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Quarta-feira, 11 de Janeiro de 1989 I Série - Número 26

DIÁRIO
da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988/1989)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE JANEIRO DE 1989

Presidente Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vitor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia - Deu-se conta da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 326/V (PSD).
O Sr. Deputado João Matos (PSD) considerou um desafio lançado a Portugal a realização, em 1992, dos Jogos Olímpicos de Barcelona e da Feira de Sevilha.
O Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) protestou contra o facto de o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se ter exprimido em inglês na Conferência Internacional de Paris sobre a Proibição de Armas Químicas e pela forma como a RTP tem noticiado as alterações à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS) que também se associou ao protesto -, Joaquim Marques e Carlos Encarnação (PSD).
O Sr. Deputado José Lello (PS) falou sobre a fiscalidade no desporto, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca (Indep.)
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) trouxe à colação as dificuldades do ensino da música em Portugal.
O Sr. Deputado Adriano Pinto (PSD) referiu algumas questões relacionadas com o futebol.
O Sr. Deputado Luís Roque (PCP) criticou a aplicação da Portaria n.º 288/83, que aumenta as rendas de habitação social.
O Sr. Deputado João Rui de Almeida (PS), a propósito das comemorações do VII Centenário da Universidade Portuguesa, falou do seu papel histórico.
A Sr.ª Deputada Natália Correia (PRD) corroborou a intervenção anteriormente feita pelo Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP).

Ordem do dia. - Foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n. º 70/V (autoriza o Governo a legislar para aprovação dos Estatutos da Casa do Douro e respectivo regulamento eleitoral). Intervieram no debate, a diverso titulo, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho) e do Sr. Secretário de Estado da Alimentação (Luís Cardoso), os Srs. Deputados Basílio Horta (CDS), Rogério Brito (PCP), João Maçãs (PSD), António Barreto (PS), Carlos Lilaia (PRD) e Daniel Bastos (PSD).
Entretanto, havia sido aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do PSD e de outro do PS.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Baptista da Cruz Castanho.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luiz Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mário Silva Coutinho Albuquerque.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui A1berto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chencerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.

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Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco Igrejas Caeiro.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António Manuel Celorico Moreira.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luis Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes (INDEP):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salena Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e os Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa o Projecto de Lei n.º 326/V, da iniciativa do Sr. Deputado Sousa Lara e outro, do PSD - Simbologia das cidades, vilas e freguesias -, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes; ao Governo, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; à Secretaria de Estado da Indústria, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito; aos Ministério da Indústria e Energia e do Emprego e Segurança social, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; ao Governo e à Câmara Municipal de Chaves, formulados pelo Sr. Deputado Herculano Pombo.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Arménio Sequeira, na sessão de 12 de Maio; Caio Roque, nas sessões de 8 de Setembro e 10 de Novembro; Herculano Pombo, na reunião da Comissão Permanente de 22 de Setembro e na sessão plenária de 6 de Outubro; Manuel Filipe e António de Azevedo, na sessão de 10 de Novembro; Carlos Brito e Ilda Figueiredo, na sessão de 17 de Novembro; Álvaro Brasileiro, Jorge Lemos e Carlos Lilaia, na sessão de 23 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para produzirem intervenções os Srs. Deputados João Matos, Narana Coissoró, Jorge Lemos e Adriano Pinto.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

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O Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao intervir, hoje, neste Plenário, pretendo reflectir convosco um assunto que, como poucos, têm uma dimensão e um importância que ultrapassam as paredes deste Hemiciclo, as barreiras de qualquer partido, as diferenças entre camadas etárias ou classes sociais.
Uma questão que tem sido esquecida e sobre a qual, no entanto, brevemente todos, repito, todos, teremos de prestar contas.
Uma questão que poderá representar um ponto de viragem histórico no desenvolvimento cultural e desportivo das populações, principalmente das camadas mais jovens, ou então, mantendo-se o completo alheamento verificado até agora por todas as entidades responsáveis representará seguramente um falhanço, também, histórico na protecção e apoio ao desporto de alta competição e à prática do desporto em geral.
Ao contrário do que possa parecer não pretendo falar do orçamento do próximo ano, ou da revisão constitucional...
Pretendo sim falar duma questão tão simples e ao mesmo tempo tão decisiva como os próximos Jogos Olímpicos de Barcelona e a Feira de Sevilha que se realizarão em 1992, em Espanha.
Os primeiros Jogos Olímpicos que se realizam na Europa nos últimos 16 anos, com o impacto noticioso que isso representa, e com a enorme afluência de espectadores europeus que isso permite.
Os primeiros Jogos Olímpicos a terem lugar na Península Ibérica com enorme projecção que isso representará para os dois países ibéricos e, mais importante, com a possibilidade, pela primeira vez aberta, de os atletas em número significativo participarem, de os desportistas em geral aprenderem, os jovens assistirem e, não menos importante, os nossos aeroportos, hotéis e tantas outras infra-estruturas e equipamentos servirem de apoio.
Em traços muito sumários esta a decisiva importância para o nosso país, dos próximos Jogos Olímpicos.
Importância tão ou tão pouco significativa que levou países anfitriões dos jogos, como a Coreia do Sul, a construírem de raiz infra-estruturas desportivas, parques habitacionais, equipamentos turísticos, serviços de transporte e comunicações, superiores à totalidade dos existentes nesses países até esse momento.
Importância tão ou tão pouco significativa que levou os países anfitriões e os países vizinhos a desenvolverem com anos de antecedência campanhas publicitárias, de sensibilização e divulgação das suas potencialidades nesses domínios.
Que levou esses países a investirem importantes recursos em programas de apoio e desenvolvimento intensivo das modalidades olímpicas, não só com vista à obtenção de resultados significativos (lembro que a Coreia obteve mais medalhas nos últimos jogos do que em todos os jogos anteriores, lembro também que a Espanha e a França já iniciaram há mais de dois anos estas acções com vista a 92) mas procurando, simultaneamente, que esses resultados servissem como impulso para a prática do desporto em geral.
Importância tão ou tão pouco significativa que levou esses países e sobre este aspecto os Jogos de Barcelona assumem especial importância pela simultaneidade com a realização da Feira de Sevilha, que levou esses países, dizia eu, a enquadrarem inteligentemente a realização dos jogos, em iniciativas mais amplas e talvez ainda mais significativas de carácter cultural.
Que levou esses países, numa palavra, a mobilizarem o conjunto nacional transformando a realização dos jogos numa aventura colectiva normalmente transformada em motivo de orgulho nacional.
No entanto, pasme-se, face a tanta evidência e onde era tão fácil ter simplesmente copiado o que outros já fizeram e estão a fazer a verdade é que nada se fez em Portugal com vista aos Jogos de Barcelona.
Pelo menos nada que surgisse enquadrado num plano de conjunto, que atenda simultaneamente e de forma integrada todas estas vertentes. Que seja programada a quatro anos de prazo, com princípio, meio e fim.
Como exemplo suficiente basta referir que sendo do conhecimento público a possibilidade quase garantida de se poderem realizar em Espanha as provas equestres, devido à peste equídea, e apesar das excelentes alternativas que o nosso país pode oferecer, ainda assim, Portugal nada fez até hoje enquanto a França, aproveitando este silêncio, já nos Jogos de Seul fez uma enorme campanha publicitando as suas instalações hípicas.
E não se diga que era impossível ou que agora é impossível a inversão deste estado De um modo geral, a valorização da cultura e história do nosso país na Expo 92 a realizar em Sevilha, e se possível a mobilização do colectivo nacional em torno da nossa presença e participação nos Jogos Olímpicos de Barcelona...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo isto ainda é possível embora seja hoje mais difícil pelo tempo perdido, sonolência colectiva.
Sublinhe-se sonolência colectiva porque mais do que o Governo as federações desportivas ou os atletas, os culpados somos todos nós que mais uma vez não conseguimos a mobilização e empenhamento colectivos necessários para um empreendimento como este.
Com maior responsabilidade para aqueles que, como eu, por serem jovens dentro e fora deste Hemiciclo deviam tomar a dianteira neste campo.
Apenas pretendi deixar o alerta, apontando os problemas concretos e levantando as principais questões.
Quero terminar dizendo que se não soubermos responder a este desafio, dentro de pouco tempo, e com razão, seremos responsabilizados, em particular, pelos jovens, por perder mais uma oportunidade única e histórica de afirmar o nosso país, de apoiar e promover o desporto e a cultura junto das nossas populações.
E, principalmente, estaremos a dar razão aos espanhóis que utilizam já neste momento, como cartaz oficial de que a Espanha é toda a Península Ibérica, sem demarcação do nosso território e das nossas fronteiras..

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois factos recentes são bem exemplificativos do que vem sendo a prática da governação PSD/Cavaco Silva: mais uma vez o Governo abdica da defesa do interesse nacional; o PSD, por outro lado, acentua a tentativa de controlo absoluto da vida política portuguesa, com sistemático recurso à manipulação dos órgãos de comunicação social.
O primeiro facto é este: o Ministro dos Negócios Estrangeiros discursou em inglês na recente Conferência

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de Paris sobre a proibição de armas químicas. O facto causou surpresa generalizada, não apenas no País, mas mesmo a nível internacional, tanto mais que se sabe que representantes de outros países de expressão oficial portuguesa se dirigiram à Conferência na sua língua pátria. A postura deste ministro português, aliás, ex-responsável governamental pelo departamento que deve zelar pela defesa e divulgação da língua e cultura portuguesas, não pode deixar de merecer fundadas críticas, porquanto ocorre no preciso momento em que, ao invés de utilizar o que é estrangeiro, deveríamos estar a realizar um enorme esforço de afirmação do que é português, a começar pela própria língua portuguesa
- factor essencial da nossa afirmação cultural como povo e nação que somos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, pretendo deixar expresso o firme protesto face ao modo como a RTP - que tão arredia tem andado de tratamento informativo dos problemas relativos aos direitos e interesses dos nossos emigrantes - montou, em colaboração com o Governo, uma operação de manipulação em torno da nova legislação «PSDista»' de alterações à lei eleitoral para o Parlamento Europeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que a Comissão Política do PSD definiu e está a aplicar uma operação intoxicante de pressão e propaganda tendente a ocultar que o diploma em causa visa viciar os resultados eleitorais e além de violar a Constituição, contraria as mais recentes deliberações ou tendências do próprio Parlamento Europeu que se prepara para aprovar uma moção que «declara solenemente que em nenhum caso se deve proceder a alterações das leis eleitorais em vigor para o Parlamento Europeu durante o semestre que precede as eleições».
Tudo isto configura, Sr. Presidente e Srs. Deputados, inqualificável manobra de pressão sobre o Presidente da República, precisamente no momento em que tem de decidir quanto ao futuro desta peça cavaquista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tais procedimentos não vitalizam a democracia portuguesa.
Tentam enfraquecê-la, condicioná-la, musculá-la. Merecem, por isso, a rejeição de todos os que se identificam com os ideais da democracia e do 25 de Abril.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Narana Coissoró, Joaquim Marques e Carlos Encarnação.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lemos, gostaria de me associar ao protesto que V. Ex.ª fez pelo facto de o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros ter utilizado a língua inglesa numa conferência internacional.
Segundo a comunicação social, a explicação em público que o Sr. Ministro deu foi a de que as línguas oficiais utilizadas na conferência eram seis e não estava
incluída a língua portuguesa, e referiu ainda que o Brasil tinha falado em português porque tinha pago uma centena de contos para ter a sua própria tradução em simultâneo.
Ora, creio que esta é uma justificação totalmente ridícula, na medida em que o Estado português gasta «rios» de dinheiro com as viagens efectuadas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Assim, podiam ter-se gasto, essas centenas de contos para «salvar» a língua portuguesa num momento em que queremos que ela seja uma língua aceite em todas as conferências internacionais. Portanto, podiam ter-se compartilhado com o Brasil e com os países de língua e expressão portuguesa as despesas para esta tradução - esse era um favor que, gostosamente, o Brasil, nos fazia e nós podíamos fazer a todos.
Na verdade, devo dizer que me inscrevi para uma intervenção mas não cheguei a usar da palavra porque, entretanto, tive conhecimento de que haveria outras intervenções sobre este mesmo tema.
O Sr. Deputado Jorge Lemos concorda ou não em que atitudes desse tipo colocam mal o Estado português no concerto internacional e que o argumento das «centenas de contos» é muito pouco para consubstanciar essas justificações absolutamente provincianas e sem qualquer razoabilidade?
Creio, pois, que se deve fazer um apelo, já que de outro modo não podemos agir, para que haja uma remodelação governamental quanto antes ao sentido de que ao menos a língua portuguesa não seja subalternizada em face de outras potências e línguas nos areópagos internacionais.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pretende responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, é muito fácil fazerem-se acusações a pessoas ou a entidades num momento em que as mesmas não podem defender-se nem dizer o porquê de determinada situação.
Não sei, concretamente, qual o motivo por que o Ministro dos Negócios Estrangeiros português não falou em português nessa conferência sobre a questão das armas químicas. Contudo, e até por razões estritamente de carácter técnico, o Sr. Deputado deve conhecer as dificuldades que muitas vezes há em se falar o português ou eventualmente outra língua que não seja uma língua de trabalho ou uma língua oficial de determinada organização internacional ou de determinada conferência.
O Sr. Deputado Jorge Lemos disse que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não defende a afirmação da língua portuguesa no mundo. Ora, devo dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: há doze anos que Portugal é membro do Conselho da Europa e o português não é ainda nem língua de trabalho nem, muito menos, língua oficial do Conselho da Europa. Porém, vai passar a sê-lo! Na verdade, o português vai passar a ser língua oficial e de trabalho do Conselho da

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Europa ao fim de doze anos da nossa permanência nesta organização internacional, exactamente mercê do empenhamento do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Isto é, a partir da sessão plenária da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa que terá lugar em Maio, os deputados portugueses que integram a delegação portuguesa - que é constituída por deputados do PSD, do PS e do PCP -, nas reuniões plenárias e nas reuniões das comissões da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, vão poder utilizar a língua portuguesa. O Sr. Deputado Jorge Lemos sabia que isso vai ser possível devido ao empenhamento do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, não vou abordar esta questão porque penso que ela já está suficientemente esclarecida no pedido de esclarecimento que o Sr. Deputado Joaquim Marques acabou de formular.
Porém, gostaria de dizer que creio que esta questão é ridícula, está perfeitamente posta fora de causa e não foi colocada com o devido equilíbrio nem com a devida ponderação. Penso, pois, que o Sr. Deputado do PCP se excedeu manifestamente no rigor do seu protesto em relação a esta matéria! Tal não era preciso, nem justificado, nem atendível!
Contudo, gostaria de colocar uma questão relativa à segunda parte da intervenção que o Sr. Deputado fez: disse V. Ex.ª que fomos longe demais na concessão das facilidades ou do direito de voto em relação aos portugueses emigrados no que se refere às eleições para o Parlamento Europeu. Sabe V. Ex.ª muito bem qual é o pensamento do PSD em relação à matéria do direito de voto dos emigrantes, pois ele tem sido amplamente declarado em todas as instâncias em que o PSD tem participado, designadamente nesta Assembleia da República.
Fundamentalmente, o que queremos é fazer com que o direito de cidadania corresponda por inteiro ao direito de voto. Isto é, que todos os cidadãos portugueses sejam portadores e possam exercer, com inteira liberdade e capacidade, o seu direito de voto. Pensamos, pois, que esse é um dos direitos que está inerente ao exercício do direito de cidadania.
Embora não esteja aqui presente o Sr. Deputado José Manuel Mendes - de quem sou amigo e não gostaria de utilizar uma expressão sua na sua ausência, mas o momento a isso me leva -, gostaria de saber se o Sr. Deputado Jorge Lemos subscreve ou não a declaração que o Sr. Deputado José Manuel Mendes proferiu nesta Assembleia quanto à existência de portugueses de nacionalidade duvidosa. É isto que fundamentalmente está na base da intervenção de V. Ex.a? É para cercear a portugueses o exercício do direito de voto?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço aos Srs. Deputados que me interpelaram que compreendam que há mais colegas do meu partido que estão inscritos para usar da palavra, pelo que tentarei ser o mais breve possível a responder.
Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que a melhor maneira de se defender a presença externa de Portugal e de fazer a afirmação do Estado português não é a que foi usada pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Deputado Joaquim Marques, não pretenda «atirar com areia para os olhos dos outros»! Trago a esta Assembleia um caso concreto e o Sr. Deputado vem falar de um outro caso. A questão é muito concreta e resolve-se muito simplesmente: o Brasil, os países africanos de língua e expressão portuguesa e os espanhóis consideram que para a sua afirmação como país é importante utilizarem a língua materna nas conferências internacionais, enquanto que o Estado português considera que não. E não foi apenas nesta reunião que isso aconteceu, mas também em muitas outras!

Vozes do PSD: - Quais?

O Orador: - Aliás, em vários apropagos internacionais as delegações da Assembleia da República têm feito esforços intensos para conseguir que o português seja assumido como língua, e estamos a tentar conseguir isso, ainda que se tenha que pagar!
Portanto, não é argumento dizer que não havia condições técnicas! Sr. Deputado Joaquim Marques, não é isso que está em causa! Os brasileiros falaram em português, mas pagaram o seu tradutor. Essa é que é a questão! Ora, por parte de Portugal não houve a vontade política de tomar as medidas para que a linguagem portuguesa pudesse ser ouvida em representação do Governo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, neste momento não pretendemos retomar a discussão sobre a lei eleitoral para o Parlamento Europeu, bem pelo contrário! O que aqui quisemos referir foi o facto de o PSD - e já todos conhecem o seu pensamento - entender que aos portugueses só deve chegar o pensamento do PSD, e utilizar a RTP para isso. Quem viu o «Jornal de Domingo», recordar-se-á de uma entrevista, que foi manifestamente «encomendada», com o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, em que não é ouvido qualquer partido da Oposição, em que se sonegam factos tão importantes como aqueles que revelei na intervenção que aqui fiz, em que en passant...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Fale em português!

O Orador: - Sr. Deputado Duarte Lima, usar expressões como a que acabei de usar não é abastar dar a língua portuguesa. Falar em estrangeiro, isso sim, é negar a língua portuguesa!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como estava a dizer, o que se passou no «Jornal de Domingo» foi, pura e simplesmente, ocultar todos estes factos perante milhões de espectadores e tentar pressionar o Sr. Presidente da República, que neste momento está a apreciar o projecto de diploma que saiu desta Casa. Ora, foi sobre isso que interviemos e foi isso que questionámos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões de cariz fiscal estão hoje na ordem do dia quando o País despertou para a dura realidade que o espera neste 1989 do nosso descontentamento de contribuintes.
Não venho, entretanto, falar aqui no problema na sua dimensão global antes venho focar um dos aspectos da sua incidência sectorial: a fiscalidade no desporto.
Ora, esta questão, se não fosse glosada nos múltiplos aspectos das implicações fiscais que impenderão sobre os agentes e os clubes desportivos, poderia vir a ser apenas apreciada pelos seus contornos marginais, e na base de argumentos demagógicos, emocionais e, por isso, imprecisos.
Vejamos: ninguém questionará a afirmação de que grande número dos atletas' de alta competição aufere, como é publicamente conhecido, verdadeiras fortunas, gozando dum estatuto de excepção que passava por uma completa impunidade fiscal!
Daí que se entenda a preocupação do legislador no sentido de alargar aos profissionais de futebol e outros atletas de alta competição, um conjunto de obrigações de carácter fiscal. Isto, tendo em conta as condicionantes de uma carreira de muita curta duração, dependente de imprevistos, sujeita a um intenso desgaste físico e psicológico e revestindo características de certa pericolosidade, a ponto de a cada momento poder ser prematuramente interrompida. Os exemplos seriam numerosos a corroborar esta tese.
Assim, quanto ao problema dos jogadores nada haverá a dizer, senão o de sublinhar que neste caso os argumentos dos benefícios da previdência e da pensão de reforma compaginados com declarações mais reais de rendimentos, revestem-se de um carácter falacioso. Com efeito, a assistência médica e medicamentosa sempre foi assumida pelos clubes de alta competição, bem como o pagamento dos dias de baixa que, neste caso particular, se referem maioritariamente a períodos de paragem de actividade em função de lesões ou de abaixamento de forma física.
Por outro lado, tão pouco a questão das pensões de reforma tem aqui uma acuidade, tanto mais que o seu cálculo será feito sendo o ex-jogador já sexagenário e com base nos proventos resultantes dos cinco melhores anos dos últimos dez duma actividade que não será, positivamente, aquela mesma que, na idade dos 20/30 anos, proporcionou os altos rendimentos de que agora falamos.
Pelas razões aduzidas, entende-se e apoia-se que para o caso dos atletas de alta competição exista um estatuto legal próprio, prevendo hipótese de se consagrarem deduções específicas resultantes de seguros de poupança e de pensões de reforma e instrumentos semelhantes que lhes garantam estabilidade social no fim da sua curta carreira.
Enfim, pôr-se-á termo a uma situação conhecida de todos de existência de contratos declarados que serviam de base de tributação e dos contratos paralelos que serviam de remuneração.
Vejamos a outra face do problema, ou seja, a que se reporta às imposições de carácter fiscal a que «as entidades utilizadoras dos agentes desportivos» se ficam obrigadas a assumir.
Era manifesta a necessidade de se legislar quanto a esta área, de molde a que o sector pudesse funcionar segundo moldes mais criteriosos, mais claros e transparentes. Aliás, cientes desse interesse, os próprios clubes tinham, em devido tempo, levantado a questão ao Governo.
Assim, pelo Decreto n.º 452/88, de 13 de Dezembro, «as entidades regularmente constituídas que se dediquem à prática do desporto federado, incluindo as respectivas associações e federações, ficam obrigadas a possuir», conforme os níveis da «receita líquida do exercício anterior» tiverem sido ou não superiores a 25 000 contos, contabilidade regularmente organizada. Por outro lado, a imposição alarga-se à obrigatoriedade de possuírem livros de registo das operações efectuadas.
Ora, antes de outras quaisquer considerações, desde logo aqui surgem as contradições.
Com efeito, tais livros de registo ainda não estão acessíveis aos clubes, daí decorrendo que se isso compromete a corrente escrituração de 1989 ainda dificulta a prévia descrição do inventário de 31 de Dezembro de 1988. Por outro lado, à míngua de portaria regulamentar, as entidades visadas irão escriturar os livros selados em multa, por demora de publicação de documentos estruturantes do plano da própria escrituração.
Aliás, a problemática da fiscalidade incidindo sobre os agentes e entidades desportivas tinha sido objecto de uma primeira abordagem através da publicação do Decreto-Lei n.º 413/87. Este pressupunha já a obrigatoriedade da estruturação de uma contabilidade regularmente organizada por parte das citadas entidades.
Logo então o referido diploma seria contestado em alguns aspectos, designadamente por prever multas demasiado pesadas e penalizações como agora acontece, que chegam à responsabilização criminal incidindo sobre quem anda nas lides desportivas sem qualquer interesse de ordem material, antes se entrega a essa causa, com prejuízo pessoal, pela devoção ao fomento do desporto, do seu ideário e dos valores sublimes que o mesmo deve consubstanciar.
Assim, o desfasamento temporal e desajustado entre regulamentação, definição e informação com as obrigações prescritas será manifestamente intolerável quando na generalidade dos clubes e associações tais funções não são assumidas por técnicos especialistas, mas sim «por agentes benévolos, sem remuneração, e nos seus tempos livres».
Outra das questões que o próprio associativismo desportivo levanta é a de que estando para breve a aprovação pelo Parlamento da lei de bases do sistema desportivo mais ajustado seria que fosse esta lei a definir com objectividade e rigor quais são os agentes desportivos profissionais e amadores, não deixando o caso à consideraçâo discricionária da Administração Fiscal.
Importará aqui situar o papel insubstituível dos clubes desportivos na sua exacta e específica dimensão.
Ninguém contestará a manifesta inexistência de instrumentos de apoio à valorização física dos cidadãos da responsabilidade e iniciativa do Estado.
Com efeito, o desporto escolar não tem entre nós qualquer significado e o enquadramento desportivo de âmbito comunitário ou regional é coisa que oficialmente também não existe.
Assim, o desporto de recreação ou de manutenção pratica-se entre nós, essencialmente, nos clubes desportivos.

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Quanto ao desporto de alta competição, aquele que dá resultados e prestígio ao país, festança nacional e origem a muitos e apressados telegramas de felicitações, esse é da exclusiva responsabilidade dos clubes desportivos.
Ora, estes clubes são, em regra, instituições de utilidade pública sem fins lucrativos que têm de procurar receitas a fim de fazer face a orçamentos avultados que incidam não só sobre modalidades profissionalizadas, como o futebol, mas também sobre outras de carácter amador.
Aliás, o que decorre do crescente eclectismo que vem caracterizando os clubes portugueses de alta competição, onde sobressaem os do primeiro plano do nosso futebol.
Assim, será no mínimo de estranhar que o artigo 9.º do IRC isente todas as colectividades discricionando as desportivas, desconhecendo o relevante apoio que prestam à sociedade, à terceira idade e ao desporto especial para deficientes.
Essas colectividades subsistem apenas com as magras quotizações dos associados, a decrescente venda de bilhetes para as provas desportivas, a publicidade, alguns exíguos subsídios, quando é caso disso, as transmissões televisivas, as verbas do Totobola, as lojas do clube, os restaurantes do clube, as doações de adeptos e à concessão do jogo de Bingo, etc.,..
Verifica-se, assim, um contra-senso: por um lado, o Estado proporciona incentivos destinados a promover a prática desportiva e, por outro, tributa todas as fontes de receita a fim de obter verbas dirigidas ao fomento do desporto.
Os clubes já hoje pagam IVA, imposto de selo e imposto de jogo e agora vêem-se na contingência de serem abrangidos pelo IRC no tocante a todas as áreas geradoras de receita.
É necessário controlar rigorosamente a vida contabilística dos clubes. Isso, ninguém de boa fé o poderá contestar, designadamente tendo em conta os montantes que hoje em dia por aí transitam.
Assim, é importante para o desporto nacional que haja mais rigor e transparência no que ao desporto diz respeito.
Contudo, o desporto terá de receber um tratamento legal que tenha em conta toda a sua especificidade e condicionantes. De outro modo será difícil a sobrevivência de muitas modalidades e colectividades nos tempos que se avizinham, pois, nos termos actuais, ao equiparar-se os clubes a sociedade comerciais, numa total insensibilidade para com a própria realidade desportiva , à míngua da existência de uma lei do mecenato desportivo, perante o crescimento de encargos, em face das exigências que o prestígio da alta competição já nos impõe, em face de alternativas válidas para a valorização física dos portugueses, com o novo quadro fiscal impendendo sobre os clubes e associações desportivas, comprova-se o alheamento deste Governo perante o fenómeno desportivo nacional. O que, aliás, a extinção da Secretaria de Estado dos Desportos já prenunciava, sublinhe-se.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado José Lello, ouvi atentamente a intervenção que produziu e, sem querer debruçar-me sobre a questão de fundo levantada por V. Ex.ª, gostaria apenas de colocar uma questão.
Creio que o Sr. Deputado pressupõe que os clubes de futebol não pagam impostos!... Esse é um assunto que tem que ser bem dirimido, pois trata-se de clubes de utilidade pública, etc.
Sr. Deputado, será legítimo observarmos durante um ano constantes transferências de divisas para o estrangeiro para compra de jogadores de futebol e de treinadores, enfim, para assinaturas de contratos?
O Sr. Deputado, que também é dirigente desportivo de clubes profissionais, sabe dizer quantos milhões de contos em divisas já foram autorizados a ser transferidos para o estrangeiro para compra desses jogadores de futebol?
Quantos pedidos de transferência de divisas houve no Banco de Portugal ou ao Ministério das Finanças por fábricas e por empresários para compras de bens e equipamento, mas que foram congelados e não autorizados, e quais as razões?
Num país como o nosso deve estar a pagar-se tantas e tantas centenas de milhares de contos - poderão atingir alguns milhões por mês - a futebolistas e treinadores de futebol estrangeiros, quando as nossas equipas de futebol juvenis e juniores têm obtido bons resultados e, depois, não é feita uma dinamização para estes mesmos jogadores, como se prova pela existência em Portugal de cerca de 700 jogadores estrangeiros de futebol.
O Sr. Deputado entende ou não que deveremos moralizar toda esta situação? Poderemos pensar que certas agremiações desportivas de utilidade pública poderão ver a sua carga fiscal minimizada! Porém, entende ou não que será lamentável que essas verbas, que não são pagas pelos impostos, sejam canalizadas para contratos monumentais a ponto de - e são os próprios dirigentes desportivos que o dizem - em Portugal se pagar mais a certos futebolistas estrangeiros do que na República Federal da Alemanha?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, eu, pelo empenhamento, pela garra da sua intervenção, esperava que V. Ex.ª saísse em beleza, saísse com essa mesma dinâmica, mas não foi isso que aconteceu. Pensava até que se vinha ressarcir da derrota de sábado!...

Risos.

Quero dizer-lhe que sou dirigente de um clube desportivo no qual 40% dos seus associados são praticamente de modalidades amadoras e se tivesse ouvido a minha intervenção mais atentamente, teria dito que estou de acordo que se clarifique e haja transparência nas contabilizações dos clubes, assim como estou de acordo que os contratos deixem de ser paralelos e sejam conhecidos da opinião pública, mas não é disso que se estava a tratar.
Também disse que os clubes desportivos têm uma actividade supletiva, face às carências que o Estado

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denuncia em dotar, conceder ou proporcionar aos portugueses, à juventude, à terceira idade, aos deficientes equipamentos e estruturas desportivas, e é nos clubes que estes praticam esse desporto de recriação e de alta competição.
Se o Sr. Deputado quer que os clubes se convertam em clubes-empresas só para profissionais, estou de acordo com isso, mas então os clubes terão de alienar esses custos que são substanciais.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, mas o tempo que gastar será descontado no tempo do seu partido.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
É só para dizer isto: é evidente que em Portugal não há uma política de desporto conveniente e o Estado será o responsável, e em relação a essa questão podíamos ir longe!...
Referiu o Sr. Deputado o desenvolvimento de certo desporto amador. V. Ex.ª sabe quanto é que pagam os pais de jovens que praticam natação, ginástica, nesses tais clubes desportivos que está a defender?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lello, não sei se houve algum acordo à margem da Mesa, mas previno-o de que o tempo que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca acabou de gastar pertence ao seu partido.

O Orador: - Lá está! O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, ao utilizar tempo do meu partido, está a fazer como os jovens portugueses que, não podendo utilizar os equipamentos do Estado, têm de utilizar os da alta competição.
Quanto à pergunta que me fez, respondo que não sei; no entanto, posso dizer-lhe que se houver transparência, passo a saber.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ensino artístico tem sido considerado na prática, como parente pobre do sistema educativo português. Distorções de vária ordem têm obstado a uma resposta adequada aos desafios não só do futuro mas também do presente.
Irei debruçar-me sobre o ensino da música em Portugal, que tarda a acertar o passo com o mínimo que se faz na Europa em que pretendemos estar em paridade com os outros parceiros.
Infelizmente, não tem o Estado respondido às propostas sucessivas que, de origens diversas, lhe têm sido apresentadas. Tomarei como exemplo o ensino no Porto.
O Conservatório de Música do Porto, funcionando num edifício pertença da autarquia local, foi esvaziado dos seus cursos superiores que passaram, em teoria a ser ministrados na Escola Superior de Música, parte integrante do Instituto Politécnico.
Não estou contra esta medida; só acho que não faz sentido que funcione só com alguns cursos para os quais escasseiam os pretendentes, chegando-se à situação caricata de haver mais professores e funcionários do que alunos.
Com o Conservatório de Música a abarrotar de alunos de piano, por exemplo, é criado o ensino de piano de acompanhamento, o que não corresponde às pretensões dos potenciais candidatos.
Entretanto, fui informado que os alunos que ainda frequentam o ensino superior de piano no Conservatório têm ameaça de que não lhes será considerada como válida a frequência e eventual aprovação nesse curso, porque há a Escola Superior de Música onde esse curso não existe. É absurdo, mas parece ser verdadeiro!
Entretanto, proliferam as escolas particulares que, com maior ou menor qualidade, ministram o ensino à maior parte dos jovens vocacionados, enquanto as escolas oficiais não têm espaço nem dão resposta aos que nelas procuram lugar.
Conclui-se assim que quem tiver a desdita de ser fiel à sua vocação artística tem que puxar os cordões à bolsa dos seus encarregados de educação.
Se isto vai mal a nível de frequência básica, pior está quando à especialização no estrangeiro. Enquanto que há candidatos a bolseiros a quem são negados apoios com provas dadas, outros há que positivamente passam férias em vários países estrangeiros a expensas do Estado, sem que lhes seja exigida comprovação do trabalho que deveria desenvolver.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que estamos a tempo de integrar o grupo dos países que consideram o ensino da música, pelo menos, ao nível de outras carreiras e onde se empenham, a diversos títulos, as autarquias locais e os Ministérios da Educação e da Cultura.
Em recente encontro promovido pelo Conservatório Regional de Gaia, após um frutuoso debate em que participaram o Director Regional de Educação do Norte, um membro da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, mais tarde nomeado Director-Geral do Ensino Artístico, várias personalidades dos meios sindical e artístico, foi feita uma profunda reflexão sobre o papel das escolas de música perante os desafios decorrentes do que se chamou a ruptura democrática, ruptura tecnológica e ruptura estética, realçando a necessidade da busca dos conteúdos, modelos e estratégias.
Daqui emergiram algumas ideias-recomendações, que passo a referir:

Primeiro, as escolas de música deveriam ser ampla frente pedagógica capaz de dar respostas diferenciadas às motivações e expectativas dos indivíduos que actualmente procuram os estatutos de música;
Segundo, as estratégias pedagógicas e os currículos das escolas de música deveriam colocar mais ênfase na atitude criativa;

Terceiro, os estatutos de música deveriam organizar-se:

a) Em grandes ciclos (3 a 5 anos), de maneira a assegurar no interior de cada ciclo os ritmos de aprendizagem próprios de cada aluno e a fluidez entre os vários níveis de formação;
b) Em departamentos pedagógicos, de maneira que a formação artística se faça a partir de uma pedagogia de projecto e de objectivos. Aliás, este tipo de organização é próprio de quase todas as escolas europeias de música.

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Quarto, os conservatórios deveriam continuar a ministrar a formação superior, independentemente da existência de estruturas de ensino superior de outro tipo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espera-se que uma nova legislação para o ensino da música, que tarda aparecer, permita uma melhor definição do papel destas instituições no contexto do sistema educativo.
Urge também que as instituições ligadas à música abandonem os cantões das suas pequenas certezas, muitas vezes de costas voltadas para o mundo real e não participantes da dinâmica sócio-cultural que as rodeia.
Lembro, finalmente, a urgente necessidade do poder constituído e das instituições vocacionadas de criarem condições aos artistas para a sua valorização, no nosso país ou fora dele, em condições de equidade e justiça, e que se dêem possibilidades reais para actuarem em Portugal, de forma a que casos semelhantes ao da pianista Maria José Morais - que, com inúmeros compromissos no estrangeiro não tem para o corrente ano qualquer contrato no seu país de origem - não se repitam mais entre nós.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Pinto.

O Sr. Adriano Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou, aprioristicamente, falar de futebol no seu aspecto de modalidade desportiva apaixonante, do agrado das multidões (e não só), discutindo ou criticando a cor das camisolas ou a Oposição dos clubes na tabela classificativa, ou sequer ainda o virtuosismo deste ou daquele jogador.
Mas se não é propriamente de futebol que tenciono falar, são, porém, aspectos específicos ligados a este desporto-rei que pretendo abordar por os reputar de muito importantes, dignos e merecedores de serem trazidos ao conhecimento desta assembleia e dos Srs. Deputados.
Concretamente, desejaria referir-me a duas grandes questões ultimamente registadas no âmbito do futebol nacional, e, naturalmente, a uma terceira questão que delas decorre, por pensar que nunca será demais que delas se faça público e merecido eco.
A primeira questão, que muito honrou o País, ficou a dever-se à brilhante classificação alcançada pelas selecções nacionais de futebol júnior A e B nos respectivos campeonatos da Europa na época transacta de 87/88, e há dias no Torneio de Israel.

Aplausos do PSD.

Em qualquer destas provas europeias, as nossas selecções obtiveram a segunda posição, isto é, foram vice-campeãs.
É inegável que tais êxitos futebolísticos foram o resultado de um conjunto de acções, estudadas e programadas atempada e metodicamente, em que o nosso reconhecimento é devido, não só à Federação Portuguesa de Futebol e ao seu quadro de técnicos competentes, como ainda a outras estruturas, elas também muito importantes e decisivas, como sejam as associações distritais de futebol e os clubes seus filiados.
O trabalho que vem sendo desenvolvido de há anos a esta parte no quadro do futebol juvenil deste país, tem sido deveras relevante, levado a cabo com bastante persistência e, até, com alguma audácia, face aos sempre reduzidos e escassos, meios económicos disponíveis.
Felizmente que a nossa juventude tem sabido corresponder ao desafio que lhe é lançado, com muito esforço e muita abnegação, lutando sempre, e cada vez mais, pela sua própria melhoria e valorização técnica.
Congratulamo-nos, sobremaneira, pela forma como o Governo vem encarando e está atento ao desenvolvimento da prática desportiva entre a população mais jovem e o reconhecimento que expressa quando o nome de Portugal está em causa.
De facto é prova evidente, e recente, o testemunho de gratidão com que o Sr. Ministro da Educação quis distinguir e louvar todos quantos (jogadores, técnicos, federação, associações e clubes) contribuíram para o ineditismo histórico do futebol juvenil português, ao sagrar-se vice-campeão europeu em juniores A e B.
A segunda questão é ainda e naturalmente ligada ao futebol, questão importante e polémica, já aqui trazida a esta assembleia: a participação de jogadores estrangeiros em provas nacionais.
A situação criada e que se vinha arrastando com todos os malefícios para o futebol português principiava já a ser insustentável. Tornava-se urgente encontrar uma solução que, sem demasiado prejuízo para os clubes, tivesse fundamentalmente em conta a defesa dos valores nacionais e uma moldura que correspondesse a normas ou padrões internacionais, destacadamente à FIFA e à Comunidade Económica Europeia.
Pois bem, a organização do futebol português assenta numa estrutura de cúpula, que é a Federação Portuguesa de Futebol, a qual tem como sustentáculo as associações desportivas e, por sua vez, os clubes desportivos.
A estes estruturas responsáveis cabe, portanto, e só a elas, a resolução dos seus problemas, e o problema em questão vinha atingindo notória gravidade, urgindo, por consequência, que fosse encontrada uma solução. E diríamos que foi, de momento, encontrada a melhor solução, e consideramos mesmo histórica a decisão tomada em assembleia geral da Federação Portuguesa de Futebol, realizada no dia 10 de Dezembro último, por unanimidade entre todas as associações de futebol e sem a intromissão do poder político.
Embora a decisão tomada seja já do domínio público, não fugimos a curiosidade de aqui deixarmos reproduzidos os seus aspectos mais salientes.
De agora em diante, a inscrição de jogadores estrangeiros ficou limitada aos seguintes números:

6 jogadores para os clubes da 1.ª Divisão Nacional; 4 jogadores para os clubes da 2.ª divisão nacional; e o mesmo número para as divisões distritais, e para todas as classes não seniores, por classe e para disputa de provas nessa classe, ainda futebol feminino e futebol de cinco.
Contudo, e isto é também muito importante, os jogadores inscritos só poderão ser utilizados nas provas referidas, através da sua inscrição na ficha técnica respectiva, e até aos limites máximos de 4, 3 e 2 jogadores, respectivamente.
Decisão histórica, acentuamos, com a qual muito nos devemos regozijar, porque tomada em sede própria e com base na regulamentação desportiva em vigor e princípios constitucionais estabelecidos.
A terceira e última questão é, consequentemente, a análise ou antevisão do que podem ser os resultados

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ou o alcance que uma medida desta natureza pode influir no futebol jovem português.
É por demais sabido que a crítica mais contundente e constante que vinha sendo veiculada pelos órgãos de informação, por pessoas e entidades mais (e menos) responsáveis, era o estancamento das potencialidades e dos presumíveis valores que despontavam para o futebol nacional, cerceada que lhes estava, praticamente, a possibilidade de demonstrarem as suas qualidades. Isto porque lhes eram fechadas as portas dos clubes, os quais, na mira louvável de uma hipotética melhor classificação, vinham preenchendo os seus quadros com o recurso a jogadores estrangeiros.
Não diríamos que o problema estava a assumir foros de verdadeiro escândalo no futebol nacional, mas o que afirmamos, muito convictamente, é que a continuar-se com este procedimento, estávamos a criar um fosso verdadeiramente catastrófico para os nossos quadros mais jovens.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos que a medida agora tomada pelas estruturas responsáveis pelo futebol português só peca por ser tardia, mas estamos perfeitamente conscientes de que a sua oportunidade está ainda bem a tempo de surtir os desejados efeitos pelos quais todos ansiamos.
A partir de 30 de Dezembro último entrou em vigor a nova legislação, pelo que está já limitada a todos os clubes a inscrição de jogadores estrangeiros, como limitada fica de igual modo a sua utilização em cada jogo, que atingirá os limites aprovados a partir da época de 1991/92.
Com esta medida pretendeu-se salvaguardar os clubes, por virtude dos contratos que têm com os seus jogadores e cuja renovação lhes fica vedada.
Vamos, assim, deixar de assistir a que haja clubes com oito, dez e mais jogadores estrangeiros inscritos nos seus quadros de futebol.
Sempre criticámos esta como que «enxurrada» de jogadores a caminho de Portugal e desde sempre também nos colocámos a favor da sua contratação quando a valia técnica desses jogadores fosse comprovada, isto é, éramos pela sua qualidade e não pela sua quantidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A deliberação agora tomada aponta exactamente nesse sentido, pelo que ficam abertas, a partir de agora, amplas perspectivas quanto ao futuro dos nossos jovens futebolistas, cujas portas de acesso ou de continuidade nos seus clubes estava fortemente limitada.
Jovens futebolistas que devem merecer todo o nosso apoio e confiança, já que na hora própria eles sabem corresponder ao que deles se espera, como recentemente o demonstraram ao sagrarem-se vice-campeões nos campeonatos europeus de juniores A e B.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em finais de Outubro, os moradores dos bairros de renda social foram surpreendidos por notificação do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) que atribuíam novos valores às rendas com aumentos em muitos casos superiores a 100%.
É indiscutível que temos um conceito de habitação social diferente do Governo, mas neste caso estamos perante uma situação de injustiça e exagero flagrantes.
Habitação social deve ter taxas de esforço compatíveis com os rendimentos das famílias, muitas delas provindas de barracas com fraquíssimos recursos económicos, a não ser que com esta medida se pretenda a multiplicação daquelas.
Vejamos, pois, as consequências de aplicação desta política habitacional «exemplar», através de alguns exemplos concretos.

a) Que tem um salário líquido de 44 100$ e que pagava 3000$, passa a pagar 18 130$;
b) Que é reformado, com um pensão mensal de 13 000$ e que pagava 600$, passa a pagar 1450$, por mês;
c)Que tem uma reforma de 17 000$ e que pagava 650$, passa a pagar 8300$;
d) Que ganha 38 500$, que é mãe solteira, e que pagava 880$, passa a pagar 4390$.

Mas há exemplos mais elucidativos desta política: havia quem pagasse 1800$ por mês e vai passar a pagar 17 000$, ou quem tenha 11 filhos, um dos quais na tropa e os outros na escola, que ganhe 40 000$ mensais e que pagava 400$ passa a pagar 1800$ mensais.
Muitos mais exemplos podiam ser apresentados porque, infelizmente, são milhares de cidadãos a viver este drama. Porque de drama se trata, quando em bairros como a Quinta de Cabral, no Seixal, se registam aumentos da ordem dos 1700%.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já dissemos atrás que temos um conceito de habitação social diferente do Governo, porque entendemos que os insolventes também têm direito à habitação, princípio aliás consagrado no artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa.
A política actual da atribuição de subsídios às câmaras e cooperativas, com vista à construção de fogos para venda, apenas favorece uma classe média que tem poder de compra e pode pagar os empréstimos bancários.
Tudo isto porque, infelizmente, com este Governo acabaram os empréstimos colectivos, sendo feitos agora a título singular com contrato individual.
Quer dizer, que quem tem dinheiro tem casa, quem não tem recorre à barraca ou, tão simplesmente, ao «casino estrela».

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta portaria (a n.º 288/83), de que resultam os actuais aumentos, nunca foi aplicada por injusta e gravosa por outros governos, e isto é significativo. Não é menos significativo que seja este Governo a fazer o papel de carrasco, exigindo a sua execução.
As classes mais desfavorecidas vão assim ficar, perante o conceito do Sr. Secretário de Estado da Habitação, sujeitas a rendas sociais que aproximam demais das rendas comerciais.
Não é justo que rendas sociais atinjam valores de 17 000$ por mês. Ou será que 17 000$ é uma renda

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social? Que concepção tem o Sr. Secretário de Estado de renda social?
Será que confunde renda social com renda técnica? Por que é que o artigo 10.º da citada portaria, em que se diz que o ajustamento de renda será efectuado 90 dias após a última alteração do salário mínimo nacional, não foi aplicada? Será por culpa dos moradores? Ou estes serão vítimas de um processo de «burocracite aguda»? Aumentos de 1700% serão para rendas sociais?
Para terminar, cito um filósofo chinês Hsun Tsu que há 22 séculos dizia «o povo é a água e o barco o governante». A água é capaz de aguentar o barco, mas também pode afundá-lo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De Coimbra foi o prior de Santa Cruz, de Alcobaça foi o Abade, Lisboa enviou o prior de São Vicente, Guimarães mandou o prior de Santa Maria, a Santarém mandou o prior de Santa Maria de Alcáçova; as Igrejas de Santarém, Loulé, Faro, Sintra, Alenquer, Torres Vedras, Gaia, Lourinhã, Vila Viçosa, Azambuja, Sacavém, Estremoz, Beja, Mafra e Mogadouro estiveram também representadas pelos seus reitores.
Montemor-o-Novo foi o local escolhido para a reunião plenária de 12 de Novembro de 1288, aí convergiram estes 27 eclesiásticos, tantos quantos os centros culturais então existentes no nosso reino.
Setecentos anos passaram sobre o dia em que abades, priores e reitores dos reinos de Portugal e dos algarves consideraram «ser mui conveniente aos reinos sobreditos e a seus moradores ter um estudo geral de ciências».
Houve plenária decisão que foi entregue ao «Excelentíssimo Dom Dinis, nosso rei e senhor, rogando-lhe encarecidamente se dignasse de fazer ordenar um geral estudo na sua nobilíssima cidade de Lisboa, para serviço de Deus e honra do beatíssimo mártir São Vicente...», pois «a real alteza importa ser não só ornada com as armas, se não também armada com as leis, para que a República possa ser bem governada, no tempo de guerra e paz».
Um ano e meio depois, em documento régio lavrado em Leiria e datado de l de Março de 1290, o Rei Trovador e neto de Afonso-o-Sábio amplia os privilégios concedidos ao referido estudo geral e promete plena segurança a todos que nele estudam ou queiram estudar.
Pouco tempo depois da carta de D. Dinis, mais precisamente a 9 de Agosto de 1290, o Papa Nicolau IV envia de Orvieto a Bula de statu regni portugaliae, documento que vem definitivamente aprovar todas as iniciativas que estavam já em curso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nascia assim, há 700 anos, a Universidade Portuguesa, no período que medeia entre a reunião plenária de Montemor-o-Novo (1288) e a Bula do Papa Nicolau IV (1290).
Posteriormente vem um período em que o estudo geral se muda fisicamente entre Lisboa e Coimbra e logo 18 anos após a sua instalação inicial em Lisboa,
isto é, em 1308, transfere-se para Coimbra onde funcionava a prestigiada escola do Mosteiro de Santa Cruz; mas foi sol de pouca dura, pois em 1338, no reinado de D. Afonso IV, transfere-se de novo para Lisboa, mas também aqui viria a ficar pouco tempo, pois, passados 16 anos (1354), volta de novo à Cidade do Mondego para, em 1377, no reinado de D. Fernando, mudar-se para Lisboa, desta vez por mais de século e meio. Até que, em 1537, e apesar das fortes pressões do Conselho Universitário de Lisboa para que a Universidade se mantivesse na Capital - «... entre as outras cousas que há para se não mudar este estudo, que este bairro em que os estudantes vivem é o melhor para o gasalho e saúde deles que pode haver em seu reino, e que nesta cidade quis El-rei que Deus tem seu pai que fizesse a romaria que se faz com eles cada ano...» -, D. João III transfere a universidade definitivamente para Coimbra, instalando-a no Paço Real de Alcáçova, onde se lia o Direito Civil, o Direito Canónico, a Matemática, a Retórica e a Música, enquanto que nos Colégios de Santa Cruz se estudava Teologia, Línguas Grega e Latina, Filosofia e Medicina.
Os três históricos documentos (a petição dos 27 eclesiásticos, a carta de D. Dinis e a Bula de Nicolau IV) constituem no seu conjunto a génese da Universidade Portuguesa.
Estamos, por isso, a viver (1988-1989) o sétimo centenário da Universidade Portuguesa que, tendo dado os seus primeiros passos em Lisboa, viria mais tarde a ser transferida definitivamente para Coimbra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A velha universidade sediada em Coimbra é uma das mais antigas da Europa, ao lado das de Paris, Salamanca, Bolonha, Montpéllier, Orléans e Valência. Setecentos anos de história desta tão velha quanto prestigiada Universidade Portuguesa, uma história feita de altos e baixos, de avanços, recuos, de formas concretizadas e de reformas adiadas, de objectivos pedagógicos atingidos, mas também por vezes não atingidos porque desviados da sua nobre missão de preparar para o futuro gerações e gerações de jovens, futuros dinamizadores das transformações necessárias para o desenvolvimento e modernização do País.
Universidade tão antiga quanto prestigiada, prestígio este que atingiu tão grandes dimensões que rompeu as fronteiras do velho continente e se espalhou pelo mundo. Por ela passaram, entre muitos outros, homens e mulheres de grande vulto, como: D. Bento de Camões (primeiro cancelário Crúzio, tio e protector de Luís de Camões); Pedro Nunes; o primeiro Bispo da Baía; o Arcebispo de Goa; António Ribeiro Sanches, Carolina Michaelis de Vasconcelos; Antero de Quental; Eça de Queirós; António Feliciano de Castilho; António Nobre; Teófilo Braga; Manuel de Arriaga; Bernardino Machado; António José de Almeida; Afonso Costa; José Relvas; Norton de Matos; Egas Moniz; Elísio de Moura; Miguel Torga, e tantos outros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma universidade repleta de história, cheia de passado, mas que também queremos cheia de futuro, atenta à realidade dos nossos dias, para melhor poder cumprir a sua missão de transmitir o saber, investigar e servir a comunidade.
Setecentos anos após a histórica reunião plenária dos 27 eclesiásticos em Montemor-o-Novo, teve lugar uma outra, desta vez em Lisboa, nesta sala de sessões da Assembleia da República, onde os representantes legítimos do povo português votaram por unanimidade

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a lei de autonomia das universidades. A universidade do passado continuava-se aqui com a universidade do futuro. Uma universidade que todos queremos que seja um motor e um fermento do progresso em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que a Comissão de Regimento e Mandatos reúne às 16 horas e 30 minutos.
Terminado o período de antes da ordem do dia...

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para intervir ainda no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Natália Correia, foi anunciado pelo Sr. Presidente que o período de antes da ordem do dia terminaria às 16 horas e 20 minutos. Portanto, a Sr.ª Deputada ficará inscrita para o próximo período de antes da ordem do dia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - A Sr.º Deputada deseja interpelar a Mesa?

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, com toda a sinceridade, se me permite que interpele a Mesa para dizer o que tinha a dizer na intervenção que iria produzir, é evidente que o farei.
Sr. Presidente, o que tenho a dizer é muito importante, e além disso eu estava inscrita. Portanto, deixe-me falar porque a minha intervenção é muito curta.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, não compreendo por que razão é que o Grupo Parlamentar do PRD não inscreveu a Sr.ª Deputada Natália Correia em primeiro lugar, uma vez que a sua intervenção é, sem dúvida, urgente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia tem um tempo regimental fixado, que pode, por consenso de todas as bancadas, ser prolongado. De momento, a Mesa não dispõe de qualquer indicação para o prolongamento deste período, portanto...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de comunicar à Mesa que, do ponto de vista da minha bancada, não vemos qualquer inconveniente -antes pelo contrário - em que a Sr.ª Deputada use da palavra.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, pensamos que devia haver um prolongamento do período de antes da ordem do dia de hoje - aliás, durante esta semana não haverá mais período antes da hora do dia -, uma vez que do nosso período da ordem do dia apenas consta a apreciação de um diploma.
Nestas circunstâncias, pela nossa parte, damos o consenso a que o período de antes da ordem do dia seja prolongado, pois também tínhamos outra intervenção para fazer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, as regras do jogo devem ser claras! O que disse há pouco pareceu-me claro. Se havia urgência em que a Sr.ª Deputada usasse da palavra, então, ela deveria ter falado em primeiro lugar. De qualquer modo, estamos de acordo em que a Sr.ª Deputada intervenha, prolongando-se o período de antes da ordem do dia, a título excepcional, somente para este efeito.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria, apenas de dar o consenso do meu grupo parlamentar no sentido de se prolongar o período de antes da ordem do dia nos termos regimentais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há consenso para que o período de antes da ordem seja prolongado permitindo, deste modo, que a Sr.ª Deputada Natália Correia use da palavra.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por agradecer o cavalheirismo do PSD, até porque não vou ser gentil com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser muito breve e usarei da palavra para apoiar a indignação manifestada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos pelo facto intolerável, de o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se ter exprimido em inglês na Conferência de Paris sobre proibição das armas química, isto quando os países de expressão oficial portuguesa usaram da língua que tem a sua matriz e o seu berço em Portugal. Mas, pelos vistos, terá o seu berço e a sua matriz mas não tem o seu futuro em Portugal...! A explicação de que não havia dinheiro para pagar a tradução é absurda!...
Cheia de vergonha por este vexame infligido à nossa língua, pergunto se o prestígio da língua portuguesa não vale umas centenas de contos!...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Muito bem!

A Oradora: - O miserabilismo sobrepõe-se ao brio nacional! Que tristeza! Onde chegámos!...
Tendo presente o que disse o universalmente celebrado poeta português, Fernando Pessoa, «a minha pátria é a língua portuguesa» e, tendo como princípio indiscutível esta afirmação do poeta, será caso para

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perguntar qual é a pátria do Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, humilhando a nossa língua ao recorrer à língua, nos recorda aqueles velhos e humilhantes tempos em que pouco mais éramos do que apagados e vis servidores do poderio inglês.
Termino a minha intervenção, louvando o presidente do Grupo Parlamentar do PRD - não por eu estar nesta bancada, de qualquer maneira, fá-lo-ia - por ter sido o primeiro líder político a manifestar publicamente o seu protesto relativo a este triste caso que não poderá deixar de constituir motivo de repúdio nacional.
Espero que seja, apenas, uma gafe do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e que, portanto, não volte a repetir-se.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia com a apreciação da Proposta de Lei n.º 70/V - Autoriza o Governo a aprovar os estatutos da Casa do Douro e respectivo regulamento eleitoral.
Srs. Deputados, como o Governo ainda não está presente, penso que poderemos aguardar um minuto.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que não está presente qualquer membro do Governo, penso que poderíamos ter prolongado o período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - A Mesa tem a informação de que os membros do Governo que vão participar neste debate já vêm a caminho do Plenário.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que o período de antes da ordem do dia se prolongou, embora ligeiramente, os membros do Governo que participarão no debate estavam no gabinete do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares a aguardar que começasse o período da ordem do dia para virem para o Plenário. Creio que, neste momento, já devem estar a caminho da Sala, portanto, não há justificação para que se faça um intervalo ou um prolongamento excepcional do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, se os membros do Governo estão a caminho do Hemiciclo, não tenho nada a dizer, caso contrário, penso que poderíamos fazer um intervalo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com a informação de que a Mesa dispõe os membros do Governo estarão presentes dentro de momentos.

Pausa.

Srs. Deputados, uma vez que o membros do Governo já se encontram presentes, podemos iniciar os nossos trabalhos com a discussão da Proposta de Lei n.º 70/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Então, o Governo não apresenta a proposta de lei?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, detectei uma certa perplexidade nalguns sectores da Câmara pelo facto de o Governo não se ter inscrito para apresentar esta proposta de lei. No entanto, devo lembrar que o Governo já o fez, aquando do debate, na generalidade, desta proposta, ao apresentarmos a posição subjacente ao pedido de autorização legislativa solicitado à Câmara.
A proposta baixou à comissão especializada para nova apreciação e, portanto, não vemos razão para reeditar a apresentação da mesma. Daí que nos estejamos a reservar para a discussão na especialidade, designadamente do artigo 1.º, onde está, digamos - se me permite a expressão -, o «substracto» desta proposta. No entanto, se quiserem colocar alguma questão é evidente que estamos à vossa disposição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de, antes de entrar na apreciação da proposta de lei em análise, tecer algumas considerações de natureza política sobre o ambiente que rodeou este debate.
Gostaria de começar por esclarecer que o CDS rejeita liminarmente todas as tentativas que foram feitas para transformar uma discussão que se deseja séria, ou pelo menos com uma seriedade compatível com a natureza dos interesses em presença, numa diferenciação entre os bons e os maus, entre aqueles que apoiam e são admiradores da Casa do Douro e aqueles que a combatem. É uma maneira de fazer política a que nós não aderimos e é uma maneira de actuar perante matérias cuja seriedade justificava outro tipo de intervenção política.
Quando a minha bancada e eu próprio intervimos nesta matéria estamos particularmente à vontade. Fomos nós, no governo da Aliança Democrática, que apresentámos o Decreto-Lei n.º 486/82, de 28 de Dezembro, que foi o primeiro diploma que deu à Casa do Douro uma estabilidade que os primeiros anos da revolução lhe tinham roubado.

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Fomos nós que tivemos a coragem de assumir o estatuto de originalidade da Casa do Douro, defender soluções que, embora transitórias, eram de equilíbrio, e que contra ventos e marés aprovámos esse primeiro diploma.
Também fomos nós que nesta Assembleia, quando um Governo onde o PSD participava apresentou um projecto de decreto-lei para extinguir a Casa do Douro, pedimos a ratificação desse decreto-lei e tivemos a coragem de o negar e de convencer os nossos amigos do PSD, pela primeira vez, a porem-se contra o seu Governo e a votarem contra essa ratificação.
Estamos, pois, muito à vontade, politicamente para tratar destas matérias. Consequentemente, o dizer-se e o espalhar-se que o CDS e eu próprio estamos a fazer uma campanha no sentido de menorizar a Casa do Douro, de lhe coarctar privilégios, que lhe eram devidos, e de tentar, por uma ou outra forma, pôr-nos contra os legítimos interesses da lavoura duriense, é uma calúnia, uma mentira e é uma forma baixa de fazer política.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Em relação a esta matéria, devo dizer que a nossa intervenção quando ela foi aqui apresentada pela primeira vez, revelou-se, a todos os títulos, útil, porque nem sempre é servir correctamente os interesses em presença quando se diz «sim» a tudo, quando se aceita o que é inaceitável só para fazer não política mas politiquice, não para defender verdadeiramente os interesses mas para se dizer que se defendem os interesses, não para ganhar a credibilidade própria das soluções consistentes mas para angariar o voto transitório.
Nessa altura, tivemos necessidade de dizer que o primeiro projecto que veio à apreciação desta Câmara tinha claros laivos de inconstitucionalidade. Não entendíamos fundamentalmente dois aspectos, para além de outros de menor importância.
O primeiro aspecto, era o de que fosse necessária a inscrição obrigatória na Casa do Douro para que se pudesse fazer lavoura na região duriense, ou seja, quem não estivesse inscrito na Casa do Douro não podia ser lavrador na região duriense. Isto era algo impensável, que contrariava direitos fundamentais, que era prejudicial à própria Casa do Douro e que ia pôr lavradores contra lavradores, ou seja, os que estão contra aqueles que queriam estar. Enfim, era algo inaceitável!
É evidente que quem não estivesse recenseado na Casa do Douro não deveria nem poderia usar as nomeações de origem em relação aos seus produtos, nem utilizar rótulos e marcas de origem, que só a fiscalização da Casa do Douro consentiria pudesse ser apostos. Mas daí até ao exercício da sua actividade vai o passo, que é o abismo; abismo que separa a constitucionalidade da inconstitucionalidade, a liberdade na intervenção económica e dos agentes económicos do corporativismo de Estado de tão má memória.
Por isso, entendemos - e dissemo-lo aqui - que não votaríamos a proposta se este aspecto não fosse objecto de emenda. E foi objecto de emenda, não da que desejaríamos, mas foi dado um passo importante nesse sentido. Desta forma, os Srs. Deputados João Maçãs e Costa Andrade, na Comissão de Agricultura, apressaram-se a apresentar uma proposta de emenda que já não refere a inscrição obrigatória mas, sim, o recenseamento e que diz, claramente, que só os lavradores recenseados podem exercer a lavoura na região do Douro.
Entendemos, pois, que foi dado um passo positivo no sentido de aperfeiçoamento mas que ainda é necessária uma clarificação, porque é evidente que o recenseamento, na economia de todo o diploma - e aí uma palavra de elogio ao Governo que, finalmente, fez acompanhar o pedido de autorização legislativa do decreto-lei que tenciona promulgar e do estatuto eleitoral (coisa que não tinha acontecido na primeira discussão) -, é um dever funcional da Casa do Douro. O recenseamento é algo que a Casa do Douro deve fazer, tal como consta da alínea b) do artigo 3.º e de outros artigos deste diploma.
Ora, sendo um dever da Casa do Douro presume-se que todos os lavradores inscritos, ou que trabalham nessa região e cuja produção esteja em condições de ter a denominação de origem serão recenseados. Portanto, entendemos benéfica esta mudança no sentido de afastar o princípio da inscrição obrigatória para colocar o recenseamento num «poder/dever» da Casa do Douro que deve ser exercido de acordo com normas claras, não excluindo ninguém cujo acesso seja legitimado ao exercício da actividade.
O segundo aspecto importante realçado pelo CDS tinha a ver com a representação. Na discussão do Decreto-Lei n.º 486/82 tivemos ocasião de focar este aspecto mas -, e é bom que se diga - nunca nos passou pela cabeça que a Casa do Douro tivesse exclusivo da representação da lavoura organizada, nem era útil que isso acontecesse! A representação da lavoura organizada deve caber às associações, que não devem ser vistas como adversários que se repudiam mas, sim, como interesses organizados que se devem acolher. Pensamos que as representações exclusivas dão maus resultados!
As associações e os produtores devem ser livres de se organizarem e o diálogo deve ser estabelecido com todos pelo que não deve haver, em termos de representatividade, associações de primeira e de segunda, umas que gozam de determinadas regalias e outras que não. Também este aspecto foi objecto de emendas e, portanto, o texto da proposta agora apresentado ganha em clareza, em justiça e em relação aos agentes económicos da região.
Um terceiro aspecto que gostaria de salientar tem a ver com uma ideia mais geral. Pensamos que era importante fazer-se agora aquilo que em 1982 não foi possível, pois entendemos que este poderia ter sido o momento de olhar para a lavoura duriense de uma maneira mais comunitária, ou seja, dando corpo a uma regulamentação concertada e global dos diversos interesses em presença. E, se é certo que esses interesses têm um peso muito grande na Casa do Douro - o que ninguém nega, antes pelo contrário - também não é menos certo que há um peso muito importante noutras instituições, nomeadamente no Instituto do Vinho do Porto e nos sectores do comércio que, como é óbvio, necessitam de uma regulamentação concertada e global.
Pensamos, pois, que este era um bom momento para fazer esta regulamentação e por isso tivemos ocasião de dizer que é um erro, sem qualquer justificação, considerar-se o Conselho Interprofissional Vitivinícola, previsto nestes estatutos, como um órgão da Casa do

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Douro. Tal como o nome indica, trata-se de um conselho interprofissional onde têm assento a produção, o comércio, outras actividades e outros agentes. Devia, obviamente, ser um orgão independente. É absolutamente impossível prever como é que esse conselho funciona dentro da Casa do Douro...
Em nosso entender, era a sede própria para estabelecer o diálogo institucional, para estabelecer a concertação indispensável para que esta regulamentação global e concertada - como há pouco dizia - pudesse ser eficaz. Mas porque essa sugestão não foi aceite, o conselho interprofissional continua e mantém-se como orgão da Casa do Douro e, como é evidente, é pena que assim seja!
Outros aspectos, no entanto, devem ser corrigidos neste decreto-lei. Irei referi-los telegraficamente, dada a falta de tempo.
Em primeiro lugar, quando se fala em escoamento da produção, diz-se que a Casa do Douro fica sob a coordenação do organismo estatal a quem competirá esta matéria. Entendemos que é errado, que a Casa do Douro perde autonomia se ficar sob a coordenação desse organismo. Que a Casa do Douro escoe esses produtos de acordo com esse organismo, é uma coisa; se o fizer sob a coordenação, é outra muito diferente com a qual não estamos de acordo.
Também não se prevê nos estatutos que a Casa do Douro possa pôr no mercado os seus produtos. Porquê essa ausência? Aconselhamos a que no decreto-lei essa possibilidade venha, também, a ser contemplada.
Finalmente, um último aspecto: em relação aos deveres dos sócios previstos no artigo 6.º, é evidente que há alguns que não são aplicáveis a todos, mas só devem ser aplicados aos sócios inscritos na Casa do Douro. Ou seja: generaliza-se um conjunto de deveres a entidades que, não se encontrando voluntariamente inscritas, não devem ser sujeitos desses mesmos deveres.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para terminar diria que se deram passos importantes no sentido da correcção daquilo que era indispensável corrigir. Muitos outros ainda terão de ser dados e nós aguardamos que a correcção deste decreto-lei possa ainda ser feita, com audiência e participação de todos - o que não foi o caso destes estatutos -, de todos respeito, e não apenas de alguns, com espírito de melhoria e sentido dinâmico, ou seja, perspectivando a Casa do Douro do sentido evolutivo e não no estático.
Entendemos esta proposta como uma proposta de lei já corrigida mas ainda com muitos erros e com algumas lacunas em relação a princípios que consideramos essenciais.
A nossa posição neste debate e na votação vai ser, pois, de abstenção. Abstenção essa que se deve entender como dinâmica e não como abstenção que desligue o meu partido desta aprovação; será uma abstenção interessada numa melhoria, uma abstenção que se deseja constitua o primeiro passo para um voto favorável no futuro, que seja um primeiro passo para uma futura e clara adesão, que nós desejamos. Mas para essa adesão algumas coisas neste estatuto têm de mudar, sobretudo aquelas que têm a ver com a modernidade e com a adequação ao espaço europeu em que nos vamos inserir, que têm a ver, fundamentalmente, com uma regulamentação de toda a lavoura duriense, que não pode rever-se nestes estatutos que vamos agora votar.
Portanto e em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa abstenção é um desejo: é o de que ela própria se venha a transformar em adesão e em louvor ao decreto-lei que venha a ser aprovado depois de corrigidos os aspectos que agora tivemos ocasião de focar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Muito embora seja certo que o Governo parece não estar muito interessado em prolongar este debate ou, pelo menos, a intervir nele, tomo a liberdade de a ele me dirigir. E faço-o retomando uma afirmação que já proferi no debate de apresentação desta proposta de lei, ou seja, a de que o Governo estava usando e abusando da figura do pedido da autorização legislativa, o que, em determinadas matérias, comporta consequências que, em última instância, revertem, pura e simplesmente, contra aqueles que serão, à partida, os interessados no caso vertente, isto é, a própria Casa do Douro.
Penso que a apreciação que fizemos em sede de comissão especializada sobre esta matéria confirma a nossa razão ao considerarmos que o Governo escolheu a pior forma de abordar este problema.
Por outro lado, sendo impossível considerar as propostas formuladas como de melhoria ou de alteração dos estatutos, na medida em que o projecto de estatutos foi enviado à comissão a título particular e meramente informativo e, portanto, sem valor legal nem vinculativo para o Governo, levantam-se-nos dois tipos de problemas, o primeiro dos quais é o de efectivamente não estar assegurado por parte do Governo, que serão respeitados princípios e interesses legítimos da Casa do Douro em matéria estatuária, dado que o Governo fica senhor absoluto de poder introduzir tudo que pretender nos estatutos, sem que tenha ficado vinculado perante esta Assembleia.
Quanto ao segundo problema, traduzido na possibilidade de se invocar a inconstitucionalidade do pedido de autorização legislativa do Governo, pretendeu o PSD, mais ou menos, ultrapassá-lo, avançado algumas propostas de alteração em sede de comissão. Mas, no fundo, estas propostas não passaram da introdução na proposta de lei de um enumerado de princípios estatuários que, pura e simplesmente, fazem parte da legislação normal e corrente sobre esta matéria no que toca à estrutura e regime eleitoral dos corpos gerentes de qualquer sociedade, não definindo minimamente o sentido da autorização legislativa, ou seja, não definindo nem estipulando com um mínimo de rigor, a amplitude das funções da Casa do Douro, a dimensão da sua capacidade de intervenção na defesa dos interesses dos produtores da região e da economia do vinho do Porto; nem sequer definindo o âmbito e a inter-relação da Casa do Douro com o Instituto da Vinha e do Vinho e com a Comissão Vitivinícola Interprofissional. E a única forma de se estabelecer esta interligação é invocar o tal projecto de estatutos que veio por mera - digamos - «forma particular» para informar os deputados da Comissão Parlamentar de Agricultura.

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Ora, isto criou outra situação complexa à Comissão de Agricultura que foi a da impossibilidade objectiva de promover a audição e o atendimento dos interessados em toda esta problemática, porque a comissão não o poderia fazer com base num projecto de estatuto que não tinha qualquer valor legal ou vinculativo para o Governo.
Postas estas questões, penso que as propostas que temos de formular mostram que os estatutos da Casa do Douro poderiam vir a beneficiar, inclusivamente, de um debate sério, em sede de comissão, que permitiria obstar, por exemplo a algumas situações perfeitamente empobrecedoras dos estatutos, tal como o Governo nos fez chegar ao respectivo projecto. Vou dar alguns exemplos: o Governo, nos estatutos apresentados - conforme o sentido previsto no artigo 2.º, alínea g) - pretende subordinar a actuação da Casa do Douro no que respeita a «desenvolver medidas tendentes à regularização do mercado dos produtos vínicos da região e ao, fomento da qualidade dos mesmos, bem com o escoamento dos vinhos não comercializados», quando diz que «deve concretizar-se de acordo com o organismo (...)» - e, aqui, nesta matéria intervém no âmbito nacional.
Ora, eu diria que a Casa do Douro é uma pessoa colectiva de direito público e não é, nem deverá ser certamente, um meio ou um instrumento de intervenção subordinado a um organismo de âmbito nacional de intervenção no mercado, de onde, a actuação da Casa do Douro deve proceder de acordo com esse organismo e não sob coordenação dele, o que não faria sentido.
Uma segunda questão a colocar tem a ver com o Conselho de Vitivinicultura Inter profissional. Pensamos, sem prejuízo daquilo que o Governo avança no projecto de estatutos (artigos 27.º, 28.º e 29.º), que este Conselho Vitivinícola Interprofissional não pode ser - e, repetimos, sem prejuízo do que é avançado nos artigos 27.º, 28.º e 29.º do projecto de estatutos - não pode ser, dizíamos - é que não é não deve mas, sim, não pode -, um órgão da Casa do Douro. Isto não tem qualquer sentido e, mais, choca com a lei-quadro que regulamenta a criação das regiões demarcadas mesmo tendo em conta a especificidade da região da Casa do Douro. Por outro lado, os estatutos - como já aqui foi dito - não consignam o direito de a Casa do Douro colocar livremente no mercado os seus produtos, desde que correspondam à qualidade exigida para os vinhos da região. Obviamente, este princípio deve estar explícito porque a Casa do Douro não pode voltar a ter uma situação, como já teve, de condicionamento da sua intervenção no mercado. Deve, portanto, ficar consignado que tem o direito de comercializar os produtos vínicos de que é detentora.
Outra questão: no artigo 16.º está previsto que a renúncia ou impossibilidade permanente de qualquer dos membros da direcção prosseguir na sua função activa implica a realização de novas eleições. Bom! Isto como princípio geral até se pode admitir, mas não deixa de ser uma aberração, senão, veja-se: se um mês, ou dois, ou três, antes de terminar o mandato normal da direcção da Casa do Douto, há um membro da direcção que se demite ou se vê impossibilitado de continuar nas suas funções, tem de demitir-se toda a direcção para se proceder a novas eleições, ainda que se esteja a meia dúzia de dias do final do mandato dessa mesma direcção. Pensamos que isto não pode ser e que tal situação tem de estar devidamente contemplada. Daí que, por persistir o princípio da não existência de membros suplentes na direcção da Casa do Douro, nós tivéssemos apresentado como proposta de sugestão que a renúncia ou impossibilidade permanente de qualquer dos membros da direcção da Casa do Douto só deverá implicar a realização de novas eleições para o órgão se ocorridas até um prazo limite, antes da data normal do termo do mandato da direcção em exercício. Tal prazo, no nosso entender, não deve ser inferior a 250 dias.
Finalmente, uma referência à matéria do regulamento eleitoral da Casa do Douro. É que, embora o projecto de estatutos avançado pelo Governo - repito, sem carácter vinculativo, e isto só para referenciar, porque é a única forma de podermos contribuir positivamente para o enriquecimento dos próprios estatutos que venham a ser publicados - preveja a existência de uma comissão eleitoral, não define como é que vai aparecer, em, como é constituída. Nós pensamos tratar-se de outra omissão extremamente grave e a isenção do processo carece que ela esteja devidamente acautelada.
Nesta perspectiva, também aqui, avançámos com uma proposta - que vale, sobretudo, pela concepção que lhe está inerente - no sentido de que esta comissão eleitoral seja constituída por três elementos nomeados pelo Conselho Regional de Vitivinicultores (que é, em primeira instância, o órgão representativo da própria lavoura), que tenha um elemento por cada lista concorrente e um magistrado do Ministério Público.
Julgamos que esta é a forma de assegurar o processo de actuação da comissão eleitoral com toda a isenção e de forma - digamos - comummente aceite por todos os interessados intervenientes no processo eleitoral.
Ainda em relação ao regulamento eleitoral, pensamos que também deve ficar consignado o direito de recurso das decisões da comissão eleitoral para os tribunais comuns. É um princípio que consideramos, igualmente, básico.
Finalmente, uma outra situação. É certo que não se prevê a existência de membros suplentes para a direcção da Casa do Douro mas, para efeitos eleitorais, não se pode correr o risco de um membro da lista ficar impossibilitado de concorrer às eleições se dois ou três dias antes do acto eleitoral ficar impedido por morte, acidente ou por qualquer razão de força maior. Isto é perfeitamente aberrante? Isto não pode acontecer! Ou o processo eleitoral voltava todo ao princípio ou uma lista ficava impossibilitada de concorrer porque um dos seus elementos, durante a fase pré-eleitoral, por qualquer razão - por exemplo, por morte -, tinha ficado impossibilitado de fazer parte dela. Ora isto não pode ser! Tem de existir um mecanismo que possibilite o ultrapassar desta situação. Daí que avancemos a proposta de as listas de candidatura para a direcção da Casa do Douro apresentarem suplentes para suprir eventualidades que inviabilizem a participação de qualquer dos candidatos efectivos no período que medeia entre a apresentação das listas e o acto eleitoral. Considerarmos ser esta uma forma de obstar a esse inconveniente.
Terminaremos, deixando desde já expressa a nossa disposição de contribuir de forma útil e construtiva para que os estatutos da Casa do Douro sirvam, sobretudo, a lavoura duriense, os interesses dos produtores, a economia da região e a economia nacional, como é óbvio.

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Por fim, quero deixar claro que recusamos o princípio de que os produtores não são parte isenta para a comparticipação na defesa da qualidade do vinho do Porto. Dizemos isto porque, algumas vezes, surgem opiniões do tipo: «Bom, a análise da qualidade dos vinhos deve recair sobre um organismo, em princípio, do Estado, isento, porque os produtores eventualmente não o serão». Não aceitamos este princípio! Consideramos que os produtores são os interessados em primeira instância e que a Casa do Douro tem idoneidade para participar na defesa da qualidade do vinho do Porto. Admitimos, porém, que haja uma interligação entre a Casa do Douro e um instituto igualmente vocacionado para o controlo da qualidade.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado João Maçãs e o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Deputado Rogério Brito, fiquei perplexo com o intervenção que o Sr. Deputado acabou de fazer.
Em primeiro lugar, gostaria que V. Ex.ª esclarecesse a Câmara se insinuou ou se disse mesmo que a Comissão da Agricultura e Pescas não dispôs, atempadamente, dos elementos necessários relacionados com os estatutos da Casa do Douro e com o seu regulamento eleitoral. De facto, se disse tal, isso é incrível! É que dois dias depois da discussão na generalidade nesta Câmara, o Sr. Secretário de Estado de Alimentação, aliás, conforme prometera na altura, forneceu à comissão todos os elementos, sem na verdade ter de o fazer, pois tratava-se de uma autorização legislativa. Assim, todos os deputados que compõem a Comissão de Agricultura e Pescas passaram a dispor desses elementos ao fim de dois ou três dias após a discussão na generalidade.
O Sr. Deputado Rogério de Brito referiu na sua intervenção que não havia elementos e que, portanto, não foi possível tratar da melhor forma esta matéria, precisamente por falta desses elementos.
Gostaria que o Sr. Deputado nos esclarecesse relativamente a este assunto, pois ou fui eu que não percebi ou ouvi mal, o que disse ou, então, o Sr. Deputado Rogério Brito pretendeu incutir no espírito da Câmara e das pessoas que estão aqui a assistir uma ideia diferente daquilo que foi, de facto, a realidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, também queria perguntar ao Sr. Deputado se não acha que a intervenção que acabou de fazer está fora de objecto desta discussão. É que o Sr. Deputado fez uma intervenção relacionada com os estatutos da Casa do Douro e com o respectivo regulamento eleitoral quando, de facto, o que hoje estamos a debater é uma autorização legislativa. Deste modo, não tem de abordar esta matéria ou, por outra, tem de o fazer mas não em termos de discussão na especialidade, conforme está a fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Sr. Deputado Rogério de Brito, V. Ex.ª começou a sua intervenção com a habitual catilinária a propósito do Governo usar e abusar - em sua douta opinião - das autorizações legislativas.
Não vou entrar na matéria de pormenor que V. Ex.ª referiu, porque estamos num debate na generalidade e não da especialidade, estamos a reeditar um debate na generalidade por vontade da Câmara que, obviamente, respeitamos e, ainda por cima, não estamos a discutir os estatutos da Casa do Douro nesta sede. De maneira que deixarei ao lado essa matéria, tanto mais que, como V. Ex.ª sabe, não o escondo, não é da minha especialidade. Simplesmente não posso deixar em claro que V. Ex.ª, sistematicamente - V. Ex.ª em particular, mas a Oposição em geral -, venha abrir hostilidades em relação ao Governo a propósito da apresentação, quanto a vós sistemática, de autorizações legislativas.
Compreendo a posição do Partido Comunista Português, pois se não houvesse o instituto das autorizações legislativas este Governo não teria conseguido legislar, em tempo útil, e provavelmente não teria conseguido legislar até ao fim do seu mandato, por exemplo, as alterações à lei de bases da reforma agrária, as alterações à legislação laboral, a legislação que permitiu iniciar o processo de privatizações. Daí, evidentemente, o vosso afrontamento em relação a este processo.
Quero apenas dizer que o que o Governo estranha é que VV. Ex.ªs se surpreendam, porque sabem perfeitamente que estão mais de três centenas de diplomas pendentes de apreciação nesta Câmara e que se não houvesse este processo expedito das autorizações legislativas, utilizado parcimoniosamente, como o temos feito, nunca mais sairíamos daqui, Sr. Deputado. Compreendo que talvez seja essa a intenção de V. Ex.ª, mas não é a nossa.
De resto, o Governo entende que cumpriu escrupulosamente aquilo que consta na Constituição Portuguesa a propósito das autorizações legislativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Se me permitissem começaria por responder ao Sr. Deputado João Maçãs, que começou por dizer que estava perplexo - eu quase que diria que, por impacto das suas palavras, quem teria razão para estar perplexo era eu - e terminou dizendo «Vou fui eu que não percebi ou que ouvi mal...». Ora começaria a minha resposta às suas questões exactamente aqui.
O Sr. Deputado não percebeu, o Sr. Deputado ouviu mal, porque não foi nada disso que o Sr. Deputado percebeu ou ouviu que eu disse. Aquilo que referi foi que à Comissão de Agricultura e Pescas chegou um projecto de estatutos que não tem carácter vinculativo para o Governo nem valor legal e que, por isso mesmo, não pode ser utilizado como instrumentos de audição junto das entidades interessadas, que eram, neste caso, as organizações da lavoura, a Casa do Douro, em última instância, etc. Ora, isto não é, de maneira alguma, a mesma coisa.

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Quanto a estarem de acordo ou não com esta interpretação, admirávamo-nos nós que uma maioria tão fielmente seguidora do Governo estivesse de acordo connosco. Com certeza! Só que os senhores não podem exigir que esse seja o nosso comportamento. Aliás, essa vossa visão, permitam-me que lhes diga, é extremamente totalitária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - Em relação à minha interpretação, que consideram como fora do âmbito do que está em debate, que não tem de se fazer a discussão desta matéria na especialidade, devo dizer-lhe que acordámos em apreciá-la hoje, porque ela não foi votada na generalidade aquando da primeira discussão, que hoje faríamos a discussão na generalidade e, de seguida, passaríamos à votação na especialidade. Isto é o que foi acordado. Se os senhores acham que não, parece-me que estão a boicotar o Governo e a querer prolongar o processo de resolução deste estatuto, porque, pela nossa parte, estamos na disposição de também votarmos hoje na especialidade e de a autorização legislativa ficar assim «despachada». Estamos nessa disposição, não vamos continuar aqui com pró-formas que não resolvem nada, porque a maioria terá sempre a última palavra, como aliás, ela gostaria de o fazer sentir.
Sr. Deputado, queria ainda dizer-lhe que quando o Governo não nos faculta um instrumento que nos permite tomar parte activa e construtiva na resposta e solução dos problemas, temos todo o direito de invocar na discussão os problemas que consideramos relevantes e que pensamos deverem ficar acautelados. Também aqui diria que esta visão da maioria é exactamente a de quem, porque tem uma maioria, julga que a democracia é a imposição da sua maioria, pura e simples, sem que os outros tenham sequer direito a manifestar-se. Diria que, mais do que totalitários, estão a ser extremamente monopolizadores, mas isso está de acordo!
Em relação às hostilidades ao Governo, Sr. Ministro, diria que não há qualquer hostilidade. O que há é o reconhecimento de que os pedidos de autorização legislativa são efectivamente utilizados de um forma que entendemos abusiva, porque é sistemática e porque atinge um volume que, como solução, contraria a própria função legislativa da Assembleia.
Finalmente, quanto à referência Sr. Ministro, de que as leis que invocou ainda andariam a ser certamente mastigadas e que assim se despacharam muito rapidamente, penso que o Sr. Ministro tem esse raciocínio porque tem alguns problemas de consciência que resultam do facto de que se o Governo não pensasse em legislar sozinho, permanentemente isolado na sua maioria, contra toda a Oposição, as coisas não demorariam tanto tempo a ser resolvidas. Isso resulta do facto de os senhores terem uma concepção do poder que é a do quero, posso, mando e determino. Nós não aceitamos esse princípio!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Mota, pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar vai dar agora uma conferência de imprensa, pelo que ao abrigo das disposições regimentais, pedíamos a interrupção dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é regimental, está concedido.
Mas antes da suspensão quero informar os Srs. Deputados que deu entrada na Mesa um requerimento, que já foi distribuído pelas diferentes bancadas, e que diz o seguinte: «De acordo com os preceitos regimentais aplicáveis, feita a votação na generalidade, requer-se que se passe imediatamente à discussão e votação na especialidade da Proposta de Lei n.º 70/V».
Srs. Deputados, estão interrompidos os trabalhos.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária Apolónia Teixeira vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento de Mandatos.

Foi lido: É o seguinte:

Relatório de parecer da Comissão de Regimento de Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimentos e Mandatos realizada no dia 10 de Janeiro de 1989, pelas 15 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

1 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Carlos Alberto Pinto (Círculo Eleitoral de Castelo Branco) por Fernando Barata Rocha. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b), do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 385, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de 15 (quinze) dias, a partir do dia 9 de Janeiro corrente, inclusive.

2 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):

Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro (Círculo Eleitoral de Viseu), por Maria do Céu Fernandes Oliveira Esteves. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de 60 (sessenta) dias, a partir de 11 de Janeiro corrente, inclusive.

3 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos

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não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

4 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

5 - Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Secretário: João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD) - Álvaro José Rodrigues de Carvalho (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Granja Rodrigues da Fonseca (PSD) - José Alberto Puig dos Santos Costa (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - António de Almeida Santos (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Alves Marques Júnior (PRD) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PV) - João Cerveira Corregedor Fonseca (IND).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o relatório e parecer que acabou de ser lido.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes e dos Deputados Independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista abstém-se na votação da proposta de lei de autorização legislativa por um conjunto de razões que ficam expressas no documento anexo apresentado, em devido tempo, à Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas.
Além dessas razões, outras há que inspiram o sentido de voto, nomeadamente as regras que definem a capacidade eleitoral dos vitivinicultores.
Esta definição é insuficiente e marcadamente confusa. A questão não é de menor importância, dado que estão em causa direitos fundamentais e visto que o organismo em discussão, a Casa do Douro, terá competências públicas e poderes administrativos tais como fixar taxas, impor multas, condicionar legalmente uma actividade económica, obrigar os vitivinicultores a cumprir as suas resoluções e obrigar os cidadãos a inscrição e a recenseamento.
Não estão bem determinadas as circunstâncias da capacidade eleitoral em casos muitíssimo frequentes na região. Se houver, num prédio, senhorio e inquilino, senhorio e rendeiro, ou parceiros, tem cada um o seu voto? Como é feita a distinção entre titulares ou responsáveis por um prédio, uma exploração agrícola, uma sociedade ou uma propriedade? Em caso de propriedade indivisa, o número de votos é igual ao número de titulares de direito de propriedade? Nos casos de sociedades por quotas ou por acções, cada accionista ou cada sócio tem direito de voto? São muitas as ambiguidades e insuficiências do projecto anexo à proposta. Por isso o Grupo Parlamentar Socialista anexa a esta declaração os seus próprios «comentários», na esperança de ver o Governo corrigir profundamente o seu texto.
Tinha razão o Grupo Parlamentar do PS quando alertou, na primeira discussão em plenário, para alguns erros. Assim é que os deputados do PSD C. Duarte e J. Maçãs apresentaram propostas de alteração que melhoraram ligeiramente o texto inicial, mas que infelizmente não vão tão longe quanto deveriam ir e seria necessário. Tínhamos igualmente razão quando afirmámos ser necessário remeter aos parlamentares uma cópia do projecto de estatutos. Contrariado, o Governo acabou por ceder, sem aliás, conferir ao acto um carácter oficial, o que se estranha. A verdade é que tal situação tornou possível a apresentação, por deputados da maioria, de alterações, que são o resultado da sua própria autocrítica.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista sublinha os princípios que defende para a região do Douro e que gostaria de ver transformados em critérios inspiradores da lei.
Em primeiro lugar, a unidade da região, instrumento da sua força e da sua personalidade. Quem, no passado, pretendeu enfraquecer a região, tentou sempre a mesma via: a divisão. Entre o Douro e o Porto; entre os vinhos finos e de pasto; entre a lavoura e o comércio; entre os concelhos; entre os distritos; entre as duas margens do rio Douro; entre os vitivinicultores do Baixo-Corgo e os do Cima-Corgo; eis algumas divisões exploradas no passado por todos quantos tentaram beneficiar da fraqueza do Douro.
Segundo, a autonomia dos organismos representativos dos durienses e dos lavradores. Ninguém melhor do que eles sabe exprimir os seus interesses, nem precisam que o Estado, os governos ou outras entidades se proclamem seus porta-vozes ou padroeiros. Esta convicção, fundada na experiência, inclui a certeza de que o durienses sabem que os seus interesses residem na qualidade dos seus vinhos e no rigor com que organizam as suas actividades produtivas. Como também sabem que a estabilidade na organização e na concertação é essencial para o desenvolvimento do comércio e dos mercados.
Defendemos também a presença do Estado num sector com esta importância, mas numa posição arbitrai e de garantia, não como intervenção burocrática e paternalista; e pretendemos que às entidades públicas pertença um papel importante no apoio ao desenvolvimento regional e social, numa perspectiva mais vasta do que a da monocultura.
Em quarto lugar, somos partidários do inter-profissionalismo e do progresso da autodisciplina: sem confusão de funções, sem usurpação de competências e sem domínios disfarçados, são aquelas as condições para um real equilíbrio social na região, tal como nos indica a experiência histórica e tal como aconselham os exemplos de outras regiões produtoras de vinhos de qualidade.

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Defendemos finalmente o equilíbrio entre a liberdade e a necessária regulamentação com vista à preservação dos padrões de qualidade. A autodisciplina e o inter-profissionalismo com participação do Estado parecem ser as soluções com futuro e não o proteccionismo corporativo e estatal que o texto do Governo consagra.
A proposta do Governo traz consigo a ameaça da divisão do Douro: mantém as divisões existentes e anuncia novas. Afasta os lavradores e a Casa do Douro do comércio exportador, de Gaia e do Porto. Mantém o Instituto do Vinho do Porto distanciado da produção. Não permite a criação de um verdadeiro forum interprofissional que assuma as suas responsabilidades e persiste na clivagem total entre os vinhos generosos e os vinhos de consumo do Douro.
Sob a aparência de poderes estatais conferidos à Casa do Douro, o Governo está, de facto, a retirar força e autonomia à organização da lavoura. Na verdade, as aparentemente vastas competências e atribuições da Casa do Douro ficam na dependência do despacho governamental e da portaria do Terreiro do Paço. Se olharmos com rigor e honestidade para esta proposta governamental forçoso é concluir que o Governo não está a fazer melhor Estado nem sequer menos Estado. O Governo está, outrossim, a consolidar os seus poderes de intervenção na sociedade, na actividade económica e na organização regional.
A proposta do Governo é limitativa das liberdades individuais e da iniciativa económica, submetendo-as a um estatismo clientelar receoso das dinâmicas regionais e das autonomias sociais.
Com este texto, o Governo está seguramente convencido de que conquista dividendos eleitorais e a esse fraco desígnio sacrifica a eventual nobreza do legislador. Onde reside uma importante tarefa de construção institucional e de modernização administrativa, o Governo só vê em grupos de pressão e apenas se guia pelos seus próprios interesses como agência eleitoral. Esta legislação não se inspira no espírito europeu nem respeita as exigências de um desenvolvimento económico e social mais participado. Sob o disfarce de uma protecção paternalista, o Governo não vê nas regiões, no Douro e no sector do Vinho do Porto mais do que menoridade e necessidade de tutela. Daqui advertimos o Douro para os perigos decorrentes do abraço leonino com o Estado: simples eleições políticas poderão ameaçar a estabilidade social e institucional; simples remodelações ministeriais, para já não dizer meros caprichos de governante, poderão legalmente perturbar uma tão delicada e complexa organização como a dos vinhos do Douro.
O Governo dividiu para reinar. Dividiu uma vez mais vinho do Porto e vinhos de consumo. Dividiu o Instituto da Casa do Douro. Adiou a legislação durante anos para separar questões que o não deveriam ser. Não tentou olhar para o conjunto, não tentou sequer legislar numa perspectiva de modernização e de desenvolvimento.
O método de elaboração destes estatutos e o respectivo regulamento não é aceitável e não respeitou, ao contrário do que afirmam os Srs. Deputados da maioria, as regras básicas de consulta e informação. Não foram ouvidas as autarquias, directamente interessadas. Não foram ouvidas as associação locais, regionais e profissionais. Não foi ouvida a universidade, hoje intimamente ligada à região demarcada. Não foram ouvidos sequer os organismos oficiais, como por exemplo o Instituto do Vinho do Porto. Não foi ouvida a Associação de Produtores Engarrafadores, nem foi ouvida a Associação de Exportadores. A verdade é que o Governo quer transformar a Casa do Douro numa agência governamental.
Esta perspectiva neo-corporativa estatal está bem patente no conteúdo mesmo dos estatutos. Pense-se, por exemplo, no facto de uma organização, que se pretende federativa e representativa, não contemplar a existência de uma Assembleia Geral, nem prever um conselho fiscal! Como aceitar esta extravagância que consiste na criação de um pseudo Conselho Interprofissional como órgão consultivo da direcção da Casa do Douro? Como poderá o todo, o Conselho Interprofissional, ser consultivo da parte, a Casa do Douro?
Estranhamos e não aceitamos o facto de o Governo ter perdido esta excelente oportunidade para olhar para o conjunto da região e dos seus problemas. O Governo pretende uma Casa do Douro estritamente na sua dependência clientelar, com competências burocráticas a mais, mas estranhamente ausente ou marginal nas sedes do debate e orientação para o desenvolvimento participado. É verdade que, em certos domínios como a formação de quadros, a informação económica e o tão urgente e necessário trabalho sobre a estrutura fundiária e a renovação tecnológica, também os próprios dirigentes durienses têm revelado grandes carências. Mas ainda é mais flagrante a vontade de manter a Casa do Douro e o Conselho Interprofissional alheios e subalternos na formulação das estratégias de desenvolvimento. Bem pelo contrário, pretendemos que o Conselho Interprofissional e a Casa do Douro vejam o seu papel francamente revalorizado como um decisivo contributo para o desenvolvimento da região.
Finalmente, estranhamos e não podemos aceitar que o Governo queira correr todos os riscos da inconstitucionalidade e dos conflitos com a política vitivinícola europeia. Mais uma vez chamamos o Governo e a maioria à razão: por interesses menores não vale a pena criar nova perturbação e provocar a instabilidade. Estão em causa a prosperidade de uma região e a qualidade de um produto que conquistou mercados no mundo inteiro. E está também em causa a essencial natureza do Estado democrático, em cuja construção e consolidação tem o Governo revelado tanta imperícia.
Srs. Deputados, de qualquer modo, não quero deixar de saudar os durienses hoje presentes entre nós: autarcas, vitivinicultores e dirigentes da Casa do Douro. O que quer que faça o Governo, na última instância, no âmago das coisas, é nas vossas mãos que está o destino do vinho do Douro e da vossa região. Os socialistas que se orgulham de ter proporcionado as primeiras eleições livres da Casa do Douro sabem que é essa a verdade e que os erros do Governo acabarão por ser ultrapassados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Deputado João Maçãs.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado António Barreto, a minha pergunta é muito simples: se estão em causa, como estão, interesses tão

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relevantes, se a proposta de lei do Governo na opinião de V. Ex.ª é horrorosa e se o anteprojecto de estatutos é tão mau, como é que V. Ex.ª justifica que se abstenha em relação a estes dois documentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, em primeiro lugar, e à semelhança do que já expressei à Câmara esta tarde, gostaria de mais uma vez manifestar a minha perplexidade face à intervenção de V. Ex.ª, quando afirma que o Governo terá acedido a muito custo, isto é, muito contrariado, ao pedido feito pelos Srs. Deputados para enviar a documentação relativa ao diploma em debate para a Comissão de Agricultura e Pescas.
Como é do conhecimento do Sr. Deputado, aquando da primeira discussão na generalidade do diploma, o Governo prontificou-se a entregar toda a documentação, e fê-lo dois dias depois.
Sr. deputado António Barreto, gostaria de colocar-lhe apenas mais uma questão.
V. Ex.ª referiu que a proposta de lei, agora em discussão, provoca a divisão entre agricultores e comerciantes e, inclusivamente, entre os próprios agricultores da região do Douro. Neste sentido, gostaria de saber como é que V. Ex.ª compatibiliza esta afirmação com a criação do Conselho Vitivinícola Interprofissional, o qual existe pela primeira vez.
Gostaria ainda de dizer que, em meu entender, da intervenção do Sr. Deputado apenas merece a nossa aprovação a saudação que V.Ex.ª fez aos presentes que se encontram nas galerias a assistir a esta sessão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Ministro António Capucho, a nossa votação em relação a este diploma vai ser no sentido da abstenção, porque sou inocente e tenho esperança - como se trata de uma lei de autorização legislativa para o Governo através de decreto-lei aprovar os estatutos da Casa do Douro e respectivo regulamento eleitoral - de que o Governo possa ainda, numa derradeira fase, dar ouvidos à razão e ouvir os nossos protestos e críticas. Aliás, o Sr. Ministro sabe que muitas delas são fundadas, pertinentes e rigorosas na expressão.
Contudo, somos inocentes, pois temos boa fé e real esperança que aconteça o que às vezes parece difícil, ou seja, que o Governo reveja, em última instância, algumas das suas posições.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. António Barreto (PS): - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado, gostaria apenas de acrescentar a seguinte pergunta: se é assim como o Sr. Deputado diz, posso
então presumir que a partir de agora a postura da bancada socialista, a propósito de todos os pedidos de autorização legislativa do Governo, é a de que mesmo que não concorde com a substância dos pedidos de autorização legislativa, vai abster-se, na hipótese, na suposição e na expectativa de que o Governo a melhore e tenha em conta as sugestões de alteração.
Em meu entender, trata-se de uma atitude positiva que, desde já, registo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, V. Ex.ª agora não esta só a abusar da minha inocência, mas, sobretudo, tenta abusar da minha generosidade.
De facto, expressei a minha posição de inocência em relação a esta proposta, mas não posso hipotecar a posição do meu grupo parlamentar em relação a outros pedidos de autorização que venham a manifestar-se no futuro.
De acordo com as situações, logo se verá qual a posição a adoptar.
Sr. Deputado João Maçãs, em relação às suas duas observações devo dizer que, quando à primeira, creio que o Diário da Assembleia que publicou os debates ocorridos aquando da I Sessão legislativa é exemplarmente explícito quanto à dificuldade com que o Governo acedeu a fornecer a documentação relativa aos estatutos. Se V. Ex.ª está recordado, o Partido Socialista solicitou ao Governo que os estatutos fossem entregues antes da votação na generalidade e o Grupo Parlamentar do PSD até depois do último segundo - pois ainda tentaram fazer uma votação - pretendia votar na generalidade, antes de os parlamentares conhecerem o projecto dos estatutos e do regulamento.
Com efeito, esta atitude foi a evidência total da contrariedade do Governo, sentida pelo Grupo Parlamentar do PSD, e que só foi ultrapassada com a benevolência que o Sr. Deputado agora lhe atribui, mas que não é verdadeira.
Na verdade, verificou-se uma pequena distracção, conforme se refere no Diário da Assembleia e o PSD votou um requerimento que não era o seu, apenas por distracção.
Quanto à questão da divisão, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que um dos pontos mais importantes da divisão é a que se faz entre o vinho do Porto e o vinho de consumo.
A ideia de criar no Instituto do Vinho do Porto um Conselho Consultivo, que não é interprofissional no verdadeiro sentido da palavra, mas que é interprofissional apenas de nome, como consultivo da Casa do Douro, trata-se de uma medida que é apenas um véu. uma cortina de fumo, porque o Conselho Interprofissional, reunindo as diferentes partes tem de estar fora da Casa do Douro, como deveria estar fora do Instituto do Vinho do Porto. Para sermos francos e sinceros deveria haver um só Conselho Interprofissional para o Vinho do Porto e do Douro, uma vez que se trata de produtos da mesma terra, da mesma região, trabalhados pelos mesmos homens e provenientes das mesmas cepas implantadas nas mesmas quintas e prédios.
Assim, o Sr. Deputado sabe que são as instituições e os regulamentos que vêm dividir o que nasce igual. A divisão está feita e o Conselho Interprofissional não tem poderes, competências ou responsabilidades, pois

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c um organismo de despensa, posto numa via de garagem, num canto da Casa do Douro e, portanto, num canto das instituições, o que, em meu entender, não deveria ser assim considerado. Como, decerto, o Sr. Deputado sabe, pois basta olhar para o universo dos comités interprofissionais e verificar a tradição interprofissional em mais de quinze regiões produtoras de vinho de grande qualidade através do mundo. Aliás, estou certo que o Sr. Deputado conhece esta matéria talvez melhor do que eu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo a minha intervenção pela questão do fornecimento de determinadas informações à Assembleia da República e, no caso particular, pelos estatutos da Casa do Douro.
Se início esta intervenção falando sobre esta matéria é porque, aquando da discussão do diploma na generalidade, o PRD chamou exactamente a atenção para o facto, de mais uma vez, o Governo vir pedir uma autorização legislativa sem ter fornecido à Assembleia um conjunto de elementos de informação que, em nossa opinião, eram julgados imprescindíveis. Como já salientei, refiro-me particularmente aos estatutos da Casa do Douro.
Se mais uma vez frisamos este aspecto, é porque também não é a primeira, a segunda ou a terceira vez que isto acontece. Já em momento anterior à discussão desta matéria relativa aos estatutos da Casa do Douro, recordo que uma situação com uma certa analogia tinha acontecido também em relação aos estatutos da Associação Nacional dos Arquitectos.
Assim, não entendemos que de uma forma sistemática o Governo sonegue à Assembleia da República estes elementos de informação, para, passado algum tempo - talvez uns dias ou umas semanas -, fornecer os elementos que na altura própria não fornece e que deveriam acompanhar a proposta de autorização legislativa.
Em nosso entender, perante esta atitude uma só interpretação pode haver a de que, porventura, o Governo, ao enviar a proposta de autorização legislativa para a Assembleia, não tem ainda inteiramente disponíveis, por não estarem inteiramente acabados e discutidos, no caso em discussão, os estatutos da Casa do Douro.
Esta questão não é para nós despicienda e, por isso, voltamos a referir estes aspectos.
Um outro aspecto que também consideramos importante, diz respeito ao facto de o Governo não se mostrar interessado em discutir a fundo em que é que consiste os estatutos da Casa do Douro.
Nos termos da autorização legislativa apenas há que discutir o artigo, que é o artigo 1.º dessa proposta de articulado, não interessando sequer ao Governo a discussão dos estatutos da Casa do Douro.
O PRD gostaria apenas de dizer ao Governo, com ioda a humildade, que não dá opiniões sobre esta matéria relativas aos estatutos da Casa do Douro.
Se o Governo quer discutir com a Assembleia da República os estatutos da Casa do Douro, deve formalizá-los nos termos de uma proposta de autorização legislativa e não deve elaborar apenas um único artigo, tal como consta da proposta de articulado dessa autorização legislativa agora em debate.
No entanto, em relação a este artigo 1.º, e praticamente único, da proposta de articulado, pensamos iam bem que algo de positivo se passou aqui com a intervenção do PSD que, mais uma vez, assumiu o papel de «muleta», ao vir, em última instância e em socou o do Governo, corrigir aquilo que era uma grave incorrecção dessa proposta de lei quando previa a obrigatoriedade de inscrição para o exercício da actividade de vitivinicultura.
Em nosso entender, o PSD andou bem ao comum e ao substituir essa inscrição obrigatória por um recenseamento e, no caso concreto, por um recenseamento obrigatório.
Apesar de tudo, o PRD gostaria de assinalar que, tendo em conta os interesses dos produtores da região e também os interesses do País, esta questão é de grande importância.
Como há pouco dizia o Sr. Deputado Basílio Horta, não há que transformar este debate numa discussão entre bons e maus, sejam eles forças partidárias, sejam eles todos aqueles que intervêm neste processo complicado como o que se refere ao vinho do Porto.
Assim, muitas vezes assistimos a que os exportadores acusam a Casa do Douro de pela sua acção de atrofiamento do Instituto do Vinho do Porto serem os i es pensáveis de algum desmando, uma vez que as vinhas não estão na sua maioria à altura das necessidades.
Os responsáveis pela agricultura, os agricultores, os vitivinicultores, os políticos, a nível regional, devolvem as críticas ao Instituto do Vinho do Porto e aos exportadores, dando a entender, claramente, que estes estão a exportar cada vez mais depressa e aquele a fiscalizar cada vez menos, porque actuam na dependência dos interesses dos primeiros.
É óbvio que um produto tão especial como o vinho do Porto, tão sensível nos mercados externos, quer pela posição alcançada, quer pela concorrência que lhe movem, ainda que à margem da lei internacional, tem de merecer e justificar por parte dos agentes interessados e do próprio Estado, uma atenção permanente na defesa da qualidade intrínseca do produto. Ora, isso só é possível através de uma estrutura e de uma organização idóneas, onde todos os agentes se devem fazer representar, mas onde alguém, neste caso o Estado, em última instância, tem o dever de desempenhar e de decidir sempre que esteja em causa o bom nome e a qualidade do vinho do Porto.
É sabido que os agentes interessados, a produção e o comércio nem sempre conseguem a prossecução a níveis desejáveis desse objectivo, como, aliás, tem sucedido nos últimos anos.
Tendo em atenção as considerações expostas, o PRD entende que com bom senso ainda é possível ao Governo, atentas algumas das críticas que hoje aqui foram feitas e algumas das críticas que são feitas pelos produtores, pelo comércio e pelos exportadores, introduzir alterações extremamente positivas nos estatutos sobre os quais o Governo pretende legislar.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

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O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, V. Ex.ª coloca novamente a questão de o Governo não ter fornecido os elementos considerados necessários, aquando da discussão do diploma na generalidade. Devo repetir que o Governo não tinha de o fazer, tratando-se como é o caso, de uma autorização legislativa.
No entanto, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado, tendo em atenção que decorreram já dois meses após a discussão na generalidade desta matéria, tendo os grupos parlamentares e a comissão possibilidade de utilizar os elementos fornecidos pelo Governo, por que razão é que o PRD nem sequer participou na discussão desta matéria em sede de comissão?
Com efeito, nas várias reuniões da Comissão de Agricultura e Pescas nunca notámos a presença de qualquer deputados do PRD. Quer V. Ex.ª explicarmos a razão desta ausência?
Sr. Deputado, em meu entender, uma intervenção como a que V. Ex.ª fez era perfeitamente escusada, tendo em consideração tudo o que já foi dito durante o debate e que já decorre há mais de uma hora.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado João Maçãs, para lhe responder de uma forma sintética e muito rápida, gostaria apenas de lhe dizer que, do ponto de vista do PRD, ficou bem patente, na altura em que decorreu a discussão na generalidade desta matéria, que existiam condições de discutir e de votar autorizações legislativas deste tipo, desde que os esclarecimentos que tínhamos solicitado fossem dados aqui durante a discussão.
Na verdade, o Sr. Secretário de Estado, que estava presente na Câmara no momento, informou que algumas das dúvidas que tenham sido levantadas pelo PRD seriam depois esclarecidas na comissão.
Aliás, foi o PSD que manifestou interesse em passar esta matéria para discussão em sede de comissão especializada.
De qualquer forma, e respondendo mais directamente à questão que o Sr. Deputado colocou, gostaria de lhe dizer também que não vejo qual era o interesse em perder tempo com reuniões a fio da Comissão de Agricultura e Pescas para discutir uma questão que se poderia resolver em alguns minutos, como ficou provado pela alteração ao n. º l que o PSD fez à proposta de articulado.
Em relação às outras questões, é notório que o Governo não está interessado em discutir com a Assembleia os estatutos da Casa do Douro.
Penso que isto está mais do que provado.
Em relação a esta matéria, iniciei a minha intervenção dizendo que o PRD não dá opiniões ou sugestões ao Governo. Discute as questões, politicamente, na Assembleia da República com o Governo e com os outros grupos parlamentares.
Decerto que os Srs. Deputados do PSD não estão interessados em discutir a questão da Casa do Douro com os outros grupos parlamentares e em fazer essa discussão numa perspectiva política, pois se o quisessem fazer não tinham resumido uma proposta de autorização legislativa apenas a um número do seu articulado.
Foi isso que o Governo fez e os senhores, através do vosso grupo parlamentar, corrigiram. Sobre esta matéria é tudo o que se me apraz dizer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito. Informo-o que dispõe de um minuto.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou utilizar o minuto de que disponho apenas para dizer que o nosso voto vai ser a favor da Casa do Douro e dos agricultores durienses.
Todavia, vai ser um voto contra a atitude do Governo ao coarctar as possibilidades de a Assembleia da República participar, de uma forma construtiva, na elaboração de um estatuto que sirva da melhor forma a região, a Casa do Douro, os agricultores, os produtores do Douro e a economia do País.
Daí que o nosso voto seja a abstenção, que, por um lado, visa penalizar o Governo e, por outro lado, visa garantir que a Casa do Douro e os agricultores durienses possam beneficiar de um estatuto que preserve a identidade do produto, a economia da região do Douro e a sua posição em termos de mercado perante o mundo.
Esperemos, pois, que os estatutos que venham a ser produzidos pelo Governo sirvam, efectivamente, esses objectivos.
E tudo quanto podemos desejar para o bem da economia do País e para bem da região do Douro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo inscrições, está encerrado o debate.
Vamos passar agora à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n. º 70/V - Autoriza o Governo a legislar para a aprovação dos estatutos da Casa do Douro e respectivo regulamento eleitoral.

Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, existe um requerimento, apresentado pelo PSD, no sentido de se passar imediatamente à discussão e votação na especialidade da Proposta de Lei n.º 70/V.
Vamos passar à sua votação.

Submetida a votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma proposta de alteração ao artigo 1.º, subscrito por deputados do PSD.
Uma vez que não há inscrições, vamos votar esta proposta de alteração.

Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do PRD e do CDS.

É a seguinte:

Artigo 1.º

Ficando o Governo autorizado a legislar sobre a Casa do Douro, dotando-a, como prevê o

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artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 486/82, de 28 de Dezembro, de estatutos próprios, os quais obedecerão aos princípios seguintes:

a) A Casa do Douro será uma pessoa colectiva de direito público, de natureza associativa, cabendo-lhe a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da região demarcada do Douro através do exercício de atribuições e competências legais relativas à produção e comercialização dos vinhos na mesma região demarcada;
b) O exercício legal da vitivinicultura na região demarcada do Douro dependerá de o vitivinicultor se achar regularmente recenseado na Casa do Douro;
c) Os órgãos da Casa do Douro serão o Conselho Regional de Vitivinicultores, a Direcção, o Conselho da Direcção e o Conselho Vitivinícola Interprofissional;
d) Além de representantes das adegas cooperativas e das associações de vitivinicultores existentes na região, o Conselho Regional de Vitivinicultores será composto, na sua maioria, por membros eleitos, por sufrágio directo e segundo o sistema proporcional, pelos vitivinicultores voluntariamente inscritos nos cadernos eleitorais da Casa do Douro, podendo os estatutos definir para o efeito círculos eleitorais;
e) A direcção da Casa do Douro será eleita directamente, segundo o sistema maioritário e por lista completa, pelos vitivinicultores voluntariamente inscritos nos cadernos eleitorais da Casa do Douro, os quais constituirão para este efeito um só círculo eleitoral;
f) Além dos membros da direcção, o Conselho da Direcção terá membros eleitos pelo Conselho Regional de Vitivinicultores;
g) O Conselho Vitivinícola Interprofissional será composto por representantes em número igual, da lavoura e do comércio de vinhos de qualidade da região demarcada do Douro e por um representante do Estado nomeado pelo Ministro da Tutela, que a ele presidirá.
h) A Casa do Douro ficará sob tutela do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não reparei, que V. Ex.ª tivesse suscitado inscrições aquando do debate na especialidade do artigo 1.º, pois o Sr. Secretário de Estado da Alimentação gostaria de intervir a propósito desse artigo. Embora já tenha sido votado, de qualquer maneira, ficaria expressa a posição do Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, uma vez que vamos apreciar o artigo 2.º poderá, a pretexto deste artigo, usar da palavra.
Tem, então a palavra o Sr. Secretário de Estado da Alimentação.

O Sr. Secretário de Estado da Alimentação (Luís Cardoso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora nas breves palavras que vou proferir tenha, fundamentalmente, em atenção a proposta de alteração ao artigo 1.º, apresentada pelo PSD, com cujos princípios expressos concordo, gostava, antes ainda de dirigir essas breves palavras, de fazer um ligeiro comentário relativamente a duas matérias que foram aqui tratadas.
A primeira refere-se à circunstância de ter sido afirmado que o Governo não ouviu ninguém. Devo dizer que o Governo ouviu praticamente todas as correntes, auscultou opiniões de diversas correntes, através de pessoas que considera representativas. Além disso, o Governo decidiu sobre a matéria que entende conhecer.
Há um outro aspecto que, embora seja meramente técnico, é fundamental para o conhecimento da organização do mercado Vitivinícola português, que, aliás, está traduzida no Decreto-Lei n.º 517/85. Ela foi aqui referida pelas diversas bancadas da Oposição, de forma que nos leva a concluir que essa mesma organização de mercado, essa concepção de região do Douro ou de qualquer região demarcada, não é claramente entendida.
Refiro-me - e isso eu não poderia deixar passar em claro, ao menos isso, para todos falarmos a mesma linguagem - à estranheza das diversas bancadas quanto à alínea g) do artigo 2.º do projecto de estatutos, onde se fala no desenvolvimento da acção de regularização do mercado sob a coordenação do organismo a que incumbe tal acção a nível nacional.
Esse ponto é fundamental, tal como a afirmação de que as vinhas do Douro são todas da mesma índole, isto é, destinadas à produção do mesmo produto.
Revela isto um claro distanciamento da organização do mercado Vitivinícola nacional que se dividirá, em termos da nomenclatura comunitária, em «vinhos de qualidade» e «vinhos de mesa», sendo certo que só os segundos podem ser objecto de intervenção e que a regularização de mercado tem de ser levada a cabo pelo organismo central que poderá delegar, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 517/85, nos organismos das diversas regiões, na hipótese vertente na Casa do Douro.
Já este ano, Srs. Deputados, o Instituto da Vinha e do Vinho protocolou com a Casa do Douro a operação de intervenção na região. É assim que funciona, é assim que deve funcionar! Não entender, isto é, com o devido respeito, não conhecer a organização do mercado Vitivinícola português, nos termos do quadro comunitário.
Era fundamental fazer este esclarecimento.
Passando agora à minha intervenção de fundo, direi que no âmbito da discussão da proposta de lei contendo os princípios que devem informar a elaboração dos estatutos da Casa do Douro, com referência à alteração apresentada pelo Partido Social-Democrata ao artigo 1.º da Proposta de Lei n.º 70/V, duas questões fundamentais foram aqui levantadas pela Oposição. Uma, que se refere ao condicionamento do exercício legal da vitivinicultura na região demarcada do Douro

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fazendo-o depender do regular recenseamento dos interessados na Casa do Douro; outra, que se prende com a criação do Conselho Vitivinícola Interprofissional como órgão da Casa do Douro e, tanto como isso, de forma independente da denominação «Porto».
Quanto à primeira questão devo esclarecer que o carácter desse recenseamento obrigatório tem o seu principal fundamento, não só na legislação em vigor, nomeadamente de âmbito nacional, como no fim que se procura através dele atingir. Com efeito, é já a Casa do Douro que tem a competência delegada pelo Estado para a organização do cadastro da região, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 513-D/79, todos os detentores de vinhas, cujo povoamento total ultrapasse os cem pés de videira, são obrigados a inscrever-se, no caso de regiões demarcadas nos organismos que nelas têm acção de disciplina e fomento, a fim de isso tornar possível o cadastro das parcelas que a cada um pertençam; por outro lado está igualmente cometida à Casa do Douro a atribuição de reunir e controlar as declarações de produção e de existência bem como abrir e controlar as contas correntes relativas a mostos e vinhos ou aguardentes da região. Tanto a primeira como a segunda destas atribuições pressupõe sem mais nada a obrigação para o viticultor e ou para o vinicultor de se encontrar regularmente recenseado na Casa do Douro, sem que isso signifique que o interessado esteja impedido de se associar a qualquer outra instituição do sector ou seja obrigado a participar na vida associativa da Casa do Douro. A tudo isso acrescem as especificidades com a nomenclatura comunitária, produtora de vinhos de mesa e de vinhos de qualidade, o principal dos quais é um vinho generoso, obtido a partir de mostos beneficiados com aguardentes cujo controlo também urge fazer de forma rigorosa, situação que multiplica as probabilidades de cometimento de fraudes técnicas atentando contra a desejável disciplina que se deseja assegurar.
Assim, por constituírem obrigações do Estado português face à comunidade, a realização do levantamento vitícola nacional, também chamado cadastro vitícola, a que se seguirá a da organização do ficheiro do viticultor, tudo no enquadramento da disciplina global do País relativamente à plantação e cultura da vinha, e ao contrário do que é afirmado pressupondo a participação activa dos interessados, bem como a realização dum correcto levantamento anual da produção nacional para efeitos estatísticos e de regularização do mercado relativamente aos vinhos de mesa, torna-se indispensável a obrigatoriedade de recenseamento, quer para o viticultor, quer para os que apenas são produtores ou comerciantes de vinhos e aguardentes no Douro, com vista a assegurar a disciplina que atrás referi. Isto aliás, resulta já da conjugação do Decreto-Lei n.º 47 839/67, de 10 de Agosto, Decreto-Lei n.º 319/72, de 18 de Agosto, e Decreto-Lei n.º 513-D/79, de 24 de Dezembro complementado pela Portaria n.º 111/87, de 18 de Fevereiro que estabelece a coordenação entre os elementos do cadastro a nível nacional e do cadastro do Douro. Assim se conclui não só que o recenseamento obrigatório nos termos sobreditos pode, como tem que ser consagrado no respectivo estatuto, estando tal estipulação legitimada pelos fins que o Estado tem de prosseguir, neste caso através da Casa do Douro.
Quanto à segunda grande questão aqui levantada relativamente à criação do Conselho Vitivinícola Interprofissional, como órgão da Casa do Douro, conferindo-se a esta a atribuição geral de disciplina e controlo da comercialização dos vinhos de qualidade regionais, excluído o vinho generoso do Porto quanto às atribuições próprias ao Instituto do Vinho do Porto, foram levantadas duas objecções contestando-se não só o facto de se não aproveitar para criar um único Conselho Vitivinícola Interprofissional para a região, como também, na hipótese que partilhamos, de o fazermos como órgão da Casa do Douro. O principal argumento relativamente ao primeiro aspecto consiste na necessidade de desenvolver estratégias integrando os dois produtos que acabam por ser um só e o mesmo, nas palavras do Sr. Deputado António Barreto. Não posso, com efeito, deixar passar em claro este pressuposto, básico na construção da hipótese de se preferir um só Conselho Interprofissional, uma vez que não corresponde à realidade do Douro. Com efeito é errado dizer--se que todas as vinhas do Douro podem ou devem produzir indiferentemente vinho do Porto ou outros vinhos de qualidade; embora quanto à maioria dos vinhos da região isso se possa verificar, a verdade e que há vinhas que por força de diversas circunstâncias como por exemplo, das condições do solo, altitude e até encepamento se não puderem ser objecto de reestruturação, não podem, ou não devem, produzir vinho do Porto, sendo até perigoso tal afirmação, criticado como tem sido o excessivo alargamento do benefício a vinhas menos pontuadas.
Sr. Deputado, a qualidade do vinho do Porto depende essencialmente duma correcta organização cadastral, da fixação legal dos critérios para a classificação das vinhas que em breve se poderá fazer e da qual dependerá a distribuição individual do benefício, da selecção de boas aguardentes, e, finalmente, dum eficaz controlo de qualidade do produto final. A palavra região do Douro, não se consegue impedindo o desenvolvimento das outras denominações de origem, mas sim do equilibrado desenvolvimento de todas elas: a política coordenada e integrada da região pode e deve realizar-se se tivermos presente que quer o Conselho Geral do Instituto do Vinho do Porto quer o Conselho Vitivinícola Interprofissional a criar na Casa do Douro são presididos por representantes do Estado, ambos sob tutela do (MAPA) Ministério da Agricultura Pescas e Alimentação que, nessa matéria não alienará as suas responsabilidades. É por isso que defendemos a solução proposta gerindo separada mas também coordenadamente a denominação Porto das restantes denominações.
Quanto ao segundo aspecto de decidir se aquele conselho deve ou não ser órgão da Casa do Douro, a qual dispõe como os Srs. Deputados reconhecem, de todos os meios administrativos e técnicos para a execução das orientações definidas pelo Conselho Vitivinícola Interprofissional, que incidirão sobre as competências conferidas às Comissões Vitivinícolas Regionais definidas no artigo 7.º da Lei n.º 8/85, lembramos que dessa forma poderá controlar por dentro aquilo que de outra maneira teria pura e simplesmente que delegar, com todos os inconvenientes que disso poderia resultar.
E nós, Srs. Deputados, perfilhamos, antes de mais, soluções que conduzam ao atingimento dos fins que nos propomos alcançar. O Conselho Vitivinícola Interprofissional não perde o comando da disciplina relativa às

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denominações objecto da sua orientação por ser órgão da Casa do Douro. Acreditamos, assim, que é possível e desejável o desenvolvimento das diversas denominações susceptíveis de produzir e comercializar na região do Douro para maior enriquecimento de todos e, no fundo, também para que se evite cair na tentação, a que a Oposição parece não se ter furtado de levar o desenvolvimento da produção de vinho do Porto até limites perigosos em termos quantitativos para a defesa da sua própria qualidade, ao defender e definir os princípios que atrás referi, e mais não fazemos para isso do que adoptar uma solução para um problema que muitos têm glosado, quase todos de maneira diferente, mas que, até à data, em termos práticos ninguém tinha resolvido.
Expresso pois o meu acordo à proposta de alteração ao artigo 1.º da Proposta de Lei n.º 70/V do Governo, aprovada pelas razões aduzidas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, julgo que para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Barreto e Daniel Bastos.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, não pretendo pedir esclarecimentos mas sim fazer uma intervenção, uma vez que creio que ainda disponho de algum tempo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Barreto dispõe de um minuto.
Para pedir esclarecimentos, tem, então a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Secretário de Estado da Alimentação, é do conhecimento geral que a Casa do Douro, no seu Conselho Geral de Vitivinicultores e demais órgãos directivos e sociais, aprovou, por unanimidade, uma proposta de estatutos que desejava ver acolhida pelo competente legislador.
É também do conhecimento geral do Governo, que o apoia nesta Assembleia, acolheu, na generalidade, tal proposta e, tendo, em conta algumas dúvidas levantadas em anterior debate, procura dar-lhe seguimento com as correcções decorrentes das sugestões apresentadas.
Portanto, ninguém pode justificar a sua posição neutral com o pedido de autorização legislativa baseado no facto de desconhecer os objectivos pretendidos. Sejamos claros: ou se vota favoravelmente o presente pedido que concederá ao Governo a possibilidade de legislar nesta matéria acolhendo a proposta da Casa do Douro que, mais uma vez afirmo, foi votada por unanimidade nos seus órgãos directivos, ou, em caso contrário, terá de ser afirmada a indisponibilidade para acolher e dar como boa tal proposta rejeitando este pedido de autorização legislativa.
Cada qual assuma as suas responsabilidades e não se procurem encontrar justificações, porque elas serão carecidas de credibilidade.
A pergunta concreta que desejava colocar a V. Ex.ª é a seguinte: está ou não o Governo interessado em aprovar legislação para a Casa do Douro, tendo em conta a proposta apresentada por este organismo, depois de feitas as correcções necessárias já enunciadas na Assembleia da República?
Do teor da resposta de V. Ex.ª será feito o juízo político, em relação às posições a assumir por cada um de nós com a votação deste pedido de autorização legislativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Isto é pior que o Speedy Gonzalez a fazer pedidos de esclarecimento, porque já estão escritos.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Alimentação.

O Sr. Secretário de Estado da Alimentação: - Sr. Deputado Daniel Bastos, a minha resposta é obviamente, afirmativa porque, como ouviu das minhas palavras, dei o meu acordo relativamente à alteração que propuseram ao artigo 1.º
No entanto, deveria aclarar um outro aspecto.
É certo que demos acolhimento a uma determinada proposta de estatutos, alterámo-la, como sabeis e acolheremos uma ou outra sugestão que a Oposição tenha apresentado e que se considere pertinente.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - A maioria absoluta está a tirar-vos criatividade!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto. Informo-o que apenas dispõe de um minuto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Isto é um espectáculo!
De facto, com o mesmo ar angélico com que veio defender a «proposta tinta» há duas semanas, o Sr. Secretário de Estado veio hoje defender a «proposta branca»: é espectacular.
Mas quero desmenti-lo e desafiá-lo a desmentir-me, porque eu não disse que o Governo não ouviu ninguém. Assim, o Sr. Secretário de Estado ouviu mal as minhas palavras. De facto, enumerei as entidades que o Governo não ouviu - o que é diferente - e não disse que o Governo não ouviu ninguém. Imagino que o Governo deverá ter ouvido alguém pedir conselhos e proceder à redacção do texto do diploma que certamente, o Governo não saberia fazer.
Na verdade, o que disse, que afirmo e que repito é que perguntei a três câmaras municipais da região directa e vitalmente interessadas nesta matéria, se tinham sido ouvidas e não o foram. Perguntei o mesmo à Associação de Exportadores de Vinho do Porto e responderam-me que também não tinha sido ouvida formalmente. Igualmente não foram ouvidos, nem o Instituto do Vinho do Porto, nem a Associação de Produtores e Engarrafadores de Vinho do Porto, nem a Universidade. Assim, desafio o Sr. Secretário de Estado a desmentir o que eu disse.
Quanto ao resto, julguei que estava a sonhar. Não sou especialista em vinhos, parece-me que o Sr. Secretário de Estado também não é e que, sobretudo, é especialista em falácias.

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De facto, eu não disse que todas as vinhas do Douro deveriam produzir o mesmo vinho - o vinho do Porto. O Sr. Secretário de Estado deturpou conscientemente as minhas palavras e terá que explicar a esta bancada porque é que, num ano, o benefício pode ser de 60 mil ou de 80 mil pipas e, uns anos depois, de 140 mil pipas. Igualmente terá de explicar como é possível determinar-se que há quintas que, em certos anos, não são capazes de produzir vinho do Porto, enquanto que, noutros anos, são. Este critério é devido a decisões de índole comercial e de política económica e não a decisões de carácter agrológico, técnico ou qualquer outro.
O que eu disse foi que, na base de todo o problema, estavam os mesmos homens, a mesma região e o mesmo tipo de clima. Evidentemente que há vinhos de má qualidade, muitas vezes produzidos em bons prédios de letra A e, quanto a este aspecto, teríamos que discutir toda a questão do cadastro e da actual demarcação.

Sr. Secretário de Estado, tem que estar mais atento às intervenções dos deputados e tem que ouvir o que realmente dizem. O senhor proferiu uma intervenção feita em Casa, que já estava dactilografada. Eu não disse o que o Sr. Secretário de Estado afirmou que eu tinha dito e, assim, terá que se retractar.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do artigo 2.º desta Proposta de Lei n.º 70 V.

Submetida a votação, foi aprovado com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do PRD, e do CDS.

É a seguinte:

A presente autorização legislativa tem a duração de 90 dias.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do artigo 2.º desta Proposta de Lei n.º 70 V. - Autoriza o Governo a legislar para a aprovação dos estatutos da Casa do Douro e respectivo regulamento eleitoral.

Submetida a votação, foi aprovado com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do PRD, e do CDS.

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que, mais do que as palavras da minha própria bancada, a intervenção final do Sr. Secretário de Estado justificou a razão de ser da abstenção do nosso partido.
Efectivamente, o Sr. Secretário de Estado fez um exercício de deturpação da forma como foram abordadas algumas questões por parte da Oposição. Por via disto, suscitam-se-nos dúvidas quanto às intenções do Governo em matéria de legislação sobre os estatutos da Casa do Douro.
O Sr. Secretário de Estado veio dizer que, quanto à alínea g) do artigo 2.º, a Oposição fez uma demonstração de desconhecimento da legislação em matéria de regulamentação do mercado porque «ainda este ano, o organismo nacional delegou, na Casa do Douro, a intervenção e, já este ano, assinou um protocolo». Pergunto o que tem isto a ver com o que a Oposição disse - neste caso concreto, o nosso próprio partido é que levantou a questão.
De facto, dissemos que esta relação tem que existir com base num acordo estabelecido entre o organismo oficial e a Casa do Douro e não sob o controlo desse organismo. Ora, quando o Governo diz que, já neste ano, se estabeleceu um protocolo, no fim de contas, trata-se da demonstração de que o sistema adequado não é a coordenação mas é o acordo, porque, na verdade, um protocolo é exactamente o estabelecimento de uma base de actuação que resulta de um acordo; de contrário, não é um protocolo.
É que isto de jogar com as palavras - já que estamos a falar do vinho do Porto - não é tão «abstémio» de conteúdo como o que o Sr. Secretário de Estado pretende que seja.
A outra questão tem a ver com o exercício legal da vitivinicultura na região demarcada. Devo dizer que tivemos muitas dúvidas quanto ao problema de o exercício legal da vitivinicultura na região demarcada depender de o agricultor estar regularmente recenseado na Casa do Douro na qualidade de vitivinicultor. Veremos se este preceito não virá a constituir um instrumento que permita a outras entidades virem a reclamar da inconstitucionalidade desses estatutos.
De facto, o que está em causa e que deveria ser tido em conta é que, embora seja logicamente necessária a inscrição do agricultor na Casa do Douro para efeitos de recenseamento e de obtenção de benefícios, já é duvidosa essa necessidade para efeito do exercício da actividade legal. Esperemos que isto não seja uma arma que venha a virar-se contra a própria Casa do Douro, porque este preceito não tem cabimento constitucional. À luz do próprio direito comunitário é possível que este preceito seja aceite.
O que está em causa é que, para poder ter o benefício, qualquer produtor tem que estar recenseado na Casa do Douro e este preceito é aceitável. Mas já não tem cabimento que o recenseamento seja obrigatório quanto ao exercício legal da profissão e da actividade de vitivinicultor.
Finalmente, há uma outra questão que me parece importante ter em conta e que é a da tentação de se levar a produção até limites perigosos.
Também faço minhas as preocupações quanto a esta matéria e parece-me que se há alguém que, inúmeras vezes, tem levantado o problema de poder estar-se a caminhar para uma situação destas, esse alguém tem sido o nosso partido e não o Governo.
Aliás, nesta matéria, o Governo tem pactuado com situações muito pouco claras. Importaria ter presente, sobretudo, o que neste momento se passa em relação à aquisição de centenas de hectares - para não dizer milhares - de prédios rústicos com vinha em situações ilegais e em relação a plantações efectuadas sem autorização prévia. Importaria saber o que vai acontecer, designadamente, em relação a cidadãos estrangeiros.

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para um declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.

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O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As primeiras medidas tendentes a disciplinar a produção e comércio do «Vinho Generoso do Douro» foram lançadas no século XVIII com a criação da Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Alto Douro. Tais medidas inseriram-se nos conceitos de cadastro, e demarcação, ainda hoje fundamentais na legislação que contempla e define a Casa do Douro.
Tendo em conta as naturais aspirações dos vitivinicultores do Douro, decorrentes da importância económica e social do seu principal produto - o vinho do Porto - e o desenvolvimento e eficaz apuramento de alta qualidade dos seus vinhos de mesa, implica a adaptação e criação de mecanismos legais que promovam e regulem globalmente estes interesses.
Tem sido preocupação constante, decorrente da extinção dos organismos corporativos após o 25 de Abril de 1974, dotar a Casa do Douro com um estatuto jurídico que defina a sua condição de pessoa colectiva de direito público, seus fins, qualidade, direitos e deveres dos vitivinicultores, organização e funcionamento e respectivo «regulamento eleitoral» para os seus corpos directivos.
Foi este o objectivo da apresentação, por parte do Governo, de um pedido de autorização legislativa para regulamentar esta matéria, tão necessária e urgente, tendo em vista solucionar os problemas que decorrem da indefinição em que a Casa do Douro se tem mantido.
Discutida em Plenário desta Assembleia da República, no passado dia 2 de Novembro, tal autorização não chegou a ser votada em virtude de se ter concluído haver algumas dúvidas e inexactidões que convinha aclarar, ultrapassando-se questões que se apresentaram mais polémicas e indefinidas.
Foi assim que, ao ser votado um requerimento apresentado pelo Partido Socialista para que tal autorização legislativa baixasse à respectiva Comissão de Agricultura, o PSD se associasse a tal voto, ciente de que este caminho seria o mais razoável e eficaz na procura dos esclarecimentos e consensos que a natureza da matéria em causa aconselha e justifica.
Tais expectativas não foram goradas.
Acaba de ser aprovada a Proposta de Lei n.º 70/V que autoriza o Governo a legislar para aprovação dos estatutos da Casa do Douro, ultimando-se, deste modo, um processo que nos últimos catorze anos tem sido preocupação constante da vitivinicultura duriense.
O Partido Social-Democrata, ciente de ter dado todo o seu empenhamento na prossecução de tais objectivos, votou favoravelmente esta proposta de lei, declarando, por este facto, a sua natural satisfação.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em cerca de 233 anos, é a quinta vez que uma importante delegação duriense - forças vivas de responsáveis regionais locais e de autarcas - vem a Lisboa dialogar, por uma maneira qualquer, com o órgão de soberania, a fim de obter satisfação para algumas das suas necessidades, aspirações e reivindicações.
Os Srs. Deputados permitir-me-ão que faça aqui um pequeno parêntesis de ordem pessoal e íntima, certamente descabido: há 50 anos, o meu pai fazia parte da delegação duriense que veio a Lisboa e, há 90 anos, o meu avô fazia parte de uma idêntica delegação que veio a Lisboa. Assim, estou a contribuir um bocadinho para a continuidade embora, infelizmente, já não seja proprietário no Douro - essa é a parte negativa.
Com toda esta experiência, ,Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Durienses que estão presentes nas galerias, permitam-me que vos dê um pequeníssimo e brevíssimo conselho: amigos durienses, não confiem demais no Governo...

Protestos do PSD.

O Orador: - ... e, «Sr. Governo», confie mais nos durienses!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 12, pelas 15 horas e a ordem dos nossos trabalhos será constituída pela discussão do Projecto de Lei n.º 35/V (PCP) - Sobre o regime de acesso à propriedade rústica e ao exercício da actividade agrícola por parte de estrangeiros.

Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, esta encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa Azevedo.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Francisco Mendes Costa.
João Costa da Silva.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Mário Ferreira Bastas Raposo.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António José Sanches Esteves.
Carlos Cardoso Lage.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
Manuel António dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

Jorge Manuel Abreu Lemos.
Maria Odete Santos.

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Faltaram a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Jorge Santos Pereira.
Armando de Carvalho Guerreiro Cunha.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Flausino José Pereira da Silva.
Gilberto Parca Madaíl.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luis António Damásio Capoulas.
Rui Manuel Almeida Mendes.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Luís do Amaral Nunes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Raul Manuel Bordalo Junqueiro.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Maria Luísa Amorim.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Documento enviado à Mesa para publicação, anexo à intervenção do deputado António Barreto e à declaração de voto do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Comentários e propostas de alteração relativos à Proposta de Lei n.º 70/V. que autoriza o Governo a aprovar os estatutos da Casa do Douro e respectivo
regulamento eleitoral

1 - Tratando-se de proposta de lei de autorização legislativa, que não inclui o texto, não parece possível redigir artigos alternativos. Caso haja acordo maioritário sobre algumas das propostas aqui feitas, terá de se encontrar a maneira mais adequada de as traduzir em articulado ou em «sugestão ao Governo».
Acrescente-se que este projecto de diploma (e outros...) teria sido elaborado e redigido de modo seguramente mais justo e tecnicamente mais correcto se os interessados tivessem sido ouvidos. Até porque se trata de diploma de carácter interprofissional!...! já no passado, nem a Associação de Produtores de Vinho do Porto nem a Associação de Produtores Engarrafadores de Vinhos do Porto e do Douro foram ouvidas aquando da aprovação da lei orgânica do IVP (Decreto-Lei n.º 192/88); nem, desta vez, para o estatuto da Casa do Douro, foram ouvidos o Instituto do Vinho do Porto, a AEVP ou a APEVPD.

2 - Afigura-se errado não aproveitar esta oportunidade para consagrar legalmente a unidade da região demarcada do Douro e sobretudo da sua administração e dos seus órgãos interprofissionais e de auto-disciplina. Assim, o Conselho Vitivinícola Interprofissional (artigos 8.º, 27.º, 28.º, 29.º e 40.º) deveria ter âmbito mais vasto, incluindo nas suas funções e competências o vinho do Porto e os vinhos de qualidade da região do Douro, e não só estes últimos. Só assim será possível, a prazo, formular e pôr em prática políticas e estratégias, públicas e privadas, integrando os dois produtos que, na verdade, começam por ser um só e o mesmo. Aliás, os produtores de ambos os vinhos (e de outros produtos vinícolas) são os mesmos.
Manter-se-iam as separações necessárias, regulamentares e outras, a fim de preservar a qualidade, as marcas e a tradição, mas seria reforçada (poderia dizer-se restaurada...) a unidade regional, do que beneficiariam produtores e exportadores. Não se compreende, aliás, que o vinho do Porto seja expressamente excluído das competências da Casa do Douro em certos artigos (por exemplo o n.º 3 do artigo 1.º), ao mesmo tempo que é implicitamente incluído noutros (por exemplo o cadastro e a distribuição do benefício).

3 - Em alternativa, de evidente menor valor político, social e administrativo, dever-se-ão criar dois Conselhos Interprofissionais, um para o vinho do Porto, outro para os vinhos de qualidade regionais.

4 - O Conselho Interprofissional (ou os dois conselhos, na segunda hipótese) deverá ser o organismo de cúpula da região demarcada, o único que se coaduna com o espírito da Lei n.º 7/85 e que realmente corresponde às comissões vitivinícolas regionais aí consagradas legalmente (artigos 5.º a 8.º).
O Conselho Interprofissional não pode nem deve ser considerado orgão da Casa do Douro (artigo 8.º da Proposta de Lei n.º 70/V); não pode nem deve ter funções consultivas ou subalternos na Casa do Douro (artigo 28.º); nem pode ser equiparado ou ser substituído pelo Conselho Geral do Instituto do Vinho do Porto (artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 192/88).

5 - O Conselho Interprofissional da região do Douro deve incluir representantes da lavoura (nomeadamente a Casa do Douro); do Estado (designadamente o Instituto do Vinho do Porto); e do comércio (especialmente a AEVP, a ANCEVE e a ACIBEV).
No caso de se criarem dois Conselhos Inter profissionais (solução evidentemente confusa), u composição de cada um seria ajustada ao respectivo objecto.

6 - O Conselho Interprofissional tem existência autónoma, não dependente do Governo nem

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de cada um dos sectores privados ou cooperativos. Pode ter competências por delegação do Governo; e pode delegar, nomeadamente na Casa do Douro, competências suas.

7 - A unidade do Conselho Interprofissional é a solução que melhor corresponde à unidade da região, dos seus produtores e das condições genéricas da actividade vitivinícola regional. É também condição indispensável para a definição e para a prática de consensos, políticas e estratégias unitárias e integradas para a região. É finalmente valioso instrumento de valorização dos vinhos de qualidade regionais, sempre subalternizados na história, mas demonstrando agora excelentes potencialidades.

8 - As competências do Conselho Interprofissional são grosso modo as definidas pela Lei n.º 8/85 para as comissões vitivinícolas regionais. No estatuto da Casa do Douro podem desde já definir-se algumas competências que a Casa do Douro exercerá por delegação, nomeadamente: cadastro das vinhas; recenseamento dos vitivinicultores; distribuição do benefício; inventário de instalações; emissão de certificados e guias de trânsito; etc.

9 - Ao Conselho Interprofissional compete, sem delegação, orientar superiormente as regras do sector, definir os circuitos do sistema, definir regras gerais de qualidade, aprovar preços indicativos e determinar tectos de benefício anuais.

10 - O artigo 3.º, que define a qualidade de vitivinicultor e que estabelece que «o exercício legal da vitivinicultura na região demarcada do Douro depende de o produtor se achar regularmente recenseado como vitivinicultor na Casa do Douro», é claramente inconstitucional e contrário igualmente às normas comunitárias. Há já aliás jurisprudência do Tribunal europeu que contraria este tipo de soluções jurídicas. Sabendo isto e conhecendo esta realidade, não se deve legislar de modo a correr os riscos da instabilidade num sector tão delicado e que, actualmente, se encontra a funcionar bem e com bons resultados económicos.

O condicionamento legal deve ser feito de modo totalmente diferente. Assim, o cadastro e o recenseamento, por exemplo, são deveres e competências da Casa do Douro e do Conselho Interprofissional, não dos vitivinicultores.
Do ponto de vista do vitivinicultor, a obrigatoriedade de inscrição na Casa do Douro e de recenseamento deve condicionar, não o exercício da vitivinicultura, mas sim o uso de uma qualquer das denominações de origens, nomeadamente vinho do Porto e região demarcada do Douro. Só assim é que não se atenta contra direitos fundamentais e se evita um absurdo e excessivo estatismo.

O n.º 1 do artigo 3.º da proposta do Governo, assim como a alínea b) do artigo 1.º da proposta de alteração dos deputados C. Duarte e J. Maçãs não são aceitáveis, pois são claramente inconstitucionais e contrários às regras comunitárias.

11 - Grande parte das actuais competências da Casa do Douro são competências executivas e continuarão a sê-lo, sendo exercidas, no futuro e legalmente nos estatutos, por delegação de poderes do Estado, ou em aplicação das regras e por delegação de competências do Conselho Interprofissional. Encontram-se neste caso designadamente o cadastro, o recenseamento e a distribuição cio benefício. E poderá estar também, de futuro, a inscrição de todos quantos queiram usar qualquer das denominações legais entretanto consagradas: vinho do Porto, vinho do Douro, região demarcada do Douro, etc. Mas, repete-se, o condicionamento legal deve referir-se à utilização de marcas e denominações de origem, não ao exercício de uma actividade.

12 - A lei não pode excluir outras possibilidades de representação dos vitivinicultores da região. Quaisquer outras associações legalmente constituídas e cujos objectos sejam a defesa de interesses dos produtores e a representação de interesses de vitivinicultores, não só não podem ser excluídas. como devem ser acolhidas na organização do sistema.

O n.º 2 do artigo 1.º da proposta de lei, porque exclusivo e limitativo de direitos, é inconstitucional e contraria as disposições comunitárias. Como pode um organismo dependente do Governo representar os interesses dos vitivinicultores da região, ainda por cima em regime da exclusividade? A redacção da alínea a) do artigo 1.º da proposta de alteração dos deputados C. Duarte e J. Maçãs, embora necessite de alguma atenção é muito mais adequada e correcta do que a redacção do Governo.

13 - O n.º 3 do artigo 1.º deve ser corrigido. A competência geral deve ser do Conselho Inter-profissional. A Casa do Douro contribui para «assegurar...», ou exerce funções, por competência delegada, nesse sentido.

14 - O artigo 6.º traduz uma concepção estatista e burocrática, podendo mesmo admitir-se que atenta contra direitos fundamentais. Alguns daqueles deveres são meras faculdades (exercer cargos ou ser eleito...). Outros devem estar ligados à utilização das marcas de denominação de origem ou do acesso ao benefício, e não simplesmente constituindo um ónus da própria existência.
Estes deveres aplicar-se-iam, todavia, aqueles cidadãos que fossem sócios ou inscritos voluntariamente na Casa do Douro.

15 - A alínea h) do artigo 18.º consagra o princípio e a prática da intervencão-escoamento, contrárias às regras comunitárias. Em vez disso deve simplesmente admitir-se a faculdade da Casa do Douro de adquirir à produção todo o vinho que entender, a preços e em condições do mercado.

16 - A alínea e) do artigo 18.º implica que haja limites ou restrições quantitativas à produção, auto-impostos ou, pior ainda, definidos pelo Estado (Instituto do Vinho do Porto). Também

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esta regra atenta contra as normas comunitárias. A determinação de quantitativos globais de benefício anual, necessária ao bom funcionamento do sistema, deve ser contemplada legalmente de modo a não ofender as regras comunitárias. Mais vale prevenir desde já do que legislar regras que, contestadas, venham a ser factores de instabilidade.

17 - A alínea g) do artigo 18.º, na parte em que consagra a fixação de preços de garantia pelo Governo, é muito discutível em face das normas comunitárias. Também não parece aceitável que, em matéria de preços a praticar pela Casa do Douro, o Conselho Inter-profissional não tenha qualquer competência.

18 - Em nenhum artigo está prevista ou contemplada a faculdade da Casa do Douro colocar livremente no mercado os seus produtos.

19 - A alínea g) do artigo 2.º cria uma situação equivoca, ao colocar a Casa do Douro, no que se refere à regularização dos mercados, «sob a coordenação do organismo a que incumbe tal acção a nível nacional». Que organismo é este? Vai a região do Douro perder a sua autonomia? Vai a região do Douro ficar na dependência de um organismo que se ocupa de todos os vinhos nacionais?

20 - A concluir: impõe-se um trabalho de revisão desta proposta, não só na especialidade, mas também contemplando alguns aspectos de carácter mais geral, como seja a unidade da região demarcada e uma visão mais integrada dos dois produtos, vinho do Porto e vinhos de qualidade.

Impõe-se igualmente a realização de uma consulta mais completa e diversificada aos interessados, incluindo nomeadamente: a Comissão de Coordenação da Região Norte, o Instituto do Vinho do Porto, a Associação de Exportadores, a Associação de Produtores Engarrafadores e as Cooperativas.
Pressa não quer dizer eficiência. Trabalho rápido não quer dizer trabalho bem feito. Os argumentos de urgência não justificam que se faça uma lei medíocre, com defeitos técnicos, contrariando as regras comunitárias e contemplando regras de constitucionalidade duvidosa, já para não dizer simplesmente inconstitucionais.
Uma má legislação para a região do Douro pode produzir a instabilidade, o que é grave num sector tão importante e tão delicado como este, perante o qual a concorrência nem sempre olha a meios. Além disso, constituirá errado precedente para outras regiões demarcadas, o que é um bem mau começo para a plena adaptação comunitária das regras vitivinícolas nacionais.
Não se contraria a necessidade de, em certos aspectos, cada região vitivinícola portuguesa vir a ter um regime que comporta certas especificidades resultantes da tradição e de vantajosos hábitos. Mas contesta-se que, ao abrigo dessa boa intenção, se insista em cometer erros com indiscutíveis consequências negativas.
Em muitos aspectos da sociedade portuguesa e da administração pública, não tem sido fácil abandonar formas corporativas que o anterior regime político criou e consolidou. Frequentemente, tais situações servem para justificar ou favorecer soluções de forte estatismo bem pouco adequadas ao novo regime democrático e pouco susceptíveis de integração pacífica nos sistemas comunitários.
Não se exige evidentemente que certas soluções administrativas ou institucionais devam ser banidas só porque vigoravam durante o regime corporativo. Com efeito, o que se deve reter é a forma adequada e eficiente como uma instituição resolve, ou não, os problemas; representa, ou não, os legítimos interesses; cumpre, ou não, os seus deveres; e satisfaz, ou não, as necessidades que estão na sua origem. Assim é que a Casa do Douro, cuja génese, aliás, data dos primeiros anos do século e foi sugerida pelos próprios lavradores do Douro, constitui uma originalidade, tanto na actividade económica portuguesa, como até no contexto das regiões vitivinícolas europeias.
Tudo isto, que se defende e reconhece, não legitima todavia uma nova legislação que agrava erros e reforça o carácter equívoco e híbrido de uma instituição, pondo em causa direitos constitucionais e normas comunitárias, sem sequer tentar resolver antigos problemas, nem acudir a necessidades há muito sentidas na região demarcada.
Entre estas últimas contam-se uma maior unidade regional; uma maior participação da Casa do Douro na elaboração de estratégias de modernização e desenvolvimento; um grau superior de responsabilidade dos parceiros sociais e económicos, e que se traduz em mais autodisciplina; e uma maior atenção do principal organismo estatal do sector (o IVP, Instituto do Vinho do Porto) para o Douro propriamente dito, incluindo as condições genéricas de produção, assim como a regulamentação, defesa de qualidade e promoção dos vinhos de qualidade regionais. São estas as exigências que recomendam vivamente uma transição (mais ou menos rápida, mais ou menos gradual) para o pleno «inter-profissionalismo».
É esta a solução mais adequada para suceder ao corporativismo. O sector do vinho do Porto, a produção de vinhos de qualidade regionais e a região demarcada não podem ser entregues a uma concepção puramente «liberal» da organização económica: momentos houve na história, sobretudo durante algumas décadas do século XIX, em que tais soluções prejudicaram gravemente o sector, o produto, o comércio e a lavoura. Também não podem a região e o sector, sem gravíssimos riscos e sem enormes prejuízos, como a história também já conheceu, serem entregues à intervenção estatal e à disciplina administrativa imposta.
São estes os dois erros que importa evitar, buscando uma solução de equilíbrio que permita que cada um (Estado, comércio, lavoura) exprima os seus interesses, participe em soluções possíveis e cumpra o seu dever.

Pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, António Barreto.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira Diogo.

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