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Quarta-feira, 29 de Junho de 1988 I Série - Número 107

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE JUNHO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 267/V e 268/V.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 31/V - Lei de Bases da Reforma Agrária -, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto), os Srs. Deputados Miranda Calha e António Barreto (PS), Lino de Carvalho (PCP), Basílio Horta (CDS), Lopes Cardoso (PS), Rogério Brito e Álvaro Brasileiro (PCP), Raul Castro e João Corregedor da Fonseca (ID), Armando Cunha e Silva Maças (PSD), Almeida Santos (PS), Brito Lhamas, José Manuel Casqueiro e Luís
Capoulas (PSD), Hermínio Martinho (PRD), António de Matos (PSD) e Maria Santos (Os Verdes).
Entretanto foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PRD.
A Assembleia aprovou ainda, na generalidade, a proposta de lei n.º 47/V (autoriza o Governo a alterar a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, sobre a delimitação dos sectores), que, a requerimento do PCP, baixou à 5.ª Comissão.
Com a aprovação do artigo 134.º concluiu-se a votação dos projectos de resolução n.ºs 5/V (PSD), 9/V (PCP) e 10/V (PS), relativos a alterações ao Regimento.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 0 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. de Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José de Carvalho.
António José Coelho Araújo.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Paulo Veloso Bento.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Maria Tato Diogo.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Costa Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel Ascensão Belém.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Oliveira Bastos.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

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Manuel Alfredo Tito de Morais.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Vítor Manuel Caio Roque.
Vítor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Campos Rodrigues da Costa.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
José da Silva Lopes.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos, tendo baixado à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, os projectos de lei n.ºs 267/V, do Sr. Deputado Hermínio Martinho, do PRD - Protecção do património cultural de Abrantes -, 268/V, igualmente do Sr. Deputado Hermínio Martinho, do PRD - Propõe a criação de um museu ferroviário no Entroncamento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a votação do projecto de lei n.º 25/V (PSD) estava prevista para a cessão de hoje, mas, dado que ainda não houve indicação da respectiva comissão, esta votação não se efectuará.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão na generalidade da proposta de lei n.º 31/V - Lei de Bases da Reforma Agrária.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, minhas Senhoras e meus Senhores: Em Agosto de 1987 o actual governo apresentou a esta Assembleia da República o seu programa de governo, no qual eram definidas as orientações principais a serem seguidas nos diversos sectores. No caso particular da agricultura, como linhas fundamentais e principais da actuação do Governo neste domínio, definia-se a apresentação de um conjunto coerente de medidas legislativas, abrangendo a revisão da legislação sobre arrendamento rural, arrendamento florestal, indemnizações, legislação sobre baldios, emparcelamento rural e revisão da Lei de Bases da Reforma Agrária.
Até ao momento, e de forma segura e regular, o Governo fez a apresentação de toda essa legislação constante do seu programa, apresentando hoje a esta Assembleia a última proposta de lei que faz parte dessa mesma orientação do Governo nesta matéria e que - repito - consideramos fundamental para o futuro da agricultura portuguesa.
Certamente que a primeira pergunta que surgirá neste debate da parte de algumas das bancadas da oposição será no sentido de saber quais as razões que levam o Governo a apresentar esta proposta de lei, que depara com condicionantes importantes na Constituição da República Portuguesa, sem esperar pela revisão da Constituição, já que, à primeira vista, poderia parecer mais lógico e mais correcto que se aguardasse a revisão da Constituição para depois, à luz dos novos preceitos constitucionais, se fazer a apresentação desta legislação.
Assim, antecipando-me a essa pergunta, respondo que, do nosso ponto de vista, são de primordial importância as razões que levam o Governo a apresentar neste momento esta proposta de lei. É sabido como a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia constitui um desafio enorme à modernização da nossa agricultura. Todos os Srs. Deputados sabem que existe um determinado período de transição durante o qual Portugal terá acesso a condições privilegiadas para fazer a modernização da sua agricultura; portanto, qualquer atraso que a venha «emperrar» terá graves inconvenientes para o futuro da nossa agricultura.
Ora, eu diria que já vem a ser feita tardiamente a revisão desta legislação em termos tais que permitam fazer a estabilização do uso e da posse da terra e que, de facto, ela deveria ter sido feita antes da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia. Porque a situação de instabilidade que se vive na zona de inter-

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venção da reforma agrária não é propicia a que se possa fazer a aplicação e o uso das vantagens comunitárias e, ao mesmo tempo, Srs. Deputados, existe actualmente uma certa interrogação sobre qual será o conteúdo final da revisão constitucional e, acima de tudo, sobre quando é que ficará terminada.
Entendemos, portanto, ser importante avançar desde já com esta proposta de lei, porque pensamos que todo o tempo perdido é prejudicial tanto para o futuro da nossa agricultura como para o dos nossos agricultores, não devendo, assim, o Governo aguardar mais tempo para apresentar esta legislação. Mas repito que, na nossa opinião, a revisão desta Lei de Bases da Reforma Agrária já deveria ter sido feita há bastante mais tempo; daí que, se alguma culpa assiste ao Governo, é a de a vir apresentar tardiamente.
Uma segunda questão que certamente porão alguns Srs. Deputados das bancadas da oposição vai no sentido de esta proposta de lei ser ou não ser constitucional, de respeitar ou não a actual Constituição portuguesa. Previamente à sua apresentação, o Governo teve o máximo cuidado em consultar constitucionalistas de diversa formação política, ouvindo as suas opiniões.
Assim, ao fazermos a apresentação desta legislação, estamos convictos de que, na realidade, a proposta de lei está completamente de acordo com a actual Constituição. Mesmo no que toca à questão da audição pública a que o diploma tinha de ser sujeito, relembro aos Srs. Deputados que na altura da interpelação ao Governo sobre política agrícola havida nesta Assembleia expressei a opinião do Governo - e a minha própria - de que essa audição já tinha tido lugar quando o Governo ouviu os pareceres dos parceiros sociais sobre essa matéria. No entanto, perante eventuais dúvidas que pudessem surgir sobre a possível inconstitucionalidade formal de ter ou não ter havido um debate público, não hesitámos em levar a efeito a audição pública desta nova legislação, de forma que pudesse ter lugar o debate que hoje vamos travar, satisfazendo também esse preceito. Repito que, do ponto de vista da opinião do Governo, esta atitude não teria sido necessária, mas pareceu-nos prudente não virmos atrasar ainda mais a aprovação desta nova lei devido a uma eventual inconstitucionalidade formal.
Aguardamos, convictamente e com calma, não só o eventual pedido de fiscalização de constitucionalidade deste diploma, que, certamente, não deixará de ser feito, como também a análise que fizer o Tribunal Constitucional, e, como é óbvio, não deixaremos de acatar quaisquer decisões que venham por ele a ser tomadas. No entanto, gostaria de deixar bem claro desde já que é opinião do Governo e minha própria que a apresentação desta proposta de lei está feita de acordo com os preceitos constitucionais.
Srs. Deputados, como referi, já procedemos, rigorosamente, à apresentação das leis que constavam do Programa do Governo, e, assim, esta nova proposta de lei segue e respeita, integralmente, o que na altura foi afirmado sobre esse programa.
Como base de apresentação desta nova legislação parece-nos interessante relembrar aquilo que, na altura da discussão do seu programa, o Governo apontou como sendo as orientações principais a seguir em matéria de legislação sobre a reforma agrária. Assim, nessa altura dissemos que era necessária a estabilização das relações sociais e económicas na zona de intervenção
da reforma agrária, através da reformulação da Lei de Bases da Reforma Agrária, visando-se designadamente, «[...] estabilizar, de forma duradoura, o direito de propriedade e de uso da terra, no respeito integral dos direitos adquiridos por todos aqueles a quem foram distribuídas terras ou com quem o Estado tenha vínculos contratuais para uso da terra; [...] proceder ao pagamento das indemnizações justas aos ex-proprietários de terras nacionalizadas ou expropriadas; [...] garantir igualdade de tratamento em matéria de expropriação aos agricultores situados na zona de intervenção da reforma agrária; [...] pôr cobro à desigualdade de tratamento que a actual Lei da Reforma Agrária consagrou no respeitante, quer à chamada situação dos indivisos, quer a outras situações de clara injustiça; [...] correcta interpretação do conceito de nacionalizações de prédios rústicos, de modo a só abranger nesse conceito as terras efectivamente beneficiadas com a construção de regadios colectivos; [...] resolver as situações em que as decisões políticas de expropriação de prédios rústicos não tiveram efeitos políticos; [...] promover a criação de explorações de dimensão adequada, através do arrendamento ou venda em concurso público das terras do Estado [...]».
Foram estas as linhas fundamentais que o Governo apresentou aquando da discussão e votação do seu programa. Diria, Srs. Deputados, que a proposta de lei que hoje apresentamos nesta Assembleia cumpre integralmente todas estas orientações, com excepção da interpretação dada ao conceito de regadio, que se entendeu vir a apresentar possivelmente num outro diploma. Todas as restantes orientações do Programa do Governo estão contidas no diploma actualmente em discussão.
Assim, diria que o objectivo n.º 1 desta proposta de lei é o de fazer a estabilização do uso e posse da terra, mas com uma base duradoura. Ora, para que essa estabilização possa ter uma base duradoura não pode deixar de assentar em princípios sãos e correctos. Nada pode ser duradoura se tiver de assentar em preceitos ou condições de base que não correspondam a uma transparência e a uma orientação coerentes e correctas, Srs. Deputados. Daí que me pareça que há que ter muito cuidado para que com esta nova lei não venhamos a criar uma situação análoga à que se criou com a Lei n.º 77/77.
Como já tive ocasião de fazer por duas ou três vezes, aproveitaria a presença neste hemiciclo do Sr. Deputado António Barreto, autor da Lei n.º 77/77, para explicar que as considerações que irei fazer sobre esta lei não implicam, de maneira nenhuma, qualquer atitude de menor consideração sobre esse diploma. Aquela foi a lei que, saída do período revolucionário, na altura foi extraordinariamente difícil de obter. Tinha objectivos correctos e sãos e o próprio Partido Social-Democrata votou-a favoravelmente. Hoje, dez anos após a efectiva aplicação daquela lei e por razões diversas que na altura não teria sido possível adivinhar, o que se passa é que a Lei n.º 77/77 não atingiu o objectivo fundamental de proceder à estabilização do uso e da posse da terra.
Porque, Srs. Deputados, não podemos deixar de concluir todos que, independentemente dos vários governos que existiram, a aplicação desta lei não constituiu matéria passiva, tendo sido sempre eivada das maiores atribulações, e hoje verifica-se que, na realidade, aquela

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lei não conseguiu atingir o seu principal objectivo. E é por pretendermos que a Lei de Bases da Reforma Agrária passe a garantir, na realidade, a estabilização do uso e da posse da terra, que vimos apresentar esta proposta de lei à Assembleia da República.
Pensamos que a instabilidade criada na zona de intervenção da reforma agrária, que se veio a verificar com a aplicação da própria lei, tem a ver com alguns dos seus preceitos que, em muitos casos, deixavam a órgãos de decisão poderes discricionários ou subjectivos, os quais foram utilizados de forma diversa e divergente ao longo do tempo, consoante as diversas orientações políticas dos governos de então.
Portanto, Srs. Deputados, tivemos a mesma preocupação que esta Câmara já demonstrou ter tido quando, há cerca de um ano e meio, apresentou a sua preocupação acerca de actuações na área da reforma agrária que entendeu serem menos correctas. Nessa altura, quer o Partido Socialista, quer o Partido Renovador Democrático, quer o Partido Comunista, fizeram propostas no sentido de alterar um conjunto de preceitos na legislação da reforma agrária sobre a forma de tomada de decisões que impedissem esta mesma arbitrariedade a discricionariedade da aplicação da lei. Na altura discordámos inteiramente das propostas apresentadas pelos partidos da oposição, embora tivéssemos concordado que algo havia a fazer. De facto, a nossa opinião é a de que essa discrionariedade e essa arbitrariedade residem mais na maneira como a Lei n.º 77/77 estabelecia a sua aplicação do que na maneira como depois foi realmente aplicada.
Portanto, para resolver esta questão havia que encontrar soluções em que a aplicação da lei tivesse um carácter automático, directo e transparente, não deixando aos órgãos de decisão poderes discricionários na sua aplicação. Foi isso que tentámos fazer na proposta de lei que hoje apresentamos: na aplicação desta lei retirámos praticamente todos os poderes discricionários ou que poderiam ser subjectivos e que, anteriormente, haviam sido previstos na Lei n.º 77/77.
Entrando, propriamente, na análise desta proposta de lei em apreço, entendo que tem três grandes áreas de actuação.
Uma primeira área diz respeito à reestruturação fundiária, que, no fundo, é a que levanta mais paixões, em relação à qual os ânimos se exaltam e todas as pessoas discutem, esquecendo-se de que as outra grandes áreas da legislação, a médio e a longo prazo, têm talvez mais importância para a agricultura portuguesa do que esta matéria de reestruturação agrária. Estou a referir-me ao capítulo sobre o uso e mau uso dos solos e ao capítulo sobre o fomento hidroagrícola.
Analisando a parte mais polémica da reestruturação fundiária, verifica-se que esta proposta de lei mantém o limite máximo da propriedade privada - aliás, como era obrigatório - para que se possa cumprir integralmente a actual Constituição da República Portuguesa, que num dos seus artigos prevê, claramente, a existência dessa limitação. Mas, ao fixar esses mesmos limites superiores, a proposta de lei em apreço adapta os critérios anteriores, de maneira que se possa atingir a respectiva aplicação directa e transparente.
Em primeiro lugar, este diploma acaba com o conceito das majorações técnicas. Todos os Srs. Deputados sabem que, além de atribuir uma pontuação base de 70 000 pontos para o explorador directo da terra e de 35 000 pontos para o chamado explorador absentista, a lei actual previa a possibilidade de majoração de 10% mais 20%. Ora, é fácil de detectar a maneira como foram aplicadas essas majorações, em função das opções políticas da altura. Há períodos em que, por qualquer razão, não foram concedidas majorações a ninguém, há outros períodos em que elas foram atribuídas sem critérios claros e há outro ainda em que foram atribuídas como norma de regra. Este último foi o período em que tenho estado à frente do Ministério, porque entendo que, na realidade, os conceitos para atribuição dessas majorações são de tal maneira subjectivos e de tal maneira vagos que valia a pena fazer a sua utilização plena.
Daí que na apresentação desta proposta de lei, em vez de 70 000 pontos, propúnhamos um total de área de 91 000 pontos, o qual corresponde, exactamente, aos 70 000 pontos previstos na lei anterior, acrescidos das majorações já previstas e já concedidas em muitos casos, não só durante o governo actual, como também nos anteriores. Não se trata de um alargamento da área de pontuação, mas somente de uma aplicação diferente desses mesmos conceitos, mas com o objectivo de os subtrair à parte discricionária e arbitrária da sua aplicação.
A lei anterior previa um outro critério para fixação das áreas máximas na atribuição das reservas, ou seja, fixava umas áreas máximas de 250 ha a 500 ha e, em casos especiais de silvo-pastorícia, de 700 ha. Sempre discordámos deste duplo critério de aplicação porque criou situações injustas: nas regiões mais pobres do País atingiam-se as áreas máximas sem que se tivessem atingido as pontuações máximas e, assim, ao longo deste tempo, trataram-se diferentemente os diversos proprietários com direito a reservas. De facto, muitas vezes atingiu-se um limite sem que se tivesse atingido o outro, e isto criou situações que, na realidade, eram injustas. Portanto, o Governo entendeu adoptar um único critério para a utilização da pontuação, que, certo ou errado, tem, pelo menos, a virtude de actuar de maneira uniforme e igual para todos, não criando as injustiças que o sistema anterior tinha criado.
Igualmente, e tal como dizia o Programa do Governo, nesta proposta de lei, propõe-se o respeito integral dos direitos de todos aqueles a quem foram distribuídas terras ou com quem o Estado tem vínculos contratuais.
O artigo 28.º deste diploma tem muitas vezes levantado objecções de diversas áreas. A oposição pode apresentar razões defensáveis em alguns casos, mas o Governo entendeu privilegiar a defesa integral dos direitos dos pequenos e médios agricultores, não tendo hesitado em consagrá-la na actual proposta de lei.
Outro parâmetro fundamental desta proposta de lei aborda a questão dos indivisos. É sabido que o Partido Social-Democrata sempre entendeu que na Lei n.º 77/77 o tratamento que estava dado aos indivisos não era de acordo com as regras de um Estado de direito, ou seja, que os diversos contitulares ou indivisos não eram tratados de igual forma, que não lhes era concedido o mesmo regime de tratamento a que teriam direito, na medida em que os seus direitos ficaram prejudicados.
A este propósito, penso que será oportuno lembrar que, mesmo quando o Partido Social-Democrata votou

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favoravelmente a Lei n.º 77/77, teve ocasião de manifestar, por voto escrito, a sua discordância em relação a este aspecto.
Fez sempre parte da política do nosso governo, ou do partido que o apoia, resolver justamente a questão dos «indivisos». E vou ler o que na altura foi dito na declaração de voto do PSD, referente à Lei n.º 77/77, sobre esta matéria: «Continuamos a discordar do tratamento dado à situação dos indivisos existentes na zona de intervenção, ao não se reconhecer, pelo menos aos co-titulares, a possibilidade de, num prazo adequado procederem à divisão e sujeitarem-se depois às regras estabelecidas na lei.»
A proposta que o Governo faz nesta área respeita integralmente - e repito -, respeita integralmente aquilo que foi a declaração de voto do PSD em 1977. E não quero aqui voltar a recordá-la, inclusivamente, porque penso que são problemas internos do meu partido, que não têm que vir hoje aqui à ribalta. No entanto, não queria deixar de recordar a posição sempre firme que tomou Francisco Sá Carneiro sobre esta matéria, tendo sido até um dos pontos da sua profunda divergência em relação à Lei n.º 77/77, que o levou, inclusive, a não comparecer na votação final da referida lei. Isto são dados históricos, são dados verdadeiros, e a proposta de lei que hoje apresentamos é, portanto, totalmente coerente com o pensamento de Francisco Sá Carneiro e com a declaração de voto do PSD feita em 1977 sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

Admitimos desde já que, ao tratarmos os indivisos e co-titularidades, existem aspectos ligados ao tratamento a dar às sociedades, podendo, juridicamente e de acordo com a lei comercial, encontrar-se soluções mais correctas ou mais perfeitas do que aquela que está neste momento adiantada na proposta de lei. É o próprio relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, cujo relator foi o seu próprio presidente, o Sr. Deputado Mário Raposo, que indica deficiências na sua própria legislação.
Tentámos, no entanto, para não criar injustiças na área das sociedades, muitas delas por quotas, alargar o conceito dos «indivisos», na mesma filosofia base com que tratamos os indivisos e co-titulares. Mas - repito - aceito perfeitamente que possa ser encontrada uma forma mais correcta de o fazer, e, obviamente, o Governo até colaborará se for chamado a encontrar uma solução mais perfeita sobre esta matéria.
Gostaria de dizer que, ao fazê-lo, tivemos a intenção de, também nessa área, não criarmos discriminações em relação ao tratamento que será dado aos «indivisos» ou a co-titularidades, tratamento esse totalmente coincidente com as orientações que o Partido Social-Democrata sempre tomou sobre esta matéria, e não seria agora, quando somos o partido maioritário no Governo, que iríamos apresentar soluções diferentes daquelas por que há tanto tempo lutamos e que, inclusivamente, sempre fizeram parte de programas eleitorais do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria ainda, e como característica principal da nova lei, de chamar a atenção para o tratamento igualitário que se pretende quanto aos direi-
tos dos proprietários exploradores directos e dos proprietários senhorios, porque nos parece da mais elementar justiça e de respeito pelo direito de propriedade que seja dado tratamento absolutamente igual a quem usa a sua terra explorando-a directamente ou a quem coloca a sua terra à disposição do desenvolvimento da agricultura através de contratos de arrendamento.
Não nos pareceu correcta a manutenção de uma discriminação que havia na actual lei entre o explorador directo e o proprietário que não fazia a exploração directa da terra.
Com efeito, não foram poucas as atribulações que se verificaram ao longo dos tempos na aplicação deste preceito (distinção entre quem era e quem não era explorador da terra), e todos os Srs. Deputados sabem que, muitas vezes, em certas fases, houve pessoas que foram inicialmente consideradas absentistas e mais tarde exploradores directos. Igualmente sabem que a regra que a actual lei contém permitiu tratamentos - já o disse publicamente - nem sempre de transparência total.
Pareceu-nos, portanto, dentro do objectivo, sempre presente, de justiça, que igualar esses direitos seria dar um tratamento justo a esta questão. E isso, Srs. Deputados, não pode de maneira alguma parecer estranho a certas bancadas da oposição porque era a filosofia existente na Lei n.º 406/75. Nessa altura foi esta lei que considerou o tratamento igual para todos os proprietários, por o considerar justo.
É depois, em 1977, que, para se poder dar um pouco mais de pontuação a exploradores directos, se fez a distinção. Mas é a versão de 1975 - e eu recordava-o - que a proposta do Governo vem reintroduzir nesta matéria.
No que diz respeito às deduções a fazer nas pontuações, sabemos tratar-se também de um assunto polémico. A actual lei previa a possibilidade de serem deduzidas as pontuações das plantações agrícolas e florestais de média e curta duração; previa, igualmente, que pontuações de outras plantações de longa duração pudessem ser deduzidas, desde que feitas pelos próprios, tais como determinado número de benfeitorias que vinha enumerado na lei anterior.
Não vemos razão por que é que, sendo as benfeitorias feitas pelo próprio, dão direito à sua dedução e, quando feitas por outrem, não dão direito a essa mesma dedução. Parece-nos injusto e incoerente - digo-o com sinceridade - o facto de alguém que herda uma propriedade com benfeitorias não poder deduzir uma benfeitoria feita por um seu antecessor, ou mesmo por alguém que lhe vendeu a propriedade, e, se as benfeitorias fossem feitas por ele, já teria direito a essa mesma dedução. Não nos parece, como disse, coerente e revelador de tratamento igual quanto aos direitos de todos os agricultores, e, por isso, abolimos a exigência de as benfeitorias terem de ser feitas pelo próprio agricultor.
Alargamos, assim, o conceito de dedução das plantações florestais e das plantações agrícolas à área dos povoamentos florestais. E fizemo-lo porque também não compreendemos como é que, na realidade, se podem deduzir das pontuações eucaliptais, pinhais, olivais, pomares, etc., e não se podem deduzir os restantes povoamentos florestais.
É óbvio que será uma interpretação errada em pensar que a nossa ideia sobre a pontuação desses povoa-

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mentos florestais seja zero. Nunca foi essa a intenção do Governo, mas sim a de que ela fosse tratada com o mesmo critério com que são tratados os outros povoamentos florestais. Como os Srs. Deputados sabem - podem ver nas cadernetas rústicas -, eles são pontuados de acordo com a capacidade de uso agrícola dos subcobertos. É isso que foi feito nos restantes povoamentos e não percebemos por que é que, na realidade, não é mais correcto e justo alargar este conceito aos povoamentos florestais. Foi isso que fizemos, dentro do princípio de tratamento igual de todos os aspectos da parte florestal. E fizemo-lo também por outras razões: é que neste momento não o fazer implica para o nosso país um gravíssimo inconveniente, dada a situação de degradação crescente em que se encontram os montados portugueses.
Sabe-se perfeitamente hoje que os montados portugueses são quase terra de ninguém, porque não fazem parte dos contratos de arrendamento nem das concessões dadas às entidades com quem o Estado tem vínculos contratuais, permanecendo entregue a sua exploração à Direcção-Geral das Florestas, que, manifestamente, não dispõe de capacidade para tomar conta deles.
É óbvio, Srs. Deputados, que, se nada for feito nesta matéria, continuaremos a assistir às maiores delapidações na área de um bem tão rico para Portugal como são as cortiças e de grande importância num país que é produtor de mais de 50% da produção mundial.
Por isso, Srs. Deputados, fazemos esta proposta com dois objectivos: em primeiro lugar, para preservação nos nossos montados e sua recuperação e, em segundo lugar, para se conseguir um tratamento mais justo e mais igual do que o existente.
Finalmente, referir-me-ei ao aspecto da inconstitucionalidade - que sei constar de certas intervenções -, possibilidade da suspensão dos actos aquando dos recursos para o Supremo Tribunal Administrativo.
Srs. Deputados, admito perfeitamente que este seja um ponto de discussão. Obviamente que a justiça, a jurisdição, não é uma ciência matemática e poderá haver opiniões diferentes sobre esta matéria. Repito o que há pouco disse, ou seja, que os constitucionalistas e os juristas que deram apoio ao Governo e à aprovação da lei estão convictos de que se trata de um preceito perfeitamente constitucional.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Ministro, pouco a pouco, lá vai reconhecendo as inconstitucionalidades da lei!

O Orador: - O próprio relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias analisa esta questão e conclui pela constitucionalidade plena, ao contrário do que diz o Sr. Deputado Lino de Carvalho. A sua opinião não nos causa espanto porque já estamos habituados a que, hoje em dia, para o Partido Comunista Português tudo o que não está de acordo com as suas orientações é inconstitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Veja-se o pacote laboral, Sr. Ministro!

O Orador: - A razão da nossa abordagem desta questão deve-se também ao desejo que temos de dar estabilidade ao uso e à posse da terra.
Não é admissível, Srs. Deputados, que processos demorem seis, sete ou oito anos a obterem decisão do Supremo Tribunal Administrativo, onde subiram por motivo de recursos com efeitos suspensivos, interpostos muitas vezes por entidades sem qualquer vínculo contratual, ou melhor, que nada têm a ver com a situação em causa, contratual ou legalmente. Parece-nos da mais elementar justiça reduzir as possibilidades de suspensão dos actos recorridos aos casos em que são recorrentes entidades com vínculos contratuais e que podem, portanto, intervir no processo. Isto em nada impede o julgamento final do Supremo Tribunal Administrativo, mas tão-somente que se aguarde o respeito dos direitos de outrem por suspensões causadas por interferência de quem não tem direitos adquiridos nestes litígios. Parece-nos, pois, uma situação enormemente fomentadora da instabilidade na zona de intervenção da reforma agrária.
Penso, Srs. Deputados, que acerca do capítulo da reestruturação fundiária dei as tónicas principais da nossa proposta de lei: manutenção do limite máximo, mas pontuações por pontos; igualdade de tratamento entre exploradores directos e os que arrendam as suas terras; critérios claros no que diz respeito à dedução de benfeitorias e consideração dos casos dos indivisos como sendo da mais elementar justiça e conforme prometido pelo PSD.
Gostaria agora de abordar outras duas áreas que consideramos fundamentais na proposta de lei: uma é a do uso e mau uso dos solos agrícolas. Consideramos ser esse o verdadeiro conceito de reforma agrária. Com efeito, a reforma agrária devia preocupar-se - e nisso penso que todos estamos de acordo neste hemiciclo - com um aproveitamento eficaz dos terrenos agrícolas nacionais, na medida em que são escassos, que o País tem enormes carências dessa área e não nos podemos dar ao luxo de os utilizar indevidamente. E, neste caso, sim, deveria ser exercida uma actuação exigente e que penalizasse, quer através do arrendamento forçado, quer através da expropriação, aqueles proprietários que não souberem fazer a boa utilização dos seus terrenos.
Pensamos que esta será a melhor maneira de fazer uma verdadeira reforma agrária, aliás, conforme a orientação recentemente seguida na revisão da Constituição brasileira, onde estes assuntos foram todos debatidos e em que, depois de um debate moderno e actual, se optou pela solução de expropriar as terras mal utilizadas.
Srs. Deputados, quer queiramos, quer não, estamos hoje integrados na Comunidade Económica Europeia, obrigados a seguir as suas directivas, e sabemos que em produções que são as mais características da zona de intervenção da reforma agrária temos ainda uma situação de grande privilégio. Os preços dos nossos produtos agrícolas nessa região são substancialmente superiores aos preços em vigor na Comunidade Económica Europeia.
Vai ser necessário fazer a aproximação desses preços. Havia, inicialmente, um prazo de dez anos, que, depois, foi possível estender para quinze nas negociações em Bruxelas. Contudo, os preços comunitários não

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vão manter os seus valores, mas sim continuar a baixar. Prevê-se hoje nas instâncias comunitárias que o preço dos cereais possa vir a baixar entre 15% e 20% dos seus preços actuais, o que pressupõe uma agricultura portuguesa plena de eficácia e de modernização e que se faça, realmente, a utilização plena dos solos agrícolas. O Governo, mais que ninguém, está interessado em fazer uma aplicação rigorosa deste preceito e considera-o talvez a parte mais importante, e por isso mais polémica e discutível, da proposta de lei.
Sabemos que é difícil fazer a aplicação destes conceitos com isenção; sabemos que se porá o problema de quem vai ser o julgador da boa ou má utilização dos terrenos agrícolas. Estou, porém, certo de que será fácil encontrar uma solução, porque ela é indispensável a Portugal, e, portanto, seremos todos capazes de encontrar uma solução que garanta uma aplicação isenta e capaz, profissional e tecnicamente, destas matérias.
Finalmente, uma referência ao fomento hidroagrícola, que poderá parecer, à primeira vista, um ponto desgarrado numa lei da reforma agrária, mas que não é. De facto, o fomento hidroagrícola é importante não só para o País, em geral, como para quem vive os problemas relacionados com a reforma agrária. Por essa razão, entendemos ser politicamente importantíssimo que ele constasse desta proposta de lei, porque o Governo pensa que a resolução de alguns desses problemas se pode fazer também através da intensificação do aproveitamento hidroagrícola, a começar pela eficaz utilização dos regadios colectivos já construídos - e que tão baixa taxa de aplicação têm tido no nosso país -, pela construção de novos regadios colectivos e também pelo apoio financeiro a pequenos e médios regadios que venham ser construídos.
É nesta linha que o nosso país já apresentou em Bruxelas, para ser financiado prioritariamente pelo PEDAP, orientações muito claras no que diz respeito aos regadios colectivos e à rega em toda a região alentejana. Aí gostaria - aliás, já o fiz aquando da interpelação sobre política agrícola - de manifestar a minha concordância com muito do que aqui na altura disse sobre esta matéria o Sr. Deputado António Campos, que na sua intervenção exaltou que se fizesse um grande esforço no caminho do fomento hidroagrícola. Tal esforço está a ser feito e vai ser desencadeado somente a partir da aprovação em Bruxelas desse programas, que esperamos que aconteça até Outubro do corrente ano, para arrancarem logo de seguida.
Pretendemos, no entanto, dizer que a inclusão do capítulo de fomento hidroagrícola representa uma opção fundamental do Governo para todo o País, mas em especial para a zona de intervenção da reforma agrária, porque é através das culturas regadas e da boa utilização dos dinheiros públicos gastos nos regadios colectivos que nós poderemos fazer a transformação da agricultura alentejana. Daí darmos-lhe total importância.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tentei apresentar com simplicidade, mas com verdade, as orientações e as motivações que levaram o Governo a mudar a actual lei.
Certos partidos da oposição têm levantado muito o espantalho de que da aplicação desta lei resultará o desemprego e a fome na região alentejana.
Gostaria de dizer, com honestidade e sinceridade, que não partilhamos, de maneira nenhuma, dessa concepção. Estamos perfeitamente convencidos de que com a modernização e o esforço de investimento que vai ser feito nesta área, ligados às medidas já aprovadas na Comunidade de ajuda às reformas antecipadas, que o Governo tem em estado adiantado de preparação para a sua aplicação a Portugal, bem pelo contrário, não iremos ter qualquer problema de emprego na região alentejana. Iremos, sim, proteger os actuais empregos do perigo de poderem vir a ser destruídos, a médio ou a longo prazo, pela inactividade e não modernização da agricultura portuguesa.

Aplausos do PSD.

O não fazer nada sobre esta legislação, o sentarmo-nos sobre ela, o imobilismo, o conservadorismo que algumas forças políticas sentadas neste hemiciclo manifestam sobre esta matéria, isso sim, é que, mais cedo ou mais tarde, iria provocar o verdadeiro desemprego, a verdadeira desgraça, a verdadeira delapidação do património alentejano, tão caro a todos nós portugueses.

Aplausos do Sr. Deputado Guerreiro Norte (PSD).

Portanto, Srs. Deputados, tenho para mim que o que estamos hoje a fazer é um imperativo de qualquer governo. Não temos tempo a perder e já devíamos ter aprovado esta lei há muito tempo. Lamento que em 1984 não tenha sido possível ter chegado a acordo com o Partido Socialista para implementar uma lei deste tipo. Mas, como mais vale tarde do que nunca, iremos fazê-lo agora.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Miranda Calha, António Barreto, Lino de Carvalho, Basílio Horta, Lopes Cardoso, Rogério de Brito, Álvaro Brasileiro, Raúl Castro e João Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, não vou pronunciar-me sobre a constitucionalidade da lei nem sobre o facto, politicamente curioso, de V. Ex.ª ter anunciado que se vai demitir em breve do Ministério da Agricultura e de nos trazer agora aqui uma lei com a importância que esta tem. Só quero deixar duas ou três perguntas.
Primeira: houve políticas anteriores do seu ministério que originaram entregas de terras a pequenos agricultores, talvez até numa óptica de futuras explorações agrícolas familiares. Pergunto ao Sr. Ministro quantos hectares é que estão envolvidos nestas políticas. Na eventualidade de aplicação desta lei, o que é que vai acontecer a esses pequenos agricultores e o que é que significa nesta lei a suspensão da preferência de concessão de terras expropriadas a pequenos agricultores?
A segunda questão tem a ver com a supressão dos tratamentos diferenciados entre proprietários absentistas e proprietários explorando a terra por conta própria. O Sr. Ministro considera que esta visão e esta óptica são um benefício incentivador do desenvolvimento agrícola na região?

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Terceira questão: a execução dos processos de reserva de forma prioritária e de grave urgência terá uma significação que, com certeza, todos sabemos qual é. Só gostaria de saber se isso contribui para a transparência e cristalinidade necessárias a um processo deste género numa terra que já está cansada por este tipo de situações se arrastar ao longo dos anos.
Por outro lado, o Alentejo confronta-se com um sério problema de desertificação. Considera o Sr. Ministro que esta legislação virá obstaculizar a tal situação? Que situação se originará em matéria de emprego? O que é que acontecerá nesta zona em termos de desenvolvimento económico?
Saiu recentemente legislação sobre indemnizações. Pergunto ao Sr. Ministro se os pequenos agricultores a quem foram distribuídas terras terão acesso às mesmas, se poderão adquirir essas mesmas terras.
Finalmente, Sr. Ministro, gostaria mais de o ter ouvido falar sobre inovação e modernização agrícolas na óptica da CEE e dos interesses do País do que sobre a apresentação de uma legislação que criará instabilidade, o que virá a ser extremamente negativo no Alentejo. O Sr. Ministro não tem algo a dizer sobre esta matéria?

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pretende responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Se me dá licença, respondo já, Sr. Presidente, uma vez que estão inscritos muitos Srs. Deputados e eu gostaria de, objectivamente, responder a todos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Deputado Miranda Calha, quanto à minha demissão, devo dizer-lhe que não a anunciei. Apenas disse aquilo que desde há muito tempo tenciono fazer, ou seja, não fazer vida política permanente e na devida altura poder regressar às minhas actividades empresariais, poder regressar àquilo para que me sinto, na realidade, vocacionado. No fundo, considero um acidente de percurso o facto de ter estado durante tanto tempo na governação.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Há bastante tempo!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado Almeida Santos que estou na governação há demasiado tempo. Talvez, Sr. Deputado! De qualquer maneira, não me demiti - muitas vezes a comunicação social apresenta os problemas de uma maneira diferente -, apenas me limitei a dizer que gostaria de voltar à actividade empresarial. Não é para ir para Bruxelas (como o engenheiro Hermínio Martinho gostaria), mas para voltar às minhas actividades empresariais, para as quais, na realidade, me sinto vocacionado. Esta é só uma explicação que gostaria de dar, mas que não tem a ver com o debate.
Relativamente à entrega de terras, se ler com atenção o artigo 28.º da proposta de lei, verificará que estão totalmente defendidos e protegidos os interesses dos pequenos e médios agricultores. Aliás, algumas pessoas que se me têm dirigido têm defendido, até talvez de uma maneira excessiva, essa opinião. Posso dizer-lhe que, de acordo com os registos do Ministério, estão envolvidos neste processo 3410 pequenos e médios agricultores, que ocupam cerca de 152 713 ha de terra. Se ler o diploma com mais atenção - e não me passa pela cabeça que não tenha lido a proposta de lei que vem discutir -,...

Vozes do PSD: - Se calhar, nem leu!

O Orador: - ... verificará que isso consta de toda a legislação.
A este propósito, gostaria também de dizer que no Programa do Governo está prevista a venda dessas terras aos pequenos e médios agricultores. Mas o Sr. Deputado também sabe, com certeza, que, de acordo com a actual Constituição, tal não é permitido, na medida em que está bem claro num artigo da Constituição que se refere à reforma agrária que as terras se destinam basicamente ao arrendamento e para um conjunto de destinatários bem definidos. Mas, se a Constituição for alterada, o PSD, tal como anunciou no Programa do Governo, porá em prática a sua promessa de, por concurso público, vender as terras aos pequenos e médios agricultores.

O Sr. António Barreto (PS): - E paga 10% aos antigos proprietários!

O Orador: - Já lá vou, Sr. Deputado. Inscreveu-se para fazer perguntas, não foi? Percebo a sua precipitação, o seu entusiasmo, mas na devida altura responderei.

O Sr. António Barreto (PS): - Precipitação, não!

O Orador: - Com certeza. Aliás, V. Ex.ª nunca se precipita, tem mais ou menos entusiasmo. Na realidade, nunca se precipita.
Relativamente à supressão da diferença entre proprietários absentistas e exploradores directos, não penso que seja injusto, senão não o teria proposto. Penso que é muito importante que haja quem queira arrendar as suas terras, ou seja, muitas vezes, tão importante como a exploração directa é a boa exploração da terra por parte de outras pessoas a quem o explorador directo arrendou as suas terras. Dentro do conceito de direito de propriedade, não vejo por que é que as pessoas são tratadas de forma diferente, especialmente em relação à parte habitacional. Nunca houve penalização para aqueles que, sendo proprietários, arrendam as suas casas, não há distinção entre quem tem casa própria e quem as arrenda. Não há, pois, qualquer razão para levarmos para a zona da agricultura critérios diferenciados. Se não considerássemos esta medida equilibrada e justa, não a teríamos feito.
Relativamente à urgência quanto à execução da decisão final proferida nos processos de reserva regulados pela presente lei - prevista no artigo 14.º -, à urgência prevista na sua resolução nos casos de recurso administrativo, esta insere-se na mesma linha do artigo 47.º, e, portanto, a resposta é a que está dada no artigo 47.º relativamente ao poder de recurso. Aliás, se também ler com atenção o relatório elaborado pelo presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

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Liberdades e Garantias, verificará que ele aborda este problema dos artigos 14.º e 47.º até de uma maneira mais fundamentada do que eu, porque se trata de um problema jurídico.
No que diz respeito à desertificação e ao emprego no Alentejo, eu disse na minha intervenção - e repito - que a nossa orientação é a do fomento hidroagrícola, é o apoio completo da posição que o Sr. Deputado António Campos aqui tomou quando veio advogar toda essa orientação, da qual partilhamos totalmente.
Quanto às indemnizações, elas não se aplicam aos pequenos e médios agricultores, na medida em que estes trabalham em terras que estão arrendadas. A lei das indemnizações destina-se a indemnizar aqueles a quem as terras foram expropriadas, e não é o caso dos pequenos e médios agricultores.
No que se refere à inovação e modernização tecnológicas, devo dizer-lhe que estamos aqui hoje a discutir reforma agrária. Em dez intervenções que aqui já fiz, talvez em oito, debrucei-me sobre o enorme esforço de modernização que está a ser feito para responder ao desejo da Comunidade Económica Europeia. A tal ponto assim é que, muitas vezes, me dizem que estou mais preocupado com os problemas ligados com a Comunidade Económica Europeia do que propriamente com os ligados à política interna. Hoje chegou a altura de discutir esta legislação.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª já gastou o tempo máximo atribuído a cada resposta, que é de cinco minutos.

O Orador: - Já terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Ministro, telegraficamente, dado que temos várias intervenções a fazer, incluindo a minha, onde teremos tempo de abordar todas as questões com mais cuidado, deixe-me só dizer-lhe que também eu não confunde os actos, os gestos e as leis do ministro com a pessoa. Nisto estou consigo, é recíproco! É por isso que não consigo esconder uma certa perplexidade ao ouvir o seu discurso, entusiasmado, sobre a modernização da agricultura, o que implica uma aposta de confiança em si próprio, isto nas vésperas de se ir embora, porque o Sr. Ministro se despediu. Devo dizer-lhe que não gostei dessa expressão, e digo-lhe isto com o coração nas mãos. Um ministro que se prepara para propor leis que julga que vão modernizar a agricultura e fazer empenhar os investidores e os trabalhadores não pode começar por dizer «Eu despeço-me, quero ir-me embora, quero ganhar a minha vida noutro sítio!».
Por outro lado, o seu entusiasmo é de alguém que tomou posse ontem, e não de alguém que está há três anos no Ministério, e muito menos de um dirigente partidário que ocupa o Ministério há dez anos. É esta noção do tempo e do seu não empenhamento pessoal nisto que lhe retira responsabilidade pela sua gestão pessoal do Ministério e retira ao seu partido total responsabilidade pelo que se passou. Todo o tempo perdido, que o Sr. Ministro sublinhou, foi perdido sobretudo pelo PSD, foi perdido para Portugal pelo PSD e pelos ministros da Agricultura do PSD.
Três perguntas directas sobre três assuntos que me surpreenderam na sua intervenção.
Em primeiro lugar, um lapsus linguae que o Sr. Ministro cometeu e que, felizmente, consta da acta: a propósito do esforço de fomento do desenvolvimento, o Sr. Ministro desenhou um horizonte vastíssimo e generoso do desenvolvimento que vai acontecer em Portugal nos próximos anos. Começou por dizer que este esforço «está a ser feito» e terminou dizendo que ele «vai ser desencadeado». A acreditar em si, também penso que vai ser desencadeado, porque não está a ser feito. O Sr. Ministro sabe que muita coisa já devia ter sido feita antes das negociações em Bruxelas e ainda o não foi.
Como é que o Sr. Ministro compatibiliza o grande objectivo de estabilização se vai reabrir quase todos os processos de reserva, com o alargamento da pontuação, com os indivisos, com a revalorização das pontuações, com a recompensa aos absentistas, etc.?
Finalmente, como é que é possível que uma lei destas venha à Assembleia sem que venha acompanhada de uma memória descritiva do que existe de facto? O Sr. Ministro, que tem os seus onze colegas europeus e os outros que não são da CEE, sabe que uma lei destas não vem à Assembleia da República sem um estudo sócio-económico, sem um estudo jurídico, sem um estudo dos custos financeiros, sem um estudo agrícola, técnico e social. Esta lei vem aqui com seis opiniões: «o Governo acha que», «o Governo pensa que», «o Governo já pôs no seu programa». Contudo, os 90 000 pontos não estão no Programa, as disposições concretas desta lei não estão no Programa do Governo... Vêm aqui apenas com opiniões, ou seja, «nós achamos que», «o Governo pensa que», «o Governo julga que». Em nenhum país civilizado isto faz o fundamento factual para uma lei, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, quer responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Fico enternecido, quase à comoção, com a importância que o Sr. Deputado ...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Desculpe-me, Sr. Presidente, mas é que estou enternecido, quase que comovido, pela importância que o Sr. Deputado António Barreto dá à minha permanência à frente do Ministério da Agricultura. Posso dizer-lhe que me tocou sinceramente.
Sr. Deputado António Barreto, já respondi ao seu colega, Sr. Deputado Miranda Calha, que não me demiti, nem estou para sair, nem amanhã nem depois, do Governo. Limitei-me a dizer que, mais cedo ou mais tarde - até apontei um ano e meio, que é um espaço bastante lato -, tencionava regressar às actividades empresariais. Ao dizer isto, respondo à pergunta que me fez no sentido de saber se eu tencionava manter-me por largos e bons anos à frente do Ministério da Agricultura. Repito, pois, a mesma resposta que dei ao Sr. Deputado Miranda Calha.
Quanto ao entusiasmo, Sr. Deputado, quando sentimos que estamos a fazer qualquer coisa de importante, todos nós temos entusiasmo ao apresentar as

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questões, e isso aconteceu hoje comigo. Se a lei vier a ser adoptada e tiver correcta aplicação - e espero que assim seja -, penso que ela é muito importante para o nosso país.
Diz o Sr. Deputado que lamentamos não termos já aprovado esta lei. Sr. Deputado, já tentei, esta é a terceira vez que trago a esta Assembleia uma lei com esta orientação. O Sr. Deputado Almeida Santos sabe perfeitamente do tempo em que fomos colegas no Governo, as horas e horas que passámos juntos para tentar negociar uma lei que atingisse estes mesmos objectivos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Tentar!

O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos sabe perfeitamente o entusiasmo e a importância que sempre dei a esta questão, em relação à qual não foi possível consenso. Respeito inteiramente as razões que levaram o Partido Socialista a não poder aceitar, mas cada um tem as suas opiniões e eu respeito-as integralmente. Mas nessa altura tentei, o mesmo acontecendo o ano passado; contudo, porque o Governo era minoritário, fui aqui chumbado. Portanto, Sr. Deputado, o PSD tem tentado, mas os partidos têm impossibilitado a que lei saia.
Relativamente ao lapsus linguae, devo dizer que não foi disso que se tratou. Se consultar o relatório da própria Comunidade sobre o esforço de investimento feito em Portugal e verificar os seus valores, poderá confirmar que foi feito um enormíssimo esforço de desenvolvimento. Os projectos apresentados em Bruxelas, possivelmente, serão aprovados até ao mês de Outubro, e o que eu disse foi que os da parte hidroagrícola, só poderão ser utilizados a partir dessa data. Tudo o resto, tais como electrificação rural (e dizia-me, outro dia, alguém que só no Alentejo se fizeram 250 Km de linhas de alta tensão, nunca se fez tanta electrificação no nosso país - aliás, há problemas de fornecedores para poderem satisfazer as encomendas que têm), caminhos rurais, pequenos regadios, olivicultura (são todos programas específicos), consta de um relatório - e vou ter o prazer de o enviar a V. Ex.ª, porque sei que se interessa por estas questões - onde poderá verificar que, na realidade, o investimento no sector agrícola em Portugal é seis vezes superior ao que era antes de entrarmos para a Comunidade.
O que referi é que a pane hidroagrícola, essa sim, por questões processuais, só entrará em funcionamento em Outubro.
Sr. Deputado, relativamente ao facto de a proposta de lei não ter sido acompanhada de um relatório, é evidente que, fosse qual fosse o relatório que o Governo apresentasse, haveria sempre da bancada de V. Ex.ª, por razões compreensíveis, manifestação de insatisfação. Juntámos os elementos que nos parecem ser suficientes; respondemos, ou tentámos responder, o melhor que soubemos a inúmeras perguntas que nos foram feitas pela Comissão de Agricultura e Pescas, onde demos números. Os valores que há pouco dei ao Sr. Deputado Miranda Calha, ou sejam os 3410, mais as 24 UCPs, mais as áreas ocupadas, etc., constam de um relatório que enviámos à Comissão de Agricultura e Pescas. Se o Sr. Deputado pedir esse relatório aos seus colegas que têm assento nessa Comissão, e o ler, talvez fique um pouco mais satisfeito e não considere que estamos num país atrasado, porque não estamos.

O Sr. António Barreto (PS): - Já vi tudo, Sr. Ministro, e não chega!

O Orador: - Recuso-me a aceitar que a conclusão seja a de que Portugal é um país atrasado. De qualquer maneira, terei muito prazer em fornecer-lhe mais elementos, se assim o entender.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Ministro fez uma intervenção relativamente longa, mas insegura. .., talvez porque o Sr. Ministro sabe que no seu próprio partido há dúvidas sobre esta lei. O próprio Sr. Ministro reconheceu a existência de aberrações e de diversas inconstitucionalidades na lei. Mas também foi uma intervenção cheia de inverdades, como a de afirmar que a proposta impõe um limite máximo de área para as explorações agrícolas privadas, quando uma das claras inconstitucionalidades desta lei é precisamente o facto de propor que deixe de existir qualquer limite máximo de área - contrariando a Constituição -, o que, articulado com outros preceitos, leva à completa reconstituição da antiga propriedade latifundiária.
Teremos oportunidade de desenvolver esta questão nas intervenções que faremos e agora gostava de lhe colocar três questões concretas.
O Sr. Ministro tentou, no início da sua intervenção, defender a constitucionalidade da lei, mas não explicou a contradição entre as suas afirmações aqui feitas hoje, aquando da apresentação desta proposta de lei, e as afirmações por si feitas neste hemiciclo, em 24 de Julho de 1986, como se pode ler no Diário da Assembleia da República, aquando da apresentação da proposta de lei n.º 29/IV. Dizia o Sr. Ministro nessa altura o seguinte: «Aquilo que pensávamos dever ser uma verdadeira lei da reforma agrária embate sempre nos constrangimentos de ordem constitucional, pelo que a apresentação de legislação só após a revisão da Constituição.»
Como o Sr. Ministro tem afirmado que esta é uma proposta de lei nova, como na exposição de motivos da proposta de lei diz que a presente proposta visa uma completa remodelação das bases da reforma agrária, só nos resta concluir que é o próprio Sr. Ministro quem confessa, pelas suas próprias palavras, que esta proposta de lei é constitucional, uma vez que, embora tenha mudado a maioria, a Constituição ainda não mudou.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Afirma ainda o Sr. Ministro que uma das inovações desta proposta de lei é a de retirar poderes discricionários ao Ministro da Agricultura. Pergunto: acha que esta proposta de lei, ao dar ao Ministro da Agricultura poderes de discricionariedade absoluta, pois seria o Ministro a determinar quem seria ou não notificado nos processos de reserva e em que condições, a aprovar a demarcação de reservas, a promover a reversão dos prédios expropriados, a declarar quais as herdades em situação de abandono ou de mau uso, a aprovar planos de exploração, a decidir a quem e em que condições são entregues os prédios expropria-

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dos e nacionalizados, a definir os limites das respectivas áreas, reduz os poderes discricionários do Ministro em relação à anterior lei?
Por outro lado, Sr. Ministro, é evidente que para qualquer observador sério e isento o Sr. Ministro e o Governo, com esta proposta de lei, não têm qualquer objectivo de criar as condições para o desenvolvimento da região e para a modernização da agricultura, não têm qualquer objectivo de criar um clima de estabilidade e de justiça social.
O Sr. Ministro é a face do icebergue de uma vasta operação político-partidária e de punição social contra os trabalhadores. Basta ler a exposição de motivos do Sr. Ministro e as entrevistas que tem vindo a dar, sobretudo a que deu a um semanário no dia 9 de Abril.
O próprio estudo sobre as UCPs cooperativas que o Sr. Ministro entregou à Assembleia está recheado de inverdades, de inexactidões, não merece credibilidade, e, sem concedermos sobre isso, registamos que esse estudo afirma, apesar de tudo, que há 130 cooperativas em situação estruturalmente positiva, tanto do ponto de vista social como do ponto de vista agrícola, como do ponto de vista financeiro.
Como se compreende então que - e isto demonstra o que eu disse há pouco em relação aos objectivos desta lei - o Sr. Ministro e o seu governo apresentem uma proposta de lei que destrói todas as entidades, todas as cooperativas, todas as UCPs, mesmo aquelas que o próprio estudo do Sr. Ministro diz - apesar de não concedermos sobre a sua falta de credibilidade - estarem em condições estruturais positivas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Penso que o Sr. Deputado Lino de Carvalho não fez perguntas, fez antes afirmações, portanto, é-me difícil responder. Mas eu contestava!
Dizer que a minha intervenção é insegura... O Sr. Deputado António Barreto acabou de dizer o contrário, achou que tinha tido um grande entusiasmo. Enfim, as interpretações são diferentes.
Sobre os problemas dentro do PSD... Ó Sr. Deputado Lino de Carvalho, preocupe-se com os problemas dentro do seu partido. O nosso partido não tem problemas.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, estamos habituados a ter opiniões diferentes e não castigamos ninguém por isso, e, portanto, é normal que numa matéria tão importante e complexa como esta hajam opiniões diferentes sobre ela. É até, válido, é positivo que as opiniões do Governo sejam muitas vezes discordadas ou contestadas.
Tem sido sempre assim em todas as iniciativas legislativas que apresentamos. Há sempre um debate com o grupo parlamentar, aceitamos as opiniões, estamos dispostos a rever as posições. Não temos o dom da verdade absoluta, e daí ser muitíssimo bem-vinda a crítica. Será estranha para V. Ex.ª esta concepção de abertura e de democracia, mas é aquela que vigora dentro do PSD e no Governo seguimos essas regras.
Relativamente à constitucionalidade, bastará ler o relatório da própria Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias desta Assembleia, no qual são refutadas todas as suas afirmações.
Quanto a poderes discricionários, dei vários exemplos de poderes que são retirados e que estavam na origem de utilização pouco clara. Reconheci-os e muitas vezes insisti nisso ao longo destes anos; daí estar a propor mudar esta questão.
Sobre a face do icebergue, não sei qual é o icebergue. Não estou habituado a funcionar em icebergues. V. Ex.ª é que tem esses hábitos, isso é um problema vosso. Não posso, pois, responder a essa pergunta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Ministro não respondeu!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Seja-me permitido, antes de fazer as perguntas ao Sr. Ministro, um aceno de simpatia muito sincera para consigo. E digo isto, em nome da minha bancada, como eu há pouco dizia, de uma maneira extremamente sincera.
V. Ex.ª teve o azar - que a Sr.ª Ministra da Saúde não teve - de ter de cumprir o seu programa antes da revisão constitucional. Se tivesse a sorte dela, talvez esperasse pela revisão, e então, certamente, poderia fazer uma lei mais de acordo com aquilo que penso serem as suas convicções neste domínio.
Assim, V. Ex.ª vê-se sujeito, por dever - que não quero aqui esconder -, a apresentar uma lei que tem muitos aspectos positivos - não vamos deixar de os realçar -, mas que, no fundo, é uma lei que liga o seu nome à manutenção do esquema ideológico de 1975, liga o seu nome à permanência na zona de intervenção da reforma agrária, liga o seu nome à permanência da pontuação como forma de reforma agrária - como V. Ex.ª acabou de dizer e muitíssimo bem o uso da terra é muito mais importante do que a sua dimensão -, em suma, liga o seu nome a todo um conjunto de questões que têm a ver, obviamente, com a legislação revolucionária. É evidente que isto é o equilíbrio inteligente que V. Ex.ª fez entre a compatibilização da Constituição e a política que V. Ex.ª defende.
E aqui começa o primeiro aspecto das minhas questões. A sua lei é um esforço notável de inteligência, é uma filigrana jurídica onde, por vezes, aquilo que parece ser um detalhe assume particular importância na composição de interesses políticos que enformam a lei. É quase a lei da reserva mental, em vez da lei mental, aquela que V. Ex.ª nos apresenta aqui.
Isto leva a uma questão muito séria, Sr. Ministro: que lei é esta? É a lei do seu governo e do seu partido ou é apenas a lei do seu governo? É uma lei que é susceptível de se sujeitar aqui a alterações que lhe modifiquem claramente os pressupostos políticos ou é uma lei que será votada, na sua essência, em toda a pureza dos princípios positivos que V. Ex.ª teve a coragem de lhe introduzir? V. Ex.ª há pouco referiu benfeitorias que não contam para as pontuações de 91 000 pontos, porque V. Ex.ª sabe, e eu sei, que a Lei n.º 77/77, já

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com as majorações, poderia ir a muito mais de 90 000 pontos, poderia ir até 120 000 pontos. Pergunta-se: esses povoamentos florestais abrangem ou não os montados?
V. Ex.ª está a acenar-me com a cabeça... Eu sei que sim, que abrangem os montados. Mas, se houver aqui uma alteração que exclua os montados, a lei é a mesma que estamos a discutir ou é outra, Sr. Ministro? Esta lei respeita mais ou respeita menos o direito de propriedade? É uma lei que atinge mais ou atinge menos a legislação revolucionária de 1975? Isto é uma questão importante numa altura em que a agricultura portuguesa está a esgotar as últimas oportunidades da sua viabilização, porque, esgotados que sejam os fundos estruturais e a vontade política de alguns políticos, não apanharemos mais e, necessariamente, seremos trucidados pela produtividade muito mais alta da agricultura europeia. Isto leva-me, para finalizar, porque estas questões serão abordadas em intervenções de fundo, a pôr a V. Ex.ª três pontos muito concretos.
Em primeiro lugar, no que toca aos indivíduos, V. Ex.ª focou o pensamento do Dr. Sá Carneiro, e acho interessante como um ministro deste governo tem de frisar expressamente quanto respeita o pensamento do Dr. Sá Carneiro. Gostei muito de ouvir V. Ex.ª dizer isso. Felicito-o sinceramente por isso, porque é uma afirmação que há muito tempo não se ouvia da boca deste governo.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Não é verdade!

O Orador: - Os meus cumprimentos por V. Ex.ª o ter dito, porque assim era realmente.
Mas há aí um aspecto importante. V. Ex.ª, em relação às sociedades, cria um regime novo. Pergunto-lhe, Sr. Ministro: o regime que V. Ex.ª cria em relação às sociedades, dando a cada um dos compartes ou quotistas a possibilidade de apresentar uma reserva autónoma, significa que a reserva que era atribuída à própria sociedade desaparece? Ou V. Ex.ª entende que há duas reservas, a reserva da sociedade e a reserva que resulta da soma desta com a reserva de cada um dos compartes? A pergunta tem razão de ser. Se V. Ex.ª diz que a reserva da sociedade desaparece, permita-me que lhe diga: mas está a fazer confusão entre o património da sociedade - que até pode estar cotado em bolsa, por exemplo - com o património individual dos sócios. Como é que V. Ex.ª resolve este problema? Se uma sociedade deixa de ter reserva e tem passivo, o passivo vai para os sócios de uma maneira conjunta ou solidária? Como é que este problema é resolvido? A nós falha-nos a especificidade e a interpretação completa deste preceito, embora preferíssemos outra solução, que teremos ocasião de adiantar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gastou cinco minutos. Faça favor de terminar.

O Orador: - Irei ser muito rápido. V. Ex.ª não pode descontar no tempo do meu partido?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em conferência de líderes decidimos que os três minutos previstos para o pedido de esclarecimento poderiam passar a cinco minutos para não desequilibrar o conjunto de perguntas.

O Orador: - Termino já, se me conceder um minuto.
Em segundo lugar, há uma contradição entre os interesses dos beneficiários de terras nacionalizadas ou só expropriadas dadas em exploração e os direitos dos reservatários. V. Ex.ª opta na sua lei, claramente, pelos interesses dos beneficiários. Porquê? Quando o direito de reserva é um novo direito de propriedade de pessoas que já foram expropriadas, V. Ex.ª não considera que isto é a expropriação do próprio direito de reserva? V. Ex.ª não considera que há uma injustiça clara entre os reservatários que não tiveram o azar de ter beneficiários nas suas terras e os outros que tiveram? Porquê esta diferença?
Finalmente, V. Ex.ª concorda com o regime indemnizatório? V. Ex.ª acha que o regime indemnizatório previsto nesta lei, remetendo-o para lei especial, inclusivamente em relação às requisições sobre bens móveis, alfaias, utensílios, é justo, é claro ou é a consagração legal do esbulho?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Basílio Horta gastou seis minutos.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Deputado, na minha intervenção deixo-lhe as razões pelas quais entendemos ser oportuno e urgente apresentar esta lei. O tempo não me permite que o repita.
Quando o Sr. Deputado Basílio Horta diz que o nosso nome vai ficar ligado à reforma agrária, eu diria que o partido de V. Ex.ª também apresentou em 1983 uma lei muito mais restritiva que esta, muito mais ligada à reforma agrária, portanto, diria que não posso dizer que estou em má companhia para não ofender V. Ex.ª.
Na realidade, a proposta de lei apresentada pelo partido a que V. Ex.ª pertence, o CDS, que, como se recordará, é de 1983, era muito mais restritiva do que esta com a actual Constituição, ou seja, o Governo foi muito mais longe do que V. Ex.ª foi, pelo que teria o seu nome muito mais agarrado a 1975 do que propriamente o meu governo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em 1983 o PSD era diferente e os tempos eram outros!

O Orador: - Em relação à questão da reserva para a sociedade, vou mandar-lhe o parecer do Sr. Prof. Afonso Queiró. Penso que não o poderá pôr em causa. A proposta do Governo, na opinião de tão eminente jurista, é perfeitamente coerente do ponto de vista jurídico.
A segunda questão que me colocou tem a ver com a beneficiação de interesses beneficiários. É difícil a opção, Sr. Deputado! Houve várias alternativas estudadas; no entanto, o PSD entendeu dever respeitar integralmente as promessas que tinha feito nesta área a todos aqueles a quem entregou as terras e decidiu cumprir essa promessa - é isso que está na lei. Mas reconheço que é uma opção muito delicada encontrar o justo equilíbrio nesta questão porque não há qualquer

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dúvida de que as pessoas com terras nestas regiões vão ser prejudicadas e discriminadas em relação a outras. É difícil encontrar consenso, mas há compromissos que têm de ser cumpridos, e o PSD gosta de cumprir aquilo que promete.
Relativamente às indemnizações, Sr. Deputado, penso que a própria Lei n.º 80/77 previa haver uma lei de indemnizações especiais sobre matéria agrícola. O decreto-lei do Governo é perfeitamente justo e correcto e foi feito na sequência das Leis n.ºs 80/77 e 2/79. Muitas vezes tenho tido ocasião de manifestar publicamente a minha discordância em relação à Lei n.º 80/77, ao prever que se faça o pagamento através de títulos de juros da dívida pública, com rendimentos largamente inferiores àqueles que prevaleciam na altura. Esta questão não tem a ver com esta lei, não tem a ver com o decreto-lei das indemnizações, tem a ver com a própria Lei n.º 80/77, que não estamos neste momento a discutir.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, é para formular um rápido protesto, porque o Sr. Ministro invocou ...

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado!

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, então tenho de invocar a figura da defesa da honra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode fazer a defesa da honra e da consideração nos limites do Regimento, da prática que tem sido seguida e de acordo com os avisos que tenho feito.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - O Sr. Ministro da Agricultura referiu legislação da minha iniciativa quando ocupava o cargo de Ministro da Agricultura.
Penso que foi apresentado pelo meu partido em 1983 ...

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Pelo Grupo Parlamentar do CDS!

O Orador: - Ah, pelo Grupo Parlamentar do CDS! Em 1983 não estava aqui, mas essa proposta de lei - e daí o pedido de defesa da honra - era diferente, como V. Ex.ª sabe. Nem pior nem melhor, era diferente, partia de pressupostos diferentes daqueles que V. Ex.ª aqui apresentou.

O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Penso que não há quaisquer esclarecimentos a dar, Sr. Presidente.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Ministro, duas perguntas apenas, escolhidas um pouco ao acaso e sem grandes considerandos, não por menos consideração pela sua intervenção ou por V. Exª, mas por absoluta falta de tempo.
Pretende o Governo aplicar a lei que aqui nos trouxe se ela vier a ser aprovada e promulgada em todas as suas vertentes? Isto é, o Governo pretende levar à prática o disposto no artigo 11.º da sua proposta de lei, procedendo à expropriação de todos os prédios que, isoladamente ou no seu conjunto, ultrapassem os 91 000 pontos?
A segunda questão tem a ver com a aplicação da lei em todas as suas vertentes. Propõe-se o Governo levar à prática o disposto no artigo 35.º, que diz respeito ao regime do uso da terra e à possibilidade do arrendamento compulsivo ou da expropriação quando se verifique um aproveitamento deficiente no uso da terra? Esta questão tem origem, Sr. Ministro, em particular, em algo que se passou neste hemiciclo.
O Sr. Ministro deve estar recordado, interpelado a este propósito pelo meu camarada Frazão, então deputado, sobre a não aplicação do decreto-lei ainda em vigor e sobre a possibilidade de intervenção quando se verificasse o mau uso da terra, de ter declarado que o não aplicava porque considerava que essa legislação era desestabilizadora. Será que agora deixou de ser desestabilizadora e o Sr. Ministro vai aplicar, não apenas o artigo 35.º da proposta de lei, se ela vier a assumir a forma de lei, e vai passar a aplicação da legislação em vigor, ou só é desestabilizador em determinadas condições? Qual é o entendimento que o Governo faz desta lei? Vai aplicá-la em todas as suas vertentes ou apenas numa?

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Respondo com uma pergunta: o Sr. Deputado acha que o Governo ia apresentar uma lei que se propusesse não cumprir? O Sr. Deputado conhece-me e sabe que, nesse caso, não a apresentaria.
Entretanto, esclareço a afirmação que fiz em relação à não aplicação da lei anterior. Entendia que, prioritariamente, havia que estabilizar a situação na zona de intervenção da reforma agrária. Foi o que disse nessa altura. Actualmente, a situação ainda não está estabilizada para lhe irmos introduzir uma instabilidade superior e, portanto, coloco prioridades. Primeiro vamos arrumar a casa e só depois iremos aplicar a lei. Mas iremos aplicá-la! Não tinha «a lata» de apresentar uma lei a esta Assembleia para discussão que não tivesse tenção de aplicar.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Queria que a Mesa me ajudasse a solucionar este problema: o Sr. Ministro respondeu fazendo-me uma pergunta e não posso responder a essa pergunta.

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Gostaria de responder, dizendo que registo com agrado que o Governo se propõe aplicar a lei em todas as suas vertentes, nomeadamente o seu artigo 11.º e no que diz respeito à expropriação de todos os prédios ou conjunto de prédios que ultrapassem os 91 000 pontos.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Querem é a expropriação!

A Sr.ª Presidente: - A Mesa regista a explicação. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Ministro da Agricultura, vou abordar duas ou três questões que retirei da sua intervenção, uma das quais tem a ver com a aposta que o Sr. Ministro diz pretender dar a esta proposta de lei e à sua aplicação, que será a de promover a estabilização, com base duradoura, o que pressupõe base e orientações transparentes e correctas.
Até aqui estaríamos de acordo, mas logo a seguir o Sr. Ministro diz que esta alteração do regime da Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária tem a ver com a modernização da agricultura.
Tendo em conta que a proposta visa, sobretudo, reconduzir a propriedade aos antigos detentores da mesma, seria levado a concluir que estaríamos premiando, exactamente, os réus e penalizando as vítimas. É difícil perceber como é que vamos devolver o prémio aos prevaricadores. Ou seja, bastará que olhemos para a recente evolução da agricultura no Alentejo para termos a noção de que a solução não se encontra no âmbito dos proprietários latifundiários. Dir-se-á: pois é, por isso é que é preciso alterar o estatuto da reforma agrária. Eu diria que isto é a cabal demonstração da fragilidade dos argumentos do Governo, da política do Governo, e é uma clara demonstração de hipocrisia política. E porquê? Porque hoje as UCPs detêm apenas 7% da superfície agrícola do Alentejo e 3% da superfície agrícola do continente. Como é que as UCPs são responsáveis pelos atrasos da agricultura neste país?
Uma outra questão tem a ver com a concepção do Sr. Ministro de que acabámos com os limites máximos da propriedade privada ou que estabelecemos o limite máximo agora por via da pontuação. Isto é extremamente curioso. Quando o Sr. Ministro estava a falar, lembrei-me de uma situação deste tipo: temos um bolo com, por exemplo, 4 kg dividido em quatro partes; há vinte ou trinta pretendentes para o bolo, que não pode ser só distribuído por um, neste caso a família que tinha o bolo pois têm direito de reservar uma fatia o proprietário e os comproprietários, os filhos, etc., donde o bolo continua a ser para os mesmos e não será distribuído por ninguém.
Na prática, é aquilo que se propõe nesta proposta de lei. Ou seja, hoje é possível - vai ser possível com esta lei - atribuir reservas, uma como proprietário do prédio, outra por ser comproprietário de outro prédio, outras por ser titular de um direito social numa ou mais sociedades de prédios rústicos, etc.
Isto não nos levaria a qualquer lado, mas a questão talvez mais importante é a que tem a ver com o aproveitamento eficaz dos solos agrícolas e com o fomento hidroagrícola. Gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se, quando fala em fomento hidroagrícola, se refere, por exemplo, a casos como o da Associação dos Regantes do Lavre, que se diz ir beneficiar centenas de agricultores. É falso! Aquilo apenas servirá quatro proprietários, a não ser que pretenda regressar ao regime dos antigos perímetros de rega, em que se investiam dinheiro públicos para depois se fazer valorizar as rendas e fazer pagar ainda mais a renda por parte dos cultivadores directos, que seriam os seareiros.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - O Sr. Deputado Rogério Brito não fez qualquer pergunta, mas sim uma mini-intervenção, que não tem resposta.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - O Sr. Ministro falou em agricultores, e, como pertenço a essa classe, da qual tenho muita honra, tenho de levantar aqui alguns problemas.
Agricultor não é apenas a pessoa, o homem, a mulher ou o jovem que põe um boné na cabeça, arregaça as mangas, calça umas botas, sobe para um tractor e diz que é agricultor. No actual momento, Sr. Ministro, levando em conta o problema da modernização, muitos deles dizem-se agricultores, alguns deles feitos a martelo. Digo agricultores «feitos a martelo» - não é que esteja contra a formação de jovens agricultores - no sentido de que no actual momento muitos deles não são capazes de discernir uma alface de um sobreiro; o que eles pretendem é beneficiar do subsídio da primeira instalação, recorrerem aos créditos e nunca serem agricultores.
O Sr. Ministro sabe bem que tudo isto é verdade. É um escândalo o que se está a passar a nível nacional. O Sr. Ministro tem conhecimento de tudo isto, já o temos denunciado, assim como também o temos feito em relação àqueles que querem ser realmente agricultores, mas só porque recorreram ao crédito do IFADAP ou ao subsidio de gasóleo deixam de ter direito à primeira instalação.
Penso, Sr. Ministro, que é importante que se clarifiquem estas situações. Não é que estejamos contra os jovens e novos agricultores, queremos apenas chamar a atenção para os perigos que decorrem do aproveitamento que está a existir.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Embora o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro tenha também feito uma mini-intervenção, gostaria de dizer que tenho o maior respeito por todos os agricultores. Pode crer, Sr. Deputado, que, talvez com uma orientação e uma filosofia diferentes, tudo o que tento fazer no Ministério é para benefício e progresso dos nossos agricultores, que bem merecem porque foram durante anos e anos muitas vezes entusiasmados a fazer política, mas nunca tiveram as verdadeiras medidas de apoio, que neste momento têm.

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Sr. Deputado, devo dizer que tudo o que referiu sobre fraudes e sobre possíveis desvios de fundos é matéria que nos interessa sobremaneira. Temos feito várias inspecções às diversas instalações e, recentemente, esteve em Portugal uma inspecção especial de Bruxelas, mas não deixarei de mandar reforçar as fiscalizações, na medida em que considero que esses dinheiros são para serem utilizados eficientemente, e não de maneira menos correcta.
Portanto, queria manifestar, uma vez mais a minha concordância com as suas afirmações.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (ID): - O Sr. Ministro da Agricultura, no. início da sua intervenção, justificou ou tentou justificar a apresentação da proposta de lei n.º 31/V, argumentando que, como não se sabia quando é que a revisão da Constituição estaria terminada, o Governo decidiu avançar com a apresentação deste diploma. Mas, com certeza, o Sr. Ministro sabe que o projecto de revisão constitucional do PSD elimina os artigos 97.º, 98.º, 99.º, 100.º e 102.º da Constituição relativos a esta matéria, o que significa que faz desaparecer aquilo que constitui o essencial da reforma agrária, que é a eliminação do latifúndio. É, naturalmente, este o objectivo da proposta de lei.
Como é possível, com a maioria simples de que o PSD dispõe na Assembleia, o Sr. Ministro antecipar a revisão da Constituição, que exige dois terços dos deputados? Isto é, como é possível transmutar a revisão da Constituição na proposta de lei que o Governo apresenta?
Segunda questão: o Sr. Ministro falou na audição pública de trabalhadores, de cooperativas, etc. Ora, há aqui uma diferença: é que a Constituição não fala em audição pública, pois o título do artigo 104.º é «Participação na reforma agrária». É, de resto, sabido que, quando foi discutido o recurso, apresentado pela ID, de admissibilidade da proposta de lei, uma das inconstitucionalidades apontadas foi precisamente a da violação do artigo 104.º Dizia-se mesmo que o Governo não podia eximir-se a esta obrigação, já que se tratava de uma iniciativa legislativa sua.
Posteriormente, embora nessa altura o recurso tenha sido recusado pela bancada do PSD - e naturalmente que esta parte foi recebida sem qualquer adesão -, o Governo foi levado a que se assegurasse essa «participação».
Entretanto, foram recebidos 528 pareceres relativamente a esta proposta de lei, dos quais 516 desfavoráveis e apenas 12 favoráveis. Sendo certo que o artigo 104.º da Constituição fala na definição e execução da reforma agrária através dos trabalhadores rurais, de cooperativas, etc., sendo certo que a esmagadora maioria, portanto cerca de 94% dos pareceres, foi contrária à proposta de lei, mas sendo certo, por outro lado, que a proposta de lei mantém exactamente o mesmo teor, sem alteração de uma vírgula, em que é que participam, afinal, todos aqueles que se pronunciaram, mais do que maioritariamente, contra esta proposta de lei?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Deputado Raúl Castro, a participação será assegurada. Aliás, quem fez a consulta foi a Comissão de Agricultura e Pescas da Assembleia da República, e não o Governo, como sabe. Portanto, só se poderá saber qual vai ser a receptividade da audição feita quando for discutida na especialidade, e tenho a certeza de que a Comissão de Agricultura e Pescas não deixará de acolher quaisquer sugestões que sejam pertinentes.
Sobre a percentagem das respostas negativas, devo dizer que a sua origem foi sempre a mesma, se a máquina de fotocópias tivesse mais capacidade, teria havido mais respostas negativas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é verdade, Sr. Ministro!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, não vou glosar com o seu eventual abandono ou não do Governo, como por aí se tem dito e propalado. É evidente que, se eu estivesse no seu lugar, Sr. Ministro, era capaz de querer ir imediatamente embora, antes que fosse demitido por telefone, como agora é usual fazer-se, tal como aconteceu com o Sr. Secretário de Estado da Investigação Científica, demitido em pleno Aeroporto de Copenhaga, por telefone.
V. Ex.ª disse que somos contra o imobilismo. Estamos de acordo consigo, só que não somos favoráveis a este mobilismo. V. Ex.ª também disse que o Programa do Governo tem de ser respeitado, e isso é aqui permanentemente dito pelos governantes, como se o vosso programa fosse sempre uma coisa infalível, como se não houvesse nele erro algum.
Bom o Sr. Ministro diz que as linhas fundamentais da actuação do Governo são um conjunto coerente das medidas legislativas.
É lógico que essas tais linhas de coerência visam, na nossa opinião, a reconstituição da grande propriedade latifundiária, com evidentes prejuízos para o País, e o Sr. Ministro, em toda a sua argumentação, não nos provou o contrário.
Falou daqueles que o apoiam na aplicação do programa do seu governo, mas esqueceu os que estão contra ela, tal como temos verificado nos últimos dias, nomeadamente os trabalhadores da zona da reforma agrária, milhares dos quais estão em Lisboa, protestando contra a situação e contra o desemprego que existe e que V. Ex.ª classificou de espantalho.
Pergunto-lhe: existe ou não, Sr. Ministro, um agravamento do desemprego na zona da reforma agrária? Para quê encapotar as questões? Daqui a bocado traremos ao debate elementos suficientes que, com certeza, demonstrarão o contrário.
Em relação à questão da revisão constitucional, V. Ex.ª fez algumas argumentações que não colhem. Ficamos a saber apenas que vai aguardar a decisão do

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Tribunal Constitucional. Quando for suscitada a questão sobre a decisão do Tribunal Constitucional, vão ser, com certeza, exercidas pressões, não digo que sejam por parte de V. Ex.ª, mas, a julgar por aquilo que se passou com a lei laborai, elas irão ser certamente exercidas.
Mas, já agora, pergunto, Sr. Ministro: por que razão não aguardou pela revisão constitucional? Toda a argumentação de V. Ex.ª não é convincente.
Porém, V. Ex.ª utilizou uma outra argumentação, justificando esta proposta de lei: o enorme desafio, a necessidade de se modernizar a agricultura face à adesão à CEE.
O Sr. Ministro, queira dizer-nos, por favor, que tipo de modernização tem sido promovida, tanto pelos anteriores governos como por este, na zona da reforma agrária. Em que aspectos, Sr. Ministro - era essencial que nos dissesse -, a reforma agrária, tal como existe, prejudica os efeitos da adesão de Portugal à CEE? Que apoios têm sido canalizados para a zona da reforma agrária? e vem a talho de foice falar-se, por exemplo, na construção da barragem do Alqueva, à qual o Sr. Ministro é favorável, pois já o disse aqui várias vezes - até mesmo numa resposta a uma questão colocada por mim -, embora o Sr. Primeiro-Ministro rapidamente o desminta, dizendo que não é favorável.
Vamos ou não ter nessa modernização a construção da barragem do Alqueva?
V. Ex.ª disse ainda mais coisas, e, em resposta ao Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, disse que tem o maior respeito pelos agricultores e pelos trabalhadores. No entanto, no artigo 6.º da vossa proposta, que corresponde ao artigo 14.º da Lei n.º 77/77, elimina-se a expressão «com vista à igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores». Porquê, Sr. Ministro? Esta filosofia é que é gravosa. Porquê eliminar esta expressão?
Logo a seguir eliminam-se também, no artigo 3.º, nas definições, as referências às cooperativas de produção agrícola, em unidade de exploração colectiva dos trabalhadores. É com esta filosofia, Sr. Ministro, que temos grandes reservas e grandes preocupações.
Porquê, Sr. Ministro, eliminar também as garantias em relação à prévia fixação selectiva de preços, etc., como constava da Lei n.º 77/77?
Finalmente, Sr. Ministro - já que houve uns apartes a propósito de indemnizações -, gostaria de saber quais são as verbas efectivas que as unidades de exploração colectiva dos trabalhadores devem. Isto, porque se sabe que devem muito dinheiro, etc. - a propaganda governamental do PSD, pelo menos, assim fala. Quantos milhões de contos em hipotecas de grandes agrários feitas anteriormente ao 25 de Abril estão por cobrar e que o Estado Português ainda não exigiu? Quantas dezenas de milhões de contos? O que é que o Governo pensa fazer em relação a esse caso?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca insurgiu-se contra o facto de eu dizer que o Governo está a cumprir o seu programa. Não acharia estranho que o não fizesse? Ou pensa que o Governo não tem
de respeitar e de seguir religiosamente um programa que foi apresentado e votado na Assembleia da República?
Se me viessem acusar de não estar a respeitar o Programa do Governo, aí, sim, pensaria que havia uma crítica contundente. Agora tomo como elogio o facto de vir dizer que estamos a cumprir o nosso programa.
Relativamente à questão das hipotecas, devo dizer que não tenho aqui comigo os valores; portanto, não posso indicar-lhos.
Relativamente às muitas questões que foram retiradas do preâmbulo, dar-lhe-ei o exemplo da prévia fixação dos preços. V. Ex.ª sabe que hoje o regime da fixação dos preços é perfeitamente diferente, pois depende da Comunidade Económica Europeia. Só na passada sexta-feira, às 5 horas da manhã, é que se acordaram os preços para toda a comunidade; portanto, estes não são fixados previamente às sementeiras, pois estas já estão feitas. Hoje, com a adesão à Comunidade, há uma coisa chamada o acquis comunitário, que tem de ser respeitado por todos os países, e nós respeitamo-lo integralmente. E há muitas destas questões em que não podemos manter o tal imobilismo ou estagnação.
Os senhores estão agarrados a modelos anteriores; há uma evolução que se está a dar e os senhores ainda não deram por isso.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Deixe-se disso!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - As minhas perguntas foram só sobre as suas declarações?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 28 de Junho de 1988, pelas 15 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte substituição de deputados, solicitada pelo Partido Renovador Democrático:
Vasco da Gama Lopes Fernandes (círculo eleitoral de Lisboa) por Miguel António Monteiro Galvão Teles [esta substituição é pedida, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a 30 dias, a partir do dia 27 de Junho corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

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Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD). - Secretário, José Manuel de Melo A. Mendes (PCP). - Secretário, João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD) - Álvaro José Rodrigues de Carvalho (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - José Luís Bonifácio Ramos (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD) - António de Almeida Santos (PS) - João Barroso Soares (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PV) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (ID).

Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Como não há objecções, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o CDS vai dar uma conferência de imprensa, para a qual precisa de tempo, e, como já são 17 horas e 7 minutos, pergunto à Mesa se há possibilidade de anteciparmos o intervalo regimental para não interrompermos mais a sessão, já que acabámos agora uma fase do debate. Desta forma, intercalar-se-ia o intervalo regimental entre as duas fases do debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o intervalo é regimental, mas, quanto à sua antecipação, gostaria de saber a opinião das diferentes bancadas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, sucede que o PS tinha também a intenção de suscitar um intervalo com cerca de 20 minutos. Aliás, dá-se a circunstância - e podemos dizê-lo com toda a franqueza - de que, tal como o CDS, o PS pede o seu intervalo para fazer um contacto com a imprensa; portanto, o propósito do PS é o mesmo do CDS.
Porém, não podemos utilizar o mesmo espaço de intervalo, uma vez que durante uma fase da suspensão dos trabalhos a imprensa estará em conferência com o CDS e só num segundo momento estará com o PS.
Sugiro, pois, à Câmara e ao Sr. Presidente - embora reconhecendo que há aqui um hiato nos nossos trabalhos, mas não vejo outra solução - que, apesar t tudo, a seguir aos quinze minutos solicitados pelo CDS aceito a solicitação do PS para um intervalo, já na direi de 30 minutos, mas pelo menos de 20 minutos. Neste sentido, talvez fosse mais indicado podermos antecipar já o intervalo para não prejudicarmos uma tarde o percurso dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o intervalo regimental é de 30 minutos. Julgo que com uma boa gês tão de tempo podem fazer-se as duas conferências d imprensa. O problema que se põe é o de saber se Câmara está de acordo em que se proceda desde já ao intervalo regimental.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o Governo gostaria de saber a que hora, é que se retomam os trabalhos, na medida em que não percebi se foram ou não requeridos, para além do inter valo regimental, outros intervalos para efeitos de conferência de imprensa. Confesso que não percebi.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a Mesa solicita r presença dos Srs. Deputados as 17 horas e 40 minutos Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, deseje apenas dar a conhecer a posição da bancada do PCF relativamente à questão suscitada, primeiro pelo CDS e depois pelo PS.
Naturalmente, pensamos que o intervalo regimental é um direito, quando invocado por uma bancada, e, portanto, em princípio, nada temos contra o intervalo nem contra a sua antecipação. No entanto, nas circunstâncias presentes, não nos parece que haja grandes vantagens na sua antecipação. Portanto, vamos ter de fazer o intervalo regimental e, dadas as necessidades dos dois grupos parlamentares, ter de prolongar um pouco mais esse intervalo.
Pela nossa parte, achávamos muito bem que o intervalo solicitado fosse à hora regimental, isto é, às 17 horas e 30 minutos, mas, se, naturalmente, o grupo parlamentar que primeiro levantou a questão insistir, não faremos uma resistência tenaz a essa sugestão.

O Sr. Presidente: - Um vez que não há qualquer oposição e bloqueamento, a Mesa solicita a comparência dos Srs. Deputados às 17 horas e 42 minutos.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 17 horas e 50 minutos.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 3l/V tem merecido um repúdio generalizado, traduzido no incontestável resultado da consulta pública: em 528 pareceres, 98 % pronunciaram-se contra a proposta, e, ao contrário do que o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação disse há pouco, não são simples fotocópias. Se o Sr. Ministro compulsar os pareceres - aqueles que foram enviados directamente à Comissão de Agricultura e Pescas e aqueles que foram emitidos por especialistas e constitucionalistas de diversas áreas -, verá que eles são provenientes de diferentes quadrantes de opinião.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Reputados especialistas, como o Prof. Henrique de Barros, condenam-na, afirmando que «permitiria reconstituir explorações com dimensão física latifundista», levando a «situações que seriam de desertificação social»; pareceres de eminentes constitucionalistas são unânimes em classificar a proposta de lei sobre a reforma agrária, como clara e grosseiramente inconstitucional; mesmo dentro do próprio PSD a proposta é classificada de maximalista e há fundadas dúvidas quanto à sua constitucionalidade.
Apesar disto tudo, o Governo e o PSD querem impô-la ao País, confiantes na sua maioria absoluta, veneranda e obrigada. Só que essa maioria, por mais absoluta que seja - e tudo indica que já não é tão maioria como parece -, não pode subverter a Constituição a seu gosto, não pode substituir a Constituição pelo seu programa polítivo-partidário. Não é a Constituição que tem de ser lida e interpretada à luz dos desígnios e objectivos do PSD; são estes que têm de se submeter à Constituição e ao regime que lhe dá corpo, como, aliás, sublinha, em parecer, o Prof. Dr. Gomes Canotilho, quando afirma: O Governo, na sua proposta [...] aponta, insinua ou sugere a subversão das traves mestras de qualquer Estado de direito democrático-constitucional: a prevalência da Constituição como fonte de direito e como estatuto organizatório do poder político. Esta subversão da normatividade constitucional é conduzida - na proposta de lei - em torno de dois eixos fundamentais: tentativa de substituição do programa da Constituição pelo programa partidário-eleitoral e inversão na hierarquia das normas, traduzida na proposta de interpretação da Constituição em conformidade com as leis ordinárias, em vez de se afirmar o princípio da constitucionalidade das leis.»
Afirma ainda o Prof. Gomes Canotilho que «a proposta de lei n.º 31/V é, no seu conteúdo e mensagem globais, totalmente desconforme com o programa constitucional».
Aliás, outra conclusão não se pode retirar de uma proposta que constitui uma brutal tentativa de esmagar e fazer apagar a reforma agrária e reconstituir o antigo regime de propriedade latifundista, procurando, tal como no pacote laboral, antecipar a revisão constitucional por via legislativa ordinária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Façamos uma viagem pela proposta, já muito justamente classificada de «lei do latifúndio»:
Aumenta as pontuações das reservas de 70 000 para 91 000 pontos e não define sequer qualquer limite da área máxima para as explorações agrícolas privadas;
Não considera no cálculo da pontuação, nem benfeitorias, nem plantações ou povoamentos florestais de qualquer duração, o que significa que o cálculo da pontuação se passará a fazer sobre a terra nua, e nalguns casos não será sequer possível determinar quaisquer pontuações, por não existirem tabelas preparadas para esse efeito. Isto é, a área correspondente aos novos critérios de pontuação passa a ser praticamente ilimitada;
Multiplica indefinidamente as reservas, com a extinção dos indivisos, com a possibilidade de se atribuírem tantas reservas quantos os sócios de uma sociedade, permitindo, inclusivamente, que marido e mulher tenham cada um a sua reserva;
Confere eficácia e legitima todas as ilegalidades praticadas quanto aos actos fraudulentos de divisões do património expropriável;
Promove a reversão por anulação dos actos expropriatórios de todos os prédios expropriados que se têm mantido ilegalmente na posse dos agrários, violando o princípio da irreversabilidade das nacionalizações;
Permite a não expropriabilidade de áreas excedentárias às áreas de reservas, somando-as a estas e oferecendo, assim, no novo tipo de majoração suplementar aos agrários;
Duplica o limites mínimos abaixo dos quais os prédios não podem ser expropriáveis;
Alarga o elenco das entidades não expropriáveis;
Consagra o princípio da retroactividade da lei, o que significa a reabertura de todos - mas todos - os processos de reservas atribuídas desde 1977 e a sua adequação às novas disposições, com a reabertura de novos processos e de um novo período de forte instabilidade;
O Governo estimula ainda o absentismo, não só ao premiar o absentista, oferecendo-lhe reservas em tudo iguais às do explorador directo, como ao permitir que as terras fiquem abandonadas ou em mau uso durante períodos indeterminados, uma vez que não impõe quaisquer prazos concretos para o seu cultivo, ao contrário do que, apesar de mau, determina o actual Decreto-Lei n.º 227/84, de 9 de Julho;
Em nenhuma parte da proposta de lei se prevêem, concreta e expressamente, medidas que impeçam a subutilização dos meios e factores de produção, que promovam o aumento da produtividade da terra e do nível de intensificação cultural, do nível de mecanização, do nível de emprego!
Ora, perante este conjunto de preceitos ou ausência deles, não restam dúvidas de que a sua aplicação conjugada levaria, não à salvaguarda do princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo ou social, mas ao completo desaparecimento da área expropriada e nacionalizada da reforma agrária e à

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reconstituição do latifúndio, desse latifúndio condenado já pela história e cujo conceito, ressalta da Constituição e está claramente desenvolvido, entre outros, pelo Prof. Henrique de Barros e pelo engenheiro Mário Pereira.
Ninguém, com um mínimo de credibilidade, pode sustentar a constitucionalidade desta proposta de lei quando cotejada com a Constituição, uma proposta que viola expressamente os artigos 80.º, alínea h), 83.º, 96.º, 97.º, 99.º e 100.º
E, quando o n.º 2 do artigo 14.º, o artigo 27.º e o artigo 47.º da proposta criam os mecanismos que limitam ou impedem mesmo os trabalhadores das UCPs/cooperativas de serem parte legítima para o exercício do direito de recurso contencioso e para o uso da faculdade de requerer cautelarmente a suspensão de eficácia do acto recorrido - recordamos que pela proposta de lei os trabalhadores deixam de ser notificados dos processos de reservas e só passariam a saber destas quando o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, e os agrários entrassem portas dentro - e, por outro, quando procura neutralizar e impedir que o Supremo Tribunal Administrativo decrete a suspensão dos actos recorridos, leia-se da entrega das reservas, então é evidente que a proposta de lei não só está a violar também o artigo 13.º, o n. º 2 do artigo 20.º e os n.ºs 2 e 3 do artigo 268.º da Constituição, mas, como muito bem diz o Prof. Gomes Canotilho, procura ainda dar um puxão de orelhas ao Supremo Tribunal Administrativo, pondo claramente em cheque toda a sua jurisprudência.
Como já afirmámos, a proposta de lei está elaborada para o Sr. Ministro e o Governo resolverem e tornearem todos os casos concretos, todos os obstáculos, todas as decisões judiciais, que lhes têm sido desfavoráveis.
E, não se venha dizer que os artigos 27.º e 47.º da proposta permitem a notificação e o recurso às cooperativas que tenham contratos de uso de terra com o Estado, que, aliás, são só 23.
É que, se é verdade o que se diz no artigo 28.º - nas terras entregues em exploração cujos beneficiários possuam contratos não podem ser demarcadas reservas -, das duas uma: ou este artigo não é para valer ou, na prática, nenhuma cooperativa será directamente notificada de qualquer processo de reserva.
Aliás, importa aqui dizer que a verdade é que grande parte dos agricultores que sucessivos governos aliciaram para pedir terra da reforma, não têm qualquer vínculo seguro, não têm qualquer contrato e, por consequência, nos termos do artigo 28.º, iriam ser despejados dessas terras, tal como as UCPs/cooperativas, caso esta lei fosse para a frente.

Vozes do PCP: - É verdade!

O Orador: - E, como se tudo isto não bastasse, a proposta de lei ainda retira às cooperativas, no artigo 22.º, o direito aos frutos pendentes, elimina o direito à indemnização pelas benfeitorias e investimentos feitos nas áreas de reserva e, ao definir, no artigo 14.º, que a concessão do direito de reserva implica, para todos os efeitos, a constituição de um novo direito de propriedade (curiosamente esta expressão «novo» não estava no texto distribuído pelo Sr. Ministro em conferência de imprensa no mesmo dia em que a proposta deu entrada nesta Assembleia), isto é, um novo direito de propriedade, que significa, ao contrário da legislação actual, um direito limpo de quaisquer ónus ou encargos e, portanto, limpo das hipotecas que sobre ele recaiam por dívidas ao Estado, o Governo do PSD está a oferecer aos agrários não só toda a terra da reforma agrária, como também os frutos pendentes, benfeitorias e investimentos feitos pelos trabalhadores, como lhes perdoa 28,9 milhões de contos de hipotecas, como, ainda por cima, lhes paga mais de 50 milhões de contos de indemnizações!

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

O Orador: - É o assalto e o roubo às escâncaras da riqueza produzida pelos trabalhadores! É o regabofe para os agrários!
Aplausos do PCP.
Esta proposta contem, pois, variadas inconstitucionalidades. Mas a sua inconstitucionalidade maior, aquela que está subjacente a todas as outras, é a da violação simultânea e conjugada dos artigos 83.º, n.º 1, 97.º, n.º 1, e 99.º, n.º 2, da Constituição. Com efeito, negar estas referências constitucionais da reforma agrária - nacionalização da terra como efeito resultante da sua expropriação; obrigação de eliminação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas pela transferência dessas áreas para aqueles que a trabalham e proibição da sua reconstituição; exigência de um limite às áreas detidas por explorações agrícolas privadas - pode constituir, quer um confessado objectivo político, quer um esforço de habilidade jurídica para atingir tal objectivo. Mas a interpretação das leis não pode fazer--se contra a sua letra e o seu espírito sem que haja um mínimo de referências que legitimem o sentido interpretativo que lhes é dado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro da Agricultura, em sucessivas intervenções sobre esta matéria, não esconde que o que o anima na sua cruzada contra a reforma agrária não são objectivos de desenvolvimento da agricultura e de melhoria das condições de vida nos campos!
Os propósitos que animam o Sr. Ministro e o Governo são exclusivamente políticos e de vingança social contra aqueles que tiveram a ousadia...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não diga isso!...

O Orador: - ... de encetarem um processo de transformação das caducas relações de propriedade e de produção que durante decénios marcaram o Alentejo e o Ribatejo e que foram responsáveis pelo atraso do desenvolvimento da agricultura e pelo despovoamento social.
A proposta de lei do Governo é o culminar da história, já longa, do assalto à reforma agrária, procurando dar cobertura legal às ilegalidades, fraudes, actos de corrupção, abusos de poder, que têm rodeado as actividades do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação na zona da reforma agrária.
Como ficou demonstrado aquando da interpelação sobre política agrícola que realizámos nesta Assembleia em 5 de Abril e no recurso do inquérito parlamentar na última legislatura, todos os meios têm servido ao MAPA, ao Governo e aos agrários para destruir a

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reforma agrária a todo o custo: a violação das leis é diária; a produção legislativa procurando cercar as UCPs/cooperativas é abundante; o bloqueio financeiro e económico é uma constante; o desrespeito sistemático pelo Supremo Tribunal Administrativo e a recusa de execução dos 531 acórdãos proferidos a favor dos trabalhadores é chocante e preocupante, adicionado agora aos simulacros de execução. A requisição e envolvimento abusivo das forcas de segurança e da GNR na cobertura à execução de uma política ilegal é inquietante.
Nesta matéria continuamos à espera, aliás, das respostas às acusações concretas que formulámos, aquando da interpelação, à actuação do Sr. Ministro Álvaro Barreto.
Recordamos que na altura o Sr. Ministro disse que não respondia porque não era aquele o momento oportuno, mas que o faria quando discutíssemos esta proposta de lei. Não o fez no seu discurso de hoje, e por isso perguntamos: porquê, Sr. Ministro, não responde hoje, em sede de discussão da proposta de lei, às acusações concretas que formulámos então?

Aplausos do PCP.

Porquê, Sr. Ministro, não desmente as provas que então avançámos e que atestam bem a falta de credibilidade de variados aspectos do estudo sobre as UCPs/cooperativas no qual o Governo sustenta as suas posições? Estudo que, apesar de tudo, não consegue deixar de afirmar a existência de 130 UCPs/cooperativas com situação positiva!
Porquê, Sr. Ministro, continua silencioso e aos costumes continua a dizer nada?
A verdade é que o Sr. Ministro não tem respostas credíveis que sustentem a sua política de destruição da reforma agrária e de reconstituição do latifúndio, nem tem alternativas sérias para o desenvolvimento da região.
Região que não está condenada ao subdesenvolvimento, nem à desertificação, mas que o Governo quer condenar, com a sua política e esta lei.
De um recenseamento recente feito a 490 herdades entregues aos agrários a título de reservas, 320 (65,3%) encontravam-se abandonadas ou subaproveitadas, com sistemas de exploração em tudo idênticos ao passado: culturas extensivas, absentismo, aluguer de pastagens, gado bravo, extracção de cortiça, venda para eucaliptização, etc.
Isto, sim, é que condena o Alentejo e o Ribatejo ao despovoamento e à desertificação!

Vozes do PCP: - É isso!

O Orador: - E é isto que o Governo acentua e generaliza com a sua proposta, deixando a região e o País cada vez mais desarmados e à mercê das consequências da política agrícola comunitária.
Reservar ao nosso país a função de fornecedor de matérias-primas de origem florestal, sobretudo pasta de papel, com o alargamento desenfreado da eucaliptização; diminuir a área agrícola e aumentar substancialmente a área florestal; promover o set-aside, isto é, o congelamento e abandono de terras, são desígnios comunitários contrários aos interesses e possibilidades do nosso país, mas que o Governo tem aceite e estimula com esta lei.
Ora, a articulação desta proposta de lei com a aceitação passiva da política agrícola comum é que pode conduzir a zona da reforma agrária à desertificação, ao abandono das terras, à quebra de produção, como muito bem acentua o Prof. Henrique de Barros.
Mas o Alentejo e o Ribatejo não estão condenados a essa situação. E a reforma agrária foi e é um instrumento com elevadas potencialidades para contrariar tais objectivos.
A reforma agrária, ao transformar as relações de propriedade, mas também as relações de produção, libertou o desenvolvimento das forças produtivas e criou uma nova dinâmica do desenvolvimento económico e social.
Aumento das áreas semeadas e das produções; aumento das produtividades e dos rendimentos unitários; início do processo de diversificação e intensificação da produção agrícola e pecuária; alargamento das áreas regadas; crescimento dos índices de mecanização; crescimento do investimento; aumento do emprego e alteração da sua estrutura, com mais trabalhadores permanentes e menos eventuais; dignificação do trabalho e melhoria das condições de vida; realização de um vasto número de obras sociais; afloramento de uma nova cultura, eis alguns dos resultados conseguidos com o processo da reforma agrária, mal-grado a sua história estar pautada pelas dificuldades e boicotes de todas a ordem que lhe foram impostos.
Todo o tecido económico e social da região se dinamizou como reflexo da reforma agrária, cresceu uma nova esperança de vida!
A reforma agrária fez mais num ano do que os agrários e o latifúndio fizeram em toda a sua existência.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Muito mal!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com dificuldades, com erros, com limitações, tacteando um caminho novo, é certo, mas rasgando novas janelas e novas potencialidades! Sem apoios, hostilizada, cercada, combatida, quem em tais condições teria feito mais e melhor?

Aplausos do PCP e da ID.

A reforma agrária demonstrou a possibilidade não só da coexistência de diversos sectores de propriedade dos meios de produção, mas a importância dessa coexistência como factor de saudável emulação e estímulo mútuo!
A reforma agrária demonstrou as potencialidades do Alentejo e do Ribatejo e o seu necessário contributo para o processo de desenvolvimento e modernização da agricultura portuguesa, para o aumento, intensificação e diversificação da produção e a redução da nossa dependência alimentar.
Estão profundamente enganados e iludidos aqueles que pensam que não há futuro para o Alentejo, que este está condenado a uma situação de marginalidade em relação ao processo de desenvolvimento, que não tem recursos endógenos e meios humanos quanto baste, que a reforma agrária não é um instrumento para o aproveitamento desses recursos.
A vida recente mostra que quando se têm destruído as importantes transformações trazidas com o 25 de Abril aumentam as distorções, os desequilíbrios econó-

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micos e sociais, a dependência em relação ao estrangeiro, as tentativas de restrição dos direitos, liberdades e garantias, como o pacote laborai bem o mostrou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso tudo que esta proposta de lei é inquietante e perigosa.
São, aliás, rematadamente falsos os argumentos contidos na exposição de motivos.
Não estamos perante uma lei de bases da reforma agrária, mas de uma lei de revogação da reforma agrária e de reconstituição do latifúndio, como o exercício da sua aplicação a casos concretos já o demonstrou.
Não estamos perante uma lei determinada pela adesão à CEE, mas de uma lei que, a ir para a frente, deixa o País ainda mais desarmado perante os efeitos da integração comunitária e do mercado único, perante uma lei que se integra no conjunto de uma política agrária e do pacote agrícola que privilegia o direito absoluto de propriedade em relação ao direito de exploração, que visa a reconcentração acelerada da terra.
Não estamos perante uma lei que vise terminar com o clima de instabilidade, mas, pelo contrário, uma lei que vai agravar essa instabilidade e insegurança; que tem como lema «tudo pelos agrários, nada contra os agrários»; que expropria os trabalhadores para dar aos agrários; que não cita uma única vez, porque não pode, um único artigo da Constituição.
Que esta lei é rejeitada pelo País, prova-o o resultado da consulta pública e os pareceres e depoimentos vindos dos mais diferentes quadrantes de opinião; que é inconstitucional, provam-no os pareceres de reputados constitucionalistas e a jurisprudência unânime dos tribunais.
Mesmo que o PSD aprove aqui esta lei, não pode substituir-se nem ao Presidente da República nem ao Tribunal Constitucional.
Que esta lei é rejeitada pelos trabalhadores da reforma agrária e irá ter nos campos a sua oposição frontal e constitucionalmente legítima, demonstra-o a disposição, a coragem e a solidariedade reveladas nesta memorável jornada que foi a «Marcha da Reforma Agrária».

Aplausos do PCP, de Os Verdes e da ID.

Pela nossa parte, PCP, continuaremos a defender a reforma agrária, a combater pela sua preservação e realização integral, como contributo indispensável à transformação das relações de produção nos campos, ao desenvolvimento da agricultura portuguesa, à libertação e melhoria das condições de vida de trabalhadores e agricultores.

Aplausos do PCP, da ID e do deputado Manuel Alegre (PS).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, são três as questões fundamentais que quero colocar-lhe. Começo pela mais simples, a da inconstitucionalidade.
V. Ex.ª não ignora, com certeza, que as decisões dos tribunais, quando definitivas, são para cumprir. Mas isso não quer dizer que aceitemos os seus fundamentos e lhes reconheçamos mérito. Aliás, quando falou, acidentalmente, num «puxão de orelhas»...

Protestos do PCP.

Dar-lhes-ei também resposta, Srs. Deputados, se a Mesa mo permitir. Não faz mal que me interrompam, pois não me perturbam. Estou habituado a falar para toda a classe de pessoas, até para as pessoas grosseiras que interrompem os outros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por consequência, isso não me faz diferença nenhuma. Só peço que não me descontem esse tempo.
Estava eu a dizer ao Sr. Deputado Lino de Carvalho que os acórdãos definitivos são para ser cumpridos, mas pode discordar-se deles. Tanto assim é que todos os dias eles são discutidos nas revistas da especialidade e o «puxão de orelhas» ao Tribunal Constitucional a que o Sr. Deputado se referiu deram-no uns juizes aos outros, porque ainda no último acórdão sobre o «pacote laborai» uns juizes mostraram frontalmente que têm uma opinião sobre a lei diferente da dos outros, e eles, que são espíritos superiores, compreendem essa diferença de interpretação.
Nós não nos jungimos a cangas, interpretamos a lei com a nossa cabeça! Somos livres para isso!
Por consequência, o problema da inconstitucionalidade é este: aceita-se a decisão porque vem de um órgão de soberania e é definitiva, mas pode discutir-se livremente, como todas as ideias.

Aplausos do PSD.

Vamos ao segundo problema.
Diz o Sr. Deputado Lino de Carvalho que esta lei premeia o absentista. Mas então pergunto-lhe: se o Sr. Deputado entende que a reserva constitui uma área com uma pontuação tal que permita a exploração mais rentável, mais razoável, mais própria para a propriedade, se houvesse uma diferença nas reservas, tendo o proprietário que não é cultivador e que arrenda a sua propriedade a reserva menor, faca favor de me dizer se não ficava comprometido esse equilíbrio da propriedade em termos de pontuação. Isto é, segundo a lei antiga, se o proprietário cultivador, o reservatório que cultiva, tiver 70 000 pontos e o reservatário absentista tiver 35 000 e os arrendar, pergunto-lhe: o rendeiro não fica numa situação de desfavor em relação ao outro e, sobretudo, Portugal não fica muito mais mal servido na sua agricultura?
Terceira e última questão: falou V. Ex.ª do problema grave do assalto e do roubo à riqueza produzida pelos trabalhadores. Mas esqueceu-se de dizer que essa riqueza foi criada por aqueles que trabalharam a terra até que os bandos de quadrilheiros, a soldo do PCP,...

Protestos do PCP.

... com o aval de Pezarat Correia, Andrade e Silva, furriel Sequeira...

Protestos do PCP.

... e com todos aqueles que violentaram as pessoas...

Protestos do PCP.

Isto é verdade, Srs. Deputados! Estou a referir-lhes os factos!

Protestos do PCP.

Não me atemorizam!

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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Você não é um jurista, é um veterinário!

O Orador: - Peço-lhes que me deixem continuar, Srs. Deputados!
Exprimimo-nos aqui com liberdade e assumo a responsabilidade de tudo aquilo que digo. Se têm dúvidas sobre isto, está talvez presente nesta Câmara o Sr. Deputado Raul Rego, que ao tempo era director do jornal A Luta, onde foram publicados artigos que citavam esse nomes, esse assaltos e essas violências praticados por aqueles que roubaram e espoliaram os outros daquilo que era a sua riqueza.
Nós não queremos o regresso ao que existia antes do 25 de Abril; queremos uma reforma agrária que defenda o Alentejo com verdade e justiça.
Neste momento registam-se manifestações de protesto de assistentes presentes nas galerias reservadas ao público.

O Sr. Presidente: - Solicito ao público presente nas galerias que não se manifeste, pois tal não é permitido.
Solicito ainda aos Srs. Deputados que façam esforços no sentido de que este debate se mantenha com a normalidade que se vinha registando até há momentos atrás.
Faca favor de terminar, Sr. Deputado Armando Cunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. V. Ex.ª pode crer - e faço esta declaração sob palavra de honra - que não estou exaltado nem fora de mim. Estou, sim, indignado porque conheço os factos, assisti a eles. Por isso, estou a referir aqui verdades, e nada mais do que isso.
São estas as perguntas que deixo ao Sr. Deputado Lino de Carvalho e assumo a responsabilidade do que afirmei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, está inscrito mais um Sr. Deputado para lhe pedir esclarecimentos, pelo que lhe pergunto se deseja responder já ou apenas no fim.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, desejo usar do direito de defesa da honra e da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dentro da letra e do espírito do Regimento, queira fazer o favor de usar da palavra para esse efeito.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que acabámos de ouvir foi não a voz de um deputado de uma assembleia democrática, ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - Cuidado!...

O Orador: - ... mas sim a voz dos latifundiários, daqueles que durante anos e anos, décadas e décadas, marginalizaram, reprimiram, esmagaram, mataram, assassinaram ...

Protestos do PSD.

... trabalhadores agrícolas do Alentejo e do Ribatejo na luta pelo seu pão e pelo seu emprego.

Aplausos do PCP.

Foi essa a voz que ouvimos aqui e que já não se ouvia desde há muitos anos, uma voz do antigamente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Armando Cunha não passou, certamente, pelas praças de jorna, pelo desemprego, pela miséria, pela fome, pela emigração, pelas consequências das acções daqueles que durante decénios roubaram o esforço e o suor dos trabalhadores. É por isso que o Sr. Deputado vem a esta Assembleia recriar a voz dos latifundiários e ofender aqueles que aqui não se podem defender directamente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para quê?! Para quê?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Deputado Lino de Carvalho utilizou a figura de defesa da honra e da consideração, pelo que, de acordo com o Regimento, o Sr. Deputado Armando Cunha tem agora direito a usar da palavra para dar explicações.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, o meu camarada Lino de Carvalho fez uma intervenção sobre a qual foi interpelado...

Protestos do PSD.

... por um Sr. Deputado da bancada do PSD, e o que acabou de fazer foi responder a essa interpelação.

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador: - Portanto, creio que não há nenhuma figura regimental para o Sr. Deputado Armando Cunha usar da palavra.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, estavam inscritos dois oradores para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, designadamente os Srs. Deputados Armando Cunha e Silva Maçãs. Ora, o que aconteceu foi que, depois de o Sr. Deputado Armando Cunha ter feito o seu pedido de esclarecimentos, o Sr. Deputado Lino de Carvalho pediu a palavra. Nessa altura perguntei-lhe se desejava responder imediatamente ou apenas no fim, ao que ele me respondeu que queria usar da palavra para defesa da honra e da consideração.
Nessas circunstâncias, concedi-lhe a palavra, utilizando, aliás, a fórmula habitual «no espírito e na letra

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do Regimento», e é nesse mesmo espírito e nessa mesma letra do Regimento que concedo agora a palavra ao Sr. Deputado Armando Cunha para dar explicações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, permite-me que interpele de novo a Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, se foi essa a interpretação da Mesa, então gostaria de saber se foi feito algum desconto no tempo do meu grupo parlamentar enquanto o meu camarada Lino de Carvalho usava da palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa está a proceder à contagem dos tempos, pelo que lhe responderei daqui a pouco.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quer dizer então que foi descontado tempo!

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, não foi descontado tempo.

O Sr. Vidra Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, não interpelo a Mesa para aqui declarar que corroboro inteiramente a interpretação que V. Ex.ª fez relativamente à interpelação do Sr. Deputado Carlos Brito, mas sim para lembrar que deverão ser garantidas condições de intervenção aos Srs. Deputados para, como é seu direito, expressarem livremente as opiniões que tenham sobre qualquer assunto, designadamente sobre a reforma agraria.
Ora, penso que o meu colega Armando Cunha interveio sem que lhe tenham sido garantidas essas condições mínimas, razão pela qual solicito à Mesa que providencie nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tem vindo a solicitar desde o princípio a garantia das condições mínimas e, no caso das intervenções de há pouco, teve também esse cuidado. Aliás, foi mais longe, pois em determinada altura chegou mesmo a solicitar o corte do som para que se estabelecessem as condições mínimas a fim de o debate prosseguir.
Sr. Deputado Armando Cunha, tenha a bondade de usar da palavra para dar explicações, no espírito e na letra do Regimento.
Solicito, não directamente ao Sr. Deputado, mas a toda a Câmara, que se mantenha o nível do debate que existia até há momentos atrás.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, a minha resposta é muito simples.
Não vale a pena contar-lhe a minha história; apenas lhe digo que tirei um curso trabalhando no tempo em que não havia fins-de-semana. Mas isso fica para outra altura...
Deixaram-me o usufruto de uma propriedade perto de Reguengos de Monsaraz que estava arrendada. Em determinada altura o rendeiro veio ter comigo porque se encontrava ameaçado de a propriedade ser ocupada por uma UCP/cooperativa da zona. Essa propriedade nem sequer tem 20 000 pontos. Perante aquela situação, tomei uma atitude que o senhor talvez não tivesse a coragem de tomar se estivesse no meu lugar: substituí o rendeiro e arrendei essa propriedade à UCP.
Isso passou-se em São Pedro do Corval. Veja como eu, com uma renda fixada por eles, lhes arrendei a propriedade, e eles entregaram-ma quando quiseram. Foi agora, há pouco mais de um ano.
Se o Sr. Deputado duvida, vá perguntar a essa cooperativa, que tinha sede em São Pedro do Corval, perto de Reguengos de Monsaraz.
É assim que eu entendo a reforma agrária: é para benefício dos próprios trabalhadores e não para meu benefício. Não sabia cultivar a terra, deixaram-me aquela propriedade; e, por isso, transferi-a, por arrendamento, para quem a sabia cultivar. Para evitar que ao meu rendeiro lhe tirassem o gado e as máquinas, fiz o arrendamento a uma UCP.
Veja, portanto, qual é o meu espírito e como compreendo os problemas da terra. O Sr. Deputado não tinha o direito de me insultar, porque nunca defendi os latifundiários, nem os exploradores de terceiros. Levo uma vida, que em parte o senhor conhece, em Évora, que não direi que seja exemplar, mas que é, pelo menos, isenta de cobiça de interesses alheios.
Agora do que não era capaz era de aconselhar os assaltos e as pilhagens, como alguns do seu partido fizeram, tendo, inclusivamente, colaborado neles. Esta é que é a verdade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Maçãs.

O Sr. Silva Maçãs (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, procurei ouvi-lo com atenção e começarei por dizer que a sua intervenção foi o discurso costumeiro do Partido Comunista em matéria de reforma agrária, em relação a tudo aquilo que toca com a terra e com os destinos do Alentejo.
A primeira pergunta que quero colocar-lhe é sobre se o Sr. Deputado entende ser possível resolver os problemas do Alentejo, no que concerne à terra, continuando a recorrer-se de qualquer forma e sistematicamente ao Supremo Tribunal Administrativo, demorando este, por saturação de processos, cinco anos e mais.
Como o Sr. Deputado falou por mais de uma vez em absentismo e na necessidade de o combater veementemente, pergunto se, na sua opinião, uma vez que o Estado detém ainda na sua posse uma significativa parcela de território nacional que não explora directamente, esta forma de exploração da terra não é também por parte do Estado uma forma de absentismo.
Finalmente, uma terceira questão que é a de saber se o Sr. Deputado e o Partido Comunista não entendem que já é tempo de falar com a linguagem da verdade e sem demagogia aos trabalhadores, mesmo aos trabalhadores da reforma agrária e do Alentejo, de forma que eles deixem de ser miseravelmente utilizados, como estão a ser hoje aqui, na Praça de São Bento.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado Silva Maçãs, na linha da proposta de lei, quer pôr em causa a possibilidade de as UCP e os trabalhadores recorrerem ao Supremo Tribunal Administrativo e defenderem aí os seus direitos e garantias, como está constitucionalmente previsto.
O que os senhores querem é eliminar esse direito para darem ao Governo e ao seu ministro todos os poderes de execução dos actos que estão na proposta de lei,...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Isso é um disparate!

O Orador: - ..., por mais ilegais que sejam, sem que os trabalhadores tenham a possibilidade de recorrer.
É exactamente isto que se retira das novas normas processuais específicas, discriminatórias e inconstitucionais, que nesta proposta de lei apontam para o direito de recurso ao Supremo Tribunal Administrativo.
Quando à pergunta que fez sobre se a exploração pelo Estado é absentista, Sr. Deputado, penso que essa pergunta não tem sentido. A terra expropriada pelo Estado é entregue aos trabalhadores e agricultores para exploração. É entregue a terra a quem a trabalha, de acordo com o que está constitucionalmente previsto, não é, portanto, nenhuma forma de absentismo, é uma forma de entregar a terra a quem a trabalha, para ser cultivada e para a produção ser desenvolvida.

O Sr. Silva Maçãs (PSD): - Isso é o que fazem os proprietários aos rendeiros.

O Orador: - Quanto à última questão que o Sr. Deputado Silva Maçãs colocou, na linha, aliás, da linguagem utilizada pelo Sr. Deputado Armando Cunha, os trabalhadores estão a ouvir-me, porque alguns deles estão aqui nestas galerias, e certamente que estão a pensar para si se os deputados acham que, se os trabalhadores caminharam durante três dias, dezenas e dezenas de quilómetros a pé, pelas estradas do Alentejo e Ribatejo ...

Vozes do PSD: - É uma vergonha!

O Orador: - ... para virem aqui trazer o seu protesto contra esta lei, que gera o desemprego, que liquida as cooperativas, que liquida os postos de trabalho e que não cria alternativas, se isso não é uma profunda consciência em relação à qual temos de ter um profundo respeito e que revela uma profunda determinação de se continuar a defender uma transformação da terra que se deu na zona da reforma agrária, necessária à criação de emprego e necessária ao desenvolvimento da agricultura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores é que representam aqui aqueles grandes proprietários das terras que durante dezenas e dezenas de anos hostilizaram, cercaram, marginalizaram, exploraram os trabalhadores, levaram as terras ao abandono, levaram à quebra da produção,
levaram à desertificação social, que eram um sustentáculo do regime derrubado com o 25 de Abril e que hoje querem recuperar com esta proposta de lei que trazem à Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, ilustre Ministro da Agricultura, aliás próximo futuro empresário, meu excelente amigo: Esta proposta de lei é para o Governo um vade-retro Satanás, com a reforma agrária no papel do mafarrico.
Só que depara com um pequeno óbice: o respeito que, em democracia, é devido à Constituição da República.
É sabido com que desenvoltura este governo saca da legitimidade que lhe advém do último sufrágio a exigência de que lhe deixem cumprir o seu programa.
Mas, por mal dos seus pecados, o regime democrático também tem um programa -que dá pelo nome de Constituição -, por sinal, o mais legitimado de todos os programas.
Que o Governo goste menos deste que do seu é o triste resultado do à-vontade com que dentro de cada um de nós se instalam os gostos. Isso, porém, não o habilita a recusar acatamento àquele de que gosta menos.
Não obstante, é o que faz ou tenta fazer todos os dias, cada vez mais irritado, por esse body guard da Constituição, que é o Tribunal Constitucional, de vez em quando lhe saltar ao caminho.
Tenta-o, aliás, no seu próprio projecto de revisão constitucional, onde se não limita a propor para o título relativo à política agrícola e à reforma agrária o castigo que o Pai do Céu aplicou a Sodoma; vai mesmo ao ponto de fazer de contas que não existe o limite material de revisão consistente na eliminação dos latifúndios. O latifúndio é bom; o proprietário absentista óptimo rapaz; o Alentejo excelente para a caça à perdiz. Ar seco, recomendado para a dispeneia de Suas Excelências!...
O PS não precisou nunca de que lhe lembrassem o que houve e há de errado na reforma agrária. Foi um governo socialista que há mais de dez anos propôs à Assembleia da República a lei ainda em vigor; as alterações à Constituição originária em matéria de reforma agrária coincidem, quase na íntegra, com a primeira proposta de revisão do PS; e eu não iria longe de futurar que assim vai acontecer com a segunda.
Isso, porém, não nos impede de recordar o que era o Alentejo antes de Abril, nem de ter em conta - sem consentir na sua perversão - o essencial dos antídotos constitucionais contra o que o Alentejo foi, e em certa medida ainda é.
Curiosamente, o PSD, que votou em 1976 todos os dispositivos sobre a reforma agrária a que agora se atira como gato a bofe, tem sido inquilino habitual do Ministério da Agricultura. É governo sozinho vai para três anos; é-o sozinho ou acompanhado há quase dez. E o seu então e actual ministro dispunha, já em 1985,

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de uma proposta de lei em avançado grau de gestão, pelo que mal se compreende que só agora, já nas imediações da próxima revisão, avance com este «quasi-modo» legislativo.
À parte a sua notória ineficácia -que não justifica tanto- e a sua proverbial lentidão, que faz concorrência aos caracóis, algo se esconde neste acordar tão tarde (ou tão cedo, na perspectiva da revisão em curso). E isso só pode ser, apesar das explicações que o Sr. Ministro teve a bondade de nos dar, o propósito, já revelado quanto a outras matérias, de tentar esvaziar a própria revisão, indo desde já até onde lho permitam a complacência ou a distracção do Tribunal Constitucional.
Que decorre da Constituição em termo de política agrícola e reforma agrária - e refiro-me à Constituição em vigor?
Que é objectivo fundamental da política agrícola promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores;
Que esse objectivo se atinge pela transformação das estruturas fundiárias e pela transferência progressiva da posse útil da terra para aqueles que a trabalham;
Que esta transferência será obtida através da expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas;
Que as propriedades expropriadas serão entregues para exploração a pequenos agricultores e cooperativas;
Que a realização dos objectivos da reforma agrária implica a constituição de cooperativas, bem como de outras formas de exploração colectiva por trabalhadores;
Que as formas de exploração da terra serão reguladas por lei, de modo a garantir a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador;
Que as leis de revisão terão de respeitar a eliminação dos latifúndios;
Que é incumbência prioritária do Estado, no âmbito económico e social, realizar a reforma agrária;
Sintetizando: é defeito ser a propriedade grande de mais; é defeito ser explorada por quem a não trabalha; é virtude corrigir esses defeitos.
É, assim, inexacta a afirmação de que a Constituição não define o que a reforma agrária seja ou deva ser.
Independentemente do que se pense acerca disso, enquanto a Constituição vigorar na sua actual redacção, ninguém de boa fé (e respeitá-la é a forma suprema de bonafide!...) poderá fazer de contas que ela não consagra estes valores, entre outros:
O latifúndio é mau, a pequena e média propriedade é boa;
O absentismo é mau, sendo bom o amanho da terra por aqueles de quem a terra é;
À protecção do que é apenas dono da terra deve sobrepor-se a protecção e a melhoria da situação daqueles que efectivamente a cultivam;
O associativismo agrícola deve ser estimulado e apoiado como expediente privilegiado da realização dos objectivos da reforma agrária.
Posto isto, a Constituição fornece as seguintes orientações:
Fixe a lei os limites máximos das unidades de exploração agrícola privada;
Com base nisso, expropriem-se os latifúndios;
Feito o que, entreguem-se as propriedades expropriadas, para exploração, a pequenos e médios agricultores, a cooperativas de trabalhadores;
Faça-se tudo isso progressivamente.
E ao facto de o Sr. Ministro nos ter aqui invocado o argumento da autoridade de alguns ilustres constitucionalistas poderíamos opor-lhe a opinião de outros ilustres constitucionalistas, mas, como sempre, envolvo a autoridade de quem a tem no mesmo agnosticismo em que envolvo a autoridade divina.
O remédio para um tal governo é ficar sem carta de condução. O eleitorado encarrega-se disso.
É, de facto, irrecusável que a proposta de lei do Governo tende sem disfarce:
Se não à reconstituição qua tale dos antigos latifúndios, pelo menos à sua tendência! reposição;
Se não a virar ao avesso o «favor» constitucional a benefício do que é pequeno e médio em detrimento do que é excessivo em área e escasso em produtividade, pelo menos a reduzir o grau das discriminações positivas que a Constituição consagra e a reforçar as negativas que a Constituição condena;
Se não a evitar que quem trabalha a terra seja dono dela, pelo menos a fomentar um novo grau de distanciamento entre a sua titularidade e o seu tamanho;
Se não a repor a guerra social no Alentejo, ao menos a comprometer a sua paz relativa.
Onde, pois, invade os domínios da inconstitucionalidade - quando não da anticonstitucionalidade! - é no reforçar dos defeitos que a Constituição impõe que se corrijam.
Acontece isso em diversos passos e momentos.
Desde logo, quando dá uma versão soft - além de intencionalmente vaga - dos objectivos constitucionais da política agrícola. Sirva de exemplo a redução da «transferência progressiva da posse útil da terra para aqueles que a trabalham» a esse chá de tília que é o «reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra».
E são tais erupções que aquele princípio constitucional lhe provoca na pele que no artigo 36.º, onde tratou de referir os beneficiários da entrega da terra para exploração encontrou esta fuga singular: «Os prédios expropriados ou nacionalizados são entregues para exploração a beneficiários constitucionalmente susceptíveis de recebê-los [...]»
Não posso deixar de felicitar o Governo pelo desembaraço. Em vez de a terra a quem a trabalha, a terra aos susceptíveis. Entretanto, altera-se a susceptibilidade. Era de génio, se não fosse de Átila!...
Risos.
Sabido isto, é já sem surpresa que constatamos o desaparecimento, na proposta do Governo, dos beneficiários privilegiados das medidas incentivadoras da actividade agrícola.
Pois se eles são - se eles se atrevem a ser! ... - agricultores autónomos, empresários de pequena e média dimensão, cooperativas agrícolas e outras cooperativas, além de unidades de exploração colectiva por trabalhadores! ...

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No quadro normativo da proposta de lei do Governo é risco grave ser pequeno ou médio! ...
E como dá o Governo cumprimento à previsão constitucional da eliminação dos latifúndios? No seu projecto de revisão, mandando esse limite material às malvas. No texto da sua proposta, reduzindo-o a vagas referências a «explorações agrícolas viáveis com dimensão fundiária adequada» e a uma «política de redimensionamento fundiário». Adequada a quê? Não se sabe! Que redimensionamento? É querer saber de mais!

Risos.

É claro que nesta proposta, como a Constituição a rever ainda não foi revista e o Tribunal Constitucional - o tal dos «falsos juizes» - é bem capaz de exigir o seu cumprimento nos seus exactos termos enquanto o não for, houve que ir apenas até onde se julgou que a inconstitucionalidade começa.
Assim:

Aumentando de 30 ha para 60 ha a garantia em área, da inexpropriabilidade;
Estabelecendo ex novo que, se a área excedente da reserva for inferior à dimensão mínima dos estabelecimentos agrícolas susceptíveis de entrega para exploração - dimensão esta que cabe ao Ministro da Agricultura determinar em seu prudente arbítrio -, aquela área deixará de ser expropriável.

O instrumento que a Constituição aponta para a realização do objectivo de transferir a terra para aqueles que a trabalham, ou seja a expropriação dos latifúndios, encolhe na proposta do Governo.
Só que - o diabo tece-as - a Constituição quer que essa transferência seja progressiva. Quer que se transfira cada vez mais. E não é que o Governo lê «recuo» onde a Constituição diz «avanço»?
Que outras novidades quanto ao direito de reserva?
Passa a ser equivalente, já não a 70000, mas a 91 000 pontos.
Desaparece a exigência da exploração directa de área não inferior à correspondente ao número de pontos no ano agrícola em curso ou nos dois anteriores.
Idem a exigência de que o proprietário, o usufrutuário, o superficiário ou o usurário, actuais ou posteriores à concessão da reserva, explorem logo directamente a área reservada e continuem a fazê-lo. O direito de reserva, na economia da lei em vigor, não é tributário do absentismo ou da preguiça. Passaria a sê-lo.
Hoje os titulares do direito de reserva têm o direito de optar entre a área equivalente à pontuação da respectiva reserva e uma área de 30 ha. Passam a ser 60, só o dobro! ... E 60 independentemente da pontuação. E também sem a exigência de que a área objecto de opção seja demarcada em terrenos de qualidade média idêntica à dos expropriáveis.
Constata-se que se esfumam os actuais limites máximos da área das reservas, independentemente da pontuação e consoante a classe dos solos; que desaparece a previsão da ulterior redução da área das reservas, nomeadamente por ausência de exploração efectiva; volatiliza-se a previsão do apoio às empresas prejudicadas com a demarcação de reservas; o mesmo acontece à previsão da inviabilidade económica de uma empresa agrícola resultante da demarcação de uma reserva; enfim, o direito de preferência do Estado na alienação de reservas.
Verdadeiro número de circo é também o novo regime proposto para os chamados «indivisos».
Pela lei em vigor, os co-proprietários, a herança indivisa e os continuares de outros patrimónios autónomos são tratados, nomeadamente para o efeito da demarcação de reservas, como um só titular.
Na proposta do Governo, as reservas podem ser tantas quantas as partes, os quinhões hereditários, as quotas ou as participações no capital de sociedades, com o bónus acrescido de que podem agrupar-se para atingirem direitos e posições equivalentes aos 91 000 pontos de cada reserva.
É um louvar a Deus na reconstituição do latifúndio que a Constituição prevê que se elimine.
O latifúndio deixa de ser da herança e passa a ser dos herdeiros; deixa de ser da sociedade e passa a ser dos sócios; deixa de ser da comunhão e passa a ser dos compartes.
Como é que o PSD, que há tantos anos comanda a agricultura - o que até se afere pelos resultados! ... -, só agora descobriu este ovo de Colombo?! ...
Tão fácil! 100 sócios, 100 reservas! Em vez do latifúndio em quotas, o latifúndio em reservas. Eis, recém--nascido, um novo tipo de sociedade por ... reservas! ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas que bom!

O Orador: - Sr. Ministro, não posso deixar de pôr em dúvida que o Sr. Dr. Sá Carneiro, cuja memória ninguém mais venera do que eu ...

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Aí calma! ...

O Orador: - ... pudesse concordar ipsis verbis com o que se encontra nesta proposta do Governo.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - E com que solicitude o Governo cuida de restituir-nos o sono! No prazo de um ano, os sócios, os herdeiros e os compartes terão de proceder à «separação jurídica» das reservas! Separação económica, não é precisa. Basta a jurídica. E com uma consoladora garantia: a de que serão eficazes os actos ou contratos necessários àquela separação! Este governo não se esquece de nada! ...
Por sobre tudo isto, o ovo de Colombo aplica-se retroactivamente às «heranças indivisas verificadas à data do despacho atributivo de reserva, ou da conclusão do processo de reserva, na vigência da lei anterior».
O espírito da constituição agrária, esse, esconde-se como uma sombra, siderado de espanto. Que desenvoltura! ...

Risos.

E Sr. Ministro, já agora, se me permite, também lhe direi que está descoberta a pólvora para nunca mais um governo ter de fazer uma expropriação, porque, como os donos de terrenos expropriáveis não são estúpidos de todo e têm sempre, se o forem, um advogado ...

Risos.

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... que o não é, a esta hora já passaram a propriedade das suas terras para uma sociedade de que são sócios todos os filhos, os primos e os parentes.

Risos,

É claro que, como essa sociedade tem depois o direito, se o Governo a quiser expropriar, a n reservas, que cobrem toda a área do terreno, a pólvora está descoberta, Sr. Ministro, e felicito-o por esta extraordinária maneira de revogar a Constituição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já está a dar a receita!...
Risos.

O Orador: - Para trás, como o caranguejo, se move também o novo regime da demarcação das reservas. As novas facilidades e os novos limites aplicam-se, segundo a proposta, «aos casos em que as reservas não tenham sido requeridas, ou cujo requerimento haja sido extemporâneo, e mesmo às já demarcadas no âmbito da lei anterior».
De aumento em aumento da área das reservas - estas mesmas só com apoio lógico, que não com apoio expresso, na Constituição vigente -, eis o caminho mais curto para que se elimine, não o latifúndio, mas a sua eliminação.
E não se há-de esquecer que, mesmo na proposta do Governo, expropriado é todo o prédio disso susceptível; o que é expropriado passa para o domínio privado indisponível do Estado; a concessão do direito de reserva implica, para todos os efeitos, a constituição de um novo direito de propriedade.
Como meter ao mesmo saco todas estas constatações e ainda a reabertura, num eterno retorno, dos processos de reserva, com aumento da respectiva área, sem falar da multiplicação dela, emergente do novo regime dos indivisos?
Veremos o tornado que viria aí, se houvesse de ser como o Governo quer.
Eficacíssimo seria também o proposto novo regime dos actos ineficazes.
Pela lei em vigor são ineficazes os actos praticados desde 25 de Abril de 1974 até 29 de Julho de 1975 dos quais tenha resultado a diminuição da área expropriável e bem assim os posteriores à última daquelas datas que tenham efectivamente tido esse preciso efeito.
Segundo o Governo, só seriam ineficazes os actos ou contratos relativos a prédios já expropriados (de fora, pois, os expropriandos) praticados depois do início do processo de expropriação.
Com uma curiosidade assinalável: considera-se iniciado o processo com a primeira de três ocorrências, sendo que a última - a comunicação ao interessado para efeitos de demarcação da reserva - ocorre necessariamente antes da penúltima, e esta necessariamente antes da primeira.
Quer dizer: só as «habilidades» posteriores à notificação para demarcar a reserva seriam agora ineficazes.
As anteriores teriam sido perpetradas a tempo.
Pretende-se enganar a quem?
No artigo 40.º, a proposta de lei do Governo comete ao Ministro da Agricultura e regulamentação por portaria dos limites máximos e mínimos da área dos prédios entregues para exploração.
Dado que a Constituição exige que seja a lei a determinar os critérios de fixação dos limites máximos das unidades de exploração agrícola privada (qualificativo que se refere à exploração e não às unidades), é pelo menos duvidoso que aquele dispositivo não incorra no pecado da deslegalização, o que a tornaria também inconstitucional.
Dando por resolvido no sentido que lhe é mais favorável o problema de saber se o princípio da irreversibilidade das nacionalizações veda ou não a reprivatização dos terrenos expropriados ao abrigo da reforma agrária - problema que me não proponho dilucidar -, o Governo abre a porta à reversão destes prédios quando à data da publicação da presente lei - logo, antes mesmo da sua entrada em vigor - estejam na posse material, na posse útil ou na simples detenção dos seus anteriores titulares ou de quem lhes haja sucedido ou na posse e exploração directa do Estado.
Admitindo que a Constituição sufrague tão elástico entendimento - o que não tenho por indisputável! -, sempre seria de obviar.
Normal seria que se exigisse alguma antecedência dos referidos actos em relação à entrada em vigor da presente lei.
Idem, que se trate de actos pacíficos, e não resultado de actos de compulsão ou violência.
E como conciliar a reversão, uma vez mais, com a prévia entrada dos bens expropriados no domínio privado indisponível do Estado, o que já hoje acontece e a proposta do Governo confirma?
Onde, porém, a proposta de lei do Governo mais compromete os objectivos da política agrícola, tal como os define e os orquestra a Constituição, é ao aceitar a consequência, que inelutavelmente resulta do que propõe, de entronizar na zona da reforma agrária um autêntico pandemónio.
Para comprazer a meia dúzia de antigos agrários, ou de actuais que foram grandes e querem voltar a sê-lo, aceita, fria e irresponsavelmente, comprometer precários equilíbrios, apesar de tudo alcançados com as expropriações feitas, as reservas demarcadas, as terras entregues para exploração.
Esta proposta, se convertida em lei, equivaleria a uma autêntica declaração de guerra.
Guerra sobretudo aos que, tal como a Constituição quis que fosse, exploram directamente a terra: os beneficiários da entrega de explorações; as cooperativas; as unidades colectivas de exploração por trabalhadores. Em segunda linha, os rendeiros e demais subutilizadores da terra.
Se o que foi expropriado reverte aos donos, que futuro para os beneficiários com a sua entrega para exploração, já não digo os actuais, mas outros que esperem sê-lo?
Se a área da reserva aumenta, donde sai? Com prejuízo de quem?
Se o número das reservas se multiplica, por esse milagre dos pães que seria o novo regime dos indivisos, que acontece às vítimas?
Se o que era ineficaz ganha eficácia, a quem se debitam as consequências do resultado?
E as benfeitorias feitas?
Que estranha fornia de garantir, como quer a Constituição, a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador! ...

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Será que é do interesse do Alentejo e do País esse repor tudo em causa? Ou não seria antes de tentar um salutar ponto final nos focos de conflito ainda latentes?
Será que o País espera deste ou de qualquer governo esse novo miguelismo em que a violência renasce? De novo em causa as expropriações? O direito de reserva? O seu exercício? Os seus limites? A defesa do pequeno contra o grande? A defesa de quem trabalha a terra contra quem apenas é seu titular?
Dos objectivos e instrumentos constitucionais não restaria senão a sombra: devolvam-se os prédios aos seus primitivos donos; reserve quem não reservou; reserva mais quem já exerceu esse direito; funcione o sofisma dos indivisos para que o latifúndio se reponha; ganhem eficácia as «habilidades» dantes ineficazes. A terra a quem a trabalha? Que utopia! A protecção do pequeno e médio? Que ingenuidade!
Reveja-se por antecipação a Constituição, desconhecendo-a, já que se não pode rasgá-la!
Tal não acontecerá com o nosso voto, Sr. Presidente e Srs. Deputados! Mas que pena em tenho do Alentejo!

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Sr. Dr. Almeida Santos, apenas uma pergunta. Antes de a formular, solicito a V. Ex.ª o favor de me dizer se a afirmação - que reproduzo - daquilo que disse corresponde ou não à verdade.
Creio que, a certo passo da sua brilhante oração, sempre pintalgada de graças literárias de muito encanto, V. Ex.ª denominou ou qualificou a proposta do Governo de «quasimodo» legislativo. É certo?
Creio que V. Ex.ª faz uma comparação com o corcunda de Nossa Senhora de Paris, de Victor Hugo?! É boa!

Risos.

É que há 50 anos ensinaram-me a dizer que esse personagem se chamava «quasimodo» e os dicionários dizem assim.
Agradeço a V. Ex.ª ter-me tirado do erro que existe em mim há 50 anos. Passarei a dizer como V. Ex.ª diz, dada a sua autoridade, «quasimodo», e não «quasimodo», como dizem os dicionários.

Aplausos do deputado do PSD António Vairinhos.

O Sr. Presidente: - Peço à Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar o favor de me substituir por uns momentos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Brito Lhamas.

O Sr. Brito Lhamas (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, a minha pergunta é muito simples: V. Ex.ª evocou a memória de Sá Carneiro e disse que a preza mais do que qualquer outra pessoa. Agradou-me ouvir isto. No entanto, V. Ex.ª falou na memória de Sá Carneiro a propósito da reforma agrária e do problema dos indivisos.
Será que V. Ex.ª desconhece que Sá Carneiro não votou a lei da reforma agrária e um dos motivos principais porque o não fez foi precisamente pela forma como o problema dos indivisos foi resolvido nessa lei?

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro.

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, não quero de forma nenhuma levantar a questão constitucional, pois não me permitiria contestar o parecer de V. Ex.ª, eminente jurista e brilhante advogado do nosso país.
Quero, no entanto, levantar-lhe duas questões. A primeira prende-se com a situação das terras que foram distribuídas em bom tempo e em boa memória e essa iniciativa foi tomada pelo Dr. Sá Carneiro e pelo governo por ele liderado.
Lamentavelmente, essa iniciativa não permite hoje nem o pagamento correcto das indemnizações nem a transformação dessas propriedades em propriedade perfeita, só porque o Partido Socialista, aquando da revisão constitucional, se opôs à possibilidade de alienação dessas terras por parte do Estado.
Essa vertente, de que há pouco falou no plano constitucional, permitiria que esses novos agricultores, que nós quisemos e que defendemos, se constituíssem no nosso pais e tivessem uma situação de estabilidade que ainda hoje não têm.
Por outro lado, gostava de saber qual seria hoje a posição do Partido Socialista, porque, aquando do governo do bloco central, ouvi aos responsáveis de então, nas diversas vezes em que abordámos a questão dos mais de 100 000 ha - e cuja passagem para a posse do Estado nunca se fez por vontade expressa dos trabalhadores, apesar de expropriados num período lamentável em que a usurpação do poder foi por várias vezes cometida, vontade essa, aliás, tão legítima ou ainda mais do que aquela que revolucionariamente se fez no sentido contrário da ocupação das propriedades -, ouvi, dizia eu, aos responsáveis do governo do bloco central liderado pelo Dr. Mário Soares defender o princípio da reversão dessas situações, concretizando que era necessário encontrar uma solução de equilíbrio para essa situação.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e, com certeza, o Partido Socialista tem hoje uma posição completamente diferente.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Srs. Deputados, tenho de responder telegraficamente, com pena minha, para poupar tempo para um camarada que vai fazer uma importante intervenção.
Sr. Deputado Armando Cunha, é a segunda vez que o vejo levantar-se aqui para defender a pronúncia correcta de uma palavra. Não faço questão em que a palavra seja grave ou esdrúxula, faço um pouco questão de que a sua preocupação o seja, mas, se faz questão

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em que seja esdrúxula, fique com o esdrúxulo da palavra, que eu continuarei a dizer «quasimodo». Tenho ouvido das duas maneiras, eu digo assim, o senhor dirá assado, não tem grande importância, não nos preocupemos com isso.
Sr. Deputado Brito Lhamas, de facto, fui sincero quando referi a memória do Dr. Sá Carneiro e também fui sincero quando disse que o Sr. Dr. Sá Carneiro, que, além de um grande político, era um excelente jurista, não concordaria de maneira alguma com o que se encontra nesta proposta, sobretudo na parte que se refere às sociedades.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isto é verdade!

O Orador: - Tenho a certeza absoluta de que não concordaria, porque, além de ser uma solução politicamente errada, pois, como demonstrei, praticamente abre a porta à revogação da Constituição em matéria de eliminação de latifúndios e ela ainda vigora, pensemos o que pensemos disso, tenho a certeza de que ele não concordaria com isso - repito -, além do mais, ele não concordava com violações óbvias da Constituição.
Disse-me que ele não votou a lei por isso. Tenho a certeza de que ele não votava esta. Em todo o caso, devo dizer-lhe que votou a Constituição na parte relativa à reforma agrária.
Ao Sr. Deputado José Manuel Casqueiro e às terras que foram distribuídas por Sá Carneiro, penso que a memória de Sá Carneiro não está a ser devidamente homenageada pelos governos do PSD que se lhe seguiram, porque têm sido retiradas a muitos desse beneficiários terras que lhes haviam sido entregues e esta proposta não faz outra coisa que não seja criar novas hipóteses de que isso possa vir a acontecer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Diz que não concordamos com a distribuição em propriedade. A minha memória não vai tão longe quanto à primeira revisão, mas está fresca quanto à actual, e nesta somos nós os únicos que propomos que as terras sejam entregues em propriedade, e não estamos acompanhados pelo PSD nesse pormenor nas propostas de revisão.
Como vê, temos esse pecado antigo: nós emendámos a mão, os senhores caíram nesse mesmo pecado com mais tempo para terem reflectido.
Aquando do governo do bloco central, diz o Sr. Deputado que nós defendíamos o princípio da reversão, que se mudam os tempos, que se mudam as vontades. Se o Sr. Deputado Casqueiro fizer questão, tenho aqui uma fotocópia que tenho o prazer de lhe entregar, se não fizer uso público dela, porque se trata de um acto que se passou no interior de um governo, sobre as críticas que fiz à proposta de então, que tinha grandes semelhanças com a agora apresentada pelo Sr. Ministro da Agricultura.
Verá que essa crítica não é menos contundente e que não falta lá nada, rigorosamente nada daquilo que hoje tive oportunidade de dizer. Acredite que por vezes a gente muda de opinião, porque não é estúpido, mas, neste caso, o Sr. Deputado não tem a menor razão.
A minha posição é hoje rigorosamente a de então e o Sr. Ministro da Agricultura sabe que assim é.
Tenho por ele uma grande amizade e uma grande admiração pela sua inteligência e por outras qualidades que tem, mas devo dizer-lhe que só hoje percebi uma coisa: exactamente por admirá-lo, nunca entendi que ele andasse a dizer com tanta frequência que se quer ir embora e que qualquer dia vai retomar as suas funções de empresário. Hoje percebi! Realmente, com esta lei e as suas previsíveis consequências, ele não tem outra atitude a tomar se não essa!

Aplausos do PS.

Risos.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A designada zona de intervenção da reforma agrária foi classificada pela Directiva n.º 75/268/CEE como «zona desfavorecida ameaçada de despovoamento». E foi-o muito justamente a avaliar pelos seguintes indicadores da Região do Alentejo: O PIB regional representa apenas S % do PIB do continente; a indústria transformadora da Região gera apenas cerca de 5% do valor acrescentado bruto industrial do continente; as explorações agrícolas alentejanas cobrem 37 % da área total do continente, mas a sua contribuição para o produto agrícola bruto é de apenas 17%; numa área que é um terço do território continental reside, apenas, 6% da população; a sua densidade populacional é de apenas 21 habitantes por quilómetro quadrado, enquanto a média continental é de 105 habitantes por quilómetro quadrado; a população continua a decrescer, tendo na década de 70/80, sofrido uma redução de 3,2%.
Não cabe aqui escalpelizar as diversas razões que têm contribuído para esta situação, quer as de carácter histórico, que vêm desde as disputas territoriais dos primórdios da nacionalidade até à política de condicionamento industrial do Estado Novo, quer as de natureza edafo-climática, quer, ainda, as que serão imputáveis à idiossincrasia de um povo demasiado causticado pelo seu frequente esquecimento por parte dos poderes públicos.
Mais importante do que inventariar as causas será despertar as consciências e ultrapassar os equívocos que têm bloqueado o desenvolvimento da Região e a criação de melhores condições de vida para as suas gentes, por forma a inflectir-se a tendência desertificadora e o empobrecimento relativo, não só penoso para as populações da Região mas também gravoso para o interesse nacional, pois o Alentejo tem recursos que devem ser inteligentemente aproveitados.
Uma das razões deste «estado de coisas», aquela que nesta oportunidade cabe referir, é, sem dúvida, a deficiente estrutura da propriedade rústica, caracterizada por uma excessiva concentração, verifica-se, ainda hoje, que as explorações agrícolas com mais de 500 ha cobrem 51% da superfície agrícola útil.
Nada se fazendo sem o homem e sendo a agricultura a principal actividade económica da Região, será no reforço do vínculo do homem à terra e no incentivo à instalação de indústrias transformadoras de produtos agrícolas que se tem de buscar, em grande

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medida, a criação da riqueza indispensável à promoção do bem-estar e ao combate à desertificação social desta tão vasta Região do nosso território.
Para reforço do vínculo do homem à terra diversos instrumentos deverão concorrer.
Por um lado, há que levar ao campo as condições mínimas de bem-estar e promover o aumento da produtividade agrícola.
A implementação, em curso, do programa de infra-estruturas do PEDAP (electrificação, caminhos rurais, regadios, drenagem e conservação do solo, programa de acção florestal) dará um contributo importantíssimo à consecução deste objectivo!
Por outro lado, é necessário prosseguir uma orientação agrária que desmotive a excessiva concentração da propriedade rústica e promova o fortalecimento da classe média empresarial agrícola, pois, sem dúvida, que a melhor ligação do homem com a terra é o vínculo de propriedade.
Por isso, o PSD se tem batido pela possibilidade de alienação a favor dos pequenos e médios agricultores das terras que lhes foram distribuídas pelo Estado.
Por isso, o PSD se tem batido pela descolectivização da Região, pois os trabalhadores das UCPs não são donos de coisa nenhuma, nem sequer da sua própria vontade.
Só assim se podem corrigir as deficiências estruturais que estão na base dos conflitos sociais cíclicos ocorridos nos campos; só assim se conseguirá a desproletarização da agricultura e se promoverá económica e socialmente o trabalhador rural; só assim será possível desenvolver e modernizar a agricultura num sentido empresarial; só assim a agricultura da Região poderá resistir, daqui a escassos três anos, ao impacte do mercado único europeu e à consequente concorrência dos produtos alimentares da CEE.

Aplausos do PSD.

É por isto que afirmo, desta tribuna, que nada tem mais a ver com o desenvolvimento do Alentejo e de parte do Ribatejo e com o futuro dos seus povos que uma iniciativa legislativa que vise reestruturar, regularizar e estabilizar o uso e fruição da terra, em obediência aos pressupostos do modelo empresarial típico do espaço civilizacional que sempre foi o nosso e às exigências de uma economia de mercado fortemente competitiva, que se não compadecem com concepções passadistas, tenham elas como referência o 28 de Maio ou o 11 de Março.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta iniciativa legislativa é, de facto, vital para o futuro de uma região umbilicalmente ligada ao futuro da terra.
Malfadadamente, tem sido à volta da sua principal actividade, a
agro-silvo-pastorícia, que se tem desenvolvido uma teia de equívocos e de interesses obscuros em que se vem enredando o seu progresso.
É que, com a reforma agrária do estilo «Leste - anos 30», que nos foi imposta por algumas fardas a soldo de ideologias totalitárias, a terra mudou de mãos, mas nada mais mudou.
Com a Lei n.º 77/77 reconduziu-se o empresário à agricultura, procurou-se humanizar a exploração da
terra e, fundamentalmente, levou-se a legalidade aos campos do Alentejo e reabriu-se ao povo alentejano a porta da liberdade.
A Lei n.º 77/77, cujos aspectos positivos e papel decisivo na democratização da Região nos cumpre assinalar, enferma, no entanto, de alguma deficiente conceptualização que esteve na origem de injustiças que é urgente reparar, para que, devidamente satisfeitos os legítimos direitos dos cidadãos deste país, cujos bens foram objecto de ocupação e expropriação, seja possível regularizar e estabilizar a posse da terra.
Clarificar conceitos, corrigir injustiças, regularizar e estabilizar a posse da terra tem de ser o ponto de partida para uma nova agricultura da Região. É disso que trata a proposta de lei n.º 31/V, em debate.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Um dos conceitos pouco claros, que mais polémica tem suscitado, é o de «latifúndio». Como defini-lo? Para uns, qualquer exploração com mais de SOO ha é um latifúndio. Mas estes, quando no poder, criaram explorações com vários milhares de hectares, mesmo dezenas de milhar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Exterminaram muitas das melhores empresas agrícolas, as mais dinâmicas e produtivas.

Voz do PCP: - Ena!

O Orador: - E sobre os seus destroços fizeram nascer unidades colectivas, cujos resultados se traduziram na quebra acentuada das principais produções da Região.
Os que assim pensam e assim procederam não podem ser levados a sério!
Na definição do Prof. Henrique de Barros, «os verdadeiros latifúndios são sempre muito grandes explorações - milhares de hectares com frequência -, mas o que os caracteriza não é apenas tal facto, mas também a sua cultura extensiva ao máximo, a falta quase total de benfeitorias, [...]»
Para outros autores, nomeadamente Giner e Guzman, «o latifúndio é, antes de mais, um sistema social de dominação».
Para Balabanian, «a estrutura agrária do latifundismo é uma estrutura de exploração fundada em enormes disparidades sociais, que se caracterizam pela existência de uma classe social dominada, cuja única possibilidade é viver na dependência da classe social dominante: esta, ao desinteressar-se da produção agrícola, origina, num dado ambiente natural e humano, uma má valorização da terra. Só este critério é específico das estruturas latifundiárias».
«O domínio social criado pelo latifundismo, e do qual é o aspecto mais escandaloso, traduz-se, no terreno, por uma concentração da propriedade e, sobretudo, por uma subvalorização do solo.»
Corroboramos estas afirmações.
Nenhuma delas define o latifúndio, simplisticamente, pela área mas reconhecem os inconvenientes da excessiva dimensão da propriedade.
Por isso, apoiamos a supressão do limite da propriedade pela área e a manutenção de um limite de pontuação, que evite e desincentive a excessiva concentração da propriedade.

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Entendemos que não se podem colocar limites à exploração da terra em termos tais que impeçam que as empresas agrícolas possam atingir a rentabilidade que as torne competitivas no mercado fortemente concorrencial da CEE.
O limite físico da exploração agrícola deve, apenas, derivar das potencialidades agrícolas da respectiva área, base do critério da pontuação, e justifica-se pela necessidade de se evitarem efeitos perniciosos do ponto de vista social, de se possibilitar o reforço do vínculo do homem à terra, através da instalação de mais agricultores numa região em despovoamento, e de se flexibilizar o mercado da terra.
A proposta de lei do Governo merece-nos, pois, justificado apoio neste domínio!
Outro conceito de Lei n.º 77/77, do qual discordamos, é o de se considerar como «absentista» qualquer proprietário não agricultor.
Se um proprietário teve o cuidado de arrendar o seu prédio rústico, em absoluta legalidade, a alguém que o explora convenientemente, aproveitando e preservando os recursos naturais, como pode ser perseguido pela Lei?! Então não é função social da terra proporcionar trabalho e produzir alimentos? Não é do interesse nacional promover o arrendamento, a forja tradicional dos melhores agricultores, e dar-lhes, assim, a oportunidade para que possam vir a ser
empresários-proprietários?
Penalizar os proprietários não agricultores é penalizar o arrendamento. Bem anda, portanto, o Governo ao propor a igualdade de tratamento para todos os proprietários expropriados.
A questão dos «indivisos» foi, porventura, a maior injustiça relativa verificada na atribuição de reservas ao abrigo da lei vigente.
Por razões de ordem «técnico-económica», ou por outras, muitas famílias mantinham as suas propriedades indivisas, sendo certo que as explorações de maior dimensão resultavam, frequentemente, desta situação.
Outras famílias, pelas mesmas ou por razões diversas, haviam procedido à partilha dos seus bens, levando à constituição de explorações agrícolas distintas.
As primeiras receberam uma única reserva, as segundas tantas reservas quantos os seus membros.
Há, assim, famílias cujos membros receberam escassas dezenas de hectares cada um, área manifestamente insuficiente à constituição de uma unidade minimamente viável, da qual quem quer que seja possa viver.
Não é justo. Não é aceitável a manutenção de tal situação.
Outra disposição da Lei n.º 77/77, claramente persecutória, é a chamada «ineficácia dos actos».
Se o primeiro diploma expropriatório é de 29 de Julho de 1975, com que razoabilidade se estabelece a ineficácia dos actos praticados depois de 25 de Abril de 1974?
Se o objectivo é desincentivar a concentração da propriedade, para quê perseguir as pessoas, em vez de as levar à partilha ou à venda? A injustiça relativa, a desigualdade de tratamento de situações idênticas e alguns resquícios revolucionários são aspectos da lei contra os quais o PSD sempre se manifestou.
Imbuídos de um espírito profundamente humanista, característica do nosso ideário social-democrata, preconizamos a mudança pelas reformas e rejeitamos a violência e a intolerância dos processos revolucionários.
Por isso, apoiamos a alteração ao regime dos indivisos e da ineficácia dos actos.
Um outro aspecto da legislação da reforma agrária que já mereceu, nesta Câmara, a minha crítica frontal foi o do regime de excepção estabelecido para uma parte do território nacional quanto a um estatuto jurídico tão importante como o da posse da terra. Assim se quebrou a unidade nacional da política agrícola e se veiculou na lei uma discriminação entre cidadãos em situações f actualmente análogas. Assim se lançou um anátema sobre uma região, já com múltiplos desfavores, o que ainda mais tem prejudicado o restabelecimento da confiança e a atracção dos investimentos tão necessários ao seu processo de desenvolvimento.
Por mais argumentos que se possam aduzir, nenhum deles justificaria a fragmentação da ordem jurídica nacional, sob pena de se estar a contribuir para a própria desagregação da Pátria, que é pátria de todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta situação deverá ser devidamente analisada em sede de especialidade, para que; devidamente ponderadas as implicações daí decorrentes, seja possível pôr cobro a tal entorse, sendo certo que a pretendida estabilidade da posse da terra para uma região não deverá levar a instabilidade a outras regiões.
Estabilizar a posse e o uso da terra tem de ser, de facto, a ideia-mestra, uma vez que é condição básica para a reconversão e modernização da agricultura nacional.
Mas a estabilidade de que todos falamos não pode ser a estabilidade que alguns pretendem: não pode ser a cristalização de situações irregulares e a complacência perante interesses ilegítimos.
Não pode ser a estabilidade do facto consumado ou da utopia gonçalveista. Não pode ser a eternização de estruturas colectivistas, de direcção centralizada e subserviência partidária, frequentemente de existência fictícia, inviáveis do ponto de vista económico e que afrontam a nossa consciência de homens livres.
A estabilidade que defendemos é a que a proposta de lei consagra para os pequenos e médios agricultores e cooperativas de trabalhadores rurais, a quem foram distribuídas terras na sequência da política esclarecidamente definida pelo Dr. Francisco Sá Carneiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Bastante mais do que a Lei n.º 77/77, a proposta do Governo protege os direitos dos pequenos e médios agricultores.
É esta a nossa estabilidade, a estabilidade na regularidade e na honradez de uma agricultura de rosto humano e virada ao futuro.

Voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nós, sociais-democratas, não temos qualquer afinidade com a «velha agricultura de casino», pelo que não nos deixamos impressionar pela propagandeada vida fácil do «set saside e do pau de eucalipto».

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Isso é para mim?!

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O Orador: - Temos de pôr de pé a nova agricultura, de modelo empresarial, capaz de obter produções e produtividades que a tornem competitiva no mercado único europeu, através de uma melhor utilização da capacidade de uso dos solos, com preservação dos recursos naturais.
Temos de contrariar o despovoamento do interior, criando empregos, fortalecendo a ligação do Homem à terra, proporcionando aos trabalhadores rurais condições idênticas às dos restantes trabalhadores, facultando o acesso à terra dos jovens agricultores.

Voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A agricultura alentejana já foi demasiado prejudicada pelo bloqueio, por parte da oposição, da resolução desta demorada querela fundiária.

O Sr. António Barreto (PS): - Ó Sr. Deputado, deixe-se disso!

O Orador: - Não se pode tolerar mais, nem os Portugueses nos perdoariam, que a terra, o principal recurso desta terça parte do território nacional, continue com um estatuto indefinido, ao sabor de diversos oportunismos e arredada da sua efectiva função social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É imperioso e urgente realizar o objectivo desta reforma estrutural, pela qual há muito nos batemos: democratizar a agricultura da zona de intervenção e desproletarizar o trabalhador rural; apoiar a constituição de empresas agrícolas de dimensão adequada, quer individuais quer cooperativas; dar maiores garantias aos agricultores a quem foram distribuídas terras; corrigir injustiças e regularizar e estabilizar a posse e o uso da terra, pondo fim ao contencioso fundiário.
O PSD cumpre, assim, uma das suas promessas eleitorais e o Governo dá execução a uma importante proposta do seu programa para a modernização da agricultura portuguesa.
O Grupo Parlamentar do PSD, como sempre, não declinará as suas responsabilidades políticas pela futura lei e empenhar-se-á, em sede de especialidade, na procura dos consensos possíveis e na introdução de alguns aperfeiçoamentos, em ordem à obtenção das soluções mais justas e mais claras, na defesa dos diversos
direitos legítimos em presença. Refiro, nomeadamente, a natureza do direito de reserva, a pontuação dos sub-cobertos, o regime dos indivisos e das sociedades e uma melhor definição dos direitos dos rendeiros empresários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Importa que a reforma agrária deixe de ser encarada como um emblema político-partidário, espólio partidário da refrega entre a democratização do País, nascida com o 25 de Abril, e a tentação totalitária do 11 de Março.
Importa que a reforma agrária assuma o cariz de uma orientação agrária reformista, visando a adaptação das estruturas ao evoluir das condições
sócio-demográficas e ecológicas e do contexto económico envolvente.
É esta mudança que os Portugueses, e particularmente os da zona de intervenção, esperam dos partidos democráticos.
Por isso votaram maioritariamente no Partido Social-Democrata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei 31/V representa uma reforma estrutural indispensável e inadiável. Vamos, portanto, votá-la favoravelmente!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Luís Capoulas, V. Ex.ª, na sua intervenção, frisou que, em sede de especialidade, o seu grupo parlamentar vai introduzir alterações à proposta agora apresentada e referiu também alguns temas genéricos dessas alterações. Mas essas referências foram feitas com demasiada pressa, pelo menos para a bancada do CDS. Quer V. Ex.ª especificar em que domínios é que essas alterações vão ser introduzidas?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Cuidado, isso é delicado!

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Luís Capoulas, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Desejo responder no fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Luís Capoulas, V. Ex.ª citou alguns indicadores demonstrativos dos fracos níveis do desenvolvimento e do despovoamento do Alentejo, para os quais, como o Sr. Deputado sabe, variadíssimos autores assacam a responsabilidade ao regime de propriedade latifundista. Isso ficou demonstrado através da intervenção que V. Ex.ª aqui proferiu.
O Sr. Deputado falou no conceito de latifúndio, mas esqueceu-se de concluir a definição. Esqueceu-se de ler a definição completa, segundo a qual o latifúndio é considerado como uma propriedade ou exploração de grandes dimensões, mal explorada, com um baixo rendimento unitário e pertencente ao domínio privado.
Este é o conceito rigoroso de latifúndio. Se queremos defini-lo, então façamo-lo por inteiro.
O Sr. Deputado disse também que as UCPs e as cooperativas são inviáveis, e justifica esta proposta de lei no sentido de elas desaparecerem da zona da intervenção. Então, como é que o Sr. Deputado concilia esta afirmação com o facto - sobre o qual já há pouco questionei o Sr. Ministro sem obter resposta - de o próprio estudo do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação - sobre o qual temos reservas - afirmar que há 130 cooperativas viáveis, que apresentam uma situação positiva do ponto de vista estrutural, finan-

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ceiro e social? Considera o Sr. Deputado que essas cooperativas devem ser também completamente exterminadas e liquidadas só pelo facto de o Governo e o PSD não quererem e não gostarem da reforma agrária?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente» Vítor Crespo.

O Sr. Presidente (Vítor Crespo): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado Basílio Horta, agradeço a sua pergunta porque me dá oportunidade de esclarecer alguma especulação - perdoe-me a expressão - que V. Ex.ª, há pouco, quando se dirigiu ao Sr. Ministro, quis introduzir.
Não há dois partidos. Não há um partido no Governo, não há um partido no Parlamento. Há um único partido, que tem - um programa e um projecto de sociedade em comum e há, naturalmente, discussões, com toda a abertura, entre companheiros do mesmo partido sobre as melhores soluções para, na prática, se realizar esse projecto.
Não falei em alterações substanciais mas em aperfeiçoamentos. Isto quer dizer que não há razão para alterarmos a filosofia da proposta do Governo, mas podemos introduzir aperfeiçoamentos, porque o objectivo, quer do Grupo Parlamentar do PSD, quer do Governo, é o mesmo, ou seja, é o de resolver, da melhor forma possível, este contencioso, procurando as soluções mais justas e mais capazes.
Penso que é importante - e para isso já manifestei abertura - ouvir as críticas e as sugestões da oposição e das diversas forças que se pronunciaram através da audição pública. Vamos analisar todas essas recomendações e críticas e, com abertura, respeitando a ideologia e o programa do nosso partido e do Governo, procuraremos ser fiéis ao eleitorado, pois foi o PSD que nestas eleições obteve a maioria e é o programa do PSD que tem de ser posto em prática e não o programa de qualquer outro partido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas isto não quer dizer que não tenhamos abertura para ouvir as críticas e as considerações que os outros partidos possam fazer sobre esta matéria.
Quanto à questão dos aperfeiçoamentos à proposta, referia a necessidade de se garantir uma pontuação para todo o subcoberto, pois há algumas dúvidas no sentido de se saber se as tabelas actuais contemplam a pontuação de todos os subcobertos. Queremos concretizar este aspecto para que não restem dúvidas de que toda a terra será pontuada.
Há, também, que esclarecer melhor qual é a natureza do direito de reserva. Entendemos que não é no direito de propriedade, mas no restabelecimento do direito de propriedade...

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Ah, isso não!
O Orador: - ... e temos razões fones para assim considerar. Pensamos que as introduções são feitas no sentido de aperfeiçoar, e não no de fazer favores a outros sectores, que não representamos, nem nos responsabilizamos.
Quanto à questão do fraco nível do desenvolvimento focado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, considero - e referi isso na minha intervenção - que, além de outras, uma das deficiências estruturais do Alentejo é, historicamente, a deficiente estrutura da propriedade. Não somos apologistas de uma excessiva concentração da propriedade, mas não podemos confundir a definição de latifúndio com a de estabelecimento de uma área máxima, porque consideramos que é um erro grosseiro confundirem-se essas duas definições.
O desenvolvimento do Alentejo foi fortemente contrariado pelo processo revolucionário que o Partido Comunista dinamizou no Alentejo. Até à data de 25 de Abril de 1974 existiam latifúndios, assim como existiam empresas que se estavam a modernizar, que aumentavam significativamente a sua produção e a sua produtividade e que promoviam um efectivo desenvolvimento. O PCP teve como primeira preocupação atingir as melhores empresas, em vez de se ocupar das terras inaproveitadas.
Isto é um facto, é uma constatação real e objectiva, que nega qualquer empenho sincero que possa haver da parte do PCP no efectivo desenvolvimento do Alentejo.
Se estavam empenhados nesse desenvolvimento, deviam ter poupado tudo o que estava a funcionar bem e deviam ter feito uma reforma agrária pacífica, pelas vias reformistas e legal.
Somos adeptos da reforma e não da violência, como já há pouco referi. Os senhores optaram, nitidamente, por um processo de violência e de intolerância, que dividiu ainda mais os Alentejanos, prejudicou a região e não serviu o desenvolvimento.
E a prova disso é que, hoje, os trabalhadores das vossas UCPs vivem em condições iguais ou piores às que viviam antes da reforma agrária, que não aproveitou a ninguém.
Quanto às cooperativas viáveis, também referi, na minha intervenção, que não temos nada a opor à constituição de empresas agrícolas de dimensão adequada, quer sejam cooperativas ou empresas individuais, mas não confundimos a cooperativa com a UCP ou com a unidade colectiva.
Somos um partido com princípios e respeitamo-los. O nosso pragmatismo é de acção na defesa de determinados princípios. Assim, entendemos que o colectivismo, pela forma como no nosso país foi instituído - e que não é mais do que uma cópia do modelo soviético dos anos 30 - e pelos resultados que obteve, não só cá mas em todo o Mundo, é uma afronta aos princípios da liberdade e de respeito pelos direitos humanos, não podendo, por isso, subsistir no nosso universo.
No entanto, as cooperativas livres, democráticas, com estatuto de autênticas cooperativas, têm o seu lugar no Alentejo, onde há terra que chegue para todos, mas onde há também falta de agricultores e de verdadeiros empresários.
E este o desafio que nos está lançado: o de constituirmos uma nova classe empresarial que possa responder a este desafio. Só a partir da resposta que lhe dermos e da criação de mais riqueza é que é possível resolver os problemas daqueles que estão nas galerias, que estão lá fora e, também, no Alentejo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o que se vê!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os nossos trabalhos vão continuar com as votações agendadas, após o que interromperemos a sessão, por um período de hora e meia, para o jantar.
De seguida, vamos proceder à votação do artigo 134.º do Regimento da Assembleia da República e da proposta de lei n.º 47/V, relativa à alteração à lei de delimitação dos sectores.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, agradecia que me informasse sobre o que se passou com o projecto de lei n.º 25/V, cuja votação estava prevista.

O Sr. Presidente: - Como já tive ocasião de informar por duas ou três vezes, no início de sessões, o relatório da comissão sobre esse projecto de lei vinha acompanhado de um pedido no sentido de serem ouvidas as regiões autónomas. Assim se fez. Já houve resposta por parte da Região Autónoma da Madeira, mas ainda não a há por parte da Região Autónoma dos Açores. Logo que chegue essa resposta, será feita a votação do referido projecto de lei.
Srs. Deputados, para intervir no debate da proposta de lei n.º 31/V estão ainda inscritos os Srs. Deputados Hermínio Martinho, Basílio Horta, Maria Santos, Rogério de Brito, António Barreto e Raul Castro.
Os tempos disponíveis são os seguintes: PSD, 17 minutos; PS, 18 minutos; PCP, 8 minutos; PRD, 30 minutos; CDS, 14 minutos; Os Verdes, 15 minutos; ID, 8 minutos, e Governo, 16 minutos.
Vai ser submetido à votação o único artigo do Regimento que falta votar (artigo 134.º) e que foi amplamente discutido na última sessão plenária relativa ao Regimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Srs. Deputados, vamos passar à votação final global do Regimento.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, nos termos do Regimento, não há votação final global do Regimento.
O último artigo das votações refere-se às votações das alterações, mas não se refere à votação final global do Regimento.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Pois claro!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem razão, embora a Mesa entenda que, em bom rigor, talvez devesse haver votação final global, e por isso mesmo tivesse suscitado o problema.
Se a Câmara entender que essa votação não se deve realizar, assim será feito.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de confirmar a intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró. De facto, o n.º 5 do artigo 288.º refere que as alterações devem ser aprovadas por maioria e não refere qualquer votação final global quanto a essas alterações.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está correcta essa interpretação. A Mesa colocou o problema dessa maneira, particularmente, tendo em atenção o pedido que fez na última sessão, no sentido de saber se havia algum artigo que sobejasse, e isso para que não houvesse qualquer dúvida.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, a regra é a de haver votação final global.
O n.º 5 do artigo 288.º, agora invocado, fala apenas da maioria necessária para a aprovação das alterações ao Regimento e não exclui a votação final global, pelo que julgo que se deveria realizar a votação final global.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Essa agora!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, efectivamente a regra é essa, mas não é necessariamente aplicada a este caso.
Por isso mesmo a Mesa colocou a questão.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, permita-me que diga que para as regras serem afastadas é preciso que seja claramente definida a excepção, o que não acontece neste caso. Aliás, a regra vem até claramente definida no artigo 155.º, onde se diz que «a seguir à votação na especialidade» (e foi isso o que aqui ocorreu durante vários dias em relação ao Regimento) «haverá sempre votação final global».

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejo referir que o artigo 288.º consagra um regime especial, exactamente para afastar o regime geral, e quando remete para outros artigos fá-lo para não haver votação final global.

Vozes do PCP: - É óbvio!

O Orador: - A bancada do PSD pode impor pela maioria todos os preceitos contrários ao Regimento, mas V. Ex.ª e a Mesa têm de salvaguardar o Regimento e não a vontade do PSD.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, desejo informar que, caso não haja votação final global, entregarei na Mesa uma declaração de voto sobre o conjunto das alterações ao Regimento.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª está a pedir a opinião dos diversos partidos sobre o assunto, pelo que desejo esclarecer que o que fiz foi dar a opinião do PSD e que não tencionamos impor, pela maioria, qualquer votação.
A decisão compete à Mesa e, seja qual ela for, aceitá-la-emos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, efectivamente, o Regimento tem uma tramitação própria.
Nessas circunstâncias, e de acordo com o que diz o Regimento, a interpretação da Mesa é a de que não há lugar à votação final global, a menos que isso fosse consensualmente admitido.
Em face do que ficou dito pelos diversos partidos, vamos passar de imediato à votação da proposta de lei n.º 47/V.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, no caso de haver tempo disponível da minha bancada, solicito à Mesa a possibilidade de produzir uma intervenção relativa às alterações ao Regimento.

O Sr. Presidente: - Para o mesmo efeito que o indicado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, inscreveram-se já os Srs. Deputados Rui Silva e Raul Castro.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, do ponto de vista do PS, não há lugar a votação final global. Essa é, aliás, a interpretação da Mesa.
Também não vemos em que figura regimental poderá, neste momento, ser enquadrado qualquer tipo de intervenção sobre a matéria relativa ao Regimento.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não obstante, se as outras bancadas desejarem produzir intervenções sobre essa matéria, não é o PS que o vai inviabilizar. É óbvio que, se for essa a solução escolhida, também diremos alguma coisa, mas não vemos muito bem sob que figura regimental pode esta solução ser enquadrada. No entanto, não nos opomos a um consenso nesse sentido.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejo explicitar a nossa opinião sobre estas inscrições para uso da palavra.
Entendemos que os pedidos de uso da palavra eram aceitáveis e justificados se tivessem lugar logo após a votação do último artigo que votámos há pouco.
Passada essa oportunidade, foi, depois, discutida a questão da existência ou não de votação final global. Não havendo votação final global, não pode haver declarações de voto sobre a votação que não teve lugar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, se alguém desejar fazer declarações de voto, deve enviá-las por escrito para a Mesa, o que, aliás, também faremos, isto se a Mesa entender conceder a palavra só porque a solicitam e sem fundamento legal no Regimento.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de dar a interpretação do meu grupo parlamentar sobre este assunto.
De facto, também reconhecemos que não existe figura regimental que, neste momento, dê cobertura a qualquer tipo de intervenção nesta matéria. No entanto, parece-nos que, de algum modo, se poderia enquadrar na figura, embora não regimental mas usual, da última declaração de voto de um condenado, que tem sempre direito a proferi-la.

Vozes do PSD: - Que engraçado!

O Sr. Marques Júnior(PRD): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, para que também fique registada a posição do Grupo Parlamentar do PRD, direi que concordamos com a interpretação dada no sentido de que não deve haver declarações de voto relativamente a esta matéria.
Contrariamente ao que diz o Sr. Deputado Narana Coissoró, entendemos que essa declaração de voto nem sequer se justificava logo após a votação do último artigo, a não ser que não tivesse havido intervenção de algum grupo parlamentar relativamente à discussão do artigo. Creio que o PRD terá sido o único partido que não terá intervindo nessa matéria, pelo que também não se justificariam declarações de voto relativamente à votação desse último artigo.
No entanto, a nossa bancada dá consenso a que - se isso for entendido como positivo e, do nosso ponto de vista, vemos-lhe algumas virtualidades - todos os partidos possam produzir uma última intervenção.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, muito brevemente, desejo referir que, do nosso ponto de vista, não há verdadeiramente cobertura regimental para qualquer declaração de voto.
Por isso mesmo, o meu grupo parlamentar irá enviar à Mesa a declaração de voto que tinha preparado sobre o último artigo do Regimento.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, em relação a este assunto, todos têm razão. O Sr. Deputado Narana Coissoró colocou bem a questão e o Sr. Presidente decidirá como entender.
Contudo, repudiamos os termos em que o Sr. Deputado Herculano Pombo colocou a questão, pois não é bem essa a questão que deve ser colocada, isto é, a de o condenado à morte usar da palavra por uma última vez. Agradecemos bastante essa simpatia, mas somos deputados, continuamos com direitos adquiridos na Assembleia da República e, com certeza, iremos usar da palavra, mas não da forma como o Sr. Deputado, de uma forma infeliz, aqui suscitou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa decidiu que não há lugar a intervenções para declarações de voto finais.
Os grupos e agrupamentos parlamentares que assim o entendam devem fazer chegar a declaração de voto por escrito à Mesa, votos esses que seguirão a tramitação normal.
Vamos, então, passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 47/V, relativa à alteração da lei de delimitação de sectores.
Submetida à votação» foi aprovada» com votos a favor do PSD e do CDS e votos contra do PS, do PCP» do PRD, de Os Verdes e da ID.
Srs. Deputados, deram entrada na Mesa dois requerimentos de baixa à Comissão, o primeiro apresentado pelo PCP e o segundo pelo PSD, requerimentos esses que foram já distribuídos e que vão ser lidos.
Foram lidos. São os seguintes:
Nos termos regimentais, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, solicitam a baixa à Comissão de Economia, Finanças e Plano da proposta de lei n.º 47/V, pelo prazo de quinze dias.
Nos termos e para os efeitos regimentais, os deputados do PSD abaixo assinados requerem a baixa à 5.º Comissão, após votação na generalidade, pelo prazo de dez dias, da proposta de lei n.º 47/V.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, sob a figura regimental da interpelação à Mesa, desejo dizer que pensamos ser mais realista o prazo de quinze dias, tendo em conta que a Comissão de Economia, Finanças e Plano está, neste momento, com imenso trabalho, pois está ocupada com a reforma fiscal e com outros diplomas.
No entanto, se o PSD insistir no prazo que propõe, isto é, o de dez dias, não temos problemas em aceitá-lo, embora saibamos que, realisticamente, o prazo de quinze dias seria melhor.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, se me permite também a mim, direi que, se o PCP baixar para dez dias o prazo, constante no seu requerimento, retiramos o nosso.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Concordamos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, vamos votar o requerimento apresentado pelo PCP com a emenda do respectivo prazo, que passa a ser de dez dias.

Submetido à votação» foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora suspender os nossos trabalho, que recomeçarão às 21 horas e 30 minutos. Está suspensa a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 5 minutos.

Estão inscritos para produzir intervenções sobre a proposta de lei n.º 31/V os Srs. Deputados Raul Castro, Hermínio Martinho, Basílio Horta, Maria Santos, Rogério Brito e António Barreto.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Publicada esta proposta de lei pelo Governo em 8 de Fevereiro deste ano, foi arguida, entre outros, a inconstitucionalidade, decorrendo da violação do artigo 104.º da Constituição.
Recusada pela bancada do PSD, viria, mais tarde, a ser reconhecida pelo Governo, que promoveu, naturalmente como autor da mesma, a audiência pública sobre tal proposta de lei. Tratava-se de cumprir o artigo 104.º da Constituição, que assegura a «participação na reforma agrária».
Participação em quê? Na definição e execução da reforma agrária. Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o direito de participação supõe, por um lado, que as opções legislativas ainda não estão tomadas e, por outro lado, que as posições que as organizações dos trabalhadores venham a tomar podem, efectivamente, alterar as soluções em projecto», in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º ed., p. 300.
De 528 pareceres recebidos, 515 foram contra a proposta de lei e 12 a favor dela. Simplesmente, o autor da proposta de lei, que é o Governo, não alterou uma vírgula no seu projecto legislativo de Fevereiro de 1988. Questionado sobre isto, o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação começou por dizer que as alterações eram com a Assembleia da República e acabou por considerar «fotocópias» os pareceres em sentido contrário ao da proposta de lei.
É evidente que esta resposta é uma pura evasiva, pois, se o Governo é o autor da proposta, a quem, senão a ele, caberia alterar o que propôs? E quanto a «fotocópias», não serão também fotocópias os doze pareceres favoráveis à proposta de lei?

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A eliminação dos latifúndios «constitui a primeira vertente da reforma agrária», não sendo difícil verificar, até pela correspondência textual, a sua ligação imediata com o primeiro dos objectivos da política agrícola (artigo 96.º, n.º 1), que consiste na melhoria da situação dos camponeses «pela transformação das estruturas fundiárias e pela transferência da posse útil da terra e dos meios de produção [...] para aqueles que a trabalham». A extinção dos grandes domínios sobre a terra está intimamente ligada a alguns dos mais importantes «princípios fundamentais» da constituição económica da Constituição da República (artigo 80.º), designadamente os da subordinação do poder económico privado ao poder político, da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, do desenvolvimento da propriedade social e da intervenção democrática dos trabalhadores [artigo 80.º, alíneas a), c), e) e f)]. E tal importância adquire ela nesse contexto - a que não é alheio um juízo histórico sobre o papel dos senhores da terra em Portugal - que a Constituição seleccionou a «eliminação dos latifúndios» como uma das regras insusceptíveis de revisão constitucional [artigo 290.º, alínea f)].
Torna-se, assim, evidente que o propósito governamental de legislar sobre a reforma agrária, da forma que seria do agrado dos interesses retrógrados dos latifundiários que o Governo representa é não só inconstitucional como nada tem de «modernização», antes é um retrocesso à situação dos latifúndios, anterior ao 25 de Abril.
Eis alguns dos muitos exemplos que se podem apresentar: desde o artigo 4.º da proposta, que se permite alterar profundamente os objectivos da política agrícola definidos no artigo 96.º da Constituição, até ao artigo 8.º, que elimina o auxílio do Estado aos pequenos e médios agricultores e às cooperativas, assegurado pelo artigo 102.º da Constituição, e o substitui por medidas de auxílio a empresas agrícolas privadas, ao artigo 14.º, que impede os trabalhadores de fazerem uso do direito de recurso contencioso, até aos artigos 15.º e 17.º, que permitem a reconstituição dos latifúndios, contra o disposto no artigo 97.º da Constituição, toda a proposta do Governo não é mais do que um rosário de inconstitucionalidades.
Mas a afirmação do Sr. Ministro de que esta proposta de lei surgiu de não saber quando estará feita a revisão constitucional logo evidencia a sua sintomática inconstitucionalidade.
Mas não é só uma proposta de lei inconstitucional. É uma proposta de lei injusta e imoral porque significa o regresso, em vez do progresso, e esse regresso a uma etapa social já ultrapassada faz-se sempre à custa dos interesses de muitos em benefício de poucos. Por isso, necessariamente, a Intervenção Democrática votará contra esta proposta de lei.

Aplausos da ID, do PCP e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, Srs. Deputados: Tomou o Governo a iniciativa de apresentar na Assembleia da
República uma proposta de lei de bases da reforma agrária que, se for aprovada, substituirá, por revogação expressa, a Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro
Jamais se conhecerá a verdadeira qualidade desses. Uns dizem, como sempre disseram, que foi e contir....... sendo o principal instrumento da «contra-reforma agrária». Outros defenderam-na por entenderem que é a pressão do equilíbrio possível entre o crescimento ei nómico e a justiça social.
Recentemente, ganhou alguns adeptos novos que passaram a ver nela uma espécie de «mal menor». Paradoxalmente, parece ter perdido o apoio dos seus e defensores mais empenhados.
Desde a sua génese que a chamada «lei Barreto» objecto de análises e suscitou comentários com sentidos divergentes, por vezes diametralmente opostos, estudiosos cuja autoridade científica e moral se não põe em causa.
Hoje, decorridos dez anos sobre a sua entrada em vigor, as circunstâncias já permitiriam que as opiniões sobre o assunto se alicerçassem em razões mais substanciais, de interpretação menos controversa, mas dificilmente refutáveis que alguns dos juizes de valor que ao longo dos anos, foram emitidos. Que razões? Os feitos em que se tivesse traduzido a aplicação do diploma.
Para que se dispusesse de uma tal argumentação sustentada no real, seria indispensável que tivesse sido feita a avaliação sistemática e objectiva desses resultados.
A entidade a cujo pleno alcance estaria (e está) a fazer um tal estudo e que dele, por várias razões de grande peso, seria suposto que necessitasse é, sem dúvida, o Ministério da Agricultura.
Se o tivesse feito, os motivos que o Governo hoje invoca para substituir por outra a Lei n.º 77/77 poderiam ou teriam mesmo de ser muito diferentes dos que constam na «exposição de motivos» e nos quais fundamenta a sua proposta de lei.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo Srs. Deputados: Por falta desse conhecimento, não se sabe o que de bom ou de mau para os Portugueses especialmente para os profissionais de agricultura na zona de intervenção da reforma agrária - adveio de uma lei da maior importância que vigora há dez anos. Os sinais concretos que, ao longo do tempo, foram chegando dessa obscuridade são, porém, inquietantes. Nada reflectem da qualidade da lei mas, sobejamente evidenciam o mau funcionamento, a verdadeira perversão, dos serviços do Ministério da Agricultura, que se não empenharam no cumprimento da lei, como lhe competia, antes a ignoraram quando a não desprezaram ou preteriram deliberadamente.
Quem, sobre o terreno, empreendesse investigação dos efeitos da aplicação da «lei Barreto», a principal conclusão a que chegaria seria, seguramente, esta: a lei não produziu efeitos significativos porque não foi cumprida. Pela via da sua eficácia económica e social é impossível saber se se ajusta ou não às realidades e aos fins para que foi concebida e, por consequência, na pode o Governo invocar, para a revogar, a sua comprovada ineficácia.
Mal ou bem, o certo é que está proposto um novo ordenamento para a reforma agrária.
Entende o Governo que é necessário substituir um lei por outra que, por razões Standard, de serventia indiferenciada, melhor satisfaz determinados desígnio: menos expressos que latentes.

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O que há que ver é, pois, o conteúdo expresso do novo diploma confrontando nele os objectivos que visa com os instrumentos e os meios de acção que lhes afecta.
Havendo coincidência manifesta, ao nível das finalidades relativamente à Lei n.º 77/77, então, poderá fazer-se a comparação entre o que nesta e na nova lei em fins de gestação é tido por apropriado para alcançar os tais fins comuns.
Tentaremos, pois, fazer uma reflexão sobre os aspectos mais inovadores da proposta legislativa do Governo por forma a detectar-lhe as principais linhas de forca, a coerência interna e o grau de ajustamento existente entre os fins que diz perseguir e os meios de que para eles dispõe.
Como as áreas de mais significativa inovação se situam no âmbito da reorganização da posse da terra, dispensarei especial atenção ao conteúdo dos capítulos II e IV, relativos, respectivamente, à «reestruturação fundiária» e ao «destino das áreas expropriadas e nacionalizadas».
Aliás, bem vistas as coisas, confrontando a restante parte substancial da proposta de lei - os seus capítulos III «Uso e mau uso dos solos agrícolas», e V, «Fomento hidroagrícola» - com o que já está legislado sobre as respectivas matérias, designadamente na Lei n.º 77/77, verifica-se que têm no corpo da proposta uma função essencialmente ornamental.
Os aspectos que, porventura, mais merecem ser sublinhados das diferenças entre um e outro texto são os seguintes: eliminação das definições de todas as pessoas colectivas vocacionadas para a exploração da terra, nomeadamente sociedade cooperativa agrícola, cooperativa de produção agrícola, unidade de exploração colectiva por trabalhadores e unidade agrícola mista.
É certo que as definições de algumas destas entidades jamais corresponderam, umas, ou vieram mais tarde a deixar de corresponder, outras, a pessoas concretas, quer por não terem sido objecto de regulamentação específica, quer por manifesto desajustamento relativamente a legislação posterior, designadamente o Código Cooperativo.
Estranhamente, subsiste a definição de «cooperativa complementar de produção agrícola». O autor da proposta de lei exclui o associativismo da esfera da produção agro-pecuária, mas admite-o em áreas complementares a montante e a jusante desta (em rigor, não é uma exclusão total - a associação poderá orientar-se para a produção desde que as empresas agrícolas associadas mantenham as respectivas autonomias).
É discutível que as definições desta ou de outras modalidades cooperativas agrícolas devam ser feitas fora da sede própria que é, naturalmente, o Código Cooperativo.
Desta mexida nas definições ressalta, desde já, num contexto que ainda se invoca de reforma agrária, uma curiosidade - o único associativismo agrícola contemplado é, essencialmente, complementar à produção, com a particularidade de a entidade definida (cooperativa complementar de produção) não ser mencionada, depois disso, uma única vez no articulado da proposta de lei.
A exclusão do associativismo agrícola de produção permite que se entreveja o tipo de reforma agrária que o autor da proposta terá em mente. A sua concepção de reforma agraria não comporta formas colectivas, designadamente cooperativas agrícolas de produção, que, de momento, consubstanciam todo o associativismo agrícola de produção no âmbito da reforma agrária. Tal como a «lei Barreto» eliminou a figura «unidade colectiva de produção», assim a futura lei banirá do léxico e do terreno da reforma agrária «cooperativa agrícola de produção».
Fica, assim, sublinhado um aspecto que considero, no mínimo, particularmente duvidoso: a restrição do associativismo agrícola para efeitos de aplicação de uma nova lei de bases da reforma agrária contraria um direito fundamental dos cidadãos, constitucionalmente consagrado - refiro-me, obviamente, ao direito de associação.
Uma outra diferença prende-se com a eliminação da definição de «exploração directa» - por força do artigo 27.º da Lei n. º 77/77, aos absentistas seriam atribuídas áreas de reserva equivalentes a 35 000 pontos, contra os 70 000 a que têm direito os titulares que explorem directamente a terra. O Governo entende que é de suprimir esse tratamento diferenciado. Proprietários exploradores directos ou absentistas passarão a receber reservas de 91 000 pontos. Provavelmente este desejado efeito prático levou o autor da proposta a não considerar a definição de «exploração directa». Porém, como conciliar esta desvalorização relativa da «exploração directa» num contexto e numa concepção de reforma agrária que, por exclusão do associativismo agrícola de produção, parece querer privilegiar a empresa de tipo familiar, o agricultor autónomo, explorador directo, necessariamente?
No que toca à política agrária, o artigo 4.º da proposta de lei consagra um conjunto de princípios gerais que tem o seu equivalente, com algumas diferenças no artigo 2.º da Lei n.º 77/77. Lá, são intitulados «critérios tendentes a [...]»; aqui, são apodados de «objectivos». Enquanto critérios, foram ignorados; como objectivos, não terão melhor sorte. É legítimo duvidar que os responsáveis pela concepção e condução da política agrária os venham, sequer, a ler.
Não obstante, merecem um breve comentário.
«O reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra». A média actual dos activos agrícolas nos países da CEE é de 8%. Em Portugal é superior a 20%. Na região do Alentejo - que constitui, como se sabe, mais de 70% da área de intervenção da reforma agrária - era, em 1981, da ordem dos 31%. Hoje em dia, tendo decrescido, ainda estará acima da média nacional, o que é, no contexto comunitário, uma discrepância e um excesso.
É certo que em vastas zonas do Alentejo já se clama contra o que chamam o «risco de desertificação humana» e, para o esconjurar, diz-se que se preparam programas de desenvolvimento da larga comparticipação financeira da CEE.
Mas é duvidoso que se pretenda, efectivamente, suster a sangria demográfica da região e do seu meio rural. Isto porque se não vê que actividades não agrícolas possam oferecer aí, a curto prazo, novos empregos em volume significativo e também porque, se fosse verdadeiro o receio de tal «desertificação humana», haveria uma solução relativamente eficaz à qual se não quis recorrer - cumprindo a Lei n. º 77/77. Assim sendo, não só não foram apoiadas as cooperativas agrícolas como agora também no plano legal se podem criar condições que conduzam à sua supressão total.

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Só, pois, por ironia se pode propor como objectivo da política agrária «o reforço e o aperfeiçoamento da ligação dos homens à terra». Que homens, e a que terra? Não posso deixar de perguntar neste momento.
Também no que respeita ao fomento agrário, o artigo 7.º da proposta de lei consagra, no essencial, a reprodução do artigo 7.º da Lei n.º 77/77, com uma diferença no conteúdo da alínea c), que na actual lei é completada assim: «[...], com vista à igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores.»
Abandonada pela proposta em debate esta meta igualitária, sobrevive, no entanto, um excelente propósito: melhorar a situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores.
Daquela lei para a actual proposta foi suprimida, em matéria de fomento agrário, a totalidade das «finalidades especiais» (artigo 7.º e seguintes da Lei n.º 77/77) que versam matérias importantes, como sejam a valorização sócio-cultural e económica das comunidades rurais, a preservação de estabelecimentos agrícolas complementares de agregados urbanos, o desenvolvimento da agricultura, a preparação, em dadas circunstâncias, de políticas unificadas por produtos.
A omissão mais importante é, porém, a dos chamados «meios de fomento» que constam na Lei n.º 77/77 e que, ao menos no plano lógico, conferem operacionalidade ao próprio fomento agrário. Agora passa-se - passar-se-á - directamente do enunciado das finalidades do fomento agrário para um rol de medidas e de iniciativas de incidência nas empresas e na actividade agrícola em geral, cuja ligação com as finalidades desse mesmo fomento não é explícita nem clara. Bem vistas as coisas, é duvidosa a existência de qualquer relação intencional, de sentido positivo, entre os supostos meios e aquelas finalidades. É que, para além da ausência de qualificação expressa das diversas medidas e iniciativas de incentivo das actividades empresariais e de integração do sector, como meios de fomento, há outra omissão de maior significado. Trata-se da falta de nomeação dos beneficiários das medidas incentivadoras e da posição relativa que as diferentes categorias deles ocupam no acesso aos apoios em que elas se traduzem, aspectos que, muito claramente, constam na Lei n.º 77/77.

O Sr. António Barreto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Também se não contribuirá para «melhorar a situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores» se a essas categorias sócio-profissionais não for conferida nenhuma prioridade no acesso aos meios de fomento. Como pretenderá o Governo, por acção da nova lei, melhorar as condições relativas de vida da população mais pobre do sector se lhe não reserva nenhum apoio específico?
Somente pelo efeito de uma tal intenção vir expressa num texto legal?
Não nos parece que seja correcto copiar da lei em vigor as finalidades do fomento agrário, sem dúvida justas, e transformá-las numa espécie de slogan vistoso mas completamente vazio de sentido. Lamentavelmente, é isso que se passa, com a proposta de lei em discussão.

O Sr. António Barreto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É no entanto em matéria de reestruturação agrária que residem os verdadeiros motivos que levaram o Governo a esta sua iniciativa legislativa, o que, em si mesmo, não é reprovável. Se bem que a reforma agrária seja um processo que envolve mudanças na globalidade das estruturas agrárias, é natural que se comece pela estrutura fundiária e que num Estado de direito a sua intervenção se faça sentir, antes de mais, no plano legal.
O que importa é conhecer a natureza e o sentido das modificações que pretendem imprimir-se na organização da propriedade e posse da terra, tomando como indicadores as alterações mais significativas que a proposta de lei pretende no que sobre a matéria dispõe a Lei n.º 77/77.
As mais relevantes de todas são o alargamento da pontuação das reservas, o critério do respectivo cálculo, a supressão do conceito de absentista e a abolição do tratamento unitário dos indivisos.
O n.º l do artigo 15.º da proposta de lei estipula que «o direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos». A Lei n. º 77/77 estabelece um regime geral de
70 000 pontos e, supletivamente, sempre que se não verifiquem as condições mais comuns de utilização das terras, designadamente, os titulares dos respectivos direitos as não explorem directamente, uma área de reserva equivalente a 35 000 pontos. Embora não expressamente nomeado, os absentistas são contemplados na «lei Barreto» com áreas correspondentes a 35 000 pontos.
A Lei n. º 77/77 aumentou para 70 000 pontos a pontuação de 50 000 pontos fixada para as reservas pelo Decreto-Lei n.º 406-A/75, de 29 de Julho, por ela expressamente revogado, com excepção das tabelas de pontuação aprovadas no seu âmbito. Todavia, a variação de 50 000 pontos para 70 000 pontos era, em termos de dimensão fundiária, mais do que proporcional, dado que no cálculo da pontuação, ao abrigo da Lei n.º 77/77, é passível de exclusão em conjunto importante de benfeitorias que ao abrigo da legislação anterior contava para esse efeito.
Agora a pontuação passa de 70 000 pontos para 91 000 pontos, sendo eliminadas as majorações previstas no artigo 28.º da Lei n.º 77/77.
Na realidade, todos os reservatários, sejam ou não exploradores directos, passam a ter direito ao máximo de majorações. Os direitos de reserva dos chamados absentistas passam de 35 000 para 91 000 pontos.
Simultaneamente, são alargadas as benfeitorias, que deixam de poder ser incluídas na cálculo das pontuações (artigo 15.º da proposta de lei).
A área mínima expropriável passa de 30 ha para 60 ha e os limites máximos das áreas de reserva (700 ha, 500 ha e 350 ha, consoante as categorias de solos) deixam de existir.
Mantém-se a inexpropriabilidade de prédios rústicos, independentemente da área e pontuação, que pertençam a agricultores autónomos, cooperativas agrícolas e determinadas instituições particulares e passa a ser considerada não expropriável a área excedentária da reserva cuja pontuação seja inferior à mínima que vier a ser fixada para a entrega para exploração de prédios nacionalizados e expropriados.
Tais excedentes serão incorporados nas respectivas reservas.

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Como, nos termos do artigo 38.º da proposta de lei, o Ministro da Agricultura terá competência para fixar «a área dos prédios que serão afectos a cada estabelecimento agrícola» os limites a este poder discricionário são igualmente discricionários, conforme decorre do artigo 40.º da proposta de lei para efeitos da entrega para exploração, que o mesmo é dizer: na prática deixa de haver limites legais para as reservas. Todo o excedente - se houver algum - terá uma área que o Ministro pode considerar inferior à que, naquele caso concreto, deve ser entregue para exploração e, por isso, deixa de ser expropriável.
Todas estas inovações são aplicáveis aos casos em que as reservas não tenham sido requeridas ao abrigo da legislação anterior ou cujo requerimento tenha sido extemporâneo e também às que já foram demarcadas, dependendo essa aplicação de simples requerimento dos interessados até 90 dias após a entrada em vigor da nova lei.
Este efeito, retroactivo do direito de reserva, conjugado com a reversão dos prédios rústicos expropriados que se encontrem na posse material, na posse útil ou na simples detenção dos seus anteriores titulares ou de quem lhes haja sucedido, com o reconhecimento da eficácia dos actos e contratos praticados até ao início do processo de expropriação, com a atribuição dos frutos pendentes aos titulares do direito de reserva e não a quem os tenha eventualmente produzido, tudo isso acrescentado ao alargamento dos limites das reservas e à multiplicação do seu número, significa que o Governo pretende reabrir o processo de reorganização da posse da terra, na sua globalidade, indiferente à justiça social e ao bem comum e, por conseguinte, indiferente também à insegurança, à instabilidade e mesmo aos conflitos que, inevitavelmente se reacenderão na zona de intervenção da reforma agrária.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Da aplicação de todas estas medidas e da generalidade das que a proposta de lei contém, quantos hectares de terra expropriável e expropriada sobrarão?
Quantos pequenos e médios agricultores ficarão de imediato (ou a curtíssimo prazo) desapossados das terras estatais que exploram?
Quantos trabalhadores rurais ficarão desempregados?
A quanto vão montar os subsídios de desemprego que, necessariamente, terão de ser concedidos?
Quantos portugueses serão forçados a abandonar as suas terras e as suas famílias à procura de trabalho e onde o encontrarão?
Que direitos de cidadania serão efectivamente negados a esses trabalhadores?
Que deveres e sentimentos de solidariedade social e nacional estão sendo postergados pelos próprios órgãos de soberania? Em nome de quê? A que concepção de direito obedece a proposta de lei do Governo?
Que proposta de lei de bases da reforma agrária, como o Governo lhe chama, é, afinal, esta?
Qualquer reflexão sobre o destino das áreas nacionalizadas e expropriadas é, porquanto já se apurou, especulação de pouco ou nenhum sentido. A Lei n.º 77/77 nomeia os destinatários da entrega para exploração: «os prédios expropriados ou nacionalizados são entregues para exploração a pequenos agricultores, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores» (artigo 50.º). A proposta de lei em discussão escusa-se a essa ou qualquer outra nomeação. Admite-se que o Governo tem razões para supor que da revisão da Constituição vai sair modificada ou substituída por outra a actual tipologia dos destinatários das terras expropriadas e que é mais prudente uma disposição remissiva agora do que o risco da desactualização do seu conteúdo em consequência dessas modificações na lei fundamental. Estará isto correcto? A resposta não deve tardar.
Mas, se se tratasse de uma medida de prudência relativamente a um incerto futuro próximo, então que oportunidade teria, neste momento, a apresentação de uma proposta de lei de bases da reforma agrária? Não seria aconselhável esperar pelo fim da revisão da Constituição?

O Sr. António Barreto (PS): - Sim!

O Orador: - De qualquer forma, resulta claro que este Governo não é capaz de assumir a salvaguarda dos direitos dos pequenos e médios agricultores.

O Sr. António Barreto (PS): - Apoiado!

O Orador: - Também, agora, se pode ver melhor como a inclusão da promoção do associativismo e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores entre as finalidades do fomento agrário desta proposta de lei não passa de um slogan vistoso mas sem qualquer conteúdo.
Porque assim é, desnecessário se torna dizer quem está ou não em condições de receber, para exploração, terras nacionalizadas e expropriadas na zona de intervenção da reforma agrária. Não vai haver terras para entregar!
Quanto aos direitos dos beneficiários das terras já entregues para exploração, o Governo propõe-se respeitá-los, desde que regularmente constituídos como tais por acto administrativo expresso.
Os sucessivos governos, contrariando a legislação em vigor, se recusaram a regularizar um sem número de situações de facto; os sujeitos nelas envolvidos verão definitivamente prejudicados os seus direitos.
Como já tive oportunidade de referir nesta Câmara, das 313 cooperativas agrícolas de produção que parece que existem na zona de intervenção da reforma agrária, só 23 conseguiram celebrar com o Estado contratos de arrendamento de terras. As terras estatais exploradas pelas restantes ficam, assim, imediatamente disponíveis para o exercício dos novos direitos de reserva.
Estando já regularizadas as situações, a atribuição das respectivas reservas fica condicionada à concordância dos beneficiários em trocarem por outras, do Estado, as terras que explorem ou, então, à celebração de contratos entre beneficiários e titulares dos direitos de reserva mediante os quais aqueles possam manter a posse útil das áreas de exploração. Não se sabe que contratos serão esses. Presume-se que sejam contratos de arrendamento rural ao abrigo da lei do arrendamento rural.
Poder-se-ia supor que a proposta de lei do Governo quanto à reforma agrária não visa mais do que assegurar os direitos de exploração formalmente adquiri-

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dos por agricultores autónomos (muitos não o eram) e algumas - poucas - cooperativas agrícolas de produção ao longo dos anos.
Mas mesmo isso é incerto e está equacionado de tal modo que, provavelmente, virá a desencadear um conflito de interesses entre os agricultores a quem foram entregues terras para exploração e os reservatários ainsiosos de as receberem de volta em propriedade plena.
A transigirem os mais fracos, como é natural que suceda - as pressões de vária ordem irão encaminhando os problemas para a solução constituída pela transparência do vínculo contratual do Estado para os titulares das reservas -, se isso acontecer, a marginalização total dos agricultores rendeiros passa a ser uma questão de curto prazo. Se acederem na substituição de um senhorio por outro passará a ganhar plena justificação e eficácia o injusto regime de rescisão contratual consignado na Lei do Arrendamento Rural.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: De tudo quanto fica descrito e do mais que se poderia afirmar e que pode ser já desnecessário e por limitações de tempo se não diz, pode e deve concluir-se termino, portanto, com duas conclusões:

1) O teor desta iniciativa legislativa do Governo tem um conteúdo e um sentido diametralmente opostos, tanto no ponto de vista dos conceitos como da expressão, ao consagrado na Constituição da República Portuguesa;
2) A proposta de lei n.º 31/V - Lei de Bases da Reforma Agrária - foi apresentada pelo Governo a esta Assembleia sob um título falso.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados António Matos, Luís Capoulas e José Manuel Casqueiro.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Matos.

O Sr. António Matos (PSD): - Sr. Deputado Hermínio Martinho, na intervenção que produziu, V. Ex.ª referiu que estariam excluídas desta lei as cooperativas agrícolas de produção. O Sr. Deputado desconhece que não era necessário estarem referidas na lei as cooperativas agrícolas de produção, uma vez que pela simples designação de «cooperativas» estão contempladas no Código Cooperativo?
Devem apenas referir-se as cooperativas complementares de produção, na medida em que estas não estão incluídas no Código Cooperativo. Assim, estão isentas de expropriações e são passíveis de distribuição de terras para exploração.
Outra questão diz respeito àquilo que o Sr. Deputado referiu quanto à falta de nomeação de beneficiário de terras para exploração. O Sr. Deputado desconhece que esses beneficiários estão perfeitamente definidos na Constituição, pelo que também não seria necessário estar a referi-los? Cabe aqui também perguntar se a Constituição vos serve para umas coisas mas para outras já não vos serve!
Além destas duas questões, notei uma diferença de perspectivas muito grande durante a intervenção do Sr. Deputado, em que muito se ouviu falar de agricultores. Na realidade, temos uma perspectiva diferente quanto a esta questãoo: entendemos que a ligação do homem à terra se deve fazer por intermédio dos verdadeiros e reais empresários agrícolas, sejam eles de q tipo forem. E, quando se trata de verdadeiros empresários agrícolas, podemos dizer que quem utiliza a ter o faz correctamente e não segundo formas ocultas quiçá, fraudulentas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Hermínio Marinho, deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado Hermínio Martinho, ao ouvir o discurso que produziu lembrei-me daquele tom do «choradinho» típico do nosso agricultor do passado para quem tudo é pessimismo: se chove, é porque chove, e se faz sol, é pó que faz sol.
O que a conjuntura que hoje temos pela frente in põe é realmente um espírito empresarial, é a assunção de riscos. Portanto, não deixei de notar a contradição entre esse tom, essa lamentação, e aquilo que hoje nos espera e que temos de enfrentar!
Na intervenção do Sr. Deputado houve um aspecto que, em particular, me tocou, porque, descrevendo vários trechos da proposta de lei, V. Ex.ª disse que o diploma não salvaguarda os direitos dos pequenos e médios agricultores. Irei ler apenas o teor do artigo 28.º da actual proposta de lei e o n. º 7 do artigo 36.º d Lei n.º 77/77, e gostaria que o Sr. Deputado dissesse onde é que estão melhor salvaguardados os direitos de pequenos e médios agricultores.
O artigo 28.º da proposta de lei em debate é do seguinte teor:
Reservas em áreas entregues pura exploração

1 - Os beneficiários da entrega em exploração de áreas nacionalizadas ou expropriadas, desde que regularmente constituídos como tais por acto
administrativo expresso, mantêm os seus direitos relativos a essas áreas.
2 - Não podem ser atribuídas reservas nem reverter prédios nas áreas referidas no n.º l, salva-se:
a) Os beneficiários concordaram na transferencia da sua área de exploração para outros terrenos do Estado;
b) Os beneficiários e os titulares do direito de reserva celebrarem entre si contrato pelo qual aqueles mantenham a posse útil da área de exploração.

O n.º 7 do artigo 36.º da Lei n.º 77/77 refere que «se a reserva abranger áreas já entregues para exploração, extingue-se o direito a essa exploração».
Sr. Deputado Hermínio Martinho, podemos divergir partidariamente, podemos ter, e temos, projectos e modelos distintos. Porém, o que não é lícito é mistificar as questões, dizer o que não está dito e negar o pretendido

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que está no branco e bem claro para todos os portugueses e para todos os pequenos e médios agricultores que nos estão a ouvir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro.

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Presidente, prescindo da palavra porque o PRD não dispõe de tempo para responder.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Srs. Deputados, agradeço os pedidos de esclarecimento que me foram feitos e tentarei utilizar o minuto de que disponho para responder às questões que me foram colocadas.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado António de Matos, o que lhe posso dizer é que, perante uma lei como a que temos em vigor, em que expressamente vêm referidas as cooperativas agrícolas e o que deveria ser o comportamento do Governo em relação a elas - e todos nós sabemos qual foi o comportamento do Governo -, tenho as maiores reservas, falei várias vezes em dúvidas, sobre qual o comportamento futuro do Governo e aquilo que antecede esta proposta de lei, uma vez que nem sequer as cooperativas agrícolas são referidas.
O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Não tenho tempo para lhe responder, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Mas é apenas para dar-lhe um esclarecimento, Sr. Deputado.

O Orador: - Então, faca favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Deputado, aquando da elaboração da Lei n.º 77/77, ainda não havia o Código Cooperativo e, portanto, era juridicamente necessário fazer essas definições. Hoje, uma vez que há Código Cooperativo, juridicamente já não é necessário fazer essas definições. Aliás, foram os juristas que o compuseram que disseram que as cooperativas agrícolas ficavam automaticamente incluídas ...

Vozes do PS: - Maus juristas!

O Orador: - ... e que só era necessário fazer referência àquelas que não existiam. Esta é uma questão técnica que nada tem a ver com as declarações que o Sr. Deputado fez sobre a questão da ausência desta expressão.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Agradeço-lhe a explicação, Sr. Ministro. No entanto, juristas avalizados estão a dizer-me que isso foi aconselhado por maus juristas. Aliás, eu, que conheço razoavelmente bem o Código Cooperativo, já me tinha apercebido disso ao ler a lei - e não só em relação a este aspecto. De qualquer forma, vamos aguardar pelo futuro. Os factos concretos, como os que estamos agora a viver em relação à situação actual e à não aplicação da Lei n.º 77/77, é que são os que devem contar.
Quanto à outra questão colocada pelo Sr. Deputado António de Matos, relativa aos beneficiários, fico a saber que, se eles estão referidos no texto da Constituição, então o PSD não está interessados em alterar esse texto no que se refere a esta questão. É a conclusão lógica que tenho de tirar e com todo o prazer.

Aplausos do Sr. Deputado Carlos Lilaia.

Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Capoulas, devo dizer-lhe que, sempre que senti vontade de chorar, não hesitei nem tive receio disso. De qualquer forma, eu, que também sou agricultor e tenho muito prazer nisso ...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Tem cavalos mesmo!

O Orador: - E não só, Sr. Deputado!
Como estava a dizer, eu, que também sou agricultor e tenho muito prazer nisso, gostaria de referir-lhe que, perante as perspectivas que, com a entrada em vigor desta lei, se vão abrir, de regresso, em muitos aspectos, ao 24 de Abril, depois ver-se-ão quais os agricultores que querem regressar ao passado e quais os que estão preocupados com o futuro.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Voltar ao passado não é possível!

O Orador: - Eu pensava que não, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - E sobre a questão dos pequenos e médios agricultores?

O Orador: - Em relação à questão dos pequenos e médios agricultores, colocada pelo Sr. Deputado Luís Capoulas, poderia referir muitos factos, inclusive terras entregues pelo actual Governo a pequenos e médios agricultores, com a actual lei, e que, de imediato, foram retiradas para entrega de reservas. No entanto, limitei-me, apenas, a duvidar e a referir que acompanharei de muito perto o comportamento do Governo neste aspecto, porque há muitos pequenos e médios agricultores que sabem fazer agricultura e que querem a terra. Ficarei muito satisfeito se, mais tarde, lhe puder vir a dar razão, Sr. Deputado Luís Capoulas.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Vice-Presidente Marques Júnior o favor de me substituir durante alguns momentos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A discussão que estamos travando separa este hemiciclo em dois campos claramente distintos mas, por vezes, dificilmente identificáveis. De um lado, os que teimam em acreditar, num estado de espírito revivalista, até com alguns laivos de ridículo, que a revolução dos anos 75

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ainda pode ser renascida e, consequentemente, tal como nesse tempo, teimam em aproveitar-se da agricultura e dos agricultores como instrumentos postos ao serviço da construção do Estado socialista - e há os que o fazem conscientemente e os que inconscientemente acabam por aderir a estes princípios.
De outro lado, os que, muito simplesmente, entendem que a agricultura é um sector económico vital no nosso país, é um sector prioritário, é um sector em que a nova revolução passa não pelas velhas expropriações mas pela revolução da modernidade, do investimento e da segurança.
O País está dividido entre aqueles que não se importam e pensam que é normal que o País esteja dividido em dois, ou seja, entre a zona de intervenção da reforma agrária e o resto, que não se importam e que não estranham que a dimensão da terra ainda seja um motivo fundamental para justificar expropriações e não o seu uso, que não se incomodam em ver 30 ou 40 ha de regadio inaproveitados mas que se incomodam se virem 400 ou 500 ha convenientemente explorados e a funcionar em termos correctos, desde que ultrapassem o limite «mágico» dos 91 000 pontos, aqueles que, enfim, continuam a pôr, já não até interesses ideológicos, mas interesses mais comezinhos de influência partidária acima do que entendemos ser, neste momento, os interesses não apenas da economia portuguesa mas do próprio país.
É óbvio que este era o debate que se devia fazer em sede de revisão constitucional, tal como o CDS tem dito uma e outra vezes, pois era nessa sede que estes consensos se deveriam obter, e só então, posteriormente, entrar-se nas reformas de fundo de uma maneira mais clara e sem sobressaltos. Não foi assim, pois o Governo entendeu que também neste sector não deveria ser assim. De qualquer forma, não se vê razão para que, em sede de revisão constitucional, se defenda uma posição e aqui se defenda uma outra; não se vê razão para que, em sede de revisão constitucional, se entenda que se deve acabar com a reforma agrária, tal como ela está na Constituição, e aqui se vote contra esta proposta de lei, por forma a manter a reforma agrária na Constituição. Não se entenderia, pois, essa dicotomia e essa dualidade de posições.
Este é, para nós, um aspecto importante e que, mais uma vez, na prática nos leva a contrariar aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro há pouco tempo dizia, ou seja, que a posição do CDS é de maledicência e de crítica permanentes. Este é mais um exemplo de que assim não é, uma vez que, perante esta proposta de lei, o CDS assume uma posição - aliás, tal como noutras propostas de lei - de meridiana clareza, que não se fica pela crítica. Já tivemos, aliás, ocasião de dizer - e vamos repetir - que entendemos que esta proposta de lei é um equilíbrio inteligente entre aquilo que a Constituição possibilita e o que o Governo e o partido maioritário prometeram ao eleitorado no seu Programa.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Até que enfim!

O Orador: - Se me perguntam se era esta a nossa lei, digo que não, obviamente, e vamos demonstrá-lo! mas não é menos certo que há uma tentativa de dar um passo em frente, de ultrapassar velhos tabus e de encarar com seriedade esta problemática. Aliás, não era diferente a tentativa de encarar com serenidade esta
problemática quando o engenheiro Lopes Cardoso, nos anos 76, era apelidado de fascista, nesta tribuna, por querer pôr alguma ordem no Ministério da Agricultura; nem foi também pela mesma falta de coragem que o Sr. Dr. António Barreto fez a Lei n. º 77/77, que não votámos favoravelmente porque ia contra os nossos princípios, embora não tenhamos deixado de dizer que era um acto de coragem que lhe custou ter o seu nome nas paredes de todo o País. Agora, também é um acto de coragem, e seria útil, que alguns dos que souberam ter coragem nesse tempo assumissem agora essa mesma coragem!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está realmente em causa nesta proposta de lei é o equilíbrio. Trata-se de um equilíbrio inteligente, é uma filigrana jurídica que foi feita, e daí um primeiro aviso: esse equilíbrio pode ser facilmente alterado, por isso esta proposta de lei não deve ser vista com leviandade. Qualquer alteração que não seja ponderada pode desvirtuar completamente o pensamento político da lei e transformar aquilo que entendemos ser uma boa lei e uma boa iniciativa numa má lei e numa péssima iniciativa.
Entendemos, pois, que há um núcleo de princípios que não deve ser alterado nesta proposta de lei, uma vez que fazer isso pode modificar completamente a estrutura e as intenções do Governo. São eles os seguintes: em primeiro lugar, a pontuação. Houve um aumento da pontuação de 70 000 para 91 000 pontos; no entanto, não temos conhecimento de qual a razão deste último número, pois, como sabemos, a Lei n.º 77/77, com as majorações, em alguns casos, ia facilmente aos 120 000 pontos. De qualquer forma, há um progresso de 70 000 para 91 000 pontos e há também outras razões que nos levam a considerar este aumento como um progresso que, como tal, deve ser considerado.
O segundo aspecto tem a ver com a despontuação dos povoamentos florestais entendidos como abrangendo os montados, considerando-se estes, muito justamente, como benfeitorias. Pensamos que este é um dos pontos críticos desta lei, pois alterando-se esta despontuação, a lei, através da alteração das pontuações máximas, ficava, em nosso entender, profundamente desvirtuada.
O terceiro aspecto que gostaria de referir tem a ver com a cessação da gravíssima injustiça - desde sempre o dissemos - em que até agora se encontravam os titulares dos célebres indivisos. Pensamos que esta lei trata com correcção esta matéria, quer no que respeita à herança indivisa, quer no que respeita à contitularidade.
No que toca às sociedades, entendemos que é possível melhorar esta proposta de lei sobretudo do ponto de vista jurídico, e damos claramente o nosso acordo ao parecer do Prof. Queiró, que o Sr. Ministro referiu. Entendemos que é melindroso confundir património social com património dos sócios e, quanto a este aspecto, pensamos que há duas soluções: ou a reserva dos sócios acresce à reserva das sociedades ou, então, há que alterar a pontuação das próprias reservas das sociedades.

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Gostaria ainda de referir mais dois aspectos que, entendemos, devem constituir um núcleo que não deve merecer alterações. Um deles é a reversão das expropriações que, no nosso entender, é uma medida de inteira justiça. Não se entende que terra que foi expropriada ou nacionalizada, que se encontrava na posse dos seus antigos titulares e que nenhum governo teve a coragem de expropriar - e tenho para num que nenhum governo teria a coragem de expropriar, porque isso era contra os interesses de quem trabalhava essa terra - continue expropriada ou nacionalizada. Aliás, falo em nacionalização mas, infelizmente, a lei não abrange as nacionalizações do Decreto-Lei n.º 406/75, e é pena que assim seja, mas compreende-se, uma vez que motivos de flagrante inconstitucionalidade o impediriam.
De qualquer modo, é injusto manter uma situação que não serve a ninguém: não serve a quem está a explorar a terra; não serve ao Estado nem aos mais elementares princípios éticos. Daí que a reversibilidade, tal como surge na proposta de lei, deve ser acatada e mantida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, o outro aspecto que gostaria de referir é o direito de reserva como direito de propriedade novo. É óbvio que o direito de reserva é um novo direito de propriedade. O Sr. Deputado Almeida Santos ainda hoje, aqui, o provou quando perguntou como é possível que, tendo as expropriações e as nacionalizações obrigado a que os bens passem para o domínio do Estado, mantendo o direito de propriedade anterior, se venha agora dizer que o direito de reserva não é um direito de propriedade novo. Obviamente que o é, e devem extrair-se daí as conclusões necessárias à novidade desse direito.
Estes são, para nós, o conjunto de aspectos fundamentais desta lei, cuja alteração, em nosso entender, desvirtuaria a proposta de lei e nos levaria a tomar uma posição bastante contrária àquela que comecei por anunciar, ou seja, aquela que nos levaria a rejeitar a proposta de lei.
Vou passar a referir alguns aspectos negativos desta lei em que o CDS admitiria e comparticiparia em alterações, se assim fosse entendido. Obviamente, tal como comecei por dizer, esta não é a nossa lei. A nossa posição é clara: o que há para ser feito deveria sê-lo em sede de revisão constitucional. Dissemos que não havia nenhum motivo para que a reforma agrária se mantivesse na Constituição e não se entende que tal seja motivo de espanto.
As pessoas que em relação ao sector da nossa indústria e do nosso comércio não vêem qualquer problema em considerar a iniciativa privada como motor do desenvolvimento têm aversão a que o mesmo seja feito na agricultura e só numa parte do País. Porém, não têm qualquer aversão a que isso seja feito no Centro, no Norte, no Algarve, mas na zona de intervenção da reforma agrária aqui
d'el-rei que a iniciativa privada não pode ser mola dinamizadora do progresso do sector agrícola, porque isso é violar não sei, francamente, que princípios éticos, morais e sociais ... O que sei, isso sim, é que iria violar algumas zonas de influência partidária.
Em relação a estes aspectos, entendemos que esta não seria a lei que o Ministro Álvaro Barreto aqui apresentaria se a revisão constitucional fosse outra. Fazemos-lhe esta justiça!
De qualquer forma, pensamos que alguns aspectos poderiam ser considerados. Em primeiro lugar, há nesta lei uma prevalência quase absoluta dos interesses dos beneficiários da entrega/exploração de áreas nacionalizadas ou expropriadas em relação aos direitos dos reservatários.
Sabemos que esta é uma matéria difícil de abordar politicamente, mas não nos escusamos a fazê-lo e com total frontalidade. É evidente que há uma tentativa de dizer que uns são fracos e os outros são fortes, há uma tentativa de dizer «coitadinhos dos pequenos, meu Deus, vão prejudicá-los!» É esse o argumento dos que teimam em dizer que quem defende a liberdade da iniciativa na agricultura está, obviamente, no campo da injustiça social e quem defende a estatização está no campo da justiça social. Ora, isso é uma mentira clara que o presente se encarrega de demonstrar e que, infelizmente, o futuro também se encarregará de continuar a fazê-lo.
Mas, dizia eu, em relação a esta matéria, o que é que acontece? Acontece que os titulares de um direito de reserva são entidades que já foram expropriadas, são entidades que viram os seus prédios expropriados e a quem o Estado entrega o direito de reserva. Pergunto aos Srs. Deputados, nomeadamente aos da maioria, se é justo que sobre este direito de reserva recaia uma segunda expropriação. É justo que este direito de reserva não possa ser exercido porque há um conflito entre os titulares do direito de beneficiar de explorações directas?
Ninguém quer prejudicar os interesses desses titulares. Só que entendemos que a resolução desses interesses não deve ser feita à custa dos reservatários mas, sim, à custa do Estado, que distribuiu terra que não lhe pertencia e que não podia ter sido distribuída. Este foi um facto que muitas vezes, demagogicamente, criou problemas a quem distribuiu a terra e a quem ficou a trabalhar nela sem ter, sequer, um justo título. E nós sabemos que houve terra que foi distribuída e que nem sequer tinha sido expropriada ou nacionalizada!
É óbvio que se pergunta por que é que hão-de ser os reservatários, que já viram os seus bens expropriados ou nacionalizados, a ter de suportar ainda este conflito de interesses. Por que é que o Estado não os resolve? Por que é que não indemniza a quem deu a terra indevidamente, sem prever que essa terra poderia ter de ser devolvida a quem tinha o direito de propriedade sobre ela?
Um segundo aspecto, que também consideramos essencial, tem a ver com o regime compensatório.
O decreto-lei sobre as indemnizações é uma vergonha. É um decreto-lei que, em nosso entender, apenas visa a legalização do esbulho, é um decreto-lei que indemniza com base em valores de 1974 e de 1975, o que consideramos ser, por essa razão, um critério claramente imoral. Enquanto as indemnizações eram provisórias, ainda se podia admitir isso, mas com indemnizações definitivas é um critério de total imoralidade! No entanto, há um aspecto ainda mais imoral: por que é que as requisições que incidiram sobre bens móveis (gados, alfaias, maquinarias, utensílios, etc.) têm de ser

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indemnizadas segundo lei especial? Por que é que, ao menos aí, a indemnização não é dada pelo valor real dos bens?
Outros pontos haveria a explanar, mas estes dois são para nós fundamentais e estamos abertos a que lhe sejam introduzidas alterações.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Termino a minha intervenção dizendo que, em meu entender e no entender do meu partido, a agricultura portuguesa está a ter as suas últimas oportunidades de ser um sector viável.
Esgotados os fundos estruturais, se não aumentamos a nossa produtividade em condições de fazer face à produtividade de agriculturas muito mais competitivas do que a nossa, tristes tempos virão para os agricultores portugueses e, então, não chegarão os slogans políticos para abafar as responsabilidades de cada um.
Não gostaria de terminar dizendo «tenho pena do Alentejo»; só tenho pena, e digo-o francamente, se nós todos não tivermos uma noção clara e desapaixonada desta problemática. Só receio não vir a ter pena da agricultura e dos agricultores portugueses.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para pedir esclarecimentos, está inscrito o Sr. Deputado Armando Cunha. Porém, o CDS já não dispõe de tempo.

Pausa.

Entretanto, como o PSD acaba de ceder um minuto ao CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Procurarei ser rápido, pois só pretendo fazer duas perguntas ao Sr. Deputado Basílio Horta.
V. Ex.ª afirmou que o Sr. Deputado Almeida Santos demonstrou aqui que o direito de propriedade agora conferido por esta proposta de lei teria de ser um direito novo. Então, V. Ex.ª já se esqueceu de que um direito de propriedade
transfere-se através de uma expropriação ou através da concessão de uma reserva e traduz-se no resultado de um acto que apenas transfere direitos e não os cria?! V. Ex.ª desconhece o que há de diferente entre o direito de propriedade originário e o direito de propriedade resultante de uma transmissão? Com certeza que não desconhece ou, então, esteve a brincar connosco!

Risos do PSD e do PS.

Quanto ao segundo aspecto, V. Ex.ª disse que tudo se devia devolver através da reversão ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Era melhor ler a proposta do Governo!

O Orador: - Se o Sr. Deputado Narana Coissoró quer falar, inscrever-se-á, se a Mesa me autorizar, também lhe farei perguntas ou darei respostas. Agora, o que gostava é que não me interrompesse ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não o interrompi porque tenho o direito de fazer apartes!

O Orador - Um aparte, dois apartes, quantos apartes V. Ex.ª queira ...

O Sr. Presidente: - Queira continuar, Sr. Deputado Armando Cunha.

O Orador: - O Sr. Deputado disse ainda que não é legítimo que aqueles que têm uma reserva de rendeiro demarcada em propriedades de que outros eram titulares se mantenham lá, não tendo o antigo proprietário acesso a essas terras. Por isso, pergunto-lhe: como é que V. Ex.ª concilia esse direito de reversão, de que resulta o desalojamento desses rendeiros, com a protecção dos pequenos e médios agricultores?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar e dispondo apenas de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Em primeiro lugar, quero agradecer ao Sr. Deputado Armando Cunha o obséquio de não me ter interpelado sobre a acentuação das palavras, porque quanto a isso não saberia responder-lhe. Felizmente colocou-me questões em que talvez possa dar-lhe um auxílio.
Ora, o que quero dizer-lhe é que quem andou a brincar consigo não fui eu, foi o Governo. É o seu Governo que, no artigo 14.º, diz o seguinte: «A concessão do direito de reserva implica, para todos os efeitos, a constituição de um novo direito privado, nos termos da lei civil.»

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E esta, hem!

O Orador: - O seu Governo -e está ali o Sr. Ministro - não andou nada a brincar, porque se trata mesmo de um novo direito de propriedade. Obviamente, tem toda a razão!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Um novo direito não é um direito novo!

O Orador: - Bem, é óbvio que é um novo direito de propriedade! Se V. Ex.ª acha que um novo direito de propriedade não é um direito novo, entramos num jogo de palavras e aí já não respondo porque não sei.
Quanto à questão das reservas, o Sr. Deputado vem com essa dos pequenos e médios agricultores! Nas campanhas eleitorais, V. Ex.ª pode falar nos pequenos e médios agricultores; porém, e digo-lhe com toda a franqueza, a maneira de os defender é ter explorações rentáveis! Há explorações familiares que não são nem pequenas, nem médias empresas, são grandes; há explorações cooperativas que são grandes e são úteis e, portanto, devem manter-se.
Essa história dos pequenos e médios agricultores no Alentejo é um disparate, é uma coisa bonita para dizer em campanha eleitoral mas não quando discutimos coisas sérias.
É evidente que, em termos políticos, se poderá dizer que há um aspecto social a considerar, mas não é sobre as PMEs que se baseia a política industrial e não é sobre os pequenos e médios agricultores que vamos basear uma nova política agrícola. Não é isso!

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Com toda a franqueza, Sr. Deputado, não se compreende como é que não fica chocado quando um titular do direito de propriedade que foi expropriado e a quem foi atribuído um direito de reserva, que teve o azar de a sua propriedade ter sido dada em exploração a alguns pequenos e médios agricultores - usando a sua terminologia -, não pode exercer o seu direito de reserva. Isso não o choca, quando o proprietário ao lado não teve esse azar e exerce o seu direito de reserva? Um tem 91 000 pontos e o outro não tem nada! Com que direito? Isso não o choca, Sr. Deputado!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Teorias e princípios político-económicos que servem e se justificam a si mesmos, esquecendo o homem, seja ele quem seja, esteja ele onde estiver, a esses princípios e a essas teorias pode-se-lhe aplicar a imagem da serpente que morde a sua própria cauda.
A macroeconomia só serve se não for incompatível com cada um dos micromundos onde o homem, na sua individualidade e na sua pequena comunidade, vive e actua.
Desmantelar a reforma agrária em nome de quê? Da sua incompatibilidade com a divisão inernacional do trabalho e das produções diferenciadas determinadas burocraticamente por um pretenso racionalismo tecnocrático? E mesmo assim a demonstração de inviabilidade teria de ser feita.
Então, em nome de que princípios se pretende actuar? Em nome de um reordenamento político das diferentes regiões deste país? Ou será só em nome de uma teoria económica respeitadora de um micromundo muito específico: aquele dos muito possuidores.
Os ecologistas não podem admitir princípios que, em nome seja do que for, forcem a desvalorização do homem.
É que não existe um modelo único de desenvolvimento, mas antes vários estilos, que deverão ser definidos a partir dos valores e tradições culturais de cada povo, dos seus recursos, das suas escolhas, da projecção das apropriações históricas e da sua movimentação.
Desenvolvimento não pode confundir-se com ter mais; é antes um processo de maturação da sociedade, que deve permitir alcançar melhores níveis de satisfação das necessidades fundamentais dos indivíduos e das suas aspirações. Traduz-se na capacidade de racionalizar recursos existentes utilizando tecnologias apropriadas. Expressa-se em diversificadas formas de organização da vida colectiva.
É que uma dimensão importante do desenvolvimento em que raramente se fala é a da equidade da partilha. Quem aproveita do crescimento económico? Quem se apropria dos benefícios do progresso que é inerente ao desenvolvimento?
As unidades colectivas de produção, para além do seu êxito económico em muitos casos, para além de outros inêxitos, muitos dos quais geridos do exterior, para além da sua vertente económica, possuem potencialidades a que Os Verdes não podem ficar alheios.
A reforma agrária, sendo uma das mais profundas e humanas transformações sociais do 25 de Abril, como acto efectivo de libertação individual e colectiva, promovendo um exercício directo da gestão pública pela comunidade, segundo princípios do cooperativismo e da solidariedade, é, na sua essência, a demonstração das capacidades e potencialidades das formas alternativas do exercício do poder pelas comunidades locais de trabalhadores assalariados.
É a corporização que o desenvolvimento pressupõe, a participação consciente e organizada da população. Não se tratando de expressar apenas uma opinião, mas de poder intervir, realmente, em todas as dimensões da vida colectiva: económica, social, cultural e política. Política que requer um empenhamento de todos nas tomadas de decisões, num quadro administrativo descentralizado, numa economia também ela descentralizada, que favoreça a multiplicidade das unidades produtoras, o desenvolvimento do cooperativismo e experiências de auto-gestão.
Daí a importância que assumem as organizações base, como as cooperativas agrícolas, no que respeita à potencialização da estrutura económico-agrícola, por um lado, e da gestão colectiva da terra pela comunidade, tendo no centro o homem e a satisfação das suas necessidades, geradora, pois, de uma nova relação (mais íntima e plena) do indivíduo com a natureza.
No Alentejo e Ribatejo, homens nas últimas décadas impuseram um determinado regime da propriedade rural, que Abril reclamou em reforma, uma decidida reforma.
Logo no início a reforma agrária proporcionou mais de 50 000 postos de trabalho, propiciando pleno emprego para os trabalhadores agrícolas sujeitos ao desemprego cíclico; aumentou a área agrícola cultivada, recuperando terras incultas onde anteriormente só abundava a caça; promoveu novas culturas; aproveitou e valorizou os recursos, nomeadamente hídricos, com a irrigação dos solos e consequente aumento da área de regadio e combate à desertificação.
Favoreceu a humanização das condições de vida, com a criação de pólos de desenvolvimento social das próprias UCPs e por elas dinamizadas, quer ao nível da habitação, instalação e creches, centros de idosos, alfabetização, construção de escolas, formas várias de cooperativismo, equipamentos colectivos, centros de saúde, etc.
Criou condições reais para a fixação das populações e consequente preservação e valorização do mundo rural em todas as suas dimensões, contrariando a tendência para o seu êxodo. Inverteu esta tendência secular de fixação no litoral à custa da desertificação do interior, contribuindo para o esbatimento das assimetrias cidade-campo.
Hoje, no Alentejo, as cooperativas têm a sua sobrevivência ameaçada.
Depois de terem experimentado grandes modificações e afrontado com coragem as novas realidades, as cooperativas agrícolas estão a debater-se com uma política governamental de contínuo desgaste da sua organização e capacidade de produção.
São devolvidos ao pousio hectares e hectares de terra, enquanto o desemprego começa a grassar, especialmente entre as mulheres e os jovens, e parte dos homens voltam a procurar trabalho fora das suas aldeias.

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Os encargos sociais são extremamente pesados, as dificuldades de acesso ao crédito são sobejamente conhecidas. A indefinição do estatuto da terra coloca os trabalhadores numa constante insegurança face ao prosseguimento do cultivo. A possibilidade de virem a perder o direito à terra é uma ameaça, tanto mais que os acórdãos do tribunal para a restituição de terras às cooperativas não são cumpridos.
A relação de entreajuda que se tinha estabelecido entre as cooperativas e os pequenos agricultores degrada-se também por falta de meios.
É evidente que as opções políticas do Governo nesta matéria assentam num modelo de desenvolvimento que não tem em atenção aquilo que existe, não tem em conta a realidade, não tem em conta a própria história.
Quem trabalha a terra exige um desenvolvimento que tenha em conta a agricultura que temos, que parta do conhecimento da realidade, que respeite as opções das pessoas, que responda à agricultura que existe: cooperativas no Sul, pequenas explorações no Norte e no centro.
O pleno aproveitamento da terra em todo o País coloca, desde já, não tanto o problema da posse da terra, mas mais o do seu uso.
A reforma agrária, a reforma da agricultura em Portugal não pode continuar a ser posta em causa.
Os Verdes entendem que, seja qual for o Governo deste País, não se pode continuar a deitar fora recursos e potencialidades humanas e a governar como se os indivíduos fossem meros instrumentos ao serviço de números ditados do exterior e aceites aqui, com a maior das subserviências. Ou não será isso?
Dividiram este país em Norte e Sul, politicamente, é claro. Pregaram a diferença total quando, de facto, longe disso estamos.
Ao Norte os pequenos proprietários; ao Sul os colectivistas! Mas a verdade não é essa. Digamo-la: em função de condições orográficas e climatéricas, ao Norte uma agricultura e um modo de vida que assenta na entreajuda e que tem longas tradições comunitárias; ao Sul poderíamos dizer que, com a eliminação recente do latifúndio, os caminhos retomam também a direcção do comunitarismo.
As grandes diferenças Norte-Sul explicam-se, sim, pelos processos históricos que ao longo dos séculos moldaram o regime de propriedade rural. E é lá, onde se vive e onde se labuta, que se constrói a vida, que se deve buscar o sentido de qualquer política. E essa acção tem necessariamente que respeitar o direito à independência real dos povos e ao seu bem-estar, o que só poderá ser alcançado através da utilização e gestão nacional e sustentada dos recursos naturais, humanos e técnicos.
Por isso, dizemos que a reforma agrária é um indiscutível contributo para o desenvolvimento da agricultura portuguesa e definidora de novos caminhos sociais, participados, solidários, onde o homem recuperou a sua dignidade humana.
Os Verdes votarão em consciência contra esta proposta de lei, porque temos a frontalidade de rejeitar modelos de desenvolvimento que já anunciam aumento de desemprego; degradação das condições de vida; estrangulamento das potencialidades criativas na construção do social; agravamento das assimetrias regionais; invasão da área agrícola pela floresta industrial, pela
eucaliptação, pelo arranque dos montados de sobro, pela subalternização da floresta de uso múltiplo, promovendo a desertificação.
Almeida Garrett perguntou um dia o que hoje convida a lembrar. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico.
Terminaria com uma das conclusões do seminário sobre o «mundo rural», organizado por diversas entidades de raiz cristã:
Empenhemo-nos cada vez mais na promoção e dignificação dos que trabalham a terra e eduquemos os mais jovens para uma participação efectiva na transformação da realidade que, tantas vezes, nos escraviza.

Aplausos de Os Verdes, do PS» do PCP, do PRD e da ID.

O Sr. Presidente (Vítor Crespo): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Parece claro que o que se discute hoje aqui não é uma nova proposta de lei de bases da reforma agrária.
A proposta de lei em apreço nada tem a ver com o desenvolvimento e a abertura de soluções para a reforma agrária em Portugal. O que esta proposta nos «propõe» é o retorno ao regime da propriedade e da fossilização latifundiária.
Duas questões primordiais se colocam, aliás, com a presente proposta de lei:
A primeira, é a adequação desta proposta aos princípios da Constituição que, mau grado os esforços, os desejos, as lamentações e a política de álibi da direita, ainda hoje nos rege.
A segunda é adquabilidade da proposta ao desenvolvimento e prosperidade da economia agrícola de vastas áreas do Sul do País.
A este propósito é oportuno relembrar que, em 1974, os 500 maiores proprietários agrícolas tinham mais terra do que os 500 000 mais pequenos.
Nos distritos de Évora, Beja, Portalegre, Castelo Branco, Santarém e Setúbal cerca de 1 % das explorações agrícolas detinham mais de 70% da área total agrícola.
Esta situação expressava um grau de concentração da terra só equiparável ao verificado nos países mais atrasados e reprimidos da América Latina, e constituía o mais pesado factor de estrangulamento económico-social desta vasta região e o mais forte travão ao desenvolvimento global da agricultura portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A orientação dos investimentos públicos, sempre em manifesto e exclusivo benefício dos latifundiários - de que as políticas de florestação e dos

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perímetros regados constituem exemplos evidentes -, o escabroso e sistemático proteccionismo aos grandes proprietários, a política conducente à interpenetração do latifúndio e do capital financeiro, o elevado grau de absentismo dos latifundiários com a consequente separação entre a propriedade fundiária, por um lado, e a produção por outro, seriam responsáveis: por centenas de milhares de hectares de terras subaproveitadas e improdutivas; ...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... por uma brutal descapitalização do sector e da região; pelo reduzidíssimo nível de investimento e intensidade da actividade económica na região; por baixíssimas remunerações, associadas ao desemprego e subemprego em massa; pelo carácter extremamente deprimido desta região no contexto da formação social portuguesa.
No conjunto dos distritos que hoje integram a denominada zona de intervenção da reforma agrária, (ZIRA) no último triénio que precedeu o 25 de Abril de 1974 não se geravam sequer 19% do produto interno bruto (PIB) do País, não obstante o desenvolvimento industrial dos concelhos não agrícolas do distrito de Setúbal.
Enquanto a nível do continente a participação do produto agrícola bruto no PIB era da ordem dos 16%, na região dos latifúndios situava-se entre os 50% e os 60%.
No conjunto destes distritos e exceptuando os concelhos da zona
urbano-industrial de Setúbal, a densidade demográfica era inferior aos 25 habitantes por quilómetro quadrado, enquanto que no resto do continente se registavam 129 habitantes por quilómetro quadrado. Apesar desta baixíssima densidade demográfica, na década que precedeu 1974 ainda tiveram de emigrar mais de 80 000 pessoas.
Vivia-se num estádio tal de subdesenvolvimento social e económico na zona do latifúndio que se tornava evidente que a transformação da estrutura da propriedade e das relações de produção dela decorrentes constituíam um imperativo social, económico e humano.
A reforma agrária mais não foi que a concretização deste imperativo. E nela se projectou e ganhou dimensão e se impôs a dignidade do homem em toda a sua plenitude.
E não se ignorando os objectivos eminentemente sócio-económicos que estiveram na origem da reforma agrária, é inegável que ela arrastou consigo alterações qualitativas nos sistemas produtivos, lançou novas culturas, aumentou o rendimento agrícola por exploração, fez crescer o investimento. E se esta revolução técnica e cultural não foi mais longe, e se não se projectou em todas as suas potencialidades foi porque a permanente ofensiva contra as UCPs/cooperativas acabou por desarticular a estrutura produtiva e retrair o investimento na maior parte destas unidades.
Não vamos aqui voltar a enunciar as muitas virtualidades da reforma agrária, sem prejuízo de reconhecermos erros. Mas valerá sempre a pena ter presente, a este respeito, os detractores da reforma agrária, aqueles que têm pretendido responsabilizá-la pelos estrangulamentos e atrasos na agricultura portuguesa. Fizeram-no quando as UCPs/cooperativas ocupavam,
então e apenas, 30% da superfície agro-florestal da ZIRA e cerca de 14% da superfície agro-florestal do continente. Continuam-no a fazer, hoje, quando as UCPs/cooperativas somente detêm cerca de 7% a 8% da superfície agro-florestal da ZIRA e à volta dos 3% da superfície agro-florestal do continente.
Que melhor exemplo de má fé, de parcialidade e de fraude revelam os que por qualquer preço pretendem liquidar a reforma agrária e reconstituir o regime de propriedade latifundiária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estamos confrontados, nesta proposta, com o monopolismo conservador e reaccionário, revelador de uma profunda pobreza de conceitos e consciência sociais, económicas e morais, que contrariam as leis das sociedades de economias modernas. Esperemos que tais conceitos não venham a vingar nem agora, nem na revisão da Constituição da República Portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Permitam-me, aliás, a este propósito, que traga a este debate o conceito de latifúndio da generalidade dos economistas agrários e dos sociólogos dos mais diversos quadrantes políticos.
Ao latifúndio estão por norma associados o desaproveitamento dos recursos, sistemas produtivos de extensivo e, consequentemente, baixa produtividade da terra, descapitalização do sector e das regiões, regiões socialmente deprimidas, no entanto, não é este estado de subdesenvolvimento que define o latifúndio (tal conceito só terá tido acolhimento até aos anos 30, terá provavelmente morrido com Lima Bastos). Este estado de coisas é uma consequência natural de um regime de propriedade que pelas suas características estruturais, sobretudo pelo regime da propriedade, propicia elevados rendimentos resultantes da vasta dimensão, mesmo com baixas produtividades por unidades de superfície.
Mas o latifúndio não pode ser desligado do regime de propriedade e dos condicionamentos dele decorrentes ao nível do poder económico e político.
Esta concepção é, aliás, acolhida pela própria Igreja: «O latifúndio é condenável porque é a terra de que o capital se apropria para crescer continuamente, para gerar sempre novos e crescentes lucros. Lucro que pode vir tanto da exploração do trabalho daqueles que perderam a terra e os meios de produção ou dos que nunca a tiveram, e que permite o enriquecimento de alguns à custa de toda a sociedade». (Conferência dos Bispos Latino-Americanos.)
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei é um predador. Extemporâneo, é certo, porque o latifúndio pertence a outra época histórica. Mas, na inversão dos princípios constitucionais que implica, o exacto significado é precisamente o de, em toda a sua extensão, adoptar o princípio de «Ó tempo, volta p'ra trás»!
Ao limite das unidades de exploração agrícola privada contrapõe o MAP as 100 maneiras de quebrar esse limite; à irreversibilidade das nacionalizações contrapõe o MAP a permissividade de todas as reversões; à eliminação dos latifúndios contrapõe o MAP a expansão

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incessante da terra detida em propriedade privada; à diversidade de formas de exploração da terra constitucionalmente prevista quer o MAP contrapor, de novo, os velhos e absurdos regime e sistema da propriedade latifundiária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que está em causa não é a opção quanto às formas de exploração a privilegiar nas terras expropriadas, não se trata de escolher ou conciliar as explorações cooperativas, as UCPs/cooperativas e as explorações familiares. O que esta proposta nos propõe é o retorno ao regime de propriedade latifundiária. O resto seriam migalhas para os pequenos e médios agricultores e trabalhadores rurais!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas sobre a aprovação de tal proposta recairia ainda a grave responsabilidade de penalizar, com a perda de direitos constitucionais e legais os que, para os defender, recorreram aos tribunais e ganharam os recursos.
Esta penalização não atinge somente os titulares da posse útil, direito que a proposta inequivocamente revoga. Significa também o propósito de justiçar os tribunais, particularmente o Supremo Tribunal Administrativo, por aplicarem as leis e reconhecerem direitos por elas conferidos.
Agendada em tempo de revisão, mas antes de ela feita, esta proposta de lei manifesta o seu significado instrumental mercenário: um teste, um avaliar de correlações de forças, um novo confronto com as instituições democráticas, provavelmente um pouco de tudo isto. E acima de tudo, um atentado aos interesses nacionais e ao futuro do Alentejo e do Ribatejo!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos e dispondo apenas de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro.

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - O Sr. Deputado Rogério Brito invocou alguns elementos estatísticos de inquéritos. Convido-o a consultar os últimos dois inquéritos para constatar que no Alentejo e com a reforma agrária cresceram os dois extremos: as propriedades abaixo de um hectare e as grandes propriedades latifundiárias com mais de 500 ha. Isto demonstra que a reforma agrária trouxe, por um lado, a pulverização da pequena propriedade e, por outro, a concentração da grande propriedade, ao contrário daquilo que acabou de afirmar. Estes elementos são fáceis de constatar. Consulte os elementos do INE e
encontrá-los-á.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O senhor não sabe ler as estatísticas do INE.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - A ignorância é atrevida!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado fala nos malefícios da lei e atrevo-me a lembrar-lhe o que é que, em 1977, o seu líder Álvaro Cunhal afirmava
sobre a Lei n.º 77/77: «A aplicação desta lei contrariará de tal forma as realidades, ofenderá tão profundamente os interesses dos trabalhadores, dos pequenos e médios agricultores, será tão contrária aos interesses da economia, terá tão desastrosas consequências na produção agrícola, provocará milhares e milhares de desempregados, a fome e a miséria nos campos, que não tardará que, no interesse nacional, tenha de ser suspensa, revista e revogada.»
Isto dizia o PCP, em 1977, acerca da «lei Barreto»!
É evidente que hoje o discurso do PCP é o mesmo. Porém, com uma diferença: é que nessa altura o PCP tinha capacidade de mobilização...

Vozes do PCP: - Éramos muitos!

O Orador: - ... para arregimentar milhares e milhares de trabalhadores. Aliás, recordo agora - porque não? - o cerco da Lobata e os milhares e milhares de trabalhadores que, em solidariedade ou arregimentados da cintura industrial de Lisboa, cercavam então uma propriedade agrícola, impedindo e fomentando o desrespeito pela aplicação da lei então legitimamente aprovada por esta Assembleia.

Protestos do PCP.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Vocês não gostam!

O Orador: - É talvez por isso que hoje foram capazes de arregimentar apenas umas poucas centenas de trabalhadores para Lisboa, verificando-se a indiferença total daqueles que outrora, das cinturas industriais de Lisboa e Setúbal, os apoiavam.
Protestos do PCP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mentiroso!

O Orador: - Percebo o vosso nervosismo, porque sabeis que quanto mais se reconstituir a exploração agrícola privada nos vários sentidos que defendemos e que assentam num modelo de sociedade completamente diferente daquele que defende o PCP... Porque o PCP nem sequer é capaz de se actualizar e modernizar pelos ventos da história, pela nova era da Perestroika, a qual aponta, ela própria, e embora reconhecendo os erros e os defeitos do modelo colectivista, para a necessidade da reprivatização das propriedades agrícolas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Anda muito instruído! Anda a ler umas coisas!

O Orador: - Magoa-vos, não é, Srs. Deputados?!

Protestos do PCP.

Tenham calma! Magoa-vos, mas irão perder o poder e, a breve trecho, não terão influência nem sequer nas poucas unidades colectivas de produção do Alentejo!
Quem contra os trabalhadores lutou, quem contra os trabalhadores defendeu a não subida dos salários, explorando-os mais do que ninguém, como o PCP e os seus sindicatos fizeram de 1975 a 1979, não tem legitimidade para falar em nome dos trabalhadores!

Aplausos do PSD.

Protestos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, há duas coisas com as quais tenho extrema dificuldade em lidar: a primeira são as manifestações de falta de inteligência e a segunda é a falta de estatura política e cultural. Por isso, nego-me a responder-lhe.

Aplausos do PCP.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): Contra factos não há argumentos!

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Presidente, peco a palavra para usar o direito regimental de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Deputado Rogério Brito, na verdade, questionei-o politicamente e não o tratei da forma como V. Ex.ª me tratou. Contudo, não o acuso, nem posso compará-lo com certos arruaceiros da sua bancada, que agitaram trabalhadores e os levaram ao desrespeito pela lei. Por isso, em nome da democracia e da liberdade que aqui pretendemos defender, não posso admitir que a vossa bancada utilize esse tipo de linguagem.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Arruaceiro é você!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não o ouviu chamar-nos arruaceiros?! Ponha aquele arruaceiro na ordem, o arruaceiro da última fila!
Casca grossa!

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Casca grossa é você!

O Sr. João Amaral (PCP): - Não o conheço de parte nenhuma, portanto trate-me por Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, o senhor estava a dirigir-se a mim e devo dizer que nunca me dirigi a qualquer outro deputado nestes termos. Repito: não tenho capacidade - é talvez uma questão de falta de capacidade minha, de inabilidade - para lidar com a baixa estatura cultural e política.

O Sr. Deputado dirigiu-se-me em termos que não são de político, mas de trauliteiro! E, sinceramente, ao pau eu não jogo!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta proposta de lei é absurda. Não se ajusta às necessidades do País, não tem em conta o nosso estatuto comunitário, nem se identifica com as regras e os objectivos da política agrícola comum, que a lei, estranhamente, chama «política agrária». Não traduz o que o Governo pensa realmente sobre a agricultura, nem reflecte uma ideia de política de desenvolvimento.
Mantém a imperatividade das expropriações, quando já ninguém nelas acredita e toda a gente considera que estão ultrapassadas. Nem o Governo as quer, nem o PSD as quer. Porquê então? Porque é a folha de parra constitucional que encobre a falsa cupidez.
A proposta mantém a zona de intervenção, realidade funcional em seu tempo, hoje totalmente datada. A proposta gera instabilidade e a lei a aprovar será, ela própria, instável, pois que é por todos considerada «intercalar». A sua duração mede-se por meses, até à aprovação da lei de revisão constitucional.
Definem-se os 91 000 pontos, sem rigor nem objectivos, a não ser os de cobrir a acção passada do Governo, de legalidade discutível.
Propõe-se desenvolver o capitalismo agrário, mas proíbem-se as sociedades; dá-se uma reserva a cada sócio, mas impedem-se os reservatórios de refazer sociedade.
É uma lei velha, antiquada, sem coerência, apenas interessada em louvar a propriedade, e que trata o absentista e o negociante de terras melhor do que o empresário e o agricultor. É uma lei de antes da CEE, de antes da política agrícola comum, incluindo conceitos ultrapassados sobre os incentivos, sobre os objectivos de produção e sobre o «mau uso e abandono». É uma lei recheada de contradições e que constitui autêntica bomba a retardador, pois, em muito casos, obrigará a refazer todo o processo de reservas e, noutros, vai destruir sociedades agrícolas ainda em funcionamento.
Associemos esta proposta ao decreto-lei das indemnizações, que se propõe pagar, por expropriação, 10% a 20% do seu valor real, e veremos que estamos, infelizmente, perante uma autêntica farsa. Esta lei é um pretexto, uma cobardia, um travesti.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os defeitos desta proposta, por tão absurdos que são, só têm uma explicação: a falta de coragem em esperar pela revisão.
Se é assim, tentemos responder à pergunta que tanto inquieta os espíritos: por que razão não espera o Governo pela revisão constitucional? Por que razão produz esta lei, autêntica monstruosidade doutrinária, técnica e jurídica?
As respostas nada têm a ver com a agricultura nem com o desenvolvimento social; são apenas do domínio do poder económico e da estratégia política.
Primeiro: o Governo não quer ter de se entender com os socialistas, nem com ninguém na oposição, em matérias constitucionais importantes; por isso, vai forçando revisões antecipadas. Agora, nos últimos dias, que o Governo se dirige aos socialistas com «pés de lã», dá vontade de responder: ou nos entendemos sobre tudo o que é constitucionalmente importante (o que inclui leis agrárias, leis laborais, privatizações e estatuto da informação) ou não haverá revisão do PSD e só se fará a revisão do PS.
Segundo: o Governo está apostado em prosseguir os seus testes, uns dirão estimulantes, outros dirão provocatórios, ao Presidente da República e ao Tribunal Constitucional antes da revisão.

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Terceiro: o Governo não quer indemnizar os proprietários expropriados; quer que eles recebam as terras todas, nem que seja para vender. E propõe ridículas indemnizações, a valores de 1975-1976, o que me deixa sonhador e perplexo. Creio mesmo que tal diploma é, pura e simplesmente, inconstitucional, facto a que, parece, temos de nos ir habituando.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Lá iremos!

O Orador: - Quarto: O Governo quer separar as expropriações das nacionalizações dos regadios, deixando estas para depois da revisão.
5.º O Governo não quer distribuir terra, em plena propriedade, aos pequenos e médios agricultores, o que poderia eventualmente fazer depois da revisão, mas não antes, estando, pois, interessado em acelerar a aprovação da nova lei. O Governo não está interessado em proporcionar um alargamento possível da propriedade e da empresa agrícola familiar. O Governo não está interessado em estimular o desenvolvimento das classes de agricultores independentes. O Governo apenas está interessado em louvar a propriedade, em adoptar o bezerro de oiro.
Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo traz hoje á Assembleia da República, e que terá certamente a aprovação automática do Grupo Parlamentar do PSD, não traduz nenhuma novidade substantiva. Não é mais do que a consagração legislativa de muito do que os seus ministros vêm fazendo há dez anos. Quer isto dizer que o aspecto mais interessante deste debate será o de verificar o propósito do Governo: legalizar a posteriori o que, em grande medida, já está feito.
Tenho para mim que os vários Ministros da Agricultura do PSD, durante estes dez anos, deram reservas a mais, com dimensões excessivas, a pessoas indevidas, em condições duvidosas e através de modalidades bem pouco recomendáveis, muitas vezes á margem da lei, após terem, paradoxalmente, transformado a reforma agrária e a política agrícola em negócio de advogados e de intermediários. Noutras palavras, estou convencido de que o primeiro efeito desta lei será o de legalizar o que o não é.
Este esforço seria, eventualmente, de louvar se se tratasse de adaptar os sistemas legais à sociedade e a realidades que todos os dias se vão fazendo e desenvolvendo. Mas não é assim. O primeiro beneficiário desta legislação é o próprio Governo e o próprio Ministério, responsáveis pela situação criada. E como uma autarquia que constrói «clandestinamente» e depois legaliza.
Esta proposta de lei é também a revelação de um desejo impotente de uma década. Durante este período, nem a lei em vigor foi aplicada, nem as situações clarificadas, nem os estatutos das terras e das empresas regulados, nem postas em prática políticas de desenvolvimento, de intensificação e de melhoramento. Nesta óptica particular, o Ministério da Agricultura do PSD adoptou o estilo de certas aves que esperam pelos despojos... «Quanto pior, melhor» foi o lema sem honra dos ministros do PSD. Várias vezes mudaram os ministros do PSD. Várias vezes os ministros mudaram de políticas. Houve mesmo Ministros da Agricultura do PSD que se mimosearam com processos nos tribunais. Até houve um ministro do PSD que entrou praticamente em greve de Governo durante seis meses!
Durante dez anos, enquanto o Ministério da Agricultura abusava da lei, o Alentejo ia, mais ou menos, vivendo sem ela ou à sua margem. Venderam-se terras, deram-se reservas, fizeram-se dívidas, obtiveram-se créditos e distribuíram-se dinheiros e subsídios sem fundamentos técnicos, nem suporte legal. Tal situação foi repetidamente denunciada, incluindo aqui mesmo, há já vários anos.
Esse estado de coisas nunca comoveu o Governo nem o Ministério. Na verdade, este pretendeu sempre, por um lado, ter uma espécie de capital de queixa para justificar a sua futura legislação; por outro, fazer com que a situação apodreça, para que o desânimo se instale. Este cinismo táctico não honra nenhum governo.
Apesar de tudo o que se passou em 1975 e desde 1977, ainda era possível aos poderes públicos olhar para o Sul, para o Ribatejo e o Alentejo, com humanidade nos olhos e a ideia da reforma no espírito. Mas este governo, que, desafiando toda a razão, teimosamente se afirma social-democrata, vem destruir toda e qualquer possibilidade de ordenar, com alguma justiça social, o património fundiário ainda expropriado.
Srs. Deputados, em meados do século XIX , Portugal perdeu a grande oportunidade de distribuir terras, de criar um mundo rural mais diversificado e equilibrado e de iniciar o desenvolvimento de classes de empresários agrícolas e de explorações familiares rentáveis. Bens públicos, terras da coroa e das ordens, domínios comuns e outras grandes propriedades passaram directamente para as mãos de capitalistas urbanos, de ricos e de poderosos.
No século xx, a campanha do trigo frustrou as expectativas dos rendeiros e dos seareiros; os planos de parcelamento e colonização acabaram no ridículo; e os aproveitamentos hidroagrícolas aproveitaram apenas aos grandes proprietários, de modo tão escandaloso que até ministros de Salazar protestaram publicamente.
Chegados que estamos ao fim do século, em Julho de 1988, o Governo do PSD
ter-se-á notabilizado por ter juntado os seus esforços a todos quantos, de 1820 até hoje, tudo fizeram para impedir uma qualquer reforma agrária. O Governo do PSD tem todo o direito de querer liquidar a herança da revolução. Deve, todavia, saber que também liquida a de Sá Carneiro, que, combatendo o colectivismo estatal, não se cansava de o fazer em nome da empresa familiar e da possível distribuição de terras a agricultores ou a candidatos a agricultores independentes.
O Governo do PSD não quer a revolução nem as suas consequências - é o seu direito. O problema é que também não quer a reforma social e os seus efeitos. Quer, tão-só, o poder da propriedade. Contraria as tendências modernas do direito agrário. Combate e contraria o predomínio da empresa sobre a propriedade.
Atrás de uma empresa agrícola, há homens e mulheres, há agricultores; são eles que a fazem rentável. Para o Governo do PSD, a empresa rentável e lucrativa que diz procurar é aquela que tem por trás a propriedade e o seu poder. Para o Governo do PSD, as empresas fazem os homens e os empresários. Sem história nem humanidade, as empresas do PSD são as que resultam da propriedade. E as mais rentáveis são as maiores. E as melhores são as maiores.
O Governo do PSD está enganado. Quem faz as empresas são os homens, muito especialmente as empre-

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sas agrícolas. São os homens e as famílias, numa palavra, os agricultores que fazem as empresas rentáveis. E as melhores são as dos melhores empresários, não as maiores propriedades.
Contra toda a modernização, contra a evolução contemporânea, para o Governo do PSD é o direito real do proprietário que rege o mundo rural, não o direito agrário do empresário e do agricultor.
Com esta proposta de lei, o PSD não mostra vontade ou doutrina que o levem a uma política de promoção da justiça social. Nem sequer de misericórdia perante os vencidos - os pequenos agricultores que esperaram e depois se resignaram ou os proletários que acreditaram em mitos. Por isso, vivemos hoje um mau dia para a social-democracia; alguns, que ainda dela se reclamam, vão votar favoravelmente esta capitulação, esta abdicação do espírito de reforma e da ideia de uma melhor distribuição.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Ah! Ah! Ah!

O Orador: - É também um mau dia para a agricultura portuguesa: são cada vez menores as possibilidades de construção de uma agricultura socialmente forte e competitiva no quadro comunitário. O Governo do PSD apenas se interessa por um punhado de grandes empresas, que pretende sejam realmente rentáveis. O problema está nas dezenas e dezenas de milhar de outros agricultores, para os quais o PSD reserva o único tratamento que conhece: a dependência e a servidão.
É também um mau dia para Portugal, onde as reformas sociais têm sempre a vida tão difícil e onde os atrasos das reformas sociais têm contribuído tradicionalmente para o nosso subdesenvolvimento. Mau dia para Portugal, pois o PSD deixou-se enredar e deixou enredar a agricultura do Sul no fatal dilema dos extremos, na desastrosa bipolarização social, na alternativa letal: ou colectivismo de Estado ou grande capitalismo agrário.
O Governo, o PSD e os seus Ministros da Agricultura não ficarão na história agrária de Portugal.
Em dez anos, naquilo a que é corrente chamar o Sul, não cumpriram os seus deveres nacionais, sociais ou doutrinários. Não definiram nem puseram em prática políticas de desenvolvimento, de intensificação e de diversificação.
Não realizaram, no Sul, obra de fomento hidráulico, não construíram as dezenas e dezenas de barragens que poderiam ter construído ou incentivado.
Não fizeram, no Sul, obra de drenagem, enxuga e despedrega, tão necessária.
Para além do eucalipto, que deixam crescer como metástases, não fomentaram significativamente a florestação. Quatro empresas, das quais duas estrangeiras, possuem ou trabalham e exploram hoje 180 000 ha do património rural português.
Não abriram e consolidaram caminhos rurais.
Não fomentaram a formação profissional agrícola, nem de técnicos, nem de agricultores e empresários.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não desenvolveram energicamente a investigação experimental, nem a extensão rural junto dos pequenos e médios agricultores.
Em resumo: em dez anos, os Ministros da Agricultura do PSD não podem reclamar aumentos visíveis de produção, nem de rendimento, nem de produtividade. E quando os denunciam, para justificar esta proposta de lei, como fazem sem pudor, denunciam-se a si próprios.
Quando havia 1 200 000 ha ocupados, a culpa era da reforma agrária.
Quando havia 600 000 ha ocupados ou expropriados, a culpa era da reforma agrária.
Agora que há 300 000 ha expropriados, a culpa ainda é da reforma agrária.
Deixemo-nos de hipocrisia. As culpas da reforma agrária - e muitas serão - já não chegam para esconder as dos Ministros da Agricultura do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mais ainda: se a reforma agrária foi o que foi a partir de 1978, se se manteve errada e com graves defeitos, se não foi corrigida e orientada foi por culpa e responsabilidade dos Ministros do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A instabilidade, o apodrecimento e a incerteza foram as tónicas estratégicas. Pretendeu-se demonstrar que era necessário o grande capitalismo agrário, sob a ameaça do comunismo. Desgraçadamente, tal visão maniqueísta encontrou nos comunistas um interlocutor interessado: ou revolução ou reacção, foram as vozes de Cassandra que o PSD e o PCP nos fizeram ouvir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Obnubilados pela política, obcecados pelo poder económico e seduzidos pela sociedade dos poderosos, os Ministros da Agricultura do PSD apenas tinham um objectivo nos seus reduzidos horizontes: devolver a terra aos antigos proprietários.
Não quiseram indemnizar, não quiseram reorientar, jamais lhes ocorreu que era possível criar no Alentejo uma sociedade mais equilibrada, mais diversificada, mais justa. Ou antes, quando tal hipótese lhes ocorreu, ficaram horrorizados e tudo fizeram para impedi-la.
Colaboraram, em 1977, no que poderia ser o princípio de uma solução equilibrada, a melhorar, a corrigir e a desenvolver com o tempo. Tal não foi do seu gosto. Pior para os Alentejanos, pior para a agricultura, pior para Portugal.
Mas será que, durante estes dez anos, à margem da reforma agrária e da questão da terra, os Ministros da Agricultura do PSD se preocuparam com os outros aspectos, mais técnicos, mais económicos ou mais pragmáticos da agricultura do Sul? Com excepção das negociações conduzidas em Bruxelas pelo actual Ministro da Agricultura, eu respondo:
Será preciso recordar que os ambiciosos programas de crédito e de novos cultivos, nomeadamente agro-pecuários, alguns apoiados pelo Banco Mundial, foram simplesmente abandonados? Será preciso lembrar que a Comunidade Económica Europeia tarda a chegar ao Alentejo dos pequenos e médios agricultores,

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dos rendeiros e das cooperativas? Que os regulamentos comunitários foram tardiamente traduzidos e mal divulgados? Será necessário recordar que os principais beneficiários dos programas comunitários são, sistematicamente, os maiores agricultores, as mais ricas explorações agrícolas, os mais abastados empresários e as mais modernas sociedades?
Permitam-me acrescentar, rapidamente, que tais agentes económicos não deveriam nem devem ficar fora dos projectos de desenvolvimento.
Não disse isso, não digo, nem direi. Afirmo mesmo que, em muitos casos, essas empresas capitalistas desempenham um útil papel pioneiro. Mas tal acontecerá normalmente, dada a sua capacidade. Digo é que não deveriam ser privilegiadas na informação e no acesso às facilidades, nem que deveria ser reforçada a desigualdade económica e social de que beneficiam. Digo, para resumir, que o grande esforço de animação, de ensino e de modernização deveria ter como principais destinatários os milhares de agricultores ainda capazes de mudança e transformação, de desenvolvimento e inovação, mas que têm sido continuadamente marginalizados pelos serviços, pelos técnicos e pela Administração, isto é, pelos Ministros da Agricultura do PSD.
Srs. Deputados, pode não parecer este o dia mais apropriado, mas, olhando para a evolução destes doze anos, vale ainda a pena perguntar aos que, sem dúvida, se colocaram no início desta longa série de desastres: terão os comunistas aprendido com a história? Terão percebido que o sectarismo e a intimidação os levaram a um beco sem saída e conduziram o Alentejo a esta lei sem espírito, sem doutrina e sem crença? Será que não sentem também uma quota-parte de responsabilidade no triste destino de cada homem e cada mulher hoje mal tratados pelo Governo do PSD?
Sei que, mesmo que o tenham aprendido, não o confessarão. Mas vale a pena reflectir um pouco. Vale a pena medir os irreparáveis danos causados a uma ideia nobre - a da reforma agrária - por uma visão redutora do mundo, por uma concepção policial da história e por um método político que dispensa a democracia e o Estado de direito.
Não tenhamos ilusões: por muitos anos, a ideia e a força da reforma agrária estão exaustas. O PSD e o Governo preparam-se para liquidar metodicamente, com a Administração, com os dinheiros da CEE e com os favores da política, qualquer hipótese de uma distribuição durável e mais igualitária da terra e dos rendimentos - como, aliás, o têm vindo a fazer, há dez anos, na condução do departamento ministerial e das políticas agrícolas.
Mas, pior ainda, durante estes dez anos desapareceu a vontade: os jovens foram-se embora, a esperança numa agricultura nova, rentável e de dimensão humana morreu. O PSD é o seu coveiro.
Srs. Deputados, é possível, aconselhável e recomendável: pôr um termo às expropriações; acabar com a zona de intervenção; estabilizar a posse e o estatuto da terra; indemnizar os expropriados com valores razoavelmente justos; distribuir terras a empresas familiares, a agricultores, a trabalhadores e a cooperativas; programar os melhoramentos de infra-estruturas tão necessários; incentivar e acelerar a promoção de empresários e a preparação de técnicos; reorientar a agricultura portuguesa em função da Comunidade Europeia; privilegiar a empresa, em detrimento da propriedade.
Tudo isto é o que o Governo não fez, nem quer fazer, obcecado que está com o poder político, o interesse económico e a propriedade.
Dos senhores se dirá, Srs. Membros do Governo, que «nada esqueceram, nada aprenderam». Não aprenderam sequer com a história recente, nem com os motivos profundos de uma revolução social. A história futura, essa, esquecer-vos-á.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Capoulas, Silva Maçãs e Lino de Carvalho. Neste âmbito, informo que o Grupo Parlamentar do PCP dispõe de um minuto, enquanto o Grupo Parlamentar do PS dispõe de dois minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, pelo papel historio que desempenhou nesta questão da reforma agrária, esperava ouvir hoje de V. Ex.ª uma crítica frontal, aberta e, eventualmente, positiva à proposta de lei em debate.
Infelizmente, e para decepção minha, não foi isso que aconteceu, tendo visto o PS mergulhado numa série de contradições, das quais vou apenas referir duas ou três.
Em primeiro lugar, fez V. Ex.ª uma crítica aos sucessivos Ministros da Agricultura do PSD, acusando-os de erros e de mil e uma coisas que não vou repetir.
Ora, V. Ex.ª era Ministro da Agricultura quando esta lei foi aprovada. Houve algumas iniciativas de aplicação da lei, o Sr. Ministro António Barreto saiu e ocupou o cargo um outro ministro do PS, deixando a lei de ser aplicada e tendo, precisamente por isso, caído o Governo de coligação com o CDS.
Para que a lei fosse aplicada de facto foi necessário que o PSD chegasse ao Governo e assumisse responsabilidades no Ministério da Agricultura.
Naturalmente que foram cometidos erros, mas só não erra quem não age.
Assim, pergunto a V. Ex.ª: que erro maior se cometeu nesta matéria senão a recusa do PS em aplicar a lei que efectivamente fez aprovar e da qual V. Ex.ª é o primeiro responsável?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma segunda questão consubstancia uma outra contradição que saltou à vista e aos ouvidos de toda a gente.
Na verdade, o Sr. Deputado e o seu camarada de bancada, engenheiro Lopes Cardoso, interpelaram o Ministro da Agricultura perguntando-lhe, explicitamente, se a sujeição à expropriação dos prédios com mais de 91 000 pontos era para valer, naturalmente preocupados com a eventualidade daquela disposição constituir letra morta.
Ora, V. Ex.ª acusa, exactamente, a proposta de lei de manter esta imperatividade das expropriações.
Afinal, que PS temos também nesta matéria, que é bem simbólica daquele que tem sido, no Alentejo, o papel do PS ao longo destes tempos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - É a indefinição, é o andar de um lado para o outro, é o ziguizaque, é o opor-se ao colectivismo em 1975, é o aprovar a lei em 1977, é o recusar-se a aplicá-la em 1978 e nos anos seguintes, é o passar a recolar-se ao PCP, são as más expropriações, é o parar das expropriações ... Afinal que PS temos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Alentejo não o sabe e, porque não o sabe, não vota no PS. O resultado daquilo que não existe politicamente só pode ser a indiferença.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Maçãs.

O Sr. Silva Maçãs (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, também gostaria de manifestar o meu desapontamento em relação à intervenção de V. Ex.ª, comungando da opinião do meu companheiro de bancada no sentido de que, de facto, neste momento, nada pode admirar os sociais-democratas quando, em opinião do partido Socialista, no Alentejo, deparamos com uma falta total de participação em matéria de agricultura.
Ao fim e ao cabo, gostaria de saber qual a versão oficial do Partido Socialista em relação a esta matéria da reforma agrária e, concretamente, em relação à situação que tem que ver com a preocupação há pouco manifestada pelo Sr. Deputado Almeida Santos quanto às expropriações e quanto à questão, tal qual V. Ex.ª a colocou na sua intervenção.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse que, com esta proposta de lei, o Partido Social-Democrata apenas pretende legalizar situações eventualmente já criadas pelos ministros do PSD que tiveram a responsabilidade desta pasta ao longo de oito ou dez anos. Assim, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se a Lei n.º 77/77, da responsabilidade de V. Ex.ª, não foi, de alguma forma, uma lei que se pode dizer que, entre outras finalidades, teve também a preocupação de legalizar situações porventura criadas pelo seu próprio partido durante a governação do Ministro da Agricultura anterior a V. Ex.ª, o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado António Barreto, hoje estamos a discutir esta proposta de lei e não a Lei n.º 77/77. Não nos move nenhum espírito de polémica. No entanto, não podemos deixar passar em claro uma interrogação que fez quando se nos referiu e em relação à qual gostaríamos de lhe devolver a pergunta.
Sr. Deputado, quando refere que, durante estes dez anos, vários Ministros da Agricultura do PSD concederam reservas a mais, com dimensões excessivas e a pessoas indevidas, em condições duvidosas e através de modalidades bem pouco recomendáveis, etc., está ou não convencido de que estas acusações que faz à não aplicação da lei se devem ao texto, aos «alçapões» e aos poderes discricionários que a Lei n.º 77/77 permitia e que davam azo a que ela fosse aplicada de acordo com a conjuntura política e a tendência partidária do
Governo que estivesse em funções? Está ou não convencido, hoje, de que esta questão que levantou justifica e suporta exactamente a oposição que levantámos à lei, há uns anos atrás?
Por outro lado, o Sr. Deputado afirma que a ideia da reforma agrária está exausta, mas queremos dizer-lhe que, de facto, não o está: está viva, está na memória dos trabalhadores e na do nosso povo, como, aliás, o demonstram e o atestam os trabalhadores que hoje vieram assistir a esta sessão e que ainda aqui se encontram.

Uma voz do PCP: - Muito bem! Vozes do PSD: - Vê-se ...

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado Silva Maçãs, fez uma afirmação que reputo extremamente grave pela insinuação que contém: questionou o meu camarada António Barreto no sentido de saber se a Lei n.º 77/77 não teria tido por objecto cobrir ilegalidades cometidas por mim próprio no Ministério da Agricultura.

O Sr. Silva Maçãs (PSD): - Não foi isso que eu disse!

O Orador: - Sr. Deputado, se não foi isso que disse, pedir-lhe-ia que esclarecesse exactamente o que afirmou e, então, obviamente, retirarei o meu pedido de defesa da honra.

O Sr. Silva Maçãs (PSD): - Eu falei em legalizar ...

O Orador: - Ou há uma interpretação única, ou ...
O Sr. Deputado disse que a lei se destinava a legalizar situações criadas por mim. Ora, legalizar situações criadas por mim, na qualidade de ministro, significa que aquelas teriam sido ilegais.
No entanto, peco-lhe a explicação, o Sr. Deputado dá-la-á, e ficarei satisfeito se, de facto, da sua parte não houve a insinuação de que, no exercício da minha actividade como ministro, terei tomado quaisquer medidas que carecessem de vir a ser legalizadas.
Penso que poderão acusar-me de tudo mas não poderão acusar-me de ter infrigido - um milímetro que fosse - as leis em vigor no momento, enquanto fui Ministro da Agricultura.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Maçãs.

O Sr. Silva Maçãs (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, a intenção a que me referi seria a de regula-

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rizar situações, ou seja, consagrar, através da lei, situações porventura existentes ou assumidas durante a vigência do seu mandato como Ministro da Agricultura ...

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Como, por exemplo, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, inúmeras situações que, naturalmente, tinham que ver ... situações de facto que ocorreram durante a vigência do seu mandato ...

Vozes do PS: - Quais? Quais?

O Orador: - Por amor de Deus! Naturalmente que em todos os ministérios acontecem situações que, eventualmente, carecerão de base legal para serem sustentadas ...

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Quais, Sr. Deputado? Insisto: quais?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, pelo amor de Deus! Ao longo do mandato de V. Ex.ª como Ministro da Agricultura, ocorreram dezenas, centenas de expropriações ...

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Eram ilegais?

O Orador: - ... e verificaram-se ocupações de terras que, ao fim e ao cabo, foram confirmadas através de legislação contida na Lei n.º 77/77.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Não!

O Orador: - Não? Então, de facto, o que é que deu cobertura a que ...

O Sr. António Barreto (PS): - Foi o Decreto-Lei n.º 406-A, o 406-B, o 407 ...

O Orador: - ... e também a Lei n.º 77/77 ...

O Sr. Guilherme Pinto (PS): - São dez anos de ministros do PSD ...

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Nessa altura, você ainda era um miúdo ...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos para não entrarem em diálogo.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto, que dispõe de dois minutos.

O Sr. António Barreto (PS): - Srs. Deputados Luís Capoulas e Silva Maçãs, embora reconhecido pelo vosso desapontamento, devo dizer que ele não me surpreende. O que nos separa em matéria de política agrícola e de opções do desenvolvimento social e económico é essencial e não é só uma questão de grau. Momento houve na história - há seis ou há dez anos - em que, em situações completamente diferentes, as opções eram também diferentes. A situação, a conjuntura, as lutas políticas e sociais, etc., em momentos diferentes, levaram a que as diferenças essenciais fossem esbatidas e viessem à superfície as secundárias ou conjunturais.
Hoje, pelas opções políticas expressas aqui neste plenário, o que nos separa é essencial. Portanto, o vosso desapontamento é por mim tomado como um cumprimento, no sentido em que têm por mim consideração pessoal, que agradeço e retribuo, mas politicamente, de facto, constato apenas a nossa separação quanto aos objectivos essenciais da política social e agrícola, que sublinho.
Sr. Deputado Luís Capoulas, já escrevi artigos, livros e, até uma tese de doutoramento, e já analisei as responsabilidades do PS sobre este assunto. Já o disse e escrevi tantas vezes, muitos mais que talvez todos os deputados do PSD somados pelo que não vou repetir que o PS também cometeu erros, mas as responsabilidades e as culpas do PS em todo este processo são ínfimas comparadas com as do PSD. Basta comparar o número de anos passados no Governo, e a permanência neste Ministério!
Quanto à recusa do PS em fazer acordos ou fazer as leis, como o Sr. Deputado Luís Capoulas referiu, devo dizer-lhe que um governo é eleito para cumprir as suas políticas e se tem obstáculos - seja a Constituição, o Tribunal Constitucional, a falta de uma maioria, ou das coligações necessárias, enfim, se não tem apoio no Parlamento -, tem de encontrar todas as maneiras e mais alguma para tornear os problemas, sem tornear a Constituição, no sentido malévolo da palavra, para impor as suas políticas. Por exemplo, o que é que impediu o Governo de pagar as indemnizações durante tanto tempo? Ou de encontrar soluções, fazendo, por exemplo, o que fez Franco em Espanha, que indemnizou os proprietários com terras de regadio já que não tinha dinheiro em caixa?
Quanto às expropriações do Governo, o Sr. Deputado Lopes Cardoso perguntou se o Sr. Ministro ia expropriar mais terra, tendo o Sr. Ministro dado a entender que sim, o que ninguém acreditou - nem ele próprio, nem ninguém..., só acreditam os crentes, os que querem acreditar que esta lei vai criar novas expropriações, ou então só se o Sr. Ministro expropriar, dentro de algum tempo, uns vasos de flores .... Mas ninguém acredita nisso!
De qualquer modo, o Sr. Deputado Lopes Cardoso perguntou se iam ser feitas expropriações e não disse que deviam ser feitas! Não vejam no que ele disse afirmações de que deviam ser feitas expropriações e naquilo que eu disse, o inverso, porque, assim, estão a tentar cobrir, com eventuais diferenças que possa haver entre nós, as enormes contradições desta lei.
Na versão oficial do nosso programa, cuja leitura aconselho ao Sr. Deputado Silva Maçãs, encontra-se tudo o que pensamos sobre expropriações, desde 1985, desde os manifestos eleitorais da campanha eleitoral. Portanto, ali se encontra expresso um programa para estabilização do estatuto da terra no Alentejo, na zona da reforma agrária, e dado que está tudo no programa, não vou repetir.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, reconheço que a lei n.º 77/77, nas competências discricionárias dadas ao Ministro, sofreu de uma grave ingenuidade de método. Considero que os objectivos, na altura, estavam correctos, mas a lei tem uma grave ingenuidade de método de que só se vê hoje, ao fim de dez anos, o resultado.

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Sublinho, porém, que a vossa oposição era, sobretudo, por outras coisas. Este aspecto metodológico de acção do Governo eram apenas «trocos». Á vossa oposição era por questões mais importantes e diferentes desta.

Aplausos do PS.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Não tenha receio que não apoiamos a sua lei!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço desculpa por usar a figura regimental da intervenção porque, na verdade, não desejo fazer uma intervenção mas, apenas, alguns comentários à intervenção do Sr. Deputado António Barreto, embora esperasse que alguém da bancada do Partido Socialista o fizesse, dado se trata da defesa do Sr. Presidente da República, que foi Primeiro-Ministro durante quatro anos do período de aplicação desta lei.
Ora, na sua intervenção, Sr. Deputado António Barreto fez-lhe uma acusação de incompetência, de não intervenção na vida do Governo, que me parece - aliás, como seu colaborador durante dois anos e meio - não corresponder à verdade, dando-me a obrigação de o defender.
Com efeito, Sr. Deputado, não acredito que possa dizer que durante dez anos os ministros do PSD fizeram o que quiseram e o que lhes apeteceu, na medida em que essas suas políticas, pelo menos durante perto de três anos, no bloco central, foram sempre aprovadas, quer pelo actual Presidente da República, quando Primeiro-Ministro, quer pelos seus colegas de bancada que faziam pane do Governo.
Nunca houve qualquer orientação que não tivesse a aprovação plena do Conselho de Ministros! Portanto, tudo aquilo que o Sr. Deputado, durante os três anos de coligação, apontou como faltas dos ministros do PSD, devem ser directamente imputados ao Primeiro-Ministro, primeiro responsável da actuação do Governo.
Hoje, por cada coisa que acontece, a culpa é do Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva. A bancada de V. Ex.ª não se poupa a culpar o Primeiro-Ministro por qualquer medida dos ministros. E agora, o Sr. Deputado vem aqui dizer: «peço desculpa, o Primeiro-Ministro, Sr. Dr. Mário Soares, foi incompetente, não foi capaz, e os meus colegas de bancada que participaram no Governo sofreram da mesma incompetência».
Portanto, neste momento, estou a defender o Dr. Mário Soares, com quem, aliás, tive muito prazer em trabalhar e por isso me sinto obrigado - quer em relação a ele, quer em relação ao Dr. Almeida Santos, ao Dr. António Campos, ao Dr. Eduardo Pereira, quer, ainda, em relação a todos aqueles que aprovaram as actuações do Ministro de Agricultura do PSD - a fazer aqui a sua defesa. Ficaria mal com a minha consciência se não o fizesse e só estranho e lamento que ninguém da bancada do PS tenha reagido a essa grave acusação de incompetência ao então Sr. Primeiro-Ministro Dr. Mário Soares.

Aplausos do PSD.

O segundo comentário que gostaria de fazer é o de que já informei o Sr. Deputado Lopes Cardoso de que não deixaremos de aplicar a lei tal como ela está prevista. Portanto, se houver casos de incumprimento da lei, faremos a sua aplicação.
O terceiro e último comentário, que é talvez a repetição de um outro que já fiz aqui, é relativo ao facto de V. Ex.ª ter dito que estão bem claras as orientações de política agrícola do PS para o Alentejo.
Já uma vez disse que isso explicava em grande pane a quebra terrível que VV. Ex.ªs têm tido, ao longo destes anos, nos resultados eleitorais e, portanto, gostaria de pedir se o PS poderia rever esse programa, pois acho que é importante que o Partido Socialista tenha uma presença neste hemiciclo. Realmente, essa quebra nos resultados eleitorais é de tal maneira vertical que pensamos que o PS deve rever as suas orientações de política agrícola, pois é relevante que o PS continue ou venha ainda a ter representantes nessa região, que é tão importante para o futuro do País.

Aplausos do PSD.

Uma vez que o Sr. Deputado António Barreto deseja usar da palavra e não dispõe de tempo, concedo-lhe alguns minutos de que o Governo ainda dispõe, esperando que ele venha a emendar algumas das suas afirmações a bem do Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente: - Com tempo cedido pelo Governo e para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Ministro, já aqui discutimos várias vezes sobre a relação que existe entre a razão e os votos. O Sr. Ministro tem o jeito e o talento de mencionar frequentemente esse argumento, pelo que devo dizer que, se vamos aceitar que o número de votos dá razão, olhemos para a história e vamos ficar arrepiados com o que vemos.
Por exemplo, o PCP, que tinha 41% no Alentejo, não reivindicava esses 47% para governar totalmente a região. Por outro lado, quando, noutra situação, tive de invocar os direitos humanos, os direitos fundamentais que se aplicam a todos os Portugueses, não o fiz em nome de um número de votos. Portanto, a relação entre razão e votos, sobretudo numa questão que tem uma forte dimensão regional, não é aquela que o Sr. Ministro diz.
De qualquer forma, importante foi a sua primeira intervenção, muito inteligentemente introduzida, relativamente à qual só lhe posso fazer um breve comentário, que é o de isto pedir sempre a presença de dois. Com efeito, há um ditado estrangeiro que diz que são precisos dois para tomar chá. Portanto, se é verdade que o PS, o Dr. Mário Soares, foi solidário com tudo o que o PSD fez, o contrário também é verdade.
Ficámos a saber hoje o que nunca soubemos em três anos e que é o facto de os ministros do PSD presentes no Governo do bloco central apoiarem e estarem de acordo com todas as políticas do Governo que o então presidente do PSD, Prof. Cavaco Silva - que, nessa altura não era membro do Governo -, destroçou e destruiu na Figueira da Foz e no Coliseu, acusando-o de tudo, de «gato-sapato».

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

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4422 I SÉRIE - NÚMERO 197

O Orador: - Fico a saber que os ministros do PSD, a começar pelo Sr. Ministro Álvaro Barreto, estavam totalmente solidários e corresponsáveis com o PS, porque parece que o casamento era total e que para o chá havia dois!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Deputado António Barreto, quero confirmar-lhe que, enquanto membro do Governo do bloco central, sempre fui solidário com as políticas então seguidas.
Gostaria de recordar ao Sr. Deputado, que talvez não tenha obrigação de o saber, que as orientações de política agrícola foram alvo de uma discussão, que durou cerca de dois dias e que teve lugar em Sintra, com todos os membros do Partido Socialista e não só com o Dr. Mário Soares.

O Sr. António Barreto (PS): - Nessa altura, eu estava em pousio!

O Orador: - V. Ex.ª estaria em pousio e certamente que lhe fez bem, mas estou só a referir-lhe que as orientações foram todas aprovadas, depois de discutidas durante dois dias. Fale com os seus colegas, Srs. Deputados Jaime Gama, Eduardo Pereira, Almeida Santos e eles confirmar-lhe-ão o que digo.
Portanto, não me parece correcto que, agora, o Sr. Deputado venha aqui acusar exclusivamente os ministros do PSD, contrastando com as posições que tomam quando, ao quererem culpar este Governo de algo, acusam sempre o Sr.
Primeiro-Ministro. Neste caso, ele é o responsável por tudo. Nos casos em que os senhores são os responsáveis do Governo, são irresponsáveis por tudo! Foi isso o que entendi e, em coerência, mantenho a defesa que fiz do Dr. Mário Soares, porque é profundamente injusto que o Sr. Deputado António Barreto faça essa acusação ao Dr. Mário Soares.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Barreto (PS): - Mas, então, por que é que não assinaram o acordo?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que declaro encerrado o debate.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, quarta-feira, às 15 horas, para uma interpelação sobre a problemática da pobreza em Portugal.
A conferência de líderes reunirá às 16 horas e 30 minutos.

Está encerrada a sessão.

Eram 0 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
António Abílio Costa.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Dinah Serrão Alhandra.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Angelo Ferreira Correia.
José Júlio Vieira Mesquita.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Manuel Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando Ribeiro Moniz.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Torres Couto.
Manuel António dos Santos.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Amorim.
Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Miguel António Galvão Teles.

Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Mota Veiga.
António Mário Santos Coimbra.
António Roteiro Marinho.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Monteiro do Amaral.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henriques V. Rodrigues da Silva.

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Joaquim Fernandes Marques.
José António Coito Pita.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):
António Carlos Ribeiro Campos.
António José Sanches Esteves.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Canelai.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Leio Ribeiro de Almeida.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Manuel Balseiro Amaro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Domingos Abrantes Ferreira.

Declarações de voto enviadas à mesa para publicação, relativas aos projectos de resolução n.ºs 5/V (PSD), 9/V (PCP) e 10/V (PS) - Alterações ao Regimento.

Com esta votação encerra a Assembleia da República uma longa maratona, repartida por várias sessões, para aprovação das alterações ao seu Regimento.
Por imperativo legal, que obrigava que as mesmas fossem discutidas e votadas na especialidade pelo Plenário, mas, também, por vontade da oposição, que se serviu de todas, mas de todas as figuras regimentais para arrastar esta discussão por toda uma sessão legislativa.
O PSD preparou e apresentou, em Outubro de 1987, uma proposta de alterações ao Regimento da Assembleia da República, com vista a dignificar e prestigiar o Parlamento, assegurando melhor a sua transparência, a sua fidelidade ao sentido de voto do eleitorado e a sua eficácia, quer na produção legislativa, quer na sua função de fiscalização política.
O nosso Parlamento funciona mal, não correspondendo às necessidades modernas de Portugal. Daí, em parte, o seu desprestígio. O nosso objectivo era, e é, o de introduzir algumas alterações que melhorem o seu funcionamento e o afirmem perante a opinião pública, como órgão democrático por excelência.
Preparámos um conjunto de propostas de alteração mínimas, convictos de que a sua justificação e aceitação seriam de tal modo evidentes, para todos os que desejam a acreditação do Parlamento, que, rapidamente, elas seriam votadas, graças à colaboração dos partidos democráticos.
Em vez disso, que aconteceu? Os partidos democráticos da oposição resolveram fazer frente comum com
os comunistas para, por todos os meios, tentarem impedir a entrada em vigor das alterações ao normativo que rege o funcionamento da própria Assembleia da República.
Com especial relevo para o PS, demonstraram que o seu sectarismo os impede, de connosco, PSD, construirmos as bases sólidas de um Portugal livre, próspero e moderno.
E, no entanto, as nossas propostas estarão longe de ser parecidas, sequer, com as que vigoram nos órgãos legislativos das democracias europeias, onde a regra da maioria funciona de forma bem mais marcada, ao contrário de Portugal, onde são atribuídos direitos à oposição que raramente se encontram nos demais parlamentos.
Citemos alguns exemplos:

Quanto aos vice-presidentes da Mesa, pertencentes a cada um dos quatro maiores partidos;
Quanto aos grupos parlamentares, que se podem constituir a partir de dois deputados (número irrisório se comparado com o exigido em Espanha, onde são necessários quinze deputados para o efeito ou cinco se o partido que os fez eleger tiver obtido 15% dos votos nos círculos em que concorre ou 5% no todo nacional);
Quanto a direitos potestativos de agendamento;
Quanto à atribuição de um tempo mínimo para debate retirado do tempo global (direito bem mais importante se contrastado ainda com o regime espanhol, onde o tempo normal do grupo misto é de cinco minutos);
Quanto à ratificação de decretos-leis;
Quanto a debates na generalidade ou na especialidade no Plenário;
Ou ainda no que diz respeito aos recursos das decisões do Presidente; etc.

A oposição fez mesmo uma guerra para a introdução no Parlamento Português de figuras ou institutos normativos inteiramente inexistentes nas democracias europeias avançadas e que, a serem aceites, apenas viriam a acentuar a imagem verbalista da Assembleia da República. Foi o caso dos debates sobre questões de actualidade (o que existe nalguns parlamentos são perguntas de actualidade ou urgentes) e as audições parlamentares (quando o que existe, se compararmos com outras democracias da Europa Ocidental, é a possibilidade - que também subscrevemos - da audição pública de especialistas pelas comissões).
O PSD não teme o confronto das suas propostas com as regras seguidas nas democracias ocidentais. Antes pelo contrário. A oposição é que, infelizmente, vira as costas quer aos imperativos da razão política e do bom senso, quer à experiência desses mesmos regimes democráticos.
Lastimamo-lo! Lastimamo-lo profundamente! Porque o Portugal europeu, livre e próspero que desejamos precisa da contribuição positiva de todos.
A postura obstrucionista dos partidos da oposição não nos fará desistir.
Recebemos do eleitorado um mandato que nos obriga moralmente e uma força política que nos torna duplamente responsáveis.
Mesmo sem colaboração dos partidos da oposição, havemos de construir um Portugal moderno.

O Deputado do PSD, Rui Gomes da Silva.

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4424 I SÉRIE - NÚMERO 107

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terminou hoje a empreitada antidemocrática de moldagem do Regimento da Assembleia da República à imagem e semelhança do PSD. De tudo o que aqui se passou ao longo de sessões sucessivas, das permanentes votações a só do partido governamental, uma primeira conclusão se poderá tirar: o texto que aqui acabámos de votar, com votos contra de toda a oposição não se pode considerar legitimamente o Regimento da Assembleia da República - ele é, isso sim, mais um instrumento que o PSD pretende utilizar no seu projecto de pleno controle da actividade das instituições democráticas, na tentativa da criação do Estado laranja.
É, desde logo, escandaloso que o PSD, aproveitando-se de uma maioria, pretenda inverter em seu favor as regras da vida parlamentar neste momento. O que se passou com a liquidação do Agrupamento Parlamentar da Intervenção Democrática é bem demonstrativo da falta de ética política e da ausência de princípios democráticos que nortearam a intervenção do PSD nesta matéria.
O mínimo que se pode dizer é que os senhores viciaram as regras do jogo depois de o jogo ter começado.
Esta filosofia cavaquista levou a que fossem impostas limitações inaceitáveis à actividade dos partidos de oposição, como sejam o cerceamento das possibilidades de fiscalização da acção governativa, a redução a valores ridículos da duração do uso de palavra, a discriminação dos direitos de intervenção e a restrição do número de marcações de ordem do dia.
Associadas estas malfeitorias com o texto da Lei Orgânica já aprovado (também com votos exclusivos do PSD e votar contra de toda a oposição) estaria, no entender do PSD, concluído um edifício que pode servir o PSD, mas não serve seguramente a democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma segunda conclusão deve ser tirada destes debates regimentais: a oposição, e designadamente o meu grupo parlamentar, provou, pela intervenção e pelas propostas apresentadas, que as normas de funcionamento da Assembleia da República não podem e não devem estar ao sabor das vontades de maiorias conjunturais e dos seus propósitos, e que se deve assegurar a sua estabilidade enquanto carta de direitos de todos quantos exercem o mandato de deputados, criando mecanismos que permitam um trabalho legislativo qualificado e assegurem a livre expressão democrática e plural de todos os agentes parlamentares.
Com tal objectivo apresentarmos propostas concretas norteadas em sete direcções fundamentais:

Garantir uma maior operacionalidade e democraticidade do funcionamento da Assembleia da República;
Assegurar o eficaz exercício das competências de fiscalização da Assembleia da República.

Este aspecto leva-nos à terceira e última conclusão. O debate regimental não terminou aqui. É bem provável que, tal como sucedeu com o pacote laborai, este texto «pessedista» venha a tropeçar no Tribunal Constitucional.
Pelo nosso lado não nos pouparemos a esforços para que tal venha a suceder!

O Deputado do PCP, Jorge Lemos.

Votei contra. No essencial, as disposições aprovadas impedem o normal funcionamento da Assembleia da República. Se entrarem em vigor e enquanto o estiverem, prejudicam a possibilidade de qualquer revisão constitucional.
Palácio de São Bento, 28 de Junho de 1988. - O Deputado do PS, Sottomayor Cárdia.

Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: a maioria acaba de apertar o garrote com que pretende sufocar a pluralidade e a diferença das vozes que o povo elegeu.
Este garrote negro feito de restos de antigas mordaças, ficará como um estigma de vergonha naqueles que hoje, usando apenas a razão da força, aqui se esqueceram que em democracia só a força da razão é legitima!
A partir de agora, e por imposição desta maioria, teremos um parlamentarismo coxo, mutilado, que de tropeço em tropeço em incidentes processuais, penosamente se arrastará, incapaz de responder com dignidade e eficácia ao imperativo constitucional de legislar e vigiar pelo cumprimento das leis.
A imposição de normas regimentais restritivas com objectivos apenas ditados pela conjuntura ficará como mais uma nódoa na história do parlamentarismo português e como um sinal de aviso para aqueles que ingenuamente acreditavam que a jovem democracia portuguesa precisava de maiorias destas para se estabilizar.
A essência democrática não está na imposição mas sim no respeito por todas as vozes e por todas as diferenças.
Pela nossa parte manteremos bem viva a nossa voz, por muito que isso doa àqueles que em nome da democracia e do pluralismo se empenham em nos impor um monolitismo acéfalo e castrante!

O Deputado de Os Verdes, Herculano Pombo.

Os direitos dos deputados referem-se e são definidos pelo tempo da legislatura para que foram eleitos, que tem a duração de quatro sessões legislativas, e não apenas de uma, como estabelecem os artigos 156.º, n.º 1, e 174.º, n.º 1, da Constituição da República.
Ao impor o fim do Agrupamento Parlamentar da Intervenção Democrática no termo desta sessão legislativa, e ao consagrar outras inúmeras graves restrições ao exercício dos direitos parlamentares das forças da oposição, o PSD evidencia uma clamorosa violação do pluralismo de expressão e organização política, princípio constitucional tão essencial que até constitui um dos limites materiais da revisão constitucional.
Estas e outras múltiplas violações da Constituição pelo PSD terão necessariamente de ser apreciadas e sanadas pelo órgão de soberania próprio.

Assembleia da República, 30 de Junho de 1988. - O Deputado da ID, Raul Castro.

As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira - Maria Amélia Martins.

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4400 I SÉRIE - NÚMERO 107 O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. O Sr. Sott

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