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Quinta-feira, 27 de Abril de 1989 I Série - Número 70

DIÁRIO

Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE ABRIL DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vitor Pereira Crespo
Secretários. Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vitor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 13 horas, e 10 minutos.
Deu-se conta da apresentação do projecto de lei n. º 390/V.
A Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando deputados a deporem como testemunhas.
O PS apresentou um voto de protesto pelos acontecimentos, verificados no Terreiro do Paço em 21 de Abril, sobre o que usaram da palavra os Srs. Deputados António Guterres (PS), Narana Coissoró (CDS), Jorge Lemas (PCP), Torres Couto (PS). Rui Silva (PRD), Carlos Encarnação (PSD), Natália Correia (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes), Jorge Lacão (PS) e Carlos Brito (PCP).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo d substituição de deputados do PSD, do PS e do PCP.
Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 36. º e 38. º). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Natália Correia (PRD), Assunção Esteves (PSD), Herculano Pombo (Os Verdes), Nogueira de Brito (CDS), Vera Jardim (PS), Odete Santos (PCP), Almeida Santos (PS), José Magalhães (PCP), Adriano Moreira (CDS), Costa Andrade e Carlos Encarnação (PSD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), 15abel Espada (PRD). Jorge Lacão (PS), Jorge Lemos (PCP), Marques Júnior (PRD), Alberto Martins (PS) e Carlos Brito (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 0 horas e 5 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Francisco Amaral.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta e Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chencerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.

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Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello. Ribeiro de Almeida.
José Manuel. Torres Couto.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados Independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e 'Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de diplomas entrados na Mesa e de pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesmo projecto de lei n.º 390/V; da iniciativa do Sr. Deputado Manuel
Joaquim Baptista Cardoso e outro do PSD, que propõe a elevação da povoação de São João de Ver, no município de Santa Maria da Feira, à categoria de vila.
Entretanto, são três os pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, que passo a enunciar:

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS

De acordo com o solicitado no ofício n.º 316 - Processo n.º 1370/89 OP-2.8 Secção, do 1.º Juízo Correcional da Comarca de Lisboa de 3 de Abril de 1989, enviado à Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado António Maria Pereira,
tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ouvido como testemunha no processo em causa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetida a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura do segundo relatório.

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS

De acordo com o solicitado no ofício n.º 1605

Processo n.º63/89 OP-1.ª Secção, da Delegação da Procuradoria da República, de 28 de Março de 1989, enviado à Assembleia da República; acerca do Sr. Deputado Lino António Marques de Carvalho, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo referenciado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão; Srs. Deputados.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos proceder à sua. votação.

Submetida a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr: Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de terceiro relatório.

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS

De acordo com o solicitado no ofício n.º 8198 - Processo n.º 6420 - 1.ª Secção, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de

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Gaia, de 5 de Abril de 1989, enviado à Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Francisco Barbosa da Costa, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em causa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

Prosseguindo o debate da Revisão Constitucional, começo por dizer que, como os Srs. Deputados sabem, há tempos semanais e tempos globais. Nós comunicamos os tempos semanais disponíveis, embora esta regra, como é do conhecimento geral, não se aplique, quer aos deputados da ID, quer aos deputados do PSD da Madeira, quer ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, quer à Sr.ª Deputada Helena Roseta. Como está estabelecido, só fazem sentido os tempos globais. Portanto, o tempo que anunciamos é o tempo global. O restante é o tempo semanal.
Nós ficámos no artigo 36.º, e neste momento estão inscritas as Sr.ªs Deputadas Natália Correia e Maria da Assunção Esteves e os Srs. Deputados Herculano Pombo e Narana Coissoró.

Pausa.

Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, no passado dia 21 todos tivemos ocasião de constatar um conjunto de acontecimentos lamentáveis ocorridos no Terreiro do Paço...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de acordo com as nossas regras, não podemos injectar no debate da Revisão Constitucional matérias que a tal não digam respeito. O Sr. Deputado terá outra altura para falar sobre essa matéria.

O Orador: - Sr. Presidente verificará que não vou entrar no debate sobre esse tema.
Queria apenas dizer que, no âmbito desses acontecimentos, houve um deputado desta Câmara que foi vítima de insultos e de agressões e em relação aos quais a Assembleia da República não pode ficar indiferente.

Vozes do PS e do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, e independentemente de outras iniciativas que a seu tempo ponderaremos, gostaria de entregar neste momento na Mesa, ao Sr. Presidente, um voto de protesto por mim próprio assinado, voto de protesto esse que pediria pudesse ser agendado o mais rapidamente possível de acordo com os nosso trabalhos parlamentares.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado fez o anúncio. A ele será dada entrada num momento oportuno.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A Mesa da Assembleia da República não diz nada sobre isso? Um deputado é agredido e a Assembleia da República não diz nada?

Pausa.

O Sr. Presidente: - O próprio Sr. Deputado António Guterres disse que o assunto seria analisado posteriormente. Nessa altura a Mesa pronunciar-se-á. Neste momento ainda nem sequer lemos o voto de protesto.
Srs. Deputados, como já tive ocasião de dizer, nós não vamos entrar em matérias extra Revisão Constitucional.
Sr. Deputado Narana Coissoró, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sobre a matéria que V. Ex.ª vai ouvir.

Risos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sabe o que é que diz o Regimento. Eu tenho o direito de lhe perguntar sobre que matéria é que o Sr. Deputado pede a palavra para interpelar a Mesa. Uma vez que o Sr. Deputado não quer declarar, eu não lhe concedo a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, eu tenho o direito regimental de pedir a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem esse direito regimental e também o direito regimental de anunciar o seu objectivo, eu tenho o direito regimental de lho perguntar. Como ficou combinado que nós não injectávamos no processo de Revisão Constitucional outra matéria, eu, acima de tudo, tenho de respeitar essa decisão que foi tomada em Conferência.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É exactamente sobre essa decisão, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando tomámos esta decisão não pensámos, porque não era de prever, que pudesse ocorrer um acontecimento gravíssimo que diz respeito à dignidade dos deputados. Como é natural, nós nunca pensámos que durante o processo de Revisão Constitucional tivesse lugar esse acontecimento, nessas circunstâncias, e no qual estivesse envolvido um colega nosso, que foi enxovalhado por autoridades sabendo que ele era deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PS, do PCP e do PRD: - Muito bem!

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O Orador: - Neste momento, não podemos invocar, formalmente, uma decisão que não: tomou, de forma nenhuma, em consideração acontecimentos desta natureza. Não podemos dizer que mantemos- -b respeito por
uma decisão e V. Ex.ª concordará com, isso que inequivocamente não tomou em, consideração casos gravíssimos como este, em que a própria dignidade da
Assembleia da República está em causa. Não podemos sacudir a água do capote e dizer «nós vamos pensar nisso qualquer dia».

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - 15so diz respeito à nossa dignidade, à nossa postura perante o País. Todo o País viu na televisão um espectáculo lamentável e todos os deputados têm direito de fazer seu o protesto apresentado pela bancada do PS. Sé a bancada do Partido Socialista entende que este prazo pode ser dilatado e que está discussão pode ser adiada para mais tarde, - gostaria de propor à Mesa que fosse lido o voto de protesto e que nos fosse dada a palavra, pelo menos 3 minutos para cada grupo parlamentar; para que nos pudéssemos pronunciar. Não podemos pôr a cabeça debaixo da areia e dizer que qualquer dia agendaremos essa questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em primeiro lugar eu não disse «qualquer dia».
Segundo, estive atento às palavras do Sr. Deputado António Guterres.
Terceiro, tivemos uma conferência de lideres hoje: de manhã, onde o problema nem sequer foi levantado, e podê-lo-ia ter sido.
Quarto, lamento; profundamente que qualquer deputado, em quaisquer; circunstâncias, possa do Sr. Deputado Torres Couto, não há nenhum dano físico-pessoal que tenha uma urgência tal que não possa ser reparado em qualquer outro
momento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Todos nós tomámos o compromisso de assim proceder- em relação à questão da Revisão Constitucional. É assim que eu procederei.

Protestos do PS, do PCP, do PRD e do CDS.

Peço desculpa, mas esqueci-me de dizer aos Srs. Agentes de Autoridade para abrirem as, galerias.
Sendo coerente comigo próprio, é afirmando que lamento que qualquer Sr. Deputado possa ser vexado, mal tratado, ferido de qualquer forma física ou moral,
eu neste momento não autorizo - e devo dizer que até me louvo nas palavras de bom senso e de boa determinação do Sr. Deputado António Guterres a discussão desta questão, que será tratada na altura e com a dignidade oportuna.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra para interpelar a Mesa. Reconheço, porém, que, antes do meu pedido de interpelação, já tinham pedido a palavra os Srs. Deputados Jorge Lemos e Torres Couto. Quando o Sr. Presidente entender, e após eles, gostaria também de interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Deputado Torres Couto pediu a palavra, eu inscrevo-me a seguir. Penso que ele terá mais qual
quer coisa a dizer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nós não podemos valorizar as intervenções. Em todo o caso; respeito a sua posição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto.

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra invocando o Regimento. Começo por dizer a V. Ex.ª que é grande o respeito que tenho pelo Presidente da Assembleia da República, que, aliás, já tinha pelo deputado Vítor Crespo. Por conseguinte, estou à vontade: para lhe dizer que neste momento estou chocado por V.Ex.ª não ter considerado prioritário o agendamento desta questão e a sua discussão, citando, neste caso, o artigo 6.º do Regimento da Assembleia da República, nomeadamente a sua alínea d), que aponta para o respeito e dignidade da Assembleia da República e dos deputados. Aquilo que se passou, Sr.
Presidente, na última sexta-feira, no Terreiro do Paço, põe violentamente em
causa o conteúdo da, mesma alínea deste artigo 6.º O Sr. Presidente diz que eu não estou ferido e que, por conseguinte, não vê necessidade desta questão ser enfatizada neste momento. O Sr. Presidente não está possivelmente a convidar-me a que eu me dispa e lhe mostre se estou ou não ferido.
No entanto, - há uma coisa que lhe quero dizer, Sr. Presidente: é que mesmo que fisicamente não esteja ferido, o que se passou, pela forma brutal como a Polícia de Intervenção actuou e pelo comportamento impróprio, indecoroso, inqualificável de alguns membros da hierarquia da Polícia, atenta contra a dignidade da função parlamentar, atenta contra esta Assembleia da República. Esta Câmara furta-se às suas responsabilidades se, efectivamente não discutir esta questão.

Aplausos do PS; do PCP, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu devo-lhe uma explicação, embora creia que as minhas palavras foram claras. Quando disse que não estava ferido estava apenas a pretender dizer que não era uma matéria que tivesse uma violência física tal e não' estava a referir-me a nenhuma outra questão - que pudesse justificar ultrapassar uma regra que nós próprios impusemos. Eu nunca exclui a possibilidade de o assunto ser tratado em devido tempo. Devo dizer que quando os Srs. Deputados pediram a palavra. para interpelar a Mesa eu nem sequer conhecia o teor; como era público e notório, da situação. O próprio Sr. Deputado António Guterres disse que o assunto era para ser tratado em devido tempo. O voto foi apresentado e só faria sentido pronunciar-me quando fosse analisado.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

0 Sr. António Guterres (PS):- - Sr. Presidente, sendo esta iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, não me pareceu curial fazer uma exigência em relação ao momento da discussão. Manifestei o seu

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carácter de urgência e a convicção de que este tema deveria ser discutido na Assembleia da República no momento próprio. Segundo o Sr. Deputado Narana Coissoró, o momento próprio para a realização deste debate é agora mesmo. Pela nossa parte, não só não existe nenhuma discordância em relação àquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Narana Coissoró como até existe agradecimento pelo facto de o Grupo Parlamentar do CDS ter compreendido a gravidade da situação em que se viu envolvido um deputado da bancada socialista e ter acorrido de acordo com o nosso voto de protesto, chamando a atenção da Câmara para a necessidade de rapidamente se poder pronunciar sobre este tema.
Nesse sentido, Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está inteiramente de acordo com a proposta do Sr. Deputado Narana Coissoró, no sentido de que o voto de protesto possa ser lido e que possa ser dado tempo, embora necessariamente reduzido, às diferentes bancadas para sobre ele se pronunciarem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, realizou-se uma conferência de líderes às 11 horas da manhã de hoje e o assunto não foi abordado. Se o fosse, poderíamos ter chegado a um acordo e escusávamos de perder aqui quinze minutos.
Devo dizer que, inclusivamente, estava agendado para o dia de hoje o andamento da questão da Revisão Constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que seria incompreensível que a Assembleia da República, no primeiro momento em que a seguir aos acontecimentos reúne em sessão plenária, não manifestasse uma opinião quando um dos seus membros, um deputado, foi tratado como foi. Não está em causa ser um deputado da bancada socialista. É um deputado! O que está em causa é a dignidade da Assembleia da República, é a dignidade de cada um de nós. Penso que mal ficaria que a Mesa da Assembleia da República - e eu não quero fazer essa desfeita à Mesa - considerasse que o calendário para a Revisão Constitucional não possa ser alterado por factos tão graves como os que ocorreram na passada sexta-feira, mesmo que por um curto período de tempo.
Gostaria, pois, de manifestar a posição do meu grupo parlamentar de sentido favorável à proposta já apresentada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró de que seja dado um período de tempo limitado a cada grupo parlamentar de forma a que teça as considerações que entender sobre a matéria e que a Assembleia da República se possa pronunciar, através de um voto, sobre os acontecimentos gravíssimos verificados na passada sexta-feira.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para interpelar a Mesa os Srs. Deputados Rui Silva, Carlos Encarnação, Narana Coissoró, António Guterres e Natália Correia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, com o devido respeito pela Câmara, e pelo motivo que tem sido anunciado de que esta matéria deveria ser prioritariamente discutida antes do processo de Revisão Constitucional, e porque é muito importante avivar aqui a memória de todos nós quanto às imagens que na sexta-feira à noite tivemos oportunidade de ver na televisão, não podemos, de maneira nenhuma, desmembrar o acontecimento e o que ocorreu com o Sr. Deputado Torres Couto com aquilo que se passou em relação a toda uma força da polícia, que, justamente, fazia uma manifestação pública, daquilo que julga ser a sua reivindicação justa.
Portanto, neste contexto aderimos à proposta do Sr. Deputado Narana Coissoró, nos termos da qual deveríamos, desde já, abordar esta temática, com três minutos para cada grupo parlamentar, porque, de acordo com o artigo 6.º do nosso Regimento, independentemente do que se passou com o Sr. Deputado Torres Couto, é muito mais ilógica e injusta aquela manifestação, feita precisamente nas vésperas do 25 de Abril.
Por esta razão, damos o nosso acordo - e assim a Câmara o entenda - a que esta matéria seja discutida antes da questão da Revisão Constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, estamos aqui a desvirtuar um pouco a figura da interpelação à Mesa. É por acordo de todos os partidos que está consagrado que o processo de Revisão Constitucional não deve sofrer entraves nem deve sofrer distorções. Nesta altura, o que estamos a agendar é, de facto, o processo de Revisão Constitucional e é disso que devemos tratar. Aliás, neste voto de protesto, que é apresentado pelo Partido Socialista, são salientadas duas questões. Em primeiro lugar, os acontecimentos do Terreiro do Paço e, em segundo lugar, a questão da agressão e dos insultos de que foi vítima o Sr. Deputado Torres Couto.
Portanto, penso que, dada a gravidade representada neste voto de protesto do Partido Socialista, e independentemente da posição do Partido Social--Democrata, que agora não explicitarei, estes acontecimentos em si merecem que seja dado o devido relevo à questão e que na próxima terça-feira, eventualmente no período de antes da ordem do dia e no sítio próprio, se discuta este assunto, mas não agora, não aqui, não à força, não a correr, como eventualmente alguns dos Srs. Deputados da Oposição pretendem.

Protestos.

Pensamos que a melhor maneira de dignificar o debate, a melhor maneira de dignificar a posição da Assembleia da República quanto a esta questão é a de, justamente, conceder-lhe o tempo necessário para que a discussão não possa ser feita de afogadilho e impreparada.

Aplausos do PSD.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª invocou hoje a reunião de líderes parlamentares. Sucede que mesmo que eu estivesse presente, mesmo que este voto tivesse sido apresentado na conferência de líderes parlamentares ele teria, neste momento, ultrapassado essa conferência para se tornar premente o seu debate. E digo isto porque por volta das 12 horas e 30 minutos o Sr. Ministro da Administração Interna disse, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a todos aqueles que quisessem ouvir, que o Sr. Deputado Torres Couto não estava na manifestação como deputado e que era por causa dele estar presente na reunião dos polícias que tinha havido a manifestação e que ele e o colega dele tinham sido os agitadores e os provocadores da reunião.

Vozes do PCP: - Foi dito. É verdade!

O Orador: - Depois de ouvir estas frases do Sr. Ministro da Administração Interna, depois de ele, perante esta Assembleia da República, perante a comissão, o ter apontado a dedo como o principal responsável pela manifestação, como o principal agitador da mesma, depois de tudo quanto sucedeu, é naturalíssimo que a Assembleia da República queira discutir imediatamente este problema e queira pôr o preto no branco para saber se um deputado tem que ir fardado a qualquer lugar. Se o Sr. Deputado é agitador é necessário que a Assembleia da República saiba por que é que ele é agitador. Essas palavras não podem ficar nas quatro paredes de uma comissão porque esta é aberta e livre.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, nós fugiríamos à nossa própria responsabilidade se sob o pretexto formal de que mesmo que esta Assembleia da República caíssse nós não iríamos tratar de a reconstruir ou de fugir. Dizer que para hoje está agendada a Revisão Constitucional é uma mera forma de pretender adiar um debate que é urgente e que a maioria não tem cara para encarar.

Aplausos do CDS, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado está a fazer uma acusação à Mesa devo-lhe dizer que a rejeito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não estou, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, a sua intervenção de há pouco poderia ter deixado na Câmara a impressão de que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista estaria a usar de má-fé ao omitir em conferência de líderes uma iniciativa que ia tomar em Plenário. No entanto, gostaria de recordar ao Sr. Presidente todos os passos que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem vindo a empreender acerca deste tema.
Em primeiro lugar, e em reacção imediata aos acontecimentos, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista interrompeu os contactos que vinha mantendo com o Governo.
Em segundo lugar, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, foi pedida a presença do Sr. Ministro da Administração Interna na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, presença essa que se concretizou esta manhã, e na sequência da qual, pelas afirmações por ele produzidas, nós entendemos, em reunião da direcção do grupo parlamentar realizada a partir das 12 horas, que deveríamos apresentar hoje, aqui em Plenário, um voto de protesto. Naturalmente, não poderíamos, pois, dar conhecimento à conferência de líderes de algo que no momento em que ela se realizava ainda não tinha acontecido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero dizer ao Sr. Presidente que terá sempre da nossa parte a oposição frontal em relação àquilo em que viermos a discordar da sua actuação. Nunca terá da nossa parte qualquer deslealdade ou qualquer má-fé para lhe dificultar o exercício das funções da presidência desta Assembleia da República.
Finalmente, Sr. Presidente, queria dizer que nós consideramos que se há grupos parlamentares que têm dificuldade em definir a sua posição em relação ao acontecido em termos de voto - e nós gostaríamos, desde já, de dizer ao Grupo Parlamentar do PSD que no dia em que um deputado do PSD for agredido e insultado nós não teremos nenhuma dificuldade em definir a nossa posição...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ..., mas uma vez que há grupos parlamentares que a têm, não nos parece legítimo exigir que o voto de protesto seja votado hoje, mas não vemos nenhum inconveniente, sobretudo depois de o Sr. Ministro da Administração Interna ter posto em causa a honorabilidade do meu colega Torres Couto, que ele possa prestar a esta Câmara os esclarecimentos que entender e que os grupos parlamentares possam sobre eles emitir a sua opinião.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria que ficasse muito claro que não pus em causa qualquer deslealdade da parte do Sr. Deputado António Guterres ou da bancada do Partido Socialista. Por aquilo que o próprio Sr. Deputado António Guterres acabou de dizer, também se conclui que a Mesa não estava devidamente alertada para um certo número de questões, nem poderia estar. Portanto, não poderia ter outro comportamento senão aquele que teve.
Em todo o caso, não prolonguemos mais esta discussão. Convido os presidentes dos grupos parlamentares a irem de imediato ao meu gabinete. Peço ao Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia que ocupe o meu lugar para ler o relatório da Comissão de Regimento e Mandatos e depois continuaremos a nossa sessão.

Vozes.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - O Sr. Presidente disse que eu estava inscrita.

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Vozes.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Ë o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 26 de Abril de 1989, pelas 12 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

1 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Gilberto Parca Madail (Círculo Eleitoral de Aveiro), por Maria Antónia Corga de Vasconcelos Dias Pinho e Melo. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 26 de Abril corrente a 10 de Maio próximo, inclusive.

2 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):

Leonor Coutinho Pereira dos Santos (Círculo Eleitoral de Lisboa), por José Eduardo Vera Cruz Jardim. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 26 de Abril corrente a 14 de Maio próximo, inclusive.

3 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):
Octávio Flori ano Rodrigues Pato (Círculo Eleitoral de Lisboa), por António Filipe Gaião Rodrigues. Esta substituição é pedida nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de 6 (seis) meses, a partir do dia 24 de Abril corrente, inclusive.
4 - Analisados os documentos pertinentes de que a comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
5 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
6 - Finalmente a comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Presidente: João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD); O Secretário: Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Alexandre Azevedo Monteiro (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Alberto Monteiro Araújo (PSD) - José Alberto Puig dos Santos Costa (PSD) - Mário Oliveira Mendes dos Santos (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Francisco Barbosa da Costa (PRD) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PV).
Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos proceder à votação do Relatório e Parecer.

Submetidos a votação, foram aprovados por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 16 horas e 50 minutos.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 8 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como foi do vosso conhecimento, o PS apresentou à Mesa um voto de protesto (n.º 58/V), que já foi distribuído, relativo aos acontecimentos verificados no Terreiro do Paço, no passado dia 21.
Devido a um conjunto de interpelações, foi convocada uma reunião com todos os representantes dos grupos parlamentares. Não houve qualquer unanimidade, uma vez que o PSD foi contrário à discussão imediata deste voto enquanto os restantes grupos parlamentares foram favoráveis à sua discussão imediata. Por isso, segundo a regra da maioria e de acordo com o que foi combinado, o voto será discutido na próxima terça--feira, alargando-se o período de antes da ordem do dia a fim de permitir que ele seja devidamente discutido. Ficou ainda combinado que, sob a essência das possições tomadas em conferência de líderes, cada grupo parlamentar irá dispor de dois minutos para fazer uma declaração.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez a força do número venceu, nesta Câmara, a razão. Eu diria mesmo mais: a razoabilidade das propostas da Oposição. Ficámos a saber que o Grupo Parlamentar do PSD tem de ir pedir autorização ao Sr. Professor Cavaco Silva para saber

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se pode ou não solidarizar-se com um deputado insultado e agredido.

Vozes do PS é do PCP:- Muito bem!

O Orador: - A proposta apresentada pelos partidos da Oposição, no sentido de que a matéria fosse discutida hoje, foi rejeitada. Foi também rejeitada uma segunda proposta no sentido de que, ela pudesse ser discutida amanhã.
Os Srs. Deputados do PSD podem estar tranquilos porque mesmo que viessem a agendar este tema para o ano que vem nós não desistiríamos, pois enquanto estiver em. jogo, a dignidade de um deputado, que é o mesmo que dizer a dignidade desta Câmara, o Grupo Parlamentar do PS não se calará.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - É esta a primeira vez que, à agressão a um deputado, não se segue uma reacção enérgica e
imediata da Câmara consensualmente aprovada. E a responsabilidade disso recai unicamente sobre a bancada do PSD, que assim procura abafara reacção da
instituição parlamentar mesmo quando é agredida na presença de um dos seus elementos.
15so é grave, porque deveria ser hoje e agora que deveria ser discutido o voto de protesto por essa agressão inqualificável, tão-só porque é a primeira reunião
posterior a essa agressão como porque, esta manhã; na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Sr. Ministro da Administração Interna não só repetiu a análise que atribui os acontecimentos da passada sexta-feira a uma cabala, imputando directamente a Carvalho da Silva e ao Sr. Deputado Torres Couto aquilo a que chama a responsabilidade por agitação e a responsabilidade política dós incidentes que são da responsabilidade exclusiva do Governo, do Corpo de Intervenção e da cadeia hierárquica, como repetiu acusações que revelam que o Governo reitera, em primeiro lugar, o louvor ao Corpo de Intervenção pelas bárbaras agressões, em segundo lugar, insiste na recusa do diálogo para a legalização plena e as livres actividades do sindicato da PSP e, por outro lado, anuncia uma vaga repressiva sobre os elementos da comissão pró-sindical. Cria uma situação que é um beco sem saída e a Assembleia da República, hoje, aqui, devia contribuir, primeiro, para repor a dignidade atingida com a agressão de um dos seus elementos, segundo desbloquear a situação que o Governo fecha, através da sua escalada repressiva e, em terceiro lugar, para dar ao país uma imagem de firmeza serenidade e capacidade de decisão a que o povo português tem direito.
O que se passou, hoje, aqui, é gravíssimo, face à gravidade do que ocorreu na passada sexta-feira e, por isso; repudiamos esta atitude do PSD.

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A brutalidade policial que se verificou no Terreiro do Paço, além de contribuir uma assustadora reactualidade de cenas que julgaríamos arquivadas com o 25 de Abril, vem oferecer, de bandeja, o desprestígio deste Parlamento a quantos, por ínvios desígnios passadistas, o substituam quando não o injuriam.
Efectivamente, quando um parlamentar sofre publicamente o achincalho, a opressão de que foi vítima o deputado Torres Couto, é a dignidade deste Parlamento que é atingida. Quando violências residualmente policiescas da velha, ditadura espezinham, na praça pública, a dignidade dos deputados, como. ocorreu na. pessoa de Torres Couto, débil ou nenhuma é a autoridade deste órgão de soberania para se assumir como tal, o que vem depauperar um esteio fundamental da democracia. Lamento que o PSD não, tenha permitido a discussão deste gravíssimo assunto, alegado a prioridade da discussão da Revisão Constitucional. A isso respondo que a defesa da dignidade dos deputados não pode ser adiada por a ela se antepor, a discussão da Revisão Constitucional, porque se não é dada primazia à salvaguarda dos deputados, nesta Câmara; eles nem sequer, têm autoridade institucional para rever a Constituição.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar entendeu também, em, conferência de lideres, que esta matéria tinha de ser hoje analisada aqui. De facto, o voto de protesto entregue pelo PS tem plena actualidade, porque é entregue na primeira reunião plenária subsequente aos acontecimentos de 21 de Abril. Era, pois, hoje, que deveríamos, analisá-lo.
Não foi esse; porém, entendimento da maioria. 15to só prova, que de facto, em nosso entender maiorias assim nunca mais, porque quem perde é a dignidade desta Assembleia. Quando a dignidade desta Assembleia, na pessoa dó deputado Torres Couto, é vexada, violentada, e hoje mesmo um ministro deste Governo sanciona este vexame à dignidade desta Assembleia, não podemos ficar indiferentes, não devemos ficar calados e é por isso mesmo que entendemos que esta discussão devia ser feita hoje, houvesse o que houvesse agendado. Não é o agendamento da Revisão Constitucional que deve fazer adiar a vida do País, o pulsar do País. O regimento especial para a discussão da Revisão Constitucional foi feito aqui nesta Casa e é aqui nesta Casa que, pode e deve ser alterado sempre que sintamos necessidade de o fazer. Este regimento especial não vem nas tábuas da lei, é obra dos homens, é nossa obra, está nas nossas mãos alterá-lo, quando entendermos. que, é urgente. E hoje era dia de urgência.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos ouvido, nos últimos três meses,

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que a dignidade não tem preço e que há pessoas que tudo farão para que a sua dignidade seja reposta nesta Câmara, quando, na realidade, esta Câmara já tem conhecimento do que se passou.
No entanto, parece que a maioria não tem este entendimento, a dignidade das pessoas varia conforme pertence ou não ao seu partido, se ela é de honrar ou se é ministro ou deputado da Oposição, portanto, temos dois pesos e duas medidas, quer quanto ao conceito da dignidade, quer mesmo quanto ao conceito de defesa da honra, das funções exercidas pelos deputados, conforme eles sejam ou não do agrado da maioria.
Nós queríamos que tivesse lugar um debate claro para condenar todas as violações contra os deputados, fossem eles de que bancada fossem. A maioria entendeu que este debate pode esperar. Mas pode esperar porquê? Não foram ditos quaisquer argumentos a favor disso, apenas serviu, como aqui foi dito, a razão do número, isto é, «nós temos a maioria, vocês não poderão falar enquanto nós não quisermos». Este é o conceito de democracia parlamentar que tem o PSD, é esta a lei da força que ele impõe à maioria.
Já tivemos hoje o primeiro debate sobre a actuação da polícia em relação a um deputado, VV. Ex.ªs quiseram mais um debate prolongado, tê-lo-ão e terão quantos debates quiserem. Era só a favor da dignidade que queríamos um debate rápido, mas VV. Ex.ªs não querem debater a dignidade, querem caminhar pela politiquice baixa, dizendo que há casos em que se pode bater num deputado e há casos em que ninguém pode falar a um ministro.
Este tipo de actuação fica com a maioria, não fica com esta Câmara!

Aplausos do CDS, do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria que esta Câmara recordasse que a dignidade dos deputados se exerce em cada momento. E a dignidade dos deputados começa pela própria forma como o deputado a entende, ele mesmo. Um deputado tem a obrigação estrita de respeitar a legalidade.

Vozes do PCP: - Não apoiado!

Protestos do PSD.

O Orador: - Se VV. Ex.ªs não ouviram bem, eu repito, pedindo que me seja descontado o tempo: um deputado, qualquer que ele seja, tem a obrigação estrita de respeitar a legalidade.
Em segundo lugar, em relação aos dois pesos e duas medidas, recordamos o que aconteceu com o deputado Manuel Lopes do PCP, no tempo do Bloco Central, que foi agredido junto à resistência do Primeiro-Ministro. O Partido Socialista opôs-se a que a questão fosse discutida no Plenário. Por isso, Srs. Deputados, sobre dois pesos e duas medidas, estamos esclarecido.

Uma voz do PSD - Ora toma lá!

Vozes do PCP: - Não é verdade!

O Orador: - Em terceiro lugar, sem demagogia e com serenidade, gostaria de dizer, ao Sr. Presidente o seguinte: a 3.ª Comissão reuniu hoje de manhã com a presença do Sr. Ministro da Administração Interna a pedido do PS. O Sr. Ministro da Administração Interna prestou os esclarecimentos que considerou necessários e suficientes à comissão. A reunião foi interrompida...

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Não é verdade!

O Orador: - V. Ex.ª não sabe se foi mal ou bem, porque não esteve lá. Mais uma vez V. Ex.ª fala sem conhecimento de causa.
Dizia eu, Sr. Presidente, que a reunião foi interrompida, mas continuará na próxima sexta-feira.
Acho que é de todo em todo indelicado estarmos a discutir aqui um assunto que não está amplamente discutido nem esclarecido em comissão e que é um desprestígio para a própria comissão.
Nesse sentido, entendemos que este assunto deveria ser, todo ele, mas todo ele, discutido sem medo de tempos, nem de intervenções, nem de razões de fundo por todos os partidos, na próxima terça-feira, com a ampliação do período de antes da ordem do dia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Torres Couto pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, para exercer o direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para exercer o direito de defesa da minha bancada, Sr. Presidente.

Vozes do PSD: - São muito sensíveis!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, para exercer o direito da defesa da verdade!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é figura regimental!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, poderíamos dizer que é para defesa da honra da verdade!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que se fizesse silêncio na Câmara.
Para defesa da honra, dentro do espírito e da letra do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto.

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra, ao abrigo da defesa da honra, para protestar quanto à intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação, por quem tenho respeito e de quem não esperava a intervenção que, nome da bancada do PSD, acabou por proferir.

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Quero dizer ao Sr. Presidente, ao Sr. Deputado Carlos Encarnação-,- à bancada do PSD e a esta Câmara que foi no respeito escrupuloso pela dignidade da função parlamentar que estive no Terreiro do Paço; ao lado de agentes da Polícia de Segurança Pública, que, responsável e ordeiramente, lutavam pelo exercício de uma liberdade essencial, isto é, a liberdade de associação sindical.
Reservar-me-ei para o debate da próxima terça-feira para explicitar tudo õ que se passou no Terreiro do Paço, para condenar a intervenção do ministro da Administração Interna em sede de comissão, hoje de manhã, e para demonstrar que se alguém é responsável pelo que se passou = e se só não é mais responsável por um banho de sangue que poderia ter ocorrido no Terreiro de Paço e que não ocorreu graças ao sentido de responsabilidade da PSP é o Governo, o Primeiro-Ministro e o ministro da Administração Interna!

Aplausos do PS. e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não gostaria de prolongar o incidente, mas gostaria de dizer ao Sr. Deputado Torres Couto que também tenho, como é evidente, a maior consideração por ele, como pessoa e como deputado.
Esta questão não está, nem nunca poderá estar em jogo! Porém, o que gostaria de dizer-lhe é que não há qualquer dúvida de que o Sr. Deputado participou, com consciência perfeita, numa manifestação ilegal...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS e do PCP.

O Orador: -..., portanto, V. Ex.ª sujeitou-se, como é evidente, às consequências disso a única coisa que queria dizer-lhe. Aliás, tendo V. Ex.ª participado - como sabia amplamente - numa manifestação ilegal, não pode agora vir dizer que era uma manifestação, ordeira, que era de acordo com a lei. Não pode dizer isso! V. Ex.ª sabia que era ilegal, portanto, participou responsavelmente nela.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS do PCP é do PRD.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Reivindicar não é ilegal!

O Sr. Presidente: - Para usar o direito da defesa da bancada, tem a palavra o Sr.Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação: Ver-se-á, no final, quando se puder fazer com serenidade o juízo global acerca do que se passou, as condições ditas de ilegalidade ou de legalidade onde- certos acontecimentos ocorreram.
O que o Sr. Deputado Carlos Encarnação não pode confundir é a circunstância de o estatuto de deputado não poder ser condicionado no exercício dos seus direitos, designadamente o de expressão e o de manifestação pela eventual limitação do exercício de direitos por parte de terceiras entidades. Portanto, aquilo que, eventualmente; poderia ter sentido, se tivesse, relativamente a terceiros, jamais pode ter, sentido ao ser directamente assacado a um deputado desta Câmara, que pode estar em qualquer, sítio, em qualquer momento, como testemunho directo de determinados acontecimentos e, por isso, não pode ser culpabilizado pela circunstância da sua presença no momento- em que, eventualmente, podem estar a ser violados ou afectados direitos de terceiros.

Protestos do PSD.

Quanto à questão que refere do comportamento, no passado, do Grupo Parlamentar do PS no caso Manuel Lopes; o Sr. Deputado teve um lapso, que consistiu em ter dito que também nessa altura o PS tinha impedido o debate em Plenário. Este «também» significa, da sua parte, que neste momento o PSD tem, como propósito, impedir o debate em Plenário!

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador:- Mas quanto ao que se passou na altura, avive a sua memória, porque foi, da parte do PS é da parte do Governo de então, uma iniciativa espontânea no sentido de tomar-se a iniciativa que se tomou de abrir um inquérito parlamentar para averiguar das circunstâncias desses acontecimentos. Pena é que agora; o seu Governo e a sua bancada não tenham tido um comportamento semelhante.

Aplausos do PS, do CDS e, de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não vou pronunciar-me sobre mais um inquérito, já que estamos em maré deles...

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não será por acaso!

O Orador: - ..., mas o que eu diria é que, de facto, a iniciativa que o Sr. Ministro da Administração Interna tomou hoje ao vir à comissão e de continuar, posteriormente à reunião...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Contra a sua vontade!

O Orador: -..., é bem a prova de que o Governo está preocupado com aquilo que aconteceu e, como é evidente, não quer esconder nada, pelo que vem hoje explicar a todos os deputados, incluindo evidentemente os deputados do PS, dos termos em que os acontecimentos decorreram. Não há, portanto, da nossa parte, quer do PSD, quer do Governo, qualquer desejo de esconder ou de furtar seja o que for à consideração deste Parlamento. O que eu disse foi apenas que entendia que não era adequado procedermos hoje à discussão desta matéria.

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Com as intervenções dos Srs. Deputados Torres Couto e Jorge Lacão mais não fez o PS do que dar-me razão naquilo que eu acabava de referir. As duas intervenções são concomitantes no sentido de confirmar que este assunto não está devidamente esclarecido, suficientemente maduro para ser discutido, hoje, neste Plenário. Só ganhará em dignidade e em profundidade se for discutido com o tempo necessário e na altura própria, o que será, com certeza, na próxima terça-feira.

Aplausos do PSD.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Quando sararem as feridas!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito da defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na verdade, foi aqui invocado um precedente que envolveu um ex-deputado da nossa bancada. Parece, por isso, importante repor a verdade.
Nós compreendemos a ansiedade com que o PSD procura precedentes para justificar a sua inqualificável atitude nesta matéria. No entanto, o precedente que citou não colhe, nem procede. Na verdade, aquando da agressão ao ex-deputado Manuel Lopes, não houve, da parte do Grupo Parlamentar do PCP, apresentação de nenhum projecto de voto, mas sim uma intervenção no Plenário, que deu origem a um debate donde resultou, depois, um inquérito parlamentar.
Porém, o debate foi feito na primeira ocasião. E era isso que importava fazer hoje, isto é, que a Assembleia da República pudesse tomar uma atitude, pudesse reagir logo, na primeira ocasião. Ora, é isso que os senhores impedem, pois o momento de protestar contra a agressão do Sr. Deputado Torres Couto era hoje.
Lamento ter de vos dizer, Srs. Deputados do PSD, que, com a vossa posição tomada, agora, no Plenário, aumentam a ofensa já feita à Assembleia da República, primeiro, por quem agrediu o Sr. Deputado Torres Couto e, depois, pela atitude que o Sr. Ministro tomou, hoje, na comissão.

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, suponho quase desnecessárias mais explicações em relação a isto. No entanto, gostaria de sublinhar, somente, duas coisas: em primeiro lugar, a Assembleia já tomou as medidas que entendeu dever tomar, e o Governo, da sua pane, já respondeu às solicitações que a Assembleia lhe fez; em segundo lugar, o Partido Social-Democrata não pode, nunca, senão por evidente má-fé, ser acusado de não querer discutir esta questão. Ao fim e ao cabo, hoje, todas as bancadas tiveram algum tempo para se pronunciarem sobre a questão essencial que estava em jogo. Na terça-feira que vem, com toda a certeza, terão todo o tempo que for necessário para discutir esta matéria. E nós cá estaremos também para intervir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir o debate da Revisão Constitucional com o artigo 36.º
Estão inscritos os Srs. Deputados Natália Correia, Assunção Esteves, Herculano Pombo e Narana Coissoró.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por esclarecer que o Grupo Parlamentar do PRD não está vinculado à posição que tomo nesta matéria pois assumo-a em meu nome pessoal.
Quando se lê o n.º 1 do artigo 36.º, colhe-se a ideia de que se abriu caminho à consagração da união livre dado que aí se verifica...
Sr. Presidente, agradecia que pedisse silêncio, como é seu costume, já agora...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o silêncio não posso pedi-lo à Câmara. Em todo o caso, solicito à Sr.ª Deputada que aguarde uns segundos, se faz favor.

Pausa.

Sr.ª Deputada Natália Correia, faça o favor de continuar.

A Oradora: - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Comecei, portanto, por esclarecer que não falo em nome do PRD, tomo uma posição pessoal em relação à matéria que vou abordar.
Quando se lê o n.º 1 do artigo 36.º, colhe-se a ideia de que se abriu o caminho à consagração de uma união livre dado que aí se verifica um corte epistemológico entre casamento e constituição de família. Contudo, já a lei ordinária (veja-se o artigo 111.º do Código Civil na redacção da Lei n.º 46/85) não confere o mesmo estatuto jurídico à família de facto e à família de direito.
Consagra, sim, o que se deve à revisão do Código Civil feita pelo então ministro da Justiça Almeida Santos, o direito a alimentos do cônjuge de facto. Mas a tentativa de ir mais longe não se concretizou. Resta, portanto, estender o direito já adquirido à habitação e à herança.
Parece-me, pois, pertinente a proposta de Os Verdes para que se torne explícito o que está implícito no artigo 36.º e que a lei fundamental assegure uma adequada protecção aos que vivem em situação de facto. E acolho essa proposta com entusiasmo porque ela traduz uma realidade que, na sequência de estourar das opressões que espartilhavam o direito de escolher o tipo de acasalamento que se prefere, tem hoje generalizada aceitação comunitária.
Considero porém restritiva a redacção da proposta de Os Verdes. Aí devia ficar claro que o conceito de família de facto não assenta necessariamente na existência de filhos, bastando para estabelecer esse conceito que as pessoas vivam em comunhão com uma significativa permanência.
Outra situação que a proposta de Os Verdes não abrange é a transmissão de bens em caso de falecimento de um dos parceiros de união de facto.
Pena é que não se tenha acrescentado ao artigo 13.º o estado civil às situações contempladas pelo princípio da igualdade, o que poria cobro à discriminação que afecta a união de facto.

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Mas estamos ainda a tempo de introduzir no artigo 36.º o direito de os que vivem em união livre fruírem os princípios de igualdade e de liberdade constitucionalmente consagrados.
A lei não pode impor modelos de vida, tem que regulamentar os modelos de vida escolhidos pelos cidadãos.
Em suma, trata-se do direito à felicidade entendido como direito político no sentido genuíno da polis.
Com a explícita constitucionalização da união de facto, a nossa lei fundamental enriquece-se com a dimensão humanista de assumir a vida no que ela tem de mais exaltante e respeitável: a sacralidade da força do amor que é a fonte profunda do direito de dois seres enlaçarem as suas vidas numa união livre.
Ora este momento parece-me apropriado a que eu enriqueça a minha argumentação a favor da constitucionalização da união de facto com um nobilíssimo e maravilhoso exemplo que ao ser por mim invocado encerra uma homenagem que presto àquele que foi um farol a iluminar o nascimento do PSD e a guiar o seu percurso durante um tempo que mais florescente lhe foi. Refiro-me a Sá Carneiro e ao homenageá-lo dirijo implicitamente um apelo ao PSD.
A união de facto foi legitimada moralmente em Portugal pelo corajoso e altíssimo exemplo desse Primeiro-Ministro e líder do PSD que, desafiando carcomidos preconceitos deles triunfou, impondo-lhes a razão mais forte de um união ungida pelo amor.
Desse exemplo se deve orgulhar o PSD que respeitando-o com ele se colocou na linha da frente das opções libertadoras e em conformidade com esse orgulho dar-lhe consagração normativa na lei fundamental.
Esta homenagem deve o PSD ao seu líder histórico que impondo à razão do Estado a lei mais forte da razão do amor foi nisso admirado e louvado pelos portugueses deste nosso país dos amores imorredouros de Pedro e Inês.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, por ordem, os Srs. Deputados Assunção Esteves, Herculano Pombo e Narana Coissoró.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
Entretanto, reassumiu a presidência, o Sr. Vice-Presidente, José Manuel Maria.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me parece que o único destinatário das conjecturas e da intervenção da Sr.ª Deputada Natália Correia possa ser o Partido Social-Democrata. É que sobre a união de facto, a não ser a de Os Verdes, não há mais nenhuma proposta de alteração à Constituição por parte de qualquer outro partido.
Desejaria, porém, pronunciar-me sobre todas as propostas de alteração ao artigo 36.º, mas, deixando isso para depois, passarei, de imediato, ao problema da união de facto, que acaba de ser referido pela Sr.ª Natália Correia.
É entendimento claro que a Constituição com o texto que tem, no âmbito do artigo 36.º, não contém nenhum fechamento à possibilidade de, em sede de lei ordinária, contemplar a união de facto e protegê-la em determinadas situações.
Foi à sombra do artigo 36.º, na redacção que tem, que o Código Civil, quando foi revisto, protegeu a união de facto em matéria sucessória, atribuindo a possibilidade de o companheiro sobrevivo receber alimentos da herança do companheiro falecido.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não é matéria sucessória!

A Oradora: - Só que o Código Civil, nessa matéria, delimitava, claramente, que a união de facto deveria consistir numa relação à qual correspondesse uma durabilidade mínima de dois anos, isto é, o legislador do Código Civil determinava a situação fáctica que havia de ser protegida por via da lei.
O problema que se levanta em sede de Constituição é este: a união de facto, como o próprio termo diz, é uma situação fáctica, de contornos espontâneos, e sem uma cobertura jurídica formal. E o problema da sua protecção implica, antes de mais, a necessidade de determinar o facto protegido. Essa determinação contém a necessidade também de moldar em termos de pormenor a mesma, no sentido de que a lei a venha a proteger com carácter determinado e seguro.
A determinação da união de facto a nível constitucional, no sentido em que é proposto por Os Verdes, levanta vários problemas. O primeiro é o da própria definição legal da união de facto no sentido em que, por exemplo, já faz o Código Civil. E a proposta de Os Verdes não avança nenhum indício para a definição da união de facto. A união de facto é a união de duas pessoas que vivem há cinco dias, é a união de duas pessoas que vivem há dois anos ou é a união de duas pessoas que vivem há, apenas, um ano? Se esta disposição fosse aqui inserta, a mais elementar regra do direito levaria a que se inconstitucionalizasse, de imediato, o requisito dos dois anos assinalado pelo Código Civil em matéria de protecção sucessória do companheiro sobrevivo em caso de morte do outro.
Nesse sentido, parece que teríamos aqui um problema imediato: a repercussão no âmbito de uma disposição protectora do Código Civil. Mas o que é fundamental realçar neste plano é que a Constituição não tem, primeiro, dado o capítulo em que estamos a trabalhar, que é o dos Direitos, Liberdades e Garantias, e dada a maximização de liberdade de que, no fundo, vêm eivados todos os preceitos da Constituição neste capítulo, a Constituição não tem - dizia -, nem implica, nenhum fechamento à protecção da união de facto em quaisquer momentos da ordem jurídica e em quaisquer situações que ponderadamente venham a ser julgadas dignas de protecção pelo legislador ordinário. Não os impede, nomeadamente, nas circunstâncias que o Srs. Deputados de Os Verdes apontam na sua proposta de alteração, como sejam, a segurança social e o arrendamento urbano. Há uma abertura constitucional a estas protecções e a mais protecções da união de facto.
Não há, da parte do PSD - e devo dizê-lo claramente - nenhum problema em considerar a protecção da união de facto. Mas em sede constitucional, dado o carácter espontâneo de contornos jurídico for mais indefinidos da própria situação a proteger, não pode o legislador constitucional passar de imediato à consagração de uma fórmula tão ampla e fluida como a que Os Verdes aqui apresentam.

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Nesse sentido, dada a abertura constitucional congénita, que já permitiu a protecção da união de facto em certas situações e que permite o alargamento dessa protecção a outras situações, o PSD, considerando as desvantagens, em termos de política legislativa sobretudo, o que isso pode levantar, não vai apoiar o projecto de alteração de Os Verdes.
Quanto ao problema da proposta do CDS, reservar-me-ei, então, para depois da intervenção dos Srs. Deputados autores da mesma proposta.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Deputada, desde há tempos mantenho contactos profundos e criadores com o Centro de Estudos Judiciários, e aí respira-se uma nova mentalidade jurídica a que este órgão legislador não devia ser indiferente. Mas, é. Na orientação desses novos magistrados, predomina o princípio de que a lei tem de ouvir humildemente a cultura; tem de se afeiçoar aos modelos de vida e não o contrário.
Ora, o que se observa na realidade portuguesa é uma forte percentagem de casais que optam pela união de facto, o que, aliás, está de acordo - e ainda bem - com a primasia dada ao amor em relação à legalidade da perspectiva de uma liberdade de escolha sem a qual a vida não tem sentido.
É evidente que poderemos dizer: a união de facto não está constitucionalizada em muitas Constituições na Europa. A título de exemplo, devo dizer que já o mesmo se não verifica em Cabo Verde e Moçambique, o que não nos deve ser indiferente dados os interesses comuns culturais que temos com esses países de expressão portuguesa.
No nosso país, no Alentejo, pratica-se a união de facto com estabilidade total. E se ela se pratica com estabilidade total, não percebo por que não consagrada em termos que assentem sobre o reconhecimento dessa estabilidade total.
Quanto à Europa, na Inglaterra, a Common law aceita a relevância jurídica da união de facto até porque os ingleses não têm constituição escrita.
No artigo 111.º do Código Civil está consagrado o direito à transmissão, por morte, do arrendamento desde que a união de facto tenha a duração de cinco anos e o titular de arrendamento se encontre no estado de solteiro, viúvo ou divorciado. Em estado de simples separação, a transmissão já não funciona.
Estes exemplos deviam levar-nos a ponderar a possibilidade, para mim desejável, de consagrarmos a união de facto na nossa Constituição.
É evidente que me pode dizer que constitui uma originalidade constitucional mas, Sr.ª Deputada, a isso respondo: já que estamos condenados a ficar na retaguarda da Europa económica, alcancemos, pelo menos, o lugar de vanguarda na esfera legislativa, que é o mesmo que dizer, na esfera cultural da Europa.

O Sr. Presidente: - Para prestar esclarecimentos, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Este vês.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr.ª Deputada, é para lhe responder, apenas, que mantenho aquilo que acabei de referir há pouco. Para o PSD, e creio que,
objectivamente, as outras bancadas poderão reconhecê-lo, a Constituição não é, em termos de política legislativa adequada, correcta, o lugar adequado para consagrar uma fórmula com esta que vem sendo proposta. A legislação ordinária, tendo em conta a ponderação da situação de facto, a sua delimitação, a sua concretização, é o lugar privilegiado.
Como disse, a Constituição não exclui a possibilidade de a lei ordinária vir proteger a união de facto e vir fazê-lo mesmo em vários aspectos da vida, como sejam o problema da segurança social apontado, o problema do arrendamento e outros. Mas não é a Constituição o lugar adequado pelas razões que acabei de referir. Trata-se de um pormenor que é - digamos - estranho à natureza constitucional. A própria noção de união de facto e do tempo que lhe corresponde são estranhos à própria técnica de elaboração em sede de Constituição e creio que o mais adequado é remeter, exactamente, para a legislação ordinária, uma vez que a abertura constitucional é total.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verde): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer à Sr.ª Deputada Natália Correia o facto de ter feito a apresentação da proposta que o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresenta, de forma tão brilhante e com argumentos que, penso, irrefutáveis e tendo, ainda assim, o cuidado de a criticar do ponto de vista da sua elaboração, da sua refinação, da sua construção continuada.
Foi importante que o tivesse feito e gostaria de sublinhar que não é nossa intenção, ao contrário do que a intervenção da Sr.ª Deputada Assunção Esteves poderia fazer crer, substituirmo-nos, aqui, em sede de Revisão Constitucional, ao legislador ordinário. Mas, agora, o que temos de dizer é: coitado do legislador ordinário. Com efeito, tem-se visto até agora que, cada vez que o partido Os Verdes traz, aqui, ao debate da Revisão Constitucional um tema novo, um tema diferente que poderia, eventualmente, trazer alguma frescura à nossa Constituição, não se discorda frontalmente, não se arranjam argumentos contra, mas diz-se: mandamos para o legislador ordinário, não cabe aqui, a técnica da elaboração das Constituições não aconselha a que aqui se ponham essas coisas.
Ora bem, é muito simples rebater essa afirmação. É que aquilo que tratámos de fazer foi introduzir na Constituição - pensamos que é ai o local ideal - um comando constitucional para o legislador ordinário. Aquilo que se diz muito simplesmente é que a lei - e aí está o legislador ordinário para a elaborar depois - assegura aos que vivam em situação análoga à dos cônjuges adequada protecção. Isto é um comando constitucional que, a ser consagrado, funcionaria como tal e nada mais. Depois é, designadamente, uma ajuda para o legislador ordinário.
Agora, o que pensamos que é lamentável é que, sem argumentação de fundo e sem outras razões, a não ser aquelas que a razão desconhece, se veja, assim, rejeitada uma proposta que, de facto, consagraria na Constituição aquilo que em sociedade - como diz a deputada Natália Correia - o amor já consagrou. A nós o que nos interessa, de facto, é que as relações entre as pessoas funcionem na base do amor, na base do

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entendimento, e não na base dum papel assinado.- Se as pessoas desejam assinar um papel, que o assinem, mas se não desejam assinar esse papel, não devem ser penalizadas por esse facto.
A sociedade deve à família, tal qual ela é, e não tal qual alguém a tem de definir, adequada protecção., É tão somente isso que Os Verdes querem ver consagrado. na Constituição e pensamos que esta nossa pretensão tem toda a legitimidade, no sentido de caber ao legislador ordinário definir e tipificar as situações, mas cabendo ao legislador constitucional a introdução na Constituição dos necessários comandos. É que caso contrário, o que é que o legislador ordinário fará? Para onde é que se remeterá?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD):- Sr. Deputado Herculano Pombo, gostaria- de perguntar-lhe se não lhe causa uma certa apreensão a contradição dó PSD, que, há dias, em nome de um seu deputado; que, muito bem, propôs a consagração do direito à diferença, vem agora recusar o direito à liberdade de união de facto, que é o direito à diferença. Que contradição é essa?!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes):- Presumo, Sr.ª Deputada Natália Correia, que o deputado Pedro Roseta teria todo o interesse - se para isso o seu grupo parlamentar lhe disponibilizasse tempo emalar a sua opinião sobre esta questão.
No entanto, a minha opinião- já que foi a mim que a pediu - é muito clara: o deputado Pedro Roseta não fez mais do quê tentar abrir uma «janela» naquilo
que é a «muralha» deste grupo parlamentar. E fê-lo como é seu hábito fazê-lo, embora eu nem sempre esteja de acordo com as «janelas» que ele pretende
abrir: Da «janela» do direito à diferença, Os Verdes tentaram abrir uma «porta» Ele ficou-se aquém ficou-se pela janela, mas a, «muralha» até a «janela»
recusou!
Havemos de esperar mais seis anos por nova revisão da Constituição para que, finalmente, a nossa Constituição possa consagrar os direitos pessoais e os direitos modernos que já hoje a sociedade portuguesa, já ela avançada como qualquer sociedade europeia consagra, uma vez que a nossa sociedade já reconhece como direitos a união de facto e a diferença; dando por vezes lições de tolerância a outras sociedades. No entanto; a nossa Constituição vai ficar aquém da realidade social por culpa, de quem pode, manda e quer; neste caso a maioria do PSD. Esperemos que a nossa sociedade, para alterar isto, altere a maioria.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção; tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: A intervenção que vamos fazer neste momento pretende justificar, na sequência da que já terá sido feita pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, a alteração que o CDS propõe ao n.º 2 do artigo 36.º
Não queria, porém, .deixar de, a fazer sem recordar ao Sr. Deputado Herculano Pombo que não convirá falar em maioria do PSD pois, na Revisão Constitucional, essa maioria não resiste.

O Sr. Herculano- Pombo (Os Verdes): - Ela está sempre presente!

O Orador: - Por consequência, não vamos também agora introduzir na Revisão Constitucional a maioria do PSD. Já chega! À quarta, quinta e sexta-feira não temos maioria do PSD!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - À quinta-feira à tarde temos!

O Orador: - Temos só à terça-feira!.

O Sr. Deputado José Magalhães concorda comigo?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Concordo, Sr. Deputado. Só que isso quer dizer que, V. Ex.ª à quinta-feira fica contente por fazer, parte da maioria por dez minutos!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, eu não disse isso. O que eu disse é que a maioria não era PSD e não era CDS. Lá chegaremos; Sr. Deputado! V. Ex.ª
sabe-o!

Risos.

Sr. Presidente; Srs. Deputados, depois desta introdução; que me pareceu de qualquer, forma, necessária, queria dizer o seguinte: a alteração que o CDS propõe tem, como já teve ocasião de dizer, um único objectivo. No contexto de uma disposição que tratada família e em - que, naturalmente; aparece referido, como fonte de relações familiares, o casamento enquanto acto perfeitamente definido e identificável que é, o CDS entende que essa referência reduz a natureza do casamento aos seus aspectos puramente contratuais e de acto fonte; e que, portanto, conviria acrescentar algo a este n.º 2 do artigo 36.º; que acentuasse a vertente institucional do casamento.
Daí que, tenhamos feito uma referência a que a regulamentação do casamento e da sua forma de dissolução, que é o divórcio, deva ter em conta também os interesses dos filhos menores. Esta referência é, directamente, uma referência à natureza institucional do casamento e foi com esse objectivo que propusemos a
alteração. Quanto às outras alterações, devo dizer que comungamos do voto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que aceitou, suponho que um pouco na mesma linha da nossa alteração, a proposta feita pelo PCP e que recusaria a proposta que vem de Os Verdes, pois nos parece, a nós mesmos, como contraditória,- refiro-me às intervenções dos Srs. Deputados Herculano Pombo e, Natália Correia, muito embora louvando a forma como esta Sr.ª Deputada a produziu nesta Assembleia.

E esta proposta parece-nos contraditória porque a união de facto não pode ser constitucionalizada pois isso é, contraditório nos seus próprios termos. Ela é uma união de facto, não claramente definida, nem identificada.

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O que é preciso, do ponto de vista do legislador, e, designadamente, do legislador constitucional, é ter em conta os efeitos da união de facto e tratá-los adequadamente. Isso é o que realmente se faz já no artigo 36.º e não só nesse artigo. Por consequência, esta é a nossa posição relativamente ao conjunto de alterações propostas para o diploma: justificação da nossa proposta - que mantemos e que queremos ver votada -, apoio à proposta da CERC e oposição à proposta de Os Verdes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, pela minha parte, costumo entender que as oposições, quando são feitas como V. Ex.ª fez e quando são fundamentadas, são sempre bem vindas. O que me custa verificar é que, muitas vezes, as nossas propostas têm uma oposição sem argumentos. Não foi o seu caso.
Ainda assim, gostaria de colocar-lhe, não quanto à nossa proposta - pois quanto a ela não preciso de ser mais esclarecido, uma vez que sou proponente -, mas quanto à proposta do CDS, a seguinte questão: quando se diz, na proposta do CDS, designadamente, «os interesses dos filhos menores», posso perceber aqui uma intenção de protecção aos filhos? Mas poderei perceber, também aqui, que, em nome de interesses de filhos menores que outros terão de definir, a lei poderá inviabilizar, por exemplo, o divórcio?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sr.ª Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de fazer-lhe algumas perguntas para efeito de esclarecimento da nossa bancada sobre a real intenção do CDS ao propor o acrescentamento apresentado para o n.º 2 do artigo 36.º
É que, na realidade, quando o CDS pretende que os interesses dos filhos menores sejam considerados pelo juiz no âmbito da dissolução do casamento por divórcio, parece-me que, em primeiro lugar, incorre numa ligeira incorrecção processual civil porquanto o problema da consideração dos filhos menores tem lugar no âmbito das acções de regulação do poder paternal e não no âmbito da acção de divórcio propriamente dita. Obviamente, este acrescentamento proposto poderia, então, levar-nos a uma conclusão que, no meu entender, seria mais grave, qual fosse a de deixar constitucionalmente fixada a possibilidade de condicionar o decretar do divórcio à protecção dos filhos menores. A realização dessa intenção, não poderíamos admitir pois nunca os pais funcionarão como meios para os filhos, e a liberdade de casar e de descasar tem de resultar claramente da Constituição.
Se a intenção é, de facto, a de protecção dos filhos menores - como me parece que o CDS veio dizendo pela voz do Sr. Deputado Nogueira de Brito -, a proposta não me parece correcta do ponto de vista técnico porquanto a ponderação deste valor é mais ligada ao âmbito de ponderação do juiz no campo da acção da regulação do poder paternal do que ao âmbito das acções de divórcio litigioso. Claro que o divórcio por mútuo consentimento é uma questão diferente e aí resulta também de um acto de vontade dos cônjuges o problema da regulamentação do poder paternal entre si.
Não pretende o PSD alongar-se muito nestas questões. Gostava que isto ficasse apenas esclarecido e de deixar mais uma vez claro que nenhum homem pode ser meio de outro homem e que os pais não podem ser meios para os filhos. A ponderação dos filhos menores é um valor sacramental em matéria de regulação no âmbito das questões de direito de família, e o lugar certo dessa ponderação não é a acção de divórcio, mas como eu disse a acção de regulação do poder paternal.
Gostaria apenas de perguntar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, nesta conotação com a ideia de casamento como instituição - que levada às últimas consequências pode ser um tanto ou quanto incompatível com a própria ideia de dissolução pelo divórcio -, o que é que entende com esta introdução, que comporta riscos sérios em matéria de interpretação constitucional e que poderia comportar uma interpretação até bizarra, no sentido de se entender que os filhos menores poderiam ser, também eles, causa única de propulsão para o divórcio ou, então, de impedimento do mesmo.
São estes equívocos que o PSD gostaria de ver esclarecidos, deixando desde já, apesar de tudo, claro que não aceitaremos esta formulação.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª trouxe aqui, numa intervenção brilhante, como outra coisa não seria de esperar, uma concepção institucional do casamento e da família, porventura contrapondo alguma concepção puramente contratual que não resulta claramente da nossa Constituição. No entanto, eu entendo, sobretudo em questões deste tipo, que, como a proposta do CDS com este inciso final, neste n.º 2 do artigo 36.º, está racionalmente vocacionada para ter um impacto directo e imediato na lei ordinária, deveremos falar claro e não apenas mantermo-nos nas nuvens da teoria sobre o casamento e a família.
Efectivamente, se bem percebo este inciso, ele não pode ter outra consequência, relacionado com a primeira parte do n.º 2 - e até me arriscava a perguntar a V. Ex.ª, dentro de uma concepção institucional, porquê os interesses dos filhos menores e não, pura e simplesmente, os interesses dos filhos, se é que V. Ex.ª me poderá dar uma explicação a este propósito -, que não seja vir bulir na natureza contratualista do casamento, quanto ela é válida no que respeita à sua dissolução por divórcio, ou seja, de certo modo, mantendo ou continuando o caminho seguido pela Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
Poderá V. Ex.ª esclarecer-nos melhor sobre as intenções, certamente não veladas, do CDS quanto aos efeitos deste inciso em matéria de dissolução do casamento por divórcio?

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O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia:

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito chamou à baila a minha intervenção, obrigando-me, portanto, a dizer alguma coisa.
Os senhores juristas fazem da Constituição um Olimpo, que nada tem a ver com a realidade dos mortais, e, nessa realidade a união de facto é amplamente significativa - e digo isto para explicar a minha intervenção, Sr. Deputado.

Vozes.

Srs. Deputados, penso que, para quebrar a rotina e a monotonia jurídica desta Assembleia, as vozes que têm uma visão cultural dos acontecimentos também devem ter a sua audiência...

O Sr. Vera Jardim (PS): - O direito também é cultura!

A Oradora: - Exactamente, Sr. Deputado. Precisamente o direito baseia-se na cultura e ainda, bem que o. reconhece, embora nem todos o reconheçam.
O PSD ficou insensível ao apelo que lhe fiz de homenagear o exemplo extraordinário do seu líder, constitucionalizando a união de facto que ele, publicamente; com tanta ousadia, assumiu. Ficam assim os amores de Sá Carneiro e de Snu relegados para o quadro da aberração social! É lá com eles! Mas o CDS tem responsabilidades especiais nisso - e estou a voltar à minha proposta da união de facto e ao apoio que dou à proposta de Os Verdes. É que quero recordar a
VV. Ex.ªs que, na noite trágica de Camarate, quando o líder do CDS, Freitas do Amaral, veio à televisão exprimir o seu pesar pela tragédia, referiu-se à companheira do Primeiro-Ministro Sá Carneiro - no que, aliás, mereceu todo o nosso apoio e todo o nosso entusiasmo - como à sua mulher, ou seja, à mulher de
Sá Carneiro. Nisto, o CDS tomou uma posição de grande coragem pois, nesse momento pela boca do seu líder, o CDS legitimou perante os portugueses, quer
queira quer não, a união de facto.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Foi um lapso corajoso!

O Sr. Presidente: - Para responder, têm a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com muito gosto que respondo às várias perguntas que me colocaram. Espero que ó meu esclarecimento seja definitivo e que possa concitar o voto de VV. Ex.ªs porque seria um voto justo e correcto.
A Sr.ª Deputada Natália Correia disse, na sua intervenção, que os juristas - e o Sr. Deputado Vera Jardim recordou -, e bem, que o direito é um fenómeno cultural - entendiam que a Constituição eram um Olimpo que nada tinha a ver com as realidades da vida. É que é exactamente esse risco, Sr.ª Deputada Natália Correia, que o CDS; com a sua proposta, não quer que corram os constitucionalistas e os constituintes! Eu às vezes faço confusão entre estas duas palavras pois, sem dúvida, há muitos constitucionalistas constituintes!

É esse o risco quer não queremos que se corra e, quando os Srs. Deputados juristas, afanosamente, nos perguntam o que é que pretendemos e que consequências, em matéria de divórcio, é que tem ou não a nossa proposta, VV. Ex.ªs. sabem muito bem as consequências que ela tem nessa matéria pois são as que todos os dias estão presentes nas, decisões dos tribunais em matéria de divórcio. Todos os dias estão presentes! São só essas e mais nenhumas!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que resposta é essa?!

0 Orador: - Os tribunais, avisadamente, têm em conta os interesses dos filhos menores ao decretarem o divórcio - e obviamente que não têm de ter em conta os interesses dos filhos maiores pois esses, porventura, já são centro de imputação de uma nova família ou estão a preparar-se para o ser. E a distinção que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves fez entre divórcio por mútuo consentimento; para fugir à objecção que podia ser feita à sua argumentação, assente na distinção regulação do poder paternal/divórcio, ou seja, para a regulação do, poder paternal os interesses dos filhos menores e tudo o resto para o divórcio - não tem razão de ser, Sr.ª Deputada.
Eu diria que a circunstância de a lei e de os tribunais fazerem depender o divórcio por mútuo consentimento de requisitos - e um dos requisitos é mostrar-se regulado o poder paternal em relação aos filhos menores - tem a ver com esta interdependência e com a forma como a lei escolhe o conceito do casamento
Instituição. E aqui respondo ao Sr. Deputado Vera Jardim: se a Constituição e a lei acolhessem uma concepção puramente contratualista, o divórcio por mútuo
consentimento, porventura, não tinha requisitos pois as partes eram soberanas ao estipular o contrato, e eram-no também ao dissolvê-lo. É que precisamente por que há requisitos relacionados com a família é que essa circunstância revela que a lei acolhe o carácter institucional do casamento. Aliás, os interesses dos filhos menores estão na ponderação de, muitos legisladores de muitos países, incluindo porventura, alguns países caros à memória e ao exemplo do Sr. Deputado José Magalhães - como é o caso da União Soviética para modificar o regime jurídico do divórcio. São esses interesses que estão presentes.
O CDS não está a pretender eliminar o divórcio como causa de dissolução do casamento, nem está a pretender considerar indissolúvel o casamento que, para nós, que somos católicos - os que o somos - é indissolúvel - è toda a gente sabe isso -, nem queremos transportar essa nossa concepção para a Constituição, estejam VV.` Ex.ªs descansados. O que queremos é que a Constituição não seja um puro Olimpo, divorciado da realidade do dia-a-dia.
Suponho, também, que a Sr.ª Deputada Natália Correia: faz uma confusão de planos, pois uma coisa é o respeito que nos merecem situações concretas de relação de facto e nós, nunca pretendemos dizer que não nós merecessem respeito essas situações - e outra coisa é o facto de V. Ex.ª ter referido uma situação que mereceu o nosso respeito, designadamente na situação de morte trágica que ocorreu. É que, toda e qualquer referência ao acontecimento ou qualquer omissão em relação a esse acontecimento, seria uma falta de respeito inqualificável! Nós entendemo-lo assim! Outra

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coisa será também, Sr.ª Deputada Natália Correia, a contradição nos próprios termos que será querer, pela via da Constituição, transformar uma união de facto, indefinida necessariamente - pois isso é próprio da sua natureza - em relação constitucionalizada ao mais alto nível.
O que nós exigimos é que se protejam os efeitos merecedores também do nosso respeito, dessas uniões de facto e não aceitamos outra posição. Esta é claramente a nossa posição.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, já na anterior sessão fez uma intervenção sobre esta matéria. No entanto, dado o que se passou hoje no debate, gostaria de deixar clara a nossa posição relativamente à questão das uniões de facto. £ que a proposta de Os Verdes corresponde, no fundamental, a um projecto de lei que o PCP tem pendente na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias em relação às uniões de facto, relativamente à questão da segurança social e, consequentemente, estamos de acordo com o teor desta proposta.
A Sr.ª Deputada Assunção Esteves referiu que as críticas que tinham sido dirigidas pela Sr.ª Deputada Natália Correia ao PSD se alargavam a outros partidos que não tinham apresentado quaisquer propostas. Efectivamente, nós consideramos que o conceito de família está plasmado na Constituição, não só neste artigo 67.º, que é um conceito que não está fechado às uniões de facto e que nada autoriza a exclusão das uniões de facto do conceito de família previsto no n.º 1 do artigo 36.º Gostaríamos que isso ficasse claro e, aliás, muitas das decisões dos tribunais vão neste sentido em relação às uniões de facto.
O conceito da união de facto não é o único - e conheço o do artigo 2020.º do Código Civil e também o conceito da lei do aumento das rendas, que já é um conceito diferente -, no entanto, se entendermos que (e era isto que gostaríamos de dizer) o n.º 1 do artigo 36.º não exclui a união de facto e não autoriza discriminação em relação à mesma, parece-nos também que, em matéria de legislação ordinária, o legislador se ficou por muito aquém daquilo que devia realmente prever em matéria de uniões de facto, que são uma família e que estão efectivamente radicadas no nosso país, como aliás em todos os outros. O casamento não existiu sempre, e se fizermos até uma investigação por obras literárias de autores nossos, encontraremos, por exemplo, em Gil Vicente, a questão da união de facto que é o casamento perante os judeus casamenteiros e encontraremos em juristas - para ir também de encontro ao que disse a Sr.ª Deputada Natália Correia - o estudo desse sistema de casamento que era o casamento per - palavras-presentes, que não sendo o casamento-benção, sempre foi considerado na sociedade portuguesa e sempre teve efeitos perante a legislação civil.
Neste sentido, o que se passa a nível de Código Civil da legislação ordinária é muito pouco e não é em matéria de direito sucessório - ao contrário do que disse a Sr.ª Deputada Assunção Esteves - que as uniões de facto têm protecção, mas efectivamente, em matéria alimentar, que é uma coisa diferente pois, em matéria de direito sucessório, a protecção em relação às uniões de facto é, infelizmente, zero! Esperamos, portanto, que nesta matéria, havendo projectos pendentes na Assembleia sobre ela, aquando do debate, o PSD se lembre das palavras que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves hoje disse nesta Câmara e não vá inutilizar a protecção jurídica das uniões de facto, que, aliás, é uma preocupação a nível da Europa, uma vez que há bastante documentação produzida pelo Conselho da Europa sobre o problema das uniões de facto. Consequentemente, era para essa realidade, ou seja, para a necessidade de se avançar que nós aproveitaríamos este momento para chamar à atenção da Câmara.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de ficar em silêncio perante um problema a que confiro bastante importância, não tanto pelos casos notáveis chamados à colação pela Sr.ª Deputada Natália Correia, mas pela frequência com que na sociedade portuguesa existem, de facto, casamentos não legalizados à luz do direito civil ou à luz do direito canónico. É um facto que não poderemos desconhecer, como o demonstrámos aqui, na altura própria, quando defendemos que, sendo embora contra o aborto, não poderíamos desconhecer o facto social consistente no aborto.
Penso que é bom que se ponha paixão nas coisas, mas que também alguma serenidade faz por vezes falta e que não precisaremos desta inovação constitucional para que a Constituição esteja aberta à protecção legal das uniões de facto. Quando o n.º 1 do artigo 36.º diz que todos têm direito de constituir família e de contrair casamento, é óbvio que não considera o casamento a única fonte da família e, implicitamente, a Constituição admite que há família que não tem por origem o casamento.
É claro que, tradicionalmente - como se sabe - havia o casamento de facto, e isso vem do direito romano. Havia três formas de casamento: a confarreatio que, como é evidente, não tem nada que ver com farra; a coemptio e o usus, que era o casamento pelo costume, consuetudinário. E nós, tradicionalmente, tínhamos uma expressão curiosíssima, os casamentos «conhuçudos»; eles não existiam para a lei nem para a Igreja, mas eram conhecidos. E eram conhecidos porquê? Porque duas pessoas viviam com carácter de estabilidade, de perdurabilidade, e esses dois requisitos teriam sempre que ser exigidos em qualquer circunstância. Não é porque duas pessoas resolveram passar um fim-de-semana na Costa da Caparica como marido e mulher e dormiram juntos que vão ter a protecção da lei. Mas se, ao fim de alguns anos, viveram como marido e mulher, por que não dar algum relevo jurídico a essa união de facto?
Quando eu era ministro da Justiça e tive o encargo nada fácil de rever o Código Civil, em resultado da Constituição de 1976, lá nos agarramos a este «e», que parece uma copulativa, mas é uma disjuntiva, pois refere-se ao direito de constituir família e contrair casamento.

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Ora, nessa altura propus e defendi junto de pessoas insuspeitas - como a Professora Magalhães Colaço, o falecido e saudoso Castro Mendes, insuspeitíssimo de não ser adepto do casamento como um sacramento, o Pereira Coelho, essa alma lavada de que me recordo com tanta saudade, a actual ministra da Saúde, enfim, junto de gente boa, perfeita - que tinha chegado a altura, que era correcto, reconhecer alguma relevância ao casamento de facto, às uniões de facto. E até pusemos, numa versão originária do projecto, «efeitos em matéria de alimentos» e «efeitos em matéria de herança».
A proposta fez carreira e na fase final, quando entendi que devia ter algum diálogo com as autoridades eclesiásticas deste país, consegui compreensão para o direito aos alimentos, que ficou consagrado sem nenhuma resistência, mas não consegui compreensão para a herança.
Então, dei o exemplo de uma senhora - embora não haja que distinguir a senhora do cavalheiro, o marido da esposa - que vive 30 anos com um determinado sujeito, que inclusivamente tem filhos dele, que lhe sacrificou a sua mocidade, a sua beleza, trabalhou para ele, curou-lhe as feridas, deu-lhe o chá, calçou-lhe os chinelos, etc, e depois, ao fim desse tempo, vem um sobrinho do Brasil herdar a fortuna. Então, aquela senhora - que também pode ser um homem, se se tratar de uma «fidalga» que tenha um «cavaleiro andante» que lhe traz o livro e lhe faz o chá, hoje em dia não há grandes distinções... - fica na miséria? Vem o sobrinho do Brasil e leva tudo e aquela pobre alma fica na miséria? Bem, já tem o direito aos alimentos,... se houver miséria pelo menos já tem o direito aos alimentos!
É evidente que esta ideia está a fazer o seu caminho. Aliás, parece-me que ela já tem algum relevo em matéria de habitação...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem, na Lei das Rendas!

O Orador: - Mas devo dizer que o Estado é muito culpado da prosperidade das uniões de facto, do número das uniões de facto. Há estímulos legais às uniões de facto! Se lermos as leis do Ministro Cadilhe ou dos ministros das Finanças que o precederam encontramos estímulos ao não casamento civil ou religioso para tirar vantagens fiscais ou não ser penalizado fiscalmente.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Aí é que está!

O Orador: - Em matéria de direito à habitação aí temos nós também provavelmente, alguns estímulos; em matéria de heranças sei lá o quê! Há vários estímulos na lei ao casamento de facto, não tenhamos ilusões! Portanto, o Estado é responsável e este problema deve ser meditado, reflectido. Não se pode deixar sem algum efeito jurídico, sem alguma protecção, aquele cônjuge de facto que precisa dela. Temos que ter em conta quer o aspecto dos filhos comuns, quer o aspecto da sua duração, quer o aspecto da sua estabilidade, quer às vezes o aspecto de alguma casmurrice de um dos cônjuges que é contra o casamento mas adora a mulher, gosta da companheira, estima-a e era capaz de morrer por ela.
Ora bem, isto leva-me a concluir o quê? Que a proposta apresentada por Os Verdes ainda está «verde» em termos de consagração constitucional. Já vi a reacção do PSD e verifiquei que não vamos ter consagração alguma, mas ouvi aqui coisas que me agradaram muito: mesmo os Srs. Deputados que se pronunciaram contra a constitucionalização deste tipo de protecção mostraram abertura no sentido de que a experiência prossiga no domínio da lei ordinária. E é aí que o fenómeno deve ser encarado.
Um dia destes vamos todos ver o que é que podemos fazer em matéria de percurso desta ideia de protecção das uniões de facto, sem ferir susceptibilidades, mesmo daqueles para quem o casamento é um sacramento, o que é respeitável e ai de mim que não o respeitasse. Para mim, o casamento é um contrato, mas para quem é um sacramento é mesmo, e temos de respeitar essa sensibilidade! Porém, tenho a certeza de que mesmo esses compreenderão que há situações de facto que, pelas suas características de durabilidade, de estabilidade, de semelhança integral com um casamento civil, a que só faltou o papelinho, «a papeleta», o contrato civil, o acto administrativo, como dizia o Eça, também têm direito a alguma protecção da lei civil.
Creio, pois, que o estado de espírito que aqui se gerou no fim desta discussão é muito positivo neste aspecto.
A proposta de Os Verdes está como o partido, tem a cor do partido, está «verde». Aliás, creio que nunca a Constituição deveria especificar o «designadamente no plano disto ou daquilo»; os planos podem ser aqueles que tiverem de ser, na base da justiça.
De qualquer modo, penso que deveria sempre exigir-se um requisito de estabilidade e de durabilidade; a pura equiparação ou analogia não chega, a meu ver - aliás, assim se fez no Código Civil, de que eu fui o inspirador, em que consta a exigência de dois anos mínimos de duração e talvez até nem seja muito tempo para que se ganhe jus a uma protecção.
Creio, portanto, que fica aqui criado ambiente para fazermos um percurso um pouco mais ousado do que até agora no domínio da lei ordinária.
Quanto à questão da consagração constitucional, ficará para outra oportunidade quando o percurso estiver um pouco mais trilhado.
Relativamente à proposta apresentada pelo CDS também não queria deixar de me pronunciar sobre ela.
O CDS não me levará a mal que eu tenha medo que, não tanto quando fala nos efeitos - compreendo a referência aos efeitos e até compreendo que os efeitos possam ser uns quando há filhos e outros quando não os há - mas quando fala nos requisitos... aí mexo-me um bocado por dentro e, na verdade, tenho medo que amanhã se diga «divórcio sim, mas com os filhos muito mais difícil...» e mesmo que apareça um doido que diga «divórcio sim, mas com filhos nem pensar nisso».
Não é esse o vosso propósito, não é isso que está no vosso estado de espírito, mas esta discriminação de que quando há filhos o divórcio é um e quando não os há o divórcio é outro..., enfim, nós sabemos que por vezes na base do divórcio estão razões tão sólidas e tão sérias que não é a existência dos filhos que faz com que essas razões deixem de ser tomadas em conta.

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Era apenas isto que queria dizer. Creio que este debate foi muito útil, mas vamos aos artigos seguintes, pois temos que rever toda a Constituição e não apenas este artigo.
Contudo, devo dizer que já que o Sr. Deputado Adriano Moreira está inscrito para uma intervenção, gostava muito de o ouvir, porque é uma das raras autoridades nesta matéria, não por ser um grande chefe de família mas porque tem dedicado a estes problemas o melhor da sua atenção e do seu saber.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, muito me congratulo por V. Ex.ª se ter congratulado. Já somos muitos a congratularmo-nos! Seguramente nos podíamos congratular mais se fosse aprovada uma norma constitucional que, de forma densa, muito específica, inteiramente inequívoca, elevasse o grau de tutela constitucional das uniões de facto, porque é só disso que se trata, de elevar o grau de tutela constitucional das uniões de facto, que já dispõem dele, ponto sobre o qual se estabeleceu consenso absoluto, do qual nem o próprio CDS se dissociou.
É que há risco de se fazer este debate numa óptica perversa, embora com uma enorme boa vontade e com um enorme afã de aperfeiçoar a Constituição, que é partir do princípio de que a Constituição não consagra um grau de tutela substancial às uniões de facto, Portanto, ou tapamos essa brecha, que ainda existe, ou as uniões de facto serão perseguidas, discriminadas, o que não é possível face à nossa ordem jurídica - esse ponto foi sublinhado pelo Sr. Deputado.
Porém, gostava de aditar um argumento e de saber o que é que o Sr. Deputado pensa sobre ele: é que não nos limitámos a deixar intacto o texto constitucional; vai ser feito um aditamento, por proposta, aliás, do PCP, quanto ao dever e ao direito de manutenção dos filhos. Ora, chamo a atenção de V. Ex.ª e da Câmara para o facto de que isto tem notáveis implicações e tem-nas, também, em relação às famílias cuja fonte não seja o casamento. Quer dizer, este é um direito e um dever que se aplica por igual e sem origem em quaisquer discriminações de estatuto, às famílias, independentemente da sua fonte. Creio que daqui resulta robustecida a própria imagem da Constituição quanto ao não estabelecimento de um paradigma de família e de um paradigma de união: uma protegida, acalentada, saudada, a outra perseguida, excluída, sancionada, anatemizada. Não há anátemas constitucionais em relação às diversas modalidades de família, nem há, constitucionalmente, unicidade familiar. Sublinho fortemente este aspecto!
Na comissão, o PS votou contra esta proposta apresentada pelo Partido de Os Verdes. Creio que isso tinha apenas o significado de uma discordância quanto à majoração da tutela e nunca discordância quanto ao grau de tutela que a Constituição já hoje estabelece neste ponto.
Gostaria de chamar a atenção do Sr. Deputado para este aspecto e fazer votos para que o projecto do PCP sobre esta matéria, que protege as uniões de facto e
que já foi apreciado pela Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, seja objecto de votação em Plenário e que, nesse sentido, aquilo que o PSD aqui sublinhou não seja uma forma de fugir às responsabilidades dizendo «não» na Revisão Constitucional porque ela é ordinária e «não» na lei ordinária porque a Constituição, nesse aspecto, precisaria de ser retocada. Espero, pois, que essa «fuga» em círculo vicioso não se venha a verificar. É esse o nosso voto e temos razões para nos congratularmos com o resultado global desta discussão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, obrigado pela oportunidade que me dá de precisar mais algumas ideias. A primeira é a de que assim como há graus razoáveis de protecção das uniões de facto e conjugais também há graus de congratulação. Porventura, o meu amigo congratula-se mais do que eu...

Risos,

Sr. Deputado, o momento mais significativo do reconhecimento dos efeitos das uniões de facto não é nenhum dos que foram referidos por nós, nem por mim nem pelos Srs. Deputados, na medida em que os ouvi. É o momento em que a Constituição de 1976, e depois o Código Civil de que eu fui o principal responsável, elimina a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, nascidos do casamento ou fora dele.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esse é o grande salto, esse é o maior salto!
Se um filho tem o mesmo regime em matéria de herança, de protecção, de alimentos, de tutela de poder paternal e maternal, seja ou não nascido do casamento contratual ou religioso, esse é o momento mais alto do reconhecimento da relevância das uniões de facto. Mas, por outro lado, nenhuma distinção se consagrou ou permitiu entre o pai e a mãe em relação aos filhos, sejam o pai e a mãe casados ou não. Este é, digamos, o grande momento do reconhecimento da relevância das uniões de facto; é o maior momento de todos!
O que depois se possa acrescentar é uma decorrência daquilo que já está conquistado para o sistema jurídico português e na Constituição da República. Não é só o «e», «constituir família e...», é dizer que não há distinções entre filhos legítimos e não legítimos entre nascidos dentro e fora do casamento, nem entre pai e mãe em relação aos filhos, qualquer que seja a relação entre o pai e a mãe, de casamento de facto ou de casamento legal.
Por outro lado, gostaria de dizer que votámos contra não por sermos contra a medida, como é óbvio, mas sobretudo também por haver esta discriminação final. Porventura o nosso voto seria mais convergente se a norma parasse em «adequada protecção» e se houvesse uma exigência de estabilidade e de durabilidade.

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Mas não tenho alguma - dúvida em que o meu partido e os meus camaradas aqui presentes aceitarão neste momento a conversão do nosso voto numa abstenção, como cumprimento ao papel dê todos os Srs. Deputados, sem distinção, no decurso desta nossa troca de impressões.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontrava mais sentido ao que tencionava dizer antes das intervenções que agora foram pronunciadas. Mas, em todo o caso, como me tinha inscrito para uma intervenção, não quero deixar de exprimir algumas preocupações - neste domínio, que penso que é fundamental não apenas no - que toca ao âmbito constitucional mas à vida da comunidade portuguesa.
Não é segredo que eu sou profundamente institucionalista, mas justamente aquilo que me preocupou nas intervenções que ouvi é que me parece dominar a impressão de que a lei é anterior às instituições e a minha convicção é a de que as instituições antecedem a lei. E tanto é assim, por exemplo, que porque se trata de família, porque o exemplo vem a propósito, porque o sacramento foi invocado quando a Igreja Católica era subversiva já era uma instituição, quando os partidos não eram permitidos já eram uma instituição. A instituição é uma realidade da vida social e aquilo que é necessário saber é em que medida as leis acolhem ou contrariam essa instituição.
15to parece-me extremamente verdadeiro e oportuno no domínio da, família, porque a primeira vez, numa declaração universal de direito que a declaração da ONU se refere a uma instituição, essa instituição é a família: diz, concretamente, que a família é a célula base da vida social. Ora, isso não tinha acontecido nas declarações universais de direitos anteriores.
Só que para um leitor preocupado não vem lá bem explicado o que é a célula base. É a célula biológica, é a célula cultural, é a amarra social de onde nasce toda a outra trama de dependências sociais? 15so não está lá escrito! Também lá não está dito se refere à família monogâmica, à família poligâmica, à família católica, à família muçulmana. Quer dizer, este primeiro avanço institucionalista da família sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem fez nascer uma certa esperança no sentido de que nos debruçávamos sobre a realidade, mas a realidade ainda ficou muito longe de encontrar um enquadramento abrangente.
No que toca à família, muito concretamente, devo dizer que por vezes acho surpreendente que portugueses estejam preocupados com o reconhecimento da família de facto. Este reino viveu da família de facto. Quando se percorrem os livro nobiliárquicos portugueses encontra-se a barra da bastardia orgulhosamente estatelada no meio dos brasões, para indicara origem da família de facto. Aconteceu que reis fidelíssimos, cristianíssimos, inventavam Odivelas é quejandos, com grande riqueza da temática dos poetas, dos artistas, dos apaixonados pela cultura, fonte de todas as coisas.
Acontece mesmo que essa família a que nos habituámos, a família monogâmica em todo o mundo ocidental parece estar um pouco em crise. Tenho reparado, por exemplo, que nos Estados Unidos, que foram organizar-se pudicamente longe desta pervertida Europa, invocando todas as virtudes contra uma Europa dissoluta, neste momento, para a vida política, inventou a monogamia sucessiva, porque uma pessoa divorciada e recasada chega a Presidente da República, mas não chega á candidato se pelo caminho tiver a felicidade, que se transforma politicamente num tremendo acidente, de ter uma paixão por uma militante do partido. Ora, não creio que esta monogamia sucessiva esteja protegida na Constituição dos Estados Unidos.
Se lermos escritores que descrevem a sociedade portuguesa do século XVIII, sobretudo no Brasil, vamos encontrar esta coisa extraordinária que é o chefe de família, respeitável, algumas vezes titular levando pelo braço direito a mulher legítima e à direita os filhos descendentes dessa união sacramentada e à esquerda todos os filhos, da sanzala que também são dele, que todos sabem que são dele que não deixam de ir à missa com o pai. Esta é a família mista, que faz o espanto de todos os observadores da sociedade portuguesa dessa época.
Tenho a vaga lembrança - «puxei» pela minha memória e não consegui encontrar referência segura mas tanto jurista ilustre lembrar-se-á disso - de que há uma velha tese de Alexandre Herculano sobre a forma mais antiga de constituição da família no reino.
De qualquer modo, aquilo que em primeiro lugar pretendo salientar é- que se a instituição é anterior à lei; aquilo que não está perfeitamente determinado na sociedade portuguesa são as formas de aparecimento dessa instituição que é a família e que como a Declaração das Nações Unidas, considero como a célula base da vida social.
Como católico, não tenho dúvida sobre qual a forma de família que entendo que serve melhor a sociedade portuguesa. Mas, como sociólogo, como interessado pelas realidades sociais; não ignoro que as formas de aparecimento das instituições é que se vão impor às leis e nascem antes destas.
Por isso, já considerava suficientemente larga é acolhedora esta fórmula da nossa Constituição segundo a qual todos têm direito de constituir é de contrair casamento, o que são duas coisas diferentes na minha leitura da Constituição. Não posso deixar de afirmar nesta discussão que sou partidário da família indissolúvel. Agradeço muito ter-me referido como um grande chefe de família. Sou, sobretudo, o chefe de uma família grande...

Risos.

... o que naturalmente, me obriga a ter muitos cuidados e responsabilidades.

Mas, como estava a dizer, sou partidário da família, não escondo que tenho essa concepção. Agora, o que não posso é, como deputado, como estudioso das coisas sociais, ignorar que a instituição antecede a lei. A lei tem pois, de reconhecer a instituição e, volto a dizer, isso foi a tradição portuguesa com a família de facto, isso foi a tradição católica com a Igreja perseguida pelo poder político, isso foi a tradição com os partidos políticos.
Para ser completo, devo dizer que a proposta apresentada pelo Partido de Os Verdes me parece perigo somente restritiva do princípio geral consagrado na Constituição e, por isso não votaremos a seu favor.

Vozes do CDS, do PSD e do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Uma última intervenção para, basicamente, invocar aqui a memória de Xenofonte, porque me parece que, do que fica dito, outra coisa não cabe fazer em nome do bom senso.
Ainda assim, enquanto a proposta não está retirada, gostaria de referir que também eu posso concordar que o texto actual da Constituição já protege a família de facto, mas isso decorre da leitura do Sr. Deputado Almeida Santos, da minha leitura, da leitura do Sr. Deputado Adriano Moreira, de outras leituras. No entanto, para isso foi preciso que todos lêssemos numa conjunção copulativa uma conjunção disjuntiva, foi preciso um esforço e um pontapé na gramática. Para que isso não fosse necessário, era nossa intenção acrescentar à Constituição, positivar na Constituição, a protecção real à família de facto.
Enfim, parece que está provado que a proposta é uma perfeita inutilidade, mas - e perdoem-me a imodéstia - não me lembro de uma tão grande inutilidade ter tido uma tão grande utilidade conforme ficou provado no debate que aqui fomos capazes de produzir.
Penso que estamos todos de parabéns por termos sido capazes de discutir com uma tão grande profundidade esta questão, que não é menor, e, satisfeitos que estamos com a utilidade da nossa proposta, anuncio à Mesa e à Câmara que a retiramos, para que da sua rejeição não se fizessem leituras perversas, para que dela não se inferisse outra coisa, para que aqueles que no seu dia-a-dia têm de interpretar a lei não a interpretassem de forma perversa; para evitar tudo isso, retiramos a proposta, satisfeitos que estamos como o debate que pudemos proporcionar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer um curtíssimo comentário à intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira, comentário que, de resto, não pode deixar de ter em consideração aquilo que o Sr. Deputado Herculano Pombo acabou de anunciar.
É evidente que o aspecto mais fascinante e positivo da Constituição neste ponto é o seu enormíssimo pluralismo. A Constituição, também neste ponto, é, de facto, casa comum democrática, longe, longe, do arquétipo da Constituição de 1933 e da sua ideia estrutural e visceralmente corporativa que atribuía à família e ao patronato um determinado papel que considerava inerente à natureza humana, a Constituição de 1976 é visceralmente democrática e a democracia não fica às portas da própria família, está nela, em ela, faz parte dela, radicalmente.
É, pois, um sinal dos tempos e é um bom sinal do próprio 25 de Abril e da maneira como ele embebeu a nossa vivência colectiva, o facto de hoje termos podido ouvir um deputado do CDS exprimir aqui a sua concepção de que as uniões de facto, fazendo parte da nossa realidade social e da nossa circunstância histórica, tem um estatuto e tem também na Constituição
a sua casa, o seu lugar, o seu lugar próprio. Sublinho que isso é, de facto, muito diferente daquilo que, à sombra da hermenêutica civilística, alguns aerópagos e alguns porta-vozes de um pensamento reaccionário e retrógrado, têm vindo a sustentar face à nossa Constituição.
Recordo que, por exemplo, o Professor Varela, ainda recentemente, pôde, em nota prévia às suas aulas de Direito da Família, dizer qualquer coisa como isto: «O Código Civil de 1966, fiel à concepção tradicional do matrimónio, aceitava ainda a ideia da família como uma sociedade hierarquicamente organizada e funcionalmente diferenciada. A reforma de 1977 (...)» - portanto, a revisão do Código Civil feito - «(•••) destruiu por completo essa imagem, substituindo-a por uma sociedade conjugal igualitária, funcionalmente indiferenciada e tão longe se levou a transposição obsecada do pensamento político e da igualdade democrática para o plano jurídico da vida doméstica que tanto se reconheceu à mulher a antiga faculdade de adoptar os apelidos do marido como ao marido o poder caricatural (...)» - diz o Professor Varela, é claro, que não nós!... - «(...), em face dos costumes ocidentais, de juntar ao seu nome os apelidos da consorte». Bem, e antes dizia da união de facto o que é difícil dizer-se de qualquer coisa que não seja nefanda.
Isto é, continua a haver em Portugal quem queira anatematizar as uniões de facto, censurar aqueles que optem pela união de facto e levar à Constituição e ao Direito noções retrógradas, ultrapassadas, que não têm assento na Constituição, nem agora nem depois desta Revisão Constitucional, e com isso, acima de tudo, nos congratulamos.
Quanto ao papel da família como elemento natural, divergimos obviamente do Sr. Deputado Adriano Moreira, mas não podemos deixar de nos congratularmos pelo facto de a bancada do CDS ter adoptado nesta matéria esta posição que traduz que, no fundo, a aculturação democrática vai embebendo as diversas famílias democráticas...

Risos do PCP.

... e que o CDS, ele próprio, não é insensível às uniões de facto.
Em 1977, o CDS, aquando do I Governo Provisório, pediu a ratificação da reforma e depois deixou-a cair; agora, o CDS deixou cair e enterrou o machado de guerra contra as uniões de facto. Isso é positivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É a perestroika!

Risos do PSD e do PS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a perestroika do CDS!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, o meu pedido de esclarecimento viola um pouco a figura regimental. Em todo o caso, pergunto ao Sr. Deputado se, na minha intervenção, não terá detectado algum sentido que, no caso de me permitir,

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traduziria da seguinte maneira: acho bem que se congratule com a atitude do CDS e, se me permite e penso que foi o Sr. Deputado quem sublinhou que hoje
tem havido inúmeras congratulações na Câmara, também nós nos vamos congratular- pelo facto de o Partido Comunista já prestar atenção àquilo que diz o CDS.

Risos do CDS e do PSD.

É um grande acrescentamento na vida do Parlamento.
Mas queria dizer-lhe que julgo que, tenho algum pensamento próprio desta matéria, que não é de hoje, é antigo. Pergunto-lhe se teve presente que, por exemplo, o Abade de Baçal, cujas obras completas acabam de ser publicadas pelo Centro Cultural de Bragança e que no fundo era um autodidacta, sustentava que era absolutamente necessário admitir o casamento dos padres; isso era sustentado pelo Abade de Baçal. Não me pode, portanto, dizer que há unanimidade de pensamento dentro desta orientação, porque o Abade de Baçal é mais antigo.
Também lhe recordo, porque talvez isso traga alguma boa. disposição à Câmara, uma das razões por que penso que Frei Bartolomeu dos Mártires ainda não é santo. Não foi só por Ter votado a favor dá união com Castela com os Filipes; é que, segundo parece, no Concílio de Trento, quando se votou o celibato dos padres, ele terá dito: «Eu queria uma excepção para os padres transmontanos é, se não pude ser, ao menos para os de Barroso» ....

Risos.

... porque ele não via maneira de acabar com essa situação.

Risos.

Fundamentalmente, sob a forma de pedido de esclarecimento, tal como o Regimento manda - legalista! -, pergunto ao Sr. Deputado se não concorda que tudo quanto eu disse - e podem não o dizer todos - é dito há séculos por. pessoas que, pessoalmente, estão vinculadas à mesma. matriz a que eu me encontro vinculado. São eles que o dizem. Agora, que dentro das mesmas. correntes, haja nuances que se tornam mais ou menos dominantes, isso é o normal da vida e eu creio que os senhores estão a passar, por uma brilhante experiência dessa natureza.

Risos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, prosseguindo este diálogo que traduz a atenção reciproca do PCP em relação ao CDS e, pelos vistos; do CDS em relação ao PCP, gostaria de dizer, muito brevemente, alguma coisa que talvez quebre á boa disposição que domina este debate ou, pelos - menos; não a enleve, mas que, creio, é indispensável.
Todos nós sabemos como num determinado quadro histórico houve uma dissonância entre as teorias proclamadas é as práticas. Toda a nossa literatura está
cheia de histórias brejeiras de clérigos (e não é o caso do Abade de Baçal, que nisso é insuspeito) que incumpriam aos seus deveres de estrito celibato; de reis; como V. Ex.ª bem citou que, não só tinham as suas rainhas, como outras a quem tributavam o mesmo preito; de famílias burguesas solidamente constituídas que, ao lado tinham os seus filhos discriminados e escondidos, tidos como vergonhas e como infâmias. E essas mulheres e essas crianças sofrerem ao longo de séculos e séculos o labéu da infâmia, da exclusão, da intolerância, da discriminação, o ferreteado afastamento. E as leis consagravam isso mesmo! ...
Devo dizer que ainda há dias alguns jovens, a propósito do 25 de Abril, discutindo a mudança do 25 de Abril, eram solicitados para terem em atenção a abissal mudança que ele tinha significado e significa neste preciso ponto que estamos a discutir.
As vezes, as pessoas não se lembram disso, não se lembram das alterações em matéria processual penal, não se lembram das alterações em matéria penal propriamente dita, não se lembram sequer que a evolução entre o Código de Seabra e o de 1966 já foi significativa mas que o próprio Código de 1966, que alterámos em 1974 (logo após o 25 de Abril) e depois em 1977, veio, deste ponto de vista, introduzir pura e simplesmente uma revolução na lei que, na prática, não está cumprida em muitos aspectos. Portanto, situações de ferrete ignominioso, discriminação de afastamento, de silenciamento, de vergonha, legalmente foram suprimidas e creio que isso é um progresso muito grande.
O facto de o CDS hoje, não em 1977, mas hoje, ter vindo dizer, que entende que a boa hermenêutica da Constituição reside no facto de que não deve haver um ferrete ignominioso sobre este tipo de uniões, que ninguém tem o direito de erguer um dedo condenados em relação a esses homens e a essas mulheres que optam por essa forma de aproximação, é muito importante, porque é um sinal de evolução democrática e de um alargamento de, um consenso em torno de certas ideias que, por exemplo, excluem visceralmente estas talassas retrógradas que o Professor Varela exprimiu na sua sebenta e que traduzem uma noção ultrapassada de família, condenam a mulher a uma semi-escravidão, a uma situação de periferia, de dependência e os filhos ao papel de autómatos, até atingirem a maioridade, submetidos. Creio, pois, que isso é um passo muito importante.
Agora, temos muito a andar e é nesse sentido que entendo que, por exemplo; o projecto que o PCP apresentou é também importante, porque chama a atenção
para o contrário daquilo que agora estamos a discutir.
Estamos aqui a congratular-nos e o nosso projecto chama a atenção para o que está por fazer, que é enorme.
O Sr. Deputado Almeida Santos chamou a atenção paca a questão da reforma fiscal, «fábrica de uniões de facto», uma expressão que considero fagueira e sugestiva. Obviamente que todos temos consciência de que é só uma metáfora, é uma metáfora graciosa de alertar para uma realidade, mas é uma realidade gravíssima. Continua a haver hoje centenas e centenas de mulheres discriminadas precisamente porque viveram em situações de união de facto durante anos e que são encontradas desamparadas, após a morte do seu companheiro,- sem qualquer apoio. 15to é real! Tal como continua a haver vitimas de despejo, em caso de arrendamento, completamente desprotegidas. 15to existe na segurança social; isto existe nos mais...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, agradeço que conclua, uma vez que já ultrapassou o tempo.

O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente.
E é isto apenas que tempera a nossa alegria quando vemos que o CDS chegou ao consenso sobre o não labéu em relação às uniões de facto. Só isso tempera a nossa alegria.
Quanto ao resto, junquemos o chão de flores, para dizer alguma coisa de que o Sr. Deputado Costa Andrade tanto gosta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas penso que a intervenção é a única forma regimental de que disponho para acrescentar um comentário, que é o seguinte: Sr. Deputado, tomo a responsabilidade de escolher os meus autores e espero que o Sr. Deputado tome a responsabilidade de escolher os seus. Por consequência, os autores que cito são os autores que leio, aos quais adiro e subscrevo.
Como não pertenço ao número de autores que Sr. Deputado escolhe, informo-o que aquilo que eu disse hoje aqui pode encontrar escrito em lições minhas, aí de meados da década de 50, num livro chamado «Ideologias políticas», nos mesmos termos; aí encontra a defesa do institucionalismo, a falta de autenticidade, etc. Por isso, permito-me insistir em que escolho os meus autores e o Sr. Deputado escolhe os seus, mas não faça com que pareça - e certamente não é sua intenção - que os seus autores são os meus.
Do ponto de vista dos valores de modelo de família que advogamos, creio que expliquei perfeitamente a posição matricial do CDS em matéria de família. Agora, o que não posso, como estudioso, como sociólogo, como jurista, como deputado, é ignorar a realidade portuguesa, porque é para a realidade portuguesa que temos de legislar e esta ensina-me aquilo que há muitos anos escrevo e hoje tive a oportunidade de dizer nesta Câmara, pela benevolência de todos os nossos colegas. E este ponto que gostaria que ficasse bastante claro, nítido e insofismável, como suponho que fica.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais intervenções, damos por concluída a discussão do artigo 36.º Informo que ficam para votação a proposta de aditamento ao n.º 2 apresentada pelo CDS, a proposta de aditamento ao n.º 5 apresentada pelo PCP e a proposta de aditamento ao n.º 5 da CERC.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Presidente, anunciou que está pendente uma proposta do PCP. Acontece que essa proposta obteve consenso na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, com uma redacção que tem em conta certas observações e, portanto, damos a nossa proposta por consumida no texto da CERC, que a absorve por completo.

O Sr. Presidente: - Então, fica para votação a proposta de aditamento ao n.º 2 apresentada pelos CDS e a proposta de aditamento ao n.º 5 da CERC.
Em relação ao artigo 37.º não foram apresentadas propostas de alteração, pelo que entramos na discussão do artigo 38.º

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de dar por retirada a nossa proposta relativa ao artigo 38.º

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma análise globalizante ao artigo 38.º, tomando como referência essencialmente a proposta que vem da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e salientando, eventualmente, as divergências ou coincidências que esta e outras propostas tiveram ao longo dos debates na comissão e que resultaram nesta proposta final.
Talvez merecesse a pena começar por dizer que, com a aceitação das propostas provenientes da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, a liberdade de imprensa ao nível dos meios de comunicação social é mantida e reforçada. Isto porque algumas vozes se encarregam e se encarregaram de repetir - sem razão, todavia - que daqui decorreria uma sensível diminuição de garantias do seu exercício.
Concretamente, em relação às alterações previstas do artigo 38.º, convirá recordar algumas questões que as acompanharam.
Em primeiro lugar, qual das duas formulações, entre as seguintes, é preferível: intervenção dos jornalistas e colaboradores literários na orientação editorial dos órgãos de comunicação social ou intervenção dos jornalistas e colaboradores literários na orientação ideológica dos órgãos de comunicação social?
A nossa posição de preferência pela proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional assenta nos seguintes considerandos: primeiro, a intervenção ideológica não tem sido cumprida; segundo, porquê a especial legitimidade dos jornalistas para esta intervenção?; terceiro, porque não há no Direito Comparado qualquer preceito correspondente; quarto, porque pode conflituar com a liberdade de criação de empresas jornalísticas; quinto, porque, e embora mantendo a nossa discordância com o exagero verbal que é comum ao Sr. Deputado José Magalhães, a fazer fé nas suas palavras, dir-se-ia que, e passo a citar, «o facto de a Constituição consagrar o que consagra em matéria dos direitos do jornalista, não impediu que a classe jornalística portuguesa sofresse, designadamente através do uso de armas económicas, de armas políticas e de outras, formas de pressão, legítimas e ilegítimas». Logo, a segunda expressão resulta, a nosso ver,

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original no meu sentido, conflitual, vazia, ineficaz e inútil.
Segunda questão: qual é para nós o sentido da modificação da redacção que culminou nos novos n.ºs 3 e 4 propostos?, A nossa posição perante a iniciativa privada, designadamente em matéria de comunicação social, não é a da suspeita permanente que conduz a uma regulamentação rigorosa e exaustiva e que denote uma visão do que o que é Estado é bom e o que não é Estado, é mau. Aliás, já das propostas apresentadas pelo PSD se podia extrair esta mesma conclusão, sendo certo que aquilo que entendíamos como constitucionalmente justificável se mantinha e mantém agora, ou seja, continua a exigir-se a divulgação da titularidade dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social e continua a prevenir-se a concentração das empresas titulares através de participações múltiplas ou cruzadas - aliás, é o próprio princípio da liberdade de imprensa, em nosso entendimento, que se opõe a uma concentração excessiva que o destrua.
E se numa príncípologia mais geral se devesse ir buscar á origem da disposição anti-concentracionária o Sr. Deputado José Magalhães - e peço-lhe desculpa de voltar a cita-lo - poderia dizer, como disse, que «a Constituição sempre implicaria que em relação ao que se passa neste mercado houvesse o accionamento dos mecanismos gerais previstos na organização económica contra á concentração».
Terceira questão: consagração do princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de comunicação social e alteração da redacção anterior do artigo que deste assunto se ocupava: A redacção da proposta da CERC parece-nos vantajosa embora não deixem de subsistir - alguns problemas no que respeita às empresas singulares e às empresas estrangeiras em Portugal.
De todo o modo, o debate travado em comissão parece suficientemente esclarecedor quanto ao sentido e ao alcance da formulação e sempre se dirá que resulta mais claro o seu objectivo se tivermos em conta a existência de apoios do Estado e a correlação que necessariamente tem de estabelecer-se.
Quarta questão: a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e televisão assegurado pelo Estado - aqui o PCP manteve a sua posição de princípio contra a privatização do sector da comunicação social. A discussão mantida em comissão documentou a exaustão as posições de quem se encontra preparado para aceitar um mundo em evolução tecnológica e de quem se lhe opõe ou lhe opõe concepções fixistas ultrapassadas.
Não há hoje na Constituição nenhuma garantia da existência de um sector público de imprensa escrita, como disse e muito bem, o Sr. Deputado António Vitorino durante os trabalhos da comissão; não há no campo do Direito Comparado nenhuma reserva do sector público na comunicação social escrita e não faz qualquer sentido que o sector público se estenda àquela área. Mas também o que é facto é que a não consagração constitucional não proíbe que exista qualquer
publicação escrita do sector público.
Por outro lado, a eliminação do vocábulo «mínimo», que tanta discussão suscitou na CERC, teve o efeito de reconduzir o texto à proposta inicial do PSD e de
esclarecer a longa série de interrogações que se colocaram em comissão quanto ao seu sentido e alcance. Como foi pacífico adquirir, resulta desta norma uma garantia que assegura o serviço público de rádio e de televisão com os contornos apropriados, como, aliás, foi amplamente. esclarecido pelas intervenções dos Srs. Deputados António Vitorino, Almeida Santos e Rui Machete.
Quinta questão: regime aplicável à televisão privada. Cai, finalmente, o.n.º.7 do artigo 38.º que impedia a propriedade privada de televisão. Mas o facto mais importante é o de que artigo-39.º cessará igualmente a controvérsia sobre a forma de utilização da televisão privada. A actividade dos canais, privados será, nos termos do artigo 39.º, licenciada com parecer prévio emitido pela Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. José Magalhães: - Ficamos descansados!...

O Orador: - Em suma, direi que o artigo 38.º, com a nova formulação proposta pela CERC, parece-nos que salvaguarda, pela positiva todos aqueles princípios e preocupações que como é evidente, estiveram presentes na discussão, que foram causa de alguma controvérsia e de alguma viva contradita e que se reconduzem às posições fundamentais que o PSD tem vindo a defender ao longo do. tempo, em matéria de Revisão Constitucional, designadamente de comunicação social.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, eis Srs; Deputados José Magalhães, João Corregedor da Fonseca e 15abel Espada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Quem ouvisse o Sr. Deputado Carlos Encarnação julgaria que neste momento, em Portugal, estamos num paraíso em matéria de, comunicação social.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Não estamos, mas vamos estar!

O Orador:- Julgaria que o Sr. Primeiro-Ministro não acabou de acusar os órgãos de comunicação social, que ali estão, de serem os responsáveis, por exemplo,
da descrição pública que S. Ex.ª diz empolada, da monumental pancadaria do Terreiro do Paço na sexta-feira.

O Sr. Carlos Encarnação (PS): - Mas estamos a discutir, isso?

O Orador: - Os culpados não são, o corpo de intervenção, são eles, os jornalistas! Mas quem ouvir o Sr. Deputado Carlos Encarnação não julgaria tal.

O Sr. Carlos Encarnação (PS):- Mas estamos a discutir isso?

O Orador: - É mesmo isso que estamos a discutir! É só isso que estamos a discutir, ou então faríamos uma discussão nas nuvens, que eu compreendo que conviesse a duas pessoas aos anjos e a V. Ex.ª, mas

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que não nos convém a nós que somos deputados carnais. Não nos convém! Portanto, não nos aluciará para esse tipo de debate! Não vamos nisso!
Evidentemente que o PSD tem um sorriso reluzente: o acordo neste ponto é um desastre! O PSD conquista ou não a possibilidade de privatizar todos os jornais? O Sr. Primeiro-Ministro já anunciou que até Janeiro de 1990 nem um! Imprensa pública, não!
O PSD conquista ou não o direito de alienar frequências de rádio hoje públicas? Resposta: «Conquista, sim!» E isso é bom sem mecanismos de controlo, sem, garantias de salvaguarda dos elementos de tutela? A nossa resposta é «Não, é mau, é péssimo» - e esta não é só a nossa resposta.
No entanto, o Sr. Deputado Carlos Encarnação, diz como é evidente: é isso tudo e, além do mais, ainda se consegue a quebra do exclusivo público em matéria televisiva, não acompanhada de condições de salvaguarda, etc, e não alterar em nada o Estatuto dos Jornalistas, ou seja, não acrescentar novos meios de defesa
- que bem precisos seriam neste momento.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação diz também «Console-se, Sr. Deputado José Magalhães, que há a Alta Autoridade para a Comunicação Social». Mas, por desgraça, a dita não é alta nem é autoridade e é governamentalizada, o que dá imensa satisfação ao Sr. Deputado mas só nos inquieta a nós, e não só, uma vez que o seu segundo argumento é dizer que isto são coisas do PCP.
Ora, assim sendo, gostava que V. Ex.ª nos dissesse, não à puridade mas em público, se ignora os pareceres sobre esta matéria do Sindicato dos Jornalistas, do Conselho de Comunicação Social e do Conselho de Imprensa que criticam, com muita razão, a solução a que VV. Ex.ªs chegaram. Ou será que V. Ex.ª considera todas estas entidades como, seguramente, filiadas nesta bancada, o que, aliás nos daria muita honra e seria muito positivo, mas não acontece?
Quanto às citações que o Sr. Deputado referiu como sendo minhas... Bom, peco-lhe desculpa mas as coisas não se devem fazer assim! Então V. Ex.ª põe na minha boca afirmações dizendo que eu considerei que a Constituição não impediu violações dos direitos dos jornalistas - o que é uma verdade, desgraçadamente - para inculcar que nós desvalorizamos o valor da Constituição em matéria de garantia dos direitos dos jornalistas? Oh! Sr. Deputado, por favor!... Leia as actas com olhos de ler, pois já aprendeu isso já alguns anos!
Em segundo lugar, o Sr. Deputado referiu que eu teria dito que a Constituição sempre implicaria a aplicação de meios anticoncentração à comunicação social e, portanto, seria desnecessária uma norma deste tipo. Resposta: «Nada disso!» Sr. Deputado, tenha o cuidado de reler outra vez as actas, porque é óbvio que a Constituição diz o que diz em matéria geral e é aplicável neste caso, mas é muito importante que tenha uma cláusula específica garantidora da necessidade de não haver concentração ilegítima nesta matéria.
Votámos a favor dessa cláusula, congratulamo-nos com o facto de ela existir e pensamos que ela é redobradamente importante no momento em que o Governo dá sinal verde para negociatas bastante reprováveis com grupos privados que querem fagocitar os meios de comunicação social públicos e aproveitar para fazer uma verdadeira pilhagem em relação a meios que deviam estar ao serviço de todos nós.
Portanto, pergunto-lhe, Sr. Deputado, em suma: V. Ex.ª ignora que estas críticas são reais, que partem de vários sectores - aliás, há dias elas foram expressam na sala do Senado, numa reunião em que V. Ex.ª esteve presente comigo e com o Sr. Deputado Alberto Martins - e até da bancada do próprio PS? É V. Ex.ª o tal autista inteligente que fala num filme que agora está em moda?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, é evidente que vemos com apreensão o que se está a passar em torno de comunicação social.
Ainda há relativamente pouco tempo, sentíamos - e os jornalistas queixavam-se - a tentativa de manipulação dos órgãos de comunicação social e dos jornalistas. Agora, como isso não resulta em toda a sua extensão, ameaçam-se os jornalistas e os jornais de várias formas, como todos temos visto.
Aqui mesmo nesta Câmara dois colegas seus - não estão aqui presentes e, portanto, não é necessário dizer os seus nomes, no entanto um deles pertencente à direcção da sua bancada - atacaram a comunicação social de uma maneira muito pouco correcta e claramente ameaçadora, aliás, devo dizer que um desses deputados é do Porto e os jornalistas do Porto tiveram vergonha, ombridade e reagiram claramente contra esse tipo de declarações.
O Sr. Ministro das Finanças, perante o que vem publicado, chegou a ameaçar os jornais de os levar a tribunal até pelo facto de publicarem sondagens. Ora, as sondagens têm o valor que têm - aliás, eu não gosto de sondagens, muito claramente -, no meu entender elas têm de ser bem regulamentadas e creio que há uma lei da autoria do PS, do então deputado Raul Junqueiro, que não sei se está a ser bem aplicada. Mas, como estava a dizer, até pelo simples facto de publicarem sondagens vamos «atirar-se» os jornais e jornalistas para as malhas do tribunal...
Bom, falou-se agora no caso lamentável, a que todos nos referimos - e ainda bem que isso acontece, para o País ficar a saber que tipo de autoritarismo está «na calha» e o que é que está na forja -, que tem a ver com os acontecimentos provocados pelo Governo na sexta-feira passada, no Terreiro do Paço, com a polícia, e o que vemos é o PSD e o Primeiro-Ministro a atacar e a ameaçar claramente os jornalistas e a comunicação social.
Já se falou, isso veio publicado e até criou um certo desconforto no PSD, que é preciso ver bem o que é que se passa: quer dizer, então como há certos jornais que publicam determinado tipo de documentos oficiais o melhor é ver se alteramos a lei até chegarmos a apreensões de jornais idênticas às da célebre lei que se está a fazer na Grã-Bretanha de Margareth Thatcher, de quem o Sr. Primeiro-Ministro gosta tanto.

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Há cerca de quinze dias, num debate que houve com os jornalistas parlamentares na Sala do Senado, quando lhe perguntei, e sendo o PSD tão favorável a toda a liberdade de imprensa, por que razão é que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e outras, nomeadamente as de inquérito, não são públicas - aliás, só os inquéritos que lhes convêm é que o são -, V. Ex.ª acabou por responder que a própria Lei de Imprensa deverá ser alterada.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - V. Ex.ª disse-o! Disse-o diante de toda a gente e os jornais publicaram-no! Mas, agora, V. Ex.ª terá oportunidade de esclarecer!
Pela nossa parte, tentámos introduzir um novo n.º 9 ao artigo 38.º que constitucionalizava o Conselho de Imprensa, que, creio, é um órgão importante para a salvaguarda da Uberdade de expressão, de pensamento, da independência, do pluralismo ideológico e do rigor e objectividade dos órgãos de comunicação social. Gostava de saber se pensa ou não que esta proposta poderia ter cabimento na Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, esta matéria é, na nossa opinião, o calcanhar de aqueles desta Revisão Constitucional e, no entanto, foi a matéria que permitiu, segundo as actas da CERC que tive oportunidade de consultar, mais declarações, por parte dos deputados das várias bancadas que participaram na comissão, no sentido de se conseguir um consenso.
Na verdade, as questões relacionadas com a comunicação social em Portugal não têm sido consensuais e todos os partidos defenderam que se deveriam procurar opções e tentar encontrar uma solução que fosse consensual e que pacificasse a sociedade no que diz respeito à comunicação social, eliminando, de uma vez por todas, as suspeições e a «guerra» que vem marcando as disputas entre a forma como a comunicação social é ou não é, funciona ou não funciona, procede ou não procede, independentemente do poder político e do poder económico.
No fundo, as declarações de vontade deram lugar, na nossa opinião, a uma opção, que não é, de modo algum, consensual, ou seja, ela foi consensual, pois conseguiu a aprovação indiciaria de dois terços, mas, em termos de sociedade, a aceitação desta proposta não se revela de modo algum consensual no que diz respeito aos directamente interessados, isto é, aos profissionais, aos órgãos de comunicação social e a outras correntes que são fundamentais e que deveriam também ter uma palavra condicionadora em relação a esta matéria.
Quanto ao artigo 39.º teremos oportunidade de fazer uma intervenção em que explicitaremos concretamente os nossos pontos de vista, no entanto adiantaria, desde já, algumas considerações quanto ao artigo 38.º agora em discussão.
Como o Sr. Deputado sabe, o projecto do PRD quanto a esta matéria preconizava que os jornalistas de todos os órgãos de comunicação social, privados ou públicos, pudessem intervir na orientação editorial, retirando, segundo esta mesma proposta, a excepção que faz parte da actual Constituição respeitante aos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado ou àqueles que tenham natureza doutrinária.
Pensamos que a participação e intervenção dos jornalistas na orientação editorial dos órgãos de comunicação social é uma forma de, por um lado, garantir a liberdade de expressão desses jornalistas e, por outro lado garantir a independência dos órgãos de comunicação social e da informação em relação ao seu proprietário.
Sabemos que, no que diz respeito ao sector privado, há tendência ou pode haver propensão, por parte do proprietário, para influenciar a informação, mas sabemos também que no sector público isso acontece igualmente e temos provas diárias e quotidianas dessa situação.
Sr. Deputado, gostaria, pois, de saber quais são as razões do PSD que levam a que se continue a consagrar na Constituição uma discriminação entre os trabalhadores da comunicação social do sector privado e os do sector público. Na verdade, parece-nos que há, de algum modo, o coarctar de direitos que assistem aos trabalhadores do sector privado que não assistem aos do sector público. Nestas circunstâncias, pergunto-lhe qual a razão de manter este aspecto na Revisão Constitucional e qual será a abertura do PSD para a sua eventual alteração.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Começo por responder, se me dão licença, à Sr.ª Deputada Isabel Espada, muito rapidamente, para lhe dizer, quanto à última pergunta que colocou, que o que está é o que estava na Constituição. Portanto, mantém-se, por acordo, exactamente a mesma redacção que está na actual Constituição, provavelmente devido àquilo que é tido por uma função diferente dos meios de comunicação social que pertencem ao sector público e dos meios de comunicação social que pertencem ao sector privado.
Em segundo lugar, quando critica o problema de não se ter atingido um consenso mais largo em relação a esta matéria, não sei muito bem o que é que pretende, porque, realmente, o consenso que foi estabelecido em relação a toda, esta matéria respeitante à comunicação social na Constituição é um consenso substancialmente bom, substancialmente largo. Realmente é difícil, ou seria difícil, porventura, exigir ou pretender mais do que aquilo que foi conseguido: um consenso que abrange os dois terços exigidos, que está, como é evidente, celebrado entre o partido do poder e o maior partido da Oposição, é, quanto a nós, um consenso bastante para exibir perante o povo português.
Aqui está documentado todo o esforço que pelo menos um e outro partido fizeram para chegar a este resultado. Poderão dizer que outros partidos não estão aqui envolvidos, poderão dizer que outros partidos se auto-excluiram, poderão dizer que outros partidos não conseguiram acompanhar o passo destes dois partidos responsáveis pelo processo de Revisão Constitucional, mas aí o problema não é com certeza, nem do PSD nem do Partido Socialista, caberá aos outros partidos que a este acordo não aderiram.

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Já que comecei por responder na ordem inversa dás perguntas, gostaria de responder agora ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, dizendo o seguinte: em primeiro lugar, no debate a que o Sr. Deputado se referiu, não fiz nenhuma afirmação que pudesse fazer concluir que eu tinha proferido a frase textual «que a lei de imprensa deveria ser modificada». A única coisa que disse, em resposta a uma pergunta cruzada de um jornalista ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca e em comentário, foi que «então, pelos vistos, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca entende que a lei de imprensa deve ser alterada».

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Está na gravação!

O Orador: - Isto foi quanto bastou para que, no dia seguinte, vários órgãos da comunicação social escrita dissessem que tinha afirmado, como uma prenda do PSD àquele debate, que a lei de imprensa ia ser modificada!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado, isso é mais uma acusação aos jornalistas, creio eu. Gostava de lhe lembrar que está gravado aquilo que o Sr. Deputado disse, ...

O Orador: - Espero bem que sim!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - ... mas sendo assim, eu entendi mal, os jornalistas também e publicaram aquilo que entenderam, o que é mais uma acusação aos jornalistas, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado, eu não tenho receio: de fazer acusações a quem quer que seja desde que esteja de posse da verdade, desde que os elementos estejam suficientemente provados e desde que esteja seguro e certo daquilo que estou a dizer. Nós não (levemos ter medo de fazer acusações a quem quer que seja, seja a jornalistas seja a quem for, só porque vamos pretender fugir à nossa verdade ou à verdade daquilo que acabámos de afirmar.
Portanto, se V. Ex.ª tem receios dessa, espécie, acredito que sim, mas isso é um problema seu. Aquilo [que disse, e reafirmo, não tem nada a ver com o que veio escrito na comunicação social. Aliás, alguns jornalistas suficientemente cuidadosos vieram perguntar-me se tinha afirmado ou não aquilo que veio publicado na comunicação social e eu repeti o que acabei de dizer agora. Não é verdade que tenha dito ima coisa dessas, os senhores podem fazer fé naquilo que eu digo, pode recorrer às gravações* podem recorrer a quem lá tenha estado presente para verificar que assim não é.
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado referiu o problema do Conselho de Imprensa. Ó Conselho de Imprensa, como é evidente, não está constitucionalizado, não é necessário que esteja e, portanto, não era necessária a vossa proposta.
Em quarto lugar, V. Ex.ª referiu algo que eu não percebi muito bem. Segundo o seu entendimento a ameaça de recorrer aos tribunais é ilegítima?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Eu já lhe explico!

O Orador: - Penso que não, mas se V. Ex.ª quis dizer isso, então disse mal, porque não é de maneira nenhuma admissível, nem possível, que um cidadão, com as responsabilidades que V. Ex.ª tem, venha aqui dizer nesta Assembleia que a ameaça de recurso aos tribunais, seja com quem for, seja contra quem for, é ilegítima!
Em último lugar, gostaria de referir-lhe o seguinte, muito brevemente: V. Ex.ª teve uma experiência muito curiosa, provavelmente, quando ouviu ontem o discurso de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República. E isto porque, em primeiro lugar, o Sr. Presidente da República disse que a liberdade da comunicação social, em Portugal, era um facto; em segundo lugar, porque, no decurso de uma pergunta de um jornalista, disse que se é um facto que existe e é praticada a liberdade de comunicação social em Portugal, é um facto também que há uma necessidade evidente dessa comunicação social ser, continuadamente, mais responsável.

Sr. Deputado, eu podia dizer que perfilho inteiramente esta opinião.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Dá-me licença que interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, mas devo recordar-lhe que vai utilizar tempo do PSD; segundo a velha fórmula latina, use, mas não abuse.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Não abuso, Sr. Deputado. É evidente que a ameaça de recorrer aos tribunais não é ilegítima...

O Orador: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - ..., mas a verdade é que na questão que existe e que está subjacente nesta discussão, esse tipo de ameaça visa claramente criar no espírito dos jornalistas uma autodefesa e uma autocensura, para além do mais - isso é um outro assunto e já lá iremos.
Mas quanto ao que o Sr. Presidente da República disse aqui e no debate da televisão, a que eu também assisti atentamente, que é necessário uma comunicação mais responsável, Sr. Deputado - eu não vou deturpar as declarações do Sr. Presidente da República, nem V. Ex.ª, com certeza -, só lhe pergunto se, por exemplo, entende que determinado tipo de comunicação social - que lhes convém -, que veicula determinado tipo de informações sobre as intervenções do partido governamental, do Governo, em detrimento da oposição e da própria Assembleia, é realmente responsável.

O Orador: - O Sr. Deputado acabou por fazer uma intervenção dentro do meu tempo, mas é uma intervenção que eu não levo a mal. V. Ex.ª tem todo o direito de o fazer, desde que eu o permita, como é evidente. E como vê, há aqui um deputado da maioria que não fica aborrecido, não fica incomodado por V. Ex.ª dizer muitas inverdades dentro do nosso tempo, porque essas inverdades se justificam por si próprias. O seu problema é que, na verdades, quanto mais diz mais se afunda, menos verdade diz e menos credível se torna.

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V. Ex.ª diz - e agora entraria também na resposta ao Sr. Deputado José Magalhães - que a comunicação social está dominada, que o Governo, inibe os cidadãos de terem acesso à informação, mas. V. Ex.ª como, aliás, o Sr. Deputado José Magalhães, teve oportunidade de assistir ao espectáculo da cobertura
televisiva, por exemplo, do que aconteceu no Terreiro do Paço, na passada sexta-feira. Ora, V. Ex.ª não pode, de maneira alguma, dizer que a televisão está ao
serviço do Governo! Se há alguma coisa que V. Ex.ª não pode dizer, a partir do momento em que assistiu a essa transmissão, é que a televisão está ao serviço
do Governo! Aquilo foi um espectáculo verdadeiramente digno de nota e digno de ser tomado em conta por todos os partidos, inclusivamente por todos os partidos da Oposição.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Mas o Sr. Primeiro-Ministro classificou-o de irresponsáveis!

O Orador: - Mas eu gostaria de dizer, Sr. Deputado, que de facto V. Ex.ª tem razão, há aqui um período completamente diferente. Nesta altura, em 1989, com o panorama que temos de comunicação social, com a liberdade que a comunicação social tem; isto não se parece nada com aquilo que se passou em 1975!
V. Ex.ª tem toda a razão, a comunicação social está muito diferente, está diferente para melhor, e nós ainda a queremos mais diferente, melhor e mais livre.
VV. Ex.ªs, é que. continuam a pensar que, na verdade, só com a comunicação social do Estado, só com a comunicação social pública, com todos os vícios, defeitos e problemas que ela tem e que, VV. Ex.ªs reconhecem, é que nós continuaríamos a ter verdade e liberdade na informação. 15so não é assim e o que acontece no País é bem a prova do contrário do que VV. Ex.ªs afirmam.
Para terminar, querer referir, em resposta, ao Sr. Deputado José Magalhães, três pontos rápidos e breves. Em primeiro lugar, V. Ex.ª disse que nós estávamos muito contentes porque sé verificou a conquista da privatização dos meios de comunicação social escrita; porém, tal não era necessário porque essa conquista já estava feita.

O Sr. Jorge, Lemos (PCP): - O PS deu-vos uma ajuda!

O Orador:- Não era necessário porque agora, com a. Revisão Constitucional e com as alterações concomitantes, isso já acontecia. V. Ex.ª veio penosamente atrasado mais uma que fique muito triste, finas temia paciência porque realmente essa tristeza já devia vir de antes não apenas de agora V. Ex.ª entristeceu-se tardiamente.
Em segundo lugar, eu estive também presente nesse debate esclarecedor, em que V. Ex.ª interveio é em que não conseguiu furtar-se a dizer que havia vários pontos. positivos na Revisão Constitucional em relação à comunicação social. V. Ex.ª identificou várias coisas...

O Sr. José Magalhães (PCP):- Identifiquei!

atrasado, veio vez, é natural

O Orador: - ... que eu não vou agora dizer porque certamente no artigo seguinte vamos aqui ter oportunidade de o fazer, mas disse uma coisa que também não corresponde inteiramente à verdade. Repare que o Sr. Deputado disse o seguinte: os pareceres do Conselho de Imprensa foram totalmente esquecidos. 15so é verdade, Sr. Deputado, e não é verdade logo porque, por exemplo, o jornalista Adelino Cardoso, nesse debate, citou que um contributo do Conselho de imprensa, entre outros, adoptado na Revisão Constitucional foi justamente a parte referente á alta autoridade para a comunicação social. Veja bem V. Ex.ª como se esqueceu deste pormenor importantíssimo! V. Ex.ª esqueceu-se que um contributo importante do Conselho de Imprensa acabou por ser perfeitamente admitido!
Agora, o que é evidente, Sr. Deputado, é que nós, enquanto constituintes, não somos obrigados a aceitar todos os. pareceres do Conselho de Imprensa, como de quaisquer outros órgãos! V. Ex.ª com certeza terá a bondade de aceitar que nós possamos escolher, que possamos fazer o nosso juízo político, o nosso juízo de oportunidade de revisão do texto constitucional, da sua perfeição, e ter oportunidade de escolher entre aquilo que nos parece aceitável e aquilo que não nos parece aceitável, mesmo que seja muito aquilo que não seja aceitável e que seja pouco aquilo que seja aceitável.
Mas V. Ex.ª tem razão numa coisa e com isso termino: V. Ex.ª disse que parece que estamos num paraíso. Não estaremos,. Sr. Deputado, mas com esta Revisão Constitucional e com o seu contributo para ela, com certeza que vamos estar, de facto, num paraíso, em relação à comunicação social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é para rir, é a chamada piada interna!

O. Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs'. Deputados: Estamos centrados numa matéria, temos consciência disso, que é seguramente dos elementos mais estruturantes do Estado de direito democrático e por isso não admirará toda a atenção que converge sobre a solução constitucional em matéria de consagração, não apenas dos domínios da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, mas também das respectivas garantias.
Tal como, em 1976, aquando da Assembleia Constituinte, tal como na primeira Revisão Constitucional, este é certamente um dos, pontos, por isso mesmo, mais nevrálgicos do processo de Revisão Constitucional e não enjeitamos, portanto, as preocupações, também nossas, relativamente ao modelo que decorrerá desta Revisão Constitucional.
Porque estamos centrados na apreciação do artigo 38.º e é sobre ele que agora cuidamos de fazer algumas reflexões, importa distinguir, no âmbito deste artigo, aquela, parte que se refere à consagração da liberdade de imprensa e aquela parte que se refere à consagração, no âmbito da liberdade de imprensa, da liberdade de constituição de meios de comunicação social.
Começo pelo primeiro aspecto, ou seja, pelo conteúdo da liberdade de imprensa. Na versão actualmente em vigor, no artigo 38.º, essa liberdade de imprensa

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consagra o direito dos jornalistas designadamente à intervenção na orientação ideológica dos órgãos de informação. Todavia, este direito era limitado, no que diz respeito aos órgãos de informação pertences ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas.
Aqui gostaria de sublinhai duas alterações que me parecem significativas: a primeira é a de que se deixará de falar em orientação ideológica para se consagrar o conceito de orientação editorial. Isto parece-nos melhor dado que o que efectivamente está em causa, ao nível da liberdade de expressão, é a possibilidade de participação justamente na orientação editorial dos órgãos de comunicação social, independentemente da respectiva matriz ideológica. E sendo assim preferível é que a Constituição, no futuro, as trate desta maneira.
Todavia, e este é o primeiro ponto que me parece merecer, neste momento e neste debate, a atenção da Câmara, justamente porque vamos consagrar o princípio da liberdade dos jornalistas na orientação editorial, convinha que meditássemos sobre se ainda fará sentido restringir essa liberdade de participação na orientação editorial no domínio dos órgãos públicos de comunicação social. Se o fizermos, continuaremos a ter uma dualidade de modelos, nos termos da qual o estatuto dos jornalistas será um se eles trabalharem em órgãos de comunicação social do sector privado e o estatuto dos jornalistas será outro, e diminuído, se eles trabalharem em órgãos de comunicação social estatizados.
Ora, esta dualidade quanto aos direitos fundamentais dos jornalistas, do ponto de vista do Partido Socialista, não faz mais sentido. E porque não faz mais sentido é que, durante os trabalhos da CERC, apresentámos uma proposta para a eliminação da limitação desses direitos no âmbito dos órgãos estatizados de comunicação social. Essa nossa proposta não fez, na oportunidade, vencimento, o PSD votou contra ela, mas por nos parecer que esta questão continua a merecer ou a dever merecer toda a ponderação, anunciamos à Câmara que nela vamos insistir, apresentando, portanto, uma proposta que permita suprimir a limitação aos direitos dos jornalistas quanto à sua capacidade de participação na orientação editorial, no âmbito dos órgãos de comunicação social do sector público. Este é o primeiro aspecto para o qual chamo a atenção dos Srs. Deputados.
O segundo aspecto que pretendemos focar é o seguinte: a nosso ver não faria grande sentido, face também a algumas contradições práticas que o modelo permitiu suscitar, que estes direitos dos jornalistas estivessem limitados, noutros casos, não em função da natureza ideológica ou doutrinária dos órgãos de comunicação social, mas simplesmente em função da titularidade desses mesmos órgãos. Quer dizer, o que limitava os direitos dos jornalistas era a circunstância de quem era proprietário desses órgãos de informação e não a própria natureza dos órgãos de informação. E como a Constituição dizia que só tinham a prerrogativa, para estabelecer os limites, os partidos políticos e as confissões religiosas, o modelo, na sua contradição prática, permitia que, por exemplo, um partido político, pelo facto de o ser e relativamente aos seus jornais partidários, pudesse limitar os direitos dos jornalistas, mas que um sindicato, que tivesse também um órgão de informação ao serviço da sua respectiva função social, já não tivesse a mesma prorrogativa. É uma contradição prática do modelo, a nosso ver é uma contradição insustentável e por isso propusemos e por isso nos congratulamos com a possibilidade de ser aceite a conversão para a natureza doutrinária ou confissional dos órgãos de comunicação social.
Por outro lado, lamentamos, e este já é um aspecto diferente, que não pudesse ter sido confirmada na CERC a proposta do Partido Socialista de desenvolvimento dos direitos dos jornalistas em matéria de conselhos de redacção.
Supomos que os conselhos de redacção são uma instituição fundamental de garantia dos direitos de participação dos jornalistas. Ao contrário do PSD, que no seu projecto originário visava pura e simplesmente desconstitucionalizar a garantia dos jornalistas à eleição dos respectivos conselhos de redacção, ao contrário disso, o Partido Socialista propôs que esses conselhos de redacção vissem a consagração constitucional de algumas das suas atribuições, designadamente a da elaboração de parecer prévio e como natureza vinculativa relativamente à nomeação dos directores dos jornais em que esses mesmos jornalistas trabalhassem. Esta nossa proposta não foi aceite; todavia, subsiste no plano constitucional o essencial e o essencial é que se mantém a consagração constitucional do direito dos jornalistas a elegerem conselhos de redacção e, do nosso ponto de vista, este é também um aspecto de garantia essencial no domínio da liberdade de imprensa.
Gostaria, Srs. Deputados, de passar agora a chamar a vossa atenção para o outro aspecto de toda esta problemática, ou seja, aquela que se refere à liberdade de constituição de meios de comunicação social.
Acerca disso devo dizer, desde logo, que se passou a garantir o princípio da especialidade quanto à constituição de empresas titulares de órgãos de informação geral, o que, a nosso ver, é importante na medida em que, para o futuro, esta norma vai permitir um regime de maior transparência quanto à divulgação da titularidade e dos meios de financiamento desses mesmos órgãos de comunicação social, não já como a Constituição agora refere - apenas a imprensa periódica - mas, em geral, de todos os órgãos de comunicação social.
Portanto, os órgãos de comunicação social, quer no domínio da imprensa escrita, quer no domínio do audiovisual, ficarão vinculados ao dever de divulgação pública da respectiva titularidade e dos respectivos meios de financiamento e esta é também, a nosso ver, uma inovação constitucional seguramente positiva.
Quanto à liberdade em concreto de constituição de meios de comunicação social, ela mantém-se, como não poderia deixar de ser, totalmente aberta no que diz respeito ao domínio da imprensa escrita. Questão diferente se coloca, como todos sabemos, no domínio das estações emissoras de radiodifusão e de radiotelevisão, já que a constituição de estações em concreto depende da possibilidade de acesso a um espectro público, que é, por natureza, um espectro limitado e, por isso, tem de ser devidamente regulamentado, nos termos legais. Por isso mesmo, a grande questão, uma das grandes questões desta Revisão Constitucional, era a de saber se, sim ou não, iria ser aberta a limitação constitucional à possibilidade de iniciativa privada no acesso às estações de radiotelevisão. A questão da abertura da televisão à iniciativa privada era, com efeito, uma questão central na revisão deste artigo da Constituição.
E não hesitámos, Sr. Presidente e Srs. Deputados! Não hesitámos porque é nossa concepção que uma sociedade democrática - por natureza, aberta; por

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natureza, complexa; por natureza, livre - tem tudo a ganhar com a possibilidade da pluralidade de .meios de comunicação social no seu seio. Portanto, a possibilidade da constituição futura de novos canais de televisão em Portugal é, por si só, uma contribuição positiva para a sociedade aberta, livre e pluralista, à qual aderimos, não apenas em discurso retórico, mas em verdadeira adesão cultural e adesão política. Nisto nós separa a nossa posição daquelas outras posições que, afinal de contas, acusando o PS de algumas. cedências (a seu tempo, iremos ver essa matéria mais em pormenor), o que escondem, no essencial, é o temor da abertura da televisão à iniciativa privada. Pela nossa parte, não temos esse temor e, portanto, congratulamo-nos em que, doravante, essa possibilidade fique alcançada através desta Revisão Constitucional.
Mas, simultaneamente, enquanto por um lado se vai permitir, no plano constitucional, esse acesso, por outro lado registamos outra inovação no plano constitucional, qual seja a de que o Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio. e de televisão.
Esta é também, Sr. Deputados, uma inovação constitucional, na medida em que não estava, em nenhum ponto da Constituição, estabelecida qualquer garantia quanto à existência de um qualquer tipo de sector público de comunicação social, fosse no domínio do audiovisual ou no domínio da imprensa escrita.
Sabe-se que, no seu projecto inicial, o PS admitia que o princípio do serviço político abrangesse também alguns, órgãos escritos de comunicação social e sabe-se igualmente que não obtivemos vencimento para esse nosso ponto de vista; de qualquer modo, vale a pena registar que fica, como inovação positiva no nosso ordenamento constitucional, o princípio da existência de um serviço público de rádio e de televisão, garantia essa que não existia na ordem constitucional actualmente em curso de revisão.
Trata-se, nesta matéria de ponderar, também aqui, as várias implicações que ela contém e nesse sentido, tal como tomei a iniciativa de informar a Câmara de que apresentámos uma proposta relativamente ao n.º 2 do artigo 38.º (como, há pouco, expliquei), trata-se, também agora, de informar a Câmara de que iremos apresentar uma proposta, relativamente , ao n.º 5 do texto oriundo da CERC.
Diz-se no texto da CERC que «o Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e televisão, o qual (... )» e nós propomos que se acrescente «será utilizado de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração (...)» - dispenso-me de ler o resto deste articulado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, qual é o aditamento?

O Orador: - A questão, que serve de fundamento à proposta que anunciei à Câmara é a de termos verificado que as regras gerais de salvaguarda da independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, obviamente, devem contemplar o serviço público que a Constituição vai consagrar.
Mas, para além disso, sendo de admitir a faculdade, por parte do Estado e demais entidades públicas, de acesso à titularidade de outros órgãos de informação, sempre que estes existam no âmbito da titularidade pública, ainda que para além do serviço público exigido nos termos da Constituição, faz sentido que as mesmas regras de salvaguarda da independência se mantenham, mesmo para essa parte restante do sector público de comunicação social. E como faz sentido, do que se trata, então, é de fazer uma adequação do articulado, garantindo que os meios de comunicação social do sector público todos eles, quer os do serviço público, que a Constituição consagra, quer eventualmente outros obedeçam aos requisitos, ou seja, serão utilizados de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos. Está, portanto, aqui explicada a razão de ser e o fundamento para esta nossa segunda proposta, que iremos apresentar na Mesa.
Gostaria, finalmente, de chamar a atenção dos Srs. Deputados para um outro aspecto:. vai manter-se, nos termos da proposta oriunda da CERC, o actual n.º 8 do artigo 38.º, o qual, como se sabe, é o que se refere às estações emissoras de radiodifusão e consagra o princípio de que. estas só podem funcionar mediante licença a conferir nos termos da lei. Ora, os Srs. Deputados que já tiveram o cuidado (e muitos foram) de fazer o cotejo entre o articulado dos artigos 38.º e 39.º-perceberam que, nesta parte, o modelo, em matéria de estações emissoras de radiodifusão, será idêntico, neste ponto; àquilo que virá a ser consagrado para as estações emissoras de radiotelevisão, as quais, obviamente, como resulta do artigo 39.º, também só vão poder funcionar mediante licença a conferir nos termos da lei. Se assim é, então temos de harmonizar o texto constitucional e integrar no n.º 8 do artigo 38.º o princípio de que as estações emissoras são as de radiodifusão e serão também as de radiotelevisão e é essa a»última proposta que, a propósito do artigo 38.º, apresentarei na Mesa.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço escusa pelo eventual excesso didáctico desta minha. intervenção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Didáctico?!

Risos.

O Orador: - Penso, todavia, que ele se justificava, relativamente a alguns nervosismos de algumas bancadas, e espero, portanto, que possa ter contribuído para diminuir a intensidade desse nervosismo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos:

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, está nervoso o Sindicato- dos Jornalistas, está nervoso o Conselho de Comunicação Social, está nervoso o Conselho de Imprensa, estão nervosos os jornalistas - conforme o demonstraram em recente reunião que tivemos numa sala desta Casa estão nervosos vários deputados do PS.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Excepto o Sr. Deputado Jorge Lacão, claro! ...

O Orador: - Sim, excepto o Sr. Deputado Jorge Lacão, que está felicíssimo com o acordo, e o PSD, que, infelizmente, também não está nervoso.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - O que é muito curioso!

O Orador: - Aliás, se o Sr. Deputado Jorge Lacão tivesse ouvido a intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação, há pouco, saberia que ele concluiu com o seguinte: no essencial, o que a CERC veio a consagrar foi o que o PSD já havia proposto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não foi isso! Eu não disse isso.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não disse, mas pensou!

O Orador: - Sr. Deputado, Carlos Encarnação, veremos depois a gravação.

Sr. Deputado Jorge Lacão, não quero confrontar a sua autoridade com a do Professor Jorge Miranda; porém, é o Professor Jorge Miranda que, hoje, em artigo publicado no «Diário de Notícias», diz o seguinte:
A revisão claudica em dois domínios essenciais da comunicação social; o primeiro, quando deixa de garantir a existência de um sector público de imprensa escrita e quando extingue o Conselho de Comunicação Social e cria uma Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Professor Jorge Miranda também está nervoso!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Vou continuar a citar:
Apesar de ter a dimensão reduzida, a imprensa escrita pública tem sido, desde 1976, um espaço de liberdade e de rigor jornalístico que não deveria perder-se e, apesar da escassez dos seus poderes, o Conselho de Comunicação Social tem-se imposta pela sua independência ao serviço da democracia pluralista.
Creio que também o Professor Jorge Miranda estará nervoso, como estava nervoso o seu colega António Vitorino quando, em 25 de Maio, dizia na CERC o seguinte: encaramos o sector de comunicação social numa perspectiva consensual. Temos que ver se entendemos, por outro lado, que nesta matéria deve vigorar a lei da selva e, portanto, cada maioria fará aquilo que muito bem entender, designadamente desfazendo e refazendo constantemente, sem segurança nem estabilidade». Apontava o Sr. Deputado António Vitorino, creio eu que, na altura, com alguns cuidados, para que a legislação relativa à comunicação social devesse merecer aprovação desta casa por uma maioria qualificada de dois terços.
Passaria agora a algumas questões sem concreto que quero colocar ao Sr. Deputado Jorge Lacão. V. Ex.ª fez uma intervenção interessante mas, do meu ponto de vista, tenta esconder um elefante com uma pétala de rosa; ou seja, fala de algumas coisas positivas, que são pétalas de rosa, mas esquece-se que, nesta sala, há um enormíssimo elefante que se chama a «governamentalização total da comunicação social pelo PSD». Sobre isso, o Sr. Deputado Jorge Lacão não diz nada! Não diz nada sobre o facto de poder ser a maioria do PSD, para o futuro, a definir as regras de atribuição de canais privados de televisão!
O Sr. Deputado Jorge Lacão, em relação à radiodifusão, protesta contra o que o PSD está a fazer neste momento. Bom, e então, na Constituição, vamos dar-lhe esse direito? Creio que as vossas posições originais eram bem diferentes. Lendo, por exemplo, a intervenção que o secretário-geral do seu partido fez, há dias, em Santarém - creio que o Sr. Deputado Jorge Lacão até estava presente - e depois de o ouvir, penso que devem estar em dois partidos diferentes ou que na altura de o Dr. Jorge Sampaio e o PS estava na oposição e agora está em união com o PSD.
Dizia o Dr. Jorge Sampaio: «começam a aparecer elementos de falta de transparência democrática e de receios de manifestar uma opinião»; e continuava: «chegou a hora de dizer definitivamente não à arrogância, não à degradação progressiva das condições de vida, não ao descrédito das instituições, não à intolerância, à incompetência e ao autoritarismo». Mas, em sede de Revisão Constitucional, o PS não diz não, diz sim! Ou seja, diz ao PSD: «façam com a comunicação social aquilo que muito bem entenderem, meus senhores, designadamente em matéria de rádio e televisão».
Sr. Deputado Jorge Lacão, são estas as questões que eu gostaria de ver esclarecidas pela sua parte.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª veio a Plenário apresentar propostas que, de algum modo, vêm repor o projecto originário do PS e com as quais nós concordamos, obviamente, porque, de um modo geral, coincidem também com o projecto do PRD, na forma em que ele foi apresentado. Ao mesmo tempo, esta afirmação é, desde já uma demonstração de disponibilidade para, da nossa parte, aprovar as propostas que foram apresentadas pelo PS nesse sentido, posto que elas coincidem com a nossa maneira de encarar esta questão, mas é também um pedido de esclarecimento relativamente ao facto de o Sr. Deputado Jorge Lacão não ter conseguido atingir, em comissão, estes consensos ou estes objectivos que estão consagrados nas propostas que agora apresenta e vir finalmente, pela última vez apresentá-las em Plenário.
De algum modo, Sr. Deputado - isto pode ser mal interpretado ou considerado uma interpretação abusiva -, penso que isto corresponde a uma necessidade que o seu partido e V. Ex.ª em especial, tem, de vir a Plenário e, frente aos órgãos de comunicação social e aos deputados que aqui estão presentes, reafirmar que o vosso projecto originário até era bom. Nesse sentido, vem dizer que as propostas que agora apresenta faziam parte do vosso projecto originário, mas a verdade é que aquilo que está indiciado com votação de dois terços não é o vosso projecto originário, é um projecto que vem da CERC, com o qual nós não concordamos e queremos deixar isto bem claro.
Gostaria ainda de lhe chamar a atenção para uma afirmação que V. Ex.ª fez, que penso que se referia directamente ao PCP mas, de algum modo, poderia atingir-nos a nós também.
O Sr. Deputado afirmou, a dado passo da sua intervenção, que os partidos que não concordam com esta opção indiciada na CERC, no fundo, não concordam

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com ela porque têm medo da abertura à iniciativa privada da televisão. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que nós não concordamos com as propostas que vêm
da CERC mas temos um projecto que claramente indicia que nós concordamos com a abertura à iniciativa privada da televisão ou de canais de televisão. Portanto,
esse argumento para nós não colhe; nós não concordamos com as propostas indiciadas por outros motivos e quando se discutir o artigo 39.º V. Ex.ª vai saber da nossa parte quais são os motivos por que concordamos, que não têm nada a ver com medos relativamente à iniciativa privada dado que, quanto a isso,
o PRD é muito claro no projecto que apresentou,,
Esta última parte não era uma pergunta de esclarecimento, era antes um esclarecimento à Câmara, caso houvesse algum as dúvidas relativamente a essa matéria.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Jorge Lacão, são conhecidas e, públicas as enormes chagas purulentas que. este acordo tem em matéria de comunicação social. Todos as vêm, mas alguns; como o Sr. Deputado aqui tentou fazer, querem tapá-las com pensos rápidos V. Ex.ª trouxe aqui dois pensos rápidos para tapar essas chagas, duas propostas de última hora que visariam, em seu entender, melhorar substancialmente ou retirar desta parte todo odioso que
tem vindo a ser analisado, quer pela comunicação social, quer pelo Conselho de Imprensa, quer por outros órgãos que diariamente lidam com estás coisas
da comunicação social.
Quanto a isto, Sr. Deputado Jorge Lacão, queria dizer-lhe que, se estamos todos de acordo, penso eu, em que o Estado deve assegurar o pluralismo, a isenção, a idoneidade, a responsabilidade dá informação, já não estaremos muito de acordo com os mecanismos com que o Sr. Deputado quer dotar o Estado, para que
ele possa exercer essa sua missão. Não me pronunciaria muito mais sobre esta matéria, porque ela vai ser tratada quando se discutir o artigo seguinte.
Ni verdade, o Sr. Deputado entende que o Estado deve assegurar a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão, mas depois
«corta as mãos» ao Estado, ou seja, põe umas mãos coloridas - conjunturalmente, como é sabido - ao Estado.
Mas a questão que gostaria de colocar-lhe, Sr. Deputado Jorge Lacão, é no sentido de saber se, quanto ao licenciamento da televisão, V. Ex.ª, eventualmente, se inspirou na nossa proposta que diz que para o licenciamento das estações de televisão se deve seguir o mesmo processo usado para o licenciamento de rádios.
De facto, a nossa proposta diz isto exactamente e folgo que se tenha inspirado neta. Por outro lado, lamento que para o outro «penso rápido» V. Ex. º não se tenha também inspirado na nossa proposta, que também diz que o Estado; para além de garantir a isenção da informação do serviço público de rádio e de televisão deve garantir que esse serviço cubra todo o território nacional.
Assim, aproveito esta oportunidade não só para lhe perguntar se não está de acordo com esta ideia, ou seja, se não está de acordo que é uma obrigação do Estado assegurar que esse serviço cubra todo o território nacional, como também para, mais uma vez, lamentar que no dia 1 de Abril; já passado; a televisão tenha anunciado que iria, finalmente, abrir um retransmissor em Trás-os-Montes, para que os transmontanos pudessem finalmente pagar a taxa por um serviço que é recebido. Mas como era dia 1 de Abril, provavelmente por isso, o retransmissor que há trinta e três anos está prometido voltou a não abrir.
Portanto, um Estado que não assegura que a televisão cubra todo o território nacional, é um Estado que não está a cumprir as suas obrigações mínimas.
Assim, para além da denúncia que quero aqui deixar, quanto ao facto de uma grande parte da população transmontana se ver obrigada a receber a informação via Espanha, com todas as consequências culturais que isso tem, gostaria ainda de saber se o Sr. Deputado entende ou não que é também missão do Estado assegurar que o serviço público de rádio e de televisão cubra, efectivamente, todo o território nacional...

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado,. Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de lhe colocar algumas questões: Em primeiro lugar, parece que o acordo relativo a esta matéria sobre a comunicação social não está, propriamente, no paraíso, como desejava o Sr. Deputado do PSD, Carlos Encarnação, mas está ainda no purgatório. Vamos ver quem é que vai arcar com as culpas todas!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença que o, interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Não dou, não Sr. Deputado! Tem, de me deixar falar primeiro, pois ainda não falei. Porque é que me quer interromper, se ainda não disse nada?! Só falei do purgatório e do paraíso!

Risos gerais.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não falou no inferno!

O Orador; - Ou o Sr. Deputado já não acredita no purgatório?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Basta ouvi-lo, Sr. Deputado, para acreditar!

O Orador: - O Sr. Deputado dá o salto directo para o paraíso!

Risos do CDS, do PS, do PCP e de Os Verdes.

Em segundo lugar; foi aqui exposta uma teoria sobre a Revisão Constitucional e o Sr. Deputado Carlos Encarnação disse que, uma vez que o PSD e o PS chegaram a um suposto acordo, - vejo agora que não chegaram a acordo nenhum, e o Sr. Deputado, na

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pequena intervenção que agora vai fazer, até vai dizer que adere ao acordo, pois o acordo sobre a comunicação social foi estabelecido entre as várias linhas do PS - os pequenos partidos, ou seja, aqueles que estão fora dos dois terços ou acompanham o processo, isto é, adoptam passo deste acordo ou aderem ao acordo. Ou seja, para o Sr. Deputado Carlos Encarnação a Revisão Constitucional é nós seguirmos a passada do PSD ou aderirmos ao acordo.
O CDS não vai fazer uma ou outra coisa. Nem marcamos o passo, ao tambor do faz o PSD, nem estamos de passo atrás, como faz o PS e o Sr. Deputado Jorge Lacão nesta proposta que apresentou, nem aderimos ao acordo. Para nós, neste ponto, o acordo, é mau.
Com efeito, vem agora o Sr. Deputado Jorge Lacão - e na intervenção que pretendo fazer vou referir-me a este artigo, que é fundamental, como já disse - querer meter por uma janela o que expulsou pela porta.
Na verdade, o Sr. Deputado diz assim: «agora vamos alterar o n.º 5, porque o Estado deve assegurar a existência e o funcionamento de um serviço de rádio e de televisão», mas não é só para estes meios, mas também para os jornais e à imprensa pública, isto é, se houver a imprensa pública - pois, por enquanto, tudo são sés - também se aplicará este n.º 5.
Deste modo, pergunto: pensa o PS nacionalizar ou fundar mais empresas jornalísticas, de modo a constituir, depois desta revisão, um sector público de imprensa escrita? Era bom que se ficasse, desde já, a saber se têm em mente renacionalizar ou manter determinados jornais depois da privatização os actuais jornais do sector público privados ou se vão criar um novo sector público de imprensa escrita.
Em meu entender, ou o Sr. Deputado Jorge Lacão pretende, exactamente isto, ou, então, pretende tapar buracos e vem dizer: «Não, nós somos Partido Socialista, somos também por um sector público de jornais não vamos fechar a porta...» Mas já fecharam, porque dizem que não haverá jornais estatizados. É uma contradição grave, que é preciso ficar bem clara.
Além disso, lembraram-se agora de que no n.º 8 não se referia a televisão e só se falava em rádios. A propósito, pergunto - e depois havemos de ver quanto à alta autoridade: vai também o licenciamento da televisão seguir os mesmos moldes que foram usados para a rádio, isto é, o PSD vai ter todas as estações de televisão para si, como agora o PS se queixa e apresenta recursos para dizer que afinal não foi cumprida a lei de licenciamento de rádio? Vai fazer o mesmo erro que praticou quanto ao licenciamento das rádios?

O Sr. António Vitorino (PS): - E o projecto do CDS?

O Orador: - Quanto ao projecto do CDS, ele teve guarida nos três primeiros números da proposta da CERC. Quanto à própria linguagem dos n.ºs 1, 2 e 3, está aí a proposta do CDS chapada. Foi uma grande vitória do CDS, que conseguiu ver acolhida a sua proposta até ao n.º 4. Mas quando o Sr. Deputado Jorge Lacão começou a falar do n.º 5 estragou tudo!

Risos do PS.

Neste sentido, gostaria de saber o que é que é este sector público da imprensa escrita, e se o licenciamento de estações de televisão será igual ao licenciamento das rádios. Por que é que só agora, depois do acordo, o PS se lembrou de um novo sector público na imprensa escrita?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, compreendo que V. Ex.ª tenha feito um enorme esforço para ser um bom pedagogo, mas nem o melhor pedagogo consegue explicar uma peça e uma obra má, pelo que V. Ex.ª soçobrou.

Com efeito, V. Ex.ª poderia ser um eminente Sérgio, mas, fatalmente, teria de soçobrar.
No entanto, devo dizer que, neste caso, isso nos contrista particularmente, pois gostaria de estar aqui a dizer precisamente o contrário. Na verdade, o sorriso enorme do Sr. Deputado Carlos Encarnação, da Sr.ª Deputada Assunção Esteves e de todos os outros Srs. Deputados da bancada do PSD, mesmo os que estão ausentes, porque não têm paciência para aturar estes debates, obrigam-nos a dizer o contrário. E ainda mais, Sr. Deputado, as suas razões também a isso nos obrigam. É que V. Ex.ª acabou de fazer aqui uma desvalorização gravíssima do quadro constitucional. Isto é, VV. Ex.ªs no fundo, dizem: «bein, qualquer maioria podia destruir o sector público, não há garantia alguma.» É falso, Sr. Deputado!
Com efeito, o meu camarada Jorge Lemos já teve ocasião de citar a opinião do Sr. Professor Jorge Miranda sobre essa matéria, mas, como sabe, há outros constitucionalistas que têm opinião diferente. Em todo o caso, o que nos choca, particularmente, é que VV. Ex.ªs partam para a negociação do PSD com esse espírito e com essa argumentação, porque isso significa que partem rotos, sem armas, completamente de chancas, para negociarem com um PSD arrogante, intolerante, que, obviamente, quer consagrar as suas conquistas irreversíveis de governamentalização. Agora, percebe-se melhor, naturalmente, por que é que VV. Ex.ªs falharam nestas negociações!
Em segundo lugar, dizem: «bem, o Conselho de Comunicação Social também coitado... (alma minha gentil que partiste)... estava desvitalizado...» -, disseram na comissão - «que é que nós podíamos fazer, o sector público ia-se esvaindo, esvaindo e um belo dia o Conselho de Comunicação Social ficava sem atribuições e competências por falta de objecto. Face a isso que fazer se não substituí-lo por uma alta autoridade? Assim fizemos.» - dizem VV. Ex.ªs Mas é interessantíssimo que o Sr. Deputado não nos tenha aqui dito o que é que pensa sobre a alta autoridade, pelo que o desafio a que nos diga o que é que pensa sobre ela. Diga-nos se V. Ex.ª morre de paixões por essa alta autoridade.
Pelo seu ar, já percebi que esse folhetim é para o episódio seguinte. Mas, Sr. Deputado, não podemos abstrairmo-nos desse aspecto quando contemplamos o modelo dos audio visuais.
Em terceiro lugar, dizem: «rádios privadas, enfim, são uvas vindimadas. O Governo já distribuiu as frequências, já dividiu umas tantas para cá, outras tantas para lá» - mais para lá do PSD, é claro, do que para cá - «e, portanto, está feito, nada há a fazer».

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Como o PSD não é tolo, não ia na Revisão Constitucional abdicar dos ganhos que «rapinou» em sede de distribuição de frequências e, portanto, o PS não conseguiu. «Mas, também ninguém conseguia, nem Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, nem o ministro Silveira Godinho, nem alguém, portanto, nós também não conseguimos!»
Devo dizer que é uma postura de cedência, em que o Partido Socialista renunciou a travar uma boa luta para a defesa da liberdade de expressão em Portugal.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas dá para gritar aqui d'el rei!

O Orador: - Evidentemente, vai gritando aqui d'el-rei, aqui do que calha!

O Sr. António Vitorino (PS): - Não somos monárquicos!

O Orador: - Não são monárquicos, de facto!
Portanto, a postura do PS cria uma aparência de luta, onde há uma realidade de cedência.
No entanto, gostaria, sobretudo, de lhe perguntar alguma coisa que tem a ver com 1992 e com a abertura, porque V. Ex.ª incha o peito e diz: «Não, não, quem não quer esta solução é por que tem medo da abertura». Há muitas doenças, muitos medos, há o medo da vertigem, há a vertigem, há a tontura, há o enjoo e há o medo da abertura, segundo a classificação do Sr. Deputado Jorge Lacão. Assim, pergunto-lhe: face a 1992, um modelo como aquele que VV. Ex.ªs configuram, no qual o PSD, por «leis laranjas» sucessivas, define os contornos fundamentais da arquitectura constitucional, em matéria de TV, de rádio, de imprensa, tendo ordem para privatizar e destruir toda a imprensa pública, se quiser - e quer - é um modelo que vos inspira satisfação? E se, portanto, em vez de termos preocupações com uma tal abertura selvagem, devíamos era estar todos aqui de peito impante, inchados de optimismo, orgulho e satisfação. Não seríamos um bocado ingénuos e irresponsáveis? Pergunto ainda se, face aos problemas que decorrem do fenómeno da internacionalização, da necessidade de garantirmos a nossa própria identidade cultural no contexto europeu, a necessidade de garantirmos que não haja uma invasão e estrangeirização concreta e crescente dos nossos meios de comunicação social, V. Ex.ª entende que este modelo a que chegaram salvaguarda todos estes valores? O Conselho de Comunicação Social considera que não, o Conselho de Imprensa, considera que não, o Sindicato dos Jornalistas considera que não, os jornalistas exprimem preocupações, assim como deputados da sua bancada, nós exprimimos preocupações. Pergunto: estaremos todos errados, Sr. Deputado? E VV. Ex.ªs estão grávidos da verdade toda? Eu diria o contrário: VV. Ex.ªs estão a incorrer num gravíssimo erro e numa gravíssima cedência e estão surdos à sociedade civil de que se reclamam. Ora, é quebrar essa surdez que nós queríamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Jorge Lacão, apesar da sua intervenção, que V. Ex.ª classificou de ditáctica, não fiquei muito tranquilo, nem satisfeito. Com certeza que o PSD deve estar muito mais satisfeito do que todos nós nesta Câmara com as alterações que pretendem introduzir aos artigos relacionados com a comunicação social.
Como já há pouco declarei, é, exactamente, neste ano eleitoral que já se fazem sentir as ameaças do Governo sobre a comunicação social, no sentido de tentar evitar uma maior liberdade dos órgãos de comunicação, pretendo até actuar ainda mais em certos órgãos, como acontece com o sector de informação da Rádio-televisão portuguesa, onde, de uma maneira geral, se pretende a sua completa governamentalização.
Enquanto o Sr. Deputado Carlos Encarnação, há momentos, dizia: «então não está de acordo com a reportagem» - aliás, devo dizer que foi bem feita, digna de prémio jornalístico - «sobre o que se passou com a PSP há alguns dias atrás e que o Sr. Primeiro-Ministro classificou como pouco responsável».
Com efeito, é exactamente neste ano eleitoral que temos o Governo e o PSD a fazerem o licenciamento das rádios locais da maneira escandalosa a que assistimos e sabemos por quê.
Sr. Deputado Jorge Lacão, o Partido Socialista consagrava na sua proposta inicial algumas formulações que seria interessante ver adoptadas na Constituição, nomeadamente o n.º 3 do artigo 38.º, sobre os conselhos de redacção, que agora não estão inclusos no texto da CERC. Isto é, os conselhos de redacção com competência para se proncunciarem a título vinculativo sobre a designação dos directores dos órgãos de comunicação social e fiscalizarem o cumprimento dos estatutos editoriais.
Em face desta alteração, gostaria de saber, Sr. Deputado Jorge Lacão, - pois não percebi - se o Partido Socialista vai ou não manter este n.º 3 do artigo 38.º até à votação final, isto é, se entende ou não que, realmente, uma norma desta natureza deveria ficar consagrada na Constituição.
Relativamente ao n.º 6, o Partido Socialista apresentou uma proposta, onde consagrava: «O Estado assegura a existência de um sector público...» Na verdade, o Partido Socialista deixou cair claramente esta formulação, o que nos preocupa.
Agora, o Partido Socialista apresenta uma outra proposta de substituição ao n.º S do artigo 38.º, onde refere a determinada altura: «Os meios de comunicação social do sector público serão utilizados de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo...» Neste sentido, pergunto: qual é a posição do Partido Socialista em relação à proposta que a ID apresentou para o n.º 9 do artigo 38.º, que diz o seguinte: «Existe um Conselho de Imprensa com a composição e competência definidas por lei...» Deve ou não ser constitucionalizado o Conselho de Imprensa? Entende ou não o Sr. Deputado que seria útil ver - e há pouco fiz esta pergunta ao Sr. Deputado Carlos Encarnação e obtive uma resposta, rigorosamente, contra - constitucionalizado este órgão na Constituição?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho qualquer rebuço em reconhecer que não sou um bom pedagogo, mas, apesar de tudo, não me levem a mal que me congratule um pouco por ter conseguido prender a atenção da Câmara, como se denota no conjunto de pedidos de esclarecimento que me foram endereçados.
Em primeiro lugar, gostaria de chamar a atenção de todos os Srs. Deputados que me dirigiram perguntas que, para além dos termos de acordo, não se desistia - e o PS nunca desistiu - de procurar estender as áreas de consenso a todas as matérias objecto de Revisão Constitucional.
Sucede que o artigo 38.º, que estamos agora a debater, não foi objecto do acordo PS/PSD. Sucede que, para além disso, a versão que saiu da CERC obteve - e direi felizmente - aprovação, em muitos dos seus pontos, por unanimidade.
Portanto, isto significa que, apesar de alguma tempestade, que se pretende fazer insinuar sobre o modelo, à medida que o debate avança - e eu direi à medida que forem avançando as posições de voto dos grupos parlamentares - vai-se verificando que, depois do trovejar, virá a bonança, porque o modelo que vier a ficar estabilizado, vai ter não só o voto favorável do PS e do PSD, mas em alguns pontos, que reputo bastante importantes, também vai ter - e atrevo-me a adivinhar - o voto favorável do PCP.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, - e vou ao concreto das questões - quanto à referência que fez ao artigo da autoria do Sr. Professor Jorge Miranda, publicado hoje, gostaria de começar por sublinhar que nesse artigo está expressa uma posição que, no seu contexto, é favorável ao processo de revisão que está a ocorrer. Em concreto, no capítulo sobre o sector público da imprensa escrita, devo salientar que até os professores às vezes incorrem no vicio do lapso.
Portanto, não há problema algum em verificar que quando o Professor Jorge Miranda diz que se deixa de garantir a existência de um sector público na imprensa escrita, isso faria supor que ele, actualmente, estivesse garantido na Constituição. Como é necessário que façamos alguns argumentos de mérito, o que eu pretendia era que o Sr. Deputado Jorge Lemos retivesse que não há na Constituição que estamos agora a rever qualquer norma que obrigue à existência de um sector público de imprensa escrita.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, não se trata de deixar de garantir, porque essa garantia não estava estabelecida, ponto final.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente a outro ponto suscitado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, que referiu que eu teria avançado com várias pétalas de rosa...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a alta autoridade!

O Orador: - ... e, afinal de contas, elas apenas visavam - usando a terminologia do Sr. Deputado Jorge Lemos - esconder o elefante.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O elefante laranja!

O Orador: - Com efeito, estive à procura no articulado de quais seriam as pétalas de rosa e de qual seria o elefante e, obviamente, que percebi. De resto, é facílimo de perceber: pétalas de rosa é o conjunto normativo do artigo 38.º, à excepção daquela parte considerada elefante para o PCP, que é a abertura da televisão à iniciativa privada, ponto final também neste ponto.

Vozes do PCP: - Ponto final?!

O Orador: - Se não querem que seja ponto final, podemos ainda insistir neste ponto.
Os Srs. Deputados do PCP estão a transformar-se nos grandes defensores do monopólio estatal da televisão, ou seja, no grande instrumento do Estado «laranja» ao serviço desta maioria. Mas essa é a vossa responsabilidade política nesta Revisão Constitucional!
A Sr.ª Deputada Isabel Espada sublinhou os motivos de convergência relativamente às propostas que eu tinha anunciado já no decurso deste debate. Por um lado, congratulou-se com elas, o que evidentemente também me faz congratular a mim. Por outro lado, pergunta-me se isso não corresponderia a uma necessidade de o PS demonstrar em Plenário que seria necessário recolocar aqui o seu projecto originário.
Sr.ª Deputada Isabel Espada, sou uma pessoa de boa-fé e estou em crer que as propostas apresentadas aqui no decurso do Plenário, e pela forma como elas fora justificadas, vão merecer o voto favorável da maioria da Câmara e, porventura, da maioria qualificado suficiente para poderem ser integradas na versão final do artigo 38.º Se assim for, do que se trata não é de saber qual teria sido a motivação do Partido Socialista relativamente à imagem de si próprio, mas de saber se esse conteúdo novo é substantivamente positivo no ordenamento constitucional. Se o for, então, valeu a pena que a proposta tivesse sido apresentada.
Sr. Deputado Herculano Pombo, V. Ex.ª acusou-me de ter avançado (na sua terminologia) com dois pensos rápidos. Como avancei com três propostas fiquei sem saber qual era o penso lento de entre elas.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É o cataplasma!

O Orador: - De facto, o Sr. Deputado Herculano Pombo não me explicou muito bem, e eu fiquei sem saber, se estava ou não de acordo a que se levantasse a limitação aos direitos dos jornalistas no âmbito dos órgãos de comunicação social do sector público. Curiosamente o PCP também não me disse qual o seu ponto de vista acerca deste aspecto. Ora, seria interessante saber - e espero que o PCP tenha ocasião de explicitar o modelo - se o PCP, tal como o Sr. Deputado Herculano Pombo, é ou não é favorável a que se levante a limitação ao pleno exercício dos direitos fundamentais dos jornalistas, mesmo nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado. E esse esforço que estamos aqui a fazer e eu desejaria muito que, em vez de estarem a fazer algumas rábulas, investissem a vossa energia em sublinhar os efeitos positivos desta proposta, para que ela possa ser sublinhada e votada favoravelmente.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Vire essa observação para o PSD!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sim; sim.

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, se isto é um penso rápido ainda bem que ele veio a tempo e horas.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à outra proposta que formulei, ela visa consagrar que o principio da independência dos órgãos pertencentes ao domínio público ou integrados nele, deve ser salvaguardado relativamente ao futuro serviço público de televisão e de rádio, mas também - e com isto posso responder, igualmente ao Sr. Deputado Narana Coissoró aos demais órgãos de comunicação social que eventualmente existam nó domínio do sector público.
O Sr. Deputado Narana Coissoró pergunta-se isso não significará da parte do Partido Socialista uma contradição e se não esconderá um propósito oculto de o PS vir no futuro a fazer nacionalizações nesta matéria. O que me ocorreria era responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró com a mesma posição do CDS, inclusa rio seu próprio projecto de Revisão Constitucional, relativamente a este mesmo ponto. Se não me leva a mal tomo a liberdade de o citar, porque diz o seguinte: «Os órgãos de comunicação, social pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas; ou á entidades directa ou indirectamente sujeitos ao seu controlo económico são utilizados de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo (...)».

O Sr. António- Vitorino (PS): - É a mesma coisa!

O Orador: - 15to significa que ó que o CDS propunha no seu projecto originário é exactamente o mesmo que o PS pretende consagrar nesta versão. Não vou perguntar ao Sr. Deputado Narana Coissoró se, isto corresponde a uma vontade oculta do CDS de ir a fazer no futuro nacionalizações no domínio da comunicação social.
De facto, á questão, desculpar-me-á; não fez grande sentido, porque afinal de contas do que se trata é de em primeiro lugar, afirmar um princípio com- consagração constitucional. Qual é ele? O de que deve existir um serviço de televisão e de rádio.
Em segundo lugar, admitindo que por circunstâncias várias, e muitas podem ser, subsistais outros órgãos de comunicação social no sector público também a eles
se deve aplicar a regra da garantia da independência relativamente aos órgãos do poder político, maxime relativamente ao Governo. Ora, como este é o projecto
do CDS neste ponto temos que estar substancialmente de acordo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr.. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. António Vitorino (PS): - É o que o CDS propõe.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito já teve oportunidade de esclarecer isso quando se discutiu o artigo 14. º. Não é por força da aprovação da Revisão Constitucional que os meios de comunicação social passam imediatamente w privados. Há-de decorrer um tempo em que se faz a privatização. Tanto a televisão como a rádio ou os jornais vão passar. eventualmente a ser privados decorrido que seja algum tempo da Revisão Constitucional, e com base nela. Durante o tempo que medeia entre a entrada em vigor do novo texto constitucional e a privatização efectiva é necessário garantir a independência de todos os meios que nesta transição continuam nas mãos do sector público.
Ora, se é este o vosso pensamento então é melhor que ele fique exarado em acta. Se os senhores aderem à posição do CDS, que foi expressa pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito e que era a única possível do ponto de vista do meu partido; então muitíssimo obrigado. É mais um ponto a favor do CDS.
No entanto, que fique bem claro que é no regime de transição que o PS pretende essa independência dos meios de comunicação social, seja da rádio, seja da televisão ou da imprensa escrita. Se é isso então estamos de acordo.

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, não sei se serei sempre capaz de o fazer, mas pretendo ser rigoroso nas minhas afirmações. Do que se trata não é do Partido Socialista aderir às posições do CDS. Do que se trata é de notarmos uma convergência de entendimento relativamente a este ponto, nomeadamente sobre sabei se o - futuro vai- manter consolidado no sector público alguma parte significativa de órgãos de comunicação social ou se em função do eventual, processo de privatização eles vão passar todos para o sector privado. Em todo `o caso, esta é uma questão diferente porque já não se coloca no âmbito da discussão sobre á Revisão Constitucional, mas sobre as medidas de política que um Governo decidirá ou não tomar em função do critério que ele próprio assiste nessa matéria.
Portanto, não estou aqui agora a discutir a bondade ou, prejuízo de um vasto sector público da comunicação, social. Estou apenas a procurar que se consagre o principio de que sempre que existam órgãos de comunicação social dependentes do sector público também a eles se deve aplicar a regra geral do principio da independência. Penso que isso é uma salvaguarda à volta da qual todos deveremos e poderemos estar de acordo.

Sr. Deputado José Magalhães, quanto ao esforço do pedagogo estamos entendidos. 0 esforço será possivelmente muito, mas o resultado poderá não ser grande
coisa.
Quanto à desvalorização do quadro constitucional, o Sr. Deputado; José Magalhães terá certamente condições; e, oportunidade para fazer, uma intervenção, explicando-nos o que quis dizer com a imputação ao PS da desvalorização do quadro constitucional. Como estou em crer que a maioria do normativo do artigo 38.º também vai ser votado favoravelmente pelo PCP, então, não compreendo muito bem onde é que está no âmbito do artigo 38. º e é isso que estamos a discutir neste momento a desvalorização do quadro constitucional.
Portanto, não em função das suas palavras mas em função dos seus actos; talvez acabemos por ficar de

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acordo em que não houve desvalorização mas, antes pelo contrário, valorização do quadro constitucional. Quanto ao futuro, quanto a 1992...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já foi!

O Orador: - ... o que o Sr. Deputado José Magalhães pretendeu insinuar é que deveríamos manter o princípio do monopólio da televisão até 1992?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não pretendeu insinuar nada!

O Orador: - Fiquei nesta dúvida e gostaria que me esclarecesse se é esse o ponto de vista do PCP, porque curiosamente como o PCP acha que a melhor forma de se defender é atacar, atacando, atacando, ainda não disse (mas era bom que dissesse) se é favorável ou contrário à televisão por iniciativa privada, e partir de quando é que seria a favor dessa mesma possibilidade de abertura da televisão à iniciativa privada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente quanto à nossa relação com a sociedade civil, devo dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que era bom que V. Ex.ª procurasse ter alguma cautela, para que não ficassem para o futuro desta Revisão Constitucional as mesmas nódoas negras nas posições do PCP que ficaram a propósito da Constituição em 1976 e a propósito da primeira Revisão Constitucional em 1982, em que os disparates ditos pelo PCP, a propósito da comunicação social, foram de tal ordem que os senhores seriam completamente incapazes de voltar a assumir aquilo que disseram.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Peço-lhe que tenha alguma prudência no que vai afirmar que é para no futuro não ter que se confrontar com contradições como aquelas que já cometeram, como agora acabei de sublinhar.
Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, quanto aos conselhos de redacção, realmente sublinhei aqui que somos inteiramente a favor da manutenção na Constituição da garantia fundamental dos jornalistas, que é a de poderem constituir conselhos de redacção. Mais do que isto, propusemos que os conselhos de redacção pudessem ter constitucionalizadas algumas das suas atribuições, designadamente as que se referem à forma de elaboração e apresentação do parecer prévio na nomeação e exoneração dos respectivos directores dos órgãos de comunicação social. Se essa proposta não passar não é porque o Partido Socialista não a sustente até ao fim.
No que respeita ao Conselho de Imprensa, como é sabido, não fomos nós que propusemos a sua constitucionalização. Abstivemo-nos nessa parte porque entendemos que o Conselho de Imprensa tem o seu ordenamento já suficientemente solidificado no âmbito da Lei de Imprensa. Portanto, não se justificaria agora estar a inseri-lo na Constituição. Todavia, também não tomámos uma posição negativa sobre isso. Como o Sr. Deputado sabe, abstivemo-nos na CERC, e é essa a posição que mantemos.
Portanto, somos favoráveis à existência do Conselho de Imprensa, mas não fomos nós que tomámos a iniciativa da sua constitucionalização.
Finalmente, a todos os Srs. Deputados que têm sido a paciência de me ouvir, quer na intervenção inicial, quer nestas respostas, gostaria de sublinhar de novo que o sentido das propostas que há pouco fiz são a demonstração que para nós o debate no Plenário não é ritual. É uma participação positiva e efectiva para conseguirmos, até ao fim, obter as melhores soluções para a Constituição.
Assim, solicitamos aos Srs. Deputados que ponderem essas propostas porque se, tal como nós, o propósito essencial for fazer menos retórica e mais trabalho, certamente encontrarão nelas motivos para votarem a favor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, solicitou a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, dadas estas declarações do Sr. Deputado Jorge Lacão gostaria de exercer o direito de defesa da minha bancada, porque silenciar seria arriscarmo-nos a que fossem tomadas por verdades algumas grossas afirmações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando alguém diz «menos retórica e mais trabalho», em nove de cada dez casos, pretende que não se discuta, quer apelar à audiência cega e quer impedir que aquilo que é desagradável, do seu ponto de vista, seja objecto de discussão. Ora, obviamente que nunca aceitaremos essa postura e esse ponto de vista...

O Sr. António Vitorino (PS): - Nem nós!

O Orador: - ..., sobretudo no que diz respeito a esta matéria.
Sr. Deputado Jorge Lacão, repare que não é muito sensato da parte de um partido da Oposição criticar um outro partido da Oposição, dizendo-lhe que é adepto ou um dos mais fervorosos adeptos da actual situação da RTP em matéria de controlo. É um disparate, Sr. Deputado. Ainda há dias apelámos a que V. Ex.ª subscrevesse connosco um protesto pela manipulação miserável da RTP em relação a uma questão relativa às eleições autárquicas, e ainda estamos à espera da sua assinatura. Em todo o caso, a nossa posição quanto aos desmandos da RTP «laranja» é obviamente inequívoca. Por favor não ponha na nossa boca e nas nossas intenções o contrário daquilo que decorre da nossa postura.
Em segundo lugar, relativamente às questões em matéria de comunicação social, realmente temos vindo a exprimir em diversas circunstâncias esta preocupação: a de que determinados modelos não asseguram os seus objectivos de garantia do pluralismo, da isenção, de objectividade, etc. Isso aconteceu, desgraçadamente, em relação ao Conselho de Comunicação Social, e são VV. Ex.ªs que querem enterrar esse conselho, não somos nós. Apenas alertámos para que a sua criação não enquadrada e acompanhada de determinadas medidas, não resolveria o problema, seria absorvida pelo

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sistema e daria origem à continuação das violações. A responsabilidade disso não é seguramente do PCP. Será mais até do PS que na altura do bloco central agravou uma lei perfeitamente coxa e incapaz de dar resposta às necessidades.
Portanto, por favor não ponham a minhoca no anzol e á- seguir obriguem outros a mordê-la. Ponham-na na vossa boca, porque são os senhores os responsáveis por isso.
Em terceiro lugar, vindo de vós uma posição desse tipo ela é particularmente infeliz. Senão, reparem neste momento o Governo ataca a comunicação social, vendo em toda a parte, em todos os jornalistas agentes da Oposição e falando de terrorismo verbal. O PSD lançou uma onda de intolerância brutal. Vamos dar-lhe novos instrumentos e gerar mais inquietação?
Em relação à televisão pública, VV. Ex.ªs não estabelecem nenhuma garantia de que não haja um processo de pilhagem saprófita da RTP. Infelizmente, não estabelecem essa ,garantia e gostaríamos que isso se verificasse. Refiro também a inquietação, porque o PSD, nessa matéria, quer fazer em relação à televisão o que fez relativamente à rádio.

Pergunto, pois, a V. Ex.ª em nome do que é que nos ataca em vez de atacar o PSD. Ataque o PSD, Sr. Deputado, seja coerente, seja 100% Oposição!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Vitorino (PS): - Não tem razão!

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr.Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Proeuro ser coerente e ser 100% da Oposição, quando se trata de agir na qualidade de deputado da Oposição. Neste momento estou a fazer á Revisão Constitucional e não estou a agir nessa qualidade, mas como deputado, da República...

Aplausos de alguns deputados do PS.

...preocupado' em criar as condições de consenso em matéria de Constituição do meu país.
Aquilo que magoa muito o PCP é que ele tem da Constituição, como de tudo o resto, a mera visão da correlação de forças. Ora, em matéria constitucional
é preciso ter uma visão um pouco mais dignificada do que a simples lógica da, correlação de forças. É, de resto, por causa disso que o PCP erra frequentemente
e comete muitos lapsos.

O Sr. Deputado José Magalhães verberou-me o facto de eu ter afirmado «menos retórica e mais trabalho».

O Sr. José Magalhães (PCP): - É sempre suspeito!

O Orador: - Como o Sr. Deputado José Magalhães compreenderá, para mim mais trabalho. não é distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual, e pode perfeitamente trabalhar-se no sentido do debate das ideias com rigor e com proficiência. O que muitas vezes o PCP tenta fazer, à falta de ideias susceptíveis de serem defendidas com rigor e com eficácia, é procurar mesclá-las- de múltiplas alusões retóricas volto a sublinhar - que nada têm a ver com o conteúdo essencial das discussões e que, por isso, mesmo apenas servem para procurar lançar uma certa poeira sobre o essencial daquilo que está em causa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E o que é?

O Orador: - O essencial daquilo que está em causa relativamente a última parte daquilo que o Sr. Deputado José Magalhães disse, e disse-o a propósito do Conselho de Comunicação Social (CDS) e da possibilidade da sua extinção, é o Sr. Deputado já não se lembrar ou já não se querer lembrar da oposição do PCP aquando da Revisão Constitucional de 1982...

O Sr. José' Magalhães (PCP): - Lembramos!

O Orador: - ..., quando dizia dessa solução que ela era má e que dificilmente poderia ser pior ou mais infeliz.

É esta solução que o PCP, verberando veementemente o PS em 1982, qualificando-a de má, de infeliz e de não poder ser pior daquilo que era, agora pela
boca do Sr. Deputado José Magalhães defende como sendo a melhor solução. Só que uma vez mais aqui neste ponto volta a cometer um grave erro político.
Esse erro é que, ao defender tão veementemente a continuidade do CCS, se esquece que as atribuições constitucionais deste órgão estão condicionadas ao sector
Público e que, ele não tinha sequer a possibilidade de interferência no futuro processo de licenciamento da televisão.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas V. Ex.ª não nos pode dizer nada por que é que o está a matar?

O Orador: - Ora, o que o Sr. Deputado José Magalhães é o PCP estavam a fazer era a manutenção de um órgão que não iria ter aplicação nem eficácia num ordenamento em que não poderia intervir, relativamente ao essencial da transformação do conjunto e do modelo da comunicação social em Portugal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quem fala assim...

O Orador: - Os senhores estavam a defender uma lógica espúria para um modelo que, não existia. 15so consiste numa certa esquizofrenia com a realidade, é um erro político grave que os senhores têm que assumir até ao fim. Vão beber o fel e o vinagre do vosso modelo anacrónico, porque ele é verdadeiramente anacrónico, e nisso estão completamente isolados na tal sociedade civil que diz querer também defender.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.º Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falo no âmbito da liberdade e da independência, dos órgãos de comunicação social, que o Estado assegura; segundo o artigo 38. º
Como verifico que, neste projecto de Revisão Constitucional, se abre uma zona crítica na área da comunicação social antecipo cinco questões relacionadas com

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o artigo 39.º A zona crítica que assinalo repõe as confirmadas preocupações que várias vozes desta Assembleia manifestaram sobre a constituição da Comissão Consultiva da Rádio.
Efectivamente temos agora na criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social, a consagração constitucional da conjecturável reiteração dos efeitos governamentalizantes da Comissão Consultiva da Rádio.
Logo na composição dessa alta autoridade, cuja existência se tornava dispensável com o alargamento das atribuições do Conselho de Comunicação Social - que, pelos vistos, incomodava - nos inquieta o «calcanhar de Aquiles» que justifica suspeitas sobre a sua composição. Nos cinco membros eleitos pela Assembleia da República leva o Governo óbvia vantagem. Dos três membros designados pelo Governo, redundante se torna dizer que aqui todo o proveito é do Governo, podendo quando muito, a ingenuidade que não fica mal a uma boa consciência democrática, perguntar se entre esses membros haverá alguma personalidade independente.
Vêm, depois, os quatro elementos representativos, designadamente - sublinho o designadamente -, da opinião pública, da comunicação social e da cultura. Ora este «designadamente» não é taxativo, mas exemplificativo, dando lugar a que se admita que as entidades representadas sejam ainda outras. Quais?
Mas há mais: se são três os sectores representados como se explica que sejam quatro os representantes?
Outra questão: não estando estipulado no texto constitucional o período de mandato da alta autoridade, este passa a ser estabelecido por lei ordinária, o que constitui mais uma preocupação suscitada por este órgão, podendo o peso da força política que nele predominará prolongar-se para além dos limites razoáveis. É evidente que nesta razoabilidade há que considerar a eventualidade de um Governo ou de uma Assembleia dissolvida que deixam de ter legitimidade democrática como constituintes da alta autoridade.
Registo, finalmente, que tendo o PSD mostrado a sua disponibilidade para rever a Lei de Imprensa, cabe perguntar o que é que nesse diploma se vai modificar. Pretende-se alargar o campo dos delitos de opinião ou dos crimes de abuso da liberdade de imprensa? Visa--se alterar o âmbito do direito de informar e de ser informado? Por fim - e aqui a perplexidade transforma-se em justificada conjectura, que ponho em forma de provocação de uma resposta -, não constará dessas alterações o golpe de misericórdia que abaterá o Conselho de Imprensa?
Ora, a alta autoridade não só sofre a desvalorização da sua imagem pela marca de origem política da designação dos seus elementos, como nesse órgão não estão representados, de uma forma equilibrada e significativa, os diversos sectores que concorrem para a produção da informação.
Nesta especificidade se tem distinguido o Conselho de Imprensa, nomeadamente e sobretudo, no domínio do cumprimento das regras deontológicas. Esta sua actuação, que pode ser definida como um exercício de consciência cívica dos vários sectores da actividade informativa, recomenda que, para salvaguardar a sua existência ameaçada por alterações introduzidas na Lei de Imprensa, seja esse órgão constitucionalizado.
Outro ponto que merece destaque crítico.
No artigo 38.º exceptua-se da intervenção dos jornalistas na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, os que entre estes pertenceram ao Estado, tiverem natureza religiosa ou doutrinária, leia-se política ou político-partidária. Mas que absurdo é este, admitindo como é de admiti que esses órgãos se dediquem a exercer informações gerais?
Então, onde o rigor, a objectividade e a independência é acrescidamente exigida é que se dispensa a participação dos jornalistas na orientação informativa editorial, participação que assegura o rigor, a objectividade e a independência?
Resta fazer uma recomendação aos dois partidos que negociaram a revisão do texto constitucional. Partindo, porém, da lógica que o PSD como, porventura, qualquer outro partido do poder será surdo a críticas que acertam onde colhe proveitos, fico-me por dirigir um apelo ao Partido Socialista.
A sua secular responsabilidade histórica na defesa da liberdade dos cidadãos que compreende o seu direito à informação, implicam-no na obrigação de não concorrer para que esses princípios sejam lesados num domínio tão importante para a saúde da democracia, como é a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social.

Aplausos do PRD, do PCP, do CDS, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Deputada Natália Correia, creio que a intervenção que acaba de produzir é extremamente importante e traduz um conjunto de preocupações que se caracterizam por serem património comum de muita gente, ao contrário daquilo que o Partido Socialista normalmente diz, fazendo, por vezes, aquilo que o Sr. Deputado Jorge Lacão há pouco fez, ou seja: «Quem diga isso (...)» - suponho que será o meu caso, mas também receio que seja o de V. Ex.ª - «(•••) beba o fel, o vinagre, está isolado, esquizofrénico...». Penso que se isto é ser esquizofrénico é uma esquizofrenia lúcida, saudável, porque alerta para perigos dos quais, aparentemente, só o Partido Socialista está alheado. Isto é, o Conselho de Imprensa vê, o Conselho de Comunicação Social vê, V. Ex.ª, deputada Natália Correia, vê, os jornalistas vêem, mas o Partido Socialista não vê.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Alguns socialistas vêem!

O Orador: - Alguns socialistas até vêem. Aliás, alguns até já disseram que quem assim faz uma abertura selvagem arrisca-se a provocar saudades do monopólio público da TV. Não sei se o Sr. Deputado Almeida Santos, que em tempos o disse, não lho irá perguntar agora. Em todo o caso, isso só o Sr. Deputado Almeida Santos saberá e o suspense quebrar-se-á dentro de segundos.
Mas, Sr.ª Deputada Natália Correia, gostava de perguntar-lhe, uma vez que não dedicou a esse aspecto demasiada atenção, mas suponho que ainda o poderá fazer, se V. Ex.ª entende que é legítimo que se faça ou reforce uma campanha tendente a dar a ideia de que a TV pública é má por o ser e que a RTP tem de ser inefável e inevitavelmente «chata», porque é «R», porque é «T» e porque é «P». Portanto, tem de

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ser seguramente- má. Tem de ser mais americana do que portuguesa, tem de falar um português absolutamente horrendo, não pode ser regionalizada, tem de ser « chatamente» centralista, tem de ser ferranhamente cavaquista, cinco vezes por dia, se não é pecado...

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Trabalhar em ondas tão curtas para não chegar lá acima!

O Orador: - 15to que, no fundo, o Governo inculca, acaba por ser reforçado quando se diz «Os senhores são uns fósseis, só se preocupam com a televisão pública». Creio que é falso!
No entanto, a nossa preocupação - e era sobre isto que gostava de a interrogar - é muito grande quando conhecemos os projectos de determinados grupos económicos, que os não ocultam, pois estão em todos os jornais, no sentido de conquistarem para si partes inteiras da empresa pública, ao mesmo tempo que fazem tudo para que não haja controlo democrático sobre ela, nem quanto à informação nem quanto à programação.
Portanto, a minha pergunta é no sentido de saber qual é a vossa visão sobre a questão do papel e do lugar da TV pública, num sistema. moderno de audiovisuais, porque isto é por vezes esquecido nos discursos de abertura que, se fazem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Natália Correia, há ainda um outro pedido de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, se for possível, respondo já ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado José Magalhães, realmente, o seu pedido de esclarecimento traduz uma velha e reiterada preocupação minha. Estou, com certeza, de acordo com a abertura da televisão a espaços privados, est modus in rebus. No entanto, penso que aí tem de haver uma selecção de programas e de responsabilidade cultural.
A TV pública tem a possibilidade de, pelo menos, poder oferecer uma garantia que as outras TV não nos oferecem: é que o poder económico que as controlará exigirá programas debaixo nível, precisamente devido à publicidade que mantém toda a programação, toda a actividade, toda a dinâmica desses emissores televisivos privados. 15to é uma preocupação e creio que se devia fazer uma lei no sentido de realmente não deixar que a publicidade fosse a mentora dessas televisões que torna mais acéfalo do que aquilo que já está o público que assiste aos programas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Deputada Natália Correia, sou muito sensível aos apelos que a minha querida amiga faz ao Partido Socialista e gostaria de a convencer de que fazer apelos é mais fácil do que poder satisfazê-los. Ao mesmo tempo, quero também pedir uma consideração aqui aos nossos amigos do PCP, porque dá a impressão de que se esquecem de que as revisões constitucionais se fazem por maioria de dois terços e que o PS, por mal dos seus pecados, sozinho não perfaz isso.
Depende da vontade dos outros partidos, neste caso da vontade do PSD. Outro tanto acontece ao PCP que também faz maioria com: o PSD e que com essa possibilidade podia, na verdade, ter conseguido milagres. Mas não conseguiu.
O que havemos de fazer quando o PSD diz «não» ás nossas propostas?
Da nossa proposta originária fazia parte um estatuto de informação, aprovado por maioria de dois terços, o que implicava que tudo o que se passasse tinha de ter. a sanção do Partido Socialista, neste momento histórico. Más ó PSD disse-nos «nem pensem nisso, vocês perderam no terreno as eleições e não vão ganhá-las na Revisão Constitucional». Foi esta a expressão textual. Perante isto tivemos de optar entre deixar estar o que estava ou fazer algumas conquistas, alterando na medida em que assim o entendíamos. Toda a gente sabe que eu fui o último abencerragem deste país, pelo menos ao nível da classe política, a defender a manutenção do monopólio da televisão estatal. Mais uma vez fóssil, mas não há problema, pois assumo essas minhas antiguidades e bizarrias, porque, dizia eu, ainda havemos de ter saudades do monopólio da televisão estatal.

Vozes do PCP: - Ah! Muito bem!

O Orador: - É verdade, isso é tudo verdade. Só que eu sou eu, o meu partido é o meu partido e eu não posso deixar de lhe reconhecer razão quando afirma que. o que se passa no monopólio da televisão, neste preciso momento, é a favor do partido maioritário e contra os partidos da Oposição.
Portanto, neste momento, se tivermos uma visão histórica; conjuntural e utilitária das coisas seria de toda a vantagem que deixasse de haver monopólio de televisão - apesar do meu ponto de vista, que, de algum modo, mantenho porque, enfim, estou tão fossilizado quanto isso.
Mas vou dar-vos outro exemplo. Pareceria que o PCP - e peço a vossa atenção para isso - terá defendido no seu projecto uma solução perfeitamente antípoda. Desde que o PCP se coloque - e peço-vos esse esforço do ponto de vista do meu partido de que chegou o momento histórico, europeu, mundial, conjuntural, etc, de pôr termo ao monopólio da televisão pública, desde que partam. desse pressuposto - que é um ponto de partida querido pelo meu partido, que nos responsabiliza e que temos como um dado -, põe-se o problema de saber muito bem, e então? Desde que o PSD não concorde com o nosso estatuto aprovado por dois terços e se a alternativa for conquistar alguma coisa em termos de concessão de televisão privada ou deixarmos ficar tudo como está, qual é a vossa resposta, Sr.ª Deputada Natália Correia e meu querido amigo José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já percebi por que é que o acordo foi assim!

O Orador: - Se me disserem assim: «Não, não, nós corremos o risco da permanência, do monopólio.» Só que aí estão fora do pressuposto em que eu peço que se coloquem, porque o meu partido tem o direito de

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neste aspecto ter um ponto de vista diferente do vosso, ou seja, o de que convém ao país, à liberdade de informação, que, neste momento histórico, deixe de haver monopólio da televisão.
Portanto, aqui tínhamos de tomar uma destas opções. E o que é que faz o PCP? Propõe num artigo que está mais à frente, o artigo 164.º...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que foi retirado!

O Orador: - ... o seguinte «(...) compete ainda à Assembleia da República» - com violação, portanto, da divisão de poderes - «autorizar o licenciamento de estações emissoras (...)» - são licenças administrativas para a exploração de estações emissoras, o que é um acto administrativo e não legislativo, não dizendo se é de rádio ou de televisão, e quem não distingue abrange tudo - «(-..) nos casos constitucionalmente admitidos».

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não pode ser!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Leia até ao fim!

O Orador: - Portanto, uma vez que o PCP diz que «nós defendemos o monopólio da televisão privada», é claro que aqui não está...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A seguir ao jantar vamos ter uma longa conversa sobre isto!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Ex.ª, que é um jurista e que leu a proposta do PCP, saberá que ela só joga no quadro constitucional e que tanto a proposta como o projecto do PCP não prevêem a alteração do artigo 38.º
Portanto, essa norma tem de ser lida como só aplicável às frequências da rádio.

O Orador: - V. Ex.ª perdeu as suas palavras, porque eu estava exactamente a dizer isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Além de que fomos convencidos de que era uma má solução e, por isso, retirámo-la.

O Orador: - Espere, Sr. Deputado José Magalhães. O que eu estava a dizer era exactamente que os senhores são coerentes com o vosso ponto de partida. Só que têm de admitir que o ponto de partida da maioria não seja o vosso, assim como têm de admitir que, pelo menos, isto é verdadeiro em relação à rádio. Ora, neste momento, esta ficaria tal como está, isto é, nas mãos da maioria, só que deixava de ser o Governo a conceder as licenças e passava a ser a Assembleia. Diria, desculpem-me: Ora bolas!
Bom, mas há mais. Quando propusemos que os conselhos de redacção mantivessem as suas competências e ainda passassem a ter a competência de dar pareceres a título vinculativo, o PSD disse-nos «Nem pensem nisso», e nós, coerentemente...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então não pensamos!

O Orador: - ..., conquistámos o que podíamos conquistar: bom, mau... Embora pense que não seja muito bom, foi o conquistável, que é a alta autoridade - e já lá iremos quando a discutirmos. Mas dissemos «Bom, não vale a pena, decaímos nisto para conquistarmos aquilo» e o PCP diz «Não, não! Chamamos a nós essa proposta». Dissemos «Muito bem, ficamos encantados!» Votou-se a nossa proposta reclamada ou apropriada pelo PCP...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Perfilhada!

O Orador: - ..., votámos a favor da nossa própria proposta, o PSD votou contra e perdemos cinco minutos, porque não adiantámos rigorosamente nada.
Se queremos ser voluntaristas, isto está perfeito. Ou seja, fazemos estes bonitos, mantemos as propostas e vamos manter algumas até ao final, para que o PSD diga aqui «não» e não apenas na comissão.
O voluntarismo é bonito, o pragmatismo também, mas a verdade é que nisto temos de ser razoáveis, sensatos, conquistar o que é possível e não sonhar com o inconquistável, nas circunstâncias em que temos de fazer a Revisão Constitucional, que é dependermos da vontade do partido maioritário. Infelizmente é assim e sem isto não haveria revisão.
Apesar disso esta revisão com a nossa proposta em cerca de sessenta e tal a setenta por cento. Não é a revisão do PSD, apesar disso é a nossa revisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Natália Correia, embora não tenha sido feito qualquer pedido de esclarecimento, tem a palavra para responder, se assim o desejar.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Penso que sim, Sr. Presidente, pois o Sr. Deputado Almeida Santos mencionou-me.
O Sr. Deputado Almeida Santos respondeu-me fugazmente, envolvendo-me, talvez excessivamente, na questão que o PCP me colocou. Gostava que me questionasse sobre a minha intervenção e fiquei frustrada por não me ter ligado tanto quanto eu queria. Mas será talvez uma prova de afecto, afecto que quer evitar atritos, a que correspondo inteiramente.
Seja como for, vou responder àquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos não me perguntou.

Risos gerais.

Sr. Deputado Almeida Santos, penso que é um erro eliminar o Conselho da Comunicação Social. Ele devia, sim, sofrer alterações que alcançassem a comunicação social privada, pois deu provas de zelador da objectividade e da liberdade de expressão. Quer dizer, são patrimónios que não devem ser subestimados.
Portanto, o problema que me preocupa está na composição da alta autoridade, e vou entrar em números, Sr. Deputado.

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A forma de eleição que fugiu à maioria qualificada assegura, desde logo, ao PSD três dos cinco elementos, podendo até assegurar quatro, se o PS não subscrever o entendimento com os outros partidos da Oposição. Se optar pelo isolamento - o que espero que não aconteça - temos logo sete elementos do Governo em onze. Se o PS chegar a esse entendimento a Oposição tem dois em cinco, mesmo assim o Governo tem seis em onze. Sendo ainda de perguntar como é que vão ser nomeados ou eleitos os outros quatro? Por exemplo, no sector da comunicação social é o Sindicato dos Jornalistas que os elege? Isto são respostas que não estão dadas, ou seja, nada disto vem nos artigos! Quero e tenho direito a saber!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos, para um intervalo para o jantar, e recomeçaremos às 21 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão.

Eram 20 horas.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 5 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode considerar-se o artigo 38.º, relativo à liberdade de imprensa, como a matriz de toda a matéria relativa à comunicação social em Portugal.
É hoje comummente aceite que a chamada liberdade de imprensa constitui o instrumento do pluralismo político e a instituição do controlo político dos governos ou dos actos do Estado.
Assim, como instrumento do pluralismo político, naturalmente que quando se fala da liberdade de imprensa, tem-se em vista mais aqueles jornais que apelam para o intelecto dos seus leitores, para o raciocínio e para o exame das várias matérias nele tratadas - os chamados quality papers -, e não aos chamados «jornais amarelos» ou de sensação, nos quais a notícia é explorada para o consumo lúdico dos seus leitores.
Naturalmente que a liberdade de imprensa podia muito bem ficar entregue a si própria. É que, tratando-se de jornalistas profissionais a quem poderia ser reconhecido o estatuto de uma profissão livre - tal como sucede, aliás, com outros profissionais liberais -, poderia existir um código deontológico dos mesmos, ficando a liberdade de imprensa como que entregue à própria autocrítica dos jornais e dos jornalistas e funcionando os tribunais como garantes do respeito pela liberdade alheia, sempre que, nessa linha, fosse violada a esfera dos outros cidadãos.
De qualquer modo, não falta quem, por exemplo, na Inglaterra, defenda que a imprensa não precisa de conselhos, que não são necessárias quaisquer garantias para os jornalistas, bastando a existência de um código penal. Assim, tudo o que represente o cercear desta liberdade dos jornalistas, seja disciplinando positivamente como o f az a nossa Constituição, seja negativamente como o faz a nossa lei ordinária (o Código Penal), constitui, naturalmente, para esta corrente radical a chamada censura do Estado contra a livre criação do pensamento dos jornalistas.
Por outro lado, há quem sustente que a liberdade de imprensa necessita de ter os órgãos próprios de controlo.
Os jornalistas podem ser considerados não como profissionais livres, mas como empregados por conta de outrem - dos proprietários dos jornais. Assim, na sua relação com estes e já que está em causa um produto intelectual, é preciso que esta produção intelectual seja garantida em liberdade, não bastando apenas que recebam ordens para escrever o que os patrões, os grandes capitalistas, os grandes detentores do poder económico ou mesmo político, mandam. Daí que, em todas as Constituições de tipo português, se consagre o respeito pelo estatuto editorial que o jornalista pode invocar contra o próprio patrão, contra o próprio director do jornal, quando haja problemas de objecção de consciência, isto é, quando o jornalista, é forçado a fazer algo com que não concorda ou seja de opinião que o jornal está a fazer mau uso do seu estatuto.
Entre nós, o que ultimamente se tem verificado é uma proliferação dos jornais, em que algumas destas garantias não são respeitadas de forma alguma.
Conhecemos, por exemplo, um caso recente de um semanário, cujo nome não mencionarei e que foi tomado, através de um contrato-promessa, por um grupo financeiro. Deste jornal foram afastados alguns jornalistas que não eram do agrado desse grupo que prometia comprar e que lhe impôs determinada orientação, abolindo as críticas ao Governo, a determinadas instituições, a certos empresários, proibindo até o próprio director de escrever editoriais, o qual foi, inclusive, substituído na prática por directores adjuntos nomeados por este grupo financeiro.
Porém, quando após todas estas remodelações se verificou que a compra não era vantajosa e que significava um mau negócio, o referido grupo levantou a âncora e foi para outro lado, deixando o jornal em completa situação de pré-falência.
Pergunta-se então o que foi feito aqui das garantias dos jornalistas, do estatuto editorial, dos direitos do director e da liberdade de imprensa.
Por outro lado, quem toma parte no Conselho de Imprensa tem verificado que a maior parte das queixas que a este órgão são dirigidas fundamentam-se exactamente no facto de o estatuto editorial não ser respeitado. Isto porque são exercidas pressões sobre os jornalistas para que escrevam coisas com o qual não concordam.
A chamada ética do jornal não é hoje a moeda nobre que corre neste sector. Aliás, mesmo quando há a garantia de que o acesso às fontes de informação não será divulgado, pasmamos quando sabemos que o Governo manda a Polícia Judiciária investigar sobre quem forneceu determinada informação aos jornalistas.
Então, pergunta-se: o que é que fazemos aqui hoje, ao querer consagrar na Constituição o respeito pelo estatuto editorial e pela não divulgação do acesso à fontes de informação, quando é o próprio Governo que, ilegalmente, viola estas garantias?

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Em terceiro lugar, quando se pretende que, enquadrada na liberdade de imprensa, se verifique a liberdade de criação de jornais de todos os matizes - sendo naturalmente benéfico este pluralismo -, é evidente que também se procura saber que espécie de liberdade confere um determinado poder económico criador de certos jornais para a defesa dos seus interesses.
Dir-se-á que cada um lê aquilo que quer. O leitor sabe escolher entre aquilo que pode escolher, naturalmente que não é obrigado a comprar um jornal de que não gosta, e, por isso mesmo, a liberdade também é a de comprar e a de seguir as orientações que entender.
Naturalmente que num país como o nosso, em que há pouco gosto pela leitura, uma notícia mal fornecida, mal relatada e com um título sensacionalista, cria muitas vezes nos leitores uma apetência que está longe de garantir o pluralismo ideológico e que não funciona nem como poder, nem como contrapoder.
Infelizmente entre nós não existe, muitas vezes, aquela linha divisória entre o chamado jornalismo de qualidade ou de investigação e o jornalismo amarelo ou sensacionalista. No entanto, apesar de, nos últimos dez anos, a nossa experiência ter sido essa, o acordo alcançado entre os dois partidos mantém todo os monstros sagrados da Constituição.
É evidente que não se pode inventar muito mais do que o que aqui está e, aliás, também não há alternativas para pôr outras coisas que não estejam aqui - isto vem de Constituição em Constituição. Não há, digamos, outras formas de identificar aquilo que está caduco e, por isso mesmo, este artigo repete, nos seus primeiros três ou quatro números, aquilo que vem já da revisão de 1982.
A novidade deste artigo tem a ver com aquilo que sempre defendemos, isto é, a libertação da televisão do sector público, no monopólio do Estado.
É para nós uma medida positiva que a televisão seja do domínio privado e seríamos capazes de ir até ao limite de não existir, de todo, televisão pública.
Porém, entendemos que para garantir uma determinada orientação pluralista, para as pessoas que não têm possibilidades de ascender à televisão privada - porque esta será muito mais cara que a televisão pública -, poderemos aceitar, num regime de transição (e não por ter saudades...) para a privatização total da televisão, que exista um serviço público de televisão durante um determinado período. Depois, segundo a experiência, verificaremos se, efectivamente, valerá a pena manter a televisão pública para determinados fins, nomeadamente para protecção das minorias, das opiniões, do grupos e dos partidos, que não teriam acesso à televisão privada por ela ser muito onerosa.
Quanto ao licenciamento, ele é um licenciamento administrativo, relativo ao modo de fazer - trataremos dele quando se abordar o artigo seguinte relativo à alta autoridade.
A proposta hoje apresentada pelo PS, no sentido de manter também um sector público de imprensa, parece-nos completamente destituído de todo o interesse, porquanto não se justifica hoje de, forma alguma, a existência da imprensa pública. Isto porque os argumentos que se poderiam fornecer para a existência de uma televisão pública - garantia do acesso de determinadas correntes de opinião a este meio de informação -, não têm sentido quando está em causa a imprensa escrita.
Não é lógico que mantenhamos um sector público na imprensa, sendo nossa opinião que toda a imprensa escrita deve ser privatizada, não havendo qualquer jornal no sector público.
Por isso mesmo, balizados por estes princípios fundamentais, votaremos a favor deste preceito proposto pela CERC, até porque os seus primeiros quatro números não diferem muito de que nós próprios propusemos, tanto quanto à metodologia, como à sua fundamentação, como ainda à doutrina que expendemos.
Quanto à rádio e à televisão, também este preceito vem de encontro às nossas aspirações de uma rápida privatização destes dois sectores.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Natália Correia, João Corregedor da Fonseca, Marques Júnior e Vera Jardim.
No entanto, antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Natália Correia, solicitaria às bancadas do PSD, PS, PCP e PRD que amanhã de manhã nos informem quem são os escrutinadores que estarão na Sala D. Maria, uma vez que há uma eleição entre as 16 e as 18 horas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, não acha que a televisão pública se deve descomercializar e especializar na informação cultural, libertando-se da carga publicitária que condiciona a qualidade dos programas?
Na verdade, deve criar-se um espaço que não seja invadido pela alta tensão publicitária que irá certamente determinar o baixo nível dos programas que, inevitavelmente, como em todo o mundo e por alta pressão dessa pubicidade, se realizam nas televisões privadas.

Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Narana Coissoró, é evidente que continua a defender (e defenderá para todo o sempre) que tudo tem de ser privatizado - novidade seria o contrário...
De qualquer modo, o Sr. Deputado declarou que vai votar favoravelmente o texto proposto pela CERC, dizendo, nomeadamente, que os quatro primeiros números do artigo 38.º não diferem muito da posição do CDS.
No entanto, Sr. Deputado, o vosso projecto esquece um aspecto que consta actualmente da Constituição e que se traduz em impedir a concentração de empresas jornalísticas. Contudo, o n.º 4 do artigo 38.º do texto da CERC refere exactamente isso: «e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas».
Assim, gostava de saber, Sr. Deputado Narana Coissoró, tendo em conta o que declarou e o teor do vosso projecto, qual a posição do CDS sobre esta matéria, conhecendo V. Ex.ª os apetites de grandes magnates da informação quanto ao espaço nacional, não só de jornais diários, de semanários e de revistas de toda a espécie, como sobre a rádio e as televisões.
Portanto, Sr. Deputado, gostava de saber se entende ou não que deveríamos manter na Constituição algo

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que diga que se deve impedir a concentração de empresas jornalísticas, designadamente - aliás, como está aqui expresso através de participações múltiplas ou cruzadas, já que o n.º 5 do artigo 38.º do vosso projecto de revisão retira claramente essas disposições que servem para defender o país dessas grandes concentrações.
É evidente que isso também não tem acontecido, uma vez que já se nota a existência de poderosas concentrações, o que põe em causa a liberdade de informação que o CDS diz defender.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior. (PRD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, a minha pergunta tem que ver com aquilo que referiu. Porém, provavelmente, terei percebido mal um aspecto que gostaria de esclarecer. É que se percebi bem a ilação que dai poderia tirar seria um pouco contraditória.
O Sr. Deputado reconhece que um dos aspectos positivos da revisão do artigo 38. º é a abertura da televisão à iniciativa privada também concordamos com isso, o que, aliás, se encontra claramente expresso no nosso projecto.
Porém, afirma depois admitir, transitoriamente, a manutenção da televisão como serviço público, invocando para justificar essa transitoriedade o facto de os
pequenos grupos, os pequenos partidos e as pessoas que não dispõem de grandes meios, poderem ter acesso à televisão, o que pressupõe, portanto, uma mais ampla
liberdade para todos os sectores, quer os que têm grandes meios, quer os que dispõem de pequenos recursos, para os quais se admite a possibilidade de acesso à televisão pública.
Sr. Deputado, considerando esta transitoriedade um princípio, eu poderia ser levado a concluir - penso que não é esta a conclusão que V. Ex.ª quer que eu tire - que admite apenas transitoriamente se deve aceitar uma liberdade de informação! Assim, quando deixar de haver televisão pública - o que consubstancia um objectivo do CDS -, pergunto: então como é que os grupos com fraca capacidade económica têm acesso à televisão? Ficam completamente arredados ou os grandes grupos passam, a partir dessa fase transitória, a dar acesso às minorias, aos grupos menos numerosos?
Se isso é assim quanto à televisão, não se põe, por exemplo, o mesmo problema relativamente à imprensa?
Esta foi uma dúvida que me ficou, na medida em que ainda um dia destes li, salvo erro num jornal qualquer, uma coisa que me deixou perfeitamente espantado: o «Diário Popular» ia ser privatizado, sendo, creio, a base de licitação de 60 mil contos. Porém constatamos que, por exemplo; um projecto privado de lançamento de um jornal tem, à partida, um capital previsto de dois milhões de contos! Eu fico perfeitamente aterrorizado com isto!
Será que com estas perspectivas as minorias, as pessoas com menos capacidades económicas, vão ficar altamente condicionadas ou o Sr. Deputado, defendendo a privatização tout court, pensa que é possível encontrar uma metodologia, um consenso, um modus vivendi que permita que esses grandes grupos económicos dêem também acesso às pessoas e aos grupos com menos capacidade económica?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, penso pode descortinar algumas contradições no seu discurso, mas V. Ex.ª elucidar-me-á certamente.
O Sr. Deputado começou por uma indicação dos termos em que se põe hoje o problema da liberdade de imprensa, chamando a atenção para as relações, entre a imprensa e o poder económico e para a defesa dos jornalistas nesse quadro, alicerçando-a no estatuto editorial. Continuou, depois, chamando-nos à atenção para casos recentes na imprensa portuguesa, em que esse domínio do poder económico sobre o exercício da liberdade de imprensa atingiu limites julgados, para si, digamos, eticamente reprováveis. Penso poderem ser assim classificados.
No entanto, V. Ex.ª acabou o seu discurso erigindo o sector privado da comunicação social no Deus ex machina que tudo resolverá no que diz respeito à televisão privada, reservando apenas para a televisão pública as minorias. Mas dir-lhe-ei que é caro demais manter uma televisão pública para minorias que se desconhece o que são. Todos somos minorias perante o domínio do poder económico sobre a comunicação social, porque todos temos direito a uma informação neutra , objectiva, despida, digamos, de todo ó enfoque que o poder económico pode ter sobre a comunicação social V. Ex.ª reserva a televisão pública às minorias, não se percebe bem porquê.
Por outro lado, no que diz respeito à imprensa, então, não tem quaisquer dúvidas; pois nem sequer em período transitório a reserva às minorias. Então, que se liberalize, para permitir que mas não é certamente o seu objectivo todas essas manobras que aqui nos relatou possam dar-se com o maior à vontade.
Pergunto-lhe, portanto, se não vê uma contradição entre, por um lado, os perigos que apresenta, que são reais, e de todos conhecidos, de que a comunicação social seja inviezada, digamos, pelas forças económicas que dela tomam conta num jogo que é visível, hoje, por toda a Europa - na França, na Itália, etc, os grupos que se constroem à volta da comunicação social não deixam margem para dúvidas quanto aos perigos que uma informação objectiva tem para todos nós e, por outro lado, a recusa de princípio, do CDS, em admitir que haja qualquer sector público de comunicação, a não ser uma résia de uma televisão destinada apenas aos minoritários, àqueles que não têm poder económico?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, irei responder à Sr.ª Deputada Natália Correia e ao mesmo tempo, quanto a uma parte das perguntas, ao Sr. Deputado Vera Jardim.
Toda a gente sabe que os investimentos para criar uma televisão são incomparavelmente superiores aos necessários para produzir um jornal. Além disso, quem investe na televisão tem uma lógica de negócio, tem uma ideia da informação e tem uma lógica da publicidade completamente diferente da de um jornal.
Pelo seu número, pela barateza dos meios, pela multiplicidade de jornalistas e de acesso à informação, pela forma como são produzidos, tudo isto, leva a que não

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sejam comparáveis duas coisas que não são comparáveis, isto é, não podemos comparar, hoje, em Portugal, a produção da televisão privada com a produção de um jornal ou mais jornais.
Exactamente por causa deste investimento e por causa da pobreza do nosso país, uma vez que o Estado não pode dispensar dinheiros para produzir televisão sem se recorrer à publicidade, verificamos que os dois canais que temos são atreitos a receber toda a espécie de publicidade. Isto não sucede assim, por exemplo, em Inglaterra, onde o primeiro canal não tem publicidade e o quinto, recentemente criado, o «Thames Chanell», é o canal apenas dedicado a problemas culturais, sociológicos, a programas de qualidade que são tratados com uma elevação que não é comparável aos nossos canais.
É certo que iremos levar algum tempo a chegar lá, uma vez que não podemos dispensar a publicidade. Para dizer a verdade - quem tenha visto a publicidade noutras televisões europeias - não acho que a publicidade da nossa televisão seja em maior quantidade que noutros países. Até acho que ela é menor, talvez por ser cara e as nossas empresas não terem acesso fácil a essa publicidade televisiva. Por isso mesmo, não poderemos dispensar, de forma alguma, esta publicidade, pelo menos, nos próximos anos. Se amanhã o País for rico - oxalá que o seja -, naturalmente que poderá haver um canal só para fins culturais. Mas mesmo na televisão privada, verificaremos que a publicidade e as interrupções por ela originadas serão muito maiores do que na televisão pública.
Ora, pensarmos que a televisão privada poderia dar-nos descanso no que toca à publicidade e pensarmos que teríamos, de facto, uma televisão onde pudéssemos ver, de fio a pavio, um programa cultural é uma miragem, porque não teremos, nos próximos anos, uma televisão assim.
Sr. Deputado Vera Jardim, naturalmente por defeito meu, V. Ex.ª percebeu mal, pois não disse que devia haver uma televisão apenas para as minorias, mas, sim, que a televisão pública seria uma garantia para as minorias ascenderem à televisão. Esta seria como qualquer outra, uma vez que terá de concorrer com a televisão privada, de receber a publicidade, de fazer o telejornal, de fazer programas culturais, de dar a sua telenovela, de fazer todos os outros programas como qualquer televisão privada. Mas dado que é alimentada, em grande parte, pelos fundos públicos, poderá receber em melhores condições os pedidos das minorias que valham a pena. Por exemplo, se fosse atribuído um canal à Igreja, naturalmente, que esta não iria dar programas aos protestantes, nem às testemunhas Jeová, nem às pessoas que a Igreja entenda que não deve dar. As outras confissões religiosas poderão, por exemplo, ir para a televisão pública.
Dou-lhe o exemplo da comunidade Indu ou Indiana aqui em Portugal. São três mil pessoas que teriam garantidos, de 15 em 15 dias, pelo menos, quinze minutos na televisão pública para fazer um programa com as suas danças, as suas músicas, as suas notícias, etc, que seriam transmitidas a uma hora não nobre. No entanto, não teriam acesso a essa comunicação se não houvesse a televisão pública, porque não teriam espectadores, não teriam publicidade, nem patrocinadores, a não ser a própria comunidade.
Era isto que queria dizer e a sua comparação com os jornais, Sr. Deputado, não tem qualquer razão, até pela multiplicidade dos jornais e pela própria maneira como os jornalistas desses jornais buscam as notícias. Nunca vi a televisão vir ter comigo perguntar o que é que eu pensava de uma determinada afirmação do Sr. Primeiro-Ministro, de uma determinada afirmação do Sr. Secretário-Geral do PS, de um determinado facto relacionado com o líder do meu partido, de uma notícia que diz respeito a qualquer assunto internacional, por exemplo, sobre a demissão do primeiro--ministro japonês, se realmente a corrupção paga ou não, se os ministros devem demitir-se quando há dúvidas e provas sobre a sua desonestidade. Tudo isto, por exemplo, são casos em que a televisão não vem ter comigo, mas os jornais até virão por uma questão de concorrência, pelo seu custo e porque publicam. Naturalmente que verificamos como é que estes jornais procuram as notícias, até dos pequenos partidos, até das pequenas correntes minoritárias, ao contrário do que faz a televisão que soberanamente, desconhece ou ignora estes movimentos de opinião ou estes casos, digamos, de informação que interessam a toda a gente.
Respondendo agora ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, diria que estas propostas não vão implicar que se fechem as portas à concentração.
É fatal como o destino os jornais passarem à propriedade dos grandes grupos económicos. Quanto melhor for a qualidade e a produção e maior o número de jornais com qualidade, naturalmente que hão-de reclamar cada vez maiores capitais, o que só poderá obter-se através das concentrações.
Mas para isso existem as leis ordinárias tais como a Lei da Defesa da Concorrência, a lei antitrust e outras.
São, pois todas essas leis que podem pôr cobro às investidos dos grandes grupos.
Partir, porém, de uma ideia ingénua de que, constando da Constituição uma norma antitrust ou anticoncentração, se vai acabar com a concentração e que não haverá jornais dominados por grandes grupos como o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca pretende, é profundamente errado. Não quero ser tão ingénuo como o Sr. Deputado que pretende ver aqui uma defesa que não existe, só por haver um artigo na Constituição.
Quanto ao Sr. Deputado Marques Júnior, quero dizer-lhe que já referi o meu conceito de transitoriedade quando respondi ao Sr. Deputado Vera Jardim.
Naturalmente que os jornais, já pelo seu preço, pela maneira como são produzidos e pela grande concorrência que existe no domínio da informação, tem interesse próprio na busca dessas notícias, o que já não acontece com a televisão que tem outras finalidades e outros modos de controlar a opinião pública, até pelo seu peso e pela sua extensão.
De certo modo, receio que as minorias tenham, realmente, dificuldade de acesso à televisão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah, afinal sempre tem!

O Orador: - Tenho, tenho. Por isso é que julgo de temperar o pleno princípio de privatização que, racional e ideologicamente , defendendo com a realidade prática.
Verificamos isso, por exemplo, nos editoriais do «Diário de Notícias» dos quais não se pode dizer que sejam um modelo de independência. São, porém, muito

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mais independentes do que os editoriais dos jornais privados, mas daí até à plena independência desses editoriais, naturalmente que vai um largo passo.
Gosto muito mais, por exemplo, quando me apetece, ler um editorial do «Jornal de Notícias» ou até de um jornal regional ou, ainda, de um jornal privado, quer seja o « Jornal» o «Semanário» ou o «Expresso», ou até, naturalmente, um artigo do nosso querido amigo Dr. Pacheco Pereira, do que, muitas vezes, o editorial do «Diário de Notícias». Embora reconheça que é um jornal objectivo, sereno, tranquilo, e que realmente, não mexe com os nervos das pessoas.
De qualquer modo, não pode comparar-se este tipo de jornalismo, este tipo de acesso ao noticiário com o que se passa na televisão: E, transitoriamente; tenho de reconhecer, dadas. as condições do nosso país, dados os investimentos que é preciso fazer, que existe receio de que os grandes grupos económicos que vão fazer televisão estejam ao serviço, apenas de determinados partidos.
Com efeito, o PSD não terá dificuldade em ir para a televisão privada, como sucede relativamente a todos os jornais diários, semanários, etc; mas já o PRD, ou o CDS ou outros poderão ter dificuldades.
Naturalmente que só com a experiência poderemos ver se a televisão privada é aquilo que nós desejamos que ela seja e se satisfaz todos os requisitos para ser realmente independente, como em outros países.
Simplesmente, como conhecemos as televisões de outros países - não é a primeira vez que a televisão privada surge no mundo - não temos que ter grandes
receios. Mas lá iremos, é necessário dar tempo ao tempo.
Para nós, ideologicamente e como posição do CDS; a privatização é a grande meta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD):- Sr, Presidente, Srs.. Deputados: A minha intervenção. será brevíssima e não irá no sentido de dar alguma contribuição ou resposta àquilo que o Sr. ,Deputado Narana Coissoró há pouco disse.
Se é certo que o Sr. Deputado lê as prosas do meu querido colega Pacheco Pereira, a verdade é que tem aproveitado pouco, ou melhor, tem aproveitado alguma coisa mas ainda é pouco, pelo que esperamos que as continue a ler e com mais atenção para aproveitar mais e melhor.
Como o Sr. Deputado Narana Coissoró disse há pouco - não me deixando interromper pelo que só agora lhe respondo - é natural que nós não estejamos, porventura, no paraíso; porque estamos ainda no purgatório e essencialmente porque temos de o ouvir. Mas enfim; faz parte da nossa missão.
O que efectivamente queria dizer, e agora em termos construtivos, porque é de facto este problema que aqui nos traz e é esta a função que devemos desempenhar, era dar resposta a algumas sugestões apresentadas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.
Desde logo, uma resposta essencial que era efectivamente, a nossa tentativa no sentido de corresponder ao seu apelo sobre o trabalho construtivo a efectuar no
Plenário. Assim, queria. dizer-lhe que o Partido Social-Democrata vai dar o seu acordo às alterações propostas para os n.ºs 5 e 8 do artigo 38.º .
Quanto a nós, não há aqui nenhuma alteração essencial. Estas duas propostas vêm na linha daquilo que dissemos na nossa intervenção inicial em relação ao
artigo. 38.º Efectivamente; se algum meio de comunicação escrita ficar no sector público, a regulamentação, de facto, poderá e deverá aplicar-se. De outra maneira, ficaria um vazio na Constituição que dificilmente se compreenderia.
Por outro lado, no caso do n.º 8, embora a regulamentação já decorresse do número aplicável corresponde do artigo 39.º, compreendemos, todavia, a
necessidade de uma norma material que inclua o regime previsto neste número. Damos, por isso, o nosso acordo às alterações propostas e previstas para o
artigo 38. º
Não queria nesta altura e nesta brevíssima intervenção deixar sem resposta, também, uma observação do Sr.Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Deputado Jorge Lemos e o Partido Comunista estão preocupados com as negociações entre o PS e o PSD,. estão muito preocupados com as cedências recíprocas é muito mais preocupados, ainda com as cedências do Partido Socialista ao Partido Social-Democrata.
Melindram-se também em nome do Partido Socialista, o que acho estranho e inconcebível, se o Partido Social-Democrata diz que alguma coisa ficou das suas propostas iniciais na redacção final aprovada na CERC. Queria apenas, dizer-lhe, porque V. Ex.ª exagerou e gostava que isso ficasse completamente claro, que á única referência à proposta inicial do PSD, que eu fiz e que ficou, foi quanto à questão da eliminação do último «serviço público mínimo». Foi apenas essa e não outra.
Não reivindicamos quaisquer outras - como VV: Ex.ªs dizem - conquistas, mas apenas a de interpretar o sentir nacional e de chegarmos a acordo (uma
coisa que é bonita, que é bom de se ver e que é democraticamente saudável) com o maior partido da Oposição.
Com toda a certeza não poderiam chegar a acordo connosco nesta. e noutras matérias, com toda a certeza que a VV: Ex.ªs se opõe uma filosofia que não pode, de maneira alguma, ser perseguida e adoptada; com toda a certeza que de vez em quando, VV. Ex.ªs podem dizer que o Sr. Professor Jorge Miranda tem algumas dúvidas em relação a aspectos do acordo; com toda a certeza, VV. Ex.ªs vão citar também a concorrência com o Sr. Professor Jorge Miranda no que se refere ao artigo por ele hoje publicado em relação à revisão da parte económica da Constituição.
Era isto que esperaria que o Sr. Deputado agora e aqui reafirmasse. 15to é, se estão de acordo com o Sr. Professor Jorge Miranda naquilo que ele refere com
alguns vícios da revisão da Constituição no que respeita à comunicação social, então estão plenamente de acordo com ele também. naquilo que ele refere hoje
como o benéfico conseguido, da revisão da parte económica da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Apesar de um certo brouhaha aqui à minha direita, e que não tive ocasião de compreender muito bem, o destinatário da minha pergunta é agora o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Gostaria de começar por sublinhar quanto me congratulo pela forma como o PSD achou por bem integrar numa resposta positiva duas das três propostas que há pouco tive ocasião de apresentar. Estou certo, como há pouco referi, que essa atitude positiva face às propostas do Grupo Parlamentar do PS serão também extensivas aos demais grupos parlamentares. Se assim for, teremos ocasião de, em sede do artigo 38.º, cooperar para votações de grande unanimidade à volta deste artigo e com esta revisão.
Falta, todavia a posição do PSD relativamente a uma das propostas. E, na medida em que o Sr. Deputado Carlos Encarnação acerca disso nada referiu, gostaria de saber qual a razão da dúvida - se é que dúvida existe - da parte do PSD quanto à possibilidade de eliminação da restrição actualmente existe no que diz respeito aos direitos fundamentais dos jornalistas, maxime, os da orientação editorial nos órgãos de comunicação social estatizados.
Gostaria, pois, de saber qual o ponto de vista do PSD sobre o que é que decorreria de eventualmente negativo se esta limitação fosse levantada e, portanto, se os jornalistas passassem a ter, no sector público, tal como no sector privado, a possibilidade do exercício pleno dos seus direitos de participação na orientação editorial, tanto mais que com a previsível extinção do Conselho de Comunicação Social e, portanto, com a eliminação do ordenamento constitucional de um órgão de garantia estritamente vocacionado para o sector público nem sequer terá significado a alegação de que a parte de direitos fundamentais que os jornalistas não exerceriam seria supletivamente exercível por um órgão com vocação específica para o sector da comunicação social.
Como esta segunda alegação perderá sentido então a manutenção da Constituição nos termos em que agora a temos significa sempre uma capitis diminutio relativa de direitos fundamentais dos jornalistas. Penso que estamos a tempo de, numa atitude aberta sobre esta matéria concluir que nada, no modelo que estamos a construir, e nada no Direito Constitucional Comparado, nos dá razão suficiente para mantermos esta limitação.
Gostaria de saber se o Sr. Deputado Carlos Encarnação aceitará continuar a ponderar estes argumentos que acabei de invocar até ao momento da votação, com a possibilidade de daí decorrer uma posição positiva por parte do seu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para responder a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, se não respondi em relação às três propostas que acabou de colocar e se V. Ex.ª esteve atento ao que respondi à Sr.ª Deputada Isabel Espada aquando do pedido de esclarecimento que esta me formulou, sou levado a dizer que respondi àquilo com que concordava consigo e àquilo com que concordava porque entendia que o Sr. Deputado tinha fundamentos suficientes para tornar as suas propostas perfeitamente justificáveis e aceitáveis por nossa parte. Porém, tenho e continuo a ter algumas dúvidas - e dúvidas essenciais - em relação à bondade da proposta que acabou de reafirmar e reformular.
Não há dúvida de que esta orientação decorre já da Constituição. Sabemos que pode ser questionada a sua bondade nesta altura, no quadro em que é modificada ou no quadro da Revisão Constitucional. Todavia, entendemos que nesta altura não será prudente fazer a alteração neste domínio por virtude do próprio regime, necessariamente diferente, que o sector público tem por virtude das suas obrigações específicas, por virtude de um regime perfeitamente admissível que também em relação a este sector se coloca quanto aos profissionais de informação.
Como é evidente, estamos abertos a considerar esta hipótese. Porém, nesta altura, não posso dizer aquilo que o Sr. Deputado gostaria, ou seja, que estou de acordo consigo. Ainda não estou de acordo com o Sr. Deputado: não estou disposto a dizer isso nesta altura. Os fundamentos que apresentou não me convenceram e, portanto, não posso dar essa boa novidade.
De qualquer das maneiras, perante o PCP, V. Ex.ª fica sempre muito bem colocado porque fez mais uma grossa, importante e profunda exigência. E quando o PCP diz que VV. Ex.ªs se vergam à vontade do PSD, pelo menos em relação a eles têm aqui uma boa arma para esgrimir, que é a de dizer: « - O PSD não se vergou a esta profundíssima exigência que fiz!...»
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. José Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a última intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação veio colocar algum sentido ao presente debate. Não foi por acaso que a meio da tarde o Sr. Deputado entoou o «cântico do paraíso» numa primeira fase - portanto, esta revisão leva-nos ao paraíso, ao paraíso do PSD, obviamente! Durante o jantar percebe que tinha ido longe de mais, cria um certo distanciamento - a modéstia também não lhe fica mal! - e até diz: «- Bem, afinal não ganhámos tanto, o PS também ganhou alguma coisa!»...
Só que entretanto o Sr. Deputado Almeida Santos cantou-nos aqui o «fado da resignação». Gosto bem mais de ouvir o deputado Almeida Santos cantar a «Trova do vento que passa» como cantou ainda na noite de segunda-feira passada, lembrando que «Há sempre alguém que resiste e que diz não».

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E quando o PS vem aqui apresentar a resignação falando-nos da inevitabilidade do acordo da solução eu, Sr. Deputado Almeida Santos, atrevo-me a dizer que vale a pena cantar a «Trova do Vento que passa» e que vale a pena resistir. Como o Sr. Deputado deverá saber o que está em causa não é tanto discutirmos em termos ideias sobre os modelos que cada um de nós tem mas, sim, saber o que vai passar-se nos próximos dois anos em sectores tão essenciais, como o do audiovisual ou o da imprensa em Portugal.

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Desde logo, convirá recordar, como já dissemos na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, que em matéria de comunicação social, há um défice de aplicação constitucional, ou seja, ás culpas que hoje são assacadas ao sector público de comunicação social não decorrem da Constituição, nem da existência do sector público, mas, sim, do facto de os preceitos constitucionais, em matéria, de lei ordinária, não terem sido desenvolvidos como deveriam ter sido. Aliás, muitos deles, nem precisariam de ser desenvolvidos em matéria de lei ordinária, só que os sucessivos governos foram entendendo a sua vivência com a imprensa com a televisão e com a rádio, não no respeito da Constituição mas no entendimento de que esses meios de comunicação social do, sector público não deveriam ser de todos mas apenas da corrente que, na altura, detinha as rédeas do poder político.
Aproveito esta oportunidade para dizer, desde já, que as propostas que foram avançadas durante a tarde pelo Partido Socialista terão, como é óbvio, o apoio do Grupo Parlamentar do PCP, designadamente no que se refere ao reforço de direitos dos jornalistas em matérias do sector público. São mais algumas «pétalas», algumas delas até bastante dolorosas para o PSD, que nem sequer essas «pétalas» aceita, dando-se até ao trabalho de chamar a atenção do PS para um certo papel caricatural que este partido faz quando apresenta propostas com aquelas características e deixa de fora outras coisas que seriam bem mais importantes.

Mas vamos às questões centrais.

Em matéria de comunicação social, estamos a viver um momento em que o Sr. Primeiro-Ministro se refere aos jornalistas do seguinte modo: «Por trás de cada jornalista (...) e estou a citar palavras do Professor Cavaco Silva, presidente do PSD «(...) perfila-se um empresário. Os jornalistas são uma classe, que não consegue sequer formar um sindicato». Por outro lado, a Comissão Distrital do PSD de Lisboa diz que «os jornalistas são uma classe que provoca o terrorismo verbal e são a arma de arremesso da Oposição» estou a citar palavras do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Perderam a cabeça!

O Orador: - O Governo dá-se mal com a liberdade de imprensa, vive obsecado com os processos e com os inquéritos e- já não cito o que foi referido pelo Sr. Deputado Narana Coissoró - quanto à invasão do acesso às fontes de informação mas esse é um estado de, espírito do PSD. Deveríamos ter um pouco. de cuidado quando vamos criar uma situação em que o PSD vai ficar com as alavanca essenciais de domínio da comunicação social particularmente o acesso à televisão, sem definição de regras. Era muito importante que os Srs. Deputados do Partido Socialista ouvissem isto, porquanto, se confrontarmos o projecto original do Partido Socialista, ou seja, o ponto de partida para este debate, com o ponto de chegada e ouvirmos. ás vozes de resignação do Sr. Deputado Almeida Santos, há um decair de posição e seria importante esclarecer porquê. De duas uma: ou há partes, do acordo que não vieram para este debate e em relação às quais há interesse em conhecer o conteúdo...

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Sr. António Vitorino (PS): - Ainda estão nessa fase?!

O Orador:- .... há partes do acordo que continuam por, revelar .... Basta ler, com algum cuidado, alguns artigos que vão sendo publicados na imprensa quanto a certos «apetites» no acesso à televisão! ...
Pois bem, confrontando as vossas declarações iniciais, o vosso projecto inicial com a solução a que chegaram, se não houver uma clarificação nesta matéria por parte do PSD, qualquer pessoa minimamente interessada num debate sério da Revisão Constitucional não pode deixar de colocar legítimas interrogações.
Srs. Deputados do Partido Socialista, vamos ainda ter tempo de discutir o artigo 39.º, mas, desde já gostaria de deixar algumas questões no ar. Porquê, Srs. Deputados do PS, deixar ao PSD a definição do modelo de comunicação social em Portugal, nomeadamente através da destruição de todo o sector público da imprensa escrita? Não valeria a pena travar um combate, ainda em sede, de Revisão Constitucional, para impedir tal facto?

O Sr. José Magalhães (PCP): - «Nem pensar nisso», diz o PSD!

O Orador:- Porquê, Srs. Deputados do Partido Socialista, tornarmos conquista irreversível do PSD o licenciamento «alaranjado» das frequências de radiodifusão? Não será, seguramente, para depois alguns deputados do PS virem dizer» Mas na altura própria lutaremos para mudar a lei?» Só que nessa altura é capaz de ser um pouco tarde!...
Porquê, Srs. Deputados do PS, extinguir o Conselho de Comunicação Social sem uma alternativa credível, ou seja, porquê acabarmos com uma entidade, que é eleita por dois terços dos deputados desta Casa, e passarmos a fazer depender as suas atribuições e competências de uma autoridade eleita, no essencial, pela maioria do PSD?
São questões, Srs. Deputados do Partido Socialista, que não têm a ver com nervosismo - nervosismo terão, provavelmente, os Srs. Deputados do Partido Socialista e, provavelmente, também às Srs. Deputados do PSD! porquanto a «sociedade civil», que tanto usam o Conselho de Comunicação Social, o Conselho de Imprensa, o Sindicato dos Jornalistas, todos os sindicatos do sector estão contra este vosso acordo. É isto, Srs. Deputados do Partido Socialista e do PSD; que continua por explicar.
Vamos continuar neste debate com serenidade, mas não deixaremos, obviamente, de chamar a atenção para a gravidade dás soluções que estão ensejadas a partir das vossas posições.

Aplausos do PCP e do deputado Sottomayor Cardia (PS).

O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Jorge Lemos; há pouco na minha intervenção eu disse que tinha curiosidade em saber das intervenções que os deputados do PCP iriam fazer e o deputado Jorge Lemos acabou de fazer a intervenção da bancada do

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PCP -, qual seria afinal a posição do PCP relativamente ao artigo 38.º, que está em discussão.
Como o Sr. Deputado Jorge Lemos aproveitou a sua intervenção para fazer mais perguntas ao PS e desaproveitou-a para dizer qual a posição do PCP quanto ao conteúdo da matéria em debate, queria dar-lhe agora oportunidade de «brilhar» um pouco e dizer, relativamente aos vários números que estão em apreciação e que vão ser votados, quais são aqueles com que o PCP concorda e porquê e quais são aqueles em que o PCP discorda e porquê. E importante que a Câmara saiba isto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Jorge Lemos, gostaria apenas de fazer-lhe uma pergunta concreta. Estamos, neste momento, a debater o artigo 38.º e como foi feita referência a várias entidades que criticaram este artigo a minha pergunta é a seguinte: o Sr. Deputado Jorge Lemos tem presente que, em 23 de Janeiro de 1989, o Concelho de Imprensa fez distribuir uma nota circunstanciada em que dizia que as alterações acordadas quanto ao artigo 38.º «eram, de um modo geral, de aplaudir»? Gostaria que o Sr. Deputado comentasse este ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, ainda bem que o Sr. Deputado Alberto Martins citou textualmente a nota do Conselho de Imprensa.
Já há pouco referi esta nota e pormenorizei algumas das coisas com as quais o Conselho de Imprensa estava marcadamente de acordo. Na altura, o PCP não respondeu, certamente porque não pôde responder, e agora também será com certeza essa a resposta que o meu querido amigo Alberto Martins obterá.
V. Ex.ª porventura não saberá mas o Sr. Deputado Almeida Santos e eu somos do mesmo distrito, vivemos na mesma cidade, ouvimos as mesmas trovas, cantámos os mesmos fados e dentro do fado que V. Ex.ª há pouco citou há um verso que é muito importante e que lembra o Sr. Deputado sabe o quê?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Diga, diga!

O Orador: - Lembrar-me 1975, porque nessa data, tanto o Sr. Deputado Almeida Santos como eu citava-mos, com grande ênfase e certeza, um desses versos que dizia: «Mas há sempre uma candeia dentro da própria desgraça.»
Foi exactamente isso que permitiu ao PS e ao PSD tentar formular alguma alternativa àquela desgraça que era a visão da comunicação social da época, designadamente a visão da comunicação social do PCP.
Quando VV. Ex.ªs dizem que só o sector público é que defende a verdade e que é impremeável a qualquer manipulação da informação, nessa altura, não estão a ofender os jornalistas? Quando VV. Ex.ªs dizem que o grande capital domina a imprensa e que os jornalista ou são agredidos, ou são vendidos, ou são comprados por esse grande capital, VV. Ex.ªs não estão a ofender os jornalistas? Estão, só quando há outras opiniões sobre campanhas concretizadas é que VV. Ex.ªs tomam as dores dos jornalistas?
Assim, como é evidente, não posso acompanhar-vos, pois estão a fugir à verdade, estão a ser politicamente incorrectos e a faltar à verdade essencial.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado demonstra que é um amigo da imprensa!...

O Orador: - VV. Ex.ªs sabem que estas coisas não se defendem assim e que a única forma de alterar tudo isto é recorrer à privatização do maior número possível de órgãos de comunicação social, tendo em conta e salvaguardando os elementos de controlo - que aliás, estão salvaguardados nas propostas de Revisão Constitucional -, mas tentam fazer tábua rasa disso tudo para tentar «vender» a vossa imagem daquilo que deve ser a comunicação social.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Carlos Encarnação tentou desviar o assunto fazendo, ou tentando fazer esta honra da noite, algum exercício de anticomunismo. Creio que esse «fado» já não pega; nós estamos a cantar um fado muito diferente; estamos a cantar um fado contra o «alaranjamento» da comunicação social, estamos a cantar um fado contra as declarações do presidente do PSD, que vê em cada jornalista um inimigo, alguém que deveria ser inquirido, alguém a quem, deveria ser instaurado um processo. É pois, sobre isso que estamos a falar Sr. Deputado Carlos Encarnação!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O resto são tretas!

O Orador: - Ao Sr. Deputado Jorge Lacão, se me permite, gostaria de dizer que estamos de acordo quanto ao artigo 38.º no que diz respeito a uma maior intervenção para os jornalistas, como tive oportunidade de reconhecer na minha intervenção - aliás, votámos favoravelmente esse ponto na CERC -, quanto à manutenção do direito de acesso às fontes de informação, ao sigilo, mas pensamos que isso é pouco e queríamos que ficasse consagrado (e os senhores não foram capazes de o fazer no acordo com o PSD) que os conselhos de redacção deveriam ter um voto vinculativo em matéria de estatuto editorial e de nomeação de directores. E também estamos de acordo quanto às normas de anticoncentração, que, aliás, já constavam da Constituição.
Mas vamos à questão essencial que está aqui em debate e que é a de saber por que razão é eliminado o n. º 7 do artigo 38.º sem garantia, ou seja, os senhores dizem: « -Abre-se a televisão), mas o PSD diz: «Abre-se a televisão como o PSD entender». Esta é a

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questão essencial! E sobre este assunto o PS ainda não disse uma palavra.

Há pouco o Sr. Deputado Almeida Santos disse que era melhor haver abertura do que continuar tudo na mesma, e eu pergunto ao PS: já se esgotaram a capacidade de utilização e as potencialidades da televisão pública? Estamos sujeitos a ter uma interpretação de que a televisão pública terá de ser sempre governamentalizada? Não poderá ter programas de debate; de discussão? Será que o PS tem ideia de que essa é a televisão pública? 15so é muito mau!
Bom, então se o PS diz que quer esse modelo mas, sim, outro e pergunto onde estão as regras para que não haja uma abertura à iniciativa privada mas uma entrega total ao partido «laranja». Se hoje o Sr. Deputado tem uma «televisão laranja» no futuro corre o risco de ter três, quatro, cinco ou, seis televisões laranjas com um telejornal às 19, outro às 18, outro às 17, outro às 16, tapando-se em todos- e em todos aparecendo o Sr. Primeiro-Ministro ditando as regras para o País, ditando as regras de conto os, portugueses devem funcionar neste país. 15to é que é pluralismo, Sr. Deputado Jorge Lacão?
Sr. Deputado Alberto Martins, gostaria de chamar a sua atenção para o documento que nos foi entregue pelo Conselho de Imprensa na reunião de 23 de Janeiro e para uma decisão posterior do Conselho de Imprensa, com data de 13 de Fevereiro, em que se diz o seguinte: «se as alterações acordadas quanto ao artigo 38.º são, de um modo geral, de aplaudir, já o mesmo não parece poder dizer-se quanto às que se projectam para o artigo 39. º »
E por que razão é que o Conselho de Imprensa não pode congratular-se com isso? Precisamente porque não há qualquer tipo de garantia...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Leia tudo!

O Orador:- Sim eu leio tudo. Se quiser até podemos mandar publicar, em anexo a esta Diário o conjunto de documentos que já aqui foram citados para completo esclarecimento do leitores que tiverem. a oportunidade de ler o debate da. Revisão Constitucional.
Sr. Deputado Alberto Martins, a questão que se coloca é, esta que regras, que condições, como? E é a isso que os Srs. Deputados do Partido Socialista continuam sem dar resposta. Essa é que é a questão essencial. E enquanto os Srs. Deputados do Partido Socialista nos continuem a dizer, resignadamente, que já
não vale a pena resistir, de que a « Trova de vento que passa», agora já não vale a pena, porque já passou, nós continuaremos desta bancada a dizer que «Há sempre alguém que resiste e que diz não».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: Nesta mínima intervenção, proponho-me, apenas, ponderar sobre o que disse o Sr. Deputado Narana Coissoró acerca do «miserabilismo nacional» - a expressão não é dele, é minha que força a televisão do Estado a recorrer à publicidade.
Ora, se a televisão pública está sujeita ao poder económico que se exerce através da publicidade, é caso para perguntar: para que serve a televisão do Estado? Que características delimitam e justificam o seu espaço? O. facto. é que a televisão do Estado tem responsabilidades especiais no nível de informação que fornece ao público porque não lhe compete obedecer a uma lógica de rendimento mas, sim, exercer uma actividade que reflicta e enriqueça a cultura dos cidadãos.
Se vamos ter uma televisão pública para ser outro instrumento do poder económico, então dispensamo-la, a não ser que ela sirva apenas para ser o arauto
dos interesses do Governo.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra porque foram citados aqui o meu nome e algumas afirmações que fiz.
Para começar, queria juntara minha voz à do Sr. Deputado Jorge Lacão, quando pediu ao PSD que não desistisse de reflectir sobre a possibilidade de eliminação da referência aos órgãos de informação não, pertencentes ao Estado, e para vos dizer que não compreendo muito bem a vossa recusa, porque se de facto há um pressuposto de que os órgãos pertencentes ao Estado não têm natureza confessional, «estar cá ou não estar», eu diria, dá no mesmo. Mas o «estar cá», esta referência, eu diria, é contra o vosso ponto de vista, porque é, de algum modo, o único momento da futura Constituição em que se fala na orientação ideológica dos órgãos de informação não pertencentes ao Estado, a partidos políticos. Eu diria que esta referência genérica, de algum modo, alimenta a necessidade de permanecer, pelo menos, um jornal no sector público. Não percebi bem. a vossa recusa, e por isso junto a minha voz à do meu colega Jorge Lacão, no sentido de uma segunda reflexão da vossa parte.

Mas pedi a palavra para me dirigir ao Sr. Deputado Jorge Lemos, em primeiro lugar, disse que gostaria de fazer a revisão na perspectiva do que vai passar-se nos próximos dois anos. Não temos esta visão conjuntural de uma revisão da Constituição, Sr. Deputado, é isso eu já disse num outro momento. Achámos que a revisão da Constituição não é um programa de governo da Oposição, é uma Constituição para o País. A partir desta revisão gostaria de juntar a minha posição à vossa no sentido de que, de futuro, temos Constituição para durar e não temos de revê-la ao fim de dois anos nem ao fim de cinco, nem talvez ao fim de dez.
Temos uma Constituição não para a eternidade, pois a vida move-se as Constituições «movem-se» com vida, mas com alguma estabilidade e alguma durabilidade.
Não podemos manter indefinidamente a querela constitucional e o nosso ponto de vista era o de que esta Constituição, com alguns defeitos - que tem, que tinha de ter do nosso ponto de vista, um dos quais, se quer que lhe diga, é o de não termos conseguido uma composição para a alta autoridade mais de acordo com as nossas exigências e o nosso ponto de vista..., reconhecemos isso sem qualquer espécie de complexo -, reflectisse de tal maneira os pontos de vista dos vários partidos que não fosse necessário, nem daqui a

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dois anos, nem daqui a cinco, nem daqui a dez, voltarmos a reiniciar a querela constitucional e pudesse-mos adquirir uma Constituição, não digo para durar o que dura já a Constituição americana, porque ela também se mitificou em termos de durabilidade, mas uma Constituição que na verdade nos dispensasse de, de vez em quando, não só perdermos tempo como alguma serenidade e paz de espírito a discutir, num eterno retorno, o problema da carga ideológica ou, melhor, da descarga ideológica.... o sector público, o sector privado, a reforma agrária. Vamos acabar com isso, Sr. Deputado; vamos pôr-lhe um ponto final!
Pensamos que de algum modo esta revisão tem esse mérito, porque não é a Revisão Constitucional de qualquer partido, nem do Partido Socialista, muito menos do Comunista, muito menos do PSD ou do CDS; não é a Revisão Constitucional de qualquer dos partidos; é, de algum modo, um pouco a revisão de todos. E, sendo assim, ela tem condições para poder produzir uma Constituição durável!
O Sr. Deputado Jorge Lemos voltou a colocar a posição do Partido Socialista como um «anjo caído», quer dizer, na sua opinião, fizemos propostas originárias, mas quando não conseguimos vencimento nessas propostas «decaímos»! É uma coisa que os senhores gostam muito de dizer...! Tivemos de ouvir isso uma vez mais; já estamos habituados a essa acusação, só que ainda nos não disseram o que é que se fazia se, em relação a cada proposta, o PSD dissesse: « - Não!» e nós também disséssemos: « - Ou é a nossa ou não é nenhuma!» Os senhores diriam: fica a Constituição como está! Esse era o vosso resultado ideal, mas não o nosso. A nossa divergência é esta: é que os senhores acham que a Constituição, tal como está, é boa, é excelente. Do ponto de vista do Partido Comunista, apesar de um pouco pior do que a Constituição de 1982, apesar de um pouco pior do que a Constituição de 1976, a Constituição que temos é sempre a melhor possível em relação àquela que viremos a ter. É um ponto de vista que respeito, mas não é o nosso. Agora não digam que decaímos de cada vez que não conseguimos fazer vencimento para as nossas propostas. Ainda assim, as propostas que fizeram vencimento nesta matéria são em cerca de setenta por cento as nossas propostas, repito, as nossas propostas.
Não podemos aqui receber acusações nem lições de ninguém, porque, repare, no único caso em que o PCP fez sua uma proposta nossa, para a qual nós não tinha-mos conseguido vencimento, também não conseguiram vencimento. Aliás, é bom que fique clarificado o que é que o PCP, com toda a sua capacidade de resistência - e é bom que haja sempre alguém que resista, eu também estou de acordo e digo isso com uma convicção e um sentimento talvez superiores aos do Sr. Deputado Jorge Lemos - ganhou em resistir para lá da nossa resistência e em relação ao único caso em que fez sua, uma proposta nossa. O que é que ganhou? Nada, limitou-se a resistir gratuitamente, quando nós entendemos que a partir de certa altura a resistência tinha passado a ser gratuita.
Por outro lado, referem a destruição do sector público da imprensa escrita. Peco-lhe que me diga, se está interessado nisso, que obstáculos existem hoje, para um Governo como o actual, em proceder à destruição do sector da imprensa escrita. Não tenho ideia que haja algum jornal, ou alguma empresa proprietária de um jornal, que tenha sido objecto, na maioria do seu capital, de nacionalização directa. Penso que todas elas foram objecto de nacionalização indirecta, pelo menos na parte relativa à maioria do seu capital se houver alguma excepção é uma excepção contada!
O que é que já hoje impossibilitava o PSD de querendo, reprivatizar as empresas titulares e prioritárias dos jornais do Estado? Nada, absolutamente nada! Digamos que agora é ligeiramente mais fácil, dou-vos esse argumento, é mais fácil, mas a impossibilidade não existia!
Já aqui foi dito - e é verdade -, que não existe na Constituição uma garantia constitucional de um sector público de imprensa escrita.
Quanto ao Conselho de Comunicação Social, lá iremos, mas é melhor não exaltarmos por demais o seu êxito, quer o passado quer o futuro, mas sobretudo o futuro.
O Conselho de Comunicação Social nasceu, digo-o aqui, de uma iniciativa minha e tenho muita honra nisso! Concebi-o, defendi-o, depositei nele as maiores esperanças e devo dizer que, assim mesmo, não deixou de estar, de algum modo, à altura das minhas esperanças. Tem desempenhado um papel positivo, mas toda a gente sabe, só cobre o sector público. Aliás toda a gente sabe que, estando o PSD com o estado de espírito com que está relativamente ao Conselho de Comunicação Social - e é uma acusação que lhes faço - este conselho parava no dia em que acabasse por não ter quorum, e não estaria muito longe o dia em que deixaria de tê-lo.
Por outro lado, não se esqueçam dos defeitos que lhe puseram à nascença, quando nós aqui o criámos - o PCP disse dele o que Mafoma não disse do toucinho! Então agora é tão excelente e nessa altura não prestava para nada?
Por outro lado ainda, tivemos a preocupação - e tivemo-la! - de conseguir um instrumento, que pretendíamos melhor mas não conseguimos que o fosse de controlo do licenciamento das televisões privadas. O único instrumento que conseguimos foi uma alta autoridade - que não nos dá satisfação, uma vez mais o digo. Não é a nossa proposta de composição que está consagrada na Constituição. Ainda vamos tentar a batalha da lei ordinária. Mas apesar de não nos dar satisfação, pelo menos existe um órgão onde estão representantes desta Assembleia, um representante (que preside) do Conselho Superior de Magistratura, representantes dos vários sectores profissionais ligados à comunicação social - e não vamos partir do princípio de que tudo isto é uma colecção de fajardos -, que terão uma palavra, que farão uma oposição, que, porventura, não a seria possível de fazer se optássemos por uma de duas: Ou por dizer que fica tudo como está (e não haveria televisão privada) ou então, para não ficar tudo como está, porque o PCP entende que chegou o momento da televisão privada, teríamos obviamente de fazer algumas concessões.
Concessões foram feitas pela então direcção do meu partido e respeito as dificuldades que tiveram de enfrentar, porque o PSD não é propriamente, um partido que se leve para onde se quer...! Cito-vos o caso do Tribunal de Contas: aí nós também não conseguimos quer a nossa quer a vossa solução. O PSD entendeu que não devia consagrar aquilo que nós entendíamos que devia ser o Tribunal de Contas e nós perdemos! «Decaímos». Não fizemos vencimento...! Só ternos um terço e precisávamos de dois!

Protestos do PCP.

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Desculpem, Srs. Deputados do PCP, mas estou a falar-vos com toda a correcção, portanto deixem-me prosseguir.
Dizem que não fomos capazes de conseguir fazer vencer o voto vinculativo dos conselhos de redacção? Mas, curiosamente, o PCP também faz dois terços com o PSD!... E os senhores continuam a resistir para lá de nós. Por que é que não tiveram o mérito que nós, PS, não tivemos? Então nós decaímos e o PCP não decaiu? É assim?!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas nós não subscrevemos nenhum acordo com o PSD!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nós continuamos a resistir.

O Orador: - Já sei que continuam a resistir, mas a vossa resistência, a partir de uma certa altura, é uma resistência contra a ordem natural das coisas! É contra a perestroika..., é contra a «perestroika» que estamos a fazer aqui, nesta revisão. Desculpem, mas não pode ser!

Protestos do PCP.

Oiçam, oiçam agora, por favor. Isto foi uma graça, não me levem a mal - nós estamos a fazer uma «perestroika», com certeza. Não é evidente?

Risos.

Dizem, por outro lado, que vamos criar a possibilidade da existência de quatro, cinco ou seis «televisões laranjas», mas eu não entendo essa vossa visão sobre o que é uma televisão. Em termos económicos e em meu entender, existe a possibilidade de criação de mais uma televisão privada, dificilmente de duas, impossível de três, porque a televisão do Estado, que foi, durante muitos anos, deficitária, foi-o cobrando altas taxas, e as futuras televisões privadas vão viver só da publicidade. Ora a publicidade é sempre a mesma e vai ser dividida pela televisão pública, pela televisão privada, pelas rádios públicas, pelas rádios privadas, pelos jornais públicos, pelos jornais privados..., e eu quero saber onde é que cabem todas essas televisões privadas na publicidade, que é sempre a mesma. E mais: como, evidentemente, a publicidade depende do grau de audiência, vai haver a conquista de graus de audiência através de programações, que não serão necessariamente, as mais desejáveis para o País, nem as mais defendem a Cultura - como disse a Sr.ª Deputada Natália Correia -, nem que as que menos permitem a violência, nem tudo o mais que não seria desejável para o nosso país. Foi por isto mesmo que eu disse que talvez ainda venhamos a ter saudades do tempo do monopólio da televisão pública, e oxalá - mais uma vez o digo - que eu não tenha razão.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreve os Srs. Deputados José Magalhães, Jorge Lemos, Isabel Espada, João Corregedor da Fonseca e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª retomou a argumentação que o PS tem vindo a desenvolver e não introduziu nesta matéria, infelizmente, qualquer novidade. Esperei, com alguma ansiedade, que essa novidade surgisse...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Decaiu, decaiu!

Risos.

O Orador: - ... mas ela não surgiu!

Compreende-se a alegria do CDS e também a do PSD, mas não se compreende a alegria de mais ninguém - gostaria de sublinhar isso!
Primeiro aspecto: o PSD, Sr. Deputado Almeida Santos, tem exibido, em matéria de Revisão Constitucional, a mais conjunturalista das visões. O PSD nação esconde a ninguém que quer mais ainda e que considera esta revisão meramente uma etapa num processo duradouro, numa guerra prolongada contra a Constituição. Os «caçadores de cabeças constitucionais»...

Risos.

.... que se sentam na bancada do PSD, estão activos e até escrevem publicamente o que desejam fazer. Ninguém se engane quanto a este ponto! Vêem nisto uma etapa. E, mais ainda: V. Ex.ª reconhecerá que o PSD tratou de ocupar o terreno. Assim, quando chegou às negociações, já trazia atrás de si uma «política de terra queimada»: já tinha tratado de leiloar jornais públicos, já tinha anunciado que o «leilão» continuaria até Janeiro de 1990, já tinha tratado de licenciar as frequências de rádio como muito bem entendeu, governamentalizadamente. Portanto, quando V. Ex.ª aqui nos diz, aliás, com um ar penado, que «- O PSD disse-nos: nem pensem nisso!» isso significa que o PSD tratou de demolir o edifício para dificultar a negociação. E VV. Ex.ªs foram incapazes de negociar o que quer que fosse que transcendesse essa baliza! É um facto! E é um facto, aliás, lamentável - não podemos congratular-nos com isso!
As soluções são boas? Resposta do Sr. Deputado Almeida Santos: « - Também não»; não nos trouxe aqui um rosto fagueiro e satisfeito com as soluções. Bem pelo contrário! E, muito em particular, V. Ex.ª terá de reconhecer que não é por acaso que tanta gente ao mesmo tempo se mostra descontente com as mesmas soluções, salvo, naturalmente, os adeptos do «paraíso» - é o caso do Sr. Deputado Carlos Encarnação e «similares»!
V. Ex.ª não fez o mesmo. E porquê? Porque o PS propunha remédios para contrariar os riscos de governamentalização e (o orador «estalando» os dedos)...

Risos.

.. .desapareceram no acordo! Propunha o reforço do Conselho de Comunicação Social, com mais poderes na nomeação de gestores e (o orador «estalando» os dedos)...

Risos.

.. .desapareceram no acordo! Até se extingue o Conselho de Comunicação Social! Propunha que a legislação

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de comunicação social fosse aprovada por dois terços e (o orador «estalando» os dedos)...

Risos.

... nada no acordo!

O Sr. Deputado Almeida, havemos de reconhecer que cada um destes «estalos» assinala o decair do PS em relação a essas soluções! Diz V. Ex.ª: «- Ora, ora, ora, nós decaímos dessas soluções, mas o PCP também não conseguiu». O Sr. Deputado Almeida Santos, mas nós não celebrámos nenhum acordo global com o PSD e VV. Ex.ªs celebraram!
VV. Ex.ªs celebraram para perder aqui, para perder ali e para perder acolá. E nesta parte estamos a discutir uma coisa gravíssima, Sr. Deputado Almeida Santos! Estamos a discutir as condições de formação da opinião pública. E estamos a discutir num terreno em que os grupos económicos, que têm nomes: é o grupo Controljornal, é o grupo BEI, é o grupo Press Livre, é o Grupo Emaudio - é claro que também...

Risos.

... -, é também o grupo Edipress, é o grupo Impai, é o grupo FNAC, é o grupo Projornal, e são outros grupos, internos e externos; é o Sr. Maxwell, é o Sr. Murdock, é o Sr. Berlusconi, e são outros «senhores»... Há muitos grupos, de facto, grupos que não escondem a sua gula e que não são propriamente «meninos de calções»!...

Risos.

E nós perguntamos: qual é a regra do jogo? Resposta do Sr. Deputado Almeida Santos: «- Há-de ser a que nós, lutando muito, havemos de conseguir por maioria ordinária com o PSD, que, como já se viu, é 'fácil de convencer'!» E eu pergunto, Sr. Deputado Almeida Santos, se se perde a ocasião de negociar, por dois terços, coisas que são muito difícies - são de «rilhar osso», como V. Ex.ª disse -, como é que será? Vai ser mais fácil? Vai ser um «paraíso» na negociação de «lei ordinária laranja»?

Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª deixou-nos triplamente preocupados: porque não aduziu nenhum argumento bom e confessou as dificuldades que se antevêem, e essas dificuldades são responsabilidade, obviamente, também do Partido Socialista e as vossas alterações, agora enunciadas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, não alteram nada em relação ao nó górdio, que atam ainda mais com tantas desculpas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Almeida Santos, em relação às afirmações de V. Ex.ª, gostaria de pedir-lhe que fizesse uma comparação entre o tom e o semblante do Sr. Deputado quando se referiu à proposta apresentada pela CERC, e o tom e o semblante com que o Sr. Deputado Carlos Encarnação a apresentou.

Sr. Deputado, o PSD está sereno e feliz até sorri!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Está no paraíso!

A Oradora: - O Sr. Deputado, por seu lado, está triste e não está contente.

Risos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - É uma paródia!

A Oradora: - Penso que esta afirmação contradita o que o Sr. Deputado afirmou, ou seja, V. Ex.ª afirmou que esta não é a revisão do PSD, nem a do PS, que é a revisão que foi possível atingir através de um consenso entre os vários partidos ou, melhor, entre dois partidos neste caso.
No entanto, a verdade é que, em relação a esta matéria, gostaria que o Sr. Deputado me fizesse uma espécie de resenha, isto é, uma espécie de contabilidade final, comparando o projecto inicial do PSD - e nem gostaria muito de me referir no artigo 39.º, porque teremos ainda oportunidade de falar sobre ele, uma vez que é o artigo mais importante sobre esta matéria - com a proposta da CERC. Quais são as diferenças fundamentais? Em que é que o PSD abdicou? E gostaria ainda que fizesse uma resenha, estabelecendo o confronto entre o projecto inicial do PS e a proposta da CERC.
Sr. Deputado, basta esta comparação para sabermos quem é que ficou mais longe da sua opção inicial, das suas opções mais profundas e do que está no cerne fundamental do seu partido.
Efectivamente, esta é a minha opinião e também a do PCP, mas não é só o PCP que o diz - é bom que o País tenha consciência disso -, são os profissionais da comunicação social, como já aqui foi apontado...

Vozes do PSD: - Ah! Ah! Ah! Ah!

A Oradora: - ..., que fazem referência a isso.

De facto, o PS nesta matéria não sei se em detrimento de outras, onde talvez tenha ganho alguma coisa claudicou, pensando, talvez que o País poderia tirar benefícios em outras áreas... Mas, efectivamente, nesta área específica o PS perdeu muito mais do seu projecto inicial do que o PSD tinha a perder. Basta ver o tom sereno com que o PSD está a debater esta matéria!

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, penso que esta questão é fundamental. A propósito, lembro as intervenções de V. Ex.ª, que estão registadas nas Actas da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, onde expressa que, em seu entender, esta matéria é, de facto, estruturante do regime democrático. E acrescenta ainda que sem garantia da democracia, da independência, da liberdade de expressão no sector da comunicação social, que é fundamental nos nossos tempos, não é possível garantir uma opinião pública livre e a socialização adequada do indivíduo. Depois de o Sr. Deputado fazer estas afirmações - e, precisamente nesta matéria que V. Ex.ª considera fundamental para o regime democrático - o PS vai ceder. Penso que estamos perante o calcanhar de Aquiles de todo este acordo.

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O Sr. António Vitorino (PS): - Qual é a alternativa do PRD?

A Oradora: - Temos, alternativas; Sr. Deputado António Vitorino, e como sabe, essas alternativas constantes do artigo 39.º permitiriam, por exemplo, evitar o problema relativo ao Conselho de Comunicação Social, que o Sr. Deputado Jorge Lacão já referiu que bom! - e disse que só servia para o sector, público. Nós apresentámos uma proposta...

0 Sr. António Vitorino (PS): - É igual à nossa?

A Oradora: - ... , onde expendemos o que pensávamos que deveria ser o sistema a seguir no que diz respeito ao licenciamento para os canais privados de televisão. Chamava-se Alta Autoridade para o Audiovisual. Portanto; apresentámos uma solução.

O Sr. António Vitorino (PS): - È aprovada por dois terços?

A Oradora: - VV. Ex.ªs mudaram-lhe, o nome e acabaram com o Conselho de Comunicação Social.
Sr. Deputado Almeida Santos, penso que nesta matéria o PSD já provou que esta Revisão Constitucional é a revisão dele, se não é em outras áreas, nesta pelo menos, é. Penso que o PS, nesta matéria deve assumir esse compromisso e essa responsabilidade.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da. Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Almeida Santos, depois de ouvi-lo, a ideia com que fiquei foi a de que, ao fim e ao cabo, só o consenso entre os dois partidos, PS e PSD, é que parece contar para essa «banda». Por isso, fiquei bastante preocupado.
Na verdade, quer o Sr.. Deputado Almeida Santos quer o Sr. Deputado António Vitorino têm vindo a referir-se, constantemente, aqui e até na televisão; à querela constitucional e, nesse sentido, gostaria de saber que querela é essa e a quem é que ela diz respeito, Sr. Deputado.
Depois de ouvir o Sr. Deputado Almeida Santos, fiquei com a ideia de que o PS é que abdicou mais, e cada vez vem abdicando mais, em relação às suas posições. Quando o Sr. Deputado diz que algumas das normas não são do seu total agrado; inclusivamente a Constituição e a forma como vai ser criada a Alta Autoridade para a Comunicação, acredito na sua sinceridade, mas habituei-me a ver o Partido Socialista aparentando ser mais lutador e nunca imaginei vê-lo
tão resignado.
Depois de ouvi-lo, Sr. Deputado, não só antes como depois da interrupção que fizemos para o jantar, fiquei altamente preocupado.
Deste modo, gostaria apenas de colocar-lhe esta questão: o facto de o PSD não aceitar as vossas propostas e isso aconteceu com algumas, eu sei obriga a que o Partido: Socialista tenha de aceitar as posições claras do PSD?
Ainda não ouvi os Srs. Deputados do PSD afirmarem que VV. Ex.ªs tivessem dito rigorosa e redundantemente «Não!» às propostas gravosas que, em matérias tão sérias como esta foram apresentadas pelo PSD.
A verdade é que o PS apresenta-se, aqui, clara e perfeitamente resignado - eu não sou pela resistência gratuita, Sr. Deputado, - e estou altamente preocupado, porque se é assim e ainda estamos a discutir o artigo 30.º, o que irá acontecer em relação sós restantes, cujos textos já possuímos?
Sr. Deputado; estou realmente preocupado. Tanta resignação em questões tão sérias como estas! .... É evidente que o PSD está satisfeito, assim como o respectivo grupo parlamentar, e até o Primeiro-Ministro está cada vez, mais arrogante. Estamos a ver o caminho que, politicamente está a levar este país, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, Almeida Santos, esta: área do acordo PSD/PS é, seguramente, aquela que provocou maior surpresa em todos aqueles ,que acompanham minimamente estas questões e que conheciam o projecto de Revisão Constitucional apresentado pelo Partido Socialista e até as posições assumidas nas questões mais relevantes que avultam neste domínio. Por isso mesmo é que eu e todos nós ouvimos aqui a sua voz autorizada, de pessoa que acompanhou de perto todo o processo de negociação deste acordo, a quem todos reconhecemos grande capacidade nestes domínios e cuja sensatez é reconhecida dentro e fora desta Câmara.
Assim, gostaria de dizer-lhe que para mim as suas explicações foram um tanto ou quanto decepcionantes. É uma evidência que o Partido Socialista não tem dois terços, ele só tem um terço. Ele tem o que tem, mas a verdade é que o partido fez um acordo global com o PSD. Ora, temos naturalmente o direito de formular perguntas em relação àquilo que o Partido Socialista deixou de fora desse acordo.
O Partido Socialista, aceitando neste acordo determinado tipo de soluções, assumiu também naturalmente as responsabilidades por aquilo que ficou de fora ou pelas, garantias que não acompanham essas soluções. Como eu dizia, o PS não tem. os três terços nem os dois terços. O Partido Socialista tem o terço de «bloqueio». Só está no acordo aquilo que o Partido Socialista aceitou; só está no acordo aquilo que o Partido Socialista quis, porque se ele não quisesse não estava nó acordo, se ele não quisesse não faria os dois terços.
Na verdade, estamos no domínio em que a Administração PSD, isto é, o Governo Cavaco Silva e a Maioria parlamentar dó PSD têm tido um comportamento mais responsável do ponto de vista democrático.
Á bancada do Partido Socialista e á nossa frequentemente estiveram do mesmo lado, esteve aqui connosco reprovando atitudes do PSD neste domínio, e atitudes
tão chocantes tão escandalosas como as que o PSD tem vindo a concretizar no domínio da atribuição das frequências da rádio.
Portanto, não exageramos quando manifestamos preocupações e, porque não quero ser muito prolixo em citar exemplos, cito apenas este, que é bastante claro, bastante gritante e que nos indica aquilo com que poderemos contar:
Ora, é nesta medida que perguntamos o seguinte: como é que o Partido Socialista aceita os termos da abertura da televisão à iniciativa privada? Quais são esses termos?

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O Sr. António Vitorino (PS): - Vocês não querem qualquer abertura!...

O Orador: - Quais são os termos para a televisão pública? Quais são os termos de referência para a televisão privada? E em relação à rádio pública, que vai ser também entregue à iniciativa privada, quais são os seus termos de referência para a rádio que vai ser privatizada? E em relação aos jornais: quais são as seguranças? Quais são as garantias que o Partido Socialista tem? Vai entregar tudo isto ao PSD, que tem nesta matéria o comportamento que bem conhecemos?
Naturalmente, nem uma Constituição é para a conjuntura nem sequer uma revisão da Constituição deve ser para a conjuntura. Mas, Srs. Deputados do Partido Socialista, não somos ingénuos. O que vai passar-se conjunturalmente nos dois próximos anos será, na verdade, fundamental para o modo como irão ser as estruturas da comunicação social no nosso país e por muitos anos. E em relação ao que vão eventualmente ser essas estruturas nos próximos anos, devo dizer que se os Srs. Deputados do Partido Socialista não têm outras garantias além do que vem expresso no acordo e daquilo que aqui nos dizem, se não há mais nada, então a situação é muito séria e é-o não só para as forças democráticas como também para a opinião pública portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um privilégio ter desencadeado tanta pergunta, tanta reacção, tanta questão - tenho normalmente essa vantagem!...

Risos.

Quero agradecer o facto de terem discordado de mim, o que é sempre bom porque uma discordância pode dar lugar a novos esclarecimentos.
O Sr. Deputado José Magalhães começou por dizer que eu não trouxe qualquer novidade. Depois das duas rondas da Comissão de Revisão Constitucional, em que demorámos longos meses e ditámos para as actas milhares de páginas, era difícil trazer aqui alguma coisa que não tivesse sido dita na comissão. A novidade que o Sr. Deputado José Magalhães nos trouxe é a de que vale a pena considerar cerca de 5% do que falou na comissão. Essa é a única novidade! Mas também lhe posso devolver a mesma observação, Sr. Deputado: novidade da sua bancada ainda não vi qualquer uma. Pelo contrário, há o esquecimento de muitos dos argumentos que foram invocados na comissão. Portanto, estamos quites. Vamos dizer que empatámos nesse aspecto!
Diz ainda o Sr. Deputado que o PS tem uma visão conjunturalista, mas não tanto, Sr. Deputado! Os Srs. Deputados é que estão agora concentrados no artigo 38.º e, depois no artigo 39.º assim continuarão. Este é um dos vossos pratos fortes..., mas havemos de ter outro quando chegarmos à reforma agrária.

Protestos do PCP.

Sr. Deputado José Magalhães pedia-lhe que me ouvisse com o mesmo silêncio com que eu o ouvi.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estou a ouvi-lo, Sr. Deputado.

O Orador: - Não está não, Sr. Deputado. Está constantemente a falar. Eu gostaria de poder falar e de ser ouvido. É um privilégio que reclamo porque também faço o mesmo em relação aos Srs. Deputados.
O Sr. Deputado José Magalhães referiu que temos uma visão conjunturalista. Isso não é tanto assim, senão repare: W. Ex.as estão agora no vosso prato forte, e eu reconheço que têm de aproveitar esta oportunidade para dizer que somos uns malandros, que cedemos. Nós, que vamos concordar em que se extingue o Conselho de Comunicação Social, um órgão que tem um papel tão importante este país!... Que coisa horrível! De facto, gostaria que não se extinguisse o Conselho de Comunicação Social. Os senhores é que não têm muito autoridade para o dizer, se recordarmos o que disseram desse conselho quando aqui fizemos esforços para o criar.
De qualquer modo, gostaria de dizer-lhe o seguinte: a Revisão Constitucional não é apenas o artigo 38.º ou o artigo 39.º, e o PSD não conseguiu fazer vencer os seus postos de vista.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Acha que não?

O Orador: - À medida que formos discutindo iremos evidenciando, porque o projecto do PSD é tão grande ou maior do que o do PS, as inúmeras propostas do PSD em que ele «decaiu» - isto para usar o nosso verbo.
O PSD cortou, sempre que pôde, a palavra social nos textos apresentados. Ora, nós, PS, nunca deixámos cortar a palavra social. O PSD propôs a redução abissal dos direitos dos trabalhadores e nós, PS não deixámos cortar um único direito dos trabalhadores. O PSD quis quase um buraco - e o CDS ainda mais - na economia como se não fosse necessária uma Constituição económica. Por outras palavras, o Estado asseguraria a ordem e a livre concorrência asseguraria o resto. Esta era a velha fórmula pró-liberal, que, pelo menos o CDS, queria que ficasse no texto constitucional. Ora, nós, PS, opusémo-nos a isso.
Por amor de Deus, Srs. Deputados do PCP, não me venham fazer tábua rasa de tudo aquilo que impedimos de mau para agora se concentrarem somente no Conselho de Comunicação Social!... Então, e os direitos dos trabalhadores? E a aprovação da Lei Eleitoral por dois terços? E o direito de petição com a obrigação de no Plenário serem discutidas as petições individuais que tiverem um certo grau de representatividade? E a acção popular? E a administração aberta? E os instrumentos que permanecem na reforma agrária, embora com alguma correcção linguística, e que estão lá todos como demonstrarei na altura própria? E o ter-se evitado a destruição do sector público da economia? E a coexistência de uma economia mista com os três sectores de propridade - o pública, privado e o social? Então, nada disso conta para os Srs. Deputado do PCP? O que conta é o Conselho de Comunicação Social? Ó Srs. Deputados, isso nós não deixaremos!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Lá iremos!

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27 DE ABRIL DE 1989 3373

O Orador: - Eu sei que é desagradável para os senhores ouvir isto, mas ouçam até ao fim.
VV. Ex.ªs têm que ouvir! Os senhores não nos podem dar lições em matéria de comunicação social. E fico-me por aqui! ... Não me peçam para ter memória porque eu não quero ter memória!

Protestos do PCP.

Desculpem, mas não quero ter memória.
Não nós dêem lições em matéria de comunicação social; não se arvorem em defensores da liberdade de imprensa, em defensores da liberdade de opinião e não nos queiram transformas em, algozes dessa liberdade e em coveiros dessa liberdade. 15so, não podemos permitir, nem vocês são levados a sério nisto.

Protestos do PCP.

Desculpem; serão levados a sério em muitas outras coisas em que vos tiro o meu chapéu e cá estarei para o fazer.
0 vosso papel na Revisão Constitucional foi muito importante por exemplo, na defesa de valores que em parte também são nossos, embora pusessem, por vezes, algum excesso nisso, o que nos ajudou a fazer valer os nossos pontos de vista. Mas não queiram transformar-se naquilo que não são.
Em matéria de comunicação social os senhores não têm qualquer razão, porque...

Protestos do PCP.

Orador: - Desculpem, mas não têm razão alguma. Deixem-me falar. Falem no fim, se quiserem.

O nó górdio! ... Mas qual nó górdio? O nó górdio é na televisão pública? Essa do nó górdio é para mim, mas não é para o meu partido, que, estando integrado ruína Europa Ocidental, onde não há, em nenhum país, praticamente exclusivo nem monopólio da televisão, que eu saiba, tem todo o direito de se defender. Por que é que haveríamos de constituir uma excepção? Estou de acordo com eles viesse aspecto. Defendo a televisão pública e o seu monopólio, mas por outro tipo de «fossilismo». Já sou velho e tenho muitas suspeitas sobre a televisão privada num pais pequeno, num pais em que não há publicidade que vá alimentar a televisão privada e que vai, com certeza, fazer concorrência, com maus programas, ao grau de audiência da televisão pública. Só por isso!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estamos de acordo!

O Orador: - Mas estamos na Europa, meus senhores! Convençam-se disso! Entrámos; com a vossa resistência, mas entrámos! E se não há um pais europeu que não tenha televisão privada, por que é que havemos de ser uma excepção?
O problema era este: a alternativa de ficar o que está ou conseguir-se o que se obteve e vocês têm de assumir que, quando nos colocam perante a situação de não cortas o nó górdio, que é a televisão privada, temos de cor- ser o risco de ficar com o monopólio da televisão pública, porque eles, PSD, jogaram com isso è puderam fazê-lo: Assim, como o PSD não pode conseguir a revisão sem nós, nós também não podemos conseguir a revisão sem eles. Os senhores conseguiram fazê-la com eles e sem nós, nós não podíamos fazê-la sem eles.

O Sr. José Magalhães -(PCP): - Nesta matéria é impossível!

O Orador:- Bom, sei que não. Portanto - por amor de Deus! -, não se coloquem nessa posição.
Sra. Deputada 15abel Espada, também não é o seu partido que tem autoridade moral para dar lições ao nosso em matéria de comunicação social. Primeiro,
pelo seu passado que, enfim, não é melhor que o nosso nesse domínio. Creio que nós temos; talvez, mais pergaminhos e um curriculum um pouco melhor, no
domínio de defesa desses valores. Ainda os senhores não existiam, já nós os defendíamos. Se calhar ainda a minha amiga não tinha nascido, já eu defendia esses valores.

Risos.

Digo-lhe que isto não é nem uma competição nem uma batalha de sorrisos. O Sr. Deputado Carlos Encarnação ri quando quer e como quer, está no seu direito, se calhar é mais galhofeiro do que eu. Se calhar vou rir noutros artigos, porque em matéria de direitos fundamentais quem fez triunfar as suas propostas numa percentagem impressionante, quase na ordem dos 80%, foi o Partido Socialista. Bom, ai podemos rir se quisermos, más, na verdade, parece-nos que não será caso para isso. O'PSD sorri feliz. Ainda bem! Se o PSD se sente feliz nisto dou-lhe os parabéns, porque há outros momentos em que quem sorri melhor somos nós. Tudo tem o seu momento!
Por outro lado, pede-me que faça uma contabilidade final, uma resenha dos prós e dos contras, iremos fazendo, mas é impossível fazê-la aqui, agora, como calcula. No entanto; desde já lhe dou um número esta Revisão Constitucional e á consagração em cerca de 70% das nossas propostas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Do PSD!

0 Orador:- Não, das nossas propostas.

A Sr.ª 15abel Espada (PRD): - Está no artigo 38.º!

O Orador: - Eu sei que está no. artigo 38.º, mas pediu-me que fizesse uma resenha do que decaímos e do que não decaímos. Se se contenta só com o artigo 38.º aqui está o meu sorriso de orelha a orelha.

Risos.

O Conselho de Imprensa diz que as alterações acordadas, quanto ao artigo 38.º são de um modo geral, de aplaudir. Pronto, aqui tem o meu sorriso de orelha a orelha. Mas, não me fale dos profissionais da comunicação social que respondo-lhe exactamente com esta opinião, se quer só o artigo 38. º
Mas se quiser um cotejo de toda a revisão e tem direito a isso, digo-lhe que esta, é a nossa revisão, é o nosso projecto e se nela existem defeitos, então temos de assumi-los; pois é o defeito do nosso projecto. O nosso partido quis que o projecto fosse aquele e não temos qualquer complexo em o assumir na integralidade. Como era natural, não conseguimos fazer com que ele vencesse em 100%, mas conseguimos em, 70%

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a 80%. Se isto não é um êxito do nosso projecto, não sei o que é...

Vozes do PCP: - Não sabe mesmo!

O Orador: - ... um êxito em matéria de Revisão Constitucional.
Digo-vos mais: em 1982 não houve êxito semelhante a este, não houve qualquer partido que o pudesse ter visto, porque muitos dos artigos que constam do acordo PS/PSD são baseados em propostas nossas, alguns ipsis ver bis, outros com pequeníssimas modificações.
Não me leve a mal, Sr.ª Deputada, mas apesar de respeitar muito as suas opiniões e de ter por si uma infinita simpatia, «chás» a esta hora da noite, não! Isso também não!

Risos do PSD.

O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca disse que o PS estava resignado. Não, Sr. Deputado, não estamos resignados. Nós somos o partido triunfador desta revisão, queira ou não.

Risos do PCP.

Com certeza, que somos. Então, acabei de dizer que 70% a 80% das propostas do PS triunfaram, o que é isto senão...
Desculpem não abanem a cabeça, até porque os senhores não podem negar este facto. Custa-vos a admitir, eu sei, mas é um facto óbvio.

Protestos do PCP.

Por outro lado, devo dizer: então, critiquem o nosso projecto, damo-vos perfeita legitimidade. Se disserem que o nosso projecto merece a vossa condenação, estão no pleno direito de o fazer. Não digam é que nós...

Protestos do PCP.

Deixem lá!... Oiço-vos sempre com tanto respeito e admiração, por que é que não me ouvem também?

Vozes do PCP: - Estamos com respeito!

O Orador: - Desculpem-me, mas é impossível falar assim. Não quero dialogar consigo, Sr. Deputado. Oiça-me! Tenha paciência! Se quiser faça-me perguntas e eu responderei, mas não assim.
Resignados, nós?! Mas porquê resignados? Só aceitámos o que quisemos. Aceitámos uma revisão ponderada, que tem elementos da nossa concordância total e da nossa concordância parcial. Mas para fazer triunfar os nossos pontos de vista, tínhamos, obviamente, de aceitar o triunfo de alguns pontos de vista de quem dependia o triunfo dos nossos. Isto é tão lógico e simples como isso. Não vale a pena!
Sr. Deputado Carlos Brito, tenho muita pena de tê-lo decepcionado, mas alguma vez tem de ser, a verdade é essa. Normalmente, gosto muito de ouvi-lo, mas uma vez por outra o meu amigo também me decepciona profundamente. O que havemos de fazer? Pertencemos a partidos diferentes, temos em parte ideologias coincidentes e diferentes. Necessariamente, de vez em quando discordamos um do outro, não há nada de extraordinário nisso.
Fizemos um acordo global com o PSD, mas se não fosse assim, ou seja, se não houvesse acordo sobre os pontos cada partido considera fundamentais, não haveria acordo tout court. Logo, não havendo acordo tout court, a Constituição ficaria como está, ou seja, ficaria pior, no nosso entender, do que irá ficar, claro, sem prejuízo de haver discordâncias pontuais, e, se quer que lhe diga, minhas então há muitas, mas o problema não é esse. Hoje, também discordo de muito do que está na Constituição. Claro que discordo! Sabe bem que a Constituição não tem acompanhado, ou melhor, nasceu por forma algo divergente da evolução da vida em Portugal desde o 25 de Abril até agora.
Temos o caso presente da apropriação colectiva dos principais meios de produção, que teve perfeita coerência, que foi votada por todos ou quase todos os partidos em 1976. Pois, bem, desde 1976 até agora não se fez uma apropriação colectiva. Então deveremos agora manter qua tale, na íntegra, os princípios consagrados e as formulações de 1976? Bom, só se não reconhecêssemos que a vida se move e que ou as Constituições a acompanham ou entram em rotura com ela e estão a convocar as revoluções. Mas as i evoluções dão-se quando se entra em rotura constitucional, e a única maneira de um regime democrático não ter roturas constitucionais é adaptar as Constituições. Não há outra maneira.
Temos um terço de bloqueio, pois temos, mas se bloqueássemos o essencial e despertássemos o bloqueio do PSD, não haveria revisão. O PCP ficaria feliz, mas nós não.
Quais os termos para a televisão privada? Bom, conseguiu-se alguma coisa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Por exemplo?

O Orador: - Por exemplo, isso: não pode haver atribuição da televisão privada sem o parecer favorável de um órgão onde há, pelo menos, algumas pessoas independentes. Provavelmente, de outra maneira ou o monopólio da televisão pública ficava como está ou ficaria tudo dependente de uma lei feita pela maioria...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, ainda a propósito das suas considerações iniciais, gostaria de dizer-lhe que não estamos aqui a discutir o PS ou os méritos ou desméritos do Sr. Deputado quando intervém. Estamos a discutir soluções da Revisão Constitucional e é isso que queremos fazer.
Relativamente à questão que vai abordar, gostaria de chamar a sua atenção para um instrumento análogo, embora de composição um tanto diferente, que é o Conselho da Rádio. Aliás, estamos a ver como é que a maioria laranja tratou esta entidade e como a maioria laranja do Conselho da Rádio fez a atribuição das frequências da rádio.
Creio que esta é uma experiência muito recente que nos ilustra, relativamente a esse instrumento, que no acordo se confia inteiramente toda a questão da abertura da televisão à iniciativa privada.

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O Orador: - É uma boa questão. Em todo o caso quero dizer-lhe que, como é óbvio, não há paralelismo total. É que se não tivéssemos criado esta alta autoridade, com esta competência, então o paralelismo seria total a atribuição das televisões privadas processar-se-ia nos mesmos termos em que se processou a atribuição das rádios privadas.
Apesar disso, quero dizer-lhe que as rádios privadas, que foram tão mal atribuídas pelo Governo, estão neste momento a criar-lhe alguns problemas. Se tenho ouvido bem algumas rádios recentemente atribuídas, o Governo não está nada feliz com a atribuição que fez, apesar de o ter feito com perfeito arbítrio.
Neste caso não será assim e, portanto, alguma coisa se conquistou.
Perguntam-me: que seguranças para os jornais?
Sensivelmente as que temos hoje quanto ao evitar da privatização e nunca menos do que a segurança de qualquer país europeu, onde, como sabe, é muito difícil encontrar um jornal pertencente ao Estado. Portanto, se queremos continuar na senda da Europa, temos de nos ir aproximando também em matéria de
comunicação social.
Penso que a situação é, de facto, muito séria, mas não pelas normas que aprovámos ou que estamos dispostos a aprovar em matéria de comunicação social. É muito séria porque temos um Governo do qual temos de nos desfazer e não é por estas normas que ele cai mais depressa ou mais devagar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Assim fica mais forte!

O Orador: - Não sei se fica. Tenho uma vaga impressão de que a primeira televisão privada que vier a ser criada, mesmo com todas as facilidades que possa ter este Governo, gerar-lhe-á mais problemas do que o faz a televisão pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo uma vez mais a vossa atenção para o facto da haver tempos semanais, os quais, se não forem gastos, estarão perdidos. 15to serve para alertar para a necessidade de iniciarmos amanhã os trabalhos às 10 horas e IS minutos e de respeitarmos a combinação estabelecida em conferência de líderes, sendo do interesse de todos os grupos que não perturbemos os nossos debates com matérias secundárias.
Queria ainda informar que para terminar a discussão deste artigo ficam ainda inscritos os Srs. Deputados Herculano Pombo e José Magalhães.
Não havendo mais nada a tratar hoje, declaro encerrada a sessão.

Eram 00 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
António Costa de A. Sousa Lara.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Cristóvão Guerreiro Nobre.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João José da Silva Maçãs.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Margarida Borges de Carvalho.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Ruí Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

António José Sanches Esteves.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
António Silva Mota.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito Carlos Campos Rodrigues Costa.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
15abel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carlos Alberto Pinto.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Flausino José Pereira da Silva.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.

Partido Socialista (PS):

António Miguel de Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins Vale César.
João Barroso Soares.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Céu Fernandes Esteves.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
José Manuel Antunes Mendes.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

Maria Helena Salema Roseta.

Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz - Maria Amélia Martins - José Diogo - Maria Leonor Ferreira.

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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