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Quinta-feira, 11 de Maio de 1989 I Série - Número 77
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA
2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE MAIO DE 1989
Presidente: Ex.mo Sr. António Alves Marques Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
João Domingos F. de Abreu Salgado
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 70 horas e 35 minutos.
Prosseguiu a discussão da revisão constitucional (artigos 64. º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 74.º e 76.º).
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Rui Macheie (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Luís Filipe Meneses (PSD), Isabel Espada (PRD), Vidigal Amaro e Carlos Brito (PCP), Ferraz de Abreu (PS), Assunção Esteves (PSD),
António Vitorino (PS), Marques Júnior (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes), Raul Castro (Indep.), Almeida Santos (PS), José Manuel Mendes, Lurdes Hespanhol e António Filipe (PCP), Alberto Martins (PS), Rui Silva (PRD), Costa Andrade (PSD), António Filipe (PCP), Carlos Coelho (PSD), Narana Coissoró (CDS), Miguel Macedo (PSD). Paula Coelho (PCP), Barbosa da Costa (PRD), Pedro Roseta (PSD), Natália Correia (PRD), Adriano Moreira (CDS), Jorge Lemos (PCP) e Pais de Sousa (PSD). O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 24 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montai vão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
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Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu F. Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados Independentes:
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de lhes dar a seguinte informação: conforme consta do boletim informativo, que, aliás, deve ser do conhecimento das respectivas bancadas, os partidos dispõem de três tempos diferentes, identificados respectivamente por alíneas a), b) e c). O tempo que vamos gastar hoje, quarta-feira, de manhã, é o que deveria ter sido gasto na passada sexta-feira, dia em que não houve sessão, para completar o tempo semanal. Isto significa que de manhã devem-se gastar os tempos que constam da alínea a) do boletim informativo. Não sendo gastos, esses tempos caducam. No reinicio dos nossos trabalhos de hoje à tarde, às 15 horas, vamos funcionar com os tempos destinados na presente semana à discussão da revisão da Constituição, que são os constantes da alínea b) do boletim informativo.
Os tempos que constam dos placarás já estão corrigidos, são aqueles de que dispõem os vários grupos parlamentares para a discussão da revisão da Constituição até às 13 horas de hoje. O tempo que não for gasto será eliminado.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, estamos ainda em sede de discussão do artigo 67.º, o qual já foi abordado na última quinta-feira mas cuja discussão não ficou encerrada. Assim, a Mesa aguarda inscrições relativamente ao artigo 67.º
Também gostaria de recordar que, por razões que na altura foram aduzidas, o artigo 64.º ainda não foi discutido. Portanto, terminaremos primeiro a discussão do artigo 67.º, que está iniciada, e depois voltaremos ao artigo 64.º
Pausa.
Srs. Deputados, a Mesa aguarda inscrições relativamente ao artigo 67.º, cuja discussão ainda não terminou.
De acordo com o guião da CERC, foi retirada a proposta de substituição da Sr.ª Deputada Helena Roseta
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e mantêm-se as propostas de substituição, do CDS, para o n.º 1 e para a alínea d) do n.º 2. Por outro lado, também se mantém a proposta de aditamento, do PS, para uma nova alínea f).
Portanto, está identificado o artigo que estamos a discutir.
Pausa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em matéria de artigo 67.º, o debate foi razoavelmente adiantado na última reunião plenária, mas uma questão ficou em aberto.
A Sr.ª Deputada Helena Roseta retirou a sua proposta, que, aliás, era meramente clarificadora, e estabeleceu-se consenso interpretativo quanto ao alcance do artigo actual.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista apresentaram - e não retiraram - uma proposta tendente a estabelecer como incumbência do Estado a de protecção dos jovens casais, designadamente em certos aspectos.
O PSD revela-se tímido ou, pelo menos, indisponível para firmar qualquer consenso que permita uma norma que, de alguma forma, dê um sinal positivo nesta matéria.
Pela nossa parte, bancada comunista, consideramos que neste contexto, isso seria de grande utilidade, não porque a problemática dos jovens casais seja alheia à Constituição - como se vê aliás, analisando o artigo correspondente sobre a juventude - mas porque a sua inserção aqui seria um aceno positivo em relação às jovens famílias, o que não é uma coisa indiferente.
Portanto, a inserção duma norma deste tipo, porventura mais curta, seria, quanto a nós, vantajosa. O PSD tem mantido nesta matéria uma certa mudez, que, quanto a mim, poderia ser quebrada aqui para clarificar este ponto. Sugeria, pois, Sr. Presidente, que se pudesse estabelecer um debate, ainda que relâmpago, sobre este ponto, com vista a uma norma ainda que mais económica do que esta que está adiantada.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, tal como foi sugerido pelo Sr. Deputado José Magalhães, é para fazer uma intervenção relâmpago.
Há pouco o Sr. Deputado José Magalhães já teve oportunidade de referir que existem disposições na Constituição que justamente se preocupam com o valor da juventude. Nós, que, aliás, muito nos regozijamos pelas preocupações que o PCP manifesta em relação à família e que, suponho, revelam uma pequena acentuação diferente das intervenções feitas anteriormente quanto a esta matéria, entendemos que não se justifica estar a «enxamear» a Constituição de mais preceitos, designadamente deste em concreto, pois eles não acrescentam nada de substancial.
Estamos de acordo em que o Estado deve, efectivamente, ter uma política de protecção à juventude e à família e esta começa, naturalmente, pelo princípio, isto é, pelo casamento. Na realidade, não pensamos que seja útil estar a inserir um novo preceito nesta matéria. Repito: estamos de acordo quanto à substância, mas não nos parece que a natureza de um texto constitucional ganhe em continuarmos nesta propensão regulamentadora, em
que parece haver a ideia de que tudo aquilo que não está na Constituição não está no mundo.
Não pensamos assim, pensamos que a Constituição é um conjunto de normas abertas, que apontam orientações e salvaguardam valores. Ora, os valores que esta norma pretende proteger já se encontram suficientemente explicitados e garantidos na Constituição. Eles são já uma orientação do Estado e por isso não parece indispensável inscrever este preceito. Não sendo indispensável, preferimos não o fazer.
O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, Srs. Deputado?
Pausa.
Como não há mais inscrições, a Mesa dá por encerrado o debate do artigo 67.º e explicita que a sua votação será feita na quinta-feira, às 17 horas e 30 minutos. Para essa votação mantêm-se as propostas de substituição, do CDS, para o n.º 1 para a alínea d) do n.º 2 e uma proposta de aditamento, do PS, para uma nova alínea f).
Vamos passar ao artigo 64.º, que tem como epígrafe «saúde». Em relação a este artigo foi retirada a proposta do PRD relativamente à alínea c) do n.º 3.
Está em discussão, Srs. Deputados.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, era só para dizer que, tendo em conta os trabalhos da comissão e a proposta apresentada pela CERC, o CDS retira a sua proposta em relação a esta matéria.
O Sr. Presidente: - Portanto, o CDS retira a sua proposta relativamente ao artigo 64.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de explicar a posição do PSD em relação a esta matéria que se discute no artigo 64.º
As propostas de alteração formuladas pelo PSD ao artigo 64.º da Constituição da República estão de acordo com os princípios gerais que balizam a intervenção do meu partido em todo o processo de Revisão Constitucional.
Neste caso concreto, não questionamos em abstracto a maioria dos princípios consignados no artigo 64.º, mas também aqui procuramos retirar a carga desajustadamente programática presente em algumas das alíneas do seu articulado; procuramos afastar algumas limitações menos democráticas ao inquestionável direito de qualquer partido com assento nesta Assembleia da República e sufragado pela maioria dos cidadãos, implementar o seu programa eleitoral; procuramos adequar conceitos às novas realidades resultantes da profunda evolução dos conceitos de saúde/doença que condicionam muitas das opções de política de saúde, particularmente na vertente financiamento do sistema.
O PSD propôs inicialmente o desdobramento do n.º 2 em dois novos números, os n.ºs 2 e 3. Nessas propostas de alteração, a designação Serviço Nacional de Saúde (SNS) é substituída por Sistema Nacional de Saúde, remetendo-se para legislação ordinária a definição das características que esse sistema deve ou pode ter ao longo
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do tempo. Por essa razão, desaparecem na nossa proposta as designações universal, geral e gratuito.
A presença da terminologia Serviço Nacional de Saúde no texto constitucional limita ou pode limitar duplamente a subsequente criação de um qualquer modelo de sistema de saúde proposto pelos partidos democráticos ao eleitorado: por um lado, esta terminologia é indissociável do serviço de saúde concebido por Beveridge em Inglaterra, em que o Estado era quase que o exclusivo prestador e financiador do sistema de saúde; por outro, define este direito social de forma a colocar nas fronteiras da inconstitucionalidade sistemas de saúde que não tenham muitas das características atrás referidas.
O PSD pensa que o direito à saúde pode ser assegurado de formas diversas, conforme a doutrina política que influencia os diferentes partidos. Contudo, julga que, no quadro político constitucional em que vivemos, será um sistema de saúde híbrido, misto - em que diversas entidades se co-responsabilizam na prestação de cuidados e no financiamento do sistema de saúde - o mais adequado à prestação de cuidados de saúde, de qualidade mais acessíveis a todos os cidadãos.
Alguns polemizam esta proposta por nela estar excluído o conceito de gratuitidade para todos os cidadãos e para todas as prestações. É uma polémica desajustada e desligada das situações concretas em que vivem os sistemas de saúde, na maioria dos países. A gratuitidade para todas as prestações de saúde e para toda a população conduz a situações de gritante injustiça relativa e ignora por completo os novos desafios que se colocam à definição das políticas de saúde. Os sistemas de saúde têm-se tornado exponencialmente caros e o problema de financiamento do sistema é o problema n.º 1 quando se aborda esta problemática.
A alteração dos padrões de saúde/doença, com o aparecimento de novas situações clínicas multicausais de difícil abordagem, vieram aumentar desconsoladamente os custos de saúde: o alcoolismo, as toxicodependências e as doenças do foro psicológico ligadas a novos padrões de vida, são algumas dessas situações.
O desenvolvimento tecnológico acelerado traz, para apoio ao diagnóstico e à terapêutica, técnicas caras que, ao contrário do que acontecia com outras do passado recente, não se reflectem em economias a juzante do acto médico.
O envelhecimento da população resultante da melhoria das condições de vida e do desenvolvimento da medicina, para além de sobrecarregar o sistema de segurança social, coloca sob a protecção do sistema de saúde situações clínicas novas, necessitadas de cuidados muitas vezes permanentes, muito dispendiosos.
O aumento da oferta e o efeito perverso - que esperamos transitório - da indispensável educação para a saúde conduzem ao aumento de despesas através do sobreconsumismo do acto médico e da própria medicamentação.
Todos estes condicionantes têm levado os diferentes governos democráticos a abordarem esta problemática de forma séria e criteriosa. É indispensável continuar a assegurar cuidados gratuitos aos grupos populacionais mais carenciados e ou mais necessitados de prestações de saúde: os reformados, os idosos, as crianças, as mulheres grávidas. Os doentes crónicos e ou «incuráveis», estão entre os grupos sociais que devem, tanto quanto possível, ter cuidados de saúde de boa qualidade e se possível gratuitos.
Mas para atingirmos este objectivo teremos, se possível transitoriamente, de encontrar formas de complementarização do financiamento que o Orçamento do Estado veicula para o sistema: sistemas complementares de seguro, seguros privados, seguros de grupo, organizações de manutenção de saúde, são algumas das possíveis válvulas de escape indispensáveis à solvência de um sistema de saúde eficaz e acessível à maioria dos cidadãos.
Esta alteração permitiria também, de uma forma mais transparente e objectiva, definir as formas que devem revestir a participação da iniciativa privada no conjunto do sistema de saúde.
Para o PSD, o sector privado não deve ser um sector indesejável e tão somente tolerado, mas um sector acarinhado porque indispensável à prossecução de uma qualquer política de saúde. E para alguns tipos de cuidados em algumas regiões do País as populações serão mais bem servidas através do sector privado do que através de qualquer serviço público, por melhor que funcione.
O PSD propôs também a eliminação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 64.º As razões são óbvias e decorrem do estado de direito democrático e ocidental que cada vez mais nos orgulhamos de ser. Constitucionalizar a socialização da medicina e particularmente dos sectores médico-medicamentosas, afronta de forma inconciliável os princípios a que aderimos quando da adesão à CEE e, se mais não bastasse, a política dos diferentes governos ao longo dos anos esvaziou de significado tais declarações de princípio.
A proposta de eliminação do n.º 4 decorre, naturalmente, das alterações propostas para os n.ºs 1 e 2 do artigo 64.º
Finalmente, queremos manifestar o nosso apoio à proposta da CERC, que reflecte um ponto de equilíbrio entre diferentes concepções do papel do Estado enquanto garante da igualdade de acesso aos cuidados de saúde. Pensamos que a partir do texto da CERC ficam assegurados no essencial os princípios gerais por que se têm batido todos os partidos portugueses ao longo dos anos, mesmo sem a excepção do PCP.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para fazer pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados Isabel Espada, Vidigal Amaro, José Magalhães e Nogueira de Brito.
Assim sendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, depois de um longo debate sobre este artigo em sede de comissão, o PSD definiu finalmente a interpretação que era dada, nomeadamente ao texto final da CERC, ao artigo 64.º Efectivamente, da sua intervenção decorre a confirmação de alguns receios que foram e que têm vindo a ser evidenciados por nós, tanto em sede de comissão como em termos públicos, no sentido de que esta alteração do texto constitucional poderá abrir uma porta, poderá permitir o encarecimento e a alteração da prestação económica por pane dos utentes em relação ao serviços e aos cuidados de saúde de que beneficiam.
E isto decorre da sua intervenção, mas não decorreu da intervenção e da interpretação que já foi dada por deputados da sua bancada aquando da discussão desta matéria, porque, efectivamente e de acordo com a interpretação que era feita, eles tinham a mesma posição que
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o Partido Socialista, ou seja, que daqui não pode decorrer rigorosamente nenhum encarecimento ou nenhum aumento de oneração dos cuidados de saúde junto dos beneficiários.
Porém, da sua intervenção decorre essa conclusão. O Sr. Deputado diz que a gratuitidade conduz a situações de injustiça social, portanto, é preciso acabar com a gratuitidade em termos constitucionais. A interpretação que é dada pelo Partido Socialista, e que, aliás, foi dada por deputados da sua bancada, não é essa, mas, sim, a de que a gratuitidade é a regra e, de acordo com o texto que agora é proposto, é para lá que se deve caminhar.
Na sua intervenção o Sr. Deputado declarou que não aceita a gratuitidade porque ela conduz, seja em que circunstâncias for - e o Sr. Deputado não falou em termos temporais mas em termos gerais, portanto assume-se que é para hoje, para amanhã e que era ontem -, a situações de injustiça social. Portanto, na sua opinião, o sistema agora proposto vai, efectivamente, acabar com estas situações de injustiça social que o Sr. Deputado considera que são criadas pela gratuitidade.
Disse-se que a tendência será para criar a gratuitidade, que a situação de não gratuitidade existente hoje em dia, nomeadamente com as taxas moderadoras, é apenas uma situação provisória e que tenderá forçosamente no futuro para a gratuitidade total. O Sr. Deputado não tem essa opinião, o que, de algum modo, não nos surpreende, porque nós sabemos que é essa a política do Ministério da Saúde.
Finalmente, Sr. Deputado, nós compreendemos por que é que o PSD, ao contrário da interpretação que era feita pelo Partido Socialista, está satisfeito com o texto que foi adoptado para o artigo 64.º
Sr. Deputado, na sua opinião este texto permite ou não adequar o texto constitucional à política do Ministério da Saúde? O Sr. Deputado, para além de ter trabalhado a nível da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, é um profundo conhecedor das políticas do Ministério da Saúde e, portanto, está em boas condições para responder a esta pergunta. O Sr. Deputado pensa que com este texto é possível executar as políticas de saúde que até agora, porque o texto constitucional não o permitia ou porque punha em risco que algumas medidas fossem declaradas inconstitucionais, o Ministério da Saúde ainda não aplicou?
Da sua intervenção, Sr. Deputado, decorre que com a alteração do texto constitucional os beneficiários verão aumentados fortemente os custos de saúde. O Sr. Deputado pode dizer que os verão aumentados por uma questão de racionalidade, que esse aumento vai onerar especialmente as classes mais privilegiadas e que outras classes menos privilegiadas, os indigentes, os idosos, as crianças, os doentes de longa duração, serão privilegiados, portanto não pagarão nada. É, efectivamente, esta a perspectiva que consta da interpretação feita a este texto. Nós não podemos concordar com essa interpretação, mas temos medo dela, porque, segundo a mesma...
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Espada, queira terminar o seu pedido de esclarecimento. Como sabe, em termos regimentais, tem três minutos para fazer o seu pedido. Esse é o tempo normal, para não substituirmos os pedidos de esclarecimento por intervenções. Porém, ele pode ir até aos cinco minutos e foi por isso que não a avisei aos três minutos.
De qualquer modo, esgotou o seu tempo e por isso peco-lhe o favor de terminar.
A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Efectivamente, pensamos que esta interpretação que o Sr. Deputado faz agora é a prova provada de que temos todos motivos para ter os receios que temos vindo a manifestar relativamente a esta alteração do texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, deseja responder agora ou no fim?
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante a sua intervenção o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes disse que o principal objectivo do seu partido, com a proposta de alteração que agora apresenta para o artigo 64.º da Constituição, é o de «retirar a carga programática», «adaptar essa proposta ao programa do PSD» «e obter novas fontes de financiamento».
Pretendia que o Sr. Deputado me explicasse em que pontos é que isto se realiza com substituição proposta relativa à gratuitidade.
Em segundo lugar, gostaria de lhe lembrar o que disse a Sr.ª Ministra da Saúde ainda há muito pouco tempo. Leonor Beleza disse que o Governo vai apresentar, logo após a Revisão Constitucional, a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde. Pergunto: Como? O que é que se pretende com esta alteração e que permissibilidade se consegue com esta mudança do texto constitucional?
O Sr. Deputado disse a seguir que o que se pretende é «um sistema misto e híbrido». Pergunto ao Sr. Deputado quais são os sistemas mistos e híbridos que hoje não se podem praticar por impossibilidade constitucional e quais são os sistemas mistos e híbridos que depois desta proposta de alteração, se for aprovada, podem ser constitucionais.
Uma terceira pergunta tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado diz que os cuidados de saúde «para determinados grupos», «se for possível, podem ser gratuitos». Gostaria de saber se o «tendencialmente gratuitos» é para o que já hoje é gratuito continuar a sê-lo ou se tudo deixa de ser gratuito.
Repito, o Sr. Deputado mencionou, na sua intervenção, «determinados grupos, se possível». Portanto, certos grupos podem deixar de ter cuidados de saúde gratuitos? Sr. Deputado, pergunto isto porque ainda sou do tempo em que os doentes, para irem aos hospitais civis de Lisboa, tinham que passar pela Junta de Freguesia para pedir um certificado de indigência. Isto não se passou há muitos anos, Sr. Deputado. Será que das suas intervenções é isto que se pode depreender?
Era isto que gostaria que o Sr. Deputado me pudesse explicar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, grande expectativa rodeava a intervenção de V. Ex.ª uma vez que, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, os representantes do PSD usaram de uma grande parcimónia nas palavras, mediram as palavras com uma tal cautela que nós próprios ficámos surpreendidos. A sua colega, Maria da Assunção
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Esteves, teve mesmo o cuidado de debitar para a acta que, no seu entender e, em princípio, no do PSD, o texto resultante do acordo não acarretaria retrocessos. Chegou mesmo a afirmar «há uma tendência para o serviço de saúde gratuito». «É só isso, não há nenhum retrocesso, mas, sim, um avanço». «Há aqui um acolher de certo tipo de situações de modo realista e há uma propulsão constitucional para o Serviço Nacional de Saúde gratuito». Não gostávamos que um dos motores pudesse ser «gripado» por mãozinha malévola do PSD e também com empurrão do Partido Socialista.
Em termos concretos, a intervenção do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes deixa-nos insatisfeitos. O meu camarada Vidigal Amaro já citou as três áreas de perplexidade. Suponho que V. Ex.ª terá percebido que proposta originária do PSD não é contemplada neste texto. V. Ex.ª não falou dela, dir-se-ia que se obnubilou, já a esqueceu, está no passado, está no coração de todos vós. Esta proposta era a de criação não de SNS em qualquer modalidade, mas daquilo a que chamavam um «sistema nacional de saúde» nos termos da lei, isto é, o «sistema nacional de saúde laranja», o que quer que isso fosse. E o que é que distingue um «sistema nacional de saúde laranja»? É simples: pura e simplesmente não seria universal, nem geral, nem gratuito.
A solução para que se aponta no texto da CEE não é um sistema, é um Serviço Nacional de Saúde e como tal é caracterizado, o que tem consequências típicas. Por um lado, é inequivocamente universal e, por outro lado, é inequivocamente geral.
Quanto à questão da gratuitidade é que V. Ex.ª poderia ter dado uma ajuda, mas não o fez. Quando V. Ex.ª refere «sistema híbrido, misto» devo dizer que não está a adiantar grande coisa. O nosso sistema é um Serviço Nacional de Saúde já permite que certos cuidados de saúde sejam prestados por entidades privadas. Que eu saiba não é proibido fazer medicina privada em Portugal, nunca foi e não o será. Portanto, neste sentido, funciona em Portugal, quando olhamos globalmente o nosso sistema, um esquema híbrido. Não é isso certamente que V. Ex.ª quer dizer. Se estivesse a dizer isso estaria a dizer uma verdade de Lapalisse. Falando do Serviço Nacional de Saúde, o que é que V. Ex.ª quer dizer quando disse o que disse?
Em segundo lugar, foi aqui introduzida a noção «de gratuito se possível». V. Ex.ª não é jurista, mas é especialista na área, portanto tem obrigação de utilizar uma certa propriedade de linguagem. Será que V. Ex.ª disse o contrário da sua colega Maria da Assunção Esteves, e também o contrário do Sr. Deputado Ferraz de Abreu, que numa interpretação que ficou vertida em acta dizia «isto quer dizer que tudo o que é gratuito, é gratuito, o que ainda não é gratuito virá a sê-lo». Ficou em acta como apport interpretativo...
Vozes do PS: - E muito bem!
O Orador: - «Muito bem», ouço dizer agora de novo, sublinhando esta ideia.
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, em que é que ficamos? O que é que W. Ex.as querem? É legítimo que suspeitamos e até que afirmemos que o que W. Ex.as querem é aplicar, contra a Constituição, treslendo a Constituição, lendo e treslendo o vosso próprio texto, restrições drásticas que podem estar no regaço da Sr.ª Ministra da Saúde e que, a ser assim, seriam obviamente inquietantes para qualquer um, que deveria, aliás, tornar mais atento o Partido Socialista, que nisto adormeceu sensivelmente.
Era bom que V. Ex.ª pudesse clarificar este ponto, porque foi extremamente confuso ou, então, disse demais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar gostaria de registar com agrado a afirmação do Sr. Deputado José Magalhães «não será mais proibido o exercício da medicina privada em Portugal e nunca será».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas alguma vez o foi?!
O Orador: - Graças a Deus vocês também nunca mandaram completamente, Sr. Deputado.
Risos do CDS, do PS e do PRD.
V. Ex.ª não se irrite. Estou apenas a registar como positiva uma afirmação sua.
Faço agora uma confissão negativa para mim. Quando se começava a discutir o artigo 64.º entrei precipitadamente e apressei-me a retirar a nossa proposta. Não é essa a nossa intenção, Sr. Presidente. Vamos deixar fluir a discussão desta matéria e fazer aqui algumas perguntas ao PSD, que suponho que, nesta matéria da saúde, aparece novamente, como é seu timbre, como o partido envergonhado e escondido atrás do CDS. Depois retira propostas, desiste; faz várias coisas...
Risos do CDS e do PS.
Para já foi rigorosamente assim, mas nós afrontamos as nossas posições...
Uma voz do PSD: - A vanguarda!
O Orador: - É evidente, Sr. Deputado. É a vanguarda do moderno Estado português.
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, pensa ou não que a proposta inicial do PSD, apontando para um Sistema Nacional de Saúde, que V. Ex.ª de certo modo esclareceu agora fazendo uma referência ao carácter misto desse sistema, resultava melhor servida com a proposta muito simples do CDS de substituição dos n.ºs 2 e 3 e de eliminação do n.º 4? Como é que essa ideia inicial do PSD se coaduna com esta redacção que caiu de pára-quedas, que não era de ninguém, do «tendencialmente» gratuito? Como é que o sistema misto se concilia com o tendencialmente gratuito? Será que, no fundo, o que o PSD queria desde o início era o «tendencialmente gratuito», isto é, uma fórmula que lhe permitisse resolver o problema, que nós reconhecemos que é grave, dos custos elevados? Era só isso que o PSD pretendia, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, ou pretendia realmente um sistema articulado, o que também me parece representar, de certo modo, uma concessão entre formas públicas e privadas de prestação de cuidados médicos? Como é que isso se coaduna com o tendencialmente gratuito? Que ideia concreta é que o PSD tem para aplicação desta norma do «tendencialmente gratuito»?
Finalmente, como é que se coaduna esse dispositivo não só com a intenção inicial do PSD mas também com esta redacção da alínea c) proposta para o n.º 3,
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«orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos»?
O seu esclarecimento é importante, Sr. Deputado. Fico, pois a aguardar.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou começar por responder às questões que me foram formuladas pela Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Deputada começou por afirmar, aliás, como fizeram outros deputados, nomeadamente o Sr. Deputado José Magalhães, que existiam algumas contradições entre determinados conceitos que eu tentei aqui explicitar e outros explicitados por colegas meus aquando da discussão na CERC. Isso demonstra que a Sr.ª Deputada Isabel Espada, talvez porque tenha que ir a todas as lutas, dado o número reduzido de deputados do PRD nesta Câmara, não leu as actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Refiro isto até porque, aquando da primeira discussão na CERC, que foi a mais substancial e importante, quem fez as intervenções por parte do PSD fui eu próprio, e fiz afirmações que são, no essencial, coincidentes com aquelas que posteriormente foram feitas, por exemplo, pela minha colega Maria da Assunção Esteves, aquando da segunda discussão. Posso inclusivamente ler aqui um pequeno extracto que julgo que entra completamente em choque com as interpretações que os Srs. Deputados Isabel Espada e José Magalhães fizeram das minhas palavras. É o seguinte: «Julgamos, pois, que temos que criar condições, ainda que transitórias, e estamos esperançados que se revistam apenas de um carácter transitório para que num futuro mais próximo possamos assegurar a gratuitidade e a qualidade a todos os cidadãos».
Portanto, não vejo onde é que haja contradição entre os conceitos que veiculei aqui hoje, aqueles que veiculei aquando da primeira discussão na CERC e aqueles que posteriormente foram veiculados pela minha colega Maria da Assunção Esteves, aquando da segunda discussão na Comissão de Revisão Constitucional. .
Em relação ao problema da gratuitidade ou não gratuitidade das prestações de saúde, penso que alguma coisa tem que ser clarificada. Em primeiro lugar, não faz sentido que no texto constitucional esteja transcrito um conceito que seja completamente impossível de implementar no imediato. E até me espanta que o Partido Comunista, e particularmente o Sr. Deputado José Magalhães, que é o guardião-mor da Constituição da República, não se preocupe e continue a defender que uma lei, designadamente a grande lei-quadro do sistema de saúde, contenha inconstitucionalidades gritantes, aliás reconhecidas pelo Sr. Deputado José Magalhães aquando da discussão em sede de comissão. Quanto mais não fosse estaríamos a repor a legalidade, ou seja, estaríamos a pôr a Constituição da República de acordo com uma lei ordinária que é defendida ao extremo pelo Partido Comunista. Ó Sr. Deputado José Magalhães afirmou na CERC que as taxas moderadoras eram, para ele, clara e materialmente inconstitucionais. Quer que eu leia?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Leia, leia, mas leia tudo!
O Sr. António Vitorino (PS): - Para o Sr. Deputado José Magalhães as taxas só são moderadoras nos dias ímpares!
O Orador: - Vou, então, ler tudo: «Aquilo que aconteceu foi que, sob a batuta de diversos governos, foram instauradas figuras às quais foi dado o nome de taxas moderadoras, figuras essas cuja constitucionalidade foi suscitada junto do Tribunal Constitucional por diversas ocasiões, tendo dado origem, entre outros, ao Acórdão n.º 92/85, de 18 de Julho, que não se pronunciou sobre a questão de fundo, sobre a inconstitucionalidade material. O Sr. Provedor de Justiça, por exemplo, tinha suscitado a questão evocando, entre outras, a inconstitucionalidade material. Se V. Ex.ª me pergunta (...)» - estava a responder ao Sr. Deputado António Vitorino - «(...) se entendo que esses diplomas eram inconstitucionais materialmente, a minha resposta é sim». •
Assim, estamos a ir ao encontro das preocupações permanentes do Partido Comunista no sentido de não permitir que nem uma vírgula da lei ordinária, por mais inofensiva, seja inconstitucional!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Certamente que no final das minhas respostas V. Ex.ª ou a sua bancada intervirão, mas faça favor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, V. Ex.ª está, esta manhã, com uma propensão marginal para a inversão das coisas que me deixa estupefacto! Senão repare: o que nós sustentámos na comissão, pelo menos em relação a certas modalidades de taxas moderadoras - aquelas que V. Ex.ª considerou -, foi que era impossível não se dizer que elas são inconstitucionais. Mas o que V. Ex.ª diz é o seguinte:
«Se elas são inconstitucionais, então altere-se a Constituição e constitucionalizem-se as taxas»! Não pensa que o bom raciocínio, em termos escorreitos e normais, deve ser o contrário?
De facto, V. Ex.ª comporta-se como o tal que passa pela rua que tem um sinal de passagem proibida e diz: «Ah, é proibido passar? Com licença».,. arranca o sinal e «vrrum», vai em frente!
Risos do CDS.
É uma má concepção! V. Ex.ª deve ser um perigo na estrada com esses critérios, mas em matéria de saúde, pelo menos não façamos isto.
Além disto, pergunto-lhe o seguinte: saberá V. Ex.ª que o actual Tribunal Constitucional já emitiu um acórdão considerando que certas taxas moderadoras não são inconstitucionais? Se não sabe eu posso-lhe responder: já!
O Orador: - É mentira!
O Sr. António Vitorino (PS): - Ainda não está emitido!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, sim. A decisão está publicada no lugar de estilo.
O Orador: - Quem inverte sempre as coisas é o Sr. Deputado José Magalhães e o Partido Comunista. Não abdicamos de defender que o facto de o princípio da gratuitidade estar no texto constitucional está errado. Não abdicamos de o defender e já vamos falar disso!
Agora, o que me espanta é que o PCP, que está sempre a apelar à inconstitucionalidade de cada «pêlo», do artigo mais inofensivo da lei ordinária, não se preocupe com uma questão tão importante como esta e não
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peça ao Tribunal Constitucional que declare inconstitucional a Lei Arnaut! Espanta-me mas a incoerência é da vossa parte!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É o contrário!
O Orador: - Em relação ao problema da gratuitidade, realmente não é segredo para ninguém que não existe nenhum país com um sistema político semelhante ao nosso em que a saúde seja completamente gratuita. E isto não acontece porque esses países estejam menos preocupados com os direitos sociais dos seus cidadãos ou porque alguns dos governos desses países - que em muitos casos até são governos à esquerda do PSD - sejam menos socialistas que o Partido Socialista em Portugal. Não é por essa razão, é porque é impossível, ou pelo menos nesta fase é-o e o Sr. Deputado José Magalhães sabe-o tão bem como eu.
Em relação a esta alteração, o Sr. Deputado Vidigal Amaro pergunta que vantagens podem daqui advir e eu respondo que podem vir diversas vantagens.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Para quem?
O Orador: -- Não é segredo para ninguém, e lembro inclusivamente textos importantes do passado recente de uma personalidade que VV. Ex.ªs evocam agora bastantes vezes e que eu respeito muito, o Sr. Dr. Correia de Campos, pelos quais as taxas moderadoras, para determinadas prestações e em determinados momentos, são importantes dissuasores transitórios do consumo, sem isso se reflectir em prejuízo para os cuidados de saúde que são prestados. Ora, nós devemos tomar as precauções que nos permitam ter determinados mecanismos que possamos utilizar a cada momento para viabilizar o sistema de saúde sem correr o risco de calcar a fronteira da constitucionalidade. Este é um exemplo mas poderíamos evocar muitos outros.
Quanto ao problema da medicina pública e da medicina privada que foi abordado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro e posteriormente pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, devo dizer que é verdade que a Constituição permite o exercício da medicina privada. Mas em que condições é que o permite? Permite-o em condições de total menoridade, de forma a competir de maneira desigual com a medicina pública.
Não temos qualquer preconceito em relação à medicina privada. Para nós, é-nos completamente indiferente que as prestações de saúde sejam feitas por um serviço público ou por um serviço privado. O que nos preocupa é que elas sejam feitas com uma qualidade que seja aquela que exigimos a todos os cuidados de saúde. Em termos abstractos, até admitimos que as prestações de saúde pudessem ser realizadas somente pela iniciativa privada. O problema da prestação desses cuidados, para nós, não é uma preocupação, é-o, sim, o problema do financiamento.
No que se refere ao financiamento, para nós decorre naturalmente que o financiamento do sistema de saúde tem que ser feito, na actual conjuntura, maioritariamente pelo Estado e que devendo assegurar-se condições de gratuitidade a todos aqueles extractos da população que eu aqui aflorei. Portanto, não entendo como é que a Sr.ª Deputada Isabel Espada diz que decorre
naturalmente da minha intervenção que vão sair prejudicadas as camadas da população mais frágeis, quando afirmei precisamente o contrário. Disse que, para garantir a total gratuitidade a extractos da população mais frágeis, provavelmente teríamos que exigir alguns sacrifícios aqueles que têm mais possibilidades sócio-económicas. Foi isso que eu disse e não percebo como é que pode inverter a questão.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito perguntou como é que se conciliaria esta pequena alteração, segundo ele, com a possibilidade de implementar um sistema de saúde diferente, um sistema de saúde misto.
É que, ao contrário do Partido Comunista, fazemos uma diferenciação entre o financiamento e a prestação de cuidados. Penso que ao Sr. Deputado Nogueira de Brito não lhe repugna minimamente que o financiamento do sistema deva ser, e tenha ainda que ser maioritariamente veiculado pelo Orçamento do Estado. Não pode fazer uma revolução nessa matéria de um dia para outro e inclusivamente tenho dúvidas que o possa vir a fazer algum dia. O que me preocupa mais é o problema da prestação, é dar condições à iniciativa privada para competir em condições de igualdade com os serviços públicos. Portanto, não vejo que esta alteração não abra o caminho a essa possibilidade, ou seja, de se criarem condições de igualdade de competição entre o serviço público e o serviço privado.
Finalmente, o Sr. Deputado Nogueira de Brito disse que o PSD tinha, em relação a esta matéria como relativamente a outras, uma posição envergonhada, ocultando-se por detrás do CDS. Ora, só nos podemos ocultar por detrás de uma grande árvore que faça uma sombra enorme e o CDS, talvez infelizmente para a democracia portuguesa, é um pequeno arbusto.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É um arbusto incómodo!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por agradecer o ter-se conseguido adiar esta discussão para hoje, visto que na última semana não pude estar presente. Portanto, agradeço a todos os grupos parlamentares a oportunidade que me deram de poder participar neste debate.
Gostaria também de dizer que, pela minha parte e por parte da nossa bancada, partimos para este debate com a consciência nítida de que ele não serve apenas para debitar para a acta uma série de ideias ou de propostas. Partimos para este debate com a consciência de estarmos a lutar para que esta alteração não seja consagrada na Constituição, e para isso alertamos o Partido Socialista e falamos a todos os socialistas nas graves consequências que podem advir desta transformação.
Ouvimos, agora, uma intervenção do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, do PSD, pondo, em muitos aspectos, o «preto no branco» e expressando o que é que o PSD pretende com esta transformação, nomeadamente o que não tinha dito na segunda volta da Revisão Constitucional na CERC.
Assim, gostaria de partir daqui para que o PS pudesse reconsiderar a proposta alterada pela CERC, de maneira a poder garantir ao povo português o
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direito à saúde. Agarro nas palavras do Sr. Deputado Jorge Sampaio, proferidas ontem na televisão, quando ele disse que esta Revisão Constitucional é, por parte do PS, um compromisso para com os portugueses, que tem a ver com o seu projecto inicial. Ora, penso que o compromisso com os portugueses não faz parte desta alteração. No programa do Partido Socialista sempre se falou na defesa do Serviço Nacional de Saúde e o seu projecto inicial também não prejudicava a gratuitidade dos serviços de saúde, dizia, inclusivamente, que o actual quadro era bom para o regime democrático.
Gostaria de saber como é que o PS transformando o serviço gratuito em tendencialmente gratuito, pode defender que isso pode ser bom para o regime democrático.
O Partido Socialista referia ainda que o seu projecto de Revisão Constitucional defendia a oportunidade de igualdades e eu gostaria também de saber como é que afirmações tais como «defender a igualdade de oportunidade» podem ser referidas no presente projecto de alteração.
Por outro lado, gostaria de relembrar aqui algumas afirmações e começaria por uma feita aquando da Revisão Constitucional de 1982. Dizia, então, o Sr. Deputado António Arnaut: «A posição do Partido Socialista português, a este respeito, é firme e categórica e totalmente inconciliável com as propostas da AD que pretendem acabar com a gratuitidade, pura e simplesmente; pretendem a supressão de princípios da universalidade, generalidade e gratuitidade, sem as quais não pode haver um verdadeiro e autêntico serviço de saúde. O que a AD pretende é revogar o Serviço Nacional de Saúde.» Mais adiante dizia que, votando contra estas propostas, o PS tinha honrado «(...) mais uma vez, o seu compromisso de se bater até à vitória final por um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito»
Bem sei que isto foi em 1982, que foi há muito tempo e que o PS, entretanto, modificou a sua atitude. Mas sucede que o PS modificou a sua atitude na própria CERC, da primeira para a segunda volta. Gostaria que o PS pudesse dizer aqui o porquê desta modificação das suas atitudes.
Aquando da primeira volta, o PSD, pela voz do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, disse o seguinte: «Ao deixar cair o termo gratuito temos obviamente um objectivo: abrirmos as portas ao aparecimento de outras formas de financiamento do sistema de saúde, como os seguros de doença e os sistemas organizados de formas diversas.» Estas eram palavras do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, a que o Sr. Deputado Ferraz de Abreu respondia: «Em relação à eliminação, no n.º 2, do citado preceito, universal, geral e gratuito, julgo que vem contrariar o que consta no n.º 1, isto é o direito à saúde. Por conseguinte, se não houver o termo universal, geral e gratuito põe-se em causa o direito à saúde.» Trata-se da acta n.º 23, RC, II série, p. 624.
Mais à frente dizia o Sr. Deputado Ferraz de Abreu: «Termino com um pequeno pormenor relativo ao problema dos seguros de doença e dos subsistemas. Também já tivemos ocasião de nos pronunciarmos sobre esta questão no Plenário. Entendemos que a criação de um seguro de doença levaria, de facto, os cidadãos a ter uma medicina de primeira, de segunda ou de terceira.» E mais adiante ainda o Sr. Deputado João Rui Almeida referia o seguinte, em relação aos seguros de
doença: «Os mais ricos pagarão naturalmente mais, por terem seguros melhores. Isto vem criar uma desigualdade (...). O problema da gratuitidade não pode ser posto em causa.»
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Exacto!
O Orador: - O Sr. Deputado João Rui de Almeida confirma o que afirmou.
Por outro lado, durante a discussão em Plenário, dizia no outro dia o Sr. Deputado Costa Andrade: «O PSD não vota inutilidades.»
O que é que o PS tem a dizer disto? Se o PS diz que pouco ou nada se altera, porque é que o PSD vai votar esta inutilidade?
Finalmente, nesta primeira intervenção dirigia mais uma pergunta directamente ao PS. Nos debates que aqui se têm verificado no campo da saúde - desde a discussão do Orçamento do Estado a discussões na generalidade - a Sr.ª Ministra da Saúde vem sistematicamente dizer que este Governo não pode gerir a saúde e não pode cumprir o respectivo programa porque as normas constitucionais não lho permitem. Também ainda há pouco frisei que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes e a Sr.ª Ministra da Saúde já vêm anunciar que, após a Revisão Constitucional, vai ser criada uma nova lei de Serviço Nacional de Saúde, que, com base nas alterações constitucionais - e a única alteração de vulto que se verifica é a passagem de gratuito para tendencialmente gratuito -, vai originar «um novo sistema de saúde». Gostaria de sabei se o PS tem consciência disto, do que é que cedeu ao PSD, dados os perigos que enunciei.
Não são fantasmas do Partido Comunista Português! Tem havido uma grande corrente de opinião nesse sentido! Dizia há pouco tempo a Pastoral da Saúde: «O Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito não deveria ser eliminado da Revisão Constitucional.» São declarações prestadas no fim do 3.º Encontro Nacional da Pastoral da Saúde, órgão da Conferência do Episcopado, exortando-se também os deputados a reflectirem sobre o problema de forma a não alterarem o artigo da Constituição que garante a todos os portugueses o direito à saúde. Por todos estes factos, espero que se consiga não alterar esse preceito, para que os cidadãos portugueses continuem a manter, na íntegra, o seu direito à saúde.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. António Vitorino (PS): - O CDS traiu a Igreja!
O Sr. Raul Castro (Indep): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Raul Castro (Indep): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, como nas lápides negras, que estão aparentemente em funcionamento experimental, não vejo nenhuma referência ao
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tempo de intervenção dos Deputados Independentes da ID, sinto-me obrigado a perguntar à Mesa qual é o tempo de que dispomos para o debate.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, o que lhe posso dizer relativamente a isso é que, olhando para o respectivo quadro, constato que não está lá indicado o tempo da ID. De qualquer modo, posso-o informar, conforme consta, aliás, do boletim informativo distribuído hoje, que os deputados integrados no antigo agrupamento parlamentar da ID dispõem de 34,8 minutos.
Inscreveram-se, para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Vidigal Amaro, os Srs. Deputados Luís Filipe Menezes e Rui Machete.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, tinha duas ou três questões breves a colocar-lhe, mas gostaria que, previamente, e se estivesse de acordo, me respondesse a uma.
V. Ex.ª reincidiu no tipo de crítica feita pelo Sr. Deputado José Magalhães e pela Sr.ª Deputada Isabel Espada, no sentido de que hoje tinham ficado perfeitamente claras, através da minha intervenção, todas as maldades que o PSD pretende fazer ao sistema de saúde.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Todas não, a maior parte!
O Orador: - Gostaria que me dissesse em que pane da minha intervenção é que proferi afirmações que estão minimamente em contradição e que não são completamente coincidentes com aquelas que porventura vos agradaram mais feitas na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Trata-se de uma mistificação, porque aquilo que eu fiz foi repisar, repetir de uma forma perfeitamente clara até às vírgulas, tudo aquilo que tínhamos dito na CERC.
Sr. Deputado, quer responder previamente a esta pergunta? Concretamente, diga onde é que está a diferença!
O Sr. Presidente: - Esta é uma figura que não está prevista regimentalmente. Eventualmente o Sr. Deputado poderia interromper...
O Orador: - A não ser que o Sr. Deputado Vidigal Amaro intervenha durante o meu tempo de intervenção. Desde que assim seja, a figura é regimental.
O Sr. Presidente: - Trata-se, então, de uma interrupção forçada.
O Orador: - Provocada!
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É voluntária e não forçada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, estamos a falar de duas coisas completamente diferentes. Uma delas refere-se à primeira volta, na CERC - li o que o Sr. Deputado disse e isso é coincidente com o que afirma hoje aqui -, e outra refere-se à segunda volta, também na CERC, em que o Sr. Deputado não estava presente mas, sim, a Sr.ª Deputada Maria da Assunção Esteves. Então a Sr.ª Deputada disse precisamente o contrário do que V. Ex.ª referiu agora. Na primeira volta da CERC ainda não havia a proposta assinada pelo PSD e pelo PS, existiam, sim, as propostas do PSD e o PS atirou--se a elas «como gato a bofe», pelo que não se poderia ter discutido a norma que se está a discutir aqui hoje.
O Orador: - V. Ex.ª reacendeu mais as contradições das suas afirmações, porque o Sr. Deputado diz que não há uma contradição entre as minhas intervenções na primeira volta, na CERC, e a intervenção que fiz hoje. Foi isso que V. Ex.ª disse. Há uma contradição entre o que disse o PSD pela voz da Sr.ª Deputada Maria Assunção Esteves, na segunda volta, na CERC, e o que eu digo hoje? Então, o Sr. Deputado tem uma opinião diversa da Sr.ª Deputada Isabel Espada! Entendam-se e depois façam uma intervenção comum que seja conciliatória das opiniões diversas que têm em relação a este assunto.
Vou agora abordar as outras questões. Vamos partir do princípio que é necessário, em relação a determinadas prestações de saúde, inserir taxas moderadoras. VV. Ex.ªs até podem concordar com algumas taxas moderadoras, penso eu, senão teriam pedido a insconstitucionalidade da Lei Arnaut. Agora, Sr. Deputado Vidigal Amaro, o que gostaria que me dissesse é se já chegou a acordo com o Sr. Deputado José Magalhães quanto à interpretação da Constituição, dado que V. Ex.ª afirmou taxativamente na CERC que a Constituição permitiria a implementação de taxas moderadoras, fossem elas quais fossem, e, portanto, não haveria necessidade de a alterar, e o Sr. Deputado José Magalhães foi perfeitamente claro na sua afirmação de declarar inconstitucionais essas normas da Lei Arnaut. Gostaria de saber se VV. Ex.ªs já se tinham entendido.
Segunda questão: V. Ex.ª «atira-se», com grande convicção, contra outras formas de financiamento do sistema que saiam daquelas que a actual lei quase que obriga a serem exclusivas, através do Orçamento do Estado, particularmente aos sistemas complementares de seguro, a seguro privados, a seguro de grupo. VV. Ex.ªs não podem ouvir falar disso, é uma coisa horrorosa, que, contudo, tem permitido cuidados de saúde de bom nível em muitos países europeus, mas para VV. Ex.ªs é uma coisa horrível.
De qualquer modo, gostaria que os Srs. Deputados fossem mais coerentes. Penso que o Sr. Deputado Vidigal Amaro esteve presente - ou se não esteve estiveram alguns camaradas seus - num recente colóquio organizado pela Federação dos Sindicatos Médicos, a qual salvo erro, é uma organização que julgo que vos é relativamente simpática, onde foram apresentadas teses, e uma delas foi apresentada pelo Dr. Correia de Campos, que tanto quanto soube, teve um aplauso unânime desse congresso. Ora, nessa tese eram defendidos (e eu tenho aqui algumas partes desse texto) os sistemas complementares de seguros, os seguros privados e os seguros de grupo.
VV. Ex.ªs lá não se opuseram a isso, concordaram com tudo, só que depois a Federação Nacional dos
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Médicos teve a incoerência de transcrever no seu boletim informativo uma interpretação, aliás, truncada, do texto do Dr. Correia de Campos em relação à alteração da Constituição. VV. Ex.ªs esqueceram-se de meter nesse boletim estas afirmações do Dr. Correia de Campos.
Portanto, Sr. Deputado, queria que me dissesse se realmente está em desacordo aqui estando de acordo nessa reunião da Federação Nacional dos Médicos.
Finalmente, estas posições do Partido Comunista não me espantam, porque são incoerentes. Defendem aqui uma coisa e depois lá fora, enquanto cidadãos, tem uma prática diferente. Aliás, gostaria de lembrar aqui uma passagem, do passado não muito longínquo, aquando de uma interpelação ao Governo em 6 de Maio de 1981, em que um Sr. Deputado do Partido Comunista afirmava: «quem quer saúde paga» - afirmação verdadeira, essa sim, lapidar, didáctica. Com efeito ensina-nos o pensamento da AD, a saúde não é um direito, é uma mercadoria que se compra, que se vende e tem que dar lucro. Assim o querem os mercadores de medicamentes, de actos médicos de apetrechamento hospitalar de diárias de hospitalização.
Talvez não seja muito curial trazer à colação aquilo que eu agora vou dizer, mas penso que, isto sim, é didáctico: este Sr. Deputado do Partido Comunista é um médico do Porto que cobra, pela primeiro consulta, 10 mil escudos e tem o consultório cheio desde as 9 horas da manhã até à meia-noite!
Protestos do PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa forma de argumentação, em termos de debate político, é abjecta! Fede! Já perguntaram ao Sr. Costa Freire quantos milhões é que «encaixou»?
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - O Sr. Deputado Vidigal Amaro afirmou que o PSD não vota inutilidades. E esse é exactamente o nosso desejo. Na realidade, nesta matéria não pretendemos votar inutilidades, mas também não temos nada que esconder ou de que nos envergonhar, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito há pouco pareceu insinuar.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Afirmei!
O Orador: - Afirmou, o que ainda é pior!
O artigo 64.º da Constituição é extremamente generoso mas esquece as condições concretas em que se encontra o Estado português e as corveias do Estado social.
O que dizemos claramente é que o direito à saúde é, efectivamente, um direito importante para ser assegurado aos portugueses. Contudo, não é de justiça social que aqueles que podem pagar à vontade beneficiem da gratuitidade do serviço em detrimento da qualidade do mesmo, porque o dinheiro não chega para tudo, e em detrimento portanto dos mais débeis e dos mais fracos.
É precisamente por isso que é extremamente importante dizer-se que, em relação àqueles que podem pagar e têm possibilidades de o fazer, deve haver uma justiça distributiva clara. E é justamente porque se cedeu à tentação de se fazer a consagração de um serviço nacional - que não compreendi bem se é inspirado no manual do Dr. Marcelo Caetano, no Duguy ou em certas tendências de um marxismo-leninismo - que se veio a consignar na Constituição esta ideia um pouco peregrina do Serviço Nacional de Saúde tal como veio a ser feito.
Na realidade, não foi possível ir mais longe do que introduzir esta ideia básica, que tem em consideração a dinâmica histórica, porque é em função da riqueza que há a distribuir, do rendimento das pessoas e do próprio custo dos serviços, que vamos ter que ponderar, em cada caso, aquilo que é razoável exigir para que o direito à saúde seja de todos. Àqueles que têm pouco não lhes é exigido nada e, portanto, poderão beneficiar de um serviço gratuito, e aqueles que têm mais possibilidades financeiras pagarão para que o serviço tenha outra qualidade e outra eficiência, desde que aquilo que paguem, todavia não os constranja, de modo a que esse direito possa ser plenamente exercido.
Creio que esta questão é extramente clara e devo dizer que não compreendi os comentários da Pastoral da Igreja nesta matéria.
Vozes do PCP: - Ah!
O Orador: - Penso que aí houve uma ignorância em matéria de finanças que se compreende mas que não se justifica.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A Pastoral é ignorante?
O Orador: - A verdade é que a crítica valeria igualmente em relação ao CDS. É realmente algo que não compreendi muito bem, mas que suponho que resulta de uma incompreensão da problemática em causa.
Seja como for, sejamos claros: o nosso propósito é no sentido de assegurar uma justiça social que permita o exercício efectivo do direito à saúde: aqueles que têm impossibilidade de pagar não pagarão, aqueles que têm possibilidade de pagar mais ou qualquer coisa, pagarão. Não há justificação para que isso assim não aconteça e para que na prática isso se traduza numa injustiça social. É isto o que pretendemos!
É evidente que se o Estado social evoluir para outras condições que permitam dispensar, mesmo aqueles que sejam possidentes, o pagamento de taxas moderadoras, não acho nenhum inconveniente em que isso assim se realize, mas desde que outros direitos mais ou tão fundamentais sejam igualmente satisfeitos.
Digamos isto sem disfarce, com toda a clareza, e o resto, meus caros senhores, é pura e simples demagogia ou é uma arma política, naturalmente legítima, mas que tem que ser desmascarada como tal.
É preciso encarar as coisas de frente e claramente. É isso o que fazemos e é essa a interpretação desta ideia de «tendencialmente gratuito». Não temos nada que nos envergonhar com isso, pois trata-se de uma matéria de justiça social, é uma realização do Estado de Direito e da concretização do direito à saúde.
Gostaria que isto ficasse bem claro e creio que não vale a pena estarmos com tergiversações. É justamente isso que pretendemos e é por isso que votamos este texto, que não é tudo o que pretendíamos, mas que, em todo o caso, satisfaz o que é essencial.
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Deixemo-nos de demagogias, sejamos realistas e olhemos para a nossa prestação de cuidados de saúde que, infelizmente, tem muito a ser melhorado noutros termos e com outra atenção do que não as simples considerações programáticas e ideológicas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra ao abrigo do direito de defesa da honra da minha bancada relativamente às afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, creio que na discussão parlamentar há princípios éticos que não podem ser ultrapassados, mesmo quando tenhamos as mais profundas divergências e creio que, na intervenção que à pouco produziu, V. Ex.ª ultrapassou esses limites, esses princípios.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado pretendeu ofender um médico comunista muito conhecido, o Dr. Emílio Peres, que é um profissional de reconhecida competência - aliás, o Sr. Deputado reconheceu isso quando afirmou que esse médico tinha o consultório sempre cheio. Ora, isso é inadmissível e é-o particularmente quando, na verdade, os Srs. Deputados estão aqui a defender e preparam-se para consagrar uma norma constitucional susceptível de ser usado para dificultar o acesso de uma grande parte dos portugueses à saúde. É isso mesmo o que os Srs. Deputados desejam, ou seja, dificultar o acesso de grande parte dos portugueses à saúde!
De facto, isso é inadmissível. Os Srs. Deputados estão aqui a defender, de facto, a transformação da medicina num negócio. Portanto, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes é a favor da transformação da medicina num negócio, mas ao mesmo tempo é também um invejoso..
Protestos do PSD.
O que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes queria era ter competência para, no seu consultório, poder levar 10 000$ pela primeira consulta. Porém, não tem essa competência e tem inveja! É isso o que ressalta da intervenção que produziu!
Ao mesmo tempo que quer prestar um mau serviço aos portugueses também dá uma imagem muito negativa da sua própria concepção da medicina, da política de saúde e da posição do seu partido em todas estas matérias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Foi muito fraco!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, para quem fez um apelo a princípios éticos, V. Ex.ª terminou bastante bem.
Gostaria de clarificar o sentido das afirmações que fiz quando me referi a esse ex-deputado comunista - penso que ainda é comunista - e médico. Tal como os Srs. Deputados, temos toda a legitimidade para abordar questões que têm a ver com a actividade privada de homens públicos. Nos últimos meses, os Srs. Deputados fartaram-se de levantar suspeições sobre homens públicos, suspeições essas que têm a ver com as suas actividades privadas, suspeições não provadas. Ora, eu não levantei suspeições de espécie alguma, apenas fiz uma afirmação concreta e objectiva daquilo que é a incoerência de princípios defendidos aqui dentro e de práticas exercidas lá fora.
Protestos do PCP.
Mas decorre outra coisa da intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito. Nós não nos importamos nada que existam médicos a exercer a sua iniciativa privada e que cobrem os proveitos de acordo com o seu valor. Porém, dizemos claramente que os Srs. Deputados é que vêm aqui «tapar o sol com a peneira» e demonstrar que defendem uma medicina para os ricos e uma medicina para os pobres. Não serão certamente os pobres, que VV. Ex.ªs dizem defender, que enchem o consultório do Sr. Deputado comunista que leva 10 000$ por uma primeira consulta!
Aplausos do PSD.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer novamente o direito de defesa da honra da minha bancada, uma vez que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes não só não deu explicações relativamente à ofensa que nos dirigiu, como agravou essa ofensa, procurando confundir e mistificar totalmente as questões que estão em discussão.
Certamente que as pessoas que aqui estão a assistir à sessão são inteligentes e não se deixarão perturbar com esta argumentação falaciosa do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª deve conhecer muito melhor do que eu o Regimento e deve saber que o facto de agora pretender usar da palavra novamente para defesa da honra da bancada é uma situação nova, que não se encontra prevista no Regimento. Portanto, não lhe posso conceder a palavra para esse efeito. Se quiser, V. Ex.ª poderá inscrever-se para uma intervenção e fazer as considerações que entender ajustadas.
Para responder aos pedidos de esclarecimento que foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, gostaria de começar por me referir a esta última parte do debate, sem prejuízo de mais tarde a nossa bancada poder falar sobre o assunto. Assim, devo dizer que o que pretendemos é que haja uma sã concorrência entre a medicina privada e a medicina pública.
Vozes do PSD: - Ah!
O Orador: - É isso o que os Srs. Deputados não querem! O que pretendem é que seja a medicina pública a pagar a medicina privada!
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Que legitimidade é que tem o PSD para censurar quem trabalha no sistema privado!?!
Srs. Deputado, é ilegal fazer medicina privada? É ilegal, em alguma profissão liberal, levar dinheiro por uma consulta? Isso é inconstitucional?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se se for comunista é!!!
O Orador: - Se se for comunista é? É isso que o Sr. Deputado pretende dizer?!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Têm má fé!
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, é evidente que não é ilegal. Mas se não existem as condições que permitam que isso se possa realizar dessa forma, não faz sentido que tal conste na Constituição.
O Sr. Deputado refere-se permanentemente à possibilidade de serem veiculadas para a medicina privada verbas, financiamentos, que venham do Orçamento do Estado. Ora, isso é ou não inviabilizar completamente ad initio uma concorrência entre o sector público e o sector privado?
Diga-me qual é o País do mundo em que há um sistema de facto competitivo entre os dois sectores, em que o maior financiador global do sistema é o Estado e que não tenha a liberdade de veicular verbas de forma idêntica para um e outro lado do sistema.
O Orador: - Sr. Deputado, nunca afirmámos que somos contra a medicina privada. Defendemos um Serviço Nacional de Saúde que satisfaça todos os cidadãos e o que precisamos é que se cumpra a Lei do Serviço Nacional de Saúde. Ou o Sr. Deputado pensa que o seu sistema é melhor e que com ele vão ser todos os cidadãos atingidos?
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - O problema é o dinheiro!
O Orador: - Ao falar no dinheiro o Sr. Deputado acaba de dizer que vai haver uma diferenciação: quem tem mais dinheiro há-de ter mais saúde e quem tem menos dinheiro há-de ter menos saúde.
Sr. Deputado, cumpra-se a Constituição, cumpra-se a Lei do Serviço Nacional de Saúde. Isso é que é importante!
Em relação ao problema das taxas moderadoras e ao financiamento, devo dizer que o que foi considerado inconstitucional foi a forma como foram...
O Sr. Rui Machete (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, compreendo a sua defesa entusiasmada da medicina privada e devo dizer que o acompanho em
relação a esse aspecto. Porém, tenho a seguinte dúvida: se o Serviço Nacional de Saúde, tal como os Srs. Deputados o imaginam, universal, gratuito, permanente, funcionar bem, quem é que vai...
O Orador: - Ora aí está, Sr. Deputado, é isso que pretendemos!
O Sr. Rui Machete (PSD): - Então, afinal de contas, não defendem a medicina privada! Era aí que eu queria chegar!
O Orador: - Sr. Deputado, nunca a defendi. O que pretendemos é que haja um serviço de saúde capaz de dar satisfação igualmente a todos os cidadãos. Porém, se um cidadão não quiser ir ao serviço público, mas sim ao privado, poderá ir. Ninguém é proibido de ir a um serviço privado!
Contudo, o que pretendemos é que o serviço de saúde preste bons serviços e que os cidadãos não tenham que recorrer à medicina privada para terem o direito à saúde que a Constituição deve consagrar.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para não gastarem os tais 10 000$!
O Orador: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pretende interromper-me?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, apenas estava a dizer que se o Serviço Nacional de Saúde funcionasse bem não era preciso gastarem-se os tais 10000$.
O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado. É mesmo isso que pretendemos: é que esse serviço, que só poucos cidadãos podem pagar, devia ser público. É precisamente isso que defendemos no Serviço Nacional de Saúde, é por isso que defendemos a gratuitidade dos serviços e estes têm que ser bons!
Se a Lei do Serviço Nacional de Saúde, de que os Srs. Deputados do PSD não gostam, fosse cumprida, hoje em dia muitos desses serviços já se podiam fazer no serviço público e qualquer cidadão tinha direito a eles, não dependiam da bolsa desses cidadãos.
Em relação ao problema das taxas moderadoras, devo dizer ao Sr. Deputado para ler o último Acórdão do Tribunal Constitucional, onde verificará que as taxas moderadoras não foram consideradas inconstitucionais. Basta ler o acórdão!
Quanto àquilo que o Dr. Correia de Campos defende, o Sr. Deputado Rui Machete deve fazer essa pergunta ao PS, pois não tenho nada a ver com as ideias do Dr. Correia de Campos...
O Sr. José Magalhães (PCP): - O PS está muito calado!
O Orador: - O Sr. Deputado Rui Machete disse que deveria haver uma melhor distribuição de justiça. Sr. Deputado, o que deve haver é uma justiça fiscal porque hoje todos nós pagamos a saúde. A saúde não é gratuita, o dinheiro não cai do céu, sai das nossas algibeiras através dos impostos.
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O que deve haver é justiça fiscal: aqueles que mais ganham mais impostos devem pagar. Aí é que a justiça era feita!
O Sr. Rui Machete (PSD): - Só aí?
O Orador: - Também fiquei a saber que o Sr. Deputado considerava que a Pastoral da Saúde era ignorante. Mas esse é um problema do Sr. Deputado e da Pastoral da Saúde!
Na verdade, o que nós defendemos é o seguinte: se hoje o direito à saúde já encontra muitos obstáculos, depois da Revisão Constitucional não os verá diminuídos, se esta norma vier a ser aprovada.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como temos a consciência tranquila em matéria de problemas de saúde, porque sempre fomos defensores da saúde para todos os portugueses, podemos falar sobre estes problemas com uma certa calma. Temos que reconhecer que neste debate que está a ser travado algumas coisas têm sido ditas com acerto e outras como produto de um pouco de exaltação e de defesa um tanto radical de certos princípios.
Quando criámos a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde introduzimos a noção das taxas moderadoras para racionalizar os serviços e para evitar certos consumismos enquanto fosse necessário fazê-lo. Já nessa altura admitimos que o serviço não era totalmente gratuito, mas que caminharia para isso.
Falou-se aqui na primeira volta do debate na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Já nessa altura eu disse o seguinte, a propósito dos custos: «De facto, ao dizer que queremos socializar, pretendemos que tal socialização incida sobre os custos, cuidados médicos e medicamentosos. Se defendemos a tendência para a gratuitidade destes cuidados, isto está totalmente de acordo com essa nossa afirmação.» Isto é para responder um pouco à ideia que hoje foi levantada no sentido de que teria havido uma certa contradição entra a nossa primeira e a nossa segunda intervenção, depois do acordo feito.
Não me custa nada repetir aquilo que tem sido dito pelos meus colegas de bancada e que tem conduzido à discussão e o debate sobre a revisão da Constituição. Naturalmente que a Constituição que vai sair desta revisão não será a do PS, mas é muito próxima daquilo que sempre desejámos e que propusemos.
Portanto, a Revisão Constitucional será feita por consenso de todos os partidos e há-de tentar traduzir a vontade da grande maioria dos portugueses, de tal modo que não impeça que qualquer partido que assuma o poder possa fazer cumprir os seus programas, desde que eles tenham sido votados e aprovados pela maioria do povo português.
Naturalmente que a introdução da frase «tendencialmente gratuito», que tem sido aqui objecto de tanta discussão, para nós tem apenas um significado: é que a tendência que já vinha sendo aplicada e reconhecida vai continuar sem retrocesso. Portanto, caminharemos para a gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde.
Aliás, ninguém pode deixar de reconhecer que nesta Revisão Constitucional defendemos a manutenção do Serviço Nacional de Saúde. Inviabilizámos propostas que tenderiam a eliminar o Serviço Nacional de Saúde, deixando-o entregue a uma regulamentação a estabelecer por lei, o tal sistema nacional de saúde. Continuámos a defender o Serviço Nacional de Saúde universal, geral e com tendência para a gratuitidade, não havendo, pois, nenhuma incoerência da nossa parte. A nossa interpretação é esta e será sempre esta!
Quando se diz que é injusto os ricos terem os mesmos benefícios que os pobres, reconhecemos que seria injusto se isso fosse aplicado. Porém, o que é verdade é que, saindo o dinheiro para financiar o Serviço Nacional de Saúde dos impostos cobrados pelo Estado aos cidadãos, entendemos que, se houver necessidade de corrigir assimetrias ou distorções, é através da via fiscal que ela deve ser aplicada e não devem ser os cidadãos a pagar nos pontos de contacto, isto é, não deve ser nos locais onde lhes são prestados os cuidados médico-hospitalares que eles deverão fazer qualquer espécie de pagamento.
Também reconhecemos que a introdução da frase «de acordo com a capacidade económica de cada um» tem um significado bem claro. É que ela impedirá a aplicação indiscriminada das taxas moderadoras e permitirá, desde já, suprimir todas as taxas para certas classes que tenham menores rendimentos. Esta é a nossa interpretação e pareceu-nos ver por parte do PSD uma interpretação neste sentido.
Em relação aos problemas da medicina privada devo dizer que sempre advogámos a existência de uma medicina privada, pois nada temos contra ela. Porém, não concordámos e inviabilizámos que ficasse na Constituição, com os incentivos à medicina privada, porque receávamos que isso levasse o Estado a desobrigar-se nesta matéria. Isto é, o Serviço Nacional de Saúde tem o suporte do Estado e o facto de incentivar uma medicina privada poderia levar o Estado a refugiar-se numa prática que o libertasse dos seus encargos e das suas obrigações.
Aliás, no texto da Constituição que existe neste momento nada impede que se possa recorrer à medicina privada e nada impede que o próprio Governo, se o desejar, possa fazer com que os cidadãos paguem a medicina. Basta para isso reduzir os investimentos, basta deixar degradar os serviços de tal modo que as pessoas que têm dinheiro fujam desses serviços e vão cair na medicina privada.
O que continuamos a defender é a existência de um Serviço Nacional de Saúde eficaz, dotado de todos os meios para prestar aos cidadãos os cuidados médico-
-hospitalares mais sofisticados, mais modernos e mais eficientes. Porém, se além disso os cidadãos querem recorrer à medicina privada, são livres de o fazer. O que o Estado não deve é suportar esses encargos. Sempre defendemos isso é continuaremos a defendê-lo.
Contudo, também aceitamos que enquanto o Estado não tiver os serviços oficiais dotados de toda a capacidade de resposta para prestar esses cuidados, nada impede que o Governo faça acordos com algumas instituições privadas no sentido de que esses cuidados sejam prestados a todos os cidadãos. Só nessa altura
- e isso deve ser uma excepção - é que aceitaríamos que as verbas do Serviço Nacional de Saúde sejam transferidas para a iniciativa privada.
Pensamos que o texto, tal como irá ser aprovado - creio que obterá os votos necessários para ser aprovado
-, não vem, de forma alguma, colocar-nos numa situação de confronto com as atitudes que assumimos
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no passado em relação a esta matéria. Fomos defensores do Serviço Nacional de Saúde, temos muita honra em termos sido os autores dessa lei e continuaremos a defendê-la.
Não nos assusta nada dizer que o Serviço Nacional de Saúde deve ser suportado pelo Estado, pelo menos por agora, e creio que durante muito anos, se houver a sabedoria para gerir convenientemente os meios que o Estado entregue ao Serviço Nacional de Saúde.
Estamos longe das preocupações dos países europeus. Reconheço que, de facto, nos países europeus, onde se instalaram serviços nacionais de saúde, hoje eles não são gratuitos e são um motivo de preocupação para os respectivos governos. Contudo, estamos longe dos 8% ou dos 12% do produto interno bruto, e portanto, estamos muito longe desses consumos. Com os nossos modestos 3,5 ou 3,8% ainda não há razão para alarido e para começarmos já a pensar que têm que haver fontes de financiamento para o Serviço Nacional de Saúde, estabelecendo-se a tal diferença entre ricos e pobres.
Entendemos que quando um cidadão recorre aos cuidados dos serviços oficiais não há que lhe estar a perguntar se ele é rico ou pobre, mas sim que lhe prestar os cuidados de que ele tem necessidade. Esta é a nossa posição quanto a esta matéria.
Em relação às afirmações que têm sido feitas e que foram aqui referidas pela Conferência Episcopal, devo dizer que também reconhecemos que essa mesma Conferência afirmou que a Constituição deve ser a base do consenso e a expressão nacional. Não sabemos bem, nem estamos muito preocupados em saber, qual é a interpretação que os Srs. Bispos deram à frase que escreveram. Não temos necessidade desse apoio, sempre o defendemos e fizemo-lo muito antes de os Srs. Bispos se terem pronunciado nesta matéria. Em relação a este assunto somos pioneiros, temos honra em o ter sido e continuaremos a defender, intransigentemente, um Serviço Nacional de Saúde à disposição e ao serviço de todos os portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Brito e Vidigal Amaro.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, ouvi com toda a atenção e respeito a intervenção que produziu e gostaria de colocar algumas questões.
O Sr. Deputado afirmou - e creio que foi muito positivo tê-lo feito - que o PS é e continuará a ser defensor do Serviço Nacional de Saúde e depois também afirmou a sua interpretação deste dispositivo e garantiu: «a nossa interpretação é e será sempre esta.»
Mas o Sr. Deputado reconhece certamente que o PSD é um perito em «tresleituras» e aqui mesmo temos estado a assistir a isso.
Por outro lado, V. Ex.ª com certeza que tem também informação de que a Sr.ª Ministra Leonor Beleza já anunciou o propósito de fazer uma nova lei para o Serviço Nacional de Saúde. Não reconhece que o Partido Socialista está a abrir mão de algumas garantias
facultando que os dispositivos constitucionais em relação ao Serviço Nacional de Saúde possam ter uma leitura diferente daquela que o Sr. Deputado tem e que diz que o Partido Socialista continua a ter?
O Sr. Deputado não reconhece que, actualmente, tendo o PSD a maioria na Assembleia da República e tendo ainda algum tempo para governar com essa maioria - provavelmente não tanto como o PSD sonha, mas tem ainda algum tempo -, pode aprovar essa nova lei com uma interpretação em muitos aspectos muito diferente daquela que o Sr. Deputado nos acaba de fazer? Quais são as garantias do PS? Insisto, não decaiu o PS daquilo que lhe dava garantia? Não está o PS a decair daquilo que lhe dava garantias? E não decaiu o PS em relação à sua posição inicial nesta matéria? Repito, não decaiu o PS da sua posição inicial na matéria?
O Sr. António Vitorino (PS): - Não.
O Orador: - O PS não chega aqui, ao Plenário da Assembleia da República, no momento em que vamos consagrar a revisão da Constituição, numa posição bastante diferente daquela de que partiu, no seu projecto de lei, relativamente ao Serviço Nacional de Saúde? Eram estas interrogações, que são inquietantes, que são preocupantes, que não queria deixar de lhe colocar.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vidigal Amaro prescindiu do uso da palavra para pedir esclarecimentos, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, para responder, se assim o desejar.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado Carlos Brito, o Partido Socialista, naturalmente, não pode, não quer, nem deve responder, pelo Partido Social--Democrata e pelas suas intenções no poder.
Devo dizer-lhes que o texto na Constituição actual, tal e qual como está, tem permitido ao Governo em matéria de saúde, aplicar um programa que é completamente diferente daquele que nós defendemos. Por exemplo, nunca aceitaremos a passagem para a iniciativa privada dos estabelecimentos do Estado e já assistimos a isso em relação ao Hospital da Prelada. Não concordamos com a inclusão na Constituição dos incentivos à iniciativa privada, mas este Governo tem-no feito, tem criado esses incentivos, mesmo com o actual texto da Constituição e VV. Ex.ªs ainda não apelaram dizendo que isso é inconstitucional!
Em segundo lugar, este texto é claro e ilucidativo quando consignamos a tendência paia a gratuitidade, na qual sempre falámos; de facto foi da nossa responsabilidade o ter criado a tendência para a gratuitidade, ao estabelecermos as taxas moderadoras mas neste texto fica agora estabelecido que são socializados os custos da medicina e dos medicamentos e, portanto, penso que este texto é suficientemente claro para defender a nossa tese.
Está aqui claramente expresso esse princípio que nós gostaremos de ver aplicado, por que nos bateremos e que defendemos; o que fica expresso é que a medicina, os cuidados médicos hospitalares caminharão para a gratuitidade. Isto é o que está e o que resulta deste texto.
Quanto às afirmações da Sr.ª Ministra da Saúde, devo dizer que a Sr.ª Ministra afirma o que quiser, como sempre tem feito; algumas vezes estamos de
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acordo com as suas afirmações mas a maior parte das vezes temos estado em desacordo com o que a Sr.ª Ministra tem afirmado, sobretudo estamos em desacordo com o que a Sr.ª Ministra tem feito.
Aliás, outra redacção que foi apresentada para este texto, cuja eliminação foi proposta e que não referi na minha primeira intervenção era no sentido de que continuamos a defender a gestão participada e democrática dos hospitais; esforçámo-nos para que isto ficasse consignado e efectivamente ficou, tanto que inviabilizamos uma proposta de sentido contrário e cremos que temos muita razão para isso se verificarmos e recordarmos aqui o que tem acontecido com a alteração da lei da gestão hospitalar, pondo termo à tal gestão democrática e participada. Escuso de apontar factos e casos porque eles são do conhecimento de todos nós.
Creio, Sr. Deputado que respondi às suas dúvidas nesta matéria.
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Herculano Pombo, para uma intervenção, informo a Câmara que está reunida a Comissão de Regimento e Mandatos, sendo solicitada a presença dos Srs. Deputados que dela fazem parte porque há falta de quórum.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, a minha intervenção será para uma brevíssima apresentação das propostas do meu partido e sendo assim cedia a minha vez, que não a minha inscrição, à Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
O Sr. António Vitorino (PS): - É um gesto de cavalheirismo.
O Sr. Presidente: - A Mesa não vê inconveniente. Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De certo modo as instâncias da bancada do Partido Comunista, que me citou várias vezes a propósito das minhas intervenções na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, faria uma ligeira intervenção.
A inteira gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde é, em nosso entender, uma insustentável inquietação de todos nós. A gratuitidade como meta, como ideal, como necessidade sentida é inquestionável; mas a sua sustenção, no quadro da própria natureza do direito em causa, parece-me mais difícil.
É que o direito à prestação de saúde integra todo o elenco dos direitos económicos, sociais e culturais, cuja lógica de realização é uma lógica oposta à dos direitos, liberdades e garantias. Ali, nos direitos, liberdades e garantias, o Estado abstinha-se quase sempre, para efeito de realização dos direitos dos cidadãos. Aqui, nos direitos económicos sociais e culturais em que a prestação de saúde se integra, o Estado vê-se forçado a adstringir um conjunto de meios ao desiderato que se propõe realizar. E é exactamente porque os direitos económicos, sociais e culturais se cifram num quadro do domínio do possível que se põe o problema da tendencial gratuitidade da saúde ou da possibilidade da sua realização plena de momento e nas condições económicas que o Estado tem que enfrentar.
O direito à saúde é, antes de mais, um direito cuja qualidade, em termos de realização, é um imperativo. É um direito em que a eficácia tem que ser ponderada ao lado da gratuitidade, ao lado da universalidade e ao lado dos outros requisitos que no actual texto constitucional lhe são assinalados.
A qualidade da prestação aqui é fundamental e a consideração dos meios que o Estado tem para a realização deste direito é também fundamental.
O que é que significava o inciso constitucional que se referia a uma inteira gratuitidade do ensino? Significava, antes de mais, que a Constituição não orientava as suas considerações e os seus preceitos à própria possibilidade do Estado realizar os direitos que lhe assinala. Significava, antes de mais, que, a não se orientar a Constituição ao domínio do possível em que estes direitos se realizam, forçava o Estado a uma actualização à margem da própria Constituição e isto era mau. Era mau porque, com o seu sonho, a Constituição não conseguia mais do que o faria com uma linguagem mais realista; e era mau para a própria Constituição, porque ela própria acabaria, com o consentimento de todos nós, por admitir défices de obrigatoriedade que eram impostos pela própria natureza do direito e pelo modo como a sua realização era constitucionalmente imposta.
Não podemos, portanto, admitir que a Constituição - num sonho que é realizado por outras vias e que passarei a explanar, num sonho que deve manter e que deve ser servido por outra ordem literal no próprio preceito referente ao Serviço Nacional de Saúde - o fizesse, digamos, com prejuízo da própria adequação possível do Estado aos imperativos constitucionais.
Diria, antes de mais, que o problema dos direitos económicos, sociais e culturais, neste âmbito e em especial o direito à saúde, não se realiza apenas no quadro estrito dos artigos que o consagram. Parece-me que há um esquecimento na interpretação preocupada ou preocupante dos partidos que nos imputam a grave responsabilidade de transformar a gratuitidade plena do Serviço Nacional de Saúde numa tendencial gratuitidade do mesmo serviço e que há um descuido claro do sentido que no fundo está na Constituição como património adquirido e inquestionável. Esse património tem a ver com os parâmetros fundamentais do Estado social de direito.
Não é sem razão que a nossa Constituição, em vários momento e um deles é fundamental, que é o do próprio artigo 9.º, sobre as tarefas fundamentais, assinala afinal a necessidade e imperatividade de o Estado vir a realizar os direitos económicos, sociais e culturais. Não é sem razão que esta evidência é demonstrada pelo facto de nenhum partido ter apresentado, para nesse momento da Constituição, qualquer alteração à sua redacção.
É que o Estado social de direito não permite que haja uma interpretação arriscada, em termos de direitos das classes mais desfavorecidas, daquela fórmula que ora é apresentada; isto é, a consagração constitucional do serviço tendencialmente gratuito há-de ter uma conformação interpretativa, que é dada pela natureza constitucional do regime consagrado com dados adquiridos e inquestionáveis do Estado social de direito, que tende, nos próprios termos constitucionais, a aperfeiçoar-se até aos direitos do ideal.
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Na realidade, não parece ao PSD que haja aqui retrocesso. Refiro, Sr. Deputado José Magalhães, aquilo que foi citado pelo Sr. Deputado sobre a minha intervenção, que está nas actas. Há um avanço, se quiser porque há uma consideração mais real da necessidade desta prestação, em termos de qualidade, e da adequação do contributo do Estado há a satisfação da mesma necessidade e das suas mais possibilidades. No fundo, é a adequação duma actuação do Estado que não tenha, ela própria, que marginalizar a Constituição.
Mas há ainda outro aspecto fundamental. É a própria Constituição que ganha, porque é ela que se resguarda de sonhos que não são realizados e que acabam por ser pacificamente aceites na prática quando o Estado foge a esses sonhos e essas inconstitucionalidades acabam por ser sentimental e juridicamente admitidas.
Em nome duma linguagem mais real e em nome da crença no Estado social de direito como património adquirido que a nossa Constituição já consagra, é sem receio que o Partido Social-Democrata vai trocar a expressão «gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde» pela expressão «tendencialmente gratuito».
É óbvio que não vou repetir aqui alguns argumentos que já foram aduzidos, o próprio artigo 64.º tem o cuidado, no n.º 3, alínea c), de se referir à socialização dos custos. Diria, assim, que todas as cautelas estão salvaguardadas, em nome do necessário tratamento proporcional em função da situação económica dos beneficiados, mas também em nome duma linguagem real e em nome do ideal do próprio Estado social contido nos quadros constitucionalmente estritos.
Aplausos do Sr. Deputado Vieira Mesquita (PSD).
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, creio que a prelecção que a Sr.ª Deputada acaba de fazer sobre o Estado social de direito e sobre a natureza jurídica do direito à saúde tal qual está hoje consagrado, confortará pouco face à conclusão que ao fim desse longo excurso acabou por produzir. A questão é esta: todos nós somos capazes de compreender a diferença entre duas coisas - o texto constitucional originário, tal qual está vigente e o texto para que VV. Ex.ªs apontam.
No texto constitucional em vigor é inequívoco que a gratuitidade do SNS é, expressamente, uma garantia constitucional do direito à protecção da saúde, não se limitando a Constituição a reconhecer vagamente um direito à saúde. Reconhece-o de verdade e acopla a esse direito uma garantia directa e específica que exige a gratuitidade das prestações públicas de saúde. Ora, o aplicador da Constituição não pode subverter esse juízo.
V. Ex.ª pretendeu visivelmente mitigar essa garantia acoplada ao direito à protecção da saúde, reinterpretou-a para mitigá-la, diminuí-la mas não sabemos em que grau. Isso depende, em muito, como se sabe, do aplicador PSD, que por definição diz o que V. Ex.ª diz, mas também diz o contrário daquilo que V. Ex.ª diz, se for necessário, e pratica ainda pior se entender, podendo até ter muitas práticas.
O que perturba mais no discurso de V. Ex.ª é a tentativa, puramente semântica, de artifício verbal, de sustentar que a mudança não é mudança e que o recuo é avanço. O artifício só se consegue suprimir pondo V. Ex.ª a responder a perguntas concretas, que é aquilo a que V. Ex.ª foge. Pergunto-lhe, por isso, quais são as implicações directas desta alteração constitucional em matéria de possibilidade para o legislador ordinário de estabelecimento de taxas moderadoras, outras taxas pela prestação de serviços, por prestação de serviços em urgências, em internamentos, em meios complementares de diagnóstico? Qual é a margem de acréscimo que a partir daqui é alcançada? Toda? Alguma? Nenhuma? É a isto que V. Ex.ª tem que responder, é a isto que é útil que responda. De contrário, dá-nos um poema e nesse caso passamos todos para a biblioteca, sentamo-nos e ouvimos, encantados, V. Ex.ª dizer um poema «batem taxas leve, levemente», mas não perdemos tempo numa discussão jurídica.
Segundo aspecto: V. Ex.ª diz que assim a Constituição se resguarda do sonho, do choque do confronto com a realidade, etc. Mas, Sr.ª Deputada, o risco é o contrário! O risco é que os cidadãos se confrontem, eles próprios, com novas barreiras ao acesso à saúde. Já não bastam as barreiras resultantes da ignorância sobre os direitos, das distâncias de carácter físico, geográfico, da má implantação, da má organização e da má estruturação dos próprios serviços de saúde, das medidas contra os médicos, das carências em relação aos medicamentos - já não basta tudo isso e ainda se pretende, ao que parece instaurar novas barreiras, que seriam, obviamente, outros tantos instrumentos dificultadores da igualdade de oportunidades de acesso à saúde, num país em que a desigualdade de oportunidades no acesso à saúde abunda e é um chocante facto!
Multiplicam-se as desigualdades em tudo, na instalação dos equipamentos, no tratamento dos doentes e até na forma de atendimento e eu pergunto a V. Ex.ª como é que é possível dizer, a não ser por litania, por poesia e por uma curta irresponsabilidade, que isto é um avanço?! A não ser que diga, muito solipsisticamente, que há um avanço porque há um recuo e que o recuo, para o PSD, é um avanço e, portanto, deve ser um avanço para os cidadãos.
Tal forma de argumentação, desde logo, Sr.ª Deputada Assunção Esteves, não é própria de juristas. Tenho a esperança de que V. Ex.ª responda jurídica e especificamente a estas questões, até porque, como sabe, acabou de ser aprovado o Acórdão n.º 330/89 do Tribunal Constitucional, precisamente sobre esta matéria. Suponho que V. Ex.ª não estará fazendo este debate na ignorância deste facto.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, apesar do modo como considera a minha intervenção, mantenho todas as afirmações que aqui produzi e queria responder-lhe muito brevemente.
Sobre a primeira questão concreta devo dizer que há, de facto, com a nova redacção, a constitucionalização das taxas moderadoras...
O Sr. José Magalhães (PCP): - De todas as taxas?
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A Oradora: - Relativamente aos outros problemas que V. Ex.ª põe, o Sr. Deputado extravasa aqui, no seu discurso, para considerações que têm a ver com problemas de gestão governamental do sector de saúde e que não têm a ver com a consagração constitucional de princípios, como o da gratuitidade do serviço, que neste momento são objecto dum desvirtuamento, pacífico na prática, porque a própria realidade constitucional está desfasa das possibilidades que qualquer poder ao serviço da Constituição possa efectivamente realizar e temos que evitar esse desfasamento.
Não verterei aqui considerações de carácter administrativo no sentido daquelas que V. Ex.ª fez, referindo-se a tarefas governamentais, porque o que está em causa é um princípio constitucional, que é passível de ser observado ou não pelo Estado - que é o que se passa neste momento - e essa não observância é pacificamente aceite por todos nós. Isto é mau para nós e é mau para a Constituição.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Há pouco o Sr. Deputado Vidigal Amaro perguntava ao Partido Socialista o que é que cedeu ao PSD. Agora pergunto ao PSD o que é que o PSD cedeu ao PS, ou o que é que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes cedeu à Sr.ª Deputada Assunção Esteves,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma boa pergunta.
O Orador: - ... porque na realidade, Sr.ª Deputada Assunção Esteves, o que V. Ex.ª disse aqui hoje tem a ver com a formulação final, não tem a ver com a vossa proposta de Revisão Constitucional, rigorosamente nada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não.
O Orador: - O que VV. Ex.ªs propunham era, recordo, a substituição do Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e gratuito, por um sistema nacional de saúde. VV. Ex.ªs propunham substituir a alínea c), n.º 4, do artigo 64.º com uma redacção que dizia: «incentivar as iniciativas, em matéria de saúde, das instituições particulares de solidariedade social, bem como outras formas autónomas de medicina que contribuam para a realização do direito à saúde, definindo as regras de actuação de umas e outras e fiscalizando a sua acção».
Sr.ª Deputada Assunção Esteves, isto tem a ver com o discurso do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, que está ainda na óptica e na linha da proposta inicial e tudo leva a crer que é nessa linha e nessa óptica que ele faz a leitura do «tendencialmente gratuito». Mas, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, V. Ex.ª não o pode fazer, porque o tendencialmente gratuito nem sequer tem a ver com o problema do financiamento dos vários meios postos à disposição dos cidadãos para eles conseguirem realizar o direito à saúde. «Tendencialmente gratuito» é uma expressão que, como o Partido Socialista sublinhou, tem um significado puramente conjuntural; tem a ver, para uns, com a situação social do
País - será esse o problema que mais aflige os nossos bispos e muito bem - e, para outros, com a situação das finanças do País, que parece ser o problema que mais aflige VV. Ex.ªs e, porventura, têm razão para isso; de qualquer modo, não põe mais nada em causa, porque dentro de algum tempo o Serviço Nacional de Saúde geral, universal será novamente gratuito.
Ora, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, o que pretendíamos pôr em causa - e V. Ex.ª sente que é esse o problema, quando se congratula com o facto do Sr. Deputado José Magalhães admitir que o Partido Comunista aceita uma medicina privada - era o monopólio do Estado nessa matéria e todos nós sabemos que o Serviço Nacional de Saúde geral, universal e gratuito aponta para o monopólio e, porventura, dificulta ou impossibilita jovens médicos, por exemplo, de ascenderem a qualquer possibilidade de exercício prático e privado da medicina de Portugal.
Era isto que queríamos pôr em causa e não o direito à saúde; queríamos pôr em causa esse monopólio. Perguntar-me-ão: porquê? O monopólio pode ser aquilo que melhor assegure a materialização do direito à saúde dos cidadãos! Afirmo que não é. Queremos pôr em causa o monopólio porque o Estado já se revelou um mau organizador deste monopólio, um mau prestador de serviços nesta matéria. Revelou-se em Portugal e revelou-se em todo o mundo; os países que tinham um Serviço Nacional de Saúde geral, universal e gratuito estão, neste momento, a tentar reformá-lo, porque verificam que esse serviço não é eficaz. Pode ter sido eficaz numa determinada conjuntura histórica mas não é eficaz neste momento.
Assim, é em nome da eficácia que é necessária para garantir aos cidadãos o verdadeiro acesso ao direito à saúde que pomos em causa o monopólio. Julgávamos que VV. Ex.ªs tinham a mesma ideia, mas afinal não têm e satisfizeram-se com um pequeno arranjo financeiro que lhes permita, porventura, introduzir alguma taxa moderadora neste ou naquele momento. Não é esse o nosso objectivo e verificámos que também não era o de V. Ex.ª, mas é o objectivo da bancada do seu partido. Então, pergunto o que é que VV. Ex.ªs cederam, que contabilidade é que acabaram por fazer.
A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Machete, António Vitorino e Luís Filipe Menezes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito V. Ex.ª fez uma intervenção extremamente interessante, embora, na minha perspectiva, dividida em dois aspectos, sendo que num estou inteiramente de acordo, pois penso que este artigo 64.º reflecte uma tendência a que chamei um princípio estruturante de carácter colectivista e que foi uma interpretação dominante desse artigo 64.º durante muito tempo. Há, porém, uma outra leitura, a propósito daquilo que neste momento aparece consignado e que resultará como leitura prevalecente e interpretação correcta deste artigo 64.º e no qual não o acompanho.
É verdade que queríamos ir mais longe e é verdade que o compromisso a que somos obrigados se traduz na circunstância de não vermos vasada na Constituição toda a nossa perspectiva. É evidente e nós reconhecemo-lo várias vezes! É divertido verificar que umas vezes acusam o Partido Socialista de decair e outras
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acusam o PSD de decair, mas os compromissos são assim.
Agora, V. Ex.ª não reparou em dois aspectos para os quais gostaria de chamar a sua atenção. O primeiro é que esta ideia do monopólio do Estado, curiosamente, não aparece a propósito do «tendencialmente gratuito», do gratuito ou do universal mas a propósito da alínea c), n.º 3, do artigo 64.º, quando se falava em orientar a sua acção para a socialização da medicina e dos sectores médico-medicamentosos.
Era aí que a questão se punha e é aí que ela agora se deixa de pôr, porque a ideia que existe um serviço - chamemos-lhe serviço ou um sistema, embora pensemos que o mais correcto é chamar-lhe sistema - do Estado como forma de assegurar o direito à saúde, se for interpretada duma determinada maneira, é correcta, porque o direito à saúde é um direito subjectivo público e, portanto, em termos sociais, quem deve essa prestação é o Estado. Mas o Estado deve fazê-lo em termos de conseguir equacionar as coisas de modo a garantir que a iniciativa privada em matéria de saúde se possa realizar em condições de igualdade e daí a necessidade de assegurar que haja possibilidades de uma vivência competitiva da parte dos serviços particulares em matéria de saúde.
Deste modo, contestamos abertamente a sua ideia de que o monopólio está inteiramente ligado à ideia do direito à saúde, porque não está. O Estado tem é que assegurar um serviço básico, essencial e é fundamental que seja assim.
Por outro lado, no novo texto que subscrevemos, não está a ideia que se continue a afirmar o carácter residual de medicina privada; pelo contrário, entendemos que aquilo que aqui está preconizado é uma ideia de uma igualdade de oportunidades em relação à medicina privada, mediante a socialização dos custos, isto é, tal como acontece exactamente e em termos paralelos, no que respeita ao ensino.
Por último, gostaria de dizer que o «tendencialmente gratuito» pode não ter e a nosso ver não tem, a interpretação que V. Ex.ª lhe deu. Significa isto que temos de ver a realidade em termos dinâmicos, temos de ver o princípio da igualdade de oportunidades e o princípio da justiça social. E permita-me que lhe diga, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, que acho que é uma consideração porventura excessivamente confiante no sistema fiscal pensar que a justiça social pode ser basicamente realizada pela via do sistema fiscal, porque não é assim.
Em qualquer circunstância, o que queria referir ao Sr. Deputado Nogueira de Brito era que V. Ex.ª não pode interpretar o artigo 64.º sem ter em conta o n.º 3 alínea c) igualmente proposto. É extremamente importante que o não esqueça.
O Sr. Presidente: - Para fazer um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito: Apreciei, particularmente, o grito de lamentação do Sr. Deputado, pelo facto da solução que está ensejada com o apoio de dois terços não satisfazer o objectivo programático do CDS de tornar claro que se põe fim a monopólios, que por acaso até não existem, e que não satisfazem completamente o objectivo da proposta do CDS.
Compreendo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tenha de fazer esta declaração, pois o projecto do CDS era, na sua formulação inicial, mais tímido do que, por exemplo, o projecto do PSD. É que, quando neste último se falava num incentivo às formas de medicina privada, o CDS quedava-se, modestamente, por uma referência a uma garantia institucional do exercício da medicina privada. Eram, de facto, uns passinhos atrás e o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para recuperar ideologicamente, teve de fazer alguns saltos de canguru.
Mas a minha pergunta é modesta e simples, sincera e honesta. Da sua intervenção não percebi, verdadeiramente, como é que o Sr. Deputado Nogueira de Brito ia votar a proposta da CERC. Como é que vai votá-la, Sr. Deputado?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Contra, Sr. Deputado!
O Orador: - Mantendo o que está na Constituição! ...
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito fez referência a algumas divergências de interpretação sobre a redacção final da proposta da CERC ou daquilo que essa redacção final poderá permitir, quanto à implementação da política de saúde, entre a intervenção da Sr.ª Deputada Assunção Esteves, a minha própria, a interpretação dada pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu e, necessariamente, a interpretação dada pelo Partido Comunista e, provavelmente, aquela que V. Ex.ª tem.
Considera ou não que este simples facto é uma conquista importante da Revisão Constitucional? Estão, ou não estão, abertas - sem pôr em causa o essencial, que é o direito à saúde para todos os portugueses - para caminhar no sentido de implementar esse direito, de formas diversas, conforme a visão política ideológica que os diferentes partidos democráticos têm, em relação a essa questão.
Parece-me que decorre naturalmente da sua intervenção, que está aberta a possibilidade de uma flexibilização relativa ao comportamento político dos diferentes partidos, enquanto responsáveis pela política de saúde.
Finalmente, o Sr. Deputado põe como uma prioridade - para mim de uma forma clara - para qualquer política de saúde ser de qualidade a necessidade de ela ser privada. Nós, PSD, queremos que ela seja de qualidade e que seja, tanto quanto possível, gratuita.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: É evidente que esta discussão que estamos a fazer visa, fundamentalmente, contribuir para o esclarecimento do sentido final daquilo que vamos votar. O Sr. Deputado António Vitorino vai mesmo muito longe: depois de falar nos cangurus quer que eu diga como é que vamos votar a proposta da CERC.
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É uma teoria muito longa, Sr. Deputado António Vitorino, que nos vai levar a votar favoravelmente muitas propostas da CERC, muito embora elas não representem saltos de canguru, mas pequenos passos. Porém, somos a favor dos pequenos passos, pelo que diria que somos os campeões da revisão, Sr. Deputado António Vitorino! Nessa matéria temos este princípio: mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Vai ser sempre por esse princípio que vamos pautar a nossa votação. Esteja descansado, Sr. Presidente António Vitorino!
O Sr. António Vitorino (PS): - Eu percebi que iam votar contra!
O Orador: - Quando lá chegarmos V. Ex.ª verá como votamos. Até pode ser que aconteça isto: votarmos favoravelmente a nossa proposta e a proposta da CERC. Pode ser que aconteça muitas vezes, evidentemente. Não há nisso, como V. Ex.ª sabe - e sabe muito bem - qualquer contradição. Mas há este sentido útil que V. Ex.ª há pouco salientava em surdina: «Ai votam contra e fica na mesma!» A questão é essa, Sr. Deputado António Vitorino: é que votar contra, pode levar a ficar na mesma e ficando na mesma, fica pior!
Estamos a ver agora que há, porventura, interpretações nesta matéria que permitirão que fique um pouco melhor. Ora, é disto que estamos efectivamente a duvidar: que fique um pouco melhor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Vai votar interpretações?!
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, estou a votar propostas com um sentido, não estou a votar propostas sem sentido nenhum. É óbvio que isso é o que estamos a fazer.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas qual sentido, se há três leituras?
O Orador: - Não entremos em diálogo, Sr. Deputado José Magalhães, ainda por cima não estando V. Ex.ª ao microfone.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Rui Machete, V. Ex.ª sabe - e sabe bem - que a alínea c) foi modificada e, porventura, esse foi um dos avanços mais significativos da alteração. V. Ex.ª tem razão! Mas não era da alínea c) que resultava o carácter monopolista de um serviço que existia. Ele resulta da forma como está redigida, efectivamente, a alínea a). Resulta daí! O carácter monopolista do Serviço Nacional de Saúde ou tendencialmente monopolista, agora fala-se em «tendencialmente gratuito», resulta fundamentalmente da alínea a).
O Sr. José Magalhães (PCP): - A alínea a) não é alterada!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso é marginal a este debate!
O Orador: - A circunstância de se ter alterado a redacção, como VV. Ex.ªs alteraram, não é porventura suficiente nesse sentido. É aí que se põem os grandes
problemas da possibilidade de existência de uma medicina privada, cujos custos sejam susceptíveis de vir a ser socializados, Sr. Deputado Rui Machete. Aí é que se põe o grande problema! Isto porque um serviço com essa natureza, apesar de «tendencialmente gratuito», é um serviço que pode vedar o acesso à medicina privada aos jovens médicos e essa é a questão fundamental, para quebrar o enguiço em que se encontra a prestação de cuidados médicos aos portugueses, neste momento.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quanto à proposta do PRD relativamente a esta questão, aliás como foi feito oportunamente em ofício, quero informar a Mesa que retiramos a nossa proposta para a alínea c) do n.º 3, que tínhamos apresentado inicialmente. Aproveitava, ainda, para referir que consta da alínea é) um acrescento ao actual texto constitucional. A alínea é) refere «Disciplinar e controlar a produção, a comercialização e o uso de produtos químicos, biológicos ou farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico» e nós acrescentamos «bem como a comercialização e o uso de produtos alimentares, ou de outra natureza, tendo em vista o cumprimento das regras de salubridade e higiene».
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A questão que estamos agora a abordar - o artigo 64.º - é, do nosso ponto de vista, fundamental, pese embora a pequena diferença relativamente ao texto constitucional do que está proposto. A pequena diferença pode, fundamentalmente, resumir-se a uma simples palavra: tendencial.
Pensamos que a proposta do PSD, de que o PSD abdicou para o texto da CERC, significa o tal pequeno salto que o CDS preferiria maior. Desse ponto de vista, concordamos que os pequenos saltos do CDS são melhores que os grandes saltos do CDS.
Relativamente à interpretação deste texto, é verdade, pelo debate a que se tem assistido, que há, de facto, interpretações diferentes, e que não são de somenos importância, na medida em que esta questão se resume à simples palavra «tendencial». Há diferenças de interpretação, relativamente a esta questão, feitas pelo PSD e pelo PS, ambos subscritores do acordo, o que nos levaria a aproximarmo-nos, naturalmente, da interpretação dada pelo PS e a afastarmo-nos também, num salto maior, relativamente à interpretação dada pelo PSD.
E porquê? Todos sabemos que o PSD relativamente a esta questão, e aí há alguma coerência do PSD, tem vindo a defender e a lutar, de uma forma sistemática - foi só um pequenino salto também para o PSD -, por acabar com aquilo que está publicamente admitido e aceite, creio eu, que é o Serviço Nacional de Saúde. Desse ponto de vista, este pequeno salto do PSD vai de encontro a esse objectivo, embora não o possa ainda concretizar com esta alteração.
A política de saúde do PSD, dito já várias vezes aqui pela Sr.ª Ministra, é uma política que não vai mais além, de acordo com o seu projecto, porque o texto constitucional o não tem permitido. Mas agora, como já foi aqui referenciado, certamente que irá propor uma
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alteração ao Serviço Nacional de Saúde, o que pressupõe, do nosso ponto de vista, efectivamente, o que tememos, que o PSD não só está especialmente interessado neste pequeno salto, como vai procurar fazer deste pequeno salto um grande salto, mesmo contra a lei e aí, provavelmente, afastar-se não só da interpretação que lhe é dada pelo Partido Socialista, como daquela que a lei impõe.
Aliás, o Partido Socialista tem nesta matéria, e por isso compreendemos menos esta pequena cedência do Partido Socialista que pode ser uma grande cedência, tem sido dos partidos que na Assembleia da República, honra lhe seja feita, nomeadamente nesta legislatura e na legislatura anterior, mais se tem batido contra aquilo que têm sido medidas avulsas, porque não são ainda devidamente estruturantes, face à impossibilidade constitucional, que têm sido desenvolvidas pelo PSD. Aí, o Partido Socialista tem sido um arauto do contraponto à política de saúde que o PSD tem desenvolvido.
Desta forma, a nossa incompreensão para esta pequena cedência, que pode ser uma grande cedência, repito relativamente a esta questão.
Também temos presente a interpretação que em tempos foi feita pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu, relativamente à proposta que agora é feita de alteração ao n.º 2. Ela é, de certo modo, incompatível com o n.º 1 do próprio artigo 64.º E porquê? Porque consideramos que o direito à saúde é de tal modo um direito fundamental, que o facto de se lhe pôr restrições, como se põem, relativamente a este direito à saúde, pode ser um elemento grave e perigoso.
É evidente que poderíamos também aqui invocar, e penso que vamos invocar, não com muita força, porque senão poderíamos ser acusados de invocar umas vezes e de não invocar outras, mas penso que neste caso existe alguma coerência, repito, alguma coerência, relativamente àquilo que foi a declaração da Pastoral da Igreja sobre a questão da saúde.
Pensamos que existe alguma coerência porque são valores e princípios pelos quais a Conferência Episcopal se tem orientado. Julgamos também que isto não é uma simples afirmação desgarrada e fora do contexto, antes pelo contrário, pois insere-se num conjunto de preocupações que, é justo reconhecê-lo, a própria Conferência Episcopal tem vindo a defender. Este não é um elemento de somenos importância, mas de importância relevante, sabendo-se da própria responsabilidade institucional e orgânica que a própria Igreja tem tido no passado, tem hoje e vai continuar a ter, provavelmente, a níveis ainda superiores, relativamente à questão da saúde, através de todos os meios que conhecemos.
A questão, também apresentada pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu na sua intervenção, é um elemento que, do nosso ponto de vista, devia ser entendido numa perspectiva diferente. Diz o Sr. Deputado Ferraz de Abreu ou pode deduzir-se da sua intervenção, que a posição do Partido Socialista deve ser ajuizada em função daquilo que impediu que ficasse no texto constitucional. Ora, o que posso deduzir é que a posição do Partido socialista vale mais por aquilo que impediu do que por aquilo que conseguiu.
Se é verdade que a proposta do Partido Socialista é, na nossa opinião, enquanto projecto seu, perfeitamente aceitável - e, por isso, até corrigimos a nossa
proposta, alterando a alínea c) do n.º 3, porque fomos rendidos pela proposta do Partido Socialista -, é evidente que está, depois, em perfeita contradição com aquilo que o texto global da CERC vem a consignar nesta matéria.
Então, diria ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu que aquilo que o PS impediu é importante, o que conseguiu não é quase nada, porque podia ter permitido, e aí não seria o tal pequenino salto que o CDS hoje reivindica em termos de ser o campeão da revisão, do nosso ponto de vista, uma benfeitoria, que era manter exactamente o texto constitucional tal como está.
Portanto, a posição do Partido Socialista coloca-nos estas dúvidas.
Que me desculpe o CDS, porque é um partido com o qual, do ponto de vista ideológico, poderemos ter muitas divergências - e agora aqui gostaria de pôr esta questão pessoal -, mas é um partido com o qual, pessoalmente, me tenho vindo a relacionar muitíssimo bem nesta Câmara, neste aspecto, de facto, estamos perfeitamente em desacordo, Sr. Deputado Nogueira de Brito. Dir-lhe-ia mais, até: se de facto neste campo o CDS reivindica ser um dos grandes arautos, um dos grandes pioneiros e um dos grandes vencedores da Revisão Constitucional, antes não fosse, Sr. Deputado Nogueira de Brito!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Somos uns canguruzinhos!
O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Uma outra questão que neste debate tem sido mistificada é o problema da medicina privada. Creio que esta questão tem sido perfeitamente mistificada na medida em que o actual texto constitucional não impede - e os factos que ainda há pouco foram aqui referidos são disso exemplos flagrantes - o exercício da medicina privada e até permite êxitos extraordinários aos grandes médicos, situem-se eles em que áreas políticas se situem para conseguir os proventos que conseguem no exercício da sua medicina.
Portanto, não há nada que impeça o exercício da medicina privada, nada impede que ela se desenvolva, não há nenhum travão aos jovens médicos que querem seguir a medicina privada, contribuindo, inclusivamente para a manutenção e defesa de um direito fundamental de todo o cidadão.
A Sr.ª Presidente: - Aproxima-se a hora regimental para suspendermos a sessão, no entanto, estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Carlos Brito, Luís Filipe Menezes e Ferraz de Abreu. Talvez para não interrompermos a sequência do debate pudéssemos deixar que as perguntas fossem feitas e respondidas e depois interromperíamos os trabalhos.
Pausa
Como há consenso, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Marques Júnior, V. Ex.ª salientou na sua intervenção que há duas interpretações para este artigo e pareceu-me ter sublinhado que são bastante diferentes. Eu diria que há, pelo menos, duas interpretações - que são muito diferentes, lá isso são - principais, por parte do PS e do PSD.
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Acontece, no entanto, que quem vai fazer a interpretação legal é o Governo e é a maioria parlamentar do PSD!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Até 1991, o mais tardar!
O Orador: - Pode não ser até 1991, pode ser que o PSD não tenha tanto tempo, mas algum tempo terá para fazer essa interpretação através do Governo e depois através da sua maioria parlamentar na Assembeia da República. Será a isto que o Sr. Deputado Marques Júnior se refere, quando fala na transformação da pequena cedência numa grande cedência?
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, em primeiro lugar, quero fazer uma pequena observação.
Espero que o PRD e os outros partidos - até o Partido Comunista que hoje passou o tempo a invocar a Pastoral da Igreja - que se mostram tão sensíveis às opiniões da Igreja, quanto a esta matéria, também o sejam quando discutirmos outros pontos lá mais para a frente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tenha dúvidas!
O Orador: - Esperemos que sim, mas tenho algumas dúvidas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tenha fé e tenha caridade!
O Orador: - Eu tenho fé!
Em relação à intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior, queria pôr-lhe duas questões.
A primeira tem a ver com o tipo de sistema de saúde que o PRD defende e que implementaria se tivesse responsabilidades governativas. Penso que não basta estar aqui a discutir, em termos abstractos, os preceitos constitucionais, esquecendo que esses preceitos são os alicerces sob os quais se irão construir os diferentes sistemas de saúde conforme a visão de cada partido.
Em relação a este assunto, gostaria que o PRD clarificasse esse ponto e em relação a isso não há muitas possibilidades de inventar. Existem sistemas mais ou menos standardizados que podem ser adaptados à realidade nacional, mas não vamos inventar globalmente nada de original.
Que tipo de sistema é que o PRD defende? Quem deve ser o financiador do sistema? Quem devem ser os prestadores de cuidados e em que condições? Será que é um sistema do tipo inglês, em que, até há pouco tempo, o único e exclusivo financiador era o Estado e o único prestador era também o Estado? Será que é o sistema francês, que é um sistema com convenções? Será que é um sistema com seguros de doença? Gostaria de ver clarificado esse aspecto.
Uma última observação final que também é uma pergunta. Como é que o Sr. Deputado Marques Júnior pode dizer que existem condições de competitividade para que a medicina privada exerça os seus direitos
e também os seus deveres, em igualdade de circunstâncias com o sector público em Portugal, se determinado tipo de alterações não se verificarem?
Dou-lhe um exemplo. O Sr. Deputado disse que, até pelas intervenções que tinham sido feitas, penso que se estava a referir à minha, existem profissionais de saúde em Portugal que têm através da iniciativa privada, lucros importantes. A nossa preocupação não é que os profissionais de saúde tenham lucros importantes. A nossa preocupação é que os profissionais de saúde, quando exercem a iniciativa privada, sejam acessíveis em condições de igualdade a todos os cidadãos.
Sr. Deputado, com o sistema actual como é que isso é possível? Só aqueles que, de facto, têm muito dinheiro é que podem recorrer a esses cuidados privados de qualidade se não se fizer uma alteração global do sistema.
Faço-lhe outra pergunta e dou-lhe outro exemplo.
Um jovem médico licenciado - que faz o internato geral obrigatório -, ao fim de dois anos, como sabe hoje em dia existem poucas vagas no serviço público, é atirado, obrigatoriamente, para o exercício da medicina privada. Digo obrigatoriamente, porque não existem vagas para eles e não podem existir porque o Estado não pode empregar todos os médicos, como não pode empregar todos os outros profissionais. Esse jovem licenciado é atirado para o mercado de trabalho e que tipo de cidadãos é que podem ter acesso aos seus serviços?
Se o Estado não comparticipa no acto médico a que qualquer cidadão teria direito ao dirigir-se a esse médico, se o sistema que permite outras formas alternativas de financiamento é inviabilizado, então, não se pode dizer que existem condições para que esse profissional privado possa exercer a sua actividade. Existem teoricamente, mas na prática isso está-lhe completamente impedido. Como é que o Sr. Deputado resolve este problema?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Foi isso que eu disse!
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Marques Júnior: Da sua intervenção não posso deixar de pôr em relevo algumas afirmações que ouvimos com muito agrado. O Sr. Deputado, no fundo, reconhece que o Partido Socialista continua atento aos problemas da saúde e pronto a bater-se pelo direito à saúde de todos os cidadãos portugueses. Mas o Sr. Deputado deixou no ar, de facto, as suas preocupações e as suas dúvidas em relação à garantia desse direito a todos os portugueses.
Creio que as suas dúvidas resultam essencialmente pela razão de fazer uma leitura isolada da alínea á) do n.º 2 e não a conjugar com a alínea c) do n.º 3, porque se fizer essa leitura conjugada verificará que o n.º 3 alínea c) diz o seguinte:
3 - Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos.
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Julgo que a manutenção desta alínea é fundamental para tranquilizar as pessoas que fiquem com dúvidas quanto às garantias dadas aos cidadãos para a protecção da sua saúde e reconhecer uma situação de igualdade de oportunidades no recurso aos cuidados médico-hospitalares.
V. Ex.ª falou na medicina privada, mas julgo que com preocupações completamente diferentes das do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes. A medicina privada não assusta o Partido Socialista. O que entendemos é que não deve ser o Estado e o Serviço Nacional de Saúde a suportar, a financiar a medicina privada, sobretudo na época actual.
Quando se fala na medicina privada ainda estamos na toada do médico que exerce medicina livre como profissional liberal, esquecendo-nos que o profissionais liberais estão a desaparecer e estão a transformar-se em trabalhadores de empresas privadas de medicina. Isto é, os capitalistas descobriram na medicina e nos cuidados médico-hospitalares um grande filão a explorar e começaram a criar empresas. Daí a nossa recusa em aceitar incentivos à medicina privada, porque isso é estar a incentivar a criação dessas empresas com prejuízo das instituições oficiais, já que o dinheiro sai do mesmo saco. Nessa altura, é que o Serviço Nacional de Saúde estaria a ser prejudicado, porque não se desenvolveria nem manteria a eficácia e eficiência das suas instalações e do seu equipamento e, então sim, as pessoas seriam obrigadas a recorrer à medicina privada, eram empurradas para lá.
Ora, das duas uma: ou o Estado garantia esse acesso e isso teria de ser suportado pelo Serviço Nacional de Saúde, criando-se um círculo vicioso, agravando, cada vez mais a situação das unidades oficiais, ou, então, os cidadãos não tinham a assistência nos serviços oficiais e recorriam à medicina privada, às tais instituições, às tais empresas de medicina, tendo de desembolsar grande parte dos seus recursos - se calhar até nem poderiam ir lá porque não teriam recursos para isso.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Penso que é possível responder à pergunta do Sr. Deputado Carlos Brito, se permite, com as próprias dúvidas apresentadas pelo Sr. Deputado Ferraz de abreu.
Não temos dúvidas - e queria deixar este ponto de observação, nomeadamente, ao PSD -, de que não está em causa a honestidade de critérios e não está em causa a honorabilidade das pessoas - não estou a discutir nessa base. Mas é evidente que do ponto de vista dos princípios que estão subjacentes às várias intervenções, pese embora elas terem confluído num ponto comum que é a proposta da CERC, é evidente que, nós, PRD, o Sr. Deputado Carlos Brito e o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, ficaríamos, apesar de tudo, dentro dessa perspectiva, mais satisfeitos com uma gestão do Serviço Nacional de Saúde e da medicina em geral feita pelo Partido Socialista do que feita pelo PSD.
Pese embora os preceitos constitucionais serem a matriz fundamental pela qual, naturalmente, todos nos regemos, todos sabemos também que ou por omissão
ou por aqueles entorses especiais que às vezes acontecem e para os quais os juristas - aqui não é menosprezo, mas é até um louvor aos juristas e à sua capacidade -, dentro do mesmo preceito constitucional, têm uma interpretação diferente.
A questão que levanta o Sr. Deputado Carlos Brito, do nosso ponto de vista, é de facto mais grave, porque apesar de o texto ser comum, é subscrito pelo PS e pelo PSD, aliás já se disse que a Sr.ª Ministra da Saúde vai alterar a Lei do Serviço Nacional de Saúde, e quem o vai gerir é o PSD.
A interpretação explícita ou implícita daquilo que tem sido a prática do PSD, relativamente a esta matéria, naturalmente que nos levanta muito mais dúvidas. Provavelmente, a nossa dúvida, relativamente a esta questão, seria mitigada se a sua gestão com a interpretação que é dada pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu, estivesse entregue ao Partido Socialista.
O Sr. Deputado Ferraz de Abreu disse uma coisa que é importante. Chamou a atenção do PRD para a conjugação que é necessário fazer da empressão «tendencialmente gratuito» com a alínea c) do n.º 3. Nós não ignoramos isso! Mas não é por acaso que é o Partido Socialista que nos chama a atenção para essa conjugação que é necessário fazer. O PSD, provavelmente, em nenhuma intervenção nos chamaria a atenção para essa mesma conjugação que era importante fazer, porque, de facto, a interpretação do PSD relativamente a esta matéria, é diferente daquela que faz o Partido Socialista, embora a interpretação do PSD seja, em nossa opinião, errada.
Mas, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, devo dizer-lhe que o princípio daquilo que estamos a discutir agora não nos descansa muito, porque faremos os possíveis e os impossíveis para que o PS seja alternativa ao PSD e vá para o poder. Até estamos na disposição de fazer uma forcinha nesse sentido, mas a verdade, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, é que fazemos a forcinha, mas quando é que isso acontece?
Risos.
Mas até lá o que é que vai acontecer?
Portanto todas as coisas devem ser conjugadas e sem isso não ficamos descansados.
De qualquer forma, porque é que o PS, que tem as mesmas dúvidas relativamente a esta questão que nós temos, cede nesta pequena questão? Será que está convencido de que quando for gestor deste sistema consegue resolver o problema de uma maneira a contento?
Bem, e agora, Sr. Deputado Ferraz de Abreu? Ainda vamos ter dois anos com este Governo! O PSD, de acordo com o seu projecto, com o seu programa, de acordo com aquilo que afirmou, não vai parar e vai desenvolver a sua estratégia que, neste caso concreto, é uma estratégia diferente daquela que o Partido Socialista tem apresentado e que aqui, hoje, foi defendida pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, reconheço no Sr. Deputado, devo dizer-lhe sinceramente, não só um profissional da saúde competente, como uma pessoa que estuda muito bem as questões da saúde e sobre as quais está devidamente informado. Reconheço isso, em contraponto com um leigo em questões da saúde como sou eu. No entanto tenho alguma sensibilidade quanto a estas questões, como um cidadão vulgar.
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Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, se com um preceito constitucional a dizer que a saúde é geral, universal e gratuita acontecem coisas, como as que já assisti, em que as pessoas só podem aviar metade de uma receita médica, porque não têm dinheiro para a pagar toda, o que é que vai acontecer, com a gestão deste Governo, com um preceito que diz que o sistema de saúde é tendencialmente gratuito. As coisas não vão piorar as prestações dos serviços de saúde, interpretando mal a disposição constitucional porque sabemos o que é que este Governo, relativamente a questões deste tipo, tem feito.
Portanto, a nossa convicção profunda é de que não vai melhorar absolutamente nada, antes pelo contrário, vai piorar relativamente a essas questões.
Que sistema de saúde pretende o PRD? Vou dizer-lhe de uma forma muito simples, como leigo nesta matéria que sou: Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, o que quero para o meu país é que, de facto, as pessoas que têm mais dificuldades tenham acesso nas mesmas condições do direito à saúde. Esta é a única coisa que quero Sr. Deputado Luís Filipe Menezes!
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD):- Eu também quero!
O Orador: - O Sr. Deputado quer, mas os pressupostos e a metodologia que o Sr. Deputado propõe afastam-se desse objectivo! Não podemos confundir as coisas, aliás como disse há bocado o Sr. Deputado Nogueira de Brito, quando se fala na gestão do sistema de saúde. Quem é que tem feito a gestão deste sistema? Os partidos da Oposição e grupos de cidadãos têm sistematicamente invocado que efectivamente as coisas estão mal. Porque é que não são bem geridas? Será que é o sistema que impede a gestão desse sistema? Não é o sistema que impede, mas sim aqueles que estão a gerir um sistema com o qual, política e ideologicamente, não estão de acordo. Esta é que é a verdade! Muitas destas pessoas fazem os possíveis por alterar o sistema, nada fazem para que ele funcione bem, para depois tirarem a conclusão de que afinal o sistema não resultou, os objectivos não foram cumpridos e, portanto, há que mudar o sistema para se alcançar teoricamente, dirá o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, os mesmos objectivos. Nós não estamos nada de acordo com isso!
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Posso interromper, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Deputado, só queria fazer-lhe uma pequena pergunta que entronca em tudo aquilo que disse agora.
Respeito completamente as opiniões que está a veicular sobre este assunto, que podem ser diferentes das minhas, respeito-as em plenitude, assim como respeito as opiniões de todos aqueles que raciocinam da mesma forma e que têm o mesmo tipo de propostas das suas, mas isso não obrigaria a um comportamento político diferente quando determinados factos acontecem.
Dou-lhe um exemplo: grande parte dos pressupostos que estiveram subjacentes às recentes movimentações
dos médicos e à greve dos médicos, por exemplo, estavam assentes na resistência de alguns sectores minoritários da classe a que o princípio da exclusividade de funções fosse contemplada na lei e da relutância por parte do Estado a que, nas condições actuais e com a lei actual, se dispendessem verbas mais significativas para as convenções. Será que nesse momento, de acordo com a lógica argumentativa que V. Ex.ª está a explanar, as forças políticas que pensam como V. Ex.ª não deviam apoiar o Governo nessas questões pontuais?
O Orador: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, a questão que levanta é uma questão parcelar de um conflito muito mais vasto que, efectivamente, não pode ser isolado dessa maneira. Poderia responder-lhe de outra maneira, no sentido de, por exemplo, saber o que é que tem acontecido em relação à gestão hospitalar, à governamentalização e à partidarização que tem sido feita da própria gestão hospitalar. Penso que é desajustado e incorrecto isolar as coisas. Poderia responder-lhe da mesma maneira, mas também estaria a cometer erros dentro desta mesma perspectiva. Ao isolar esta questão, provavelmente, não se fica a ter uma visão correcta, global daquilo que deve ser efectivamente essa matéria e essa política.
Se eu partisse do princípio que o Sr. Deputado tinha razão na afirmação que fez, então, o Sr. Deputado teria igualmente de partir do princípio de que na questão que coloquei agora, também teria razão e as coisas anulavam-se. No fundo, é disso que se trata: é necessária uma política global relativamente a este sector que não pode ser vista de uma forma parcelar.
Respondendo à questão do Sr. Deputado sobre saber quem vai financiar isto, digo-lhe o que já tinha afirmado. O Sr. Deputado arranje quem quiser para financiar o sistema de saúde - organizações, seguros, o que quiser! - mas cumpra este objectivo, para mim primordial e fundamental: o direito à saúde. Ele é quase tão importante como o próprio direito, que ninguém contesta, à vida. Até diria mais, questões deste tipo não têm nada a ver com ricos e com pobres, pois todo o cidadão deve ter direito, gratuitamente, à saúde e às condições mínimas de saúde. Agora se um doente quiser um quarto de luxo com um determinado tipo de condições, não tenho nenhum inconveniente em que pague essas condições especiais. Mas as condições mínimas de saúde, o acesso gratuito por parte de todo o cidadão, porque isso está ligado ao direito à vida é uma questão que não pode ser iludida.
Em ralação aos sistemas de financiamento, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, arranje os que quiser, desde que isso não ponha em causa princípios fundamentais do Estado de direito democrático no campo da saúde.
Para terminar, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que estou convencido que a proposta da CERC não vai cumprir este objectivo, antes pelo contrário. O argumento que parte do pressuposto de que se isto até agora não tem sido completamente cumprido é completamente falacioso. Então é o outro tipo de sistema que o vai cumprir? Não acreditamos nisso.
Pensamos que as coisas não podem ser vistas dessa maneira. Pelo contrário, devem ser analisadas com objectivo de pôr os gestores a fazer uma boa gestão daquilo que é um Serviço Nacional de Saúde, porque
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este, tal como está consignado na Constituição cumpre os objectivos fundamentais. Objectivos que correspondem ao que é o sentido útil e último da minha própria intervenção.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, retomaremos os nossos trabalhos às 15 horas.
Está interrompida a sessão.
Eram 13 horas e 20 minutos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, solicito, em nome da minha bancada, uma interrupção dos trabalhos por 30 minutos.
A Sr.ª Presidente: - É regimental, por isso está concedido.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão e retomaremos os trabalhos às 15 horas e 45 minutos.
Neste momento, foi interrompida a sessão.
Após a interrupção, assumiu a presidência o Sr. Vice-presidente, Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa a Câmara que se encontram nas galerias um grupo de alunos, acompanhado dos respectivos professores, do Colégio Marista, de Carcavelos, e da Escola Secundária de Ferreira Dias, do Cacem, para os quais peço uma saudação especial.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, vamos continuar a discussão do artigo 64.º
Estão inscritos, para intervenções, os Srs. Deputados Carlos Brito, Herculano Pombo, Raul Castro e Isabel Espada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a intervenção que desejo fazer vem no seguimento de uma defesa da honra e de explicações verificadas hoje de manhã e em que esteve envolvido o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes. Mas como neste momento o Sr. Deputado não se encontra presente, solicito a V. Ex.ª que me autorize a trocar a minha posição com outro Sr. Deputado, porque gostaria de tecer essas considerações na presença do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, pelas indicações da Mesa, V. Ex.ª estava inscrito para uma intervenção.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente, mas, se pudesse, gostaria de trocar a fim de aguardar a chegada do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, apenas para não deixar passar em claro duas propostas que o meu grupo parlamentar apresentou relativamente ao artigo 64.º
A primeira tem a ver com a incumbência do Estado para «promover acções de informação e sensibilização com vista à diminuição do consumo do tabaco, álcool e drogas.
A este propósito, gostaria de dizer que o que propomos não é que se faça, nem pouco mais ou menos, aquilo que hoje se faz, ou seja, patéticas campanhas anti-tabágicas ou outros projectos que, enfim, de propaganda visual muito têm, mas de efeitos práticos, conforme se poderá comprovar, nada têm.
Portanto, esta incumbência, que pensamos deve competir ao Estado, de desenvolver acções no sentido da prevenção do uso excessivo de determinados produtos que possam causar dependência ou comportamentos marginais, deveria ser levada em consideração, tanto mais que hoje, nas nossas sociedades, estas são questões prioritárias, em termos não só de saúde pública como também de assegurar a continuidade, digamos, em termos de equilíbrio, de uma sociedade que tem de progredir com qualidade de vida e não refugiar-se diariamente em consumo de drogas, de estupefacientes, quaisquer que sejam, de álcool ou de outra natureza.
Porém, tudo indica que o texto constitucional não virá a consagrar esta nova incumbência prioritária do Estado, o que é pena. De algum modo, isso garantiria ou levaria a que qualquer governo, com esta Constituição, se sentisse na obrigação de desenvolver campanhas sérias e não, como disse, absolutamente patetas.
Outra proposta, que não poderia deixar passar em claro, é a que o Estado no nosso entender, deve hoje assegurar a preservação do património das medicinas populares. É importante que se assegure a preservação deste património enquanto existe, porque depois, quando ele já não existir, não vale a pena chorar sobre o leite derramado e a História dizer que Portugal, enfim, por deficiências de cobertura de todo o território com meios médicos adequados, foi capaz, apesar de tudo, de resistir desenvolvendo a medicina popular e recorrendo muitas vezes à utilização de medicinas caseiras, no sentido de assegurar a sobrevivência dos seus cidadãos.
É esta a realidade que, apesar de tudo ainda temos hoje e que é preciso respeitar, considerar e, sobretudo, preservar. Se não for o Estado a fazê-lo mais ninguém o fará e, embora, esta questão possa eventualmente suscitar dúvidas quanto à sua dignidade de consagração no texto constitucional, penso que não é menos relevante por isso ser levantando aqui o facto.
O património das medicinas populares que vem sendo recuperado, nomeadamente nos encontros em Vilar de Perdizes, com o esforço de algumas individualidades, tais como o Padre António Fontes, não tem tido por parta do Governo, do Estado, o apoio e o carinho que merece, para que não se perca esta nossa
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memória colectiva, que é importante e foi fundamental para a sobrevivência de milhares de portugueses e que continua a sê-lo, infelizmente, em muitos casos, basicamente porque o Serviço Nacional de Saúde, coitado, não chega a todo o lado nem tem pernas para andar. Ou seja, não tem verbas e, sobretudo, não tem vontade política que o ponha a mexer.
Por isso, se hoje em dia ainda se vai à bruxa, se ainda se faz o chá de tília com mais frequência do que era necessário a culpa não é só das pessoas que acreditam em crendices, mas talvez de quem tem a obrigação de implementar o Serviço Nacional de Saúde e o não faz.
Eram estas brevíssimas referências que queria fazer a propósito das nossas propostas em relação ao artigo 64.º
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Do que gosto é da infusão do eucalipto!
Risos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão em torno do artigo 64.º implica, necessariamente, a concepção que tem deste mesmo preceito constitucional a política que vem sendo desenvolvida pelo Governo Cavaco Silva, através da Sr.ª Ministra da Saúde, Leonor Beleza, com o apoio e o aplauso, naturalmente, do Chefe do Governo e dos seus pares, que com ela concordam.
Ora, a política que tem vindo a ser feita pelo PSD, em matéria de saúde, é caracteristicamente mercantilista, mais própria de um Ministério do Comércio do que de um Ministério da Saúde, caracterizada pela preocupação essencial de aumentar as receitas e diminuir as despesas. Deste modo, a Ministra Beleza, do Governo Cavaco Silva, retira comparticipações e muitíssimos medicamentos, desmantela o sanatório ortopédico de Vila Nova de Gaia com a ideia de vender os valiosos terrenos que o integram, para o que chegou a apresentar um plano de urbanização nessa Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia; procura, até vender o Hospital Júlio de Matos pondo fim à sua existência; encerra diversos serviços hospitalares, nomeadamente urgências, e nomeia administradores com a habilitação especial de serem da cor «laranja».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Coincidência!
O Orador: - Com esta habilitação especial os administradores podem, o que naturalmente nos causa espanto, chegar ao ponto de dizer, como aconteceu com o administrador do Hospital de São João do Porto, que, desde que iniciou funções, já realizou uma importante economia. Em quê? No papel higiénico que se gastava no Hospital de São João do Porto.
Isto significa que a política seguida, mesmo na vigência do artigo 64.º, é naturalmente inconstitucional, porque despreza a característica do Serviço Nacional de Saúde e pratica aquilo que, no fundo, o PSD defende no seu projecto. Isto é, um sistema de saúde que seria um puro sistema mercantilista.
Como é natural, isto tem provocado críticas de todos os sectores, e hoje de manhã foi até aqui referido que numa Pastoral da Igreja se manifestou a maior preocupação com as alterações introduzidas no artigo 54 o
Estranhamente, o Sr. Deputado Rui Macheie surpreendeu-me ao afirmar que a Igreja sabia pouco ou nada de finanças. Bom, devo dizer ao Sr. Deputado que se a Igreja não sabe o exemplo vem do alto, porque, como dizia Fernando Pessoa, Jesus Cristo não sabia nada de finanças.
Vozes do PCP: - Bem focado!
O Orador: - De qualquer modo, o curioso é que esta política, paralelamente às privatizações a 49%, que é a política que o Governo para já pode fazer com a norma constitucional, conduz a este resultado: é que, em anúncios de uma página - e com isto respondo também à defesa do preceito que o PSD e o PS pretendem introduzir, quanto a um sistema tendencialmente gratuito que teria em vista objectivos de justiça social - constava «e se o hospital, a clínica, os médicos de que precisamos não estão ao alcance dos nossos recursos económicos?» Perante esta pergunta a respectiva seguradora afirma «há o seguro de saúde e o seguro de despesas de hospitalização».
Numa revista publicada o mês passado, uma directora de uma seguradora afirmou, chamando ao Serviço Nacional de Saúde, sintomaticamente, com a linguagem do PSD, o Sistema Nacional de Saúde, que para este ano se previa que o seguro de despesas de hospitalização atingisse um volume de negócios que se cifrará em um milhão e oitocentos mil contos. E porquê? Por causa da ineficácia do Serviço, diz ela, do Sistema Nacional de Saúde. Isto é, o Governo PSD, através do Ministério da Saúde, criou uma tal política de saúde que as próprias seguradoras já estão a beneficiar e estão largamente esperançadas em que no futuro esses benefícios venham ainda a ser maiores.
De tudo isto podemos concluir que se com o actual artigo 64.º o Serviço Nacional de Saúde, é o que se vê, em que as seguradoras já falam num movimento de um milhão e oitocentos mil contos, o que será depois da alteração do artigo 64.º com a introdução da expressão «tendencialmente gratuito».
Num fórum de defesa da Constituição, um conceituado médico de Lisboa classificou bem o problema da expressão «tendencialmente gratuito», dizendo que, no fundo, o que se deveria dizer é que o Serviço Nacional de Saúde passaria a ser um serviço tendencialmente pago. No fundo, é isso que resulta da disposição da lei. Esta poderá eventualmente não ser a interpretação que mais agrada ou que defende o PS, mas é aquela que consta do acordo que fez nesta matéria. Isto é, numa matéria que é das mais importantes da Revisão Constitucional e que irá ainda abrir o campo a mais uma descarada violação dos próprios termos constitucionais.
Por isso, o que está em causa é o interesse de milhares e milhares de portugueses, que já estão a ser prejudicados com a política de saúde do Governo Cavaco Silva e da Ministra Beleza, que procura, naturalmente, encobrir os malefícios reais da sua política atirando as culpas e perseguindo os médicos, o que é, efectivamente, um expediente fácil para grangear a simpatia
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das pessoas e para elas se esquecerem das comparticipações que perdem e dos prejuízos que têm com a gestão que a Ministra Beleza faz no seu ministério. Mas a ser aprovada esta proposta, de um serviço tendencialmente gratuito, que, no fundo, seria um serviço tendencialmente pago, estaria a dar-se uma grande machadada no Serviço Nacional de Saúde e um grave prejuízo para o povo português.
Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes não chega, pois estará de certo informado, produzirei algumas considerações e desde já agradeço aos Srs. Deputados da bancada do PSD que lhe transmitam a parte que lhe diz pessoalmente respeito.
Na verdade, as explicações dadas na intervenção pelo Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, a propósito de uma defesa da honra da minha bancada, levam-me a usar da palavra para, muito claramente, colocar algumas questões, cinco, mais concretamente.
O que me pareceu particularmente reprovável, nas considerações do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, foi a circunstância de ele se referir à actividade profissional de um ex-deputado, que, naturalmente pela circunstância de ser «ex» não está em condições de poder repor a verdade, enfim, com toda a firmeza, como o caso importava que se fizesse. Por isso mesmo, é importante esclarecer que o ex-deputado, a que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes se referiu, é um médico de mérito geralmente reconhecido que, exercendo a sua actividade, se faz pagar por um trabalho que realiza com competência e honradamente. Isto não tem nada de irregular, de ilegal, de inconstitucional e, portanto, é lamentável que seja aqui evocado num debate sobre a revisão da Constituição, em relação às questões de saúde.
É evidente que isto não tem nada a ver com outras situações que aqui têm sido discutidas, trazidas pela bancada do PCP, em relação a serviços públicos, a entidades e a personalidades com uma vida pública, sobre as quais impendem dúvidas, interrogações e até suspeitas de corrupção e que até dão origem, como agora acontece, a um inquérito parlamentar.
Portanto, é bom que isto fique completamente esclarecido.
Em relação à nossa posição, devo dizer que defendemos o Serviço Nacional de Saúde geral, universal e gratuito, mas não como está. Defendemos esse serviço melhorado e, por isso, tivemos ocasião de fazer aqui uma interpelação ao Governo para defender uma reforma geral dos serviços públicos de saúde. É que não nos contentamos com a situação que existe. Queremos melhorar o Serviço Nacional de Saúde, mas também, nunca, em algum momento, defendemos qualquer espécie de proibição ou a criação de qualquer dificuldade à medicina privada. Até hoje nunca defendemos isso e não o fazemos agora, como é evidente!
Pensamos que há lugar para a medicina privada, reconhecemo-la e haverá sempre quem recorra a ela, tanto mais quanto, como na situação presente, os serviços de saúde são degradados pela política da Ministra Leonor Beleza e do Governo Cavaco Silva. É nesta
situação que mais e mais portugueses recorrem à medicina privada.
Mas as alegações do Sr. Deputado do PSD, segundo as quais há uma situação anormal, porque, enfim, os que não são ricos não podem recorrer à medicina de alta qualidade, é absolutamente falaciosa. Isto porque o que o PSD defende levará a uma outra situação: é que os não ricos terão dificuldades de acesso a qualquer serviço de saúde. Passarão a ter dificuldade de acesso não só à medicina de alta qualidade, mas à de qualquer qualidade. Por isso é isso o que se verificará, tal e qual como se verificava no passado, antes do 25 de Abril.
Finalmente, a quinta questão, que me parece muito importante. Devo dizer que é extremamente importante a franqueza com que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes aqui nos falou. Creio que ela é muito mais significativa, porque mais vizinha do poder do PSD, porque mais vizinha do Governo do PSD, do que outras intervenções róseas de outros deputados da mesma bancada, mais distantes do Governo e mais distantes do poder. Dizia eu, que é muito importante a franqueza com que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes nos falou, porque mostrou, de uma maneira muito clara, as arreigadas concepções mercantilistas, como lhe chamou o Sr. Deputado Raul Castro, e muito bem, do PSD nesta matéria. Segundo essas arreigadas concepções mercantilistas, «tendencialmente gratuito» quer dizer «normalmente pagante». É ou não isto o que significa na linguagem do PSD?
Parece-me ser muito importante que o PS ouça com atenção este tipo de intervenções, pois penso que elas são muito ilustrativas da situação em que estamos. É que hoje estava absolutamente claro, o alcance da regra da gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde. A confusão induzida por esta alteração e as interpretações que dela se irão fazer e práticas nela escoradas - digo--o, com toda a franqueza aos Srs. Deputados do Partido Socialista - embora ainda estejamos, pelo menos, a mais de 48 horas da votação, não irão a favor do acesso dos portugueses à saúde, mas, com certeza, no sentido de dificultar o acesso dos portugueses à saúde.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De manhã, estivemos, fundamentalmente, envolvidos na discussão e agora queríamos fazer uma curtíssima justificação das nossas propostas e dar um esclarecimento da nossa posição.
No entender do CDS, o que aqui interessa é assegurar a materialização do direito à protecção da saúde, consagrado na Constituição como direito público de prestação.
Entendemos, assim, que a existência de um serviço público é, hoje, uma aquisição indiscutível das modernas constituições que consagram, ao lado dos direitos, liberdades e garantias, direitos económicos e sociais. Não discutimos isso e, desta forma, construímos assim a nossa proposta.
Simplesmente, na nossa opinião, o serviço público não deve ser concebido como um monopólio, impossibilitando, de facto o aparecimento de esquemas privados e de esquemas provenientes de iniciativas de solidariedade social, destinados também a assegurar a protecção da saúde. Temos também, como certo, que
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o aparecimento destes esquemas, produto da iniciativa privada e da solidariedade social destinados a assegurar a protecção da saúde, não deve ser o produto de um encarecimento ou de uma diminuição da qualidade do serviço público.
O pagamento de importâncias contra a prestação de serviços no serviço público de saúde, devem, em nosso entender, desempenhar apenas um papel de moderador da utilização desses serviços, quando isso se mostre efectivamente necessário.
Foi na base desta concepção que apresentámos a nossa proposta, que prevê apenas a existência de um serviço público, sem qualificativos, e a existência de esquemas privados de resposta à necessidade de protecção da saúde. Foi esta a intenção da nossa proposta e é com este espírito que votaremos, porventura, as alterações e aquilo que acabou por ser assumido como proposta da CERC. Entendemos que alguma coisa nessa proposta se encaminha nesse sentido, e isso será decisivo na ponderação do nosso voto.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não só a bancada do PSD como também a do PS insistiram em não deixar inteiramente transparente qual seja o alcance desta mudança do texto constitucional, em relação à questão da gratuitidade.
O debate da parte da manhã permitiu, até que o Sr. Deputado Rui Machete procurasse, pelo caminho, ver na nova alusão constante vossa versão no texto constitucional, «à socialização dos custos dos cuidados médicos», a «instauração de condições de igualdade, de vivência competitiva que acabariam com o carácter residual da medicina privada», que consagrariam a igualdade de oportunidades», etc.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Essa agora!
O Orador: - São tudo conceitos, porventura, simpáticos, dado o tom gentil com que o Sr. Deputado Rui Machete os pronunciou, mas que não têm arrimo nenhum no texto constitucional, tal qual ele resultou, designadamente do debate da CERC. Há já da parte do PSD, aparentemente, uma tentativa de fazer duas coisas: em primeiro lugar, confundir e tresler o conteúdo da norma atinente à cláusula da gratuitidade; em segundo lugar, ler já, em, normas constitucionais, cujo significado, apesar da mutação, não se confunde com o que decorreria dos projectos do PSD, objectivos e conquistas que o PSD sonharia ter e não tem.
A cláusula relacionada com a socialização dos custos médicos é um bom exemplo disso. A medicina privada, no texto actual ou mesmo na redacção indiciada, tem, entre nós, uma função social. Há uma imposição constitucional de limitação da liberdade de empresa nos sectores da medicina e das indústrias farmacêuticas e outras. Isto consta da alínea competente do texto constitucional, que não sofre a mínima alteração. Portanto, todas as interpretações jubilantes, de foguete ao ar, assentes no facto de a «socialização da medicina», (esse
fantasma negro, que perturbava as noites dos deputados do PSD), ser substituída pela expressão «socialização dos custos dos cuidados médicos», não tem razão de ser.
Mas a questão fundamental é a atinente à famosa cláusula misteriosa sobre a gratuitidade tendencial. Isso coloca, de facto, a necessidade de algumas pesquisas.
Trocámos aqui impressões na nossa bancada e fizemos, há poucos minutos, uma rápida passagem por alguns dos dicionários da biblioteca da Assembleia da República, porque um dicionário sempre ajuda, sobretudo quando nalgumas mentes os conceitos andam confusos.
Quanto ao que seja «gratuito», toda a gente sabe o que é. O Dicionário de Morais é muito preciso: «gratuito - concedido ou feito de graça sem pagar; grátis»; o Cândido Figueiredo não diz outra coisa: «concedido ou feito de graça».
Quanto ao «tendencial», o que é isto de «tendencialmente gratuito»? Para já «tendencial» é um adjectivo galicista, não existe nos dicionários portugueses e a Revisão Constitucional fará galicismo grosso com a sua introdução da Constituição. Admitamos que o francês, informa o Larousse, «tendencial» quer dizer «o que marca uma tendência, uma orientação da evolução de um fenómeno». Diz-se, por exemplo, «lei tendencial».
Então, aqui haveria uma gratuitidade tendencial. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) terá uma tendência, uma orientação para a gratuitidade. Será isto? Mas em português o que é «tender»? Dizer-se que o SNS é «tendente», significa o quê? «Tender» é, segundo nos informa a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, «dirigir-se, encaminhar-se, propender». «Todos os corpos tendem para o centro da terra» ou, noutra versão, «a máquina da governação tende e domina a civilização, mas não civiliza ela», dizia o grande Garrett nos discursos parlamentares, pp. 408. É isto? O Serviço Nacional de Saúde tende para a gratuitidade, no sentido em que o grande Garrett falava da máquina da governação que caminha para a civilização? Ou será antes o «tendente» no sentido em que falava o grande Fernão Lopes? O SNS tende à gratuitidade como no dicionário se fala em «meios tendentes à ruína da sua saúde; ventos ou monções tendentes que levarão ao porto destinado e são tesos e contínuos».
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tesos são!
O Orador: - Será isto o que devemos ver no «tendentes à gratuitidade»? Ou será ainda, outro o significado, este: «ter tendência, inclinação, disposição para alguma coisa». «No seu movimento ascensional as línguas tendem a tornar-se cada vez mais sintéticas», e o SNS «tende» a tornar-se cada vez mais gratuito (esta é a tese do Sr. Deputado Ferraz de Abreu, aparentemente!)
Perguntamos, Srs. Deputados: em que é que ficamos? No Dicionário de Morais, na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, no Larrouse de bolso, no Dr. Ferraz de Abreu, no Dr. Vitorino, no Dr. Almeida Santos ou no, agora ausente, Dr. Luís Filipe Menezes, que também terá de fazer o seu dicionário sobre «gratuitidade tendencial» ou sobre o conceito de «tendencialmente gratuito»?
É uma solução, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não nos pode satisfazer. Hão-de VV. Ex.ªs ter de se
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entender sobre o que querem, mas não podem passar ou por incongruentes ou por puramente redundantes, dizendo que o texto quer dizer o que já queria dizer (e, portanto, a alteração não significa qualquer alteração) ou que a alteração significa alguma coisa que não somes capazes de discernir (caso em que será o legislador ordinário a talhar sobre névoa). Ora o legislador ordinário tem as más intenções que todos conhecemos, logo é de desconfiar que, dando nós a esse legislador um bilhete para ir até Coimbra, ele queira ir, clandestinamente, até Valença e estrafegar o Serviço Nacional de Saúde.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Passar a fronteira!
O Orador: - Ora, é conta isso que nos bateremos.
Meus senhores, será um escândalo, se aqui não ficar esclarecida a vossa interpretação desta norma. Um escândalo! Pela nossa parte, tudo faremos para que esse escândalo não seja perpetrado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Exerceu o direito da tendência!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não tencionava intervir, até porque me tinha parecido que...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, vai-me desculpar, mas interrompi-o porque há um Sr. Deputado da sua bancada que deseja pedir esclarecimentos.
Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Magalhães: O meu nome foi invocado e julgava que não tinha necessidade de voltar a repetir perante a Câmara a minha interpretação sobre a frase «tendencialmente gratuito». Quero dizer-lhe que, ao utilizar esta palavra, estou muito bem acompanhado, porque V. Ex.ª utilizou-a também na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional!
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!
O Orador: - Estou muito bem acompanhado porque V. Ex.ª é, de facto, um deputado de mérito, é um jurista de mérito e, naturalmente, sabe português, se calhar até mais do que eu.
É precisamente no mesmo sentido em que V. Ex.ª usou a expressão que também a usamos. Trata-se de qualquer coisa que caminha para a gratuitidade, em que há as tais taxas moderadoras, mas esperamos que elas sejam, um dia, definitivamente abolidas e o Serviço Nacional de Saúde seja na realidade gratuito.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, congratulo-me com o facto de, na sequência deste excurso por alguns dos nossos melhores dicionaristas, o Sr. Deputado Ferraz de Abreu ter lançado para a acta, a sua interpretação desta norma constitucional. É uma enorme responsabilidade, da parte do PS, sustentar tal interpretação, quando sabe, em primeiro lugar, que os hermenêutas que se sentam no Ministério da Saúde, em matéria de dicionários, são absolutamente capazes de, onde se diz «lei», soletrarem «corrupção» e onde se diz «cumprimento», ler «incumprimento».
É extremamente perigoso usar quaisquer palavras, que possam ser objecto de hermenêuticas perversas. Não pus em causa as boas intenções de V. Ex.ª. Apenas alertei para o facto de a letra do texto que é adiantado poder ser, por alguns hermenêutas particulamente perversos (como de resto aqui tivemos ocasião de observar), objecto de interpretações e de aplicações que, muito provavelmente, até VV. Ex.ªs lamentarão.
A explicação de V. Ex.ª é gratificante. Infelizmente, não é totalmente gratificante, porque V. Ex.ª não anuncia a retirada da proposta, o que seria, provavelmente, a única coisa sensata a fazer neste momento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não tencionava intervir porque a discussão estava a travar-se, mais ou menos, entre especialistas, a meu ver, com o nível necessário, mas o Sr. Deputado José Magalhães resolveu fazer intervir aqui considerações de semântica, num estilo que saiu, um pouco, do nível que estava a ter a discussão.
Já me pareceu que estava a sair desse nível, quando o Sr. Deputado Raul Castro, há pouco, citando não sei quem e mostrando concordância com esse alguém, dizia que onde se diz tendencialmente gratuito, deve ler-se tendencialmente pago.
Pareceu-me que, no mínimo, isto é falta de respeito pelo significado normal de uma Constituição. Se uma Constituição diz «tendencialmente gratuito», não pode ninguém que respeita essa Constituição extrair daí a conclusão de que ela diz ou deve dizer ou que alguém pode defender que ela diz tendencialmente pago. Mas enfim!...
O Sr. Deputado José Magalhães diz que deixámos no silêncio, sem transparência, sem esclarecer o significado da cláusula misteriosa «tendencialmente gratuito». Isto foi extremamente discutido na comissão e não se pode apagar as longas horas em que aí se discutiu isso. Esta manhã mesmo, pareceu-me que havia um relativo consenso sobre o que isto significava. Afinal de contas, depois do almoço, apaga-se todo esse consenso, toda essa transparência e voltamos a necessitar agora de um dicionarista para nos ensinar o que é que é tendencialmente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - Bom, Sr. Deputado José Magalhães, dava-lhe um exemplo do que é tendencialmente. Por exemplo, o seu discurso é tendencialmente gratuito!
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!
Risos do PS, do PSD e do CDS.
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O Orador: - Se nos entendermos sobre isto, entendemos o que quer dizer tendencialmente.
Não tenho necessidade de discutir com ninguém o significado do advérbio tendencialmente e penso que cinco, seis, sete, oito milhões de portugueses, não têm necessidade de nenhum dicionarista para saberem o que quer dizer tendencialmente pago.
Todos o sabemos e o Sr. Deputado José Magalhães também o sabia, porque disse na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional o seguinte: «- O terceiro aspecto respeita à questão da gratuitidade. Sabemos que ela é tendencial, uma vez que em alguns cuidados primários, há uma posição contributiva do cidadão...». Então, o Sr. Deputado José Magalhães sabia. Também sabia que a Constituição não estava de acordo com a prática e com a realidade e que o que se fez nesta alteração foi, no fundo, adequar a Constituição à realidade, torná-la verdadeira e não adulterá-la nem torná-la qualquer coisa de esotérico que precisa de dicionaristas para sabermos o que quer dizer.
Para nós, a situação está muito clara: o Serviço Nacional de Saúde continua a ser um Serviço Nacional de Saúde; continua a ser universal, no sentido de que todos os cuidados de saúde, de prevenção, de cura e de reabilitação, estão nele incluídos; continua a ser geral, no sentido de que todos os utentes, sem discriminação, podem servir-se dele. Significa, pois, que deixou de ser aquilo que não era, ou seja, gratuito e passa a ser aquilo que era tendencialmente gratuito.
Já se explicou que o nosso entendimento é que aquilo que é gratuito não anda para trás; aquilo que ainda não é gratuito, tenderá a sê-lo. É a nossa interpretação, dissemos isto claramente, repetimo-lo uma vez mais.
Não podemos aceitar a acusação de que envolvemos tudo isto num nevoeiro, que só o dicionarista Morais é que nos pode clarificar, soprando o nevoeiro e dizendo-nos o que quer dizer o advérbio tendencialmente. Assim não aceitamos discutir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não é para um pedido de esclarecimento, é para um protesto.
Sr. Presidente, há muitas maneiras de discutir esta matéria. Ninguém é propriamente o árbitro absoluto ou pode usar funções de Catão do nível da discussão. O Sr. Deputado Almeida Santos está muito incomodado. Desejaria, quiçá, que a discussão passasse despercebida, mas não passou nem vai passar! Não nos afecta minimamente, o tom censório que usou contra nós pois somos inteiramente imunes às advertências quanto ao tamanho da liga, da peúga e da oratória... Isso não nos impressiona, pura e simplesmente!
O que é preciso é aclarar. A intervenção do Sr. Deputado foi a prova de que a minha intervenção não foi tendencialmente gratuita. Foi, talvez, tendencialmente útil porque propiciou que V. Ex.ª interviesse, embora com ar incomodadíssimo, enfadadíssimo, como se, no fundo, não tivéssemos todos que estar aqui, precisamente, a dar a cara, a discutir, a propor e a defender aquilo que bem ou mal sustentamos. A intervenção do Sr. Deputado,
nem por enfadada, deixa de estar cheia de buracos. Por acréscimo esses buracos - outra expressão que suponho que V. Ex.ª achará também imprópria, para esta hora da tarde - são apontados por muitos sectores...
O Sr. António Vitorino (PS): - É ofensivo!
O Orador: - Aqueles na Pastoral sobre a saúde criticam o recuo da norma da Constituição serão umas criaturas que estão distraídas?! Têm a Pastoral toda menos a «Pastoral» da bancada do PS e, portanto, não perceberam coisa nenhuma de coisa alguma ou a norma é, de facto, infelizmente, ambígua?!
Protesto Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, porque ninguém tem o direito de ser tendencialmente irresponsável na definição exacta daquilo que aprova e daquilo que propõe.
Nós sabemos de certeza certa que, até hoje, foi polémica a questão de saber se as taxas moderadoras eram constitucionais ou inconstitucionais. Foi polémica!
Havia quem sustentasse que todas eram, havia quem sustentasse que algumas seriam, haviam, até, quem sustentasse que algumas poderiam não ser. O Tribunal Constitucional pronunciou-se, primeiro, por razões formais sobre a matéria, mas acabou por se pronunciar, recentemente, sobre a questão material. E pronunciou--se materialmente, considerando que não são inconstitucionais certas taxas moderadoras hoje em vigor. É este o quadro actual.
Suponhamos que no ínterim é alterada a Constituição e que aí, onde a Constituição prevê «gratuito», passe a rezar «tendencialmente gratuito». Quais são as consequências disso? Que consequências em relação a outras medidas de oneração adicional, além das taxas moderadoras com o nível que hoje têm? Quais são as consequências exactas desta mudança para o acesso à saúde dos portugueses? É esta a questão!
A inovação de dicionaristas portugueses, alemães ou chineses, só serve, neste caso, para sublinhar como é tão importante que nos entendamos quanto ao que quer dizer esse novo conceito, («tendencialmente gratuito»), e que definamos, o mais rigorosamente possível, os seus contornos, sob pena, não de V. Ex.ª, com tom altaneiro, suave e claro dar a interpretação correcta e exacta, mas de um qualquer ministro «laranja» e uma qualquer ministra «laranja» virem impor por decreto, que não terá a assinatura de V. Ex.ª, medidas extremamente gravosas para a saúde dos portugueses. Nessa altura, o PS não poderá dizer: «Eu não sabia!»; nessa altura, o PS não será inocente, será pai, ao lado dessa mãe, desse filho que se arrisca a ser um aborto!
O Sr. António Vitorino (PS): - Disse, mas disse mal.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: Não vou fazer a rábula de afirmar, tal como o Sr. Deputado há pouco, que também não pensava intervir neste debate. Faço-o pelo desprezo, um tanto olímpico, que revelou pelos dicionaristas e pelos especialistas de linguística, como se a ciência jurídica alguma vez pudesse prescindir deles.
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Queria dizer-lhe que, para além de, pelo menos, três interpretações do que seja «tendencialmente gratuito» aqui produzidas na Câmara - uma delas do Sr. Deputado Ferraz de Abreu, que procura, por exemplo, que deve vir, no futuro, a abolir-se toda e qualquer taxa moderadora: uma outra do Sr. Deputado Almeida Santos, que diz que o que é gratuito hoje deve continuar a sê-lo, que o que ainda não é gratuito deve passar a sê-lo no porvir; finalmente, uma do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, que entende que quase nada deve ser gratuito, excepto, em casos residuais, aquilo que possa vir a sê-lo -, importa reconhecer que não estão vedadas ainda outras e preversas leituras.
O Sr. Deputado Almeida Santos, que é uma pessoa lida, com o gosto pela cultura, certamente conhece Fou-cault e Umberto Eco e sabe que qualquer deles nos estimula a admitir, ao contrário da teoria clássica - uma vez que a sinedoque, como tem sido entendida, nem sempre é uma inevitabilidade científica -, que o todo está na parte, é a parte. Ao Sr. Deputado pergunto se se pode ou não fazer uma quarta interpretação, porventura puramente lúdica, segundo a qual «tendencialmente» gratuito quer apenas dizer «gratuito?» Porque o todo está na parte e porque o sentido para que a norma constitucional em apreço aponta é o da natureza gratuita dos serviços que o Estado deve prestar e assegurar.
O que eu mais perdoo ao Partido Socialista é o recurso a um galicismo estreito, tanto mais que a língua portuguesa tem a expressão «tendentemente», essa sim capaz de dar a ideia de trânsito, in itinere, movimento, viagem, enquanto o advérbio «tendencialmente» permitirá, embora a fortiorí, o cristalizar de uma opção.
Sr. Deputado Almeida Santos, perdoe-me que lhe diga: julgo que não tem razão alguma na intervenção que fez e no desprezo com que considerou os problemas aqui suscitados, com toda a seriedade, e que essa bancada tem obrigação estrita de apreciar com toda a relevância e responsabilidade.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, penso que fiz uma intervenção correcta e com o respeito devido aos Srs. Deputados do Partido Comunista, que agora me interpelaram. Não acusei ninguém de árbitro ou de Catão, nem disse que não me impressionaram, nem falei em enfado, nem em buracos...
O Sr. António Vitorino (PS): - Aí é que está!
O Orador: - Não falei em nada disso. Mas é curioso que os Srs. Deputados do PCP estão a especializar-se em calçar tamancos para discutir connosco. Depois, quando reagimos, ficam muito ofendidos e muito magoados!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Coloquem-se no nível da nossa correcção e nós aceitamos esse nível.
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!
O Orador: - O que não aceitamos é que nos tratem de irresponsáveis, como o Sr. Deputado ainda agora me tratou, quando o que pretendem é apenas dar um show perante o público.
Aplausos do PS, do PSD, do PRD e do CDS. Protestos do PCP.
Não estou a falar ao telefone, como o Sr. Deputado, há pouco, dizia, estou a intervir. Não estou a dialogar nem a conversar com o Sr. Deputado, oiço-o com respeito e exijo que me oiça com o mesmo respeito. Se os Srs. Deputados têm necessidade de fazer um show público, a propósito de cada solução com a qual não estão de acordo, façam-no, é o vosso direito, mas não insultem quem não concorda convosco, nem desrespeitem, nem digam que é enfado, o que não é.
Necessariamente, que me impressionaram negativamente as considerações do Sr. Deputado José Magalhães. Admiro-o muito, estimo-o muito, sabe que sou seu amigo, mas... ah!... cada vez que pisa o risco, sabe que lhe digo que o pisou. Na verdade, essa foi a constante da Comissão de Revisão, leiam-se as actas. No entanto, sabe que isso não diminuiu nada a admiração e o apreço que tenho por si. Mas não me deixo nem humilhar, nem desprezar, nem calcar. Isso não deixo! E quando se dirigem ao meu partido, então é que não deixo de maneira alguma!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pode ficar certo disso, e acabou!!! Não há buracos alguns, o que há é uma interpretação muito clara.
E ainda lhe digo mais Sr. Deputado: fico muito espantado de o ver ter aqui a mesma concepção de igualdade que a Conferência Episcopal... Espanta-me!... Sinceramente, fico espantado!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Porquê?
O Orador: - Bem, Sr. Deputado, porque julgava que era diferente. Vejo que não é. Pois muito bem, aceitemos isso!
Risos.
Por outro lado, mais uma vez lhe quero dizer que estamos a fazer uma constatação, não estamos aqui, neste momento, a combater o Governo. Há horas para combater o Governo. Os senhores não combatem mais do que nós. Não discordam dele mais do que nós. Não o julgam desvalido mais do que nós. Mas, neste momento, estamos a fazer a Constituição do nosso país para o próximo futuro, estamos a fazer esta Constituição para qualquer Governo, inclusive o vosso se alguma vez lá chegarem. Mas o mal é esse: os senhores não tencionam nunca chegar ao Governo, procedem como se nunca lá chegassem, e isso é que, na verdade, vicia os vossos raciocínios e as vossas intervenções. Os senhores fazem interpretações e intervenções terroristas ad terrorum como se, na verdade, nunca fossem Governo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
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O Orador: - Dou-lhe licença, Sr. Deputado, já sabe que lhe dou sempre, não há problema algum! Faça favor, Sr. Deputado!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, permiti-me fazer-lhe uma interrupção e agradeço que V. Ex.ª tenha consentido.
O Sr. Deputado expressou o seu entendimento sobre a nossa posição e a razão da nossa discordância, mas não estarão os Srs. Deputados a laborar também num outro erro e num outro equívoco. Não julgarão os Srs. Deputados que estão no Governo e não estão? E, por isso, a consequência de algumas alterações, em que estão empenhados e que subscreveram conjuntamente com o PSD, e que se irão desenvolver no sentido oposto àquele que, ao que parece - ouvindo-os - os Srs. Deputados desejariam? São estas as questões que lhe coloco.
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, essa é a vossa visão conjuntural da Revisão Constitucional que se opõe à nossa visão estrutural da Revisão Constitucional.
O Sr. Deputado diz: não estamos no Governo. Acha que não temos consciência de que não estamos no Governo? Será para nós algum mistério o facto de não estarmos no Governo neste momento? É óbvio que não estamos, sabemos isso dolorosamente, tão dolorosamente como o Sr. Deputado. Mas, repito: estamos a defender a Constituição do País, não estamos aqui a servir-nos de um aríete para bater à porta do PSD. Não é essa a nossa função neste momento. Aqui estamos numa posição responsável de retocar o estatuto fundamental do Estado português.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, o que é que lhe hei-de dizer?! Na verdade, não tenho desprezo olímpico por dicionaristas, mas como tenho aquela pequena dose do domínio da língua portuguesa, que o Sr. Deputado acreditou e eu agradeço, devo dizer-lhe que para saber o que quer dizer «tendencialmente», não recorro aos dicionaristas e quando alguém me pede que o faça digo: não preciso, muito obrigado. Já estou servido, já sei o que é «tendencialmente».
Se é galicismo?! Ó Sr. Deputado, vamos tirar das leis e até da Constituição todos os galicismos? Meu Deus! Que trabalho que isso não dava! Era toda uma Revisão Constitucional, toda uma semântica virada de pés para o ar, para eliminarmos todos os galicismos, porque, infelizmente, a nossa língua, inclusivamente também nos seus livros, que eu gosto muito de ler, há galicismos em catadupla.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Tinham de eliminar o Comité Central!
Risos do PS e do PSD.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, a questão central que eu coloquei - porque essa foi lateral, embora importante -, era a de saber se, independentemente da interpretação que o Sr. Deputado faz do que seja «tendencialmente», uma norma jurídica, que deve ter um valor imperativo claro, fica ou não a navegar num mar de dúvida e de incerteza com tanta hermenêutica, tão controversa e tão contraditória, como aquela que hoje aqui podemos verificar na Câmara. Esta é a questão.
O Orador: - O que eu estava a tentar dizer é não. Digo já que é necessário...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, queira desculpar a interrupção, embora o tempo de que V. Ex.ª disponha para intervir tenha terminado, não é essa a questão que está em causa, pois a Mesa permite que continue no uso da palavra, apenas solicito que endireite um pouco mais a haste do microfone ou encurve um pouco mais a coluna, porque não é possível ouvir-se o que V. Ex.ª está a dizer.
O Orador: - Refere-se à minha coluna? Ela está sempre direita, Sr. Presidente!
Risos.
O Sr. Presidente: - Dei-lhe as duas hipóteses, Sr. Deputado: ou curvar a coluna ou endireitar a haste.
Risos.
O Orador: - Muito bem! Muito bem! Aplaudo o humor quando ele é bom!
Sr. Deputado José Manuel Mendes, não há contradição entre as minhas afirmações e as do meu colega e camarada, presidente do meu partido, Sr. Deputado Ferraz de Abreu. Não há!
Por outro lado, a afirmação de Umberto Eco, de que o todo está na parte, é uma bela afirmação de filosofia, mas vá lá o Sr. Deputado convencer um pobre de que a riqueza dos ricos está na pobreza deles a ver se os convence!!!
Aplausos do PS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É para defesa da bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: V. Ex.ª teve ao longo destes meses de debate na Comissão de Revisão Constitucional e agora no Plenário uma imagem creio que rigorosa de quais são os objectivos e de qual é o padrão de comportamento do Grupo Parlamentar do Partido Comunista em todas as questões, mesmo nas mais polémicas. E neste caso, quando são polémicas e quando as suas consequências podem ser enormes, o empenhamento que manifestamos no dilucidar das questões, no uso dos argumentos, no não permitir omissões, é um empenhamento grande.
E em matéria de argumentos e de tom, como V. Ex.ª saberá, não há um catálogo, não há um Corão, não há um livro de estilo, não há nada que nos obrigue, a não ser, evidentemente, os limites da verdade e da
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correcção. Creio que esses, V. Ex.ª a título nenhum pode dizer que tenham sido excedidos. O que nos pareceu e continua a parecer é que não buscar uma total clarificação seria um resultado bizarro, inconcludente, insatisfatório dado que durante que, feito o debate na parte da manhã houve da parte da bancada do PSD quem tenha procurado (nuns casos com subtileza e noutros com razoável brutidão) instilar interpretações perversas do próprio texto que suscitam dúvidas.
Pela nossa parte, seria impossível deixarmos de insistir nas questões que a interpretação deste inciso suscita. Em particular, eu gostaria de refutar com veemência a tentativa de que se faça este debate prescindindo da análise da acção governativa. Nós não podemos aceitar isso! Não podemos, Srs. Deputados! Ainda ontem à noite na televisão o secretário-geral do Partido Socialista insistiu de novo na «atitude de Estado» do Partido Socialista: o Partido Socialista é oposição, oposição, oposição, oposição... Disse isto trinta vezes, mas aceita cumprir o acordo de revisão sem alterar uma vírgula. Este é um conceito bizarro de oposição, é oposição a metade, é oposição em part-time.
No caso da saúde isso suscita particular perplexidade. Como é que nós podemos fazer o debate de toda a problemática do sector da saúde sem ter em conta os planos, os projectos, as medidas já executadas e as medidas em preparação no âmbito do Ministério da Saúde? E essas medidas, Sr. Deputado Almeida Santos, pergunto-lhe aqui pública e directamente, vão ou não no sentido de restringir as possibilidades de acesso dos cidadãos aos serviços públicos de saúde? Vão ou não no sentido não de resolver mas de agravar esses problemas, como de resto os senhores, quando estão no «traje de oposição», pela boca, designadamente do Sr. Deputado Ferraz de Abreu, tantas vezes insistem? Por quê então conceder ao PSD este instrumento que ele já anunciou que usará para rever a Lei do SNS e para conseguir efeitos com os quais todos mas todos nós, partidos de Oposição, nos confrontaremos e que teremos de combater?
Por que é que então o PS, em vez de discutir estas questões construtivamente no sentido de evitar esses males ou essas dúvidas, persiste e insiste na manutenção dessas soluções e nos ataca por questões de estilo, quando estamos de acordo (ou deveríamos estar) em relação às questões de substância?
Sr. Deputado Almeida Santos, vamos discutir as questões de substância! Quanto ao estilo a questão está por definição resolvida entre os nossos dois partidos, que são democráticos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não pretendo dar quaisquer explicações pela razão simples de que a própria intervenção do Sr. Deputado José Magalhães é a melhor demonstração de que não ofendi quer a honra dele quer da sua bancada. Que ofensa à honra referiu ele agora na sua intervenção? Nenhuma! Pelo contrário, se alguém se desbocou e atingiu as raias da ofensa foi ele na intervenção que procedeu a minha. Não foi a minha. Citei as palavras: buraco, irresponsabilidade, tudo o que os senhores quiserem dizer, mas o que quero é, uma vez mais até porque já o disse, mas se
é necessário repetir repito, dizer que não deixamos de fazer a melhor Constituição para o País só porque temos como Governo legítimo deste país aquele que temos mas que foi escolhido pelo povo, que escolheu, embora mal - e ao contrário daqueles que pretendem que o povo nunca erra eu acho que o povo também erra, como é óbvio, como tudo o que é humano, quer individual quer colectivamente..., e o povo errou na escolha deste Governo, errou quando lhe deu a maior absoluta. Nós não deixamos por isso de fazer a Constituição que entendemos que é melhor para o nosso país. Não vamos nortear-nos por razões conjunturais a pensar que se vamos aqui introduzir a regra justa isso poderá ser objecto de abuso por parte do actual Governo. Esse Governo será punido politicamente por esse facto, será mais uma razão para deixar de ser Governo e, quando nós o formos, então utilizaremos a norma no sentido correcto, tal como queremos que ela seja utilizada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Isto é muito claro e ninguém nos desvia daqui. Os senhores não conseguem que a gente transforme o trabalho de Revisão Constitucional num trabalho de rua, show, de ataque ao Governo com desprezo pelo interesse fundamental do País em ter uma Constituição como nós entendemos que ele deve ter.
E dito isto ficam dadas as explicações que lhe não devia!
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate do artigo 64.º, em relação ao qual o ponto da situação é o seguinte: proposta do CDS relativamente aos n.ºs 2 e 3; proposta do PCP relativamente ao n.º 4; proposta do PS que foi assumida pela CERC e que por isso se considera prejudicada, o mesmo acontecendo com a do PSD; ficam ainda para votação as propostas de Os Verdes relativamente ao n.º 3, o corpo do artigo e a alínea f), e ao n.º 5, tal como também ficam para votação a proposta do PRD relativamente à alínea é) do n.º 3 e a proposta da CERC.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de informar a Mesa que retiramos as nossas propostas, porquanto não vemos interesse em apresentá-las a votação.
O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. Está retirada a proposta de Os Verdes.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 68.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção é muito curta e é, fundamentalmente, para justificar o sentido da nossa
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proposta e para dizer que com a substituição que propúnhamos no n.º 1, entendíamos que ela permitia o melhor esclarecimento dos objectivos prosseguidos com esta norma sobre a protecção de que devem gozar os pais em relação às exigências específicas da sua acção e também, quanto àquilo que se passou na comissão e à votação deste número, retiramos esta nossa proposta em relação no n.º 1 que tinha unicamente esse objectivo.
No que respeita à proposta respeitante ao n.º 3 ela tinha o objectivo de alargar o entendimento do que deva ser a protecção devida às mulheres trabalhadoras nas situações de parto e gravidez.
A nossa proposta foi aqui acolhida pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, facto com que só temos de congratular-nos. Efectivamente, o texto actual da Constituição é um texto reducionista, marcadamente «racionista», porque reduz a protecção de que devem gozar as mulheres trabalhadoras nessa situação apenas ao direito laborai de faltar com direito a retribuição. Coloca, aliás, em termos temporais esse período de faltas num sentido exageradamente regulamentar que deve ser evitado pela Constituição. Portanto, a nossa proposta tinha precisamente em vista superar esse sentido reducionista e ao mesmo tempo evitar os exageros regulamentares da Constituição actual. Congratulamo-nos com o facto de ela ter sido adoptada pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e, obviamente, vamos aprová-la juntamente com os partidos que a votaram já na comissão.
Retiramos também a proposta do n.º 3, uma vez que ela está consumida inteiramente pela proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, o CDS retira todas as propostas relativamente ao artigo 68.º?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para nos congratularmos antes de mais com a retirada pelo CDS da sua proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 68.º, que, no nosso entender, comportava uma visão desencantada das virtualidades de solidariedade que partissem da sociedade civil ao lado do Estado, que, obviamente, é o primeiro destinatário desta disposição.
Uma vez que já nos congratulámos com essa retirada vamos agora felicitar o CDS pelo facto de ter sido evidentemente o autor de uma proposta de alteração que foi recebida na CERC com um consenso alargado e que justifica indiciariamente a sua passagem a um texto definitivo no texto constitucional.
Na verdade, a protecção à maternidade que o CDS propõe nos termos do n.º 3 tem um âmbito bem mais largo do que aquele que consagrava o actual texto constitucional, na medida em que uma referência ampla à especial protecção durante a gravidez, referindo-se que há uma inclusão da dispensa do trabalho durante o período adequado, faz claramente induzir numa interpretação que contempla a protecção da gravidez muito
para além do trabalho tout court. Isto, no nosso entender, pode criar mesmo uma expressa permissão constitucional para uma protecção da maternidade em sectores que até aqui o próprio legislador ordinário tem descurado e para a qual se sente agora motivado por razões expressas na Constituição. Estou a pensar, exactamente, no trabalho científico que nem sempre vem sendo entendido como incluindo esta ideia de trabalho no sentido de ser objecto de protecção nos termos constitucionais vigentes.
Creio que esta expressão é feliz, que aumenta as virtualidades do texto constitucional nesta matéria e que pode, efectivamente, ser um indicador dado ao legislador ordinário para proteger a maternidade em sectores que até aqui têm sido por ele desconhecidos. Exactamente uma das razões que aponto é a do trabalho científico desempenhado por mulheres que até aqui não tem sido objecto de uma discriminação positiva ou de uma consideração especial, tendo em conta a sua situação de mães. É por isso que o PSD se congratula com esta inovação, à qual aderir votando a favor.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, congratulo-me com a achega valiosa - com certeza! - que V. Ex.ª trouxe no sentido da justificação da proposta de substituição do actual n.º 3, a que adere o PSD e a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e para dizer à Sr.ª Deputada Assunção Esteves que mantemos, porque era uma proposta de afinamento terminológico mas que tinha sentido em relação ao n.º 1. Mantemos a ideia, e a intenção está declarada, de retirá-la.
Mas, Sr.ª Deputada, impor obrigações ou conferir direitos em relação à sociedade em sede constitucional, não me parece inteiramente adequado. Nós estamos fundamentalmente a tratar das relações dos cidadãos com o Estado e é disso que devemos tratar efectivamente na Constituição.
Por outro lado, falar em insubstituível acção dos pais em relação aos filhos pode também ter um sentido reducionista e levar a tentativas de exegese e de interpretação, que acabam por conduzir a uma interpretação redutora deste âmbito ou deste campo em que a acção protectora do Estado deve, efectivamente, manifestar-se.
Era, portanto, no sentido de esclarecer as coisas!... Estamos na Constituição a tratar das relações dos cidadãos com o Estado e não queríamos restringir o âmbito em que se poderia exercer essa protecção. Era nessa perspectiva que propúnhamos a alteração, mas, efectivamente, verificámos que o sentido que os deputados atribuíam a esta norma assegurava-nos já a prossecussão do que consideramos serem os verdadeiros objectivos nesta matéria. Portanto, retiramos a nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, creio que em geral estamos de acordo, mas queria apenas dizer-lhe que, em meu entender, seria negativo retirar a expressão sociedade. É óbvio que por via constitucional já não é possível
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em termos concretos fazer quaisquer imposições à sociedade em matéria de direitos e, nomeadamente em matéria de direitos sociais, que é o que está aqui em causa.
Mas o Sr. Deputado há-de reconhecer que do modo como os preceitos constitucionais são contornados e redigidos pode resultar a leitura da própria idiossincrasia da Constituição e da visão que parte da Constituição sobre a sociedade e sobre o Estado. Esta visão era desencadeada das virtualidades da sociedade civil e pouco solidária. Não tem a ver com o problema do carácter eventualmente não preceptivo desta disposição relativamente à sociedade mas com uma leitura de imagem do que a Constituição é e de, efectivamente a idiossincrasia que tem face às relações Estado e sociedade e à própria função que a sociedade civil pode desempenhar de seu lado, independentemente de quaisquer imposições do Estado. É apenas um problema de perspectiva e de imagem constitucionais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Grupo Parlamentar Comunista sobre esta matéria será feita pela minha camarada deputada Maria de Lourdes Hespanhol, mas, pela minha parte, gostaria de sublinhar apenas este aspecto: o CDS não participou nos debates em sede de comissão neste ponto e se esta proposta aqui está, como demonstram as Actas, isso resultou do facto de se ter formado um consenso construtivo no qual, de resto, o papel do PCP se veio a revelar, como todos reconhecerão, útil para não dizer insubstituível. Só isso salvou esta proposta!...
Com efeito, a proposta do CDS na sua versão originária, além do aspecto insensato de suprimir a alusão ao direito à protecção da própria sociedade, no seu n.º 3 eliminava o direito a dispensa de trabalho prévia ao parto e isto bloqueou os debates e foi necessário algum esforço de cirurgia da qual resultou uma proposta comum para que este texto pudesse ser aprovado com a redacção que tem e que não só preserva todo o conteúdo anterior da norma constitucional como lhe adita uma cláusula geral que nos parece muito positiva. Sobre o alcance dessa cláusula, repito, irá obviamente debruçar-se a minha camarada deputada Maria de Lourdes Hespanhol, mas eu gostaria de deixar feita esta precisão só para temperarmos com alguma verdade os parabéns a que todos temos direito e em certa medida o CDS também.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, fundamentalmente, fazer dois registos, o primeiro dos quais tem a ver com o entusiasmo do PSD e a sua adesão às virtualidades da sociedade civil. O PSD aparece-nos agora nessa veste e precisamente para evitar qualquer interpretação perversa, como a Sr.ª Deputada Assunção Esteves estava a fazer, porque a nossa proposta revelaria algum desencanto na sociedade civil é que nós retiramos a nossa proposta. Mas registamos que o PSD aparece agora nesta veste personalista aderindo às virtualidades da sociedade civil, crente das virtualidades da sociedade civil, dirigindo mesmo algumas recomendações constitucionais à sociedade civil!!!
Por outro lado, registamos também a intervenção do PCP para a versão da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Realçamos o mérito de todos os que intervieram na comissão, obviamente não excluindo o Partido Comunista, que votou a favor desta versão do n.º 3. Obviamente não nos custa nada admitir a importância da sua intervenção. Foi mais longe do que isso e, como o grande fiscal laboralista da Constituição, convenceu todos os outros de que não virem aqui referidas as faltas antes do parto não tinha, digamos, inconveniente nenhum. Talvez tenha tido esse mérito de sossegar algumas consciências mais preocupadas, mas é curioso que seja apenas «algum» o mérito de quem propôs rigorosamente a redacção que veio a ser adoptada. Era só esse registo que eu queria deixar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol.
A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que a nossa bancada se congratula com o espírito que se viveu aquando da discussão deste artigo, na CERC, e frisar que para nós, em princípio, a explicitação é extremamente importante, porque, embora já estivesse presente no espírito da lei, na prática, é todos os dias violada. Senão, vejamos por que é que dizemos isto.
A protecção especial na gravidez já está implícita na versão da Constituição que está em vigor. Mas a que é que assistimos? Há falta de serviços de saúde materno-infantil; há medicamentos que eram comparticipados e que, neste momento, deixaram de o ser; ao encerramento das maternidades que obriga muitas mulheres a percorrerem longas distâncias em más condições, o que provoca que tenham os filhos pelo caminho ou que tenham de deslocar-se a Espanha ou, ainda, que sejam obrigadas a tê-los em casa.
O que está implícito é que haja um período de dispensa adequado antes, durante e depois do parto, sem perda da retribuição e de quaisquer regalias. No entanto o trabalho precário conduz também a que este preceito não esteja a ser cumprido. Por isso, achamos esta explicitação extremamente importante. Lembramos, por exemplo, os casos de contratos a prazo que impedem as mulheres de ir aos serviços de saúde e de ter os filhos em boas condições: o caso das professoras contratadas, que, dois dias após terem os seus filhos, se vêem na obrigação de dar aulas.
Este tipo de trabalho impede também que as mulheres por motivo de maternidade, que não recebem se não trabalharem, muitas delas estão a trabalhar em situações extremamente precárias, em que o vencimento base é muito pequeno e são os prémios de produtividade que permitem que tenham uma vida minimamente digna. Ora, estes prémios de produtividade, como todos sabemos, só são pagos se o trabalhador não faltar, caso contrário não os recebe. Logo, a mulher grávida ou a mãe, depois de ter a criança, vê-se privada desses direitos.
Temos de ver também esta questão numa outra perspectiva: com este artigo, pretende salientar-se a dignidade de ser mãe. Para isso, devemos pensar na questão da educação sexual, que continua sem ser implementada nas escolas, funciona ad hoc, com professores que fazem
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como querem ou como podem, pois não têm formação profissional para fazer uma educação sexual como deve ser. Por outro lado, os centros de atendimento para jovens, extremamente importantes para uma maternidade consciente, são apenas dois em todo o País, em Lisboa e no Porto, o que conduz a que efectivamente os jovens não tenham direito à educação sexual nem ao planeamento familiar. Isto implica o quê? Implica que haja muitas gravidezes precoces e o recurso ao aborto clandestino, que é, neste momento, a terceira causa de morte materna, em Portugal.
Por outro lado, o planeamento familiar não chega ainda à maioria da população. Os contraceptivos não são comparticipados a 100%, o que impede o seu acesso algumas mulheres.
Por tudo isto, pensamos ser extremamente importante a explicitação desta norma e, dizemos mais, dizemos que todas as situações que aqui foram apontadas são reais e que as mulheres tudo estão a fazer para chamar a atenção para elas. Daí que peçam ao Governo e à Assembleia da República que criem normativos - neste caso, congratulamo-nos com esta situação de se legislar - sobre as várias matérias que discriminam as mulheres.
Um dos pontos que aparece agora na ordem do dia foi discutido em seminário, no passado fim de semana e diz respeito ao assédio sexual. Muitos destes problemas foram abordados e esta Assembleia não poderá ficar muda perante eles.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, dou por encerrado o debate relativo ao artigo 68.º, ficando prejudicada, em relação à proposta apresentada pela CERC, a proposta subscrita por vários Srs. Deputados, nomeadamente José Magalhães, Pedro Roseta, Raul Castro, Almeida Santos e Marques Júnior.
Vozes do PSD: - Exacto!
O Sr. Presidente: - Então, relativamente ao artigo 68.º, fica apenas para votar a proposta da CERC, que diz respeito ao n.º 3.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que sim, porque a proposta a que V. Ex.ª faz alusão foi aprovada e, portanto, consta do texto que obtém dois terços, indiciariamente estabelecidos na CERC. Não há outra.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do artigo 71.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresentou propostas de aditamento ao actual texto do artigo 71.º, pelo que gostaria de lembrar a todos os Srs. Deputados que estamos a legislar neste particular para 10% da população portuguesa, que é sensivelmente o número de deficientes que a nossa sociedade tem. São cidadãos de «corpo inteiro», que têm dificuldades acrescidas de integração no seu dia-a-dia, dificuldades essas que, depende de nós começar a eliminar, através de legislação adequada - e neste caso, da consagração no local adequado da Constituição, ou seja, no artigo 71.º, novos princípios que digam respeito à eliminação de barreiras arquitectónicas que impedem, no dia-a-dia, que o deficiente possa exercer todos os seus direitos e deveres, de participar na construção da sociedade. Por outro lado, importa trazer também para o novo texto constitucional, a garantia de que o Estado deve apoiar as associações de deficientes que têm sido, de facto, ao longo destes anos, as entidades capazes de trazer à luz do dia a problemática da deficiência em Portugal, que é muito vasta e complexa - e não valerá a pena fazer referência a essa complexidade, porque todos nós temos conhecimento dos diversos aspectos que ela assume.
No entanto, faço um apelo às diferentes bancadas, nomeadamente às bancadas que, com o peso do seu voto, podem contribuir decisivamente para garantir, na Constituição, mais dois direitos para os deficientes o que nunca será demais... Um deles, basicamente aceite pela comissão, está já indiciado que seja aprovado e respeita à garantia de que o Estado se compromete a apoiar as associações de deficientes.
Tínhamos ainda outra proposta que consistia na eliminação progressiva de barreiras arquitectónicas e a reserva de um determinado número de postos de trabalho. Mas porque compreendemos que talvez seja complicado, nesta fase, garantir a reserva de um determinado número de postos de trabalho - isso terá outras implicações e outras leituras - potámos por suprimir, em nome da possível negociação, essa parte da proposta e solicitávamos às diferentes bancadas, especialmente à bancada do PSD, que dê o seu aval a esta proposta comum de que o Estado deve promover a eliminação progressiva das barreiras arquitectónicas nos termos da lei.
Consultadas as associações de deficientes foi-nos garantido que esta questão das barreiras arquitectónicas passa por ser uma das principais questões a levantar, hoje, no panorama da integração plena do deficiente na sociedade. Há que dar resolução urgente a este problema das barreiras arquitectónicas, eliminando, corrigindo quanto ao que já está feito e sobretudo prevendo situações da evolução arquitectónica futura, que poderão pôr entraves de monta à integração plena dos deficientes.
Feito este apelo anúncio ao Sr. Presidente e à Mesa que a proposta constante do nosso projecto de lei de Revisão Constitucional n.º 8, relativa ao artigo 71.º, seria retirada para ser substituída por uma outra, que farei chegar à Mesa e que V. Ex.ª certamente fará distribuir, porque pretendo que seja uma proposta comum, tendo em conta estas duas introduções: um ponto 3, em que se garanta que o Estado nos termos da lei promove a eliminação progressiva de barreiras arquitectónicas, e um ponto 4, que já está basicamente aceite pela CERC, em que o Estado apoia as associações de deficientes.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, quero colocar-lhe uma questão e ao mesmo tempo solicitar-lhe que, em relação a ela tome as devidas medidas.
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É conhecido e sabido que as duas bancadas da Oposição normalmente são filmadas pela televisão de costas ou de perfil, o que se revela manifestamente «inconfortável» para a nossa afirmação em termos de televisão. Acontece que os representantes da televisão, decidiram filmar daquela bancada, onde estão colocados os serviços de apoio que controlam o sistema de vídeo e de visionamento interno do que se passa no Hemiciclo.
Compreendemos que aquele não seja o melhor sítio, para a tomada de vistas, por parte da televisão, não seja o melhor sítio, tanto mais que, a acontecer isso, deveria ser estudado porventura outro esquema. Mas, por essa razão e dado que demasiadas vezes...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado José Lello quer ver-se, de frente!
Risos do PSD.
O Orador: - VV. Ex.ªs não se preocupem, porque a vossa querida televisão filma-vos sempre da melhor maneira!...
Portanto, solicito a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as devidas diligências, no sentido de proporcionar que sempre que a televisão quiser tomar vistas daquele lado ou de outro lado qualquer, possam, pelo menos, os cameramen ter acesso a esses locais para podermos ver a nossa cara nos telejornais e não estarmos a ser filmados de perfil.
Risos.
Não é que nos custe demasiado, mas penso que não é a melhor maneira!...
Risos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lello, esta questão foi vista e analisada em conferência de líderes e, com certeza, ainda vai ser mais aprofundada. No entanto, já dei autorização para a televisão filmar de frente o Sr. Deputado José Lello e todo os Srs. Deputados que se encontram nas bancadas do meu lado esquerdo do Plenário. A única coisa que, neste momento, foi vista foi apenas isso, embora ainda haja necessidade de aprofundar o facto de a Câmara não estar fixa, mas é ainda uma questão que está e continua a ser aprofundada em conferência de líderes até se estudar a melhor forma de compatibilizar a necessidade que os serviços têm de ter uma visão, embora não seja para controlar, mas para ajudar o funcionamento do nosso Plenário. É este o quadro que está visto, Sr. Deputado.
Vozes do PSD: - O Sr. Deputado José Lello vai ser visto de frente!
O Sr. José Lello (PS): - Ó Sr. Presidente, então a equipa da televisão teve de sair dali, porque tinha uma câmara fixa?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este assunto tem sido visto e revisto em conferência de líderes. É óbvio - e basta olhar para o sistema que existe - que não é possível, e considerando as pressões dos próprios
grupos parlamentares, que exigem ter ali um seu representante, materialmente, a televisão ter instalado um posto fixo naquele sítio.
Está previsto e foi considerado em conferência de líderes que, durante este Verão, irá ser colocada, na bancada central - ainda hoje tive ocasião de dizer e repetir isso n vezes -, uma câmara de televisão e um lugar de acesso aos meios de comunicação social, o que permite, fundamentalmente, pôr todos em igualdade de circunstâncias, dar melhores condições de trabalho e focar fundamentalmente o orador nos seus momentos mais solenes, que é quando está no lugar próprio.
É uma posição que já existe desde que me conheço nesta Casa - e já passou algum tempo - e alguns deputados mais antigos nesta Casa sabem que a televisão esteve sempre colocada naquele sítio, e até tivemos o cuidado de tirar de lá uma bancada para poder montar um tripé. Mas não posso fazer o impossível e o impossível é arranjar espaço adicional naquele sítio. Em todo o caso, há autorização para a câmara televisiva, em forma portátil, tirar imagens daquele ângulo, desde que não perturbe, repito, desde que não perturbe o funcionamento de controlo que, cada vez mais, está a ficar mais e basta olhar para lá.
São as dimensões que temos, não podemos fazer outra Casa, a não ser que deitemos esta abaixo.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, gostaria de reafirmar que o lugar fixo do PS pode ser plenamente ocupado pela televisão, quando assim o entender, designadamente quando estiver no uso da palavra a Oposição, prescindindo claramente do lugar a que ali temos direito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o lugar da câmara portátil não precisa de ser ocupado pelo lugar do PS. O lugar fixo não pode ser implantado pelas razões físicas do próprio sistema. De resto, isso tem sido sucessivamente analisado e, como disse, vamos colocar um espaço adequado na bancada central, que põe em condições análogas os diferentes grupos parlamentares. É tudo quanto posso fazer e nem sequer é inovação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos continuar com esta discussão, porque ainda hoje foi analisada em conferência de líderes e continuará a sê-lo na próxima sexta-feira.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, tratando-se de uma questão analisada em conferência de líderes, não apenas hoje mas já há bastante tempo, da parte do meu grupo parlamentar, cumpre reconhecer que a deliberação da conferência não está a ser executada.
Por outro lado, creio que V. Ex.ª trouxe para o debate em Plenário uma questão que não corresponde inteiramente ao que se passou. É sabido que, até há
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cerca de um ano, a colocação da televisão não foi sempre deste lado, bem pelo contrário, a televisão filmava umas vezes deste lado, umas vezes na outra bancada. Bom, o que significa é que a Oposição estará sempre condenada a ser filmada de costas ou de lado e ali onde há colocação fixa está sempre garantida a filmagem de frente.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Exacto!
O Orador: - Ora, a questão é tão simples como isto, Sr. Presidente: ter lugar fixo de filmagem para a televisão consiste em ter um tripé, que se desloca facilmente deste para aquele lado, assim haja luz verde por parte da presidência da Assembleia para que isso seja cumprido. Aliás, o que estranhamos é que a deliberação da conferência não esteja a ser cumprida, porque há três meses, Sr. Presidente, o Conselho de Comunicação Social, por unanimidade, sugeriu que a cobertura dos trabalhos parlamentares, feita pela televisão, desse iguais oportunidades aos diferentes agentes parlamentares, não tratando uns de viés, outros de frente e outros de costas. É contra isso que reclamamos, associando-nos às palavras que já aqui foram transmitidas pelo Sr. Deputado José Lei Io.
E mais, Sr. Presidente: creio que a resposta que nos deu não é suficiente, sob pena de obrigar-nos, num debate de especialidade, com as características deste, a que cada um de nós suba à Tribuna para fazer um pedido de esclarecimento a outro Sr. Deputado. Creio que é levar ao ridículo o trabalho desta Casa, é quebrar-lhe o ritmo.
Sr. Presidente, dizer-nos que, em Outubro, a questão vai ser resolvida, agradecemos-lhe, mas estamos a testar a questão hoje, queremos resolvê-la durante os trabalhos da Revisão Constitucional até à férias parlamentares. Porém, dizer-nos que a partir de Outubro tudo vai ficar resolvido, não serve, Sr. Presidente. Além disso, creio que era tão simples como isto: era apenas a Mesa dar seguimento à deliberação da conferência, facilitando o acesso das câmaras da televisão à outra bancada e deixando ao critério da televisão a questão de dar uma cobertura que seja no sentido não da manipulação mas informação, de tratamento de igualdade, e de assegurar pelo menos duas câmaras, uma de um lado, outra do outro, para permitir a cobertura das intervenções das diferentes bancadas.
Sr. Presidente, esta é a questão que queríamos colocar e que, pensamos, tem toda a lógica, toda a legitimidade - basta ver o que se tem passado em termos de «telejornais», de «24 horas», de «Jornal das 9», para compreender a razão de ser desta interpelação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não quero injectar aqui um debate, sobre essa questão, o que aliás, ficou combinado, mas quero fazer duas precisões para que as dúvidas não fiquem no ar.
Primeiro: o Sr. Deputado disse que se procurava melhorar as condições, permitindo à comunicação social acesso à galeria central e mais, mas até estão a fazer-se outras coisas.
Segundo: o Sr. Deputado disse uma coisa que não é inteiramente verdade, porque até há cerca de um ano não havia possibilidades de na Sala colocar um tripé
num lugar fixo e montado, o que levou à desmontagem de parte da bancada de imprensa com alguns protestos legítimos da redução do espaço. O que havia era câmaras móveis colocadas às costas dos cameramen...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estou cá há 10 anos, vi o que se passou naquela bancada!
O Sr. Presidente: - Era um tripé que não tinha espaço físico para ser montado e mantido. Se a televisão entender que pode filmar naquele momento, a televisão monta naquele momento, o que não lhe posso é remover uma bancada para que a televisão possa colocar o tripé da forma como está do lado oposto. É tudo quanto posso dizer!
Vozes do PCP: - Não queremos demolições!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Herculano Pombo, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.
O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, estamos totalmente de acordo com o que disse e queria recordar que já foi, nesta legislatura, em sede de comissão, elaborado um texto em que todas as preocupações que há pouco falou de barreiras arquitectónicas, acesso ao emprego e muitos outros benefícios, que podem ou devem dar-se ao cidadão deficiente, foram contemplados por consenso, pelos partidos representados nesta Assembleia. Parece-nos, por conseguinte, talvez exagerado que fique registado na Constituição, quando a legislação ordinária se pode fazer aquilo que V. Ex.ª referiu.
Portanto, estamos de acordo mas parece-nos que talvez seja exagerada a consagração na Constituição.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Perdoe-me, Sr. Deputado, mas vou responder muito rapidamente, dado que já estou a utilizar o meu tempo da semana que vem, como é costume.
Sr. Deputado, posso compreender as razões que aduziu aqui, no sentido de não confundir níveis legislativos, mas não as posso aceitar, uma vez que se trata de uma medida insistentemente requerida por um milhão de cidadãos. Um milhão de cidadãos que é particularmente penalizado não por sua culpa, na maior parte dos casos, não por culpa da sociedade, mas por culpas que muitas vezes nos são alheias, mas que nós não temos o direito de onerar ainda mais, impondo restrições.
Eu sei que a lei ordinária já cuida destas coisas, a Constituição faz-se para todos os portugueses, e quando, neste caso particular, há 10% dos portugueses que requerem que se consagre na Constituição este direito, que lhe seja dada dignidade constitucional, Censo que não temos o direito de lhes dizer que não. É um pouco esta a nossa razão de trazer isto para nível constitucional.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Filipe.
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O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porventura hoje é o dia indicado para discutir o artigo 71.º, dado que mais uma vez, se vai iniciar a campanha do «Pirilampo mágico» para apoiar as CERCI. Os deficientes, em Portugal, são, sem dúvida, o grupo mais atingido pelo desprezo, despreocupação e alheamento dos sucessivos governos.
Com muito esforço se tem vindo a aprovar legislação que os dignifique e muito poucas vezes essa legislação tem sido aplicada. Os Verdes resolveram, pois, apresentar duas novas propostas de aditamento a este artigo, propostas que são concernentes a antigas reivindicações dos deficientes e das suas associações. Os n.ºs 3 e 4 da proposta de Os Verdes definem direitos de associação de deficientes e pretendem assegurar a progressiva eliminação de barreiras arquitectónicas. Ambas foram já, em sede de comissão especializada, rejeitadas pelo PS e pelo PSD. Porém, neste momento, não me impeço de chamar a atenção dos Srs. Deputados para aquilo que é fundamental na proposta de Os Verdes que segundo consideramos é, de facto, a progressiva eliminação de barreiras arquitectónicas. Temos de convir que há homens sem pernas, da guerra colonial, há crianças em cadeiras de rodas que precisam de frequentar a escola, há paraplégicos, há pessoas que têm direito à mobilidade, à integração, enfim, à vida e ao trabalho e que sem uma progressiva eliminação de barreiras arquitectónicas não chegarão à integração nem à reabilitação totais.
Por isso, defendemos que, a este número, seja incluída como norma constitucional «a progressiva eliminação de barreiras arquitectónicas». Não nos parece desfazado que essa norma fique assente. Aliás, como o Sr. Deputado António Bacelar há pouco afirmou, a recente aprovação da Lei de Bases dos Deficientes consignou isto mesmo, portanto esta norma com nada colide; pelo contrário, veio a ser reforçada precisamente na aprovação, por unanimidade, nesta Câmara, com a Lei de Bases para os Deficientes.
Os Srs. Deputados do PS e do PSD - que são quem constitui fundamentalmente a maioria qualificada - deverão rever a vossa posição no sentido de que vão prestar um bom trabalho, um bom serviço aos cerca de um milhão de deficientes que existem no nosso país. Penso que devem rever a vossa opinião sobre este assunto e dariam, então, hoje, que é o dia do lançamento do «Pirilampo mágico», uma boa prenda aos deficientes.
Para isso solicito os bons ofícios do Sr. Presidente, no sentido de colaborar comigo nesta iniciativa, mas é evidente que não deixarei de dizer que a companha do «Pirilampo mágico» não tranquiliza a nossa consciência.
O «Pirilampo mágico» existe porque os governos, neste caso o Governo PSD, não apoiam como deve ser as Associações de Deficientes. Isto é bom que se diga, como é evidente, e não impede que cada um de nós, os Srs. Deputados, os Srs. Funcionários, o Sr. Presidente - que bem pode comprar mais do que um pirilampo para oferecer aos ilustres convidados que, de vez em quanto aqui vêm...! - colabore com as crianças das CERCI, comprando os referidos pirilampos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas intervir, muito brevemente, para dar o nosso acordo quando à proposta que foi adiantada pelo Partido Os Verdes, no sentido da eliminação progressiva das barreiras arquitectónicas, nos termos da lei, em favor dos deficientes.
Parece-me que esta solução é uma solução mais aberta, menos rígida e, portanto, com um carácter menos fechado, do que a anteriormente apresentada, que admitia «a lei assegura» e que, portanto, tinha uma rigidez no seu contexto que esta agora não tem.
Parece-me, por isso, que valia a pena, em nome, digamos, dum direito pleno de cidadão e em referência a valores de solidariedade, apela para ver aqui se há uma reapreciação pelo Partido Social-Democrata, uma vez que além do mais, esta proposta, inserida em valores óbvios que todos respeitamos, vai ao encontro de necessidades muito sentidas de grupos sociais e de um grupo de pessoas que têm uma magnitude, em termos quantitativos, já aqui apontada, como muito relevante e que é necessariamente um grupo frágil, em termos de capacidade de defesa dos seus direitos.
Não iríamos mal se consagrássemos, até como valor emblemático na Constituição,' esta referência, que enquanto valor, é extremamente positiva e radical e, enquanto realização concreta, tem suficiente grau de abertura e de solução progressiva no sentido de não criar obstáculos intransponíveis imediatos.
Daí, o nosso apelo também a uma reapreciação por parte das diversas bancadas, quanto ao interesse e ao valor da inscrição deste inciso ou deste número no texto constitucional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou usar da palavra, naturalmente, para reafirmar aquele que é o nosso apoio à proposta que neste momento foi posta à consideração pelo Partido Ecologista Os Verdes.
Eu gostaria, no entanto, de salientar apenas mais alguns pormenores que vêm consubstanciar aquela que é a nossa posição.
Já várias vezes tenho levantado nesta Câmara situações paralelas àquelas que estão ou não consagradas, ou, diríamos mesmo, menos consagradas para os deficientes.
Nesse sentido, eu próprio tive a intenção de fazer a apresentação de um projecto de lei, que posteriormente veio a ser prejudicado pela Lei de Bases de Reabilitação - desistimos dessa apresentação, em favor desse mesmo projecto.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há aqui um factor que é muito importante e que eu gostaria de salientar.
Há cerca de dois anos saiu um despacho do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social que cortava algumas das regalias ou das vantagens que teriam os pais dos deficientes, em termos de abono para a alimentação, caso eles não desejassem internar os seus filhos nos estabelecimentos indicados para o efeito.
Verificou-se a existência de alguma quase inconstitucionalidade nessa matéria e eu próprio fiz um requerimento ao Sr. Secretário de Estado da Segurança
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Social, então, o Sr. Dr. Luís Pereira, e ele próprio assumiu algumas das falhas desse mesmo diploma.
Recordo que, nessa altura, houve uma contestação generalizada por todos os pais das crianças deficientes, de modo a fazerem valer os seus direitos, porque seria, no mínimo, ignóbil que para haver um subsídio para uma criança deficiente o pai ou a mãe se tivessem de separar do mesmo e pô-lo, embora apenas durante o dia, num estabelecimento preparado para o efeito.
Essa situação foi alterada, por isso, neste aspecto e felizmente, permito-me, em relação à intervenção feita pelo Sr. Deputado do Partido Comunista, não estar totalmente de acordo. De facto, as CERCI, apesar de tudo, têm vindo a ser apoiadas com alguma normalidade, embora tudo o que se possa dar-lhes, em termos de verbas governamentais, convenhamos, é sempre pouco.
No entanto, todas as campanhas que têm sido feitas, nomeadamente a do «Pirilampo mágico» e outras pontuais feitas a nível local, naturalmente, até através das Misericórdias, as quais eu próprio tenho promovido na localidade onde resido, têm vindo, de facto, a dar resultados, o que é sintoma e reflexo do apelo que se faz às populações para um acto de tamanha solidariedade, como é o de apoiar os deficientes.
Isto não invalida de maneira alguma que todas as formas que neste momento possam ser postas à disposição dos deficientes não sejam bastantes. Temos de lutar para que na realidade hoje, o problema de um milhão de portugueses, quer oriundos da guerra no Ultramar, que ainda hoje são uma grande camada de deficientes das Forças Armadas, quer as crianças deficientes e não só, mas também os adultos, venham de facto a tomar as proporções que são necessárias e urgentes está bem sem efeito a integração dos deficientes na sociedade seja uma breve realidade.
Quanto à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Herculano Pombo, recordo que a lei ordinária consagra já, de facto, alguma disposição neste sentido.
Não sei se ainda está ou não em vigor - e, aí, penalizo-me - mas foi há uns anos proposto que todos os prédios tivessem, obrigatoriamente, um acesso...
O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Foi revogado.
O Orador: - ... para que o deficiente pudesse ter um permanente e fácil acesso à sua habitação.
Ouvi agora o Sr. Deputado dizer isso - aliás, assumi o meu desconhecimento nesta matéria - e o que acontece é que, infelizmente, continuamos a ver fazer prédios de umas dezenas de andares com acesso perfeitamente limitado, para não dizer impossível, aos deficientes, o que acarreta um esforço acrescido por parte de vizinhos ou familiares, para os conduzirem, no mínimo, até ao elevador, e instalarem-se nas suas habitações.
É lamentável que esta norma não tenha sido posta em vigor, que ela não tenha sido aplicada, por, suponho, ter havido, na altura, alguma contestação por parte de empreiteiros, nomeadamente, que diziam que isso poderia encarecer o preço dos imóveis e que, naturalmente, nem todos os prédios teriam de ter acesso fácil para deficientes porque são 10% da população portuguesa. Mas infelizmente, o que se verifica é que,
de facto, a quebra das barreiras arquitectónicas continuam hoje a ser uma infeliz realidade e as dificuldades continuam a verificar-se acrescidamente.
A razão da nossa anuência à sua proposta, Sr. Deputado? É porque supomos que, independentemente de ela estar consagrada na lei ordinária, iria dar mais dignidade e enriquecimento ao texto constitucional. Não veria a proposta como uma prenda para os deficientes mas como a justiça que todos lhes devemos, como parte integrante da nossa sociedade e que, como tal, devemos encarar.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, do diálogo que trocámos há pouco, ficámos com a ideia de que, se houvesse possibilidade de instalação das câmaras de televisão na bancada, onde normalmente elas não estão situadas, não haveria qualquer problema colocado pela Mesa.
Ora sucede que os representantes da televisão e os jornalistas acabam de contactar a minha bancada, no sentido de nos informarem que foi dada ordem ao funcionário, que estará a controlar o acesso àquela bancada, de que a televisão só podia filmar se usasse o lugar sentado do Partido Socialista e que não poderia colocar o tripé para efeitos de filmagens.
Nós temos que nos entender sobre isto, Sr. Presidente. Não podemos ditar para o Diário uma determinada declaração e vir qualquer funcionário pôr em causa as palavras de V. Ex.ª.
Desculpe interromper os trabalhos desta maneira, mas é uma questão que diz respeito a todos, é a imagem da Assembleia, é a imagem dos deputados que está em causa, e creio que não podem haver questões administrativas ou o ter em conta o trabalho de outros funcionários que ali estão sentados - que eu respeito também - que o venham determinar. Ó que está em causa é uma imagem pluralista desta Assembleia que está a ser posta em causa pela impossibilidade de a RTP colher imagens.
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, devo dizer-lhe que lamento que tenha posto o problema em Plenário e, inclusivamente, que não me tenha visto aqui em cima, pois foi público e notório que estive sempre aqui e que, não dei quaisquer instruções nesse sentido. O que disse foi alto e em bom som. Simplesmente, o Partido Socialista tinha posto à disposição da RTP o seu próprio lugar naquela tribuna da imprensa, o que é porventura, natural.
O que posso dizer-lhe, o que posso reafirmar-lhe e não levanto mais o problema, é que já foi, depois de eu ter sido eleito Presidente, que se retirou dali uma parte da bancada para colocar um tripé fixo. O que eu queria dizer era que permito a filmagem noutras circunstâncias, mas não permito filmagens em condições que perturbem o andamento dos controlos funcionais desta Assembleia.
Ponto final e não levantemos mais questões.
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Vozes do PCP: - O tripé pode entrar ali.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu nunca filmei, nada sei sobre questões de tripé, não sei se se pode pôr tripé ou não, mas, uma coisa que não posso fazer, é arranjar um lugar que não existe.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Ó, Sr. Deputado, não vamos continuar esta situação. Podem pôr o tripé ou não pôr o tripé. Não sei se o podem pôr ou não, mas não lhe vou arranjar um espaço para ele.
Se podem pôr uma vara e uma câmara em cima, que ponham.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isto tudo é ridículo!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ó Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dou-lhe a palavra pela última vez para interpelar a Mesa sobre esta matéria.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que esses critérios terão depois de ser analisados, caso a caso, pois nenhum Presidente poderá dizer que me dá a palavra pela última vez!... Seria mau. Seria contra o Regimento e seria contra o funcionamento democrático desta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sabe que estamos a injectar um outro debate. Eu já lhe dei toda a disponibilidade que é possível.
O Orador: - Sr. Presidente, eu queria comunicar a V. Ex.ª que, ao abrigo das disposições regimentais, vamos pedir uma interrupção dos trabalhos por trinta minutos, e que queríamos apelar ao Sr. Presidente para que convocasse a conferência de líderes para, com calma, abordarmos esta questão e tentarmos encontrar uma solução que não prejudique a boa imagem da Assembleia e de todos os Srs. Deputados, a menos que o Sr. Presidente entenda resolver, desde já a questão, facilitando aos representantes da comunicação social a hipótese de colherem imagens.
Mas, desde já, ao abrigo dos direitos regimentais, pedimos meia hora de interrupção dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a conferência tratou do assunto num dia em que eu não estava presente. Na conferência de hoje de manhã, a pedido de um grupo parlamentar, que não cito mas que podia citar que não tinha qualquer problema, ficou o assunto de ser tratado na conferência de sexta-feira.
Como lhe digo, deixo filmar, o que não tiro é nenhuma bancada. Se é ao ombro, se é doutra forma qualquer..., podem filmar e não vejo necessidade alguma da interrupção dos trabalhos, embora seja regimental.
Deixo filmar, o que não posso é ir arrancar a bancada.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Presidente deixa colocar o tripé?
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado!..., deixo pôr o tripé, desde que o tripé possa ser colocado sem perturbar o andamento dos trabalhos, o que não posso é fazer o que fiz acolá ao tirar um espaço para colocar um tripé. É só isso!
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, aquilo que eu queria dizer é que, na verdade, não vemos razão para se suscitar nesta altura uma conferência de líderes.
Se o PCP quiser pedir a interrupção da sessão tem o seu direito, mas, por causa disso, penso que é perfeitamente ridículo estarmos a interromper os trabalhos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, tem a palavra.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É evidente que não pretendemos pôr em causa o bom andamento dos trabalhos e, tendo presente a resposta de V. Ex.ª de que não serão levantadas dificuldades à recolha de imagens dos trabalhos da Assembleia, não há razão para que se mantenha o pedido de suspensão dos trabalhos por meia hora, porque está retirado o pedido regimental que havíamos colocado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por lealdade, devo informar que o funcionário visado nos declara que Sr. Deputado fez uma declaração porventura e porque resultante de alguns equívocos de sucessivas transmissões, que não corresponde inteiramente à verdade. Por isso mesmo não convoco a reunião da conferência, porque não tem razão de ser, nem objectivo.
Srs. Deputados, porque julgo que estamos tão esclarecidos sobre esta matéria e dadas as decisões da conferência de líderes, não vou permitir o arrastamento da discussão duma matéria colateral, quando está tudo esclarecido.
O Sr. Deputado Narana Coissoró pediu a palavra para que efeito? É sobre esta matéria?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é apenas para deixar no Diário que aquilo que o Partido Comunista quer e que é bom para ele é mau para o CDS, pelo que nós nunca chegaremos a um acordo sobre a colocação do tal tripé, que deve dar o programa constitucional mais importante desta tarde. Quem filma quem?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, retomando a apreciação do artigo 71.º, para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Rui Silva, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Silva: Eu gostava de trazer aqui a esta Câmara uma história passada há uns anos, precisamente sobre este problema das barreiras arquitectónicas.
Há uns tempos atrás, ainda havia não esta ligação inconstitucional mas outra - e essa era governamental -, no tempo da A D, no Ano Internacional do Deficiente, foi aprovado nesta Câmara um projecto de lei do PSD - nessa altura, não era do PSD mas do PPM, que fazia parte da coligação, e que, naquela
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altura era a «costela ecológica» (esta hoje transferiu-se para um deputado dos Açores) e também era o porta-voz dos deficientes - que acabava com as barreiras arquitectónicas.
O último artigo dizia que esse projecto de lei entrava em vigor ao fim de seis meses.
Ao final de seis meses, Sr. Deputado, saiu um decreto-lei a dizer que o primeiro entrava em vigor daqui a um ano e assim, sucessivamente, até à revogação final.
Acho estranho que o Sr. Deputado António Bacelar venha dizer que isso se resolve por medidas legislativas, simplesmente.
Medidas legislativas já houve, só que foram revogadas. O que é necessário é que esta Câmara assuma as responsabilidades. Acho que deve haver uma norma constitucional que obrigue à eliminação das barreiras progressivamente arquitectónicas
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Vidigal Amaro não me colocou literalmente qualquer questão, mas suponho que tenho a obrigação de dizer-lhe que estou perfeitamente de acordo com ele.
Reafirmo aquilo que tem sido a minha actuação, em termos de apoio, quer a infância, quer à terceira idade, quer, naturalmente, à questão dos deficientes.
É para mim preocupante esta situação. Infelizmente nas zonas que tenho sob a minha jurisdição tenho alguns casos (cerca de uma dezena) de deficientes, pessoas que eu tenho tentado, de facto, através da minha instituição, apoiar e ajudar.
Refiro e volto a sublinhar que tenho tido alguns apoios por parte do Estado - é justo que se diga -, mas não têm sido suficientes.
Por outro lado, parece-me que a eliminação das barreiras arquitectónicas e imprescindível e deve ser obrigatória.
Repito e reafirmo a dignidade que se daria e a justiça que se fazia aos deficientes deste país com que, como já foi referido, são um milhão - ao introduzir-se no texto constitucional este incisivo. Isso apenas dignificaria esta Casa, pois far-se-ia justiça a quem dela precisa e a quem nós temos obrigação de dar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, desejo felicitar o Partido Os Verdes porque introduziu o debate numa matéria que era relativamente pacífica. Permito-me recordar, por exemplo, que na revisão de 1982, o artigo 71.º não teve propostas de alteração de qualquer bancada.
O Partido Os Verdes introduziu este debate, que foi um debate esclarecedor, de que resulta, com alguma utilidade, a aprovação do novo número para o artigo 71.º, atinente à obrigação de tutela que impende sobre o Estado quanto às associações de deficientes.
Por outro lado, o Partido Os Verdes quereria ir mais longe e agora também acompanhado por outros partidos. E quer ir mais longe numa proposta que, penso eu, não tem, no que à matéria concerne, a oposição
de nenhuma das bancadas. Pelo contrário, julgo não ser arriscado da minha parte, acreditar que todo nos reveremos no conteúdo desta proposta.
Dúvidas há, e essas são as nossas, quando à necessidade e mesmo à bondade da solução, no que toca à elevação desta proposta à dignidade de norma constitucional.
Como já foi dito por um colega de outra bancada, nós não vemos utilidade em elevar esta norma à categoria de uma norma constitucional, sob pena de se deturpar o sentido das normas constitucionais.
A Constituição nessa parte garante o essencial dos direitos do deficiente, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 71.º Portanto, esta concretização afigura-se-nos desnecessária e de cena maneira redutora.
É evidente que o imperativo da eliminação das barreiras arquitectónicas é uma evidência numa política que vise a prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos deficientes. É uma evidência, é de grau prioritário e tanto assim é que o legislador, por largo consenso, em sede de Lei de Bases dos Deficientes, o entendeu assim.
O legislador ordinário - e é a lei ordinária a sede adequada para essa matéria - encontrou adequada resposta. Não é, portanto, necessário e não se resolve na economia das normas constitucionais elevar a matéria à categoria de norma constitucional. Por isso, o nosso voto é, naturalmente, o voto que uma norma como esta deve merecer.
Estando de acordo com tudo, mas não nos parecendo necessário, nem sequer conveniente, numa certa perspectiva de entendimento das relações entre o direito Constitucional e o direito ordinário abster-nos-emos por isso.
Para além disso, a nossa solidariedade activa com todas as campanhas que se fazem em matéria de apoio aos deficientes é total! De resto, ela traduz, de algum modo, a correcção da nossa postura duma certa confiança, nas virtualidades da sociedade civil, também ela capaz de segregar formas de solidariedade activa, como se demonstra.
Da nossa parte, portanto, também daqui vai uma palavra de apreço e de estímulo a todos aqueles que, nos diversos campos e nas diversas formas de deficiência, se propõem contribuir para minorar os custos dessa deficiência e em concreto a campanha que hoje se inicia no País.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Costa Andrade, quanto à solidariedade activa, terá V. Ex.ª, certamente o ensejo de comprar, pelo menos, trinta «Pilampos mágicos» e com isso ficamos todos satisfeitos e as CERCI mais apoiadas!...
Eu fazia um último esforço, Sr. Deputado e propunha-lhe, perdoe-me a expressão, um «negócio» simples.
O Sr. Deputado disse aqui que louvava o Partido de Os Verdes, por ter trazido para aqui este debate, que há muito tempo já não era feito.
Não descobrimos a pólvora, não quisemos com isso lucros de natureza política ou outros, apenas demos satisfação às associações que, insistentemente, nos pediram a nós, e penso que aos outros também, que tentássemos consagrar esses princípios.
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O «negócio» que eu lhe propunha era muito simples: eu propunha-me trocar os eventuais lucros políticos da paternidade da proposta, pelas dúvidas que ao Sr. Deputado ainda restam sobre a dignidade constitucional e, assim, fazia-lhe o último apelo, pois não tenho tempo para aduzir mais argumentos, no sentido de corrigirem a posição de voto anunciada, uma vez, digamos que, não são vezes, pois penso que num assunto de natureza técnica, que é legítimo, não deveria inviabilizar a consagração dum princípio que é todo ele ele um grande princípio de consagração de direitos a um grande núcleo, talvez ao núcleo mais frágil e ao núcleo maior, em termos de cidadãos com problemas específicos, que têm de ser ultrapassados com a ajuda de todos.
O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito brevemente, Sr. Deputado Herculano Pombo, para lhe dizer o seguinte: felicito-o pela sua capacidade e pela sua idoneidade de fazer denúncias e de se fazer eco das reivindicações das associações de deficientes. Acompanhamo-lo também nessa sua solução de medidas e de entreposto dessas reivindicações e dessas exigências. Só que importa, também, como deputado, ter consciência do destinatário normal e correcto dessa reivindicação.
Essa reivindicação já encontrou eco por parte do legislador ordinário; era o legislador ordinário o seu destinatário referencial.
Nós estamos aqui como legislador constituinte, na medida em que estamos a rever a Constituição e é licito pôr entre parêntesis essa qualidade e fazer aqui uma curtíssima passagem pela nossa veste de legislador ordinário.
Devo dizer-lhe que nessa veste estamos inteiramente de acordo e daremos o nosso acordo - e já o demos, de resto! Portanto, as reivindicações dos deficientes estão, hoje plenamente salvaguardadas.
A Constituição, além doutras funções, tem também a função de injunção ao legislador ordinário e ao executivo para que as medidas sejam tomadas na realidade. Ora já o foram, portanto penso que não há problema algum.
O problema que subsiste é o problema de relações entre direito ordinário e direito constitucional, e estamos convencidos de que temos razão neste aspecto.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confrontado com a proposta formulada pelo Sr. Deputado Herculano Pombo e pelo seu partido, é evidente que esta questão se coloca em dois planos diferentes.
Temos, por um lado, o plano da Constituição tal como existe neste momento - e suponho que realmente aí toda a problemática dos deficientes e da sua inserção na sociedade é tratada duma maneira suficiente e, digamos, adequada à dignidade e à função própria do texto constitucional. Os problemas concretos que são colocados pelo Sr. Deputado Herculano Pombo no seu
texto, texto agora enxuto - digamos assim -, apurado. Mas mesmo assim nós entendemos que ele releva duma perspectiva regulamentar da Constituição que o CDS se tem preocupado em evitar.
O outro plano é o plano da substância das coisas, tal como ela consta dessa redacção que é proposta pelo Sr. Deputado Herculano Pombo e que, obviamente, não merece, senão a simpatia e o apoio do CDS.
Vimos que todos os partidos estão de acordo, mas entendemos, porém, que não é necessário ir mais longe do que consta no n.º 1 e principalmente no n.º 2 do artigo 71.º, tal como está redigido.
É evidente que tudo faremos na Assembleia e na nossa veste de legisladores ordinários e de críticos de acção do executivo para, digamos, fazer com que estas preocupações encontrem resposta adequada. Entendemos, porém, que elas não devem ser vertidas no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, damos por encerrado o debate do artigo 60.º e voltamos ao artigo 69.º, para o qual ainda não temos inscrições.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, basicamente por razões de falta de tempo, desejamos retirar a nossa proposta, que, embora necessitada de um debate profundo, sentimos não ter condições para apresentar devidamente e consideramos, agora, não ter ela própria dignidade constitucional. Será, portanto, problemática a debater noutra altura, dado que sobre a matéria já apresentámos num projecto de lei.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições para o artigo 69.º, passemos à discussão do artigo 70.º
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos importante a discussão em termos deste artigo 70.º, que confere uma protecção especial à juventude para a efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais.
Pensamos que era importante que todas as organizações de juventude, que têm assento neste Parlamento, pudessem participar nesta discussão. Talvez ainda não esteja presente ninguém da juventude socialista, mas pensamos que até ao fim do debate poderão, ainda, chegar, pois seria importante que eles se pudessem associar a esta discussão.
Iria colocar algumas questões, que nos parecem relevantes, sobre a discussão travada na CERC em relação às propostas de alteração a este artigo.
Uma primeira proposta, que partiu do CDS mas que lhe não diz respeito, em exclusivo, visa retirar da protecção especial os jovens trabalhadores, ou seja, eliminar a expressão «jovens trabalhadores».
E digo que esta proposta não é só do CDS porque, embora contando do projecto de Revisão Constitucional do CDS, também era referenciada num pequeno opúsculo editado pela Direcção-Geral da Juventude, com chancela do Gabinete do Ministro-Adjunto e da Juventude, que, tecendo algumas considerações sobre
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o artigo 70.º da constituição, avançava com a sua própria proposta de alteração ao mesmo artigo e que, aliás, teve a gentileza de enviar à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
É, porém, significativo que, embora tal não constasse do projecto de Revisão Constitucional apresentado pelo PSD, também desta proposta da Direcção-Geral da Juventude constava a eliminação da expressão «sobretudo aos jovens trabalhadores» em termos de um favorecimento especial, considerando mesmo esta publicação que se tratava da figura bizarra da contra discriminação em relação aos jovens trabalhadores.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Governo «adora» os jovens trabalhadores!
O Orador: - A questão que aqui colocaríamos tem a ver com a questão de fundo, naturalmente, e que é: porquê retirar a descrição positiva em relação aos jovens trabalhadores?
O argumento aduzido é o de que os jovens trabalhadores também são jovens e, portanto, ter-se-ia de colocá-los em pé de igualdade com os outros jovens.
É evidente que todos os jovens trabalhadores são jovens, mas também é evidente que têm problemas específicos e que esta protecção justifica-se plenamente dada a situação que, todos sabemos, afecta os jovens trabalhadores quanto ao acesso à cultura, ao desporto, ao cumprimento do estatuto do trabalhador estudante e de acesso a um conjunto de valores que lhe são dificultados pela situação em que se encontram face ao mundo do trabalho.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Governo adora os jovens trabalhadores!
O Orador: - Daí que nos pareça justificar-se plenamente esta dupla discriminação positiva em relação aos jovens trabalhadores no texto da Constituição.
Relativamente à proposta acolhida pela CERC das alíneas a), b) e c) do n.º 1, parece-nos tratar-se de uma solução importante aquela a que se chegou, que resultou de um debate muito construtivo travado na CERC, sendo justo salientar para isso o contributo do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português nesse debate e no texto final a que se chegou.
Não queria, também, deixar de salientar o facto de a protecção especial passar a incluir a formação profissional, o acesso ao primeiro emprego e à segurança social, para além de se manterem os valores fundamentais que já constavam do actual texto da Constituição.
Referir-me-ia, finalmente, a uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Miguel Macedo na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e em relação à qual, significativamente, tanto o PSD como o CDS decidiram abster-se, não constando, portanto, do texto da CERC.
Desejo dizer que, em nossa opinião, justifica plenamente essa a proposta, que se destina a acrescentar a expressão «as organizações do n.º 4 - as organizações juvenis têm direito a participar na elaboração de legislação que respeita à política de juventude no termos de lei».
Parece-nos que tal se justifica como principio de participação dos cidadãos na sociedade, particularmente dos jovens. E justifica-se tanto mais quanto os jovens, de facto, participam com a sua opinião mesmo que não lhe peçam. E temos muitos exemplos de que é assim.
Todos nós sabemos que as organizações de juventude dão a sua opinião sobre todas as medidas que praticamente dizem respeito à condição da juventude. Acontece assim, nomeadamente no Conselho Nacional da Juventude, que nunca deixa de emitir a sua opinião e de a fazer chegar aos órgãos do poder quando acha conveniente; acontece, assim, com as associações de estudantes e com as organizações juvenis sindicais. Podemos dizer que a receptividade, neste domínio, às iniciativas legislativas pendentes na Comissão Parlamentar de Juventude são prova disso pela receptividade e pelo número de pareceres que nos têm chegado. E todos nós somos testemunhas disso.
A questão que se coloca é a de saber qual o problema do PSD em aditar a expressão destas aos textos constitucionais.
Creio que o problema fundamental é o de que, normalmente na vigência do Governo PSD, sempre que os jovens participam com a sua opinião, discordam da opinião do Governo. E aí é que está, de facto, o busílis, porque o Governo não ouve os jovens nem quando a própria lei o obriga.
Tenho comigo a Lei das Associações de Estudantes que no artigo 19.º relativo ao direito de participação na legislação sobre o ensino, diz que «as Associações de Estudantes têm o direito de emitir parecer no processo de elaboração de legislação sobre ensino, designadamente sobre o acesso ao ensino supeior».
E foi o que se viu!
Com efeito, depois de o Governo unilateralmente editado legislação sobre a matéria, teve de se sujeitar às críticas vindas, posteriormente, de todos os sectores juvenis e não só!
Aconteceu, assim, também em relação ao Instituto da Juventude, onde todas as críticas foram ouvidas a posteriori dado que o Governo tinha resolvido unilateralmente.
Creio que é óptimo que esta disposição entre no texto constitucional e que é, igualmente óptimo que tenha sido proposta por um deputado da JSD, que deverá apoiá-la, não apenas agora mas, se for consagrada, sempre que o Governo com a sua acção prática violar esta disposição constitucional.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe: Antes de mais, desejo felicitá-lo pelo facto de ter intervido sobre esta matéria. Aliás, em dois dias, é a segunda vez que se refere a matéria de juventude. Não tive oportunidade de ouvi-lo ontem porque não soube, antecipadamente, que ia usar da palavra, embora seja um costume saudável entre os deputados, especialmente entre os deputados jovens, dar prévio conhecimento da sua intenção.
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Desejava acentuar a circunstância de V. Ex.ª. ter intervido sobre esta matéria porque me parece tratar--se de uma intervenção por arrastamento das iniciativas de outros grupos parlamentares, particularmente do PSD, por iniciativa da JSD. E digo isto porque se é verdade que o Partido Comunista Português, em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, tomou a iniciativa sobre o artigo 70.º, o facto é que, no projecto inicial de Revisão Constitucional do PCP, não havia qualquer referência à alteração do artigo 70.º ou seja, quando o Partido Comunista teve de ponderar sobre a necessidade de apresentar o seu projecto de Revisão Constitucional não entendeu que havia de alargar os direitos e as garantias que o texto da Lei Fundamental atribui aos jovens potugueses.
Na altura, o PCP entendeu que tudo estava bem como estava e por arrastamento das iniciativas de outras bancadas, nomeadamente do PSD, o Sr. Deputado António Filipe foi forçado a tomar iniciativas, não só na âmbito da CERC mas também no âmbito desta intervenção no Plenário.
É assim que o Sr. Deputado António Filipe entra em contradições, nomeadamente, por exemplo...
Não sei se o Sr. Deputado António Filipe está a ouvir-me ou ao Sr. Deputado José Magalhães! Mas se for necessário fazer uma pequena pausa...
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado é que não vê o nosso projecto no seu todo.
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, fico muito lisonjeado com a atenção de V. Ex.ª
Risos.
Dizia eu que o Sr. Deputado António Filipe entra em algumas contradições, nomeadamente, por exemplo, quando vai buscar um texto dessa Direcção-Geral da Juventude sobre a supressão da expressão «jovens trabalhadores» para tentar dar a ideia perante a Câmara, eventualmente, de que os social-democratas até pretenderiam retirar da Constituição a expressão «jovens trabalhadores», ignorando o facto político evidente de o projecto de Revisão Constitucional de PSD mantém essa designação.
E o Sr. Deputado António Filipe entra, ainda, numa contradição flagrante: é que quando interessa ao PCP fazer a discriminação positiva, como aqui, no caso dos jovens trabalhadores, aparece o Sr. Deputado a dizer que se deve discriminar positivamente e fazer referência explícita aos jovens trabalhadores. Porém, quando entende que não é da sua conveniência política ou do discurso ideológico do PCP, então, já se trata duma artimanha do Governo em referir os jovens ou a discriminá-los positivamente.
Recordo, por exemplo, o debate que tivemos nesta Câmara sobre a legislação laborai, em que nós evidenciámos que algumas das disposições daquela legislação eram nocivas para os jovens, principalmente para os jovens à procura do primeiro emprego. Aí, o PCP já achava que não, que era o Governo a tentar virar jovens contra menos jovens e era uma discriminação, não discriminação positiva mas, sim social e inqualificável, inadmissível, para que não referir outros adjectivos que os Sr s. Deputados do Partido Comunista mais abundantemente verteram durante essa sessão.
Por último, Sr. Deputado António Filipe, sob o ponto de vista político, queria agradecer-lhe a referência de elogio e apoio à proposta de adenda que a JSD apresentou através do Sr. Deputado Miguel Macedo na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Mas para que fique bem claro neste debate e não andarmos aqui com «chapadas de luva branca» - passe a expressão - de bancada para bancada, gostaria de preguntar se o Sr. Deputado António Filipe reconhece ou não esta evidência: que foram as propostas que a JSD, e particularmente o PSD, apresentou sobre a matéria de alargamento dos direitos da juventude, que permitiram ao Sr. Deputado esta intervenção e ao Partido Comunista a proposta na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e se, ao arrepio da primeira proposta do PCP, o Sr. Deputado entende ou não que, de facto, como acabou por reconhecer, agora, na sua intervenção, há matéria para aprofundar os direitos dos jovens portugueses a verter no texto da Lei Fundamental.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, havendo outro pedido de esclarecimento, prefere responder agora ou no fim?
O Sr. António Filipe (PCP): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, não é para pedir mas para dar esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só pode ser para pedir esclarecimentos.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, era para dizer que quando nós retirámos essa expressão, que o Partido Comunista interpreta como uma discriminação positiva, nós não a consideramos como tal, até porque no texto do artigo não figura mais nada para materializar essa discriminação positiva em relação aos jovens trabalhadores. Veja-se que todas as alíneas e restante texto do artigo referem-se «aos jovens» em geral única expressão que aparece e que nós interpretamos como sinal da luta de classes que o Partido Comunista, desde o princípio, tinha posto em relação à classe trabalhadora e a tudo o que diz respeito aos trabalhadores.
Naturalmente que nós não temos absolutamente nada contra a discriminação positiva se realmente, for esta a interpretação aceite por todas as outras bancadas e, por isso mesmo, não nos custa absolutamente nada retirar a nossa proposta porque não tínhamos em mente prejudicar de forma alguma esta interpretação.
Nós pensávamos tratar-se, como já disse, de um enxerto ideológico de luta de classes e que outros jovens (não trabalhadores) não deviam ser discriminados negativamente em face de jovens trabalhadores.
Portanto, aproveito este ensejo para dizer que retiramos a nossa proposta em face do consenso que há nesta Câmara sobre este inciso.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró retira a proposta relativamente aos n.ºs 1 e 3. Está, então retirada.
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Para dar esclarecimentos, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, depois de retirada esta proposta, creio que se pôs um ponto final na questão.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Carlos Coelho, notei o embaraço visível do PSD face às publicações, particularmente esta da extinta Direcção-Geral da Juventude, hoje vertida no Instituto da Juventude.
De facto, este texto, pretensamente jurídico, creio que, apenas, é receitável como bom remédio para as insónias, tão maçador ele se apresenta e dado o interesse praticamente nulo que tem, quer para juristas como quer quem o não seja.
O único mérito deste texto foi o de ter tido a reduzidíssima tiragem de 600 exemplares.
De qualquer maneira, não queria deixar de registar a demarcação que, de facto, existe relativamente a este trabalho, com a chancela do Gabinete do Ministro-Adjunto da Juventude e, aliás, com prefácio do próprio Director-Geral da Juventude na altura.
Relativamente às propostas, pretensamente não existentes, do projecto de Revisão Constitucional apresentado pelo PCP, creio que o Sr. Deputado tê-lo-á lido com a devida atenção. É que, de facto, para nós a questão da juventude na Constituição da República não se resume, naturalmente, ao artigo 70.º Pensamos, como é óbvio, que este artigo 70.º, consagrando uma protecção especial aos jovens, deve manter-se e, se possível, melhorado. É evidente que nós demonstrámos esta postura ao longo da discussão na CERC, onde com o nosso contributo, conseguimos chegar a um texto que se apresenta ao Plenário com algum consenso, que desejo salientar.
No entanto, o Sr. Deputado não reparou - repito - e por isso considero que deveria ler o projecto do PCP com mais atenção e estar também mais atento à discussão que se trava neste Plenário relativamente a propostas do PCP. Com efeito, V. Ex.ª não reparou nas propostas do PCP relativamente ao trabalho infantil e aos direitos dos jovens trabalhadores face ao trabalho, nos artigos próprios; não reparou, também, nas propostas apresentadas pelo PCP a nível da educação, em defesa dos jovens casais em união de facto, etc. Portanto, Sr. Deputado, limito-me a aconselhar um pouco mais de atenção e a desafiá-lo para que, neste Plenário, aprove muitas das propostas constantes do projecto de Revisão Constitucional do PCP e que são apresentadas exclusivamente em defesa dos jovens.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este repto do Partido Comunista teria sentido se porventura o PCP tivesse apresentado, originariamente, alguma proposta de alteração ao texto constitucional, o que não fez. Apresentou o CDS, o PSD e o PS. O PCP foi o único partido que não o fez.
Não é nova, aliás, esta atitude. Com efeito, em 1982, na Revisão Constitucional, também o Partido Comunista não apresentou qualquer proposta de alteração ao artigo 70.º, que é referente à juventude.
Logo, este repto não faz politicamente sentido nesta Assembleia e neste momento.
Em segundo lugar, queria dizer que a insistência do deputado António Filipe, em relação a uma alegada publicação do Gabinete do ministro da Juventude sobre a questão constitucional referente à juventude é, sim, bom motivo para o Partido Comunista fazer algumas intervenções, aqui, no Plenário, pois é sabido que o PCP pretendia fazer desta Revisão Constitucional uma Revisão Constitucional contra o Governo e não a favor do País. Esta é que é a grande diferença que nos divide: a vocês e a nós, que queremos uma Revisão Constitucional séria e que sirva os interesses do País.
Mas vamos à questão mais importante e interessante que é a de analisarmos quais as questões e as problemáticas que estão em poder da Mesa, em relação ao artigo 70.º
Desejava começar por anunciar que o grupo de deputados da JSD vai retomar aqui, no Plenário, a proposta do n.º 4 para o artigo 70.º, e, para ficar resgistado no Diário, recordo o seu texto que era: «as organizações juvenis têm direito a participar na elaboração da legislação que respeita, à política de juventude nos termos da lei.»
Esta proposta, que tinha sido apresentada na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, é retomada por desejo dos deputados da JSD.
Em segundo lugar, não queria deixar de referir o avanço significativo que vai haver depois desta Revisão Constitucional, no que diz respeito à consagração de direitos para os jovens, neste artigo 70.º Julgo que este avanço é fundamentalmente devido à proposta que quer o PSD quer o PS fizeram, e que depois resultou na proposta comum que agora está em discussão.
Queria salientar, particularmente, que a inscrição do direito à segurança social e à formação profissional ficam consagradas nas alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da Constituição da República.
Por outro lado, não posso deixar de fazer um lamento pelo facto de os restantes partidos não terem entendido uma proposta que o PSD tinha feito em relação ao n.º 3 do artigo 70.º e que era a de alargar a consagração constitucional da importância do intercâmbio juvenil, quer no País quer fora dele, retirando a expressão «intercâmbio internacional da juventude» - que está hoje consagrada na Constituição, - no sentido de introduzir, ou de ficar reduzida, a expressão «intercâmbio da juventude», mas com um alcance muito mais alargado porque abrangeria não só o intercâmbio internacional como também o intercâmbio nacional.
Julgo que esta proposta do PSD foi mal entendida na comissão, tendo já sido retirada uma vez que há uma proposta conjunta com o PS. No entanto, não queríamos deixar de fazer, aqui, este lamento por não ter sido entendida, também, esta proposta.
Quanto à retoma da proposta que nós fizemos para o n.º 4 do artigo 70.º, quero dizer que o Partido Comunista ou a sua bancada poderiam não manifestar tanta estranheza pela manutenção desta proposta, na medida em que são conhecidas as posições da JSD, no sentido de sempre ter dito que a política da juventude tinha que assentar, fundamentalmente num valor que tem de ser praticado e que tem de ser sempre exercido, que é o valor que diz respeito à definição de uma
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política verdadeira e não demagógica, integral e global, para a juventude. É isso que queremos fazer, consagrando constitucionalmente este n.º 4.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, dado que o Sr. Deputado Miguel Macedo fez a defesa de uma proposta que julgamos estar retirada, gostaria de saber se está ou não retirada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se bem percebi, está retomada.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, o que aconteceu foi que esta proposta foi apresentada na CERC, como disse, e não foi votada por maioria de dois terços. Por isso, presumi que teríamos de a retomar aqui, no Plenário, para ser posta novamente em discussão, neste momento. Foi só por isso que disse que tinha sido retomada.
O Sr. Presidente: - E disse muito bem, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Sr. Presidente, era só para colocar uma questão ao Sr. Deputado Miguel Macedo, em relação à proposta do n.º 4.
Gostaríamos de saber, Sr. Deputado, se a vossa proposta tem ou não viabilidade. Nós damos os dois terços e gostaríamos de saber se o PSD vai apoiar ou não a essa proposta, se vai estar ou não, outra vez, contra a defesa dos direitos dos jovens.
O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr.ª Deputada Paula Coelho, não quero retirar o suspense até ao dia de amanhã. O que posso garantir-lhe é que da minha parte e da de todos os deputado da JSD haverá empenhamento no sentido de que esta proposta possa ter o acolhimento que não teve a Comissão Eventual para a Revisão da Constitucional.
Aproveito a oportunidade para saudar a sua nova terminologia em relação a esta matéria porque, quando na comissão discutimos algumas matérias, sobretudo a referente à questão ao serviço militar obrigatório, o Partido Comunista dizia que as propostas da JSD não eram credíveis porque não eram viáveis e, agora, pergunta se não são viáveis. Não querendo, como já disse, retirar o suspense em relação a esta matéria, o que a Sr.ª Deputada pode ter a certeza é que nós nos vamos empenhar até amanhã à hora da votação, no sentido de podermos consagrar constitucionalmente este n.º 4 para o artigo 70.º
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que, pela primeira vez neste processo de Revisão Constitucional, pedi a palavra um pouco a medo porque reconheço que não sou um jovem institucional.
Risos.
Mas depois de ter ouvido a intervenção, ainda que pequena, do Sr. Deputado Narana Coissoró - que é indubitavelmente uma «instituição» deste Parlamento e que é uma instituição sempre jovem - senti-me mais à vontade para falar em nome do meu grupo parlamentar sobre esta matéria. E se é verdade que o facto de ter 32 anos me deixa fora do «cartão jovem», pelo menos espero que não me deixe fora do bloco jovem desta Assembleia da República.
Direi que foi com algum enlevo e desvelo que ouvi o Sr. Deputado Carlos Coelho, que é mais jovem do que eu, discorrer sobre as virtudes das discriminações positivas a favor dos jovens e recordei-me de que o Partido Socialista tem uma proposta para a alínea f) do artigo 67.º da Constituição, no sentido de instituir uma discriminação positiva a favor dos jovens casais à procura da primeira habitação. E espero que o carinho com que o Sr. Deputado Carlos Coelho falou das virtudes das discriminações positivas não seja um carinho solitário, no sentido de que discriminações positivas só para os jovens unitariamente considerados e não para os jovens convergentemente unitários nessa maravilhosa simbiose que é um casal jovem.
Espero, portanto, que da discriminação positiva não fiquem de fora os jovens casais e que no esforço que a JSD vai empreender no sentido de demover esse grande gigante, que é o Grupo Parlamentar do PSD, a favor deste n.º 4 do artigo 70.º, que os deputados jovens do PSD propõem, tenha também a generosidade de meter, «à boleia», a nossa proposta para a alínea J) do artigo 67.º
É uma «cunha» publicamente assumida!
Risos.
Quanto ao sentido das propostas de alteração, naturalmente, congratulamo-nos pelo facto de ter sido possível acolher na proposta da CERC dois relevantes contributos do projecto do Partido Socialista: uma referência à especial protecção aos jovens no acesso ao primeiro emprego e na segurança social.
Acompanhamos, gostosamente, a proposta originária do projecto do PSD, no sentido de haver uma discriminação positiva também de apoio do Estado no acesso à formação profissional.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - A do primeiro emprego é nossa!
O Orador: - Não, não é só vossa. Também é nossa. O Sr. Deputado Miguel Macedo não pode começar a ler os artigos apenas, a meio porque, por muito que isso seja uma atitude jovem e contestaria - eu não tenho nada contra a começar a ler os artigos a meio -, é bom que se leia para cima e para baixo, porquanto o projecto do Partido Socialista dizia: «(...) jovens trabalhadores ou à procura do primeiro emprego.»
Com efeito, nós preocupamo-nos muito com os jovens à procura do primeiro emprego e se não temos o hábito de reivindicar só para nós os louros gostaríamos que, modestamente também, não nos deixassem de fora das congratulações colectivas.
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Quanto à outra alteração, a referência no n.º 2 à criação de condições para a sua efectiva integração na vida activa, que é originária do projecto do PSD, e que nos parece também importante, merece o nosso apoio porquanto acrescenta uma componente dinâmica relevante, chamando a atenção de que o artigo da Constituição sobre os jovens não é, de facto, um artigo elitista, apenas pensado na lógica daqueles que concluindo que acedem aos graus de ensino, e mesmo aos graus do ensino superior, mas também àqueles que se integram na vida activa através do seu próprio trabalho. Portanto, a discriminação positiva para os jovens trabalhadores é um conteúdo relevante do artigo 70.º da Constituição.
Votaremos também favoravelmente a proposta da JSD para o n. º 4 do artigo 70.º, no que diz respeito à consagração de um direito à participação na elaboração da legislação respeitante à política da juventude. Para concluir, diria mesmo que este n.º 4 tem mais importância do que possa parecer à primeira vista, porquanto não podemos deixar de lamentar, neste capítulo, que depois das expectativas criadas pelo actual Governo de criar o Ministério da Juventude, o artigo 70.º ainda esteja distanciado da realidade e, às vezes, me ocorra dizer que, com sinceridade, que a política da juventude deste ministro da Juventude é menos um política jovem, é sobretudo uma política gaiata!
Ora, o que pretendemos é que haja uma convergência entre a vontade e a actuação.
Concluiria dizendo que talvez não tenha sido de todo inútil intervir neste debate, da parte dos Srs. Deputados, porque gostaria de reafirmar que foi um olhar jovem, a pensar nos jovens do futuro, nos jovens que merecerão este país e esta Constituição, foi a pensar neles que vimos toda a Revisão Constitucional.
Esta é uma revisão jovem porque é uma revisão de futuro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem sei que a Câmara nem sempre dá muita atenção a estas matérias mas, à laia de conclusão, devo dizer que, pela sua prática política, o PSD tem demonstrado exactamente o contrário, quanto mais não seja, pela maneira generosa e por vezes corajosa com que tem apoiado a JSD nalgumas «guerras» essenciais que temos protagonizado no seio da sociedade portuguesa.
Mas, à laia de conclusão, para fazer o ponto da situação sobre o entendimento que fazemos deste artigo 70. º, pegaria na última referência do Sr. Deputado António Vitorino sobre este artigo e sobre o desempenho das funções no Governo, nomeadamente ao nível do Gabinete do Ministro-Adjunto e da Juventude.
Escuso-me a repetir aqui palavra sábias de algumas deputados do PS, particularmente do Sr. Deputado Almeida Santos, quanto à inconveniência de introduzir matérias referentes à análise da actividade do Governo em sede de debate da Revisão Constitucional. No entanto, gostaria de deixar bem claro que, quanto aos avanços que temos que fazer no artigo 70.º, a nossa perspectiva é a que decorre da constatação, que fazemos de forma serena, de que tanto este como o que o antecedeu, foram os dois governos que mais produziram matéria de facto na política global e integrada de Juventude.
Mas não somos dos que dizem que tudo ou quase tudo está feito. Na verdade, entendemos que ainda há muito a fazer e, tanto assim é, que entendemos que algumas das correcções e dos aperfeiçoamentos a introduzir nesta matéria obrigariam à revisão do próprio texto da Lei Fundamental, constatação esta que, como quer o Sr. Deputado Miguel Macedo quer eu próprio tivemos ocasião de afirmar, não foi partilhada, inicialmente, por outras bancadas, mormente pela do Partido Comunista Português.
A propósito da bancada do PCP, se o Sr. Presidente e os Srs. Deputados me permitem, à laia de desabafo, lanço um grito de incompreensão por uma das principais matérias que constaram da intervenção do Sr. Deputado António Filipe.
É que, inconformado com a circunstância de estarmos alguns «furos» à frente nesta matéria de alterações à Constituição em sede do artigo 70.º, o Sr. Deputado veio «desenterrar» um estudo da Direcção-Geral de Juventude,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Diz bem: desenterrar!
O Orador: - ... Digo bem desenterrar, Sr. Deputado José Magalhães, porque essa Direcção-Geral já não existe - não sei se o Sr. Deputado o sabia...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas existiu e eu disse «defunta»!
O Orador: - Os serviços do Estado que produziram esse documento já não constam da estrutura da Administração Central e, portanto, digo «desenterrar», com alguma propriedade.
Ora, Sr. Deputado António Filipe, não vejo qual possa ser a matéria que mereceu a indignação por parte da bancada do Partido Comunista Português! Na verdade, houve uma estrutura do Estado que produziu um estudo, analisou um artigo da Constituição e, como contributo, emitiu uma opinião que não vinculou mais ninguém a não ser a própria pessoa que, ao nível da estrutura da Administração, entendeu que o estudo poderia ser um contributo para os parlamentares terem em conta quando exercem as suas competências soberanas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o estudo vincula o ministro!
O Orador: - Srs. Deputados do PCP, quando vos convém, alardeiam dessa bancada os princípios da liberdade de expressão, da liberdade de pensamento, da liberdade de criação. Portanto, não creio que, agora, fiquem tão angustiados por ter sido promovido esse estudo - que foi publicado e distribuído -, elaborado por um funcionário do Estado, cuja principal responsabilidade era pensar nos normativos que têm a ver com o balizamento da política global e integrada de Juventude, mas em relação ao qual, naturalmente, a última decisão competiria só à Assembleia da República no uso dos respectivos poderes constitucionais.
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O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, não acha lamentável que um estudo que segundo diz, é apenas atribuível a um funcionário seja autenticado pela chancela do Gabinete do Ministro-Adjunto e da Juventude, tendo sido editados 600 exemplares?
O Orador: - Sr. Deputado António Filipe, já respondi a essa pergunta e, portanto, não vale a pena perdermos mais tempo.
Assim, permitir-me-ia responder a um aparte do Sr. Deputado Narana Coissoró.
Quando o Estado, particularmente o Gabinete do Ministro-Adjunto e da Juventude, financia diversas publicações, contendo estudos, opiniões e pareceres de especialistas diversos e, até, de organizações de Juventude, como há pouco aconteceu em relação ao Instituto de Ciências Sociais, ninguém disse que achava mal nem que não era aquela a opinião do Estado. Ora, naturalmente, não era a opinião do Estado mas, para fins de política global e integrada de Juventude, importava que fosse dada publicidade a opiniões que eram importantes para podermos exercer as nossas competências constitucionais.
Para finalizar, quero fazer duas breves referências.
Em primeiro lugar, como o Sr. Deputado António Filipe teve ocasião de referir, na Constituição, a política de Juventude não se resume ao artigo 70.º. É uma verdade e tanto assim é que, através do Sr. Deputado Miguel Macedo, em sede de CERC, em cada momento e em relação a cada artigo directa ou indirectamente relacionado com a matéria da política de Juventude, a JSD não deixou de tomar posições claras e também o fará no Plenário da Assembleia da Republica, quanto aos pontos em relação aos quais entendemos que não deveremos ficar agradecidos à versão final do texto daquela comissão.
Mas o Sr. Deputado António Filipe concordará que esta é uma opinião dos deputados da JSD e que, em relação à Revisão Constitucional, tivemos uma postura política que não teve a Juventude Comunista Portuguesa. É que fomos a única organização política de Juventude a ter apresentado um projecto de Revisão Constitucional, que tornámos público e que negociámos com o nosso próprio partido. Fomos a única organização de Juventude que, desde a primeira hora, teve, permanentemente, um deputado a acompanhar o debate na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Fomos, ainda, os únicos a ter tomado posição em relação a todos os artigos e, como já disse, não deixaremos de os trazer ao debate do Plenário.
Concordará, pois, que, com esta legitimidade e com a credibilidade da nossa intervenção, seja só a nós, JSD, que cabe utilizar este «crivo» para definirmos quais são os artigos em relação aos quais queremos trazer ao Plenário da Assembleia da Republica uma posição de discordância quanto ao trabalho final da CERC.
Finalmente, quero agradecer ao Sr. Deputado António Vitorino as palavras simpáticas a propósito dos contributos da JSD para este artigo, bem como a sua declaração de que votará favoravelmente a nossa proposta de aditamento.
No entanto, ainda queria relevar a proposta de aditamento ao n.º 2 apresentada pelo PSD - com base numa proposta da JSD - sobre o inciso do princípio da inserção dos jovens na vida activa. Julgo que se tivéssemos que fazer uma avaliação final das melhorias que sofreu o artigo 70.º, diria que o inciso no n.º 2 sobre a inserção dos jovens na vida activa constitui a principal vitória dos jovens parlamentares desta Casa.
De facto, a questão sobre a qual, há muito tempo, vimos falando e sobre que se que funda a política integrada de Juventude, é a constatação de que há muitos jovens portugueses que estão à margem do processo social, há muitos jovens portugueses aos quais é negada a inserção nesse processo. Portanto, quando há um conjunto de problemas que diagnosticamos como sendo comuns a todos os jovens portugueses, considero que é uma grande conquista de todos os deputados da Assembleia da Republica e, principalmente, dos jovens que lutaram para que tenha sido possível que, na Constituição, se diga que é preocupação do Estado promover uma melhor inserção dos jovens na vida activa.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Aplausos para o seu último parágrafo!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É positivo, sem dúvida!
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é para informar que terei muito gosto em fornecer ao Sr. Deputado Carlos Coelho e a todos os que solicitem um pequeno índice com as propostas que constam do projecto de Revisão Constitucional apresentado pelo PCP e que se referem directamente a matérias de incidência juvenil. Repito que terei muito gosto em fornecer este índice aos Srs. Deputados, por considerar que será útil para o desenvolvimento deste processo de Revisão Constitucional e, principalmente, para o Sr. Deputado Carlos Coelho, dada a intervenção que acabou de produzir.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pode ser útil para o PCP, mas não é útil para o debate!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a vossa generosidade para, em favor da equidade, me permitir dizer à Mesa que, no fim do processo de Revisão Constitucional, a JSD tornará claro, não só perante todos os deputados como também perante a opinião pública, o seu balanço final deste processo com as vitórias conseguidas, artigo a artigo, com o que considera que é o saldo largamente positivo da sua contribuição para este processo.
O Sr. Presidente: - Assim ficará registado, Sr. Deputado Carlos Coelho.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
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Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que terei a «bissectriz» entre a idade do Sr. Deputado Narana Coissoró e a do Sr. Deputado António Vitorino e como tenho algumas semelhanças «anatómicas» com este último, atrevo-me, também, a falar sobre esta matéria da Juventude.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Olhe que o deputado Carlos Coelho é mais novo do que eu!
Risos.
O Orador: - Sr. Deputado, estou a falar em termos de idades e de semelhanças anatómicas e por aí me fico... Quanto à existência ou não da «cobertura capilar», é uma questão que não discuto agora...
Risos.
Em nome da minha bancada, gostaria de indicar a nossa posição favorável aos incisos que foram introduzidos no artigo 70.º relativamente a aspectos que reputamos de maior importância.
Já agora, gostaria de referir que as questões que foram introduzidas neste artigo, através da intervenção dos jovens e dos deputados com pensamento jovem, não sejam consideradas como uma dádiva mas, sim, uma conquista assumida, isto é, que através dos meios mais adequados, os jovens procurem participar activamente na prossecução destes princípios que ficam consagrados na Constituição.
Por outro lado, quanto ao n.º 3 do artigo 70.º gostaria que funcionasse também como um incentivo à participação. Infelizmente, nas escolas, nas organizações de moradores, nas fundações com fins culturais, nas associações...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa da Costa, tem toda a razão em suspender a sua intervenção porque, na verdade, não há condições na Sala para poder fazer-se ouvir...
O Orador: - Sr. Presidente, pelo tom acalorado com que estão a falar, certamente que os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e António Vitorino estão a disputar a sua participação em organizações de juventude...
Risos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Costa, como vê, os Srs. Deputados já terminaram a discussão pelo que tem a palavra.
O Orador: - Dizia eu que gostaria que o n.º 3 do artigo 70.º viesse a funcionar como um incentivo à participação dos jovens porque, de facto, a juventude começa a ficar um pouco alheada duma participação activa nestas instituições e, normalmente, vemos os fundadores das instituições culturais a tentarem manter de pé, com grande sacrifício, o que foi criado no tempo em que eles próprios eram jovens e com dificuldades muito maiores do que as existentes hoje em dia.
Relativamente à questão levantada pela JSD no sentido da aprovação da proposta para o n.º 4 do artigo 70.º - esperemos que o seja -, não pretendo, de forma alguma, criar fricções entre o numeroso grupo de deputados da JSD e os seus companheiros mais
velhos. De qualquer modo, entendo que, com a pertinácia própria da juventude - embora uma parte já tenha os cabelos um pouco encanecidos ou já ausentes
— poderá fazer convencer uma certa instalação e temor dos mais velhos por estas medidas que reputamos importantes.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção será muito curta e prende-se com a proposta relativa ao n.º 4 deste artigo, apresentada pela JSD.
Como é evidente e resulta de um debate travado com «paredes de vidro», dentro do nosso partido, existe uma certa dialéctica e uma certa lógica de debate. Assim, esta proposta formulada pela JSD não constava do projecto de Revisão Constitucional inicial apresentado pelo PSD e convém fazer duas observações em relação a ela.
Em primeiro lugar, devo dizer que não nos criou nenhum mal-estar, dado que, no nosso partido, estamos habituados a viver em dialéctica e a uma juventude que, desde a primeira hora, constituiu sempre uma certa voz de inconformismo, de inovação e de antecipação. Portanto, estamos a lidar com isso.
Em segundo lugar, também não nos causa nenhum mal-estar a proposta vinda de um organismo do Estado, ainda que com a chancela de um ministério. De facto, entendemos que a matéria de revisão constitucional é de importância transcendente para a colectividade. Todos, de maneira mais ou menos directa, foram chamados a dar o seu contributo, uns activo outros passivo, uns de resistência, outros reactivo, ao processo de Revisão Constitucional. Assim, nada mais idóneo do que uma entidade do próprio Estado se ter sentido motivada para também formular uma proposta sobre a matéria.
De resto, em vez de ser levada à conta do nosso mal-estar, a proposta deste organismo estadual deveria ser levada à conta do nosso bem-estar...
Protestos do Sr. Deputado José Magalhães, do PCP.
Sempre afirmámos nesta Câmara que estávamos a elaborar uma Constituição, de certa maneira, pondo entre parêntesis a condução política quotidiana. A melhor prova disso é que o projecto de Revisão Constitucional apresentado pelos deputados do PSD se afasta concretamente de uma versão que seria bem vista por um organismo governamental concreto. Isto é normal e constitui a distinção de planos de que sempre nos temos louvado neste debate.
Para que não restem dúvidas quanto à proposta formulada pela JSD, a nossa atitude é a de considerarmos que continuamos num processo de diálogo dentro do partido e, uma vez que ela não nos merece nenhum juízo negativo, o PSD não formulará uma atitude de rejeição da proposta. Entendemos ainda que o essencial desta proposta está coberto por uma outra - para cuja importância o meu camarada Carlos Coelho já chamou a atenção -, que já tem indiciada a maioria de dois terços necessária e que tem a ver com a criação das condições para a efectiva integração dos jovens na vida activa.
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Com efeito, esta última proposta retira aos jovens toda a estigmatização de capitis diminutio e, como proclamação solene, estabelece a ideia de que os jovens são cidadãos de corpo inteiro. É óbvio que os jovens têm direito a participar na vida activa, e desde logo, naquilo que mais directamente lhes diz respeito.
A questão estará, pois, em saber se uma das suas dimensões co-naturais desta proposta não será mesmo o direito de os jovens participarem activamente no que lhes diz respeito e também se, no essencial, nela não estará consumida a concretização da própria proposta da JSD.
No fundo, temos alguma dúvida sobre a necessidade da explicitação contida na proposta da JSD e, assim, continuaremos a reflectir sobre ela até amanhã, na certeza de que é nossa convicção de que o seu essencial já está salvo através da outra proposta que - porque não dizê-lo - o próprio PSD já tinha ficado a dever a um contributo anterior da Juventude Social-Democrata.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate em relação ao artigo 70.º e a Mesa vai fazer o ponto da situação quanto às propostas apresentadas.
Estão retiradas as propostas apresentadas pelo CDS relativamente aos n.ºs 1 e 3; considerando a proposta da CERC, está prejudicada a proposta apresentada pelo Partido Socialista relativamente ao corpo do artigo, à alínea á) do n.º 1 e ao n.º 3 considerando ainda o texto da CERC, estão também prejudicadas as propostas do PSD relativamente às alíneas á) e b) dos n.ºs 2 e 3; também está prejudicada a proposta n.º 52, relativa às alíneas a) e b) do n.º 1 apresentada por deputados do PCP; também está prejudicada a proposta n.º 53 relativa às alíneas a) e b) do n.º 1, apresentada pelo Sr. Deputado António Vitorino e outros e, também, a proposta n.º 54 subscrita pelos mesmos Srs. Deputados; o mesmo acontece com a proposta n.º 58 relativa ao n.º 3; igualmente está prejudicada a proposta n.º 59 subscrita pelo Sr. Deputado Pedro Roseta.
Assim sendo, mantém-se a proposta da CERC relativamente às alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs l, 2 e 3 e a proposta n.º 49, cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Miguel Macedo.
Srs. Deputados, passamos então ao debate do artigo 72.º
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como nesta Câmara não há um porta-voz corporativo para as pessoas idosas, mais uma vez cabe-me a mim representar os seus direitos.
O CDS é o único partido que apresenta uma proposta clara no sentido de ampliar os direitos dos idosos. Não o faz, privilegiando ou fazendo discriminações positivas a seu favor, mas, sim, tomando em consideração as agruras da vida sofridas pelas pessoas idosas, hoje em dia em Portugal.
Basta pensarmos no grande desejo dos reformados em criarem um partido novo por julgarem que os existentes não respondem às suas carências. Basta atentarmos que milhares de pessoas julgam que lhes faltam partidos, sindicatos ou representações para que possam apresentar, utilmente, as suas reivindicações perante o poder.
Ora, se não for a Constituição necessidades destes cidadãos, em, será sempre uma voz de resignação Portuguesa. Por isso mesmo, o CDS a apresentei posta em que cometia ao Estado a protecção minadas vertentes da vida dos idosos.
Curiosamente, aqueles partidos da esquerda que têm uma propensão para avolumarem as funções do Estado são os mesmos que derrotaram esta proposta que, repito, por não ter outro modo de organização para as pessoas idosas, cometia ao Estado, não jacobinamente nem centralisticamente, a protecção de interesses fundamentais desta camada social.
Nada temos a acrescentar ao que foi dito em sede de CERC e também nada temos a reivindicar dos outros partidos. Apenas tomamos nota de que o PS, o PRD e Os Verdes votaram contra esta proposta e naturalmente que o Partido Comunista também votaria contra, bastando para isso que tivesse sido apresentada pelo CDS, como é o caso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não!
O Orador: - Registamos igualmente a abstenção envergonhada do PSD, como sempre tem sido o caso, em relação às propostas do nosso partido.
Assim, manteremos esta proposta até à votação final para obrigarmos todos a tomarem uma atitude, seja a de votarem contra, a de se absterem ou a de votarem a favor.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, em primeiro lugar, não foi «envergonhada» a abstenção do PSD, em sede de CERC, quanto a essa proposta, tendo-se tratado de uma vulgar abstenção com a mesma frontalidade com que, por exemplo, no artigo anterior, votámos a favor de uma proposta do CDS no sentido de uma inovação que não constava do nosso próprio projecto de Revisão Constitucional.
Neste caso, o problema é o de saber se, pelo menos no que diz respeito ao n.º 1 desta vossa proposta, o nosso voto não deveria antes ter sido contra. É que a proposta do CDS altera a economia normal da Constituição nestas matérias.
De facto, normalmente, num primeiro número, a Constituição proclama os direitos fundamentais de que se trata e, num segundo número, define as formas de execução.
Ora, onde se dizia «as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação, convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento ou a marginalização social (...)», proclamação importantíssima dos direitos dos idosos, independentemente do sujeito passivo da obrigação, com esta sua proposta, o CDS empobrece extraordinariamente esta garantia de carácter constitucional.
Portanto, o que o CDS faz é empobrecer a proclamação do direito consagra, muito mais secamente, a expressão «as pessoas idosas têm direito à protecção do Estado, designadamente para a garantia da sua segurança económica».
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Assim, para além de empobrecer a norma no que toca ao espectro de direcções de tutela dos idosos, desaparece o carácter absoluto dos direitos. Para o CDS, trata-se apenas de estabelecer uma relação entre o idoso e o Estado, o que, como toda a relação, é uma limitação.
Em síntese, gostaria de dizer ao Sr. Deputado que a abstenção do PSD não foi «envergonhada», tendo sido um voto normal como qualquer outro. Atendendo a que a intenção do CDS talvez não tenha sido a que acabei de expor e que talvez não tenha trazido incita estes malefícios, a verdade é que os traz: esta proposta é empobrecedora do estatuto jurídico-constitucional vigente em relação à terceira idade!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um facto: a proposta é mal formulada!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, a dúvida que põe é legítima. A diferença está entre o personalismo e o materialismo, isto é, a nossa proposta é eminentemente personalista...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, a vossa é que é materialista!
O Orador: - ..., na medida em que não queremos materializar a vida do idoso, dizendo que, como grande princípio, as pessoas idosas têm direito à segurança económica.
É que, para nós, o grande princípio é o do respeito pelos idosos, considerados em toda a sua plenitude, em toda a sua globalidade, como pessoas humanas. Portanto, pretendemos do Estado a protecção do homem idoso, em toda a sua amplitude e não apenas no que toca à segurança económica.
É exactamente esta a diferença entre a democracia-cristã e a social-democrata. Isto é, para o social-democrata, o idoso é um encargo, é preciso tratar da sua segurança económica, mas não é preciso tratá-lo globalmente na sua personalidade eminente. Ora, para nós, a segurança económica é apenas uma das facetas da plenitude da personalidade de um idoso.
Aí está, meu caro amigo, a razão por que nós erigimos em princípio indiscutível a globalidade da personalidade do idoso e não apenas a sua segurança económica.
As vertentes que apontou encontram-se contidas na nossa proposta para o n.º 2, na medida em que, aí, se diz que, «(...) promoverá uma política de terceira idade que evite e supere o isolamento e a marginalização social das pessoas idosas», o que é muito melhor do que dizer que promoverá «(...) condições de habitação e convívio familiar e comunitário (...)»
É que não é o Estado que vai promover o convívio familiar! Por exemplo o Sr. Deputado José Magalhães precisa do Estado para viver com a sua família? Então porque quer o PSD, o Estado impô-lo aos idosos?
Essa não é a nossa ideia. Entendemos que o Estado deve intervir para que os idosos sejam tratados em toda a sua plenitude e não apenas como um encargo económico que pesa sobre as finanças públicas.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra para defesa da consideração, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra igualmente para o mesmo efeito, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, o CDS pode fazer as acusações que quiser, mas, salvo melhor entendimento, deve fazê-las com propostas adequadas a essas acusações. Quando diz que o CDS é personalista contrapondo a que o PSD é materialista, essa acusação não é justa, porque é feita ao abrigo de uma proposta do mais crasso materialismo e reducionismo.
A Constituição dizia que os idosos tinham, como direito absoluto, o «direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento ou a marginalização social».
Este grande leque de direitos eram afirmados pela Constituição como direitos absolutos e fundamentais dos idosos e agora o CDS pretende apenas que fique consignada a expressão «as pessoas idosas têm direito à protecção do Estado (...)», esquecendo-se de toda a componente personalista no sentido de que as outras comunidades e a própria sociedade podem igualmente dar esse contributo.
O CDS faz tábua rasa do personalismo real, que resulta das próprias instituições criadas pela sociedade e refere-se apenas ao Estado numa concepção bem própria de doutrinas de materialismo dialéctico, resultando, assim, a sua proposta muito empobrecedora. Talvez o CDS não quisesse fazer isso, pelo menos, deve ter mais cuidado quando formula acusações e apresenta propostas deste jaez, que, esta sim, do nosso ponto de vista e não foi demonstrado o contrário, é uma proposta perfeitamente reducionista e materialista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Estava eu a dizer que o Sr. Deputado Costa Andrade não tem defesa possível. Porque é que o n.º 2 da actual Constituição há-de ser melhor do que o n.º 2 da nossa proposta? Ambos têm o n.º 2!...
Risos.
Porque é que o n.º 1 da actual Constituição há-de ser melhor que o n.º 1 da nossa proposta? Só porque agora vem no n.º l e passa para o n.º 2, aquele n.º 1 é melhor que o nosso n.º 2...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Leva o prémio da confusão!
O Orador: - Ó Sr. Deputado, por amor de Deus, número por número estamos todos empatados!... Aquilo que agora está no n.º 1 passa para n.º 2 e aquilo que está no n.º 2 passa para n.º 1.
Assim, dizer que o que consta do n.º 2 passa para o n.º 1 na Constituição actual e por isso que ficou empobrecido dá impressão de que os números uns são
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muito ricos, os números dois são muito pobres e os números três são miseráveis!...
Esta é uma interpretação que eu não esperava de V. Ex.ª
Vamos ao Sr. Deputado José Magalhães...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Venha outro que este já está!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu verifiquei que o Sr. Deputado Narana Coissoró está realmente muito bem disposto. Fala-se-lhe na terceira idade e ele fica muito bem disposto. Alguém há-de explicar isto, pois deve haver razões que não cabe agora apurar...
Eu vi-me subitamente metido no meio do discurso «enxurroso» do Sr. Deputado Narana Coissoró, preocupadíssimo com a minha terceira idade e com o meu direito a beneficiar do conforto familiar e a não ser encerrado num asilo estadual obrigado a ter os cuidados todos, abafado, asfixiado.
Quero tranquilizar o Sr. Deputado Narana Coissoró, pois não estou particularmente ofendido com a invectiva, mas creio que o Sr. Deputado está com uma terrível falta de imaginação e, sobretudo, com uma terrível falta de rigor jurídico.
Porque é que a proposta do CDS não merece acolhimento? Pessoalmente tive ocasião de chamar a atenção para ela na comissão, aliás fui veementemente verberado pelo Sr. Presidente, o Dr. Almeida Santos, que razões da pressa achava que ela não merecia sequer dez tostões de atenção, eu chamei, contudo, a atenção para ela, porque me parecia penoso passarmos por uma proposta que se assumia como boa sem demonstrar, irrefragavelmente, que ela era má.
Sucede que a proposta do CDS é má, está mal escrita, diminui a garantia constitucional dos portugueses que se encontram nessa idade que se convencionou chamar «terceira», reduz direitos.
O Sr. Deputado Narana Coissoró, que é jurista, embora não esteja na terceira idade, acho eu, mas se fosse as duas coisas, também estava bem, é capaz de reconhecer comigo, honestamente, que uma norma que diz «as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento ou a marginalização social», é melhor em termos de protecção jurídico-constitucional do que uma norma como a do CDS que alude tão-só a protecção do Estado. É isto que o CDS faz...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Leia o n.º 2!
O Orador: - No n.º 2 o CDS diz mal alguma coisa que a Constituição diz bem.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Leia!
O Orador: - É que a Constituição, no n.º 1, estabelece um direito subjacente à protecção do Estado e expecifica-o, designadamente quanto a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem ou superem o isolamento ou marginalização social.
É um direito rico, complexivo, com finalidades bem especificadas. No n.º 2 a Constituição estabelece e continua a estabelecer alguns parâmetros da política de terceira idade e estipula que esta deve englobar medidas de carácter económico, social e cultural, caracterizadas funcionalmente, isto é, essas medidas devem tender a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade.
Excelentes princípios, Sr. Deputado Narana Coissoró. Pode V. Ex.ª, quando estiver na tal terceira idade, aspirar à realização destes objectivos, porque estará muito bem enquadrado constitucionalmente. Eu garanto-lhe, para eu conforto, felizmente, que o seu texto não passa. Senão quando V. Ex.ª fosse velhinho e lhe tremessem os joelhos estaria pior protegido do que vai estar.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é para dar explicações, pois o próprio Sr. Deputado José Magalhães já deu, ao dizer que acha que os idosos devem estar «enquadrados».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Proponha!
O Orador: - Nós entendemos que os idosos não devam estar enquadrados, mas devem ser livres. A diferença entre nós e o Partido Comunista encontra-se na ideia contrária à defendida pelos comunistas, segundo a qual os idosos não devem ser enquadrados...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Constitucionalmente, Sr. Deputado.
O Orador: - ..., enquanto para nós eles devem ser livres.
Quanto às questões de redacção e terminológicas, naturalmente, que o Sr. Deputado José Magalhães fez um estudo hoje de todos os dicionários e tem o português muito enriquecido, «enxurradíssimo» e muito molhado, tiro-lhe o chapéu, porque realmente ontem à noite eu tive de trabalhar noutras coisas em vez de dercorar os dicionários.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero referir que o Sr. Deputado Narana Coissoró tinha afirmado que o PRD tinha votado contra. Gostaria que visse exactamente o documento que nós é apresentado todo os dias para verificar que nós não estivemos presentes.
Quero ainda, em relação a aspectos que já aqui foram referidos e que os pedidos de esclarecimento acabaram por retirar oportunidade, aproveitar para dizer que o texto constitucional é muito mais rico, salvaguarda muito mais em termos de personalidade, de convívio, de segurança activa dos próprios idosos e, se houver implementação a nível das leis ordinárias, até
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apresenta melhores soluções do que propriamente as questões que pretenderam ser introduzidas pelo CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, já que a questão se está a processar em termos de níveis etários, quem é que deve falar da política da terceira idade, senão eu?
Risos.
Estou aqui exilado nesta ala de namorados, que é a primeira linha do PS em matéria de reunião constitucional, de modo que tenho de assumir esta minha condição e faço-o com a coragem necessária.
Nós os idosos...
Risos.
... preferimos que a Constituição nos garanta um direito do que a caridade do Estado, mesmo sobre a protecção do Estado. Não gosto da formulação encontrada pelo CDS: «As pessoas idosas tem direito à protecção do Estado (..-)» Eu não quero ser protegido pelo Estado...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É um direito!
O Orador: - Quero ter direitos na qualidade de homem de terceira idade e quero ter direitos concretos.
Por isso parece-me que estivemos a discutir em falso sobre a importância que possa ter para uma pessoa da terceira idade, com carências obviamente, o direito a uma situação económica minimamente confortável, a uma habitação mínima, ao convívio familiar e comunitário, que sugere o isolamento e a marginalização.
Este artigo da Constituição parece-me um artigo equilibrado, pois o n. º 2 faz apelo a medidas culturais. E esta referência preenche uma lacuna que talvez devesse ter uma explicitação. Na altura em que eu era jovem, o que se passou há muito tempo, estudava-se uma coisa chamada «Manual de Educação Moral e Cívica» - o Sr. Professor Adriano Moreira está a acenar com a cabeça que também se lembra dele -, em que se falava, entre outras coisas, do respeito pelos velhos. Agora só vejo exaltar a juventude, como se esta fosse um valor polar sem o contrapolo da terceira idade.
Ora, precisamente, neste momento, quero chamar a atenção da Câmara para a necessidade que temos de repor o valor e o respeito pela terceira idade. E eu não gosto da expressão «terceira idade», prefiro a expressão «idosos». É que nós não temos de ser caridosos para os idosos, mas sim ter o reconhecimento de uma dívida, que foi, no mínimo, uma vida de trabalho e que normalmente é cheia de merecimentos, para que aqueles que venham depois de nós tenham uma vida mais fácil e melhor que a nossa.
Sou particularmente sensível a isto porque vivi muitos anos em África e se alguma coisa aprendi com os africanos, que alguns reputam de incivilizados, foi o respeito pelos velhos e também o amor pelos filhos - o africano nunca bate num filho e fica muito chocado quando nós o fazemos. Têm um respeito ilimitado pelo velho. O velho é uma instituição africana. O velho é
simultaneamente um Conselho de Estado de cada família e o conjunto de velhos um Conselho de Estado no âmbito de cada grupo tribal.
Nós perdemos esse respeito pelos velhos e é isso que devíamos recuperar e devíamos ter consagrado no texto constitucional. Penitencio-me por não ter feito alguma coisa que acentuasse a necessidade da recuperação do velho «Manual da Educação Moral e Cívica» no que se refere não só ao respeito dos idosos mas também ao culto pela gentileza, honra e outros valores que hoje não são de modo nenhum suprimidos pelos valores previstos num código civil objectivo e frio.
Valia a pena recuperar esses valores do velho «Manual de Educação Moral e Cívica» e entre todos o respeito pelos velhos, a dívida de gratidão que temos para com os velhos. Não sou propriamente um dos velhos mais carenciados, pois tenho uma família que felizmente me rodeia de afecto e até de mimo, mas imagino o drama que será para um indivíduo que viveu a vida inteira de trabalho e esforço pelos outros e até de doação aos outros, chegar ao fim e não ter o mínimo de condições económicas, ter a solidão e não ter o acompanhamento, o tal direito fundamental novo de que falava há dias o Sr. Deputado Pedro Roseta - esses tais direitos novos que havemos de conquistar para declarações universais e espero que isso não tarde muito pois já estamos a conquistar alguns para a nossa Constituição.
Deixava aqui este apontamento para dizer que me recuso a acreditar que a intenção do CDS fosse reducionista. Para isso era preciso considerar o CDS aquilo que ele não podia ser de modo nenhum. Contudo, fiquei com a impressão de que o CDS não conseguiu o que queria, porque ao substituir o enunciado de direitos muito concretos pelo direito a uma vaga protecção do Estado, não conseguiu aquilo que tinha no intento.
Por isso nos abstivemos sem que isso signifique uma suspeita no sentido de que o CDS quis reduzir os direitos e a protecção da terceira idade, mas antes significa uma discordância em relação à proposta do CDS pelas considerações que acabo de fazer.
Penso que mais tarde ou mais cedo temos que voltar a pensar seriamente - e não apenas em termos quase folclóricos, como muitas vezes acontece - nos direitos dos velhos, na dignidade dos velhos, na dívida dos mais novos para com os mais velhos, dívida de respeito e não só.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é para pedir esclarecimentos, mas tão-só para dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que, pessoalmente, eu tenho um conceito completamente, diferente do chamado direito à protecção. Não sou Ayatolla da Constituição, não tenho aqui os acórdãos todos numerados e anotados, mas tenho alguma ciência jurídica para dizer o que é o direito à protecção.
Quando V. Ex.ª falou dos africanos esqueceu-se que um dos modos como a legislação os protegia no sentido de lhes conferir direitos que eles não tinham por causa da sua inferioridade, entre aspas, em face do dominador, isto é, não ter as, mesmas regalias que tinham os colonos, as chamadas minorias sociológicas que dominavam, isto tinha de ser feito através da figura jurídica do direito à protecção.
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Este direito existe em todos os Estados e não é apenas o direito das minorias, também pode ser concebido para as pessoas que não têm voz, aquelas que não têm poder de reivindicação para exigir os seus direitos.
A protecção neste sentido é uma obrigação do Estado de olhar pelos idosos com maior atenção do que aquela que dispensa a todos os que a podem reivindicar e obter satisfação. Nada tem a ver com a caridade e com um estatuto de subalternidade em relação à sociedade, mas refere-se à particular atenção que o Estado deve dispensar para esta camada social.
É neste sentido que utilizamos o termo «protecção», mas, se for uma questão de palavras, estamos prontos para modificar e empregar outros vocábulos consensuais que enriqueçam a nossa posição, que foi compreendida pelo PS e está na linha das nossas preocupações.
O Sr. Presidente: - Tem palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, devo começar por me congratular com a sua intervenção e felicitar V. Ex.ª quer pela defesa dos direitos dos mais idosos quer pela sua abertura aos direitos novos de que eu próprio aqui falei há dias. As ideias, tal como as sementes têm de morrer primeiro para depois desabrocharem. Tive a consciência nítida, e o futuro certamente mostrará que tenho razão, que todos esses direitos, incluindo o direito à diferença, acabarão por ser consagrados na Constituição.
V. Ex.ª referiu agora o direito ao acompanhamento na solidão. Podíamos falar noutros tais, como o direito ao espaço, à paisagem, ao silêncio, ao acompanhamento também na morte.
Permita-me que tire a conclusão que, para além da perspectiva da terceira idade de que nos ocupamos agora, há finalmente uma abertura do seu espírito para, pelo menos, na próxima Revisão Constitucional, quando a semente se transformar em árvore, estes direitos virem a ser consagrados na Lei Fundamental?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Almeida Santos, quero louvá-lo porque pôs o dedo numa das feridas da crise actual. É sabido que em todos os fins de ciclos das grandes civilizações a juventude foi alvo das maiores promoções. É o que está a acontecer na nossa civilização!
É evidente que reconheço todos os direitos à juventude, mas estes são essencialmente, o direito de sonhar. Precisamente assistimos hoje a uma promoção da juventude que tem algo de cooperativizante e suspeito ... Essa promoção da juventude foi utilizada por parte dos adultos para trair a gente moça, pois tem o objectivo sinistro de as atrair para o poder, a fim de neutralizar o dom de sonhar que é próprio da juventude, conseguindo, assim desequilibrar a dialéctica das sociedades que se alimentam do seguinte: o saber e a maturidade ao poder e o sonho à juventude!
Assim, há uma planificação sinistra dessa promoção da juventude, em prejuízo do respeito que deve merecer a sabedoria dos mais velhos que sempre caracterizou
as grandes civilizações. Ainda hoje um dos maiores elogios que em certas sociedades se pode fazer a alguém é chamar-lhe o Velho - o Velho como elogio.
Dr. Almeida Santos, caríssimo deputado, regozijo--me com a modernidade da sua intervenção que realmente vem revelar os aspectos mais preocupantes da crise das sociedades em que vivemos. A juventude autêntica rebela-se hoje contra tal facto, como eu pude constatar num colóquio sobre essa problemática, levada a cabo pela Associação Académica de Lisboa. Parabéns, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Não para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Almeida Santos, mas para contar um pouco de uma outra experiência em África. Vou recordar, para servir de exemplo à sociedade em que vivemos, a minha vivência numa província do Ultramar.
O termo velho não existe no dialecto da província de Timor e assim podemos ter a ideia do que é, de facto, a referência de um idoso em Timor. Aí um velho chama-se katuas. A partir de uma certa idade as camadas timorenses mais jovens protegem o seu velho, ou o seu katuas, como usualmente é chamado, de uma forma mais paternal do que se protege a criança. Os mais novos quotizam-se, para que o seu velho não tenha qualquer tipo de carência sendo portanto, desnecessário o Estado. São as próprias famílias e pessoas que com eles convivem que impedem que um velho, um katuas, possa ter qualquer tipo de carência.
Gostaria de colocar, se possível, uma questão ao Sr. Deputado Almeida Santos, porque referiu a necessidade de hoje fazermos um acompanhamento mais frequente, atento e preocupante sobre a situação dos nossos velhos na sociedade.
Quem hoje convive e tem alguma responsabilidade nas instituições privadas de solidariedade social, nomeadamente nos lares da terceira idade, sabe que há uma lacuna na nossa lei, pois hoje nas creches e jardins de jardins de infância existem educadores de infância, mas não existe nenhuma profissão em Portugal que - e passo o pleonasmo - prepare os velhos para a sua velhice e a sua estadia nas instituições privadas de solidariedade social, nomeadamente nos lares de idosos.
Sr. Deputado Almeida Santos, não iria nunca propor aqui um ministério ou secretaria de Estado, não diria da terceira idade, pois eu também não gosto do termo, mas digamos para os idosos, contudo, não acha que era altura de haver uma preparação prévia e adequada de alguém que tivesse minimamente capacitado para acompanhar os idosos nos seus tempos livres, nas suas manifestações culturais, mantendo assim um permanente contacto com o resto da sociedade?
É que a maior parte dos lares de terceira idade são autênticos depositários de pessoas que ali aguardam, com alguma serenidade e felizmente com algum conforto, a morte, porque mais do que isso é difícil. Os meios financeiros de que essas instituições dispõem são percários, limitam-se muitas vezes a um pequeno vídeo ou a uma televisão e mesmo assim isso já não é mau.
São as pessoas que normalmente trabalham na limpeza ou na cozinha dos lares da terceira idade que se vêm confrontadas com esta situação, pelo que pergunto se, de facto, estaria de acordo em que seria necessário
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prever a necessidade de formar pessoas para acompanhar os idosos no resto da sua vida, pois eles bem o merecem.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Almeida santos, não podia deixar de corresponder, em primeiro lugar à lembrança desse velho manual sobre a educação cívica e moral que foi devido à República e pelo qual eu também aprendi. Esse manual foi suprimido, curiosamente, por uma constituição que afirmava a importância desses deveres que a partir daí deixaram de ser ensinados à juventude.
Quero, ainda, dizer que um dos ministros que mais me aflige em qualquer governo é o ministro da Juventude. Porque ele é o ministro de uma coisa que desaparece todos os dias, é uma energia que não se regenera e deve ser uma aflição todos os dias ter uma matéria-prima que desaparece.
E verifico que os jovens não sabem, em face desse ministro, que vivem na mesma relação que a Helena com a guerra de Tróia: quanto mais tempo durava a guerra mais diminuía a causa dela!
Justamente por esta razão, penso que a sua intervenção foi extremamente feliz e importante, foi talvez a mais importante hoje produzida.
Isto não é só uma atitude de espírito, é um facto que está a revelar-se naquilo que se chama a terceira idade desacompanhada de uma família que diminuiu de acompanhantes que desapareceram e eram tradicionais. Isto está a revelar-se na estrutura do Estado, o Estado está expulsar a experiência, porque a idade começa muito cedo, apesar das hierarquias, para que as hierarquias se movimentem.
Isto está a acontecer em todos os corpos do Estado. É isto que vai inspirando as leis, é a arbitrariedade dos ministros que julgam quem é que vai ser promovido.
É por isso que nos corpos militares vamos ter os congestionamentos que existiam em 1929, em que ser capitão era uma coisa ilustrérrima, pois os quadros vão estar ocupados em função dos tais critérios que a natureza se encarrega de corrigir mais tarde.
Quero dizer-lhe, Dr. Almeida Santos, que aquilo que disse, o nível a que pôs o problema, ultrapassa muito a questão semântica à volta de redacção dos preceitos. O que é importante é que eu tenho visto que à volta das suas palavras houve uma convergência sobre a natureza essencial desses novos direitos a favor dos quais todos nós estamos.
O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Os idosos comovem-se facilmente como se sabe e eu não posso deixar de dizer que estou comovido. E estou comovido porque tive a impressão de que sem consciência toquei nas cordas da viola que são os Srs. Deputados que me puseram questões, e saiu um acorde bonito. Às vezes os acordes só se conseguem quando se primem as cordas no ponto terceiro e outra no quarto e temos então o acorde. Mas, neste caso, as cordas estavam já afinadas para produzir uma harmonia, porque talvez esse seja o melhor final, pois este problema merece a nossa atenção um dia destes.
O texto constitucional serve, não vale a pena discutir problemas de semântica, embora estejamos dispostos a eliminar as referências à terceira idade na epígrafe do artigo. Mas, quando o Sr. Deputado Narana Coissoró pediu esclarecimentos, julguei que era o único a pedi-los, por isso mesmo não quis usar da palavra, mas não quero que julgue que tinha a intenção de o deixar sem resposta.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Pedro Roseta, posso informá-lo que estarei sempre disposto a examinar a consagração legal ou constitucional de novos direitos, embora gostasse de examinar um a um os novos direitos e não todos de uma vez e, sobretudo, começar pela lei, saltando depois para a Constituição, porque não se deve saltar do zero para a Constituição.
É, assim, que acontece normalmente, mas se daqui a cinco anos eu estiver cá, o que é uma hipótese muito lisonjeira para mim, e houver uma Revisão Constitucional - o que espero que não aconteça pois esta hipótese já não é lisonjeira - pode contar com a minha abertura de espírito, até porque eu me esforçarei por não envelhecer tão depressa por dentro como por fora.
Sr.ª Deputada Natália Correia, já sabia que a tinha comigo neste problema, pois é particularmente sensível aos fenómenos das humanidades e creio que sente estes problemas como eu sinto. Eu não vejo o problema dos idosos em contraposição aos problemas da juventude, mas reconheço que alguns jovens mais conscientes são capazes de estar comigo no reconhecimento de que algo falta no nosso sistema jurídico e, sobretudo, na nossa prática política e cultural relativamente aos idosos.
Muito obrigado, Sr. Deputado Rui Silva, por ter trazido aqui mais uma experiência a somar àquela que eu próprio mencionei.
Sei que há para aí uns lares da terceira idade que são qualquer coisa que se faz quando não há imaginação para se fazer mais nada, mas que em geral não se revestem de um mínimo de condições para poderem preencher a finalidade para que são criados.
Não vale a pena fazer lares para a terceira idade como esses que para aí há, se não quisermos levar a sério o que deve ser um lar da terceira idade. Antes de mais tem que ser um lar, o ser para a terceira idade é quase um acidente, mas, normalmente, não são lares, normalmente são quase umas prisões menores em que o carcereiro é substituído por uma pessoa que não é tão má como o carcereiro, mas não é tão boa como uma pessoa de família.
E penso que, antes de mais, devemos tentar que a solução se consiga através de um ambiente familiar, porque há muita família que pode cuidar dos seus idosos e não cuida. Eu diria até que o problema é particularmente grave em matéria de incompreensão, onde a incompreensão é apenas cultural ou egoísta, porque não faltam meios para que se tome conta dos idosos.
Primeiro ponto, as famílias hoje não cumprem o dever de cuidar dos seus idosos; segundo ponto, o Estado não cumpre o dever de cuidar dos seus idosos! Não cumpre! E se não cumpre, vamos abaná-lo, acordá-lo, para que ele passe a cumprir. Esse é o nosso papel.
Sr. Deputado Adriano Moreira, também estou de acordo que um ministro da Juventude nos dá a ideia de que os outros não são ministros da Juventude. Bem, todos os ministros têm que ser ministros da Juventude, pois é uma política pluridisciplinar. Compreendo lá
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agora que haja um ministro a tratar dos problemas da juventude isentando disso o ministro do Trabalho, o ministro da Educação, o ministro da Administração Interna, o ministro da Defesa. Mas que é isso de um ministro da Juventude?! Que nem sequer é muito jovem, começa por isso...
O Sr. José Magalhães (P C P): - Ainda por cima!
O Orador: - Nem sequer é muito jovem! Quero agradecer-lhe o seu apoio, sei que sente este problema tanto ou mais do que eu, por dentro é mais jovem do que eu, por fora é praticamente da mesma idade e, portanto, esse diapasão tem-se aqui verificado em relação a vários aspectos.
Na verdade, valia a pena desenterrarmos o velho manualzinho de Educação Moral e Cívica, não só sobre o respeito pelos velhos, mas em relação ao respeito pela palavra dada e até ao respeito pela Pátria, conceitos que a República trouxe para os circuitos da educação primária e que ficavam lá inscritos na alma e na memória dos pequeninos portugueses, que toda a vida se lembravam disso e ficavam com esses conceitos enraizados na própria consciência. Hoje as concepções educativas e pedagógicas são outras...
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Si. Adriano Moreira (CDS): - Está-me a lembrar um comentário de um velho amigo nosso que dizia: «isto está a precisar de uma conspiração de avós e netos».
Risos.
Muito bem!
Outra coisa que quero dizer é que corremos o risco de nos tornarmos um país sucessivamente mais velho. Porque, se penso bem (e às vezes nem sempre penso), uma das consequências da nossa adesão ao Mercado Comum com a liberdade de circulação dos nossos jovens vai ser a tentação da circulação pela Europa por parte destes. A aventura, as diferenças salariais, a atracção do desconhecido, vão com certeza seduzir a nossa juventude e Portugal corre o risco de se transformar, ele próprio, num grande asilo da terceira idade. Ora, esta talvez seja mais uma razão para levarmos muito a sério as preocupações de que todos aqui fomos protagonistas.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ainda inscritos três Srs. Deputados para produzirem intervenções. No entanto, tendo em conta a hora a que terminaram os trabalhos para almoço e porque chegaram pedidos à Mesa no sentido de fazermos agora o intervalo para jantar, com o que a Mesa está de acordo - o que estamos a discutir é uma matéria que importa ser aprofundada - interromperemos agora os nossos trabalhos.
Está suspensa a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 21 horas e 45 minutos.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, encontra-se inscrito o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Prescindo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Há ainda uma outra inscrição, da Sr.ª Deputada Natália Correia, que, não se encontrando presente, suponho que também prescinde.
Srs. Deputados, como não há mais inscrições para a discussão do artigo 72.º, vamos passar à discussão do artigo 73.º.
Pausa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em termos muito breves, quero sinalizar, da parte do PCP, adesão à circunstância de não terem sido acolhidas as propostas do CDS relativas a este artigo 73.º, uma vez que, desde a primeira hora, elas se nos afiguraram empobrecedoras, e não foi possível, no decurso dos debates da CERC, chegar a qualquer entendimento que nos fizesse ver que, em alguma medida, beneficiassem o que é hoje o conteúdo perceptivo dos n.ºs l, 2, 3 e 4 da norma.
Por outro lado, o texto que nos vem proposto introduz duas modificações que, melhor dizendo, serão dois acrescentamentos, a nosso ver positivos. Um primeiro visa a constitucionalização das associações e fundações de fins culturais entre as organizações que cooperam com o Estado na promoção da democracia cultural, estimulando e assegurando o acesso de todas à fruição, à apetência e à criação.
Um outro, no n.º 4, inclui a inovação tecnológica no elenco de matérias que merece o apoio especial do Estado, o que também se nos afigura positivo. Em suma, neste início do capítulo terceiro, relativo aos direitos e deveres culturais, a posição do PCP é a de sublinhar algumas introduções semânticas e normativas de qualidade, que, por isso, aplaudiremos através da expressão do nosso voto, e salientar, por um outro lado, que, no estrito sentido técnico que deve ter (e que, portanto, faz com que não se esqueça que a cultura é necessariamente uma área de intervenção pluri-departamental, pluridisciplinar), a Constituição cultural sai da presente revisão favorecida, como teremos oportunidade de enfatizar mais adiante. Esta nota para já, uma vez que, frugalmente, é o que se impõe dizer.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O PCP não tem nenhuma proposta?!
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta, para uma intervenção.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Também o PSD não pode deixar de
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se congratular com o enriquecimento que a CERC propõe para este artigo da nossa Constituição.
É evidente que podia haver soluções preferíveis à proposta. Embora não tenha havido propostas nesse sentido penso que seria mais correcto dividir o artigo 73.º em três: um relativo ao direito à educação, outro sobre o direito à cultura, e ainda outro artigo separado, a localizar noutra parte da Constituição, sobre o apoio do Estado à criação, à investigação cientifica e à inovação tecnológica. Mas a verdade é que na versão agora proposta pela CERC já se verifica um enriquecimento substancial, que importa registar e sublinhar.
As propostas do PSD, que eram duas, relativas ao n.º 2 e ao n.º 4, receberam acolhimento muito alargado. Não vou debruçar-me agora, pois essa é uma questão que será debatida na sede própria, sobre a modificação relativa às «organizações populares de base», substituídas pelas «organizações de moradores», proposta pelo PS. Queria apenas referir mais em detalhe a introdução das associações e fundações de fins culturais no elenco das entidades com as quais o Estado deve colaborar no domínio da cultura. Estas associações e fundações têm tido um papel muito relevante na criação cultural. Apraz-nos sublinhar a importância de que se reveste também nestas áreas a iniciativa criadora dos cidadãos e das instituições a que eles dão vida, que merece o estímulo e o apoio do Estado.
Julgo que quem tem da sociedade uma perspectiva como a nossa, baseada na criatividade das pessoas - não das pessoas enquanto indivíduos isolados, mas das pessoas enquanto seres comunitários -, não pode deixar de aprovar esta melhoria do articulado.
Esta menção tem de ser considerada não só uma medida de justiça em relação às que já existem, como um estímulo para que os portugueses valorizem e criem novas associações e fundações com fins culturais.
No que diz respeito ao aditamento da inovação tecnológica, quase nem vale a pena justificá-lo. Por que razões o Estado, além da criação e da investigação científica, deve incentivar e apoiar a inovação tecnológica? Seria quase ridículo, seria abrir portas já há muito escancaradas, justificar a premência de acrescentar à criação e à investigação científica a inovação tecnológica nestes tempos em que temos de defrontar diversos desafios, a nível mundial e também ao nível da comunidade europeia, nesta área vital para a sobrevivência de qualquer país.
Em síntese, estas palavras, não sendo evidentemente muito inovadoras, são a expressão da nossa viva congratulação por este artigo, devido ao grande consenso atingido, ir receber melhorias importantes, que não podíamos deixar de sublinhar.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr s. Deputados: Quero indicar o nosso sentido de voto relativamente a esta questão, dado que ele não aparece referido no guião que nos foi entregue, e para afirmar
que estamos de acordo com a proposta da CERC, também naquela alteração relativa à questão da substituição das «organizações populares de base» por «organizações de moradores», no sentido e no espírito que lhe é dada pelo Sr. Deputado António Vitorino aquando da discussão na CERC.
Relativamente ao ponto n.º 4, evidentemente que a integração da questão da inovação tecnológica é, como refere o Sr. Deputado Pedro Roseta, um imperativo dos tempos que correm que fica integrado no texto constitucional.
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à proposta do CDS, gostava de referir que ela se insere dentro de uma lógica que anima todo o projecto de Revisão Constitucional do CDS, onde se propugna devolver à sociedade civil aquilo que lhe pertence, diminuindo o papel do Estado enquanto o puder ser. A lógica que prevaleceu e que vai prevalecer ainda nesta revisão é a de manter quase todas as funções do Estado e sem as transferir desde já para a sociedade civil. Neste momento entendemos que a proposta da CERC dá satisfação às necessidades que estão implícitas neste artigo da Constituição, e por isso temos que dizer que retiramos a nossa proposta.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Fazem muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, referi-me especificamente, a propósito do n.º 3, ao aditamento que a CERC, por proposta do PSD, adoptou. Nele se refere, a propósito do direito à cultura, que «o Estado promove a democratização da cultura incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural», mas deve fazê-lo em colaboração com um determinado número de entidades. Não vejo aqui, e o Sr. Deputado poderá explicar-me, se entender que vale a pena - uma vez que retirou a proposta do CDS -, onde é que está essa intervenção estatal com tintas tão carregadas, como ficou infelizmente noutras áreas. Parece-me que o dever do Estado de colaborar, não pode ser entendido como dominação, ou estatização. Não creio que seja possível interpretar este preceito nesse sentido. Gostaria que V. Ex.a, me esclarecesse sobre os fundamentos de uma interpretação contrária que eventualmente possa sustentar neste ponto.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, há ainda um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Magalhães. Deseja responder desde já ou no final?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - No final, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, tenho a tarefa muito facilitada porque o Sr. Deputado Pedro Roseta fez a interrogação óbvia. Eu apenas posso perguntar, será que o Sr. Deputado Narana Coissoró leu o texto que veio da CERC?!
É que o texto que veio da CERC exprime a concepção contrária àquela que o Sr. Deputado aqui saudou. Se o CDS queria de cabeça para baixo isto é de cabeça para cima. Se o CDS queria de costas isto é de frente. Portanto, V. Ex.ª, neste momento, congratula-se não sei com quê... talvez com a própria distracção!
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Bem, todas as vezes que o CDS fala o Sr. Deputado José Magalhães, o «ayatolla» da Constituição...
Risos gerais.
(...) tem que gritar a sua sentença de fundamentalismo, como o profeta. Desta vez «Chegou tarde e a más horas», o Sr. Deputado Jorge Lemos segredou-lhe umas coisas diferentes das que eu tinha dito, e, V. Ex.ª zás, bateu no «Bei de Túnis». Assim não!... O que sucede é que eu disse que a revisão que veio a ser consagrada, e está a ser consagrada, tem uma lógica diferente daquela que estava na base da proposta do CDS. E que, como esta lógica ainda não vai prevalecer nesta revisão, tirando aqueles artigos que nos parecem artigos fundamentais e de princípio, nós retiramos as nossas propostas em favor das da CERC. É tudo quanto eu disse, portanto, não me congratulei com nada...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah! Reconhecem?!
O Orador: - Não me congratulei com nada. A única coisa que não disse foi que iria apoiar uma proposta que o PCP não fez, porque não podia, já que o PCP não tem propostas nenhumas. É um partido marginal neste capítulo da educação e cultura!
Risos.
Protestos do PCP.
Sr. Deputado Pedro Roseta, eu disse, digamos, em tese geral, porque na Constituição da República Portuguesa a comunicação social, continue como um grande peso do Estado e V. Ex.a, com certeza, quando fala de organizações populares de base, também, sem dúvida, não será tão democrático que possamos estender que isto seja uma coisa muito privatística.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Essas saíram!
O Orador: - Era isso que eu estava a dizer, mas quando fizemos a nossa proposta estava ainda consagrada na Constituição a expressão «organização popular de base» de mau agoiro!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, é por causa daquela questão marginal do «ayatolla» e das ilações que o Sr. Deputado Narana Coissoró resolveu tirar.
Depois, Sr.ª Presidente, o meu camarada José Manuel Mendes, em relação a uma outra questão, que também se suscitou, e que tem realmente uma outra implicação, gostaria também de usar da palavra. Eu voluntário já este anúncio!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, qual é a figura regimental que V. Ex.ª invoca?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Direito de defesa, Sr.ª Presidente.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Defesa do fundamentalismo!
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Narana Coissoró: Devo dizer-lhe, franca e publicamente, que a forma como o Sr. Deputado justificou a posição do CDS me suscitou alguma perplexidade.
Troquei impressões na bancada com o meu camarada Jorge Lemos, identificado por V. Ex.ª nos autos, quero confessar aqui que também perguntei ao meu camarada José Manuel Mendes se ele tinha percebido o mesmo que eu e só não perguntei ao meu camarada Octávio Teixeira porque ele estava ali à frente e era impossível comunicar senão teria alargado isso!
È que V. Ex.ª, aparentemente, não se resigna a um facto muito simples: V. Ex.ª passou pela CERC de vez em quando, não participou em nenhum dos debates em que a famosa «guerrilha» do CDS pela sociedade civil e contra o Estado se foi esfrangalhando lentamente ao longo do vosso projecto de Revisão Constitucional, feito de resto, numa altura em que o Professor Freitas do Amaral ainda não tinha as rédeas do partido; VV. Ex.ªs fizeram um projecto que depois foram retirando aos soluços, aos bocados e de que hoje restam umas coisas que vão sendo retiradas todas as noites e todas as tardes. V. Ex.ª retirou hoje, aliás, mais uma componente desse soldado cheio de próteses cujos bocadilhos se vão desfazendo à medida que os debates vão prosseguindo.
Nesta matéria só queria perceber, e não consegui, a razão de fundo porque V. Ex.ª retirava a proposta. Agora já percebi: V. Ex.ª retira porque a lógica subjacente do vosso projecto foi sendo derrotada ponto a ponto, graças às votações nas quais o PCP tem estado sempre firmemente, porque defende o modelo constitucional nesta matéria. A vossa derrota é a nossa vitória!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E esse aspecto suponho que deve incomodá-lo bastante.
As suas observações acerca de uma pretensa vocação «ayatolesca» de quem quer que seja não me merecem nenhum comentário, porque eu respeito as religiões, incluindo aquela que o obceca...
Risos.
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E, portanto, o facto de V. Ex.ª aludir as chefias correspondentes nessa religião não me perturbam. Como sabe, a nossa é laica e não tem essas patentes...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não sei, não sei!
O Orador: - E deixa-nos inteiramente indiferentes, além de que V. Ex.ª pode estar descansado...
A Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Termino imediatamente, Sr.ª Presidente.
Sr. Deputado Narana Coissoró, esteja perfeitamente descansado, nós não confundimos a vossa proposta com os «versículos satânicos», a vossa proposta não tem nenhum valor, mas vai ser derrotada, está retirada, ainda bem. Congratulamo-nos com esse resultado. Mas, também, não se irrite tanto, pois a proposta não valia nada!...
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, quando V. Ex.ª disse que perguntou a três pessoas ao seu lado e que todas tinham entendido o mesmo que V. Ex.a, fez-me lembrar a história de quatro cegos que foram ver um elefante...
Risos.
E reza assim: «Um pegou na tromba e disse! Que grande cobra! outro pegou na pata e disse! Ah, que grande coluna, o terceiro pegou na orelha e disse Ah, que grande abano! E ninguém sabia o que era o elefante...
Risos.
Por isso eu compreendo perfeitamente a história de cada um «ver» o seu elefante e todos estarem de acordo sobre o animal...!
Risos.
Quando me vem dizer que o Professor Freitas do Amaral não leu o nosso projecto (mas dá o benefício da dúvida porque ele ainda não era o presidente do partido), o que direi eu do que pensará o Dr. Álvaro Cunhal quanto à Revisão Constitucional, quanto ao estado da discussão e das intervenções que V. Ex.ª e a sua bancada têm feito? Apontam para uma escola de O ao infinito!
Protestos do PCP.
A diferença é tanta, que parece que o secretário geral do PCP está muito longe dos debates que o Sr. Deputado José Magalhães aqui sustenta no Plenário. Porque o Dr. Cunhal sustenta umas posições cadavéricas da Constituição e V. Ex.ª ainda lhe dá algum alento! São coisas muito diferentes!
Risos.
Não vamos trazer aqui à colação os presidentes dos partidos; porque se o Dr. Cunhal suspeita o que V. Ex.ª aqui discute...
Risos.
Uma voz do PSD: - Expulsa-o!
O Orador: - Não, tira-o da bancada, o que é pior!
E, quanto às «religiões», quero dizer-lhe que tenho o mesmo respeito pelo leninismo que tenho pelo islamismo. São duas «religiões» embora não professe nenhuma delas!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Pronto, acabámos!
Risos.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Peço a palavra para o exercício do direito de defesa da bancada do PCP, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - É regimental. Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Narana Coissoró: Creio que mesmo para a boa disposição há limites!
Aquilo que o Sr. Deputado Narana Coissoró acaba de produzir, a propósito da metáfora do elefante, é apenas, semanticamente, um boomerang. O Sr. Deputado é verdadeiramente o elefante que olha para o resto da paisagem, que nada entende e, nada conseguindo destrinçar, se fica, peripatético, completamente em perda!
E então, de nenúfar em nenúfar, vai exaurindo a sua não levitação e o seu peso até acabar inteiramente nefelibata e a discutir à revelia do que está a acontecer no Plenário da Assembleia da República.
O Sr. Deputado Narana Coissoró provou, o que de resto não era difícil, que está à margem dos trabalhos da CERC e do que decorre neste momento no Hemiciclo, não conhece o programa do PCP em matéria cultural, ignora o projecto de revisão do PCP no mesmo domínio desconhece a intervenção - o que já é, digamos, bastante mais grave - do PCP, ao longo de anos, nos debates que têm tido lugar na Assembleia da República e no parturejamento de algumas leis essenciais da nossa arquitectura do Direito no foro de cultura.
E é contra isto que naturalmente tenho de protestar, porque, se estivesse atento, teria verificado que a proposta do PCP relativa, por exemplo, à defesa e divulgação da língua portuguesa não só foi acolhida, como, permita-se-me a facilidade de expressão, subiu de escalão, pois acaba por ser integrada no artigo 9.º, entre as tarefas fundamentais do Estado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto.
O Orador: - Não só não tem noção dos nossos projectos, como esquece que a constitucionalização das ADP se deve ao PCP, que a Lei do Património Cultural, que aliás está por regulamentar, e mal, por este Governo, como o esteve por outros, é, em grande
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parte, obra do PCP - disso nos orgulhamos -, apesar de ter sido veiculada junto da Assembleia da República, originariamente, por uma cópia que o CDS fez de um trabalho...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Estou a acabar, Sr.ª Presidente.
Como dizia, de um trabalho elaborado por grupos técnicos no interior do Ministério da Cultura.
Quanto às observações que fez a propósito do meu partido e desta bancada na sua relação com a Revisão Constitucional, dir-lhe-ei, muito singelamente: «Espere, que o tempo lhe provará como efectivamente está fossilizado no entendimento que faz das nossas atitudes.»
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Deputado José Manuel Mendes, naturalmente não se sentiu ofendido, porque não o ofendi. Simplesmente, quis, em nome do direito de defesa, mandar um recado para dentro do seu partido dizendo: «Realmente leiam o programa, está no programa cultural do partido, de modo que nada tem que ver com o artigo que estamos a discutir.
Se V. Ex.ª concorda com o programa cultural revisto do seu partido, e nada tem a dizer quanto a isto, então esse é um problema interno vosso!
O que nós estamos aqui a discutir, neste momento, é o artigo 73.º, sem qualquer...
Protestos do PCP.
... sem qualquer corvo ao lado...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E os elefantes?
O Orador: - A única coisa que não vejo aqui é uma proposta do PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não!
O Orador: - Na primeira intervenção o que eu vi foi uma referência à proposta do CDS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio!
O Orador: - O PCP, como não tinha nada seu, falou da proposta do CDS. Já é uma obsessão!
Protestos do PCP.
Risos.
Quando o PCP não tem nada de seu, vê o que diz o CDS e diz «isto não nos serve», e preenche o seu tempo!
Risos.
É tudo quanto eu disse. É a homenagem - já que estamos em frente um do outro - que prestamos frontalmente.
É o vosso papel!
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos da noite da Escola Secundária n.º 1 do Seixal, a quem saudamos esperando que possam pela vida fora lembrar-se desta sessão da revisão da Constituição.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, não existem mais inscrições para o debate do artigo 73.º
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, gostaria que, como é regra, V. Ex.ª anunciasse qual o quadro final das propostas que hão-de ser submetidas a votação. É que, no meio de toda a confusão, não compreendi bem se o Sr. Deputado Narana Coissoró não acabou por retomar a proposta do CDS. Creio que não, no entanto, gostaria que a Mesa me informasse.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Deputado Narana Coissoró anunciou que retirava a proposta. Creio, pois, que não há qualquer confusão, uma vez que esta era a única proposta que existia em relação a este artigo, e foi retirada.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr.ª Presidente, se posso ajudar, direi que quanto a este artigo apenas existe a proposta da CERC.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah, então vocês também retiraram a vossa proposta?
O Orador: - Retirámos a nossa proposta, porque ela está consumida no texto da CERC, ou seja, tudo o que a nossa proposta continha de útil e de inovador, como disse há pouco, foi consumido na proposta da CERC, tendo o mesmo acontecido, creio, com a proposta que o PS apresentou. Portanto, a proposta da CERC é a única que tem de ser votada.
A Sr.ª Presidente: - Muito obrigado pelo seu esclarecimento, Sr. Deputado Pedro Roseta.
Srs. Deputados, para votação subsiste apenas a proposta elaborada pela CERC.
Vamos passar à discussão do artigo 73.º-A.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. António Vitorino (PS): - Sr.ª Presidente, creio que deve haver consenso na Câmara no sentido de que a proposta do PCP seja discutida aquando do artigo 9.º, na medida em que, como há pouco disse o Sr. Deputado José Manuel Mendes, ela foi promovida de escalão e, portanto, deveremos acompanhar essa promoção para manter a hierarquia das normas.
Vozes do PS, do PSD e do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Depreendo que há consenso quanto à sugestão agora feita pelo Sr. Deputado António Vitorino e, portanto, passaremos de seguida à discussão do artigo 74.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para uma intervenção.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em nome da bancada do PSD gostaria de declarar que retiramos a proposta relativa a este artigo, que votaremos favoravelmente a proposta da CERC e que continuaremos a manter a nossa posição de voto relativamente às propostas que foram apresentadas na comissão, ou seja, não votaremos favoravelmente as propostas apresentadas por os Verdes, abster-nos-emos quanto à proposta de substituição do n.º 2, apresentada pelo CDS, e votaremos favoravelmente a alínea e) do n.º 3, igualmente apresentada pelo CDS, caso não sejam retiradas.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Creio que este artigo é um dos artigos em que haverá um maior défice de aplicação constitucional, ou seja, em que a prática governativa menos tem a ver com o texto da Lei Fundamental.
Mas, o que mais choca neste processo de Revisão Constitucional, mais até, talvez, do que a prática, são os esforços, designadamente do CDS, para tentar moldar o texto constitucional não ao que deve ser o bom modelo, mas, sim, uma visão conservadora do ensino, contra o progresso e contra uma visão esclarecida de acesso geral ao ensino.
Basta ver que o CDS propõe que se retire a referência expressa no texto constitucional de que «o ensino deve ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais», que o CDS, juntamente com o PSD, propõe a eliminação do preceito segundo o qual incumbe ao Estado «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino» e que o CDS propõe que acabem as medidas de discriminação positiva no acesso à universidade.
Trataremos deste assunto no artigo 76.º, mas, de qualquer modo, creio que o que de mais positivo aconteceu quanto às propostas que foram apresentadas foi o seguinte: as propostas do CDS não venceram e o próprio PSD teve de aderir a outras propostas, porquanto na CERC não pôde vencer as suas.
Creio que isto é muito positivo e quem ganha com a votação deste artigo é a liberdade de ensino, é o direito ao ensino e o papel que cabe ao Estado na consagração deste mesmo direito ao ensino.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lemos, compreendo perfeitamente a sua dificuldade em interpretar e mesmo compreender o que é participar numa sociedade livre tal como está sugerido no nosso texto.
Para V. Ex.ª tudo se resume a discriminações, discriminações positivas, negativas, paralelas, enfim, tudo é um emaranhado de discriminações!...
Sr. Deputado, o nosso texto é escorreito, democrático, fala em sociedade livre e europeia, portanto compreendo perfeitamente a sua dificuldade em seguir a nossa passada nesta matéria.
Esta é, pois, a explicação que lhe dou sob a forma de pedido de esclarecimento e já agora aproveito para dizer à Câmara que o Professor Adriano Moreira, que gostaria de fazer uma intervenção em relação a este artigo, está ocupado, neste momento, com uma palestra sobre a Revisão Constitucional fora do Parlamento.
No entanto, disse-me que cerca das 22 horas e 30 minutos já estaria aqui presente, mas, caso ele não consiga chegar a tempo de produzir a sua intervenção hoje, penso que a poderá fazer amanhã de manhã, caso não haja qualquer impedimento por parte da Câmara, uma vez que ninguém perderá nada com isso e todos teremos a ganhar.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, aguardarei com todo o interesse a vinda do Sr. Deputado Adriano Moreira.
V. Ex.ª não aditou um argumento para justificar a sua proposta, não compareceu na CERC para discutir esta matéria, mas vem acusar os outros de não compreenderem a proposta do CDS. Mas esses outros são muitos, Sr. Deputado Narana Coissoró!... Olhe para o espectro político desta Casa e verá que o CDS ficou isolado neste debate...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - ..., pois até mesmo o PSD acabou de dizer que retirava a sua proposta.
Sr. Deputado, é melhor olhar para dentro de si e verificar que aquilo que o CDS pretende ou pretendia destruir em termos de Constituição não o conseguiu.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Está isolado! Isolado e sem razão!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, para defesa da consideração.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lemos, deixemos esta gracinha!... O senhor ao
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dizer «V. Ex.ª não apareceu na CERC», está a dar a impressão de que o CDS não apareceu na comissão.
Ora, VV. Ex.ªs apareceram na CERC só para empatar os trabalhos...
Risos do PSD.
..., isto é, VV. Ex.ªs foram para a CERC, em que o Sr. Deputado José Magalhães esteve de serviço, para tentar inutilizar o trabalho da CERC, mas não o conseguiram.
Nós somos só quatro deputados - não temos vergonha disso! -, temos imenso trabalho para fazer e não podemos é perder oito, nove ou dez horas a dizer catorze ou quinze vezes as mesmas coisas. Fizemos este debate em comissão, mas também podemos perfeitamente transferir para o debate em Plenário o que queríamos dizer na CERC.
Para que é que serviu toda a vossa presença na CERC? Para ficarem ainda mais isolados, mais marginalizados politicamente e fora do contexto da revisão. W. Ex.as, em 1982, diziam «Balsemão, Freitas e Soares rasgam a Constituição!» e nós sabemos o que é que queriam dizer com isso. Em 1982 vocês diziam «rasgam a Constituição», hoje dizem «inutilizam a Constituição», mas daqui a cinco anos os senhores serão os melhores arautos e defensores das propostas do CDS, desde o momento em que elas venham a ser consagradas.
Portanto, deixemo-nos destas coisas da CERC,... Os senhores estão aqui para defender aquilo que apresentam, não para agirem como marginalizados e terem a obsessão do CDS, do PS e do acordo.
Sendo assim, Srs. Deputados, façam o favor de defenderem a vossa posição, como não fizeram na CERC, para ver se acertam nalguma coisa.
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que neste caso o ónus da prova contra a Constituição cabe a quem a pretende alterar...
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ... e o CDS ao apresentar uma proposta deveria justificá-la, mas o senhor em vez disso veio dizer-nos que empatámos os trabalhos na CERC. Ora, se tiver o cuidado de ler as intervenções que produzimos ao longo dos trabalhos, verificará...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não tenho paciência para ler as tolices que vocês se fartaram de repetir!...
Risos gerais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah! Não tem paciência!
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu leio nos jornais, o resumo e chega!
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, peco-lhes que mantenham o silêncio necessário para podermos ouvir o debate.
Queira continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, compreendo que esteja bem disposto, mas agradecia que não dissesse coisas que podem virar-se contra o seu par' tido e que são insultuosas até para o trabalho que fizemos na CERC e para todos os deputados.
Vir aqui dizer em nome do CDS que não está para ler os trabalhos da CERC é extremamente grave!... Compreendo que a esta hora se dizem coisas que não se dizem sempre, mas, Sr. Deputado Narana Coissoró...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, no seu tempo.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Depurado, a Mesa não pode permitir isso. O Sr. Deputado dispõe apenas de dois minutos e se deixa interromper é o seu tempo que conta.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, é a Sr.ª Presidente que não permite que o senhor me interrompa.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos é quem decide da forma como dispõe do seu tempo. A Mesa não pode é prolongar os dois minutos que lhe restam nem deixar que o tempo eventualmente gasto pelo CDS seja descontado no tempo do seu partido.
Depreendo que nestas condições o Sr. Deputado não permitirá a interrupção, portanto, queira terminar a sua intervenção.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Penso que o Sr. Deputado Narana Coissoró falará se assim o entender.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vocês são surdos! Eu disse que a nossa intervenção ficaria para amanhã.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.ª Presidente, creio que não se perderia nada se houvesse uma certa maleabilidade, por forma a tornar menos confuso este debate.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado é que decide dentro do seu tempo se concede ou não a interrupção.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Certamente que o Sr. Deputado Narana Coissoró compreenderá que eu teria todo o gosto em deixar que o senhor me interrompesse, mas depois eu não falaria...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Compreendo a sua atrapalhação!...
O Orador: - Bom, mas, como estava a dizer, o artigo que estamos a tratar é bem o exemplo de quem está isolado.
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O CDS atabalhoadamente veio aqui apresentar propostas que ainda não explicou; o PSD é forcado a retirar as propostas sobre este artigo, o Sr. Deputado Narana Coissoró e o seu partido vão retirando proposta a proposta...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não retirámos!
O Orador: - Ainda não retiraram mas lá chegaremos! ... Deixe andar o barco e vai ver que os senhores ainda acabam por retirar a proposta, e depois vem--nos dizer que nós é que estamos isolados. Mas, ainda que estivéssemos isolados se isso acontecesse na defesa de posições que consideramos positivas para o regime democrático e para o povo português, teríamos muito gosto em estar aqui isolados. Não seria a primeira vez, nem a segunda e, provavelmente, não seria a última.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pois, não!
O Orador: - Também aqui se coloca uma questão de princípios e nessa matéria talvez o senhor devesse olhar mais para o seu partido, porque é algo que talvez não esteja bem clarificado neste momento.
Entretanto» reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para defender a honra!...
O Sr. Presidente: - Bem, é ao Sr. Deputado José Magalhães que compete dizer para que efeito pediu a palavra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Como competiria em bom rigor eu defenderia a honra, mas verdadeiramente o Sr. Deputado Narana Coissoró não disse por mal o conjunto de coisas que disse que ficaram na acta. Admito que foi um lapsus linguae que resultou do facto de o Sr. Deputado já não ter paciência para ler as actas da CERC, que são muitos milhares de páginas. O senhor não as lê e depois faz figuras destas, mas isso não é grave porque só responsabiliza a bancada do CDS. Portanto, não vou dizer nada e podemos continuar este diálogo quando o CDS retirar a proposta.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das preocupações fundamentais do CDS quando formulou este n.º 2 foi substituir o actual n.º 2.
A CERC já está de acordo numa proposta de substituição do actual n.º 2 que é do seguinte teor: «O ensino deve contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais.» Ora, nestas circunstâncias, pergunto ao CDS, ao PSD, ao PCP e aos restantes partidos se concordam ou não que, em todo o caso, alguns dos valores constantes no n.º 2 apresentado pelo CDS poderiam acrescer ao n.º 2 da CERC ficando a constar, por exemplo, «(...) e habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre, promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade entre os cidadãos».
A meu ver, estes são valores que cabem numa educação responsável e, portanto, talvez pudéssemos recuperar a proposta do CDS colando-a à proposta sobre a qual todos estamos de acordo.
Suponho que o Sr. Deputado Narana Coissoró esteve distraído - não lhe levo a mal -, mas o que eu disse foi que a partir da proposta da CERC, de substituição do n.º 2, nós estaríamos preparados para recuperar, embora numa formulação ligeiramente diferente, os valores que constam do vosso n.º 2. Ficaria, por exemplo, «o ensino deve contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre, promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade entre os cidadãos». Nós daríamos, pois, o nosso apoio à recuperação da vossa proposta por acréscimo à proposta da CERC.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Costa Andrade e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sob a forma de pedido de esclarecimento, gostaria expor a nossa posição, uma vez que a Câmara foi interpelada através da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos.
A nossa resposta, quanto à sugestão do Sr. Deputado Almeida Santos, depende, numa primeira fase, de uma certa concretização em termos de proposta escrita. Por princípio, vemos como uma atitude positiva a ideia de o ensino ser um instrumento de realização pessoal, de criação de uma sociedade e de uma convivência em termos de tolerância e colaboração com os cidadãos.
Na medida em que é possível perspectivar finalisticamente a educação e o ensino - e temos algumas dúvidas sobre uma cena concepção finalística da educação e do ensino -, e é lícito perspectivar valores ou metas ao ensino, cremos que a defesa da tolerância é uma ideia extremamente positiva e digna de merecer, pelo menos, uma segunda consideração.
No entanto, nesta fase, e uma vez que temos de reagir sobre a proposta apresentada pelo PS, não nos é fácil adiantar muito mais a não ser que estaremos disponíveis para considerar essa proposta, porque, repito, se alguma coisa se nos afigura legítima em termos de uma certa propositura de metas ou de finalidades à educação - e é duvidoso que elas se possam pôr -, também não se pode deixar de pensar que a educação é um instrumento no sentido da tolerância. É o único valor finalisticamente orientado e que é legítimo, até porque a tolerância é, por definição, a ausência de imposição aos outros de ideias. Portanto, é a tolerância com todos menos, como diz Popper num livro que acaba de ser editado em português, com a intolerância.
Nestas circunstâncias, diremos, desde já, que estamos abertos a considerar a proposta agora apresentada pelo PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
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O Sr. Almeida Santos (PS): - A resposta é para anunciar ao Sr. Deputado Costa Andrade que vou submeter à consideração da Câmara uma formulação concreta para a qual espero a sua melhor receptividade.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, efectivamente, compreendi a sua proposta. Aquilo que rebati foram os argumentos do PCP que não tinham nada a ver com a nossa proposta.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Pois não, já lhe expliquei isso!
O Orador: - O PCP acordou tarde e a más horas e como ainda não tinha começado a «bater» no PS começou a «bater» em nós! Era para fazer um exercício de aquecimento...
Risos.
Protestos do PCP.
Agora que a bancada do PCP está mais calma, gostaria de dizer que vamos estudar a vossa proposta e, naturalmente, em princípio, ela vai merecer a nossa concordância.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do PRD está, em princípio, de acordo com a proposta da CERC relativa aos n.ºs 2 e 4 e ao acrescentamento produzido pelo Sr. Deputado Almeida Santos, com o qual concordamos, para além da questão que foi suscitada na proposta da CERC, desde que estejam salvaguardadas condições básicas que vêm expressas nas diferentes alíneas do n.º 3 do texto da Constituição, designadamente o alargamento progressivo e mais rápido da rede do ensino pré-primário, a diminuição das desigualdades dos alunos antes da chegada à escola que depois poderão ser superadas através de condições de transporte, de alimentação, apoio em aquisição de materiais e manuais escolares, etc.
Relativamente ao n.º 4 da proposta da CERC é evidente que este preceito é pertinente e o conjunto de abusos que têm sido cometidos ao longo dos últimos tempos leva a consagrar como princípio constitucional esta questão que, em nosso entender, deveria estar contida nos dispositivos previstos nos capítulos referentes a direitos e deveres fundamentais, porque é um atentado aos direitos fundamentais aquilo que se está a fazer às crianças e jovens em idade escolar no nosso país.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não costumo ser favorecido por coisas sem esforço, de maneira que perdi grande parte das contribuições que foram dadas para a discussão desta matéria e vou, certamente, ser repetitivo nalguns pontos, mas penso que, por dever do cargo e até de consciência, não posso deixar de fazer alguns comentários sobre esta matéria. Aliás, penso que o ambiente está óptimo, depois de todas as dificuldades que tivemos à tarde, pois já temos o problema das tripeças resolvido, há ainda uma pequena dificuldade sobre a doutrina dos bispos,...
Bom, mas já agora gostaria de focar dois ou três pontos que nos perturbaram durante as conversas de hoje: a declaração dos bispos parece que não toma em conta o recurso financeiro do Estado, mas a Câmara está esquecida de que Fernando Pessoa nos avisou de que Nosso Senhor Jesus Cristo não sabia nada de finanças - não consta que tivesse biblioteca e as coisas não corriam pior, apesar disso!
Risos.
Em segundo lugar, alguém teve a amabilidade de se dirigir à bancada - e creio que é um exagero - do CDS chamando-lhe «arbusto». Gostaria de dizer que podem estar tranquilos, pois não se trata de um «arbusto» que se vá transformar numa dessas árvores que andam agora a levantar a gente lá da minha terra para arrancá-las; vai ser um «arbusto» benéfico, com certeza!
De vez em quando não fico magoado mas, sim, incomodado, e por brio português e nacional, porque vejo notícias publicadas nos jornais de governantes responsáveis que, cada vez que dizemos qualquer coisa aqui aproveitam para declarar que somos ignorantes, atrasados, que não estamos actualizados, e eu fico muito preocupado porque estudo imenso e fico com muitas dúvidas sobre a minha capacidade de entender quando digo as coisas e os outros nos altos postos chegam a esta conclusão.
De modo que este ar familiar da Câmara, hoje, dá mais sossego e pode ser que possamos dizer aqui umas coisas que não dêem origem a uma reacção desse tipo e não sejamos todos considerados ignorantes.
Portanto, de uma maneira bastante confidencial, quero dizer que estamos a discutir, provavelmente, o capítulo mais importante da Constituição portuguesa. Ora, se isso for verdade, como dizem alguns - e eu já não me atrevo a dizê-lo de voz própria para evitar tanta perturbação nos comentários que nunca são feitos na Câmara mas, sim, noutro lugar onde não haja lugar a resposta -, gostaria de lembrar algumas palavras de Simon Perez, que não deve ser considerado um sujeito suspeito de reaccionarismo. Ele diz o seguinte, falando das dificuldades graves do seu país, que todos conhecemos: «O desenvolvimento económico é sacrificado ao orçamento militar. A quem é que isso aproveita? O arsenal poderá melhorar a qualidade de vida? Uma vez mais, um só aspecto poderia justificar uma parte das despesas militares: a pesquisa. É mais difícil convencer um povo a gastar dinheiro com a investigação civil do que a fabricar novas armas. Os povos perdoam-nos as despesas militares, mesmo se elas não
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são verdadeiramente destinadas a objectivos precisos ou mesmo, como no caso dos arsenais nucleares, se parece impossível alguma vez utilizá-las. Mas, se falar de aumentar a investigação científica, deparam-se-nos mil obstáculos, ainda que se trate da melhoria da vida. Podemos lamentá-lo, com certeza, mas é assim.» Faço esta citação porque esta matéria tem de ser considerada unitariamente.
No capítulo III, intitulado «Direitos e deveres culturais», o n.º 1 do artigo 73.º da Constituição, cuja epígrafe é «Educação, Cultura e Ciência», refere: «Todos têm direito à educação e à cultura», simplesmente, não se declara que cultura. Será a cultura dos pobres, de que falava Ahmed, ou a dos ricos? Será a cultura dos privilegiados? Será a cultura de quem tem o poder? Será a cultura que identifica os portugueses ou será a cultura que, com base naquilo que define os portugueses, os torna uma célula importante do europeísmo, do ocidentalismo, etc? Isto nunca foi discutido na Câmara e nós precisamos de ter consciência de qual é a cultura a que damos acesso democrático. Precisamos saber se vamos dar esse acesso a uma cultura pré-determinada, se vamos ter uma definição de português decretada na Câmara, se vamos ter um volume, que já aqui foi apresentado uma vez, sobre como é que deve ter sido, ser e vir a ser português. Todos se lembram desse documento que aqui tivemos de atacar gravemente para que não fosse decretado. Isso nunca foi aqui discutido.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Era o GOP!
O Orador: - Chamava-se GOP, neste português cuidadoso que falamos uns com os outros. Fujo sempre de usar palavras próprias do CDS, para evitar os tais reflexos de não sermos tão ignorantes, como se diz por aí...
Por outro lado, vejo citadas, num jornal publicado hoje, algumas sentenças de pessoas de vários quadrantes.
Uma delas diz assim: «Portugal é o País da Europa que possui o sistema educativo mais débil, inadequado às necessidades e incapaz de cumprir em 1992.» São afirmações do secretário-geral do Partido Socialista, que é uma pessoa responsável.
Depois, vejo citada outra frase que diz assim: «A educação em Portugal é toda ela um escândalo», proclamou outro responsável do mesmo partido.
A seguir: «A qualidade do ensino é medíocre», assegurou um assessor do ministro da Educação deste país.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E é verdade!
O Orador: - Vejo que se transformaram em apoiantes do Governo, porque sustentam muito aquilo que, aliás, é verdade e que terá sido dito por um assessor.
O que lhes quero dizer é que eu, com toda a modéstia, concordo que o ensino, o acesso à cultura, o equipamento científico, em Portugal, são extremamente medíocres para alcançarmos a integração na Europa.
Assim sendo, aí reside uma das explicações de uma redacção que o grupo que fez o projecto do CDS deu e que lhe pareceu mais eficaz do que a gratuitidade do ensino. Digo-lhe isto com todo o à-vontade porque, na minha juventude, havia três aspirações fundamentais e que estão a desaparecer: ensino para todos e de graça, saúde para todos e de graça e justiça para todos e de
graças. Está a desaparecer tudo isto!... Está tudo caríssimo, porque todas as actividades devem financeiramente auto-sustentar-se. Espero que isto não faça parte do «acesso à cultura», porque temos todos de aprender, isto é, espero que não sejam as regras tecnocráticas de gerir estes resultados sociais, que são fundamentais para a concepção de vida que, penso, é uma concepção de vida portuguesa e humanista.
E o que é que tem acontecido? Tem havido acesso gratuito ao ensino em Portugal? Aquilo que nos anunciam é a multiplicação das propinas do ensino.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Bem pagamos!
O Orador: - Isso, sim, é que está anunciado e é disso que estamos à espera. Já subiu o custo da justiça - a justiça já é só para ricos!... -, a saúde é o que sabemos e, quanto ao ensino, aquilo que nos anunciam é a multiplicação das propinas.
De modo que, mesmo sabendo-se o que é que quer dizer «tendencialmente», é muito difícil sustentar que vamos a caminho do ensino gratuito. Aquilo a que temos assistido - e eu peço para que isto seja bem entendido, porque já hoje ouvi acusar o CDS de adoptar o materialismo dialéctico... Já fomos acusados disso hoje! O que mais virá?!... Espero que isso não seja repetido, que seja um lapsus linguae.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Dr. Costa Andrade já está arrependido!
O Orador: - Mas o que quero dizer é que a educação em Portugal começou a ser cara e a afastar-se cada vez mais da gratuitidade, que é o nosso objectivo, pela simples circunstância de que o numerus clausus em Portugal foi estabelecido em função da capacidade de recepção dos estabelecimentos, ou seja, do número de cadeiras que têm para sentar alunos, e não em função de critérios de mercado, de perspectivas ou de vocações.
Então, o Estado consentiu em «fazer de conta» que não multiplicava os numerus clausus, deixando multiplicar as instituições privadas onde ensinam exactamente os professores que não podem ensinar nas instituições do Estado, porque são exactissimamente os mesmos. Temos neste momento, em Portugal, salvo erro, sete ou oito Faculdades de Direito e o número de doutores é exactamente o mesmo.
Por que é que mentimos uns aos outros? Por que é que não agarramos no actual sistema e não dizemos que está completamente débil, errado, degradado e que é preciso investir nele, primeiro do que em qualquer outro sector de actividade do País?
Ora bem, como me ameaçam com o aumento das propinas e porque sei que, para ultrapassar «o numerus clausus faz de conta», é preciso recorrer ao ensino caríssimo, eu próprio concordei que, em vez de se dizer que o ensino era gratuito, o Estado tinha obrigação de estabelecer as condições económicas de acesso de todos ao ensino. Isto é correspondente a uma velha ideia do «cheque escolar» que temos sustentado e não vale a pena estar a desenvolvê-lo.
Portanto, esta fórmula do CDS nada tem a ver com uma posição contrária à gratuitidade do ensino. Pelo contrário, o que procura - talvez inabilmente, isso
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admito! - é encontrar uma fórmula que, nas condições actuais e reais de actuação do Estado à administração do ensino e do aparelho que temos para a investigação e para ensinar, garanta o acesso de todos ao ensino, com o suporte económico necessário e com o acesso igual à cultura, etc.
A fórmula pode ser que não esteja bem, a semântica anda por aqui pessimamente mal tratada!... Aqueles programas da televisão começaram tarde... Deviam ter começado há mais tempo!... Passamos aqui mais tempo a discutir palavras do que objectivos.
Por isso mesmo, pareceu-me que, com a capacidade habitual que o Dr. Almeida Santos tem de esclarecer e conciliar os textos, esta proposta que apresentou concilia perfeitamente os objectivos do CDS, que, espero, estejam claros com a redacção que aqui foi estabelecida.
Pela minha parte, estou perfeitamente disposto a aceitá-la e agradeço até o esforço que, mais uma vez, o Sr. Deputado Almeida Santos fez - e não será o último!... - e que lhe ficamos a dever.
Mas, volto a insistir, este capítulo tem de partir da realidade em que nos encontramos e, com autenticidade, devemos olhar para o ensino privado, que é para nós, CDS, uma peça fundamental. Queremos um ensino privado que tenha uma autenticidade que não possa ser posta em dúvida e não queremos que a sociedade portuguesa seja encaminhada no sentido de se perguntar a um licenciado onde é que se licenciou. Eu quero que ele seja licenciado em Portugal e tenha igualdade de condições, seja qual for o estabelecimento de onde venha. Esta é a nossa batalha, este é o nosso combate.
Por consequência, houve todo o empenho por parte das pessoas que tomaram generosamente a responsabilidade de estabelecer esta reacção e espero que estejam esclarecidos todos os equívocos que podem ter sido provocados pelo facto de se ter afastado da redacção tradicional, e não estou a defender o português usado, mas tenho como absolutamente inatacável os objectivos, as razões e as circunstâncias reais em que a proposta se baseia.
Devo dizer, para terminar, que considero um exemplo do ensino privado em Portugal a Universidade Católica... Vejo uns acenos duvidosos na bancada vasta do PSD, mas estou a ver se indico o melhor exemplo. E, indicando-o, quero dizer que só considerarei que há ensino privado estabelecido em Portugal quando as instituições de ensino produzirem o seu próprio corpo docente. Nessa altura, teremos atingido um ensino privado independente. Até lá, vamos todos colaborar, vamos ajudar!...
O objectivo tem de ser o de criar entidades autónomas, auto-sustentadas do ponto de vista dos recursos humanos, porque, do ponto de vista dos recursos materiais, concordo que o dinheiro que o Estado tem não é do Estado, mas de nós todos. Ele só está encarregado de o distribuir. Às vezes, tem um pequeno equívoco: julga que é dele, mas não é!... O Estado está encarregado de distribuir o nosso dinheiro para satisfazer as nossas necessidades.
Por isso mesmo, sem querer roubar mais tempo à Câmara, direi que, porque o capítulo que estamos a discutir é o capítulo fundamental da Constituição no que toca à sociedade civil portuguesa, sentia que não cumpria o meu dever se não exprimisse claramente esta nossa opinião de que as matrizes a que deve obedecer
este acesso democrático à cultura, ao ensino, à informação nunca foram discutidas pela Câmara com profundidade e que deixamos o campo livre a distorções de quem exerce o poder, se não tivermos uma discussão alargada e firme a esse respeito que torne muito claro quais são os valores reais que estão a preencher estes conceitos nominais. Isto porque discurso democrático formal não tem garantia para ninguém. O discurso tem de ter um conteúdo e esse conteúdo tem de ser sabido e respeitado.
No momento em que se aproxima a tal data, que não será o ano 2000... Estou a referir-me a um ilustre secretário de Estado do PSD, a quem fiz a observação, num colóquio que se realizou na Universidade de Vila Real, de que não tenho preocupação especial com o ano 2000, porque me parece que o que devia acontecer no dia 31 de Dezembro, à meia-noite, era a passagem de ano, não devia acontecer mais nada de especial senão isso, e ele teve a oportunidade de dizer - e com razão! - que o dia da entrada do Mercado Comum não ia ser bem assim, ia acontecer mais qualquer coisa do que o ser meia-noite.
Pois bem, é dessa meia-noite que falo, é nessa noite que estou a pensar, quando me atrevo a fazer perder tanto tempo à Câmara com as considerações que dou por findas.
Aplausos do CDS, do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira: Não é propriamente um pedido de esclarecimento que desejava formular mas uma reacção da nossa bancada em relação a algumas palavras proferidas pelo Sr. Deputado.
Em relação ao fundo e ao conteúdo normativo inovador da proposta, teremos oportunidade de nos pronunciar.
De todo o modo, o Sr. Deputado Adriano Moreira terá feito - penso que inadvertidamente - uma certa síntese de uma certa discussão, travada há poucas horas, que, salvo melhor entendimento - e o Sr. Deputado Adriano Moreira, tal com nós, esteve presente nesse debate -, poderia ficar para a história do debate parlamentar como não correspondendo inteiramente à verdade. Refiro-me, nomeadamente, à parte da intervenção do Sr. Deputado que diz que o CDS já aqui foi apodado de adoptar o materialismo dialéctico.
É evidente que, quem esteve no debate - não foi assim há tanto tempo - facilmente localiza essa proposta e dirá que o que se passou não foi bem isso, e o Sr. Deputado estava presente.
O que se passou foi ligeiramente diferente: foi apodada uma proposta, por nós apresentada, de materialista contra a personalista do CDS, tentando, da nossa parte, demonstrar que não era assim, e não nos foi demonstrado o contrário. Desafio, então, o Sr. Deputado Adriano Moreira a pronunciar-se em concreto sobre as propostas e sobre a justeza em que os adjectivos foram utilizados, se o entendimento do Sr. Deputado não é assim.
A Constituição afirma, em relação a um sector etário, designadamente a terceira idade, que tem o direito à «segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem e superem
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o isolamento ou a marginalização social», um leque extenso de direitos com carácter, uns de maior referência social de integração, outros de realização pessoal, outros de carácter económico. Há aqui todo um leque de dimensões de direitos que têm como referente ou como sujeito passivo, para além naturalmente do Estado, como organização própria da comunidade, a própria comunidade em si: O CDS reduz tudo isto e diz: «As pessoas idosas têm direito à protecção do Estado, designadamente para garantia da sua segurança económica. »
Que é dos elementos personalistas da ligação entre a pessoa e a sociedade? Que é da ligação personalista entre a pessoa e as formas culturais de organização: as igrejas, as misericórdias, as instituições privadas de solidariedade social? Que é de tudo isto? O que fica apenas é a obrigação económica do Estado em relação aos idosos.
Foi em abono desta proposta, que se disse que era personalista, estigmatizando como materialista o resto, que tentámos demonstrar o contrário, sendo certo que, na altura, não obtivemos demonstração contrário.
Fazer a síntese dizendo que o CDS foi aqui apodado de adoptar o materialismo dialéctico não corresponde à verdade dos debates que aqui foram travados. O que se tentou foi coisa diferente: dizer que, se alguma proposta pode, em termos teóricos, ser acusada de materialismo dialéctico, essa é só e exclusivamente a do CDS, e não foi feita demonstração em contrária.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Não tenho nada que ver com este comentário, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira: A sua intervenção veio repor o debate no objecto que deveria ter sido o seu desde o início, não fora a forma um tanto perturbada como ele começou, por razões circunstanciais que estão ultrapassadas.
Gostaria de lhe fazer a seguinte pergunta: considera ou não V. Ex.ª que as afirmações que fez traduzem um sensível alargamento do consenso em torno do programa constitucional para a transformação, do ensino e da cultura. É que se afirma, como julgo ter percebido, que a raiz dos nossos problemas não estará na Constituição e que, pelo contrário, a Constituição poderá ser uma matriz razoável, boa, susceptível de aperfeiçoamentos, aqui ou ali, para a resolução dos problemas do ensino. Essa é uma conclusão positiva, porque relegitima e reforça a importância do texto constitucional.
Pela nossa parte, estamos disponíveis para alargar esse consenso. Por exemplo, votaremos a proposta que o Sr. Deputado Almeida Santos, na base da proposta do CDS, acabou de entregar na Mesa, porque ela consubstancia vários valores e ideias de transformação, com as quais nos identificamos de pleno, com a nossa leitura própria, com a nossa cor própria, com o lugar
próprio que temos no espectro político-partidário português, com a nossa identidade e não nos reclamamos menos da luta por essa sociedade livre ou da luta contra as desigualdades do que os outros que tomam assento nessa casa de luta pela transformação do ensino.
Gostava de lhe perguntar quais são, no seu entender, as etapas que faltam, as coisas que faltam. V. Exa. não aludiu à Lei de Bases, escandalosamente incumprida pelo Governo. Creio que o problema está mais aí do que aqui e creio que está mais aí a saída do que na discussão peripatética em torno de normas gerais sobre as quais, pelos vistos, há um apreciável, para não dizer enorme, consenso. É assim, Sr. Deputado Adriano Moreira?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É que se for assim, o resultado deste debate é muito interessante.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, tenho uma opinião, que considero bastante fundamentada e estudada, sobre a importância das Constituições escritas e tem-me parecido que a Constituição portuguesa necessita de uma urgentíssima revisão.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Pareceu-me que isso era prioritário, defendi sempre isso. É um ponto em que estou de acordo com os que sustentam a revisão da Constituição, portanto incluindo o PSD.
É evidente que gostava mais que, da formulação dos textos constitucionais, as minorias tivesse alguma importância, porque, efectivamente, têm muito pouca importância. 15to parece basear-se, salvo o devido respeito, numa filosofia time-sharing. De maneira que nem todas as pequenas opiniões ou os pequenos grupos têm a mesma importância para serem ouvidos, o que é um erro fundamental.
Também sei que as Constituições - e em Portugal sofrem muito disso -, sendo fundamentais, têm uma terrível tendência para evoluir para Constituições semânticas. É uma tendência portuguesa, mas está nas nossas mãos evitá-lo. Temos de ter a Constituição que nos parece, no momento em que temos a responsabilidade de legislar, ser a melhor para o País. É isso que estamos a fazer e penso que isso não deve ser adiado. A Constituição deve ser revista, pois que é um texto importante.
O que vai acontecer a esse texto? Deus queira que não aconteça como a muitos textos das Constituições portuguesas, que é transformarem-se rapidamente em semânticos, e este que estamos a rever já é semântico em muitos aspectos. Não vou repetir o que tenho dito em relação ao sistema, mas não tenho dúvidas de que ele já é semântico em muitos aspectos.
Devemos lutar pela autenticidade do texto, devemos querer que ele corresponda a uma evolução das circunstâncias reais do País e não das necessidades que, ocasionalmente, ocupa o poder.
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Recordo-me de um professor que tive - e não sei
em que é que ele se fundamentava, porque a minha
memória já não dá para todas as citações que1 ele fazia
- que dizia que um dos preceitos costumeiros da Cons-
tituição britânica dizia assim: «Só o Parlamento britâ-
nico pode fazer leis para os domínios da forma do costume» e o costume é que o Parlamento não podia fazer
leis para os domínios. 15to acontece às Constituições e espero que não venha a acontecer à nossa.
Em todo o caso, a revisão tem de ser feita e estará nas nossas mãos que ela não seja semântica, para o futuro.
Quanto à Lei de Bases, como sabe, votámos contra e temos esperanças de que autonomia, que agora se vai exercitando, venha permitir muitas correcções. A boa vontade que lavra entre os responsáveis que se sentem libertos é muito grande. Espero que os frutos sejam úteis e tenho esperança de ainda ver alguns.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, muito brevemente, para comunicar a pena profunda que tenho de não dispor de tempo para, também eu, trazer aqui alguma coisa da minha, ainda
pouca, vivência no trabalho com a educação, aquilo que é o dia-a-dia de certos níveis da educação, as dificuldades com que nos debatemos, e, de algum modo, tentar, se possível ainda, enriquecer a fabulosa inter-
venção que o Sr. Professor Adriano Moreira acabou
de produzir, quanto mais não seja realçando o facto
de ele ter dito que este é, de facto, o debate funda-
mental desta revisão. A educação em Portugal é, ou
devia ser, de facto, a prioridade das prioridades.
Como entraremos nós nessa meia-noite de 1992 com
esta carga de analfabetismo que arrastamos desde há
séculos, desde há gerações?!... Que impressão causa-
remos àquela gente que já não tem analfabetismo?! Que
críticas nos farão por não termos sido capazes de o eli-
minar nestes anos - e até esteve sempre na Constitui-
ção o princípio da eliminação do analfabetismo? Só que
não fomos capazes de o fazer, ou melhor, não foi
capaz de o fazer quem tinha responsabilidades para
tal. São estas preocupações que gostava aqui de
exprimir.
Também gostaria - e não vou fazê-lo agora, por-
que também não tenho tempo - de apresentar basi-
camente as duas propostas de aditamento que o meu
grupo parlamentar apresentou.
Gostava de terminar está breve intervenção dizendo que a esta Constituição, boa no seu articulado, no que respeita ao ensino, faltava uma verdade de La Palice, que acabou de ser consagrada neste artigo; as políticas de ensino para produzirem efeitos, para atingirem os objectivos, precisam que as crianças estejam na escola durante o período da idade escolar. Foi isto que fomos capazes de fazer e, quanto mais não seja, por isto, por proibir, em sede deste artigo, a contratação de menores em idade escolar, estamos de parabéns:
A partir de agora, por imperativo constitucional, todas as crianças e jovens adolescentes em idade escolar, vão ter de, pelo menos, estar na escola. Se a escola for capaz de os educar, serão atingidos dois objectivos fundamentais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo
mais inscrições, dou por encerrado o debate do ar-
tigo 74º.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço
a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a
minha interpelação vai no seguinte sentido: seria útil,
como é usual, que se fizesse menção de quais são as
disposições que não foram retiradas e, portanto, hão
de ter de ser submetidas a votação e, na nossa ban-
cada, ficou a dúvida sobre se algumas das propostas,
designadamente as apresentadas pelo PSD, que de resto
não se pronunciou sobre esta matéria, subsistem ou se
foram retiradas.
O Sr. António Vitorino (PS): - Foram retiradas no
início do debate!
O Orador: = Muito obrigado, Sr. Deputado pela
informação.
Em relação à, proposta do Partido Comunista Por-
tuguês, que diz respeito à remoção das condições eco-
nómicas, sociais e culturais que conduzam à àutoriza-
ção ilegal do trabalho de menores, consideramos que
ela encontrou projecção bastante no texto que tem
votação positiva indiciada na CERC e que surge no
texto da comissão como artigo 74º, n.º4, e que já foi
discutido em ocasião anterior, pelo que a nossa pro-
posta deve dar-se por consumida e não deve ser objecto
de qualquer votação. Deve ser, sim, objecto de vota-
ção o artigo 74º, nº.4, na versão da CERC.
Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, também
peço a palavra para uma interpelação.
O Sr. Presidente: = Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, é só
para avivar a memória da Câmara, em especial a do
Sr. Deputado José Magalhães e do Partido Comunista.
É que, primeiro, o PSD pronunciou-se ao fazer a pri-
meira intervenção no debate sobre este artigo; segun-
do, o PSD declarou, nessa intervenção, que retirava as
suas propostas para o artigo 74.º
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai ler as pro-
postas que subsistem.
0 Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, subsistem a proposta de substituição do nº. 2, apresentada pelo CDS, a proposta de substituição do nº. 2, da CERC; a proposta de substituição da alínea e) do nº. 3, apresentada pelo CDS; a proposta de aditamento de um nº. 4, da CERC; as propostas de aditamento de um novo nº.4 e de um novo nº. 5, apresentadas pelo Partido Os Verdes; a proposta nº. 14, apresentada por vários Srs. Deputados.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, por lapso, não informei, mas também retiro as propostas que apresentámos.
0 Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
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Dou, pois, por terminada a discussão do artigo 74º. e esclarecidas as propostas que estão em votação.
Nestes termos, encontra-se em debate o artigo 75º. e, para uma intervenção, concedo a palavra ao Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, ao abrigo de uma praxe que tem já alguns precedentes, e se não houver oposição de nenhuma bancada da Câmara, solicitar a troca do artigo 75.º Portanto, passaríamos ao debate dos artigos 76.º e 77.º, retomando o artigo 75.º no fim do debate sobre os direitos fundamentais e antes de entrarmos na parte relativa à organização económica.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por aquilo que observo, há consenso na aceitação da proposta do Sr. Deputado Costa Andrade. Nestes termos, está em discussão o artigo 76.º
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Evoco, às 23 horas e 15 minutos de hoje, uma efeméride que a Câmara não teve oportunidade, noutras circunstâncias, de memorar honrada e veementemente. Refiro-me a 17 Abril de 1969; à greve estudantil que, na sequência de um impressionante movimento de massas, se designou por «Coimbra-69» e foi, efectivamente, um dos meios mais esclarecidos de combate ao regime ditatorial fascista, de defesa de perspectivas para a democracia em Portugal e, desde logo, para uma universidade diferente.
Evoco através de uma frase simples, porventura não fielmente reproduzida, que constava de um comunicado que circulou de mão em mão e que faz parte do imaginário daqueles que como eu partilharam esse tempo, escrita por alguém que está nesta Sala: «Muitos foram os companheiros de berlinde que ficaram pelo caminho e e agora não estão ao nosso lado nos bancos da universidade.»
Alguma coisa repercute, cá do fundo da memória, na defesa de um projecto que continua inteiramente vital, na pluralidade das opções, e que se traduz, que se consubstancia no acesso tanto quanto possível amplo e total, dos portugueses, em função das suas qualidades, à escola, à escola superior, a um curso superior e àquilo em que ele repercute, não apenas no imediato da vida pessoal, mas também na circunstância colectiva e na vitalização das sociedades.
A celebração desse acontecimento vivaz não me merece palavras apenas de nostalgia, nem sobretudo de saudade; antes pelo contrário - a certeza de que valeu a pena ter feito 1969 para que outros momentos viessem e de que vale a pena, hoje, continuar a lutar por horizontes menos constrangidos, por futuros que sejam capazes de desbravar os trilhos que se antolham ainda difíceis diante da nossa esperança.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito da universidade, relembrou-se aqui, e bem, um momento particularmente agudo e importante de crise da universidade portuguesa que ficou conhecido na história como «Coimbra-69».
Também eu estive activamente nessa crise, também eu participei, à minha medida e dentro das minhas possibilidades, nessa luta e também eu posso de certa maneira dizer que «se os homens de hoje são capazes de destruir o presente e o futuro da loucura do holocausto permanece intocável e salva a imortalidade objectiva dos mortos, isto é, podem-nos roubar o futuro da vida a viver, mas nunca o passado da vida com o seu potencial futuro que, salvo da ameaça, pode-se tornar rememoração salutar em tempo de penúria».
Estas palavras que me permiti recordar devem-se
também a um homem de Coimbra: o filósofo Miguel
Baptista Pereira.
Naturalmente que nós poderemos questionar sobre a adequação da evocação de 1969 a propósito da discussão, em sede de Revisão Constitucional, do estatuto constitucional da universidade. No entanto, o momento parece-nos perfeitamente adequado, agora que passam precisamente sete séculos sobre a fundação da primeira universidade.
_Com efeito, a 12 de Novembro de 1288, 27 abades e priores de outros tantos conventos dirigiram ao Rei D. Dinis uma petição no sentido de que dotasse com os Estudos Gerais a nobilíssima cidade de Lisboa. E, em 1 de Março de 1290, D. Dinis escreveu a carta que institucionalizava a universidade que viria depois, em 8 de Agosto de 1290, a ser de certa maneira sancionada pela conhecida bula do Papa.
Também eu, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vivi com experiência própria a crise de 69, embora não nos lugares de direcção e de liderança, os quais se encontravam felizmente bem entregues a uma plêiade de dirigentes, de que é justo destacar o actual deputado Alberto Martins, então presidente da Associação Académica de Coimbra, que, numa liderança de grande justeza estratégica, soube adoptar os esquemas de luta às condições de vida e de cultura da cidade de Coimbra, logrou levar para a frente aquilo que viria a ser um dos maiores movimentos de massas estudantis e um dos maiores abalos do regime no campo cultural e do ensino.
Como já referi, eu não era um líder. Pertencia, pelo contrário, àquilo a que na gíria se chamava «as massas». Porém, essa postura dava-me um certo privilégio, porquanto não tinha, em relação ao futuro, uma certa concepção finalista; a minha luta ou a luta daqueles que estavam comigo não se orientava em relação a um certo futuro. Era mais a luta da revolta contra as condições, do que a luta em nome de alguma coisa.
O que queríamos não era um futuro a construir, sobre o qual não tínhamos ideias concretas. Sabíamos apenas que queríamos democracia, participação e o fim de certas condições de opressão.
Connosco estavam também muitos professores: Paulo Quintela, Orlando de Carvalho, Ferrer Correia, Eduardo Correia, Figueiredo Dias e tantos outros que faziam das suas lições formas subtis mas verdadeiramente implacáveis de demolição do ordenamento jurídico-constitucional em que assentava o regime.
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Não tendo, como disse, uma concepção prospectiva,
não me movendo propriamente em nome de um futuro
a construir, sobre o qual não tinha ideias, mas em
nome da revolta, tive também privilégio de perten-
cer àqueles que, passado algum tempo e quando viram,
de certa maneira, logrado o objectivo, não tiveram as
frustrações de outros, uma vez que lutavam apenas por
democracia, por participação, por um horizonte livre
dos mitos da ditadura que então nos oprimia, mas de
outros mitos que se acastelavam no horizonte intelec-
tual e cultural de então.
Por tudo isto, pode dizer-se que é com alguma sau-
dade - assumo a expressão - que se evoca uma idade
e uma efeméride, embora também com uma certa sen-
sação de que valeu a pena.
Talvez outros tenham ficado frustrados, na medida
em que não viram consagradas as construções sociais
da realidade por que lutavam. Contudo, pelo menos
aqueles que lutavam pela democracia, pelo pluralismo,
pela tolerância - ouso acreditar que era essa, no essen-
cial e independentemente das suas posturas próprias,
a atitude dos líderes de então -, não podem deixar
de se sentir hoje reconformados e que, de certo modo,
valeu a pena. Também por isso o meu testemunho de
evocação da efeméride.
Aplausos do PSD, do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto, Mar-
tins também se inscreveu para usar da palavra. Trata
-se de declarações da discussão e, portanto, a Mesa não
pode pronunciar-se sobre a matéria.
Nestes termos e para uma intervenção, tem a pala-
vra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Quero igualmente associar-me à evo
cação iniciada aqui pelos Srs. Deputados José Manuel
Mendes e Costa Andrade e que, em grande medida,
corresponde a uma homenagem a uma geração, a um
momento particular de resistência e de luta pela liber-
dade, consagrada recentemente através da atribuição
pelo Sr. Presidente da República, da Ordem da Liber-
dade à Associação Académica de Coimbra. Creio que
nesse acto ficou simbolizado o reconhecimento de um
conjunto de gerações que se bateram, em Portugal, por
algo que está, em grande medida, contido, simbólica
e substantivamente, em alguns dos artigos da Consti-
tuição que estamos hoje aqui a discutir.
As ideias da democratização do ensino, da igualdade
de oportunidades e a possibilidade alargada de acesso
e de autonomia da universidade constituem valores que
custaram caro a muitas gerações, que tiveram a sua rea-
lízação final com o 25 de Abril e que, justamente, esta-
mos hoje a apurar.
Nesse sentido, e agradecendo particularmente as pala-
vras que, naquilo que tiveram de pessoal, me foram
dirigidas, creio que a geração de que em 1969, os
Srs. Deputados José Manuel Mendes e Costa Andrade
fizeram parte e os valores pelos quais se bateram, se
encontram consagrados na Constituição tendo sido
reconhecidos e prolongados com o 25 de Abril.
Assim, o debate que hoje aqui abrimos, e a proposta
que a CERC nos apresenta realizam, em grande
medida, alguns dos objectivos pelos quais então nos
batíamos. A ideia da democratização do ensino basi-
camente no sentido da garantia de condições sociais de
acesso à universidade, é um valor que está inscrito na
Constituição e que a actual redacção que é proposta
pela CERC em grande parte vem resolver. Aliás, da
mesma forma que a ideia de consagração do acesso à
universidade, não apenas como referência e integração
na universidade enquanto localização simbólica, mas no
sentido mais largo de ensinos politécnico e privado,
consubstancia um valor agora devidamente delineado
e que, como vimos, corresponde a uma constante luta
histórica que os estudantes portugueses, os professo-
res, os democratas e todos os homens que estão a cons-
truir um Estado fundado no 25 de Abril, continuam
a consagrar nesta disposição constitucional.
Portanto, diria que, em grande medida, há uma refe-
rência a um tempo histórico que tem a sua continua-
ção hoje e que é satisfatoriamente respondida, num
domínio específico em que ele se colocou, pelas solu-
ções que hoje estamos aqui a delinear e a construir.
Aplausos do PSD, do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a
palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Queremos também manifestar a nossa
adesão à evocação de um momento histórico que igual-
mente propiciou a viragem que teve a sua expressão
mais concreta e alargada no 25 de Abril.
Cada um à sua maneira - na escola, na universi-
dade, nas fábricas, nos quartéis - conseguiu realizar
o objectivo que esta Constituição que estamos a rever
consagra. Aliás, esta Constituição que já temos e que
estamos a rever, consagra já aspectos que são caros e
fundamentais para a realização de uma vida mais plena
para os portugueses, designadamente no âmbito da
democratização do ensino, do alargamento da igualdade
de oportunidades e da elevação do nível cultural do
nosso povo. Daí que prestemos também a nossa home-
nagem àqueles que, em «Coimbra-69», tornaram tam-
bém possível este momento que hoje vivemos.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Para nós, jovens, a luta dos estudan-
tes de 1969 e, em geral, todas as acções de luta estudan-
til, continuam também marcadas na nossa activi-
dade, na nossa luta. Creio que, hoje, os próprios
estudantes do nosso país, com outra situação e por
outros objectivos, continuam também a lutar pela
defesa dos seus principais interesses e direitos.
Gostaria também de, no seguimento desta própria
questão, lembrar que, quando hoje estamos aqui a dis-
cutir questões ligadas ao acesso à universidade, não
basta, em relação aos estudantes do ensino secundá-
rio, que esteja consagrado na Constituição o direito a
esse acesso. De facto, é necessário que, cada vez mais,
se cumpra, em termos de uma correcta política de edu-
ação, a real aplicação desse direito.
Na verdade, lembremo-nos que, só este ano, 60 mil
studantes não vão poder entrar na universidade. É por
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isso necessário que este acesso à universidade seja cumprido com uma nova política.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de solicitar, nos termos regimentais, a informação sobre a mancha de propostas apresentadas, retiradas, reformuladas ou, em quaisquer outros termos regimentais, objecto de transformação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa mancha corresponde exactamente ao guião da CERC, uma vez que, das declarações que foram produzidas, não resultou qualquer aditamento ou retirada de propostas.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para referir que, tendo nós uma proposta para o artigo 76.º e entendendo que os pressupostos que ela refere estão consumidos na proposta da CERC, designadamente se se entender que a democratização do ensino abarca a eliminação dos efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas, sociais e regionais, retiramos a nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Está retirada, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, há ainda uma proposta, que tinha o n.º 57 e que foi apresentada na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional pelo CDS, que integra dois números - o primeiro dos quais alusivo à autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira, respeitando o segundo ao regime de acesso à universidade - acerca do qual gostaria de perguntar à Mesa ou, se possível e para economizar tempo, directamente ao CDS, se subsiste.
Face ao resultado do debate e ao texto que vem da CERC, creio que não deve subsistir. Em todo o caso, era necessário que este ponto fosse objectivo de clarificação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para a Mesa subsiste. Em todo o caso, e como o Sr. Deputado referiu, a pergunta foi enviada por triangulação ao CDS...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é óbvio que a proposta da CERC consome, no essencial, a proposta do CDS. Portanto, não vemos razão para a manter. Aliás, na intervenção do Professor Adriano Moreira, este aspecto foi amplamente focado e justificado.
O Sr. Presidente: - Está então retirada a proposta do CDS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estamos esclarecidos sobre esta questão e já tomámos as correspondentes medidas de desentranhamento da proposta.
Suscita-se, entretanto, uma outra questão e não gostaria que V. Ex.ª encerrasse o debate sem que ela pudesse ser projectada.
Nós trocámos impressões com diversas bancadas no sentido de se ponderar ainda alguma coisa que durante os debates da CERC chegou a ser aventada, mas sem poder ser materializada em texto proveniente da comissão.
Seria extremamente positivo e, provavelmente, susceptível de reunir o consenso de todas as bancadas, a introdução, no n.º 2 do artigo 76.º, de um inciso que consagrasse, inequívoca e expressamente, a autonomia estatutária das universidades. Para isso bastaria tão simplesmente, uma vez que tudo ocorreria, na economia deste artigo, nos termos da lei, aditar à norma actual e no sítio próprio o inciso «estatutário», no sentido de que o preceito passasse a ter uma redacção deste tipo: «As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira» ou então «As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, pedagógica, administrativa, financeira e estatutária» ...
Pausa.
Sr. Presidente, recebo indicações de que haveria uma preferência para a inclusão da autonomia estatutária em primeiro lugar.
Pela nossa parte, parecer-nos-ia uma excelente solução e creio que não deveria ser encerrado o debate antes de se poder exprimir e indiciar algum consenso quanto a este ponto.
Recordo que a lei ordinária consagra, neste ponto por unanimidade, esta regra muito importante para a garantia instuticional da universidade portuguesa.
Portanto, Sr. Presidente, solicitava um pequeno compasso de espera que permita fazer circular o texto e, ulteriormente, depositar na Mesa um texto com o maior número de assinaturas, se possível de todas as bancadas. Creio que seria uma benfeitoria de extrema utilidade para o estatuto constitucional da universidade portuguesa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é evidente, a Mesa não retira nem põe propostas, mesmo que se subentenda de qualquer declaração que elas têm de ser retiradas, sob pena de estar a exorbitar da sua função. Contudo, recebe indicações quer orais quer de
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outra forma, acontecendo que recebemos algumas indicações adicionais de retiradas de propostas relativamente ao guião da CERC, as quais irão ser dadas a conhecer pelo Sr. Secretário.
Entretanto chegou à Mesa, indo ser distribuída, uma proposta que contém o inciso de que falava há pouco o Sr. Deputado José Magalhães.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar a conhecer as informações relativas a retiradas de propostas e que entretanto chegaram à Mesa.
0 Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): = Srs. Deputados, tendo em consideração as informações prestadas, foram retiradas as propostas apresentadas pelo CDS, pelo PSD e pelo PRD, mantendo-se portanto a proposta da CERC. Foi ainda apresentada uma proposta de aditamento de um inciso ao n.º 2, subscrita por vários Srs. Deputados e que vai ser distribuída sob o n.º 15.
O Sr. António Vitorino (PS): - Peço a palavra,
Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, muito sucintamente, dizer que nos associamos à preocupação expressa pelo Sr. Deputado José Magalhães, subscrevendo a proposta que consagra constitucionalmente a autonomia estatutária das universidades. Além disso, entendemos que, sem prejuízo de
melhor ponderação, se deve considerar que se trata de uma proposta aberta a outras subscrições até ao
momento da própria votação, esperando que ela possa vir a merecer o consenso da Câmara.
O Sr. Costa Andrade (PSD - Peço a palavra, Sr. Presidente
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente do ponto de vista substancial, não temos nada a opor à
proposta. Pelo contrário, achamos a proposta como material e formalmente correcta e adequada.
No entanto, pedimos compreensão à Câmara para
o facto de estarmos perante um trabalho que vem
sendo preparado há dois anos, o qual não contou com
esta proposta agora feita sobre a hora. Nestes termos,
a proposta requer da nossa parte um pequeno compasso
de espera até à hora da votação para, dentro do
próprio grupo parlamentar, reflectirmos e deliberarmos
mais adequadamente. Portanto, a seu tempo daremos a
indicação do nosso voto, subscrevendo também, se
for ocasião disso, a proposta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por terminado o debate relativo ao artigo 76.º
Passamos agora ao artigo 77.º, o qual está em discussão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
Pausa
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esta
pequena pausa deve-se ao facto de estarmos na bancada
a trocar impressões sobre o facto de o CDS, que
é o pai da proposta... perdão, o PSD, que é o pai
da proposta...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É obsessão!
0 Orador: - ..., não ter aduzido qualquer explicação
adicional que pudesse ter alguma utilidade, uma
vez que o debate desta matéria em sede de comissão
foi extremamente sumário, de resto em condições muito
desfavoráveis.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, penso que esta proposta foi logo retirada pelo PSD, em primeira leitura, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional,
vai para mais de um ano.
Posteriormente, em sede de votação, o CDS assumiu
como sua esta proposta.
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado
Costa Andrade, é que o CDS já não se lembra. Aliás,
eu tinha tomado a proposta como sendo do CDS e acabei
de reforçar esse juízo através dos meus apontamentos.
O Orador: - Bem, eu estou a tentar fazer alguma
história para que, na base dos factos e não sobre ideias
mais ou menos vagas e desviadas desses factos,
tomemos as decisões. Portanto, os factos são os que
passarei a expor.
Primeiro facto: o PSD fez esta proposta no seu projecto de
Revisão Constitucional.
Segundo facto: o PSD retirou esta proposta.
Terceiro facto: o CDS assumiu-a como sua.
Quarto facto: depois de o CDS a ter assumido como sua, o PSD votou-a favoravelmente.
Quinto facto: o PSD vai fazer chegar à Mesa uma proposta sobre a mesma matéria - fá-la-emos seguir já por escrito - que tem de conteúdo inovador apenas o acrescento palavra «os pais». Portanto, a proposta que iremos fazer chegar à Mesa terá em vista iniciar deste modo o n.º 1.º do preceito em análise: «Os professores, pais e alunos têm o direito...»
Por conseguinte, será esta a proposta e será isto que,
do nosso ponto de vista, poremos em discussão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a
palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Esta curta intervenção destina-se a jus-
tificar a apresentação desta proposta.
Num primeiro momento, o PSD propôs o aditamento do inciso «os pais» na parte inicial do n.º 1.º deste artigo'77.º, propondo também uma alteração consistente na subtracção do termo «democrática»,
proposta que posteriormente retirou ainda em sede de Comissão para a Revisão Constitucional.
No fundo, não se trata de justificar a primeira proposta - o aditamento do inciso «os pais» - que, pensamos, se justifica por si. Para nós trata-se de garantir constitucionalmente a participação dos pais, sem
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excluir ninguém, na orientação do local onde, em boa medida, se desenvolve o processo educativo dos filhos.
Esta proposta tem tido, efectivamente, apoio e eco junto das associações de pais. Pensamos que nesta sede e neste momento tem pleno cabimento relevar a sua importância, sendo que, nós termos do artigo 36.º da Constituição da República, os pais são os grandes responsáveis pela educação dos filhos.
O Sr. Presidente:. - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, antes do pedido de esclarecimento, gostaria de interpelar a Mesa e pedia que não me contasse este tempo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nos termos do
Regimento tudo conta.
O Orador: - Sr. Presidente, quando se trata de invocar o Regimento ou de interpelar a Mesa não conta. Lembro-lhe a alínea b) do n.º 3.º do artigo 13.º É até aos dois minutos, Sr. Presidente.
Desejo, pois, interpelar a Mesa, e, através dela, o CDS, para saber se a proposta que foi retomada pelo CDS em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional continua ou não a ser assumida pelo mesmo porque, creio, ela é diferente da proposta agora defendida pelo PSD, tem um matiz que, de algum modo, a diferencia. Gostaria, pois, de ver esclarecido este aspecto a seguir ao meu pedido de esclarecimento.
Desde já, perguntaria ao Sr. Deputado Pais de Sousa se teve em conta o curtíssimo debate que travámos na CERC sobre esta matéria, sobretudo aquilo que tem a ver com a co-responsabilização dos pais na gestão das escolas, se tem presente o que isso pode significar, se tem presente o que significa a diferenciação entre o que deve ser a gestão pedagógica, que deve competir aos órgãos pedagógicos das escolas, e o que deve ser o direito à educação dos filhos, que não tem tanto a ver com definições de esquemas pedagógicos. A gestão das escolas também é gestão pedagógica. E isto abrange todas as escolas, Sr. Deputado Pais de Sousa, ou seja, não apenas os estabelecimentos do preparatório mas também os do secundário, as universidades, as públicas e as privadas. 15to vincula toda e qualquer escola! Portanto, gostaria de saber se o PSD teve em conta tudo isto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dois mais dois são quatro, sem acerto. Embora julgue que a Mesa tenha sido liberal - e não há nenhuma noção política nesta determinação -, vamos ter algum cuidado.
O Sr. Deputado, realmente, não fez uma interpelação à Mesa, confessou que «perguntava ao CDS». Devo dizer-lhe que nos termos do artigo que citou só não conta o tempo para invocar o Regimento. Portanto, em bom rigor, no dois mais dois igual a quatro, o Sr. Deputado utilizou tempo de intervenção. Não vamos agora fazer um debate, mas também não podemos continuar a utilizar métodos que não são exactamente os gizados.
O Sr. Jorge de Lemos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
0 Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jorge de Lemos (PCP): - Sr. Presidente, interpelei a Mesa ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 13.º do regimento especial do processo de revisão, em que se diz o seguinte: «Não conta para efeitos de tempo de intervenção a invocação do presente regimento e subsidiariamente, do Regimento da Assembleia da República por período de dois minutos.» Ora, o que é que eu fiz, Sr. Presidente? Limitei-me a perguntar ao Sr. Presidente e, através de V.Ex.ª, ao CDS - é uma interpelação à Mesa trata-se de saber com o que é que estamos a lidar neste debate, - se está ou não presente nesta discussão uma proposta que o CDS retomou na CERC, que não obteve a maioria necessária para ser aprovada em votação no Plenário. Preciso de saber se tenho ou não que tomar em conta essa proposta do CDS. A interpelação foi tão-só nesse sentido.
Num segundo momento, Sr. Presidente, dirigi um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Pais de Sousa sobre a matéria por ele focada na intervenção que aduziu sobre o artigo que estamos a discutir.
Portanto, foram dois momentos. Creio que no primeiro momento gastei um minuto no segundo dou por adquirido um minuto e meio, mas creio que, pelo menos, um minuto me deve de ser descontado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há uma coisa que eu lhe reconheço - aliás já o reconheci ao seu pai, que tive o prazer de conhecer - e que é a sua inteligência. Portanto, não vale a pena pensar que todos os outros não são inteligentes.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Deputado Jorge de Lemos, numa breve resposta às questões que me colocou queria dizer-lhe que compreendemos, em alguma medida, as suas preocupações, mas assumimos a proposta de alteração a este n.º 1 do artigo 77.º em discussão como proposta nossa, que é pensada e formulada tendo em conta o artigo 36.º da Constituição e que, no fundo traduz uma diferença de posicionamento político de perspectiva.
Só que o Sr. Deputado ou lavrou em equívoco ou, efectivamente, esqueceu-se duma dimensão fundamental, que é esta: a mesma disposição em discussão, ou seja, o n.º 1 deste artigo 77.º, refere expressamente que esta matéria de gestão democrática das escolas fica dependente da lei ordinária. É para isso que eu lhe chamo a atenção. Cabe, ou caberá, ao legislador ordinário regular e definir o papel dos pais ao lado do papel fundamentalíssimo dos alunos e dos professores na orientação do local onde, efectivamente, se desenvolve em larga medida o processo educativo dos filhos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É para fazer, se possível, uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É possível, mas, nos termos do Regimento, o tempo conta. Só não conta se for nos precisos termos da alínea b) do n.º 3.
em a palavra, Sr. Deputado Costa Andrade.
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, começo por dizer que da nossa parte não há qualquer obstáculo a que os nossos tempos sejam contados, mesmo a título de interpelação à Mesa. E o meu pedido de interpelação à Mesa é rigorosamente uma interpelação à Mesa no seguinte sentido: gostaria de comunicar que, em conformidade com aquilo que a seu tempo foi dito, designadamente na troca de impressões que travámos com as outras bancadas, tomámos a liberdade de retomar o original da proposta relativa ao artigo 76.º que diz respeito à autonomia do Estatuto Universitário, que está já subscrita por nós. Portanto, iremos fazer chegar a nova versão à Mesa, mas agora já subscrita também pelo PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer mais alguma coisa em complemento da intervenção do meu companheiro, deputado Pais de Sousa.
Estranho, e muito mais vou estranhá-lo a propósito
do artigo 75.º (que debateremos certamente amanhã)
que os Srs. Deputados, que têm sido - ainda agora,
e muito bem, a propósito da autonomia das universidades
- tão useiros em querer constitucionalizar todos
os avanços legislativos, usem agora, por qualquer
motivo que não consigo perceber, critério totalmente
oposto. As nossas propostas consubstanciam avanços
legislativos notáveis, às vezes inovadores, verificados na
lei ordinária. Veremos isso a propósito do artigo 75.º,
em que tal posição chegará a atingir as raias do esca-
daloso. Houve já outro caso que, dado tratar-se de
uma proposta pessoal, não vou agora relembrar - é
outro caso da tal semente que teve que morrer para
um dia a planta crescer...
Os Srs. Deputados não podem ignorar que existe um preceito de uma lei extraordinariamente importante, que é a Lei de Bases do Sistema Educativo, a qual foi votada e aprovada com aclamações quase gerais. Essa lei tem uma disposição, no artigo 45.º, n.º2, que diz o seguinte: «Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e de ensino.»
Portanto, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, este texto dá mesmo resposta à dúvida que foi colocada sobre se
era idêntica a intervenção dos pais na educação pré-escolar,
no ensino básico ou no ensino secundário. Por
que razão os Srs. Deputados vêm suscitar questões que
estão resolvidas pela lei ordinária?
Seja como for, para além disso, há questões de fundo, e a questão da participação dos pais na gestão é, sem dúvida, uma delas. Julgo que reservar o direito de participar na gestão democrática das escolas exclusivamente aos professores e alunos é fruto de uma visão algo corporativa. A escola, nas grandes democracias ocidentais e não apenas nos países anglo-saxónicos, é hoje vista como um reflexo da comunidade. A escola tem de estar intimamente ligada às famílias e à comunidade. É evidente que, para além da participação de
outras entidades da comunidade, daríamos um primeiro passo prevendo a participação dos pais na gestão escolar.
VV. Éx.ªs disseram na CERC que isto não era necessário porque já estava contemplado no n.º 2 deste artigo 45.º, quando se diz que «a lei regula as formas de participação de associações, de professores, de alunos, de pais, de comunidades na definição da política de ensino». É óbvio que não é verdade. Trata-se de um argumento infeliz que eu encontrei vertido nas actas. É evidente que a participação na definição da política de ensino nada tem a ver com a participação na gestão democrática das escolas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que
o interrompa.?
O Orador: - Não, Sr. Deputado, o tempo é do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas VV.Exªs têm toneladas de tempo!
O Orador: - Faz-me depois um pedido de esclare-
cimento. Não sabemos que tempo é que ainda vamos
gastar. Até podemos falar toda a noite, como o
Sr. Deputado João Camoesas, ou como V. Ex.ª,
Sr. Deputado José Magalhães, que foi a sua reincar-
nação na comissão.
Dizia pois que, a nosso ver, os argumentos aduzidos até agora não são válidos. Não têm nada a ver «estes alhos com aqueles bogalhos». Peço-vos o favor de não passarem um atestado de menoridade à nossa inteligência. A minha não é muita, mas pelo menos chega para não aceitar esses argumentos falaciosos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que têm razão as associações de pais que têm pretendido ver consagrada esta participação - já o conseguiram na lei. Já que referi avanços legislativos, devo dizer que é importante mencionar a Lei das Associações de Pais, que lhes atribui vastas competências.
O Sr José Magalhães (PCP): - Sim, sim!
O Orador: - O deputado José Magalhães está a dizer que sim. Mas, então, responda-me: por que é que querem constitucionalizar avanços legislativos noutras matérias e não querem constitucionalizar estes, que constam de leis como a lei relativa às Associações de Pais, que já tem vários anos de existência? Trata-se de uma lei proposta pelo CDS, salvo erro há cerca de doze anos, e que obteve aprovação maioritária e que foi depois reforçada por este importantíssimo diploma que é a Lei de Bases do Sistema Educativo. Posso interrogar-me se os Srs. Deputados, que aproveitaram bem a minha ausência para aprovar uma lei tão inovadora, agora, talvez por eu ter chegado - devo ter trazido pouca sorte à Câmara -, estão a querer recuar, ou estão a fazer autocrítica? Já não são tão inovadores como eram há três anos?
Srs. Deputados, tudo isto é incompreensível. Espero que a propósito deste artigo, meditem nesta incongruência, e, realmente, ou há moralidade e se adoptam critérios idênticos ou então... enfim Srs. Deputados!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António
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Vitorino e Jorge Lemos. Estão também inscritos para intervenções os mesmos Srs. Deputados.
Srs. Deputados, neste momento é precisamente meia-noite. Com o pressuposto de que amanhã começaremos os nossos trabalhos à hora exacta, e que por isso também terminamos à hora precisa, o que nos dá força moral avançada, vou dar a palavra para os pedidos de esclarecimento e as respostas, e depois encerramos a sessão por hoje.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, o
meu pedido de esclarecimento vai consumir a minha
intervenção e, portanto, simplificaremos.
Gostaria de agradecer ao Sr Deputado Pedro Roseta
ter querido à meia-noite fazer uma intervenção tão
vibrante porque isso permite-nos, naturalmente, ir mais
despertos no caminho para casa. Não sei é se o
Sr. Deputado Pedro Roseta foi particularmente rigoroso
ao classificar de escandalosa a posição de quem
não o acompanha, porque escandaloso é o facto de o
próprio PSD, que apresentou a proposta, a ter retirado,
ter deixado que ela fosse retomada pelo CDS e agora
vir de novo repropô-la. 15so é que é escandaloso porque
isso revela, no fundo, hesitações sobre uma ques-
tão que, aparentemente, é uma bandeira ideológica tão
grande que leva o Sr. Deputado Pedro Roseta, após
seis anos de treino em Paris, a vir aqui ao Parlamento,
à meia-noite, estender o dedo e dizer: «Os senhores são
retrógrados, são quase uns reacionários porque não
aceitam a criação desta inovação legal.»
É com grande afã que digo ao Sr. Deputado Pedro
Roseta que gostamos que o Sr. Deputado seja coerente
em tudo o que diga respeito ao direito à diferença.
Todas as diferenças e não apenas algumas. Já neste
debate parlamentar vimos que o Sr. Deputado distin-
gue entre diferenças. Há umas que lhe agradam, há
outras que lhe desagradam. Pois bem, nós temos o
mesmo direito.
Sobre isto escusamos de transformar este debate num
debate de bandeiras ideológicas. Nós somos favoráveis
a que haja participação na vida das escolas, mas não
apenas participação dos pais. Somos favoráveis a que
haja participação na vida das escolas, por exemplo, das
autarquias locais ou das empresas. E a ligação das
empresas e das autarquias locais à vida da escola é tão
importante como a ligação dos pais à vida da escola.
O que se trata aqui é de saber qual é a solução jurí-
dica para consagrar princípios que não sejam discrimi-
natórios e que garantam o rigor do tratamento jurí-
dico desta questão. Ora, o que o Sr. Deputado Pedro
Roseta faz numa proposta asnática - tenho de lho
dizer na medida em que ...
Protestos do PSD.
Digo-lho com toda a franqueza e sem qualquer
intuito insultuoso ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - De forma nenhuma!
O Orador: - ..., porque só não erra quem é sobre-
-humano, e o Sr. Deputado Pedro Roseta tem tantas,
tão variadas e tão ilustres qualidades humanas que
naturalmente também erra. Como eu, naturalmente,
mas eu não tenho é as qualidades do Sr. Deputado
Pedro Roseta.
Portanto, esta é, em meu entender - retiro o adjectivo - asnática -, uma proposta tecnicamente incorrecta na medida em que ela vincularia a uma solução jurídica na lei ordinária que era a participação dos pais nos conselhos directivos das escolas. Não tenho a menor hesitação em considerar que uma lei ordinária que fizesse participar os pais apenas em instâncias consultivas das escolas seria inconstitucional, e eu seria o primeiro a levantar a minha voz no sentido de considerar a inconstitucionalidade de uma tal lei.
Assim, o que pretendemos é flexibilizar a solução,
e em vez de nos encerrarmos num conceito constitu-
cional restritivo devemos permitir que a lei ordinária,
com ponderação e com flexibilidade, associe à vida das
escolas os pais, pois claro, as associações de pais, pois
claro, as autarquias locais, as empresas e outras forças
vivas da comunidade em que a escola se insere. E
isto não é ser reaccionário, isto não é ser retrógrado,
isto é ser realista, custe ao Sr. Deputado Pedro Roseta
o que custar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Uma parte do que teria para lhe perguntar já está dito, mas chamar-lhe-ía a atenção para que o Sr. Deputado veio muito contente de Paris e vai citando aspectos intercalares da Lei de Bases do Sistema Educativo, mas não foca o todo. Chamo a atenção do Sr. Deputado para o artigo 43.º que, se refere aos princípios gerais de administração do sistema, onde encontra reproduzida a intervenção que o Sr. Deputado António Vitorino acaba de fazer. 15to é, participam no sistema educativo os pais, os estudantes, os funcionários das escolas, as autarquias, as empresas, os sindicatos, etc.
Ora, como o Sr. Deputado Pedro Roseta verificará,
no artigo que citou quando se trata de definir em concreto como se exerce a gestão escolas refere-se o seguinte:
«A direcção de cada estabelecimento ou grupo
de estabelecimento é composta, democraticamente, por
representantes de professores, alunos e pessoal...)».
15to é chegou-se à conclusão de que a Lei de Bases do
sistema educativo não poderia obrigar os pais a parti-
ciparem em órgãos de gestão escolares porque não
havia disponibilidade por parte dos próprios pais para
tal. Portanto, são as associações de pais que o não
querem!
O Sr. Deputado disse ainda que está em vigor a Lei das Associações de pais. Ora, isso é verdade, e já consta da Constituição. Os princípios da Lei das Associações de pais constam do n.º 2 deste artigo. Sabe qual é, Sr. Deputado Pedro Roseta? É o direito de os pais e as suas associações participarem na definição da política de ensino. Neste momento, os pais estão representados no Conselho Nacional de Educação, nos conselhos pedagógicos das escolas, são órgãos consultivos, têm uma intervenção concreta no dia-a-dia das escolas. Ora, o que os Srs. Deputados pretendem é pôr os pais a mandar na gestão pedagógica das escolas, e isso não pode ser! É algo que não será aceite nem por alunos nem por professores e muito mau seria para o sistema educativo em Portugal se isso viesse a verificar-se.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: = Sr. Deputado Jorge Lemos, à
semelhança do que sucedeu em relação ao Sr. Deputado
António Vitorino, pergunto se o pedido de esclarecimento
que V.Ex.ª formulou também consumiu o
seu pedido de intervenção.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Consumiu sim
Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nessa circunstância terminamos hoje a discussão do artigo 77.º
Para responder aos pedidos de esclarecimento que foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espero manter mais bom humor e mais
calma do que os meus interlocutores.
Por amor de Deus! ... Talvez tenha adquirido maus
hábitos, mas a verdade é que não estou habituado a
estes calores tão exagerados! Apesar do nosso papel de
constituintes, não nos levemos tão a sério a ponto de
cada uma das nossas palavras parecer ter valor de palavra
do Evangelho (ou de outros textos que talvez alguns
rezem muito!) Est modus in rebus.
Na verdade, lamento não ter sido compreendido!
Quando falo devo ter uma linguagem hermética, tal
como uma vez referi na Comissão Eventual para a Revisão
Constitucional - mas, nessa altura, o Sr. Deputado António Vitorino disse que não. Constato que sim!
Quando há pouco disse que esta diversidade de critérios era escandalosa, não me estava a referir a este artigo...
Vozes do PCP: - Ah!
O Orador: - mas, sim, ao artigo que amanhã iremos debater; nesse sim, é que é escandaloso! É o artigo relativo ao ensino particular e cooperativo, em que os Srs. Deputados querem fazer o mesmo; também não quiseram, até agora, constitucionalizar os avanços da lei ordinária. Querem em quase tudo, mas em relação a algumas coisas não ....
O Sr. José Magalhães (PCP): - Está misturado!
O Orador: - Os vossos calores até foram despropositados
porque vieram com 24 horas de antecedência!
Ora, eu fui muito moderado, pois não acusei
VV. Exªs de reaccionários nem de retrógrados.
Sr. José Magalhães (PCP): Acusou, sim!
O Orador: - Pelo contrário, fiz-vos um elogio!
Realmente é estranho: «Por bem fazer, mal haver.» Eu
faço-vos um elogio! Digo: os senhores votaram leis
avançadas! Disse, até, humildemente, que se eu cá tivesse
estado a Lei de Bases do Sistema Educativo não seria
tão boa. Disse isto, consta das actas! E os
Srs. Deputados, em vez de me agradecerem este
logio...
Sr. José Magalhães (PCP): - E acha que isso é
umildade?
rador: - ..., ainda me vêm criticar e dizer
que eu os considero mal! isto é ingratidão! ...
O que é que a imprensa - assistência já não há,
devido à hora em que estamos - e os poucos deputa-
dos que aqui estão, que têm resistência para nos ouvir,
que admiro, irão pensar quando VV. Ex.ªs põem na
minha boca o contrário do que eu disse?
Sr. Deputado António Vitorino, não se excite, não
vale a pena, tome uns calmantes ou umas doses de bom
humor, mas não me atribua afirmações que eu não fiz.
Quando aos qualificativos que ambos os Srs. Deputados
utilizaram, e aos argumentos de técnica legislativa,
deixo-os com os seus autores. Já me apercebi que alguns
ilustres juristas desta Câmara quando não têm
argumentação de fundo remetem-se exclusivamente para
os argumentos de ordem formal.
O Sr. Jorge Lemos (PCP) - Não são formais, são
substanciais!
O Orador: - Bom, cada qual usa os argumentos que
tem, como os argumentos de ordem meramente técnica!
Não sou, nem quero ser, um tecnocrata do Direito, não
foi para isso que o povo me elegeu...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ..., mas, sim, para procurar soluções políticas
É por essa razão que transmito as minhas posições políticas,
e os Srs. Deputados do PCP não venham rebater posições políticas
de fundo com argumentos menores e laterais, como muitas vezes
fizeram na CERC. Portanto, sem prejuízo da estima e da apreciação
que há entre deputados, não venham rebater argumentos fundamentais
de ordem política com argumentos de mera técnica jurídica! Essa prática mostra que os Srs. Deputados confundem planos, que não
sabem ou não querem saber que estão em causa valores e princípios
e que se refugiam em argumentos menores quando não têm razão de
fundo. Esta é que é a realidade, e é isto que tem de ser dito!
Vozes do PSD - Muito bem!
0 Orador: - O Sr. Deputado Jorge Lemos não ouviu a intervenção
que eu produzi e...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ouvi, sim!
O Orador: - ... referiu-se ao n.º - 2 do artigo 77.º
Ora o Sr. Deputado devia estar distraído, porque eu
referi que a participação na gestão das escolas nada tem a ver
com a participação na definição da política de ensino, que é feita no Conselho Nacional de Educação e noutros órgãos. O Sr. Deputado está é a «misturar alhos com bugalhos», como já disse há pouco.
Os Srs. Deputados dizem que as associações de pais não querem a participação na gestão. Mas não são essas as informações que temos! Que autoridade têm os Srs. Deputados para virem falar em nome das associações de pais? Sabemos que as associações de pais querem ver consagrado o direito dos pais de participar na gestão, sendo evidentemente um direito modulado nos termos da lei, como já referi.
O Sr. Deputado citou o preceito relativo ao Conselho Directivo. Mas quer supor que eu ignoro que há
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outros órgãos que não apenas o Conselho Directivo?
Nas escolas há outros órgãos além do Conselho Directivo! Portanto, essa participação - e refiro-me ao Sr. Deputado António Vitorino - é possível noutros órgãos!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é isso que está em discussão!
O Orador: - Sr. Deputado António Vitorino, quando na comissão e nesta Câmara os vários partidos trocaram de propostas, fizeram propostas por baixo, por cima, pelo lado, tiraram, retomaram, fundiram, retalharam, etc - e todos fizeram isso n vezes -, nunca ninguém se lembrou de, com os calores e com as tiradas do Sr. Deputado António Vitorino, vir atirar à cara de um partido que ele apanhou um retalho de um, um retalho do outro e que fez um Frankenstein.
Risos.
15so era o que o público podia ter dito de algumas das vossas propostas. Os Srs. Deputados do PS, hoje mesmo, fizeram sua uma proposta do CDS contra a qual votaram na comissão! Em relação a muitas propostas que retiraram, o PCP aproveitou uma parte, o PS aproveitou outra parte, aliás o PCP aproveita propostas de toda a gente para dizer que são dele, etc...
Risos.
Deste modo, o PCP fica todo contente porque, depois, quando passar a defender a Constituição, daqui a ano e meio ou antes, vai dizer que grande parte dos artigos votados foram-no com o beneplácito do PCP e até talvez diga que foram elaborados por ele.
Risos.
Por tudo isto não sei por que razão é que os Srs. Deputados estranham que parante a hostilidade total que encontrámos na comissão - e devo dizer que na comissão encontrámos neste ponto uma grande agressividade - um dos nossos deputados tenha achado por bem retirar a proposta. Porém, de modo algum, isso nos inibia de apresentar uma proposta que, aliás, como já foi dito, não é completamente igual à nossa proposta inicial, pois apenas aproveita uma parte dela. Ora o Sr. Deputado esqueceu-se de dizer isto, e foi pena, pois se tivesse reparado nisso talvez não tivesse utilizado esse argumento processual.
E mais uma vez, sem qualquer zanga, porque não
gosto disso, quero dizer, com a máxima bonomia, que
se os Srs. Deputados querem brilhar em matéria de pro-
cesso, como são advogados eminentes, juristas, juris-
consultos, quem sabe até que nível subirão - ao nível
máximo ao que se diz - terão todas essas instâncias
para brilhar no processo, nos tribunais, e noutros pres-
tigiosos fora. Mas, por favor, não venham com argu-
mentos processuais para aqui, pois não os aceito e
respondo-lhes politicamente. Para mim esses argumen-
tos não têm valor algum!
ozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quero que os Srs. Deputados me falem de valores, de princípios, de filosofia política e não de questões processuais!
Aplausos do PSD.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado António Vitorino?
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, gostaria de exercer o direito da defesa da consideração da minha amizade pelo Sr. Deputado Pedro Roseta.
Risos.
Sr. Presidente: - E para que efeito pretende usar da palavra o Sr. Deputado José Magalhães?
Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é mais singela e estritamente para a defesa da bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Pedro Roseta, ilustre parlamentar, V. Ex.ª compreenderá certamente que, mesmo sem recorrer ao auxilio dos seus calmantes, eu lhe diga com muita serenidade que V. Ex.ª não deveria considerar como atentatório das boas regras do debate parlamentar que eu tenha respondido com a veemência com que o fiz à sua intervenção porque foi a forma que tive para homenagear pelo facto de o seu brilhantismo, de a sua veemência, de a sua convicção serem de tal modo contagiantes que até uma pessoa como eu, que tem 32 anos e que só se exaltou duas vezes na vida, uma quando tinha quatro anos de idade e outra, de facto, mais recentemente, sentiu a necessidade de corresponder à sua veemência de igual forma.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não exagere!
O Orador: - Contudo, há uma coisa que lhe devo dizer, Sr. Deputado Pedro Roseta, pela descrição que o Sr. Deputado fez do vaivém das propostas entradas e repegadas, se algumas dia for feita a visão histórica deste processo de Revisão Constitucional, mais parecerá, de facto, um processo de adulteração de produtos a cargo de mixordeiros do que um debate parlamentar. Já agora, Sr. Deputado Pedro Roseta, acrescento-lhe que não me parece possível levar longe de mais a tese de que a minha resposta foi uma resposta formal ou uma resposta processual.
Vozes do PCP: - 15so é verdade!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Então foi retórica!
Orador: - A política num processo de Revisão Constitucional, e num acto legislativo do mais nobre que existe, que é o facto de elaboração de uma Constituição, não resiste à necessidade de a técnica ser posta
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1 SÉRIE - NÚMERO 77
ao serviço das ideias. Quando a técnica é má as ideias
saem adulteradas. E o Sr. Deputado Pedro Roseta não
pode imputar-me a contestação da generosiddade da
ideia, pode quanto muito, imputar-me a ideia, de que
a técnica de que se serviu é incorrecta, e isso eu rea-
firmo.
Essa lógica leva longe! Leva, por exemplo, a pensar
que também os vistos do Tribunal de Contas são meras
questões processuais. Não o acompanharia em tão
ousada consideração técnica!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - A comparação é sua,
não minha!
O Orador: - Um último apontamento: não tenho a
menor dúvida de que Sr. Deputado Pedro Roseta não
disse à Câmara que o PSD retirou a proposta sob çoac-
ção na Comissão Eventual para a Revisão Constitucio-
nal. Seria pouco abonatório das excelentes qualidades
diplomáticas de que durante tanto tempo o Sr. Depu-
tado Pedro Roseta deu provas ao serviço do Estado
Português.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim
o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro
Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, se me
for autorizado, e porque ainda há uma intervenção do
Sr. Deputado José Magalhães, responderia no fim aos
dois Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Roseta,
regimentalmente não pode agregar as duas respostas,
mas se houver qualquer oposição por parte da
Câmara, mais concretamente de todos os intervenien-
tes, não objecto que o faça.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente,
como é evidente, não posso objectar a que o sr. Depu-
tado Pedro Roseta queira agregar, apenas receio que
daí nasça o tal monstro de Frankenstein, contra o qual
o Sr. Deputado passou a noite toda a bradar, mas isso
não poderei evitar. E, por último, confio na sensatez
do Sr. Deputado Pedro Roseta.
Se V. Ex.ª me permite, por mim, farei de imediato
as considerações...
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - ... que muito sus-
cintamente, aliás, se justificam.
Creio que o Sr. Deputado Pedro Roseta atingiu, a
esta hora da noite, talvez porque ainda não tenha tido
oportunidade de intervir no debate, uma atitude de frá-
mito, de êxtase que o fez chegar até ao cimo do Hemi-
ciclo. E agora estatelou-se por uma razão simples: não
tem razão!
Risos do PCP e do PS.
O exemplo é infelicíssimo!
O Sr. Deputado não se deixou interromper; fez mal
porque, por exemplo, o Sr. Deputado António Vito-
rino tinha-lhe dito uma coisa sensata: a proposta do
PSD conduzia - de tal modo é vasta e imprecisa -
a que fosse inconstitucional uma lei que, por exemplo,
previsse a participação dos pais apenas em estruturas
consultivas. Porquê? Porque está redigido em termos
tais que reza: «Os professores, os pais e os alunos têm
o direito de participar na gestão democrática das esco-
las», em toda a gestão, na gestão de jure, de pleno.
Foi isto o que o senhor escreveu, mas se o Sr. Depu-
tado quer escrever isto de outra maneira fale ali com
a Sr.ª Deputada Assunção Esteves, com o Dr. Costa
Andrade, vá dormir durante a noite e depois chega com
uma proposta bem escritinha, que poderemos discutir.
Não nos venha é fazer demagogia dizendo: «Os juris-
tas, esses tipos chatos, que vêm com coisas..., nós os
políticos, os crâneos que queremos fazer coisas ...
depois há os chatos, os juristas...»
Se os senhores tivessem mais atenção a alguns «cha-
tos» talvez o Dr. Cadilhe não estivesse no sarilho em
que está!... Se tivessem um bocadinho mais de cui-
dado com alguns «chatos», o Dr. Costa Freire não
estaria nos «assados» em que está!...
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - Mas há os «chatos», há a lei e há a
Constituição! E VV. Ex.ªs estão a de mal com os
«chatos» e de mal com a Constituição. Honni soit qui
mal y pense!...
Finalmente em relação à questão do PCP, penso que
é de uma extrema injustiça aquilo que o Sr. Deputado
aqui trouxe como caricatura à posição construtiva do
PCP durante o processo de Revisão Constitucional.
Confesso que fizemos o que Sr. Deputado disse. Fize-
mos isso! Andámos em busca de soluções que pudes-
sem ser subscritas por todas as bancadas incluindo a
sua. Em muitos caso reformulámos não uma, mas dez
vezes as nossas propostas em busca de uma que pudesse
ser subscrita pela vossa bancada. Procurámos até assu-
mir proposta que outros tinham abandonado e veja
lá que coisa maravilhosa: algumas foram aprovadas ou
estão a caminho de o ser. É este o nosso espírito por-
que é neste espírito, e não na caricatura grosseira de
«o PCP bota abaixo isto, não quer Revisão Constitu-
cional nenhuma, não faz nada, só destrói», em que
estamos, e a melhor provada disso é quando V. Ex.ª
chegar ao fim e contar as propostas que estarão na
Constituição graças ao PCP, ou por influência directa
ou por contributo indirecto, em todo o caso com muita
tenacidade e muito esforço.
Tenha a honestidade de reconhecer isso, agora que
Vai fazer a sua resposta Frankenstein.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim
O entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro
Roseta.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já está cansado!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Bem, desta vez o
Sr. Deputado António Vitorino foi mais comedido, o
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11 DE MAIO DE 1989
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que agradeço, mas, realmente, não sei se de uma forma
jurídica ou de outra qualquer, tenho de contestar os
pressupostos de todas as suas afirmações. O Sr. Depu-
tado volta a afirmar sobre mim: «Não tem razão.» O
que é a razão? Quem de define a razão?
O Sr. António Vitorino (PS): - Não disse isso!
O Orador: - Ou não foi o deputado José Magalhães?
Risos do PS, do PCP, do PRD e do CDS.
Em qualquer caso, disse-o indirectamente.
Risos do PS, do PCP, do PRD e do CDS.
Mas deixa-me lá dar uma resposta conjunta, sobre-
tudo a esta hora da noite!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Depois da meia
noite o Sr. Deputado Pedro Roseta faz o pino!
O Orador: - O Sr. Deputado António Vitorino mais
uma vez insistiu numa argumentação de ordem proces-
sual, volta a sobrevalorizar os instrumentos em vez das
questões de fundo.
É evidente que, para nós - e deixemo-nos de quali-
ficações, quem é «crâneo» ou não...
O Sr. António Vitorino (PS): - Não fui eu que disse
isso!
O Orador: - Estou já a esclarecer os meus dois
interpelantes; por algum motivo associei as respostas.
Realmente o Sr. Deputado não me percebe. É pena!
Mas agora não me percebe de uma forma mais agra-
dável do que antes, que era uma forma exaltada que
não vinha a propósito.
Também não falei em coacção. O Sr. Deputado
António Vitorino muda palavras...
Vozes do Sr. Deputado António Vitorino (PS).
O Orador: - 15so é seu, já não é uma questão pro-
cessual, mas sim uma questão que já o deve levar a
pensar, não fora o adiantado da hora, que tem de rever
a precisão de conceitos, que é muitas vezes mais impor-
tante do que a precisão das formas.
Uma coisa foi o que eu disse, que um deputado do
PSD retirou a proposta porque encontrou grande hos-
tilidade, e outra coisa é o Sr. Deputado falar em coac-
ção, que é algo completamente diferente. Eu não disse
que o PSD retirou sob coacção. É evidente que há aqui
uma diferença de grau enormíssimo, um salto que o
Sr. Deputado deu e que me surpreende numa persona-
lidade tão rigorosa. Então o rigor é só nos cânones jurí-
dicos, quando lhe convém, e não quando há algo tão
diferente, como os conceitos de coacção e hostilidade
e...?
O Sr. António Vitorino (PS): - Agressivamente, foi
o termo. Está na acta.
O Orador: - Mas agressividade não é coacção! O
Sr. Deputado salta para um conceito que nada tem a
ver com a coacção.
Quer dizer, mais uma vez, o Sr. Deputado António
Vitorino continua a pensar, em matéria processual ou
de conceitos, que detém a verdade e que, portanto, a
sua opinião tem um peso que lhe permite dizer tudo!
E eu, desgraçado, tenho de me cingir aos cânones que
V. Ex.ª define!? Não aceito isso! Os cânones são esta-
belecidos por todos nós, pelo que não posso aceitar isso
de V. Ex.ª meu amigo e excelente participante na
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Não posso deixar de lhe render essa homenagem, não
porque eu seja masoquista, mas porque ela é devida.
Não pense que aqui se trata do conselho evangélico de
responder com a outra face o que faria com gosto. É
apenas por justiça que o digo, uma vez que a sua cola-
boração foi agradável e eficaz.
Mas, apesar disso tudo, não venha usar dois pesos
e duas medidas e querer ver a palhinha no meu olho,
quando não vê a trave no seu. Não posso aceitar isso!
Se quer invocar com conceitos, seja sempre preciso nos
conceitos até ao fim.
Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª, além de
reencarnar o Sr. Deputado João Camoesas, continua
convencido que tem o monopólio da razão! Não pode
ser! Quando chegarmos à análise dos princípios fun-
damentais, terei talvez oportunidade de dizer algumas
coisas que a meu ver explicam esta forma de o Par-
tido Comunista reagir a esta revisão da Constituição.
Sr. Deputado, com efeito, fiz alguma caricatura e
não vejo mal demasiado nisso. No entanto, mesmo sem
ela há muita verdade no que eu disse, obviamente!
Quanto aos argumentos de fundo, já respondi antes.
resto são fantasmas que o Sr. Deputado constrói.
ão é a si que compete dizer o que é ou não inconsti-
ucional ou vai ficar inconstitucionalizado. Essa é a sua
pinião. Convença-se que quando diz «é inconstitucio-
al», é subjectivo, pode não ser a minha opinião! Por-
anto, não seja maniqueu. Mantenho as minhas afir-
ações e defendo, com igual legitimidade, que era útil
possível, perfeitamente, a aprovação da nossa pro-
osta!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou a dis-
ussão do artigo 77.º Amanhã reuniremos às 10 horas,
iniciaremos os nosso trabalhos com a apresentação
discussão do projecto de resolução n.º 26/V, da ini-
iativa do PCP, sobre a interrupção do processo de
evisão Constitucional até 1 de Julho.
Da agenda consta também, a continuação do pro-
esso de Revisão Constitucional, iniciando-se com a dis-
ussão do artigo 75.º As votações terão lugar às 17
oras e 30 minutos.
Está encerrada a sessão.
Eram 0 horas e 30 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Depu-
tados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António José de Carvalho.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
inah Serrão Alhandra.
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Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Maria Moreira.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Rui Gomes da Silva.
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Martins Vale César.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Maria Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Joaquim Fernandes Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel José Dias Soares Costa.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Sanches Esteves.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Eduardo Vera Jardim.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - José
Diogo, Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste
Ana Marques da Cruz.
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i g e 1 - Preço de página para venda avulso; 4$50; preço por
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!- Depósito lega! n. º 8818/85 '' 2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da
,, - República, o período da assinatura será compreendido de j f
lanei,. a Dezembro de cada ano. Os números publicados em
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA; E. P. Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legis-
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:
AVISO latura serão adquiridos ao preço de capa,- -
3 - Os prazos de reclamação de faltas do 4piário da epú- ,;
Por ordem superior e para constar, comunica- :_ , i >.
h) blica para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, i.:,
' , -se que não serão aceites quaisquer originais des- respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.
tinados ao Diário da República desde que não tra
! gam aposta a competente ordem de publicação, r . t
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