Página 1939
l Série - Número
Sexta-feira, 31 de Março de 1989
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE MARÇO DE 1989
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de deliberação n.º 40/V, dos projectos de lei n.ºs 374/V e 375/V e da Resolução n.º 15/V.
Procedeu-se à discussão e votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 85/V - Autoriza o Governo a legislar sobre o aproveitamento dos recursos geológicos -, que foi aprovada, e do projecto de lei n. º 372/V (PCP) - Lei de Bases dos Recursos Geológicos e do Uso do Subsolo -, que foi rejeitado.
Intervieram no debate, a diverso titulo, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho) e do Sr. Secretário de Estado da Energia (Nuno Ribeiro da Silva), os Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), lida Figueiredo (PCP), José Sócrates (PS), Casimira Pereira e Mário Maciel (PSD), Narana Coissoró (CDS) e Barbosa da Costa (PRD).
A Câmara discutiu e aprovou, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 277/V (PS) - Incompatibilidades dos Membros do Governo e 278/V (PS) - Incompatibilidades (Alteração do Estatuto dos Deputados) -, 31O/V (PSD) - Define o conceito de dedicação exclusiva do mandato de deputado e regulamenta a sua aplicação -, 312/V (PCP) - Moralização do exercício do mandato de deputado - e 314/V (PRD) - Incompatibilidades e impedimentos dos deputados, tendo intervindo, a diverso titulo, os Srs. Deputados Alberto Martins (PS), Narana Coissoró (CDS), Carlos Encarnação (PSD), Herculano Pombo (Os Verdes), António Guterres (PS), Jorge Lemos (PCP), Mário Raposo (PSD), Rui Silva (PRD), Ferreira de Campos (PSD) e Jaime Gama (PS).
Foram ainda aprovados os projectos de deliberação n.ºs 132/V e 36/V da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que criam as Subcomissões Permanentes da Cultura Física e do Desporto, da Cultura e da Ciência e Tecnologia, 38/V (Comissão de Economia, Finanças e Plano) - Cria a subcomissão permanente para a análise dos assuntos relacionados com a indústria, o comércio e o turismo - e 40/V (Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente) - Cria a subcomissão permanente para as iniciativas sobre novos municípios, freguesias, vilas e cidades -, tendo sido rejeitado o projecto de deliberação n.º 34/V (PRD) - Cria a Subcomissão Permanente para apreciação das bases de financiamento do sistema de segurança social.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.
Página 1940
1940 I SÉRIE - NÚMERO 56
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria Assunção Andrade Este vês.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chencerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Página 1941
31 DE MARÇO DE 1989 1941
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Socrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Deputados Independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero colocar aos grupos parlamentares uma questão relativa a uma alteração que pretendemos na ordem de trabalhos estabelecida para a sessão de hoje.
Para isso gostava de ouvir a opinião dos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, segundo informação que me foi prestada, não haveria objecção à inversão dos pontos da ordem do dia, embora isso possa acarretar, no que diz respeito às inscrições para efeitos de uso da palavra, alguns ajustamentos decorrentes do facto de não estar nas nossas previsões o facto de ser o primeiro ponto.
Tendo em conta que isto pode ocorrer e tendo em conta a flexibilidade necessária induzida por esse facto, não objectaríamos a alteração.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esse ponto é fácil, só que há uma solicitação adicional que é um tudo nada mais complexa, mas que também julgo que não irá colocar nenhumas dificuldades.
Para obtermos o acordo completo com alguma flexibilidade das inscrições como se apontou, ainda é necessário que as bancadas se autolimitem na redução dos tempos disponíveis para a proposta de lei e o projecto de lei relativos aos recursos geológicos e uso do subsolo.
Por outro lado, essa autolimitação terá de ser mais das bancadas não autoras das referidas iniciativas do que das que são autoras das mesmas, designadamente do Governo e do Partido Comunista Português.
Página 1942
1942 I SÉRIE - NÚMERO 56
Julgo que este acordo também é possível, embora a solicitação que me foi posta, tivesse sido no sentido de reduzir os tempos disponíveis para dez minutos. Mas quero ouvir o Sr. Deputado António Guterres, visto que foi o Partido Socialista que levantou essa objecção.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, temos algumas dificuldades por causa das pessoas que temos escaladas para falar e dos seus próprios compromissos, o que tornaria para nós impossível o debate do primeiro ponto da ordem de trabalhos, se ele ficasse demasiadamente para o fim da tarde.
Por isso, a nossa proposta é no sentido de aceitarmos a troca com a condição de termos como base a grelha F para o primeiro ponto, embora aceitando que o Governo e o PCP possam ultrapassar um pouco esse limite, mas sem cair na grelha D que nos parece excessiva. Se isso for possível, pela nossa parte não nos oporemos à troca.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi nessa linha que também falei e julgo que toda a gente está de acordo...
Pausa.
Não estão?
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Ex.ª equacionou a questão tendo em atenção que há partidos proponentes e partidos que não apresentaram iniciativas legislativas.
reio que essa diferenciação é inevitável, mas pela nossa parte a grelha F é insuficiente, porque desde logo a intervenção na qual fundamentamos a nossa iniciativa legislativa excede, só por si, esse tempo.
A flexibilização é possível, no entanto em parâmetros mais folgados do que a grelha F e essa é a nossa sugestão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a minha posição também é como a do Sr. Deputado António Guterres que, desde logo, admitiu que o Governo e o partido proponente tivessem mais tempo.
Penso que o acordo está estabelecido e, como tal, vamos dar início aos nossos trabalhos.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar-nos conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: o Projecto de Deliberação n.º 40/V, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente - Criação de uma subcomissão permanente para as iniciativas sobre novos municípios, freguesias, vilas e cidades; o Projecto de Lei n.º 374/V, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria lida Figueiredo e outro, do PCP - Elevação da povoação de Fanzeres, no município de Gondomar, à categoria de vila - que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; o Projecto de Lei n.º 375, da iniciativa do Sr. Deputado António da Silva Mota e outro, do PCP - Elevação da vila de Gondomar a cidade - que foi igualmente admitido e baixou à 5.ª Comissão; e a Proposta de Resolução n.º 15/V - Aprovação para adesão à convenção relativa à criação de um instituto universitário europeu - que também foi admitida, baixando à competente comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho que a indicação dos requerimentos que foram apresentados seja lida na próxima sessão, assim como a votação da constituição das subcomissões permanentes seja feita ou logo à tarde ou na próxima sessão.
Srs. Deputados, vamos iniciar o debate da Proposta de Lei n.º 85/V - Autoriza o Governo a legislar sobre o aproveitamento dos recursos geológicos - e do Projecto de Lei n.º 372, da iniciativa do PCP - lei de bases dos recursos geológicos e do uso do subsolo.
O Sr. Secretário de Estado da Energia (Nuno Ribeiro da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por vezes o sector extractivo surge ainda no imaginário dos portugueses como uma área de actividade em decadência, onde o investimento não tem futuro e o trabalho é mal recompensado e pouco dignificado.
É esta a imagem que o Governo pretende alterar de forma decidida, criando condições para a dinamização das actividades viáveis e julgo que é já possível vislumbrar alguns sinais, que vão no sentido de confirmar o carácter moderno e de futuro do sector extractivo em Portugal.
A exploração dos recursos geológicos, sendo recursos não renováveis, coloca a necessidade de garantir um correcto equilíbrio entre os interesses dos agentes económicos envolvidos e a obrigação de o Estado salvaguardar um racional aproveitamento dos mesmos.
Este aspecto aponta para o conhecimento dos recursos existentes no território nacional, passíveis de utilização económica, associado a uma criteriosa definição das condições em que se deverá desenvolver a sua exploração, nunca esquecendo que o nosso país, apesar da sua dimensão territorial, dispõe de uma elevada dotação de recursos para satisfação de necessidades em matérias-primas, quer para as indústrias nacionais, quer para o mercado externo.
O progresso das nações é fortemente dependente das matérias primas minerais e não se vislumbra que esta situação venha a sofrer alteração profunda.
A indústria mineira, enquanto fornecedora de matérias-primas de base, tem um papel fundamental na economia nacional.
Com a adesão à Comunidade Europeia de Portugal e da Espanha verificou-se uma significativa ampliação da base de recursos comunitárias, com importantes jazigos conhecidos e considerável potencial de descoberta de outros. Mas para que este esforço seja efectivo tem que se basear em explorações economicamente viáveis.
Importa pois que a Comunidade seja levada a definir uma política mineira comum que tenha como preocupação central a salvaguarda da sua indústria, em moldes competitivos e tecnologicamente avançados.
As metalurgias da CEE não podem apoiar uma política aventureira de mercados selvagem nas matérias-primas, sob pena de arruinarem a indústria mineira comunitária e de se entregarem à dependência de países terceiros no fornecimento de matérias-primas.
Os principais vectores da política do Governo para o sector extractivo estão definidos.
Sendo certo que o Estado não se poderá alhear das actividades de prospecção e pesquisa conducentes à revelação das potencialidades nacionais em recursos
Página 1943
31 DE MARÇO DE 1989 1943
geológicos - depósitos minerais, recursos hidro-minerais, recursos geotérmicos, massas minerais e explorações de nascente - tem sido preocupação dominante do Governo assegurar a participação dos agentes económicos do sector extractivo no reconhecimento da existência de uma base de recursos nacional que há que valorizar continuamente.
Assim, no domínio da prospecção e pesquisa, a política do Governo para o sector extrativo vem incidindo em dois vectores fundamentais: na dinamização das actividades de cartografia geológica e hidrogeológica para uma cobertura do País adequada ao bom aproveitamento e valorização dos recursos; e no desenvolvimento das acções de inventariação e valorização dos recursos, pelo Estado e pelas empresas que são estimuladas a assumir um papel cada vez mais activo.
Quanto à actividade produtiva propriamente dita - exploração dos recursos - é de registar que existem cerca de 1300 concessões atribuídas das quais apenas 100 - e sublinho este aspecto - se encontram em actividade, ficando tal desvio a dever-se também ao quadro legislativo que actualmente está em vigor. Este permitiu manter, durante largos anos, situações não justificadas de suspensão de lavra, cuja correcção vem exigindo um sério esforço da administração, através da avaliação e classificação de tais situações. Tal conduziu à detecção de cerca de 600 casos de suspensão de lavra não autorizada, o que constitui motivo de reflexão e determina a acção dinâmica da administração na negociação dessas explorações.
Como principais vectores da política do Governo na exploração dos recursos minerais deverão ser referidos:
A promoção da exploração racional e o adequado dimensionamento das unidades produtivas, possibilitando a aplicação de novas tecnologias com vista ao aumento da competitividade; o reforço das relações de interligação com a indústria, a juzante, garantido a satisfação das necessidades de consumo interno e a criação de condições que conduzam, progressivamente, à transformação dos recursos e ao consequente aumento do valor dos produtos extraídos; o apoio técnico e financeiro às empresas do sector extractivo, com especial incidência na concessão de incentivos para instalação ou modernização de unidades produtivas e no financiamento da manutenção das minas em actividade suspensa; defesa persistente dos interesses nacionais, - em colaboração com os próprios agentes económicos do sector -, em fóruns internacionais onde se encontram representados países produtores e consumidores de produtos minerais, com particular relevo para a nossa intervenção activa no âmbito do funcionamento das instâncias comunitárias.
Esta política vem conduzindo a certos resultados importantes para a defesa dos interesses nacionais que quero sublinhar.
Em primeiro lugar, no domínio dos sulfuredos complexos, houve avanços decisivos no sentido de o País assumir a posição de relevo no espaço europeu, atendendo ao volume e importância dos recursos já conhecidos e do potencial de ampliação que ainda existe. O arranque da produção, durante o ano de 1988, no Couto Mineiro de Neves Corvo, é bem a prova do que se afirma. Também o arranque da exploração do estanho que está a ser alvo de um investimento na ordem dos 8 milhões de contos, corresponderá a uma valorização de uma matéria-prima nacional, que permitirá receitas na ordem dos 25 milhões de contos/ano.
O projecto de produção de concentrados (PPC) de Aljustrel que está a ser alvo de investimentos na ordem dos 11 milhões de contos e que arrancará em 1990/91, passando esta empresa a comercializar concentrados de cobre, zinco, chumbo e prata.
Os sectores da exploração e transformação de rochas ornamentais representam hoje também uma importante realidade económica, pois envolvem mais de 600 empresas com um volume global de emprego de cerca de 10 mil trabalhadores.
O prosseguimento do desenvolvimento da mina da Panasqueira, uma das raras minas de tungsténio e a maior em actividade no mundo ocidental, com o projecto de preparação de novo nível de extracção e a melhoria do processo de concentração que garante o futuro da mina.
No urânio estamos a forçar a activação dos mecanismos EURATOM previstos no respectivo Tratado, visando a colocação da produção interna no mercado europeu e a sua adequada valorização num mercado que se encontra em situação de baixa para os países produtores.
As minas de ouro e prata de Jales estão em fase de relançamento, através de novos trabalhos de preparação e traçagem, a par de estarem a surgir alguns resultados promissores em outras áreas do País na pesquisa destes materiais - ouro e prata.
Vou, de seguida, dar alguns indicadores sobre o sector.
O conhecimento das características macroeconómicas da indústria extractiva revela-se indispensável para a compreensão do impacto que o futuro enquadramento legal irá ter no conjunto do sector.
O contributo da indústria extractiva para os indicadores macroeconómicos, não diverge hoje em Portugal substancialmente do de outros países europeus.
Contudo, não será de mais afirmar que a importância deste sector resulta fundamentalmente, por um lado, da garantia da estabilidade de abastecimento que proporciona a um leque diversificado de importantes indústrias transformadoras a juzante e, por outro lado, do papel que desempenha no desenvolvimento sócio-económico das regiões em que se localizam.
Perspectiva-se uma considerável modificação no quadro evolutivo da nossa indústria extractiva, nomeadamente no contexto europeu, onde assumiremos o papel de líderes na produção de cobre, estanho e tungsténio e posição relevante no urânio, zinco e prata. Assim, de país importador de metais de base, passará Portugal à condição de importante exportador.
Quanto aos minérios não metálicos, prevê-se a continuação da expansão das rochas ornamentais - onde Portugal atingiu a segunda posição a nível mundial, com 15% do mercado -, bem como também a expansão dos mercados na área das águas minerais e de mesa.
Sobre a necessidade de um novo enquadramento legislativo, as potencialidades da nossa industria extractiva, o seu peso na economia portuguesa e a evolução tecnológica verificada ao longo dos anos constituem por si só razões suficientes para que se conclua pela natural inadequação à realidade das soluções consagradas na antiquada legislação em vigor que, parte dela, vem de 1920 e, portanto, para que seja aconselhável a sua substituição por novo quadro legal.
Página 1944
1944 I SÉRIE - NÚMERO 56
Com efeito, não poderemos deixar de concluir que a problemática actual da prospecção, pesquisa e exploração dos nossos recursos geológicos pouco tem que ver com a realidade subjacente à formulação da legislação ainda hoje vigente no nosso país.
Se tivermos em conta os progressos realizados na prospecção, pesquisa e revelação das volumosas reservas de sulfuretos compostos na faixa piritosa do Alentejo e os avanços tecnológicos verificados no aproveitamento económico das substâncias neles contidas; se não esquecermos como os mármores portugueses têm alargado, de maneira notável, os seus mercados e assim como têm obtido assinalável êxito na substituição das exportações em bloco e em bruto pelos mármores em obra, de muito maior valor acrescentado; se estivermos atentos à expansão e valorização das nossas águas minerais nos mercados externos; se não nos alhearmos do desenvolvimento que se vem verificando no aproveitamento dos fluídos naturais quentes; e se considerarmos que a eficaz protecção do ambiente implica necessariamente, entre outros aspectos, a exploração e uso racionais dos recursos geológicos; chegaremos à conclusão que urge transformar o quadro legislativo actual.
A longa experiência acumulada sob o domínio dessa legislação, permitiu detectar numerosas lacunas e dificuldades dela emergentes, bem como identificar os acertos e complementos necessários, de que sublinho alguns:
É anacrónica a possibilidade, ainda hoje consagrada na lei do livre registo nas câmaras municipais, como fonte de direitos para a prospecção e pesquisa, (quer sobre depósitos minerais, quer sobre águas minerais), livremente transmissíveis); a impossibilidade de intervenção do Estado, em casos notoriamente justificados e na defesa do interesse público, sobre transmissões e hipotecas de direitos conferidos por alvarás de concessão de exploração; o fraccionamento de um mesmo jazigo por campos de exploração subdimensionados em resultado dos limites máximos de áreas de concessão ainda hoje legalmente fixados; a dificuldade, para a administração pública, na eliminação de situações de lavra suspensa, por vezes associadas a negócios especulativos em face dos direitos legalmente conferidos aos concessionários; a ausência do instituto de «exploração provisória» experimental, hoje apenas contemplada para os jazigos de quartzo e feldspato; a inexistência de qualquer legislação sobre águas mineiro-industriais; a ineficaz protecção dos recursos hidrominerais contra as possibilidades de deterioração da sua qualidade por factores de poluição ou ocupação do solo; a quase inexistente regulação legal do aproveitamento dos recursos geotérmicos; a necessidade de proceder a ajustamentos pontuais no quadro legal regulador da exploração de massas minerais; a desactualização conceptual, técnica e legal do regime aplicável às águas de nascente.
Estas insuficiências de carácter legal vêm representando, a par da impossibilidade de uma mais eficaz e racional gestão dos recursos, uma enorme sobrecarga burocrática para a administração, sempre que esta é chamada à necessidade da aplicação de mecanismos de excepção com vista a suprir as lacunas enunciadas, o que acontece com excessiva frequência, nomeadamente através do recurso à publicação de múltiplos diplomas legais.
No âmbito da nova legislação, a aprovar nos exactos termos da autorização legislativa, ora solicitada a esta Assembleia, a figura do contrato administrativo constituirá o instrumento jurídico de base na estipulação dos direitos e obrigações das partes.
Com a autorização legislativo inicia-se a construção de um novo edifício jurídico que assenta numa maior especialização do regime aplicável a cada tipo de recursos, sem prejuízo das normas gerais definidas para todos eles.
Seguir-se-á a elaboração de um regime jurídico de base, extensível a todos os sub-sectores, e depois seis regulamentos específicos, para os depósitos minerais, para as massas minerais, para as águas minerais, para as águas de nascente, para as águas minero-industriais e recursos geotérmicos.
Considera o Governo que a urgência, o número e a especificidade das inovações a introduzir, muitas das quais exigindo um profundo e rigoroso debate técnico, a efectuar em sede própria, justificam plenamente a solução preconizada e que constitui o fundamento do pedido desta autorização legislativa formulado à Assembleia da República.
Com este edifício jurídico, ao que se juntará para breve um novo Regulamento de Higiene e Segurança nas Minas, bem como nova legislação sobre concessão de direitos de prospecção, pesquisa e exploração de petróleo, Portugal passará a dispor de um moderno e eficiente quadro legislativo para todo o sector extractivo, que tanto dinamismo e potencialidades têm no nosso país.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se entre nós alunos da Escola Secundária da Ribeira Grande dos Açores. Penso ser a primeira vez que temos alunos açoreanos nesta Assembleia e para eles peço a vossa saudação.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Herculano Pombo, Ilda Figueiredo, José Sócrates e Casimiro Pereira.
Tem a palavra o Sr. Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Secretário de Estado, é para nós inquestionável que o desajustamento, dispersão e as graves lacunas existentes na legislação actual que regula as matérias dos minerais e da indústria extractiva não teriam outra alternativa que não fosse a produção de um verdadeiro edifício legislativo, como o Sr. Secretário de Estado aqui referiu, tendente a regular de forma moderna e eficaz esta vasta problemática.
Quero, no entanto, lamentar o facto de nos ter sido pedido um voto para uma autorização legislativa, sem nos ter sido facultada uma análise directa daquilo que virá a ser o decreto-lei.
É uma pena e talvez isso tivesse evitado estes pedidos de esclarecimento.
De qualquer modo, quero colocar-lhe algumas questões. Como o Sr. Secretário de Estado sabe, apesar de ter referido em último lugar as questões ambientais na série de considerandos que referiu, a lei de bases do
Página 1945
31 DE MARÇO DE 1989 1945
ambiente no seu artigo 14.º, estipula determinadas regras gerais quanto à utilização racional do subsolo e dos seus recursos.
A minha pergunta vai exactamente no sentido de saber de que forma se vai articular a legislação que está prevista ser publicada pelo Governo, com o que existe na referida lei de bases e que, no nosso entender, deve ser a matriz.
Por outro lado, o Sr. Secretário de Estado também afirmou que há que alterar a imagem do sector extractivo e vincar o seu carácter moderno. Apenas quero recordar-lhe aqui, visto que conhece perfeitamente a situação, os conflitos que se têm verificado pela laboração de inúmeras pedreiras com as populações e com os interesses das autarquias, pondo em perigo a segurança das pessoas e a qualidade ambiental - muitas delas perfeitamente legais do ponto de vista das licenças.
Também lhe quero colocar a questão, por exemplo, de como vai implementar a exploração dos riquíssimos recursos de urânio e se vai, ao mesmo tempo, prevenir efeitos colaterais em termos dos seus impactos ambientais.
Como sabe, ultimamente tem havido uma apetência, digo mesmo, uma cobiça enorme, por parte de prospectores estrangeiros sobre recursos minerais, nomeadamente nas áreas da exploração da prata e do ouro em Trás-os-Montes. Isso tem criado algumas preocupações nas populações daquelas áreas, em termos de saber quem vai lucrar com os nossos recursos, se vai ser o País, se vão ser esses prospectores estrangeiros.
Outra questão está relacionada com a prospecção do petróleo ao largo da nossa costa, pois todos sabemos como a nossa Zona Económica Exclusiva tem, neste momento, falta de protecção quanto a acidentes de derrames e de outra natureza. Como irão ser acautelados estes acidentes, intensificando uma exploração petrolífera na plataforma?
Por fim, quanto à questão das águas minero-medicinais e dos fluídos líquidos com temperaturas aproveitáveis para outras explorações, como é que a legislação vai regulamentar o facto de existirem inúmeras fontes, umas completamente desaproveitadas, outras sujeitas a sobre-exploração e outras ainda já a ser desaproveitadas, porque há sobre elas águas de drenagens e efluentes, ou de situações como a que aconteceu recentemente nos Açores, com a má utilização dos recursos geotérmicos que provocou o desfazer da composição do solo e que terá tido consequências irreparáveis. Como é que nesta legislação se prevê o encarar destas situações?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Secretário de Estado, a primeira questão que quero colocar-lhe refere-se ao pedido de autorização legislativa. Porquê um pedido de autorização legislativa sobre uma matéria tão importante como esta relativa aos recursos geológicos do nosso país, quando é sabido, como disse e como o pedido também refere, que há legislação antiquada, caduca e há uma situação que também precisa de ser alterada e devidamente clarificada.
Porque não apresentou o Governo aqui uma proposta de lei material, que permitisse um debate aprofundado sobre todas estas questões, tanto mais que se
sabe que há mais de um ano o Governo tem pronto um projecto de decreto-lei sobre esta matéria?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Mas como é sabem isso?! Está tudo sob controlo!...
A Oradora: - Poderia ter enviado esse projecto à Assembleia da República, mas preferiu usar um pedido de autorização legislativa.
Não lhe parece, Sr. Secretário de Estado, que este problema não devia ser encarado desta forma e que o Governo deve ainda fazer chegar aqui o projecto de decreto-lei que tem pronto, para que a Assembleia o possa ter em conta no debate que está a realizar?
O Governo está ou não disponível para esse envio? Pela nossa parte, como é sabido, já demos a nossa participação, apresentando um projecto de lei de bases sobre este problema, ou seja, sobre o aproveitamento da exploração dos recursos geológicos.
Mas quero ainda colocar-lhe outras questões: o que tem a dizer quanto à implementação de um projecto próprio de metalurgia do cobre, já que as reservas de cobre que temos deviam ser preferencialmente utilizadas com esse fim e não para contratos de venda de concentrados, que têm pouco valor acrescentado, enviados para exportação, nomeadamente para Huelva em Espanha?
Em que estado se encontra o projecto da metalurgia do tungsténio, há vários referido em documentos oficiais, por quanto é sabido que o arranque de uma unidade piloto virado para o aproveitamento de concentrados pobres de volframite e xielite é decisivo para a reanimação de algumas minas, pequenas e médias, que actualmente estão paradas?
Que medidas vão ser tomadas para retoma da laboração de minas de tungsténio e de minas de estanho, da Borralha, de Montezinho e de outras, cuja viabilidade de exploração foi recentemente confirmada por um estudo técnico e cuja importância é por demais conhecida, nomeadamente para o desenvolvimento regional das zonas em que estas minas se inserem e que poderiam ter um impacto altamente positivo para o emprego, crescimento e desenvolvimento económico dessas regiões.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Secretário de Estado, a questão que gostaria de colocar é no sentido de saber qual a justificação que o Governo encontra para pedir uma autorização legislativa à Assembleia. O pedido de uma autorização legislativa deve ser a excepção e não a regra, e a verdade é que na intervenção que V. Ex.ª fez não encontrei nenhuma razão forte que justificasse o pedido de autorização legislativa. Antes pelo contrário, de toda a sua intervenção decorre a importância deste assunto no contexto da economia nacional.
Já que o PCP apresentou um projecto de lei de bases, tal deveria constituir um desafio para o Governo, no sentido de apresentar também aqui um projecto de lei de bases sobre este assunto tão importante, como o Sr. Secretário de Estado referiu, para que esta questão fosse debatida, participada e, eventualmente, contasse com contributos por parte de outras bancadas
Página 1946
1946 I SÉRIE - NÚMERO 56
para que se definisse um quadro legal, genérico e global que contasse com a participação de todos.
Portanto, não encontrei nenhuma resposta para esta questão. Assim, peço desculpa por insistir neste aspecto - aliás, como os restantes deputados das outras bancadas -, pois gostaria que fosse explicada a razão da utilização do recurso da autorização legislativa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Pereira.
O Sr. Casimiro Pereira (PSD): - Sr. Secretário de Estado, na exposição de motivos deste pedido de autorização legislativa refere-se que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/82, de 14 de Junho, permitiu melhorar o panorama desordenado que se verificava anteriormente no que respeita a pedreiras. Com efeito, neste diploma definia-se o que eram pedreiras e onde deveriam estar estabelecidas, assim como a necessidade de, quanto às suas explorações, haver, tanto quanto possível, a recuperação paisagística, a reposição do solo, etc.
Passados sete anos da entrada em vigor deste diploma, considera o Sr. Secretário de Estado que a situação actual é satisfatória quanto a estes objectivos? Pessoalmente penso que não! Aquilo com que deparamos, a cada espaço, é com enormes feridas na paisagem e com uma degradação muito grande dessa mesma paisagem.
Assim, gostaria de saber se o Governo tenciona ou aproveitar o facto de se estar a mexer na legislação, no sentido de garantir um melhor controlo destas situações, por forma a que se obvie esta situação tão lamentável.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia que dispõe de cinco minutos.
O Sr. Secretário de Estado da Energia: - Sr. Deputado Herculano Pombo, ao longo do documento em questão existem várias referências fazendo alusão às preocupações com os impactos ambientais, nomeadamente sobre um dos aspectos que foi referido e que nos preocupa bastante, que é o facto de alguns recursos hídricos poderem estar a ser alvo de afectação por parte de uma gestão menos correcta do solo. Assim, no último parágrafo da página 4 existe uma alusão explícita, onde se diz o seguinte: «... ainda a protecção dos aquíferos contra a poluição e o controlo das actividades, construções e obras que possam prejudicar a qualidade das águas, que se não encontra eficazmente delineada na actual legislação, exigindo ajustamentos, etc».
Sr. Deputado, a lei de bases do ambiente parece-nos ser relativamente genérica e insuficiente para especificar matéria tão concreta como é exigido nos diferentes regulamentos que se façam para os vários subsectores, como pedreiras, minas, águas minerais, águas mineromedicinais, geotermia, etc.
Portanto, a lei de bases do ambiente é demasiado genérica e será necessária uma legislação bem mais miúda e específica que, como disse, deve ser desenvolvida em sede própria evitando até que exista um desprimor para as competências que a administração reuniu nesta matéria.
Sr. Deputado Casimiro Pereira, em 1988 o Governo publicou, pela primeira vez, um diploma concreto sobre as preocupações do impacto ambiental com as explorações de pedreiras e de outras actividades no sector extractivo. Foi o Decreto-Lei n.º 196/88 que teve por objectivo começar a disciplinar de uma maneira gradual, portanto, em diálogo formativo e didáctico com os empresários, a forma de as explorações se fazerem, minimizando o impacto ambiental.
É um facto que necessitamos de desenvolver estas explorações, porque nos facultam matérias-primas fundamentais para toda a indústria a juzante das cerâmicas e de toda a construção civil, mas também é verdade que a exploração não pode ser feita de uma forma selvagem. Por isso mesmo, o Governo tevê a preocupação de legislar com o Decreto-Lei n.º 196/88, que, pela primeira vez, estabeleceu um suporte jurídico que permitiu à Direcção-Geral de Geologia e Minas ter outra capacidade de diálogo com os empresários.
Julgamos que, desde que o decreto-lei em questão foi implementado, os resultados obtidos foram positivos. Existem já vários casos que testemunham isso, mas temos consciência de que tal vai ser um processo gradual de aprendizagem e sensibilização dos agentes económicos que laboram neste sector.
Um dos aspectos que vai ser contemplado agora neste rearranjo do sistema jurídico do sector extractivo é precisamente o «pegar» nas várias peças soltas que foram sendo produzidas desde os anos 20, onde, nomeadamente se enquadra a legislação sobre as questões ambientais, que era manifestamente insuficiente por nessa altura haver falta de sensibilidade para este tipo de problemas, assim como em relação a muita outra legislação solta sobre esta matéria, fazendo um rearranjo que permita uma maior coerência, por forma a ser mais completa toda a regulamentação para a generalidade do sector extractivo.
Portanto, prevemos «pegar» no que foi o acréscimo de regulamentação que foi sendo produzida a partir dos anos 20, dar-lhe forma, complementar as lacunas, actualizar os aspectos que estão anacrónicos e, desta forma, ficar com uma legislação moderna e adequada.
No que respeita às questões colocadas pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo relativamente à metalurgia do cobre e do tungsténio, não pensei referir aqui esse aspecto, porque o tempo é limitado e porque se trata de uma área que não está directamente ligada ao sector extractivo. Porém, estou absolutamente disponível para, em qualquer oportunidade dizer o que estamos a fazer sobre a metalurgia do cobre, do tungsténio, do estanho, assim como em relação a outras áreas do sector de primeiro nível de transformação.
Relativamente às minas com lavra suspensa, quero recordar que foi por iniciativa do anterior governo que se promoveu e prosseguiu uma estratégia que permitisse ultrapassar a conjuntura desfavorável que a área do estanho e do tungsténio estavam a viver.
O Governo tem ainda, neste momento, um trabalho em curso que prevê a reanimação das quatro minas com lavra suspensa, pois há alguma viabilidade de estas poderem vir a ser reanimadas, assim, como existe um programa que está a ser organizado com a participação dos empresários do Governo e de apoios comunitários.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministros dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?
Página 1947
31 DE MARÇO DE 1989 1947
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para sensibilizar V. Ex.ª e a Câmara no sentido de me permitir usar a palavra para completar a resposta do Sr. Secretário de Estado, no que respeita às razões que levaram o Governo a apresentar uma proposta de autorização legislativa e não uma proposta de lei substantiva.
Devo ainda informar que solicitei dois minutos ao PSD, que me foram concedidos.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a Mesa apercebeu-se que o PSD concedeu dois minutos ao Governo. O pedido de V. Ex.ª no sentido de dar explicações à Câmara já tem precedentes, é razoável pelo que lhe concedo a palavra Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, visto o Sr. Ministro já se encontrar no uso da palavra V. Ex.ª fará a interpelação no final.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em resposta às questões suscitadas pelas bancadas da Oposição, quanto à oportunidade da apresentação de uma proposta de lei de autorização legislativa, a resposta já foi dada mais de cinquenta vezes nesta Câmara por mim próprio a propósito de variadíssimas outras iniciativas. Aliás, como a resposta é simples e repetitiva, não me vou alongar.
Em primeiro lugar, porque o Governo tem, indiscutivelmente, essa competência constitucional e regimental e é o único juiz, no sentido de optar, caso a caso, pela modalidade que deve presidir à apresentação do diploma a esta Casa.
Em segundo lugar, porque se o Governo não apresentasse uma proposta de lei de autorização legislativa devido à especificidade e complexidade do diploma, como neste caso e outros similares, isso exigiria um trabalho muito demorado em sede de comissão e não seria aprovado com a celeridade que, apesar de tudo, é justo aqui registar e de que tem beneficiado o tratamento das suas matérias.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas porque é que não mandou a proposta de lei com o projecto de decreto?!...
O Orador: - Se assim não fosse, Sr.ª Deputada lida Figueiredo, que disse designadamente na sua intervenção, que o PCP deu uma contribuição muito positiva a este debate com a apresentação de uma proposta, necessariamente substantiva, dir-lhe-ei muito obrigado pela vossa participação, mas ela tem oito dias, chegou-nos às mãos ontem e o Sr. Secretário de Estado só a pôde estudar hoje.
Portanto, a vossa participação dá-me um pouco a sensação de que foi a «reboque» - desculpe a expressão, mas foi essa a impressão com que fiquei a propósito da vossa iniciativa!
Para além disso, daqui até cerca do dia 15 de Junho, ou seja, até ao final desta sessão legislativa, o Governo terá mais uma reunião plenária em que poderá agendar diplomas da sua iniciativa, o que é manifestamente pouco.
Srs. Deputados, não tomem as minhas palavras como crítica à celeridade com que a Assembleia da República analisa os diplomas. Na verdade, não se trata de nenhuma crítica, pois isso é normal, faz parte do processo de trabalho da Assembleia, mas os Srs. Deputados têm que compreender que isso nem sempre se compadece com o grau de urgência com que o País espera a actividade legislativa do Governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo para interpelar a Mesa, como há pouco solicitou.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Presidente, há pouco solicitei a palavra para fazer uma interpelação à Mesa que, do meu ponto de vista tinha prioridade sobre o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Porém, é o Sr. Presidente quem decide!...
O meu pedido de palavra dizia respeito à condução dos trabalhos. Embora não tenha nada a opor a que fosse dada uma explicação por parte do Governo creio que o Sr. Presidente acabou de inaugurar uma nova forma de orientação dos trabalhos quando concedeu a possibilidade de resposta a uma pessoa que não foi inquirida. Na verdade, ninguém solicitou esclarecimentos ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, mas sim ao Sr. Secretário de Estado e, portanto, parece-me pouco curial que tenha sido o Sr. Ministro a responder.
Contudo, o Sr. Presidente conduzirá os trabalhos como bem entender! Apenas quis alertar para o facto!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em primeiro lugar, devo dizer que no momento em que V. Ex.ª solicitou a interpelação à Mesa estava um agente parlamentar no uso da palavra, no caso vertente o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e, portanto, não devia ser interrompido.
Em segundo lugar, a verdade é que quando concedi a palavra ao Sr. Ministro eu próprio referi que já havia precedentes nesse sentido. Aliás, nesta Casa já se verificou o mesmo a pedido não do próprio Governo, neste momento não me recordo quem foi, para fazer como que uma complementação da posição do Executivo sobre a matéria em debate.
De resto, creio que uma boa percepção do que é um ministro dos Assuntos Parlamentares - e não me compete a mim estar a definir o que é que deve ser - leva, logicamente, à utilização de um esquema dessa natureza. Se se tratasse de um ministro de uma outra pasta, nesse caso o problema colocar-se-ia; porém, tratando-se do ministro dos Assuntos Parlamentares é diferente! Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate de hoje é da maior relevância. Está em causa o aproveitamento e a defesa de importantes recursos geológicos do nosso país, designadamente a sua prospecção, pesquisa e exploração.
É que, ao contrário do que por vezes é afirmado, Portugal não é um país pobre de recursos naturais,
Página 1948
1948 I SÉRIE - NÚMERO 56
designadamente no domínio mineiro. Pela sua importância económica e estratégica, pela dimensão e até pelo alto nível de qualidade das reservas existentes, merecem destaque as pirites (incluindo cobre, zinco, chumbo, ouro e prata), o tungsténio, o ferro, o urânio e o estanho. São particularmente importantes as reservas de cobre, zinco e estanho de Neves-Corvo, que assumem uma importância mundial, como bem o sabe a transnacional Rio Tinto Zinc. Temos reservas de cobre estimadas em mais de 3 milhões de toneladas de metal contido, reservas de tungsténio superiores a 55 mil toneladas de metal contido, reservas de zinco superiores a 8 milhões de toneladas de metal contido e reservas de urânio superiores a 10 mil toneladas.
De minério de ferro temos reservas estimadas em mais de 600 milhões de toneladas em Moncorvo, o que daria para alimentar durante anos uma indústria siderúrgica integrada nacional.
Portugal detém o mais importante lugar a nível da Europa Ocidental quanto ao nível das reservas de pirite, minérios de cobre e de tungsténio, quanto ao ferro, que tem a segunda posição, e quanto às reservas de urânio, Portugal detém o 3.º lugar.
Outras substâncias minerais, embora em menor valor estratégico, existem em grandes quantidades, como sejam diversas rochas e minerais não metálicos para as indústrias cimenteira, químicas de base e metalúrgicas, de que são exemplo os dolomitos, o quartzo, o feldspato, o sal-gema, o caulino, o gesso, os calcários, etc.
Isto significa que Portugal possui riquezas minerais de grande valor económico, constituindo uma das bases objectivas que podem possibilitar o desenvolvimento independente e sustentado da economia portuguesa, apesar de ser manifestamente insuficiente o inventário das nossas reservas das diferentes substâncias minerais, designadamente minerais energéticos, minerais metálicos e não metálicos e rochas industriais. À medida que avança o conhecimento geológico do País, bem como a prospecção, vão sendo evidenciados novos e, por vezes, valiosos jazigos. Foi o caso da descoberta de minérios cupríferos em Neves-Corvo em 1977 e dos importantes jazigos de estanho, urânio e tungsténio, para só referir alguns casos relativamente recentes.
Creio ser consensual o reconhecimento da necessidade de aprofundamento do conhecimento das infra-estruturas geológicas dos jazigos já evidenciados, reapreciando e actualizando os modelos geológicos respectivos, de forma a obter novas orientações de pesquisa, o que obriga a sondagens profundas a que muitas empresas fogem, limitando-se a maximizar os lucros no mais curto prazo, mantendo-se desconhecido o desenvolvimento dos jazigos em profundidade e, por vezes, comprometendo-se o seu melhor aproveitamento.
Por outro lado, a completa falta de articulação entre o sector extractivo (particularmente nos subsectores dos minerais metálicos) e a indústria transformadora nacional tem contribuído para que a exploração de parte significativa dos nossos recursos mineiros seja feita com o objectivo de exportação. Mas o que é mais grave é que os produtos exportados são-no em formas com pouco valor acrescentado, normalmente apenas como concentrados de substância mineral, sendo exportados para países industrializados onde vão ganhar a parte substancial da valorização.
Entretanto, a falta de política para o aproveitamento racional dos recursos das minas pequenas e médias que predominam em Portugal tem conduzido ao seu encerramento ou a dificuldades de exploração, apesar da importância da sua exploração para o desenvolvimento de várias regiões do interior do País, como Trás-os-Montes, Beiras e Alentejo.
É, pois, fundamental um verdadeiro plano mineiro de médio e longo prazo e a sua articulação a planos económicos globais. Logo, cabe ao Estado um papel destacado e dirigente em termos de salvaguarda dos interesses nacionais para desenvolver o conhecimento científico e técnico, designadamente geológico-mineiro, formando e ampliando o corpo de cientistas e técnicos portugueses, ficando com o conhecimento directo dos recursos nacionais e, portanto, em melhor posição para negociar as condições de concessão e exploração, nos casos em que não tenha condições para a desenvolver directamente, impedindo assim que Portugal se transforme num mero fornecedor das matérias-primas, de baixo valor acrescentado para os países industrializados, ou que fique na total dependência da estratégia das multinacionais.
É neste contexto que não se entende a posição governamental. Quando devíamos estar aqui a discutir as diferentes propostas, as várias vias a seguir, o Governo opta por um pedido de autorização legislativa, tentando impedir um debate sobre estas questões de fundamental importância para o desenvolvimento do nosso país, situação tanto mais grave quanto é conhecido que há mais de um ano está pronto um projecto de decreto-lei que o Governo não enviou à Assembleia da República. Quanto a esta questão, Sr. Ministro, fica claro que o problema não é a falta de tempo, mas sim a de o Governo não querer sujeitar a debate na Assembleia da República uma proposta de lei substantiva sobre esta questão.
Há, pois, que clarificar as razões efectivas deste pedido de autorização legislativa. Porque não o substitui o Governo por uma proposta de lei? Porque não envia ainda hoje ou nos próximos dias à Assembleia da República o projecto de decreto-lei que está pronto?
É esta a estratégia governamental para impedir um debate sério e profundo sobre algumas recentes medidas com graves implicações no desenvolvimento do País?
Em relação a algumas questões que há pouco coloquei, o Sr. Secretário de Estado disse que estaria disponível para um debate sobre elas - metalurgia do cobre, do tungsténio, etc -, mas que neste momento não dispunha de tempo. Mas então, Sr. Secretário de Estado, por que não enviar à Assembleia da República o projecto de decreto-lei para travarmos um debate nos próximos dias, nomeadamente em sede de comissão, sobre estas questões? Por que pretende fugir a esse debate?
Será que o Governo não quer clarificar as razões do adiamento da decisão sobre o desenvolvimento de um projecto próprio da metalurgia de cobre, enquanto vai comprometendo a sua implementação a curto e médio prazo ao avaliar compromissos da SOMINCOR que envolvem a venda de milhões de toneladas de concentrados de cobre, por 15 anos, a vários países estrangeiros, incluindo a Espanha (Huelva) onde a Rio Tinto Zinc dispõe de uma metalurgia de cobre? Não será essa a razão de não ser implementada em Portugal rapidamente uma metalurgia do cobre?
Página 1949
31 DE MARÇO DE 1989 1949
Ou o que o Governo pretende é evitar um debate sobre a necessidade de meios humanos e técnicos, nomeadamente na Direcção-Geral de Geologia e Minas a quem cabe não só o papel fiscalizador das explorações mineiras, mas também um papel decisivo na elaboração da cartografia geológica do País, através dos Serviços Geológicos de Portugal, a prospecção e inventariação dos nossos recursos, através do Serviço de Fomento Mineiro, e ainda a investigação tecnológica aplicada à indústria extractiva? É que não é fácil o Governo explicar como concilia as funções da Direcção-Geral de Geologia e Minas com os repetidos e agravados cortes orçamentais que inviabilizam projectos calendarizados no plano de actividades da direcção-geral remetendo os seus cientistas e técnicos para meras funções burocráticas nos gabinetes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela parte do Grupo Parlamentar do PCP tudo fizemos para que o debate incidisse sobre uma proposta legislativa material e não apenas sobre meras declarações de intenção. Foi por isso que apresentámos o Projecto de Lei n.º 372/V - lei de bases dos recursos geológicos e do uso do subsolo. É uma proposta de trabalho que apresentamos à reflexão do Governo e dos Srs. Deputados.
Este projecto de lei do PCP caracteriza-se no fundamental pelos seguintes aspectos inovadores.
Estabelece os princípios gerais a que se deve subordinar a prospecção, pesquisa e exploração dos recursos geológicos nacionais e outros bens naturais do subsolo e da Zona Económica Exclusiva, cuja utilização importa acautelar.
E nesta perspectiva que o projecto de lei do PCP inclui recursos e bens geológicos que extravazam a arrumação tradicional na legislação portuguesa e no próprio pedido de autorização legislativa. É devido a esta concepção que incluímos os recursos hídricos subterrâneos em geral (e não apenas as águas minerais, como tem sido usual), os hidrocarbonetos líquidos (petróleo) e gasosos (gás natural combustível) e as grutas cársicas.
O projecto de lei assenta no princípio de que a exploração dos recursos geológicos portugueses deve visar, preferencialmente, a satisfação das necessidades internas da indústria transformadora.
É assim que defendemos que cabe ao Estado um papel fundamental no processo de reconhecimento geológico do território nacional e da inventariação dos recursos, promovendo o aproveitamento das reservas em subordinação a um plano nacional de aprovisionamento dos recursos geológicos de médio e longo prazo, de forma a assegurar uma gestão racional das riquezas naturais não renováveis.
Prevê algumas medidas disciplinadoras da instalação e actividade dos grupos estrangeiros na exploração de substâncias minerais estratégicas e dá particular atenção à suspensão ilícita das concessões e à exploração em lavra ambiciosa, prevendo-se nesses casos a rescisão do contrato.
Considera que em toda a actividade de exploração dos recursos geológicos e dos bens naturais do subsolo e da Zona Económica Exclusiva se aplicam os princípios da lei de bases do ambiente.
Pensamos, assim, dar um contributo objectivo para o debate. Esperamos que o Governo reconsidere a sua posição e envie à Assembleia da República a proposta de lei material que possibilite na comissão um debate na especialidade, tendo por base as duas iniciativas legislativas, de forma a garantir que a Assembleia da República assuma cabalmente as suas funções legislativas em assunto tão importante como este que está em debate sobre os recursos geológicos nacionais.
O que nos motiva, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a defesa do interesse nacional e o aproveitamento dos nossos recursos naturais no interesse dos portugueses e de Portugal.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia.
O Sr. Secretário de Estado da Energia: - Sr.ª Deputada lida Figueiredo, havendo uma sensibilidade tão grande por parte do PCP no interesse do aproveitamento dos recursos extrativos, como é que justifica que só depois de o Governo apresentar este pedido de autorização legislativa o PCP se lembre que também há que apresentar um projecto de lei em relação a esta matéria? Se havia tanta sensibilidade para apresentar esse diploma, porque não o fizeram antes?
Como é se podem meter no mesmo «saco» todos os recursos hídricos e águas subterrâneas, grutas, minas, pedreiras, metalurgia do cobre, do tungsténio, portanto, o primeiro sector de transformação da área industrial?
Afinal, qual é o papel da administração pública e dos competentes funcionários a que a Sr.ª Deputada fez referência que existem na Direcção-Geral de Geologia e Minas, nos Serviços Geológicos de Portugal e no antigo Fomento Mineiro - aliás, devo dizer que no quadro actual da Direcção-Geral de Geologia e Minas já não há essas referências?
Sem querer entrar nos aspectos específicos do projecto de lei que o PCP apresentou, como é que a Sr.ª Deputada pensa que alguma vez haveria empresas e entidades interessadas em fazer a prospecção e a pesquisa se nem sequer se garante o direito à concessão de exploração às entidades que investem e têm um elevadíssimo risco na prospecção e pesquisa? Por esse caminho poderíamos ter a certeza de que, por exemplo, Neves-Corvo nunca tinha sido descoberto.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada lida Figueiredo pretende responder já ou no final dos pedidos de esclarecimentos?
O Sr. Ilda Figueiredo (PCP): - No final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, em primeiro lugar, quero manifestar a minha admiração por V. Ex.ª estar tão bem informada sobre a circulação de documentos internos do Governo. Aliás, já não me espanto, mas, neste caso, V. Ex.ª está enganada. É normal que, quando o Governo apresenta uma proposta de lei de autorização legislativa à Assembleia da República, tenha um esboço, no mínimo, um anteprojecto que possa ter uma maturação de um ano, ou mais, sobre
Página 1950
1950 I SÉRIE - NÚMERO 56
o decreto que pretende aprovar no caso de lhe ser concedida autorização legislativa. Isso é normal! Agora, não está ainda em estado definitivo. Dependerá, de resto, das condições da própria autorização legislativa que nos vier a ser concedida.
Por outro lado, Sr.ª Deputada, é pura demagogia dizer que o Governo...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Deixe-se disso, Sr. Ministro!
O Orador: - Sr s. Deputados, é pura demagogia vir dizer que o Governo pretende eximir-se ao debate de uma matéria que não nos traz qualquer dificuldade - como, de resto, estamos convencidos que vai verificar-se brevemente -, já que pelo facto de apresentarmos uma autorização legislativa e não uma proposta substantiva, não nos estamos a eximir ao debate. Porventura, V. Ex.ª não debaterá as vírgulas, mas sim a substância. De resto, está pormenorizado na proposta de lei o enquadramento fundamental daquilo que pretendemos aprovar.
Sr.ª Deputada, estamos perfeitamente disponíveis para que a proposta de lei de autorização legislativa desça à comissão, como sugere, e que aí seja feito o debate. Insisto que não será um debate sobre a vírgula, mas um debate sobre os grandes princípios que devem informar esta iniciativa legislativa.
Não se espante nem dê como exemplo a questão da indústria extractiva, porque não faz parte do objecto deste diploma, tal como, aliás, o turismo. É normal, não faz pane do seu objecto!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, peço-lhe desculpa mas a indústria está aqui! Foi um lapso seu!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e Sr. Secretário de Estado, começando pela questão das iniciativas apresentadas pelo Governo e pelo Grupo Parlamentar do PCP, devo dizer que o Governo só agora apresenta um pedido de autorização legislativa, ou seja, só há cerca de um mês!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A 16 de Fevereiro!
A Oradora: - Um mês e poucos dias, Sr. Ministro!
Isso é do conhecimento de todos, embora o Sr. Secretário de Estado numa entrevista recente a um jornal tenha dito que tinha várias iniciativas legislativas em estado de maturação a propósito destas questões. Foi o Sr. Secretário de Estado quem o referiu ainda recentemente numa entrevista a um órgão da comunicação social que eu tive o cuidado de ler.
Para além disso, é sabido, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, que algumas dessas iniciativas estão já em fase muito adiantada e a pergunta que se põe é esta: por que é que só agora é entregue a esta Assembleia um pedido de autorização legislativa? Por que não o envio de uma proposta de lei substantiva? Ò PCP fê-lo e fez mais do que o Governo.
«Foi só agora» - diz o Sr. Secretário de Estado. É verdade. O PCP fê-lo só agora, mas apresentou um projecto de lei substantivo sobre toda esta área, mais vasto, inclusivamente, do que o pedido de autorização legislativa do Governo, isto é, abrange toda a questão dos recursos geológicos e do uso do subsolo bem como da Zona Económica Exclusiva.
O PCP teve condições para fazê-lo. O Governo não teve condições e, pelos vistos, ainda hoje não tem condições para apresentar à Assembleia da República, pelo menos - como tem sido habitual noutros debates sobre pedidos de autorização legislativa - os projectos de decreto-lei que estão em fase adiantada de maturação, como acabou de dizer o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Essa é a questão que devia ser reconsiderada e em que insistimos.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, vamos então discutir em sede de comissão não só o pedido de autorização legislativa mas, pelo menos, esses projectos de decreto-lei no estado de maturação em que se encontram, para podermos ver até onde vai o Governo e para podermos compará-los com a iniciativa legislativa que o meu grupo parlamentar apresentou.
Assim, sairá da Assembleia da República um diploma legislativo, o mais completo possível, que dignificará o nosso trabalho, permitindo que esta Câmara assuma plenamente as suas competências.
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, é este o desafio que lhes lanço neste debate!
As outras questões...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Depois não se fazia a revisão constitucional!
A Oradora: - Sr. Ministro, como bem sabe, a comissão pode funcionar independentemente do debate da revisão constitucional no Plenário.
Pela nossa parte, Sr. Ministro, há toda a disponibilidade para que se faça, com a maior celeridade, esse trabalho. Espero que o PSD tenha a mesma posição - e julgo que a tem -, no sentido de dar uma maior celeridade aos trabalhos da comissão para o debate desta questão.
Por isso, envie-nos os projectos de decreto-lei que tem e pode ter a certeza que, pela nossa parte, tudo será feito para que, num curto prazo, haja uma resposta positiva por parte da Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Intervenho apenas para manifestar, por parte da minha bancada, o acordo no que respeita à intenção deste debate e à necessidade de harmonizar e definir um quadro legal e genérico, do tipo de lei de bases, sobre uma matéria tão importante como são os recursos geológicos. Necessidade essa que resulta, por um lado, da importância que o assunto tem no contexto da economia nacional e, por outro lado, da necessidade de actualizar e modernizar a legislação existente que é, reconhecidamente,
Página 1951
31 DE MARÇO DE 1989 1951
obsoleta, de modo a ter em conta as novas realidades, as novas técnicas e os novos recursos.
De facto, a protecção e a potenciação dos interesses nacionais exigem, da parte da administração, um cuidado muito especial que permita a determinação das riquezas naturais do território português, as condições da sua exploração, a definição do papel que a indústria extractiva deve ter no contexto da economia nacional, assim como a questão do equilíbrio ecológico que são sempre questões muito sensíveis neste domínio e que nem sempre são fáceis de resolver.
Quero também dizer que estamos de acordo com os princípios gerais que acompanham o pedido de autorização legislativa, pois são matérias de teoria geral com a qual o PS tem estado de acordo. Além disso, há muito tempo que achamos que era preciso definir, de uma vez por todas, um quadro legal, de forma a permitir que o Estado tenha uma intervenção mais ousada e permanente na defesa dos interesses nacionais.
No entanto, gostaria de aproveitar a intervenção para discordar das razões explanadas pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares quanto ao pedido de autorização legislativa. Não estou de acordo com os argumentos invocados. Não estou de acordo com a tentativa de pôr em alternativa a questão da eficácia versus a questão do debate. Acho que a democracia - como o Sr. Ministro reconhecerá - exige o debate, a participação e o diálogo. Portanto, não tem razão de ser a questão da eficácia.
O Governo podia ter apresentado, há mais tempo, uma proposta de lei sobre esta matéria, uma vez que tinha interesse em dialogar com todos os partidos e com todas as bancadas sobre estas questões.
É evidente que o debate está reduzido, porque só podemos discutir aqui os princípios gerais. Como já referi, a minha bancada está de acordo com eles, mas a verdade é que o Governo perdeu uma excelente oportunidade de tornar esta matéria mais consensual e, se calhar - como o tem dito tantas vezes -, de aproveitar alguma coisa, tal como pensamentos, sugestões, experiência e cultura dos diversos partidos no que diz respeito a estas matérias.
Portanto, é pena que o Governo não tenha aproveitado essa oportunidade e, mais do que isso, porque tinha - digamos - o exemplo do PCP que apresentou uma lei de bases, não devia estar agora tão preocupado com a eficácia, mas, sim, em tornar as questões nacionais participadas, debatidas e dialogadas. Tudo isto para que se pudesse fazer uma lei que tivesse os contributos de todos os partidos e para que pudéssemos, finalmente, estar todos de acordo em matéria tão importante como é esta.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, dispondo apenas de um minuto, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado José Sócrates, a sua intervenção, levada às últimas consequências, leva-me a concluir que VV. Ex.ªs defendem que seja retirado do texto constitucional a faculdade que é concedida ao Governo...
O Sr. José Sócrates (PS): - Não!
O Orador: - Então, diga-me em que casos é que o Governo pode apresentar, na sua opinião, propostas de autorização legislativa? É que, se em todas as que apresenta, VV. Ex.ªs sistematicamente - sistematicamente, Sr. Deputado, pode crer, designadamente da sua bancada -, contrariam a forma da iniciativa do Governo, diga-me - para que eu, como ministro dos Assuntos Parlamentares, possa orientar a minha acção e exercer a minha influência junto do Conselho de Ministros - em que circunstâncias é que, do ponto de vista de VV Ex.ªs nos é legítimo e recomendável a apresentação de propostas de lei de autorização legislativa, senão esta discussão repete-se cada vez que o fazemos.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Ministro, é óbvio que não ponho em causa a faculdade constitucional que o Governo tem de utilizar este mecanismo. Isso é óbvio! Agora, o Sr. Ministro não pode pôr em causa a faculdade que tenho de poder criticar isso!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É um abuso!
O Orador: - Numa matéria desta importância isso é muito claro. É um abuso da parte do Governo não querer sujeitar-se a uma discussão de maior profundidade sobre esta matéria. O Sr. Ministro desculpar-me-á, mas tenho de fazer esta crítica ao Governo. Isto é óbvio!
Não me parece que a eficácia governativa ganhe alguma coisa com o facto de não sujeitar uma matéria tão importante a uma discussão mais profunda.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Mas fazem sempre!
O Orador: - Peço desculpa, Sr. Ministro, mas acho que a democracia tem os seus custos e um dos custos é exigir que o maior número de pessoas participe na governação. Isto é, os sistemas autoritários é que permitem que poucos decidam para muitos. Numa democracia todas as pessoas devem participar nas questões que lhe dizem respeito.
Portanto, o Governo deveria, no maior número de questões, sujeitá-las a discussão, a participação e, por isso, naturalmente nas questões importantes - como disse, a minha impressão é que todos os pedidos de autorização legislativa...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado, agradeço, desde já, por me ter permitido a interrupção.
Quero apenas pedir-lhe que saliente quais são as matérias de menor importância em que, na sua opinião, o Governo pode apresentar pedidos de autorização legislativa.
Ao mesmo tempo, peco-lhe um exercício: veja qual foi a incidência percentual de autorizações legislativas
Página 1952
1952 I SÉRIE - NÚMERO 56
apresentadas pelos governos de liderança socialista e compare com a incidência percentual das nossas iniciativas desse cariz.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, acho que isso é descer o nível do nosso debate. Não entro nessa, Sr. Ministro!
Risos do PSD.
Não há catálogo para classificar o que deve ser objecto ou não de uma autorização legislativa. É óbvio!
O que lhe digo, Sr. Ministro é que isto é uma questão demasiado importante para que o Governo utilize a figura do pedido de autorização legislativa e o Sr. Ministro já o reconheceu. O Governo não perdia nada e, pelo contrário perde uma excelente oportunidade de tornar esta matéria cada vez mais consensual a ser alvo de uma crítica que escusava bem de ser vulnerável a ela.
Espero que, no futuro, o Governo, pelo menos nas questões que são mais ou menos consensuais tome a iniciativa de que essas leis sejam debatidas para que todos os partidos possam dar a sua opinião e para que o País conheça a opinião de cada partido. Em conclusão que essas leis tenham o máximo de participação, de forma a aproveitar as diversas sensibilidades e que sendo relativas a tão importantes interesses nacionais que tenham o máximo de diálogo e de debate. O debate é enriquecedor, é importante para a democracia e as leis, a administração e a eficácia nada perdem com elas, antes pelo contrario, ganham.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As legítimas aspirações das sociedades humanas actuais ao progresso e desenvolvimento do seu padrão de vida não pode desligar-se do usufruto racional e criterioso dos recursos naturais, quer biológicos, quer geológicos, que a evolução de milhares de milhões de anos na Terra tem gerado.
Se esta Câmara já tem demonstrado bastas vezes preocupação e sensibilidade para o aproveitamento dos recursos vivos, trata-se hoje de reflectirmos sobre o aproveitamento dos recursos não vivos ou geológicos, dentro de parâmetros que assegurem uma fruição equilibrada pelas gerações actuais. Declaramos, desde já, a nossa aversão à utilização intensiva e desbaratada desses recursos como se os mananciais fossem inesgotáveis e inúteis para as gerações vindouras.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Temos, sim, a convicção de que é possível enquadrar juridicamente e em harmonia com as modernas técnicas de ciência geológica, cuja evolução tem sido vertiginosa, uma exploração racional efectivamente canalizada para a valorização da nossa indústria e num mercado cada vez mais competitivo.
Felizmente, são variados esses recursos. Rochas magmáticas quer plutónicas quer vulcânicas como o granito e basalto, respectivamente; rochas sedimentares como calcários, arguas, areias conglomerados; rochas metamórficas como mármores e xistos; jazidas minerais diversificadas; águas minero-industriais e minero-medicinais, águas de nascente, fluídos geotérmicos que ascendendo na crosta terrestre através do furo e sob a forma de vapor podem gerar electricidade.
E aqui faço um reparo ao Sr. Deputado Herculano Pombo que não está presente e que quis insinuar há pouco, na sua intervenção, de que o projecto geotérmico a levar a cabo na Ilha de São Miguel, nos Açores, tinha falhanços. Devo esclarecê-lo que esse projecto é um sucesso e que vai mesmo cobrir 607o das necessidades energéticas da Ilha de São Miguel.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!
O Orador: - Se ha acidentes de percurso, eles são perfeitamente naturais à luz da ciência geológica e à luz de um projecto que envolve um elevado risco.
Mas continuando, dizia eu que não devemos também perder de vista a múltipla aplicação destes recursos que vai desde a construção civil à decoração cerâmica e artesanato, passando pela medicina curativa termal e inúmeras aplicações industriais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A legislação em vigor sobre a prospecção, pesquisa e exploração de alguns recursos geológicos remonta às décadas de 20 e 30 e mesmo a legislação mais recente de 1976 e 1982 carece de alguns ajustamentos. É fácil, pois, diagnosticar no enquadramento jurídico vigente sintomas de caducidade perante não só os avanços tecnológicos da geologia na detecção, extracção ou captação do recurso geológico designadamente, do subsolo, mas também perante um vector ambientalista de conservação e utilização criteriosa dos recursos naturais e que preocupa qualquer homem sensato no dealbar do século XX.
Permitam-me destacar algumas intenções que serão certamente concretizadas - tranquilizem-se os Srs. Deputados da Oposição - do diploma que sairá da concessão desta autorização legislativa: estabelecer um regime legal e fiscal a que ficam sujeitas as actividades de prospecção, pesquisa e exploração dos recursos; consagrar o contrato administrativo como a figura jurídica adequada à constituição dos direitos de prospecção, pesquisa ou de exploração de recursos integrados no domínio público. Salvaguarda-se, assim a hipótese de rescisão desse contrato pelo Estado quando se constate o não cumprimento das obrigações estipuladas, bem como a punição pela prática de actos ilícitos. Substitui-se assim o antiquado livre registo mineiro municipal como fonte de direitos ao alcance de qualquer cidadão, mesmo o mais inqualificado; assinale-se também a vontade expressa de garantir através dos condicionamentos e proibições a defesa do interesse público na atribuição de licenças; a saúde das populações; o equilíbrio ecológico mediante a reposição paisagística das áreas afectadas pela exploração e protegendo de eventual poluição os recursos hidrominerais e águas de nascente; finalmente, a gestão eficaz dos recursos não renováveis e a quantificação rigorosa das suas reservas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os tempos em que se ajuizava a existência de jazidas minerais pela simples inspecção do terreno e outros métodos empíricos pertencem a compêndios de geologia empoeirados. O estudo da composição e estratificação petrológica e minerelógica da litosfera e todo o conhecimento científico do que a Terra é e do
Página 1953
31 DE MARÇO DE 1989 1953
que ela pode dar em proveito do Homem é actualmente detalhado, complexo e rigoroso, não obstante a dúvida e a pesquisa serem sempre o fermento da ciência.
Urge dar novo enquadramento jurídico a essa problemática e que seja mais aglutinante de conceitos e definições; mais sistematizante de opções e sobretudo mais viabilizante de uma exploração que valorize e rentabilize, à luz dos critérios racionais e razoáveis, os recursos geológicos nacionais.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coisoró.
O Sr. Narana Coisoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de levantar aqui um problema e tentar responder ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares sobre a utilização dos pedidos de autorização legislativa em vez de propostas de lei material.
Disse o Sr. Ministro que o argumento geralmente usado pela Oposição é de que o Governo devia recorrer menos a pedidos de autorização legislativa e mais a propostas de lei materiais. O que levado ao extremo significaria que o Governo nunca poderia apresentar pedidos de autorização legislativa. Ou então, indaga o Sr. Ministro «digam-me a mim em que casos é que o Governo deve apresentar pedidos de autorização legislativa?»
Dá a impressão de que este instituto é um instituto novo e inventado aqui pela nossa Assembleia da República quando o instituto é velho de séculos e representa uma matéria em que já há uma pacifica doutrina que consta dos manuais do Direito Constitucional. Não quer isto dizer que haja soluções tabeladas ou soluções que se possa consultar como num dicionário para saber quando é que se deve ou não usar o pedido de autorização legislativa, pois, acima de tudo está o critério político. Isto ninguém nega! Mas o critério político, porque político é, tem de ser utilizado e o Governo tem de dizer quais os interesses políticos que levaram a adoptar a figura de pedido de autorização legislativa e não a proposta de lei material. Isto é, o ónus da prova pesa sobre o Governo para dizer foram tais os interesses políticos que levaram o Governo a entregar na Câmara um pedido de autorização legislativa a discutir, pelo menos, a bondade destes critérios políticos.
Ora bem, quais são os critérios políticos geralmente apresentados na doutrina? Em primeiro lugar, a celeridade. Quando o Governo quer uma legislação mais expedita, mais célere ou mais consentânea com o seu próprio timing em relação à outra legislação, deve escolher, e escolhe normalmente, a autorização legislativa. Em segundo lugar, as autorizações legislativas são pedidas, por exemplo, nas matérias em que domina mais o critério técnico do que propriamente as opções políticas de fundo, onde não haja grandes clivagens na sociedade e entre a oposição e a maioria, e em que há uma pacífica aceitação de um consenso relativo sobre as soluções propostas pelo Governo. Em terceiro lugar, haverá pedidos de autorização legislativa - e sem querer dar aqui exaustivamente todas as hipóteses - quando, por exemplo, o Governo vem alertar algumas das normas, com base numa experiência já adquirida, e quando não precisa de ouvir a Câmara em toda a sua profundidade, porque, então, servirá, por exemplo - como também noutros casos mas aqui com maior propriedade -, o instituto de ratificação pela Oposição.
Ora, o que sucede é que este Governo, aproveitando-se da maioria, usa e abusa de pedidos de autorização legislativa sem querer dizer à Câmara quais os critérios, os fundamentos ou quais as razões políticas, técnicas ou outras que levaram o Governo a preferir a autorização legislativa à apresentação de uma proposta de lei material. E sobre isso devia haver um debate, que é completamente injustificável se o Governo fizer acompanhar a proposta de autorização legislativa com o próprio texto do diploma, como também sucede muitas vezes. Se a autorização legislativa vem acompanhada de um texto de decreto-lei, naturalmente que estão aí todas as opções, todos os fundamentos, isto é, está tudo para que a Oposição possa saber de que matéria se trata e o que é que está a discutir-se.
Porém, trazer perante a Câmara, Sr. Ministro, com o devido respeito, o pedido de autorização legislativa e esgrimir aqui, como mera forma, de que isto é constitucional, é regimental e não discutir o critério ou os factos políticos que levaram o Governo - eu não ouvi, pelo menos a Câmara não ouviu - a esta escolha e não outra a Câmara não ouviu. Quais os factos políticos que levaram a esta escolha e não a outra? Aceitar um debate, pelo menos, sobre estes fundamentos políticos é que parece que o Governo se refugia atrás do escudo da sua maioria sem querer sequer discutir este problema que já não é formal, mas é importante para a Câmara. Quanto ao caso concreto desta autorização legislativa, entendemos que aqui se trata mais de compilar e actualizar a legislação avulsa e existente sobre a matéria e preencher um ou outro caso omisso que a experiência foi ditando. Não há aqui, pelo menos do ponto de vista do CDS, grande clivagem das opções políticas. Quando muito poderá haver maior ou menor discordância quanto a instrumentos técnicos que o Governo quer utilizar na solução de alguns problemas. Mas isso é com os especialistas - e para isso estará mais indicado o processo de ratificação onde pode, expeditamente, discutir-se com o Governo quais os melhores instrumentos em face daqueles que foram por de avançados - e porque não há esta grande diferença política, quanto às soluções de fundo avançadas pelo Governo, pois trata-se mais da actualização, revisão, rectificação e compilação de legislação avulsa existente, não se nos afigura vantajoso negar a autorização legislativa ao Governo.
Votamos a favor deste pedido de autorização legislativa sem que isso signifique qualquer confiança política, como faz a maioria e é seu dever dar-lhe, mas significa meramente de que concordamos em que este é um dos casos que, na doutrina, justifica o pedido, por isso não votaremos contra.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos e solicito que seja o mais breve possível, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Com certeza, Sr. Presidente, vou ser brevíssimo.
Apenas intervenho porque certamente o Sr. Deputado Narana Coissoró não ouviu a minha intervenção num dos pedidos de esclarecimento que aqui produzi.
Página 1954
1954 I SÉRIE - NÚMERO 56
De facto, referi claramente num deles as razões políticas, se assim quiser, que levaram à apresentação de uma proposta de lei de autorização legislativa. V. Ex.ª anunciou quatro critérios...
O Sr. Narana Coisoró (CDS): - Entre outros!
O Orador: - ... que, em sua douta opinião, podem justificar a apresentação de propostas de lei de autorização legislativa. Porém, o que há pouco disse é que estamos de acordo com três delas, que coincidem com as que V. Ex.ª referiu. São elas: a celeridade, a tecnicidade relativa e a inexistência de fracturas graves ao nível da substância deste diploma.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coisoró deseja responder?
O Sr. Narana Coisoró (CDS): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tem esta Câmara para apreciação a Proposta de Lei n.º 85/V que autoriza o Governo a legislar sobre o aproveitamento dos recursos geológicos e o Projecto de Lei n.º 372/V, do PCP, relativo à lei de bases dos recursos geológicos e do uso do subsolo.
Há, contudo, uma questão prévia que também o Partido Renovador Democrático, não pode, mais uma vez, deixar passar em claro. É que mais uma vez vem o Governo apresentar à Câmara um pedido de autorização legislativa para uma matéria de tão grande e significativa importância para o País e, ainda por cima, com um articulado que apenas define grandes princípios. Fica a ideia de que o Governo conhece bem os problemas, a exposição de motivos encontra-se bem fundamentada, mas, mais uma vez, pretende esconder à Assembleia e ao país, as soluções concretas que pretende adoptar.
Sinceramente, não se encontra explicação para as actuações do Governo face à Assembleia da República que, no mínimo, poderão indiciar um deficiente entendimento do jogo democrático. É que, Srs. Deputados, a proposta de lei em causa, solicitando a dita autorização legislativa, visa substituir legislação com quase 60 anos - a actual lei de minas - e produzir algumas alterações no actual regime de pedreiras que data de 1982.
Fica, por isso, provado que, ao menos desta vez, nem sequer existe urgência.
Poderia, ainda, admitir-se que o Governo não tem pronto o articulado, porque se o tivesse não iria por certo pedir uma autorização legislativa por um período de 180 dias. Sinceramente, não acreditamos nesta hipótese.
Julgamos por isso oportuno que o Governo explique à Câmara a opção tomada.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Conforme se referiu são na generalidade correctos e procedentes os fundamentos justificativos da proposta de lei que visa autorizar o Governo a legislar relativamente ao aproveitamento dos recursos geológicos.
A actual lei de minas, um diploma de 1930, encontra - se reconhecidamente ultrapassada desde há muito. É de crer - embora tal não seja perfeitamente claro no texto da proposta - que, se a autorização legislativa for concedida, o referido diploma venha a ser finalmente substituído pela nova legislação, actualizada e cobrindo um maior número de áreas.
É certo que o livre registo municipal, como fonte de direitos mineiros ao alcance de qualquer cidadão, reflecte ainda conceitos de pioneirismo individual e eventualmente amadorístico, inteiramente anacrónicos, face às realidades tecnológicas e aos requisitos de profissionalismo especializado que a prospecção e exploração mineiras exigem.
É experiência adquirida e negativa, que a concessão de alvarás de exploração mineira transmissíveis, oneráveis e sem prazo, conduz em muitas situações ao bloqueamento da acção do Estado na valorização de recursos naturais integrados no domínio público e, bem assim, que as situações de lavra suspensa vêm, em muitos casos, constituindo inadmissíveis abusos.
Por outro lado, são reais e facilmente reconhecíveis os inconvenientes da limitação imposta às áreas de concessão, as quais hão-de poder determinar-se fundamentalmente, através das características geomorfológicas dos jazigos e dos requisitos técnicos da sua eficaz exploração.
Parece, também, legítima a presunção de que o recurso preferencial à via contratual, aliás já experimentada com êxito em casos de espécie, permitirá muito maior flexibilidade na adequação casuística das condições a observar pelos concessionários à melhor protecção dos interesses gerais em causa.
Reconhecemos, também, como necessário e oportuno preencher as lacunas legislativas no que concerne ao aproveitamento dos recursos hidrominerais, geotérmicos e de águas de nascente.
Somos da opinião que convém melhorar o actual regime de pedreiras, crendo-se todavia que não apenas no tocante às necessidades de defesa do ambiente, mas, também quanto ao aperfeiçoamento das normas que visem garantir a idoneidade técnica e económica da exploração.
Sobre tudo isto, parece não haver dúvidas. Contudo, elas levantam-se quando passamos da exposição de motivos para o articulado da proposta. Aqui, encontramos apenas princípios. É pouco. É necessário saber como vai ser. Sobre isso o Governo nada diz. Mesmo assim, estamos disponíveis, para avançar com algumas dúvidas e sugestões.
O texto não comporta uma referência às medidas de acautelamento da possibilidade de retoma dos materiais depostos em escombreiras ou bacias de estéreis, os quais, em certos casos, podem vir a ser susceptíveis de aproveitamento futuro com base em tecnologias novas ou aperfeiçoadas, para recuperações ou para utilização com outros fins decorrentes das suas características físicas e mineralógicas.
Também não se encontra, no articulado, referência ao previsto alargamento do âmbito de aplicação do regime de exploração provisória experimental, constante da exposição de motivos. É importante fazê-la, acautelando os riscos de abuso deste regime, o qual, se não for selectivamente utilizado e sujeito a fiscalização eficaz, facilmente pode conduzir a práticas de lavra ambiciosa durante o regime transitório e ao termo deste por alegada - e, nesse momento, possivelmente verdadeira
Página 1955
31 DE MARÇO DE 1989 1955
- inviabilidade económica do prosseguimento da exploração de um jazigo entretanto destruído. Impõe-se uma referência que comprometa o Governo a assegurar, por um lado, a inteira transparência processual de selecção e escolha das entidades que virão a ser, com o Estado, panes contratantes na atribuição de direitos de prospecção e exploração de recursos geológicos; e, por outro lado, a garantir a idoneidade técnica e capacidade financeira dessas entidades.
Convirá ainda prever a limitação temporal da aplicação de medidas preventivas e da declaração de áreas cativas pelo Governo para que se não reproduzam, agora, com responsabilidade directa do Estado, os inconvenientes correctamente assinalados às situações de direitos mineiros indefinidamente não exercidos e agravados pela prolongada impossibilidade de utilização para outros fins das referidas áreas.
O Projecto de Lei n.º 372/V, do PCP, também aqui em apreciação, tem pelo menos o mérito, se outros não tivesse, de permitir articular, num conjunto de normas, as disposições que, na sua óptica, deveriam reger tudo aquilo que se reporta aos recursos geológicos e ao uso do subsolo.
De concepção mais globalizante, é relativamente inovador em áreas que se prendem com a problemática da utilização do subsolo com destino final de efluentes domésticos ou industriais, bem como o seu uso para armazenamento de resíduos sólidos perigosos ou, ainda, em questões como a das grutas cavidades cársicas de excepcional valor científico.
Porque entendemos que em questões desta natureza é necessário encontrar os maiores consensos possíveis, não deixando de lado todos os contributos positivos que se ofereçam à discussão, o Partido Renovador Democrático dá o seu acordo à proposta de lei e projecto de lei em apreciação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por encerrado o debate, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 85/V e do Projecto de Lei n.º 372/V, do PCP, relativos a recursos geológicos. A votação far-se-á às 19 horas e 30 minutos, como é habitual.
Vamos agora entrar na apreciação, na generalidade, dos Projectos de Lei n.ºs 277/V (PS) - Incompatibilidades dos membros do Governo -, 278/V (PS) - Incompatibilidades (Alteração do Estatuto dos Deputados) -, 31O/V (PSD) - Define o conceito de dedicação exclusiva do mandato de deputado e regulamenta a sua aplicação -, 312/V (PCP) - Moralização do exercício do mandato de deputado - e 314/V (PRD) - Incompatibilidades e impedimentos dos deputados. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao agendar para esta sessão da Assembleia da República a discussão de dois projectos de lei sobre incompatibilidades dos membros do Governo e dos deputados, o PS teve como objectivo central promover uma opção definitiva, na generalidade, sobre esses projectos, propondo-os à votação, como é de regra regimental.
Inicialmente discutidos na sessão plenária de 17 de Novembro de 1988, pode dizer-se que nessa mesma sessão se sintetizaram os principais argumentos, os quais, na sua diversidade, reconheceram a magnitude deste problema para o regime democrático.
Então, como hoje, não podemos deixar de frisar que a Constituição da República, no seu artigo 120.º (o qual na votação indiciaria de dois terços da Comissão Eventual de Revisão Constitucional mantém o seu conteúdo quase literal), exige uma lei ou leis mediadoras quando refere «A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades».
É certo que o próprio texto constitucional já se refere a incompatibilidades dos membros do Governo e deputados, do Presidente da República e de outro qualquer órgão, assim como o de juiz com quaisquer outras funções.
Ao apresentar estes projectos de lei o Grupo Parlamentar do PS não faz mais do que, com oportunidade, realizar uma exigência constitucional, contribuindo para a clarificação do exercício das funções políticas.
A realização do interesse público e nacional é exercida por órgãos concretos, de soberania alguns deles (e no caso em apreço), os quais são desempenhados por pessoas concretas, cujo estatuto, só por si, as tem de colocar, à partida, à margem da suspeição de parcialidade no exercício das funções do Estado.
É esse essencial objectivo que o estatuto de incompatibilidades apresentado visa: garantir a independência e separação de poderes entre os órgãos de soberania e os seus titulares, e garantir a isenção e imparcialidade na salvaguarda do interesse público.
As funções do Estado têm de se exercer numa situação objectiva de independência não circulando nas mesmas pessoas o interesse do Estado que representam e o interesse privado a que de modo directo ou indirecto estejam associados. A imparcialidade funcional não é uma qualidade subjectiva de um hipotético titular portador de virtudes éticas, mas uma situação objectiva que o regulamento do exercício das funções exige.
As democracias e os seus representantes no seu comportamento e nas suas regras de actuação não podem, ao mesmo tempo, fazer, conservar e executar as leis, e dirigir os negócios públicos de parceria, ou em comissão de serviço, com negócios privados que com estes coincidam.
Ainda que este seja o espírito e a letra de disposições legais vigentes, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 467/79, de 7 de Dezembro, quando diz descritivamente que os membros do Governo devem «cessar todas as actividades profissionais públicas e privadas que venham exercendo à data da posse» há que, no plano legal, de modo nítido, fechar as «janelas» da vulnerabilidade do regime democrático.
A saúde do regime democrático enfraquece-se se continuam abertas «janelas» por onde possam entrar a parcialidade, a suspeição e, no limite, a corrupção. Ou dizendo de outra forma, e para usar uma imagem fiscal: a democracia, porventura, tem de ser isenta do imposto de suspeição que a simultaneidade ou a sequência de exercício de certos cargos públicos e privados acarreta.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A administração pública está obrigada nos termos constitucionais, e por excelência o Governo que a dirige e que nela
Página 1956
1956 I SÉRIE - NÚMERO 56
superintende, ao respeito pelos princípios da justiça e imparcialidade. Não será necessário invocar interpretação idónea para concluir, desde logo, que «a imparcialidade dos membros do Governo impõe-lhes o dever de abstenção de apreciar e decidir em matéria em que tenham interesse pessoal directo ou indirecto e é reforçado com um sistema de incompatibilidades próprio e um estatuto remuneratório especial, onde se acentua que aqueles não podem optar pela remuneração que auferiam pelo exercício dos cargos, público ou privado, que desempenhassem até à tomada de posse das funções governativas».
As iniciativas legislativas que apresentamos, e agora apreciamos, inserem-se neste âmbito e sequência e, por isso, visam no seu escopo essencial a criação de condições à realização da justiça imparcialidade e dedicação as funções no exercício dos cargos políticos e, noutra vertente, à consagração do princípio da igualdade dos cidadãos face à administração pública e aos órgãos de soberania.
É uma exigência da democracia, à qual a crítica social pode dar um contributo decisivo, obviar a que o epicentro do poder se localize num número limitado de decisões executivas que canalizem a sua influência em todas as direcções da política aos negócios ao desporto, aos media e, até, à cultura.
A democracia é policêntrica e é, sobretudo um regime transparente em que a informação clara dos comportamentos e das suas regras não pode conter obscuridades.
É ainda nesse sentido que o projecto de lei, sobre incompatibilidades dos membros do Governo prescreve um período de incompatibilidade temporário, ou impedimento, após a saída de funções de Governo para o exercício de determinadas funções privadas que se situam no âmbito do ministério a que se pertencera.
Tal solução, que não é inovadora na tradição legislativa portuguesa e no direito comparado, visa evitar o trânsito rápido de um ministério do Estado para as empresas que este tutela ou que com ele negoceiem, abrindo assim um inaceitável circuito rápido de favores e negócios encadeados ou, pelo menos, de suspeições legítimas.
Evidentemente que a salvaguarda dos princípios da independência e imparcialidade que constituem restrições explícitas do texto constitucional não podem denegrar o princípio da livre escolha da profissão e acesso à função pública, também ela consagrada na Constituição da República, mas tão-só condicioná-la em medida proporcionada à manutenção do conteúdo essencial desse direito.
Do que se trata de apreciar no diálogo é a conflitualidade entre bens jurídicos constitucionalmente protegidos, é a sua prioridade, ponderação de valores, adequação de soluções aos fins que se visam proteger. Não se diga, por isso que o decurso de um prazo, sem perda de funções, para regressar a certo tipo de actividade privada com as adequadas contrapartidas, corresponde a um limite desmesurado do direito ao livro exercício profissional.
Sem prejuízo de nos disponibilizarmos desde já, para os acertos de especialidade que os projectos apresentados possam merecer, consideramos que eles, no seu todo, sobre esta matéria correspondem a uma exigência fundamental de transparência e verdade do Estado democrático. Verdade esta que não pode continuar a ser comprometida dia-a-dia, quando não seriamente subvertida por uma acção governativa que consiste não em clarificar mas em ocultar, como tem ocorrido com o caso do Ministério da Saúde, o qual vem dificultando os princípios de transparência e as regras de isenção. Os factos demonstram-no, como o demonstra a nota hoje divulgada pela Procuradoria-Geral da República. Dela resulta que informações e resultados de inquéritos vêm sendo sonegados, quer ao conhecimento dos órgãos de controlo político, mas, igualmente, tem sido dificultado o seu acesso aos órgãos encarregados do controlo da legalidade democrática e até do exercício da acção penal, como é o caso do Ministério Público.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não é possível a visibilidade dos actos dos governantes e dos titulares dos cargos públicos se não existirem regras precisas quanto ao conflito entre a representação do interesse público e do interesse privado.
Um titular de um órgão de soberania serve, e representa, por definição, o interesse público.
Nesta matéria não há meios caminhos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Alberto Martins, o primeiro problema que se levanta nesta repartição do debate sobre o Estatuto dos Deputados é que a Assembleia da República, desde o último debate sobre esses mesmos projectos que voltam hoje aqui para discussão deixou-os exactamente no mesmíssimo estado em que se encontravam quando transitaram daqui para a comissão. Isto é, a Assembleia esteve durante quatro meses sem adoptar qualquer acção no mandato que lhe tinha sido outorgado, para fundir ou fazer um estudo preliminar sobre todos esses projectos de modo a obter um consenso.
Toda a gente está lembrada de a bancada da maioria ter dito, pela voz do Sr. Deputado Carlos Encarnação, que faria o melhor para obter esse consenso e que na comissão especializada haveria de se chegar a um desiderato que fosse aceite por todos. Porém, a maioria, impávida e serena, vem hoje sem esse consenso, sem nunca o ter tentado sequer, apresentar e repor, outra vez, debaixo dos olhos dos deputados, os projectos de lei sem que tivesse havido qualquer alteração.
Todavia, os projectos de lei sobem novamente a Plenário numa altura particularmente azada, isto porque estamos a assistir como é que o tráfico de influências entre empresas e membros do Governo, o seu vaivém e rodopio, chamam mais a atenção para a instante necessidade deste problema e também para a necessidade de legislar sobre ele com a maior urgência possível.
Portanto, pergunto ao Sr. Deputado Alberto Martins, como é que justifica esta inércia dos dois grandes partidos. Ou seja, como é que a um, que é o autor da proposta e a outro, cujo concurso é absolutamente necessário para haver a aprovação ou a obtenção dos consensos, foi possível deixar cair no esquecimento todos estes meses, para hoje se apresentarem estes projectos de lei no mesmo estado virginal em que estavam.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, há outros pedidos de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?
Página 1957
31 DE MARÇO DE 1989 1957
O Sr. Alberto Martins (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Como é evidente, não vou responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró, porque as perguntas que fez foram destinadas ao Sr. Deputado Alberto Martins. De qualquer maneira e antecipadamente, gostaria de dizer que o Grupo Parlamentar do PSD está perfeitamente aberto para, em comissão especializada, analisar estes diplomas, depois de votados na generalidade.
Devo dizer, desde já, que a posição do Grupo Parlamentar do PSD, em relação a estes diplomas, é de lhes dar o benefício da dúvida, isto é, de se abster na sua votação e desta forma permitir que baixem à comissão especializada para aí, serena e sossegadamente, encontrar soluções que a todos interessem e a que a todos congreguem.
Porém, antes disto e em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Alberto Martins que com estes diplomas ou com estes projectos de lei apresentados pela Oposição, pareceria que a suspeição e a corrupção terminaria. Penso que assim não é, nem será.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pelo menos até 1991!
O Orador: - Penso que, porventura, a suspeição e a corrupção continuará sempre como uma dúvida, pelos menos a que cai sobre todos os titulares de órgãos de soberania, e temos de estar sujeitos a ela. É mais do que um juízo técnico, é um juízo moral e ético que se repercute sobre as pessoas no exercício das suas funções e que nenhuma legislação, por mais perfeita e completa que consigamos aqui elaborar conseguirá evitar.
Por outro lado, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Alberto Martins se não está disposto a considerar o estudo de incompatibilidades quanto a outros titulares de cargos públicos e não só em relação a membros do Governo. Expressei esta mesma opinião quando discutimos aqui pela primeira vez esta matéria, assim como em outras discussões que tivemos, em outros debates públicos.
Devo dizer que o Grupo Parlamentar do PSD continua a manter esta posição. Ou seja, a de se alargar o âmbito de aplicabilidade destes diplomas a outros titulares que não estão aqui compreendidos e que esses também isso sim - e estou a lembrar-me, por exemplo, dos gestores públicos para não estar a citar outros
-, terão uma grande influência na suspeição generalizada que sobre a sua actividade se exerce.
Em terceiro lugar, queria protestar pelas afirmações que o Sr. Deputado Alberto Martins fez em relação ao Ministério de Saúde.
Devo dizer que os inquéritos têm sido acompanhados pelo Sr. Procurador-Geral da República, pois outra coisa se não infere da nota que foi hoje divulgada pelos seus serviços. Têm sido consecutivamente pedidos e entregues todos os elementos que o Sr. Procurador-Geral da República, no exercício das suas funções, tem solicitado ao Ministério da Saúde. Dizer o contrário disto é dizer a maior das inverdades.
A nota do Sr. Procurador-Geral da República é uma resposta cabal e pela positiva, às insinuações que o Sr. Deputado Alberto Martins aqui deixou expressas. Repito: todos os elementos pedidos tem sido entregues ao Sr. Procurador-Geral da República e nenhum deles foi sonegado, evitado ou escondido.
Se V. Ex.ª, Sr. Deputado Alberto Martins, ler a nota com mais atenção verá que o que digo corresponde inteiramente à verdade ao que aí está escrito.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Alberto Martins, o projecto de diploma que V. Ex.ª acaba de apresentar prevê, no artigo 7.º, que os membros do Governo não possam despachar sobre assuntos que interessem às empresas onde tenham exercido funções durante os três anos anteriores à sua tomada de posse.
O Sr. Narana Coisoró (CDS): - Mas podem ser directores-gerais!
O Orador. - Esta disposição traz-me à memória certos factos de um passado ainda muito recente. Nesse sentido, e porque aqueles factos poderão vir a ter outros desenvolvimentos futuros, pergunto-lhe se, no projecto de diploma apresentado pelo Partido Socialista, existe algum mecanismo que preveja a moralização da função de um qualquer agente do Governo.
Isto é, está previsto algum mecanismo para moralizar esta função de agente político no sentido de que a legislação produzida tenha uma aplicação geral para que esse agente ou a empresa que vier a dirigir não possa vir a beneficiar ilicitamente de determinado tipo de actividade anteriormente exercida e que deseja vir a reassumir, uma vez acabada a sua função ao serviço do Governo?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, respondendo à sua pergunta, devo clarificar que, da parte do Partido Socialista, não há qualquer inércia na sequência normal e processual destes projectos de lei que apresentamos.
Foi o Partido Socialista que tomou a iniciativa de apresentar projectos de diplomas sobre esta matéria e de agenciar a respectiva discussão. Na altura, por iniciativa do PSD, foi proposta a baixa à comissão desses projectos de diplomas no sentido de se obter o consenso possível sobre os mesmos. No entanto, como até hoje não se verificaram resultados palpáveis o Partido Socialista, de novo, concretizou a sua intenção agendando a apreciação destes projectos de lei.
Portanto, se há iniciativa legislativa sobre esta matéria, fica a dever-se ao Partido Socialista.
Respondendo ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, digo-lhe que, naturalmente, uma lei vale o que vale e não ilide os comportamentos de quem se lhe quer furtar nem ilide os factos geradores de suspeições ou os que geram acusações, legítimas ou ilegítimas, de corrupção.
Página 1958
1958 I SÉRIE - NÚMERO 56
Em última instância, essa apreciação não cabe à Assembleia nem aos diplomas. Claro que, por si, a lei pode evitar situações duvidosas - é o que se pretende e, naturalmente, far-se-á -, pode «separar as águas» entre interesses públicos e privados e, como afirmei na minha intervenção inicial, «fechar as janelas» da vulnerabilidade por onde podem entrar «correntes de ar» que, não contendo apenas ar frio, podem ter outros aspectos muitos distintos.
Assim, esta iniciativa legislativa é uma exigência do regime constitucional cuja ausência tornava «manco» o exercício das funções dos titulares de cargos políticos.
Vemos que, hoje em dia, já estão em vigor disposições de incompatibilidades no que diz respeito aos juizes dos tribunais - aliás, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que o Código de Processo Civil até cria o mecanismo específico do incidente de suspeição, para além de criar incompatibilidades óbvias - e relativamente aos titulares de cargos em órgãos de soberania não havia, até agora, quaisquer disposições no mesmo sentido.
Portanto, estes projectos de lei constituem uma benfeitoria de grande alcance e relevância para o regime constitucional.
Naturalmente que, resolvida esta questão dos órgãos de soberania, tal como já o expressámos publicamente e na sequência da concordância que o Sr. Deputado acaba de afirmar, damos todo o nosso apoio e interesse para o estabelecimento de um regime de incompatibilidades dos altos titulares dos cargos públicos. Só não tomámos a iniciativa de apresentar um projecto de diploma neste sentido porque esta matéria exige algum tempo de clarificação, sobretudo porque, agora, as carreiras da Função Pública estão a ser alvo de algumas reestruturações. Assim, é preciso deixar «assentar» esse processo para, depois, se proceder em conformidade.
Quanto ao protesto que o Sr. Deputado fez sobre as minhas afirmações acerca dos inquéritos às actividades do Ministério da Saúde, devo dizer que o ouvi com toda a consideração que o senhor merece mas que ele não tem qualquer fundamento.
Tenho em meu poder uma informação fidedigna da nota do Sr. Procurador-Geral da República e, se me permite, muito rapidamente, passarei a ler três curtos parágrafos dessa mesma nota.
O Procurador-Geral da República anunciou hoje ter pedido terça-feira ao Governo cópia de todos os inquéritos, independentemente do estado em que se encontrem, que envolvam a actividade do Ministério da Saúde...
O Sr. Deputado interpretará este parágrafo como entender...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Se me permite, gostaria de ler de seguida os três parágrafos e, depois, terei o maior gosto em permitir que me interrompa.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, mas peco-lhe que leia o texto todo...
O Orador: - O segundo parágrafo diz o seguinte:
A razão para realizar agora este pedido é justificada pelo Procurador-Geral da República com o facto de terem os órgãos de comunicação social feito, nos últimos dias, abundantes referências ao caso e publicado extractos de um pretenso relatório constante de inquérito realizado pela Inspecção-Geral de Finanças em que são referenciadas questões de índole criminal.
Depois de comunicar as conclusões do estudo à ministra da Saúde, o Procurador-Geral insistiu na necessidade da realização de uma auditoria administrativa e, finalmente, em Agosto, a ministra informou que ia pedir a intervenção, no caso, da Inspecção-Geral de Finanças (...).
Portanto, como o Sr. Deputado pode ver por estes parágrafos, há um acompanhamento muito directo do Procurador-Geral da República que, neste momento, entendeu pedir, com precisão, documentos que não lhe tinham sido facultados.
Para terminar, lembro que o Procurador-Geral da República é o único órgão do Estado que tem a competência do exercício da acção penal. Certamente que isto dirá algo ao Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado já acabou de usar da palavra.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado Carlos Encarnação. De facto, o Sr. Deputado Alberto Martins já esgotou o tempo disponível mas, como ainda não acabou de intervir, o Sr. Deputado pode interrompê-lo.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Alberto Martins, queria pedir-lhe que lesse na íntegra a nota do Sr. Procurador-Geral da República ou que ma desse para que eu próprio a leia.
É que ler apenas três ou quatro pontos esparsos dessa nota servirá, porventura, para tentar provar o que V. Ex.ª afirmou antes, não servirá, com certeza, para tentar provar o que acabei de dizer.
De facto, mantenho o que disse e que é a verdade: o Sr. Procurador-Geral da República acompanhou sempre o inquérito, pediu e obteve todos os elementos que solicitou. Assim, se V. Ex.ª tiver a hombridade de ler toda a nota do Procurador-Geral da República, certamente fará prova do que acabei de afirmar...
Aplausos do PSD.
.... se pelo contrário, ler só partes dessa nota, com certeza não fará prova das minhas afirmações.
Aplausos do PSD.
Página 1959
31 DE MARÇO DE 1989 1959
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, esgotou o tempo de que dispunha, pelo que lhe solicito que termine a sua intervenção o mais brevemente possível.
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, surpreenderam-me um pouco os aplausos de alguns dos seus colegas de bancada, a menos que todos conheçam na íntegra a nota do Sr. Procurador-Geral da República que foi divulgada.
De resto, os extractos que li foram os que considerei necessários para o esclarecer, atendendo ao tempo de que eu dispunha.
No entanto, repito que ao Procurador-Geral da República não foram dadas, em tempo, informações sobre este processo e este facto é inquestionável.
Tenho muito gosto em facultar ao Sr. Deputado a transcrição da informação da nota do Sr. Procurador-Geral da República, transmitida por uma agência noticiosa idónea, em que se verifica que não foram respondidos em tempo os pedidos feitos. Esta é a questão.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Se assim não fosse, não se teria dirigido ao país!
O Orador: - Quanto à questão posta pelo Sr. Deputado Herculano Pombo, apenas direi que constitui uma exigência constitucional que o exercício dos cargos da administração pública - e o Governo é que a dirige - seja levado a efeito com imparcialidade, justiça e com sentido de proporcionalidade e de igualdade, sendo este último um novo requisito fruto das propostas de revisão constitucional que, provavelmente, terá vencimento.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Julguei que era para defesa da honra do Ministério da Saúde!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, também quer intervir? Julguei que também queria defender a honra da minha bancada, gostaria muito que V. Ex.ª se associasse...
Sr. Deputado Alberto Martins, se me facultar a nota que tem em seu poder - certamente o fará, pois a sua delicadeza a isso o obriga -, gostaria de a ler, pois penso que constitui a demonstração mais cabal do que afirmei.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Leia, leia, que é para ficarmos todos a saber, sobretudo, qual foi a «celeridade» da resposta do Ministério da Saúde!
O Orador: - Não lerei só uma parte, mas tudo e devagarinho...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, no quadro em que V. Ex.ª pediu a palavra, embora considerando as questões que foram levantadas e atendendo a que é uma excepção, chamo a sua atenção para um melhor aproveitamento do tempo na leitura do documento.
O Orador: - Sr. Presidente, vou ler o documento e apenas cortar o preâmbulo.
O Sr. José Lello (PS): - Leia também o preâmbulo!
O Orador: - Sendo assim, lerei o documento todo.
De qualquer modo, antes de iniciar a leitura quero deixar claro que já foram retiradas as acusações de sonegação, feitas inicialmente pelo Sr. Deputado Alberto Martins. De facto, agora, o Sr. Deputado diz uma coisa muito diferente, agora já diz que não foram entregues em tempo alguns elementos solicitados pelo Procurador-Geral da República, o que é completamente diverso do que afirmou no início.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Isso é ir sonegando!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Até ser apanhado...
O Orador: - Sr. Deputado, sonegar é evitar o acesso de forma definitiva. É o seguinte o texto da nota:
O Procurador-Geral da República anunciou hoje ter pedido terça-feira ao Governo «cópia de todos os inquéritos independentes do estado em que se encontrem» que envolvam a actividade do Ministério da Saúde.
Este anúncio do Procurador-Geral está inserto num comunicado hoje emitido, referindo que o pedido solicitado já foi atendido pelo Governo e que, num despacho daquele órgão, se «determinou que se procedesse ao exame e estudo dos documentos.
A razão para realizar agora este pedido é justificada pelo Procurador-Geral da República com o facto de terem «os órgãos de comunicação social feito, nos últimos dias, abundantes referências ao caso e publicado extractos de um pretenso relatório constante de inquérito realizado pela Inspecção-Geral de Finanças em que são referenciadas questões de índole criminal».
Historiando o processo, o gabinete do Procurador-Geral da República explica que «em 25 de Fevereiro de 1988, foi recebido na Procuradoria-Geral da República um dossier organizado pela ordem dos médicos com referência à instalação do Hospital São Francisco Xavier».
Os documentos são examinados e o Procurador-Geral comunica à ministra da Saúde, a 16 de Março, as questões suscitadas pelo dossier solicitando elementos convenientes na eventualidade de ser instaurado um inquérito, refere o comunicado.
A 24 de Março, Leonor Beleza informava que estava a decorrer um inquérito do qual enviava prova preliminar, elaborado pela Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde (isto, 8 dias depois do pedido).
A 30 desse mês o procurador comunicou à ministra aguardar os resultados das averiguações, considerando que lhe parecia «insuficiente» o relatório preliminar e sugerindo a intervenção da Inspecção-Geral das Finanças (...).
Página 1960
1960 I SÉRIE - NÚMERO 56
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Então, não foi o Governo!
O Orador: -
(...) Depois de ter recebido em Junho elementos complementares relativamente ao caso, enviados pela ministra, o gabinete do Procurador-Geral elaborou um estudo que concluiu serem insuficientes os resultados do inquérito preliminar da Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde, afigurando-se-lhe necessário o esclarecimento de alguns factos (...)
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -
(...) Depois de comunicar as conclusões do estudo à ministra da Saúde, o Procurador-Geral insistiu na necessidade de realização de uma auditoria administrativa (...)
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - (...) e, finalmente, em Agosto (...)
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Finalmente em Agosto!
O Orador: -
(...) a ministra informou que ia pedir a intervenção no caso da Inspecção-Geral de Finanças.
Refere o Procurador-Geral que, «oportunamente», será tornado público o sentido da decisão que vier a recair sobre o assunto (...).
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: -
(...) Em conferência de imprensa concedida hoje, a ministra anunciou a sua decisão de dirigir uma participação-crime à procuradoria contra responsáveis por acusações «caluniosas, falsas e graves» proferidas no âmbito de excertos do relatório da Inspecção-Geral de Finanças, divulgadas pelos jornais «O Independente» e «Diário de Lisboa».
Sr. Deputado Narana Coissoró, não ouvi agora nenhum «muito bem» de V. Ex.ª?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito mal!
O Orador: - Ah! É um «muito mal»! É que no meio desta leitura já estava a sentir-lhe a falta mas, provavelmente, não disse «muito bem» porque pensa o contrário, isto é pensa uma coisa em relação a alguns dados e pensa outra em relação a outros.
De qualquer das maneiras, em relação ao que acabei de ler, Sr. Presidente, penso que está por demais provado que aquilo que eu disse é verdade, ou seja, que os extractos que o Sr. Deputado Alberto Martins leu não correspondiam inteiramente à verdade que não há sonegação, que não há, por parte do Ministério da Saúde, o evitar de dar informações a quem de direito.
Foi isso que pretendia provar e não mais.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E não provou!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, a leitura que acabou de fazer só por si esclarece toda a questão.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Só é pena que não tenha ficado também esclarecido com a mesma. Se calhar, distanciou-se da leitura que fez!...
Lembrar-lhe-ei apenas dois factos iniludivelmente contidos no texto que acabou de ler.
Primeiro, o impulso do inquérito é do Procurador-Geral da República...
Vozes do PS: - Muito bem!
p Orador: - ..., segundo, uma vez realizado, só foi enviado ao Procurador-Geral da República já depois de ele, sobre esse inquérito, ter notícias na imprensa, depois de ele próprio o ter pedido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto a isto, o Sr. Deputado Carlos Encarnação pode fazer o que quiser, contudo, estes são os factos indiscutíveis e iniludíveis. Esta é a verdade e está contida no texto. Nada mais tenho a dizer!...
Aplausos do PS, do PCP e do deputado Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, a que título é que o Sr. Deputado Alberto Martins interveio? Foi uma intervenção que ele fez, não foi, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação usou da figura regimental do direito de defesa e o Sr. Deputado Alberto Martins deu explicações.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muito obrigado.
O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, as intervenções do Sr. Deputado Carlos Encarnação são tão úteis ao Partido Socialista que nos atrevemos a sugerir que este se inscreva para uma intervenção e que os Srs. Deputados que já estão inscritos aceitem a precedência para que o Sr. Deputado Carlos Encarnação possa continuar a intervir nos mesmos termos em que tem feito até agora.
O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação não pretende fazer uma intervenção, uma vez que não se inscreveu.
Página 1961
31 DE MARÇO DE 1989 1961
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vidigal Amuro (PCP): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PCP fez uma pergunta ao Ministério da Saúde sobre o problema que está em discussão, a fim de esta ser respondida na sessão que terá lugar amanhã.
Interpelo a Mesa no sentido de saber se a esta hora a Mesa já tem resposta sobre se a Sr.ª Ministra da Saúde vem responder a essa pergunta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vidigal Amaro, informo-o de que vai ser distribuído o texto das perguntas em relação às quais o Governo vai responder e que o Governo não vai responder a essa pergunta, mas a uma outra...
Vozes do PCP: - Ah!
O Orador: - ..., do PCP, sobre a situação da pobreza em Portugal.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para agradecer a amabilidade do Sr. Deputado António Guterres e para dizer que, de facto, não estou aqui para gerir os interesses do PS. Ele, com toda a certeza, será muito mais capaz disso e fá-lo-á muito melhor do que eu.
De qualquer maneira, gostaria de dizer...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, está a interpelar a Mesa, não é verdade?
O Orador: - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, faça favor.
O Orador: - V. Ex.ª adivinhou o meu pensamento.
O que quero dizer é que o Sr. Deputado do Partido Socialista que me antecedeu no uso da palavra fez variadíssimas afirmações, ou seja, de cada vez que fazia uma intervenção, um pedido de esclarecimento ou dava uma explicação fazia uma invenção diferente: começou pela sonegação e acabou na autoria do inquérito. É isso que quero deixar esclarecido.
De cada vez que tentava fazer uma intervenção falava de coisas completamente diferentes. Tanto assim é que, em relação a cada afirmação que acabei de fazer, Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, interpelar sim, mas, perdoar-me-á, não abusar.
O Orador: - Estou a dirigir-me a V. Ex.ª, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Orador: - Como eu estava a dizer, de cada vez que eu fazia uma intervenção, a intervenção anterior do Sr. Deputado do Partido Socialista ficava perfeitamente precludida, porque a verdade era reposta.
Daí que eu, nesta altura, não tenha mais nada a dizer, não tenha de intervir mais e deixe ao Partido Socialista a gestão do seu tempo e dos seus interesses, como lhe compete.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo de que neste momento se vai dar início a uma reunião da Comissão de Regimento e Mandatos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é apenas para pedir a V. Ex.ª o favor de, logo que esteja pronta a acta desta sessão, esta ser imediatamente enviada ao Sr. Deputado Carlos Encarnação para que ele possa constatar que o meu colega de bancada disse sempre as mesmas coisas.
Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Não disse não!
O Sr. Presidente: - Tentar-se-á, Sr. Deputado. Sr. Deputado Jorge Lemos, tem a palavra, para uma intervenção, e queira desculpar a interrupção.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, nada tenho de desculpar. Penso que o debate que aqui se travou foi extremamente esclarecedor. Pena é que a bancada do PSD, nas intervenções que vai fazendo, não esclareça as verdadeiras razões que o levam a ocultar, pelo menos perante esta Casa e perante a opinião pública, o que se passa no Ministério da Saúde!
Protestos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui foi dito que o modo como retomamos hoje a análise deste conjunto de projectos de lei não poderá deixar de ser considerado, pelo menos, estranho.
Todos estaremos recordados de que, em 17 de Novembro do ano passado, aqui realizámos um debate, na generalidade, sobre esta matéria, não tendo, contudo, havido lugar a qualquer votação, porquanto o PSD solicitou a baixa à comissão destes projectos de lei, com vista a uma nova apreciação e à apresentação das suas próprias iniciativas e dos seus textos alternativos e devo dizer que tenho presente a intervenção feita na altura pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Pois bem, mais de quatro meses são volvidos, nem mais um passo foi dado e todos continuamos na expectativa de conhecer os pontos de vista do PSD. Esperamos bem que este novo debate permita, pelo menos, levantar a ponta do véu do pensamento dos nossos colegas que nesta Casa tão lestos se mostram a apoiar o Governo.
Página 1962
1962 I SÉRIE - NÚMERO 56
Contudo, uma conclusão é possível, desde já, tirar: enquanto os partidos da Oposição tomam a iniciativa em assunto de tão grande relevância para o regime democrático e para as instituições democráticas, a bancada governamental mantém um prudente silêncio em matéria propositiva.
Com uma excepção: onde se trata de encarar a «dignificação» do ponto de vista de acréscimos financeiros (que parece ser a única preocupação da bancada dos deputados que apoiam o Governo), aí é apresentado um projecto de lei.
Só que, Srs. Deputados do PSD, a apresentação deste vosso projecto de lei em matéria de dedicação exclusiva dos deputados (figura sobre a qual, na altura própria, tivemos oportunidade de manifestar as nossas reservas e críticas) reforça a necessidade de, com urgência, encarar de frente o problema das incompatibilidades no exercício dos mandatos. Aliás, ninguém compreenderia que se legislasse sobre dedicação exclusiva, deixando de fora, sem uma correcta e mais apertada tipificação legal, as situações não contempladas por tal regime.
Srs. Deputados, factos bem recentes - já os temos estado aqui indirectamente a comentar -, como é, por exemplo, o caso do escândalo que envolve a actuação do Ministério da Saúde, vieram confirmar a necessidade da adopção de medidas que, de um ponto de vista legal, permitam pôr cobro à actuação daqueles que, da titularidade de cargos políticos, têm a noção de auto-serviço e autobenefício e não da função de interesse público.
A postura hoje assumida pela ministra da Saúde, em conferência de imprensa, em nada contribui para a necessária moralização da vida política. Não é tentando fugir ao apuramento da verdade, Srs. Deputados, silenciando os casos concretos, imputando a outros responsabilidades que não se querem ou não se podem assumir que podemos avançar no esclarecimento dos factos.
Esta tentativa de salto em frente não resulta! Bem pode o Primeiro-Ministro pôr-se em bicos de pés, bem pode declarar o que entender sobre a honorabilidade da sua equipa. O que está em causa é apurar a razão que leva o Governo a manter a atitude de sonegação do conhecimento desta Assembleia da República e da própria opinião pública dos resultados do inquérito realizado, dos atrasos no fornecimento à Procuradoria-Geral da República, designadamente do relatório da Inspecção-Geral de Finanças sobre as irregularidades praticadas na gestão do Ministério da Saúde.
Onde está, Srs. Deputados, a transparência na gestão dos assuntos públicos? Não está, Srs. Deputados do PSD, mas tem de passar a estar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui dissemos - mas é importante que reafirmemos - que o PCP participa neste debate com uma preocupação central: contribuir para a dignificação do exercício do mandato dos titulares de cargos políticos e, por esse modo, para a própria dignificação dos órgãos de soberania.
Pontos essenciais para que uma tal dignificação se torne possível são, naturalmente, a moralização do exercício dos cargos, a transparência da intervenção e a garantia da independência face aos poderes económicos.
O debate que ora travamos não esgota, contudo, todas as questões que se relacionam com um mais eficaz exercício dos mandatos, designadamente dos mandatos dos deputados. Há muito, muito mais para fazer: desde logo, importa dar uma resposta urgente e eficaz às precárias condições em que somos forçados a desenvolver a actividade nesta Casa; há que levar mais longe as capacidades de intervenção dos deputados reforçando, nomeadamente, os respectivos poderes e meios de contacto com os cidadãos; há que assegurar um efectivo acesso à informação, impedindo limitações e discriminações absolutamente arbitrárias que põem em causa o próprio poder de fiscalização da actividade do Governo e da administração; há que recriar, no fundo, as condições que permitam a realização de verdadeiros debates políticos, hoje tão limitados por obra do «regimento-rolha-laranja».
São temas e problemas que não poderemos descurar ou menosprezar e aos quais não deixaremos de voltar a curto prazo.
Mas cinjamo-nos, Srs. Deputados, neste momento, à problemática das incompatibilidades.
No projecto de lei comunista está devidamente tipificado um regime de incompatibilidades para o exercício do mandato de deputado que visa assegurar que ele não venha a estar sujeito a quaisquer pressões de carácter económico ou laborai as quais, por qualquer forma, poderiam impedir ou tolher a sua livre e consciente actividade.
Idênticas preocupações são a nota dominante dos demais projectos de lei dos partidos de Oposição hoje em análise, quer quanto ao exercício do mandato dos deputados, quer quanto ao dos membros do Governo.
O Grupo Parlamentar do PCP, mais uma vez manifesta a sua concordância, na generalidade com as soluções propostas, dado que todos têm como objectivo último moralizar, dar transparência e impedir abusos no exercício do mandato dos titulares de cargos políticos. Projectos de lei como os ora em debate dignificam os órgãos de soberania perante a opinião pública, reforçam a nossa democracia.
Aproveito esta oportunidade para relembrar que o meu partido, ciente da importância da matéria em apreciação, apresentou, em sede de revisão constitucional, uma proposta para que as características essenciais do regime de incompatibilidades dos membros do Governo viessem a constar do próprio texto da lei fundamental. É matéria a que, seguramente, voltaremos na altura própria, mas que não poderia deixar de ser trazida à colação no presente debate.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa recordar que se encontra pendente há meses, para apreciação, por esta Assembleia, uma proposta de iniciativa legislativa de Alta Autoridade contra a corrupção, nos termos da qual se prevê que os casos de aceitação de presentes ou donativos por parte de titulares de cargos políticos ou de funcionários da administração voltem a estar abrangidos por norma de legislação penal que os proíba e condene, como sucedia com o Código Penal de 1886.
Convirá, ainda, lembrar que a Alta Autoridade nos alertou - e já lá vão meses, Srs. Deputados! - «para formas subtis e de difícil detecção do fenómeno da corrupção» como sucede, por exemplo, em casos de «aproveitamento de ocasiões festivas para se oferecerem, sob o manto de usos e costumes e sob a forma disfarçada de ofertas desinteressadas, presentes - alguns de elevado valor - que têm subjacentes interesses não relevados mas que visam intervir no exercício do poder funcional de decisão».
Remeto os Srs. Deputados, designadamente os do PSD, para a leitura desta proposta do alto comissário, bem como para a vasta documentação anexa que
Página 1963
31 DE MARÇO DE 1989 1963
lhes permitirá, mormente em termos de direito comparado, verificar que medidas como as propostas se encontram já devidamente reguladas na legislação de diversos países, designadamente nos países que integram a Comunidade Económica Europeia.
Relembro estes casos, Srs. Deputados, porque creio que, desde que discutimos, pela primeira vez ou seja, em Novembro, esta matéria não houve ainda a possibilidade de, frontalmente, metermos ombros à resolução destes problemas, problemas esses que são urgentes e que não podemos adiar.
A questão que está colocada, Srs. Deputados, é a de saber se esta Assembleia da República, em particular aqueles que neste momento constituem maioria, pode continuar a aceitar que, impunemente, possam alastrar os sinais de corrupção diariamente manifestados, que, a troca de favores políticos, se possam manter situações de privilégio, viagens oferecidas, casas que são dadas ou vendidas a preços de fim de estação, certos negócios que vão inchando e tantos outros fenómenos mais ou menos obscuros que em nada dignificam as instituições democráticas e os seus titulares.
Ao contrário do que em tempos afirmava um deputado do PSD, há razões objectivas para que estes problemas encarados com sentido de Estado e se tomem prontamente as necessárias medidas correctivas. Mas mesmo que não existissem razões objectivas, algum de nós poderia defender que estivéssemos à espera de escândalos políticos para intervir?! Mau seria que assim fosse. A defesa e a dignificação do regime e das instituições democráticas exigem por si próprias a definição de regras claras, objectivas e transparentes.
Idêntica atenção nos deverá merecer a urgente revisão da lei relativa à declaração de rendimentos dos titulares de cargos políticos, provada que está a sua manifesta ineficácia. Não vou aqui relembrar a reunião efectuada na anterior l.ª Comissão, hoje 3.ª Comissão, entre o ministro da Justiça, o Procurador-Geral da República e os membros da comissão em que, por consenso, assentámos na necessidade de lançar ombros à revisão dessa lei. É um apelo que aqui fica, é um registo que aqui deixo e que, pela nossa parte, gostaríamos de ver concretizado a curto prazo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo nosso lado, estamos inteiramente disponíveis para, em comissão, dar um contributo positivo para a devida consideração das questões colocadas e para a procura das soluções que ultrapassem eventuais pontos marginais, desproporções ou omissões e que, sobretudo, permitam pôr termo ao actual estado de coisas que, como se sabe, não é bom.
Recusaremos, contudo, os caminhos da dilação e do atraso sistemático. Este é o desafio que nos está colocado e para o qual contribuiremos para que seja vencido.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, é evidente que, em substância, o que o Sr. Deputado acabou de dizer está certo, é inquestionável. Todos estamos congregados no mesmo objectivo de que desta Assembleia resultem leis que contribuam objectivamente para que a imagem do Estado, a prática do Estado, a imparcialidade no exercício do poder sejam uma realidade concreta e não apenas um princípio abstracto, uma norma de ética dificilmente apreensível, pairando nas nuvens.
Sabe, entretanto, o Sr. Deputado Jorge Lemos - e é este o ponto que queria referir - que, até agora, os trabalhos não se concretizaram, não devido a qualquer dilação por parte de qualquer dos partidos que integram a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Fundamentalmente, tratou--se de uma questão de metodologia, de precedência de tarefas e, sobretudo, de um desvio de atenção por pane de alguns dos Srs. Deputados que fazem parte daquela comissão para as tarefas mais urgentes, mais candentes da revisão constitucional.
Na minha transitória qualidade de presidente dessa comissão, tudo tentei fazer - e todos sabem que é exacto - para, com a cooperação de todos (que, aliás, sempre existe na comissão), conseguir que se alcançasse um consenso. Isto porque não escamoteio que pressenti que havia pontos de fricção, no pormenor. Há soluções diferentes e tenho a impressão de que, dentro dos próprios subscritores dos vários projectos de lei, elas intercederão.
Consequentemente, não se trata de uma dilação político-partidária e, sobretudo, penso que não é pertinente chamar à colação, neste caso, circunstâncias que têm a ver com casos que possam ter agora impacte na opinião pública e que nada têm a ver com a posição ou a postura dos partidos perante os projectos de lei em concreto. Trata-se, pois, de uma mera dificuldade de agendamento de tarefas dentro de uma comissão especializada desta Assembleia.
Daqui lanço o meu apelo a todos os Srs. Deputados para que, agora libertos das tarefas mais prementes de revisão constitucional, possamos, finalmente, encontrar um texto consensual, tanto quanto possível um texto unitário. Não sou partidário da codificação estilo pandectístico, no sentido de que tem de haver «grandes» monumentos legislativos. Sou, no entanto, partidário de que, tanto quanto possível, ocorra uma concentração legislativa num texto compreensível, num texto, cognoscível e coerente. Daí a vantagem de que tudo conste, se possível, de um mesmo texto legal.
A partir daí, estou certo, encontrar-se-ão soluções que corresponderão aos interesses fundamentais da democracia. No fundo, nem será caso de fazer dramáticos apelos aos grandes valores e desígnios da democracia; no fundo, do que se trata é de articular uma sociedade normal e que funcione normalizadamente.
É isto que quero dizer, muito simplesmente, sem grandes alardes nem alaridos, porque, na realidade, corresponde à verdade e àquilo que certamente todos os Srs. Deputados aqui presentes sentem.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Mário Raposo, V. Ex.ª não me pediu propriamente um esclarecimento, mas prestou um esclarecimento. Não queira levar as minhas palavras mais longe do que elas quiseram significar. Limitei-me a constatar, com alguma mágoa, que, tendo o partido de V. Ex.ª, há mais de quatro meses, solicitado que os diplomas em análise baixassem à comissão para reapreciação, uma vez que gostaria de apresentar as suas próprias posições, chegássemos a 30 de Março, quatro meses depois, sem que
Página 1964
1964 I SÉRIE - NÚMERO 56
da vossa parte houvesse ainda uma exacta definição de posições e que retomássemos o debate nos exactos termos em que o havíamos deixado há quatro meses e meio.
Este é o sentido da minha intervenção. Obviamente que não quis imputar ao PSD - uma vez que não é esse o sentido como agora ficou demonstrado - intenções de obstaculizar para sempre os trabalhos.
Há que reconhecer, Srs. Deputados do PSD, e esse reconhecimento ficava-vos bem, que não houve da vossa parte um grande empenhamento político para que estas matérias avançassem, porque, Sr. Deputado Mário Raposo, o facto de a Comissão Eventual de Revisão Constitucional estar a funcionar não é relevante.
De facto, se houver vontade política para se tratarem problemas candentes, penso que é sempre possível reunir uma subcomissão de três ou quatro deputados e tentar chegar a alguns acordos sobre os textos já apresentados e logo se veria se se elaboraria um texto unitário, dois ou três - aliás, creio que não é essa a questão que está em discussão.
Obviamente que haverá divergências quanto a pontos que uns consideram mais proporcionados e outros menos. Agora, o que não podemos é continuar com este défice democrático, ou seja, temos que - e deixo aqui este desafio - ser capazes de a curtíssimo prazo, dentro de um mês o mais tardar, trazer a este Plenário, para votação global, um documento contendo tanto as propostas que constam destes projectos de lei como outras que já aqui foram avançadas por elementos da sua própria bancada e que pudessem englobar outros titulares de cargos públicos, como, por exemplo, o caso dos gestores públicos, ou de outros. Vamos pois fazer um levantamento exaustivo sobre esta matéria.
Nestes termos, devemos tomar o compromisso público de, dentro de um mês, estarmos aqui a proceder à votação final global de uma lei que dignifique a Assembleia da República, as instituições democráticas e os órgãos de soberania em geral. É esta a nossa intenção, é com este sentido que intervimos no presente debate e que participaremos nos debates em comissão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Retomamos hoje a discussão dos projectos de lei sobre incompatibilidades de deputados e de membros do Governo, debate este que já teve lugar na sessão plenária de 17 de Novembro passado e onde todos os partidos expuseram as suas posições.
Tal como referimos nessa data temos consciência que a problemática das incompatibilidades dos detentores de cargos políticos não é uma matéria de fácil solução e consenso e, naturalmente, susceptível de várias interpretações.
O exercício destes poderes define, como é óbvio, o perfil do deputado, do membro do Governo, ou do seu gabinete e, em nosso entendimento, inscreve-se, fundamentalmente, nas respectivas funções fiscalizadoras da Assembleia da República, para uns, e no acto de governar, para outros, o que é perfeitamente incompatível numa situação de dependência, exercendo cargos que anteriormente fiscalizava ou mandava executar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações que agora propomos - e estamos certos que merecerão o apoio, na sua generalidade, de todos os partidos com
assento nesta Câmara - pretendem não só garantir uma maior exclusividade na dedicação prestada pelos deputados nós seus trabalhos parlamentares, a qual também deverá ser aplicada de forma cautelar de modo a que a ligação havida entre o deputado e a realidade do País não fique cerciada por um eventual fosso que se venha a criar, mas também uma verdadeira mobilização da prática parlamentar e da função de membros do Governo, uma vez que tais funções afiguram-se cada vez mais obrigatórias e, por isso, apoiamos as justificadas alterações ao seu estatuto.
Aos deputados são hoje prática e moralmente atribuídos poderes de decisão, controlo e fiscalização que obrigam a enormes e justificadas responsabilidades.
Fiscalizando a acção governativa, apresentando iniciativas legislativas, transportando para esta Câmara as realidades e necessidades do País e da população, o deputado assume uma acção que, pela sua grandeza e dignidade, obriga a uma total independência, imparcialidade e profissionalização que só assim permitirá dignificar o órgão de soberania que é a Assembleia da República. Entendemos que só deste modo se criarão condições úteis e necessárias para a credibilidade e o respeito que aos deputados são devidos por forma a que venham a merecer do País a resposta que todos, não tenho dúvidas, desejamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um outro elemento que naturalmente está implícito nas diversas normas de incompatibilidades que hoje apreciamos é o da dedicação exclusiva dos deputados na sua função parlamentar, cujo conceito e regulamentação da sua aplicação são os constantes do Projecto de Lei n.º 310/V, também hoje em discussão.
Defendemo-lo sem quaisquer reservas e consideramos até ser esta a principal solução que se encontrará para a dignificação do trabalho parlamentar.
Tivemos a oportunidade de referir durante a discussão - na última sessão legislativa - do estatuto remuneratório dos detentores de cargos políticos que não púnhamos em causa os vencimentos que lhes eram atribuídos mas, sim, a necessidade, e no caso concreto dos deputados, de se rever urgentemente o seu estatuto funcional, pois não pode nem deve continuar a haver, como hoje se verifica, deputados de l.ª e de 2.ª, isto é, aqueles que, por que se submeteram ao sufrágio e foram eleitos, abandonaram a sua carreira profissional e se dedicaram a tempo inteiro à missão que prometeram ao eleitorado em campana eleitoral, nesta Câmara, de procurar solucionar os problemas do País e dos cidadãos, e os outros, cuja assiduidade ou absentismo se mede apenas pela sua presença ou ausência nas horas de votações.
Naturalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que se coloca é a de saber se, nestas condições, os deputados de qualidade não optarão pela ausência, alegando - e justificadamente - perca de rendimentos provenientes de outras funções. Esta é uma questão importante que deverá merecer ponderação em sede de especialidade e que poderá, eventualmente, vir a ser ultrapassada pela opção do vencimento da sua profissão anterior ou através da criação de mecanismos de recurso a técnicos especializados para tratamento de assuntos mais específicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais importante do que a apreciação que hoje efectuámos será, naturalmente, o trabalho em sede de especialidade. Pela nossa parte, o PRD apresentará várias propostas que não são
Página 1965
31 DE MARÇO DE 1989 1965
obviamente soluções fechadas. O nosso projecto, tal como o dos outros grupos parlamentares, referencia uma base de incompatibilidades e impedimentos que julgamos úteis e necessários para a dignificação da nossa função de deputados.
É urgente que se crie - e num curto espaço de tempo, como já aqui foi referenciado - um texto final de consenso com todos os grupos parlamentares. Esta questão, tal como muitas que já aqui discutimos, merece e, diria mesmo, obriga a que a parte ideológica, não sendo naturalmente ultrapassada, se possa ou deva deixar sobrepor pela necessidade que a função parlamentar a todos nós obriga, para que a mesma se torne clara e inequívoca aos olhos do povo português que deposita nesta Câmara a esperança de uma missão que, nos sendo confiada, é do interesse nacional.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos.
O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Plenário da Assembleia da República debruça-se hoje, e pela segunda vez, sobre vários diplomas que, no seu conjunto, pretendem criar um quadro normativo que discipline e compatibilize o exercício de determinados cargos políticos com o exercício de outras funções contemporâneas, anteriores ou posteriores que, eventualmente, se possam considerar incompatíveis com os primeiros.
Tais normas visam desenvolver, com maior ou menor amplidão, os princípios da independência e separação de funções ou poderes, da moralização da vida pública e da dignidade do Estado, princípios estes que a Assembleia cumpre respeitar e salvaguardar.
Não surpreende assim que as iniciativas nesta matéria partam de forças políticas que representam um amplo leque partidário.
Está especialmente em causa evitar, tanto quanto possível e for razoável, a possível colisão entre o interesse do Estado, de que são agentes os titulares dos cargos políticos, e outros interesses, situações ou actividades a que tais titulares eventualmente estejam, tenham estado ou venham a estar ligados.
Tais preocupações conduzem à previsão de certos condicionalismos ou restrições ao exercício de determinadas funções profissionais em empresas públicas ou privadas e condicionamentos ou restrições na candidatura e provimento de certos cargos políticos.
Tudo está em ser encontrada a justa medida de tais condicionamentos e que eles não venham a ser de tal modo amplos que, na prática, representem um verdadeiro impedimento ao exercício de direitos fundamentais de todo o cidadão como, por exemplo, os da livre escolha de profissão e de acesso à função pública, de participação na vida pública ou de acesso a cargos públicos, do direito ao trabalho e, principalmente, de princípios estruturantes do nosso sistema constitucional como o princípio da igualdade, direitos e princípios consignados nos artigos 13.º, 47.º, 48.º, n.º l, e 50. º da Constituição da República Portuguesa.
Algumas restrições constantes de alguns projectos de lei em discussão, pela sua amplidão, poderão pôr em causa o direito que todos os cidadãos têm de beneficiar da mesma igualdade ou validade cívica, independentemente da sua inserção política. Importa, pois, que tais restrições não sejam legítimas e, pelo contrário, sejam justas e verdadeiramente fundadas e, principalmente, que não sejam desproporcionadas em função dos objectivos que visam atingir e não representem um tratamento injustificadamente diferenciado dos titulares dos cargos políticos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Perguntar-se-á mesmo se algumas das restrições previstas no Projecto de Lei n.º 277/V, se fossem viabilizadas, como, por exemplo, o impedimento dos membros do Governo de assumirem determinadas funções sem que tenham decorrido certos prazos após exoneração dos respectivos cargos, não deveriam obrigatoriamente ser compensadas com uma adequada indemnização.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, em hipóteses que se prefiguram absolutamente idênticas, falam nestes casos no «Direito à compensação de sacrifícios quando a administração por razões de interesse público, impôs a um ou vários cidadãos sacrifícios especiais violadores do princípio da igualdade perante os cargos públicos» (Constituição Anotada, 2.º Edição, 1.º Volume, págs. 152) assim procurando consagrar aquilo a que chamam o «princípio da responsabilidade do Estado legislador».
Importa, por outro lado, compatibilizar algumas e inevitáveis restrições ao exercício dos cargos políticos com a necessidade de assegurar ou não afastar «a regular motivação pelo exercício das funções governamentais» (como se escreve no preâmbulo do Projecto de Lei n.º 277/V) com a disponibilidade para o exercício de quaisquer outros cargos políticos e o preenchimento competente de tais cargos, ou, ainda, com a possibilidade de o titular do cargo político regressar imediatamente às funções que já desempenhava antes de ser investido nesse cargo.
Claro que tais preocupações não são de esperar de todos aqueles que visionam o provimento dos cargos políticos recorrendo apenas e preferencialmente a políticos profissionais, a funcionários do partido sem qualquer experiência pessoal na gestão quotidiana do tecido económico ou empresarial...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ..., a meros teóricos do saber desligados do conhecimento prático da dinâmica e dos interesses divergentes das forças sociais, culturais e económicas que contribuem para desenhar o caminho do desenvolvimento e do progresso.
O PSD não pensa que dos condicionalismos do provimento dos cargos políticos possam ou devam resultar restrições tais que, na prática, impliquem o afastamento ou o desinteresse de muitos cidadãos que enriqueceram a sua experiência em actividades exteriores ao âmbito do Estado.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, que dispõe de dois minutos.
Página 1966
1966 I SÉRIE - NÚMERO 56
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Ferreira de Campos, creio que V. Ex.ª abordou o problema apenas do ponto de vista do interessado, ou seja, daquele que estando no Governo ou ocupando determinado cargo político se poderia ver prejudicado. Creio que essa não é a melhor maneira de encarar o problema.
Creio que poderemos, na discussão na especialidade, discutir algumas soluções, no entanto, penso que há princípios sobre os quais temos de estar de acordo e o que deveremos evitar não é o que V. Ex.ª acaba de dizer, mas, sim, o contrário.
Quero com isto dizer que um cidadão pelo facto de ter exercido um determinado cargo político não pode ficar prejudicado, mas também não deve ficar beneficiado para além dos outros, ou seja, não deve ser possível que o cidadão por atitudes que podem comprometer um futuro relativamente curto venha a beneficiar de um estatuto que ele próprio determinou enquanto tinha a possibilidade de definir ou de tomar politicamente determinadas posições. A questão está, pois, ao contrário!
O que temos de fazer nesta lei - e é isso que lhe pergunto - é criar os mecanismos para que não haja cidadãos mais iguais do que outros, isto é, para que os cidadãos que são titulares de cargos políticos não se refugiem nessa sua situação para no futuro se aproveitarem dela, por terem resolvido algumas questões a que os outros cidadãos não têm acesso.
Não está em causa o princípio da igualdade. Essa está garantida e inclusivamente existe legislação que prevê determinadas compensações pelo exercício de determinados cargos políticos. E os senhores sabem que essa legislação existe e que está em vigor - aliás, os senhores disso nunca se esquecem!...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Deputado, desculpe mas só tenho dois minutos e estou quase a terminar.
Portanto, Sr. Deputado, era esta a questão que lhe coloco.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos.
O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - O Sr. Deputado Jorge Lemos não compreendeu o sentido da minha intervenção que, segundo creio, teve em conta as preocupações que o senhor manifestou, uma vez que falei, expressamente, na dignidade do Estado, na independência de funções e de interesses.
Pareceu-me que deveria sublinhar - e esta é a minha convicção e a do meu partido - que devemos prever restrições, pois elas são inevitáveis e atinentes à função do exercício dos cargos políticos. Simplesmente, essas limitações também têm limites, porque, se não os estabelecermos, então, sim, temos de considerar que pode estar em causa o princípio da igualdade.
A minha intervenção teve, pois, o objectivo de sublinhar a visão unilateral de algumas soluções, nomeadamente algumas das constantes no Projecto de Lei n.º 277/V. Aproveito para dizer que o PSD está de acordo com a filosofia, os princípios e as preocupações manifestadas no diploma.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Cá estou para ver isso!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda estão inscritos para intervir no debate os Srs. Deputados Narana Coissoró e Jaime Gama. Consultando os tempos disponíveis, penso que concluiremos o debate cerca das 18 horas e 30 minutos e que haverá consenso para procederemos de seguida à votação dos projectos de deliberação que criam as subcomissões e ainda da matéria hoje discutida. Peço, pois aos representantes dos grupos parlamentares e aos serviços que informem os Srs. Deputados que as votações se realizarão às 18 horas e 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção relativamente curta na medida em que tudo o que havia a dizer, dentro do tempo necessário, foi dito aquando da primeira leitura destes projectos. Não quer isto dizer que a matéria em causa não mereça um debate mais amplo; neste domínio os diplomas são de tal modo importantes que até justificariam vários debates, principalmente numa altura em que o actual Governo se encontra atolado no pântano do tráfego de influências, do lobbysmo, do «carreirismo» e da troca de vantagens materiais entre os detentores do poder político e os detentores do poder económico lavando-se a roupa suja entre os dignatários do próprio partido dizendo: quem foi pedir o quê? E como é que pediu? E quando é que pediu? E quanto é que se gastou?
Naturalmente que o País vive hoje sob o signo de saber mais e mais escândalos, quer saber como é que se passaram determinadas coisas do que propriamente a lisura dos comportamentos dos detentores do poder político.
Há pouco tempo, na revista Time, a propósito do apoio à fábrica de produtos químicos instalada na Líbia, dizia-se que o chefe da oposição fez ao Primeiro-Ministro, no Parlamento alemão, duas perguntas sacramentais da democracia: desde quando é que o Sr. Primeiro-Ministro, sabia da existência da fábrica de produtos químicos na Líbia e o que é que o Sr. Primeiro-Ministro sabe sobre este problema? Na revista dizia-se que estas duas perguntas eram sacramentais, eram fundamentais entre o líder da oposição e o Primeiro-Ministro. Não é preciso perguntar mais nada? Não é preciso dizer mais nada? Infelizmente, nós estamos coarctados deste direito!
Na verdade, se estivesse aqui o Primeiro-Ministro português, se a sua presença na bancada do Governo fosse regular, líderes da Oposição poder-lhe-iam fazer a mesmíssima pergunta sobre o que se passa actualmente no Ministério da Saúde. Devíamos perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro desde quando ele sabe de tudo quanto se passa, do vaivém dos interesses económicos e dos interesses políticos do Ministério da Saúde? E o que é que ele sabe a mais do que aquilo que foi relatado pelos jornais? Não podemos fazer estas perguntas ao Governo por que o Sr. Primeiro-Ministro não aparece, não presta as explicações que, segundo as
Página 1967
31 DE MARÇO DE 1989 1967
regras canónicas da democracia, são feitas pela Oposição e ao Primeiro-Ministro.
Uma voz do PSD: - Ia passar aqui a vida!
O Orador: - O que ouvimos é que vir uma vez por semana ao Parlamento era passar a vida no Parlamento! É isso que a maioria faz para degradar esta Assembleia da República, governamentalizando-a em proveito de interesses obscuros.
Ora bem, o que estava a dizer é que, numa situação dessas, as leis das incompatibilidades dos membros do Governo e as leis das incompatibilidades dos deputados são extremamente importantes, são uma espécie de armadura contra a impunidade e contra o tráfego de influências. Hoje sabemos que a elite política gira dentro de uma certa constelação: são os governantes que passam para as empresas públicas e, algumas vezes, privadas e são os gestores das empresas públicas que vão normalmente para o Governo. Tornou-se absolutamente normal que o ministro das Finanças e os seus secretários de Estado fossem nomeados para os bancos ou que, inversamente fossem recrutados entre os gestores desses bancos. Este vaivém das influências, este vaivém que existe, esta circulação da elite dentro das empresas públicas do sector e em certos ministérios tem de ser quebrado de uma vez para sempre!
Em segundo lugar, verificamos como determinados interesses económicos se aproveitam dos deputados ou, pelo menos, estes são indicados a dedo como tendo ido falar ao gabinete dos ministros para obterem vantagens privadas. Mesmo que isto seja mentira, e naturalmente assim é (até porque a mentira é uma forma de chantagem), o facto ali está: o tráfego de influências entre os interesses privados dos deputados e a sua missão pública de deputado já foi posta a descoberto dentro do próprio partido do Governo.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando o País assiste a casos como este em que o próprio partido do Governo, numa espécie de guerra fraticida, se dilacera entre aqueles que serviram as suas funções para se governarem, para se abastecerem com lucros fáceis, aumentando os preços ou diminuindo os preços, naturalmente que este debate ganha outra luz, ganha outra consistência, ganha outra importância.
E por isso mesmo, a importância de todos estes diplomas em debate tem de ser medida com a experiência que estamos a viver. O Governo dirá que a Oposição está a aproveitar-se de uma circunstância para falar alto, para falar à opinião pública, para falar à comunicação social sobre temas que não interessam ao debate de hoje. Não interessarão para a maioria governamental mas a matéria que está hoje a ser discutida vai exactamente no sentido de impedir aquilo que está a suceder, em Portugal, tratando-se do Ministério da Saúde, tratando-se dos deputados que têm assento nesta Câmara e de uma matéria que diz respeito a cada um de nós, aos governantes e também à opinião pública e a todos os cidadãos.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós vamos votar a favor de todos estes projectos de lei, excepto o comunista para que, rapidamente, em comissão, possamos encontrar um diploma que congregue todas as boas ideias afastando tudo aquilo que partidariza, funcionaliza e burocratiza a função do governante e do deputado e assim possamos dispor de uma lei de incompatibilidades digna da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha intervenção é só para concluir este debate em nome do Partido Socialista e sublinhar que a actualidade tem vindo a justificar as iniciativas legislativas do meu partido, iniciativas a que se associaram, com outros contributos, vários partidos da Oposição, e relativamente às quais a maioria, certamente ponderando razões fortes de oportunidade política, revela possuir um grau suficiente de abertura, que permite, desde já, concluir que, ao menos, alguns dos preceitos substanciais propostos pelo PS virão a ter acolhimento.
Estas iniciativas têm, sobretudo, em vista a reforma do sistema político e é importante que essa reforma se exerça, particularmente em relação aos titulares dos órgãos de soberania, visando não uma moralização abstracta, hipócrita, ou, até, farisaica, mas tão somente a introdução de princípios de deontologia mínima de autolimitação dos titulares do poder político, de modo a reforçar a credibilidade, a legitimidade, a funcionalidade e a transparência do sistema político democrático.
O que está aqui em causa é, basicamente, conferir ao sistema político uma válvula de segurança para proteger os titulares dos órgãos de soberania, (Governo e Parlamento), quando estão ou possam vir a estar em causa conflitos de interesses. Essas normas são necessárias do ponto de vista de acautelar interesses legítimos da sociedade, do bem comum, e, também, para acautelar a honorabilidade e o desempenho legítimo de funções por parte dos titulares do poder político.
Naturalmente que, quando se põe o problema em relação aos titulares do poder executivo, não seria curial que a Assembleia da República não começasse, também, por colocar idênticas regras autolimitadoras em relação aos seus próprios titulares. Daí que o Partido Socialista tenha avançado, simultaneamente, com um projecto visando a autolimitação do poder dos deputados, a melhor racionalização do mecanismo das incompatibilidades e, ao mesmo tempo, tivesse procurado introduzir normas paralelas para os titulares do poder executivo.
A democracia portuguesa, neste momento, necessita destes diplomas e é necessário que eles não voltem à comissão para sofrer aí um processo de congelamento por dilação das decisões.
O Partido Socialista agendou estes diplomas no passado e usou, também, dos seus poderes para que novamente subissem a Plenário e fossem, hoje, votados. É, pois, necessário que a comissão proceda, rapidamente, à redacção final destes diplomas.
Em relação, naturalmente, aos membros do Governo, o problema central é o do conflito de interesses. E, aqui, o conflito de interesses tem, obviamente, a ver não apenas com aquilo em que um membro do Governo, por relações pessoais, familiares ou outras, possa ser afectado quando tem que decidir em função do bem comum e do interesse geral da sociedade, mas também tem a ver com o uso do poder executivo para a salvaguarda de posições e interesses pessoais na administração ou nas empresas públicas, posteriormente ao desempenho de funções em órgãos do poder executivo.
Esta é que é a questão central. O projecto de lei do Partido Socialista, ao lançar na democracia portuguesa
Página 1968
1968 I SÉRIE - NÚMERO 56
um debate sobre a reforma do sistema político, não é um projecto definitivamente fechado. Como é natural, todas as contribuições, como as que aqui foram produzidas por vários colegas (inclusive pelo colega que, em nome da bancada do PSD, lançou algumas questões relativamente à coerência global e à racionalidade geral deste projecto), são, obviamente, atendíveis. É a primeira vez que se legisla sobre esta matéria na democracia portuguesa e há que o fazer, a partir de uma situação inteiramente nova, ponderando problemas que, pela primeira vez, se colocam na definição de regras funcionais para o sistema político.
Em relação aos parlamentares, e quanto a questões de conflitos de interesses, o problema que se coloca é o da sua independência, directa ou indirecta, em relação ao poder executivo, para que, no exercício das suas funções políticas, os deputados possam assumir a representação de interesses da sociedade que carecem do apoio governativo, situação em que, efectivamente, se verifica um problema claro de conflito de interesses, que urge regular, através de um enunciado claro de incompatibilidades.
É para isso que apontam os projectos de lei do Partido Socialista e dos outros partidos. E é nesse sentido que nos congratulamos com o resultado final deste debate, porque estas ideias, necessárias para um aperfeiçoamento do sistema político português e que foram lançadas no debate público nacional pelo PS, acabaram por encontrar um eco dilatado e por criar as bases para uma decisão largamente consensual da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actualidade recente, hoje largamente comentada nesta Câmara e também fora dela, justifica, plenamente, que a Assembleia da República seja célere na adopção do articulado final destes diplomas.
Aplausos do PS e do CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto a tempos disponíveis, informo que nos encontramos na seguinte situação: o PSD dispõe de um minuto e o PS não dispõe de qualquer tempo.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Se o Sr. Presidente fizer o favor de me dar trinta segundos, eu daria de bom grado os trinta segundos restantes ao Partido Socialista, para me responder.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª, Sr. Deputado, trinta segundos e pode, portanto, usar da palavra.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para dizer ao Sr. Deputado Jaime Gama o seguinte: Em primeiro lugar, não devemos, penso eu, exacerbar muito a questão da actualidade porque não é só neste Governo que têm acontecido coisas. Recordo que, há alguns governos atrás, houve uma demissão bastante complicada de um Sr. Secretário de Estado, Lopes da Neta, se não estou em erro.
Vozes do PS: - Não era membro do Governo!
Protestos do PS.
O Orador: - Mas era, ou seria, também, abrangido por um diploma idêntico, se não estou em erro, ao que, agora, o Partido Socialista propõe, com tanta pressa.
Fundamentalmente, o que quero dizer é que as posições do Partido Socialista vêm relativamente tarde, o que não é mau, porque vêm, talvez, em bom tempo para as ponderarmos e para as apreciarmos na sua globalidade. São, de facto, tímidas em relação àquilo que é preciso. Foi o que dissemos já variadíssimas vezes, quer no debate anterior aqui na Assembleia da República, quer noutros debates públicos. O que disse ao Sr. Deputado Jaime Gama - e peço licença para lho lembrar - é que a maioria não é apenas agora que tem qualquer posição de aceitação, mas já há muito tempo que tem, em relação a esta matéria, posições declaradas de aceitação genérica de princípios que estão consagrados neste diploma. O que queremos é mais. O que aqui está é pouco nalguns aspectos e desmesurado noutros e não foi suficientemente ponderado. É, portanto, este aceito que, na especialidade, quereremos fazer.
O Sr. Presidente: - Para responder, também em trinta segundos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou entrar em debate com o Sr. Deputado Carlos Encarnação, sobre a leitura e a não leitura de comunicados de actualidade. Naturalmente que aquilo que me importava neste debate e na minha intervenção era sublinhar o essencial dos diplomas em apreciação.
Gostava de concluir apenas com dois pontos. O primeiro é o de que nunca, na história política portuguesa, o PSD apresentou qualquer iniciativa legislativa sobre esta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O segundo é o de que, neste debate, o PSD apenas apareceu com uma iniciativa legislativa. E a única iniciativa que o PSD traz ao debate de tão importante questão, pese embora o mérito da articulação jurídica e política do Sr. Deputado Carlos Encarnação, é a de um projecto de lei onde se define o conceito de dedicação exclusiva do mandato dos deputados e se regulamenta a sua aplicação. Obviamente, este é um projecto que visa aumentar as regalias dos deputados e não um projecto que vise racionalizar o exercício da função parlamentar e derimir a questão central de todo este debate. Ou seja, neste debate, o PSD traz um projecto periférico que marcha precisamente no sentido inverso daquilo que foi o sentido global desta discussão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições. Está terminado o debate.
Conforme foi anunciado, vamos proceder, de seguida, a um conjunto de votações. Começaremos pelas deliberações relativas à criação de subcomissões
Página 1969
31 DE MARÇO DE 1989 1969
e passaremos, depois, à votação das matérias discutidas hoje pela ordem por que foram discutidas.
Vamos votar, portanto, em primeiro lugar, o Projecto de Deliberação n.º 32/V apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, propondo a criação de uma subcomissão permanente da cultura física e do desporto, no âmbito da referida comissão.
Submetido a votação foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Helena Roseta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o Projecto de Deliberação n.º 34/V, apresentado pelo PRD, propondo a constituição de uma subcomissão permanente para apreciação das bases de financiamento do sistema de segurança social.
Submetido a votação, foi rejeitado, com os votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o Projecto de Deliberação n.º 38/V, apresentado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, propondo a constituição de uma subcomissão permanente para a análise dos assuntos relacionados com a indústria, o comércio e o turismo.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Helena Roseta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o Projecto de Deliberação n.º 36/V, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, propondo a criação de duas subcomissões permanentes no âmbito daquela comissão. As duas subcomissões são as seguintes: Subcomissão Permanente de Cultura e Subcomissão Permanente de Ciência e Tecnologia.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Helena Roseta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos finalmente votar o Projecto de Deliberação n.º 40/V, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, propondo a criação de uma subcomissão permanente para as iniciativas sobre novos municípios, freguesias, vilas e cidades.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca, Raul Castro, e Helena Roseta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminaram as votações relativas aos projectos de deliberação e, portanto, às subcomissões.
Passamos agora à votação, na generalidade, dos diplomas sobre o aproveitamento de recursos geológicos. Vamos, em primeiro lugar votar a Proposta de Lei
n.º 85/V, que autoriza o Governo a legislar sobre o aproveitamento dos recursos geológicos.
Submetida a votação foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e de Os Verdes e as abstenções do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o Projecto de Lei n.º 372/V, apresentado pelo PCP, sobre a lei de bases dos recursos geológicos e do uso do subsolo.
Submetido a votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, dos diplomas relativos às incompatibilidades, fazendo-as pela ordem numérica dos respectivos diplomas.
Está em votação o Projecto de Lei n.º 277/V, apresentado pelo PS, sobre incompatibilidades dos membros do Governo.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de Os Verdes e a abstenção do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o Projecto de Lei n.º 278/V, apresentado pelo PS, sobre incompatibilidades (Alteração do Estatuto dos Deputados).
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de Os Verdes e a abstenção do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o Projecto de Lei n.º 310/V, apresentado pelo PSD, que define o conceito de dedicação exclusiva do mandato de deputado e regulamenta a sua aplicação.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PRD e do CDS e a abstenção do PS, do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o Projecto de Lei n.º 312/V, apresentado pelo PCP, sobre a moralização do exercício do mandato de deputado.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD e de Os Verdes e a abstenção do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, finalmente vamos votar o Projecto de Lei n.º 314/V, apresentado pelo PRD, sobre incompatibilidades e impedimentos dos deputados.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de Os Verdes e a abstenção do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o processo de votações.
Voltaremos a reunir-nos amanhã, sexta-feira, para uma sessão de perguntas ao Governo, que já foram distribuídas.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Página 1970
1970 I SÉRIE - NÚMERO 56
Entraram durante a sessão, os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Maria Ourique Mendes.
Arménio dos Santos.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Francisco João Bernardino da Silva.
Joaquim Eduardo Gomes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Margarida Borges de Carvalho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Partido Socialista (PS):
Armando António Martins Vara.
José Apolinário Nunes Portada.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo Brito.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Costa de A. Sousa Lara.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Flausino José Pereira da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
António de Almeida Santos.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Deputados Independentes:
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Os REDACTORES: José Diogo - Cacilda Nordeste.
DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
AVISO
Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.
PORTE PAGO
1 - Preço de página para venda avulso, 4$50; preço por linha de anúncio, 93$.
2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.
3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da Republica para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.
PREÇO DESTE NÚMERO 144$00