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Quinta-feira, 7 de Julho de 1988 I Série - Número 112

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JULHO DE 1988

Presidente: Ex.mo Sr. José Manuel Mala Nunes de Almeida

Secretários: Ex.mos Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aborta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Deu-se conta dos diplomas apresentados na Mesa. Foram aprovados os n.ºs 98 e 99 do Diário.
Apreciou-se, na generalidade, o projecto de lei n.º 65/V (CDS) - Lei do Segredo de Estado -, que baixou às Comutou da Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades a Garantias e da Defesa Nacional, tendo intervindo na discussão, a diverso título, os Srs. Deputados Adriano Moreira (CDS), Miguel Galvão Teles (PRD). Herculano Pombo (Os Verdes), Narana Coissoró (CDS), José Magalhães (PCP), José Luís Nunes (PS), Ângelo Correia (PSD) a Sottomayor Cardia (PS).
Entretanto, foi aprovado um rotatório o parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PSD.
Foi ainda aprovado o projecto de resolução n.º 14/V (PSD e CDS) - Constituição de uma comissão eventual de Inquérito para continuar a averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro do 1980, o Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes. Intervieram no debate, a diverso título, incluindo declaração do voto, os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Herculano Pombo (Os Verdes), José Luís Ramos (PSD), Rui Silva (PRD), José Leio (PS), Montalvão Machado (PSD), Eduardo Pereira (PS), João Amaral o Jerónimo do Sousa (PCP) o João Corregedor de Fonseca (ID).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. de Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António José Coelho Araújo.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Paulo Veloso Bento.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Manuel Pedroso Milhão.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Maria Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves de Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel Ascensão Belém.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Coito Pita.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira de Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Oliveira Bastos.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

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Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Leio Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues Sarros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.

lvaro Manuel Balseiro Amaro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
José da Silva Lopes.
Miguel António Galvão Teles.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
João Manuel Seiça Neves.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deu entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 17/V, apresentado pelo PCP, sobre os prejuízos sofridos pelos agricultores resultantes das chuvadas anormais da Primavera/Verão de 1988, que foi admitido.
Deram ainda entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 211/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Natalina Pintão, do PSD, relativo à criação da freguesia de Serra do Alecrim, no concelho de Santarém, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 272/V, apresentado pelo Sr. Deputado Fernando Gomes e outros, do PCP, relativo à criação do Serviço Nacional de Sangue, que foi admitido e baixou à 2.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 98 e 99 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 8 e 9 de Junho findo.
Estão em discussão.

Pausa.
Visto não haver objecções, dou por aprovados os referidos números do Diário.
Srs. Deputados, aproveito para anunciar que, conforme decisão da conferência de líderes, às 19 horas e 30 minutos realizar-se-ão as seguintes votações: proposta de lei n.º 57/V - Alteração do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, referente ao sistema eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira (votações na especialidade e final global); pró-

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jecto de lei n.º 65/V - Lei do Segredo de Estado; e projecto de resolução n.º 14/V - Constituição de uma comissão eventual de inquérito para continuar a averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, o Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes, se até esta hora for dada a discussão por terminada.
Srs. Deputados, vamos, pois, passar à apreciação do projecto de lei n.º 65/V (CDS) - Lei do Segredo de Estado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Estados de direito, todos se defrontam, como foi sublinhado por Claire Charlot, com a necessidade de fazer coexistir o direito à informação dos povos e o direito dos governos ao segredo. Todavia, o primeiro problema exige um tratamento legislativo, que alguns Estados fizeram, designadamente os Estados Unidos, a Franca e os Países Nórdicos, à margem do próprio segredo de Estado. De facto, a falta daquela regulamentação remete praticamente para a boa vontade dos governos o acesso dos cidadãos aos documentos oficiais, existam ou não um conceito e uma regulamentação oficial do segredo de Estado. De facto, toda a acção política e administrativa fica protegida por um secretismo sem doutrina fazendo acrescer ao poder político um elemento fundamental que é o saber secreto e monopolizado.
Queremos com isto significar que a definição do segredo de Estado, indispensável para completar a estrutura de um Estado de direito, salvaguarda e limita o direito do poder ao segredo e estabelece a base para a definição jurídica rigorosa do acesso dós cidadãos à informação. E não apenas dos cidadãos, também dos órgãos de fiscalização política. No caso português, da Assembleia da República. Nesta data temos lei penal que reprime a violação do segredo de Estado, temos uma regulamentação proveniente da pertença à NATO, mas não temos o instrumento jurídico que permita definir o segredo de Estado, a necessidade de fundamentar a definição e a individualização dos responsáveis pelo recurso ao saber secreto.
Acontece que o princípio da divisão doa poderes, na tradição ocidental, conseguiu juridicamente eliminar o segredo de Estado no domínio dos tratados e compromissos internacionais, como evidenciam Lauterpacht e Ma Nair, embora a prática não tenha desaparecido como se vê dos anunciados acordos entre os EUA e a URSS.
Também ficou resolvido em relação ao poder judicial - onde desapareceu o processo inquisitório e nasceu a categoria própria do segredo judicial. Na sociedade civil, o segredo profissional limitou equilibradamente o direito à liberdade de informação. Mas nas relações entre o executivo e o legislativo, não pode dizer-se que o processo evolucionou com a mesma clareza, nem mesmo nas democracias mais clássicas como a Inglaterra, onde o mundialmente célebre caso Ponting, provocado pelo afundamento do cruzador Belgrano durante a Guerra das Malvinas, permitiu a Cari Friedrich escrever que os observadores britânicos tendem para invejar a prática americana da transparência, enquanto os americanos tendem a preferir o sistema responsável e discreto dos britânicos. O projecto que foi presente à Câmara inclina-se mais para a discreção britânica, mas, tendo sido determinado essencialmente pelo deficiente relacionamento entre a Assembleia da República e o Governo, pelos embaraços da função fiscalizadora e pela debilidade efectiva do estatuto da oposição, não deixaremos de salientar os seguintes pontos, que talvez devam ser remetidos para a Comissão, e a respeito dos quais ponderaremos outras soluções:
1 - Devem ser definidos concretamente os domínios onde as matérias podem ser declaradas segredo de Estado? Em Inglaterra, o chamado Relatório Franks foi por esse caminho, indicando a defesa e segurança interior, relações entre Estado, reservas monetárias e valor da libra esterlina mas a lei nunca reproduziu a orientação. Inclinamo-nos para a indicação do responsável pela qualificação que deve ser fundamentada, e por tempo determinado.
2 - Julgamos que deve manter-se a distinção tradicional entre segredo e reserva, e que nada deve diminuir as obrigações decorrentes dos estatutos profissionais dos funcionários.
3 - Pode ter uma solução mais radical, como acontece em Espanha, o problema do acesso do poder legislativo aos documentos da Administração Pública, não lhe podendo nunca ser oposto o segredo e, ao contrário, podendo o congresso recorrer até a sessões secretas. No texto proposto a solução inclina-se para o exercício de boa fé do estatuto da oposição.
4 - A proposta inclina-se muito claramente no sentido de entender que o segredo de Estado nunca pode ser oposto ao poder judicial.
5 - Podemos alinhar, para servir de base ao diálogo, os seguintes pontos, postos em evidência no estudo prévio da proposta que fizemos:
A) O regime de segredo de Estado não implica, por si mesmo, qualquer desvio do princípio das estrita legalidade na marcha do governo e da administração;
B) Limitando o acesso ao conhecimento dos factos e dos processos, condiciona negativamente as intervenções fiscalizadoras e correctoras dos órgãos aos quais compete, legal e politicamente, esta função;
O A internacionalização e interdependência crescente dos Estados também implicam que a variável da política internacional de desenvolva, com maior intensidade que anteriormente, no sentido de desenvolver o secretismo da acção do poder político nesse domínio;
D) O mesmo se verifica no âmbito da defesa, domínio tradicional do secretismo do Estado, quer pela paz ambígua da situação internacional, quer em resultado do método da defesa organizada em blocos permanentes, que não consentem, por natureza, uma publicidade aberta dos seus objectivos e procedimentos;
E) Os mesmos fenómenos da internacionalização e interdependência, também evidentes entre as formações políticas e as organizações da sociedade civil, tornaram excepcionalmente relevante, sobretudo nas sociedades industrializa-

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das, afluentes e de consumo, o fenómeno das fidelidades múltiplas que frequentemente afecta a eficácia do Executivo, muito evidentemente nos domínios da defesa, e da alta tecnologia;
F) A experiência das democracias estabilizadas ocidentais, servindo de exemplo os EUA, mostra que, mantendo-se embora a definição formal constitucional, todavia o equilíbrio dos poderes é afectado por aqueles factores e pelo secretismo consequente, permitindo a clandestinidade do Estado e o desvio eventual da legalidade, porque o saber secreto é um componente importante do poder político;
G) A degenerescência do poder, esse vício de que Aristóteles não excluía nenhum regime, é favorecida pelo secretismo, e princípios fundamentais, como a estrita legalidade, o equilíbrio dos poderes e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias, perigam eventualmente;
H) Uma lei que regule o segredo de Estado é necessária, mas nada substitui o sentido da responsabilidade e a vinculação à moral de responsabilidade dos detentores do poder.
6 - Na limitada experiência do regime português vigente, onde as responsabilidades internacionais têm uma medida apropriada às circunstâncias reais do País, talvez devêssemos sublinhar os seguintes pontos, repito, reproduzidos nos trabalhos preparatórios da proposta de lei:
A) A simples falta de informação, sobre os negócios correntes, e que é devida ao eleitorado, e aos legais representantes, tende para tornar inseguros e não realistas os seus juízos e decisões;
E) Favorece o aparecimento do poder que resulta do saber secreto, o qual é favorecido pelos gabinetes restritos, pela falta de actas dos órgãos políticos, pela simplificação do poder normativo do Executivo;
C) A liberdade de escolha pelo Executivo, das perguntas às quais deve responder aos parlamentares, define, factualmente, um secretismo sem regras, pondo de lado as regulamentações derivadas das obrigações militares internacionais, domínio onde as regras não são ditadas pela soberania isolada.
Por tudo, parece que o segredo de Estado não é dispensável, mas que o seu âmbito, duração, fiscalização, e preservação contra o desenvolvimento daquilo que os clássicos chamavam os defeitos das virtudes devem ter uma definição legal de referência.
Que esta, como sublinhamos e a experiência conhecida das grandes potências comprova, não substitui o sentido da responsabilidade e a vinculação à moral da responsabilidade, parece indiscutível.
Que a complexidade e a velocidade da mudança das conjunturas tornam difícil enumerar taxativamente, e por matérias, os domínios em que o segredo de Estado pode vigorar, também exige ponderação.
Mas o caminho intermédio de identificar os órgãos com capacidade de decidir a aplicação do regime, a sua duração e oportunidade da revelação não parece que ofereça dificuldades, quando a legitimidade dos responsáveis políticos esteja assegurada, e a subordinação dos instrumentos de intervenção, civis e militares, ao poder instituído esteja normalizada, na base de um sistema de fidelidade comum ao interesse geral, para além das divergências pluralistas e das fidelidades múltiplas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que dificilmente poderia ser mais favorável a disposição de espírito com que abordei a análise do projecto de lei n.º 65/V, apresentado pelo CDS e respeitante ao segredo de Estado.
Em primeiro lugar, é indiscutível que a matéria carece de disciplina sistemática, que entre nós não existe. Por isso, era bem-vindo um projecto sobre o tema. Certo que o segredo de Estado se apresenta como um limite ao direito à informação democrática e ao acesso aos documentos oficiais. Teria sido preferível que a questão fosse abordada dessa perspectiva, em conjunto com uma definição do regime de exercício daquele direito e daquele acesso. A circunstância de, no projecto, assim não acontecer não representaria, porém, motivo, por si só, de condenação.
Em segundo lugar, o projecto provinha de um partido da oposição, ainda que com uma linha política situada a quilómetros de distância daquela que é a minha e a da minha bancada. O segredo de Estado constitui um domínio onde a tentação de abuso é muito fácil. De tal modo que, se fosse um partido da oposição, afastado da aspereza dos interesses do poder, a tomar a iniciativa, representava um aval.
Em terceiro lugar, o CDS divulgou um comunicado sobre o projecto, que o meu amigo deputado Narana Coissoró teve a amabilidade de me entregar e que é um exemplo de ponderação.
Não poderiam, pois, ser mais favoráveis os meus propósitos.
Por isso, quando li o projecto pela primeira vez, julguei que não tinha compreendido. À segunda leitura, fiquei perplexo. À terceira, assustado. À quarta, em pânico. Porque temo que aquele que era o meu estado de espírito inicial fosse também - e seja ainda - o de muitos Srs. Deputados. De resto, tal estado de espírito reflecte-se de alguma sorte, embora com cautelas, no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Pesa-me, mas tenho de o dizer: sem nenhum exagero, encontramo-nos perante a iniciativa objectivamente mais perigosa para as instituições democráticas que entrou nesta Assembleia da República desde o começo da sua existência.

Vozes do CDS: - Não apoiado!

O Orador: - Porque, não procurando caricaturar, o projecto quase se poderia resumir num artigo: é segredo de Estado tudo aquilo que, para a defesa dos interesses do Estado, quaisquer interesses do Estado, o Presidente da República ou o Governo, qualquer membro do Governo ou um chefe de estado-maior como tal qualificarem.
Limites? A revogabilidade, pelo Primeiro-Ministro, da qualificação feita por outro membro do Governo, a proibição de que ao regime do segredo de Estado

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sejam submetidas convenções internacionais que constitucionalmente requeiram a intervenção do Presidente da República, da Assembleia da República ou do Governo, a ressalva, em termos indefinidos, da competência dos tribunais, a previsão de que o cumprimento do estatuto da oposição possa levar à transmissão, em regime de confidencialidade, de factos sobre os quais recaia segredo de Estado, a necessidade de fundamentação dos actos de qualificação. Mais nenhum: nem quanto à natureza dos interesses do Estado a salvaguardar, nem quanto à determinação das matérias sobre as quais o regime do segredo de Estado pode incidir, nem quanto ao tempo, nem quanto à salvaguarda dos direitos fundamentais, outros que o direito à informação, e da dignidade das pessoas. Nada. Não pretendo fazer processos de intenção. Não direi - nem disso estou convencido - que más fossem as intenções. E escuso-me de referir a frase feita de que «de boas intenções está o inferno cheio». Desejo antes crer que o projecto, perdoem-me o termo, foi preguiçoso. É, sem dúvida, muito difícil definir em abstracto os limites do regime do segredo de Estado e fixar quanto a ele o espaço em que funcionam as garantias. É difícil - mas rigorosamente indispensável.
Exige-se uma disciplina do segredo de Estado - quanto a esse ponto nenhuma objecção. Mas não, em condições algumas, aquela que consta do projecto, a não ser que esta Assembleia haja perdido todo o sentido das proporções e dos riscos.
Leia-se o projecto com todo o cuidado. Formulo uma só pergunta: alguém admitiria a ideia de que o Governo ou a sua bancada tivessem coragem de o apresentar? E, se o houvessem feito, quantos apelos à «guerra santa» - que o é - pelos princípios e pelas instituições democráticas não teríamos ouvido e não estaríamos a ouvir?
Boa intenção, o facto de o CDS não estar, pelo menos de momento, interessado em criar um Estado de segredo e em abusar do segredo de Estado não pode permitir complacência, nem espírito de «deixar passar».
O parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias assinala o alargamento do conceito de segredo de Estado a que o projecto procede. Depois de aludir ao artigo 343.º, n.º l, do Código Penal, onde o bem jurídico protegido é unicamente o interesse do Estado Português nas relações externas - são a independência e a integridade nacionais - e ao n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Penal, que estende já o domínio possível do segredo à salvaguarda dos interesses e valores que digam respeito à zona, melindrosíssima, da segurança interna e da defesa da ordem constitucional, sublinha que «a definição dada no artigo 2.º do projecto de lei em análise é, caracterizadamente, mais ampla. Os interesses tutelados são os do Estado Português, sem se estabelecer qualquer referenciação. O dispositivo de contenção desta vaguidade de primeira linha está na posição institucional dos titulares da competência para a qualificação de uma certa realidade como segredo de Estado: o Presidente da República e os membros do Governo, com a natural supremacia, neste, do Primeiro-Ministro».
Pergunto, porém: se o risco de abuso em matéria de segredo de Estado provém dos órgãos de poder, como pode o facto de serem eles a efectuar a qualificação constituir garantia? Só porque não se autoriza a qualificação, sei lá, a um director-geral ou ao comandante da polícia? É isto? Nem sequer em rigor: porque, nos termos do artigo 4.º, n.º l, qualquer funcionário civil ou militar com funções de decisão ou informação poderá qualificar como reservados os documentos referentes a actos da sua competência, sem excepção.
O projecto exige a fundamentação da declaração de segredo. Mas trata-se, evidentemente, de uma falsa garantia. Porque ou a fundamentação não é ela própria confidencial e se lhe exige que seja suficientemente especificada, e acaba o segredo - pois que para o justificar suficientemente, se torna necessário revelar o seu conteúdo - ou é vaguíssima e não constitui segurança alguma.
O projecto ressalva ainda a competência dos tribunais. Fica-se, porém, sem saber qual o alcance dessa reserva. Cessa, perante os tribunais, o segredo de Estado? Revoga-se o artigo 137.º do Código de Processo Penal, que proíbe a inquirição sobre matéria por ele coberta? A ressalva ou é excessiva ou é inócua. Quererá significar-se que o segredo de Estado não pode incidir sobre factos que constituam infracção criminal? Torna-se indispensável dizê-lo. Se não, amanhã, um agente da Administração corrompe-se - e é segredo de Estado. Viola-se a correspondência de um cidadão - e é segredo de Estado. Tortura-se outro - e é segredo de Estado.
Nenhuma lei cautelosa sobre segredo de Estado pode, num Estado democrático, deixar de delimitar os interesses públicos susceptíveis de fundamentarem o segredo; delimitar as matérias relativamente às quais o regime de segredo pode funcionar; salvaguardar os direitos fundamentais e a dignidade das pessoas; excluir a possibilidade de segredo de Estado quanto a factos que constituam infracção criminal.
O projecto do CDS não preenche nenhum dos três primeiros requisitos. E não preenche sequer, de forma minimamente clara, o último.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vejo remédio, mas, por muito que me custe, não posso deixar de vivamente me bater pela rejeição do projecto de lei na generalidade.
Sei que haverá de algum lado a tentação de condescender por ora, na esperança de que depois, na especialidade, as coisas se componham. Mas ou se compõem mesmo, e o texto será novo, ou não se compõem, e quando nos arrependermos poderá ser tarde. De qualquer modo, o risco da segunda possibilidade é suficiente para não autorizar hesitações, porque não vamos votar a necessidade - indiscutível - de regular uma matéria. Vamos votar um projecto, objectivamente dotado de um espírito.
Não tenho, de resto, dúvida alguma sobre a inconstitucionalidade do projecto: por violação do núcleo essencial do direito à informação e por ofensa dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Honro-me de haver participado numa campanha eleitoral que teve por um dos temas essenciais a luta contra o Estado de segredo. E as derrotas eleitorais não matam as ideias. Mas não preciso sequer de invocá-las, porque o que neste momento se encontra em jogo se situa muito antes e não permite batalhas de tom mais ou menos partidário: é a salvaguarda do próprio mínimo democrático. Nele espero que ainda estejamos todos de acordo.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.

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Os Srs. Angelo Correia e Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Adriano Moreira, Narana Coissoró e Herculano Pombo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Em primeiro lugar, queria dizer ao meu amigo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles que fiquei com a impressão de que para si o segredo de Estado é um enorme segredo, porque quase todas as considerações que dali lhe ouvi fazer não têm nada que ver com o problema do segredo de Estado num Estado de direito, não têm nada que ver com a proposta que foi feita, não têm nada que ver com o direito comparado; têm, apenas, que ver com um ensaio que tentou fazer sobre a definição daquilo que imaginou poder ser segredo de Estado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E vou dizer-lhe porquê. É que o Sr. Deputado esqueceu-se de reparar na cautela ou, melhor, na prudência com que foi feita a nossa intervenção. O Sr. Deputado, por exemplo, esqueceu-se de reparar que o Governo socialista espanhol edita a lei sobre o segredo de Estado, estabelecendo que quem o define não o faz por matérias e quem tem competência para tal é o Conselho de Ministros e os seus membros, os chefes de missões diplomáticas de Espanha no estrangeiro e o chefe do Estado-Maior.
Por outro lado, o Sr. Deputado também não reparou que a Inglaterra não aceitou, depois do gravíssimo incidente das Malvinas, a definição do segredo de Estado por matérias previamente indicadas na lei, porque isso não foi considerado compatível com a gestão da mais sólida e confiável das democracias que existem no Ocidente.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Ao Sr. Deputado passou-lhe tudo isto completamente despercebido. E passou-lhe igualmente despercebido, porque com certeza não era disso que estava a tratar, que pela primeira vez num diploma legal português se afirma que contra o poder judicial não pode ser invocado segredo de Estado, sem qualquer espécie de restrição; faz-se a salvaguarda do segredo profissional. Isso também resulta do texto, pois foi suficientemente escrito em termos largos para poder merecer um consenso que corresponde à necessidade - que o senhor reconhece - de haver uma definição de segredo de Estado.
Tenho de dizer-lhe que me parece completamente absurdo o facto de o Sr. Deputado considerar que é contrário ao regime constitucional haver uma definição de segredo de Estado e ficar satisfeito com a situação em que vivemos, que é aquela em que não há definição alguma. Isto porque o que acontece neste momento é que o Governo, e muitas vezes com inteira justificação, porque não tem qualquer lei, invoca o segredo de Estado para não dar qualquer resposta às perguntas colocadas pela Câmara, porque não há lei
alguma que o obrigue a seleccionar aquela a que há-de ou não responder. É este o regime em que vivemos, e parece-me que o tem satisfeito completamente, embora a nós não nos satisfaça de maneira alguma. Foi justamente - e era isto que lhe queria lembrar, porque provavelmente o Sr. Deputado não estaria na Câmara - a circunstância de ser extremamente difícil o exercício do direito de a oposição fazer perguntas, a que obrigatoriamente o Governo tenha de responder, que nos levou a tentar uma definição do segredo de Estado. Não podemos continuar na situação de o Governo responder se quiser e não responder se não quiser, pois essa seria uma situação de total arbitrariedade, em que, efectivamente, vivemos, e contra isso não encontramos qualquer protesto seu.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador - Como, da sua intervenção, percebi que não lhe convém o regime que vigora quer em Inglaterra, quer em Espanha, quer, provavelmente, o que vigora nos EUA, onde a verdadeira mudança de regime depende da evolução das condições em que é permitido o exercício do segredo de Estado, pergunto: qual é o país que lhe serviria de paradigma para definir uma lei de segredo de Estado em Portugal?

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Galvão Teles, pretende responder já ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Galvão Teles (PRD): - Respondo no final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Narana Coissoró prescindiu, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Galvão Teles, parece ter sido intenção dos promotores desta iniciativa fazer um diploma em que a situação actual viesse a ter um enquadramento jurídico, de modo a não permitir que persista a indefinição em matéria de tamanha gravidade, como é a do segredo de Estado.
Contudo, o artigo 3.º, n.º l, diz que a qualificação do acto ou documento, directo ou indirecto, que se lhe refira, como segredo de Estado pode ser feita pelo Presidente da República ou por um membro do Governo, qualquer que ele seja.
Pergunto: entende que atribuir competências a um membro do Governo - que pode ser, por exemplo, um secretário de Estado ou um subsecretário de Estado - para qualificar um documento ou um acto como segredo de Estado, na prática, contribui para que o segredo de Estado venha a ficar clarificado, como, de facto, tem de estar?
Por outro lado, parece ter sido intenção dos promotores desta iniciativa fazer uma destrinça entre aquilo que é segredo de Estado e aquilo que são documentos classificados, como vulgarmente se diz, como documentos «reservados».
Pergunto: entende que, nomeadamente no que se afirma no artigo 4.º, n.º l, qualquer funcionário, civil ou militar, com funções de decisão pode qualificar de

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«reservado» um documento? Não lhe parece que esta situação, a ser levada à prática, criaria aquilo que parece ter sido intenção do legislador evitar, ou seja, um estado de secretismo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Galvão Teles.

O Sr. Galvão Teles (PRD): - Respondendo, antes de mais, ao meu querido amigo Prof. Adriano Moreira - e devo dizer que procurei acentuar que não se tratava de um processo de intenção -, chamo-lhe a atenção para o seguinte: é evidente que ouvi com atenção a sua intervenção, como li com atenção o comunicado que o CDS divulgou, e o Sr. Deputado deve imaginar, pela amizade que tenho por si, quanto me custou fazer uma intervenção como a que fiz. Mas o que digo é que a prudência que se revelou no comunicado que referi e a que se revelou na intervenção feita por V. Ex.ª não têm a ver, salvo o devido respeito, com o projecto de lei em debate, e o que ficará, se este for aprovado, não são as intenções boas e sérias do CDS e do Sr. Prof. Doutor Adriano Moreira, mas um texto objectivo de lei, texto esse que, repito, considero o mais perigoso que entrou nesta Casa. Não ponho em causa que a qualificação de segredo de Estado seja efectuada pelo Presidente da República e pelo Governo. Nunca pus isso em causa, embora me parecesse, obviamente, que não devesse ser qualquer membro do Governo a fazer a qualificação de segredo de Estado mas, pelo menos, o Primeiro-Ministro ou o Conselho de Ministros.
Contudo, o problema não está aí, mas no âmbito indeterminado, completamente indeterminado, com que a competência pode ser exercida. Não há lei que permita...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, agradeço-lhe ter-me permitido a interrupção, mas não tenho outra figura regimental.
O que lhe quero dizer é que no nosso projecto de lei não se diz que é o secretário de Estado, o subsecretário de Estado ou quem quer que seja quem tem esse direito. Simplesmente, pelo nosso sistema político, é o próprio Governo quem organiza o Governo, portanto, é o próprio Governo, pela sua organização, que dirá a quem é que compete, realmente, disciplinar a confidencialidade e o secretismo do sistema. Não é a Assembleia da República que pode dizer como é que o Governo se irá organizar, uma vez que, como disse, isso compete ao próprio Governo.

O Orador: - O que o projecto de lei diz, no seu artigo 3.º, n.º l, é que a qualificação do acto ou documento, directo ou indirecto que se lhe refira, como segredo de Estado pode ser feita por um membro do Governo, não fazendo distinção alguma.
Essencialmente, não é isso que me preocupa, mas a total ausência de limitação, e não vale a pena invocar a Grã-Bretanha, porque todos sabemos que esta não
tem rigidez constitucional nem salvaguardas formais, mas uma longa experiência de contenção no exercício do poder, que não é a tradição portuguesa, infelizmente.
Mas tal não acontece só com o artigo 3.º O próprio artigo 4.º, n.º l, permite a qualquer funcionário classificar os documentos como reservados. Se isto serve para clarificar o regime de segredo de Estado, santo Deus!... Entendo que é indispensável uma lei sobre segredo de Estado, mas, salvo o devido respeito, nunca esta.
Quanto à competência dos tribunais, fico satisfeito pelo facto de o Prof. Adriano Moreira ter dado um esclarecimento, mas, salvo o devido respeito, não é essa a interpretação que, provavelmente, se faria do texto do projecto de lei do CDS, que se limita a dizer que fica ressalvada a competência dos tribunais. Contudo, a ressalva da competência dos tribunais não significa que não continue, por exemplo, em vigor o artigo 137.º do Código de Processo Penal, que proíbe a inquirição em matéria de segredo de Estado.
Quanto à primeira pergunta feita pelo Sr. Deputado Herculano Pombo, julgo que já respondi. Quanto à segunda, respeitante ao artigo 4.º, n.º l, que permite a qualquer funcionário, com poderes de decisão ou informação, classificar um documento como reservado, é óbvio que é exactamente o contrário da Administração aberta. Sei quem está no Governo hoje, mas não sei quem estará no Governo amanhã e depois de amanhã. A nenhum Governo, seja do meu partido seja de outro, eu aceitaria que se desse, com o meu voto, os poderes que este projecto de lei pretende atribuir. E, insisto, este é um projecto de lei extremamente perigoso, para além das intenções.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é, sem dúvida, um debate oportuno e necessário. É legítimo perguntar se Portugal está, porventura, a caminho de se transformar num Estado secretista...
Vozes do PSD: - A URSS.
O Orador: - ... e é mesmo legítimo perguntar se a Sr.ª Tatcher já desembarcou ou se está a preparar-se para desembarcar na Teixeira Gomes. É que, realmente, só o mais distraído dos observadores não verá que em Portugal há factos mantidos em segredo contra o interesse do Estado e há coisas do Estado tornadas públicas contra os interesses da República.
Chegou-se a tal ponto que, bem pode dizer-se, do alto da pirâmide dos segredos, faraonicamente, o Primeiro-Ministro todo nos contempla, repleto de mil saberes, ciosamente guardados e escondidos a todos os demais. Chefe supremo dos serviços de informações, chefe supremo do sistema de segurança interna, único guardião autorizado a proibir funcionários públicos de depor em tribunais, guardião sem guarda, eis a situação em que Portugal se encontra.
E, no entanto, como sabemos, a publicidade das actividades dos órgãos de poder é princípio geral do Estado de direito democrático; as coisas públicas, que a todos interessam, podem e devem ser conhecidas por todos.

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Os cidadãos têm o direito de se informarem e de serem informados; a Administração Pública tem o dever constitucional de ser aberta e participada; os órgãos de poder têm o dever não só de não obstruírem o acesso a dados de que são possuidores, mas o dever de propiciarem a adequada informação, atempada, rigorosa, verdadeira, não puramente propagandística ou de uso do aparelho do Estado para a promoção das finalidades próprias do partido que tem o poder e dele se apropria.
Sucede, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nesta matéria vivemos uma situação redobradamente malsã.
Por um lado, pode perguntar-se sempre se todas as informações, cuja divulgação seria embaraçosa para o Governo, devem ser protegidas pelo segredo, e a resposta tem de ser negativa. Nem sempre o que é embaraçoso para o Governo é embaraçoso para o Pais e deve ser possível fazer um juízo sobre esses embaraços. Nisso consiste a actividade dos órgãos de soberania e a efectivação das responsabilidades dos detentores do poder, que transitórios são, por definição.
Os segredos do Governo não podem ser os segredos do Estado, não podem ser sempre os segredos do Estado. Os governantes não têm direito ao segredo total; os ministros ineptos não têm o direito ao segredo sobre a sua inépcia; os ministros que se massajam no momento e no horário errados não têm o direito à massagem secreta, isto está absolutamente fora de questão.

Risos.

No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o regime jurídico dos diversos tipos de segredos padece em Portugal de lacunas regulamentares e de múltiplas indefinições. Vivemos num reino de fragmentárias e conflituais soluções avulsas, constantes do Código Penal, do Código de Processo Penal, da Lei do Serviço de Informações, da Lei de Segurança Interna, da Lei de Processo Administrativo Contencioso, da velha legislação sobre matérias classificadas, das normas comunitárias, das normas da NATO..., falta operar uma clarificação, e há quem a proponha!
Desde logo, o Partido Comunista Português, na legislatura anterior, apresentou um projecto de lei - e reapresentou-o nesta, reformulado e aperfeiçoado -, com vista a garantir melhor a Administração aberta, conceito que flui meridianamente do nosso texto constitucional, mas que carece de densificações, de regulamentações e de desenvolvimentos no terreno da lei ordinária para que possa ser uma realidade efectiva na nossa Administração Pública, cuja persistente falta de reforma é, sem dúvida, um problema medular com que o País se defronta. Não quis o PSD que esse projecto de lei do PCP fosse aqui discutido. Ainda mal, porque esse consenso teria sido extremamente importante. Não é lógico nem completo discutir o segredo sem discutir a transparência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São as duas faces da mesma moeda e é evidente que, se alargarmos o caminho do segredo, diminuímos o caminho da transparência, e vice-versa. Constitucionalmente, a transparência é a regra, o segredo só pode ser a excepção.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É verdade e está no texto.

O Orador: - Sucede, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nesta matéria há quem tenha posição susceptível de induzir geral preocupação. Olho para o Sr. Deputado Angelo Correia e aí lobrigo um dos destinatários desta observação.
Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD apresentou, em sede de revisão constitucional, uma proposta de alteração ao artigo 120.º que bem poderíamos qualificar, embora tenha a epígrafe «Estatuto dos titulares dos cargos políticos», como a «rolha eterna». Aquilo que o PSD pretende é que os titulares dos cargos políticos sejam obrigados a guardar rigoroso sigilo - não menos do que isto: sigilo rigoroso - sobre as matérias de que tenham conhecimento em razão das suas funções e que se encontrem abrangidas pelo regime de segredo de Estado.
Mais: o CDS quer que a obrigação aqui referida se mantenha, mesmo após a cessação de funções, nos termos da lei. Isto é: o Primeiro-Ministro, aparentemente, não se contenta só em que os ministros não andem a falar por aí; quer que depois de serem ministros nunca possam andar a falar por ali, por acolá ou por acolá. É a rolha eterna, com toda a gravidade deste pressuposto e destas implicações.
Este diploma, que está mal concebido, que é inaceitável e que implicaria gravíssimas consequências para a lei ordinária, foi objecto de discussão acesa na Comissão de Revisão Constitucional, tendo dito o PSD que reconsiderava, reformularia e se abstinha desses intuitos.
Mas devem essas palavras ser tomadas pelo seu valor facial, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Creio que seria ingénuo admiti-lo, porque vários casos nos revelam a posição real do PSD nesta matéria.
Por um lado, o Conselho de Ministros terá aprovado, em data próxima do 25 de Abril, legislação com vista a estabelecer patamares de segredo e a generalizar as proibições que já estão, neste momento, em vigor na Administração Pública, impedindo os funcionários públicos de terem relações normais, designadamente com a comunicação social. Visa-se reforçar esse dever de sigilo, tornar menos transparente a Administração Pública, e - repare-se - trata-se aqui do segredo administrativo e não do segredo de Estado, que deve ser coisa distinta e inconfundível com o segredo burocrático, ordinário e normal.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Exacto!

O Orador: - É esta a orientação em que o PSD está apostado.
Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, recentes casos nos chamaram a atenção para uma atitude perigosa de secretismo - que é coisa bem diferente do segredo razoavelmente consentível em termos constitucionais - do PSD. Lembro, desde logo, as circunstâncias da revelação pública do caso SONAE e do escândalo que o envolveu. Lembro também o escândalo incomensurável do saneamento básico da Costa do Estoril e o facto de ser secreto o conjunto de dados, absolutamente imprescindíveis, para se aferir onde está a verdade nesta matéria. Lembro ainda o facto de o

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actual regime conduzir a que o Governo possa ter invocado, em matéria de delimitação dos sectores, uma data falsa, manifestamente falsa, para a proposta de lei de delimitação dos sectores que aqui apresentou e que nos aparece, pelo punho do Ministro dos Assuntos Parlamentares, como assinada antes da greve geral de 28 de Março, quando sabemos que foi confeccionada e ultimada depois dessa greve e como punição no que diz respeito aos transportes, pelo facto de a greve aí ter tido, designadamente, um enorme êxito.
Por outro lado, as posições do Governo em relação aos jornalistas, as interdições que multiplica no contacto com a Administração Pública, a preocupação de fechar portas, a preocupação de substituir o acesso às fontes pelo acesso aos papagaios, a preocupação de substituir o diálogo e a penetração nos arquivos da Administração pelo contacto com os verdadeiros agentes de marketing encarregues de vender o Ministro Cadilhe como um génio das finanças, de vender o Primeiro-Ministro como verdadeiramente «supertatcheriano», porque como ele não há nada no Olimpo..., e, por outro lado, encarregues de dissimular as inépcias, a incompetência, ou de fazer a deificação de alguns dos «astros supremos» do PSD, mesmo nos casos em que eles voam tão baixo, tão baixo, tão baixo, que esbarram no chão!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo isto nos leva a considerar que este é um debate extremamente importante.
Por outro lado, a importância de um regime claro flui de alguns outros factos situados numa esfera que é, ela própria, tida por a mais secreta das secretas e a isso dedicaria um conjunto rápido de reflexões.
Olhando o panorama actual dos segredos do nosso Estado, é caso para fazer algumas perguntas. Primeira pergunta: quais as consequências da guerra dos serviços de informação em curso? As sobreposições e conflitos, a conversão prática de serviços de informação militares em serviços militares de informações, a privatização dos serviços de informações com a transferência maciça para empresas de segurança privadas, ligadas até a multinacionais, de especialistas recrutados entre os «007» do sector público...

O Sr. Angelo Correia (PSD): - É verdade!

O Orador: - ... cria ou não um quadro em que pode acontecer que segredos relevantes para o Estado Português sejam desconhecidos dos órgãos de soberania e, no entanto, bem conhecidos, ao melhor preço, de especialistas privados ao serviço de interesses privados?
Segunda pergunta: a proliferação descontrolada de serviços de informações públicos e privados, com agentes militares e civis encarregues de colher informações sobre os mais diversos tipos de actividades - incluindo partidárias, como se viu no caso DALFO -, somada à concentração no Primeiro-Ministro do poder de decidir o que é ou não é segredo de Estado, pode ou não conduzir ao prático bloqueamento da justiça criminal e, logo, à violação da repartição, da separação de poderes, em benefício do Governo e, dentro do Governo, do Primeiro-Ministro?
Se os agentes secretos envolvidos em operações eventualmente criminosas podem invocar segredo de Estado e o segredo não pode ser quebrado se o Primeiro-Ministro não quiser, não se torna óbvia, Srs. Deputados, a confusão existente entre o Estado e o partido no poder? Não se torna óbvio que isso ofende a própria existência do Estado de direito democrático? Terceira pergunta: a legislação em vigor sobre corrupção, com as suas debilidades de tipificação, prescrição, facilidades de não promoção de acções, ampla possibilidade de ilibação, não conduz ela própria a que sejam tratados como segredo de Estado casos banais e censuráveis de tráfico de influências e obscuras operações, que podem mesmo envolver governantes?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Quarta pergunta: a legislação vigente sobre declaração dos rendimentos de titulares de cargos políticos não transforma em indébitos segredos de Estado factos cujo conhecimento seria indispensável em termos de transparência, de moralidade pública?
Creio que as respostas a todas estas perguntas têm de ser afirmativas e a preocupação tem de ser geral.
Insistimos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é necessário que esta Câmara aprecie - isso não sucederá hoje, seguramente - e vote legislação que dê enquadramento adequado a todas estas matérias.
Essa legislação, insisto, deve ser feita na óptica da liberdade, deve ser feita na óptica de sublinhar que é a administração aberta a regra e que a administração fechada é a excepção - e certa administração nunca pode ser fechada.
Por outro lado, em relação a algumas das questões suscitadas pelo projecto do CDS - sobre o qual formulámos, na Comissão de Defesa, designadamente, um conjunto de observações que não caberia aqui retomar em toda a sua dimensão .... ainda que devamos dar a essas observações a máxima publicidade compatível com a matéria -, em relação ao projecto do CDS, repito, cremos que é realmente necessário um profundo trabalho de reflexão na especialidade, que conduza a soluções que evitem alguns dos males mais evidentes que o articulado tem e que, de resto, os seus próprios autores reconhecem existir.
Por um lado, entendemos que devem ser restritivamente definidos os domínios em que determinadas matérias - e só determinadas matérias - podem ser declaradas como secretas.
Alerto para a aberração que, neste momento, ocorre no Ministério dos Negócios Estrangeiros: o Ministério dos Negócios Estrangeiros, por diploma publicado na 2.ª série do Diário da Assembleia da República, definiu o regime de divulgação não dos actos correntes mas dos próprios arquivos e fundos documentais. Estabeleceu um prazo de 30 anos para a sua divulgação, prazo sujeito a autorização de uma comissão burocrática, quando não do próprio secretário-geral do Ministério, sem critérios de decisão definidos claramente, no meio de um total arbítrio, ocorrendo tudo isto num Ministério onde o Ministro, além dos «hábitos» a que aludi no início desta intervenção, não pode sequer garantir a localização exacta de documentos históricos de importância fundamental.
Não evoco, sequer - porque não é da sua gestão -, o caso do extravio do Acordo de Macau, finalmente encontrado após diligências dignas de um romance de Agatha Christie...

Risos.

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... mas refiro-me a documentos fundamentais para a história até recente de Portugal, incluindo sobre a descolonização, e o melindre de que se reveste o facto de haver uma indefinição total que permite que alguns tenham e outros não acesso privilegiado a esses arquivos. É uma situação que não pode continuar.
Por outro lado, importa que a qualificação seja fundamentada, sempre por tempo determinado e em escala móvel, por forma que haja libertações sucessivas. Nisto nem inovaremos genialmente. Nisto apenas decalcaremos normas constantes de direitos de outros países, nomeadamente o Freedom of Information Act, que, neste ponto de vista, pode obviamente ser adoptado, porque permite a libertação e a consulta de dados. Muito interessante seria - e será, seguramente - virmos a conhecer um dia certos documentos que a Administração Pública Portuguesa hoje faz circular: certos cartões de certos ministros, certos documentos, certas cartas ... O povo português tem direito a vir a conhecer isso um dia. E nós, de imediato, algumas coisas, certamente!
Por outro lado, a qualificação deve ser feita por entidades legalmente habilitadas e segundo critérios que assegurem a responsabilidade política e jurídica dessas entidades e que não as imunizem. O segredo não pode ser invocado nos mesmos termos para entidades com estatuto diverso, designadamente perante o Presidente da República, perante a Assembleia da República, perante comissões parlamentares - há que definir o seu regime -, perante partidos da oposição, e, por outro lado, os poderes dos deputados têm de ser ciosamente respeitados e acatados.
Finalmente, o segredo não pode, em caso algum, ser oposto ao poder judicial, sob pena de estar em perigo um dos pilares do Estado de direito democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP contribuirá, como fez até agora, para que venha a ser clarificada positivamente a situação existente em todos estes domínios e para que Portugal venha a ter uma administração cada vez mais aberta e o secretismo um campo cada vez mais reduzido.

Aplausos do PCP, de alguns deputados do PS e do deputado do CDS Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Adriano Moreira, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que apreciei a profundidade com que examinou o problema. A sua preocupação com a definição da conjuntura que atravessamos corresponde, em muitos aspectos, à minha própria observação e até, curiosamente, fiquei um pouco perplexo com a circunstância de a sua intervenção me parecer mais próxima da realidade do Estado que a intervenção do PRD.
Por outro lado, feita esta observação, queria dizer que, no debate que tivemos na Comissão de Defesa, nós próprios sugerimos alternativas e correcções ao nosso projecto de lei, porque pensámos que estávamos a tomar uma iniciativa que é de uma importância nacional extraordinária; portanto, foi com a maior das aberturas que apresentámos o texto do projecto de lei. E nós próprios sugerimos alternativas, pois esta lei tem de ser uma lei que mereça um grande consenso do ponto de vista nacional.
Mas, por outro lado, para mim sempre foi também claro - e esta é uma pergunta concreta que desejo fazer ao Sr. Deputado José Magalhães - que há dois problemas nesta matéria em todos os países: um deles é a definição do segredo de Estado com dois escalões - que são o segredo e a reserva - e o outro é o de acesso à documentação e à informação, que, normalmente, tem um regime jurídico autónomo. Como eu tenho esta concepção, queria perguntar-lhe, Sr. Deputado, se é essa também a sua concepção.
Os dois problemas têm de ser examinados complementarmente e, quando estamos a tratar do segredo de Estado, não estamos a tratar do regime jurídico de acesso à informação, pois esse vai necessitar de um diploma especial, como já existe em variadíssimos países.
Os senhores mesmo têm um projecto a esse respeito. Pessoalmente, calculo que a sua resposta seja afirmativa. Penso, no entanto, que, neste momento, seria bom tornar clara a situação neste aspecto, isto é, a necessidade de definir o acesso à informação.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Adriano Moreira, creio que, efectivamente, é necessário distinguir, porque da amálgama só resultará uma situação próxima - ou pior até - do que aquela que actualmente vivemos.
Creio, aliás, que é necessário ir bastante mais longe na destrinça, porque é preciso distinguir entre os diversos tipos de documentos e ter em conta que estamos no tempo da informática e que, portanto, a lacuna brutal que neste momento existe em matéria de garantia do direito de acesso até aos próprios dados pessoais do cidadão, a proliferação incontrolada de aplicações, a existência de aplicações até no universo secreto dos serviços secretos, com um regime especial de fiscalização, o facto de o regime de certos arquivos ter um estatuto transitório - referimo-nos aos arquivos da ex-PIDE/DGS e os arquivos de Salazar e de Caetano -, o facto de haver regimes diferenciados de acesso a todos esse arquivos, sem regras claras e de igual aplicação ou, pelo menos, com grande flutuações no regime de aplicação, o facto de os arquivos militares terem eles próprios também um regime reservado e com acessos diferenciados, tudo isso cria uma situação cuja clarificação é efectivamente urgente.
Essa clarificação não se pode fazer subitamente mas deve fazer-se, entendemos nós, de acordo com uma visão de conjunto. Estou absolutamente de acordo que essa visão de conjunto exige uma visão de Estado e essa visão de Estado passa, naturalmente, por uma profunda compreensão do que é o Estado democrático e de direito que temos hoje em Portugal e, portanto, a articulação entre os dois princípios - a liberdade, como o regime geral, as restrições de acesso, como excepções dentro desse campo e apenas dentro desse campo -

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é um princípio basilar. Mas, naturalmente, toda a arte está em destrinçar depois, passo a passo, patamar a patamar, em que é que deve decompor-se essa obrigação de diferenciação.
Creio que esse esforço é um esforço que vale realmente a pena fazer e chegámos ao momento em que devemos fazê-lo, sob pena de proliferação do arbítrio e de proliferação, então, de toda a espécie de informações: de informações classificadas e não classificadas, de informação em sede própria e em sede imprópria, de projecções que podem ser, aliás, perigosas, de conteúdos que devem ser acatados ou recobertos pelo segredo e de outros conteúdos que deviam ser transmitidos ao povo e à opinião pública com toda a liberdade.
Por outro lado, temos de ter em atenção o regime da liberdade de imprensa, que é um aspecto por vezes subestimado. A Câmara já aprovou, em votação final global, uma nova lei sobre os crimes de liberdade de imprensa, mas, se em Portugal se entra num ciclo de condução de jornalistas ao banco dos réus porque desvendaram coisas que são «inconvenientes» para o Poder mas que, a título nenhum, podem e devem ser secretas, que a título nenhum podem ser resguardadas, ainda que isso conviesse muito aos governos de cada momento, ainda que isso conviesse muito até à Assembleia da República ou a certo sector dela, se isso acontece, então estaria ferido também um dos pilares fundamentais da garantia da liberdade de informação, que é precisamente a actividade jornalística de pesquisa, de investigação, que depara com dificuldades, como é óbvio, e que, em certos casos, pode deparar com dificuldades intransponíveis num determinado momento histórico, mas nunca mais do que isso e nunca como forma de impedimento da fiscalização democrática quer dos órgãos de poder quer da própria opinião pública, que pode e deve exprimir-se através do sufrágio na altura própria.
É toda esta preocupação que, creio, deve estar presente neste debate e, pela nossa parte, foi ela que modelou a nossa intervenção tanto no passado como neste momento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães e da intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira ressalta uma realidade comum: a de que tanto o estado actual das questões como a actual legislação não podem continuar a vigorar, pois constituem um perigo para o Estado democrático, conforme ele é definido na Constituição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é impossível analisar o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira se não se tiverem em conta outros projectos que tocam matérias afins, nomeadamente o projecto de lei do PCP, que garante a todos o acesso aos documentos da Administração.
Importa analisar, neste contexto, aquilo que está exarado em matéria de legislação penal e aquilo que vem referido nos projectos de revisão constitucional.
É necessário ter sobre esta matéria uma visão globalizante ou totalizante, dominada pelo critério do sentido do Estado e do interesse nacional, e não uma visão mais restrita, que não tenha em consideração essa visão globalizante e que ponha em causa o funcionamento, no seu cerne, de todas as instituições democráticas.
A quem não acredita nisso basta recordar o exemplo emergente da divulgação dos documentos ligados ao célebre «caso Watergate» e a acção moderadora do poder judicial sobre essa matéria.
Por isso é que tomei a liberdade de me referir a alguns dos normativos do projecto de lei do PCP, embora ele não esteja em discussão. Do facto dei prévio conhecimento aos Srs. Deputados do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei n.ºs 65/V - Lei do Segredo de Estado e 33/V - Garante a todos o acesso aos documentos da Administração, apresentados pelos Grupos Parlamentares do CDS e do PCP e de que são, respectivamente, primeiros subscritores os Srs. Deputados Adriano Moreira e José Magalhães, visam regulamentar matéria da maior importância, embora sejam diferenciados.
Na sua base está, porém, uma comum vontade de tornar a actividade do Estado e da Administração tão transparentes quanto possível.
É certo que importa não passar do Estado opaco para o Estado devassado e, sob este ponto de vista, importará apreciar algumas das soluções defendidas.
Não obstante ambos os projectos de lei procurarem soluções equilibradas, é nossa convicção que o debate e a discussão na generalidade e na especialidade contribuirão para uma melhoria dos diplomas em apreço.
O facto de se tratar de projectos com preocupações comuns, o que, de certo modo, justifica a sua apreciação em conjunto, não implica que sejam coincidentes, pois a sua natureza é sumamente diferente.
projecto de lei n.º 65/V visa definir alguns princípios essenciais aplicáveis ao regime do segredo de Estado.
O projecto de lei n.º 33/V visa garantir a todos o acesso aos documentos da Administração.
Numa apreciação liminar dir-se-á ser dispersa e pouco sistematizada a legislação aplicável nestas matérias.
Anote-se, no entanto, e sem preocupação de sermos exaustivos, os seguintes diplomas: Decreto n.º 8624/23 - regulamenta as circunstâncias em que as repartições do Ministério das Finanças serão autorizadas a passar as certidões requeridas por particulares; Decreto-Lei n.º 42 800/60 - competência da passagem de certidões; Portaria n.º 19 810/63 - instruções sobre a segurança das matérias classificadas (é duvidoso que, face à actual Constituição, esta portaria não seja inconstitucional); Decreto-Lei n.º 48 059/67 - regime de delegação de competência quanto à passagem de certidões; Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 181/76, de l de Março (Lei de Imprensa).- define o mapa do regime de acesso dos jornalistas às fontes de informação da Administração Pública e do Estado; Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) - prevê um mecanismo para consulta de documentos e passagem de certidões com vista ao uso de meios administrativos ou contenciosos.

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Este conjunto de diplomas, a que devem acrescentar-se os normativos do campo militar e da informação do Estado (Serviços de Informações), não garante um tratamento sistemático da matéria, ficando fora do seu âmbito de aplicação a matéria, conexa, da protecção dos arquivos históricos nacionais, que, importa dizê-lo, necessita de ser largamente remodelada, a fim de, sem prejuízo da protecção devida a interesses legítimos, tornar clara e transparente a história do nosso país, evitando que o investigador estrangeiro da história de Portugal tenha mais facilidade em consultar as fotocópias dos documentos no seu país de origem que os originais em Portugal.
A modificação do regime de classificação e consulta dos documentos existentes nos arquivos e bibliotecas nacionais é uma necessidade que urge satisfazer.
Esta reflexão é tanto mais necessária quanto é certo ser este problema aflorado nos artigos 8.º e 9.º do projecto de lei n.º 65/V.
Entrando directamente na apreciação na generalidade do projecto n.º 65/V, afigura-se ser de sublinhar o seguinte: a definição da competência para qualificação e desqualificação de um documento como segredo de Estado (artigo 3.º, n.ºs l e 2) e o alargamento dos deveres dele decorrentes quando eventualmente transmitidos no âmbito do estatuto da oposição; a proibição da diplomacia secreta no que se refere aos órgãos de soberania (Presidência da República, Assembleia da República e Governo) (artigo 5.º); a não sujeição ao regime do segredo de Estado pelos tribunais quando no exercício da sua competência (artigo 5.º); o dever de fundamentação de comando de qualificação de documentos como segredo de Estado; a competência do Primeiro-Ministro para declarar em regime de segredo de Estado ou de reserva, pelo prazo que entender, os arquivos que globalmente se refiram à actividade do Estado e dos seus agentes; a atribuição ao Governo do dever de publicar um regulamento do regime de acesso, consulta e divulgação dos arquivos gerais da Administração Pública, fixando o regime do segredo de Estado e as condições de acesso de entidades públicas e particulares.
A sucinta exposição ora feita bem demonstra a importância deste diploma, que, remetendo muito embora para diploma regulamentar uma definição do regime e alcance do segredo de Estado, não deixa de consagrar princípios da maior importância na organização do Estado, que, em certos aspectos criticáveis, bem merecem ser apreciados na sede de um debate na Assembleia da República.
No seguimento deste diploma o projecto de lei n.º 33/V visa garantir o acesso aos documentos da Administração.
Trata-se de dar cumprimento ao artigo 268.º, n.º l, da Constituição, que, para perfeita elucidação, se transcreve:
Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
Sublinhe-se a importância deste princípio constitucional e do seu alargamento no diploma em causa.
Na sua base radica a distinção entre segredo de Estado - a preservar nos termos da lei - e segredo administrativo, que constituirá a excepção a uma regra geral de transparência.
A legitimidade, entendida como interesse directo, pessoal e legítimo, é, no entanto, alargada até a uma quase coincidência com o conceito de cidadania.
O acesso a actos, documentos e processos deve fundar-se tão-só na sua susceptibilidade de afectarem direitos e interesses legítimos, que não necessitam, deve dizer-se, de serem pessoais.
Esta modificação de perspectiva poderá ser positiva, se existir simultaneamente a preocupação de defesa de certos direitos como o da privacidade e o direito à concorrência a todos os níveis e onde quer que se manifeste.
Os autores do projecto de lei em causa dão-se conta, de resto, das consequências que irão ter as propostas de modificação da organização geral da Administração ao definirem um conjunto de princípios gerais de reforma administrativa no artigo 2.º do seu articulado e sob a epígrafe «Administração aberta».
Não obstante, e se na principiologia nada haverá a criticar, importa não esquecer, no que se refere aos actos da Administração e das empresas públicas, o princípio da protecção dos segredos industriais e científicos de Portugal, adquiridos não só ao abrigo da investigação própria mas também da transferência tecnológica, tanto mais importante quanto mais nos integrarmos nos diversos espaços de cooperação internacional (CEE - NATO - UEO), e importa darmos garantia de segurança à tecnologia assim obtida.
Tais reflexões ou não se aplicam de todo ou poderão ter uma aplicação excepcional e limitada, de que o segredo de justiça será o exemplo mais significativo, no que se refere ao acesso aos documentos nominativos.
Enfim, é de salientar a criação da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que, não dispondo de capacidade para funcionar como instância de recurso susceptível de pronunciar decisões definitivas e executórias, poderá, pelo prestígio dos seus pareceres, descongestionar a actividade dos tribunais.
Inspirada na lei francesa - Decreto n.º 77 127, de 11 de Fevereiro de 1977 -, poderá, no entanto, sofrer remodelação no que toca à sua competência e recomposição, em ordem a reforçar a influência dos seus pareceres e recomendações nas decisões que se referem ao Estado.
Dito isto, importa sublinhar que esta questão também foi tratada em sede de reforma constitucional e que os projectos de revisão do PS e do PSD consagram o segredo de Estado como norma constitucional.
Neste sentido, a evolução desta matéria em sede constitucional e as consequências que poderá ter em direito penal, nomeadamente no que se refere aos artigos 343.º - violação de segredos de Estado - e 433.º- violação de segredo por funcionários - bem justificam uma profunda reflexão. Daí que o Grupo Parlamentar Socialista proponha - findo o debate - a baixa a uma comissão eventual especializada formada por membros da Comissão de Defesa e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias encarregue de prepa-

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rar, cremos que necessariamente, dois textos a serem votados na generalidade e, posteriormente e de acordo com a votação que for feita, a proceder à sua votação na especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estas as reflexões que, neste momento, urgia fazer sobre esta matéria.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras dirijo-as ao CDS, nomeadamente ao Sr. Deputado Adriano Moreira.
A Câmara não pode ficar insensível à apresentação do projecto de lei do CDS, que não pode merecer, por parte desta Câmara, uma recusa liminar.
A matéria em discussão é importante e suscita situações conflituais e contraditórias na sociedade portuguesa, pois, como bem disse o Sr. Deputado José Magalhães, aspectos que deviam ser segredo de Estado estão na praça pública, enquanto em relação a outros, que não têm qualquer motivo para se tornarem segredo de Estado, se manifestam uma obsessão e uma síndroma excessivas do segredo de Estado.
Daí que a matéria seja importante e que seja louvável a abertura da discussão sobre este tema.
O primeiro problema que se nos depara - e não é um problema fácil - é o do conceito de segredo de Estado. Com certeza, não vamos inovar nada nesta matéria e em face das legislações estrangeiras dos países democráticos temos duas versões distintas quanto a este problema: por um lado, há países que se orientam para uma generalidade do conceito do segredo de Estado, considerando-o como o conjunto dos princípios, dos actos, dos processos que estão afectos a problemas onde surge uma vulnerabilidade iminente do Estado na ordem externa e na ordem interna - e não são legislações discriminatórias, nem exaustivas ou tipificadoras das áreas do Estado onde se projectam essas vulnerabilidades -, e, por outro lado, existem países em que, claramente, se manifesta uma tentativa de especificar com maior rigor, amplitude e limitação o conceito de segredo de Estado.
A dificuldade portuguesa está, evidentemente, em tentar conciliar os dois critérios ou em escolher um deles.
O projecto de lei do CDS inclui-se na primeira Unha de raciocínio, isto é, considerar a questão como os problemas apensos àquilo que se podem considerar as vulnerabilidades genéricas do Estado Português e que o Sr. Deputado Adriano Moreira designa por «prejuízos do interesse do Estado Português».
Perante a questão que se nos coloca da escolha entre duas versões, duas alternativas, dois modelos, temos de fazer essa escolha numa circunstância, num país, num tempo e num modo que, apesar de tudo, está muito mais decantado e purificado em relação a alguns tabus e a alguns complexos que, felizmente, a democracia tem ajudado a modificar e a plasmar, a ponto de hoje em dia já se assistir, nesta Câmara, a uma intervenção como a que o Sr. Deputado José Magalhães há pouco produziu e na qual não teve pejo algum em, do alto da tribuna, quase apoiar, com toda a liberdade e clareza, um projecto da Sr. Thatcher.
Essa atitude
merece uma saudação política que nós, naturalmente, temos de fazer-lhe, pois prova que, afinal, as leis da rolha interna que, porventura, o Sr. Deputado está a antever noutrem já não funcionam em relação a si e que, portanto, o futuro da sua perestroika pode ultrapassar, de longe, todas as rolhas internas que lhe possam querer imputar.

Risos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estará, por acaso, a referir-se à questão da imunidade da Sr.ª Deputada Helena Roseta?!

O Orador: - Assim, gostaríamos de abordar o problema numa óptica que deve merecer o máximo consenso possível desta Câmara. Uma lei quadro desta natureza, tal e qual como outras leis quadro, deve perdurar por muitos anos, deve ter uma enorme estabilidade e, por isso, deve merecer o maior apoio possível de todas as forças políticas.
Por essa razão não é politicamente legítimo fazer-se o que o Sr. Deputado José Magalhães fez, ao tentar, numa questão tão importante e que requere um consenso tão elevado, uma permanência e uma estruturalidade tão importantes e decisivas, colocar problemas de conjuntura sobrepostos a uma questão desta natureza.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que não existem!?...

O Orador: - Considero grave, numa questão que é estruturante, tentar colocar-se problemas de natureza conjuntural na sobreposição do discurso e da análise sobre o mesmo. É um enfoque deslocado, desnecessário e que prejudica um alcance, uma amplitude, um consenso e uma durabilidade temporal desejáveis e que, se calhar, estão para além de todos nós - e Deus queira que assim seja!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do nosso ponto de vista, porque desejamos uma lei quadro que seja temporalmente duradoura e consensual, está colocada a questão básica do segredo de Estado como uma excepção. Por esta razão, desejamos e apoiaremos uma discussão conjunta e ampla das duas vertentes deste problema: a generalidade e a excepcionalidade.
Concordamos que é preciso articular todo este problema com os artigos 37.º e 48.º da Constituição, onde, entre outros, se consagra desde o direito de acesso à informação sobre os actos da Administração Pública ao direito dos jornalistas, da comunicação social de abordar todo este problema. Essa é uma vertente natural, inevitável e salutar desta questão, que deve ser colocada simultaneamente com o problema da sua excepcionalidade, que é o do segredo de Estado.
A discussão, em simultâneo, de ambos os problemas teria sempre grandes vantagens e possibilidades. Assim, e contrariamente ao que foi sugerido, o PSD não se opõe; antes pelo contrário, perfilha a atitude de que seria correcto abordarmos o problema em conjunto.
Penso ser chegada a altura de precisar um pouco mais aquilo que, do nosso ponto de vista, é mais correcto. Neste sentido, apoiamos a decisão do PS, que propõe a baixa a uma comissão eventual do diploma em causa. De facto, a nossa proposta era a de fazer baixar o diploma às Comissões de Defesa e de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias,

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mas pensamos que a solução do PS é mais feliz, pois consagra a constituição de uma comissão mista formada por membros das referidas Comissões.
Deste modo, se os subscritores das outras propostas também aceitarem, retiramos a nossa proposta e aceitaremos a do PS no sentido de enriquecer facilmente ...

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Angelo Correia, facilitaria muito as coisas se V. Ex.ª, que está no uso da palavra, dissesse que acrescentava à proposta subscrita pelo PS, PSD e outros partidos com assento nesta Assembleia que a baixa do diploma não é às duas Comissões mas à comissão especializada. Restaria então apenas um requerimento, que se votaria de seguida, evitando-se assim ter de elaborar outro requerimento.

O Orador: - Sr. Presidente, faço minhas as palavras do Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Penso que é este o processo mais lógico de encaminhar o problema, mas gostaria de salientar o sentido político do PSD para esse debate.
Em primeiro lugar, somos mais favoráveis à contemplação do segredo de Estado numa óptica mais restrita, isto é, mais delimitada, porque a versão que nos é apresentada neste projecto de lei do CDS é tão ampla que pode permitir o tudo e o nada, sobretudo quando conjugada com o artigo 4.º, em que a matéria «reserva» da própria qualificação do funcionário, Sr. Prof. Adriano Moreira, pode provocar uma de duas situações na Administração Portuguesa: ou uma obsessão excessiva pelo segredo de Estado ou uma lassidão excessiva. Eu gostaria de evitar os extremos, por isso preferiria uma delimitação mais rigorosa em dois âmbitos: o âmbito do domínio e o âmbito da matéria.
Apoio o que o Sr. Deputado Adriano Moreira disse há pouco, quando referiu a Inglaterra e salientou os aspectos mais sensíveis que se reportam aos domínios do segredo de Estado: a política de defesa, a política externa, a relação internacional externa económica, a moeda, alguns dados cambiais, alguns dados «reservas» do Banco de Portugal, matéria que respeita à segurança interna e matéria que respeita a informações.
Preferia, por isso, uma configuração mais limitada, mais precisa dominial e materialmente. Isto é, dentro de cada domínio, no seu interior, precisar quais as matérias que seria de reportar com maior rigor e maior amplitude.
Em segundo lugar, é preciso -e o PSD tem essa consciência - que a classificação, em última instância, dependente do Primeiro-Ministro, do Presidente da República e dos membros do Governo, é uma questão que talvez pudesse ser resolúvel -e julgo que o Sr. Deputado Galvão Teles tem alguma razão quando coloca o problema de não deixar a definição da amplitude a qualquer membro do Governo - se, à partida, delimitássemos o domínio e a matéria com maior rigor, pois nessa altura não seria sequer lógico que todos os membros do Governo tivessem «poder sobre», mas apenas aqueles que respeitassem à área em questão. Talvez assim conseguíssemos articular com maior rigor o conceito, a matéria e o decisor final.
De qualquer das formas, é sempre um domínio onde há um juízo analítico subjectivo e, obviamente, um certo critério discricionário.
Mas daí não se deve fazer confusão e colocar um problema temporal e conjuntural que é inevitável. É sempre o Primeiro-Ministro - em última instância, na expressão do Sr. Deputado José Magalhães, naturalmente também o Presidente da República, mas, neste caso, o Primeiro-Ministro na sua referência - o destinatário, o responsável. É-o, na verdade, só que o Primeiro-Ministro não é um guardião sem guarda. O Primeiro-Ministro é um guardião com uma entidade que permanentemente tem o direito de crítica, de fiscalização, e que é a Assembleia da República. Mais: tem um juízo permanente que de quatro em quatro anos lhe é destinado e sobre o seu comportamento lhe é vertido. Esse é o juízo do povo português!
Democracia significa duas coisas: responsabilidade, autoridade e confluência com o poder que é delegado pela opinião pública, pelo voto popular. Mas o voto popular dá poder que deve ser exercido na medida em que a lei confere e permite, sem que daí decorra violação de princípios constitucionais.
Porém, outorga de poder sem o seu exercício desresponsabilizante em algumas circunstâncias não é aceitável pelo PSD. O poder exerce-se nos limites da lei, da competência e sobretudo no contacto eleitoral com o povo.
Ter o poder para não o exercer não faz sentido em democracia! Daí o estiolar de muitos movimentos democráticos em alguns países que não ensinam suficiente e adequadamente o próprio poder.
Pensamos que a decisão de outorga de manifestação de segredo de Estado deve ser concedida apenas a decisores políticos e não mais do que isso. Pensamos, em paralelo, que aí deve haver claramente um conjunto de salvaguarda do mínimo que é necessário e indispensável a que se configure um determinado acto, facto ou processo de segredo de Estado.
Pensamos ainda se não será possível - e neste domínio peco a ajuda do Prof. Adriano Moreira e de outros distintos juristas e constitucionalistas desta Câmara - conceber o segredo de Estado gradativamente, isto é, se podemos concebê-lo apenas num amplexo, numa definição, numa tipificação, ou se não podemos aceitar a perspectiva de graus de segredo de Estado. E isto não só na sua definição e tipificação como também noutra questão, que é o próprio acesso dos cidadãos, dos titulares de órgãos políticos que, naturalmente, têm de ter um tipo de acesso diferenciado em relação a um conjunto de cidadãos. É óbvio que o tenham e nós defendemos tal, mas daí decorre a percepção da diferenciação no acesso ao segredo de Estado ou àquilo que possa ser classificado como graus diferentes de segredo de Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são algumas ligeiras considerações quanto a este assunto e a nossa posição e opinião em relação a um debate que desejamos ver travado na Comissão.
Aproveito esta ocasião para saudar o impulso que foi dado ao problema, a cooperação de alguns deputados desta Câmara que, do seu ponto de vista e em

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cada área, deram um contributo válido, poderoso e útil que enriquece a democracia porque enriquece aquilo que seguramente vai ser a feitura de uma lei quadro, que deve perdurar independente de nós e para além de nós.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas brevíssimas considerações são apenas uma modestíssima contribuição para a reflexão que sobre esta matéria vai continuar a ter lugar na Assembleia da República.
Em primeiro lugar, quero felicitar o CDS pelo mérito que teve ao tomar a iniciativa de apresentar um projecto de lei sobre esta matéria, por mais que eu divirja das soluções propostas por esse partido.
Afigura-se-me que, antes de mais, é necessário delimitar a matéria que pode ser abrangida pelo segredo de Estado. Refiro-me não só a estabelecer a definição do segredo de Estado e as consequências que decorrem da sua violação como também certas precisões de natureza conceptual e de enquadramento geral no Estado de direito que são necessárias.
A razão por que pedi a palavra não foi apenas a de querer dizer isto - que é evidente -, mas, sim, a de pôr à consideração da Assembleia uma breve formulação do que, do meu ponto de vista, provisoriamente, deve ser a matéria susceptível de ser abrangida pelo segredo de Estado. Afigura-se-me que, em princípio, só devem ser declarados segredo de Estado factos não ilegais relativos à política externa ou à política de defesa, cuja divulgação seja considerada lesiva da salvaguarda do interesse público.
Foi tão-somente para dar esta brevíssima sugestão que usei da palavra.
Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr, Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP gostaria de formular uma sugestão que, creio, corresponde àquilo que decorre do próprio fluir do debate, Essa sugestão consiste em que este projecto de lei baixe às comissões que vêm propostas no requerimento que tem sido referido, mas que isso propicie um trabalho conjunto de apreciação tanto do regime do segredo de Estado como do regime da administração aberta,
Nesse sentido, sugiro se adite um inciso que refira «para apreciação conjunta com o projecto de lei n.º 33/V». Creio que isso corresponde àquilo que todas as bancadas vierem a exprimir ao longo deste debate. Assim poderemos captar mais rigorosamente a realidade.
Gostaria de fazer ainda duas outras observações em relação à questão da postura perante este debite. Algum observador que nos tenha acompanhado poderá interrogar-se no sentido de saber o que é que pode levar a uma dualidade de atitudes tão intensa entre a bancada do PSD e do CDS nesta matéria. O Sr. Deputado Adriano Moreira entendeu sublinhar que lhe parecia que a postura do PCP nesta matéria correspondia à natureza da questão em debate e ao facto de se tratar de um problema de Estado. O Sr. Deputado Angelo Correia, por seu lado, sentiu-se obrigado a criticar aquilo a que chamou uma suposta conjunturalização deste debate por parte do PCP.
Entendemos que é impossível travar este debate de olhos fechados à realidade, e a realidade do momento presente é caracterizada por alguns daquele traços que procurei identificar. Creio que há o risco de caminharmos para um estado secretista, há afloramentos disso e há uma indelimitação que conduz a que certas coisas venham a público indebitamente.
Por outro lado, caminhamos também para uma administração fechada e, simultaneamente, para uma decantação propagandística daquilo que devia ser informação aos cidadãos. A aposta governamental, por exemplo, nos anúncios públicos, na criação de secções de verdadeiro marketing nos ministérios é um dos problemas mais melindrosos do Estado democrático moderno; a criação de serviços que têm um carácter informativo do público e nos quais a diferenciação entre a propaganda, a apologética partidária e a real informação dos cidadãos é, por vezes, extremamente difícil de destrinçar. Não temos regras para isso! No Orçamento do Estado do ano passado foram definidas certas regras, o Tribunal Constitucional veio a considerar constitucional o fundamental dessas regras, entendeu que um determinado controle do Conselho de Comunicação Social seria incompatível com a Constituição, mas, quanto ao resto, admitiu. Essa legislação existe, mas não está a ser aplicada. Repare-se no absurdo!
Tal como em relação à lei sobre fiscalização pela Assembleia da República dos actos comunitários, a lei está em vigor, mas não está em vigor. São abcessos do Estado de direito democrático resultantes de uma prática errada do PSD que não podemos deixar de criticar.
Isto não tem nada a ver com o sentido de Estado. O sentido de Estado não é a conivência, não é o silêncio, não é a ausência de crítica da oposição perante qualquer matéria, incluindo as mais melindrosas e de Estado.
Quanto à questão de saber quem guarda o guardião e à questão de consenso, eu gostaria de dizer o seguinte: o consenso exige, numa matéria destas, frontalidade, transparência e nada escondido, Ora, creio que o Sr. Deputado Angelo Correia está claramente mal informado, ou então alguma coisa lhe aconteceu de invulgar..., porque é público que o Conselho de Ministros «provou legislação de carácter secretista nesta matéria e nós não podemos travar este debate sem ter em conta ene facto!
Quanto a saber quem guarda o guardião, isso é uma coisa que nos deve dar uma intensa preocupação, não só porque é sempre um problema de organização do poder político em geral e uma das questões mais intrincadas - enfim, há tratados e, creio, durante muitos anos os homens terão de reflectir sobre os melhores meios de assegurar esse objectivo, que podem ser muito diversos -, mas porque neste caso concreto tudo indica uma situação que é particularmente perversa: o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações não funciona, como o Sr. Deputado sabe tão bem como

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eu, o SIEDE não existe, apenas existe no papel, os serviços de informações militares transformam-se em serviços militares de informações, o que é gravíssimo, é um abuso, e esta privatização dos serviços de informações é também prenhe de consequências gravíssimas: pode implicar a transferência de centros de informações do território nacional para o estrangeiro e a venda de informações de relevo para o Estado Português por parte de empresas multinacionais. Esta é uma questão que tem que ser enfrentada!
Portanto, ninguém nos diga que nestes tempos não devemos estar preocupados com quem guarda o guardião! Estamos preocupados, muito preocupados, e é bom que isto conduza à aprovação de uma lei que, pelo menos, estabeleça determinadas cautelas. Se se quer consenso para isso, desde já dizemos que damos o nosso, mas nesta base, com estes pressupostos e, obviamente, para defesa e reforço da aplicação do quadro constitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção que vou fazer é para responder ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já se percebia!

O Orador: - É sinal de que pomos as coisas às claras, Sr. Deputado.
Em primeiro lugar, devo dizer que não nos opomos, pelo contrário, à discussão simultânea dos dois projectos de lei, mas isso com uma condição prévia: que, assim como o CDS teve a clareza de chamar hoje aqui à colação o seu diploma, o PCP, que tem o direito de reserva própria, faça o mesmo com o seu próprio diploma! Depois de discutir aqui, na generalidade, o projecto de lei n.º 65/V, referente à Lei do Segredo de Estado, proposto pelo CDS, imediatamente a seguir entrarão os dois em discussão simultânea. Ou seja, há que cumprir o mínimo de discussão democrática no seio da Assembleia da República. Depois disso, estamos de acordo!
Em segundo lugar, vejo que o Sr. Deputado José Magalhães está preocupado com o guardião. Certamente todos nós nos encontramos preocupados com o guardião, só que ambos reconhecemos uma coisa: o guardião tem mecanismos de controle; o guardião, em democracia, tem sempre mecanismos de verificação e fiscalização, e é nossa missão fazê-lo. Ambos o fazemos, mas de maneira diferente e com posicionamentos diferentes.
Em terceiro lugar, verifico que grande parte daquilo que foi a conjunturalidade dos temas do Sr. Deputado José Magalhães tem pertinência e relevância, e devo dizer que as suas discussão e análise têm razoabilidade. Não me parece é correcta a abordagem, em simultâneo, de um problema desta natureza pela forma como se está a fazer!
Mas, já agora, permita-me um ligeiro reparo final e, ao mesmo tempo, um certo sentimento no sentido de compreender e contemplar a sua rapidíssima evolução, que está a ser mais rápida do que a reunião do Comité Central do PCUS: é que V. Ex.ª já está a apelar à criação de mais um serviço de informação que
está criado no papel, que é o SIEDE, que por acaso não entrou em funcionamento, mas, no entanto, reclama a sua constituição. Verifico quão audaz V. Ex.ª está neste domínio!

Risos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, permita-me que sublinhe que a «graça» que acaba de emitir é uma graça! Provavelmente a bancada a que V. Ex.ª pertence achará imensa piada, a nossa também, em certa medida, mas é uma questão institucional da maior gravidade!
É que repare: a arquitectura institucional dos serviços de informações é uma determinada. Foram VV. Ex.ªs que a aprovaram e não nós! Neste momento deliberam que dessa arquitectura um compartimento inteiro não é para construir. Por acaso esse compartimento inteiro é fundamental para uma área que, na vossa óptica, é imprescindível: o tratamento de determinadas informações vitais, designadamente sobre matérias-primas, circunstâncias internacionais, diplomáticas, outros aspectos de condução da política externa do Estado Português, a qual, como se sabe, tem os problemas da condução que bem se evidenciam pela transferência de poderes para o Primeiro-Ministro, e entendem que esta matéria, que é de execução de lei e de implementação de um sistema, pode ser tratada assim... «Não se constrói, não se constrói! O Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações não funciona? Não funciona! Os serviços de informações militares não são reestruturados, tudo bem!»
Há colisões, prendem-se uns aos outros, há escândalos, há casos que dariam inquéritos parlamentares nos mais diversos sítios, há escutas estranhas, há colisões com a PJ - não é só o prenderem-se uns aos outros; é prenderem-se uns aos outros com escândalo público! E passarem publicamente para empresas privadas; é passarem de empresas privadas para outros sectores, estarem ao serviço de empresas multinacionais, etc. Passa-se tudo isso e os senhores acham extremamente normal!
Ora, nós achamos isso extremamente anormal e, aliás, propusemos esta manhã que o Sr. Ministro da Administração Interna vá à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias discutir todo este conjunto de questões e, designadamente, que o relatório dos Serviços de Informações e da Comissão de Fiscalização seja presente a esta Câmara até ao fim do mês de Julho, porque está quase oito meses atrasado e em qualquer país isto é uma anomalia institucional brutal.
Creio, pois, que o Sr. Deputado Angelo Correia poderia prestar um pouco de atenção a isto, tomar aqui medidas positivas e não fazer uma graça que, às 17 horas e 30 minutos, pode ter cabimento - talvez fosse melhor ao lanche...!-, mas é impertinente.

O Orador: - Sr. Presidente, como o Sr. Deputado José Magalhães me interrompeu às 5 horas da tarde, não seria legítimo pedir outra coisa.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - É Lorca!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que considero que a sessão de hoje deve ter contribuído, em muito, para mostrar a injustiça das críticas que constantemente são dirigidas à Assembleia da República pelo estado de espírito que lhe é atribuído.
Em pouco tempo, vi, nesta Assembleia, uma conjugação de todas as forças políticas à volta de dois problemas que considero fundamentais para o País: um, relativo à Lei de Autonomia Universitária e o outro, hoje, relativo à Lei do Segredo de Estado.
Não queria deixar de referir uma palavra especial ao Sr. Deputado, meu amigo, Dr. Galvão Teles, que, mais uma vez, hoje, deu o exemplo de uma coragem tradicional, que já lhe vi exibir nos tribunais, que é a de ser uma voz isolada e ficar sozinho. A convergência de todas as forças políticas no sentido de que este problema é fundamental, o facto de ter sido levantado, significa estar atento a eminentes exigências do interesse público - isso parece-lhe completamente assente.
Não é para nós, de maneira nenhuma, contrariante o facto de estarem em confronto os vários modelos que são utilizados nos vários países. Nós próprios chamámos a atenção para eles, nós próprios fizemos sugestões no sentido de optar entre essas alternativas em muitos desses pontos, mas naturalmente não quero deixar de dizer uma palavra sobre as razões pelas quais o CDS se inclina para o modelo britânico. É porque nós não desistimos de acreditar que, em Portugal, haverá um aparelho político responsável que saiba que não há substituto para a moral de responsabilidade e que, quando alguém é escolhido para exercer um cargo político, é porque é confiável e não vai faltar à confiança que a sua eleição lhe confere.
Naturalmente compreendemos que outros não entendam isso, que queiram outras cautelas, que queiram outras limitações. Não seremos intransigentes nesse aspecto, não apenas como princípio -como força, seria inteiramente inócuo tomarmos uma atitude contrária-, mas aquilo de que não vamos desistir é de ter, de Portugal e da sua capacidade de ter uma classe política responsável, uma solução que apela para a moral de responsabilidade de quem governa em prejuízo das garantias formais.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E fazemos isto porque conhecemos o problema clássico de «quem guarda os guardas». Nunca houve solução, nunca houve uma resposta efectiva para esse problema, salvo a moral de responsabilidade. É essa que encontrámos nos autores que preferimos para apoiar o nosso projecto.
Ficamos, também, gratos à Câmara por ter demonstrado hoje - espero que o exemplo se multiplique no futuro- que os pequenos partidos também podem contribuir com ideias para a boa gestão do País. Penso que isto vai ser bom para a Câmara, vai ser bom para o regime, vai ser auspicioso para a criação da tal classe política responsável que não desistimos que venha a constituir-se no País.
Por outro lado, damos o nosso inteiro acordo à baixa à Comissão nos termos em que foi proposta e, naturalmente, sem esquecer nunca dois problemas complementares: o segredo de Estado e o acesso à informação.
Naturalmente, cumpriremos o Regimento, e é este o projecto que vai baixar à Comissão, mas sem esquecer nunca que um seu problema complementar está pendente e esse não deixará de ser examinado pela Câmara no momento oportuno.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por encerrado o debate, havendo um requerimento em que, nos termos do artigo 148.º do Regimento, se pede a baixa às Comissões de Defesa Nacional e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para, em reunião conjunta, apreciarem o projecto de lei n.º 6S/V - Lei do Segredo de Estado - imediatamente antes da sua votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, creio que aquilo que o Sr. Deputado José Luís Nunes sugeriu não era uma reunião mas sim uma sessão conjunta das duas Comissões, uma comissão conjunta de deputados de uma e de outra comissão. Desta forma seria mais simples, pois reunir todos os membros das referidas Comissões seria demais e não se chegaria a quaisquer conclusões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, este é um problema processual que depois será resolvido no caso de ser nomeada uma subcomissão para tratar dos projectos, para organizar um texto, etc., de modo que, depois, trataremos disso na primeira reunião conjunta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Srs. Deputados, a questão é muito simples. Nos termos do Regimento, a Assembleia, como já fez quando se tratou da votação, por exemplo, da Lei do Tribunal Constitucional, tem capacidade para formar uma comissão mista eventual. E isso que se quer fazer, é constituir uma comissão mista eventual formada por elementos das duas Comissões, mais restrita, que discuta na generalidade este texto e, se por acaso o PCP e as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e da Defesa Nacional o entenderem, se discuta também o texto do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, tenho ideia de que o consenso do Plenário é para que haja um processo de apreciação das duas Comissões. A questão que o Sr. Deputado coloca leva a ter de haver uma iniciativa própria para a formação de uma comissão eventual, o que dificulta o processo.
O requerimento, tal qual está redigido, no entendimento que aqui tem havido, não impede que, depois, as duas Comissões vejam a melhor forma de apreciar este projecto de lei.

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Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Certamente que é assim, que seria necessário fazer uma deliberação. Simplesmente, o que vai dar resultado é que essa reunião ou essa comissão, nos termos de uma comissão eventual conjunta, vai funcionar da seguinte forma: reúnem as duas Comissões, depois legam o poder na subcomissão, mas qualquer processo de votação terá de voltar às comissões originais.
Por isso é que sugiro que o Sr. Presidente, de acordo com a sua «caneta regimental», pudesse acrescentar qualquer coisa deste estilo: «Proposta de deliberação - A Assembleia da República delibera constituir uma comissão eventual formada por membros das Comissões de Defesa Nacional e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em número a definir na reunião de líderes parlamentares.» Srs. Deputados isto é muito mais simples do que outra coisa qualquer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, para a Mesa, neste momento - e é assim que vai fazer -, é muito mais simples que a votação deste requerimento fique adiada para as 19 horas e 30 minutos. Se não houver consenso, terá de ser assim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, há consenso, simplesmente o Sr. Deputado José Luís Nunes alvitrou uma hipótese que não está combinada entre os grupos parlamentares. O requerimento que ficou combinado apresentar é o que está na Mesa. Depois da sua votação, as duas Comissões poderão formar uma comissão mista ou uma subcomissão e aí tratar-se-á desse assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, se esta fosse uma questão perfeitamente anódina não levantava problemas e votávamos o que está no requerimento. Mas penso que a questão não é essa, não é uma questão anódina, é uma questão importante, embora o Sr. Deputado Narana Coissoró ache que não.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso interromper, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Deputado sabe -já foi Presidente do Grupo Parlamentar do PS - as voltas que se têm de dar para constituir novas comissões eventuais. V. Ex.ª sabe o tempo que demoram as deliberações, etc., e não há necessidade de constituir uma comissão eventual só para discutir este projecto de lei. A reunião conjunta das 1.ª e 7.ª Comissões pode criar um mecanismo interno para estudar esse problema. A sugestão de V. Ex.ª pode complicar e relegar para as calendas a constituição de uma comissão eventual.

O Orador: - Sr. Deputado, não p autorizo nem lhe admito que me faça processos de intenção.
Estamos aqui a discutir isto dentro do melhor espírito e o senhor acusa-me de querer deixar as questões para as calendas!? É uma afirmação de uma infelicidade inconcebível!
O que estou a dizer a V. Ex.ª é que o espírito da lei seria o de se constituir uma comissão mais restrita que não comportasse um número enorme de deputados das Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Defesa Nacional só para trabalhar sobre este projecto de lei. O que disse foi isto, mas, se o Sr. Deputado entende que o conteúdo do requerimento «desenrasca» o assunto e que, em Outubro, antes de a Assembleia começar a funcionar, modificamos o assunto, V. Ex.ª explica isso dessa forma e não me faca um processo de intenção que eu não mereço nem a Câmara merece.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É para dizer que não fiz qualquer processo de intenção. Compreendo perfeitamente a boa vontade do meu amigo Sr. Deputado José Luís Nunes. A única coisa que estava a dizer é que podemos tratar da ideia do Sr. Deputado no lugar próprio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.
Submetido à votação» foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da ID.
Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 6 de Julho de 1988, pelas 15 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Flausino José Pereira da Silva (círculo eleitoral de Aveiro), por José de Oliveira Bastos. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para os dias 6 a 20 de Julho próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

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Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Secretário, José Manuel de Melo A. Mendes (PCP) - O Secretário, João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD) - Álvaro José Rodrigues de Carvalho (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - José Luís Bonifácio Ramos (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Carlos Manuel N. da Costa Candal (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - José Luís Nogueira de Brito (CDS) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PV).
Srs. Deputados, vamos votar o relatório e parecer que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da ID.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente (Vítor Crespo): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do projecto de resolução n.º 14/V (PSD e CDS) constituição de uma comissão eventual de inquérito para continuar a averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, o Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró para uma intervenção.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, agradeço aos oradores inscritos que me cederam a vez porque, efectivamente, tenho que me ausentar para uma reunião da Comissão Directiva do meu partido.
Sucedeu ser que o único subscritor do meu partido do projecto de resolução n.º 14/V. Fi-lo na qualidade de presidente do meu grupo parlamentar, e em meu nome pessoal, obviamente.
Como subscritor, vinculo o meu grupo parlamentar e o meu partido. Fizemo-lo de uma maneira clara, sem quaisquer intenções ocultas, e sem querer fazer favores a quem quer que seja. Para nós o caso de Camarate não está ainda terminado, nem estará enquanto não houver um resultado claro, insofismável e fiável das suas conclusões.
Decorridos são quase oito anos, sem que nenhuma das autoridades que num país democrático como o nosso deva pronunciar-se sobre um acontecimento tão grave tenha produzido um relatório conclusivo sobre a matéria. Isto não abona a favor das autoridades de investigação, como, por exemplo, as polícias - para não estar a especificá-las - nem abona a favor do Ministro da Justiça, desde 1980 até agora.
Na verdade, competia aos Ministros da Justiça, através de organismos e departamentos próprios sob a sua tutela, apressar e chegar a uma conclusão, qualquer que ela fosse, por forma a poder afirmar se foi um acidente ou um acto de sabotagem, se foi isto ou aquilo, mas até agora nada disso existe, e é esta circunstância que leva a constantes pedidos de inquéritos políticos.
Ora, o inquérito feito pela Assembleia da República é naturalmente político, e não estou convencido que ele mude de natureza segundo as maiorias, porque a Assembleia é a Assembleia da República. Esperamos que desta vez o inquérito político possa ser aprovado e possa tomar em consideração as conclusões da investigação policial ou administrativa que, aqui, várias vezes têm sido apresentadas como impeditivas da realização de inquéritos políticos pelo PSD.
O Governo e a maioria, sempre que nós pedimos inquéritos políticos, disseram que estavam a decorrer inquéritos administrativos, judiciais ou policiais e, por isso, não deve haver lugar para inquéritos políticos. Desta vez é o próprio PSD que pede um inquérito político, o que não tira ao Sr. Ministro da Justiça o encargo e a responsabilidade de, também ele, accionar e acelerar, através dos seus departamentos próprios, a investigação que urge e trazer as conclusões, quaisquer que elas sejam, para que a verdade se restabeleça e para que o País não viva mais este síndroma de Camarate. São estas as razões que nos levam a votar a favor deste projecto de resolução.
Para que conste do Diário, apenas quero dizer que, como os quatro deputados do CDS fazem pane da Comissão Directiva do nosso partido e se porventura não puderem estar aqui presentes no momento da votação, o nosso voto, até pela nossa assinatura como subscritores do projecto, será favorável, e contamos estar representados no «inquérito Camarate» e tudo faremos para o levar a bom termo.
Aplausos do CDS, do PSD e da Sr.ª Deputada Natália Correia (Indep.).

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Narana Coissoró, como certamente é do seu conhecimento, não tive oportunidade de acompanhar directamente as andanças das sucessivas comissões de inquérito às circunstâncias em que ocorreu o trágico acidente de Camarate, que foram criadas ao longo destes anos. É, pois, um pouco na medida da minha ignorância sobre esta matéria que lhe coloco algumas questões.
Gostaria de saber o que é que, em seu entender, faltou às anteriores comissões para que, de facto, pudessem produzir um trabalho conclusivo.
Crê que a criação ou a recriação de uma comissão - que, enfim, já é uma comissão clássica no parlamentarismo português - levará à produção, nesta legislatura (e não diria em tempo útil, porque já lá vão tantos anos!), de um documento conclusivo, ainda que político?
Por outro lado, não lhe parece que há, também, para além do trágico acidente de Camarate, outras questões que já deveriam estar devidamente esclarecidas e que se prendem com actos terroristas praticados há longos anos e que continuam por esclarecer?

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Não lhe parece que tudo isto é, de alguma forma, perturbador daquilo que deve ser a transparência dos actos que aqui foram referidos? Não haverá coisas, demasiadas coisas, escondidas?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em primeiro lugar, devo felicitar o Sr. Deputado Herculano Pombo ao assemelhar este caso aos actos terroristas, pois é a primeira vez que vejo essa bancada fazê-lo.

Aplausos do PSD e do CDS.

É exactamente isso o que vamos fazer para tirar a dúvida, que existe, se foi ou não um acto terrorista igual aos outros que foram perpetrados neste país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, nenhum inquérito feito, aqui, na Assembleia, foi conclusivo, pois sempre se verificou que faltavam dados técnicos e que alguns deles não tinham sido devidamente apurados, quando o poderiam ter sido, e hão-de ser desta vez.
Em terceiro lugar, se o anterior inquérito tivesse sido conclusivo, não o teríamos solicitado de novo, já que, nesse caso, se verificaria a existência de um caso julgado. Porém, precisamente porque não há caso julgado e porque, entretanto, surgiram dados novos, é que agora o fazemos.
Existem, pois, três razões para voltar a apresentar o pedido de inquérito: primeiro, porque concordo com V. Ex.ª quando diz que se tratou era um acto terrorista, ou, pelo menos, é suposto ser um acto terrorista; segundo, porque o inquérito feito na anterior legislatura concluiu que determinados aspectos técnicos não estavam suficientemente apurados; em terceiro lugar, porque surgiram dados novos. Ora, tudo isto reclama e exige que esta Assembleia não descanse enquanto não se fizer um inquérito conclusivo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, o Sr. Deputado Narana Coissoró já acabou a sua intervenção, portanto não pode usar da palavra.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Então, Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, houve uma precipitação nítida na análise do Sr. Deputado Narana Coissoró. Eu não afirmei que o caso de Camarate era um acto terrorista à semelhança de outros que afirmei terem existido. Comecei por referir a minha ignorância sobre o caso, pelo que não podia fazer um juízo final sobre se se tratou ou não de um acto terrorista. Trata-se, talvez, do seu afã de o classificar como tal que o leva a analisar o que eu disse dessa forma.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Mas associou!

O Orador: - Não associei, apenas disse, e é isso que quero que fique claro, ou seja, que tem havido, ao longo do processo democrático português, casos que não têm sido suficientemente esclarecidos, e este é um deles. Mencionei actos terroristas como sendo outros desses casos. É isto que quero que fique claro!

Vozes do CDS: - Outros actos...!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está agendada para hoje a constituição de uma nova comissão parlamentar de inquérito para continuar a averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou em 4 de Dezembro de 1980 o Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes.
Cabe-me a mim apresentar em nome dos subscritores as razões de ser do projecto de resolução n.º 14/V, que dá forma àquela iniciativa parlamentar.
Assim, ao longo dos já sete anos e meio, e no decurso das diligências investigatórias em ordem a que se apure com toda a profundidade e extensão a verdade, é indesmentível que a intervenção da Assembleia da República se tem revelado necessária e altamente positiva. Os autos de inquérito produzidos pelas anteriores comissões parlamentares são constituídos por 103 volumes, onde se analisam e avaliam uma elevada profusão de factos, alguns conhecidos pela primeira vez, com inegável relevância para as conclusões do processo.
Aliás, a dignidade e a importância desse trabalho é por todos reconhecida e foi a própria Procuradoria-Geral da República que, em ofício datado de 24 de Março do corrente ano, se viu forçada a proceder ao requerimento de várias diligências, cito «sugeridas por elementos obtidos em inquérito parlamentar».
Assim, a Assembleia da República tem funcionado como pólo fundamental, quiçá decisivo, para o apuramento da verdade.
Só que encerrados os trabalhos da última Comissão, que ocorreram em Janeiro de 1987, e onde uma maioria tangencial votou pelo «não achamento de elementos que lhe permitam concluir pela existência de provas de que necessariamente decorra a revisão das conclusões inicialmente tornadas públicas pelas entidades oficiais», o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária concluiu, após análises laboratoriais, dois meses depois do encerramento da comissão, pela presença de fósforo nas roupas e noutros objectos das vítimas que pereceram em Camarate. Aquele relatório aponta como uma das possíveis proveniências do fósforo um engenho incendiário e fumígeno.
Sublinha-se que tal conclusão se trata, de per si, de um novo dado de extrema gravidade e de capital importância. Pela primeira vez, uma entidade ligada desde o início às investigações levanta de uma forma clara a hipótese de sabotagem.

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Mas, depois de ter sido produzida prova científica da existência de fósforo na roupa das vítimas, que foi feito pelas entidades oficiais? Que se saiba, nada! Todas as perguntas formuladas pela via de requerimento chocam num muro de silêncio.
A Assembleia da República tem especiais responsabilidades nesta matéria! Se este órgão de soberania deu, no passado, um impulso decisivo às diligências investigatórias, não pode agora ser cúmplice por omissão com o imobilismo em que nos encontramos. A Assembleia da República deve exigir o esclarecimento dos factos, o apuramento cabal da verdade e, se caso disso, dos responsáveis de tamanho desleixo.
Mas, se tudo isto bastasse só por si para justificar o projecto de resolução que agora apresentamos, temos de comunicar-vos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que existem mais dados novos.
Assim, após o encerramento dos trabalhos da Comissão e perante o relatório aprovado, o Instituto Superior Técnico (IST) elaborou um documento em que circunstanciadamente aclara e desenvolve pontos dos seus anteriores estudos e desmonta uma por uma as afirmações produzidas no relatório da Comissão, no que ao IST diz respeito. Não quer a Assembleia da República analisar esse documento?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do processo consta a indicação de nomes de pessoas, eventualmente, envolvidas numa acção criminosa, causa directa da tragédia de Camarate.
Temos condições, neste momento, para afirmar que alguns dos eventuais suspeitos do crime se passeiam, hoje, livremente em Portugal, sem que sejam interrogados ou sequer incomodados por alguém, nomeadamente pela Polícia Judiciária. Não quer a Assembleia da República inteirar-se do que se passa?
Existe todo um rol de questões por responder e por aprofundar que seria fastidioso enumerar agora mas que a Assembleia da República não pode ignorar.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queremos abordar este assunto com a máxima frontalidade, transparência e, sobretudo, com a dignidade que nos é exigida pela morte de Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e seus acompanhantes.
Não quisemos nem queremos fazer à volta deste assunto chicana política!
Assim, antes que alguns, de má fé, venham afirmar a existência de intuitos político-partidários por detrás da nossa proposta, dado que a correlação de forças da Assembleia da República foi alterada por via de eleições e, como tal, poder-se-ia alterar as conclusões da anterior Comissão por uma qualquer votação, desde já afirmamos que não são esses os nossos propósitos.
Este requerimento tem na base não quaisquer orientações partidárias, mas o profundo sentir de um dever que constitui um imperativo moral de cada um dos deputados desta Casa - o do total esclarecimento da verdade!
Na última comissão de inquérito apenas dois votos separaram as conclusões de uns das de outros. Já na altura, alguns dos que expressaram as maiores dúvidas pela conclusão então aprovada se tiveram que ausentar da sala no momento da votação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queremos que as dúvidas e as interrogações continuem a pairar? Certamente que não! Com novos dados, sobre a mesa, de tal importância, julgo que os não podemos ignorar e, sobretudo, que não poderemos ser acusados de outros intuitos que não os de saber a verdade e toda a verdade.
Ainda ontem um destacado dirigente do Partido Socialista reconhecia num órgão de comunicação social que, cito: «Considero que o que se passou em Camarate na noite de 4 de Dezembro de 1980 não está suficientemente esclarecido. A meu ver», diz aquele dirigente, «os novos dados surgidos já após a conclusão dos trabalhos justificam plenamente que o Parlamento se volte a debruçar sobre este assunto.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podemos concluir com segurança pela existência de dados novos que justifiquem a reabertura dos trabalhos de inquérito por via de uma comissão parlamentar eventual e estou em crer que com os novos elementos sobre a mesa estamos em condições para ir muito mais além e, talvez dada a nova prova material a reunir, aprovar as conclusões não por uma maioria tangencial, como no passado, que divida ao meio a comissão, mas, talvez, adoptá-las por consenso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São com estes propósitos e no entendimento das responsabilidades que nos foram cometidas pelo povo português que solicitamos à Câmara o voto favorável do presente projecto de resolução.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante a última legislatura o Partido Renovador Democrático, através dos seus deputados que integravam a Comissão de Inquérito sobre a Tragédia de Camarate, empenhou-se activamente na procura de elementos e depoimentos que valorizassem e contribuíssem para um apuramento da verdade de tão lamentável e triste acidente.
Aquela comissão eventual ouviu depoimentos de testemunhas oculares, de familiares das vítimas, de técnicos, cuja capacidade e idoneidade são sobejamente conhecidas, de organismos e instituições devidamente qualificadas, propôs em ulterior exame de todos os documentos constantes dos autos pela Procuradoria-Geral da República e por peritos aeronáuticos estrangeiros, nomeadamente da Grã-Bretanha, e concluiu-se, finalmente, que a contribuição dada pela Comissão conduziria a imprescindível tarefa do apuramento da verdade, através do trabalho complementar em que as entidades oficiais especializadas se iriam, naturalmente, empenhar. Houve, mesmo quem entendesse que no âmbito parlamentar estavam, com aquele trabalho, esgotadas todas as capacidades da Assembleia da República.
É neste quadro que se propõe a criação de uma nova comissão de inquérito para analisar, uma vez mais, a real situação em que ocorreu a tragédia de Camarate.
O Partido Renovador Democrático obviamente não tem quaisquer reservas quanto à criação de comissões de inquérito e, a confirmá-lo neste caso vertente, subscrevemos e apresentámos na última legislatura um projecto de resolução para a criação de uma mesma comissão de inquérito. Reservamos, no entanto, as nossas dúvidas quanto à necessidade, no actual quadro, da

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criação de uma nova comissão, tanto mais que os dados apurados, após a apresentação do último relatório, não justificariam, por si só, a recuperação da Comissão, sob pena de se pôr em causa o trabalho desenvolvido por aquela mesma Comissão.
A detecção, pelo Laboratório da Polícia Científica, da existência significativa de fósforo nas roupas das vítimas do sinistro, afigura-se-nos um facto relevante, mas, também logicamente, não justificativo da criação de uma nova comissão de inquérito. É um facto basicamente técnico onde a Assembleia da República não terá lógica e tecnicamente área de intervenção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para um total e definitivo esclarecimento da opinião pública, preferíamos que outras iniciativas fossem levadas a efeito, nomeadamente ao nível do Ministério da Justiça e Polícia Judiciária. Entendemos que o trabalho exaustivo e competente, elaborado na última legislatura, culminando com a apresentação do relatório, continha todos os elementos possíveis e necessários para o apuramento definitivo das causas e consequências do acidente de Camarate. Assim houvesse vontade para essa sequência!
Em nosso entender, esta nova comissão de inquérito pouco de novo poderá trazer; pelo contrário, tudo foi apurado até à exaustão, os passos seguintes não deveriam competir à Assembleia da República, mas não é este o entendimento das bancadas do PSD e do CDS. Respeitamos os propósitos destas bancadas por razões óbvias de todos conhecidas e que deveriam ser do respeito de todos os portugueses. Receamos que novas dúvidas e especulações surjam, que em nada dignificam esta Câmara e muito menos a memória de quem pereceu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputados das bancadas subscritoras do projecto de resolução n.º 14/V: Apesar das dúvidas que expusemos, votaremos favoravelmente a criação da comissão de inquérito, porque entendemos que, se ao povo ainda subsistem dúvidas, ao povo português se deve uma explicação, e não será por certo por ausência ou omissão desta Câmara, mas façamo-lo sem complexos, com empenhamento, e principalmente cumpramos o prazo legal dos seis meses para apresentação do relatório.
Assim esperamos e assim contribuiremos!

Aplausos do PRD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Rui Silva, sinceramente não consegui entender a sua intervenção.
O Sr. Deputado começa por dizer que não se justifica a abertura de uma nova comissão porque houve um acidente em Camarata e entende o Sr. Deputado que está tudo esclarecido. Mas depois diz no fim que vai votar a favor porque não quer inviabilizar nada, o que é uma contradição a que, aliás, o PRD já nos habituou nesta Câmara, e a que tem vindo a habituar o povo português. Se não estão de acordo, votem contra. Ao menos tenham a coragem de o fazer.
Ainda são mais espantosos os argumentos que o Sr. Deputado carreia para dizer que não está a favor, e um deles é dizer que é facto - e o Sr. Deputado não o nega - que houve fósforo na roupa das vítimas, mas, como não se sente tecnicamente responsabilizado nem capacitado para analisar o problema, diz que, então, é melhor não o analisarmos!
É fácil, mas é sobretudo um pouco inconsequente, queira crer, Sr. Deputado. Quando no passado não tivemos capacidade para analisar alguns dos dados técnicos, fomos sempre livres de recorrer a quem de direito - até nem percebo por que é que interveio nesta matéria, pois antes não teve nada a ver com Camarate e, por não conhecer os dossiers, talvez lhe seja mais fácil falar da matéria -, tivemos oportunidade de recorrer a elementos técnicos, nomeadamente ao Instituto Superior Técnico, a peritos em radiologia, e assim sucessivamente, e dava-lhe uma lista infindável. Porquê, então, não recorrer hoje a peritos de combustão? Alguém tem medo que isso aconteça? É por não se perceber de combustão que agora não se quer fazer uma nova comissão?
Mas o Sr. Deputado diz mais: que nós esgotámos toda a nossa capacidade de análise! Entretanto, se depois disso surgem elementos novos, não se é a favor da reabertura só porque se esgotou a capacidade de análise no passado?
Posso citar-lhe o caso de um eventual suspeito referido no processo, que na altura se encontrava em parte incerta - quisemos contactá-lo e ninguém sabia dele -, mas, neste momento, há a informação de que se encontra em Portugal, e mais: que está disponível para vir a uma comissão parlamentar de inquérito, caso seja convocado para esse efeito, e o Sr. Deputado, alegremente, facilmente, diz que não temos nada a ver com isso e que está tudo encerrado.
O Sr. Deputado tem ou não conhecimento de um requerimento, que tinha nada mais nada menos do que catorze questões, enviadas à Procuradoria-Geral da República por deputados desta Casa, que veio publicado no Diário e que nenhuma dessas catorze questões obteve resposta?
Será que o Sr. Deputado, tal como eu, não se sente responsável por que, passado mais de um ano sobre as conclusões do processo de Camarate, e carreados todos os volumes, em número de 103, para a Procuradoria-Geral da República, nada tenha sido feito, ou pelo menos, nós, membros da Assembleia da República, não tenhamos em nada conhecimento do que está a ser feito? O Sr. Deputado sente-se tranquilizado? Quero dizer-lhe que eu e todos os subscritores do requerimento não nos sentimos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado José Luís Ramos, por muito que lhe custe a acreditar, poder-lhe-ia dizer que o Sr. Deputado não sentiu mais a morte de Sá Carneiro do que eu.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não entre por aí, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Não é esse o caso! Gostaria, no entanto, de passar para si todos as perguntas que me fez. Nós somos de opinião que a verdade tem de ser esclarecida, que o povo português tem direito

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à verdade, mas também somos de opinião que estavam esgotadas todas as possibilidades da Assembleia da República.
Agora o Sr. Deputado pergunta-me a mim - a mim, que sou um deputado da oposição, que não estou sentado nessa bancada - se não fico preocupado com o facto de um ano depois nada ter sido feito! Pergunte ao seu Governo! O senhor é que tem de perguntar ao seu Governo!

O Sr. José Lelo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se na realidade nada foi feito, se o Ministério da Justiça, se a Polícia Judiciária não fizeram nada, pergunte a quem de direito! Não vamos é recuperar coisas que na realidade nada têm a ver com esta situação apenas para justificar aquilo que me atreveria a qualificar de alguma lamentável incapacidade do Governo em poder ou não dar sequência normal a esta matéria.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado, queria colocar duas questões muito rápidas: em primeiro lugar, desejo pedir-lhe que não entre pelo lado da emoção. Não é disso que tratamos, e fazê-lo é, com certeza, obstaculizar o debate.
Em relação à outra questão, pergunto se o Sr. Deputado desconhece a separação de poderes e se desconhece que o processo se encontra cometido a um juiz, não ao Governo, mas a um juiz de instrução criminal.
Será que o Sr. Deputado desconhece essa questão? É um órgão de soberania separado do Governo. E mais, Sr. Deputado: não há que fazer aqui - pedi isso e talvez tivesse sido mal interpretado - o jogo entre os partidos apoiantes do Governo e a oposição, pois esta é uma questão que toca a todos nós, deputados da Assembleia da República, e consiste em saber se todos nós estamos ou não dispostos a ir até ao fundo no esclarecimento a dar.
Sei que o Sr. Deputado está um pouco habituado ao pingue-pongue parlamentar, mas esta é uma questão que não tem nada a ver com o jogo entre a bancada da oposição e a bancada do Governo. Será que consegui fazer-me entender?

O Orador: - O Sr. Deputado conseguiu fazer-se entender de tal maneira que está convencido de que a reabertura deste processo irá motivar o juiz, que durante um ano nada fez, a dar-lhe a sequência normal. Acha que o consegue? Se o senhor o conseguir, na realidade todos nós ficaremos de parabéns.
Duvido é que a reabertura deste processo possa conduzir, de facto, a uma brevidade no apuramento dos resultados. E mais: receio que algumas especulações e algumas dúvidas que se levantaram durante toda esta discussão possam não vir dignificar não só esta Câmara, como referi, como, inclusivamente, a memória das pessoas que pereceram.
No meu entender, vai-se uma vez mais dar uma certa ênfase parlamentar e com certeza vai querer-se, inclusive, que outros assuntos possam vir a ser esquecidos para se centralizarem, mais uma vez, as atenções no acidente de Camarate, que é uma situação de âmbito nacional, denegrindo-se novamente a memória de quem VV. Ex.ªs deviam ter o cuidado de preservar.
Apesar disso, continuo a dizer: nós somos aqui representantes do povo; foi para isso que fomos eleitos; é o povo que quer a resposta, nós vamos dá-la, mas vamos dá-la rápida, sem complexos, sem compromissos partidários, sem compromissos ideológicos. Assim terão a nossa colaboração, Sr. Deputado.
Mas, Sr. Deputado, se for para assacar responsabilidades aos outros partidos, ou às oposições, denegrindo a possibilidade de se poder vir a fazer o apuramento total, para isso terão dificuldades em contar com a nossa contribuição.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Ramos pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, no estrito cumprimento do espírito e da letra do Regimento, tem a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - O Sr. Presidente sabe bem que não costumo usar desta figura regimental a propósito de tudo e de nada, mas neste caso sou forçado a usá-la, visto que um deputado desta Casa disse que a iniciativa dos subscritores deste projecto de resolução visa denegrir a memória de alguém, e particularmente a memória do Dr. Francisco Sá Carneiro, do Dr. Adelino Amaro da Costa e seus acompanhantes.
Sr. Deputado, é grave confundir as questões e, sobretudo, fazer acusações deste jaez, nesta Casa e neste momento. Eu não quis fazer comício à volta de pessoas que nos merecem o maior respeito - não quis, nem quero fazê-lo -, mas, Sr. Deputado, queira separar as questões: uma coisa é aquilo que todos nós sofremos e continuaremos a sofrer em termos pessoais com o falecimento de pessoas que nos eram próximas; outra questão é que nós somos responsáveis, como deputados do Parlamento Português, pelo apuramento exaustivo de toda a verdade sobre a morte de pessoas, sejam quais sejam, que morreram no exercício do seu dever e, sobretudo, com tão altas responsabilidades do Estado.
Dizer-se isto e não se perceber isto ou não o querer perceber é grave, mas, sobretudo, fazer afirmações no sentido de dizer que se quer denegrir a memória de quem quer que seja, sem justificar o que quer que seja, é extremamente ofensivo e a minha bancada lavra desde já o seu mais veemente protesto.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - O Sr. Deputado tem, na realidade, uma imaginação fértil. É notório! Retira ilações daquilo que não se disse.
Seria fácil para mim contrariar as ilações que tirou das minhas palavras, mas permito-me, não invocando a minha razão quando digo que este assunto não deveria ser não mais discutido mas sim fazer-se o apura-

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mento real da situação como isto foi criado, não responder e aguardar que a comissão de inquérito possa contribuir para o tal apuramento da verdade que o senhor tanto deseja, mais, que todos desejamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lelo.

O Sr. José Lelo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez é colocada à consideração desta Câmara o tema da constituição de uma nova comissão parlamentar eventual de inquérito às causas e circunstâncias em que decorreu o acidente de Camarata.
O PS sempre aqui defendeu a importância de institutos como o do inquérito parlamentar para o esclarecimento público de questões de relevância nacional e que interessam a grande número de portugueses.
Por tal motivo, o Grupo Parlamentar Socialista terá sido um dos mais activos promotores deste tipo de iniciativas. O que ocorreu sem que jamais o âmbito dos inquéritos propostos fosse restringido, nem, muito menos, suscitadas restrições, quanto a temas e sujeitos objectos de inquirição. Tudo isso, foi sempre assumido com o intuito de preservar a transparência da vida democrática nacional, bem como de atender à fiscalização de eventuais comportamentos indiciadores de desvios inaceitáveis ao bom nome das instituições e ao regular cumprimento das normas porque se deverá reger a Administração Pública. Assim, o PS estará como sempre esteve, naturalmente, a favor de todos os inquéritos parlamentares cujos objectivos se compaginem com o âmbito das competências fiscalizadoras que, constitucionalmente, a esta Assembleia são cometidas.
Não que tenha sido esta a atitude correntemente assumida neste hemiciclo por um dos partidos proponentes. Bem pelo contrário, o PSD tem aqui pautado o seu comportamento em relação a esta matéria por uma actuação sistematicamente bloqueadora de todas as iniciativas congéneres.
Com efeito, a actual maioria, estranhamente, inviabilizou algumas propostas apresentadas pela oposição e, designadamente, pelo PS, no sentido de cometer a comissões parlamentares a inquirição de casos altamente polémicos, envoltos em múltiplas suspeições e fautores de acesa controvérsia no seio da opinião pública.
As conclusões da anterior Comissão foram no sentido de que, esgotada a competência da Assembleia da República, em ordem ao esclarecimento das envolventes específicas objecto da inquirição, se remetesse, o que o PS apoiou, os autos da anterior Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarata à Procuradoria-Geral da República, em ordem a que esta pudesse examiná-los, avaliar os elementos deles constantes e proceder consoante as conclusões da apreciação levada a cabo.
O que poderia implicar, quer com a determinação de novas investigações, designadamente no campo laboratorial, quer com o arquivar, puro e simples, do processo, quer ainda com eventuais procedimentos criminais, se fosse caso disso.
Não faz, por isso, muito sentido que se invoque continuamente a Procuradoria-Geral da República - que aliás muito prezamos- e que, ao mesmo tempo, se ignore ostensivamente a sua actividade, competências e responsabilidades, sempre que tal eventualmente convenha.
Pelo que foi dito, foi ajustada a decisão de remeter os autos para a instância própria que, a nosso ver, melhor poderia prover a uma ajustada apreciação técnica dos referidos elementos, no quadro das suas competências e poderes que não são os nossos.
Assim, no quadro do apuramento criterioso e legítimo então feito, a conclusão responsável e não utópica ou quimérica foi a de enviar o inquérito à Procuradoria-Geral da República, para que procedesse como entendesse perante o material recolhido. Entretanto, espanta que ninguém informe - ou nem tenha havido sequer o cuidado de solicitar competente informação - sobre se houve, ou não, lugar às diligências requeridas após as conclusões do citado inquérito, nem, tão-pouco, sobre o resultado actual da sua marcha.
Portanto, poderemos estar hoje na situação sumamente ingrata de recomeçar algo sem se saber com exactidão a que levaram os nossos trabalhos anteriores. Prática que nos parece pouco recomendável.
Apesar disso, não poderemos -melhor dito, não queremos - vedar a possibilidade de carrear quaisquer eventuais elementos que se dizem existir. O nosso posicionamento, como sempre, é de total abertura, mas é também de grande responsabilidade. Somos, nesta matéria relevante, pela profundidade e nunca pelas sujeições aos eventuais humores de uma nova conjuntura parlamentar. Tanto mais que não poderá ser o jogo de maiorias e minorias a qualificar os factos cuja existência e valoração terão obviamente de ser apreciados em si mesmos. Quanto à pane conclusiva do projecto de resolução - e é essa apenas a que votaremos - o seu ponto segundo merece-nos algumas reservas. Com efeito, consideramos, no mínimo, bizarra, preze embora o precedente criado quando da criação da anterior comissão, a proposta de integração, no seio de uma comissão da Assembleia da República, de elementos alheios à instituição parlamentar. Tanto mais que as comissões parlamentares podem a todo o momento ouvir quem muito bem entenderem, o que obviamente se aplica também aos familiares das vítimas.
Uma coisa será manter uma estreita relação com essas pessoas, outra seria a da constituição de uma comissão parlamentar mista, o que, a nosso ver, é, formalmente, indefensável.
Vale tudo isto para dizer que, pesem, embora, as considerações feitas, o PS genericamente não se opõe à constituição desta comissão eventual de inquérito às causas e circunstâncias em que ocorreu o acidente de Camarate, configurada no projecto de resolução em apreço.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado José Leio, registamos que o Partido Socialista é a favor de todos os inquéritos parlamentares. Mas nós não temos a mesma visão, pois apenas somos a favor daqueles que se justificam.
Neste caso, está fora de causa, que se justifica, e não vou mais debater a chicana partidária. Não quis fazê-lo, nem o faço.

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Mas, Sr. Deputado, era bom que discutisse a questão com conhecimento de facto, e parece que o Sr. Deputado desconhece alguns deles.
Compreendo que o Sr. Deputado trazia o discurso escrito de casa e, ao ouvir a minha intervenção, também não fez qualquer alteração, ou então não ouviu a minha intervenção.
Já que não leu o Diário, queria dizer-lhe que já em Janeiro deste ano fizemos um requerimento extensíssimo à Procuradoria-Geral da República, perguntando o que era feito até então.
Sr. Deputado disse que nós ignorámos a actividade da Procuradoria-Geral da República e eu respondi que fizemos um requerimento a essa entidade por via do Ministério da Justiça, fazendo catorze perguntas sobre o que era feito nesta matéria.
Sr. Deputado, tenho aqui a resposta ao requerimento, que data de 25 de Fevereiro de 1988, resposta essa que vem publicada no Diário. E já que o Sr. Deputado a desconhece, e dado que fala em nome do Partido Socialista, pergunto-lhe se sabe qual é a resposta da Procuradoria-Geral da República a esse requerimento.
Já disse, mas repito, que, depois de receber os documentos das várias comissões de inquérito, o Ministério Público requereu dez diligências no processo. Dez! E mais: reconhece o trabalho da Assembleia da República meritório, mas quanto às perguntas feitas por nos, nem uma é respondida. Nem sequer uma, Sr. Deputado!
Não se trata de desconhecer, mas sim da Procuradoria-Geral da República se recusar a responder, apesar de termos feito todas as démarches nesse sentido.
Pergunta o Sr. Deputado por que é que há um ano não requeremos a constituição de uma nova comissão de inquérito. Simplesmente, Sr. Deputado, porque o não queríamos fazer precipitadamente, porque queríamos encetar todas as démarches possíveis para ter esclarecimentos cabais sobre a situação.
Dado que dois meses depois do encerramento dos trabalhos nós tínhamos nas mãos - todos nós e o Sr. Deputado também, já que fazia parte da Comissão anterior, apesar de o não termos visto assiduamente por lá - os documentos da resposta do Laboratório da Polícia Científica dizendo que havia fósforo na roupa das vítimas.
Depois disso, seguimos um iter bem pormenorizado, esgotando todas as possibilidade de esclarecimento, e, após isso, quando estava em perigo, segundo informações de que dispomos, de as roupas das vítimas, ao cuidado do Laboratório da Polícia Científica, poderem vir a desaparecer tão misteriosamente como já sucedeu a outros elementos do processo, como o Sr. Deputado sabe, então nós, aqui e agora, com toda a responsabilidade acrescida, vimos requerer a constituição de uma comissão de inquérito. Não o fazemos precipitadamente, nem de costas para ninguém, mas, sim, porque, Srs. Deputados, a Procuradoria-Geral da República e outros organismos, nomeadamente a Polícia Judiciária, não nos dão outra alternativa senão a de tomarmos esta solução, com todas as responsabilidades que tivemos no passado e desejamos continuar a ter no presente.
Quando o Sr. Deputado diz - e isso espanta-me! - que é bizarra a nossa proposta de integração dos familiares das vítimas - deve ser aos familiares das vítimas que o Sr. Deputado José Leio, com essa perífrase, se quis referir -, o que pretendo referir-lhe é que nunca ninguém, nem sequer o Partido Comunista, nem mesmo o MDP/CDE, que era, na altura, o partido mais contrário à integração dos representantes dos familiares das vítimas na comissão, nunca ninguém, dizia, depois de ver o trabalho meritório que essas pessoas fizeram, sem qualquer remuneração, por mínima que fosse, pelo seu trabalho, antes pelo contrário, fizeram, a expensas próprias e com perda de vários dias, um trabalho meritório, sem que, em qualquer momento, alguém levantasse objecções à sua participação na comissão.
Admira-me muito que seja o Sr. Deputado José Leio a levantar, agora, depois de todo o trabalho produzido, tais objecções, ainda por cima, aplidando de bizarro o nosso projecto.
Estas são as perguntas que gostaria de ver esclarecidas pelo Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Leio.

O Sr. José Leio (PS): - Sr. Deputado, bizarra foi a sua intervenção! Ò Sr. Deputado diz que eu desconheço os factos; porventura V. Ex.ª conheceu-os à nascença, porque embora não saiba quantos anos teria na altura em que ocorreu esse trágico acidente,...

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Ah! Ah!

O Orador: - ... mas prova que é muito atento e que, porventura, não fará outra coisa.
O Sr. Deputado disse que em matéria de inquéritos parlamentares o PSD tem uma posição diferente da do PS. Tem V. Ex.ª toda a razão. Com efeito, o PS é a favor de todos os inquéritos que compaginem as competências fiscalizadoras da Assembleia: o PSD é apenas a favor dos seus, o que é da responsabilidade do PSD e não da nossa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Disse também V. Ex.ª que fizeram catorze perguntas e que não foram respondidas, o que sucedeu porque as diligências ainda se encontram em segredo de justiça. Mas, isso, bizarramente, não disse.
Queixa-se também o Sr. Deputado de que a Polícia Judiciária, porventura, não está a acautelar os elementos que V. Ex.ª considera extremamente importantes e de que nem a mesma Polícia nem a Procuradoria-Geral da República actuam.
V. Ex.ª, em termos de deputado da oposição, faz muito melhor do que qualquer de nós faria porque, afinal, está aqui a exorcizar o Governo que apoia na medida em que todos esses órgãos, menos a Polícia Judiciária, estão na «cadeia» natural do Ministério da Justiça.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não estão nessa cadeia!

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O Orador: - Portanto, o Sr. Deputado está a fazer críticas ao Governo que apoia. Acho muito bem que as faça aqui, com a fogosidade que demonstra. Pena é que o Sr. Ministro da Justiça não esteja aqui para lhe poder responder.
Quanto à questão dos familiares das vítimas, Sr. Deputado, do nosso ponto de vista, são devidas todas as honras e homenagens à família. Todavia, a integração de elementos estranhos à Assembleia da República numa comissão parlamentar V. Ex.ª atenderá que é formalmente bizarra, e, até, regimentalmente aberrante. Esta é uma questão formal que lhe coloco.
Por outro lado, não está em causa a muita dedicação e interesse, como V. Ex.ª disse, da sua presença. Trata-se de uma questão meramente formal. É que tal presença, porventura em algumas situações - e está aqui o Sr. Presidente da anterior Comissão que o pode confirmar - foi factor de constrangimento, quer para a Assembleia, quer para os próprios familiares das vítimas, e não foi uma, nem duas, nem três vezes que o Sr. Presidente da anterior Comissão solicitou aos familiares das vítimas o favor de saírem da sala para, em sede de comissão, podermos deliberar entre nós.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Não, Sr. Deputado, não tenho tempo e tenho que acabar a minha intervenção. E vou terminar fazendo-lhe uma pergunta: considera, o Sr. Deputado que os governos do Prof. Cavaco Silva têm vindo a fazer tudo quanto podiam, e deviam, para completo esclarecimento do caso em questão? É uma questão que gostaria de ver respondida por V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Ramos pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - É para uma intervenção, Sr. Presidente, dado que não me foi permitida a interrupção.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito para uma intervenção, Sr. Deputado.
Igualmente, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Deputado Montalvão Machado pediu, entretanto, a palavra para que efeito?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Leio, meu querido amigo, referiu-se à minha pessoa na sua intervenção e eu pergunto à Mesa se, bondosamente, me poderia conceder o direito de resposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de harmonia com o espírito e a letra do Regimento, para defesa da consideração, tem a palavra V. Ex.ª

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Embora, Sr. Presidente, não goste muito de utilizar esse direito, vou utilizá-lo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Leio: Efectivamente, como presidente da anterior Comissão, ou melhor, de todas as anteriores comissões sobre o caso de Camarate, não actuei da maneira como
V. Ex.ª, certamente por lapso, referiu. O que se passou foi coisa totalmente diferente. A intervenção dos familiares das vítimas na Comissão não tinha nada a ver com as deliberações da Comissão. Por consequinte, sempre que a Comissão tinha que deliberar, eu convidava os familiares das vítimas a saírem da sala. Foi só nessas ocasiões que os convidei a sair da sala por não terem direito de voto.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Lelo.

O Sr. José Lelo (PS): - Muito bem! O Sr. Deputado colocou a questão com todo o rigor. Aliás, outra coisa não seria de esperar de V. Ex.ª que, como jurista, dispõe da capacidade para se referir com o rigor próprio à sua formação.
Portanto o Sr. Deputado considera que, de raiz, os familiares não fazem parte da Comissão porque nem sequer podem participar ou assistir - e isso foi referido nessa Comissão - às votações. Logo, eu não sei em que medida V. Ex.ª contraria o meu raciocínio. Não percebo.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Dinah Alhandra pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Dinah Alhandra (PSD): - Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado José Lelo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr.ª Deputada. Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, vou fazer uma brevíssima intervenção no sentido de afirmar que votaremos favoravelmente a constituição desta comissão de inquérito, não sem, no entanto, fazer ressaltar a forma, a nosso ver extremamente preocupante, como aqui foram aduzidas razões justificativas da constituição desta comissão.
De facto, falou-se aqui de «dados novos», mas se se trata dos dados que trouxeram ao nosso conhecimento, presumo que eles já serão do conhecimento da Polícia de Investigação e, por conseguinte, são dados que deveriam estar já tecnicamente tratados e integrados no processo que, segundo julgo saber, segue os seus trâmites normais.
Quando aqui se invoca a teoria da separação de poderes para, de algum modo, desculpar o Governo pela sua passividade e incapacidade de dar andamento ao processo; quando todos sabemos que, se há separação entre o poder executivo e o poder judicial, também há separação entre o poder legislativo e fiscalizador da Assembleia e o poder judicial, eu apenas queria deixar aqui claro que o argumento não colhe e que considero extremamente preocupante a forma como as razões aqui foram aduzidas.
Em face disso, considero, sinceramente, que corremos o risco de que a tragédia de Camarate durante quatro anos seja crime, nos seguintes quatro anos seja acidente e volte, novamente, a ser crime.
Não é assim que se dignifica o trabalho e as opiniões de um órgão de soberania como é a Assembleia da República.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos. Dispõe de dois minutos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Obrigado, Sr. Presidente. Não precisarei de mais tempo pois apenas vou responder a algumas questões colocadas pelo Sr. Deputado José Lelo, que, talvez por falta de tempo, não me permitiu a interrupção que oportunamente lhe solicitei.
Como primeira questão, devo dizer que não admito ao Sr. Deputado, nem de ninguém, argumentos de idade porque eu sou maior e vacinado como o Sr. Deputado será. Se, de facto, sou mais novo, isso não quer dizer que já em 1980 não dispusesse de capacidade eleitoral. Posso parecer mais novo, Sr. Deputado, mas isso é questão que aqui se não coloca. E os argumentos invocados são, geralmente, os de quem não tem qualquer outra razão.

Aplausos do PSD.

Argumentos de idade, ainda por cima da sua parte? De facto, já vislumbro por aí alguns cabelos brancos, mas não o suponho assim tão velho! E só as pessoas bastante idosas é que usam argumentos de «autoridade»! Vir aqui, agora, o Sr. Deputado, que julgo ainda na casa dos 30, usar desses argumentos, é, creia--me Sr. Deputado, pouco dignificante para a sua pessoa.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Herculano Pombo, nem perco tempo. Já falámos, já respondemos e o Sr. Deputado continua na sua. É, aliás, curioso que os seus colegas de aliança, tanto a ID como o PCP, que são muito mais avisados que o Sr. Deputado, tenham, cuidadosamente, ido para casa e nem sequer tenham feito qualquer intervenção sobre a matéria.
Depreendo, pela omissão, que eles acham que nós temos razão. E fica o Sr. Deputado, isolado, a dizer o que disse. Mas, paciência. O Sr. Deputado fica na sua, o País continua e nós todos veremos, depois, com os trabalhos da comissão,...

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Acabou por perder tempo!

O Orador: - ... se tínhamos ou não razão ao propor uma nova comissão.
Não se trata das conclusões. Ninguém está aqui de boa ou má fé a querer impor quaisquer conclusões à quarta comissão de inquérito. O que para nós se coloca é: primeiro, há ou não «dados novos»; segundo, esses «dados novos» justificam ou não a reabertura dos trabalhos; terceiro, se justificam, por que é que temos de ficar parados e calados?
É isso que o povo português não pode compreender e é por esse motivo que nós requeremos a constituição da comissão. Dizer mais do que isto é absolutamente ridículo. Desejamos, no entanto, que fique bem claro que todos estamos aqui de consciência limpa e que, ao propormos a comissão de inquérito...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado. O seu grupo parlamentar já não dispõe de tempo.

O Orador: - Termino, então, dizendo que queremos, absolutamente, fazer aquilo que dissemos e nada mais do que isso!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Deputado José Luís Ramos, quero lembrar-lhe que não respondeu à pergunta feita pelo meu camarada José Lelo. Portanto, eu reforço a pergunta, dizendo o seguinte: é ou não verdade que, em parte, este novo inquérito se deve a uma certa frustração da bancada do PSD, porque o Governo, com o mesmo conhecimento e mais meios, não tem actuado como devia?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado, em relação à questão que me colocou, o que eu disse foi que era verdade que todos os órgãos encarregados da investigação não agiram, tanto no passado como tão-pouco no presente, como deveriam ter agido. Não temos, contrariamente ao Sr. Deputado e ao seu partido, qualquer trauma por o nosso partido estar ou não no Governo. Já há pouco disse que são questões diferentes. Não é um jogo governo/oposição. É outro! Queremos ser esclarecidos de toda a verdade, doa a quem doer, Sr. Deputado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Fiquei quase esclarecido!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a um comentário do deputado José Luís Ramos acerca da bancada do PCP, devo registar dois pontos. Em primeiro lugar, não cabe aqui fazer juízos sobre as ausências de deputados neste hemiciclo. Eu não o farei sobre a ausência de deputados do PSD, neste momento, neste hemiciclo! Em segundo lugar, quanto à nossa posição sobre a matéria, trataremos de a expor numa declaração de voto que faremos atempadamente.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o PSD já não dispõe de tempo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dou-lhe o tempo todo!

O Sr. Presidente: - Dispondo do tempo cedido pelo Partido Comunista Português, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Luís Ramos.

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O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Muito obrigado ao Partido Comunista Português.
Sr. Deputado João Amaral, quero pedir-lhe a si e ao Partido Comunista desculpas pelo facto de me ter excedido um pouco. Mas quero também dizer-lhe que é significativo que o PCP não formule agora uma intervenção sobre a matéria.
Em política, o que parece é. E se realmente tirei outras ilações, não era, de maneira nenhuma, para atacar quem não estava presente.
Porém, neste momento, é óbvio que a posição do PCP parece divergir daquela manifestada por Os Verdes. Foi só por isso e nesse contexto que utilizei as expressões que referi.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É um facto novo!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, como já disse, iremos expor a nossa posição numa declaração de voto.

O Sr. Presidente: - A Mesa está informada de que o Partido Comunista Português pretende fazer uma declaração de voto. No entanto, como fez uma intervenção ...

Risos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, esperamos, naturalmente, por parte da Mesa, a compreensão necessária para entender que o que fizemos foi - visto não termos outra figura regimental - um comentário a uma intervenção, registando que iríamos produzir uma declaração de voto sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, após uma sondagem feita aos grupos parlamentares, atendendo a que o Partido Comunista Português tem tempo suficiente para fazer uma declaração de voto e havendo já um certo compromisso por parte da Mesa nesse sentido, passaremos, dentro de momentos, à votação do projecto de resolução n.º 14/V. A proposta de lei n.º 51/V será votada amanhã.
Vamos, então, proceder à votação do projecto de resolução n.º 14/V (PSD e CDS) - Constituição de uma comissão eventual de inquérito para continuar a averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, o Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes.
Submetida à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso juízo sobre a actividade da última Comissão de Inquérito está perfeitamente espelhado na declaração de voto que produzimos aquando da aprovação do relatório. As actas e os elementos probatórios reunidos pela Comissão foram remetidos à Procuradoria-Geral da República, sendo importante conhecer o que esta irá promover e apurar sobre a matéria.
Sendo este o nosso entendimento, não actuamos como faz a maioria do PSD, que tem recusado liminarmente todos os inquéritos parlamentares apresentados pela oposição, mesmo quando a matéria de facto não suscita dúvidas quanto à necessidade de os promover.
Como não é essa a nossa postura, votamos favoravelmente a constituição da comissão de inquérito proposta.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, acabei de chegar de uma reunião importante da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e soube que foi feita uma referência à ID por parte de um deputado do PSD.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não fugimos de coisa nenhuma, apenas não nos foi possível chegar mais cedo aqui ao Plenário, pois, como viu, cheguei em cima da hora.
Seja como for, Sr. Presidente - e já fiz parte de três comissões de inquérito ao acidente de Camarate -, em sucessivas declarações que constam dos relatórios e actas, a minha posição é clara.
Em relação à última, o relatório que foi aqui discutido e aprovado foi enviado para o Procurador-Geral da República acompanhado de um pedido expresso ao Governo, de forma a facilitar em meios materiais e humanos tudo o que fosse necessário para se proceder a novas investigações, se a Procuradoria assim o entendesse.
Por isso, parecia-nos suficiente e desnecessário este novo inquérito. Porém, uma vez que surge um projecto desta natureza por parte do PSD, não nos opomos à criação de nova comissão de inquérito ao acidente de Camarate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, constando da ordem do dia uma interpelação sobre política geral, económica e social e às 19 horas e 30 minutos proceder-se-á a votações.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão, os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Cecília Pita Catarino.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Vargas Bulcão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Página 4574

4574 I SÉRIE - NÚMERO 112

Partido Socialista (PS):

Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Coelho dos Santos.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Rui Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

António José Sanches Esteves.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Helena de Melo Torres Marques.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Raul d`Assunção Pimenta Rego.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Vítor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.

As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Ana Maria Marques da Cruz.

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