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Terça-feira, 17 de Maio de 1989 I Série - Número 81

DIÁRIO da Assembleia da república

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE MAIO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida

Secretários: Exmo. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 17 horas 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 398/V e das propostos de lei n.º 94/V a 96/V e ainda da apresentação da requerimentos e da resposta e alguns outros.
Em interpelações à Mesa, os Srs. Deputados Helena Roseta (indep.), Luís Filipe Meneses (PSD), José Lello (PS), João Amaral (PCP) a Narana Coissoró (CDS) verberaram algumas situações da desprestigio da Assembleia da República,
Em declaração política, o Sr. Deputado João Cravinho (PS) saudou o Sr. Provador da Justiça no último dia do seu mandato a criticou a política económica do Governo. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Vairinhos e Pacheco Ferreira (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) teceu considerações acerca do momento político e condenou a proposta do Governo do novo regime remuneratórto dos trabalhadores da administração pública. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Cesário e Silva Marques (PSD) e Jorge Lacão (PS) - que deu explicações, após a defesa da consideração pessoal pelo Sr. Deputado Silva Marques. Usaram ainda da palavra, em defesa da honra dando explicações, além do Sr. Deputado João Amaral (PCP) os Srs. Deputados Luís Filipe Meneses, Guerra de Oliveira e Joaquim Marques (PSD) e Ilda Figueiredo (PCP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Arménio Santos (PSD) elogiou a política de concertação social prosseguida pelo Governo,

Ordem do dia. - Após leitura, polo Sr. Deputado Almeida Santos (PS), do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n. ° 249/V - Alterações ao artigo 1094 do Código Civil -, procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Coelho dos Santos (PSD), José Manuel Mendes e Odete Santos (PCP), Narana Coissoró (CDS), Barbosa da Costa (PRD) e Almeida Santos (PS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.

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Rui Manuel P. Chencerelle de Machete. Valdemar Cardoso Alves. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Manuel Avelino. Alberto de Sousa Martins. António de Almeida Santos. António Carlos Ribeiro Campos. António Fernandes Silva Braga. António Miguel Morais Barreto. António Poppe Lopes Cardoso. Armando António Martins Vara. Carlos Manuel Natividade Costa Candal. Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Socrates Carvalho Pinto de Sousa.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu F. Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito ..
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.

João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
15abel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.

ANTES DA ORDEM DO DIA

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de chamar a atenção da Mesa para o facto de, certamente por lapso, o Sr. Presidente da Assembleia da República, que presidiu à parte anterior da sessão, no fim do discurso de Sua Majestade o Rei de Espanha, ter dito que estava encerrada a sessão.
Ora, creio que a sessão foi apenas suspensa. Assim, convinha que no Diário da Assembleia da República não ficasse registado que a sessão tinha sido encerrada, na medida em que continuamos a reunir no mesmo dia.
Em segundo lugar - e é provável que o Sr. Presidente em exercício não me saiba informar -, gostaria de dizer que vários deputados estranharam que não

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tivessem sido tocados os Hinos Nacionais de Espanha e de Portugal na cerimónia a que aqui assistimos. Poderá dar uma explicação para esse facto, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, neste momento não tenho alguma explicação a dar.
A forma como decorreu a sessão tem a ver com os Serviços de Protocolo de Estado e certamente que este foi feito segundo as regras que são habituais em sessões solenes deste género.
No entanto, a Sr.ª Deputada poderá colocar esta questão na conferência de lideres parlamentares que está a decorrer neste momento.
Quanto ao primeiro aspecto a que V. Ex.ª se referiu, certamente que o Sr, Presidente da Assembleia da República se debruçará sobre ele e dará as consequentes directivas aos serviços,

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr, Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, já é hábito - é um hábito antigo, mas os hábitos antigos podem e devem ser emendados - assistirmos, ao longo de vários anos, a inúmeras visitas de Estado importantes. Aliás, hoje estamos a viver uma importante visita de Estado a Portugal.
Ora, nas visitas de Estado e nas cerimónias públicas que decorrem em Lisboa, a Assembleia da República é, normalmente, condignamente representada pelo seu presidente e por deputações que têm origem nesta Câmara e representam todos os partidos políticos com assento nesta Câmara.
Mas, infelizmente, o mesmo não acontece quando essas visitas de Estado se estendem a outras partes do País e, nesses casos, sistematicamente, a Assembleia da República é ignorada através do total esquecimento a que são votados os deputados dos círculos eleitorais que são visitados por essas figuras de Estado.
Portanto, solicito à Mesa que tome as providências necessárias à defesa da dignidade desta Câmara no sentido de que a Assembleia não seja ignorada quando existem figuras dê Estado que estendem a sua visita a outros locais do País.
Portugal não é só Lisboa e a Assembleia da República têm que ser dignificada no todo nacional,

Aplausos do PSD ê do PS,

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço igualmente a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, na sequência das palavras do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, também eu gostaria de ressaltar que é altamente desprestigiante para a Assembleia da República a forma como os representantes do povo, que têm lugar de inequívoco destaque, são sistematicamente ignorados pelos próprios órgãos do Estado.
Portanto, não faz sentido que outros órgãos de soberania, designadamente o protocolo do Estado e até autarquias, ignorem, deliberadamente, os representantes do povo, como acontecerá esta semana no Porto durante a visita da Sua Magestade o Rei de Espanha.
Os representantes do povo são substituídos segundo critérios porventura de carácter corporativista, por outras individualidades que não têm a mínima representatividade relativamente à dos representantes do povo.
Quero ressaltar o meu protesto perante este desprestígio pela Assembleia da República.

Aplausos do PS e do PSD.

Q Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:- Faça favor, Sr. Deputado,

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, também gostaria de juntar o meu protesto a essas situações de desprestígio e invocar uma situação concreta que foi a visita inaugurativa do Sr. Primeiro-Ministro ao distrito de Lisboa, em que, em vez de se convidarem os deputados eleitos pelo círculo de Lisboa, se convidaram dois candidatos da lista do PSD ao Parlamento Europeu, os Srs. António Capucho e Carlos Pimenta.
É também contra esta situação de desprestígio da Assembleia da República que quero lavrar o meu protesto.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficou registada a posição dos vários grupos parlamentares. A Mesa irá transmitir ao Sr. Presidente da Assembleia da República o que aqui foi solicitado pelos Srs. Deputados.
No entanto, permito-me chamar a atenção de VV. Ex.ªs para o facto de que neste momento está a decorrer uma conferência de líderes parlamentares onde estão representados todos os grupos parlamentares e que, creio, será a altura oportuna e ideal para que estas coisas possam ser aprofundadas e decididas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado,

O Sr. Narana Coissoró (CDS): = Sr, Presidente, gostaria de dizer que não temos muita sorte na conferência de líderes parlamentares porque lá também não se encontra o Sr. Presidente da Assembleia da República.
Na verdade, a conferência de líderes parlamentares está a ser presidida por um Vice-Presidente que, certamente, dirá que estas questões que se levantam terão de ser tratadas com o Sr. Presidente, na medida em que ele não sabe o que se terá passado.
Também quero lavrar aqui o meu protesto pelo facto de os Hinos Nacionais das duas Nações não terem sido tocados, o que representa uma grave quebra do prestígio da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica registado o que VV. Ex.ª s disseram e que será transmitido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

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Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 398/V, apresentado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, do PCP, que altera a delimitação da freguesia de Vale das Mós, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão.

Deram igualmente entrada na Mesa as propostas de lei n.ºs 94/V (autoriza o Governo a legislar sobre o acesso e exercício da actividade da indústria petrolífera), que tendo sido admitida baixou à 10.ª Comissão; 95/V (autoriza o Governo de responsabilidades do extinto Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária), que, tendo sido admitida baixou à 7.ª Comissão, e 96/V (define o Estatuto Jurídico da Polícia de Segurança Pública, PSP), que foi admitida e baixou á .ª Comissão.

Foram também apresentadas na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Luísa Ferreira e Carlos Pinto; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado António Braga; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Casimiro de Almeida; aos Ministérios da Saúde e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Gomes; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Governo respondeu a requerimentos apresentados
pelos seguintes Srs. Deputados: Lourdes Hespanhol,
nas sessões de 8 de Setembro e de 14 de Fevereiro;
Rogério Moreira, na sessão de 13 de Outubro, António
Mota, nas sessões de 27 de Outubro e 2l de Fevereiro;
Octávio Teixeira, na sessão de 11 de Novembro;
Herculano Pombo, nas sessões de 3 de Janeiro e de
26 de Abril; Mendes Bota, na sessão de 26 de Janeiro;
Manuel Filipe, na sessão de 14 de Fevereiro; Carlos
Brito, na sessão de 14 de Fevereiro; Álvaro Brasileiro,
nas sessões de l4 de Fevereiro e 12 de Abril; Caio
Roque, nas sessões de l4 e 28 de Fevereiro e 25 de
Março; Roque Cunha na sessão de l de Março; José
Apolinário, na sessão de l6 de Março; Ilda Figueiredo
na sessão de 21 de Março; José Magalhães, na sessão
de 2l de Março; Jorge Lemos, na sessão de 28 de
Março; Gameiro dos Santos, na sessão de 3l de Março
e Lino de Carvalho, na sessão de 4 de Abril.

0 Sr. Presidente: - para uma declaração política, tem a palavra o Sr.
Deputado João Cravinho.

0 Sr. S11va Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para
interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para fazer lembrar a V. Ex.ª que está inscrito um colega meu para fazer uma declaração política.

0 Sr. Presidente: - A inscrição que temos do PSD é para uma
intervenção e não para uma declaração política.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, a inscrição é para u
ma declaração política e penso até que foi o primeiro orador que se inscreveu. Em todo o caso, inscrevo o meu colega para uma declaração política.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem, pois, a palavra, o Sr. Deputado João Cravinho,
para uma declaração política.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: - Antes de começar a minha intervenção,
permitam-me que evoque, hoje, último dia de funções
do Sr. Provedor de Justiça, a forma digna, verdadeiramente
exemplar, construtora de uma democracia reforçada
em Portugal, como ele exerceu o seu mandato e que
merece o respeito de todos nós.
Em nome do Partido Socialista, gostaria de aqui deixar
estas palavras de especial saudação ao Sr. Provedor
de Justiça, no último dia do seu mandato.

Aplausos do PS, do PCP e do PRD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há dois anos,
Cavaco Silva vivia inebriado na onda de um enriquecimento
político sem causa, atribuindo-se a si próprio
todo o mérito, o exclusivo mérito de uma expansão
económica que, na realidade se devia em grande parte
a outros. Antes de Cavaco Silva existir no Governo,
já a economia portuguesa se encontrava preparada para
uma vigorosa retomada do desenvolvimento, mediante
os frutos da cura de emagrecimento a que o País foi
obrigado, de l983 a l985, no Governo PS/PSD.
A esta nova capacidade de crescimento somaram-se,
por um lado, os efeitos positivos derivados da assinatura
do Acordo de Adesão à CEE, assinatura que
Mário Soares conseguiu concretizar, apesar da oposição
manifestada por Cavaco Silva;...

O Sr: Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

0 Orador: - ... por outro lado, o enorme impacto na economia portuguesa da mais favorável situação económica internacional que o mundo conheceu nos últimos quinze anos.
Cavaco Silva foi o grande beneficiário da adesão, que ele combateu; foi o
grande beneficiário da recessão, que ele ajudou a tornar inevitável, depois dos governos AD;...

0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Foi verdade!

0 Orador: - ... foi o grande beneficiário do surto excepcional da economia internacional, para a qual não consta que ele tivesse sequer contribuído.
Mas Cavaco Silva teve artes de persuadir boa parte do eleitorado no sentido de que, em vez de beneficiário, ele era o benfeitor, o grande benfeitor do povo

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português desde o 25 de Abril. Forte deste enriquecimento
político sem causa, prometeu ao País a felicidade e
ganhou a maioria, como promitente benfeitor.
Que lhe dessem a maioria e ele traria a inflação em
queda drástica até aos níveis da CEE.
Ele garantiria também o aumento sustentado do poder de compra e ele, Cavaco Silva, faria de Portugal o exemplo, a inveja da Europa, tão sábia, límpida e transparente seria a sua governação.
Não falo da sabedoria, não falo da limpidez, muito menos da transparência, por razões óbvias!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas o certo é que muitos confiaram
no engodo destas promessas e deram-lhe o seu voto,
levando a sua maioria ao nível absoluto de 50%, a 28
pontos do Partido Socialista. Veremos a quanto chegarão! ...

Decorridos dois anos, a meio mandato, toda a gente
se interroga: «Para que serviu esta maioria? ', Onde
estão, afinal, as promessas do promitente benfeitor?
Porque razão não conseguiu Cavaco Silva aproveitar
as condições económicas mais favoráveis que o País
conheceu nos últimos quinze anos? Porque razão a
estabilidade política, saída do l9 de Julho de l987, se
converteu na generalizada instabilidade social, no
generalizado conflito social?»

Vozes do PSD: - Olhe que não!-

O Orador: - O País prepara-se para dar resposta a
estas interrogações nas próximas eleições. A resposta,
Sr. Presidente e Srs. Deputados, será tão simples como
esta: mesmo sem mudar de governo é preciso mudar de
governação ...

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - para que o País não se distancie
cada vez mais dos padrões de vida, do estilo de vida que caracteriza
a Europa, que caracteriza a democracia europeia.

É preciso mudar a governação, porque a política económica
é errada, feita, como é, de elementos contraditórios.
É uma política económica que está a fazer diminuir o poder
de compara dos portugueses; é uma política económica que espartilha a possibilidade de investimento e de reconversão das empresas; é uma
política económica que ameaça o futuro de inúmeros
postos de trabalho em importantes indústrias e regiões
do País. E a política tout court, a política global, essa
começa a ameaçar a participação democrática dos portugueses
no que eles têm de mais elementar direito.
Onde está uma política séria e coerente de combate à
inflação, o que é o tema que aqui me traz hoje?
O combate à inflação era a prioridade no tempo em que
n aqueda dos preços internacionais servia de muleta
à propaganda de Cavaco Silva.

Nessa altura, Cavaco Silva - saiu na imprensa - revia-se
na inflação como obra sua (e só sua!) e ai de quem
se atrevesse a dizer que os preços internacionais tinham
influência na baixa dos preços internos! Estávamos no
tempo em que o Primeiro-Ministro curava as suas
depressões a golpes de vista sobre a sua suposta coroa
de glória: a queda da inflação. Hoje, a inflação é mais
um factor de depressão do Primeiro-Ministro, o que

não seria grave se não fosse também um enorme factor de depressão do
poder de compra dos pensionistas, dos reformados, dos trabalhadores, que foram forçados a aceitar, em 1988 e l989, salários reais negativos.

Se há quem tenha, razão para estar deprimido são os portugueses, devido à incapacidade, ao fracasso do governo perante os sucessivos disparos da inflação.

Em Abril de 1988, a inflação, relativamente aos doze
meses precedentes, estava em 8%. Desde então, no
prazo de um ano disparou para mais de 13%, ou seja,
o seu nível subiu de cerca de 65% num ano.

A triste realidade é que em Abril de 1989, o crescimento anual dos preços voltou ao mesmo valor do início de 1986. 15to é, estamos a caminho da estaca zero deixada pelo Governo do Bloco Central.

De facto, com o actual Governo, perderam-se mais
de três anos de combate à inflação. Se não fosse a
embalagem imprimida à descida dos preços antes de
Cavaco Silva, de Janeiro a Outubro de 1985, o contributo
do actual Governo para a queda da inflação
seria rigorosamente zero. Ainda assim, é quase isso:. zero vindo de zero!

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - O Governo desculpa-se com o que se passa lá fora,
com a subida de preços internacionais, os tais que só teriam influência nas subidas e nunca nas descidas. Desculpa de mau promitente benfeitor,
pois a diferença entre a inflação em Portugal e na CEE
está a crescer a passos largos. Em termos médios, essa
diferença foi de 6 pontos em 1988 e de 7,3 pontos do
primeiro trimestre de 1989. Como estamos longe da
inflação prometida pelo Governo para 1989! Foi fácil
prometer para ganhar votos, mas o erro de previsão
agora já é bem superior a 100%.

Pensa o Sr. Primeiro-Ministro que vai escapar à censura do povo
português nas próximas eleições?

O Primeiro-Ministro prometeu o aumento sustentado do poder
de compra e, apesar das condições excepcionais que teve
à partida, está desde l988 a impor a diminuição do
poder de compra a quase todos. Na média global, em l988,
houve uma queda do poder de compra da ordem dos 2%', mas
nas empresas públicas e na função pública essa perda é da
ordem dos 3%.

Como entender, então, a frequente afirmação do
Governo proclamando que 1988 foi o terceiro ano de
ouro consecutivo da economia portuguesa? Se o poder
de compra diminuiu em ano de ouro, que sucederia
então se os anos não fossem de ouro mas,sim, de prata,
e estes são é de lata dourada!

Não podem, ser, os trabalhadores a pagar o orgulho
cego do Primeiro-Ministro. 0 Primeiro-Ministro
enganou-se e não o reconhece. Enganou-se é obriga-nos
a dobrar ao seu erro, quando ele próprio, democraticamente,
devia ser o primeiro a penitenciar-se.

0 Primeiro-Ministro enganou-se quando prometeu a inflação
de 6% para l988. Preferiu impor o seu erro, como se quem se
tivesse enganado fosse a inflação. Em consequência o poder
de compra entrou em queda em 1988 e continuará assim em 1989,
se prosseguir o actual estilo de governação autoritária,
sem diálogo e sem concertação.

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0 Partido Socialista não aceita a queda do poder de compra, como se se tratasse de uma fatalidade natural, em vez de ser o que realmente é: a teimosia censurável de um homem só, em cada dia mais isolado, mais fechado na sua arrogância, zangado com tudo e com todos.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Partido Socialista pensa que o País tem o direito de exigir o aumento imediato das pensões de reforma e do salário mínimo; o Partido Socialista pensa que o País censura ao Governo a sua incapacidade para renovar o diálogo com as associações sindicais e empresariais, no sentido de se obter uma política de rendimentos é preços credível, anti-inflacionista e coerente com os objectivos de desenvolvimento e de bem-estar de um Portugal capaz de ganhar na Europa e com a Europa.

Assim, Portugal, em vez de se aproximar dos padrões dos nossos parceiros da CEE, está a caminhar, a passos largos, para os padrões do Terceiro Mundo.

Para o Governo, o combate contra a inflação e a favor da competitividade externa das nossas empresas ter-se-á de fazer, reduzindo o valor real dos salários significativamente abaixo dos valores que permitiriam melhorar, quer o poder de compra quer a distribuição funcional do rendimento.

Os trabalhadores portugueses não podem deixar de censurar, nas próximas eleições, nas eleições europeias, uma tal política de competitividade externa, porque é antieuropeia e antimodernização.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - As contradições da actual política económica levam à sucessão de ciclos de inflação e de recessão, diminuindo o poder de compra, encarecendo e dificultando o investimento necessário à modernização das nossas empresas.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, solicito o favor de abreviar, uma vez que ultrapassou o tempo.

0 Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.

É assim que o Governo quer ganhar l992?

0 Partido Socialista tem uma proposta a apresentar a esta Assembleia.

Vozes do PSD: - Ah! Até que enfim!...

0 Orador: - Porque os erros de previsão do
Governo são de tal ordem e porque foi comunicado,
publicamente, que o Governo entregou à comissão da
CEE um quadro macro-económico - parte integrante
da Lei das Grandes Opções, aqui votada -, sem dar
cavaco à Assembleia, desfigurando assim uma lei aqui
votada, o Partido Socialista vai entregar uma proposta
no sentido de a Assembleia da República apurar se isso
assim sucedeu e, na eventualidade de ter sido esse o
caso, tomar as disposições necessárias para salvaguardar
a sua competência própria.

Aplausos do PS e protestos do PSD.

0 Partido Socialista, que tem conduzido, sem desfalecimento - e esta iniciativa assim o demonstra -, a liderança contra a política deste Governo, tem a dizer uma coisa muito simples: é que uma moção de censura, neste Parlamento, uma eventual moção de censura que se queira antecipar à censura que cabe ao povo português fazer, nas umas, a l8 de Junho - e que será feita! -, não pode obviar à censura da soberania popular.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Partido Socialista afirma, desde já,
com a tranquilidade e a consciência de quem lidera a
Oposição, que votará essa moção de censura, porque
não lhe dá nem mais nem menos importância do que
ela tem, e ela será o menos, porque o mais será a
censura de l8 de Junho.

Aplausos do PS.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Mas votam contra ou a favor?

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Vairinhos e Pacheco Pereira.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, ao ouvir as suas palavras fiquei mais do que convicto de que terá começado aqui, se já não começou noutros lados - e é evidente que sim!...
a sua campanha para o Parlamento Europeu e também fiquei convencido de que irá centrar a sua campanha para o Parlamento Europeu na questão da inflação. Diria que isto não me preocupa, pois já estou habituado, de há dois anos a esta
parte, nesta Casa, a ouvir as intervenções do Sr. Deputado e a tecla é
sempre a mesma: o dó, ré, mi e daí não sai!...
0 Sr. Deputado toca unicamente numa questão: inflação. No entanto, não tocou no desemprego, no investimento, não tocou numa série de áreas em que todo o trabalho do Governo tem sido altamente louvável, quer interna quer externamente.
Diz o Sr. Deputado João Cravinho que o PS vai apresentar uma proposta
anti-inflacionista coerente. Gostaria que dissesse claramente quais as medidas que o PS preconiza para combater a inflação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria que as dissesse aqui muito claramente. Demonstre o que fazia! Aumentava as restrições ao crédito? Aumentava o desemprego? Lançava novamente o País nos salários em atraso? 0 que é que o Sr. Deputado João Cravinho fazia? Diga agora, porque já é tempo de fazê-lo.

Aplausos do PSD e protestos do PS.

Sr. Deputado João Cravinho, o Governo vai ganhar 1992. Não é o Governo do PSD que vai ganhar mas, sim, Portugal, com o Partido Social-Democrata à frente do Governo. Não tenha dúvidas do que estou a dizer-lhe.

Vozes do PSD: - Muito bem,!

Protestos do PS.

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O Orador: - Srs, Deputados, há pouco, ouvi tanta coisa interessante ou desinteressante.., deixem-me acabar! ,..
Quanto à questão do inquérito, parece que a única política que o PS sabe fazer é lançar inquéritos, Lancem propostas! Respondam com propostas concretas e eu desafio-o a traçar, hoje, um cenário de desenvolvimento da política macro-económica para que todos, incluindo o País, possamos ouvir as suas palavras.

Aplausos do PSD.

O Sr, Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado João C r avinho, não vou discutir as considerações económicas da sua intervenção, porque não tenho competência para tal, mas gostaria de discutir as considerações políticas.
A sua intervenção é um bom exemplo daquilo que é, actualmente, a intervenção política do Partido Socialista.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É um espectáculo!

O Orador: - Os Srs. Deputados consideram que dá resultado repetir sistematicamente, junto do eleitorado, as mesmas coisas, seguindo um pouco o exemplo daquela corrente musical minimal repetitiva. Os senhores estão a transformar a Oposição numa espécie de oposição minimal repetitiva, em que repetem centenas de vezes os mesmos acordes, contando que isso tenha algum efeito na opinião pública.
Mas há uma razão essencial, porque a repetição minimal não tem qualquer efeito na opinião pública. O que os senhores dizem não tem qualquer espécie de sentido político: ou são abstracções ou são falsidades, e vou dar alguns exemplos da razão por que é que este tipo de discurso não tem qualquer espécie de credibilidade.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - A inflação, por exemplo!

O Orador: - O Sr. Deputado João Cravinho disse que o Governo está a pôr em causa a participação democrática dos portugueses, com o habitual exagero de vocabulário que faz com que os senhores estejam permanentemente a gritar que «vem aí o lobo». Um dia que alguma vez, por eventual hipótese académica, o lobo realmente aparecesse ninguém acreditava na queixa!...
Coloco apenas esta questão: quais são, no concreto, os instrumentos de participação democrática dos portugueses que estão a ser postos em causa pelo Governo? Quais são os instrumentos de intervenção política da Oposição que os senhores não podem utilizar, porque o Governo os impede? Não basta repetir sistematicamente este tipo de slogan, é preciso dizer concretamente o que é que se passa.
Em segundo lugar, os senhores dizem, com aquela impunidade das palavras que se podem sempre utilizar sem preocupação pelo seu sentido, que Portugal caminha para padrões do Terceiro Mundo.
Toda a gente, que tem bom senso sabe - e os senhores não acreditam no bom senso dos eleitores - sabe que o que dá vitória aos governos e aos partidos é, essencialmente, o bom senso dos eleitores, toda a gente sabe que é a coisa melhor repartida e ninguém de bom senso, em Portugal, acredita que, por muitas asneiras que qualquer governo faça, alguém esteja a fazer caminhar Portugal para os padrões do Terceiro Mundo, Isto não tem qualquer espécie de sentido e quem o afirma com esta impunidade tira qualquer credibilidade ao que diz, à volta, antes ou depois.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo o resto é assim.
Não sendo economista nem tendo uma especial competência no plano económico, eu mesmo lhe direi que destacar um factor na análise económica e não ter em conta todos os outros factores subjectivos, como a confiança, o investimento, o desemprego, um vasto conjunto de outros indicadores, é, efectivamente, falsear a questão.
Os senhores podem vir aqui todos os meses, sempre que for publicado índice da inflação, e posso garantir-lhe que a preocupação pelo índice da inflação não é apanágio da Oposição, pois na bancada do PSD existe idêntica preocupação.
Os senhores podem vir aqui ciclicamente todos os meses - provavelmente vão ter menos oportunidade de fazê-lo - que isso não retira a análise que fazem (uma pobreza essencial!), que tem mais a ver com oportunismo político do que com uma análise séria da realidade económica. Aí também o desafio a integrar a análise económica, mais geral, com o conjunto dos indicadores disponíveis, com a análise destacada e isolada que faz da inflação.
O Sr. Deputado, evidentemente, iniciou a sua campanha eleitoral e é legítimo fazê-lo! Só gostava de colocar-lhe uma questão.
O Sr. Deputado considera que os resultados eleitorais devem ser tidos em conta no sentido de mudar a governação. Todos sabemos que eleições deste tipo são difíceis para o Governo, Gostaria de perguntar-lhe se considera que os resultados que os partidos da Oposição, em particular o Partido Socialista, irão ter nas próximas eleições para o Parlamento Europeu levarão também a uma mudança de governação no Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado António Vairinhos, agradeço as palavras que me dirigiu.

O Sr. Deputado formulou uma referência a um inquérito. Suponho que é uma obsessão, será um pesadelo....

Protestos do PSD.

É que eu não falei em inquérito. Suponho que, quando se vai à Tribuna, não é para «sacar» um inquérito da algibeira, ainda não estamos aí. Basta os que existem! Portanto, não compreendo a sua referência.
Quanto ao desemprego, o Sr. Deputado António Vairinhos, naturalmente, lê a propaganda do seu Governo. Se lesse as estatísticas da CEE - e leia o EUROSTAT que existe na Biblioteca da Assembleia (eu li-o!) -, veria uma curiosa estatística que o seu

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Governo esconde preciosamente, que é a seguinte: «Portugal é o País da CEE que tem maior taxa entre os desempregados das mulheres e dos jovens.»

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Nas condições concretas de Portugal, o
que sucede é que existe.

Protestos do PSD.

Perdoem-me. Dão-me licença? 15to está no EUROSTAT, que diz: «Portugal é o Pais da CEE...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Mas está mal!

O Orador: - Ah! Está mal ! Está mal!

Risos do PS.

Já agora, permita-me que lhe diga, para seu esclarecimento,
que quem fornece os dados ao EUROSTAT, que nunca os escolhe
directamente, é o INE. Mais um inquérito ao INE! ... Razão tinha
o Sr. Deputado António Vairinhos!

Protestos do PSD.

Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado António Vairinhos que, se souber ler as estatísticas, reparará que Portugal está, em l988, no mesmo nível de volume,
de emprego que estava em l983. Se estudar a informação económica...! Não lhe digo mais nada!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Pacheco
Pereira, confesso que a minha intervenção falava de
outras coisas. Pode lê-la, pois distribui-a. Não tive
tempo de ler tudo, mas distribui-a. Vai, com certeza,
ficar um bocadinho mais satisfeito, porque verificará
que o que disse não tem fundamento. As suas aspirações
do bom deputado foram exercidas, em parte, por
mim, com alguma modéstia.
Diz o Sr. Deputado que só falo de abstracções ou de falsidades.
Então, a inflação a subir todos os dias, como se vê, e depois
vem nos jornais de mês a mês,
é uma abstracção?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 0rador: - O Sr. Deputado vive bem, porque
senão não achava isto nem uma falsidade nem uma
abstracção.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Diz, em seguida, o Sr. Deputado que
só falei da inflação. Vou dar-lhe uma pequena informação:
o Governo prognosticava, em l988, um superavit
da Balança de Transacções Correntes de 400
milhões de dólares, teve um défice de 650 milhões de
dólares - é a diferença de quem queria ir para Marte
e ficou em Chelas!...

Risos do PS.

... - e o resultado é que fez a política económica como
se tivesse um superavit de 400 milhões de dólares.

0 Sr. Deputado Pacheco Pereira não é especialista
e não vou pôr-lhe qualquer questão nesta matéria, mas
pergunte a qualquer especialista qual é a diferença que
faz um bilião de dólares na economia portuguesa, se
é uma coisa somenos se é um erro não de palmatória
mas que lesa consumidores, lesa produtores, lesa Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo deveria estar aqui para dar
essas explicações. O Sr. Deputado refere os padrões do
Terceiro Mundo. Sr. Deputado, qualquer urbanista que
venha a Lisboa e que visite a sua periferia diz «estávamos
na América Latina, estávamos...».

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O 0rador: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - O Sr. Deputado não conhece o Terceiro Mundo...

O Orador: - Não conheço Sr. Deputado? Nasci lá!
0 Sr. Deputado é que não conhece!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Esse tipo de comparações é completamente desproporcionado.

0 Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): É um disparate!

0 Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado, eu não
conheço nem o Terceiro Mundo nem a realidade portuguesa.
Aqui em Portugal, Sr. Deputado, nos arredores de
Lisboa, nos bairros da lata há pobreza de Terceiro
Mundo, como, aliás, o demonstrou um estudo recente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de perguntar uma coisa aos Srs. Deputados Pacheco Pereira e António Vairinhos e a toda a bancada do PSD. O que o Partido Socialista vai apresentar é uma proposta para que esta Assembleia da República assuma as suas competências. Uma vez que não há indícios mas factos comprovados que demonstram que todo o cenário macro-económico que o Governo apresentou aqui há meses atrás é completamente falso e errado - aliás, o próprio Governo já o reconheceu, tanto assim que já mandou para a Comissão da CEE correcções que não passaram por esta Assembleia -, vamos, então, fazer uma discussão séria e com profundidade sobre estes assuntos.
Votam a nossa proposta de resolução para que o assunto seja debatido aqui em Plenário com a presença do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro das Finanças ou «metem-se em copas»?

Aplausos do PS.

Quanto à questão de mudar de governação, é evidente que as eleições têm de servir para alguma coisa. Os Senhores querem fazer destas eleições umas
eleições para a «junta de freguesia» de Estrasburgo. Pegam no

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vosso ministro para os Assuntos Parlamentares, que deve estar fortemente embaraçado, porque é um homem de diálogo, um homem tratável, um homem educado, que deve estar farto do autoritarismo que aqui vive, e mandam-no para Estrasburgo. Pegam no ex-Secretário de Estado Carlos Pimenta, que teve de sair do Governo...

Protestos do PSD.

... porque não era capaz de fazer a política do ambiente que ele queria, e mandam-no para a «junta de freguesia» de Estrasburgo. Agora dizem-me «mudar de governação». Com certeza que não porque as eleições não servem para isso. São eleições para a «junta de freguesia» de Estrasburgo? São para que a adesão de Portugal seja bem sucedida e para que Portugal possa, efectivamente, integrar-se na Europa com dignidade, com sucesso para os portugueses e não para o Sr. Primeiro-Ministro através da sua propaganda.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Solicitaram a palavra os Srs. Deputados Luís Filipe Menezes e António Vairinhos. Peço-lhe que esclareçam para que desejam usar da palavra.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - É para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado António Vairinhos?

O Sr. António Vairinhos (PSD): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, não lhe pode ser dada a palavra para um protesto.
Assim sendo, para uma interpelação à Mesa tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, pedia que esclarecesse o seguinte: pareceu-me ouvir da parte do Sr. Deputado João Cravinho a afirmação de que eu não sei ler estatísticas ou algo parecido com isto. Efectivamente, gostaria que a Mesa me esclarecesse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vairinhos, a figura da interpelação à Mesa é para esclarecer algo que tenha a ver com a interpretação do Regimento. Vou ter, com certeza, dificuldades em esclarecer aquilo que, à partida, o Sr. Deputado está a colocar.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Então, era só o seguinte: creio que o Sr. Deputado João Cravinho não respondeu ao repto que eu fiz para lançar aqui as medidas que ele preconizava para resolver o problema da inflação em Portugal.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes?

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - É para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Utilizo a figura da defesa da honra da bancada na medida em que na parte final das suas respostas aos pedidos de esclarecimento formulados pêlos meus colegas o Sr. Deputado João Cravinho evocou o nome de dois militantes do PSD, o Sr. Dr. António Capucho e o Sr. Engenheiro Carlos Pimenta.

Uma voz do PS: - Coitadinhos!

O Orador: - E evocou-os em termos que, pensamos, são ofensivos da nossa dignidade. Se estes nossos dois colegas de bancada estão neste momento a desempenhar este serviço é porque o fazem voluntariamente e porque o PSD julga que eles são os mais capazes para representar o partido nos lugares para onde estão designados no Parlamento Europeu. No nosso partido funciona-se por vontade própria e ninguém é obrigado a nada.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de ter visto o Sr. Deputado João Cravinho evocar as virtudes cívicas do Sr. Engenheiro Carlos Pimenta quando ele foi injustamente vilipendiado há meses atrás. Isto demonstra o oportunismo político do Sr. Deputado João Cravinho e do Partido Socialista. Só evocam quando lhes interessam as figuras e as virtudes cívicas dos militantes do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, explicações não as tenho que dar. No entanto, se é essa a figura regimental dá-las-ei.
Em relação ao que foi aqui dito nunca na minha mente poderia estar a intenção de ofender a honra fosse de quem fosse, fazendo, inclusivamente, qualquer tipo de insinuação. Veja-se, por exemplo, o seguinte: eu falei das estatísticas que existem aqui e é evidente que qualquer de nós pode lê-las. Foi tudo quanto disse! De maneira nenhuma quereria ir além disto. Devo a mim próprio o respeito suficiente para não ir além disso.
Em relação ao Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares e ao Sr. Engenheiro Carlos Pimenta, actual deputado ao Parlamento Europeu, desejo exprimir aqui que as minhas palavras foram de consideração pessoal. Conheço particularmente bem o Sr. Engenheiro Carlos Pimenta, por quem tenho a maior consideração pessoal.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Vê-se...!!!

O Orador: - Nada me impede de fazê-lo, nem sequer a consideração pessoal que tenho pelo Sr. Engenheiro Carlos Pimenta. Pelo contrário, a consideração pessoal que lhe devo obriga-me a referir aqui um facto que é notório e público e que é do seguinte teor: se o Sr. Engenheiro Carlos Pimenta continuasse no Governo não poderia certamente realizar a sua política

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de ambiente, nomeadamente no que diz respeito às indústrias.

Uma Voz do PSD: - Como é que sabe?

0 Orador: - Como é que sei? Um dia destes o Sr. Engenheiro Carlos Pimenta foi ao canal I da televisão participar num debate sobre eucaliptos e, perante centenas de milhar de telespectadores portugueses, acusou o Secretário de Estado Macário Correia de ter assinado um protocolo com as celuloses, segundo o qual deliberadamente o Governo se rendeu aos interesses das mesmas. Retirou também ao controle governamental anti-cancerígeno um certo número de substâncias produzidas pelas celuloses de tal maneira que se ficou na situação de, com o beneplácito do actual secretário de Estado do Ambiente, as celuloses ficarem autorizadas a emitir substâncias que provocam o cancro. Disse o Sr. Engenheiro Carlos Pimenta que no caso era contestatário. Sucede que foi o Sr. Engenheiro Carlos Pimenta que o disse. Tirei-lhe o chapéu e disse para mim próprio «como é que vai votar o pobre eleitor PSD, que se preocupa com o ambiente»? Pela figura honrada do Sr. Engenheiro Carlos Pimenta ou pela figura «honrada» de quem provoca e assina o protocolo e que é membro do Governo que o Sr. Engenheiro Carlos Pimenta apoia? Muito naturalmente, nem por um nem por outro.
Quanto ao Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares gostaria de dizer o seguinte: 0 Sr. Ministro é uma pessoa cordata, educada e é um homem de diálogo. Entre outras coisas, por exemplo, ele concorda com a minha proposta para que os futuros parlamentares europeus se reunam. Ele concorda com essa proposta.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Quem propôs isso foi ele!

0 Orador: - Não foi, Sr. Deputado! Fui eu daquela Tribuna. Veja as datas, Sr. Deputado, e não diga isso.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Ele já propôs isso há quinze dias, Sr. Deputado. 0 senhor está a fazer uma proposta atrasada.

0 Orador: - E eu já o propus há mais tempo, Sr. Deputado. 15to são coisas
datadas.
Eu também propus que os parlamentares do Parlamento
Europeu se reunam com os parlamentares nacionais,
mas isso já depende de vocês. Vou ver se votam
essa proposta ou se o Sr. Ministro António Capucho
fez, porventura, uma proposta no ar. 0 Sr. Deputado
diz que é dele, mas não é. No entanto concorda com
ela. Depois os senhores vão negar aqui essa proposta.
Mas quem é que manda? É o Sr. Ministro António
Capucho? É o Sr. Primeiro-Ministro? Em relação a
esta matéria vale a palavra do Sr. Ministro António
Capucho quando nós sabemos que quem manda é o
Sr. Primeiro-Ministro? Eu quero é ouvir o Sr. Primeiro-Ministro.
Já fizemos essa proposta aqui e da vossa parte não houve
qualquer eco. Em breve, vocês vão ter ocasião de votar
porque nós vamos aqui apresentar uma proposta de alteração
ao Regimento da Assembleia da República. Vocês vão
ser «mandados» em que sentido? Vão votar contra?
Essa é que é a realidade!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

Sr. Presidente, fui o primeiro a inscrever os meus colegas. Há pouco, sabendo a lista de inscrições, dirigi-me aos colegas da Mesa. Era o meu colega que estava em primeiro lugar...

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não era, Sr. Deputado.

0 Orador: - Ninguém previa que houvesse declarações políticas, mas, uma vez que elas tiveram lugar, penso que o meu colega deveria usar da palavra. Aliás, ele deveria ter sido o primeiro. Só por respeito pelo Sr. Deputado João Cravinho é que eu há pouco não levantei a questão.
Creio, Sr. Presidente, que é uma grande injustiça as coisas se estarem a processar desta forma.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, não é injusto e V. Ex.ª vai ver que não tem razão.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Porque não?

0 Sr. Presidente: - 0 que vale a pena são os factos. Não vale a pena estarmos a falar, Sr. Deputado.
0 ofício do Grupo Parlamentar do PSD, assinado pelo Sr. Deputado Silva Marques, diz o seguinte: «Solicito a inscrição para intervenções no período de antes da ordem do dia, do dia 16 de Maio próximo, dos seguintes
deputados do PSD ...» - seguem-se os nomes dos deputados.
Vou ler um outro, que diz o seguinte: «0 Grupo Parlamentar do
Partido Socialista inscreve o deputado João Cravinho para uma
declaração política para a sessão de amanhã, dia 16.»
É a diferença, Sr. Deputado. Não vale a pena continuarmos porque as situações estão esclarecidas. Uma coisa é uma declaração política e outra é uma intervenção no período de antes da ordem do dia. Não vale a pena confundirmos isto, Sr. Deputado.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, salvo erro, em rigor, hoje não deveriam ter lugar declarações políticas. É essa a questão! Em rigor - e sustendo esta posição com base em factos -, hoje não deveriam ter lugar declarações políticas. Foi por isso que o meu ofício ao Sr. Presidente não falava em declarações políticas.

0 Sr. Raul Rego (PS): - Mas quem manda aqui é o Sr. Deputado Silva Marques?

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, «em rigor», é aquilo que é decidido pela conferência de líderes. A conferência, onde V. Ex.ª tem o seu grupo representado, decidiu assim. Está muito bem decidido, há declarações políticas, V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar têm a palavra na altura em que a devem ter.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, permito-me, então, perguntar em que lugar é que está inscrito o meu colega para uma declaração política.

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O Sr, Presidente: - Imediatamente a seguir ao Sr, Deputado João Amaral,

O Sr, Jerónimo de Sousa (PCP): - Você faz sempre isto, Tenha vergonha e dignifique o órgão. É sempre a mesma coisa!

O Sr. Silva Marques (PSD): - A vossa política não é o marxismo-leninismo, É ao do «Chico esperto»!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma questão central levantada pelo actual momento político é a de as forças democráticas deverem concentrar a sua acção política na crítica à acção do Governo. Deverem corresponder dessa forma ao protesto e às lutas mais frequentes que se desenvolvem por sectores cada vez mais alargados. Deverem intensificar a sua resistência até ao nível da gravidade dos efeitos da acção política do cavaquismo.
Mas, em vez disso, é uma força democrática como o PS que se casa com o PSD, partido do Governo, para descaracterizar a Constituição em aspectos fulcrais. E, assim, para lhe fornecer instrumentos de poder e de acção política capazes de darem outro fôlego a um Governo como este que agora se afunda em atoleiro. Mais, e não menos grave, para espartilhar toda a actividade desta Assembleia e até para condicionar a actividade política geral em tais termos que o Governo vive politicamente numa espécie de férias. Que, aliás, aproveita!
Esta é a contradição em que se deixou enredar o PS e que conforma a vida política.
O mais recente desenvolvimento dos acordos PS/PSD foi a nova proposta para o processo de Revisão Constitucional e de calendário, horário dos trabalhos e votações. A proposta é o garrote para o trabalho desta Assembleia da República que não seja de Revisão Constitucional (praticamente não sobra tempo até ao início da campanha eleitoral); e é o colete de forças para o próprio debate da Revisão Constitucional (por exemplo, três horas, no total, para o conjunto dos deputados para discutir toda a revisão da Constituição económica, incluindo matérias como as nacionalizações, a reforma agrária e o planeamento económico!!!).
Como ver este escândalo político? Esta proposta evidencia um PS cada vez mais enleado nas consequências da contradição em que se deixou enredar. Sem lucidez, e sem visão, apanhado. E, agora, até animado pelo próprio Cavaco Silva, que volta a erigir a Revisão Constitucional no tema forte da sua campanha (para depois a capitalizar!) ao mesmo tempo que manda anunciar a concessão de tréguas nos ataques ao PS. Foi a vida a demonstrar que não há oposição em part-time!
Mas não é possível romper esta contradição? É evidente que sim; e é preciso que se voltem a dizer com clareza duas ou três coisas fundamentais. E, desde logo, uma: a má revisão não é inevitável; o PSD não tem maioria para mexer uma vírgula que seja no texto da Constituição. Então, o que abriga o PS a este comportamento? O interesse de Estado? Mas o interesse do Estado democrático, o que exige é a ponderação aprofundada do conteúdo da revisão, é o combate à construção do Estado laranja, é a defesa dos interesses da democracia e do progresso. Então, que outros interesses?
Nada pode obrigar o PS a aceitar rever a Constituição descaracterizando-a em aspectos fulcrais.
Nada o pode obrigar a fornecer na revisão instrumentos para robustecer o cavaquismo hoje doente.
Nada pode obrigá-lo também a fazer a revisão no regime de «trabalhos forçados», resultante da proposta de que é autor. Nada o obriga a arregimentar com o PSD a Assembleia para a revisão e a fornecer a Cavaco Silva e ao Governo um abrigo pré-eleitoral, o que é o inverso do que deveria caracterizar a acção política do lado da Oposição.
Um abrigo contra quê? Um abrigo na batalha política que envolve hoje largas camadas da população, sectores particularmente expressivos, contra a política governamental.
E vale a pena analizar alguns dos últimos desenvolvimentos desta política governamental.
Vejamos, por exemplo, a proposta de novas tabelas da função pública que concita a oposição de todos os sectores abrangidos. Os médicos estão contra; os administrativos estão contra; as carreiras técnicas (incluindo os técnicos superiores) estão contra; os operários estão contra...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Já agora os professores!. ..

O Orador: - ..., como aliás os professores. O valor do índice base - 32 000$ - constitui um insulto.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - E os professores!

O Orador: - Esteja descansado que eu não me esqueço dos professores!
Como estava a dizer o valor base de 32 000$ é um verdadeiro insulto. O aumento nominal em relação ao valor actual, é de 1,3%! Não cobre sequer o aumento da inflação verificada. Mas, contas feitas, com os descontos, as estruturas sindicais apontam para aumentos de 0,3% para os que estão na letra U, de 1,4 para os primeiros oficiais e técnicos auxiliares principais e de 1,2 a 3% (consoante os escalões) para operários. Isto, pura e simplesmente, não são aumentos! Isto é um insulto!
Quanto aos professores, a proposta reedita, com o vosso apoio, Srs. Deputados do PSD, o sistema «salazarento» do professor mal pago, marginal e carente. A proposta para os professores suscitou uma reacção imediata traduzida numa greve de enorme êxito que os senhores não podem negar!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Foi a única!

O Orador: - Saudamos daqui essa luta, que é pela defesa dos direitos e das condições da vida dos professores, pela defesa da sua dignidade, mas também uma luta pela reforma educativa com que o Governo encheu a boca e que na prática compromete. Porque, quem coloca um professor, agente fundamental do processo educativo, um degrau abaixo da escala, pode estar a poupar no orçamento, mas não está a transformar o sistema educativo para responder aos desafios da revolução científica, técnica e do desenvolvimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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0 Orador: - De uma penada, o Governo juntou os trabalhadores da função pública à luta geral e às lutas específicas que têm movimentado médicos, juizes, agentes da PSP, agricultores, compartes de baldios, e tantos outros sectores.

Somou à política de afrontamento contra quem trabalha o fracasso económico, exibido no persistente agravamento da inflação, a verificar-se contra todas as promessas governamentais.

À vontade e sem fiscalização, o Governo anuncia novos compromissos inadmissíveis no plano militar, incluindo a possibilidade de instalação de armas nucleares em território nacional.

À vontade e sem fiscalização, um membro do
Governo, o ministro Mira Amaral, acossado com o
envolvimento do seu nome no caso dos dinheiros do
Fundo Social Europeu, não hesita em apontar, por sua
vez, o dedo às autarquias locais.

À vontade e sem fiscalização, o ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação prossegue em completa impunidade o esbulho de terras às UCP's e Cooperativas da Reforma Agrária e s sua entrega aos agrários, utilizando os mais torpes processos. Exemplos? Os casos que originaram a Comissão de Inquérito Parlamentar estão a ser «resolvidos», precisamente com as entregas de terras questionadas por suspeitas (e por provas de corrupção.

0 Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É um escândalo!

0 Orador: - Há casos em que são os próprios agrários a calcular a pontuação para a atribuição das reservas. Para evitar os recursos judiciais (e a suspensão da entrega de terra, que o tribunal decreta, face à massa de ilegalidades), o ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação faz notificações sexta feira à tarde para entregar na segunda de manhã, isto de manhã, isto em tais termos que o prazo corre com o tribunal fechado por ser fim de semana. Mas mais, como se isso não lhe bastasse, já há um caso documentado, em que o telegrama chegou às 8 horas e 35 minutos e às 9 horas e 30 minutos já estavam funcionários do ministério a marcar a reserva! É um escândalo Srs. Deputados!

0 Sr. Jerónimo do Sousa (PCP): - É fartar vilanagem!

0 Orador: - Tudo isto sem a fiscalização, designadamente desta Assembleia, levada à sua máxima extensão? Não é, Srs. Deputados?

É 15to tudo que o PSD não quer que seja discutido. Cavaco diz agora «prioridade à revisão!». Mas quem a faz? 0 PS e PSD na Assembleia, enquanto o Governo fica com as mãos livres.

Nas jornadas parlamentares que realizou no Porto, o Grupo Parlamentar do PCP, nos documentos que aprovou, chamava a atenção para a prioridade absoluta de combate ao Governo que deveria ser imprimida aos trabalhadores da Assembleia.

Pode o PS, e outros, decair desse combate. Da nossa parte, insistiremos com toda a firmeza!
As interpelações ao Governo devem ser feitas com prioridade. A interpelação do PCP tem de ser realizada, pois uma questão política como é a da preparação de

Portugal para 1992 não se adia no calendário parlamentar; as ratificações devem ser agendadas; os projectos de lei sobre a regionalização devem ser agendados; as propostas sobre a sindicalização da PSP têm prioridade óbvia (para que também, aqui, o Governo não fique de mãos livres - aliás, notícias que vieram nos jornais, são preocupantes).

Outras prioridades já aqui foram adiantadas na declaração política produzida pelo Sr. Deputado João Cravinho. É bom que se registe aqui que é necessário fazer isto ou aquilo! Mas quando, Srs. Deputados, se o calendário está totalmente ocupado com a Revisão Constitucional, segundo a proposta do PS?

Aplausos do PCP.

A nova proposta do PS e do PSD de organização do debate e votação da Revisão Constitucional tem, por todas estas razões, a nossa completa e activa oposição, pois consubstancia uma vio1ência inaudita sobre a vida parlamentar, visando colocá-la a reboque de interesses do Governo.
Por isso, tem que ser combatida, e sê-lo-á!

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra
o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, entendo perfeitamente que o PCP tenha necessidade de fazer sentir a sua voz nesta Casa, sobretudo no momento em que a Revisão Constitucional não lhe correrá de feição. Não entendo é que o Sr. Deputado venha aqui escamotear e deturpar alguns factos que são reais e que se prendem com a proposta de reforma dos salários da função pública que o Governo recentemente apresentou.

Em primeiro lugar, porque o diploma apresentado começa por ser uma proposta e, em segundo lugar, porque o Sr. Deputado não é capaz de referir aqui, de uma maneira clara e concreta - e a isso o desafio desde já -, os números que são submetidos a discussão pública, nomeadamente no que concerne aos professores.

0 Sr. Deputado parece embarcar na mesma estratégia que embarcou uma federação sindical próxima do seu partido, a FENPROF, quando veio publicamente defender números que não correspondem minimamente à realidade. Essa federação sindical, em comunicado dirigido aos professores, veio dizer que eles poderiam inclusivamente baixar os seus vencimentos, o que não é real. É uma mentira rotunda!

0 Sr. Afonso Abrantes (PS): - Não dizia nada isso!

0 Orador: - Os aumentos dos professores situar-se-ão, a partir de Outubro - e o Sr. Deputado pode verificar isso na proposta que o Governo submeteu aos sindicatos -, entre os 8,2% e os 19,9%, desde os bacharéis aos licenciados. O Sr. Deputado sabe isso e, portanto, desde já o desafio a provar-me o contrário.

Mas ainda que o Sr. Deputado defenda que uma proposta deste género se traduz numa subalternização das carreiras docentes, gostaria de saber o que é que o

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Sr. Deputado defende em sede de reforma dos vencimentos da administração pública. Como é que o Sr. Deputado, resolvia o problema? Alargaria mais o leque? Onde é que ia buscar o dinheiro, pois, como o Sr. Deputado sabe, estão consignado em termos orçamentais dez milhões de contos, sendo metade desse dinheiro absorvido pela reforma dos vencimentos dos professores. Como é que o Sr. Deputado resolveria este problema?

O Sr. Deputado é o primeiro a lamentar que as carreiras
dos auxiliares e dos operários tenham um crescimento
relativamente baixo, mas, simultaneamente,
vem dizer que os professores com um aumento bastante
mais alto são subalternizados e estão colocados em
segundo plano. Ora, em relação a este aspecto, gostaria
de lembrar-lhe que o ponto mais alto de todos os
índices salariais da função pública é o dos docentes universitários.

Portanto, julgo que deve ficar bem claro, até pela
justeza das palavras que aqui proferi e em nome da
honestidade que defendemos, que a proposta do
Governo relativamente aos professores não é uma proposta
desonesta. 0 que é desonesto, isso sim, é aquilo
que certas forças que vos são afectas pretenderam fazer
iludindo os professores enganando-os e tentando
arrastá-los para uma greve que, de facto, não tinha
razão de ser no momento em que se verificou.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais
oradores inscritos para pedidos de esclarecimento,
V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

0 Sr. João Amaral (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, a sua intervenção, bem como a do Sr. Deputado João Cravinho, vieram distrair a minha atenção da leitura do Rêve d'Alembert e devo dizer-lhe que o enriquecimento dessa leitura é bem maior do que ouvir-vos.

Vozes do PCP: - Então o que é que está cá a
fazer?!... Vá ler para outro lado!...

0 Orador: - Primeiro, porque os senhores estão
pura e simplesmente, a intensificar um verbalismo descabelado.
E porquê?

Quanto à substância das coisas, o Sr. Deputado João Amaral veio atacar a reforma do sistema de remunerações da função pública que, independentemente dos seus defeitos, e nenhuma reforma deixa de os ter, pois nenhuma reforma é
perfeita -, e essa é uma das condições da acção humana -, tem algo de substancial, que o senhor nega.
Sr. Deputado, a reforma apresentada por este Governo relativa à revisão das remunerações do funcionalismo público é, diria, o acto simbólico de rotura

como salazarismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - O Sr. Deputado não reconhece isto, no entanto esta é uma verdade fundamental que devia merecer o louvor de todos nós, independentemente das
nossas divergências.
Os senhores foram os autores de uma época pós 25 de Abril que nós definimos por gonçalvismo, em relação à qual poderia dizer que não foi senão o salazarismo levado ao seu paradoxismo, pura e simplesmente com um pessoal dirigente diferente, que eram os senhores.

Protestos do PCP.

Foi, efectivamente, o salazarismo levado ao seu absurdo!
Agora quando nós, sem «enchermos a boca de 25 de Abril», sem invocarmos o passado antifascista - que, aliás, não é prova de capacidade para construir o futuro - fazemos a rotura substancial com a lógica e com um dos
principais fundamentos do salazarismo,
os senhores vêm fazer um verbalismo descabelado, pois
ainda estão agarrados às ilusões e fantasmas do gonçalvismo.

O Sr. Fernando Gomes (PCP):- Você não sabe o que está a dizer! Vá ler!...

0 Orador: - Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe que
entre o seu verbalismo e a realidade das coisas vai um
abismo que pura e simplesmente, vos coloca na posição de
fantasmas. Os senhores estão agarrados aos vossos esquemas, às
vossas palavras e tanto assim é que eu termino
chamando-lhe a atenção para isto: os senhores apresentam
ou não a moção de censura?

Ainda hoje se iniciou a discussão de uma moção de censura
apresentada pela Oposição no Parlamento francês ao governo Rocard... Mas, os senhores nem sequer uma moção de censura apresentam, ou melhor, para decidirem se devem ou não apresentar uma moção de censura já andam a discutir há quinze dias.

Risos do PSD.

0 País, segundo os senhores, está em pé de guerra contra o Governo; no País, segundo os senhores, está tudo contra o Governo...

Vozes do PCP: - É verdade!

0 Orador: - ... os médicos, o juristas, os professores,
enfim todo o País está contra o Governo.
Mas, então, os senhores que querem dirigir essa Oposição
generalizada do País, nem sequer são capazes de levar
aquela tribuna um papel apresentando uma moção de censura?

Os senhores deputados comunistas, estão paralisados
pelo frenesim das palavras! Os senhores ainda não
repararam nisso? Os senhores são a expressão
moderna da literatura de Kafka. Os senhores estão
agitados no domínio do verbalismo e quanto mais agitados
mais longe estão das realidades. De tal forma é
assim que os senhores até podiam criar alguma incomodidade
aos socialistas que, neste momento, pelo menos, ainda não
sabem como iriam votar a vossa moção de censura.

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Vejam só isto, Srs. Deputados comunista: os senhores tinham uma oportunidade enorme para dar expressão a esse tal descontentamento generalizado e criarem uma dificuldade suplementar ao vosso rival no campo da extrema esquerda, mas nem sequer isso fazem. Srs. Deputados, o vosso frenesim verbal está a atingir as raias do absurdo, não só do absurdo da vossa auto-sustentação ... Até o vosso secretário-geral vos diz...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Fora com o Silva Marques!

0 Orador: - ... que não é o momento, que é preciso ponderar, que a moção de censura deve ser colocada no momento conveniente. Então, se o País está descontente de forma generalizada não será este o momento ideal para apresentar uma moção de censura? Os senhores estão agarrados às palavras, porque nem sequer são capazes de apresentar um papel.
Finalmente, gostaria apenas de fazer uma pergunta para vos facilitar um pouco de realismo político: os senhores apresentam ou não a moção de censura? Os senhores já acabaram ou não a reflexão? Quantas semanas mais vos vai levar essa reflexão para decidirem se devem ou não apresentar a moção de censura? Quem foi o autor dessa ideia no seio do PCP? Quem foi?

0 Sr. Fernando Gomes (PCP): - Foi o Carlos Macedo!

Risos.

O Orador: - Porque esse desgraçado está, de certo
condenado a sofrer graves admoestações.

Aplausos do PSD.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Chame a polícia! ...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - 0 Silva Marques não deixa
reflectir, só faz rir!...

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é muito incómodo usar da palavra depois do Sr. Deputado Silva Marques. 0 ambiente de excitação
que o Sr. Deputado tem sempre a virtude de provocar na Sala, ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - De riso, de riso!

0 Orador: - ... naturalmente, não é bom conselheiro para procurar tardar os assuntos, permitam-me que o diga, com um pouco mais de objectividade e, se possível, com um pouco mais de seriedade.
0 Sr. Deputado João Amaral não se coibiu, evidentemente, no início da sua intervenção, de fazer a crítica costumada e costumeira ao PS relativamente ao prosseguimento do processo de Revisão Constitucional.
Mas o Sr. Deputado João Amaral esqueceu-se de que - natural ou, porventura, voluntariamente - se estão formados dois terços de votos sucessivamente favoráveis ao processo de revisão, isso deve merecer a consideração de qualquer grupo parlamentar por mais minoritário que ele seja. Naturalmente que esta realidade muito objectiva não pode ser escamoteada por parte

do, Grupo Parlamentar do PCP e, sobretudo, não pode ser esquecida pelo PCP, pois quando aqui apresentou o seu projecto de resolução ele não foi aprovado senão pela sua própria bancada, ou melhor, pelo conjunto dos deputados que se fizeram eleger nas listas da CDU.
Portanto, independentemente das posições relativas acerca dos conteúdos da Revisão Constitucional toda a Câmara no seu conjunto, à excepção dos deputados eleitos nas listas comunistas, continua a ser favorável a que o processo de Revisão Constitucional prossiga.
Por isso, o Sr. Deputado João Amaral não pode, escamoteando esta verdade, pretender insinuar que se a Revisão Constitucional continua isso se deve, porventura, a um mero capricho do PS, antes pelo contrário. Se a Revisão Constitucional continua é porque ela se deve à vontade expressa desta Câmara, ainda recentemente expressa, aquando da votação do projecto de resolução apresentado pelo PCP, pela esmagadora maioria dos deputados.

Sr. Deputado, efectivamente, não são dois terços que
querem a continuação da revisão da Constituição. São
apenas l2% dos deputados, os que integram as listas
do PCP, que a não querem. 0 que quer dizer que, ao
menos neste ponto, o PCP está a falar sozinho na vida
política nacional.
Portanto, Sr. Deputado João Amaral peço-lhe que tenha, ao menos, a capacidade para reconhecer esta objectividade elementar.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da minha consideração pessoal.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Presidente: - Para a defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o
Sr. Deputado Jorge Lacão não precisa, para criticar os
seus adversários políticos, de fazer referências à
honorabilidade pessoal.
0 Sr. Deputado diz que as minhas intervenções não
são sérias.

0 Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Penso que é uma adjectivação desnecessária para o debate político, pois não vou adjectivar as suas intervenções. Os nossos debates políticos não precisam de ser misturados com as questões pessoais e, muito menos, ligados à nossa honorabilidade pessoal.
Por esse facto, Sr. Deputado, para além da veemência ou da não veemência, a única questão que se coloca, neste momento (e que foi hoje aqui colocada não por nós, mas pelos senhores), é a de saber, em primeiro lugar, se o PCP apresenta ou não a moção de censura.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - 15so é a defesa da honra?

O Orador: - Em segundo lugar, como é que os senhores a votam? É que o seu colega João Cravinho, disse, há bocado, da tribuna que votariam a moção.

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Só não disse como é que o fariam: se votariam a favor, se votariam, se se abstinham.
Por isso, Sr. Deputado Jorge Lacão, para efeitos da defesa dos seus pontos de vista políticos, que são tão legítimos como os meus, não faça referências à minha pessoa, porque também não faço referências à sua.
Responda apenas às questões políticas que aqui hoje foram colocadas, não por nós, repito. O PCP apresenta ou não a moção de censura? Como é que os senhores a votam? Á favor, contra ou abstêm-se?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr, Deputado Jorge Lacão,

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Evidentemente que cada parlamentar tem o estilo de intervenção que tem. Tenho o meu e não tenho vocação histriónica.
O Sr. Deputado Silva Marques, há pouco, fez questão de sublinhar que estava a ler um autor, certamente da maior consideração, e que isso lhe dava muito mais proveito do que as intervenções políticas que tinham sido feitas até ao momento.
Será talvez por essa distração elementar que o Sr. Deputado não se apercebeu que das considerações políticas feitas pelo meu camarada João Cravinho resultava que o PS avaliava a intempestividade da iniciativa anunciada pelo PCP, mas que a nossa posição não sofre nenhuma ambiguidade. Votámos contra o programa do Governo apresentado pelo Governo de Cavaco Silva, votaremos contra ele em qualquer circunstância, votaremos sem nenhuma dúvida essa moção de censura. O Sr. Deputado fica definitivamente esclarecido acerca desse ponto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A favor?

O Orador: - Com certeza, a favor.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Para responder ao Sr. Deputado José Cesário relativamente às questões sobre o regime da função pública e à nova tabela, quero-lhe repetir aquilo que disse há pouco.
A proposta formulada pelo Governo isolou os membros de Governo do conjunto dos trabalhadores da função pública» concitou a oposição da generalidade dos trabalhadores da função pública e da generalidade dos sectores afectados. Em relação à área da educação, o Sr. Deputado acrescentou alguma coisa à filosofia do Governo, de que não suspeitava.
Eu disse que era ideia do Governo que o professor fosse mal pago, marginal e carente. O Sr. Deputado disse e acusou os professores e os seus representantes de desonestidade. Devo exarar aqui o meu protesto contra essa afirmação!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - A postura governamental em relação à política educativa, assuma-a o Sr. Deputado e deixe-me concluir, porque tem que reconhecer que a forma como o Governo tem conduzido a sua política educativa, levou a um claro fracasso. O Governo entrou aqui apresentando um trunfo: tinha um ministro estrela, tinha uma reforma, tinha muitos milhões, tinha isto e aquilo. A questão que está colocada neste momento é a do fracasso. Assuma-o Sr. Deputado, assuma-o a sua bancada, assuma o Governo esse fracasso.
Devo dizer em relação ao Sr. Deputado Silva Marques que pode continuar a ler, pois paralisado está o Sr. Deputado. E digo-lhe mais, devolvendo a questão da paralização: são os senhores, é a sua bancada que está, neste momento, a forçar a paralização dos trabalhos da Comissão de Inquérito às formas de atribuição dos dinheiros do Fundo Social Europeu...

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - ,.. com a ausência dos Srs. Deputados. Não querem saber o que se passa nessa comissão, não querem saber o que se passa com a atribuição desse dinheiro!
Quanto ao Sr. Deputado Jorge Lacão, conheço também as suas costumadas e costumeiras intervenções nesta área. Normalmente entendo-as, particularmente nesta questão, não como dirigidas à minha bancada, mas dirigidas, provavelmente, a outras pessoas, eventualmente até, próximas de si. Entendo a sua dificuldade em explicar o inexplicável.
Como é que o Sr. Deputado Jorge Lacão há-de convencer alguém de que é inevitável que o PS colabore nesta revisão da Constituição, com este alcance redutor? Com é que pode justificar que aceite este regimento espartilho? Como é que pode convencer alguém de que pode subir a parada do espartilho?
Antes, fazia oposição de manhã e fazia bloco central à tarde - Sr. Deputado gosta tanto do bloco central, pelo que hoje está feliz. Agora, faz bloco central de manhã, à tarde e à noite! Como é que pode justificar isso?
Mas o Sr. Deputado levanta uma outra questão interessantíssima e que é um fenómeno espantoso da vida política nacional neste momento. Em toda a questão, o PS descobriu qualquer coisa que é misteriosa: há uma vontade externa que condiciona o PS de que gostava de se libertar, mas de que não pode.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a voz do Alem!

Risos.

O Orador: - Não queria ir tão longe. Queria apenas ficar pelos mitos que alimentaram durante algum tempo, mas o Sr. Deputado José Magalhães diz que é a «voz do Além».
Mas que vontade externa é essa, Sr. Deputado? Existe alguma coisa que vos condiciona? Se existe, é talvez altura de o explicarem. O que é? Que interesses são esses, que interesses é que vos condicionam?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Apresentam ou não a moção de censura?

O Orador: - Não queria esquecer essa interessante pergunta. Queria-lhe dizer o seguinte Sr. Deputado

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Silva Marques - sabia que o Sr. Deputado ia fazer essa pergunta: foi importante o que já foi feito em relação à moção de censura.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Mas apresentam ou não a moção de censura?

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Ouça, com calma!

O Orador: - Efectivamente, a acção do Governo merece forte condenação popular e o recurso à moção de censura é legítimo, afirmamo-lo claramente.
Mas não é o Sr. Deputado Silva Marques que diz o que tenho a dizer, sou eu! E é ao PCP que cabe dizer o se, o quando e o como sobro a moção de censura!

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Ah!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicitaram o uso da palavra, os Srs. Deputados Luís Filipe Menezes, Manuel Martins e Guerra de Oliveira.-
Para defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado
Luís Filipe Menezes.

0 Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, na intervenção que há tempos tive oportunidade de realizar, acusei alguns partidos da Oposição e, particularmente o PCP, de se interessarem pelo efeito político que normalmente retiram de um pedido de inquérito parlamentar e, depois, de se afastarem e perderem o interesse quando ele é viabilizado.

Reitero essa acusação e protesto contra aquilo que
o Sr. Deputado João Amaral afirmou: que nós estaríamos
a obstaculizar o livre funcionamento da Comissão
de Inquérito às verbas do Fundo Social Europeu...

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Aconteceu agora mesmo ...

0 Orador: - ... e devolvo já a acusação.

Esta tarde, pedimos um pequeno adiamento para que alguns deputados, que fazem parte dessa comissão, tivessem oportunidade de ouvir uma intervenção do meu companheiro Arménio Santos.
Mas reitero a acusação que já fiz aqui, no passado recente, de que a actuação do PCP, com a ausência sistemática às reuniões dessa Comissão de Inquérito, é uma forma velada de boicotar o seu normal funcionamento .

Desde já desafiamos o PCP a aprovar um regimento para as próximas comissões de inquérito, que as leve a trabalhar de segunda a sexta-feira até 30 de Julho, retomando os seus trabalhos em 1 ou 15 de Setembro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra
o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, vou dar as explicações, com todo o gosto, ao Sr. Deputado Luís Filipe Menezes. Dou-lhe, mesmo, explicações.
O Sr. Deputado sabe que a sua bancada tem a maioria em todas as comissões de inquérito e foi essa maioria que inviabilizou e que inviabiliza - sucedeu isso

mesmo esta tarde - o funcionamento da Comissão de Inquérito relativo às verbas do Fundo Social Europeu. 0 Sr. Deputado não devolve nada a ninguém!
Repito: hoje, dia l6 de Maio, durante a tarde, a Comissão do Fundo Social Europeu não funcionou, apesar das insistências das diferentes bancadas, porque a sua bancada pediu a interrupção e retirou-lhe o quorum de funcionamento, não apareceu ninguém ...

Protestos do PSD.

Mas coloco-lhe outra questão. Neste momento, há
uma comissão de inquérito que está paralisada, porque
0 presidente indigitado por VV. Ex.ªs não fez
nenhuma das diligências que lhe incumbem, para o início
do trabalho dessa comissão. Refiro-mo à Comissão de Inquérito ao
famoso caso do Sr. Ministro Cadilhe da compra de seu apartamento
nas Amoreiras. Está dito!

0 Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Deputado João Amaral,
posso interrompê-lo?

Orador: - Não o deixo interromper, porque também não me deixou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Martins,
deseja a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Martins (PSD): - Sr. Presidente, era para defesa da
honra pelas afirmações do Sr. Deputado João Amaral.
0 meu colega Guerra de Oliveira também se inscreveu e ele,
como vice-presidente da comissão, usará da palavra,
prescindindo eu dela.

0 Sr. Presidente: - Para defesa da honra, tem a palavra
o Sr. Deputado Guerra de Oliveira.

O Sr. Guerra Oliveira (PSD): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: O Sr. Deputado João Amaral fez uma
série de afirmações, designadamente as que se prendem
com a Comissão de Inquérito às verbas do Fundo
Social Europeu, que demostram profundo desconhecimento
do que lá se passa. 15so é lamentável, porque
passa a ser demagogia. É falso e é demagogia!

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Nem é falso nem é demagogia!

Vozes do PSD: - É desonesto!

O Orador: - 0 PSD tem, numa comissão
de 29 elementos,16.
Como o Sr. Deputado sabe, o Regimento da Assembleia
permite que ela funcione com dez elementos. A
Oposição tem treze elementos, pode pô-la a funcionar
quando quiser. Agora, não estão lá presentes, normalmente
mais do que dois ou três deputados dos treze
da Oposição. E quem faz sempre funcionar a comissão
é a maioria do PSD, porque se ela lá não estivesse,
a comissão nunca tinha funcionado até hoje.
Por agora, é só isto que queria dizer, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: Estava no meu gabinete a trabalhar e ouvi uma afirmação do Sr. Deputado João Amaral que peca, por um lado, por deslealdade e, por outro lado, por ignorância.
De facto, na Comissão de Inquérito ao Ministério das Finanças não há ainda presidente, dado que a comissão ainda não se reuniu para eleger a respectiva Mesa. E não é o facto de haver um deputado do PSD que está indigitado para essas funções que pode resolver tudo.
Aliás, devo dizer que, tanto quanto sei, os membros desta comissão tomaram posse na quinta-feira passada e se não tomei posse nessa altura, foi porque estava em missão da Assembleia da República no Conselho da Europa.
Portanto, Sr. Deputado João Amaral, antes de fazer essas afirmações, digamos, levianas, que têm por base a ignorância e, eventualmente, um comportamento desleal que não esperava de si, devo dizer-lhe que, apesar de tudo, o Sr. Deputado está ainda mais ignorante, também relativamente a diligências que já foram feitas. Posso dizer-lhe que ainda há cerca de hora e meia, no fim da sessão solene com o Rei de Espanha que decorreu no plenário, o meu partido contactou com os Serviços de Apoio às Comissões, no sentido de se convocar a primeira reunião desta Comissão de Inquérito, para a próxima quinta-feira às dez horas e meia da manhã.
Sr. Deputado, peço-lhe é que seja mais leal e que faça afirmações com menos ignorância.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Joaquim Marques: Congratulo-me com o facto de já ter convocado a comissão. Embora com atraso, já está convocada.
Entretanto, devo dizer que a questão foi colocada nesta Assembleia nos seguintes termos: o seu colega de bancada, que é um «cavaleiro andante» destas coisas, disse que a Oposição era tremenda, que não deixava funcionar comissões de inquérito, que as adiava, etc.
O Sr. Deputado terá falta justificada, ou quem é presidente terá falta justificada, mas não foi ninguém da Oposição, nem dos que tomaram a iniciativa do inquérito ou dos que tiveram a iniciativa política de avançar com o inquérito, que conduziu a que este atraso real se verificasse.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Posso interrompê-la, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, agradeço ao Sr. Deputado João Amaral a possibilidade que me deu de o interromper.
Queria perguntar-lhe se pensa que houve um atraso grande pelo facto de eu próprio não ter podido tomar posse? Há outros deputados do PSD e nada impedia que as coisas avançassem.
Se não tivéssemos sido nós que pressionámos, de facto, o PCP, oferecendo até as assinaturas que fossem necessárias para que o inquérito avançasse, ele ainda agora estaria em banho-maria, como sabemos.
Pergunto: o que fez o PCP, que tem naturalmente deputados nessa comissão, para que já se tivesse realizado a primeira reunião?

O Orador: - Sr. Deputado, não terei, evidentemente, a paciência para lhe estar a explicar o bê-a-bá do Regimento e da iniciativa que tem que ser tomada por quem é indigitado presidente, para convocar as reuniões. Isso foi feito, por exemplo,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, não é este o momento oportuno para lhe estar a explicar o bê-a-bá do Regimento e da iniciativa que tem de ser tomada por quem é indigitado presidente...

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não sou eu!

O Orador: - ... para convocar a reunião. Isso foi feito, por exemplo, pelo meu camarada de bancada Vidigal Amaro, como presidente da Comissão de Inquérito ao Ministério da Saúde.

Protestos do deputado do PSD Joaquim Marques.

Sim, Sr. Deputado. Ele foi indigitado antes de ser eleito, tomou a iniciativa de contactar os serviços e de imediatamente promover a reunião, e fez muito bem!
Sr. Deputado, estávamos a criticar a posição do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, mas quer o Sr. Deputado Joaquim Marques enfiar a carapuça? Então enfie-a, isso é consigo!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - A carapuça é sua, não é minha!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada lida Figueiredo deseja a palavra para que efeito?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, é para usar o direito de defesa relativamente a afirmações feitas pelo Sr. Deputado Guerra de Oliveira quanto às presenças dos deputados comunistas na Comissão de Inquéritos do Fundo Social Europeu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada, mas solicito-lhe que seja breve.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É importante que esta Assembleia tenha conhecimento dos graves factos que hoje passaram e que impediram o funcionamento da Comissão de Inquérito do Fundo Social Europeu. Estava prevista a audição do Dr. Pinto Coelho que esteve nesta Casa, desde as 15 horas e 30 minutos até às 18 horas e 45 minutos, à espera que o PSD se dignasse aparecer na

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comissão para que pudesse ser ouvido, já que foi convocado com o acordo do PSD.
Os deputados do PSD, apareceram na comissão, às
17 horas, pediram uma suspensão por meia hora e,
após isso, os deputados do PS e PCP estiveram à
espera que o PSD comparecesse para podermos ouvir
o Dr. Pinto Coelho.

Uma voz do PSD: - 15so é mentira!

A Oradora: - Como isso não aconteceu foi impossibilitada,
hoje, a audição do Dr. Pinto Coelho.
Estes são os factos relativos ao não funcionamento da Comissão de Inquérito ao Fundo Social Europeu, por boicote activo do PSD. Se o PSD quiser que aqui se conte o que se passou em reuniões anteriores...

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Conte, conte!

A Oradora: - ... teremos todo o gosto em o fazer, desde que o PSD esteja de acordo, pois, como se sabe, a Comissão de Inquérito está sujeita ao segredo. Só por isso não vou aqui dizer, neste momento, o que se passou durante estes últimos messes.
Mas se olharmos para os livros de registo das presenças e para as actas, que poderão ser tornadas públicas se o PSD estiver de acordo, poderemos verificar por que é que a Comissão de Inquérito ao Fundo Social Europeu ainda conclui os seus trabalhos. Faço um desafio aos deputados do PSD: permitam que se tornem públicas as actas!

Aplausos do PCP.

0 Sr. Veira Mesquita (PSD): - Acho muito bem, qual é o problema!

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é que é a questão!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guerra de Oliveira.

0 Sr. Guerra de Oliveira (PSD): - Sr. Presidente é para prestar esclarecimentos à Câmara pois àquilo que a Sr.ª Deputada Ilda de Figueiredo diz é, mais uma vez, demagogia e é falso! É falso porque de facto ...

Protestos do PCP.

Não são precisas as actas, basta o livro de actas! Aí
ver-se-á quem é que lá esteve de há um ano e meio
a esta parte. Não é preciso virem as actas! Basta as
cópias das presenças do livro de actas, para já não falar
que há lá, eventualmente, assinaturas de presenças que
de efectivas nada tiveram.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Como os senhores fizeram hoje: assinaram e vieram-se embora!

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Olhem que isso
ainda vai parar à «Judite».

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Luís Filipe Menezes pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - É para defesa da consideração.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, V. Ex.ª já utilizou esse direito neste processo.

0 Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente,
o Sr. Deputado João Amaral invocou a minha pessoa
em termos que eu considero menos correctos.

0 Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado já utilizou esse direito neste mesmo debate, por isso solicitava-lhe que tivesse isso em atenção para passarmos ao orador seguinte.

0 Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente,
penso que não existe qualquer obstáculo a que eu utilize
esta figura regimental.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - E vai falar das assinaturas falsa?

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra.

0 Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - 0 Sr. Deputado João Amaral acusa-me de «cavaleiro andante», talvez o seja mas sou-o do rigor e da verdade.
V. Ex.ª é o «cavaleiro andante» do passadismo, do estalinismo...

Protestos do PCP.

..., algo que VV.Ex.ªs ainda não compreenderam que está encerrado definitivamente.

Na sua declaração, V. Ex.ª até faz parte da Comissão
de Inquérito ao Ministério da Saúde, passou por
cima de um facto importante: é que, quando da primeira
reunião convocada pelo Sr. Deputado Vidigal
Amaro, o PSD propôs uma interrupção por um quarto
de hora, para que os grupos parlamentares fossem consultados
quanto à forma de constituir a Mesa e foram os partidos
da Oposição que não quiseram continuar
naquele dia com a reunião.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Então vai contar coisas que se passam na comissão?

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Então passa-se a público tudo o que lá se passou!

0 Orador: - 0 regimento dessa comissão de inquérito já estaria aprovado e a comissão estaria a funcionar. Quem é, afinal, que obstaculiza o funcionamento das comissões de inquérito, Sr. Deputado?

0 Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - 15so é que mentira e o senhor não pode fazer isso!

0 Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Talvez o Sr. Presidente dessa Comissão de Inquérito tenha alguma coisa a dizer, mas não resisto pelo menos a esta interrupção. Eu tenho uma imagem muito simpática, do cavaleiro andante, das minhas leituras de miúdo. Mas constato, e era assim que era lá na minha escola, que o Sr. Deputado não é dessa área, do cavaleiro andante,

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mas é da área do mundo de aventuras. Fique-se com isso! Antes fosse da área do mosquito ou do outro qualquer...

Risos do PCP.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Adérito Campos.

O Sr. Adérito Campos (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa mas realmente tenho de fazer esta interpelação à Mesa, quanto mais não seja para que fiquem classificados dois pontos.
Em primeiro lugar, pedi a palavra para uma interpelação antes da intervenção da Sr.ª Deputada lida Figueiredo, exactamente para dizer que não havia direito ao uso de direito de defesa por parte da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, uma vez que invocou o pedido de palavra em relação a um outro pedido de direito de defesa,
É bom que as coisas fiquem claras. O mal está feito, não há nada a fazer agora, não há nada a remediar. Mas peço à Mesa que não considere esta situação como um precedente, porque a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo usou do direito de defesa em relação a um direito de defesa do meu companheiro de bancada Guerra de Oliveira,

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Arménio Santos, têm a palavra para uma declaração política.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abordar, como pretendo hoje fazer, alguns aspectos da situação social e as potencialidades do nosso país seria indesculpável desatenção não iniciar essa abordagem sem o aplauso caloroso e sincero ao conjunto valioso dos nossos jovens futebolistas e à sua equipa técnica que tanto honraram o nosso país com a conquista do último Campeonato Europeu dos Sub-16, na Dinamarca.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos tempos, temos assistido a múltiplos esforços por parte da forças diversas e de interesses contraditórios, para promoverem junto da opinião pública a imagem de que a generalidade dos trabalhadores está em conflito com o Governo.
A realidade concreta, porém, é significativamente diferente.
Os conflitos laborais verificados no primeiro trimestre deste ano, são em menor numero do que os registados em igual período de 1988; a negociação dos contratos colectivos de trabalho processa-se normalmente e dentro dos prazos habituais e no quadro dos mecanismos legais; a revisão das tabelas salariais também está a decorrer com equilíbrio entre os representantes dos com montantes variáveis e negociados na base de racionalidade assumidos por todas as partes.
Tal não significa, que qualquer daqueles dois processes de negociação esteja isento de dificuldades, de resto, próprias da complexidade de qualquer contratação laboral, ou que em todos eles seja possível alcançar a solução que seja tida pelos trabalhadores como a mais justa. Mas a paz laboral existe e contraria o clima artificial de instabilidade que algumas forças pretendem criar, com objectivos óbvios.
Este sossego social é indesmentível e, embora não sendo mérito de qualquer força em particular, mas de todos os portugueses, é justo realçar o papel que nessa estabilidade cabe ao certo e à credibilidade da política do Governo e ao grande sentido de responsabilidade dos trabalhadores portugueses.
Do que fica dito, não se conclua que nos damos por satisfeitos, apesar da obra notável já realizada pelos governos do Professor Cavaco Silva. O desafio que temos pela frente é gigantesco - modernizar Portugal em harmonia com o desenvolvimento social - e ninguém pode estar descansado enquanto esse desafio não for vencido.
No que particularmente toca às classes trabalhadoras, sabemos e sentimos que há muito caminho ainda a percorrer para atingirem os níveis salariais e de bem estar que merecem e que já são usufruídos pela generalidade dos trabalhadores da Europa a que pertencemos. É para essa meta, para a Europa do Mercado Comum, que temos de continuar a trabalhar, sem desvios nem hesitações.
Mas, paradoxalmente, a insatisfação manifestasse em termos públicos mais em algumas classes profissionais, sem tradição reivindicativa e que sempre foram objecto das maiores desconsiderações por parte de algumas forças que hoje, hipocritamente, se pretendem arvorar como as mais intrépidas defensoras dos interesses daquelas mesmas classes profissionais.
Por exemplo, estaríamos longe longe de pensar que os médicos, os juizes e os advogados, que tão mal tratados foram por uma parte da actual Oposição em dado momento do nosso regime democrático, fossem exactamente hoje merecedores de tanta atenção por parte do PCP. Tal como também ficaríamos surpresos, se não andássemos avisados, que a PSP, historicamente tão denegrida por aquele mesmo partido, merecesse agora a sua maior preocupação.
O país saberá interpretar o aproveitamento político das oposições, particularmente o trabalho ardiloso do PCP, de alguns sinais de protesto vindos daqueles sectores profissionais. Por nós, não cometemos a descortesia intelectual de não reconhecermos que aqueles profissionais sabem e saberão julgar adequadamente estas serôdias e fingidas solidariedades, bem como o alcance nacional das medidas governativas, mesmo que lhe suscitem alguns reparos.
Estes aspectos são a face mais visível da insatisfação social que a Oposição nervosamente arvora, numa nítida demonstração de que os problemas que hoje afligem o País são, felizmente, de gravidade bem diferente daqueles que há cerca de quatro anos a todos preocupavam.
Então, imperava a anemia e a descrença nos agentes económicos e sociais; a inflação rondava os 30 % debilitando a economia e depauperando, cada vez mais, o poder de compra dos trabalhadores; o desemprego atingia números de 16 e 17 % sem qualquer protecção social, com os jovens a serem os mais sacrificados e a sentirem-se aliciados para caminhos que comprometiam o seu futuro; muitas dezenas de milhar de trabalhadores confrontavam-se com uma situação imoral e anti-social, os chamados salários em atraso; e Portugal não inspirava confiança aos investidores estrangeiros e a nossa dependência do exterior permita ao

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Fundo Monetário Internacional traçar e impor as regras à nossa política económica,
Hoje, os portugueses acreditam que são capazes de realizar - com trabalho, investimento, risco e inovação - as mudanças necessárias à colocação do País a par das outras nações europeias; a inflação situa-se em valores moderados e tem sido possível manter uma melhoria gradual dos salários reais, o desemprego em Portugal é o segundo mais baixo das Comunidades Económicas Europeias, tendo atingido em Março último 5,8%, de acordo com insuspeitos serviços de estatística da CEE; já não se ouve falar da intolerável injustiça dos salários em atraso; e o investimento estrangeiro processa-se em bom ritmo, o desenvolvimento económico é generalizado e o FMI não interfere nos nossos assuntos internos.
Estes indicadores demonstram que estamos no bom caminho e que é necessário prossegui-lo. Mas há forças empenhadas em impedir que isso aconteça.

Para isso, não hesitam em combater o Governo pelos processos menos ortodoxos, para lhe enfraquecer o ânimo e quebrar a cadeia de confiança e de mobilização que se respira no País e que é indispensável e vital ao crescimento econ6mico e progresso social.
Pretende-se inviabilizar a revisão da Constituição, para que, assim, o processo da nossa plena integração na CEE fique comprometido, ao arrepio da vontade da esmagadora maioria do povo português e dos interesses nacionais.
Com maior, irresponsabilidade instiga-se à disciplina alguns profissionais de um corpo de polícia, pedra basilar do Estado e que tem por nobre missão zelar pelo cumprimento da legalidade democrática, não para daí resultarem quaisquer benefícios concretos para aquela classe ou para a segurança e bem-estar dos cidadãos, mas porque política e partidariamente convém a essas forças e a algumas figuras.
Exige-se uma mais rápida melhoria das condições de
vida das populações, como se alguém mais do que nós
honestamente o desejasse, sabendo-se que tal política
de facilidades inviabilizaria o crescimento económico
sustentado e acabaria por hipotecar o futura para,
então, esses mesmos críticos de hoje, responsabilizarem
o Governo pelo fracasso e acusá-lo de ter feito política
eleiçoeira.
E mesmo aqueles que no domínio da intervenção social fazem do diálogo a pedra angular da sua actuação, parecem agora subestimar a importância dos consensos possíveis e, às primeiras dificuldades, por descrença ou por inspirações entranhas à natureza e aos objectivos de parceiros sociais autónomos,
adoptam posturas que nada favorecem a concertação social, seja pela inércia seja pelo radicalismo que frequentemente protagonizam.
O que isto tem de especialmente grave, é que a concentração social não respeita a qualquer pacto entre particulares e não se restringe a um punhado de interesses avulsos. Bem ao contrário, respeita ao País presente e futuro e tem implicações com os interesses de dez milhões de pessoas. Razão bastante para justificar uma séria reflexão sobre a necessidade da sua revitalização, num momento em que, mais do que tricas caseiras ou lutas de campanário, a sociedade portuguesa precisa de, solidariamente, privilegiar os consensos e
minimizar as divergências.

Outros, na Europa, mais avançados do que nós poderão dar-se ao luxo de algum malbaratar dos consensos possíveis e desejáveis, mas é duvidoso que os interesses dos portugueses, designadamente dos mais desfavorecidos, sejam compatíveis com algum folclore e imprudentes distracções, agora que o desafio europeu e a defesa harmoniosa dos interesses dos trabalhadores portugueses colocam à prova o pragmatismo sensato das forças laborais, a qualidade e isenção dos seus quadros e o seu sentido de responsabilidade, bem como a capacidade dos empregadores e governantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que nunca, é necessário o entendimento social, porque ganhar-se o desafio do Mercado Interno é uma questão nacional e que exige o envolvimento de todos quantos desejam e querem um Portugal moderno e próspero.
É indispensável apostarmos na educação, na formação profissional, na valorização dos recursos humanos e no aparelho produtivo, bem como seria imperdoável qualquer bloqueamento à Revisão Constitucional em curso, porque isso significaria a perda da batalha para a nossa plena integração na Comunidade Económica Europeia.
Neste momento decisivo da nossa vida colectiva, ninguém pode demitir-se das suas responsabilidades. 0 momento não se compadece com mais adiamentos nem é para vendedores de ilusões. É tempo de não perdermos mais tempo e de prosseguirmos, cada vez com mais determinação, a construção do futuro, onde a juventude ou a velhice tenham gosto de viver e direito à dignidade. Por nós, social-democratas, é nesse sentido que vamos continuar a trabalhar e com os portugueses e sem receio do seu julgamento, vamos ganhar 1992.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, para o abrigo das disposições regimentais solicitar a interrupção da reunião plenária por 20 minutos.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Osório Gomes pede a palavra para que efeito?

0 Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Presidente, era para fazer pedidos de
esclarecimento.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de ficar com
a palavra reservada para um próximo período de antes
da ordem do dia, pois chegámos ao limite de tempo
para hoje.

Srs. Deputados, suspendemos a sessão até às l9
horas e 35 minutos.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Após a interrupção, assumiu a presidência a Sr.ª, Vice-Presidente, Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

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ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia com a discussão do projecto de lei n.° 249/V, da iniciativa do PSD, sobre a alteração ao artigo 1094.° do Código Civil.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, há um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.° 249/V, como vamos iniciar a discussão, gostaríamos que se procedesse à sua leitura.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, reitero o que a minha camarada, Odete Santos, acaba de dizer, uma vez que é fundamental a leitura do parecer da comissão.
Por outro lado, colocava à Mesa e à Câmara o problema de saber se, de facto, neste momento, quando são quase 20 horas, vale a pena entrarmos na discussão de uma matéria tão complexa e prolixa. Temo que a partir de determinado momento não tenhamos condições regimentais de funcionamento.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, estamos no período da ordem do dia e trata-se de um agendamento do PSD. Em meu entender, com a calendarização dos trabalhos previstos até ao fim deste mês, suponho que não é muito fácil proceder a novos agendamentos.
No entanto, os Srs. Deputados dirão se há consenso no sentido de não procedermos à discussão ou se, pelo contrário, vamos proceder à discussão do projecto-lei n.° 249/V.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr.a Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, gostaria de comunicar a V. Ex.ª que pretendemos que este agendamento do PSD se cumpra e portanto, que se discuta o projecto de lei já referido. Neste sentido, apenas damos consenso para que o segundo ponto do período da ordem do dia seja discutido em melhor oportunidade.
Quanto ao projecto de lei, pretendemos que seja discutido hoje ao termo da sessão. Para o efeito, vamos apresentar de imediato na Mesa um requerimento, no sentido de que os trabalhos sejam prolongados um pouco para além das 20 horas, permitindo assim o termo da discussão deste ponto.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, o parecer cuja leitura foi solicitada pela Sr.a Deputada Odete Santos é muito longo pelo que se irão gastar largos minutos
nesse procedimento. A Sr.ª Deputada aceitaria que o parecer lhe fosse distribuído?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.a Presidente, na verdade, parece-nos importante a leitura do parecer, que consideramos uma peça importante do debate.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos como relator deste parecer deseja proceder à sua leitura?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Com certeza, Sr.ª Presidente!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.a Presidente, Srs. Deputados: Vou, então proceder à leitura do Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.° 249/V - Alterações ao artigo 1094.° do Código Civil, de que fui relator.

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.° 249/V - Alterações ao artigo 1094.° do Código Civil.

1 - É a segunda vez que esta Assembleia é chamada a pronunciar-se sobre a alteração do disposto no artigo 1094.° do Código Civil, no sentido de que o prazo de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento de prédio urbano, quando referido a facto continuado ou duradouro, se conte a partir da data em, que o facto tiver cessado.
Nestes precisos termos:

Ao artigo 1094 .° do Código Civil é acrescentado um parágrafo único, do seguinte teor:

O prazo de caducidade previsto no corpo deste artigo, quando se trate de facto continuado ou duradouro, consta-se a partir da data em que o facto tiver cessado.
Esta excepção à regra do próprio artigo 1094.° deveria corporizar um parágrafo único a acrescentar ao corpo (sic) do mesmo artigo.
E este, porventura, um sintoma de ausência de rigor na forma como terá sido encarada a solução substantiva subjacente, visto que, como é sabido, a técnica do Código Civil rejeitou a articulação por parágrafos.

2 - Da primeira vez, o corresponde projecto foi discutido e chegou a ser aprovado na generalidade, e parcialmente na especialidade, morrendo aí.

Nele se propunha a seguinte redacção para o artigo 1094.° do Código Civil:

1 - A acção de resolução deve ser proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.
2 - O prazo de caducidade corre separadamente em relação a cada um dos factos; tratando-se de facto continuado, só corre a partir da data em que o facto tiver cessado.

Confirmava-se, assim, no n.° 1 então proposto, a regra do actual artigo 1094.°

No n.° 2 dizia-se algo que corresponde à solução que agora se propõe, com abandono - que não enriquece a proposta de agora - da regra segundo a qual o

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prazo de caducidade deve correr separadamente em relação a cada um dos factos.
3 - Entre a apresentação da primeira e da segunda proposta de lei ocorreu a publicação de um assento do Supremo Tribunal de Justiça, no qual se resolveram as anteriores divergências da doutrina e contraditoriedades da jurisprudência, ao fixar-se a seguinte interpretação, com força de lei, do artigo 1094.º do Código Civil:

Seja instantâneo ou continuado o facto violador do contrato de arrendamento, é
a partir do seu conhecimento inicial pelo senhorio que se conta o prazo de caducidade estabelecendo no artigo 1094.º do Código Civil.

E sendo certo que o primeiro dos referidos projectos de lei se abandonava fundamentalmente do mérito de pôr cobro, por via de interpretação legislativa directa, à insegurança jurídica e à incerteza dos negócios promanantes de numerosos acórdãos de sentido contraditório, digamos que o assento pôs termo a essa situação, de facto lamentável, do mesmo passo retirando ao projecto a sua mais substancial justificação.

Ainda assim, repete-se, o projecto foi aprovado na generalidade, e tudo indica que acabaria por sê-lo na especialidade se a retoma da votação do que faltava votar não tivesse sido impedida por razões alheias à razão da matéria.
Anote-se que o sentido das votações in itinere parecia então pouco propício ao acolhimento da sugestão constante do parecer da 1.ª Comissão, onde se apontava para uma solução do tipo da doutrinalmente defendida pelo Professor Doutor Antunes Varela, a partir da 2.ª edição do Código Civil Anotado, de que é
co-autor.

Nestes termos:

Gostaríamos tão-só de que fosse devidamente ponderada a posição nova levantada pelo Professor Antunes Varela na 2.ª edição do volume II
do Código Civil Anotado, de F. Pires de Lima e
daquele professor, no sentido de que, no caso de
violações continuadas ou duradouras que efectuem
apenas interesses particulares do locador, este
direito caduca após um ano sobre a data em que
ele teve conhecimento da violação.
Pelo contrário, quando a resolução se fundar numa violação que prejudique também o interesse público da ocupação útil do prédio, o direito do locador à resolução só se extinguirá depois de um ano decorrido sobre a cessação da violação.

Esta sugestão volta a não encontrar acolhimento no projecto de lei ora em apreço.

4 - Além do referido argumento da unificação da jurisprudência - com os consequentes efeitos na certeza do direito e da segurança dos negócios - a que o assento de 3 de Maio de l984 deu definitiva resposta, os dois projectos tinham ainda uma comum preocupação de fundo: restituir ao senhorio o que, no entender dos seus autores, é do senhorio; manter o efeito de uma causa duradoura enquanto essa causa perdure; corrigir nesse sentido o actual artigo 1094.º ou, no mínimo a interpretação autêntica que dele fez o referido assento, aplicar à resolução do contrato de arrendamento, por alegada identidade de razão, a mesma solução que o

n.º 2 do artigo 1786.º do Código Civil aplica à caducidade do direito ao divórcio.

Esta questão já se punha, e já era polémica, aquando
da revisão do Código Civil operada pelo Decreto-Lei
n.º 496/77, de 25 de Novembro, do qual o subscritor
deste parecer foi, enquanto Ministro da Justiça, o
principal responsável.
E naturalmente que o regime de caducidade consagrado
no n.º 2 do artigo 1786.º do Código Civil
exprime um distinguo reflectido e consciente entre o
contrato de arrendamento e o contrato de casamento.
Que se pretendeu com a consequente distinção entre uma e outra regra de contagem do prazo de caducidade do direito emergente de um facto continuado?
No caso de arrendamento, favorecer o inquilino, na linha de um «favor» que influencia todo o instinto da locação. «Favor» que resistiu, feito contradição, à diminuta cotação do factor social no último regime; que ainda assim viria a encontrar reforço na acentuação da função social da propriedade na revisão do Código Civil de l966 e nas medidas de congelamento das rendas de prédios para habitação; e que, sobretudo, viria a adregar assento constitucional ao ser reconhecido a todos o direito a uma habitação de dimensão adequada, e imposto
ao Estado o dever de adoptar uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar.
Na linha desse entendimento, o legislador de l977
sobrepôs, no sinalagma do contrato de locação à comodidade
do senhorio, consiste em invocar em juízo o facto
resolutivo duradouro no momento que mais lhe conviesse
até um ano depois da sua cessação, a certeza do direito,
e a segurança negocial por parte do inquilino. 0
inquilino - pressupôs o legislador e bem = é a parte socialmente
mais débil da relação negocial. Se deu causa à resolução
do contrato e o senhorio teve conhecimento disso,
assiste a este o direito de, com base nisso, resolver o contrato,
mas não o direito de manter indefinidamente o
inquilino na incerteza sobre se exerce ou não esse direito.
Ainda que a causa perdure. Neste caso, o decurso de um
certo tempo sobre o juízo de reprovabilidade do comportamento
do inquilino funciona como assentimento táctico. O que
recusa ao senhorio é o direito de se indignar
no próximo lustro.
Tudo, aliás, de acordo com o princípio geral da contagem do prazo de caducidade constante do artigo 329.º do Código Civil, segundo o qual esse prazo começa a correr, se a lei não fixar outra data, no momento em que o direito puder legalmente ser exercido, momento este que tenderá a coincidir com o conhecimento do facto causal.

Não, assim no caso do exercício do direito ao divórcio baseado em facto continuado. Neste caso, o legislador de l977 entendeu dever privilegiar a liberdade do cônjuge ofendido, e não menos a continuidade do próprio
matrimónio, garantindo àquele cônjuge mais tempo de reflexão
do que medido pelo decurso do prazo de caducidade.

0 legislador mandou, neste caso, o seguinte recado ao cônjuge ofendido:
Não te precipites; tens tempo; não perdes pela demora!...

Aqui, a posição social de ambos os cônjuges, no quadro da relação contratual, é idêntica. O valor a salvaguardar é o do próprio matrimónio em si. Do próprio contrato em última ratio.
Falece pois, a alegada analogia de situações. 0 que foi consagrado foi a diferença entre elas.

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5.º - Pretende-se mudar este entendimento e este arranjo das coisas? Nada impede o legislador de fazê-lo. Mister é que se convença de que são outros os valores atendíveis ou a hierarquização desses valores.
Não cabe a esta Comissão um esforço demonstrativo de sentido único. O juízo sobre o que a este respeito, mais coincide com o interesse geral, cabe em definitivo ao Plenário.
Compreendiam-se, a benefício de uma posição final o mais possível esclarecida, as principais soluções em confronto:

1.- A solução da lei em, vigor, tal como a interpretou o Assento de 3 de Maio de 1984, e que pode resumir-se assim:
O prazo de caducidade do direito de resolução de um contrato de arrendamento, ainda que baseado em facto continuado, conta-se sempre a partir do conhecimento desse mesmo facto.
Curiosamente, o projecto de lei sob exame não levou o seu esforço analógico com o que acontece em matéria de direito ao divórcio ao ponto de recuperar também a regra segundo a qual «o prazo de cadicidade corre separadamente em relação a cada um dos factos».
Esse esforço foi tentado no primeiro projecto atrás mencionado. Não neste. Deve no entanto, considerar-se que assim têm de entender-se as coisas, independentemente da sua clarificação expressa.
E como dizer «clarificação» é referir um valor que não dever ser substimado, o presente projecto não é imune ao reparo de que o substimou.
Esta solução - repete-se - protege o inquilino. Reforça o «favor» que o instituto do arrendamento urbano em regra lhe dispensa. £ não só o inquilino: também o direito à habitação e o interesse público na mais efectiva e socialmente melhor utilização das casas.
O recado que o legislador manda ao senhorio é neste caso o seguinte: se tens de exercer o direito de resolução exerce-o em tempo; não te dou o direito de te indignares no próximo lustro; o inquilino, em regra o contratante mais débil, não pode viver sem limite de prazo na incerteza sobre se o desculpas ou o despejas.

2.- A solução do projecto, que pode resumir-se assim:

A natureza continuada do facto que serve de fundamento à acção de desejo não pode ser irrelevante. Se a causa perdura, deve perdurar o efeito, ou seja, o direito de acção que dele emerge. Daí a analogia com a prescrição legal em matéria de caducidade do direito ao divórcio baseado em facto continuado.
Esta solução, como transcreve, protege o senhorio. Reconhece-lhe o direito de escolher em que momento decide extrair o efeito da causa, dado que esta, perdurando, como que a cada instante se renova.
Que protecção merece um inquilino que continua a infringir as suas obrigações contratuais? Que se detém no caminho da infracção? Que, em suma, se não arrepende?
É a parte socialmente mais fraca? É certo. Mas apenas enquanto respeita as suas obrigações contratuais. Não deve premiar-se o mau contratante. Quantas vezes o não exercido do direito à resolução não expressa um mero acto de tolerância que deve ser estimulado? Quantas vezes o exercício tardio desse direito é consequência, não do uso do recurso à infracção, mas do seu abuso? Obrigar o senhorio a exercer o direito dentro de um ano a contar do conhecimento do facto determinativo da resolução do contrato não constituirá um estímulo a que o faça quando porventura ainda dura a possibilidade de o não fazer? Não representará, em última instância, um termo à tolerância? Não desprotegerá mais o inquilino do que o protege?

3.º A Solução que o Professor Doutor Antunes Varela reputado especialista na matéria, defendeu a partir da 2.ª edição do Código Civil Anotado, de que é co-autor e que pode resumir-se assim:
Os factos determinantes do despejo arrolados no n.° l do artigo 1093.° têm diversa natureza e protegem diferentes interesses e valores;
Quanto à natureza, podem as violações do contrato distinguir-se entre repetidas ou sucessivas e duradouras ou continuadas (sem interesse, para o tema vertente, as instantâneas isoladas);
Quanto às violações repetidas ou sucessivas, entendem uns que o prazo de caducidade deve contar-se a partir do conhecimento da primeira das faltas veridicadas, outros que o prazo corre separadamente para cada falta. Como vimos, o segundo projecto, que temos no torno, abandonou essa parte dos objectivos visados pelo primeiro. Resolve-se, porém, no sentido que se realçou, o n.° 2 do artigo 1786.°, quanto à contagem do prazo de caducidade do direito ao divórcio;
Quanto à violações duradouras ou continuadas, há que distinguir:
Ou bem que a violação afecta apenas o interesse particular do locador, e o direito à resolução do contrato com base nela deve caducar decorrido um ano sobre a data em que teve conhecimento do começo da violação;
Ou bem que a violação, simultaneamente, afecta o Interesse público na ocupação útil do prédio, ou da não aplicação do mesmo afins contrários à lei ou à moral pública, e o direito à resolução do contrato só deve caducar decorrido um ano sobre a cessação da violação.
Questão é saber se ao menos nos casos em que o ilustre professor acolhe esta última solução, deve agora o legislador acolhê-la.
Contra ela se disse, aquando da discussão do primeiro projecto, que repõe a incerteza anterior ao mencionado assento, ao exigir toda uma hermenêutica sobre quais sejam em concreto os factos violadores do contrato de arrendamento que apenas afectam o interesse particular do locador e aqueles que afectam também o interesse público na ocupação útil do prédio. Conceitos vagos - disse-se então - que vão repor o rio de tinta que o assento, bem ou mal, a partir da sua publicação secou.
E já o Professor Orlando de Carvalho - a anotação do Professor Antunes Varela - defendeu interpretações segundo as quais a aplicação do prédio, reiterada ou habitualmente a práticas ilícitas, imorais ou desonestas, ou um facto continuado, como o encerramento do prédio pelo prazo consecutivo de mais de um

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ano, só deixam de ser invocáveis, por caducidade do
correspondente direito de resolução do contrato, a partir
do conhecimento da aplicação reiterada do imóvel
a práticas daquela natureza, ou do conhecimento de
que o prédio se manteve consecutivamente encerrado
por período superior a um ano!
Estejamos, pois, seguros de que, embora com mais reduzida margem de disputa, a jurisprudência dos interesses vai uma vez mais sobrepor-se à mais rigorosa jurisprudência dos conceitos.

Seja como for, se viesse a entender-se que era de retomar, agora por via legislativa, a distinção preconizada pelo Professor Antunes Varela, ele próprio forneceria um critério pretensamente objectivo e pretensamente adequado a evitar os riscos da alegada indefinição de conceitos.

Assim:

Estaria em causa apenas o interesse particular do locador nas alíneas b), d), e), f) e g) do artigo l093.º do Código Civil;
Estaria também em causa o interesse público
na ocupação útil do prédio nas alíneas c),
h) e i) do mesmo dispositivo.

Esta preocupação de conferir objectividade às consequências
de uma distinção conceitual que se arriscava
a ter muito de subjectivo, resiste mal a uma leitura das
várias alíneas do n.º 1 do artigo 1093.º do ponto de
vista da arrumação a que as submeteu o ilustre professor.

Decerto, por isso, as propostas alternativas ao primeiro
projecto, apresentadas por deputados do PCP
e do CDS, ao invés de se reportarem às alíneas do n.º l
do artigo 1093.º, preferiram o risco de se referirem à
distinção conceitual em si mesma, ao risco de uma
errada linha de água entre aquelas alíneas.
6 - Disse-se o que se disse, com os seguintes e
fundamentais propósitos

Caracterizar a situação jurídica e factual em que se enquadra a inovação de que é portador o projecto de lei em apreço;

Realçar as dificuldades da matéria, não compagináveis com um tratamento
menos reflectido ou menos especializado, para mais tratando-se de uma
alteração pontual ao Código Civil, cujas unidades e equilíbrio é de todo o ponto conveniente salvaguardar, com ressalva de exigências irrecusáveis, o que está longe de ser o caso;
Identificar os valores em causa, para que se não corra o risco de serem desatentas as opções po1íticas subjacentes a qualquer inovação que se perfilhe.

O projecto sob análise respeita a Constituição e os Cânones regimentais, pelo que se encontra em condições de subir ao plenário para discussão e votação.

Palácio de São Bento, l3 de Julho de l988. - 0 Relator,
Almeida Santos. - 0 Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara de que deu entrada na Mesa um requerimento, subscrito pelos Srs. Deputados do PSD em que se requer o prolongamento da sessão sem interrupção até ao termo do debate do projecto de lei n.º 249/V.

Srs. Deputados, vamos votar o requerimento já identificado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra
para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr, José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, não obstarei a votação, mas gostaria de saber qual a votação que, em sede de comissão, recaiu sobre o
parecer que o Sr. Deputado Almeida Santos acabou de ler.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o parecer foi aprovado por unanimidade na reunião de l4 de Julho de 1988.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra
para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, salvo
melhor opinião, penso que o nosso requerimento não
carece de votação, visto que estamos perante um agendamento
potestativo e o Regimento dispõe que o partido que
procede ao agendamento tem direito à discussão do seu
diploma até ao termo do debate.

0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra
para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, gostaria de clarificar a intenção real dos subscritores do requerimento no sentido de saber se o significado dele é, quer se vote ou não, o de terminarmos a nossa sessão no final da apresentação do projecto, portanto com exclusão da matéria relativa à apreciação do relatório anual sobre s situação do País em matéria de segurança interna.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, julgo que sim.
Aliás, tenho a informação de que na conferencia de
líderes haveria consenso para que essa discussão
fosse adiada.
Sr. Deputado Silva Marques, a Mesa já debateu essa questão e
concordamos com a sua posição.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O assento do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de l984 fez o artigo 1094.º do Código Civil uma interpretação restritiva e literal, no pressuposto de que o
artigo 9.º do mesmo Código Civil não permitia ao intérprete ultrapassar esse entendimento. Mas logo na fundamentação do assento se diz que a solução preconizada é de molde a criar «situações indesejáveis, absurdas e contrárias aos objectivos sociais da ocupação efectiva de fogos», lançando-se o repto ao legislador para que seja ele, em sede própria, a mudar o entendimento dado a esse artigo l094.º

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3896 I SÉRIE - NÚMERO 81

É o que tardiamente se faz, depois de inviabilizado, há cinco anos, um projecto de lei de idêntico teor, pela queda do Governo de então.
As situações «indesejáveis e absurdas» aí estão, à vista de todos, e a agravarem-se dia-a-dia, sem que alguém as compreenda, porque ninguém entende leis que ofendam o senso comum e os sentimentos dominantes numa comunidade.
Ninguém entende - e é este o exemplo mais sugestivo da aplicação prática do artigo 1094.° do Código Civil, na interpretação que lhe é dada pelo assento - que o senhorio fique definitivamente impedido de despejar o inquilino com o prédio arrendado vazio e desocupado, quando não actuou judicialmente dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento que teve de que o prédio arrendado para habitação passou a estar desabitado ou de que no prédio arrendado para o comércio foi encerrado o respectivo estabelecimento comercial.
Retoma-se a posição que vinha a abrir caminho na doutrina e jurisprudência e que veio a ser escassamente derrotada na doutrina do assento.
Posição que tem por base a natureza do facto duradouro ou continuado, facto jurídico complexo, de formação complexa, na lição do professor Manuel Andrade, que sucessivamente se renova.
Um facto transgressional com o cunho de duradouro traduz-se numa violação permanente e actual da lei, actualidade essa que é incompatível com o seu apagamento por caducidade.
Relativamente aos factos que são causa de divórcio, veio a Reforma do Código Civil de 1977 estabelecer no artigo 1786.° que o prazo de caducidade, quanto aos factos continuados, só se conta a partir da cessação dos mesmos.
A unidade do sistema jurídico impõe que à norma do artigo 1094.° do Código Civil se atribua o mesmo sentido que foi atribuído ao referido artigo 1786.°
Não há aqui uma clara opção política em desfavor do arrendatário, ao qual apenas se exige que cumpra as poucas imposições que a lei lhe estabelece, não fazendo tábua rasa do fim contratual e social a que se destina o arrendado.
O interesse do inquilino à segurança do contrato - razão de ser da caducidade - não deve merecer protecção quando ele se mantém numa posição de permanente violação do contrato.
Nem sequer é posta em crise a caducidade em si, estabelecida no artigo 1094.°, quando todos os profissionais do direito sabem que este é um domínio em que é fácil fazer a prova positiva falsa do conhecimento há mais de um ano, por parte do senhorio, do comportamento transgressional do seu inquilino, reduzindo-se por esta via os já reduzidos fundamentos da resolução do contrato.
Mas num futuro próximo, se queremos fomentar o mercado dos prédios arrendados, do qual estão arredados os investidores, voltados hoje para sectores de rentabilidade mais sugestiva, não teremos outro remédio que não seja o de rever e reestruturar toda a disciplina dos contratos de arrendamento.
Os exageros na protecção do arrendatário instalados quem os está a pagar é o candidato a arrendatário, sem mercado que o satisfaça ou que o satisfaz a preço manifestamente exorbitante.
Mas o que está em causa aqui é uma mera medida pontual, de correcção de «situações indesejáveis e absurdas», na linguagem do assento, a cuja doutrina se vai pôr termo.
O PSD vai votar favoravelmente este projecto de lei. Igual posição é de esperar dos demais partidos, onde os profissionais de direito de cada um deles não hão-de seguramente perfilhar posição diferente da que aqui é defenida.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Admitir-se-ia que, ao subir ao alto daquela Tribuna, o Sr. Deputado Coelho dos Santos tivesse, na sequência da votação que o PSD destinou ao parecer do Sr. Deputado Almeida Santos, retirado boa parte das lições necessárias que levassem a que, coerentemente, renunciasse à sua intenção legiferante ou, no mínimo, a morigerasse em termos de adequar ao universo jurídico mais escorreito. Não o fez; lastimo-o e digo-o com esta franqueza. E porquê esta franqueza, porquê esta lástima? Porque a solução que vem ensejada tende a pôr em causa aquilo que, no Código Civil, em termos claros apesar de tudo, releva de uma lógica de protecção à parte mais flébil na relação sinalagmática, ou seja, ao inquilino. Agora, pretende-se uma espécie de favor para o senhorio e, sem esteio hermenêutico nem jurisprudência! bastante, inverter um sinal que, pese embora toda a controvérsia, sempre se teve como claro. Ou seja: o que se relevava no artigo 1094.° era, de algum modo, uma situação de descriminação positiva, ainda vigente na ordem jurídica.
O Sr. Deputado Coelho dos Santos deve, ademais e naturalmente, ter em mente que foram longos os anos de contraditório nesta matéria, que é vasta a problematicidade jurisprudência! e doutrinária e que, portanto, talvez não se justifique, a nenhum título, que, numa hora seguida de votação, adrede e quiçá desqualificada, se altere o que os juristas deste país têm andado a discutir sobre o gume da faca, tantas e tão mordentes e essenciais são as implicações que se contrabatem.
Perguntaria ao Sr. Deputado se acha que, neste quadro, é política, ética e juridicamente idóneo fazer sair uma lei como aquela que pretende, ainda por cima, à revelia do próprio voto que o PSD produziu na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias aquando da observação do parecer acabado de ler pelo Sr. Deputado Almeida Santos.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Coelho dos Santos deseja responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Posso responder já.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, o parecer do Sr. Deputado Almeida Santos não toma posição nenhuma em sentido nenhum, diz que a favor do senhorio é isto a favor

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do inquilino é aquilo, só toma posição numa coisa: é,
diz, no fim, que o projecto não é constitucional. Portanto,
não há posição alguma, não há incoerência
alguma em termos votado favoravelmente e em
assumirmos agora esta posição.

0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Podia ser só o último
parágrafo!

0 Orador: - Fundamentalmente é isso. 0 que o
Sr. Deputado Almeida Santos diz como definitivo é que
o projecto não é inconstitucional. No resto, aceita
perfeitamente que este projecto possa favorecer o inquilino
se encarado de determinado ângulo, pode favorecer
o senhorio se encarado de determinado ângulo, e,
sobretudo, o Sr. Deputado Almeida Santos disserta
muito sobre a revisão que ele fez em 1977 - mas isso
fica para depois, porque não diz respeito ao
Sr. Deputado José Manuel Mendes.
Eu já disse ao Sr. Deputado José Manuel Mendes
que isto não é em desfavor do inquilino, isto é em desfavor
do inquilino relapso, e que mantém uma transgressão
com actualidade. E o Sr. Deputado José Manuel Mendes
sabe que o próprio assento, a própria posição
vencedora no assento diz claramente o seguinte:
nós vamos para uma solução injusta, o que entendemos
é que o artigo 9.º do Código Civil não nos permite
ir mais longe, na interpretação a dar a este artigo
e não nos permite aceitar a outra versão, quer dizer,
é com base num artigo limitativo da interpretação que
o assento é construído neste sentido. Mas logo se diz,
«isto é injusto» e logo se diz mais o seguinte: «0 legislador
que cumpra o seu dever e que legisle.» 15to está
dito textualmente, o legislador que corrija, o legislador
se estivesse atento corrigia em 1984, não esperava
por 1989 e não tínhamos casas desocupadas como
temos, porque o senhorio não pode pôr a acção; não
tínhamos estabelecimentos fechados como temos, num
país que não tem casas, tendo-se acumulado, nestes
cinco anos, esta situação.
Quanto aos juristas deste país, as coisas mudaram
muito nestes cinco anos, há menos demagogia, todo o
País percebeu que não é com medidas de protecção
tolas ao arrendatário que se fomenta a habitação em
Portugal, porque os ricos foram todos embora e abandonaram
o mercado de habitação, venderam os prédios aos
inquilinos por qualquer preço e foram para
outro sítio. Por isso, se quisermos encarar com realismo
o mercado da habitação e sobretudo se quisermos que
os jovens tenham acesso à habitação, temos de mudar
muito mais no instituto de arrendamento. Não é só
isto, isto é uma medida pontual, temos que ir muito
mais longe.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos,
tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Coelho dos
Santos, à míngua de tempo, vou apenas fazer-lhe
duas perguntas muito breves.
Pegando nas suas últimas palavras, Sr. Deputado,
começo por perguntar-lhe por que razão começar por
aqui, que é uma medida pontualíssima e a favor do
senhorio e não do inquilino? Porque não começar por

reestruturar a disciplina do arrendamento? Com certeza
não temos a mesma opinião acerca disso, mas por que
razão começaram por aqui?

Quanto à segunda questão, Sr. Deputado, tenho à
minha frente propostas de alteração do seu partido e,
tendo em conta a redacção do artigo 2.º, pergunto-lhe
se não ficam em desigualdade os inquilinos, isto é,
aqueles que não têm qualquer acção no tribunal neste
momento, que ficam depois sujeitos ao despejo, e aqueles
que já têm uma acção no tribunal e que não estão
sujeitos ao despacho. V. Ex.ª pensa que esta redacção
está certa?

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Coelho dos Santos deseja responder desde já ou depois do pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Narana Coissoró?

0 Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Respondo já, Sr.ª Presidente!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, quanto à primeira pergunta, compreendo que se devesse esperar, em princípio, por uma reformulação total do instituto de arrendamento, simplesmente isso vai demorar anos, não tenhamos dúvidas. Por isso, este projecto é para acudir a situações que se
foram criando no decurso destes anos, como já anteriormente o disse.

Quanto à redacção do artigo 2.ª «não aplicação às acções pendentes», nós os profissionais, sabemos a complicação que é a aplicação de sucessivas leis a acções pendentes, sobretudo porque as acções pendentes agora pendem muitos
anos nos tribunais e sabemos o significado que isto tem. Foi essa, fundamentalmente, a razão ...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas essa não é a minha questão!
A minha questão é técnica, isto é, um inquilino tem uma acção
pendente, neste momento, no tribunal que ainda não está
decidida e ao sair esta lei ela é aplicada e o inquilino
é despejado. Será assim, Sr. Deputado?

0 Orador: - Esta lei não se aplica, é o contrário.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então não se aplica às acções pendentes?

0 Orador: - Esta lei é aplicável às acções pendentes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah, há uma proposta depois desta!
Então, estou esclarecida.

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3898 I SÉRIE - NÚMERO II

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Coelho dos Santos, o seu apelo final, no sentido de todos os deputados de outros partidos e todos os juristas deverem acompanhá-lo na sua tese, fez-me lembrar um advogado, colega nosso, que depois de fazer a petição inicial terminava assim: «Desde já se pede a condenação de má fé do colega que vier a contestar esta acção...»

Risos.

... De facto, é uma violência V. Ex.ª dizer que, pelo facto de ter defendido uma tese, estar de má fé o colega que vier a contestar a sua proposta de lei.
Ora bem, o problema que aqui se põe é simples. V. Ex.ª diz que o assento se baseou no artigo 9.° do Código Civil, mas V. Ex.ª sabe que esse artigo não impõe interpretação restritiva ao juiz. A única coisa que o artigo 9.° diz é que, «no caso de interpretação e interacção da lei, o juiz deve cingir-se à letra da lei, reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, circunstância em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada»; n.° 2 desenvolve: «Não pode porém ser considerado como intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso»; n.° 3, que é o nosso caso, «na fixação e sentido de alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos mais adequados».
Ora bem, o que é que o assento fez? O assento fez o que devia fazer, uma interpretação que julgou mais adequada conforme o pensamento legislativo. É isto que se pede dos juizes, no artigo 9.° Agora, se fez uma interpretação injusta, se for uma interpretação não adequada, então, o que podemos dizer é que o assento é contrário ao artigo 9.° Não se pode dizer o contrário, isto é, que seguiu o artigo 9.°, porque, como dizia, ele manda interpretar o pensamento legislativo da forma mais adequada.
O outro problema que se põe em relação ao assento é o seguinte: o facto de existir o assento não vem tirar ao intérprete a possibilidade de, tratando-se de um facto, mesmo um facto continuado, o prazo começar a correr, não a partir do princípio, mas a partir do conhecimento que o senhorio teve dele. E existe uma tese, a do Sr. Pinto Monteiro, publicado em 1985, chamado «cláusulas limitativas» etc..., que diz que a doutrina do assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Maio 1984, não prejudica o exercício de direito de resolução, tratando-se de violações repetidas do mesmo tipo.
Sr. Deputado, pelo menos, temos juristas que dizem que o assento não fechou de vez a porta para casos de trato sucessivo, de não poderem invocar quando efectivamente o prazo começou a contar a partir do momento que o senhorio tomou conhecimento disso, podendo até dizer em que fase é que ele tomou o conhecimento. Além disso, temos casos de factos que muitas vezes são chocantes. Vejamos o caso que é geralmente dado como exemplo clássico dessas coisas: um inquilino tem um contrato de habitação e em vez de habitar aproveita-o para comércio, ou subloca o seu andar, tem lá o inquilino por cinco anos e ele está fora, no estrangeiro ou sem se preocupar, cobre as rendas, muitas vezes maiores do que aquelas que paga ao senhorio com conhecimento deste. E então um belo diz diz «estou a fazer mal, vou pôr na rua o meu sub-inquilino e vou ocupar agora a casa para mim...».

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, já gastou 4 minutos.

O Orador: - E pode ser exactamente no momento em que ele, inquilino, deixou de transgredir a lei, em que deixou de violar da lei, pôs fora o seu sub-inquilino e, ele próprio, começou a cumprir o contrato, entrando na casa para habitação própria. Aqui começa a correr o prazo para o pôr fora de casa. Portanto, há situações chocantes como esta, que a vossa proposta em nada vem alterar.
Finalmente, diria que o problema não está em acrescentar um parágrafo. Ou modificamos totalmente o artigo 1095.° de modo a dar uma cobertura total ao senhorio, que parece ser a tese do PSD, isto é, uma cobertura sem limites nem restrições - não diria selvagem, como aqui foi dito uma vez por Hasse Ferreira e Magalhães Mota, quando foi discutido este caso em 1984 - mas vem dar uma tutela incondicional, digamos, indiscriminada...

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, esgotou o seu tempo.

O Orador: - ... ou temos de manter aquilo que está aqui.
Por isso, aquilo que V. Ex.ª vem agora inerpretar é naturalmente uma interpretação forçada, inadaptada face ao artigo 9.° do Código Civil.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Deputado, quando ao Assento propriamente dito, estavam em causa duas teses: uma defendia que o facto continuado se contava do fim, enquanto outra afirmava que todos os factos são contados do princípio, do momento do conhecimento, conforme é expresso na letra da lei.
A corrente que fez vencimento entendeu que, considerando o artigo 9.° do Código Civil - em que se estatui que qualquer interpretação terá de ter um mínimo de correspondência verbal no texto da lei -, a correspondência verbal não existia relativamente ao facto continuado.
Foi por isso que o Assento foi proferido, aliás contra aquilo que os juizes entendiam como uma solução incorrecta, carreadora de consequências absurdas e injustas. Simplesmente, há um legislador para legislar e eles entenderam que não podiam ir mais longe na interpretação.
Sobre isto não volto a falar.
Relativamente ao exemplo da sublocação colocado por V. Ex.ª, esse está por acaso resolvido, uma vez que há um diploma, suponho que da autoria do Sr. Deputado Almeida Santos - o Decreto-Lei n.° 293/77 -, que permite, em sede de sublocação, a suspensão do direito à resolução do contrato mediante a prestação

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de uma caução que os tribunais arbitram sempre de forma simbólica.

Portanto, a maior parte destes factos até tem cobertura neste decreto-lei
do Sr. Deputado Almeida Santos.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tenho de fazer uma intervenção muito curta, porque o pensamento do nosso partido acerca deste ponto foi já largamente explanado aquando da verificação, há três ou quatro anos, do primeiro debate sobre a matéria.
Não houve nada sobre esse ponto nestes últimos anos e, por isso mesmo, vou apenas referir o essencial acerca do mesmo.
Para nós o essencial é que, em sede jurisprudência dos interesses, a interpretação seja feita de modo a que cada relação jurídica deva ser sopesada sob o ponto de vista dos direitos e deveres do senhorio e do inquilino.
A nossa lei é clara em relação a este conflito e ao modo como funcionam, á face do actual contrato de arrendamento, estes dois interesses.
Diz o artigo 1095,º: «Nos arrendamentos a que esta secção se refere, o senhorio não goza do direito de denúncia, considerando-se o contrato renovado se não for denunciado pelo arrendatário nos termos do artigo 1055.º»
Logo a seguir estatui o n.º 1.º do artigo 1096.º: «O senhorio pode, porém, denunciar o contrato, para o termo do prazo ou da renovação, nos casos seguintes», etc.
No entanto, este não é o caso geral. A própria lei previu já as excepções para o prazo geral estabelecido no artigo l094.º, através do qual «a acção de resolução deve ser proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade».

Como V. Ex.ª sabe, esse problema foi amplamente debatido durante a feitura do código. Na verdade, inicialmente o prazo era de seis meses, afirmando-se então que o senhorio precisava de um prazo maior para que pudesse utilizar o seu direito, uma vez que tinha muitas vezes dificuldades na obtenção de provas. Por isso mesmo passou-se para o dobro, isto é, de seis meses para um ano.

Custa muito a acreditar que hoje em dia, sendo tão frequentes os transportes, a deslocação dos senhorios de um lado para o outro, onde têm os seus prédios, eles não tomem conhecimento rápido, pessoal ou através dos seus representantes - os mesmos que vão todos os meses receber a renda -, de determinados factos a seu favor e que poderão levar à resolução do contrato de arrendamento.

Hoje em dia, sabe-se que existe uma grande fome de despejos, de casa vagas, já que as rendas são cada vez maiores comparadas com as rendas antigas, cada vez mais irrealistas. Na verdade, uma pessoa que arrendou uma casa de renda económica em 1942, 1943 ou l945, paga hoje uma renda de, no máximo e após todas as actualizações, três ou quatro contos, ao passo que se essa mesma casa vagar, o senhorio pode arrendá-la a um novo inquilino por 70, 80 ou 90 contos nas grandes cidades.

Toda a gente sabe isso, pois é esta a realidade. Por isso mesmo, os senhorios estão sempre a procurar conhecer todos os fundamentos para fazer vagar as casas, por forma a despejar os inquilinos velhos e a colocar lá novos inquilinos com rendas dez, quinze e vinte vezes maiores.
Ora, existindo este interesse por parte dos senhorios e toda a possibilidade que a vida moderna oferece de saber, através de variadas formas, o que é que se passa na casa arrendada, custa muito a aceitar que o senhorio se não sirva de qualquer fundamento lega1 para despejar a casa e pôr lá um novo inquilino. É que se ele está interessado na resolução, naturalmente que tem de tomar as devidas providências. Aliás, isto sucede com todos os prazos de caducidade: ou uma pessoa sabe do seu direito e fá-lo valer ou então está a convir de que o fundamento não é tão forte, que não lhe assiste muita razão,
e, por isso mesmo, não age.
Portanto, não venha o Sr. Deputado Coelho dos Santos dizer que o senhorio deixa altruisticamente criar uma situação, deixando-a correr, vindo depois, um dia no futuro, atacar o inquilino.
Por outro lado, porque é que o inquilino há-de estar permanentemente sujeito á chantagem do senhorio?

Quando o inquilino sabe que o senhorio tomou conhecimento de uma determinada situação que lhe é desfavorável, deixando-a o senhorio decorrer como quer, porque é que há-de viver constantemente, durante anos inteiros, sob este fardo psicológico: um dia o meu senhorio vai fazer-se lembrado disso e pôr-me na rua? Porque é que é preciso dar este beneficio ao senhorio?!
Por conseguinte, tomando em consideração os interesses do senhorio, que podem muitas vezes levar a que este use o seu direito após um ano de caducidade (outras vezes não ... ), nós seguimos a orientação defendida pelo professor Antunes Varela.

Este professor diz que se deve averiguar bem que espécie de interesse está em causa. Assim, se o inquilino está a violar o interesse da ordem pública, há então razões para que o prazo de caducidade seja aumentado. Porém, se o que está em causa são meros interesses privados, pelos quais compete ao senhorio zelar com igual direito com que o inquilino zela pelos seus, existe uma norma para os dois, isto é, há o prazo de um ano para o senhorio, verificando-se depois a solidificação desta situação a favor do inquilino.
Até agora não vimos ainda nenhum argumento que leve ao repúdio desta tese do professor Antunes Varela. Por isso, continuamos a ser por ela, mantemos a proposta que apresentamos e a ela recorremos se este assunto baixar à comissão especializada, com vista à melhoria da redacção da proposta em debate - bem precisa ...

Finalmente, se a maioria fizer vingar a sua razão pela força do número, será então sua a responsabilidade por uma solução inadequada, injusta e não correspondente ao pensamento legislativo do Código Civil.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos,
Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o CDS já não dispõe de tempo. Aliás, mesmo o PSD só dispõe de dois minutos.

Vozes do PSD: - O PSD cede um minuto ao CDS!

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A Sr.ª Presidente: - Então, tanto o Sr. Deputado Coelho dos Santos como o Sr. Deputado Narana Coissoró dispõem de apenas um minuto cada.
Tem a palavra, o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, se ler as lições do professor Pereira Coelho - «Arrendamento», 1987 -, verá que ele explica, com muita clareza, que não há interesse público nas causas de resolução do contrato de arrendamento; há sempre um interesse privado. É que estamos no domínio das relações disponíveis.
Portanto, a posição do professor Antunes Varela está perfeitamente criticada, até porque a fronteira que existe entre interesses públicos e interesses privados é muito difícil de estabelecer.
Contudo, como ia dizendo, estamos aqui no domínio das relações disponíveis - todas elas. Isto diz o professor Pereira Coelho e suponho que de forma irrespondível.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Coelho dos Santos, ninguém tem dúvidas de que se trata aqui de relações disponíveis. Porém, tratando-se de relações disponíveis porque avalizar um salto lógico, isto é, porque há uma relação disponível, porque é que o prazo tem de ser maior?
Quanto à afirmação de que todas as relações são privadas e que não há nenhuma razão de ordem pública, tal tese custa-me a acreditar. Isto apesar de ter imenso respeito pelo professor Pereira Coelho, uma vez que foi meu professor e é, aliás, o professor que mais leio quando ensino ou quando necessito de fazer uma alegação. No entanto, não sou obrigado a seguir o professor Pereira Coelho cegamente numa polémica entre este e o professor Antunes Varela.
Aliás, há até muitas polémicas entre estes dois autores. Por exemplo, quando o professor Pereira Coelho publicou pela primeira vez as suas magníficas lições de direito da família, o professor Antunes Varela encheu a «Revista de Legislação e Jurisprudência» com críticas àquele autor. Neste domínio, segui muito mais o professor Pereira Coelho do que o professor Antunes Varela, o que não me leva obviamente a pensar que aquele tem sempre razão contra este.
Por exemplo, o que é que se passa quando um inquilino transforma a sua casa num antro de drogados? Ou que transforma a sua casa numa «casa de passe» para homossexuais, como existem, por exemplo, em Lisboa e noutros lados?

Uma voz do PSD: - Não sabia...!

O Orador: - Não sabia?! Pergunte ao seu Governador Civil! Se calhar ele é que não sabe e devia saber! Talvez devido ao tal direito à diferença!
E se, por exemplo, uma pessoa utiliza a sua casa para fins manifestamente imorais, como o célebre caso do «ballet rose»?
Portanto, aqui estão casos modelares de ofensas à ordem pública e aos bons costumes.
No entanto, quando uma pessoa faz uma pequena obra - põe ou tira uma chaminé, põe ou tira um hóspede -, isso sim já é um direito disponível, um interesse privado. Não vamos confundir as duas coisas!
E não faça essa injustiça ao professor Pereira Coelho por não destrinçar estes dois casos...!

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento protestativo, que irá ser distribuído, através do qual vários deputados do PSD requerem o adiamento das votações na generalidade e na especialidade de todos os artigos do projecto em discussão.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começando pelo pedido de esclarecimento que fiz há pouco e que, a certa altura, parecia não ter razão de ser, verifico agora que, realmente, tem toda a razão de ser. Isto, tendo em atenção esta proposta de alteração, uma vez que se coloca, através dela, a questão que passarei a expor.
Suponhamos que um inquilino que não mora na casa há dois anos, estando lá outras pessoas a morar, tem pendente uma acção de despejo. O senhorio tem, há dois anos, conhecimento de que esse facto acontece e o inquilino é despejado antes de este diploma entrar em vigor e face ao Assento.
Porém, quanto a outro inquilino colocado na mesma situação e supondo que o senhorio se encontra igualmente em posição idêntica, se o senhorio vier propor a acção depois deste diploma entrar em vigor - se chegar a entrar -, esse inquilino é despejado.
Portanto, encontramos aqui inquilinos nas mesmas situações que vão ter sortes diferentes.
Penso que este artigo 2.° proposto pelo PSD, e agora em Plenário, não vai resolver o problema, que já se levantou no outro debate, da aplicação desta lei no tempo - essa questão deverá ser melhor estudada. Aliás, este debate do presente projecto de lei é uma reedição, em ponto pequeno, do debate que travámos em 1984 e relativo ao projecto de lei n.° 167/III.
Os variados argumentos que estão estiveram em confronto, a escassez das razões então aduzidas pelo PSD e a escassez das razões hoje aduzidas, bem aconselhariam ao menos avisado que não reincidesse nos propósitos. É que, ao longo do debate que travámos em 1984, pôde vir ao de cima que os proponentes defendiam uma subversão total da filosofia subjacente ao contrato de arrendamento.
Puderam assim ser ouvidas coisas que hoje, embora com mais cuidado, o Sr. Deputado Coelho dos Santos não esclareceu - talvez seja a tal reestruturação do contrato de arrendamento - e pudemos ouvir críticas a um sistema que ainda protege, apesar de malfeitorias recentemente introduzidas, o direito à habitação previsto na Constituição da República.
Estávamos, então, em antevésperas da tristemente célebre Lei do Aumento das Rendas e pudemos então constatar que o que estava subjacente ao projecto de lei n.° 177/III não era, nem a certeza, nem a segurança, mas, tão só, o firme propósito de, com mais uma estocada, abalar o interesse público na celebração do contrato de arrendamento.

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Ao longo dos últimos anos, temos vindo, de resto, a anotar que aqui e ali esse interesse público é posto em causa, desprotegendo-se os carenciados de habitação.

E, se se vai alterar este artigo, porque não pensaram
os Srs. Deputado do PSD em alterar, por exemplo, a
parte que permite pôr na rua inquilinos por não
saberem que o senhorio é usufrutuário, por não saberem
que têm, no prazo de 180 dias, de comunicar ao
senhorio que querem continuar com o arrendamento?
A actual Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - e para citar malfeitorias - indicia que se pretende acabar com os recursos nas acções de despejo, a não ser que ultrapasse o valor da alçada. Leia, Sr. Deputado Guilherme Silva, o anteprojecto do Código de Processo Civil que confirma esta afirmação que estou aqui a fazer.
A lei do aumento das rendas, com o seu sistema de actualização cega, sem a correspondente atribuição de subsídio de renda aos mais carenciados, torna hoje mais difícil a gestão do magro orçamento familiar.
0 aumento brutal das rendas sociais, que gerou um
movimento generalizado de protesto, atinge as famílias mais carenciadas, pondo em causa o seu direito à habitação.
0 Governo proclama que pretende liberalizar o sistema de arrendamentos por forma a desproteger os inquilinos.
Pareceria, perante estas medidas avulsas que se citam, que estaríamos em época de vacas gordas e que, portanto, haveria habitação por toda a parte, a preços acessíveis, e isto responderia a uma questão posta na intervenção do Sr. Deputado Coelho dos Santos. É que, efectivamente, os jovens não têm, nem dinheiro para comprar casa, dadas as restrições efectivas no acesso ao crédito, que são recentes e contra as quais até os industriais da construção civil já se manifestaram, nem sequer têm dinheiro para arrendar o seu andar. Esta é a verdade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, vive-se uma situação grave em matéria de alojamento.
Recordar-lhes-ia, Srs. Deputados do PSD, o inquérito à pobreza urbana, da Dr.ª Manuela Silva e outros técnicos, que lhes fala muito bem do que se passa em Lisboa, Porto e Setúbal e leiam como, de facto, os encargos com o alojamento implicam sacrifício e contracção do orçamento familiar e levam a que muitos inquilinos recorram a expedientes estratégias, que vão desde a luz emprestada
ao subaluguer de partes de casa, por forma a atenuar o impacto dessas despesas no orçamento familiar.
Ora, este quadro negro aconselha, sem dúvida, que
se tomem, como noutras épocas no nosso país já se
tomaram, e em épocas até muito recuadas, medidas a
favor dos inquilinos.
Mas não é o caso deste projecto de lei do PSD, que nada mais faz do que pôr em causa o interesse público na celebração do contrato de arrendamento e a função social da propriedade.
Ao propor que o prazo para intentar uma acção de despejo, quando estamos perante um facto continuado ou duradouro, seja de um ano a partir da data em que o facto tiver cessado, o PSD age em favorecimento do senhorio.

Vejamos um exemplo, para melhor se entender: o inquilino deixa o prédio arrendado e ficam no local pessoas que com ele habitavam e que passam a pagar a renda ao senhorio, cara a cara. 0 senhorio conhece-as e sabe que são elas que vivem lá.
Aguardando melhor oportunidade, talvez um momento em que arranje comprador para a casa a melhor preço ou então uma pessoa que lhe dê dinheiro pela chave, que é outra modalidade, o senhorio recebe a renda dos ocupantes durante dois, três, quatro, cinco anos, isto até ao infinito, porque é isso que o projecto de lei do PSD prevê.
Passados todos esses anos, quando o senhorio entende que já é a altura propícia, hei-lo que vai a tribunal e invoca a violação contratual da falta de residência permanente do inquilino. E com uma agravante: é que no sistema processual do Código do Processo Civil a pessoa que neste caso ocupa a casa e que paga a renda pode nem sequer ter conhecimento do despejo. Terá muita sorte se puder vir com o incidente de oposição de terceiros, se realmente se quiser opor a esse despejo.
Será isto justo? Será isto moral? Consegue-se desta forma a certeza, a
segurança jurídica?
É evidente que isto não é justo - a Associação de Inquilinos di-lo.
A solução do PSD favorece o senhorio, contrariando o tratamento de favor que a legislação concede ao inquilino, e cria a incerteza e a insegurança, a instabilidade e o receio do futuro.
Reincidem os proponentes na aproximação, quanto à caducidade, dos regimes das acções de divórcio e de despejo. Sobre isto já muito foi dito. Não há qualquer semelhança entre estes dois institutos, portanto não é para aqui chamada a questão das acções de divórcio. A questão que, efectivamente leva o PSD a propor isto, a retalhar o código civil - até recordaria que o Sr. Deputado Coelho dos Santos, sobre outro projecto, se manifestou avesso a que se retalhasse o código civil e na outra questão não tinha razão, porque não é isto que se faz no outro projecto - é permitir que o senhorio use da maior arbitrariedade na escolha do momento de despejar.
Não existe perante o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, neste momento, qualquer incerteza ou insegurança acerca do direito.
A instabilidade pretende o PSD lançá-la, colocando inquilinos na permanente ameaça de despejo, em matérias em que se torna por vezes tão difícil definir se se trata ou não de violação da relação contratual, sem cuidar que se quebra, desta maneira, a unidade do nosso sistema jurídico. 0 que o PSD pretende, afinal, é mais despejos e menos habitação!

A Sr.ª Presidente: - 0 Sr. Deputado Coelho dos Santos inscreveu-se para pedir esclarecimentos mas já não dispõe de tempo, assim como a Sr.ª Deputada Odete Santos não tem tempo para responder. Mas como o PRD dá um minuto a cada um dos Srs. Deputados, tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

0 Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr.ª Deputada, quando ouço falar nos jovens, lembro-me da demagogia que se fez nestes anos todos, a começar pelas ocupações selvagens das casas, que esta juventude está hoje a pagar, pois os que querem arrendar uma casa estão a pagar e a pagar caro.

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Eu já lembrei há pouco que não é com demagogia que se constróem casas.
Em resposta a alguma desta baralhada da sua intervenção, devo dizer o seguinte: se o senhorio deixar que outro indivíduo, em lugar do arrendatário, lhe esteja a pagar a renda durante três anos, os tribunais sabem que esse indivíduo passou a ser arrendatário e aceitam esta prova perfeitamente.
Suponho que a Sr.ª Deputada é advogada, É advogada, não é? Então, sabe isso perfeitamente e sabe que, quando houve a preocupação de afastar a aplicação desta lei às acções pendentes, de que eu falei há bocado, isto significa o seguinte: a acção está a correr neste momento, e o indivíduo invocou a caducidade, em esta situação se mantiver como facto duradouro ele vai ter o mesmo destino daquele que vai ser demandado amanhã. O que quer dizer que se esta situação mantiver é evidente que numa segunda acção ele é
Ficam todos em posição Igual, mas as acções que estão pendentes essas beneficiam.
Suponho que fui claro, Já disse isto três ou quatro vezes. Suponho que fui claro, finalmente.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, num minuto, têm a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr, Deputado, penso que V. Ex.ª quando perguntou se eu era advogada, fê-lo com intuito de me ofender, mas, realmente, essa ofensa passa-me perfeitamente ao lado.
V. Ex.ª sabe, efectivamente, que sou advogada e portanto, foi para me ofender, mas não ofendeu.
Diria, pelo teor da sua resposta, que V. Ex.ª é que não parece, efectivamente, advogado porque, em relação à questão que lhe coloquei do artigo 2.°, V. Ex.ª não respondeu. É que se a situação se não mantiver há desigualdade entre duas situações dos inquilinos, e V. Ex.ª não respondeu a isso.
Aos argumentos que eu aqui aduzi, V. Ex.ª veio com as velhas questões relativamente às ocupações selvagens, etc, mas sabe que o problema em relação à falta de habituação não está, efectivamente, nisso. Aliás, estamos em 1989 e devido à Lei do Aumento das Rendas liberalizaram-se as rendas de qualquer maneira, sem sequer dar aos jovens e a outras pessoas necessitadas no subsídio de renda. Não falo no subsídio de renda para a correcção extraordinária, que aliás é uma fraude, falo no subsídio de renda que deveria ser dado às pessoas que arrendam casa pela primeira vez, que não estão sujeitas à correcção extraordinária, mas estão sujeitas às actualizações anuais e também essas deveriam ter subsídio de renda para que se cumprisse o que está na Constituição.
Portanto, não venha o Sr. Deputado com demagogia. Olhe para a política do Governo do seu partido e veja que não são garantidos os direitos sociais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A alteração do artigo 1094,e do Código Civil, proposta pelo PSD, não é isenta de dificuldades
pela complexidade técnica da matéria que é objecto da alteração preconizada.
Pretende-se com a mesma, desde logo, obviar a «situações indesejáveis, absurdas e contrárias aos objectivos sociais da ocupação efectiva de fogos» a que aludira o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1984, que havia então procedido à interpretação do actual artigo 1094.°
Ora, mais do que uma solução técnica, o que está em jogo é precisamente uma opção em matéria de política social, mais concretamente sobre quem deve encontrasse numa situação legal de «desfavor»: se o senhorio, se o inquilino, tal como sucede, noutro plano, entre o empregador e o trabalhador em matéria de despedimentos.
Se se pretende acautelar fundamentalmente os interesses do senhorio, então a propostas do grupo Parlamentar do PSD têm plena justificação.
Se, pelo contrário, e sem desequilibrar excessivamente a relação estabelecida entre o senhorio e o inquilino, se pretende acautelar a situação deste, então, a actuai redacção do artigo 1094,(r) e a interpretação que lhe foi dada pelo sobredito Assento são suficientes. Para isso bastaria, pois, e tão somente, verter em projecto de lei a doutrina expendida no mesmo Assento.
É claro que se deve ter presente que constitui objectivo de política de Governo estimular os arrendamentos urbanos e, portanto, nessa lógica, deve facilitar-se a tarefa do senhorio, para que, mais facilmente, possa exercer o direito à acção de despejo, sempre que o inquilino não seja cumpridor das suas obrigações.
O que não se pode - como se fez no preâmbulo do projecto de lei - é aplicar a analogia das situações de arrendamento com as do divórcio, como correctamente foi demonstrado no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o assunto - com o qual, aliás, concordamos na generalidade.
A versão do primeiro projecto parecer-nos-á ser, apesar de tudo, a solução pela qual se deveria optar.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs, Deputados; Tenho pena que este assunto seja assim discutido, com apenas meia dúzia de presenças e a esta hora tardia da noite, porque se é certo que não tomei posição, como me competia, no parecer que elaborei em nome da comissão, e que foi aprovado por unanimidade, verdade é que o parecer tem, pelo menos, o mérito de revelar as dificuldades desta matéria.
Não me parece que seja cómodo encostarmo-nos a uma posição unívoca e dizer: temos e razão toda, os outros não têm nenhuma. Pareceu-me ter sido esta a posição que assumiu o meu querido amigo e colega Coelho dos Santos. Chegou mesmos a dizer que os profissionais de direito não hão-de perfilhar posição diferente.
Ainda sou, embora não inscrito na Ordem, profissional de direito e, por acaso, não estou de acordo com o vosso...

Uma voz do PSD: - É porque não tem feito despejos!

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0 Orador: - Poucos advogados haverá no País que tenham feito mais despejos do que fiz, pelo que esse argumento também não serve. Trabalhei em tal quantidade durante os 2l anos que estive em África que chega para medir com os advogados que trabalham há 30, 40 e até mais anos.
Mas o que queria dizer era que, pelo contrário, penso que quer a doutrina quer a jurisprudência têm revelado que sobre esta matéria são legitimas as maiores dúvidas.
Dizer que a razão está toda do lado do senhorio, segundo o projecto, e o inquilino não tem razão nenhuma nem interesses nenhuns a defender, trata-se de uma posição seca e que a História não sufraga. O próprio Salazar, que não seria talvez um modelo a invocar de amor pelo inquilino, congelou as rendas. E há alguma medida mais injusta para o senhorio do que o congelamento das rendas? Não obstante, o senhorio viu as suas rendas congeladas. E com o 25 de Abril reforçou-se o congelamento das rendas, reforçou-se esta injustiça para o senhorio. Porquê? Porque são maus juristas? O Salazar era mau jurista? Ou isto é só um problema de juristas? Não, meu querido amigo Coelho dos Santos, não tem razão. 15to é, fundamentalmente, um problema social como disse agora o único não jurista que aqui falou.
Não, não vamos facilitar! Que isto seja cómodo para os profissionais do foro, lá isso é. Quem lhes paga, normalmente, são os senhorios, pois os inquilinos, coitados, não têm dinheiro para pagar.
Compreendo, porém, que se defenda a óptica dos senhorios, pois quando aqui também defendi o aumentado na Lei das Rendas fi-lo em nome da necessidade de estimular a construção para arrendamento, porque no dia em que acabar o último senhorio também acaba o último inquilino. Como é óbvio, um pressupõe o outro. Mas o que quero significar é que isto é sério e complexo demais para se resolver de uma penada, em meia hora, no fim de um belo dia em que todos nós estamos cansados e em que apenas três ou quatro juristas se manifestam sobre isso. 15to não é, portanto, uma maneira séria de encarar este problema. E eu peço muita desculpa ao PSD, porque não vai nisto nenhuma outra censura senão uma crítica objectiva, e peço desculpa sobretudo ao meu amigo Coelho dos Santos por quem tenho uma velha e profunda amizade.
Se assim fosse tão claro, então a regra geral da caducidade que lembro e de que ainda ninguém aqui falou? Qual é, afinal, a regra geral da caducidade para todos os casos que não estão especificamente tratados? É que começa a correr o prazo no momento em que o direito possa ser legalmente exercido, que é, normalmente, o momento em que entra no conhecimento do lesado ou do titular do Direito. E porque é, então, assim para a generalidade dos casos? Os juristas, afinal, são uns animais, umas bestas, não raciocinam porque se isso é assim tão mau para este caso porque é exigido em regra geral? É em regra geral porque a caducidade, em todos os casos, é sempre injusta para o titular do Direito.
Porém, a certeza dos negócios jurídicos impõe que haja um prazo de caducidade. Não pode o titular do Direito exercê-lo quando tem vinte anos de idade, ou reservar-se para o exercer quando já tem 80. Não pode, porque o decurso do prazo até faz nascer direitos. Até a própria propriedade se adquire com o decurso do prazo, quanto mais a caducidade do exercício de um

direito! A certeza dos negócios implica que o direito de invocar uma lesão caduque. Se isto é uma regra do direito, então porque é que nos espantamos tanto?
A comissão de juristas que em 1977 fez a revisão do Código Civil, onde estava o Pereira Coelho, a Magalhães Colaço, o Castro Mendes, ou seja, o melhor que havia na altura, é que resolveu. Eu não lhes impus nada. Foram eles que entenderam que deveria ser assim. E porquê? Por serem inimigos do senhorio? Por serem reaccionários, conservadores ou esquerdistas? Não. Mas, sim, porque entenderam que havia razões sociais que justificavam a manutenção desta medida que já vinha do código de 1966. Ao mesmo tempo que entenderam que se não justificava no caso do divórcio, porque, aqui, há que tentar manter o casamento o mais tempo possível.
E também neste caso houve a preocupação de tentar manter o arrendamento o mais tempo possível. Mas, então, do lado do meu querido amigo Coelho dos Santos não há razão nenhuma? Há, há. Quando ele invoca o acórdão, - e devia ter lido o acórdão e não apenas uma frase, pois o acórdão não diz só isto, como é óbvio - devia referir que, apesar de tudo, o próprio acórdão diz que «há situações indesejáveis». E eu também acho que há! É aí que surge a teoria do Professor Varela, quando ele diz: «vamos distinguir». As alíneas em que se fundamenta o direito ao despejo são diferentes e protegem diferentes valores. Nalgumas é
só o interesse privado do senhorio; noutras é o interesse do senhorio e simultaneamente público, como sejam os casos em que as casas devem ser ocupadas - portanto, não podem estar vazias - ou que não sejam utilizadas para fins imorais, como, por exemplo, para uma «casa de tias».
Nesse caso entendo. E porque entendo é que, apesar de tudo, no parecer da comissão, da maneira mais sibilina possível, invoco eu a opinião do Professor Varela, que também não é nem um alarve, nem um asnático, nem um indivíduo que tenha azar aos senhorios porque, de certeza, é capaz de estar do lado dos senhorios, dado que a mentalidade dele, se calhar, pende mais para os senhorios. Mas, não! Ele até pôs esta regra no seu Código Civil anotado. E agora vem dizer-nos: «Bem, mas isto cria situações desagradáveis e, portanto, vamos distinguir caso a caso: nas alíneas a), b), e c), vamos deixar que continue a regra do código; nas alíneas c) e d), que são aquelas que correspondem, exactamente, aos casos de ocupação ilícita ou aos casos de não ocupação - porque as casas devem estar ocupadas - então, vamos para a teoria do projecto.» E a esperança que tinha, e que ainda tenho, é a de que o PSD acorde e reconheça que não tem fundamentação para ir além desta distinção, para inovar nesta matéria.
Onde, na verdade, estão em causa só interesses privados, mantenha-se a teoria do código e a solução do código; onde estão em causa aqueles interesses - os casos que focou, e foram os únicos que ele referiu - de ocupação imoral, ilícita... Então vamos estimular a imoralidade, vamos estimular a ilicitude? Claro que não!
Vamos, portanto, distinguir e consagrar uma norma muito simples que diz: «A caducidade é uma nos casos das alíneas tal e tal e é outra nos casos das alíneas tal e tal.» E porque não? Qual é a paixão cega do PSD neste caso? Quer levantar uma fronda nos inquilinos? Bom, eu agradeço muito em nome dos votos que vai

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transferir para nós! Mas nós temos de estar aqui não a pensar nos votos e, sim, no problema social que está subjacente.

E terá alguma lógica, em geral mesmo, que quando um facto cessa é que começa a contar-se o prazo da caducidade? Não, não tem lógica nenhuma, nenhuma.

Por outro lado, diz o Sr. Deputado Coelho dos Santos - e penso que talvez bem, que isto não invalida aquilo a que ele chamou «o meu decreto».
De facto este decreto veio deitar a mão, trazer esta solução, um
pouco na linha do Professor Varela, dizendo que o
inquilino pode pedir a declaração de caducidade do
direito à resolução do arrendamento se, cumulativamente,
provar que cessou a situação que deu causa ao
pedido e caucionar e der garantias ou, se for em obras,
repuser o prédio no estado anterior. E por que não?
Qual é afinal a lesão do senhorio? Mas eu tenho dúvidas
que não venha a haver colisão entre este artigo
único, tal como está aqui proposto e este dispositivo.
Tenho dúvidas e espero que isto não seja invalidado!
Porém, o que diz aqui é: «Se cumulativamente provar
que cessou a situação.» E um decreto posterior vem,
todavia, dizer que o direito à caducidade começa com
a cessação. Continuo, porém, a ter dúvidas de que não
apareçam uns sofistas a dizer: «Não, não, é exactamente
no momento em que cessa que nasce o direito
à caducidade.» Tenho medo, mas, enfim, ainda acredito
que não.

Por outro lado, também tenho receio que venham a surgir dúvidas sérias no domínio da aplicação da lei no tempo exactamente porque se trata de um facto continuado. No dia seguinte à entrada em vigor da nova lei que daqui sair, o fundamento do despejo renova-se, como é obvio, nem que seja após umas horas ou no dia seguinte à entrada em vigor da lei.

Afinal, tudo dúvidas, tudo perplexidades para as quais chamo a atenção do PSD e do meu querido amigo Coelho dos Santos.

Os objectivos fundamentais conseguem-se com esta solução de equilíbrio. Vamos distinguir os casos e para isso, já que não estamos para tomar nenhum comboio, o já que o congelamento das rendas durou décadas, já que esta situação se arrasta há tanto tempo, vamos demorar mais três, quatro ou cinco dias - os dias necessários - para uma melhor reflexão do forma a evitarmos, inclusivamente, uma «fronda» que não vem trazer glória nenhuma ao PSD porque vai existir essa «fronda», não tenhamos ilusões, até porque a parte socialmente mais fraca queixa-se mais do que agradecerá a parte socialmente mais forte, que acha, apenas, ter-lhe sido reconhecido o seu direito natural e normal de proprietário, enquanto que a parte mais fraca vai doer-se porque não está devidamente protegida com esta proposta de lei que não toma em conta a diferença que deve de existir em casos que são diferentes.

Distingamos o que é diferente e punamos que deve ser punido. Evitemos a continuidade de situações de infracção que são imorais, que são ilícitas, ou que inutilizam o direito à habitação doutrém, que não daquele que lá está porque o não quer usar. Mas, nos outros casos, não deixemos de dar ao inquilino a protecção que ele, socialmente, não só merece como eminentemente precisa em épocas da tanta carência de habitação. Era esta solicitação que fazia ao PSD, certo de que acabarei por ser ouvido, ainda que mais não seja para me dizerem «que não».

Mas, estou certo de que esta seria a boa solução, a solução equilibrada e, mais uma vez, invoco o facto de ser defendida por um homem que não é, com certeza, um homem da minha mentalidade, embora meu professor e meu amigo, pois tenho até a maior admiração pelo professor Varela, mas não me identifico nem nunca me identifiquei politicamente com, ele. Por isso, não há aqui nenhuma espécie de afinidade política, mas sim existe, apenas, coincidência numa preocupação que, como se vê, não é só dos socialistas, mas sim de todos menos, ao que parece, do PSD neste momento.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclareci-
mento, para o que dispõe de um minuto, tem a palavra
o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Vou ser muito ligeiro. Quanto ao problema do começo do prazo da caducidade, diz o artigo 329.º: «Se a lei não fixar outra data.» Há um artigo muito curioso do professor Pereira Coelho, publicado na «Revista da Legislação e Jurisprudência», que explica isto melhor. O minuto de que disponho não me dá para mais.

Sobre o problema da revisão do Código Civil em 1977, com o professor Pereira Coelho, e outros mestres insignes: 0 preâmbulo do Decreto-Lei n.º 496/77, é do punho do Sr. Deputado Almeida Santos. Quem se habituou a lê-lo, sabe que é dele. E, começando por referir que a adaptação à Constituição se faz no domínio do Direito da Família e das Sucessões e que a parte do Direito das Obrigações é a menos afectada, depois diz textualmente: «Pelo que toca ao arrendamento, entende-se que se trata de matéria, que pela sua especialidade e particular importância, tenderá a reclamar tratamento autónomo. Não nos pareceu, por isso, conveniente abarcar na actual revisão do Código Civil os princípios em renovada mutação que dominam a disciplina deste contrato.» 15to é textual, porque é a cópia do relatório. Metade desse relatório é explicativo dos motivos porque se fez num lado e não noutro. 15to é portanto, da «lavra» do Sr. Deputado Almeida Santos, e responde textualmente ao seu argumento.

Sobre o problema posto pelo professor Varela melhor do que eu, diz o professor Pereira Coelho em «Arrendamento de 1977», numa crítica perfeitamente actual que faz ao Assento, por que razão é que não subscreve a posição do professor Varela.

Não estão estabelecidos claramente os limites entre o que será o interesse público e o interesse privado. E professor Pereira Coelho tem razão quando diz: «Não há interesse público. O interesse é sempre apenas do senhorio e é essa a razão por que estamos no domínio das relações disponíveis quanto a todos os fundamentos da resolução. Aliás, já disse isto há bocado.

Creio que o PSD já pensou nisto em 1984, durante os muitos meses em que foi discutido o anterior projecto.

Penso que, desta vez, a discussão vai ser mais curta e, realmente, nós não estamos convencidos de que devamos alterar seja o que for.

O Sr. Presidente: - Para responder num minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

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17 DE MAIO DE 1989

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O Sr. Almeida Santos (PS): - 0 meu querido amigo disse que ia fazer uma intervenção muito ligeira, e fez. Queria dizer curta! Fugiu-lhe a boca para a verdade!
De vez em quando Júpiter dorme, e o Sr. Deputado Pereira Coelho também adormece!
Não sei se ele mudou de opinião desde que fez parte da comissão de revisão, pois na altura entendeu que a alteração que fizemos em relação ao divórcio não devíamos fazer no arrendamento. Mas quando diz que não há interesse público em que uma casa não permaneça devoluta ou que uma casa que sem razão séria está ocupada continue a estar, então eu divirjo fundamentalmente sobre o que seja interesse público, mesmo com o meu querido mestre Pereira Coelho. Melhor fora que estivesse de acordo com ele neste ponto.
Não creio que esta seja uma boa maneira de argumentar. Se há algum instituto em que normalmente estão em causa pesados coeficientes de interesse público, é no inquilinato. Negar isto é negar uma evidência e é fechar os olhos a uma evidência política e não apenas jurídica. Por esta razão mantenho o meu pedido e o PSD fará o que quiser, mas não dá, a meu ver, a imagem de um partido que não reflecte neste problema tanto quanto ele merece ser reflectido e que não toma em conta todos os valores em questão. Gostaria de ver o PSD à altura dessa responsabilidade. Pelo que vejo não vai estar. Ao menos que nos coloquemos na posição que consideramos ser a melhor.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados como não há mais inscrições, está encerrado o debate.
A votação deste projecto de lei, nos termos requeridos pelo PSD, terá lugar na próxima sessão.
Quanto ao horário da sessão de amanhã julgo que se estabeleceu uma confusão. Na agenda do dia distribuída aos Srs. Deputados o horário previsto era 10 e 15 horas, mas na folha informativa que vai ser distribuída prevê-se as 15 e as 21 horas e 30 minutos. Na conferência dos representantes dos grupos parlamentares de hoje à tarde o Sr. Secretário Reinaldo Gomes informou que esta agenda estava errada e que as sessões estavam marcadas, de acordo com a anterior conferência de líderes, na qual eu não estive presente, para as 15 e 21 horas e 30 minutos.
Assim, julgo que deve ser esta a agenda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Estou a par dessas dificuldades quanto ao que estava assente para amanhã, só que chamo a atenção para um facto: através do boletim informativo a maior parte dos deputados está a contar com o plenário de amanhã de manhã. Assim, pedia a V. Ex.ª que, não havendo objecção de nenhuma bancada, convocasse o Plenário para as 10, 15 e 21 horas e 30 minutos pois os deputados estão a contar com o Plenário para amanhã às 10 horas.

A Sr.ª Presidente: - Muito obrigada, Sr. Deputado. Concordo inteiramente com a sua sugestão, desde que não haja objecção de nenhuma bancada.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, o líder do meu grupo parlamentar esteve presente na conferência e informou a direcção da minha bancada de que tinha havido um acordo no sentido de amanhã não

haver Plenário de manhã e de se iniciar a sessão apenas às 15 horas. Foi esta a informação que foi dada ao meu grupo parlamentar, pelo que não pode haver Plenário às 10 horas.

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, entendo a sua intervenção como uma objecção.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr.ª Presidente, não é uma objecção, mas apenas relatei os factos que se passaram na conferência que foram transmitidos pelo presidente do meu grupo parlamentar.

A Sr.ª Presidente: - Estive presente na conferência de líderes e devo dizer que considero que não houve, por parte de ninguém, a intenção de alterar o que tinha estabelecido da reunião anterior. Ninguém levantou objecções quanto a horários. 0 que está em questão é o que foi decidido na reunião anterior. Assim, suponho que a Sr.ª Deputada levanta objecções que amanhã haja Plenário às 10 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, a situação é simples. Nós reconhecemos que existe uma dúvida acerca do que ficou acordado para amanhã. Só que, entretanto, a maior parte dos deputados estão convencidos de que vai haver Plenário amanhã às 10 horas. A questão é a de que não havendo objecção, havendo consenso, o Plenário fosse convocado pela Sr.ª Presidente para amanhã às 10 horas porque, creio, daí não adviria qualquer prejuízo. Não havendo consenso, não ponho em causa as dúvidas surgidas sobre o acordado.

A Sr.ª Presidente: - Assim sendo, reuniremos amanhã, quarta-feira, às 15 horas e 21 horas e 30 minutos prosseguindo a discussão das alterações à Constituição.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto. António Maria Oliveira de Matos. Carlos Alberto Pinto. Cristóvão Guerreiro Norte. Francisco Antunes da Silva. Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva. Jaime Gomes Milhomens. José Manuel Rodrigues Casqueiro. Luís Manuel Costa Geraldes.

Partido Socialista (PS):

António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel de Oliveira Guterres.

Partido Comunista Português (PCP):

Júlio José Antunes.

Página 3906

3906 I SÉRIE - NÚMERO 81

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

António Manuel Lopes Tavares.
Flausino José Pereira da Silva.
João Costa da Silva.
José Ângelo Ferreira Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Rui Manuel Almeida Mendes.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues Azevedo.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins Vale César.

Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho. Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Deputados Independentes (ID):

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

OS REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - José
Diogo - Ana Marques da Cruz.

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