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Sábado, 13 d« Maio da 1989 I Série - Número 79
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE MAIO DE 1989
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mo Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos P. Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 396/V e 397/V.
Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigo 80. º).
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Marques Júnior (PRD), José Magalhães e Octávio Teixeira (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Roleira Marinho (PSD), Almeida Santos (PS), Costa Andrade e Mário Raposo (PSD), Basílio Horta (CDS), José Luís Ramos (PSD), Narana Coissoró (CDS) e Raul Rego (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo
António da Silva Bacelar,
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José, R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.-
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva. Hilário Torres Azevedo Marques. Humberto Pires Lopes. Jaime Gomes Milhomens. João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado. João Granja Rodrigues da Fonseca. João José Pedreira de Matos. João José da Silva Maçãs. João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Vilela de Araújo. Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha. José Alberto Púig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos. José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres. José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão. Licínio Moreira da Silva. Luís António Damásio Capoulas. Luís António Martins. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes. Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues. Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida. Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade. Manuel Ferreira Martins. Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso. Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Dias Soares Costa. Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves. Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança. Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel. Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos. Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva. Miguel Fernando C. de Miranda Relvas. Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos. Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre. Pedro Manuel Cruz Roseta. Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
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Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes. Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres. António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira. Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena d Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida. Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino. José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio, B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Geordano dos Santos Covas. Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu F. Oliveira Esteves. Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Alberaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro. António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro. António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira. Carlos Alfredo Brito.
Fernando Manuel Conceição Gomes. Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos. José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
15abel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Deputados Independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai
dar conta dos diplomas que deram entrada na
Mesa.
0 Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 396/V apresentado pelo Sr. Deputado Mário Raposo, do PSD, sobre a protecção jurídica do software e projecto de lei n.º 397/V, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto Pinto, do PSD, propondo a criação da freguesia de Cantar-Galo, no concelho da Covilhã. Ambos os projectos foram admitidos e baixaram às respectivas comissões parlamentares.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de retomarmos os nossos trabalhos, quero informar e pedir a vossa atenção para o facto de, na próxima terça-feira, haver uma sessão dupla, tal como consta do boletim informativo.
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Começaremos às 15 horas e 30 minutos com uma sessão solene de boas-vindas a Sua Magestade o Rei de Espanha e após os cumprimentos no Salão Nobre transitaremos para a sessão normal.
Há ainda alguns aspectos organizativos próprios resultantes desta situação que tratarei directamente com os líderes dos diversos grupos parlamentares.
Como sabem, na última sessão plenária, o Sr. Deputado Almeida Santos tinha feito uma intervenção, tendo ficado inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Magalhães, Francisco Silva, Marques Júnior e Octávio Teixeira.
Se não houver objecções, irei dar a palavra aos Srs. Deputados que estão presentes e disponíveis, tendo em conta a ordem de inscrições.
Neste sentido, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Almeida Santos, face à sua intervenção de ontem e uma vez que irei fazer, de seguida, uma intervenção também enquadradora de toda esta perspectiva da Constituição no que diz respeito à parte económica, a minha pergunta será muito simples. Além disso, inserindo a sua intervenção no conjunto das várias intervenções que aqui foram produzidas, a minha pergunta apresenta-se também com um contraponto a outro tipo de intervenções que aqui foram feitas - e é pena que não esteja presente o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Deputado Almeida Santos fez ontem uma afirmação com a qual concordo, mas devo dizer-lhe que me deixou um pouco preocupado, tendo levado a noite a ler alguns trabalhos do professor Jorge Miranda relativamente às fontes da própria Constituição.
Mas o que é que disse o Sr. Deputado Almeida Santos? O Sr. Deputado disse - pelo menos o sentido é este - que não vale a pena cada um de nós recordar o que disse em tempos diferentes deste, porque a dinâmica, e é próprio da vida, evolui, e portanto se ficamos estáticos a determinado tipo de pensamentos podem as pessoas jogar com as palavras e apresentar como contradições aquilo que efectivamente eram afirmações correctas, sinceras, produzidas em cada momento histórico que se vive. Esta já é, digamos, a interpretação que estou a dar às suas próprias palavras.
O Sr. Deputado Almeida Santos também sabe que tenho, por si, uma grande admiração, que resulta do facto de V. Ex.ª saber, como jovem, aquilo que era também uma luta à sua maneira, durante a ditadura, para que a liberdade fosse possível em Portugal. Mas há afirmações produzidas aqui nesta Câmara - e este era um pouco o contraponto que lhe queria apresentar - que procuram, do meu ponto de vista, ignorar essa realidade, que é uma realidade tão duramente vivida por tantos portugueses e por portugueses que tudo arriscaram. O Sr. Deputado Almeida Santos é também da opinião - e é esta a minha pergunta -, que depois de 50 anos de ditadura, sem liberdades - é também uma expressão da sua intervenção de ontem -, de que aquilo que efectivamente se conseguiu (a Constituição de 1976, a de 1982 e porque não referenciar agora a de 1989), foi por ter sido muito pressionado ou coagido, de que não foi um cidadão livre depois do 25 de Abril (deputado, ministro, responsável depois do 25 de Abril), ao tomar as posições que assumiu e, em nome do seu partido, ao defender as
posições que defendeu? Quer o Sr. Deputado explicar-me se depois do 25 de Abril foi um cidadão coagido e não livre, para além, naturalmente - e isto é para responder a um aparte do Sr. Deputado Costa Andrade -, dos compromissos possíveis que têm sempre de ser tomados em todas as circunstâncias e em todos os momentos históricos que todos nós vivemos, para não fazer referência ao compromisso político que também agora está a ser consubstanciado, no acordo de Revisão Constitucional para 1989, entre o PS e o PSD?
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que ontem o Sr. Deputado Almeida Santos fez aquilo que é, classicamente, um «exercício de diversão». Colocou todas as questões que é necessário colocar quando se quer que um debate se centre não sobre os temas que mais embaraçam aqueles que se preparam para protagonizar uma alteração como esta que agora está ensejada, mas sobre outros que vão dar obviamente muitas horas e, quiçá, séculos de debate, porque são toda a nossa controversa história recente em Portugal.
Sobre a natureza política e jurídica do 11 de Março, a natureza do 25 de Abril e a maneira como a democracia foi instaurada em Portugal, (seguramente não foi com o impulso e o amor benévolo dos grupos monopolistas, bem pelo contrário), sobre a memória histórica de tudo isso há muitas visões. Há até a visão daqueles que, pura e simplesmente, foram sempre e são contra. Mas essa é uma discussão sem fim que só serve ao Sr. Deputado Almeida Santos para criar um campo de inextricável debate fora do essencial. V. Ex.ª atira, não ao sorriso da Mona Lisa, mas ao lado direito do quadro, para cima, para evitar que olhemos para o centro.
Sr. Deputado Almeida Santos, vamos discutir o sorriso. Qual é o sorriso da Mona Lisa em matéria de princípios de organização económica? O problema fundamental a que este artigo responde, em qualquer Constituição isso sucede e na portuguesa também, é este: como evitar a concentração, em mãos privadas, dos principais meios, das principais riquezas que sirvam de base a um poder privado incontrolável? É essa a questão. E a resposta da Constituição portuguesa de 1976, na altura, foi a garantia do controlo público desses meios, através de determinadas regras de organização económica, através de regras que garantem que um determinado núcleo de bens, resultante das empresas directamente nacionalizadas, seja público e assim continue, não para ser gerido contra o interesse público, como tem sido, mas a favor dele, obedecendo ainda a outras regras como o planeamento, etc... Mas - sublinho -, nunca se proibiu que a iniciativa privada se desenvolvesse amplamente, dentro de determinados parâmetros, nunca se propôs outra coisa que não fosse uma economia mista propriamente dita, em que o sector público tem enorme importância, mas não mata os outros sectores. Também não se proibiu a reestruturação das empresas públicas (exigindo que tudo ficasse como à data de 11 de Março), pelo contrário, tudo a aconselhou. Esta é a Constituição que temos, o resto
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é um fantasma, é uma caricatura, é o que a direita sempre,
andrajosamente, foi dizendo como alibi, como desculpa!
V. Ex.ª reconhecerá este aspecto!
Que fazer agora? É aqui que o discurso do Sr. Deputado, como num passo de mágica, ilude a diferença entre a proposta originária do PS e a constante do acordo que agora chega aqui.
Pois o que é que VV. Ex.ªs propunham? Que se protegesse, embora de outra forma, o núcleo garantidor desse controlo público sobre a economia, esse
mecanismo de defesa de que as riquezas que são nacionais tenham de continuar a sê-lo - o que, ainda por cima, é importante num contexto de
internacionalização. Os senhores procuravam reformular essa garantia,
designadamente através de regras que impedissem que as decisões fundamentais fossem tomadas por uma maioria monopartidária. No texto final, agora subme-
tido a votação, tal garantia surge diminuída, debilitada, praticamente esvaziada, reduzida a contornos permissivos de que uma maioria conjuntural utilize essas riquezas para tudo - para escamotear a sua incompetência, para injectar verbas no Orçamento do Estado, para fazer eleitoralismo se quiser, para promover o compadrio, para uma gestão clientelista e corrupta...
Para tudo!
VV. Ex.ªs dizem: «Ah bom, mas eles tiveram 51%...»
Bem, não sabemos se assim voltará a ser daqui a uns dias. Contudo, independentemente disso, os 51% não justificam que se conceda a uma maioria o poder de reconstruir a arquitectura da Constituição económica neste ponto nodal! E é aqui que o projecto originário do PS e o texto que sai daqui são totalmente diferentes!
Quando o Sr. Deputado vem aqui falar do 11, do
l2 ou do l3 de Março, do passado, do futuro, do que
é actual e do que não é actual, apenas procura escamotear
a questão que enunciei. V. Ex.ª faz tudo isso
para que as pessoas não façam um exercício simples:
comparar o projecto originário do PS com o texto que
sai da CERC através dos vossos votos. Com efeito,
qualquer um que faça isso conclui rapidamente que o
PS decaiu da sua, posição nesta matéria.
O PS decaiu nesta matéria, Sr. Deputado Almeida
Santos! E isso tem consequências gravíssimas, porque
quer dizer que as desnacionalizações feitas pelo
Governo a trouxe-mouxe serão também, em boa
medida, da vossa responsabilidade; porque os actos
políticos de carácter eleitoralista, porventura dirigidos
contra vós, terão tido no PS a luz verde sem a qual
não existiriam; e porque os trabalhadores, que sofrem
nessas empresas as consequências dessa vossa luz verde,
sofrê-las-ão desnecessariamente, injustamente, e a economia
nacional não ganhará com isso! . Sr. Deputado
Almeida Santos, reconheça V. Ex.ª que é este o principal efeito da
vossa proposta e principal, vício da vossa postura nesta matéria!
Por último sublinhou-se que não se trata de nenhum
apego à modernização, pois se a questão fosse a modernização
não haveria qualquer problema, já que se trataria de meras palavras.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Silva.
0 Sr. Francisco Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta da CERC, no que toca ao sector cooperativo, trata-o com uma certa desvalorização. É, pois, esta questão que pretendo trazer aqui, a qual se relaciona concretamente com as alíneas b) e e)
do artigo, 80.º
Penso que não valerá a pena estar a perder tempo
falando da importância do sector cooperativo, do que
representa para o País e dos debates que neste
momento se desenvolvem no Parlamento Europeu e no
Comité Económico e Social, inclusivamente com a criação
do pelouro ao nível da comissão. Não vale, pois,
a pena perdermos tempo a discutir a importância do
sector cooperativo.
Nestes termos, a questão objectiva que coloco ao Sr. Deputado Almeida Santos vai no sentido de saber se o Sr. Deputado e o PS não encaram a hipótese de que ao sector aqui referido como sector social possa vir a ser atribuída outra designação, a qual eu próprio sugeria que fosse sector cooperativo e social. Creio que se o sector cooperativo não for bem evidente neste artigo, estaremos talvez a prestar um mau serviço às cooperativas portuguesas.
Deixava este assunto aqui para meditação, porque penso que, no sentido do que foi feito relativamente a outros artigos, talvez houvesse a hipótese de encontrarmos uma solução melhor do que a que está referida nas alíneas b) e e) da proposta da CERC.
0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, à minha primeira referência vai para uma questão que tem pouca importância. Porém, como ficou ontem gravada e ficará escrita, convém que seja complementada.
0 Sr. Deputado disse- que «só os penedos não se movem».
Pois não... Aliás, o Sr. De Lapalice diria mais: os penedos não só não se movem, como não têm memória.
Sobre a questão da rememoração de posições ante-
riores, gostaria de lhe dizer que, tal como o Sr. Deputado,
também não tenho um mínimo- de complexos em
assumir os meus comportamentos anteriores.
No entanto, a questão não se coloca aí. É que, quando ontem rememorei posições - aliás, de forma que não agradará ao Sr. Deputado, com certeza que irei rememorar outras durante o debate -, o meu problema não tinha que ver com a personalização do Sr. Deputado Almeida Santos ou de qualquer outro Sr. Deputado do PS, mas com posições assumidas em nome do PS.
Ora, são as posições do PS que, neste momento, me interessa discutir, com vista a tentar perceber por que é que há alterações radicais nas posições (insisto: de um partido político e não desta ou daquela pessoa). É que com toda a consideração que o Sr. Deputado Almeida Santos me merece, seria para mim, em termos políticos, de mínimo interesse que fosse apenas o voto do Sr. Deputado a aliar-se ao voto do PSD.
0 meu problema está no aliar dos votos do PS aos
votos do PSD para introduzirem estas alterações na
Constituição.
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Sr. Deputado Almeida Santos, a questão concreta que gostaria de lhe colocar está relacionada com o facto de o Sr. Deputado, para tentar justificar determinadas alterações da Constituição económica indiciadas pelo PS em conjunto com o PSD, ter referido que Portugal está agora num mercado livre e concorrencial.
Sr. Deputado, o que é que isso tem a ver com esta alterações da Constituição?! Do ponto de vista da concorrência, algo impede que continuem nacionalizados os principais meios de produção, que continuemos a ter o sector empresarial do Estado que temos neste momento?!
Não há nada que o proíba! Não há confusão possível com o problema concorrencial!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nada!
O Orador: - Se há algum aspecto de concorrência indirectamente relacionado com esta matéria é a questão da Lei da Delimitação dos Sectores, e, como o Sr. Deputado Almeida Santos bem sabe, nem mesmo essa impede já qualquer concorrência. Na verdade, em termos de Lei da Delimitação dos Sectores, não existe praticamente nenhuma actividade exclusivamente adstrita ao sector público.
Mas, mais do que isso, as empresas públicas podem e devem movimentar-se livremente num mercado concorrencial, pois nada devem ter que ver com a burocracia da Administração Pública. Se as empresas públicas têm estado por demais sujeitas à burocracia da Administração Pública a culpa é sempre das tutelas, dos governos. O Governo de Cavaco Silva dá-nos disso exemplos diários.
Não é por aí que se podem justificar, do ponto de vista da organização económica que temos, alterações tão radicais na Lei Fundamental.
O Sr. Deputado Almeida Santos estará eventualmente a confundir a internacionalização da economia com a transnacionalização dos principais centros de produção económica de Portugal?
Na verdade, são coisas completamente diferentes. O facto de se manter na posse do Estado, do sector público, sectores empresariais básicos, estratégicos, da economia portuguesa não tem nada a ver com o problema da internacionalização dessa economia, que pode e deve existir!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: Em primeiro lugar, queria felicitá-lo pela sua intervenção de ontem à tarde.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Percebe-se...!
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, por favor aguarde um pouco. Modere as suas manifestações...
Como ia dizendo, a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos foi a intervenção de um partido que
vai gradualmente tomando uma posição de adesão à realidade do País, libertando-se dos seus fantasmas, embora não completamente - devemos dizê-lo...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!
O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos teve de terminar a sua intervenção dizendo e justificando que o PS votava estas alterações porque a Constituição se mantém a mais esquerdista da Europa!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso é mau!
O Orador: - Esta é como que uma garantia de que o PS necessita.
Porém, Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª sabe - e com certeza que não precisa de qualquer achega da minha parte - que estamos a discutir o artigo 80.º, estando a bancada do PCP invectivando constantemente o seu partido pelas cedências feitas ao PSD.
Bem, quanto ao artigo 80.º, seguindo o conselho do Sr. Deputado José Magalhães e comparando a versão saída da CERC com a proposta originária do PS, aquela representa uma rigorosa cedência ao PSD. Com efeito, o PSD propôs a eliminação do artigo e o PS propôs as modificações que no mesmo acabaram por ser introduzidas.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É isso!
O Orador: - É claro que esta é uma questão que tem alguma coisa a ver com a lógica da alteração introduzida no artigo 83.º, e estou, aliás, de acordo com isso.
No entanto, porque é para fazer perguntas que aqui estou, pergunto ao Sr. Deputado Almeida Santos: em relação ao artigo 81.º, as alterações introduzidas, para além de formarem um conjunto lógico com as modificações adoptadas para o artigo 83.º, não partem, Sr. Deputado, passados alguns anos, da constatação de que o principal objectivo do artigo 81.º - o enumerado, aliás, na sua alínea á), e o Sr. Deputado José Magalhães acabou de o sublinhar agora mesmo - é o de garantir que o poder económico, por muito gordo que ele seja, não subordina o poder político?
Não estamos nós em condições de assegurar que o que garante a independência do poder político é a própria organização política do Estado, a própria organização política democrática? De que o poder político em Portugal não tem que ter receio do poder económico? Não estamos em condições de o fazer?
Por outro lado, não assentarão também aí algumas das alterações realistas que o Sr. Deputado Almeida Santos e o PS introduzem no artigo 81.º?
Quanto ao artigo 83.º, o PCP continua a ter saudades de um grande sector público empresarial, isto é, do mesmo sector público empresarial que, de um dia para o outro, apareceu neste país.
Depois, como V. Ex.ª recordou ontem, não foi preciso engordá-lo mais. Na verdade, ele já estava tão gordo, já tão nas vizinhanças de uma apoplexia, que, antes pelo contrário, foi necessário começar a emegrecê-lo.
Agora, Sr. Deputado Almeida santos, não é também uma questão de realismo o eliminar das barreiras que o artigo 83.º coloca o emagrecimento desse sector político? Não assentará isto em considerações ligadas aos
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equilíbrios fundamentais e estruturais da nossa economia, ao peso desse sector público na nossa economia, àquilo que ele representa e representou em termos de peso na dívida pública, de distorção das finanças públicas deste país? Não será isso uma atitude de simples bom senso e realismo?
Finalmente, Sr. Deputado Almeida Santos, o Sr. Deputado Octávio Teixeira insiste na neutralidade de CEE nesta matéria.
Nesta matéria, Sr. Deputado, estamos, efectivamente, a traçar um modelo. Não se trata aqui de uma questão de legalidade imediata, de compatibilidade com um tal regulamento, uma tal directiva ou uma tal disposição do tratado, mas de compatibilidade com o modelo económico rigorosamente traçado...
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Rigorosamente?!
0 Orador: - ... nas comunidades, no tratado, na
legislação comunitária, naquilo que adquirimos quando
aderimos ao tratado.
Tudo isso é que é incompatível com o modelo assente
na actual redacção do artigo 8l.º.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - É isso!
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Então entrámos ilegalmente na CEE?!
0 Orador: - ... , principalmente na manutenção do artigo 83.º com a actual redacção. Trata-se, pois, de uma questão de compatibilidade de modelo.
Quando os países a leste despem o seu sector público, fazendo um autêntico streap-tease do mesmo, nós, já na comunidade, permaneceríamos completamente aleijados se levássemos esse enorme contrapeso connosco de que temos de nos libertar.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Então já lá estamos há três anos e agora é que vamos pôr a prótese?!
0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.
0 Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos. Gostaria de lhe colocar apenas uma simples pergunta acerca do artigo 8l.º-A e que é a seguinte: será que no sector social não pode pertencer ao domínio público das autarquias?
Parece-me, Sr. Deputado, que a posse da propriedade,
seja ela ou não das autarquias, pode perfeitamente
representar um valor e ter um desenvolvimento
social. Então porque não remeter para a lei geral a
questão do modo de gestão desse sector social?
Era este enquadramento que, em relação ao que o Sr. Deputado Almeida Santos referiu, gostaria de ver explicitado.
Protestos do PCP.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Almeida Santos para responder
aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, chamava a vossa atenção para o facto de se encontrarem nas galerias um grupo de alunos do Colégio Quinta do Lago, de S. Domingos de Rana, e um grupo de alunos da Universidade Lusíada.
Pedia para eles a habitual saudação.
Aplausos gerais.
Para responder aos pedidos que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram muitas e boas as perguntas. Oxalá sejam também boas as respostas.
Sr. Deputado Marques Júnior, penso que o que quis significar foi exactamente algo que vai ao encontro da preocupação do Sr. Deputado.
Afirmei ontem aqui que todos temos que assumir as nossas responsabilidades pelo que aconteceu em l974, l975 e l976, incluindo a feitura da Constituição. Aliás, quando digo isto, faço-o pelo que tem de positivo e de negativo, embora me referisse concretamente, nesse caso, ao que pudesse ter de negativo.
Depois expliquei que aquilo que é bom hoje pode ser mau amanhã e vice-versa. Na verdade, as afirmações e os comportamentos não podem ser tirados do seu contexto.
Disse ainda que tudo se move, que a vida se move, e sem dúvida que, movendo-se a vida, ou nos movemos também ou entramos em ruptura com ela - nós e as constituições.
Não vale a pena admitirmos que uma Constituição pode ser dogmática quando a vida se mexe. Então nos tempos modernos, em que tudo se mexe vertiginosamente, defender a imutabilidade das constituições não é mais do que um puro acto de estupidez!
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Exacto!
0 Sr. José Magalhães (PCP) - Exacto, diz o CDS!
O Orador: - Por isso não há que espantar quando verificamos que a Constituição tem feito um percurso lógico e normal de adaptação à vida.
Nestes termos, tem feito esse percurso como? Do quente para o frio; de um momento lógico de exaltação revolucionária verificado após o 25 de Abril para a serena reflexão de agora. Aliás, tem feito também um percurso do predominantemente público para o predominantemente privado. Temos de aceitar isso. Pode ser um bem ou um mal, mas é afinal um facto.
0 mundo tem, de algum modo, exigido de nós essa adaptação, isto é, de um peso maior do sector público na economia para uma intervenção menor do Estado - tem havido uma evolução nesse sentido.
É lógico que seja assim porque a vida também evoluiu neste sentido. E só quem é cego é que não vê que neste ano de l989 estamos a assistir a mutações totalmente imprevisíveis há dois ou três anos, mesmo noutros países, noutros domínios, que tiveram por certas as suas soluções e os seus modelos económicos e que hoje os colocam em dúvida.
Eu tiro o meu chapéu a esses países e à coragem desses políticos! E se tiramos o chapéu aos outros porque fazem isso, vamos nós recusar fazê-lo?!
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Não, eu não retiro uma palavra do que disse em 1974, 1975 e 1976. Porventura que, se soubesse então o que sei hoje teria feito diverso. Contudo, não se pode saber agora o que se irá passar amanhã; a nossa capacidade de previsão é limitada.
Por isso, colocadas as minhas afirmações e as minhas atitudes no seu ambiente e no seu momento histórico, não me arrependo de nada. Está tudo absolutamente certo, embora eu não seja infalível - só o Sr. Primeiro Ministro, como sabemos...
Vozes do PSD: - Apoiado!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Houve «apoiados» da bancada do PSD, Sr. Deputado!
O Orador: - «Apoiados» da bancada do PSD também servem! Às vezes vêm da vossa e também vêm envenenados!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas da nossa é natural, Sr. Deputado!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Natural?! Deve ser o frio...!
O Orador: - Nem sempre, nem sempre...
Sr. Deputado Marques Júnior, o que lhe queria, no fundo, dizer era que não fiz nada intimidado.
Consegui ser livre quando Salazar era ditador, mesmo perante todas as ameaças, porque a liberdade é um fenómeno interior.
Por vezes até tive medo. Porém, o mesmo medo não cerceia a minha liberdade. Com efeito, sempre consegui vencer e impor aquilo que pensava, que entendia, correr riscos que devia correr - muitas vezes os corri. Aliás, devo o não ter sido preso a homens como o professor Adriano Moreira ou o Dr. Rebelo de Sousa, que se recusaram a cumprir a ordem da minha prisão. E mesmo outras autoridades, como o Sr. Governador Geral Abrantes de Oliveira, que se recusou a cumprir a ordem porque em África era difícil prender um homem de bem; pagava-se um preço que aqui não se pagava.
Tive processos-crime de doze a dezasseis anos por ter defendido uma coisa que o professor Adriano Moreira, quando veio a ser ministro, fez de uma penada: a abolição do estatuto do indigenato. Ele recebeu palmas e eu recebi um processo-crime que se arrastou anos - estive dez anos sem poder ir ao estrangeiro.
Bem, corri alguns riscos, é certo, embora nunca fale nisso, já que outros correram muito mais - o meu currículo é, nesse aspecto, claramente modesto. Porém, como já referi, isso não limitou a minha liberdade.
Em 1974 e 1975, mesmo quando estive sequestrado, não tive medo, nem deixei de pensar o que pensei.
Estive sequestrado umas duas ou três vezes. Isso foi lamentável, mas, na altura, até se compreendeu, como se compreenderam as fugas - aconteceu tanta coisa... Agora, em momento algum deixei de ser um homem livre, e quem se escudar no medo para se irresponsabilizar a meu ver faz mal.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães diz que eu fiz um exercício de diversão. Esperava isso de todos menos do meu amigo. É que se há aqui um especialista em exercícios de diversão -, esse é o meu amigo. Aliás, não faz outra coisa senão exercícios de diversão.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Só que neste caso é grave!
O Orador: - Nos seus também é, mas o mestre da gravidade dos seus exercícios de diversão sou eu e não o Sr. Deputado.
Muitas visões sobre a memória histórica...
Bem, como é óbvio, não podemos apagar a memória.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!
O Orador: - No entanto, cada um de nós tem a sua interpretação dela, como é óbvio. E a diferença entre a nossa interpretação da memória histórica e a vossa é a de que a nossa vai num sentido de alguma actualização e até de alguma desvalorização - embora não toda, como calcula -, enquanto a vossa vai num sentido de imobilismo - o que foi será, o que é hoje será no futuro, isto é, toquezinhos de nada na Constituição, pois o que é preciso é que ela continue a ser o que é. Ora, este não é o nosso ponto de vista, e permitam-nos que o mantenhamos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema são os toquezões!
O Orador: - Já lá vamos, já lá vamos! De qualquer modo, estamos, segundo o vosso ponto de vista, na sede dos toquezões...!
Como sabe, o sorriso da Mona Lisa sempre foi enigmático e o melhor é cada um de nós interpretar esse sorriso como entende, já que não há uma interpretação unívoca do sorriso da Mona Lisa. De qualquer modo, para o Sr. Deputado o sorriso da Mona Lisa é «como evitar que o poder privado se torne incontrolável».
Ontem tentei dizer que tive muito medo disso no passado, pois ele foi mesmo incontrolável. Tive algum medo disso após o 25 de Abril - às vezes tenho esses medos, que são legítimos, embora não se trate de medo pessoal. Contudo, desde que a democracia é um regime estabilizado em Portugal, não tenho medo de que o poder económico se torne incontrolável.
Penso que os ingleses, os franceses, os belgas, os holandeses, os suecos ou os noruegueses também o não têm. Então por que diabo hei-de ter eu, sediado na mesma Europa, em relação a alguns desses países na mesma Comunidade, com leis que dentro em breve serão forjadas acima de nós, fora de nós, para todo este espaço?! Porque é que hei-de ter medo que o poder económico volte a tornar-se incontrolável?!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tem a União Soviética!
O Orador: - Ontem, o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse qualquer coisa deste género: o liberalismo está encerrado definitivamente. Disse-o, é uma expressão sua, Sr. Deputado Octávio Teixeira, e estou de
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acordo consigo! Quem sonhar com o retorno ao liberalismo engana-se - sobretudo, e como é óbvio, o liberalismo selvagem.
Portanto, porque é que hei-de estar aqui com medo-pânico de que o poder económico volte a avassalar o
poder político, tomando conta das cadeiras do poder,
dos bancos, das seguradoras e dos jornais, como eu
dizia naquela minha frase citada pelo Sr. Deputado?
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Agora é televisões também, e a rádio!
0 Orador: - Televisões ainda não vi, e não vai
haver tantas televisões privadas como isso. Ontem, por
exemplo, conquistou-se, espero que com o vosso
aplauso - previ que sim - o princípio do concurso
público. Há, pelo menos, essa garantia de que aqueles
que esperavam ter uma televisão sem concurso já sabem
a partir de ontem que não haverá televisão sem concurso.
Têm de concorrer com os outros e depois se vê.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Foi o voto envergonhado do PCP!
Viu-se no caso da
0 Sr. José Magalhães (PCP): Viu-se no caso da rádio!
0 Orador: - Disse o Sr. Deputado José Magalhães que nunca se proibiu a iniciativa privada. Melhor fora! Nessa altura, seríamos um país do Leste em que, como sabe, só a casa e os produtos directos do trabalho é que podem ser objecto de propriedade privada. Mas mesmo aí, mesmo aí, neste momento, está a pôr-se em causa a bondade destas concepções. Nós cá no Ocidente, não em Portugal - onde nunca poderia ser assim, Portugal é um país arreigado à propriedade privada, faz dela quase uma religião e penso até que alguns dos erros da Revolução de Abril relativamente aos novos modelos de restruturação da economia do País partiu do esquecimento do que significa para o povo português a propriedade privada.
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Quanto à perguntazinha?!
0 Orador: - Qual era a perguntazinha?
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Se neste momento o professor Aníbal conquista com este...
O Orador: - 0 professor Aníbal vai cair também, como tudo aquilo que não respeita a genuína democracia. Claro que vai cair! Já está a cair! Está a menos de cinco pontos de Secretário-Geral do Partido Socialista! Claro que começou a cair...
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Mas isso é uma muletazinha!
O Orador: - Já começou a cair até dentro do seu próprio partido. Já tem anticorpos! Já não é o homem auto-suficiente e confiante! Já pisca outra vez os olhos!
Risos.
Não tenha dúvida alguma de que vai cair. É evidente! Vai cair! ...
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Dizia o Sr. Deputado José Magalhães, mais uma vez, que decaímos, somos um anjo caído estamos sempre a cair. É claro que ele disse que decaímos quando não conseguimos que o PSD vote connosco, isto é a nossa queda.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio!
0 Orador: - Cair é não conseguir que os outros nos dêem o seu voto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - Bom, é impossível não cair de vez em quando assim, passamos a vida a tombar.
0 que é que havemos de fazer? Como os outros só nos dão o voto quando querem, porque são livres de o dar ou não, cada vez que o não dão caímos.
Risos do PS.
0 que é podemos fazer? Passamos a vida a cair.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só não cai o PCP!
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Olhe que não!
O Orador: - No fundo, o que é que queria o PCP? Que disséssemos ao PSD: «Ou é como queremos ou a Constituição fica como está.» O PSD dizia-nos assim: «0 quê?, Reprivatizações por dois terços? Então preferimos que fique como está, porque, se são vocês a fazê-las, então preferimos o capital de queixa de dizer ao país que não há reprivatizações porque os senhores não deixaram.»
Vozes do CDS: - Ah! É isso!
Voz inaudível do deputado José Magalhães (PCP).
0 Orador: - Com calma, com calma, sem interrupções e sem diálogo. 0 aparte é uma coisa e interrupções constantes é outra.
0 professor Cavaco Silva dizia-nos logo: «Não, não. Então, fica como está!». Resultado: nem era como queríamos, nem como o PSD queria, era como queria o PCP!
Protestos do PCP.
Compreendo que defenda este ponto de vista. É que assim conseguiam que a Constituição fosse o que vocês querem. Tenham paciência! Nem é o que queremos, nem o que queríamos, nem é o que vocês querem, nem é o que o PSD quer, porque, como muito bem realçou o Sr. Deputado Nogueira de Brito, quem decaiu mais no artigo 83.º e na Constituição económica em geral...
0 Sr. José Magalhães (PCP): - O PS!
0 Orador: - Desculpe, não foi! Foi o PSD que queria a abolição do artigo 83.º Queria uma economia sem princípios, porque só salvou um desses princípios
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- honra lhe seja!... - ou seja, o da subordinação do poder económico ao poder político, não como princípio mas como incumbência do Estado porque recuperou-o no artigo 81.º No resto, não havia mais princípio, nós salvámos os princípios.
Também verifiquei com agrado que hoje os senhores não me falaram - e muito bem - no problema da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Falámos!
O Orador: - Não falaram, porque os senhores têm de reconhecer que ou o artigo ou o princípio significa que temos de apropriar tudo o que é principal meio de produção e, como não podemos partir do princípio, como ontem fizeram, de que o que já está nacionalizado chega, não é preciso mais, isso levaria à conclusão de que os principais meios de produção eram só aqueles que tinham sido nacionalizados, o que era um absurdo. Como não podemos aderir a esse absurdo, temos então de admitir que aquilo que dizemos equivale àquilo que lá está. É a possibilidade e não a imposição de nacionalizar tudo e mais alguma coisa.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Disse-me o Sr. Deputado que escamoteei ao evitar a comparação entre a nossa proposta originária e o que ficou na proposta da CERC. Como é que eu podia escamotear um facto óbvio, sabendo que os senhores estariam aí para me lembrar isso, porque eu já vos conheço um pouco e sei que não deixavam passar?
Depois das 2000 ou 3000 páginas dos trabalhos da CERC, etc, reconheçam, Sr s. Deputados do Partido Comunista, que a Constituição económica que resulta desta revisão é, repito, uma Constituição económica de modelo de economia mista com garantia da coexistência de um sector público com o privado e com o social, ou hoje o cooperativo...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que é mau!
O Orador: - ... e que, portanto, o essencial do modelo económico da Constituição de hoje foi salvaguardado, à excepção daquilo que hoje teria de ser considerado um erro ou um empecilho.
Leio as constituições que me aparecem à mão - e já li muitas, umas dezenas delas - e em nenhuma vi uma regra destas: a de que determinadas nacionalizações são dogmáticas, intocáveis, são um acto de fé, ali não se mexe. As do Leste não precisam dizê-lo, mas mesmo assim nas Constituições húngara e até soviética
- e os seus habitantes devem considerar-se muito felizes - não há qualquer norma deste tipo, porque eles próprios estão a encarar alterações que seriam impedidas por uma norma deste género. Por que é que havemos de ser nós os únicos a ter uma norma deste género? Porquê?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para agradar ao Deputado José Magalhães!
O Orador: - Em 1976, compreendeu-se, e eu estive com esta norma. Não fiz parte da Constituinte, mas devo dizer que estive com ela. Não sou hipócrita ao
ponto de dizer que não. Em 1982, defendia-a, porque ainda tinha o tal receio, não tínhamos uma democracia estabilizada. Começámos a estabilizá-la neste momento e agora, de forma alguma defendo essa norma e até acho que é um empecilho e um erro que devemos eliminar da Constituição. Temos de ser claros quanto a isto. É só isto e mais nada.
Quanto ao resto, ao essencial, queremos uma lei de sectores que diga o que é que pode ou não ser privado, assim com uma lei que regule a forma de nacionalizar, de desnacionalizar, de reprivatizar... de fazer tudo isto. Tem de ser assim. Só assim é que seremos um Estado de direito e daremos aos instrumentos de governação, sejam eles quais forem, a legitimidade correspondente ao voto popular. Não pode ser de outra maneira.
Quanto aos trabalhadores, não creio que eles tenham a mínima razão de queixa da maneira como o PS defendeu a Constituição tal como neste momento se encontra. Devem estar contentíssimos porque não deixámos mexer num item, repito, dos direitos consignados na Constituição.
Ao Sr. Deputado Francisco da Silva direi que, de modo algum, estou de acordo em que a alteração indicada da CERC desvalorize o sector cooperativo. Pelo contrário! Acho que, emparceirando com o sector cooperativo, o sector dos baldios - o sector comunitário - e o sector autogestionário, sobretudo emparceirando-os num sector social, acentuamos a vertente social do cooperativismo. Ninguém é mais cooperativista do que nós, como calcula. Somos nós os campeões do cooperativismo. Dê-nos este mérito. Aqui o cooperativismo alinha-se com o nosso ideário, mais do que pelo ideário de qualquer outro partido. É sabido isso! Por isso, não íamos, com certeza, fazer uma proposta que desvalorizasse o sector cooperativo. Não!
Quanto à expressão: «Sector cooperativo e social», o «e» vinha logo significar que o cooperativo não era social. Ora, o que queremos é acentuar que ele é o, mais do que nenhum outro sector. Portanto, «cooperativo e social» nunca! Quanto muito, «social e cooperativo», embora com conotações fonéticas feias. «Cooperativo-social», como trato já não seria pior. Outra solução talvez - e estamos abertos a ela, se isso vos dá preocupações, e alguns cooperativistas do nosso partido estão preocupados -, como esta: «Cooperativo-social» ou, melhor ainda, «o sector social é constituído por: o sector cooperativo ...; os bens comunitários ...; os bens autogestionários ...» Qualquer uma destas formulações servem-nos e espero que sobre isso acabemos por encontrar uma formulação que dê satisfação a quem tem a preocupação! Preocupação de quê? Por que é que o sector social aparece aqui? Digo-o frontalmente: para poder desaparecer a referência à «propriedade social». Disse isso na comissão, sem qualquer espécie de hesitação, porque não sei o que é «propriedade social», mas já sei o que é um sector social de propriedade.
Por outro lado, acho que o sector comunitário não é um sector público e que o sector autogestionário também não é um sector público, não tem nada que ver com o sector público, mas tem a ver com o sector cooperativo e com o sector social que abranja os três.
Conseguindo nós eliminar a referência não só à «propriedade social», que ninguém sabe bem o que é, que, afinal de contas, não está definida na Constituição
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senão pelas suas bases e pelas suas condições de desenvolvimento,
como também a «posse útil», que também
é um conceito equívoco, embora mais ou menos vamos
sabendo o que é, e até também os colectivos de traba
lhadores como sujeito de direitos, que não estão estru
turados na lei nunca foram estruturados pelo colec
tivo, como sujeito de direito, parece-me que são
conquistas não só do ponto de vista de aperfeiçoamentos
técnicos mas de valorização do sector cooperativo.
Não é outra a intenção. Portanto, se acharem melhor
qualquer uma destas formulações, não estamos fechados a isso.
«Os penedos não se movem», disse eu «não têm
memória», disse o meu amigo Octávio Teixeira. Pois
não! Mas também não têm a previsão de futuro.
0 problema não é de personalização. Se eu aqui não representasse o PS, não haveria mal, era uma voz desgarrada, era um voto único, mas acontece que o PS me dá o privilégio de poder, quando falo nestas matérias, reproduzir uma vontade que foi definida no grupo parlamentar. Não somos «franco-atiradores»; primeiro definimos a vontade do partido e depois alguém a exprime melhor ou pior, e é nesse papel que agora m encontro.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É por isso mesmo!
0 Orador: - Não estou isolado, Sr. Deputado. Esteja descansado!
0 Sr. Deputado perguntou o que é que o facto de Portugal estar
no Mercado Comum tinha a ver com a nossa Constituição económica.
Creio que tem que ver, sim, Sr. Deputado! Se me perguntar se poderíamos
continuar a estar no Mercado Comum com a
Constituição económica que temos, dir-lhe-ei que sim.
Entrámos para lá com ela, porque é que não havíamos
de continuar com ela?
Porém, se me perguntar se a nossa Constituição económica
está alinhada pelo espírito do Tratado de Roma
e pelo modelo económico dos países da Comunidade,
dir-lhe-ei que não está. Aliás, convém que nos alinhemos!
Até lhe digo mais, Sr. Deputado: tenho dúvidas de
que algumas normas da nossa Constituição não firam
o espírito senão a letra do Tratado de Roma. Nunca
estudei esse problema em profundidade, mas tenho certas
dúvidas sobre se algumas das normas que hoje vigoram
na nossa Constituição económica não ferem o espírito
do Tratado de Roma. Contudo, não tem
importância alguma porque estamos em vias de eliminar
esse problema; ele vai desaparecer!
Sr. Deputado disse ainda que não se justificavam alterações tão radicais.
Ora, aí está a nossa divergência, pois não achamos que estas alterações sejam muito radicais. Porém, respeito o vosso ponto de vista. Sei que estão à nossa esquerda...
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa,
Sr. Deputado?
0 Orador: - Faça favor.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): Sr. Deputado, referi-me às alterações radicais da posição do Partido Socialista entre 1983 e 1989.
0 Orador: - É claro que para o PCP o PS não tem
emenda!
Sr. Deputado Roleira Marinho, quanto à questão de
saber se a gestão, dos baldios não deveria ser deixada
para a lei geral, devo dizer que creio que a última lei
dos baldios foi declarada inconstitucional porque não
quis reconhecer que a titularidade da gestão deve pertencer
às Comunidades, mas que a questão é delegável. Ora desde que tudo funcione dentro da regra da delegação de poderes e de competências,
a inconstitucionalidade desaparece.
Creio, pois, que a gestão deve de pertencer porque isso é a definição do sector: é pela propriedade e pela gestão. Mas essa delegação não é indelegável; ela pode
legá-la, se quiser, na autarquia nomeadamente na freguesia. Parece que isso já foi antecedido pela prática e talvez fosse bom o legislador entender e pôr-se de acordo com a realidade, porque hoje a realidade já é essa em 70% ou 80%.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito felicitou-me e, como é evidente,
comprometeu-me...
Vozes do PCP: - Ah!
0 Orador: - ... aos olhos do PCP. Não aos meus!
Aliás, tenho muito gosto em receber as suas felicitações.
Nós não votámos só porque é a constituição mais à
esquerda. Votámos porque queremos o que está aqui.
A qualificação veio depois! Ainda é, de facto, a Constituição
mais à esquerda, mas não mais esquerdista.
Poderá ser mais solidarista, mas não mais esquerdista. É mais
à esquerda!
Aliás, somos um partido de esquerda, e sobre isso
não há mistério algum. De facto, não somos tão à
esquerda como outros que também o são, mas somos
um partido à esquerda e assumimos esse facto com
muito orgulho.
O Sr. Deputado disse, e muito bem, que no
artigo 80.º quem cedeu foi o PSD. 15so é óbvio!
0 Sr. Deputado também afirmou aquilo que ontem
referi, ou seja, que o que garante a independência do
poder político é a estrutura do Estado. Ontem referi
a democracia estável.
Quanto ao facto de o PCP dizer que o sector público
devia ser reforçado, sabemos que é esse o ponto de
vista desse partido, mas a esse respeito vou terminar
de uma maneira que pretende ser graciosa: já que nós
eliminamos a irreversibilidade das nacionalizações da
Constituição, espero que o PCP elimine também a sua
própria irreversibilidade.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Manuela Aguiar.
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente,
peço a palavra ao abrigo do direito de defesa da minha
bancada, pois no decurso da intervenção do Sr. Deputado
Almeida Santos foi feita uma observação que formulou
uma acusação política em relação ao PCP, que
não é justa.
A Sr.ª Presidente: Faça o favor, Sr. Deputado.
0 Sr. José Magalhães (PCP): - 0 Sr. Deputado Almeida Santos acusou a bancada do PCP de «cegueira» na apreciação desta matéria quando disse que só quem era cego é que não via como era boa e excelente a solução saída do acordo. Ora, por um lado,
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isso não é verdade e, por outro lado, é uma contradição na própria argumentação do Sr. Deputado Almeida Santos.
Na verdade, o Sr. Deputado começou por sustentar que o PS vota o que quer, porque quer, mas não vota o que quer na medida exacta em que queria. Porquê? Porque o PSD não deixa, porque o PSD não quer!
E o resultado é que o Governo - e é cegueira não ver isso, devolvo-lhe a acusação - poderá, por este vosso esquema, privatizar onde entender, como entender e com regras tão vagas que um Secretario de Estado anunciava há dias que o Governo, em segunda fase de privatizações, quer fazê-las por mera negociação particular - às «urtigas» com a regra do concurso público! E VV. Ex.as autorizam!
Diz, normalmente, o Sr. Deputado Almeida Santos
- hoje não o disse, estará particularmente bem disposto -, com um ar magoado, «é mau, é um mau resultado, mas o que é que querem, uma revisão faz-
-se por dois terços, faz-se a dois, como o tango em que só não basta para dançar. Tivemos que aceitar».
Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, a questão é o preço dessa vossa aceitação, e nós dizemos isto porque não somos cegos: é grave Srs. Deputados do PS! Mas os Srs. Deputados do PSD nisto são um pouco mais virulentos. Há dias, o Secretário-Geral do PSD
- não é qualquer um, é uma eminência - dizia «bem, aos bocadinhos, o PS lá se vai aproximando da verdade; antigamente era contra as privatizações, agora, finalmente, está a favor das privatizações, ainda por cima nestas condições; amanhã esperemos que avance, enfim, até aos braços, até à fusão com o PSD».
Isto é-vos dito e os Srs. Deputados «encaixam», calam-se, ao mesmo tempo que ficam extremamente abespinhados quando o PCP diz uma evidência, a saber: em primeiro lugar, esta solução permite privatizações sem «rei nem roque»; em segundo lugar estas privatizações podem ser feitas contra os interesses dos trabalhadores; em terceiro lugar, estas privatizações permitem ao Governo arrecadar milhões para utilização conjuntural, de olho nas eleições legislativas; em quarto lugar, estas privatizações nem sequer têm garantias de adequada avaliação e, portanto, negociatas absolutamente escandalosas, (como aquelas que o Sr. Ministro Cadilhe tem em curso sobre várias das empresas a privatizar), podem ser multiplicadas.
Ora, o PS não é alheio a isso; o PS é co-responsável por isso! Aliás, o PS não só é co-responsável por isso, como fornece preciosas armas, não para a modernização da economia portuguesa, mas quando muito para a oxigenação do tal «cavaquismo» que tem um Primeiro-Ministro que, felizmente, já «pisca-pisca», já tem síndromas disfuncionais e outras coisas que muito alegram VV. Ex.ª e a nós. Só temos pena é que os Srs. Deputados vão ao pé de Sua Ex.ª e lhe ponham uma «moleta» em sítio estratégico. Isso é que não, Sr. Deputado Almeida Santos!
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães não necessita de explicador.
Risos.
Acho muita graça ao Sr. Deputado José Magalhães, gosto sempre de o ouvir, é muito vivo e hábil a falar!
Mas umas vezes a Constituição vale tudo e é importante; outras vezes não vale nada. Esqueceu, rasgou a regra que vai ser consagrada - e ele sabe muito bem
-, que impõe regras e condições à reprivatização.
Em primeiro lugar, tem que ser feita uma lei-quadro aprovada por maioria absoluta. É verdade que o partido maioritário tem essa maioria, mas tem que nos ouvir e tem que ouvir a opinião pública do País; não pode fazer a lei que quer.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Ele não vos liga!
O Orador: - O Presidente da República tem que ter uma palavra sobre essa lei. E a Constituição - e esta regra da Constituição vale tanto como as outras - diz o seguinte: «l - A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração realizar-se-á, em regra e preferencialmente, através de concurso público, oferta na Bolsa ou subscrição pública...» Para já, a negociata tem que ser muito bem feita para o País não dar por ela.
«2 - As receitas obtidas com as reprivatizações serão utilizadas apenas para amortização da dívida pública - melhor fora que não -, do sector empresarial do Estado - melhor fora que não -, para o serviço da dívida resultante de nacionalizações - melhor fora que não - ou para novas aplicações de capital no sector produtivo».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas isso é o essencial!
O Orador: - Não sei se é o essencial. É alguma coisa que o Sr. Deputado esqueceu e que não pode esquecer quando, honestamente, faz uma crítica!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Não, Sr. Deputado. Neste momento não dou licença que me interrompa porque o tempo de que disponho é muito limitado; disponho de 2 minutos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas eu concedo-lhe tempo!
O Orador: - «Os trabalhadores das empresas, abjecto de reprivatização, manterão no processo todos os direitos e obrigações de que foram titulares». Mais ainda: «Os trabalhadores terão direito à subscrição preferencial de uma percentagem do capital e proceder-se-á à avaliação prévia dos meios de produção e de outros bens a reprivatizar por intermédio de mais de uma entidade independente.»
Se depois disto o Sr. Deputado acha que pode afirmar que são privatizações sem «rei nem reque»...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - ..., que os trabalhadores estão perfeitamente abandonados, à sua sorte...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
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O Orador: - ... , que utilizarão as verbas livremente, ad libitum, com olho nas legislativas, para fazer negociatas...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - ..., então o Sr. Deputado acredita muito pouco neste Parlamento, no poder da imprensa ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - E do PSD!
0 Orador: - No PSD também não acredito!
Como estava a dizer, o Sr. Deputado, acredita pouco no poder da opinião pública e no poder da democracia em geral. Se acreditar um bocadinho, o Sr. Deputado poderá dormir mais tranquilamente do que aquilo que parece que dorme.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Neste momento, à semelhança do que foi feito pelas outras bancadas, o PRD também gostaria de fazer uma intervenção sobre o nosso entendimento acerca desta parte da Constituição que trata da organização económica.
É evidente que o PRD não tem necessidade de ser confrontado com afirmações, apesar de tudo sempre fora do contexto, quanto a posições anteriormente assumidas por nós sobre um ou outro preceito da Constituição. Hoje, a nossa posição pode ser clara, sem grande ambiguidade, sem prejuízo de admitirmos que, eventualmente, algumas das soluções que propomos podem vir a não ser as mais ajustadas.
No entanto, do ponto de vista político e perante as várias soluções propostas, entendemos que a Constituição não é imutável, que deve ser ajustada e que a dinâmica social deve repercutir-se ao nível da própria Constituição. Concretamente, quanto à questão das privatizações - artigo 83.º - entendemos que, naturalmente, há que abdicar do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, instituído logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. Assim, a questão que pomos é a de saber em que medida o que foi indiciado em sede de CERC é suficiente para garantir o que consideramos essencial.
Ora, como se pode ver pela nossa própria proposta, entendemos que as soluções indiciadas não oferecem as garantias mínimas e suficientes quanto à existência da propriedade pública, nomeadamente quanto a alguns sectores, em relação aos quais pensamos que não deveriam efectuar-se as privatizações. É o caso dos sectores estratégicos da economia cuja definição não seria feita por uma lei «laranja» mas por uma lei aprovada por uma maioria de dois terços.
Portanto, relativamente à Constituição económica, a mossa posição é a de que entendemos que há que abolir o princípio da irreversibilidade das nacionalizações cujo momento histórico já passou, embora possa afirmar que o teríamos subscrito na altura, caso já existíssemos como partido, o que não acontecia nessa data. No entanto, pensamos que, agora, esse princípio já não se justifica, devendo ser revisto.
Repito que se o PRD tivesse estado representado no Parlamento em l974, certamente teria subscrito aquele
princípio que, na altura, foi aprovado por todos os partidos presentes nesta Câmara, até porque correspondeu a um momento histórico que entendemos não deve enjeitar, antes pelo contrário.
A este propósito, gostaria de dizer que fiquei muito satisfeito com a resposta que me deu o Sr. Deputado Almeida Santos - outra não seria de esperar. É que penso que, em termos políticos, esta questão constitui o cerne de toda esta discussão, nomeadamente no que respeita a todos os que, dentro e fora desta Casa, têm a memória muito curta e se orientam pelo sentido das conveniências e dos privilégios em cada momento, esquecendo toda a luta e todo o trabalho que estiveram envolvidos na prossecução de certos objectivos por altura do 25 de Abril de 1974.
concretamente, estou a referir-me às palavras do Sr. Deputado Almeida Santos quando afirmou que « ... fui livre quando existia Salazar e, portanto, é evidente que também fui livre e continuei a sê-lo quando subscrevi as medidas que então foram tomadas e que hoje me disponho a corrigir e a alterar...» Queria sublinhar que estas afirmações foram feitas com muito ênfase, o que, aliás, não poderia ter sido de outra maneira, vindo do Sr. Deputado.
Penso que é muito importante este sublinhado porque,
como afirmei ontem, por vezes, parece-me ver
nesta Câmara pessoas com grande responsabilidade
equacionarem a revisão da Constituição, e não só,
numa perspectiva contrária às conquistas políticas efectivas
do 25 de Abril - não me refiro às nacionalizações -, manifestando-se
de uma forma que não tem em conta a realidade que ainda recentemente
se viveu neste País.
É que, para todos os que forem intelectualmente honestos, não é possível enjeitar o passado. Neste ponto reivindico a minha qualidade de militar do 25 de Abril para sublinhar as críticas que é necessário fazer relativamente ao período pós-25 de Abril. No entanto, entendo que é inaceitável que políticos responsáveis do Portugal de Abril procurem sobrevalorizar os naturais «erros de percurso» e as incorrecções e problemas vividos por todos nós, ignorando e esquecendo que resultaram e foram a sequência lógica de um regime de ditadura que durou 50 anos.
Tal atitude é perfeitamente desajustada e incorrecta e até diria que, no mínimo, é intelectualmente desonesta, sendo muitas vezes tomada nesta Câmara, o que não deveria acontecer. Se, efectivamente, tais atitudes poderão ter uma explicação quando tomadas fora desta Casa, aqui dentro tem que se ter cuidado para não se verificarem porque, face à opinião pública, não se pode perspectivar um conjunto de ideias daquele teor.
Um exemplo relativo a este matéria é o dos célebres pactos MFA/Partidos. 0 primeiro destes foi assinado em l3 de Abril de l975, antes das eleições e alguém ignora que o seu objectivo era o de que as eleições livres tivessem lugar a 25 de Abril seguinte...
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Todo não!
0 Orador: - ..., um ano depois da revolução, de acordo com o solene compromisso que tinha sido assumido pelo MFA perante o povo português? E quais eram esses partidos? Eram alguns constituídos muito pouco tempo antes, presididos por líderes da opinião pública, uns com provas dadas no tempo do anterior regime no sentido de quererem a mudança do sistema,
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outros nem tanto. Havia, ainda, outros políticos já com um longo passado de luta contra a ditadura, alguns já com longas tradições - caso dos do Partido Comunista - e outros, como os do Partido Socialista, que só muito pouco tempo antes tinham fundado o partido. Nesse tempo, quando os seus representantes eram chamados à Cova da Moura, nós, os militares, por graça, dizíamos que o Partido Socialista cabia todo dentro de um Fiat 6001...
Risos.
Foi com estes políticos que o MFA celebrou um pacto. E porquê? Porque o MFA tinha legitimidade revolucionária e reconhecia que estas individualidades constituíam a génese do que deveria vir a ser os partidos políticos, que sempre respeitou. Aliás, em todas as declarações do Movimento existe o reconhecimento claro e inequívoco da democracia pluralista, independentemente da ideologia de cada partido, à parte do fascismo. Srs. Deputados, foi esse o primeiro pacto MFA/Partidos.
Quanto ao segundo pacto, ele resultou da iniciativa do MFA, que entendeu que, perante a alteração das condições políticas, havia que rever os termos do primeiro pacto, até porque, como todos reconhecemos, as condições se tinham, de facto, alterado.
Também hoje em dia se alteraram as condições em relação ao 25 de Abril de 1974 e nós não estamos estáticos: admitimos a dinâmica social e entendemos todas essas evoluções.
Quando ontem o Sr. Deputado Almeida Santos afirmou que, provavelmente, não se deveria recordar certas coisas ou, pelo menos, desinseri-las do contexto por poderem ter uma leitura desajustada, disse uma verdade. Assim, dei-me ao trabalho de ir ler as declarações de voto dos vários deputados relativamente à Constituição de 1976, alguns dos quais estão aqui presentes. Devo dizer que, mesmo quando os Srs. Deputados discordaram da posição que tinha sido globalmente assumida, verifiquei, satisfeito, que procuravam sempre contribuir para encontrar as melhores soluções para o País.
Naturalmente que, hoje, podem responder-me que o fizeram enquadrados num dado momento histórico e condicionados por um determinado tipo de compromissos. Mas ninguém ignora que a vida política implica esses compromissos. Aceito - e os Srs. Deputados também - que tivesse havido compromissos que, provavelmente, condicionariam a opção individual de muitos de nós. Ora, estou a discutir as soluções do acordo PS/PSD, com o qual não concordo em muitos pontos, mas não estou a negar a legitimidade desses compromissos.
O Sr. Deputado Almeida Santos fez uma afirmação, que levada à letra pode ser perigosa, segundo o qual, sempre que o PSD não deu o seu acordo às soluções propostas, o PS decaiu. Isto significaria que se, por hipótese, o PSD nunca tivesse concordado com nada, o PS nunca se levantaria e estaria sempre a cair.
Risos.
Claro que não foi esse o sentido que o Sr. Deputado quis transmitir, mas isso não se pode considerar compromisso. O PS não abdicou do seu projecto de Revisão Constitucional e se o compararmos com o texto final da CERC não existe uma diferença substancial entre ambos.
Enquanto projecto autónomo para a Revisão Constitucional, subscrevo o projecto do Partido Socialista, embora não subscreva muitas das propostas deste partido apresentadas em sede da CERC. Subscrevo igualmente algumas das propostas apresentadas pelo CDS e isto não são compromissos!
Srs. Deputados, porque somos lidei es da opinião pública, não podemos ignorar o que era e como se movimenta e sentia o povo português em 1974 e em
1975. Não podemos ignorar o problema do CDS, que foi um partido que subscreveu os diversos pactos MFA/Partidos mas votou contra a Constituição de
1976. nem como é que se exprimia naquele momento histórico relativamente ao seu próprio projecto de sociedade, nem tão pouco como é que esclarecia o povo português sobre o que era ou não útil na altura. É ou não verdade que, hoje em dia, para além do princípio fundamental da sua própria filosofia, o CDS tem uma adaptação face à realidade concreta que se vive neste País?
Srs. Deputados, esta minha intervenção tem o objectivo exclusivo de transmitir o meu entendimento de que, como elementos justificativos desta revisão da Constituição, não é correcto dar-se a entender que devido aos erros e às coacções - e já há bocado ficou aqui explicado o que se entende por coacção - que sofreram imediatamente após o 25 de Abril, os deputados de então não tiveram a liberdade suficiente para elaborarem a Constituição que, na altura, entendiam necessária e adequada.
Recordo mais uma vez que basta ler a declaração de voto do professor Freitas do Amaral relativa à Constituição de 1976, o que não o inibiu de ter subscrito o célebre pacto MFA/Partidos, votando, a seguir, contra a referida constituição. Na altura, fiquei aborrecido, mas, hoje, devo dizer que ainda bem que o CDS tomou essa posição, porque permite desmistificar algumas atitudes que se pretende mistificar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda quanto à questão que nos ocupa, que é a da organização económica do País, gostaria de repetir o que disse na CERC e peço a benevolência da Câmara para a leitura da atitude que então assumimos, que, no meu ponto de vista, sintetiza a posição do PRD de uma forma suficiente.
Disse eu na altura: «O PRD entende que a maioria tem legitimidade para fazer variar a extensão do sector público mas que a possibilidade de variação encontra e deve de encontrar limites. Tais limites são, antes de mais, os que para além de impostos pelo artigo 290.º, mesmo interpretado com elasticidade, são reclamados pelo princípio, que ninguém ousará publicamente contestar, da subordinação do poder económico ao poder político democrático, quer como incumbência prioritária do Estado, quer como princípio fundamental do Estado. A independência do poder democrática requer que o Estado não fique desarmado pelos sectores estratégicos da economia e as armas da polícia e da legislação não chegam. É ao Estado e às pessoas colectivas públicas, por outro lado, que cabe prestar serviços públicos. Finalmente, nenhuma lógica de concorrência permite justificar que para o sector privado sejam transferidas empresas públicas que actuam, de direito ou de facto, em situação de monopólio ou exclusivo ou domínio do mercado. Não quer tudo isto dizer que se tenha opção da economia pública, carecida, aliás, de reformas profundas no modo do seu funcionamento. Mas tem-se a noção do equilíbrio e a dos
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perigos para a independência do poder democrático que resultaria de uma concentração exorbitante do poder económico em Portugal, em mão nacionais ou estrangeiras, e para a qual existem, de resto, circunstâncias propícias.
Estas são as razões da redacção propostas para o artigo 84.º que substituiria, na sua função, o artigo 83.º, irreversibilidade das nacionalizações.
Ponto muito delicado que ficava em aberto era o da
definição dos sectores estratégicos da economia, aos
quais é vedado ou, alteração significa relativamente ao
que hoje consta do artigo 85.º, n. 3, limitado o acesso
de empresas privadas. Devolver pura e simplesmente
para a lei, esvaziaria de eficácia a norma constitucional.
Definir constitucionalmente os sectores estratégicos
teria porventura, demasiada rigidez. Optou-se pela
solução de remeter para a lei aprovada por maioria de
dois terços, mas que pode a qualquer momento, ser alterada,
com a reserva que aqui se faz da disponibilidade
para substituir essa remissão por uma definição constitucional
dos sectores necessariamente estratégicos.
Creio que isto sintetiza a posição do PRD que, do
nosso ponto de vista teria, na sua essência, o acordo
do PS, segundo constava do seu projecto de lei de revisão
constitucional inicial e não de acordo PS/PSD.»
Srs. Deputados, este é o resumo da nossa posição, isto é o que entendemos relativamente à questão, sem prejuízo, naturalmente, de depois explicarmos, em
pormenor, cada um dos pontos, relativos à revisão da Constituição.
0 Sr. Carlos Brito (PCP):- Peço a palavra, Sr. e Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Para que fim, Sr. Deputado?
0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vai realizar-se, ao meio-dia, uma conferência dos presidentes dos grupos parlamentares para discutir a marcha da revisão e a atribuição de tempos.
A direcção do grupo Parlamentar do PCP carecia de fazer uma reunião, de um quarto de hora ou de dez minutos, para afinar algumas propostas que queremos levar à conferência.
Não queremos interromper já a fluência e a sequência dos pedidos de esclarecimento, porque não queremos prejudicar o debate, mas precisávamos realmente de dez minutos para apurar algumas posições em relação a propostas que irão ser feitas pelo PCP nessa conferência de presidentes. Colocava, portanto, a questão à Sr.ª Presidente e também às direcções das bancadas parlamentares.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, depreendendo que está a pedir a interrupção dos trabalhos por dez minutos ou quinze depois dos pedidos de esclarecimento e das respostas do Sr. Deputado Marques Júnior. É isso?
0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Penso que nessa altura será um bocado apertado, uma vez que a conferência realizar-se-á ao meio-dia.
A Sr.ª Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a
palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, também eu tenho de ir a essa conferência de presidentes dos grupos parlamentares. No entanto, estou
inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Marques Júnior e,
assim, pedia ao PCP que a interrupção
que solicita tenha lugar apenas depois dos pedidos de
esclarecimento e das respostas.
A Sr.ª Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem, este tipo de pedido leva a que se interrompam de imediato os trabalhos. Deduzo, no entanto que o Sr. Deputado Carlos Brito aceita a continuação dos trabalhos até ao fim dos pedidos de esclarecimentos e das respostas do Sr. Deputado Marques Júnior.
0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr.ª Presidente, sugeríamos então que a conferência fosse adiada um quarto de hora. Se assim for, haverá tempo suficiente para serem feitos os pedidos de esclarecimento e para o Sr. Deputado Marques Júnior responda.
A Sr.ª Presidente: - Parece que há consenso nesse sentido de todas as bancadas e, por isso, fica decidido o adiamento, por quinze minutos, da conferência dos presidentes dos grupos parlamentares.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, teremos, na altura, oportunidade de discutir mais directamente a proposta do PRD no que se refere ao artigo 83.º Porém, desde já, permito-me antecipar - de resto na sequência do que fizemos na Comissão Eventual de Revisão Constitucional - a nossa profunda discordância em relação a ela.
Trata-se de uma proposta de uma extrema equivocidade, que, no fundo dizendo que muda, não aponta nenhuma mudança. Nada mais faz do que dizer que se muda para que tudo fique na mesma. Em concreto, caso esta proposta fosse levada à prática, face ao seu conteúdo normativo e às implicações pragmáticas que dela resultariam, tudo ficaria essencialmente na mesma. Mudaria o estigma, deixaria de haver irreversibilidade das nacionalizações... Mas, na prática, o que acontecia era ficarem aí todas as que estão. Na altura, teremos oportunidade de demonstrar que seria a este resultado prático que levaria a proposta do PRD; se projectada correctamente a norma constitucional que' o PRD propõe e imaginadas as consequências através da mediação da legislação ordinária, as coisas não mudariam substancialmente. Mas na altura teremos oportunidade de abordar este assunto mais ex professo.
Permita-me, agora, fazer-lhe uma pergunta muito simples, embora estas
questões de carácter histórico não nos prendem por aí além. Penso que, hoje, aqui e agora, o essencial é vermos o que de melhor se nos enseja para levarmos à categoria de norma jurídico-constitucional. Para nós, a História é, quando muito, um elemento hermenêutico e um elemento de uma certa legitimação das propostas e, portanto, o argumento histórico não deve ter o privilégio. 0 privilégio deve ser dado à bondade e ao mérito das propostas.
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De todo o modo, o Sr. Deputado, com a emoção que lhe é conhecida e que respeitamos, com o empenho pessoal que é conhecido e que respeitamos, fez, mais uma vez, a história do seu percurso pessoal e da sua vivência pessoal ao longo dos anos conturbados desde o 25 de Abril. Disse, porém, uma coisa que não pode passar sem uma nossa observação e sem a nossa discordância muito firme. O Sr. Deputado disse, com o ar mais singelo e mais evidente do mundo, que o primeiro pacto visava apenas...
Quer falar, Sr. Deputado José Magalhães?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado. Estou a acompanhá-lo com entusiasmo.
O Orador: - Gosto disso!
O Sr. Deputado Marques Júnior disse, com o ar mais ingénuo e mais inocente do mundo, que o primeiro pacto visava apenas garantir eleições e nada mais! O primeiro pacto tratava apenas de garantir eleições e só isto, concluiu o Sr. Deputado Marques Júnior,...
A Sr.ª Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - ... esquecendo que do que se tratava era de fazer eleições que não eram eleições, que do que se tratava era de escolher aquilo que não se podia escolher! Isto porque o primeiro pacto, como os senhores reconheceram quando acederam a negociar o segundo, não dava escolha nenhuma.
De que eleições se tratava? Tratava-se de eleições para a Assembleia Constituinte, tratava-se, portanto, de eleições para um órgão que havia de modelar a estrutura política, cultural e social de Portugal do futuro. Mas que hipóteses restavam aos partidos? Não restavam hipóteses nenhumas!... No pacto estava conformado tudo o que tinha a ver com a organização económica, tudo aquilo que tinha a ver com os modelos de sociedade. Todos os partidos unham que respeitar a ir reversibilidade das nacionalizações, todos tinham de ser socialistas, todos tinham que propor o caminho do avanço para o socialismo... Que eleições eram estas, Sr. Deputado?
Que o Sr. Deputado diga, como disse em parte da sua intervenção, que há que reconhecer os erros que todos cometemos - na verdade, todos cometemos erros, todos temos alguma coisa a ver com isso - é uma coisa. Agora vir aqui, com esse ar tão inocente, dizer que do que se tratava era apenas de garantir eleições, é outra coisa! O que o pacto garantia era eleições que não o eram!... O que ele garantia eram eleições que não eram escolha!...
Eleger significa escolher, o étimo é exactamente o mesmo e o Sr. Deputado, na medida em que ainda se louva do primeiro pacto, está a louvar-se de uma postura que imporia aos partidos, verdadeiros representantes de correntes de opinião e de correntes de projectos de organização social, que fossem eleitos para que todos escolhessem e votassem o mesmo. Era isso o que o MFA queria!... O primeiro pacto é isto, Sr. Deputado, o resto é mistificação! E a prova disso é a elaboração de um segundo pacto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior pretende responder já ou responde no final dos pedidos de esclarecimento?
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Respondo já, Sr.ª Presidente.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Responda no final, Sr. Deputado, pois vou pedir-lhe esclarecimentos sobre o mesmo assunto.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Está bem, mas desejo responder já ao Sr. Deputado Costa Andrade.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - O Sr. Deputado Costa Andrade, de uma forma sistemática, invoca esta questão de uma maneira que me parece desajustada. Isso começa a preocupar-me e gostaria de tentar eliminar este problema de uma vez por todas..
Voz inaudível do deputado Costa Andrade (PSD).
O Orador: - Não é verdade, Sr. Deputado Costa Andrade, mas deixe-me explicar.
Comecei por dizer que foi o Sr. Deputado Rui Machete que ontem, numa intervenção que produziu, resolveu fazer a historia deste período, não fui eu. Portanto, o Sr. Deputado Costa Andrade não me pode negar a legitimidade de fazer a minha história desse período, e devo dizer-lhe que não falei em termos pessoais, não falei no meu percurso. Deixe-me explicar isso.
O Sr. Deputado Rui Machete é uma das pessoas que mais respeito nesta Câmara, é uma pessoa intelectualmente honesta e, portanto, reconheço que o que ele disse não foi em termos negativos mas teve o objectivo de historiar, dando , naturalmente, um cunho pessoal à sua interpretação, com a qual, nalguns pontos, nem sequer é em todos, estou em desacordo, Sr. Deputado Costa Andrade.
Quando falei no primeiro pacto, não foi para me louvar nele; se assim pensou, penitencio-me, pois não foi essa a minha intenção, não foi isso que eu quis dizer.
Tal como o Sr. Deputado Costa Andrade, louvo-me no primeiro pacto, louvo-me no segundo e louvo-me depois por não haver pacto. É ou não verdade que o Sr. Deputado assinou o primeiro e o segundo pactos e que acabou com todos os pactos? Louvamo-nos todos, Sr. Deputado Costa Andrade!...
O que não pode ter é uma visão distorcida desta realidade. É só isso, Sr. Deputado! Sei que cambem defendeu o 25 de Abril e que lutou por ele. Defendemos os dois, provavelmente com pequenas diferenças entre um e outro. Não podemos fazer - e o Sr. Deputado Herculano Pombo encontrou uma expressão feliz, quando se referiu à avestruz - é, tal como a avestruz quando põe a cabeça na areia, esbracejar de uma tal maneira que nos faz ignorar outras realidades.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É só isso, Sr. Deputado Costa Andrade.
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Não me quero louvar do primeiro pacto se ficou essa ideia, que fique claramente registado em acta que não me louvo do primeiro pacto nem do segundo nem do que se passou depois mas, isso sim, louvo-me de todos ao mesmo tempo, no momento histórico em que cada um viveu. É só isso, Sr. Deputado Costa Andrade.
Gostaria de dirimir, com o Sr. Deputado Costa Andrade, a dificuldade que, temos nestas interpretações históricas e, para isso, desafio-o até para, durante um almoço ou- m jantar assentarmos melhor nestas questões. 15to porque o Sr. Deputado Costa Andrade, de uma forma sistemática, faz interpretações que, do meu ponto de vista, são desajustadas, desinseridas da realidade histórica em que as coisas se processaram.
0 que pretendo, Sr. Deputado Costa Andrade, é que as análises sejam inseridas no momento histórico em que cada um e todos vivemos e não podemos ignorar isso. Não podemos analisar os fenómenos de l974 com a perspectiva de l989. Fazê-lo é errado e, contraditório com o que o próprio Sr. Deputado Costa Andrade defende, ao fazer a Revisão Constitucional nos termos em que está a defendê-la.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos,
tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, compreendo perfeitamente o tom emotivo do Sr. Deputado. Tem toda a razão em defender aquilo
por que lutou e por que acreditou em determinada época. Não há dúvida de que o primeiro pacto foi o «preço das eleições» e o segundo, já depois do 25 de
Novembro, poderia ser completamente diferente do que
foi. Realmente, continuava a manter a ideia do pluralismo
socialista, continuava a ser uma deturpação ou
deformação de uma verdadeira democracia pluralista.
De qualquer forma isso terá de ficar arquivado na História e o que
deverá contar será a actual revisão, como já devia ter contado a revisão de l982.
Já que se estão a evocar posições e situações pretéritas, direi que, exactamente depois da votação final global da revisão constitucional de l982, eu disse: «0 sentido do meu voto foi o do meu partido, mas, disponivelmente vinculado a essa disciplina, não renuncio a exercer um mandato livre e a ter opiniões próprias. Considero excessivo o balanço favorável que a AD faz da revisão que agora finda. A área de compromisso que seria realmente difícil - a da Constituição económica - saldou-se por um ganho completo para o PS. Acresce que a Constituição continua emblematicamente ideológica.»
E mais adiante digo: «A menção feita ao socialismo, naquele artigo 2.º, em nada colide com as minhas convicções pessoais e entendo mesmo que o meu partido deveria programar toda a sua actuação por aquilo que é a sua componente definidora: o socialismo democrático. Mas uma coisa será o programa dos
partidos e outra o do próprio país, que terá de viver em pluralismo e segundo as regras da alternância.» Eu próprio disse isso. Está escrito no Diário da Assembleia da República, em 1982.
Devo também, en passant, rectificar que quem fez a declaração de voto do CDS (embora não me caiba falar em nome do CDS) na revisão constitucional, foi, salvo erro, o Dr. Sá Machado e não o professor Freitas do Amaral.
Também devo registar, porque a memória histórica não deve funcionar só para um lado mas para todos, que uma das intervenções verdadeiramente pluralistas e democráticas, na acepção ocidental e actual da palavra, feita nesta Câmara foi exactamente a do professor Freitas do Amaral. Verdade seja dita! Não me coíbo de o dizer, até porque não fui deputado constituinte.
Vozes do CDS: - Muito bem!
0 Orador: - Por outro lado, também devo acentuar que, de cinco em cinco anos, tenderemos a cair sempre nesta cosmética, neste comércio de florilégios meramente semânticos, construindo, no fundo, um edifício que será sempre precário e provisório.
Reconheço que há muitos e importantes passos positivos que se estão a dar, designadamente em matéria de revisão da constitucionalidade económica, tal como a solução dada ao artigo 83.º Tenho pena que algumas soluções noutros sectores, tal como a magnífica solução proposta pelo PCP para, salvo erro, o artigo 1ll.º, n.º 2, em matéria de meios informais de administração da justiça, não seja acolhida no todo, tendo sido timidamente recebida, assim como aquela outra solução do PCP para a responsabilização dos titulares dos cargos políticos que não acatarem as decisões dos tribunais. 15to além de outras soluções. Considero, na verdade, que não devemos cair em soluções maniqueístas.
Apenas direi ao Sr. Deputado Marques Júnior que lamento que, na Constituição revista, revisitada, se continuem a usar chavões, como «latifúndios», «minifúndios», coisas que ninguém sabe exactamente o que são, coisas que são verdadeiramente obsessivas, que tetanizam a capacidade de pensar, designadamente a do legislador ordinário.
A terminar e prestando homenagem aos «capitães de Abril» - acho que a designação se deve manter e é muito respeitável -, direi também que alguns deputados
de todos os quadrantes caíram em l976 numa euforia verbalista, que contrastou com a dignidade de outros deputados.
Recordo-me - e não vou falar, obviamente dos da minha bancada, - do comedimento e sensatez das intervenções do Sr. Deputado Sottomayor Cardia. Recordo-me perfeitamente - assinalei-o na altura - a dignidade das intervenções deste e de outros Srs. Deputados. Portanto, as culpas devem ser repartidas. Houve realmente culpas dos pactos, mas houve também culpas dos pactuantes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, qual é a pergunta?
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
0 Sr. Basílio Horta (CDS) - Sr. Deputado Marques Júnior, com toda a amizade e estima que tenho por si, começo por lhe dizer que não vejo grande utilidade neste tipo de debates.
Penso que são feridas antigas, espinhos enterrados, feridas quase saradas e, cada vez que se volta a falar nesta coisas, eu próprio, porque as vivi com a mesma intensidade que o Sr. Deputado Marques Júnior, me sinto já pouco à vontade.
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Neste clima de absolvição geral em que, felizmente, vivemos e que é próprio da democracia tolerante em que nos encontramos, reviver este tempos pode ter um efeito histórico, mas talvez esta não seja a melhor sede...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só vivem a História, não vivem o presente!
O Orador: - ... para fazer essa História. Ela será feita, certamente, mas não vejo que tenha grande utilidade fazê-la aqui.
No entanto, o Sr. Deputado fez algumas afirmações que não podem passar sem alguns esclarecimentos, nomeadamente no que toca ao primeiro pacto MFA/Partidos.
Sr . Deputado Marques Júnior, não se esqueça que não houve apenas um MFA, houve dois. Houve um MFA democrático, pluralista, que queria transformar Portugal numa verdadeira democracia e houve um MFA que era assim: queria transformar o País, queria fazer uma revolução no País, uma revolução que nada tinha a ver com os critérios de pluralismo, de tolerância, próprios das democracias ocidentais. Houve dois MFA e a luta entre eles foi bastante dura. Houve até momentos em que o MFA revolucionário esteve prestes a ganhar essa batalha, e o Sr. Deputado sabe-o. O Pacto MFA/Partidos foi um compromisso entre esses dois MFA, foi um compromisso para que houvesse realmente eleições, mas elas, obviamente, não eram eleições em plena e total liberdade de escolha.
Não vale a pena estarmos a lamentar se podia ser de outra maneira. Todas as revoluções têm um custo e esse foi o custo da nossa revolução. Não vale a pena estarmos a dizer se foi bom, se foi mau, mas julgo é que não foi um pacto livre, não foi um pacto que possibilitasse eleições de expressão global e perfeitamente autónoma das diversas forças partidárias.
Pois bem, falar desse pacto é falar num momento da nossa história que está muito longe e que não pode vir de paradigma para esta Revisão Constitucional. Invocar esse pacto para esta revisão é, Sr. Deputado, comparar os modelos de aviões da I Grande Guerra com os modernos jactos agora existentes. Não tem qualquer sentido uma coisa e outra, tanto mais que o acordo a que se chegou para esta Revisão Constitucional, entre o PS e o PSD, é, no nosso entender - já o dissemos e repetimo-lo -, um acordo razoável e capaz de modificar na Constituição económica aquilo que deve ser modificado, pelo que não deve ser um acordo envergonhado. Evidentemente, que não é o nosso acordo mas, no nosso entender, é um serviço prestado ao nosso país, à nossa economia e ao nosso futuro.
Sr. Deputado Marques Júnior, sei que a revolução está sempre presente no seu espírito, mas peco-lhe, se me permite, que neste processo de revisão a ponha um pouco entre parêntesis, guarde-a nas suas recordações, umas mais felizes do que as outras certamente, mas não a chame politicamente à discussão momentos que não são de lembrar nesta fase.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, ouvi a sua intervenção com toda a atenção mas não sem alguma surpresa. O Sr. Deputado veio a esta Câmara referir que todos os deputados, nomeadamente alguns dos meus colegas, têm uma visão distorcida dos acontecimentos e parece que a contrario é o senhor que tem visão correcta.
Compreendo perfeitamente que o Sr. Deputado tenha tido, por outras razões, uma proximidade relativa dos acontecimentos do 25 de Abril, mas vir aqui dizer que todos nós - que temos esse passado que é colectivo e não é só do Sr. Deputado - temos uma visão distorcida e o senhor é que tem uma visão correcta, pode crer que mentalmente ou, pelo menos, intelectualmente não é muito honesto.
Protestos do PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas por que é que não tem cuidado e algum pudor com as palavras que usa?
O Orador: - E digo-lhe isto porque o Sr. Deputado Marques júnior veio aqui dizer: «Houve o primeiro pacto MFA/Partidos assinalaram-no livremente.» Mas, Sr. Deputado, foi o próprio MFA que ilegalizou alguns partidos - e o Sr. Deputado sabe isso com certeza - que até estavam em conformidade mas que não quiseram assinar o pacto. Portanto, foi o MFA que ilegalizou esses partidos. Isto é verdade e é um dado histórico!
O Sr. Deputado veio aqui dizer que foram os partidos que livremente assinaram esse pacto. Como, Sr. Deputado?
E depois ainda há outra coisa que se poderá perguntar: qual foi o legado principal do 25 de Abril? Foi sem dúvida nenhuma - e o senhor há-de estar de acordo comigo - a liberdade, e nisso respeito o MFA, que se deu ao povo português. Mas deu-se liberdade a quem? Ao povo, para este escolher as suas verdadeiras opções. Foi isso que o 25 de Abril nos deu. Não foram as nacionalizações que nos foram legadas pelo 25 de Abril, talvez, sim, pelo 11 de Março e por outras conjunturas que não a do 25 de Abril, e é importante que não se confundam situações e alturas históricas que foram completamente diferentes, pois o 11 de Março foi quase um ano depois do 25 de Abril e depois de ele ter sido completamente subvertido.
Certamente que o senhor estará de acordo comigo, ou seja, o 25 de Abril deu voz ao povo para escolher aquilo que queria, nomeadamente fazer uma Constituição livre e que podia, nos seus próprios termos, ser revista de cinco em cinco anos.
Hoje, em 1989, o Sr. Deputado vem aqui à Assembleia falar numa questão concreta que é a da irreversibilidade das nacionalizações e dizer que não está de acordo com ela. O senhor pode não estar de acordo, tem toda a legitimidade para isso, mas há-de convir que se dois partidos que têm representatividade para modificarem essa Constituição o fazem, essa atitude não pode ser posta em causa dessa maneira, bem pelo contrário, e o Sr. Deputado escusa de se escudar em questões técnicas.
O Sr. Deputado falou, en passant, na sua intervenção, no artigo 290.º da Constituição, mas quero lembra-lhe que em lado algum desse artigo está escrito que há irreversibilidade das nacionalizações, isso não
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consta dos limites materiais da revisão. Portanto, julgo que o facto de o Sr. Deputado ao escudar-se em questões técnicas é um pouco abusivo!
O Sr. Deputado veio aqui dizer que o PRD está de acordo com a mudança mas que essa mudança deveria ter em conta algumas garantias que não estão consagradas e, depois, segundo a sua justificação, apenas o preocupa a questão de dois terços e não qualquer outra. Sr. Deputado, de facto, dois terços é uma medida que serve para questões concretas e profundas, nomeadamente a da Revisão Constitucional. Será que o Sr. Deputado entende que a mesma maioria que dá ou pode dar a possibilidade de rever uma Constituição serve para resolver o problema da irreversibilidade das nacionalizações, com o qual a maioria tão grande desta Assembleia poderia estar de acordo num tempo concreto e em termos precisos?
Sr. Deputado, então como é que funciona a maioria simples desta Assembleia? Então a maioria simples desta Assembleia não serve para nada? O Sr. Deputado
confunde a conjuntura, só porque um partido tem a maioria desta Câmara, com aquilo que deve estar estipulado na lei fundamental de todos os portugueses.
Sr. Deputado, estas são as questões que gostaria de colocar-lhe e espero que o senhor possa esclarecer-me para podermos ficar elucidados quanto ao fundo do
debate.
A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - 0 Sr. Deputado
Marques Júnior constantemente desdobra a sua intervenção em
duas partes, uma como deputado do PRD e outra como capitão do MFA.
Compreendemos que para si é muito difícil separar uma coisa da outra, mas
não para nós. Nós fazemos dois pedidos de esclarecimento, deixando a parte referente ao capitão do MFA para o deputado Basílio Horta é a de deputado do
PRD para mim, a não ser que o senhor aceite aquela
crítica de que o PRD é o partido de uma parte dos
militares de Abril e não um partido civil como os restantes.
Não queremos tomar isso como aceitável e, por
isso, desdobrámos as nossas perguntas em duas intervenções.
Quanto às propostas apresentadas pelo PRD relativas ao artigo 80.º, constata-se que o seu partido, ao mesmo tempo que mantém no texto constitucional a actual alínea c) relativa «a apropriação colectiva dos principais meios de
produção (...)» suprime a alínea e) «desenvolvimento da propriedade social;», como que por um passo de magia e, depois, na alínea f), onde consta a «intervenção democrática dos trabalhadores», substituí a expressão «intervenção» por «participação», o que é, efectivamente, dar um passo muito à direita, digamos assim, em relação ao actual n.º 80.
No artigo 83.º não se entende muito bem qual a definição dos sectores público e privado, uma vez que se diz que o sector público será disciplinado pela lei
ordinária embora reforçada - já que é disso que se está
a falar - tudo quanto se pode fazer em relação ao
sector público, embora no artigo 87.º se diga como é
que deverá ser disciplinado o sector público e qual
deverá ser o tal sector público irreversível.
Bem, feitas as contas, somos de opinião que a actual redacção proposta pela CERC é muitíssimo melhor, em relação a qualquer um dos artigos que mencionei, do que as vossas propostas e críticas. No nosso entender, se a CERC aceitasse as vossas críticas, o texto constitucional ficaria muito pior, pois não haveria sector social de propriedade, não haveria regras para privatizações, não haveria controlo sobre as privatizações, enfim não haveria nada disso.
Nestas circunstâncias, não entendemos que propostas deveremos aceitar como boas: se as propostas anteriores do PRD, se o discurso que V. Ex.ª agora fez ou se as propostas apresentadas pela CERC, de modo que gostaríamos de saber qual é a posição do PRD em relação a esta matéria, já que não interessa agora a posição do MFA em 1975. Queríamos saber realmente, qual é a posição do PRD. Há uma posição que já ficou expressa na proposta da CERC, há uma outra que não está na CERC, nem está aqui, mas está no seu discurso e a terceira é aquela que os senhores criticam como sendo o acordo entre o PSD e o PS e não se vê que estes, pelo menos neste artigo, mereçam críticas da vossa parte.
De modo que era um favor que faziam à Câmara se dissessem o que é que queriam.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Com o pedido de desculpa de não seguir a ordem dos pedidos de esclarecimento, vou responder ao Sr. Deputado Basílio Horta que tem de se ausentar, mas, antes disso, terei de fazer uma observação ao Sr. Deputado José Luís Ramos.
0 Sr. Deputado José Luís Ramos esteve na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e conhece a proposta do PRD, então o que disse é desajustado, é incorrecto, não é verdadeiro. Relativamente à irreversibilidade das nacionalizações não é verdadeiro, ... O Sr. Deputado não viu, não leu, não ouviu o discurso que eu fiz, portanto disse o contrário daquilo que eu tinha dito. E desculpe-me, Sr. Deputado José Luís Ramos, já falo consigo mais em pormenor, mas agora é só para «despachar» (peço desculpa do termo) o Sr. Deputado Basílio Horta.
Sr. Deputado Basílio Horta, concordo genericamente com aquilo que diz quanto à utilidade deste tipo de debate, por exemplo, a propósito da Revisão da Constituição. Mas, mais uma vez, refiro que não fui eu que iniciei este tipo de debate, que foi suscitado por outras bancadas, nomeadamente pelo Sr. Deputado Rui Machete que resolveu historiar isto.
Respondendo já também à pergunta do Sr. Deputado José Luís Ramos, quero dizer-lhe, Sr. Deputado Basílio Horta que não estou aqui a invocar para mim a interpretação autêntica das coisas! Por amor de Deus, não é isso! Não posso é deixar de apresentar a minha versão, a minha opinião, a minha interpretação quando a que me é vinculada, que me é imposta, é uma interpretação com a qual eu discordo em absoluto.
Digo isto só em termos de contraponto, relativamente às outras pessoas que tentam ditar para a acta uma versão com a qual estou, naturalmente, em desacordo e não posso deixar de dizer, em todas as circunstâncias, quando estou em desacordo efectivamente e o que penso relativamente a isso.
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Mas concordo com o Sr. Deputado Basílio Horta na sua essência: é um momento que provavelmente devemos ficar com ele, devemos reflectir sobre ele. Agora devo dizer-lhe também o seguinte, e penso que o Sr. Deputado Basílio Horta concordará comigo porque apesar de tudo não é completamente descabido: é que quando, a propósito de determinados aspectos concretos, recordarmos certas coisas tais como o contraponto do branco e do preto, do bem e do mal, da democracia e da ditadura, às vezes, isso tem de se fazer precisamente para explicar e justificar certas ideias, mas na medida do necessário e não estando permanentemente a falar destas coisas...
Concordo com essa sua posição de fundo, mas não prescindirei de expender a minha perspectiva quando entender que isso é necessário para repor a verdade, em termos de contraponto...
Quero dizer - com toda a humildade, e acho que neste caso não devia falar para mim, devia falar para todos - aos Srs. Deputados que deveríamos todos ter a humildade de reconhecer que ninguém tem o exclusivo da responsabilidade e ninguém está isento de culpa!
Quando dou aqui a minha visão dos acontecimentos e faço a minha interpretação dos factos, quando chamo a atenção para algumas delas, creio que não estou a ter uma visão unilateral das coisas, mas quero confrontar a minha com as outras posições e sinto-me na necessidade de a desenvolver.
Quando, efectivamente, ouço aqui dizer coisas que são de facto, do meu ponto de vista, desajustadas, pelo menos tenho de vincular a minha opinião, não posso ficar calado, porque sou, de facto, um cidadão livre.
Depois do 25 de Abril sou um cidadão livre, quero dizer aqui uma coisa que ainda não disse, mas que devo dizer e o Sr. Deputado Basílio Horta e todos os outros Srs. Deputados devem perceber isto bem. E vou invocar a minha qualidade de militar, embora esteja aqui a desempenhar as funções de deputado, mas o senhor também é advogado e está a desempenhar as mesmas funções do que eu, que aqui sou deputado do PRD. Ainda há bocado foi falado aqui que o Sr. Deputado Almeida Santos tinha medo. Devo dizer-lhe o seguinte Sr. Deputado: pensa-se que os militares são homens que não têm medo. Não, Sr. Deputado! Os militares têm medo! Vou referir-lhe três momentos em que tive medo: tive medo na guerra colonial em determinados momentos, foi antes do 25 de Abril para quem não se recorde; tive medo no 11 de Março e tive medo no 25 de Novembro - isto para lhe referir três momentos significativos.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Uhm!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Houve quem se pronunciasse com um mugido. Quem o fez sabe certamente o que andou a fazer nesse momento. E de certo não teve medo!...
O Orador: - Creio que, no essencial, respondi à questão colocada pelo Sr. Deputado Basílio Horta. Foi esta invocação dos factos feita pelo Sr. Deputado que me levou a falar sobre o que falei e que, devo dizer-lhe, do meu ponto de vista, só tem este sentido útil: penso que todos devemos assumir os erros e as virtudes das soluções que a cada momento formos encontrando e não, o que é uma coisa que me custa ver,
descarregarmos para cima dos outros as nossas fraquezas e as nossas incapacidades - outros, pessoas, organizações, momentos históricos, o outro lado da barreira. Isso é o que eu penso, efectivamente, que não deve acontecer.
Ao pensar no que o Sr. Deputado José Luís Ramos disse relativamente' à proposta do PRD, sobre a irreversibilidade das nacionalizações, mais me convenço, de facto, que devo ter percebido mal. É que é tão absurdo aquilo que disse, do meu ponto de vista e da interpretação, que devo ter percebido mal o que o Sr. Deputado disse.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Dá-me licença que interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Eu não me estava a referir à proposta do PRD, estava a referir-me era à sua intervenção que, nalguns pontos, Sr. Deputado, e foi por isso que eu o interrompi, contrasta, em muito, com a proposta do PRD.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É isso!
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - O Sr. Deputado José Miguel Galvão Teles teve um discurso na comissão e o Sr. Deputado Marques Júnior teve outro aqui e é esse contraste entre as propostas do PRD, as votações do PRD na Câmara e as intervenções do Sr. Deputado Marques Júnior que motivou a minha interrogação. Foi exactamente por isso que lhe coloquei algumas questões. O contraste é nítido, mas não é comigo, é, sim, entre o discurso do Sr. Deputado e as propostas do PRD.
O Orador: - Sr. Deputado José Luís Ramos, para ver se entendo, diga-me então o que é que o senhor deduziu do meu discurso? Que sou a favor da manutenção das nacionalizações? Foi isso?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pior que isso!
O Orador: - De facto, isto também serve para o Sr. Deputado Narana Coissoró.
Provavelmente tenho de fazer uma releitura da actas,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é preciso!
O Orador: - Provavelmente vou ter que reler aquilo que eu disse aqui.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães diz que não precisa!
O Orador: - Como é que é possível o Sr. Deputado ter feito esse tipo de interpretação?
Mais uma vez o Sr. Deputado José Luís Ramos e também o Sr. Deputado Narana Coissoró pararam no tempo relativamente à minha intervenção. Os Srs. Deputados pararam no tempo!
Não posso dizer mais do que aquilo que disse, mas será que o Sr. Deputado quer que eu repita solenemente
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para que conste da acta: eu, Marques Júnior, defendo a proposta do PRD! Pronto, o Sr. Deputado José Luís Ramos com esta minha resposta ficou satisfeito.
Risos do CDS.
Devo dizer-lhe que acho uma inutilidade esta minha afirmação, mas não tenho qualquer dúvida em a subscrever e creio que, no essencial,...
E também devo dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado
José Luís Ramos, se quer que eu faça outra profissão de fé, eu faço-a se efectivamente o Sr. Deputado tem essa dúvida.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - É que nem todos os Srs. Deputados
do PRD defendem. O Lilaia não defende muito!
O Orador: - Acho que de facto, as conquistas mais importantes do 25 de
Abril - não vai haver, provavelmente, nenhuma Revisão da Constituição que a vá pôr em causa, faço-lhe essa justiça - foram a da democracia e da liberdade. Não considero as nacionalizações como conquistas irreversíveis do 25 de Abril, não considero as nacionalizações o objectivo primeiro do 25 de Abril.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Ah! ...
O Orador: - Nunca o considerei, Sr. Deputado, e do meu discurso não se pode deduzir isso.
Agora o que penso é o seguinte: as nacionalizações justificaram-se - e eu disse isto num momento histórico e de tal modo que o PSD, o PS, o PCP e o CDS, toda a gente, subscreveram essa Revisão da Constituição, que consignava a manutenção das nacionalizações, em l982.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - 0 CDS não!
O Orador: - Portanto o que eu disse, Sr. Deputado José Luís Ramos, é que me identifico com essa posição dos constituintes relativamente a esta situação...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nós éramos contra!
0 Orador: - Ó Sr. Deputado Narana Coissoró, deixe-me terminar a minha intervenção porque assim, de facto, não me consigo fazer ouvir a mim próprio, e preciso de o fazer para controlar aquilo que estou a dizer.
A Sr.ª Presidente: - Um momento, Sr. Deputado, peço-lhe
desculpa de interromper.
Srs. Deputados, solicito que façam silêncio para que os trabalhos possam decorrer com normalidade.
Queira retomar a palavra, Sr. Deputado.
O Orador: - Portanto a questão, no fundo, é esta, Sr. Deputado José Luís Ramos: as nacionalizações foram feitas em determinada altura, num momento histórico em que se justificavam. Há que eliminar essa questão política da irreversibilidade das nacionalizações, muito bem, vamos a isso!
Como é que o vamos fazer? 0 que é que vamos manter no essencial? 0 que é que vamos salvaguardar? Quais são os critérios?
Devo dizer-lhe, relativamente aos sectores estratégicos da economia, que foi o único elemento onde prevíamos que seria necessária uma maioria de dois terços. De um ponto de vista teórico, esses sectores estratégicos da economia podem ser um ou podem ser cem, e, desse ponto de vista e numa interpretação extensiva e programática, em termos de programa do Governo, o Sr. Deputado Costa Andrade tem, naturalmente, muito mais razão do que o Sr. Deputado, pois é o contrário daquilo que o senhor diz.
Eu, do ponto de vista político, até posso interpretar de uma forma restritiva ou extensiva, conforme quisermos entender, esta expressão do Sr. Deputado Costa Andrade e dizer que o texto que o PRD apresenta pode permitir o mínimo, e pode permitir o máximo.
Provavelmente essa intervenção pode ser feita relativamente ao texto da mossa pr6pria proposta, mas é a lei que vai regular esta questão e a única imposição dos dois terços é para o sector estratégico da economia. Ou, então, em alternativa, como disse no meu discurso, pode constitucionalizar-se, desde já, com este acordo, o sector estratégico da economia e, se assim for, abdicamos dessa lei dos dois terços.
Este acordo até deu para certas coisas e pode dar um, zero, pode dar vinte ou até cem.
Penso que também nesta questão respondi ao Sr. Deputado Narana Coissoró, relativamente ao essencial da questão que me pôs, mas agora gostaria de lhe dizer o seguinte: agradecia que lesse atentamente o nosso projecto, porque
o Sr. Deputado disse coisas que não são completamente verdadeiras. -
Nós retirámos, por exemplo, uma das incumbências prioritárias do Estado da alínea c) do artigo 80.º, colocámos esse inciso na alínea f) do artigo 81.º Fizemos, pois, uma alteração nesse sentido.
Relativamente ao artigo 83.º, põe-se a mesma questão.
0 que o Sr. Deputado, do meu ponto de vista, precisava, era de,
efectivamente, se me permite este
abuso, ler em pormenor o texto do PRD, porque há
uma coisa que ele tem e isso eu reconheço: em termos
de sistemática está melhor...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Está mal!
O Orador: - ... que o actual texto constitucional, que, repito, em termos de sistemática, é um texto confuso, mas que, embora confuso, está suficiente e bem ordenado, numa sistemática que entendemos ser muito mais correcta.
Contudo, reconheço que as pessoas que não estão completa e perfeitamente dentro do texto do PRD, em termos autónomos, na comparação com os outros textos,
tenham alguma dificuldade em fazer dele uma análise integrada.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
0 Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, o nosso problema não é aquilo que está escrito no vosso texto, pois isso todos nós lemos e estudámos. 0 nosso problema é aquilo que o Sr. Deputado Luís Ramos
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dizia há pouco, isto é, que o discurso que V. Ex.ª fez entretanto, e metendo coisas que não vinham ao caso, destoava das propostas.
O que queríamos saber era se poderíamos agora actualizar a vossa proposta...
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Está actualizada. É só ler!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - ... ou mante-la e desactualizar o discurso.
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, devo dizer que aquilo que li realmente ao que disse na CERC, foi aquilo que identifiquei como o resumo da nossa posição, que é aquilo que consta no nosso próprio texto.
Sr. Deputado, não se ofenda com isto que lhe vou dizer: o pior cego é aquele que não quer ver e o Sr. Deputado, neste momento, não quer ver aquilo que o PRD diz e que o PRD pensa. O Sr. Deputado quer baralhar.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, terminou no seu tempo.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr.ª Presidente, quero, apenas, responder ao Sr. Deputado Mário Raposo, que referiu mais uma vez o tom emotivo que falei. Provavelmente sou assim e já sou capaz de mudar. Não sei se é um defeito, se é uma qualidade, mas pelo menos é uma característica.
Relativamente à declaração que o Sr. Deputado fez gostaria de dizer o seguinte: Ontem, por acaso, tive oportunidade de ler a declaração de voto do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, e concordo, em absoluto, com aquilo que o Sr. Deputado Mário Raposo refere quanto à declaração da grande dignidade das questões do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia relativamente à constituição e, nomeadamente, à sua organização económica. Concordo plenamente!
A Sr.ª Presidente: - Os Srs. Deputados têm o direito de se deixarem interromper, mas não no tempo de tolerância, porque temos que, efectivamente, cumprir os tempos.
Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr.ª Presidente, termino já.
Outra precisão, Sr. Deputado Mário Raposo, que também é para os deputados do CDS, pois provavelmente, não fui suficientemente claro na minha intervenção.
Quando há pouco me referi ao Sr. Deputado Freitas do Amaral, relativamente à Constituição, de facto, referia-me a 1976 e não a 1982.
Face à pergunta que me fez, devolvo-lhe a questão, se me permite, e que é a seguinte: o Sr. Deputado Mário Raposo vai fazer uma declaração de voto relativa à revisão da Constituição semelhante àquela que fez em 1982, ou seja, vai dizer que está convencido que o PS ganhou agora, como ganhou em 1982, vai abdicar de fazer essa declaração de voto, ou vai dizer que ganhou o PSD.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, neste momento a Mesa deve interromper os trabalhos, a pedido do Grupo Parlamentar do Partido Comunista.
O Sr. Deputado Raul Rego tinha pedido a palavra ao julgo para fazer uma interpelação à Mesa, mas só lha poderei conceder se o Partido Comunista aceitar mais este prolongamento da sessão antes da interrupção que pediu.
Sr. Deputado José Magalhães, tem a palavra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, dada a natureza dá intervenção, que me foi comunicada que será feita pelo Sr. Deputado Raul Rego, damos o nosso consenso.
A Sr.ª Presidente: - Nesse caso, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Raul Rego.
O Sr. Raul Rego (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Só quero lembrar que, numa altura em que está tão discutida a acção dos militares de Abril, eles nos deram a Constituição mais civilista que tivemos até hoje.
É a única Constituição desde 1822 em que não participa um militar no activo. Talvez a isso se deve, também, o período mais longo da nossa história liberal em que não temos tentativas revolucionárias.
Aplausos do PS, do PCP e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, devo perguntar à bancada do PCP se pedem a suspensão por dez ou por quinze minutos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por quinze minutos, Sr.ª Presidente.
O Sr. Presidente: - Está suspensa a sessão. Retomaremos os nossos trabalhos às 12 horas e 35 minutos.
Eram 12 horas e 25 minutos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 12 horas e 40 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que agora foi desenvolvido, tem da parte da bancada do Grupo Parlamentar do PSD, uma atitude de contida satisfação. Por um lado o PSD procura ocultar, com rigor o grau de mutação introduzida neste artigo e, por outro lado, procura - e isso compreende-se perfeitamente - valorizar os aspectos em que conseguiu obter ganhos de causa.
É que neste ponto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Almeida Santos não tem só pouca razão, o que não tem é nenhuma razão, ao sustentar que o PSD não tenha obtido ganhos.
A verdade, é que o PSD propunha que não houvesse nenhum artigo na Constituição, com a característica de sumarizar os princípios fundamentais da organização económico-social. O PSD propunha uma Constituição neste ponto nula, uma Constituição sem princípios.
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Mas o PSD, que não conseguiu isso, conseguiu, no entanto, a alteração de alguns desses princípios. Naturalmente, o Partido Socialista não tem nenhuma razão para fazer o acto solene de autocolocar grinaldas, porque não há nada a festejar, não há nada a celebrar.
Como se sabe, o artigo 80.º desempenha um papel extremamente relevante na arquitectura da nossa Constituição económica. É a matriz, é a epítome e a síntese de um conjunto de princípios, que tendo afloramentos e projecções noutras partes da Constituição, e desenvolvimentos, ponto a ponto, no articulado em especial daquilo a que se chama Constituição económica, se ligam a toda a ordem constitucional, não têm interligações à Constituição política, à organização do poder político à própria matriz e identidade constitucional.
Estes princípios ligam-se aos princípios fundamentais contidos no artigo l.º
e seguintes, ligam-se à Constituição, na parte em que ela determina regras
para a organização do poder político, o tal poder político ao qual o poder económico há-de estar subordinado.
Importa medir muito bem a actualidade, a modernidade ou desactualização desses princípios.
Pela nossa parte a resposta é afirmativa. Se se pergunta
se os princípios vigentes são modernos e actuais,
a nossa resposta é: são modernos e são actuais! São
próprios de uma constituição que aponta para uma
democracia económica com garantias. Não uma democracia
económica em palavras, não uma democracia
económica com alusão a um conjunto de metas para
as quais não haja instrumentos de concretização, não
haja garantias institucionais e direitos subjectivos de
protecção.
Mas é esse o modelo da nossa Constituição económica!
0 que é alterado, então, neste dispositivo tão fulcral
da Constituição da República Portuguesa?
Fundamentalmente o que se pretende alterar é o
padrão de garantia dos recursos e riquezas decisivas
para evitar que um qualquer poder privado se torne
incontrolável.
Não é outro, senão esse, o significado da noção de apropriação colectiva
dos meios de produção.
Nesta matéria as soluções para que esta revisão se encaminha pela mão dos dois partidos parceiros do acordo, é, no sentido de, em relação às riquezas naturais, se aprofundar e alterar os mecanismos de garantia. Prevê-se a apropriação colectiva dos recursos naturais, todos e prevê-se, até, um novo artigo sobre o domínio público - fórmula nova, mas com tradições na nossa história e no nosso direito administrativo, de operar essa garantia.
A mudança é em relação aos outros meios de produção e solos. Aí, verifica-se uma atenuação do actual princípio e uma atenuação que é dupla. É dupla porque os Srs. Deputados alteram o artigo 290.º, na parte que lhe diz respeito, e alteram esta norma do artigo 80.º, na parte que, igualmente, lhe diz respeito.
É para as implicações desta atenuação que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista chama a atenção - aliás, nos termos que decorrem da intervenção de abertura do meu camarada Deputado Octávio Teixeira, que dispensa reforço, mas que, na sequência do debate que aqui foi travado, merece, pelo menos em relação à postura que o Partido Socialista mantém, um alerta adicional.
É evidente que o PSD está insatisfeito com o resultado.
E não é por acaso que ainda ontem um articulista,
dos que, habitualmente, se dedicam a teorizar
«como escavar completamente a Constituição» de
Abril, chorava nas colunas do jornal «0 Tempo» em
termos verdadeiramente pungentes estas coplas fadistas: Ainda
não foi desta vez, a julgar pelo texto acordado da Revisão
Constitucional, que ficarem consagrados na Constituição
limites claros e inequívocos à intervenção estadual
na economia. Mais uma vez não se aproveitou a Revisão
Constitucional para traçar fronteiras definidas entre aquilo
que à sociedade civil compete em matéria de actividades
económicas e aquilo que fica reservado para o Estado.
Em vez disso, opta-se por uma forma compromissória que,
verdadeiramente, nada adianta e que deixa as mesmas dúvidas
de sempre.» Este texto é assinado pelo Sr. Dr. Luís
Cabral Moncada, que tem coluna aberta no Jornal «0 Tempo».
15to quer dizer que há insatisfeitos. Mas, permitam-nos que exprimamos nós a mossa insatisfação pelo grau de retrocesso introduzido, que assenta, sobretudo, na debilidade chocante das respostas da bancada socialista às inquietações que aqui transmitidos quanto às consequências prospectivas das soluções pactuadas com o PSD.
Repara-se que estou a criticar o artigo 80.º, ou melhor, a alteração neste ponto do artigo 80.º, uma vez que ele não é alterado em outros pontos. Não é alterado no que diz respeito à intervenção democrática dos trabalhadores, à subordinação do poder económico ao poder político democrático nem no que diz respeito ao princípio basilar, que é a coexistência dos diversos sectores de propriedade, indutor de um verdadeiro policentrismo económico, que faz e continuará a fazer parte da matriz da Constituição.
Em relação à planificação democrática da economia, há alterações que, pela nossa parte, reputamos negativas. Mantêm-se, porém, como princípio basilar e até se alude agora a um novo princípio, o da protecção do sector cooperativo e social de propriedade, que levanta alguns problemas, que, também nos trazem preocupados. É uma disposição que não existe em Constituição alguma das que todas as noites os próceres do neoliberalismo celebram como sendo modelares.
0 que nos preocupa então?
0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Diga lá a sua preocupação!
0 Orador: - Preocupa-nos..., Sr. Deputado Costa
Andrade, que o Partido Socialista ao fazer o seu
aggiornamento abstracto, abstraia da circunstância política,
concreta e diga com ar generoso e nobre «mas nós
fazemos revisões para o Governo, que está aqui à
frente, fazemos revisões para a Pátria, para o País,
para a estátua que ali está, para a bandeira nacional.»
Diz o PS: «Não nos importa se do abatimento, do abrandamento ou do retrocesso resultará uma circunstância que, quiçá, o professor Aníbal, que vigilante está nestas coisas, aproveite para a sua acção retrógrada.»
É esta postura que não podemos aceitar.
Srs. Deputados temos de articular inevitavelmente a
revisão do artigo 80.º com a do 83.º, a do 90.º, a do
96.º e até com as alterações dos artigos 1.º, 2.º e 3.º
da Constituição da República. 15so forma um todo que
tem de se somar às alterações introduzidas na primeira
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Revisão Constitucional. Embora a Constituição económica não tenha sido o cerne da primeira revisão constitucional, houve alterações nessa matéria na primeira revisão constitucional. E também, nessa altura, o PSD usou uma atitude dúplice. Nessa altura, como ainda há momentos pudemos verificar, através da intervenção do Sr. Deputado Mário Raposo, o PSD votou a favor, mas teve o cuidado de verter em acta as palavras de demarcação que o Sr. Deputado Mário Raposo nos leu (et pour causei).
Disseram: «Bem, nós votámos isto mas não chegava, era preciso ter ido mais longe, era preciso ter alterado, (desnaturado!) mais a Constituição económica... A gente aceita isto mas a benefício de mais no futuro. Aceitamos com uma enormíssima reserva mental. Recebem o nosso voto mas não recebem a nossa confiança para que nos abstenhamos de escavacar a Constituição inviamente.»
É isto que nos preocupa, Sr. Presidente, Srs. Deputados e, em particular, Srs. Deputados Socialistas! É que os senhores vão dar ao PSD instrumentos que ele não tem. E ao dar a esse poder, que está, poderes que não tem, concedem meios - novos meios - de organização para os PSD's conseguirem aguentar o que de outra forma não aguentariam. E não nos digam que a vossa revisão é inócua ou é uma revisão de olhos postos em valores nobres, como pode sê-lo, afinal, redunda num resultado bem frustre, só dá vantagens e armas ao cavaquismo declinante?!
Eis, o que, em meu entender, legitima a preocupação do Grupo Parlamentar do Partido Comunista. Distingamos rigorosamente as alterações mortais e as que são danosas e, dentro das danosas, as muito danosas, as pouco danosas, as assim-assim e até aquelas alterações que nós próprios votamos, - porque votámos e votaremos diversas alterações!
O problema não está aí. Não nos tentem colocar no banco dos réus dos que «não querem a revisão», só porque não queremos esta vossa solução que debilita as malhas de defesa da democracia económica, que suprime alguns instrumentos e garantias de grandíssima utilidade para que as riquezas nacionais continuem em mãos nacionais e sejam geridas numa óptica nacional.
Srs. Deputados, hoje, quando na óptica de 1992 defrontamos novos perigos, a mensagem constitucional básica tem a maior modernidade no contexto da caminhada para o Mercado Único. Debilitar a Constituição neste ponto não é uma opção sensata, nem moderna. Todos devemos ter a vontade de não ser penedo, mas verdadeiramente, optar por esta solução de retrocesso, é, talvez, coisa mais digna de penedo do que de gente pensante!
Nós PCP não estamos conformados! Como é evidente, vamos insistir nos nossos argumentos e não desistiremos, de forma alguma, de vos persuadir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Costa Andrade, Almeida Santos e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães, aliás, anunciando-o expressamente, fez mais do que uma intervenção, deu-nos conta das suas preocupações, disse com o que é que estava preocupado
e o teor das preocupações do Partido Comunista reconforta-nos, até porque o Sr. Deputado, numa intervenção toda virada para a psicologia, apodou-o de satisfação incontida.
De facto, as preocupações do Partido Comunista são o sinal de que estamos a seguir no bom caminho. Estamos a caminhar no sentido de dotar a Constituição económica de princípios sensivelmente idênticos aos de todas as outras dos países da Europa com os quais estamos associados.
Caminhamos no bom sentido, estamos a caminhar no sentido que queremos, é o sentido da Europa. Estamos também a caminhar no sentido para onde começam a apontar os lideres e os movimentos de opinião que vêm de espaços diferentes do espaço da Europa.
As preocupações do Partido Comunista dizem-nos que estamos a trabalhar aqui com o passado, mas tratam-se de preocupações que relevam de um passado que vai ficar isolado.
Temos alguma pena, já convivemos com o Partido Comunista há quinze anos em debate político e é com alguma mágoa que os vemos ficar para trás, aposentados da História, das ideias e da cultura. Mas o que é que lhe havemos de fazer?
Retomando, no entanto, as palavras do Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de salientar que ainda não desistimos do esforço de os obrigarmos a estugar um pouco o passo para que nos possam acompanhar tanto com a Europa mais de perto como também com a Europa mais de longe, pois, parece que também desta última se começam a mover.
O Sr. Deputado do Partido Comunista disse com um ar crítico uma coisa que nós assumimos abertamente. Mas não se preocupe com a nossa duplicidade. E não leve isto à conta de censura!
Com efeito, nós concordamos com algumas coisas e não concordamos com outras. O Sr. Deputado quer que lhe diga que esta não é a nossa revisão? É óbvio! Quer que lhe diga que votamos com um certo sentimento de frustração? É óbvio! Se assim não fosse, realizaríamos o nosso projecto, pois só ele nos daria satisfação.
Depois desta Revisão Constitucional, no futuro que vem aí, qual vai ser o nosso comportamento? Se lhe dissermos que vamos tentar melhorar as instituições, é óbvio! Não desistiremos, Sr. Deputado! Não desistiremos!
Pensamos que estas soluções são compromissórias, ganhámos com elas e estamos convencidos que, através de nós, o povo português também ganhou alguma coisa. Mas continuaremos no caminho. Viver não é preciso! Navegar é preciso! Continuaremos no caminho.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!...
O Orador: - E como todo o movimento é um encontro entre passado e futuro, não há movimento sem lugar de passado de onde, nem lugar de futuro para onde, mas o de onde continuará a merecer a nossa crítica. É óbvio!
Sr. Deputado, não se preocupe, nem nos atire isso como se fosse uma grande acusação que nos embaraça. Estamos aqui de peito aberto a reconhecê-lo. Pensamos que ainda há muita coisa para mudar e vamos continuar a fazê-lo na medida do possível e sempre que o povo nos der legitimidade para isso.
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Neste sentido, a nossa atitude é dúplice: congratulam-nos com as alterações, mas gostaríamos mais delas noutro sentido.
0 que há de grave na duplicidade é que o Partido
Comunista já na revisão de l982, para não irmos mais
atrás, disse o que de mais negativo se podia dizer, em
relação a uma revisão, mas depressa viu que tinha
errado e rapidamente se pôs à testa do pelotão, a defender
aquilo que, apesar de tudo, continuava ainda a chamar
a Constituição de Abril.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E é!...
O Orador: - ... como o Sr. Deputado gosta de lhe chamar.
Nós somos um pouco mais generosos e mais eclécticos, pois
gostamos de uma Constituição de Abril, de Maio, de Junho,
de uma Constituição para doze meses.
O Sr. José Magalhães (PCP): --Principalmente, os meses de Inverno!
0 Orador: - 0 ano tem doze meses e a nós a Constituição de Abril não nos diz muito, porque também gostamos muito do lindo mês de Maio ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Principalmente do 28!
O Orador: - ...do calor de Agosto, da luminosidade de Junho,
da nostalgia de Novembro, da ternura de Dezembro, do luar de Janeiro.
São meses lindos, Sr. Deputado!
Risos do PSD e do CDS.
Não nos fixemos apenas no Abril. O Maio é um mês
magnífico, Junho nem se diga, Agosto são férias. Uma
Constituição para Agosto é magnífico, pelo que gostaríamos
muito de ter uma Constituição para Agosto!
Mas o que vamos ver a seguir, que nos cria uma sensação
de desgosto e de pena, é esta coisa trágica: depois
desta revisão o Partido Comunista a defender a Constituição
de Abril.
0 Sr. José Magalhães (PCP): - 0 mais possível!
0 Orador: - Oxalá, pelo menos, esta revisão sirva para o Partido Comunista defender a Constituição de doze meses.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães,
deseja responder já ou no fim?
0 Sr. José Magalhães (PCP): - No fim, Sr.ª Presidente!
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José
Magalhães, como sempre, ouvi-o com muito enlevo e,
desta vez, com especial agrado, porque me pareceu, não
sei se foi impressão minha, que o Sr. Deputado fez
uma intervenção em português suave , comparada com
as catilinárias que vinha fazendo contra a destruição
da Constituição pelo PS.
Desta vez, acabou por reconhecer que os princípios
que permanecem no artigo 80.ºsão modernos e actuais,
o que me faz pensar que já começou a fase - e começou
bem - de defesa da Constituição de Abril, que,
em meu entender, é e continua a ser a desta Constituição
também.
Por outro lado, diz que já não destruímos a Constituição, apenas a atenuámos.
É uma «bera» atenuação, diz V.Ex.ª Gosto de ouvir essa graduação da sua indignação.
Realçou ainda que nós fomos, aqui, a protecção do sector social da propriedade, coisa que não se vê em nenhuma Constituição. E por aí adiante...
0 Sr. José Magalhães (PCP): - É um facto!
O Orador: - É um facto!
Mas depois volta ao seu tema que, no fundo, é o
tema forte e diz: estamos a fazer a revisão para a Pátria
e afinal de contas é uma revisão para o professor
Aníbal.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
0 Orador: - Sr. Deputado, já respondemos a essa
questão, dizendo que não podemos acompanhá-lo nessa
ideia. Não podemos fazer uma revisão para cada governo.
15to é, se o governo é excessivamente de esquerda, faz-se uma revisão
para evitar que se esquerdize ainda mais.
Se o governo é de direita, fazemos uma Constituição para que ele não endireite ainda mais. Não podemos acompanhar-vos nisso, porque, se
é verdade que esta revisão se soma à de 1982, também
é verdade que em 1992 se soma a nossa entrada para
a CEE, se somam todas as perestroikas, que se estão
a fazer por esse mundo fora, se soma até, se quer que
lhe diga a vitória eleitoral do PSD nas últimas eleições,
com a qual estou em desacordo. É um facto que também temos de tomar em conta.
Se queremos captar a vontade do povo português, a vontade geral,
não podemos desconhecer que ele se desagradou de nós, não gosta de vocês, nem de
nós. O que é que havemos de fazer?! Na verdade, não
gosta tanto, não gostou tanto como gostava, anteriormente
e nós queremos que ele volte a gostar de nós.
E vai voltar a gostar. 0 professor Cavaco já começou
a perder cotação, já começámos a reganhar cotação e,
por isso, a nossa revisão da Constituição tem de ser
uma revisão a pensar não em cada governo, em cada
vitória ou derrota conjuntural, mas na democracia.
Por outro lado, gostaria ainda de dizer, que tenho
a vaga impressão de que o Sr. Professor Cavaco Silva
vai tirar menos partido desta Constituição revista do
que tirou da Constituição antes da revisão, porque para
ele ela sempre foi um alibi para deixar de fazer aquilo
que não é capaz de fazer. Agora, deixa de ter esse alibi
e vai ter de mostrar o que vale. Ele já mostrou que
vale pouco, mas agora vai mostrar que ainda vale
menos.
Por outro lado, quando diz que não desiste de nos
convencer, peço-lhe que não desista, porque o papel do
PCP é um papel importante nesse aspecto. E quando
vemos que temos a insatisfação de todos os outros partidos,
vemos reforçada a nossa própria satisfação. Quer
dizer, esta Constituição, se calhar, é, uma vez mais, no
aspecto económico - não podendo ser a Constituição
de cada partido - a Constituição do PS. Temos muita
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vaidade nisso, mas não desistam de nos convencer, porque os vossos pontos de vista são importantes para o equilíbrio das nossas posições...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, já gastou quatro minutos.
O Orador: - ..., senão somos capazes de nos deixarmos arrastar ali para os pontos de vista da direita...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ainda mais?!
O Orador: - ... e assim nem para os vossos nem para os da direita.
Risos do PSD.
Cá estamos nós como factor de equilíbrio na democracia portuguesa! É muito bom sentir que somos isso.
Vozes do PSD: - São centristas!
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, é evidente que a sua intervenção ia provocar o mesmo tipo de reacção, das várias bancadas, porque ela é realmente notável. É o momento histórico da intervenção do PCP nesta revisão, é o começo da viragem...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não está a exagerar?!
O Orador: - Ó Sr. Deputado, V. Ex.ª pode estar cheio de fome, mas, de qualquer forma estou convencido que, na próxima semana, W. Ex." vão assentar aqui arraiais a elogiar o artigo 83.º- A, porque a má língua sobre as alterações está feita e V. Ex.ª começou a recolher a linha. Disso não há dúvida alguma!
Risos.
Utilizou a bengala do articulista e assistente da Faculdade de Direito de Lisboa que citou...
O Sr. José Magalhães (PCP): - E ainda não citei o Ferraz da Costa!
O Orador: - ... e começou já a colocar-se numa barricada contra esses. O que é espantoso é que V. Ex.ª acusou o PSD de uma grande capacidade de duplicidade e eu acompanho-o nessa crítica. Agora, o que é espantoso é que o PSD tem uma vantagem: é que utiliza duas pessoas diferentes para fazer duas coisas diferentes...
Risos.
... e o PCP utiliza a mesma pessoa, no mesmo minuto.
Risos do PSD e do PS.
É uma pessoa com grande habilidade, reconheço-o, e presto-lhe a minha homenagem. Mas é espantoso como é que V. Ex.ª falou hoje do artigo 80.º E enternecedor, Sr. Deputado.
V. Ex.a, para falar do que está, já esqueceu os principais meios de produção...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não esqueci nada!
O Orador: - Não?! V. Ex.ª disse: «Nós falamos de apropriação de meios de produção.» Esta foi a terminologia utilizada pelo PCP e que irá ter a sua importância como garantia de subordinação do poder económico ao poder político. O que fica no artigo 80.º é muito, e V. Ex.ª enumerou o que ficava. Infelizmente, fica muito!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - É verdade, infelizmente fica muito! Depois V. Ex.ª disse que ficava uma coisa magnífica: «Meteram-lhe a protecção da propriedade social.» Esquecendo-se que a expressão que fica consignada na Constituição é «desenvolvimento da propriedade social». V. Ex.ª esqueceu-se e disse que ficava «protecção». Mas o que disse, fundamentalmente, foi esta coisa espantosa: «O que é que acaba? Algumas garantias.»
Portanto, o grande receio de V. Ex.ª é este: o que acaba e o que não acaba, mas o que fica é que é particularmente perigoso, porque pode ser utilizado por um mau governo, isto é, por um governo abusador, como V. Ex.ª diz. Nós também entendemos que o Governo é abusador, mas ao Governo abusador outros governos se hão-de suceder, Sr. Deputado José Magalhães. Essa é a nossa esperança, por isso estamos a fazer uma construção para todos eles!
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Creio que a surpresa que os Srs. Deputados do PSD e do PS invocaram - o Sr. Deputado Almeida Santos estava irónico e não tanto surpreendido - é uma surpresa postiça.
Os Srs. Deputados sabem bem que nunca esperarão de nós que nos confundamos quanto à natureza exacta de cada malfeitoria introduzida. Nós não somos tão inábeis que possamos confundir um doente com um cadáver - distinguimos. Não confundimos uma mutilação com uma agressão ou um corte leve com uma ferida profunda. Nem o contrário.
É preciso distinguir, sendo que no juízo global - que neste caso é globalmente negativo - salientamos tudo.
Salientamos assim os aditamentos que são positivos, os aditamentos que até são da nossa iniciativa, as supressões às quais não nos opusemos porque são meras alterações de linguagem... A Constituição não perde, aliás, com as alterações de linguagem. De resto, muitas das coisas de linguagem foram lá postas por insistência do PS, numa altura em que, por razões de parecer o que não era, usava uma linguagem marxista e colectivista (como diria o PSD) que despiu no dia seguinte. Isto porque para o PS não era nada de verdadeiro, não era princípio nenhum genuíno.
Nós pura e simplesmente não somos assim! Temos a nossa identidade e portanto não despimos e vestimos fatiotas com essa facilidade.
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Repito: distinguimos muito rigorosamente. Aliás, é daí que resulta esta nossa definição dos tais oito grandes perigos, muito concretamente definidos, estando connosco nessa definição democratas de muitos quadrantes.
Não é por acaso que para o PS tem sido extremamente difícil deduzir argumentos contra os defeitos visíveis do acordo de Revisão Constitucional em todos estes pontos.
Porquê? Porque o PS não tem argumentos. Fez cedências que diminuem o conteúdo progressista e os mecanismos de defesa da Constituição. 0 PS, que tinha prometido não as fazer, fê-las! O PS, que tinha um projecto de Revisão Constitucional que dizia A, subscreveu B!
0 PS está numa má posição. E nenhuma pirueta,
nenhum fogo de artifício verbal pode ocultar isso.
Em relação a este artigo, o que fiz foi multo simples: do ponto de vista técnico-jurídico e político, tratei de distinguir o que é alterado e o que fica não desvalorizando nem sobrevalorizando coisa alguma. É um exercício fundamental de sensatez política para quem queira defender o regime democrático e, em especial, a uma democracia económica em Portugal.
Segunda observação: o PSD é dúplice!
Ó Srs. Deputados, se é dúplice... É dúplice em tudo! É dúplice no programa: não o tem, uma vez que tem um texto caquéctico que não é capaz de rever; tem gente que pensa que o programa não é preciso para nada (porque isso são coisas que só empatam); tem pragmáticos esotéricos; tem o Dr. Roseta que é um teórico ...
0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas graças a Deus que não tem o Sr. Deputado José Magalhães!
0 Orador: - ... tem o Dr. Costa Andrade tem a Dr.ª Assunção «Jurídica», que encara todas as questões no plano jurídico...
Risos.
... Têm de tudo! Até tem o pitoresco Silva Marques!
Uma verdadeira floresta! 0 PSD pode dizer tudo! Hoje azul, amanhã perlimpimpim... É o que for preciso, é o que calha; é igual ao litro!
Risos do PCP.
0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas estamos livres de si!
0 Orador: - Não estão livres de terem de me ouvir!
0 PSD é, de facto, dúplice - até o Dr. Nogueira de Brito esteve de acordo quanto a este ponto! E é dúplice até quanto a este aspecto: aceita hoje isto para amanhã desenterrar o machado de guerra e dizer que a querela continua!
A «querela constitucional» continua - o Sr. Deputado Costa Andrade acabou de o demonstrar. 15so quer dizer que o PSD é um partido com o qual as negociações têm sempre um valor provisório, para não dizer muito baixo. Um partido que só faz o que quer, que faz pactos leoninos, dos quais apenas cumpre a parte que lhe interessa, roendo a corda na outra parte e está sempre disposto a continuar com a reserva mental, em insistir na sua guerra contra a Constituição.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, eu peço-lhe desculpa de o interromper, mas quero dizer-lhe que houve um lapso da Mesa e que o Sr. Deputado ainda dispõe de tempo.
0 Orador: - Muito obrigado.
Quanto à última questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, a questão do professor Aníbal, o Sr. Deputado diz: «Mas isso já é obsessão. Esta construção, Sr. Deputado José Magalhães é para o País, e é muito do PS.»
De facto V. Ex.ª tem certa razão, excepto na parte em que aceitou aquilo que era «muito do PSD», designadamente em matéria de nacionalizações, e decaiu completamente nas suas propostas, «muito do PS», em matéria de defesa, contra privatizações sem freios.
Mas descontado esse aspecto, a Constituição revista, é verdade, será muito do PS, mas aí, Sr. Deputado, lembra-me aquelas criaturas das comédias do Moliére, (eram normalmente uns velhos ginjas, um bocado bizarros - e não estou a fazer nenhuma comparação, como é óbvio, porque V. Ex.ª não é sequer, da terceira idade -, muito taralhocos...
Risos do PS, do PSD e do CDS.
... , esquisitos), que tinham aquelas sobrinhas, jovens e tenrinhas que eles faziam crescer, crescer, crescer, na mira de se casarem com elas. Mas um dia entrava pela direita baixa um galã e quem é que se casava com a sobrinha bonita e simpática? 0 galã!
E o pobre do velho ginjas ficava a chuchar o dedo...
Risos do PS e do PSD .
... agarrado à sua manta de velho todo triste...
Em suma, o PS está a fazer uma Constituição que acha boa, que acha sua, mas quem se deita na cama dessa Constituição é o PSD!
Quem vai usar os instrumentos é o professor Aníbal. E vai usá-los não para melhorar as condições da Oposição ao Governo, mas para fustigar a Oposição, não para beijar o Partido Socialista, mas para «zurzir» o Partido Socialista, que, caramba, também merece, se vai por esse caminho!
Risos do PSD.
O Sr. Almeida Santos (PS): - A diferença entre nós e vós é que nós vamos ser o Governo e os senhores não vão ser, nem querem ser nem pensam ser. É só esta a diferença.
Nós vamos ser o governo e, portanto, a Constituição é também para nós, nesse aspecto. Não é só para o professor Cavaco Silva, é também para nós.
0 Sr. José Magalhães PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, volto à metáfora do Moliére: é que o velho ginjas que cai na asneira de alimentar a bons copinhos de leite um «latagão» e que sonha casar com a pequena, em nove de cada dez casos é enganado!
Risos do PSD.
VV. Ex.ªs estão a alimentar um «latagão» com copos de leite, estão a dar ao professor Aníbal Cavaco Silva oxigénio, tónico, ar de mar e instrumentos para privatizar indiscriminadamente, e isso é mau!
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Posso?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É o Sr. Deputado que chama galã ao Sr. Cavaco Silva, não sou eu!
Risos e aplausos do PS, do PSD e do CDS.
Eu acho que ele não tem condições nenhumas para namorar ninguém, nem para conquistar nenhuma pequena nem sobrinha, quanto mais...
O Orador: - Sr. Deputado, o problema não está na «feiura» da criatura sobre a qual nós os dois estamos de acordo. O problema é que ele está sentado nos cadeirões do poder e não quer sair.
O nosso dever é não lhe dar nenhum elemento que o aferre mais ao poder, precisamos, sim, de uma alavanca, que permita, obviamente, no momento próprio, que o povo português possa exprimir com liberdade a sua opinião e dizer-lhe: «És feio, vai-te embora!»
Risos do PS, do PSD e do CDS.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, por hoje terminámos os nossos trabalhos, com algum atraso.
Srs. Deputados, peço a vossa atenção para o facto de que a Mesa não dispõe de mais inscrições para o artigo 80.º, pelo que dou por encerrada a discussão deste artigo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não pode ser, Sr.ª Presidente, porque há um pequeno aspecto relacionado com a questão do sector social que ainda tem de ser elucidado.
A Sr.ª Presidente: - E qual é a inscrição, Sr. Deputado? Quem é que está inscrito.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu.
A Sr.ª Presidente: - V. Ex.ª inscreve-se para uma nova intervenção?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, mas não para agora, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Fica inscrito.
A próxima reunião plenária tem lugar na próxima terça-feira, dia 16, com uma sessão solene de boas--vindas a Sua Magestade o Rei de Espanha, depois há período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia constará a análise e discussão do projecto-lei n.º 249/V - Alteração ao artigo 1094.º do Código Civil - e ainda a apreciação do relatório anual
sobre a situação do País em, matéria de segurança interna e a actuação desenvolvida pelas forças e serviços de segurança, referente ao ano de 1988. Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 15 minutos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
Flausino José Pereira da Silva.
João Costa da Silva.
Joaquim Fernandes Marques.
José Angelo Ferreira Correia.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
António Domingues Azevedo.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Eduardo Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Odete Santos.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Natália de Oliveira Correia.
Deputados Independentes (ID):
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Maria Amélia Martins - Cacilda Nordeste.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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