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Sábado 22 de Abril de 1989 I Série - Número 68

DIÁRIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISAO CONSTITUCIONAL

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE ABRIL DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 23 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do inquérito parlamentar n. º14/V e do projecto de lei n. º 389/V.
Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 30. º, 32. º, 32. º-A, 33. º, 33. º e 36. º). .
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Almeida Santos (PS), Herculano Pombo (Os Verdes), Nogueira de Brito (CDS), Rui Silva (PRD), Costa Andrade (PSD), Marques Júnior.(PRD), José Luís Ramos (PSD), António Vitorino e Alberto Martins (PS), Narana Coissoró (CDS) e Luísa Amorim (PCP).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Américo Sequeira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

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Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chencerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.

ntónio José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: inquérito parlamentar n.º 14/V, apresentado pelo PS, pelo PCP, pelo PRD, pelo CDS, por Os Verdes e pelo Deputado Independente João Corregedor da Fonseca, para realização de um inquérito parlamentar com vista a apurar, em toda a extensão, uma conduta dos serviços oficiais, designadamente da Administração Fiscal, intervenientes no processo de aquisição, pelo ministro das Finanças, de apartamentos no edifício das Amoreiras e na R. Dr. Francisco Stromp, em Lisboa, que foi admitido; e o projecto de lei n.º 3897V, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas e outro, do PCP, propondo a atribuição de

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uma subvenção vitalícia aos cidadãos que participaram na Revolução de 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande, que tendo sido admitido, baixou à 3.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, temos tempos semanais disponíveis e o que ainda resta para utilização no dia de hoje vem expresso na primeira página do Boletim Informativo, e não é dispiciendo na sua soma global, embora, como sabem, os tempos correspondentes aos Srs. Deputados Independentes, aos Srs. Deputados da Madeira e aos Srs. Deputados a título individual sejam administráveis ao longo de todo o processo. Quanto aos restantes tempos disponíveis, caso não sejam utilizados, perder-se-ão.

Sr. Deputado Herculano Pombo pede a palavra para que efeito?

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, ontem, em interpelação à Mesa, quando estava no exercício da presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar, perguntei como seria a gestão do meu tempo, ou seja, se eu podia utilizar o tempo da próxima semana uma vez que já gastei o tempo de que dispunha nesta, tendo-me sido informado que assim poderia proceder.
Não inferi isso agora das palavras do Sr. Presidente uma vez que se referiu apenas aos Deputados Independentes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há um artigo específico no Regimento especial por que estamos a reger-nos, cujo número agora não recordo, que permite que o Sr. Deputado vá avançando nos tempos da próxima semana. Há pouco referi-me aos tempos que ainda há por gastar, os quais, se não forem utilizados, serão perdidos.
Srs. Deputados, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje é a continuação do debate do artigo 30.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP congratula-se com o facto de estar indiciada a aprovação de algumas alterações relevantes com vista ao aperfeiçoamento do regime constitucional atinente aos limites das penas e medidas de segurança, muito em especial a clarificação do regime jurídico dos direitos fundamentais dos condenados a pena privativa de liberdade ou a medida de segurança privativa de liberdade.
São questões fundamentais aquelas que se colocam nesta sede, questões que, no dia-a-dia da nossa sociedade, vêm provocando crescente preocupação dada a situação de profunda degradação do sistema penitenciário português.
De entre essas questões fundamentais há que destacar: que limitações é possível impor aos reclusos? Devem os reclusos poder casar-se, por exemplo? Que limites é que há ao exercício desse direito? Devem poder exercer o direito de voto ou não? Como participam na vida pública do País? Ficam privados da sua cidadania pelo facto de serem reclusos ou não? É legítima a censura à correspondência dos reclusos? É legítimo proibir-lhes visitas? É legítimo proibir-lhes telefonemas ou deve assegurar-se o contrário? As mães reclusas devem poder ter junto de si os seus filhos ou não? Que contactos devem poder ter? Os reclusos podem ler jornais? Podem ver televisão? Podem comprar livros? Podem ler livros? Que livros podem ler? É possível proibir-lhes a leitura de determinados livros? Que poderes é que as autoridades penitenciárias têm? Torga é proibido e o Penthouse é permitido nas prisões portuguesas?
A Assembleia da República, ao aprovar esta norma, introduz uma clarificação útil no regime constitucional. Não que o regime constitucional, tal qual hoje se define, não permitisse respostas para todas as perguntas que formulei. E respostas, na maior parte dos casos, extremamente positivas no sentido exacto de que o recluso, no nosso sistema constitucional, não é encarado como um objecto, como um escravo triturado por uma engrenagem policíaca, penitenciária, esmagadora da personalidade mas, sim, como pessoa humana sujeita a uma transitória e estritamente necessária compressão do exercício dos seus direitos fundamentais, titular, sim, de direitos muitos deles absolutamente ilimitáveis, sujeito a uma situação por definição transitória, rumo a uma reinserção social desejável respeitadora, ela própria, dos direitos fundamentais.
Mas a clarificação que agora se introduz é útil em muitas vertentes. Por um lado sublinha-se, claramente, que os condenados mantêm a titularidade de todos os seus direitos fundamentais e que só são possíveis limitações inerentes ao sentido da condenação tal qual ela é definida na sentença e, por outro lado, às exigências próprias da execução dessa sentença.
Esta cláusula, que é uma cláusula com um carácter relativamente indeterminado mas definido constitucionalmente e que se distingue de certas concepções em voga noutros sistemas jurídicos, noutros sistemas constitucionais, tem uma grande importância delimitadora.
Em primeiro lugar, as medidas de restrição só podem ser adoptadas com carácter fundamentado, com carácter definido na lei, caso a caso. Elas devem ser apenas as necessárias, devem ser proporcionadas.
Em segundo lugar, há uma inangibilidade total do conteúdo essencial dos direitos, o que torna inconstitucional - e já o é, mas agora reforçadamente o será - a limitação de direitos fundamentais e, desde logo, claro está, o direito à vida mas também o direito à integridade física. A tortura é proibida, os danos corporais ou os maus tratos são proibidos. São-no hoje, sê-lo-ão reforçadamente amanhã. Todas as práticas penitenciárias que, de alguma forma, pudessem pôr em causa o conteúdo essencial dos direitos fundamentais dos reclusos são inconstitucionais reforçada, redobradamente.
Em terceiro lugar, os domínios abrangidos pelas limitações possíveis previstas na lei não podem ser todos, os domínios. A Constituição não autoriza a devassa da intimidade dos reclusos, a Constituição obriga a que as intervenções da administração penitenciária se reduzam ao estritamente necessário.

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Por outro lado, o legislador ordinário não pode transformar os condicionamentos ao exercício de direitos, resultantes da limitação do próprio universo prisional em verdadeiras e próprias limitações; e isto, obviamente, aplica-se à situação de direitos, tais como o direito à educação dos filhos, o direito de casar ou de divorciar, o direito de ter relações sexuais; e isto implica medidas concretas organizativas por parte da administração penitenciária, com vista a, que tudo isto seja possível.
Em quarto lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os reclusos têm direitos sociais, têm direitos culturais. Deles não podem ser privados e o papel que o Estado tem na garantia desses direitos aos cidadãos que estão fora das cadeias existem também dentro das cadeias. 15to aplica-se também a direitos fundamentais, como o direito à saúde. É, por exemplo, chocante a situação que, a esse propósito, se verifica nas cadeias portuguesas. Não falo apenas da expansão ou do risco de contaminação pela SIDA, falo também, em geral, dos desmandos em matéria de saúde psiquiátrica; das debilidades no tratamento de doenças correntes, na ausência de prática de uma medicina preventiva, num desinteresse preocupante em relação à degradação da saúde física e psíquica dos reclusos portugueses.
Não menos importante ainda é o facto de os reclusos manterem o direito de participação na vida pública, incluindo o acesso ao Direito, Direito que por vezes é esquecido quando se penetra para além das muralhas das prisões.
Gostaria ainda de observar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é nosso entendimento que face a este quadro, fica inteiramente claro que, em caso de ofensa dos seus direitos, os condenados têm não só o direito de queixa de petição a órgãos públicos nacionais e estrangeiros mas também - aspecto que gostaria de sublinha - o direito de recurso para os tribunais; não podem ser privados de garantias jurisdicionais. Nesse sentido, é inconstitucional o actual sistema; que lhes restringe a garantia jurisdicional.
Desta norma que vamos aprovar decorrem consequências sérias. A primeira delas é a necessidade de revisão da legislação penitenciária, que, em diversos pontos, é inconstitucional, designadamente nos poderes que atribui à administração penitenciária.
A segunda é a necessidade de reorganização dá própria administração judiciária, que, em muitos pontos, continua a comportar-se como administração de arbítrio, não limitada pelos tribunais, não controlada, propotente, capaz de tomar decisões tanto de carácter individual como de carácter organizativo geral que violam e constrangem, no dia-a-dia, a vida dos reclusos e os seus direitos fundamentais.
Em terceiro lugar, é necessário que os tribunais tenham uma intervenção mais activa no interior das prisões, é necessário que os juízes de instrução de penas tenham uma intervenção mais positiva, mais constante no dia-a-dia da vida prisional, sem substituírem as autoridades prisionais, como é óbvio, porque, se trata de um poder judicial distinto das competências próprias da Administração Pública. Em todo o caso, a intervenção dos tribunais não fica na porta das prisões, deve ir para o seu interior.
Congratulamo-nos com a aprovação destas normas, que agora acabam de ser discutidas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado: Almeida Santos para uma intervenção, quero esclarecer - embora creia que todos os grupos parlamentares disso têm conhecimento, em todo o caso, quero deixar aqui o esclarecimento - que, na próxima segunda-feira à tarde terá lugar uma reunião que marca o início das nossas comemorações do 15.º aniversário do 25 de Abril, onde haverá lugar a intervenções dos Srs. Deputados.
É evidente que essa reunião é, para todos os efeitos administrativos, uma reunião do Plenário, o que significa que vai haver uma folha de presenças que os Srs. Deputados presentes que suponho e tenho a certeza, será a quase totalidade, para não dizer a totalidade - terão de assinar o mesmo acontecerá na Terça-feira, dia 25.
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós,- PS, nos congratulamos com à circunstância de se ter conquistado para a Constituição a nota de que o tratamento prisional deve ser o mais humanitário, possível.
A minha satisfação é tanto maior quanto é certo que a formulação final aprovada se aproxima mais da nossa proposta do que de qualquer outra. Nomeadamente o n.º 6 proposto pelo PCP era uma proposta casuística, direito a direito, o que nos pareceu que poderia, em concreto, não só não resolver todos os problemas que poderão ser resolvidos a partir de uma formulação genérica como aquela que foi aprovada como, ainda, de algum modo, criar obstáculos que, neste momento, não; seriam previsíveis..
De qualquer modo, penso que á aprovação desta disposição é uma conquista para. todos nós e temos de nos felicitar por isso. Vale a pena lê-la.

Os condenados a que seja aplicada pena ou medida de segurança privativas de liberdade mantém a titularidade dos seus direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução.

A disposição diz, pois, respeito aos condenados e não apenas, como na nossa proposta e na proposta do PCP, aos reclusos, aos que estavam condenados a cumprir penas privativas de liberdade; uma vez que o problema também se põe em relação aos outros condenados.
A formulação que se encontrou é uma formulação de compromisso como, em geral, o são todas as formulações que conseguem fazer vencimento, mas é, fundamentalmente, uma formulação rica em si, na medida em que prevê o essencial sem criar embaraços, que, neste momento, não sejam na sua totalidade, previsíveis.
Queria, portanto associar a minha satisfação à satisfação, já anunciada, do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo, a quem previno que já está a usar tempo da próxima semana.

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O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como é do vosso conhecimento também nós, no nosso projecto de Revisão Constitucional n.º 8/V, apresentámos propostas ao actual articulado do artigo 30.º da Constituição, não de alteração mas de aditamento de dois novos números, e também nós nos congratulamos pelo facto de a Assembleia da República ter podido saldar uma dívida antiga da sociedade e do Estado para com os inúmeros cidadãos que se encontram privados da sua liberdade em razão de actos praticados que violaram as leis desta mesma sociedade.
No entanto, havia que perguntar até que ponto é legítimo à sociedade encerrar cidadãos longe do convívio com os seus, longe de terem condições de salubridade mínimas, longe de verem os seus direitos mais elementares minimamente respeitados e exigir depois a esses cidadãos, no final do período de reclusão, uma reinserção social e que sejam capazes de viver e de aceitar as regras da convivência social.
Não era, pois, legítimo que esta exigência se fizesse e penso que, com aquilo que iremos aprovar na próxima sessão de votações, a Constituição sairá notoriamente melhorada no que respeita à salvaguarda e à garantia dos direitos dos cidadãos que se encontram a cumprir penas, já que a situação actual é dramática para muitos.
Foram inúmeros, este ano, os casos de suicídio, aliás, na senda dos anos anteriores. Há cidadãos que jamais conseguirão reinserir-se socialmente depois de terem passado, ainda que breves, períodos na prisão. Há cidadãos, cujos direitos - e já não falo nos fundamentais, porque também esses são violados e a sua violação é automática, uma vez que decorre do acto de entrada numa prisão - são violados, mesmo os mais elementares, muitas vezes com requintes de malvadez e pelas próprias administrações prisionais. Vivem, de facto, uma situação de silêncio imposto, de não poderem sequer fazer sentir à sociedade que, para além da pena que lhes é imposta por decisão judicial, estão a cumprir uma pena injusta, muito mais pesada do que aquela que decorre do acórdão do tribunal.
Foi para alterar substancialmente esta situação que quisemos contribuir, de resto também pensamos que o que vai ser aqui aprovado se aproxima das nossas propostas em dois sentidos: por um lado, que o Estado garanta - porque quem melhor do que o Estado poderá garantir a dignidade humana e a integridade física e moral dos recursos, o seu apoio educacional, jurídico e fundamental, para que os reclusos possam manter a sanidade e o equilíbrio afectivo, que é fundamental no desenvolvimento normal da personalidade? ... - as condições necessárias ao relacionamento desses cidadãos com os seus cônjuges, com os companheiros ou com os seus familiares, isto é, com aquelas pessoas que contribuem para a manutenção do seu equilíbrio afectivo. A questão do equilíbrio afectivo dos reclusos é tão importante para nós como a sua integridade física e moral.
Por outro lado, que as penas tenham como objectivo primordial não o castigo mas a reinserção na sociedade em condições de o cidadão poder, finalmente, encetar uma vida normal, dentro das regras do jogo, isto é, saber jogar, aceitar o jogo e contribuir para que a democracia continue a amadurecer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, muito brevemente, dizer que o CDS não apresentou qualquer proposta em relação a este artigo, mas congratula-se com a redacção que foi alcançada na Comissão Eventual de Revisão Constitucional e que, na base da proposta do PS, consagra uma solução equilibrada entre a necessária eficácia das sanções criminais aplicadas e os direitos fundamentais daqueles que têm de sofrê-las. Congratulamo-nos por isso e vamos, naturalmente, votar a favor da solução proposta pela Comissão Eventual de Revisão Constitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também referir que nos congratulamos com o texto finalmente obtido e que, no âmbito da l.3 Comissão, a subcomissão que visitou os serviços prisionais durante esta legislatura, não só no continente como nas regiões autónomas, verificou algumas dificuldades e carências com que ainda hoje diversos estabelecimentos prisionais se confrontam.
A construção das futuras cadeias do Funchal e do Algarve irá naturalmente colmatar algumas dessas carências que tivemos oportunidade de verificar e que são quase um atentado à condição humana de quem lá está e que é obrigado a estar lá.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recordaria, no entanto, que não basta só construir essas cadeias. Tivemos oportunidade de ouvir, quer do director de qualquer uma das prisões que visitámos, quer do Director-Geral das Prisões, que não há orçamento que seja minimamente razoável e suficiente para fazer face a todas as outras actividades paralelas que os reclusos são diariamente obrigados a desenvolver.
Recordo que não há, por exemplo, no Algarve, uma escola dentro do estabelecimento prisional. Os reclusos não têm o mínimo de formação profissional nem têm qualquer capacidade de se adaptarem, no seu dia-a-dia, à sua reinserção social. Recordo que também verificámos, no Algarve, a existência de um pequeno recinto desportivo onde os reclusos poderiam naturalmente ocupar os seus tempos livres e fomos confrontados com uma dramática realidade: não havia dinheiro para comprar um único par de sapatilhas ou uma bola, para que os reclusos pudessem eventualmente ocupar esses tempos.
Congratulamo-nos, porém, com a evolução que hoje se verifica, relativamente à construção das duas futuras prisões que referi, uma vez que irão colmatar e permitir que os reclusos possam, neste caso concreto, estar mais perto dos seus familiares e que a sua adaptação à nova reinserção social possa fazer-se de uma maneira mais harmoniosa. Chamamos, no entanto, a atenção para as verbas que necessariamente terão de disponibilizar-se em termos futuros, para que o benefício que há de novas instalações não possa eventualmente vir a ser ultrapassado pelo malefício de continuarem exactamente nas mesmas condições em que se encontram, ou seja, de graves carências.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem, o Sr. Deputado Costa Andrade, com alguma infelicidade, acusou o PCP de Ter uma proposta malévola em matéria de reinserção social. Na altura, pude desmenti-lo. O Sr. Deputado não teve em atenção o contexto adequado para o debate e talvez por uma necessidade propagandística, que tinha mais a ver com a televisão do que connosco, fez uma objurgatória infundada à qual eu gostaria de responder. E, se V. Ex.ª e estiver interessado no diálogo e não na «peixeirada» para efeitos televisivos, isso será útil.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, permite-me uma observação de carácter pessoal.

O Orador: - Sr. Deputado, vamos já travar esse diálogo, mas permita-me que exprima a minha ideia originária è depois V. Ex.ª falará.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - ...uma vez que esta foi ad hominem e ad personna?
Sr. Deputado, penso que encontrará algo mais privilégio para criticar em matéria de cuidado ou de preocupação com a televisão e não encontrará ninguém menos preocupado e menos empenhado do que eu em pôr o seu melhor pé à frente no que toca a imagens televisivas. Não encontrará ninguém, Sr. Deputado....

O Orador: - Eu compreendo Sr. Deputado. V. Ex.ª foi, ontem, bastante mal tratado pela «RTP-laranja», mas o deputado Silva Marques é que tem a «assinatura paga para esse efeito è, portanto, teve o adequado destaque...

Risos.

Uma voz do: PSD: - Há deputados e deputados!

O Orador: - Mas isso é a «RTP-laranja» , que é obscena; desse ponto de vista. É a verdadeira censura qualificada ao serviço da cacicagem canibalista.

Sr. Presidente; Srs. Deputados: Em matéria de reinserção social, a proposta do PCP visa assegurar á clarificação de que a reinserção é um objectivo constitucional.

A nossa proposta corresponde aos parâmetros.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas dado o barulho que se faz sentir na Sala; quero colocar duas questões: por um lado, os neologismos são criativos e às vezes são excessivamente criativos, portanto, gostaria que utilizássemos o português clássico. Por outro lado, gostaria que utilizássemos o silêncio adequado para que os debates possam decorrer no ambiente devido a um assunto tão importante como é o da revisão Constitucional.
Pode continuar, Sr. Deputado José Magalhães.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do PCP, tendente a sublinhar que todo o tratamento penitenciário deve obedecer à finalidade de
reinserção social, inspira-se em princípios fundamentais desde logo; os que dizem respeito à dignidade da pessoa humana, consignados constitucionalmente. Eles visam que o homem sujeito a reclusão. seja tratado como pessoa, e não como objecto ou como escravo.
Como sublinha-a Sr.ª Dr.ª Anabela Miranda Rodrigues, no seu estudo«A posição jurídica do recluso», insuspeito seguramente de qualquer fidelidade as ideias políticas que, nós perfilhamos, citada mal pelo Sr. Deputado Costa Andrade ou _pelo menos os com obliteração de aspectos fundamentais.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PS D): - Sr. Deputado, tenho de fazer-lhe uma correcção, porque - e, penso que posso exigir-lhe um maior rigor - só citei- aqui a Dr.ª Anabela Rodrigues a propósito dos direitos dos reclusos, ou seja, da matéria, atinente ao n. º, 5 e não à reinserção social, dizendo que a Dr.ª Anabela Rodrigues, em estudo dedicado à matéria, já. extraía da Constituição vigente um espectro de direitos e um entendimento das coisas sensivelmente semelhantes àqueles que agora resulta.
Por isso, Sr. Deputado, deve fazer, esta correcção. Exijo-o da sua honestidade intelectual!

O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, repito o que disse: V. Ex.ª citou, em parte a autora a que agora se, refere e eu entendo, que ela deve ser citada no seu todo exactamente na parte em que sublinha que a reinserção social - que nós gostaríamos de consagrar constitucionalmente e que VV. Ex.ªs, infelizmente, não querem é uma verdadeira exigência constitucional como valor que cumpre ao legislador ordinário não só realizar como preservar. E, de facto é assim.
Poderia o legislador ordinário, senão nas prisões, garantir ao recluso um tratamento humano, adequado à sua qualidade de pessoa e não de objecto? Deve o legislador organizar ou não as medidas necessárias para que os reclusos; possam reinserir-se na vida social segundo, a sua vontade, com respeito pela sua liberdade? É um objectivo absolutamente fundamental e nós apelamos a que o PSD aceite a inclusão de uma norma deste tipo na Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem qualquer preocupação, de imagens televisivas, porque, repito...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não está cá o Sr. Deputado Silva Marques, portanto não corre esse risco!!

Risos.

O Orador: - ..., se alguém tem feito este processo de Revisão Constitucional com alguma intervenção activa e com uma desproporcionada ausência, no que

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toca a estes meios, esse alguém é quem fala. Mas também devo dizer-lhe, por amor à verdade, que é quem menos preocupado está com isso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São três as notas fundamentais quanto às matérias em questão.
Em primeiro lugar e no respeitante à parte consensual, já ontem tivemos oportunidade de manifestar a nossa concordância em relação à matéria que, por unanimidade, vai passar, ou seja, no que toca ao n.º 5 - e convém ter sempre presente esta coisa comezinha: nenhuma inovação legislativa passa sem o voto do PSD. Portanto, entendemos sempre como votos favoráveis, como votos de louvor ao PSD todas as apologias que se façam de normas constitucionais, cuja aprovação se adivinha.
Convém, apesar de tudo e também como contributo hermenêutico importante, pôr a tónica em dois aspectos em relação aos quais talvez convenha deixar esta nota com os seus conteúdo e validade hermenêuticos para o futuro: primeiro, a limitação dos direitos fundamentais dos reclusos tem, do ponto de vista do legislador constituinte, dois tópicos de legitimação, de excepção ou de compressão, dos direitos fundamentais, isto é, como primeiro limite uma referência de carácter jurídico (aquela que resulta do sentido de condenação e que é uma referência para a compressão dos direitos dos reclusos) e como segundo limite, não menos importante - convém enfatizá-lo -, aquele que resulta das exigências próprias da respectiva execução (que é uma referência de carácter fáctico e que, como todas as coisas de carácter fáctico, é um limite com uma certa plasticidade, com uma certa adequação, que tem implícita esta ideia de uma certa natureza das coisas. As limitações de carácter fáctico são hoje umas, amanhã serão naturalmente outras, porventura - e desejamos que sim - menores à medida que se forem realizando progressos no que toca às condições materiais possíveis de execução das penas. E isto é importante!
Prudentemente, o legislador constituinte não vai adoptar a proposta que, por exemplo, o PS fazia no sentido de as limitações serem apenas as impostas em consideração da segurança do estabelecimento prisional, isto é, o legislador constituinte vai ser mais prudente e vai dar ao legislador ordinário não só a exigência da segurança mas outras exigências co-naturais, próprias da execução das penas.
Dizia o PS que os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações resultantes do sentido da sentença condenatória...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Há mais que segurança!

O Orador: - Sr. Deputado, mas este é o limite jurídico de que eu estava a falar... Agora eu estava a falar dos fácticos. O sentido da execução das penas passa para o texto constitucional, o que não passa para o texto constitucional é, no que toca aos limites fácticos, a exigência do PS. Vamos ser mais prudentes e o PS também, porque vai votar isto. Talvez um dia, com o progresso das coisas, seja possível circunscrever às exigências de segurança a referência possível de limitações aos direitos fundamentais. Por enquanto, o legislador constituinte deixa aberta a possibilidade a outras limitações.
Fundamentalmente, quanto à reinserção social, já disse tudo o que tinha a dizer. Limito-me apenas, e a título de síntese, a focar algumas notas. A primeira tem a ver com o facto de não haver tópico, ao nível da história da cultura e da cultura das ideias, que tenha tido maiores mutações do que estas três ideias fundamentais: a ideia da Justiça - ideia kanteana, pereat mundus, fiai justitia, o que é preciso é castigar, ideia fundamentada a nível filosófico por Kant e bem popularizada a nível da literatura pelos romances, por exemplo, de Dostoievsky... Esta é uma ideia que está aí!...
A segunda ideia é a da pena dirigida à personalidade do indivíduo, ou seja, o tratamento.
A terceira ideia é a da defesa da sociedade ou ideia de prevenção geral: defenda-se a sociedade com os custos que sejam necessários.
Estas três ideias têm-se sucedido ao longo da História a um ritmo verdadeiramente alucinante e em termos tais que, hoje, obriga-nos a nós, homens do século XX, a ter a devida atenção às coisas, a ter um certo relativismo e uma certa contenção no «pecado» de narcisismo. As ideias que temos hoje, não tenhamos ilusões, podem não ser as de amanhã. Não devemos cometer o «pecado da gula» de pensar que todas as possibilidades do futuro temo-las nós aqui, na nossa mão. Não! As coisas estão sujeitas a esta alternância, portanto não podemos parar a História.
Por outro lado, é evidente que a ideia de ressocialização conta hoje com um grande consenso nacional, sendo, outrossim, evidente que o protagonista, a nível da legislação ordinária, tem sido fundamentalmente o PSD: foi o PSD o protagonista do novo Código Penal, tal como foi o PSD o protagonista fundamental do novo Código do Processo Penal, acções em que tivemos connosco vários partidos e sempre contra nós o PCP.
Por vontade do PCP estaria ainda em vigor o Código de 1952, sem ressocialização, teríamos ainda em vigor o velho Código do Processo Penal, com crimes incaucionáveis, e não teríamos ainda quaisquer destas melhorias.
Mas o nosso sucesso foi verdadeiramente espantoso e é difícil encontrar, a nível da história das ideias, um sucesso tão espantoso como este em que conseguimos converter à ideia da ressocialização todas as forças do espectro político, designadamente o PCP, o que é - repito - um sucesso verdadeiramente espantoso!!
Quanto ao terceiro ponto, devo dizer que hoje não há ninguém que a nível da doutrina defenda a inscrição na Constituição da ideia da ressocialização como fim constitucionalmente previsto, indicado ou imposto.
Eu vou, de novo, citar a autora que V. Ex.ª citou e que eu citei ontem a outro propósito - mas quanto a isso já estamos entendidos, pois felizmente quando falamos entendemo-nos!... O Sr. Deputado José Magalhães citou uma frase que pode, de um certo entendimento das coisas, sugerir a ideia que o Sr. Deputado defende. Posso garantir-lhe - e não posso aqui louvar-me de outra coisa que não seja a bondade de o Sr. Deputado acreditar em mim ou não - que hoje, em Portugal, ninguém defende isso, mesmo a autora citada, que é francamente contrária à introdução, na Constituição, desse imperativo ou dessa orientação de ressocialização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por estas razões, com dois convites...

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado. Mas não seja muito longo, porque o tempo é meu!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não serei Sr. Deputado. Farei exactamente o que V. Ex.ª fez, com o mesmo espirito!
Sr. Deputado Costa Andrade, não é absurdo que a Constituição de um país consagre a reinserção social como finalidade.

O Orador: - Eu já ia para aí, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - A Constituição Espanhola estabelece, por exemplo, no seu artigo 25.º, n.º 2, que as penas privativas de liberdade e ás medi
das de segurança serão orientadas para a reeducação e para a reinserção social de reclusos e não poderão consistir em trabalhos forçados. A Constituição Espanhola garante mesmo que os reclusos tenham direito ao exercício de certas faculdades e a trabalho remunerado.

O Orador:- Sr. Deputado, num pequeno diálogo, não se importa de dar-me a data em que foi elaborada a Constituição Espanhola?

O Sr. José Magalhães (PCP): - A Constituição Espanhola é de 1978, Sr. Deputado!

O Orador: - Óptimo!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sei se V. Ex.ª acha que isso é secular, mas não me parece que tenha sido assim há tantos anos e a ideia, sobretudo, é moderna.

O Orador: - Sr. Presidente Srs. Deputados: Inteiramente em consonância com aquilo que eu estava a dizer e vou efectivamente terminar, não posso louvar mede outra coisa que não seja o de alguns modestos conhecimentos nesta matéria, sentindo-me perfeitamente reconfortado para dizer não à ideia de reinserção na Constituição! Além disso, hoje, ninguém a defende. É certo que não só a Constituição Espanhola mas também a italiana têm, esse objectivo. A italiana, muito mais antiga, foi elaborada num período em que fazia escola o célebre Comité das Nações Unidas para os Problemas Criminais, que foi erigido em nome da panaceia do tratamento, que hoje é renegada por todos. É posso dizer, Sr. Deputado, que é hoje ofensivo, entre criminólogos e penalistas, dizer que ele é de «tratamento»; é ofensivo dizer-se: «- Tu tens uma ideologia de tratamento!» ou «- Tu és de tratamento!»

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nós não!

O Orador: - Eu sei que não, Sr. Deputado! Receio bem, Sr. Deputado, que amanhã a ideia, tal como está expressa, possa eventualmente, ser, também objecto de alguns apodos.
Termino, Sr. Presidente, retomando as duas ideias de síntese que me propunha,, a primeira das quais é um convite e um estímulo à maximização das ideias e dos
programas de ressocialização a nível da prática quotidiana. A ideia de ressocialização é uma ideia muito cara ao PSD, porque foi este que a protagonizou e que conseguiu, de certa maneira, converter isso num tópico de consenso nacional e é extremamente importante em termos políticos que isto se diga.
A segunda ideia é a de, em termos histórico-culturais e fazendo um convite a uma certa modéstia de carácter cultural, dizer que nós não temos a História toda, não temos a consumação dos tempos nas nossas mão nem eles se consumem aqui... Aliás, atrás de tempos, tempos vêm.
Dizia eu ontem, citando um poeta português e convidando a esta abertura ao futuro: «Junquemos de flores o chão, o futuro vem aí!»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão entre nós, alunos da Escola Primária da Buraca, da Escola Secundária de Elvas, da Escola Secundária de Amarante e da Escola Secundária de* Oliveira de Azeméis.

Aplausos gerais.

Estas visitas são naturalmente muito instrutivas para os alunos que hoje nos visitam, mas nesse espírito talvez um pouco de professor, gostaria de dizer-lhes que não podem manifestar-se, enquanto estão nas galerias.
Para pedia esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes):- Sr. Presidente, quero fazer uma simples pergunta ao Sr. Deputado Costa Andrade, porque sei que ele é, nesta matéria como noutras um verdadeiro especialista.
Sr. Deputado Costa Andrade, «Junquemos de flores o chão (...)», enfim, semeemos, antes, de flores o chão porque o futuro vem aí e penso que podemos caminhar sobre flores sem ter de arrancá-las de um lado para pô-las noutro. É apenas uma ideia que me ocorreu ao bonito final da sua intervenção.
Aquilo que queria perguntar-lhe é muito simples: o Sr. Deputado. disse que, de facto, o PSD é o «campeão» da ressocialização e da reinserção social dos reclusos, mas o PSD é também responsável pelas condições prisionais, desde há uns anos a esta parte, portanto terá pecados, e terá virtudes! ...
Lembro-lhe apenas este pequeno elemento para que, quando voltar a reflectir-se vangloriar-se assim tanto das virtualidades do PSD, se lembre de que na prática, se hoje, há sofrimento nas prisões para além daquele que é humanamente admissível, alguns pecados disto haverá também imputáveis à administração do PSD.
Aquilo sobre que gostaria de interpelar o Sr. Deputado tem a ver com o facto de V. Ex.ª ter afirmado que, hoje em dia; já não passa pela cabeça de ninguém ser legítimo tratar os presos no sentido de reinseri-los na sociedade após tratamento. Mas como é que vamos fazer a reinserção social? É através da distribuição de tarefas, que, no fundo, não passam de trabalhos manuais, de tarefas patetas, como a fabricação de bandeirinhas, pendões para campanhas eleitorais ou casinhas com fósforos? Ou vamos, de facto, agarrar a questão pelos «comos», isto é, de frente, e pôr os presos, aqueles que têm condições para isso, a trabalhar

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para a sociedade em tarefas úteis e remuneradas, ou seja, pagar-lhes o justo pelo trabalho que executarem? Vamos fazer deles patetas ou vamos tentar que eles se assumam como cidadãos de corpo inteiro?

O Sr. Presidente: - Si. Deputado Costa Andrade, há ainda um segundo pedido de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no final?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Pode ser já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - A resposta é a segunda hipótese, Sr. Deputado Herculano Pombo!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª, na defesa da posição adoptada quanto à proposta do PCP, reivindicou, para o seu partido e para os membros do seu partido que ocuparam ultimamente a pasta da Justiça, a defesa do princípio da reinserção social e falou no Código Penal de 1982, invocando, portanto, uma prática do seu partido no Governo.
Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado Costa Andrade, se as dúvidas que põe em relação à proposta do PCP, nas quais acompanho V. Ex.ª, não andarão de par com o sucesso ou insucesso do Instituto da Reinserção Social, de que, pelos vistos, o PSD é «campeão» - qualidade que V. Ex.ª aqui reivindicou.
Poderá V. Ex.ª também, tendo invocado essa prática do Governo, dizer-nos ou dar-nos alguma nota sobre isso?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito telegraficamente, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que reivindiquei uma protagonização por parte do PSD no mundo das ideias, no plano e no contexto que isso releva para a Revisão Constitucional de que estamos a curar.
No que toca à pergunta mais concreta que o Sr. Deputado me coloca, em primeiro lugar, a minha resposta tem de partir de uma negação dos pressupostos. Os meus pressupostos fácticos não são os do insucesso do Instituto de Reinserção Social; pelo contrário, são os de que o Instituto de Reinserção Social está a fazer uma obra meritória, cujos frutos talvez ainda não sejam visíveis na sua plenitude, hoje em dia, frutos que, de resto, talvez só venham a revelar-se em plena maturidade quando se alargarem os meios necessários a isso, aspecto de que ninguém tem consciência, mas que é um problema de política legislativa e de acção governativa. Ora, eu gostaria de estar aqui um pouco como imagem da Justiça, com uma balança na mão profundamente equilibrada e com igual indiferença e distância em relação aos governos que se vão sucedendo.
Aqui, Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu sou um legislador constituinte.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é nosso entendimento - isto face a uma declaração do Sr. Deputado Costa Andrade -, em primeiro lugar, que este preceito obriga o legislador a fixar expressamente os casos de limitação dos direitos fundamentais, não podendo lançar mão de conceitos incertos e vagos ou cláusulas de última razão. Designadamente as cláusulas relativas à ordem e segurança dos estabelecimentos não são valor em si; em segundo lugar, a aplicação de limitações deve ser individualizada, adaptada ao caso concreto, diferenciada em relação aos diversos tipos de reclusos, aos diversos tipos de estabelecimentos. O Sr. Deputado Costa Andrade está a acenar que sim.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto!

O Orador: - A sentença deve ser conformadora da execução e é em função da sentença que devem ser definidas as exigências próprias da respectiva execução, nos termos da própria lei. Mas o legislador está limitado e não gostaríamos que a última cláusula deste preceito pudesse ser interpretada como uma cláusula tipo alçapão onde coubesse tudo o que a fantasia do legislador viesse a verter. É extremamente importante que esta precisão seja feita e suponho que todas as bancadas estarão de acordo com ela.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, eu disse que sim até onde disse e, portanto, concordando até onde concordei! Está, pois, registado até onde vai a minha concordância.
É óbvio que o princípio da limitação fáctica é também dependente das condições decorrentes da natureza das coisas. Sobre o legislador impende o imperativo de reduzir os limites impostos pela natureza das coisas, mas não podemos exigir-lhe o dever de derrubar as paredes impostas pela natureza das coisas, à cabeçada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem à bofetada!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, está encerrado o debate relativamente ao artigo 30.º e, não havendo alterações ao guião da CERC, vamos passar ao debate do artigo 32.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 32.º, o CDS fez uma proposta de alteração ao n.º 4. O que pretendíamos era que as hipóteses de delegação, noutras entidades que não o juiz, para a direcção da instrução dos processos criminais estivessem rigorosamente tipificadas na lei e não pudessem ficar à decisão discricionária do mesmo juiz.
A nossa intenção, nesta matéria, radicava fundamentalmente no cuidado que devia ser posto nela para garantir a intervenção fundamental do juiz na direcção da instrução, atento o quadro resultante da publicação do novo

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Código do Processo Penal, com a distinção entre -inquérito e instrúção,lcóin a atribuição de carácterºfacúltativo à instrução, com a elimiitinação dos juízes de itts= trução criminal. Criava=sè aí'útii quadro que como.qúe constituía em certas circunstâncias uma autêntica pressão sobre-os juízespara decidirem-nesta matéria.-'Por isso, entendíamos que era preferível -tipificar na lei, não deixando à discricionaridade. do -próprio juiz á.possibilidade de, perante èsta -pressão que sobre ela é exercida, delegar noutras entidades a condução -da instrução dos processos criminais.
. No entanto, esta nossa ,opinião não obteve acolhimento na Comissão Eventual de. Revisão .Constitucional. E.,.-porque não obteve acolhimento., de--qualquer partido e porque a,manter-se a sua votação poderia ter efeitos interpretativos porventura.perversos e.ainda mais perversos no sentido de não evitar aquilo que, no
fundo, pretendíamos evitar, vamos retirar. ëstà proposta
de alteração ao n.º 4 do 'artigo 32-.º' '-

O Sr. Presidente: -= Srs. Deputados,'- `o C13S'àc L aba
de' retirar a proposta' de substituição ao ii.º 4 do'ártigo
em discussão. ' " -
Para uma intervenção, tem a palavra ó.Sr.ºDeputádo

Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): = Sr: Presidente, Srs. Deputados: Uma vez que estamos á terminar estas questões ligadas aos tribunais e á èsi`es processos, gostaria de fazer esta -intervenção aproveitando á opóitú= nidade para tecer algumas, considéráç'oes 'sobre' este mesmo artigo e os artigos que o antecederàm,-pedindo, simultaneamente, permissão aos ilustres juristas 'ecoristitucionalistas-que vêm intervindo sobre esta matéria.
Quero também fazer uma.pequena observação que tem a ver com uma certa postura. relativamente a todo este processo e aos tempos atribuídos para a discussão.- É de sublinhar o facto de os vários grupósparlaméntares terem esgotado quase todo o tempo semanal atribuído a discutir uma meia dúzia de artigos sobre, os quais, por acaso, existe cónsensò. Desta forma, não sei como. é que á gestão dos,.tempós, relativamente à revisão da Constituição, vai permitir utilizar otempo naquilo que efectivamente não existe consenso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não está em causa, do nosso ponto 'de 'vista -='e irão perceber por que é que vou fazer esta observação=, o nosso 'respeito ins'titucional pelos tribunais, mas creio que não será correcto- que os constitucionalistas `e os deputados que estão a rever & Constituição »façam as intervenções que fazem, procurando melhorar o texto ,da Constituição, não reflectindo simultaneamente aquilo que se passa fora da Assembleia da.-República. Naturalmente, estou a referir-me ao caso de prisioneiros ou de arguidos que

ainda não estão considerados culpados...

OSr. Noguelra dé.Brto (CDS):,,- Presos!' O Orador: = ... , os presos - exactamente =; que
estão, muitos deles não .só em condições deploráveis,
como foi aqui referenciado, más que estão. em situar de prisão preventiva muito para além do tempo

que está previsto e que a'nossa Constituição contempla. Gostaria de referir, como símbolo de. vários ,casos: o de Otelo Saraiva de Carvalho e não quereria que 'à volta deste exemplo se tecessem considerações especiais para além do facto de ser -um simples preso do qual

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me- vou socórrér, do ponto de vista exemplificativo, ,nomeadamente no contexto da prìsão preventiva. E o facto- de, nesfè- artigo 32.º; para o qual' naturalmente não .se própõein=àlterãções,'se dizer no seu n.º 2 que todo ó' arguidõ prësumé mo éente afétrânsito em julgado da sentença. de condenação devendo ser julgado, no mais curto prazo compatível.com as garantias de defesa.

-_ ï' Eu entendo -. e- provavelmente o Otelo entenderá .também,-- que ele é' um cidadão vulgar,. comum, que não deve ter qualquer regalia especial, não deve ser enquadrado em qualquer conceito especial. Portanto, o exemplo que dou 'do Otelo só tem um. significado: .º-de ser mais identificável e não o de ter qualquer outra característica. - ..

Mas 'b facto de haver um -arguido que está preso há 'cinco anòs'ein prisão preventiva vai, naturalmente contra tudo é contra toiros os consensos que temos estabelecido relativamente-às garantias que devem ser dadas aos arguidos e àoy que deve'. ser 'um processo normal e correcto; nomeadamèhte no respeitante à prisão preventiva.

Todos .nó's satìëmos, .ìnclusivamente, que neste caso conçretó ó próprio Tribunal Constitucional mandou
ànular ó julgamento a partir do píocesso do Tribunal
da'Rèláção, o que do ponto de vista teórico pode conduzir a que o julgamento, ao repetir-se,. termine, pelo menos, para lá'-do meio' da 'pena máXma previsível adaptatiaa um árgúido-e qúé,'ém condições normais, estaria -em condições de sair em liberdade condicional.

- Sabemos taíbém que o.julgamento,.néste caso conçreto, foi feito em condições que deixam muitas dúvidãs' é que a situação em que Otelo se encontra é de manifesta .injustiça. relativa, viola os preceitos da Constituição é, mais dó que. isso, é rim caso em que, pelo facto de a Justiça ter demorado iantó.tèmpo a encontrar. ás .sòluçíies- adequadas,. pode inclusivamente questionar=se, , como se. tem -questionado, , sóbrè á sua amnistia -= ,e .tiessè. sentido , e. já foi aqui apresentado por.,um deputado desta Cámarà um projecta de. lei.

,,.-De resto, nesse. sentido ase têm manifestado também quer constitucionalistas quer outras pessoas de competência reconhecida ligadas ao Direito, como seja, por exemplo, o caso do Dr. Júlio.;Castro Caldas, que disse na passada segunda-feira .que, pelo:facto de a prisão preventiva ter ultrapassado todos os limites, se poderia ponderar a posição política a adoptar e que esta poderia ser,- inclusivamente a própria amnistia.

Sr. Presidente, Srs. -Deputados: Gostaria de repetir que, do meu ponto de vista, não . está em causa o respeito.quenos merecemos-tribunais em -termos institucionais. .Porém; não podemos ignorar, a forma como a organização judiciária está a funcionar. e que permite que no Portugal de ,Abril., no -Portugal democrático, quando em-termos 'da. nossa Constituição está previsto um. tempo; máximo de prisão preventiva de três anos haja arguidos-que estão em prisão preventiva há cinco .anos e cuja-conclusão do processo em termos normais, ,a não .serem tomadas outras medidas; não. é possível prever. Portanto,. não é possível prever durante quantos anos mais estarão em prisão preventiva.

Agóra que estamos, em termos de revisão da Constituição, a= tërmïtiàr: o capitulo relacionado com esta matéria eú não podia. deixar de -apresentar esta minha posição; que é, 'simultaneamente, um . protesto; um

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lamento e um apelo para que, dentro das regras da justiça, se encontrem as melhores soluções, que não permitam que casos destes possam ocorrer e que, em termos internos e externos, levem as pessoas a questionarem-se sobre que justiça temos em Portugal.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Marques Júnior, não sou contra a tentativa, que, com êxito, tem sido feita por parte de alguns deputados, de procurar dar uma tradução concreta à discussão da Revisão Constitucional. Recordo mesmo que ontem tive ocasião de louvar o Sr. Deputado Herculano Pombo por ter feito precisamente isso em relação a um caso concreto, a uma notícia que, a propósito de uma alteração proposta neste Hemiciclo e já ontem votada, ele invocou.
Porém, Sr. Deputado Marques Júnior, creio que agora V. Ex.ª não prestou um bom serviço à Revisão Constitucional. Que alteração propôs o PRD ao artigo 32.º que justique a intervenção que acabou de produzir?
Não discuto o fundo dessa intervenção, pois o Sr. Deputado veio aqui fazer um lamento de solidariedade para com um amigo seu. Portanto, não vou discutir que o Sr. Deputado o tenha feito; vou até, porventura, louvar os sentimentos que o moveram a produzir esse lamento aqui, na Assembleia da República.
Porém, gostaria que o Sr. Deputado dissesse se entende adequado conjunturalizar dessa maneira a Revisão Constitucional a propósito de uma determinada disposição que estamos a rever, introduzindo um discurso que não tem a ver com qualquer alteração em discussão, nem sequer com a discussão, do próprio preceito em si. O Sr. Deputado pensa que isso poderá, de alguma maneira, servir os nossos propósitos de revisores da Constituição?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, no início da intervenção que produzi tive oportunidade de referir o facto de ela se inserir no conjunto dos artigos que tínhamos estado a analisar. Aproveitei a oportunidade para me referir relativamente ao artigo 32.º e poderia tê-lo feito relativamente ao artigo 28.º, que diz respeito à prisão preventiva. De facto, não há nenhuma proposta de alteração apresentada pelo PRD relativamente a isto.
concordamos com o que está previsto no artigo 32.º, mas; Sr. Deputado Nogueira de Brito, não é possível estarmos aqui a louvar-nos das boas soluções que a Constituição encerra e das melhorias que lhe estamos a introduzir ignorando a realidade objectiva do que se passa no nosso país.
Aliás, devo dizer que não se trata aqui de uma questão de solidariedade para com um amigo meu - gostaria, pois, que essa questão fosse considerada perfeitamente marginal - mas, sim, do facto de estarmos a falar de justiça, das situações prisionais, na reinserção, etc. Ora, como estamos a terminar o capítulo dedicado a toda esta matéria, considerei adequado - na medida em que não é inadequado - repor esta situação e chamar este problema à consideração das pessoas. Portanto, creio que se justifica perfeitamente o meu tipo de intervenção.
Gostaria que os Srs. Deputados tivessem capacidade para isolar o conceito da solidariedade para com um amigo em concreto e entendessem o problema numa outra perspectiva, como seja a de tentarmos encontrar a melhor metodologia e os melhores processos para que a justiça em Portugal seja uma realidade e não apenas uma palavra. Portanto, gostaria de enquadrar esta minha intervenção nesse conceito global de justiça, porque é disso que se trata.
Na verdade, não usei da palavra pelo facto de se tratar de um amigo meu, ou de um amigo nosso, ou de um amigo de Portugal, ou de uma conjuntura política especial em que se fala de um homem que teve a participação que teve - e recordo, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que tive o cuidado de fazer a minha intervenção sem nunca referir o que esta representava para o Otelo, mesmo nesta quadra histórica que estamos a referir. Estou a referi-la agora pelo facto de o Sr. Deputado ter invocado ou, de certo modo, ter minimizado a minha intervenção correlacionando-a, pura e simplesmente, com um acto de solidariedade. Portanto, tive o cuidado de não referir esse aspecto porque quero que o Otelo seja tratado como um cidadão vulgar, comum. Aliás, creio que ele próprio não exigirá outra coisa.
Porém, um cidadão vulgar, um cidadão comum não pode estar cinco anos em situação de prisão preventiva quando ainda não se sabe quando é que esta vai terminar e quando a Constituição que estamos a rever e pela qual nos estamos a bater impõe que a prisão preventiva máxima seja de três anos.
Esta é que é a questão de fundo.

Aplausos do PRD, do PCP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando o Sr. Deputado Marques Júnior iniciou a sua intervenção teve o cuidado de salientar que o caso que estava a tratar era apenas um exemplo. Porém, esse caso acabou por ser todo o conteúdo da sua intervenção.
Gostaria também de chamar a atenção do Sr. Deputado para o grande risco de uma intervenção desse tipo e que é o seguinte: desincerindo essa intervenção de qualquer alteração proposta para a Constituição em sede de revisão, V. Ex.ª está a fazer-nos correr o risco, assim como à Assembleia e ao país, de pensar que a Constituição e as alterações que lhe estamos a introduzir não têm qualquer reflexo prático. Ora, isso é muito negativo, Sr. Deputado Marques Júnior, e eu não podia deixar de sublinhá-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para formular .pedidos ire esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, perante esta intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior V. Ex.ª afirmou aqui que o País corre o risco de alguém pensar que a Constituição não é para se aplicar. Porém, o que pergunto é exactamente o contrário: perante a opinião pública nacional e internacional o País não correrá o risco de saber que estamos a tentar melhorar uma Constituição e que persistem na nossa terra situações que são perfeitamente incompatíveis com o que a Constituição já estipula? Não será esse um risco muito maior?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Herculano Pombo, V. Ex.ª é o juiz desses riscos todos. Simplesmente, há meios que os deputados têm para elimina-los. E isso não se faz aqui ao rever a Constituição e ao não apresentar propostas que apoiem os seus desejos e as suas intenções. É isso o que quero dizer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Nogueira de Brito disse que eu pretendia que na minha intervenção o Otelo fosse considerado como um cidadão vulgar limitei-me a dar um exemplo para que seja perceptível em termos de opinião pública o que se pretende; não ia falar em termos abstractos do cidadão x, y ou z, mas se quiserem que o Otelo seja um cidadão x, y ou z não me importo.
Porém, depois fui levado a fazer outras referências complementares e envolventes deste caso específico face à intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito, que suscitou o «emoldurar» esta minha intervenção que, de todo em todo, não pretendia. Aliás, isso ficou claramente expresso na minha primeira intervenção.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, se as suas preocupações fossem reais, quer dizer, se às pessoas pensassem que o facto de estarmos aqui a discutir casos concretos e a mostrar a sua incompatibilidade com o texto constitucional pudesse levar os cidadãos deste país a pensar que a Constituição não se aplica, provavelmente haveria algum perigo para a minha intervenção, na medida em que creio que não deve ser assim mas; sim; o contrário.
Mas, Sr. Deputado, se os cidadãos deste país tivessem oportunidade de assistir às brilhantes intervenções e não tem qualquer sentido irónico esta minha observação - a que temos assistido relativamente a toda esta questão dos direitos, creio, talvez mal - e Deus queira que assim seja porque é sinal que me engano e que as coisas são muito melhores do que aquilo que penso!...-, que a maioria- dos portugueses tinha muita dificuldade em acompanhar o debate que aqui se tem processado, independentemente do nível e da elevação que tem tido.
Talvez não seja mau, dentro da preocupação do Sr. Deputado Nogueira de Brito, dizer às pessoas o seguinte: os nossos deputados os nossos representantes, dizer coisas que não entendemos, mas também são capazes de dizer coisas que entendemos. E afinal á realidade prática da Constituição é uma realidade concreta e objectiva. As pessoas fazem intervenções e a ligação à prática existe! Afinal aqueles nossos representantes não estão completamente desfasados da realidade! Eles estão metidos no Hemiciclo mas sabem o que se passa cá fora e a tradução prática do que se passa cá fora está a ser considerado da melhor maneira possível, em ordem a vertê-la para o próprio texto constitucional e para a lei.
Nesse aspecto a minha intervenção tem esse objectivo e não o que o Sr. Deputado Nogueira de Brito pretendeu. Caso contrário, teria de penitenciar-me, mas não foi esse o sentido da minha intervenção.
Creio, pois, que a minha intervenção tem a característica contrária àquela que pretendeu o Sr. Deputado Nogueira de Brito: e que é a característica contrária que desejo, que tenha.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Como temos demonstrado, o debate da Revisão Constitucional deve fazer-se com uma atenção grande a tudo aquilo que nós rodeia e sem tabus. O 25 de Abril acabou com a censura e a Assembleia da República deve encarar todas as expressões, e encará-las sem reservas!
Ora, pensamos que é tempo de encarar o «Caso Otelo», e o Sr. Deputado Marques Júnior exerceu um direito e porventura um dever de consciência ao suscitar a questão neste momento. O momento foi o que o Sr. Deputado escolheu e não nos cabe censurá-lo por isso. Quanto muito, cabe-nos assumir, responsavelmente, a posição que tenhamos a coragem de assumir.
Nós deputados do PCP, tomámos; em tempo, uma iniciativa que consiste numa proposta dirigida aos órgãos de soberania sobre esta matéria. Sabemos que
há uma iniciativa, uma proposta de amnistia oriunda da bancada do PSD. A questão está colocada e a Assembleia da República deve encará-la no tempo próprio e com a responsabilidade própria. Pela nossa parte estamos completamente disponíveis para considerar esse conjunto de questões.
É esta a nossa posição e gostaríamos que ela ficasse aqui registada a propósito da intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Saúdo a atitude do CDS de retirar a sua proposta de alteração do n.º4 do artigo 32.º Na verdade, ela bem interpretada vinha neutralizar a garantia, fundamental num Estado ao direito que hoje se consagra, no n.º 4 do artigo 32.º, porque vinha permitir que não' aperras o juiz delegasse a função de instruir mas que a própria lei delegasse noutra entidade, sem dizer qual. Felicito, pois, o CDS pela sua atitude.
São normas como estás que nos fazem alegrar por sermos o Estado de direito que somos tal como são normas; como estas que justificam quando não inteiramente cumpridas, quando não levadas até às últimas

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consequências, intervenções como a que produziu aqui o Sr. Deputado Marques Júnior.
Um Estado de direito deve ser levado o mais possível a sério e extrair todas as consequências das suas normas fundamentais naquilo em que se traduz, naquilo que um Estado de direito é.
Quanto à norma do PCP proposta para o n.º 4, penso que talvez o PCP também tivesse boas razões para retirar esta proposta, na medida em que de algum modo, embora não inteiramente, ela se encontra prejudicada pelo artigo 20.º, n.º 1, que diz: «A todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos (...)» e conclui: «(...), não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos». Não faz, pois, muito sentido uma norma restrita só ao arguido e para a defesa dos arguidos.
Relativamente à proposta da então ID, entendemos que o actual n.º 4 do artigo 32.º diz o bastante; pensamos mesmo que a margem de novidade é bastante limitada e, por isso mesmo, a nossa atitude foi de abstenção.
Neste momento, isto é o essencial sobre as alterações a este artigo.
Relativamente ao problema que foi aqui introduzido, uma vez que foi apresentada uma proposta nesta Assembleia, todos teremos oportunidade de sobre ela nos pronunciarmos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para intervir, porque há pouco referi-me apenas à nossa proposta de alteração do n.º 4, mas nada disse sobre a proposta de aditamento de um n.º 8, apresentada pela então ID, e entendemos não dever deixar de pronunciar-nos sobre ela. Já tivemos ocasião de o fazer na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, onde apoiámos esta proposta e continuamos a fazê-lo.
Sabemos que as objecções que são postas à consagração desta proposta da ID radicam, fundamentalmente, na forma como está redigido o actual n.º 5 do artigo 32.º e ao Sr. Deputado Costa Andrade, que é simultaneamente um ilustre especialista em matéria de Processo Penal, repugna-lhe que, estando definida no n.º 5 a estrutura acusatória do processo penal se caia num nível de especificação que seria, no fundo, esta proposta de aditamento de um n.º 8, apresentada pela ID.
O Sr. Deputado Costa Andrade tem razão, simplesmente correríamos o risco de ter uma Constituição não acessível a todos e, porventura, não acessível mesmo àqueles que neste domínio têm a obrigação de aplicada. E esta cautela introduzida pela ID no sentido de assegurar que este princípio, que faz parte da estrutura acusatória, que é a necessidade de o processo não ser julgado por quem presidiu à instrução, vir correctamente infirmado, terá, porventura, a maior utilidade para os cidadãos. Por isso, apoiamos esta proposta e queremos deixá-lo sublinhado no Plenário.
Quanto à questão levantada e sobre a qual já intervim mais do que pensava fazer, quero deixar claro que eu mesmo, Sr. Deputado Marques Júnior, sublinhei aqui que havia vantagem em chamar à realidade o debate constitucional, mas quando essa chamada à realidade é apoiada em propostas que se destinam, na nossa perspectiva, a modificar e a melhorar a Constituição.
Quanto à questão de fundo, estamos todos cientes de que ela está posta pela «pena» de um deputado da bancada do PSD e nessa altura, quando for discutida, pronunciar-nos-emos sobre ela.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto às propostas que foram apresentadas em relação ao artigo 32.º, a nossa posição é a de não viabilizar com o nosso voto qualquer das propostas que estão em causa.
Entendemos que o artigo 32.º, como «cabeça» dos capítulos do Processo Penal, tem o necessário e o suficiente que uma Constituição deve ter. Opor-nos-emos, com o voto contra ou de abstenção consoante o sentido da nossa posição seja de oposição à matéria ou, pelo contrário, apenas de inadequação constitucional. Usaremos, portanto, o voto contra ou de abstenção, dando às propostas em causa um tratamento diferenciado. Designadamente, não viabilizaremos a proposta do Partido Comunista no que toca à inscrição na Constituição do sistema de «arquivamento, mediante o cumprimento de i n j unções e regras de conduta», pela simples razão de que está consagrado na legislação ordinária e está lá muito bem, pelo que não vale a pena erigi-lo em norma de Direito Constitucional. É uma solução prática, amanhã podem adoptar-se outras, a Constituição não precisa dela. É uma solução de legislação ordinária a que o legislador lançou mão, mas, amanhã, pode abrir mão dela.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo, mas previno-o de que o PSD dispõe ainda de três minutos do tempo semanal que lhe foi atribuído. Digo isto para orientar a sua intervenção.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Se for necessário, utilizarei o tempo da próxima semana.
Em segundo lugar e numa resposta a uma injunção feita pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito no sentido de dar um esclarecimento, direi que todas estas normas do artigo 32.º são normas com alguma componente técnica - e a do acusatório nem será a de maior componência técnica -, mas penso que as pessoas chamadas a trabalhar este texto têm das coisas em questão o conhecimento suficiente para dispensar uma norma como a da então ID, que é perfeitamente dispensável e imputar-nos-ia um certo desconhecimento das coisas, se a aprovássemos. As pessoas que, em concreto, serão chamadas a trabalhar com este texto constitucional do artigo 32.º, ou seja, o legislador ordinário, os juizes do Tribunal Constitucional, os juizes dos tribunais de 1.ª instância, os advogados, os juristas têm das coisas o conhecimento suficiente para considerarem que, do ponto de vista técnico-jurídico, essa norma não é recomendável.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, a Mesa considera encerrado o debate do artigo 32.º, pelo que passamos à discussão do artigo 32.º-A.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Sr. Presidente, solicito à Mesa uma curta interrupção dos trabalhos para podermos chamar o nosso colega que vai intervir sobre
esta matéria.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Vamos aguardar uns segundos.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs : Deputados: Ainda na- sequência do debate que o Sr: Presidente encerrou há pouco, permitam-me que anuncie a retirada da nossa proposta atinente ao artigo 32.º, uma vez que consideramos que o seu sentido útil quanto ao primeiro segmento está consumido pela alteração aprovada no artigo 20.º, sobre o acesso ao Direito. 15to é, a nossa preocupação de que «a lei assegure os meios necessários à defesa eficaz do arguido, independentemente da sua condição económica ou social», está, de facto consumida. Aqui visava-se uma explicação, mas a melhoria introduzida no artigo 20.º torna-a, de facto, dispensável.

O Sr. Presidente: - A Mesa tomou nota, Sr. Deputado, pelo que a proposta será retirada.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs: Deputados: Quanto à proposta atinente a um artigo 32.º-A, ou seja, a consagração do princípio segundo o qual nos «processos disciplinares e, em geral, nos processos sancionatórios devem ser asseguradas ao arguido as garantias do processo criminal», direi que travámos na Comissão Eventual de Revisão Constitucional um debate bastante útil, que teve em conta a jurisprudência constitucional. Na sequência desse debate, que sublinhou a ideia de que os princípios do processo criminal devem enformar todos os processos sancionatórios qualquer que seja a sua natureza - e eles são os mais diversos, incluindo os próprios processos disciplinares de qualquer natureza, incluindo processos privados -, esses princípios são aplicáveis. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido generosa e exacta na fixação desse entendimento...
Os Srs. Deputados do PSD mostraram-se indisponíveis para explicitar constitucionalmente, em todas as dimensões, este conjunto de garantias e chegou-se a uma redacção que poderia vir até a ser interpretada como redutora. Nós pela nossa parte, não insistiremos na explicitação, uma vez que a Constituição já tem o entendimento que pretendíamos que neste caso lhe fosse formalizado. A proposta do PCP não é de facto, necessária, pelo que a retiramos e consideramos que o consenso atingido quanto à necessidade de dar cumprimento acertas garantias com carácter universal é em si mesmo positivo e bastante.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, a minha intervenção visa lembrar ao Sr. Deputado José Magalhães que essa proposta foi assumida pela CERC,
pelo que não pode ser retirada unilateralmente pelo PCP e podíamos trocar aqui impressões.
Compreendo as preocupações do Sr. Deputado José Magalhães, na medida em que á redacção que foi consagrada pode vir a ter o efeito pernicioso de colocar em dúvida; se alguém quiser defender essa interpretação, se a consagração destes direitos ou destas garantias relativamente ao processo de mera ordenação social não poderá afastar as mesmas garantias no processo disciplinar. Penso que talvez fosse mais prudente deixar ficar a norma portanto votá-la, com a declaração expressa de todos nós de que de maneira alguma nos passou pela cabeça pôr em causa a subsistência destas mesmas garantias no processo disciplinar. A verdade é que a Constituição também não fala no processo disciplinar em geral e nunca ninguém pensou que o processo disciplinar ficasse fora, totalmente fora, das garantias básicas do Processo Penal, as que são aplicáveis em processo disciplinar; nomeadamente as de audiência é de defesa.
Com esta ressalva, se todos os partidos aqui representados concordassem ditar paia ò Diário está mesma declaração, penso que ficava feita a interpretação histórica do que o legislador quis com esta norma è que, de modo algum foi nem podia ser a de restringir garantias em matéria de processo disciplinar mas, tão-só, assegurar, também constitucionalmente, o município de garantias para o processo de mera ordenação social.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito(CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª está a introduzir uma nova forma constitucional que é, digamos, a das normas
consagradas por intervenção no debate na generalidade.
Sr. Deputado houve razões designadamente para o PS, para não apoiar a proposta do PCP no sentido de neste artigo 32.º-A, incluir o processo disciplinar.
Entendo que o processo disciplinar tem uma natureza institucional, é um processo ligado à defesa de organizações que, porventura, pode ser incompatível com a consagração expressa de todos os normativos que visam a defesa do arguido é que estão consagradas na Constituição e na legislação ordinária que se lhe segue. Ou seja, o processo disciplinar tem, normalmente, uma natureza circunscrita a determinadas organizações ou instituições que por isso tornam teórica e praticamente incompatível a inclusão do processo disciplinar nesta menção. Pergunto a V. Ex.ª se não foi com base nesse tipo de razões que considerou também a posição do PS.

Q Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, não fomos nós que nos opusemos à consagração, também, destas garantias, no processo disciplinar. Estamos preparados e dispostos para, ali onde se diz «nos processos de mera ordenação social», acrescentar que no processo disciplinar».
Se quiserem acompanhar-nos...
Acho, em, todo o caso; que não há nenhum risco se ficar como está, porque ninguém vai atrever-se a dizer

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que no processo disciplinar não há a garantia de audiência e de defesa - penso que num Estado de Direito isso não vai acontecer.
Depois desta nossa declaração, que o sentido desta alteração que está aqui se refere só ao processo de mera ordenação social, que tem algum parentesco com o processo penal, na medida em que se recorre cada vez mais ao processo de mera ordenação social e as sanções são cada vez mais graves e aplicáveis por via administrativa, pensamos que esta norma se justifica e justifica-se exactamente para o processo de mera ordenação social.
Não temos o menor receio de que, num Estado de Direito, alguém venha, por contradição, dizer: «se só disseram isto para o processo de mera ordenação social, então deixaram de fora o processo disciplinar». Isso já se poderia dizer hoje, por maioria de razão, relativamente ao processo de mera ordenação social e ao processo disciplinar, porque a Constituição só fala no processo penal. Acho, portanto, que esse risco não existe, mas esta declaração de todos nós é uma declaração não necessária mas útil.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o CDS não entende - e nesse sentido está disposto a fazer uma declaração para a acta - que possa admitir-se que sejam postergados os direitos fundamentais do arguido também no processo disciplinar que é um processo sancionatório.
A formulação do artigo 32.º-A tem demasiada extensão e o processo disciplinar é um processo que é moldado pela natureza própria de processo destinado a defender determinadas organizações e isso será, porventura, incompatível com uma aplicação exaustiva de todas as garantias expressamente previstas. Agora, que, efectivamente, se declare para a acta que não é intenção e quem está a votar a norma proposta pela CERC que os direitos fundamentais dos arguidos sejam esquecidos ou postergados no processo disciplinar, não temos nenhuma observação a fazer.
Mas também achamos que será inconveniente introduzir a referência expressa nesta norma que vem proposta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, em primeiro lugar, de chamar a atenção de W. Ex.as para o facto de o artigo 269.º da Constituição, no seu n.º 3, já dizer que «em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa». Essa matéria encontra-se, pois, neste momento, regulada, e não tem dado azo a quaisquer dúvidas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem, quanto à Função Pública!

O Orador: - A inovação que, neste momento, está consubstanciada, e que merece a nossa concordância, na proposta da CERC visa estender essas garantias aos processos de mera ordenação social. Trata-se de uma inovação importante, pois os processos de mera ordenação social, como os processos de carácter sancionatório, não têm um numerus clausus rigoroso em termos de poder identificar-se o seu universo como uma absoluta segurança. Por consequência, o que aqui importa é sublinhar os dois pontos mais importantes, mais fundamentais, que são o de ser ouvido e o de ter possibilidades de existir um contraditório.
Nesse sentido, disponibilizámo-nos para aprovar na comissão o texto que é presente como proposta da CERC e, naturalmente, estamos dispostos a votá-lo. Não consideramos que, no actual estado de desenvolvimento e maturação do problema, possamos ir mais além e pensamos que esta proposta representa um progresso significativo em termos de garantias do privado que participa nos procedimentos administrativos de carácter sancionatório ou nos processos de mera ordenação social, como quer que estes devam qualificar-se.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face aos resultados do debate e face à interpretação que é dada pelas diversas bancadas sobre esta matéria, sendo clara não a intenção de restringir direitos de defesa mas de os assegurar, e representando a introdução de uma cláusula deste tipo um passo em frente na explicitação, sem prejuízo do que decorre, em boa interpretação, da Constituição, quanto aos diversos processos sancionatórios, pela nossa parte não nos dissociamos deste aperfeiçoamento de que, aliás, fomos os pais indutores, porque foi na base de uma proposta do PCP que se encetou o debate que agora culmina com esta solução. Sendo esta a interpretação, pode ser um contributo positivo, embora desejássemos que ele fosse mais avançado e ainda mais generoso.
Nesse sentido, Sr. Presidente, a proposta da CERC conta com o nosso apoio e, evidentemente, todas as anteriores se dão por retiradas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade para uma intervenção.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Uma intervenção, muita curta, Sr. Presidente, para deixar duas notas, a primeira das quais de carácter mais técnico.
Penso que, a mantermos esta proposta - estou plenamente à vontade, porque todos chegámos a esta redacção -, talvez devêssemos, por maior rigor, em vez de «nos processos de mera ordenação social» falar nos processos por contra-ordenação. É que o que existe são os processos por contra-ordenação; mera ordenação social é uma categoria doutrinal...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, estou de acordo com essa menção. Só quero recordar-lhe que a Constituição já hoje utiliza o conceito de direito de mera ordenação social quando alude, nas competências da Assembleia da República, ao

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poder de legislar nessa matéria; também usa esse conceito quando introduz, nas competências das regiões autónomas, o poder de criar coimas e contra-ordenações, tudo o que se situa na esfera daquilo a que se chama o direito de mera ordenação social.
Creio que se pode, em termos de comissão de redacção, afeiçoar a redacção (para utilizar a terminologia mais rigorosa). Em todo o caso, talvez pudéssemos manter na epígrafe a noção de direito da mera ordenação social e no articulado usar o conceito de contra-ordenações. Creio que V. Ex.ª poderá estar de acordo com essa solução.

O Orador: - Penso que era uma boa solução, até porque ela tem por si a própria distinção, a própria natureza das coisas uma coisa é a epígrafe, outra coisa é a parte normativa. Mas, julgo que aqui seria mais correcto uniformizar, sem prejuízo do argumento importante que o Sr. Deputado acaba de invocar, de que, a expressão de mera ordenação social já tem consagração constitucional.
Em segundo lugar; para dizer, na sequência do que disse o Sr. Deputado Rui Machete e também no sentido' do consenso a que aqui se acaba de chegar, que, do nosso ponto de vista, a consagração deste regime para o processo por contra-ordenações não significa qualquer solução a contrario e restritiva dos direitos para os outros processos. O que. acontece é que; em relação ao processo das contra-ordenações, as coisas já estão relativamente decantadas e é perfeitamente possível, desde já, dar-lhe a consistência constitucional.
Em relação, aos outros, também entendemos que o modelo, apesar de tudo, deve ser o do processo penal. O processo penal deve ser o modelo, com uma certa força reivindicativa para os outros processos, na medida em que também nos outros processos se deve; tendencialmente e no que for possível, aproxima-los das garantias próprias do processo penal, reconhecendo, naturalmente, a heterogeneidade e as soluções diferenciadas reclamadas pela natureza das coisas e, portanto, pelos processos disciplinares.
De resto, já seria assim por força dos princípios fundamentais do direito. Em relação a todo o direito, não só ao direito do processo penal mas a todos os outros processos, vincula como uma ideia imanente ao próprio direito a ideia de audiatur et altra pars - dê-se à outra parte a possibilidade de ser ouvida.

Portanto, a possibilidade de ser ouvida implica. Um consistente e efectivo direito de audiência e de defesa, tendo em conta, naturalmente, soluções diferenciadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições para a discussão do artigo 32.º-A, dou por encerrado o debate, relativo a este artigo.
Srs. Deputados, está em apreciação o artigo 33.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 33.º existe na Mesa uma proposta originária da CERC, mas que é resultante de uma proposta inicialmente apresentada pelo PSD que tinha em vista, tal como tem a proposta final, distinguir situações que se globalizavam, talvez incorrectamente, no texto da Constituição.
Assim sendo, quanto à extradição nenhumas dúvidas se colocaram, no entanto, ela só deve ser feita com base numa decisão judicial. Portanto, quanto a este ponto não se colocaram quaisquer problemas.
Em relação à expulsão, o mesmo já não se passou.
Após um debate sério em sede de comissão o resultado , foi o aparecimento de uma proposta equilibrada que não globalizava situações, mas que as distinguia.
Há, pois, situações que devem ser do âmbito de uma autoridade judicial; enquanto que há outras, como as situações de fronteira, que devem ser tomadas através de uma decisão administrativa, uma vez que a decisão judicial não pode servir de prémio a pessoas que, de alguma forma, entram no território nacional e que, depois; a coberto do que está previsto na Constituição, podem esperar, durante diversos dias, meses ou quem sabe, anos, pôr uma decisão judicial que as expulse do território nacional.
Estas são as sazões de base da, proposta elaborada na CERC, à qual o PSD dá a sua adesão, até porque dela consta a proposta originariamente apresentada pelo meu partido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito sucintamente para explicitar que, se é verdade que na origem deste processo legislativo, como disse o Sr. Deputado José Luís, Ramos, está uma proposta originária constante do projecto de Revisão Constitucional do PSD, contudo, a solução a que se acabou por chegar, quanto ao artigo 33. º difere desse projecto.
No essencial, a solução a que se chegou tem como objectivo fundamental, mantendo a regra que a expulsão do território é decidida por autoridade judicial, estabelecer algumas excepções á essa regra, ou seja, quem tenha entrado ou permanecido regularmente no território nacional só pode ser expulso por decisão judicial; querer tenha obtido autorização de residência, titulo de residência válido, só pode ser expulso por autoridade judicial; quem tenha apresentado pedido de asilo, que não tenha sido recusado; só pode ser expulso por autoridade judicial. Portanto, só nos demais casos não contemplados por estas situações é que poderá haver expulsão por, via da autoridade administrativa.
Contudo, parece-me importante, sublinhar uma segunda vertente, ou seja, a de que a Constituição passará a fazer uma referência expressa a que todos estes processos devem ser organizados de forma expedita, no sentido de que não é só a alteração da entidade que determina a decisão que pode obstar à questão levantada pelo Sr. Deputado José Luís Ramos, mas também a necessidade de revisão dos processos que estão em causa por forma, a torná-los mais expeditos.
Pensamos que a solução encontrada responde cabalmente à questão levantada pelo PSD, e que nós acompanhamos ao votar esta solução que acabou por ser consensual no seio, da CERC.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta originária do PSD, sobre

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o regime da extradição e da expulsão suscitou veemente rejeição da CERC.
Gostaria de sublinhar que foi negativa a apresentação de uma proposta por parte de um partido que é partido do Governo e que gere, em termos lamentáveis, o Serviço de Estrangeiros. Essa proposta visava desjurisdicionalizar e sujeitar a decisão meramente administrativa uma matéria tão delicada como a respeitante à extradição e à expulsão.
O debate feito em comissão levou o PSD, por um lado, a recuar na sua proposta desjurisdicionalizadora da extradição, chegando mesmo a qualificá-la como um lapso. Ora, sendo o PSD um partido cheio de lapsos, admito que este lapso tenha sido cometido e que seja genuíno. Em todo o caso é um lapso gordo e grande!
Quanto ao regime da expulsão, ele veio a ser circunscrito aos casos que agora constam do n.º 5 deste artigo. Perfilhamos por inteiro a interpretação que dele foi feita pela bancada do PS, ou seja, a norma é, de facto, restritiva e pode apenas dar origem à resolução de certos casos de expulsão, de certo tipo de cidadãos, em certas hipóteses, e só nessas, não sendo susceptível de ser alargada por quaisquer interpretações dos serviços.
Por outro lado, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é óbvio que mesmo nos casos em que a expulsão possa ser decidida por entidade administrativa, a verdade é que esta está sujeita a regras procedimentais que devem dar plenas possibilidades de defesa e de acção àqueles que sejam atingidos por esse processo.
As formas expeditas de decisão não podem significar formas arbitrárias de decisão e os cidadãos sobre os quais pende um processo de expulsão são pessoas e não sujeitos sem direitos. A ordem jurídica portuguesa, que neste ponto protege plenamente a dignidade da pessoa humana, também deve assegurar a essas pessoas plenos direitos de defesa.
É, pois, só com este sentido e com esta interpretação que o Grupo Parlamentar do PCP se associa a este texto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de repor a verdade dos factos referidos pelo Sr. Deputado José Magalhães, que tem o condão de dramatizar os debates e de assacar as culpas ao PSD, mesmo quando as propostas são originárias deste partido e mesmo quando o debate na CERC prova não aquilo que o Sr. Deputado diz, mas exactamente o contrário.
Se houve lapso, ele não foi do PSD mas, sim, do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O quê?

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, já lha explico.

O Sr. Deputado José Magalhães diz a p.p. 307 da Acta n.º 9 da CERC o seguinte: «Eu não tinha percebido a proposta inicial do PSD. Compreendo que a decisão judicial é uma garantia que pode ser imerecida em certas situações». Sr. Deputado, são exactamente estas situações que o PSD queria prever.
O Sr. Deputado veio aqui fazer um debate genérico sobre o Programa do Governo e sobre a governação. Sei que o Sr. Deputado José Magalhães não sabe falar sobre mais nada! Sr. Deputado, estamos a rever a Constituição, a analisar certas situações concretas.
O Sr. Deputado José Magalhães sabe muito bem que a nossa proposta era esta e só esta: não queríamos com a generalidade prever certas situações que podiam ser elas próprias injustas.
O Sr. Deputado José Magalhães reconheceu isto na CERC, disse mesmo que se tinha enaganado, mas chega ao Plenário e, com ar grave e solene, diz que afinal os outros é que se enganaram, continuando ele a ser o detentor da verdade e o juiz desta Constituição.
Sr. Deputado José Magalhães, está enganado! As provas são estas! Se o Sr. Deputado já se esqueceu, posso repetir-lhe o número e a página da acta, de forma a poder verificar, rapidamente, que o lapso é seu!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção do Sr. Deputado José Luís Ramos não foi para nós, foi para a «RTP laranja». Serviu, unicamente, para o Sr. Deputado José Luís Ramos, sem qualquer razão, inverter a verdade das coisas.
Primeiro, o PSD propôs ou não que a extradição pudesse ser decidida por uma autoridade administrativa? Resposta: propôs!
Em segundo lugar, o PSD reconheceu que isso era um lapso e retirou essa proposta. Foi o Sr. Deputado Rui Machete que o fez, mas o Sr. Deputado José Luís Ramos, que passou pela comissão de vem em quando, não se lembra disto. Paciência! Leia acta!
Em terceiro lugar, quanto ao regime de expulsão, aceitámos, e a acta que V. Ex.ª leu comprova isso mesmo, que, em certos casos bem medidos, ela possa ser adoptada por entidades administrativas. Isso abrange, por exemplo, certos cavalheiros da Unita que por aí gravitam e que deveriam ser expulsos rapidamente - aliás, estamos à espera que o Governo do PSD os expulse depressa -, e é para isso que esta norma serve.
V. Ex.ª queria que falássemos de passarinhos ou que discutíssemos os sonhos laranja ou nos abstraíssemos destas questões? Desistam! Continuaremos a denunciar o «Estado laranja» e zurziremos o Professor Aníbal Cavaco Silva as vezes que forem precisas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afinal estou a ver que, para além do Sr. Professor Aníbal Cavaco Silva, o Sr. Deputado José Magalhães tem outro inspirador que está à sua frente e que é o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Deputado Herculano Pombo, ontem ou anteontem, quando lhe pedi para me responder concretamente, disse que estava a fazer um discurso para os peixinhos.

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O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Era para ver-se o senhor percebia!

O Orador: - Hoje, o Sr. Deputado José Magalhães fala também em passarinhos... De facto, entendo os vossos argumentos: quando os não têm generalizam.
A nossa proposta inicial foi aquela que mantivemos com alguns melhoramentos em sede de CÉRC. Não retirámos exactamente nada!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, era má!

O Orador: - Não, não era má! Era óptima e foi melhorada em termos de redacção, para que os Sr. Deputados não, tivessem qualquer medo ou problema em votá-la como, aliás, fizeram.
O Sr. Deputado José Magalhães votou favoravelmente a proposta da CERC que era, no essencial, semelhante à. que o PSD propôs, com os melhoramentos que foram introduzidos em sede de especialidade. Mais nada! Não retirámos absolutamente nada!
O que se retirou foram as vossas acusações iniciais em sede de CERC, que, agora foram mantidas e que, afinal; também agora foram retiradas, porque o senhor não diz com precisão em. que é que a nossa proposta violava ou podia violar os princípios gerais, em termos constitucionais.
A nossa proposta tinha por objectivo, no princípio, como agora, precisar um texto constitucional que poderia ser perigoso, como todos na ÇERC reconheceram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem as asneiras do PSD!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo: (Os Verdes): - Sr: Presidente, Srs. Deputados: Não é por causa dos passarinhos ou dos peixinhos. Toda a gente, nesta Câmara sabe que eu sou bem humorado, gosto do humor e aceito todo o tipo de humor. A única coisa que não posso aceitar é que o Sr. Deputado José Luís Ramos me compare; em pé de igualdade, com o Sr. Professor Aníbal Cavaco Silva.

Risos gerais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não aceito coisas deste jaez! 15so não, eu nunca suportaria! Eu ainda tenho alma!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos..

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr . Presidente; Srs: Deputados: Sr. Deputado Herculano Pombo, peço-lhe humildemente desculpa mas, de facto, percebeu mal tudo o que eu disse.
Eu não dou, nem ao Sr. Deputado, à honra de o comparar com o Professor Aníbal Cavaco Silva.

Aplausos do PSD.

O que disse foi uma coisa completamente diferente: que o Sr. Deputado José Magalhães tem uma musa inspiradora que é o Sr. Deputado Herculano Pombo e tem. uma cassete que é o Professor Aníbal Cavaco Silva. São coisas diferentes!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes):- Não é uma cassete é um disco estragado!

O Orador: - O Sr. Deputado Herculano Pombo pensou, por um minuto, que estava à ser comparado com o Professor Aníbal Cavaco Silva. Foi apenas um minuto, foi uma quimera; uma ilusão Sr. Deputado!
A quimera está desfeita, o Sr. Deputado Herculano Pombo continuará á ser deputado de um partido muito vivo, por sinal; muito verde e continuará aí sentado.
A quimera passou! Peço-lhe desculpa de, de alguma forma, ter contribuído para essa ilusão no seu pensamento!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permito-me assinalar a presença na tribuna dos Srs. Deputados do Conselho da Europa, da Comissão dos Assuntos Económicos e do Desenvolvimento e da Subcomissão Norte-Sul; a quem cumprimentamos e saudamos.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados; encontram-se também na galeria a assistir aos nossos trabalhos um grupo de alunos da Escola Secundária «Carlos Amarante», de Braga, a quem cumprimentamos e saudamos.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, não há mais inscrições pelo que a Mesa dá por encerrado o debate relativo ao artigo 33.ºVamos agora passar à discussão do artigo 35.º

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 35.º, sob a epígrafe «utilização da informática», teve melhorias sensíveis em sede de debate na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Foram apresentadas algumas propostas, nomeadamente uma do Partido Social-Democrata, que tinha em vista que o facto de o desenvolvimento da informática fazer parte das denominadas novas tecnologias do século XX, que podem provocar alterações profundas na sociedade contemporânea, podendo até ser comparadas às que resultaram da revolução industrial.
Estas inovações tecnológicas podem, cora um certo número de operações, nomeadamente de tratamento - de dados de natureza pessoal, tornar a vida de um cidadão completamente conhecida e; provavelmente, completamente dependente da informática em termos de violação do espaço privatístico, nomeadamente da intimidade. Assim, houve necessidade de neste artigo fazer algumas restrições.
Por um lado, para que se compatibilizasse este artigo 35.º com aquilo que estava previsto em sede legislativa, nomeadamente o que concerne à Lei do Segredo de Estado e do segredo de justiça.

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Por outro lado, - e em relação a este ponto gostaria de, particularmente, chamar a vossa atenção - o n.º 4, relativo ao banco de dados, que ficou consagrado na proposta da CERC e que era originariamente uma proposta do Partido Social-Democrata, tem em conta a necessidade de abertura que deve haver para os novos espaços que a informática tem vindo a propor, mas com o cuidado de preservar o cidadão. Nesse sentido, a proposta do Partido Social-Democrata, posteriormente consagrada no texto da proposta da CERC, teve em vista evitar que a acumulação de dados de informação sobre a mesma pessoa - que podem ser precedentes de diversas fontes e que, à partida, de per si, não tem qualquer importância para a violação da intimidade da pessoa humana - se forem provenientes de diversas origens, conjugadamente, possa fornecer um conhecimento pessoal muito completo com a consequente violação do direito à intimidade.
Aliás, isto é já patente hoje em dia na doutrina, alguns autores até lhe chamam a teoria do mosaico, que consiste em compatibilizar várias informações por forma a chegar àquilo que é o homem transparente. Por isso, o PSD entende que nesta matéria há que consagrar o cuidado a ter com os bancos de dados, mesmo com a interconexão de ficheiros, para que por esta forma a utilização da informática não possa nem deva ser uma violação do espaço individual, do direito à intimidade de cada indivíduo sem, contudo, originar o prejuízo da evolução técnica.
É óbvio que a informática tem um espaço perfeitamente privilegiado nessa matéria.
Por um lado, não queremos impedir a informática, mas, por outro lado, não pretendemos que a informática seja uma das possíveis causas para a violação do direito à intimidade do indivíduo ou do espaço privatístico do cidadão.
Nesse sentido foram os nossos contributos para as propostas relativas a este artigo. Congratulamo-nos com o debate havido na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e, sobretudo, com a proposta final que mereceu também a nossa aprovação.
São estes os principais pontos para que queria alertar a Câmara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria sublinhar a nossa concordância quanto à proposta que foi votada na CERC e quanto à solução encontrada, basicamente porque ela salvaguarda dois princípios essenciais neste domínio, que são a defesa da privacidade e, obviamente, o princípio de autodeterminação informacional.
A questão da defesa destes princípios parece, desde logo, salvaguardada de forma mais nítida com as alterações ao n.º l do artigo 35. º, quando se admite a possibilidade de acesso aos dados informáticos pelos cidadãos, salvo as restrições decorrentes do segredo de Estado e do segredo de justiça. Creio que esta é uma melhoria, muito embora na disposição anterior houvesse um acesso irrestrito e só porque esse acesso era irrestrito, na prática, acabava por não ter balizas, nem salvaguardas. Em termos de imagem, poder-se-ia dizer que havia um edifício sem portas, mas onde, regularmente, se entrava pelo telhado. Agora, passará a haver o telhado, portas que estão definidas, e o segredo de Estado e de justiça são os únicos limites ao não acesso dos cidadãos aos dados que lhe dizem respeito.
Em nosso entender, trata-se de uma benfeitoria, que será mais esmiuçadamente precisada com uma Lei de Segredo de Estado que reduza ao mínimo o espaço de segredo e que alargue, de forma significativa, aquilo que em outras matérias também desenhamos e que é a regra da transparência.
Quanto à matéria respeitante à interconexão de dados, há também uma benfeitoria nesta solução, que é a distinção entre a interconexão e os fluxos de dados transfronteiras, na medida em que se remete para disposições legais específicas e, por essa razão e neste sentido, esta lei apela para uma lei de procedimento ou para leis mediadoras muito nítidas.
Poder-se-á dizer que, em termos legislativos, esta matéria tem sido até hoje o domínio do nosso texto constitucional menos balizado, o que levou a que o próprio Tribunal Constitucional, quanto à definição do que são dados pessoais, já tivesse proferido um acórdão que considera que há inconstitucionalidade por omissão, por não ter sido elaborada uma lei mediadora sobre o que são dados pessoais, ficheiros e bases de dados. Este facto levou também a que o Estado português, já depois de ter assinado a Convenção de Protecção de Dados do Conselho da Europa e de ter já ensejado a hipótese da sua ratificação, ainda não o tenha feito por não haver lei mediadora e ela não ter sido produzida.
Aliás, o Partido Socialista, a esse nível, deu já um contributo significativo, porque apresentou recentemente um projecto de lei para definir o que são dados de natureza pessoal, incorporando as normas hoje aqui delineadas no debate sobre esta matéria e as disposições da referida convenção.
Portanto, parece-nos que a este nível há uma melhoria significativa.
No que respeita à proposta apresentada pelo Partido Comunista, entendemos que ela, em grande medida e no que diz respeito ao mandato judicial e à possibilidade de recurso aos tribunais, está consumida pela lógica do ordenamento constitucional. O recurso contencioso é óbvio, tal como o recurso administrativo, e não precisa de ser explicitado. Essa pretensão do Partido Comunista, que é absolutamente adequada, já está contida no texto constitucional, não precisa de ser explicitada.
Por outro lado, a ideia das soluções excepcionais e a referência ao artigo 18.º é também, tal como o debate em sede de comissão demonstrou, dispensável.
Por último, também valeria a pena referir que, em meu entender, a ideia de independência nacional está consumida na ideia do interesse nacional, tal como foi dito na comissão.
Resta a ideia da consagração constitucional de um Conselho Nacional de Informática e Liberdades. Evidentemente, que não é possível haver um controlo democrático da utilização da informática sem a existência de uma comissão deste tipo. Aliás, soluções similares a esta apresentada pelo Partido Comunista são adoptadas por outros países. A dúvida que exprimimos, nesta matéria, é a sua consagração constitucional e, desde logo e ainda, a composição desta comissão.

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Consideramos que ela é absolutamente indispensável, no mínimo em termos de lei ordinária; mas a nossa dúvida radica nesse domínio.
Em síntese, damos a nossa concordância quanto ao preceito, que significa uma benfeitoria muito relevante, mas, por outro lado, fazemos a chamada de atenção pela nossa parte já demos o nosso contributo para que as diversas leis mediadoras, necessárias à plena realização dos princípios é das disposições deste preceito, sejam concretizadas.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País vive, deste ponto de vista, uma situação que poderíamos qualificar de selva informática...
Com efeito; o artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa é, sem dúvida, um dos mais avançados que, nesta matéria, são susceptíveis de ser mostrados como exemplos de urina tentativa de regulamentar a explosão informática própria do nosso tempo. Mas é também; diga-se, um dos mais incumpridos da Constituição. Incumprido; porque aponta para mecanismos que carecem de aperfeiçoamentos, para que, de facto, sejam viáveis - e esses aperfeiçoamentos vão ser introduzidos agora, propusemos alguns deles e aderimos a todos, gostaria de sublinhar este ponto - e, por outro lado, porque quanto à explosão- informática, ocorreu que, em Portugal, ela, se verificou num contexto em que os poderes públicos não só não adoptaram qualquer medida que a travasse ou que a balizasse, como, pelo contrário, são os órgãos da Administração Pública aqueles que mais impulsionam os aspectos em que a proliferação do uso da informática pode contender com as liberdades dos cidadãos.
A informática, tal qual é usada por certos departamentos da Administração Pública, acarreta riscos sérios para a intimidade das pessoas, para o exercício das próprias liberdades públicas e, desde logo, deveria ser auto limitada pelo Governo e pela Administração Pública. Mas não ocorre assim.
Na verdade, assistimos, todos os dias, à criação de novos, bancos de dados. As polícias têm bancos de dados, os Serviços de Estrangeiros têm bancos de dados, a Guarda-Fiscal tem bancos de dados, os serviços fiscais vão ter bancos de dados.
A propósito, gostaria de referir que, há algum tempo atrás; nós, deputados da bancada do PCP, fizemos um requerimento, o n.º364/V, ao Ministério das Finanças, sobre esta matéria e recebemos a seguinte resposta: «Em; cumprimento do determinado - por S. Ex.ª o Sr. Ministro Miguel Cadilhe, informa-se que está em curso o projecto de criação de um cadastro referente ao universo de todos os contribuintes sujeitos passivos de qualquer obrigação fiscal» sublinho: cadastro de todos os contribuintes...
No que respeita aos impostos sobre o rendimento esse universo será constituído pelos sujeitos passivos do IRS e do IRC, sendo que, relativamente a cada contribuinte serão armazenadas informações de carácter geral: número fiscal, morada, tipos de rendimentos auferidos. Esse cadastro será articulado com os cadastros dos contribuintes já existentes, com o ficheiro central de pessoas colectivas, com o sistema de identificação de pessoas singulares; com o cadastro do IVA, retirando-se destes a informação já existente, necessária para se proceder ao carregamento prévio daquele... » E por aí adiante! ...
evidente que o Sr. Ministro Cadilhe deseja ter 'um rastreio da ficha de cada um de nós; deseja poder olhar para a ficha de cada um de nós, em especial de alguns de nós, seguramente, ou de alguns de vós, sendo de admitir que a implementação de um sistema deste tipo, sem ser acompanhada das adequadas salvaguardas e garantias, possa dar origem a problemas sérios, não só do ponto de vista da liberdade de cada um, como do ponto de vista da utilização política de dados desse tipo.
É muito importante que a Administração combata a fraude fiscal, é óbvio, em especial, certas formas de fraude fiscal,- é óbvio também, da qual não estão excluídos os titulares de cargos políticos, é também óbvio, sobretudo, - suponho eu - agora já é óbvio para o PSD, pois o PCP já entregou na Mesa da Assembleia o pedido de inquérito ao «caso Cadilhe». Mas isso deve ser feito de acordo com regras que preservem as liberdades e que não, sejam liberticidas.
O funcionamento dos bancos de dados do Serviço de Informações suscita-o mesmo problema. A publicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 47/88 não veio resolver o problema do uso de bancos de dados pelo Serviço de Informações; mas veio abrir um novo campo de problemas aos quais nós PCP, estamos particularmente atentos. Suponho que esta preocupação é comum a todos os partidos da Oposição. Suponho até que o PSD não deveria ser propriamente indiferente a ela.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não é, Sr. Deputado!

O Orador: - Mas a informática prolífera abusivamente também no plano de entidades privadas. Que bancos de dados têm as, agências privadas de segurança? Registam lá os movimentos de vigilância das pessoas ou não? Que dados é que têm? Têm ou não dados sobre a intimidade das pessoas? O Governo é incapaz de responder a isso: E a bancada do PSD dirá, muito incomodada: « Que aborrecido! Lá está outra vez a trazer questões concretas ao debate de Revisão Constitucional!» Mas; Srs. Deputados, ele deve ser travado de olhos nas questões concretas.
As entidades patronais por exemplo, estão a fazer proliferar mecanismos de controlo dos trabalhadores por via informática. Há dias, no hotel Tivoli, os trabalhadores recebiam um oficio que dizia qualquer coisa como isto: vai haver um relógio de ponto, com um número de código confidencial, charruam-se a especial atenção para o facto de evitarem fornecer o seu código a outro empregado; pois o computador está preparado para fazer, ao mesmo tempo, perguntas ao empregado e se ele não souber responder sobre a sua hora de entrada ou de saída ela não será registada. Que informações pessoais é que querem das pessoas? Se tem um sinal na axila esquerda? Qual foi a data do casamento dos pais? O que é que fazem? O que é que está no computador desta empresa? Não se sabe. Não há garantias específicas.

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Mas pode acontecer outro tipo de abusos. Há dias, os jornais titulavam: «Manuela Teixeira reconhece que a Federação Nacional de Sindicato de Professores usou o ficheiro do PSD para criar novo sindicato». Ora aí está uma coisa cómoda; aí está uma coisa curiosa. Mas em que é que essa coisa curiosa se compatibiliza com a Constituição? Eu respondo: em nada, mas ocorre.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulamo-nos com o facto de ter sido possível atingir um consenso quanto a introdução de certo número de aperfeiçoamentos à Constituição nesta matéria.
Por um lado, continua inteiramente claro que o direito de acesso dos cidadãos aos dados constantes, não só de registos informáticos, como de ficheiros, existe, havendo o direito de pedir a rectificação e actualização e só o segredo de Estado ou segredo de justiça podem legitimar restrições a esse direito, não a proibição, mas restrições proporcionadas, necessárias e adequadas.
Por outro lado, o controlo dos fluxos transfronteiras deve fazer-se com preservação dos dados de carácter pessoal e dos dados que por razões de interesse nacional devam ser protegidos. Estamos de acordo com essa cláusula. Os fluxos transfronteiras são uma realidade do nosso tempo, são absolutamente imparáveis, podem ser extremamente úteis para o progresso do País e para o desenvolvimento individual. Mas também aí há desigualdades, já que a comunidade internacional não é igual - é muito desigual - e o interesse nacional deve ser protegido.
Lamentamos que o PSD, mas pelo que vejo o PS, não adiram à criação constitucional de um Conselho Nacional de Informática e Liberdades. A experiência de conselhos desse tipo existentes noutros países revela a sua enormíssima utilidade, não bastando os tribunais. A experiência do Conselho Nacional de Informática e Liberdades francês veio a confirmar que é extremamente útil a existência de um organismo que, com um carácter gracioso e informal, possa analisar não só de queixas, como fazer diligências junto da Administração; que tenha um papel pedagógico, que verifique que ficheiros e que há, exercendo uma acção de fiscalização concreta em relação aos mesmos, por amostragem, caso a caso, de acordo com critérios científicos e que contribua até para aperfeiçoar o próprio ordenamento jurídico.
Lamentamos profundamente que não ocorra a consagração constitucional, mas devo dizer que tudo exige a sua criação legal. É impensável pôr a funcionar um sistema deste tipo sem um Conselho Nacional de Informática e Liberdades, que deve servir, não para introduzir excepções à regra que a Constituição atribui e prevê, mas para garantir o cumprimento das regras constitucionais, como é evidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também lamentamos que não seja consagrada a nossa proposta que prevê aquilo a que chamaríamos o habeas data. Isto é, a possibilidade de os cidadãos obterem, nos termos da lei, mandato judicial que lhes permita, no caso de recusa de acesso a ficheiros, obter esse mesmo acesso. Esse instrumento, que existe noutros países, seria extremamente importante para Portugal, no sentido, de combater a selva informática que hoje existe - é de uma situação da selva informática que se trata - e de permitir a introdução de mecanismos que forneçam aos cidadãos os meios absolutamente indispensáveis à sua defesa.
Congratulamo-nos, pois, com o facto de se ter estabilizado o universo conceptual atinente à garantia dos direitos do homem perante a informática, mas temos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, muitas horas de trabalho a realizar para que este artigo seja lei e para que a lei seja vida.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa altura em que o número de contribuinte passou a ser exigido em algumas estações de correio para passarem recibos das cartas registadas e dos telegramas enviados; numa altura em que o cidadão Miguel Cadilhe, numa reunião partidária, ameaça os seus adversários políticos de publicar os dados pessoais do ficheiro fiscal para mostrar quem é imoral e quem é amoral; numa altura em que há graves ameaças sobre a divulgação de dados que, naturalmente pertencem ao sigilo administrativo e que estão confiados à Administração, exactamente por causa desse sigilo, qualquer manipulação da informática e dos dados confiados à Administração Pública pelo poder político torna-se uma tarefa premente e presente.
Em primeiro lugar, porque a informática pela sua evolução técnica e científica, permite hoje maravilhas, mas também pode colocar o cidadão totalmente à mercê de quem detêm o controlo de grandes aparelhos que a ela se dedicam.
Em segundo lugar, a vida do dia-a-dia torna-se frágil, na medida em que os próprios ministros podem tornar-se alvo de chantagens, através da publicação de dados que eles controlam. Isto é, podem perder o controlo, quando exigem dos seus serviços que lhes forneçam dados para utilizar contra os seus adversários políticos - é a história do aprendiz de feiticeiro.
Em terceiro lugar, porque a utilização da informática para fins políticos representa uma ameaça grave neste fim do século que vivemos.
Em face de tudo isto, e apesar de o texto actual da Constituição ser suficientemente amplo, todas as benfeitorias são benvindas. E porque poderia subsistir qualquer dúvida relativamente à nossa proposta quanto ao n.º 1, que, eventualmente, prejudicasse a transparência sobre os dados gerais da informática, o CDS retira a sua proposta.
Estaríamos na disposição de apoiar a proposta do PCP para a criação do Conselho Nacional da Informática e Liberdades, porque na verdade este conselho, independente do Governo e da Administração Pública, serviria como uma espécie de provedoria para a segurança dos cidadãos contra a má utilização e a manipulação política dos dados informáticos, faria um acervo ou um inventário de todos os dados existentes no País sobre cada cidadão e poderia dar melhores garantias aos cidadãos sobre a utilização dos dados, que a si digam respeito, para fins que não fossem estritamente os necessários para a Administração Pública.
A proposta do PCP não teve o apoio do bloco central e, por isso mesmo, vai ficar no tinteiro. Esperemos que, pelo menos, o legislador ordinário, no tempo oportuno, possa eventualmente retomar esta iniciativa e consagrá-la em lei.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

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O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há que repor algumas questões relativamente ao que foi dito por alguns Srs. Deputados, nomeadamente pelo Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Deputado José Magalhães afirmou aqui em Plenário, mais uma vez, várias inverdades. Disse o Sr. Deputado que o PSD é contra o habeas data, que o preconizou, que se recusou a propô-lo. É falso, porque já o artigo 35.º, inicialmente, continha o habeas data. Com a nossa proposta apenas quisemos consolidar esse habeas data. Somos a favor dele, como é óbvio, e nem poderia ser de outra forma. Se o PCP se refere à proposta para um n.º 1-A...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Refere!

O Orador: - ... também é falso, porque - provámo-lo na comissão -, o artigo 268.º n.º 3 já abrange a matéria que o PCP aí queria prever. Foi o próprio Partido Comunista que deixou decair um pouco essa sua posição, porque reconheceu que outro artigo da Constituição previa esta, mesma situação. Dizer que isto é estar contra o habeas data, Sr. Deputado José Magalhães, é falso, é querer subverter o debate e nós não poderemos, de maneira nenhuma, deixar passar isto em claro.
O Sr. Deputado José Magalhães afirmou também que o PSD ou, pelo menos, o Governo do PSD, de alguma forma, se serve das bases de dados ou pode servir-se delas para fins ilícitos. O que é facto, Sr. Deputado, é que estamos todos aqui a rever a Constituição, com a melhor boa vontade, no sentido de, em termos constitucionais, conseguirmos consagrar medidas que prevejam garantias para que os cidadãos não possam ser violados no seu espaço de privacidade e de intimidade, não só por este Governo, mas por todos os governos, não só por um cidadão, mas por todos os cidadãos que, de alguma forma, manipulem a informática.
É esse o objectivo da proposta do PSD referente à questão das bases de dados. O Sr. Deputado José Magalhães pode agora armar-se como paladino das bases de dados, mas foi o PSD que inicialmente preconizou essa matéria. Foi o PSD que com a sua proposta se preocupou com esta matéria e foi o PSD que propôs que se remetesse para a legislação ordinária, ao que creio a ser brevemente aprovada nesta Casa, a sua regulamentação específica.
O Sr. Deputado José Magalhães e o seu partido têm um bocado a visão que a Constituição é um regulamento que não mais acaba; que terá de ter n números e n artigos, para que a confusão reine sobremaneira e ad eternum.
Ao contrário, nós queremos que a legislação seja racional, mas queremos também, sobretudo, que as medidas sejam preconizadas em sede própria, sendo óbvio que ao remeter as matérias deste n.º 4 para a legislação ordinária aí todas as garantias estarão com certeza, consagradas.
Também é falso, Sr. Deputado José Magalhães, que o PSD esteja contra o Conselho Nacional de Informática e Liberdades. É falso, porque o que dissemos, na discussão na comissão e também agora no Plenário, é que o PSD está contra que isso seja consagrado na Constituição, mas desde já, manifesta a abertura para
que, em sede de legislação ordinária, possa, eventualmente ser criado este conselho. É na legislação ordinária que se devem estabelecer as suas competências, os seus poderes e as suas atribuições. Não basta Sr. Deputado criar órgãos vazios, para depois virem dizer que foram os paladinos deste conselho e de outros órgãos, que existem n órgãos na Constituição, mas desprovidos de poderes, de atribuições e de competências e que acabam por não servir para coisa nenhuma. Queremos ser minimamente racionais nesta matéria, queremos, obviamente, que a informática, ela própria, esteja regulamentada em termos legais e precisos e sobretudo que estas matérias aí estejam contidas.
Percebo, Sr. Deputado José Magalhães, as vossas preocupações quando um artigo como este - que quereriam que assim acontecesse - não suscita problemas de maior, mas que vos leva a fazer aqui, mais uma vez, a arenga contra o Governo, que o Governo põe em perigo, etc. Nós estamos a rever a Constituição independentemente de todos os governos, mas o Sr. Deputado José Magalhães, apesar de vários deputados de diversas bancadas já terem referido isto diversas vezes na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, não consegue deixar esse tipo de discurso que é afinal serôdio e opaco.
Para terminar, Sr. Deputado José Magalhães, que está tão preocupado com o Governo que temos ou com o Governo que tivemos, quero dizer-lhe que a Constituição é de todos os portugueses, mas eu, pessoalmente, diria que se fosse um governo do Partido Comunista estaria muitíssimo mais preocupado nesta sede, também em termos de informática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de protestar em nome da bancada comunista pelo conteúdo e pelo tom da intervenção do Sr. Deputado José Luís Ramos.
O PSD é dúplice em matéria de Revisão Constitucional, tem uma atitude dupla. Gosta de uma Constituição branca, vazia, sonhando com leis laranja que depois a possam definir na prática, mas quer, também, conquistar para o seu Governo poderes na Constituição, como os de derrubar ratificações, acabar com os mecanismos de fiscalização do Governo, permitir que o Governo desnacionalize como entender - isso o PSD quer que fique na Constituição preto no branco, claríssimo. No tocante a garantias e liberdades dos cidadãos, isso deve ficar fluído pode ir para uma «lei laranja» que, depois, o PSD aprova ou não, consoante lhe apetecer.
Quando a esta matéria é assim, e o Sr. Deputado não se eximiu a esse artifício. É muito interessante que V. Ex.ª não tenha corrido à estacada, em defesa do Ministro Cadilhe. Esse também é um ponto interessante, porque V. Ex.ª nada disse às criticas que o PCP aqui fez, sobre o mau uso dos bancos de dados dos serviços fiscais e caiou-se quando o Sr. Deputado

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Narana Coissoró invocou o facto de um ministro ter ameaçado, em reunião partidária, usar dados pessoais de cidadãos para chantagiar e obter efeitos políticos. Isso nunca tinha acontecido em Portugal! Mas um ministro desesperado, em queda política, não hesita em ameaçar usar dados confidenciais contidos em bancos de dados dos serviços fiscais, para interferir em decisões políticas. Isso é um risco muito grave! Sendo assim, queria V. Ex.ª que, angelicamente, fizéssemos este debate prescindindo de tal dado? Isso não fazemos!
Terceiro aspecto, V. Ex.ª também não disse nada sobre o recortezinho que revela que a Sr.ª Manuela Teixeira usou os ficheiros do PSD para criar um novo sindicato.
V. Ex.ª não disse nada. Porquê?
Porque não convém a V. Ex.ª que este escândalo seja ampliado para além da medida que já representa o facto de eu estar a referi-lo!
V. Ex.ª sobre isso silencia. Eu sugiro que aproveite o contra protesto a que tem direito para se pronunciar sobre esta matéria.
Em quarto lugar, V. Ex.ª também não fala do uso de ficheiros informáticos do Ministério da Saúde, para fins que não sabemos quais sejam. Mas como o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu, neste momento na presidência, muito bem sabe, o Ministério da Saúde tem ficheiros informáticos da mais diversa natureza, alguns dos quais têm dados confidenciais sobre a saúde das pessoas. Quais são as garantias de que esses dados não sejam usados, inclusivamente, para efeitos de luta política, para efeito de produção de preversões de carácter político? Eu respondo: nenhumas!
A Revisão Constitucional, neste ponto, pode dar um contributo positivo. Por isso é que o PCP vota a favor destas normas e, ao fazê-lo, não esquecemos que a prática governativa do PSD introduz factores de perturbação que criam perigos muito grandes para as liberdades.
Os Srs. Deputados assumiram aqui o compromisso de criar um Conselho Nacional de Informática e Liberdades. O Sr. Deputado do PSD assumiu o compromisso de, na lei ordinária, considerar a sua criação.
O PCP pega na palavra do PSD e exige a criação de um conselho de fiscalização, um Conselho Nacional de Informática e Liberdades, rapidamente, tão rapidamente quanto os senhores sejam capazes. Pela nossa parte poremos todo o empenho, para que as garantias dos cidadãos sejam mais defendidas em Portugal. É essa a nossa luta e é por isso que nos batemos e bateremos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para prestar esclarecimentos, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães é daqueles que não precisa de esclarecimentos...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Olhe que não!

O Orador: - .., mas, enfim, dir-lhe-ia duas coisas, muito rapidamente.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado desconhece - quero que isto fique registado no Diário - ou, pelo menos, parece desconhecer, uma distinção básica que se aprende nos bancos da escola e nos bancos da Faculdade de Direito: é a distinção básica entre legislador ordinário e legislador constituinte. O Sr. Deputado desconhece ou parece desconhecer essa diferença. Ora, não podemos, sobre cada artigo da Constituição, passar a fazer algo de semelhante a um período de antes da ordem do dia, ou seja, em que se analisa todos os dias os jornais da tarde, os jornais da manhã e assim sucessivamente.
Sei que tanto o Sr. Deputado José Magalhães, como o Partido Comunista, não querem fazer da Revisão Constitucional um processo digno. Todos estamos cientes disso, mas é óbvio que não poderemos, de maneira algumas, andar todos os dias a discutir o quotidiano.
Queremos fazer uma Constituição para todos os portugueses, queremos rever a Constituição de uma fornia séria, independentemente de cada um estar ou não estar, em termos globais e concretos, de acordo ou não, com medidas concretas deste ou daquele governo. Queremos fazer esta distinção, que não tem nada de má fé, como o Sr. Deputado José Magalhães insinuou.
O Sr. Deputado diz que não respondi ao assunto do Ministro Cadilhe. Não respondi nem tenho de responder, Sr. Deputado José Magalhães...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tem de responder?

O Orador: - ..., pois a questão é diferente. O Sr. Deputado, ao estar a situar o debate da Revisão Constitucional na chicana política, está, sem dúvida alguma, a desdignificar este debate. Aqui somos legisladores constituintes, estamos a rever a Constituição de 1976, para que, ela própria, espelhe este país, que é o nosso, e que o Sr. Deputado José Magalhães ainda não conseguiu entender, misturando os âmbitos: quando se fala em Revisão Constitucional, fala como se falasse no PAOD; fala no Ministro Cadilhe, quando estamos a tentar falar sobre preservação do indivíduo, em termos de informática e assim sucessivamente.
O Sr. Deputado mistura os planos, mistura os conceitos, confunde o debate, sem dúvida alguma não presta um bom serviço a esta Revisão Constitucional!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É para defesa da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do PSD não gostaria de fazer este debate da forma que o PCP imporá que ele se faça!

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - A bancada do PSD gostaria que este debate fosse feito com o regimento rolha que comprimisse totalmente os debates, a ponto de não se poder discutir o que cada partido entenda dever discutir.

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Denunciámos aqui gravíssimos atentados às liberdades. dos cidadãos praticados por departamentos do Governo que usam informática. Quando se está a discutir_ o artigo da Constituição sobre a informática é isto que se tem de discutira 15so dói ao PSD, porque, o PSD é incapaz de responder às questões que aqui colocámos. O PSD,- por exemplo o Sr: Deputado, não refutou as acusações, de como é absolutamente afrontoso da dignidade do Estado democrático que um ministro ameace usar os dados secretos que tem no computador do seu ministério, para fazer chantagem política sobre colegas seus ou dos dirigentes partidários. Não, refutou, cala-se em relação a isso...
Em segundo lugar, discutir em concreto as situações não é fazer- chicana política. Este debate para ser digno tem de exigir, tem de permitir a expressão livre de todas as opiniões e a nossa critica frontal ao processo de Revisão Constitucional, tal qual é encarado pelo PSD. O PSD encara o processo de Revisão Constitucional como um conjunto de mecanismos que permitais ao Governo do PSD fazer a sua política contrária aos direitos dos trabalhadores, criar novos instrumentos de poder, para levar a cabo o projecto de edificação do sacrossanto «Estado laranja». Opomo-nos a isso a todas as horas, cem por cento oposição; não oposição a metade, não oposição em part-time. Essa é que é a posição. do PCP e o PSD tem de se resignar a isso, tem de o aceitar. Nós, pela nossa parte, não, desistiremos.

Vozes do . PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, disse desse lado da bancada que se opõe ao. Governo e que, como tal; a sua voz não se pode calar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - Pois o Sr. Deputado tem todo o direito para dizer nesta Casa, a toda a hora e a todo o instante, isso que o Sr. Deputado está a dizer. Agora o que o Sr. Deputado deve dizer, ainda . mais, é o seguinte: é que o Sr. Deputado José Magalhães, tal como o Partido Comunista, se opõem também a esta Revisão Constitucional e isso não têm a coragem de o dizer. Que o digam e que o assumam!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro, opomo-nos!

Vozes do PCP: - Assumimos!

O Orador: - Mas o que é facto é que os Srs. Deputados não conseguem, influir nesta Revisão Constitucional. Os Srs. Deputados são Oposição a esta Revi
são Constitucional, assumam-no e não fiquem por metade da verdade.

O Sr. José Magalhães (PCP):- É uma péssima revisão!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições pelo que consideramos encerrado o debate sobre o artigo 35.

Dada a hora não sei se valerá a pena passarmos ao artigo 36. º
O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Presidente, como uma das minhas camaradas que deveria intervir nesse debate não estará cá no próximo dia em que se discutir a Revisão Constitucional, na próxima quarta-feira, queria perguntar-lhe se seria possível que ela fizesse uma pequena intervenção inicial fundamentadora da nossa posição ainda hoje, dado que ela tomará poucos minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o problema é que já inscrições para este artigo, nomeadamente a Sr.ª Deputada Natália Correia.
Ou há acordo e dá-se a palavra à Sr.ª Deputada do PCP, apenas para uma intervenção, ou damos por encerrada a sessão sem iniciar o debate do artigo 36.º
Sr.ª Deputada Natália Correia, qual é sua opinião?

A Sr.º Natália Correia (PRD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente::- Sendo assim, Srs. Deputados, vamos começar a discussão do artigo 36.º
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: A bancada do PCP salienta o espírito do artigo 36.º da Constituição que, de facto, salvaguarda um conceito abrangente de família; na medida em que esta não se esgota nem se exclui no casamento.
Parecia-nos, por isso, importante que estivesse salvaguardada a proposta de emenda do Partido Os Verdes, embora consideremos que, caso isso não aconteça, as uniões de facto e as formas de família mono-parental estão já salvaguardadas pela lei ordinária.
No entanto, continuamos a salientar, da leitura que fazemos do n.º1 do artigo 36.º, que a família é de facto uma união livre de pessoas livres, assente na fraternidade e no amor, com uma partilha de tarefas e responsabilidades e com uma igualdade de direitos; de oportunidades e de realização. 15to pressupõe responsabilidades do Estado, nomeadamente na criação de infra-estruturas para o desenvolvimento harmonioso dos elementos da família que, como disse, não se esgotam no casamento.
Porém, não quero entrar nos aspectos da hipocrisia daqueles que vêem as famílias. apenas baseadas no casamento e que, inclusive, podem indiciar, e aqui chamo a atenção para a posição do CDS, quando, em relação ao artigo 36.º, quer para efeitos de casamento, quer de dissolução, acrescenta os interesses dos filhos menores. De facto, não entendemos exactamente o que o CDS pretende dizer com isto e tememos que se possam, querer afirmar coisas para as quais a experiência de todo o processo de luta das mulheres tem vindo a chamar a atenção.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Narana Coissoró pois é o único aqui presente que a família não pode ser entendida como uma, entidade abstracta, em que

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apenas as crianças têm direito a ser respeitadas e têm direitos. Porém, para que as crianças tenham direitos e sejam respeitadas é de facto preciso que a família seja um agregado harmonioso e, para isso, é necessário que o Estado assuma as suas responsabilidades, de forma que a cada elemento individual da família veja salvaguardado o seu direito à felicidade e à realização. Mas o direito à felicidade e à realização das crianças não pode ser baseado em famílias em que o quotidiano é marcado pela violência que se faz sentir sobre as mulheres e sobre as próprias crianças e, portanto, os valores abstractos dos direitos das crianças não podem ser alcançados nestas famílias.
Por exemplo, o direito abstracto em relação à criança também não pode apenas ser entendido no acto e no sonho da procriação da família, quando não há o direito à informação e ao cumprimento efectivo das responsabilidades do Estado, como é o caso do cumprimento das Leis n.ºs 3, 4, e 6/84 que permitem exactamente uma maternidade e paternidade responsável, a criação de infra-estruturas de apoio à mulher do pré--parto, durante o parto e no pós-parto; que não se fechem maternidades e que, de facto, se dê à criança a possibilidade de ser gerada em alegria e felicidade, com direito à habitação, à educação e ao trabalho garantido também para as mulheres.
Neste ponto salientamos o alcance da proposta que apresentamos, quando acrescentamos a este artigo que «Os pais têm o direito e o dever de manutenção e educação dos filhos». De facto, com este aditamento entendemos que a lei ordinária deve salvaguardar a capacidade executiva de homens e mulheres, pais e mães, de assumirem a tal maternidade e paternidade responsável, que pressupõe terem garantido, por exemplo, o direito ao trabalho em relação às mulheres e condições para que possam assumir esse dever de manutenção.
Apresentámos na Assembleia um projecto de lei em que para as famílias mono-parentais, quando as mães têm a seu cargo os filhos e existe um pai faltoso - na maioria dos casos é isso o que acontece -, se estabelece um fundo de garantia de pensão de alimentos a menores, assumido pelo Estado, de modo a não persistirem situações que se verificam e que, de facto, não permitem às crianças não só o tal direito à felicidade, como não permitem às mães, a estas famílias, salvaguardar o direito à educação e manutenção dos filhos. Quando os pais faltosos não pagam a pensão de alimentos, isso implica que muitas vezes as mulheres, que são as que estão em situação de trabalho mais precário e na maioria das vezes no desemprego, não tenham, de facto, condições para dar apoio aos filhos e garantir a sua educação e manutenção.
Portanto, consideramos importante que, ao consagrar-se na Constituição o direito e os deveres dos pais à educação e manutenção dos filhos, o Estado assuma as suas responsabilidades para a criação de efectivas condições, para o cumprimento deste dever de pai e de mãe...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ..., assim como para o cumprimento das leis que foram aprovadas e que estão a ser sistematicamente violadas.
Por exemplo, em relação aos Centros de Saúde - e conheço-os - e às valências de planeamento familiar e educação sexual, para a tal possibilidade de as crianças serem de facto geradas em felicidade e desejadas, diria que muito deles estão a fechar essas valências.
Portanto, não é actuando desta forma que garantimos a Constituição. É importante que se consagre na Constituição, mas também é preciso que o Estado assuma a sua responsabilidade no cumprimento da legislação.
Em relação aos filhos menores, Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que a manutenção deste conceito na Constituição pode ser extremamente perigoso e levar, de facto, à violação dos direitos das crianças. Certamente que está subjacente, quer no seu espírito, quer no meu, a necessidade de salvaguardar os direitos das crianças, mas estes não o serão, muitas vezes, mantendo-se a família, em que tudo está destruído. O facto de se manter uma família em que tudo está destruído pode lesar a criança e pôr em causa o direito de ela ser feliz, ou seja, de ser gerada e criada num ambiente de felicidade.
Os direitos abstractos da criança não podem ser factores impeditivos para, muitas vezes, as mulheres, e neste caso são mais as mulheres que os homens, poderem recorrer ao divórcio. Isso acontece exactamente porque têm consciência, até pelo respeito da dignidade da sua própria pessoa como mulheres e das crianças geradas por si, que manter aquele casamento e não recorrerem ao divórcio, por eventuais e subjectivas interpretações dos interesses dos filhos menores, representaria de facto a violação da dignidade familiar, pelo menos de dois elementos: da criança ou das crianças e da mãe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado o adiantado da hora, a Mesa pergunta aos Srs. Deputados Narana Coissoró e Herculano Pombo se aceitariam fazer as considerações que foram sugeridas pela intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Amorim, sob a forma de intervenção, na próxima sessão.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, as considerações que temos a fazer sobre esta proposta, serão feitas sob a forma de intervenção.
Simplesmente, como fomos directamente interpelados pela Sr.ª Deputada Luísa Amorim teria o gosto, o prazer e a honra de responder e «varrer a testada», como se costuma dizer.
No entanto, o que agora vou dizer não retira o nosso direito a uma intervenção para justificar ex professo o que queremos com a nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, a Mesa não tinha naturalmente a intenção de lhe retirar o legítimo direito de fazer as intervenções que pretender. Estava era a tentar lembrar a todos os Srs. Deputados o adiantado da hora.
Sendo assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em primeiro lugar, quero agradecer, à Sr.ª Deputada pela honra que nos deu de, ao falar da família, se dirigir unicamente

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ao CDS. Isto mostra que a Câmara considera que os legítimos direitos da família são aqui representados e exclusivamente defendidos pelo CDS e por mais ninguém.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A vossa família é que é pequena!

O Orador: - Se isto causa engulhos e ciúmes aos outros não é connosco nem convosco certamente...
O que não percebi foi uma interpretação especiosa e restritiva que V. Ex.ª fez, para justificar o seu discurso contra a família, para referir coisas que nunca dissemos e até pelo contrário apoiamos.
Em parte alguma das posições do CDS há qualquer menosprezo ou qualquer ataque às famílias mono--parentais, às mães solteiras, às crianças que não têm família legalmente constituída. Não há! Desafio quem quer que seja, qualquer militante do PCP ou de outro partido, qualquer deputado qualquer profissional, a trazer «preto no branco» qualquer texto, qualquer frase que tenha alguma vez sido dita por alguém responsável, isto é, que possa ser imputada ao CDS, sobre estes problemas e que V. Ex.ª nos atribuiu.

O Sr. António Vitorino (PS): - O Dr. João Morgado!

O Orador: - Em segundo lugar, o que queremos dizer, em caso de dissolução do casamento, é que não está dito que o juiz não deva tomar em consideração o futuro dos filhos menores. Se V. Ex.ª for para o Tribunal de Família requerer uma acção de divórcio voluntário, a primeira coisa que o juiz pergunta é se há filhos menores e qual o seu futuro. Ora bem, se na prática é assim, não vejo razão para que na Constituição não se diga que entre os requisitos de dissolução do casamento se tome em consideração o futuro dos filhos menores.
Isto é a coisa mais legal, mais simples, mais razoável que pode haver, e por isso dizê-mo-lo na própria Constituição. Daí a V. Ex.ª saltar, preconceituosamente, e dizer que o CDS quer forcar a continuação do casamento quando há filhos menores, etc, impedindo o divórcio, é um fantasma que habita o seu pensamento. Rigorosamente, isso nada tem a ver com a nossa proposta, com o nosso conceito de família nem com filhos menores e cônjuges seus pais.
Digo-lhe, até, que quanto à vossa proposta de inserção da palavra «manutenção», estamos inteiramente de acordo, mas não com o sentido que V. Ex.ª lhe deu. Isto é, não é pelo facto de estar aqui a palavra «manutenção» e os pais não poderem manter os filhos que o Estado deve suprir as necessidades ou a omissão dos pais, como disse V. Ex.ª Não compreendemos este salto lógico.
Agora, que seja dever dos pais contribuir para a manutenção e educação dos filhos, estamos inteiramente de acordo e aí V. Ex.ª vê como é generoso o nosso conceito de família.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, gostaria que me provasse em que é que de facto considera que a minha intervenção foi contra a família. V. Ex.ª poderá ter razão em considerar que o meu conceito de família não se esgota na família entendida pelo casamento. Se V. Ex.ª com isso entende que sou contra a família devo dizer que não. Considero que num Estado democrático e de liberdade a família pode assumir a forma de casamento, mas, de facto, não se esgota aí. A família é uma coisa mais importante do que uma união formal, que resulta de uma união assinatura, quer no estado civil, quer, eventualmente, por laços que respeito, que tenham a ver com concepções religiosas. Mas a família é mais do que isso, é uma livre de pessoas livres, Sr. Deputado. E como união livre de pessoas livres, em que as pessoas devem ter partilha, em que as pessoas devem ter igualdade de oportunidades e de direitos, aí, Sr. Deputado, a minha intervenção foi no sentido da defesa da família como expressão de realização, não como expressão de destruição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que a interrompa?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada, no n.º 1 diz-se que «Todos têm direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade». Nem nós nem VV. Ex.ªs apresentámos absolutamente nada para alterar este preceito. Embora tenhamos conceitos completamente diferentes de família, reconheço que o denominador comum das nossas concepções é o n.º l e este tanto me satisfaz a mim como a si. Por isso não apresentámos qualquer proposta para alterá-lo.
O n.º 2 é sobre os efeitos da dissolução do casamento e sobre os requisitos. Relativamente a este preceito apresentámos medidas, no sentido de serem tomados em consideração os interesses dos filhos menores.
Quanto à família, nada temos a dizer, embora V. Ex.ª possa dizer tudo sobre o CDS e agradeço que o diga, porque é uma das maneiras de nos prestar homenagem.

A Oradora: - Sr. Deputado, há uma coisa em que tenho que lhe fazer justiça: o CDS, com os tempos da modernidade, pode estar a evoluir, e bem haja que isso aconteça, em relação aos seus conceitos de família, mas esta Casa conhece as posições do CDS aquando da discussão da Lei n.º 3/84, quando o Sr. Deputado Morgado, que ficou na história deste Parlamento e, portanto...

O Sr. António Vitorino (PS): - Saudoso!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não confunda a família com o aborto. A família não nasce com o aborto!

A Oradora: - Sr. Deputado, de facto, integro na família o amor. O que não integro é determinados conceitos que o CDS tem e que foram muito bem comentados, com outras formas mais caricaturizadas por este Parlamento.
De facto, viola-se o artigo 36.º, n.º 1, quando V. Ex.ª está a privilegiar um dos elementos do agregado familiar, que são de facto as crianças. Não foi

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por acaso, Sr. Deputado, que todos os partidos rejeitaram isso. Além de que tal facto podia indiciar algumas tendências que ainda existem no CDS, que de facto, são contra a família.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pede a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É para defesa da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A Sr.ª Deputada diz, em primeiro lugar, que a família nasce do aborto. Não pode ser: uma coisa é a família, outra coisa é o aborto e este não é fonte da família, bem pelo contrário.
Em segundo lugar, V. Ex.ª diz, porque já não tem argumentos, que nós evoluímos. Isto é, V. Ex.ª faz uma afirmação sobre o conceito de família atribuído ao CDS, eu digo que isso não tem nada a ver connosco. Então V. Ex.ª remata que o CDS evolui. Isto não são maneiras de debater as questões!
Em terceiro lugar, V. Ex.ª diz que aquando do debate da interrupção voluntária de gravidez, nós tomámos posições sobre a família, mas não diz quais.
Em quarto lugar, V. Ex.ª diz que pelo facto de o PSD não aceitar a nossa proposta, ela é má. Porquê? Até podemos estar orgulhosamente sós, repito-o, na defesa da família.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é mau!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, não sei se vale a pena responder-lhe, mas, apesar de tudo, dir-lhe-ia que é evidente que me lembro perfeitamente de algumas pessoas ligadas ao seu partido que não defendiam a família no conceito abrangente que a Constituição prevê.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O CDS defendeu a rejeição da lei do aborto!

A Oradora: - Sr. Deputado, tenho estado ligada à luta das mulheres e, por exemplo, lembro-me que uma Secretária de Estado da Família, do vosso partido, tinha um conceito redutor de família...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso não é verdade!

A Oradora: - ..., um conceito profundamente lesivo da liberdade dos portugueses, para encontrarem a forma que entenderem para se unirem livremente pelo casamento ou sem ser pelo casamento.
Mas, Sr. Deputado, realmente a expressão «orgulhosamente sós» é algo que me faz lembrar, pelo menos a mim, que tenho algumas recordações de viver nesse período, apesar de ter resistido a ele, um tempo de alguém que se considerava orgulhosamente só.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E o Estalinismo também!

A Oradora: - Sr. Deputado, não tenho complexos de culpa; se V. Ex.ª os tem eu não.
O Sr. Deputado pode ter a melhor das intenções, mas é extremamente arriscado, em termos constitucionais, e pode levar a interpretações com que, inclusive, o Sr. Deputado não se sinta seguro no seu próprio partido. Com a leitura que VV. Ex.ªs fazem da Constituição, contrariando aquilo que considero extremamente positivo, receio que acabem por coarctar e ser permissivos com formas de família profundamente degradadas que, de facto, não correspondem ao respeito dos direitos das crianças.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não tem nada a ver com isso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos de hoje. Continuaremos a discussão da revisão da Constituição com o artigo 36.º na próxima quarta-feira.
Lembramos a todos os Srs. Deputados que na próxima segunda-feira, dia 24, pelas 17 horas e 30 minutos, se realiza uma sessão comemorativa do 25 de Abril na sala do Senado e, na terça-feira, às 12 horas, dia 25 de Abril, realiza-se uma sessão solene aqui no Plenário.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Flausino José Pereira da Silva.
Joaquim Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Martins Vale César.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís do Amaral Nunes.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

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Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
José Manuel Antunes Mendes.

Partido Renovador Democrático. (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.

Deputados Independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - José Diogo.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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