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Quinta-feira, 30 de Junho de 1988 I Série - Número 108

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE JUNHO DE 1988

Presidente: Ex.mo Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex.mos Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da ratificação n. º 28/V (PCP).
Foram aprovados os n.ºs 96 e 97 do Diário.
Os Srs. Deputados Hermínio Martinho e Silva Lopes (PRD) e o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Silva Penedo) abriram o debate da interpelação ao Governo n. º 6/V, sobre assuntos de política geral, incidindo, nomeadamente, sobre a problemática da pobreza em Portugal, da iniciativa do PRD, tendo intervindo de seguida, a diverso título, além dos ora-
dores iniciais e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares {António Capucho), os Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), Rui Salvada e Vieira Mesquita (PSD), Rogério Moreira (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Mendes Costa (PSD), Helena Roseta (Indep.) Manuel Filipe (PCP), António Guterres e Teresa Santa Clara Gomes (PS), Filipe Abreu e Granja da Fonseca (PSD), Natália Correia (PRD). Narana Coissoró (CDS). Lourdes Hespanhol (PCP), João Costa (PSD) e Raul
Castro (ID).
Encerraram o debate o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social e o Sr. Deputado Silva Lopes (PRD).

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Abílio Costa.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António José de Carvalho.
António José Coelho de Araújo.
António Paulo Veloso Bento.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimira Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Oliveira Bastos.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montai vão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cr avinho.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castelo Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.

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Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luis Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Silva Lopes.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa a Ratificação n.º 28/V, da iniciativa da Sr.ª Deputada Odete Santos e outros, do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, que regulamenta a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, que foi admitida.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se em aprovação os n.ºs 96 e 97 do Diário, correspondentes às reuniões plenárias de, respectivamente, 1 e 7 de Junho.

Pausa.

Não havendo objecção, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, a nossa ordem de trabalhos será preenchida com a interpelação ao Governo, requerida pelo PRD, sobre assuntos de política geral incidindo, nomeadamente, sobre a problemática da pobreza em Portugal.
Para uma intervenção, no período de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É sabido que omitir é uma das formas mais eficazes de mentir. A pobreza em Portugal é uma realidade que não foi ainda objecto de tratamento sério e empenhado por parte da generalidade dos órgãos de soberania. É um tema quente, controverso, politicamente delicado, comprometedor. Diria que é um tema para o PRD, o partido que pode, com verdadeira legitimidade, afirmar que a pobreza existe em Portugal, sem que, por isso, tenha que se retratar. O partido que, na prática, reúne condições - pela sua comprovada postura ética, pelos seus princípios e, sobretudo, por nunca ter sido Governo.

Uma voz do PSD: - Nem será!

O Orador: - .. .ousar interpelar o Executivo sobre esta matéria.
O PRD assume, assim, uma vez mais a coragem e, porventura com o consequente ónus político - de denunciar situações inaceitáveis de um Portugal real que sem perspectivar soluções para problemas internos sem paralelo na generalidade dos países que integram a Comunidade Europeia, não conseguirá de facto abandonar a cauda da Europa.
Dir-se-ia que, politicamente, é um erro vir afrontar o Governo num terreno em que em geral, e apesar de tudo as coisas melhoraram algo nos últimos três anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas que fique claro: não queremos dar-lhe um presente envenenado como muitos poderiam pensar depois de ouvir as intervenções do meu grupo parlamentar nomeadamente, a do meu companheiro de bancada Silva Lopes. Pretendemos, singelamente, contribuir de forma útil para alertar a opinião pública e os órgãos de soberania, - em particular, o Governo - para situações particularmente críticas que urge combater, com firmeza e determinação.
Há três, quatro anos atrás, o fenómeno da pobreza mereceu, ao menos nas suas manifestações práticas mais candentes não apenas a atenção, mas também, a preocupação desse instituto fundamental da vivência democrática que é a opinião pública.
Todavia, uma certa euforia normalmente associada aos períodos de expansão económica fez esquecer o assunto e arrefecer os ânimos daqueles - e foram felizmente muitos - que se propuseram combater um fenómeno que não tem ciclos e cuja curva tem sido quase sempre, no sentido descendente.
Se esta nossa interpelação tiver o condão de despertar uma vontade política forte para retomar, mais com responsabilidade do que com caridade, o objectivo consistente na gradual erradicação da pobreza, teremos logrado atingir, por inteiro, a nossa finalidade.

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Três lustros decorridos sobre um processo de transformação social que visou, no essencial, melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos, é difícil apontar um Executivo que tenha conferido ao combate à pobreza, entendida em sentido lato, a necessária prioridade. É certo que a pobreza foi combatida nalgumas das suas manifestações socialmente mais incómodas mas, também o é que não foi, até ao momento, concebido, organizado e implementado um programa de acção finalizado - comportando a indicação de objectivos de acções, de recursos e de responsabilidades institucionais - susceptível de defrontar, de forma eficaz e integrada, os problemas da pobreza em Portugal.
Este Governo não seria mais responsável do que os outros se não dispusesse de condições sem precedentes para atacar, frontalmente, este cancro social cujas manifestações não podem deixar de inquietar todos aqueles - que como nós - sobre cujos ombros recai a irrecusável responsabilidade de contribuir, sistematicamente, para a melhoria das condições de vida da população portuguesa.
Acresce que como é sabido, este Governo, apesar de se dizer social-democrata, poderá estar a potenciar por antecipação, a penetração em Portugal de práticas neo-liberais que, noutros países - vejamos só a título de exemplo a situação da Inglaterra -, têm determinado a agudização da pobreza e gerado situações - como o caso do desemprego - que assumem proporções dificilmente toleráveis no plano social.
Bom seria, que nos convencêssemos, em definitivo, da justeza do princípio sustentado por muitos reputados economistas segundo o qual o crescimento económico, sendo condição indispensável para o desenvolvimento económico e social, não o gera automaticamente podendo, inclusivamente, aprofundar desigualdades, introduzir novas assimetrias e alicerçar a sua própria reprodução nos dualismos que gera.
Justo é recordar, aqui e agora, o papel que a Igreja tem assumido nesta matéria. Pouco dada ao economicismo das análises e a euforias desenvolvimentistas, sempre atenta às vivências sociais, a Igreja tem sentido ser sua responsabilidade maior, participar numa estratégia de desenvolvimento que permita dignificar a vida do Homem - de todos os homens - do planeta. A recente Encíclica do Papa João Paulo II é um sinal inequívoco de que a Igreja quer ajudar - e não apenas espiritualmente -, a construir um mundo mais justo onde todos possam usufruir das conquistas do progresso tecnológico e onde o direito a uma vida melhor, mais digna, possa, de facto, ser exercido.
Também em Portugal a Igreja se tem revelado atenta e actuante em relação a este problema que a todos deveria preocupar.
Saibamos, pois, no futuro, não apenas continuar a reconhecer-lhe o mérito, como a seguir o seu exemplo, cumprindo para além disso as responsabilidades que só a nós cabem.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Terei de começar esta minha intervenção sobre os problemas da pobreza em Portugal com uma referência à escassez dos elementos informativos de que disponho. Afim de me preparar adequadamente, eu havia apresentado ao Governo em 23 de Março passado um requerimento a solicitar informações sobre esse problema e sobre as políticas do Governo para o atacar.
Passados já mais de três meses nenhuma informação recebi. Fiquei por isso seriamente limitado na concretização do esquema da intervenção que inicialmente tinha traçado. Espero que o Governo apresente no decurso deste debate uma explicação para a falta do envio dos elementos que havia solicitado. Beneficiei, em contrapartida, dos trabalhos de alguns dos mais reputados especialistas que em Portugal se têm debruçado sobre os problemas da pobreza e a quem quero render pública homenagem.
Depois deste intróito, que preferia ter evitado, entro agora na matéria que me propus tratar.
Ao contrário do que sucede na maior parte dos países industrializados, a atenção dada à pobreza nos debates políticos e nas políticas governamentais tem ficado entre nós aquém do que seria de esperar em face da gravidade desse fenómeno. Falou-se bastante na pobreza nos anos 1984-1985, mas desde então voltou-se ao quase completo esquecimento. Foi como se, com os governos do PSD que temos tido desde 1985, se tivesse produzido o milagre da eliminação súbita da pobreza ou pelo menos da sua redução a proporções de pouco significado.
Deixou de falar-se dos pobres mas em compensação passou a falar-se dos ricos. Os meios de comunicação social têm-nos informado, repetidamente, e com abundância de detalhes que os automóveis de valor superior a 20 mil contos se têm estado a vender como nunca, que as habitações de grande luxo se colocam muito mais facilmente que os alojamentos de baixo preço, que as jóias caras estão a ter uma procura muito activa e que o exibicionismo dos ricos voltou a estar na moda e a fornecer abundante matéria para as crónicas sociais de vários órgãos da nossa Imprensa.
O novo riquismo que nos últimos dois anos passou a imperar na sociedade portuguesa mereceu até já há poucos meses, um artigo irónico da revista internacional «Time», que não deixava o nosso país muito prestigiado.
Se tudo vai bem para os ricos, que estará a suceder com os pobres?
Não me surpreenderei se o Governo vier a sustentar no decurso deste debate que a pobreza é hoje significativamente menor que há três anos.

Uma voz do PSD: - Claro, é verdade!

O Orador: - Antevejo que o Governo nos irá dizer que a sua política terá levado a reduções substanciais nos níveis de pobreza em virtude de ter descido o desemprego, de haver menos salários em atraso, de terem subido os salários reais de ter havido melhorias no valor real das prestações da segurança social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A falta de estatísticas sobre a pobreza não nos permite uma apreciação suficientemente rigorosa para analisar o que, de facto, se tem passado. Será no entanto conveniente distinguir entre flutuações

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conjunturais e situações estruturais da pobreza.
É de crer que as flutuações conjunturais se terão traduzido por um agravamento significativo dos problemas da pobreza nos anos de 1983 e 1985, e que tenha havido alguma recuperação nos anos seguintes.
Acontece porém que, quando confrontadas com as favoráveis condições económicas dos últimos dois a três anos, as melhorias registadas nos domínios do emprego, dos salários e das pensões sociais estão muito longe de ser satisfatórias.
Vejamos em primeiro lugar o que se passou com o emprego. De 1985 a 1987 o produto interno bruto aumentou 9,2% em termos reais. Entre o fim de 1985 e o fim de 1987 o número total de empregos reportado nas estatísticas subiu apenas 3%. Verifica-se ainda que a agricultura contribuiu com quase 2/3 para esse aumento. Se excluirmos a agricultura, o aumento do emprego nos demais sectores, no conjunto dos anos de 1986 e 1987, foi apenas de cerca de 17%. Ora, acontece que a subida do número de empregos na agricultura é basicamente um sinal de subemprego e de pobreza. O que seria normal no nosso país, com uma população agrícola proporcionalmente muito superior à média europeia, é que os empregos no sector primário estivessem a diminuir, em vez de estarem a aumentar.
Temos de concluir, por conseguinte, que a baixa da taxa de desemprego de 10,9% para 1,9%, entre os quartos trimestres de 1985 e de 1987, que o Governo tem apregoado como uma das suas grandes vitórias, nos dá uma ideia distorcida sobre o que, realmente se tem estado a passar no mercado do trabalho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Muitíssimo bem!

O Orador: - Para além do alastramento dos contratos a prazo e das modalidades de trabalho irregular, o que temos é sobretudo o aumento do subemprego agrícola.
Vejamos agora o que se passou com os salários. O aumento do salário médio real na indústria e na construção civil nos dois anos de 1986 e 1987 foi da ordem dos 107o. Esse aumento evidencia sem dúvida uma substancial melhoria em relação às tendência dos anos anteriores. Ele ficou todavia significativamente aquém do que teria sido possível em face da subida do poder aquisitivo do rendimento nacional. De facto, dada a expansão do PIB e a melhoria dos termos de troca, aquela subida do poder aquisitivo do rendimento nacional pode cifrar-se em cerca de 15% nos dois anos referidos, ao passo que, como eu disse, o aumento dos salários reais foi apenas de 10%.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - E acha pouco?

O Orador: - Acresce que os salários médios na indústria e nos serviços permanecem ainda, em termos reais, praticamente ao nível de 1973, apesar do crescimento económico ocorrido. Por outro lado, o poder aquisitivo dos salários mínimos na agricultura, na indústria e nos serviços era em 1987 e 1988 ainda bastante inferior aos níveis de dez anos atrás para não falar de 1975 e de 1976.
Finalmente, no que respeita às pensões de segurança social, houve melhorias porque se deu o caso de terem aumentado invulgarmente as receitas da previdência, com a entrada em vigor da contribuição social única,
tais receitas passaram de 9,1% do PIB em 1985 para 10,6% em 1987. Esse aumento foi aproveitado pelo Governo para introduzir subidas substanciais no valor real de várias pensões mínimas, principalmente em 1987. Todavia, mesmo assim, o valor real das pensões médias do regime geral de invalidez e velhice está actualmente cerca de 25% abaixo do nível de 1973.
Em face do que se passou quanto ao emprego, quanto aos salários e mesmo quanto às pensões, há muitas dúvidas quanto às melhorias registadas nos últimos 3 anos em matéria de pobreza. A Comissão Diocesana Justiça e Paz do Distrito de Setúbal teria provavelmente toda a razão quando anunciava em Janeiro de 1987 que a «situação de carência e desemprego é hoje mais grave que em 1983».
Deixemos porém as flutuações conjunturais da pobreza dos últimos dois anos e passemos para os problemas de natureza estrutural.
Nunca as autoridades sentiram até agora a necessidade de proceder a inquéritos globais para medir a extensão da pobreza e para analisar as suas características. A melhor avaliação de que por enquanto dispomos nesse domínio é a que consta do estudo sobre «A Pobreza em Portugal», conduzido sob a direcção do Eng.º Bruto da Costa e da Prof. Manuela Silva, e editado pela Caritas em 1985. Esse estudo constitui, pelo seu carácter inovador, um marco fundamental. Mas, dada a escassez de meios de que os autores dispuseram, ele sofre, como não podia deixar de ser, de limitações significativas, sobretudo por se apoiar em amostras estatísticas de reduzidas dimensões e em dados que carecem de ser actualizados.
De qualquer maneira, as conclusões apresentadas conservam grande validade.
Os autores do estudo a que me estou a referir apresentam estimativas sobre a proporção das famílias que, no começo da presente década, viviam em situações de pobreza absoluta e de pobreza relativa.
A linha da pobreza absoluta foi calculada a partir do orçamento familiar requerido para satisfazer as necessidades mínimas dos consumos mais essenciais de uma família ou de um indivíduo. De acordo com os dados estatísticos coligidos, cerca de 387o das famílias e quase 40% dos indivíduos viviam em 1980/81 com rendimentos inferiores à linha da pobreza absoluta.
A linha demarcadora da pobreza relativa foi definida pelos autores do estudo a que me estou a referir como correspondendo a 75% do rendimento médio por família ou por adulto. Com essa definição a proporção de famílias abaixo da linha da pobreza relativa era em 1980/81 de 48%.
Estas percentagens são alarmantes e mal se compreende que não tenham tido maior eco no Governo e na opinião pública.
Mas, para que as medidas da pobreza atinjam maior significado, será necessário ter em conta uma ideia sobre a sua evolução no tempo e sobre a sua comparação com medidas semelhantes em outros países. Estudos organizados por iniciativa da CEE fornecem-nos a esse respeito informações estatísticas muito esclarecedoras. Nesses estudos, a linha da pobreza relativa foi fixada em 50% do rendimento médio por família, em vez de 75% como no livro de Bruto da Costa e Manuela Silva, que atrás citei.
De acordo com os dados reunidos pela CEE, a proporção de famílias portuguesas vivendo abaixo da linha

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da pobreza relativa, correspondendo a 50% do rendimento médio familiar, andava pelos 28% quer em 1981 quer em 1985. Essa percentagem era a mais alta da Comunidade e situava-se a uma enorme distância da média de 12% referente ao conjunto de outros países da Comunidade. Próximos de nós, apenas se encontravam a Grécia com uma percentagem de 24%, a Espanha e a Irlanda, ambas com percentagens de 20%. Volto a lembrar que a nossa era de 28%, quer em 1981 quer em 1985. Acresce que esta comparação em termos da pobreza relativa, não põe em destaque que, por exemplo, os 7,5% de famílias pobres na Alemanha têm em média um poder aquisitivo equivalente a cerca de 2,5 vezes o poder aquisitivo dos 28% das famílias pobres portuguesas.
Mais preocupante ainda do que estas comparações, é a tendência que parece ter-se estado a verificar entre nós, para que aumente a proporção das famílias abaixo da linha da pobreza relativa. Essa proporção subiu de 23% em 1973, de acordo com o mesmo estudo da CEE a que me estou a referir, para cerca de 28% em 1985, ao passo que na média dos países da CEE ela desceu ligeiramente. As estimativas disponíveis não serão extremamente rigorosas. Mas mesmo assim, ficamos com indícios pouco tranquilizadores a sugerir-nos que a pobreza tem estado a alargar-se entre nós. Com o 25 de Abril nós conseguimos a democracia; mas pelos vistos, é duvidoso que tenhamos avançado significativamente em matéria de solidariedade com os mais desprotegidos.
Para além dos indicadores globais da pobreza a absoluta e relativa que acabo de citar, poderia também ocupar-me, embora a documentação não seja muito abundante, das manifestações específicas do fenómeno da pobreza. Sabemos que essas manifestações se traduzem por grande variedade de situações degradantes: de subnutrição e mesmo de fome; de doenças que seriam facilmente evitáveis; de desagregação familiar; de analfabetismo e insucesso escolar; de habitação em bairros de lata e de promiscuidade; de mendicidade, de vagabundagem, de marginalidade, etc.
A descrição concreta das situações de pobreza e miséria, como as que acabo de referir, têm merecido com alguma frequência a atenção de vários dos profissionais da informação. Há, contudo, necessidade de análises adicionais, com base em monografias sistemáticas a preparar para esse efeito. Por essa via poderá ser obtido um contributo importante para despertar a consciência da nossa responsabilidade colectiva pelas condições de vida aviltantes em que se encontra quase um terço dos nossos concidadãos.
Não vou porém entrar na descrição das situações chocantes de pobreza, até para não ser acusado de sensacionalismo miserabilista.

Vozes do PSD: - Ah, pois não!?

O Orador: - Parece-me mais adequado passar a expor quais deveriam ser, em meu entender, algumas das grandes linhas e prioridades na política de ataque integrado ao problema da pobreza.
Para que essa política possa ser definida é necessário, em primeiro lugar, que o fenómeno da pobreza seja melhor conhecido. Daí que se deva começar pela realização de um vasto inquérito destinado a medir a extensão da pobreza, a sua distribuição geográfica e as suas características. Um tal inquérito deveria ser suportado por meios financeiros adequados, por forma a poder
trabalhar-se com amostras muito mais representativas do que as que serviram de base ao estudo de Bruto da Costa e de Manuela Silva. Os resultados do inquérito deveriam ser actualizados com periodicidade frequente, provavelmente uma vez por ano, até porque há sempre muitas entradas e saídas de situações de pobreza. As actualizações poderiam, claro está, ser feitas na base de amostras de dimensão mais reduzida que as do inquérito inicial.
Seria desejável que as actualizações relativas à evolução da pobreza fossem integradas em relatórios anuais sobre a situação social em Portugal. Entre nós dedica-se já uma atenção razoável aos estudos sobre a evolução da situação económica. Não há, porém, relatórios sobre a evolução da situação social, ao contrário do que é norma nos outros países da CEE. Talvez a Assembleia da República devesse tomar alguma iniciativa nesse domínio.
Uma vez apurados os resultados do inquérito a que acima fiz referência haveria condições para elaborar um programa integrado de combate à pobreza. A realização do inquérito e a preparação de um programa integrado não deveriam porém servir de desculpa para que, entretanto, não se intensificassem as acções específicas de luta contra a pobreza.
A elaboração de um programa plurianual integrado de combate à pobreza é uma necessidade fundamental da nossa política social e tem várias razões a recomendá-la.
Em primeiro lugar, a preparação de um tal programa obrigaria a uma definição clara das prioridades a atribuir à luta contra a pobreza em comparação com outros objectivos da política económica e social.
Em segundo lugar, o programa proporcionaria, por certo, maior eficiência no aproveitamento dos recursos utilizáveis, na medida em que exigiria a selecção entre actuações alternativas e em que asseguraria maior coordenação entre políticas parcelares.
Em terceiro lugar, o programa imporia por certo maior determinação às acções a empreender, na medida em que fixaria metas anuais para os resultados a atingir. Além disso, o seu carácter plurianual, asseguraria a continuidade das acções postas em prática e forneceria as condições necessárias para a articulação com o Orçamento de Estado e com o Orçamento da Segurança Social.
O programa integrado de combate à pobreza deveria prever medidas de tipo geral e programas específicos. As medidas de tipo geral basear-se-iam em instrumentos como o salário mínimo e as pensões de segurança social. Os resultados conseguidos através desses instrumentos seriam avaliados através de inquéritos anuais sobre a evolução da pobreza. Os programas específicos teriam necessariamente uma grande variedade. Muitos deles, nem sequer teriam de ser individualizados no programa integrado.
De entre a grande variedade de programas específicos que interessaria considerar, parece-me importante destacar três categorias:
- os programas de protecção às crianças pobres;
- os programas de ataque aos bairros da lata;
- e os projectos do tipo dos que estão incluídos no programa da CEE de luta contra a pobreza.
Começo pelos programas de protecção às crianças pobres. Esses programas
parecem-me de longe os mais prioritários. As condições de vida das crianças e dos jovens pobres de hoje vão projectar-se sobre toda a sua

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vida e vão deixar marcas no futuro da nossa sociedade durante mais de meio século. Como é sabido, as crianças pobres são atingidas por problemas da mais variada natureza. Sofrem frequentemente de subnutrição que prejudica o seu desenvolvimento intelectual e físico no futuro. Sofrem de dificuldades em matéria de educação, traduzidas por muitos casos de analfabetismo, de elevadas taxas de insucesso escolar e de elevadas percentagens de abandono do ensino obrigatório. Sofrem de problemas de integração familiar, com muitos casos de famílias monoparentais, ou de convivência em famílias desorganizadas, violentas ou marginais. Sofrem de frequente exposição a ambientes de crime e de droga, de que dois exemplos alarmantes são o elevado número de presos menores pelas forças policiais, que nem sequer encontram sempre lugar em casas de reabilitação, e o recente aumento do consumo de «cola» por parte de muitos menores dos bairros pobres. Sofrem, por todas estas razões, do aprisionamento num círculo vicioso, que leva a que a pobreza se reproduza a si própria e que cerca de 2/3 das pessoas pobres tenham nascido na pobreza e dela nunca consigam sair.
O aumento em grande escala da assistência às crianças pobres não é só exigido por razões de solidariedade social. Esse aumento é um investimento indispensável, com rentabilidade muito superior à de outros. O que se está a fazer através de creches, orfanatos, casas de reeducação, suplementos de alimentação nas escolas, assistência social, etc., é nitidamente insuficiente. É o futuro da nossa sociedade, é a dignidade nacional que estão em jogo.
Passo agora aos problemas dos bairros de lata e da habitação degradada. O Departamento de Pesquisa Social do Centro de Reflexão Cristã anunciou há alguns meses os resultados preliminares de um inquérito conduzido na zona da grande Lisboa, que compreende os concelhos de Lisboa, Almada, Oeiras e Loures. Nessa zona há 147 bairros de lata e de habitação degradada, alojando cerca de 250 mil pessoas, ou seja, só à volta de Lisboa em habitação degradada, vive 4% da população portuguesa. Cerca de 31% das barracas, apesar da sua exiguidade, alojam duas ou mais famílias dando assim origem a situações de conflito e de promiscuidade que são fáceis de imaginar. Para além disso, há os bairros de lata e as habitações degradadas noutras zonas do país e muitas dezenas de milhares de famílias vivendo em partes de casa.
Números como os que citei, não têm paralelo em qualquer país da Europa, e só se encontram em países nitidamente subdesenvolvidos. É por isso urgente que se estabeleçam programas mais efectivos de habitação para as famílias pobres.
Em matéria de programas específicos, vale ainda a pena fazer uma referência aos projectos do tipo dos que estão integrados no segundo Programa da CEE de luta contra a pobreza. Pela diversidade das situações a que se dirigem e da metodologia em que se apoiam, esses projectos podem trazer ensinamentos muito válidos e resultados altamente positivos. É por isso natural que no futuro se devam desenvolver novos projectos do mesmo tipo. Aliás, o Governo tomou já a iniciativa de pôr em prática, com base em recursos exclusivamente nacionais, dez projectos de tipo análogo aos que são financiados pela CEE. Por enquanto as verbas envolvidas são todavia extremamente modestas. O custo global dos 20 projectos financiados pela CEE e pelo Estado Português será de apenas 550 mil contos durante um período de 3 anos. É verdade que um dos objectivos fundamentais desses projectos será o de obter acções de impacto significativo com custos comparativamente reduzidos. Mas mesmo assim, é claro, em face da verba que mencionei, que o número de beneficiários não pode ser muito elevado e que o nível médio unitário dos benefícios atribuídos tem de ser necessariamente reduzido.
Vou terminar esta intervenção com uma referência aos aspectos financeiros e orçamentais da política de combate à pobreza. Tenho repetidamente tomado nesta Assembleia a posição de que o défice das contas públicas é excessivo e irá criar graves dificuldades económicas no futuro. Em tais circunstâncias pode parecer que estou em contradição quando aponto a necessidade de um programa de combate à pobreza que exigirá despesas públicas substanciais. Essa contradição não existe por duas razões: em primeiro lugar, porque será, em princípio, possível mobilizar receitas adicionais para o orçamento; e em segundo lugar, porque as despesas da luta contra a pobreza devem receber muito maior prioridade que outras despesas públicas, e devem por isso poder aumentar mesmo que haja redução em termos reais do total da despesa pública.
Quanto às possibilidades de receitas adicionais, basta olhar para as receitas de que o Governo se propõe abdicar na proposta de reforma do imposto único sobre os rendimentos de que há poucos dias nos deu conhecimento. Como se poderá, por exemplo, argumentar que não há recursos para combater a pobreza se as mais valias de muitos milhões de contos como as que alguns têm arrecadado na Bolsa e continuam a arrecadar vierem a ser tributadas apenas com uma taxa de 10%, inferior à que terá de pagar um modesto trabalhador com o rendimento de apenas 50 contos mensais? Os exemplos poderiam multiplicar-se com referência a tributação dos títulos ao portador, às isenções e abatimentos que beneficiam os mais altos escalões de rendimento, etc. Com favores fiscais para os ricos como os que o Governo procura introduzir, seria pura e simplesmente escandaloso que se invocasse a falta de recursos para enfrentar as situações mais gritantes de pobreza.
Independentemente dos recursos de origem fiscal, deverá olhar-se também para os recursos da CEE. O programa da CEE de combate contra a pobreza tem uma dotação orçamental muito pequena, mas é bem sabido que valerá a pena tentar obter recursos do Fundo Social para aplicar no caso específico português. Os recursos do Fundo Social para além dos casos de fraude têm sido entre nós utilizados com uma eficácia extremamente duvidosa, como todos sabemos.
Ao que parece, o Governo já conseguiu da CEE que uma parte desses recursos possam ser encaminhados para despesas de Educação. Faria sentido, que se procurasse negociar junto da CEE a possibilidade de afectar também uma parte dos mesmos recursos no combate à pobreza.
Além disso, valerá a apenas ir pensando se não será necessário vir a negociar no futuro um programa especial da Comunidade para a luta da pobreza em Portugal. O facto de os problemas da pobreza serem bastante mais graves entre nós do que nos restantes países da CEE constitui um bom argumento nesse sentido. Por outro lado, não nos podemos esquecer que o saldo líquido das transferências financeiras entre Portugal

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e a CEE tenderá a não se apresentar depois de 1992 com cores tão róseas como o Governo pretende fazer crer. Para restabelecer o equilíbrio no nosso país podem ser necessários mais programas especiais do tipo do PEDIP. E, um programa de luta contra a pobreza podia muito bem ser um desses programas.
Os recursos para o combate à pobreza podem por fim ser mobilizados através de uma diferente hierarquização das despesas públicas. Tenho dito no contexto das discussões orçamentais que não é fácil a um Deputado da oposição identificar as despesas públicas mais dispensáveis, sobretudo porque isso implica o acesso a informações de que só o Governo dispõe sobre a actividade dos diversos serviços públicos e sobre a eficiência dos diversos programas. Uma coisa porém é certa: quem atribuir ao objectivo do combate à pobreza o destaque que ele merece, não terá dificuldades em encontrar no Orçamento de Estado despesas com menor eficácia económica e social ou orientadas para objectivos menos prioritários.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Muito bem!

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sabemos que a pobreza não pode desaparecer rapidamente. Mas sabemos também que Portugal tem um nível de desenvolvimento económico, que apesar de ainda insuficiente, nos dá condições para que a extensão e gravidade desse flagelo possam ser menores do que no presente.
O que mais choca não é tanto que haja muitos portugueses mal alimentados, mal alojados, mal instruídos, mal protegidos contra as doenças, mal preparados profissionalmente e sem condições de vida decente. O que mais choca é que o número desses portugueses não tenha estado a diminuir com a rapidez suficiente e que, segundo algumas opiniões, possa mesmo ter estado a aumentar. É por isso inaceitável que continuemos com medidas parcelares, ocasionais, desgarradas e insuficientes. É preciso que tenhamos uma informação global sobre a gravidade do fenómeno e um plano de conjunto para o atacar. Daí a razão de ser desta interpelação ao Governo.
Há que recordar, a este respeito, uma frase de Confúcio, velha de séculos: «Num país bem governado devemos ter vergonha da pobreza».

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Lopes utilizou 7 minutos do tempo que foi atribuído ao PRD para a fase do debate propriamente dito.
Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Hermínio Martinho, inscreveram-se o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Deputado Herculano Pombo.
Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Silva Lopes
inscreveram-se os Srs. Deputados Rui Salvada, Vieira Mesquita, Rogério Moreira, Nogueira de Brito e Mendes Costa.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, obviamente que teríamos dado a nossa anuência a que o PRD tivesse utilizado o tempo que foi atribuído à fase do debate se tivéssemos sido consultados, mas não o fomos. Creio que se abriu um precedente grave, pois as regras de jogo foram manifestamente alteradas. Ora, gostaria de saber porquê e se o Governo também beneficia da alteração que foi concedida ao PRD.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o precedente pode ser grave, não digo o contrário! Porém, já em diversas alturas temos analisado este assunto, pois várias vezes se ultrapassou o tempo de abertura, que foi contabilizado no tempo de debate, tendo eu até que chamar a atenção do orador, porque o tempo utilizado era quase idêntico ao do debate.
De acordo com uma regra geral estabelecida, considerou-se que os 3 minutos passavam para 5 minutos, e aos tempos de resposta dá-se sempre um tempo de tolerância de 20%, descontando esse tempo. Quando o tempo que o Sr. Deputado Silva Lopes estava a utilizar começou a atingir uma certa percentagem, tive o cuidado de chamar a atenção do Sr. Deputado para o facto de já ter ultrapassado 5 minutos do tempo destinado à abertura do debate. Porém, se o tempo utilizado pelo Sr. Deputado Silva Lopes, ultrapassasse alguma coisa como 20% da percentagem, de acordo com as normas gerais do equilíbrio dos debates,
ter-lhe-ia cortado a palavra.
O Governo pode também fazer uso dessa percentagem, utilizando-a no tempo do debate, tal como se tem praticado neste Parlamento quase desde o princípio do ano.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Silva Peneda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de entrar propriamente no objecto da discussão, gostaria de tecer algumas considerações prévias sobre a intervenção do Sr. Deputado Silva Lopes.
Em primeiro lugar, devo dizer que quando o Sr. Deputado comparou as prestações sociais actuais com as de 1973 lhe faltou um elemento importante nessa comparação, pois nesse ano os beneficiários eram, em números redondos, cerca de 170 mil, enquanto que hoje são mais de 2 milhões.
Quanto à análise que o Sr. Deputado fez sobre a evolução do emprego, e não discutindo a apreciação que faz desses números, gostaria de relembrar os resultados do inquérito do primeiro trimestre de 1988, que desmentem, de algum modo, as suas afirmações: é no sector da agricultura que baixa o número dos trabalhadores por conta de outrém e o que sobe é o número de trabalhadores por conta própria. Sobe significativamente no sector dos serviços e também, de algum modo, no sector secundário.
Também em relação a esse relato dos inquéritos ao primeiro trimestre de 1988 na área do emprego, devo dizer que baixa de forma nítida a precaridade de emprego.
Ó fenómeno da pobreza hoje aqui em debate não consente apriorismos voluntaristas na sua análise e muito menos meras reflexões simplistas alicerçadas em soluções esboçadas à revelia da complexa pluralidade de vertentes em que tal fenómeno se desdobra.

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Falar hoje de pobreza exige a serena ponderação dos vastíssimos efeitos de um profundo processo de mudança que se vem realizando a um ritmo muito veloz na generalidade das sociedades contemporâneas. Tal processo, ao mesmo tempo que interpela a consistência de certos padrões de valores, abala vigorosamente domínios que vão do político ao cultural, passando pelo económico e o social, sem excluir as transformações que se vêm operando no quadro das estruturas familiares e do alcance das diferentes formas de solidariedade.
Reflectir sobre esta problemática no sentido de combater as causas da pobreza obriga a equacionar as perspectivas para a sua solução num quadro alargado, quer em termos do que já se designa por um novo conceito de pobreza, quer quanto à concretização e desenvolvimento das acções que permitam identificar novas vias e meios para combater o fenómeno com a eficácia desejada.
Reconhece-se, porém, que a abordagem deste fenómeno leva-nos a considerar também o que se tem convencionado designar de «nova pobreza». E isto não deixa de significar a particular relevância que se tem procurado conferir à vertente económica do mesmo fenómeno e suas expressões mais salientes: regressão, estagnação ou lento crescimento das economias, pressão inflacionista e agravamento do desemprego.
Ora, se todo o esforço de relançamento do processo económico representa condição de vital importância em todo o processo de combate às incidências materiais mais gravosas da pobreza, importa não perder de vista os contributos relevantes a garantir nos planos do aperfeiçoamento dos mecanismos da participação social e política, do acesso à informação dos direitos e deveres dos cidadãos, da melhoria das condições higiénico-sanitárias e habitacionais das populações, da efectiva garantia de igualdade de oportunidades de acesso ao ensino e à formação profissional, enfim, todo um conjunto de condições favorecedoras de uma mais justa integração ou reinserção social.
No quadro destes contributos, as sociedades, dos nossos dias cometem aos sistemas de segurança social um papel de assinalável relevo. Manda a objectividade, porém, que se sublinhe desde já que estes sistemas, sendo tributários da economia e identificáveis de riqueza, sempre lhes restará a sujeição realista aos limites impostos pela capacidade geradora da mesma riqueza em toda e qualquer sociedade.
É hoje incontroverso o reconhecimento de que a generalizada crise das economias de elevado número de países do mundo tem comportado efeitos particularmente gravosos para a eficácia do alcance protector dos sistemas de segurança social. Distante vai já o tempo em que- o crescimento económico e a melhoria constante e acelerada dos níveis de protecção social representaram as duas faces de uma mesma moeda forjada pela lógica do Estado Keynesiano de bem estar.
Hoje assiste-se à crise do denominado Estado Providência, traduzida em especial pela sua dificuldade em suportar despesas acrescidas de protecção social. Esta evolução, contudo, não se tem ajustado ao caso português, pois que se tem vindo a alargar a cobertura social no País, designadamente em favor das camadas mais desfavorecidas.
Assim, a coberto das expressas formulações do Programa do Governo, o sector da segurança social tem, nos últimos dois anos e meio em Portugal, norteado a sua acção por um conjunto coerente de objectivos
e medidas de política em que pontifica, entre outras, a preocupação de assegurar a eficácia e o aperfeiçoamento dos fins do sistema de segurança social, por forma a que estes se concretizem em termos mais humanizados e socialmente mais justos, melhorando as condições e os níveis de protecção social da população beneficiária, prioritariamente dos seus estratos mais desfavorecidos.
O Governo tem vindo a desenvolver acções concretas em favor dos mais carecidos e é meu propósito começar pela referência às realizações no domínio das prestações de protecção social, passando de seguida à alusão do funcionamento de concretos programas e projectos de luta contra a pobreza para terminar com informação que penso ser útil sobre a criação de actividades independentes, projectos de apoio salarial actualmente em curso, e a todo um conjunto de iniciativas no âmbito do Ministério do Emprego e da Segurança Social que de forma objectiva se encaixam nesta problemática.
Assim, tendo em vista a efectiva melhoria das condições de vida e dos níveis de protecção social da população beneficiária, designadamente de uma das suas camadas mais carenciadas, os idosos, o Governo tem vindo nos últimos dois anos e meio a proceder a aumentos significativos dos quantitativos das pensões de invalidez, velhice e sobrevivência, beneficiando cerca de dois milhões de pensionistas, o que pode ser traduzido, a título de exemplo, pelo aumento de 136% registado naquele período na pensão mínima do regime geral de invalidez e velhice.
Igualmente, o nível de protecção social das famílias portuguesas, designadamente das crianças e jovens, tem constituído objectivo importante da nossa actuação.
É, pois, de acordo com este imperativo que se tem prosseguido um coerente esforço de actualização periódica das prestações sociais, quer as que se destinam a garantir rendimentos substitutivos de salários, quer as que têm em vista compensar encargos familiares.
Neste âmbito, as medidas tomadas que se traduziram num expressivo esforço financeiro (aumento de 7 milhões de contos só em 1988, abrangendo cerca de 2 milhões e 450 mil beneficiários), consubstanciaram-se no aumento dos quantitativos dos abonos de família e suas prestações complementares - subsídio de nascimento, subsídio de aleitação, subsídio de casamento e subsídio de funeral.
Igualmente, pela relevância do seu significado humano e social e em plena consonância com a acção que o Governo vem desenvolvendo em termos de real melhoria das condições de vida e de integração social dos deficientes no quadro de uma política de âmbito nacional, é de destacar o facto de as prestações familiares a estes concedidas terem registado em 1987 aumentos percentuais médios da ordem dos 58% a que se seguiram já em 1988 aumentos entre 12,5% e 14,7%, ou seja, valores percentualmente mais elevados que os referentes às demais protecções.
O que acabo de expor são algumas das medidas pelas quais o Governo, ao mesmo tempo que reitera o seu propósito de cabal cumprimento do seu Programa de maior justiça social, se propõe promover a crescente participação das famílias portuguesas nos resultados positivos da evolução da economia nacional, ao mesmo tempo que conta com os efeitos de um continuado esforço de aperfeiçoamento e rigor na gestão dos recursos da segurança social.

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E, aliás, nesta linha de um continuado esforço de aperfeiçoamento que podemos citar, entre outros, o novo regime de protecção à doença, que procedeu à sistematização e melhoria das normas até então em vigor, com introdução de um subsídio mínimo de 30% do salário mínimo do sector de actividade do beneficiário - medida inovadora que veio beneficiar particularmente aqueles trabalhadores cujo nível de remuneração é mais baixo -, de igual modo procedeu-se ao aumento da protecção social nas doenças de longa duração, nomeadamente pela atribuição automática de uma pensão provisória de invalidez, no caso de a doença se prolongar para além dos 3 anos.
Também o regime de protecção na maternidade e paternidade foi substancialmente melhorado pela publicação de um novo diploma que reformulou o sistema quer pelo alargamento do universo das pessoas a abranger, quer ainda pela medida também inovadora da introdução de um montante mínimo de subsídio, o qual veio beneficiar substancialmente os beneficiários com baixos rendimentos.
Mas é mais vasta a actuação que vem sendo desenvolvida pelo sistema de segurança social em prol das camadas mais desfavorecidas da população, através de uma abordagem integrada que procura fazer convergir de forma articulada e harmoniosa os seus recursos humanos, físicos e financeiros em ordem a alcançar a concretização dos seus objectivos críticos e essenciais.
Na verdade, a solução do problema da pobreza e da exclusão social que revestem entre nós características estruturais não se esgota nem se resume exclusivamente a conceitos e soluções de natureza meramente financeira.
As soluções para a pobreza, como referi já e tal como ela se coloca actualmente, admite outras vertentes que têm mesmo de ser equacionadas em termos mais profundos, porque a pobreza tem hoje em dia um sentido global onde se terão de incluir vertentes não só de natureza material, mas também outras de índole social e cultural.
Pobre é também aquele que está ou se sente marginalizado da sociedade; que não consegue acompanhar o seu ritmo de evolução; que não se encontra em condições de nela participar; que não sabe reconhecer os seus direitos.
Daí que hoje se fale e reconheça a existência de uma nova pobreza.
O conceito de pobreza tacitamente aceite como uma característica do subdesenvolvimento das economias e explicada enquanto tal é hoje um problema enquadrado em novos moldes e atacado e perspectivado noutras dimensões sociais.
No âmbito das Comunidades, a definição adoptada é a seguinte: «Entende-se por fenómeno da pobreza o conjunto de pessoas pobres os indivíduos, as famílias e os grupos de pessoas cujos recursos materiais, culturais e sociais são tão fracos que eles são excluídos dos modos de vida mínimos aceitáveis nos Estados Membros nos quais eles vivem».
Daí que o desafio que se coloca é o de atacar as causas desta pobreza através de um conjunto de acções que permite testar novos métodos de ajuda e encorajar a participação dos próprios interessados nas acções a implementar.
Foi neste contexto de combate à pobreza que o Governo anterior solicitou a inclusão de Portugal no II Programa de Luta Contra a Pobreza implementado
pela Comissão Europeia, que se iniciou nos finais de 1986 e que terminará nos finais de 1989.
Este Programa, no que concerne aos seus objectivos, incide em duas áreas independentes: uma, relativa à execução de acções concretas com vista a aumentar a eficácia da luta contra a pobreza, designadamente na sua expressão de nova pobreza; outra, relativa à identificação de meios que permitam atacar as causas estruturais da pobreza e atenuar os seus efeitos.
Em função destes objectivos a Comunidade presta apoio técnico e financeiro à execução dos diferentes tipos de acções que são conduzidas ao nível de projectos locais de cada Estado Membro.
Assim, e na sequência da decisão do Conselho de Ministros da CEE foram aprovados 10 projectos nacionais pela Comissão Europeia na base de uma comparticipação de 55% do seu custo total e por um período de 29 meses.
De acordo com os 8 grupos sociais considerados no Programa como especialmente vulneráveis à pobreza, os projectos são conduzidos em função dos respectivos temas, ou segundo o tipo de população a que se dirigem.
Assim, os 10 projectos nacionais em curso no âmbito deste Programa Comunitário integram e dirigem-se aos seguintes grupos temáticos:
- jovens desempregados;
- pessoas idosas;
- famílias monoparentais;
- migrantes e refugiados;
- marginais;
- desfavorecidos em regiões urbanas;
- desfavorecidos em regiões rurais.
Em função deste critério selectivo por temas centrais em que a Comissão definiu a estrutura base do Programa, Portugal preparou outros 10 projectos que não se integrando nos referidos grupos temáticos, não podiam ser financiados pelas Comunidades.
Contudo, entendemos que o alcance e importância que estes projectos revestiam para o País, dadas as reais necessidades e carências das populações a que se dirigiam, determinou que os mesmos fossem aprovados pelo Governo, sendo o financiamento suportado inteiramente por verbas nacionais.
Todos os projectos nacionais em curso estão a ser realizados em vários pontos do Continente de Norte a Sul e ainda na Ilha de S. Miguel nos Açores, sendo os organismos produtores na sua maioria os Centros Regionais de Segurança Social e também a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Instituições Particulares de Solidariedade Social e outras instituições com fins sociais.
Nesta óptica, o trabalho que vem sendo desenvolvido em Portugal a nível de todos os projectos específicos de luta contra a pobreza assenta, a nível de base, através de trabalho desenvolvido no terreno, envolvendo os próprios interessados que assim não estarão isolados e não se reduzem a meros objectos de observação, pelo contrário, os projectos em curso são implementados e desenvolvidos nas suas comunidades, que de uma forma inovadora e participada procuram dar resposta às suas necessidades, ao mesmo tempo que contribuem para a sua integração social.
Podemos, assim, referir que a nível da segurança social todas as acções neste campo de actuação se integram já numa perspectiva de desenvolvimento de formas de intervenção no domínio de acção social inseridas na comunidade e visando uma solidariedade social

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de rosto humano, com incentivo à concretização de soluções mais flexíveis e assim mais capazes de responder às necessidades existentes.
Nesta perspectiva, importa salientar as intervenções junto das comunidades e entidades locais por forma a que estas se sintam verdadeiramente participantes nas iniciativas que lhes digam respeito.
Uma forma de combater a pobreza é também eliminar a vulnerabilidade ou a excessiva dependência de certos grupos, facultando-lhes o acesso a técnicas ou ferramentas que possibilitem uma mais crescente autonomia e, consequentemente, uma mais plena realização pessoal.
Daí termos optado pelo lançamento de toda uma série vasta de programas que visam a criação de actividades independentes, mediante a atribuição de subsídios para o inicio de uma actividade independente.
Isto é: Queremos abandonar a perspectiva exclusivamente assistencialista que, naturalmente, leva sempre ao fomento de relações de dependência e até de descrença no futuro. Preferimos canalizar os recursos disponíveis na mobilização da energia latente que sempre terá de existir em cada indivíduo, no sentido de serem aproveitados, primeiro, na realização profissional e pessoal de cada beneficiário e, simultaneamente, no fomento de um tecido social onde se acredite, cada vez com mais força, nas próprias capacidades do indivíduo como meio mais poderoso para contornar as dificuldades.
É neste quadro de pensamento que fomentamos o apoio a actividades independentes, à criação do próprio emprego, incluindo formas de apoio ao artesanato, programas estes que envolvem cerca de 3 500 indivíduos num vasto conjunto de projectos que representam um esforço financeiro por parte do Estado de cerca de 1,5 milhões de contos.
Também está a ser desenvolvido um projecto de ocupação de indivíduos em actividades de interesse para i colectividade proporcionando-lhes, ao mesmo tempo, uma certa formação em exercício, de molde a poderem ingressar no mercado de trabalho com mais facilidades.
O valor total a atribuir a este projecto é de cerca lê l milhão de contos e o número de pessoas a apoiar aproximar-se-á de 3 200 cidadãos, dos quais cerca de 500 terão, à partida, uma garantia de emprego.
De igual modo estão a ser desenvolvidas acções de formação em indivíduos que apenas possuem a escolaridade mínima obrigatória, por forma a facilitar-lhes
entrada no mercado de trabalho.
A este projecto no âmbito da Segurança Social foi atribuído cerca de l milhão e 350 mil contos e serão abrangidas, aproximadamente, 1 500 pessoas das quais 530 terão, em princípio, garantia de emprego.
Estes projectos dirigem-se exclusivamente a cidadãos pertencentes às camadas mais desfavorecidas da população e que têm vindo a ser apoiados por subsídios de acção social, através dos diferentes Centros Regionais de Segurança Social.
Se cidadãos comuns sofrem de problemas de inserção e por isso podem ser incluídos no grupo dos x>bres, outros cidadãos podem sofrer de desvantagens acrescidas dados os problemas resultantes de deficiências físicas e mentais de diversa natureza.
Este grupo, mais vulnerável, obrigou a que considerássemos com particular cuidado os programas de reabilitação profissional nas vertentes de preparação
pré-profissional, formação profissional em colaboração com instituições privadas de solidariedade social, emprego protegido e apoio à integração no mundo do trabalho.
O apoio à contratação - forma expedita de inserção no mercado de trabalho - deve envolver este ano cerca de 2 250 jovens e através do sistema de aprendizagem estão hoje envolvidas 710 empresas com formação para cerca de 5 500 aprendizes.
Ainda na mesma linha de reforço das capacidades de afirmação do próprio indivíduo e com especial ênfase para as zonas rurais vêm sendo fomentadas as iniciativas locais de emprego. Esperamos em 1988, através deste programa, poder criar cerca de l 000 novos postos de trabalho.
Independentemente da busca de solução para o fomento do emprego dos desempregados de longa duração, cujo diploma em apreciação no Conselho Permanente da Concertacão Social, e que pretende dar resposta a esta situação, temos já em funcionamento programas ocupacionais para este tipo de desempregados que envolvem 13 300 adultos e onde em 1988 se investirá mais de 3 milhões de contos.
Igualmente está em curso idêntico programa destinado aos desempregados sazionais.
A política de promoção de emprego que vimos prosseguindo, para além doutros objectivos é também uma forma eficaz de combater o ciclo de perpetuação da pobreza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi-me proporcionado o ensejo de dar a conhecer o conjunto de esforços mais salientes, que não todos, que no âmbito do Ministério do Emprego e da Segurança Social vêm sendo realizados e tendo em vista a prevenção e a luta contra a pobreza e em termos mais vastos, a efectiva melhoria das condições de vida e dos níveis de protecção dos estratos sociais mais desfavorecidos da população portuguesa.
Como deixamos claro, forçoso é o entendimento de que a vastidão e a complexidade das causas da pobreza - entre nós como em qualquer outra sociedade - não consente o suposto de panaceias fáceis.
Temos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a firme convicção de que a luta contra a pobreza é uma tarefa que demanda uma verdadeira responsabilidade de toda a colectividade nacional, ao mesmo tempo que, no plano de acção do Governo, o prosseguimento, intensificação e aperfeiçoamento da conjugação de esforços inter-sectoriais.
Se combater a pobreza envolve o instrumento fundamental da melhoria da performance da economia, relembre-se que nos últimos dois anos e meio Portugal registou níveis invejáveis de crescimento do produto nacional.
Se combater a pobreza é também dar luta sem tréguas ao flagelo da inflação, justo é realçar que nos últimos Governos a inflação em Portugal caiu para níveis impensáveis há apenas 3 anos.
Se combater a pobreza é, paralelamente, criar condições para o fomento do emprego e a luta contra o desemprego refira-se que, neste momento, Portugal regista uma das mais baixas taxas de desemprego no conjunto dos países das Comunidades Europeias.
Se lutar contra a pobreza significa ainda combater as causas do insucesso escolar, diga-se que com este objectivo estão em curso em grande pane do País numerosos projectos direccionados para este objectivo,

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no qual se empenha activamente o Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Por fim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se combater a pobreza não pode, igualmente, deixar de implicar um esforço prioritário de melhoria das prestações pecuniárias e em espécie dos estratos social e economicamente mais desfavorecidos dos nossos concidadãos - entre os quais inequivocamente se situam todos os beneficiários dos regimes reduzidamente contributivo e não contributivo e ainda dos programas de acção social da responsabilidade do sector da segurança social, é-me grato sublinhar que só nos últimos dois anos as despesas com aqueles beneficiários ascenderam a 253,2 milhões de contos, dos quais 110,7 milhões de contos não contaram com qualquer suporte contributivo, o que traduz um esforço financeiro nunca registado anteriormente. A estes valores acrescem, no mesmo período, cerca de 6 milhões de contos de investimentos na criação e remodelação de estabelecimentos de equipamento social para crianças e jovens privados do meio familiar, deficientes e idosos.
A mera prestação pecuniária, mesmo quando aumenta de forma significativa como tem acontecido nos últimos anos; a criação de múltiplos programas de inserção profissional; o apoio de formas diferenciadas de atenuação da dependência ou desvantagem de determinados grupos mais vulneráveis, não deve responsabilizar só o Estado.
Responsabiliza-nos a todos e, por isso, o apoio que continuamos a prestar às Instituições Privadas de Solidariedade Social, não apenas pelos relevantes serviços que prestam à colectividade mas, essencialmente, pelo que, pela sua prática essas instituições traduzem de mais nobre no seu estilo de actuação.
Essas instituições exercem as suas actividades numa base de contacto muito próximo do utente. A abordagem dos problemas nessa sede é inquestionavelmente muito mais humanizada.
O claro posicionamento de muitos dos nossos concidadãos - e felizmente são milhares os dirigentes destas instituições - interpreto-o, pela sua prática quotidiana e simples, como algo de fundamental no combate à pobreza. O que dia a dia eles vão afirmando é que a vida não pode ser um deserto de afecto. E é esta expressão clara, autêntica e bem rica que existe na sociedade portuguesa que entendemos que pode ser ainda mais potenciada no combate à pobreza.
Por isso, reafirmamos aqui a vontade política de, no quadro da melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos apoiar aquelas instituições.

Aplausos do PSD.

Entretanto» assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Hermínio Martinho, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Hermínio Martinho, a primeira pergunta que gostaria de colocar é, quase que diria, irrelevante, na medida em que apenas procuraria satisfazer a minha curiosidade pessoal. V. Ex.ª afirmou que o PRD se encontrava numa situação privilegiada para interpelar
o Governo sobre esta matéria por razões que relevam da sua postura ímpar no domínio da ética e da responsabilidade. Até hoje ainda não compreendi por que é que a posição do PRD é ímpar neste domínio e se V. Ex.ª entender oportuno esclarecer, ficar-lhe-ei muito grato.
Porém, se entender que não é oportuno, também compreenderei e o esclarecimento ficaria para outra oportunidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão que gostaria de colocar é a seguinte: V. Ex.ª fez uma afirmação no início da sua intervenção que me parece extremamente positiva, pois disse que as coisas - no domínio da pobreza - melhoraram algo nos últimos três anos. «Se discordo do «algo» porque creio que é uma expressai tímida, mas a frase é positiva.
Porém, parece estar em contradição com a intervenção do seu colega de bancada, Sr. Deputado Silva Lopes, que se manifestou preocupado no sentido de que não viesse o Governo, ou seja, o meu colega, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, referir que a pobreza é hoje menor do que há três anos atrás. Isto é, está implícito no discurso do Sr. Deputado Silva Lopes que a pobreza aumentou nos últimos três anos o que contradiz a afirmação inicial. Parece-me ser uma contradição insanável, a não ser que o Sr. Deputado Hermínio Martinho queira ter a bondade de esclarece qual é, de facto, a posição do PRD face à evolução da pobreza em Portugal nos últimos três anos.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Hermínio Martinho, há mais um orador inscrito para formular pedi dos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já o~ no fim?

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Prefiro responder no fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Hermínio Martinho, antes de mais quero saudar a oportunidade desta iniciativa do PRD que, apesar de tudo, teve a coragem de trazer aqui um problema que não existe... Trata-se, pois, de um problema que por várias vezes temos tentado abordar nas suas diversas facetas, mas porque não é um número manipulável não existe. Ora, como não existe não há que cr dar dele, a não ser com estudos individuais que té mais que ver com as ciências esotéricas, com coisas raras que o homem ainda não consegue dominar!.
Parece, de facto, que o fenómeno da pobreza é mais uma dessas ciências esotéricas só acessível a meia dúzia de estudiosos... e com o qual os poderes públicos m têm muito com que se preocupar e não há muito fazer! Mas, ainda bem, pois, mais uma vez, abordar mós aqui a questão pela «rama», só que de também mexermos na «rama» provavelmente viremos a abanar a «árvore» - é essa a minha esperança!
Sr. Deputado Hermínio Martinho, o facto de por formular estes pedidos de esclarecimento depois de várias intervenções que foram produzidas dá-me ense

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a realçar algumas das afirmações que foram proferidas pelos outros intervenientes.
O Sr. Deputado Hermínio Maninho disse que a Igreja em Portugal tem tido um papel relevante, tem sido uma entidade atenta e interveniente. O Sr. Deputado Silva Lopes afirmou que a pobreza se reproduz a si própria e, portanto, é um ciclo vicioso. O Sr. Ministro do Emprego e da Formação Profissional referiu ser vontade deste Governo abandonar o assistêncialismo.
Ora bem, fazendo um pouco a ligação entre estas três afirmações, aquilo que gostaria que o Sr. Deputado me dissesse é se não lhe parece que é exactamente pelo facto de a Igreja ter tido esse papel que todos lhe reconhecemos - embora eu não lhe reconheça enquanto entidade, mas sim enquanto actuante pontualmente em diversas realidades do todo nacional -, essa missão que tem reclamado para si quase que em exclusivo, que tem facilitado ao Governo este abandono do assistencialismo. Isto é, em vez de abandonar aquilo que se chama uma política assistencialista, abandona, de facto, o assistencialismo à Igreja, alijando, digamos assim, esta carga do Estado de conseguir resolver os problemas que as suas próprias políticas originam.
Outra questão que vou abordar é a segunda vez que o faço aqui, embora correndo o risco de embarcar naquilo que o Sr. Ministro classificou com um «apriorismo voluntarista». Corro esse risco mais uma vez!
Uma das muitas caras da pobreza em Portugal que talvez seja a que mais vemos é aquilo que tem sido chamado como uma chaga social, a escravatura branca, etc., mas que continua a chamar-se prostituição. A pergunta que coloco tem a ver com esta cara da pobreza, a prostituição em Portugal.
Em interpelação ao Governo a propósito da política social abordei aqui esta questão da prostituição em Portugal. Na altura, por falta de dados e de números, a questão deixou de existir rapidamente e não se avançou na discussão. Porém, o que é problemático é que enquanto o Governo publicita todos os dias e a várias horas que Portugal é o país da Comunidade com menor taxa de desemprego e em que se regista a maior taxa de crescimento económico, parece-me, salvo melhor opinião - e gostaria de ouvir opiniões mais abalizadas do que a minha -, que este será dos países onde a prostituição tem aumentado mais galopantemente. E o que é raro e estranho é que as mulheres que têm vindo a engrossar os contigentes de prostitutas se situam na faixa etária entre os 30 e os 40 anos. Qual a explicação para isto, Sr. Deputado?
A minha questão vai justamente no sentido de saber qual a relação que, no entender do Sr. Deputado, existe entre aquilo que afirmou serem as práticas neoliberalistas deste Governo, a relação que existe entre um tão propalado crescimento económico e a verdade de um facto que está presente nas ruas e a que não vale a pena fechar os olhos, porque se o fizéssemos certamente que batíamos com a cabeça ou num candeeiro ou numa prostituta, porque há tantos de uns como de outras!
Portanto, no entender do Sr. Deputado, qual a relação que existe entre estas duas realidades: a realidade de uns números afirmada e a realidade de outros números não afirmada, mas que vemos e sentimos.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, desde que nos conhecemos, há três anos, tenho acompanhado o seu comportamento e a sua actuação que, normalmente, correspondem àquilo que é a realidade dos factos.
Neste caso concreto e na pergunta que me coloca está quase tudo integralmente correcto, menos quando se referiu à palavra «ímpar» quanto à postura do PRD. De facto, não falei que o PRD tinha «uma postura ímpar no domínio da ética». Portanto, essa palavra «ímpar» tem que ser retirada porque não a afirmei.
Referi uma postura em que a ética é uma preocupação permanente, e para mim essa é uma questão que não tenho dúvida alguma em responder. Quando sou criticado, como já o fui no meu partido, por elogiar algumas atitudes do Governo e quando sou fortemente criticado pelo partido do Governo, como o fui ontem, por censurar, com toda a veemência, atitudes que considero negativas por parte do Executivo, quando temos um comportamento correspondente com o que pensamos e o fazemos com respeito pelos outros, com dignidade não só pelos outros mas também por nós próprios, essa é uma postura que temos tido e que espero que continuemos a ter! Não nos furtamos nunca a elogiar o que consideramos positivo, nem deixamos nunca de tomar as atitudes que consideramos positivas para o país, em especial para aqueles que são mais desfavorecidos, nem que isso nos acarrete, tal como disse na minha intervenção, todos os ónus políticos que possam daí advir.
Não sei se fui inteiramente capaz de responder à questão que o Sr. Ministro colocou, mas, pelo menos, dei-lhe traços significativos daquilo que pensamos neste campo. Aliás, devo dizer que hoje em dia vemos com alguma satisfação outros partidos terem o cuidado de referir que, pelo menos, se esforçam por elogiar acções que consideram positivas e construtivas, venham elas de onde vierem, e não têm uma postura permanente de desgaste e de crítica destrutiva.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado, interpretei o seu discurso e referi a palavra «ímpar» como se V. Ex.ª tivesse dito que o PRD tinha, no domínio da ética e da responsabilidade, uma característica e uma postura superior à dos demais partidos. De resto, parece que não é inédito o PRD referir isso!
Foi essa a minha dúvida e como não conheço bem as diferenças entre a vossa postura ética e a dos demais partidos, pedi para ser esclarecido, embora de antemão admitisse que talvez essa não fosse uma questão relevante para este debate.

O Orador: - Se me permite, Sr. Ministro, devo dizer que, de qualquer forma, é relevante! Neste debate poderia ser fastidioso referir mais casos concretos, mas, se olhar para trás verificará que aquilo que o induziu a concluir que a nossa postura é ímpar talvez tenha vindo do seu subconsciente e não das minhas palavras, o que mostra que o nosso comportamento e a nossa actuação começam a ter alguns frutos.

Risos do PRD e do PS.

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Quanto a pretender sublinhar divergências entre mim e o meu companheiro de bancada, Sr. Deputado Silva Lopes, devo dizer que neste campo não há hipótese de haver divergências, porque nestas matérias ele é infinitivamente mais conhecedor e muito mais profundo do que eu. Tratei de apresentar politicamente a nossa iniciativa, de tentar justificá-la e referi, uma vez mais, aquilo que penso, que admito e que consta em geral na opinião pública e que, de resto, terá oportunidade de ver no futuro, enquanto que ele próprio admite que algo tenha melhorado nos últimos anos.
Porém, o que nos preocupa é que nesta conjuntura extremamente favorável, nas condições ímpares - e aqui utilizo a palavra ímpar - de que o Governo dispõe, não esteja a ser feito aquilo que podia e devia ser feito para que o refluxo, o reverso da medalha, não venha a acontecer no futuro com situações mais complicadas, graves e difíceis. Portanto, daí a oportunidade desta interpelação agora, exactamente neste momento, Sr. Ministro!
Sr. Deputado Herculano Pombo, agradeço as duas questões que colocou. Sobre o papel da Igreja devo dizer que tento sempre analisar friamente as questões e ponderá-las com isenção. Sempre fui católico e não o sou apenas nas campanhas eleitorais para pedir votos aos portugueses, nem nunca o fiz, ao contrário de outros que, infelizmente, o fazem e depois no dia-a-dia não o praticam.
Ao contrário do que o Sr. Deputado pretendeu fazer crer, penso que aqui o papel da Igreja só tem tido um destaque superior - se me permite utilizar esta palavra - àquele que devia ter, porque esta não tem sido devidamente acompanhada nas acções concretas, que não lhe competem. Portanto, ao contrário do que concluiu, penso que deve ser implicitamente intuita uma crítica ao Governo e não uma valorização da acção do mesmo. Isto é, se na prática, naquilo que nos compete a todos nós, houvesse o correspondente acompanhamento em termos de acção, de definição, de metas, de atribuição de responsabilidades por parte de quem compete fazê-lo, que é o Executivo, talvez o papel da Igreja não surgisse perante a opinião pública tão destacada como surge neste caso concreto.
A questão que o Sr. Deputado levantou da prostituição é complicada e, em minha opinião, prende-se com tudo isto e deve-se, em grande parte, a tudo isto. Eu, que viajo diariamente de Santarém para Lisboa, tinha tido ocasião de verificar como esta situação se tem agravado! Na realidade, ela prende-se com tudo o que estamos a discutir e com a falta de medidas - e já nem falo em medidas eficazes - que possam impedir que estas situações se tenham vindo a agravar de maneira tão dramática nos últimos anos.
Para terminar, gostaria de dizer que acerca de cinco ou seis meses, viajando para o Porto com uns amigos estrangeiros, entre Rio Maior e Leiria, eles ficaram tão impressionados, tão envergonhados com o que viram à beira da estrada que me disseram - eles, que viajam por todo o mundo - que esta situação nem já nos países da América Latina se encontra.
Porém, infelizmente, vieram encontrá-la em Portugal, num país que faz parte da CEE. Mas, como disse, e talvez por isso também tenhamos levantado aqui esta questão e eu a entenda inteiramente pertinente, é altura de se tomarem medidas - agora que é possível - para impedir que continuemos para sempre na cauda da Europa.

A Sr.ª Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Silva Lopes, os Srs. Deputados Rui Salvada, Vieira Mesquita, Rogério Moreira, Nogueira de Brito e Mendes Costa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Deputado Silva Lopes, esta é uma das matérias em que - e V. Ex.ª certamente concordará - todos os partidos estão de acordo, isto é, que a pobreza é um tema que deve ser acarinhado por todos os partidos e, portanto, o PRD não tem nessa matéria nenhuma autoridade especial para falar. Aliás, quando logo de manhã o ouvi falar sobre isto na rádio, digo-lhe sinceramente e perdoe-me o desabafo, que não achei bem, porque até podia ser interpretado como um aproveitamento demagógico destas situações.
Aliás, numa parte da sua intervenção, sinceramente que fiquei com dúvidas sobre se V. Ex.ª estava a fazer uma interpelação sobre a riqueza ou uma interpelação sobre a pobreza, porque nós não temos nada contra os ricos, - era bom que todos fossemos ricos, que todos os portugueses fossem ricos -, portanto, não temos nada contra isso, temos é a favor dos pobres, porque queríamos que eles tivessem melhores níveis de vida.
O Sr. Deputado Silva Lopes disse também que previa que o Governo lhe respondesse que os salários em atraso já acabaram, que a inflação baixou, que o emprego aumentou.
A pergunta concreta que quero colocar-lhe é se o Sr. Deputado passa por estes assuntos como uma coisa de somenos importância, quer dizer, se V. Ex.ª não atribui especial importância a estas questões, ou se acha que b que foi feito é insuficiente, porque o é sempre, visto que queremos sempre melhores níveis nestas matérias.
Por outro lado, o Sr. Deputado também aproveitou a sua intervenção para traçar um quadro arrojado de resolução para estas questões. Não sei se V. Ex.ª quando foi Ministro das Finanças pôs algumas destas ideias em prática, nomeadamente porque tinha uma larga competência para o fazer. Se o fez, era bom que a Câmara o soubesse, para que todos nós e o próprio Governo recebêssemos alguns contributos para melhorar uma questão na qual penso que deve haver todas as convergências.
Falou da questão das crianças pobres, dos bairros da lata, dos problemas da CEE, sobrevalorizando um pouco estas matérias. A questão que quero colocar-lhe é se em relação, por exemplo, ao programa de combate ao insucesso escolar - que é um programa arrojadíssimo a que este Governo meteu ombros, que é um programa pluridisciplinar que tem a ver a montante com a alimentação, com a saúde, com a habitação, para além da educação, como é óbvio - V. Ex.ª não o referiu por esquecimento ou pensa que de facto este programa não tem objectivamente nenhum impacto em termos da melhoria dos níveis de vida da pobreza, que concretamente hoje estamos aqui a falar.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Silva Lopes, V. Ex.ª fez um discurso, em que numa segunda parte nos apresentou um conjunto de programas para

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a resolução do objecto desta interpelação, que tem a ver com a pobreza e comecei até por me interrogar, logo que V. Ex.ª iniciou o seu discurso, sobre se isto não seria como que um pré-anúncio de uma moção de censura.
Risos.
É que V. Ex.ª, nas estatísticas que aqui citou, referiu os aumentos do emprego, dos salários reais, do produto interno bruto, quer dizer, referiu um conjunto de índices económicos que na verdade são reveladores do crescimento da economia em Portugal. É óbvio que as condições de vida dos portugueses se resolvem pelo progresso da nossa economia e, por isso mesmo, penso que Portugal está neste momento efectivamente no bom caminho, no caminho da debelação de um problema que nos preocupa a todos, sem excluir qualquer segmento da sociedade portuguesa, como me pareceu que V. Ex.ª faria relativamente aos mais favorecidos.
Entendemos que Portugal é uma sociedade, é um conjunto de homens e mulheres que devem ser solidários, devem procurar dar as mãos no sentido da resolução dos problemas, designadamente das classes mais desfavorecidas.
Mas fico perplexo e interrogo-me, já que V. Ex.ª que teve responsabilidades governativas e também deve saber que a pobreza não pode desaparecer rapidamente e tem de ser atacada com eficácia.
Por isso, pergunto a V. Ex.ª quais foram os recursos, quais foram os planos que V. Ex.ª teve em vista e lançou para a resolução de um problema como é este da pobreza, que também estamos empenhados em erradicar, quando estava no Governo e, designadamente, quando esteve à frente de uma instituição bancária importante, como foi o caso do Banco de Portugal!
É esta a pergunta que lhe deixo, porque este Governo e o anterior já lançaram planos para erradicar a pobreza em algumas regiões do país e, por isso, gostaria muito que V. Ex.ª não viesse hoje aqui apenas como Deputado da oposição, esquecendo outras responsabilidades que teve neste país como as responsabilidades executivas a nível do Governo.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Deputado Silva Lopes, a vosso interpelação é oportuna no momento em que muita da população portuguesa se interroga sobre aqueles dramas que se sentem no dia-a-dia. Eles são evidentes e são sinais exteriores de pobreza, se assim lhe quisermos chamar, porque todos os dias com eles deparamos na rua, «é assim e é pena, o Governo não olha», mas, enfim, a população sente, as pessoas sentem, as pessoas vêem isso no seu dia-a-dia e, por isso, é oportuno e é bom que tenham decidido fazer essa interpelação.
O Sr. Deputado Silva Lopes traçou um quadro suficientemente elucidativo da situação. É certo que sem os elementos estatísticos tão recentes quanto aqueles que seriam desejáveis, mas também sobre isso vale a pena indagar o Governo, que não responde, mas pode ser que ainda o venha a fazer mais adiante a respeito desse problema.
O Sr. Deputado adiantou na sua intervenção aquilo que considera ser um programa integrado de combate
à pobreza e especifica, referindo-se à habitação, ao ensino e a outras áreas estratégicas. A pergunta que lhe queria fazer é se não considera que as suas propostas são, no fundo, o negativo daquilo que é a ineficácia e a ausência de actuação do Governo nessa matéria. Como estamos numa interpelação ao Governo, o que importa aqui clarificar, é se há ou não alguma estratégica nacional de combate à pobreza.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Creio que não há qualquer estratégia de combate à pobreza, pelo menos a intervenção do Sr. Deputado Silva Lopes dá-nos a entender isso e adianta algumas das linhas de actuação de uma intervenção global de combate à pobreza que não existe. No entanto, o Governo tem como solução para esta situação aquela lógica que agora podemos verificar através da intervenção do Sr. Ministro do Emprego, que é a cada pobre um futuro empresário, ou seja, não há pobres que não venham a ter a sua iniciativa pessoal e a sua iniciativa própria e, como tal, venham a ser os empresários de si próprios. Na verdade, é essa um pouco a lógica que norteia 90% das iniciativas referidas pelo Sr. Ministro do Emprego.
O Governo renega assim e de facto essa problemática e o que gostaria de perguntar é se o Sr. Deputado considera ou não que a forma como ela é entendida pelos nossos governantes, não é como se tratasse de uma questão marginal, de uma questão residual e que, por isso, pode perfeitamente subsistir sendo que outras matérias mais relevantes se colocam.
Uma segunda referência quanto à afirmação do Sr. Deputado de que choca e choca particularmente que não haja uma diminuição significativa dos níveis de pobreza, que não haja uma diminuição aparente e que não haja diminuição real.
Isso é verdade, corroboro dessa sua preocupação e pergunto-lhe também se não é tão ou ainda mais chocante que a pobreza e os sinais de pobreza não sejam hoje apenas um problema das mais velhas gerações, quer dizer, que seja hoje um problema visivelmente sentido também pelas jovens gerações. Não é essa uma das maiores hipotecas que temos em relação a essa problemática para os tempos mais próximos, ou seja, a permanência e até a própria ampliação de sinais de pobreza e de degradação social evidente entre os jovens e entre as camadas mais novas da população.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, gostaria que o meu pedido de esclarecimento, funcionasse simultaneamente em relação ao Sr. Deputado Silva Lopes, do PRD, partido interpelante hoje na Assembleia, e ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, que tomou o papel de interpelado nesta sessão.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Silva Lopes e Srs. Deputados do PRD, congratulamo-nos com a iniciativa que VV. Ex.ªs tomaram hoje, mas não entendemos que esse facto os autorize a, mais uma vez, reivindicarem aqui no Parlamento, como aliás tem acontecido, a circunstância de se tratar de um partido preocupado com a introdução e a vivência de princípios éticos na política - V. Ex.ª depois explica essa

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circunstância, dando o exemplo da vossa atitude, de aprovação nuns casos, de crítica noutros.
Sr. Deputado, temos feito isso há várias legislaturas- agora estou a falar para o Sr. Deputado Hermínio Martinho - e não invocamos coisíssima nenhuma!
Acho que V. Ex.ª com essa invocação permanente diminuem, porventura, o papel que a Assembleia da República, como um todo, deve assumir, por exemplo, em relação a esta matéria. E volto ao elogio. É oportuno que V. Ex.ª tenham tratado este tema numa interpelação ao Governo, principalmente no momento em que somos por vezes afogados numa invocação um pouco diferente, que é uma invocação constante de estatísticas, de números que não ocultarão completamente a realidade, mas que não mostram toda a realidade.
Por outro lado, também é importante que V. Ex.ª tenham invocado a pobreza num momento como este, em que é importante que recordemos os deveres de solidariedade que cabem a todos nós e é importante que essa invocação seja feita na câmara política, na Assembleia que representam todos os portugueses, porque essa deve ser uma preocupação dos representantes de todos os portugueses.
É ainda importante que V. Ex.a, ao interpelar o Governo sobre a pobreza, tenha falado na Igreja e no papel que esta tem assumido no combate à pobreza e na denúncia da mesma no nosso país. Temos todos em mente as intervenções importantes, e aquilo que elas tiveram de significativo, do Sr. Bispo de Setúbal, do Sr. Bispo de Dume no norte do país, entre outras intervenções vindas da hierarquia da Igreja e de outras que não pertencem a hierarquia, denunciando situações reais de pobreza e mais do que a denunciar, a reunir meios para combater a pobreza. Fizeram V. Ex.as bem!
O CDS tem-se preocupado com a pobreza e está aqui sentado na nossa bancada o antigo Presidente do partido, Prof. Adriano Moreira, que reivindicou o combate à pobreza como um dos lemas e uma das responsabilidades fundamentais da vida política, das organizações políticas e da nossa organização política em Portugal.
Sr. Deputado Silva Lopes, esta invocação da Igreja feita pelo Sr. Deputado Hermínio Martinho, tornou um pouco estranha, a meu ver, a intervenção de V. Ex.ª porque fez um diagnóstico elucidativo e suponho que indesmentível, mas depois aplicou uma terapêutica que me parece contraditória com esta invocação das forças sociais num real e verdadeiro combate à pobreza. É que as medidas que V. Ex.ª apontou vão no sentido do reforço da intervenção estatal no estilo do «Estado-providência» que hoje todos reconhecem que tem limites no seu próprio desenvolvimento.
Por outro lado, estranhei isso, não só no contexto do discurso de V. Ex.ª como também no contexto da actuação de V. Ex.ª como Deputado nesta Assembleia da República, e V. Ex.ª fez bem quando, no fim da sua intervenção, recordou intervenções anteriores, em que criticou o constante aumento da despesa.
Sr. Deputado Silva Lopes, esqueceu porventura V. Ex.ª uma ou outra vertente das suas intervenções anteriores, aquelas em que criticou o constante aumento da carga fiscal e em que lamentou que a conjuntura não tivesse sido aproveitada mais cedo para aliviar esse aumento da carga fiscal e por aí, embora isso possa
parecer estranho para alguns, se encontrará uma das vias do combate à pobreza.
É que, Sr. Deputado Silva Lopes, se alguma perspectiva crítica temos - e temos sem dúvida -, em relação à autoproclamada reforma fiscal que está em vésperas de ser definitivamente aprovada por esta Assembleia, é pelos desequilíbrios que ela consagra, é porventura por aquilo que nela significa aumento da carga fiscal sobre os portugueses e não por aquilo que nela pode significar alívio dessa mesma carga fiscal.
Sr. Deputado Silva Lopes, tudo isto para agora colocar a V. Ex.ª uma questão que é simultaneamente para o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
V. Ex.ª situou fundamentalmente as medidas...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que termine o seu pedido de esclarecimentos.
O Orador: - Sr.ª Presidente, se me permite, gostaria de continuar utilizando o tempo atribuído ao CDS para o período de debate.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, é claro que todos estes tempos contam. Em todo o caso, houve uma decisão de cortar o som ao fim de S minutos e por isso peco-lhe que termine.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
A questão é esta, Sr. Deputado Silva Lopes: um dos vectores em que V. Ex.ª situou o combate à pobreza foi o das medidas tomadas no âmbito da segurança social o que lhe pergunto, a si e também ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, que invocou o aumento da despesa, é se, apesar de o Estado ainda não ter assumido verdadeiramente as suas obrigações de financiamento em relação ao sistema de segurança social, não é verdade que já se pode augurar um futuro tenebroso para a nossa segurança social, de tal modo se projecta em tempos próximos o desequilíbrio entre activos e pensionistas do nosso regime de segurança social. Não acha que terá de ser por outras vias, que não apenas pelo desenvolvimento das prestações a cargo do sistema público de segurança social, que poderemos encontrar meios eficazes de combater a pobreza? Não será precisamente no fomento das iniciativas da própria sociedade em relação à pobreza, embora isso desagrade ao Sr. Deputado Herculano Pombo, que poderemos encontrar meios eficazes para o seu combate?

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, ainda para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Mendes Costa.

O Sr. Mendes Costa (PSD): - Sr. Deputado Silva Lopes, referiu-se V. Ex.ª, durante a sua intervenção, à Comissão Diocesana de Justiça e Paz do distrito de Setúbal. Ora, porque se trata do distrito pelo qual fui eleito e porque V. Ex.ª, no decorrer da intervenção, nada referiu sobre o que se fez e está a fazer nesse distrito para combater a forte precaridade social que o atingiu após o 25 de Abril, quero, em primeiro lugar, perguntar-lhe se tem conhecimento do que foi feito no distrito de Setúbal e, em segundo lugar, explicar-lhe os resultados obtidos.
Assim, gostaria que o Sr. Deputado nos dissesse se tem conhecimento do que, através do Ministério do

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Emprego e da Segurança Social, foi e está a ser feito em Setúbal.

Protestos do PCP.

Além dos esquemas normais de segurança social e de apoio aos carenciados a cargo dos centros regionais de segurança social, foi implementado, ainda durante o IX Governo Constitucional, isto é o chamado Governo do Bloco Central, um plano de emergência para o distrito de Setúbal, no âmbito do qual o Governo canalizou para aquela região um milhão e oitocentos mil contos, verba que permitiu resolver casos graves de precaridade social, de fome, de desemprego, de salários em atraso, etc. Tudo isto, todos estes esquemas do plano de emergência conseguiram melhorar a situação de centenas ou mesmo milhares de famílias que viviam fortemente atingidas no plano social. Os inúmeros contratos celebrados pelos centros regionais com instituições particulares de segurança social - misericórdias, centros paroquiais, etc. - permitiram, nomeadamente, criar lares de idosos e inúmeros centros de dia para albergar e servir refeições condignas aos mais carenciados.
Para além disso, este plano de emergência permitiu combater o insucesso escolar, estando neste momento a ser servidas refeições a onze mil e duzentas crianças das escolas, sendo que os resultados em termos de insucesso escolar foram já visíveis durante este ano.

O Sr. Cláudio Percheiro (PCP): - Mas os pais têm fome! Estão no desemprego!

O Orador: - Pergunto-lhe, ainda, se tem conhecimento do que foi feito no campo da habitação, designadamente dos milhares de fogos que foram construídos nos concelhos de Almada, Moita e Setúbal através dos contratos de desenvolvimento de habitação, fogos esses que foram vendidos a preços sociais. Não tem conhecimento também da implementação, através do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, da OID (Operação Integrada de Desenvolvimento), o que vai permitir investir em Setúbal 71 milhões de contos, 70% dos quais a fundo perdido, criar, nos próximos 5 anos, 45 mil postos de trabalho?

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Ou mais...

O Orador: - O Sr. Deputado não fez qualquer referência a esta acção que tanto este Governo, como o IX e o X Governos constitucionais levaram a cabo, tendo em atenção a forte precaridade social que existe em Setúbal. E eu pergunto-lhe: isto não é combate à pobreza, Sr. Deputado ? Não o será no campo estrutural, mas no campo conjuntural este e outros Governos estão atentos ao distrito de Setúbal, que no meu entendimento foi o mais atingido após o 25 de Abril na área social.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por responder ao Sr. Deputado Rui Salvada, que disse que todos nós estamos de acordo que a pobreza é um flagelo que merece ser combatido. É claro que estamos todos de acordo quanto
a isso. Agora, há quem queira que se actue e há quem não actue, e o que precisamente procurei demonstrar foi que a actuação deste Governo em matéria de combate à pobreza é insuficiente, dados os meios de que dispõe.
Ò Sr. Deputado disse que o vosso partido não tem nada contra os ricos. Bom, da parte de um partido social-democrata não é uma afirmação muito frequente, mas, de facto, temos visto que é esse, realmente, o vosso pensamento, nomeadamente quando, por exemplo, se pretende uma reforma fiscal que é de tipo regressivo. Mas deve ser o único partido chamado social-democrata do mundo que faz uma proposta destas...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Tanto V. Ex.ª como o Sr. Deputado Vieira Mesquita disseram que afirmei que o emprego, os salários, as pensões, etc. aumentaram e que, portanto, isso era uma prova do triunfo do Governo no seu combate contra a pobreza.
Já aqui tem sido dito inúmeras vezes - e penso que nem valeria a pena voltarmos ao assunto - que a conjuntura dos últimos 2 ou 3 anos foi extraordinariamente favorável, com condições externas como nunca aconteceu no nosso país pelo menos nos últimos 20 anos. Ora, o Governo alguma coisa havia de aproveitar disso! Perante estas condições, o Governo não conseguiria evitar que a produção crescesse, que os salários aumentassem e que houvesse algum progresso no emprego.
O que procurei demonstrar foi que os progressos conseguidos em matéria de emprego e de salários foram bastante inferiores ao que seria de esperar face às melhorias da conjuntura social.
Eu disse que o emprego aumentou certa de 1% nos sectores não agrícolas, mas depois o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social veio dizer que os resultados do inquérito respeitante ao primeiro trimestre deste ano apontam para números completamente diferentes. Devo dizer que ainda não vi as estatísticas do inquérito feito no primeiro trimestre deste ano e, por isso, não posso discutir essa afirmação. Em todo o caso, pergunto se esse inquérito já neutralizou totalmente, por exemplo, os aumentos do emprego agrícola que se notaram nos inquéritos anteriores. Será que tudo o que disse é posto em causa por esse inquérito?
Quanto aos salários, referiu que apesar de eles terem aumentado razoavelmente - aliás, como não poderia deixar de ser com uma conjuntura destas, e até porque os sindicatos fizeram o possível para que isso acontecesse...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Mas os outros países também tinham essa conjuntura e nunca conseguiram isso!

O Orador: - Não conseguiram porque a conjuntura era outra, Sr. Deputado ! Se percebesse alguma coisa de economia saberia que é isso que acontece quando um país está a passar por uma crise económica. Em todos os países que estão a passar por uma crise económica os salários não podem aumentar. Em contrapartida, nos países que estão a passar um período de expansão económica os salários aumentam. Isto é o que acontece em toda a parte, Sr. Deputado, e cá também!

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Agora, o que aconteceu cá foi que os salários aumentaram menos do que os recursos que o país tem à sua disposição. Foi isso que procurei demonstrar e é a essa questão que gostaria que me respondessem.
Outro ataque que procuraram dirigir-me foi o de me perguntarem o que é que fiz quando fui Ministro das Finanças.
Bom, em primeiro lugar, devo dizer que o Ministro das Finanças só por si não pode fazer tudo. Mas já agora, nunca será de mais lembrar aos Srs. Deputados do PSD - porque esta é uma técnica que já usaram várias vezes sempre que faço intervenções nesta Câmara - que fui Ministro das Finanças nos Governos provisórios até Março de 1975 e depois voltei a sê-lo no Governo Nobre da Costa, cujo programa não chegou a ser aprovado na Assembleia da República.
O Governo Nobre da Costa durou apenas 3 meses, visto que o seu programa não foi aprovado nesta Câmara e, portanto, é claro que não pude fazer nada.
Quanto aos Governos provisórios, o que se fez em matéria de ataque à pobreza foi, por vezes, até excessivo...

Protestos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Foi, sim senhor!

O Orador: - ... e incompatível com o equilíbrio económico. Aumentaram-se os salários mínimos e as pensões sociais de tal modo que até se criaram alguns desequilíbrios.
Suponho que os Srs. Deputados do PSD devem saber disto... Então, agora vêm criticar os Governos a que pertenci por não terem feito o suficiente?! Os senhores não fazem a mínima ideia do que estão a dizer!

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e da ID.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - O senhor é que não!

O Orador: - Sr. Deputado, só lhe faço esta pergunta: acha que o Governador do Banco de Portugal também tem de ter um programa de combate à pobreza?

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não tem de ter um programa de combate à pobreza mas tem influência no domínio das finanças!

O Orador: - Bom, não vou continuar nesta discussão, até porque esta teoria de que a taxa de desconto deve ser utilizada como argumento contra a pobreza é uma teoria extremamente original.
Foi também referido que não mencionei as valiosas iniciativas tomadas por este Governo em matéria de combate ao insucesso escolar.
Bom, não mencionei isso porque não tinha elementos. É que pedi ao Governo elementos sobre esta matéria, mas eles não me foram fornecidos.
Ao Sr. Deputado Rogério Moreira quero dizer que estou inteiramente de acordo com a sua interpretação de que a minha proposta é prova de que o Governo não tem uma estratégia de luta contra a pobreza e ainda quando diz que os problemas da pobreza atingem com grande gravidade as jovens gerações. Aliás, esse foi um dos pontos que mencionei com algum desenvolvimento na minha intervenção.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito disse que proponho uma terapêutica contraditória, na medida em que defendo uma maior intervenção do Estado - «Estado-providência» - no domínio social. É um facto que o defendo, e nisso terei ideias diferentes das do Sr. Deputado. Simplesmente, o facto de haver um programa integrado contra a pobreza como aquele que aqui propus não significa que as organizações não governamentais, nomeadamente a Igreja Católica, não devam ter um papel bastante mais activo neste domínio. Agora, do que essas organizações precisam muitas vezes é de mais dinheiro e esse dinheiro não pode vir só das contribuições voluntárias; tem de vir também de subsídios do Estado.
Portanto, é necessário que o Estado dê mais subsídios às organizações caritativas - Igreja Católica e outras - que se dedicam ao combate à pobreza e a outros problemas de natureza social.
Falou ainda o Sr. Deputado no problema da carga fiscal. É facto que tenho aqui dito que a carga fiscal não poderá continuar a aumentar, mas também tenho afirmado várias vezes que a carga fiscal deve ser melhor distribuída. Não vale a pena entrarmos nessa discussão, mas penso que os nossos conceitos sobre distribuição de carga fiscal não são coincidentes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Por isso é que somos de partidos diferentes!

O Orador: - Aquilo que para mim será a melhor distribuição talvez não o seja para o Sr. Deputado.
Finalmente, no que respeita às medidas de segurança social, o Sr. Deputado disse (e muito bem) que considero que essas medidas constituem um instrumento essencial no combate contra a pobreza, mas também é verdade que - e estou de acordo consigo nesta matéria - poderá haver no futuro um problema quanto ao equilíbrio do financiamento da segurança social. De facto, esse problema merece algumas preocupações. Simplesmente, ele não deve ser, de maneira alguma, um obstáculo a que se ataquem os casos mais chocantes de pobreza, pois há ainda muitas ineficiências no sistema de segurança social. Sabemos, aliás, que é difícil combatê-las e até sei que o Governo está empenhado em combater os problemas da ineficiência, da fraude, os problemas daqueles indivíduos que recebem mais do que uma pensão ou que recebem uma pensão e simultaneamente trabalham. Todos nós sabemos que existem esses problemas, que eles são difíceis de combater e que o Governo até estará empenhado em combatê-los. É por esse caminho que se deve avançar para evitar esses futuros desequilíbrios da segurança social, e não por redução das prestações a favor dos mais necessitados abaixo dos níveis considerados decentes.
O Sr. Deputado Mendes Costa falou sobre o que é que se tem feito no distrito de Setúbal. Esta era também uma das áreas sobre as quais tinha pedido elementos ao Governo, mas nada recebi. Poderia ter colhido informações por outras vias, mas acontece que o meu tempo era limitado. Aliás, mesmo assim fui acusado de exceder os limites do tempo e não pude desenvolver tudo.
De todo o modo, pelos vistos, a Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Setúbal não considera que o que foi feito tenha sido satisfatório, já que ainda no ano passado dizia que havia mais carências e mais desemprego do que em 1983.

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O Sr. Mendes Costa (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Mendes Costa (PSD): - Certamente que o Sr. Deputado deixou para o fim a resposta à minha pergunta. Mas, já agora, deixe-me dizer-lhe que o resultado de tudo o que mencionei, examinando os números dos votos obtidos pelo meu partido em 1985 e em 1987, foi que o PSD duplicou a sua votação em Setúbal, passando de 64 para 128 mil votos. Portanto, se passámos a ser o partido mais votado foi porque a política social foi aplicada.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Diminuiu a pobreza!... Os pobres comem os votos!...

O Orador: - Sr. Deputado, além deste testemunho insuspeito da referida comissão diocesana de Setúbal, há também uma afirmação do Sr. Primeiro-Ministro, feita, salvo erro, em Dezembro de 1987, na altura em que visitou Setúbal, que dizia que ainda há fome em Portugal.

Vozes do PSD: - Pois há!

A Sr.ª Presidente: - A Sr.ª Deputada lida Figueiredo pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - É para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr.ª Presidente, nos termos regimentais, solicito um intervalo regimental de 30 minutos para que os Deputados Comunistas possam participar numa conferência de imprensa que vai realizar-se dentro de alguns minutos.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, o pedido é regimental, pelo que vamos interromper agora os trabalhos, que se reiniciarão às 17 horas e 55 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa que estão inscritos, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, a Sr.ª Deputada Helena Roseta e os Srs. Deputados Manuel Filipe, Silva Lopes e António Guterres.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (INDEP): - Sr. Ministro, estou muito de acordo com a perspectiva em que se colocou o Sr. Deputado Silva Lopes no sentido de tentarmos analisar a questão da pobreza em termos globais. Isto é, por um lado, e em termos da população portuguesa, é necessário ter uma noção de qual a percentagem de pessoas que estão, de facto, em níveis
de pobreza definidos, de forma relativa ou absoluta, mas que vivem em níveis de pobreza aos quais somos chamados a responder; e, por outro lado, é necessário tentar dar resposta a esse problema sob forma integrada.
Como o Sr. Ministro sabe uma das principais facetas da pobreza vivida é o problema habitacional. Na década passada, 40% das famílias portuguesas eram insolventes face ao mercado habitacional. Embora, neste momento, o Secretário de Estado da Construção e Habitação não esteja nesta Câmara, gostaria de colocar a questão aos Srs. Membros do Governo presentes, no sentido de saber se têm números que possam indicar quanto à percentagem actual de insolventes relativamente aos preços praticados no mercado habitacional, quer no mercado de arrendamento quer no de venda.
Julgo que, nos últimos anos, essa percentagem não diminuiu, antes pelo contrário, o que nos coloca numa situação em que uma larga faixa da população não tem capacidade de solvência para os custos habitacionais.
Perante isto, que medidas tomou o Governo?
Tenho na minha frente o diploma que consagra o programa que o Sr. Ministro referiu na sua intervenção, o PRAUD (Programa de Reconstrução das Áreas Urbanas Degradadas) que foi lançado este ano por despacho emanado do Ministério e que visa a recuperação de áreas urbanas degradadas, contudo, a minha perplexidade é muito grande, pois considero que a problemas estruturais não podemos dar respostas conjunturais, pontuais e mal definidas.
O PRAUD parece-me um programa em que há boas intenções. Simplesmente, de novo aparece sob a forma de um despacho, um programa que visa objectivos muito ambiciosos. De qualquer modo, não está inscrito no PIDDAC, não sabemos qual é a verba que vai ser consumida nem sequer conhecemos a duração deste Programa e este tipo de medidas sem estabilidade e sem duração definida, não tem qualquer eficácia.
A questão que gostaria de colocar é a de saber se o Governo prevê a possibilidade de integrar no PIDDAC estes programas do tipo do PRAUD, ou do Programa de Combate à Pobreza - como foi referido pelo Sr. Deputado Silva Lopes -, dando-lhes a dignidade e a estabilidade que os programas desta importância deveriam merecer de todos nós.
A terminar, dirijo aos Membros do Governo e a todos os Deputados presentes, nesta Câmara, uma mensagem final: Por favor, não façam dos pobres cobaias das nossas discussões! Uma das coisas que mais aborrece as pessoas que vivem nos bairros pobres - e quem tem experiência de trabalho social sabe-o - é a quantidade de vezes que são inquiridas sobre as mais diversas coisas sem que desses inquéritos resulte solução alguma. Não corramos hoje, aqui, este risco nem partilhemos os votos em função dos nossos pobres. Os pobres não têm dono, tenhamos um pouco mais de respeito por aquilo que sofrem!

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Filipe.

O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Sr. Ministro, os deficientes fazem parte da população pobre deste país, como, aliás, já tive oportunidade de dizer nesta Câmara.

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O Sr. Ministro referiu os subsídios atribuídos pela segurança social às instituições de deficientes. Pergunto-lhe como explica, então, que os colégios particulares com fins lucrativos recebem mais do dobro dos subsídios atribuídos à cooperativas que não visam fins lucrativos? É assim que V. Ex.ª favorece os mais pobres?
Já há algum tempo atrás e igualmente nesta Câmara coloquei esta mesma questão a V. Ex.ª - não sei se está lembrado, mas pode confirmá-lo através do Diário da Assembleia - que me respondeu que se tratava de um problema da tutela do Sr. Ministro da Educação. O Sr. Ministro agora já deu conta que é da sua tutela? Por favor, Sr. Ministro, esclareça-me!
O Sr. Ministro acredita naquilo que disse relativamente ao número de deficientes a integrar no mundo do trabalho ou será que alguém lhe deu números incorrectos?
É que, na verdade, com tantos desempregados que existem no nosso país e que não são deficientes, como vai o Sr. Ministro empregar os deficientes, se nem a quota estabelecida no ano internacional do deficiente ainda foi cumprida?
O Sr. Ministro veio aqui apenas com algumas palavras bonitas, mas elas são enganosas!
Esclareça-me, por favor!

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Ministro, na minha intervenção fiz referência ao facto de, há três meses atrás, ter apresentado um requerimento ao Governo solicitando informações sobre as políticas de pobreza, mas não me foi dada qualquer resposta. Gostaria de saber se o Sr. Ministro tem alguma explicação para este facto e se considera ser possível organizar um debate, como o que estamos agora a ter, de forma suficientemente fundamentada, sem que o Governo preste informações a tempo a quem lhas pede.
O Sr. Ministro, na sua intervenção, referiu também vários programas de formação profissional a favor dos pobres. Gostaria de saber se esses programas são financiados pelo Fundo Social Europeu e em que medida é que o montante desses financiamentos se compara com o total dos dispêndios do referido Fundo.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Ministro, não gostaria de transformar um debate sobre a pobreza, que é um problema sério, num debate sobre a pobreza das ideias do Governo para combater a pobreza. No entanto, não posso deixar de sublinhar que se trata de um debate tecnocrático sobre índices globais e sobre algumas medidas pontuais. Tive o cuidado de ler o documento relativo a esta matéria, que foi distribuída aos Deputados, onde me foi dado verificar o carácter irrisório de muitas das medidas pontuais e dos projectos que foram citados na sua intervenção, como, por exemplo, o Projecto da Cruz da Picada, o Projecto do Envelhecimento da Sé e outros, que constituem, de facto, uma lista de coisas que não têm muito a ver com a dimensão global do problema.
Pondo de parte todas estas questões, gostaria de saber, em primeiro lugar, se há ou não, em Portugal,
uma percentagem - que não será o terço dos portugueses que estão abaixo de um limiar de pobreza absoluta definido por certos critérios, mas apesar de tudo, significativa - de cidadãos do nosso país que vivem abaixo de níveis minimamente aceitáveis, para que se possa falar com justiça de dignidade do homem e do cidadão.
Em segundo lugar, gostaria de saber se há ou não uma espantosa margem de manobra, quer ao nível das finanças públicas quer ao nível da situação da nossa Balança de Pagamentos, que permitiria ao Governo um programa a sério, quer ao nível de acção do poder público quer ao nível do apoio às iniciativas privadas, transformado numa verdadeira prioridade nacional para eliminar, num prazo razoável, não a situação de pobreza definida latamente mas os casos verdadeiramente atentatórios da dignidade humana.
Se existem estes casos e esta margem de manobra - como estou convencido que existem - por que é que o Governo não transforma este objectivo num verdadeiro objectivo da sua política económica. Será porque, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Mendes Costa, o verdadeiro problema é que os estratos verdadeiramente pobres de uma população são aqueles que, pela sua própria marginalidade, estão marginalizados do próprio processo político e são aqueles em que se verificam sempre as mais elevadas taxas de abstenção eleitoral?

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr.ª Presidente, vou começar por responder aos pedidos de esclarecimento agora formulados, deixando para o final deste debate as respostas aos outros pedidos já formulados anteriormente.
A Sr.ª Deputada Helena Roseta coloca-me questões do âmbito da habitação em áreas degradadas. Lamento não poder dar informação imediata sobre este tipo de questões, no entanto, relacionado com este tipo de problema, e sem querer significar que não há problemas graves no domínio da habitação, lembro à Sr.ª Deputada que, quando se modificou a Lei das Rendas, se tomaram medidas no sentido de inscrever determinado tipo de verbas no Orçamento - uma medida que tinha a ver com a área da Segurança Social - no sentido de acorrer àqueles casos mais vulneráveis e mais insolventes do mercado da habitação. A utilização dessa verba atingiu valores próximos de...

A Sr.ª Helena Roseta (INDEP): - Foi 5%!

O Orador: - ... exacto, foi 5%.
Não quero dizer que esta medida seja significativa, ou que seja uma análise quantitativa indiciadora, de uma forma exacta, de tudo o que se passa nesta área, mas vou colher informações junto do Sr. Secretário de Estado da Construção e Habitação, para, de uma forma mais expedita e mais concreta, poder responder às questões que me colocou sobre a maior ou menor dignidade do PRAUD e a sua eventual integração no PIDDAC.
Gostaria, contudo, de sublinhar que considero o fenómeno da pobreza numa perspectiva global. Neste debate, em que se coloca à discussão um tema desta natureza, é evidente que se pode falar de vários aspectos.

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Quanto à questão que o Sr. Deputado António Guterres colocou, isto é, se vemos o homem como o centro fulcral de todas as actividades, temos uma série de vectores e de sectores que podem contribuir, de forma positiva ou negativa, para a dignificação referida pelo Sr. Deputado. A habitação é uma das vertentes. Procurei elencar algumas das vertentes que estão mais directamente sob a minha responsabilidade, o que não quer dizer que não partilhe de uma visão integrada na actuação dos grupos dos cidadãos mais vulneráveis.
Por experiência própria, não acredito - e posso referir casos concretos como o da Península de Setúbal que visitei durante vários dias, tentando avaliar, de uma forma concreta, o esforço financeiro que foi traduzido, durante os últimos anos, nessa zona - que seja apenas a prestação pecuniária do Estado o aspecto mais importante. Há medidas de carácter administrativo também importantes e até a forma como se faz a aproximação a esses estratos populacionais, o estudo de actuação da Administração e das instituições privadas de solidariedade social, são, por vezes, elementos mais decisivos que os aspectos quantitativos que se inscrevem no Programa do Governo.
Considero a problemática habitacional como algo de muito importante num contexto global de ataque, quer à pobreza quer a outros grupos mais vulneráveis, que não se podem avaliar apenas pelo rendimento quantitativo disponível de um ou de outro agregado familiar.
O Sr. Deputado Manuel Filipe afirmou que os colégios com fins lucrativos recebem mais do dobro dos subsídios da segurança social do que recebem as cooperativas sem fins lucrativos. Desminto e estou pronto a provar através de elementos quantitativos, que o que o Sr. Deputado disse não é verdade.
Segundo a informação que, rapidamente, o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social me transmite, os subsídios atribuídos pelo Estado às cooperativas sem fins lucrativos são mais elevados do que os que são atribuídos aos colégios.
Pergunta-me, ainda, o Sr. Deputado como é que o Governo encara a problemática de empregar os deficientes.
Decerto, o Sr. Deputado sabe que, em termos de isenções para a segurança social - e porque o emprego se cria, fundamentalmente nas empresas - foi tomada uma medida legislativa que consagra a isenção de contribuições para a segurança social para aquelas empresas que empreguem deficientes. E não vou enumerar casos concretos, que conheço, de alguns bons exemplos de empresas que têm empregado alguns deficientes.
Julgo, no entanto, que há muito mais a fazer. Estamos preocupados com toda esta problemática, temos o apoio notável de algumas instituições privadas de solidariedade social e estamos empenhados em fazer com que os deficientes possam diminuir a sua desvantagem, através de processos de reinserção profissional. Na minha intervenção tive ocasião de aflorar esse elemento quantitativo que pode ter algum significado nisto - e julgo que tem -, mas é preciso analisar, em concreto, as obras num estrato e num grupo vulnerável, onde, por vezes, os problemas são muito complexos e difíceis de resolver. Espalhados pelo país, há casos concretos de recuperação notável de alguns deficientes com inserção nítida no mercado de trabalho.

O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Referi-me às instituições, não às famílias!

O Orador: - Se me perguntar se estou satisfeito com os resultados alcançados, devo dizer-lhe que, nesta matéria, o que está em causa é algo de tão inestimável que nunca me poderia dar por satisfeito com os resultados obtidos quanto à problemática do desemprego dos deficientes e, fundamentalmente, tendo em atenção a componente da sua reinserção profissional.
Quanto à questão que coloca no sentido de saber se há ou não política de combate à pobreza - e a política define-se através da assunção de responsabilidades em termos de prioridade -, devo dizer-lhe que, na nossa estratégia de combate à pobreza, em todos os nossos elementos quantitativos e em todas as nossas intervenções, a problemática dos deficientes assume uma grande prioridade.
O Sr. Deputado Silva Lopes falou da questão do inquérito e dos dados quantitativos. Devo dizer que tenho muito gosto em fornecer-lhe todos os elementos quantitativos que quiser sobre a acção de combate à pobreza. Tive agora oportunidade de ler o requerimento que fez e admito que tenha havido qualquer tipo de deficiência de natureza administrativa. Não tenho nada a esconder nesta matéria, pelo contrário, tenho muito gosto em fornecer-lhe os elementos que quiser e até mesmo em conversar com o Sr. Deputado sobre todos os vectores que estão em actuação, no que se refere ao combate a este tipo de fenómeno.
Perguntou-me também qual era a percentagem das verbas vindas do Fundo Social Europeu para os programas de combate à pobreza. Diria e tentei demonstrar que a lógica da política de emprego, que tem muito a ver com a vertente da formação profissional, tem a ver com o combate à pobreza. Não estou de momento em condições de referir de forma exacta qual a percentagem rigorosa das candidaturas e dos formulários do Fundo Social Europeu que têm mais directamente a ver com os grupos mais vulneráveis, mas aponto apenas para a orientação que foi dada, através de um despacho normativo do actual Governo, no que diz respeito às prioridades a estabelecer nas candidaturas do Fundo Social Europeu para 1989. Nesse despacho estes grupos mais vulneráveis aparecem como de primeira linha e de primeira prioridade tanto na apresentação de candidaturas como nos critérios da definição das candidaturas para 1989.
O Sr. Deputado António Guterres fez afirmações e colocou a questão de saber se há ou não pobres. Penso que ficou claro na minha intervenção que não pretendo meter a cabeça na areia, isto é, não pretendo desconhecer uma realidade que nos compromete a todos e como sou o primeiro quero estar na primeira linha desse tipo de realidade.
Não quero discutir os elementos quantitativos porque, apesar de serem sempre discutíveis, preocupa-me muito mais saber que existe essa realidade, pelo que agora desejo discutir quais os métodos, os meios, as políticas e os instrumentos que podem, pelo menos, minimizá-la. Portanto, repito, não me interessa se os elementos quantitativos são 28%, 30% ou 35%, pois bastavam ser 3% para nos sentirmos preocupados com este tipo de realidade. Julgo que respondi à primeira pergunta.
Quanto à questão de saber se é um programa a sério de combate à pobreza, Sr. Deputado António Guterres, julgo que ficou claro no meu discurso que há uma visão integradora, no que respeita a este tipo de combate, sem ter um slogan, sem ter um título. Penso que

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é essa situação que o preocupa. Mais do que ter um título e um programa para efeitos publicitários, quero ser julgado por acções concretas. Forneci a esta Câmara - e estou a fazê-lo nos diversos domínios - dados de que todos eles, de uma forma integrada, estão a contribuir para esse tipo de situação. A parte geral foi explicitada e os diversos programas foram elucidados, tendo eu enumerado todos os que existem no âmbito do Ministério do Emprego e da Segurança Social e que têm a ver com este tipo de fenómeno. Podia relacionar e elencar muitos outros, mas peguei numa situação concreta que foi aqui referida e que é o caso da Península de Setúbal, onde talvez seja mais fácil, por ser uma área espacial mais restrita, podemos ter uma noção clara da perspectiva integrada do conjunto de actuações. Quero dizer-lhe que neste caso - e estou perfeitamente à-vontade porque não fui eu quem lançou o programa de emergência da Península de Setúbal, que tinha já sido há uns anos - houve um acréscimo significativo das verbas, acréscimo esse que a partir de 1986 foi até mesmo muito significativo. Em 1984 e 1985 destinaram-se cerca de 100 mil contos a esse programa, mas foi em 1986 que se deu um salto qualitativo para 700 mil contos e nos anos seguintes continuou-se mais ou menos nessa ordem de grandeza.
Agora, cheguei à conclusão, com a análise que fiz desse programa - e tive ocasião de o verificar numa visita que fiz juntamente com o Sr. Secretário de Estado -, que a Península de Setúbal foi determinante para uma certa orientação que dei no Ministério, relativamente a todo este tipo de programas, já que numa primeira fase as acções que foram levadas a cabo no domínio da acção social se fizeram numa perspectiva nitidamente assistencialista, com o objectivo de dar subsídios a quem estava na situação de mais gritante e mais desumana carência.
Demos um salto qualitativo porque pudemos canalizar esses subsídios para determinados tipos de actividades, tais como as actividades independentes que referi, ou seja, aquelas em que o homem ou a mulher, que receberam esses fundos, souberam encontrar formas e mecanismos de criar a sua própria actividade. Mais do que o efeito material, foi importante o aspecto psicológico de realização pessoal e humana que essas pessoas, objecto desses programas de acção social, começaram a ter na forma de encarar o futuro e a vida, onde o fatalismo já era a palavra e o sentimento generalizado.
Esse tipo de actuação numa zona em que era difícil as pessoas encontrarem formas de darem um salto qualitativo, em termos de criar o seu próprio emprego, a sua própria empresa, fez com que modificasse a orientação, dando-se muito mais força a determinado tipo de programas, onde o indivíduo fosse visto numa perspectiva de alguém que tem sempre potencialidades que estão por aproveitar. Há que mobilizar estas potencialidades no sentido de conseguir a realização de um objectivo que passe, em primeira linha, pela sua independência, neste caso material.
Este caso concreto, vivido e analisado numa base que direi que tem algo de científica, mas que tem algo também de muita vivência prática - e os técnicos que aí trabalharam no domínio da segurança social têm opiniões bem claras a esse respeito - fez com que toda essa orientação (e aqui começo a entrar numa questão que tem a ver com uma afirmação feita pelos Srs. Deputados que não viam uma política integrada neste tipo de problema) fosse um vector determinante na nossa acção.
Para além disso, nestas questões da definição de uma política os aspectos institucionais são muito importantes. É muitas vezes por aí que as ideias, o conjunto de objectivos e até o conjunto de estratégias delineadas podem fazer com que não se atinjam os objectivos desejados.
Quero ainda dizer que, para além dos 20 programas específicos de combate à pobreza - que na sua intervenção foram algo minimizados mas julgo serem muito importantes, até pela forma como estão a ser assim trabalhados, uma vez que há uma componente de relação pessoal muito directa entre elementos da administração e os cidadãos que são objecto desse tipo de programa -, existe toda a lógica da política da formação de emprego (que já referi e que vai muito nessa linha) e também a lógica dos diversos tipos de prestações sociais que não são aumentadas de uma forma automática e igual para todos os grupos da sociedade, pois há uma grande preocupação em atingir prioritariamente aqueles que são à partida mais desfavorecidos.
Mas, tal como eu dizia, a óptica institucional é importante - e referi isso no discurso - e julgo que, da nossa parte, houve um esforço muito grande no sentido de envolver as instituições privadas de solidariedade social e aquelas quer têm acção no terreno. Definimos normativos de enquadramento acerca da actuação deste tipo de instituições e penso que elas têm tido um papel muito relevante e importante nalguns resultados que se têm conseguido nesta matéria.
Portanto, refuto a ideia de que, tal como o Sr. Deputado disse, o Governo apareceu aqui com um conjunto de medidas desgarradas e sem consequência. É fácil demonstrar que há aqui uma articulação e uma lógica e, ao contrário do que muitas vezes acusam o Governo, não há, com certeza, um discurso em que se utilizam constantemente slogans como os que podem ser usados no domínio do combate à pobreza.
Recusamos esse tipo de postura, queremos apresentar resultados e estamos dispostos a discutir qual o tipo de medidas que se encaixam nesta matéria, mas o que posso dizer-lhes é que neste momento, quase ao fim de um ano de Governo, podemos apresentar resultados bem visíveis e muito concretos no domínio do combate à pobreza nas vertentes de que sou o principal responsável.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos hoje convidados a debruçar-nos sobre uma realidade social que deveria ser preocupação constante desta Câmara, mas que, surpreendentemente, é pela primeira vez objecto de uma interpelação ao Governo: a problemática da pobreza em Portugal.
«A tragédia dos mais pobres foi sempre a de que a sua história nunca é contada», escreve a presidente da Associação francesa «Quant-Monde».
E, de facto, o grande drama que se esconde por detrás da realidade da pobreza é a sua ocultação. É a forma como todos nos habituamos a conviver com ela como se de coisa natural se tratasse. É o seu

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disfarce em estatísticas e indicadores técnicos, quando o que está em causa são rostos e vidas humanas: no caso português as vidas de cerca de um terço da nossa população.
Os dados que nos são fornecidos pelo inquérito sobre a pobreza em Portugal, já aqui citado, são demasiado gritantes para que qualquer tentativa de ocultação possa continuar.
A verdade nua e crua é a de que cerca de três milhões de portugueses vivem, actualmente, em condições tecnicamente consideradas como «nível de pobreza» e destes, muitos milhares estão condenados a condições de vida que se não podem tolerar à luz dos direitos humanos mais elementares. E se as fontes portuguesas não bastassem para comprovar estes dados, aí está um estudo recente da CEE, ainda não publicado, onde se estima que em 198S existiam no conjunto dos países da Comunidade cerca 45 milhões de pobres, dos quais cerca de 3 milhões são portugueses, sendo Portugal, dos 12 países-membros, aquele que apresenta a percentagem mais elevada de pobres.
Como explicar então que o fenómeno da pobreza continue a ser olhado como uma excrescência social, sem que os governos o assumam, não por palavras mas por actos, como uma das primeiras metas de toda a sua acção política?
Como explicar que as medidas contra a pobreza continuem a ser entendidas como medidas de carácter assistêncial ou acções de emergência, frequentemente concebidas com carácter meramente paleativo, sem que o problema seja olhado de frente nas suas causas estruturais - que são as do próprio modelo de desenvolvimento que orienta o conjunto da política governativa?
Poderá argumentar-se que o problema da pobreza não é só um problema dos governos: é um problema de toda a sociedade.
Somos, sem dúvida, os primeiros a reconhecer que sem uma tomada de consciência global por parte de todos os agentes sociais e por parte da população no seu conjunto, uma questão tão grave como esta não poderá ser eficazmente abordada.
Mas sabemos também, e cada vez mais o vemos confirmado, que a procura de soluções para o problema da pobreza implica a consideração de transformações profundas a operar no sistema sócio económico, e essas, só os governos as podem desencadear.
A conclusão a que chega o relatório sobre «A pobreza em Portugal» coordenado por Alfredo B. da Costa e Manuela Silva, é a de que «a natureza e as características da pobreza no nosso país não deixam dúvidas acerca da necessidade de uma perspectiva sistémica como base para a configuração de uma política antipobreza». Com efeito, diz-se nesse documento, «não são características individuais que explicam as situações de pobreza»; elas estão fortemente correlacionadas com a forma específica como os pobres se inserem na vida social: com as dificuldades que encontram no acesso ao sistema produtivo, com os mecanismos de repartição do rendimento, com as características do mercado de trabalho, com as carências de equipamento social e saneamento básico, com as insuficiências do sistema de segurança social, com as limitações no acesso efectivo aos meios de educação e formação.
Ao abordarmos aqui o problema da pobreza estão, pois, em causa o conjunto das políticas económicas e o conjunto das políticas sociais do actual governo:
políticas de investimento de salários e de preços; políticas de redistribuição da riqueza, de emprego e da segurança social; políticas de urbanização e de equipamento colectivo; políticas de educação e valorização dos recursos humanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As limitações de tempo não permitem, como é óbvio, interpelar o Governo em todas estas áreas. Muitas delas foram já objecto de denúncia e de propostas por parte do Grupo Parlamentar Socialista quando da interpelação ao Governo em Março último; outras serão certamente debatidas quando da interpelação sobre política geral, económica e social, agendada para o próximo dia 7 de Julho.
O que nos cabe, hoje, aqui, é sobretudo alertar o Governo e o país para o grave atentado que o problema da pobreza representa, não só para a nossa consciência social, mas, e na verdadeira acepção do termo para a nossa consciência democrática.
Como muito bem sublinhou o Parecer sobre a pobreza votado, em Fevereiro de 87, pelo Conselho Económico e Social em França, é tempo de denunciarmos sem peias que a existência de tão elevado número de pobres nas nossas sociedades é uma violação flagrante aos direitos democráticos.
Quando centenas, senão milhares de cidadãos, têm de recorrer, diariamente, à sopa dos pobres; quando situações de insalubridade em bairros de lata põem em risco o bem-estar físico dos seus habitantes; quando carências elementares de instrução impedem os cidadãos de aceder dignamente ao mundo do trabalho e mesmo exercer, conscientemente, os seus direitos cívicos, não são só os direitos económicos, sociais e culturais consignados na Constituição que são violados: são também as liberdades e garantias fundamentais que são atingidas.
O Parecer do Conselho Económico e Social do Governo Francês vai, aliás, mais longe: questiona a própria natureza das medidas de urgência institucionalizadas pelas nossas sociedades para fazer face às situações de grande pobreza. Recorda que os pobres são antes de mais sujeitos de direitos, concidadãos a quem as liberdades constitucionais têm de ser restituídas. Essa sim, é a grande urgência.
Queremos ou não - é essa a pergunta decisiva posta ao Governo, mas colocada também a todos nós, Deputados de todos os partidos - que a proclamação universal e constitucional dos direitos humanos passe da teoria à prática, pela criação de condições que facultem a todos os portugueses os meios indispensáveis ao exercício efectivo da sua cidadania?
A questão que nos é posta não é, pois, a de nos satisfazermos com os dez programas de acção antipobreza que a CEE actualmente financia em Portugal, mesmo que a esses se acrescentem os dez outros programas que a Secretaria de Estado da Segurança Social tomou à sua conta.
O combate à pobreza, repetimos, ou é objecto de uma prioridade política global ou é - talvez não no imediato, mas certamente no longo prazo - pura e simplesmente ineficaz.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A globalidade das soluções a procurar não nos impede, porém, de reconhecer a importância de certas medidas sectoriais a adoptar em áreas já atrás referidas.

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Entre elas destaco uma - talvez a mais esquecida quando se fala de pobreza, mas a nosso ver de uma importância capital. Refiro-me à política de educação de adultos e de valorização dos recursos humanos.
A problemática da Educação de Adultos, tal como nós a entendemos, não se confina, aliás, a um Ministério. Na óptica da educação permanente em que nos situamos, ela corta transversalmente todos os domínios da acção governativa e tem, portanto, lugar em todas as políticas sectoriais.
Para nós, o combate à pobreza não poderá travar-se sem que todas as políticas governamentais assumam, com imaginação e frontalidade, as responsabilidades que lhes cabem na mobilização dos recursos de que dispõem para a grande tarefa que é a valorização do capital humano dos portugueses, a começar pelos mais pobres, os que têm menores condições de acesso à educação e aos bens e instrumentos da cultura.
O inquérito de 1985, cujo universo é - como aqui já foi dito - o das famílias carenciadas, revela-nos que, entre os inquiridos, a percentagem de adultos (de mais de 25 anos) com nível de instrução superior ao do ensino primário não ultrapassa os 5%; 62% não têm a 4.ª classe e, entre estes 36% não sabem ler nem escrever.
Os dados do recenseamento de 1981 confirmam, aliás, este panorama. Segundo esse senso, em 108 concelhos do continente, certamente os mais pobres, a percentagem de analfabetos, com 15 e mais anos, ia além dos 30%, e em 16 desses concelhos ultrapassava mesmo os 40%.
É certo que, para o conjunto da população os dados são já, felizmente, outros: 16.85%, segundo as últimas estimativas do INE, acrescidas, porém, de uma taxa de cerca de 8% de analfabetismo funcional, o que continua a situar-nos na fronteira dos quase 25%, perfeitamente inadmissível em termos europeus.
Mas não são só as taxas de analfabetismo e de baixa escolaridade que nos preocupam. Preocupa-nos a exclusão social a que este quarto da população é votada, sobretudo neste período de rápidas adaptações às normas comunitárias. Preocupa-nos o alheamento do conjunto da população em relação a estes factos. Preocupa-nos, sobretudo, a ausência de um plano de choque capaz de proceder em poucos anos à elevação do nível cultural de todos os portugueses.
O Documento Preparatório n.º III, elaborado no âmbito da Comissão de Reforma do Sistema Educativo é claro ao colocar o Governo perante a alternativa de uma simples reforma ou de uma verdadeira estratégia de mudança no domínio da educação de adultos.
Que opção vai o Governo tomar?
Não basta acenar com vultosas verbas dos Fundos Comunitários eventualmente aplicáveis a programas nesta área.
O país precisa de saber como vão essas verbas ser aplicadas, quais são os planos em curso, que articulação se pensa estabelecer entre a política de educação de adultos e outras políticas tendentes a minorar as situações de pobreza que hoje, aqui, nos ocupam.
Não se encontra neste momento presente na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado da Educação, mas, como há pouco referi, a dimensão sócioeducativa não pode deixar de ser assumida por todos os sectores da política social.
Pergunto, pois, aos Membros do Governo aqui presentes: Como estão os programas de formação profissional e de Segurança Social a serem articulados com a necessária política de intervenção sócioeducativa, que o Documento da Comissão de Reforma do Sistema Educativo define como instrumento privilegiado em ordem a promover a capacitação dos grupos sociais carenciados, (cito) «para uma participação activa na resolução dos problemas sócio-económicos que os afecta»? Que programas existem, nos diferentes sectores com este objectivo? De que meios dispõem? Que resultados se estão a atingir?
Deixamos, aqui, apenas estas perguntas, conscientes de que elas tocam as raízes da pobreza, no desafio que ela coloca à própria democracia.
É que só dando voz aos pobres as políticas antipobreza poderão ser implementadas. A eles caberia - seria essa a prática democrática normal - organizarem-se para a defesa activa dos direitos que lhes são violados. Mas a sua voz só se fará ouvir se a sociedade inteira se dispuser a receber a mensagem que lhe é dirigida.
Cremos que cabe ao Governo a responsabilidade de criar condições para que um responsável alerte sobre a situação da pobreza em Portugal se faça ouvir por todo o país.
O Grupo Parlamentar Socialista espera e deseja que o debate de hoje, nesta Câmara, na sequência de outras iniciativas, na mesma linha, anteriormente tomadas pelo Grupo Parlamentar do PS, contribua eficazmente para tal.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e da ID.

A. Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, ouvimos o seu discurso e gostaria de dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado António
Guterres disse que o Governo tinha mostrado, neste debate, uma pobreza de ideias. De facto, é a sua opinião, mas, por muito que expliquemos as nossas políticas, há uma coisa que não podemos fazer: é eliminar a pobreza de espírito.

O Sr. António Guterres (PS): - Bem-aventurados os pobres de espírito!

O Orador: - Ela está ínsita nas pessoas e, portanto, quem não aprende com as explicações que o Sr. Ministro acabou de dar e que deu com toda a clareza e com todo o rigor, nada podemos fazer contra aqueles que não querem ver porque aí há outro tipo de pobreza...

A Sr.ª Deputada disse que deveria ser uma preocupação constante desta Câmara a luta contra a pobreza. Pode crer - e com esta interpelação temos provado isso - que, de facto, este Governo tem travado uma luta constante contra a pobreza. Se a Câmara não se tem preocupado com isso, eu regozijo-me que o meu Governo, que o Governo que o meu partido apoia tenha mantido, ao longo dos seus mandatos, um combate permanente e constante contra a pobreza.
Nós não ocultamos a pobreza, Sr.ª Deputada. Nós reconhecemos o estado do país, reconhecemos que existe pobreza e não é o nosso Primeiro-Ministro nem nenhum membro do nosso Governo quem diz, quando

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os jornalistas lhe perguntam, que não há fome em Portugal. Nós reconhecemos que há, infelizmente! Daí a nossa luta.
Outros disseram que não havia fome nem pobreza, em Portugal!
Quero fazer-lhe algumas perguntas, mas, antes, dir-lhe-ei que V. Ex.ª foi para a Tribuna com alguns dados relativos a estatísticas de 1985 e nós viemos para o Governo precisamente em 1985. Ora, algo mudou desde então! Isso é irrecusável e só não vê quem não quer. Como dizia, os dados estatísticos que V. Ex.ª utilizou são de 1985 e nessa altura não tínhamos ainda a responsabilidade máxima no Governo. Como sabe, era o partido de V. Ex.ª que tinha então a maioria!

O Sr. José Lello (PS): - Quem era o Ministro dos Assuntos Sociais?

O Orador: - Quem era o responsável máximo por esse Governo, Sr. Deputado?
É que ontem foi dito aqui que quando qualquer coisa de mal acontece neste Governo o culpado é o Primeiro-Ministro. Ora, quem foi o culpado no outro Governo?!...

O Sr. José Lello (PS): - Quem era o Ministro?

O Orador: - Não sejam injustos para aqueles que foram ministros e
primeiro-ministro no vosso Governo. Não sejam injustos porque, então, teria de criticar, isso sim, os vossos primeiros-ministros!

O Sr. José Lello (PS): - Não!...

O Orador: - Mas as perguntas que lhe quero fazer, Sr.ª Deputada, são as seguintes: quem mais aproveita com o combate à inflação que este Governo está a travar e que conseguiu baixar de maneira significativa? Quem são as camadas da população que mais beneficiam com essa baixa significativa e indesmentível da inflação? Além disso, quem aproveita mais e melhor o aumento significativo das pensões mínimas de reforma? São certamente os estratos que se situam nessa grande área da pobreza!
Quem mais aproveita do aumento significativo das verbas (cerca de 30%) no Orçamento do Estado para 1988 de que veio a beneficiar a segurança social? Quem melhor pode beneficiar com a quase extinção do «flagelo» dos salários em atraso que herdámos em 1985? Quem mais pode beneficiar, Sr.ª Deputada, com aquilo que é mais necessário no nosso país - e aí teremos de ser todos nós a fazer 1 - 10 - e que é a reforma mais estrutural da sociedade portuguesa, ou seja, a reforma das mentalidades?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Lello (PS): - Essa foi forte! Ora essa!...

A Sr.ª Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Granja da Fonseca.

O Sr. Granja da Fonseca (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer umas ligeiras considerações e apenas duas perguntas à Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
Ouvi atentamente a sua intervenção e quero dizer-lhe que, quanto à primeira parte, estou inteiramente de acordo. Foi - digamos assim - uma verdadeira «oração» contra a pobreza, foi uma verdadeira «oração» de diagnóstico!
Sei que existem pobres no nosso país, porém, fiquei alarmado quanto ao número. Realmente 3 milhões é para nos preocupar seriamente!....

Uma voz do PSD: - Quem disse que são 3 milhões?!

O Orador: - Foi o que disse, aqui, a Sr.ª Deputada, É uma informação baseada em estatísticas da CEE e, como estatísticas que são, não quero pronunciar-me quanto a elas.
O diagnóstico que aqui foi feito é, pois, um diagnóstico que nos alarma! Este é um facto. Quanto a esse ponto estou de acordo consigo e quanto à vontade que temos de lutar contra a pobreza, estou consigo e estou com toda esta Câmara!
No entanto, há um ponto em que estou em discordância com V. Ex.ª. E, por isso, pergunto-lhe se não foi durante os dois últimos governos que se introduziram as principais medidas quanto ao sistema educativo (parte delas ainda em curso) e se não foi durante o Governo do Professor Cavaco Silva que foram aumentadas as reformas, que diminuiu o desemprego e que se criou um conjunto de medidas estruturais com vista a melhorar a situação de todos os portugueses. Pergunto ainda se não é verdade aquilo que foi dito aqui pelo Governo quanto ao conjunto de medidas que estão a ser implementadas no sentido de remediar o mal que existe na nossa sociedade e que existe no mundo.
Porque a verdade é esta: pobres existem e sempre os teremos, mas temos a obrigação, todos nós, de lutar contra a pobreza e lutar seriamente!
Ora, além do Governo - e sei que ele está interessado nisso -, têm ou não as autarquias também o dever de colaborar na luta contra essa chaga social? Há ou não o dever de o Governo e as autarquias colaborarem com as instituições de solidariedade social?
São estas as perguntas que lhe deixo, dizendo que estou de acordo quanto à primeira parte do seu discurso mas que discordo, sob o ponto de vista político, relativamente à parte final quando V. Ex.ª critica este Governo como se ele nada tivesse feito para resolver o problema. A verdade é que ele fez muito e se mais não fez foi porque esta Câmara muitas vezes impediu que algumas dessas medidas estruturais já estivessem a funcionar!

O Sr. José Lello (PS): - Vocês não têm a maioria?!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Srs. Deputados, disponho de muito pouco tempo, porque há ainda um outro Deputado da minha bancada que deseja intervir e o tempo escasseia, no entanto, gostaria de focar alguns aspectos.
Em primeiro lugar, a minha intervenção, no que se refere a dados concretos, restringiu-se apenas a questões relativas à educação de adultos e aos esforços que o Governo está ou não a fazer para combater não só o analfabetismo mas também o baixíssimo nível de

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escolaridade existente no nosso pais. Creio que, de facto, o Sr. Ministro da Educação tem mostrado muitas preocupações quanto ao insucesso escolar mas ainda não tornou públicas as medidas que pensa tomar para combater o analfabetismo e, portanto, foi sobre essas medidas que eu interpelei directamente o Governo.
Não me cabe, porque não disponho de tempo, discutir aqui os outros índices que foram referidos como, por exemplo, as pensões e a inflação, pois penso que haverá outros momentos para que esses assuntos possam ser discutidos. A minha pergunta foi no sentido de saber os esforços que se estão a fazer - e se existem não os conheço suficientemente - para combater o analfabetismo e o baixo nível de escolaridade da população adulta.
Sr. Deputado Granja da Fonseca, os dados que utilizei são oficiais. O número de 3 milhões de pobres que referi é citado no relatório sobre a pobreza, que já aqui foi referido e que se baseia em dados oficiais e no estudo da CEE que ainda não foi publicado mas que o Governo português foi encarregue de fazer, no âmbito dos trabalhos da Direcção-Geral n.º 5 que se ocupa dos assuntos sociais. Tive, ocasionalmente, acesso a esse documento e espero que em breve ele seja publicado para que, então, o Sr. Deputado tenha oportunidade de comprovar os dados que referi. Aliás, devo dizer-lhe que os números que o Sr. Deputado Silva Lopes indicou foram mais «fortes» que os meus, pois referiu dados estatísticos ainda superiores.
Em relação à questão da responsabilidade, devo dizer que ela cabe não só ao Governo mas também a outros agentes sociais e, portanto, estou plenamente de acordo com o Sr. Deputado. Evidentemente, creio que o combate à pobreza não cabe apenas ao Governo - e penso que ressalvei suficientemente este aspecto - mas, sim, a toda a sociedade. Penso que as autarquias têm um papel determinante, bem como as instituições de solidariedade social e todos os outros grupos sociais que se preocupam com a pobreza, mas a questão está em fornecer-lhes os meios para que possam desenvolver condignamente a sua acção.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia veio suscitar a preocupação de preservar e enriquecer os valores culturais que nos são idênticos face a um processo de europeização niveladora que poderá minar a caracterização das culturas dos países que integram a Comunidade. A preocupação é legítima. O que está errado é a noção restritiva que nela se adopta, entendendo-se a cultura que nos distingue apenas como o conjunto das formações espirituais herdadas e das criações literárias e artísticas. Uma estamparia cultural em que as fulgurações estéticas fazem esquecer que os comportamentos, as composições sociais e a utilização dos bens económicos também são pane integrante da cultura e que a pobreza nela abre uma brecha por onde se engolfam o embrutecimento e o obscurantismo.
Com os meios de expressão artísticos e literários a definirem a realidade cultural própria do nosso povo, lubrifica-se o orgulho do nosso teatro, do nosso cinema, das nossas artes plásticas e da nossa literatura
com Fernando Pessoa no pináculo da glorificação mundial passarem vitoriosamente as fronteiras. E lícito o regozijo e seja a projecção da nossa cultura artístico-literária além-fronteiras ensejo para o Governo desenvolver uma política cultural que assegure no estrangeiro a continuidade dessa exportação. Mas não sirva o gáudio para envolver em silêncio o flagelo da pobreza que morbiliza a cultura no seu conteúdo económico e social. Na miséria que se aloja nos bairros de lata, que se manifesta na mendicidade numa percentagem que é a maior da CEE, na pobreza que atinge os que sofrem o desemprego duradouro e os que não são cobertos por nenhum sistema de segurança social, nas carências alimentares que são uma das causas do insucesso escolar, no somatório da pobreza tradicional e da nova pobreza, nos cerca de 30% de pessoas que nos dizem poderem ser consideradas pobres em Portugal, estende-se o painel sombrio de uma população alienada que tristemente nos diferencia na Comunidade Europeia por escandalosas assimetrias sociais. Eis o reverso escuro da cultura que, na exibição da sua face estética, nos induz a pensar que caminhamos triunfalmente para um florescimento cultural.
Exibimos para CEE ver e nos respeitar a originalidade uma mensagem artística e literária como traço especifico da nossa identidade? Muito bem! Mas a dinâmica da internacionalização expõe aos nossos parceiros europeus a lastimosa originalidade de uma vasta pobreza que introduz uma dimensão enferma na nossa sociedade nisto atingida de ancilose cultural.
A cultura de uma nação impregna toda a sociedade, e não é com uma parte da população alquebrada pela pobreza que se constrói uma sociedade culturalmente desenvolvida.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não sejam estas considerações conotadas com o miserabilismo de um defunto discurso neo-realista contra o qual não fui branda em usar as minhas armas literárias. Ao abordar a pobreza, de um ponto de vista cultural, coloco-me sim na perspectiva da recusa da subvida que embrutece o homem, que o torna inepto para exercer a capacidade vital de que a sociedade e a sua cultura se nutrem.
Pense nisto o Sr. Primeiro-Ministro! Porque não é com uma sociedade de hemiplegicamente afectada pela paralisia da pobreza que ele poderá realizar o milagre, que nos prometeu, de tirar Portugal da cauda da Europa.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e da ID.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma preocupação que me parece exigível a todos aqueles que, como nós parlamentares, têm especiais responsabilidades na dignificação da coisa pública, é a não utilização com meros efeitos políticos de situações da vida das pessoas e da comunidade que nos devem merecer o maior respeito e um grande sentimento de entreajuda.
Esta é uma razão fundamental para que o Grupo Parlamentar do PSD, que tem larguíssimas razões para estar satisfeito não só com os esforços do Governo,

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mas também com os resultados que tem vindo a obter na luta contra a pobreza em Portugal, adopte neste debate uma postura a um tempo de denúncia a eventuais intenções de aproveitamento demagógico e, também, de natural empenhamento nas convergências que em tal matéria a ninguém é lícito substimar.
Se há imperfeições no desenvolvimento harmonioso das sociedades, desde o aparecimento do Homem, que nunca até hoje foi possível resolver satisfatoriamente, as situações de pobreza estão, seguramente, entre os exemplos infelizmente mais significativos.
É lapidar, a este propósito, a declaração do Sr. Jacques Delors: «A pobreza que existe hoje coloca-nos uma forte interrogação com a pobreza dos séculos passados com inferiores estádios de desenvolvimento colocava aos homens de então». Constatamos aqui os limites daquilo a que se chamou o Estado Providência. Com efeito, como compreender que, com tão elevados valores nos orçamentos sociais, nós tenhamos tantos pobres? A resposta é que a pobreza passa através das malhas da rede que construímos.
Esta até hoje evidente impossibilidade, verificada ao longo de todas as épocas e em todos os regimes políticos, de garantir a cada um e todos os cidadãos um estatuto sócioeconómico minimamente satisfatório, seja com recurso ao desenvolvimento económico global e aos mais favoráveis e sofisticados meios de apoio social, seja com recurso a tentativas, hoje já comprovadamente utópicas, de igualização de níveis económicos, não deve, porém, deixar-nos esmorecer numa luta que, mais do que de qualquer Governo ou de qualquer partido, deve ser de todos os Homens e de todas as organizações.
Dizer-se isto não significa que é indiferente, nos esforços a desenvolver na luta contra a pobreza, a matriz ideológico-programática dos Governos e a sua competência, mas significa dizer-se que, em tal matéria, os Homens e as organizações, mesmo as políticas, devem ser mais companheiras do que adversárias e, principalmente, não utilizarem o tema da pobreza mais preocupados com eles próprios do que com os pobres.
A relatividade do conceito de pobreza é um acrescido factor de dificuldades no elencar de medidas para o seu combate. Quando se fala em pobreza logo nos vem à mente a imagem do mendigo, da criança descalça, da casa de madeira esburacada onde dormem pais, filhos, muitas vezes, também, já os próprios netos. E esta é, seguramente, a forma mais conhecida, e, porventura, a mais chocante de pobreza. Mas por alguma razão o Conselho de Ministros da Comunidade Europeia alterou a definição do conceito no espaço que medeou entre a aplicação dos dois programas europeus de luta contra a pobreza, isto é, entre 1975 e 1985. De facto, em 1975 o Conselho, para efeitos de aplicação do 1.º Programa, definia o nível de pobreza como aquele que correspondia a metade do rendimento médio no
Estado-membro respectivo, valorizando assim a vertente material do conceito.
Mas, em 1985, o mesmo Conselho, na sua deliberação relativa ao Segundo Programa, fugiu a uma definição quantitativa, optando por definir de pobres como «os indivíduos (...) cujos recursos materiais, culturais e sociais são tão fracos que se vêem excluídos dos níveis de vida mínimos aceitáveis no Estado-membro no qual vivem».
Esta nova abordagem do problema não diminui a gravidade de que se revestem as formas tradicionais de pobreza, cujas causas principais radicam no subdesenvolvimento económico, mas visa dar resposta a novas causas fomentadoras de situações de pobreza que a modernidade e o próprio desenvolvimento de algum modo suscitaram: entre outras, a de refugiados e de emigrantes em busca dos centros mais ricos mas muitas vezes condenados ao insucesso; os desempregados de longa duração e os jovens desempregados que procuram o primeiro emprego; o crescimento contínuo do número de famílias monoparentais que dependem da assistência social; a reintegração rural, etc.
Para estes grupos desfavorecidos no plano social, viver na pobreza não significa apenas míngua de meios financeiros, dispor de menos oportunidades que outros, sofrer na sua dignidade humana, mas também, e talvez sobretudo, verem-se excluídos de níveis aceitáveis de vida social e comunitária. Significa isto que o desenvolvimento económico, sendo indispensável para potenciar a diminuição da pobreza tradicional, deve ser acompanhada por acções específicas dirigidas a minimizar as novas formas de pobreza. Mesmo os países que dispõem de sistemas sociais particularmente desenvolvidos estão, também eles, confrontados com estas formas de nova pobreza. Em suma, é hoje noção adquirida na Comunidade que o desenvolvimento económico e social dos últimos dez anos mostrou muito claramente que a lógica do crescimento permite o desenvolvimento dos sistemas sociais no sentido de darem respostas crescentemente mais eficazes às formas de pobreza, mas a tese, segundo a qual a extensão do sistema social eliminaria a pobreza, está completamente posta em causa.
O Grupo Parlamentar do PSD tem presente tais situações de pobreza ao mesmo tempo que se regozija pelos esforços bem sucedidos que o actual Governo, como aliás o anterior, vem desenvolvendo para as atenuar.
Em termos de desenvolvimento global da economia e de melhores níveis de
bem-estar dos portugueses, os dois últimos Governos apoiados pelo PSD lograram obter resultados que especialistas estrangeiros não têm qualquer rebuço em adjectivar de «milagre português» e de que são testemunhas e agentes especialmente credíveis os próprios portugueses, designadamente os mais desfavorecidos, como aliás tão exuberantemente demonstraram no último acto eleitoral.
Não há talvez um exemplo tão notório para ilustrar esta nova situação como o da antiga chaga dos salários em atraso, que tanto mal-estar levou a milhares de lares portugueses e se constituiu em causa directa de situações de pobreza, durante tanto tempo merecendo honras de primeira página dos jornais e que hoje é matéria que não merece um simples subtítulo numa qualquer página interior.
Como também os mais de cem mil empregos criados em 1987 e a diminuição em 197o do número de jovens à procura do primeiro emprego. E, mesmo quanto a uma das causas mais gravosas de pobreza na Europa actual - o desemprego de longa duração - Portugal viu reduzir no ano findo em 28% o número de trabalhadores nessa situação.
Mas para além do forte impacto benéfico sobre o emprego, as políticas que vêm sendo desenvolvidas desde 1985 têm-se saldado por aumentos reais dos ordenados dos trabalhadores durante três anos consecutivos, o que é uma agradável novidade na história da nossa democracia pós-25 Abril. Assim, tendo a inflação no ano passado sido de 9,4% podemos constatar

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que todos os sectores da vida portuguesa obtiveram acréscimos superiores dos seus salários, valores ultrapassados, aliás, pelos salários mínimos nacionais que aumentaram no sector agrícola 14,9%, nos domésticos 15,1% e nos restantes trabalhadores 12%.
Neste mesmo ano de 1987, a massa salarial cresceu em termos nominais 15,2% o que corresponde a uma variação real de 5%, resultado do aumento real dos salários de cerca de 3% e do aumento do emprego por conta de outrem de 2,4%.
Estes louváveis resultados do ponto de vista económico e social constituem o mais sólido e mais eficaz instrumento de natureza global nos esforços desenvolvidos na luta contra a pobreza e, realidades objectivas que são, devem regozijar naturalmente todos aqueles, todos nós certamente, que muito justamente se vêem preocupados com os foros de pobreza existentes.
Mas é hoje reconhecidamente assumido que o desenvolvimento económico, não resolvendo por si só todos os problemas - mais eficaz em relação às formas tradicionais, menos eficaz em relação às novas formas - deve ser complementado com programas sectoriais enquadráveis em três grandes rubricas genéricas: a política de prestações sociais, programas específicos de luta contra a pobreza e ajuda à criação de actividades próprias que tendencialmente diminuam a dependência dos agentes beneficiários dos subsídios puramente assistenciais.
Também aqui, Governo, autarquias e outros agentes de desenvolvimento e sociais vêm concretizando um trabalho meritório, que a frieza dos números ou o conhecimento daqueles que mais de perto os vêm acompanhando atestam inequivocamente.
No que respeita à política de prestações sociais, o caso porventura mais expressivo é o do aumento de 120% registado pelas pensões mínimas em escassos dois anos.
Sendo também de realçar que em relação a todas as outras prestações se verificaram ganhos reais da ordem dos 4%, e mesmo, em alguns casos, superiores.
Mesmo aqueles - porventura os seus destinatários e todos nós certamente - que consideram os valores actuais insuficientes para assegurarem o nível de vida que aspiramos para todos os portugueses, não se lembram de qualquer outro Governo ter feito melhor.
E como os padrões de apreciação das realidades não podem deixar de ser modulados em termos comparativos, eis a razão do nosso regozijo e, mais importante do que isso, a razão do nosso optimismo quanto ao futuro com a expectativa e a certeza de que o Governo continuará a acompanhar com atenção este importante sector, que é a confluência entre o bom desempenho das políticas económicas e o sentimento de solidariedade que deve unir os membros de uma mesma comunidade nacional.
Outra faceta de que se reveste a luta contra a pobreza, e que está a merecer o melhor interesse e empenhamento dos Centros Regionais de Segurança Social, é o encontrar de soluções estáveis e equilibradas que substituam os subsídios de natureza assistêncial, subsídios afinal que devem constituir o último investimento de apoio e desde que o limiar de pobreza e o contexto sócioeconómico não permita outras alternativas.
Este grande grupo de projectos, que utiliza verbas do Fundo Social Europeu, tem a especial vantagem de a um tempo combater a situação de pobreza (porque
se destinam apenas a indivíduos que recebem subsídios da chamada assistência social) e de criar um conjunto de condições que potência um estatuto sócioprofissional aos seus destinatários. São projectos que visam apoiar o início de uma actividade independente ou a elevação do nível cultural e profissional, ao qual estão afectas verbas consideráveis da ordem dos três milhões de contos, estimando-se que deles venham a beneficiar no sentido de atingirem níveis aceitáveis de vida alguns milhares de portugueses.
Gostaria ainda de fazer uma referência ao II Programa de Acção Comunitária Específica de Luta Contra a Pobreza, porque tem a ver com Portugal e é um bom exemplo de actividades assentes na solidariedade e na troca de diferentes experiências sobre realidades, muitas vezes semelhantes.
É uma primeira nota significativa, e que é justo referir, tem a ver com a capacidade de resposta do Governo, sem dúvida, mas também de muitos autarcas e de diversos serviços da Segurança Social que permitiu a apresentação à Comunidade, num prazo curtíssimo, de um vasto conjunto de projectos específicos visando combater bolsas locais de pobreza com as mais variadas características: desde o projecto que tem vindo a desenvolver-se na Ribeira Grande, nos Açores, dirigido a grupos profissionais praticamente desaparecidos, por força dos novos desafios económicos, ao projecto em execução no concelho de Pombal destinado a famílias monoparentais, aos que se empenham no realojamento condigno de muitas pessoas actualmente vivendo em bairros de lata, como o que está a acontecer no Pinhal da Galega, junto do Estoril. No conjunto, trata-se de 10 importantes projectos cujos resultados são animadores e estão a propiciar um futuro melhor para os seus destinatários, fundamentalmente pessoas idosas, marginais e refugiados, rurais em zonas tendencialmente despovoadas e jovens com baixos níveis de escolaridade.
A importância que a Comunidade dedica a estes projectos justificou, mesmo, a realização recente de um Fórum Europeu em Bruxelas onde se procedeu a uma análise e ponto da situação de cada um deles, se trocaram experiências e se reflectiu para o futuro.
A este propósito, e porque também estive presente nesse Fórum, apraz-me registar o empenho com que a nossa delegação defendeu a posição portuguesa e, em particular, o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social que, com a sua presença e a sua palavra, bem soube aproveitar esta oportunidade para dar mais força às pretensões portuguesas. A multiplicidade de factores que influenciam as causas da pobreza e as várias formas de a atenuar ou resolver exigem respostas mais diversas. De entre elas gostaria de lembrar também o combate ao insucesso escolar, a que o Governo tão decididamente meteu ombros, porque a falta de cultura e a falta de informação estão seguramente entre as mais graves manifestações de pobreza, com implicações negativas a título individual mas também no futuro das novas gerações, e que não mereceram neste debate suficiente relevância.
Este ambicioso projecto, sem precedentes em Portugal, pelos vectores sobre que tem directas implicações (os professores e a educação em geral, mas também a habitação, a saúde e a alimentação) é, objectivamente, um veículo privilegiado de luta contra a pobreza que merece o nosso mais vivo aplauso e é credor da mobilização empenhada da sociedade civil.

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Noutro campo, o da habitação - sector cujos problemas não podem ser resolvidos em 2-3 anos por nenhum Governo, mesmo que seja do PSD e mesmo que seja presidido pelo Prof. Cavaco Silva, mais a mais porque se arrastam há décadas - é justo recordar o grande esforço que em termos de habitação social tem vindo a ser feito e está projectado continuar para o futuro.
Numa breve síntese recordo estarem em curso de construção em zonas tradicionais de pobreza cerca de 20 000 fogos, num investimento que implica a afectação de 50 milhões de contos. Mas, para além da construção destes fogos, é importante realçar os seguintes aspectos: as habitações destinam-se apenas a familiares mal alojados e sem recursos; 40% do valor do investimento é a fundo perdido; as autarquias, que estão mais próximas das populações do que a Administração Central, foram chamadas a colaborar activamente neste ambicioso programa com implicações directas na luta contra as situações de pobreza, tendo subscrito vários protocolos conjuntos numa correcta interpretação do que deve ser a conjugação de esforços entre Poder Central e poder autárquico.
Pese embora o muito que tem vindo a ser feito, estamos perante matéria que nunca nos poderá satisfazer suficientemente.
É um trabalho que exige vontade e esforços permanentes, porque, infelizmente, é um trabalho sempre inacabado.
A constatação de que o Governo tem dado provas concretas e sobejamente abundantes de que está no bom caminho é um bom indicador para o futuro e uma esperança para os portugueses menos favorecidos.
Pela nossa parte, não regatearemos esforços naquilo em que o Grupo Parlamentar do PSD possa contribuir para esses louváveis objectivos, e começar pelo apoio a um Governo competente e esforçado como é este. Mas num debate da natureza daquele que hoje aqui se desenrola manda a verdade e a justiça que aqui se deixe bem expressa uma palavra de estímulo e mesmo de gratidão para tantas e tantas organizações, desde autarquias às instituições particulares de solidariedade social passando pelos organismos de administração pública, com especial realce para os Centros Regionais de Segurança Social que, no dia-a-dia, cumprem nesta matéria para além dos limites formalmente exigíveis.
Porque na acção social há uma carga humanitária e de entrega de si próprio que transcende os limites das obrigações em sentido estrito. São essas organizações e esses milhares de agentes sociais que levam aos locais mais incómodos e às situações mais aflitas uma palavra de esperança e tantas vezes um apoio concreto que o Grupo Parlamentar do PSD deseja saudar, com a certeza que aqui deixamos da nossa grande admiração pelo seu profissionalismo mas, principalmente, pela sua inesgotável capacidade de entrega. Bem hajam!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rui Salvada utilizou alguns segundos de um tempo transferido pelo Governo, tem um pedido de esclarecimento à sua intervenção e, portanto, dispõe, neste momento, de tempo para responder.
Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dada a grande exiguidade de tempo de que a minha bancada dispõe, pois gastou uma grande parte nas perguntas (que foram quase uma intervenção) que fez ao Sr. Ministro da Agricultura e ao Sr. Deputado Silva Lopes, também queria, do mesmo jeito, aproveitar este pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Rui Salvada para proferir aqui algumas palavras acerca da nossa posição nesta matéria.
Gostei de ouvir o Sr. Deputado Rui Salvada, principalmente na parte final da sua intervenção, quando disse que, apesar de terem havido alguns ou grandes esforços - conforme se queira adjectivar - naquilo que o Governo vem fazendo, o PSD não podia estar satisfeito, tendo, por isso, de estimular o Governo a fazer mais.
Porém, Sr. Deputado, na primeira parte da sua intervenção tal não parecia ser assim, nomeadamente quando afirmou que não se devia politizar a miséria dos outros e que não se devia fazer sobre isso um debate demagógico. É que, nestes termos, dava impressão de que esta iniciativa, trazida ao Parlamento pela mão do PRD, caía numa guerrilha entre o Governo e a oposição; que era algo demagógico, quando o que se verifica é que este debate, salvo uma ou outra resposta mais acesa, tem decorrido numa grande elevação e com uma grande dignidade, seja por parte do partido interpelante, seja por parte do Governo interpelado.
Portanto, os problemas foram colocados com frontalidade e não para acusar o Governo de que está a provocar a pobreza em Portugal. Em suma, foram postos para mostrar uma chaga social que não existe apenas em Portugal, mas em todos os países do mundo - Estados Unidos, França, etc.
Estava, a propósito, a ler há pouco um artigo sobre este problema em França. Isto quando, sabendo qual é o desenvolvimento económico, cultural e social em França, se constata que, num elevado nível de pobreza, ainda vivem em França 600 mil assalariados agrícolas;
1 milhão e 100 mil trabalhadores manuais; 750 mil trabalhadores dos serviços;
1 milhão e 300 mil trabalhadores especializados; 800 mil comerciantes e artesãos;
2 milhões e 600 mil idosos com mais de 65 anos, e por aí fora.
No entanto, os franceses não têm medo, não têm vergonha, não sentem qualquer diminuição em dizer que, dentro do seu país, têm estes tipos de índices. Aliás, a própria Dinamarca já confirmou que cerca de 22% da sua população vive num nível de pobreza.
Contudo, importa frisar aqui o problema do conceito de pobreza. É que, segundo os conceitos de pobreza absoluta e pobreza relativa de que se falou, com base num estudo do Bruto da Costa e da Manuela Silva, o conceito de pobreza relativa pode abranger tudo. Isto é, a Dinamarca pode achar que não ter um relógio, uma telefonia, uma televisão a cores e dinheiro para a aquisição de um meio de transporte próprio é um sinal de pobreza.
Porém, para nós isso não será pobreza, pois o nível de vida é tão baixo em várias freguesias do país, que, realmente, não ter telefonia, não ter um relógio e não ter um carrinho económico, não é considerado como um sinal de pobreza. Aliás, as pessoas podem até viver normalmente - não digo «bem» - sem a satisfação destas três «necessidades» (como dizem os dinamarqueses) de uma «vida elementar».

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É esse voto que queremos desenvolver aqui. O nosso desejo é o de que, ao lado da pobreza tradicional, que existe em Portugal - e é o próprio desenvolvimento económico que, à medida que se vai processando, provoca os seus pobres!... -, se promova o desenvolvimento. Aliás, não percebo como é que se pode negar que há pobres e, simultaneamente, o Governo dizer que se está em fase de desenvolvimento. Isso é uma grande contradição, pois não podemos partir do princípio que, havendo estagnação da economia, não haveria mais pobreza. É que, estando o país estagnado, haveria miséria.
Portanto, o facto de haver novos pobres é um bom sinal. Porém, o Governo tem de ter uma estratégia - o Sr. Deputado Silva Lopes chamou, aliás, a atenção para esse facto.
Assim, não podemos estar descansados. Isto porque, por um lado, temos dinheiro e, por outro lado, temos um nível de desenvolvimento que poderá ser muito melhor do que aquele que neste momento se verifica. Ora, essas duas realidades provocam no país o aparecimento dos chamados novos pobres, daqueles que deixam de ser os pobres tradicionais para ganharem um novo tipo de pobreza.
Antigamente, uma pessoa que não mandava o seu filho para a escola, achava muito acertado esse procedimento. Aliás, o Dr. Salazar fez disso um lema, pois pensava que quatro anos de escolaridade primária, mesmo sem a haver, eram um grande benefício.
Hoje, qualquer família tem aspirações de que os seus filhos acabem, pelo menos, o ensino básico, que vão para a universidade, que tenham um relógio, que tenham uma televisão em casa.
Portanto, pelo nosso lado, estamos imensamente gratos ao PRD por ter trazido aqui o debate desta matéria, ao mesmo tempo que nos congratulamos com todas as intervenções que foram aqui proferidas. Por isso, aplaudimos, sem restrições e sem partidarismos, todas as intervenções que foram feitas, inclusivamente aquelas de que não gostámos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, quero, antes de mais, agradecer-lhe o seu comentário sereno sobre esta matéria.
Por outro lado, gostaria apenas de aflorar uma explicação em relação às minhas referências a uma eventual demagogia.
Aquilo que está, porventura, errado é uma ou outra tentativa de provar - que o decorrer do debate mostrou, aliás, infundada - que este Governo teria alguma culpa na situação de pobreza que reconhecemos existir em Portugal.
A questão da pobreza é uma questão ancestral, pelo que aquilo que se debate neste momento não tem a ver directamente com este Governo.
Com efeito, este Governo tem feito o seu melhor, as suas prestações nesta matéria têm sido óptimas, embora não afirmemos que não haja mais esforços a despender. De facto, achamos que, nesta matéria, todos os esforços são pequenos e que deveremos continuar a sugerir ao Governo novas melhorias nesta questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada, Lurdes Hespanhol.

A Sr.ª Lurdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mais ponto menos ponto que o Governo acrescente às estatísticas, há um dado inesquecível no país: a existência de vastas camadas da população que vivem em condições sub-humanas, sem terem assegurados os seus mais elementares direitos. E não se diga que se trata de casos isolados ou pontuais. São situações de pobreza que percorrem o país de norte a sul, sem esquecer as próprias regiões autónomas.
Existem situações de extrema miséria, desde a «sopa dos pobres», na Av. Almirante Reis, até à «vida nas cavernas» no Vale de Alcântara ou em grutas na Madeira. Estes factos são, por demais, miseráveis e mostram bem «os sinais exteriores de pobreza»!
E para esses, Srs. Deputados, certamente será dispensável a apresentação de uma declaração de rendimentos!
É o resultado de um país onde cerca de 40% da população activa está desempregada, subempregada ou em situações de precaridade de emprego. Simultaneamente, ressurgem ou acentuam-se formas de intensa exploração, típicas do fim do século passado, de entre as quais, pela sua iniquidade, ressalta a triste realidade da exploração do trabalho infantil.
A política seguida, longe de se nortear para a resolução dos problemas sociais mais graves, tem sido de características economicistas, privilegiando o capital em detrimento do trabalho. Assim, têm surgido em Portugal «os expedientes» necessários para que se instale uma situação quase caótica no mundo laborai, onde primam o desemprego de longa duração e o subemprego.
Aproximam-se dos 400 mil os homens e mulheres, adultos e jovens, que procuram trabalho (só jovens são 150 mil).
Por outro lado, de entre os que trabalham, mais de l milhão de pessoas realiza a sua actividade profissional em situação de precaridade; 550 mil contratados a prazo (milhares alugam a sua mão-de-obra a empreiteiros), outros trabalham à tarefa, à peça, ao domicílio, clandestinamente.
Aumenta o número de trabalhadores assalariados, mas considerados «por conta própria» (que usam ou não o respectivo recibo verde). Por exemplo, no distrito de Setúbal, nos últimos tempos, entraram neste «estatuto» 8 mil trabalhadores...

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Tudo trabalhadores por conta própria!

A Oradora: - Uma tal situação é resultante de uma evolução globalmente negativa, que vem colocando, progressivamente, parte significativa das famílias portuguesas na pobreza e na miséria.
Mesmo o crescimento económico, resultante em larga escala de factores externos, não se reflectiu positivamente na distribuição do rendimento nacional pelo factor trabalho (através dos salários e de outros benefícios sociais), que vem sendo cada vez menor.
De acordo com o Banco de Portugal, o peso dos salários reduziu, de 1986 para 1987, de 43,3% para 41,9%, e está prevista a sua redução para 40,8% no ano de 1988, beneficiando progressivamente o factor capital. Deste modo, aumenta «o fosso» entre aqueles

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que já têm muito e os que pouco ou nada têm - é um facto a redução do poder de compra das camadas trabalhadoras.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos no ano de 1988, a uma dúzia de anos do século XXI; prepara-se avidamente a entrada no 3.º milénio; apontam-se objectivos de desenvolvimento e de progresso compatíveis com a revolução tecnológica. Contudo, o diagnóstico da situação existente é de atraso de um século - os indicadores actualmente verificados em Portugal, em diversos campos - (educação, saúde, emprego, segurança social, formação profissional, habitação, etc.) colocam-nos nos primórdios do século XX.
Importará recordar que a repartição do rendimento tem andado estritamente ligada à política adoptada e que se tem pautado por uma correlação de forças e de alianças que a sustentam, tanto no plano interno como externo. Está provado que as políticas monetaristas têm como objectivo principal a aceleração do crescimento económico, que beneficiam mais o factor capital. Em contrapartida, as políticas que privilegiam o desenvolvimento e o emprego beneficiam a generalidade da população. A vida está a demonstrar que a política que vem sendo praticada pelo Governo PSD/Cavaco Silva optou, de maneira clara, pela primeira solução, com gravosas decorrências sociais para o presente e futuro do nosso povo.
Os resultdos estão à vista.
Comecemos pela educação.
Os Srs. Deputados do PSD têm presente o que vimos nas escolas no concelho de Baião, na recente visita que lá efectuámos - vimos crianças que vão para a Escola com fome, porque o rendimento familiar (ou a ignorância) não chega para as alimentar.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - As situações de miséria e pobreza estavam ali bem patentes.
E que dizer do filme que vimos na ESE de Viseu, em que, associadas às precárias condições de habitação e vida, se juntam as degradadas condições da própria escola? Que têm a dizer sobre isto, Srs. Deputados do PSD? Não será isto o culto da própria pobreza? Os exemplos poderiam multiplicar-se até ao Algarve!
E que dizer do aumento da taxa de tuberculose, particularmente entre os jovens? É ou não um sinal evidente de agravamento das condições de vida e empobrecimento da população?
E quem pode ignorar os efeitos provocados pela acção do Ministério da Saúde no que concerne à degradação dos cuidados primários de saúde ou ao encerramento de serviços hospitalares, em que muitos têm de morrer por não terem capacidade económica ou possibilidade de se deslocarem a uma unidade hospitalar que lhes assegure a saúde a que têm direito. O concelho de Mértola é disto exemplo paradigmático!
E neste quadro de carências e pobreza, caberia um importante papel à segurança social - é aliás essa a sua função constitucional -, mas também aqui a política do Governo é outra: aposta na privatização, nos seguros, segue finalmente o lema «quem quer boa segurança social, que a pague!» Ou será que alguém acredita que é possível que uma família possa viver com uma pensão de 13 000$00 - valor de pensão mínima actual?
No domínio da habitação a situação não é melhor. Numa rápida volta pela cidade de Lisboa, podemos ver, sem grande esforço, cidadãos que dormem na rua ou em acampamentos de tendas de lona; em prédios que ameaçam ruir, como acontece na Av. da República e também no Bairro da Sé no Porto, ou em tantos outros locais ao longo deste país.
Há mesmo casos em que ainda coabitam os homens e os animais - situação indigna e inadmissível nos dias de hoje, num Portugal que se quer moderno, desenvolvido, lançado para o futuro e para a Europa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Assembleia da República não pode deixar de estar profundamente preocupada com a grave situação social que afecta milhares de cidadãos. Mas não podemos adoptar a posição passiva da mera constatação ou denúncia das situações. Temos que ir mais longe. A hora é de acção!
Ao Governo não é mais admissível que confunda as situações com as palavras ou as promessas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao ouvir as palavras do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social fiquei com a ideia de que o Sr. Ministro se deve sentir no seu Ministério como a «Alice no País das Maravilhas» e, a ser verdade o que disse, eu, ao sair de S. Bento, hoje à noite,
sentir-me-ia como tendo despertado de um pesadelo que dura há anos...

Aplausos do PCP.

..., mas, Sr. Ministro, esse país não é Portugal, não é o país real que temos! As situações são graves e reclamam intervenção urgente.
O mínimo que se pode exigir no quadro do presente debate é que sejam lançadas medidas de excepcional urgência, porque de uma verdadeira emergência nacional se trata.
Fiéis aos compromissos assumidos para com o povo português, os comunistas reafirmam que não se pouparão a esforços para que tais medidas se concretizem.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e da ID.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Costa.

O Sr. João Costa (PSD): - A Sr.ª Deputada Lurdes Hespanhol vem à Câmara, se calhar, com alguns problemas de consciência. Pois, Sr.ª Deputada, quem tem esses problemas de consciência que os descarregue noutro local.

Protestos do PCP.

Muitas vezes falamos nos desempregados, nos que trabalham de subempreitada e a Sr.ª Deputada falou dos que viviam (e é possível que ainda vivam alguns!) lá, na Madeira, nas Fumas...

Protestos do PCP.

... e é possível que alguns vivam cá nos bairros de lata que eu bem conheço.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É possível?!...

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O Orador: - É possível, Sr. Deputado!

Gostaria que me explicasse por que é que há trabalhadores que trabalham de subempreitada, à peça e com recibos verdes. Foi porque alguém inventou uma coisa muito complicada chamada contratos a prazo e inventou também - e não foi o actual Governo - os salários em atraso de que agora já não falam muito.
Risos do PCP.
Pergunto: por que é que esses desempregados, que sabe que existem e que vivem da baixa e do Fundo de Desemprego - muitos deles trabalham os ditos 6 meses mas depois vão-se embora para ficarem 1 ano no desemprego a fim de, depois, poderem trabalhar, retirando o posto de trabalho àqueles que querem, efectivamente, trabalhar.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Ó Sr. Deputado, isso é um insulto aos trabalhadores!

O Orador: -...-, não aceitam as ofertas de trabalho que agora se vêem publicadas aí por Lisboa. Se a Sr.ª Deputada anda por aí, vê isso, com certeza. Explique-me por que é que eles não aceitam este trabalho. Eu aceitei-o há uns anos, e não foi mau. Explique-me, Sr.ª Deputada.

Protestos do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lurdes Hespanhol.

A Sr.ª Lurdes Hespanhol (PCP): - Sr. Deputado João Costa, não sei por que circulo foi eleito, mas parece-me que foi pelo círculo do Palácio de S. Bento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Dá a impressão que nunca desceu as escadas deste Palácio e que não viu a realidade lá fora. Convido-o a sair comigo, depois de a sessão terminar, para vermos o primeiro homem que, perto daqui, na Avenida D. Carlos, do lado esquerdo quando se desce, dorme na rua.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Posso fazer consigo uma visita guiada, a fim de vermos muitas das situações que aqui apresentei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Relativamente à invenção dos salários em atraso e outras situações congéneres de que falou, parece-me que o invento máximo é vosso e tem a ver com o pacote laborai...

Vozes do PCP: - Muito bem!!

A Oradora: - ..., diploma que pretende pôr todos os trabalhadores com contratos a prazo.

Vozes do PCP: - Muito bem!!

A Oradora: - O Sr. Deputado fez afirmações gravíssimas e era bom que todos os trabalhadores deste país o pudessem ouvir. É pena que as galerias não estejam hoje ocupadas por trabalhadores para que estes saibam quem é que se diz trabalhador e depois afirma coisas tão graves como as que o senhor disse.

Aplausos do PCP.

Por outro lado, digo-lhe que quando exigimos trabalho certo, defendemos um princípio: é com trabalho que se produz riqueza e para todos. Parece-me que, do vosso lado, não é bem assim...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Os senhores ainda pensam que quem trabalha não tem vagar para arranjar dinheiro.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Hermínio Martinho referiu o neoliberalismo, também aplicado noutros países, como a Inglaterra, como a ideologia seguida entre nós pelo Governo.
É justamente no sentido do enquadramento da política do Governo na ideologia do neoliberalismo, que vamos fazer incidir, em especial, esta intervenção.
Dir-se-á, antes demais, que alguns autores chamam antes «liberalismo autoritário» ao neoliberalismo, na medida em que ele «é liberal no plano económico, salvo em proteger alguns clientes, e autoritário no plano das liberdades individuais, excepto na protecção a certos interesses particulares». «Monde diplomatique», publicado em Abril último.
E em que se baseia este «liberalismo autoritário» ou «neoliberalismo»?
Ressuscitando Adam Smith, que em 1787, em «A Riqueza das Nações», escrevia que «quanto menos Estado melhor», o que, então, se compreendia como adequada perspectiva de remoção de obstáculos ao capitalismo nascente, os «neoliberais» seguem ainda Adam Smith, quando um dos seus teóricos, Friedman, afirma em «Liberdade para Escolher», que «a ideia luminosa de Adam Smith foi reconhecer que os preços que emergiam de transacções voluntárias entre compradores e vendedores - em resumo, num mercado livre - podiam coordenar a actividade de milhões de pessoas, cada uma à procura dos seus próprios interesses».
E esta ressurreição fascinante de Adam Smith é de tal ordem que até foi fundada uma associação, os «Mont Pelerin» (nome duma localidade suíça), cujos membros usam gravatas iguais, com a efígie de Adam Smith.
Daqui resulta ainda aquilo que Hayek considera a ordem espontânea do mercado, em que os empresários são a cavalaria moderna.
Por isso, «o velho» laissez-faire encontra uma justificação adequada. Neutralidade económica do Estado, que deve contentar-se em fazer respeitar regras do jogo muitos gerais, assegurando a ordem social e a segurança da propriedade, pano de fundo do livre funcionamento dos mercados»; o Estado interviria demasiadamente: é necessária mais regulação pelo mercado, não só sem o Estado, mas contra ele, em caso de necessidade.

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Desregulamentação, desnacionalizações e outras práticas do mesmo tipo, são lançadas pelos governos conservadores e alastram insensivelmente», como nota Suzanne de Brunhoff, em «A hora do Mercado - Crítica do Liberalismo».
Por outro lado, o monetarismo, aí incluída a desinflação, é outra das características do «neoliberalismo», nascido cerca dos anos 80.
Como salientou um dos seus precursores, o norte-americano Huntington, «reduzir o déficit, a dívida pública e o poder de compra dos trabalhadores, impondo decisões duras sobre os preços e os salários», eis outros objectivos desta nova política, que reúne, num «retrato de família», o Presidente Reagan, a Senhora Tatcher, Helmut Koll e, também agora, o Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
Por isso, os trabalhadores são submetidos à prioridade, à desinflação, a qual, como observa Suzanne de Brunhoff, não apresenta, contudo, à vista, «nenhuma new deal que melhore a situação económica dos trabalhadores», e naturalmente, como os Srs. Deputados sabem, a expressão new deal significa uma nova distribuição.
E se o tão invocado «crescimento económico» é outra das metas do «liberalismo autoritário», a verdade é que ela apresenta um reverso dramático: na Inglaterra, que «detém, em 1893, a fita azul do crescimento europeu com um pouco mais de 2%, ascende a 3 milhões o número de desempregados, quase 14% da população activa, o recorde do Mercado Comum».
Mas o neoliberalismo tem ainda outra característica eloquente: a substituição da justiça social pela solidariedade.
Em vez do dever de procurar assegurar a igualdade social, ressuscita-se a assistência, como ajuda social, aos fracos e mais desfavorecidos, através de instituições privadas.
Finalmente, o neoliberalismo descobre a Bolsa, como nova panaceia, de tal modo que o «Figaro», de 20 de Janeiro de 1987, afirmou solenemente que «nasceu uma democracia bolsista». Deslumbramento este que dura pouco tempo, pois estala com a crise da Bolsa de 19 de Outubro de 1987.
Guy Sorman, em «A Solução Liberal» resume dez anos de «neoliberalismo», sublinhando que ele, limita-se a alimentar uma atmosfera conservadora sem ideias, um crescimento sem objectivos, uma Europa sem alma».
E, na verdade, os resultados, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, estão à vista: nos Estados Unidos, mais de 33 milhões de americanos - 1 em cada 7 habitantes - são pobres, segundo o conceito oficial do Governo; 28% de todas as riquezas pertencem a 2% das famílias mais ricas, conforme foi divulgado na «Carta Pastoral dos Bispos Americanos», de 13 de Novembro de 1986.
Na Inglaterra, o número de pobres que era, em 1979, de 6 milhões, passa para 8,8 milhões, em 1983, e 11,7 milhões em 1986.
E, em Portugal, que resultado deu a política do «liberalismo autoritário», fielmente seguida pelo Governo?
Não há, lamentavelmente, no nosso país, um levantamento oficial do número de pobres, e nem sequer acrescentaríamos um levantamento do número de ricos. Mas além dos dados que referiu o Sr. Deputado Silva Lopes, é ainda de referir o trabalho infantil, em relação ao qual, em Dezembro último, um inquérito da LOC de Braga, verificou que em apenas 20 das SOO paróquias de Braga, havia 399 crianças sujeitas à exploração do trabalho infantil, com horários de 8 a mais de 12 horas por dia e com salários entre 7 e 10 000$00 mensais, sendo as dificuldades económicas das famílias a causa desta situação.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É um escândalo!!

O Orador: - É ainda de referir que o salário mínimo nacional, em Janeiro deste ano, valia apenas 2 356$00 em relação a 1974, devendo ascender a 40 088$00 o salário mínimo para a indústria e serviços para recuperar o poder de compra de 1975, segundo cálculos da «LUSA».
E o aumento das formas de trabalho precário? E a prostituição, uma chaga crescente?
Parece evidente que a mesma política tem de dar os mesmos resultados e, por isso, a pobreza é hoje uma situação preocupante no nosso país.
Pilriteiro que dás pilritos, porque não dás coisa boa?

Aplausos da ID, do PS, do PCP e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Este debate já vai algo demorado, no entanto, há uma pergunta que importa fazer: a pobreza, a miséria, a vida em condições desumanas são uma coisa de outros tempos? São frutos de mentes delirantes? Será que a pobreza não se sente, hoje, de forma significativa no quotidiano da nossa sociedade, como sugerem as intervenções de alguns deputados da maioria?
Para que melhor possamos responder, sugiro-vos que avaliemos de forma breve alguns aspectos da situação social dos jovens, afinal de contas, aqueles de quem depende o futuro.
Aliás, é interessante notar que os Deputados da organização juvenil que se reclama como mais representativa da juventude portuguesa se tenham alheado deste debate de forma tão significativa, que nele não intervenham nem sequer participem, o que é sintomático da forma como entendem a participação dos jovens em problemas tão cruciais da sociedade portuguesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Preocupa-nos particularmente, Srs. Deputados, que fenómenos sociais tão graves decorrentes das dificuldades que condicionam a vida de inúmeras famílias não sejam hoje apenas um peso arrastado pelas gerações mais velhas mas que, ao contrário, surjam agravados e com redobrada intensidade junto de camadas significativas das jovens gerações.
Preocupa-nos, Srs. Deputados, que se vejam com tanta facilidade retratadas no quotidiano de muitas crianças e jovens situações sentidas ou narradas pelos nossos pais e avós.
Não são apenas idosos que não sabem ler nem escrever. Nos últimos anos, por incrível que pareça - é o CNAEBA que o diz - são em maior número os jovens de 17, 18 ou 20 anos que se têm vindo a inscrever em cursos de alfabetização para aprenderem o elementar.

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São também jovens muitos dos mendigos com que diariamente nos cruzamos nos transportes públicos e nas ruas das nossas cidades. São também jovens que engrossam as filas da «sopa dos pobres», que vivem em barracas ou dormem em vãos de escadas e deambulam pelas ruas na expectativa de uma qualquer saída para uma vida que se adivinha sem saídas. Isto dá que pensar, Srs. Deputados, e só não vê quem não quiser ver.
Destes jovens não fala o discurso oficial, o discurso cor-de-rosa que o Governo tão abundantemente utiliza para a juventude. E é afinal de contas natural que deles não fale, porque não é para estes jovens, não é para estas camadas da população que a sua política se dirige. Dizer àqueles jovens que esperam e desesperam na bicha dos Centros de Emprego que se candidatem ao crédito jovem para aquisição de uma habitação que custa 4 ou 5 mil contos é tão ridículo e insensato como propor a um jovem habitante de um bairro degradado, com a escolaridade obrigatória ou nem isso, que se transforme num empresário de sucesso e se dedique ao Import-Export ou a qualquer outra florescente actividade negociai. É o mesmo que propor lagosta a quem nem dinheiro tem para o bife.
O que aqui está em causa não será tanto saber se a dimensão destes problemas se agravou ou não nos últimos tempos (e, contudo, os números conhecidos são bastante preocupantes), mas perceber por que razão a pobreza, evidente ou oculta, surge ainda hoje a condicionar a vida de milhares e milhares de jovens portugueses. Qual o futuro que lhes está reservado? Que dignidade social, que ocupação, que condições de vida se reserva no futuro para jovens que hoje não têm emprego, não têm condições para estudar, não têm acesso a habitação própria, não têm apoios e acompanhamento que permitam a sua inserção social?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o país não tem mas precisa de um programa de luta contra a pobreza. O país não tem mas precisa de um programa de inserção social dos jovens mais desprotegidos, que adopte medidas urgentes para combater problemas urgentes, que mobilize fortes meios financeiros e se dirija às camadas mais carenciadas e desprotegidas da população.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, lamentavelmente, não tem sido esta a opção do Governo. Por isso, daqui interpelamos o Governo, que se diz tão apostado no combate ao insucesso escolar, porque não se apoiam, directa e eficazmente, as famílias economicamente mais carenciadas, porque não se apoiam as famílias pobres? Porque se mantém, para o próximo ano lectivo, nas escolas preparatórias e secundárias, um regime de bolsas de estudo totalmente enganador distorcido da realidade, que nega, por exemplo, a uma família vivendo apenas de um salário mínimo o direito a qualquer apoio para alimentação, livros ou material escolar?
Era bom que meditassem também neste problema os Srs. Deputados que recordaram o programa de combate ao insucesso escolar.
Interpelamos o Governo a que elucide a Assembleia da República e o país sobre o grau de resposta que os actuais subsídios de desemprego dão aos jovens particularmente carenciados e por que razão se diminui de tal forma o alcance do agora designado «subsídio de inserção dos jovens na vida activa» de tal maneira que quase ninguém a ele tem acesso? Afinal de contas, quantos desempregados conseguem receber subsídio?
Interpelamos o Governo acerca da forma como se vêm desperdiçando elevadíssimos recursos, que são também do Orçamento do Estado, em acções de formação profissional que foram para o desemprego e não para o emprego e ao mesmo tempo se faz um aproveitamento capcioso dessa situação iludindo as estatísticas com um alegado decréscimo do desemprego.
Interpelamos o Governo acerca da razão por que se continua a negar um pré digno aos jovens que prestam o serviço militar obrigatório e os empurram para a humilhante situação de pedintes das suas próprias famílias com 4 contos por mês no bolso que mal dão para pagar as despesas que efectuam com as viagens do quartel para casa?
Interpelamos também o Governo para que nos diga - também este é um assunto relacionado com a pobreza - porque se mantém no esquecimento a aplicação da educação sexual nas escolas e as consultas de planeamento familiar para jovens e, assim, se perpetua a ignorância ou a não formação cultural, velhas aliadas da indigência e das famílias de dimensão numerosa a viver sem condições.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Porque se não promove a solidariedade dos jovens para os jovens através de actividades profissionais de combate à pobreza e, ao contrário, se criam enormes dificuldades académicas aos estudantes dos institutos de serviço social que tão úteis podiam ser neste domínio? Porque se gastam rios de dinheiro em campanhas publicitárias pagas pelo erário público e ao mesmo tempo se deitam para trás das contas medidas tão reclamadas com a ampliação dos estabelecimentos tutelares de menores e a sua ligação com a segurança social?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a igualdade de oportunidades constitucionalmente consagrada é ainda hoje letra mona para muitas famílias. Os jovens, por sua vez, sentem não apenas as dificuldades directas na sua inserção social, como cumulativamente sentem também o peso dos problemas que preocupam as suas famílias, ou seja, são atingidos de uma e outra maneira. Daí a sua condição particular, daí a necessidade de medidas específicas de apoio e de discriminação positiva no combate à pobreza.
Os Srs. Deputados da direita proclamam menos Estado e, assim, ignoram a nobre função social que o Estado tem de desempenhar designadamente no combate à pobreza. No nosso país, neste domínio, é urgente mais e melhor Estado, mais e melhores apoios, mais e melhores formas de financiamento das acções destinadas ao combate à pobreza. E, se assim o entenderem, comecemos pelos jovens para que o seu futuro seja melhor que o dos seus pais.

Aplausos do PCP, do PRD, do CDS e da ID.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma brevíssima intervenção apenas para sublinhar a importância que a direcção do meu

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partido atribui a este tema que, para nós, é simultaneamente uma causa e um compromisso político e ético.
Em nosso entender, há três níveis de combate à pobreza.
O primeiro nível tem a ver, desde logo, com o modelo de desenvolvimento económico e social que é escolhido para um país. Quando um Governo aceita um modelo de cariz essencialmente liberal e conservador, simultaneamente, está a aceitar duas consequências inevitáveis: a primeira é que o agravamento das desigualdades é um factor indispensável ao próprio crescimento económico; a segunda é que a existência de bolsas de desemprego é um factor favorável à flexibilidade do mercado de trabalho e à moderação do crescimento da massa salarial.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a verdade é que se, neste momento, existe em Portugal um clima de uma certa prosperidade, ele deve-se inteiramente à evolução de uma conjuntura internacional e foi conseguido não tanto graças a este Governo mas, sobretudo, apesar de este Governo.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de vos dar um exemplo extremamente simples. Os trabalhadores lutaram, ao longo do ano passado - como lutam este ano -, contra o tecto salarial imposto pelo Governo: fizeram greves, ganharam e conseguiram impor aumentos salariais mais significativos. Fizeram-no contra o Governo. Hoje, os Srs. Deputados do PSD vêm louvar o Governo por os salários terem subido mais do que a taxa de inflação. É o cúmulo da contradição!

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esse facto deveu-se não à acção do Governo mas à capacidade de os trabalhadores superarem os limites impostos pelo próprio Governo.
Outros exemplos poderiam ser dados, mas o que é mais importante sublinhar é o facto de que esta aparente prosperidade tem agravado as desigualdades que neste momento existem na sociedade portuguesa. Aumentaram os salários reais? É verdade. Mas aumentaram mais ainda os rendimentos de capital e tem vindo a diminuir a parte do trabalho no rendimento nacional.
E se algum dos Srs. Deputados tem dúvidas sobre isto, basta-lhe fazer esta simples análise: comparem o aumento de imposto complementar que este ano, em Portugal, vão pagar aqueles que vivem do seu trabalho com a isenção fiscal que faz com que, este ano, não paguem um único tostão de impostos todos aqueles que, no ano passado, se apropriaram de fortunas de vários milhões de contos em operações especulativas da Bolsa.
Não queremos que o PSD seja contra os ricos, apenas queremos que trate os pobres com a mesma desvelada atenção com que tratou os ricos.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque, no ano passado, a operação de especulação financeira que maior sucesso teve e que ascendeu a vários milhões de contos - não quero citar o nome do empresário que com ela beneficiou - representa mais do que a soma de todos os programas de
combate à pobreza que aqui foram enunciados pelo Sr. Ministro do Emprego.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Há um segundo nível de combate à pobreza que tem a ver com a coerência da política social e com a existência ou não de uma política global, envolvendo a saúde, a segurança social, a habitação e, também, a própria política educativa. Ora, a verdade é que essa coerência não existe na actual acção governativa.
A segurança social transformou-se num simples instrumento de propaganda eleitoral.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quando o PSD está no poder e há eleições, as pensões de reforma sobem sempre muito mais do que quando não há eleições. Este é um facto que os portugueses já se habituaram a reconhecer.
A saúde tem sido sistematicamente sacrificada pelo escamotear da ausência de uma política de saúde e pelo escamotear da deterioração das condições efectivas de tratamento dos doentes, através de uma grande operação de marketing publicitário em torno de uma guerra estéril e sem sentido entre a Ministra da Saúde e os profissionais do sector.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!

O Orador: - A habitação social deixou de ser uma prioridade e o próprio sector da Educação, em que há que reconhecer as boas intenções do Ministro Roberto Carneiro, vai, com certeza, conduzir também a um insucesso semelhante ao do insucesso escolar devido à guerra que o aparelho burocrático do Ministério e o aparelho político-partidário do PSD têm vindo a mover àquelas boas intenções.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Os senhores são uns derrotistas!

O Orador: - Um terceiro nível de combate à pobreza diz respeito àquelas situações de extrema pobreza, àquelas situações em que, independentemente dos índices de pobreza absoluta e relativa que variam com a própria riqueza dos países, está em causa a satisfação das mais elementares necessidades e está em causa a própria dignidade de cada homem e de cada cidadão.
Em relação a este problema, num ano e num momento em que a prosperidade gerada pela conjuntura internacional criou uma enorme margem de manobra a este Governo que os anteriores não tiveram, exige-se não um slogan, não um discurso, mas um verdadeiro programa que tenha como objectivo eliminar, num prazo razoável, estas situações mais degradadas que não serão as de três milhões de cidadãos mas que, seguramente, serão as de algumas dezenas ou centenas de milhar.
E se isso exigir uma alteração ao Orçamento do Estado e se exigir uma modificação desse mesmo Orçamento, queremos assegurar, desde já, ao Governo que contará com o apoio do Partido Socialista para um voto favorável, mesmo que aí intervenha um ligeiro aumento do défice, porque para nós, Sr. Ministro, a dignidade humana não tem preço.

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Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS e da ID.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou a palavra ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social para a intervenção de encerramento do debate.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a primeira afirmação que gostaria de fazer é que o Governo também considera esta interpelação como muito positiva.
Desde logo, com as duas observações feitas no início do debate, ficou claro que o partido interpelante reconheceu nesta matéria os aspectos positivos da acção governativa nos últimos anos. Igualmente reconheceu, de forma expressa, os esforços que vêm sendo feitos no combate à fraude no domínio não só da segurança social como de outros sectores por que sou responsável.
Ficou ainda, bem claro para nós, depois deste debate e de tudo o que foi dito, que o Governo tem um posicionamento bem claro e não assume para si a panaceia e a verdade absoluta sobre problemas tão complexos, tão delicados, e onde são várias as vertentes com necessidade de actuação, de que ouvimos aqui algumas sugestões, sendo umas menos correctas, do nosso ponto de vista, mas outras que não deixaremos de aproveitar nesta luta onde - insistimos - estamos na primeira linha do combate a este flagelo social.
Aproveitaria esta oportunidade para esclarecer algumas afirmações feitas pela Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes quanto à inexistência de articulação com o Ministério da Educação nos casos que têm a ver, fundamentalmente, com o combate à pobreza relacionada com a educação de adultos.
Pretendo dizer que, nesse caso concreto, existem acções de formação a indivíduos que apenas possuem a escolaridade mínima obrigatória, de forma a facilitar-lhes a entrada no mercado de trabalho, articuladas com a parte de educação, num projecto a que, neste momento, estão atribuídos um milhão e trezentos e cinquenta mil contos. Insisto em que os aspectos quantitativos não são, para mim, os mais relevantes, mas que é relevante é o facto de, neste momento, estarmos a ser abrangidos por este programa, totalmente financiado pela segurança social, cerca de mil e quinhentas pessoas das quais, segundo a informação que tenho, seiscentos e trinta terão, em princípio, garantia de emprego.
Tal projecto - e insisto neste ponto para contradizer a afirmação do seu colega de bancada, Sr. Deputado António Guterres - dirige-se, exclusivamente, a cidadãos pertencentes às camadas mais desfavorecidas da população e que têm vindo a ser apoiados pela acção social através dos Centros Regionais da Segurança Social.
Mas outro aspecto importante também em termos de financiamento é que, pela primeira vez, por insistência nossa - aí assumo inteira responsabilidade pois fui um dos mais batalhadores -, conseguiu-se, pela interferência do nosso país, que o Fundo Social Europeu, na sua reforma, comece a financiar acções do sistema educativo viradas para a problemática da integração profissional e da inserção dos jovens e também dos adultos na vida activa.
Podemos, portanto, dispor do financiamento de tais acções num futuro próximo e, como disse, por uma decisão tomada devido a uma pressão muito forte - e praticamente nisso éramos os únicos - no sentido de fazer com que o Fundo Social Europeu comece a financiar também acções no domínio do sistema educativo.
Em termos de articulação, no combate ao insucesso escolar, apesar de uma ou outra deficiência que possa ter face à sua complexidade e exigências, envolvendo tantos departamentos, tantas instituições e até tantos cidadãos, tem sido difícil conseguir um nível tão exacto como o que neste momento existe a nível da vontade política e dos serviços entre o Ministério da Educação e o do Emprego.
Por fim, uma última palavra às considerações que o Sr. Deputado António Guterres fez - e que são uma consequência académica - no sentido de que há um modelo liberal e conservador. Ora, rejeito totalmente essa concepção de execução da política do Governo e a sua tese académica de que, a partir daí, imediatamente tira uma série de conclusões.
Sinto-me perfeitamente à-vontade para lhe demonstrar o contrário, pois não é assim tão linear nem tão exacto conceber modelos, que julgo ultrapassados em termos de modelos matemáticos, quando se tira um determinado tipo de conclusões. Considero, até, que a prática demonstra o contrário.
Estamos, por um lado, a atacar problemas de crescimento económico, onde pode tirar esse tipo de conclusões, mas a vertente social e muito humana da nossa política é um dos sublinhados mais fortes da nossa acção governativa. E isso o Sr. Deputado não pode negar, não só pelos números como pela nossa prática e actuação.
Por outro lado, perante a sua insistência, vou tentar demonstrar-lhe que existe um elevado grau de coerência na nossa acção política no sentido de resolver os problemas mais gritantes da nossa sociedade - e pode designá-los de «combate à pobreza», como eu poderia atribuir-lhe uma qualquer outra designação.
Se me pergunta se estou satisfeito e se tenho um modelo ideal de coerência absoluta em todas as políticas sectoriais de uma realidade tão diversificada e tão complexa, é evidente que sim e com certeza que me sentirei eternamente satisfeito acerca de um grau de coerência perante uma realidade tão multifacetada e tão diferenciada, mesmo em termos regionais, onde muitas vezes a forma de actuação dos agentes no terreno é diferente de parcela para parcela do território, na forma de execução de determinado tipo de orientações.
Muito obrigado, Sr. Deputado, pela oferta que fez em relação ao aumento do défice, a qual transmitirei ao meu colega das Finanças. Porém, não quero deixar de lhe dizer - não sei se feliz ou infelizmente - que o problema do combate à pobreza em termos de Administração Pública pode ter vertentes financeiras, mas julgo, na minha qualidade de Ministro do Emprego, que as vertentes institucionais são igualmente importantes pois, muitas vezes, o levar a mensagem, dando-lhe formas de actuação, a determinado tipo de agentes que operam na sociedade (sejam eles dos sectores público ou privado) é, quiçá, a dificuldade maior.
Por que acredito numa sociedade em que a resolução destes problemas não pode assentar exclusivamente na máquina do Estado, mas tem muito mais a ver com a consciência com que cada cidadão assume este tipo

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de responsabilidade, é que também louvo esta iniciativa e o Governo fica muito grato, em nome destes princípios, que cada cidadão se consciencialize deste tipo de problemas e possa ser também um agente de desenvolvimento no sentido mais nobre do termo.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para a intervenção de encerramento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: todos os Partidos e o Governo reconheceram que o problema da pobreza em Portugal é de grande importância e gravidade e que esta interpelação foi oportuna.
Há, porém, dois aspectos fundamentais em que nem todos estamos de acordo. Em primeiro lugar, não estamos de acordo sobre se o que tem sido feito em matéria de combate à pobreza é suficiente ou não em face das possibilidades permitidas pela conjuntura económica; em segundo lugar, não nos entendemos sobre o que é necessário que venha a ser feito no futuro para acabar com que esse flagelo ou, pelo menos, para o reduzir a dimensões mais aceitáveis.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social não trouxe muito de concreto ao debate no que se refere aos problemas com a extensão e gravidade da pobreza e sobre a sua evolução em anos recentes. Falou-nos, essencialmente, do aumento do emprego, do aumento das despesas da segurança social, dos programas de luta contra a pobreza financiados pela CEE, dos programas semelhantes financiados pelo Governo (pelo Orçamento do Estado português) e, ainda, de programas de formação profissional a favor dos pobres.
Quanto ao emprego, sustentei que as melhorias foram medíocres, em face da recuperação que se verificou na economia. Sublinhei que essas melhorias foram conseguidas, essencialmente, à custa do emprego na agricultura. O Sr. Ministro esclareceu-nos que o último inquérito ao emprego que foi realizado no primeiro trimestre deste ano altera a situação. Não conheço os números, mas duvido que altere a situação de forma radical.
Quanto às despesas da segurança social, o Sr. Ministro colocou grande ênfase no seu aumento nos últimos anos. A este respeito interessa destacar dois aspectos: Em primeiro lugar, as receitas da segurança social aumentaram, nos últimos dois anos, a um ritmo sem precedentes porque este Governo teve a sorte de encontrar a introdução da taxa social única, que contribuiu enormemente para o aumento das receitas; em segundo lugar, as receitas da segurança social aumentaram, como eu disse, de 8,9% ou 9,17o do produto nacional para 10,2%, conforme as estatísticas publicadas.
O segundo aspecto que desejava mencionar é que não deve confundir-se «segurança social» com «ataque à pobreza». Há muitos programas de segurança social que se dirigem às classes remediadas e às classes médias e, portanto, não vale a pena vir para aqui falar em abonos de família, em subsídios de casamento ou de funeral, como o Sr. Ministro fez, uma vez que os beneficiários maioritários desses programas nem sequer são os mais pobres.
Quanto aos projectos integrados da CEE - outro dos pontos importantes da intervenção do Sr. Ministro -, destaquei, na minha intervenção, que esses
projectos têm mérito e que vale a pena vir a desenvolvê-los, tendo-me congratulado, até, pelo facto de o Governo ter tomado a iniciativa de financiar dez projectos exclusivamente com recursos nacionais em vez de se limitar, apenas, aos recursos da CEE. Simplesmente, os vinte projectos actualmente em aplicação vão gastar ao todo, durante três anos, cerca de 530 mil contos. Ora, o que são 550 mil contos no meio do oceano de pobreza que alastra em Portugal? Que resultados se podem conseguir?
Estes projectos, e isso não foi posto em destaque, têm, essencialmente, um carácter piloto, uma vez que, são experimentações de novos métodos que interessa ensaiar no futuro. Agora, apresentá-los como uma grande contribuição contra a pobreza - que, ainda por cima, veio de fora -, realmente, é querer deturpar a verdade.
O Sr. Ministro falou-nos, também, sobre a formação profissional a favor dos pobres.
Coloquei-lhe uma questão no sentido de saber o que é que estes programas de formação profissional a favor dos pobres representavam em função dos enormes recursos que têm sido gastos na formação profissional pelo Fundo Social Europeu, com a eficácia que muito bem conhecemos e com as fraudes de que temos ouvido falar. O Sr. Ministro não nos respondeu.
Sabemos que a proporção é pequena e que, portanto, não é muito grande a incidência destes programas de formação profissional, de que aqui nos falou, sobre o problema da pobreza.
Para além de ter mostrado que nos últimos anos não teve uma acção bastante efectiva no combate à pobreza - sem embargo de se terem verificado alguns progressos que, em grande parte, são atribuíveis à conjuntura económica, como aqui foi salientado -, o Governo deixou de fora aspectos muito importantes da política da pobreza que aqui foram levantados por mim e por outros Deputados da oposição.
Não foi aqui dito nada relativamente ao apoio à infância desvalida; não houve informações sobre a Acção Social Escolar e, embora nos dissessem para aí que os programas são magníficos, não houve informações concretas sobre o assunto; não houve nada sobre os bairros da lata nem sobre a habitação degradada; não houve nada sobre o apoio aos jovens em situação de pobreza.
Que debate é este sobre a pobreza em Portugal, no qual o Governo não dá nenhuma informação nem toma nenhuma posição sobre estes problemas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, o Governo não tomou posição sobre as propostas que aqui apresentei.
O Sr. Ministro disse agora, na sua intervenção final, que neste debate havia ideias positivas e negativas, que umas deveriam ser consideradas, que outras não podem ser aceites, mas ficámos sem saber como e quais.
Propus aqui, como condição essencial para que haja uma política de pobreza, um inquérito à pobreza. Até lemos nos jornais que a CEE está a exigir isso do nosso país, mas o Sr. Ministro, o Governo, não disse nada sobre o assunto.
A realização de um grande inquérito à pobreza e a sua actualização permanente é uma condição indispensável, sine qua non, para que neste país possa haver uma política de pobreza. Enquanto isso não acontecer

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o Governo vai podendo dizer que há progressos no combate à pobreza sem nós sabermos como, porque não temos dados.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Muito bem!

O Orador: - Outra proposta que aqui fiz e que acho que merece ser considerada é a da elaboração de um relatório anual sobre a situação social em Portugal. Nos vários países da CEE há relatórios deste tipo. Portugal, que agora pertence à CEE - facto esse em que o Governo anda sempre a falar - não tem relatórios sobre a situação económico-social. Não houve uma palavra sobre esta proposta. Qual é a posição do Governo sobre ela? Ficámos sem saber.
Finalmente, referi que precisamos de um plano integrado de combate à pobreza, para que este fenómeno seja atacado de forma eficaz.
Há várias classes de pobreza, há que definir prioridades, há que as atacar de uma forma concreta.
O Governo tem acções pontuais, dispersas, descoordenadas, parcelares. Não há uma estratégia conjunta, como foi salientado aqui, e, pelos vistos, o governo propõe-se continuar com a mesma política.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - Tem sido uma boa política!

O Orador: - O Governo, ao não acolher ou, pelo menos, ao não reagir a esta proposta de um programa integrado no combate contra a pobreza, mostra que prefere que este assunto continue a ser tratado de forma vaga, que continuemos, nós e todo o país, a não saber muito bem o que se passa, que se faca crer que tudo vai bem quando as coisas vão mal, que se apresentem pequenas medidas como sendo grandes soluções para os problemas da pobreza.
Saio daqui pouco animado quanto às políticas da pobreza em Portugal, a não ser que o Governo altere radicalmente a sua posição, e hoje não deu indicações de o fazer.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e da ID.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar amanhã as 15 horas, com período de antes da ordem do dia; para o período da ordem do dia está agendada a discussão da Proposta de Lei n.º 57/V - Alteração do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, referente ao sistema eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira; finalmente, às 19 horas e 30 minutos terão lugar as votações relativas à Proposta de Lei n.º 31/V - Lei de Bases da Reforma Agrária - e ao Projecto de Lei n.º 188/V - Garantias dos Direitos das Associações de Mulheres.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Ascenção Belém.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Coito Pita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José de Vargas Bulcão.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. Eholstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Apolinário Nunes Portada.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Vera Jardim.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Victor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Manuel Salseiro Amaro.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Miguel António Galvão Teles.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

OS REDACTORES: José Diogo - Cacilda Nordete.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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