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Quarta-feira, 1 de Março de 1989 I Série - Número 45

DIÁRIO

da a Assembleia da Republica

V LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE FEVEREIRO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmo. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n. º 86/V.
O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva) abriu o debate sobre o Mercado Interno Europeu, no qual intervieram, a diverso título, além dos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro), da Indústria e Energia (Mira Amaral), das Finanças (Miguel Cadilhe), da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto) e do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados António Guterres (PS), Carlos Brito e Carlos Carvalhas (PCP), Narana Coissoró (CDS), João Cravinho (PS), Rui Almeida Mendes (PSD), Rogério Brito (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Maria Santos (Os Verdes), Hermínio Martinho (PRD), João Belarmino (PSD), Jorge Sampaio (PS), Duarte Lima, Pacheco Pereira, Pedro Roseta, Rui Gomes da Silva, Guilherme da Silva e Sousa Lara (PSD), Carlos Lilaia (PRD), Rui Machete (PSD), Helena Torres Marques e Ferro Rodrigues (PS), João Amaral (PCP), Natália Correia e Rui Silva (PRD) e Lino de Carvalho (PCP).
Encerraram o debate às Srs. Deputados Maria Santos (Os Verdes), Adriano Moreira (CDS), Hermínio Martinho (PRD), Carlos Brito (PCP), João Cravinho (PS), Montalvão Machado (PSD) e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Entretanto, a Câmara autorizou dois deputados a depôr como testemunhas em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 30 minutos.

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Quarta-feira, 1 de Março de 1989 I Série - Número 45

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE FEVEREIRO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n. º 86/V.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva) abriu o debate sobre o Mercado Interno Europeu, no qual intervieram, a diverso título, além dos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro), da Indústria e Energia (Mira Amaral), das Financias (Miguel Cadilhe), da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto) e do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados António Guterres (PS), Carlos Brito e Carlos Carvalhas (PCP), Narana Coissoró (CDS), João Cravinho (PS), Rui Almeida Mendes (PSD), Rogério Brito (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Maria Santos (Os Verdes), Hermínio Maninho (PRD), João Belarmino (PSD), Jorge Sampaio (PS), Duarte Lima, Pacheco Pereira, Pedro Roseta, Rui Gomes da Silva, Guilherme da Silva e Sousa Lara (PSD), Carlos Lilaia (PRD), Rui Machete (PSD), Helena Torres Marques e Ferro Rodrigues (PS), João Amaral (PCP), Natália Correia e Rui Silva (PRD) e Lino de Carvalho (PCP).
Encerraram o debate os Srs. Deputados Maria Santos (Os Verdes), Adriano Moreira (CDS), Hermínio Maninho (PRD), Carlos Brito (PCP), João Cravinho (PS), Montalvão Machado (PSD) e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Entretanto, a Câmara autorizou dois deputados a depor como testemunhas em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 30 minutos.

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Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta do diploma entrado na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa a Proposta de Lei n. º 86/V - Reforma do Tribunal de Contas -, que foi admitida e baixou à competente comissão.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, foi-nos distribuído um relatório e parecer da Comissão dos Assuntos Europeus e a informação que tenho é a de que foi aprovado - aliás, parece que por unanimidade - com o objectivo de ser uma contribuição para este debate. Nesse sentido, gostaria de saber quando é que o Sr. Presidente tenciona fazer ler esse relatório, se no início do debate, se no decorrer dele, ou em qualquer outro momento, visto que parece ser uma contribuição muito séria para o debate que vamos travar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esse relatório não vai ser lido, mas já foi distribuído no início desta
Srs. Deputados, para dar início ao debate sobre o Mercado Interno Europeu, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Acto Único Europeu, ratificado por esta Assembleia em Dezembro de 1986, marca uma nova etapa da construção europeia, uma etapa que se tem revelado fortemente mobilizadora para os europeus e que suscita grande atenção do Mundo.
A construção do mercado interno até ao fim de 1992, fazendo da Comunidade um espaço único integrado, onde circulem livremente pessoas, mercadorias, serviços e capitais, é elemento central desta nova fase.
Não é empreendimento simples transformar doze mercados nacionais num só espaço sem fronteiras internas, mas a sua concretização apresenta-se como condição indispensável para travar o declínio económico da Europa, face aos Estados Unidos, ao Japão e mesmo aos novos países industrializados, e para promover um mais forte crescimento económico, a inovação científica e tecnológica, o aumento de produtividade e a criação dos novos empregos, garantindo a melhoria do bem-estar do cidadão europeu e reforçando o peso da Europa na cena internacional.
Se a Europa de 1992 suscita grande adesão no interior da Comunidade é porque o Acto Único associa à perspectiva do grande mercado europeu as ideias de desenvolvimento harmonioso e solidário, reforço do sistema monetário europeu, resposta conjunta a problemas do nosso tempo, como a defesa do ambiente, e de cooperação em matéria de política externa.
O Acto Único aponta ainda para o desenvolvimento de uma política europeia de investigação científica e tecnológica, juntando e coordenando esforços e ampliando os meios financeiros disponíveis, orientação decisiva para a recuperação do atraso da Europa em relação aos Estados Unidos e ao Japão.
Por outro lado, foi reforçado o processo de decisão e melhorada a eficácia das instituições comunitárias, nomeadamente através do recurso acrescido às decisões do conselho por maioria qualificada, do aumento dos poderes do Parlamento Europeu e do alargamento das competências executivas da comissão.
Para a realização do Acto Único têm sido dados passos importantes.
Destaco a aprovação do Plano Delors, no Conselho Europeu de Bruxelas de Fevereiro de 1988, em cuja negociação Portugal fez consagrar as suas posições e onde se afirma a vocação comunitária para uma Europa forte e aberta ao exterior e se recusa a ideia de uma Europa a «duas velocidades» ou da coexistência de uma Europa de ricos e de uma Europa de pobres.
Quatro meses mais tarde, em Hannover, também na Unha inspiradora do Acto Único mas indo ainda mais longe, o Conselho Europeu decidiu relançar o objectivo da união económica e monetária.
A Europa de 1992 é uma nova realidade em formação. Nas conclusões do Conselho Europeu de Hannover afirma-se que «a irreversibilidade da construção do Mercado Interno é hoje aceite por aqueles que estão empenhados com seriedade na vida económica e social».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A opção europeia de Portugal é uma opção verdadeiramente nacional. Ela

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traduz a escolha inequívoca de um modelo democrático e pluralista de organização política, social e económica e projecta uma nova fase da nossa História.
Estar na CEE é uma escolha explicitamente defendida por todos os partidos democráticos. Pode mesmo afirmar-se que estar na CEE não divide hoje os portugueses, conscientes de que na Europa se joga o nosso futuro colectivo e consequentemente a melhoria do bem-estar de cada um.
Porquê, então, este debate parlamentar?
A importância das questões que se perfilam no evoluir da construção europeia e das tarefas necessárias para garantir o êxito da integração de Portugal nas Comunidades levou o Governo a tomar a iniciativa de suscitar este debate para colher as opiniões, as ideias e os contributos dos Srs. Deputados.
A construção europeia é um projecto em movimento, cujo rumo depende da vontade esclarecida de todos os europeus.
E é bem sabido que Portugal enfrenta hoje um quadro substancialmente diverso daquele que era previsto há quatro anos, aquando da assinatura do Tratado de Adesão; um quadro mais exigente, mas que encerra igualmente potencialidades acrescidas.
Portugal aderiu às Comunidades Europeias numa altura em que começou a ser relançado o processo de integração. Tal circunstância, que considero feliz, permitiu ao nosso país ter voz activa e influente nas grandes decisões entretanto tomadas, designadamente quanto ao Acto Único Europeu e ao Plano Delors. Assim queremos que continue a acontecer.
Importa debater as grandes linhas de orientação quanto às políticas mais adequadas para aproveitar a oportunidade histórica que a integração na CEE oferece para tornar Portugal uma nação moderna e desenvolvida.
Estamos, pois aqui, para aprofundar com os Srs. Deputados as questões realmente decisivas em função do interesse nacional.
O Governo sempre julgou útil para o País associar o Parlamento à abordagem das grandes questões levantadas pela integração europeia. Foi assim, que promoveu um debate parlamentar sobre o significado do Acto Único Europeu, antes ainda da sua ratificação. No mesmo espírito me desloquei aqui, logo após a cimeira extraordinária de Bruxelas, há um ano, para apresentar à Assembleia o teor das decisões então tomadas, de enorme relevância para Portugal.
Idêntica atitude de diálogo construtivo está na origem do presente debate. Os representantes eleitos pelo povo português são convidados pelo Governo a pronunciarem-se sobre as questões de fundo que actualmente a integração europeia nos coloca, sobre matérias de importância vital para o País que seremos não só neste final de milénio como já ao longo do século XXI.
Não se trata, como é óbvio, de entrar em discussões técnicas ou de pormenor, que não têm dignidade num debate parlamentar sobre a Europa de 1992 e que só serviriam para desprestigiar a Assembleia da República. O que está em causa é equacionar as grandes linhas de orientação a seguir, partindo de uma visão global e prospectiva do País e dos interesses nacionais.
Quais as orientações de política interna que os Srs. Deputados consideram mais adequadas para enfrentarmos com êxito o novo condicionalismo da Europa Comunitária?
E qual o posicionamento que entendem aconselhável para Portugal face às questões fulcrais que a construção da união europeia está a pôr?
E oportuno o contributo ponderado, esclarecido e tão profundo quanto possível desta Câmara sobre estes temas, o que exige uma discussão objectiva, séria e responsável, a que com certeza os Srs. Deputados irão corresponder de forma positiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal é membro da CEE e enfrenta os desafios daí emergentes não por força de qualquer fatalidade inevitável mas por decisão livre e consciente.
Esta é a oportunidade histórica para consolidar Portugal como país de progresso, capaz de se afirmar plenamente no mundo moderno. É a via para, finalmente, nos aproximarmos do nível de desenvolvimento de países que durante muito tempo nos habituámos a considerar como os mais avançados.
A realização do Mercado Único Europeu, destruindo as barreiras à livre circulação das mercadorias e serviços, significa concorrência acrescida para a produção portuguesa em praticamente todos os sectores e uma crescente interdependência entre a nossa economia e as economias dos outros Estados membros. O aumento da nossa capacidade competitiva é, assim, condição indispensável ao sucesso da integração.
Mas deve dizer-se que, com ou sem CEE, sempre o grau de desenvolvimento do País e a posição de Portugal no mundo estariam, como estão, dependentes das suas capacidades competitivas à escala internacional. Não haja ilusões: os povos são tanto mais prósperos e fortes quanto melhor forem capazes de competir nos bens e serviços que produzem. E é claro que Portugal só pode desenvolver-se num quadro de economia aberta ao exterior.
Sem o enquadramento comunitário o País não teria hipóteses de penetração em mercados com a amplitude exigida pela escala dos investimentos necessários ao progresso e pelas imprescindíveis importações de petróleo, bens essenciais e equipamentos, de pouco valendo então as protecções de que rodeássemos o pequeno mercado português. Ou seja, Portugal ficaria condenado a permanecer no seu secular atraso. Ora é essa hipótese que os portugueses hoje activamente rejeitam.
Para um país periférico como o nosso, com uma única fronteira terrestre face a um vizinho de maior dimensão, o quadro multilateral e comunitário oferece o terreno propício à afirmação nacional e à defesa dos nossos interesses.
A concretização do Mercado Interno, se é verdade que implica mais concorrência, traz também vantagens para uma economia coma a nossa, com um mercado nacional de dimensão limitada, e necessariamente aberta e voltada para a exportação. Para as empresas nacionais, na grande maioria pequenas ou médias, será muito positivo dispor, livre de barreiras, de um mercado de 320 milhões de consumidores de alto nível de poder de compra.
E não se trata de um qualquer mercado mas do mercado natural dos nossos produtos, que já antes da adesão absorvia quase 60% das nossas exportações.
O maior acesso aos fundos comunitários que foi assegurado quando das negociações do Plano Delors representa um poderoso elemento de modernização da economia portuguesa. Estes apoios acrescidos, nomeadamente na área da indústria, da agricultura e do desenvolvimento regional e dos recursos humanos,

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deverão conduzir ao reforço da nossa capacidade concorrencial, de modo a conseguir-se a participação com êxito na realização do Mercado Interno.
A par destes apoios comunitários, a perspectiva do Mercado Interno que se avizinha encerra um estímulo à mudança e constitui uma forca impulsionadora das reformas, dos ajustamentos e das reconversões indispensáveis para modernizar Portugal. O Mercado Interno veio introduzir entre nós um saudável factor de urgência, contrariando tendências para o adiamento daquilo que deve ser feito, por maiores que sejam as dificuldades.
Sabem bem os Srs. Deputados que não é empreendimento fácil o que temos pela frente, até porque a realização do Mercado Interno coincide com o termo da maior parte das protecções transitórias à nossa economia previstas no Tratado de Adesão.
O desafio que enfrentamos respeita a todos: órgãos de soberania, agentes económicos e sociais, cidadãos em geral. É necessário unir esforços e daí o debate permanente que o Governo tem procurado promover.
Para o Portugal de hoje, a Europa Comunitária é de facto, uma grande via de afirmação nacional. Com a nossa tão vincada identidade nacional, que em nada foi afectada nesta experiência de três anos de adesão, conscientes do precioso património histórico e cultural que advém de sermos um Estado-nação dos mais antigos e estruturados do mundo, é como portugueses que estamos nas Comunidades e com redobrada confiança partilhamos esse esforço comum e solidário de construir a Europa.
Ao fortalecer-se numa Europa mais forte e em cujo processo de integração participa como co-decisor, Portugal valoriza aquilo que lhe é próprio - basta pensar, por exemplo, nas nossas relações com os países africanos de língua oficial portuguesa. A integração nas Comunidades Europeias significa para Portugal não qualquer diluição da nossa identidade mas, ao invés, a valorização da nossa diferença através do desenvolvimento da sociedade portuguesa.
A Comunidade Europeia é uma realidade profundamente inovadora, onde se organizam, em moldes inéditos, interdependências que são uma realidade crescente da vida actual, de maneira a multiplicar as potencialidades de afirmação política, económica, social e cultural das nações europeias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o desafio da Europa de 1992, há orientações gerais de política que nos parecem essenciais e que temos vindo a seguir, mas gostaríamos de conhecer eventuais alternativas preconizadas nesta Câmara.
Todos os partidos democráticos concordarão na urgência de levar a cabo a Revisão Constitucional em curso, de maneira a dotar o País de uma lei fundamental que não entrave o movimento da direcção da Europa, da modernização e do desenvolvimento.
Seria verdadeiramente suicida manter restrições constitucionais que são outras tantas desvantagens estruturais face aos outros países comunitários. Assim, faço votos para que, na linha do acordo firmado entre os dois maiores partidos portugueses, tão rapidamente quanto possível seja aprovado nesta Câmara um texto constitucional plenamente democrático e europeu.
Um outro ponto parece incontroverso: as profundas transformações que a modernização nacional implica devem processar-se num contexto de crescimento económico sustentado, tão elevado quanto possível, apoiado na expansão do investimento e preservando os equilíbrios macroeconómicos.
Este objectivo tem vindo a ser realizado entre nós, mas importa que tal se mantenha nos anos cruciais que se aproximam.
Por outro lado, a opção do Governo aponta claramente no sentido do reforço da iniciativa privada e do espírito empresarial e de um mais eficaz funcionamento dos mecanismos de mercado. Nessa linha de orientação se inserem as medidas liberalizadoras e as várias reformas estruturais em curso, em particular as acções dirigidas à redução do peso do Estado na economia.
Avanço decisivo na redução do peso do Estado na vida portuguesa tem sido a diminuição do défice do sector público, área em que já foi realizado um progresso notável mas onde, na opinião do Governo, há que ir ainda mais longe.
Em interligação com a dinamização da iniciativa empresarial situa-se o esforço de modernização e diversificação da nossa estrutura produtiva e o aumento da capacidade competitiva da economia portuguesa. Nessa perspectiva são decisivos os novos sistemas de incentivo ao investimento assim como as reformas estruturais que tivemos a coragem de realizar - como a legislação laborai, a nova lei de bases da reforma agrária e o novo sistema de tributação directa.
Sabemos que é necessário vencer as fragilidades de que enferma o nosso tecido industrial e a debilidade do seu padrão de especialização, assim como alcançar um maior grau de internacionalização, das nossas empresas. Mas entendemos que para isso se deve apostar acima de tudo na mobilização e na capacidade de iniciativa dos agentes económicos, no quadro de uma economia de mercado aberta ao exterior e não no intervencionismo ou no paternalismo de Estado.
Tal como entendemos que deve ser acolhido favoravelmente o investimento directo estrangeiro, cujo rápido crescimento é, aliás, bem revelador da confiança que o nosso país suscita. O investidor estrangeiro pode dar um importante contributo nesta fase de modernização de Portugal, sobretudo na medida em que proporcionar maior capacidade de penetração em mercados externos e acesso a produções com maior conteúdo de inovação tecnológica, devendo, sempre que possível, ser privilegiada a associação com empresários nacionais.
A reestruturação, desenvolvimento e liberalização do sistema financeiro devem prosseguir de modo a desempenhar de forma mais eficiente as funções de incentivo à formação e mobilização das poupanças e seu encaminhamento para as aplicações economicamente mais rentáveis, bem como a favorecer a preparação das instituições financeiras nacionais para uma concorrência acrescida.
Todos concordarão, de certo, em que é preciso aproximar a nossa taxa de inflação das médias europeias. Algumas dificuldades se levantaram recentemente nesta importante frente, mas, Srs. Deputados, quais as políticas alternativas que propõem para melhor atingirmos tal objectivo e manter o crescimento sustentado da nossa economia?
A modernização nacional que a Europa de 1992 requer e impulsiona só poderá ser obra de toda a sociedade. Por isso entendemos que deve ser dada prioridade à valorização dos recursos humanos do País, através de um grande esforço nos domínios da educação, formação profissional, desenvolvimento científico e tecnológico, e da ligação entre a universidade e as empresas.

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É o que temos vindo a fazer: nunca tantos recursos foram encaminhados para reforço do capital humano do País.
Na parte que mais directamente envolve o Estado, parece indispensável a modernização da administração pública. Estamos a dar passos no sentido da redução dos constrangimentos burocráticos ao desenvolvimento, da aproximação da administração aos utentes e da valorização dos recursos humanos.
A correcção das disparidades regionais de desenvolvimento é uma orientação que consideramos fundamental não apenas porque, na óptica social-democrata que é a nossa, deve ser cumprido o imperativo da igualdade de oportunidades para todos os portugueses, mas também porque corresponde ao interesse nacional aproveitar plenamente os recursos humanos e materiais existentes no País.
Nesse sentido vai claramente a política do Governo. Basta mencionar, a título de exemplo, os sistemas de incentivo ao desenvolvimento regional, os programas operacionais de âmbito regional e a autêntica revolução em curso na área das infra-estruturas de transporte e telecomunicações.
Entendemos igualmente que o desafio da Europa de 1992 exige que a promoção do ordenamento do território, a conservação do ambiente e a diminuição da nossa dependência energética sejam consideradas como orientações relevantes da política nacional.
Mas não vale a pena alongar mais as referências às grandes linhas orientadoras da acção do Governo para enfrentar o desafio de 1992 porque elas são conhecidas dos Srs. Deputados. Interessa mais conhecer as orientações prioritárias alternativas que os Srs. Deputados entendem que devem ser seguidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero muito importante que este debate permita conhecer as opiniões dos Srs. Deputados sobre qual deve ser a posição portuguesa face às principais questões de actualidade da construção europeia. O que pensam sobre a realização do Mercado Interno, a dimensão social, a abertura da CEE ao exterior, a união monetária, a reforma das instituições comunitárias e a cooperação política europeia?
O Governo entende que Portugal deve adoptar uma atitude construtiva, sem qualquer orientação obstrucionista, no processo de negociação dos diferentes dossiers do Mercado Interno, porque considera que a sua realização é um objectivo político essencial da construção europeia e é um importante factor de progresso do nosso país.
Mas consideramos que a realização do Mercado Interno deve progredir de modo equilibrado, promovendo a livre circulação de mercadorias, serviços e capitais, mas também de pessoas, e o avanço na área da Europa dos cidadãos.
Esta atitude é compatível com a defesa que deve ser feita dos sectores vulneráveis da nossa economia, procurando obter derrogações especiais de modo a ganhar tempo para as reestruturações e reconversões indispensáveis. «Proteger por proteger» é modelo que o Governo considera errado, na convicção de que o proteccionismo como regra é factor de cristalização e obstáculo ao progresso.
Mas entendemos também que a coesão económica e social é objectivo não menos importante e por isso defendemos que sejam devidamente tidas em consideração as implicações regionais da realização do Mercado Interno. Não podemos aceitar que ele conduza a um acentuar das disparidades de desenvolvimento, favorecendo as regiões mais ricas, o que certamente daria lugar a tensões sociais e políticas que poriam em causa a própria construção europeia.
Por outro lado, reconhecemos que o Mercado Interno requer um certo grau de harmonização fiscal, principalmente na tributação dos rendimentos de capital e no imposto sobre o valor acrescentado.
Pensa ainda o Governo que o aproveitamento das potencialidades do Mercado Interno exige políticas de fortalecimento da base tecnológica da Europa e que deve ser prestada maior atenção ao desenvolvimento de acções comuns de preservação do ambiente.
O Governo entende que à realização do Mercado Interno deve associar-se uma verdadeira dimensão social da Europa, que garanta a distribuição equitativa dos benefícios e a participação dos trabalhadores.
A melhoria das condições de trabalho, nomeadamente de saúde e segurança, o desenvolvimento do diálogo social, a promoção do emprego e da formação profissional, a livre circulação dos trabalhadores e suas famílias, e a segurança social dos trabalhadores migrantes são objectivos prioritários a que Portugal se associa.
Entendemos que a dimensão social não dará frutos se for conduzida para o campo da confrontação ideológica, devendo antes ser encarada como uma tarefa exigindo empenhamento constante, cujo progresso se faz passo a passo através de acções concretas.
E o que pensam os Srs. Deputados da abertura da Comunidade ao exterior?
O Governo entende que a Europa deve afirmar-se como um espaço aberto ao mundo, lutando contra protecionismos, protagonizando soluções multilaterais para a expansão do comércio internacional e fortalecendo laços económicos e comerciais com todos os outros parceiros.
Acreditamos que o comércio livre e o incremento das trocas internacionais são factores decisivos do crescimento económico e da melhoria do bem-estar dos povos.
A ideia da «Europa fortaleza», fechada nos muros do Mercado Interno de 1992, deve ser desmistificada. A Europa sempre defendeu a liberalização do comércio internacional e é já hoje o espaço mais aberto ao exterior. Acresce que a realização do Mercado Interno vai proporcionar mais oportunidades a terceiros países.
Mas a Comunidade não pode deixar de exigir que novos passos no sentido da liberalização no quadro das negociações do Uruguay Round, se processem num equilíbrio recíproco de vantagens dentro do espírito do GATT.
Este posicionamento não impede que Portugal pugne pela defesa intransigente dos sectores da nossa economia mais vulneráveis à concorrência desregrada de países que praticam o dumping social, não respeitando as regras do GATT. É o caso dos sectores têxtil e do vestuário, para os quais se impõe assegurar tempo e apoio indispensáveis à sua modernização.
Somos firmes partidários do aprofundamento da cooperação com países da EFTA, organização de que Portugal foi membro durante 25 anos e à qual continuamos ligados através de um fundo para o apoio à indústria portuguesa.

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Defendemos também o desenvolvimento da cooperação com os Estados ACP, onde se incluem as nações africanas de língua oficial portuguesa, e a dinamização das relações com os países da América Latina, a que estamos ligados por laços históricos e culturais.
A Europa Comunitária deve ainda manifestar uma atenta abertura aos países do Leste europeu, traduzindo uma visão global das relações económicas e do diálogo político, tendo presente a especificidade de cada país e o principio da reciprocidade das vantagens e obrigações.
Entendemos que os Estados membros das Comunidades devem colocar em conjunto o prestígio da sua história, o dinamismo da sua economia e a realidade da sua expressão política, para projectar uma Europa forte e aberta ao Mundo, que assuma as suas responsabilidades para com os países do Sul que seja um polo marcante do desenvolvimento mundial.
E qual deve ser, Srs. Deputados, o posicionamento de Portugal face à União Monetária Europeia?
O Governo entende que para tirar todo o partido da realização do Mercado Interno é indispensável que a Europa caminhe no sentido da estabilidade cambial, aprofundando a experiência positiva do Sistema Monetário Europeu.
A estabilidade cambial implica uma maior coordenação das políticas económicas e financeiras dos Estados membros havendo que encontrar adequados mecanismos para a sua realização. Para o avanço da união monetária será decisivo o importante estudo que o Conselho de Hannover confiou a um comité presidido pelo Sr. Delors, cujas conclusões deverão ser apresentadas a tempo de serem apreciadas no conselho de Madrid em Junho próximo.
E o que pensam os Srs. Deputados do debate institucional?
O Acto Único Europeu representou uma importante alteração qualitativa no funcionamento das instituições comunitárias, que está ainda em fase de consolidação.
O aprofundamento da integração virá com certeza a exigir no futuro alterações do modelo institucional da Comunidade. Entendemos, porém, que o debate institucional não é o motor da construção europeia, podendo mesmo funcionar como travão.
O Governo considera que a realização do grande Mercado Interno deve ser acompanhada por um reforço da representação democrática das instituições comunitárias, contrariando qualquer orientação no sentido de uma Europa de burocratas.
Como, aliás, já acontecera quando da negociação do Acto Único, defendemos o reforço dos poderes do Parlamento Europeu, o qual deve ser cada vez mais a emanação da vontade do eleitorado europeu e não apenas a soma de expressões nacionais.
Entendemos ainda que importa aprofundar, de modo pragmático, a cooperação entre o Parlamento Europeu e o conselho.
A comissão deve ser cada vez mais o executivo que assegura a realização das políticas comuns, cabendo-lhe o principal papel de iniciativa.
O conselho deve ser o garante da unidade europeia no respeito pela identidade de cada Estado, cabendo-lhe zelar pelo equilíbrio das decisões comunitárias, tendo em conta a diversidade e a especificidade dos Estados membros.
Temos de saber construir a Europa pelo esforço conjunto dos governos e parlamentos nacionais, do Parlamento Europeu, da comissão, pelo esforço de todos os europeus. A interdependência crescente das tecnologias, dos mercados e das economias leva inevitavelmente ao desenvolvimento de políticas comuns e a uma mais alargada cooperação entre os Estados membros.
Mas, Srs. Deputados, a Europa não é apenas uma área de cooperação económica, monetária, social, ou tecnológica. A Europa comunitária assumiu, em 1986, uma nova expressão política própria, ao iniciar a cooperação em matéria de política externa. O que pensam os Srs. Deputados desta questão?
Ultrapassadas as iniciais atitudes de reserva, o certo é que a cooperação política europeia funciona, como ainda há dias tivemos exemplo em decisões tomadas por unanimidade pelos doze países acerca das relações com o Irão.
O Governo é favorável ao reforço desta componente da construção da Europa, para que a Comunidade cada vez mais fale com uma só voz nas grandes questões da cena internacional, o que lhes confere acrescida capacidade de intervenção beneficiando todos e cada um dos Estados membros.
A cooperação em matéria de política externa é hoje uma realidade e apresenta-se como cada vez mais importante para a defesa do mundo ocidental, defesa que tem na OTAN a sua base principal e na UEO o foro político do pilar europeu da Aliança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Europa de 1992 vai dar lugar a um condicionalismo mais competitivo e, portanto, mais exigente do que aquele que decorreria apenas do Tratado de Adesão e da normas comunitárias vigentes em 1985, mas também novas oportunidades se abriram.
Pela nossa parte, isto significa que temos de fazer um esforço ainda maior do que o inicialmente previsto para garantir o sucesso da integração.
É tarefa complexa, sem dúvida, dada a necessidade de superar em poucos anos atrasos acumulados durante décadas, e de vencer debilidades, bloqueios e desequilíbrios de que enferma a nossa economia, mas não encontro motivos sérios para descrer.
Pelo contrário, o clima de confiança e de aposta no futuro que se vive hoje em Portugal - e de que o volume de investimento é indicador significativo - mostra que os portugueses acreditam nas suas capacidades para vencer o desafio.
Há quatro anos não faltavam os prognósticos pessimistas e as visões catastróficas. Ora o tempo já decorrido após a nossa adesão à CEE trouxe o mais cabal desmentido a essas manifestações de um velho cepticismo que o novo Portugal está a pôr de lado.
É forçoso reconhecer hoje que a nossa adesão às Comunidades Europeias tem corrido bem melhor do que muitos esperavam. Ao nível da sociedade civil como no plano dos organismos do Estado a resposta do País foi bastante positiva.
Soubemos defender os interesses nacionais na negociação permanente que se processa nas instâncias comunitárias. O saldo dos fluxos financeiros é substancial e cresceu de ano para ano em favor de Portugal, desmentindo receios em contrário - alguns dos quais expressos nesta Câmara.
Aliás, o saldo dos fluxos financeiros não constitui o essencial, valendo sobretudo como indicador de algo

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mais importante, ou seja, dos efeitos dinâmicos da adesão à CEE na modernização da economia e da sociedade portuguesas. Ora aí os dados são indesmentíveis.
Na verdade, desde a adesão tem vindo a registar-se um ritmo notável de expansão económica, do investimento e das exportações reduzindo drasticamente o desemprego.
Porventura já muitos não se lembrarão de como há apenas quatro ou cinco anos a CEE era para os portugueses algo de distante e até ameaçador. Agora, o País sabe que é encarado na CEE com respeito e que tem voz influente nas instâncias de decisão da Comunidade. A sociedade portuguesa habituou-se com toda a normalidade à vida comunitária, perdendo quaisquer complexos que pudessem existir. Com a naturalidade de quem sente que, criadas as condições necessárias, pode competir com os outros europeus, os agentes económicos reagiram com confiança e dinamismo à integração na CEE, investindo, exportando, criando riqueza.
Fazendo o balanço do que se passou nestes três anos Srs. Deputados, não posso deixar de estar confiante. Os portugueses vão fazer das exigências e das oportunidades adicionais introduzidas pela Europa de 1992 mais um grande impulso à modernização, mas, para que tal aconteça a cem por cento, temos de criar as condições adequadas, fazer as opções estratégicas correctas, escolher o caminho certo.
O Governo pôs em marcha um conjunto de políticas tomando em conta a Europa de 1992. Em democracia, porém, é sempre útil confrontar os nossos pontos de vista com eventuais opções alternativas. Estamos pois, aqui, Srs. Deputados, para vos ouvir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Guterres, Carlos Brito, Carlos Carvalhas, Narana Coissoró, João Cravinho, Rui de Almeida Mendes, Rogério Brito, Nogueira de Brito, Maria Santos e Hermínio Martinho.
Mas antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado António Guterres, informo a Câmara de que se encontra entre nós um grupo de alunos da Escola Secundária da Damaia, para quem peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem pois, a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, vamos ao essencial! E o essencial para nós é que Portugal continua, em grande medida, a ser a reserva de mão-de-obra barata da Europa; o essencial para nós é que a única vantangem comparativa do nosso sistema produtivo no conjunto europeu continua a ser, basicamente, os baixos salários. E o que, do nosso ponto de vista, é grave, é que a política do Governo tem vindo a acentuar esta lógica de um país de baixos salários e de emprego precário.
Gostaríamos de saber o que o Governo pensa disto; nós pensamos que é preciso romper este ciclo vicioso e que para isso é necessário que hajam ideias claras sobre o futuro, é necessário que haja uma estratégia que seja discutida e assumida em conjunto, não só pelo
Governo, não só pelo Estado mas também pelo conjunto dos agentes económicos e sociais que constituem a sociedade civil, uma estratégica que aposte no homem, na inovação, na criação de novas vantagens comparativas que se baseiem numa mão-de-obra mais qualificada e numa verdadeira capacidade tecnológica nacional, que não existem.
Ora uma estratégia implica a articulação de políticas, desde a política educativa, à de formação profissional, ao apoio ao investimento e à investigação científica e tecnológica.
De tudo isso nos falou também o Sr. Primeiro-Ministro, só que a verdade é que em Portugal não existe, nem essa estratégia, nem essa articulação de políticas.
Senão, vejamos: no plano educativo, este ano há menos dinheiro em percentagem para a educação e a reforma educativa «patina» nas contradições internas do seu ministério.
Em matéria de formação profissional, o que se passa é que se delapidaram dezenas de milhões de contos do Fundo Social Europeu, de norte a sul do País. É evidente que aumentou a despesa, não houve foi resultados práticos, concretos em benefícios do País e do seu sistema produtivo.
Em matéria de promoção do investimento, este Governo não foi capaz, em três anos, de trazer para o País um único grande investimento estrangeiro que se baseasse noutra lógica que não a da mão-de-obra barata e que pudesse trazer verdadeiramente um saldo qualitativo em matéria tecnológica. Olhamos para a Espanha, olhamos para a Inglaterra e é o contrário! Ainda a semana passada mais um caso, o caso Toyota.
Também em matéria de investigação científica e tecnológica, depois de um começo promissor estamos agora em franco retrocesso.
E é isto, Sr. Primeiro-Ministro, que com frontalidade e olhos nos olhos, lhe queremos dizer: nós pensamos que o Governo não tem o direito e de continuar a desperdiçar esta oportunidade de ouro de uma situação económica e financeira internacional totalmente favorável a Portugal, como nunca houve nas últimas décadas, para criar as condições para uma verdadeira modernização do País, mobilizar os cidadãos e os agentes económicos e lançar também as bases de uma melhoria gradual, mas segura, das nossas condições de vida.
É isso, Sr. Primeiro-Ministro, que, mais do que uma pergunta do PS, é uma exigência dos portugueses, uma exigência a que o Governo não pode continuar a fugir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª fez muitas perguntas aos Srs. Deputados, como aliás foi dizendo ao longo do seu discurso. Isso é positivo, é salutar, mas não dispensa o Governo de fundamentar a sua política em aspectos essenciais, o que fez de forma deficiente e estou a pensar na situação social, na situação económica, enfim, nas grandes medidas e na grande política de preparação do País para o embate de 1992.
Seja como for, este agora é o momento das perguntas ao Sr. Primeiro-Ministro, que afirmou que o Governo vinha aqui para ouvir as opiniões, as ideias

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e os contributos dos Srs. Deputados, o que é salutar da pane do Governo, que raramente o tem feito.
O Sr. Primeiro-Ministro disse mais adiante que o Governo sempre associou a Assembleia da República ao processo de integração, mas esta afirmação não é exacta e disso posso eu dar-lhe muitas provas; basta, no entanto, lembrarmo-nos de que o Governo e o PSD estiveram contra a lei que comete à Assembleia da República competências nesta área e que, mais tarde, o PSD até apresentou um projecto de lei para revogar essa lei, que, de resto não está a ser cumprida.
Lembremo-nos ainda do que tem acontecido com o PDR, que o Governo queria entregar às Comunidades em finais de Dezembro, depois em finais de Janeiro e sobre o qual não foram ouvidos nem a Assembleia, nem outros órgãos de soberania, nem o País.
Recordemos ainda a este propósito, que foi o facto de a Assembleia da República não ter sido respeitada nas suas competências, que levou à declaração de inconstitucionalidade de algumas normas do Regulamento do FEDER.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, fica-nos a dúvida em relação ao que afirmou na sua intervenção sobre as opiniões dos deputados: é uma atitude de autocrítica do Governo ou um mero acto que este considera conveniente na presente conjuntura eleitoral, com a aproximação das eleições para o Parlamento Europeu?
Que garantias nos dá, Sr. Primeiro-Ministro, em relação ao cumprimento da lei sobre as competências da Assembleia da República em matéria de integração?
Que garantias nos dá, Sr. Primeiro-Ministro, em relação à informação à Assembleia da República sobre o processo de integração que tem sido absolutamente insuficiente?
Que garantias nos dá, Sr. Primeiro-Ministro, da audição, do debate do diálogo com as autarquias, com os sindicatos, com outros parceiros sociais em relação ao processo de integração?
Para nós, Sr. Primeiro-Ministro, a participação dos órgãos de soberania e a participação popular no processo de integração são fundamentais para enfrentarmos com êxito o embate de 1992. Esclareça-nos, portanto, em relação às nossas perguntas.
Pela nossa parte, mesmo antes de ouvirmos as suas perguntas, já vínhamos aqui com o propósito de esclarecer todas as nossas mais importantes posições nesta matéria e não as improvisámos hoje ou a partir da marcação deste debate. Temos estudado responsavelmente estas questões e vamos apresentá-las para servir Portugal e os portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, as questões que colocou mereciam uma resposta concreta e precisa, mas para isso teria sido necessário preparar este debate e se V. Ex.ª perguntar à sua direita, ao Sr. Valente de Oliveira, e à sua esquerda, ao Sr. Ministro das Finanças, ficará a saber que este debate não foi preparado. Aliás, V. Ex.ª sabe como decorreram os debates em sede de comissão... No entanto Sr. Primeiro-Ministro, vou responder já a algumas das questões que nos colocou.
Contrariamente ao que o Governo faz, na sua prática, nós pensamos que a coesão económica e social deve preceder, no caso português, a livre circulação de capitais e de mercadorias.
Contrariamente ao que o Governo faz, na sua prática, nós pensamos que a liberalização do sistema financeiro português só se poderá realizar quando a balança de transacções correntes estiver estruturalmente equilibrada e a economia portuguesa robustecida.
Contrariamente ao que o Governo português faz e diz, nós pensamos que a dimensão social não pode residir somente na livre circulação de pessoas ou no direito de residência.
A dimensão social deve ter também e fundamentalmente um objectivo, que é a harmonização, por cima, das principais regalias e conquistas dos trabalhadores e penso que não tem nem credibilidade nem autoridade um Governo que vá para Bruxelas reivindicar uma dimensão social para o Mercado Interno, quando aqui no País, em sua casa, tem a distribuição do rendimento nacional que tem, um sistema fiscal injusto, uma das maiores taxas de desemprego de longa duração, uma das maiores taxas de trabalho precário e que conta com as chagas do trabalho infantil, dos salários em atraso...

Protestos do PSD.

Contrariamente ao que o Governo diz e pensa, nós pensamos que o capital estrangeiro é bem vindo, Sr. Primeiro-Ministro, se com ele houver difusão de tecnologia e industrialização da economia e não apenas compra de empresas portuguesas.
Contrariamente ao que o Governo diz e o Sr. Primeiro-Ministro afirmou, como aliás é a sua prática, nós pensamos que os fundos devem ser distribuídos com eficácia e com transparência e não a correr sob a pressão das clientelas.
Contrariamente ao que o Governo pensa - e nós pudemos demonstrá-lo -, o modelo para a economia portuguesa não pode assentar nos baixos salários, na mão-de-obra barata e em tecnologia atrasada.
Contrariamente ao que o Governo afirma, nós pensamos que o futuro da Europa reside na afirmação de que lhe é primordial uma prática democrática tendo por eixo a vontade de reforçar as liberdades e a justiça social, em sua casa e fora dela contra as injustiças e desigualdades, que constituem outros insultos à dignidade do ser humano.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Primeiro-Ministro, em jeito de «prova de acesso» dos deputados da Oposição à integração europeia, veio apresentar uns pontos ou alguns quesitos para nós respondermos.
Verifica-se antes de mais nada, que o Parlamento é o local onde primeiro o Governo deve elucidar os Srs. Deputados para poder ser fiscalizado e obter depois os juízos de valor e a resposta aos problemas.
Aqui, sucede o contrário: o Governo não só não apresenta a fundamentação das suas políticas como interroga os deputados, sobre o que é que eles acham quanto aos dossiers que não conhecem como só ele conhece.

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Mas, em primeiro lugar e tendo em conta que o Tratado de Roma é uma carta de liberdade económica, o que é que o Governo tem feito para desregulamentar ou para enquadrar a livre iniciativa como se impõe para o nosso país?
Dirá V. Ex.ª que temos feito reformas estruturais, mas nós sabemos o que são essas reformas estruturais.
São reformas estruturais de «meio caminho», são reformas estruturais de 49%, são reformas estruturais de solavancos. Para o confirmar basta ver a reforma estrutural da legislação laborai, que regrediu em relação ao que o Governo aqui tinha apresentado na sua primeira ou segunda edição, ficando muito atrás daquilo que é preciso para a flexibilização; basta ver também a lei das telecomunicações, que continua ainda eivada de estatismo, embora se tenha dado um passo importante, assim como os mecanismos financeiros.
Tudo isto continua ainda por fazer e o tempo vai escasseando e a questão que se coloca é a de saber se o Governo quer continuar mais um ano com a propaganda sobre as reformas estruturais sem privatizações, sem a liberdade de mercados financeiros, sem as telecomunicações liberalizadas, o que constitui o fundamento de todas outras liberdades. Será que o Governo pretende hipnotizar a opinião pública com chavões que pouco dizem respeito às verdadeiras necessidades do País?
Em segundo lugar, queria colocar duas questões ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que dizem respeito à circulação de pessoas. No momento em que o país toma conhecimento de que há atentados graves à vida dos cidadãos - como sucedeu nos casos de Evo Fernandes e do alegado rapto patrocinado, segundo se lê nos jornais, pelo Embaixador de Angola - pergunto o que é o Governo tem feito para garantir a luta eficaz contra o terrorismo e contra a droga, e principalmente contra o terrorismo, quando nos é dado conhecer que são as próprias embaixadas estrangeiras que patrocinam isso e ainda não ouvimos qualquer palavra de repulsa ou protesto, ou qualquer comunicado para sabermos a verdade quanto à forma como as coisas se passaram.
Em terceiro lugar, há poucos dias, numa conferência feita pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, pareceu-nos ter o Sr. Ministro dito que agora, depois de termos a ele aderido, a Comunidade podia fechar-se; já que entrámos, o clube podia ser fechado para outros países.
Pergunto se essa é verdadeiramente a atitude do Governo português, isto é, a de fechar o clube só para os doze, deixando à porta países como Áustria, Suécia, Dinamarca, etc, ou se é a de uma abertura total à possível entrada de todos os europeus nesta comunidade.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, o seu discurso teve uma confirmação e uma surpresa. A confirmação foi a reiteração de que as suas previsões catastróficas de 1985, que o levaram a querer exigir ao Partido Socialista a não assinatura do tratado de que hoje tanto se autoglorifica, não foram cumpridas. Registamos com muito agrado mais uma vez o seu optimismo confirmando o seu mau juízo, o seu engano de 1985.
Pela primeira vez, vem o Sr. Primeiro-Ministro a esta Câmara dizer que também é mortal, que também se engana! Os meus parabéns, reconheçamos todos a sua hombridade!
Quanto à surpresa, a surpresa foi o tom cordato, o tom cooperante com que o Sr. Primeiro-Ministro chegou a esta Câmara.
Devo dizer que se estivéssemos noutro país e noutras circunstâncias, as suas inúmeros perguntas - tais como «o que pensam os deputados? o que sabem os deputados?», «terão dez ou terão 20 valores nesta matéria'» «Como é que isto será?» - seriam, porventura, justificadas. Nas circunstâncias actuais, não o são, porque isto é um debate mistificado, é um debate simulado.
O Governo pediu o debate, mas não deu nunca a esta Câmara os elementos mínimos para que a participação portuguesa na adesão, grande projecto nacional, não fosse senão um exclusivo do Governo e de quem o Governo entendeu.
Repare o Sr. Primeiro-Ministro que nós também poderíamos fazer inúmeras perguntas: o que pensa o Sr. Primeiro-Ministro, por exemplo, da liberdade de circulação dos portugueses? Em 1992 vamos ter liberdade de circulação de capital? Sem restrições? Estarão os portugueses sujeitos a restrições quanto à livre circulação a partir de 1992?
O que pensa o Sr. Primeiro-Ministro do Comité Trevi? Disse-nos alguma coisa sobre isso, ou alguma vez a alguém? O que pensa o Sr. Primeiro-Ministro da Cana dos Direitos Comunitários, dos Direitos Sociais? O que pensa o Sr. Primeiro-Ministro, o que pensa o seu Governo?
Inúmeras coisas! Resumiria dizendo o seguinte: existe em relação à Assembleia da República uma lei, a Lei n.º 111/88, que prevê que o Governo deverá enviar projectos a esta Assembleia para consulta, para estudo, em diversas circunstâncias: no n.º 2 do artigo 1.º da referida lei estão quatro especificações concretas que abrangem quase toda a actividade comunitária.
Pergunto se alguma vez, uma só vez que fosse, só uma, o Sr. Primeiro-Ministro enviou a esta Assembleia um projecto para consulta nos termos do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 111/88. Nunca por nunca ser, Sr. Primeiro-Ministro!
Sr. Primeiro-Ministro, esse artigo prevê que são da competência exclusiva da Assembleia certas matérias e que nessas matérias o Governo, para poder agir, deve consultar obrigatoriamente a Assembleia.
Quererá isto dizer que nunca o Governo tratou em Bruxelas de matérias que fossem da competência reservada da Assembleia? Não, este artigo é violado todos os dias!
Sr. Primeiro-Ministro, não há boa fé quando se vem perguntar «o que pensam os deputados» e o Governo guarda ciosamente a informação para si.
E o PDR, «pedra-angular», repito, «pedra-angular», na boca do Governo, de toda a nossa política comunitária? O que sabe esta Assembleia do PDR? Sabe a «pedra-tumular», que é precisamente o segredo a quatro chaves, que o Sr. Primeiro-Ministro guarda.
Nestas condições temos de concluir que o Governo monopoliza, o Governo concentra em si, governamentaliza, estatiza, personaliza na sua pessoa e na dos ministros as relações com a CEE.

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Assim, não vamos lá, como este debate vai demonstrar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui de Almeida Mendes.

O Sr. Rui de Almeida Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Julgo que este debate é uma feliz iniciativa do Governo. Já aqui foi dito pelo Sr. Primeiro-Ministro que as previsões catastróficas que se levantavam, há alguns anos, quanto à nossa adesão à CEE não só não se concretizaram como temos agora a plena verificação de que, por um lado, acompanhámos uma Comunidade que tinha um determinado perfil quando estávamos a negociar e que, por outro, fomos capazes de estugar o passo, fomos capazes de acompanhar a Comunidade numa velocidade e num desenvolvimento muito maior que é agora representado pelo Mercado Único Europeu de 1992. Esse Mercado Único já está em curso, já está a ser realizado; empresas europeias, japonesas e até americanas já estão a fazê-lo, neste momento, já estão a tomar as suas decisões, a fazer os seus projectos no sentido de saberem como vão responder a esse grande desafio. É isso que está aqui em causa neste momento, Srs. Deputados.
Fico assim um pouco espantado quando vejo que afinal a Oposição não vem aqui fazer perguntas ou dar contributos para saber como é que Portugal deve agir numa tarefa que tem de ser nossa, dos deputados da Oposição e da maioria, do Governo, dos agentes económicos, dos agentes sociais e de todos os cidadãos... É ai que temos de dar o nosso contributo e é aqui, neste momento, que temos de dizer o que pensamos, Srs. Deputados.

O Sr. Raul Rego (PS): - O senhor é do Governo ou é deputado?

O Orador: - Fala-se muito, Srs. Deputados, em falta de informação, mas nós temos toda a informação, basta ver aquilo que se passa em Bruxelas. Há pouco tempo esteve na Comissão dos Assuntos Europeus o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus e na passada terça-feira também esteve o Sr. Ministro Valente de Oliveira que nos deu as informações - que todos quisemos - sobre o PDR (Plano de Desenvolvimento Regional).
Sr. Primeiro-Ministro, em que medida é que a internacionalização das empresas portuguesas poderá ser efectuada de forma a que estas possam vir a retirar vantagens, tal como as suas congéneres de outros países europeus, da abertura da livre circulação de mercadorias, capitais e serviços?
Devo dizer que fico perplexo quando verifico que se fala aqui de baixos salários e por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro se refere a problemas de dumping social. Será que não há aqui perspectivas contraditórias sobre essa questão?
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, julgo que os problemas da harmonização fiscal, nomeadamente ao nível da tributação do IVA e dos produtos petrolíferos ou de outros bens, poderão colocar problemas em termos de financiamento do orçamento comunitário. Nesse sentido, pedia a V. Ex.ª que nos pudesse informar da forma como essas matérias estão a ser encaradas e em que ponto está a discussão do dossier da harmonização fiscal no seio das comunidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que uma das áreas que se pressupõe ter de ser desenvolvida para poder enfrentar 1992 é o sector agrícola, isto por maioria de razão, até pela sua extrema debilidade.
Independentemente do facto de o rendimento médio dos nossos agricultores, em comparação com os agricultores comunitários, se situar a cerca de um terço daqueles, tenderão a agravar-se rapidamente no actual momento por força da adopção ou da progressiva adopção da política de preços agrícolas comuns.
É ou não é um facto que, sendo certo que temos um mercado de 320 milhões nesta área, o défice da nossa balança agro-alimentar passou de uma taxa de cobertura da ordem dos 55% em 1985/86 para menos de 40% em finais de 1988? É ou não é um facto que mesmo em produtos onde eventualmente se teria uma certa perspectiva de maiores facilidades ou de vantagens comparadas, como é o caso das frutas, em que de uma taxa de cobertura largamente favorável das importações pelas exportações que em 1985/86 se situaram na casa dos 80 a 100% se passou para uma taxa negativa de menos 12% em 1987 e de menos 75% no ano de 1988? É ou não é um facto que os mecanismos de política de apoio à agricultura e à sua modernização estão a subvalorizar e a penalizar o agricultor autónomo, a exploração agrícola familiar? É ou não é um facto que se está a subestimar e a desperdiçar o potencial económico e produtivo das pequenas e médias explorações agrícolas tendo ainda em conta a importância que elas representam no tecido económico e social das vastas regiões do interior e do norte deste país?
Sr. Primeiro-Ministro, diga-me como é possível estarmos preparados para o grande desafio de 1992 quando neste momento, a meio da primeira etapa do período de transição, não se dispõe de um levantamento nacional integrado dos recursos naturais e das suas potencialidades; não se dispõe de um ordenamento agro-florestal nem de uma macrozonagem integrados, definidos e articulados em termos científicos e económicos; não existe qualquer orientação ou medidas integradas de fomento e melhoria das produções de redução da nossa dependência energética e proteica; não temos qualquer estudo, qualquer base para definir em que termos se vai orientar a produção tendo em conta vantagens comparadas, a necessidade de criar produtos alternativos que reduzam as importações e, por essa via os custos de produção da nossa energia e da nossa proteína alimentar. Nestas condições, como é possível falar-se em desenvolvimento e em vencer o desafio que é 1992, Sr. Primeiro-Ministro?
É ou não um facto que, por via de uma especialização progressiva do nosso sector primário na área florestal, sobretudo na produção industrial de lenho, corremos o risco de termos de aceitar uma especialização assente no baixo valor acrescentado dos produtos finais,

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produtos que podem mesmo não ter qualquer valor incorporado, como pode acontecer com a importação de madeiras ou de pasta de celulose? Será que devemos aceitar esta evolução? Estas questões não me parecem dispiciendas para abordamos com objectividade a questão do grande desafio de 1992.
Sr. Primeiro-Ministro, permita-me que lhe diga por este caminho, esse grande desafio pode ser e será um desafio perdido se não houver mudanças muito significativas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, ultimamente tem posto nas questões da integração europeia aquilo que nós designaríamos como o «zelo dos convertidos». De facto, V. Ex.ª hoje qualificou como «feliz» a decisão de, em 1986, aderir à Comunidade Económica Europeia. Feliz momento esse! Feliz momento em que aderimos e feliz a forma como aderimos! E todos estamos recordados que nessa altura, quando preparava o seu primeiro governo, V. Ex.ª tinha preocupações contrárias, estava preocupado com o momento e com a forma como estávamos a aderir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Felizmente tudo passou! O período decorrido é um período de resultados positivos e V. Ex.ª vem trazê-las à Câmara.
O CDS, preocupado com o acompanhamento desta matéria, teve o cuidado de pedir a V. Ex.ª uma audiência e de, nessa conversa directa, constatar que era esse o seu estado de espírito, afegrindo dessa forma o grau de empenhamento e de informação que V. Ex.ª punha neste domínio.
O que é que V. Ex.ª pretende, na realidade, com este debate? Que garantias têm os deputados de que as respostas que porventura dêem às perguntas que V. Ex.ª formulou vão influenciar a condução política do Governo nesta área? Será que vamos dar um parecer? Será que é um parecer oral? Será que é um parecer que ficará registado no Diário! Em que medida é que ele vincula o Governo? Será que V. Ex.ª procurou um consenso neste debate? Será que estamos numa área de busca de consensos? Será que vai alcançar-se o consenso no Plenário num debate de um dia?
Interrogamo-nos e continuamos a interrogar-nos sobre qual o verdadeiro alcance deste debate, mas não rejeitamos, Sr. Primeiro-Ministro. Nesse sentido, vamos procurar dar as nossas respostas às questões que V. Ex.ª colocou e também colocar as dúvidas que estão na nossa mente.
Para já, vou avançar com uma pergunta, dado que irei fazer uma intervenção e aí colocarei a V. Ex.ª e ao Governo as outras questões. V. Ex.ª falou - e bem - na preocupação que o Governo tem com a dimensão social do mercado interno. Estamos todos em comunhão no que respeita a essa preocupação do Governo. Como é que V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, entende que vamos dar o nosso contributo para que o mercado unificado interior seja também um espaço social unificado com o grau de capitalização social de País? Efectivamente temos um défice elevado - e j; lá irei! - , mas esse défice não tem servido para capitalizar socialmente o País. As dificuldades são constantes, a Sr.ª Ministra da Saúde tem dificuldades no seu ministério porque dispõe de pouco dinheiro, o Sr. Ministro da Educação, apesar de tudo, dispõe de muito pouco dinheiro e nessa matéria de investimento social temos um enorme atraso em relação a um grande parte de Europa Comunitária.
Como é que nos vamos vencer esse atraso, sendo certo que pesa sobre nós esse grande drama do déficit orçamental? Como é que vamos conciliar as coisas. Como é que vamos fazer mais despesas sociais, que necessitamos de fazer, e ao mesmo tempo eliminando o défice?
Sr. Primeiro-Ministro, é que a manutenção deste défice condiciona-nos negativamente numa outra perspectiva. Será possível encarar serenamente a adesão ao Sistema Monetário Europeu, que numa primeira fase será um sistema de paridades fixas, com um défice orçamental da importância do nosso que, de um maneira tão decisiva e negativa, condiciona a política monetária conduzida pelo seu Governo e pelas autoridades monetárias?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Primeiro-Ministro, como o nosso contributo é muito crítico, ir ser um bom contributo!...
Para nós, o Mercado Único Europeu acentua a concentração e a competitividade e necessariamente desencadeará o reforço do poder económico das grande empresas que reflectem, como sabe, a mesa redonda dos industriais europeus.
Contrariamente ao que V. Ex.ª afirmou, pensando que essa concentração económica, esse grande pode que se reforçará vai desencandear uma forte pressão um forte impacto sobre os recursos naturais, transformando necessariamente o meio ambiente numa das sua maiores vítimas.
No seu discurso, V. Ex.ª pediu-nos responsabilidade outra coisa não se esperaria dos deputados desta Casa daí que as questões que pretendo colocar-lhe tenham como objectivo aferir a política global do Governo
«Não há Mercado Único sem um forte poder energético!» Sr. Primeiro-Ministro, perante esta sua afirmação pergunto: as hesitações do Governo português relativamente à opção nuclear centram-se fundamenta mente na expectativa que tem da introdução das min centrais nucleares no mercado, por parte de algumas empresas nuclearistas europeias ou será somente para que a Comunidades Económica Europeia é actualmente excedentária em produção de energia eléctrica?
Sr. Primeiro-Ministro, ainda dentro do domínio d energia e do nuclear, sabendo que a França se dispo a vender ao desbarato a sua energia nuclear e sabendo também da sua oposição de corte relativamente opção nuclear prevista e integrada no PDR pelo Sr. Ministro do Planeamento, que também é Ministro da Administração do Território, para a previsível construção de uma central atómica no nosso país, muito concretamente, gostaríamos de saber qual é o seu posicionamento como Primeiro-Ministro relativamente esta matéria.

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Para nós não basta que o Governo nos diga que não vai existir uma central nuclear em Portugal; o que nos importa neste momento é saber se o Governo português é capaz de suster-se face às fortes pressões nuclearistas, nomeadamente francesa e espanhola.
Um outro aspecto muito importante diz respeito à cultura. Cultura, Sr. Primeiro-Ministro, por que está ligada a todas as expressões da vida, sobressai naturalmente como elemento insubstituível para humanizar e guiar o crescimento económico e o processo tecnológico. É pois indiscutível que não pode nem deve ficar na sua dependência! Como neste momento nos confrontamos com uma política cultural assente na iniciativa privada, nas ditas indústrias da cultura e nos mecenas, e paralelamente assistimos em Portugal ao desmantelamento, por exemplo, das orquestras sinfónicas, à não descentralização efectiva da cultura pelo não funcionamento dos centros culturais e dos grupos de teatro entre outros, à escassez de um levantamento cultural que há muito se faz sentir, etc, sendo V. Ex.ª o Primeiro-Ministro deste Governo, eu gostaria de saber qual é a política cultural e quais são as medidas concretas que este Governo pensa pôr em prática no sentido de a Comunidade Económica Europeia empreender acções de preservação e dignificação da arte e da cultura portuguesas.
Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, durante muito tempo, falámos da escassez de informação relativamente à integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia. O País não foi confrontado com um debate que lhe permitisse ter o mínimo de informação relativamente às consequências, aos impactos dessa integração. Todos reconheceram isso! Neste momento o Governo pensa integrar a União Europeia Ocidental. Muitos - e nós incluímo-nos nesse grupo - consideram hoje que «a maturidade de uma democracia se afere pelo grau de participação dos cidadãos no debate de problemas tão importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro como é a militarização da nossa sociedade, a utilização de material nuclear no nosso país».
Gostaria, Sr. Primeiro-Ministro, que o seu contributo também fosse esclarecedor nesta matéria. Por que é que esta Casa não teve oportunidade de debater, como seria legítimo, a integração de Portugal numa estrutura belicista com tantas implicações como é a União Europeia Ocidental?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Primeiro-Ministro, em 19 de Julho de 1987, o País deu confiança ao seu partido e a V. Ex.ª para nestes quatro anos encontrar as soluções adequadas para os graves problemas que o País enfrentava e continua a enfrentar.
Face à política que o Governo tem seguido, é evidente e está bem patente o descontentamento dos portugueses, pelo menos para quem no dia-a-dia contacta na rua com esses portugueses.
Depois da intervenção de V. Ex.ª, fiquei particularmente preocupado porque faltam 2 anos e meio para terminar o seu mandato e V. Ex.ª apresentou-se hoje no Parlamento com total falta de confiança e de élan. De facto, Sr. Primeiro-Ministro, esta foi a intervenção com menos confiança e menos entusiasta que lhe vimos fazer no Parlamento, o que, aliás, está bem patente na «resposta» que os seus deputados lhe deram... Esta foi a primeira intervenção de V. Ex.ª que não foi interrompida um única vez, prova de que esse descontentamento e essa falta de confiança, tão importante neste momento, se instalou em toda a maioria.

Protestos do PSD.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eles não estavam cá!

O Orador: - Finalmente, parece-me ter conseguido um momento de humor e de confiança, o que o Sr. Primeiro-Ministro não conseguiu e que eu acho importante perante os desafios que temos pela frente.
No entanto, eu gostaria de colocar três perguntas ao Sr. Primeiro-Ministro e nas áreas mais abordadas na sua intervenção. O Governo não tem hesitado em implementar no nosso país medidas fiscais que visam, no dizer do Governo, a harmonização com as normas da CEE.
Gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro me respondesse concretamente se o Governo a partir do próximo ano pensa aplicar as medidas que também visem obter para o nosso país e para os portugueses em geral a harmonização dos benefícios sociais indispensáveis e necessários aos portugueses.
No sector empresarial, pontificam as pequenas e as médias empresas. Sr. Primeiro-Ministro, rapidamente, é necessário dar resposta mais satisfatória à implementação da formação profissional e da qualificação profissional. Que políticas e que instrumentos pensa o Governo implementar e utilizar para dar essa resposta de forma a que as vantagens que a CEE nos pode trazer e tem de trazer possam, de facto, ser conseguidas em especial pelas pequenas e médias empresas?
Sendo evidente a falta de informação - o que também constitui uma queixa dos empresários -, pergunto: quais são as políticas que o Governo pensa implementar para que a necessária informação técnica e tecnológica passe a chegar aos empresários portugueses?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Também não pensa nada!?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram dez os Srs. Deputados que me colocaram perguntas. Contudo, como o Governo dispõe apenas de uma hora e eu gostaria que vários Srs. Ministros interviessem ainda neste debate, vou ser muito sintético nas respostas que vou dar.
Disse o Sr. Deputado António Guterres que para ele o essencial era o que referiu. Sr. Deputado, se isso é o essencial é muito pouco e muito pobre.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dir-lhe-ei que fiz um esforço para contribuir, ao tentar mostrar-lhe quais eram as orientações importantes que interessava discutir para que Portugal pudesse vencer esse grande desafio e as grandes questões que nos dias de hoje estão sobre a mesa nas

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instâncias comunitárias. Sr. Deputado, mesmo assim, não aprendeu o essencial!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Respondendo directamente à questão que me colocou e que não tem a ver com o «essencial», recordo-lhe o seguinte: o poder de compra dos salários, entre 1982 e 1985, caiu 15% e, entre 1986 e 1988, aumentou cerca de 7 a 8%. Entre 1982 e 1985, o investimento caiu 30%, enquanto que, nos últimos três anos, aumentou 50%. Quanto a trabalho precário e salários em atraso, Sr. Deputado, leia a imprensa e compare os títulos de hoje com os de há uns anos atrás.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à educação, Sr. Deputado António Guterres, como disse na minha intervenção, nunca tantos recursos foram orientados para o capital humano. Recordo-lhe que o Orçamento do Estado deste ano dispõe de 310 milhões de contos só para o sector da educação. Não sei se sabe quantos são 310 milhões de contos? 310 milhões de contos, Sr. Deputado, a dividir por 4 milhões e 500 mil trabalhadores activos significa à volta de 70 contos por activo. Hoje, os portugueses pagam para a educação cerca de 70 contos por activo. O Governo está a preparar um programa de modernização do sector educativo e para isso vai investir, nos próximos quatro anos, 340 milhões de contos, que visam principalmente três objectivos: primeiro, o acesso de todos ou da maioria dos jovens e das crianças aos ensinos pré-primário, básico e superior, quer universitário quer não universitário; segundo, a melhoria das infra-estruturas educativas; terceiro, a melhoria da qualidade. A prova de que nos preocupamos com a qualidade está precisamente no programa de combate ao insucesso escolar.
Ao Sr. Deputado Carlos Brito direi que o que queremos é apenas evitar o diálogo paralisante, mas o Governo, sempre que foi solicitado, participou - e, algumas vezes, ele próprio provocou a sua vinda - no trabalho de comissões onde forneceu os elementos que foram pedidos. Este debate, Sr. Deputado Carlos Brito, foi solicitado há dois ou três meses, pelo que podia já ter ocorrido. Este debate foi anunciado publicamente pelo Governo por volta de Novembro, se não me engano, e foi solicitado há muito tempo. O Governo está, pois, aberto...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Este debate foi adiado a pedido do Governo!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito há pouco não o interrompi, pelo que peço o favor de deixar-me terminar.
Como eu estava a dizer, o Governo está, de facto, aberto a um diálogo sobre esta matéria com a Assembleia da República, diálogo esse que não seja paralisante, que pode ser aquele a que o Sr. Deputado esteja interessado.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas disse coisas com as quais concordo. Com certeza, para nos integrarmos, em pleno, no Sistema Monetário Europeu é preciso que o défice estrutural da nossa balança de pagamentos seja corrigido e é isso que temos vindo a fazer.
Quanto à dimensão social, abordei-a na minha intervenção. O Governo apoia, no quadro comunitário, a dimensão social e considera que deve ter-se em conta não apenas a liberdade de circulação dos trabalhadores mas também a melhoria das condições de segurança no trabalho, higiene e saúde, e a defesa das condições de segurança social para os trabalhadores emigrantes. Temos, pois, uma visão ampla da dimensão social no quadro comunitário. Aliás, eu disse mesmo que, nesta matéria, para conseguir avançar-se, é preciso que não se deixe entrar o «bicho» da confrontação ideológica, pois caso contrário, a tendência é para uma certa paralisação.
Falou também das taxas de desemprego e de salários em atraso. Sr. Deputado Carlos Carvalhas, não tenho culpa do seu incómodo. Deve estar incomodado pelo facto de Portugal dispor de uma taxa de desemprego das mais baixas de toda a Europa. O Sr. Deputado sabe muito bem que o desemprego em Portugal é, hoje de 5,1% enquanto na nossa vizinha Espanha é cerca de 18 a 20% e a média comunitária é de cerca 11%. O Sr. Deputado deve estar bastante incomodado não só pelo facto de Portugal ter, neste momento, uma taxa de desemprego das mais baixas da Europa como também pelo facto de a taxa de desemprego ter passado de 10% para 5%, nos últimos três anos.

Aplausos do PSD.

Quanto a salários em atraso, penso que hoje até o próprio Sr. Deputado já não tem a coragem de erguer a bandeira negra que andou a erguer por volta de 1985.
O Sr. Deputado Narana Coissoró disse que, na intervenção que fiz, pretendi fazer uma «prova de acesso». Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não só coloquei questões aos Srs. Deputados como emiti sempre a opinião do Governo. Não me furtei, em relação a nenhuma questão, de dar a opinião do Governo. Espero que também tenha ideias sobre o assunto.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, concordo consigo quando diz que a valorização da iniciativa privada é fundamental para vencer o desafio europeu e o Governo tem feito muito para isso, desde logo a venda dos jornais do Estado. Como sabe, até ao fim deste ano vai terminar...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vendeu só um importante!

O Orador: - Não vendeu só um, mas mais do que um. Vendeu o «Diário Popular» e o parque gráfico de «A Capital», o «Record» e, neste momento, estão em concurso mais dois, faltando apenas outros dois. O Governo iniciou a privatização a 49%, porque é a única que a Constituição permite.
O Governo iniciou, pois, o processo de uma forma transparente e com ponderação, como é necessário face a uma matéria que - tal como V. Ex.ª sabe - tem uma grande importância não só política como financeira e económica.
O Governo alterou a legislação laborai, alargou o campo de actuação da iniciativa privada ao alterar a lei de delimitação dos sectores - lei essa que, como sabe, era até aí um atestado de menoridade à nossa iniciativa privada, uma vez que dizia que esta não podia actuar em determinados sectores -, liberalizou muito

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no mercado de capitais - e, se se der ao trabalho de comparar as regras administrativas que existiam para o funcionamento desse mercado por volta de 1983/84 e agora, considerará com certeza que foi dado um passo muito em frente -, assim como também teve a coragem, Sr. Deputado, de alterar a lei de bases da reforma agrária. Penso que tudo isso são contributos para o fortalecimento da iniciativa privada. Em relação à questão sobre Moçambique, devo dizer-lhe, Sr. Deputado Narana Coissoró, que a agenda desta sessão fala em «Europa de 1992». Penso que houve alguma confusão.

Risos do PSD e protestos do deputado do CDS Narana Coissoró.

Respondendo agora aos Srs. Deputados João Cravinho e Nogueira de Brito, direi que sempre fui uma convicto europeu; no entanto, vou aqui fazer um revelação, de que talvez não gostem mas que pode ser confirmada por ministros que aqui se encontram e que irão contar em detalhe o que é que aconteceu quando tomei conta do Partido Social-Democrata e aleitei para alguns pontos que me pareciam não estar bem negociados. Não sei se sabem, Srs. Deputados, que sou pró-europeu, mas sou muito defensor doa interesses portugueses.

Aplausos do PSD.

Foi assim que uma missão, composta por vários ministros, se meteu num avião com destino a Bruxelas e conseguiu alterar algumas das condições que até aí já estavam dadas por adquiridas para serem assinadas dias depois. Penso que foi um ganho substancial aquilo que, na altura, se conseguiu e ainda bem que alertei para esse facto e que foi acolhido pelo Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Encontram-se aqui alguns ministros que fizeram essa viagem e que poderão confirmar mais em detalhe.
Portanto, Srs. Deputados, repito: sempre fui um convicto defensor da integração de Portugal na Europa Comunitária, mas, acima de tudo, sou um convicto defensor dos superiores interesses nacionais.

Aplausos do PSD.

Um parêntesis: não me atrevo a dizer - e não o faço - que quem negociou o Tratado de Adesão não fez todos os esforços para conseguir os melhores resultados para Portugal, nem tão pouco seria possível, hoje, conseguir melhor do que aquilo que foi conseguido e que consta do tratado. O Governo assume, na íntegra, o texto do Tratado de Adesão.
O Sr. Deputado João Cravinho queixou-se da falta de elementos e falou no PDR. Bem, ou anda distraído ou faltou à sessão. É que, como sabe, há poucos dias, houve nesta Assembleia da República uma reunião de uma comissão, em que esteve presente o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território que apresentou o PDR aos Srs. Deputados.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não apresentou nada!

O Orador: - Em relação às perguntas concretas que me fez, também lhe respondo. Quanto ao Grupo TREVI, apoiamos a acção desse grupo e, quanto à carta de direitos sociais mínimos, também a apoiamos.
O Sr. Deputado Rui Almeida Mendes referiu-se ao fortalecimento da base empresarial para enfrentar o Mercado Interno, eliminando, desde logo, algumas das desvantagens com que nos confrontamos em relação a congéneres estrangeiras. Sr. Deputado, é por isso que é importante a revisão constitucional. Com a actual Constituição, estamos a auto-impor-nos desvantagens em relação aos outros países.
Há também que reduzir o défice do sector público, por muito difícil que isso seja, por forma que fiquem disponíveis mais recursos para a utilização por parte do sector privado, desde logo também alargando o campo da iniciativa privada, fornecendo os incentivos ao investimento no sector privado, favorecendo o aparecimento dos jovens empresários, e isso tem vindo, de facto a ocorrer.
Em relação à harmonização fiscal, já disse na minha intervenção que o Governo entende que, para conseguir todos os benefícios do Mercado Interno é necessário avançar com alguma harmonização fiscal, principalmente na tributação dos rendimentos, na aplicação de capitais e no IVA, mas o Sr. Ministro das Finanças poderá eventualmente, entrar em mais detalhe nesta matéria.
Ao Sr. Deputado Rogério de Brito, devo dizer que para que o sector agrícola consiga integrar-se harmoniosamente na Europa Comunitária tem de aumentar a produtividade, a produção. Para isso, são necessários investimentos em infra-estruturas de produção, comercialização, transformação e tudo isso tem vindo a ser feito.
O Sr. Deputado sabe muito bem que, nos últimos anos, o investimento no sector agrícola aumentou muito mais do que nos dez anos, já não digo cinco, passados e que o Governo primeiro em Copenhaga e depois em Bruxelas, conseguiu o reconhecimento da especificidade da agricultura portuguesa, traduzindo-se em mais apoios através das taxas de comparticipação mais elevadas e do alargamento do prazo. No entanto, o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação poderá dar-lhe esclarecimentos adicionais.
Falou o Sr. Deputado Nogueira de Brito na utilização da palavra «feliz» no meu discurso. Utilizei essa palavra em relação à associação portuguesa ao Acto Único Europeu e ao Plano Delors, mas também não tinha pejo algum em associar a palavra «feliz» à adesão à Europa Comunitária como disse há pouco.
Quanto à satisfação das necessidades sociais, com certeza, estamos atrasados em relação a outros países, mas isso resulta basicamente da diferença de produtividade que temos relativamente aos outros países. Com isto respondo também ao Sr. Deputado Hermínio Martinho, que penso não consegue ligar os aspectos de produtividade com os benefícios sociais em globo ou com os salários. É que, se uma economia produz, em média, por trabalhador, quatro vezes mais do que outra, então os salários também têm tendência a ser quatro vezes superiores em relação aos outros países. Significa isto que temos de conseguir aumentar a nossa competitividade. Se o Sr. Deputado agarrar numa economia como a de Moçambique por exemplo, encontrará rendimentos que são vinte vezes menores do que em Portugal.

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Porquê? Porque a produção por trabalhador, por hectare de terreno e por máquina, em Moçambique é talvez vinte vezes menor do que em Portugal. É por isso que nós somos mais desenvolvidos do que Moçambique mas somos mais atrasados do que a Alemanha.

Aplausos do PSD.

Não fique muito triste com isso, porque a Inglaterra é muito mais atrasada do que a Alemanha. Em termos de rendimento per capita, a Inglaterra leva 55 anos até alcançar o nível de desenvolvimento da Alemanha. Aos ritmos de crescimento actuais, os ingleses têm ainda de esperar 55 anos, para se aproximarem do nível de vida dos alemães. Portanto, isto tem a ver com as diferenças de produtividade.
Penso que o Governo tem realizado progressos notáveis em matéria do défice orçamental. O Sr. Deputado sabe muito bem que o défice do sector público alargado, que é o que conta, em 1983, 1984, rondava os 25% do produto nacional bruto e hoje situa-se em 8 ou 9%. O Governo, através da minha intervenção, disse que entendemos que novos progressos devem ainda ser conseguidos.
Quanto à adesão ao sistema monetário europeu - e penso que há pouco abordei essa questão embora ligeiramente -, Portugal tem de tomar uma primeira decisão que é a integração no «cabaz de moedas» que define o ECU e tem de fazê-lo em 1989, pelo menos inclinamo-nos para essa data.
Questão diferente é a da integração no Sistema .Monetário Europeu. Como sabe, neste momento dele apenas oito países fazem parte. Não consta lá nem o dracma nem a peseta nem o escudo nem a libra esterlina. Entendemos que os esforços que estão a ser feitos para a união monetária devem ser incentivados, porque ela vai permitir uma gestão conjunta da política monetária. Que não seja apenas o Banco Central Alemão a determinar a política monetária e todos os outros - e quando digo «todos» refiro-me à Itália, à França, a Espanha e a Portugal, se lá estivesse - a terem de adaptar-se à política monetária alemã. Isto é, há neste momento um domínio no Sistema Monetário Europeu que resulta do peso da economia alemã.
Entendemos que o encontrar de mecanismos de co-gestão da política monetária pode esbater o peso de uma economia em relação às outras e daí passarmos a ter a política monetária num todo.
Portugal, para conseguir a integração, tem de diminuir a sua taxa de inflação, isto é, não conseguimos integrar-nos no sistema monetário europeu enquanto a nossa taxa de inflação for muito superior à taxa média, e também temos dificuldade em coordenar a nossa política económica enquanto o nosso défice orçamental se fixar nos níveis em que nos encontramos. Aí penso que não existem divergências entre o Governo e o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
A Sr.ª Deputada Maria Santos não acredita nas vantagens do Mercado Interno e eu não sei se tente convencê-la. Estou convencido de que não terei êxito...

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Não, não!

O Orador: - Se já está a dizer que não, por que é que vou «gastar o meu latim?»...

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Primeiro-Ministro!...

O Orador: - A Sr.ª Deputada disse que não.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - É evidente! Temos posições diferentes, mas isso, Sr. Primeiro-Ministro, não o pode impedir de responder às minhas perguntas.

O Orador: - A Sr.ª Deputada tão pouco aceitou o meu esforço, mas vou responder-lhe em relação à opção nuclear. De forma alguma, quero fugir a essa questão.
Sr.ª Deputada, penso que tem de ter cuidado com os seus colegas da Europa, porque eles começam a aparecer na reunião onde se discute problemas relacionados com o ambiente preocupados com o fumo das centrais de carvão e a dizer: «Não será melhor voltarmos a examinar as opções nucleares?». Estou só a acautelada. É sempre um conselho que estou a dar-lhe.

Risos do PSD.

É sabido que o Governo tem em curso um estudo sobre a política energética - e, em devido tempo, apresentá-lo-á -, estudo esse que não tem essas intenções ínvias que tentou sugerir. Nada disso!
Em relação à parte da cultura, devo dizer que o Governo é um apoiante forte da «Europa dos cidadãos» e é aí que temos favorecido todas essas manifestações culturais, tal como outras que têm a ver com os contactos entre os estudantes de diferentes países, o Programa ERASMO e outros. E por isso o Governo na Europa dos cidadãos tem sido sempre um defensor forte. Tal como no domínio do audiovisual, encontra-se na linha de, preservando identidades portuguesas, não deixar que a Europa se prepare para poder competir com os outros grandes espaços económicos.
Fiquei com a ideia de que a Sr.ª Deputada é claramente contra a adesão à Europa Comunitária, mas, depois, meteu aí a militarização e a UEO... Sr.ª Deputada, o Tratado de Adesão à UEO (União Europeia Ocidental) vai ser aprovado por esta Assembleia. Portanto, será esta Assembleia a ter a palavra decisiva nesta matéria.
O Sr. Deputado Hermínio Martinho falou nas pequenas e médias empresas. No entanto, o Sr. Ministro da Indústria vai fazer uma intervenção e dará, com certeza, uma achega àquilo que referi. Porém, penso que o Sr. Deputado ainda estava com a linguagem do debate que fez há dias sobre diplomas dos aumentos das pensões - penso que era isso.
O Sr. Deputado sabe de que quanto era uma pensão mínima em Portugal quando este Governo tomou posse? Era de 5500$. Sabe de quanto é hoje? É de 14 600$00. E o Sr. Deputado sabe que entre 1974 e 1985, talvez encontre aí dez anos, o aumento das pensões foi zero. Porém, com os meus governos nunca as pensões deixaram de ser aumentadas todos os anos e até houve um ano em que foram aumentadas duas vezes.
Por isso, Sr. Deputado, não venha manifestar aqui preocupações sociais que o colocam num nível eticamente superior ao do Governo. Temos as mesmas preocupações que V. Ex.ª e entendemos, tal como o senhor...

Aplausos do PSD.

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..., que uma pensão mínima de 14 600$ é muito pouco, mas é precisamente porque sabemos isso que encontro a força necessária para não fazer cedências e fazer as mudanças que são necessárias para que aumente a produtividade no nosso país, a produção, a nossa competitividade. Isto é, para que Portugal seja um país um pouco mais moderno.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Cravinho (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. João Cravinho (PS): - Para a defesa da honra e consideração, Sr. Presidente.

Risos.

O Sr. Presidente: - Dentro do espírito e da letra do Regimento e pedindo-lhe que se circunscreva a essa figura - aviso que sempre faço, embora nem sempre com muito sucesso - tem a palavra, Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Diz o Sr. Primeiro-Ministro que não devo ter ido à reunião em que o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território falou ou que, se fui, teria estado ausente ou distraído. Não estive nem ausente nem distraído, como o Sr. Ministro poderá dizer.
Quanto a entender-se que o PDR, que é de facto um instrumento que vai permitir negociar com a Comunidade doze investimentos, que na globalidade representam doze mil milhões de contos, e se desdobra em dezenas e dezenas de programas operacionais que constam de documentos que devem ter centenas de páginas, se discute com uma simples exposição oral do Sr. Ministro, feita numa hora ou numa hora e meia, sem deixar um único documento escrito, e dizer que isto é consultar o Parlamento é um insulto ao próprio Parlamento.
Queria perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se este Governo tem mais consideração pelos deputados ou pelos funcionários de Bruxelas. Gostaria de saber se o Sr. Primeiro-Ministro se atreve a dizer aos funcionários de Bruxelas: «Meus senhores, venho explicar-vos o PDR». Faz uma exposição, exactamente, igual à que fez aqui e dá a Comunidade como informada e o PDR como discutido e aprovado. Nessa altura, a Comunidade levantava-se e dizia «Sr. Ministro, boa tarde!». Era isto o que o Parlamento devia fazer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Desculpe-me, Sr. Deputado João Cravinho, que discorde da insinuação que fez, de que a postura do Governo nesta matéria seria de menos respeito pela Assembleia.
O Sr. Deputado está a esquecer-se de que esta Câmara aprovou as Grandes Opções do Plano para o período de 1989...

O Sr. João Cravinho (PS): - Em três minutos!

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, esse documento contém a estratégia de desenvolvimento regional, em capítulo próprio. O senhor votou e discutiu aqui, nesta Câmara, e se só dedicou três minutos foi porque não geriu bem o seu tempo, Sr. Deputado. Já anteriormente esta Câmara aprovou as Grandes Opções do Plano, que o Governo está a seguir na elaboração do Plano do Desenvolvimento Regional, por isso considero totalmente inapropriada a afirmação que acaba de fazer.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Belarmino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. João Belarmino (PSD): - Sr. Presidente, no dia 21 presidi à reunião da Comissão de Assuntos Europeus, à qual esteve presente o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território a prestar todos os esclarecimentos sobre o Plano de Desenvolvimento Regional, e não verifiquei a presença do Sr. Deputado João Cravinho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, reconheço que a interpelação à Mesa foi directamente dirigida ao Sr. Deputado João Cravinho, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, está aqui a Acta da reunião da Comissão de Assuntos Europeus.
Em segundo lugar, invoco o testemunho do Sr. Ministro.
Em terceiro lugar, digo que para se chegar a tanto, por parte do Sr. Presidente da comissão, que estava sentado num lugar tal que eu ficava directamente à sua frente, ou seja, ele num topo e eu noutro, é preciso ser muito sectário.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Que horror! Que falta de ética!

Aplausos do PS.

O Sr. João Belarmino (PSD): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. João Belarmino (PSD): - Para prestar esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado.

O Sr. João Belarmino (PSD): - Então, para defesa da honra e da consideração.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é regimental, mas peço respeito pela letra e pelo espírito do Regimento.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. João Belarmino (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que o Sr. Deputado João Cravinho entrou e saiu da reunião e não fez qualquer pergunta ao Sr. Ministro...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos continuar a discutir o que é que se passou na Comissão de Assuntos Europeus.
Peço, Srs. Deputados, que tenhamos a serenidade suficiente para continuar o nosso debate.

O Orador: - ..., que prestou todos os esclarecimentos que lhe foram pedidos.
Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados peço um pouco de serenidade.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Penso que a Câmara já está suficientemente elucidada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Julgo que estamos todos suficientemente elucidados sobre esse incidente e que podemos terminar por aqui.
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Vamos ver se também fico no Diário, Sr. Presidente. Tenho esperanças!
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As palavras do Sr. Primeiro-Ministro, de resposta aos Srs. Deputados, demonstram, em meu entender, de uma forma clara, o impasse existente quanto ao diálogo e à cooperação institucional em matéria desta natureza.
A verdade é que, após três anos de integração na Comunidade Europeia, os dois únicos debates relevantes que o Sr. Primeiro-Ministro conseguiu inventariar, e foram de facto os únicos, foram os seguintes: o debate que teve lugar sobre a importância do Acto Único, antes da sua ratificação, e o debate «glorificador» após a cimeira de Bruxelas.
É, convenhamos muito pouco para que haja esta cooperação institucional indispensável aos desafios de hoje.
Srs. Deputados, a participação de Portugal na CEE representa um decisivo e globalizante objectivo estratégico e nacional.
É por isso que surge para nós como intolerável que, em torno dessa grande questão, se verifique uma espécie de auto-satisfação governamental própria de um país que estivesse integrado numa simples associação de interesses económicos.
Ora, essa preocupação tem de ser vista como a emanação externa de um projecto nacional participado de modernização e desenvolvimento. É por isso necessário e inadiável conceber a frente externa como o natural e indispensável prolongamento desse projecto.
Com ele e por ele se reafirmam valores e objectivos permanentes do Estado e se projecta o nosso contributo, salvaguardando os nossos interesses específicos, na construção europeia.
Afirmei isto neste Hemiciclo em 18 de Novembro de 1986, aquando da discussão do Orçamento do Estado e das célebres GOP da época, de tão triste memória.
Reafirmei idênticas preocupações e iguais propósitos, ao dizer, aqui também, em Março de 1987, que um debate sério e construtivo sobre a nossa integração terá, sempre de centrar-se no exame de políticas e na utilização dos meios mediante os quais serão atingidos os objectivos básicos da opção europeia. Nada disto pode ser substituído pelas fanfarras da mera análise dos resultados porventura já obtidos.
Julgo indispensável que esta intervenção se refira ao modo como vemos a construção europeia em simultâneo com a análise da actuação do Governo e do PSD neste domínio.
Acreditamos na possibilidade e na necessidade de uma Europa revitalizada na pujança do seu desenvolvimento, da sua identidade cultural e da sua coesão económica e social. Acreditamos numa Europa reforçada pela partilha solidária de uma comunidade de destino enriquecedor da pluralidade e diversidade que são, e deverão continuar a ser, a característica essencial do espaço europeu.
Para nós, a questão europeia é também uma batalha de valores: de abertura e pluralismo, de desenvolvimento e de justiça social, de cidadania, enfim, de responsabilidade social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A força das nossas convicções deverá exprimir-se, em simultâneo, por um vigoroso, sim, à Europa revitalizada por múltiplas e profundas solidariedades entre os seus cidadãos abertos à oportunidade de um destino comum e por um vigoroso, não, à Europa reduzida e redutora dos puros egoísmos economicistas.
A questão que se coloca aos portugueses de hoje e do amanhã próximo perante o Mercado Interno não passa apenas por considerá-lo uma base importante para o desenvolvimento da Europa do futuro. A sua valorização - e a sua importância para Portugal - dependerão da contribuição que ele vier a proporcionar quanto à realização de um progresso equilibrado, garante da coesão económica e social, e valorizador da projecção cultural. Para nós a valorização económica e ambiental, a valorização social e a valorização cultural são indissociáveis.

A Sr. Natália Correia (PRD): - Muito bem!

O Orador: - A construção europeia não se confina à definição do Mercado Único. 1992 deverá ser a constituição de um espaço comum económico e social, onde se desenvolvam a solidariedade geográfica e humana e onde instituições democráticas e políticas comuns reforcem o sentido da cidadania, a identidade de cultura e modos de vida na sua intrínseca diversidade.
Para nós, a dinâmica do Acto Único ultrapassa o conceito de Mercado Único Europeu.

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É, em primeiro lugar uma recusa ao desemprego. Não pode reduzir-se ao simples favorecer de expectativas mercantis. É acima de tudo o relançamento do crescimento europeu e do combate ao desemprego. É assim mais um instrumento que um fim, ao serviço de todos os cidadãos da Europa, enquanto trabalhadores, empresários e consumidores.
Mas o Acto Único Europeu assenta também numa ambição: a de que 1992 se traduza, e em simultâneo, num saldo qualitativo decisivo para um grande progresso social.
Ora isto não se decreta pelo discurso político nem pela propaganda nem pelo simples e repetitivo enunciado das preocupações do Acto Único quanto à marcha, a par, do mercado interno com a coesão económica e social. Para nós a interacção entre o económico e o social torna-se uma necessidade vital e o método indispensável para participarmos, de parte inteira, nos objectivos a que convictamente aderimos. Os destinatários de tal política são as empresas e os trabalhadores; é por isso oportuno reafirmar que construir o caminho para a Europa de 1992 e para além dela é também aceitar a dinâmica da necessária política social com vista à construção de um espaço social europeu.
O esforço colectivo que é necessário aos portugueses não pode assentar em sermos concorrenciais e competitivos na base de mais duras e gravosas condições de trabalho.
Não se mobilizará assim a sociedade portuguesa para a adesão a um projecto comum. Por isso queremos uma europa de desenvolvimento concertado.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para o Partido Socialista a plena participação na construção europeia é um grande projecto nacional. Direi mesmo que é o projecto nacional que as presentes gerações devem à continuidade da nossa história. Fechado o ciclo multissecular da projecção além-mar, a profunda inserção de Portugal na Europa renovada é um projecto necessário.
Por isso, o PS foi a forca política que liderou a proposta de viragem à Europa. Foi um governo PS que apresentou o pedido de adesão às Comunidades. Foi também um governo de primeiro-ministro PS que conduziu as negociações em 1985, apesar da oposição, apenas hoje tentativamente justificada, que o actual Primeiro-Ministro, que se esqueceu dos membros do governo de então e que estão hoje também na sua bancada, levantou à imediata entrada de Portugal na CEE.
Nessa luta decisiva pelo futuro, o PS não cedeu e venceu. Há que recordá-lo: se estamos hoje no quarto ano de adesão às Comunidades, o mérito cabe à afirmação da vontade nacional que o PS então corporizou contra as manipulações partidárias que absorviam por inteiro a liderança do PSD.
Nessa adesão o PS não se enganou. Enganou-se então o actual PSD, que hoje se autoglorifica nos seus pretensos êxitos. Êxitos históricos que terão sido colhidos nos três primeiros anos de uma adesão que, afinal nessa altura foi combatida.
Vitórias retumbantes que estarão prometidas na mirífica idade de ouro que, com ligeireza, o PSD antevê tantas vezes no horizonte 1992. Perante esta visão idílica do passado e do futuro, o PSD apenas nos confirma que corre o risco de continuar tragicamente enganado.
O PSD está e estará tragicamente enganado enquanto olhar a adesão à CEE como uma empresa eminentemente partidária, a «sua» empresa.

Aplausos do PS.

Não foi o PSD que aderiu à CEE, ao contrário da ideia que parece no quotidiano animar este Governo.
O Governo não difunde informação sobre o andamento real do processo de adesão. Só vê êxitos e promessas onde há, certamente, uma mistura de êxitos (ainda bem!) com dúvidas e perigos em potência, ou mesmo em acto a que importa fazer frente pela ponderação democrática de reais opções ou consensos à escala nacional e não apenas partidária. E não tenhamos ilusões, Srs. Deputados, não se faz isto apenas por semestre. Um trabalho que exige um desafio desta natureza tem de ser interiorizado no quotidiano deste Parlamento, comissão a comissão, lugar a lugar, debate a debate, publicidade a publicidade e não pode ser apenas uma festa semestral onde por vezes somos chamados como se de exame se tratasse e não fundamentalmente de um grande desígnio colectivo que faz parte hoje do nosso quotidiano.
Vítima da sua própria propaganda, o Governo está a perder a noção das realidades, dos limites, das conveniências. O Governo está a fazer nascer as mais graves dificuldades para quase todos. Absorvido pela pródiga servidão às suas clientelas, o Governo está, e isto é grave, a desmobilizar o espírito de serviço dos cidadãos comuns.
É verdade, e dizemo-lo com franqueza, que o Governo tem tido acertos genuínos, e era melhor que o não tivesse. Mas também tem feito erros clamorosos. De todos, o mais clamoroso é o de não compreender, a não ser no início deste debate que ele próprio comandou, a grandeza, a excepcional magnitude e dimensão de uma estratégia nacional capaz de mobilizar, modernizar e desenvolver o País para vencer o desafio europeu. A propaganda, a jactância e a vontade de monopolizar o critério da verdade nacional, têm sido fontes de excessos, ridículos e tantas vezes perniciosos para as verdadeiras tarefas da modernização do País. Portugal é bem mais rico que o preto e branco da propaganda oficial. Também o futuro não poderá ser obra de algumas pessoas solitariamente configuradas no horizonte português. Os portugueses têm um querer colectivo, cuja auscultação e respeito se funda na participação plural, na democracia autêntica, participada e vivida no diálogo e na realização de uma política de informação pública não dirigida e não censória.
A adesão à CEE só poderá ser um grande projecto nacional se o Governo deixar de querer monopolizar a sua efectivação como se se tratasse de um mero instrumento ao serviço da glória do partido que o apoia.
Esta instrumentalização da adesão é antinacional e pesará negativamente no nosso futuro colectivo.
Sejamos prudentes e generosos na criação das condições necessárias e suficientes para fazer da participação portuguesa na construção europeia um grande projecto nacional. Sejamos lúcidos e corajosos na execução do muito que há, e haverá, a fazer. Sejamos realistas e verdadeiros na avaliação do que já se fez ou deixou de fazer.
O Partido Socialista vê na profunda inserção de Portugal na Europa em renovação o projecto nacional necessário à continuidade da nossa história multissecular. Por isso, sentimos dolorosamente o peso desnecessário das políticas erradas, das omissões injustificadas, das passividades e das miopias estranhas num mundo em tão dramática mudança. Mais do que tudo, sentimos as exclusões redutoras das capacidades de mobilização dos cidadãos atentos à construção do futuro. Um

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governo com um mandato de quatro anos, ainda que maioritário, não pode arrogar-se o direito de determinar sozinho o futuro de Portugal e da adesão às Comunidades.
Há em tudo isto, Srs. Deputados, e a cerimónia de hoje não o disfarça, enormes défices que se manifestam gritantemente nas políticas comunitárias do Governo.
Há, em primeiro lugar, um défice de visão da dinâmica estruturante da construção europeia. A única dimensão da construção europeia que o Governo parece considerar é a dimensão económica. As dimensões social, cultural e política não estão certamente no cerne da Europa que o Governo pensa ou visa nem no cerne de perguntas que se façam. Questão âmago do debate nacional, que é preciso ter em seu redor.

Aplausos do PS.

Repare-se, por exemplo, que para este agendamento parlamentar o Governo invocou essencialmente o Mercado Interno. Ora, para nós, portugueses, será quase um suicídio cortar o cordão umbilical que desejavelmente deve ligar a Europa do Mercado Interno, a Europa Social, a Europa Cultural Política. Então porquê reduzir o essencial da questão à Europa do Mercado Interno? Não será isto uma indesejável redução? Por que é que ficamos apenas pelas perguntas? Por que é que não é diariamente que este debate se faz continuadamente na interface necessária entre a cooperação dos parlamentos nacional e europeu? Por que é que só agora, depois da entrada em vigor de uma lei da Assembleia da República, que esteve jazente, se traz este debate promovido pelo Governo quando é no quotidiano do trabalho parlamentar que todas estas questões têm de ser vistas, toda esta problemática tem de ser analisada e as opções têm de ser confrontadas naquilo que é a pluralidade da representação nacional?
Para o PS, o projecto europeu não pode estabelecer uma cortina rígida entre a economia e a sociedade, nas suas mais diversas manifestações. O reforço simultâneo dos factores de coesão económica, de coesão social e de afirmação de identidade cultural constituem a chave do desenvolvimento, quer do projecto europeu, na sua globalidade, quer do projecto nacional na especificidade da nossa contribuição para a Europa do futuro.
Para o Governo, a versão económica e social é para uso externo. É afinal uma óptica constante e desintegrada reclamação de pagamento pelo vínculo que, na falta de um desígnio nacional, nos condena, infelizmente, estatuto quase de Estado cliente a que, pela nossa parte, nos não resignaremos. É afinal o resultado inevitável da actuação de quem confunde crescimento com desenvolvimento, de quem identifica modernização com conflitualidade permanente, para quem a cultura é tantas vezes algo de restritivo quando não de mercadoria.
Neste contexto, que é o que se vive entre nós e que desejamos ultrapassar, a adesão como futuro arrisca--se a ser e combatê-lo-emos, a unicidade do mercado. Para nós, o futuro está também no reforço das tradições da cultura, da democracia, da participação, da liberdade, da criatividade, da solidariedade que, no seu conjunto, constituem a força do modelo civilizacional europeu. É urgente colmatar este défice sobre a nossa participação, sobre a participação de Portugal na CEE.
Igual e fortemente nos preocupa que mesmo do ponto de vista do Mercado Interno, a visão do Governo seja simplista e simplificadora. Sem dúvida que o Mercado Interno trará benefícios para Portugal, mas também trará a preocupação dos prejuízos se não forem devidamente compensados os efeitos cumulativos negativos que a experiência mostra acompanharem sempre a integração de economias débeis em vastos espaços económicos dominados por outras economias muito mais fortes. Que se saiba - e repito, que se saiba - o Governo não estudou minimamente esta questão, ou não nos disse onde é que está o resumo dos seus estudos. Tem-se limitado a ponderar a superfície dos problemas postos pelas centenas de medidas em que se vai traduzindo a aplicação do «livro branco» sobre o Mercado Interno. São raríssimos os estudos sectoriais que permitem tirar conclusões fundamentais. Com uma ou outra excepção, as posições portuguesas não são definidas em função de profundas fundamentações técnicas, ou pelo menos não as conhecemos.
Neste momento, e que conste, sublinho, o Governo não dispõe de qualquer estudo global sobre os efeitos do Mercado Interno na economia nacional, na sociedade portuguesa. Será que poderemos continuar assim?
O Governo parece louvar-se nas conclusões do relatório Cechini. Porém, este limita-se a afirmar de passagem o que é, manifestamente, óbvio. Ou seja, que os benefícios do Mercado Único serão desigualmente repartidos. Mas seria interessante que o Governo nos desse também a sua opinião sobre o que foi o relatório Padoa-Schioppa, singularmente esquecido, e que demonstra que se corre o risco, sempre fundado, de economias mais desenvolvidas sofrerem consideráveis penalizações relativas se não forem postas em prática adequadas políticas a essas consequências.
Como pode o Governo assegurar que é isso mesmo que se está a fazer se, até agora, não há qualquer estudo global sobre o impacto, positivo ou negativo, do Mercado Interno na economia portuguesa? Não é à comissão que compete a iniciativa desse estudo, é a Portugal que cabe, em primeiro lugar, essa responsabilidade. Está em cima da Mesa, na Assembleia da República, resolução que apresentámos, em Julho de 1988, na esperança de sobre ela se criar um consenso, que até agora se não verificou, sobre o estudo daquilo que poderia ser o impacto do projecto do Mercado Único na economia e na sociedade portuguesa. Oxalá esse debate sirva, ao menos, para que se estabeleça um consenso sobre a criação e a necessidade desse estudo feito pelo Governo, pela Assembleia da República e demais parceiros.
Na realidade, uma sessão, como esta, organizada e desejada na ausência de informação prévia - e entendamos sobre o que deve ser informação prévia - que não é um roteiro de meia hora ou de duas horas de mês a mês, mas sim uma prática consequente e permanente em que essa cooperação informativa permita destacar as opções. Não é um desfile que faz uma política. O que faz uma política é a cooperação institucional.
Tudo isto parece-se mais com o consagrar da falta de hábito quanto a uma discussão institucionalizada permanente e, portanto, nessa medida, não pode ser um verdadeiro debate parlamentar de forma a ser a conclusão de um trabalho concertado e permanente, através de meses e meses de conjunto de trabalhos na Assembleia da República. É por isso que propusemos em Julho o que propusemos.

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É por isso que o citado «livro branco» deveria culminar um bem fundamentado programa de estudos, de debate público, de auscultação dos agentes económicos, sociais e culturais, de modo a habilitar a Assembleia da República a dar cabal desempenho às suas responsabilidades.
Quem quiser comparar os termos dessa resolução com as condições em que foi feito este agenciamento, não poderá deixar de condenar vivamente este estado de coisas e ter ainda alguma esperança, porque essa não nos fugirá jamais.
Preocupa-nos, pois, o verdadeiro défice democrático que envolve toda a nossa participação interna no processo de integração. Em finais de 1988, - e não vale a pena distribuir as culpas - à discussão das GOP restaram alguns minutos. Agora, a ausência de conhecimento mínimo desta Assembleia e de todos os agentes sociais, culturais, políticos, autárquicos participativa daquilo que o grande Plano de Desenvolvimento Regional em vésperas de apresentação em Bruxelas, porque tudo isto demonstra, afinal, contrariamente ao que se diz, uma colossal governamentalização e concentração de poderes incompatíveis com a necessária participação de todos os interessados e agentes de desenvolvimento. Os exemplos poderiam multiplicar-se e já não falo no que se disse recentemente sobre regionalização. No quadro desta Assembleia da República é indispensável o reforço dos meios postos à sua disposição e, em especial, da Comissão de Assuntos Europeus. E proponho que, no mínimo, se institucionalize, pelo menos mensalmente, uma reunião conjunta dessa comissão com outras (como as de Economia e Finanças, Agricultura e Assuntos Sociais, por exemplo) para todos eles como o Governo procedem ao acompanhamento das questões comunitárias e das opções abertas, sem que isso se possa confundir minimamente com a esfera do Executivo. É, aliás, o que resulta claramente da Lei n.º 111/88, aqui aprovada.
A representação nacional não pode estar ausente do que lhe respeita e à comunidade nacional que corporiza.
Por isso, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A grande esperança e o grande desafio é que Portugal necessita de fomentar, como já aqui disse, organizações valorizadas pela sua personalidade e apostadas na qualidade, na capacidade de comunicação, em suma, na diferença. Portugal necessita de uma estratégia de modernização e desenvolvimento impulsionada pela valorização do factor humano e pelos recursos de inteligência, ligando a educação e a formação contínuas à vida, num contexto de mudança acelerada. Só assim Portugal participará da nova economia em vez de ser excluído dela.
Como afirmou recentemente Edgard Pisari, precisamos de tirar partido das dinâmicas em curso, de lhes corrigir o trajecto, de criar outras dinâmicas para que a Europa seja mais que um simples mercado próspero, isto é, «para que seja uma sociedade em marcha, uma cultura em evolução...»
Pela nossa parte, queremos uma nação desenvolvida e um Estado moderno, aberto e plural, participante activo no processo aberto pelo Tratado de Roma e consolidado pelo Acto Único. É para isso que, responsavelmente, reivindicamos a informação, o debate e a participação permanente com todas as forças políticas, económicas, sociais e culturais neste estimulante, exigente e responsável percurso. Reclama-o o interesse nacional mais amplo e mais profundo e o Governo não pode furtar-se a compreendê-lo.

Aplausos do PS, de pé.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se inscritos para pedir esclarecimentos o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e os Srs. Deputados Duarte Lima, Pacheco Pereira, Pedro Roseta, Rui de Almeida Mendes, Rui Gomes da Silva e Guilherme Silva.
Srs. Deputados, vamos continuar os nossos trabalhos até ao fim dos pedidos de esclarecimento e respectiva resposta, o que nos levará até cerca de 13 horas e 15 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jorge Sampaio começou por se queixar de que o Governo apenas aqui apresentou dois debates sobre esta matéria, dizendo que era pouco. Será! Naturalmente, será pouco, mas é alguma coisa!
Pergunto a V. Ex.ª, e em particular ao seu partido, quantos debates apresentou aqui o Partido Socialista sobre esta matéria? Quantos debates requereu sobre esta matéria? Quantos agenciamentos, daqueles que podia apresentar, pediu sobre esta matéria? Não haverá aqui também um défice, da parte do Partido Socialista? Não quer V. Ex.ª reconhecer esse défice?
Passo agora a fazer um comentário brevíssimo sobre a intervenção de V. Ex.ª que criou uma grande expectativa. Nos últimos dias a intervenção que o Sr. Deputado Jorge Sampaio iria apresentar sobre esta matéria criou uma grande expectativa não só pela probidade intelectual - que todos lhe reconhecemos! - mas também devido ao interesse que sempre manifestou no interior do seu partido pelas questões internacionais.
Quero dizer que, da parte do PSD, essa expectativa nada tinha a ver com aquilo que alguma comunicação social referiu com sendo o «braço de ferro» entre a intervenção do Sr. Deputado Jorge Sampaio e do deputado Jaime Gama, que está lá em cima pacientemente na última fila. Nada disso!
Francamente, estávamos à espera de um discurso revelador das grandes ideias, das ideias concretas, que o candidato alternativa a primeiro-ministro, o líder do principal partido da Oposição, sobre uma matéria tão candente com esta, nos ia trazer. Estávamos à espera de uma intervenção rica, profunda, criativa, sobretudo se pensarmos nas críticas que o Partido Socialista tem feito à política do Governo na área das relações com a Comunidade Económica Europeia, mas não! V. Ex.ª fez-nos aqui um discurso corrido, bonito, sem dúvida, do ponto de vista literário, mas sem ideias nenhumas e apenas com generalidades: mais democracia, mais solidariedade, mais modernidade, coesão social, diálogo, o projecto nacional, cooperação, discussão, há défice democrático, é preciso empenhar os agentes sociais, os agentes culturais, os agentes políticos. E que mais?! Coisas concretas? Zero!

Protestos do PS.

São estas as ideias do Partido Socialista, são estas as ideias do líder que diz que é o primeiro-ministro

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alternativo ao Primeiro-Ministro deste Governo!? Sr. Deputado...

Protestos do PS.

O Dr. Raul Rego olhe o seu coração! Sou seu amigo. Olhe o seu coração. Cuide do seu coração.

Risos.

Permita-me, Sr. Deputado Jorge Sampaio, com todo o respeito e admiração que tenho por V. Ex.ª, que diga que a intervenção que acabou de produzir na Câmara foi um profundo fracasso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, responde já ou no fim?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, gostaria de fazer duas observações prévias sobre aspectos que penso serem circunstanciais no seu discurso, embora um deles não seja tão circunstancial como isso e, depois, algumas observações gerais sobre o conteúdo do discurso que proferiu.
As observações prévias serão rápidas.
A primeira é a nota de que a acusação feita ao PSD de ter transformado a adesão à Europa numa empresa eminentemente partidária, não colhe. A única referência, a única reivindicação partidária que foi feita nesta Câmara até agora do processo de integração europeia foi feita no discurso do Sr. Deputado Jorge Sampaio, quando a reivindicou para governos liderados pelo seu partido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O segundo aspecto tem a ver com uma frase do discurso no qual fazia uma síntese. Dizia que na política de integração europeia havia uma mistura de êxitos e de perigos em potência. Apenas para notar que concordo inteiramente com aquilo que afirma e penso que o consenso geral nesta bancada e no Governo é que evidentemente há êxito, reconheçamo-lo, e há perigos em potência.
Aliás, trata-se de um domínio - e isso explica a importância do debate de hoje - em que há factores aleatórios, em que há riscos, em que há políticas abertas e no qual o sucesso vai depender de um trabalho continuado e de uma rectificação progressiva em função dos resultados.
Passando àquilo que é essencial no seu discurso, devo dizer-lhe com franqueza - e não costumo utilizar estas palavras em termos de retórica política - que a sua intervenção foi consideravelmente vazia, não só de conteúdo político geral como de referências e de críticas concretas.
Aliás, sempre que uma intervenção, vinda do Partido Socialista começa por referir a questão do «projecto», sei que inevitavelmente não há críticas concretas e que ela se mantém em generalidades. Não
consegui até hoje perceber o que é que significa esta ênfase do projecto, no grande projecto nacional, na batalha de valores, quando depois na concretização que se faz, quer no conteúdo desse projecto quer nos valores que estão em combate, as afirmações são de carácter genérico e podem ser aceites por todos.
Penso que o Sr. Deputado Jorge Sampaio não faz o processo de intenção de considerar que este Governo pretende aumentar o desemprego na Europa Comunitária. Quer dizer, é o tipo de acusações que não se pode fazer a um Governo que tem sobre essa matéria uma performance considerável. Não pode acusá-lo de não querer o crescimento económico da Europa, não pode acusá-lo de não querer o progresso social e a melhoria das condições sociais dos trabalhadores europeus, não pode acusar o Governo de não pretender a interacção entre o económico e o social, de não querer melhorar as condições em que actuam as empresas e as condições de vida e a intervenção política e social dos trabalhadores.
Essas acusações são, sempre, completamente vazias de conteúdo. Trata-se de puros processos de intenção. É preciso mostrar em que é que as políticas concretas vão contra estes objectivos. Ora, o discurso do Sr. Deputado Jorge Sampaio nada disse sobre essa matéria, limitou-se a fazer o processo de intenção de que sobre todos estes aspectos o Governo teria eventualmente posições diferentes do Partido Socialista.
Devo dizer que este tipo de intervenções no debate político não adiantam um átomo, porque deixam ficar as coisas exactamente como estavam antes.
Os senhores dizem que nós não temos projecto e eu posso chegar aqui e dizer «Os senhores não têm projecto», e não saímos daqui!... É preciso definir qual é o conteúdo concreto, não só das soluções particulares como dos confrontos e das ideias e da tal batalha de valores em geral. Querem os senhores dizer que temos preocupações sociais e mais preocupações economicistas? Podem dizê-lo. Pode parecer, inclusive, a lógica do confronto político que nos divide, mas é muito difícil no concreto demonstrar que é assim. É muito difícil demonstrar no processo de intenções e no discurso que é assim. Aliás, considero que não é por aqui que se podem fazer críticas de fundo, pois este tipo de intervenções não adianta nada.
Há evidentemente múltiplas questões sobre as quais podemos ter ideias diferentes. Penso, até, que a intenção do Governo ao propor este debate e a nossa intervenção ao participar nele é a de provocar essa diferença, porque é dessa diferença e do seu debate que poderá nascer algo de qualitativamente melhor.
Poderíamos, por exemplo, discutir onde acaba a identidade nacional e onde começa a identidade europeia, o que é que nos interessa afirmar enquanto identidade nacional na Europa.
Pode, por exemplo, perguntar-nos qual é a nossa opinião sobre a abertura da Europa ao resto do mundo, ao Terceiro Mundo, àquela parte do mundo europeu de que ainda não se falou hoje, aquela Europa que perdemos desde a II Grande Guerra Mundial, a Europa do centro, a Europa do meio. Quais são as nossas políticas sobre isso? Estamos dispostos a discutir. Em questões sobre as quais o Governo provavelmente ainda não tem uma formulação concreta e completa, estamos também dispostos a dar a nossa contribuição, mas é preciso, então, fazer essa discussão concreta sobre o papel

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da ecologia, sobre a relação entre o progresso económico e o progresso industrial e a ecologia e, por exemplo, sobre o progresso económico e a cultura e a diferenciação que vai para além da cultura, a diferenciação das mentalidades. Estamos dispostos a discutir isto tudo, mas com formulações vazias temos muita dificuldade em iniciar sequer o debate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa informa que utilizou seis minutos.
Temi a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Alguns dos meus companheiros já adiantaram algumas das perplexidades que a intervenção do Sr. Deputado Jorge Sampaio me suscitou, mas não posso deixar de lamentar que tenha caído tanto, quer nas generalidades quer no processo de intenção.
Foi já demonstrado que o PSD não pretende de modo algum monopolizar esta empresa europeia. Provou-o com abertura que fez - e eu próprio fui testemunha disso - na jornada de 7 de Janeiro, em que fizemos, em dezanove cidades do País, debates abertos - pelo menos, naquele em que estive presente (e sei que outros também foram assim) tive muito prazer em dialogar com membros do Partido Socialista, em dialogar com pessoas que não conhecia, que não tinham qualquer conotação partidária. Há muitas outras iniciativas nossas que não posso obviamente elencar agora mas que vão no mesmo sentido.
No entanto, não posso deixar de referir - e foi por isso que mantive o meu pedido de esclarecimento -, como membro da Comissão dos Assuntos Europeus, que é da mais elementar verdade e justiça sublinhar o esforço que têm feito alguns membros do Governo, que têm vindo à Comissão dos Assuntos Europeus esclarecer cabalmente, durante horas e horas consecutivas todas as dúvidas colocadas pelos deputados...
Vejo aqui na minha frente o Sr. Secretário de Estado da. Integração Europeia que tem sido louvado pelos meus colegas de comissão, pelos deputados socialistas que vão a - essa comissão - obviamente, o Sr. Deputado Jorge Sampaio tem outras tarefas mais importantes e por isso não vai lá - e que têm louvado a sua disponibilidade.
Tivemos lá também o Sr. Ministro das Finanças, acompanhado do Governador do Banco de Portugal, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território e outros secretários de Estado, tais como do Orçamento, do Planeamento e do Desenvolvimento Regional. Mas o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia demonstrou à sociedade que, de modo algum, as intervenções do Governo, dentro e fora do Pais e nomeadamente em Bruxelas, estão obcecadas, digamos, por essa visão economicista que o Sr. Deputado lhes quer dar.
Podia citar-lhe aqui as actas, bastava ler-lhe pedaços das intervenções do Sr. Secretário de Estado, na reunião de 25 de Janeiro, Sr. Deputado João Cravinho; Não estão publicadas, é pena, mas estão aqui; podia falar do que o Governo tem feito para evitar a secundarização da livre circulação de pessoas, criticando mesmo eventualmente certas tomadas de posição da comissão que tem secundarizado - estou a citar as palavras do Sr. Secretário de Estado - os avanços em
matéria social. Disse-o criticamente, reflectindo aquilo que tem afirmado em Bruxelas.
Lembro também um diálogo que teve comigo, na presença de todos, sobre «a importância capital da questão da educação» - e as palavras são ainda do Sr. Secretário de Estado -, - explicando a negociação sobre o regulamento do Fundo Social Europeu conseguindo inserir nesse regulamento a possibilidade de o aplicar ao ensino técnico profissional, etc, etc.
Portanto, o Sr. Deputado estava mal informado. Efectivamente o Governo não tem essa visão economicista. A questão que poderei levantar, e talvez o possa fazer ainda hoje se lá chegarmos e se houver tempo para intervir; é a de saber, porque é que o Partido Socialista pretende agora tantos avanços em matéria social quando durante tantos anos cortou...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Muito bem!

O Orador: - ... , pelo seu modelo estatizante, pelo seu modelo anquilosado, arcaico, semi-colectivista ou chama-lhe o que quiser; na prática, as possibilidades, desses avanços sociais. Como explica essa contradição
fundamental?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui de Almeida Mendes.

O Sr. Rui de Almeida Mendes: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, ouvi-o com muita atenção e devo dizer que fiquei perplexo sem saber se já, tínhamos aderido à Comunidade Europeia ou se no seu espirito - e da sua intervenção podia resultar isso - era. ainda necessário convencer esta Câmara das vantagens da adesão.
O Sr. Deputado queixa-se da falta de debates sobre a integração, mas, neste momento que já somos membros, o debate é constante. Não há praticamente nenhuma lei de conteúdo económico, social ou mesmo cultural que não tenha por base qualquer norma comunitária ou qualquer objectivo comunitário. De modo que esse debate está de facto feito.
Por outro lado, Sr. Deputado, fico muito espantado quando se queixa de falta de informação. Mas que informação? Do Governo? O Sr. Deputado julga que a única instituição comunitária que existe é o conselho?! Então e a comissão, Tribunal de Justiça e o Parlamento Europeu onde o Partido Socialista também tem deputados? Não são todos esses órgãos que formam o querer e o sentir da Comunidade e que tomam as decisões?
Sr. Deputado, de facto não estamos na época de 1985, em que era o Governo que respondia, única e exclusivamente, nesta Câmara. São todos os órgãos comunitários que respondem e é nesses órgãos que tem de haver um debate comunitário que é também um debate nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - O Sr. Deputado Jorge Sampaio iniciou a sua intervenção em termos jocosos, dizendo «vamos ver se também fico no Diário».

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da ecologia, sobre a relação entre o progresso económico e o progresso industrial e a ecologia e, por exemplo, sobre o progresso económico e a cultura e a diferenciação que vai para além da cultura, a diferenciação das mentalidades. Estamos dispostos a discutir isto tudo, mas com formulações vazias temos muita dificuldade em iniciar sequer o debate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa informa que utilizou seis minutos. Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Alguns dos meus companheiros já adiantaram algumas das perplexidades que a intervenção do Sr. Deputado Jorge Sampaio me suscitou, mas não posso deixar de lamentar que tenha caído tanto, quer nas generalidades quer no processo de intenção.
Foi já demonstrado que o PSD não pretende de modo algum monopolizar esta empresa europeia. Provou-o com abertura que fez - e eu próprio fui testemunha disso - na jornada de 7 de Janeiro, em que fizemos, em dezanove cidades do País, debates abertos - pelo menos, naquele em que estive presente (e sei que outros também foram assim) tive muito prazer em dialogar com membros do Partido Socialista, em dialogar com pessoas que não conhecia, que não tinham qualquer conotação partidária. Há muitas outras iniciativas nossas que não posso obviamente elencar agora mas que vão no mesmo sentido.
No entanto, não posso deixar de referir - e foi por isso que mantive o meu pedido de esclarecimento -, como membro da Comissão dos Assuntos Europeus, que é da mais elementar verdade e justiça sublinhar o esforço que têm feito alguns membros do Governo, que têm vindo à Comissão dos Assuntos Europeus esclarecer cabalmente, durante horas e horas consecutivas todas as dúvidas colocadas pelos deputados...
Vejo aqui na minha frente o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia que tem sido louvado pelos meus colegas de comissão, pelos deputados socialistas que vão a essa comissão - obviamente, o Sr. Deputado Jorge Sampaio tem outras tarefas mais importantes e por isso não vai lá - e que têm louvado a sua disponibilidade.
Tivemos lá também o Sr. Ministro das Finanças, acompanhado do Governador do Banco de Portugal, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território e outros secretários de Estado, tais como do Orçamento, do Planeamento e do Desenvolvimento Regional. Mas o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia demonstrou à sociedade que, de modo algum, as intervenções do Governo, dentro e fora do País e nomeadamente em Bruxelas, estão obcecadas, digamos, por essa visão economicista que o Sr. Deputado lhes quer dar.
Podia citar-lhe aqui as actas, bastava ler-lhe pedaços das intervenções do Sr. Secretário de Estado, na reunião de 25 de Janeiro, Sr. Deputado João Cravinho. Não estão publicadas, é pena, mas estão aqui; podia falar do que o Governo tem feito para evitar a secundarizacão da livre circulação de pessoas, criticando mesmo eventualmente certas tomadas de posição da comissão que tem secundarizado - estou a citar as palavras do Sr. Secretário de Estado - os avanços em matéria social. Disse-o criticamente, reflectindo aquilo que tem afirmado em Bruxelas.
Lembro também um diálogo que teve comigo, na presença de todos, sobre «a importância capital da questão da educação» - e as palavras são ainda do Sr. Secretário de Estado -, explicando a negociação sobre o regulamento do Fundo Social Europeu conseguindo inserir nesse regulamento a possibilidade de o aplicar ao ensino técnico profissional, etc, etc.
Portanto, o Sr. Deputado estava mal informado. Efectivamente o Governo não tem essa visão economicista. A questão que poderei levantar, e talvez o possa fazer ainda hoje se lá chegarmos e se houver tempo para intervir, é a de saber porque é que o Partido Socialista pretende agora tantos avanços em matéria social quando durante tantos anos cortou...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Mui{o bem!

O Orador: - ..., pelo seu modelo estatizante, pelo seu modelo anquilosado, arcaico, semicolectivista ou chama-lhe o que quiser, na prática, as possibilidades, desses avanços sociais. Como explica essa contradição fundamental?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui de Almeida Mendes.

O Sr. Rui de Almeida Mendes: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, ouvi-o com muita atenção e devo dizer que fiquei perplexo sem saber se já tínhamos aderido à Comunidade Europeia ou se no seu espírito - e da sua intervenção podia resultar isso - era ainda necessário convencer esta Câmara das vantagens da adesão.
O Sr. Deputado queixa-se da falta de debates sobre a integração, mas neste momento que já somos membros, o debate é constante. Não há praticamente nenhuma lei de conteúdo económico, social ou mesmo cultural que não tenha por base qualquer norma comunitária ou qualquer objectivo comunitário. De modo que esse debate está de facto feito.
Por outro lado, Sr. Deputado, fico muito espantado quando se queixa de falta de informação. Mas que informação? Do Governo? O Sr. Deputado julga que a única instituição comunitária que existe é o conselho?! Então e a comissão, Tribunal de Justiça e o Parlamento Europeu onde o Partido Socialista também tem deputados? Não são todos esses órgãos que formam o querer e o sentir da Comunidade e que tomam as decisões?
Sr. Deputado, de facto não estamos na época de 1985, em que era o Governo que respondia, única e exclusivamente, nesta Câmara. São todos os órgãos comunitários que respondem e é nesses órgãos que tem de haver um debate comunitário que é também um debate nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - O Sr. Deputado Jorge Sampaio iniciou a sua intervenção em termos jocosos, dizendo «vamos ver se também fico no Diário».

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Novembro do ano passado está a ser efectivamente cumprida? Será que esta Assembleia tem meios para o fazer de uma forma competente e eficaz quando com parada com outros parlamentos nacionais? É esse o seu apelo, é isso que desejo e até já tive ocasião de dizê-lo ao Sr. Primeiro-Ministro - e ele que me desculpe de dizer isto agora em público -, porque isto é o sentido de Estado que tenho: Além disso, não quero que os debates sejam monólogos, não quero que os debates se adiem, Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª quer discutir a questão da soberania, vamos discuti-la se é fundamental para o País. Estão em curso as novas dimensões para a soberania; está em curso um novo tipo de relacionamento entre os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu; está em curso uma reforma institucional e Portugal sobre isso gatinha, gatinha na ausência desse debate. Estamos disponíveis para o fazer e mais, não temos ideias feitas. Portanto, não podemos passar a vida a dizer. que não há debates e quando os há, introduzimos temas e VV. Ex.ªs dizem: «querem um dia, dois, três ou cinco para discutir isso?»
Srs. Deputados, se quiserem dar à discussão da integração europeia de Portugal meia hora, por dia em todos os debates parlamentares, têm a nossa disponibilidade, têm os nossos deputados. E é por isso mesmo que esta disponibilidade não pode compaginar-se com uma intervenção de 90 minutos, não pode compaginar-se com a circunstância de VV. Ex.ªs andarem
três meses a dizer que não, há oposição em Portugal e, subitamente, quando introduzimos algumas criticas ao sistema V. Ex.ª dizem que não temos ideias. Não
nos reduzamos, portanto, a essa dicotomia. Mas também não vamos cair num embuste fácil de dizer que são cinco minutos para debater as grandes questões
nacionais.
A minha critica é institucional, Sr. Deputado Pacheco Pereira. Não para reduzir isto a um debate partidário para que alguém ganhasse na, comunicação social. Era o sentir profundo da comunidade nacional perante 1992 e para quem isso constitui uma questão difícil; é estimulante mas é difícil e perante ela temos de nos mobilizar conjugadamente, com empresários e trabalhadores, para que a modernização das empresas e a estruturação da agricultura sejam, de facto, possíveis e para que não haja depois, findos os períodos de transição, desregulações que têm de ser cumpridas ou períodos transitórios que têm de ser discutidos perante aquilo que possa ter sido o desbaratar das nossas energias ou dos recursos postos à nossa disposição.
Afinal, não é licito a Oposição interrogar-se sobre o que se diz em Bruxelas e preocupar-se com isso, quando em Portugal é o que se sabe - depois da discussão do Orçamento do Estado e das GOP - quando se vê a insensibilidade social deste Governo, quando se vê as questões da educação, quando não se sabe qual é efectivamente a verdadeira especialização produtiva de Portugal para o futuro em 1992 e 1993, quando, de facto, se não compatibiliza aquilo que são as medidas sociais e quando a concertação social corre as dificuldades que corre neste momento em Portugal, V. Ex.ª não acha que é legitimo fazer interrogações? VV. Ex.ªs não acham que é legítimo pôr questões? VV. Ex.ªs não acham que, nacionalmente, é necessário fazer este debate profundo e discutirmos palmo a palmo, ponto a ponto, as ideias que dizem ter mas que não se conhecem porque não as praticam no continente - digamos assim - e defendem em Bruxelas? Não é tudo isto fundamental para o progresso do País? Penso que é!
Por outro lado, Srs. Deputados do PSD, também estamos disponíveis para discutir a abertura da Europa, para discutir toda a Europa do centro de- que falava o Sr. Deputado Pacheco Pereira e para discutir a cooperação política. Quando é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros esclareceu aqui, em Portugal, aqui, na Assembleia da República, o que era a cooperação política europeia e em que sentido Portugal fazia denominador comum com os outros países estrangeiros? Quantas vezes isso aconteceu? Poucas! E eu era grande participante de algumas dessas comissões.

Queria que ficasse esclarecido que vejo na integração europeia um formidável desafio pára Portugal e vejo na cooperação política europeia a necessidade de existir um pólo pacificador, um pólo estimulante daquilo que devem ser as perspectivas de paz no Conselho das Nações.

Se esta Assembleia da República, como V. Ex.ª sabe, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, não tem a participação e a política externa: que devia ter, e é um problema nacional candente, estaremos disponíveis para discutir com V. Ex.ª, se assim o entender, ou com o seu Governo tudo aquilo que são os trilhos que o Governo deve aqui explicar, isto é, sobre quais são as suas contribuições para a formação da cooperação política europeia no quadro da CEE. Porque, afinal de contas, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros; quando se discutiu já tudo isto. e quando essa cooperação política se desenvolve dia-a-dia, não sabemos, no fundo, em que sentido se orienta a política de Portugal. Gostaríamos de o saber e temos, corri certeza, grande consenso em todas as bancadas deste Hemiciclo nessa matéria, mas gostaríamos de ser aprofundadamente esclarecidos sobre isso.
Quando passamos da educação para a saúde, quando passamos da saúde para as relações laborais, quando passamos para a administração autárquica, para a regionalização, para aquilo que tem a ver com a coordenação regional, que não pode ficar no quadro das CCR e tem de adaptar-se, para melhor tirar benefícios dos fundos estruturais, numa grande perspectiva de regionalização do País e desconcentração do poder, também estamos disponíveis para isso. Mas permitam-nos que duvidemos depois de VV.ª Ex.ªs porem aqui a lei de tutela que puserem; quando querem, que facto, o reforço das CCR e quando o PDR, que é um instrumento fundamental - e não ponho em dúvida a importância da mobilização de pessoas que VV. Ex.ªs fizerem em torno dele - não é, de facto, um instrumento que tenha sido consensualizado contratualizado, pujantemente feito em torno dos grandes agentes económicos e sociais, a partir dos quais se tem de fazer o desenvolvimento deste país. E é por isso que é legítimo perguntar se queremos, com certeza, mais coesão social, mais solidariedade, se queremos uma Europa social. E é por isso que, quotidianamente, tudo isto tem de ser visto, palmo a palmo, sem interferências no Executivo, com certeza: a cada um as suas responsabilidades. Mas não podemos esquecer que o Parlamento não pode ser chamado de seis em seis meses ou de três em três para ouvir os Srs. Secretários de Estado, com todo o gosto, ou os Srs. Ministros, e que isso substitua aquilo que é a lei que nós. próprios aprovámos.

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Não queremos ingerências, mas Portugal é um país pequeno. É um país que tem de valorizar os seus recursos humanos e a sua capacidade de negociação. E quando afirmo isto, afirmo que é possível, em termos internacionais, ter consensos mais alargados, porque há famílias políticas representadas neste Parlamento que têm uma representação europeia importante. E é nesse sentido, no sentido positivo de valorizar o papel de Portugal, de valorizar aquilo que são os grandes desafios que deve ser entendida a minha intervenção.
Finalmente, Srs. Deputados, nada esqueço e não esqueço sobretudo que não podemos continuar a passar o tempo dizer: «nós dialogamos! Nós não dialogamos!»

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares : - Muito bem!

O Orador: - E o desafio que faço - e até fui criticado agora por um ilustre deputado do PSD - é este desafio mínimo de uma comissão acompanhadora dos trabalhos da CEE. Não foi para fazer sugestões desse tipo que fiz a minha intervenção, mas entendi que o devia fazer para colocar à disposição uma disponibilidade. E esta disponibilidade é uma disponibilidade nacional. Não tem a ver com a missão da Oposição, no Estado democrático, que quer fiscalizar a criticar o Governo, que quer preparar alternativas quando isso for necessário. Mas tem a ver com a questão essencial da CEE em que é preciso que haja um diálogo profundo interpartidário, interinstitucional entre as bancadas da Oposição e o Governo sobre esta matéria.
Quando se discute em Bruxelas, na perspectiva do Executivo, o que deve discutir-se, sabia-se ao menos o que pensa a representação nacional em cada uma dessas instâncias. Portanto, não se trata de andar a fiscalizar uns e outros no mau sentido, trata-se de dar ao desígnio nacional, em 1992, o grande empenhamento das forças políticas sociais, culturais e económicas de que o País necessita e que o País tem de valorizar a todos os níveis. É essa, de facto, a nossa disponibilidade e não qualquer outra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os nossos trabalhos foram prolongados por um quarto de hora para além do que é habitual. No entanto, gostaria de informar a Câmara de que, além do tempo de encerramento, há os seguintes tempos remanescentes: PSD, quarenta e cinco minutos; PS dezasseis minutos; PCP, trinta e cinco minutos; PRD, trinta e dois minutos; CDS, dezassete minutos; Os Verdes, dezasseis minutos e Governo, quarenta minutos.
Quero com isto dizer que, em vês de recomeçarmos os trabalhos às 15 horas e 15 minutos, recomeçaremos precisamente às 15 horas e 30 minutos.
Está, pois, interrompida a sessão.

Eram 13 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate esteve marcado para fins de Janeiro. O Governo adiou-o. Pediu depois a sua marcação para hoje. Houve, então, quem pensasse que as razões do adiamento se alicerçavam no facto de o Governo não querer repetir as encenações propagandísticas dos anos anteriores, que quereria informar previamente a Assembleia da República, enviar-lhe com antecedência o seu projecto de Plano de Desenvolvimento Regional e dar-lhe a conhecer, com tempo, estudos aprofundados sobre os trunfos da economia portuguesa e as consequências para os principais sectores face ao embate de 1993, em suma, que o adiamento se devia ao facto de o Primeiro-Ministro querer, desta vez, fazer um debate sério, um ponto de aprofundamento e de procura de soluções e de consensos, que permitissem ao Governo posicionar-se perante a CEE com outra força negociadora, com uma força negociadora potenciada.
Um debate que lhe permitisse sair daqui com uma perspectiva, que não tem, sobre a estratégia de desenvolvimento e de especialização da economia portuguesa que assegure, a prazo, termos de troca positivos e um processo de crescimento sustentado e planeado, onde a melhoria do nível de vida dos portugueses seja um fim e os objectivos económicos um meio. Puro engano!... Santa ingenuidade!... O adiamento prendeu-se, pura e simplesmente, com as conveniências e exigências do calendário do PSD para as eleições ao Parlamento Europeu.
Na verdade, o Governo continua a não fornecer informações mínimas à Assembleia da República, a que inclusivamente está obrigado por lei, como ainda se tem dignado tomar posições em Bruxelas sobre matéria fiscal, que, como se sabe, é da área da competência deste órgão de soberania.
Por isso foi também sem estranheza que vimos aqui presente o Governo, não para um debate sério e rigoroso sobre as graves e complexas questões que se colocam ao país com o Mercado Único de 1993 mas para um acto propagandístico, com o Primeiro-Ministro repetindo, mais uma vez, slogans e frases publicitárias, numa postura arrogante e sobranceira, como se fosse o detentor único do interesse nacional, como se pudesse continuar a governamentalizar os fundos estruturais, fazendo de conta que desconhece o acórdão do Tribunal Constitucional, como se o Governo pudesse continuar a elaborar o PDR (Plano de Desenvolvimento Regional) e a tratar as questões europeias no segredo dos gabinetes, insensível aos protestos e às sugestões dos parceiros sociais, das autarquias e dos demais órgãos de soberania.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Contrariamente ao que o Governo e o PSD têm propalado, Portugal continua, infelizmente, na cauda da Europa - quer em relação ao produto interno bruto, quer em relação ao consumo per capita.
Mas mais: com o actual ritmo de crescimento e apesar dos factores externos favoráveis, Portugal só atingirá a média actual, ou seja, de hoje, do rendimento per capita da Espanha na primeira década do ano 2000 e o da CEE, de hoje, na segunda década do século XXI.
O que o Sr. Primeiro-Ministro não diz e o PSD esconde é que durante o «consulado cavaquista» a Espanha teve um crescimento do produto interno bruto superior ao de Portugal e que, segundo os próprios

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dados da CEE, o mesmo se verificará em 1989. Portugal tem continuado a
atrasar-se em relação à Espanha!
Não é, pois, com a manipulação de números, nem com dispendiosas campanhas publicitárias do tipo «Vamos vencer o desafio de 1992» que se prepara a economia portuguesa para o embate de 1993.
O Governo:
1 - Não tem projecto nacional para enfrentar 1993;
2 - Malbarata fundos e perde oportunidades;
3 - Enfraquece as resistências nacionais.
Passaram três anos após a adesão, estamos a esgotas alguns dos períodos de transição; dentro de três anos bate-nos à porta o Mercado Interno e encontramo-nos numa situação inadmissível.
Os défices estruturais da economia e as suas debilidades não se atenuaram, apesar dos factores externos favoráveis, e da entrada de significativos montantes monetários- através dos fundos da CEE.
No sector agrícola, cujo investimento é cerca de seis vezes inferior ao comunitário e em que o rendimento médio dos agricultores corresponde a um terço do rendimento médio da CEE, a nossa produção agro-alimentar encontra-se estagnada e ti défice dá balança destes produtos tem vindo a acentuar-se.
Às portas do século XXI reconstitui-se o latifúndio e as velhas relações de produção, em vez de se apoiar as formas avançadas e criativas da exploração da terra. A três anos de 1992 não dispomos ainda de um levantamento nacional dos recursos naturais e das suas potencialidades, nem de um ordenamento agroflorestal.
Nas pescas não só perdemos a nossa ZEE (Zona Económica Exclusiva), sem qualquer compensação significativa, como perdemos ainda pesqueiros tradicionais. Os espanhóis vão comprando as nossas embarcações. No Governo não se vislumbra uma política estratégica para as pescas. A frota costeira tem uma idade média superior a 20 anos, no arrasto existem barcos com mais de 25 anos e na pesca de cerco a idade média das traineiras situa-se acima dos 25 anos. No entanto, apesar desta situação, em 1992, mais de 70% da frota nacional estará ainda por renovar! Por outro lado, armadores e pescadores são unânimes na afirmação de que o comissário português, membro do PSD, não podia ter feito pior trabalho!
Nos transportes, o Governo tem mantido uma surda passividade aceitando as medidas da comissão de carácter «liberalizados» ou «desregulador»,asem que manifeste qualquer oposição ou negoceie períodos derrogatórios a fim de viabilizar a necessária adaptação dos nossos operadores e do nosso sistema de transportes. Mais: tem-se servido do pretexto da integração para adoptar medidas de desintervenção e de desmantelamento do sector público, sem acautelar sequer os objectivos de natureza social ou salvaguardar as potencialidades de natureza económica e estratégica que o sector pode prosseguir.
Na indústria, continuamos a apresentar índices preocupantes com um PIB (produto interno bruto) per capita e uma produtividade, respectivamente, com metade e um quarto da média comunitária, assentando uma boa parte da nossa produção e exportação em produtos de tecnologia relativamente banalizada em perda na procura mundial e sujeitos a uma concorrência acrescida dos países terceiros.
A aprovação do PEDIP, para o qual o PCP durante a difícil fase de negociações desenvolveu inúmeras acções com vista a que a CEE reconhecesse a situação de atraso estrutural da indústria portuguesa, possibilita-a Portugal verbas que, se bem aplicadas, poderiam contribuir para o lançamento de um «Programa de Desenvolvimento Industrial» que levasse o País a uma especialização produtiva menos periférica, menos dependente e menos vulnerável. No entanto, a sua concretização ofereceu-nos grandes dúvidas, quer porque o Governo não definiu uma política industrial; quer porque, a nosso ver, a distribuição das verbas pelos diversos eixos não é a mais adequada, quer ainda porque não está assegurada a transparência na concessão dos incentivos, nem é fácil o acesso a estes. O Governo parece querer também perder esta oportunidade e continuar com uma distribuição pelas clientelas cavaquistas, subalternizando a mudança do actual sistema produtivo do País de forma a ajusta-lo às grandes mutações económicas e tecnológicas em curso na economia mundial...
No sistema financeiro não foram poucos, nem sem consequências, os compromissos que o Governo português já tomou em relação à livre circulação de capitais. Mas não só antecipa até medidas que podia protelar. Aliás, as elevadas entradas de capitais a curto prazo têm constituído, como confessa o Banco de Portugal, um importante factor de descontrolo da política monetária e um factor de pressão sobre os limites de crédito.
As concessões feitas pelo Governo em relação à livre circulação de capitais aparecem cada vez mais claramente como a moeda de troca em relação à duplicação dos fundos, o que é totalmente inadmissível.
Nós acusamos o Governo de não ter acautelado suficientemente os interesses nacionais, nem quanto aos compromissos que tomou nem quanto às derrogações que obteve.
Nós acusamos o Governo de não ter um pensamento estratégico com o objectivo de valorizar e defender o sistema financeiro português e de com a sua política de privatizações, se preparar para o entregar ao domínio das transnacionais.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O melhor da nossa agricultura, da nossa frota pesqueira, dos nossos recursos minerais, da nossa indústria e sistema financeiro corre o risco de ficar dominado pelo estrangeiro. Não somos só nós que o afirmamos mas, sim conhecidos especializados e destacadados dirigentes da área do Governo, como o fez há dias o Dr. João Salgueiro ao dizer, como clareza, que «Portugal está à venda!»
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não é trilhando este caminho nem enchendo os discursos com a retórica da «coesão económica» e da «dimensão social» do mercado interno que nos preparamos para 1993!
É necessária uma outra política que defenda as alavancas fundamentais da economia e que proceda a uma efectiva modernização do seu aparelho produtivo, do seu sistema de ensino e da sua administração pública. Um governo e uma política que saiba defender o poder de decisão nacional e bater o pé em Bruxelas; que saiba reivindicar mais fundos não após 1992 mas para já; que saiba exigir um sistema de comparticipações diferentes de modo a aliviar o Orçamento do Estado e a pressão sobre o défice e a divida públicas. Um governo e uma

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política que dêm à distribuição dos fundos transparência, democraticidade e eficiência económica, financeira e social. Não é esta a postura do Governo, nem no domínio da economia nem no domínio do social. A «dimensão social» do Mercado Interno para o cavaquismo, resume-se ao direito de circulação e de residência e a um modelo económico tendo como suporte e atractivo a precarização do trabalho e os baixos salários. Um modelo de crescimento desequilibrado e contrastado que exclui milhares de trabalhadores, de jovens e mulheres, de bem-estar, do acesso à cultura, ao ensino, ao trabalho, ao nível de vida digno.
Também não se podem pôr em bicos de pés aqueles que pregam o social no verbo mas viabilizam na prática, através da revisão constitucional, a entrega de riquíssimo património público para as mãos do estrangeiro, aqueles que são, como partido responsáveis por cláusulas extremamente negativas dos tratados, aqueles que deram o seu acordo, sem reservas, ao Acto Único inspirado na ideologia neoliberal que nada concretiza sobre a coesão económica e social e que, a não ser reformulado na sua efectivação, conduz, em linha recta, ao reforço dos mais fortes e ao enfraquecimento dos mais fracos quer estes sejam países ou regiões quer sejam simples produtores ou trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo continua a reboque dos lobbies e dos regulamentos e directivas da CEE. Mas aquilo de que o País necessita é de uma política nacional de desenvolvimento, em que sejam aproveitados da melhor forma os períodos de transição e os fundos estruturais. O Governo tem a obrigação de proceder aos necessários estudos sobre as consequências do Mercado Único, quer em relação ao aparelho produtivo nacional quer em relação ao sistema financeiro. Os portugueses, em especial os trabalhadores e os empresários, têm o direito de saber com o que podem contar com a concretização de Mercado Interno.
Que serviços, indústria e agricultura para Portugal face a 1993? Como utilizar os nossos trunfos e atenuar os nossos pontos fracos? Que especialização e posição na divisão internacional do trabalho? Que abordagem teórica: a divisão de trabalho a partir das dotações em factores, pela hierarquia dos sistemas produtivos, pela teoria da especialização estratégica?...
Pela nossa parte, temos procurado reflectir e contribuir com medidas concretas para o difícil embate que se aproxima. Esse esforço encontra-se espelhado nos «25 pontos para enfrentar 1992». Ao contrário do que poderia pensar-se existe, em relação às preocupações suscitadas pelo Mercado Interno e a muitas das nossas propostas, um largo consenso, como aliás, o demonstra o relatório aprovado há dias, por unanimidade, na Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus.
Nós continuaremos empenhados, internamente e no plano da CEE e para além dele, em intervir solidariamente com todas as forças sociais e políticas progressistas, em favor de uma Europa de paz e de bem-estar. Articulamos as nossas propostas e posições relativamente à integração europeia com a luta e as propostas na actualidade e com a perspectiva de construção em Portugal de uma democracia avançada, baseada numa regime de liberdade, num Estado democrático e participado, no desenvolvimento económico assente num economia mista, numa política social que garanta a melhoria das condições de vida do povo, numa política cultura que assegure o acesso generalizado à livre fruição e criação culturais, numa política de firme e intransigente defesa da soberania e da independência nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, inscreveram-se os Srs. Deputados Sousa Lara e Rui Almeida Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, durante alguns anos, o PCP habituou-nos a um discurso, já clássico, que batia sempre em três teclas: a defesa do controlo operário, a das nacionalizações e a da reforma agrária.
Depois, perante um facto consumado que foi o da feliz decisão da nossa adesão às Comunidades, o PCP modificou o seu discurso e pensei - pelos vistos erradamente - que tinha tomado uma nova posição. Hoje, veio servir-nos o antigo discurso «requentado» e agarrado aos «velhos condimentos» que, durante anos, ouvimos bater e rebater.
Assim, venho pôr-lhe uma questão muito concreta que, a meu ver, se prende com um passo do seu discurso.
De facto, o Sr. Deputado fez um ataque cerrado às privatizações, quer quanto à perspectiva da maioria, quer quanto à do Governo, mas, depois, invocou o exemplo da Espanha como sendo modelar. Ora, o êxito do caso espanhol tem directamente a ver com a sábia política do Governo socialista espanhol de não se envolver numa loucura idêntica à nossa no plano das colectivizações.
Assim qual é a coerência do exemplo que apontou e, afinal, qual é a sua perspectiva?
No seguimento desta minha pergunta, também gostaria de lhe fazer outra que se prende com uma questão que aqui foi posta hoje pelo Sr. Primeiro-Ministro, em relação à qual gostaria de conhecer a posição do PCP.
Que pensa da tarefa premente quanto à questão central da internacionalização das nossas empresas?
Sr. Deputado, gostaria de ouvir a sua opinião sobre estas questões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Almeida Mendes.

O Sr. Rui Almeida Mendes (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, julgo que há uma novidade a registar neste debate.
De facto, há uns anos, ter-se-ia ouvido o Partido Comunista Português negando a adesão de Portugal à CEE e dizendo que estavam em causa os interesses do País.
Neste momento, já não a nega e apenas diz que o «inevitável tem muita força» e que «vamos adiar». Ora, o Sr. Deputado deu um exemplo de como considera que vamos adiar a adesão, mas confesso que talvez seja um exemplo infeliz.
O Sr. Deputado refere que o Governo tem adiantado a possibilidade da liberalização dos movimentos de capitais e que esta medida se destinava a evitar fugas de capitais. Ora, o que na realidade se verifica é exactamente o contrário, isto é, estão a entrar capitais no País.

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Assim, Sr. Deputado gostaria- que me - esclarecesse esta sua contradição. É que, como se vê, abriram-se as fronteiras mas os capitais, entram em vez de fugirem.
Por outro lado, fala-se muito em transparência na atribuição dos, fundos comunitários. Ora, o Sr. Deputado certamente sabe que à concessão das verbas comunitárias depende de decisões tomadas a nível comunitário é que, portanto, não é ao nosso Governo que compete, exclusivamente á respectiva atribuição.

Vozes do PSD: - Muito, bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos. Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas,(PCP):- Sr. Deputado Sousa Lara, as questões que me colocou são importantes.

Quanto às suas palavras iniciais, deixo-as de lado porque não poderia deixar de as ter dito e é evidente que já as «trouxe de casa», mas passo a responder-lhe às questões essenciais.
Sr. Deputado, eu não disse que o caso de Espanha era um êxito. O que disse foi que, durante os três últimos anos, a Espanha tem tido uma taxa de crescimento do produto interno bruto superior à do, nosso país.
Ora, o PSD, utilizando, o tempo de antena na televisão, veio dizer a todo o Pais que o crescimento de Portugal tem sido espectacular e que já deixámos de estar na «cauda da Europa», então com este exemplo comezinho, limitei-me a lembrar que tal não é verdade...

Protestos do PSD.

O Orador: - ..., bastando para isso consultar as estatísticas da OCDE e da CEE esta é uma realidade.

Quanto às privatizações, Sr. Deputado, não só sou eu, mas também o presidente da CIP e membros dó seu partido quê dizemos que; coro aquelas, se corre um sério. risco de se passar para controlo das transnacionais boa parte das alavancas fundamentais da economia portuguesa.
O Sr. Deputado não tem nenhum problema com isto nem se aflige?
Olhe que o Governo se preocupa, apesar da irresponsabilidade com que vai proceder a essas privatizações.
Em segundo lugar responder-lhe-ei à questão levantada pelo Sr. Primeiro-Ministro e que o Sr. Deputado me pôs, quanto à internacionalização das nossas empresas.
Penso que um grupo económico que controlasse indústrias ligadas à produção da pasta de papel crias não à eucaliptização e que englobasse também um banco. constituiria um- grupo económico português a nível europeu. No entanto, para que alavancas continuassem sob controlo de decisão português, essas empresas teriam que estar nacionalizadas. É que esse controlo tem que ser exercido a nível social porque, se não, através das OPV ou de raids que o Sr.Deputado conhece melhor do, que eu próprio, correm o risco de caírem, pura e simplesmente, sob domínio das empresas transnacionais.

Sr. Deputado Rui Almeida Mendes, certamente ouviu com pouca atenção a minha intervenção, porque, de contrário, não teria dito o que disse.
Na verdade não afirmei que, a curto prazo, houvesse fuga de capitais e até citei-o relatório do Banco de Portugal. O que disse é que o Governo está a antecipar medidas, e que, depois, se queixa que, mesmo esta entrada de capitais. a curto prazo, descontrola a política monetária e exerce pressão sobre os limites de crédito com todas as consequências que dai advêm.
Esta é uma realidade e não sou só eu a afirma-la, mas também o próprio Banco de Portugal, cujo governador não pertence ao Partido Comunista Português. Portanto, Sr. Deputado, não percebo a sua pergunta. Quanto à questão da transparência dos fundos comunitários, os regulamentos são estabelecidos em Bruxelas, mas os regulamentos locais são elaborados pelo Governo de Portugal, os critérios de concessão pertencem à administração portuguesa. Ora, com certeza que o Sr.Deputado sabe tão bem quanto eu próprio o que se passa em relação às verbas do Fundo Social Europeu, às do FEOGA e às do FEDER.
É ou não verdade que são as «clientelas» do PSD que beneficiam da atribuição de verbas desses fundos?
15to tem alguma coisa a ver com o desenvolvimento económico nacional e social? Parece-me que não, Sr. Deputado pelo que é necessário rever esta questão para que Portugal possa ultrapassar os seus pontos fracos e, possa encarar 1993 de uma maneira diferente daquela que resultará da forma como este Governo está a conduzir, a economia e a sociedade portuguesas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados, Sr. e Srs. Membros do Governo: Actualmente, a economia assume o lugar privilegiado por definição quando falamos de 1992, quase exclusivamente se pensa no Mercado. Único e livre de 320 milhões de consumidores, das empresas da comunidade, do crescimento da economia que se antevê e venha, fundamentalmente, a favorecer as forças que souberam constituir um mercado comunitário o mais vasto e acessível que for possível.
O debate político circunscreve-se muitas vezes ao argumento simplista de que a Europa de 1992 será um bem para o emprego ou alimenta a imaginação dos que acreditam numa Europa dos cidadãos, à frente da livre circulação de capitais.
Outros cantam louvores à unificação da Europa, em termos, muito vagos e inspirados em sonhos antigos que pontuaram a história.
No entanto, uma reflexão global sobre as implicações do Mercado único, que evidenciem o «vazio» do debate ao nível social, os seus perigos no plano regional e realce as particularidades culturais e a necessidade da sua defesa, continua por fazer de modo aprofundado; pois é o elemento económico que condiciona quase exclusivamente o comportamento comunitário.
No entanto, a questão que urge trazer ao debate ainda não foi colocada.
É que se o ser humano atingiu um ponto da sua evolução, que lhe deu ainda, mais poder para afectar, para

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o melhor ou para o pior, o presente e o futuro do planeta, não o incentivou a ter uma relação solidária com os três quartos da humanidade que permanece oprimida e esfomeada; não resolveu os desequilíbrios monstruosos entre riqueza e pobreza; não se decidiu a parar a destruição da camada de ozono, película de vida que envolve e protege o planeta, onde recentemente foi descoberto um novo buraco; não o consciencializou para agir contra o sistemático envenenamento da atmosfera, com as consequentes chuvas ácidas, que têm destruído as suas florestas.
Estas são algumas das realidades, que evidenciam as responsabilidades de um Mercado Único, que empurrará 320 milhões de habitantes para o asfixiante mundo do consumismo e da concorrência, fruto de uma política crescimentista que já tantas degradações provocou na natureza, colocando em perigo as populações pela poluição do ar - nas últimas semanas, algumas capitais europeias foram confrontadas com níveis de poluição atmosférica tão assustadores, que os poderes municipais solicitaram aos seus habitantes a não utilização de viaturas próprias e a sua permanência em casa.
Lembremos, também, o progressivo aumento da temperatura com a acumulação de CO2 na atmosfera, que diversos cientistas prevêem passe de 3.º F para 9.º F na primeira metade do séc. XXI; que dizer da poluição das águas - quantos rios europeus não têm sido confrontados com acidentes tão graves como o do Reno ou a poluição do Mar do Norte, que matou centenas de focas e a crescente poluição do Mediterrâneo?
O ano de 1992 é o símbolo de uma sociedade mercantilista, unicamente ansiosa de bons rendimentos e produção acelerada, fascinada pelo brilho das estrelas europeias, tapando os ouvidos aos gemidos da terra e às vozes de tantos seres humanos, destruídos pela engrenagem da louca competição.
Esta é para nós, ecologistas portugueses, uma questão essencial. É que no momento actual não se vêem os governos empenhados, realmente, em agir no que respeita à deterioração sistemática dos ecossistemas que asseguram a vida, mas sim a alimentar o debate sobre a importância do passaporte único ou da carta de condução europeia!
O Mercado Único de 1992, visa «mais mercado» e «mais crescimento económico», ele afirma-se como um projecto que propiciará o aumento de bem-estar e qualidade de vida para alguns, num mundo cheio de inumeráveis contrastes, em que os seus defensores minimizam o seu significado político, abençoados pela «mão invisível» de Adam Smith.
Insistentemente se argumenta que as fronteiras são obstáculo à livre circulação de capitais, de mercadorias, de serviços e pessoas, que com a sua abolição em 1992, cada um poderá circular livremente do Norte da Dinamarca ao Sul de Portugal, que os diplomas serão reconhecidos, que os passaportes serão anulados, que os camionistas não precisarão de esperar nas fronteiras, que as deslocações em automóvel ou avião, serão facilitadas!
O cidadão beneficiará, seguramente, tanto como o consumidor ou o turista, dum certo número de vantagens. Convirá é saber se atingirá todos os cidadãos, seja ele de Rio de Onor em Portugal ou de Koge na Dinamarca, mas decerto que as maiores vantagens irão beneficiar sobretudo os grupos transnacionais. Mas o crescimento intensivo do turismo, como o do tráfego automóvel e aéreo, significará, precisamente, o contrário para o meio ambiente.
Diz-se que, nos próximos cinco anos, se criarão de dois a cinco milhões de empregos, o que convirá a propósito lembrar que, neste momento, o número oficial de desempregados é de cerca de dez milhões.
Por outro lado, a intensificação da concorrência levará ao fecho de numerosas pequenas e médias empresas que, necessariamente, suprimirão mais postos de trabalho, em sectores tão significativos para Portugal, como a agricultura.
A generalização da aplicação do Mercado Único produzirá necessariamente nos quatro países mais «carenciados» (do ponto de vista do nível dos sete países potencialmente mais ricos da comunidade) efeitos, que levarão a consequências muito negativas, acentuando-se os desequilíbrios entre as regiões, se não existirem medidas de compensação, que não parecem estar previstas no livro branco.
Mas será, infelizmente, o ambiente uma das maiores vítimas do Mercado Único.
É que na Comunidade Económica Europeia, há dois pesos e duas medidas, numa notável contradição: medidas económicas sujeitas ao Acto Único, medidas ambientais, entre outras, sujeitas à soberania dos países membros.
É a plutocracia, disfarçada de autonomia nacional, em áreas consideradas de importância irrevelante.
Assim, as medidas relativas à protecção do meio ambiente exigem unanimidade, o que tem como consequência prática a ausência de medidas.
Se atentarmos bem, é ainda o aspecto económico que prevalece neste caso. Temos a certeza que a grande eficiência que a CEE procura não resolverá por si só esta questão, já que a solução que for encontrada se baseará em economizar à custa do ambiente.
Não existe uma «Europa de Ecologia», no entanto, toda a vida na superfície da terra, desde a mais pequena bactéria ao homem, assenta no funcionamento, presente ou passado, do ecossistema.
Sem as reservas de energia acumuladas pela vida, não seria possível manter as estruturas complexas da sociedade em que vivemos, com as nossas grandes cidades, a grande concentração industrial e as vastas redes de comunicação.
Esta é, sem dúvida, a condição essencial que deve, hoje mais do que nunca, estar presente em todas as tomadas de decisão políticas.
É que, actualmente, as normas sobre ambiente são determinadas por um só critério, não falsear a concorrência entre os Estados membros e é de novo a exigência económica que determina os parâmetros. Ora, é necessário e exigível, que a defesa do meio ambiente seja ela mesma a NORMA!
Para nós, Verdes internacionalistas, 1992 deverá ser sinónimo de luta contra a produção desenfreada e supérflua, «sem conta, peso e medida».
Se o Mercado Único e a unificação da comunidade europeia, fosse no sentido, de criar e aplicar uma verdadeira e efectiva política social e ambiental, para o bem do cidadão europeu de hoje e, para os que depois de nós, terão o direito de viver e, que acima dos interesses nacionais afirma-se a construção de uma Europa habitável, então nós saudaríamos o ano de 1992.

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É por esta Europa Ecológica e solidária que os Verdes portugueses se basterão!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo quis trazer aqui um debate sobre o Mercado Único. E, numa prova de seriedade de propósitos, informou devidamente a Assembleia sobre as grandes questões que o preocupavam, teve o cuidado de enviar os elementos informativos de que dispunham e de preparar convenientemente a agenda de trabalhos desta sessão. Muito bem! Apenas houve um pequeno senão. É que o Governo esqueceu-se que a Assembleia da República não se resume apenas ao seu próprio partido e para um debate ser frutuoso importa sobretudo o confronto de opiniões. A não ser que o- Governo não queira um debate e tudo isto se insere no inicio da campanha do PSD para o Parlamento Europeu. Então, tudo faria sentido. O Governo procura mostrar à opinião pública que está a trabalhar para enfrentar o desafio de 1992, que as suas posições são coerentes e que são as oposições quem não tem objectivos claros nesta matéria.

Estaremos, provavelmente, a participar em mais um acto de propaganda de uni Governo que nunca se preocupou em trazer à Assembleia as discussões fundamentais (o PDR, o PEDIP e todos os outros planos e projectos que mantém no segredo dos deuses) que confunde a informação da população com a afixação de placards publicitários, e cujos membros precisam de cábulas para responderem a questões que deveriam ser do domínio público.

A ser assim, e só por ingenuidade se pode dar o beneficio da dúvida, estamos perante mais uma atitude de desrespeito por esta Assembleia que o Governo julga poder instrumentalizar ao sabor das suas, conveniências políticas.

O Governo traz-nos um debate sobre o Mercado único. Mas que sentido terá um debate proposto por um Governo dogmático, arrogante, incoerente, e por vezes provinciano? Que sentido dar a um debate proposto por um Governo que não tem qualquer linha de estratégia, que se limita a esbracejar e a afirmar que sabe o que quer e para onde vai e que, nessa olímpica convicção, julga desnecessário um trabalho sério de estudo dos problemas e de escolha criteriosa de soluções alternativas?

O Governo tem jogado com o baixo nível de informação do povo português para transformar o Mercado único num novo mito como foi a regionalização ou a libertação da sociedade civil ou até num novo papão, porque a Constituição, depois do acordo PSD/PS já não mete medo aos «meninos»...

O Mercado único serve-lhe para tudo. Para ir justificando os sacrifícios impostos ao povo português, para impor medidas desnecessárias para justificar a sua incapacidade na implementação das reformas indispensáveis...

Noutros países estudam-se repercussões do Mercado único, programam-se as estratégias para enfrentar o desafio e age-se por antecipação para ganhar posições de vantagem. Em Portugal, age-se casuisticamente, por pressões do exterior, as decisões são penosas e não articuladas e predominam as acções de curto prazo como se, tivessem ainda várias gerações até 1992.
A CEE levou a cabo, e tem em curso outros, um grande projecto de investigação sobre o Mercado único. Não só não ouve qualquer português a participar nesse estudo como no mesmo são escassas as referências ao nosso país. Não se conhece, de momento, nenhum estudo em curso- sobre as exigências e consequências do Mercado único. Se não tivessemos um Governo infalível que consegue ver o futuro numa bola de cristal, o que seria de nós, portugueses. O que é preciso é ter fé em Deus!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não me arrisco a perguntar a nenhum membro do Governo se já tomou consciência do que na verdade significa 1992.
Tem o Governo consciência de que todos os meios da CEE reconhecem que uma condição essencial do sucesso do Mercado Único é uma maior coesão económica e social? Onde está então a coesão e o sentido de interesse nacional quando se promove um ataque desenfreado à classe média e se toma a posição recente do PSD quanto aos reformados?
Sabe o Governo que nessa coesão económica e social merece especial preocupação a promoção das regiões menos desenvolvidas?
Não tem consciência nem sabe, porque de Delors só reteve que vêm aí umas empresas grandes que causarão problemas às pequenas, médias e grandes empresas portuguesas ir tudo uma questão de mercado e de Mercado Único.
O Mercado único é, antes de mais, uma forma de estar na Europa. A mudança de mentalidades, valorizando às nossas diferenças num espaço comum, é, sem dúvida, o desafio real que se nos coloca.
No entanto, no imediato passa pela realização plena e total da integração do mercado na qual estão envolvidas a eliminação dos entraves não pautais à circulação de mercadorias; a abertura dos mercados públicos, a livre prestação de certos serviços e o livre estabelecimento de algumas actividades. Qual o impacte deste aprofundar da integração para o nosso pais?
No relatório Cechini, uma das poucas referências a Portugal afirma-se que (vários países, várias regiões são obrigados a realizar uma dupla adaptação: ao ritmo da economia, na altura em que esta se deve adaptar ao ritmo mundial».
E, continua no parágrafo seguinte: «Daí o receio de que, na ausência de uma política voluntarista, o grande mercado se realize em sentido único, apenas ajude os mais fortes a tornarem-se ainda mais fortes, os esforços de crescimento se concentrem nas regiões mais favorecidas, o desenvolvimento tecnológico se produza unicamente nas zonas que dispõem das melhores infra-estruturas de acolhimento.»
Só o nosso Governo parece não se preocupar.
Numa visão reducionista houve quem afirmasse que a política de desenvolvimento (regional) é um produto novo e uma auto-estrada. O Governo português redu-la ainda mais limitando-a à auto-estrada.
Na estratégia económica continua a insistir-se nos baixos salários como factor de especialização. O modelo económico do Governo é o de um país especializado em produções que o «centro» já repeliu de preferência comandada por centros de decisão sediado nas grandes capitais europeias. O objectivo são alguns

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indicadores quantitativos cujo significado vem sendo questionado pelo menos desde a década de 60.
E o Sr. Primeiro-Ministro chegou, inclusive, ao despudor de ter afirmado perante esta Assembleia aquando da discussão final do Orçamento do Estado que «A elevada taxa de crescimento, dupla da média registada na CEE, proporcionou já a subida do rendimento per capita dos portugueses, de 2100 dólares em 1985 para cerca de 4300 dólares em 1988». E refere ainda o Sr. Primeiro-Ministro que «isto é mais do que 105%».
Ora, isto é despudor e na altura foi uma falta de consideração muito grande por esta Câmara e por todas as bancadas aqui representadas.
E se falamos nisto nesta altura é só para dar oportunidade ao Sr. Primeiro-Ministro de apresentar desculpas públicas a esta Câmara e ao país, porque isto teve alguma ressonância em termos dos meios de comunicação social. Alguns meios de comunicação social referiram isto em primeira página.
Srs. Deputados, fazer isto é despudor; é não ter em conta que estes 105% só foram possíveis porque entretanto e neste período ocorreram duas coisas: por um lado, uma desvalorização extremamente pronunciada do dólar na ocorrência de um pique mais elevado e de um pique mais abaixo. Por outro lado, porque não se teve em conta a depreciação da moeda na evolução relativa das taxas de inflação de Portugal e dos países da CEE.
Isto foi muito grave e mostra como, de facto, em matéria de propaganda o Sr. Primeiro-Ministro trata a Assembleia da República e o País.
Este Governo, como disse, está fora do tempo. É escusado pedir-lhe que equacione os desafios de futuro.
A integração na CEE e principalmente a construção do grande mercado interno colocam a um país pequeno e periférico questões vitais para o seu futuro. Entre elas ganham relevo, em primeiro lugar, a questão do papel que podemos assumir na Europa, das apostas que merece a pena fazer e do esforço necessário para as ganhar. Deixar funcionar livremente a lei das vantagens comparativas será perpetuar Portugal como um parente pobre da Europa embora podendo beneficiar dos restos que caiem da mesa dos ricos. Não se pede que o Estado controle e imponha mas que enquadre, oriente e estimule. O desafio é o de encontrar políticas criativas capazes de mobilizarem os recursos e o potencial de iniciativa dos portugueses.
Em segundo lugar, os problemas da organização do espaço e do futuro das regiões. A livre prestação de serviços por empresas sediadas no estrangeiro não poderá ter impacto negativo no desenvolvimento das grandes metrópoles como Lisboa e Porto? As regiões fronteira poderão ter algum benefício de uma maior proximidade à Europa e de uma maior integração com as regiões espanholas? O aprofundamento das vantagens comparativas não poderá levar a uma maior exploração de recursos naturais e a um acelerar da desertificação de algumas regiões? Estarão as nossas cidades em condições de oferecer as infra-estruturas, os equipamentos, os serviços e facilidades capazes de atraírem actividades que não apostem apenas nos baixos salários dos portugueses?
São questões que até hoje o Governo não quis equacionar. Melhor dizendo, não pôde.
Não pôde porque o Governo está prisioneiro do complexo do «grande irmão». Sabe tudo. Quer controlar tudo.
Não pôde porque é incoerente. Ao mesmo tempo que defende a libertação da sociedade civil e promove o liberalismo económico, aprofunda o carácter centralizador do aparelho do Estado e investe contra a autonomia do Poder Local.
Não pôde porque lhe falta humildade, por que não é intelectualmente honesto, porque lhe basta o respeito da lei mesmo em prejuízo da moral.
O Governo vem recentemente a delinear uma estratégia de ataque ao Poder Local acompanhada da criação de fantasmas contra a regionalização, usando despudoradamente o argumento do desafio de 1992.
Tal actuação só se compreende se aceitarmos quatro premissas como válidas:

1.ª O papel do Estado limita-se à distribuição de recursos dados por usos predeterminados por forma a atingir a máxima existência.
2.ª O Governo central é quem melhor é capaz de definir esse usos e proceder a escolhas alternativas.
3.ª O Governo central dispõe de maior capacidade técnica e é menos imune aos conflitos de interesses, pelo que pode decidir com maior racionalidade.
4.ª O Governo central é capaz de interpretar os interesses homogéneos da população.
Se olharmos a experiência dos nossos parceiros da CEE em todos encontramos um esforço para pôr sobre o terreno agentes institucionais capazes de promoverem uma política criativa visando directamente a dinamização do potencial económico e carregando novas energias e novas fontes de financiamento de desenvolvimento. As autarquias locais, em particular as de nível regional têm sempre um papel fundamental.
A experiência portuguesa revela que o grande empecilho à tomada de decisões é o conflito de interesses entre os níveis idênticos da administração corporizados nos diversos ministérios. Porque não avançam Alqueva e a Cova da Beira? Porque tarda a implementação da OID da Península de Setúbal? Em matéria de desenvolvimento regional, a experiência portuguesa e de outros países está cheia de erros colossais cometidos pela administração central. Quem foi o responsável pelo projecto (hoje inútil) do Douro navegável? Quem foi o responsável por Sines? Quem conduziu erradamente a política de parques industriais? Quem não sabe hoje o que fazer com decisões que tardam sobre o plano ferroviário, a rede de gás natural, o aeroporto de Lisboa, etc? Não se nega que estas são decisões de nível nacional. O que se nega é que o Governo seja mais eficiente nas suas decisões do que qualquer outro nível do poder. A experiência italiana, por exemplo, revela bem que os grandes erros da política regional foram da responsabilidade de organismos centralizados.
Não se compreende num regime democrático que o Governo entenda em abstracto os interesses nacionais e se julgue o fiel intérprete de todas as aspirações, mesmo das que são específicas de uma dada área. Fará sentido, por exemplo, que se imponha à população algarvia um traçado da via longitudinal que vai contra os seus interesses e que os próprios organismos oficiais inicialmente não defendiam? Mas foi seguramente uma solução à Governo do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não se tratou aqui, sobretudo nesta parte final da intervenção, de fazer mais um discurso regionalista. Trata-se, sim, de lembrar ao Governo que deve

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ao povo português o respeito necessário para não agitar fantasmas mesmo contra a corrente histórica que vigora nos países europeus.

O Mercado único não pode ser a desculpa para as incapacidades do Governo nem cobertura para as suas tentações antidemocráticas.

Se o Governo está .de boa fé, a primeira coisa que deve compreender é que o primeiro desafio que o Mercado único nos impõe é o reconhecimento de que mais do que infra-estruturas e tecnologia para o desenvolvimento contam os portugueses, com a sua capacidade de iniciativa, e a organização.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, têm a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos todos de acordo! De acordo com a adesão, única saída paia uma pequena economia aberta privada de boa parte dos seus mercados tradicionais, solução desejada para um país que teve um papel histórico na abertura da Europa ao mundo.

De acordo com a evolução do processo europeu possibilitado pelo Acto único, comum aos três tratados.
De acordo com a dificuldade em entender os verdadeiros objectivos deste deebate. De acordo com a necessidade de transformar, esta matéria num grande espaço
de consenso entre as várias forças políticas democráticas.

Consenso diariamente renovado em acompanhamento ao processo de negociação permanente a que, sem dúvida, corresponde a integração nas Comunidades.

Apesar disso e das perplexidades que tais dificuldades implicam sobre a utilidade real do debate, participamos nele com honestidade e daremos o que pensamos serem algumas achegas, na perspectiva de que possam servir para repensar algumas das políticas de preparação do Mercado Interno unificado de 1993.

Em primeiro lugar, abordaremos o problema que em síntese designaremos como harmonização versus mútuo reconhecimento.

A par da eliminação física das fronteiras aduaneiras, a grande novidade do Acto único foi, com certeza, a alteração operada no processo de construção da unidade.

Ao princípio de harmonização das legislações imposto pelas directivas da comissão e do conselho, que se mostrou de enorme lentidão, sucedeu o principio do mútuo reconhecimento das várias legislações nacionais, acompanhado de uma harmonização mínima de aspectos essenciais, susceptíveis de distorcer de modo não aceitável a concorrência entre as economias, caso se
mantivessem diferentes.

15to implica, desde logo, que a par de uma legislação-comunitária vão passar a coexistir, no espaço das Comunidades, tantas legislações quantos os países membros, reconhecidas como válidas por todos e cada um desses mesmos países membros. Quer isso dizer que uma operação de crédito ou de depósito realizadas por um português com um banco inglês em Inglaterra, de acordo coma lei inglesa, serão reconhecidas pelas autoridades portuguesas como- correctas e válidas, mesmo que em contradição com a lei portuguesa.

Implica, por outro lado, que a harmonização legislativa, para além do mínimo imposto nas directivas, fica agora confiada à liberdade dos Estados e à sua responsabilidade, que a promoverão ou não, consoante isso sirva ou não os seus interesses - económicos, é certo, mas também nacionais,- culturais, sociais.
A pergunta que faço - e faço-a perante a evolução legislativa e a atitude da administração que conheço
consiste em saber se já nos consciencializámos da mudança operada e do que ela implica na perspectiva da defesa dos interesses portugueses.
Suponho, com efeito, que a nossa administração continua sobretudo preocupada em harmonizar, mesmo que a harmonização implique o desaparecimento de vantagens. comparativas - que poderíamos manter.
Perdoem-me todos a linguagem democrata cristã, mas a imagem que me ocorre é a de continuarmos agarrados a um rito já ultrapassado e a ser «mais papistas do que o Papá».
É claro que, não é simples mudar, especialmente em tão curto espaço de tempo, más é necessário mudar.
E mudar, si antes de mais, proceder, com a maior rapidez compatível Com a seriedade da tarefa, ao inventário daquilo que teremos que alterar, porque
a isso ainda somos obrigados é daquilo que nos convém alterar porque a harmonização joga em nosso favor.
Proceder, simultaneamente, ao inventário de tudo o que na nossa legislação. constitui motivo de desfavor e que poderemos eliminar sem infringir as regras da harmonização mínima e sem atingir os interesses nacionais.
Promover as mudanças institucionais que facilitem a harmonização voluntária, principalmente em sectores em que o mútuo reconhecimento não opera directamente, como seja o das normas fiscais, o da segurança social e o da ocupação do território.
Determinar com rigor os casos em que a legislação nacional mais exigente para este ou aquele agente não se apresente susceptível de mudança no contexto
nacional, de modo a promover aí um, movimento europeu em favor da harmonização, tendo em conta os nossos padrões.
Estaremos todos os dias a fazer isto ou estaremos todos os dias a perder vantagens, como acontece quando contra a nossa vocação exportadora mantemos, por exempla, taxas de valor equivalente?
Mas se não está ainda feito, porque não o fazemos em conjunto, Governo e Assembleia, sendo certo que as competências concretas para o fazer pertencerão ora a um, ora a outro dos dois órgãos? Deixo aqui, a questão!
A segunda questão é a da regionalização. Sendo certo que se trata de tarefa não destituída de dificuldades, principalmente na sua articulação com as competências ainda frescas dos municípios, não há dúvida de que corresponde a um imperativo constitucional, por um lado, e a um instrumento operacional na perspectiva da integração comunitária, por outro lado.
Que pensa realmente o Governo sobre o assunto? As hesitações do Sr. Primeiro-Ministro alimentam-se ou não das dúvidas do Sr. Deputado Silva Marques? Seria bom esclarecer e discutir isso directamente com a Assembleia, não esquecendo que a descentralização real da administração pode ajudar-nos a recuperar alguns atrasos. Estamos a pensar no contributo que daria para a resolução concreta do problema chave da

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reforma administrativa, que não se esgota - é bom repeti-lo - na questão do estatuto dos agentes, assim como pensamos na ajuda decisiva que representaria para a eliminação das distorções do desenvolvimento e para a modernização do sistema produtivo. Problemas e questões que, no contexto de um modelo centralizado, não encontrarão jamais a solução adequada, por muitos que sejam os incentivos financeiros e fiscais postos em prática.
Só a distribuição geográfica do rendimento, da procura, da poupança e da capacidade de investimento darão resposta permanente a estas questões. Pensamos ainda no contributo decisivo que daria para a solução do problema urbanístico gravíssimo das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, autênticas chagas sociais a exigirem investimentos vultuosos e a demarcarem-nos da Europa Comunitária.
Finalmente, pensamos na importância que poderia ter, para resolver problemas como o da adequação do nosso sistema financeiro, a abertura do respectivo mercado. Talvez que a solução para os nossos problemas não esteja tanto onde a temos teimosamente procurado - no crescimento da dimensão das instituições -, mas esteja antes no pólo oposto, na multiplicação de instituições de âmbito local, chegadas aos seus clientes devidamente estruturadas e dotadas de interligações adequadas.
Não sei se estaremos certos, mas valeria a pena reflectir sobre tudo isto em conjunto, tanto mais que a base de partida é a confissão das nossas dúvidas, sem as quais, aliás, não sabemos estudar seja o que for.
Por último, colocaremos a questão da dívida pública. Que se trata de uma dívida grande, medida em proporção da nossa capacidade produtiva, não é novidade para ninguém nem sofre a contestação de ninguém. Que por ser grande é uma dívida incómoda também não constitui novidade para ninguém.
Ainda há tempos o Sr. Governador do Banco de Portugal confessava, com um misto de amargura e resignação, que a dívida constitui um obstáculo sério à mudança da política monetária, com a passagem para o sistema de controlo indirecto, ao mesmo tempo que condiciona de modo negativo o funcionamento do sistema financeiro.
Por outro lado, todos sabemos que a dívida é um dos factores que alimenta a inflação e só não a alimenta mais porque as empresas e os particulares são obrigados a deixar-lhes livres as vias de acesso ao crédito.
Não vemos bem como é que sem um esforço sério para além do que tem sido feito, e reconhecemo-lo, no sentido de a diminuir, possamos pensar um sistema financeiro e um sistema monetário europeus.
Por outro lado, a dívida impede-nos, como já salientámos esta manhã, de fazer um esforço mais sério, como seria necessário, no sentido de nos dotarmos das infra-estruturas sociais, indispensáveis à harmonização social do espaço comunitário.
Se não conseguirmos mudar radicalmente a situação em que vegeta o equipamento social português (justiça, educação, saúde, cultura), a tão badalada coesão social comunitária não passará de uma expressão sem sentido para os portugueses.
Como fazer?
Sugerimos a tentativa de obter das Comunidades a possibilidade de utilização de alguns fundos comunitários,
com destaque para o fundo social em investimentos directos no sector público, mais concretamente no sector da administração.
Assim se inverteria a situação, fazendo com que os financiamentos comunitários, ao invés de constituírem um factor de rigidez a determinar o aumento da despesa, passassem a constituir um alívio para o défice orçamental de que a dívida se alimenta, ao mesmo tempo que evitaríamos os desperdícios, e não só, em que acabaram por se saldar as aplicações que até agora tiveram lugar.
Corri o risco, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, de discutir os pormenores.
Na minha perspectiva, ou melhor, na nossa perspectiva não são tal. São antes temas importantes em que pode encalhar ou não a nossa empresa comunitária. Empresa que o CDS não receia e que entende devermos, por todos os modos, incrementar.
A praia a que regressamos, Srs. Deputados, é, sem dúvida, a praia europeia.
Estamos certos de que para o génio português será isso mesmo: a praia de que novamente partiremos.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Almeida Mendes.

O Sr. Rui Almeida Mendes (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, ouvi com muita atenção a intervenção que produziu e devo afirmar que a convergência dos nossos pontos de vista é quase total: trabalhamos num objectivo comum.
Contudo, quero dizer-lhe que o Sr. Deputado não se perdeu em pormenores; antes pelo contrário, levantou questões de fundo que dizem respeito a este debate.
Porém, ficou-me uma dúvida quanto a uma das propostas que apresentou, que, de facto, considero bastante inovadora. O Sr. Deputado falou dos financiamentos directos do sector da administração. Gostaria que desenvolvesse melhor essa ideia, pois é a primeira vez que a vejo referida.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Rui Almeida Mendes, a sugestão a que me referi na minha intervenção já a vi abordada nesta Câmara, pelo que não é original. De facto, ela já foi levantada pelo Sr. Deputado Silva Lopes, do PRD, e devo confessar que nessa altura a acolhi com grande entusiasmo.
Todos sabemos que, embora se trate de despesa reprodutiva, de despesa que permite capitalização social, um dos factores de rigidez do nosso orçamento é constituído pela necessidade de oferecer contrapartidas aos financiamentos comunitários, e estes não são realmente empregados no sector público.
Suponho que a ideia de coesão social que preside à construção do Mercado Interno nos devia levar, no método de negociação permanente que a integração na Comunidade pressupõe, a tentar que parte destes financiamentos não carecessem de contrapartida e fossem

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directamente utilizados em investimento no próprio sector público, isto é, na própria administração, em despesas hoje correntemente agrupadas no PIDDAC. É que, ao invés de constituir um factor de rigidez a fazer crescer a despesa, seria um factor de diminuição da despesa e compriria exactamente as mesmas funções. Poderemos dizer que nos interessa pouco uma política de formação profissional que não assenta em bases mínimas de educação do povo português e que portanto, investimentos da educação poderiam, com vantagem, substituir certos investimentos feitos com financiamentos comunitários, por exemplo, do fundo social.

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No momento em que se ultimavam as negociações para a conclusão do segundo alargamento, com a adesão de Portugal e de Espanha, a Europa dos dez revivia tempos de entusiasmo e de febril tensão na expectativa de um relançamento das instituições e das políticas comunitárias. Entre o Conselho Europeu de Fontainebleau, de Junho de 1984 e o de Milão, um ano depois, delinearam-se as linhas fundamentais da Conferência do Luxemburgo e da gestação do Acto único Europeu. Portugal aderiu, assim não a uma CEE que o decorrer dos anos tinha tornado céptica e burocrática, mas a uma organização animada por um sopro de renovação e de entusiasmo, que consegue fazer dar passos importantes mesmo aos mais reticentes.
É certo que o motor principal do Acto único foi, da parte de muitos, menos a realização de um grande desígnio político, do que uma preocupação de reagir aos perigos que a mundialização da economia, e sobretudo a concorrência japonesa e americana, representam para a estabilidade e progresso económicos e sociais dos países europeus. A experiência da História aconselha, porém, a não desdenhar as oportunidades oferecidas pela resolução de problemas pragmáticos para a construção de edifícios mais douradouros e ambiciosos.
Para Portugal esta nova dinâmica comunitária significou, por outro, um enorme incremento no leque de possibilidades oferecidas e, na profundidade da integração, por um lado, em contrapartida, um desafio e um risco acrescidos no seu acto de adesão.
A inserção de Portugal no espaço comunitário implica necessariamente uma alteração nas práticas tradicionais que pautavam o seu viver económico e administrativo e também social e político. Optámos conscientemente por um processo de mudança induzido. Fizemo-lo porque na situação histórica presente representava e representa a melhor alternativa para assegurar o desenvolvimento da economia e o progresso da sociedade na justiça para garantir também a existência e a autonomia da nação no dealbar do século XXI e por diante. Mas, temos de ter, a noção clara de que a modernização comporta sempre perigos, envolve pesados sacrifícios de muitos e, para ser indubitavelmente positiva, isto é, para preservar os valores éticos e também os políticos que nos individualizam como Povo deve orientar-se dentro de determinados parâmetros.
para isso que servirá termos uma estratégia global, fruto de amadurecida reflexão a ser prosseguida como desígnio nacional, pelos partidos políticos, pelas forças culturais, sociais ë económicas que estruturam a nossa sociedade. Assim, poderemos participar com entusiasmo e activamente na nova fase de construção europeia aberta pelo Acto único, de que o mercado interno unificado e a coesão económica e social constituem os pilares decisivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O processo de mudança já começou em Portugal. É, em primeiro lugar, aparente para qualquer observador, a viragem na cultura económica dominante entre operadores públicos e privados, outrora obsediada pelo pendor colectivista, hoje crente nas virtualidades do mercado e predisposta ao respeito das suas regras. Por isso mesmo, o sector privado deixou de ser factor residual em vias de extinção, para, reganhando uma existência autónoma, ser justamente alcandorado em elemento motor de progresso económico. Com todo o relevo simbólico e político da transmutação, o texto constitucional que há-de resultar da revisão, expurga a Constituição dos afloramentos estatizantes do princípio colectivista-marxista.
Essa nova percepção das coisas traduz-se ainda, no enquadramento macro-económico, cada vez mais consciente das implicações que advêm de Portugal ter concretizado a sua opção europeia.
O terceiro vector de mudança assenta nos recursos e instrumentos que foram postos à disposição do Estado português a partir do momento em que puderam ser lançados programas de desenvolvimento apoiados nos fundos comunitários. O avolumar dos recursos financeiros, para além de possibilitar o reforço e a modernização das infra-estruturas permite também acelerar a reorganização do sistema educativo, sem cuja acção renovadora a capacidade competitiva dos portugueses ficaria gravemente comprometida.
Neste contexto, tem-se assistido a uma acção inteligente e porfiada do Governo ria defesa dos nossos interesses de que são exemplos marcantes os êxitos na política agrícola e o PEDIP.
Mas, mesmo neste campo mais restrito, do domínio económico, se foram dados os primeiros passos e resolvidos alguns problemas e postos os primeiros ingredientes da mutação, a batalha está longe de estar ganha. Nem poderia ser de outro modo, dado o curto espaço de tempo decorrido desde a adesão.
Com o mercado sem fronteiras, porém, o desafio alarga-se. Em 1986, confinava-se aos limites previstos no Tratado de Adesão e controlados por este. Estava em causa um projecto de mudança muito vasto, mas ainda assim suavizado por períodos de transição que garantiam amplas margens de manobra em áreas como a da circulação de capitais e à fiscalidade. Com o Acto único, o processo de integração nas Comunidades Europeias ganha uma dimensão superior e um novo ritmo. As alterações que terão de ocorrer em Portugal, terão também de ser mais rápidas e profundas.
A coincidência cronológica entre o início da implementação do «programa de 1992» e o final dos períodos de transição, acentuará ainda mais o carácter crucial deste período da vida portuguesa.
É justamente a natureza decisiva dos tempos que se avizinham que exige de, todos nós, maioria e Oposição, Governo, Assembleia e Presidente da República, mas também dos restantes actores da vida social, o afinamento primeiro, a execusão concertada, depois de uma grande estratégia que englobe numa visão coerente

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tanto a política económica e de bem-estar, como a política de defesa e a política externa, numa síntese clara do projecto do que queremos ser como nação que tem e acredita num futuro colectivo promissor, assente no seu esforço e vontade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quisemos sublinhar que o Mercado Único e a política de coesão económica e social não devem ser dissociados de uma perspectiva integrada global. O Governo age seguramente de acordo com a estratégia que se propôs. A sua política em matéria de integração europeia, já o dissemos, justifica o nosso apreço. Mas, por nosso lado, gostaríamos que as áreas onde o consenso deve imperar, possam ser alargadas, o que do mesmo passo, se traduzirá em tornar mais nítidas as zonas de legítima clivagem política entre os diversos partidos, fenómeno natural e sadio numa democracia pluralista. Não podemos, porém, querer que aquilo que deve ser trabalho de todos, seja feito só por alguns, assacando ao Governo responsabilidades que lhe não podem caber. Na construção de uma grande resposta comum ao desafio todos devem ter a sua quota-parte. Este debate na Assembleia da República proposto, aliás, pelo Governo, deve contribuir para alicerçar esse objectivo.
Mas, se há que ter em atenção que a nossa atitude de participação na Europa e no fortalecimento da coesão económica e social é uma parte de um todo mais amplo, nem por isso esta perspectiva pode levar a dedicar-lhe menor atenção ou a considerá-la menos importante. Pelo contrário, é nesse contexto global que é possível reconhecer a sua decisiva relevância para o nosso destino colectivo.
Se volvermos a nossa atenção para o domínio económico onde o relatório Cecchini centralizou o custo da «não-Europa» em cerca de 200 mil milhões de ECU, é no aproveitamento de todas as potencialidades do Mercado Interno Único e na diminuição de algumas das suas inevitáveis desvantagens que se joga o êxito da nossa política de integração.
Tomando, apenas os três grandes sectores de actividade privada, parece razoável afirmar que ao nível da agricultura não é de esperar uma alteração significativa nas condições do difícil e complexo processo de adaptação já previsto no Tratado de Adesão e que deverá prolongar-se até meados da próxima década. Pode pois considerar-se que o impacte de 1992 neste sector será sempre condicionado pelo enquadramento específico e relativamente «autónomo» que lhe é conferido quer pelos regimes transitórios, quer pela política agrícola comum, cujo processo de reforma, actualmente curso, não constitui surpresa em relação à realidade da pré-adesão. Dir-se-á, portanto, que neste domínio o desafio não é novo e não é, no essencial, desconhecido.
Ao nível da Indústria, o problema fundamental colocado por 1992 consiste na coincidência cronológica do desarmamento do mercado interno, face aos doze e face a países terceiros, com o substancial acréscimo da concorrência no espaço comunitário, acompanhada por um importante movimento de redimensionamento das escalas de produção e de reimplantação espacial das empresas. Do ponto de vista qualitativo, o que há de novo neste quadro, face ao desafio já implícito na adesão, é a acentuação dos factores dimensão e internacionalização como instrumentos de concorrência, a disponibilidade de um mercado global mais aberto mas mais exigente e uma pressão consideravelmente acrescida sobre o Mercado Interno, não apenas como espaço de consumo, mas igualmente como base de produção, em consequência da reorganização profunda a que estará sujeita a indústria europeia ou, melhor dizendo, a indústria que trabalha para o mercado europeu.
Não será difícil reconhecer que Portugal irá enfrentar o Mercado Único com uma base industrial semelhante à que hoje conhecemos, dado que não é possível transformar significativamente a realidade presente no escasso período que nos separa de 1992. Este ponto de vista, que tem sido defendido em documentos oficiais representativos, nomeadamente no quadro da preparação do PEDIP, implica que uma das preocupações fundamentais das políticas a seguir no futuro imediato deverá orientar-se para a reorganização, modernização e reforço dessa base industrial. Deste modo, se facilitará a conquista ou a consolidação de uma real capacidade competitiva internacional, sobretudo nas áreas onde Portugal pode mais facilmente explorar vantagens comparativas imediatas; uma segunda linha de preocupação, não menos importante, deverá centrar-se na criação de condições estruturais para suportar, a médio/longo prazo, as exigências da progressiva integração num mercado global, procurando um up-grading da gama de produções e estimulando, onde se mostrar viável, o desenvolvimento daquilo a que alguns têm chamado os «segmentos de excelência».
É, porém, certamente, no sector dos serviços, em particular na banca e nos seguros que os efeitos do Mercado Interno se farão sentir com maior intensidade, como já o denuncia a preparação das directivas em matéria de coordenação bancária.
Tal como nos dois outros sectores, mas ainda com maior acuidade, torna-se imperiosa a reorganização das empresas e a melhoria dos seus métodos de gestão, o incremento da formação profissional, a clara compreensão de que só a capacidade de assegurar quotas de Mercado Externo pode garantir primeiro a sobrevivência e depois o progresso neste sector. Em suma, só o aumento substancial de qualidade garante uma competição internacional satisfatória, indispensável a uma pequena economia periférica como a nossa.
Para além do sector privado de serviços, será, porém, sobre o Executivo e a administração pública que recairá grande parte do acréscimo de esforço que a construção do mercado único e uma política eficaz de coesão económica e social vão exigir ao nosso país. Bastará mencionar, para se compreender bem a extensão das tarefas a realizar, a harmonização em matéria da fiscalidade indirecta, a eliminação das divergências nas normas e regulamentos técnicos e a aproximação dos serviços e prestações próprios de um Welfare State evoluído.
Mais relevante ainda do que aquela tarefa será a integração monetária e financeira, pelas repercussões que inevitavelmente terá na capacidade dos governos nacionais no que respeita às políticas monetária e orçamental. Nessas zonas particularmente sensíveis, bem como na da harmonização fiscal, o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Governador do Banco de Portugal tiveram oportunidade de recentemente elucidar a Comissão de Economia, Finanças e Plano desta Assembleia do estado de evolução das questões e da prudência com que o Governo português se tem vindo a mover no acautelamento dos interesses nacionais.

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3. DE MARÇO DE 1989

Estes verdadeiros reptos lançados à . administração pública portuguesa evidenciam a necessidade nacional de que-esta esteja à altura para lhes responder satisfatoriamente; pela sua necessária reestruturação, moder= nização e, sobretudo, pela libertação -dos espíritos de um anquilosado pendor. burocrático. Estamos confiantes de que õ Governo .também nesta'parte cumprirá e os , servidores- da causa pública saberão corresponder com-êxito ao grande esforço que lhes é pedido. -
Sr. Presidente, Sr. Primeiro=Ministro, -Srs. Membros do Governo, Srs.-Deputadós: Gostaria que este debate constituisse uma importante ocasião de diálogo -entre a Assembleia da República e o Governo sobre a -grande estratégia nacional, onde os pontos de vista- diferentes permitam amadurecer as soluções melhores para o País. Será também importante que o debate evidencie a necessidade de a Assembleia da República seguir, na respectiva esfera de actuação, com toda à atenção. e continuidade o desenvolvimento da integração ëúropea, dando a sua ' contribuição, a sua critica construtiva e o seu apoio.
Desperdiçaríamos esta òportunidade,'se hoje, aqui,
a Oposição se limitasse -a'criticar o Governo, e ú1niaio
ria,- como é seu dever, a defendê-lá. Até porque a
defesa do Governo é, nesté capitulo bem fácil. Tem
cumprido bem a sua missão de pugnar, nas instâncias
comunitárias, pelos interesses de Portugal e dos por
tugueÉes. - -

Aplausos do PSD.

A Sr.º Presidente: = -Para pedir esclarecimentos, .tem a..palavra a Sr.º Deputada Helena Torres -Marques.

A Sr. e Helena Torres Marques . (PS): - Sr. Deputado -Rui Machete, gostei de ouvir V. Ex.º dizer que as matérias relativas à Comunidade Económica Europeia necessitam de uma decisão solidária dos órgãos de soberania, ou sejai. do Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo, e que deveria haver áreas alargadas de consenso sobre elas:
Tendo em atenção que V:. Ex. e - é o presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano e tendo considerado que o Governo está a defender estratégias boas para o Pais nestas- matérias, gostaria de saber. se o Sr. Deputado conhece quais as estratégias que'estão a ser seguidas se à Assembleia da República nunca foram apresentadas quaisquer estratégias.ºu propostas, para serem analisadas nas comissões, . sobre,, por.exemplo, a harmonização fiscal, a união- monetária, a liberalização do mercado financeiro ou de capitais, a política de coesão. económica -e social.
Recordo-lhe, Sr. Deputado Rui Machete, que estive
mos juntos numa reunião do Parlamento-Europeu e
que-nos solicitaram a opíníão. dos diversos partidos com
assento no Parlamento português em relação à harmo
nização fiscal . ..
. Como V. Ex. º sabe, até aquele momento, esta matéria nunca havia sido apresentada à Assembleia da República pelo. Governo, pelo que não teríamos qualquer hipótese de a.discutir no Parlamento Europeu e também não poderíamos .falar sobre a discussão . aqui havida nem sobre a opinião que o Parlamento portu= guês tinha sobre esta matéria.
Aliás, também- participei numa Comissão do Pariamento Europeu em que se debateu a posição desta Câmara sobre a união monetária e será escusado dizer

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:que o Governo- nunca aqui. apresentou esta matéria para discussão. '' -

Assim, gostaria de perguntar-lhe sé V. Ex.e não considera que, dê acordo com o que está previsto na Lei n.º 111/88, onde se dispõe que a Assembleia da Repúblicà -tem'.de dar parecer'prévio sobre estas matérias, é essencial que õ' Governo faça propostas concretas para que possam discutir òs pareceres sobre elas e só depoís''o Governo poderá ter os elementos necessários para emBruXelas poder defender as estratégias adequadas ao país. -

A 'Sr. e'Presldenté: = Para responder, se-o desejar, tem a palavra o Sr: Deputado Rui Machete.

' O Sr. Rui, Machete - Em meu entender, a realização deste debate, da iniciativa do Governo; é- o pano de fundo em que se insere a resposta que lhe pretendo dar, porque ele significa claramente uma vontade de diálogo, de discussão destas matérias e o reconhecimento de que nesta zona tão sensível do interesse nacional é necessário uma concertaçãó em, relação à tudo o que é razoável e que se peça a _ cònceraçãó dos esforços - dos' órgãos. de soberania.

V. Ex.e refere que; em conjunto, -passámos uma experiência -penosa no Parlamento Europeu, porque não tínhamos elementos para responder a algumas perguntas que nos foram colocadas. De facto, isso é verdade, mas, no entanto, penso que V:- Ex: está a ser apressada em assacar e- atribuir .essa responsabilidade ao Governo.
Aliás, V.. Eic. e também teve oportunidade de referir uma recente reunião' em que estiveram presentes o Sr. Mirustro'das- Finanças .e o Sr. Governador do Banco de Portugal ;. onde alguns aspectos relativos a algumas matérias bem importantes e. sensíveis começaram a ser discutidos: Na ocasião; houve oportunidade de referir uma questão que talvez necessite de .alguns afinamentos, . mas .que nas suas - linhas, gerais...

_ .ªSr: ` Helena Torres Marques.(PS):_ - Permite-me
que -o interrompa, Sr. Deputado? . _

O. Orador: = Faça favor,. Sr.ª Deputada! .

A Sr.º Helena Torres Marques (PS): - Sr. Deputado; considera V. Ex.B que se realizou a discussão de uma matéria com o - Sr. Ministro das Finanças e o Sr.º Governador do Banco de Portugal quando estes sé limitaram aum texto e saíram da reunião sem responder a qualquer pergunta?

O Orador: = Sr.º Deputada, gostaria que me permitisse concluir a minha resposta e tentaria esclarecê-la.
Conforme referia; nessa ,reunião foi dito algo que me parece extremamente importante.

Com efeito, é óbvio que não é possível, antes de serem claros quais-são os contornos exactos do que pode: ser obtidb, estar a fazer uma discussão pública dessas matérias. Trata=se de uma realidade que os próprio dinamarqueses, apesar das suas limitações políti-

cas, têm -reconhecido. - - -

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. - _ No entanto; ó_ Governo. não-se; eximir; ,como; aliás resulta da lei, aquando houver que tomar decisõesrdéfinitivas, de colocar Ps problemas,ao- Parlamento,em termos de obter o -,voto e ,o, apóio, desta êâniarã, aefór _.
caso disso. -. ,:t: ' .. l'

Sr. a- Deputada, em, minha-opinião; ;o, que é,exígivèl ;de todos - e não apenas :fazendo recair ó ,ónus;sobr-e ;ó. Gqverno._-. é um esforço muito lato,_no- senti do Áda informação,-e da criação de uma,mentalidáde,qüe•,pro.cure captar.-a problemática europeia el.dár=lhe-_as respostas que sejam mais coerentes e mais úteis em)defesa dos interesses nacionais.
.-1?,enso,-que,_quer.estedebate,,quer a;presença.dos membros. do .Governo .nas Comissões; constituem .um indício claro de que esta orientação está a ser seguida pelo,Governo. É .importante: que .da -parte-da.Assem,bieia:também haja: um. esforço nítido para.que-resulte -'uma çónceitáção de. es forços_,qu.nto:;áq;que ;é um ,òlijëctivó .comum. -, _ _, . ...-. - , , _ :,;:a. :.

Há , indícios promissores desta I concertação; ; assim todos. os -partidos--políticos. com. assento-.nesta AssembÌeia queiram .prosseguir .nesta, .senda, : _ `. ,:, u„;::_.,

"Aplausos , do PSD:

' Á Sr. º' Présidenté: - `-`.Srs:.-Dépütádós; : permito-me
'assinalai- a 'presença- nas gãlérias: de- grupos de álúnós
dá 'Ëscola *Secundária da Daniaìá; dó`Colégió- Açàdémicô de Lisboa e de St:' Èi ómiiuc's *Iritenationàl School; a'q uem cumprimentamos e-saudamos..:

_ ;Aplausgs,_geráis... _ .. -- º ..:. . -:•. r :- ...
t sá-'. . a e e . u.E; -'.r
... Para uma intervenção, tem a -palávraro Sr: Ministro
.da lndústria;-Cómércio:- e Turismo:- ...... r ..:..

O. Sr.º- Ministro da- Indústria -è-Eneïgiá` (Mira _Aina
ral): - Sr. Presidente, Srs . Deputados: Os governos,e
as foiças económicas e sociais:.européias já_percébëram
que cada-um dos países .europeus; só,.por.ºsi, não :tem
dimensão em--termos industriais s ^-e,- tecnológicos,:para
competir com ás gigantes americano -e japonês.-•É necès=
sária também ria indústria e tecnologiaieurópeias uma
dimensão continental; uma nìassa,.crítica; que permita
essa competição no mercado mundial das indústrias.

As:Lempresas; sérão os àgentes'privilégiàdos:'nësta construção de Mercado único Europeu e,estarão:sujei= tos a alterações bastante sensíveis, indo confrontar-se com mercados cada vez mais mundiàlizados.e sëgrrientados, necessidade de implementação de sistemas produtivos mais flexíveis . com o recurso crescente às tecnólógias, de informação, desenvolvimento de . novas culturas técnicas; de gestão e de -organização, concorfênciá.-açrescida e necessidade de .desenvolvimento 'e cooperação a diferentes. níveis e .ainda com a necessi:= dade de maior incorporação ,de serviços..no produto final.

As empresas--portuguésas de.llsn.país comoººPóïrtu
gal, de pequena economia, não sé, poderão: alhear desta
problemática não,podendo ficar - imunes: a este. inténso
movimento de reorganização à escala empresarial euro
peia. .,.. , _
;ciè, ;o.
As. empresas nacionais, !têm , de.--se perspectivar enquanto agentes no Mercado único. Eiirópeu e mesmo mundial e não mais enquanto -«empresas nacionais, que exportam». Tem pois de ser abandonada-a:tradiciónal distinção entre Mercado Interno e,- exportação- com

I : SÉRIE = NÚMERO 45

;tódas,asdiferenças- dea-etuação-_que,llie estão ,associa
das.: a nível dos diversós elementos do marketing rnix,
nomeadamente_;.preços_ e4 canais' de; distribuição: -
-.,. As empresas, nacionais- têm de,se, internacionalizar.
.Com isto pretende-se. significar que devem abandonar
.ó conceito- de,,exportár,;para passar, a adoptar, o con
ceitó de_vendernoºmercado,-e.ao consumidor externo.
-.„º Internacionalizar-se significa: encarar, indiscrminada
mente'aactuaçãó no mercado, nacional e nos restantes
mercados nacionais- europeus. - . -
, ,À,indústria-.portuguesa -tem de adoptar. uma,estraté
;giá que se .baseie, como no -,resto da Europa; em •fac
tores de desenvolvimento. de ordem qualitativa,, .inte
;grandó. económiás..deìescalà, , capacidade -de. inovação
tecnológiça,;sofisticaçãp ;de, gestão, melhoria. de quali
rficação de mão-de-obra e, sobretudo, um esforço, dé
internációnalização.• , , ,, - - .

,.É .urgente que as. empresas; industriais, portuguesas
adoptem. uma - visão mais integrada,, _em, que- tenham
`papel .-de crucial importância as.posições, fortes nas redes
de distribuição nos mercados europeus, a eventual reló
çalizaçáo..da produção,, com vista _a,diversificar riscos
e-obtér uma rriaior ,apróximaçãõ: dós mercados.,lòéáis,
,è uma .péispeçtivã.estratégica de _ investimento no. mer
,cado -dó's-.`concprrentes,,, ou de aliança com parceiros
estrangeiros,. como forma, de reforço da sua .posição

Neste enorme esforço, o Estado .ë os agentes económicos têm papéis diferentes, mas complementares, a desempenhar. . '' ' - w -º-''-`v-

Ao Estado compete, utilizando os fundos comunitá;fiós é=ó-PEDiP, -cüàr ús c_ òndições para que á rèéstrutuiàçãò' émprèsarial seja mais-fácil e- feita essericial= mente durante os poucos anos que faltam para o Mercado= Únicõ'-Eúrõpeu: .- -
:Para,isso o Estadódeveìá tentar,, em` primeiro lúgár, inforrriar'e d'irtanüzau os ,empresários para' ò desafio da .integraçãò:eurõpeia`é à mudança de''átitúdés, còíri ó consequente, reflexo= ã tiívél.de estratégias emprésariais; é- ò- elemento: críticodó•sucesso' de adaptação hecess&ia,.
Em segundo, 'lugar, :deve fornecer informação'ãde'
quada. sobre' as ,persp'eciivas,-industriàis com '-vista à
orientação dos indústriais; reflectindo. em .conjunto. com
o'séctor industrial, privado 'por forma à que-seja possí
.vel. desenvolver pensamentos estratégicos sobre a nossa
evolução .industriaL.-' 's ._ . . - . ,. . e . .
wErü terceiro.lúgar, ó'Góverno!estirriulao investimento
corpóreo -e incorpóreo 'irìdispérísável a .esse: esforço ide
adaptação;catravés':da-.criação de<_-sistemasde.incentibr> wós:financeirose-da manutenção de' certas, protecções
ati mercado. nacional que' que'pérmitam,, 'no curto 'período
de transição, recompor' -e = diversificai ,-o nosso tecido
empresarial: s'. w. •. : . : ...
: :Em. quarto' lugar; ,há ; que completar ^ todo um conjunto.,de infra-estruturasvfísiéas e tecnológicas que-cowtribuam para minorai: as .desvantagens -comparativas decorrentes da posição periférica de Portugal e o- seu relativo atraso tecnológico. e científico do interface.com

..r.Em quinto lugar,: óvGòverno . escolhe em-conjunto
com.,o aector privado alguns projectos , de .démònstra=
.ºção:empresarial:- -ºautênticos centros de excelência -
que,sirvam-de.dinamização e tenham_éfeito de piopa=
fiação sobre a estrutura . irÍdustrial.; .. .º:; _
_;•.Finalmente,- há- que,estimúlar a reestruturaçãofinan
çeira e-.empresarial. do„sector industrial- a ;fim de que
desapareçam muitas. das -distorções-àconcorrência, .hoje

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em dia existentes, e surjam empresas e grupos mais sólidos e com maior capacidade concorrencial.
Falar de política industrial equivale a conceber uma estratégia de desenvolvimento industrial em que as empresas são o destinatário principal, ao contrário de propostas e visões de décadas passadas, infelizmente ainda existentes nesta Câmara que, numa visão voluntarista e de economia fechada, privilegiam a abordagem pelos sectores industriais.
A política industrial terá pois um carácter mais horizontal e menos sectorial, atingindo toda a actividade industrial, preocupando-se com a criação de infra
- estruturas e serviços de apoio à indústria e de estímulos d actividade industrial, através de esquemas de apoio à formação de recursos humanos, aos factores dinâmicos de competitividade - inovação, marketing, design, qualidade, gestão, organização e comercialização - e de sistemas de incentivos selectivos ao investimento industrial. Apenas em termos defensivos dos sectores industriais existentes, dos nossos sectores industriais tradicionais, ela pode e deve ser de índole sectorial.
Aliás, neste contexto que a política industrial tem preocupações de diversificação industrial, por forma a gerar uma estrutura industrial menos especializada em produtos já banalizados e mais compatível com os padrões do futuro. E tem também preocupações ambientais, pois o grande desafio das sociedades industriais evoluídas é o de perspectivar um desenvolvimento industrial com preocupações de defesa do ambiente e não contra este, como aconteceu num passado recente.
Temos, então, em Portugal uma política industrial não intervencionista, destinada a complementar e não a substituir os mecanismos de mercado e os empresários com as seguintes linhas de orientação: melhorar o funcionamento dos mercados; estimular os factores dinâmicos de competitividade, designadamente a qualidade e a inovação tecnológica; reduzir o conteúdo energético do produto industrial e adaptar todo o sector industrial às alterações que, com cada vez maior rapidez, se têm vindo a verificar na. procura, quer portuguesa, quer externa.
É, aliás, neste quadro de adaptação do sector industrial que se impõem as prioridades que vão orientar os sistemas de incentivos e toda a actuação dos programas do PEDIP.
Essas prioridades são: a optimização do aproveitamento dos. recursos naturais maximizando o valor acrescentado nacional; a modernização das nossas indústrias tradicionais; a melhoria da qualidade das indústrias em que já temos tecnologia, própria e arranque de novas indústrias, designadamente maiores produções. de bens de equipamento em Portugal; a produção de tecnologias avançadas, adaptadas às necessidades, quer de modernização e reconversão tecnológica, quer do avanço para as novas áreas industriais do futuro, quer ajustados aos nossos recursos naturais; o desenvolvimento de indústrias de serviços e o complementar a base industrial exportadora através do sector de serviços internacionais.
O PEDIP será o principal instrumento mas não o único desta política industrial. Ele é articulado, designadamente com o FEDER, através do financiamento de infra-estruturas e ainda do investimento produtivo nos concelhos menos desenvolvidos industrialmente, com o Fundo Social Europeu, com o VALOREN (financiamento dos investimentos em utilização racional, poupança e diversificação energética), com os programas comunitários de ciência e tecnologia e também com o Regulamento n.º 355 para as agro-indústrias.
Assim, são objectivos do PEDIP: revitalizar a base industrial existente; criar e desenvolver novas indústrias; eliminar ou atenuar um conjunto de desvantagens comparativas estruturais que ainda existem.
Por isso, o PEDIP vai dar apoios infra-estruturantes e de enquadramento, através das infra-estruturas de base e tecnológicas e de acções de formação profissional; apoios financeiros através do sistema de incentivos dos programas de reestruturação industrial sectoriais e dos mecanismos de engenharia financeira; apoios aos factores dinâmicos de competitividade e ao sistema de informação para a indústria através das missões de produtividade, de qualidade e de design industrial.
No contexto das missões de produtividade, importa ainda referir duas acções que vão arrancar muito brevemente em Portugal: a escolha entre o Governo e o sector industrial privado de alguns projectos de demonstração -, autênticos centros de excelência que sirvam de efeito de propagação, na estrutura industrial; a elaboração em conjunto com as estruturas representativas do sector industrial privado de estudos de diagnóstico é reflexão sobre a estrutura industrial por forma a desenvolverem-se pensamentos estratégicos sobre a nossa evolução industrial que sirvam de suporte aos investimentos, a fazer na indústria portuguesa, e à escolha de projectos de demonstração atrás referidos.
Portugal, pequeno pais em fase de integração plena na Comunidade Europeia vai ser sujeito a um duplo choque; ou seja, extinção do período transitório de adesão e construção do grande Mercado Interno. Seremos sujeitos, a grandes desafios, comportando grandes oportunidades mas também ameaças. Compete-nos a nós portugueses maximizaras oportunidades e minimizar as ameaças.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Ministro da Indústria e Energia a Mesa, há pouco, indicou erradamente a designação do seu ministério, pelo que lhe pedimos desculpa.
Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Rui Almeida Mendes e Ferro Rodrigues.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Indústria, talvez não tenha sido inteiramente por acaso que a Sr.ª Presidente da Assembleia da República designou V. Ex.ª como Ministro da Indústria e do Comércio. Talvez lhe tenha fugido, não a boca para a verdade -, e não temos conhecimento de qualquer remodelação governamental recente -, mas, no fundo, talvez lhe tenha fugido a boca para uma designação que tem a ver com a necessidade de articular, neste momento, a política industrial com a de comércio, isto é, a regulamentação da qualidade e do fabrico com a regulamentação da comercialização dos produtos.
Tendo por base estes considerandos, coloco-lhe a primeira questão: na perspectiva do que foi a minha intervenção, isto é, na do aproveitamento das vantagens comparativas que a consagração do sistema do mútuo reconhecimento das legislações nos oferece, pergunto

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se o Ministério da Indústria, em conjugação com o Ministério do Comércio, está a fazer um inventário das vantagens comparativas que os nossos regimes jurídicos, neste momento, nos oferecem e que conviria manter e, por outro lado, um inventário daquilo que nos conviria eliminar.
Outra questão que quero colocar-lhe é a seguinte: que vantagens comparativas oferece o Governo em termos de localização industrial no nosso país?
Se o Governo está atento ao que se está a passar em termos de estratégias definidas, por exemplo, pelas multinacionais, quanto à instalação dos seus projectos industriais ou de reordenação das suas instalações industriais na Europa, o que é que está a fazer no sentido de atrair essas empresas para Portugal, ultrapassando, por ventura, os inconvenientes da nossa situação periférica?
O Sr. Ministro, na sua intervenção, apontou para a necessidade de redimensionamento, através da conjugação de esforços para a realização ou concretização de joint-ventures com empresas estrangeiras.
Sr. Ministro, não será que, nessa perspectiva, foi contraditória a publicação pelo Governo de um diploma sobre concentração de empresas, que porventura, não nos era imposto pelas directivas comunitárias em vigor sobre essa matéria e que consistirá numa hipótese de não aproveitamento de vantagens comparativas?

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Ministro da Indústria e Energia deseja responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro da Indústria e Energia : - No fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Almeida Mendes.

O Sr. Rui Almeida Mendes (PSD): - Sr. Ministro da Indústria e Energia, gostaria de dizer que me associo, desde já, às palavras do meu colega deputado Nogueira de Brito no que diz respeito aos problemas do comércio, pois, de facto, lamento muito que não haja um «PEDIP» para o sector do comércio e dos serviços.
Aliás, é sobre esta matéria que gostaria de falar, tendo em atenção que estamos numa envolvente económica internacional em que os projectos são cada vez de maior dimensão e em que há transacções de empresas ao nível das dezenas de biliões de dólares.
Sr. Ministro, gostaria que justificasse por que razão é que no que respeita a cada projecto em concreto no PEDIP apenas existe um limite de 250 mil contos, ou seja, cerca de 1,5 milhões de ECU ou 1,7 milhões de dólares, o que me parece, e tratando-se de projectos de dimensão industrial, ser muito reduzido, uma vez que só abrange a pequeníssima ou a pequena indústria.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Ministro, gostaria de perguntar-lhe se está satisfeito com a evolução da estrutura exportadora portuguesa que exprime, de certa maneira, uma evolução na estrutura industrial que é contrária àquilo que é o discurso teórico do Ministério da Indústria, ou seja, de que nos últimos anos. A partir daí os sistemas de incentivos que existem de apoio ao investimento industrial, quer os do PEDIP, quer os financiados pelo FEDER - que aliás, trabalham em articulação -, o SINPEDIP e o SIBR são sistemas que, em termos dos esquemas idênticos europeus, são perfeitamente competitivos. Portanto, temos sistemas de incentivos em condições de captar o investimento estrangeiro e a resposta que lhe posso dar é positiva: nós temos boas condições para captar o investimento.
A questão da concentração de empresas não pode ser vista numa perspectiva global, pois depende do sector em que estamos. Por outras palavras, se tivermos um sector aberto às importações, a concentração empresarial interna portuguesa não colocará problemas visto que vai ser sujeita à concorrência exterior através da abertura do sector às importações. Desta forma, não se põe o problema em termos de distorção da concorrência ou de concentração internamente, pois quando existe um sector pouco aberto à concorrência exterior há que ter em atenção a política de concentrações. Há, portanto, dois aspectos distintos a considerar.
Por outro lado, todos os países têm esquemas destes que permitem defender e proteger os sectores industriais ou as empresas nacionais de algumas «manobras» exteriores que se queiram fazer. Portanto, todos os países de economia de mercado o têm feito e é óbvio que nosso país também o deve fazer. São estas as preocupações que existem, mas não me vou debruçar acerca deste tema, pois certamente o meu colega do Comércio e Turismo poderá desenvolver mais este assunto.
Em relação à questão do limite de 250 mil contos focada pelo Sr. Deputado Rui Almeida Mendes, posso dizer-lhe que este limite não se aplica só ao PEDIP mas também ao SIBR. Estes limites têm basicamente a ver com o seguinte: temos uma estrutura industrial formada, como sabem, na sua grande generalidade por pequenas e médias empresas e, portanto, para o investimento português o problema quase não se coloca, no entanto, este problema pode surgir para investimentos estrangeiros de grande porte.
Ora, em relação a estes investimentos, devo dizer que só queremos estimular o investimento estrangeiro em Portugal quando ele traga um apport tecnológico de gestão que não temos em Portugal. É óbvio que não compete ao Governo português estimular o investimento estrangeiro que seja apenas para aproveitar os nossos escassos recursos estruturais ou mão-de-obra barata, pois já chega os nossos salários serem inferiores aos europeus para atrair esse investimento.
Portanto, Srs. Deputados, há aqui uma razão de prudência na limitação dos 250 mil contos que, aliás, pode ser levantada por despacho meu e dos meus colegas ministros das Finanças e do Planeamento e da Administração do Território, quando se trate de um investimento que traga todo esse apport tecnológico e de gestão ou, dito de outra maneira, como o PS muito gosta de dizer, quando se trate de investimento estruturante. Só espero é que - e nisto o Governo português está de acordo - não sejam investimentos estruturantes do género daqueles que o PS apoiou a seguir ao 25 de Abril, com todos os resultados que se conhecem sobre a dívida pública.
Respondendo concretamente ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues sobre a especialização industrial, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que é preciso esclarecermos os

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conceitos. Modernamente, quando se fala em diversificação industrial, trata-se de uma diversificação a nível de produtos e, portanto, também nós diversificamos; e bem, quando na área dos têxteis e do calçado avançamos para produtos de gama alta; ou seja, aqueles que os mercados europeus pretendem. Não podemos esquecer a base industrial e tradicional que temos em Portugal e, portanto, quando me pergunta se estou satisfeito devo dizer-lhe que o Governo
nunca está satisfeito com o que está a fazer, pois quer sempre mais e melhor.
Em todo o caso, o objectivo do PEDIP e dos sistemas de incentivos não é apoiar investimentos de gama baixa nos sectores industriais tradicionais. Só apoiamos para estes sectores investimentos de gama alta que tragam conteúdo tecnológico mais elevado e que perspectivem Portugal como um país moderno e industrial no contexto do Mercado único Europeu.
A questão da partilha entre os excedentes dos lucros das empresas e o trabalho, levanta outros problemas que não tenho tempo para referir. Em todo o caso, devo dizer que não estou de acordo com os vossos conceitos e as vossas análises macro-económicas na repartição do rendimento entre capital e o trabalho: Os vossos conceitos têm distorções óbvias e não fundamentados a nível macro-económico.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No que respeita às acções do nível institucional que era imperioso adoptar, o Governo apostou na obstrução e revelou total incapacidade e impreparação só explicáveis pela sobranceria com que usualmente trata as questões institucionais tal como decorrem do quadro democrático constitucional.
É o 'que se passa com a obstrução do processo de criação das regiões administrativas; com a metodologia, de «gabinete» que tem caracterizado o processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR): com a forma inconstitucionalmente governamentalizada como tem vindo a fazer aprovar e publicar os instrumentos normativos decorrentes de regulamentação comunitária. Tudo vai acontecendo sob a batuta do Governo como se não existisse pais a ser chamado a exercer o direito de participação na elaboração do PDR; como se 1700 milhões de contos (dos quais 600 milhões de contos de esforço nacional) fossem assunto interno do Governo; como se as instituições e o País se esgotassem e bastassem com o Governo e não existissem outros órgãos de soberania e outras instituições, com competências próprias resultantes da Constituição e da lei.
Só que, desta vez, esta sobranceira deu rapidamente maus resultados. É o que resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional, de 1 de Fevereiro passado, e que
declara a inconstitucionalidade de muitas das mais significativas normas do Regulamento da Aplicação ao Território Nacional do FEDER.
A importância fundamental desse acórdão está na doutrina em que assenta, segundo a qual as normas nacionais que sejam necessárias em sequência e para completo desenvolvimento de regulamentos comunitários (incluindo os de aplicação directa) devem obedecer às regras da Constituição da República, designadamente no que respeita às regras da competência e de forma de produção legislativa.
Com esta jurisprudência ruiu pela base o plano do Governo de reservar paca si toda a matéria do PDR, bem como, toda a regulamentação de aplicação em Portugal dos novos Regulamentos Comunitários sobre fundos estruturais. Perante os efeitos devastadores dei acórdão, toda a actividade do Governo, nesta área tem de ser reorientada.
Além de tudo o mais, são interesses dos cidadãos; das empresas e das instituições beneficiárias dos programas que o exigem; é a segurança jurídica que o impõe: as razões que levaram o Tribunal Constitucional àquela declaração de inconstitucionalidade (desta vez com ressalva dos direitos adquiridos) levarão inexoravelmente à declaração de inconstitucionalidade de normativos nacionais em que se baseia-a concessão de financiamentos comunitários se padecerem, como hoje sucede, dos mesmos vícios do Regulamento de Aplicação Nacional do FEDER e a inconstitucionalidade acabará por arrastar a insustentabilidade jurídica dos financiamentos concedidos!
Esperar-se-ia do Governo que tivesse tudo isto como questão prioritária e que o Sr. Primeiro-Ministro começasse logo por solicitar à Assembleia da República a adopção do calendário que permitisse a discussão das grandes orientações do PDR e a aprovação dos instrumentos legislativos sobre os fundos estruturais, imprescindíveis para a sua plena e rigorosa eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Nada disso, foi feito! Que espera o Governo? É só incapacidade de reconhecer o erro, ou significa também a persistência no erro, desinteressando-se o Governo das suas consequências no plano das instituições e dos interesses públicos e privados forçosamente afectados?
Por tudo isto, por exigência democrática e por imposição constitucional (tal como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional), é preciso, em primeiro lugar, dar uma volta de fundo ao processo de discussão e aprovação do PDR.
As grandes orientações do PDR têm de ser discutidas pelo país, pelos interessados, pelo Conselho Nacional do Plano onde têm assento as representações regionais e sectoriais, por esta Assembleia, tudo como, aliás, está contido no Projecto de Lei n.º 343/V que o PCP apresentou há já quase um mês.
Ao contrário do que disse o Sr. Primeiro-Ministro, as Grandes Opções do Plano não autorizam o Governo a elaborar o PDR, já que este não está incluído na previsão; contida no artigo 4.º da Lei n.º 115/88, a lei das GOP, dos planos que o Governo pode elaborar ao seu abrigo: Aliás, como poderia ser de outra forma se as verdadeiras opções e orientações do PDR estão agora a ser equacionadas, se ainda não interveio o Conselho Nacional do Plano que; como é sabido, só agora foi convocado para emitir parecer? Não é um facto que questões essenciais conformadoras do PDR são da competência reservada da Assembleia da República, só podendo ser decididas por esta Assembleia?
Simultaneamente, e em segundo lugar, impõe-se adoptar de imediato as providências legislativas necessárias, incluindo aqui na Assembleia da República, para que os regulamentos comunitários resultantes da

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reforma dos fundos estruturais e outros regulamentos comunitários relativos :à captação de financiamentos sejam objecto dos normativos nacionais eventualmente necessários para a sua execução. Face à jurisprudência do Tribunal Constitucional são muitas as áreas em que existe reserva de competência da Assembleia e obrigação de uso da forma legislativa.
Há um exemplo particularmente significativo e que resulta de várias normas dos Regulamentos (CEE) n.º 2052/88 e n.º 4254/88, que regulamentam a fundos estruturais e em particular, o FEDER.
Estas disposições definem a obrigação para os Estados membros de definirem o nível regional indicando as entidades. regionais que são parceiros e para quem são estabelecidas garantias e responsabilidades variadas, por exemplo, de intervirem na, elaboração dos PDR's, de responsabilidade na execução de acções de controlo; etc...
Que fique claro: o Governo não pode definir sozinho quem são essas autoridades. Há duas coisas a sublinhar: primeiro o Governo não tem competência para decidir sobre esta matéria que é da competência reservada da Assembleia (se mais não houvesse, é ver o artigo 168.º, alínea m) da. Constituição, sobre as regiões plano); em segundo, essas autoridades regionais não são nunca as CCR's; que se integram de pleno na administração central, que carecem de qualquer autonomia e se subordinam inteiramente ao Governo, isto é que se confundem com o Governo.
Face a isto, como qualificar as posições assumidas pelo Governo em relação ao processo de regionalização do continente que se mostra mais urgente do que nunca? Como qualificar, se não como obstrução do processo de regionalização os apelos do Sr. Primeiro-Ministro a um debate, feito no preciso momento em que a Comissão do Poder Local acabava de realizar um colóquio sobre a matéria e em que chegava ao seu termo o prazo para o debate nacional promovido, pela Assembleia da República nas assembleias municipais em torno dos projectos de lei-quadro da regionalização?
Invocar a construção do Mercado Interno contra a regionalização é inverter toda a lógica. A construção do Mercado Interno exige o robustecimento da textura do tecido institucional do Pais que a criação das regiões permite, ganhando-se maior proximidade dos, centros de decisão, maior possibilidade de intervenção dos interessados nos processos de desenvolvimento, maior democracia no sistema de planeamento. A obstrução, na prática, que o Governo do PSD faz do processo de regionalização é o facto que permite tirar todas as teimas acerca do que pensa o PSD sobre a "flexibilização" do processo; anunciada para a revisão constitucional, mas afinal adiada na proposta concreta: de alteração ou constituição que foi subscrita e apresentada na CERC pelo PSD e pelo PS
O Sr. Primeiro-Ministro, na sua intervenção de abertura, formulou várias interrogações. Permita-me que lhe faça agora também algumas.
O que pensa da resolução do Parlamento Europeu sobre a política regional comunitária e o papel das regiões? Que pensa do convite aí feito aos Estados membros para "regionalizarem as suas estruturas internas" e para o fazerem com urgência? Que pensa dos princípios aí defendidos para a criação das regiões, dotando-as de órgãos eleitos, atribuições próprias e autonomia financeira?
Que pensa da Carta Comunitária da Regionalização?
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As questões - que levantei são questões centrais do quadro institucional de resposta ao embate de 1992. É do Governo a responsabilidade nas omissões e atrasos; .é dó Governo a responsabilidade pelas consequências que dai advenham. O responsável será o Governo mas quem sofreria as consequências seria o País.
Chamamos a atenção para três direcções em que é preciso actuar rapidamente, no que respeita à discussão e aprovação do PDR, no que respeita às normas de aplicação em Portugal dos regulamentos comunitários relativos aos fundos estruturais e no que respeita à regionalização. Chamamos a atenção para a gravidade das questões.
Da nossa parte empenhar-nos-emos na criação das condições para que se encontrem as soluções. Reclamamos, por isso, com toda a legitimidade, que o Governo arrepie caminho. São os interesses nacionais que o exigem.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor, Crespo.
O Sr. Presidente:- Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Um breve intróito. Ao expor algumas ideias sobre a vertente cultural, na perspectiva do Acto único receio desagradar ao PSD que, pelos vistos, preferindo os números às ideias criticou no discurso do Sr. Deputado Jorge Sampaio aquilo que nele me entusiasmou: ser uma arquitectura de ideias e não um relatório de factos. E entusiasmou-me, precisamente porque é de ideias que estamos pobres e o que importa é enriquecê-las face à nossa valorização cultural, quer no aspecto nacional, quer no aspecto comunitário, que são complementares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Na perspectiva do grande mercado interno, um grupo de intelectuais europeus vem, lançar um apelo para um projecto cultural europeu, intitulado "Europa 93", no qual sublinham a necessidade de o grande mercado previsto no Acto Único se inscrever num projecto de civilização.
Já numa comunicação da Comissão das Comunidades transmitida ao Parlamento Europeu tendo em vista o período de 1988-1992 se encarece no âmbito do mercado interno, a criação de um espaço cultural europeu que dê prioridade à circulação de bens e serviços culturais, à melhoria das condições de vida e de trabalho dos artistas e à eclosão de uma indústria cultural competitiva ao nível comunitário e mundial.
Pesem estas boas intenções a inteligentzia europeia que se exprime no apelo "Europa 93" põe a tónica na recusa de uma Europa movida principalmente por imperativos económicos e financeiros cujas coerções do sistema industrial mercantil degradam cada vez mais as culturas tradicionais e destroem, as solidariedades, tornando a civilização anónima.
A pertinência desta critica concerta-se com a confrangedora modicidade do Orçamento da CEE para a cultura que não chega sequer a atingir meio por cento quando a média dos orçamentos reservados à cultura dos Estados membros é muito superior. Mas é nessa

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Europa que com a diversidade, das suas culturas forma a gema do espirito europeu que devemos jogar todas as nossas energias, porque no universo da Comunidade Europeia já não faz sentido falar em soberania em termos restritos e «à antiga»» Assim, sé pronunciou o Sr. Primeiro-Ministro na entrevista que deu ao « Diário de Noticias». Faltou-lhe, porém, acrescentar que se a política comunitária de interdependência e uniformizações impõe uma alteração do conceito tradicional de independência nacional, essa alteração subentende a mobilização de todos os recursos culturais a fim de afirmarmos os traços diferenciadores da nação portuguesa. Por conseguinte, a criação do espaço cultural europeu deve ser-nos preocupação primordial já que é na cultura e não no domínio económico em que pela fragilidade de mecanismos económicos, financeiros e industriais, não nos são favoráveis os fados na competição com as economias fortes e absorventes, é na cultura, dizia eu, que teremos de conquistar o distintivo da nossa independência.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Muito bem!

A Oradora: - Onde, porém, o projecto cultural que devia inscrever-se prioritariamente na política do Governo orientada para o Mercado Interno? Dispenso-me, por extenso que é o rol de carências e incúrias que vão desde a cultura viva ao património histórico-cultural, de as enumerar. Seleccionarei assim, acções que vão ao encontro de áreas relevantes no referido projecto de programa-quadro da Comissão das Comunidades para o período de 1988/1992.
Aí se dá saliência a uma política de edição que assegure o equilíbrio entre os interesses legítimos dos autores, dos editores, dos distribuidores e do leitores. Será redundante realçar que esta máquina editorial tem como alimento a criação literária o que fundamenta a recomendação da melhoria das condições de vida e de trabalho dos criadores no referido programa-quadro. Apenas em Portugal a asfixia fiscal exercida na área da criação literária e artística está a desmotivar os nossos escritores.
O fisco soma os rendimentos da actividade literária aos rendimentos da actividade profissional que o escritos é forçado a exercer, na impossibilidade` de viver dos proventos das suas obras. 15to fá-lo subir de escalões, o que cria a aberração de ele ter de pagar mais de impostos do que aquilo que recebe pela sua produção literária. Os efeitos desta fiscalidade « Culturicida» já se fazem sentir em casos de autores que estão a abandonar a actividade literária.
Este problema põe-se com uma acuidade inquietante face à constituição do espaço europeu audiovisual, porque se o livro terá de enfrentar obstáculos num mercado fragmentado em várias zonas linguisticas, a ficção que requer a animação da actividade dos autores que a produzem terá de ocupar um lugar de relevo na promoção desse audiovisual europeu que mobiliza grandes preocupações na Comunidade como meio de estabelecer uma unidade cultural europeia face ao perigo que representa para a independência cultural da Europa a invasão de programas audiovisuais americanos e japoneses.
Mas, o Governo parece esquecer-se de que os países europeus têm de produzir para o audiovisual se querem integrar-se na defesa da identidade europeia e valorizar a, nacional. Porque o que observamos na omissão de uma política governamental visando essa Europa das televisões considerada fundamental para a criação de uma identidade cultural europeia sustentada pela, composição de diversas culturas é francamente desanimados.
Um vazio onde se impõe perguntar: que se tem feito em matéria de conjugação da Secretaria de Estado da Cultura com a Secretaria de Estado da Comunicação Social, nomeadamente numa política concertada do cinema com a televisão e entre Portugal e a Europa do audiovisual que muito devíamos encarecer como meio de difusão da nossa cultura?
Abordo finalmente um ponto proeminente do elenco dos domínios considerados mais importantes na acção cultural da Comunidade Europeia: o diálogo intercultural com o resto do mundo. Neste domínio dispomos do património apreciável da lusofonia. Uma língua que sendo propriedade de sete nações, exprime uma diversidade de culturas, o que nos devia privilegiar como medidores do intercâmbio dessas culturas com a cultura europeia. Não foi, porém, este o critério que na CEE determinou a recusa do pelouro da cooperação ao comissário, português.
Não negarei à política de cooperação deste Governo méritos que são, aliás, reconhecidos pelos países de expressão oficial portuguesa. Mas claudicaram esses mérito no fracasso de uma diplomacia que »não soube conquistar um posto que era de grande importância no valimento das nossas relações externas entre os países lusófonos e a Europa.
Esta subalternização da nossa cultura sobressalta-nos face a uma tendência que cresce para a edificação de uma Europa que será a Europa dos espíritos e dos corações ou não será, já que o espirito europeu não poderá submeter-se por muito tempo ao diktat económico e financeiro que o está a subjugar. É com esta Europa que se casa a nossa cultura. E nela que podemos fazer florir a nossa identidade cultural. Só esta Europa poderá erguer uma barreira aos mecanismos do poder inevitavelmente produzidos pela centralização das decisões comunitárias.
Mas é esta a Europa que o Governo ignora, sobrepondo à cultura que, eficazmente promovida, nela nos faria entrar pela porta nobre, a Europa do dinheiro em que a livre circulação de capitais atraídos pela mão-de-obra «baratuxa» e apetecível, farão deste nosso ameno país o jardim dos pombos de ouro no teatro de operações dos interesses económicos e financeiros internacionais.

Aplausos do PRD, do PS e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Segredos de Estado, é o que para o Governo do Professor Cavaco Silva, constituem as matérias em negociação na Comunidade Europeia.
Como se não respeitassem a todos os portugueses, como se neste projecto - que ele sim é a verdadeira reforma estrutural de que o Pais necessita - não devessem intervir, participar e solidarizarem-se os principais

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órgãos de soberania: Presidente da República, Assembleia da República e Governo.

Mas o Governo não entende assim: só ele sabe o que é bom) para o País e segundo o Sr. Ministro das Finanças é impossível dar a conhecer à Assembleia da Republica os princípios balizadores das posições que o Governo irá assumir, sob protexto de serem situações muito complexas, e que expor as soluções possíveis, mesmo perante a Assembleia da República, é perder capacidade negociai.
Para além do que esta atitude representa de falta de espírito democrático, o Sr. Ministro das Finanças em especial, e todo o Governo em geral, esquecem o que refere a Lei n.º 111/88, proposta pelo PSD, promulgada em Dezembro último e que textualmente diz: «O Governo deve consultar a Assembleia da República sobre as posições a assumir nas várias instituições comunitárias, sendo tal consulta obrigatória sempre que esteja em causa matéria que, pelas suas implicações, envolva a competência da Assembleia da República, devendo, em cada caso, a Comissão de Assuntos Europeus elaborar o competente parecer.»
E que assuntos são estes que estão a ser negociados sem que a Assembleia da República, como determina, a lei seja ouvida. Vou falar-vos de dois: a harmonização fiscal e a união monetária.
Ainda o País não conseguiu digerir, nem aceitar a reforma fiscal, que acaba de ser imposta por autorização legislativa, contra a opinião de toda a Oposição e que tanto nos custa a pagar ao fim de cada mês e já o Governo, em negociações que quer manter secretas, organiza nova reforma fiscal: desta vez incidindo sobre o IVA, os tabacos, as bebidas alcoólicas, os produtos petrolíferos e a poupança.
Quantos portugueses sabem que está em curso uma reforma fiscal sobre esta matéria? E quantos conhecem o seu significado?
Sabem os portugueses que está em discussão a possibilidade de o IVA passar a incidir sobre todos os bens, com uma taxa de pelo menos 4%, isto é, que os bens alimentares que até agora estão isentos, bem como os medicamentos, os jornais e os livros, poderão todos passar a ser afectados pelo IVA?
Sabem que estão previstos apenas intervalos para a fixação das taxas e que de acordo com as propostas da Comissão Europeia a taxa reduzida poderá ser escolhida entre 4 e 9% e a normal entre 14 e 20%, deixando de existir a taxa de 30% sobre artigos de luxo?
Sabem os portugueses que de acordo com um estudo da mesma comissão, Portugal terá de adoptar a taxa normal - actualmente de 17% - para a seguinte lista de bens e serviços, sobre o que incide agora a taxa reduzida de 8%: vinho, cerveja, sabões e detergentes, serviços veterinários, alojamento, restaurações e outros serviços turísticos, serviços prestados pelos advogados?
Será que os portugueses sabem que de acordo com as discussões e estudos realizados, o preço dos cigarros e do vinho corrente poderá mais do que duplicar? E que só no caso dos produtos petrolíferos poderá haver reduções de preço?
Estando tanta coisa em jogo, com implicações óbvias no dia a dia-da-vida dos portugueses que poderão ver os preços subir em virtude, destes impostos e consequentemente ver ainda mais reduzido o seu poder de compra, não era essencial que o Governo passasse a fazer a Assembleia da República participar das suas decisões? Que as soluções para estes assuntos, com as
enormes dificuldades que implicam e que reconhecemos, passassem a ser partilhadas e a Assembleia passasse a ser corresponsabilizada e solidária com as posições que o Governo, assume em Bruxelas, em nome do País?
O Governo diz que à Assembleia cabe a palavra final. Não pode dizer o contrário, pois constitucionalmente são matérias da competência reservada da Assembleia da República.
Mas nós sabemos o que este gesto significa. Depois de tudo decidido em Bruxelas, o Governo virá à Assembleia pedir a ratificação da posição que assumiu.
Voltará a dizer ao país que ouviu a Assembleia da República. Ouvirá o Sr. Primeiro-Ministro, o seu grupo parlamentar obedientemente dizer que sim a algo que já foi decidido, sem a nossa intervenção, nem participação. Sr. Presidente e Srs. Deputados: esta situação de desrespeito da Assembleia da República não pode continuar!
Nós pertencemos ao órgão de soberania que tem competência nesta matéria. Não somos o notário que reconhece a assinatura que o Governo põe nos acordos em Bruxelas.
E o que se passa relativamente ao imposto sobre a poupança? Avança-se com a taxa de 15%? Se assim for, não deverá haver grandes problemas para o País, já que sendo este valor mais baixo do que os actualmente em vigor em Portugal, sempre se poderão negociar contrapartidas doutro tipo.

Mas o off-shore da Madeira, Srs. Membros do Governo? E a futura zona franca dos Açores?
Estará a zona franca da Madeira condenada a ser um nado morto? O que se passa sobre isto? Os Srs. Deputados receberam alguma informação sobre este assunto?
É claro que toda esta matéria tem implicações evidentes na possibilidade de Portugal poder vir a aderir ao Sistema Monetário Europeu.
É por todos reconhecido que o SME contribuiu poderosamente nos dez anos da sua existência, para a estabilidade monetária, tendo as oscilações das moedas que participam no mecanismo cambial diminuído consideravelmente e sendo esta zona uma das de moeda mais estável.
Estão pois a desenvolver-se esforços no seio da Comunidade para se avançar decididamente no sentido da generalização do sistema a todos os países da CEE, na criação de um Banco Central Federal e no estabelecimento de uma única moeda.
Num importante relatório elaborado para a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários e de Política Industrial do Parlamento Europeu da responsabilidade do deputado Otmar Franz e expressamente referido pelo presidente Delors no seu discurso de investidura, avançam-se com pressupostos tão precisos como os que a seguir refiro:
A integração monetária é incompatível com disposições excepcionais relativas a qualquer moeda. Em relação ao escudo poderá ser fixado um regime temporário de excepção à redução progressiva das margens máximas de oscilação dentro do SME, de forma a facilitar a integração destas moedas no sistema.
Os Estados membros plenamente integrados no mecanismo deverão institucionalizar a sua cooperação económica e monetária até l de Janeiro de 1992. Para este fim deverão ser criados o Conselho Europeu de Governadores e o Conselho Financeiro e Económico.

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O Conselho Europeu de Governadores e o Conselho Financeiro e Económico Europeu serão instituídos por um acordo mútuo a celebrar apenas pelos governos dos Estados plenamente integrados no mecanismo cambial.
Os Estados membros que ainda não preencham estas condições, como é o caso de Portugal, ficarão à margem, só podendo integrar estes órgãos desde que passem a pertencer plenamente ao SME.
Se assim for, vejamos o grau de marginalização a que Portugal, nesta matéria, poderá vir a ser submetido.
A União Monetária será instituída em l de Janeiro de 1995. Este facto tornará necessária a criação de um Banco Central Europeu, a ser criado por acordo mútuo entre os governos dos Estados que integrem a União Monetária. Receberá a designação de «Banco Central Europeu» e assumirá todas as tarefas de um banco central emissor no interior da União Monetária.
O meio de pagamento legal da União Monetária será designado «ECU». O papel-moeda será emitido pelo Banco Central Europeu, enquanto a moeda-metálica será cunhada pelos governos dos Estados que integrem a União Monetária. O novo ECU, liberto do cabaz de moedas, substitui o ECU moeda-cabaz do SME, bem como as moedas nacionais. As moedas nacionais manterão a qualidade de meio legal de pagamento como moedas paralelas até 31 de Dezembro de 1997, de forma a facilitar a transição da nova moeda.
Garanto-vos Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que a primeira leitura deste relatório me deu a impressão de que estava perante um estudo de ficção científica.
No entanto, a interessante intervenção do Sr. Governador do Banco de Portugal - que enfim conseguimos que viesse à Comissão de Economia desta Assembleia - veio confirmar que o andamento dos estudos no seio do Comité Delors, que ele integra, se processam neste sentido e como estão adiantadas as propostas nesta matéria.
Em contrapartida, no memorando que sobre a união monetária o Sr. Ministro das Finanças nos deixou, verifica-se que os aspectos fundamentais da política que nesta matéria o País tem vindo a seguir se baseiam essencialmente na adopção de «regimes transitórios», e no pedido de «derrogações», o que poderá significar que o governador do Banco de Portugal e o ministro das Finanças português ficarão de fora dos órgãos decisionais nesta matéria.
A adesão de Portugal ao mecanismo de estabilização cambial do SME, depende segundo o Governo e cito «dos progressos no sentido da convergência em relação às condições macro-económicas na Comunidade».
Ora todos nós sabemos o que isto significa: significa que é fundamental que o mais rapidamente possível Portugal visse o seu défice orçamental reduzido e passasse a ter taxas de inflação situadas na média da Comunidade.
Mas o que está a acontecer é o contrário: a inflação está de novo a fugir ao controlo, a situar-se em valores praticamente duplos da média europeia e isto ainda sem a «harmonização fiscal». Quando esta for adoptada, é bem provável que assistamos a novo salto da inflação. E depois Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Quando é que estamos em condições de ingressar no SME?
A sensação de impotência para controlar as situações, para encontrar as medidas mais adequadas para as resolver, leva-nos a pensar se não será esta uma das razões para o Governo não vir, como manda a lei, regularmente apresentar à Assembleia, as políticas e os caminhos que pretende seguir nas suas negociações em Bruxelas.
Outra razão, poderá ser o desejo do PSD de se não querer corresponsabilizar com as medidas que vierem a ser tomadas por este Governo.
Assim, se tudo correr mal, só há que seguir o caminho do costume: mudar de líder - único responsável pela política - e aparecer mais uma vez de cara lavada e inocente perante a nação.
E ao país? A este só lhe resta mostrar já nas próximas eleições para o Parlamento Europeu o seu desacordo perante as políticas seguidas por este Governo e em 1991 voltar a dar a maioria ao PS, para que este de forma responsável, participada e solidária, governe de novo Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Está inscrito para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Roseta.
Antes de lhe dar a palavra, gostaria porém, de informar os Srs. Deputados que a Mesa tem sido solicitada, por vários Srs. Deputados e pelos meios de comunicação social, sobre o nosso plano de trabalhos. Na suposição de que os tempos de debate serão utilizados até ao fim - e de acordo com as inscrições tudo nos leva a crer que sim - isso significa que terminaremos o debate muito próximo das 20 horas, mais ou menos dez minutos.
Nestas circunstâncias sugeria - embora se houver um acordo em sentido contrário estaremos abertos a ele -, que fizéssemos um jantar de l hora e 30 minutos, entre as 20 e as 21 e 30, e que fizéssemos o encerramento, que demorará 90 minutos, depois do jantar. Esta é a sugestão da Mesa, que tem alguma razoabilidade. Se houver outra sugestão, permito que os grupos parlamentares entrem em contacto uns com os outros e sugiram à Mesa qualquer outra iniciativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, parece-me que haverá um consenso para se prosseguirem os trabalhos até final, mesmo que estes acabem para lá das 21 horas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo esse consenso assim faremos. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos de Brito.

O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Sr. Presidente, suponho ter havido aqui uma troca de sinais que talvez não tenha sido esclarecedora. Pela nossa parte, aceitávamos a sugestão do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados solicito que promovam uma troca de impressões.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas também estamos por outra solução qualquer.

O Sr. Presidente: - Pois se estão por uma solução qualquer, podemos, então continuar.

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Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao tomar a iniciativa deste debate o Governo prestou hoje um assinalável serviço aos portugueses.
Aproximando-nos já do seu termo começarei por lhes dizer o que penso da forma como está a decorrer. O Governo apresentou a esta Câmara e, através dela, aos portugueses - uma panorâmica tão completa quanto possível do estado actual da integração europeia e solicitou aos Srs. Deputados da Oposição as suas opiniões sobre esta matéria.
Com efeito, seria útil e os portugueses têm o direito de saber com mais detalhe o que as oposições propõem para os quatro anos que nos separam de 1993. Ganhariam elas credibilidade se conseguissem valorar não apenas negativamente mas mais ou menos positivamente parte do que tem sido alcançado e apresentassem com clareza a sua alternativa para o futuro, para além de mostrarem como pendariam puder fazer melhor, abrindo assim as portas aos consensos indispensáveis numa área eminentemente nacional, como é a da integração, (cito Francisco Sá Carneiro).
Isto não foi feito até agora e pode pré-anunciar uma tentativa de transformar as próximas eleições para o Parlamento Europeu numa mera sondagem gigante sobre política interna ou popularidade do Governo. Esse eventual desvio seria grave e violaria o dever das forças políticas e dos candidatos de explicar claramente na campanha eleitoral qual o seu programa de acção naquele órgão que poderá condicionar o nosso futuro colectivo.
Tenham por isso em conta, se não o meu fraco apelo, pelos menos a resolução adoptada há poucos dias, por larga maioria, na qual o Parlamento Europeu, cito, «afirma a sua convicção que, para preparar de forma adequada a revisão das instituições da Comunidade, garantindo o consenso com conhecimento de causa dos cidadãos europeus, é indispensável fazer desta questão o cerne da próxima campanha eleitoral europeia de modo a que os partidos declarem explicitamente a sua posição (...)»
Deste modo se algumas forças políticas não centrarem o debate nas grandes opções europeias e quiserem fazer a tal sondagem gigante sobre política interna poderemos concluir que pretendem desviar as atenções talvez porque, como tentarei demonstrar mais adiante, quer os modelos de um socialismo determinista, colectivista e estatista, quer os modelos neoliberais, são postos em causa pelos dois grandes objectivos, que não podem ser separados - e nunca ninguém os quis separar, Sr. Deputado Jorge Sampaio - do Acto Único: o Mercado Único e a coesão económica e social.
Mas antes não quero deixar de destacar alguns aspectos muito positivos que este processo em que estamos empenhados tem trazido para Portugal. É sabido que temos conseguido melhorar significativamente o nosso processo de transição, introduzindo novos mecanismos com vista a promover melhor condições de inserção. Foi por exemplo a eliminação das barreiras à exportação de têxteis para países da EFTA, foram os novos regulamentos no domínio agrícola para dar mais tempo à transição foi a consagração em várias reformas comunitárias dos nossos interesses, foram o PEDAP e o PEDIP. Foi, evidentemente também a duplicação dos fundos estruturais; a capacidade de absorção revelada pelo número de projectos apresentados; o esforço do Governo para disponibilizar as contrapartidas necessárias.
Foi, em suma a integração numa lógica de desenvolvimento harmonioso integrado e regionalizado, evitando a dispersão e a pulverização que permitiu assim colher maiores benefícios, escolhendo prioridades como as infra-estruturas o investimento agrícola e a formação profissional.
Foi graças a uma participação activa na cooperação política o que me apraz salientar que aumentou a nossa influência na concepção das relações externas da comunidade, acentuando por um lado a vocação universalista da Europa e a sua abertura ao mundo, nomeadamente por se refere à África e à América Latina, mas sem deixar de insistir na reciprocidade nas vantagens que a outros a Comunidade vem concedendo. Inúmeros foram os casos em que a nossa posição influenciou o consenso e são muitos deles conhecidos publicamente.
Em conclusão diria, que o desafio do Mercado Único está já a libertar capacidades de iniciativa dos portugueses antes adormecidas, impondo um esforço de adaptação e de preparação que, evidentemente ainda está longe do necessário mas que é de bom augúrio para 1993, o facto de haver alguma insatisfação de maior exigência, de muitos quererem mais e melhor, é sinal de dinamismo social. Uma satisfação prematura é que seria preocupante... parece-me evidente que as acções desencadeadas têm de alargar-se a todo o corpo social, dos parceiros sociais às regiões autónomas e autarquias; das instituições de ensino a todas as unidades produtivas grandes ou pequenas. Só numa visão de um dirigismo e estatismo estreitos, aliás ineficazes, se poderia supor que competiria apenas ao Governo promover, levar a cabo ou até controlar todas as acções necessárias à adaptação do País para resposta com sucesso ao desafio. Ora, essa, como sabem, não é a nossa visão.
É certo que entendo que o pensamento, a metodologia, inspirados nos valor social-democratas são os mais adequados para alcançar os objectivos do Acto Único. Daí resulta a especial responsabilidade de todos os social-democratas portugueses nesta tarefa para além aqueles que estão no Governo.
Os modelos do socialismo colectivista e intervencionista baseados na apropriação colectiva dos principais meios de produção, no Estado patrão da economia e fundamentados em filosofias deterministas que tendem a impor um objectivo final à evolução das sociedades, apesar de estarem ainda consagrados na nossa Constituição não são sequer compatíveis com um mercado alargado e sem fronteiras em que seja livre a circulação das mercadorias das pessoas dos serviços e dos capitais. A crise total das concepções deterministas sobre a sociedade, o declínio irreversível das concepções colectivistas e estatizantes a que se assiste em todos os continentes, atingem agora, ao nível europeu, o limiar da impossibilidade absoluta. Por exemplo, como recentemente notou o Sr. Primeiro-Ministro numa declaração pública, que sentido tem, numa Europa sem barreiras, dizer que a iniciativa privada não pode actuar no sector A ou B, seja nos petróleos, na petroquímica ou noutro qualquer, quando em qualquer país da Europa isso pode acontecer? Os monopólios hoje não podem mais ser considerados em termos do nosso

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espaço, pode existir uma só empresa num sector aqui em Portugal, mas isso não significa uma situação monopolista no quadro da Europa Comunitária.
A degenerescência do pensamento colectivista e dirigista, o crepúsculo das dogmáticas de inspiração marxista se não forem ultrapassados pelo reformismo que conduza à necessária liberalização e não falo só da economia em resposta àqueles que nos acusam de economicistas, mas de toda à sociedade conduzirão à formação de uma tecnocracia de Estado que impedirá o livre desenvolvimento da iniciativa privada e da criatividade dos cidadãos em benefício de um aparelho clientelista e ineficaz.
Aliás, numa época de abertura de fronteiras e de interdependência ao nível mundial, a eventual consagração de um modelo rígido e ineficaz teria como resultado único a perda de capacidade concorrencial e a prazo, o empobrecimento geral.
Mas também por outro lado, as políticas neo-liberais, assentes essencialmente no livro jogo das forças de mercado são claramente postas em causa pela conjugação consagrada no Acto Único do Mercado Interno com a coesão económica e social. Os que afirmam que o livre jogo dos factores económicos assegurará por si só aos países e regiões desfavorecidas novas ocasiões de desenvolvimento foram já brutalmente desmentidos no passado pela acentuação do desnível entre áreas mais e menos desenvolvidas. É generalizada a convicção de que liberalização integral, sem mais, da circulação das mercadorias, serviços, capitais e pessoas no espaço europeu, levaria a que os recursos se concentrassem nos centros de maior actividade económica, fundamentalmente no chamado «triângulo de ouro», cujos vértices estão na Alemanha Federal, no Norte da Itália e no sudeste do Reino Unido.
Como Rui Amaral relembrou no seu relatório sobre a coesão económica e social na Comunidade, recentemente aprovado. pelo Parlamento. Europeu, se o impacto da integração comunitária sobre o crescimento global foi notável, o impacto sobre a redução das disparidades entre as regiões foi negativo a partir de 1973.
Deste modo, como já se salientava no relatório Padoá-Schioppa, a criação de um Mercado único só podia ser aceitável se indissoluvelmente acompanhada pela coesão económica é social que, nos termos da resolução aprovada pelo Parlamento, na sequência do relatório Amaral, teria por objecto a eliminação das desigualdades regionais em matéria de desenvolvimento através da criação de um espaço económico integrado, e também a eliminação das causas da discriminação e tensão sociais através da convergência dos níveis de vida e de rendimento à escala regional e pessoal. Há que assegurar a igualdade de oportunidades de emprego para todos os cidadãos e a harmonização de normas de segurança e higiene em todos o espaço europeu. Mas para alcançar esse espaço social que agora delineei fundado em condições de trabalho e garantias sociais idênticas com vista a promover a igualdade de condições e o desenvolvimento harmonioso do conjunto da Comunidade e a redução das disparidades entre países e regiões há que desencadear intervenções estruturais adequadas correctoras das divergências.
Recordo a função essencial de redistribuição que o Orçamento da Comunidade é chamado a desempenhar numa política de redistribuição geral que deve tornar-se no instrumento por excelência da coesão económica e social. Noto no entanto que, estando longe de um sistema de contribuições de carácter progressivo dos diversos países não há ainda efeito redistributivo do orçamento por vias das receitas.
Julgo que não pode haver dúvida que o caminho assim aberto pelo Acto Único é essencialmente adequado a uma perspectiva social-democrata. Trata-se com efeito de uma política estimuladora da liberdade é da capacidade de iniciativa dós cidadãos mas correctora dos vícios do mercado e das desigualdades estruturais, reformista no método, utilizando mecanismos de redistribuição e políticas estruturais, com vista a maior justiça entre países, regiões e pessoas.
Parece-me importante referir o carácter inseparável das políticas sociais e económicas. Numa visão moderna, a política social não é apenas uma política correctora mas sim uma política de antecipação e de prevenção que é também económica. Bem nota o deputado Rui Amaral no seu relatório que o crescimento é indissociável da coesão económica e social, cuja falta tem efeitos inflacionistas e redutores desse crescimento.
Apesar de tudo isto, a comissão tem até agora avançado mais rapidamente na construção do Mercado único que na coesão económica e social, apesar dos apelos do nosso Governo em contrário havendo no primeiro campo medidas calendarizadas, o que ainda não acontece no segundo. Urge remediar esta situação que implica «o risco de levar á um verdadeiro bloqueio na realização do Mercado Interno, assim como a possíveis tensões políticas entre eis Estados membros» (fim da citação).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Acto único consagrou duas novas políticas comunitárias essenciais: ambiente é investigação cientifica e tecnológica. Neste último campo se não for oposta uma política única frente à concorrência americana e japonesa toda a Europa será reduzida nó principio do próximo século, como nota o deputado Glynn Ford, « ao estado de fábrica de montagem de multinacionais daqueles dois países». O cenário previsto por Mackintosli para as tecnologia da informação precipitará a Europa se nada se fizer no «esquecimento tecnológico»» naquela data, com as consequências desastrosas de toda a ordem que se podem imaginar. Não vale a pena demonstrar a necessidade de a Europa pôr em prática uma estratégia coerente e largamente financiada, pois do seu sucesso dependerá a sua sobrevivência económica com autonomia no século XXI.
A necessidade de participação de todos os países na política comunitária de investigação e desenvolvimento não sofre qualquer dúvida. Para tanto é indispensável que se assegure a difusão no espaço europeu de todos os avanços tecnológicos e se desbloqueie o isolamento tecnológico de certos países. O Governo tem defendido e bem o aumento substancial das verbas para investigação na Comunidade, sustentando que esta deve ser reanalizada à luz da coesão económica e social, assegurando a partilha por todo o espaço europeu dos resultados e avanços tecnológicos e o desbloqueamento do isolamento de várias regiões.
Mas chegamos agora a uma outra questão fundamental, subjacente à toda esta problemática da coesão económica e social: é a questão da educação e da formação profissional. É evidentemente indispensável que se caminhe para um nível educativo similar, sob pena de não só ser impossível a adaptação à mutação tecnológica como não ser alcançável á coesão económica é social. Daí que nos congratulemos com a prioridade à educação atribuída pelo Governo.

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Refira-se o apoio que tem sido dado ao programa ERASMUS, de ligação estreita entre universidades europeias, e a importância do reconhecimento mútuo dos diplomas em determinadas condições, recente avanço na construção da Europa dos cidadãos.
Por outro lado, é extraordinariamente relevante que tivéssemos conseguido inserir no regulamento do Fundo Social Europeu a possibilidade de aplicar as respectivas verbas, para lá da reconversão de desempregados e reciclagem de trabalhadores no sistema de ensino em especial técnico e na formação profissional.
A prioridade à educação que referi está aqui bem clara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A escassez de tempo não me permite discutir exaustivamente as consequências institucionais do Acto Único e a sequência previsível a dar-lhes. Aliás, noto que até agora quase ninguém das bancadas da Oposição o fez. Menos de dois anos depois da entrada em vigor daquele não me parece que seja oportuno antecipar debate sobre novos avanços enquanto não puderem ser avaliados na prática os que nele foram consagrados, em particular a possibilidade de o conselho poder deliberar por maioria qualificada em certas decisões, e por outro lado, o novo processo de cooperação que dá ao Parlamento um papel já não apenas consultivo no processo legislativo. Não ignoro a questão do chamado défice democrático, e sem prejuízo do necessário reforço do poder legislativo do Parlamento defendo que o conselho deve manter o núcleo essencial dos seus poderes. Com efeito se o Parlamento tem uma legitimidade democrática directa, o conselho tem também essa legitimidade democrática que eu qualificaria de indirecta e constitucional. O esquema clássico da divisão dos poderes legislativo, executivo e judicial, não se pode aplicar sem mais, excepto quanto a este último, à realidade institucional europeia. Importa ainda sublinhar que qualquer avanço não pode ser artificial e deve ser consequência da integração europeia.
O passado mostra, com efeito que ao contrário do que hoje alguns defendem, não são os avanços institucionais que podem ser o motor da integração mas o modelo institucional é normalmente a consequência das etapas da integração. Recordo que era este o método que Jean Monnet tinha como pilares de novos avanços grupos independentes e a opinião pública. O edifício institucional da Comunidade está pois estabilizado até 1993. Posteriormente haverá talvez que procurar soluções originais para o século XXI, fora dos esquemas conceptuais de organização do poder que herdámos dos séculos XVIII e XIX e que salvaguardem sempre esta realidade origina virada para o século XXI. Todos eles devem obviamente salvaguardar sempre esta realidade europeia: povos com vida e cultura próprias e milenárias que querem, acima de tudo, manter a sua identidade nacional.
E penso que nada disto diminui o entusiasmo que é indispensável a toda a opção política. Não são só, Srs. Deputados, as opções extremas ao contrário do que alguns julgam; não são só as retóricas e os discursos inflamados que despertam o entusiasmo. O melhor entusiasmo, para mim, é o do realismo.

O Sr. Mário Santos (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa agora concluir, reflectindo ainda que brevemente, naquilo que para mim é o essencial que justifica com efeito, a nossa participação nesta etapa da construção europeia, não sendo obviamente para nós o Mercado Interno um fim em si mesmo? Participámos e é isso que o justifica porque ele vai permitir a modernização nacional, porque vai permitir pôr fim a um atraso secular que pesou injustamente sobre todo o nosso povo; porque aprovámos o objectivo que o Governo tem prosseguido de conseguir condições concretas de acesso dos portugueses a níveis educativos e de bem-estar mais elevados.
Participámos também porque só a integração num grande espaço nos pode assegurar - e dizer o contrário é pura demagogia - a partilha dos avanços científicos e tecnológicos - outro objectivo porque nos temos batido - que evite o deslize definitivo de Portugal - que foi pioneiro da investigação científica durante mais de um século, nos tempos dos descobrimentos - deslize definitivo, dizia, da nossa pátria para o apagamento tecnológico.
Participamos porque acreditamos que está a findar a «Euroesclerose» e, assim, uma Europa coesa e aberta voltará a ter no mundo uma voz própria e escutada.
Participamos também porque temos contribuído para a progressiva consagração do valor da solidariedade, tão caro aos social-democratas e que nós queremos ver consagrado. Esse valor está e esperamos consegui-lo - com muita clareza no primeiro artigo da nossa Constituição bem expresso na preocupação fundamental do desenvolvimento das regiões mais atrasadas, que visa impedir a Europa a duas velocidades, a Europa anti-solidária que, em absoluto, evidentemente rejeitamos.
Participamos ainda mais porque queremos ver reforçados no mundo os valores comuns aos povos da Europa: a questão axiológica interessa a todos e os valores comuns aos povos da Europa, que transcendem as fronteiras de muitas famílias políticas, são-nos a nós, social-democratas, extraordinariamente caros: a liberdade, a justiça, a paz, a democracia, o primado da pessoa humana como sujeito de direitos inalienáveis.
Participamos porque queremos também restaurar outros valores que, ao contrário destes, que referi, estão em crise. São aqueles que eu designaria por os valores de transmissão - que, sim, estão em crise na Europa - e que são aqueles que exprimem solidariedade com gerações futuras: o valor da vida, contra o declínio demográfico; o valor da protecção do ambiente e do património, contra a delapidação do capital permanente no egoísmo da geração actual esquecendo futuras e, obviamente, aos valores culturais.
Participamos finalmente porque pensamos que a Europa, Comunidade de valores e comunidade de destino, permitirá o reforço da identidade nacional de cada povo.
Só aparentemente é parodoxal que de uma construção supranacional da qual virá a resultar inevitavelmente a limitação dos poderes políticos dos estados, possa vir a resultar um fortalecimento da identidade nacional de cada povo e uma maior valorização da sua cultura. Mas é isso que vai acontecer porque a consciência dos povos do nosso continente compreende que a multiplicidade das culturas e das nações é património fundamental e essencial da Europa.
Estamos perante o que Edgard Morin chama o princípio dialógico - duas ou mais lógicas diferentes estão

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interligadas numa unidade de modo complexo, complementar porventura mesmo antagónico? sem que a dualidade se perca na unidade. O que pode fazer a unidade na Europa não é a síntese - é o jogo entre instâncias que têm cada uma a sua própria lógica.
João Paulo II, com a autoridade que lhe é reconhecida, em Outubro passado afirmou-o por outras palavras, perante o parlamento de Estrasburgo (cito): «Uma
estrutura política comum (... ) longe de pôr em perigo a identidade dos povos da comunidade, garantirá melhor os direitos, nomeadamente culturais de todas
as regiões. Os povos europeus não aceitarão o domínio de uma nação ou cultura sobre as outras, e defenderão o direito igual para todas de enriquecer ás outras
com a sua diferença».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contra os velhos do Restelo, bem desmentidos que há quatro anos para cá, como o Sr. Primeiro-Ministro recordou esta manhã, estamos a participar na construção da Europa em todas as dimensões. E perante o trabalho feito, temos confiança não apenas no Governo mas também na capacidade dos, portugueses, dos agentes económicos aos agentes sociais educativos e culturais. Sabemos que o nosso destino colectivo não se esgota na construção europeia - que existe para lá dela e que se expressa nos laços intercontinentais seculares que temos reforçado. Por tudo isso, penso que o Governo, connosco e com todos os portugueses deve prosseguir na via encetada, em diálogo com a Oposição que tem um papel de relevo que não queremos minimizar, pois é minha convicção que neste Europa em construção, Portugal será sempre e cada vez mais português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - De acordo com o consenso estabelecido prosseguiremos com o debate, em seguida faremos o encerramento e terminaremos, porventura, cerca
das 21 horas e 15 minutos.
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A integração monetária e financeira é, por certo, uma das vertentes mais difíceis e mais determinantes da construção do Mercado. Único Europeu.
É difícil, porque requer condições prévias e implica consequências que são, umas e outras, de grande exigência e responsabilidade. Por exemplo, no quadro macro-económico, a gradual redução dos desequilíbrios - que temos vindo a levar a cabo - revela-se uma condição necessária vital para essa integração monetária e financeira. Entre esses desequilíbrios, merecem destaque o défice do sector público e a inflação.
Por exemplo ainda, e no que toca às consequências, em horizonte de meia dúzia de anos pára Portugal, desenha-se a livre circulação de poupança e de capitais monetários e financeiros e configura-se a livre prestação de serviço no mercado monetário e financeiro, incluindo as bolsas de valores, a captação de depósitos, a concessão de crédito, a oferta de seguros de várias modalidades.
Por exemplo, enfim, voltando às condições prévias - embora haja quem considere uma consequência da integração monetária e financeira - impõe-se a chamada harmonização fiscal sobre a poupança a qual há-de fazer-se em três ou quatro etapas de aproximação gradualista dos níveis de tributação e das bases de incidência sobre os rendimentos de capital não de risco, os rendimentos de capital de risco, as mais valias e as sucessões e doações patrimoniais.
Trata-se de um dossier tão problemático que muita boa gente serve-se, dele para ilustrar o seu cepticismo ou descrença quanto à viabilidade do Mercado único.
Além de difícil; porém, é a integração monetária e financeira uma determinante decisiva da construção do Mercado Único Europeu, porque não se concebe uma Europa forte, sólida e progressiva sem, ao mesmo tempo, propiciar as condições para a melhor afectação dos recursos em escala do grande espaço sem fronteiras, concorrencial, a funcionar segundo as leis do mercado, em respeito das racionalidades micro-económicas e enquadrado por uma regulação macro-económica mais capaz porque mais concertada ao nível dos doze Estados membros.
Estes são, todavia, os aspectos, digamos substantivos do carácter determinante que reconhecemos na integração monetária e financeira. Atribui-lhes o Governo a maior importância, quer para o País quer para a Europa, mas também está o Governo atento aos riscos e às ameaças inerentes a uma segunda ordem de aspectos, digamos, mais anímicos, que movem os projectos da Europa comunitária.
Há o ânimo político, há o ânimo idealista, há o ânimo, digamos, histórico filosófico da Europa, mas há também o ânimo puramente materialista, que, aliás, é o motor, quer se queira quer não se queira, de grande parte das mudanças e das anti-mudanças de um pais ou do um espaço comunitário.
Ora, é determinante dessas motivações, das motivações do Mercado Único Europeu também - porque não podemos ter dúvidas de que é especialmente por aí, pela plena integração monetária e financeira, que os agentes económicos mais fortes da Comunidade antevêem os modos e os tempos de fazer valer estratégias empresariais - é por ai, dizia, pela integração monetária e financeira, que uma das vertentes mais importantes do ânimo europeu se manifesta, porque é por aí que se há-de fazer valer estratégias empresariais, não só já quanto a quotas de mercado e posições de maior ou menor domínio comercial, mas sobretudo quanto às políticas de penetração dos grandes captores ou geradores de poupanças de particulares ou empresas e sua canalização e investimento. E isto equivale a dizer os modos e os tempos de fazer emergir relações de dominação financeira de deslocação de poder económico, de transacções sobre patrimónios imobiliários e mobiliários, de aproveitamento de oportunidades e vantagens relativas, tudo sob comando de «residentes comunitários» que não precisarão de ser residentes no Pais nem terão mais de se submeter a regras ou defesas nacionais que eventualmente pretendessem contrariar ou adiar as regras comuns europeias.
O País tem, pois, de estar preparado para potenciar os efeitos positivos, que são muitos, e atenuar o mais possível, os efeitos negativos, que são alguns, decorrentes da integração monetária e financeira. É nesta linha, muito conscientemente; que se insere a política do Governo.
Srs. Deputados, em sucintas anotações, faria de seguida o ponto da situação dos principais dossiers da harmonização fiscal e da integração monetária e financeira.

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Sobre a tributação indirecta, as condições actuais da economia portuguesa justificam que se mantenha a aplicação da taxa zero do IVA para certos bens e serviços essenciais; o sistema de duas bandas ou intervalos de taxas do IVA não envolve dificuldades para Portugal, dado que as taxas actuais se situam dentro dos intervalos propostos. No entanto, a taxa normal do IVA aplicada nas regiões autónomas fica abaixo do intervalo, tornando-se necessário obter uma derrogação, para o que parece não haver grandes objecções da Comunidade.
Quanto aos impostos específicos, as dificuldades parecem ser maiores. No caso dos tabacos, o nível das taxas propostas é demasiado elevado, o que poderá ter um efeito negativo nas cobranças. Relativamente aos óleos minerais as propostas implicariam uma grande expansão dos consumos.
Por outro lado, as taxas propostas para as bebidas alcoólicas seriam insustentáveis no caso das aguardentes.
Quanto à fiscalidade directa, está em apreciação a isenção de retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas filiais ou afiliados às respectivas sociedades mães dentro do espaço europeu e também está em apreciação o regime comum aplicável aos juros das poupanças.
Relativamente aos bancos, o elemento da harmonização é a 2.ª directiva de coordenação e supervisão que em breve começará a ser apreciada pelo conselho.
No que respeita aos seguros, existe já a liberdade de estabelecimento das empresas seguradoras em Portugal, a livre prestação de serviços vigora no domínio do resseguro. Quanto à livre prestação de serviços nos seguros não vida, Portugal beneficia de disposições transitórias para a aplicação, por fases, da directiva de 1988 até à sua aplicação integral, a partir do início de 1999. Envolve, porém, dificuldades muito maiores a harmonização no ramo dos seguros de vida, que não foi ainda objecto de discussão no conselho.
No domínio dos valores mobiliários, foram já adoptadas várias directivas, nomeadamente sobre a admissão à cotação oficial de títulos na bolsa, os requisitos para a autorização de Fundos de Investimento Mobiliário e as regras a observar quanto à publicação de informação sobre sociedades cotadas na bolsa. Esta legislação comunitária visa a criação de regras mínimas de protecção dos investidores.
No domínio dos movimentos de capitais, a directiva que visa a liberalização completa destes movimentos foi aprovada em Junho do ano passado, prevendo-se a sua entrada em vigor para Julho de 1990. Foi estabelecido, no entanto, para Portugal, um regime transitório, até final de 1992, ano em que se apreciará a situação e Portugal poderá beneficiar de prorrogação desse regime por mais três anos, ou seja, até 1995.
Aliás, a directiva comunitária inclui uma cláusula de salvaguarda que permitirá fazer face aos efeitos indesejáveis de movimentos de capitais, a curto prazo, de grande amplitude, que provoquem perturbações cambiais na balança de pagamentos.
Paralelamente à modernização do sistema financeiro português, que está a estudar-se com o apoio técnico do «Conselho para o Sistema Financeiro/92», criado pelo Governo, há a oportunidade de alteração do regime de controlo monetário, em conjugação com a política da dívida pública.
A decisão a tomar futuramente sobre a adesão de Portugal ao «mecanismo de estatização cambial» do Sistema Monetário Europeu encontra-se dependente dos progressos realizados no sentido da convergência relativamente às condições macro-económicas na Comunidade e em Portugal e também do grau de liberalização dos movimentos de capitais atingido entretanto. Com decisão de carácter emblemático, Portugal propôs a inclusão do estudo na cabaz definidor da moeda europeia no reexame a efectuar em Setembro próximo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem o Governo procurado preparar a economia portuguesa para a participação activa e com ganhos para o País, no Mercado Único Europeu.
Tenho muito gosto em transmitir a VV. Ex.ªs, em primeira mão, parte do conteúdo da carta que me foi dirigida na qualidade de ministro das Finanças pelo presidente do Comité Monetário da Comunidade Económica Europeia em 10 do corrente mês. O Comité Monetário da Comunidade Económica Europeia é seguramente um dos mais qualificados.
Diz assim o presidente do comité: «O comité saúda o sucesso conseguido pela política económica portuguesa nos anos recentes», depois fala da inflação, dos progressos de inflação, dos progressos de estabilização do escudo, do défice do sector público, da liberalização do sistema financeiro, e acrescenta o seguinte: «O País tem gozado de um forte crescimento económico nos anos iniciais da integração europeia e conseguiu trazer para um nível record a taxa de desemprego, ou seja, o nível mais baixo da Comunidade Económica Europeia.»

Aplausos do PSD.

E apenas para não maçar VV. Ex.ªs, embora estas sejam boas notícias e, sobretudo, um testemunho imparcial daquilo que vai acontecendo no País, graças também à acção do Governo, Srs. Deputados da Oposição, ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... eu acrescentaria apenas a parte final desta carta de três páginas: «Espero que estes comentários sejam úteis para o País encontrar o desafio dos próximos anos que são muito promissores para Portugal. O Comité Monetário foi unânime em reconhecer o progresso feito pela economia portuguesa e vê boas perspectivas para completar a sua integração com sucesso na Comunidade Económica Europeia.»

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Helena Torres Marques, Natália Correia e Carlos Carvalhas.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Ministro, ouvi atentamente a sua exposição e por isso gostaria de fazer-lhe duas perguntas.
O Sr. Ministro sabe que a política de harmonização fiscal é da competência reservada da Assembleia e sabe também que há a Lei n.º 111/88, que diz que antes de serem tomadas posições pelo Governo em Bruxelas,

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nas Comunidades, a matéria terá de ser exposta à Assembleia, terá de haver um parecer da Comissão dos Assuntos Europeus. Quando é que o Sr. Ministro entende que é oportuno apresentar-nos as propostas que tenciona sujeitar a discussão em Bruxelas?
Gostaria que o Sr. Ministro nos, dissesse o que se passa em relação ao off-shore da Madeira, relativamente à fixação da taxa sobre poupança comum para toda a Europa, ou seja, não pode haver isenções nas aplicações do mercado financeiro para, esta região.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD):- O Sr. Ministro disse que o aspecto material era o principal motor das mudanças operadas pela Comunidade. Infelizmente, tem razão!
Mas, a criação da Comunidade Económica. Europeia destinou-se, como sabe, a equipar a Europa com defesas contra as grandes potências económicas. Trata-se, por conseguinte, de um meio e não de um fim, porque o fim é a salvaguarda do espírito europeu, do cidadão europeu, ameaçado pela hegemonia das grandes potências que, através do domínio económico, imporiam à Europa modelos que agridem as suas tradições, a sua cultura.
Por conseguinte, Sr. Ministro, eu gostaria de saber se entende que esse aspecto material, que é o motor da mudança, é um meio ou é um fim, sendo este fim, precisamente, o de defender à velha cultura europeia, a sua continuação e à tomada de consciência do cidadão dessa velha cultura europeia da construção de um futuro que não atraiçoe essa tradição.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, em primeiro lugar, gostaria de saber se o Governo, através de V. Ex.ª, pensa enviar no futuro, à Assembleia da República os projectos-directivos, nomeadamente ás que se relacionam com a harmonização fiscal.
Em segundo lugar, e contrariamente ao que V. Ex.ª disse, Portugal não tem a taxa, de desemprego, mais baixa da CEE.
Com efeito, as estatísticas mais recentes - e lembro as do mês de Fevereiro - mostram com evidência que, ao contrário do que V. Ex.ª afirma, Portugal apresenta taxas de desemprego de longa duração e de precaridade de trabalho das mais elevadas da Europa.
Independentemente dos critérios que se queiram aplicar, trata-se de uma realidade que, em meu entender, o Governo não pode infirmar. No entanto, gostaria de ouvir a este propósito a opinião do Sr. Ministro das Finanças.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; quanto à questão da harmonização fiscal, de prévio conhecimento, audição e, em suma, apresentação destas matérias à Assembleia da República, já oportunamente, em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, tive ocasião de referir que
o Acto Único Europeu, que foi ratificado pela Assembleia da República, nos vincula a certos processos negociais, que hão-de desaguar em deliberações que em cada país serão conforme os casos, de competência dos governos ou dos Parlamentos.
Quanto à questão dos assuntos fiscais; ninguém tem dúvidas, no seio da Comissão das Comunidades Europeias e em cada um dos Estados membros, que quando se chegar ao momento crucial de decidir essas matérias fiscais devem ser discutidas pelo Parlamento. Não temos dúvidas algumas nesse aspecto!
Entretanto, no espado de tempo que decorre entre a assinatura do Acto Único Europeu e a decisão final, temos, em matéria fiscal, de assumir a negociação do lado- português com segurança, muitas vezes com confidencialidade, requerendo contrapartidas - ninguém desconhece isso - e nunca assumimos essas negociações com carácter definitivo.
As propostas que apresentamos em Bruxelas assumem um carácter de anteprojecto ou apenas de aproximação negocial. Quando chegar o momento de avançar com propostas definitivas em matérias fiscais, apresentá-las-emos primeiro à discussão da Assembleia da República.
Aliás, Sr.ª Deputada, sabemos que se trata de matérias de competência reservada à Assembleia da República, mas mesmo que assim não fosse, o Governo entende que deve ouvir a Assembleia da República sobre dossiers de tão grande importância para o País.
Quanto à taxa mínima de retenção na fonte, a Comissão das Comunidades propõe 15%; em relação às zonas de off-shore bancário, como a que está em construção na Madeira, suponho que terão de ser excepcionadas, mas o assunto não foi minimamente ventilado nas negociações que travámos até ao momento, até porque existem outras zonas na Comunidade Económica Europeia que têm off-shore bancário.
Sr.ª Deputada Natália Correia, referi apenas que a motivação material ou materialista é importante na construção europeia, mas é evidente que existem outras motivações também muito importantes, nomeadamente as do idealismo, do proselitismo, as culturais e as históricas.
No entanto, não tenha dúvidas que se as primeiras que referi as materiais - forem relativamente débeis, a Europa não avançará. Com efeito, durante séculos assistimos certamente a motivações de ordem cultural e a anti-motivações e só agora, nos fins do século XX, é que vemos a Europa a ser, construída, porque há, de facto, uma fortíssima motivação de ordem económica e financeira.
De resto, estou completamente de acordo com a Sr.ª Deputada e considero que a intervenção de V. Ex.ª tem toda a pertinência, porque a velha cultura europeia há-de estar acima de tudo e há-de ser também um fim a construir e a preservar.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, pergunta V. Ex.ª se os projectos-directivos em matéria fiscal não deveriam ser enviados à apreciação da Assembleia da República. Sr. Deputado, já respondi a essa questão. É evidente que quando se tratar de uma quase decisão final ou de uma proposta firme por parte do Governo português, ela será apresentada à Assembleia da República. Aliás, até antes, se for considerado conveniente da nossa parte ou sempre que a Assembleia da República o requerer.

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Quanto à taxa de desemprego, gostaria de citar algumas palavras à Câmara, que não são minhas: «O País tem gozado de uma forte taxa de crescimento económico nos anos iniciais de integração europeia, trazendo a sua taxa de desemprego para baixo, atingindo o nível mais baixo da Comunidade Europeia.»

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro, essa afirmação é falsa! V. Ex.ª sabe qual é a taxa de desemprego no Luxemburgo?

O Sr. Ministro das Finanças: - Esta afirmação consta da carta que já tive oportunidade de ler.

O Sr. João Amaral (PCP): - A carta deve dizer mais qualquer «coisinha» que o Sr. Ministro não leu!

O Sr. Ministro das Finanças: - Venha cá que eu mostro-lha! Consegue ler inglês?

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, (que não está), Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É irrecusável que a realização do «Mercado Interno» constitui um processo de integração e interdependência que assenta fundamentalmente nas economias, na escala e na pressão e intensificação da concorrência transfronteira e que, pela sua génese beneficia, no fundamental, os países, as regiões mais desenvolvidas e as transnacionais que determinam o processo de integração.
Neste contexto, o nível de desenvolvimento e as vulnerabilidades estruturais de Portugal exigem um enorme, complexo e difícil esforço para que o País possa atingir um nível de crescimento económico, de inovação e de produtividade capaz de enfrentar com probabilidades de êxito a integração do mercado.
De outra forma, Portugal corre o sério risco de se tornar cada vez mais um país periférico e dependente.
A realização do Mercado Interno exige pois um rápido avanço no sentido da coesão económica e social, ou seja, que a mesma seja acompanhada, na concretização de cada uma das suas etapas, das necessárias políticas, medidas e acções específicas de âmbito regional, social, científico e técnico-económico, e dos meios financeiros que possibilitem a sua concretização e eficácia.
Posta a questão nestes termos, os problemas têm de ser equacionados a dois níveis de política: o comunitário e o nacional.
É uma constante do Governo quando aborda a questão dos fundos comunitários e do investimento, privilegiar o volume das mesmas em detrimento da sua qualidade.
E se o montante dos fundos comunitários absorvidos por Portugal e a sua duplicação até 1992 são importantes, também é verdade que face aos objectivos temporais da realização do Mercado Interno e às necessidades da adaptação da nossa economia, eles são insuficientes e tardios.
Aliás, não só os fundos e as medidas tomadas pela Comunidade são insuficientes, com nem sequer estão garantidos os pressupostos mínimos formulados pela comissão na sua estratégia de cooperação para o desenvolvimento.
Tenha-se este propósito presente que os pagamentos têm atrasos significativos por parte da Comunidade e que os fundos estruturais em áreas decisivas como a da agro-industrialização e comercialização de produtos agrícolas, por exemplo, se mostram extremamente insuficientes, levando a que a percentagem de projectos transitados em cada ano por falta de dotação orçamental (cerca de 407o dos projectos apresentados) seja equivalente à dos projectos aprovados. É manifestamente pouco.
Por outro lado, o reforço dos fundos estruturais não chega, nem poderia compensar, as consequências da abertura do nosso mercado com uma especialização desvantajosa e a crescente e acelerada concentração de sectores e segmentos estratégicos da nossa economia sob domínio do capital estrangeiro.
O reforço dos fundos não resolve só por si os problemas que a indústria nacional terá de enfrentar e resolver designadamente o da capacidade financeira para concretizar o aumento de dimensão e as transformações que lhe são exigidas para ter um lugar na Europa e para não perder sectores fundamentais da produção em benefício do capital estrangeiro.
Sendo inquestionável que o aproveitamento e desenvolvimento dos nossos recursos humanos se assumem como uma das componentes fundamentais para a construção de um Portugal moderno, a verdade é que o País não foi, até hoje, preparado para retirar dos apoios do FSF (Fundo Social Europeu) à formação profissional a qualificação da força de trabalho que poderia constituir uma contrapartida económica e social ao choque da adesão.
Não foram inventariadas nem priorizadas as necessidades de formação inicial de qualificação, de reconversão e de aperfeiçoamento dos diferentes grupos; não se coordenaram até hoje, em termos de cooperação eficaz as acções financiadas pelo FSE, nem com o siste educativo, nem com o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional), nem com as autarquias, nem com a intervenção ao nível de outros fundos estruturais.
Nos três primeiros anos, as verbas do FSE foram atribuídas às entidades que se candidataram, sem cuidar da sua experiência, das instalações condições técnicas e pedagógicas, nem mesmo das áreas profissionais ministradas.
Assim, à deficiente qualidade de boa parte da formação profissional juntaram-se as fraudes de muitos milhões de contos.
Não se faz qualquer esforço para conseguir a adaptação do FSE às prioridades nacionais; vem-se alimentando o fenómeno da «carreira dos programas de formação», ou seja, a passagem dos jovens de um sistema ou programa para outro sem encontrarem emprego.
Bem se pode afirmar que Portugal enfrenta dificuldades duplas em matéria de desigualdades de desenvolvimento: as que decorrem da sua inserção no espaço da CEE e as que se colocam no plano interno ao nível das assimetrias regionais.
Neste contexto e não se subestimando a importância do FEDER, importa ter presente que até hoje o mesmo se mostrou ineficaz para contraria as desigualdades de desenvolvimento entre estados e regiões ao nível da Comunidade, restando saber se os apoios ao

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desenvolvimento endógeno e co-financiamento de investimentos produtivos inseridos no Programa de Desenvolvimento Regional serão orientados e suficientes para contrair as tendências para uma menor acumulação de capital a nível das regiões mais atrasadas, para atrair novas actividades que não assentem nos baixos salários e na exploração de recursos com baixa incorporação de valor, para evitar que estas regiões percam a juventude e o investimento feito na sua valorização.
O que se passa em relação ao sector agrícola não nos deixa espaço para optimismos. E a verborreia que o Sr. Ministro da Agricultura utiliza cava cada vez mais fundo o fosso entre a manipulação dós factos e a realidade nua e crua da evolução do sector agrícola.
As políticas de investimento e de mercado orientadas segundo a lei do mais forte» sem priorizar a eficácia económica alia-se a progressiva abdicação por parte do Estado de intervir como elemento orientador, participativo, dinamizador e fomentador de acções e medidas estruturais necessárias para o pleno aproveitamento e racional utilização, dos recursos; a superação das enormes carências infra-estruturais e organizacionais da produção e das economias das regiões e zonas mais atrasadas, à partida sem capacidade de transformação e desenvolvimento auto-sustentado.
A prová-lo estão, por exemplo, a diminuição da comparticipação do Estado no investimento produtivo; o baixo grau de realização do PIDDAC/88, que se que
dou 40% abaixo do previsto na «programação de execução financeira» do orçamento do Estado de 1988, o que reflecte, sobretudo, as dificuldades por parte do
Governo e do MAP na elaboração, articulação integrada e execução dos programas de âmbito regional e sectorizado; bem como a má gestão dos recursos humanos e técnicos(PEDAP; PIDRS; Extensão Rural e outros); o desajustamento na selectividade da regulamentação nacional e das modalidades de aplicação dos
regulamentos é programas comunitários às estruturas económico-agrícola e social do sector, a par das insuficiências do regime nacional de apoio ao investimento;
a, inadequação, da, política de crédito ao, investimento produtivo, em termos de modalidades, regimes de complementaridade dos investimentos apoiados pelos fundos comunitários; selectividade e taxas de juro bancário; e ainda, a insuficiência e falta de eficácia dos apoios técnico é económico por parte do Estado, particularmente do MAP.
Como exemplos desta situação podem referir-se em relação ao Regulamento n.º 797 do Alentejo e o Ribatejo/Oeste captam mais de 55% do total dos fundos, enquanto que entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira-Litoral e Beira-Interior no seu conjunto não recebem mais de 36% dos fundos.
No que respeita ao Regulamento 355 a orientação dada ao programa está a conduzir ao reforço da capacidade de intervenção dos grandes intermediários do comércio grossista e da grande indústria. Do total dos apoios a este programa só cerca de 30% são absorvidos pelas cooperativas; e deste montante mais de 50% são dirigidos para o Ribatejo/Oeste e Beira-Litoral, o que traduz a debilidade da organização dos produtores e que tal situação se tenderá a agravar se não forem criados instrumentos e meios de apoio e dinamização das cooperativas e das infra-estruturas básicas de concentração, preparação, e escoamento dos produtos ao nível da produção.
Por outro lado, a Beira-Litoral e o Ribatejo/Oeste captam mais de metade dos fundos deste programa.
Em relação aos programas integrados de desenvolvimento regional, os PIDR, elemento fundamental de desenvolvimento deste país e de correcção da profundas assimetrias regionais, e em relação aos projectos que deveriam ter ficado concluídos em 1988, registam-se graus de realização da ordem dos 20% para a Cova
da Beira, dos 23 % para o Baixo Mondego, dos 7 % para o Nordeste algarvio e dos 52% para Trás-os-Montes.
Por outro lado; registe-se que a investigação e a experimentação aplicadas são manifestamente insuficientes e a sua vulgarização praticamente inexistente.
A formação profissional e a extensão rural não respondem às necessidades, sobretudo se tivermos em conta o período de transição.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nestas breves palavras terá sido feita uma crítica quanto à situação real do País, necessariamente negativa, porque ela é, na realidade, negativa. Porém, daqui não se pode traduzir, pura e simplesmente, que Portugal não tem futuro. Apostamos em que é possível desenvolver o nosso país, em termos económicos e sociais e criar um espaço de futuro e bem-estar para o nosso povo, se houver uma, política que defenda os interesses nacionais.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Deputado, Rogério de Brito, já esta manhã na pergunta que fez ao Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª quis, de certa, maneira, ligar ao Mercado Europeu de 1992 à evolução da política agrícola. Espantou-me essa sua intervenção, assim como a que acabou de produzir.
V. Ex.ª não sabe que o sector agrícola praticamente em, nada será influenciado pelo Mercado Interno? V. Ex.ª não sabe que a adaptação da agricultura portuguesa às condições comunitárias, à PAC, tem prazos bem delimitados na maioria dos sectores até 1996 e, nos casos mais, essenciais como os cereais, foi já estendido pelo actual Governo até ao ano 2001?
V. Ex.ª não sabe que o Mercado Interno de 1992 pretende simplesmente alargar aos outros sectores da economia e aos sociais as regras de funcionamento que já presidem à Política Agrícola Comum, onde já há liberdade total de transição?
V. Ex.ª não sabe que a redução da comparticipação do Estado português, agora referida, se deveu a ter-se obtido de Bruxelas uma mais alta comparticipação comunitária, que, em vez de 50%, passou para 75%; permitindo que o Estado português, com o mesmo dinheiro, apoie mais projectos do que havia, não sendo correcta a afirmação de que reduziu o seu esforço de Estado? Na verdade, reduziu-se o esforço do Estado em contrapartida do, aumento comunitário.
Não sabe V. Ex.ª que em 1984 havia dez centros de formação profissional agrícola que em 1988, existiam vinte e seis e em 1991 existirão cinquenta e dois? Não conhece V. Ex.ª todos estes dados, que foram entregues na Comissão de Agricultura?

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Por outro lado, não tem V. Ex.ª acesso aos valores de execução do PIDDAC, que, pela primeira vez, no Ministério da Agricultura, ao contrário do que V. Ex.ª disse, teve uma aplicação a 100%?

Sr. Deputado, estranho da sua parte, dado que me habituei a ver uma certa fundamentação nas suas intervenções, um certo número de afirmações que mostram um grande desconhecimento da realidade, tentando extrapolá-las para coisas que não têm nada a ver com a actual debate. Não estranho a divergência de opiniões entre a bancada do Partido Comunista e a do Governo. Aliás, ficaria muito preocupado se tivéssemos opiniões análogas. E quando se chega a afirmações que não são correctas, que nada têm a ver com o que está neste momento a debater, choca-me, sobretudo quando vêm da parte do Sr. Deputado Rogério de Brito.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Rogério de Brito, embora o PCP não tenha já tempo disponível, a Mesa concede um minuto para a resposta.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr.ª Presidente, muito obrigado pela sua benevolência, embora não saiba como responder a tudo isto em tão pouco tempo.
Acontece que o final da primeira etapa coincide, Sr. Ministro da Agricultura, exactamente com a data da realização do Mercado Único. Porém, ao contrário do que o Sr. Ministro diz, a livre circulação de produtos agrícolas, a adaptação das taxas aduaneiras, quer em relação aos países comunitários quer em relação a países terceiros, a adopção dos preços comunitários e o fim das ajudas nacionais e a própria adopção, nalguns casos, das disciplinas de produção para determinado tipos de produtos, são aplicáveis logo após o final da primeira etapa, particularmente para os produtos em transição clássica, como é o caso das oleaginosas, dos ovinos, dos agro-industriais, etc. Mesmo em relação aos outros produtos, apenas os cereais beneficiam efectivamente dum prolongamento.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Não, Sr. Deputado!

O Orador: - O Sr. Ministro diz que não, mas talvez lhe sugerisse que depois lêssemos juntos os documentos. Até tive o cuidado de confirmar a data de adesão sobre essas matérias.
Finalmente, vou ainda acrescentar outra questão.
Penso que é muito mau que o Governo, sistematicamente, não aceite a verdade, não aceite a possibilidade de enfrentar as dificuldades e de as debater só porque tem a visão de que a Oposição e sobretudo o Partido Comunista Português, nunca pode ter razão. Efectivamente, isso é uma visão extremamente afunilada da política e diria mesmo que compromete a própria democracia que os senhores sistematicamente invocam e efectivamente não realizam.
Concluindo, Sr. Ministro, queria dizer ainda o seguinte: é bom que o Sr. Ministro tenha em conta os estudos realizados por entidades perfeitamente idóneas, como são o Instituto Superior de Agronomia, a Universidade Técnica, etc, enfim toda uma série de entidades que realizam estudos ligados à agricultura. Sobre isto chamo a sua atenção para o texto que vou ler e o Sr. Ministro, quando o ouvir, vai aperceber-se donde ele vem: «As orientações adoptadas nestes dois últimos anos são muito mais um reflexo das pressões exercidas pelos agentes económicos com posições preponderantes nas estruturas de transformação e de comercialização do que uma tentativa de contribuir, de forma coerente e equilibrada, para a resolução dos graves problemas com que actualmente se confronta e sobretudo se irá debater no futuro próximo a esmagadora maioria dos agricultores portugueses.»
Penso que isto é suficiente e envolve universidades, o Instituto Superior de Agronomia, etc.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A criação do grande Mercado Interior resultante do Acto Único Europeu é, por um lado, motivo de grandes esperanças, para a Europa e seus cidadãos, mas, por outro, apresenta alguns aspectos preocupantes na medida em que tardam medidas e iniciativas concretas que acautelem os impactos sociais de um projecto que está a privilegiar, de forma perigosa os aspectos económicos numa perspectiva meramente liberal.
Em 1985 foi fixado o calendário previsto até finais de 1992, através de um livro branco publicado pela Comissão das Comunidades Europeias.
Desenvolvendo as anteriores decisões do Conselho Europeu, o livro branco afirma que não se pode criar o Mercado Único através da plena harmonização das legislações e normas vigentes em cada Estado membro, mas sim através do reconhecimento mútuo das regulamentações nacionais, apenas se harmonizando um mínimo de regras essenciais.
A aceitação do princípio do reconhecimento mútuo continua a ser a pedra angular da argumentação da comissão sobre o mercado interior, bem como a base em que se fixou o calendário para a eliminação de todas as barreiras físicas, fiscais e técnicas na Comunidade.
O livro branco ganha assim a força institucional necessária ao apoiar-se na revisão do Tratado de Roma, adoptada em Julho de 1987 sob a forma do Acto Único Europeu.
Este documento confirma a necessidade de um mercado interior e o princípio da adopção de decisões por uma maioria qualificada de membros, mas não só, prevê também uma maior influência do Parlamento Europeu no âmbito das estruturas políticas comunitárias.
Finalmente, introduziu-se um terceiro mecanismo neste processo: o Plano Delors, apresentado em Fevereiro de 1987. Este documento contém propostas destinadas a garantir que a instauração do mercado interior não agrave os desequilíbrios sociais, regionais e económicos.
O objectivo das doze nações está claramente definido: «Criar um espaço único económico sem barreiras interiores». Mas falta respondei no entanto a muitas questões, como por exemplo: Poderá este objectivo ser totalmente realizado? Em que medida serão os Estados membros, autorizados a proteger certas partes dos seus mercados, ou certas normas sociais mais positivas e já adquiridas?

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Esboçam-se já algumas respostas a estas questões com a adopção de algumas directivas como por exemplo as relativas ao livre espaço financeiro, o mútuo reconhecimento das qualificações, as marcações públicas, etc.
Mas, no entanto, em nossa opinião estas directivas não são suficientes. É necessário assegurar que a Europa contribua para a promoção do desenvolvimento de cada país em particular e o bem-estar de todos os trabalhadores dos países membros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, são duas as grandes consequências afectadas na introdução do grande Mercado Interno Europeu: Consequências de carácter económico e os efeitos que irá produzir na mão-de-obra.
A razão económica de instauração do Mercado Interior é, basicamente, a das vantagens da economia de escala e a liberdade de circulação de mercadorias, capitais e mão-de-obra.
As empresas que possam ascender ao mercado livre serão estimuladas para ser competitivas, reduzindo custos reorganizando-se, investigando sobre-as novas tecnologias e até, se necessário, transferindo-se para áreas mais favoráveis.
Este cenário pode parecer à partida muito atractivo; mas não está totalmente claro que actue em favor de todos os sectores ou de trabalhadores em geral. Os estudos publicados concluem que à instauração do Mercado Interior se poderão criar cinco milhões de novos empregos, exclusivamente, se esta for acompanhada paralelamente de uma política mundial de criação de emprego, mas se esta não existir as perspectivas não ultrapassarão o número de 1,8 milhões de novos
empregos.
Igualmente se concluiu que as taxas de crescimento serão na ordem de 4 a 6%. Independente da exactidão destas previsões e de se saber da determinação de cada um dos governos para desenvolverem políticas de criação de empregos, há que reconhecer também que os efeitos eventualmente benéficos do Mercado Interior, a existirem, só se farão sentir a longo prazo. E a questão mantém-se: Estão devidamente protegidos os trabalhadores que irão, a curto prazo, sofrer, os efeitos negativos provocados pelo processo massivo de instruturação que inevitavelmente terá e está a ser efectuado? Ninguém responde, hoje, a esta questão.
Analisemos, agora, os efeitos que se irão fazer sentir na mão-de-obra.
Teoricamente o Mercado Interior, implicará a livre circulação de bens e serviços e total liberdade de circulação de mão-de-obra em toda a comunidade.
Pode, à partida, parecer uma inovação muito importante, mas a verdade é que esta liberdade já existe, pelo menos no papel, para todos os cidadãos da CEE com excepção, logicamente, dos portugueses, e espanhóis, que apenas serão, abrangidos por esta norma a partir de 1 de Janeiro de 1993. Algumas barreiras continuarão logicamente a subsistir, tais como, o idioma, o reconhecimento das qualificações nacionais, transferência dos direitos sociais adquiridos como a cultura, meio ambiente, etc. Disto naturalmente poderá resultar que a mobilidade das empresas poderá ser substancialmente superior à dos trabalhadores. Paralelamente, os trabalhadores terão grandes probabilidades de ter defrontar-se com a pressão do ambiente do Mercado Único, onde a livre concorrência, a redução dos custos e a flexibilidade serão as preocupações prioritárias, como por exemplo as empresas que operam a nível europeu poderão exercer maior pressão sobre os seus trabalhadores, ameaçando-os com uma transferência da produção e implicitamente do seu local de trabalho para regiões que lhes sejam a elas, empresas, mais favoráveis. Situações complicadas mas não impossíveis, que nos merecem naturalmente graves preocupações, porque não se vislumbra qualquer, protecção a estas potenciais acções.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Já no que se refere ao sector financeiro o princípio da total, liberdade de circulação de capitais
já foi aprovado e provavelmente entrará em vigor em 1990.
Uma directiva destinada a autorizar os bancos a operar livremente mediante a obtenção de licença de um para outro país já está para aprovação no Conselho
Europeu, à qual se seguirão outras que harmonizarão os elementos básicos do funcionamento e do controlo das entidades bancárias.
No sector dos seguros já foi adoptada uma directiva que prevê a liberdade de serviços para os grandes riscos, integrando desde já assim o mercado segurador de riscos industriais e ramos reais a nível europeu. Verifica-se, no entanto total ausência para os riscos de ramo de vida e seus derivados tão importantes no nosso país.
No comércio, a filosofia geral que está subjacente ao Mercado Interior e, mais especificamente, às disposições, relativas à normalização, dos produtos e mútuo reconhecimento das normas, terão repercussões a todos os níveis.
O desenvolvimento da concorrência neste sector dependerá fundamentalmente da política adoptada sobre a harmonização dos impostos indirectos, questão esta que se apresenta como um dos problemas mais difíceis de resolver.
No que se refere à indústria parece favorável que as empresas terão que reagir perante o advento do Mercado único, em função da sua dimensão.
Enquanto que os grandes grupos poderão interessar-se em fundir-se ou em- diversificar, as empresas mais pequenas necessitarão e especializar-se para sobreviver. Em qualquer dos casos a redução dos custos de produção é a inovação tecnológica estarão necessariamente no centro das preocupações.
Para responder a estas preocupações a Comissão Europeia lançou em 1986 uma estratégia cooperativa de crescimento; lamentavelmente os governos que as subscreveram nas instituições comunitárias pouco ou nada fizeram para a aplicar- em cada um dos seus países. E assim, hoje, o tão desejado ingresso ao emprego em Portugal não se materializou.
Já no que se refere á componente social, facilmente se reconhece que a tendência será a da construção de um Mercado Interno, tendo como base princípios liberais de livre mercado, prestando pouco ou nenhuma atenção às repercussões sociais. Este perigo já foi reconhecido pelo próprio presidente da comissão, Jacques Delors, que em 1988 apresentou três propostas concretas:
Primeira, a adopção pela Comunidade de uma plataforma de direitos sociais, garantidos e obrigatórios.
Segundo, o reconhecimento do direito à formação profissional, sempre que seja necessário para todos os trabalhadores.

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Terceiro, a criação de uma entidade legal que garanta aos trabalhadores o direito de participação nos processos de adopção de decisões nas empresas.
A cimeira da CEE em Junho de 1988 não se decidiu por propostas concretas nestas matérias, pelo que, o espectro da criação de um Mercado Interno, sem uma autêntica dimensão social, continua a pender sobre a cabeça de todos os cidadãos comunitários, incluindo portugueses podendo assim o projecto vir a ser ameaçado por dificuldades sociais e pelas perturbações que elas provocam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É importante que se continue a pressionar mais para que sejam adoptadas normas sociais básicas que protejam os trabalhadores da Europa.
É urgente dar novo ímpeto ao diálogo social para que se encontrem os meios que conduzem a resultados úteis, diálogo este, que deveria ser ampliado ao nível sectorial, pois permitiria criar maiores oportunidades de manter um debate mais detalhado sobre questões concretas.
É para este quadro que Portugal avança a passos largos para l de Janeiro de 1993. Uma data que, sendo de esperança e de início de um novo desenvolvimento, poderá ser também o início de dúvidas e incertezas e até de fracassos para muitos portugueses.
O PRD apoiou desde o início a integração de Portugal na Comunidade Europeia. Acreditamos que Portugal e os portugueses têm ainda hoje a possibilidade, a capacidade de competir com os seus pares europeus.
As realidades que aqui trouxemos, não pretendem de modo algum transmitir qualquer sentimento derrotista, mas pelo contrário, contribuir para alertar para factos que são reais e preocupantes e que necessariamente deverão merecer a especial atenção de todas as forças partidárias e particularmente do Governo, a bem dos portugueses e do desenvolvimento deste novo Portugal Europeu.

Aplausos do PRD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território. Informo-o de que dispõe de onze minutos, sendo seis referentes ao tempo de debate e cinco minutos transferidos do período de encerramento por acordo de todos os partidos.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não vou ocupar muito tempo a fazer o balanço do que foram os nossos três primeiros anos de integração na Comunidade Europeia.
Tenho-o feito repetidas vezes em público e também aqui na Assembleia onde, nomeadamente no passado dia 7 de Julho, me referi com alguma detença ao modo como decorreu o que muitas vozes de mau augúrio antecipavam vir a ser um período de confusão de manifestação de incapacidade e de descrédito. Tudo se passou ao contrário: deu muito trabalho, naturalmente, mas não houve confusão nenhuma, tendo Portugal apresentado as suas candidaturas aos apoios comunitários em devido tempo e sabido carrear para o País o fruto de comparticipações cujos efeitos já são visíveis; havendo intervalos de variação para esses subsídios sempre ficámos acima da média, apesar da concorrência ser aguerrida com os outros países membros; por termos sido rigorosos e transparentes, mostrando o nosso genuíno interesse na construção europeia, participando com competência na formulação das políticas comuns ou dos passos iniciais do que o há-de vir a ser brevemente, granjeámos reputação de gente séria, aplicada, capaz de conceber e de estabelecer sistemas eficientes para a formação das decisões e para a sua consecução prática e escrupulosa.
Como tive ocasião de expor, faz hoje oito dias, na Comissão Parlamentar para os Assuntos Europeus, a elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional corre a bom ritmo. Em Novembro e Dezembro ouvi pessoalmente as recomendações das 275 autarquias locais do continente e dos dois governos regionais, tive reuniões com numerosos empresários, cientistas e académicos, solicitei a opinião das centrais sindicais e das confederações patronais dando, assim sentido à vontade de associação dos destinatários que torna mais realistas os programas e mais pronta e eficaz a sua consecução. Associaram-se também as instâncias comunitárias que, em Bruxelas ou em Lisboa, participaram em reuniões de trabalho onde muitas dúvidas comuns se desvaneceram e onde um conhecimento íntimo das propostas portuguesas se foi assim, acumulando. E, tão importante como qualquer dos processos anteriores, revelou ser a elaboração dos programas operacionais que cobrem todo o território ou que mais intensivamente mobilizam o potencial endógeno de uma sua parcela. Domínios como os das acessibilidades, da educação e das infra-estruturas de apoio às actividades de investigações científica e tecnológica foram objecto de um esforço de análise especial e de uma selecção exaustiva no que toca às realizações a apoiar. Deu-se naturalmente, preferência aos investimentos que mais fluxos financeiros orientam para o País mas não se esqueceu que o desenvolvimento equilibrado reclama actuações em outros sectores que também contribuem para o bem-estar para o aumento da qualidade de vida ou para a afirmação cultural dos portugueses. E fez--se o exercício basilar da verificação do impacte macro-económico desses fluxos, tratando-se de assegurar, a todo o custo a manutenção do equilíbrio das variáveis fundamentais.
Tudo quanto no Plano de Desenvolvimento Regional se propõe e as prioridades nele assumidas estão em consonância com as Grandes Opções do Plano a médio prazo aprovadas nesta Câmara. Este último documento não representa como frequentemente se vê por esse mundo, um mero exercício formal; ele determina de facto os instrumentos tácticos que, sectorialmente ou com carácter integrador, vamos produzindo para explicitar a acção. Torna-se assim, patente a coerência do pensamento que enforma as decisões de todos os dias, optimizando desse modo a mobilização dos meios financeiros nacionais, comunitários, estrangeiros ou internacionais que estão ao nosso alcance.
Tal como sucedeu com as Grandes Opções do Plano não nos furtamos a definir eixos prioritários de actuação para estruturar o que fazemos. São eles:

1 - A promoção do aumento da eficiência do sistema produtivo, através da criação de infra-estruturas económicas e do apoio ao investimento produtivo de base regional e de base sectorial;
2 - A preparação dos recursos humanos, através do desenvolvimento da educação e da formação profissional e da melhoria das condições de vida;

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3 - A correcção progressiva dos desequilíbrios internos, através da reconversão produtiva regional, do aproveitamento dos potenciais de crescimento e do desenvolvimento local e ordenamento do território.
Tendo como certo que o planeamento e a consecução do planeado não são assuntos transcendentes mas requerem uma tenacidade e uma aplicação que costumam aborrecer os nossos compatriotas e nas quais não somos particularmente notáveis, previmos estruturas de coordenação da acção, de acompanhamento e de avaliação do executado. Quero que-na Assembleia fique com o testemunho inequívoco de quem viu a sua tarefa facilitada pela identificação de todos os sectores e com as prioridades acordadas, tendo-se limitado a propor acomodações de ambição aos meios, disponíveis mas fazendo-o num campo tão vasto de boas propostas e de excelentes projectos que viu desmentida, uma vez mais, a ideia já infirmada de que não há aplicações preparadas para tanta ajuda. E quero também que ela fique com a certeza de que nos aplicaremos, particularmente, nesses exercícios de acompanhamento e de avaliação de modo a patentear os resultados obtidos, nos seus méritos ou nas faltas que circunstâncias imprevistas porventura determinarem.
O Mercado único Europeu e o que lhe anda associado eram inevitáveis se a Europa não quisesse conformar-se com uma perda inexorável dos seus atributos de «primeiro mundo».

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A ideia foi-se amassando lentamente, por via da comparação com o que fazia prosperar os Estados Unidos e o Japão; o velho continente teve de ser confrontado, com as potencialidades da escola e da inovação, com as virtualidades do desenvolvimento cientifico e tecnológico e com a evidência de que as vantagens comparativas têm de ser redescobertas todos os dias para continuarem a ser vantagens. Desse confronto nasceu a vontade de mudar radicalmente o modo de formular as suas decisões colectivas e de encarar a concorrência na cena internacional.
E, para nosso bem, mas também para duplicação do nosso esforço, a mudança na Europa surge quando nós acabamos de nela entrar e quando Portugal, tinha já de se mudar a si próprio para recuperar de muitas décadas de isolamento e descompasso. A integração de Portugal em ambiente europeu, estabilizado já nos exigiria uma disciplina e eficácia de acção para as quais todas as nossas forças e vontades seriam indispensáveis; quando esse ambiente experimenta, ele próprio, uma dinâmica de mudança, é preciso que toda a nação tenha a consciência de que se exige muito dela mas também é indispensável que ela saiba que esta oportunidade não se repete. É, por isso, muito apropriado que ouçamos a vossa opinião sobre as grandes questões para as quais oferecemos as soluções que conhecem.
As vantagens na concorrência acrescida que vamos enfrentar reclamam a quebra de toda a sorte de isolamentos; daí a nossa concentração de investimentos em estrada, aeroportos, portos, telecomunicações... Deverá ser ainda mais expressivo esse esforço? Para andar depressa deveríamos focar a atenção na faixa litoral ou tentar promover como está a ocorrer, um equilíbrio entre a costa e o interior? A determinação da acção exige prioridade ao crescimento ou ele próprio é condicionado pelo desenvolvimento? Devemos explicar a todos que não podemos curar de alguns por estarem longe; por não serem instruídos por estarem
agarrados à sua terra ou é imperioso que asseguremos a todos que estamos na disposição de atrasar alguns acréscimos da prosperidade dos mais capazes em
nome da solidariedade nacional? É que essa afirmação tem alguns custos que devem ser assumidos conscientemente!
A questão da escala que torna muitas actividades competitivas reclama uma outra aposta que fizemos na educação e na formação profissional. Está bem definida esta prioridade? Deveriam ser gastos mais fundos nestes sectores? Em caso afirmativo quais teriam de ser os sectores sacrificados? Dever-se-à insistir no reforço do ensino politécnico ou fortalecer o universitário? Que modos informais de educação devem ser promovidos? Como fomentar na juventude uma abertura para a ciência e para a tecnologia?
A inovação vai ser determinante do sucesso. Ora ela tem muito a ver com os resultados do que fizermos em matéria de investigação cientifica e tecnológica. Sucede que, não temos tido possibilidade de orientar muitos meios para conseguir a duplicação das verbas afectas ao sector. Onde as obter? Deveremos acentuar o peso da investigação processada dentro das empresas; como pensamos, ou fomentar a que se realiza nos laboratórios do Estado? Qual o equilíbrio entre as verbas orientadas para a investigação aplicada e a que deve ser destinada a investigação fundamental? Será que a ligação entre as duas é que deve comandar o equilíbrio, como nós propomos? Deveríamos investir mais em investigação? E nesse caso, quais os sectores a desguarnecer?
A alta tecnologia e os serviços muito elaborados são a base do progresso futuro, possibilitando os aumentos constantes de produtividade, as melhorias progressivas de qualidade e o refinamento dos métodos de gestão em que há-de assentar o passo subsequente do processo de desenvolvimento. Tanto a tecnologia avançada como os serviços modernos, particularmente os financeiros, reclamam uma atenção quase obsessiva na educação, na formação profissional e na investigação Cientifica. São estas prioridades partilhadas pela Câmara?
A construção europeia vai determinar, por um lado, maior disciplina de coordenação das políticas económicas fundidas progressivamente numa política económica comum e, por outro, vai seguramente caminhar no sentido da limitação da intervenção do Estado na economia. Neste quadro, talvez que o nosso problema mais grave venha a ser o do deficit do sector público administrativo. Como conciliá-lo com o investimento público elevado que temos de fazer e com as despesas correntes que não dão sinais de abrandamento?
Os bons resultados da exportação têm determinado uma concentração da actividade nos sectores tradicionais; insistindo nas vantagens de uma mão-de-obra muito competente, a essa escala e para esses produtos, e com custos muito atraentes; mas é a diversificação que nos dará segurança e a qualidade que nos permitirá competir. Além da informação e dos incentivos seleccionados, a que instrumentos se deve recorrer para orientar as coisas, no sentido que interessa?
O que está em causa são escolhas cujo reflexo se vai prolongar por muitos anos e cujo acerto pode contribuir para acelerar o progresso de modo muito nítido. Por detrás de tudo há uma constante: um esforço acrescido e permanente cujos frutos virão diferidos no

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tempo. Com ele as probabilidades de sucesso são grandes; sem ele as certezas de atraso progressivo são definitivas; mas esse esforço e o seu enaltecimento têm um custo político que é preciso ter a coragem de pagar: é a coragem de falar verdade, não escondendo dificuldades e alargando a base da responsabilização pelo sucesso. Quaisquer bons resultados hão-de decorrer da aplicação de todos ou não ocorrerão, porque a dimensão da exigência só pode ser correspondida com a dimensão de um movimento. Ora este passa pela identificação do maior número com um propósito tornado comum.
Conhecem VV. Ex.ªs as nossas respostas. Elas estão apontadas nas Grandes Opções do Plano a médio prazo e começam a estar cristalizadas, de novo, no Plano de Desenvolvimento Regional cujo tom geral já apresentei a alguns. Conhecendo os desafios e as respostas que propomos, que nos dizem da adequação entre ambas?
Isto é um debate! Estamos a cumprir com a nossa parte, estimulando a discussão em torno dos temas mais relevantes e complexos. Espero que se deixem provocar e que nos digam o que deles pensam e como deles curariam se tivessem os nossos encargos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Maria Santos e João Cravinho. No entanto, o Governo já não dispõe de tempo para responder.

Pausa.

Srs. Deputados, a Mesa verifica que todos os partidos estão de acordo em cederem tempo ao Governo para que possa responder.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que dispõe de dois minutos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Ministro, há pouco, o Sr. Deputado Pedro Roseta citou passagens de um relatório recentemente aprovado pelo Parlamento Europeu sobre a coesão económica e social.
No entanto, ou por não ter lido ou por não lhe convir, o Sr. Deputado não citou a passagem seguinte: «... o desenvolvimento das regiões actualmente desfavorecidas depende, em grande parte, das iniciativas e do empenhamento dos respectivos responsáveis a todos os níveis. Salienta-se, a este propósito, a necessidade urgente de aplicar verdadeiras medidas de descentralização administrativa que permitam às instituições regionais participarem, de direito, nas opções respeitantes às regiões...»
Face ao que acabei de ler, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro e ao Governo que leitura fazem desta passagem do relatório. Como a coaduna o Governo com a paralização do necessário processo de regionalização, anunciada aos seus pares pelo Sr. Primeiro-Ministro e aqui reafirmado pelo Sr. Ministro Valente de Oliveira?
Como coaduna o Governo esta passagem do relatório com a forma secreta por que tem vindo a ser elaborado o PDR, mau grado o Sr. Ministro ter vindo dizer à Assembleia que tinha dialogado com uma série de entidades?
Onde o Sr. Ministro vê diálogo, nós só vimos protestos - das autarquias e dos agentes económicos e empresariais - por não terem sido ouvidos na elaboração do PDR, audição e participação que, aliás, é também definida e proposta através de um parecer do Comité Económico e Social da CEE, onde se afirma que é necessário assegurar a participação e a consulta permanente de todas as forças económicas e sociais, aos vários níveis e em todas as fases do processo.
Onde o Sr. Ministro vê contributos e consultas, eu próprio vejo, por exemplo, a realização neste momento, em Évora, de uma reunião extraordinária do Conselho Regional da CR do Alentejo, aberta a todas as instituições empresariais e privadas, à qual foi chamado o presidente da CCR, a fim de dar explicações sobre um PDR que ninguém conhece, nem as autarquias, nem os agentes económicos empresariais, nem o próprio conselho regional, órgão consultivo da CCR. Aliás, este conselho foi obrigado a realizar esta reunião extraordinária à contre coeur e contra vontade da própria CCR e do ministério!
Sr. Ministro, como coaduna este comportamento do Governo com o facto de, devido à intervenção pública do Partido Comunista e das autarquias, o Governo se ter visto obrigado a apresentar ao Conselho Nacional do Plano e à Assembleia, a partir de 6 de Março, o PDR, de acordo com as directrizes e as determinações definidas nos relatórios do Parlamento Europeu, nas directivas comunitárias e nos pareceres do Comité Económico e Social?
Finalmente, Sr. Ministro, como é que coaduna todo este processo com o facto de, tal como anunciou em sede da Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus, ter tomado a decisão de ir entregar a Bruxelas decisões tão importantes sobre projectos de interesse nacional, como é o caso do projecto do Alqueva?
Sr. Ministro, como é que um Governo, que deveria defender a soberania e a capacidade de adesão nacional, vai entregar aos técnicos de Bruxelas decisões sobre projectos tão importantes como o do Alqueva?

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha e que tinha sido cedido pelo Partido Os Verdes.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Ministro, aquando da minha própria intervenção já tive oportunidade de colocar as questões que, do nosso ponto de vista, consideramos fundamentais. Assim, permitir-me--ia colocar-lhe duas perguntas muitos concretas.
Há necessariamente uma relação estreita entre o Mercado Único e a problemática das infra-estruturas de transportes - uma Europa mais veloz. Esta questão prende-se com os chamados transportes de grande velocidade, cuja criação já foi contestada na própria Bélgica, onde muitas das regiões, do ponto de vista da natureza, são significativas e mesmo consideradas como reservas naturais e ornitológicas. Portanto, a criação destas infra-estruturas levou a grande contestação por parte das populações, devido ao que implicaria de stress e intranquilidade para estas, por exemplo, o facto de um camião TIR quase «lhes correr pela casa dentro».
Ora, como sabe, em Portugal, neste momento, há grandes protestos, por um lado, relativamente à auto-estrada prevista entre Lisboa e Cascais e, por outro, à chamada «Via do Infante», no Algarve, e mesmo relativamente àquele troço da via rápida para o norte que - pasme-se! - passa por uma reserva natural tão importante como é a das Serras de Aires e de Candeeiros.

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Neste sentido e tendo em conta que V. Ex.ª é o ministro da Administração do Território, gostaríamos de saber se já tem uma previsão concreta de quais os projectos previstos para a utilização dos TGV (Trains à grande vitesse) no nosso país, tendo em conta que, neste momento, ainda continuamos carentes de um ordenamento do território e que, portanto, se não houver programação, a sua ausência limitará a utilização destas infra-estruturas que podem não estar previstas para os anos mais próximos; embora tenhamos que ficar vinculados à respectiva criação devido aos objectivos do Mercado único.
Há ainda duas outras questões, que se presidem com as ratificações das directivas comunitárias em matéria de ambiente, e que gostava de lhe colocar. Neste momento, Portugal não ratificou e não regulamentou muitas áreas importantes dessas directivas, nomeadamente quanto a estudos de impacto ambiental e quanto a problemas relativos à qualidade do ar.
Finalmente, há uma directiva da CEE que diz que os fundos comunitários não podem ser aplicados em projectos que possam atentar contra o meio ambiente.
Assim, perguntar-lhe-ia se, no seu ministério, V. Ex.ª criou condições que, neste momento, permitam fiscalizar e agir com controlo efectivo sobre os projectos que, tendo sido subsidiados pela Comunidade Económica Europeia, possam estar a colocar em risco o meio ambiente natural português.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a, palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro, já várias vezes tenho afirmado que é sempre com muito, gosto que o oiço; pois o Sr. Ministro tem uma rara qualidade de expressão e de elegância e muitas vezes, nos seus discursos, vai até ao fundo das questões.
Assim, gostaria que também nos desse uma tal oportunidade, embora, em relação à Oposição, não me refira ao fundo das questões dado que, perante o Governo, aquela tenha um estatuto diminuído que não lhe permite lá chegar.
Não obstante; queria pôr-lhe uma questão muito concreta.
Com certeza que o Sr. Ministro considera que o PDR é a pedra angular dos próximos cinco anos, no que diz respeito às relações com as Comunidades em matéria da reforma dos fundos estruturais. De facto, trata-se de matéria absolutamente fundamental do mais relevante interesse nacional.
Assim, pergunto ao Sr. Ministro se, perante esta Câmara e desde já, está disposto a assumir o compromisso de fazer debater, perante esta Assembleia, esta matéria de tão relevante interesse nacional, ou se pelo contrário, vai deixar que o assunto fique «escondido» em sede de uma comissão parlamentar que, porventura, nem sequer tem actas submetidas a gravação.
Sr. Ministro, assume ou não o compromisso? Acha que o assunto tem relevante interesse nacional ou entende que o PDR é secundário?
Gostaria que o Sr. Ministro nos desse uma resposta. Provavelmente dirá que vai pensar ou que essa decisão é da competência da Assembleia. Pois bem, neste último caso, já sabemos de antemão que haverá uma proibição de debate entre o Governo e a Assembleia da República.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Srs. Deputados, visto não dispor de muito tempo tenho que ser telegráfico nas respostas que vou dar. Porém, quero agradecer à Sr.ª Deputada
Maria Santos do tempo que me concedeu para esclarecer um pouco mais aquilo que o Governo pensa quanto a esta matéria.
Sr. Deputado Lino de Carvalho; o desenvolvimento depende, naturalmente do envolvimento e relatei qual tinha sido a participação, tal como referi na, reunião da Comissão de Assuntos Europeus. Na realidade, o PDR não está ser elaborado de forma secreta, pois têm havido muitas formas de o tornar conhecido de um grande número de pessoas. Simplesmente, tal como já referi, o que sucede é que esta não é versão final; trata-se de, um documento de negociação, de um documento que vai ser objecto de muita crítica antes de se tornar em documento final e portanto não será esta a versão que vai acabar por balizar toda, a nossa acção.
Sr. Deputado João Cravinho, é evidente que este é um documento muito importante para o futuro e é também evidente que uma vez, aprovado, depois de toda esta negociação que já sabemos que vai demorar seis meses, que é o período que Bruxelas, estima para essa negociação, ele irá presidir a muitas das orientações de fundo, especialmente, daquilo que tem a ver com os auxílios comunitários.
O facto de se estar a reunir em Évora o conselho regional é a prova de que, efectivamente, está a haver muita consulta sobre estes elementos. Não se pode, de maneira alguma, considerar que neste momento haja outras formas de vincular os agentes, porque tudo o que está estipulado na Lei n.º 111/88 está cumprido. Assim, os Srs. Deputados não têm que se queixar de não estarmos a cumprir as regras porque elas estão á ser cumpridas.
A Sr.ª Deputada Maria Santos colocou a questão da relação Mercado Único/transportes. É evidente que o Mercado único, especialmente para um país da periferia, reclama muitos e bons transportes. Não se pretende que fiquemos com uma reserva muito bem preservada mas sem, qualquer espécie de desenvolvimento.
Aqui têm que haver duas coisas: em primeiro lugar, bom senso, que é uma coisa mais rara do que aquilo que pensa e; em segundo lugar, alguma confiança no
progresso-tecnológico. É evidente que hoje há melhorias substanciais no que se refere ao progresso tecnológico dos transportes. Basta ver o que é que, por
exemplo, se tem passado em matéria de ruído de aviões para verificarmos como têm havido melhorias substanciais.
Se a Sr.ª Deputada perguntar se acabaremos por ter o TGV, é evidente que sim, mas não, posso dizer em que data porquê ainda não está nada fixado neste domínio. Porém, poderá ficar certa de que TGV; auto-estradas é outras coisas semelhantes com grande impacto no ambiente vão ter os mais cuidados estudos a rodeá-los, de tal maneira que não tenham lugar todos esses malefícios que a Sr.ª Deputada antecipa, naturalmente, de acordo com aquilo que são as suas preocupações já conhecidas.

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A ratificação das directivas comunitárias prossegue, embora seja difícil adaptá-la. Estamos sempre à procura da conciliação, do equilíbrio de coisas muito avançadas, com aquilo, que podemos vir a ter em matéria de impacto, mas é evidente que estamos a tratar de conciliar as necessidades do desenvolvimento com o respeito do ambiente.
Sr. Deputado João Cravinho, muito obrigado pelas referências que fez. Contudo, devo dizer-lhe que o assunto não está escondido numa comissão qualquer. O assunto foi debatido numa reunião de quatro horas, está mais do que explicitado e, aliás, como já há pouco referi, vou ter a possibilidade de consultar o Conselho Nacional do Plano e o Conselho de Concertação Social, tudo na mesma base.
Estamos a preparar um documento de negociação e, Srs. Deputados, gostaria que se relembrassem de que já tiveram oportunidade de criticar as bases de tudo isto. Na verdade, quando se discutiu o documento das Grandes Opções do Plano houve uma bela oportunidade para se abordar tudo isso, mas nessa ocasião os Srs. Deputados privilegiaram aspectos menores, aspectos de conjuntura, não respeitaram a estrutura nem reflexões sobre ela. Portanto, agora dizem que não tiveram tempo de discutir o que era fundamental, quando é certo que o Plano de Desenvolvimento Regional respeita inteiramente aquilo que foi aprovado por W. Ex." no plano contido nas Grandes Opções a médio prazo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Cravinho (PS): - Tivemos três minutos para as Grandes Opções do Plano!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A culpa é vossa, podiam ter utilizado três horas!

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Eu estive cá sempre!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, que dispõe de um minuto.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de prestar um esclarecimento em relação ao que acabou de dizer o Sr. Ministro.
A participação que é feita em relação ao plano não pode continuar a ser feita como o Sr. Ministro a invoca. V. Ex.ª sabe que todos os deputados eleitos pelo Alentejo receberam hoje uma carta a convocá-los para uma reunião a ter lugar hoje mesmo. Telefonei a saber onde estava o documento de base para discutirmos o Plano Regional do Alentejo e a resposta foi a de que não havia nenhum documento de base.
Portanto, Sr. Ministro, como é que quer que se façam discussões «no ar», sem documentos de base, para se obter um relatório que tem que ser apresentado até ao final do mês? É este o tipo de discussão séria que o Sr. Ministro entende que se pode fazer? É óbvio que não! É apenas para dizer às pessoas que se fez, mesmo que não se possa referir nenhum aspecto concreto sobre o que está previsto para a região do Alentejo!
Era apenas isto que gostaria que ficasse registado no minuto que resta ao PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

De acordo com o solicitado no Ofício n.º 980 - Processo n.º 220/89 - OP, do 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, de 13 de Fevereiro de 1989, enviado à Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Armando António Martins Vara, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta comissão parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a prestar depoimento como testemunha no processo em causa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um segundo relatório da Comissão do Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

«De acordo com o solicitado no Ofício n.º 151 - Processo n.º 1726/88 - 2.ª Secção, do 2.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, acerca de Sr. Deputado Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta comissão parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a prestar depoimento como testemunha no processo acima referido.

O Sr. Presidente: - Vamos votar, Srs. Deputados.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Srs. Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na fase de encerramento do debate.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª tem uma má visibilidade no que respeita à bancada do Governo, gostaria de prevenir que o Sr. Primeiro-Ministro não se encontra presente e certamente que gostaria de assistir à fase de encerramento do debate. Portanto, nessas circunstâncias, não sei se não valerá a pena fazer uma pequena pausa para que o Sr. Primeiro-Ministro possa ser informado de que entramos no período de encerramento do debate.
Esta é a sugestão que faço à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado é evidente que do lugar onde me encontro não tenho uma grande visibilidade da bancada do Governo. Porém, posso ver que

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se encontram presentes alguns membros do Governo e certamente que o Governo terá tomado as suas iniciativas.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Sr." e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para além das forcas partidárias para além da diversidade das ideologias e das ideias...
Para além das realidades, para além de tudo isso, há um amanhã!
Para além dos poderes, sempre circunstanciais, há um amanhã!
A responsabilidade do que aqui foi dito, do que ainda se vai dizer, projecta-se nesse futuro imediato e fornece-lhe a coloração ecológica, cultural, social e económica.
Os grandes princípios e as práticas contrárias; as nobres afirmações e as realidades mesquinhas fazem parte do quotidiano e tingem-no de inevitáveis tons.
A evolução das sociedades levou séculos para se libertar de síndromas e atingir a plenitude. Queremos situar-nos nesse caminhar, em direcção ao novo estádio civilizacional, é essa a intenção que damos às nossas palavras.
Ao falarmos do Mercado Único do nosso campo de visão, pretenderíamos afastar as imagens socialmente degradantes.
Gostaríamos de optar por visualizar, talvez de maneira idílica, mas com certeza de modo dignificante, os povos que habitam esta Europa e que merecem um outro destino. Mas ao falarmos do Mercado Único não escamoteamos a realidade que temos, e dela fazemos uma crítica que pressupõe podermos ainda inflectir o processo da unificação europeia.
O Mercado Único define como prioridade o crescimento económico, marginalizando claramente os aspectos sociais, culturais, científicos e ambientais.
Uma análise dos seus objectivos da sua estrutura das relações com o resto do mundo e do seu impacto na bioesfera, levam a afirmar que se trata de uma organização não-ecológica, não-solidária, agressiva e belicista.
O desaparecimento das barreiras fiscais e a livre circulação de capitais, mercadorias, serviços e pessoas, será apenas um instrumento de domínio das transnacionais e dos grandes grupos económicos, fornecendo-lhes as vantagens inerentes às economias de escala, com graves prejuízos para os trabalhadores, os pequenos e médios agricultores, comerciantes e empresários para os países e regiões menos desenvolvidas.
Com a reconhecida perda de competitividade das transnacionais oeste-europeias face ao Japão, a outros países do Pacífico e aos EUA, e criação de um espaço económico único, foi a única solução encontrada para permitir a sobrevivência desses grupos económicos. Forneceu-lhes as condições para melhorarem a sua competitividade no Mercado Interno e no Mercado Externo e para, em nome deste espaço económico e dos 320 milhões de consumidores, ganharem poder negociai em matérias económicas internacionais importantes.
A não serem introduzidas profundas alterações, o Mercado Único irá agravar todos os traços nefastos que, segundo o Movimento Verde Alternativo Europeu, caracterizam a Comunidade Económica Europeia.
De facto, o objectivo fundamental da CEE é o crescimento económico, obtido à custa de um consumo elevado e não sustentado dos recursos naturais, de enormes gastos energéticos e da diminuição da diversidade biológica e das formas de utilização da biosfera. Integra-se nesta insensata maneira de planear, a política agrícola comum, que absorve cerca de dois terços do Orçamento da Comunidade e tem encorajado a adopção de métodos de cultura intensivos e industriais e o uso de pesticidas e fertilizantes, como forma de obter níveis máximos de produção, de controlar os preços do mercado, sem ter em conta a procura e a capacidade do suporte biológico.
A industrialização da agricultura e o uso excessivo de químicos tem provocado a especialização desequilibrada das regiões, através da prática da monocultura e da exploração intensiva do solo, a descaracterização das comunidades rurais e a destruição dos habitais, a poluição das águas subterrâneas, a diminuição da fertilidade dos solos e da qualidade dos alimentos e o desperdício de enormes quantidades de produtos alimentares e de quantidades escandalosas de energia.
A PAC não tem conseguido dois objectivos fundamentais e inseparáveis: respeitar o ambiente, a diversidade das paisagens e os habitais dos seres vivos e, por outro lado, preservar as fontes de produção de alimentos e o desenvolvimento da agricultura.
A nível energético são traços dominantes um elevado consumo, uma fraca utilização racional de energia e uma fone dependência de poucas fontes ocupando o nuclear um papel relevante.
Mas a Comunidade, em vez de impedir a instalação de centrais nucleares e de fechar as existentes, «liberaliza» o fornecimento de energia, permitindo que a energia nuclear francesa seja vendida a toda a Europa, salvando essa indústria da falência.
Paralelamente é reforçado o organismo europeu dirigido para a expansão do nuclear.
Toda a estratégia da Comunidade em matéria de ambiente está subordinada às questões económicas, de forma a evitar «aplicações de políticas nacionais divergentes que poderia dar origem a disparidades susceptíveis de afectar o bom funcionamento do Mercado Comum».
A nível da Comunidade a integração da protecção ambiental no planeamento económico é essencialmente: «uma questão de custos e benefícios».
Talvez seja esta a razão porque em 1986 a percentagem do orçamento comunitário destinado ao ambiente foi apenas de 0,067o.
Para uma área tão importante convenhamos que é insignificante e ridículo!
E se a comissão aprovou mais de 100 actos sobre a protecção do ambiente, que contudo não abrangem totalmente os aspectos importantes, em relação a muitos deles não existe a obrigatoriedade da sua aplicação.
Os próprio relatórios da comissão revelam que, apesar dos períodos muito largos concedidos aos Estados membros para a adopção das directivas, continua a haver uma forte resistência, sendo o Estado português ainda um dos lamentáveis exemplos.
Por outro lado, grande parte das directivas não tem consequências práticas por falta de execução, não havendo entretanto meios de fiscalização eficazes.
É também anti-solidária na relação entre as regiões que constituem o espaço físico da Comunidade, no relacionamento com os restantes países, nomeadamente

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os chamados países do Terceiro Mundo e na própria relação com a biosfera.
A estrutura da Comunidade Europeia conduz a uma inevitável centralização, quer do poder económico, quer do poder político, afastando cada vez mais o poder de decisão dos países das regiões e dos cidadãos.
O poder de decisão é fundamentalmente exercido por órgãos não eleitos (Conselho de Ministro e comissões), que têm sido incapazes de representar quaisquer interesses a não ser o dos grandes grupos económicos e os seus próprios interesses políticos.
São essas estruturas que tomam decisões importantíssimas sobre a vida e o futuro das regiões e das populações, sem que elas tenham participado na sua decisão.
A burocracia dirigida desde Bruxelas é complicada, cara, distanciada dos povos e das suas regiões e fora do alcance de qualquer tipo de controlo democrático efectivo. Inclusive, não existe controlo por parte dos parlamentos nacionais.
Com a entrada em vigor do Mercado Único será ainda retirado mais poder aos níveis local, regional e nacional afastando os cidadãos dos órgãos de poder e diminuindo a sua participação.
Um balanço sobre os efeitos da adesão de Portugal à CEE deverá ter em conta as condições particulares que caracterizam estes primeiros anos de adesão: o estatuto de transição em que o nosso pais se encontra numa altura em que são dados passos decisivos no sentido da criação do espaço económico único e, por outro lado, a bombagem de fundos que caracterizam este período de transição, aliada a uma conjuntura económica internacional extremamente favorável.
Se estas condições ajudaram a criar a ilusão de que, com a entrada de Portugal na CEE, entrámos numa fase de desenvolvimento, são vários os exemplos que mostram claramente que não caminhamos nesse sentido e que, na divisão do trabalho e tarefas que caracteriza a Comunidade, e que se irão agravar a partir de 1993, nos cabe um papel marginal, de país «periférico».
Para Portugal está previsto o papel do fornecedor de matéria-prima (principalmente de floresta de produção para as indústrias de celulose), de suporte de indústrias poluidoras (celuloses e químicas) e de outras que não exigem uma formação profissional elevada, de forma a tirar partido da mão-de-obra barata.
As elevadas riquezas naturais e paisagísticas do nosso país, serão alteradas e aproveitadas de forma a satisfazer um «turismo de alta qualidade», utilizada a nossa situação geográfica para reforço militar da NATO, sem que o povo português tenha decidido participar na chamada «segurança europeia», dado o seu aval à integração na UEO ou permitido que a nossa terra se disponha a receber armamento nuclear.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A política da CEE tem aumentado as desigualdades económicas e sociais entre as regiões mais ricas e as mais pobres, à custa do mundo rural. Tem provocado um aumento dos desperdícios e dos resíduos. Tem provocado a degradação, relegando para um papel secundário as questões sociais, culturais e ambientais.
Mas o objectivo deste crescimento contínuo não é senão um benefício a curto prazo, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados e poderá ser um drama a médio e longo prazo.
É que hoje o Homem é obrigado a reconhecer que a factura desse crescimento é elevada e já nos está a ser apresentada e que as desigualdades, longe de terem sido eliminadas, são ainda mais evidentes. Ao contrário do que nos queriam fazer crer, crescimento e desenvolvimento têm significados precisos e distintos.
Por tudo isto, o Movimento Verde e Alternativo da Europa, considera que o Mercado Único não é, nem deveria ser considerado uma prioridade.
Sendo Portugal um dos países onde é bem notória a necessidade de se encarar outras prioridades políticas económicas, sociais e ecológicas, o que se exige é uma política que promova uma gestão racional dos nossos recursos naturais, na defesa dos valores ambientais e da melhoria real da qualidade de vida dos portugueses.
Que promova um aumento dos direitos sociais dos cidadãos. Que diminua as desigualdades regionais, através da revitalização do mundo rural que humanize os centros urbanos e que desenvolva um significante papel na política de paz e cooperação entre os povos.
Com esta política, Portugal daria passos importantes na construção de uma Europa diferente, que engrandeça a existência do cidadãos comum, que atenda à diversidade das nossas Comunidades, à feição específica da nossas cultura, promovendo um desenvolvimento, inseparável do da nossa identidade nacional.
Como disse na minha primeira intervenção se o Mercado Único e a unificação da Comunidade Europeia, fosse no sentido de criar e aplicar uma verdadeira e efectiva política social e ambiental, para o bem do cidadão europeu de hoje e para os que depois de nós terão o direito de viver e que acima dos interesses nacionais afirma-se a construção de uma Europa habitável, então nós, Partido Ecologista Os Verdes, saudaríamos o ano de 1992.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontramo-nos aqui por iniciativa do Governo. Assim, gostaria de dizer que anda inteiramente longe das minhas intenções e certamente das de qualquer Sr. Deputado, fazer perder tempo ao Governo e só o louvamos por utilizar com tanto afinco todo tempo disponível, designadamente aquele que devia ser destinado a ouvir os deputados que convocaram para um debate.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Muito bem!

O Orador: - Creio que alguma coisa de estranho se está a passar e que a Assembleia consente, mas que eu, pela minha parte, não consinto que passe em silêncio. Em primeiro lugar, este debate foi organizado pelo Governo e este, pela voz do Sr. Primeiro-Ministro, fez as seguintes perguntas: quais as orientações de política interna que os Srs. Deputados consideram mais adequadas para enfrentarmos com êxito o novo condicionalismo da Europa comunitária e qual o posicionamento que entendem aconselhável para Portugal face às questões fulcrais que a construção da União Europeia está a pôr?
Naturalmente há aqui alguma coisa que necessita ser esclarecida, pelo menos do ponto de vista semântico,

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e estou daqui a ver um deputada que parece ter alguma autoridade nesse domínio. O Governo vem à procura da opinião da Assembleia da República ou da opinião dos Srs. Deputados? 15to, porque quando se trata do voto, o que ouvimos dizer sempre é maioria absoluta, a regra democrática ou a opinião da maioria, paciência, noutra ocasião será escutada.
Ora, aquilo que o Governo pode vir procurar neste local é a opinião da Assembleia da República, porque não somos individualmente conselheiros do Governo.
Por outro lado, é natural que quem faz perguntas esteja presente para ouvir as respostas.

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - 15to não tem nada que, Ver como Regimento da Assembleia, mas sim com as regras da cortesia que devem existir entre as pessoas e as instituições. Ora, isto não é uma maneira de corresponder à cortesia com que os Srs. Deputados passaram aqui o dia inteiro a ouvir variadíssimas perguntas, mas, pelo que parece; não interessa ouvir as respostas, senão alternadamente: umas vezes sim, outras vezes não.
É preciso que, de uma vez por todas, se entenda que a Assembleia de República é um órgão de soberania e que o «Sr. Governo» não tem que se dirigir aos Srs. Deputados como seus conselheiros; mas sim ao órgão de soberania, com o interesse que esse órgão de soberania lhe deve merecer e também com o respeito que os Srs. Deputados não podem dispensar.
Gostaria de dar uma pequena contribuição à Assembleia e tenho a perfeita consciência de que não se trata de, uma contribuição muito grande para o País porque, mesmo que se trate de ideias certas, sabemos que temos meios de comunicação muito restritos e que a nossa voz não vai muito mais longe do que as paredes desta Casa, onde nem querer estão sempre - volto a repetir - as pessoas que fazem as perguntas, convencendo-nos de que gostariam de ouvir as respostas.
Justamente o que me impressionou neste debate foi que, parecendo o «perguntador» consciente de que há um novo condicionalismo na Europa comunitária e que há uma construção da União Europeia que exige um novo posicionamento, não houve uma só palavra sobre as variáveis políticas inteiramente novas que condicionam o Mercado Comum, o seu desenvolvimento e o seu futuro.
Não houve também uma só palavra sobre a circunstância de o próprio projecto português de adesão às Comunidades mudar completamente desde a década de 60 e isto precisa de ser lembrado e anotado.
Já tive ocasião de lembrar que as primeiras manifestações europeistas portuguesas tiveram em vista, na década de 60, uma alternativa para o fim do ciclo imperial, antes que este se verificasse, e foi um projecto de salvaguarda das estruturas económicas existentes com as tranquilidades e benefícios inerentes.
Disse, nessa altura o seguinte: «A religião desenvolvimentista que alastrou na Europa na década de 60 e que tem F. H. Cardoso entre os inquisidores mais intransigentes nos países pobres, também aqui organizou então os seus convertidos, que falavam do Mercado Comum como: terra da promissão e incluíam nos preceitos do respectivo credo o que chamavam a concepção rectangular de Portugal. Aquilo que, talvez por falta de paciência, em face da tradicional instabilidade política e do consequente tempo perdido para as tarefas da modernização, se traduziu no desabafo de vencidos da vida ao dizerem que a África começava nos Pirinéus, era tomado como definição de um novo mito de descobridores.
Estavam dispostos a substituir as caravelas do que lhes parecia o erro da caminhada marítima, a qual incluía nessa data a prestação do desconfortável serviço militar; pelos modernos transportes continentais que outros tinham construído e que os conduziam à participação nos frutos do paraíso que outros tinham organizado: Em termos políticos, era uma proposta descolonizadora capitalista e liberal, que fechava os estabelecimentos considerados inviáveis no ultramar, para salvar, a estrutura da sede e mudar de ramo. Nesta corrente, os princípios ideológicos da descolonização europeias eram um ingrediente da imagem necessária para facilitar a reconversão do aparelho económico privilegiado, a manutenção das estruturas e o amortecimento dos conflitos sociais pelo envolvimento de todos na mística das rising expectations.»
Hoje; neste ponto de frequência de avaliação continua a que submeteram o Parlamento; com a presença inesperada e intermitente do professor e não apenas dos assistentes, como é tradição, a primeira e grave conclusão que tiramos é que o Governo não tem um conceito de Europa, não fez o inventário das questões que entretanto modificaram radicalmente o ambiente das chamadas Comunidades Económicas Europeias, não enuncia as tensões que estão a desenvolver-se no interior da mesma, em suma, que o Governo enfrenta a integração europeia sem dar a conhecer que tem uma política externa sobre a qual pergunte ou responda naquilo que respeita a esta questão fundamental.
Para tornar suficientemente claro este comentário, é importante lembrar que todo o movimento institucional europeu teve origem em preocupações de defesa e, a este respeito a intervenção do Governo limitou-se a uma breve linha de conteúdo completamente errado sobre a União da Europa Ocidental.
Se o ambiente estrutural é estruturante das Comunidades Europeias de 1985, onde avultava o «europessimismo» mesmo governamental, não tem semelhança essencial com o ambiente de hoje, 28 de Fevereiro de 1989, é necessariamente alarmante que a intervenção governamental não contenha uma palavra a tal respeito.
Para o interrogatório a que a Assembleia foi hoje submetida, não está em causa, por exemplo, a matéria abrangida pela atitude da primeira-ministra britânica, em 20 de Setembro de 1988 no Colégio da Europa.

Disse ela, designadamente; o seguinte:

A Europa não é uma criação do Tratado de Roma: Nem o conceito europeu é propriedade de qualquer grupo ou instituição. Nós, os ingleses, somos herdeiros do património cultural europeu tanto como qualquer outra nação. As nossas ligações ao resto da Europa, ao continente europeu, têm constituído o factor dominante da nossa História. Durante 300 anos, fizemos parte do Império Romano e as linhas rectas das estradas construídas pelos romanos ainda estão delineadas nos nossos mapas. Os nossos antepassados - os celtas, os saxões e os dinamarqueses - vieram do continente europeu: A nossa nação foi - usando

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a palavra favorita da Comunidade - «reestruturada» sob o domínio normando e angevino, nos séculos XI e XII.
Os portugueses podem dizer coisas de maior peso histórico que não foram ditas nem assumidas pelo Governo no debate que organizou.
E a primeira-ministra britânica acrescentou:
O meu primeiro princípio refere-se ao seguinte: a cooperação voluntária e activa entre Estados soberanos independentes é a melhor maneira de construir com êxito uma Comunidade Europeia. Tentar suprimir o sentido de nação e concentrar o poder no centro de um conglomerado europeu seria altamente prejudicial e poria em perigo os objectivos que pretendemos alcançar. A Europa tornar-se-á mais forte precisamente porque inclui a França como França, a Espanha como Espanha, a Inglaterra como Inglaterra, cada um destes países com os seus próprios costumes, tradições e identidade. Seria uma loucura tentar adaptá-los a uma espécie de almejada personalidade europeia.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Quando o Sr. Presidente entender que estou a abusar da sua benevolência, terminarei imediatamente a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como é habitual, quando os Srs. Deputados esgotam o tempo de que dispõem, avisamo-los; no entanto, como também é habitual, deixamos que acabem o raciocínio.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Apenas gostaria de dizer que, embora tendo apreciado muito o discurso da primeira-ministra e lido nos jornais o enorme prestígio que Portugal tem na Comunidade Económica Europeia, fiquei desgostoso de ela citar tantos países como exemplo e de Portugal não constar desta enumeração.
Creio que os nossos representantes nas Comunidades devem obviar a esta injusta omissão.
Continuo a citar:
Alguns dos fundadores da Comunidade pensaram que os Estados Unidos da América poderiam tornar-se o seu modelo, mas toda a História da América é bem diferente da Europa. As pessoas foram para a América a fim de escaparem à intolerância e repressão na Europa. Procuraram obter liberdade e oportunidades, e o seu forte sentido de determinação tem ajudado a forjar, ao longo de dois séculos, uma nova identidade e orgulho pelo facto de serem americanos, tal como nos orgulhamos por sermos britânicos, belgas, holandeses ou alemães.
E a primeira-ministra, por sermos portugueses, continua a não dar por isso no seu magnífico discurso. E continua a primeira-ministra:
Sou a primeira a dizer que existe um elevado número de questões importantes sobre as quais os países europeus devem tentar falar com uma única voz. Gostaria que cooperássemos mais estreitamente naquilo que podemos realizar melhor juntos do que sozinhos. A Europa torna-se mais forte quando o fazemos, quer seja na área do comércio, da defesa ou nas nossas relações com o resto do mundo. Mas o facto de cooperarmos mais estreitamente não significa que se centralize o poder em Bruxelas ou que decisões sejam tomadas por uma burocracia nomeada para tal cargo. Na realidade, é irónico que, precisamente na altura em que países como a União Soviética, que tentaram fazer funcionar tudo a partir do centro, estejam agora a aprender que o êxito depende da dispersão do poder e das decisões para longe do centro, alguns no seio da Comunidade pareçam querer dirigir-se em direcção oposta.
Estas graves palavras que, segundo a imprensa internacional, estão a pesar no debate interno de todos os países comunitários, não tiveram qualquer efeito no quadro das preocupações expostas pelo Governo.
Aquilo que sabemos, por uma entrevista recente, é que estamos num regime de «co-gestão de soberanias», um conceito novo emigrado da tecnocracia para a arte política, mas que não consta de nenhum programa eleitoral ou, pelo menos, ainda não chegou ao conhecimento da primeira-ministra inglesa.
Não podendo o Governo deixar de referir a União Europeia Ocidental, limitou-se a referi-la como um fórum sobre o papel do segundo pilar da Aliança Atlântica, mas evitou analisar o conteúdo do conceito de segundo pilar, não falou do seu custo global e eventual, da sua incidência possível sobre os orçamentos nacionais, dos seus reflexos sobre as estruturas da Comunidade e eventual distribuição dos seus recursos, nem das consequências para os últimos chegados à Comunidade.

O Sr. Presidente: - Queira abreviar, Sr. Deputado.

O Orador: - E isto é um problema que não pode deixar de ser encarado frontalmente em relação com a evolução das Comunidades no que interessa a Portugal, sobretudo tendo em conta o estado de espírito conhecido das tropas, a situação da cadeia de comando, a degradação do equipamento, a pública manifestação de desesperança por responsáveis militares.
No ambiente das Comunidades, aconteceu também o facto da mudança do tipo de relações entre os estados directores da comunidade internacional, que são os Estados Unidos da América e URSS, em relação às quais as instituições europeias são mais receptoras de efeitos do que causa deles.
Acontece que nenhum dos países que aderiram às Comunidades deixa de ter uma política externa diversificada, pelo que nos respeita, designadamente, a atlântica, a africana, a oriental. Foi-nos dito alguma coisa sobre os efeitos que esta nova situação das relações entre os Estados directores, ou superpotências, tem nas políticas chamadas europeias que necessariamente herdámos? Será que o novo conceito de Casa Europeia, lançado pela URSS, não tem que ver com a estabilidade das instituições europeias ou, não deixando de ser atlantista, está o Governo convencido de que a solidariedade com a NATO, nos termos actuais, depende essencialmente daquilo que chama Europa sem definição e não de acordo entre as superpotências?

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Teremos de assumir; pela omissão do Governo, que aqueles que andam inquietos com o eixo Bona-Paris, com o efeito aliciante e degradante da promessa da unidade alemã ou com a evolução do quadro das ameaças europeias, escutam apenas vozes, mas não propostas com conteúdo?
Lemos há pouco tempo que o Governo; que hoje faz apelo ao exame da sabedoria dos deputados, considerou as oposições como antiquadas, corporativas, e muito Maio de 1968.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de terminar.

O Orador: - Vou terminar imediatamente, Sr. Presidente.
É claro que estamos a referir notícias da imprensa que podem ser, em qualquer ocasião, corrigidas ou desmentidas, como aconteceu ao europessimismo. Mas, enquanto isto não se verifica, queremos sublinhar que esta afirmação apenas pode vir de quem não sabe do que foi Maio de 1968, não sabe o que é o corporativismo, ignora o corporativismo que o rodeia e que apoia e não repara que justamente falta. ao seu Governo a principal reivindicação de 1968: «L'imagination au pouvoir».
A essência da nossa resposta ao rol de perguntas do Governo é a seguinte, e vou já terminar, Sr. Presidente: a adesão às Comunidades Europeias era uma decisão sem alternativa. O Governo apresentou-se hoje aqui no exercício daquilo que De Gaulle chamava a Intendência e parece que, com reparos que merecem atenção, respeitantes à segurança e liberdade de circulação de pessoas, ideias e capitais, esta intendência desenvolveu-se com suficiência burocrática. Mas falta inteiramente a este Governo um conceito de Europa, de estratégia de Europa e, dentro dele, de um conceito estratégico nacional. Foi sobretudo urgente para a suficiência tecnocrática vir aqui dizer, para ser ouvida pelo eleitorado, que nas instituições europeias não pode haver confrontos ideológicos. Se isto fosse dito no sentido de Kant...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado...

O Orador: - ... , quando fazia a construção de um modelo possível de paz pelo direito, seria aceitável. Mas Kant, no quadro político em que vivemos, é certamente antiquado, corporativista e, obviamente, ignorante de Maio de 1968. Mas o sentido procurado, como sempre tem sido, é o que se exprimiu no voto útil. O único objectivo visível deste debate, sobre cujo sentido tanto se perguntou sem nenhuma resposta...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lamento ter de o interromper, mas realmente estamos a ultrapassar muito as regras de tolerância habitual.

O Orador: - Sr. Presidente, tive a paciência de passar aqui um dia inteiro a ouvir coisas que não eram necessárias, a perder tempo que não era necessário, a esperar por um Governo que não estava presente e V. Ex.ª acha que estou a abusar do seu.

Protestos do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

Suponho que foi por isto que tiraram as tampas das carteiras.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não faço juízos sobre o que ouviu ou não. Simplesmente, há uma regra - regra essa que combinámos em conferência de líderes - que tem de ser seguida.
Neste momento, o Sr. Deputado completou dezoito minutos, três segundos e sete décimos de segundo e ao CDS estavam atribuídos dez minutos.
Compreende-se, pois, a minha chamada de atenção.

O Orador: - Entendo perfeitamente, Sr. Presidente. Contudo, pergunto-lhe, se posso concluir o parágrafo.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe o favor de terminar brevemente.

O Orador: - Como disse há pouco, o único objectivo visível deste debate, sobre cujo sentido tanto se perguntou sem nenhuma resposta, é o de tentar uniformizar a representação portuguesa no Parlamento Europeu. A campanha da maioria para eleições europeias começou hoje. E para tal fim, não foi preciso explicar o que é a Europa, nem o que seremos nós dentro dela. Estas questões vêm sempre depois da conquista do poder. É do poder que se trata neste debate.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Maninho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No dia 20 do passado mês requeri ao Governo que, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, me facultasse as seguintes informações: listagem dos estudos, inquéritos, sondagens e trabalhos congéneres eventualmente existentes sobre a problemática da formação do Mercado único Europeu, cuja elaboração tivesse sido de iniciativa governamental; listagem das directivas constantes do chamado livro branco da Comissão para o Conselho chamado sobre a realização do Mercado Interno», já aplicadas em Portugal; enunciação dos principais/impactos/efeitos, nomeadamente sobre o sistema produtivo é os agentes económicos, decorrentes da aplicação das aludidas directivas; indicação da calendarização prevista para a aplicação integral das directivas pertinentes; no horizonte temporal 1989/1992.
No dia 30 do mesmo mês, foi-me comunicado, através de um oficio, que as informações que solicitara haviam sido fornecidas à Comissão de Assuntos Europeus tendo em vista o presente debate.
Interessado, li - e reli - a informação que, alegadamente, responderia às solicitações que formulara. Não encontrei, nos dois relatórios facultados à comissão, uma única referência à situação portuguesa e, menos ainda, uma só, mesmo que ténue resposta às perguntas objectivas que apresentei.
Do que acabo de relatar, deduzo que o Governo não respondeu, porque não possuía elementos para tanto, o que, sendo sempre negativo, assume particular gravidade, tendo a formação do Mercado Único Europeu, de facto, relevância nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo: É absolutamente inaceitável que, como ficou

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claro neste debate, o Governo não tenha ainda formulado um balanço objectivo do que está a passar-se na sociedade portuguesa em termos de adaptação à «Europa sem fronteiras» ou que, como deixou pressentir, não detenha ideias assentes sobre as políticas sectoriais a prosseguir até 1992 para optimizar as virtualidades da formação do grande Mercado Interno Europeu.
Uma simples leitura do chamado Relatório Cecchini mostra que, noutros países europeus - mesmo nos que mais têm a ganhar com o Mercado Único - têm sido elaborados estudos que permitem ajuizar da posição e dos comportamentos dos agentes económicos face aos resultados esperados da formação do Mercado Interno.
Esses estudos, para além de revelarem as expectativas dos agentes e beneficiários da Europa de 1992, permitem, consequentemente, conceber, organizar e aplicar políticas integradas orientadas para a salvaguarda de interesses nacionais, determinados pela vulnerabilidade dos sistemas produtivos ou pelas especificidades das respectivas situações sociais.
Portugal, um dos países mais atrasados em termos sócio-económicos da Europa, tem um Governo que, messianicamente, confia e profetiza.
Jacques Delors, o grande obreiro da construção da «nova Europa», considerou, aquando da sua recente visita a Portugal, que o decurso do tempo só constitui um desafio para as mulheres bonitas...
Infelizmente, face à negligência do Governo, no nosso país não são apenas as mulheres bonitas que têm razões para recear os anos que nos separam de 1992, porque todos os cidadãos, informados e responsáveis, receiam os efeitos deletérios que a formação do Mercado Único poderá comportar para Portugal.
Na agricultura, na indústria, no comércio, são quase todos os pequenos e médios empresários a patentear preocupação face a 1992. O Governo parece colocar a sua fé acima dos receios dos agentes económicos e, por isso, nem sequer se dá ao trabalho de saber o que eles pensam.
A liberdade de circulação de pessoas, a harmonização técnica de normas, a liberalização de circulação de capitais, a harmonização dos serviços ou a abolição das barreiras fiscais são objectivos que não parecem preocupar o Governo.
É certo que, nessa data, talvez não seja já este - ou, sequer, afim - o Executivo que nos governará, mas não será isso que amenizará a insatisfação e as dificuldades dos portugueses, nomeadamente, dos jovens.
Srs. Membros do Governo: É imperativo que, para além dos discursos e das declarações de intenção, se coloquem os interesses do País acima dos interesses político-partidários. A prática tem demonstrado que o Governo tem dificuldade em actuar em conformidade com este princípio básico em democracia, mas é essa a primeira obrigação de VV. Ex.ªs.
Sr. Primeiro-Ministro, há dias, V. Ex.ª referiu que o Governo, por estar tão empenhado na adaptação de Portugal à formação do Mercado Único Europeu, deixava de conferir prioridade à regionalização.
Esta é, porventura, das afirmações mais fantásticas, no sentido literal do termo, que alguma vez nos foi dado conhecer.
Tanto quanto se pode deduzir, o esforço de adaptação ao Mercado Interno vai, doravante, passar a ser o bode expiatório das crescentes incapacidades reveladas pelo Governo.
O PSD não quer - nunca quis - fazer a regionalização, porque não ignora que a criação de regiões administrativas lhe retirará vantagens políticas e poderes centralizadores. Apesar disso - ou por causa disso -, tem iludido os legítimos anseios dos portugueses que querem a regionalização com um discurso conciliador e propenso à satisfação das suas aspirações.
O Sr. Primeiro-Ministro vem agora explicar que o Poder Central não pode fazer tudo ao mesmo tempo e, por isso, vai privilegiar a adaptação à Europa de 1992.
Será que há incompatibilidades entre tal adaptação e a criação das regiões administrativas? Não será que, ao contrário, a implementação destas facilitaria o processo de adaptação referido?
Por que não assume o Governo que não quer a regionalização?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para que 1992 seja, de facto, um marco para a mudança, para o aumento do bem-estar dos portugueses, é imperativo que se alterem as condições de competitividade da economia portuguesa. Para tanto, precisamos de aumentar, acentuadamente, os níveis tecnológicos das nossas produções e, fundamentalmente, promover um sistema sério e eficaz de formação profissional. Infelizmente, a questão colocada por mim hoje de manhã sobre este tema ficou sem resposta.
E extremamente preocupante que milhões de contos que, no quadro do Fundo Social Europeu, já financiaram cursos de formação profissional, evidenciem tão escassa reprodutividade no plano sócio-económico.
Por outro lado, continuamos, ainda, a não ter ideias precisas quanto ao modelo de especialização que deve orientar e balizar a adaptação do sistema produtivo.
A estrutura e composição das nossas exportações continua a ser perversa, assentando em produções cuja procura se encontra em declínio.
O design, a terciarização da produção, o grau tecnológico incorporado nos produtos que exportamos, continuam a ser insipientes e facilmente superáveis pelas capacidades reveladas pelos novos países industrializados.
Vivemos como sempre vivemos: à custa de uma mão-de-obra barata, embora menos servil e subserviente do que dantes.
Os agentes económicos não beneficiam de uma informação técnica e tecnológica adequada às mutações constantes da vida económica.
Os sistemas de incentivação da actividade produtiva não funcionam e não deslocalizam o trabalho qualificado e a produção.
As regiões deprimidas são-no cada vez mais.
Os circuitos de comercialização e de distribuição não funcionam em termos comparados, sendo que o balanço das relações económicas com a Espanha deveria inspirar cuidados que só uma boa dose de negligência poderá amenizar.
Sem políticas sectoriais objectivadas, coerentes e integradas, organizadas e aplicadas em função de interesses nacionais, os fundos estruturais, os PEDIP e os PEDAP, não funcionam eficazmente, criando fortes pressões na despesa pública, que exigem mais receitas, mais carga fiscal, a que não corresponde adequada melhoria nos benefícios sociais dos portugueses e para

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nós benefícios sociais não são só as pensões e reformas, como o Sr. Primeiro-Ministro me respondeu à questão que lhe coloquei e que visava este tema importantíssimo.
Mesmo que o Plano de Desenvolvimento Regional - sobre o qual, lamentavelmente e como é hábito; a Assembleia da República, não detém qualquer informação - venha a permitir concitar novos fundos da Europa, que garantias teremos de que os mesmos serão adequadamente utilizados? E mesmo que os regulamentos comunitários passem, como determinou, recentemente, o Tribunal Constitucional, a ser debatidos nesta Câmara, como o mero senso-comum recomenda, que garantias teremos de que o comportamento parlamentar do PSD. privilegiará os interesses nacionais?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo. De que precisa, afinal, o País? De dinheiro? De projectos? Claro que sim. Mas o País precisa, essencialmente, de um governo que saiba governar, que saiba aproveitar as condições favoráveis de que podemos beneficiar até 1992.
Que as aproveite numa perspectiva nacional, no quadro de uma estratégia activa e agressiva e não no contexto da passividade, da subserviência, da cumplicidade com interesses estrangeiros, do fatalismo inexorável do «Portugal dos pequeninos».
Podemos, ainda, ser um país, uma nação, na «Europa sem fronteiras», mas, para isso, é imprescindível que o Governo procure optimizar, de uma forma clara e inequívoca, as virtualidades de 1992, em vez de, como tem, estado a fazer, encontrar aí o pretexto para fomentar o liberalismo económico que, sem baias, e sem salvaguardas sociais, pode aprofundar injustiças e desigualdades, cercear a igualdade de oportunidades e promover novos dualismos sócio-económicos intoleráveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estamos ainda a tempo de impedir que em 1992, Portugal seja um espaço de subdesenvolvimento
da Europa desenvolvida.
Vamos todos trabalhar nesse sentido.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entendemos que se tornou uma obrigação patriótica para os partidos e os cidadãos dar a contribuição mais forte, rica e eficaz para que o nosso país possa retirar as maiores vantagens e sofrer os menores prejuízos do processo de integração na CEE e, agora, de modo especial, para enfrentar o embate de 1992.
O meu partido guiou-se por este grande principio ao reelaborar o seu programa e ao definir as suas posições em relação às questões da integração de Portugal e o processo de evolução da CEE. Os comunistas guiam-se por ele, como exuberantemente têm demonstrado, exercendo o mandato como deputados ao Parlamento Europeu e sempre que têm oportunidade de intervir em qualquer instância das Comunidades.
É nesta atitude patriótica que ajuizámos da política do Governo e das suas motivações para este próprio debate e repelimos a insinuação do Primeiro-Ministro de que ao reclamarmos diálogo e participação temos escondidos propósitos paralisantes.
Precisamente o que pensamos é que essas palavras, diálogo e participação; que o Primeiro-Ministro vê com tão grande desconfiança são, ao contrário da política secretista do Governo, veículos da resposta de que o nosso país carece para enfrentar o Mercado Interno único e assegurar o verdadeiro desenvolvimento
nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É o que demonstraremos a seguir.
Mas antes, não queremos deixar de dizer, dando o beneficio da sinceridade aos pedidos de resposta que o Sr. Primeiro-Ministro nos formulou durante a sua intervenção da parte da manhã, que, além das nossas intervenções, teremos todo o gosto em enviar os documentos. aprovados no nosso XII Congresso que, além das questões abordadas pelo Sr. Primeiro-Ministro, respondem a muitas outras relativamente ao nosso processo de integração na CEE e aos próprios problemas na CEE.
O Sr. Primeiro-Ministro, que vai receber muito material escrito, receberá. também da nossa parte, com todo o gosto, mais esta documentação.
A nosso ver, o debate confirmou as mais sombrias previsões: foi para o Governo (e será ainda na intervenção final do Primeiro-Ministro) um acto de propaganda eleitoral e não o inicio de um trabalho sério com a Assembleia da República e de uma informação objectiva e consciencializadora para o Pais.
Confirmou-se que o Governo não tem um projecto nacional para enfrentar 1992. O Governo tem um projecto de classe, e um„ projecto de partido a que sacrifica. um verdadeiro projecto nacional.
Não se prepara o País para 1992 declarando guerra aos trabalhadores, fazendo dos baixos salários a base fundamental do crescimento, lançando a instabilidade na população laboriosa através dá crescente precarização do emprego e reduzindo direitos e conquistas fundamentais dos trabalhadores através do pacote laboral. A tensão social em que o País tem vivido nos últimos meses e em que viverá se persistir, como tudo indica, a política do Governo - não é caminho para a mobilização das vontades que o processo de integração naturalmente comporta.
Não se prepara o País para 1992 com uma política de crescente hostilidade às classes e camadas médias através da sobrecarga fiscal e da manifesta incapacidade para encontrar soluções adequadas para justas reivindicações e profundas aspirações profissionais.
Não se prepara o País para 1992 com o regresso ao latifúndio, responsável pelos atrasos seculares e causa das mais profundas injustiças sociais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se prepara o País para 1992 com a anunciada aceleração do processo de privatizações em vésperas da criação do Mercado Interno, o que agravará a desorganização da economia nacional, acentuará as suas vulnerabilidades, a tornará presa mais fácil do capital estrangeiro, como receiam, não apenas os comunistas, mas especialistas e figuras destacadas de outras áreas ideológicas.
Não se prepara o País para 1992,... Não vamos continuar! 0 debate foi conclusivo: O Governo realmente

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não prepara o País para 1992. Malbarata fundos e vantagens, enfraquece as resistências da nossa economia. Mais! Ao contrário do que é feito pelas instâncias comunitárias, e muitos dos nossos onze parceiros da CEE, o Governo não apresentou até hoje qualquer estudo sério dos impactos do Mercado Interno na economia nacional. Por isso mesmo o Grupo Parlamentar do PCP entregou na Mesa um projecto de lei que encarrega o Governo de assegurar, até 15 de Outubro de 1989, a apresentação de um projecto sobre o impacto do Mercado Interno na economia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um dos maiores obstáculos à verdadeira preparação do País para o embate de 1992 reside na forma centralizadora e dominadora com que o Governo concebe o seu papel no processo de integração na CEE e a nula participação para que relega os outros órgãos de soberania, os partidos da Oposição, as autarquias, os sindicatos e outros parceiros sociais e as próprias populações.
Onde mais do que nunca é imperiosa uma política feita com o País, o Governo procede como se de coisa sua se tratasse e actua à revelia do País e contra o País.
O Sr. Primeiro-Ministro pensa em relação à política nacional e à política de integração do País na CEE aquilo que nos revelou pensar em relação ao seu partido esta manhã, ao usar a expressão «Quando eu (o Primeiro-Ministro) tomei conta do PSD...»

Risos do PCP.

A governamentalização antidemocrática de todos os assuntos relativos à CEE tem uma ilustração absolutamente incontestável nas relações do Governo com a Assembleia da República nesta matéria.
O Governo e o PSD opuseram-se tenazmente à aprovação da Lei n.º 28/87 que confere, com pleno respeito pela Constituição, algumas competências à Assembleia no acompanhamento do processo de integração. Ao obter a maioria absoluta nas eleições de 1987 o PSD lançou, como uma das suas primeiras iniciativas, um projecto de revogação desta lei. Mais tarde retirou-o e substitui-o por outro menos radical. Pensou-se que o Governo e a maioria tinham reconsiderado e que procurariam associar a Assembleia, de qualquer forma, ao processo de integração. Nada disso! Resolveram, pura e simplesmente ignorar a lei da Assembleia da República não lhe dando qualquer espécie de cumprimento. É nesta situação que nos encontramos, sendo de realçar que a uma pergunta nossa sobre a intenção do Governo em relação ao cumprimento desta lei o Primeiro-Ministro não respondeu.
O processo de elaboração do PDR, pela magnitude dos investimentos que envolve - 1200 milhões de contos -, pelas opções que comporta, pelo período de tempo que abarca - quatro anos -, excedendo a própria vigência do actual Governo, excede tudo o que se podia imaginar. À revelia dos demais órgãos de soberania, com total desconhecimento dos partidos da Oposição, sem qualquer diálogo sério com os sindicatos e outros parceiros sociais o Governo propunha-se apresentar o PDR em Bruxelas, primeiro no final do ano passado e depois em finais de Janeiro, passado não o fez até agora. Não foi no entanto por qualquer rebate de consciência, mas por incapacidade. Mostra-se, também, agora disposto a debatê-lo no Conselho Nacional do Plano e promete enviá-lo à Assembleia da República, não se sabe ainda bem para quê. Esta reviravolta não indica uma mudança de filosofia governamental a este respeito, mas uma reacção ao sinal vermelho dado pelo Tribunal Constitucional a propósito do regulamento do FEDER e seguramente a dificuldades experimentadas nas próprias instâncias comunitárias.

Aplausos do PCP.

A verdade é que ainda agora o Sr. Primeiro-Ministro quer sustentar que as grandes opções do PDR foram aprovadas com as Grandes Opções do Plano, como se as vaguissímas orientações que estas contêm em relação ao PDR tivessem alguma coisa a ver com as verdadeiras opções que se suspeita constarem do PDR.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão da participação da Assembleia da República no processo de integração não tem nada a ver com qualquer capricho dos deputados, qualquer despique de galos entre órgãos de soberania. A intervenção da Assembleia da República é essencial para desfazer o secretismo de que o Governo rodeia toda a matéria do relacionamento na CEE e que, como todos, as zonas de sombra, é propício quer a decisões incompetentes e contrárias aos interesses nacionais (como tive ocasião de presenciar no domingo passado ao tomar conhecimento, no terreno, do traçado que estava previsto para a via longitudinal no Algarve) quer para decisões contrárias aos interesses da colectividade por serem determinadas por razões de clientelismo quer à mistura de umas e outras. Mas a intervenção da Assembleia da República é também essencial para reforçar a capacidade negociai do País num processo em que o peso do apoio político é tão determinante para certas soluções.

Aplausos do PCP.

Exactamente a este propósito é fundamental salientar que o Governo PSD faz muito mal em negligenciar o papel dos partidos da Oposição no processo de integração e nas batalhas negociais que ela comporta.
Já se sabe que o Governo não tem a Oposição que gostaria de ter, o Sr. Primeiro-Ministro não se cansa de o dizer. Eu digo: ainda bem para a Oposição e ainda bem para o regime democrático. O que é que seria uma Oposição de que o Sr. Primeiro-Ministro gostasse! Mas goste ou não goste, o Sr. Primeiro-Ministro da Oposição, é esta que tem, é com ela que tem que contar em todos os aspectos da política nacional e é ela que tem que respeitar.

Vozes do PSD: - É verdade!

Aplausos do PCP.

Pela nossa parte, repelimos com toda a energia a acusação feita pelo Primeiro-Ministro na entrevista ao «Diário de Notícias» de que «a Oposição gosta de enveredar pela insinuação caluniosa».

Vozes do PSD: - É verdade!

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O Orador: - Começo por dizer que a insinuação caluniosa, quando circula nos corredores; não parte da Oposição.

Vozes do PSD: - Parte, parte!

O Orador: - Ou consideração o Primeiro-Ministro que um inquérito parlamentar é uma insinuação caluniosa? Demonstraremos depois de amanhã, quando apresentarmos com toda a responsabilidade e com todo o rigor o inquérito parlamentar ao ministro das Finanças, que o que pretendemos é exactamente o contrário da insinuação caluniosa.

Vozes do PSD: - O que é que isso tem a ver?

O Orador: - É por essa razão também que em circunstâncias semelhantes não deixaremos de recorrer ao instituto de inquérito parlamentar para fazer luz sobre a vida pública e institucional portuguesa.

Aplausos do PCP.

A nosso ver, o regime democrático fortalece-se e a vida pública torna-se mais saudável se os dispositivos de fiscalização da Assembleia da República em relação ao Governo forem fortalecidos. Em pleno processo de revisão da Constituição dispomos da grande oportunidade de, em vez de enfraquecermos o instituto da ratificação, (como pretende uma proposta conjunta do PSD e do PS) dotarmos o estatuto da Assembleia da República de novos e importantes dispositivos de fiscalização, como as interpelações rápidas, ou, das questões urgentes, como está proposto no projecto de revisão do PCP. O reforço do papel da Assembleia da República e da oposição nas relações com o Governo e a maioria redunda em grande beneficio do regime democrático, clarifica a vida institucional e constitui uma grande contribuição para a preparação, do País
para os desafios de 1992.
A obsessão governamentalizadora não atinge apenas a Assembleia da República, mas todas as demais formas de participação institucionais e sociais. Adquiriu nestes dias, particular relevância em relação ao Poder Local, que o Governo quer tutelar mais severamente e sobretudo em relação à regionalização.
O propósito dó Governo de bloquear o processo de regionalização; confirmado por uma proposta conjunta PSD/PS no quadro da revisão da Constituição, tem que ser considerado como uma gravíssima decisão que, ao contrário da argumentação governamental lesa profundamente a preparação do País para o Mercado Interno, ao impedir um dos meios mais adequados, a mobilização das regiões para as grandes tarefas do desenvolvimento regional, onde se decidirá em larga medida o desenvolvimento do País e o bem-estar do nosso povo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma política nacional para enfrentar com sucesso o embate de 1992 exige intenso diálogo, transparência, é uma verdadeira mobilização dos recursos do País e das energias e vontades dos portugueses.
Só com um esforço verdadeiramente extraordinário; um país como o nosso, com o actual nível de desenvolvimento e as suas vulnerabilidades estruturais poderá
preparar-se em menos de cinco anos; em termos de crescimento económico; inovação e produtividade para enfrentar o mercado integrado.
Para o PCP esse esforço extraordinário tem de assentar na firme defesa dos interesses, da identidade, da soberania e da independência nacional, na salvaguarda do regime democrático e dos interesses e aspirações dos trabalhadores e do povo português face ao processo de integração de Portugal na CEE.
Para o PCP é fundamental a definição de uma política nacional assegurando um projecto de desenvolvimento social, económico, e cultural adequado às necessidades e especificidades nacionais e que implicando a clara recusa de um modelo de economia semi-periférico, garanta uma melhor inserção do País na divisão internacional dó trabalho.
O meu partido contribui responsavelmente para a definição deste projecto nacional com a sua proposta de « 25 pontos do PCP para enfrentar 1992». Comportando detalhadas medidas em relação à política industrial, agrícola, das pescas, do comércio e serviços, de transportes e telecomunicações, de ciência e tecnologia, financeiras, de defesa do sector empresarial do Estado, de desenvolvimento regional e da diversificação da política externa.
Verificamos pelo diálogo estabelecido na Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus que a nossa proposta constitui; mesmo para as outras forças partidárias, uma base de discussão e de procura de respostas para as grandes questões que enfrentamos.
Consideramos que é fundamental o empenho decidido, em Portugal e em todas as instâncias comunitárias, por uma efectiva e prioritária coesão económica e social e por uma real dimensão social do desenvolvimento, especialmente com a defesa de uma participação efectiva dos trabalhadores nas reestruturações, decisões e políticas que os afectem e na vida das empresas, bem como a elevação da sua quota parte na distribuição do rendimento e a salvaguarda dos seus direitos e conquistas.
Para o PCP é fundamental a articulação das propostas e posições preconizadas relativamente ao processo de integração na CEE e à evolução desta, com
a própria evolução da situação da política nacional e das soluções que nela forem adoptadas.
O PCP está sempre disponível para apresentar e debater as suas propostas e respostas alternativas. Mas é duvidoso que seja possível a Portugal construir com êxito um, desenvolvimento próprio fora do quadro de uma democracia avançada baseada num regime de liberdade, num Estado democrático representativo e
baseado na participação popular, no desenvolvimento económico assente numa economia mista, numa política social que garanta a numa das condições de vida
do nosso povo, numa política cultural que assegure o acesso generalizado a livre fruição e criação culturais, numa pátria independente é soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.
Com os olhos postos nesta perspectiva e lutando pela sua concretização, daremos sempre o melhor concurso dos comunistas portugueses Para preparar Portugal
para 1992.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

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O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo não pode continuar a tratar a adesão à CEE como se fosse um simples projecto particular do PSD: foi Portugal que aderiu à CEE, não foi o PSD.
Por imposição do PSD, no regimento da Assembleia da República, só o Governo pode tomar a iniciativa de debates na Assembleia sobre assuntos de relevante interesse, como é o caso da adesão à CEE. Por isso mesmo, o Governo estava politicamente obrigado e deveria ter preparado este debate mediante um balanço global dos três primeiros anos de adesão, bem como um estudo sobre os principais problemas que a CEE nos põe no futuro.
Porém, o Governo não faz nada disso e, portanto, está, mais uma vez, em grave falta. Assim, o PS propõe a realização de um grande debate nacional, construtivo, sério e não de propaganda, o debate nacional que continua a fazer falta há mais de três anos após a adesão às Comunidades.
O Governo tem nesta Câmara um poder exclusivo e excepcional. Pelo artigo 242.º do regimento só o Governo pode tomar a iniciativa de debates sobre assuntos relevantes de interesse nacional, como já disse, uma vez que o PSD, no recente regimento, negou esse elementar direito parlamentar a qualquer dos partidos representados na Assembleia da República. Na verdade, o PSD preferiu privar-nos a todos e privar-se desse direito elementar, atribuindo o seu exclusivo uso e gozo ao Governo.
Assim, o PS não pode pedir um agendamento de debates sobre assuntos relevantes de interesse nacional, entre os quais os assuntos da adesão, pela simples razão de que o PSD teimou em retirar ao PS e a todos os outros partidos tal direito. É este o sentido do pluralismo da maioria! O PSD dá privilégios parlamentares ao Governo e retira-os a todos os deputados com medo de, ele próprio, usar da liberdade elementar e vir aqui defender o interesse nacional.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso não é exacto!

O Orador: - Nestes termos, o mínimo que se pode exigir ao Governo, ao tomar a iniciativa de propor um tal debate, é assegurar condições mínimas de avaliação das matérias em causa e exigir-se-ia um relatório prévio seriamente preparado.
Se isto é assim em geral, mais certo e profundamente o será no caso da adesão à Comunidade. Estamos no quarto ano de adesão e esta seria uma excelente altura para fazer um balanço global dos três primeiros anos. Porém, não o entendeu assim o Governo.
Não tendo trazido seja o que for sobre o balanço do passado, há que perguntar se o Governo quis, ao menos, habilitar-nos a conhecer com rigor os problemas do futuro. Será que o Governo preparou e trouxe algum relatório sobre as escolhas decisivas do futuro? Também não! E bem o deveria ter feito, e bem o deverá fazer!
Bastará lembrar que os próximos anos nos trarão, muitas vezes, sub-repticiamente, uma enorme redistribuição dos poderes de soberania em que ainda assenta o ordenamento político em Portugal e na Europa. Depois das variações de soberania na ordem fiscal, depois das transferências de soberania nos planos da regulamentação e da legislação, depois da abolição das fronteiras, Portugal e os outros membros da Comunidade terão robustecido de tal maneira a soberania comunitária que não terá sentido falar mais na soberania nacional nos mesmos termos em que o fazemos hoje.
Deu-se conta o Governo de tão importante mutação na Europa? Sabe o Governo o que faz no dia-a-dia,...

Vozes do PSD: - Sabe, sabe!

O Orador: - ..., cedendo e negociando soberania, se calhar sem o saber? Sem o nosso consentimento, pelo menos!
A união monetária, Srs. Deputados, retirará a última parra do ramo cada vez mais desfolhado que ainda hoje esconde o vital realinhamento das soberanias. E, sobrepondo-se a tudo isto, umas vezes em cooperação com tudo isto outras em tensão negativa, há a fundamental questão de toda a Europa. A Europa dos doze, a Europa da EFTA, a Middle Europa, a Europa de Leste, a Europa que hoje se questiona, até a Casa europeia que Gorbachev agita, e não sei se aqui em Portugal alguma vez se percebeu o sentido profundo do que se está a passar ao centro da Europa com incidências graves e importantes na CEE em tal matéria.
Com o avanço da união monetária, com o avanço do novo esquema de associação definido pelo presidente Delors e potencialmente oferecido à Áustria, à Suíça e à Suécia, não ficará consagrada a Europa das várias velocidades, a Europa das várias geometrias, a Europa das várias soberanias, umas mais do que outras e nem todas sequer conscientes da sua falta de soberania.
Como poderá Portugal defender os seus interesses, preservar e garantir o seu futuro, o futuro a que os portugueses aspiram? Não estará este Governo a deixar--se empurrar ingenuamente para um estatuto de Estado cliente periférico? Não é essa a concepção que, no fundo, o orienta quando só fala e só vê milhões onde outros verão a dependência deste Governo.
A década de 90 - e não apenas 1992, porque o que está para além de 1992 é muito mais importante do que essa pretensa data mítica - verá o grande salto da construção europeia. Referiu o Sr. Primeiro-Ministro estes decisivos e fundamentalíssimos problemas? O Sr. Primeiro-Ministro deu-nos generalidades abundantes, mas resolveu nada nos dizer de essencial sobre estes e vários outros problemas verdadeiramente cruciais para o nosso futuro.
O Sr. Primeiro-Ministro também nada nos quis dizer sobre as questões concretas a que chamou de técnicas. Compreende-se que o Sr. Primeiro-Ministro seleccione os temas, deixando de lado pormenores escusados, mas será um pormenor explicar-nos como está a evoluir a especialização produtiva do País? Sabemos que está a evoluir mal, ao arrepio das características dos nossos parceiros, como demonstrarei a seguir; porém, em todos os sectores há êxitos, mas há também com certeza, grandes problemas.
O Sr. Primeiro-Ministro não nos trouxe um balanço global do passado e também não nos deu o aprofundamento das opções do Governo quanto aos problemas do futuro. Na realidade, o Sr. Primeiro-Ministro muito pouco nos trouxe!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro trouxe-nos pouco mas levou-nos muito.

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Levou-nos muito tempo. de antena na televisão! Essa parece ter sido a grande finalidade da vinda do Governo à Assembleia; órgão democrático por excelência
A escolha não foi acidental, com efeito este Governo, parafraseando Lincoln, age como se a democracia fosse o Governo da televisão, para a televisão e pela televisão. À dramática queda da sua popularidade o Governo responde com mais televisão, mais televisão e mais televisão. Tempo de antena, é claro!

Risos.

Vozes do PSD: - É sempre o mesmo disco!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não teria sido bom termos, dia-a-dia, a oportunidade de debates sérios e não apenas pretexto para um adicional tempo de antena?
Desse ponto de vista o Governo falhou totalmente; senão vejamos alguns exemplos de questões urgentes de governação cujos debates necessitam de ser feitos na Assembleia da República.
Começaria, pelas finanças - e tenho aqui preparado um rol de questões -, mas como ouvi ler a carta congratulatória ao Sr. Ministro das Finanças sobre a política de emprego, em que tudo vai bem, não há problemas neste reino da Dinamarca Espero que o Sr. Ministro do Emprego, que tem, com certeza, recebido as cartas sobre as finanças, a inflação e a reforma fiscal, nos venha dizer algo e nessa altura comentarei.
Quanto aos transportes, pergunto: para quando um plano integrado de transportes? Vejo o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, especialista e dos melhores que este país tem nesta matéria, interrogar-se para quando um plano de transportes. Certamente já o pediu só que nunca o obteve.
Qual a posição do Governo quanto à estratégia espanhola de integração ibérica da rede de caminho de ferro? Esta questão não é de somenos importância, é uma das mais graves que estamos a enfrentar neste momento. Deu-se conta disso o Governo? Vai o Governo resumir tudo isto a uns milhões de TGV? Quando é que o Governo nos esclarece?
Em relação à política cientifica e tecnológica, que era a menina dos olhos de todos nós, prometeu-se nesta Assembleia 1 % de PIB para 1990. Será isto em 1992, Sr. Primeiro-Ministro? A despesa de 1 % do PIB, mínimo dos mínimos, em investigação e desenvolvimento prometida para 1990 chegará em 1992? Bastará fazer uma política de oferta de centros tecnológicos, uns mais centros e mais tecnológicos do que os outros, tal como fizeram os países europeus na década de 60? Estamos nós a repetir o erro, de outros? E a procura de ciência e tecnologia não é o grande «calcanhar de Aquiles» quando temos uma política balanceada - de oferta e procura? A procura não se inaugura, enquanto que a oferta de centros tecnológicos, que nada servem, inauguram-se duas ou três vezes, se for preciso:
No que respeita à agricultura, o Sr. Ministro da Agricultura dirá que o PEDAP foi executado em 1988 a 102%, nem mais nem menos. Preciosidade exacta, 102%! Um relatório indica que no primeiro semestre de 1988 a execução era de 51 % e no final deste ano, segundo os dados do ministério, passou de 51 % para 102%. Como se explica este verdadeiro milagre do PEDAP?
Não estão os diversos programas do PEDAP eivados de insuficiência de apoio- técnico, de informação no terreno e até feridos pela simples, falta de coordenação administrativa? Para absorver utilmente os fundos previstos até 1995 não terá o Governo que vencer o actual défice de apoio técnico? Não será preciso melhorar e simplificar os circuitos de apreciação dos projectos e de tomada de decisão? Não será preciso melhorar extraordinariamente a informação técnica e económica aos agricultores? E a política de preços agrícolas não estará a provocar uma profunda erosão nos rendimentos dos agricultores, sobretudo dos pequenos agricultores? Não é verdade que o Governo vem precipitando a queda dos preços do trigo, do milho e do leite, com prazos extraordinários de dez anos - duramente pagos e hoje desperdiçados -, em queda tal que de facto, este Governo vai «desarmar» os preços mais rapidamente? Não será em dez anos, será abaixo de cinco anos, como se está a verificar.
É verdade que o preço do trigo e do leite estão, neste momento, 20% abaixo do que seria possível com a aproximação inicialmente acordada e paga em compensações? Não será, verdade que os rendimentos dos agricultores desceram, nos últimos três anos, a uma taxa média anual de mais 3%?.
No domínio agrícola, há tanto que fazer, não em Bruxelas, mas por todo o Portugal. Poderá o Sr. Ministro, de facto, dedicando-se exclusivamente a Bruxelas, assegurar que a agricultura portuguesa, em Portugal, beneficiará do seu esforço, que presumo brilhante porque o conheço e sei que será brilhante, em Bruxelas?
Sobre fundos não agrícolas (FEDER e FSE), tenciona o Governo, quanto ao FEDER, aplicar a reforma já em 1988, ou limitar-se-à a disfarçar a não aplicação de reforma do FEDER mediante a atribuição de subvenções globais as comissões de coordenação regional?
E quanto ao Fundo Social Europeu, de que tanto há aqui a dizer, não se sente o Governo responsável? Tratar-se-à de simples casos de polícia ou de grandes casos de desastre da política governamental?
Quando o Sr. Primeiro-Ministro nos fala tão enlevadamente na canalização dos recursos enormes do Fundo Social Europeu para a educação, todos nós aplaudimos, em particular nós, Partido Socialista, que desde o inicio de 1986 nos batemos denodadamente por isso. Mas o que é que espantosamente verificamos? Apenas um símbolo pois, dos 460 milhões de contos do Fundo Social Europeu previstos entre 1989 e 1993, apenas 5% irão para a educação! É disto de que se vangloria o Sr. Primeiro-Ministro?, Na verdade, 5 % do Fundo Social Europeu para a educação dá-lhe para fazer aqui o discurso, como se fosse essa a sua principal utilização) Não nos, enganemos, Sr. Primeiro-Ministro, porque pagaremos todos caro os seus erros!
Poderia continuar e haveria matéria para dizer muito mais, mas, Sr. Presidente, as negociações no Mercado Interno vão mal, o Governo não fundamenta os seus pedidos de derrogação e com isso compromete a credibilidade negocial do Pais.
Por outro lado, Sr. Presidente, não gostaria de terminar sem fazer um apelo construtivo para que este debate vazio, oco e sem informação não se repita.

Protestos do PSD.

Precisamos, de facto, de um grande debate nacional. E para esse efeito o PS propõe que a Assembleia

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da República acompanhe efectivamente o processo de integração europeia, que os projectos de acordos e convenções a concluir pelas Comunidades no âmbito das suas relações externas, os projectos de actos vinculativos, os projectos de actos de direito complementar e os projectos de actos derivados sejam comunicados à Assembleia, como é de lei, que nunca foi cumprida. Na verdade, não há um simples exemplo duma comunicação do Governo sobre isto e queremos ser consultados, nos termos da Lei n.º 111/88, quanto à matéria que é da exclusiva competência da Assembleia.
Finalmente, se o Sr. Presidente me permite, diria que temos, desde Julho de 1988, um projecto de resolução no sentido de se promover uma série de estudos, uma auscultação profunda dos verdadeiros e genuínos interesses económicos, sociais e culturais e a elaboração do livro branco, que está a fazer, sobre a Europa de 1992.
Essa resolução permitiria, efectivamente, um debate sério, porque participado, porque informado, porque conhecedor da realidade do País nas suas diversas opções plurais. E é essa resolução que vamos levar amanhã à conferência de líderes, para que seja urgentemente agendada, por consenso, esperando nós, confiadamente, o voto entusiástico do PSD, a não ser que o PSD venha desmentir na conferência de líderes aquilo que, afinal, afirma que deseja, no sentido de que esta Assembleia aprofunde o debate. Então, aí têm um instrumento! Aprovem a resolução e ajude-nos o Governo a executá-la, porque precisamos da sua ajuda. Em suma, organize-se a cooperação institucional séria entre o Governo e a Assembleia da República e daí sairá com certeza beneficiado Portugal.
O Governo não tem que temer os portugueses, mas sim, certamente, as enormes dificuldades que todos os portugueses têm de enfrentar. Não tem, portanto, de temer que os portugueses sejam informados e tenham opinião.

Aplausos do PS e do Deputado Independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Montai vão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros e demais Membros do Governo e Srs. Deputados: Alguém disse um dia, nesta casa, que, não obstante os chamados acidentes de percurso, Portugal está condenado a viver em democracia. Verdade inquestionável, com o esclarecimento de que a condenação é por vontade própria.
A democracia enraizou-se já de tal maneira no espírito e na consciência dos portugueses que é impensável outra forma política de viver, os portugueses já se habituaram às regras democráticas, já se aperceberam do seu indesmentido valor humano e político, já tomaram o gosto a esta melhor forma de conviver em sociedade humana.
Sendo assim, o problema da «Europa 92» tem de ser criado, desenvolvido e realizado por todos os portugueses. Ninguém pode cruzar os braços, ninguém pode dizer não estar interessado.
É tarefa de Portugal, é trabalho de todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todas as forças democráticas deste país deram o seu acordo à integração de Portugal nas Comunidades Europeias. Foi este o primeiro sinal positivo do passo que então demos.
Cumpre, agora, em pleno desenvolvimento deste processo, a continuação do bom entendimento entre essas forças para que possamos atingir o objectivo que nos propusemos e propomos.
Esta expressão singela - «Europa 92» - é um autêntico desafio, é um desafio nacional, desafio político para o País, desafio económico para os criadores e consumidores de riqueza, desafio humano para as populações.
No Estado em que as Comunidades europeias se encontravam quando a elas aderimos, e com os resultados já conseguidos por elas e aqueles que se lhe adivinhavam, Portugal não tinha outro caminho que não fosse o da adesão. Adesão seriamente pensada como o foi, articulada nas suas estruturas como tinha de ser, com o pensamento no presente e no futuro como se impunha.
Portugal não podia ficar isolado na Europa quando via esta aglutinar-se e andar para a frente e quedando-se, ele próprio, numa situação de imobilismo sob todos os aspectos, seria um perfeito suicídio, uma errada visão do que é hoje um país, de quem são as suas gentes, as suas necessidades e os anseios destas.
Por isso, Portugal aderiu, e fê-lo em boa hora, embora seja certo que o deveria ter feito mais cedo.
Nesta altura do debate, já na sua fase de encerramento, será evidente que não tenho a veleidade de aqui trazer coisas novas. Por um lado, falta-me o engenho e a arte; por outro, pode dizer-se que está tudo dito.
Ficarão apenas alguns apontamentos de quem não é um especialista na matéria mas que, e precisamente por isso, terão o significado comum e não o específico dos grandes conhecedores do assunto.
Entendo ser uma errada visão a daqueles que dizem que a adesão às Comunidades Europeias não passa de um problema meramente económico. Também o é mas, acima de tudo, é um problema político da mais relevante importância, Portugal estaria politicamente isolado, sem companheiros de caminhada, se não tivesse aderido à Europa, como que se demitiria da Europa a que pertence, como que enjeitaria a família em que, até geograficamente, está ligada.
Nesta luta terrível deste fim de século, Portugal já não está só, e ainda bem.
Com que objectivos, ou metas a atingir, é que Portugal actuou ao integrar-se na Europa?
Para mim, em primeiro lugar, e porque sou social-democrata, não posso deixar de realçar que o objectivo essencial estará no legítimo desejo da elevação do nível de vida dos portugueses, do mesmo passo que no desejo também da modernização do Estado, estes dois objectivos como que se interligam.
Aderimos porque quisemos lutar pela nossa permanência na Europa, nessa Europa que tem o largo passo que lhe conhecemos no concerto das nações. Aderimos porque quisemos fazer parte de uma política comum europeia, cada vez mais necessária para a sobrevivência entre os blocos que por esse mundo se degladiam.
Quisemos ajudar a criar, integrando-nos nele, um Mercado Único no Mercado Interno Europeu, com o significado da construção de um grande espaço com liberdade de circulação de pessoas e coisas, de capitais e bens, de indústrias e comércios.

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Quisemos e queremos sair de um espaço pequeno; que é o nosso próprio; para um espaço grande como é o da Europa, quisemos, crescer cá e lá, fora, quebrar um espartilho à nossa capacidade de desenvolvimento.
Outro objectivo nos terá movido também quisemos fazer ouvir a nossa voz, com valor e força que queremos que sejam grandes, contra outras vozes de outros
continentes que, embora os respeitemos; não estamos dispostos a permitir que nos discriminem, para nós, a Europa de hoje não é um continente velho e caduco
mas antes uma Europa nova, cheia de força e vigor, pelas suas gentes, pelas suas tecnologias, pelo seu trabalho, pelo seu engenho e, acima, de tudo, pelo seu
entendimento.
Os outros continentes têm que vera Europa de hoje não como um conjunto de países desunidos, caminhando cada um pela sua estrada, tendo cada um seu objectivo, mas antes e só, uma Europa coesa e unida com uma meta, um querer e uma vontade.
É evidente que tudo isto não é fácil, para nós portugueses.
Os problemas são muitos, o trabalho a dispender é extraordinariamente pesado e, tantas vezes, não bem compreendido.
Somos um pais em que as empresas ainda não estão devidamente vocacionadas para um Mercado Europeu, para um mercado tão grande como é à própria Europa.
Os empresários portugueses têm que vencer a ideia; que hoje é totalmente errada, de que apenas produzem e vendem para Portugal e para uma ou outra episódica
exportação, têm que convencer-se de que o seu, mercado, os seus clientes, os compradores dos seus produtos e dos seus serviços é toda á Europa. O seu
mundo de clientela deixou de ser de dez milhões, para passar a ser de centenas de milhões de europeus. Há que desenvolver, há que investir, há que criar, há que produzir em termos totalmente diferentes do que se fazia há meia dúzia de anos.
Sei que as dificuldades são muitas, os entraves são alguns, mas há que criar ânimo, há que ganhar coragem, numa palavra, há que acreditar num projecto em que já toda a Europa acreditou.
Sem essa credibilidade, sem esse querer mudar, não iremos a parte nenhuma.
Não ignoro-os prejuízos de uma estatização mal feita e à pressa, previamente desenvolvida com ilegítimas interferências políticas, obstacularizadora de um mais são Orçamento do Estado, obstacularizativos são hoje conhecidos em todo o mundo.
Também neste aspecto há que lutar, luta que é de nós todos também e não apenas do Estado. O Estado não pode ser tido e havido como o ser que tudo resolve sozinho, pensar assim é contrariar as bases do desenvolvimento, da iniciativa, da consciência do cumprimento do dever. O Estado não é mais que a cúpula do Pais, dos seus cidadãos. Não é, de modo algum, o mecenas ou o pai que, nas economias familiares e aos agregados destas, resolve todos os seus problemas.
Também no campo da burocracia muito temos de fazer, a começar pelo Estado e a acabar em todos é cada um de nós. A burocracia é um inimigo declarado das boas e profícuas relações entre os que produzem e os que consomem, entre os que buscam-se os, que aguardam quem os encontre, a burocracia transforma em difícil, caro, emperrante o que pode e deve ser fácil, rápido e barato. A burocracia é um mal das sociedades dificientemente organizadas. Também aqui nos cumpre aproximar-nos da Europa, onde esse mal está a ser largamente debelado.
O nosso sistema judiciário, a nossa educação, a nossa saúde; tudo isto são sectores em, que precisamos de avançar, e avançar significativamente, para que em 1992 tenhamos gente capaz de competir nesse mercado económico e político que é a Europa e, principalmente, o que vai ser, a Europa.
Temos que competir, temos de criar condições para competir, temos de nos convencer que somos capazes de competir. Temos de mostrar à Europa que não somos um irmão incapaz, doente; inoperante, inválido. Temos de mostrar, à Europa que estamos nela por mérito próprio e não por mero acto de favor.
E temos tantos e tantos, campos em que podemos competir com vantagens...
Como meros exemplos: os têxteis, os vinhos, o calçado, a cortiça, o azeite de qualidade, a confecção de vestuário, a ourivesaria, o mobiliário, as conservas, e tantos e tantos outros que agora não ocorrem.
Mas temos que modernizar.
Modernizar uma agricultura que ao, longo das décadas quase que não passou, até há poucos anos, daquela que os egípcios faziam antes de Cristo. Temos que incentivar o gosto pela terra, temos que saber aproveitá-la. Há que chamar para ela os que a abandonaram. Há, principalmente; que introduzir novas tecnologias e 'abandonar culturas improdutivas economicamente, buscar outras mais rentáveis. Há que chamar para o cultivo da terra os jovens, incutir-lhes o gosto por ela, dar-lhes garantidamente, a justa compensação do trabalho da terra.
Muito já se fez neste e em, outros sectores, mas há que fazer mais, e esse mais não é apenas o Estado que tem de fazer, somos nós todos.
Temos de desviar a ideia de que só pode viver-se nas cidades e principalmente nas grandes cidades. Aproveitemos a província, o interior, a serra e haveremos de ver que lá não se viverá pior que nos grandes centros.
Para tudo isto e tanto mais, há que investir.
O português, por feitio, é avesso ao convencimento para investir, ousado em tantas outras áreas, o português é retraído no investimento. Gosta mais do aforro, da poupança, perdoem-nos a expressão, do «guardar o dinheiro no colchão».
Mas, o português está a aprender e a aprender depressa. O investimento tem subido. Mas é preciso que suba mais, é preciso deixar de haver dinheiro parado para passar a haver dinheiro a andar.
Preciso é, também, que os portugueses se convençam de que são capazes de competir: na indústria, no comércio, nos serviços, precisamos de mostrar que somos tão capazes como os outros.
Temos que ser modernos, desburocratizar, descentralizar, ser rápidos, capazes, eficientes; não podemos perder tempo.
Como já aqui tive ocasião de dizer, se perdemos agora tempo, não mais o encontraremos.
Temos que criar portugueses modernos!
Temos que construir um nova Portugal para os nossos netos!
O balanço, até agora, é positivo.
Todos dizem que vamos pelo bom caminho. São os que caminham connosco, e até outros; que o dizem,

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o que, manifestamente, é bom sinal. É sinal de trabalho feito, de bons resultados, de crença no futuro. Mas, repito, futuro que depende de nós todos!
Muito já fizemos neste projecto, que é o maior a nível nacional.
Conseguimos o maior e o mais rápido crescimento económico da Europa. Mas mais teremos que fazer.
Teremos que fazer do sector privado a locomotiva da modernização do País.
Teremos que atentar no litoral mas também no interior de Portugal. E eu, que sou um homem do interior transmontano, apercebo-me deste interesse, desta necessidade. É que, não olhando para os dois sectores, litoral e interior necessariamente que se perdem riquezas do que seja esquecido. Riquezas materiais e riquezas humanas.
Temos que cortar o crescimento do consumo, que é manifestamente excessivo, que é insustentável.
E todos sabemos o que significa e que consequências tem um consumo excessivo.
Mudar é difícil! Mas sê-lo-á menos se todos nós o quisermos.
Nós, social-democratas, temos como ponto de honra cumprir o nosso programa eleitoral. E cumpri-lo é mudar!
Vamos encarar o problema como um problema nacional, um problema do País.
Se assim quisermos, se não nos importarmos apenas com este ou aquele sector mas antes com todos, chegaremos à meta prometida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O título deste debate, «Europa 1992», dava-nos a ideia, a todos, julgo eu, de estarmos a discutir um pouco do nosso futuro. E não apenas do nosso futuro próximo, mas do nosso futuro, inclusive, para o terceiro milénio.
Todos temos consciência de que o período é de mudança, diria mesmo que, mais do que mudança, é um período de metamorfose, em que, num curto espaço de tempo, se passa dum escarninho, duma euroesclerose, ao temor de uma Europa-fortaleza. E a ausência de convulsões não esconde a verdadeira revolução de modernidade, de criatividade e de afirmação em que a Europa está empenhada através da discussão dum conjunto de vectores que hão-de determinar essa Europa do futuro.
Recordo-vos, porque é importante, o Mercado Interno, a coesão económica e social e a solidariedade europeia, as novas políticas comunitárias de investigação e desenvolvimento, de ambiente, de transportes, de educação, de cultura, de defesa do consumidor e, até, de apoio às regiões ultraperiféricas e, ainda, as relações externas da Comunidade neste novo contexto, a dimensão social do Mercado Interno e da nova Europa que se quer criar, a reforma das instituições e até o futuro da cooperação política europeia.
Curiosamente, este elenco foi aquele que foi debatido e que foi apresentado pelo Sr. Primeiro-Ministro, mas foram raras as intervenções que sobre ele se centraram. E até tivemos ocasião de sermos acusados de não tratar aqui matérias de defesa e segurança, que estão, objectivamente, excluídas do Tratado de Roma.
Assumir o desafio de 1992 é pois, assumir uma determinação de nos juntarmos a uma Europa moderna, exigente, com mais responsabilidades e, naturalmente, com mais desafios, desafios e questões que o Governo trouxe a este debate, não se escusando a discutir a frente negociai externa e as suas principais opções, designadamente a ligação entre a coesão económica e social e o Mercado Interno, a posição construtiva, europeia e não obstrucionista que temos seguido, a utilização sistemática do artigo n.º 8.º-C do Acto Único e a exigência dum avanço equilibrado, dum avanço global nas diferentes valências. Da mesma maneira, discutimos na frente das adaptações internas.
E quando nós esperávamos que, da parte da Oposição, este dabate viesse a ser enriquecido e, que novas sugestões fossem apresentadas, novas orientações fossem eventualmente propostas, eis que somos confrontados, durante largas horas, com um debate desviado, com um debate que, a maior parte das vezes, não se centrou sobre as verdadeiras questões.
Esta omissão do debate das questões fundamentais tem uma explicação: é o desespero de alguns em não encontrarem nas orientações políticas do Governo matéria criticável de substância.

Aplausos do PSD.

Foi também o Governo acusado de não ter dado a esta Assembleia informação, como se não houvesse outras fontes de informação, como se o Governo se relacionasse apenas com o Conselho da Comunidade. E a comissão? E o Parlamento Europeu? E o Tribunal de Justiça?
E os projectos e outros estudos que são obrigatoriamente publicados no jornal das Comunidades antes de serem apreciados pelo conselho?
Srs. Deputados da Oposição, o Governo fornece toda a informação mas não faz o vosso «trabalho de casa».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, gostaria de dizer que, apesar de tudo, considero que este debate foi útil.
Ficou claro e inequívoco que o Governo está no bom caminho, que o Governo tem as orientações correctas, que, se conseguirmos continuar neste trilho e se, mais do que isso, conseguirmos chamar à razão e à crítica construtiva a oposição portuguesa, ainda poderemos ir mais longe.
O Governo não diz que vai tudo bem. O que o Governo diz é que tem ido tudo bem e que quer que vá ainda melhor. Para que assim seja, o Governo chama as Oposições a colaborarem neste projecto nacional.
Mas sejamos claros: não é com os discursos que aqui foram produzidos pela vasta maioria dos deputados da Oposição - com algumas honrosas excepções - que iremos chegar àquele objectivo.
Pela minha própria voz, o Governo afirma que está sempre disponível para comparecer perante as comissões parlamentares e para participar em todos os debates que os Srs. Deputados queiram.

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Espero que passem a estar melhor preparados para que não se dê razão ao que disse o Sr. Primeiro-Ministro quando afirmou que bem gostaria de ter uma melhor Oposição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados; está encerrado o debate sobre o Mercado Interno Europeu.
A próxima sessão terá lugar na quinta-feira, às 10 horas, com a seguinte ordem- de trabalhos: às 10 horas, período de antes da ordem do dia; às 15 horas, período da ordem do dia, de que constará o Inquérito Parlamentar n.º 10/V (PCP) - A actuação dos serviços oficiais, designadamente da- administração fiscal; - intervenientes no processo de aquisição pelo ministro das Finanças, cidadão Miguel José Ribeiro Cadilhe, de um andar na torre 4 do Edifício Amoreiras, sito em Lisboa, e a Ratificação n.º 46/V (PCP)- Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve.
As 19 horas e 30 minutos terá lugar a votação do projecto de deliberação sobre a encomenda de uma história do Parlamento português, desde 1820 até hoje.
Srs. Deputados, não havendo mais nada a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adriano Silva Pinto.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Germano Silva Domingos.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Albino. Casimiro de Almeida.
Manuel Ferreira Martins.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio. Montalvão Machado.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Magalhães da Silva.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
João Rosado Correia.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Mário Manuel Cal Brandão.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PPD):

Francisco Barbosa da Costa.
José Carlos P. Lilaia.

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Centro Democrático Social (CDS):

Narana Sinai Coissoró.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Flausino José Pereira da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João Costa da Silva.
João José da Silva Maçãs.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Manuel Alfredo Tito de Morais.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Silva Mota.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Isabel Maria Ferreira Espada.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - José Nogueira Diogo - Amélia Martins.

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