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Sexta- feira 23 de Setembro de 1988 I Série - Número 124

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

COMISSÃO PERMANENTE

ACTA DA REUNIÃO DE 22 DE SETEMBRO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

ecretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de vários diplomas.
O Sr. Deputado Carlos Coelho (PSD) referiu-se ao Encontro dos Jovens pelos Descobrimentos e protestou pela não cobertura pelos órgãos de comunicação social, em particular da RTP. Respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Lello (PS).
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP) propôs a convocação urgente da Comissão de Agricultura e Pescas, dada a recente calamidade que atingiu a nossa agricultura.
O Sr. Deputado Soares Costa (PSD) associou-se, em nome da sua bancada, à proposta do orador anterior.
O Sr. Deputado João Cravinho (PS) condenou a política económica do Governo e anunciou a apresentação de uma interpelação sobre a inflação. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Joaquim Marques (PSD).
O Sr. Deputado Herminio Maninho (PRD) reclamou do Governo a abertura de novas linhas de crédito para os agricultores atingidos pelo mau tempo.
O Sr. Deputado Herculano Pombo (Os Verdes) anunciou a apresentação de um projecto de deliberação solicitando a vinda do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais à Comissão Permanente para prestar esclarecimentos sobre o alargamento do Campo de Tiro de Alcochete.
O Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) lamentou que o PSD tenha inviabilizado uma proposta do seu partido no sentido de o Sr. Ministro das Finanças prestar esclarecimentos sobre política de rendimentos e preços na Comissão Permanente e anunciou a apresentação de uma proposta de convocação urgente do Plenário para uma sessão de perguntas ao Governo.
A Comissão aprovou um voto de pesar, proposto pelo PS, pelo falecimento do Professor José Pinto Correia.

Ordem do dia. - Foi aprovado um projecto de deliberação, subscrito pelo PSD, PS, PCP, PRD e Os Verdes, relativo ao incêndio na zona do Chiado. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Mendes Bota (PSD), Herculano Pombo (Os Verdes), Eduardo Pereira (PS), Carlos Brito (PCP) e Marques Júnior (PRD).
A Comissão autorizou ainda, sob proposta do PCP, a convocação da Comissão de Agricultura e Pescas, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Álvaro Brasileiro (PCP), Soares Costa (PSD), Carlos Brito (PCP) e Marques Júnior (PRD).
No decurso da reunião foram aprovados dois relatórios e pareceres da subcomissão da Comissão Permanente relativos à substituição de Deputados do PSD e do PCP.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Vítor Pereira Crespo (PSD).
Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD).
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu (PS).
José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP).
António Alves Marques Júnior (PRD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Domingos Duarte Lima (PSD).
Fernando Dias de Carvalho Conceição (PSD).
Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
Carlos Miguel Coelho (PSD).
Joaquim Maria Fernandes Marques (PSD).
José Júlio Vieira de Mesquita (PSD).
José Mendes Bota (PSD).
Manuel José Dias Soares Costa (PSD).
José de Almeida Cesário (PSD).
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado (PSD).
Miguel Bento Costa de Macedo e Silva (PSD).
Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD).
João Cardona Gomes Cravinho (PS).
Carlos Cardoso Lage (PS).
Eduardo Ribeiro Pereira (PS).
Jorge Fernando Branco Sampaio (PS).
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida (PS).
Manuel Alfredo Tito de Morais (PS).
Carlos Alfredo de Brito (PCP).
Álvaro Favas Brasileiro (PCP).
Hermínio Paiva Fernandes Martinho (PRD).
Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira (Os Verdes).

ANTES DA ORDEM DO DIA

Sr. Presidente: - Vai dar-se conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de deliberação n.º 22/V, apresentado pelo PSD, autorizando o funcionamento da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente para tratar do problema do incêndio na zona do Chiado; ratificação n.º 32/V, apresentada pelo Sr. Deputado João Amaral e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 309-A/88, de 3 de Setembro - Cria uma compensação eventual de emergência para substituição dos rendimentos dos trabalhadores que exerciam a sua actividade na zona de Lisboa sinistrada pelo incêndio de 25 de Agosto de 1988; interpelação n.º 7/V, apresentada pelo PS, sobre a inflação. Estes diplomas foram todos admitidos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da subcomissão da Comissão Permanente.

O Sr. Secretário(Daniel Bastos)

Relatório e parecer

Em reunião da Comissão Permanente realizada no dia 22 de Setembro de 1988, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD): Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes (círculo eleitoral de Lisboa) por Armando Manuel Pedroso Militão. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para os dias 16 de Setembro corrente a 15 de Outubro próximo, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

Pela Subcomissão da Comissão Permanente, (Assinatura ilegível.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.

Estão inscritos para usar da palavra no período de antes da ordem do dia os Srs. Deputados Carlos Coelho, Álvaro Brasileiro, Soares Costa, João Cravinho, Hermínio Martinho, Herculano Pombo e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Roubo alguns minutos à Comissão Permanente para falar de duas coisas: aquilo que se consegue construir e os obstáculos que temos cá dentro. Tem isto a ver com o Encontro dos Jovens pelos Descobrimentos, que foi uma realização notável que envolveu as organizações de juventude de todos os partidos representados nesta Câmara, numa comissão organizadora que conta com representantes de todas as realidades do movimento associativo juvenil. Foi um projecto apoiado pelo Governo desde o início, que mobilizou perto de 15 000 jovens, tendo tido como ponto

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alto das comemorações a semana que decorreu aqui em Lisboa, aberta por S. Ex.ª o Presidente da República e encerrada por S. Ex.ª o Ministro dos Assuntos Parlamentares, em representação do Sr. Primeiro-Ministro.
Foram muitos jovens de cores diferentes que, num esforço conjunto na comissão organizadora, decidiram esquecer as suas diferenças, ou melhor, representá-las e protagonizá-las num encontro comum sobre os Descobrimentos. E tanto assim foi que o Conselho Nacional de Juventude decidiu fazer coincidir o II Encontro Nacional de Juventude com esta semana e subordinar também à temática dos Descobrimentos grande parte dos debates que aí se travaram.
No II Encontro Nacional de Juventude, 250 dirigentes de organizações de juventude de todo o país encontraram a plataforma comum, que se traduzirá num caderno reivindicativo a apresentar pelo Conselho Nacional de Juventude e pelas suas organizações aos poderes instituídos.
E esta realidade, que já de si merece um reparo positivo na sociedade portuguesa, tantas vezes dividida e esfacelada, este reparo, que representa um grito corajoso dos jovens -que dizem que, independentemente daquilo que os diferencia e os faz divergir, há um espaço de criação conjunta a exaltar e a representar perante a sociedade portuguesa-, foi esquecido por grande parte dos órgãos de comunicação social, com particular e indesculpável destaque para a Radiotelevisão Portuguesa.
Mais uma vez a RTP prestou um mau serviço à sociedade portuguesa e aos jovens ao esquecer este esforço conjunto, as realizações culturais e desportivas que tiveram lugar, quer na Torre de Belém, quer no Padrão dos Descobrimentos, quer no Mosteiro dos Jerónimos, quer ainda noutros pontos da cidade de Lisboa.
Aos concursos «Jovens Valores da Cultura», que durante cerca de sete meses percorreram dezassete capitais de distrito e permitiram revelar novos valores jovens na cultura portuguesa - no teatro, na escultura, na literatura, na dança, na música clássica e moderna e em muitas outras manifestações-, a esses dezassete concursos, que mobilizaram jovens valores em todo o país, a RTP disse «zero»!
E não contente com esse mau serviço que uma vez mais prestou à cultura portuguesa e aos jovens portugueses - num esforço que, e pela terceira vez quero sublinhar perante a Comissão Permanente, foi não só corajosamente apoiado pelo Governo como foi fruto da acção de todas as principais organizações da juventude portuguesa-, a Radiotelevisão Portuguesa, no canal 2, ao cobrir o Encontro dos Jovens pelos Descobrimentos, convidou três jovens (António José Seguro, presidente do Conselho Nacional de Juventude, José Apolinário, secretário-geral da Juventude Socialista, e Carlos Rabaçal, dirigente da Juventude Comunista Portuguesa), esquecendo outras realidades organizadas e membros de pleno direito da comissão organizadora, para uma entrevista que, na verdade, nada tinha a ver com este Encontro, tinha a ver, sim, com outras realidades.
A propósito dessas outras matérias foram feitas algumas perguntas e fez-se um mau serviço, porque se deturpou a conferência de imprensa que o Ministro Roberto Carneiro havia dado nesse mesmo dia sobre o novo sistema de ingresso no ensino superior, induziram-se em erro os convidados e pôs-se o secretário-geral da Juventude Socialista, que é membro desta Casa e deputado, a dar respostas erradas, porque foram errados os dados com que a Televisão o confrontou.
A Televisão fez, por exemplo, a afirmação de que as notas do 12.º ano não contam para o novo sistema de ingresso no ensino superior. O deputado José Apolinário foi confrontado com essa afirmação, ao que respondeu, naturalmente -qualquer de nós teria respondido da mesma forma-, que as avaliações do 12.º ano deveriam ser contabilizadas para o sistema de ingresso no ensino superior.
Um deputado desta Casa, um jovem responsável pertencente a uma grande organização de juventude portuguesa, foi induzido em erro pela Televisão, provocando uma resposta errada numa mesa-redonda à qual faltaram outros representantes da comissão organizadora do Encontro dos Jovens pelos Descobrimentos, porque deliberadamente a Televisão não os convidou.
Este grito, que terá consequências legais no Conselho de Comunicação Social -porque hoje mesmo, em nome da Juventude Social-Democrata, apresentei uma queixa nessa instância por falta de verificação dos princípios constitucionais de pluralismo de informação e de rigor ético e deontológico na Televisão-, merece também uma crítica política, que deve ser feita nesta sede, na Comissão Permanente da Assembleia da República, porque, repito, muitas vezes os Portugueses, e particularmente os jovens, encontram-se em pontos diferentes das suas bancadas, mas unem-se em torno de uma questão que tem tanto a ver com Portugal como o Encontro dos Jovens pelos Descobrimentos. Assim, não deixa de ser trágico, e não pode deixar aqui de merecer o nosso mais veemente repúdio, o mau serviço, uma vez mais indesculpável, que a RTP ofereceu aos Portugueses, e aos jovens em particular.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - O Sr. Deputado Carlos Coelho disse que o deputado José Apolinário, face a uma pergunta errada, respondeu erradamente. A pergunta que lhe faço é a seguinte: não será que, pelo contrário, o Sr. Deputado José Apolinário não respondeu certo face aos pressupostos de uma pergunta errada?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Lello, o Sr. Deputado José Apolinário deu a resposta que eu próprio daria, ou seja, que as notas do 12.º ano deviam contar. Só que a resposta foi viciada pelos dados errados com que o Sr. Deputado José Apolinário foi confrontado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresentou hoje na conferência de líderes parlamentares uma proposta para que a Comissão Permanente autorize a convocação urgente da Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas.

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Nos fundamentos da nossa proposta considerámos que era importante que a Assembleia da República não ficasse alheada e inoperante face à calamidade que atingiu a nossa agricultura em vastas zonas do País.
Entendemos que a Comissão deve proceder à audição dos organismos de lavoura, visitar as zonas mais atingidas, contactar com os agricultores e propor medidas (incluindo de carácter orçamental) que minorem e reparem os prejuízos sofridos.
Por outro lado, importa que à Comissão sejam prestados esclarecimentos quanto à extensão e calendarização da execução das medidas que haviam sido anunciadas pelo Governo. Contamos que todos os grupos parlamentares apoiem esta iniciativa.
Ainda antes das férias parlamentares, o Grupo Parlamentar do PCP trouxe aqui a esta Câmara a sua preocupação, alertando para a situação gravíssima com que se defrontavam os nossos agricultores face à calamidade que se abateu sobre a agricultura portuguesa de Norte a Sul do País.
Mas o Grupo Parlamentar do PCP não só levantou a questão como também apresentou um projecto de resolução, que apontava medidas urgentes e eficazes que iam ao encontro da dimensão dos problemas e das legítimas aspirações dos nossos agricultores.
O Governo, por seu lado, apressadamente, foi para a TV e outros órgãos de informação dizer que ia adoptar medidas urgentes.
Alguns dos membros do Executivo desdobraram-se mesmo em deslocações e em promessas. Falaram em milhares de contos e em juros bonificados. Vieram as férias, os ministros foram a banhos e as medidas ficaram por tomar!
Ultimamente o Ministro Cadilhe anunciou que agora é que o Governo ia tomar medidas de apoio à agricultura.
Puro engano. Uma vez mais os agricultores foram ludibriados. Muitos deles têm-se dirigido aos serviços regionais do MAP e às entidades bancárias, mas ninguém sabe responder sobre o assunto em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Milhares daqueles que trabalham a terra tiveram de recorrer à banca para poderem fazer os seus trabalhos agrícolas. Face à calamidade que sobre eles caiu, e que todos nós conhecemos, estão hoje numa situação aflitiva, sem conseguirem satisfazer os seus compromissos.
As ameaças de acções fiscais começam a aparecer. As máquinas, as propriedades e as habitações que alguns agricultores, com grande sacrifício, conseguiram ao longo de vários anos de trabalho estão em perigo, se não forem tomadas medidas urgentes e rápidas.
E enquanto o Governo demora a dar orientações sobre os créditos, há quem já as conheça, assim como os critérios dos processos a fazer. Isto quer dizer que, quando houver a palavra de ordem para avançar, muitos processos estarão aptos a entrar através das amizades, dos compadrios, dos interesses, enquanto a maioria das vítimas da calamidade ficará pelo caminho - quer dizer que nunca conhecerão as portas por onde entrar ...
É do conhecimento dos Srs. Deputados o que aconteceu com a maioria das colheitas e os elevados prejuízos causados. Mas o que se está a passar no sector vitivinícolas ultrapassa tudo aquilo que se pensava: tomem-se, por exemplo, o Ribatejo e Oeste, a região dos vinhos verdes, a região do Douro e outras tantas, onde as perdas de produção são elevadíssimas, casos há em que atingem mais de 80%.
Os especuladores e marteleiros preparam-se para produzir e injectar no mercado todo o tipo de «zurrapas». A fiscalização permanece na passividade, alheando-se da entrada em circulação de milhares de sacos de açúcar e outros produtos destinados à «mixordice».
No entanto, existem em stock milhares de hectolitros de vinhos de colheitas anteriores e fala-se já em importações.
Importa, pois, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que os agricultores, sejam eles produtores de vinho, de frutas ou de hortícolas, não venham a sofrer, além das consequências das intempéries, os resultados de importações desmedidas, do aviltamento de preços, de dificuldades de escoamento das suas baixas produções, vítimas da especulação e de interesses alheios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Derivado ao factor «tempo», numa próxima oportunidade abordaremos em pormenor este e outros casos ligados à agricultura. No entanto, o PCP reafirma a necessidade de serem imediatamente colocados à disposição dos agricultores vítimas dos acidentes climatéricos linhas de crédito bonificado adequadas à dimensão dos prejuízos e às culturas, auxílios económicos a fundo perdido, apoio técnico, garantia de escoamento das produções e reposição dos valores das indemnizações compensatórias, que foram reduzidas no presente ano para cerca de metade dos valores atribuídos para 1987.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Costa.

O Sr. Soares Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de ouvir, pela intervenção do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, a proposta do Grupo Parlamentar do PCP no sentido de solicitar à Comissão Permanente deliberação para, nos termos do artigo 44.º, alínea g), do Regimento, ser convocada a Comissão de Agricultura e Pescas.
São de todos conhecidas as condições climatéricas adversas que ocorreram em períodos e momentos críticos para as diversas culturas, as quais foram afectadas por essas mesmas condições climatéricas e que vieram, efectivamente, criar condições extremamente difíceis a vastas regiões e sectores da agricultura portuguesa.
Trata-se, pois, de um problema de âmbito nacional, que afecta um importante sector económico da vida nacional. Assim sendo, obviamente que o PSD não podia ficar insensível - e não fica certamente -, à importância desta matéria e, Sr. Presidente e Srs. Deputados, avançarei mesmo que esta matéria não é nem pode ser preocupação exclusiva de uma bancada, pois entendemos que ela deve ser preocupação de todas as bancadas desta Assembleia.
Por essa razão, porque se trata de algo importante que não é exclusivo da preocupação de alguns, o PSD quer declarar, aqui e agora, que se associará a esta iniciativa do PCP, porque também nós, pela consideração e importância que reconhecemos ao sector agrícola nacional, entendemos que é oportuno e urgente a reunião da Comissão de Agricultura e Pescas desta Assembleia.

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Não vamos aqui discutir - são aspectos de pormenor - quais as áreas, os motivos ou as linhas de actuação que a Comissão deve tomar. Na sua proposta, o PCP avança com algumas ideias, no entanto, entendo que elas não devem ser discutidas aqui, pois penso que será melhor fazê-lo no âmbito da Comissão. Mas uma vez que a ideia apresentada é oportuna, a nossa bancada quer anunciar que se associa à proposta do PCP, indo votá-la favoravelmente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos nos lembramos como terminaram os governos da AD liderados pelo PSD!
De 1983 a 1985 o País pagou caro a irresponsabilidade desses governos, sofrendo fortíssimas reduções do emprego, do consumo e da actividade económica em geral. Essa cura, forçada pela AD, levou os indicadores económicos aos mais baixos níveis. A partir daí, com a ajuda extraordinária da mais favorável conjuntura mundial dos últimos vinte anos, foi fácil relançar o crescimento, expandir o consumo, aumentar o emprego e fazer descer significativamente a inflação.
Mais e melhor se teria conseguido se tivesse havido o bom senso de apresentar ao País projectos claros, dirigidos ao coração de bem conhecidas deficiências estruturais da nossa economia. Mas não! Em vez de um programa concreto, sério e mobilizador, o Governo - um pouco infantilmente, como hoje reconhecerá - cedeu à vaidade, deslumbrou-se com as facilidades e não resistiu a matraquear-nos incessantemente com a autopropaganda da sua genialidade.
Tudo seria obra de génios, um ou dois, a quem o País deveria agradecer um milagre. Mas em economia não há milagres, e por mais poderosa que fosse a propaganda a verdade acabaria por vir ao de cima, vingando-se cruelmente dos ingénuos candidatos a génios. E é isso que agora começa! Apenas começa, mas assume já foros de irremediável descrédito do Sr. Ministro das Finanças e até do Sr. Primeiro-Ministro.
Dizia o primeiro, em Março - com o seu ar costumeiro -, que a inflação iria continuar a baixar, quando já era patente que estava a verificar-se uma paragem. Afirmava de novo, em Abril, que «o Governo garante que a meta dos 6% da taxa de inflação para este ano vai ser atingida», quando Vítor Constâncio demonstrara já que tal seria matematicamente impossível. Pobre garantia de um pobre governo!
O Sr. Ministro das Finanças levou seis meses a garantir, teimosamente, uma meta impossível! Como se deve hoje sentir ridículo ao reconhecer que nada se vai passar como nos garantiram!...
E que dizer do Sr. Primeiro-Ministro, que dantes se extasiava perante a queda da inflação? Lembram-se que ainda em Julho nos garantia o Sr. Primeiro-Ministro que «a meta da inflação de 6% a 6,5% poderá não ser alcançada em Dezembro, mas sê-lo-á certamente em Março de 1989»? Hoje terá o Sr. Primeiro-Ministro de reconhecer que nem em Março de 1990, quanto mais em 1989! Com a inflação a 10% e com tendência para subir, todos compreendemos que o Sr. Primeiro--Ministro deverá estar fortemente deprimido.
Mais razão para estarem deprimidos têm ainda as centenas de milhar de trabalhadores, funcionários públicos, bancários, ferroviários, etc., a quem o Governo obrigou a aceitarem aumentos salariais abaixo do valor da inflação. Esses sabem que vão ter de baixar o seu nível de vida, enquanto o Sr. Ministro das Finanças se poderá consolar com o seu aumento de 27%.
Quem está no consolo do Sr. Ministro das Finanças não tem a menor autoridade para dizer que a subida da inflação não tem grande importância. Enquanto o Sr. Ministro estiver nessa cega e arrogante posição não haverá qualquer possibilidade de viabilizar a concertação social. O mínimo que o Governo deve, neste momento, ao País é o reconhecimento da sua imprevisão e derrota. A taxa de inflação em 1988 não será nem 6%, nem 6,5%, nem 7%, nem 8%. A inflação está neste momento a 10%, e corremos o risco sério de a ver disparar para níveis ainda mais elevados.
Nestas circunstâncias, o PS considera fundamental renovar a concertação social, numa base de verdade e não de demagogia. Erros de 50%, pelo menos, são inadmissíveis sempre que está em jogo uma situação que envolve centenas de milhar de pessoas. Por isso, o PS exorta o Sr. Primeiro-Ministro a tomar a iniciativa de convocar o Conselho Permanente de Concertação Social e a chegar a um novo acordo antes da apresentação do Orçamento nesta Assembleia, sob pena de ver esse Orçamento transformado não num projecto sério, mas apenas numa tentativa demagógica, que o tempo desmentirá tão cruelmente como desmentiu até aqui a garantia dada pelo Governo quanto à inflação vigente.
O PS pede ao Sr. Primeiro-Ministro que desça do seu orgulhoso pedestal e assuma com dignidade e verdade as suas responsabilidades para com os parceiros sociais. É preciso que o Sr. Primeiro-Ministro negoceie desde já - e o faça sem subterfúgios - um novo acordo no Conselho Permanente de Concertação Social antes de 15 de Outubro. É possível que o Sr. Primeiro-Ministro o venha a fazer aproveitando os números do terceiro trimestre, que estarão disponíveis em meados de Outubro. Bom! Damos-lhe essa desculpa! O que não lhe damos é a desculpa de arrogantemente não chegar a um acordo antes de 15 de Outubro.
É evidente que a perda do poder de compra, induzida e suscitada pela imprevisão do Governo, pela sua vaidade e pelo seu orgulho descabido, deverá ser reparada, compensando-se os trabalhadores lesados pelas garantias tão veementes quanto infundadas e incessantemente afirmadas pelo Governo. A parte do trabalho no rendimento nacional não cessa de cair desde que este governo tomou posse.
Esta é uma situação antieuropeia.
O Sr. Primeiro-Ministro quer ser, com certeza, um 1.º mundo do 4.º mundo, porque no Terceiro Mundo isto já nem sequer é admissível.
O PS compreende que haja preocupação pelo disparo e descontrole da política macro-económica e que se tenha de favorecer o investimento. Por isso mesmo, o PS exorta o Sr. Primeiro-Ministro a considerar com os parceiros sociais uma inovação de maior alcance, de fornia que os aumentos que agora estão em dívida sejam dados, nomeadamente para efeitos de criação de fundos de investimento em que os trabalhadores tenham a sua parte de gestão, de modo a permitir-lhes

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realizar investimentos no campo da saúde, da educação, da formação, do estímulo à criação de postos de trabalho. É uma inovação absolutamente essencial, se quiser que o rendimento nacional ...

O Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Termino dizendo que se torna absolutamente essencial que o Sr. Primeiro-Ministro venha a esta Assembleia explicar a lógica ou a ilógica - é isso que daí sairá - da sua política macro-económica.
A interpelação do PS é nesse sentido, visto que, entre outras coisas, as incongruências da alta da taxa de juro determinada pelo Governo e hipocritamente transmitida através de uma pretensa liberalização das taxas de juro, conjugada com uma intervenção «policial» na concessão de incentivos e benefícios financeiros, mostram que, de facto, não há política macro-económica, há propaganda, mas o País não pode tolerar que esta situação continue. A razão fundamental da interpelação que o PS fará nesta Assembleia logo no início dos trabalhos é a de permitir ao Sr. Primeiro-Ministro que venha aqui confessar com humildade a sua derrota e ao mesmo tempo apontar os novos caminhos de que o País necessita.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Ouvimos com atenção o Sr. Deputado João Cravinho, que, aliás, em termos de actividade económica do nosso país teve, em algumas coisas, interferências e actuações extremamente positivas e, em outras, nomeadamente quando desempenhou funções governativas, teve actuações negativas. Ainda hoje estamos a pagar a factura dessas actuações negativas em termos do sector empresarial do Estado e de muitas das empresas que nessa altura foram nacionalizadas. Enfim, o Sr. Deputado sabe os resultados que daí advieram.
Parece que o Sr. Deputado João Cravinho está contente, pelo menos mostra-se satisfeito, pelo facto de a inflação não estar a demonstrar os índices de que todos nós, em boa verdade, gostaríamos. O nosso desejo é o de, rapidamente, fazermos com que a inflação em Portugal não seja, como é, um elemento de anti-solidariedade social.
Neste momento falamos em termos de inflação e critica-se muitas vezes o Governo por causa de um desnível, digamos, de 1% ou de 1,57o.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - 50%!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado João Cravinho esquece-se de que não há muitos anos ainda a inflação em Portugal era superior em 300% àquela que existe neste momento.
O Sr. Deputado João Cravinho esquece-se que foi com os governos do PSD, do Prof. Cavaco Silva, que finalmente os trabalhadores passaram a ter acréscimos reais de salários e as famílias portuguesas acréscimos reais de rendimentos. Também os trabalhadores reformados foram finalmente contemplados a partir de 1985, embora com pensões baixas - todos nós sabemos serem baixas, mas há limitações de carácter financeiro para que elas possam, digamos, ser alteradas no sentido que gostaríamos que o fossem. Foi, pois, a partir deste governo que a situação das pensões de reforma, que estiveram praticamente congeladas durante governos de responsabilidade socialista, se inverteu, e, neste momento, não tanto como desejaríamos, mas não há dúvida de que as coisas têm melhorado.
O Sr. Deputado João Cravinho esquece-se também de uma outra coisa, fundamental para podermos implementar em Portugal um sistema mais justo e mais solidário. Não há dúvida de que em Portugal, neste momento, o desemprego é o mais baixo de sempre. Efectivamente, tem-se criado emprego e o desemprego tem diminuído. Os últimos dados disponíveis dizem isso claramente, e não é possível escamotear esta realidade.
O que ainda queria perguntar...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Refira-se à intervenção!

O Orador: - É sobre a intervenção, Sr. Deputado.
V. Ex.ª, Sr. Deputado João Cravinho, esqueceu-se de referir um ponto, que até foi o início da nossa discussão de abertura desta reunião da Comissão Permanente, que é a questão do ano agrícola, que, pelas mais diversas razões e nas mais diversas regiões do nosso país, provocou, em termos de agricultura, e naturalmente em termos de preços agrícolas, uma situação perfeitamente anormal que não era possível prever, ainda que fossemos bruxos.
Portanto, em conclusão, pergunto: não pensa que este ano agrícola e todas as catástrofes que o atingiram, mais ou menos por todo o país, têm a ver, muito directamente, com a questão de não poderem ter sido cumpridos os objectivos da inflação até este momento?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - O São Pedro!...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado Joaquim Marques, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe as boas e menos boas palavras sobre o que se passou em 1974 e 1975. Como é óbvio, não vou responder-lhe agora, não porque queira fugir à resposta, porque isso tem resposta fácil, até demasiado fácil, mas porque, simplesmente, não é esta a ocasião. O debate é sobre a inflação e não sobre isso, portanto não vale a pena desviar a conversa.
Sobre as matérias em causa, acho muito estranho que até há um mês, diria mesmo até há dois ou três dias, o Sr. Ministro das Finanças não falasse em conjuntura internacional. Como sabe, os preços do petróleo baixaram 50% - repito, 50%! -, fazendo com que o peso da sua importação na balança comercial passasse de qualquer coisa como vinte e tal por cento para qualquer coisa, em números dígitos, como 7% ou 8%.O Sr. Ministro dizia que isso não tinha importância alguma, assim como as matérias-primas baixarem 40% também não tinha para ele importância alguma! - «O génio cá está seguro, sou eu que conduzo isto! Era

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o que faltava virem cá os estrangeiros fazer baixar a inflação! O dólar?! Isso não tem qualquer importância; tem alguma influência, mas não é nada disso!...» Agora as matérias-primas sobem 2, 3 ou 4 pontos, os cereais ameaçam subir...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É o bastante! É psicológico!

O Orador: - O Sr. Ministro das Finanças já diz: «Vejam lá em que situação isto está; são os custos externos!»
Ora bem, vamos pôr os pontos nos is.
A primeira coisa a fazer é ler com cuidado o último editorial do Expresso, que diz ao Sr. Ministro das Finanças que assim é o descrédito total, assim é que não, o melhor é ir para a rua - é o que está escrito no Expresso; é ler com cuidado o editorial do Comércio do Porto que diz: «Cadilhe mau negócio»; é ler com cuidado o Diário de Noticias.
A segunda coisa a fazer é ouvir as pessoas na rua, ir às praças e ver como os preços sobem todos os dias e deixar-se destas demagogias. Isto porque o que vem aqui dizer-se faz lembrar aqueles bons automobilistas que vão a subir a serra da Estrela, em que o carro, coitado, fumega, esbraveja, vê-se aflitíssimo para lá chegar ao alto, a uma velocidade de 10 km/hora, e quando chegam ao alto da serra e começam a descer dizem: «Vejam lá como isto agora vai bem.»
Ora toda a gente sabe que o Sr. Prof. Cavaco Silva é um excelente automobilista, mas a descer, mas assim não vale!
A realidade é esta: estamos perante uma situação que levou o Governo, repetidamente, a enganar o País. Não o quis enganar - dir-se-á -, enganou-se a si próprio. Admito. Isto é um governo de enganados. É um governo que se auto-enganou, que se quis, digamos assim, genial e que afinal de contas não tinha política económica nenhuma. Acabou-se a muleta, catrapus, chão! ... Mas nós, que vemos isso, queremos é a correcção, e é disso que estamos a falar.
Diz o Sr. Deputado que é difícil aumentar as reformas. Nós sabemos isso. Diz que o País tem deficiências estruturais. Foi o que sempre dissemos. Diz que a conjuntura internacional pesa neste país. Foi também o que sempre dissemos.
Nessa altura os senhores diziam que não.

Vozes do PSD: - Oh, Sr. Deputado!

O Orador: - Reporto-me às afirmações do Governo.
É evidente que não confundo os Srs. Deputados do PSD com o Governo senão na ideia de que no final são obrigados a concordar com ele.
Tudo isto dito, a questão é esta, e é isto que fica para o futuro: o Conselho Permanente de Concertação Social está a afundar-se; a arrogância do Sr. Ministro das Finanças faz com que já não seja aí aceite, que não tenha credibilidade, pois é o Sr. Primeiro-Ministro que agora tem de lá ir. É o Sr. Primeiro-Ministro que é o presidente do Conselho Permanente de Concertação Social, e tem de pô-lo a funcionar antes de 15 de Outubro, porque se não o fizer o projecto de Orçamento do Estado que nos vem aqui apresentar vale o mesmo que as promessas anteriores.
O Governo tem cometido sistematicamente erros de 50% a 100% e agora com a inflação, porque toca o bolso, as pessoas percebem. No entanto, posso dar-lhe uma série de indicadores fundamentais, desde a procura interna, desde o consumo, desde o investimento até ao défice externo, em nenhum dos quais o Governo acertou. Em todos estes indicadores o Governo tem erros de, pelo menos, 50%. As pessoas não repararam porque isso é macro- economia, mas quando chega à inflação já reparam.
Pergunto: pensa que o Governo vai continuar a lidar com este problema como até aqui? Ou vai mudar? Se vai mudar, como? Tem de mudar radicalmente.
Esta Assembleia não é também, digamos, chamada para tomar conhecimento da mudança que o Governo deve imprimir à política económica? Os erros que o Governo cometeu, sistematicamente, nesta matéria devem ser esquecidos, devem ser levados à conta das catástrofes?
Para terminar, a pior das catástrofes é a arrogância e, talvez pior do que isso, é a vaidade.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sei, Sr. Deputado.

O Orador: - Não é a minha vaidade, é a vaidade perante o povo português, como poderá compreender. E quanto a vaidade peço meças para baixo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tinha preparado uma intervenção sobre uma questão já aqui levantada, que se prende com a situação de catástrofe que a agricultura viveu este ano e, naturalmente, com as promessas que foram feitas pelo Governo de intervenção imediata, que, aliás, ainda estão por obter resposta prática naquilo que de facto nos preocupa a todos e não só aos agricultores.
A intervenção acabada de produzir pelo Sr. Joaquim Marques vem trazer ainda mais preocupação à minha intervenção, porque se o Governo está consciente -e penso que sim- de que a agricultura teve alguma influência naquilo que está a acontecer em termos de inflação, então menos explicação encontro para o facto de ele estar há meses sem responder concretamente a uma questão que o devia preocupar e que preocupa todos os agricultores.
A adversidade das condições climatéricas que foram registadas há alguns meses originaram elevados prejuízos à generalidade dos agricultores portugueses. O facto suscitou na altura fundadas preocupações e apreensões, tendo o Governo garantido o indispensável apoio financeiro susceptível de minorar prejuízos que em algumas culturas atingiram substancial expressão.
Esse apoio financeiro então anunciado pelo Governo consistiria, no essencial, na abertura de linhas de crédito com juros bonificados. Logo nessa ocasião tivemos oportunidade de manifestar a nossa discordância em relação a esta medida, não apenas por não ter havido a preocupação de diferenciar apoios por destinatários preferenciais em função dos critérios que ponderassem a relação culturas/regiões mais fustigadas pela intempérie, mas também porque se nos afigurou que a gravidade da situação justificava, em alguns casos, o recurso à concessão de subsídios a fundo perdido.

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É do conhecimento de todos que a agricultura é uma actividade que, ao contrário do que sucede com a generalidade dos outros sectores produtivos, se encontra fortemente condicionada por factores exógenos incontroláveis.
Surgiu esta situação num ano em que o Governo entendeu submeter os agricultores a uma disciplina fiscal rigorosa e gravosa, não só reactivando a aplicação do imposto sobre a indústria agrícola, como também passando a sujeitar as máquinas e alfaias agrícolas à incidência do IVA, apesar de não desconhecer que esta medida prejudica essencialmente os agricultores de menores recursos económicos e, naturalmente, sem contabilidade.
Pena é que as alegadas preocupações da generalidade e equidade na aplicação da lei fiscal não encontrem resposta apropriada em medidas compensatórias impostas pela natureza, perfil e vulnerabilidade do estrato empresarial do sector agrícola, mormente quando ocorrem calamidades imprevisíveis, com impactes altamente nefastos nos rendimentos dos agricultores.
Vai sendo tempo de o Governo demonstrar, por acções concretas, que a aplicação do ordenamento jurídico interno de disposições e procedimentos vigentes no direito comunitário não se circunscreve apenas aos aspectos que se inserem nos objectivos e interesses governamentais, abrangendo, concomitantemente, medidas de defesa e salvaguarda dos interesses e aspirações dos estratos sociais e categorias económicas empenhados na modernização e desenvolvimento do nosso país.
O Governo parece, assim, não ter ainda entendido que o nosso futuro depende, em grande parte, da evolução da nossa agricultura. Como quer que seja, o certo é que os apoios financeiros têm sido várias vezes comunicados e anunciados ao País, e hoje mesmo ainda os agricultores não sabem o que fazer, como fazer, quando e com quem fazer, para utilizarem as linhas de crédito colocadas à sua disposição.
Este inaceitável atraso torna-se particularmente grave numa altura em que se faz a ultimação do novo ano agrícola, pois as primeiras sementeiras estão à porta, estão a ser preparadas.
Mas, e para terminar, Sr. Presidente, como «enquanto há vida há esperança», pode ainda o Governo recuperar grande parte do tempo perdido, desbloqueando rapidamente a situação e, acima de tudo, definindo mecanismos simples e operacionais de acesso dos agricultores às linhas de crédito, acabando de vez com os habituais esquemas burocráticos que tantas dificuldades e problemas criam aos nossos agricultores, na sua grande maioria de recursos débeis.
Nesta linha, e aproveito esta minha intervenção para não voltar a pedir a palavra, quero dizer que também nós, PRD, apoiamos a iniciativa há pouco expressa pelo Partido Comunista, fazendo votos de que, na eventualidade de haver uma reunião, se consigam encontrar propostas concretas a fazer ao Governo e, nesse caso, que este não faça delas «ouvidos de mercador», como tem feito com outras propostas de iniciativa da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos dias, concretamente nas últimas semanas, vieram a público algumas informações de que se estariam a efectuar obras no projectado espaço para alargamento do Campo de Tiro de Alcochete.
Tivemos o cuidado de obter prova inequívoca de que, de facto, essas obras estão em realização. Foram consumadas as expropriações previstas e está em construção uma torre de seis andares que orçará cerca de 50 mil contos, segundo cálculos de especialistas.
A questão, pois, que hoje aqui vimos levantar tem uma natureza mais vasta do que aquela que se prende simplesmente com a protecção da Reserva Natural do Estuário do Tejo. O que está aqui em causa é a honorabilidade do Estado, a credibilidade dos actos da Administração.
Os Srs. Deputados estarão certamente recordados que, por despacho conjunto de 21 de Abril de 1988, do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, da Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais e do Ministério da Defesa Nacional, foram dadas garantias às autarquias, concretamente às do Montijo, de Benavente e de Alcochete, às populações da zona e a todos os grupos e associações - e foram muitos - que se empenharam e opuseram ao alargamento do Campo de Tiro de que nada se faria sem estar concluído um estudo de impacte ambiental a realizar por uma comissão que teve um prazo para constituição e apresentação do referido estudo e que, por razões que não cabe agora aqui enunciar, apenas ficou constituída e tomou posse já depois de expirado o prazo para apresentação desse estudo.
Em nosso entender, aquilo que se passa é grave e, tal como disse, há provas de que as obras estão em curso. Além disso, é ainda grave porque não aceitamos que o Estado seja posto em causa desta forma, como pessoa de boa fé que deve ser, e porque entendemos que a opinião pública deve ter por boas as promessas da Administração, neste caso do Governo, e que tem direito a saber os porquês destas questões, e até porque já houve uma posição, assumida por unanimidade, das três autarquias referidas exigindo que os órgãos de soberania tomem posição e assumam esses compromissos. Não devemos ignorar que este assunto foi aqui tema de diversos debates, e entendemos, pois, que é nosso dever sermos esclarecidos em primeira mão e assumirmos a posição que entendermos por boa, numa segunda fase.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes vai entregar na Mesa um projecto de deliberação, a fim de que a Comissão Permanente solicite a vinda do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais a uma das próximas reuniões desta Comissão para prestar os esclarecimentos que nós, deputados, entendermos por bem colocar-lhes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, restam quatro minutos para terminar o período de antes da ordem do dia. De seguida, irá usar da palavra o Sr. Deputado Carlos Brito e, depois, apreciaremos o voto de pesar apresentado.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na anterior reunião da Comissão Permanente, na sequência de uma intervenção da minha camarada lida Figueiredo, o Grupo Parlamentar do PCP propôs que se convidasse o Sr. Ministro das Finanças a vir a uma reunião desta Comissão, a fim de prestar esclarecimentos acerca da política governamental de rendimentos e preços.
Como sabem, depois de várias peripécias, o Grupo Parlamentar do PSD acabou por inviabilizar essa proposta de vinda do Sr. Ministro das Finanças à Comissão Permanente votando contra.
Queremos reafirmar, com toda a clareza, a nossa discordância relativamente aos pretensos fundamentos regimentais que o PSD então invocou. A primeira alínea do elenco regimental das competências da Comissão Permanente diz: «[...] acompanhar a actividade do Governo e da Administração.» Esperamos que da parte do Grupo Parlamentar do PSD não haja a convicção de que «acompanhar» representa ler nos jornais ou ver na televisão as reportagens sobre as visitas dos Srs. Ministros, ou lermos todos aqui, em coro, o Diário da República. Que hão haja a convicção de que isso é que é acompanhar a actividade do Governo.

Risos do PSD.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Está muito pedagogo!

O Orador: - Srs. Deputados, acresce também que o próprio regimento da Comissão Permanente prevê expressamente o uso da palavra por membros do Governo. Por isso, a minha pergunta consiste em saber como é que os membros do Governo podem usar da palavra se a maioria não permite que eles venham à Comissão Permanente.
Mas as razões são outras, são de natureza política e comportam, quanto a mim, três aspectos essenciais. Primeiro, no seguimento do que aconteceu na anterior sessão legislativa e nas próprias alterações impostas ao Regimento, o Governo e o PSD procuram barrar toda a acção fiscalizadora da Assembleia da República.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não é isso!

O Orador: - O segundo aspecto relaciona-se com a ânsia que o Sr. Ministro das Finanças tem de falar, que se manifesta de tantas maneiras e que desaparece quando se coloca a possibilidade de ele vir à Assembleia da República. Isto é, o Sr. Ministro gosta muito de falar, mas não gosta nada de ser contestado.
Em terceiro lugar, o Governo, que se permite ironizar com a ideia de que não existe oposição, mete-se em casa, mete a cabeça nos cobertores logo que da parte da oposição se manifesta qualquer intenção de o chamar a contas ou de procurar fiscalizar a sua acção.
O Grupo Parlamentar do PCP não desiste do propósito de ver aqui nesta Assembleia, e a curto prazo, o Sr. Ministro das Finanças. Nesse sentido, o PCP vai apresentar na Mesa uma proposta de convocação urgente ...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): -Outra vez?!

O Orador: - ... do Plenário, para a realização de uma sessão de perguntas ao Governo, que, da parte do PCP, será centrada na questão da política de rendimentos e preços.
Srs. Deputados, esta é uma questão muito séria! Os Srs. Deputados não o sentem - como já foi aqui hoje bem explicado pelo Sr. Deputado João Cravinho -, o Governo não o sente, pelas razões que sabemos ..., enfim, pelos aumentos com que se contemplou, mas é uma questão muito séria, porque diz respeito à possibilidade de se considerar a reposição do poder de compra dos trabalhadores, do poder de compra de uma grande parte da população portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para finalizar o período de antes da ordem do dia, vai ser lido um voto de pesar pelo falecimento do Professor José Pinto Correia, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

É o seguinte:

Voto de pesar

O falecimento do Professor José Pinto Correia, vice-reitor da Universidade Católica de Lisboa e catedrático da Faculdade de Medicina, veio privar o País de uma figura de cidadão e de cientista de grande envergadura, de prestígio consagrado nacional e internacionalmente.
Enquanto presidente do conselho científico da Faculdade de Medicina da Universidade Clássica de Lisboa imprimiu-lhe um novo ritmo e uma destacada renovação.
O serviço de gastrenterologia do Hospital de Santa Maria, que durante tantos anos dirigiu com dedicação ímpar e notável qualidade científica, é hoje um modelo de como é possível - nas condições conhecidas - organizar e manter um serviço médico moderno nas diversas valências da assistência, do ensino e da investigação.
O Professor Pinto Correia esteve sempre activo em todos os sectores da vida nacional e a sua participação como cientista, médico, homem de cultura e de acção teve sempre a assiná-la o brilho e o entusiasmo dos que acreditam no progresso e na justiça.
A Assembleia da República, prestando homenagem à memória do Professor Pinto Correia, manifesta o seu mais sentido e profundo pesar pelo seu falecimento, expressando à sua família e à Universidade Clássica de Lisboa sinceros votos de condolências.

Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar agora no período da ordem do dia, cujo primeiro ponto consiste na apreciação dos projectos de deliberação n.º 20 (PS), 21 (PCP) e 22 (PSD) sobre o incêndio no Chiado.

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Estão inscritos os Sr s. Deputados Mendes Bota e Eduardo Pereira. Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos que o dia 25 de Agosto de 1988 constituiu, sem sombra de dúvidas, uma das páginas mais negras da história de Lisboa.
E se nos curvamos perante as vítimas da tragédia do Chiado, a dor moral e material de quantos lá residiam ou habitavam e a grave machadada perpetrada no local que já fazia parte integrante do património cultural e arquitectónico da capital, não podemos deixar de expressar a nossa admiração pela eficácia com que múltiplas entidades e pessoas combateram o sinistro, com justo destaque para os bombeiros, evitando a sua propagação e o perigo de uma tragédia de dimensões muito mais catastróficas.
É fácil, depois da casa arrombada, pôr-lhe as trancas à porta.
É fácil empolar o aspecto dramático deste tipo de situações que mexem na sensibilidade de todos nós, tendo em vista arranjar bodes expiatórios de uma culpa que tem de assumir-se como colectiva, como o terá de ser a reparação dos prejuízos, das lacunas, das imprudências, dos desleixes e do «deixa andar».
Para o PSD, todavia, afigura-se justo reconhecer que, no essencial, foram tomadas as medidas de urgência adequadas, em cima da tragédia, e as medidas preventivas possíveis, do seu rescaldo para cá, por parte das entidades com competência para tal, com natural relevância para as medidas tomadas pelo Governo e pela Câmara Municipal de Lisboa.
O Governo, porque determinou de imediato assegurar uma compensação eventual de emergência, que permite aos trabalhadores impossibilitados de trabalhar receber as remunerações devidas, bem como os subsídios de férias e de Natal, e a manutenção de todos os benefícios sociais.
O Governo, porque logo a 8 de Setembro criou o FEARC - Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado, pelo prazo de cinco anos, desde já dotado com 5 milhões de contos provenientes do Orçamento do Estado, tendo em vista a concessão de auxílios financeiros às obras de reconstrução e de recuperação das actividades económicas.
O Governo, porque, reconhecendo embora as insuficiências do Decreto-Lei n.º 239/86, que define as normas de segurança contra riscos de incêndio a aplicar em estabelecimentos comerciais, determinou ao Serviço Nacional de Bombeiros a apresentação, até ao final do corrente mês, de um projecto de alterações ao citado diploma, contendo as correcções que a experiência já demonstrou aconselháveis.
Por seu turno, a Câmara Municipal de Lisboa actuou com a prontidão que a situação requeria, criando um gabinete de emergência e respectivos grupos de trabalho para dar andamento a todos os trabalhos decorrentes do sinistro, solicitando ao Governo uma série de medidas que este, de imediato, tomou, realojando condignamente as cerca de dezena e meia de famílias desalojadas, adjudicando a execução de um plano geral da zona a reconstruir, programando e iniciando uma série de trabalhos de remoção de escombros e demolições, após vistoria exaustiva a todos os prédios, e reunindo com representantes de todos os interessados na zona, desde os trabalhadores, aos empresários, aos comerciantes, aos residentes, passando por múltiplos organismos cuja colaboração foi julgada útil.
É claro que alguns problemas subsistem, e o principal deles é, sem dúvida, de natureza jurídica e prende-se com a caducidade dos contratos de locação, por força da perda da coisa locada, nos termos da alínea e) do artigo 1051.º do Código Civil.
Não é uma questão fácil, e em vez de propor desde já a adopção de legislação especial, a Câmara Municipal de Lisboa está empenhada em conseguir, com serenidade, um acordo que conjugue os interesses de todas as partes envolvidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD concorda, pois, plenamente, que a Assembleia da República não deve alienar as suas responsabilidades e competências nesta matéria nem descurar o acompanhamento e atenção que todo este processo justifica merecer, devendo accionar, de imediato, a Comissão especializada de Administração do Território, Poder Local e Ambiente.
Mas que fique bastante claro que o PSD não sanciona nem sancionará actos de pirotecnia política por parte de quem queira aquecer os seus interesses particulares nas chamas do Chiado, ou tirar dividendos, sejam de que natureza forem, à custa da desgraça alheia.
Não encontramos necessidade de se criar mais uma comissão, chame-se ela mista ou eventual.
No essencial, a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente abarca plenamente um objectivo de acompanhamento da situação e de pro-positura das medidas legislativas julgadas adequadas.
E os partidos nela representados podem, a todo o tempo, proporcionar o contributo de deputados mais identificados com outras vertentes da reconstrução do Chiado, nomeadamente nos seus aspectos culturais, comerciais, laborais e jurídicos.
É por isso, e porque estamos conscientes do papel que pode vir a ser desempenhado pela Assembleia da República no encontrar de saídas para a tragédia do Chiado, sem intromissões extemporâneas na esfera de acção de outros órgãos mas com espírito positivo, de colaboração e de solidariedade, que o PSD propõe a esta Comissão Permanente autorize o funcionamento da comissão atrás referida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente (Maia Nunes Almeida): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O Sr. Deputado Mendes Bota, pelo que pude perceber da sua intervenção, aceita, de alguma forma, que tanto o Governo como a Câmara Municipal de Lisboa terão andado todos estes anos a juntar lenha para este incêndio, quer por actos, quer por omissões, mas, enfim, são desculpados pelo facto de terem posto a devida «tranca depois da casa roubada».
Quando o Sr. Deputado refere que não gostaria de ver exercícios de pirotecnia política, lembro-lhe que a

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mediocridade do imperador Nero só foi um pouco esbatida pelo facto de ele ter chegado fogo a Roma e ter deixado que ela ardesse.
É natural que - e faço aqui uma comparação - este incêndio do Chiado, para além de todas as repercussões e de todos os lamentos, venha a ter como consequência principal a ascensão de várias personalidades - quais estrelas - na cena política portuguesa e não tanto a consequência que, em nosso entender, devia ter, ou seja, o aproveitamento de uma lamentável catástrofe com o sentido de provarmos que somos um país capaz de enfrentar as catástrofes, já que não somos capazes de as prevenir.
Depois destes brevíssimos comentários, pergunto-lhe: o Sr. Deputado considera que é esta a comissão indicada para o acompanhamento desta questão?
O Sr. Deputado sabe, pelo menos tão bem como eu, que a questão do incêndio no Chiado não é apenas uma questão de construção, de paisagem urbana, não é uma questão laborai ou cultural, é muito mais do que isso e é tudo isto ao mesmo tempo.
Em meu entender, embora a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente esteja vocacionada para «agarrar» determinadas áreas que se prendem com esta problemática, a sua composição implica que as possa «agarrar» com qualidade a todas ao mesmo tempo e que exerça um trabalho coordenado no sentido de o acompanhamento ser bem feito.
O que lhe pergunto é se, de facto, não entende que, ainda que reconheçamos todos que há já demasiadas comissões eventuais, a dimensão da tragédia e a grandiosidade da solução que temos de encontrar não justificam a constituição de uma comissão mista.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente (Vítor Crespo): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, começo por registar a última parte do seu pedido de esclarecimento, quando disse que reconhece (aliás, todos nós reconhecemos) que existem já demasiadas comissões eventuais. Pêlos vistos, pessoas que se sentam nas bancadas desse lado assim não pensam, uma vez que continuam com ideias de propor sempre comissões eventuais, comissões mistas ou chame-se o que se quiser, a propósito de tudo e de nada!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - A última foi iniciada por V. Ex.ª! Convém não esquecer!

O Orador: - Quanto à comparação que fez entre o incêndio do Chiado e o de Roma incendiada por Nero, creio que foi um bocado infeliz e desfasada, uma vez que não precisamos de incêndios para esbater a mediocridade, porque temos consciência de que não existe mediocridade no governo do PSD e, em termos gerais, na Câmara Municipal de Lisboa ..., mas é uma questão de opiniões. Penso que não devemos brincar com este tipo de situações e ater-me-ei meramente a responder-lhe à questão da responsabilidade colectiva. Creio que este não é o momento adequado para tentar arranjar bodes expiatórios, porque somos todos responsáveis, incluindo os partidos da oposição, uma vez que também eles estão representados não só nesta Assembleia como na Câmara Municipal de Lisboa, e também eles, durante todos esses anos que o Sr. Deputado diz que andámos a recolher lenha para atear o fogo do Chiado, tiveram oportunidade de denunciar a falta de fiscalização, os vazios, os vácuos legislativos que existiam.
Creio, pois, que há toda uma responsabilidade colectiva e, mais do que incriminar este ou aquele, esta ou aquela instituição, colectivamente, teremos de dar o nosso contributo, e daí entendermos que a Assembleia tem também um papel nesse contributo colectivo de reconstrução do Chiado. No entanto, entendemos que não se deve criar uma comissão eventual ou uma comissão mista, porque a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, para além de estar directamente vocacionada para os problemas de segurança, para os que dizem respeito ao poder local e, de certa forma, para os problemas de dinamização de um certo «sindicato» de desenvolvimento social e económico para aquela zona, tem sempre a possibilidade de, através da substituição de deputados (que pode ser feita a qualquer momento), introduzir vertentes culturais, comerciais e estéticas necessárias para que não tenha uma visão meramente monolítica e estrita do poder local.
Pensamos que todos esses cérebros, que dão uma visão pluridisciplinar desta Assembleia, poderão dar o seu contributo na Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente.
Creio que respondi à sua questão e não gostaria de terminar sem antes chamar a sua atenção para o facto de os projectos de deliberação apresentados pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista não serem específicos e concretos acerca do quantitativo dos membros da comissão mista e da comissão eventual que propõem. Dá a sensação de que houve até uma certa precipitação e falta de reflexão nos diplomas que apresentaram, para já não falar de outros pontos que certamente poderemos abordar daqui a pouco, depois das intervenções.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Servindo-me, inclusivamente, da intervenção feita pelo Sr. Deputado Mendes Bota, chamo a vossa atenção para o facto de que não deve, ou não devia, estar fundamentalmente em causa para esta Assembleia a forma de remediar o que se passou no Chiado, mas, isso sim, devíamos estar mais preocupados com a forma de prevenir incêndios em novos «Chiados».
O problema do Chiado é grave, é dramático sob alguns aspectos, mas mais dramático e mais grave sob outros aspectos têm sido muitos dos incêndios que lavram neste país e para os quais não temos visto preocupação por parte daqueles que, falando em pirotecnia política, neste momento se dizem preocupados a propósito do Chiado e a um ano de eleições para a Câmara Municipal de Lisboa.
Parece-nos que o papel desta Assembleia devia ser, fundamentalmente, o de se reunir e pensar como pode ajudar as autarquias, sem se intrometer no campo do Governo ou no das autarquias.

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Para remediar, daremos um contributo, que é importante, aquando do Orçamento de Estado, ao prevenir que sejam dadas as verbas adequadas para se dar toda a satisfação ao que há que fazer. Tudo aquilo que o Sr. Deputado Mendes Bota enunciou, aconselhou e julga ser do interesse comum não tem a mais pequena importância para prevenir que um incêndio no Bairro da Sé, no Porto, na Mouraria ou em Alfama, em Lisboa, ou em qualquer centro histórico, tal como o de Évora, para citar alguns, e de muitas cidades portuguesas, se volte a dar. Pensamos que o nosso projecto de deliberação é adequado nesse sentido, é um diploma que pretende contemplar o geral, mas, simultaneamente, e enquanto esta Assembleia está a pensar no quadro legislativo mais adequado, aproveita um contacto e um diálogo com as várias autarquias do País, e não só com a de Lisboa, pois creio que o incêndio do Chiado pôs trezentos e tal presidentes de câmaras do nosso país a pensar nesta situação. Todos eles têm as suas ideias para resolver problemas dos seus municípios, pelo que os devemos ouvir. Penso que os problemas do Chiado aparecerão meio resolvidos se tentarmos caminhar para o quadro geral de prevenção de situações deste tipo.
Estamos de acordo com as observações do Sr. Deputado Mendes Bota de que não indicámos os membros da comissão e de que não percebia bem por que falámos numa comissão mista. Nós, Grupo Parlamentar do PS, estamos na disposição de rever esse ponto. Não nos preocupa que, em vez de sair daqui a nomeação de uma comissão, possamos remeter para a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente o essencial desta questão, recomendando a essa Comissão que, conjuntamente com outras, funcione na elaboração do quadro necessário, e assim já não teríamos de indicar o número de membros da comissão por nós proposta. A Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente -que, perante o Plenário, seria a primeira responsável pela situação- e os presidentes das outras comissões dariam corpo àquilo que solicitamos. Se nos ficarmos pela proposta simplista de acompanhamento da situação do Chiado, parece-nos que perdemos a oportunidade de, perante o que se passou e com o conhecimento fresco do que se passou, podermos raciocinar num campo mais alargado, e seria interessante que o fizéssemos.
Não aceitamos o que o PSD propõe, ou seja, que seja a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente a fazer o puro acompanhamento da situação do Chiado e apenas durante o período em que o Plenário não reúne. Esse é um convite a que nada se faça até 15 de Outubro, porque a seguir a essa data não se saberia como continuar ...

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Não é isso!

O Orador: - Peço desculpa, mas é o que está escrito na vossa proposta.
Portanto, isso nós não compreendemos. Pensamos que a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente não pode ter como objecto único aquilo que os senhores indicam, que é o puro acompanhamento do que o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa estão a fazer, mas, sim, preparar o quadro legislativo que, de um ponto de vista geral, previna situações em aglomerados urbanos e, fundamentalmente, em centros históricos.
Pedimos aos grupos parlamentares que colaborem connosco, e para isso solicito ao Sr. Presidente da Assembleia da República uma interrupção da sessão por dez ou quinze minutos, a fim de, conjuntamente, podermos - visto que não é de pirotécnica política nem de demagogia que se trata - elaborar um projecto de deliberação que contemple a comissão que o PSD indica e que nos parece razoável como começo, a posição quer do PCP quer a nossa em relação ao contributo por parte das outras comissões e, para além do acompanhamento da situação do Chiado, um estudo do quadro geral para prevenir situações deste tipo.
Penso que os grupos parlamentares rapidamente se podem pôr de acordo quanto a uma proposta deste tipo e que todos ganharíamos com isso. Esta proposta não é de sobreposição às autarquias nem à acção do Governo, é todo um outro quadro, fundamentalmente legislativo e orçamental, que vos propúnhamos que adoptassem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - O Sr. Deputado Eduardo Pereira aflorou quatro ou cinco questões que me merecem alguns comentários.
Em primeiro lugar, a nossa intenção não é, de maneira alguma, a de circunscrever o trabalho da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente apenas ao período em que não funcione o Plenário da Assembleia da República. Pelo contrário, a partir do momento em que se entrar na nova sessão legislativa essa Comissão continua com poderes e autonomia para ela própria dar sequência a esse trabalho.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - É o n. º 5 do vosso projecto que o diz. Não fui eu quem o escrevi!

O Orador: - Exacto, exacto! Mas isso é atendendo à circunstância em que nos encontramos neste momento.
Em segundo lugar, queremos deixar muito claro que discordamos de algumas afirmações contidas no projecto de deliberação do Partido Socialista, mas no essencial, estamos de acordo quanto aos objectivos da comissão que os senhores propõem e não nos repugna aceitar esses objectivos. O que não podemos é aceitar que no corpo introdutório do vosso projecto de deliberação os senhores digam que o incêndio do Chiado veio pôr em causa a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Protecção Civil, porque, em nosso entender, isso é uma grave injustiça em relação à forma como os serviços, nomeadamente os bombeiros, abnegada e eficazmente combateram o sinistro, conseguindo evitar uma catástrofe de maiores proporções. Pensamos que isso é uma injustiça.
Em terceiro lugar, os senhores propõem 90 dias de trabalho. Estamos de acordo que seja feito um levantamento da situação, um estudo do quadro legislativo em vigor, propostas e sugestões. Já não acreditamos que 90 dias dêem para reunir com todas as autarquias,

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e não vamos fazer uma discriminação chamando apenas as maiores, porque amanhã poderemos ter autarquias que, com centros históricos bastante importantes e com uma pequena dimensão populacional, venham a ser vítimas desse sinistro. Devemos, pois, prever que há muito mais tempo de trabalho, pelo que 90 dias é curto.
Estava a pensar fazer um comentário em relação à sua afirmação sobre a pirotécnica política, mas abstenho-me de o fazer, porque estamos, de facto, interessados em encontrar uma solução. Estamos dispostos a, conjuntamente, tentar encontrar um texto comum que, no essencial, contemple o objectivo, que é arranjar a participação construtiva desta Assembleia no que toca à reconstrução do Chiado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Deputado Mendes Bota, duas pequenas observações.
Em primeiro lugar, gostaria de lhe dizer que não é o facto de pedirmos 90 dias que vai causar qualquer problema, pois o tempo será o que for necessário. As autarquias tanto podem ser ouvidas individualmente como através da Associação Nacional de Municípios, que rapidamente as ouve e dialoga connosco. Mas não quero pôr qualquer entrave a uma proposta comum que leve esta Assembleia a legislar adequadamente nesta matéria.
Sr. Deputado, longe de mim a ideia de criticar os bombeiros, não fiz crítica alguma. O Sr. Deputado confunde bombeiros com Serviço Nacional de Protecção Civil. Ora o Serviço Nacional de Protecção Civil é uma coisa, os bombeiros são outra.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Estão ligados!

O Orador: - Os bombeiros, como entidade actuante de combate ao incêndio, actuaram bem, quer dizer, também eles começaram a remediar. O Serviço Nacional de Protecção Civil, melhor dito, a falta de meios do Serviço Nacional de Protecção Civil, que é para remediar, foi, na verdade, posta em causa. O que será neste país um possível terramoto ou um cataclismo? Quem já teve responsabilidades de governo nesta área sabe perfeitamente que seria um pandemónio! Não se trata, pois, de acusação aos serviços, mas de dizer que, desde sempre, eles têm estado mal dotados. Mas a Assembleia tem agora a possibilidade de se debruçar sobre isso e tentar corrigir.

O Sr. Presidente: - Está inscrito para intervir o Sr. Deputado Carlos Brito.
Como temos também de votar um relatório da subcomissão da Comissão Permanente, aconselhava que algumas das pessoas interessadas pudessem começar a conversar sobre o assunto em discussão para podermos apressar os nossos trabalhos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, vou intervir muito rapidamente e, em primeiro lugar, para dizer que já expusemos largamente o nosso ponto de vista sobre o incêndio trágico do Chiado e também sobre o conjunto de medidas que entendemos estarem no âmbito da competência da Assembleia da República e cuja urgência é evidente.
Não queremos polemizar; em todo o caso, não podemos deixar de dizer que o PSD foi lento em definir o que entendia sobre qual o papel que a Assembleia da República deverá desempenhar nesta matéria.
Temos a consciência perfeitamente tranquila de que não poderemos ser acusados de ter tido qualquer egoísmo político ou de adiantar medidas. Pelo contrário, na conferência de líderes e na própria Comissão Permanente temos procurado que se adoptem medidas em conjunto e, por isso, desde já damos todo o apoio à sugestão feita pelo Sr. Deputado Eduardo Pereira e agora acolhida pelo PSD. No entanto, parece-nos ainda que o texto proposto pelo PSD é excessivamente magro.
Admitimos perfeitamente que seja cometida à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente a máxima competência nesta matéria e que essa Comissão possa depois pedir o concurso de outras comissões especializadas, conforme as questões. Admitimos isso perfeitamente, aliás, nas nossas iniciativas sempre citámos em primeiro lugar essa Comissão como a primeira a ter responsabilidades neste campo.
Entendemos, no entanto, que se deverá definir melhor o conjunto das competências que lhe atribuirmos. E porquê? Creio que o instrumento que aprovarmos na Comissão Permanente vale por si, é um instrumento político que vai ser conhecido do País e não ficaria bem à Assembleia da República, não seria dignificante para esta Assembleia um texto demasiado magro, em que não se compreenda bem o conjunto de medidas que a mesma entende dever tomar à partida, ao definir as competências que nesta matéria atribui a uma sua comissão.
A minha intervenção é neste sentido e para corroborar as propostas que já foram feitas e o esforço para chegarmos a um texto em que sejam contempladas, quer as questões que estão no projecto de deliberação do PS, quer as questões que estão no nosso projecto de deliberação, visto que umas e outras são questões completamente diferenciadas: as do PS chamam mais a atenção para as questões de segurança no seu conjunto, enquanto as nossas chamam a atenção para algumas questões muito concretas e que o próprio PSD, pela boca do Sr. Deputado Correia Afonso, na última reunião da Comissão Permanente já considerou oportunas e, na verdade, carecendo de medidas por parte da Assembleia da República.
É esta a nossa proposta; quanto ao resto estamos de acordo e creio que é proveitoso termos chegado a este ponto, e não porque da nossa parte ou da parte de qualquer partido da oposição tivesse havido uma tentativa de puxar em seu benefício os frutos deste conjunto de iniciativas, mas porque houve a paciência para esperar que o PSD - e isso não poderia deixar de sublinhar - compreendesse que a Assembleia da República tem de tomar medidas e que o próprio PSD foi desafiado a dar o seu consenso para a procura dessas medidas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa pequena intervenção relativa-

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mente à questão que estamos a abordar e na sequência da minha anterior intervenção, quero levantar aqui uma interrogação relativamente a uma afirmação do Sr. Deputado Mendes Bota quando refere que a culpa do que aconteceu é uma culpa colectiva.
Naturalmente que não queremos enjeitar, em termos políticos, a responsabilidade que, de uma forma indirecta, pode caber a todos os agentes políticos, mas pensamos que, apesar de tudo, as questões devem ser diferenciadas.
Levanta-se-nos aqui uma questão que é simultaneamente uma dúvida, e que deixo em termos de interrogação, que é a de saber se não existe -segundo informações que tenho, mas que não sei até que ponto são completamente verdade- há mais de dois anos, por exemplo, um regulamento ou proposta de regulamento de segurança dos centros urbanos elaborada pelo Conselho Superior de Obras Públicas e que aguarda aprovação.
É que, segundo parece, o regulamento, que foi feito pelo respectivo órgão competente e que há mais de dois anos aguarda a sua aprovação, poderia eventualmente ter ajudado ou, pelo menos, contribuído para minorar os efeitos desta catástrofe.
Isto é só para dizer que relativamente à culpa colectiva pomos uma interrogação, mas não enjeitamos a responsabilidade colectiva relativamente à prevenção de futuras situações e à responsabilidade que nos cabe em remediar situações deste tipo, incluindo, naturalmente, a reconstrução do Chiado.
Os projectos de deliberação do Partido Socialista, do Partido Comunista e do PSD, embora em aspectos subjacentes algo diferenciados, cingem-se aos efeitos da síndroma do incêndio do Chiado, traduzindo meramente a preocupação das trancas na porta depois da casa roubada.
Assim, dando o nosso inteiro acordo à constituição de uma comissão eventual, ou mista, ou outra, subscrevendo aqui a proposta feita pelo Sr. Deputado Eduardo Pereira relativamente a encontrarmos uma proposta de consenso relativamente a esta questão, tendo em vista os objectivos de segurança e defesa do património, consideramos que este último propósito não está explicitamente contemplado, ou pelo menos de uma forma tão evidente como nós gostaríamos, nos referidos projectos de deliberação, visto que apenas se limitam ao levantamento da situação dos centros históricos, às condições de segurança contra incêndios e catástrofes naturais, sendo, apesar de tudo, o projecto de deliberação do PSD, neste aspecto, o mais limitativo de todos.
O PRD pensa que a defesa do património, a par da garantia dos sistemas de segurança, compreende, por exemplo - e isto já foi até objecto de uma intervenção do PRD nesta Casa -, a vivificação dos centros históricos através da habitação e da instalação de actividades culturais, de modo a evitar que se tornem em campos arqueológicos, assim como a proibição de que espaços de convívio social, como os cafés, sejam transformados em instituições bancárias ou de seguros.
Considera-se, concludentemente, que as responsabilidades que cabem à Assembleia da República na fiscalização da salvaguarda do património histórico-cultural excedem a questão fundamental, mas não única, da segurança contra incêndios e outras catástrofes, abrangendo também a defesa e a animação do espírito das zonas históricas.
Neste sentido, o PRD votará favoravelmente o projecto de consenso que se conseguir, mesmo tendo subjacentes as limitações que encontramos em todos os projectos, fazendo votos para que pelo menos estas preocupações possam ser equacionadas pela comissão que conseguirmos encontrar, para que, a par das medidas legislativas e outras, este aspecto que sublinho relativamente a esta preocupação cultural possa eventualmente encontrar eco na comissão que for desenvolver este trabalho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em face do que se passou, sugeria que cada grupo parlamentar escolhesse um ou dois elementos, ou aqueles que entendesse, e que se juntassem na Sala D. Maria.
Entretanto, iríamos apreciar um relatório da subcomissão da Comissão Permanente e só depois veríamos se temos ou não necessidade de suspender os trabalhos por mais alguns momentos.

Pausa.

Pelo que vejo, a sugestão que fiz foi bem acolhida. Vai ser lido um relatório e parecer da subcomissão da Comissão Permanente.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer

Em reunião da Comissão Permanente realizada no dia 22 de Setembro de 1988, pelas 16 horas, foram observadas as seguintes substituições de Deputados:

1) Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

António Augusto Lacerda de Queirós (círculo eleitoral do Porto) por Adriano da Silva Pinto. Esta substituição é solicitada pelo Sr. Deputado Lacerda de Queirós, por ter tomado posse do lugar de deputado ao Parlamento Europeu, a partir do passado dia 16 de Setembro corrente, inclusive.

2) Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

José Rodrigues Vitoriano (círculo eleitoral de Setúbal) por Ana Paula da Silva Coelho. Esta substituição é pedida nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, a partir do próximo dia 23 de Setembro corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não elei-

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tos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

Pela Subcomissão da Comissão Permanente: (Assinaturas ilegíveis.)

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do relatório e parecer que acaba de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.

Srs. Deputados, de acordo com a sugestão apresentada anteriormente, vamos de seguida proceder à votação da proposta do PCP no sentido de a Comissão Permanente autorizar a convocação da Comissão de Agricultura e Pescas apresentada pelo Partido Comunista Português.
Penso que este assunto já foi largamente debatido. Em todo o caso, como há ainda três minutos, se algum Sr. Deputado se quiser inscrever ...
Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, uso da palavra para dizer que o Grupo Parlamentar do PCP, ao tomar esta iniciativa, não quer arvorar a bandeira nem quer tirar proveitos ou fazer aproveitamentos políticos da situação, porque ela é bastante grave para podermos fazer chicanas políticas nesse sentido.
É por essa razão que nos congratulamos com o facto de a Comissão de Agricultura e Pescas poder reunir, levando em conta a situação vivida.
Aproveito a ocasião para transmitir ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados que, como presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas, irei convocar - no caso de este projecto ser aprovado (tudo aponta para isso) - a referida Comissão para o próximo dia 29, pelas 10 horas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Costa.

O Sr. Soares Costa (PSD): - Sr. Presidente, é só para um esclarecimento em relação àquilo que o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro acabou de dizer: o entendimento que eu quis que fosse dado àquilo que afirmei há pouco é o de que a importância das calamidades a que tem estado sujeita a agricultura portuguesa não é exclusiva de nenhum grupo, é um problema nacional, e por isso nos associámos.
Suponho que o que o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro acabou de dizer talvez não tivesse já muita razão de ser se tivesse havido da sua parte a boa vontade de interpretar no bom sentido aquilo que eu tinha dito em intervenção anterior.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Deputado, talvez não me tenha feito entender. A minha posição é a de me congratular com o facto de não fazer chicana política e não, de maneira nenhuma, a de achincalhar a posição do Sr. Deputado, não foi essa a minha intenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entende-se a intervenção do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro como um esclarecimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a nossa posição é muito claramente esta: nós aceitamos que todos se juntem à nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, aproveito para dizer que relativamente a esta questão o Sr. Deputado Hermínio Martinho já teve oportunidade de se pronunciar no sentido de que apoiamos, naturalmente, esta proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar de seguida a proposta do PCP de convocação da Comissão de Agricultura e Pescas, após o que suspenderemos os nossos trabalhos por uns momentos.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.

Srs. Deputados, está suspensa a reunião por cinco minutos, enquanto aguardamos pelos Srs. Deputados que estão reunidos.

Eram 16 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 17 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, existe um texto conjunto apresentado por todos os grupos parlamentares que implica a preterição dos projectos de deliberação apresentados pelo PS, pelo PCP e pelo PSD e que está neste momento a ser fotocopiado para ser distribuído.
Se os Srs. Deputados dispensarem a sua leitura, procederemos de imediato à votação e posteriormente faremos a distribuição aos órgãos de comunicação social.

Pausa.

Como não há oposição, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.

É o seguinte:

Projecto de deliberação

O incêndio na zona do Chiado deve motivar todas as instituições e entidades, no sentido de uma

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eficaz cooperação, tendo em vista a resolução dos problemas de diversa ordem directa e indirectamente provocados pela calamidade.
A adopção das medidas necessárias para dar resposta adequada aos diversos e graves problemas levantados com o incêndio do Chiado implica, da parte das diferentes instituições e entidades, uma intensa cooperação e articulação de esforços, no âmbito das respectivas competências.
O recente incêndio na zona do Chiado colocou de forma dramática os problemas de segurança contra incêndios e outras catástrofes naturais nos grandes centros urbanos, em particular nas suas zonas históricas e, com eles, todas as questões relacionadas com a defesa e protecção do património.
No âmbito legislativo cabe à Assembleia da República uma especial responsabilidade, tornando-se urgente rever, actualizar e tornar eficazes os normativos legais necessários à implementação das medidas de prevenção e fiscalização que a defesa do património histórico e cultural e a segurança exigem.
Nestes termos, a Comissão Permanente delibera autorizar o funcionamento imediato da Comissão Parlamentar de Administração de Território, Poder Local e Ambiente, com os seguintes objectivos:

1) Acompanhar o levantamento da situação nos principais aglomerados urbanos do País, em particular nos respectivos centros históricos, no que respeita às condições de segurança contra incêndios e catástrofes naturais;
2) Proceder ao estudo do quadro legislativo com vista ao inventário das suas lacunas, nomeadamente no que se refere à sua efectiva aplicação e implementação;
3) Elaborar um enunciado de propostas e sugestões que entenda úteis face à situação existente;
4) A Comissão debruçar-se-á, em particular, sobre os problemas decorrentes do incêndio do Chiado, nomeadamente os de ordem económica e social, propondo os mecanismos legislativos que se mostrem necessários face às questões emergentes dos vínculos jurídicos de que beneficiavam empresas e moradores, da protecção dos postos de trabalho e, se for caso disso, das acções especulativas.

No decorrer dos seus trabalhos a Comissão deverá solicitar o concurso das comissões especializadas da Assembleia da República que julgue convenientes.
As conclusões da Comissão, bem como as propostas que entenda formular, deverão ser objecto de um relatório a submeter à apreciação do Plenário da Assembleia da República no prazo máximo de 120 dias.

Srs. Deputados, informo que a próxima reunião da Comissão Permanente terá lugar quinta-feira, dia 29, pelas 15 horas.
Está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 55 minutos.

A REDACTORA ESPECIALISTA DE l .ª CLASSE, Ana Maria Marques da Cruz.

DIÁRIO da Assembleia da República

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