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Sexta-feira, 24 de Junho de 1988 I Série - Número 105

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE JUNHO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros e dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Deputado José Apolinário (PS) falou da importância da I Semana da Juventude Africana, a decorrer em Lisboa, e respondeu a pedidos de esclarecimentos do Sr. Deputado Rogério Moreira (PCP).
O Sr. Deputado Luís Roque (PCP) manifestou-se contra a supressão de comboios regionais levada a cabo pelo conselho de gerência da CP, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Lello (PS).
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 92 a 95 do Diário.
Apreciou-se, na generalidade, a proposta de lei n.º 64/V - aprova o regime remuneratório dos titulares de cargos políticos -, que foi aprovada e baixou à 1.ª Comissão para discussão na especialidade. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho), os Srs. Deputados Correia Afonso (PSD), Jorge Sampaio (PS), Montalvão Machado (PSD), João Amaral (PCP), Vieira Mesquita (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Marques Júnior (PRD) e Eduardo Pereira (PS). Após aprovação na generalidade, a proposta de lei n.º 59/V - imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)- baixou à comissão competente para discussão na especialidade.
Foi aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o texto do Decreto n. º 83/V -transformação de empresas públicas em sociedades anónimas -, expurgado do n.º 2 do artigo 7. º, tendo intervindo, em interpelações à Mesa sobre a metodologia de votação, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), Carlos Brito (PCP), Jorge Sampaio (PS), Correia Afonso (PSD) e António Vitorino (PS).
Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), João Cravinho (PS) e lida Figueiredo (PCP).
Procedeu-se ainda à votação final global da proposta de lei n.º 20/V - concede ao Governo autorização legislativa para rever o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, relativo ao processo judicial por crimes de imprensa -, sobre o que produziram declaração de voto os Srs. Deputados Vieira Mesquita (PSD), Jorge Lemos (PCP) e Jorge Loção (PS).
Foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n. º 47/V - autoriza o Governo a alterar a Lei n. º 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação dos Sectores). Intervieram, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Indústria e Energia (Mira Amaral), das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins), dos Assuntos Parlamentares e Secretário de Estado da Energia (Ribeiro da Silva), os Srs. Deputados Carlos Carvalhas, Luís Roque e lida Figueiredo (PCP), João Cravinho e Manuel dos Santos (PS), Nogueira de Brito (CDS), Rui Macheie (PSD), José Carlos Lilaia (PRD), Apolónia Teixeira (PCP) e Ferras de Abreu (PS).
Entretanto, a Câmara autorizou duas Sr.ª Deputadas a prestarem declarações na Polícia Judiciária.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António José Coelho de Araújo.
António Maria Oliveira de Matos.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lelis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Monteiro do Amaral.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Costa da Silva.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João Manuel Ascensão Belém.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Coito Pita.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Oliveira Bastos.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.

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Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luis Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Lilaia.
José Silva Lopes.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Antes da Ordem do Dia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos, das respostas a algumas outros e dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa na penúltima reunião plenária os requerimentos seguintes: ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Pinto; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados António Barreto e Rogério Moreira; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Cláudio Percheiro e outros; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e Carlos Brito.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Roque da Cunha, na sessão de 9 de Janeiro; Adão e Silva e José Magalhães, na sessão de 23 de Março; Carlos Brito e outros, na sessão de 5 de Abril; Herculano Pombo, na sessão de 3 de Abril; Maria Santos, na sessão de 15 de Abril; João Maria Teixeira, na sessão de 28 de Abril.
Deu entrada na Mesa o Projecto de Lei n.º 264/V, apresentando pelo Sr. Deputado João Cravinho e outros, do PS - Ave às empresas privadas as actividades de produção e distribuição de gás, de transportes ferroviários não explorados em regime de serviço público, de transportes aéreos regulares interiores e de petroquímica de base, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão.
Deu ainda entrada na Mesa a Interpelação ao Governo n.º 6/V, da iniciativa do PRD, sobre assuntos de política geral, incidindo, nomeadamente, sobre a problemática da pobreza em Portugal, que foi admitida, encontrando-se o seu agendamento previsto para o dia 29 do corrente mês.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na galeria um grupo de alunos, com os respectivos professores, do Posto do Ciclo Preparatório TV de Alfarim, Sesimbra.
Peço-vos para eles, uma saudação especial.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está a decorrer em Lisboa a I Semana da Juventude Africana, iniciativa promovida pelo FAO J, em colaboração com o Conselho Nacional de Juventude. Nesta iniciativa estão presentes jovens vindos de Cabo-Verde, de Moçambique, de Angola, da Guiné-Bissau e de S. Tomé e Príncipe.
Nesta oportunidade vimos saudar a presente iniciativa, em especial os jovens que nela participam, e, por outro lado, trazer a esta Assembleia o nosso posicionamento sobre a cooperação juvenil com os PALOP, denunciar algumas lacunas do Governo nesta área, e, naturalmente, apresentar propostas positivas para o futuro.
A Semana da Juventude Africana ocorre exactamente depois de Radiotelevisão Portuguesa ter impedido os jovens portugueses, e os jovens em geral, de assistirem pela TV ao concerto Anti-apartheid, Rock for Mandela, recentemente realizado em Londres e que foi transmitido por cadeias de televisão de todo o mundo com mais de 750 milhões de telespectadores e com a transmissão directa entre outras da BBC e da TV. Aliás, já entregámos na Mesa da Assembleia da República um requerimento dirigido à RTP sobre esta matéria, procurando saber quais foram as razões que levaram aquela estação de televisão a não transmitir o citado espectáculo. E, quando ainda estamos próximos de 18 de Junho, não podemos deixar de assinalar a presente ocasião em expressarmos o nosso apoio aos povos vítimas do apartheid, bem simbolizados por Nelson Mandela, que agora com 70 anos continua preso.
A cooperação de jovens portugueses com jovens dos Países de Expressão Oficial Portuguesa, não podendo esquecer estes factos, é, quanto a nós, um vector fundamental na aproximação entre estes povos, temos as nossas diferenças. O quadro geoestratégico, mas também o quadro cultural e histórico onde nos inserimos, é diferente. Entre a juventude, passadas algumas tendências de organizações juventude mais interessadas em discutir regimes políticos divergentes, do que em aproximar pontos de vista entre jovens, é hoje possível abrir uma nova página na cooperação com os PALOP. Nesta como noutras áreas de cooperação e intercâmbio juvenil prevalece assim o direito à diferença, com a salvaguarda de princípios como a recusa frontal do racismo, numa perspectiva agora adoptada pelo Conselho Nacional de Juventude e suas organizações mais influentes.
Em nome da Juventude Socialista não posso deixar de encontrar algum reconforto pela adopção de uma

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linha de pensamento que vínhamos defendendo, e que julgamos ter coerência e seriedade.
Mas esta semana não é ainda, totalmente, a Semana que ambicionamos. Em vez de assentar a iniciativa nas organizações de juventude, na sua capacidade criativa e de inovação, o Governo prefere colocar os jovens debaixo do seu guarda-chuva, fazendo centrar a organização no FAOJ e não nas organizações juvenis. Exigimos que, para o futuro, esta perspectiva governamentalista seja corrigida. O intercâmbio e a cooperação de jovens têm de assentar nos próprios jovens, ao FAOJ e ao Governo cabendo apoiar essa pujança juvenil.
As organizações partidárias de juventude desempenham aqui um papel-chave, que não único, e que é complementado pelas organizações juvenis de animação social e cultural, organizações estudantis - em particular no mundo universitário-, organizações de intercâmbio juvenil, de jovens empresários e jovens sindicalistas. Ao Estado português cabe o papel de fomentar, de apoiar material e financeiramente esta cooperação juvenil, não o papel de se substituir às organizações juvenis e aos próprios jovens.
A realização da presente Semana da Juventude Africana não esconde ainda algumas das lacunas de fundo no domínio da política de cooperação do actual Governo.
Referimo-nos, em primeiro lugar, à falta de coordenação da actividade governativa no domínio da cooperação.
Partimos de um exemplo concreto: em Fevereiro do corrente ano dirigimos ao Governo um requerimento sobre as iniciativas de cooperação dirigidas aos jovens, no âmbito da cooperação de Portugal com países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. A 15 de Março de 1988 o Ministério dos Negócios Estrangeiros responde-nos dizendo «os serviços competentes deste Ministério não têm conhecimento de que tenham sido a concretizadas quaisquer acções dirigidas especificamente aos jovens» (sic). Entretanto, por solicitação do FAOJ, o CNJ e a Comissão Parlamentar de Juventude haviam recebido uma delegação da Juventude Africana Amílcar Cabral, chefiada pelo Secretário-Geral, e a presente Semana da Juventude Africana estava em marcha. Porque não acreditamos que se pretenda subvalorizar a importância das relações entre jovens portugueses e jovens dos PALOP, uma só explicação política nos fica: falta de coordenação da política de cooperação, dentro do próprio Governo.
Uma outra área que não tem merecido uma grande atenção governamental relaciona-se com os jovens universitários de estados Africanos de Expressão Oficial Portuguesa nas Universidades portuguesas, cujas bolsas de estudo quase sempre estão aquém das necessidades destes estudantes. Aplauda-se, porém, o encontro-recepção do secretário de Estado da Cooperação com estudantes africanos em Portugal, no final de Dezembro de 1987, o qual representou uma linha e uma perspectiva que aplaudimos.
Terceiro enfoque de lacunas do Governo na área de cooperação: a adopção na ordem interna de instrumentos jurídicos assinados por Portugal no domínio da educação e cultura, estando no nosso pensamento alguns acordos com Moçambique e Angola, que ainda não entraram formalmente em vigor na ordem jurídica interna.
E, já nesta Semana de Juventude Africana, e como corolário de alguma falta de coordenação, um exemplo concreto envolveu a delegação da Juventude de S. Tomé e Príncipe e esta iniciativa. Convidada pelo Governo português, a referida delegação viu retidas no aeroporto 114 peças de artesanato que traziam como componente cultural da Semana, sem que o Ministro-Adjunto e da Juventude, como superior hierárquico no FAOJ, tenha intercedido para resolver a situação. Sendo oposição, cabendo-nos fiscalizar a actividade governativa, não queremos porém deixar, nesta ocasião e sobre esta matéria, de nos posicionarmos construtivamente. Apresentamos, por isso, algumas ideias de propostas concretas à atenção da Comissão Parlamentar de Juventude e do Governo.
- No plano parlamentar consideramos ser esta uma excelente oportunidade para darmos passos concretos no sentido de uma ligação entre a Comissão Parlamentar de Juventude e os jovens deputados das Assembleias dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Alias, tivemos ocasião de, em tempo oportuno, manifestar naquela Comissão o desejo de que esta aproximação se concretizasse. Insistimos formalmente, mais uma vez. No plano das iniciativas dirigidas aos jovens cumpre-nos sugerir: em primeiro lugar, a adopção, pelo Governo português, de medidas (com os necessários meios financeiros de suporte) que viabilizem o lançamento de uma tarifa especial para jovens até aos 30 anos de idade que, em visita de turismo ou em intercâmbio, se queiram deslocar de Portugal aos Países de Expressão Oficial Portuguesa, e vice-versa; em segundo lugar, o apoio financeiro, por parte do Estado, a programas de cooperação entre organizações juvenis, incluindo as partidárias, dando seguimento a um diploma legislativo já publicado, mas cuja concretização tardo devida a inexplicáveis burocracias.
Por fim, espera-se do Governo uma inversão das tendências centralizadoras e governamentalizadoras. Fazendo assentar nas organizações de juventude a futura II Semana da Juventude Africana, que se espera decorra anualmente.
E queremos também, nesta ocasião, manifestar o nosso apoio à oposição das cinco organizações de juventude do chamado PALOP, no sentido de que a designação formal seja alterada, por forma a envolver jovens de todos os países de expressão oficial portuguesa.
E, noutra área, aqui fica também o repto para um tratamento mais cuidado em relação aos filhos dos trabalhadores portugueses nos PALOP.
Pela nossa parte queremos aqui deixar a nossa vontade política de empenho na concepção entre jovens, que privilegia o papel das organizações de juventude e dos jovens em geral.
Que a Semana da Juventude Africana seja o início de uma maior ligação dos jovens de diversos continentes, tendo um referencial de aproximação permanente que é a Língua Portuguesa.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. deputado José Apolinário, a minha bancada dispõe de pouco tempo,

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no entanto, quero associar-me a algumas das passagens da sua intervenção.
Não tive oportunidade de ouvir a parte inicial, mas a parte que ouvi refere-se ao esforço que, em concreto, a Comissão de Juventude poderá dar no sentido de uma maior aproximação aos jovens dos países africanos de expressão oficial portuguesa.
Corroboro essas suas preocupações e algumas das propostas que apresentou e gostaria de colocar-lhe uma questão sobre um outro assunto a que também fez alusão.
Mais uma vez, a Televisão Portuguesa brindou-nos, agora, não com um acto de censura activo mas com um acto de censura por omissão quando decidiu não transmitir, ao contrário do que aconteceu com a maior parte das suas congéneres europeias, o espectáculo recentemente efectuado em Wembley de homenagem a Nelson Mandela.
Atendendo a que foi um assunto que também referiu na sua intervenção, gostaria de perguntar-lhe: como considera o Sr. Deputado este acto? Não lhe aparece que seria de os jovens Deputados da Assembleia da República considerarem e exigirem do Conselho de Gerência da RTP a transmissão, para breve, desse tão importante acto de solidariedade e de luta pela Paz, um ideal tão comum e tão sensível aos portugueses?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado Rogério Moreira, gostaria de dizer que, em relação à questão da transmissão do espectáculo anti-apartheid realizado em Londres, tal representa uma exigência cívica de quem, a mando da Liberdade, é contra o apartheid e que, pelo menos pela minha parte, ficará a aguardar a resposta, ao requerimento apresentado, por parte do Conselho de Administração da RTP. Fico sem saber, face a algumas notícias vindas a público, se houve ou não interferência política, por parte do Governo, no sentido de impedir o Conselho de Administração da RTP de dar instruções para haver essa transmissão.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não houve, não!

O Orador: - Contudo, penso que por toda a Europa Ocidental - como sejam a televisão espanhola e a inglesa - se transmitiu em directo esse espectáculo, tal como outras iniciativas, nomeadamente as de solidariedade contra a fome, pela paz do mundo, etc. Esta é uma iniciativa que nos deve preocupar como consciência cívica e democrática e como cidadãos do mundo livre.
Por isso, penso que ficarei, até ver, a aguardar a resposta do Conselho de Administração da RTP, e talvez haja razões que a própria razão eventualmente desconheça.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É mais avisado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho de Gerência da CP, aquando da entrada em vigor dos novos horários de Verão em 29 de Maio, decidiu suprimir diversas com posições regionais, em todo o País, com especial incidência no seu interior e nas ligações deste com os grandes centros urbanos.
Esta medida é discriminatória e esquece o serviço social que a empresa devia prestar, e não presta, às populações e pelo qual vai receber este ano de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros 21/88, 17,5 milhões de contos, a título de indemnização compensatória.
Desculpa-se o Conselho de Gerência, que com o lançamento do novo serviço intercidades havia que suprimir alguns comboios regionais, para haver ganho em termos de tempo de percurso.
Esta argumentação é falaciosa como iremos provar mais adiante pois existem «intercidades» que fazem mais tempo de percurso que as composições anteriores que foram anuladas.
Embora isto possa parecer incrível a verdade, Srs. Deputados, é que se verificarmos o horário do novo comboio n.º 501, que faz a ligação Lisboa/Leiria (intercidades) utiliza um tempo de percurso de 2 horas e 41 minutos e serve cinco estações, o anterior 4019 (que substituíra), depois de servir 9 estações fazia o mesmo percurso em 2 horas 37 minutos. Isto é lucrativo embora pudéssemos dar mais exemplos!
Quanto ao tal esperado conforto, atentemos que na linha do Oeste os «Intercidades» são efectuados em antiquíssimas locomotivas «Allan», com mais de 40 anos de serviço.
Gasta a Gerência da CP na promoção deste serviço 46.500 contos em publicidade com um «Spot» que diz «Serviço Intercidades Ir e Voltar no mesmo dia»...
Seria um grande Spot publicitário no tempo das carruagens, embora com uma certa ironia à realidade da CP no dealbar do século XXI.
Sr. Presidente, Srs. deputados: Não queremos com isto dizer que estamos contra a introdução deste novo serviço e frisamos esta afirmação. Estamos contra, isso sim, à forma como ele foi implementado pois sacrificou os interesses de milhares de utentes.
E aqui é que está a cerne da questão.
Por ele, ou tendo-o por desculpa foram suprimidos os comboios regionais que serviam de ligação a composições que servem os principais centros urbanos como sejam Lisboa, Porto, Coimbra, etc.
Por outro lado a CP não acautelou ligações rodoviárias de substituição para minorar o problema deixando as populações praticamente isoladas. Exemplos disso são as linhas do Vale do Tâmega, do Corgo, do Tua, do Sabor, a linha Coimbra/Figueira Foz (via Pampilhosa) Ramais de Reguengos de Monsaraz, de Moura, de Lagos, Linha da Beira-Baixa, Troço Barca de Alva/Régua, Linha do Oeste e mesmo Linha do Norte.
É interessante notar que as composições suprimidas são as que faziam ligação à linha do Douro no caso dos ramais transmontanos e que dariam acesso à cidade do Porto e Linha do Norte, nos outros como na Estrela de Évora e ramal de Moura davam ligação a composições que os ligam a outras regiões, assim como na linha do Oeste foram suprimidas preferencialmente as ligações com Figueira da Foz e Alfarelos que possibilitavam a ligação com a linha do Norte.
Na linha da Beira Alta estão em causa as ligações com Coimbra e Lisboa, na da Beira-Baixa com o Entroncamento, ou seja, com as linha do Norte, na linha do Minho com o Porto e a linha do Norte, e para

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não maçar mais terminaremos com o exemplo do Algarve onde foram suprimidas total ou parcialmente 10 composições.
Os novos horários impostos pela CP, pelo contrário, não servem a maioria das populações, pois pelas horas tardias a que passam as composições não permitem «ir e voltar no mesmo dia», parafraseando o slogan da CP, e não são utilizadas pelas populações servidas, por desajustadas que são.
É evidente que o Conselho de Gerência, adianta outra justificação para o caos que produziu a rede ferroviária, argumentando a baixa utilização dos comboios suprimidos.
E o surrealismo faz aqui a sua aparição. Como os comboios tinham baixo índice de ocupação (segundo o conselho de Gerência da CP), arranjou-se uma solução, põe-se a andar vazios.
Em 4 de Junho de 1988 na estação da Caldas da Rainha, segundo o semanário local, alguns utentes iam apanhar o comboio das 20 horas e 10 minutos mas não o puderam fazer porque ao sábado não se efectua.
Foi bastante difícil aos ferroviários explicar que aquele comboio que ali estava à frente deles, ia partir à hora habitual mas sem passageiros.
Na mesma linha do Oeste, à noite e aos fins de semana é de pasmar ao ver o número de comboios vazios, que fazem marchas especiais entre Caldas da Rainha e Torres Vedras, e Caldas da Rainha e Figueira da Foz, para fazerem os comboios do dia seguinte a partir da estação, como o novo horário determina.
Um outro exemplo mais, para desmontar esta falsa argumentação, é o caso do ramal de Moura onde foram suprimidas composições.
Se atentarmos nas estatísticas da CCR do Alentejo nesta linha existem duas estações, Moura e Pias, que movimentam 71,3 mil e 54, 3 mil passageiros/ano e que são a quinta e a sexta estações de maior movimento do Alentejo, sendo o ramal de Moura o mais rendível do Alentejo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a agravar a situação e como não existem contrapartidas rodoviárias, há povoações que ficam isoladas mais de 8 horas sem ser servidas por qualquer meio de transporte.
De salientar quando tanto se fala no sucesso escolar, como irão agora os estudantes dos ramais da Estrela de Évora ou do ramal Figueira da Foz/Coimbra (via Pampilhosa) resolver o seu problema de transporte visto o «comboio ser o único meio que os servia.
A verdade é que as medidas tomadas pela CP não têm nada que ver com os argumentos apresentados pelo Conselho de Gerência, mas sim com a implementação camuflada do plano a médio prazo da CP que prevê o fecho da rede secundária. Esta é que é a grande verdade, e no fundo degradando mais ainda a já degradada oferta, pretende-se arranjar argumentos justificativos do facto consumado, isto é, do encerramento progressivo destas linhas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não satisfeito com esta «obra-prima» o Conselho de Gerência deliberou ainda desactivar em 29 de Maio, 148 estações que asseguravam o tráfego de vagão completo e 144 estações que asseguravam o tráfego detalhe.
A distribuição geográfica destas estacões permite verificar que novamente o interior do país foi o mais afectado.
Assim esta decisão vai agravar ainda mais as assimetrias litoral/interior isolando mais este.
Como consequência desta medida, as populações do interior são condenadas ao ónus de um transporte adicional que permita fazer a ligação com o centro de mercadorias mais próximo, o que trará por arrastamento o aumento do custo dos produtos.
Por outro lado, a falta de boas vias de comunicação dificulta o progresso económico e como não existem ainda grandes transversais rodoviárias para o interior, este está condenado pela «omissão» da CP ao marasmo.
Concluindo Srs. Deputados, não há dúvida que o Conselho de Gerência da CP «anda a brincar aos comboios».

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Presidentes dos grupos parlamentares, relembro Setembro que vai realizar-se uma breve conferência às 11 horas e 30 minutos, como julgo que vos foi transmitido.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Deputado Luís Roque, à guisa de pedido de esclarecimento, gostaria de ressaltar a sua intervenção na medida em que subscrevo as suas preocupações em relação ao serviço prestado pela CP. De facto, neste momento, a CP tenta dar a imagem de grande alteração dos seus serviços, dando ideia de que tudo está a melhorar e de que também a CP não irá ou não poderá parar.
O facto é que as soluções não visam apenas os investimentos infra-estruturais, que são extremamente necessários para a linha ferroviária, mas, pura e simplesmente, grandes modificações de fachada.
Gostaria de ressaltar dois pontos. O Sr. Deputado falou, por um lado, no serviço intercidades, tais como as ligações Lisboa/Leiria e, por outro, no serviço secundário.
Quanto ao serviço intercidades, por exemplo, o tão badalado e publicitado serviço «Alfa», dir-lhe-ei que, neste momento, foram alterados, dentro dos percursos, alguns horários, ou seja, há linhas em que deixaram de fazer-se paragens intercalares, e nem assim o tempo de duração do percurso se alterou.
De facto, parece que alguma coisa não corre bem, não está interligada, ou seja, não está perfeitamente estruturada no quadro dos serviços da CP.
Em relação ao serviço secundário, a tendência que se verifica na CP é a do seu encerramento. O Sr. Deputado referiu o caso da ligação da linha do Tua, para além dessa, até à Barca d* Alva, depois do escandaloso encerramento da linha internacional, que era extremamente importante para o escoamento de pessoas e mercadorias de toda a zona Norte na ligação com a Espanha. Bom, o encerramento deste sector secundário é extremamente prejudicial tanto para o interesse das populações como para o interesse das regiões.
Portanto, pergunta-lho se a CP, empresa pública, presta ou não um serviço público, ou seja, se ela está ou não de acordo com o interesse do público português.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

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O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Deputado José Lello, agradeço-lhe a pergunta que me colocou.
Devo dizer-lhe que as medidas que ultimamente foram tomadas na CP são medidas economicistas, que nada têm a ver com o serviço público que esta devia prestar.
Está provado que não é melhorando as carruagens e mantendo a mesma via com os mesmos estrangulamentos, as mesmas travessas e os mesmos carris que a CP consegue ganhar em tempo. A renovação da CP não se faz só substituindo as chulipas e os carris; é preciso muito mais! É preciso uma reestruturação de fundo e pôr realmente a CP ao serviço das populações. Repare, Sr. Deputado, que a estrutura dos novos horários é precisamente o contrário, é precisamente o antípoda, do que se pretende. A CP com os novos horários não serve as populações. Como o Sr. Deputado diz, e muito bem!, deixou de servir pequenas estações, deixando-as completamente isoladas. Há populações que têm um comboio de ida e outro de volta com um horário perfeitamente desajustado, o que quer dizer que não lhe vai servir de nada; e, não existindo contrapartidas rodoviárias, essas populações do interior ficam completamente isoladas.
Este é o reflexo da política de transportes que temos neste país e com este Governo.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o período de antes da ordem do dia, pelo que passamos à ordem do dia.
Estão em aprovação os n.ºs 92 a 95 do Diário» respeitantes às reuniões plenárias dos dias 24, 26 27 e 31 de Maio findo.

Pausa.

Visto não existirem objecções, dou por aprovados os referidos Diários.
Srs. Deputados, dentro de um ou dois minutos, apenas o tempo necessário para organizar o processo, começaremos a apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 64/V - Aprova o regime remuneratório dos titulares de cargos políticos.
Como os Srs. Deputados sabem, por decisão da conferência de líderes, as votações dos diplomas agendadas para hoje terão lugar às 12 horas e 30 minutos.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos, então, dar início à apreciação da Proposta de Lei n.º 64/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho); - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na decorrência do aumento extraordinário atribuído aos dirigentes da Função Pública com efectivo exercício de funções de chefia, foi transitoriamente suspenso, por iniciativa do Governo e decisão desta Câmara, o dispositivo legal que repercutiria aquele aumento, na mesma proporção, nos vencimentos do Presidente da República e demais titulares de cargos políticos. Era e é patente e notório que o regime actualmente em vigor para estes enferma de distorções gritantes, especialmente quando cotejado com a situação de certos dirigentes da Administração Pública, Institutos Públicos e Empresas Públicas.
Ninguém pode ignorar a necessidade urgente de serem corrigidas as desproporções evidenciadas na proposta de lei em apreciação, tendo especialmente em conta que está em causa a própria dignificação das funções publicas.
Em ordem a corrigir, pelo menos parcialmente, a situação descrita, o Governo apresentou três modelos/ensaios, não tendo obtido consenso para qualquer solução previamente acertada com os Grupos Parlamentares que, na sua maioria e no uso de um direito legítimo que lhes assiste e não se discute, reservaram para o debate de hoje as suas posições de fundo sobre a matéria.
Consequentemente, formalizou-se a proposta de lei em apreciação com a introdução de um vencimento para o Presidente da República equivalente ao ensaio que traduz a menor subida percentual entre os referidos modelos.
Evidentemente que temos consciência que esta solução atenua, apenas, ligeiramente as assimetrias e desproporções existentes, estando longe de as eliminar.
Isso pressupõe que a nossa proposta tem implícita uma correcção faseada, solução sempre discutível por razões políticas, mas também técnicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante uma matéria da reserva absoluta da competência da Assembleia da República, cujo melindre e importância política ninguém pode ignorar.
A iniciativa do Governo permitiu desencadear o processo legislativo, o qual prosseguirá, caso a nossa proposta mereça aprovação na generalidade, em sede da respectiva Comissão Especializada Permanente.
A revisão, mesmo que pontual, do Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos, parece-nos ser merecedora do mais amplo consenso possível por parte dos partidos com representação parlamentar.
Por outro lado, é matéria que bem dispensaria aproveitamento menos correctos que em nada contribuem para o prestigio, que todos certamente prosseguimos, das instituições democráticas envolvidas e dos próprios Titulares dos órgãos de soberania.
Por tudo isto, quero terminar esta breve apresentação reiterando a nossa postura de total flexibilidade e de abertura ao diálogo, não só neste debate mas, especialmente, em sede de Comissão, à qual manifestamos também toda a disponibilidade para, se assim se julgar útil e conveniente, participar nos trabalhos subsequentes e concorrer para o encontro de uma solução justa, equitativa e dignificante.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está em debate a Proposta de Lei n.º 64/V, do Governo, que respeita ao regime remuneratório dos titulares dos cargos políticos.
A situação neste momento é a seguinte: pela Lei n.º 26/84, de 31 de Julho, foi fixado o regime da remuneração do Presidente da República. Posteriormente, pela Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, estabeleceu-se

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o estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos que, no essencial, resultou da indexação ao vencimento do Presidente da República.
Foram então considerados titulares de cargos políticos: o Presidente da República, os membros do Governo, os Deputados à Assembleia da República, os ministros da República para as Regiões Autónomas, os membros do Conselho de Estado.
Para efeitos de fixação de vencimento, os juizes do Tribunal Constitucional foram também considerados titulares de cargos políticos.
Entretanto, foi quebrado o equilíbrio antes alcançado face à nova regulamentação para fixação do vencimento do pessoal dirigente da Função Pública e perante a abolição da isenção do imposto profissional, de que há tantos anos beneficiavam os funcionários públicos e os titulares de cargos políticos.
O Governo carecia de tempo para estudar o assunto e propor soluções. Surgiu assim a suspensão do artigo 2.º da Lei n.º 26/84, determinada pela Lei n.º 33/84, de 24 de Março.
A presente Proposta de Lei n.º 64/V, que está em debate, traduz uma procura do equilíbrio perdido.
É do conhecimento público que se verificam graves assimetrias e distorções no regime remuneratório dos titulares dos cargos políticos.
Embora tenha existido no passado uma preocupação de unidade e articulação nesta matéria, a previsão global estanque das remunerações dos cargos políticos, ainda que indexada, permitiu graves incoerências que a Proposta de Lei n.º 64/V pode remediar.
Há efectivamente que dar resposta às preocupações de justiça e de dignificação que o prestígio e a responsabilidade do exercício de cargos políticos impõem.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Creio que esta matéria poderá carecer de dois ajustamentos: primeiro, uma maior coerência em termos políticos; segundo, uma actualização das remunerações.
Uma coerência mínima aconselha à adequação da remuneração dos titulares dos cargos políticos relativamente aos vencimentos dos órgãos ou agentes tutelados. A actualização das remunerações conduz a uma recuperação parcial do poder de compra e traduz uma tentativa, ainda que ténue e muito tímida, de aproximação aos níveis da CEE, a que aderimos.
Exige-se, e bem, à chamada «classe política», zelo, capacidade e competência; Impõem-se, e bem, aos titulares dos cargos políticos, dignidade, independência e honestidade. Mas sujeitam-se esses servidores da causa pública a situações de carência material dificilmente justificáveis, que não parece justo aceitar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eu reconheço que esta questão do Estatuto Remuneratório não é fácil nem agradável para qualquer de nós tratá-la.
Mesmo assim, temos de assumir a nossa responsabilidade para melhorar a imagem do Estado, para dignificar o exercício dos cargos políticos e para contribuir para a respeitabilidade social das pessoas dos próprios titulares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eu sei que debatemos uma matéria em que a demagogia é uma tentação.
Alguns Deputados deste Parlamento têm usado, desde a década de 70, os mesmos estafados argumentos: que se trata de um terrível exagero, que é espezinhar o princípio da igualdade na distribuição de rendimentos, que é ignorar a crise, etc, etc.
Não creio que tenham um mínimo de razão, embora tenham a desculpa de já terem sido acompanhados num veto presidencial.
Trata-se de um aproveitamentos fácil que não devo nem quero qualificar.
Recordo que o critério inicial, pacífico, há vários anos, tinha em vista assegurar aos Deputados o maior vencimento da Função Pública.
Tudo isto está hoje subvertido - e esquecido - porque há numerosos funcionários públicos cujo vencimento excede largamente o dos Deputados.
Como o Sr. Deputado Almeida Santos declarou em 1984 nesta Câmara, «não vejo sérias razões para que um Deputado, eleito directamente pelo povo português, e sendo assim o seu mais legítimo representante, ganhe menos do que um Subsecretário de Estado ou mesmo do que um Secretário de Estado».
Esta é uma opinião que eu pessoalmente partilho mas que só a mim obriga. Dela está liberta a bancada do PSD.
A posição do grupo parlamentar do PSD perante a Proposta de Lei n.º 64/V é muito clara e não carece de mais longa explicação. Entendemos que a pirâmide dos vencimentos, por escalões, deve manter-se, com o Presidente da República no vértice dessa pirâmide. Julgamos que as remunerações dos restantes titulares de cargos políticos deverão continuar indexadas mas que poderá ser eventualmente conveniente a introdução de um factor de coerência, que, num quadro global, abranja as remunerações de outros agentes ou órgãos tutelados.
Estamos, finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, disponíveis para analisar a proposta do Governo e ficamos abertos, como é nosso hábito, a todas as contribuições que permitam a elaboração, na especialidade, de um texto final que responda às nossas preocupações comuns.

Aplausos do PDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conferência de líderes vai reunir dentro de momentos, pelo que peço ao Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu o favor de me substituir.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: É sempre pelos idos de Junho ou Julho que, infelizmente, esta matéria vem à Assembleia da República e importa abordá-la numa perspectiva de Estado.
Ninguém pode, nesta Sala, deixar de assumir a sua responsabilidade e nomeadamente, sublinho, aqueles que, por via do voto popular tão citado, têm nesta Sala a maioria: o Governo que dela dimana e a bancada do PSD.
Mas é numa perspectiva de Estado que queremos pôr este problema porque, pela nossa parte, como aqui tem sido muitas vezes dito, começamos a estar fortemente

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fartos de que os Deputados da Assembleia da República sejam uma espécie de lúmpen da Democracia e acabem por ser, ao invés do que deveria acontecer, os responsáveis, e nomeadamente no quadro das oposições, por olharem por estas coisas numa perspectiva aberta e necessariamente globalizante.
Nós precisamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de ter uma visão clara sobre o grau hierárquico, digamos assim, dos titulares dos cargos políticos e precisamos de ter, frontalmente perante a sociedade portuguesa, o apoio que nós próprios concitemos sobre aquilo que devem ser as condições essenciais a um exercício profissionalizado, total, transparente e dedicado da função de fiscalizadores da actividade governativa e de titulares destes órgãos de soberania.
Pela nossa parte somos a favor de que a hipocrisia termine e que, se assim acontecer, estejamos todos disponíveis para discutir e assumir as responsabilidades relativas, porque nós somos oposição, mas também temos uma perspectiva de Estado.
O que não podemos é assistir impávidos à subversão dessas responsabilidades, quando sistematicamente, em todos os pontos de Estado que aqui foram discutidos nesta Assembleia, nunca fomos precisos para nada, desde a discussão do Regimento e da Lei Orgânica a tudo o mais que tem sido o nosso batalhar em matéria estruturante do regime e a apreciação das remunerações dos titulares de cargos políticos não foge a isto.

Aplausos do PS, do P RD, do CDS e da ID.

Somos a favor, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de um sistema global que não faça da dignidade e da profissionalização uma simples questão formal mas, sim, que faça dela uma questão responsável, capaz de poder ser erguida como bandeira, suporte da Democracia, perante o país, que nos vigia especialmente nesta matéria e, deve dizer-se, com toda a razão, porque temos tradicionalmente sido inaptos nesta sede. E o Partido Socialista, em relação ao projecto e à lei que foi suspensa pelo Governo e nesta Câmara, arrostou perante a opinião pública com gravíssimas responsabilidades, insinuações e até insultos, porque soube assumir, num determinado momento, um regime remuneratório dos cargos políticos. E se houve factura que foi paga - e desculpem-me a expressão -, ela não foi paga pelo PSD, foi paga pelo Partido Socialista e temos muita honra de ter assumido essa carga e essa factura nesse momento histórico.

Aplausos do PS.

Mas também é necessário que essa contrapartida global e que esse estatuto, como disse, seja um estatuto que garanta uma dedicação exclusiva e que saiba efectivamente premiar sincera, honesta e abertamente aqueles que estão dispostos a correr os riscos da sanção popular e abandonam muitas coisas para estarem aqui, em termos de absoluta profissionalização, ao serviço dos seus partidos e ao serviço da Democracia.
O que não podemos é ter regimes duplos, o que não podemos é continuar a ter ansiedade por um estatuto remuneratório digno e sermos os frequentadores do «chá das sete e meia da tarde», para gáudio das nossas massas populares que não sabem o que se passa das nove da manhã às sete e trinta da tarde.
Aplausos do PS, do PRD e da ID.
O Governo começou por comprometer neste afobado processo a legislação anterior porque, em devido tempo, não teve uma visão global da problemática da Função Pública e daí o ter dado cabo do sistema em vigor, em nome da sua suposta correcção e em nome dessa suposta correcção não foi capaz, até ao momento - e até se pode perceber na pendência dos estudos da Comissão Sousa Franco -, de vir apresentar um esquema geral ao país sobre a Função Pública e sobre, evidentemente, a remuneração dos cargos políticos.
E agora é patente, dentro de fora deste hemiciclo - e nesta matéria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é tradicional que se fale imenso nos corredores da Assembleia e menos, talvez, em pleno hemiciclo e perante a comunicação social, que ali está a ouvir-nos...! -, que o sistema que vai agora, porventura, consagrar-se é um sistema parcelar, é um sistema distorcido, é um sistema que não assume a dignificação, como deve!, daquilo que é remuneração dos cargos políticos e dos cargos políticos na sua generalidade.
Se o Governo entende - e, porventura, bem, dou-lhe o benefício da dúvida, Sr. Presidente e Srs. Deputados -, que é absolutamente necessário salvaguardar nesta época de modernização incandescente em que o Governo nos quer colocar - e nós acompanhamo-lo apenas na palavra, porque conteúdo damos-lhe outro, como se sabe -, se é preciso salvaguardar as hierarquias da Função Pública e na gestão das empresas públicas, então por que é que aparecemos nisto tudo como uma espécie de subalternos da Democracia portuguesa? Não temos de ser competentes? Não temos de ser dedicados ou mais? Não temos de sujeitar-nos ao sufrágio? Não temos de ter a nossa independência? Não temos de ser comparsas maiores da Democracia? Não temos de ter poder para fiscalizar o Governo, as empresas públicas, a vida em geral? Ou temos que ser apenas os explorados que, de vez em quando, fazemos intervenções formais sobre o Orçamento, como se isto fosse uma espécie de «laranja mecânica» com a grave questão de não termos o Stanley Kubrick para nos ajudar e iluminar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O projecto do Governo é, portanto, a negação de todas estas preocupações e até temos pena de que o PSD, que tem preocupações que nos parecem salutares na palavra do Sr. Deputado Correia Afonso, que não é outro se não o importante líder da bancada do PSD, que não víssemos claramente uma proposta do PSD, diferente, globalizante, relativamente a toda esta matéria e direi no final: como haveremos então de corporizar esta representação nacional se o próprio partido da maioria é tímido relativamente a uma questão tão crucial como é esta da remuneração dos titulares dos cargos políticos?
Há um dilema terrível neste momento: é que se efectivamente não há nada a distinguir, nem a fazer relativamente aos cargos políticos, nada justifica que se faça então uma alteração em relação ao aumento de centenas de milhar de funcionários públicos, porque o aumento é de tal maneira tímido e ridículo - é uma espécie de questão escondida para que ninguém se aperceba de que pelos corredores e pelo hemiciclo, se faz uma pequenina distorção - que, no fundo, não ataca o essencial do problema e é, evidentemente, lesiva em termos comparativos com as centenas de milhar de

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funcionários públicos, a começar pelos professores, que são agora os grandes agentes da reforma do ensino etc..., etc...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Que demagogia!

O Orador: - Não é demagogia, Sr. Ministro, porque foi o seu Governo que veio pedir a suspensão desta matéria, o seu Governo é que ainda não foi capaz de estruturar publicamente a reforma da Administração Pública em matéria da suas remunerações e está a pretender escamotear aqui o problema, dizendo que é uma proposta «tímida» - que é maior já que a dos funcionários públicos...! -, mas que não tem evidentemente a corporização de uma alternativa global sobre a remuneração dos cargos políticos.
Nós, pelo menos, pagámos a factura de ter tido outra coragem e outra frontalidade nesta matéria.

Aplausos do PS.

Deixo de lado a inevitável emoção que tenho nesta matéria e passo frontalmente...

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Vê-se!

O Orador: - Vê-se! Vê-se! E vê-se, Sr. Deputado , porque estou aqui em condições que são certamente semelhantes às de muitos outros, mas que não são, de maneira alguma, inferiores...! E estou aqui com dedicação, com transparência e com elevação democrática. ..! E arrisquei muito para aqui estar...!, porque não sei o que é o dia de amanhã e submeto-me à consulta democrática.

Aplausos do PS, do CDS e da ID.

Queremos, e digo-o com toda a frontalidade, queremos discutir esta questão globalmente e estamos disponíveis para fazê-lo em sede de comissão parlamentar; estamos disponíveis para rever o Estatuto dos Deputados desde que a maioria assuma, no quadro próprio, as suas responsabilidades nesta matéria; estamos disponíveis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para assumir a famigerada discussão das incompatibilidades, para ver se temos afinal uma Câmara política a sério ou se temos um «passar de pessoas por este hemiciclo»; teremos ou não edifícios, corredores, assessores a trabalhar em nome da Democracia e em nome das ideias plurais que aqui têm necessariamente de conviver.
Não estamos disponíveis para que se faça um encenar parcelar duma questão que não estamos dispostos por isso a tratar de uma forma separada, parcelar, escondida, receosa e que não seja uma forma transparente de pôr o problema perante a opinião pública.
Pena nossa parte, Sr. Presidente, estamos dispostos a assumir esses riscos, desde que haja frontalmente também a assunção de riscos por pane de quem é maioria nesta Câmara e que não pode ser a maioria de sábado a sábado, com exclusão do dia em que se discute a remuneração dos cargos políticos.
É nesse sentido que esperamos que, baixando este diploma à especialidade, sem pressas..., sem as pressas motivadas por subsídios vários...!, se possa, uma vez por todas, assumir a dignidade necessária da nossa função, em termos globais, em termos relativos e em termos de prestígio dos cargos políticos deste país.
Não há Democracia sem titulares de cargos políticos, não há Democracia sem eleições..., corremos o risco delas, mas temos de ter a necessária dignidade, não apenas de remuneração mas das condições de trabalho, das condições de funcionamento, das condições de relacionamento entre nós todos.
E esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa posição neste momento, sobre esta matéria.

Aplausos do PS, do CDS e da ID.

Entretanto» reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Jorge Sampaio: V. Ex.ª produziu uma intervenção que nos fez recordar uma que aqui há umas semanas produzi neste hemiciclo e estou praticamente de acordo com quase tudo aquilo que V. Ex.ª disse, embora não com o modo.
Tenho para mim que o Deputado tem de ser tratado com a importância que lhe é devida pelo seu lugar como representante do povo; também tenho para mim como certo que o Deputado, para cumprir com a sua obrigação, tem de ser devidamente retribuído, devidamente pago, digamos assim, para poder dedicar-se com exclusividade à função que o povo exige que ele exerça; mas tenho também para mim que este problema tem que ser assumido por toda esta Câmara e não apenas pela maioria que nem sequer tem a obrigação de ser quem toma a iniciativa.
Por conseguinte, este é um problema de natureza ética de toda a Câmara, é um problema que tem de ser assumido por todos os Deputados desta Casa.
E, Sr. Deputado Jorge Sampaio, queria dizer-lhe que aceitamos inteiramente o desafio que V. Ex.ª fez para que, em sede de Comissão, este problema seja na verdade discutido e discutido em toda a sua amplitude, porque o PSD estará efectivamente à disposição de todas as forças políticas representadas nesta Câmara para discutir todos os problemas, não só da remuneração, como do estatuto, como de tudo o mais, em pleno clima de responsabilidade recíproca e democrática, para que se encontre para os cargos políticos aquela classificação, aquele respeito, aquela dignidade e aquela remuneração a que eles têm direito.
Queria, pois, perguntar-lhe muito singelamente Sr. Deputado Jorge Sampaio, se V. Ex.ª quiser ter a bondade de responder-me, se o Partido Socialista está na disposição, em paralelo connosco, tratar todos estes problemas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio - Sr. Presidente e Srs. Deputados, agradeço muito efusivamente ao Sr. Deputado Montalvão Machado, Presidente do Congresso do PSD, as palavras simpáticas que me dirigiu e devo dizer-lhe que fiquei muito contente pelo facto de a minha emocionada intervenção - que não era uma intervenção zangada com ninguém, é bom que se diga - ter ocasionado em V. Ex.ª a comparação com uma que aqui produziu há algum tempo.

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Com certeza, isso constitui para mim um forte estímulo, que agradeço.
Mas, Sr. Deputado Montalvão Machado, a questão é outra: é que a iniciativa desta matéria foi do Governo: foi-o a suspensão da actualização automática e foi-o a proposta que hoje estamos aqui a discutir, que é uma iniciativa parcelar que adia a questão global.
A nossa tese sobre isto é muito simples e não entro em detalhes, Sr. Deputado Montalvão Machado, pela simples razão de pensar que este não é um problema de detalhes; este é um problema de grandes princípios. .., os detalhes virão depois, como sempre, e até nem estou - e digo-o claramente à Câmara - na disposição de discuti-los hoje, porque há pessoas do meu partido muito mais competentes do que eu para o fazer.
Estou é a tentar discutir ideias gerais sobre a matéria, pondo de lado o desvelo com que neste preciso instante e em matéria destas se olha para o Partido Socialista e para uma eventual proposta ou um eventual apoio que o Partido Socialista possa querer dar a uma matéria que alguns dos Srs. Deputados do PSD cultivam com particular desvelo - e lembro que não aconteceu nada assim em propostas importantíssimas que até teriam evitado alguns dissabores (veja-se o caso do pacote laborai, para não falarmos na famigerada questão do Regimento, que ontem terminou, na Lei Orgânica da Assembleia, etc. e onde demos, sistematicamente e sem nenhum intuito obstrucionista, um contributo de dimensão moderna e moderaizadora para a Assembleia da República, de onde decorreriam, evidentemente, outras consequências também nesta sede.
A nossa perspectiva e a nossa disponibilidade, Sr. Deputado Montalvão Machado, são, em síntese, as de discutir globalmente na Comissão a questão que não é a dos Deputados mas, sim, dos titulares dos cargos políticos em Portugal, das incompatibilidades, que para nós são essenciais - e não são só aquelas que, porventura, V. Ex.ªs estarão a imaginar, serão outras..., serão outras também - e de tudo aquilo que tem a ver com o exercício pleno, sério, profissionalizado, competente e total daquilo que são as responsabilidades que em nós depositou o povo português, quaisquer que sejam as posições relativas nessa matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o conteúdo essencial da discussão em torno desta proposta de lei já foi de alguma forma feito a propósito da discussão da Proposta de Lei n.º 29/V, através da qual o Governo propôs a suspensão da. norma da actualização automática.
Na altura foram postas em evidência duas coisas que eu gostaria de, novamente, registar aqui para que os contornos da discussão não sejam, pelo menos, mistificados.
Em primeiro lugar, a questão da actualização automática em função dos cargos dirigentes estava resolvida na altura da apresentação da proposta de lei através de uma disposição legal do próprio Governo, o Decreto-Lei n.º 26/88, em que o Governo dizia que remuneração do pessoal cujos vencimentos se encontravam indexados às remunerações do pessoal dirigente era aumentada, a partir de 1 de Janeiro de 1988, em 6,5%, que foi o aumento decretado pelo Governo para a generalidade da Função Pública e 6,5% era, por força dessa disposição legal, um aumento que a partir de l de Janeiro de 1988 deveria ter entrado em vigor para os titulares dos cargos políticos abrangidos pela respectiva lei do estatuto remunerário.
O que se passou - e essa é que foi a mistificação - foi que se tentou, na altura, dizer que havia, por um lado, um conflito com outras disposições que estavam a sair e, por outro lado, um vazio legal, e isto para, ao fim e ao cabo, tentar produzir o efeito que agora está a ser produzido, que é o de um aumento excepcional em relação ao aumento geral da Função Pública.
A segunda questão que foi registada na altura do debate e que importa aqui recordar é a de que toda esta problemática está a ser tratada de uma forma desgarrada, dividida em sectores e parcelada, sem que haja uma visão de conjunto, através de um sistema de que é responsável, em primeiro lugar e fundamentalmente, o Governo.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É bom recordar aqui que tudo isto se passa em 1988, depois de o Governo ter já procedido pelo menos a um aumento extraordinário das remunerações dos cargos dirigentes da Função Pública, ao aumento das remunerações do pessoal dos gabinetes, ao aumento dos vencimentos dos cargos superiores da administração militar e a diferentes aumentos na administração policial, e tudo isto para agora vir dizer, com ar de quem não tem nada a ver com o assunto, que tudo isso provocou uma grande confusão e que existe agora, na escala de vencimentos, uma posição pouco adequada dos titulares dos cargos políticos. Isto é, existia desde há muito tempo uma certa definição das diferentes remunerações, que foram sendo alteradas excepcionalmente pelo próprio Governo, e agora, para justificar a sua proposta, o Executivo invoca o que fez, atirando para cima da Assembleia da República, o ónus de corrigir aquilo de que não é responsável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estas duas notas são centrais para se entender que tudo o que aqui está a ser discutido acaba por sê-lo de forma desconexa, desconchavada e, de alguma maneira, mistificada.
Do nosso ponto de vista, toda a questão do estatuto remunerário da Função Pública mereceria uma reponderação profunda. Aliás, tudo o que se sabe - não o sabe oficialmente a Assembleia da República ou os Deputados, mas vai-se sabendo pelos jornais - acerca do que é o relatório Sousa Franco... Quando disse que os Deputados vão sabendo pelos jornais, o Sr. Secretário de Estado riu-se, mas acho que não tem graça nenhuma que informe os jornais e não informe a Assembleia da República sobre o conteúdo desse relatório.
Dizia eu que tudo o que se vai sabendo acerca do conteúdo desse relatório demonstra que esta problemática devia ser abordada em conjunto e que a questão da remuneração dos titulares dos cargos políticos não se separa dessa complexa situação remuneratória que é o estatuto da Função Pública. Não se crie uma situação em que, em vez de se ponderar todo o conjunto

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de forma adequada, se esteja a fazer uma nova manta de retalhos, que origina problemas como o que agora está a ser criado.
E que problema é que está a ser criado, Srs. Deputados?
Referiu-se aqui, e bem!, que, em questões como esta, está também em jogo o prestígio das instituições democráticas, que de alguma maneira pode ser beliscado. Penso que sim, que poderá ser beliscado, mas sê-lo-á profundamente se as soluções que forem adoptadas para os titulares dos cargos políticos envolverem uma acentuação da separação em relação a estratos mais largos da população. Não podemos considerar que defende o prestígio das instituições democráticas propor um aumento de 13-14% ou, segundo outras alternativas que o Governo propõe, valores ainda superiores para os titulares dos cargos políticos e correr centenas de milhar de trabalhadores da Função Pública a aumentos de 6,57. Não há aqui, com certeza, ninguém que me desminta se eu disser que 6,5% é um valor inferior ao que vai ser a inflação no corrente ano e, mesmo que fosse, o que o Governo pretendia era um valor idêntico. Isto significa que nem sequer os aumentos de produtividade se repercutem no aumento dessas centenas de milhar de trabalhadores. Ora, como é que essas centenas de milhar de trabalhadores podem olhar para a instituição democrática que aprova para os seus agentes um aumento que é, na proposta feita pelo mínimo, o dobro do aumento que aprovou para esses trabalhadores?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentada desta forma, neste contexto e com este efeito perverso sobre o prestígio das instituições democráticas, através da chamada falsa alternativa dos 13, 27 ou 30% - e a alternativa aqui seria metermo-nos tanto numa baia como se não existissem baias inferiores, mas existe, é o valor de 6,5% -, dizia eu que, apresentada desta forma, a proposta é, do nosso ponto de vista, inaceitável e merece ser toda ela reponderada através de um estudo aprofundado da situação da Função Pública, em que se tenha em atenção a situação da maioria dos funcionários públicos.
Quero aqui recordar que, entre 1974 e 1988, o vencimento do escalão inferior da Função Pública diminuiu, em termos reais, isto é, em termos de poder de compra, 35%. É contra uma situação de injustiça como esta que consideramos que, em primeiro lugar, devemos privilegiar estas centenas de milhar de trabalhadores, particularmente os administrativos, os professores e muitos outros sectores a quem não foi reconhecida justiça, e que, portanto, é inaceitável isolar a situação dos titulares dos cargos políticos como aqui é feito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, devo dizer-lhe, com franqueza, que não esperava outra coisa da parte da bancada do PCP, pois, como dizia o Sr. Deputado Veiga de Oliveira quando aqui estava, e passo a citar, «todos sabem, porque é público, que qualquer que seja o subsídio que votem
e outras condições materiais nós não auferimos delas. Todos sabem, porque é público, que nós aqui nesta bancada somos pagos por forma a não sermos prejudicados em relação à outra profissão anterior».
V. Ex.ª têm, portanto, o vencimento da profissão anterior e não o do titular de um cargo político, donde o desapego com que o Sr. Deputado trata estas questões.
O que está em causa é que V. Ex.ª mistificou a questão ao pretender amalgamar o estatuto da Função Pública no estatuto do cargo político, e o que tenho de constatar é que o Sr. Deputado não tem a visão e a natureza do que é um cargo político.
Um cargo político é o exercício digno de uma determinada função, como aliás, já aqui foi salientado, designadamente pelo líder da bancada do Partido Socialista, que se mostrou aberto - e nós aceitámo-lo - a que toda esta matéria seja devidamente tratada em sede de comissão, com a dignidade que merece e de uma forma globalizante, com vista a prestigiar a função política.
Portanto, quem mistificou foi V. Ex.ª ao vir dizer que o Governo propõe um aumento igual ao dobro do que foi concedido à Função Pública. Não confunda as coisas, Sr. Deputado, porque uma coisa são os cargos da Função Pública e outra coisa são os cargos políticos. Se V. Ex.ª se mostrasse aberto - e compreendemos que o não possa fazer - à consideração deste problema em sede de comissão, talvez pudesse sair desta Câmara como devia sair, por uma questão de ética e de responsabilidade. É que nós não estamos só a tratar do cargo de Deputado, estamos a tratar de todos os cargos políticos e, como órgão de soberania que somos, temos a responsabilidade de fazer uma lei que sirva a todos eles.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, agradeço as referências elogiosas que fez à atitude do meu partido e à forma como entendemos a política.
A questão de discutir aqui, na Assembleia da República, o conteúdo ético da vivência política é uma questão muito complexa que evitei abordar. Com efeito, evitei dizer como é que pessoalmente me situava na questão. Mas há uma face do problema que posso discutir porque transcende a posição do meu partido e a forma como funciona, que é a de saber qual é o conteúdo ético da postura política que acentua a clivagem entre quem tem responsabilidade política e o conjunto do país. Isso pode passar-se a diferentes níveis: no estatuto remuneratório e em muitas outras questões.

Pausa.

Vejo que há ali uma Sr.ª Deputada do PSD que está nervosíssima, mas, se me quiser interromper, terei imenso gosto em ouvi-la.

Pausa.

Bom, afinal parece que não tem nada de especial a dizer.
Dizia eu que a questão da clivagem pode colocar-se no estatuto remuneratório e em muitos outros pontos.

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Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Vieira Mesquita, que assumimos com sentido de responsabilidade aquilo que tiver de ser decidido seriamente sobre os escalões e os diferentes graus de direitos - de remunerações também -, mas num quadro que tenha em atenção toda a situação do país. Vamos fazê-lo com honestidade e oportunidade, mas o que perguntamos é se estará o PSD disposto a isso ou se não estará apenas disposto a considerar certos segmentos, por exemplo, da Função Pública. Se assim for, então direi que se o PSD não é igual a si mesmo é muito parecido consigo mesmo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É uma intervenção não muito agradável a que temos de fazer em causa própria, o que, de certo modo, é o que está a acontecer.
Tenho, porventura, nesta questão alguma autoridade, e há pouco recordava-o em conversa com o Sr. Deputado António Vitorino, pois ambos tomámos parte, em 1985, numa votação quando à Câmara foi posta a mesma questão. A minha bancada recusou-se então a instrumentalizar politicamente, em termos de política partidária, a questão das remunerações dos titulares dos cargos políticos e eu, que então era presidente do Grupo Parlamentar do CDS, tive, na formação dessa posição, algum papel.
Simplesmente, os tempos eram outros e, temos de convir, a questão foi posta à Câmara de forma muito diferente.
Sou dos que entendem que a dignidade dos Deputados e da função parlamentar não podem estar dependentes apenas da sua remuneração. A dignidade da nossa função está, fundamental e essencialmente, no modo como encaramos o seu exercício...

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Muito bem!

O Orador: - ..., no modo como pessoalmente a exercemos, na independência que conseguimos pôr nesse exercício e na objectividade com que encaramos as questões que tratamos. Aí, sim, está a dignidade da nossa função.

Vozes do CDS e do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o exercício dignificante da nossa função está ligado, como não podia deixar de ser, à remuneração que aqui auferimos. Temos disso consciência, embora também não seja só a remuneração mas outras condições materiais: a organização da Assembleia, os serviços de apoio, aquilo com que podemos contar para executar os nossos trabalhos e para não nos sentirmos, a cada momento, quando trabalhamos nesta Câmara, como membros de um Parlamento que, porventura, já não existe na Europa. De facto, somos, provavelmente, o último parlamento europeu em que todo o trabalho é feito por nós. Desde a minuta até quase à dactilografia, tudo é feito pelos deputados, todos os elementos são recolhidos por eles. Temos alguns funcionários dedicados é certo, mas ainda não
com a preparação, com o estatuto e em número suficiente, e nem sequer com instalações - esse pequeno pormenor - que lhes permita apoiar-nos devidamente. Mas a dignidade dos Deputados não há-de estar apenas no nosso espírito, na forma como encaramos o exercício da função e nas condições materiais para um exercício dignificante...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Há-de estar também na forma como é construído o nosso estatuto jurídico, na Lei Orgânica do Parlamento, no Regimento, na capacidade de intervenção que é dada a cada deputado e a cada grupo parlamentar, na forma como V. Exas., Srs. Deputados do PSD, membros de uma maioria, pela primeira vez nesta Câmara, de um só partido, encaram o vosso papel decisivo como elemento determinante para a formação de uma vontade autónoma e livre da Assembleia da República.

Vozes do CDS, do PS, do PCP, do PRD e da ID: - Muito bem!

O Orador; - Em V. Ex.ª repousa a principal responsabilidade a dignificação da função do Parlamento, terão 4 anos para exercer essa função e estou certo, porque os conheço, que acabarão por contribuir de modo decisivo para dignificar o Parlamento português.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Já estamos!

O Orador: - Até agora nem sempre, Sr. Deputado, e infelizmente...
Srs. Deputados, desta vez esta questão foi-nos posta no termo de uma autêntica campanha contra o Parlamento. Não vou discutir autorias mas o certo é que hoje, em 1988, há em Portugal, uma campanha contra o Parlamento, e que todos os pormenores mínimos são aproveitados para denegrir a função de Deputado e do Parlamento. Estamos a ser denegridos todos os dias e considerados como quase uma excrecência inútil na estrutura orgânica do Estado português. Essa é uma realidade de que temos de tomar consciência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É lamentável que, no meio desta campanha, este problema nos tenha sido posto desta maneira; foi-nos atribuída a função de escolher entre três hipóteses...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não é verdade!

O Orador: - Todas elas afastadas da hipótese normal do que tinha sido o aumento para a Função Pública e depois de ter sido praticado um desnivelamento entre as remunerações dos funcionários públicos e de estar em curso uma campanha de protesto na Função Pública. Nós não somos funcionários públicos, eu sei, mas o nosso estatuto remuneratório está, por vários cordões umbilicais, ligado ao estatuto remuneratório da Função Pública, o que não podemos esquecer.
Não vou aqui discutir a oportunidade do desnivelamento, nem a oportunidade de aumentar o leque sala

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rial na Função Pública. Nada disso. O que exijo é que o legislador tenha uma atitude lógica, coerente e honesta face ao problema da remuneração da Função Pública. Que haja desnivelamento, estou de acordo, mas que seja coerente e que se insira num todo lógico e harmonioso. Não concordo que se continue a praticar um autêntico ladrilho, uma autêntica desconexão de remunerações da Função Pública, um sistema de feudos remuneratórios na Função Pública, aparecendo nós perante a opinião do país como mais um feudo e ainda por cima como um feudo que escolheu a sua própria remuneração. Isso neste momento seria intolerável e a opinião pública portuguesa não nos perdoaria que o fizéssemos.

Vozes do CDS, do PS, do PCP, do PRD e da ID.

Muito bem!

O Orador: - Os Srs. Deputados podem estar certos de que não nos perdoaria e iríamos assistir a uma autêntica campanha contra nós porque tínhamos escolhido uma remuneração diferente da remuneração geral.
Hoje o problema já nos é posto de outra maneira mas, no entanto, lá continuam, já não no diploma mas no relatório, a aparecer as três hipóteses. É como que um isco, é como que uma forma de pesca, muito embora o que vem efectivamente proposto nem sequer modifica substancialmente as nossas remunerações, num momento em que passámos a ganhar menos do que o que ganhávamos há um mês. E é bom que o público saiba que neste momento ganhamos menos do que há um mês atrás. É esta a nossa situação neste momento mas teremos que a aguentar estoicamente.
Entendo que o mais razoável seria que este diploma pudesse baixar à Comissão, sem votação, se houvesse 10 deputados - e nós só somos quatro - que requererem isso mesmo, para que o pudéssemos inserir numa meditação conjunta do estatuto remuneratório da Função Pública, para que o pudéssemos inserir numa meditação, meditada e não apressada, da remuneração dos titulares de cargos políticos em geral e para que quando votássemos - e estou de acordo com o Sr. Deputado Montalvão Machado, quando diz que isto deve ser aprovado ou reprovado por todos - votássemos todos, em consciência, com a consciência completamente limpa e tranquila para enfrentar qualquer outra campanha ou migalha de campanha que venha a fazer-se contra o Parlamento.

Aplausos do CDS, do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de pedir permissão ao Sr Deputado Nogueira de Brito para subscrever quase tudo o que disse na intervenção que fez, onde colocou as coisas no seu devido lugar e quase que tornou desnecessária a minha intervenção.
No entanto, e a propósito da matéria em discussão, eu gostaria de tecer algumas considerações.
Estamos a discutir um problema que considero muito relevante para a Democracia portuguesa, embora, infelizmente, o façamos a propósito de uma questão que
sendo também importante é, no entanto, menor, e que é o problema da remuneração dos titulares dos cargos políticos.
De facto - e como muito bem sublinhou o Sr. Deputado Nogueira de Brito - a maneira como esta questão foi apresentada à Assembleia da República, coloca essa Assembleia, numa altura em que existe uma campanha muito desfavorável contra o Parlamento, numa situação, perante a opinião pública, de ser ela a entender e a escolher a opção relativa à remuneração dos seus membros.
Todos sabemos que a Assembleia da República é, por razões óbvias, o órgão de soberania mais vulnerável. Por isso mesmo, e desse ponto de vista, deve ser responsabilidade de todos nós zelar e velar até ao mais íntimo pormenor pelo prestígio da Assembleia da República. E, deste ponto de vista, a questão que hoje estamos a discutir não é menor. Creio até que, nesta questão, existe um bom elemento, um bom sinal e um bom exemplo daquilo que devia ser o comportamento em questões com esta relevância, mais pela importância colateral que tem do que pelo assunto que está em discussão e que pode servir para ilustrar aqui que devem ser a solidariedade institucional e a solidariedade de entre os vários partidos representados nesta Câmara, pois é fácil fazer demagogia com esta questão.
Para o PRD era muito fácil limitar-se a, perante esta Câmara, questionar exclusivamente este assunto na perspectiva do aumento da função pública, que foi de 6,5% e na do aumento do cargo de director-geral que foi de não sei bem quanto por cento. Não vamos por esse caminho, embora entendamos que a Assembleia da República não deveria ter sido confrontada com a situação de discutir este assunto, depois de o Governo unilateralmente ter tomado as opções que tomou em relação ao funcionalismo público e à indexação dos cargos dos titulares dos cargos políticos. Este foi o pano de fundo que criou esta situação à Assembleia da República.
Atrevo-me até a dizer que seria correcto e desejável que, nesta matéria, o Governo tivesse mostrado uma disponibilidade para o diálogo com a Assembleia da República no sentido de ser encontrada uma solução adequada. Ao contrário da proposta que foi feita e que - como muito bem sublinhou o Sr. Deputado Nogueira de Brito - se trata de uma proposta para a Assembleia da República escolher entre três hipóteses aquela que considera mais adequada. Esta é uma posição completamente errada e desajustada.
Quando eu falo em diálogo, quero referir-me ao diálogo prévio, anterior, o diálogo da matriz onde se inserem não só os aumentos dos titulares dos cargos políticos mas também todo um conjunto de remunerações. É essa matriz-base e fundamental que devia ter sido discutida previamente na Assembleia da República.
Neste momento, gostaria de solicitar a disponibilidade de todos os partidos políticos representados nesta Câmara no sentido de ser encontrada uma solução global, que todos votássemos e em relação à qual todos pudéssemos estar de acordo, pois, desse modo, seria bem mais fácil defendermo-nos - porque, infelizmente, temos de nos defender - dos ataques que, por todos os lados vêm sendo feitos à Assembleia da República.
Reportando-me, mais uma vez, àquilo que disse - e muito bem - o Sr. Deputado Nogueira de Brito, neste momento, os Deputados da Assembleia da República ganham menos do que ganharam no mês passado,

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ou seja, recebem menos do que receberam no mês passado. Mas vá dizer-se isto à população, vá dizer-se ao cidadão vulgar ou à população em geral que um deputado ganha menos do que ganhava o mês passado, ou que os aumentos que, nesta proposta do Governo, são propostos para os Deputados não passam de alterações dos vencimentos que pouco ou nada alteram a situação real que existe e que não vão muito para além dos 6,5%, ou seja, o aumento que foi aprovado para a Função Pública.
Quando o Governo, na exposição de motivos desta proposta de lei e em termos institucionais, se refere: «ao pressuposto fundamental da dignificação das funções públicas, fazendo coincidir a remuneração pelo exercício destas funções com valores apurados em razão directa, objectivamente perceptível, do prestígio e da responsabilidade correspondentes», e refere ainda mais adiante: «Tem o Governo consciência desta realidade, que pode afectar a imagem do Estado, tal é a flagrante gravidade da desadequação e da desproporção, absoluta e relativa, nestas matérias, pelo que se entende ser necessário estabelecer um quadro de soluções tendentes a assegurar um correcto e digno escalonamento das diversas categorias presentes no ofício político», pergunto se a proposta do Governo - iria até mais longe -, se qualquer das propostas do Governo está de acordo com este pressuposto e com a explanação feita na exposição de motivos. Em que lugar na Função Pública, considerando-se qualquer uma das três hipóteses e mantendo-se a remuneração de outros titulares de cargos políticos, aparece o cargo de Deputado?
Volto a salientar que seria fácil para o PRD fazer demagogia sobre esta questão.
Pensamos, no entanto, que a questão verdadeiramente importante e que deve ser equacionada, é a da matriz remuneratória na qual também se enquadram as remunerações dos titulares dos cargos políticos.
Com efeito, se a informação for correctamente veiculada, toda a população entenderá que não é correcto que o vencimento do Primeiro-Ministro não seja o segundo vencimento da hierarquia política, que não é correcto que um ministro, que tutela várias empresas públicas, ganhe menos do que um vice-presidente ou do que um vogal de qualquer uma dessas empresas, e ainda que não é correcto que um Deputado da Assembleia da República, com a dignificação que segundo o Governo deve ser dada à Assembleia, embora na prática não a concretize, seja colocada no último lugar desta hierarquia política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra questão muito diferente desta, de que eu podia evitar falar mas de que vou falar, é a que se refere ao estatuto remuneratório do Deputado no seu conjunto.
Já aqui foi focado que existem outras questões muito mais relevantes - relacionadas com o estatuto remuneratório do Deputado ou, melhor, dos cargos políticos mas que tem a ver directamente com o Deputado - do que a questão do seu vencimento.
Quanto a estas questões, o PRD apresentou uma proposta de alteração na legislatura anterior. Mas espero que fique claro hoje como ficou naquela altura que o PRD não questionava, nem questiona a remuneração, que é justa e que é devida ao trabalho do Deputado: questiona, sim, outras regalias, outros privilégios que estão no estatuto remuneratório e que permitem também - e é bom que tenhamos a coragem de dizer isto, aqui, e neste momento - que provavelmente, não haja, nesta Casa, 2 Deputados que, objectivamente, tenham o mesmo vencimento e a mesma remuneração mensal, por outros «artifícios», justos ou pouco justos, correcta ou incorrectamente utilizados, que têm a ver com a assiduidade dos Deputados ao trabalho nesta Câmara, com a sua dedicação exclusiva a esse trabalho, com a capacidade e o trabalho insano que muitos Deputados desta Casa - não são, por certo, os da maioria - têm, efectivamente, desenvolvido no plenário, nas comissões, em casa, pois - e mais uma vez parafraseando o Sr. Deputado Nogueira de Brito - os Deputados levam o trabalho para casa e algumas vezes até fazem a redacção dos ofícios.
Estes Deputados estarão bem pagos? Não! Em nenhuma das tabelas, nem na A, nem na B, nem na C. Não estão bem pagos e assim não se pode prestigiar o Deputado da Assembleia da República. Mas, neste aspecto, o deputado tem uma responsabilidade fundamental, é chegar ao Plenário às 19 horas e 30 minutos só para votar, não é uma responsabilidade que se possa dizer que é assumida inteira e plenamente pelo Deputado. Temos de ter consciência disto. São estas questões que vulnerabilizam o cargo de Deputado e a Assembleia da República.

Aplausos do PRD, do PSD, do PS, do CDS e da ID.

Toda a população aceitará que o Deputado da Assembleia da República tenha um vencimento condigno que, provavelmente, não corresponde à remuneração do seu trabalho, desse trabalho insano do qual alguns Deputados de todas as bancadas são referenciais, mas que o cidadão vulgar, o nosso concidadão e eleitor com o qual só esporadicamente nos preocupamos, naturalmente compreenderá.
Penso que o cidadão compreenderá mal que o segundo vencimento da hierarquia da Função Pública não seja o do Sr. Primeiro-Ministro e ainda que um Ministro da Tutela ganhe menos do que vogal ou um vice-presidente de uma empresa pública tutelada pelo Governo. Estas é que são as realidades!

Aplausos do PRD, do PSD, do PS e do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qual é a posição do PRD relativamente a esta matéria e, mais concretamente, a esta proposta?
Estamos, como sempre estivemos, disponíveis, sem demagogias - e somos um partido pequeno que, facilmente, podia fazer demagogia em relação a esta questão - para encontrar as soluções mais. justas e adequadas num estudo global desta matéria. Entendemos que esta proposta, tal como está, prejudica esse estudo global, essa matriz remuneratória global, que deve ser estudada e abordada em profundidade. E pena que questões desta relevância sejam feitas e invocadas a propósito de um simples aumento de vencimentos de mais ou menos X por cento. É uma má altura para pensar nisso. Isso devia ser feito num outro momento, descomprometido, sem a conjuntura deste e que permitisse, de uma forma serena, enquadrar, equacionar e estudar este assunto.
No entanto, nesta como em todas as matérias, a nossa disponibilidade é total, apesar de considerarmos que não é este o momento oportuno para encontrar

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mós, trabalharmos e darmos o nosso contributo para uma solução que possa ser tida como a melhor, que, de certeza, não seria uma solução óptima mas que podia ser uma solução melhor.

Aplausos do PRD e do CDS e de alguns Deputados do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algumas considerações adicionais à intervenção que aqui produzi, naturalmente suscitadas pelas intervenções dos Srs. Deputados que me precederam.
Em primeiro lugar, não posso deixar de comentar duas ou três afirmações do Sr. Deputado Marques Júnior - ou o próprio tom geral da respectiva intervenção - que se me afiguram muito questionáveis.
O Sr. Deputado Marques Júnior - como outros Deputados - falam na globalização. Obviamente, o Governo nada tem contra a globalização, entende até que é extremamente oportuno que, em sede de debate na especialidade, possa haver uma globalização com outras matérias, - já lá iremos para as pormenorizarmos - mas o que me espanta é que se fale tanto em globalização, Sr. Deputado Marques Júnior, e que V. Ex.ª venha falar em questões que ao Governo nada respeitam como, por exemplo, a questão das votações às 19 horas e 30 minutos e em outras matérias que diz serem do estatuto remuneratório dos Deputados, mas que não são! Não têm nada a ver com este diploma. A proposta de Lei do Governo é sobre o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos. Presumo que as questões que V. Ex.ª levanta têm a ver com o estatuto dos Deputados, e o Governo não toma nem tomará qualquer iniciativa sobre isso.
E, agora pergunto: se V. Ex.ª, quer globalizar, onde é que está a iniciativa do PRD? Onde é que está o Projecto de Lei do PRD para alterar o estatuto do Deputado e para vincular-se a este?
Aplausos de alguns Deputados do PSD.
Penso que V. Ex.ª vai a tempo, se votar favoravelmente este diploma ou se contribuir como certamente contribuirá, pois manifestou a disponibilidade de contribuir para que esta matéria seja estudada mais profundamente na comissão
Estou certo de que para globalizar, V. Ex.ª apresentará algumas alterações às matérias que questionou e que estão relacionadas não com o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos mas com o estatuto dos Deputados e, só por isso, o Governo não iria ter uma iniciativa sobre a matéria.
Ainda mais impressionante, Sr. Deputado Marques Júnior, é a questão da solução negociada através de diálogo, que V. Ex.ª lamentou não ter sido obtido previamente.
Sr. Deputado, bem ou mal, o Governo suscitou previamente esta questão, em diálogo, na conferência de líderes e não foi mais longe porque a maioria dos grupos parlamentares ali representados decidiu reservar as suas posições de fundo para o Plenário. Só por isso não pudemos ir mais além. Apresentámos três ensaios, não dissemos que não estávamos disponíveis para um
quinto, um sexto, ou um sétimo ensaio, nem que estávamos indisponíveis para globalizar com outras questões.

O Sr. Adérito Campos (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se essa questão nos tivesse sido colocada, de uma forma muito concreta, por uma maioria de partidos, tê-la-iamos encarado.
A propósito, faço honra e respeito a posição do Partido Comunista, que foi o único que, nessa altura, falou na globalização, não precisando tanto o que pretendia como o fez hoje mas, apesar de tudo, estava ali isolado na resposta que nos deu em matéria de globalização. Foi uma posição clara e concreta que o Partido Comunista nos deu, mas V. Ex.ª e o seu partido não nos deram essa resposta.
Não é legítimo, nem correcto que V. Ex.ª venha falar da inexistência de soluções prévias negociadas, ou na inexistência de diálogo prévio. Houve-o em devido tempo e na sede própria.
Quanto à solução globalizante de que aqui tanto se falou, é óbvio que o Governo está disponível, se essa disponibilidade for considerada interessante, útil e profícua para, em sede de comissão, globalizar. Obviamente que não perpassa pelo espírito dos Srs. Deputados que possa ser por nós globalizado em direcção a questões que não nos respeitam. Já referi o Estatuto dos Deputados e acrescento-lhe ainda as questões laterais, que presumo estarem arrumadas como, por exemplo, a questão do Regimento ou a questão da Lei Orgânica.
Mas, se globalizar é também a questão das incompatibilidades - e parece-me bem que seja, Sr. Deputado Jorge Sampaio, portanto, concordo, na generalidade, com V. Ex.ª nessa matéria -, só não percebo por que é que hoje não foi apresentado para discussão simultânea - que teria sido extremamente útil para quem defende a globalização - um projecto de lei nesse sentido. Pois, se bem me lembro, o Partido Socialista prometeu ao eleitorado, em conferência de imprensa realizada no fim de umas jornadas parlamentares, apresentar uma iniciativa sobre essa matéria. Gostaria de vê-la.
Em termos governamentais - e embora saiba que as vossas incompatibilidades, como o Sr. Deputado Jorge Sampaio referiu, de uma forma implícita, não têm apenas a ver com as incompatibilidades dos deputados - exercício da função governativa que é aquela que, neste momento, exerço e que exercem os autores da proposta que está em debate, é incompatível com o exercício de qualquer outra função. Portanto, não temos de apresentar uma proposta de lei que alargue as nossas incompatibilidades, a não ser que V. Ex.ª tenham outras ideias! As incompatibilidades dizem respeito aos deputados. Se V. Ex.ª têm ideias sobre essa matéria e se se comprometeram perante a opinião pública a apresentá-las é pena que não o tenham feito, para globalizarmos hoje esse debate e não atirarmos para as «calendas públicas» com a solução para este problema, que todos reconhecem existir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, insisto ainda sobre uma questão que é a da iniciativa.

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Confesso que não percebi exactamente o que disse o Sr. Deputado João Amaral, pois há uma enorme dificuldade em ouvir, aqui nesta bancada do Governo, o que dizem os Srs. Deputados das bancadas extremas, devido a problemas ligados à instalação sonora.
Gostaria de salientar que a razão primeira para a apresentação desta proposta por parte do Governo tem a ver com a nossa interpretação da lei. Ou seja, o Governo decidiu aumentar extraordinariamente os directores-gerais e equiparados que exercem efectivas funções de chefia, tendo esse aumento atingido valores acima dos 6,5%, que foi o aumento acordado para a Função Pública - que V. Ex.ª dizem que é uma miséria - mas que, recordo apenas para que não se esqueçam, foi o acordado com os respectivos sindicatos. Nos termos da Lei n.º 26/84, que regula a remuneração do Presidente da República, esse aumento e nas mesmas proporções do aumento do director-geral, iria repercutir-se, à partida, indiscriminadamente sobre os vencimentos de todos os titulares de cargos políticos.
A questão que se coloca é esta: deixamos isso avançar, ou seja, deixamos avançar o aumento entre 26 e 30%? Aumenta-se o Sr. Presidente da República, porque aumentámos o director-geral 26,5%? Aumentamos os deputados, os ministros, os presidentes de Câmara, em cadeia, a mesma percentagem?
Era um critério, admito que sim, mas penso que é um critério cego e valia a pena trazer essa questão à Assembleia da República e perguntar-lhe: se estivermos quietos, isto avança por aí fora com os 26%? Poderá ser que a Assembleia da República entenda tratar esta matéria de forma diferente. Portanto, foi esta a nossa postura. Tratou-se de uma intenção de desencadear o processo mais do que de o resolver globalmente, tanto que - acentuo-o - se trata de matéria da competência reservada da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar estas breves considerações, direi apenas que, no essencial, reiteramos a nossa disponibilidade para o encontro de uma solução globalizante se quiserem. No entanto, temos algumas reservas sobre a globalização, designadamente quando toca em áreas que são da competência exclusiva do Governo pois, como devem calcular, prezamos muito a nossa competência exclusiva não tentando invadir por outro lado, a dos outros. De qualquer maneira, se for entendido conveniente, estamos disponíveis para tratar dessa globalização em sede de especialidade, reiterando a nossa «angústia» pelo facto de, em devido tempo, aqueles que desejam a globalização não terem apresentado os respectivos projectos para apreciação simultânea na Câmara, tanto mais que, em relação a algumas questões, ela já poderia estar feita.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, dirijo-lhe este pedido de esclarecimentos por o Sr. Ministro ter citado uma conferência de líderes em que participei.
Recordo-lhe que o que ali se passou não foi tão simples como o que o Sr. Ministro acabou de referir quando afirmou que ninguém terá feito qualquer referência à globalização excepto o Partido Comunista Português, com a sua proposta de um estudo globalizante.
Quando aqui se discutiu a proposta de lei de autorização legislativa, recordo-lhe que o Sr. Ministro disse que «este espaço de 30 dias (....)» (para apresentação de uma proposta) «(...) destina-se à ultimação dos estudos em curso, de apreciável complexidade, indispensáveis à fundamentação e elaboração correctas da proposta de lei que V. Ex.ªs irão apreciar oportunamente(...)».
Há pouco, pareceu-me que o Sr. Secretário de Estado exibiu o chamado «Relatório da Comissão Sousa Franco». Assim, de duas, uma: ou o Governo ainda não possui o estudo e, contrariamente ao que afirmou o Sr. Ministro, está a fazer uma proposta sem fundamentação e elaboração correctas dado desconhecer o estudo ou, se o conhece, está a pedir-nos que nos pronunciemos sobre uma proposta - nós que não conhecemos esse estudo -, atirando-nos uma autêntica casca de banana. Aliás, desde o princípio, é isto mesmo que tem constituído a actuação por parte do Governo em todo este processo. Na verdade, o Sr. Ministro apresentou-nos três propostas com outras tantas possibilidades de escolha, conhece as considerações do «Relatório Sousa Franco» e - se calhar, para satisfação das implicações que isso teria para os membros do Governo - pede-nos que escolhamos a proposta mais alta. Estes são os intuitos do Governo ao apresentar--nos esta proposta de lei.
Portanto, gostaria que o Sr. Ministro me dissesse se, na verdade, considera que podemos analisar correctamente este diploma sem o conhecimento do «Relatório Sousa Franco» a que o Sr. Ministro se referiu por mais de uma vez.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior, que utilizará tempo cedido pela ID.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, se me é permitido, utilizarei a figura regimental de pedido de esclarecimentos para o esclarecer relativamente a duas afirmações que produziu e que, do meu ponto de vista, creio, serão devidas a um equívoco seu. Essas suas afirmações são relativas ao sucedido na conferência de líderes que citou e na qual estive presente.
De facto, nessa conferência de líderes não fiz uma intervenção de fundo como acabei de fazer nesta Câmara. No entanto, relativamente a essa matriz global que deve ser estudada, as linhas mestras fundamentais, suportes da intervenção que produzi em nome do PRD foram por mim apresentadas nessa reunião.
Quanto ao processo e ao diálogo, é correcto o que disse o Sr. Ministro mas, quando falei nesse diálogo, referia-me a uma frase anterior ao processo desencadeado pelo Governo durante o qual solicitava a participação e o diálogo com a Assembleia, já para não dizer que solicitava a co-responsabilização da Assembleia num acto que o Governo desejava desencadear. Isto é, entendia que esse deveria ter sido um diálogo prévio e anterior à entrada em vigor dos aumentos salariais para a Função Pública e dos aumentos extraordinários para os directores-gerais. Efectivamente, era numa fase anterior que esse diálogo deveria e poderia

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ter-se processado. Portanto, era esta a perspectiva a que me referia quando dissemos que havia falta de diálogo, porque tenho presente a proposta apresentada pelo Governo na conferência de líderes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei por responder ao Sr. Deputado Eduardo Pereira, embora, em parte, o faça também em relação ao Sr. Deputado Marques Júnior.
Sr. Deputado, sou extremamente meticuloso por natureza e, no final das reuniões, tomo sempre nota da síntese das posições dos diversos intervenientes. Quanto à mencionada conferência de líderes, com toda a franqueza lhe digo que as notas que tomei em relação à posição do PCP, representado pelo Sr. Deputado João Amaral, foi a que transmiti há pouco. Isto é, que aquele partido não estaria disponível, nesta altura, para considerar nenhuma hipótese que ultrapassasse o aumento geral dos vencimentos da função pública que foi de 6,5% - de resto, nem era preciso considerá-lo, pois seria automático se se derrogasse o aumento indexado à mais alta categoria da Função Pública - mas estaria disponível para tratar da questão globalizante em sede própria. Foram estas as minhas notas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, é só porque, há pouco, o Sr. Ministro disse que, devido a deficiências técnicas no sistema de som, não tinha conseguido ouvir o que eu tinha dito.
Assim, o que eu quis dizer foi que esse aumento de 6,5% resultava já do disposto no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 26/88. Isto porque o n.º 1 desse artigo 4.º dizia que as remunerações base do pessoal dirigente deviam ser feitas nos termos do Decreto-Lei n.º 383-A/87, ou seja, do tal diploma que abria a via para o aumento excepcional de vencimentos, enquanto que o n.º 2 dizia que as remunerações que estavam indexadas a esse pessoal dirigente eram «aumentadas em 6,5%.» Por isso, Sr. Ministro, o que referi em conferência de líderes foi a simples aplicação da lei que deveria ter feito esse e só esse aumento.

O Orador: - Sr. Deputado, pela nossa parte, temos dúvidas que a simples aplicação da lei produzisse esse tipo de aumento; admitimos que sim, mas havia, pelo menos, suspeições de que se repercutiria o aumento extraordinário dos directores-gerais e não o de 6,57o. De qualquer maneira, a posição do seu partido ficou clara e, como dizia, tomei nota de que os outros partidos se reservaram para tomar as suas posições respectivas em Plenário.
Sr. Deputado Marques Júnior, V. Ex.ª, conhece-me bem e suponho que também o conheço suficientemente para lhe referir que não tenho a mínima dúvida de que, se a posição do PRD era a que V. Ex.ª referiu, então, fui eu próprio que a interpretei mal, pura e simplesmente. .. Nunca ouvi falar em globalização, limitei-me a dizer que o PRD tinha afirmado que reservava a
tomada de posição para o Plenário. De facto, para nós, isto foi frustrante porque, nessa conferência, estávamos numa busca de consenso prévio e de diálogo e não obtivemos maioria suficiente para o efeito.
Seja como for, o importante é que se prossiga e que se tente obter esse consenso em sede de comissão, no próximo passo deste processo legislativo.
Quanto à questão sobre o «Relatório Sousa Franco», talvez por defeito congénito, tenho alguma dificuldade em responder ao Sr. Deputado Eduardo Pereira. Dá--me a sensação de que se está a pretender considerar como funcionários públicos os titulares de cargos políticos; está a ser-se excessivamente reducionista. Obviamente, sei que não é isto que se passa e faço-lhe justiça.
Efectivamente, o «Relatório Sousa Franco» existe e está, ainda, numa fase de apreciação embrionária em sede do Governo mas, curiosamente, recordo-me - e suponho que não cometo nenhuma indiscrição ao revelá-lo - que uma das recomendações fundamentais é a de insistir enfaticamente em desindexar os titulares de cargos políticos de tudo o que seja Função Pública, para marcar bem a separação.
Quando tratamos desta matéria, é evidente que não podemos ignorar a comparação, por exemplo, entre o Secretário-Geral da Assembleia da República e um Deputado ou, se bem que já não seja Função Pública, entre o Presidente da Assembleia da República e o Governador do Banco de Portugal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O próprio Presidente...

O Orador: - Bem, mas isso não tem a ver com o «Relatório Sousa Franco».
Seja como for, Srs. Deputados, não queria perder tempo excessivo nem comprometer-me exageradamente em matéria de globalização porque ainda estou para ver o que é. Ou seja: se é globalização com questões que têm directamente a ver com esta matéria, pela nossa parte, achamos perfeitamente bem; mas se, por outro lado, é globalização com questões que são laterais e que não devem ser globalizadas, que estão encerradas ou que nada têm a ver com titulares de cargos políticos, achamos mal. No entanto, primeiro, vamos verificar p que se pretende globalizar. Se é a questão das indemnizações...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É, é!

O Orador: - Perdão, enganei-me... é uma questão cara ao CDS mas não tem a ver com isto...
Se é a questão das incompatibilidades de que falava o Sr. Deputado Jorge Sampaio, estamos perfeitamente disponíveis para as analisarmos e entendemos que podem ser globalizadas com este processo. Mas quando nos falam em Lei Orgânica da Assembleia da República, em Regimento da Assembleia da República e, por exemplo, no estatuto dos Deputados, então, dizemos que essa é uma questão que não passa pelo Governo e cuja apreciação, em sede de especialidade respeita exclusivamente aos Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições sobre esta matéria, portanto, dou por encerrado o debate sobre a Proposta de Lei n.º 64/V

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Assim, dado que chegamos à hora marcada, dentro de momentos, passaremos às votações. Entretanto, informo que deu entrada na Mesa um requerimento subscrito por Deputados do PSD, solicitando a baixa à 5.ª Comissão da Proposta de Lei n.º 59/V.

Pausa.

Srs. Deputados, em primeiro lugar, procederemos às votações da Proposta de Lei n.º 59/V e do requerimento de baixa à comissão. Seguir-se-á a votação do Decreto n.º 83/V.
Depois, votaremos a Proposta de Lei, n.º 64/V, que acabou de ser discutida e em relação à qual já deu entrada na Mesa um requerimento de baixa à comissão, é, por fim, passaremos à votação final global da Proposta de Lei n.º 20/V.

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, era para confirmar se, em relação à Proposta de Lei n.º 59/V, o que vamos votar é o requerimento de baixa à comissão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, primeiro, vamos fazer a votação na generalidade da Proposta de Lei n.º 59/V e, depois, a do requerimento de baixa à comissão.
Portanto, Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 59/V - Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC).

Submetida a votação» foi aprovada» com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à votação do requerimento de baixa à comissão deste diploma.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade, registando-se a ausência da ID.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à votação do Decreto n.º 83/V - Transformação das empresas públicas em sociedades anónimas.
Em relação a este diploma, deram entrada na Mesa e foram admitidas duas propostas: uma proposta de expurgo e eliminação, apresentada pelo PSD e uma proposta de substituição, apresentada pelo PCP.
Assim, de acordo com a troca de impressões havida, proponho a seguinte metodologia: em primeiro lugar, votação, na generalidade, da proposta de expurgo e eliminação subscrita pelo PSD; em segundo lugar, votação, na especialidades, da proposta de substituição apresentada pelo PCP; e, depois, se fizer sentido, procederíamos à votação final global do diploma.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é para dizer que, ao ter interpretado junto de V. Ex.ª a vontade do meu partido nesta matéria, o consenso
para que contribuí ia no sentido de votarmos na generalidade, a proposta de expurgo - que, aliás, não tem votação na especialidade -, votaríamos na generalidade quer a proposta de eliminação, apresentada pelo PSD, quer a proposta de substituição, apresentada pelo PCP, baixando ambas à comissão para serem apreciadas na especialidade. Portanto, hoje, tratar-se-ia, apenas, de votar a proposta de expurgo como tal e de votar, na generalidade, duas propostas que, propondo uma a eliminação e outra a substituição, são, como é óbvio, duas formas de expurgo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, em relação a esta matéria, solicitei a realização de uma conferência de líderes que, infelizmente, não pôde ter lugar por não haver disponibilidade dos Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares. Assim, foram-se estabelecendo conversações sucessivas com os diferentes grupos e agrupamento parlamentar e a última versão que me foi transmitida era a de que o consenso ia no sentido que há pouco enunciei, sem embargo de, posteriormente, meditarmos mais sobre este assunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, ao que julgo, também para interpelar a Mesa.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pela nossa parte não desejaríamos prolongar mais esta questão, mas devo dizer que, em relação a esta matéria, tivemos sempre a mesma opinião, ou seja, a de que, em primeiro lugar, deveríamos votar a proposta de expurgo, tal como disse o Sr. Deputado Nogueira de Brito e, a seguir, haveria dois caminhos: votar na especialidade a proposta de eliminação apresentada pelo PSD ou, então, a proposta de substituição apresentada pelo PCP.
Em todo o caso e em relação ao critério defendido pelo Sr. Presidente, dissemos que pecava por excesso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fizemos muitas considerações e, sem embargo de repensarmos a matéria, a decisão da Mesa é esta: em primeiro lugar, votaremos a proposta de expurgo e eliminação, apresentada pelo PSD, em seguida, votaremos, na especialidade, a proposta de substituição, apresentada pelo PCP e, depois, se houver necessidade, procederemos à votação final global.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, devo dizer que, como V. Ex.ª já sabe, nesta matéria, a nossa posição é a que resulta de uma evolução do nosso próprio pensamento. Todavia, há uma área em aberto que é a seguinte: no caso concreto, fica claro que, para futuro - e estamos totalmente de acordo com o PSD e com o PCP -, tem de haver uma votação sobre o expurgo que poderia ser suscitada por um simples requerimento, solicitando que a Assembleia se pronunciasse nesse sentido.
Portanto, aceitamos consumir esta votação na votação da proposta de eliminação que era a proposta inicial do PSD, isto é, no fundo, o expurgo passa a ser a proposta de eliminação. Em segundo lugar, fica de pé a proposta de substituição apresentada pelo PCP. Sendo assim e porque estamos inseridos num processo normal, abre-se um problema. É porque poderemos fazer em Plenário a discussão na especialidade e a

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votação final global subsequente que, em nosso entendimento, terá sempre que ter lugar, visto que, em qualquer circunstância, o diploma que agora resultar é diferente daquele que, originariamente, saiu desta Câmara e então, de duas, uma: ou se faz a discussão e votação na especialidade da proposta de substituição, apresentada pelo PCP, seguida aqui de votação final global ou algum partido requer a baixa da proposta à comissão para que essa discussão e votação aí se façam na especialidade, uma vez que estamos em sede de procedimento normal.
Este é e nosso entendimento global sobre o assunto. Estamos de acordo com V. Ex.ª, Sr. Presidente, embora levantemos este pequeno problema sobre a votação final global e sobre a sede onde as discussão e votação na especialidade deverão ser feitas. A resolução disso depende apenas de um requerimento e, pela nossa parte, estamos de acordo em que se façam aqui para arrumarmos o assunto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já tinha dito que o faríamos, sem embargo de reflectirmos um pouco mais sobre a matéria.
Sr. Deputado Correia Afonso, tem a palavra, ao que julgo, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, é também para exprimir a opinião do nosso partido.
Creio que estas pequenas divergências se justificam porque, no seu passado, a Câmara não tem uma experiência que ensine com clareza qual o comportamento a assumir numa situação destas.
Compreendo que, efectivamente, a Câmara deve tomar uma posição sobre o expurgo - até porque a Constituição e o Regimento o exigem - mas também compreendo que essa posição não pode ser assumida no vazio, para se votar sobre um expurgo, terá que haver uma iniciativa nesse sentido.
Para não estar aqui com abstracções e generalidades, dado que creio não ser o momento nem a sede mais própria, direi que estamos completamente de acordo com a decisão da Mesa. Entendemos que a proposta de eliminação apresentada pelo PSD deve ser entendida, cumulativamente, como sendo uma expurgação e, desta forma, aceitamos que o seu título seja: Proposta de expurgo e eliminação. Em segundo lugar, achamos bem que as propostas subsequentes - segundo creio, só o PCP apresentou uma - devam ser votadas na especialidade, mas a baixa à comissão só terá lugar se, efectivamente, houver matéria para tal.
Portanto, no geral, estamos de acordo com a decisão da Mesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, julgo que é para uma interpelação à Mesa mas, de momento, não lhe posso dar a palavra.
Srs. Deputados, sem embargo de repensarmos ainda mais esta matéria, vamos passar à votação da proposta apresentada pelo PSD, entendida como uma proposta de expurgo e eliminação.

Submetida a votação, foi aprovada com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS, e abstenções do PCP, de Os Verdes e da ID.
É a seguinte:

Proposta de expurgo e eliminação.
Nos termos do n.º 2 do artigo 162.º do Regimento, propõe-se a eliminação do n.º 2 do artigo 7.º Decreto n.º 83/V da Assembleia da República (transformação de empresas públicas em sociedades anónimas).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi admitida pela Mesa uma proposta de substituição, apresentada pelo PCP, a qual passamos a votar agora.
Submetida a votação, foi rejeitada com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID e abstenção do CDS.
Era a seguinte: Proposta de substituição
Nenhuma operação orçamental prevista na presente Lei pode ser efectuada sem a existência de consequente inscrição orçamental.
Justificação:

É necessário - e afigura-se a solução mais correcta - explicitar a forma através da qual sejam ou devam ser respeitados os princípios da Constituição da Lei de Enquadramento Orçamental do Estado quanto à obrigatoriedade de inscrição orçamental das receitas e despesas previstas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim e de acordo com a troca de impressões havida, não fará sentido procedermos à votação final global, entendendo--se que, devido à eliminação do n.º 2 do artigo 7.º, deixa de fazer sentido a referência a um n.º 1.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio, ao que julgo, para interpelar a Mesa.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, com certeza que, nesta sala, estão presentes constitucionalistas ilustres - que eu não sou! -, mas o que acaba de se passar significa que a Assembleia fez um novo decreto que, obviamente, segue um determinado processo. Em nosso entendimento, tem que haver uma votação final global porque a proposta de lei que agora acaba de ser aprovada é diferente daquela que daqui saiu da primeira vez. Portanto, penso que não há outra «saída» para isto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, as suas próprias palavras punham o problema de passar ou não a existir uma nova proposta de lei, no entanto, julgo que o Regimento só menciona as normas declaradas inconstitucionais.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, embora não sendo eu próprio constitucionalista, a minha interpretação como parte interessada neste processo - já que o Governo é o autor da iniciativa legislativa em causa - é a de que é absolutamente necessário e indispensável proceder-se à votação final global.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro refere-se ao texto do diploma que restou?

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O Orador: - Sr. Presidente, refiro-me ao texto final do decreto, expurgado do artigo que acaba de ser eliminado.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, vou discordar do Sr. Ministro António Capucho porque, na realidade, a Constituição aponta-nos um destes caminhos para dar sequência ao veto do Sr. Presidente da República: ou expurgar, pura e simplesmente, ou expurgar, transformando o diploma, ou confirmá-lo. Se optámos por expurgar, porquê fazer uma final global deste diploma? O texto do diploma é diferente mas a Constituição contenta-se com o expurgo, é evidente! Se a Assembleia entendesse que, sem esta norma, o diploma se descaracterizava não tinha proposto a via do expurgo mas, antes, a via da confirmação pelos votos de dois terços dos Deputados. Portanto, se a Assembleia optou pela via do expurgo foi porque entendeu que o diploma pode substituir sem a norma expurgada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como vêem, apesar das múltiplas conversações já havidas, ainda subsistem dúvidas nesta matéria e, como não há precedentes, não desejamos cometer o erro de alguma ilegalidade. Portanto, vamos deixar que surjam mais intervenções para esclarecermos um pouco mais o assunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, pedi somente a palavra para contestar a interpretação do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e para levantar uma objecção às palavras do Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Na realidade, o que acabámos de fazer foi votar um novo decreto da Assembleia da República o qual, em virtude de ter sido expurgado de uma norma, pode dar origem a diferentes posicionamentos por parte dos partidos políticos, em sede de votação final global, em relação ao decreto perante o qual estamos colocados neste momento. Pode haver alguém que tendo votado contra o decreto anterior pelo facto de o reconhecer como inconstitucional, uma vez expurgado de uma norma inconstitucional, passe a estar de acordo com o seu conteúdo e que, portanto, queira mudar a sua posição de voto.
Portanto, creio que não há vantagem nenhuma em amputar a Assembleia da República da possibilidade de, livremente, exprimir uma nova posição de voto sobre o conteúdo do diploma em causa.
Acresce que o decreto que neste momento está em poder da Mesa é um decreto desprovido da norma inconstitucional e que terá de ser objecto de nova promulgação pelo Sr. Presidente da República e, até, eventualmente, de novo pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Portanto, trata-se de uma nova realidade técnico-jurídica que deve merecer uma valoração global por parte da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou transmitir a decisão da Mesa e penso que, deste modo, acelerávamos o processo, sem embargo de repensarmos a matéria.
Dadas as posições já tomadas faríamos uma votação final global do texto expurgado e repensaríamos depois a matéria.
Para utilizar uma expressão que há pouco foi utilizada pelo Sr. Deputado Carlos Brito, talvez seja a primeira vez que estejamos a fazer votações em excesso, mas, enfim, a prudência manda.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, deixou de ter lugar ou perdeu oportunidade o que eu iria dizer, mas, de qualquer forma, se V. Ex.ª me permite gostaria também de exprimir a opinião da minha bancada.
Creio que a solução final a que chegámos é muito semelhante à que acabou de ser referida pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio e pelo Sr. Ministro, embora o caminho tenha sido um pouco diferente. Discordamos, com o devido respeito, do Sr. Deputado António Vitorino por entendermos que não há aqui um novo diploma, mas que a Assembleia deve, efectivamente, exprimir a sua decisão sobre uma nova realidade, e julgo que não será um novo diploma. De qualquer forma, não quero discutir consigo uma matéria em que o senhor é especialista, pois não sou, de tal forma, tão temerário.
Em conclusão, Sr. Presidente, devo dizer que estamos de acordo com a decisão da Mesa.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Como o Sr. Presidente invocou o meu testemunho em relação a uma questão diferente, isto é, em relação à primeira votação, quero dizer que relativamente a esta última votação e à votação final global do decreto não só me parece que é uma votação em excesso como, por lealdade, devo dizer que é uma votação que nos deixa as maiores dúvidas, embora o nosso voto nesta matéria seja muito claro.

Sr. Presidente: - São achegas para o nosso pensamento futuro.
Vamos votar, em votação final global, o Decreto n.º 83/V expurgado.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, do CDS, de Os Verdes e da ID, e abstenções do PS e do PRD.

Sr. Presidente: - Para uma apreciação de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votamos contra, à semelhança do que tinha acontecido na primeira votação final global deste diploma, porque a razão que nos levou a alterar o nosso voto entre a votação na generalidade, que foi a favor, e a votação final global, que foi contra, mantém-se integralmente. Isto é, não foram aceites pelo PSD as propostas que fizemos em Comissão para serem

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incluídas no texto do diploma e que eram respeitante ao problema das indemnizações e a um tratamento justo dos espoliados das empresas que, agora, o Governo pretende vender, ganhando dinheiro. Por isso, continuamos contra este diploma.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS absteve-se nesta votação porque - tendo votado contra o decreto na sua forma original, entre outras razões, pela óbvia inconstitucionalidade que nele estava presente e porque houve algumas propostas do PS que não foram atendidas - agora atendemos ao facto de ter sido corrigida a inconstitucionalidade e de, certamente, o Governo ter aqui aprendido uma grande lição. De facto, quando a oposição apresenta pontos de vista como os da anterior discussão, fá-lo fundamentalmente, contudo admitimos divergências em matéria de política e sabemos que as temas graves em relação, por exemplo, ao CDS, como é óbvio, pois, em relação a este decreto, nunca poderíamos estar no mesmo comprimento de onda.
Também queremos dizer que temos esperança de que o Governo atenda agora, às nossas considerações e que, na aplicação real deste diploma, não faça o abuso que esta lei lhe permite, porque, se o fizer, terá, com certeza, resposta adequada do PS ao nível dos instrumentos que, apesar de tudo, a Constituição nos confere.

Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Deputada lida Figueiredo.

O Sra. Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em breve declaração de voto, pretendo explicitar a nossa posição e retirar algumas conclusões da votação que acabamos de fazer.
Em primeiro lugar, abstivemo-nos no expurgo, porque a sua necessidade decorre da posição do Tribunal Constitucional, tendo sido a posição governamental e do PSD derrotada quanto ao n.º 2 do artigo 7.º Todavia, consideramos que o que devia ser feito era eliminar toda a lei.
Sabemos, como reafirmámos em debate, que o diploma é gravoso para a economia nacional, põe em risco os direitos dos trabalhadores e a subordinação do poder económico ao poder político democrático, que é ainda profundamente obscuro quanto a aspectos fulcrais do processo que o Governo pretende levar a cabo.
Nós reafirmámos no debate ontem realizado a nossa posição frontal a este diploma que estamos hoje a votar.
Mas, por último, quero também dizer que todo o processo de votação que hoje realizámos nos deixa as maiores dúvidas, como já aqui foi referido pelo meu camarada Carlos Brito, mas deixa-nos, sobretudo, grandes dúvidas esta votação final global, porque o diploma não foi, de facto, confirmado por esta Assembleia, ou pelo menos isto sempre poderá ser dito, na medida em que não foi votado pela maioria necessária à confirmação que é exigida.

Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais declarações de voto, vamos proceder à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 64/V - Aprova o regime remuneratório dos titulares de cargos políticos -, que há pouco foi discutida.
Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e da ID, e abstenções do PS, CDS e do PRD.

Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi distribuído um requerimento solicitando a baixa desta proposta à 1.ª Comissão, pelo prazo de 15 dias e após a votação na generalidade. Vamos votá-lo.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global da Proposta de Lei n.º 20/V - Concede ao Governo autorização legislativa para rever o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, relativo ao Processo Judicial por (crimes de imprensa), em ordem a introduzir as adaptações exigidas pela entrada em vigor do novo código do Processo Penal.
Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
A proposta de lei de autorização legislativa acabada de votar, concede ao Governo poderes para introduzir na Lei de Imprensa as adaptações exigidas pela entrada em vigor do novo regime de processo penal.
Esta Assembleia verificados os pressupostos constitucionais exigidos no n.º 2 do artigo 168.º da Lei Fundamental criou assim as condições para o Governo poder, finalmente, legislar em matéria de processo por crimes de imprensa como, aliás, estava previsto na Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro, que autorizou a aprovação do novo Código de Processo Penal.
A. alteração do processo judicial por crimes de imprensa impunha-se porquanto o novo Código de Processo Penal revogou as disposições legais que continham normas processuais opostas às nele previstas, o que repercutindo-se nas normas adjectivas constantes do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, nomeadamente, nos seus artigos n.ºs 36.º e seguintes, tornava urgente e necessária a medida legislativa ora aprovada.
No essencial, o novo regime reconduz-se às soluções previstas no actual Código de Processo Penal de onde, designadamente, desapareceu a forma de processo correcional, para se adoptar, em regra, a forma de processo comum, assegurando maiores garantias quer aos arguidos quer aos ofendidos sem perder de vista a necessária celeridade processual que o factor tempo em matéria de reparação das ofensas cometidas através da Imprensa aconselha.
Merece especial referência a previsão relativa ao direito de esclarecimento, em crimes contra a honra que irá permitir, a aclaração dos factos ou da formulação de um juízo, possibilitando, em muitos casos, o arquivo do processo.

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Releva-se e sublinha-se que apesar de o novo Código de Processo Penal não prever processo especial por difamação, calúnia e injúria, nada obsta a que o arguido faca prova da verdade das imputações no quadro do processo comum ou dos processos especiais (sumário e sumaríssimo) para o efeito de ser isento de pena.
O Partido Social Democrata entende por tudo quanto se deixa afirmado que a lei de autorização votada é indispensável, criteriosa e justa em nada lesando, ofendidos e arguidos, e, antes pelo contrário, garantindo mais adequadamente a tutela dos interesses em presença e a melhor realização da Justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP votou contra a Proposta de Lei n.º 20/V por considerar que, em primeiro lugar, estão em causa direitos fundamentais, designadamente o direito dos jornalistas à liberdade de expressão.
Este aspecto da liberdade de expressão, tendo em conta os constrangimentos a que tem vindo a ser sujeita nos últimos tempos, leva-nos a encarar com as maiores reservas o modo como todo este processo foi conduzido pelo PSD, nesta Assembleia da República.
Entretanto, ventos recentes contribuíram para nos alertar quanto aos riscos de uma legislação atribularia, permissiva de todo o contorcionismo hermenêutico, eivada de ambiguidades ou estimuladora de discriminações e actos persecutórios.
Ò julgamento de jornalistas do «Expresso» e o que se tem vindo a passar com jornalista da RTP, agravado com o «episódio Herman José» e a suspensão do programa «Humor de Perdição» vêm, do nosso ponto de vista, chamar a atenção para necessidade de a Assembleia da República analisar esta matéria com todo o cuidado e procurar encontrar as soluções legislativas que impeçam que situações como estas se possam vir a repetir.
Poderão os Srs. Deputados entender que a referência do «Humor de Perdição» não será própria, neste momento, mas é importante que seja referido, porque estamos a tratar de uma matéria que tem a ver com direitos, liberdades e garantias e o que se passou com o «Humor de Perdição» foi uma violação desses mesmos direitos agravada, Srs. Deputados, com a recente decisão da RTP, bem no estilo do mercantismo, de declarar o público banimento da RTP do actor Herman José.
Entendemos que não estamos em tempo, nem é possível retomarem-se processos como o da caça às bruxas, ou o da constituição de listas negras. O 25 de Abril fez-se contra isso e contra isso terá de ser continuado.
Entendemos, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, que é possível modificar o regime vigente no respeito pela Constituição e pelas Leis.
Uma boa solução, teria sido a de o Governo aqui trazer o projecto de articulado do decreto-lei que pretende publicar ou através da proposta material ou até que, em comissão, tivesse dado a conhecer aos Deputados o decreto que pretendia publicar ao abrigo da autorização legislativa. Não o fez, apesar dos sucessivos apelos feitos pelos partidos da oposição.
Esta nossa ideia dos aspectos negativos da actual solução legislativa veio a ser confirmada pelos contactos que tivemos, designadamente com o Sindicato dos Jornalistas e o Conselho de Imprensa, que manifestaram as mais firmes reservas à solução apresentada pelo Governo.
Podemos dizer, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, que, apesar do trabalho em comissão, não foi possível, porque o PSD o impediu, de desenvolver o texto em causa com vista a clarificar de modo inequívoco as opções tomadas, designadamente quanto ao sentido da autorização legislativa.
Por isso mesmo, votámos contra essa autorização legislativa. Estaremos atentos ao decreto-lei que o Governo irá publicar ao abrigo da mesma e desde já manifestamos a nossa inteira vontade de, caso se venham a confirmar algumas das preocupações que manifestámos ao longo do debate, chamar a ratificação esse mesmo diploma para que a Assembleia da República lhe possa introduzir as necessárias correcções.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista votou contra a proposta de lei de autorização em causa, na media em que, em primeiro lugar, tratando-se de adaptar o regime processual ao actual Código de Processo Penal, seria elementar da parte do Governo que fizesse acompanhar a referida autorização legislativa do texto material que se propusesse vir a publicar como decreto-lei, aliás à semelhança do que fez para outros pedidos de autorização legislativa de adaptação ao Código de Processo Penal.
Em matéria de tanto melindre, que afecta o regime dos direitos, liberdades e garantias, outra coisa não seria de esperar, mas o Governo entendeu não ter esta conduta e, pior do que isso, tendo sido insistentemente solicitado a que, em sede de comissão, desse as explicações cabais e suficientes sobre o sentido da autorização legislativa que apresentava, o Governo, aí presente na pessoa do Sr. Secretário de Estado da Justiça, limitou-se a solicitar à comissão sugestões para o texto final, em vez de ter clarificado qual era a sua opção relativamente à autorização legislativa que pedia.
Inverteram-se, portanto, os termos da situação: a Assembleia pretendendo adivinhar a intenção governamental e o Governo não demonstrando nem clarificando qualquer intenção minimamente objectiva sobre o sentido material em que se viesse a propor legislar.
Assim, muitas questões ficaram por saber, designadamente qual o regime de encurtamento de prazos para dar maior celeridade aos processos em matéria de abuso de liberdade de imprensa, questão que não é de menor importância. Ficámos, igualmente, sem saber se o regime de possibilidade de apresentação de prova, quando houver lugar a instrução, vai ou não ser uma prerrogativa por parte dos arguidos neste tipo de processo. Ficámos, ainda, sem saber qual a forma de processo que vai ser utilizado nos aspectos relativos às transgressões, se é a forma especial de processo sumário ou sumaríssimo ou se é a fornia especialíssima de processo por transgressões, já que também nesta matéria o Governo nada nos disse.

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Admitindo, embora, que deveria proceder-se às adaptações necessárias relativamente ao Código Processo Penal em vigor, o que verificámos foi o que o Governo, ele próprio, não tinha qualquer noção do sentido das adaptações que deveriam ser feitas.
Mantemos, portanto, as nossas reservas e admitimos que, quando o decreto-lei vier finalmente a público, seja necessário suscitar a sua ratificação para discutirmos aqui qual deve ser o melhor sistema processual penal para os crimes de abuso de liberdade de imprensa, já que, em tempo oportuno e com o Governo, o debate clarificador não pôde ser feito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero relembrar aos líderes dos grupos e agrupamento parlamentares que temos uma reunião às 15 horas.
Está suspensa a sessão, que recomeçará às 15 horas com a discussão da Proposta de Lei n.º 47/V - Alteração à Lei de Delimitação dos Sectores.
Eram 13 horas e 10 minutos.
Após o intervalo» reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 15 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão da Proposta de Lei n.º 47/V, que diz respeito à alteração à Lei de Delimitação dos Sectores.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, no início deste debate parece-me útil informar a Câmara, até para poder dosear eventuais pedidos de esclarecimento, que o Governo, para a apresentação desta proposta de lei, inscreveu os Srs. Ministros da Indústria e Energia, que será o primeiro a usar da palavra, e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia (Mira Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta sessão cabe ao Ministro da Indústria e Energia fazer a primeira intervenção por parte do Governo.
O que está essencialmente em causa nesta proposta de lei não é a transferência para o sector privado de actividades em empresas agora no âmbito do sector público, mas sim o permitir motivar novos investimentos nestas áreas.
Mas vejamos cada um dos casos: No sector eléctrico.
Tem havido grande sucesso na resposta dos agentes económicos à legislação sobre a produção independente de energia eléctrica. Tal mostra as vantagens que a abertura da produção de energia eléctrica aos agentes privados permite. Essas vantagens radicam no facto do aproveitamento das dinâmicas regionais e locais na utilização de recursos energéticos; diminuição da espera
de investimento da EDP em novos centros produtores.
A limitação a 10 M W na produção de energia eléctrica aos agentes económicos aparece já como desajustada face à dinâmica criada com a publicação de legislação sobre o produtor independente, pretende-se, pois, alargar as possiblidade de produção de energia eléctrica fora do âmbito da EDP.
Na produção e distribuição de gás para consumo público: não faria sentido introduzir uma nova forma de energia em Portugal - o gás natural - destinado a diversificar as nossas fontes de energia e a flexibilizar o sector energético - e arranjar para o gás a mesma configuração empresarial que o sector da energia eléctrica tem tido.
Com efeito, se se introduzir o gás natural criando uma empresa pública de produção, transporte e distribuição de gás, iríamos estabelecer nesta forma de energia uma situação idêntica à da EDP no sector eléctrico, com toda a rigidez, burocracia e ineficiência que a EDP tem revelado. Arranjaríamos mais um grande monopólio público e introduziríamos mais rigidez e ineficiência no sistema energético, em vez de estabelecer uma configuração mais ágil e flexível que permita introduzir alguma concorrência no sector energético, pondo o gás a competir com a energia eléctrica e assim introduzir elementos de concorrência nesse sector eléctrico e portanto na EDP.
Pretendemos, pois, estabelecer a concorrência entre fileiras energéticas e dar maior liberdade de movimentos à Petroquímica e Gás de Portugal para fazer Joint--Venture com empresas privados que conheçam o negócio.
Com efeito, só em associação com uma empresa que conheça bem o negócio será possível contratar numa perspectiva global, pois sendo Portugal um pequeno consumidor, se não entrar numa associação com uma empresa que tenha uma perspectiva mais global em termos de mercado mundial, Portugal estará grandemente sujeito às flutuações desse mercado.
Além disso, se queremos com o gás introduzir flexibilidade no sector energético, a introdução de gás tem de ser feita de forma credível e isso só se consegue associando a PGP com quem sabe do negócio e consiga cumprir cronogramas da conquista do mercado por esta forma de energia.
No que respeita à siderurgia, o que se pretende não é pôr em causa a Siderurgia Nacional ou sequer as suas produções, mas sim permitir a eventual concretização de novos investimentos, nomeadamente em Sines e na região de Setúbal por parte de investidores privados (por exemplo o caso da Fusa, dos Steel Services, etc...).
Efectivamente, a delimitação técnica de produtos siderúrgicos de forma a especificar quais aqueles que se encontrem no sector vedado à iniciativa privada levanta problemas de fronteiras dificilmente ultrapassáveis.
Neste sentido existe o risco concreto de determinados investimentos não virem a ser feitos por receio de uma indefinição das regras do jogo que possam afectar a vida empresarial de novas empresas.
Indústrias petroquímicas de base e refinação de petróleo:

Os sectores em questão são do tipo «mercado mundial» existindo grandes empresas que competem não numa visão local, mas sim a nível de toda a Europa ou mesmo a nível mundial.

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A sobrevivência das actividades produtivas nacionais nesses sectores está intrinsecamente ligada à concretização de novos investimentos, nomeadamente em joint-venture com empresas privadas, de modo a permitir a sobrevivência destas actividades em Portugal.
No que respeita à Petroquímica, a cadeia petroquímica formada pela CNP/EPSI está incompleta, podendo e devendo ser completada a jusante pelos chamados produtos down-stream. Mas esses produtos exigem um acrescido domínio do negócio e dos respectivos circuitos comerciais, domínio esse que o sector público português não possui. É, pois, necessário a abertura do sector à iniciativa privada através de uma gestão privada da CNP/EPSI por forma a melhor defender o complexo, permitindo a sua lógica e natural expansão.
Acresce o facto que a indústria petroquímica tem flutuações cíclicas estando neste momento numa fase alta do ciclo. A CNP aparece como marginal no mercado mundial, correndo o risco de ser expulsa do mercado assim que o ciclo entrar na fase descendente, o que acarretaria o recomeço dos prejuízos de exploração. Só com a sua integração num grupo que se possa defender destas flutuações de mercado é que nós defendemos, a CNP, os seus postos de trabalho e os dinheiros públicos. É, pois, a altura necessária e urgente para negociar a sua passagem para quem, melhor que o Estado Português, a saiba gerir.
Refinação de petróleos: em Portugal na Petrogal existe excesso de capacidade de destilação - produção de produtos pesados - e falta de capacidade de refinação - produção de produtos leves.
Acontece que a tendência dos mercados, e também do nosso é no sentido do aumento da procura de produtos leves e da diminuição da procura de produtos pesados.
A capacidade instalada da Petrogal aparece assim desajustada face às necessidades e evolução do mercado com o facto ainda da unidade de refinação que temos em Cabo Ruivo ser já obsoleta e ter de se prever o seu encerramento a curto prazo. O cracking está velho, é ineficiente e com os custos de produção que tem, a seguir a 1992, as empresas operadoras em Portugal obviamente irão comprar ao mercado externo, mantendo-se a actual situação.
Em Portugal, na Petrogal a situação é, pois, grave. Cada vez temos mais capacidade disponível na destilaria e importamos mais produtos refinados.
Satisfazer as nossas necessidades de produtos leves implicava que produzíssemos de forma a ficar com grandes excessos de nafta, alcatrão e fuel 0/7 e outros produtos pesados. Mas isto é mau em termos económicos! As refinarias rendíveis só operam com taxas de utilização superiores a 807o e a nossa capacidade utilizada anda neste momento pelos 50%. Isto é mau em termos de economia de energia e gera enormes consumos próprios e desperdícios do barril de petróleo.
Há necessidade de mudar com o nosso cracking, só que esse novo cracking exige investimentos da ordem dos 40 milhões de contos. Trata-se, pois, de investimentos que exigem uma dimensão crítica superior à dimensão do nosso mercado, o que implica, fatalmente, a necessidade de associação da Petrogal com parceiros privados, designadamente estrangeiros.
Logo, terá que se flexibilizar o sistema para permitir à Petrogal, proprietária do equipamento, associações ou combinações com outras empresas em
negócios que, eventualmente, exijam contrapartidas a desenvolver em diferentes domínios e mercados.
Neste sector não há hoje em dia nenhuma empresa feita à medida do mercado nacional. Isso é irrealista, é utópico! Ou se tem dimensão internacional, dominando-se mercados, ou se tem que fazer associações com outras empresas, por forma a que se ganhe essa dimensão.
É, pois, necessário um investimento numa nova unidade de refinação. Porém, tal não pode ser feito, pelos motivos atrás expostos, pela Petrogal isoladamente, tem que ser feito em joint-venture com o parceiro que se revelar mais adequado.
É, pois, necessário abrir o sector a entidades privadas na perspectiva da defesa dos próprios interesses da Petrogal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a manutenção da situação expressa na actual Lei de Delimitação dos Sectores iria condenar a expansão destas actividades e provocaria o seu progressivo desaparecimento, por inviabilidade económica, no âmbito do Mercado Único Europeu.
Com esta alteração pretendemos, em síntese, fortalecer a base produtiva instalada em Portugal, explorando as sinergias e complementaridades entre sector público e o sector privado. E é importante notar que o sector público não pode ficar isolado ou imune à crescente internacionalização da nossa economia e aos comportamentos estratégicos das empresas que operam nestes sectores, comportamentos estratégicos esses feitos numa perspectiva de mundialização das produções.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir aos nossos trabalhos alunos da Escola Secundária da Portela, para quem peço uma saudação especial.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ninguém contestará que a aceleração do progresso técnico visível nos últimos decénios tem atingido em cheio os sectores dos transportes e das comunicações.
E que dependendo o bem-estar social do crescimento económico, tem sido este profundamente estimulado pelo progresso técnico, daí resultando um muito mais elevado grau de satisfação das necessidades humanas, uma relativamente menor utilização dos recursos disponíveis, um substancial aumento do poder de compra dos salários e uma diminuição sensível da penosidade do trabalho humano.
Contrariar o progresso técnico é retardar a obtenção de tamanhos ganhos sociais.
Mas acolher, ainda que com os adequados controlos, as inovações tecnológicas e, com elas, lubrificar os mecanismos da produção, é aceitar que as estruturas administrativas e as regras de funcionamento dos mercados têm, necessariamente, de se alterar no decurso do tempo.
As leis não devem impedir ou restringir essas alterações.

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No caso da lei de delimitação entre os sectores públicos e privado, a sua primeira versão, de 8 de Julho de 1977, já sofreu, e bem, substanciais alterações, através da autorização legislativa conferida ao Governo pela Lei n.º 11/83, de 16 de Agosto.
O pedido de autorização legislativa constante da Proposta de Lei do Governo n.º 47/V, agora em discussão, vem de novo pôr em causa o texto inicial, contemplando expressamente alguns casos que se inscrevem nos sectores dos transportes e das comunicações e cujo alcance procurarei caracterizar.
Pretende-se abrir ao sector privado elementos quantitativamente marginais do sistema nacional de telecomunicações mas que, apesar disso, se revelam importantes para adequada satisfação das necessidades dos consumidores.
Não existe ainda, na lei portuguesa, uma definição dos serviços complementares de telecomunicações e dos serviços de telecomunicações de valor acrescentado, de que fala a proposta de lei.
Também no estrangeiro não são claras e são variáveis essas definições.
O Governo considerou, porém, que seriam de incorporar na futura lei de bases das telecomunicações definições relativamente rigorosas que permitissem caracterizar o que efectivamente se pretende.
Assim, está fora de causa a existência de serviços de telecomunicações considerados fundamentais que exigem, na sua produção, uma rede básica de telecomunicações.
Estão neste caso os serviços fixos de telefone e de telex, bem como o serviço comutado de transmissão de dados.
Estes serviços e a rede que os suporta constituem a coluna vertebral de todo o sistema de telecomunicações do País, para o qual existem razões de ordem estratégica e de segurança que não aconselham a privatizar mais do que 497o do respectivo capital.
Também razões de dimensão do mercado nacional induzem a pensar que não se obterão, aqui, os ganhos potencialmente possíveis pelo regime da concorrência, pelo que se manterá a produção em regime de monopólio.
Compõem esta rede básica o sistema fixo de acesso de assinantes, a rede de transmissão e os nós de concentração, comutação e processamento, destinados aos serviços fundamentais acima referidos.
Os operadores públicos, a cargo de quem está a rede básica (Telecomunicações dos CTT, TLP e CPRM), são necessariamente complementares uns dos outros.
Mas pode haver também uma rede de transmissão e nós de concentração, de comutação e de processamento, que completam aquela rede básica, para ser possível prestar serviços ditos «complementares» dos referidos serviços móvel de chamada de pessoas (bip-bip), a videoconferência, são os mais conhecidos pelo público.
É a este, e só a este tipo de serviços, bem como à rede terminal que os suporta, que se reporta a abertura a entidades privadas e outras da mesma natureza referida na alínea c) do artigo 1.º da proposta de lei.
Essa mesma alínea também abrange serviços classificados como de «valor acrescentado».
São aqueles que (como as bases de dados, ou múltiplos serviços de informação ao público, utilizam a rede básica ou a rede de serviços complementares, para contactar com os seus clientes, não exigindo, por isso, quaisquer outras infra-estruturas de telecomunicações, para poderem ser prestados em condições de máxima eficiência.
As condições que se antevêem para o mercado de uns e outros serviços fazem supor se é vantajosa a adopção do regime concorrencial.
Passando agora aos transportes aéreos regulares, a abertura ao sector privado reporta-se, como se diz na proposta, apenas ao mercado interno.
Creio que aqui não haverá grandes dúvidas sobre o alcance pretendido, restando, porém, acrescentar que, para além daquela abertura, pretende o Governo que em tal mercado se estabeleça o regime concorrencial, conforme se dispõe no seu programa.
A companhia aérea nacional (a TAP - Air Portugal) continuará, porém, com o exclusivo das grandes linhas de tráfego internacional, onde as condições de concorrência com empresas de outros países estão a alterar-se por virtude da nova legislação comunitária.
A exploração eficaz dessas linhas exige um grande esforço de modernização dos equipamentos, das acções comerciais e da própria organização empresarial, sobretudo na assistência em terra.
Pensamos que já não se justifica o exclusivo atribuído a uma empresa única para os voos regulares, quaisquer que eles sejam.
A exemplo do que se passa noutros países, convirá, sim, delimitar os campos de actuação das diferentes empresas nacionais, como condição necessária ao acréscimo da sua competitividade.
Abrir ao sector privado os transportes ferroviários que não sejam explorados em regime de serviço público deve merecer uma explicação complementar.
Todos esses transportes são hoje explorados em regime de serviço público, com a obrigação de explorar (todas as linhas e ramais que compõem a actual rede), com a obrigação de transportar (praticamente tudo o que aparece de qualquer ponto para outro qualquer ponto da rede) e com as obrigações tarifárias (preços sociais).
A política comum de transportes da Comunidade Europeia aponta para uma gradual diminuição ou aligeiramento de tais obrigações de serviço público, devendo a gestão ferroviária acentuar o seu carácter comercial fora dos transportes nas regiões urbanas.
Os resultados do exercício das empresas de caminhos-de-ferro europeias, sem indemnizações compensatórias ou outras compensações financeiras por parte do Estado, atingem valores negativos de elevado montante.
Em Portugal, nos últimos dois anos, conseguiu-se estabilizar esses resultados à volta dos 24 milhões de contos (valores nominais). Mesmo sem ter crescido, o valor do déficit fala por si.
É claro que todos reconhecem que as indemnizações compensatórias são devidas para compensação das obrigações do serviço público.
Mas isso não obsta a que tais verbas, saindo como saem do bolso do contribuinte, devam ser o mais baixas possíveis.
Em muitos países admite-se que, em alguns ramais ou troços da linha caracterizados por um nível de tráfego muito reduzido e onde seja fácil o desenvolvimento de transportes rodoviários de substituição, deixem de existir tais obrigações de serviço público.
A exploração ferroviária seguirá então outras regras, ficando a cargo dos municípios ou de sociedades de

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desenvolvimento regional ou ainda por entidades de vocação turística.
Tem-se a noção de que a exploração ferroviária em Portugal e nestas bases não terá uma expressão significativa.
Mas convém que a lei de delimitação dos sectores público e privado lhe não feche as portas.
Prevejo voltar a este assunto aquando da apreciação nesta Câmara da lei de bases dos transportes terrestres.
Por agora, pareceu ser importante acentuar que é este e apenas este o alcance da alínea f) do artigo 1.º da Proposta de Lei n.º 47/V.
Finalmente refiro que, quanto aos transportes colectivos urbanos de passageiros nos principais centros populacionais - a previsão reporta-se à cidade de Lisboa e à cidade do Porto - deveria a lei consentir que entidades privadas possam vir a explorar novos serviços, situados entre o táxi e o transporte colectivo de um número muito elevado de pessoas (sobretudo em trolleys, eléctricos e metropolitano) por operadores com obrigações de transportar e obrigações tarifárias muito severas.
Naquelas duas cidades exige-se, certamente, um serviço básico de transportes com estas características da obrigação de serviço público, que possa ser utilizado pela generalidade da população.
Não se antevê que, a médio prazo e com tarifas de natureza social, um tal serviço básico possa ser prestado por empresas que não sejam de capitais públicos ou de capitais predominantemente públicos - embora seja desejável doseá-los entre a administração central e a administração local.
Mas porque manter fechados à iniciativa privada outros serviços de transporte regular de passageiros dotados de características diferentes?
Será que Lisboa e Porto não precisarão, a exemplo, do que acontece com os circuitos turísticos efectuados pelas agências de viagem, de serviços de autocarros de alta qualidade, susceptíveis de atrair pessoas que actualmente se servem de automóveis privados?
Porque fechar a porta à iniciativa privada em tal tipo de novos serviços?
Caracterizado desta forma o alcance do que se pretende, se alguém pedisse uma avaliação quantitativa do que está em causa, poderia dizer-se que a abertura pretendida para as entidades privadas e outras entidades da mesma natureza através das disposições das alíneas c), d) e y) do n.º l do artigo 1.º da Proposta de Lei n.º 47/V, abertura medida em volume de capitais a aplicar ou em produção física, em nenhum caso, e num horizonte previsível, excedera 257o dos capitais ou do valor da produção pública hoje existente.
Ou seja, três quartos da produção pública assim se manterá - considerando pública, já se vê, a produção de empresas de capitais maioritariamente públicos. Mas se a expressão quantitativa das alterações propostas é muito limitada, elas são significativas do ponto de vista qualitativo, pois permitem a oferta de novos serviços aos consumidores, em condições de satisfazer com oportunidade e eficiência as suas necessidades, gostos ou preferências.
O Estado dará, assim, prova cabal do que lhe incumbem responsabilidades inalienáveis e de garante do interesse público, mantendo serviços essenciais que revestem natureza condicionante da vida nacional, na esfera do sector empresarial do Estado, quer como empresas públicas siricto sensu ou como sociedades de capitais
públicos ou mesmo de economia mista de maioria de capital público.
O Governo, também nesta matéria, cumpre o disposto no seu programa.
Mas, simultaneamente, não fecha os olhos às realidades do progresso e à inovação, por incipientes que sejam, dando novas oportunidades à iniciativa das pessoas para responderem rapidamente à evolução das preferências dos consumidores, mesmo em actividades como as anteriormente referidas, onde o carácter social é extraordinariamente relevante.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro da Indústria e Energia, ouvi com atenção a intervenção de V. Ex.a, também conheço a exposição de motivos, e o primeiro reparo que tenho a fazer é o seguinte: tanto na exposição de motivos como na intervenção do Sr. Ministro referiu-se a lei de bases e seria bom que a lei de bases tivesse sido presente antes da discussão deste diploma.
Sr. Ministro, por que razão abrir o sector siderúrgico? A exposição que V. Ex.ª fez não foi clara quanto a esta questão. Há algum indício de uma nova siderurgia em Sines? Se não apenas indústrias complementares, isso já não está aberto? Qual é a questão que se coloca?
Em relação à refinação de petróleos, o Sr. Ministro referiu-se ao investimento, à necessidade de modernização, ao problema de sobre capacidade, o que são problemas conhecidos. Mas não é possível fazer associações com outras empresas mantendo a titularidade pública da Petrogal? Não é isso conhecido? Não há um caso semelhante, por exemplo, em França? Não conhece o Sr. Ministro o que se passa na Dinamarca? Se V. Ex.ª não conhecer, terei oportunidade de citar estes dois exemplos!
Sr. Ministro, nesta lei o que é que não fica vedado?

Vozes do PCP: - Nada!

O Orador - Se não fica nada, se a vedação é zero, como é que o Sr. Ministro e o Governo compatibilizam esta proposta de lei com a Constituição da República?
Entende ou não o Sr. Ministro que se uma gestão é predominantemente privada, independentemente da titularidade, essa empresa é considerada privada do ponto de vista constitucional? Se o é, como compatibiliza também esta proposta de lei com a Constituição da República Portuguesa, que obriga não só os deputados aqui presentes mas também o Governo?
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações também não foi claro quanto a esta expressão angélica de «serviços de telecomunicações de valor acrescentado». Falou na videoconferência, portanto, nos serviços que poderão ser rendíveis e lucrativos utilizando a rede pública de telecomunicações, paga com o dinheiro dos contribuintes...

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Não Sr. Deputado!

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O Orador: - Então, se não é assim agradecia que me esclarecesse, Sr. Ministro.
Em outra expressão angélica, que, aliás, me parece que é apanágio do Sr. Ministro, é a dos «transportes ferroviários de não serviço público». Fez uma citação, mas não esclareceu nada! Era bom que fosse mais concreto, Sr. Ministro!
O Sr. Ministro disse que poderia haver serviços rodoviários mais eficientes e, inclusivamente, fez a comparação com circuitos turísticos. Mas então a Rodoviária Nacional e a Carris não podem fazer isso? Se esses serviços são rentáveis, então porque é que o Governo não os faz? O Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações é tão incapaz que não pode fazer isso? Isso não é um bem público, não é um serviço público? Se é rentável, por que não rende para o Estado? Não é um património público?
Quando é o Governo a aumentar o investimento, os senhores dizem-no logo! Mas não é o Governo que está a fazer a questão das empresas públicas? Não é o Governo que nomeia para lá os seus gestores? Os gestores não foram nomeados pelo Governo e não são, na sua grande maioria, «cor-de-laranja»?

Vozes do PCP: - Muito bem! Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, V. Ex.ª disse que seria utópico ser a CP transportar tudo para todo o lado. Mas a verdade é que tenho aqui uma resolução do Conselho de Ministros, a Resolução n.º 21/88, em que a CP recebe apenas 17 milhões e SOO mil contos de indemnização compensatória por prestar esse serviço às populações, mas não o presta.
A partir de 29 de Maio, a CP deixou de prestar serviços às populações. Entendeu-se como empresa comercial a 100%, promovendo os célebres comboios Alfa, que, no fundo, prejudicaram milhares de utentes e levaram à eliminação de horários de muitos comboios regionais que faziam a ligação dessas regiões com os principais centros urbanos. E o interessante é verificar que as zonas mais afectadas foram zonas do interior, onde a CP deveria prestar um serviço público, que não presta, e vai isolá-las ainda mais.
O Sr. Ministro repare que mesmo no distrito e na zona a que pertencem as populações deixaram de ter ligação com a linha do Douro às horas de mais movimento para ir para o Porto. A questão não é ir e voltar no mesmo dia; é ir hoje e vir não se sabe quando, porque com os horários actuais é assim que se passa!...
Sr. Ministro, qual é o «surrealismo» do seu ponto de vista ao dizer que, para servir melhor, a CP tem de ser privatizada? Mas privatizada como? Privatizar 49%?! Não acredito, de maneira alguma, que tal seja possível ou admissível e creio mesmo que essa política é um completo desastre! Isto é o desastre dos transportes a que estamos habituados! O interior está cada vez mais isolado, uma vez que o sistema rodoviário ainda não está implementado.
O Sr. Ministro promete que o sistema rodoviário estará implementado em 1995, mas temos sérias dúvidas a esse respeito! aliás, as grandes transversais ainda não estão implementadas, designadamente a de Trás-os-Montes.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr." lida figueiredo (PCP): - Sr s. Ministros da Indústria e Energia e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o que hoje está em debate é demasiado grave para nos ficarmos pela explicação que foi dada em relação à proposta de lei sobre a delimitação de sectores.
De facto, é importante pôr aqui em cima da mesa o que hoje está a ser feito nas empresas dos sectores que se pretende abrir à iniciativa privada e a política que o Governo tem seguido relativamente às empresas públicas e à sua gestão, na continuação, aliás, de debates que anteriormente aqui tiveram lugar quanto a outras leis de privatizações.
As declarações que o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações tem vindo a fazer relativamente às pretensões e aos objectivos do Ministério são profundamente graves e deixam sérias apreensões sobre o tipo de serviço que vai ser prestado ao público e às populações em geral e também sobre o futuro dos trabalhadores dessas empresas.
Já aqui foi posta a questão em relação, por exemplo, à CP e aos objectivos do Governo quanto a reprivatizar aquilo que for passível de dar lucro e poder vir a ser transferido para o sector privado, mantendo apenas aquilo que dá prejuízo, mas não muito, e aquilo que dá bastante prejuízo é transferido para os municípios ou, pura e simplesmente, encerrado, com todas as consequências que isso terá para as populações do interior e também com todos os problemas que isso acarreta para os municípios, nomeadamente em zonas do interior do País.
Uma outra questão que necessita de clarificação é a situação da TAP e dos seus trabalhadores nas medidas e nas propostas que o Sr. Ministro tem vindo a colocar e também o que, em termos de economia do País, vai significar esta proposta de lei agora em debate no campo dos transportes aéreos.
Um outro aspecto profundamente grave e dependente do Ministério a que V. Ex.ª pertence é o que se refere às telecomunicações, aos CTT/TLP. Em termos de serviço público, o que tem vindo a ser seguido pelo Ministério põe em causa os interesses das populações das zonas do interior, nomeadamente com a diminuição da distribuição postal. Ora, isso acarreta consequências sérias para os trabalhadores destas empresas, que, aliás, têm vindo a tomar posição contra as medidas que estão a ser anunciadas e, em concreto, também quanto a esta proposta de lei de delimitação dos sectores.
Gostaria, pois, Sr. Ministro, que clarificasse melhor, sob o ponto de vista do interesse nacional mas também sob o ponto de vista destes sectores, destas empresas e dos seus trabalhadores e das populações afectadas, nomeadamente as das zonas do interior, as consequências das medidas agora em debate.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

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O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, V. Ex.ª referiu--se à necessidade de abrir as telecomunicações e os transportes.
Sobretudo no que diz respeito às telecomunicações, estamos a aguardar uma lei de bases. A razão de ser da lei de bases das telecomunicações em Portugal, como em qualquer outro país - e devo dizer que todos os países estão, neste momento, a discutir leis semelhantes - é, fundamentalmente, como o Sr. Ministro estará de acordo, a necessidade de estudar formas completamente novas de estabelecer a cooperação e a demarcação entre serviços a assegurar por via pública e por via privada.
Se isso é assim, a discussão que agora se pretende travar sobre a abertura ao sector privado do campo das telecomunicações, é matéria própria e fundamental da própria lei de bases.
Ora, nós não conhecemos a lei de bases e apenas sabemos que a teremos presente dentro de pouco tempo! Assim, pergunto se o Governo não poderia considerar - sem prejuízo das opiniões que tem e das posições que venha a tomar - uma ordem que seja minimamente lógica, qual seja a de vermos resolvido o problema fundamental, que é o da lei de bases das telecomunicações, que se reporta fundamentalmente ao problema que hoje aqui se pretende resolver, sem qualquer discussão da matéria em causa.
Quer dizer, não estou a objectar contra a posição do Governo... lá chegarei! O que estou a dizer é que me parece completamente impossível, do ponto de vista lógico, estar a discutir uma matéria que é o centro de uma outra legislação que há-de vir aqui! Isto não é pôr o «carro diante dos bois», como já aqui foi dito! Peço, pois, ao Sr. Ministro que considere isto do ponto de vista meramente lógico, sem que eu queira tirar daqui qualquer implicação política imediata.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que os pedidos de esclarecimento formulados envolvem respostas por parte dos Srs. Ministros da Indústria e Energia e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Por isso, começarei por dar a palavra ao Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas expressa a preocupação de que havia muita coisa vedada ao sector privado e que agora vai ficar pouca coisa, perguntando, por isso, o que é que não fica vedado.

Vozes do PCP: - Nada!

O Orador: - Devo dizer-lhe que nós não nos regemos pelo mesmo tipo de preocupações que o Sr. Deputado. V. Ex.ª tem uma visão conservadora do problema, não querendo mudar aquilo que existe, tem uma visão contabilística da economia, contando o que está no sector público e no sector privado, mas nós não temos essa visão.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Senhor é cá um «liberalão»!

O Orador: - O que nos preocupa é o crescimento da economia, é o progresso e bem-estar da nossa população, é a defesa dos postos de trabalho nestes sectores.
É isso que nos preocupa e, portanto, não entrarei nessa discussão, nem entrarei nos problemas de ordem constitucional que colocou quando disse que estamos aqui a discutir a revisão da Constituição.
Responder-lhe-ei concretamente sobre a Siderurgia e a Petrogal e penso que, de facto, o Sr. Deputado estava com pouca atenção em relação ao que eu disse sobre a Siderurgia, caso contrário não tinha feito essa pergunta.
Disse claramente que não está em causa passar a Siderurgia para o sector privado nem estão em causa as suas produções. Aliás, se o Sr. Deputado conhecesse a crise estrutural que existe na siderurgia europeia, sabia que não há ninguém do sector privado interessado em tomar toda a siderurgia ou em fazer novos investimentos neste sector...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Está enganado!

O Orador: - .... nem é nossa pretensão nesta matéria. A nossa pretensão é apenas clarificar conceitos e permitir que não haja quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de fazer investimentos em esquemas complementares siderúrgicos - e eu citei aqui o caso da gusa -, ou em esquemas do tipo dos Steel Services. Ê isso que está em causa para que haja clareza e para que não haja quaisquer dúvidas sobre esta matéria, de possibilidade de investimento no domínio complementar siderúrgico. Sr. Deputado, creio, pois, que não é da Siderurgia Nacional que se trata.
Relativamente à Petrogal, verifico, com muito agrado, que o Sr. Deputado reconheceu a necessidade de a Petrogal se associar a outras empresas, que creio que era o que o estava implícito na sua pergunta. Porém, para além de querer que a Petrogal se associe com outros, V. Ex.ª quer também que ela mantenha o domínio completo do jogo. Sr. Deputado, isso é irrealista na vida empresarial, porque quando há associações entre as empresas, há que reconhecer claramente essas associações e permitir à outra empresa que se associa, neste caso, com a Petrogal, a entrar também no domínio da refinação do petróleo. É isso que está em causa e, aliás, o Sr. Deputado reconheceu essa necessidade nas palavras que referiu.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Não disse nada!

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, não se trata aqui, nesta proposta de lei de delimitação dos sectores, de separar serviços rentáveis de serviços não rentáveis.
Os serviços das telecomunicações altamente rentáveis são os serviços da rede básica. A alta rentabilidade das telecomunicações está, hoje, a cargo da Marconi, através do tráfego internacional, dos TLP, dos CTT, da rede telefónica e da rede telex. Ora, esta rede básica mantém-se sob a tutela do sector público.
O que pretendemos nas telecomunicações, em novos serviços que estão a aparecer no mercado, em que é preciso detectar com algum pormenor e alguma antecedência as necessidades e as preferências dos consumidores, é abrir essas «franjas», esses sectores, à

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iniciativa privada, mantendo-se, como eu disse, a coluna vertebral do sistema na área do sector público. E mais, quem conhecer um pouco do desenvolvimento das telecomunicações sabe que, no futuro, por essa coluna vertebral, com a rede digital de serviços integrados, vai passar tudo...

O Sr. Luís Roque (PCP): - O problema é esse!

O Orador: - ..., inclusivamente, os meios de teledifusão. Ora, nós mantemos o carácter público destes serviços, pois como eu disse, em nenhum caso, avaliado em termos de capitais e de produção, estará em causa uma produção privada para além de 25% da produção pública e no caso das telecomunicações o valor da produção privada estará mesmo, tanto quanto podemos imaginar, bastante abaixo dos 25%.
Em relação aos transportes ferroviários, actualmente todos os serviços ferroviários têm obrigações de serviço público. Ora, pensamos que a uma parte da rede deve ser retirado esse carácter, essa obrigação de transportar, essa obrigação de explorar, essas obrigações tarifárias. Não estamos a pensar nas redes suburbanas de Lisboa e do Porto, não estamos a pensar nos grandes eixos internacionais ou na grande linha Lisboa-Porto; estamos a pensar, sim, naquilo que se chama a rede secundária da CP. Por que não dar flexibilidade de exploração a esta parte da rede ferroviária? Por que não?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E a linha de Sintra?

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Roque aludiu, num comentário marginal à proposta que estamos a apreciar, à redução de serviços que se terá operado na CP a partir de 18 de Maio. A CP vem, de tempos a tempos, procurando reajustar a sua exploração às condições do mercado, tornando-a a mais económica. Porém, o Ministério observa em todos os casos, repito, em todos os casos, se as populações que eram servidas pela CP deixaram de o ser, mas não é só pela CP! Tem-se em conta o conjunto de meios de transportes disponíveis e sempre que há possibilidade de as populações ficarem sem transportes, a CP não é autorizada a encerrar os seus serviços.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Isso não é verdade!

O Orador: - Relativamente ao grau de privatização, não está em causa a privatização de 49% da CP. A CP manter-se-á uma empresa com 100% de capitais públicos.
A Sr.ª Deputada lida Figueiredo referiu que o que dá prejuízo é para os municípios. Sr.ª Deputada, não é para os municípios! O que dá prejuízo, nesta parte secundária da rede, deriva das obrigações de serviço público que ela tem. E se não podemos abdicar dessas obrigações no caso dos transportes suburbanos das regiões de Lisboa e do Porto e nos grandes eixos, então devemos abdicar delas nos troços da rede onde o tráfego é menor. É disso que se trata e penso ter sido claro!

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, a prática está a demonstrar!...
O Orador: - Relativamente à situação dos trabalhadores da TAP, temos aí grandes divergências de ponto de vista... V. Ex.ª estará, porventura, mais interessada em manter o emprego, tal e qual ele está actualmente, do que em consolidar postos de trabalho, face às condições efectivas no mercado...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E a TAP?!...

O Orador: - A TAP, que enfrenta uma situação difícil que lhe vem da concorrência internacional, tem de se adaptar a essa situação, tem de ganhar as guerras da concorrência e tem de estabilizar o emprego! Estou convencido de que vai fazê-lo e a Sr.ª Deputada não tem indício nenhum de que isso não vá acontecer assim, pelo contrário!
Portanto, a questão dos trabalhadores da TAP é um «papão» que se levanta aqui.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Não é só dos trabalhadores. É dos trabalhadores e da economia do País!

O Orador: - Relativamente às observações feitas pelo Sr. Deputado João Cravinho, devo esclarecer o seguinte: o objectivo da lei de bases das telecomunicações não é tanto o de delimitar os sectores público ou privado mas, sim, o de dizer o que se deve manter em regime de monopólio e o que pode ser aberto à concorrência. Portanto, uma coisa não tem nada a ver com outra. E penso eu que mal parecia ao Governo trazer aqui uma proposta de lei de delimitação dos sectores público e privado ocultando qualquer intenção que tivesse nesse sector para a apresentar em momento posterior!
O Governo deliberou apresentar uma proposta de reformulação da delimitação dos sectores e tudo o que estava em causa no meu Ministério está aqui posto!

Aplausos do PSD.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro, pedi-lhe uma interrupção. Não sei se ma concede...

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Claro!

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, o Sr. Ministro já encerrou a sua intervenção, de maneira que, agora, não tem cabimento a sua interrupção.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: no debate que já foi aqui travado sobre a impugnação desta proposta de lei ficaram claras três questões essenciais: a pressa do Governo em satisfazer a sua clientela, no que é acompanhada devota e pressurosamente pela bancada do PSD; a indisfarçável sofreguidão dos lobbies e, finalmente, a inconstitucionalidade da proposta de lei.

Uma voz do PSD: - Já ouvi isso!

O Orador: - Quer dizer alguma coisa?

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O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Está a dizer que isso é velho!

O Orador: - A simbiose entre a pressa estouvada do Governo, a gula dos grupos de interesses e a inconstitucionalidade é de tal ordem que já é difícil distinguir os que se cruzam nos corredores dos ministérios, nas sedes dos grupos económicos e nos corredores que em São Bento dão acesso às salas do PSD... De facto, com o decreto-lei das privatizações também conhecido pelos 49% e agora com a apresentação da proposta de lei da não limitação dos sectores assiste-se a um corrupio de interessados assim como à multiplicação de anúncios, éditos e declarações de Srs. Ministros.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Transparência!

O Orador: - Mesmo sem lei, o Ministro da Indústria, ainda antes da lei aprovada, afirma, com todo o desplante, que estão em curso adiantadas negociações sobre a concessão de exploração da Setenave e da Petroquímica, com os correspondentes despedimentos, não só aqui como na Siderurgia. Por outro lado, o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, cujo Ministério mais parece uma agência de leilões, afirma sem tibiezas que as áreas mais rendíveis das telecomunicações, da CP, da Rodoviária, serão privatizadas. Agora - e hoje voltou aqui a referir -, chega a declarar que Lisboa irá ter transportes privados paralelos, de luxo, que farão concorrência à Carris para - veja-se o objectivo angélico e franciscano - os cidadãos não trazerem os seus carros para a cidade. Em vez de dotar a Carris dos meios necessários e das compensações indemnizatórias por serviços públicos, o Sr. Ministro anuncia uma nova «negociata», pois o sector privado só irá investir se tiver lucros garantidos e lucros altamente chorudos!
Mas não só: é o negócio obscuro da «LAR» - que um conhecido industrial nortenho diz ser merecedor de um inquérito -, é o anúncio do leilão das acções da Portline, da Transinsular e da Sacor Marítima... Um fartote!
Uma boa lei de controlo de rendimentos dos cargos públicos encontraria certamente peixe graúdo nesta safra...
O Ministro das Finanças, depois de ter atraído à Bolsa milhares de pequenos e médios aforradores com o célebre «capitalismo popular», que encheu os bolsos dos que agora passeiam nos corredores, advoga e declara que a banca nacionalizada deverá ser progressivamente privatizada. Ontem anunciou que em breve se saberá qual a primeira empresa a privatizar... O segredo é a alma do negócio, para alguns. Um tal Ministro num Governo com dignidade já há muito teria sido demitido. Mas mesmo depois do escândalo das OPVs da Sonae quem foi substituído foi o Secretário de Estado do Tesouro, numa operação do tipo, mais vale perder um anel, perdão, mais vale perder um secretário do que a cabeça de um ministro.
Por sua vez o Ministro do Comércio Interno não querendo ficar atrás convida, com todos os salamaleques, os benedéttis e os maxuwells para verem, in loco, as possibilidades de entrarem no regabofe das EP's, ao mesmo tempo que como anfitrião se queixa amargamente de que o chumbo do Pacote Laboral poderá ser desmotivador para tão ilustres convivas. Tamanho
provincianismo em Ministro de Tutela do turismo não deve estar desligado de interesse!
Srs. Deputados, analisando as declarações dos membros do Governo talvez se «perceba melhor» o que é que está em causa. Não são preocupações com a economia nacional, não são preocupações de eficácia e racionalidade. São preocupações com os bons negócios que cada um, aqui, nesta Câmara, certamente descobrirá a quem é que irá servir e a quem aproveita.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - O senhor é que sabe!

O Orador: - Srs. Deputados, este Governo não é um Governo. É uma agência de negócios. É uma OPV permanente!

Risos do PCP.

A economia é apresentada como coisa de gestores, de empresários, coisa que nada tem a ver com os trabalhadores. Os trabalhadores trabalham! Hoje no Terreiro do Paço não há só a Bolsa de Valores. Há a bolsa de negócios das EP's em vários ministérios e todos no mesmo lugar geográfico com «cotações suculentas e promissoras». É um escândalo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É um escândalo que o Governo Cavaco Silva apresenta aqui através de uma proposta de lei que sabe ser perfeitamente inconstitucional, pois nada veda coisa nenhuma.
Afrontando a Assembleia da República, o Tribunal Constitucional e o Presidente da República, o Governo continua na postura da arrogância, no comportamento do «quero, posso e mando». É esta a filosofia do Cavaquismo!
Não foi o Sr. Ministro da Indústria que disse agora, aqui, que essa coisa da constitucionalidade nada tinha a ver para o caso, pois não estávamos a fazer a revisão constitucional?!

Vozes do PSD: - Não foi isso que ele disse!

O Orador: - Não foi isso que ele disse? Ah, bom! Então o que é que foi que ele disse?

Uma voz do PSD: - Diga-o o senhor, que está a falar!

O Orador: - Mas há limites para o atrevimento, Sr. Deputado! Uma proposta de lei que não veda coisa nenhuma só por acinte é que se pode chamar de delimitação de sectores. O Governo, ao mesmo tempo que procura fazer a revisão constitucional na prática, com toda a opacidade e fora de qualquer controlo, procura obter também, com os votos da sua maioria, plenos poderes para esvaziar as limitações do acesso do grande capital privado a sectores básicos da economia. Decididamente, o Governo, ao «Humor de Perdição», prefere claramente o «Humor com a Constituição»! E o que pretende é ter uma «Constituição Inquisição», que lhe permita cobrir o negocismo, o leilão das EP's, o crescimento do parasitismo financeiro!

A Sr.ª Ilda Figueiredo: - Muito bem!

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O Orador: - Os passos do afrontamento constitucional são tão conhecidos que vários são os articulistas que os explicitam. O primeiro passo, diz um articulista da nova revista Sábado» constituiu em definir o que é que foi nacionalizado. Se se tratava de sectores inteiros ou não. A batalha, segundo o articulista, foi travada no tempo da AD em que a questão foi várias vezes à trave até que às tantas lá conseguiu passar. A Constituição continuou - diz o mesmo - mas interpretou-se de fornia «maleável». Os bancos privados, por exemplo, aí estão mercê exactamente desse primeiro atalho. O segundo atalho, diz ainda o articulista, é o dos 49% que é um passo mais atrevido da imaginação jurídica e acrescenta então, a imaginação interpretativa poderá ir mais longe: o princípio da irreversibilidade satisfaz-se e manda cumprimentos se na posse do Estado ficar apenas o equivalente a 51% do capital das empresas nacionalizadas à data da nacionalização. Isto é, seriam privatizáveis não só os restantes 49%, mas também o equivalente a todos os aumentos de capital... Este é um dos pensamentos da hipocrisia governamental cavaquista, que farisaicamente não deixa de afirmar o seu respeito pela Constituição e pelas leis e que até se digna tecer loas, ao Estado de direito, desde que o direito deixe encher alguns, à custa de bens públicos portugueses. É que a proposta de lei dos 49% e a proposta de não limitação de sectores o que visam é, pura e simplesmente, esvaziar na prática conjuntamente com os factos consumados a Constituição da República Portuguesa... Só que a proposta em apreço é uma violação frontal do conteúdo essencial da regra da vedação, deixando-a sem conteúdo útil; além de que fere os princípios da coexistência dos diversos sectores de propriedade (permitindo comprimir ilimitadamente o sector público), da subordinação do poder económico ao poder político democrático e do planeamento da economia. Os Srs. Deputados da maioria e o Governo sabem que não se pode alterar a lei de delimitação de sectores, alargando o sector público de tal maneira que deixe o sector privado como residual, mas também sabem que não é possível o contrário, isto é, alargar o sector privado de tal maneira que deixe o sector público sem qualquer significado no conjunto do sistema económico português.
Ora, nos termos da proposta de lei n.º 47/V, as actividades que ficam reservadas exclusivamente ao sector público são somente as seguintes: captação, tratamento e distribuição da água para consumo público, através de redes fixas, o saneamento básico, a exploração de portos marítimos e aeroportos, a indústria de armamento e os transportes ferroviários explorados em regime de serviço público.
Cria depois uma reserva relativa a ser exercida por empresas de economia mista com participação maioritária do sector público... para os transportes aéreos regulares e para os serviços de telecomunicação de... «valor acrescentado». No entanto, em qualquer dos casos, a exploração ou gestão daquelas actividades podem ser entregues a entidades privadas em regime de concessão. Mas também aqui a proposta é redondamente inconstitucional, pois uma gestão predominantemente privada de uma empresa pública, privatiza-a efectivamente. A empresa pública exige, pelo menos, o predomínio da gestão pública na gestão.

A Sr.ª lida Figueiredo : - Exactamente!

O Orador: - Mas a proposta de lei é ainda inconstitucional porque retira ao sector público aquilo que é a substância.
Assim sendo o que é que faz correr o Governo Cavaco Silva e o PSD? o interesse nacional? O desenvolvimento económico e nacional? O reforço da economia face ao «mercado único de 1992»? Seria correria a mais!
O que está em causa é a restauração das fortunas, o que está em causa é a soma das grandes negociatas, o que está em causa é o poder económico e com este o poder político.

O Sr. António Vairinhas (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - A restauração do poder das tais meias dúzias de famílias cada uma com o seu banco, a sua seguradora, a sua indústria, o seu jornal, a sua estação de rádio e canal de televisão.

Aplausos do PCP.

E há seguramente, na bancada da maioria, quem possa esclarecer isto, precisa e objectivamente!

Risos.

É por isso que não podemos deixar de comentar e manifestar também a nossa preocupação com o Projecto do PS, igualmente inconstitucional, a nosso ver, que querendo apanhar o mau comboio do Governo, vem, à última hora, abrir mais uma vez, embora de forma mais limitada, importantes sectores do sector empresarial do Estado que em regime de concessão ou de associação de capitais públicos e privados: é a petroquímica de base, é a produção e distribuição de gás, são os transportes ferroviários, são os transportes aéreos regulares.
E isto quando ainda recentemente afirmou que a lei de delimitação de sectores era suficiente e estava actualizada! Pensamos que esta iniciativa do PS não serve nem a modernização da economia nem um projecto de desenvolvimento nacional. Num futuro próximo com a liberdade de circulação de capitais, com o Mercado Único, se o sector empresarial do Estado for desmantelado e privatizado o que sucederá mais tarde ou mais cedo é que as principais empresas básicas ou estratégicas do País serão dominadas pelas transaccionais que então determinarão, de facto, e no fundamental, o nosso processo de desenvolvimento que terá de corresponder aos seus interesses.
O sector empresarial do Estado é constituído por centros de acumulação e por empresas de base e estratégicas que dinamizadas e reestruturadas são uma garantia face ao «mercado interno», de que as principais alavancas da economia não cairão em mãos estrangeiras.
Com a privatização das empresas básicas e estratégicas as transnacionais, utilizando a sua superioridade em capitais, tecnologia e métodos de organização e gestão, não terão dificuldades em se associar, infiltrar e depois dominar os sectores-chave da economia. A questão do desenvolvimento económico e social é, em Portugal, uma questão estritamente ligada à independência nacional. A independência nacional não é uma questão fossilizada como a grande burguesia pretende fazer crer.

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Portugal não está condenado - pelo negocismo cavaquista - pelos votos dos Srs. Deputados do PSD e pelo interesse do parasitismo financeiro - a ter uma posição semiperiférica numa divisão de trabalho cada vez mais desfavorável. Não está condenado a ser fornecedor de mão-de-obra barata e a entregar os seus recursos para que uma minoria restaure as suas fortunas e entregue as alavancas do comando da economia às multinacionais.
Não é admissível que enquanto os lobbies e o cavaquismo se sentam ao banquete das EP's, proliferem as bolsas de pobreza, aumente o trabalho precário, se mantenha a chaga dos salários em atraso e se hipoteque o desenvolvimento e a independência nacional!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Como a Constituição não está do lado do negocismo cavaquista, estamos certos que ainda não é desta que os Srs. Membros do Governo e os Srs. Deputados da maioria poderão ir para férias fazendo contas sobre o que renderá o leilão das empresas públicas. Convenhamos que é um contratempo, um dissabor nas férias estivais. Mas a Constituição, o interesse nacional e o povo português têm razões que os cofres, os lobbies e as carteiras de muitos desconhecem completamente!

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra, para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Srs. Deputados, para quem pensa que o estilo do Partido Comunista está em mudança aqui fica o exemplo mais acabado de que está em retrocesso, pelo menos aqui em Portugal e no Partido Comunista Português!

Aplausos do PSD e protestos do PCP.

O Sr. Carlos Costa (PCP): - Isto é uma provocação! ...

O Orador: - Uma provocação estive eu aqui a ouvir, calado, durante vários minutos, por parte do seu colega de bancada, Sr. Deputado Carlos Costa!

Aplausos do PSD.

Enquanto utilizo uma figura regimental, ou seja, enquanto uso um direito que V. Ex.ª não me retira, pode falar à vontade, pode berrar à vontade, pode provocar à vontade, que não tem qualquer importância porque tenho o meu microfone.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Ilda Figueiredo: - O aparte é regimental, Sr. Ministro!
O Orador: - Srs. Deputados, é pena que nesta matéria um grupo parlamentar, que tem, naturalmente, uma posição radicalmente diferente da nossa, tenha feito, pela voz do Sr. Deputado Carlos Carvalhas, uma lastimável histeria provocatória e ofensas objectivas em relação ao Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É que assim, Sr. Deputado, não tem da nossa parte nenhum diálogo!
Como disse, quando iniciei, apenas usei da palavra para que não se diga que «quem cala consente». Mas também lhe digo, Sr. Deputado, que não ofende quem quer e, por isso, da nossa bancada, V. Ex.ª tem apenas o nosso profundo desprezo, não pela figura de V. Ex.ª mas pelo lamentável discurso que aqui deixou!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Ouvir as verdades, dói!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Camilhas (PCP): - Sr. Ministro, seria, de facto, de toda a ilógica que o Governo, perante a minha intervenção, não viesse utilizar esta figura. É que não procura responder aos factos...

Protestos do PSD.

Falei referindo os anúncios, os éditos, as declarações, que são públicas, dos Srs. Ministros...

Uma voz do PSD: - E os insultos?!

O Orador: - .. .que, ainda antes de a lei estar aprovada, vão anunciando que...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas quero pedir à Câmara que crie as condições necessárias para que o Sr. Deputado exerça o seu direito de falar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vá para a Sibéria! Uma Voz do PCP: - Olha a doida!
O Orador: - .. .que tal ou tal empresa vai ser privatizada e, portanto, se isto é assim não é para defender a economia nacional, não é para defender o interesse nacional, não é para racionalizar, mas é, pura e simplesmente, para vender. Ora, quem vende procura ganhar. E se ganha, não é um negócio? Não há negócio nisto?!

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Ganha o país!

O Orador: - Ah, é o país?! Isso é que os senhores deviam demonstrar mas não demonstraram! Nem os Membros do Governo demonstraram nem os Senhores! E quando levantam a voz e se sentem muito ofendidos é porque estamos a tocar na ferida e a ferida situa-se na carteira, na vossa carteira, nos vossos interesses privados, classistas e egoístas...

Aplausos do PCP e protestos do PSD.

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..., à custa do povo português, daqueles que pagam impostos e dos trabalhadores, daqueles que tudo fazem para os Senhores estarem aí sentados.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — Por isso, o Governo continua na mesma postura, a postura do afrontamento à Assembleia da República, a postura de afrontamento em relação ao Tribunal Constitucional e ao Presidente da República. É o mesmo estilo cavaquista do «quero, posso e mando»!
Protestos do PSD.
E quanto ao protesto do Sr. Ministro, vou apenas dizer-lhe que lamento a sua figura de protesto e relogo--a também ao desprezo, não pela figura do Sr. Ministro mas pelo Governo que representa.
Aplausos do PCP e protestos do PSD.
O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, informo a Câmara que, às 17 horas e 30 minutos, tal como foi solicitado, terá lugar o intervalo regimental.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apreciação e o juízo sobre o pedido de autorização legislativa que o Governo nos solicita, através da Proposta de Lei n.º 47/V, tem de ter em conta, quanto a nós, três planos.
O primeiro é o da conformidade do modelo que agora é proposto com a linha de orientação programática do meu próprio partido, o que implica uma reflexão, ainda que sumária, acerca do papel que atribuímos ao Sector Empresarial do Estado.
Já o afirmámos, por mais de uma vez, que rejeitamos categoricamente todas as correntes de opinião que defendem a privatizacão cega de tudo quanto é Sector Empresarial do Estado com base em justificações de índole exclusivamente economicista, esquecendo (porque ocultam) os problemas de poder que sempre estão associados à transferência de propriedade.
Para o Partido Socialista, a existência do Sector Empresarial do Estado, forte e dinâmico, porque reorganizado, constituindo um grupo económico poderoso, é perfeitamente justificada, pois constitui condição necessária, quer para a prossecução da política de solidariedade social (garantia de existência de igualdade de oportunidades para as pessoas e para as regiões) quer para a implantação de medidas destinadas a orientar o processo de desenvolvimento económico num sentido de interesse nacional, mesmo que para tal se torne necessário eliminar, diminuir ou obstaculizar a criação de privilégios.
A nosso ver, a definição de um projecto de modernização para a economia portuguesa que não rejeite ideias socialistas de progresso e solidariedade social não pode ser separada da questão (e da reflexão) do Sector Empresarial do Estado, sua dimensão, reordenação e seu papel interventor.
O segundo plano de análise do conteúdo da proposta de lei em apreciação tem a ver com a articulação do «compromisso» de agora com a eficácia das políticas sectoriais que o Governo pretende prosseguir e com o
juízo sobre a inevitabilidade das mudanças propostas para o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento do país.
Ora, para a apreciação desta questão, apenas poderemos atender às afirmações genéricas do Governo — e as intervenções dos digníssimos Membros do Governo não foram mais esclarecedoras do que a exposição de motivos da proposta de lei — de que «a integração de Portugal na CEE e a progressiva internacionalização da economia nacional obrigam, cada vez mais, a posicionar a indústria portuguesa num contexto que excede largamente as fronteiras nacionais» e que «o disposto na Lei n.º 46/77(...) impede a constituição de novas empresas e mesmo o desenvolvimento, em cooperação com entidades privadas, de actividades já existentes».
Quanto à primeira afirmação — esclarecedora, de resto, como tivemos oportunidade de ouvir — importa salientar que exactamente a defesa do sector empresarial público, com alguma dimensão e poder, se justifica também, e exactamente, pela defesa dos interesses nacionais (públicos e privados), face a alguns interesses estrangeiros que, a consolidarem-se, provocariam a transferência de importantes decisões estratégicas para fora do controlo nacional, o que implicaria, a verificar-se, a completa subalternização das empresas e agentes económicos nacionais.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Quanto à segunda afirmação, convém aqui lembrar que o que está em causa é a abertura de sectores, como a refinação de petróleo, a petroquímica de base e a indústria siderúrgica, indústrias que possuem uma sobrecapacidade específica ou se integram em mercados onde a oferta é excedentária e, portanto, como se vê, onde não se coloca a questão da criação de novas empresas. Não parece, portanto, que o desenvolvimento do país e, consequentemente o bem-estar de todos nós, esteja dependente da aprovação da proposta de lei que o Governo aqui nos trouxe.
O terceiro plano da minha análise prende-se com a questão, já debatida aquando da discussão da admissibilidade da proposta de lei, sobre a eventual existência de inconstitucionalidades e, consequentemente, sobre a intenção do Governo em violar, uma vez mais, a Constituição.
É neste plano que, a nosso ver, se deve situar mais claramente esta iniciativa governamental.
Com efeito, esta proposta de lei não se esgota no seu conteúdo, antes se posiciona no conjunto estratégico de medidas que o Governo tem vindo a propor, ou a implantar, visando condicionar, neutralizar e descaracterizar a revisão constitucional.
É provável, quase certo, que a Proposta de Lei n.º 47/V venha a ser aprovada nesta Assembleia pelo partido da maioria, sem quaisquer concessões aos pontos de vista da oposição. A ser assim, o núcleo de reserva pública é reduzido drasticamente e perde todo o sentido útil o dispositivo constitucional do artigo 85.º, n.º 3.
Por outro lado, a generalidade do que então restar, ou seja, o conjunto de empresas em relação às quais hoje existe uma reserva, facilmente passará para o sector privado, através da entrega da gestão em regime de concessão.

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Ficaria, pois, totalmente esvaziada a disposição constitucional adequada e, sem cedências, sem compromissos ou negociações por parte do PSD, dar-se-ía um novo passo na revisão constitucional.
Esta proposta de lei não pode, pois, a nosso ver, deixar de ser considerada inconstitucional.

O Sr. Guilherme Pinto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Depois, como habitualmente, o PSD clamará contra a pressão exercida sobre outros órgãos de soberania, quando aqui afirmamos as nossas dúvidas fundamentadas sobre a constitucionalidade da proposta; como, de costume, o Tribunal Constitucional, no cumprimento do seu indeclinável dever, julgará a conformidade da legislação aprovada com o texto constitucional e impedirá a sua promulgação, desde que, como é óbvio, não tenha sido entretanto ajustada, e o Governo terá, outra vez, o alibi, o obstáculo, o fantasma que precisa para o seu constante combate pela afirmação perdida e pela identidade permanentemente procurada.

O Sr. Guilherme Pinto (PS): - Muito bem!

O Orador: - «A Constituição não presta, tem de ser mudada já e como nós queremos» - dir-se-á então. «O Partido Socialista é imobilista, não quer o desenvolvimento do país, não está ao nosso serviço, comete o crime, vejam lá, de, em democracia, querer ser alternativa».
Já estamos habituados, e connosco começa a estar habituada a generalidade da opinião pública. E porque todos conhecemos a fábula do rapaz e do lobo, já todos sabemos como esta história vai acabar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conhecemos bem o que o Governo pretende com esta iniciativa: o conflito com a Assembleia, o conflito com o Tribunal Constitucional, a pressão sobre a opinião pública, a ocultação do fracasso da sua política económica.
Apesar deste juízo, o Partido Socialista assume, uma vez mais, uma posição responsável. Não somos imobilistas, nem fixistas e o sector público não constitui, para nós, um tabu imutável e inatacável. Mas não podemos ignorar que o Estado constitui, nas democracias modernas, o principal instrumento de poder e, como tal, deve ser preservado e controlado.
O Partido Socialista define e defende um conjunto de objectivos e um corpo de projectos geradores de maiorias sociais, apenas subordinados e subordináveis aos valores da liberdade e do direito, da solidariedade e da justiça social.
Nesses objectivos e naquele projecto, se inclui a definição do papel que deve caber ao Sector Empresarial do Estado, enquanto instrumento gerador de modernização e de desenvolvimento, sem esquecer a necessidade de aumentar a sua eficiência, a sua racionalidade e o ajustamento da sua dimensão.
É, pois, inserido nesta linha de comportamento e nesta filosofia política que o Partido Socialista apresentou na Mesa da Assembleia da República, para discussão, um projecto de lei alternativo à proposta governamental.
Neste diploma é totalmente respeitada a exigência constitucional da manutenção de um sector significativo de reserva à iniciativa pública, o que, obviamente,
permite ultrapassar o vício de inconstitucionalidade que fere, de morte, a iniciativa governamental.
De igual modo, são acolhidas positivamente todas as alterações propostas pelo Governo que, a nosso ver, são justificáveis, face à evolução tecnológica e à progressiva integração internacional da economia portuguesa, e não descaracterizem, no essencial, o modelo de concorrência de sectores, que é definido pela nossa Constituição.
É assim que, a nosso ver, devem ser abertos à iniciativa privada sectores industriais ligados à petroquímica de base, onde pode ser justificável o estabelecimento de relações de cooperação e desenvolvimento parcial de projectos com entidades privadas.
Mantém-se, no entanto, como sectores vedados, a indústria de armamentos, a indústria de refinação de petróleos e a indústria siderúrgica que, em conjunto, constituem um corpo significativo de reserva pública e em relação às quais não se encontram, no momento, razões específicas ou de desenvolvimento económico que sustentem a sua imediata abertura.
De todo o modo, acautela-se a possibilidade de, em casos excepcionais e por razões imperativas, fazer a associação do sector público, em posição obrigatoriamente maioritária no capital social, com outras entidades, desde que estas disponham de exclusividade de natureza tecnológica não negociável, de outra forma mais adequada ou detenham posição dominante em mercados internacionais de estrutura oligopolista em que o sector público não tenha, por si só, capacidade de penetrar.
Quanto às actividades económicas, definidas no artigo 4.º da Lei n.º 46/77, o Partido Socialista entende que se deve manter a reserva de acesso à iniciativa privada num número significativo de casos que se revestem de significativo interesse estratégico, mas que é possível e desejável permitir a abertura à iniciativa privada a outras actividades económicas, como a produção de energia eléctrica - nos exactos termos de legislação recentemente aprovada na Assembleia da República, com o voto favorável do Partido Socialista, recordo -, a produção e distribuição de gás para consumo público através de redes fixas, os transportes aéreos regulares interiores e os transportes ferroviários que não sejam explorados em regime de serviço público.
Nalguns destes casos, o exercício de actividades pela iniciativa privada deve revestir o regime de concessão.
Não parece aceitável introduzir, desde já, alterações no regime de acesso à actividade de telecomunicações, antes de conhecida a lei de bases que regulará o sector, até porque, como todos sabem, não é pacífica a distinção entre os serviços de telecomunicações de valor acrescentado dos serviços básicos de telecomunicações, e estes devem permanecer vedados ao acesso da iniciativa privada.
Igual consideração se poderá fazer quanto ao acesso ao sector dos transportes colectivos urbanos de passageiros nos principais centros populacionais, sem que esteja definida a respectiva lei de bases de transportes e aprovadas as dimensões das áreas urbanas a considerar.
Esta responsável posição do Partido Socialista demonstra, uma vez mais, à opinião pública que não tem sentido o anátema de obstacularização das reformas estruturais, que o Governo e a maioria, sem sucesso, nos pretendem atribuir.

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O Partido Socialista tem denunciado os excessos governamentais e, sobretudo, a sua política maximalista, face ao actual texto constitucional.
Se a maioria e o Governo que dela emana tivessem a necessária humildade democrática, que é característica dos fortes, muitas das situações de bloqueamento estariam já hoje ultrapassadas e o país seria poupado ao desgaste do confronto com outros legítimos órgãos de soberania.
Exemplo deste comportamento tivemo-lo ainda hoje, aqui, quando a Câmara foi chamada a expurgar do texto legislativo, que permite a abertura do capital social das empresas públicas até ao limite de 49%, uma norma inconstitucional, e certo que sobre a natureza inconstitucional da mesma já o Partido Socialista tinha alertado o Governo e a maioria.
Face ai reposição da legalidade constitucional, não teve o Partido Socialista dificuldades em alterar o seu sentido de voto (que, antes, fora de rejeição) e só não apoiou a iniciativa porque a maioria ignorou os contributos positivos, particularmente nos domínios da defesa, da clareza e da transparência do processo negociai, que oportunamente tínhamos apresentado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista tem, continuadamente, afirmado que deseja e se bate, no domínio da organização económica, por uma revisão constitucional equilibrada, sensata e oportuna. Temos cada vez mais dúvidas de que esta seja também a intenção do Governo.
A multiplicação das iniciativas legislativas que claramente contendem com a razoabilidade de uma revisão demonstram cabalmente que o Governo, afinal, não quer revisão alguma e está mais interessado em perpetuar a situação actual, que melhor serve o seu interesse, para ocultar as suas insuficiências com obstáculos artificiais e dificilmente apreensíveis pela generalidade da opinião pública.
Assim mesmo, o PS não deixará de demonstrar, em todas as matérias e em todas as oportunidades, o seu sentido de responsabilidade, a sua compreensão para as mudanças e a rejeição da infalibilidade, comportamentos que caracterizam o seu projecto económico e social.
Ao fazê-lo, o Partido Socialista assume as suas responsabilidades, assumindo-se igualmente como única alternativa democrática ao Governo do PSD.
Compete agora às outras forças políticas, e especialmente ao partido maioritário, assumirem as suas próprias responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel dos Santos, ouvi atentamente a sua intervenção e, antes de mais, felicito-o pela concatenação com a vossa surpreendente actuação desta manhã. É nessa perspectiva que passo a pedir-lhe esclarecimentos.
Quais as disposições constitucionais cuja violação mais os incomoda neste pedido de autorização legislativa? Alguma ou algumas das alíneas do artigo 80.º? Ou os n.01 2 e 3 do artigo 89.º? É bom sabermos quais são, para podermos apreciar a atitude de quem defende tão denodadamente a manutenção do sector
siderúrgico na reserva estatal e, ao mesmo tempo, consente - e f az bem! - a passagem do sector bancário e segurador para a não reserva estatal, isto é, a saída da reserva estatal. Seria, pois, bom sabermos quais são as disposições: se é a independência do poder económico em relação ao poder político ou se é a apropriação colectiva dos principais meios de produção. É bom sabermos isso, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado desculpará - e responde apenas se quiser -, mas também seria bom sabermos qual a vossa posição de voto relativamente à proposta de lei. Dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que, para modificarem o voto em função de alterações de dispositivos que não foram determinantes na discussão de todo o diploma, mais valerá que agora VV. Ex.ªs passem a optar, nesta maré de concordância, por um voto permanente de abstenção. No entanto, fico a aguardar a sua resposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, há mais um orador inscrito. Deseja responder já ou no final do pedido de esclarecimento?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Respondo no final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel dos Santos, dentro da óptica do seu partido, V. Ex.ª fez uma intervenção equilibrada e inteligente, pondo alguns problemas importantes e destacando um que tem a ver com a questão da constitucionalidade em relação à qual, devo dizer, não percebi bem o sentido da argumentação que utilizou.
A minha primeira questão é esta: entende o Partido Socialista que a apropriação dos principais meios de produção, solos e recursos naturais, é um limite intangível inscrito no artigo 290.º da Constituição e que impõe uma orientação de sentido único para cumprimento da Constituição? Ou subscreve a interpretação do seu partido - que não é a minha nem do meu partido, porque entendemos que esse princípio caducou pelo desuso - de que se trata mais de uma faculdade a usar, consoante os interesses da situação, do caso, consoante os interesses nacionais o aconselhem?
Se é coerente com a posição do seu partido e caminha no segundo sentido, então não percebi bem. Por que é que V. Ex.ª vem fazer equivaler o artigo 85.º, n.º 3, da Constituição, que diz que «A lei definirá os sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza», com uma ideia de reserva útil? Essa orientação não é coerente com a posição que o seu partido tomou em termos de revisão constitucional e que é já posição assente, porque não poderia tomar outra, sob pena de violar o artigo 290.º da Constituição. O Sr. Deputado não pode confundir este preceito com a necessidade de garantir os sectores de propriedade dos meios de produção, previstos no artigo 89.º da Constituição.
Uma coisa é dizer que existem sectores de produção públicos; outra, é dizer que existem sectores vedados à iniciativa privada, e pareceu-me que V. Ex.ª confundiu as duas coisas. Depois, acrescentou uma consideração puramente quantitativa, ao dizer: «Se forem

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cinco, é inconstitucional; se forem quatro, já não é». No fundo, isso não é uma posição imobilista, que não atende à natureza concreta dás matérias? É esse o grande problema que, neste momento, a Constituição representa. É que cega ao modelo - que, num certo momento, foi desenhado - de realização de um colectivismo marxista-leninista, a Constituição quis introduzir limitações à iniciativa privada que não se coadunam com o interesse nacional, e eu não compreendo essa posição.
O segundo grupo de questões diz respeito a um outro aspecto. Quando V. Ex.ª toca na questão das telecomunicações e na dos transportes colectivos urbanos, diz: «Bom, é necessário encontrar fórmulas nas leis respectivas que permitam delimitar concretamente e elucidar a questão». De resto, de algum modo, o problema tinha sido suscitado pelo Sr. Deputado João Cravinho.
A questão que lhe ponho é esta: entende V. Ex.ª aceitável que se abandone a óptica desta Lei de Delimitação dos Sectores - a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho - e posteriores modificações que lhe foram feitas pelo Decreto-Lei n.º 406/83, de 19 de Novembro, e aceita que, quando se discutir a lei em matéria de telecomunicações, se for caso disso, independentemente daquilo que agora aqui for votado quanto à Lei de Delimitação dos Sectores, haja uma abertura à iniciativa privada? Eventualmente, pode ser uma técnica a utilizar, a qual significa claramente que vamos abandonar esta ideia um pouco mítica de ter uma lei da delimitação dos sectores, definindo-se, caso a caso, quais são os interesses que, em concreto e em cada momento, se entende que melhor prosseguem a natureza do interesse nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Começando por responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, devo dizer que verifiquei com satisfação que V. Ex.ª e o seu partido se sentem tocados pelo facto de terem ficado isolados na votação efectuada esta manhã.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Essa agora!

O Orador: - Só assim é que se justifica a sua referência a essa questão!
Referindo-me à matéria em discussão, tenho aqui afirmado várias vezes - afirmei-o mesmo há pouco da Tribuna - que o Partido Socialista não é imobilista. O Partido Socialista combateu a proposta de lei que aqui foi trazida pelo Governo em duas linhas, sendo uma essencial, que foi a de considerar a inconstitucionalidade do diploma. Recordo que, na altura, algumas vozes situadas ali para uma fila mais atrasada do PSD, invocavam, como o pavão, o parecer do Sr. Deputado...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Atrasada?

O Orador: - Quando digo atrasada, é em termos geográficos, naturalmente.
Como eu estava a dizer, invocavam o parecer do Sr. Deputado Rui Macheie, dizendo: «Mas o Sr. Deputado Rui Machete já esclareceu. Portanto, a partir do
momento em que ele esclareceu, está tudo esclarecido». Eu disse-lhe: «Bem, o Sr. Deputado Rui Machete tem realmente uma enorme sabedoria e autoridade na vida política portuguesa, mas é capaz de haver outras opiniões». Verificou-se que, afinal de contas, até havia outras opiniões: a dos doutos juizes do Tribunal Constitucional, que, penso, por enorme maioria, pensaram de maneira diferente, e realmente a norma que aqui tínhamos questionado como sendo inconstitucional...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, gostaria que me recordasse se terá sido nessa linha de inconstitucionalidade que se situou o principal do vosso combate. Ou terá sido noutra linha de inconstitucionalidade, que não foi tocada pelo Tribunal Constitucional?

O Orador: - Respondo-lhe já.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já estou com grandes problemas de memória, mas tinha ideia de que o vosso combate se tinha situado noutra via, que não essa.
O Orador: - Sr. Deputado, vamos ter muito tempo porque este debate é a grelha número não sei quantos, o que nos dá muitos minutos, mas não adianta muita coisa porque já sabemos que, como referi, a proposta de lei vai ser aprovada tal como está; até podíamos ir todos para casa. De qualquer maneira, ainda bem que põe essa questão, que me permite gastar mais alguns segundos.
A nossa linha principal de argumentação sempre foi - e é assim que tem de ser - a conformidade das propostas que aqui surgem com o texto constitucional actual e não com aquele que vai existir daqui a 2 semanas ou daqui a 2 ou 3 meses. Obviamente que temos um entendimento diferente - e por isso é que, hoje de manhã, não votámos favoravelmente a proposta...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não foi por isso!

O Orador: - Foi, foi. Tanto o Sr. Deputado João Cravinho como eu afirmámo-lo aqui. Não vamos ler o grande calhamaço que aqui está e que o Sr. Deputado Nogueira de Brito já conhece dos corredores, mas estão lá todas as nossas declarações e, se as ler, é fácil chegar a essa conclusão.
A partir do momento em que a questão da inconstitucionalidade foi sanada, obviamente boa parte da nossa resistência ficou sem sentido.
A proposta de lei não era nossa - e por isso não a votámos favoravelmente -, mas, demonstrando que não somos vítimas de nenhuma espécie de imobilismo, fomos capazes de modificar o nosso sentido de voto e abstivemo-nos. Vocês é que, não sendo capazes de fazer isso, continuaram a manter-se fiéis - e isto é preocupante - ao vosso voto negativo da abertura do capital social das empresas públicas até 49%. O CDS votou esta situação. Isso é que é importante, isso é que é relevante e isso é que tem de ficar registado.

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Quanto à questão da norma que invoquei como inconstitucional - acho que o digo aqui -, eu não sou constitucionalista mas, de vez em quando, também acerto! Como se constatou já em várias oportunidades iremos, também agora, verificar isso a propósito do Orçamento do Estado, dentro de algum tempo.
Em determinadas circunstâncias é possível ter a apreensão do que é constitucional e do que não é constitucional.
De resto este debate já aqui se fez aquando da questão da admissibilidade e quer o Sr. Deputado Almeida Santos, quer o Sr. Deputado Vera Jardim, na ocasião em que fizeram a declaração de voto, tiveram a oportunidade de citar exactamente o problema da inconstitucionalidade.
Estou de acordo com o Sr. Deputado Rui Machete quando diz que isto é exclusivamente uma questão quantitativa. Mas coloco, como sempre, aquela questão - que os senhores naturalmente conhecerão - da história popular, que é a de conseguir determinar a chamada «palhinha crítica».
Os Srs. Deputados não sabem o que é a «palhinha crítica»? A «palhinha crítica» é a palhinha a partir da qual os senhores já não conseguem suportar o conjunto de palhinhas que vão tendo em vosso poder, isto é, a partir do momento em que a alteração quantitativa introduz uma alteração qualitativa. Qual é a palhinha, qual é o bocadinho que se retira e que deixa de dar conteúdo à disposição constitucional que obriga à existência de uma reserva pública significativa? É aí que está a questão!
Na vossa proposta é óbvio - aliás, a pergunta foi--vos feita pelo Deputado do PCP mas não foi respondida - que esse limite, o limite do sector crítico e já não da palhinha crítica, foi claramente ultrapassado. Na nossa não foi! É por isso que eu afirmo que esta vossa proposta será inevitavelmente «chumbada» pelo Tribunal Constitucional.
Isto não é nenhuma forma de pressão. Se a vossa proposta não «chumbar» fui eu que errei e então têm os senhores razão. Tudo bem, encantados da vida! Mas estou absolutamente convencido de que esta proposta será «chumbada» pelo Tribunal Constitucional.
Foi nesse sentido e, digamos, reclamando-me da disposição contida no n.º 3 do artigo 85.º, salvo erro - não sou muito dotado para fixar números de artigos de códigos ou de leis -, que afirmei aqui a minha convicção relativamente à inconstitucionalidade desta proposta.
Agradeço muito ao Sr. Deputado Rui Machete a amabilidade com que caracterizou a intervenção do meu partido - não a minha própria intervenção, porque ela resultou, obviamente, de uma reflexão conjunta do meu partido.
Penso que já demos provas suficientes de maturidade e de compreensão da realidade social em mutação, que efectivamente reconhecemos, e estamos absolutamente convictos - por isso apresentámos a alternativa - que as coisas têm de ser alteradas. Não podemos estar agarrados a modelos que até defendemos, nós e vocês.
Já aqui há tempos vos li - hoje não posso fazer essa gracinha porque não o trago comigo - o célebre comunicado das estruturas bancárias do PSD que se congratulava com a nacionalização da banca de uma forma que ultrapassava largamente outros partidos que, também nessa altura, se congratulavam com essa nacionalização.
Os senhores também mudaram e ainda bem que mudaram. Nós também mudámos! É esse testemunho de mudança, esse testemunho da compreensão de que estamos perante uma realidade social e económica em mutação que tem feito o PS - em coerência, penso eu - a esta Assembleia o seu testemunho em todos os momentos, e, particularmente, em matéria de discussão de organização económica, como hoje procurei também aqui fazer.
Relativamente às questões mais concretas que colocou quanto às telecomunicações e quanto aos transportes, penso que o que eu disse revela também alguma moderação e algum espírito de abertura. Como naturalmente calculam eu sou um modesto licenciado em economia pela Universidade do Porto e, por isso, não sei nada de telecomunicações.
Naturalmente, tive de me informar e sei, por exemplo, mas o Sr. Ministro poderá esclarecer-me melhor, que esta polémica sobre o que são os serviços complementares de telecomunicações de valor acrescentado e aqueles que exigem infra-estruturas - entre os quais o Sr. Ministro não fez a distinção, no entanto, há serviços complementares que não exigem infra-estruturas e há serviços complementares que exigem infra-estruturas - é uma polémica complicada, que tem dado grandes discussões nos Estados Unidos da América, que tem dado grande discussão nos países nórdicos. E realmente uma questão que não está suficientemente esclarecida para que os senhores possam avançar neste campo.
Portanto, vamos lá esclarecer primeiro isto para depois fazermos a sua abertura ao sector privado, se for julgado conveniente fazê-lo.
O mesmo se pode dizer relativamente aos transportes urbanos. Nós nem sabemos quais são as áreas urbanas a que o Governo se refere! É o grande Porto? Inclui Penafiel? Só Matosinhos? É a área dos Serviços de Transportes Colectivos do Porto, neste momento?
Há todo um conjunto de questões que ainda não estão respondidas e que, se o fossem, mais facilmente podiam orientar a nossa posição nesta matéria.
É óbvio que se concluirmos que da sua privatização não resulta nada de essencial relativamente ao modelo económico e social que defendemos, estaremos disponíveis para, juntamente com vocês, aprovar essas modificações.
Finalmente, é também óbvio que vamos lutar contra a proposta do Governo, até porque temos uma proposta própria. Como esta proposta vai ser «chumbada», a nossa passará a ter utilidade.
Ela hoje não será discutida porque nós só a apresentámos há 2 dias - tínhamos de a ter apresentado, salvo erro, há 8 dias - mas, repito, como a que apresentaram vai ser «chumbada» pelo Tribunal Constitucional porque ninguém da maioria vai aceitar qualquer alteração teremos então o nosso projecto que já é alguma coisa e que já caminha no sentido da abertura que o Governo diz pretender realizar nesta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado, como é que tem tanta certeza?!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é para defender a consideração devida à minha bancada.

Risos do PS.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Cheio de razão!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, a sua risada não evita uma grande estranheza da minha parte em relação à sua intervenção de há momentos.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Tem razão, tem toda a razão!

O Orador: - O Sr. Deputado fez uma intervenção em que faltou à verdade em relação ao voto do meu partido e isso é inadmissível. Falo, neste momento, para repor a verdade dos factos.
V. Ex.ª sabe muito bem que nós não votámos contra a abertura de 497o do capital das empresas públicas à titularidade privada. Votámos a favor dessa proposta na generalidade. V. Ex.ª sabe muito bem que nós votámos contra a recusa do PSD em incluir nesta proposta a consideração do problema das indemnizações.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª sabe isso muito bem, mas pretendeu dizer o contrário. Disse o contrário e fez mal, Sr. Deputado! Não estávamos habituados a esse estilo. Estamos agora a conhecê-lo, como ficamos a saber que VV. Ex.ªs estão preparados para, quando for expurgada uma pequena vírgula neste diploma, passarem a abster-se depois de terem votado contra. Mas está muito bem! Está muito bem! Não é aí que está a consideração devida à nossa bancada. A consideração devida à nossa bancada, Sr. Deputado Manuel dos Santos, está em que não pode faltar-se à verdade no que respeita ao verdadeiro sentido dos nossos votos.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, antes de mais quero dizer-lhe que penso não haver nada de criminoso nem de errado em mudar uma votação, sobretudo quando há mudança do objecto sobre o qual se exerce essa votação.
A nossa mudança - e já há pouco, na sua intervenção inicial, foi feita uma crítica a essa mudança - de voto negativo para voto de abstenção não tem nada de negativo, penso eu.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não!...

O Orador: - Quero também dizer-lhe que não faltei à verdade. O Sr. Deputado poderá afirmar que eu não disse a verdade toda, isto é, que parei na vírgula, que não continuei. O que eu disse e afirmo é que os senhores votaram hoje contra essa lei. É óbvio que ouvi-o dizer que votou contra essa lei porque o PSD não tinha considerado, nas modificações das alterações que os senhores tinham proposto, a questão das indemnizações. Quer que eu dê esse testemunho? Aqui está, fica registado em acta. Mas reafirmo que hoje, com estes fundamentos, o CDS votou contra a Proposta de Lei n.º 47/V.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que os poucos minutos que restam para o intervalo regulamentar não justificam que continuemos com o debate. Por isso, Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 27 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e demais Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao usar da palavra, a propósito da discussão desta proposta de lei, não posso deixar de começar por congratular-me com um facto, com uma situação tornada evidente nesta discussão e ao longo deste dia, que é a possibilidade de um acordo entre o PS e o PSD, acordo que abre perspectivas positivas à revisão da Constituição.
É óbvio que o CDS - que abriu o processo de revisão constitucional apresentando o primeiro projecto nesse sentido - que, como é sabido de todos, se bate pela revisão de uma Constituição que nunca aprovou, não pode deixar de se congratular com as possibilidades abertas hoje com as notícias que nos vão sendo dadas: possibilidade de acordo em relação à lei das privatizações - abertura do PS nessa matéria e abandono de algumas críticas, abandono com o qual também nos congratulamos pois sempre achámos que eram críticas pouco razoáveis; possibilidade de um acordo próximo em relação à questão da delimitação dos sectores; divisão de poder novamente dentro da União Geral dos Trabalhadores e preservação dessa grande central sindical democrática dos trabalhadores.
Tudo isso é positivo e tudo isso leva a que nos congratulemos e a que utilizemos a possibilidade de usar da palavra, neste momento, para esclarecer a nossa atitude perante esse acordo.
Por vezes estranhamos atitudes que não são, todas elas, pautáveis por uma lógica linear. Ainda temos a preocupação com a coerência das nossas atitudes e vamos ser sempre escravos dessa lógica.
No entanto, que essa estranheza crítica não possa ser entendida como uma atitude de reserva em relação ao grande acordo do qual estamos à espera.
Nessa altura, a alternativa da oposição democrática, embora reduzida a 4 deputados, será obviamente a do CDS.
E passamos à questão que nos ocupa hoje, Srs. Deputados.
A primeira observação que nos cabe fazer é que, em relação a esta proposta, é necessário desfazer o mito sobre ela construída principalmente pelo PCP e hoje

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de novo alimentado, no seu estilo habitual, pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
Trata-se de um mito, obviamente. Perguntaria a V.Ex.ª se houve concurso de iniciativa privada, de empresas privadas, no sector adubeiro ou no sector cimenteiro, que se encontram desde 1983, abertos à iniciativa privada.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não houve! O que de importante havia a fazer nesta matéria foi feito, quebrando um velho tabu português. Tabu que não resultou do 25 de Abril, mas que vem do tempo do Dr. Salazar que tinha, nessa matéria, uma opinião que, porventura, faria corar de vergonha alguns dos progressistas de hoje em dia, o que era a atitude que se traduzia em não consentir a penetração da iniciativa privada, por exemplo, no sector bancário de investimento.
Tabu mau, prejudicial à economia portuguesa, que foi desfeito em 1983 - e ainda bem! - pelas forcas do bloco central ao rever a velha lei de 1977, também preparada por essas mesmas forças.
Ainda hoje me recordo de ver os filmes e as fotografias do Sr. Dr. António Rebelo de Sousa e do Sr. Eng.º António Guterres preparando em conjunto a Lei de Delimitação dos Sectores. Hoje estão ambos no mesmo partido - suponho que ainda... -, mas na altura estavam em partidos diferentes.
Já houve, portanto, essa conjugação que anunciava já em 1977 o bloco central. Depois, em 1983, o bloco já constituído deu a grande machadada na reserva dos sectores - e deu-a bem, deu-a com o nosso aplauso! -, abrindo o sector bancário e o sector segurador à iniciativa privada.
Isso é que foi importante! O resto, como dizem os americanos - e perdoe-me o PCP esta referência - são amendoins, Srs. Deputados. O resto não são mais do que amendoins!
O que o regime da delimitação dos sectores tinha de negativo, como revelação dos princípios da preservação da independência do poder político face ao poder económico, e da apropriação colectiva dos principais meios de produção, residia precisamente na reserva do sector bancário e do sector segurador, Srs. Deputados. Era essa a via pela qual o poder financeiro verdadeiro, que estava vedado às entidades privadas.
Hoje não é assim e a provar que não tinham razão os que tantos receios alimentavam. Aí houve iniciativa privada! Há agora bancos privados! E houve algum mal com isso? O poder político sofreu, porventura, com isso? O poder político está dominado pelo poder económico?
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas entende que sim e terá certamente alguns argumentos que julga comprovarem a sua opinião. Eu entendo que não, Srs. Deputados. Entendo que é mais salutar o regime que hoje vigora, entendo que a banca pública pode ser, porventura, acicatada hoje pelo aguilhão da concorrência a ser por essa via levada a racionalizar mais os seus métodos de gestão. Por isso, entendo que tudo está melhor.
E tudo está mais positivo graças à medida do bloco central, que tomou essa iniciativa positiva. Outras houve negativas! Para nós será um bloco de má memória, e não só para nós! Mas nessa área teve uma actuação positiva e isso foi importante.
Apesar disso, o espírito do Sr. Deputado Manuel dos Santos, parece ainda hoje dominado pela preocupação de garantir a independência do poder político face ao poder económico, preocupação que não passa de um complexo de democracias políticas pouco adultas.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A independência do poder económico face ao poder político, numa democracia adulta, é um problema que não se põe, Srs. Deputados!
O CDS, Srs. Deputados, não é partidário da completa separação entre o mundo da economia e o mundo da política. O que deixará, porventura, o Sr. Primeiro--Ministro a pregar no deserto algumas vezes, sobretudo quando diz que o PSD não alinha nem com os que admitem que a vida política seja dominada completamente pela lógica do mercado, nem com aqueles que defendem, efectivamente, uma intervenção outrance do político no económico. A isso respondemos que não há ninguém no âmbito da Assembleia a favor da primeira alternativa; razão por que se não entende o esforço argumentativo do Sr. Primeiro-Ministro que fica, portanto, a pregar no deserto. Somos a favor de alguma ingerência do poder político no poder económico, ingerência essa que há-de ser determinada, em nosso entender pela defesa da primazia dos valores do homem, para que a economia esteja, em primeiro lugar, ao serviço do homem, pela defesa dos valores da solidariedade, em segundo lugar e, em terceiro lugar - mas não menos importante -, pela defesa do princípio de que a lógica própria da economia e do mercado não seja adulterada. Ora esse é um importante sector de intervenção que o Estado deve ter nesta matéria.
Entendemos, portanto, Srs. Deputados, que esta disposição legislativa, ao abrir o sector siderúrgico à iniciativa privada, ao abrir alguns segmentos dos transportes ferroviários, vai ter uma importância reduzida! Tal como no sector cimenteiro, vamos estar anos à espera que apareçam candidatos que aproveitem estas benesses.
Espera-se, porém, que não seja assim em tudo o que se vai agora abrir à iniciativa privada! E ainda bem, Srs. Deputados! É porque há alguns sectores que ainda são susceptíveis de serem beneficiados no que toca à sua eficiência, de serem racionalizadas no que toca à sua gestão. Será bom, portanto, que se abram à iniciativa privada. Não vem daí mal nenhum ao mundo! Antes, pelo contrário.
E virá, em termos da constitucionalidade, da violação das disposições constitucionais? Entendemos que não, Srs. Deputados. Os princípios do artigo 80.º, que ainda estão hoje em vigor, ao longo das suas várias alíneas, resultam perfeitamente defendidos como o que se dispõe no artigo 83.º, respeitante à irreversibilidade das nacionalizações.
O respeito por essas tais formas de garantir a independência do poder político, através da apropriação colectiva dos principais meios de produção, resultam mais do que satisfeitos com esse enorme e monstruoso sector público gerador de tantos prejuízos para os portugueses, com tantas deficiências na sua vida económica e no qual, por enquanto, não podemos mexer.
Portanto, o legislador ordinário ao operar no âmbito definido pelo artigo 85.º da Constituição, tem completa liberdade para definir o que é reservado e o que não é reservado ao sector público, pode circunscrever-se

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apenas a certas actividades económicas de natureza infra-estrutural, pode ir até às indústrias do armamento ... Suponho que não há limites que não sejam os de uma maior racionalização da vida económica.
Há, porém, uma questão que deverá ser cuidadosamente ponderada, que para nós não oferece grande dúvida, mas que, porventura, vai inquinar este diploma. É a questão da gestão.
Infelizmente, na revisão de 1982, nem tudo pode ser bem feito. O consenso - temos que nos ir habituando a isso -, por vezes, introduz alguns defeitos em termos de resultado. Foi o caso desta ideia que os constitucionalistas de 1982 tiveram de definir um sector residual como é, sem dúvida, o sector privado, no quadro do actual equilíbrio de forças, embora não o sendo no que respeita à verdadeira influência que ele tem na economia nacional.
Mas definiu-se efectivamente o sector privado em função, também, da natureza da gestão, o que pode levar alguém a considerar - como o fez o Sr. Juiz do Tribunal Constitucional que relatou o acórdão que nos ocupou esta manhã - que a gestão pública ou privada é caracterizadora ou descaracterizadora do sector público ou do sector privado.
Eu entendo que não é inteiramente assim e que a gestão concedida, que o Governo se prepara para abrir a entidades privadas, não será geradora de uma descaracterização do sector público.
Mas a dúvida persiste e sobre ela deveríamos porventura ponderar. Efectivamente, não seria bom que, uma vez mais, tivéssemos um diploma aprovado por esta Assembleia afectado por uma declaração de inconstitucionalidade.
Será, no entanto, essa a única hipótese de inconstitucionalidade, embora para nós, o não seja e vamos pautar o nosso voto nessa perspectiva.
É claro que há algumas obscuridades nesta proposta de lei e alguns conceitos imprecisos, que foram hoje já sublinhados durante o debate. Vamos bater-nos para que, na especialidade, lhe seja conferida maior precisão, se tivermos essa oportunidade.
Com a consciência de que o passo dado é muito pequeno e de muito pouca importância - o passo grande foi dado (e felizmente já foi dado) em 1983, senão estaríamos ainda hoje muito mais atrasados do que já estamos, muito mais atrasados em relação às metas que temos de cumprir em 1992 - vamos votar favoravelmente a Proposta de Lei n.º 477V.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de lhe solicitar que me esclareça melhor, com o fim de dar algum sentido à parte inicial da sua intervenção - algum sentido para mim, como é evidente, pois ela tem muito sentido para a Câmara e, em particular, para V. Ex.ª -, sobre o que é que houve de novo no comportamento do PS hoje, aqui - quando digo hoje, refiro-me ao dia 23 de Junho de 1988 e não a este momento específico, a esta oportunidade histórica que estamos a atravessar -, que leva V. Ex.ª a fazer as considerações preliminares que fez.
Já agora aproveito para lhe dizer que, ao contrário do que referiu, penso que o problema principal que se coloca às sociedades democráticas e, particularmente, à sociedade portuguesa, já não é o da subordinação do poder económico ao poder político, embora também não aceite a separação absoluta dos dois poderes, pois estão intimamente ligados.
Esta questão nem sempre me preocupou - preocuparam-me outras coisas, tive outro tipo de postura perante esta realidade -, pois o que me preocupa neste momento é muito mais o controlo da informação do que o controlo da propriedade. O que me angustia e preocupa - penso que também ao meu partido - é que, em sociedades democráticas e abertas como a sociedade portuguesa, se possa fazer um controlo completo da informação e da comunicação. Isto é, na realidade, muito mais importante, provocando também a subordinação do poder político ao poder económico.
No entanto, o que lhe queria fundamentalmente perguntar é o que é que há de novo, já que estou realmente intrigado sobre este assunto. Com efeito, a primeira parte da sua intervenção dá a ideia de que hoje se criaram aqui factos novos, que o PS fez alguma mutação fundamental no seu comportamento dos últimos tempos. Obviamente, como não notei essa mutação, gostaria de, sobre ela, ser esclarecido por V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, não sei se V. Ex.ª esteve cá de manhã, mas, porventura, só esteve de tarde, e, portanto, não foi sensibilizado pelo que se passou.
Suponho que se passou qualquer coisa de manhã, que evidentemente será apenas um afloramento num conjunto de atitudes. Aliás, devo igualmente dizer-lhe que nos estamos a congratular com o que está por detrás de tudo isso, porque, efectivamente, tal facto abre-nos a perspectiva de rever a Constituição, perspectiva em relação à qual o CDS começava, com grande desgosto, a desesperar - acho que não era apenas o desespero do CDS, mas do próprio país.
Então o que é que se passou hoje, Sr. Deputado? Passou-se o seguinte: quebrando uma certa coerência de actuação, VV. Ex.ªs alteraram um voto que tinham feito contra a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas com possibilidade de alienação de 49% do capital, transformando esse voto, dizia, que foi contra na generalidade e que foi contra em votação final global, num voto de abstenção face a um expurgo de menor importância. Aliás, VV. Ex.ªs votaram desse modo, com a indicação, que o Sr. Deputado sublinhou (agora já o Sr. Deputado), de que se tratava de uma votação significativa de que estavam abertos à venda dos 49%.
De facto, poderá haver duas interpretações nesta matéria.
Sempre entendemos, Sr. Deputado, que vender 49% poderá corresponder a uma medida de alcance muito reduzido e poderá, por isso, ser com facilidade um motivo de acordo entre socialistas e sociais-democratas, não conduzindo, provavelmente, a novidade nenhuma.
Porém, também pode tratar-se de uma mudança de atitude positiva por parte de VV. Ex.ªs, pois também

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admitimos que vender 497o pode ser um primeiro passo no sentido do desmantelamento do sector público.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Para nós pode ser isso e, por tal facto, votamos a favor na generalidade.
Contudo, é pouco! Na verdade, preferíamos rever primeiro a Constituição e, depois, vender 1007o... No entanto, antes de vender 49% ou 100%, dever-se-ia pagar a quem foi espoliado - isso para nós é sagrado, Sr. Deputado!
Portanto, votamos contra na votação final global e votamos hoje, de novo, nesta nova votação final global, que consideramos inútil, desnecessária e talvez inconstitucional!... Mas, meu caro amigo, não há qualquer problema com isso!
Quanto ao mais, Sr. Deputado Manuel dos Santos, queria dizer-lhe que estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª e congratulo-me, também aí, com essa transformação importante. Com efeito, VV. Ex.ªs não estão já preocupados com esse fantasma do controlo do poder político pelo poder económico - positivismo!
A democracia chega, Sr. Deputado, para resolver esse problema! O cavaquismo acabou! Os portugueses são hoje donos do seu voto - e sabemos bem isso...

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Às vezes podem ser um pouco influenciados, por más influências até (Risos do PS e do CDS). Porém, são donos do seu voto, e nós aceitamos o seu julgamento, mesmo quando ele não nos é favorável, pois, como referi, sabemos que os portugueses são donos do seu voto e que, portanto, já não há mais caciquismo.
Sr. Deputado, quanto à questão do controlo de informação, estamos de acordo consigo. Só que VV. Ex.ªs nada fazem para acabar com isso.
Controlo da informação? Com certeza, porque a informação é monopolizada pelo Estado - diz-me aqui o meu colega de bancada - no seu segmento principal: o Telejornal. E cito o meu colega não para tentar livrar-me desta opinião, porque também a tenho.
Portanto, é monopolizada pelo Estado e é objecto da cobiça dos políticos! E não há quem nos defenda disso, Sr. Deputado! Só há uma coisa que nos defende disso: é acabar com o monopólio, quebrar também aí o monopólio e facilitar o acesso privado à titularidade dos meios de informação, mesmo dos audiovisuais!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Apoiado!

O Orador: - Apoiado?! Não sei, não sei se é apoiado, Sr. Deputado!

Risos do PS e do CDS.

Gostaria de me sentir apoiado, mas não vejo bem... É que VV. Ex.ªs continuam, mesmo em sede de revisão constitucional, a ligar muito importância à titularidade pública e às formas de assegurar, em relação a essa titularidade, com conselhos de informação, etc., a independência, a objectividade e o equilíbrio... Não, não...! Independência, objectividade e equilíbrio, só com concorrência!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Só com abertura do acesso à titularidade, só com isso!
É evidente que há limitações. Porém, Sr. Deputado, essa é a receita. Se VV. Ex.ªs querem aceitar essa receita - e, aí, ainda estão com muitas reservas, Sr. Deputado...

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado, era, simplesmente, para o esclarecer que, pelos vistos, V. Ex.ª labora numa profunda e lamentável confusão. Isto porque nós vamos votar contra este diploma, V. Ex.ª vai votar a favor e isso destrói pela base a sua teoria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, queria informar V. Ex.ª que esgotou o tempo de resposta e o tempo do CDS: Portanto, agradecia-lhe que terminasse o seu raciocínio.

O Sr. Joio Cravinho (PS): - Se me permite, Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nogueira de Brito terá todo o tempo do PS para continuar a laborar na confusão!
O Sr. Presidente: - Compreendo que tenha todo o tempo do PS. Simplesmente, a regra para as respostas a pedidos de esclarecimento aponta para um máximo de 5 minutos - aliás, o tempo disponível do CDS - e, portanto, apenas posso permitir que o Sr. Deputado Nogueira de Brito termine o seu raciocínio.

O Orador: - Bem, Sr. Presidente, terminar o meu raciocínio é, muito rapidamente, responder ao Sr. Deputado João Cravinho...

Risos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Essa é uma interpretação muito extensiva, Sr. Deputado. Mas, faça o favor de continuar.

O Orador: - Sr. Deputado João Cravinho, V. Ex.ª perdoará, mas, para nós, o voto contra de VV. Ex.ªs já tem muito menos importância. Isto porque, efectivamente, poderá ser contra agora e de abstenção depois.
É claro que aqui o expurgo vai ser, porventura, mais importante; já não pode ser só de vírgulas, como foi no diploma desta manhã. No entanto, aqui até poderemos realmente aceitar que seja essa a razão. Por isso é que, há pouco, para ficarmos certos, perguntámos ao Sr. Deputado Manuel dos Santos quais eram as disposições constitucionais que motivavam a discordância do PS.
Evidentemente que vamos, efectivamente, votar a favor na generalidade. Aliás, não temos aqui alterações de monta a fazer em sede de especialidade, porque, tal como o estamos a fazer na generalidade, queremos sobretudo significar que estes primeiros passos são, para nós, importantes se aproveitados no sentido de favorecer as privatizações.

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Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: À semelhança da posição que tomou quando foi discutida a lei que permitirá privatização parcial de empresas públicas, o PRD sustenta o ponto de vista de que a privatização será de admitir nos casos em que venha a contribuir para o aumento da eficiência produtiva. O critério da eficiência não pode, porém, ser o único a considerar. É necessário que se atenda também a outros objectivos, nomeadamente a distribuição do rendimento e a concentração do poder económico.
À luz destes critérios a privatização será de admitir e tenderá mesmo a ser frequentemente vantajosa nos sectores em que haja concorrência activa, quer interna, quer externa. Nesses sectores, a concorrência obriga a que tenha de haver eficiência e impedirá que se gerem privilégios excessivos e concentrações de poder económico. Desse modo, a abertura à iniciativa privada das indústrias petroquímicas de base, siderúrgica e de refinação de petróleos não suscitam ao PRD grandes reservas. Isso, porque todos esses sectores estarão, por causa da CEE, sujeitos a viva concorrência externa.
É verdade que não serão de esperar grandes resultados das modificações que o Governo agora propõe para as indústrias mencionadas. Não nos parece que se possa prever um grande interesse pelo estabelecimento de empresas privadas na siderurgia, nos petróleos e na petroquímica. Também o Decreto-Lei n.º 406/83, que veio permitir o acesso de empresas privadas às indústrias adubeira e cimenteira, só teve efeitos retóricos e não produziu quaisquer resultados práticos. E porquê? Terá o Governo meditado sobre esta questão? Será que a iniciativa privada ainda não acredita neste Governo? Será que existe também aqui um problema de mercado? O que procura então o Governo com esta tentativa de abertura? Não gostaríamos que se tratasse de mais uma acção de propaganda aproximando-se das fronteiras da demagogia eleitoral. Esperamos, sinceramente, que o Governo e os grupos económicos desmintam esta possibilidade, que aqui se deixa como uma hipótese de trabalho, mas que terá alguma consistência...
À luz do mesmo critério a abertura dos transportes aéreos regulares internos ao sector privado também parece admissível. Dadas as dimensões exíguas do País, o transporte aéreo no Continente sofre forte concorrência dos transportes rodoviários e ferroviários e, portanto, não são de temer os efeitos indesejáveis de eventuais posições de monopólio nesse sector. Já o mesmo não se pode dizer a respeito dos transportes aéreos entre o Continente e as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores ou entre as diferentes ilhas dessas regiões autónomas, mas esse é essencialmente um problema regional que melhor será tratado no âmbito das competências dos órgãos das regiões autónomas.
Poderá haver justificação para que o próprio transporte aéreo internacional venha a ser aberto no futuro à iniciativa privada, quando for estabelecida a livre prestação de serviços de transporte no interior da CEE, em harmonia com o programa de construção do mercado interno nessa Comunidade. Nessa altura, a existência de concorrência de outros países retirará as razões de ser à existência de um monopólio público.
Simplesmente, demorarão ainda muitos anos antes que se chegue a uma situação de livre concorrência nos transportes aéreos internacionais na CEE. Até lá justifica-se que não se abra inteiramente o sector à «iniciativa privada».
A solução proposta do Governo de permitir que o transporte aéreo regular seja exercido por empresas de capital maioritariamente públicos não servirá para muito.
A abertura a empresas privadas ou entidades da mesma natureza dos transportes nas linhas e ramais que venham a ser libertados dos condicionalismos de serviço público ferroviário também merece o apoio do PRD». O argumento do ponto de vista técnico continua a ser o mesmo já atrás apresentado: esses transportes estarão normalmente sujeitos a concorrência adequada por parte dos transportes rodoviários.
Expusemos os pontos de concordância com a proposta do Governo. Acontece, porém, que a posição do PRD é essencialmente dominada por pontos de forte discordância.
Essa discordância manifesta-se em relação à abertura à iniciativa privada aos sectores em que não há possibilidades de uma concorrência efectiva: os sectores de electricidade, do gás, das telecomunicações e dos transportes colectivos urbanos.
A discordância manifesta-se também em relação à exploração ou gestão das actividades reservadas ao sector público, em regime de concessão por entidades privadas.
Nestes casos há monopólios e, portanto, não se aplicam os argumentos que atrás apresentámos a respeito de sectores concorrenciais. Nestes casos, o que o Governo propõe é a substituição de monopólios públicos por monopólios privados. Ora, todos nós sabemos muito bem o que é que podemos esperar de monopólios privados.
Por um lado, nem sempre poderemos esperar grande eficiência produtiva, uma vez que faltam os estímulos da concorrência. Mas, por outro lado, poderemos esperar grandes lucros para as empresas privadas que explorem esses monopólios; grandes lucros conseguidos à custa de preços altos e frequentemente de serviços deficientes.
No fim de contas, o que o Governo pretende com o projecto que nos apresenta é proporcionar mais umas negociatas a uns tantos privilegiados. O que está em jogo não é o interesse nacional nem a eficiência produtiva, mas apenas a atribuição dos chamados benefícios a interesses privados. Para isso, em nosso entender, o Governo procura, no mesmo diploma, dar cobertura a essas negociatas, através da «adequada» mistura de sectores para os quais haverá, em nome da eficiência e do bem público, alguma justificação. É o que diríamos um «crime quase perfeito».

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o debate que neste momento estamos a travar em relação à proposta de lei de autorização legislativa apresentada pelo Governo, tem importância em si e tem importância para aferir o posicionamento dos partidos, tendo em

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atenção o seu percurso histórico, em relação às novas ideias que estão a permear a sociedade portuguesa.
Teria sido de esperar que a primeira questão, tivesse tido prevalência, isto é, que se discutisse basicamente se, em relação àquilo que o Governo apresenta como desejável, era ou não importante que se pudesse abrir o sector privado à produção de transporte e de distribuição de energia eléctrica, à produção e distribuição de gás para consumo público, aos serviços complementares de telecomunicações, aos transportes aéreos regulares, etc.
Efectivamente, alguns partidos - o PS, o PRD, (naturalmente estou a ressalvar a posição do CDS, que foi diferente) - enveredaram por esse caminho. Porém, cedo obscureceram esse raciocínio com considerações de ordem jurídico-constitucional, por um lado, ou de pretensas considerações de ordem ética e moralista, por outro lado, que, no caso, eram inteiramente despropositadas e que, exclusivamente, visavam retirar efeitos políticos fáceis.
Julgo que seria importante sublinhar devidamente - aliás, como o fizeram os Membros do Governo que apresentaram a proposta legislativa - que o que está em causa é o facto de saber se é ou não importante para o progresso do país que os sectores que actualmente estão vedados à iniciativa privada sejam abertos a essa iniciativa, sejam removidos esses obstáculos e que, através da privatização, da desregulamentação, da concorrência, seja possível obter aumentos de produtividade, a inovação e o progresso. Se houver argumentos contra alguma das alíneas que são apresentadas pelo Governo para que esses progressos se não possam registar, tal deve ser dito e demonstrado em termos claros e inequívocos, e, naturalmente, a oposição prestará um bom serviço para a formação de uma decisão correcta e útil.
Não isso o que por parte do PCP aconteceu - aliás, devo dizer que tal não nos admira. Contudo, espanta-nos um pouco mais o que, muito timidamente, aconteceu por parte do PS e do PRD.
Todavia, o PS apresentou nesta Câmara um projecto de lei que dá alguns passos extremamente significativos e que, portanto, naturalmente inculcaria a ideia de que iria discutir esta matéria basicamente no sítio onde ela deve ser discutida, isto é, na utilidade ou inutilidade de obter o concurso da iniciativa privada para, nestes sectores, se conseguir avançar mais rapidamente.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É, repito, nesta sede que a questão deveria ter sido discutida. Mas, curiosamente, o debate deu-se prevalecentemente noutra zona: na zona da constitucionalidade da proposta. E é muito significativo o que temos vindo a dizer, ou seja, que ainda permanece numa parte desta Câmara e nalgumas forças políticas uma certa visão fantasmagórica de determinados mitos, que uma certa interpretação da Constituição certamente anima, mas que já se não justificam e que, afinal de contas, nos fazem dizer, com toda a razão, que em muitos aspectos, infelizmente, a Constituição, na sua versão actual, facilita o imobilismo e representa um colete de forças em relação ao progresso.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que se colocam questões importantes em matéria de revisão constitucional - e lá iremos -, mas também é por isso que, desde já, importa clarificar que mesmo com a actual versão da Constituição a argumentação que tem sido expendida não é justificada.
Foi por isso que há pouco perguntei ao Sr. Deputado Manuel dos Santos se era ou não exacto que o seu partido interpretava um preceito programático da Constituição, que refere que «é objectivo do Estado, na sua actividade económica, a apropriação dos principais meios de produção de solos e recursos naturais» num sentido, facultativo, isto, e no sentido de que o Estado poderia ou não prosseguir esse objectivo. É que na versão originária da Constituição, na interpretação que lhe dá o PCP, esse era um princípio estruturante da via única para um socialismo colectivista e para uma sociedade sem classes, conseguida, como se dizia no artigo 2.º da redacção de 1976, pelo exercício do poder pelas classes trabalhadoras. Representava toda uma ideia revolucionária e falava-se que o processo revolucionário em curso seria dirigido pelo MFA e tutelado pelo Conselho da Revolução.
Essa redacção originaria da Constituição de 1976 resultava de um compromisso instável entre dois princípios estruturantes.
De um lado, o princípio democrático que se baseava claramente na afirmação de que o poder político, a soberania, pertencia ao povo, que havia uma democracia representativa e pluralista fundamentada na existência de diversos partidos, que havia separação de poderes e que se respeitavam os direitos fundamentais.
Ora, isso, que nos coloca ao lado das restantes democracias ocidentais, era contrastado, por outro lado, pela circunstância de, simultaneamente, se afirmar que se pretendia a construção de uma sociedade sem classes pelo tal exercício do poder pelos trabalhadores, distinguindo-se os trabalhadores dos demais cidadãos, dando-se-lhes um favor pela realização da apropriação colectiva dos principais meios de produção pela via das nacionalizações, dum plano obrigatório para o sector público e condicionante do sector privado, pela reforma agrária e, ainda, por uma certa interpretação dos direitos sociais.
Isto, obviamente, traduzia-se na ideia de que o sector privado era um sector residual, conduzindo à interpretação de que todos os domínios das empresas públicas era algo que tinha de ser avolumado e agigantado e que seria um crime de lesa-majestade ou de lesa-Constituição tudo aquilo que representasse, nessa perspectiva, um andar para trás.
É essa interpretação que o Partido Comunista, obviamente fiel à sua ideologia, mantém.
Mas não é essa a interpretação que o Partido Socialista, felizmente, apresenta, quer na sua proposta de revisão constitucional, quer na sua prática política. Só que, não retira daí todas as consequências, não vai suficientemente longe, não é completamente coerente em relação aos princípios que afirma.
Por isso, ainda hesita e faz equivaler a ideia de que pode haver sectores vedados à iniciativa privada, conforme refere o artigo 85.º, com a ideia de reserva absoluta e necessária, quando, afinal, o que a Constituição diz é que tem de haver um sector público, mas não diz que esse sector público tem de constar, fundamentalmente, de sectores reservados, excluindo a concorrência de outras empresas.

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Esta é uma lamentável conclusão que leva a retirar consequências em termos quantitativos e a dizer: «Bem, a nossa proposta só abre à iniciativa privada mais três ou quatro sectores, e, portanto, é constitucional; a vossa abre mais uns quantos e, logo, é inconstitucional». Quando, como vimos há pouco, o único critério válido é a discussão, caso a caso, se é bom ou é mau que a iniciativa privada faça frutificar a actividade nesses sectores.
Este, afinal, o ponto que, repito, acabou por se tornar o centro dos debates. É significativo que isso aconteça e que, de resto, se branda o fantasma de que o Tribunal Constitucional vai apreciar negativamente - qual legislador negativo - esta matéria, para pretender infundir algum receio à maioria desta Câmara.
Penso que o Tribunal Constitucional, naturalmente, procurará interpretar a Constituição de acordo com os seus critérios. Nós respeitamos os juizes, mas não acreditamos na sua insensibilidade à correcção pela argumentação que apresentamos.
Não tememos, portanto, que o Tribunal Constitucional seja apresentado como o guardião da visão mais tradicionalista e, digamo-lo, mais reaccionária da Constituição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Existem, com efeito, alguns pontos que foram apresentados pelo Partido Socialista, e também pelo PRD, que nos merecem atenta consideração quando, na especialidade - depois da aprovação, segundo espero, na generalidade deste diploma -, nos debruçarmos sobre o articulado. Dizem respeito à necessidade de definir, com o indispensável cuidado, algumas das alíneas e a extensão exacta em que, afinal de contas, se abrem à iniciativa privada determinados sectores.
Estamos de acordo que se tornará necessário formular com cuidado essas disposições e que um debate esclarecedor deverá ser estabelecido, quer na Comissão, quer, eventualmente, no Plenário, de modo a saber-se com nitidez aquilo que efectivamente é autorizado. Mas pensamos que o local apropriado para o fazer é em sede de especialidade.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito fez aqui um improviso brilhante. Apesar de ele não estar neste momento presente, não quero deixar de prestar a minha homenagem por aquilo que referiu. E disse algo - penso que de uma maneira irónica e, como que lançando algumas setas - que reputo de exacto: a constatação importante de que o debate que se vem fazendo, quer no seio da Comissão de Revisão Constitucional, quer aqui no Plenário, tem vindo, progressivamente, a revelar que a revisão da Constituição é possível; que o entendimento entre as forças democráticas para actualizar a Constituição, de acordo com as necessidades de progresso do país, é viável e que a circunstância de discutirmos estas matérias, que são particularmente sensíveis porque é aqui que se revela se ainda é actual ou não o tal princípio estruturante colectivista marxista-leninista, tem permitido apurar um entendimento claramente favorável no sentido da inovação e do progresso.
Isso indicia, efectivamente, que há uma esperança sólida, que é também alicerçada na vontade política manifestada pelos dois partidos, de se conseguir a revisão da Constituição. Só que, nesta matéria, não
estamos a discutir a revisão da Constituição, mas, sim, aquilo que é permitido - e na nossa opinião é perfeitamente lícito - face à actual versão do texto constitucional. Nesse sentido, parece-nos que alguns dos seus receios quanto à gestão terão de ser, naturalmente, ponderados, mas apenas em termos de se saber se, admitindo a tese de que a concessão passa a gestão para o sector privado, - admitindo sem conceder, mas como hipótese, raciocínio ou exercício -, tal questão altera os dados do problema. Penso que, quando o Sr. Deputado Nogueira de Brito considera que isso pode alterar os dados do problema, está, afinal de contas, a ceder à mesma interpretação quantitativa que inicialmente criticou no Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Terminaria dizendo que esta discussão seria relativamente sucinta e pouco importante se os tais fantasmas do passado se não tivessem avolumado e precipitado nesta ocasião.
Se nós dissiparmos aquilo que considero uma interpretação caduca da Constituição ou, se se quiser, o resultado da caducidade do princípio estruturante colectivista que animou, em tempos, o articulado constitucional, julgo que as coisas se tornam extremamente simples e se trata, em última análise, de saber, em relação à proposta do Governo, se interessa ou não interessa, em termos de inovação, de progresso, de avanço, de modernização da sociedade portuguesa, que se conte com a iniciativa privada ou, pelo contrário, que se estabeleçam ainda - tipo reserva de caça - áreas onde não é possível que tal iniciativa se realize.
Pelo nosso lado, estamos firmemente convictos que vale a pena abrir a economia à inovação e que, desde que seja justificada, como foi já feito nesta discussão pela apresentação realizada pelos Membros do Governo que intervieram, encontrarmos uma motivação suficiente para lhe darmos o nossos voto positivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, ouvi com toda a atenção a sua intervenção e penso que um dos pontos que colocou é bastante central, qual seja o de demonstrar, se, efectivamente, esta lei contribuiria ou não para o progresso, para a inovação, para a modernização do país e do aparelho produtivo. Mas não basta afirmar, pois assim é só propaganda.
Associar mecanicisticamente, sem qualquer demonstração - e podemos demonstrar o contrário - que a inovação e o progresso estão com a iniciativa privada, não é nada.
A primeira questão que coloco ao Sr. Deputado é a seguinte: demonstre, apresente um caso - e eu cá estarei para depois pedir a palavra - em que esta abertura se irá traduzir em inovação, em progresso, em modernização, e se o mesmo não pode ser feito com o sector socializado. Ou a questão está nos gestores do PSD? Ou a questão está neste Governo? É que, como sabe, ainda recentemente o Presidente da Associação Industrial Portuguesa fez uma afirmação curiosa. Disse que «as empresas com elevadas potencialidades económicas foram entregues de bandeja a grupos económicos internacionais com a conivência de responsáveis da Administração». Esta é outra questão.

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Se o Sr. Deputado passar uma vista de olhos por algumas das participações que têm sido vendidas verificará, por exemplo, que a Isopor foi vendida à Dow Chemical Company; que a Companhia Nacional de Borracha - participação do IPE - foi vendida a espanhóis; que na Covina, a multinacional Saint Gobain aumentou a sua participação; que na Citenor, a parte da Quimigal foi vendida aos ingleses e poderíamos continuar...
Portanto, primeira questão: é esta a inovação, a modernização, o progresso do país, o seu valor acrescentado, a independência nacional?
Segunda questão - e agora é para o constitucionalista -: a vedação zero é alguma vedação? O Sr. Deputado, como constitucionalista - se é que pode separar esta vertente da primeira - pode defender que se pode alargar o sector público de tal maneira que o sector privado fique a pendular? Ou o contrário: alargar de tal maneira o sector privado que do sector público, praticamente, nada reste? É isto o que a Constituição diz? Esta é que é a interpretação caduca? A tal interpretação verdadeira, moderna, flexível, enfim, a favor dos interesses do grande capital estrangeiro e nacional - até já sublinho «estrangeiro e nacional» - essa é que seria a interpretação perfeita, a moderna, a da Bayer - como estão aqui a dizer?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Macheie, há outro pedido de esclarecimento. Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, em primeiro lugar, e embora V. Ex.ª não precise, desejo sublinhar a concordância genérica com a sua intervenção reveladora das qualidades de honestidade, moderação e inteligência, que são seu apanágio e reconhecidas por toda esta Casa.
Aproveito para sublinhar, também, e na sequência da sua intervenção, o que o Sr. Deputado acaba de afirmar que o seu partido, e V. Ex.ª em particular, teriam respeito pela decisão que os juizes do Tribunal Constitucional viessem a tomar em relação a essa matéria.
Que excelente lição V. Ex.ª deu a alguma personalidade da vida política portuguesa! Estou inteiramente de acordo e espero que os seus correligionários respeitem, no presente e no futuro - já que não respeitaram no passado -, as legítimas decisões dos juizes do Tribunal Constitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

Estou de acordo consigo quando diz que este debate serve para fazer a história da evolução dos partidos. Aliás, penso que todos os debates servem a mesma finalidade e este não podia fugir à regra. É um debate parlamentar e tem, obviamente, de servir para fazer a história da evolução dos partidos.
Não somos nós que negamos a evolução do Partido Socialista e que há-de evoluir ainda mais, com toda a certeza. VV. Ex.ªs também evoluem e, portanto, isso, naturalmente, tem de se traduzir no concreto, nos debates que aqui estabelecemos.
Também estou de acordo com V. Ex.ª quando diz que a apreciação da bondade desta proposta de lei deve ser feita, de alguma forma, caso a caso. No entanto, já foram colocadas algumas questões, mas que até agora ainda não foram respondidas - naturalmente que o serão pelos distintíssimos Membros do Governo, na altura oportuna.
Coloco, como exemplo, o que em relação à indústria siderúrgica o Sr. Ministro da Indústria afirmou de que não é previsível - e nós sabemos que é - a constituição de uma nova indústria siderúrgica a curto prazo e que haverá segmentos, digamos, da actividade da indústria que exigirão avultados capitais e que, nessa circunstância, se justificaria a associação com capitais privados.
Mas os senhores, em 1987, concretamente no dia 10 de Julho, aprovaram um Despacho conjunto dos Ministérios das Finanças, da Indústria e do Trabalho e da Segurança Social, e até há um Despacho do próprio Gabinete do Ministro da Indústria, onde se define a reestruturação do gestor siderúrgico nacional, destinando, inclusivamente, verbas do Estado (dotações em capitais) para essa reestruturação!
O que pergunto é se, neste caso concreto e pontual, não era possível, através da aplicação de capitais públicos, nesta fase, fazer a reestruturação dos sectores que, efectivamente, precisam de ser reestruturados.
A outra questão que pensava colocar-lhe, já foi colocada pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas, mas, na sua qualidade de constitucionalista - acredite na sinceridade da minha pergunta -, gostaria que me dissesse onde é que termina o tal ponto crítico que há pouco referia.
Para V. Ex.ª, quando é que deixa de ser cumprida a Constituição na sucessiva limitação dos sectores vedados à iniciativa privada? Acha que a proposta do Governo não ultrapassa já esse limite quantitativo e, portanto, não introduz já uma alteração qualitativa?
De resto, aproveito a oportunidade para lhe dizer que o Partido Socialista não arguiu a pretensa - obviamente, pretensa porque ela não foi decretada por ninguém - inconstitucionalidade apenas porque, se estiver recordado, aquando da discussão do recurso de admissibilidade da proposta de lei, o Deputado Vera Jardim, em declaração de voto entregue na Mesa, embora esteja assinada pelo Deputado Jorge Sampaio, afirmava que a proposta de lei, em si, continha manifestas inconstitucionalidades não só, como acabei de referir, porque reduzia drasticamente o sector de reserva pública mas também porque possibilitava a entrega da gestão da quase totalidade das empresas, em relação às quais hoje existe uma reserva (entidades privadas em regime de concessão), fazendo-as, assim, passar para o sector privado. Por isso é que ela é inconstitucional.
São estas duas questões que lhe coloco, mas volto a sublinhar-lhe o enorme apreço que tenho pela sua intervenção, que me parece ser - como, aliás, é seu apanágio - uma intervenção correcta, moderada e inteligente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Carlos Carvalhas começou por dizer «que não basta afirmar, é necessário provar».

Penso, sinceramente Sr. Deputado, que se V. Ex.ª aplicasse essa regra à sua exposição teria muita dificuldade em ter dito o que disse, porque não provou nada, limitou-se a afirmar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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- Porém referi, louvei-me nas intervenções aqui produzidas pelos Srs. Membros do Governo e devo dizer-lhe, também, que eu não sou a favor das empresas privadas por razões ideológicas.

Risos do PCP.

Penso que as empresas públicas não são más em si, mas, infelizmente, a contaminação que se registou em matéria de empresas públicas, da instrumentalização que foi feita, por parte do poder político e da Administração, em relação à gestão das empresas e a falta de motivação dos gestores tem conduzido a resultados verdadeiramente infelizes na generalidade dos casos.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Fazem o mal e a caramunha!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É a sua gente!...

O Orador: - Aliás, devo dizer-lhe que quando leio aquilo que um notável líder político dos nossos dias está a fazer na União Soviética, as razões por que o faz são do mesmo tipo. No fundo, ele encontra uma profundíssima ineficiência. As razões por que existe hoje perestroika e a glasnost não são porque o Sr. Gorbachev deixe de ser marxista-leninista, não são porque ele deixe de acreditar no papel do PC Soviético, mas são porque ele quer, e muito legitimamente, que o seu povo não tenha que sofrer os desperdícios de um sistema burocrático.
Penso que é algo extremamente louvável e devemos meditar na lição de um homem lúcido e paradigmático, e V. Ex.ªs de uma maneira muito particular.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
É evidente que quando faltam argumentos, o melhor é sairmos das fronteiras nacionais.
Quero perguntar-lhe há quanto tempo é que o PSD está no Governo. Há quantos anos?
Se esse mal e a caramunha, são os gestores e essa contaminação, já que as empresas públicas não são más em si, então fique sabendo que estamos de acordo com aquela delimitação de sectores. Mais, se o Sr. Deputado quiser apresentar aqui uma lei - detém a maneira e, portanto, a lei passaria - de tal maneira que sejam os trabalhadores a elegerem os gestores, como se passa nesse país, damos desde já o nosso apoio. Então, fique a saber que as empresas públicas serão bem geridas e não têm esse problema da contaminação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Muito obrigado pelas suas observações, mas a verdade é que conheço bem o que se passa na União Soviética - tanto quanto é possível saber - e como funciona o sistema. Sabemos que é essa uma das razões que levou o Sr. Gorbatchev a propor o que propôs, e acho que estamos a assistir a algo de verdadeiramente notável.
Quanto à crítica velada que faz ao PSD porque está no Governo e instrumentalizar as empresas, digo-lhe que o problema não é do PSD mas da estrutura. Tal como
as coisas estão delineadas todos os partidos políticos, ao exercer o poder, terão, fatalmente, que instrumentalizar as empresas, a não ser que não sejam deste mundo e sejam angélicos.
Voltando à última questão que colocou e que, porventura, será a mais importante, no fundo, V. Ex.ª coloca duas questões básicas.
A primeira retomou uma já antiga tese sua, que é muito curiosa, e que é a de fazer assentar a capacidade de resistências e de autonomia do país, face aos desafios da C.E.E., no sector público.
Já o ouvi defender isso e devo dizer-lhe, sinceramente, que, como tese geral, não acredito nisso. Não excluo a hipótese de poder haver utilidade em ter determinados esquemas públicos, o que não têm nada a ver com o problema de lhe estar vedado.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, V. Ex.ª esquece que o vedar os sectores produtivos não é vedar a comercialização nem a venda dos produtos e, como o mercado aberto, por essa via não vai evitar a concorrência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, se V. Ex.ª pondera que aqui ou além pode ser útil ter uma estratégia nacional utilizando empresas públicas, direi que depende, caso a caso, sector a sector, ponto é que essa estratégia seja estabelecida e exista.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Mas quais as que ficam?

O Orador: - No entanto, não tenhamos a ilusão, pura e simplesmente assente em critério ideológicos, de julgar que, pela simples circunstância de serem empresas públicas, elas garantem uma estratégia de autonomia nacional e são a via mais eficaz para o fazer. Não é assim, infelizmente. O desafio perante o qual estamos é suficientemente grave para não termos esse tipo de ilusões ideológicas que nos podem ser fatais.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Não são razões ideológicas, mas económicas!
O Orador: - Uma outra questão que me colocou é relativa ao problema de ser ou não inconstitucional a redução para zero dos sectores que estão vedados à iniciativa privada.
Devo dizer que no vosso espírito continua a subsistir uma confusão, que é a de pensar que a eliminação de sectores vedados à iniciativa privada coincida com a eliminação do sector público. Isso não é exacto. Uma coisa está prevista no artigo 89.º - bem ou mal está lá prevista -, e que é a coexistência dos diversos sectores; outra coisa é a de haver sectores vedados.
Portanto, o que está em causa não é um problema de garantia do sector público mas, sim, saber o que é melhor para a prossecução do interesse nacional. Se fosse demonstrado que não havia nenhum sector em que se justificasse esse impedimento, dir-lhe-ia que essa consideração levava, dentro da interpretação correcta do n.º 3 do artigo 85.º, a entender essa matéria como constitucional. Mas há sectores onde se verifica esse impedimento e, de resto, o Governo mantém esses sectores vedados. V. Ex.ª sabe que não é uma redução a zero e penso até, que os sectores que são mantidos vedados pelo Governo são aqueles que, efectivamente, em princípio, deverão ser

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vedados, muito embora não saiba se, por exemplo, em matéria de armamento um dia não teremos de evoluir. Mas nesta fase e na actual conjuntura essa posição tem o meu acordo.
Ao Sr. Deputado Manuel dos Santos quero agradecer as palavras simpáticas que me dirigiu acerca da minha intervenção e muito rapidamente, queria dizer-lhe duas ou três coisas.
Em primeiro lugar, na sua intervenção, traduzindo a ideia hegeliana de que a quantidade, a folhas tantas, se transmuta em qualidade - isto a propósito da ideia de palhinha -, V. Ex.ª perguntou qual era o ponto crítico. Já disse, quando respondi ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que para mim o problema não se põe, no n.º 3 do artigo 85.º, em termos quantitativos.
A segunda questão que me colocou, essa mais importante, a meu ver, foi a da gestão. Não vou aqui entrar na questão, que, aliás, foi brilhantemente explanada no relatório do Dr. Mário Raposo, acerca da natureza da concessão. Nos termos da Constituição é difícil não pensar que, para certos efeitos, é gestão privada, mas noutros termos, por exemplo em termos de Direito Administrativo, há muitos aspectos publicísticos.
Este é um problema que volta a reconduzir-se à questão quantitativa de há pouco. Em todo o caso, admito que, em sede de especialidade, possamos discutir mais aprofundadamente a matéria e encontrar algumas soluções que, eventualmente, levem a um suporte mais alargado das propostas sobre este ponto específico.
Há ainda uma última questão que V. Ex.ª referiu e que gostaria de abordar. Tem V. Ex.ª toda a razão quando refere que o Partido Socialista evolui, que o PSD evolui, que o CDS evolui e até - tenhamos esperanças - que o PCP há-de vir a evoluir. Só não evolui quem não tem cabeça e quem não é capaz de pensar. Congratulo-me pela evolução registada no Partido Socialista, mas penso que, às vezes, a dinâmica dessa evolução podia ser um pouco mais acelerada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por uma questão de gestão dos nossos trabalhos, a Mesa agradecia que os Srs. Deputados fizessem as suas inscrições com antecedência e, se possível, indicando aproximadamente o tempo que pretendem utilizar.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei de autorização legislativa da nova delimitação de sectores constitui mais um passo de uma atentória caminhada legislativa contra o sector empresarial do Estado, numa verdadeira fúria privatizadora. O Governo pretende, desta forma, permitir aos grandes grupos económicos a possibilidade de se apoderarem de sectores fundamentais da nossa economia, como os transportes, as indústrias petrolíferas e petroquímica, as telecomunicações e a Siderurgia Nacional.
É sobre este último sector que pretendo centrar a minha intervenção.
A Siderurgia Nacional é uma empresa viável e economicamente rentável, conforme provam os seus resultados económicos, que nos últimos 5 anos somaram 14,2 milhões de contos. Em 1987, a Siderurgia Nacional-EP alcançou os seus melhores resultados de sempre em produção e vendas, ao produzir 853 mil-toneladas de aço (mais 13,1% que em 1986).
Enquanto isto, Portugal comprou ao estrangeiro 883,5 mil toneladas (mais do que a nossa produção), 87% das quais da CEE.
Por outro lado, enquanto as vendas totais da Siderurgia Nacional ascenderam a 46,9 milhões de contos (mais 8,8 que em 1986), o país gastou 65 milhões em importações de ferro e aço (mais 12 milhões que em 1986).
Ao mesmo tempo mantêm-se desaproveitados 45 milhões de contos em equipamentos para aumentar a produção. É lícito perguntar:

- Porque não se rentabiliza o investimento?
- Porque não se avança com a instalação do novo alto forno de l milhão de toneladas que se mantém encaixotado, em vez da reconstrução, certamente dispendiosa, do actual?
De facto, o aproveitamento dos equipamentos permitiria aumentar a nossa capacidade produtiva em mais de 1 milhão de Ton./Ano.
Permitiria, paralelamente, o aproveitamento dos nossos recursos naturais (minério de Moncorvo), possibilitando, deste modo, a criação de mais 3 mil e 300 postos e trabalho. Poupar-se-ia anualmente 35 milhões de contos em divisas.
Com a integração de Portugal na CEE e a política subserviente do Governo aos interesses dos grandes grupos internacionais, a Siderurgia Nacional está a ser escandalosamente impedida de realizar um verdadeiro projecto de desenvolvimento.
Por isso, o Governo e a CEE mistificam a realidade quando dizem que querem reestruturar a siderurgia portuguesa. Os seus objectivos são claros nesta proposta de lei: a entrega deste importante sector aos grandes grupos económicos privados.
Com essa falsa reestruturação, o país gastaria mais de 50 milhões de contos para ficar com menos capacidade produtiva, deixar de fabricar alguns produtos e aumentar o desemprego existente, acabando com 2 mil postos de trabalho, sobretudo na já flagelada região de Setúbal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os trabalhadores desta empresa, na defesa dos interesses nacionais, têm vindo a apresentar soluções que apontam para que a Siderurgia Nacional seja motor de desenvolvimento e geradora de emprego, com a manutenção dos actuais e criação de novos postos de trabalho.
Consideram prioritária a renegociação do Tratado de Adesão à CEE/Prot. n.º 20, sobre actividade siderúrgica, e descongelamento imediato do projecto de asfixia da fábrica do Seixal.
Os trabalhadores propõem ainda: o estabelecimento de relações comerciais com todos os países na base da igualdade, respeito e vantagens mútuas; o combate a todas as tentativas inconstitucionais de venda ou de entrega ao capital privado, estrangeiro e/ou nacional da totalidade ou parte das actuais instalações fabris da Siderurgia Nacional; a melhoria das condições de vida e de trabalho, o respeito pelos seus direitos e garantia de estabilidade no emprego; a concretização de um verdadeiro projecto de modernização e ampliação da Siderurgia Nacional-EP, o que é inseparável de uma política de desenvolvimento económico independente que aproveite e não aliene os recursos nacionais, que cumpra os princípios fundamentais da Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O distrito de Setúbal, já foi suficientemente

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flagelado por políticas contrárias ao desenvolvimento, ao progresso, à modernização e à justiça social.
Pretendemos falar de um caso concreto. Mas aqui se poderia ter referido outros como a Setenave e a Quimigal, cujos processos de reestruturação em curso, a pretexto de as tornar mais dinâmicas, flexíveis e viáveis, são afinal projectas de claro desmembramento atentatório do desenvolvimento económico e com a ameaça de despedimentos em massa.
Não quer este Governo aproveitar a capacidade criadora, as propostas, as soluções, a disponibilidade e vontade dos trabalhadores e das suas obrigações para se recuperar atrasos e evitar dependências ao estrangeiro. Pelo contrário, pretende servir interesses de grupo, engrossar fortunas dois que mais têm e mais podem.
Por isso, lutam e lutarão, estabelecendo a dialéctica da defesa dos seus direitos com as transformações económicas operadas com o 25 de Abril e que a Lei Fundamental consagrou como irreversível!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, adaptando uma frase que, normalmente, se pronuncia noutra língua, diria que, no melhor do nosso conhecimento, podemos terminar relativamente dentro de pouco tempo. Por isso, continuaríamos os nossos trabalhos até ao terminus da discussão da Proposta de Lei n.º 47/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em complemento àquilo que já disse, gostaria de tecer mais algumas considerações sobre a nossa proposta de lei, no que toca ao sector eléctrico e face ao que disse o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
A questão do sector eléctrico não tem que ver com a substituição de um monopólio público por um monopólio privado. Com efeito, é inteiramente irrealista pensar que se vai substituir a titularidade pública pela titularidade privada na EDP - não é esse problema que está em causa. Pelo contrário, a questão em causa passa pela abertura de alguns segmentos da EDP à iniciativa privada e a outros sectores de actividade económica. Trata-se, no fundo, de permitir que outros sectores económicos possam explorar a actividade independente de produção de energia eléctrica, na sequência, aliás, da dinâmica criada pela lei do auto-produtor de energia eléctrica.
Neste momento, temos já em carteira pedidos de instalação de produtores independentes de energia eléctrica, cuja soma de potência equivale a 250 Megawatts. Isso significa que com esta dinâmica criada, o sector privado consegue instalar uma potência equivalente a um grupo de Sines.
Ora, está a verificar-se que a limitação de potência de 10 Megawatts que é introduzida a esse sector privado, é manifestamente insuficiente face à dinâmica gerada. Portanto, pretendemos que seja permitido à actividade privada a instalação e produção de energia eléctrica em centrais com potências superiores àquelas que, neste momento, lhe são permitidas.
Sr. Deputado, é fácil de perceber porque é que isto deve ser assim e fácil é explicá-lo. A EDP é uma empresa em profundo desequilíbrio financeiro e todos sabemos que todos os organismos que crescem de mais e de uma forma desordenada é necessária uma «cura de emagrecimento» para, depois, poderem crescer de forma equilibrada e saudável. Numa empresa em profundo desequilíbrio financeiro, tudo o que faça para minorar o esforço em investimento é saudável para a própria empresa. Se isso não acontecer, investir numa empresa nessas condições é aumentar-lhe ainda mais esse desequilíbrio e contribuir para agravar os seus problemas.
Por isso, face à situação actual da EDP, tudo o que em Portugal se puder fazer para minorar o investimento em centros produtores é essencial para a empresa, e isso pode fazer-se gerando toda a dinâmica para que o sector privado instale aproveitamento de energia eléctrica, para a sua produção. Isso tem sido feito em todo o mundo, mesmo em situações em que as empresas não estão com o desequilíbrio financeiro em que está a EDP, pelo que ainda é mais importante que assim seja quando a empresa está com esse desequilíbrio.
Portanto, não se trata da substituição do monopólio público pelo monopólio privado, ideia que também não compartilho. Muitas vezes quando se faz essa substituição dá-se ainda mais força a esse monopólio. Não é esse o caso.
O que se pretende é introduzir elementos de liberalização e de concorrência no sector público - neste caso, na EDP -, visto que, nalguns segmentos, esses elementos vão rejuvenescer e estimular a EDP, não a destruindo. Em todo o lado se tem visto que assim é.
Um outro aspecto que gostaria de referir tem a ver com a Siderurgia.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos fez uma confusão. Com efeito, quando me referi a grandes investimentos que são necessários fazer, não me referia a investimentos na Siderurgia mas, sim, refinaria, no cracking da Petrogal, no esquema petrolífero.
O que disse relativamente à Siderurgia foi que na área siderúrgica se encaram investimentos que não são para fazer uma nova siderurgia, mas que se podem chamar de complementares em relação à produção siderúrgica, como seja, a produção de gusa e coisas do tipo steelser-vice, e sobre essas é que a lei não é muito clara no sentido de saber se é ou não possível fazê-las em Portugal. É isso o que interessa esclarecer, visto que é irrealista pensar - também nós não o pensamos - que alguém queira tomar conta da nossa siderurgia.
Não é isso o que está em causa com o risco estrutural que existe em toda a Europa neste campo. Ninguém quer tomar conta da nossa siderurgia. Fiquem descansados que não é essa a ideia do Governo, o da apropriação privada da Siderurgia Nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados José Carlos Lilaia, lida Figueiredo e João Cravinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Lilaia.

O Sr. José Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Ministro, tive o cuidado de pautar a minha intervenção por três princípios que considero fundamentais: por um lado, o princípio de eficiência económica; em segundo lugar, o da concorrência; em terceiro lugar, um princípio que leve a impedir, como disse, que monopólios que hoje são públicos, se transformem em monopólios privados.
A minha intervenção tinha, assim, dois momentos fundamentais: o momento de concordância, que explicitei, e o momento da discordância.

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Sr. Ministro, devo dizer que aceito as explicações que V. Ex.ª deu em relação ao sector da electricidade e as considerações que fez, nomeadamente em relação à EDP e aos produtores independentes.
Aceito e ressalvo a minha intervenção nesta matéria. Quanto aos pontos de discordância, mantendo-os inteiramente válidos, pelo menos, da minha parte.
Neste momento assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, a questão que lhe quero colocar é relativa ao facto de hoje o Sr. Ministro ter-se referido aos produtores autónomos de energia e à necessidade de alargar o plafond, que foi aprovado aqui na Assembleia da República, com assentimento do Governo, relativamente aos 10 Mega watts.
O que hoje podemos concluir é que o Governo estava, claramente, com uma reserva de intenções relativamente a este problema. Quando o Sr. Secretário de Estado da Energia, que se senta ao seu lado, afirmava que o Governo concordava com este plafond» o que estava a fazer era tão só tentar induzir em erro esta Assembleia. Neste momento, o Sr. Ministro acaba de o confirmar, tornando clara a vossa reserva de intenções aquando dessa discussão nesta Assembleia.
Isso é grave, Sr. Ministro. É, mais uma vez, uma tentativa, que deve ficar clara, quanto à intenção do Governo em desmantelar a EDP.
Mais uma vez, esta é uma intenção de emagrecer os bens públicos para engrossar os bens privados, neste caso, à custa da EDP, à custa de erário público, do interesse nacional.
Uma outra questão que lhe quero colocar refere-se às suas afirmações, Sr. Ministro, relativamente à Siderurgia.
Quando diz que nenhum privado está interessado na Siderurgia, o Sr. Ministro refere-se à Siderurgia do Seixal? Sustenta a mesma afirmação relativamente à da Maia? Ou quando fala dos steel service é para anunciar o seu começo na Siderurgia da Maia?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro, felizmente que as novas tecnologias já chegaram ao Parlamento, pelo que me foi possível ouvir a sua intervenção através da televisão interna.
Ficou-me uma dúvida relativamente ao que o Sr. Ministro disse sobre a EDP.
Acho que, no fundo, estamos aqui a tentar escamotear os problemas de todas as empresas, dos vários sectores.
Relativamente à abertura ao sector privado, direi que, como é bem sabido, o sector privado só deve - não digo que só vai mas, sim, que só deve - investir quando houver uma perspectiva de lucro. É essa a sua função e ainda bem que assim é.
Portanto, o Sr. Ministro quer-nos explicar como é que, no caso da electricidade é vista a questão globalmente, vai criar bolsas de lucro para o sector privado?
O grande problema da EDP é, nomeadamente, o das tarifas. O Sr. Ministro, tal como qualquer de nós, sabe que as tarifas estão muito abaixo dos custos reais de produção. Não é verdade?
O Sr. Ministro sabe que, em termos de recursos que são efectivamente utilizados pela EDP, as tarifas teriam de subir bastante para garantir a tal margem de rentabilidade, por forma a atrair o capital privado.
Sei bem que é perfeitamente possível fazer uma composição de actividades, de tal maneira que algumas se tornem rentáveis e outras, que são deficitárias, continuem a sê-lo.
Na medida em que há um problema do tarifário, quero saber como é que o Sr. Ministro o encara para o futuro, por forma a rentabilizar o acesso do sector privado ao sector eléctrico. Não me venha responder facilmente dizendo que, como eu já disse, há bolsas que são rentáveis se forem isoladas.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Registo o que o Sr. Deputado Carlos Lilaia disse. Penso que ele não ouviu a minha intervenção inicial e, por isso, senti a necessidade de lhe dar este esclarecimento, porque julgava que, de facto, tinha razão. Face a esses esclarecimentos, o Sr. Deputado Carlos Lilaia, com a abertura e a maneira como falou, penso que compreenderá e estará de acordo sobre a questão da energia eléctrica.
Quanto à Sr.ª Deputada lida Figueiredo, o problema que se passa é que tenho dúvidas se, em Portugal, e com a actual lei, podemos fazer steel service ou a reprodução de gusa. Genericamente, estes são designados como produtos siderúrgicos e, de facto, em termos de Siderurgia, tal como ela está, essa é uma leitura possível e no sector siderúrgico não é possível a actividade privada. Esta, no entanto, pode ser interessante, havendo ideias de projectos concretos nesta área que, em Portugal, interessaria incentivar.
A questão que Sr. Deputado João Cravinho coloca de que as tarifas são inferiores aos custos reais de produção é extremamente pertinente.
Para já é preciso dizer que as tarifas são inferiores porque os custos reais de produção são altos. Num sistema como a EDP interessa saber quais serão os custos reais de produção que são altos. Serão os das centrais térmicas? Serão os das centrais hidroeléctricas? Serão os da central marginal do sistema? Ou serão os da importação? Ora, como os aproveitamentos privados de energia eléctrica são aproveitamentos feitos numa escala menor, de facto, se a EDP fizesse esses aproveitamentos com os encargos de estrutura e com a máquina pesadíssima que tem, certamente seriam muito mais caros do que seriam pela actividade privada. É óbvio que a actividade privada neste sector quando for fazer isto não irá fazer centrais de carvão, de petróleo, não irá, obviamente, fazer centrais nucleares.
A actividade privada quando vai fazer investimentos desta índole vai aproveitar o quê? Vai fazer aproveitamentos hidroeléctricos, vai aproveitar resíduos industriais do processo industrial ou vai montar os esquemas de começarão. Isto são tudo processos em que os custos reais de produção, isto é, a matéria-prima para este processo é de facto muito mais barata do que aquela que é utilizada, digamos, para produzir energia eléctrica na EDP.
Portanto, sendo essa matéria-prima mais barata por essas razões a actividade privada quando for investir

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nestas áreas fá-lo com uma estrutura ligeira, sem os encargos de estrutura que tem a EDP que não está vocacionada para investimentos desta índole. Isto faz com que, mesmo com tarifas baixas, como o Sr. Deputado referiu e com o qual estou de acordo, face aos custos reais de produção na EDP, é incentivador para a actividade privada produzir energia eléctrica, e consegue ganhar dinheiro!
O problema põe-se desta maneira e de facto estamos a chegar à conclusão que os 10 Megawatts são pouco face à experiência que já temos neste momento. Quando abrimos o processo - e isto responde à Sr.ª Deputada lida Figueiredo - nem nós próprios tínhamos consciência da capacidade de resposta dos investimentos que já existiam em carteira com pedidos para potências da ordem dos 250 Megawatts que são semelhantes ao do grupo térmico de Sines. De facto, 10 Megawatts são pouco para responder a estas solicitações. Poder-me-ão dizer que o Governo falhou, que devia ter previsto que deveria ser mais do que isto. Estou inteiramente de acordo, mas é a própria evolução no terreno que nos faz rever as nossas posições.
Sempre que temos uma ideia e a prática mostra que é preciso corrigir e evoluir, nós fazemo-lo. Em todo o caso, estrategicamente estávamos correctos. Quando apostámos na incentivação da produção de energia pelo produtor independente, estávamos estrategicamente na linha certa. Não acertámos foi no valor da potência. Essa é apenas uma questão de pormenor face à questão de fundo em que o Governo acertou.

O Sr. João Cravinho (PS): - Posso interromper, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro, compreendi e até concordo que esses pequenos investimentos permitem, de facto, utilizações inteligentes e racionais da energia - e que nos convém incentivar - e, por isso, foi aqui votada a lei que permitiu o Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio.
Simplesmente o que o Sr. Ministro diz situa-se no âmbito da alteração e do ajustamento do aperfeiçoamento dessa legislação e não desta. Concordo com aquilo que o Sr. Ministro diz, em tese. Julgo, no entanto, que isso se refere ao aperfeiçoamento da legislação que deu origem ao Decreto-Lei n.º 189/88 e não a esta.

O Orador: - Face àquilo que eu e o Sr. Deputado dissemos, sugiro que - aliás, como o Sr. Deputado Rui Machete já hoje disse - deixam essa discussão para a especialidade. Face à metodologia sugerida esclareçamos qual é o problema e façamos a discussão na especialidade sobre esta matéria.

O Sr. João Cravinho (PS): - Não temos especialidade tão cedo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos de acordo com o solicitado no ofício da Directoria da Polícia
Judiciária de Lisboa, acerca das Sr.ªs Deputadas Natália de Oliveira Correia e Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta, esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar as referidas Sr.ªs Deputadas a prestarem declarações no processo em referência.
O Presidente da Comissão, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o relatório e parecer que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia.

O Sr. Secretário de Estado de Energia (Ribeiro da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Valeria a .pena marcar ainda um aspecto que deverá estar subjacente a algumas intervenções feitas e referentes ao interesse prático em abrir sectores da energia, como a produção, transporte e distribuição de electricidade e gás, assim como o sector da refinação, em termos dos reflexos efectivos que essa abertura poderá, efectivamente, trazer e dos benefícios que ela acarretará.
O aspecto relativo à produção de electricidade acabou de ser referido pelo Sr. Ministro da Indústria e Energia. No entanto, gostaria de fazer algumas outras reflexões sobre este assunto.
Na realidade é necessário que se tenha presente que os fundamentos que levaram, em tempos, a considerar que o sector energético era um sector que deveria ser desenvolvido e tomado como um sector estratégico, associando à ideia de estratégico a ideia que um país se deveria autoaprovisionar nas diferentes formas de energia - considerando, portanto, que a sua economia estaria num processo fechado nesse domínio energético - é uma concepção completamente ultrapassada.
O desenvolvimento e o reforço das infra-estruturas e das interconexões de redes nos países europeus, o desenvolvimento de novas técnicas e dinâmica dos mercados mundiais de energia levaram a que, cada vez mais, a questão de segurança e de gestão racional de recursos no domínio energético não deva ser feita numa lógica estritamente virada para a dimensão do mercado nacional e da sua economicidade, sobretudo para um país que, como Portugal, poderá ter uma desvantagem em termos da sua localização geográfica e em termos da sua escala como mercado consumidor de certas formas de energia.
Nesse sentido, não será possível alterar uma situação como a que actualmente existe no nosso país, de uma enorme rigidez pelo lado da oferta nas diferentes fileiras energéticas, se não houver uma abertura, já que, neste momento, são monopólios públicos que dominam as escassas três fileiras que temos pelo lado da oferta: a electricidade, o petróleo e o gás, sendo este restrito à cidade de Lisboa.
Com certeza que não serão novas empresas públicas que irão quebrar esse monopólio. A única forma de diminuir essa situação, que todos consideramos que não é a forma mais eficaz de locação e de gestão de recursos, é abrir o sector da energia a investimentos que

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possam surgir provenientes de empresas e de capitais não públicos.
Ora, essa possibilidade de combinação, de forma inteligente e concertada, entre empresas públicas, ou não nacionais com empresas e instalações desenvolvidas noutros países é a forma que está a ser seguida por todos os países na Europa.
Hoje, cada vez mais, acontece que empresas de um país contratam capacidade de produção de electricidade de refinação, etc., instalada noutros países e vice-versa, criando situações de muito melhor gestão dos recursos e portanto, de custos minimizados na oferta de energia aos consumidores finais, nomeadamente ao tecido energético, melhorando naturalmente a competitividade e baixando, assim, os preços desse factor que é essencial para a dinâmica do tecido produtivo.
Mas mais importante, além desta flexibilidade que é introduzida pela liberdade de se operarem este tipo de combinações e de casamentos, é o facto de, paradoxalmente, a manutenção desta rigidez poder levar, com certeza, a um atrofiamento e a um garrote das próprias empresas públicas, que, neste momento, nomeadamente a Petrogal e a PGP (Petroquímica e Gás de Portugal), operam nos mercados de petróleo e do gás no nosso país.
Porquê? É impensável desenvolver a nova fileira do gás natural com uma empresa como a PGP na situação em que neste momento se encontra.
Para desenvolver uma nova fileira, como o gás natural, com o que implica de investimento, de conhecimento do mercado mundial e também de conhecimento de técnicas de marketing e de conquista de mercado em concorrência com a electricidade, com o fueloil, com o GPL, etc., é fundamental que haja um profundo conhecimento desse mercado. Não é, com certeza, com a experiência que existe neste momento no nosso país que se vai conseguir desenvolver esse projecto com a dinâmica que ele implica para ter sucesso.
Além do mais, a única forma de contratar, eficientemente, matéria-prima energética no mercado internacional - e nós temos até agora esse pecado original de não termos conhecimento se dispomos de recursos em petróleo, em gás natural ou em carvão de boa qualidade - e de ultrapassar esse pecado original e também, paradoxalmente, reforçar a segurança dos aprovisionamentos, é estarmos associados com empresas que têm um peso efectivo na contratação de matéria-prima energética no mercado internacional.
Este aspecto é decisivo porque não vai ser Portugal, que compra pequenas quantidades de gás natural, que vai conseguir garantir que não haja rupturas nos aprovisionamentos feitos pela Argélia ou pela Nigéria ou por outros países que em certas situações se podem ver constrangidos em ter de optar entre o cliente «A» ou o cliente «B». É que ser-lhes-á, naturalmente, muito mais difícil cortar com o cliente importante - que poderá ter uma participação no nosso mercado - do que pôr de parte um cliente marginal como Portugal, dada a sua dimensão crítica no mercado energético internacional.
Portanto, a própria subsistência da PGP, que está neste momento a atravessar grandes dificuldades, como os Srs. Deputados sabem, pela perda de áreas de actividade em favor de outras empresas, muitas delas também públicas, e da sua vocação futura para a possibilidade de explorar o gás em associação com outras
empresas, está determinada pela possibilidade em abrir a produção, o transporte e a distribuição de gás à iniciativa privada.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E porquê?

O Orador: - Porque, como referi, Sr. Deputado, não é uma autarquia, por muita vontade que tenha, mas com pessoas que de gás não percebem nada e por se andar a distribuir bilhas de gás de 13 Kgs., que sabe desenvolver um projecto de produção, transporte e distribuição de gás.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A tecnologia que está implicada é muito séria, as condições de segurança são extremamente sofisticadas e, portanto, é um problema que exige uma tecnologia qualitativamente diferente daquela que é necessária para distribuir bilhas de gás pelo país.
Portanto, para desenvolvermos este projecto é fundamental que realmente existam meios técnicos e materiais e uma dinâmica que permita que estes projectos arranquem e sejam levados até ao fim, com uma profissionalidade e um profissionalismo que não existe se desenvolvermos projectos parciais, ao sabor das combinações que se consigam na autarquia «A» ou na autarquia «B». Isso é condensar um projecto, como o do gás natural, que, como se sabe, implica investimentos à cabeça extremamente avultados e que só poderão ser amortizados desde que se desenvolva rapidamente um mercado, de forma que permita precisamente a amortização desses investimentos que têm que ser feitos à cabeça, sob pena de haver uma acumulação de encargos financeiros que, evidentemente, irão comprometer toda a lógica e razoabilidade do processo. Iremos introduzir uma nova fileira energética no país e devemo-la introduzir sem erros como aconteceu em outros casos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O caso da Petrogal uma situação idêntica, Sr. Deputado. O que acontece é que é impensável que a Petrogal e a estrutura da refinação da Petrogal continue a vender um litro que seja, a partir do momento em que os operadores do mercado interno tenham possibilidade de recorrer ao aprovisionamento nas refinarias que entenderem.
Além do mais, não tem nenhum sentido manter a refinação como um sector cativo, em exclusivo do sector público. Isto porque não há no mundo nenhuma empresa na área do petróleo que funcione em termos rentáveis apoiada na refinação. A refinação sempre foi o «menino feio» das fileiras verticais das empresas petrolíferas. Portanto, manter a exclusividade do sector de transformação de refinação é estar a dar à Petrogal um presente envenenado.
O sector da refinação precisa, como sabe, de uma transformação absolutamente radical. E existem condições técnicas objectivas que têm que ser consideradas. É impensável que se desenvolva, como é necessário neste momento, uma nova unidade de refinação sofisticada que faça a refinação da destilação sem que se pense em combinações que vão para além do mercado nacional. Esta situação está, neste momento, a provocar perdas tremendas, por não conseguirmos uma

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optimização do uso energético que está contido no barril de petróleo, o que tem, como consequência, um reflexo em cadeia nos custos de produção que são praticados pela refinadora nacional e que são insustentáveis a partir do momento em que haja uma liberalização do mercado que, como sabe, é inexorável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados João Cravinho e Carlos Carvalhas.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Secretário de Estado, ouvi com toda a atenção a intervenção que fez e devo dizer que entendi a exposição, embora não entendesse as conclusões.
Quanto à questão da electricidade, já o Sr. Ministro explicou que para casos marginais no conjunto da rede, pode haver, com vantagens, acesso à iniciativa privada. Creio que sim! Estamos no âmbito do tal Decreto n.º 189/88, de 27 de Maio, que não tinha que ser chamado aqui, mas sim a respeito da alteração dessa legislação. Dizem-nos ainda que, aquando da discussão na especialidade, o assunto vai ser discutido. Porém, a verdade é que escusava de ser debatido, pois não tem nada a ver com a delimitação dos sectores, mas sim com a alteração a um decreto que ainda não tem um mês e já está velho! Compreendo as razões, porém, isso não leva a que se tente colocar esta matéria no âmbito da delimitação dos sectores, uma vez que ela nada tem a ver com isto. Por este processo, vêm cair na delimitação dos sectores todos os problemas - e são inúmeros - que necessitam de ajustamento em matéria vagamente aparentada!
Quanto à refinação, devo dizer que, em parte, compreendo a explicação que o Sr. Secretário de Estado deu se nos situarmos num horizonte de cinco anos. Por outro lado, gostaria que também fosse dito o que é que se vai fazer em concreto quanto a Cabo Ruivo, a Sines, a Matosinhos e como é que se vai resolver o problema de Leixões.
O Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro nomearam uma Comissão de Planeamento Energético que, entre outras coisas e numa perspectiva de cinco anos, tem que se ocupar disso. Ora, a comissão acaba de tomar posse e o Sr. Secretário de Estado vem já dizer que, numa perspectiva que ultrapassa de longe aquilo que hoje estamos a considerar, dentro de quatro ou cinco anos, com a liberalização, não tem sentido a questão do fecho da actividade de refinação.
Poderei ou não concordar com isso. Simplesmente, o que me parece é que, mais uma vez, se fazem planos e se pensa que os mesmos são fundamentais para, logo antes de as comissões começarem a trabalhar, se determinarem conclusões.
Quanto ao gás, gostaria de saber se o Sr. Secretário de Estado entende ou não que, de futuro, por razões de serviço público e de interligação, a exploração da actividade do gás tem que ser feita num regime estritamente regulamentado, sob a forma de concessão. De contrário, falar-se em pouca eficácia dos operadores públicos... Creio que os operadores públicos são pouco eficazes, porque têm um peso excessivo de clientes políticos lá metidos! Sejamos francos! O PSD é o partido - e não me estou a dirigir a este Governo,
mas sim ao PSD - que, desde 1976, tem ocupado as empresas públicas das mais variadas maneiras, que as tem feito funcionar...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - E o PS?!...

O Orador: - Faca uma contagem dos gestores, Sr. Deputado! Nós temos um quarto da vossa influência, e nessa parte me penitencio, desejando que nem esse quarto de influência venhamos a ter no sentido pejorativo que, infelizmente, é o real.
Pois bem, a tutela está aqui toda à nossa frente, tem na mão a faca e o queijo, quer dizer, corta direito, mas era bom que não fizessem como na EDP, onde se instalaram não seu quantos «laranjas» - se me permitem a expressão -, não sei quantos PSD, no novo Conselho de Gerência!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Secretário de Estado, em relação à Petrogal, o que V. Ex.ª devia demonstrar é que era necessário a privatização para realizar o investimento, para se fazer uma associação com a empresa.
Quanto à técnica, ela compra-se! Os bons gestores também se compram! Ou, por acaso, o Sr. Secretário de Estado tem alguma dúvida de que antigamente e actualmente os Benedetti gerem as empresas todas? Não têm lá dos bons gestores? Não há aqui gestores que pertencem a essas empresas públicas? Isso não é conhecido? O PSD sabe isso muito bem!
O Sr. Secretário de Estado disse - e muito bem - que na Petrogal o problema concreto da refinação é o «menino feio». Então se é o «menino feio», porque é que este Governo, através dos gestores que lá tem e através da tutela, atrofia precisamente a parte de comercialização da Petrogal. Por acaso, o Sr. Secretário de Estado não conhece o caso da Ancara, que deve milhares de contos à Petrogal e a quem são concedidos benefícios, e não só?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia.

O Sr. Secretário de Estado da Energia: - Sr. Deputado João Cravinho, as questões que colocou sugerem-me alguns comentários.
Na sequência dos trabalhos que serão desenvolvidos pela equipa que está a trabalhar no Plano Energético Nacional, as adaptações que poderão vir a ser feitas não farão parar as necessárias acções que, desde já, devem ser desenvolvidas no âmbito da política energética.
Tive oportunidade de dizer aqui que o Plano Energético Nacional não era uma lei quadro da energia e o Sr. Deputado João Cravinho sabe bem como a prática, em particular dos domínios do planeamento no sector energético, tem mostrado a sua ineficiência quando os planos são concebidos em termos rígidos. Portanto, há acções que têm de ser desenvolvidas desde

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já com vista a que as restruturações, que são profundíssimas e complexas, devam vir a produzir resultados em tempo útil e oportuno. A propósito, lembraria que, no caso da Espanha, o sector petrolífero começou a ser reestruturado há dez anos no sentido de o preparar para ganhar dimensão crítica razoável a fim de estar aberto a um processo de abertura que, neste momento, começa a ocorrer, embora de forma ainda bastante tíbia.
No que respeita à questão da Petrogal que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas referiu, o que acontece com o sector da refinação é a necessária existência de programas de instalação de refinadoras que, como referi, tenham em linha de conta combinações com outras companhias. O facto de, na sua intervenção inicial, ter referido que, por exemplo, em França, existem empresas no sector petrolífero com forte participação pública, não impede que, hoje, essas empresas, que têm uma dimensão crítica completamente diferente da da Petrogal, recorram a uma associação com outras empresas na partição das refinarias que existem em França ou na tomada de partes em refinarias instaladas noutros países.
Portanto, é esse tipo de flexibilidade e de capacidade de manobra que também pretendemos introduzir neste sector, sob pena de - repito - o estarmos a garrotear, a inibir e prender, numa fase em que é extremamente importante que ganhe capacidade de manobra e de negociação.
No caso da comercialização que referiu, não estamos a inibir a intervenção da Petrogal nesta área da comercialização, pelo contrário. Devo dizer que, na semana passada, foi publicado um diploma no Diário da República que, precisamente, obriga que todos os operadores no mercado nacional arquem com o ónus das reservas estratégicas em Portugal, o que nunca aconteceu até agora. Efectivamente, antes era a Petrogal que tinha de pagar as reservas estratégicas a todas as outras companhias que operavam no mercado nacional.
Igualmente estamos a preparar e a tentar encontrar uma forma de redistribuir as posições das diferentes companhias, fazendo com que haja um equilíbrio entre as posições que são mais rentáveis e as que, sendo menos rentáveis são, no entanto, necessárias para haver uma diversificação da rede de distribuição no território nacional.
Também lhe devo dizer que, relativamente aos novos operadores, estamos a controlar de forma extremamente rigorosa a maneira como cumprem normas que lhes são exigidas para entrarem no mercado, como é o caso que referiu, nomeadamente no que respeita às dívidas à Petrogal acumuladas por esse operador, em relação às quais, neste momento, há uma definição muito clara sobre o modo da sua amortização.
No dia 1 de Janeiro publicámos os valores das novas quotas, de forma a que não houvesse possibilidade de os novos operadores dizerem que não sabiam quais eram. Igualmente introduzimos uma cláusula, onde se consignava que, no fim deste mês, as quotas que não fossem utilizadas pelos diferentes operadores seriam alvo de redistribuição e ajustamento, precisamente para não haver uma situação de penalização para a operadora nacional ou para outros operadores mais conceituados no mercado e que têm feito esforços de investimentos mais sérios, em desfavor de outros que têm tido uma actuação mais de aproveitamento das oportunidades, que a abertura do mercado está a proporcionar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia (Mira Amaral): - É uma intervenção muito breve, só para comentar uma afirmação do Sr. Deputado João Cravinho, que não posso admitir e não aceito.
Quando o Sr. Deputado diz que na E. D. P. estamos a substituir algumas pessoas por elementos «cor de laranja», o que se passa é que dei instruções - e elas foram dadas a todas as empresas públicas - no sentido de as pessoas serem escolhidas segundo critérios de competência e não pelo partido político a que pertencem.

Risos do PCP.

O que acontecia na E. D. P. - e basta fazer-se uma simples operação de contabilidade - é que, até agora e antes da nossa governação, a selecção do pessoal da E. D. P. era basicamente influenciada pelo partido que até aí controlava a Secretaria de Estado da Energia, ou seja, pelo Partido Socialista. Se forem verificar o número de pessoas que na E. D. P. estão filiadas no Partido Socialista, confirmam que assim acontecia.
A única atitude que tomámos foi no sentido de as pessoas serem escolhidas segundo critérios de competência.
Não me vou dar ao trabalho de contar essas pessoas, nunca o fiz, mas se os Srs. Deputados quiserem ter a bondade de fazer esse exercício, vão ver que, mesmo em toda a estrutura dirigente da E. D. P., quanto ao número de filiados no Partido Socialista ou no Partido Social-Democrata, o Partido Socialista ganha por larga vantagem. Portanto, não posso aceitar a afirmação nos moldes em que foi feita.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Ministro, gostaria apenas de dizer-lhe que, na realidade, na gestão da E. D. P. estiveram dois socialistas, mas V. Ex.ª já correu com eles há cerca de dois anos.

Risos do PCP.

O Presidente do Conselho de Gerência que, ultimamente, deixou a E. D. P. não era socialista. Havia, de facto, dois administradores que eram socialistas, mas V. Ex.ª correu com eles há cerca de dois anos. Agora são todos do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª quer responder já, ou no fim do outro pedido de esclarecimento.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

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O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro, não estamos a examinar os currículo de todos os membros dos Conselhos de Administração.

Protestos do PSD.

O Orador: - Um momento de calma!
Simplesmente, o Sr. Ministro decerto concordará que, tendo em atenção que o Sr. Ministro escolhe as pessoas por critérios técnicos, de competência e de adaptação à função, todos sabemos que, em primeiro lugar, nenhum Ministro pode escolher, só por si, os membros das equipas de gestão das empresas públicas - se, de facto, o Sr. Ministro faz isso, será talvez uma excepção e felicito-o por isso.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, suponho que não se trata agora de ver se nos seis, nos sete, nos oito ou nos nove membros da E. D. P. existe um que não é competente, não é isso! O que quero dizer é que muito pobre andará este país se, por mera coincidência, todas as pessoas competentes forem de um único partido. E ainda será uma maior e mais profunda coincidência se foram logo esses nomeados.
Suponho que, neste país, há competências dentro ou fora da E. D. P. e por todo o lado, para se poder chegar a uma situação absolutamente normal.
Como, à partida, o critério não é de fidelidade nem de filiação política, no conjunto das empresas públicas e, em particular, numa delas, há ou existem n elementos dos quais dois são do PSD - até podem ser 50 ou 60% -, um é do PS, outro do PCP (Risos do PCP) e outro de qualquer outro partido. No entanto, essa situação não se verifica.
Risos do PCP.
E como não se verifica e o Sr. Ministro não é exclusivamente responsável pelas nomeações, peço apenas que integre este aspecto naquilo que é, apenas, do conhecimento geral, que é perfeitamente sabido, e que tem sido verberado abundantemente até por aqueles que mais atacam o sector público, mesmo estando lá dentro.
Assim, penso que este ponto é perfeitamente pacífico e o Sr. Ministro não leve isto à conta pessoal, pois nunca o faria porque seria injusto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Deputado João Cravinho, o que posso dizer é que V. Ex.ª, foi infeliz no caso da empresa que citou. Esse é um dos casos que é conhecido por haver predominância de elementos do seu partido. Era tão somente isso que se passava!
No Governo anterior eu não era o responsável pela pasta da Indústria e, portanto, ao contrário do que referiu o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, estou à vontade para dizer que não fui eu que corri com eles!

Vozes do PS: - Mais uma razão!

O Orador: - Nessa altura, recordo-me que foi dito que todos os que ocupavam os lugares eram do PS e, que eu saiba, apenas um era filiado no PSD que, aliás,
tinha sido deputado. Nenhum dos outros estava filiado! Talvez tenham sido simpatizantes de um ou de outro partido!...
Porém, se me perguntar se actualmente são todos do PSD ou do PS, creio que não são todos do PSD ou do PS, mas na verdade é que não sei fazer essa contabilidade, visto que quando convidei as pessoas não lhes perguntei ou impus como critério a filiação partidária!

Vozes do PCP: - Já sabia!

O Orador: - Portanto, não sei responder.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas gostaria de acentuar um aspecto da minha intervenção anterior que, pelos vistos, foi mal interpretada por alguns dos Srs. Deputados.
Procurei na intervenção que produzi definir o melhor possível o que eram serviços complementares de telecomunicações e serviços de valor acrescentado. Depois de tentar definir isso e ter dito que toda a rede básica, toda a coluna vertebral se manteria no sector público, terminei dizendo que as condições que se antevêem para o mercado de uns e outros serviços, isto é, dos serviços de valor acrescentado e dos serviços complementares, fazem supor vantajosa a adopção do regime concorrencial.
Portanto, como alguns Srs. Deputados disseram, não está em causa a atribuição de monopólios a empresas privadas. Posso ainda acrescentar que a empresa pública que domina a coluna vertebral do sistema, a rede básica, pode concorrer a esses serviços, como já o está a fazer, nos mesmos termos que os sectores privados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto mais ninguém pretender usar da palavra, declaro encerrado o debate, cuja votação terá lugar na próxima terça-feira.
A próxima reunião terá lugar amanhã, às 10 horas, e a ordem do dia estipulada será a discussão da Proposta de Lei n.º 61/V.

Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Paulo Veloso Bento.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.

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Arménio dos Santos.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. E Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Bolseiro Amaro.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.

Partido Ecologista os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID)

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Cervejeira de Morais e Castro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

António Roleira Marinho.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
João José da Silva Maçãs.
José Pereira Lopes.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando Ribeiro Moniz.
João Barroso Soares.
José Manuel Torres Couto.
José Vera Jardim.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Luísa Amorim.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - José Diogo.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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