvas - do governo do bloco central.
Assumimos na ocasião, como agora, a defesa do que considerámos ser o interesse do País e daqueles que são os agentes - e devem ser também os principais beneficiários - do desenvolvimento.. Refiro-me, obviamente, aos trabalhadores portugueses, que continuam a saber mostrar, na prática, no dia-a-dia, que estão atentos e que estão verdadeiramente empenhados na construção de um futuro melhor.
De um futuro melhor, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que este governo tem a estrita obrigação de construir e de potenciar, porque beneficia de condições económicas e políticas sem precedentes em Portugal e na Europa Comunitária.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Já ouvi isso em qualquer parte!

O Orador: - Temo-lo dito em muitas e variadas ocasiões. Por isso é com mágoa que, diariamente,

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vamos assistindo a uma governação que, em geral, não está sequer a conseguir aproximar-se dos anseios e das preferências reveladas pelo país real.
Se, em matéria de economia, a envolvente externa vai permitindo camuflar incapacidades e erros - que, apesar disso, vão sendo cada vez mais evidentes -, já o mesmo não sucede no que toca às relações laborals e às grandes questões de índole social que hoje nos ocupam.
Os grandes problemas que se colocam ao País em matéria de saúde, habitação, segurança social e educação vão subsistindo sem que se vislumbrem soluções adequadas. É certo que seria absurdo pretender que os bloqueios e condicionantes que se nos têm colocado fossem resolvidos de uma só vez e de uma vez por todas. Nesta áreas o regime anterior não acabou em 25 de Abril - as suas sequelas persistem e os vícios e resistências à mudança estão profundamente enraizados.
Não será, portanto, com esforços isolados e com competências pontuais que conseguiremos resolver problemas que só uma filosofia integrada de intervenção e políticas de acção finalizadas - isto é, compatíveis, coerentes e articuladas - permitirão erradicar. A isto o Governo diz - e faz - pouco, para não dizer nada. E os problemas, logicamente, avolumam-se e as situações degradam-se. E os Portugueses ouvem, boquiabertos, dizer que estamos quase a deixar a cauda da Europa. Mas não o sentem, infelizmente. E dificilmente o virão a sentir enquanto o Governo tiver, da modernização e do desenvolvimento, uma visão exclusivamente economicista. Onde está, afinal, a indispensável dimensão cultural e humanista do nosso desenvolvimento?
Num país com quase nove séculos de história, que tantos impulsos decisivos deu ao homem e ao progresso científico e tecnológico, onde está hoje a nossa matriz cultural, o nosso humanismo, o nosso «capital humano», enquanto factores decisivos da modernização e do desenvolvimento harmonioso que queremos ter?
Sr. Presidente: Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O nosso «capital humano» não tem sido valorizado nem potenciado para os desafios do futuro. É tempo de nos convencermos definitivamente de que, hoje, os nossos recursos humanos são a nossa maior riqueza. Podem vir a ser muitas as vantagens financeiras emergentes da nossa adesão à CEE - admitimo-lo, embora com reservas, mas tais recursos nunca nos permitirão aceder, de corpo inteiro, à nossa condição de membro efectivo de pleno direito da Comunidade se os nossos recursos humanos não participarem, activamente, como actores e não apenas como espectadores, no processo de afirmação e coesão de uma Europa em que, formalmente, já estamos integrados.
Sem ter - diria que por enquanto - sustentado as teses dominantes do pensamento económico dos anos 30 - segundo as quais as organizações sindicais, impedindo o ajustamento dos salários no sentido da baixa, eram as responsáveis primeiras pela não consecução do almejado pleno emprego -, o actual governo tem estado a praticar uma política geral que alguns sectores insuspeitos - como foi o Professor Samuelson - poderiam designar de - e cito - «fascismo de mercado». Se o mercado não se ajusta ao que o Governo
pretende, este deve intervir, de preferência autoritariamente, para criar e desenvolver mecanismos «regeneradores», orientados para os grandes equilíbrios.
Não faremos como Samuelson - que se interrogava sobre o interesse e mérito social da chamada «democracia política» nos casos em que, na prática, apenas se reforçam os direitos das grandes organizações empresariais em detrimento de outros -, mas gostaríamos de saber se, depois das tristes provas que deu em matéria de falta de unidade de comando e de organização, o Governo, de facto, considera hoje, aqui e agora, que a chamada quarta versão do «pacote laboral» que produziu é a melhor e a mais adequada à realidade do nosso país.
Gostaríamos também de saber se o Governo considera que fez tudo - e que fez sempre bem - para amenizar a agitação social que hoje se vive - e que o País já não conhecia desde há muito tempo - e que radica na insegurança sentida pelo sector laboral.
Gostaríamos ainda de saber se o Governo considera o recurso sistemático - serôdio ou prematuro - à requisição civil como uma forma de limitar - ou procurar limitar- um direito dos trabalhadores, constitucionalmente consagrado, ou seja, consignado na lei fundamental que ainda nos rege.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma pergunta se impõe. Onde está a prometida estabilidade política, pedra angular da vitória do PSD nas eleições de 19 de Julho?
Poderá o Governo, impunemente -e aqui a óbvia perda de popularidade não é sanção-, continuar a alardear a sua manifesta incompetência para concitar a coesão dos Portugueses em torno de um projecto sério de mudança, bem como para promover a concertação social dos - e não de - agentes económicos e parceiros sociais?
Espero, sinceramente, que este debate contribua para um melhor esclarecimento de todo o País sobre as questões aqui suscitadas e que nos parecem decisivas para os caminhos do futuro, que os Portugueses merecem, têm direito e sentem que, inexplicavelmente, continuam a tardar.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como estava previsto, vamos fazer agora o intervalo solicitado pelo PS nos termos habituais.
Está interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

Para produzirem intervenções, estão inscritos os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, Eduardo Pereira, Maria Santos e João Corregedor da Fonseca e o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Realiza-se esta interpelação no quadro de uma situação nova, caracterizada pelo ascenso da luta dos trabalhadores e prestes a atingir uma forma qualitativamente superior com a concretização de uma greve geral.

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A realidade actual desmente, assim, tanto os que reduziram a vida política a um problema aritmético como os profetas do declínio irreversível da capacidade de mobilização do movimento operário e sindical.
Oito meses que são passados sobre as eleições de 19 de Julho, esta nova situação tem causas objectivas e recoloca de forma mais aguda um conflito central existente na vida política nacional: a subversão do regime democrático tal como é consagrado na Constituição ou a sua consolidação. E se é verdade que este conflito atinge hoje uma expressão mais significativa no plano social e laboral é porque o Governo centra aí uma violenta ofensiva contra direitos fundamentais dos trabalhadores, ameaçando não só o seu exercício como a sua própria existência.
E porque se trata do direito à greve, do direito ao trabalho e à segurança no emprego, porque estão em causa direitos e liberdades que dão essência, sentido e dimensão à própria democracia, importa trazer estas questões à ordem do dia.

A Sr.ª Odeie Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Vale a pena fazer uma breve retrospectiva histórica, mas acima de tudo provar a acusação.
O primeiro sinal de intolerância e do carácter repressivo deste governo aconteceu na INDEP. Lutavam os trabalhadores desta empresa contra os salários em atraso e a ameaça dos despedimentos. A carga brutal da polícia, o lock-out decidido pelo Governo, a suspensão de 43 trabalhadores e a proibição da entrada nas instalações dos membros da Comissão de Trabalhadores (situação ilegal à luz das normas da Lei n.º 68/79, mas que, curiosamente, deixaria de o ser caso a lei dos despedimentos fosse aprovada) dava a marca e definia o verdadeiro estilo deste governo.
Os incidentes no Conselho Permanente de Concertação Social quando se tentou silenciar pela força o representante da CGTP-IN, que se recusara a pactuar com o cenário montado para avalizar a política de rendimentos e preços do Governo, constituiu mais um passo, um pequeno passo, para o que viria a seguir.
O projecto de intenções do pacote laboral foi, entretanto, publicitado.
Na Carris a ordem do Governo era impor o tecto salarial para servir de referencial e exemplo taxativo a outras empresas do sector. Confiava na força da sua maioria eleitoral, na resignação e conformismo de alguns sectores sindicais, na possibilidade de isolamento dos sectores mais combativos do movimento operário e sindical.
Enganaram-se os estrategas da direita, enganou-se o governo de Cavaco Silva. O conhecimento real do projecto de despedimentos do governo PSD alertou consciências, esfumou ilusões, unificou preocupações e descontentamentos e traduziu-se rapidamente em luta, que se desenvolveu e enlaçou na luta concreta contra os tectos salariais.
Como poderia ser aceitável ou minimamente negociável um projecto que começa por eliminar quase toda a protecção jurídica dos representantes dos trabalhadores, que limita a liberdade de negociação da contratação colectiva, que eleva para quinze as razões subjectivas para despedimento e lhe acrescenta as razões económicas, tecnológicas, estruturais e de mercado, a inaptidão do trabalhador às modificações tecnológicas,
a simples desconfiança do patrão em relação a técnicos superiores, a quase sumarização do despedimento nas empresas com menos de vinte trabalhadores (cerca de 50% das empresas existentes), que permite o despedimento com indemnização em vez da reintegração decidida pelo tribunal, que propõe aos jovens à procura do primeiro emprego apenas a possibilidade de um contrato a prazo.
Esta peça inconstitucional, imoral e socialmente injusta, que visa transformar todos os trabalhadores portugueses em contratados a prazo incerto, é parte de um conjunto de peças que se insere num jogo de dois tabuleiros. Se passasse seria a revisão inconstitucional e antecipada da Constituição, se não passasse pelas malhas da constitucionalidade o Governo aumentaria o seu capital de queixa contra essa mesma Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Perante os profundos sentimentos de unidade e o crescendo da resistência e da luta contra o pacote laboral e os tectos salariais, o Governo passou da sobranceria para a arrogância, da crispação para a intolerância e da ameaça para a repressão concreta, resvalando para terrenos perigosos, o que, em última análise, poderia conduzir à liquidação das liberdades e dos direitos fundamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Falamos da requisição civil ou da requisição civil encapotada naquilo que o Governo considera «serviços mínimos».
A portaria de requisição dos trabalhadores da Carris, automaticamente prorrogável, foi, na linha da brutal repressão e do uso inconstitucional do lock-out, contra os trabalhadores da INDEP, um dos primeiros atentados contra o direito à greve, que na concepção do Governo pode ser de facto abolido para os trabalhadores dos transportes e de outras empresas de serviços essenciais. Mas o que poderia ter constituído um acto de força conjuntural do Governo começa agora a ser prática corrente.
Nas vésperas da acção nacional de luta da CGTP--IN, do dia 17 de Março, os conselhos de gerência de algumas empresas dos transportes, referindo que estavam a dar cumprimento a determinações do Governo, publicavam ordens de serviço onde definiam os denominados «serviços mínimos».
O que se passou na TRANSTEJO merece ser denunciado nesta Assembleia.
O conselho de gestão começa a enviar cartas intimidatórias a todos os trabalhadores, no sentido de os obrigar a trabalhar, praticando autênticos actos de chantagem sobre os contratados a prazo. Com a cobertura da Polícia de Intervenção, da PSP e da Polícia Marítima, os membros do conselho de gestão deslocavam-se nos barcos, em movimento com a tripulação reduzida e intimidada.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Esteja calado!

O Orador: - Sr. Deputado, no final da minha intervenção agradeço que solicite esclarecimentos ou faça protestos, conforme pretender.

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Mas, porque os senhores são maioria, mas ainda não nos calam a voz, agradecia que me deixasse concluir a minha intervenção.

Aplausos do PCP.

No pontão da estação do cais de Alcântara, marinheiros da TRANSTEJO eram obrigados a saltarem de bordo, com o barco em andamento, para cima dos pontões para apanharem os cabos de atracação.
No dia seguinte, declarava-se que a TRANSTEJO tinha cumprido os serviços mínimos e aplicava-se a requisição civil ao Metropolitano, por se considerar que os trabalhadores não tinham cumprido o estipulado pelo Governo e pelo conselho de gestão.
A resolução do Conselho de Ministros de 17 de Março, nos seus considerandos, assume uma gravidade e constitui uma concepção tão perigosa que exige a reflexão de todas as forças democráticas.
O princípio é este: a greve dificulta a deslocação para os locais de trabalho, para as escolas, para os hospitais, a greve afecta as populações, logo tem de ser realizada por quem, como e quando o Governo muito bem entenda. Para o Governo (e pela forma crua como foi hoje exposto por alguns deputados do PSD), que viva o direito à greve desde que não incomode ou perturbe a vida de ninguém e particularmente a vida do Governo.
Aplicado tal princípio no geral, os funcionários públicos deixariam de poder fazer greve porque prejudicariam a população, tal como os médicos, os professores. E por que não os jornalistas, a quem se exigiria possivelmente o funcionamento de um canal de televisão ou a saída de, pelo menos, dois ou três jornais, e por que não ainda à trabalhadora da caixa do supermercado, já que o público tinha de ser atendido? Exageramos porventura?
Veja-se o que está a acontecer, por exemplo, na Rodoviária Nacional, onde o conselho de gerência quer impor como serviços mínimos o funcionamento de, pelo menos, 30% da frota no dia da greve geral. Veja-se o facto de na CP se ameaçar já os trabalhadores dos escritórios, exigindo-lhes que vão trabalhar nesse dia para prestar os tais «serviços mínimos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É lícito e perceptível o receio do Governo perante o impacte e a adesão crescente dos trabalhadores à greve geral do dia 28.
É legítimo que o governo do PSD não esteja de acordo e não goste do princípio constitucional onde se inscreve que compete aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através do exercício do direito à greve.
Mas o Governo da República não pode desobrigar-se deste princípio e muito menos violá-lo.
Não pode revogar por despacho a lei fundamental e uma lei da República.

Aplausos do PCP.

A experiência amarga e dolorosa de um passado que terminou em 25 de Abril de 1974, onde em nome da Pátria e dos interesses nacionais se tripudiou a liberdade e os direitos fundamentais dos trabalhadores, não pode ser restabelecida no Portugal democrático e a Constituição da República não pode ser transformada num papel sem valor e sem sentido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É essa a exacta dimensão e o verdadeiro sentido dos trabalhadores portugueses quando lutam contra um projecto brutal de despedimentos que o Governo quer transformar em lei.
Ao deitar mão do recurso da autorização legislativa e exigir prioridade, o Governo quer que a Assembleia da República se reduza no papel de uma câmara de despacho, fugir a um amplo debate nacional onde as organizações dos trabalhadores se possam pronunciar cabalmente e quer ainda subverter a matriz democrática e socialmente justa da Constituição, que dá prevalência à segurança e estabilidade no emprego em desfavor do lucro desmedido e do poder absoluto dos detentores da empresa.
A época da estabilidade acabou, dizia o Ministro do Emprego e da Segurança Social. Em nome dos interesses e privilégios de uns quantos, quer o Governo sacrificar os interesses e a segurança de milhões de trabalhadores, para quem o amanhã ficaria sempre condicionado à vontade do patronato, já que o cutelo do despedimento e o drama de perder a sua única fonte de rendimento e das suas famílias seria uma realidade constante.
O Governo fez uma opção. Opção classista acompanhada de comportamentos e práticas inaceitáveis que provocam um conflito insanável entre a sua política e os interesses de grande parte dos que nele votaram nas últimas eleições, milhares de homens e mulheres que hoje e no próximo dia 28 de Março reforçarão as fileiras dos que lutam para impedir a aprovação do pacote laboral e aplicação de tectos salariais e a consumação de despedimentos colectivos.
No Metro ou na CELCAT, na EDP ou na BIS, na Siderurgia Nacional ou na CP, na INDEP ou na COMETNA, na TRANSTEJO ou nas Minas da Panasqueira, na Carris ou no Porto de Setúbal, em dezenas de empresas da metalurgia e de outros sectores, uma torrente de vontades unificadas reassumem energias temperadas e transformarão o dia 28 de Março num marco histórico da luta do movimento operário e sindical.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Grupo Parlamentar do PCP, solidário com os objectivos e aspirações dos trabalhadores, saberá exercer todos os meios institucionais ao seu alcance para salvaguardar o direito ao trabalho e à segurança no emprego e o pleno exercício do direito à grave, porque assim também estamos a defender a própria democracia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, V. Ex.ª é um deputado com larga experiência parlamentar e eu sou um deputado novo nesta Câmara, mas gostaria que, quando V. Ex.ª fala, não temesse qualquer risco de o mandarmos calar.
Em Portugal V. Ex.ª vive num regime democrático e tem toda a liberdade de falar lá fora e cá dentro.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Está autorizado!

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O Orador: - É que somos diferentes!

De facto, os comunistas são diferentes dos sociais--democratas, e V. Ex.ª veio aqui, mais uma vez, com uma visão miserabilista e, mais uma vez, quis fazer crer à opinião pública que estamos num Estado policial, mas estamos num Estado democrático.
As diferenças existentes entre os comunistas e os sociais-democratas têm de ser ditas aqui.
V. Ex.ª acusou-nos de tudo, mas quando os sociais-democratas estão no poder, em qualquer parte do mundo, os comunistas têm liberdade. O contrário não se observa, em nenhuma parte do mundo. Quando os senhores estão no poder, os sociais-democratas não têm liberdade.

Aplausos do PSD.

Uma voz do PCP: - Isso já é uma história velha!

O Orador: - Mais, quando estamos no poder somos pelo direito à greve, tal como o somos quando estamos na oposição.
Mas onde e quando os senhores são poder reprimem a greve e prendem os grevistas.

Aplausos do PSD.

Mais, quando somos poder há sindicatos livres.
Quando e onde os senhores são poder reprimem os sindicatos, extinguem-nos.
Quando somos poder somos pelo direito à oposição e às minorias e quando e onde os senhores são poder os senhores reprimem, extinguem as minorias, prendem-nas.
Finalmente, quando os sociais-democratas vão para o poder é porque o obtêm através de eleições livres, disputadas por todos os partidos. Quando os senhores tomam o poder, porque não o conquistam, fazem-no através da violência, da força das armas e das prisões.
São essas as diferenças que existem entre os sociais-democratas e os comunistas, Sr. Deputado.
Portanto, não nos inibe qualquer visão miserabilista que diz existir um Estado policial no nosso pais.
Também lhe quero dizer que ainda hoje os senhores estão hesitantes sobre um problema que é vital para o Partido Comunista.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vital? Não diga isso!

Risos.

O Orador: - Esse problema é que, ainda hoje, os senhores não querem o voto secreto e nós há muito tempo, desde sempre, que o queremos.
Quero dizer-lhe ainda que admiro os comunistas e, parafraseando um grande pensador português, António Sérgio, digo-lhe muito frontalmente neste hemiciclo: «Guerra às ideias, mas paz aos homens.»
Fiquem com a paz que um governo social-democrata vos dá!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Filipe Abreu, deixe-me ter o seguinte desabafo: nunca pensei ter saudades do Sr. Deputado Silva Marques.

Risos.

O Sr. Deputado iniciou o seu pedido de esclarecimento afirmando ser um deputado novo. E os novitos nem sempre sabem o que dizem!

Vozes do PSD: - Não é este o caso!

O Orador: - O Sr. Deputado é novo na Câmara, mas, para seu esclarecimento, quero dizer-lhe que o Partido Comunista Português insere a sua acção no quadro da Constituição da República Portuguesa, no regime democrático que ela conforma.
É assim que o defenderemos, é assim que lutamos contra a própria vontade do PSD, que, esse sim, quer destruir a Constituição da República que temos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Deputado Filipe Abreu dá-me a liberdade de falar. Aliás, essa foi uma concepção que toda a manhã esteve aqui presente por parte da bancada do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Uma concepção totalitária!

O Orador: - Os senhores dão a liberdade de falar aos trabalhadores; os senhores dão a liberdade de falar à oposição, mas limitam e querem destruir a possibilidade de lutar, de transformar as coisas e a própria cidade.
Espere, pois falaremos sempre aqui, mas lutaremos com todas as armas que a Constituição da República nos dá.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Mota.

O Sr. José Mota (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Parafraseando Shakespeare, poder-se-á dizer que «algo está podre na República de Portugal».
Com efeito, somos um país que se arroga ser uma democracia, que elegeu democraticamente os seus deputados à Assembleia da República e que, por via dessa eleição, «pôs» no Governo, com apoio maioritário do Parlamento, um partido que se reclama de social-democrata.
Mas que conduta tem tido esse governo? Tem agido de acordo com os princípios inspiradores da social-democracia? Tem procurado governar de modo que a nossa democracia seja uma democracia plena - política, social e económica? Tem acautelado os direitos dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos?

Vozes do PSD: - Tem!

O Orador: - Sinceramente, e sem demagogia, julgamos que não.

Protestos do PSD.

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Basta-nos observar, com olhos de ver, o que se passa em todos os sectores da vida portuguesa para logo verificarmos que há contestação por todo o lado: são os médicos e pessoal dos serviços de saúde, que, descontentes com as medidas tomadas pelo respectivo Ministério, diariamente protestam e anunciam greves, pois não se «trata a saúde, mas trata-se da saúde»; são os advogados e magistrados, que proclamam que a justiça deixou de ser um direito para ser um privilégio; são os professores e encarregados de educação, que não vêem na chamada «reforma do ensino» uma solução para o insucesso escolar, que é, bem vistas as coisas, o insucesso do sistema educativo; são os trabalhadores, todos os trabalhadores, que, dependentes já economicamente dos empregadores, se vêem ameaçados de ficarem também dependentes da simpatia que possam merecer dos seus patrões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E este aspecto de o trabalhador ter de pensar que «ou és simpático, subserviente, aceitando todas as migalhas que te dão, ou vais para a rua» é uma maneira capciosa de se restaurar uma ditadura, muito mais gravosa por ser psicológica, inspirada por uma lei - felizmente ainda o não é, e esperamos que o não seja - que é uma verdadeira espada de Dâmocles.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não nos chegaria o tempo para enumerar as disposições propostas pelo Governo no seu pacote laboral que, de uma forma ou de outra, vêm tornar mais difícil a posição do trabalhador por conta de outrem. A própria instabilidade da relação laboral e a insegurança de emprego vêm, ainda que sub-repticiamente, contornar o princípio constitucional do direito ao trabalho.
Com efeito e desde logo, como compreender e admitir que, alargando-se o período experimental de 15 para 60 dias (com o que até, em princípio, mas num outro enquadramento legal, poderíamos concordar), se venha estabelecer como justa causa objectiva de despedimento «a inaptidão do trabalhador para desempenhar as suas funções, revelada após o termo do período experimental»? Assim, e quase sem limites, o Governo «antecipa a reforma» a milhares de trabalhadores a quem os muitos anos e as péssimas condições de trabalho e de vida suportada num miserável salário provocaram natural, diria necessária, «quebra da (sua) produtividade (até então) normalmente exigível» e cumprida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, ocorre perguntar, quem e como avalia - e com que isenção - dessa inaptidão? E que recurso fica ao trabalhador assim despedido? Que meios de prova lhe restarão meses, se não anos, depois em tribunal, e este que meios terá então para avaliar dos fundamentos invocados?
E o mesmo se poderá dizer, com as necessárias adaptações, do despedimento baseado em «inadaptação do trabalhador às modificações tecnológicas».
Que motivações e interesses mal disfarçados presidiram a este projecto do Governo para, máxime naqueles casos, se afastarem as organizações sindicais de todo o processo?
E que receios justificam a quase total imperatividade da lei, coarctando-se assim o direito à livre negociação colectiva dos parceiros sociais?
De facto, a ideia que nos fica e que parece enformar toda a filosofia deste pacote laboral é a de que às entidades patronais se deixa total e absoluta liberdade de despedir trabalhadores, bastando-lhes, em alguns casos, desembolsar alguns (poucos) milhares de escudos, sendo como é tão aleatório o direito à reintegração do trabalhador injustamente despedido, mesmo que - pasme-se - o despedimento haja sido declarado ilícito!
Falar do regime proposto para o «contrato de trabalho a termo» é, antes de tudo, falar de mais promessas não cumpridas pelo Prof. Cavaco Silva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste caso, o que fica da análise à nova legislação proposta é não só o não acabar dos «contratos a prazo», mas sim, e bem pelo contrário, o seu alargamento, a desregulação quase absoluta, permitindo-se sem limite a contratação a prazo - certo ou incerto - da totalidade dos trabalhadores numa empresa.
Seria, então, com tais regimes para os despedimentos individuais e para a contratação a termo que o Governo quereria assegurar a tão propalada estabilidade social? Ou entenderam mal os Portugueses - e nós já então tínhamos essa certeza - e afinal a «promessa» era de uma paz podre, baseada no medo e na mordaça?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não nos chegaria, de facto, o tempo para enumerar todas as disposições do pacote laboral que viriam, efectivamente, retirar direitos (e dizemos, propositadamente, direitos, e não regalias) aos trabalhadores. Por aqui ficaríamos, até porque não se esgota nesta matéria a incapacidade que o Governo vem demonstrando nos domínios da política sócio-laboral.
Pois, porque tarda a substituição do famigerado Decreto Regulamentar n.º 36/87, de 17 de Junho, já conhecido pela lei do «é proibido estar doente»... quando tudo e todos reconheceram a injustiça e quase inadmissibilidade desse novo regime de subsídio de doença?
Há quem se ria nesta Câmara, mas quem não se ri são os trabalhadores, que, todos os dias, são vítimas desta lei.

Aplausos do PS e da ID.

Por que não revê o Governo a legislação processual do trabalho e dota os tribunais de uma lei orgânica que melhor sirva os direitos de quem a eles recorre, nomeadamente uma justiça mais célere? Será que o Governo pensa resolver esse problema dilatando as alçadas dos tribunais? E será, assim, garantindo o direito à justiça, nomeadamente no que se refere à possibilidade de interposição de recursos? E quando é que milhares de sentenças favoráveis aos trabalhadores deixam de ser para «encaixilhar», pois não é possível executá-las, quando se sabe que os condenados abrem sucessivas empresas para serem sucessivamente condenados, continuando, efectivamente, impunes? E será que o sistema instituído de acesso ao direito vai ter condições para funcionar?

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É que à Inspecção do Trabalho ainda não foram dadas condições para funcionar eficazmente e ao patronato continua a ser preferível (e mais barato) ver levantarem-lhe autos do que cumprir as suas obrigações; quando se salvaguarda a nossa juventude, se se continua, impunemente, a usar e abusar do trabalho infantil? Ou será que se espera que seja a contestada reforma do ensino a resolver essa questão?
É que o trabalho de menores representa um índice do egoísmo social de indivíduos muito pouco escrupulosos, a que seria incorrecto chamar empresários, porque não visam construir verdadeiras empresas, antes correm atrás de lucros fáceis. Mas constitui também um índice de insensibilidade de governantes que não só nada fazem para o combate eficazmente como não condenam pública e firmemente os responsáveis por tamanho crime lesa-sociedade.
Por outro lado, não é justo responsabilizar os pais dos jovens pelo seu lançamento prematuro no mercado de emprego, quando são sobejamente conhecidas fortes razões de natureza económica, social e cultural que limitam as decisões a esses pais.
A miséria da família que não pode dispensar o magro contributo do jovem para assegurar a subsistência mínima do agregado familiar, o espectro do desemprego no final da vida escolar, a descrença de que a escola prepare mesmo os jovens para a vida activa, a pressão dos meios audio-visuais que apelam ao consumismo dos próprios jovens, tudo são condicionantes das quais cada indivíduo, isoladamente considerado, tem dificuldade em se libertar.
Só a assunção colectiva, pela comunidade nacional, da consciência da necessidade imperativa de pôr termo a tal perversão da vida em comunidade será eficaz contra o cancro do trabalho infantil.
E o que tem feito o Governo para pôr termo a este flagelo? Nada, absolutamente nada!
Não seria interessante que este governo, cuja vaidade em anunciar pacotes não pode ser posta em causa - embora os pacotes que vai anunciando sejam todos no mau sentido -, elaborasse um bom pacote para pôr cobro ao trabalho infantil?
Por que não condenar aqueles que exploram o trabalho infantil a pagarem uma bolsa de estudo a cada jovem que exploram, que lhe permita completar, pelo menos, o 9.º ano de escolaridade ou equivalente?
É que não basta tornar a sanção mais pesada. É indispensável imaginação e vontade política para resolver este problema - exactamente aquilo que tem faltado ao governo actual.
E enquanto tal e tanta brandura demonstra nos (supostos) ataques ao criminoso aproveitamento do trabalho de crianças, o Governo, por outro lado, desfere violentos e constantes ataques ao constitucional direito à greve dos trabalhadores.
Aproveito para lamentar que, ao estar anunciada uma greve geral para o dia 28 do corrente, hoje já tenha circulado pelos chefes de serviço da CP uma nota apontando o que o conselho de gerência considera como sendo os serviços mínimos e que são, exactamente, os seguintes: das O às 6 horas do dia 28, 50% dos trabalhadores; das 6 horas às 9 horas e 30 minutos, 100%; das 9 horas e 30 minutos às 17 horas e 30 minutos, 50%; das 17 horas e 30 minutos às 20 horas e 30 minutos, 100%; das 20 horas e 30 minutos às 24 horas, 50%.
É de facto interessante, transparente, o conceito que o Governo e os seus conselhos de gerência fazem do direito constitucional à greve, direito que, naturalmente, os trabalhadores têm.
Sem comentários, citávamos a propósito partes de um artigo de opinião transcrito no jornal Expresso:
[...] quando se olha para o Ministro das Obras Públicas, vê-se logo que não tem cara para decidir uma requisição civil...

Risos.

... para decretar um estado de emergência sectorial, para aplicar uma ditadura a prestações.

Risos.

Mais adiante parece concluir o articulista - e citamos novamente:

Oliveira Martins não é homem para congeminar requisições. Podem criticar-lhe os projectos. Podem ainda fazer-lhe pior, que é evitar falar nele.

Uma voz do PSD: - É ridículo!

O Orador: - Mas o que não podem é atribuir-lhe o talento político de governar à margem da lei. Esse talento está reservado a Cavaco Silva e a quem, como Leonor Beleza, o imita - no que deve ser o governo mais pequeno de todos os existentes em Estados de direito: é o único que não tem primeiro-ministro pelo simples facto de que não tem segundo, nem terceiro, nem quarto, nem quinto. Ministro, governante, político, há só um. Chama-se Aníbal Cavaco Silva e arrisca-se a abrir uma página nos tratados de ciência política: de requisição em requisição, ainda faz em democracia o que Salazar apenas conseguiu fazer em ditadura.

Risos.

Apenas duas reflexões mais: e quando verão os reformados condições dignas de vida? E por quanto tempo estarão os sinistrados por acidentes de trabalho privados de verem actualizadas as suas pensões?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estas algumas das muitas mais questões que se podiam levantar.
Mas o Governo preocupou-se apenas com a «lei dos despedimentos», os contratos a prazo e o trabalho temporário, não resolvendo as questões de fundo, aquelas que, como governo, tinha obrigação de resolver.
Haja o pudor de não se vir tentar fazer comparações com a legislação de outros países.
O mesmo pudor - e não menores frontalidade e justeza - que demonstra um conhecido militante do PSD, que por algumas vezes assumiu já cargos ao nível do partido e do Governo, num seu artigo recentemente publicado em A Capital e do qual, com a devida vénia, citava um excerto:
[...] julgo que é necessário repensar o problema da legislação laboral. O despedimento é um acto grave com tal repercussão social e humana, com

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uma incidência no destino e na vida, que não é admissível querer examiná-lo exclusivamente à luz de uma aparente conveniência económica. A relação de trabalho não é uma relação puramente económica, submissível a uma concepção de liberdade contratual. Todo o pensamento católico, todo o pensamento social-democrata, se insurge contra a desumanidade de uma filosofia que pretende ignorar o carácter ontológico da relação de trabalho e a sua dignidade essencial à vida. Aceitar que mesmo quando a injustiça do despedimento se prove não exista, o direito à readmissão é aceitar a pura comercialização do trabalho e, digamos a verdade com a coragem devida, é uma desonra para um governo, para um partido e para uma política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Carlos Oliveira, José Puig, Mendes Bota e Armando Cunha.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Oliveira.

O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Sr. Deputado José Mota, foi com extrema atenção que o ouvi, mas, no fundo, também eu próprio me confundi na tentativa de procurar encontrar exactamente um significado das suas palavras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A crítica fácil, o não saber fazer... Pode ser que esta interpelação tenha essa função de poder dizer à própria bancada que o senhor representa como também em algumas áreas se bem governa, porque, efectivamente, as questões são estas - e pergunto-lhe de uma forma muito clara: será que o País, desde que o Sr. Prof. Cavaco Silva é Primeiro-Ministro, não deixou de estar descontente? Será que não se quebrou a rotina, de certa forma, do não pagamento atempado dos salários? Será que a inflação não deixou de corroer os salários? Será que o desemprego não diminuiu? Será que o investimento não aumentou? Será que a concertação social não é um facto? Sr. Deputado, a resposta a estes dados o senhor conhece-a e sabe-a, assim como a razão de estar a perverter as respostas a estas questões e a procurar conclusões que apenas servem a, si e ao seu partido.
Qual é, neste momento, o sentido que o Partido Socialista tem ao apresentar a presente interpelação? Será - e esta é uma questão que levanto - que o Partido Socialista pretende antecipar-se ao Partido Comunista Português e aproveitar, em sede da Assembleia da República, para transformar esta interpelação numa jornada de publicidade à greve geral do próximo dia 28? Gostava que me respondesse claramente a estas questões.
Para terminar, sendo breve necessariamente, também posso recordar aqui um pensamento do escritor que V. Ex.ª citou, William Shakespeare: «Ser ou não ser, eis a questão.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, é com extrema apreensão que oiço o Sr. Deputado falar em social-democracia, principalmente a um partido que, desde 1974, não tem medo de dizer que é social-democrata.
Sr. Deputado, olhe para o seu próprio partido, pois noutras alturas houve muitos em que se recusavam a dizer que eram sociais-democratas.

Vozes do PSD: - Exacto!

O Orador: - Chegaram, nomeadamente, a dizer que a social-democracia era a antecâmara do fascismo.

Aplausos do PSD.

Nós de social-democracia não temos lições do Partido Socialista, mas a pergunta é esta: acha-se o Sr. Deputado um autêntico social-democrata?

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente (Maia Nunes de Almeida): - Sr. Deputado José Mota, prefere responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento.

O Sr. José Mota (PS): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Deputado José Mota, vou fazer algumas considerações e pedidos de esclarecimento sobre a sua intervenção.
O Sr. Deputado começou por dar uma imagem terrível do nosso mundo social e laboral, do nosso mundo social e laboral no nosso país, é claro!
Falou em miséria, no trabalho infantil, no direito ao trabalho, que está afectado, e numa série de outras coisas. Realmente, o mundo social e laboral do nosso país - que já está melhor do que há alguns anos atrás - não está, obviamente, no ponto ideal, mas quando nós, o PSD e o Governo, falamos em mudar alguma coisa, que com certeza não é para piorar o que está neste estado mas sim para melhorar, os deputados da sua bancada e de outras bancadas vêm aqui com problemas e com dramas terríveis. Se não mudamos, Sr. Deputado, então realmente não se pode melhorar grande coisa, não se pode sair muito disto.
O Sr. Deputado falou ainda na vida suportada pelo miserável salário que dava origem à inaptidão, que agora, na proposta de alteração das leis laborais, seria fundamento de despedimento. Sr. Deputado, é realmente com isso que queremos acabar! Queremos acabar logo com a vida suportada num miserável salário. Sabemos que isso se tem passado em Portugal e esta lei é uma das armas que o Governo tem em mente para acabar com essa situação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas surge então a inaptidão e o Sr. Deputado, com um ar muito curioso, pergunta quem a avalia. Será, natural e obviamente, o tribunal!

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Aliás, sobre esta questão não me surpreende que o Sr. Deputado tenha feito essa pergunta, porque ontem, num debate televisivo, travado com outros Srs. Deputados da sua bancada, em relação à questão de o tribunal formar a convicção e avaliar determinadas situações, eles mostraram grande desconfiança e chegou-se até a dizer que «com três testemunhas prova-se isso tudo», mas o trabalhador, se calhar com quatro, provava tudo ao contrário. Isto deve ser só uma questão aritmética. Não será bem assim, Sr. Deputado!
Falou depois na total e absoluta liberdade de despedir trabalhadores - veja-se o escândalo -, na medida em que a reintegração não é garantida, não é automática. Veja-se o escândalo, Sr. Deputado, na proposta do bloco central - como o Sr. Ministro já disse da parte da manhã - a regra ser não a reintegração, como é agora, mas a indemnização! Sendo a regra a indemnização, veja-se o escândalo que era na altura, as vozes que se levantaram dessa bancada e a voz que o Sr. Deputado levantou contra esse duplo escândalo, se não triplo.
Focando agora um tema concreto, o Sr. Deputado afirmou que tarda a substituição do Decreto Regulamentar n.º 36/87, que o Governo até já teria dito que iria ser substituído. Realmente, desculpo essa afirmação do Sr. Deputado porque o discurso, por certo, já estava escrito e não teve tempo nem oportunidade de o alterar, mas o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social referiu hoje da parte da manhã que tinha sido já aprovada, no último Conselho de Ministros, a substituição deste diploma por um novo diploma legal. Talvez o Sr. Deputado já tivesse escrito ontem o discurso e, portanto, não teve tempo de riscar essa parte.
Só uma última consideração de índole muito geral. De facto, o meu colega Carlos Oliveira já referiu que certas intervenções e interpelações quase parecem uma publicidade à greve geral, e eu acrescentaria um fomentar de uma grande revolta contra a lei de requisição civil.
Era só, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado José Mota, serei muito breve, mas a sua intervenção suscitou-me uma interrogação e uma consideração.
Quanto à interrogação, é que V. Ex.ª fez um discurso muito loquaz, muito pertinaz, muito contumaz (risos do PSD) mas não foi capaz de nos explicar onde é que o Sr. Deputado José Mota, o crítico, o aguerrido, o juiz implacável, hoje, do pacote laborai do Governo do Prof. Cavaco Silva, estava em 1985, quando o Governo do bloco central teve preparado, às portas da aprovação, um pacote laborai que era muito pior - na sua óptica certamente - do que este em termos de defesa dos interesses dos trabalhadores e que só não foi para a frente porque, talvez para bem de Portugal, o governo do bloco central então caiu.
A consideração que queria fazer, Sr. Deputado, é de que esta interpelação do Partido Socialista está muito aquém do que esperávamos.

O Sr. José Mota (PS): - Está!?

O Orador: - É uma intervenção que deveria ter mais consistência e não tem, que deveria ter mais coerência e não tem, é uma intervenção que está falha de imaginação. Mas que saudade que temos de rasgo plumitivo de um Almeida Santos, do génio irreverente de um António Guterres, da ironia acutilante de um João Cravinho. Eu diria que a interpelação do Partido Socialista acabou por ser um lamentável acto falhado. É uma interpelação que teve pouco molho e nenhuma carne.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Sr. Deputado José Mota, só quero colocar-lhe três questões.
V. Ex.ª abriu o seu discurso com uma citação, melhor, parafraseando Shakespeare e eu calculei ter o agrado inefável de ouvir coisas belas, porque Shakespeare não só conheceu extraordinariamente os problemas humanos como soube traduzi-los em versos imortais. Mas não! V. Ex.ª referiu-se apenas a que estaria alguma coisa podre na República de Portugal.
Por isso pergunto-lhe: quererá V. Ex.ª aludir à circunstância de se querer decretar uma greve puramente política, transfigurada ou disfarçada num verdadeiro uso do direito à greve?
Depois, o Sr. Deputado pergunta quando é que os trabalhadores verão actualizadas as pensões de acidentes de trabalho. V. Ex.ª ignora, porventura, que elas são automaticamente actualizadas em função da actualização dos salários mínimos?
A terceira pergunta, que é a que mais me confrange fazer, é a seguinte: peço - suplico-lhe mesmo que esclareça, porque fiquei com uma dúvida que já tem pelo menos 50 e alguns anos no meu espírito - que me diga que espada é essa de Damocles a que se referiu (risos do PSD). Eu conheço e a história conhece a espada de Damocles, e não a de Damocles.

Risos e aplausos do PSD.

V. Ex.ª devia ter terminado a sua intervenção, se tivesse reparado nessa facto, citando Platão, que ficava bem a seguir a Shakespeare.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Mota.

O Sr. José Mota (PS): - Srs. Deputados, depois de há poucos dias atrás ter ouvido no Porto uma conferência de imprensa do Sr. Primeiro-Ministro em que dizia que o pacote laborai não o faria perder sequer um minuto de sono, fiquei convencido de que tal aconteceria. Mas acabo de constatar, não só através das últimas intervenções do Sr. Primeiro-Ministro, como através da intervenção televisiva de ontem do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social e das próprias intervenções efectuadas neste Plenário, quer pelo vosso grupo parlamentar, quer pelo Sr. Ministro, que há um grande nervosismo nas hostes do Governo.

Protestos do PSD.

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Há, é verdade! Há um grande nervosismo nas hostes do Governo, o que é natural. De facto estão assustados e convenceram-se de que os 51% que o povo português lhes deu dava para resolver tudo, mas começam a constatar que uma grande parte desses 51% começa a estar insatisfeita e aborrecida com tantas promessas que lhe foram feitas e que agora estão a ser distorcidas.

Protestos do PSD.

Perguntam os senhores se depois de o vosso governo ... e não sei qual é o vosso governo, vocês são o partido que, depois do 25 de Abril, mais tempo estiveram no Governo e tenho dificuldade em destrinçar qual é o vosso governo! De qualquer forma, queria perguntar-vos se o vosso governo também era ou não aquele que existiu de 1980 a 1983, aquele que devido à situação económica levou a que o vosso Primeiro-Ministro tivesse saído do governo. Não sei se é a esse governo que se referem!
De qualquer forma, não sei se o vosso governo é também aquele que perdurou até 1983 e que deixou o País na situação económica que todos nós conhecemos e que os socialistas e vocês próprios tiveram de ajudar a resolver...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ..., numa situação difícil perante condicionantes externas extremamente complicadas, como devem reconhecer, penso eu!
Gostaria de perguntar-lhes se seria possível fazer pior do que aquilo que têm feito perante uma situação económica, nomeadamente a nível internacional, que tem facilitado a vida ao Governo Português. E se é verdade que tem havido tanto crescimento de emprego é tanto crescimento económico, se é verdade que a situação está tão bela como vocês apregoam, pergunto se alterarem as leis, isto não irá piorar? É pelo menos uma questão que temos de colocar a nós próprios: se isto é bom com esta legislação, se alterarmos a legislação, se calhar, vai ser pior! Eu queria que não fosse pior, queria que continuasse a melhorar, os senhores, se calhar, não querem que isto continue a melhorar. O que os senhores querem é instaurar neste país a lei da selva, a lei que permita a qualquer empresário escolher ao pequeno-almoço o trabalhador que há-de pôr na rua ao almoço ou ao jantar.

Protestos do PSD.

É contra isto que nos batemos e, quer os senhores queiram ou não, temos a nossa posição quer que, aliás, é corroborada por milhões de trabalhadores, e os senhores vão ter a prova disso daqui a dias.

O Sr. Presidente: - Só um momento, Sr. Deputado José Mota, pois está muito barulho na Sala e certamente os Sr s. Deputados do PSD desejam ouvir os esclarecimentos que o Sr. Deputado está a dar. Porém, com este barulho terão dificuldade em o ouvir, pelo que solicito aos Srs. Deputados o favor de fazerem o silêncio necessário para que o Sr. Deputado se faça ouvir.

O Orador: - Os Srs. Deputados parecem querer ouvir apenas uma verdade, aquela verdade que julgam ser única. É pena que não queiram ouvir outras, talvez chegassem a melhores conclusões. Mas, enfim, é um problema vosso! Eu e os meus camaradas de bancada não somos o Santo António e, como devem calcular, não estamos cá para pregar aos peixes - perdoem-me o exagero das palavras.

Risos.

Queria dizer ainda, e respondendo ao Sr. Deputado José Puig, que tem havido muitas mudanças em Portugal. A julgar pelas reacções das organizações sindicais dos trabalhadores, penso que, infelizmente, se tem mudado para pior. É pena que assim aconteça, porque nenhum governo até hoje, depois do 25 de Abril, teve para governar as condições que os senhores têm tido. Os senhores não têm é sabido governar, esta é que é a verdade! Vocês têm de reconhecê-lo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É lamentável que quando falou na questão da inaptidão o Sr. Deputado não tenha dito a quem competia o ónus da prova.
E importante que o Sr. Deputado leia a lei...

Protestos do PSD.

O Orador: - ... porque penso que não conhece o pacote laboral, está a falar de cor e está a ser vítima de intoxicação! Eu não gostaria, que isso acontecesse, pois gostaria que V. Ex.ª fosse um deputado esclarecido. .... É evidente que durante a vigência, do bloco-central, houve uma tentativa, nomeadamente do PSD, que tudo. fez no sentido de alterar a lei dos despedimentos. Infelizmente isso. hão aconteceu e felizmente esse governo (caiu exactamente por causa desse pacote laboral.

Uma voz do PSD: - Não é verdade! O Orador: - É verdade é!

Gostaria de dizer ao Sr. Deputado Armando Cunha que não podia estar à espera de ouvir, da minha parte, dizer coisas belas quando iniciei a minha intervenção, porque penso que, neste momento, temos todos razão para estar tristes, e não para estar satisfeitos. Não há motivos para dizer coisas belas quando o seu governo, o governo que o seu partido apoia, só faz asneiras, muitas asneiras.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Acaba de afirmar o Sr. Deputado José Mota que eu apoio um governo que só faz asneiras. Além de considerar uma frase gros-

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seira - porque é dirigida ao Governo de um país de uma república democrática, que foi eleito por sufrágio do povo português e representa todo o povo português, com uma maioria que excede os 50% - essa grosseria dirige-se, primeiro que tudo, ao próprio povo português, a essa maioria que elegeu esse Governo, o que creio que merece uma reparação.
Por outro lado ainda, o Sr. Deputado José Mota, que pediu a palavra para responder a pedidos de esclarecimento, deixou sem resposta qualquer das três perguntas singelas que lhe fiz. Pelo menos em relação à última peco-lhe encarecidamente que me dê a resposta, porque desde os meus 12 ou 13 anos - já lá vão mais do que 50 - tenho respeito pela memória do meu querido professor de História, e ele disse-me que aquela espada que pendia sobre a cabeça do condenado era a espada de Damocles e agora ouvi dizer Damocles, numa assembleia destas. Esclareça-me porque, das duas uma, ou perco o respeito pela memória - e ele é muito - daquele meu velho e querido professor ou deixo de ter o mínimo respeito pelo Sr. Deputado José Mota - e não sei, se o repórter do Expresso que aqui há pouco aludiu naquela «local» que fez tiver o mesmo olhar enviesado e reparar no Sr. Deputado José Mota, o que é que ele dirá no próximo sábado quando sair o Expresso.
Agradeço que me dê a resposta, Sr. Deputado José Mota.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Fico com o respeito pela memória do meu professor de História!

Aplausos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Muito obrigado pelos aplausos com que me receberam, Srs. Deputados.

Risos e aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: «O Governo mantém tudo o que propôs. Não altera uma vírgula da sua proposta de lei» - assim terminou ontem o Ministro do Emprego e da Segurança Social a sua intervenção na televisão. Repetindo, uma vez mais, o que vem dizendo desde há semanas.
Desta forma o Ministro demonstrou claramente a sua - e do Governo - completa insensibilidade e o seu desprezo, perante a argumentação aduzida pelos dirigentes sindicais.
Mas ficou patente o seu profundo desconforto quando o secretário-geral da UGT citou a encíclica papal onde se assinala que não há modelo de desenvolvimento aceitável à custa do emprego precário.
E mais desconsolado se sentiu quando o coordenador da CGTP desafiou os representantes das confederações patronais a estudarem em conjunto uma lei laborai adequada às realidades do País.
O nervosismo do Ministro reflectia o nervosismo que a todos os níveis atingiu o Governo. Verifica-se um certo descontrole do Governo facilmente comprovado, quer pela sua postura, quer pelas suas declarações, quer pela actuação autoritária dos governantes, a começar pelo Primeiro-Ministro, Cavaco Silva.
Nada faz o Governo recuar! Nem o facto de as duas centrais sindicais se terem decidido por uma greve geral que está a merecer o apoio cada vez mais alargado de um número crescente de sectores laborais.
A disposição deste governo não é sinónimo de firmeza. Significa, isso sim, a mais completa insensibilidade perante a crescente onda de descontentamento que a sua actuação está a provocar e uma teimosia provinciana cujas graves consequências para o País parece não lhe interessar.
A todos o Governo do alto da sua arrogância diz não, sem avaliar as nefastas consequências dessa negativa. As razões e análises de eclesiásticos, de sociólogos, de dirigentes sindicais, de comissões de trabalhadores, de psicólogos, de pedagogos não o afectam, numa demonstração de discutível superioridade que pode ser classificada, e é, de antidemocrática.
Ao Governo nada mais interessa senão aplicar o seu Programa, indiferente aos problemas que provoca. Sem abertura ao diálogo, habituou-se a estabelecer confrontos cada vez mais assíduos e perigosos para a democracia, confiando apenas na maioria parlamentar que o apoia. Esquece-se de que o exercício da democracia pressupõe o diálogo - que recusa - e a ponderação dos argumentos contrários - que não aceita.
Quando ontem assistimos ao referido debate televisivo e depois de ouvirmos quer o Ministro do Emprego e da Segurança Social quer os dirigentes da CIP e da CCP recordamos as palavras sensatas, conhecedoras, proferidas à Rádio Renascença pelo P.e Victor Milícias, actual provedor da Misericórdia de Lisboa: «A orientação do Governo é influenciada por uma certa filosofia liberal ou mesmo liberalista, do tipo norte-americano, que não corresponde às actuais realidades da sociedade portuguesa» (as referências aos Estados Unidos e ao Japão ontem não se fizeram esperar).
O padre Victor Milícias alertou ainda: «A legislação laborai deve ser elaborada com o objectivo de a aproximar dos padrões europeus, sem esquecer, no entanto, a realidade nacional em matéria laborai, nomeadamente os traumas anteriores ao 25 de Abril, assim como a própria falta de mentalidade democrática de muitos empresários portugueses», para concluir, dizendo recear «o risco de se reconstruir em Portugal um patronato arbitrário e uma classe trabalhadora sem defesa».
Quem assistiu ao debate, quem ouviu as declarações do Ministro do Emprego e da Segurança Social e dos dirigentes das confederações patronais dará inteira razão à análise e aos fundados receios do P. Victor Milícias.
Receios esses extensivos a muitas largas camadas da população laboriosa do País, perante a ofensiva do Governo, defensor do agravamento das condições de vida dos Portugueses e da instabilidade social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nesta interpelação à política laborai do Governo, em boa hora apresentada pelo Grupo Parlamentar Socialista, seria bastante útil que o Governo apresentasse aqui, e sem defeito, qual a estrutura do trabalho em Portugal e não, como fez, uma longa lista

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de propaganda. Se o Governo apresentasse essa estrutura sem defeito, seria então interessante ouvir como pode argumentar em defesa de uma lei que, a ser aplicada, irá afectar duramente as relações do mundo do trabalho.
O Governo apenas papagueia a sua propaganda e tenta lançar a ideia de que as leis do trabalho é que são as grandes responsáveis pela má situação da economia e da sociedade portuguesa.
Segundo o Governo essas leis impedem o investimento, bloqueiam a modernização do aparelho produtivo, sacrificam a vida dos desempregados e dos jovens em busca do primeiro emprego. Essa acção propagandística, apesar de tudo, não colheu os frutos desejados, já que unanimemente os trabalhadores se têm manifestado em todo o País contra as intenções provocatórias governamentais.
Efectivamente, como é possível fazer acreditar alguém que às leis do trabalho devem ser assacadas culpas da má governação? Do facto de a economia ir de mal a pior? Dos erros de cálculo do Ministro das Finanças, que levam a taxa de inflação a ser superior ao que esperava? Dos preços continuarem a subir? Da falta de uma política credível que leve o investidor a investir mais e melhor em vez de procurar a especulação? De não haver incentivos à criação de novos postos de trabalho? De se manter um muito elevado número de desempregados? Do mercado de capitais se ter afundado por obra e graça do Governo? Do Governo não saber aplicar uma política que tire benefícios das boas condições externas? Enfim, seria um nunca acabar de maus exemplos governativos que podíamos citar e de que, como é evidente, as leis do trabalho não são minimamente responsáveis.
O Governo não aparece na Assembleia da República com um plano para melhorar a situação laboral e global do País que levasse as forças políticas, os sindicatos e as organizações patronais a uma análise aprofundada, a fim de se encontrarem soluções para se melhorar qualitativamente os problemas existentes. Não! Isso não faz o Governo, porque não quer!
Em lugar de fomentar estabilidade social e política, de garantir o direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado, de promover emprego através de uma política económica e financeira adequada, de promover bem-estar social, o Governo, com a sua actuação, cria, isso sim, instabilidade social, provoca o confronto com quem trabalha, com o mundo sindical, com a oposição. Fomenta assim, e deliberadamente, a insegurança permanente a quem trabalha, a milhões de portugueses, coloca os trabalhadores à mercê de um patronato pouco arrojado, e, na generalidade, pouco envolvido no desenvolvimento do País, a não ser na defesa dos seus directos interesses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não existe qualquer política laboral deste governo ou do que o antecedeu, ambos chefiados pelo mesmo primeiro-ministro, como todos nós podemos comprovar. A não ser diminuir o subsídio aos jovens em busca do primeiro emprego - que bem enganados foram os jovens na campanha eleitoral...
A sociedade portuguesa atravessa injustamente momentos difíceis. Ao amplo desemprego sucedem-se problemas graves de miséria onde infelizmente se verificam situações de fome em certas zonas do País, como todos nós sabemos. Essa é a segurança social oferecida
pelo Governo. Não deixa, neste contexto, de ser curioso que um governo que não melhora as condições de vida de quem trabalha, que não promove uma política global capaz de conduzir o País para uma situação mais desanuviada de forma a criarem-se postos de trabalho, diminuindo-se a exagerada taxa de desemprego, bem como a de proporcionar subsídios razoáveis a todos os desempregados, não deixa, na verdade, de ser curioso que este elenco governamental passe a vida, como ontem ficou demonstrado, a justificar os seus lamentáveis actos com a necessidade de seguir o exemplo de países estrangeiros da CEE, dos Estados Unidos da América, do Japão...
Um país como o nosso, com padrões de desenvolvimento ínfimos, sem indústria capaz, com um aparelho produtivo e com uma agricultura atrasados, com um sistema de ensino caótico, é este país, com uma estrutura que não se compara com nenhum dos nossos parceiros da CEE, que tem actualmente um governo a pretender seguir os exemplos liberalizantes de economias poderosíssimas. Estranha ironia essa!
Mas nem isso pode servir de exemplo, já que as assimetrias são imensas e os contextos económicos e sociológicos são bem diferentes.
Por outro lado, convém não esquecer o facto de nesses países da CEE, e para desfazer o mito governamental, existirem mais de 20 milhões de desempregados! Essa é a realidade, mesmo com as chamadas leis liberalizantes de despedimento lá existentes.
Diga-nos o Governo se, ainda assim, esse argumento pode ser considerado como válido para defender a sua lei.
Que tipo de apoios têm os trabalhadores franceses, alemães, italianos ou ingleses?
E o valor do ordenado mínimo nacional? E o valor do subsídio de desemprego? E qual a segurança social de que beneficiam os trabalhadores, os desempregados e os jovens em busca de primeiro emprego? Tem alguma comparação com o que se faz por cá?
Quando, a torto e a direito, para fazer prevalecer os seus argumentos, o Governo aponta com o «exemplo estrangeiro», não posso deixar de classificar essa atitude como verdadeiramente aberrante.
Por estarmos integrados na CEE não podemos ver diminuída a nossa independência como Estado. O mesmo acontece naturalmente com os outros países membros da Comunidade. Por isso, bom será que o Governo deixe de acenar com tal exemplo.
O facto de estarmos na CEE não nos obriga a adaptar radicalmente as nossas leis fundamentais, a começar pela própria Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta interpelação oportuna tem servido para demonstrar como o Governo, para além da sua propaganda, não consegue convencer-nos da validade dos seus argumentos.
No decurso do debate verificámos como, aos factos claros e indesmentíveis apresentados por deputados da oposição, o Governo opõe evasivas preocupantes.
E preocupa-nos porque sentimos que a injustiça social vai prevalecer, que a instabilidade social e a insegurança dos trabalhadores vão continuar com a agravante de o Governo não dar mostras de pretender inverter esta situação gravosa para a sociedade portuguesa.

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Não restam dúvidas, Srs. Deputados, de que este governo, sem apresentar uma política laboral e social credível, prefere, isso sim, satisfazer os interesses de uma clientela própria, pelos vistos ainda não satisfeita, pois exige ainda mais benesses em detrimento dos verdadeiros interesses do País e dos trabalhadores.

Aplausos da ID, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca esgotou o tempo de que dispunha para o debate.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, com autorização da Mesa, permito-me anunciar à Câmara que se encontra entre nós - e uma vez que não foi anunciado - um grupo de alunos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, cuja intenção foi a de vir aqui protestar e alertar a Assembleia da República...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Herculano Pombo não está a fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Então, permita-me, sob á forma de interpelação à Mesa, pedir ao Sr. Presidente que anuncie que entre nós se encontra um numeroso grupo de alunos da Faculdade de Ciências de Lisboa que aqui veio protestar contra o abate de pinheiros que continham 23 ninhos, de cegonha...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, a Mesa não pode anunciar aquilo que desconhece. O Sr. Deputado fez uma interpelação e já informou o fundamental, pelo que solicito que fique por aí.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - De qualquer modo, Sr. Presidente, se me permitisse terminar a minha interpelação, gostaria que ficasse claro qual a intenção da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa ao vir aqui. Gostaria, pois, que isso ficasse claro, uma vez que não lhes foi autorizada a utilização dos meios de protesto e alerta que eles se propunham trazer a esta Câmara - aliás, o Regimento não o permite...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, queira desculpar-me, mas não há cabimento a uma situação destas.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A interpelação é sobre política laboral e social. O Ministro do Emprego e da Segurança Social, na sua intervenção, passou pelo pacote laboral como raposa por vinha vindimada!
E na área social vejamos o que é que o Sr. Ministro nos veio dizer de novo.
Comecemos pelo subsídio de doença. Se bem se lembram, há cinco meses que o Sr. Ministro anda a dizer que vai sair um diploma alterando o decreto regulamentar. Há um mês a sua bancada rejeitou, confessemos que de uma forma bastante envergonhada, o projecto de lei do PCP que revogava o referido diploma.
Afinal, o que o Sr. Ministro nos vem agora dizer é o mesmo que anda a repetir há uma série de tempo. É legítimo que me interrogue: será que é mesmo desta vez que o decreto regulamentar vai ser alterado?
Em caso afirmativo, que medidas vão ser tomadas para repor as situações de injustiça entretanto verificadas?
Noutro âmbito e no que à Segurança Social diz respeito, ouvimos de novo promessas, declarações de intenções, em suma, demagogia!...
O Governo orgulha-se das pensões do reformados. Acha que 13 000$ chega e sobra para viver? Não serve de nada desculpar-se com o mal dos outros. O que importa verificar é se hoje em Portugal os reformados e pensionistas vivem em condições mínimas de dignidade humana.
Assim como não pode ser motivo de orgulho para o Governo o valor actual do abono de família e do subsídio de aleitação. Ambos são verdadeiramente insignificantes no cômputo geral das despesas familiares. O abono de família, por exemplo, nem chega, sequer, para comprar uns sapatos a uma criança. É esta a ajuda e protecção do Estado às famílias, particularmente às mais carenciadas?
Quando, entretanto, é suspensa a construção de novas creches e outros equipamentos de apoio à infância e à juventude, tal como se constatou durante a discussão do Orçamento do Estado para 1988?
E foram agravadas as condições de acesso às pensões - por Velhice e invalidez dos trabalhadores rurais em consequência da aplicação do decreto regulamentai que veio alargar substancialmente o tempo mínimo de contribuições exigido?
E a Lei de Bases da Segurança Social, apesar do que o Sr. Ministro aqui disse, porque «de promessas está o mundo cheio», continua desde 1984 por regulamentar!
Acrescente-se a este panorama a problemática da saúde, o aumento escandaloso dos medicamentos e uma cada vez maior inacessibilidade aos cuidados primários de saúde e, sobretudo, às consultas de especialidade, o funcionamento caótico dos hospitais, que completam de forma sucinta o panorama sobre o que é hoje o país real da desprotecção!
Esta problemática não se desliga das questões do desemprego, da precariedade de emprego que o Governo pretende agravar com o famigerado pacote laboral. Por isso, os trabalhadores protestam, manifestam-se e lutam!
É neste contexto que o Governo, procurando esbater os efeitos da sua política, nos vem habituando a grandes campanhas televisivas e a anúncios públicos de medidas que mais não são do que a reposição mínima e parcial de direitos que escandalosamente lhes têm vindo a retirar!
Constata-se, assim, e as afirmações hoje aqui proferidas confirmam-no: «O Governo faz o mal e a caramunha.»

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

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A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É por tudo isto que o dia 28 será um dia de luta contra a política anti-social, pela reposição dos direitos e garantias constitucionais.
Ao lado dos trabalhadores, outras camadas da população, alguns mesmo que votaram nesta maioria, demonstrarão que não querem a continuação desta política!

Aplausos do PCP.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social (Luís Filipe Pereira): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: - A Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira referiu alguns aspectos que são falsos e, portanto, gostaria de questionar algumas das afirmações que aqui fez.
Creio que a Sr.ª Deputada desconhece - algo que é publicamente reconhecido - que, de facto, o Governo alterou a disciplina dos subsídios de doença.

Uma voz do PSD: - É verdade!

O Orador: - Há cerca de quinze dias o Conselho de Ministros fez um comunicado em que as condições de acesso ao subsídio de doença foram alteradas.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O senhor está a ser falso!

O Orador: - Devo. dizer-lhe quê às condições de acesso foram alteradas num contexto que tem à ver* com a regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social - aliás, este é o primeiro governo que, no seguimento do trabalho começado no governo anterior, vai dar cumprimento àquilo que foi decidido nesta Câmara em relação à Segurança Social.
Gostaria de esclarecer que este subsídio de doença trouxe inovações que vêm beneficiar centenas de milhares de pessoas.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não diga isso! Isso é que é falso!

O Orador: - Lembro-lhe que, e relativamente à protecção das doenças de longa duração, uma pessoa que está doente há mais de um ano passa a ter maior cobertura e maior protecção do que até aqui. Para além disso, e também para as doenças de longa duração (e isto foi um aspecto que o Sr. Ministro não referiu, mas que eu gostava de salientar), essas pessoas passam a ser objecto de um pensão de invalidez antecipada - coisa que até agora não acontecia - e que, de facto, vem beneficiar também dezenas de milhares de pessoas.
Pergunto, concretamente, à Sr.ª Deputada se tem ou não conhecimento destas medidas que foram anunciadas e que dentro de quinze a vinte dias serão publicadas no Diário da República.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - De promessas está o mundo cheio!

O Orador: - Tem-se dito aqui que o nível de pensões é baixo e que o abono de família, entre outros aspectos, também é baixo. Gostava de perguntar à Sr.ª Deputada se sabe que o aumento de apenas 1% nas pensões mínimas tem um reflexo no orçamento da Segurança Social de meio milhão de contos e que um aumento de apenas 100$ no abono de família tem por acréscimo no orçamento da Segurança Social 300 000 contos. Ou seja, algo que é de reduzido montante, como sejam aumentos percentuais de 1% ou aumentos de 100$, tem um impacte enorme no orçamento da Segurança Social.
Pergunto à Sr.ª Deputada se tem consciência do que se passa ao nível das despesas da Segurança Social, porque 70% delas vão para pensões.
É uma situação que este governo herdou e que tem a ver, sem dúvida, com o envelhecimento da população e também com o acesso indiscriminado a estas prestações sociais sem que haja a possibilidade de lhes fazer frente através da receita do orçamento da Segurança Social. Creio que a Sr.ª Deputada se esqueceu destes factos quando ainda há pouco fez a sua intervenção.
Muito rapidamente, gostava ainda de dizer que não é verdade que os investimentos tenham parado na área social, nomeadamente para construção de creches. Neste momento, no orçamento da Segurança Social estão previstos 3 milhões de contos, só para este ano, para equipamentos sociais. A Sr.ª Deputada podia ter-se informado junto da Secretaria de Estado, que teria todo o gosto em lhe dar essas informações.
Só para terminar, gostaria de lhe dizer que tem sido este governo que tem tentado pôr as contas em ordem - digamos assim - ao nível da Segurança Social e que tem tido trabalho, que considero coerente, ao tentar estabelecer uma nova disciplina contributiva no que diz respeito às dívidas à Segurança Social, ou seja, de aumentar ás receitas para poder alargar e aumentar a cobertura social.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a gentileza do Sr. Secretário de Estado em colocar-me algumas questões. No entanto, lamento que este debate não se tenha efectuado aquando da discussão do nosso projecto de revogação do Decreto Regulamentar n.º 36/87.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Exacto!

A Oradora: - O Sr. Secretário de Estado vem aqui colocar questões para fundamentar legislação que é desconhecida do povo português, a não ser que o senhor me diga ou me entregue o Diário da República onde ela está efectivamente publicada. Apenas lhe posso dizer que tive conhecimento do seu conteúdo, que afinal foi o mesmo que o Sr. Ministro acabou de dizer há pouco através de uma notícia do Diário de Notícias publicada em 11 de Março. No entanto, só quinze dias depois é que o Sr. Ministro vem à Assembleia colocar, de novo, as mesmas afirmações.

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O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Ele gosta mais de falar para os jornais!

A Oradora: - Até aqui o povo português e, sobretudo, as pessoas que são lesadas por esta situação ainda não viram contemplados e resolvidos os seus problemas.
Na minha intervenção coloquei ao Sr. Secretário de Estado uma questão muito clara, que é a seguinte: se, efectivamente, é verdade aquilo que refere quanto ao subsídio de maternidade, ou seja, a sua autonomização, assim como a dos respectivos subsídios, pergunto-lhe como é que o Governo vê e pondera a situação da reposição das ilegalidades cometidas durante todo este processo em consequência da aplicação de um decreto altamente lesivo de direitos que já existiam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Lembro-lhe que reduzir o período de quinze para oito dias não significa repor a legislação que existia anteriormente. Essa era a nossa fundamentação quando aqui propusemos a revogação do citado decreto, o que prova da justeza da nossa posição.
O Sr. Secretário de Estado acabou por referir que eu tinha feito afirmações que não correspondiam à verdade. Digo-lhe: com a meia verdade que acaba de dizer é o senhor que confirma as inverdades que pretende, ao fim e ao cabo, impor.
Quanto às questões que levantou, nomeadamente no âmbito das contribuições da Segurança Social e da sua situação financeira, devo dizer-lhe que o Estado e o Governo continuaram a assumir as suas responsabilidades quanto à cobertura dos regimes não contributivos...

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... e da acção social, razão pela qual são penalizados, e continuam a sê-lo, os reformados e os pensionistas deste país, que têm reformas baixíssimas, que, efectivamente, não correspondem aos descontos e às verbas a que deveriam ter direito.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Gostaria, finalmente, de colocar uma outra questão relativa aos subsídios de doença e de maternidade, enfim, a tudo isso que são, de facto, intenções.
Em relação ao subsídio de desemprego e ao subsídio social de desemprego, gostaria de saber se, estando esta questão a ser ponderada, como é que o Governo prevê, de acordo com a lei, a execução efectiva do pagamento destes subsídios. Temos conhecimento de que estes pagamentos se processam com três ou quatro meses de atraso, ao contrário do que é acordado por lei, que estipula que eles devem ser feitos um mês após os respectivos requerimentos. Muita coisa haveria a dizer sobre a Segurança Social, mas, uma vez que já não disponho de tempo neste momento, deixarei esta questão para uma outra oportunidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira gastou quatro minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Interpelar o Governo em matéria social e laboral, numa altura em que os conflitos laborais, associados à chaga social que persiste no nosso país, embora haja quem afirme o contrário, se agudizam da fornia como é do conhecimento público, é no mínimo transportar pertinentemente para esta Câmara a preocupação que a todos nos assiste no acompanhamento de tão lamentável situação.
Na realidade, o espectro sócio-laboral em Portugal afigura-se-nos profundamente preocupante: desemprego que afecta números estimados de 400 000 trabalhadores; não pagamento de salários que atingem centenas de empresas; precarização de trabalho; utilização dramática de mão-de-obra infantil e um fatídico diploma de novo contrato de cessação de trabalho, associados a uma total insegurança social e a uma clara e nítida falta de política de saúde; a precariedade e insuficiência de apoios à terceira idade e à infância são razões fortes e suficientes para que o País, através desta Câmara, interrogue e exija do Governo respostas cabais e concretas do porquê desta situação.
Na verdade, tudo nos leva a acreditar que Portugal, embora recentemente integrado numa Comunidade Europeia que se crê e exige desenvolvida e virada para o futuro, mais, e cada vez mais, se assemelha a um país próprio e objectivo de problemas do início da era da industrialização.
A pouco mais de onze anos de uma mudança de século, Portugal mantém-se na cauda da Europa e em termos de comparação com os países da CEE apresentamos índices de desenvolvimento e produção de algum modo comparados a alguns países da África interior, quando de facto e de pleno direito somos um país da Comunidade Europeia, este governo assiste impávido a um generalizar de situações que se enquadram não num Estado social de direito, mas sim na filosofia do Estado liberal absoluto. Manifestando uma impotência de resolução e poder de concretização, assiste-se a uma degradação progressiva das relações de trabalho e à crise dos sistemas laborais que, associadas- a uma total ausência de política de trabalho e emprego que seja totalmente exequível, não comportam nem se mostram coerentes com políticas delineadas para outros sectores.
Um receio que se generaliza e que o Papa João Paulo II deixou bem expresso na sua Encíclica Laborem Exercens quando referiu: «O perigo de tratar o trabalho como mercadoria sui generís ou como uma força anónima necessária para a produção continua a existir nos nossos dias [...]»
Por tudo isto, interpelamos hoje o Governo questionando-o sobre o que tem feito, qual a política de trabalho, quais as perspectivas de emprego, quais as soluções apontadas pelo Governo e, mais concretamente, pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social para debelar os males de que enferma a sociedade portuguesa no sector laboral.
O Partido Renovador Democrático apresenta no seu programa uma perspectiva global e dinâmica das leis laborais. Reconhecemos, naturalmente, a necessidade

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de uma melhor articulação entre os vários diplomas dispersos e defendemos a urgente revisão de alguns dos seus aspectos, por forma a alterar e modernizar o seu conteúdo, de modo que se articulem com as novas realidades que hoje se colocam num mundo laboral em permanente mutação. Rejeitaremos sem reservas a ideia de que para este governo a revisão se traduz na flexibilização da cessação do contrato individual de trabalho, respondendo favoravelmente às exigências das entidades empregadoras em detrimento dos direitos dos trabalhadores.
Recordo, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, que o legislador, intranquilo na sua consciência, inscreve no preâmbulo do documento posto à apreciação pública o seguinte parágrafo: «Ao atribuir ao diploma uma vacatio legis prolongada, cria-se o prazo necessário para os interessados se adaptarem ao novo regime sem precipitações e sem adopção de procedimentos socialmente condenáveis e economicamente incorrectos e desajustados.»
Um parágrafo, naturalmente, polémico, tanto mais que em recente entrevista a um semanário o Sr. Ministro afirma que a lei terá uma vacatio legis de três meses, o que imediatamente implica que o prazo «necessário» de três meses será o prazo imposto pelo Governo, não o estritamente necessário para o consenso entre as partes interessadas, Governo entidades patronais e trabalhadores.
Numa teimosia que apelidamos de inconsciente, o Governo mantém e afirma publicamente que a crise que assola o sector laboral se restringe a uma área específica dos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto.
Como não queremos apelidar este governo de distraído, recordaria ao Sr. Ministro duas ou três empresas irremediavelmente encerradas, com graves prejuízos para a economia nacional e com reflexos sociais nas zonas onde estão inseridas que projectaram famílias inteiras para a fome e miséria.
EUROFIL, Póvoa de Santo Iria, cerca de 1000 trabalhadores sem ordenado há meses, com projecto de viabilização acordado e medidas de recuperação perfeitamente justas e admissíveis, a que o Governo liminarmente disse «Não»!
DCP, em Arruda dos Vinhos, uma empresa com tecnologia de ponta ímpar no nosso país e com uma concorrência na Europa reduzida a uma empresa em França e Alemanha, cerca de 800 trabalhadores confrontados de um dia para o outro sem o seu posto de trabalho, onde, nalguns casos, marido e mulher tinham na empresa o seu único meio de subsistência. Resultado: fome, miséria consumada e até tentativas de suicídio.
EUROADIO, nas Caldas da Rainha, onde os seus trabalhadores, utilizando a Lei n.º 17/86, entregaram todo o processo devidamente em ordem, no qual se incluíam propostas de reconversão e viabilização da empresa, e obtiveram como resposta recente a abertura de falência da empresa e consequente despedimento dos seus 600 trabalhadores.
Muitas mais poderíamos focar, tais como Metalúrgica Duarte Ferreira, FISIPE, FACAR, pequenas empresas de indústria vidreira, têxtil, conserveira e cor-ticeira. Casos dramáticos e para os quais o Governo se limita a tomar conhecimento e aos quase «pedidos de socorro» responde na sua quase totalidade não haver quaisquer possibilidades de recuperação.
Paralelamente, o Governo acciona medidas de repressão; quer aumentar a produtividade aterrorizando os trabalhadores; diz que diminui o desemprego e quer aprovar medidas de liberalização desenfreada de despedimentos; aceita e proclama o diálogo com os parceiros sociais, e vem para os jornais afirmar que não altera uma vírgula às suas leis. Estamos perante um projecto que, a ser aprovado, será capaz de se tornar num foco de conflitos sociais sem precedentes no nosso regime democrático, por cuja instauração tanto se tem lutado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No que se refere à formação profissional da responsabilidade directa ou indirecta do Ministério do Trabalho, através do Instituto do Emprego e Formação Profissional, verificamos que esta diz respeito ao apoio técnico, pedagógico e financeiro prestado pelo Estado através de acordos e protocolos estabelecidos com entidades dos sectores público, cooperativo ou privado que desenvolvem acções de formação profissional. No que ao apoio para actividades específicas de formação diz respeito, verifica-se que não é precedido de um exame rigoroso das possibilidades da entidade requerente para as efectuar, nem do respectivo programa. O apoio técnico-pedagógico é praticamente inexistente. Este esquema tem-se transformado numa via camuflada de subsidiar empresas para fins diferentes da formação, acrescendo ainda o facto de ainda não existirem mecanismos capazes de evitarem a celebração de protocolos unicamente por critérios de satisfação de clientelas partidárias ou eleitoralistas.
Facilmente se verifica que quase dois terços dos participantes são da região de Lisboa e apenas 25% são mulheres.
A ausência de envolvimento dos representantes dos trabalhadores em todo o processo mostra bem como os seus interesses não ocupam nele o devido e obrigatório lugar.
As entidades formadoras utilizam os formandos para ocupar nas suas empresas lugares que deveriam ser preenchidos por quadros já formados e tecnicamente adaptados, o que aumenta o desemprego e diminui necessariamente a qualidade de produção. A formação, em muitos casos, não é certificada e, algumas vezes, nem sequer reconhecida, o que nos leva a perguntar: formar para quê?
Pode o Sr. Ministro do Trabalho responder-nos a que se deve a quase inexistência de apoio técnico-pedagógico, qual a duração média de cada curso e qual o aproveitamento verificado, quanto custa ao País cada formando e quantos estão, realmente, a contribuir com a sua aprendizagem para o desenvolvimento do País?
Salvo raras excepções, a qualidade da formação oferecida e adquirida é duvidosa e há indícios de que é uma formação cara. Falta sobretudo uma verdadeira política de formação profissional, uma política que seja a definição de um plano de desenvolvimento a médio prazo que dê sentido a uma rede de inserção no mundo do trabalho e de formação contínua.
Só assim teremos uma política determinada de preparação para o trabalho articulada com o desenvolvimento do País.
E que dizer da insegurança verificada pelos trabalhadores no seu posto de trabalho? Números apontam

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para cerca de 200 000 acidentados por ano e centenas de mortes vítimas de acidentes de trabalho. Não se promovem com a regularidade que seria exigível cursos de formação para segurança no trabalho e a burocracia no pagamento de pensões e ou indemnizações impede o restabelecimento rápido da justiça que ao trabalhador é devida.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Medidas de fundo não ouvimos nem vamos ouvir falar. Este governo mantém-se «orgulhosamente só» na sua caminhada de governo maioritário, adiando cada vez mais o País. Numa caminhada aparentemente feliz e triunfal. Os Portugueses saberão dar resposta, não adiando mais o País, mas abreviando o vosso triunfalismo.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com vista a Mesa poder planificar os trabalhos, gostaria que os grupos parlamentares efectuassem as inscrições dos deputados que ainda desejem usar da palavra neste período do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Construção e Habitação: Nesta interpelação ao Governo sobre política social e laboral não pode deixar de ser abordada e desenvolvidamente debatida a falta de uma política habitacional e as suas consequências sociais.
Os objectivos, os instrumentos e os recursos aflorados no capítulo «Habitação» do Programa do XI Governo, debatido em finais de Agosto passado, e a sua aplicação prática não podem ser considerados uma política de habitação. São, antes, medidas pontuais, sem lógica de conjunto, que já se revelaram, no passado recente, incapazes de inflectir a gravíssima situação em que o sector se encontra de há muito mergulhado e muito menos poderão alterar as condições dramáticas em que se encontra actualmente.
Para este governo, o objectivo final da sua intervenção nesta área, de acordo com esse Programa, é o da «melhoria progressiva do bem-estar das famílias portuguesas», para o que «estimulará a actuação das instituições e dos agentes económicos», sem deixar de referir que «à iniciativa privada cabe o papel de promotor privilegiado da habitação», num quadro em que «o mercado desempenhará o seu papel insubstituível».
O Governo teima em desconhecer que mais de 25 % das famílias portuguesas ou estão desalojadas ou vivem em condições habitacionais altamente degradantes, que existem carências quantitativas da ordem dos 750 000 fogos que existem carências qualitativas de primeira necessidade em cerca de 500 000 fogos que cerca de 30% das famílias portuguesas não reúnem condições financeiras de acesso à habitação, que mais de 35 000 famílias vêm engrossar, nos próximos anos, o rol daquelas que não têm o seu problema habitacional resolvido e que para se recuperar esta situação, até ao fim do século, era preciso triplicar o número médio anual de construções levadas a efeito nos últimos seis anos e se multiplicar por oito o número médio das que têm sido beneficiadas no mesmo período.
Desde o início dos anos 70 que a nossa produção anual de fogos não consegue atingir os quatro fogos por 1000 habitantes. Na Europa, nos períodos de idêntica gravidade, atingiram-se - e, em alguns casos, ultrapassaram-se - os oito fogos por 1000 habitantes.
Entre 1970 e 1974, inclusive, construíram-se, em média, 37 000 fogos por ano, 33 000 dos quais pelo sector privado, 31 000 por particulares, 2000 por diversas entidades e cerca de 4000 pelo sector público. Deste conjunto de fogos, mais de metade destinava-se ao mercado de arrendamento.
Em 1985, dos cerca de 35 000 construídos, o sector público construiu 2000, o sector cooperativo, um pouco menos de 2000 e o sector privado, 31 000, dos quais 21 000 por particulares e 10 000 por diversas entidades. Do total destes fogos, apenas 1000 se destinaram ao mercado de arrendamento e 30 000 a venda.
De acordo com o recenseamento de 1981, o parque de arrendamento correspondia a cerca de 40% do parque global, sendo hoje da ordem de 35%, e a tendência é para nos ficarmos por percentagens menores.
De acordo com estimativas do Ministério da Habitação e Obras Públicas de 1982, 82% das famílias portuguesas despendiam menos de 10% do seu rendimento mensal com a renda da habitação e mais de 95 % despendiam menos de 20% dos seus rendimentos mensais. No caso das famílias que adquiriram fogos, a taxa média de esforço era, em 1981, da ordem dos 40%, embora esse valor não nos mereça total confiança. Com efeito, de acordo com as instituições de crédito, mais de 60% dos empréstimos concedidos ao abrigo do crédito à habitação própria são utilizados por famílias de média e alta solvência. Quem recorre ao crédito para habitação é, sobretudo, quem o pode fazer, por possuir rendimentos que o permitem. As classes de baixa solvência e as insolventes nem têm acesso ao crédito nem encontram casas para arrendar. O tal mercado insubstituível afinal não funciona.
Nesta área, como em muitas outras, o Governo só avança com medidas pontuais, dispersas, sem sentido global. Enquanto a situação económica e financeira se desanuvia, a situação habitacional agrava-se, sem que o Governo se decida a lançar uma política adequada que compatibilize e concilie a capacidade de oferta dos vários promotores com os diferentes graus de solvência da procura.
Já ninguém hoje contesta que existem carências quantitativas da ordem dos 750 000 fogos. Pode-se comprovar estatisticamente que se constituem cerca de 60 000 novos casais por ano. É mais do que sabido que a oferta não ultrapassa os 40 000 fogos, valor muito abaixo da capacidade da indústria. O que impede então 770 000 famílias de ter acesso à habitação? . De acordo com as instituições de crédito, 30% das famílias portuguesas - o que corresponde a 900 000 famílias - não reúnem condições financeiras de acesso ao crédito para compra de um fogo. Mas pode-se ir mais longe com a afirmação: não reúnem condições de acesso ao mercado de venda e apenas reunirão condições de acesso a um mercado de renda se os custos dos fogos forem subsidiados.
Ao Estado, às administrações central e local, compete intervir neste campo, garantindo a satisfação das necessidades das famílias de menores rendimentos através da colocação de um fracção significativa do mercado habitacional em regime de arrendamento social.

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Nenhuma outra entidade se pode substituir ao Estado nas funções planificadora, normativa e correctiva do mercado. Só uma administração pública descentralizada estará em condições de resolver esta situação. É urgente fazer corresponder a oferta por custos à procura por rendimentos familiares. Todos têm de colaborar na resolução dos problemas de todos. A ninguém pode ser permitido resolver apenas os seus problemas, cuidar apenas dos seus interesses individuais.
Não é esta a primeira vez que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista avança com propostas que podiam contribuir para melhorar a situação do sector.
Em 1982 apresentámos nesta Assembleia um projecto de lei, que viria a tomar o n.º 310/11, e que passou a ser conhecido por «lei quadro da habitação». Recordando-o, tratava-se de um diploma que defendia: uma concepção descentralizada, municipalizada, na promoção da política habitacional, em que cada família pudesse optar por viver em casa própria ou casa arrendada, contra o pagamento do preço justo do serviço de habitação, construída em regime livre ou em regimes especiais; a urgente recuperação de habitações antigas e degradadas; a reserva para o sector cooperativo de um quinto da utilização dos recursos programados para a habitação protegida; a revisão de regime de arrendamento urbano para os novos contratos; a fixação do valor das rendas através de critérios designados por «normas de renda justa»; um regime de subsídios à habitação, igual à diferença entre a renda mensal e a renda/rendimento familiar; a criação de um fundo nacional de habitação, que deteria a titularidade de 50% do capital estatutário dos institutos imobiliários municipais; a criação destes institutos para gerirem o parque habitacional público e promoverem a realização de contratos-programa, nos quais os municípios participariam com dotações próprias.
A lei quadro apontava para a aprovação, pela Assembleia da República, de um plano nacional de habitação para doze a quinze anos e para a discussão de planos anuais e dos respectivos relatórios de execução.
Antes mesmo da apresentação e do debate público desta lei quadro, tivemos ainda ocasião, no decurso de uma interpelação sobre habitação feita em Janeiro de 1982 ao VIII Governo, de apelar para que se pusesse termo à política habitacional que estava a ser seguida - por ser confusa nos instrumentos que aplicava, por não se apoiar nos agentes mais adequados, por não resolver as carências mais gritantes, por não se ajustar à realidade portuguesa.
Sugerimos então que existisse um plano de emergência a aplicar durante dois ou três anos, imediatamente antes da entrada em execução do plano nacional de habitação, a fim de se conseguir: a antecipada mobilização pelas autarquias locais de solos, nas zonas de normal expansão urbana, necessários ao desenvolvimento dos programas futuros; a preparação dos respectivos projectos de urbanização; o lançamento antecipado de obras de infra-estruturas municipais ou intermunicipais, nomeadamente de redes de água, de esgotos e de energia eléctrica; lançar contratos-programa entre a indústria da construção e as indústrias a montante, de forma a tirar partido da planificação de uma economia de escala; lançar a produção de componentes, garantindo uma maior estabilidade dos seus preços, e modernizar as indústrias de construção para o aumento da produção de fogos.
É evidente que esta política não pode ser levada a cabo com as verbas que o Orçamento do Estado atribui ao Instituto Nacional de Habitação (pouco mais de 4 milhões de contos) e ao IGAPHE (cerca de 22 milhões de contos), nem com as condições e os montantes permitidos as instituições de crédito.
Chamava aqui a atenção do Sr. Ministro e do Sr. Secretario de Estado para o facto de este ano, em 1988, a França gastar 1000 milhões de contos na habitação - tendo uma população cinco vezes superior, há um investimento vinte vezes maior!...
Com a maior objectividade e o maior pragmatismo expusemos a evolução da situação habitacional.
Alertámos o Governo para a urgência no agenciamento e na aprovação pela Assembleia da República de uma política habitacional e de um plano nacional de habitação em que as promoções sejam ajustadas às capacidades financeiras das procuras.
Apontámos a necessidade de se criar urgentemente um fundo nacional de habitação e institutos imobiliários municipais com a participação financeira das autarquias.
Nos últimos dez anos, nunca nenhum outro governo reuniu condições políticas e financeiras que permitissem equacionar e dar passos definitivos na solução da crise habitacional.
Seria trágico para o País em geral e, de modo directo, para um terço das famílias portuguesas que o Governo continuasse a negar a possibilidade de se iniciar a recuperação do sector e com isso dar uma esperança a todos os que habitam em condições desumanas. Com a política seguida, sem profundas inflexões, a situação só se agravará.

Aplausos do PS e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada, que dispõe de cinco minutos.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, posto que o tempo que está previsto para a minha intervenção é bastante superior ao tempo que tenho disponível, prescindo de a efectuar.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.
Com efeito, quando, em conferência de líderes, acordámos os tempos, acordámos também que não haveria transferências dos mesmos. A Sr.ª Deputada dispõe de cinco minutos e utilizá-los-á se entender. O que não podemos é conceder-lhe mais tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que respeita à política social e laboral do Governo em relação à juventude, a distância que vai das palavras aos actos é, de facto, abismal.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Ao que parece, esta intervenção poderá produzir aquilo que já estava a achar muito estranho não acontecer, que era os Srs. Jovens Deputados do PSD - que, aliás, são muitos - não estarem a intervir neste debate, sem dúvida de crucial importância

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para os jovens. Com efeito, os Srs. Deputados têm estado afastados e pode ser que agora se decidam a participar no debate.
Disse o Governo, no seu Programa, que do pacote laboral resultaria mais emprego para os jovens. Simplesmente, o Governo não diz, com rigor, como é que tal seria possível, quais as disposições legais que, no seu projecto, darão forma a tal proclamação, nem explica, com igual fervor, qual o grau de precariedade do vínculo contratual preconizado e muito menos torna compreensível como se pode promover o desenvolvimento económico, a solidariedade entre gerações, o progresso social, com base no expediente maquiavélico que tenta pôr jovens contra velhos e desempregados contra empregados.
Disse também o Governo que estão a ser criados milhares de postos de trabalho para jovens. Mas não diz onde, como e quando tal se verifica. Nem diz que, em muitos dos casos, se trata de simples substituições de um jovem trabalhador a prazo por um outro jovem trabalhador, também a prazo, no final do contrato do primeiro.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E f az vista grossa à enormíssima distância que vai das necessidades de emprego dos jovens - expressas, designadamente, no número daqueles que anualmente terminam os seus estudos - ao volume de empregos de facto criados. E muito menos diz como é possível continuar a manipular as estatísticas, a enganar a juventude e a sociedade, considerando jovens biscateiros, ou OTJs, ou em cursos de formação profissional como «empregados», só pelo simples facto de terem estado ocupados uma hora na semana anterior à da realização do inquérito ao emprego. E não digam que se trata de invenção nossa, pois são as próprias publicações oficiais - e reporto-me ao relatório do Instituto do Emprego e Formação Profissional - que reconhecem esta manipulação estatística.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pretende o Governo ganhar simultaneamente em dois tabuleiros, porque responde, invariavelmente, aos jovens desempregados, que terminam um programa OTJ e exigem o emprego a que têm direito, com o prudente esclarecimento de que se trata de uma mera «ocupação» [...] «temporária». Ao mesmo tempo, porque dá jeito, porque dá uma imagem cor-de-rosa e distante da realidade, estes mesmos programas são considerados «empregos» para fins estatísticos.
Disse também o Governo estar decidido a acabar com o abuso dos contratos a prazo. Mas não diz que é rigorosamente o contrário aquilo que propõe nos seus projectos de revisão da legislação laboral. Não diz que a regra legal de contratação de jovens desempregados passaria a ser exactamente essa, a dos contratos a prazo, agora acrescidos da nova figura do contrato a termo incerto. Afinal de contas, altera-se a terminologia, mas agrava-se substancialmente o conteúdo!
Nem diz, porque não dá jeito à sua política demagógica para os jovens, que, desde que Cavaco Silva é Primeiro-Ministro, vêm aumentando, a olhos vistos, os níveis de precariedade do emprego e que são cada vez mais os jovens que hoje trabalham em situação de absoluta clandestinidade - sem contrato, sem direitos, sem regalias.
Disse ainda o Governo, na discussão do seu Programa, que, com a sua política, pretendia dignificar a condição social da juventude. Mas o que o Governo procura esconder, ao contrário da dignificação prometida, é que esta sua política para os jovens tem como prato forte a discriminação. Agora já não se trata apenas de discriminação da mão-de-obra juvenil em matéria salarial, já não é apenas a sua discriminação no acesso a regalias e direitos sociais legalmente previstos. A partir de agora, seria também o seu tratamento profundamente injusto e discriminatório no acesso a um primeiro emprego, já que são jovens a maior parte dos desempregados à procura do primeiro emprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dizia há dias o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, embora sem explicar a forma e os métodos utilizados para chegar a tal conclusão, que a delinquência juvenil aumentou nos centros urbanos, no curto espaço de um ano, em cerca de 25%. Trata-se de um facto merecedor, por si só, de uma profunda reflexão.
Importa, por isso mesmo, perguntar: que conclusões tira o Governo deste facto por si mesmo anunciado? Com estes dados, que conclusões retira o Governo dos efeitos da sua política económica e social em determinadas camadas juvenis? Com estes valores, que conclusões retira da sua propalada «política global e integrada de juventude»? Que tudo vai bem? Que é este o caminho certo? E, sobretudo, que medidas tem o Governo para apresentar, ou, pura e simplesmente, lava daqui as suas mãos?
Provavelmente, a resposta do Governo resumir-se-á àquela que é apresentada na proposta de revisão da legislação laboral, prevendo para os jovens acusados de toxicodependência ou de uso de produtos tóxicos pura e simplesmente o despedimento sem qualquer outro motivo. Será esta a resposta - enviar os jovens para a rua - que o Governo procura dar aos jovens que se encontrem nessa situação particularmente difícil?!
É sabido que o desemprego, em particular o desemprego de longa duração, é responsável por situações de marginalidade em que muitos adolescentes e jovens se encontram. E que a instabilidade ocupacional, o constante saltitar entre um curso de formação profissional hoje, um programa de ocupação temporária meses depois e um emprego de ocasião passados uns tempos, entrecortados por espaços mortos de desemprego, constituem o dia-a-dia de milhares de jovens portugueses.
Para estes, o Governo tem uma política de juventude, afinal, clara: aquela que vem consubstanciada no seu pacote laboral.
Ao contrário do que diz o Governo, o seu pacote laboral é triplamente negativo para os jovens: é negativo para os jovens trabalhadores, porque ficariam à mercê do livre arbítrio patronal, sem qualquer cláusula específica que os salvaguarde da vaga de despedimentos que o Governo procura incentivar; é negativo para os jovens hoje contratados a prazo, porque não só não lhes augura melhor futuro, como ainda admite a sua passagem a contratados a termo incerto, podendo ser despedidos em qualquer momento, e é negativo para os próprios jovens desempregados à procura do pri-

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meiro emprego, porque para eles a regra, agora, com dignidade de lei, passaria a ser, inevitavelmente, a contratação a prazo, sem quaisquer garantias de estabilidade profissional.
Assim, o Governo dificulta a opção juvenil por uma vida própria e independente, dificulta a possibilidade de os jovens terem condições para constituir família e viverem com um emprego estável que lhes assegure boas condições de vida.
Cada governo tem os adjectivos que merece - este é, nitidamente, o governo dos pacotes, ou melhor, dos pacotes perversos. Pois bem, fiquem com eles, que lhes façam bom proveito, que para os jovens «não, obrigado!».

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário, que dispõe de oito minutos.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma primeira nota que gostaria de frisar aqui é a da não presença, nesta interpelação, do responsável governamental pela área da juventude, o que apenas vem provar a pouca importância política que o Governo atribui a esta área, mesmo ao nível governamental.
Quanto à presente iniciativa do Partido Socialista e à relevância para os jovens desta matéria da política social e laboral, propunha-vos, a começar, que considerássemos a realidade juvenil em Portugal, que nos colocássemos na posição de um jovem desempregado, na situação de um jovem que frequenta, ou tenha frequentado, um curso de formação profissional e no quadro de um jovem com emprego.
É que, Srs. Deputados, praticamente um em cada dois desempregados é jovem. Normalmente não tem experiência profissional e, quanto muito, é-lhe oferecido um contrato a prazo ou a frequência de um curso de formação profissional, quando a oferta de um trabalho sem contrato e, portanto, sem Segurança Social.
Por outro lado, para um jovem inscrito num curso de formação profissional, a situação está longe de ser satisfatória.
Para o Governo, sobretudo nos 2.º e 3.º trimestres de cada ano - períodos de maior concentração de programas ocupacionais de jovens -, o seu significado pouco mais representou do que contribuir para a queda da taxa de desemprego, pois o Governo contabiliza os números envolvidos nestas acções, usando os jovens formandos para a manipulação e viciação dos dados do emprego e do desemprego perante a opinião pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No caso do jovem com emprego, a situação é nublosa. Sublinhamos: em cada 100 trabalhadores, pelo menos 17 são contratados a prazo, com predomínio de jovens e mulheres, sectores em que a percentagem sobe em flecha.
Do conjunto de problemas com que se debatem, destacamos as preocupações relativas às condições de trabalho e ao vínculo laboral a que o jovem está sujeito.
Sem formação adequada, com uma escola distante da vida activa, o jovem passa as «passas» nos primeiros tempos de actividade profissional, estando sujeito, ainda, a uma insuficiente legislação no domínio da higiene e segurança do trabalho. Por exemplo, e para reflexão, veja-se que os acidentes de trabalho mortais em jovens trabalhadores com idade igual ou inferior a 24 anos atingem uma taxa de 31 % do global e, na construção civil, de 37,6%.
Sujeitos a uma situação de precarização da relação de trabalho, com deficiências no sistema de formação profissional, os jovens em actividade de grande concentração de contratação a prazo estão usualmente confrontados com uma maior taxa de acidentes de trabalho - por exemplo, na construção civil com 29,5% de contratos a prazo e um total de acidentados que se cifra em 37,6%. A precarização do trabalho e os acidentes de trabalho andam, assim, a par.
Uma outra perspectiva a ter em consideração é a da precarização das relações de trabalho envolvendo jovens.
O actual regime legal comporta, em si, aspectos gravosos e algumas lacunas, que permitiram o seu uso indiscriminado.
Uma mentalidade baseada no lucro fácil e no não comprometimento perante o trabalhador levou a que o contrato a prazo fosse um expediente usual, com especial incidência para os jovens.
Ora, se este regime já era em si mau, o que o Governo nos propõe para o futuro é adoptar e legalizar uma maior precarização sobre a designação soft de «contratação a termo». Mais: com esta opção, o que se faz é desincentivar o investimento da formação profissional por parte das empresas.
Para onde vamos afinal? É a isto que se chama oportunidade aos jovens?
Demagogicamente, está-se a procurar usar os jovens contra aqueles que trabalham há mais anos, numa lógica injusta e incorrecta, porque o valor de uma geração não está, não pode estar, na sua capacidade de triturar as gerações que a antecederam. Acredito na minha geração, mas também acredito que o nosso espaço depende da nossa própria valorização e das condições que tivermos para tal.
Com este pano de fundo, é cada vez mais necessária uma política criativa de emprego que dê prioridade aos jovens; que aposte no sistema educativo e o reforce com as necessária verbas; que defina as linhas de estratégia e de formação profissional; que adopte uma política de transição da escola para à vida activa, que apoie as iniciativas e políticas de ligação da universidade à sociedade; que incentive a iniciativa empresarial dos jovens; que reduza os horários de trabalho; que fomente o trabalho a tempo parcial; que desenvolva as iniciativas locais de emprego; que diminua gradualmente a idade da reforma; que garanta o subsídio de desemprego aos jovens à procura do primeiro emprego; finalmente, que utilize o salário mínimo como instrumento de política social em benefício dos mais jovens.
Definido o nosso posicionamento, termino, deixando dois reptos.
O primeiro repto vai para os mais jovens deputados nesta Assembleia e para as organizações juvenis de onde provêm: propomo-vos a adopção de iniciativas legislativas comuns no domínio do emprego juvenil. Para tal, estamos dispostos a trabalhar, onde e quando for necessário, e assim se reforçará, certamente, aquilo que dizemos ser um projecto de geração.

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O segundo repto dirige-se à JSD e aos jovens deputados sociais-democratas. Ficamos, com curiosidade, a aguardar a vossa posição na discussão da proposta de lei do Governo sobre o pacote laboral. Ficaremos então a saber até onde vai a autonomia, até onde as declarações críticas têm sustentação política, através dos dezanove jovens sociais-democratas presentes nesta Assembleia.
Um caminho será trabalhar para a imagem e para a comunicação social, outro para os jovens. Por nós, escolhemos os jovens.

Aplausos do PS e da ID.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, nós também queremos esse caminho e estamos com os jovens; mas não foi a esse título nem com essa razão que pedi a palavra para lhe fazer um pedido de esclarecimento e, de certa forma, para responder ao repto que lançou aqui na Câmara.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, pela nossa parte, aceitamos o repto que aqui lançou e que é, afinal, a devolução de um outro repto que tivemos ocasião de lançar à Juventude Socialista, aquando do início desta Legislatura. Com efeito, propusemos, na circunstância, que as duas organizações de juventude - e, eventualmente, outras - pudessem ter comportamentos concertados ao nível das iniciativas legislativas conjuntas nesta Câmara.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Vocês não têm iniciativas legislativas nesta Câmara!

O Orador: - Queria também dizer-lhe que registo o facto de a Juventude Socialista, por esta forma, dar uma resposta positiva ao repto que então lançámos, e queria concretizar, dizendo, em relação ao fomento do emprego, que estamos dispostos a tornar iniciativas conjuntas.
Em relação à legislação laboral, que é um tema que será discutido nesta Assembleia em circunstâncias próprias, quero dizer desde já, ao Sr. Deputado José Apolinário e à Câmara que, naturalmente, eu próprio, em nome da Juventude Social-Democrata, nessa altura usarei da palavra e tomarei as posições que a JSD entender por mais convenientes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário, que dispõe de três minutos.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, vou utilizar apenas 60 segundos, uma vez que não me apercebi, no pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, de qualquer pergunta.
Com efeito, o Sr. Deputado apenas procurou estender o suspense. Aliás, espero que o suspense não fique pela declaração de voto entregue na Mesa, aquando de uma votação da bancada do PSD conjuntamente com o Governo.
Ficará, então, por saber qual a posição que o Sr. Deputado diz vir a defender pelos jovens, no dia 14 de Abril.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Na altura própria, Sr. Deputado!

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação vai no sentido de solicitar a interrupção dos trabalhos para jantar e o seu recomeço pelas 21 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já tínhamos conhecimento da situação, mas gostaria de fazer uma contra proposta ao PS: visto que resta somente a inscrição da Sr.ª Deputada Isabel Espada, que pretende recuperar os cinco minutos que tem disponíveis, proceder-se-ia a essa intervenção, interrompendo-se os trabalhos em seguida, os quais seriam retomados às 21 horas e 30 minutos, para o encerramento.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, obviamente que o Governo se conforma com essa solução. Porém, não deixa de a estranhar, já que, estando previstos cinco minutos para a Sr.ª Deputada Isabel Espada e depois as intervenções de encerramento, que demorarão, no máximo, uma hora, comprometendo-se o Governo a não gastar mais de cinco a dez minutos na sua intervenção, o que reduz esse tempo máximo para 40 minutos, às 20 horas e 40 minutos teríamos este debate encerrado. Assim, confesso que não vejo necessidade de se fazer a interrupção, voltando-se depois apenas para as intervenções de encerramento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Contudo, o próprio Sr. Ministro tinha informado a Mesa de que não havia nenhuma objecção a esta solicitação do PS ...
Assim sendo, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta interpelação surge num momento em que a política social e laboral é posta em causa, não só na Assembleia da República, como bem gostaria o Governo, mas igualmente por todos parceiros sociais.
Há um ano atrás o Governo, agitando numa das mãos a paz social, escarnecia de uma interpelação que, sobre a mesma matéria que hoje tratamos, os partidos da oposição levavam a cabo nesta Câmara. Afirmava então um valoroso deputado do PSD que a eficácia da acção governativa reduzira para 25% o número de acções grevistas. Hoje, importa concluir, na mesma

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lógica, que o aumento de contestação laborai é directamente proporcional à ineficácia do Governo, ineficácia que se traduz na própria incapacidade para cumprir o seu Programa, o qual fazia incidir na figura da concertação social a linha orientadora da acção executiva.
Falhou o Governo ao apresentar um pacote laborai que, não sendo o resultado do acordo com os sindicatos e sendo uma medida que não cumpre a defesa dos direitos dos trabalhadores, provocou, inevitavelmente, a contestação social generalizada.
Não sendo o pacote laborai hoje objecto de debate, torna-se inevitável o seu equacionamento, quando a matéria em discussão é política social e laborai do Governo. Porque, se esta alteração legislativa nos reporta para o futuro, há que hoje definir que presente e passado enquadram as futuras leis laborais.
É nesta perspectiva que este debate tem de ser travado. Equacionando os indicadores que respeitam à vida de quem trabalha e, nomeadamente, àqueles que só vivem do seu salário, porque são precisamente esses que a lei vai afectar.
Os indicadores relativos ao poder de compra, património pessoal, protecção social, qualificações, condições de trabalho, mobilidade social, acesso à saúde, educação e habitação, mostram que mais de um terço das famílias portuguesas está aquém do nível da pobreza, sendo óbvio que a nossa população está longe de ter a satisfação das necessidades básicas relativas ao espaço geográfico que devemos utilizar como matriz de comparação: a Europa.
E importa, a este propósito, fazer duas considerações importantes.
Em primeiro lugar, é totalmente errado afirmar que, à semelhança do que se pretende para os países mais desenvolvidos da Europa, o Estado-providência tem de diminuir o seu peso. Enquanto nesses países o Estado cumpriu já o seu papel de regulador e protector social, em Portugal estamos muito longe do esgotamento dessa obrigação.
Na mesma linha de raciocínio, é igualmente errado afirmar, face às enormes distâncias das condições de vida dos trabalhadores, que as leis laborais portuguesas têm de ser iguais às leis da Europa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na saúde, a política governamental tem sido desastrosa, constituindo prova a insatisfação dos profissionais do sector e, por outro lado, o aumento das queixas por parte dos utentes.
O Ministério da Saúde, como uma empresa privada e justificando-se com a excessividade do peso estatal, vai-se desvinculando das suas obrigações nesta área. E assim assistimos à oneração dos medicamentos e à redução, até à rotura, do pessoal hospitalar.
Numa óptica de articulação com a política laborai, assistimos, no último ano, a uma redução drástica no apoio na doença aos trabalhadores, continuando, no entanto, a ser precisamente os trabalhadores por conta de outrem os que contribuem com a maior percentagem dos seus rendimentos para um sistema de segurança social cada vez mais incipiente.
De resto, na área da Segurança Social algo há a dizer sobre o panorama que vai apoiar a legislação laborai. O Governo, afirmando que não há disponibilidade financeira, continua a proporcionar subsídios de desemprego e todo o tipo de pensões sociais que, estranhamente, o Primeiro-Ministro não tenta aproximar da Europa, satisfazendo-se, neste particular, com os níveis terceiro-mundistas.
Na área da justiça, conhecemos as performances do Governo, que, com o agravamento leviano das custas judiciais, limitou o acesso ao direito aos mais desfavorecidos economicamente.
Depois, temos a diminuição dos juizes do Tribunal do Trabalho, como se o atraso que se verifica nos processos relativos a contenciosos laborais não fosse significativo, prejudicando, simultaneamente, entidades patronais e trabalhadores.
A reforma do sistema educativo faz-se sem a consciência, por parte do Ministério da Educação, que tudo será inútil se as condições de trabalho nos estabelecimentos de ensino não se alterarem. E assim, neste último ano, temos assistido sistematicamente, como resultado da política de contenção de despesas por parte do Estado, à degradação das condições nas escolas, nomeadamente pela falta de contratação de pessoal auxiliar.
Em relação ao aprofundamento e alargamento da participação dos jovens nas decisões políticas, basta dizer que, até hoje, o Governo ainda não criou mecanismos permanentes para a participação dos jovens na discussão e formulação de propostas sobre o ensino, nomeadamente as referentes à reforma do sistema educativo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A falta de sensibilização do Governo para a especificidade não só do nosso contexto económico e social, mas também para o contexto histórico, as particularidades culturais, políticas, constitucionais e geográficas, assusta-nos verdadeiramente, por quão é indicativa de que o Governo tem uma visão estreita, parcial e simplista da sociedade portuguesa.
O PRD nunca pactuou com esta forma de abordar as reformas estruturais, feitas com base em políticas desarticuladas entre si e desajustadas da realidade, tão susceptíveis de desequilibrar, de uma forma incontrolável, o tecido social do País.
E o tecido social é, como sabeis, os homens, mulheres, jovens e idosos deste país, os eternamente primeiros e últimos a sofrer as consequências da utilização grosseira do Poder.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, pretendo comunicar que o Grupo Parlamentar do PS foi sensível à observação feita pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pelo que, admitindo como boa a sua previsão, nada temos a objectar a que os trabalhos prossigam sem interrupção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto que não há mais inscrições, declaro encerrado o debate.
Por outro lado, e como tive, aliás, ocasião de verificar, a sugestão vinda agora da bancada do PS colhe

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o agrado dos grupos parlamentares. Portanto, iremos, de imediato, entrar na parte do seu encerramento, pelo que concedo a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo encerra este debate com uma curta declaração. De facto, afigura-se inútil repisar agora a matéria hoje em análise.
Os meus colegas tiveram já oportunidade de apresentar à Câmara os nossos pontos de vista sobre a política do Governo nas áreas em debate e responderam às questões que os Srs. Deputados lhes colocaram.
Poderão V. Ex.ªs, Srs. Deputados da oposição, discordar da nossa política, e ficou claramente percebido que discordam.
Estão no vosso direito e é normal que assim seja, até porque V. Ex.ªs votaram contra o Programa do Governo.
Poderão V. Ex.ªs, como disse, discordar da nossa política, mas ficou óbvio que não conseguiram minimamente, ao longo destas horas, desmentir o sucesso alcançado pelo Governo nas áreas em apreço.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não conseguiram contrariar ou comprometer as perspectivas de futuro, quantitativa e qualitativamente melhor, que se abrem aos Portugueses; e também não conseguiram, sequer - o que é mais significativo e grave -, apresentar propostas e políticas alternativas credíveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS e do PCP: - Não apoiado!

O Orador: - Mas não é tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Sem considerar a infinidade de projectos de lei relacionados com a criação de vilas, cidades e freguesias, os partidos da oposição têm pendentes de agendamento nada menos de 81 iniciativas legislativas. Destas, 25 são subscritas pelo Partido Socialista.
Na última conferência de líderes, apesar de estarem em aberto, até final de Abril, alguns dias de reunião plenária, só um partido requereu a fixação de uma ordem do dia. Foi o Partido Os Verdes, para agendar um projecto de lei sobre o nudismo!

Risos do PSD.

Por isso, não deixa de ser estranho e significativo que o PS prefira hoje gastar um número de horas, que, em regra, são suficientes para apreciar dois ou três diplomas, para, no essencial e por um lado, antecipar o debate da legislação laborai sem qualquer finalidade conclusiva e, por outro lado, publicitar a greve política marcada para segunda-feira próxima e de cuja liderança o PCP já se apropriou.

Aplausos do PSD.

Isto não deixa de ser estranho e significativo, porque, entre os projectos pendentes apresentados pelo PS - a aguardar agendamento, como referi -, temos, por exemplo, questões tão importantes para o nosso país como o Estatuto do Provedor de Justiça, o Código de Processo Penal, os livros escolares, o acesso ao ensino, a educação pré-escolar, o Código Cooperativo, as florestas, os baldios, o impacte ambiental, entre outras. A discutir e votar estas matérias, o PS prefere este debate inconclusivo e repetitivo por antecipação!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem o PS esse direito e obviamente que ninguém o contesta, muito menos esta bancada. Porém, também a nós não será certamente negado o direito de apreciar politicamente e de classificar a iniciativa do PS, cujo debate agora se encerra.
O debate de hoje é mais um acto falhado do PS!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vai certamente o Partido Socialista, na declaração de encerramento que se seguirá, tentar demonstrar o contrário. Vai certamente pretender tirar conclusões do debate, que não serão mais do que a repetição, já cansativa, do discurso miserabilista a que nos habituou; vai certamente, mais uma vez, criticar, em detalhe, a legislação laborai agendada para 14 de Abril. Tudo em vão! O debate de hoje será, como disse e repito, mais um acto falhado do PS. Um fiasco político!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Constâncio.

O Sr. Vítor Constâncio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em qualquer democracia, o direito da oposição de interpelar o Governo e de o criticar sobre políticas fundamentais é um direito inalienável e uma das formas mais nobres de fiscalizar a actuação do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista marcou esta interpelação no início de Fevereiro, fora de qualquer conjuntura política e socialmente mais agitada, a que o Governo deu origem com a sua actuação mais recente.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Por isso mesmo, esta interpelação não é um acto falhado, é um acto de grande oportunidade política. Aí está a declaração final do Sr. Ministro para demonstrar a verdade desta asserção!

Aplausos do PS, do PCP e da 1D.

Referiu o Governo a circunstância de esta interpelação ter caído em cima de uma conjuntura extremamente embaraçosa para o próprio Governo.

Vozes do PSD: - Para si!

O Orador: - Não cabe à oposição ter uma actividade legislativa intensa - isso não acontece nos Parlamentos das democracias europeias, Sr. Ministro, é bom que se vá habituando à Europa, em todas as suas

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dimensões -, o que acontece é a oposição exercer o seu papel de crítica, de fiscalização, de tentativa de corrigir as políticas que o Governo procura aplicar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É esse o papel da oposição, é esse o papel que o Partido Socialista preenche da melhor forma com a interpelação que acaba de ter lugar.

Vozes do PSD: - Da pior forma!

O Orador: - Ao longo desta interpelação, os deputados do Partido Socialista puseram a claro, perante esta Assembleia e a opinião pública nacional, as insuficiências e contradições da política social do Governo. Chegados ao termo do debate, impõe-se que retiremos algumas conclusões.
Uma avaliação da actuação do Governo no domínio da política social e laboral tem de considerar dois vectores essenciais: em primeiro lugar, o que foi feito em matéria de intervenções sociais específicas, dirigidas à concretização dos direitos sociais básicos, de que depende o grau de coesão social que condiciona a prosperidade das sociedades modernas; em segundo lugar, um juízo de valor sobre o projecto social que a prática do Governo revela, visto que uma política social não se define como um conjunto desconexo de medidas sociais e só existe em função de uma determinada filosofia social que lhe dá sentido e coerência.
Quanto ao primeiro aspecto, a questão mais importante não reside em saber se este governo realizou algumas medidas positivas ou se apenas degradou a situação existente. Nas actuais circunstâncias, financeiramente favoráveis, qualquer governo teria sempre algo a apresentar no seu activo. A questão é mais ampla no duplo sentido da consideração da filosofia geral da política e do confronto das necessidades com as possibilidades existentes.
Neste último ponto, não será de mais sublinhar que nenhum outro governo desfrutou das condições de que tem beneficiado o actual e que as comparações aqui estabelecidas com a política de outros governos, em períodos de dificuldades reconhecidas de natureza económico-financeira, representam um acto de desonestidade intelectual.

Aplausos do PS e da ID.

Hoje, com o petróleo a 14 dólares, o dólar a menos de 140$, a balança de pagamentos positiva desde 1985, a margem de manobra para uma política económico--social avançada é maior do que nunca. Apesar disso, o Governo conseguiu a proeza de ter dado origem a uma grande instabilidade social e à maior onda de greves dos últimos anos.

Vozes do PSD: - Sr. Deputado!...

O Orador: - A explicação para este aparente mistério reside na insensibilidade do Governo para a situação social do País e na incapacidade para lhe dar resposta adequada. A verdade é que a situação social se encontra degradada e o Governo tem contribuído para a agravar.
Verifica-se uma grande precarização do emprego. Os contratos a prazo representam 70% das novas admissões, afectando sobretudo os jovens. O abuso do trabalho temporário menospreza a dignidade dos trabalhadores. O trabalho domiciliário aumenta sem qualquer regulamentação e a ele se adiciona o trabalho clandestino à margem da legalidade da Segurança Social. A exploração do trabalho infantil constitui uma mancha social que o Governo deixa alastrar.
Continua a ser manifesta a insuficiência da protecção social com pensões e subsídios de desemprego inadequados, ao mesmo tempo que o Governo deixa degradar as condições de financiamento da Segurança Social, prenunciando a impossibilidade de melhorias futuras.
Alastram-se situações de extrema pobreza, sem que se tomem medidas especificamente dirigidas a essas situações. Segundo alguns estudos, um terço das pessoas objecto de um inquérito específico tinham um salário inferior ao mínimo nacional. Aliás, desde 1985, o salário mínimo tem vindo a aumentar menos que o salário médio nacional, é actualmente inferior ao seu valor real de 1980 e cobre uma percentagem cada vez menor da população.
Tem-se agravado a repartição do rendimento porque, embora tenham aumentado os salários reais, os trabalhadores não beneficiaram em nada da melhoria excepcional dos termos de troca da economia portuguesa perante o exterior.
Não se verificam quaisquer progressos nas condições de higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho, sem que o Governo tome medidas, continuando a não cumprir directivas da CEE.
No campo da saúde, aliás, para além de muitos conflitos, nada foi conseguido para melhorar as condições da população, continuando a verificar-se uma situação de inaceitável precariedade.
Mantêm-se, sem alteração, horários de trabalho excessivos, ao contrário do que se verifica noutros países, penalizando assim os trabalhadores e não contribuindo para a criação de empregos.
Verifica-se a ausência de uma política de formação profissional para a qual vai ser elaborado um «livro branco», permitindo-se ao mesmo tempo o desperdício de milhões de contos do Fundo Social Europeu, não se estabelecendo um nexo entre a formação profissional e o sistema educativo, assim como não se estabelece carteiras profissionais para os formandos ou um conteúdo programático mínimo para as profissões ministradas.
Agravou-se a insuficiência de oferta de habitação social, tendo o Governo diminuído as verbas orçamentais que lhe são dedicadas e deixando de apoiar suficientemente as cooperativas de habitação.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em suma, a situação social do país continua a apresentar um quadro de enormes carências e injustiças que constituem a marca de um subdesenvolvimento mais grave que o mero atraso económico. Perante isto, o que faz o actual Governo? O Governo prepara-se para agravar as desigualdades, instalou a instabilidade social no País e pretende aumentar a precarização e a insegurança do emprego com a lei dos despedimentos.

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A repartição do rendimento vai agravar-se, de novo, este ano, em resultado da política salarial que o Governo impôs para os funcionários públicos e para os trabalhadores das empresas que controla. Sanciona mesmo aumentos que vão aumentar os leques salariais, com 6% para uns e 12% para outros. Por outro lado, Portugal voltará este ano a beneficiar de uma melhoria das relações de preços internacionais. A desaceleração dos preços das matérias-primas, a começar pelo petróleo, implica que os preços das importações aumentarão menos que os preços da produção interna. Isto significa um aumento automático da riqueza real do País. Com a política salarial definida, os trabalhadores não participarão desse aumento de riqueza que devia ser distribuída por todos. Tanto mais que, quando o movimento foi o inverso, os trabalhadores foram forçados a aceitar uma perda de salários reais.
Tudo isto é, no entanto, agravado pela circunstância de o Governo ter já falhado no seu objectivo para a inflação. Com os números oficiais para Fevereiro, verifica-se que mesmo que os preços não aumentassem mais até ao fim do ano, a inflação média para este ano seria de 6,15%. Ou seja, para cumprir o objectivo de 6%, os preços teriam de descer de Fevereiro até Dezembro.
Todos reconhecerão que isso dificilmente acontecerá, pelo que a inflação será naturalmente superior. Isto implica, por sua vez, que os salários reais não irão praticamente aumentar este ano, degradando-se mesmo para muitos portugueses, o que agravará a repartição do rendimento. Situação que os aumentos de impostos sobre os rendimentos do trabalho vem penalizar ainda mais.
O Governo não cumpre sequer o Acordo de Rendimentos que celebrou com os parceiros sociais. Tenta, com efeito, impor, com evidente má fé, que não se verificam aumentos de produtividade na Administração e nas empresas públicas. Não cumpre também o que acordou em matéria de diminuição do horário de trabalho dos funcionários públicos e da revisão da legislação sobre as respectivas carreiras.
Esta política é contra a estabilidade social. Por isso, os sindicatos que negociaram de boa fé se viram forçados a reagir. Temos assistido assim a uma onda de greves que uma maior flexibilidade governamental teria facilmente evitado.
A reacção do Governo foi, porém, a inversa. Crispado e nervoso perante a quebra de popularidade, teve reflexos de autoritarismo e entrou pelo abuso da lei da requisição civil.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Utilizou-a sem existirem situações excepcionais de emergência, antes das greves se desencadearem e para períodos que excediam os dias marcados nos pré-avisos. Alargou a definição de serviços mínimos. O Governo tentou desta forma negar na prática o direito à greve.

O Sr. José Apolinário (PS): - Exacto!

O Orador: - Situações deste tipo não se verificam em nenhum país europeu democrático, onde a greve é respeitada como direito fundamental.
O resultado da atitude governamental foi uma deterioração da situação social, com prejuízo para a economia e para as populações.
O mais grave, porém, é que a política que o Governo tem prosseguido pode pôr em causa para o futuro o princípio da concertação social.
O não cumprimento dos acordos que celebra, a negação de direitos básicos dos trabalhadores, são susceptíveis de pôr em causa toda uma política de diálogo social que os sindicatos, com particular destaque para a UGT, têm assumido com grande sentido de responsabilidade social.
A resposta do Governo foi a insistência na legislação laborai, que vem retirar toda a protecção aos dirigentes e delegados sindicais...

Vozes do PSD: - Não apoiado!

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ..., revogando a legislação existente, para permitir o seu despedimento apenas com a débil garantia de maior urgência no processo de recurso aos tribunais. As condições do trabalho sindical, para defender os direitos dos trabalhadores, tornar-se-iam com essa lei extremamente difíceis. Ninguém pode acreditar na declarada vontade do Governo para o diálogo com os parceiros sociais, quando procura, daquela forma, enfraquecer um deles, dificultando as suas condições de funcionamento eficaz.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A suprema ironia é vermos um governo que se diz social-democrata...

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - E é!

O Orador: - ... a pretender activamente diminuir os direitos sindicais. Por essa Europa, isso tem sido tarefa de governos conservadores...

Aplausos do PS.

O PSD deixa aqui cair a sua máscara e assume-se na sua verdadeira natureza, no Governo e nesta Assembleia, como o partido da direita portuguesa.

O Sr. José Apolinário (PS): - É o que ele é!

Aplausos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que o Governo pretende com a sua proposta de lei é aumentar a precarização e a insegurança do emprego.
Os contratos a prazo são largamente facilitados, permitindo-se o prazo incerto...

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - ... com despedimento em qualquer momento, em grande número de casos; todos os jovens à procura do primeiro emprego e os desempregados há mais de um ano podem ser contratados a prazo, até três anos, independentemente do sector ou da tarefa

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em que sejam empregados. A larga diversidade de alternativas que se oferece às empresas é uma das originalidades da proposta. Se querem experiências sucessivas e rápida rotação de pessoal podem contratar por seis meses, ou menos, fazem caducar o contrato dezoito meses depois, e logo celebram outro; se querem alguma estabilidade, mas sem compromissos, contratam por dois ou três anos; se querem a garantia de que o contrato serve enquanto o trabalhador servir, podem contratar a prazo incerto.
A tentativa de justificação de que a liberalização dos despedimentos individuais se destinava, entre outras coisas, a restringir os contratos a prazo revela-se, assim, falsa.
A introdução de causas objectivas para despedir, interpretadas pela empresa, sem intervenção de outras entidades e sem percurso suspensivo aos tribunais, vem criar a arbitrariedade patronal.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - É totalmente falso. Isto é uma vergonha!

O Orador: - A mera inaptidão do trabalhador ao desempenho das suas funções, mesmo que já as execute há muitos anos, como fundamento para despedir, vem criar a total dependência e insegurança do trabalhador. A possibilidade de recurso a posteriori para os tribunais, onde é o trabalhador que tem de fazer prova da sua razão, sem ganhar salário, decisões que demoram três a quatro anos a alcançar e em tribunais onde as custas aumentaram agora enormemente, é uma defesa na prática quase inexistente.
Mesmo no caso de a justa causa não ser reconhecida pelos tribunais a reintegração do trabalhador na empresa é afastada na generalidade dos casos.
A capacidade de livre negociação das partes é negada, visto que a proposta de lei não permite que a negociação colectiva conduza a condições mais favoráveis que a proposta contempla. Este aspecto impossibilita, aliás, a comparação com a legislação de outros países europeus, onde se respeita a contratação colectiva e onde, portanto, as situações concretas são muitas vezes diferentes dos mínimos que a lei estabelece.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo tem apresentado vários argumentos para tentar justificar a sua iníqua proposta.
Uma primeira razão é a de que seria necessária mais flexibilidade para assegurar a modernização da economia e a reestruturação das empresas. Só por má fé se pode defender, porém, que esta depende do despedimento individual que, por definição, não altera estruturalmente nenhuma realidade empresarial no seu conjunto. Outra justificação é a de que a lei actual seria injusta para os jovens ao condená-los aos contratos a prazo. Argumento hipócrita, visto que, como já referi, a proposta de alteração do Governo vem até alargar a generalização do trabalho precário para a juventude.
Adianta também o Governo que a nova lei é necessária para criar mais empregos. É, todavia, o próprio Governo que se vangloria da criação de empregos no ano passado, com a lei actual em vigor. O que, aliás, só prova que o emprego depende fundamentalmente do crescimento económico e não da legislação.

O Sr. José Apolinário (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estudos universitários, citados em recente relatório oficial da OCDE, revelam, aliás, que a tese de que a liberalização dos despedimentos permite aumentar o emprego não é correcta. O que acontece é que, para além do efeito negativo imediato, a prazo, as empresas reagem mais imediatamente a qualquer variação de procura despedindo logo, acentuando assim as flutuações do emprego, sem se criar uma tendência líquida de aumento do emprego a médio prazo.
As estimativas da OCDE apontam para um efeito máximo sobre o emprego de 0,1 % a 1 % e conseguido por uma só vez, sem repetição do fenómeno. É, pois, negligenciável e faz cair por terra o argumento. Diga-se, aliás, neste contexto que o que nos preocupa nesta proposta de lei não é o receio que o desemprego global vá aumentar significativamente em resultado da sua aplicação. O que vai aumentar é um desemprego selectivo, dos trabalhadores mais desprotegidos ou dos que não se acomodam ao autoritarismo e ousam lutar pelos direitos dos trabalhadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que se pretende é reforçar o poder patronal, é criar a insegurança e o medo nas empresas.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - O nível de emprego global, esse, depende essencialmente das condições económicas gerais e nomeadamente do nível de procura que as empresas identificam ao estabelecer os seus planos.
Outra justificação do Governo é a de que a liberdade para despedir aumenta a produtividade e a competitividade das empresas. O argumento aqui é o de que a insegurança faz aumentar o esforço pessoal do trabalhador. Não é, porém, da possibilidade de despedir um trabalhador mais ineficiente que depende a produtividade global de uma empresa. Nem é a insegurança necessariamente o melhor incentivo para produzir mais. Estudos universitários americanos apresentam como justificação para a menor produtividade de empresas americanas com os mesmos equipamentos e tecnologias que as japonesas precisamente a inversa. A maior insegurança e rotação do pessoal nas primeiras leva a que as empresas não invistam na formação profissional dos seus trabalhadores e estes não sintam motivação suficiente, por não se identificarem com o projecto da empresa. Onde há mais segurança existe mais formação, mais motivação, mais cooperação e, portanto, mais produtividade.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - É verdade!

Aplausos do PS.

O Orador: - É por isso que os empresários portugueses mais modernos, que sabem que uma empresa com sucesso tem de ser a partilha de um projecto criador, não aceitam a perspectiva do Governo de pôr a tónica na liberalização dos despedimentos individuais. Alguns tiveram mesmo a coragem de o dizer.
Um último e supremo argumento do Governo é que a sua proposta seria uma simples adaptação à legislação europeia. Não existe, porém, uma legislação europeia harmonizada. A comparação de apenas um aspecto com a Europa é, além disso, um raciocínio

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viciado. O Primeiro-Ministro desafiou mesmo a que lhe apresentassem exemplares europeus de leis mais favoráveis aos trabalhadores, nas matérias de que esta proposta se ocupa. Aqui respondo ao desafio. E respondo citando um documento da CEE, de há poucos meses, que analisa a regulação e desregulação do mercado de trabalho nos países europeus. Sobre o despedimento individual por razões objectivas escreve-se no relatório:
Um aspecto chave é o de saber até que ponto a prerrogativa do empregador para decidir o despedimento é reduzida pelo papel de terceiras entidades - os sindicatos, as comissões de trabalhadores, o governo ou os tribunais. É frequente que uma ou outra dessas partes possua poderes discricionários consideráveis. Na Holanda, os serviços de emprego governamentais têm de aprovar a decisão. Na Alemanha, na Itália e na Suécia, a comissão de trabalhadores ou o sindicato têm de ser consultados.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - E aqui também!

O Orador: - Já vai ouvir, Sr. Deputado.
Em França, era esse o caso até 1986, quando o novo governo [conservador e não social-democrata, acrescento eu] repeliu esse requisito. Na Alemanha, se a comissão de trabalhadores não estiver de acordo, o trabalhador despedido pode levar o caso a tribunal, onde o processo é por vezes muito longo (até cinco anos), e durante esse período o trabalhador continua empregado com pagamento integral do salário. [Nada disto acontece com a proposta de lei do Governo.] Este é o procedimento normal. Contudo, há casos em que tem de ser obtido parecer favorável da comissão de trabalhadores, e se esta o não der é o empregador que tem de recorrer aos tribunais. Na Itália, o recurso aos tribunais conduz normalmente a que o juiz tome uma atitude favorável sobre a situação social do trabalhador, o que faz com que o despedimento seja considerado praticamente impossível. Na Suécia, o sindicato tem o papel legal de determinar em primeira análise se um despedimento individual é razoável: o empregador é que pode então apelar aos tribunais contra um parecer desfavorável, mas raramente ganha.
No que se refere aos contratos a prazo, a Alemanha admite um período máximo de dezoito meses, a Itália e a Grécia restringem-nos a situações excepcionais, e nos países escandinavos, sociais-democratas, essa restrição é ainda muito mais acentuada, chegando a ser ilegais na Noruega.
O Primeiro-Ministro, uma vez mais, enganou-se e pretendeu enganar o País.

Aplausos do PS e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

Uma voz do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Nem todos os países europeus são iguais aos governados pela Sr.ª Thatcher ou pelo Sr. Chirac. As garantias que em vários outros países rodeiam a aplicação do despedimento individual por causas ditas objectivas, com intervenção de terceiros e recurso suspensivo para os tribunais, criam situações mais favoráveis à estabilidade do emprego que a triste proposta do governo PSD. Mais: na Europa nunca um governo social-democrata proporia uma lei igual a esta, atacando os direitos sindicais e a segurança dos trabalhadores. Esta não é uma lei social-democrata, é uma lei conservadora.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E é inconstitucional!

O Orador: - Por detrás do seu liberalismo esconde--se um velho autoritarismo. É uma lei que ignora as condições históricas e sociais concretas da realidade portuguesa actual.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo isto não significa que o PS seja a favor do imobilismo, matéria de legislação laboral.

Uma voz do PSD: - Parece que é!

O Orador: - Reconhecemos as exigências que a concorrência internacional coloca ao ajustamento e modernização da economia portuguesa. Conhecemos as alterações na organização do trabalho que a introdução de novas tecnologias possibilita e exige. Acompanhamos a necessidade de flexibilidade, que por toda a parte se introduz, em matéria de partilha de postos de trabalho, de tempo parcial, de horários flexíveis. Mas, do mesmo modo, estamos atentos à participação nos lucros e no capital, aos fundos de salários, às novas formas de repartição. Somos também pela mudança. Mas a flexibilidade que defendemos é outra. Por razões económicas e de direitos humanos e sociais. Acreditamos que a segurança, a justiça e a qualidade de vida são factores positivos de crescimento económico. Por isso dizemos: flexibilidade sim, arbitrariedade não.

Aplausos do PS.

Uma flexibilidade, antes do mais, negociada por sector e por empresa e não só imposta por lei. Uma flexibilidade que pode admitir a melhor explicitação das justas causas do despedimento e a sua simplificação nas pequenas empresas, mas sem a arbitrariedade subjectiva das causas ditas objectivas, sem controle de terceiros.
Admitimos a variabilidade dos horários e novas formas de prestação do trabalho, desde que no contexto da redução, gradual e geral, dos horários de trabalho.
Admitimos mesmo a flexibilização de certas formas de despedimento colectivo, que não pode ser arma de repressão individual, e desde que ligada a imprescindível reestruturação e modernização da empresa e desde que acompanhada de novas políticas de protecção social e de formação profissional. Não aceitamos é uma flexibilidade negativa, mas queremos uma atitude positiva da mobilização das possibilidades que abrem os novos métodos de organização do trabalho numa empresa moderna.
Defendemos formas inteligentes, colectivas, negociadas, de gestão de flexibilidade com respeito dos direitos básicos dos trabalhadores.

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Não aceitamos é o ajustamento por baixo, pela política de restrições salariais e de precarização do emprego que quer o Governo. Não apostamos na precarização do trabalho nacional, mas na sua valorização, no desenvolvimento baseado na criatividade, na inteligência e na justiça. Salários baixos, liberdade de despedir e contratos a prazo, são verificação de um fracasso e não uma saída para a crise. Menos ainda constituem uma resposta ao desafio europeu.
A política do Governo é, afinal, o reflexo de um projecto de sociedade que aceita facilmente as desigualdades a troco de uma promessa tecnocrática de eficácia.

Uma voz do PSD: - Já ouvimos isso!

O Orador: - A verdadeira política social não tem lugar nesse projecto. Porque nele o social funciona sobretudo como mecanismo de compensação para atenuar desequilíbrios e tensões sociais excessivas. É um mecanismo de redistribuição que evolui a reboque da relação de forças na sociedade ou da proximidade de eleições. É um mecanismo de conquista e de concessão, mas não a expressão de uma solidariedade assumida.
Outra e bem diferente é a nossa concepção da política social. Considera esta como factor e agente da transformação da sociedade, num sentido de maior igualdade e redistribuição dos poderes sociais. Parte da noção de direito da pessoa em relação à sociedade e não da noção de um mecanismo redutor de conflitos. Assume o conceito de necessidade social e de serviço social, que, em certos domínios, para se concretizar tem de escapar à estrita lógica do mercado e da procura individual solvente.
Trata-se, evidentemente, de um projecto exigente. Por isso também preparámos com seriedade esta interpelação. Elaborámos e distribuímos um relatório mais detalhado e completo sobre os problemas que debatemos e que serviu de base às nossas intervenções, e que agora entrego na Mesa para ser apenso a esta interpelação.
Para o PS, a política social está no centro do seu projecto político. Não é um mero suplemento, um acréscimo, um aditamento. Para nós, a grande política não é a mera gestão do que existe, mas a resposta a uma exigência de transformação social. Em Portugal, uma verdadeira política social que tenha subjacente um projecto coerente, de maior igualdade, maior solidariedade, maior consenso, exige um poder político diferente do actual. É por isso que esta interpelação não foi apenas uma crítica, uma censura, mas a afirmação de uma alternativa.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que o Plenário volta a reunir na próxima sexta-feira, às 10 e às 15 horas. Da ordem dos trabalhos consta o debate das alterações ao Regimento da Assembleia da República, havendo votações às 12 horas.
Por nada mais haver a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Carla Tato Diogo.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
César da Costa Santos.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís Amadeu Barradas Amaral.
Luís António Martins.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Rui Gomes da Silva.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.

António Magalhães da Silva.
Armando António Martins Vara.
Edmundo Pedro.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João Rosado Correia.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Mário Manuel Cal Brandão.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Antunes Mendes.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carlos Alberto Pinto.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José António Coito Pita.
José Augusto Santos Silva Marques.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):

Aníbal Dias Pedro.
Carlos Cardoso Lage.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Rectificação ao n.º 61, de 11 de Março de 1988

Na p. 2135, col. 2.ª, 1. 30, onde se lê «Maria João Farinha Carmo F. Belém Tomé» deve ler-se «Maria João Farinha Carmo Ferreira Boleo Tomé».

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Carlos Pinto da Cruz - Maria Amélia Martins.

DIÁRIO da Assembleia da República

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