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I Série - Número 49
Quinta-feira, 9 de Março de 1989
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE MARÇO DE 1989
Presidente: Exma. Sr.ª Maria Manuela Aguiar Moreira
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 17 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Em sessão especialmente dedicada à problemática da mulher, no respectivo dia internacional, produziram declarações políticas a Sr.ª Deputada Afaria Santos (Os Verdes), o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) e as Sr.ªs Deputadas Natália Correia (PRD), Lurdes Hespanhol (PCP), Julieta Sampaio e Teresa Santa Clara Gomes (PS) e Assunção Esteves (PSD).
A Câmara aprovou ainda o projecto de deliberação n. º 33/V, relativo à criação da Subcomissão Permanente para a Igualdade de Direitos e Participação da Mulher, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e apresentado por esta Comissão.
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 30 minutos.
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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 17 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Abrantes Pereira.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Idilberto Paul Rodrigues dos Santos.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Muno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
edro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
Carlos Cardoso Lage.
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Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Deputados Independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: Proposta de Lei n.º 87/V (ARM) - Alteração, no respeitante à Região Autónoma da Madeira, dos valores de incidência das taxas da Sisa, que foi admitida e baixou à 7.ª Comissão; Proposta de Lei n.º 88/V (ARM) - Integração desportiva nacional, que foi admitida e baixou à 8.º Comissão; Projecto de Lei n.º 361/V - Redução da duração semanal do trabalho, apresentado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião, e outros do PS, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; Projecto de Resolução n.º 22/V - Para que o Governo nos termos legais aplicáveis informe a Assembleia da República através da Comissão de Assuntos Europeus do andamento e perspectivas de evolução do processo de formação do Mercado Único Europeu, apresentado pelo PRD, que foi admitido.
Em termos de expediente é tudo, Sr.ª Presidente.
Vamos dar início ao tema da sessão de hoje, especialmente dedicada à problemática da mulher.
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Não vamos aqui neste lugar, quase «sagrado», mas humano, falar de nós mulheres, nem de vós homens. Não vamos, estejam todos descansados seduzir a vossa paciência!... Nem vamos relembrar antigas lutas!...
Pretendia sim, assinalando este Dia da Mulher no ano de 1989, questionar o nosso próprio entendimento, enquanto representantes da população portuguesa, sobre o funcionamento da vida democrática e duma acção política, que não pode atingir a desejável representatividade, se não reflectir uma mais ampla participação de todos os indivíduos na dinâmica social.
Cabe-nos a nós, deputados, precisamente neste dia, reflectir sobre as condições que limitam a participação política da mulher portuguesa.
Por isso convirá perguntar: Será que o processo de democratização da nossa sociedade se poderá manter e funcionar, se não dispuser de um número crescente de cidadãos, motivados para a causa pública, capazes de assumirem responsabilidades nas diferentes estruturas e nos diferentes níveis de via nacional?
Sabemos que as transformações não se instituem por decreto e, que a democracia é fundamentalmente um processo que incentiva o cidadão a intervir de uma forma crescente em todas as instâncias da sociedade. Mas não é para nós deputadas, mulheres portuguesas, muito reconfortante o argumento de que as transformações sociais são lentas, pois não é disso que se trata.
O que importará reter, neste final de século, é que o funcionamento normal da nossa democracia, implica
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um novo relacionamento social, que deve basear-se na cooperação e não na competição, o que necessariamente exigirá, que o poder se liberte do carácter «sagrado» dos que o detém, legitimando a participação no mundo político, por direito próprio, à mulher portuguesa.
É que não basta, Srs. Deputados, dizer em discurso que quando decidimos, o fazemos em nome do interesse nacional e paralelamente esquecemos a riqueza da diversidade, das diferenças e dos estigmas que ainda perduram e funcionam como elementos segregadores da participação plena da mulher na sociedade.
Não basta apenas pensar a vida para todos, é necessário fazer com que todos a vivam de forma responsável e empenhada.
Daí a nossa responsabilidade, a vossa responsabilidade na irradicação das discriminações que ainda subsistem, aos mais variados níveis, limitadores do aprofundamento do viver político português, que também passa por aqui e, que só poderá ganhar consistência com o contributo insubstituível da mulher.
A Assembleia da República deve contribuir para estimular a geração de uma nova ética, articulando de modo pragmático o desejável com a realidade, aplicando os diversificados instrumentos de que dispõe, para diminuir as desigualdades que ainda perduram, reconhecendo-se como força real e mobilizadora, no referencial democrático português, perante as questões que mais directamente afectam a vida das mulheres portuguesas.
Mas a realidade, infelizmente, está muito longe do desejável: quanto ao desemprego, continua a ser maioritariamente feminino: 57% do total de desempregados; a remuneração média-base recebida pelas mulheres representava, em 1986, 78,6% da recebida pelos homens; a violência contra as mulheres, quer na família, quer na sociedade, atinge em Portugal níveis inaceitáveis.
No plano da igualdade jurídica formal dos cidadãos perante a lei a nossa legislação trata em condições de igualdade homens e mulheres. Mas as condições materiais que permitam essa igualdade continuam a faltar, subsistindo muitas desigualdades sociais e discriminatórias que limitam a participação da mulher e a assumpção plena da sua cidadania.
E é precisamente aqui que convirá perguntar se soubemos criar os mecanismos efectivos que promovam a igualdade na diferença. Se conseguimos aproximar a lei da realidade bem concreta, tantas vezes dura e desigual com que se confronta a mulher?
Como podemos, então, definir e viver a liberdade, a democracia, com tudo o que estas realidades históricas implicam, quando ainda tanta discriminação, tanta arbitrariedade emerge das decisões dos democratas, que dizem servir a democracia, mas que sistematicamente limitam o cidadão, a retomar o controlo da sua vida social, económica, política e cultural?
A extinção da Comissão Parlamentar da Condição Feminina, não pode deixar de ser considerada, no momento actual, como mais um contributo retrógrado que ser apenas para reforçar o actual estado de apatia política de grande parte da população, convergindo no sentido duma abulia cívica que se instala, persuadindo constantemente o cidadão a não participar, desmotivando-o das questões que dizem respeito à sua vida.
Se em Portugal se conquistou a democracia política, se se deu a democratização do Estado, não podemos esquecer que estes factores estão profundamente condicionados pelo que acontece na sociedade.
Uma coisa é o direito (constitucionalmente conseguido), outra é o acesso a esse direito e a prática do próprio direito. E uma sociedade politicamente em expansão, como a portuguesa, pode e deve aferir da sua maturidade, pela participação feminina em todas as suas instâncias.
Como deputadas convirá perguntar, também hoje e aqui, qual é a legitimidade de um poder, quando escasseia e representatividade feminina? Quando somos constantemente persuadidas a não participar no mundo da política?
Mas estas questões, Srs. Deputados, não têm significado só para nós, mulheres. É evidente que nos cabe a nós, mulheres, a responsabilidade principal de rejeitar os aspectos perniciosos desses fenómenos, contrariando as resistências que impedem a autonomia e a pluralidade da vivência democrática.
Emancipar a sociedade, é isso que nós queremos e, passa necessariamente pela promoção do acesso da mulher a todas as instâncias sociais, contrariando a ideia ultrapassada de que o poder (seja ele qual for!) é só para alguns, combatendo velhos preconceitos, porque, acima de tudo, a sociedade portuguesa precisa da sabedoria das suas mulheres.
Mas, para além de uma maior presença numérica feminina, é muito importante a qualidade dessa presença, a sua dimensão humanística. Contributo que deve ser visto, não exclusivamente numa perspectiva igualitária, mas em acções que introduzem na vida política, a forma da simplicidade, da naturalidade, da autenticidade, reforçando a dimensão social e cultural da actividade política. Sabemos e já o dissemos, que um país não se constrói só nas instâncias do poder político, faz-se sobretudo no quotidiano e aí, estamos todas nós, independentemente dos nossos posicionamentos ideológicos, religiosos ou filosóficos, na sociedade real que não aparece nos jornais e na televisão mas que vai paulatinamente mudando com o contributo de todas as mulheres.
Srs. Deputados: Só é possível, a «renovação gradual da sociedade», através do livre debate das ideias, da mudança das mentalidades e do modo de viver.
Mas só a democracia permite a formação e a expansão das ditas «revoluções silenciosas», e é a transformação das relações entre os dois sexos, talvez a maior revolução do nosso tempo.
Nesse sentido terminaria hoje, nesta sessão em que se comemora o dia 8 de Março com um «Viva esta Revolução!»
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputadas, Srs. Deputados: A televisão, sintomática e lamentavelmente, não está hoje presente. É, portanto, uma boa oportunidade para falarmos dela.
Aplausos gerais.
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A televisão é hoje um meio de comunicação social por excelência em todos os países europeus. É ciosamente controlada pelo Governo, desesperadamente desejada pelas oposicões, o médium preferido pelos jovens, o lazer das camadas economicamente débeis, a dieta cultural dos analfabetos. A televisão informa e forma a opinião pública, selecciona as prioridades políticas, os temas sociais da actualidade, cataloga personalidades difunde mensagens, faz a circunstância. No decurso da sua vida cada cidadão médio na Europa, passa duas vezes mais tempo diante do televisor que nos bancos da escola ou salas de estudo. Ela é hoje mais o ambiente que a comunicação.
Num estudo recente de Gabriel Thoveron feito em 1987, a pedido da Comissão das Comunidades Europeias, verifica-se que entre os jornalistas da televisão, por cada mulher contam-se seis homens e nas imagens utilizadas para ilustrar os acontecimentos as mulheres ocupam não mais que 6% do tempo atribuído aos homens; na publicidade, os homens aconselham, as mulheres compram. Quando falam é geralmente para os homens, ao passo que estes comummente falam entre si; nos anúncios 43% são donas de casa, 18% trabalhadores, 17% mães; quanto ao estatuto social 4% são de classe média superior, 24% de classe média e 62% jovens adultas. Estabelece-se uma hierarquia clara nos papéis desempenhados na televisão: as mulheres elegantes ou sofisticadas apresentam produtos de beleza ou higiene, marcas de automóvel, modas de vestiário e de bebidas alcoólicas.
As mulheres consideradas «reservadas» apresentam produtos para bebés e crianças, especialidades farmacêuticas, produtos alimentares de consumo quotidiano.
Nos telefilmes ou telenovelas as mulheres são classificadas em «tradicionais» (42%) absorvidas na vida familiar e dependentes do homem; modernas - mais independentes dos homens no contexto familiar (52%). Geralmente nesta categoria, 34% fazem apelo ao seu charme, e 18% à sedução. É raro privilegiar a iniciativa ou qualidade profissional. No enredo ou temática no conflito entre valor tradicionais e modernos, 29% abandona a modernidade e 19% os valores tradicionais.
O trabalho da mulher, é geralmente apresentado nos programa televisivos da Europa como assunto de pouca importância. Geralmente é apresentada como ocupando postos subalternos: 90% trabalha para homens e raríssimamente tem um homem ou um grupo de homens a ela subordinados.
Não se pode dizer que a televisão na Europa ajude as mulheres a libertarem-se da sua imagem clássica e que é depreciativa.
Em Portugal, mantém plena actualidade, decorridos 10 anos, o trabalho pioneiro de Maria Cristina Domingues - «A imagem da mulher na publicidade televisiva», publicado em 1979 nos cadernos da Comissão da Condição Feminina. Vejamos as diferenças entre Portugal e as médias europeias com base, nos dois estudos.» Nos anúncios de automóveis ou de produtos com eles relacionados em Portugal, o homem é o principal protagonista, podendo a mulher aparecer mas com mero papel secundário. Os automóveis são do domínio dos homens assim como a casa é do domínio da mulher... Nos produtos de higiene corporal fica-se com a impressão de que só as mulheres transpiram, só elas é que têm a obrigação de cheirar bem...
Risos.
...e isto em função do homem que ou franze o nariz no autocarro ou deixa de namorar uma rapariga porque ela tem mau hálito».
Tal como nos países europeus, o anúncio dos vinhos e de bebidas alcoólicas corresponde à imagem de mulher sedutora enquadrada em ambiente sofisticados e requintados.
A dona da casa tem a preocupação desmedida com a brancura da roupa, os bons cozinhados, o brilho do chão e a máquina de fazer iogurtes é o «o selo da verdadeira felicidade».
Risos.
Muito próxima da dona de casa temos a esposa tradicional: esta «tem pequeninos gestos atenciosos para o marido. Olha-o com ternura enquanto ele come o ovo estrelado por ela preparado».
Risos.
Depois a mulher-mãe com o papel secundário em relação às crianças que se presumem seus filhos porque no fim do anúncio «há qualquer coisa que o menino ou menina disse e ela ouviu com sorriso». A mulher sedutora, com aspecto requintado, variando a idade entre os 30 e 35 anos, é suscitadora de consumo, objecto sexual em que o apresentador remata sistematicamente «só a não livra de um grande amor».
Tal como no relatório de Thoverson, também em Portugal a imagem de mulher trabalhadora não é frequente, e mesmo quando ela esporadicamente aparece diz a uma colega: «ontem depois de sair do emprego fui às compras, fiz o jantar e ainda formos ao cinema», ao que a outra responde: «e tempo para isso tudo?» Também entre nós a mulher é sempre subalterna do homem.
Se esta é a imagem que nos é fornecida pela nossa RTP ela ignora por completo todos os grandes temas que interessam à sociedade em geral como, por exemplo, as mães solteiras, o divórcio, a contracepção, as mulheres isoladas ou sós, a violência sexual, a segregação profissional e que, quando convenientemente tratados abririam a grande porta para que tais temas outrora tabus fosse livremente debatidos e, dando voz a todas as correntes de opinião, incluindo claro está as diversas posições ideológicas e mesmo religiosas.
Aplausos gerais.
Seria recomendável que as equipas de produção destes programas integrassem obrigatoriamente as mulheres em todos os níveis sem cair na autogestão feminina destes temas.
Não conhecemos meio mais indicado do que a televisão para denunciar as contradições e as tensões que a mulher hoje protagoniza na sociedade portuguesa, tal como as suas irmãs noutros países europeus, porque o fenómeno não é exclusivamente português.
A ideia nada tem de nosso nem de novo. Existem hoje cooperativas de mulheres produtoras de cinema que reivindicam tempos de antena para expor as suas reivindicações, enquanto que as feministas radicais pensam que os programas devem adoptar um tom provocador que se assemelha a uma confrontação ideológica, e dispor de «tempo normal de emissão feminina».
Na Inglaterra o canal 4 (Thames Television) concede hoje, um tempo de programação às realizadoras para
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oferecer ao público a imagem positiva da mulher. É uma inovação saudável porquanto representa uma ruptura com o esquema antigo de dedicar um tempo às mulheres na televisão. Aqui a ideia-base é de que não é forçoso feminizar uma emissão para tratar de temas que sendo prioritariamente de mulheres dizem respeito à sociedade em geral.
Não há dúvida que é preciso combater a imagem que avilta a mulher e os seus esteriótipos usuais que foram referidos e destruir os preconceitos que directa ou subtilmente desvalorizam o seu papel na sociedade. Não basta para isso a legislação antidescriminação, mas o próprio pessoal da RTP de todas as categorias e escalões tem a obrigação de exercer esta fiscalização ética.
Trata-se de uma responsabilidade colectiva. Por isso é preciso trazer para a primeira linha de responsabilidade não só os produtores mas principalmente os expositores da imagem negativa da mulher.
Somos de opinião que os órgãos de decisão da RTP, em todas as formas de programação devem incluir obrigatoriamente uma ou mais mulheres para escrutinar as emissões e contribuir para o restabelecimento da imagem e dos direitos da mulher em Portugal. Para tanto há que estar atento à próxima lei da televisão para consagração estatuária desta opção.
Não bastam as declarações de intenções. De uma forma ou de outra o problema da emancipação da mulher tem de ser necessariamente começado pelos programas de televisão, porque a descriminação entre homem e mulher é um acontecimento político é um acontecimento cultural, é um acontecimento económico, é um acontecimento social e é um acontecimento permanente da sociedade portuguesa.
Já não se trata de um capricho de feministas exaltadas mas de uma necessidade fundamental da nossa sociedade apostada no seu progresso.
Sr.ªs Deputadas, é esta a modesta contribuição do CDS para o Dia Internacional da Mulher.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Natália Correia, para uma declaração política, embora compreenda a adesão espontânea das galerias, devo esclarecer que não podem manifestar-se.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ser-me-ia o silêncio resposta consentânea com a comédia de se abrir este Plenário exclusivamente para comemorar o Dia da Mulher, que neste Parlamento foi sujeita ao vexame de lhe ser retirado o direito de organizar numa comissão especializada a defesa dos interesses femininos, no sentido amplo em que hoje são encarados e que ultrapassam o âmbito das conquistas legais nas suas implicações fundamentalmente culturais. Não me é porém, consentido o silêncio pela solidariedade que devo às deputadas que tomam a palavra para assumirem posições que, nos seus diferentes matizes, resultam num protesto contra a falaciosa ironia deste simulacro de comemoração.
Serei pois muito breve no muito que teria a dizer sobre a misogínia caduca que exterminou a Comissão da Condição Feminina, e que certamente depararia com as orelhas moucas dos comediógrafos dessa encenação comemorativa.
Mas na brevidade do meu discurso não pode deixar de caber e sobressair a denúncia do sofisma que foi usado pelo partido coveiro da extinta comissão para lhe fazer a sepultura.
Alegou então p PSD que a Comissão da Condição Feminina ressuscitaria ungida pela tutela da alta e máscula competência dos oficiantes dos direitos liberdades e garantias. Ressuscitaria...
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Dos e das!
A Oradora: - Não interrompa, Sr. Deputado. Hoje, só a mulher é que tem aqui voz. Cale-se!
Risos.
O Sr. Deputado Narana Coissoró manifestou uma maravilhosa superação das baixezas do macho lusitano!
Risos.
Posso continuar?
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito que façam silêncio a fim de que a oradora possa prosseguir. Faca favor, Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Oradora: - Dizia eu, que a Comissão da Condição Feminina ressuscitaria rejuvenescida, moça sob a forma veneradora e obrigada de subcomissão permanente do mando viril da 1.ª Comissão.
Desmascara-se porém o sofisma quando se verifica que, não podendo admitir a 1.ª Comissão mais do que um elemento, este do Partido Socialista, só um membro da defunta comissão poderá directamente, em pleno direito, integrar o rebento da subcomissão agora intitulada dos direitos e participação da mulher que assim fica dominantemente preenchida pela varonil sapiência dos Srs. Deputados em questões femininas.
Claro que poderá sempre recorrer-se ao expediente da substituição que a este título permite a participação na subcomissão das deputadas da finada Comissão da Condição Feminina, ou de outras motivadas para essa actividade. Mas neste jogo obscuro e obscurantista o que prevalece é a humilhação infligida a mulheres com dignidade parlamentar e intelectual que são forçadas a servirem-se do estratagema da substituição para terem acesso à palavra a que jurídica, social e culturalmente têm direito.
Claro que o vezo androcrático não poupou os partidos da Oposição que fizeram vista grossa quanto a cederem os lugares que detêm na l.1 Comissão às suas deputadas que assim integrariam directa e limpidamente a subcomissão que daquela emana. Mas nisto de mulheres o peso de herança falocrática é tão forte que mesmo na esquerda os clarins mais altissionantes das liberdades se engasgam quando soa a voz das mulheres.
Risos gentis e aplausos das deputadas do PS.
Muito obrigado, minhas senhoras. Claro que eles agora não se pronunciaram.
Risos.
Enfim, valha-nos a paciência e um certo humor.
Aquele, por exemplo, suscitado pelas palavras de abertura do discurso proferido nesta Casa pelo presidente da câmara dos deputados do Brasil Ulisses Guimarães.
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Começou o orador por saudar as deputadas dizendo: «É com prazer que me dirijo às minhas colegas, mulheres que representam a nação portuguesa nesta Casa». E realçou a importância da mulher na instituição parlamentar trazendo aqui o testemunho da colaboração nova, forte e voluntariosa das deputadas da Câmara que dirige.
O Sr. Vidra Mesquita (PSD): - Quantas estavam lá!
A Oradora: - Pois não deixou de ser divertido ver os Srs. Deputados que dias antes tinham feito o funeral à Comissão da Condição Feminina engolirem esta lição que o político brasileiro os fez tragar, na santa ingenuidade de pensar que aqui nos era reconhecido o pleno exercício de representantes da Nação Portuguesa e, particularmente, da nação feminina, o que logicamente teria de se traduzir na existência de uma comissão autónoma e especializada, nas questões postas pelos direitos e participação da mulher.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Conclusão enderaçada aos humoristas cultivadores do paradoxo: consumada que foi nesta Casa a ginofobia que exterminou a Comissão da Condição Feminina, a comemoração do Dia da Mulher encenada no palco parlamentar montado para esse fim, coloca nele um verdadeiro teatro do absurdo.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados Independentes.
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol.
A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Ao propormos para hoje uma sessão para discussão e votação de iniciativas legislativas sobre a problemática da mulher não o fizemos de forma gratuita. Fizemo-lo porque é nossa função legislar, resolver os problemas das populações que nos elegeram e a maioria são mulheres. Mulheres que anseiam por ver os seus problemas resolvidos e a quem nós não podemos frustar as expectativas pela omissão no nosso trabalho parlamentar.
Teria sido mais fácil comemorar o 8 de Marco, em festa e em luta, junto das populações que nos elegeram, junto dos nossos familiares, mas o sentido da responsabilidade não se compadece com atitudes gratuitas de «deixar passar ao lado» o dia 8 de Março.
Insistimos, pois que o 8 de Março seja um momento de agir no sentido de corrigir de realizar acções de promoção da igualdade de direitos e oportunidades.
Lamentavelmente, o PSD não actua deste modo e transformou este ano no ano do recuo institucional. À semelhança do que aconteceu com a extinção da Comissão Parlamentar da Condição Feminina, impediu que hoje estivéssemos aqui a discutir e votar iniciativas legislativas nesta área. É que situar as questões é importante, mas não basta! Há meses que na extinta Comissão da Condição Feminina foram elaborados relatórios sobre vários projectos de lei que podiam e deviam ter sido agendados para hoje. Pela nossa parte, Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português demos o nosso contributo, tendo apresentado os seguintes projectos de lei:
Projecto de Lei n.º 107/V - Subsídio aos filhos a cargo de mães e pais sós - que visa compensar o baixo valor do abono de família, junto de famílias monoparentais com dificuldades económicas específicas; Projecto de Lei n.º 160/V - Garantia dos alimentos devidos a menores - que se propõe dar resposta aos problemas que resultam do não cumprimento da prestação de alimentos, qualquer que seja a causa e a pessoa a quem foi confiado o menor e que não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional; Projecto de Lei n. º 259/V - Que garante a protecção jurídica as pessoas em união de facto e que prevê igual tratamento neste caso, como em relação aos cônjuges, ao nível da segurança social; Projecto de Lei n. º 265/V - Aprova medidas tendentes à efectivação dos direitos das mães sós - direito à informação oficiosa e competência do Ministério Público para agir em representação da mãe do menor; Projecto de Lei n.º 269/V - Que garante a igualdade no trabalho e no emprego aos trabalhadores da Função Pública através do alargamento do regime previsto no Decreto-Lei n.º 192/79. Hoje mesmo apresentamos um novo projecto de lei - garante a protecção adequada às mulheres vítimas de violência na sociedade que procura implementar medidas que não são tidas em conta nem na legislação penal, nem na processual penal, actualmente em vigor.
É unanimamente reconhecido que a violência tem origem em situações de desigualdade, em que existem estatutos desiguais, situações em que há mal-estar, situações em que não estão salvaguardados na prática, os direitos e liberdades de cada um, situações de «sufoco» e em que a natureza humana é chamada a reagir explodindo em palavras ou actos de natureza violenta.
Para dar conta deste fenómeno várias iniciativas têm sido levadas a cabo, e permito-me referir uma bem recente, o tribunal da violência realizado pelo MDM, em que participaram activamente vários especialistas em questões do direito.
Com efeito, a violência que atinge a mulher resulta da degradação das suas condições de vida:
É o desemprego feminino que no total dos desempregados, aumenta para 63,6% no 3.º trimestre de 1988, enquanto que em igual período de 1987 se registava uma percentagem de 60,3%; é o trabalho precário em que as mulheres são as principais atingidas com trabalho à tarefa, à peça, com remunerações inferiores, com a insegurança permanente e a ameaça constante de desemprego em muitos casos sem direitos sociais, porque nem sequer foram inscritas na segurança social; são as discriminações da mãe trabalhadora sem prémios, porque teve de apoiar a família ou ir com os filhos ao médico.
São as enormes carências em infra-estruturas de apoio à infância, a degradação e confusão no sistema escolar, em que há dois anos não são publicadas as portarias tendentes à criação de lugares no ensino pré-escolar e se fecham as cantinas escolares.
É a ausência de infra-estruturas de apoio aos idosos.
É a degradação do acesso aos cuidados específicos que dizem respeito a condições fisiológicas normais da mulher, nomeadamente no seu acompanhamento enquanto grávida e ao apoio à saúde materno-infantil. Inadmissivelmente foram abolidas as comparticipações nos polivitamínicos mais adequados para a gravidez.
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Em termos de planeamento familiar o PSD continua a rejeitar a gratuitidade dos anovulatórios como meio anticoncepcional. É o não cumprimento da lei da interrupção voluntária da gravidez que continua a causar graves prejuízos à saúde das mulheres e a lançar milhares de meandros do abono clandestino.
As mulheres são olhadas como as que se encarregam de colmatar todas as insuficiências da vida familiar, aquelas que cuidam dos filhos, dos idosos, dos doentes. Aquelas que se encarregam de todas as tarefas caseiras, que não descansam... Aquelas que, como diz Maria Velho da Costa «calcorreiam a cidade ao vento e à chuva porque naquele bairro os macacos são caros».
Esta é a imagem da escada de serviço.
Da mulher que não ascende à formação profissional, da que é despedida antes do homem.
Desta imagem, da imagem da subalternização é fácil passar-se para comportamentos violentos perante a mulher, precisamente porque é alguém a quem ainda não se reconhece, de facto, o direito à igualdade.
Violência aliás, fomentada pela utilização afrontosa do corpo da mulher na publicidade, a que o Sr. Deputado Narana Coissoró se referiu numa boa peça que nos leu.
Esta é a situação que contende frontalmente com o que a Constituição e as leis dispõem.
Mais: assistimos mesmo a reais ameaças dos direitos da mulher nos trabalhos da revisão constitucional.
É que não bastará deixar inalterados ou mesmo melhorados os direitos específicos constitucionalmente previstos. Importa não esquecer que retrocessos do sistema económico e político não deixariam de afectar negativamente as mulheres portuguesas.
Neste ano em que se comemora o 10.º Aniversário da Convenção das Nações Unidas pela eliminação de todas as formas de discriminação que atingem as mulheres, convenção esta ratificada pelo Governo português, impõe-se que ainda durante a actual sessão legislativa haja, por consenso, pelo menos um dia parlamentar para discussão e votação de iniciativas legislativas quer dos diversos projectos de lei, que há muito se encontravam na extinta Comissão Parlamentar da Condição Feminina, quer de novas iniciativas que, entretanto surjam.
Ao subscrevermos o projecto de resolução que se encontra na Mesa fizemo-lo com o objectivo de concretizar esta proposta.
Reforçamos a nossa disponibilidade e empenhamento no encontrar de medidas que visem a promoção de igualdade de direitos e oportunidades.
Neste dia 8 de Março merecem-nos particular atenção as inúmeras iniciativas que se desenvolvem por todo o País com a participação de milhares de mulheres que lutam por uma vida digna e feliz, que se associam à luta de mulheres e povos de todo o mundo e em especial dos que ainda hoje são vítimas da agressão e violência da guerra.
O Grupo Parlamentar do PCP saúda estas iniciativas e expressa às mulheres portuguesas toda a confiança e solidariedade na luta.
Aplausos do PCP e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, julgo que há consenso para que a declaração política do PS seja feita por duas Sr.ªs Deputadas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.
A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Quando a um carismático político do nosso país foi perguntado porque num discurso citara um pensador espiritual, ele respondeu que o fizera porque era bonito e estava na moda, a resposta que obteve foi que a isso se chamava «hipocrisia».
Este singelo exemplo serve-nos para classificar esta sessão extraordinária para comemorar o Dia Internacional da Mulher. Uma Assembleia que há meses propôs e vota a extinção da única comissão especializada para os direitos e participação das mulheres, cujo objectivo era o acompanhamento do cumprimento da legislação existente e a audição dos muitos problemas de descriminação, ao realizar esta sessão é, no mínimo hipócrita.
As mulheres portuguesas compreendem que a afronta que há meses aqui lhes foi feita, nesta Câmara, não ficará sanada, porque hoje houve consenso em torno do Dia Internacional da Mulher. Não será a existência de um dia por ano que pode fazer-nos esquecer os nossos problemas e a nossa luta.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Sr.ª Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Hoje a intervenção da mulher na sociedade como cidadã de corpo inteiro, não é já uma posição subalterna, mendigando tudo a que sempre teve direito e que a «bondade» da sociedade ia concedendo.
Estamos na Europa da CEE, da modernidade e do progresso, mas este só é conseguido numa sociedade onde a igualdade efectiva, possibilitada pela igualdade jurídica, «exige» alteração de mentalidades e mudança de atitudes. A igualdade de oportunidades não pode ser confundida apenas com normas jurídicas, pois requer a tomada de medidas e incentivos a favor da mulher, de modo a compensá-la das desvantagens em áreas específicas.
O que tem feito o Governo português na implementação de medidas positivas para atingir, em etapas progressivas, a meta da igualdade?
Como cumpre o Governo português os acordos e compromissos que assina com a CEE, Conselho da Europa, OCDE e outros nos quais têm participação?
Que pensa fazer o Governo português para proteger os direitos das mulheres portuguesas face a 1992?
Como pensa o Governo prevenir a descriminação em 1992, nos sectores do trabalho, segurança social, igualdade de oportunidades na educação dos jovens e das jovens, independência económica da mulher, livre movimentação de trabalhadores que corre o risco de ser descriminatória para a mulher, baseada nos deveres familiares, maternidade, falta de creches, e por o homem não desejar assumir o trabalho não remunerado.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Já se pensou que muito legitimamente a mulher tem o direito de também procurar a Europa como meta de promoção? Será o homem capaz de a substituir na família? E que medidas legislativas vai tomar o Governo para proteger a mulher em 1992, quando na procura da Europa começarem a proliferar em Portugal as famílias abandonadas, e se outras famílias entretanto se constituirem na Europa?
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1992 não está assim tão longe. À Europa dos doze já a preocupam estes problemas, mas o. Governo dorme o sono da tranquilidade, ignorando que as mulheres portuguesas representam mais de 50% da população. A elas só se voltará a dirigir, quando em 1991 de novo lhes pedir o voto, com falsas e enganadoras promessas. Entretanto, uma vez por ano a maioria aproveita esta data, veste o manto da hipocrisia, chama a televisão, e dá a palavra às mulheres desta Câmara. Só esperamos que as deputadas, da Oposição sejam também ouvidas à, televisão.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputadas, Srs. Deputados: Para que as mulheres alcancem a igualdade de oportunidades não basta aperfeiçoar, e completar os princípios normativos da igualdade, mas também modificar atitudes è , comportamentos, formas de vida e estruturas sociais, que impedem as mulheres de, livremente, desenvolverem a sua personalidade e a sua participação activa na cultura, no trabalho, e na política.
O Governo compromete-se quando assina os acordos internacionais sobre a eliminação de todas as formas de descriminação contra a mulher, nomeadamente as diferentes directivas referentes ao princípio de igualdade no trabalho, e segurança social. Os poderes públicas estão obrigados pela Constituição, a promover as condições para quê a Uberdade e á igualdade do indivíduo seja real e efectiva, e a remover os obstáculos que impeçam ou dificultem a sua plena participação na vida política, económica, cultural e social.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: A Comissão Governamental da Condição Feminina tem desenvolvido a sua acção com limitações materiais e políticas. Todos estamos recordados do reduzido orçamento e das limitações políticas que lhes são impostas. Necessário se toma para alcançar os objectivos que se pretendem, conseguir a colaboração das organizações políticas nacionais, locais e regionais, das organizações sindicais, e muito especialmente das associações de mulheres.
Só da interligação entre estas e os diversos ministérios implicados (como por exemplo, educação, trabalho, saúde) se poderão concretizar medidas necessárias para uma eficaz ë coerente política à favor das mulheres; dentro de cada área, pôr objectivos, que se podem resumir em aperfeiçoar o princípio constitucional da igualdade, conseguir O acesso da mulher a maiores níveis de formação, informação e cultura, criar as condições- para desenvolver uma repartição equilibrada de responsabilidades entre homens è mulheres, possibilitar o exercício livre e responsável da maternidade e paternidade; melhorar a protecção da saúde e de toda a problemática feminina especialmente a dos grupos de mulheres de maiores riscos, reduzir a taxa de desemprego feminino e. a segregação laboral em função do sexo.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs deputadas, desenvolvimento de uma política de igualdade de oportunidades das mulheres, que são à maioria da população, não só favorece, aprofunda e consolida a democracia, como contribui parada, distribuição mais racional dos recursos humanos. Um Governo cuja prioridade fosse a correcção de toda desigualdades sociais, dedicaria uma parte importante das suas acções e programas a conseguir uma maior igualdade entre Os homens e as mulheres.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Há um ano homenageámos nesta Câmara grandes nomes no plano moral, cultural, e político em quem gostamos de nos rever. Hoje queremos dar um testemunho de solidariedade é fraternidade às mulheres violentadas pela sociedade, e que essa mesma sociedade despreza e esmaga. Serão para elas as nossas ultimais palavras: coragem e esperança pára vencer hoje e reviver amanhã.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, de os Verdes e dos Deputados Independentes Helena Roseta, Raul Castro e João Corregedor da Fonseca.
A Sr.ª Presidente: - Srs, Deputados, tenho o prazer de informar quase encontram na Galeria do Corpo Diplomático deputados pertencentes ao Grupo dos doze. Mais da União Interparlamentar.
Aplausos gerais.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, que dispõe de quatro minutos.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Deputados: o dia de hoje, 8 de Março de 1989, evo fechar de mais uma década na comemoração do Dia Mundial da Mulher: E porque do termo lei uma década se trata, cabe fazer um balanço do que foi conseguido e do que está por fazer.
Vale a pena lembrar que o novo surto de consciência colectiva dos direitos das mulheres tem já vários marcos de história.
Herdámos dos anos 60, nos EUA, e da primeira metade dos anos 70, na Europa, o despoletar do problema, o libertar da palavra das mulheres, o pressionar das instituições, que veio a culminar do primeiro reconhecimento político; a nível mundial, da desigualdade entre os sexos, através do lançamento, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da primeira: Década Internacional da Mulher.
Vivemos, na segunda metade dos anos 70, a etapa decisiva da organização dos movimentos de mulheres, a denúncia já plenamente articulada dos mecanismos castradores das instituições patriarcais, á conquista formal da igualdade de direitos, a consagração de medidas políticas destinadas a corrigir situações de discriminação e marginalização das mulheres.
Entrámos, pois nos anos oitenta com esperanças acrescidas. O reconhecimento da igualdade perante â lei estava conquistado,? o acesso das mulheres à educação e ao mercado do trabalho era formalmente indiscutível, os indicadores de entrada progressiva das mulheres, mesmo nas; instituições políticas, pareciam promissores.
Ao terminar a década dê 80, normal seria, portanto reunimo-nos aqui a celebrar, em tom festivo; os passos dados, as etapas percorridas passos e etapas que não seriam só unia vitória das mulheres, mas um triunfo de todo o corpo social, á traduzir-se num acréscimo da prática de democracia. A situação, com que nos, confrontamos é porém, outra. Não só a permanência da mulher nos espaços públicos - do mercado do trabalho às instituições políticas está gravemente ameaçada, como e é esse o
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problema de que aqui me vou ocupar - ela parece mostrar-se inoperante por não se ter ainda revelado portadora dos novos valores de que a sociedade carece.
Não me deterei na análise dos factores que, ao longo da década, com tendência crescente, têm vindo a provocar uma nova onda de marginalização das mulheres. São factores de ordem técnica, económica social e política, muitas vezes de âmbito supranacional, que, no nosso país não foram ainda objecto de estudos adequados.
Pretendo, apenas, chamar a atenção para esse outro lado do problema, que é o da possibilidade (ou impossibilidade) de as mulheres trazerem à vida colectiva o contributo social e cultural - que é o seu - e que os mecanismos asfixiantes da cultura masculina dominante continuam a menosprezar, quando não a bloquear.
Dou apenas um exemplo, talvez o mais óbvio e irrefutável.
Condição indispensável para uma paridade real entre homens e mulheres seria a equação, em termos razoáveis, da partilha das responsabilidades privadas e públicas por todos os cidadãos.
Ora acontece que em Portugal, como aliás na mataria dos países, o espaço da vida familiar continua inteiramente confiado às mulheres. São elas, salvo raríssimas excepções, as gestoras e as executoras da quase totalidade das tarefas domésticas. Trabalham em casa e fora de casa. Servem os patrões, os maridos e as filhos. Aumentam a máquina de produção e a do consumo. Têm horários de emprego, mas não têm horários de trabalho. Em tais condições, como esperar das mulheres na esfera pública - da operária à professora universitária, da dactilógrafa à gestora de negócios outra atitude que não a adaptação, mais ou menos conformista, face às exigências do mundo co trabalho?
As análises mais recentes sobre o contributo específico das mulheres nas várias profissões silo unânimes em constatar, não só a apropriação pelos homens do produto do trabalho feminino, como a própria incorporação pelas mulheres, de valores e padrões de comportamento profissional masculinos.
Que quererá isto dizer?
Que as mulheres não têm uma visão própria do mundo e da vida a trazer à organização t gestão dos interesses públicos?
Não será preciso recorrer aos exemplos das sociedades ditas «matriarcais» para provar o contrário. Em todas as épocas, segregadas ou não, as mulheres souberam criar uma cultura própria, sem a qual o equilíbrio e o bem comum da vida em sociedade não teriam sido possíveis. Que essa cultura possa, hoje, afirmar-se no exercício de novos poderes: esse o desafio que nos é colocado neste fim dê milénio, que é também o limiar de uma nova etapa de civilização.
Na era da complexidade, face aos problemas da ingovernabilidade com que os Estados se confrontam, ninguém negará que são os próprios modelos de organização política e .social que estão postos em causa. Ora, são esses modelos, até agora dominados pela componente cultural masculina, que urge questionar.
Falar, hoje, da necessidade da emergência de uma nova cultura feminina não é, pois, uma reivindicação unilateral das mulheres. É uma exigência do próprio devir histórico, em que a paridade na afirmação dos valores próprios de cada sexo se torna imperativa, se queremos construir um mundo onde homens e mulheres se sintam melhor.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, o desafio colocado só tem uma resposta: há que libertar o potencial criador das mulheres e dar-lhe espaço de expressão na vida pública.
Fala-se e escreve-se hoje sobre a necessidade de «feminizar o poder». Não para excluir os homens, mas para humanizar as sociedades.
As provas estão dadas: não haverá desenvolvimento humano global e autêntico enquanto perdurarem a discriminação e a invisibilidade que impedem a manifestação dos valores, visões do mundo, modos de dizer e de criar do universo cultural feminino.
Esses valores têm a ver com um outro equilíbrio entre a razão e a afectividade, entre a técnica e o bem-estar, entre a afirmação própria e a solidariedade.
Faço a esta Câmara a justiça de presumir que a procura deste novo equilíbrio é projecto, não só do Grupo Parlamentar Socialista mas de todas as deputadas e deputados que se identificam com a construção de um país e de um mundo mais fraternos.
Só assim poderemos celebrar, em anos futuros, a «igualdade inédita», porque respeitosa das diferenças e capaz de se enriquecer com elas, que a década de 80 soube antever mas não conseguiu praticar.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr.ª Presidente, a minha interpelação visa pedir autorização, não só à Sr.ª Presidente como à Mesa, para as deputadas do Partido Socialista, num gesto de maior cordialidade para com a maioria masculina do que aquele que eles revelaram para com a minoria feminina, entregarem uma rosa, que tem um valor simbólico neste dia.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, não consta da ordem do dia, mas penso que uma rosa nunca se recusa.
Aplausos gerais.
Neste momento, deputadas do Grupo Parlamentar do PS distribuem rosas aos presentes no Hemiciclo.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Deputada Assunção Esteves.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr.ª Presidente - e hoje o vocativo é no feminino -, Srs. Deputados: Vem o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata associar-se à iniciativa desta Assembleia no âmbito da comemoração do Dia Internacional da Mulher.
Neste momento, a Deputada Independente Helena Roseta aplaude mulheres que se encontravam nas galerias destinadas ao publico e que se preparavam para as abandonar.
Protestos do PSD.
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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito o favor de fazerem silêncio, a fim de que possamos continuar a sessão. De contrário, serei obrigada a interrompê-la.
Sr.ª Deputada Assunção Esteves, queira retomar a palavra.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Vem o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata associar-se à iniciativa desta Assembleia no âmbito da comemoração do Dia Internacional da Mulher.
Não é bem uma comemoração rítualista: a afirmação dos direitos da mulher denota sempre uma ligação aos fundamentos da própria democracia.
Com efeito à abolição do voto censitário e a consecução dos objectivos dos movimentos sufragistas do século passado, de alargamento do direito de voto às mulheres, alcançaram a realização prática da ideia iluminista do sufrágio universal e de uma república de cidadãos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Presto aqui a minha homenagem às sufragistas que no fim do século passado e no início deste século contribuíram para o alargamento da ideia de democracia: Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Angelo são nomes a lembrar entre outros.
É patente que a inibição cívica e cultural é p estigma dos sistemas sociais e políticos caracterizados pela ausência de liberdade. Recordemos que em Portugal só nos finais da década de 60 foi reconhecido às mulheres o direito de voto.
A menoridade cívica de qualquer membro da comunidade, homem ou mulher, seja qual for a ideologia ou credo que professe, é a negação da própria ideia de república no seu sentido kantiano, da própria ideia de universalidade como princípio legitimador da decisão política. (Pois não definiu Kant o iluminismo como a saída do homem da menoridade a que vinha sendo votado?)
Mas não foi apenas no plano dos direitos de participação política que o movimento contra as discriminações reais de base sexista teve lugar: O reconhecimento da liberdade de profissão e do livre acesso a cargos públicos, a eliminação de discriminações salariais prosseguiram a luta iniciada no século XIX em direcção ao reconhecimento da plena cidadania das mulheres.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - A grande alavanca de todo este processo é, sem dúvida, o alargamento do ensino a todas as camadas da população. Como disse Elina Guimarães, ele opera como que uma espécie de «feminismo tácito», é um meio privilegiado de consecução de direitos iguais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - É que a cultura forma a opinião, contribui para a consciencialização individual e colectiva dos direitos, soma-se à decisão legislativa democrática como facto propulsor.
A ideia iluminista de «opinião pública racicionante» como substrato da ideia de democracia seria por si incompatível com o obscurantismo e a não escolarização da população feminina.
Um outro momento significativo, na nossa história recente, é o da consagração jurídica da igualdade e não discriminação com as alterações ao código civil de 1966.
As velhas disposições discriminatórias que subalternizavam a mulher dentro e fora do casamento caíram face aos princípios da nova ordem constitucional. Foi um trabalho de transformação, em especial no direito sucessório e de família, a que se ligaram o labor e a inteligência de uma mulher a quem cabe aqui prestar homenagem: Isabel de Magalhães Colaço, e também a uma outra, Elina Guimarães, que há muitos anos atrás, através dos seus escritos constantes, preparou este movimento de reformas.
Aplausos gerais.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: É manifesto que os fundamentos filosóficos e históricos do reconhecimento da plena cidadania das mulheres e a abolição das discriminações não são realizados por via de um discurso auto-segregador, maniqueista, que sobretudo nos anos 70 deu forma a um novo corporativismo.
Porque só em democracia se tomam os «direitos a sério» e em particular os direitos das mulheres.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Porque só a democracia assenta no reconhecimento, dos direitos a sua própria legitimidade.
Porque só a democracia contém todas as virtualidades de luta contra a discriminação.
Porque só a democracia tem como paradigma ético o respeito dos espaços de liberdade.
Aplausos do PSD.
Assente que é nos direitos fundamentais, o discurso democrático é, assim, inseparável daquele que defende para as mulheres um estatuto de plena igualdade, é o seu suporte fundamental, a negação da lógica e da eficácia de qualquer posição automarginalizante.
A realização pessoal é cívica das mulheres é assegurada, em primeiro lugar, no quadro da defesa das instituições democráticas dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, dos princípios estruturantes da Constituição democrática.
Em segundo lugar, pressupõe uma sociedade civil descomprimida, apta a criar espaços de realização que proporcionem a todos condições de plena igualdade.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A realização plena dos direitos das mulheres coincide com uma sociedade evoluída, com a consolidação das esferas de autonomia, com os princípios de justiça e civilidade.
Enquadra-se na linguagem mais vasta de todo o conjunto de direitos, ordena-se à matriz de legitimação da própria democracia.
Afinal, é um dos desideratos da fórmula sagrada que, um dia Rawls definia, na sua teoria da justiça como «liberdade entre iguais».
Aplausos do PSD, do PS e do CDS.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do Projecto de Deliberação n.º 33/V, que
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visa a criação de uma subcomissão permanente para a igualdade de direitos e participação da mulher, constituída por um elemento designado por calda grupo parlamentar.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados Independentes Raul Castro, João Corregedor da For seca e Helena Roseta.
A Sr." Helena Roseta (Indep): - Sr.» Presidente, peço a palavra para comunicar que entregarei na Mesa uma declaração de voto por escrito.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar amanhã, dia 9, às 15 horas, com período de antes da o ordem do dia e do período da ordem do dia constará a discussão da Proposta da Lei n.º 84/V, que autoriza o Governo a estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Francisco Mendes Costa.
Jaime Gomes Milhomens.
José Mendes Bota.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Helena de Melo Torres Marques.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo Brito.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
José Manuel Antunes Mendes.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Deputados Independentes:
Maria Helena Salema Roseta.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues Azevedo.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dós Santos.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
António Silva Mota.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
O REDACTOR: José Diogo.
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