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Quarta-feira, 8 de Março de 1989 I Série - Número 48
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
REUNIAO PLENÁRIA DE 7 DE MARÇO DE 1989
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO -
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 13 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de resolução. n.º 14/V.
A Câmara apreciou o relatório de actividades do Conselho de Fiscalizarão dos Serviços de informações referentes aos anos de 1986 e 1987. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Jorge Lacão (PS),
Herculano Pombo (Os Verdes), Montalvão Machado (PSD), Rui Silva (PRD) e Narana Coissoró (CDS).
Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 224/V (PS) - Requisição civil em situação de greve -, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Osório Gomes (PS), Narana Coissoró (CDS), Jerónimo de Sousa (PCP), Joaquim Marques e José Puig (PSD). Marques Júnior (PRD), Alberto Martins e Jorge Lacão (PS).
Procedeu-se à aprovação, na generalidade, do texto alternativo à proposta de lei n.º 69/V - Estabelece as bases gerais do Estatuto da Condição Militar - , o qual foi também aprovado na especialidade e em votação final global. Intervieram no debate, além do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Eurico de Melo), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Narana Coissoró (CDS), Miranda Calha (PS), Marques Júnior (PRD), Angelo Correia (PSD) e Herculano Pombo (Os Verdes).
A Assembleia aprovou ainda, na generalidade, a proposta de lei n.º 79/V - Concede autorização ao Governo para definir o regime fiscal aplicável às concessões das zonas de jogo e para definir os crimes e contra-ordenações decorrentes da pratica e exploração ilícitas de Jogos de fortuna e azar - e recusou dois projectos de resolução, o primeiro, apresentado pelo PS, PCP e Os Verdes, no sentido da recusa da ratificação do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, e o segundo, do PCP, solicitando a suspensão da vigência do mesmo decreto-lei.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos, quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos:
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho .
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos . Vieira de Castro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota:
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira. .
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
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António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira .
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castelo Branco.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Galão Rodrigues.
António José. Monteiro Vidigal Amaro.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo:
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Deputados Independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa a Proposta de Resolução n.º 14/V - Aprova o acordo de cooperação jurídica entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau, concluído em Bissau a 5 de Julho de 1988 -, que foi admitido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para intervir sobre o relatório de actividades do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações referentes aos anos de 1986 e 1987, os Srs. Deputados José Manuel Mendes, Jorge Lacão, Herculano Pombo e Montalvão Machado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apreciação, do relatório do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, hoje
em agenda, ocorre após debate na 3.ª Comissão e quando os deputados já conhecem o texto integral de um outro, relativo ao ano de 1988 e da responsabilidade do gabinete do Primeiro-Ministro, « sobre a situação do Pais em matéria de segurança interna e a actividade desenvolvida pelas forças e serviços de
segurança».
O PCP exprimiu, desde a primeira hora, as suas profundas preocupações face aos perigos que a Lei n.º 30/84 acarretaria, sobretudo se incumprida na lógica integrada de todos os seus preceitos, para o regime dos direitos, liberdades e garantidos dos cidadãos, o que vale por dizer, para os próprios alicerces do Estado democrático. O relatório em apreço reforça as inquietações que manifestámos e, pese embora o seu tom cordato, constitui um verdadeiro libelo, o soar de uma campainha de alarme. A análise a que procedemos, uma vez ouvidos os membros do conselho de fiscalização, não nos permite subscrever, de forma
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alguma, a afirmação terminal - e decerto, não terminante - de que a Constituição e a lei são respeitados nesta matéria. A nosso ver - diga-se, a começar- o conselho está bloqueado, funciona muito deficientemente, enfrenta três fortes núcleos paralisantes: o recurso a métodos, que não viabilizam nem potenciam
o cumprimento cabal das suas tarefas; indefinições quanto aos seus poderes, tanto mais quanto ás dúvidas se reproduzem inaceitavelmente, à inexistência de
infra-estruturas ,basilares, e, desde logo, de espaço para se instalar.
A patente insuficiência e inadequação dos métodos seguidos no averiguar das realidades concretas não fornecem os elementos básicos que configurem, com um
máximo de aproximação à verdade, o universo investigado. Deduz-se, aliás, da parcimoniosa enunciação do relato, não terem sido ainda significativos os processos consultados nem relevantes as acções empreendidas.
Concorrerá para tanto o entendimento redutor que a montante e a jusante, se vem fazendo do disposto no diploma de Setembro de 1984, no que se prende com os poderes reais do conselho de fiscalização?
Sabe-se que, logo no início, pretendeu o governo confinar este órgão nos limites de uma actuação puramente epidérmica, sem iniciativa nem meios. Diz-nos o documento ou exame que, ao cabo de reuniões com o Sr. Primeiro-Ministro e com os ministros da Tutela, se avançou para um estabelecer de regras menos constritivas. Julgamos nós, ainda assim, que se impõe maior ousadia na potenciação prática dos efeitos pretendidos
pela lei que não quis um ente decorativo e manietado, uma instância de
cobertura para as condutas dos serviços, mas um autêntico colectivo de sindicação específica, oneroso e eficaz, intransigente no desempenho de vastas funções fiscalizadoras.
Ora, o que vem acontecendo com o concelho não pode senão desprestigia-lo de, rapidamente, esvaziá-lo de faculdades de intervenção, instabilizá-lo,
recarizar-lhe o estatuto. Assume as proporções de um enorme escândalo o facto de não lhe haverem ainda sido garantidas instalações nem apoios mínimos. Como admitir que o Conselho deambule, mal encarado e de alma escurecida, pelos corredores de São. Bento, em demanda de uma sala para esporádicas sessões de trabalho, estremeça de desalento, ante a inexistência de condições para a guarda de materiais de índole reservada, recorra aos cofres da Presidência da Assembleia da República, se agremie em redor da Mesa do Sr. Presidente do
Grupo Parlamentar do PSD?
Como aceitar que, uma vez suscitado pela 3.ª Comissão, o assunto tenha merecido um tratamento defeituoso e rotineiro pelo departamento desta Casa a que incumbe remover obstáculos e encontrar soluções?
Quem perante isto - que aqui se lavra sumariamente -, se quedará de sono tranquilo quanto ao labor de uma entidade que deverá terçar armas diligentes em
defesa dos direitos fundamentais, do cerne das liberdades dos portugueses?
E, não obstante, Sr. Presidente, Srs. Deputados, os três membros do conselho fiscalização, honradamente assinalam, no seu relatório circunstâncias gravíssimas a que importa dar atenção.
Assim, em primeiro lugar, três anos e meio após a lei elaborada por esta Assembleia, continuam por criar os Serviços de Informações Estratégicas de Defesa, o que permite o pântano de absorção, por outros, dos domínios que lhe competem, frustrando os objectivos de desconcentrar a informação e mantendo uma lacuna que, certamente, desqualifica e inquina a actuação atinente à segurança externa do País e à preservação da independência nacional. 0 Executivo procede a uma revisão de facto da Lei n.º 30/84 e esse modo de proceder legitima um vivo repúdio.
Em segundo lugar, os SIM continuam a ocupar-se de questões que são do foro da segurança interna, já que advogam, sem esteio normativo, plausível, a sua
legitimidade para interferir sempre que os alvos sejam militares, o que gera conflitos de competência com os SIS, com prejuízos óbvios no plano da operacionalidade e, o que é pior, no da invasão da esfera privada de todos e cada um de nós. Nunca será em demasia recordar que nos situamos na área concernente «à sabotagem, terrorismo, espionagem subversão e outras actividades que possam afectar as Forças Armadas» e que é famélica a apetência perversora de muitos, confundindo deliberadamente comportamentos de protesto, no quadro das inúmeras hipóteses que encontram protecção constitucional, com os que se inscrevem numa óptica condenável e proibida de maceração e liquidação do Estado.
Em terceiro lugar, não são substanciais nem consistentes os relatórios dos serviços que o conselho aprecia, não se conhecem relatórios periódicos dos SIS capazes de traduzir, de forma credível, a progressão da sua instalação, as linhas de formação dos seus quadros, os níveis, natureza e qualidade do recrutamento de pessoal que se intentou. A simples sinalização destas fartas zonas de obscuridade é de molde a perturbar a quietude do mais desprevenido.
Acrescente-se, entretanto,: o seguinte:
Primeiro, na moldura que se deixa esboçada, é extremamente inquietante verificar que progride a constituição de uma rede de agentes e informadores, cujas actividades são desconhecidas e proliferam, à revelia de controlo, com implicações do tipo das que o denominado caso GAL fez aflorar com uma crua nitidez.
Segundo, a montagem e o funcionamento corrente de bancos de dados centrais ligados aos serviços de informações sinalizam, de novo quanto há de indébito e perigoso na manipulação informática, sendo notório que o conselho de fiscalização se não interessou, até ao presente, como seria preciso com as suas incidências.
Terceiro, a Assembleia da República está confrontada com pesadas responsabilidades. Na extensão deste raciocínio acentue-se que não estão impossibilitadas, deploravelmente, comunicações indevidas de dados processuais penais aos SIS por obra e graça - ou desgraça -- do modelo de funcionamento do Conselho Superior de Informações. Esta flagrante violação da legalidade, por nós referida noutras ocorrências, terá que ser banida. Por outro lado, permanecem sem resposta clarificadora as interrogações que formulámos e aqui reiteramos em torno da necessidade de prevenir que, a todo o tempo, se oponham, em termos absolutos, ao conselho de fiscalização as razões de alegado segredo de Estado, obstruindo o normal desenvolvimento das suas competências efectivas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em remate do que fica dito, o PCP, que não fez nem fará pactos de silêncio sobre a problemática em discussão, que preconiza mesmo a sua abertura, num enquadramento responsável, à opinião pública, sente-se na obrigação de asseverar, em seu nome que, em bom vigor, ninguém pode
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proclamar que não haja, em esfera de tão notória sensibilidade como a dos direitos, liberdades e garantias, desrespeito pela Constituição da República e pela lei. É urgente erradicar os vícios do sistema, agir sem tibiezas nem destempo.
A Assembleia da República está confrontada com pesadas responsabilidades e terá que, no curto prazo, assumir decisões importantes. Chamo a atenção da Câmara para apenas dois aspectos:
Primeiro, é urgente que a presidência deste órgão de soberania, utilizando as suas prerrogativas, ponha fim, no diálogo com o Governo, à situação observante da ausência de instalações em que o conselho se acha. Para que não se sujeite por meses e meses (que contra nós correm) as contingências intoleráveis, propugnamos a cedência de salas e de outras estruturas complementares, a titulo célere, pelos próprios Serviços de Informações:
Segundo, afigura-se necessário reconsiderar toda a composição do Conselho de Fiscalização, designadamente no que se prende, no momento actual, com o facto de o seu presidente e o presidente do grupo parlamentar da maioria serem uma e a mesma pessoa. Não é esta uma solução curial. Nada nos move, é evidente, contra a pessoa e a personalidade do Dr. Montalvão Machado. Mas, apelando à consciência institucional do problema, pensamos que se impõe que a Assembleia pondere os caminhos a ensejar, a brevíssimo trecho, para, neste como noutros terrenos, por nós identificados, se promovera dignificação de um órgão vital para a garantia de fundamentais direitos individuais e colectivos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório que hoje apreciamos, da autoria do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, é relativo aos anos de 1986 e 1987 sendo, por isso, de admitir alguma desactualização do seu conteúdo. Mas consistindo ele no primeiro elemento oficial de apreciação do funcionamento do sistema de informações da República, a oportunidade da sua apreciação não pode deixar de ser considerada como revestindo o maior relevo político.
Na verdade, trata-se de apreciar matéria com implicações de elevado melindre dada a sua conexão como o núcleo essencial das problemáticas da segurança interna, da segurança externa e da independência nacional e face às especiais exigências de cautela que o Estado de direito deve revelar, tanto no que diz respeito à protecção das suas instituições como, antes do mais, na salvaguarda dos direitos e liberdades dos cidadãos.
Exigências de cautela, que nunca serão demais em defesa dos valores da pessoa, entendida como sujeito autónomo de direitos e portador de uma esfera irredutível de intimidade e privacidade, que nenhuma razão de Estado deve ser suficientemente forte para invadir.
Assim, afigura-se-nos ser um acto de elementar pedagogia democrática a apreciação, em condições de verdadeira visibilidade, de um relatório que reflicta - como este reflecte - as orientações mais significativas da actividade do sistema de informações.
Pena é que o Governo, também neste caso, tenha optado por uma atitude de Pôncio Pilatos, primando pela ausência dos responsáveis directos pelos serviços, tanto em comissão como em Plenário. Com as suas ausências, o Governo admite que se lhe impute uma concepção segundo a qual a avaliação pela Assembleia da República dos relatórios do conselho de fiscalização não passa , de um acto formal, para mera satisfação de um imperativo legal.
É, sem dúvida, uma atitude politicamente grave. Na medida em que o desinteresse governativo se vem exprimir exactamente aonde menos poderia ocorrer - no campo em que se tocam os direitos das pessoas e as exigências da soberania do Estado, perante o qual, a nenhum titulo, os responsáveis podem manifestar indiferença ou autosuficiência.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Começamos por isso mal. E tanto pior quanto correrão o risco de ficar sem réplica várias questões cuja clarificação consideramos imprescindível em nome do poder-dever de fiscalização que nos assiste e de que não poderemos prescindir face à própria natureza e razão de ser do mandato parlamentar.
As questões não ficarão, por isso adiadas. Queira o Governo não tardar por sua vez, em responder-lhes.
Em primeiro lugar, é urgente saber porque razão o Governo continua sem implementar o serviço de informações estratégicas de segurança. Será porque as missões que a este incumbirem estão a ser desempenhadas por outras entidades e noutras sedes, designadamente no âmbito dos outros dois serviços constituídos? Ou será porque essas missões, definidas na lei como destinadas «a garantir a independência nacional e a segurança externa do Estado português», carecem de substanciação prática e, como tal, são na prática dispensáveis, com isso dispensando a própria existência do serviço?
Volvidos que vão cinco anos sobre a, aprovação da lei que estabeleceu as bases gerais do sistema é politicamente imperdoável a dupla omissão revelada pelo Governo: de incumprimento do dispositivo, por um lado, de ausência de iniciativa de alteração do regime institucional por outro, no caso de não revelar as virtualidades que dele se esperariam.
O que o Governo não pode, com legitimidade, é remeter a sua decisão para critérios de oportunidade ou prioridade em face de outros desígnios políticos. Porque não está na sua disponibilidade cumprir ou deixar de cumprir à lei. Porque a discricionariedade dos seus juízes de oportunidade têm sentido no âmbito das suas funções políticas não o tem, nos mesmos termos, no âmbito de funções administrativas vinculadas pela lei.
Num Estado de direito é o poder que se lhe submete não é o direito que se submete ao poder. Porque quando acontece aos poderes de direito cederem aos poderes de facto é a legalidade democrática, no seu conjunto, que fica posta em causa, com redobradas preocupações em situação como a presente.
Situação cuja indeterminação impõe que um outro problema se suscite: tendo a comissão de fiscalização verificado que subsistem zonas de sobreposição - de âmbito entre as funções típicas - do SIS - Serviço de Informações de Segurança - e do SIM - Serviço de Informação Militar -, o que fez até agora o Governo para resolver a situação em consideração sobretudo,
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pelo princípio constitucionalmente consagrado e legalmente acolhido, desde a lei de defesa nacional, de reserva dos domínios da segurança interna relativamente às funções de defesa externa que às Forças Armadas incumbem?
Mais uma vez subsistem por clarificar as responsabilidades de orientação que possam, entretanto, ter sido assumidas pelos competentes membros do Governo. E não consta que, até ao momento, o Primeiro-Ministro tenha exercido a sua competência legal para resolver um caso de eventual conflito positivo de competências.
Uma e outra ordem de preocupações situa-se no que parece constituir-se como domínio de significativa ambiguidade por deficiente clarificação das articulações funcionais entre estruturas e órgãos de diversa vocação.
Como se compagina, por exemplo a exigência expressa no artigo 5.º da Lei n.º 30/84 de que «os funcionários e agentes, civis ou militares que exercem funções policiais, só poderão ter acesso a dados e informações na posse dos serviços de informação, desde que autorizados por despacho do competente membro do Governo» com o disposto no artigo S.º do Decreto-Lei n.º 223/85 de que as «informações e elementos de prova respeitantes a factos indiciários da prática de crimes contra a segurança do Estado devem ser comunicados às entidades competentes para a sua investigação ou instrução»? Em que termos têm os competentes membros do Governo - Primeiro-Ministro, ministros da Defesa e da Administração Interna - regulado o problema da circulação de informações? Ou não há despacho conjunto, mas meras decisões casuísticas? Ou os membros do Governo não são sequer chamados a decidir? Ou terá a Comissão Técnica sido solicitada a elaborar parecer? Ou o problema nunca foi sequer suscitado?
Eis, Srs. Deputados, matéria a exigir posteriores e inequívocas clarificações. A par de outras, há tanto exigidas e que tanto tardam. Como as que se reportam ao atraso, a todos os títulos indesculpável, na redefinição orgânica da Polícia Judiciária e do seu papel especializado no combate aos crimes de alta violência, bem como na regulamentação relativa à subordinação funcional das polícias ao Ministério Público no âmbito do processo penal.
Há, por outro lado, alguns domínios em que o relatório em apreciação - certamente por ser o primeiro - ainda não teve ocasião de abordar.
Referir, em especial, a problemática dos centros de dados e dos registos informáticos e a necessidade de obter, através da Comissão de Magistrados do Ministério Público, expressamente nomeados para sobre eles exercerem fiscalização, indicações adequadas acerca do funcionamento do sistema.
Refiro, igualmente, a necessidade de uma apreciação geral sobre as condições de regular funcionamento do sistema, designadamente no que se refere à articulação do conselho superior de informações - que, sendo órgãos interministerial de consulta e coordenação, sob a presidência do Primeiro-Ministro, não consta que, alguma vez, tenha reunido - com o trabalho da chamada Comissão Técnica, necessariamente desfalcada por inexistência de um dos serviços previstos.
Refiro, ainda, a importância de conhecer melhor as orientação em curso em matéria de organização, recrutamento e formação de pessoal, aspectos sem dúvida do maior relevo por se tratar de serviços cujas missões, particularmente exigentes, apelam para elementos humanos eficientemente preparados e solidamente formados na consideração e valorização dos princípios da legalidade, da liberdade e da democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Impõe-se uma palavra final acerca das condições de funcionamento da Comissão de Fiscalização dos Serviços de Informações. Trata-se de um órgão independente, funcionando adstrito à Assembleia da República. Dá-se o caso de serem deputados dois dos três membros que o compõem - circunstância de todo em todo irrelevante para o que importa considerar já que a função parlamentar a nenhum título pode ser confundida com a missão fiscalizadora dos serviços de informações. E, por isso, dado que a instituição não pode ser confundida com os seus titulares, ou revela merecer da parte de quem a constituiu inteira consideração pelo seu estatuto e pelas finalidades que dele decorrem ou está condenada a fracassar como elemento espúrio, ineficaz e meramente simbólico de uma função fiscalizadora afinal por realizar.
Razão pela qual, neste momento e nesta sede, em nome do Grupo Parlamentar do PS, e secundando as tomadas de posição da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, renovo ao Sr. Presidente da Assembleia da República, pedido da maior, atenção para as condições de funcionamento e instalação da Comissão dos Serviços de Informações.
O êxito da missão confiada à comissão depende também das condições operacional em que esta exercer as suas funções. Êxito que não pode deixar de ser vivamente desejado pela Assembleia da República - na medida em que se trata, afinal de garantir a protecção das instituições democráticas e dos cidadãos da República.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem vigia o vigilante é uma questão a que as democracias ocidentais avançadas tem de dar urgente resposta.
A Lei n.º 30/84, que criou os serviços de informações tentou, ao mesmo tempo, dar uma resposta a esta questão com a criação do conselho de fiscalização dos mesmos serviços.
No entanto e passados quase cinco anos sobre a aprovação da lei e sobre a existência desses serviços, que garantias poderão hoje ser dadas aos cidadãos portugueses - no fundo, a todos nós - de que a segurança do Estado, a segurança da nossa comunidade, durante estes anos, não tem sido feita à custa da devassa da nossa privacidade enquanto cidadãos e enquanto grupos sociais?
O relatório agora presente à Assembleia da República - e não estando, obviamente em causa a capacidade e a responsabilização dos membros que compõem o conselho -, mediante afirmações que vem fazendo ao longo do seu texto, legitima todas as dúvidas de que., de facto, nem tudo está bem, nem todas as garantias de respeito, nomeadamente pelo artigo 26.º da Constituição estão dadas aos cidadãos.
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Entendemos que, em democracia, os cidadãos merecem garantias mais sólidas do que aquelas que poderão advir da leitura do último parágrafo deste relatório. De facto, quando aí se diz que, «queremos poder afirmar que os direitos, liberdades e garantias estão assegurados», não basta dizer que «queremos poder afirmar». É preciso, inequivocamente, garantir que não restam quaisquer dúvidas que esses direitos, liberdades e garantias estão assegurados.
Quando atrás se diz que «pelas razões apontadas os elementos de que se dispõe são incompletos», esta garantia não tem a mínima solidez.
Era esta a preocupação que aqui queríamos deixar expressa.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: Será evidente que pouco mais poderei dize a esta Câmara para além do que consta do relatório em análise, subscrito pelo conselho de fiscalização.
O relatório respeita aos anos de 1986 e 1987 pelo que, eventuais acontecimentos posteriores a estes anos, estarão fora de discussão.
O conselho de fiscalização, criado pela Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, refere que o controlo dos serviços de informações será assegurado pelo conselho de fiscalização sem prejuízo dos poderes deste órgão de soberania, Assembleia da República, nessa mesma matéria.
Como refere também que os serviços de informações submeterão ao conselho de fiscalização, anualmente, relatórios de actividades.
E acrescenta que o conselho de fiscalização tem o direito de requerer e obter dos serviços de informações através dos respectivos ministérios da Tutela, os esclarecimentos complementares ao relatório que considere necessários ao cabal exercício dos seus poderes de fiscalização.
Termina dizendo que o conselho de fiscalização apresentará à Assembleia da República, anualmente, parecer sobre o funcionamento dos serviços de informações.
Tenho para mim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o conselho de fiscalização tem como função primordial verificar, pelos meios ao seu alcance, não só se os serviços de informações funcionam conforme às suas leis constitutivas mas, principalmente verificar, se esses serviços nas suas actuações atropelam os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos.
O conselho de fiscalização, dado o teor algo duvidoso da lei que o criou e que é emarada desta Assembleia no que se refere aos poderes desse mesmo conselho, deparou, de início, com algumas dificuldades. O Governo entendeu em princípio que esses poderes não iam para além de uma fiscalização dos relatórios dos serviços.
O conselho foi de parecer que, para uma fiscalização com os objectivos atrás mencionados, tinha que ir mais além, apreciando os relatório e pedindo aos Srs. Ministros da Tutela que, por intermédio destes, lhe fossem fornecidos os elementos que, para além dos relatórios, o conselho entendesse e entendeu por bem.
Fácil foi o acordo com o Governo nesta matéria e, a breve trecho, os Srs. Ministros da tutela prontificaram-se a mostrar-nos, como o mostraram, quanto lhes pedimos para nos esclarecermos.
De tudo quanto vimos demos nota no nosso relatório ou parecer onde, pormenorizadamente, dissemos da criação e desenvolvimento dos serviços e bem assim à afirmação peremptória de que não encontrámos qualquer actuação, por mais pequena que fosse, que infringisse regras democráticas e, nomeadamente, os direitos as liberdades e as garantias dos cidadãos.
Os serviços de informações desenvolvem o seu trabalho, porquanto soubemos em ordem a fornecer ao Estado os dados indispensáveis à defesa do País sob todos os aspectos.
Será evidente que esses mesmos serviços alguns ainda em fase embrionária, não terão podido trabalhar em pleno, como seria de desejar.
Mas é preciso não esquecer que a criação de serviços desta natureza envolve preparação técnica do sector humano, direcção capaz de os encaminhar para o exercício das suas funções.
E isto, a quem seja estranho à especificidade destas matérias, não se cria em dois ou três anos.
É necessário criar a experiência, alcançar a capacidade técnica, consciencializar dos objectivos, alcançar a confiança.
Suponho que os serviços de informações vão no bom caminho.
Não nos apercebemos de intromissão de politicamente incapazes, não vimos existências de favoritismos nem tão pouco nos apercebemos de incapacidades.
O conselho de fiscalização está de consciência tranquila em tudo quanto referiu no seu relatório. Espera que os serviços melhorem e sabe que essa melhoria vai ser atingida.
Temos lutado com algumas carências de funcionamento. Não temos pessoal ao nosso serviço, não temos instalações próprias e necessariamente seguras. Mas esperamos do Sr. Presidente da Assembleia da República - e conforme promessa em que acreditamos que, em breve, essas falhas possam desaparecer. Sem esquecer o problema da credenciação, que é absolutamente indispensável.
Para finalizar - e para além de tudo quanto se diz no relatório que estamos a apreciar -, fica a afirmação de que os serviços de informações não ofendem a democracia, as suas regras e os seus princípios.
Não há, repete-se, atropelo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Este é o objectivo que, em meu entender pertence ao conselho de fiscalização, que não está bloqueado nem se sente como não realizado e que também, suponho que com acordo dos meus colegas do conselho, não se sente diminuído na sua dignidade quando, por algumas vezes, reúne ou se agremia, como aqui se disse, no gabinete do presidente do Grupo Parlamentar do PSD já que este na altura sabe bem despir-se dessas funções.
Por último, Sr. Presidente, quero referir um problema levantado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e que tem algo de pessoal, muito embora eu saiba que não o referiu com o objectivo de atingir o deputado mas sim de atingir o lugar.
Quando fui eleito para este conselho de fiscalização não era presidente do Grupo Parlamentar do PSD. Sou-o neste momento, posso deixar de o ser quando me aprouver ou quando me falhar a confiança dos meus confrades.
Só que eu fui eleito para este conselho juntamente com outro deputado e com mais um cidadão que não
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era nem é deputado. Consequentemente, não vejo em que é que possa brigar com a dignidade desse conselho - em que, praticamente, não há nenhuma presidência, em que os três trabalhamos de perfeito e mútuo acordo, sem qualquer dependência, em que não tenho, nunca tive nem quis ter quaisquer ascendentes, quaisquer direitos a mais do que qualquer dos meus colegas - o facto de ser deputado à Assembleia da República. Não me parece pois, que deva haver qualquer espécie de preocupação por parte da Câmara em relação ao conselho de fiscalização.
Outros poderá haver, Sr. Deputado José Manuel Mendes, mas, neste aspecto, V. Ex.ª pode estar seguro e tranquilo que o presidente do Grupo Parlamentar do PSD, quando investido nas funções de membro do conselho de fiscalização esquece o seu primeiro cargo para desempenhar única e exclusivamente o segundo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Herculano Pombo e Jorge Lacão, que dispõe de tempo cedido por Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Montalvão Machado, começo por confessar que estranhei ter sido o Sr. Deputado a fazer a intervenção do seu grupo parlamentar em relação à apreciação deste relatório de que, aliás, é primeiro subscritor.
No entanto, penso que é legítimo que todos os deputados se pronunciem e, portanto, o Sr. Deputado na dupla qualidade de membro do conselho de fiscalização dos serviços de informações e de deputado tem legitimidade para o fazer.
A questão que quero colocar-lhe é a seguinte: considera ou não que a lógica democrática impunha que a instalação efectiva, com todas as condições de trabalho, do conselho de fiscalização antecedesse a instalação dos três serviços de informações que a lei cria?
Não lhe parece que a lógica democrática manda que primeiro se dêem condições, pois como o Sr. Deputado afirmou é extremamente difícil instalar estes serviços, mas ainda é mais difícil vigiar.
Sr. Deputado Montalvão Machado como subscritor deste relatório, considera que, apesar das dúvidas e das preocupações nele expressas, poderá em consciência garantir a todos nós que, ao longo destes anos em que os serviços de informações têm funcionado - com todas as debilidades aqui apontadas -, tem sido garantido o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Montalvão Machado, deseja responder já ou no fim?
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Montalvão Machado, quero dizer-lhe, com toda a franqueza e lealdade parlamentar, que foi com preocupação que o ouvi e verifiquei que a intervenção do seu grupo parlamentar era feita por si.
Evidentemente que é possível distinguir entre Montalvão Machado membro do conselho de fiscalização dos serviços de informações e o deputado do PSD, no entanto, esperar-se-ia que o Sr. Deputado na intervenção que fez pudesse fazer claramente essa distinção. Todavia, verifiquei - e quero observar-lhe esta preocupação - que o Sr. Deputado umas vezes fez considerações na qualidade de deputado do PSD e noutras na de membro do conselho de fiscalização dos serviços de informações.
Ou seja, sendo a pessoa Montalvão Machado susceptível de exercer com total distinção as duas funções de acordo com a natureza distinta dos órgãos, todavia, na intervenção que fez, não procedeu a essa distinção, antes, pelo contrário, fez a confusão das duas funções, na medida em que usou da palavra referindo-se à posição do seu partido e a posições do próprio conselho que integra.
Sr. Deputado Montalvão Machado, esta questão não teria grande significado se as suas palavras não tivessem dito menos do que aquilo que Montalvão Machado disse como membro do conselho de fiscalização no relatório, onde se revela preocupações substantivas quanto ao modo como, em concreto, estão ou não a ser implementados alguns dos serviços de informações.
Nesse sentido, o conselho de fiscalização dos serviços de Informações foi muito mais além do que o juízo de oportunidade política feito nesta Câmara pelo Sr. Deputado Montalvão Machado.
Portanto, não posso deixar de perguntar-lhe o que é que isso politicamente significa. Uma desvalorização por parte do PSD das conclusões constantes do relatório do conselho de fiscalização? Ou uma marcha a trás da parte do próprio conselho de fiscalização, uma vez que já não tem preocupações que, designadamente, o Sr. Montalvão Machado, como membro do Conselho, tinha revelado nesse mesmo relatório? A minha pergunta subentende algumas confusões de plano mas, obviamente, essas confusões não foram da minha responsabilidade.
O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Srs. Deputados Herculano Pombo e Jorge Lacão, começarei por responder a uma questão que ambos me colocaram e que tem a ver com o facto de terem estranhado ser eu a usar da palavra, em nome do meu grupo parlamentar, sobre a apreciação de um relatório que é subscrito por mim próprio.
Os Srs. Deputados não têm que estranhar, porque tendo sido um dos autores deste relatório entendi que deveria ser eu, precisamente por isso, a usar da palavra, uma vez que estou em melhores condições do que, porventura, alguns dos meus colegas para fazer a sua apreciação e responder a qualquer questão que me seja posta.
O Sr. Deputado Herculano Pombo referiu que teria sido muito melhor - e isso era uma questão prévia - fazer a instalação dos serviços do conselho de fiscalização antes de este começai a trabalhar. Estou
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perfeitamente de acordo consigo! Só que se estivéssemos à espera disso de certeza que o conselho de fiscalização até hoje ainda não tinha feito absolutamente nada, porque ainda não tem sala nem, coisa nenhuma...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Antes da instalação dos serviços de informações!
O Orador: - Só que a instalação do conselho de fiscalização dos serviços de informações compete à Assembleia da República e a instalação dos serviços de informações, como o Sr. Deputado sabe, compete ao Governo. Por conseguinte, não era o Governo que vinha instalar aqui os serviços de fiscalização nem a Assembleia da República que vai instalar os serviços de informações.
O Sr. Deputado perguntou-me - e esta foi a sua segunda questão - se eu podia asseverar-lhe que não houve atropelos aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Quanto a este assunto apenas posso repetir-lhe o que disse na minha intervenção e que, com certeza, o Sr. Deputado escutou.
Fui muito claro: por tudo aquilo que vi, por tudo aquilo a que tive acesso, por tudo aquilo que soube, posso asseverar que não encontrei nenhuma falha, por mais pequena que fosse, ou qualquer atropelo aos direitos liberdades e garantias dos cidadãos evidente que se as há nem eu nem os meus colegas do conselho as conseguimos detectar!
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O problema está naquilo a que não tiveram acesso!
O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, eu não disse aqui menos do que disse no relatório. Na minha intervenção, comecei por referir - e se calhar o Sr. Deputado não estava atento -, que não ia dizer mais nem podia acrescentar mais ao que já tinha dito no relatório. Por conseguinte, esta minha afirmação confirma totalmente tudo quanto subscrevi no relatório assinado pelos três membros do conselho de fiscalização.
Sr. Deputado Jorge Lacão, não há nenhuma marcha a trás, nem menosprezo por coisa nenhuma, nem alteração das posições do conselho de fiscalização. Não há nada disso! Pode estar perfeitamente tranquilo!
Posso também dizer-lhe que não fiz qualquer espécie de confusão entre o Montalvão Machado líder da maioria parlamentar e o Montalvão Machado membro do conselho de fiscalização, visto que essas duas qualidades não levam a qualquer caminho que não seja o da mesma pessoa poder representar os dois papéis, desde que esteja de consciência tranquila, que diga a verdade e que exprima à Câmara com verdade, com critério, com seriedade e com verticalidade aquilo que
pensa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República é hoje chamada a analisar o relatório do conselho de fiscalização dos serviços de informações.
Este relatório é o cumprimento do disposto na Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, que estabelece as bases gerais do sistema de informação da república e cria, no quadro da intervenção da Assembleia, o conselho de fiscalização dos serviços de informações.
Do relatório parece poder deduzir-se que a importância e o melindre dos sistemas de informações não têm tido uma verdadeira prática, na medida em que, a par da boa vontade e do interesse dos elementos que compõem o conselho, se afirma que não têm sido dadas condições mínimas de trabalho, minimizando a importância que na estrutura deste serviço deve caber aos representantes da Assembleia da República.
Quanto à análise do relatório merecem-nos comentários alguns pontos, em especial: a questão relevante que tem que ser equacionada e deve ser objecto de reflexão desta Câmara, não só pela importância especifica que representa num Estado democrático um sistema de informações, mas também pela capacidade que detém esta Câmara em corrigir ou clarificar melhor o sentido de certas disposições legais que, segundo o relatório, levantam ainda dúvidas de interpretação no que diz respeito à própria missão de que estão investidos os elementos do conselho de fiscalização enquanto representantes da Assembleia da República.
Verifica-se no relatório um alerta cuidado para o atraso na implementação de alguns serviços de informações em especial o Serviço de Informações de Estratégia Defesa (SIED). É louvável a preocupação que o relatório sublinha relativa aos cuidados na implementação dos serviços para que não nasçam « tortos», mas isso não pode levar a atrasos significativos que também podem, só por si, levar a desacreditar nas missões que lhes são confiadas e que são fundamentais para a segurança dó cidadão.
Outro aspecto que é importante sublinhar tem a ver com as dificuldades manifestadas na transição dos serviços de uma estrutura para outra, em especial da estrutura que havia antes da entrada em vigor da lei para os vários serviços de informações criados agora por esta lei.
Quanto à questão das condições de funcionamento do conselho de fiscalização, são perfeitamente inaceitáveis e podem levar a desacreditar não só na capacidade geral do conselho, enquanto representante da Assembleia da República, como na desvalorização das funções que cabe a este órgão e que são funções fundamentais para que os cidadãos se possam considerar em segurança, na medida em que os serviços de informação funcionam, e funcionam no respeito pelos direitos dos cidadãos.
Por outro lado, há questões que não são abordadas no relatório, provavelmente porque o não tinham que ser, mas que por certo terão sido objecto de análise pelos membros do conselho. Refiro-me às questões relacionadas com «incidentes» que têm vindo a ser noticiados pela comunicação social e que, de algum modo, podem levar as pessoas a interrogar-se se os serviços estão a funcionar bem e dentro dos preceitos constitucionais e enquadrados na lei do sistema de informações da república.
Relativamente à análise aos vários serviços de informação, de notar que o relatório no que diz respeito ao Serviço de Informações de Segurança (SIS) refere que «no que toca ao exercício das funções não há relatórios periódicos que pudessem ter sido lidos a fim de se verificar se estão a ser cumpridas as disposições
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legais» realçando simplesmente o cuidado posto na montagem do serviço, sua organização, recrutamento e formação de pessoal. Está relativamente explicada a
razão do seu atraso embora neste momento se possa justificar já a elaboração de outro relatório a apresentar à Assembleia da República. Relativamente a este
serviço o relatório admite um parecer favorável. Relativamente aos outros serviços, Serviço de Informações Militares (SIM) e SIED o relatório refere que o parecer da comissão não pode ser da mesma forma favorável. Esta afirmação pode levantar dúvidas quando e relativamente ao SIS de que não há relatório periódico, o parecer parece ser favorável e no que diz respeito aos SIM e SIED, «o parecer não é favorável» quando a comissão analisou os relatórios periódicos relativamente ao SIM e quando não existe, ainda implementado o SIED.
Mais concretamente, e no que diz respeito ao SIM, o relatório refere algo que é preocupante quando diz que «não nos foi possível obter os elementos necessários à formação de um juízo definitivo». Todos sabemos que no período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 foram as Forças Armadas encarregadas, de forma precária,
a preencher um vazio quanto à existência de um mínimo de informações necessárias ao normal desenvolvimento do Estado. De notar, que nessa altura «queimava» falar de informações pelo receio, no campo psicológico que o efeito PIDE/DGS implicava no cidadão. Foram, pois, as Forças Armadas a única organização que em termos nacionais e, com grande precaridade de meios, assumiu a responsabilidade de preencher esse vazio.
Com a Lei N.º 30/84, o Serviço de Informações Militares (SIM) passou parte das suas competências para o SIS e parte das suas missões devem passar a ser desempenhadas pelo SIED.
O relatório refere que relativamente aos SIM, e apesar de boa vontade manifestada por parte do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa, não foi possível ao conselho de fiscalização obter os elementos necessários à formação de um juízo definitivo. Mas porque razão a Comissão não teve acesso a todos os elementos? As estruturas superiores das Forças Armadas não informam o ministro da Defesa Nacional?
Há áreas que são ignoradas pelo Sr. Ministro da Defesa? O Sr. Ministro da Defesa não tem possibilidades de fornecer aos membros do conselho os elementos que estes necessitam? 0 conhecimento da organização, funcionamento, recrutamento e formação de pessoal está vedado ao Sr. Ministro da Defesa? Se não, porque não foram fornecidos estes elementos aos membros do conselho? Não compreendemos bem o que se passa!
No que diz respeito às competências entre os vários serviços de informações, para além de se saber ser este um problema que nunca será completamente resolvido, fica-se por saber se esta questão está ou não em vias de solução em termos legais e de funcionamento dos vários serviços.
Na verdade, relatório refere que só a partir de Novembro de 1987 o SIS passou a assumir formalmente as suas competências legais e ainda não existiam, à data
da elaboração do relatório, os chamados relatórios periódicos de modo a poder aferir-se, no concreto, a sobreposição de competências. Já que no que diz respeito ao SIED ainda não está a funcionar de forma autónoma e, portanto, essa situação tem implicado que uma parte das suas funções tenham continuados a ser desempenhadas pelos serviços de informação militares. Fazem-se votos para que estas situações possam; ser rapidamente resolvidas e ultrapassadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da leitura do relatório parece, pois, poder deduzir-se que a implantação do sistema de informações tem privilegiado, o que em nosso entender é positivo, a segurança com o cuidado possível na consequente transmissão de poderes para que não se criem dificuldades iniciais que possam, à
partida, desvirtuar o objectivo do sistema de informações. No entanto, pode ser preocupante a demora que houve na implantação do SIS e a não implantação do serviço de informações estratégias como refere o relatório, que pode criar dificuldades acrescidas na assumpção plena de funções dos vários serviços de informações .
Recordar que a Lei n.º 30/84 teve o cuidado de criar três serviços (SIED, SIM, SIS) tendo como objectivo primeiro evitar a concentração dos serviços e os perigos daí resultantes que demora demasiada na sua implantação pode pôr em causa.
Com o sublinhar destes reparos e estas observações, a par das considerações feitas relativamente às condições de funcionamento do conselho de fiscalização - que aliás, o relatório claramente referência - aprovamos o relatório louvando o conselho pelo cuidado posto no cumprimento da sua missão, apesar das dificuldades que o relatório indicia e do estado de implementação dos serviços de informações ainda estarem numa fase inicial, limitando e condicionando a acção plena a exercer, no âmbito da lei, pelo conselho de fiscalização dos serviços de informações.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de dizer - aliás, já está escrito em despacho no ofício que me foi enviado pela comissão - que neste momento estão a ser recuperados alguns espaços no Palácio e, portanto, dentro em breve será possível pôr uma sala á disposição do concelho. Até agora não tem havido condições materiais para instalar fosse onde fosse o conselho ou qualquer outro serviço, como é do conhecimento de todos os Srs. Deputados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A finalidade da criação do concelho de fiscalização dos serviços de informações é a de saber
se os serviços estão a executar as tarefas para as quais foram criados e se o fazem sem ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição da República e na lei.
Ao analisar este relatório, gostaria de em nome do meu partido e em meu nome, render homenagem aos três ilustres deputados que o subscreveram, em primeiro
lugar, pela dificuldade que tiveram para obter todas as informações de que nos dão conta e, em segundo lugar, pelo melindre deste relatório.
Tratando-se de uma fiscalização, sobre serviços rodeados de uma natureza e de um circunstancialismo próprios e enfrentando uma certa incompreensão por parte daqueles que deveriam fornecer toda a espécie de informação, vejo bem qual a dificuldade que estes três ilustres signatários terão sentido para apresentar este
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relatório e, por isso, as minhas primeiras palavras são de saudação para quem o subscreve.
Isto não quer dizer que também eu não tenha estranhado o facto de ter sido o meu querido amigo, Sr. Deputado Montalvão Machado, a usar, da palavra em nome do PSD. Certamente não está em - causa, nem nunca estará a isenção e a independência que V. Ex. s sempre revela no exercício das funções que, em nome da Assembleia ou do seu partido, lhe são incumbidas.
Mas neste momento, estamos a julgar um relatório feito por três pessoas e se bastassem essas três assinaturas não era preciso este acto de apreciação do próprio relatório...
Ora, sendo V. Ex.ª um dos subscritores do relatório não pode ser ao mesmo tempo o seu julgador, porque ninguém pode ser juiz e parte. V. Ex.ª é parte no relatório porque é co-autor e, portanto, não pode ser juiz na apreciação. Isto não implica, repito qualquer «beliscadela» à sua isenção e independência, mas a política tem o seu ritual e em política o que parece é.
Em segundo lugar, quero dizer que o que está em causa é, unicamente, a validade do relatório e não a natureza dos serviços nem os lados substantivos onde recai esta fiscalização e o que temos de saber, neste momento, é se conselho de fiscalização cumpriu ou não as suas tarefas. Aliás, a homenagem que prestei no início desta intervenção é sinal seguro de que, do nosso ponto de vista, este relatório cumpre cabalmente as funções que foram desempenhadas pelos deputados que o subscrevem.
Em relação às perplexidades que este relatório denota e suscita posso dizer que também estamos solidários com elas.
Em primeiro lugar, o Governo não pode furtar-se ou mostrar boa vontade, que possa ser louvada, para fornecer aquilo que é seu dever fornecer.
Em segundo lugar, as incertezas quanto ao início da actividade de informação não podem desculpar vários dos inconvenientes apontados neste relatório.
Em terceiro lugar, este relatório tem de mostrar a transparência e a segurança dos próprios serviços face ao pais, à Assembleia e aos cidadãos.
Ora, as conclusões aqui tiradas não são tranquilizadoras por diversas razões. Em primeiro lugar, diz-se que o Governo ainda não tem uma interpretação segura sobre qual é a sua missão, em ajudar o conselho de fiscalização sobre os serviços que tutela. Em segundo lugar, porque os elementos fornecidos não permitiram ao conselho fazer um juízo definitivo.
Em terceiro lugar, porque os elementos fornecidos não permitiram ao conselho tirar ilações seguríssimas sobre se havia ou não casos que tocassem com direitos, liberdade e garantias fundamentais dos cidadãos, porquanto o que aqui se diz é «que parece não haver pelos elementos dados».
Ora, o conselho deveria ter acesso a todos os casos concretos. Não podemos concordar com uma pequena afirmação, aqui existente, de que «não compete ao conselho investigar casos concretos», porque, efectivamente, compete. E se o. conselho tiver dúvidas pode e deve sujeitar à sua censura e fiscalização os casos concretos, para saber se, efectivamente, os direitos, liberdades e garantias foram violados. Por tudo isto, esta conclusão apresentada não poderá ser subscrita pelo meu partido.
De qualquer modo, tratando-se do primeiro relatório; tratando-se de uma actividade que decorreu há dois anos e atendendo a que esta experiência poderá servir para o futuro, nós vamos aprovar este relatório, na certeza, porém de que terá de ser mais fundamentado e terá de investigar melhor os casos concretos, porque é de casos concretos que se trata e não de meros juízos de valor abstractos, para todos termos a certeza de que, no futuro, não haverá qualquer obstáculo, qualquer - digamos - receio de os cidadãos verem ameaçados os seus direitos, liberdades e garantias através destes serviços que, pela sua própria razão de ser, tem, que existir no Estado democrático de direito como nós somos.
Entretanto assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr: Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Narana Coissoró, muito obrigada pelas suas palavras mais ditadas pela amizade do que, propriamente pelo valor de a quem elas foram dirigidas. Pretendo dizer ao Sr. Deputado que quando usei da palavra, aqui, não quis ser juiz em causa própria, não quis ser julgador. Se ti Sr. Deputado põe o problema nesse pé, então terá de me retirar o direito de voto quando formos, a seguir, aprovar este relatório. A mim e ao Sr. Deputado Marques Júnior, pois, não podendo votar, estaremos efectivamente, afastados desta votação.
Não. Não é assim, Sr. Deputado. É evidente que usei da palavra na qualidade de deputado e por ser - digamos - a pessoa que melhor conhecia o assunto no meu grupo parlamentar e por estar em condições de prestar algumas informações. -
Desejava, também, Sr.ª Presidente aproveitar a altura para dizer - e isto é efectivamente um erro que consta do relatório e que é preciso corrigir...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah! Ah!
O Orador: - Espera aí, Sr. Deputado! Não se precipite! Esteja calmo! Como dizia, desejo aproveitar a altura para esclarecer que apesar de se dizer que o relatório se mostra assinado por mim e pelos. Srs. Deputados José Luís Nunes e Marques Júnior isso não é verdade porque o Sr. Deputado José Luís Nunes não faz, nem nunca fez, parte da comissão. Quem assina o relatório é o Sr. Dr. Anselmo Rodrigues, ilustre amigo e companheiro de lides neste serviço de informações.
O Sr. - Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Sr. - Deputado Montalvão Machado, tomamos a devida nota e proceder-se-á à rectificação ...
Para responder, se assim o desejar tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não tenho nada que responder, Sr.ª Presidente, mas a explicação não me convence.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pede a palavra para que fim?
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, não sei se terei compreendido bem e por isso coloco a questão sob forma dubitativa, mas julguei entender das palavras do Sr: Deputado Montalvão Machado que ele estaria na convicção de que este relatório seria sujeito a votação por parte do Plenário. Se é esse o entendimento do PSD, gostaria de saber se a Mesa o confirma, dado que é minha opinião de que, tratando-se como se trata do relatório apresentado por um órgão independente, ele é um relatório ide informação à Assembleia da República mas não é susceptível de ser objecto de votação por parte da Assembleia da República.
A Sr.ª Presidente: - Essa é também a ideia da Mesa, Sr. Deputado Jorge Lacão. Suponho que há consenso no que respeita a esta interpretação. Srs. Deputados, tenho o gosto de os informar da presença nas galerias de grupos de alunos da Escola Secundária de Loulé, da Escola Secundária Raul Proença das Caldas da Rainha e do Colégio Académico de Lisboa, acompanhados dos seus professores, a quem cumprimentamos e saudamos.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte da ordem do dia, que é o Projecto de Lei n.º 224/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.
O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista ao propor a este Parlamento, e afinal a todo o povo português, a alteração do regime jurídico da requisição civil em situação de greve, tem consciência de dar um contributo positivo ao aprofundamento da democracia e, consequentemente do Estado de direito que pretendemos ver construído no Portugal de hoje.
Contributivo positivo uma vez que o regime jurídico da requisição civil nem situação de greve é um Instrumento de grande importância quer para a segurança de pessoas e bens, quer para a segurança dos próprios trabalhadores em luta.
O actual regime consubstanciado no n.º 4 do art.º 8.º da Lei n.º 637/74, de 20 de Novembro, tem uma génese alicerçada na resposta factual à situação de instabilidade social que se viveu nos meses subsequentes ao 25 de Abril de 1974.
Com treze anos de vida constitucional, com uma vivência democrática estabilizada com comportamentos sociais perfeitamente padronizados em termos europeus, não parece necessária a manutenção de instrumentos normativos que se mostrem desenquadrados desta realidade.
Deste modo, só quem neste Portugal de hoje perpasse alheio aos problemas sociais - o que decerto não é caso dos membros desta Câmara - poderá tentar justificar a manutenção do actual regime jurídico da requisição civil em situação de greve.
Na realidade, manter a requisição civil, sobretudo tal como ela é praticada, corresponde a manter o abuso do poder, isto é, a supressão do direito constitucional à greve de uma franja muito importante dos trabalhadores portugueses.
E, não se argumente que tal não é verdade uma vez que só a má consciência poderá fazer esquecer casos tão recentes e tão manifestamente violadores da ordem jurídica como o foram: a requisição civil dos trabalhadores da Transtejo em 1988; a requisição civil dos trabalhadores da Carris; a requisição civil dos trabalhadores do Metro; a requisição civil dos trabalhadores da CP; a ameaça formal de recurso a esse mecanismo em casos das greves dos trabalhadores da RTP, EDP, etc, etc...
É a ambiguidade jurídica própria deste regime que possibilita a falta de certeza e de segurança jurídicas, e, que, afinal, desenvolve uma conflitualidade que, naturalmente urge superar.
Para além da conflitualidade por todos reconhecida nesta matéria, provam aquela ambiguidade os sucessivos pareceres da Procuradoria-Geral da República que, na feliz imagem do meu camarada Vera Jardim, proferida na apresentação deste projecto de lei, se limitam a «navegar à bolina» no encapelado mar da necessidade de uma teorização mínima que afirme doutrina clara a este respeito.
Demonstrada a necessidade de rever o regime jurídico da requisição civil em situação de greve, fê-lo o Partido Socialista apresentando um projecto de lei que manifestamente se assume como o equilíbrio necessário entre as necessidades da colectividade e o direito à greve constitucionalmente garantido.
Em consequência e conforme se afirmou na sessão plenária onde foi apresentado, este projecto de lei obedece a quatro princípios fundamentais.
Primeiro, prevê uma qualificação tão precisa quanto possível das situações que podem justificar a limitação do exercício do direito à greve.
Essa limitação fica circunscrita às situações de, incumprimento por parte dos trabalhadores ou das suas associações sindicais dos deveres de prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis para garantia da vida, da saúde ou da segurança das populações, ou para garantir a segurança e manutenção do equipamento e instalações.
Em segundo lugar, assume, com coerência, o princípio da auto-organização e
auto-regulamentação das associações sindicais e dos trabalhadores no que
respeita à definição do âmbito, dos termos e dos procedimentos a adoptar para salvaguarda do interesse público com a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à garantia da vida, saúde e segurança das populações, bem como à segurança e manutenção dos equipamentos.
Só, pois, a posteriori, só em casos de incumprimento e quando manifestamente se demonstre que não estão garantidas essas obrigações mínimas, então poderá ser justificável o recurso à requisição civil dos trabalhadores em greve no exacto limite da sua necessidade à execução dessas obrigações e à manutenção daqueles serviços.
Em terceiro lugar, o projecto apresentado pelo Partido Socialista exige que a requisição civil se apresente aos olhos de todos como transparente quanto ao seu objecto, ao seu âmbito e à sua duração, e deve expressamente dizer quem é a entidade responsável pela sua execução e o regime de prestação de trabalho dos requisitados.
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Assim se confere um mecanismo dignificante que, por si só, é instrumento importante na luta contra o arbítrio; a indefinição e a irresponsabilidade, tantas vezes instrumentos eficazes na desmobilização dos trabalhadores e na desvirtuação das suas razões de luta.
Em quarto lugar, a requisição deve ser adequada e proporcional aos interesses que visa proteger. Adequação e proporcionalidade quanto à garantia do funcionamento dos serviços destinados a ocorrer à satisfação das necessidades sociais imputáveis que se prendem com a vida, a saúde e segurança das populações ou da segurança e manutenção dos equipamentos.
Foi a assunção destes princípios, aliada a unia consciência clara dos limites dos seus direitos face à comunidade onde se inserem, que as associações sindicais e os trabalhadores portugueses demonstraram ao darem um inequívoco «sim» a este projecto de lei.
Inequívoco « sim» tão importante e tanto mais quanto nos últimos anos tão poucas iniciativas de alteração normativa o mereceram. Inequívoco «sim» porquanto deste projecto de lei emerge uma clara vontade de restabelecer um equilíbrio necessário à sociedade portuguesa e que vinha sendo impedido pelo oportunismo de quem vem - querendo resolver os conflitos social de forma administrativa mesmo e incorrendo na ilegalidade e no arbítrio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas também há criticas á este projecto de lei. E não as pretendemos ignorar, nem passar sobre elas uma esponja. Sobre elas nós debruçámos.
Uma das críticas refere-se .à supressão da exigência do recurso a uma portaria para que se efective a requisição civil ...
Esta crítica é a nosso ver infundada uma vez que o normativo apresentado - artigo 4.º - prevê que a requisição civil se efective mediante resolução do Conselho de Ministros.
Este mecanismo, ao contrário do que pode suceder através do recurso à simples portaria, impede a requisição civil através da responsabilidade política de um único titular de cargo no executivo.
Só a resolução do Conselho de Ministros reúne as condições de responsabilização política de um executivo no seu todo imprescindível à dignificação do instituto da requisição civil e exigível perante a natureza dos interesses em conflito.
Uma outra critica foi formulada sobre o artigo 5.º do projecto de diploma, e no que concerne «aos trabalhadores abrangidos por medidas de requisição civil, em caso de incumprimento, ficarem sujeitos às penas previstas no estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da administração central, regional e local».
Contudo, também aqui é correcta a solução apresentada no projecto de lei uma vez que o recurso ao normativo disciplinar do contrato individual de trabalho faria pressupor que existiu uma relação de natureza disciplinar entre trabalhador e entidade patronal originada na e pela greve, o que manifestamente seria não só claramente inconstitucional como ilegal.
O que de facto poderá eventualmente existir é uma relação disciplinar de natureza administrativa em caso de requisição civil, existente entre o Estado e o trabalhador requisitado. Por isso, em breves palavras, optámos pela manutenção do normativo na sua formulação originária.
As outras criticas prendem-se a aspectos relacionados com outras disciplinas e que nomeadamente exigiriam alterações no domínio do processo de trabalho e na organização judiciária, matérias que obviamente exigirão tratamento sistemático diferente do âmbito a que agora nos propusemos.
Assim ficou amplamente demonstrada a necessidade imperiosa de restabelecer um equilíbrio neste âmbito da requisição civil. A aprovação deste diploma obviamente prestigiará esta Câmara, já que contribui para a institucionalização de um equilíbrio em área onde não existe e onde a conflitualidade é manifesta; mas contribui ainda, e esta é uma responsabilidade que assumiremos com alegria, para o aprofundamento da democracia com a vitória sobre o arbítrio, pela segurança imanente a todo o estado de direito.
Por tudo isto e porque esta é uma base de trabalho abertas às criticas fundamentadas, o Partido Socialista propõe a sua aprovação na generalidade por este Plenário e a sua baixa de imediato à comissão especializada.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Jerónimo de Sousa e Joaquim Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Osório Gomes, quanto à natureza deste projecto de lei, já tivemos ocasião de dizer, aquando da apresentação do projecto, que nos parecia ser uma tentativa de um diploma interpretativo do artigo 8.º da lei da greve. Tudo está em saber se, efectivamente a Assembleia da República deve fazer leis interpretativas ou deixar a interpretação aos tribunais porque muitas das soluções que são vasadas neste projecto fazem parte do acervo de pareceres da Procuradoria-Geral da República, que têm definido o que é a requisição civil, o que são serviços mínimos, o que são serviços indispensáveis, etc. E, por isso mesmo, o primeiro problema de fundo é de política legislativa. Devemos fazer uma lei que tem natureza interpretativa ou deixar a lei como está para, depois, na prática, se ver como funciona, porque podemos não prever todos os casos e aqueles que ficarem de fora poderão vir a ser objecto de requisição civil, o que poderia revelar-se injusto?
O segundo problema que se apresenta é uma petição de princípio. Com efeito, o projecto diz que a requisição civil só se poderá fazer depois de verificar o incumprimento dos serviços mínimos por parte dos trabalhadores ou das associações sindicais. Ora bem, há poucos dias discutiu-se, a propósito dos médicos, a quem compete fixar o conceito de serviço mínimo. Dizia a Sr.ª Ministra que era a ela que cabia dizer se havia incumprimento ou não, e por sua vez, os médicos ou os seus sindicatos diziam que era a eles. E este problema de saber quem define o incumprimento, se o Governo, se as associações sindicais, é fundamental, dado que só a partir do incumprimento nascerá o direito-dever do Governo de recorrer à requisição civil. VV. Ex.ªs, no vosso projecto, não tratam deste problema basilar, pelo que se torna necessária uma resposta imediata para melhor podermos ajuizar da sua economia.
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Em terceiro lugar, pergunto se não valeria a pena, antes, revermos a própria lei da requisição civil, que nasceu num período conturbado do princípio da nossa vida democrática e já hoje se mostra totalmente inadequada, e, por aí, obter soluções muito mais amplas do que aquelas que constam do projecto de lei do Partido Socialista.
A Sr.ª Presidente: - A Mesa tem conhecimento de que o Sr. Deputado Osório Gomes deseja responder apenas no final. Portanto, tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Sr. Deputado Osório gomes afirmou, no final da sua intervenção, que as organizações de trabalhadores deram um inequívoco
«sim». Nós faremos uma pequena correcção e diremos: um inequívoco «sim», mas... V. Ex.ª estará de acordo comigo quanto ao entendimento de que o projecto de
lei em apreço visa legislar sobre matéria muito sensível e melindrosa, como é a da excepcionalidade da requisição civil.
Queremos, porém, desde já, afirmar, independentemente de envolver o direito à greve, que a matriz do projecto de lei é, na nossa opinião, clarificadora e, no geral, positiva. No entanto, existem omissões e, aproveitando a disponibilidade do Partido Socialista para, possivelmente na especialidade, fazer as correcções necessárias, solicitava a V. Ex.ª que me respondesse, dentro do tempo limitado que temos, ao seguinte: não me tendo convencido o seu argumento da questão da dispensa da portaria e da inexistência da obrigatoriedade dos fundamentos que levam ao acto da requisição, embora afirme que a resolução do Conselho de Ministros serve, não acha o Sr. Deputado, tendo em conta a gravidade do acto - é da requisição civil que estamos a tratar -, que os destinatários dessa decisão -- no caso concreto, os trabalhadores - deveriam ter conhecimento prévio?
Quanto a uma segunda questão a que a anterior nos Conduz, não encara o Partido Socialista a possibilidade de recurso e de impugnação, pôr parte dos trabalha-
dores ou das associações sindicais, como um direito, podendo, assim, recorrer para o tribunais de uma decisão que pode ser injusta? Esta é uma omissão que
registamos e sobre a qual valeria a pena ouvir o Partido Socialista sobre a sua disponibilidade.
Finalmente, colocava ainda a questão dos serviços mínimos: O Sr: Deputado sabe que, actualmente, o grande problema que se coloca é o uso e abuso desta figura, por parte do Governo que, através da requisições mais ou menos encapotadas, aplica os chamados «serviços mínimos». Da forma como está redigido o artigo 4.º pode acontecer que exista a discricionaridade e o arbítrio por parte da entidade civil, independentemente de se reconhecer que é a ela que cabe definir os serviços mínimos, e por isso, não acha o Partido Socialista que os trabalhadores e as suas organizações deveriam intervir ou, pelo menos, tomar conhecimento da definição desses serviços mínimos, tendo em conta essa entidade civil, no caso concreto, das administrações que usam e abusam desta figura?
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim marques.
...O Sr. Joaquim Marques (PSD):- Muito obrigado, Sr.ª Presidente. Em primeiro lugar, desejo congratular-me com a afirmação do Sr. Deputado Osório Gomes
de que, em Portugal, era, finalmente, possível trabalharmos na revisão do decreto-lei que regulamenta, neste momento, a requisição civil, dado que a situação económico-social que vivemos é, felizmente, bem melhor da que vivíamos na altura da sua elaboração, em 1974. É uma constatação que, de facto, resulta das afirmações do Sr. Deputado Osório Gomes e que, portanto, considera e considerou aqui - e, quanto a mim, muito bem porque isso corresponde, de facto, à verdade - que a situação económica e social em Portugal é uma situação normal. Existem, com efeito, conflitos normais de qualquer sociedade democrática, mas,
de facto, vivemos numa situação de normalidade democrática e económico-social. Esta era a primeira referência que desejava fazer ao discurso do Sr. Deputado
Osório Gomes...
De qualquer forma, creio que, quando discutimos está matéria, nos esquecemos do facto de que só há requisição civil quando as organizações representativas dos trabalhadores de um sector de actividade, que se destina a satisfazer necessidades sociais imprescindíveis, não cumprem os serviços mínimos a que a lei da greve os obriga. Isto é: a requisição civil é uma solução de recurso e, aliás, o Sr. Deputado Osório Gomes sabe bem que, nos últimos doze meses, o governo de Portugal somente recorreu à requisição civil uma única vez, o que só se verificou recentemente com a greve dos trabalhadores do Metropolitano da Lisboa, e só depois de em quatro greves anteriores não terem efectuado, por
parte das organizações representativas dos trabalhadores, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades de uma grande parte da população de Lisboa.
E se perguntarem se achámos bem - até porque não temos problema nenhum em
dizê-lo - que ao fim de três greves sem que essas organizações sindicais tenham cumprido tal obrigação legal, e o Governo, na quarta vez, tenha decretado a requisição civil, nós diremos que
o Governo agiu bem ao decreta-la. Com efeito, o exercício do direito à greve não pode ultrapassar nem negar o exercício de outros direitos constitucionalmente tutelados.
Em 1977, ano em que mais requisições civis foram feitas, era um governo do Partido Socialista que estava no poder. Nesse ano, o governo do Partido Socialista fez, nem mais nem menos, quatro requisições civis. Pergunto: será que, nessa altura, ainda se vivia o período pós-revolucionário, pós-25 de Abril, com grande agitação económica e social ou foi porque o governo do Partido Socialista nessa altura entendeu que, de facto, recorrendo a este mecanismo, estava a recorrer a um mecanismo real para defesa dos interesses legítimos das
populações?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O ministro do Trabalho era do PSD!
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, tem havido diversos ministros do Trabalho do PSD mas nesta altura o ministro do Trabalho era do Partido Socialista Sr. Deputado Osório Gomes, quando o Partido Socialista esteve no poder - e ainda recentemente
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esteve no poder - e ainda recentemente esteve também - qual o motivo porque, nesta altura, não procurou alterar a legislação respeitante à requisição civil? E perguntava também ao Sr. Deputado se, em boa verdade, este projecto de lei que agora o Partido Socialista nos apresenta não se trata antes de uma alteração encapotada da lei da greve?
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes, para o que dispõe de apenas cinco minutos.
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É demais!
O Sr. Osório Gomes (PS): - Antes de mais quero agradecer as perguntas que me foram dirigidas e começo pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
Efectivamente a lei da greve não é neste momento uma lei nós pensámos de facto rever. Pensamos fazer uma revisão da lei da requisição civil e este nosso projecto é uma revisão parcial, não uma revisão total, mas para já é de facto indício da necessidade de se fazer uma revisão total e por uma razão: é que se tem verificado, através dos sucessivos governos, o uso e o abuso desta figura para criar grandes problemas e grandes dificuldades quer aos trabalhadores quer às organizações sindicais.
Por isso esta lei tem alguns aspectos obscuros e por isso mesmo a Procuradoria-Geral da República teve necessidade de fornecer alguns pareceres relativamente a esta matéria. Portanto, e para já, pensamos em resolver este problema da requisição civil, pelo menos em termos parciais, no sentido de que o trabalhadores e as associações sindicais tenham uma resposta clara relativamente a este aspecto.
Sobre a problemática do incumprimento, se deve ser o Governo, se deve ser o ministério, se devem ser as organizações sindicais, estamos disponíveis para discutir isto em sede da própria comissão especializada, se a Assembleia da República assim o entender.
Relativamente ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, queria dizer que efectivamente as associações sindicais que nos responderam deram uma resposta favorável a este projecto na generalidade. Aliás, eu tive oportunidade de o dizer na minha intervenção, porque algumas foram suscitadas nesta discussão e nós estamos abertos a aceitar muitas das propostas que eventualmente os partidos e as associações sindicais nos apresentem para enriquecer e melhorar o nosso projecto, a fim de conseguirmos transformá-lo numa outra lei melhor, que sirva os interesses dos trabalhadores e das associações sindicais no que respeita à requisição civil. É evidente que há omissões, é natural que sim, e por isso mesmo penso que, na especialidade, estaremos em óptimas condições para podermos melhorar este documento.
Quanto ao recurso aos tribunais pelos trabalhadores, penso que esta é uma questão que caberá na discussão na especialidade e, por outro lado, queria dizer que, em relação à portaria ou à resolução do Conselho de Ministros, nós continuamos a entender que a resolução do Conselho de Ministros é mais importante, dado que é uma responsabilização global do Governo, portanto do Executivo e não apenas a responsabilização de um único titular, de um único membro do Governo.
Relativamente ao Sr. Deputado Joaquim Marques, queria dizer que a situação económica e social neste momento não é a melhor. Tenho a impressão que nunca vi greves dos médicos convocadas conjuntamente pela ordem e pelos sindicatos, nunca vi os professores e os alunos de braço dado quanto aos aspectos da educação e em greve - cada um com os seus motivos, obviamente -, nunca vi os magistrados e os juizes em greve, nem uma contestação firme e frontal dos advogados e nunca assisti, mas penso assistir na próxima sexta-feira, a uma manifestação da polícia. Se isto é, de facto, uma melhoria das condições sociais no nosso país, sinceramente, Sr. Deputado Joaquim Marques, já não sei o que é a conflitualidade, já não sei o que é uma reforma social capaz neste país!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à questão de no tempo do governo do Partido Socialista, em 1977, ter havido mais requisições civis, com certeza que teríamos de discutir aqui a situação que se vivia nesse momento no País; aliás, a forma quase sistemática com que o Partido Social-Democrata aparece nesta Assembleia tem sido a de remeter sempre os problemas para os governos do Partido Socialista, o que dá a sensação de haver um certo complexo da parte do Partido Social-Democrata por não querer responder e resolver os problemas hoje, remetendo-os para o passado. Sr. Deputado, vamos para o futuro!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Visa a iniciativa do Partido Socialista regulamentar uma matéria tão sensível e excepcional como é a requisição civil que em última análise sempre restringe, ou delimita no plano legal, o exercício de um direito incluído no capítulo dos direitos, liberdades e garantias fundamentais da Constituição da República - o direito à greve.
A questão tem essa importância e esse melindre mas ao mesmo tempo pertinência e actualidade, não tanto porque as leis actualmente em vigor não definam os pressupostos materiais e processuais de recurso à requisição civil, mas porque ultimamente se tem assistido a abusos incomensuráveis por parte do Governo e das administrações de algumas empresas.
A Constituição, ao contrário de que acontece, por exemplo, com a Constituição espanhola, não prevê expressamente a imposição de qualquer imposição aos trabalhadores em greve nem às estruturas sindicais que a declaram o que leva por razão da questão em apreço a dar relevância à Lei n.º 65/77 e particularmente ao seu artigo 8.º, n.01 l e 3 que obriga «à prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis» e «à prestação dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e das instalações».
Importa sublinhar que os trabalhadores e as suas organizações têm ao longo dos anos exercido o direito à greve com grande determinação e firmeza mas também, indesmentivelmente, com grande sentido de responsabilidades na parte a que estão obrigados.
A questão nuclear não reside pois no cumprimento daquelas obrigações que a lei configura mas na forma como é interpretada.
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Em nome de interesses gerais mais ou menos difusos, proclamando vagos prejuízos económicos, hiper-valorizando as naturais incomodidades resultantes de uma situação de greve, ou mesmo bastando a sua simples declaração, o Governo tem vindo a desencadear o mecanismo da requisição civil com uma ligeireza preocupante e no mínimo abusiva. Tal recurso, este uso e abuso é tanto mais grave quando é colocado em causa não só o direito à greve mas outras liberdades fundamentais como a liberdade de trabalho, a liberdade de negociação de contratação colectiva e a liberdade sindical. Como bem afirma Jorge Leite num desenvolvido parecer sobre esta matéria «o direito da greve, como direito fundamental, só pode ser sacrificado, e apenas, na medida estritamente necessária, quando o seu exercício sacrifique outros direitos de idêntico ou superior valor constitucional, segundo o critério da proporcionalidade. Não pode, porém, ser sacrificado a pretexto por exemplo, das incomodidades e das perturbações que o seu exercício provoca ou dos seus inevitáveis prejuízos na economia nacional».
Não tem o Governo este entendimento.
O caso recente da requisição civil dos trabalhadores do metropolitano, antes mesmo de se desencadear a greve e prolongada por 30 dias para além do período em que a greve estava decretada foi uma violência inadmissível violadora do princípio da proibição do excesso.
Estava em causa a vida e a segurança das pessoas? Não! Estavam em causa as instalações e bens da empresa? Não! O que estava em causa era e é a tentativa de aplicação de aumentos salariais injustos, a liberdade de negociação de contratação colectiva, direitos inalienáveis dos trabalhadores do metropolitano mais uma vez ameaçados e condicionados por uma decisão lapidar e injusta do Governo.
Por outro lado o sistemático deitar mão à requisição civil encapotada através dos denominados serviços mínimos é outra prática complementar atentatória do direito à greve. Requisitar trabalhadores em greve para pôr em movimento a certas horas 607o de uma frota de autocarros da RN, por exemplo, 507o das composições do metropolitano, 40% dos barcos da Transtejo ou da frota da carris, requisitar dactilógrafas e outros trabalhadores administrativos da CP e chamar a isto serviços mínimos para atender à satisfação de necessidades sociais impreteríveis seria no mínimo caricato. Nem os médicos escapam a estes mínimos maximalistas do Governo. Só que mais do que caricato este comportamento governamental é profundamente perigoso e altamente lesivo de direitos e liberdades que, mais do que conquista dos trabalhadores (e quanto não custou esta conquista) são património precioso da democracia portuguesa.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os autores do Projecto de Lei n.º 224/V, animados, segundo cremos de boa-fé, propõem-se regular o regime de requisição civil e anunciam no seu preâmbulo a salvaguarda dos interesses da comunidade sem afectação do direito constitucional da greve. Ao manter a proximidade dos normativos actualmente em vigor, ao fixar alguns pressupostos materiais e processuais de legitimidade no recurso à requisição civil e reafirmar o princípio da proibição do excesso pode tomar-se com boa a matriz proposta o que não invalida, no entanto, uma análise crítica e discordâncias de especialidade já que, a manter-se no seu conteúdo algumas omissões nalguns casos e falta de explicitação noutras, a boa-fé que anima os proponentes pode ser subvertida e frustada.
Em 1.º lugar, no plano processual, o projecto de lei não inclui a obrigatoriedade de indicação dos fundamentos do acto da requisição e torna dispensável o recurso à portaria como instrumento através do qual se efectiva a requisição. É importante não esquecer que estamos a tratar de um mecanismo de constrangimento de um direito fundamental. De um acto grave quando é decidido que exige e implica dar conhecimento aos seus destinatários. Quando não, como poderiam os trabalhadores em greve entender as razões que levaram a decisão tão grave e dar-lhes a possibilidade de recurso e de impugnação?
Na lógica desta omissão, segue-se outra. O projecto de lei não prevê nenhum mecanismo célere e eficaz que possibilite o recurso à via judicial e consequentemente o controlo desse órgão.
Outra questão de especialidade a necessitar melhor explicitação e correcção é a forma lata e subjectiva como o artigo 4.º permite à entidade civil, responsável pela execução da requisição, a aplicação dos denominados serviços mínimos sem nenhuma oscultação à comissão de greve e ou à associação sindical que declarou a greve.
A vida ensinou e a prática demonstrou que se impõe, sem prejuízo da competência própria da referida entidade ou mesmo de um processo célere que exista conhecimento prévio e direito de intervenção dos trabalhadores na redefinição dos serviços mínimos essenciais bem como no número de trabalhadores a abranger.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vamos votar favoravelmente na generalidade, mas, este posicionamento de voto esbate as nossas fundadas preocupações.
Tudo indica que no processo de revisão constitucional o direito à greve vai ficar inscrito tal como está hoje na matriz da Constituição laborai. O quadro legal do exercício do direito está salvaguardado na Lei n.º 65/77.
Pode, porém, na actual conjuntura, com esta Assembleia concreta e esta maioria concreta um projecto de lei bem intencionado regulamentar, ser afeiçoado, clarificado e impedir por via legislativa o abuso governamental numa matéria tão sensível, excepcional e melindrosa como é a requisição civil? Seria eticamente inaceitável e politicamente condenável que alguém o manipulasse, o aproveitasse e o lançasse visando o movimento do boomerang, frustrando os seus autores, mas pior do que isso, agredindo os trabalhadores e mutilando, por via da legislação ordinária, os direitos, liberdades e garantias que a constituição lhes confere.
A vida dirá! Da nossa parte, da parte do PCP, num posicionamento construtivo, tudo faremos para que também nesta questão, o direito à greve, à liberdade no trabalho e liberdade sindical continuem a ser realidades insubstituíveis e indestrutíveis no Portugal democrático.
Aplausos do PCP e do deputado do PRD Marques Júnior.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
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O Sr. José Puig (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Projecto de Lei n.º 224/V, apresentado pelo Partido Socialista visa restringir a possibilidade de recurso à requesição civil, nos casos de incumprimento da prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Por outras palavras pretendeu-se a valorização de certos interesses sectoriais, com claro sacrifício de interesses genéricos de toda a comunidade.
Senão vejamos a requesição civil seria apenas possível, sendo aprovado o projecto-lei em discussão quanto estivessem em causa necessidades impreteríveis para garantia da vida, da saúde ou da segurança das populações.
Acrescente-se que se deixam de fora outra relacionadas com valores igualmente importantes, e consagrados constitucionalmente, como, por exemplo a independência nacional, mesmo do ponto de vista económico ou a integridade territorial.
Deste modo não seria possível o recurso à requisição civil em caso de greves no sector de transportes prestados em regime de serviço público, de abastecimento de combustíveis, ou ainda dos correios e até das telecomunicações.
Estranha evolução a do Partido Socialista, o mesmo que aprovou a Lei n.º 65/77, actualmente em vigor neste âmbito delimitando as situações que permitem a requisição e que aliás, resultou da Proposta de Lei n.º 4/I subscrita pelo primeiro-ministro do governo de então, também secretário-geral do mesmo partido.
O Partido Socialista era também na altura representado na Assembleia da República pelo Sr. Deputado Teimo Neto que, aquando da discussão na generalidade daquele diploma, considerou que «é do reconhecimento generalizado que os interesses de um determinado grupo se não podem sobrepor ao interesse generalizado da colectividade, da perigosa enunciação taxativa dos serviços essenciais proposta pelo Partido Comunista Português à criação de mecanismos que permitiriam, na prática, impedir qualquer greve, vai um campo vasto de hipóteses de entre as quais os socialistas procuraram a posição de equilíbrio que julgamos conseguida na formulação proposta para o artigo 8.º».
Mas, afinal, têm razão os que afirmam ter o «novo» Partido Socialista já poucas afinidades com o Partido Socialista moderado da década passada e da primeira metada desta? Ou os que garantem haver dois Partidos Socialistas: um para o Governo, outro para a Oposição!
Merece ainda uma referência a consagração no projecto de lei em discussão da impossibilidade de substituir os trabalhadores em greve por pessoas ou entidades exteriores à empresa, no âmbito da requisição civil.
Assim se tornaria pura e simplesmente ineficaz a requisição se e quando se verificasse a recusa daqueles em acatá-la.
Procuramos na nossa doutrina qualquer abordagem que pudesse fundamentar os pontos essenciais consagrados neste projecto de lei.
Bem pelo contrário, verificamos que Monteiro Fernandes, nas suas «noções fundamentais de direito do trabalho» defende que «o juízo sobre a carência dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação das referidas necessidades, é um juízo de oportunidade que pode conduzir a resultados divergentes dentro do mesmo sector ou até em relação a diferentes greves numa mesma empresa».
Por outro lado, acentua ainda que: «a amplitude desses serviços mínimos é, também ela, naturalmente muito variável e a sua definição em concreto reveste-se de muita relatividade».
No mesmo sentido Bernardo da Gama Lobo Xavier na sua obra «Direito de Greve» referindo-se à a requisição civil, ensina que «tratar-se afinal de um sistema em que se procura dar expressão a outros direitos fundamentais, que há que harmonizar com o direito à greve». Ou seja, o autor não especifica ou discrimina qualquer um de entre os direitos fundamentais.
Também Vital Moreira e Gomes Canotilho, na sua constituição anotada, defendem, a admissibilidade da requisição, tratando-se de empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Em suma, nenhum dos autores aludidos defende a bondade, a utilidade ou conveniência da restrição do conceito de necessidades sociais impreteríveis, para efeito de requisição civil.
Também uma breve incursão pelo direito comparado não permite vislumbrar qualquer argumento para alterar a legislação neste domínio, no sentido pretendido pelos socialistas.
De facto, em Espanha, o Decreto-Lei n.º 17/77, prevê a possibilidade do Governo tomar as medidas necessárias para assegurar o funcionamento dos serviços, quando a greve seja declarada em empresas encarregadas da prestação de qualquer género de serviços públicos de reconhecida necessidade.
Disposição idêntica ao artigo 8.º da Lei n.º 65/77, encontramos também na legislação francesa, onde se prevê que em certos sectores, o direito de greve está limitado pela obrigação de assegurar um serviço mínimo, nomeadamente: radiodifusão e televisão; navegação aérea, etc...
Na realidade, não é com iniciativas como a presente, que caminharemos para a plena integração na Europa comunitária.
Não é com estes projectos que construiremos um Portugal mais moderno, desenvolvido, que melhoraremos as condições sócio-económicas dos trabalhadores do nosso país.
O Partido Social-Democrata continua a entender, ao contrário de outros, que os interesses de grupo não podem prevalescer sobre os interesses globais da sociedade, e de cada um dos seus membros.
Por tudo isso, não poderá votar favoravelmente o projecto de lei em discussão.
Aplausos do PSD.
Neste momento, registaram-se manifestações de protestos por parte de elementos do público presente nas galerias.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Agentes da Autoridade, queiram fazer o favor de evacuar as pessoas que se manifestaram.
Pausa.
Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Marques Júnior, Osório Gomes, Alberto Martins e Jorge Lacão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
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O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado José Puig, naturalmente não vou fazer considerações do ponto de vista das relações de força, quer na perspectiva do presente quer na perspectiva do futuro, entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata. Mas o Sr. Deputado disse nona coisa relativamente a este projecto de lei, apresentado pelo Partido Socialista, que me deixou algo perturbado, mas provavelmente, fui eu que percebi mal ou entendi mal.
Deduzi da sua intervenção que, para além dos valores que toda a gente considera como naturais - a defesa da vida, da saúde e da segurança das pessoas -, o senhor estranhou que não estivessem previstos outros valores como, por exemplo, a independência nacional e a integridade territorial. A minha pergunta, clara, é esta: a omissão desses valores fundamentais neste projecto do Partido Socialista poderá pôr em causa, de facto, do seu ponto de vista, a independência nacional e a integridade territorial? Aspectos e valores destes não virão devidamente salvaguardados noutros diplomas? É que se de facto é assim, eu, que inicialmente, tinha previsto dar o meu voto embora com algumas reservas a este projecto, fiquei altamente perturbado com essa leitura que o Sr. Deputado fez, pelo que na medida do possível, gostaria que me pudesse dar esse esclarecimento.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.
O Sr. Osório Gomes, (PS): - Sr. Deputado José Puig, ouvi a sua intervenção com bastante atenção e há uma passagem que eu gostaria que me esclarecesse porque em determinada altura disse que não vê necessidade de rever a lei da requisição civil. Como entender esta sua afirmação com aquela que foi proferida pelo Sr. Deputado Vieira Mesquita na apreciação deste projecto e que vem transcrita no Diário de 4 de Maio de 1988 quando diz: «por um lado, penso que toda esta matéria deverá ser devidamente abordada em sede de especialidades» e mais à frente diz, «pensamos que deve ser feita uma lei que limite, de forma mais precisa possível, o uso do poder e o instituto da requisição civil». De facto, gostaria que comentasse isto porque dá a sensação que há duas posições diferentes no Partido Social-Democrata.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins, (PS): - Sr. Deputado José Puig, a sua intervenção deixou-me profundamente perplexo porque admitia entender nela uma modernidade de pensamento e conclui que havia um grande conservadorismo nas posições para as quais apontou, nomeadamente quando não consegue estabelecer aquilo que é uma necessidade prática óbvia, uma tentativa de clarificação da lei.
Esta lei que está hoje em vigor é uma lei obscura, fonte de conflitos entre entidade patronais, cidadãos e sindicatos e o Sr. Deputado parece que está contente com este momento de tensão social e com esta tentativa de limitação das liberdades públicas e das liberdades de intervenção sindical. Acresce que, quando faz referência ao Direito Comparado e à legislação estrangeira, esqueceu-se de ler uma lei que é, a esse título, exemplar e suficientemente importante para merecer a sua atenção mas que, obviamente, não vinga na recolha de dados dos serviços de documentação da Assembleia que era o código belga sobre as leis laborais, em que aponta não só as empresas e as sociedades que praticam serviços sociais impreteríveis e, para além disso, define quais são as necessidades vitais, é uma lei que deixa ver - aliás, poderia ser uma solução que poderia ser ensejada em sede de comissão de especialidade -, de forma muito precisa, qual é o funcionamento das empresas que culminam a realização de serviços vitais, o que de todo o modo resolveria uma questão que foi aludida já e que a lei belga resolve de forma absolutamente definitiva. Creio que nesse sentido a sua vocação de integração europeia deve tender a ser uma integração total e não parcial lendo apenas os documentos que convém a uma posição e a uma atitude política conservadora.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Puig, há muito tempo que se sabe que não são os nomes que se põem às coisas que garantem a autenticidade das próprias coisas. Ouvindo a sua intervenção, confirma-se plenamente que não é a circunstância desse discurso ter sido feito por um deputado social-democrata que o discurso teve qualquer conotação social-democrata.
Com efeito, é curioso verificar que no final do seu discurso o Sr. Deputado diz: «a iniciativa do Partido Socialista não contribui para o desenvolvimento económico e social...» no âmbito da linha de modernidade que o PSD tanto gosta de falar.
Na verdade, Sr. Deputado José Puig, V. Ex.ª realizou que o essencial desta questão não é, neste plano, os problemas do desenvolvimento económico e social do País, mas os problemas dos direitos fundamentais dos trabalhadores? Poderia o PSD, por esta única vez, admitir que em sede de direitos fundamentais o primado do homem está acima dos interesses da economia?
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, a perplexidade de V. Ex.ª perante a não previsão de outros valores constitucionalmente garantidos talvez tenha alguma razão de ser, talvez justifique a alteração do sentido de voto que o seu grupo parlamentar iria manifestar em relação a este projecto de lei agora em discussão.
Na verdade, em meu entender, existem duas questões a considerar: em primeiro lugar, para além de outros valores, como aqueles que já enunciei, poderem ou não ser postos em perigo, independentemente de estarem previstos e defendidos noutras legislações, devemos ainda salientar a questão da discriminação, entre valores constitucionalmente garantidos, todos na mesma série e no mesmo plano hierárquico, que, em meu entender, não tem qualquer fundamento ou justificação; em segundo lugar, quanto à questão de serem ou não colocados em perigo esses valores, apesar de serem tratados em outras legislações, essa, hipótese não está posta de parte.
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Sr. Deputado Osório Gomes, V. Ex. e referiu-se a uma passagem da minha intervenção em que eu teria dito: não vejo necessidade para alterar a legislação sobre a requisição civil em situação de greve. Na verdade, fiz uma afirmação integrada num contexto e não com este conteúdo, pois o que referi exactamente foi o seguinte: também uma breve incursão pelo Direito Comparado não permite vislumbrar qualquer argumento para alterar a legislação neste domínio - e completei - no sentido pretendido pelos socialistas.
Sr. Deputado Alberto Martins, quanto à questão da tentativa de clarificação da lei, penso que não é com este projecto de lei, mesmo considerando apenas o ponto de vista estritamente jurídico, que iríamos clarificar a lei. Aliás, penso até que as grandes divergências e questões, que iam começar a colocar-se sobre se determinado serviço estava ou não enquadrado para garantia do direito à segurança das populações, iam suscitar maiores polémicas do que as que, actualmente, temos com a legislação em vigor.
O Sr. Deputado referiu também o código belga e as leis laborais belgas, que não conheço, mas também não me manifestei como conhecedor de todas as legislações que existem pelo mundo fora. No entanto, julgo que sei o motivo que levou o Sr. Deputado a referir-se a uma legislação estrangeira, não referida por mim, isto é, talvez a alusão à legislação espanhola e a leitura de algumas passagens dela no contexto actual, que conhecemos, não tenha sido muito do agrado do seu grupo parlamentar.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, devo salientar que os direitos fundamentais dos trabalhadores não estiveram em questão com esta legislação, nem estão em questão com este Governo, nem sequer estão em causa, hoje em 1989, com o Governo do Professor Cavaco Silva, como, aliás, o meu colega de bancada, Sr. Deputado Joaquim Marques, fez questão de frisar. Aliás, poderia até afirmar que em 1977 estiveram muito mais em questão os direitos fundamentais dos trabalhadores do que agora, em 1989.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Para a compreensão do problema agora em debate, importa ter presente que a requisição civil foi objecto de regulamentação por um diploma legal de 20 de Novembro de 1974 produzido, pois, em circunstâncias radicalmente diversas das actuais.
A estabilização da vida política e social, entretanto, ocorrida, tornam necessária a revisão do seu regime jurídico ou, pelo menos, a precisão do seu conteúdo e o modo da sua aplicação.
Pretendendo, fundamentalmente, fazer face a situações de emergência decorrentes de continuas convulsões e perturbações que caracterizavam, então, o tecido social, o centro dos objectivos e das motivações que estiveram na base da sua feitura, encontra-se hoje deslocado, como desadequadas se encontram as medidas nela preconizadas.
De meio de defesa da democracia no passado, a requisição civil não pode transformar-se no presente ou no futuro em instrumento da sua distorção ou mesmo
destruição.
O Projecto de Lei n.º 224/V, do Partido Socialista, visa, do ponto de vista teórico, tentar marcar os limites do regime da requisição civil em situação de greve por, em seu entender, a prática da requisição civil exceder em muito o objectivo primacial do direito à greve.
O debate sobre esta matéria que terá a sua continuação, esperamos; sou melhor, esperaríamos, porque o PSD já enunciou o seu voto, na respectiva comissão, certamente, que iria corrigir as suas insuficiências, bem como permitiria uma maturação das soluções possíveis e desejáveis de um mecanismo legal que, pelas implicações e efeitos sobre direitos constitucionais fundamentais requer, como dissemos, cautelas acrescidas. Conceito e termos como os de «satisfação de necessidades sociais impreteríveis», «prestação de serviços mínimos» e «prestação de serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações», deveriam ser rigorosamente definidos. O carácter excepcional da requisição civil impõe e exige que sejam excluídos conceitos indeterminados, de duvidosa interpretação e nenhum controlo judicial. Aliás, importaria ponderar devidamente sobre o «controlo judicial» do acto de requisição que o projecto de lei continua a não prever, já que a aplicabilidade do estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da administração central, regional e local, aos trabalhadores abrangidos pelas medidas de requisição civil, estabelecidas no seu artigo 5.º implica a apreciação do «incumprimento» e conexamento do «acto de requisição civil».
Revestindo a forma de resolução do Conselho de Ministros, o «acto de requisição civil», está por vocação excluído do âmbito do contencioso administrativo, pela natureza política de que se reveste. Nessa perspectiva, o artigo 4.º do projecto de lei, agora em análise, consubstancia um nítido retrocesso, face ao actual artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 637/74, que procede à distinção entre o «prévio conhecimento da sua necessidade pelo Conselho de Ministros» e a sua «efectivação por portaria dos ministros interessados».
Também o não estabelecimento de obrigatoriedade da enunciação dos fundamentos do «acto de requisição civil» torna mais difícil a tarefa da sua apreciação e controlo, quer em sede política, quer em sede judicial própria e autónoma - não prevista, como se disse -, ficando prejudicada a sua fiscalização por qualquer órgão ou entidade, bem como o próprio direito de recurso por quem se veja objecto de um processo disciplinar por suposto incumprimento.
Quanto aos pressupostos a que deve obedecer a faculdade concedida ao Governo no n.º 4 do artigo 8.º da lei da greve, para além da indeterminação dos conceitos que mantém, o projecto pouca avança, limitando-se a introduzir, através do seu artigo 2.º, a «garantia da vida, da saúde ou da segurança da população», com bens ou valores á salvaguardar e a prescrever no n.º 1 do seu artigo 3.º que a utilização de requisição civil deve ser «estritamente limitada ás medidas indispensáveis à requisição das condições ou serviços mínimos».
Neste sentido, o projecto em discussão destina-se a dar uma interpretação restrita do artigo 8.º da lei da greve, interpretação que, em nosso entender, seria dispensável se não fosse a interpretação, a nosso ver, errada e abusiva, que tem sido feita pelos vários governos.
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Na verdade, as obrigações durante a greve, previstas no artigo 8.º da Lei n.º 65/77, são de dois tipos: obrigação de prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades sociais impreteríveis; e obrigação da prestação dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.
Como é evidente, são distintas as motivações que determinam cada uma das obrigações.
Relativamente à primeira, é a natureza da necessidade social que explica e justifica a respectiva obrigação, enquanto que na segunda é o tipo de instalação
E de equipamento das empresas ou estabelecimentos em que a greve ocorre.
São pois estas as questões ou seja, as delimitações técnicas das referidas obrigações e, consequentemente, os critérios aplicáveis que parece estarem em causa, tanto mais que tem havido uma tendência para as entidades governamentais exagerarem na utilização do mecanismo da requisição civil, o que tem levantado,
e muito justamente, os maiores protestos por parte dos trabalhadores.
Não é, no entanto, fácil nem pacífica a concretização do sentido exacto a dar à expressão «necessidades sociais impreteríveis» e aos «serviços mínimos» .
A Lei n.º 65/77 refere que a obrigação de prestação de serviços mínimos só existe nos casos em que a greve ocorra em empresas ou estabelecimentos cuja actividade se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, ou seja, exige-se que a paralisação prejudique irremediavelmente necessidades sociais básicas, o que significa que, para além das empresas especiais onde a greve ocorra, ela tem de afectar irremediavelmente tais necessidades. É, pois, necessário também que tais necessidades fiquem por satisfazer se não forem cumpridas tais obrigações.
Assim, a indispensabilidade da manutenção dos serviços mínimos, sendo um dos pressupostos materiais para legitimar a requisição civil, para além desta só se poderia fazer em situação de greve e em empresa ou estabelecimento dirigida à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, tem de comprometer irremediavelmente certos bens ou valores como o da vida, o da segurança e o da saúde.
Poderíamos acrescentar, para descanso do Sr.
Deputado José Puig, outros valores, como o da independência nacional e da integridade territorial.
O Sr. José Puig (PSD): - Há mais, Sr. Deputado: Os que referi são só alguns exemplos!
O Sr. Narana Coissoró (CDS) - E ainda o bem estar geral da humanidade!
O Orador: - Deste modo, e como refere o projecto de lei em análise, também a nossa interpretação da aplicação dos serviços mínimos só tem sentido, «para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, para garantia da vida, da saúde ou da segurança das populações e para garantir a segurança e a manutenção de equipamentos e instalações», correspondendo deste modo ao entendimento que também é dado péla Organização Internacional do Trabalho, através do seu comité de liberdade sindical.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Do nosso ponto de vista, o projecto de lei em discussão só não é desnecessário, porque os governos têm, infelizmente, teimado
em interpretar de forma extensiva e errada os conceitos subjacentes à lei da greve, nomeadamente o seu artigo 8.º que, em nosso entender, deve ter a interpretação que lhe é dada por este projecto agora em análise.
Nesse sentido, e com estes pressupostos, o projecto parece ser, infelizmente, necessário e daí, o nosso voto favorável.
Aplausos do PRD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana, Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do Partido Socialista traduz o que a doutrina designa por uma lei de protesto.
Com efeito este projecto não vem regular verdadeiramente um instituto imprescindível para a legislação laboral, mas vem apenas dizer que é necessário acudir a determinadas situações em que a interpretação abusiva e, por veies, o incumprimento da lei não têm sido sancionados pelas autoridades competentes.
Na verdade, o poder político, que é exercido pelo Governo, tem feito uso da requisição civil contra a lei e não tem havido maneira de sancionar este incumprimento através dos tribunais, porque se trata de um acto do Governo, portanto um acto político, não tem fiscalização judicial, e também porque uma vez feito fica consumado, não podendo depois obter ressarcimento pelo incumprimento.
Com efeito, o projecto de lei não satisfaz os principais problemas que pretenderia resolver.
Em primeiro lugar, pense que está em causa saber, se a lei de requisição civil, o Decreto-Lei n.º 637/14, se mantém em vigor em toda a sua plenitude. Na verdade, este decreto-lei foi criado em momento anterior ao da lei da greve e muitos dos conceitos em que se fundamentava foram ultrapassados pela regulamentação nova que a lei da greve introduziu. Assim, porque as leis posteriores, quando dispõem sobre a mesma matéria, revogam as anteriores os principais dispositivos da lei da requisição civil estão hoje ultrapassados.
Há, por exemplo, constante jurisprudência e pareceres da Procuradoria-Geral da República no sentido de que o artigo 3.º, que constitui o núcleo duro, isto é, o coração deste decreto-lei, já está ultrapassado pelo artigo 8.º da lei da greve, porque, em todo o elenco das empresas, onde existem serviços públicos que poderiam ser objecto de requisição civil, ele já não está em vigor, foi substituído pelo artigo 8.º
Também existe o problema de se saber se o artigo 1.º, ou seja, se o objecto desta requisição, que consagra «em circunstâncias particularmente graves poder assegurar-se o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de interesses vitais da economia nacional», hoje se pode manter perante a outra formulação que foi dada pela lei da greve no seu artigo 8.º, quando diz: «(... ) nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, ficam as associações sindicais (...)», isto é, hoje a requisição civil apenas se justifica para as necessidades sociais impreteríveis e não para aquelas que estão consignadas no artigo 1.º do
decreto-lei sobre a requisição civil.
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Contudo, o Governo em vez de interpretar correctamente a lei, isto é, considerar que o artigo 1. º da lei da requisição civil relativo à requisição civil está
ultrapassado pelo artigo 8.º da lei da greve, que restringiu substancialmente o âmbito da requisição, quer manter em vigor aquele artigo 1.º que nada tem a ver
com a lei da greve, nem com a legislação actualmente vigente.
Em meu entender, o projecto de lei do Partido Socialista não resolve este problema fundamental. Deveria dizer: ficam revogados os artigos 1.º e 3.º do decreto-lei sobre a requisição civil, em situação de greve.
Um outro problema, ainda, refere-se à atitude do Partido Socialista em remeter todas as questões aqui colocadas para a discussão em sede de comissão especializada, dizendo que lá receberia todos os contributos, poderia até elaborar-se uma nova lei e tudo se resolveria. Srs. Deputados, devo lembrar que o projecto é de vossa autoria e não da comissão especializada e, por isso, os senhores têm de dar as respostas aqui aos nossos pedidos de esclarecimento para podermos saber o que VV. Ex.ªs pretendem.
Quando no diploma se diz que só depois do incumprimento pelos trabalhadores é que haverá requisição civil - e trata-se da alma do vosso projecto - eu pergunto: quem é que diz que há incumprimento? É o Governo? Não acreditamos nisso!
De facto, têm de ser as associações sindicais; as próprias associações que decretam a greve, que devem dizer se o incumprimento dos serviços mínimos está ou não a verificar-se. Se for o Governo a dizer quando é que há incumprimento, haverá sempre requisição civil.
Assim, no projecto de lei tem de dizer-se quando é que se verifica o incumprimento e o Partido Socialista não quer dizer quando é que considera que se verifica o incumprimento e remete essa matéria para ser discutida em sede de comissão especializada.
Decerto pretende apenas apresentar este projecto para a comunicação social poder dizer que o Partido Socialista quis regulamentar a requisição civil e o Partido Social-Democrata o derrotou, mas não quer dizer quando é que há requisição civil. Isto não pode ser, o Partido Socialista tem de assumir a responsabilidade de dizer quando é que há incumprimento e não pode remeter a matéria para a comissão especializada.
Por estas razões seria fácil ao CDS, depois de saber qual é o voto do PSD, perante os trabalhadores que estão a assistir aos nossos trabalhos nas galerias, fazer um bonito e dizer: «Nós também vamos aprovar o projecto de lei do Partido Socialista sobre a requisição civil em situação de greve.» Durante alguns dias o CDS receberia aplausos e alguns órgãos da comunicação social diriam: « O PSD ficou isolado, pois até o CDS votou a favor este diploma sobre a requisição civil.» Não pretendemos ter essa atitude, porque seríamos incoerentes, tecnicamente derrotistas e iríamos aprovar uma lei que não tem razão de existir por três ordens de razão: em primeiro lugar, porque o Partido Socialista não expressou nem tem ideias precisas sobre o que pretende; em segundo lugar, porque este projecto de lei vem restringir - como bem notou o PRD - o artigo 8.º, abrindo as portas para o Governo fazer a requisição civil fora daqueles casos restritos enunciados pelo PS; e em terceiro lugar, entendemos que o incumprimento da lei, por parte do Governo, não se faz mediante uma nova lei má, mas mediante a censura da opinião pública, mediante a censura política, através desta Assembleia e mediante, o grande movimento para restabelecer ;verdadeiramente a lei da greve e não restringi-la encapotadamente como se pretende fazer agora aqui.
Se é preciso revogar a lei da requisição civil, o CDS está pronto para participar nessa tarefa. É preciso modificar o artigo 8.º da lei da greve, o CDS apoia a iniciativa, mas o que o CDS não está de acordo é que se iludam as questões e, por essa razão, votaremos contra este projecto.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está inscrito o Sr. Deputado Alberto Martins para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado Narana Coissoró não dispõe de tempo para responder.
Entretanto, a Mesa é informada de que o PRD cede tempo ao CDS para responder.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, no início da sua intervenção V. Ex. referindo-se ao projecto de lei do Partido Socialista classificou-o - e só por si a razão da nossa iniciativa era bastante - como uma lei protesto.
É, efectivamente, uma lei protesto, mas não é só uma lei protesto. A perspectiva que o Sr. Deputado aponta vai no sentido de uma alteração global das leis laborais e, por isso, faz uma referência muito incisiva à ideia de revisão da lei da greve.
De facto, consideramos que a codificação sistemática das leis laborais pode ser uma solução positiva, mas, enquanto não se verifica, a precisão, mesmo que interpretativa - e já referi que não era só essa - da lei da requisição civil, justifica-se até para garantir um valor fundamental, ou seja, o direito constitucional à greve.
De facto, o direito à greve não é um , direito absoluto, tem os limites da salvaguarda dos interesses colectivos essenciais. A forma como esse direito está ou não a ser aplicado pelo Governo implica uma opção e uma filosofia de Estado urgente que garanta e resolva a questão da requisição civil.
Quanto à solução que poderia ou deveria ser dada para o não cumprimento, foi opção ostensiva do Partido Socialista deixar para a comissão de especialidade a resolução desta questão, em relação à qual não temos uma opinião definitiva e fechada.
Sabemos que as soluções que existem em termos de Direito Comparado, se referem à possibilidade de constituição de uma comissão paritária que a posteriori aplica a requisição civil. Há, eventualmente, a requisição contenciosa e há a solução apresentada hoje aqui, ou seja, a de o privilégio da execução prévia ser admitido e entregue ao Governo.
Para nós, qualquer destas soluções seriam soluções abertas, e terminais. Não faríamos delas uma questão fechada e decisiva se os pressupostos estivessem suficientemente clarificados.
Neste sentido, a questão que coloco a V. Ex.ª é a seguinte: por que não - uma vez que o Sr. Deputado admitiu uma solução perfeccionista e já mais elaborada - admitir nesta própria solução (e isso cabe no contexto da proposta apresentada) a definição expressa tal como eu já apontei como possibilidade no Direito
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Comparado na lei belga - de quais são as necessidades vitais e especificamente definidas, em termos legais, que existem nessa mesma lei. É esta a questão que gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Começo por agradecer ao Partido Renovador Democrático por me ter cedido o tempo.
Sr. Deputado Alberto Martins, mantenho o que disse: esta é uma lei protesto. E quando há leis protesto elas acabam aí! Isto é, o Partido Socialista fez um protesto, como partido de Oposição - e eu também faço muitos protestos -, fê-lo de uma forma corajosa trazendo à Assembleia um debate em que todos os partidos puderam dizer o que acham sobre isso, mas tem de acabar aqui. Quer dizer, o protesto não pode ser transformado numa medida legislativa coxa, não pode ser transformado numa medida legislativa má, não pode fazer-se uma lei pior do que aquela que agora está em vigor. Desculpe que lhe diga, mas o artigo 8.º vai muito mais além do que aquilo que está no vosso projecto.
Agora, pelo protesto, estou convosco, estou com a Câmara. Ó Governo tem é feito mau uso da requisição civil! Estou aqui para o dizer, ao contrário do que faz o PSD que acha que o Governo faz muito bem quando faz a requisição civil.
O vosso projecto não resolve o problema do incumprimento da lei da requisição civil por parte do Governo, assim como não dá qualquer solução ao incumprimento que o Governo faz da lei da greve.
É isso que lhe quero dizer: fazer uma lei nova partindo deste pressuposto, isto é, o Partido Socialista lança um articulado qualquer e depois a Câmara faz uma lei, não pode ser, porque nós temos outras coisas para fazer. Assim, o Partido Socialista devia era trazer aqui soluções estudadas, soluções detalhadas e não dizer «nós trazemos o esboço de um projecto e depois a Assembleia fará a lei».
O Sr. Alberto Martins (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, muito brevemente, quanto ao facto de o diploma ser uma lei protesto, devo dizer que é mais do que isso. A lei não é igual a zero, pelo menos não é essa a opinião dos trabalhadores, das comissões dos trabalhadores e das associações sindicais que se pronunciaram sobre este projecto de lei.
O Orador: - Sr. Deputado, mas os trabalhadores não sabiam que o vosso projecto de lei diminui o alcance da lei da greve, porque se soubessem - como disse, aliás, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa - que ele diminui o alcance do artigo 8.º da lei da greve não teriam, naturalmente, feito isso.
Agora, com toda aquela panóplia que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa disse que era preciso modificar, então, meu amigo, realmente, com todos esses ingredientes, teremos uma lei nova e o projecto de lei do Partido Socialista de nada serve.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão deste ponto, pelo que deveríamos de imediato passar à Proposta de Lei n.º 69/V; estamos, porém, confrontados com um problema: na agenda da reunião plenária de hoje está marcada, para as 18 horas e 30 minutos, a votação na generalidade, seguindo-se a discussão e as votações na especialidade e final global desta proposta de lei. No entanto, o Governo só poderá estar presente à hora inicialmente programada, pelo que somos obrigados a interromper a sessão até às 18 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa solicita aos grupos parlamentares o favor de entrarem em contacto com os seus próprios serviços a fim de alguns deputados virem até ao Hemiciclo. Aliás, apareceu nos ecrãs do monitor interno a informação de que recomeçaríamos os nossos trabalhos às 18 horas e 30 minutos e chamo a atenção para o facto de a discussão da Proposta de Lei n.º 69/V ocupar pelo menos uma hora e meia.
Pausa.
Por outro lado, Srs. Deputados, temos ainda de proceder às votações da Proposta de Lei n.º 79/V - Concede autorização ao Governo para definir o regime fiscal aplicável às concessões das zonas de jogo e para definir os crimes e contra-ordenações decorrentes da prática e exploração ilícitas de jogos de fortuna ou de azar - e de um processo relativo à Ratificação n.º 46/V - Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve -, apresentada pelo PCP.
Srs. Deputados, para organização dos nossos trabalhos, vamos passar à votação destes dois diplomas.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, depreendi do que acaba de dizer que vai iniciar todo o processo de votações. É isso?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o primeiro acto a que temos de proceder é uma votação.
O Orador: - Sem dúvida, Sr. Presidente, mas neste momento estamos preparados para votar o diploma relativo às bases gerais do estatuto da condição militar.
O Sr. Presidente: - Na generalidade? O Orador: - Com certeza.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, a fim de acelerar os trabalhos e uma vez que vamos entrar num processo de votações, a solução que a Mesa encontrou foi a de começar por pôr à votação os dois diplomas que há pouco referi e passar depois à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º -69/V.
O Orador: - Bom, o que acontece - e naturalmente que o mesmo se passará com outros grupos parlamentares - é que não estamos preparados para essas votações. Isto é, os deputados que intervieram nesses processos não se encontram ainda na Sala, uma vez que foram informados de que essas votações se fariam às 19 horas e 30 minutos, tal como está acordado entre nós. Não vejo dificuldade...
O Sr. Presidente: - É perfeitamente respeitável a posição que o Sr. Deputado está a apresentar. A Mesa apenas pretendia avançar com os trabalhos.
Sendo assim, vamos proceder à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 69/V.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, como muitos Srs. Deputados terão de sair antes das 19 horas e 30 minutos, penso que poderíamos fazer agora as votações, ficando as declarações de voto - aliás, as várias bancadas já manifestaram o seu sentido de voto e portanto não há qualquer surpresa nisso - para as 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, a regra é a de se votar entre as 19 horas e 30 minutos e as 19 horas e 45 minutos; a Mesa tentou uma outra solução, para simplificar os trabalhos, mas uma vez que não houve consenso, tem de seguir-se a regra.
Sendo assim, vamos passar à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 69/V, que estabelece as bases gerais do estatuto da condição militar.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de saber exactamente o que é que vai ser posto à votação. Isto é, se se vai votar primeiro a proposta de lei e só depois o texto de substituição, ou se, eventualmente, o Governo retira a proposta de lei e só se vota o texto de substituição, apresentado pela comissão.
No caso de o Governo retirar a proposta de lei, não temos outra alternativa senão a de obter do Governo uma declaração expressa nesse sentido.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Eurico de Meio): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas declarar, que o Governo retira a proposta de lei e aceita o texto de substituição apresentado pela comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica agora esclarecido o que é que vamos votar na generalidade.
Passamos, então, à votação, na generalidade, do texto de substituição, apresentado pela comissão, da Proposta de Lei n.º 69/V - Estabelece as bases gerais do estatuto da condição militar.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e abstenções do PCP, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão na especialidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorridos mais de seis anos desde a publicação da lei de defesa nacional, que impunha a aprovação do estatuto da condição militar; decorridos mais de cinco anos desde o termo do prazo de um ano previsto no artigo 73.º da lei de defesa para a emissão da respectiva lei, a Assembleia da Republica, hoje, finalmente, vai votar em votação final global este diploma fundamental, estruturador como já foi chamado.
Dele dependem as leis estatutárias subsequentes, designadamente os estatutos dos oficiais, sargentos e praças.
A espera de que este diploma fosse aprovado, têm estado muitas situações de injustiça a carecerem de reparação, bem como graves omissões (como a falta do estatuto dos sargentos), a exigirem urgente solução. Os jornais - ainda bem recentemente - têm feito eco dessas injustiças e dessas omissões, que hoje são assim públicas e notórias.
Neste período de seis anos que o estatuto da condição militar demorou a aprovar passaram-se factos que importa registar.
Quero referir-me fundamentalmente às tentativas para restringir mais apertadamente e de forma brutal o leque de direitos, liberdades e garantias de que os militares são privados. O exemplo máximo dessas tentativas foi consubstanciado na Proposta de Lei n.º 59/III, do governo do bloco central (PS/PSD). Essa proposta de lei, aprovada por esse governo em Janeiro de 1984, constituía na sua essência uma lista de brutais restrições de direitos, estendendo-se por doze artigos e atingindo direitos de todo o género e natureza, muito para além do artigo 270.º da Constituição e do artigo 31.º da lei de defesa nacional, que era assim significativamente agravado.
Essa proposta do governo PS/PSD mereceu a mais viva oposição e crítica, o que não impediu o anterior governo do PSD de manter a intenção de a aprovar. Estas tentativas acabaram definitivamente derrotadas com o texto que vai ser aprovado. Mas, corresponde o texto a aprovar ao que era exigível a um estatuto da condição militar digno, justo e de conteúdo democrático?
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No debate na generalidade ficou esclarecido o que deveria conter o estatuto da condição militar para corresponder às exigências da vida democrática e da modernização da sociedade, das Forças Armadas, das mentalidades.
Discutir o estatuto da condição militar é, no fundo, discutir o que é o militar, qual a sua posição na sociedade, o que é que liga o militar e o cidadão. Disse na intervenção que produzi no debate na generalidade que da nossa pane, PCP, rejeditavamos concepções que advogam a oposição entre o cidadão e o militar, concepções para quem as Forças Armadas deveriam ser «uma máquina que o Governo pudesse pôr em movimento carregando simplesmente num botão». Rejeitamos esta concepção do militar acéfala, acrílica e anti-social.
Esta era a concepção em que assentava a Proposta de Lei n.º 69/V apresentada pelo Governo. A sua não adopção por esta Assembleia constitui uma derrota importante dessas concepções, em que, da nossa parte, PCP, nos empenhamos e que não podemos deixar de salientar pelo seu significado e alcance a Oposição desta Assembleia.
Ao contrário, do que propunha o Governo, entendemos que o enfoque fundamental do estatuto da condição militar deve ser o do militar como cidadão; o estatuto da condição militar deveria ser um instrumento de garantias cívicas e profissionais e um agente de transformação e modernização das mentalidades e das estruturas, deveria combater a sujeição cega e acrítica, deveria limitar ao mínimo as restrições de direitos, deveria balizar devidamente o dever de obediência e o princípio hierárquico, deveria propiciar regras justas de progressão profissional e compensações adequadas.
Será que se conseguiu isto? Afirmamos claramente que em parte e muito significativa e relevante se conseguiu um texto positivo.
Houve que vencer resistências, até mesmo na Oposição, para que o debate se aprofundasse tanto quanto era necessário. Empenhamo-nos nesse debate. Apresentamos 32 propostas de alteração, das quais metade foram acolhidas. A proposta de lei foi virada do avesso.
Onde o Governo configurava a condição militar como uma série de restrições e deveres passou-se, por proposta do PCP, a considerar a condição militar simultaneamente como caracterizada pelos especiais direitos, regalias e compensações devidos aos militares (ver artigo 2.º, alínea e)).
Onde a proposta do Governo configurava a condição militar como uma sujeição, tal conceito, por proposta do PCP, foi eliminando (ver artigo 2.º, alíneas d} e e)).
Onde o Governo procurava implicitamente reconstituir a justiça militar como foro pessoal por proposta do PCP tal conceito foi completamente rejeitado.
Onde o Governo procurava introduzir novas limitações aos direitos fundamentais, acrescer às que hoje vigoram por forca de artigo 31.º da lei de defesa nacional - como sucedida com as limitações que o Governo queria introduzir para os militares na reserva - tais limitações, por proposta do PCP, foram eliminadas do texto aprovado.
O texto alternativo da comissão consagra muitas e significativas novidades, de que registo mais cinco: a consagração do direito de defesa (incluindo de patrocínio) (artigo 5.º); a consagração do direito a assistência e patrocínio judiciário em certos casos (artigo 6.º); a consagração de direito de progressão na carreira (artigo 11.º, n.º 1), com respeito do principio da igualdade e não discriminação (artigo 11.º, n.º 3); a consagração do direito do controlo e impugnação sobre as informaçães e apreciações de serviço (artigo 11.º, n.º 4); a consagração do direito à formação, actualizada e reciclagem (artigo 12.º).
Estas cinco normas inovatórias resultam todas de propostas do PCP. Mas importará salientar neste quadro de novidades uma outra importante inovação resultante do novo n.º 2 do artigo 4.º e do novo n.º 2 do artigo 9.º Resultantes ambos de propostas do PCP, o primeiro - o n.º 2 do artigo 4.º - configura o conteúdo do dever se obediência estabelecendo os seus limites formais e materiais. É necessário, Srs. Deputados realçar a importância desta inovação quanto ao quadro conceptual que assim vai decorrer da lei: o militar é, em primeiro lugar, um cidadão responsável e como tal deve ser tratado. O artigo 9.º, n.º 2, prolonga este conceito de responsabilidade desta vez, para quem exerce poderes de autoridade.
Estas são as formulações modernizadas, democráticas, que só podem merecer aplauso. Vamos votar favoravelmente quinze dos dezassete artigos do diploma, com a certeza de que muito contribuímos para o resultado.
Entretanto, iremos votar contra os artigos 7.º e 16.º, o primeiro sobre restrições de direitos e o segundo sobre a GNR e Guarda Fiscal.
É certo que ambos os artigos se limitam a manter em vigor o que está em vigor por força da lei de defesa nacional. O artigo 7.º, no fundo, matem em vigor o artigo 31.º, da lei de defesa nacional (as restrições de direitos) e o artigo 16.º mantém em vigor o artigo 69.º, n.º 1, dessa mesma lei (artigo que aplica à GNR e à Guarda Fiscal o mesmo regime de restrições de direitos que afecta os militares).
Achamos esta solução, a relativa à GNR e Guarda Fiscal, completamente desproporcionada e sem paralelo nas legislações europeias mais recentes. Basta ver, por exemplo, o regime de direitos (incluindo o de associação) dos membros da Guarda Civil espanhola, aqui ao lado e já tão à frente.
Quanto ao artigo 31.º da lei de defesa nacional e das Forças Armadas, apresentámos várias propostas de alteração, algumas com o objectivo essencial de suscitar um debate. Debate - e aceso - houve, mas alterações, nenhumas!... O PSD e o PS alegaram que não seria oportuno, que seria melhor esperar pela revisão da própria lei de defesa nacional.
Em 1982, quando esta lei foi aprovada em votação final global, o deputado Jorge Sampaio, em declaração de voto, ditou para a acta o seguinte: «Quanto ao artigo 31.º, penso que as restrições ao exercício de direitos, na forma como o artigo se encontra redigido, estão para além do que se afigura ser o quadro legal do artigo 270.º da Constituição que as possibilita e constituem um conjunto de restrições que, na sua totalidade, se me afiguram exageradas e susceptíveis de causar problemas que, preventivamente se deveriam evitar».
O que se passou desde 1982, não justificava precisamente que se ponham agora em prática essas palavras. Se assim tivesse sido, teríamos levado até ao fim o bom
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trabalho que encetámos e que, em grande parte, cumprimos em sede de comissão. Não o quiseram o PS e o PSD. Por isso, vamos votar abstendo-nos aquando da votação final global.
A comissão, por sua iniciativa, fixou um prazo: de seis meses para a aprovação subsequente dos estatutos dos oficiais, sargentos e praças. Estaremos, pois, atentos ao cumprimento por parte do Governo dessa norma.
Aplausos do PCP e do Deputado Independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró -(CDS): - O Sr. Deputado João Amaral disse que o PCP tinha virado o diploma do avesso em sede de comissão. Dos dezassete artigos; por obra e graça do PCP, tinha conseguido modificar quinze e os dois que não se modificaram foi por obra e graça do PS e do -PSD. Está realmente convencido disso? Está realmente convencido de que os quinze artigos são obra do PCP e os dois artigos «maus»-,são graça do bloco central?
Risos.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é só preciso de um segundo.
Não, Sr. Deputado, não estou convencido disso!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção; tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.
O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados:
francamente melhor o texto que hoje apreciamos e referente ao estatuto da condição militar: De facto, depois de um debate em plenário da Proposta da Lei n.º 69/V foi decidida a baixa, sem votação, desse texto à Comissão de Defesa Nacional para um aperfeiçoamento aprofundamento por todos os sectores desta Assembleia considerados como necessários. Com este texto que contou naturalmente com a participação dos diversos grupos parlamentares e, sublinho, a participação também continua do Governo, à condição militar passará a dispor - de um estatuto que permitirá - como a lei da defesa nacional e das forças armadas impõe - a elaboração dos estatutos respeitantes a oficiais, sargentos e praças. Ressalvando o atraso com que tem vindo a ser implementada toda a legislação a que a lei de defesa nacional obrigava - nesta caso é de mais de seis anos - o , diploma agora concluído corresponde ao essencial do estabelecimento das bases que sustentarão a elaboração dos estatutos referidos.
Na verdade, Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Deputados: O texto ora conseguido consubstancia um maior equilíbrio entre deveres e direitos, caracteriza a condição militar de maneira mais clara retirando à proposta de lei inicial alguns aspectos menos adequados como sejam a excessiva referência a dependências e sujeições e acrescenta-lhe - pontos relevantes relacionados com a ética militar e a consagração de especiais direitos, compensações e regalias. Por outro lado, no articulado referente à disciplina militar elimina-se a referência à justiça militar, deslocada neste contexto, e especifica-se em que consiste o dever de obediência. Aliás, nesta matéria, o texto pormenoriza muito mais ao abordar-se o processo disciplinar e respectivas garantias e o direito à assistência e patrocínio judiciário por parte do Estado.
O artigo que estipula as restrições de direitos - na base do que a lei da defesa nacional dispõe - passa agora a conter uma referência aos direitos -e liberdades reconhecidas aos cidadãos.
A comunicação por escrito sobre o exercício de actividade política, partidária ou sindical por militares fora da efectividade de serviço é eliminada até por que o estatuto se destina aos militares dos quadros permanentes 'e aos restantes militares enquanto na efectividade de serviço.
Contempla-se agora na lei o principio de garantia de assistência religiosa para os que professem religião com expresso real no Pais assim como a não obrigação de assistência ou participação em actos de culto próprios de religião diversa da que o militar professe.
O exercício dos poderes de autoridade implica também responsabilidade de actos e nesse sentido a referência. que lhe é feita no articulado deste diploma.
Estabelecendo-se os princípios básicos do desenvolvimento das carreiras militares, passa agora também a estabelecer-se a garantia do direito e progressão na carreira bem como a não discriminação nas carreiras e a consignação da reclamação e recurso hierárquico.
O direito e o dever de receber treino e formação geral quer na perspectiva- de funções e missões quer na perspectiva da progressão, actualização e reciclagem na carreira são outros tantos aspectos que o texto ora contempla.
Finalmente, o estabelecimento de um prazo para a aprovação dos estatutos de oficiais, sargentos e praças para a aprovação dos estatutos de oficiais, sargentos constitui a substância do último artigo - do diploma.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: O texto em apreço constituirá mais um passo na modernização de ordenamento jurídico respeitante às Forças Armadas:
O PS - que viu consideradas muitas das suas propostas de alteração dás quais destaco a referência à ética militar, a melhor especificação sobre disciplina militar; a referência aos militares com cidadãos que gozam- direitos e liberdades, a eliminação do dever de comunicação para o exercício de certas actividades, a assistência religiosa e o estabelecimento de um prazo para a publicação dos subsequentes estatutos - considera o presente estatuto da condição militar, anseio antigo e legitimo das Forças Armadas como um documento da máxima importância, equacionando a questão do exercício de direitos e deveres e abrindo perspectivas de uma, melhor definição de carreiras, formação contínua, promoções adequadas, retribuição, vencimentos e segurança social condignos. Constitui, sem dúvida, um elemento fundamental que poderá baseai os aspectos referidos, sendo certo que estes são indispensáveis a umas Forças Armadas modernas que certamente todos desejamos.
Por tudo o referido votamos naturalmente a favor do texto da comissão:
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Finalmente, com um atraso de vários anos e depois de um trabalho intenso na Comissão de Defesa Nacional, vamos hoje votar uma das leis estruturantes da defesa nacional, na medida em que versa sobre um dos seus vectores fundamentais que é a componente militar.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados foi esta proposta, ou melhor, a Proposta de Lei n.º 69/V, que estabelece as bases gerais do estatuto da condição militar objecto de debate na generalidade em 11 de Novembro de 1988. Nesse debate, e do nosso ponto de vista, foram evidenciados os aspectos principais da lei, e mais particularmente, referenciado o que em nosso entender deve ser considerado o conceito de condição militar.
Referimos na altura e parece oportuno salientarmos agora que as «Forças Armadas têm de ser uma instituição que os cidadãos respeitem e por isso têm de conhecer as suas actividades, têm de encontrar justificação para a sua existência e isso compete, em primeiro lugar, ao Governo.
Compete aos órgãos de soberania conseguir uma adesão dos cidadãos à necessidade de defesa e não fomentar ou tolerar sentimentos hostis ou de resistência à instituição militar e à actividade com elas relacionadas».
Ultimamente, como é visível através da comunicação social, têm vindo a lume muitas questões relacionadas com as Forças Armadas. Não penso que isto seja um sintoma positivo, antes pelo contrário, deve ser um reflexo de que algo não está bem ao nível das Forças Armadas e atrevo-me a pensar que o fundamental tem a ver precisamente com o «estatuto» que hoje a sociedade em geral dispensa às suas Forças Armadas, para já não falar na marginalização, em termos sociais, em que as Forças Armadas são tidas. Argumentar-se-á que existe uma preocupação governamental em dar mais e melhor equipamento às Forças Armadas e daí podermos questionar sobre o que querem afinal as Forças Armadas. Para além desta posição ser controversa penso que os problemas são outros.
Não tenho nem legitimidade nem procuração para falar em nome das Forças Armadas e, portanto, limitar-me-ei a fazer uma simples reflexão: é ou não verdade que hoje assistimos a desenvolvidas acções de rejeição à instituição militar? Quem tem tomado, quer ao nível oficial ou outro, a defesa da instituição militar?
Alguém já se interrogou perante esta simples e singela verdade de que a existência e os problemas fundamentais relacionados com a essência das Forças Armadas não são da sua responsabilidade específica?
Que fique claro, e sublinho mais uma vez, de que um caso é questionar a sua existência e missões que não são da responsabilidade das Forças Armadas, outra coisa diferente é como cumprem as suas missões e aqui, podem e devem ser questionadas - estamos num país democrático e ainda por cima, como resultado de uma acção directa, se não do todo, pelo menos de uma parte das Forças Armadas.
São, no entanto, coisas diferentes e o que mais tem afectado ultimamente as Forças Armadas, na minha opinião, é ninguém, principalmente a nível oficial, levantar a voz e dizer: «Nós somos os responsáveis pela existência e pelas missões das Forças Armadas.» É que, em grande parte, os problemas que hoje são questionados ao nível das Forças Armadas não são da sua responsabilidade mas sim do poder político, muito embora apareçam, por vezes, um pouco camuflados.
Penso que só num segundo plano se colocam outros problemas que também existem e são importantes relacionados com a estrutura de carreiras e, naturalmente, com as contrapartidas financeiras.
Todos nós queremos umas Forças Armadas orgulhosas do seu estatuto, de tudo subordinar ao interesse nacional, de lutar pela pátria se necessário com o sacrifício da própria vida, de uma permanente disponibilidade para o serviço ainda que com o sacrifício de interesses pessoais e pela restrição constitucionalmente prevista de alguns direitos e liberdades. Tudo isto são características da condição militar que têm naturalmente de ter, entre outras, uma contrapartida financeira adequada.
Como afirmei, aquando da discussão na generalidade, o momento é particularmente difícil para os militares, porque o conceito generalizado sobre os militares é um conceito de desnecessidade e, nesse sentido, redutor e perturbador daquilo que deve ser entendido como «... da condição militar».
É neste contexto que aparece a proposta de lei que estamos a abordar. Responderá ela a todas estas preocupações? Penso que não, embora saiba que uma grande parte destas questões não se resolvem por simples decreto. É necessário uma grande vontade política e o ambiente parece não ser o mais propício para que isso aconteça.
De qualquer modo, a proposta reformulada em comissão, se não responde àquilo que devia ser um verdadeiro estatuto da condição militar, introduz, relativamente à proposta inicial, uma melhoria significativa, embora continue um diploma lacunar, face aos objectivos apresentados e àquilo que era legítimo esperar de um verdadeiro «estatuto da condição militar».
O trabalho efectuado em sede de comissão, como tem acontecido, quando se trata de assuntos de defesa nacional, foi feito com a colaboração dos vários grupos parlamentares e do Governo e o actual texto de substituição é o resultado de um diálogo concreto, real e positivo e não o resultado de um diálogo de surdos como muitas vezes, infelizmente, acontece nesta Câmara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é fácil, perante este quadro, tomar uma posição perante este diploma. Como tive oportunidade, de referir, quando do debate da generalidade, a importância desta lei reside mais naquilo que omite do que naquilo que diz.
É verdade, no entanto, que depois da discussão em sede de comissão é mais fácil votar a favor este texto, - foi o que fizemos -, do que aquele que nos foi apresentado inicialmente pelo Governo, mas subsiste em nossa opinião a dúvida da «utilidade» desta proposta de lei. Não que não seja fundamental e urgente um estatuto da condição militar, mas pensamos que, em boa verdade, estamos perante um texto que só com muita boa vontade poderá ser chamado de estatuto da condição militar e ficaria melhor: bases gerais do estatuto da condição militar.
Deste diploma vão resultar os vários estatutos de oficiais, sargentos e praças que é o direito mínimo que pode e deve ser concedido aos militares, ou seja, que tenham um verdadeiro estatuto.
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De notar que os diplomas subsequentes a este texto da responsabilidade do Governo mereceram da parte do Sr. Ministro da Defesa Nacional - e gostaria de sublinhar este ponto, porque me parece importante o compromisso de deles dar conhecimento à Comissão de Defesa. Nacional, o que aliás tem acontecido noutras ocasiões, podendo deste modo eliminar dúvidas que tínhamos no sentido de votar este diploma, pelo facto de ser possível deste modo participar, embora de uma forma especial da elaboração dos respectivos estatutos, evitando assim o aspecto lacunar deste diploma.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O tempo escasso para um debate com um tema desta importância justifica apenas as considerações sobre os aspectos mais relevantes, tudo aquilo que os vários colegas deputados das várias bancadas aqui- expressaram.
Quero, em primeiro lugar, sublinhar as intervenções dos deputados Miranda Calha e Marques Júnior no sentido de que este é um diploma da comissão, da inter-relação do trabalho entre a comissão, todos os grupos parlamentares e o Governo. Não é um diploma exclusivo de um partido nem sequer de acolhimento exclusivo de um partido. E se, porventura; algumas das propostas do PCP foram acolhidas, ainda bem! Estamos satisfeitíssimos e orgulhosos com isso. Tudo aquilo que nós em democracia, pudermos fazer para trazer o Partido Comunista Português ao campo democrático e conseguir, aos poucos, progressivamente que entre na sua matriz de pensamento e de acção preceitos da vida democrática, é uma conquista ,da democracia e é um orgulho para todos nós!
Aplausos do PSD.
Em segundo lugar, justificar-se-ia uma breve consideração sobre a razão das restrições, direitos e deveres, liberdades - e garantias para os militares.
Será que os governos querem tolher os movimentos dos cidadãos militares? Será que existem restrições aos direitos, porque os governos têm uma antipatia pela instituição militar e- que existirão restrições de deveres, de direitos e de garantias, porque os governos desejam cercear a instituição militar? Será esta uma regra especificamente portuguesa?
Srs. Deputados, a questão não se prende com Portugal, mas com a democracia: Não há qualquer regime democrático no mundo em que não exista um conjunto de restrições de direitos e de liberdades para os elementos da instituição militar. E a razão não é, vã, prende-se fundamentalmente com duas justificações, sendo a primeira a natureza do serviço que as Forças Armadas prestam.
As Forças Armadas não prestam um serviço como o de um funcionário normal da administração pública nem como o de um qualquer cidadão trabalhador de uma empresa. Um militar das Forças Armadas tem 24 horas por dia e muitas vezes com o sacrifício da sua própria vida, circunstâncias que nenhum cidadão de nenhuma área sócio-profissional tem. São cidadãos de plena e permanente disponibilidade para o serviço na defesa de um ideal. Daí a primeira justificação, a natureza do serviço que prestam, que é completamente distinta da dos outros serventuários da Função Pública, porque os militares não são serventuários da Função Pública.
A segunda razão prende-se com a natureza do instituto militar. O instituto militar é, por natureza e definição democráticas, o único portador da violência organizada do próprio Estado.. Nenhum Estado prescinde de ter um instrumento que justifique a sua própria violência organizada no caso de ameaça externa. $ por isso que existe nas Forças Armadas uma hierarquia que significa um sentido de obediência e - de responsabilidade dupla - responsabilidade e liberdade -, mas que obriga, perante o exercício e o cumprimento de uma missão, uma norma, um exercício de uma autoridade competente para a resposta necessária.
Pelo facto de as Forças Armadas serem um monopólio da violência organizada do Estado têm um instrumento que não lhes permite, a qualquer membro de per si e ao seu conjunto como instituição militar, poder ter exercícios, por exemplo, sindicais ou de expressão normal como qualquer cidadão teria.
Como é que, numa sociedade democrática, quem tem o exclusivo e o monopólio das areias de guerra pode ter um discurso político ou uma intervenção sindical igual a qualquer outro cidadão? Qual o grau de privilégio, qual o grau de especificidade que o instituto militar tem pelo facto de ter no seu seio essa mesma violência organizada? Qual a diferenciação que isso determina? Determina que quem tem este exercício de poder tem de ter automaticamente, no campo dos direitos humanos, cerceamentos naturais e inevitáveis que decorrem da natureza do serviço e da natureza da própria instituição.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que todas as democracias, todas sem excepção, têm cerceamentos de liberdades, de direitos e de garantias para os militares. -
Não que isso signifique que cada militar de per si não tenha a capacidade efectiva de intervir, no seu intimo, no plano político quando, como cidadão, tem essa capacidade e esse dever. Mas como instituição global não pode nem deve fazer porque tem algo que mais ninguém tem na sociedade.
Como muito bem disse o Sr: Deputado Marques Júnior e aplaudo pontos da intervenção que fez -, há uma responsabilidade muito forte da sociedade perante o instituto militar. É que a remuneração dos militares não é apenas uma remuneração material, e ela é pequena. A segunda remuneração, tão importante como a material, é uma remuneração afectiva.
As Forças Armadas querem reaver perante o Pais uma situação de gratidão, de dignificação psicológica, estatutária, de todos os seus membros. Assim, tem pleno acolhimento político aquilo que o Sr. Deputado Marques Júnior disse e é por isso que quando uma nação diz que as Forças Armadas são os gestores do seu espelho, deve nesse caso, prestigiar a sua própria instituição militar.
Vozes- do PSD: --Muito bem!
O Orador: -É por isso também que, tendo restrições de direitos, há, todavia, aspectos relevantes de prestigio e de - dignificação dos seus membros e compensações de - vária, natureza, como seja pensões de
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sangue, pensões especiais, situações de reserva que nenhum outro cidadão serventuário da Função Pública tem. São, pois, compensações que às vezes são insuficientes, mínimas, mas que traduzem a especificidade do estatuto da condição militar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É preciso compreender estas questões porque elas não dependem da vontade de um regime político, de um Governo, mas sim da natureza do regime democrático; são um sustentáculo fundamental do regime democrático em qualquer país do mundo!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E quem o não referir ou quem o escamotear não tem como padrão de referência nenhum quadro democrático. Terá outros, mas nos outros as referências são piores e as comparações ainda são mais graves!
Aplausos do PSD.
O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado Silva Marques não bate palmas!
O Orador: - Sentiu-se atingido?
O Sr. João Amaral (PCP): - Não!
O Orador: - Então por que é que está a falar?
O Sr. João Amaral (PCP): - O Silva Marques é que se sentiu premiado!
O Orador: - A terceira questão que gostaria de trazer à colação refere-se à questão da lei de defesa nacional e das forças armadas. Uma das questões fundamentais que o PCP invocou - e, aliás, é estranhíssimo que, sendo um diploma do PCP, com a excepção de dois pontos, este não o vote favoravelmente - é a de não termos revisto neste diploma as restrições de direitos, liberdades e garantias contidas no artigo 31.º da lei de defesa nacional e das forças armadas. A questão é simples mas merece ser explicitada perante esta Assembleia.
A lei de defesa nacional é uma lei quase constitucional, uma lei praticamente paraconstitucional, a tal ponto que a própria Constituição determina a necessidade de dois terços de maioria para a sua aprovação e assim ela foi feita.
De 1982 para 1983 o passo fundamental era o conselho da revolução passar para a subordinação do poder político; era uma subordinação parcial, bastante ampla mas ainda parcial em alguns pontos. Mas esta lei contém ainda hoje elementos suficientes que têm legitimidades e virtualidades para o seu desenvolvimento.
Nesta fase política não é jutificável não extrair da lei todas as suas virtualidades. Mas há uma razão mais forte por que entendo que, neste momento, não se deve mexer na lei de defesa nacional e das forças armadas; aliás, mexer apenas no artigo 31.º não tem sentido!
Então deve mexer-se no seu conjunto e há razões para isso. Contudo, devo dizer que sou contra a ideia de se mexer na lei nesta altura. Porquê? Porque entendo - e é uma questão política básica - que as Forças Armadas estão a atravessar o momento mais difícil e doloroso da sua existência em Portugal nos últimos anos.
Coexistem na situação das Forças Armadas três ingredientes, sendo o primeiro um conceito estratégico de defesa nacional e um conceito estratégico militar que são europeus, modernos e democráticos. Mas simultaneamente com isto coincidem uma situação de dispositivo e de sistema de forças que é mais uma situação de herança do passado do que uma projecção para o futuro.
Portugal foi, acima de tudo, durante séculos exército. Portugal é hoje, acima de tudo, por razões geográficas e políticas, uma zona aeronável. Mas Portugal coexiste hoje na circunstância de ter uma doutrina assumida ideologicamente com uma execução prática que respeita mais ao passado e menos perspectivadora do futuro.
Em segundo lugar, coexiste uma situação de custos de funcionamento das Forças Armadas a um nível baixo, diria mesmo a um nível incompreensível para baixo. Não é desejável nem é de aceitar que politicamente se possam pedir muitos mais sacrifícios de funcionamento às Forças Armadas, a não ser que se queira assumir uma situação de dificuldade do seu funcionamento.
Em terceiro lugar, coexiste ainda um problema de reequipamento que tem sido visível nos últimos tempos em alguns ramos, não em todos. Simplesmente, a questão que politicamente hoje se põe ao país é esta: os cidadãos dizem que é muito gastar-se 160 milhões de contos com as Forças Armadas. Mas as próprias Forças Armadas e muitos de nós que conhecemos os seus problemas sabemos que com este valor há dificuldades de funcionamento e não há equipamento suficiente. E cria-se aqui uma percepção diferenciada, oposta no País, entre uma certa classe política e uma certa opinião pública que pergunta para quê estes gastos militares. E as próprias Forças Armadas e muitos de nós achamos que, apesar de tudo, eles são insuficientes para a sua modernização!
Este balanço, este diálogo contraditório na sociedade portuguesa é um diálogo e um debate que está a ser feito mas que tem que ser resolvido rapidamente. E a resolução do problema passa, no meu ponto de vista, por caminharmos cada vez mais para situações de redução das Forças Armadas para um âmbito suficiente mas bem pago, treinado, remunerado e equipado. Só que aí o País confronta-se com um drama: é que o País não pode dizer não a todos aqueles cidadãos que antes do 25 de Abril contratou, chamou às suas fileiras quando havia a guerra em África e os tem que manter por um imperativo de consciência e de ética. Este é, pois, um problema que o País não pode escamotear e essa é uma razão fundamental para dificultar o próprio redimensionamento das Forças Armadas de hoje. Mas é um problema vital porque sem ele ser esclarecido teremos condições tensionais internas nas Forças Armadas e no País.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que mexer ao mesmo tempo em duas circunstâncias, uma super-estrutural, política, orgânica, como é a lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas e, simultaneamente, estar a atacar o problema concreto do dia-a-dia do funcionamento, da dimensão, do sistema de
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forças e do dispositivo das Forças Armadas - e sejamos claros, é uma situação tencional para os próximos anos tocar simultaneamente nos dois conceitos, nos; dois problemas - seria provocar uma potencial instabilidade no seu seio.
Somos contra isso, somos contra a instabilização das Forças Armadas, somos pela sua defesa e pela preservação dos valores que elas- corporizam. Por isso, mexer hoje na lei de defesa nacional e das forças armadas seria um erro político sem ter resolvido a priori o balizamento e o equacionamento das questões que se prendem com o seu funcionamento quotidiano. Sem isso, o País corria riscos)
É por isso que estamos contra a proposta do PCP. Não. que ela não seja legitima politicamente, mas porque é inadequada politicamente, é errada tecnicamente e inconsequente sob o ponto de vista psicossociológico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vou agora referir-me a uma questão que o PCP também levantou.
Na extensão das restrições dos direitos, liberdades e garantias aos militares da Guarda Republicana e da Guarda-Fiscal há um erro básico no pensamento do PCP, que não está esclarecido e é bom lembrar-lho: não faz sentido técnico, político e jurídico uma identificação entre militares das Forças Armadas e militares. A condição militar não é exclusiva das Forças Armadas. A :condição militar é, por um , lado, vertida nas Forças Armadas e é paralelamente vertida em dois outros corpos de segurança interna que têm estatuto militar.
A primeira entidade que mexeu no problema foi o I Governo da República; em 1911, quando definiu a Guarda Nacional Republicana como o «corpo-especial de tropas» - «corpo», - não corporação! Nunca o podei político ou os democratas da 1.º República quiseram identificar a policia com a Guarda Nacional Republicana: E o último diploma aprovado sobre o problema, o Decreto n.º 373/83, estatuto orgânico da Guarda Republicana, e o estatuto do militar da Guarda Republicana, Decreto n.º 465/83, especificam e tipificam com toda a clareia todo este preceito: qualquer militar da Guarda Nacional. Republicana tem estatuto de condição militar.
Algum partido político pediu a vinda à Assembleia da República deste diploma para ratificação? Ninguém! Foi aceite por todos ...
O Sr. João Amaral (PCP): - Eu vou ao Tribunal Constitucional pedir a inconstitucionalidade disso!
O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, terá oportunidade de intervir no- fim da minha intervenção. Agra agradecia que cumprisse o normal- das regras. Democráticas!
O. Sr. João Amaral (PCP): - Foi só um aparte. Olhe que o aparte ainda não está proibido!
O Orador: - Em relação à Guarda Nacional Republicana foi assim em 1983. Em relação ao estatuto da Guarda Fiscal, expresso no Diploma n.º 373/85, processou-se de igual. modo e também nenhum partido requereu-a sua inconstitucionalidade; foi doutrina aceite pela generalidade dos partidos políticos portugueses)
Hoje, abordar o problema nos termos que o PCP o fez é inconsequente e errado, dado o seu passado político, com aquilo que não fez, com a sua omissão e com a doutrina estabelecida em qualquer momento da vida nacional.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se pense que é uma inovação portuguesa. O estatuto dos Carabineiros, a chamada prima arma do exército italiano, que é um corpo de segurança interna, tem um estatuto militar; o estatuto da Gendarmerie belga é um estatuto militar; o estatuto das CRS e das Gendarmerie francesa é um estatuto militar! É tradição de todos os países latinos que a alguns corpos de segurança interna seja atribuído um estatuto militar aos seus membros. Não é um caso português, mas sim da maior parte dos países latinos e só uma incultura política ou um não desejo de se cultivar e de ler politicamente pode levar a este tipo de argumentação)
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. João Amaral (PCP): - Espere aí que já leva!
O Orador: - Muito tempo e trabalho teremos ainda para conseguir com que a doutrina e os germes democráticos cheguem a todo o País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como dizia o texto da lei; esta é uma lei de bases da condição militar. Também nisto estou de acordo com o Sr. Deputado Marques Júnior.
É uma lei de bases que vai ser implementada, que vai ser concretizada em diplomas concretos. Mas, mais do que isso, o que é importante e um- convite que hoje deve surgir a esta Câmara é o desejo de que, através deste diploma, deste estatuto da condição militar, o País contemple as suas Forças Armadas e os seus agentes como alguém que presta uma missão que o Pais quis, quer e deseja manter.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas para o ser, deve ser prestigiada e o prestígio não advem apenas das remunerações que se pagam. Vem da gratificação política e social que se presta a algumas profissões e a alguns exercícios. E missão e mister da Assembleia da República hoje manifestar essa atitude para com os militares portugueses.
Aplausos. do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Herculano Pombo, João Amaral e Marques Júnior. No entanto, encontramo-nos confrontados com a seguinte situação: Os Verdes dispõem de tempo, o PCP dispõe de um minuto, o PRD de três minutos e o PSD apesar de ter esgotado o tempo de que dispunha, ainda dispõe de três minutos do tempo que lhe foi concedido pelo CDS.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Angelo Correia, valeu a pena ter esperado quase dois anos - é sensivelmente esse o tempo em que sou deputado - para ouvir finalmente alguém da maioria,
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do Governo, falar durante tanto tempo e tão desafrontadamente sobre o problema das Forças Armadas. Valeu a pena e dou-me por satisfeito, quanto mais não seja por esse motivo!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, gostaria de fazer alguns comentários a afirmações que registei da intervenção do Sr. Deputado. Disse V. Ex.ª ser perigoso mexer na lei de defesa nacional e das forças armadas, pois primeiro seria preciso termos Forças Armadas bem pagas e bem equipadas. Porém, Sr. Deputado, isso é um problema de todo o País: enquanto não tivermos um país bem pago e equipado vai ser difícil mexer na legislação!
Referiu o Sr. Deputado que a lei de defesa nacional é uma lei praticamente constitucional. Receio bem que este novo conceito já não vá a tempo do acordo da revisão constitucional. É provável que na Comissão de Revisão Constitucional não o tenham ouvido e, portanto, não incluirão este novo conceito no acordo PS/PSD.
Gostaria de colocar três questões muito concretas: entende o Sr. Deputado que o cerceamento de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que prestam serviço nas Forças Armadas deve ser a regra ou a excepção?
Entende o Sr. Deputado que esses cerceamentos decorrem da natureza do serviço que prestam ou de uma condição militar?
Entende o Sr. Deputado que as democracias que aceitam formas de exercício do direito de associação assumem pateticamente, diria eu, ou ingenuamente, o risco de verem as suas armas viradas contra si próprias e apenas postas ao serviço de eventuais contratos laborais ou acordos de concertação social?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Angelo Correia, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, que dispõe de um minuto.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, folgo que se tenha congratulado com as propostas apresentadas pelo PCP e com as alterações que foram introduzidas ao diploma, até porque era esse o nosso sentido ao apresentá-las.
De facto, embora as nossas propostas de alteração tenham sido aprovadas por unanimidade, tenho o direito de sublinhar - quis e quero fazê-lo - que tudo apontava para que, no essencial, o diploma tivesse ficado com a sua redacção inicial e que as nossas propostas, apresentadas em sede de comissão, é que conduziram ao processo importante e significativo da aprovação, por unanimidade, de muitas das alterações.
Quanto às considerações que fez sobre o artigo 31.º, quero dizer-lhe que não questionei as restrições de direitos dos militares mas, sim, a sua medida e a essa questão é que o Sr. Deputado não pode fugir. Na verdade, algum dia, terá que se discutir definitivamente se esta medida é justa ou se será preciso alterá-la, tal como propusemos. Aliás, o Sr. Deputado foi o próprio a concordar que esta medida é excessiva.
Quanto ao problema da GNR e da Guarda Fiscal, quero dizer-lhe que a questão não está em saber se têm estrutura militar mas se, tendo estrutura militarizada - ou sendo um corpo militar ou o que lhe quiser chamar -, devem ou não ser submetidos ao mesmo regime da restrições de direitos a que estão sujeitos os militares das Forças Armadas. Ora, entendemos que não, o que, aliás, é o que acontece nos países que citou.
É que, com a sua cultura geral antiquada, o Sr. Deputado citou o caso de países em que este tipo de forças de segurança têm uma estrutura militar. É correcto o exemplo que deu no caso da Guardiã Civil, que, de facto, tem essa estrutura mas que não é sujeita ao mesmo regime de restrições de direitos a que obedecem os militares espanhóis.
Finalmente, o Sr. Deputado entende que a lei de defesa nacional é intocável e praticamente paraconstitucional, o que, como tal, implica que o artigo 31.º não deve ser alterado. Assim, porque é que o Governo e o PSD apresentaram uma proposta de lei - a n.º 59/111 - em que se revogava este artigo por completo em vez de aligeirar o regime de restrições de direitos, se propunha o agravamento de todas as restrições previstas no actual artigo 31.º e até se inventava uma série de novas restrições sem qualquer cobertura constitucional?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Ângelo Correia, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que ficaria muito satisfeito se, como espero, a manifestação de apoio dada pelo PSD à sua intervenção tiver sido um sinal de acordo real e concreto relativamente às linhas mestras por si defendidas quanto ao conceito de condição militar.
Embora pense que tem toda a pertinência a observação acabada de fazer pelo Sr. Deputado João Amaral, creio que tem alguma lógica a justificação que, do ponto de vista político e militar, o Sr. Deputado deu para não se proceder à revisão da lei de defesa nacional - que deve ser feita globalmente - e, portanto, do artigo 31.º, que diz respeito à restrição de direitos, liberdades e garantias. Percebi a sua explicação, mas levantou-me uma grande dúvida.
De facto, o Sr. Deputado falou no reequipamento e no dispositivo militares e até prefigurou o que virá a constituir o teatro privilegiado de actuação das Forças Armadas que é o aeronaval.
Ora, como sabe, a Assembleia da República aprovou uma lei sobre o reequipamento militar que é altamente onerosa. Do meu ponto de vista - na altura, dissemo-lo claramente -, esta lei comprometeu o Governo a proceder a um reequipamento equilibrado dos três ramos das Forças Armadas a médio prazo.
Assim, em função da perspectiva avançada pelo Sr. Deputado, gostaria de saber se esta significa que vai tornar a estar em causa, no futuro, novo reequipamento, agora ajustado, o que provavelmente, implicará um novo conceito estratégico militar e de defesa nacional.
Vejo que o Sr. Deputado está a dizer que não será assim. Então, estando já definidos um conceito estratégico de defesa nacional, as missões das Forças Armadas,
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o dispositivo militar e o sistema de forças, como é que encara o facto de vir agora admitir que estes terão que vir a ser completamente alterados?
Esta é a questão de fundo que tenho para lhe, pôr, porque, a ser assim, faríamos parte duma aliança como, aliás, já fazemos - mas sem- um verdadeiro conceito de estratégia militar ajustado e adequado e sem um adequado conceito estratégico de defesa nacional, o que, quanto a mim, seria muito grave.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia que dispõe de' três minutos.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, só para poder responder à última questão, seríssima e importantíssima, colocada pelo Sr.. Deputado Marques Júnior, precisaríamos de uma tarde inteira... Mas tempo é tempo e regimentos são regimentos ...
Risos do PSD.
Sr. Deputado Herculano Pombo, as situações de direito são excepções e não uma regra. No entanto, são excepções permanentes e pode haver uma medida de grau, com o que estou de acordo. Aliás, e respondendo, simultaneamente ao Sr. Deputado João Amaral, direi que há unia questão de grau em termos de evolução do sistema democrático.
É que há regimes políticos que não podem ser democráticos porque o povo vive em tão más condições que a primeira preocupação é a sobrevivência e nem sequer conseguem pensar em termos de um voto. Na verdade, o regime democrático tem uma história que depende de razões económicas e o pensamento marxista tem legitimidade para invocar algumas dessas circunstâncias.
É que há questões que só podem ser abordadas com o evoluir do tempo. A minha percepção é a de que, daqui a algum tempo, o artigo 31. º poderá e deverá ser «limado», mas não pode ser abolido, porque isso seria a perversão da própria génese da inserção das Forças Armadas numa democracia: há sempre uma limitação de direitos. Neste caso há um problema de medida mas não de natureza.
Ora, porque é que há restrição de direitos? A razão é tripla: as Forças Armadas constituem o monopólio de coacção do Estado, são um sistema hierarquizado como nenhuma outra instituição quer civil quer estadual, - e os serviços que prestam têm uma natureza sistemática e permanente. A conjugação destas três razões obriga à formulação de um princípio redutor de liberdades dentro da própria instituição, - no que se refere à expressão política dos seus membros.
Quanto ao Sr. Deputado João Amaral e em relação ao artigo 31. º reconheço-lhe o- direito de formular a questão da maneira que ò fez. Percebi e gostei da sua expressão e é importante' que o Pais saiba, pela voz autorizada do Sr. Deputado, que o Partido Comunista não questiona a restrição de direitos aos militares e que, quando muito pode é discutir a medida. Aliás, eu - próprio também a discuto.
Ora, o que me distingue do Sr. Deputado é que o senhor quereria alterar hoje esta questão enquanto que eu digo que hoje isso é impossível e desajustado e em termos leninistas - é «dar um passo em frente para a seguir dar dois passos pára trás». Sr. Deputado, utilizando a sua própria terminologia, digo-lhe que cometeria um erro político perante a democracia portuguesa.
O Sr. João Amaral (PCP): - O senhor não consegue libertar-se da piada fácil!
O Orador: - Digamos que, para tentar ajuda-lo estou a tentar colocar-me na própria matriz intelectual do seu ,pensamento, Sr. Deputado. Espero que não tenha abandonado - o leninismo mas, se assim for, estou a cometer um erro grave e, então, abdico já de falar de Lenine !
Risos do PSD.
Por último, digo-lhe que - foi de propósito que não mencionei o caso da Guarda Civil.
É, que é verdade o que Sr. Deputado disse acerca do respectivo estatuto militar, tendo-se verificado a anulação de algumas restrições de direitos. No entanto, gostaria que o Sr. Deputado pudesse ter acompanhado alguns debates em sede de comissão nas cortes espanholas para verificar qual á posição dos próprios deputados políticos espanhóis que, hoje em dia, vêem as dificuldades que aquelas anulações estão a acarretar.
De qualquer modo, quer os italianos, quer os franceses, quer os belgas ainda não o fizeram portanto, é porque há alguma razão - e não o discutamos pois são países com muito maiores raízes democráticas do que o nosso.
Respondendo ao Sr. Deputado Marques Júnior, digo-lhe que na minha intervenção cometi um erro que o Sr. Deputado detectou - e bem - e o qual teve a gentileza de não apontar.
De facto, quando me referia uma zona aeronaval faltou-me uma questão básica. É que só faz sentido falar em zona aeronaval quando há um defensor da plataforma.
Esta omissão grave da minha parte justifica que lhe peça desculpa e que me penitencie publicamente, dizendo que faltou essa expressão:
Sr. Deputado Marques Júnior, ainda lhe queria dizer que, do meu ponto de vista, o conceito estratégico de defesa-nacional e o conceito estratégico, militar são operativos, adequados e pertinentes, podendo perfeitamente manter-se. De facto, votaria a seu favor hoje e só não digo que farei o mesmo daqui a três anos porque, nalgumas áreas, a evolução na Europa vai ser grave e dramática, justificando talvez algumas alterações no pensamento de todos nós. De qualquer forma, hoje, aceitaria esses conceitos.
No entanto, estou convencido de que as implicações decorrentes do conceito estratégico militar e do conceito estratégico de defesa Nacional, aplicadas ao dispositivo, às missões e, sobretudo, ao sistema de forças que hoje temos fazem com que estes sejam inadequados. Isto é, temos sistemas de forças e dispositivos que, hoje em dia, não se adequam ao próprio conceito militar.
Portanto, quanto a mim, o problema - que é grave para o poder político em Portugal - é o do desajustamento que existe entre os dois conceitos, o sistema de forças e o dispositivo..
Por último, e voltando à questão ideológica, respondo-lhe que não foi a mim que o meu grupo parlamentar deu apoio. O PSD não dá apoios a pessoas
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enquanto tais mas sim às ideias, sejam elas quais forem e seja quem for que as manifeste. É por isso que o Grupo Parlamentar do PSD apoia o estatuto da condição militar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições pelo que está encerrado o debate.
Assim, vamos passar à votação na especialidade do texto substitutivo da Proposta de Lei n.º 69/V, aprovado em sede de comissão. De acordo com as informações de que a Mesa dispõe, procederemos à votação da seguinte maneira: em primeiro lugar, votaremos um conjunto constituído pelos artigos 1.º e 2.º; depois, um outro constituído pelos artigos 7.º e 16.º e, finalmente um outro grupo que engloba os restantes artigos desta proposta de substituição.
Srs. Deputados, vamos votar os artigos 1.º e 2.º
Submetidos a votação, foram aprovados com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos Srs. Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca e com a abstenção de Os Verdes.
São os seguintes:
Artigo 1.
A presente lei estabelece as bases gerais a que obedece o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres pelos militares dos quadros permanentes em qualquer situação e dos restantes militares enquanto na efectividade de serviço, estabelecendo ainda os princípios orientadores das respectivas carreiras.
Artigo 2.º
A condição militar caracteriza-se:
a) Pela subordinação ao interesse nacional;
b) Pela permanente disponibilidade para lutar em defesa da pátria, se necessário com o sacrifício da própria vida;
c) Pela sujeição aos riscos inerentes ao cumprimento das missões militares bem como à formação, instrução e treino que as mesmas exigem, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra;
d) Pela subordinação à hierarquia militar nos termos da lei;
e) Pela aplicação de um regime disciplinar próprio;
f) Pela permanente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais;
g) Pela restrição, constitucionalmente prevista, de alguns direitos e liberdades;
h) Pela adopção, em todas as situações de uma conduta conforme com a ética militar por forma a contribuir para o prestígio e valorização moral das Forças Armadas;
O Pela consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da segurança social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação dos artigos 7.º e 16.º
Submetidos a votação foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS, com votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Srs. Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca e com a abstenção do PRD.
São os seguintes:
Artigo 7.º
Os militares gozam de todos os direitos e liberdades reconhecidos aos demais cidadãos, estando o exercício de alguns desses direitos e liberdades sujeitos às restrições constitucionalmente previstas com o âmbito pessoal e material que consta da lei de defesa nacional e das forças armadas.
Artigo 16.º
A presente lei aplica-se aos militares da Guarda Nacional Republicana e da Guarda Fiscal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos restantes artigos, em conjunto.
Submetidos a votação, foram aprovados por unanimidade.
São os seguintes:
Artigo 3.º
Os militares assumem o compromisso público de respeitar a Constituição e as demais leis da República, obrigando-se além disso a cumprir os regulamentos e as determinações a que, nos termos legalmente estabelecidos, deram respeito.
Artigo 4.º
1 - A subordinação à disciplina militar baseia-se no cumprimento das leis e regulamentos e no dever de obediência dos escalões hierárquicos superiores, bem como no dever do exercício responsável da autoridade.
2 - O dever de obediência consiste em cumprir completa e prontamente as leis e regulamentos militares e as determinações que de umas e outras derivam, bem como as ordens e instrução dimanadas de superior hierárquico dadas em assuntos de serviço desde que o seu cumprimento não implique a prática de crime.
Artigo 5.º
Em processo disciplinar são garantidos aos militares os direitos de audiência, defesa, reclamação e recurso hierárquico e contencioso sendo sempre garantido, em caso de processo escrito, o patrocínio.
Artigo 6.º
Os militares têm direito à assistência e patrocínio judiciário por parte do Estado, que se traduz na dispensa do pagamento de preparos e custas
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e das demais despesas do processo, para defesa dos seus direitos e do seu bom nome e reputação sempre que sejam afectados por causa de serviços que prestem às Forças Armadas ou no âmbito destas.
Artigo 8. º
1 - Aos militares que professam religião com expressão real no País é garantida assistência religiosa.
2 - Os militares não são obrigados a assistir ou participar em actos de culto próprios de religião diversa da que professem.
Artigo 9: º
1 - Os militares exercem os poderes de autoridade inerentes ao desempenho das funções de comando, direcção, inspecção e superintendência bem como da correspondente competência disciplinar.
2 - O exercício dos poderes de autoridade implica a responsabilidade dos actos que por si ou por sua ordem forem praticados.
Artigo 10. º
1 - Aos militares é atribuído um posto hierárquico indicativo da sua categoria e uma antiguidade nesse posto.
2 - O exercício dos poderes de autoridade, o dever de subordinação e a responsabilidade de cada militar decorrem das posições que ocupam na escala hierárquica e dos cargos que desempenham.
3 - Na estrutura orgânica das Forças Armadas os militares ocupam cargos e desempenham funções que devem corresponder aos seus postos:
4 - Quando por razões de serviço os militares desempenhem funções de posto superior ao seu, consideram-se investidos dos poderes de autoridade correspondentes a esse posto.
Artigo - 11. º
1 - É garantido a todos os militares o: direito de progressão na carreira nos termos fixados nas leis estatuárias respectivas.
2 - O desenvolvimento das carreiras militares orienta-se pelos seguintes princípios básicos:
a) Relevância de valorização da formação militar;
b) Aproveitamento da capacidade profissional, avaliada em função de competência
revelada e de experiência;
c) Adaptação à inovação e transformação decorrentes do progresso cientifico, técnico e operacional;
d) Harmonização das aptidões e interesses individuais com os. interesses das Forças Armadas.
3 - Nenhum militar poderá ser prejudicado ou beneficiado na sua carreira em razão de ascendência, sexo, raça, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica ou condição social.
4 - O desempenho profissional dos militares deve ser objecto de apreciação fundamentada que sendo desfavorável será comunicada ao interessado e da qual este nos termos fixados nas respectivas leis estatuárias pode apresentar reclamação e recurso hierárquico.
Artigo 12. º
1 - O militar tem o direito e o dever de receber treino e formação geral, cívica, cientifica, técnica e profissional, inicial e permanente, adequados ao pleno exercício das funções e missões atribuídas.
2 - O militar tem ainda o direito e o dever de receber formação de actualização, reciclagem e progressão, com vista à sua valorização humana e profissional e a sua progressão na carreira.
Artigo 13. º
Os militares têm nos termos da lei direito aos títulos, honras, precedências, imunidades e isenções adequadas à sua condição constantes da lei.
Artigo. 14. º
1 - Os militares dos quadros permanentes estão, nos termos dos respectivos estatutos, sujeitos à passagem à situação de reserva, de acordo com limites de idade e outras condições de carreira e serviço.
2 - Os militares na reserva mantêm-se disponíveis para o serviço e têm direito a uma contrapartida remuneratória adequada à situação em que se encontram.
Artigo 15.º
Atendendo à natureza e características da respectiva condição, são devidos aos militares de acordo com as diferentes formas de prestação de serviço ou benefícios e regalias fixados na lei.
Artigo 17.º
1 - As bases gerais da disciplina militar são aprovadas por lei da Assembleia da República devendo o regulamento de disciplina militar ser aprovado por lei da Assembleia da República ou mediante autorização legislativa, por decreto-lei do Governo.
2 - Em desenvolvimento da presente lei e no prazo de seis meses a contar da sua entrada em vigor serão aprovados por decreto-lei os estatutos respeitantes aos oficiais, sargentos e praças.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação final global.
Submetida a votação, foi. aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e com a abstenção do PCP, de Os Verdes e dós Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Narana Coissoró informou-nos que o CDS entregará na Mesa a sua declaração de voto.
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Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Um simples cotejo entre a proposta de lei inicial do Governo e o texto alternativo produzido pela Comissão Parlamentar de Defesa Nacional justificaria, por si só, uma atitude positiva face ao tão ansiado texto do estatuto do militar.
No entanto, cremos sinceramente que se poderia ter ido mais além.
Empenhámo-nos com a apresentação de várias propostas para que fosse possível responder cabalmente as legítimas aspirações dos milhares de cidadãos que, nas Forças Armadas, prestam um inestimável serviço à comunidade.
São milhares de cidadãos a quem é devido um estatuto que afirme, antes de mais, a garantia plena do exercício de toda a vasta gama de direitos, liberdades e garantias que a Constituição reconhece a todos e onde as restrições, também elas constitucionalmente previstas, sejam a excepção e nunca a regra.
Neste ponto e apesar de tudo, ficámos aquém.
Perdemos, talvez, a oportunidade de meter um pauzinho que fosse na engrenagem trituradora de direitos que, hoje é o artigo 31.º da lei de defesa nacional e das forças armadas, nas suas doze alíneas.
Nesta medida, o Partido Ecologista Os Verdes optou pela abstenção na votação na generalidade da proposta de lei e dos seus artigos 1.º e 2.º e pela votação contra dos artigos 7.º e 16.º
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 79/V - Concede autorização ao Governo para definir o regime fiscal aplicável às concessões das zonas de jogo e para definir os crimes e contra-ordenações decorrentes da prática e exploração ilícitas de jogos de fortuna ou de azar.
Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS e abstenções do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do Deputado Independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Passamos agora à votação do projecto de resolução, apresentado pelo PCP, solicitando a recusa da ratificação do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para solicitar a V. Ex.ª uma rectificação: é que não se trata de uma iniciativa do PCP, mas de um conjunto de partidos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem razão. Efectivamente, o projecto de resolução é apresentado pelo PCP, pelo PS e pelo Partido Os Verdes.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Presumo que o Sr. Presidente vai pôr à votação, tal como estabelece o Regimento, em primeiro lugar, o projecto de resolução do PCP em que se solicita a suspensão da vigência do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve, e só depois o projecto de resolução de recusa da ratificação.
Vozes do PCP: - Não, não!
O Orador: - Assim estabelece o Regimento, meus senhores.
O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - É uma questão de lógica!
O Sr. Presidente: - Há, efectivamente, um projecto de resolução, em que se requer a suspensão da vigência do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, e um projecto de resolução de recusa da ratificação do mesmo decreto-lei. Simplesmente, a epígrafe dos dois diplomas aparecia da mesma forma.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que não valerá sequer a pena invocar o Regimento, uma vez que é a lógica parlamentar que diz que não se pode votar a suspensão de algo que pode vir a ser recusado a seguir.
A lógica é, pois, a de se votar, em primeiro lugar, o projecto de resolução de recusa da ratificação do decreto-lei e, em segundo lugar, se a Assembleia votar contra a recusa, então a Assembleia logo decidirá se suspende ou não o decreto-lei para efeitos de alteração. Isto é evidente, Sr. Presidente.
Creio que não valeria a pena sequer estarmos a perder tempo com esta questão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como observou, quando o processo nos foi entregue, lemos a primeira página e encontrámos uma solução; depois, havia um requerimento que continha um título que não devia ser o adequado. Efectivamente, o Sr. Deputado tem razão lógica e, eventualmente, outras.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nem oito nem oitenta!
O Sr. Presidente: - Não se entenda da minha expressão «eventualmente outras» que eu estava a fazer qualquer juízo político.
Vamos, pois, votar o projecto de resolução de recusa da ratificação do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro.
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O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, lastimo imenso. Não pretendo protestar nem recorrer da posição do Sr. Presidente, mas, sob a forma de interpelação, direi que, tendo em conta as disposições regimentais e uma vez que há dois projectos de resolução - não fui eu o autor de qualquer um deles e o seu autor, sem ter retirado o primeiro projecto que apresentou de suspensão da vigência do decreto-lei, decidiu apresentar um outro -, em primeiro lugar, deverá ter lugar a votação do projecto de suspensão do decreto-lei e só depois o outro.
Mas, Sr. Presidente, há aqui quem detenha as evidências regimentais e nós, do ponto de vista prático, nada temos a ver com isso!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu próprio esclareci que há um erro material na classificação do projecto apresentado pelo PCP, pelo PS e pelo Partido Os Verdes, o que levou a uma confusão por parte da Mesa ao ler os títulos dos mesmos. Contudo, a Mesa fez, em certa medida, uma reclassificação ad-hoc do projecto.
Em face disso, uma vez que o Sr. Deputado não recorre da decisão da Mesa, vou pôr à votação o projecto de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve.
Submetido a votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do PRD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de OS Verdes e dos Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação do projecto de resolução que requer a suspensão da vigência do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro - Define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve.
Submetido a votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do PRD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar amanhã, dia 8 de Março, às 17 horas, e do período da ordem do dia constarão declarações políticas de todos os grupos parlamentares sobre a problemática da mulher.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adriano Silva Pinto.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Gilberto Parca Madail.
Idilberto Paul Rodrigues dos Santos.
João Álvaro Poças Santos.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António José Sanches Esteves.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro. Eduardo Ribeiro Pereira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Campos Rodrigues Costa.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Jorge Santos Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Domingos Duarte Lima.
Flausino José Pereira da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Ruí Manuel P. Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Martins Vale César.
Jaime José Matos da Gama.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
António Silva Mota.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria Luísa Amorim.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
AS REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins.
Página 1752
1752 I SÉRIE - NÚMERO 48
Rectificação Ao n. º 35, de 4 de Fevereiro de 1989:
Na pag. 1255, 2.ª col., 7 1. a contar do fim, onde se lê «O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Arlindo Marques Cunha)» deve ler-se «O Sr. Secretário de Estado das Pescas (Oliveira Godinho)».
Na pág. 1263, 2.ª col., 111. a contar do fim, onde se lê «O Sr. Ministro da Educação» deve ler-se «O Sr. Ministro da Educação (Roberto Carneiro)».
DIÁRIO da Assembleia da República
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