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Sábado, 20 de Maio de 1989

I Série - Número 84

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE MAIO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos F. de Abreu Salgado
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Maria Apolónia Pereira Teixeira
Rui dos Santos Silva

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n. ° 402/V.
Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 111. ° a 149.°).
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Carlos Encarnação (PSD), Adriano Moreira (CDS), Mário Raposo (PSD), Almeida Santos (PS), Rui Machete (PSD), Raul Rego (PS), Carlos Brito (PCP), Marques Júnior (PRD), Costa Andrade e Guilherme Silva (PSD), Sottomayor Cardia e Manuel Alegre (PS), Rui Silva (PRD), Helena Roseta (Indep.), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Jaime Gama (PS), José Manuel Mendes (PCP), Natália Correia (PRD), Nogueira de Brito (CDS) e Assunção Esteves (PSD). O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.

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Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chencerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Deu entrada na Mesa o projecto lei com o n.° 402/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, sobre o direito de queixa dos elementos das Forças Armadas ao Provedor de Justiça, que foi admitido baixando às 3.ª e 5.ª Comissões.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuando com o processo de Revisão Constitucional, vamos debater o bloco dos artigos n.ºs 111.° a 149.°
Nas inscrições que temos ria Mesa encontra-se inscrito, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Herculano Pombo, a quem dou a palavra.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bom dia.
Eu estava a pensar quem teria pedido esta meia hora de interrupção dos trabalhos, desde as dez às dez e meia, mas não consegui apurar qual foi a bancada dos partidos que a pediu. Eu não fui certamente, pois estava cá às dez da manhã.

Risos do PSD e do PS.

Mas deve ter sido o bloco central.
A propósito de blocos, queria começar por declarar que tenho muitas limitações, que são públicas e notórias, e uma das minhas limitações é esta minha incapacidade de lidar ou de me dar bem com ao blocos, quer sejam os blocos militares, quer sejam blocos políticos ou mesmo blocos de discussão de artigos... mas também contra os blocos de apartamento e de cimento é conhecida a minha animosidade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Vamos aos finalmentes.

O Orador: - Vamos, então, aos finalmentes do Sr. Deputado Costa Andrade, isto é, vamos a este bloquinho de assuntos, pouco relevantes, que temos entre mãos, que são apenas os assuntos relativos à organização do poder político em Portugal.
Quanto a isso, eu gostaria de dizer que, embora ontem a discussão tenha começado pelas questões ligadas ao referendo e alguém tenha metido o Sr. Presidente da República e o direito de voto aos cidadãos emigrantes pelo meio, não poderia deixar passar esta oportunidade sem voltar um pouquinho atrás e fazer mais algumas referências à questão do referendo.
Isto porque, ontem, num pedido de esclarecimento à Sr.a Deputada Assunção Esteves, que ainda não está, solicitei que me esclarecesse, sobre, quais as matérias que não serão objecto de referendo. Nomeadamente, pus-lhe a questão de saber se poderão ou não ser objecto de referendo questões como a integração europeia ou a participação em alianças de natureza político-militar e outros. Mas a resposta que me deu foi uma resposta extremamente vaga, difusa, rodeante e não aflorou, sequer, nem de peno nem de longe a questão.
Foi pena porque pensamos que é um debate que teremos de fazer agora ou mais tarde e quanto mais cedo ficar feito melhor, para perfeita elucidação de todos os Srs. Deputados e até da própria opinião pública.
Como ontem referi, estamos em presença de um instrumento fundamental para o exercício da democracia, por parte dos cidadãos. Instrumento de extrema simplicidade e de extrema singeleza, o qual pode ser objecto de utilizações perversas, nomeadamente, utilizações publicitárias, mas pode ser também um instrumento muito eficaz de participação directa dos cidadãos.
Dado que a nós nos interessa que a democracia seja praticada por todos os cidadãos, quando a maior parte deles hoje apenas se limita a votar, e não participa muito, entendemos que o referendo pode vir a ser um instrumento, de facto, muito importante e muito útil no futuro da democracia portuguesa.
Assim, gostaríamos que ele ficasse, desde já, bem tipificado, tal qual ele virá a ser, na forma decorrente deste novo artigo da Constituição que, segundo tudo indica, será aprovado.
A Sr.ª Deputada Assunção Esteves, ontem, referiu aqui que nenhum Estado, nenhum Governo pode governar sob a dúvida sistemática. Eu também estou de acordo.
As pessoas têm de fazer opções e têm de se responsabilizar pela sua implementação e pela sua execução; não podem, pois, os governos, quaisquer que eles sejam, viver sempre dependentes de opiniões expressas pela opinião pública, através de referendos, portanto, fazer a sua política na dúvida sistemática e na hesitação.
Mas a Sr.ª Deputada também disse aqui que há matérias cuja inequivocidade, - penso que foi este o termo utilizado -, de opinião expressa já, em outro tipo de eleições, evita que elas sejam submetidas a referendo.
Penso que se estaria a referir à inequivocidade da opção europeia, ou da opção pró-Nato, ou de outro tipo de opções que, em outras alturas, o Estado português tomou ou o Governo português tomou e que, a mim, não me parece que tenham sido inequivocamente aceites pela generalidade da população, pelo que me parecia bom que pudessem ser objecto de referendo.
«Bom» não para mim mas para a democracia, porque para mim seria bom ou mau, a minha opinião e consoante, obviamente, o resultado final do referendo.
Aquilo que me parece é que, de facto, não há quem possa arvorar em intérprete da inequivocidade das opções das pessoas, quando elas não são confrontadas directamente com elas. É para isso que servem os referendos e não se pode argumentar que não se faz um referendo porque, inequivocamente, as pessoas, ainda que indirectamente, optaram por um partido que no seu programa de governo dizia que ia fazer isto, e que logo as pessoas que votaram maioritariamente neste partido, gostam que se faça aquilo ou querem que se faça este acordo ou aquele tratado.
A meu ver, isto é um argumento frouxo e é uma conclusão que ninguém poderá ou ninguém deverá tirar.
Há matérias de extrema importância para o futuro das pessoas, para o futuro da sociedade, matéria essas e não outras, não questões menores, que devem ser, em meu entender, objecto de referendo, nomeadamente as matérias que se prendem com a realização de determinados tratados internacionais, quer sejam de âmbito económico, quer de defesa, quer militar, quer de paz ou amizade, etc.

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Refiro, a título de exemplo, estes, porque ainda não consegui perceber e também ainda ninguém me explicou, digo ninguém dos proponentes deste artigo 112.°-A, por que é que são excluídas, designadamente, do âmbito do referendo as alterações à Constituição. Estas ainda posso perceber, mas as matérias previstas no artigo 164.° da Constituição, embora eu possa perceber por que é que algumas devam ser excluídas e aceitar, outras já não posso entender, como é o caso das que vêm referidas na alínea i) do referido artigo, ou sejam, os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras e, o que é mais grave e menos concreto ainda, quaisquer outras que o Governo entenda submeter.
Então, quaisquer outros tratados que o Governo entenda submeter à apreciação da Assembleia da República não podem e não devem nunca ser objecto de referendo?
Penso que me é devida nos é devida, esta explicação e, embora sob a figura regimental da intervenção, ponho estas questões e estes pedidos de esclarecimento, aos proponentes desta proposta do artigo 112.°-A.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, o meu camarada José Magalhães que vai intervir a seguir não esta interessado apenas mas tem toda a veemência na intervenção que vai produzir, desde que estejam reunidas as condições regimentais de funcionamento da Câmara, o que, patentemente, se não constata, porque apenas contamos 28 deputados nas bancadas do bloco central da Revisão Constitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pode ter neste momento razão, e penso que sim, mas sei que estão reunidas algumas comissões, independentemente da Comissão de Saúde, o que pode explicar o facto. De qualquer modo já estamos a accionar os mecanismos para que os Srs. Deputados regressem ao Plenário.
No entanto, quando foi aberta a sessão, tivemos o cuidado de contar os Srs. Deputados e estava o número suficiente para podermos funcionar, condição que neste momento não existe, pelo que iremos esperar o tempo suficiente para que os Srs. Deputados que estão em trabalhos de comissão regressem ao Plenário.

Pausa.

Srs. Deputados, estão de novo criadas as condições de funcionamento do Plenário.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na vasta massa de temas que estariam em debate, se houvesse tempo para debate, estes que hoje e agora vamos apreciar são de assinalável importância.
Os resultados são, todavia, escassos, em termos de alteração do texto constitucional.
No que diz respeito aos princípios gerais da «Organização do poder político» a Constituição continuará a ter uma boa feição. As propostas fundamentais do PSD não terão acolhimento.
O projecto do PSD é, neste ponto, tão laranja como nos outros e mais derrotado, felizmente, do que é noutros pontos, designadamente, na Constituição económica.
O PSD tem um projecto, ou melhor, tinha, porque talvez o tenha retirado nessa parte (o Sr. Deputado Costa Andrade logo nos dirá, se para tal estiver inclinado).

Vozes do PSD: - Tinha e tem!

O Orador: - O PSD tem, então, propostas tendentes, por um lado, ao reforço dos poderes do Governo, por outro lado, à distorção das regras de garantia e da lisura dos actos eleitorais e à concessão à maioria de poderes para talhar e retalhar a legislação eleitoral a seu bel-prazer.
O projecto do PSD caracterizava-se pela recusa de novos e cerceamento de actuais direitos aos partidos da Oposição e procurava, no que diz respeito ao estatuto do Presidente da República, introduzir uma alteração fundamental, qual seja, quanto ao corpo electivo, permitir a participação de quaisquer residentes no estrangeiro, indiscriminadamente, na eleição do titular de um cargo, que, sendo uninominal - e onde por um voto se é eleito, por um voto se não é eleito - isso teria consequências, obviamente, de extrema gravidade.
O projecto do PSD caracterizava-se pela recusa de concessão de quaisquer novos poderes relevantes ao Presidente da República, e ainda pela recusa da concessão de autonomia administrativa e financeira aos serviços da Presidência da República, no que o PSD revela todo o seu «enorme» sentido de Estado.
Que mais queria o PSD? Queria ainda uma coisa extremamente grave: instituir, em Portugal, mecanismos de carácter plebiscitário, que permitissem, inclusivamente, que um chefe, com um programa de governo e uma maioria monopartidária, sujeitasse a voto popular, em condições de indiscriminada amálgama, a própria questão da Constituição, da Lei de Revisão Constitucional, sem garantias de controlo prévio, sem garantias de clareza das opções a fazer, sem garantias de fiscalização, sem garantias de transparência. Eis o modelo a que o PSD chamava referendo e era, verdadeira e descaradamente, a consagração do plebiscito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto do PSD, tudo indica, não passará em nenhum dos pontos que indiquei, mas as intenções obstrutivas do PSD vão prevalecer em alguns dos pontos relevantes em matéria de poder político.
O PSD recusa, por exemplo, quaisquer aperfeiçoamentos, como os propostos pelo Partido Comunista Português.
Desta revisão, neste ponto, resultarão, pois, duas alterações significativas. Por um lado, a criação de uma nova figura denominada de «leis orgânicas», para abranger determinadas matérias de importância estruturante do regime democrático, sujeitas a um processo especial de votação em Plenário, sujeitas a um processo

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especial de promulgação e de confirmação por maioria qualificada em caso de veto do Presidente da República, mas também de fiscalização preventiva (e sucessiva em caso de eventual descoincidência entre legislação ordinária e essas leis orgânicas).
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, qualquer semelhança entre essas leis orgânicas e as sonhadas e abortadas leis paraconstitucionais, com que o Partido Socialista rompeu o processo de Revisão Constitucional, é, evidentemente, comparar gritos de leão com um miado.
Isso quer dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o PS não conseguiu, no degradado acordo político de Revisão Constitucional, senão uma parte ínfima dos seus objectivos e abandonou as suas propostas originárias, em aspectos fulcrais. O PS perdeu e com isso perdeu o regime democrático, com isso perdeu o enriquecimento da Constituição na parte da organização do poder político.
Pequenos aperfeiçoamentos conseguiremos e alguns deles não são desligáveis do contributo do Partido Comunista Português.
Vamos conseguir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo não obtenha a reforçada margem de actuação com que o PSD sonhava no seu projecto no artigo 115.°
Por um lado, na sequência de certas propostas - e aqui é de salientar o contributo do PS -, os partidos políticos representados na Assembleia da República que não façam parte do Governo verão alargados, em certa medida, os seus direitos de informação, o que é positivo. Com isso o PCP se congratula.
Por outro lado, será clarificado o estatuto dos titulares dos cargos políticos, embora o PSD tenha fugido, como gato de fogo ardente, das propostas do PCP que visavam que os titulares de cargos políticos devessem, em termos constitucionais também, declarar o rendimento e o património. Fica em aberto o saber-se o porquê deste medo do PSD à consagração constitucional da obrigação de declaração de rendimentos dos políticos.
Também se fica sem saber o porquê do medo do PSD em introduzir outros aperfeiçoamentos nesta matéria.
Em contrapartida, não passa a proposta do PSD, tendente a instituir o segredo para os titulares de cargos políticos e a instituir aquilo a que chamámos «a rolha eterna» (a norma que no projecto do PSD diz que os titulares de cargos políticos estão obrigados a guardar rigoroso sigilo sobre as matérias de que tenham conhecimento, em razão das suas funções e que se encontrem abrangidas pelo regime do segredo de Estado, obrigação que se manteria mesmo após a cessação de funções, nos termos da lei).
Face a alguns escândalos que grassam em alguns ministérios, envolvendo alguns ministros, actuais e passados, ou ex-secretários de Estado, compreende-se bem o afã do PSD em instituir esta rolha, que desejaria eterna mas que vai ser a «rolha imaterial», porque não será consagrada, pura e simplesmente, e ainda bem! Votámos contra. Ò PS votou contra e, portanto, este objectivo não será alcançado.
Foram obtidas, em relação ao Presidente da República, clarificações de carácter técnico, quanto ao regime eleitoral. Pela nossa parte aderimos a essas clarificações e achamo-las positivas. Clarificou-se ainda a competência presidencial para a marcação de eleições para o Parlamento Europeu. Em relação a outros aspectos do estatuto do Presidente da República cujos poderes foram, noutras sedes, reforçados (referendo, veto) foram feitos pequenos aperfeiçoamentos, uma vez que o PSD recusa todos os grandes aperfeiçoamentos, (maxime os respeitantes aos poderes na esfera externa e à autonomia financeira).
Em matéria de Conselho de Estado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram recusadas as nossas propostas de garantia de uma representação harmoniosas permanente, do arco político-partidário existente na Assembleia da República. É lamentável!
Por outro lado, foi consagrado, em termos que distam muito e muito do texto do PSD, como é óbvio (este era claramente plebiscitário) e do próprio texto originário do Partido Socialista, a figura do referendo, em termos sobre os quais a bancada comunista se debruçará oportunamente.
Consideramos que as cautelas introduzidas, que resultaram dum trabalho sério, aturado e muito positivo feito na comissão, são cautelas extremamente importantes, cautelas às quais o PCP aderiu por inteiro. Remeto para o Diário da Assembleia da República 103-RC.
São estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as considerações introdutórias deste grupo parlamentar sobre o conjunto de alterações que estão submetidas a debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para fazer um pedido de esclarecimento muito rápido.
Não me vou pronunciar sobre o referendo e a alegada distância do referendo em relação ao projecto do Partido Socialista. Como o Sr. Deputado José Magalhães prometeu que faria uma segunda intervenção, estou certo que ele nesse momento será mais rigoroso do que agora foi na medição do grau de desvio entre a solução do referendo acolhida na CERC e o projecto do Partido Socialista e que também verificará que o desvio é tão pequeno que tende para nulo. O que pode dizer é que houve aperfeiçoamentos que estavam na linha do que o projecto do Partido Socialista preconizava.
A sua intervenção também foi só tendencialmente rigorosa, o que não é seu hábito.
Quanto à questão das leis paraconstitucionais, Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe que o ouvi com alguma estupefacção, mas também com grande alegria. Se bem se recorda, nós dissemos que as leis paraconstitucionais eram definidas por um conjunto de diversas características. A questão da maioria qualificada de dois terços de aprovação era apenas uma dessas características, sem dúvida importante. Por exemplo, o nosso projecto sobre as leis paraconstitucionais não continham qualquer referência à garantia da fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis paraconstitucionais. Pelo contrário, na solução que acabou por ser encontrada na CERC há a garantia da fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis orgânicas por iniciativa de um quinto dos deputados ou do Governo.
A questão é esta: o Partido Comunista manteve sempre uma grande ambiguidade sobre a nossa proposta

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das leis paraconstitucionais. Nunca nos afirmou, clara e inequivocamente, que votava a favor da nossa proposta das leis paraconstitucionais a aprovar por dois terços. Nunca, mas nunca o fez! Como devo então interpretar a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães ao dizer que a não aprovação da proposta do PS das leis paraconstitucionais foi uma perda para o regime democrático? Devo interpretar como uma decisão do Partido Comunista de passar a apoiar esta ideia e que quando daqui a cinco anos, se o PS voltar a propor as leis paraconstitucionais por dois terços, poderemos contar dessa vez com o apoio do PCP, coisa com que não pudemos contar desta vez?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado António Vitorino lembra-me as aventuras da nova personagem do José Saramago, o revisor Raimundo Silva, na «História do cerco de Lisboa. O que teria acontecido se as leis paraconstitucionais tivessem prevalecido? O que é que teria acontecido se, por força de um deleatur, onde se lê «não aconteceram» se lesse «aconteceram»?
Sr. Deputado António Vitorino, tenha V. Ex.ª paciência. Não estamos aqui para exercícios de ficção.
O PCP não lhe pode escrever um romance para narrar o que é que aconteceria se naquela bela tarde em que V. Ex.ª se reuniu com o Sr. Ministro Fernando Nogueira quando o Sr. Deputado perguntou: «- Aceitam VV. Ex.ªs as leis paraconstitucionais?» e ele respondeu, com aquele ar maçudo, chato, seguro «- Não aceitamos!», tivesse antes dito «- Sim!» O que é que teria acontecido? Seria todo um outro livro, seria toda uma outra Revisão Constitucional. O José Saramago escreveria até talvez belissimamente essa história, que pela minha parte sou incapaz de contar.
Quanto à questão de saber se as leis paraconstitucionais e as leis orgânicas são diferentes, Sr. Deputado António Vitorino, até uma simpática criança de escola, é capaz de verificar que no elenco das vossas leis paraconstitucionais havia muitos mais diplomas além daqueles que hoje constituem leis orgânicas. Por outro lado as leis paraconstitucionais eram aprovadas por dois terços e estas não o são. São «leis laranja» a aprovar por maioria absoluta, embora com um regime singular.
Sr. Deputado, VV. Ex.ªs não souberam negociar, não conseguiram bons resultados, falharam. O PSD ri-se às escâncaras. O mal é para o regime democrático. Nós, porém, não temos culpa disso!

O Sr. António Vitorino (PS): - É uma resposta de mouro!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, prescindo de momento, porque não tenho aqui o papel que guiará a minha intervenção.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer que as afirmações que o Sr. Deputado José Magalhães fez quanto às iniciativas do PSD, quanto ao vencimento ou não, ao mérito ou não e à intenção, boa ou má, das propostas do PSD em relação aos princípios eleitorais, à matéria eleitoral, levam-me a fazer uma brevíssima, uma curtíssima intervenção. Não que o Sr. Deputado José Magalhães provoque quando quer a resposta, não que o Sr. Deputado José Magalhães, com as suas intervenções, suscite a nossa própria intervenção. V. Ex.ª tem de pensar que isso assim não acontece. V. Ex.ª tem de pensar - como eu acredito que não pensa - que, na verdade, não é o provocador de serviço das respostas do PSD. Às vezes isso passa-lhe, com certeza, pela cabeça, mas não acredito que pense nisso. É suficientemente inteligente para pensar que assim é. Como é evidente, o PSD tem de dizer alguma coisa em relação às suas propostas em matéria eleitoral e será uma coisa tão reduzida e tão simples quanto isto...

O Sr. José Magalhães (PCP): - São uns inocentes!

O Orador: - Dir-lhe-ia que, em relação às matérias e às propostas que não foram aceites, que isto não significa que o PSD não continue a pensar no mesmo sentido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - Isto não significa que o PSD não continue a pensar e a acreditar na bondade das soluções que propôs. Isto não significa que o PSD não continue a não fazer depender - infelizmente, dirá o Sr. Deputado José Magalhães - do juízo do PCP as nossas opções neste domínio. Nós mantemos a sensação de que o Partido Comunista, para além de não querer o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, quer classificar com valores diferentes os votos dos cidadãos residentes e os votos dos cidadãos não residentes. É este o grande princípio, é esta a grande dicotomia com que o Partido Comunista entende e aceita os votos dos residentes e os votos dos não residentes. É este o grande drama. Foi este o grande problema que aflorou nas palavras do Sr. Deputado José Magalhães em relação às alterações propostas pelo PSD em matéria eleitoral.
O Sr. Deputado José Magalhães não falou em mais nada. Falou só que na eleição do Presidente da República por um voto se perde e por um voto se ganha. Falou, portanto, que há votos de qualidade diferente.
Daqui se infere que no pensamento do Sr. Deputado José Magalhães há de facto, votos de qualidade diferente; há cidadãos que têm direitos de votos diferente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É como no Sporting!

O Orador: - Nesta linha, o PCP não pode concordar com a atribuição do direito de voto a todos os cidadãos portugueses...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É falso!

O Orador: - ..., o que seria legítimo, normal e coerente. Nós admitimos que o PCP não é coerente e que as soluções também não primam pela grande legitimidade e pela grande coerência de formulação.
Queria lembrar ao Sr. Deputado José Magalhães que se houve sugestões do PSD que não foram aceites

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outras houve que foram aceites depois de devidamente meditadas e pensadas. E se houve sugestões que não foram aceites houve outras que fizeram lastro nesta Revisão Constitucional e que, pensamos, no futuro serão melhor pensadas, melhor equacionadas e melhor solucionadas ao nível constitucional e depois - porque não? - ao nível da lei ordinária.
Gostaria de dizer que, por exemplo, a eventual criação do círculo nacional foi aceite numa proposta da Comissão de Revisão Constitucional, a diminuição do número de deputados foi aceite nas propostas da CERC para a Revisão Constitucional. Dirá o Sr. Deputado José Magalhães «ainda mal». Dirá o PSD «ainda bem». O Sr. Deputado José Magalhães tem de concordar que pelo menos algumas das propostas foram, de facto, do PSD e fizeram vencimento.
V. Ex.ª nesta altura quer mudar o sentido do seu discurso e do discurso do PCP e quer, como nós há relativamente pouco tempo supúnhamos, assenhorar-se de alguma parte da Revisão Constitucional. É aquela que lhe é mais simpática, é aquela que gera maior benefício de direitos, é aquela que gera maior abertura do sistema democrático. V. Ex.ª tem sido um corpo estranho nestas propostas de revisão e neste formular, neste aceitar destas propostas, mas, de qualquer maneira, aceita o seu benefício, a sua melhoria.
O PCP está sempre contra aquilo que potencie a formação dum sistema político que, na verdade, caminhe para o progresso, para o desenvolvimento, para a abertura, mas, por outro lado, aceita aquilo que vulnerabiliza, com mais facilidade, o próprio sistema democrático. Nisso reconheço que o PCP tem uma grande e antiga coerência. Nós, como V. Ex.ª verá, não temos a mesma forma de pensar. Nós acreditamos que, de facto, o princípio da liberdade é o princípio mais importante. Nós entendemos que o princípio da democracia aberta é o princípio mais importante e temos sempre o direito e o dever, enquanto democratas, de aperfeiçoar todos os sistemas que desemboquem numa maior perfeição da vontade eleitoral, na maior perfeição da vontade popular em relação à expressão democrática. É isso que, ao fim e ao cabo, as propostas que o PSD carreou para esse debate queriam dizer. Não podem ser interpretadas de outra maneira. Não são, com certeza, interpretadas de outra maneira, senão pelo PCP.
Com isto, Sr. Deputado José Magalhães, termino a minha curtíssima, brevíssima intervenção, como iniciei dizendo que seria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso é querer contar alguns dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente o da participação.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a natureza de algumas das declarações do Sr. Deputado Carlos Encarnação afectam a minha própria bancada, inclusivamente, até, têm um cunho pessoal. Vou deixar estas últimas de lado. Só quero referir-me às primeiras.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação costuma fazer uma coisa que deve ser assinalada como meritória: em vez de dizer as coisas graves que diz com o tom correspondente à sua gravidade, baixa a voz e nós, subitamente, quase nos julgamos ao fim da tarde quanto a televisão dá às nossas crianças aquela imagem deliciosa que agora já não é o Vitinho mas que é uma canção de embalar, suave, doce...! O Sr. Deputado acaba sempre doce, baixo, baixo, baixo, quase se julga que não disse nada de grave!

Risos do PSD e do PS.

V. Ex.ª acabou de fazer ao PCP acusações das mais graves. «O PCP quer assenhorar-se da Revisão Constitucional»! O Sr. Deputado está a brincar connosco a esta hora da manhã? Nós contribuímos para a Revisão Constitucional com propostas muito concretas, muitas das quais foram aprovadas. V. Ex.ª, que de vez em quando passou pela CERC, tem obrigação de se lembrar disso. O PSD até votou a favor de algumas dessas propostas. Alguns dos seus colegas de partido, enfim, com a mesma convicção do Sr. Deputado, não deixam de reconhecer que esse contributo foi permanente, persistente, sempre no sentido de aperfeiçoar a Constituição e não seguramente no sentido contrário.
O Sr. Deputado também disse uma segunda coisa grave, grave porque pode confundir. É outro número do estilo daqueles programas de Sábado de manhã, em que aparece uma rapazinho mavioso a contar urna história simpática às crianças e em que as mesmas acreditam.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, V. Ex.ª não está na TV, não está em tempo de antena. V. Ex.ª disse: «A posição do PCP sobre os emigrantes resulta do PCP achar que há mais portugueses de primeira e de segunda.» É falso! Para já o PSD não verá aprovada a sua proposta de alteração em relação à participação dos residentes no estrangeiro na eleição do Presidente da República mas não só por causa do voto contra do PCP. É por causa do voto contra do Partido Socialista, do voto contra do PRD, do voto contra de Os Verdes, do voto contra dos Deputados Independentes. Mais: o PSD não foi capaz de responder às perguntas fundamentais que nós formulámos e que estavam sobretudo centradas nesta ideia: garante o PSD que com os actuais cadernos de recenseamento e com a nossa Lei da Cidadania não votassem nesse acto eleitoral pessoas que nem sequer são portugueses? Garantem que a eleição do presidente da República de Portugal não viesse, por esse sistema, a ser decidida por um número incontável de estrangeiros, que, ainda por cima, já votassem em eleições para o Presidente do País em que estão e de que têm a nacionalidade?
Sr. Deputado Carlos Encarnação, tenho a certeza de que V. Ex.ª me dará explicações num tom tão melodioso, que será para nós música celestial, mas creia que ficámos profundamente chocados com o insulto que dirigiu a esta bancada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não supunha que o meu tom pudesse ser a forma ou a base para a decisão do PCP sobre se fica ou não ofendido com aquilo que digo. V. Ex.ª parte do princípio de que o tom que utilizo é um tom que envolve,

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de alguma maneira, uma forma de agressão encapotada. V. Ex.ª não tem, com certeza, razão. Não quero agredir ninguém, não sou capaz de agredir ninguém.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É tão manso!

O Orador: - O que digo são, na verdade, algumas verdades que VV. Ex.ªs não querem aceitar como tal, mas que toda a Câmara e toda a opinião pública aceita como tal. É natural que VV. Ex.ªs fiquem aborrecidos. É natural que o Sr. Deputado José Magalhães tenha um outro estilo de intervenção, é natural que o Sr. Deputado José Magalhães tenha um estilo de intervenção provocatório, é natural que o Sr. Deputado José Magalhães diga enormidades por essa boca fora. Toda a gente acha isso normal e natural em si. Não achariam isso normal e natural em mim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que os nossos estilos de actuação parlamentar são profundamente diferentes, o que não quer dizer que eu diga verdades e que V. Ex.ª diga inverdades, que normalmente é aquilo que faz.
Como é evidente, falo em termos políticos. V. Ex.ª é incapaz de dizer inverdades de outra natureza. Penso até que V. Ex.ª é incapaz de fazer outras coisas quaisquer, desde que não seja política. Penso que V. Ex.ª é incapaz de fazer outra coisa que não seja fazer o seu papel na revisão da Constituição, papel obstrucionista, dilatório, mas um papel importante que lhe cabe e que eu, de facto, não seria capaz de desempenhar tão brilhantemente como V. Ex.ª

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Respondendo às perguntas que me coloca, o que lhe gostaria de dizer era o seguinte: V. Ex.ª, Sr. Deputado José Magalhães, e o PCP têm de se decidir de uma vez por todas se querem, na verdade, embarcar nesta Revisão Constitucional ou se querem ficar fora dela. VV. Ex.ªs têm de decidir, de uma vez por todas, se querem abarcar e integrar esta Revisão Constitucional no seu conjunto de propostas, no sentido de prover o País de um edifício constitucional mais aberto, mais franco, mais propiciador duma vivência mais aberta em relação à prática dos princípios constitucionais, ou se se querem limitar a fazer vencer as vossas propostas e a fazer depender a Constituição da vossa própria ideologia. Este é que é o grande problema! Se os meus caros amigos querem que a Constituição não seja mais do que o reflexo da ideia do PCP e seus anexos então, com certeza, não querem embarcar numa Revisão Constitucional feita como esta foi.
Se VV. Ex.ªs tiverem do País uma ideia que seja um pouco diferente disso, um pouco mais aberta, um pouco mais actual, um pouco mais livre e um pouco mais democrática, VV. Ex.ªs terão de estar, com certeza, dentro desta revisão. Era só isso e tão-só o que lhe queria dizer...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, V. Ex.ª não tem os semáforos à frente, mas na sua retaguarda já está o vermelho a assinalar que ultrapassou o tempo que tinha disponível para intervir.

O Orador: - Sr. Presidente, estava a olhar para a bancada do Partido Comunista...

Risos.

O Sr. Presidente: - Foi por isso que o interrompi, Sr. Deputado. Sabia que não estava a ver.

O Orador: - Eu sabia que tinha o «vermelho» à minha frente...

Risos.

De qualquer maneira, não queria deixar de dizer duas ou três pequenas coisas, com o que acabaria a minha intervenção.
Na verdade, Sr. Presidente, o que gostaria dizer era apenas isto...
Bom, parece-me que não estou a ser ouvido...

Sr. Deputado José Magalhães, não estou a falar para o «Pirilampo mágico» que está colocado na sua carteira mas para si. Ainda não se confundem os dois.

Aplausos e risos do PSD.

Um tem óculos e, outro não.
O que eu queria dizer, Sr. Deputado, era o seguinte: de facto, a questão do voto dos emigrantes foi uma parcela triste da nossa Revisão Constitucional, que deve ser comentada e comungada por todos da mesma maneira. O que nós, como revisores, fomos incapazes de fazer foi superar uma condição de desigualdade. Isso afecta-nos a todos: afecta-o a si, afecta-me a mim, afecta o Sr. Deputado Almeida Santos, etc. Foi isso que nós próprios, na CERC, chegámos a constatar. Esse é o meu lamento profundo em relação ao voto dos emigrantes e espero que V. Ex.ª depois de pensar maduramente sobre este assunto acabe por chegar à mesma conclusão. Com certeza, que não foi com o vosso voto. Nunca o seria! Pensámos que outros votos poderiam somar-se aos nossos, mas assim não foi. A nossa única maneira de expressar o nosso sentimento é através de um profundíssimo lamento por não termos conseguido superar e vencer uma condição de desigualdade. Se V. Ex.ª fosse outro tipo de interventor político acompanhar-me-ia neste meu lamento. Como V. Ex.ª não me acompanha neste meu lamento, pressuponho que está contra esta iniciativa, que é aquilo que V. Ex.ª sempre defendeu durante a Revisão Constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado Carlos Encarnação se coibiu de fazer um esclarecimento absolutamente impreterível a esta hora da manhã perante a Câmara. Disse que o PSD não viu consagradas muitas das soluções que ensejava, quer no tocante ao reforço dos poderes do Governo, à diminuição de algumas normas de aperfeiçoamento do estatuto do Presidente da República, quer quanto à ruptura plebiscitaria. Esqueceu-se porém, de afirmar se depois de todo esse caudal de derrotas - e digo isto porque pode-se, de facto, falar dum caudal de derrotas do projecto laranja - o PSD mantém ou não a reserva mental em nome da qual irá continuar

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a pugnar pêlos seus objectivos, o que faria com que a votação a que irá proceder não seja feita de ânimo total.
Nestes termos, acha ou não que a querela constitucional continua, progride, apesar das declarações maviosas do Sr. Deputado António Vitorino e da bancada do PS?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Mendes: A única coisa que quero dizer-lhe é a seguinte: não se pode acusar o PSD de ter reserva mental em relação a este assunto, designadamente quanto a algumas matérias, sobre as quais sempre tem expendido as suas considerações. Todos nós somos livres de defender as posições o melhor e o mais profundamente que soubermos. Continuamos claramente a defender algumas posições, que são evidentemente contrárias àquilo que acabou por ficar consagrado na Constituição. Isso não nos torna, de maneira nenhuma, em quaisquer revolucionários da Constituição, em quaisquer cidadãos que estejam com reserva mental perante ela. Em relação a algumas questões continuamos muito claramente a defender outros pontos de vista. Não queremos, de maneira nenhuma, dizer que esta Constituição foi a Constituição da nossa derrota. Não foi! Esta Constituição foi a derrota do PCP e de mais ninguém!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, levo com toda a satisfação ao conhecimento da Câmara a informação de que se encontram entre nós, espalhados pelas galerias, os alunos das seguintes escolas: Escola da Imaculada Conceição de Viseu, Instituto de Estudos Profissionais de Lisboa, Escolas Secundárias de Mértola, da Damaia, de Cascais e do Cartaxo.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de me pronunciar propriamente sobre a questão da minha intervenção, não gostaria de deixar sem resposta uma referência que o Sr. Deputado José Magalhães fez, em estilo aliás particularmente deselegante - este termo é benigno - sobre o que teria sido a História se o Dr. Fernando Nogueira e eu próprio não sei quê. Francamente não percebi o que V. Ex.ª queria dizer. Já disse várias vezes ao Sr. Deputado que é escusado trazer para aqui argumentos ad dominum...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ..., porque quando recorre a argumentos ad hominem num debate parlamentar todos nós, que já andamos nisto há algum tempo, sabemos que isso acontece porque não existem outros argumentos sabemos que essa é já uma atitude de desespero, uma atitude que visa apenas perturbar a sensibilidade alheia, perturbar a clareza de raciocínio, deturpar a lógica, do debate, entretanto projectar a questão para um domínio pessoal, onde o adversário saia ferido do ponto de vista pessoal.
Se é essa a vitória que o Sr. Deputado José Magalhães espera desta Revisão Constitucional, que eu saia ferido pessoalmente dos debates com ele, desde já lhe digo que não darei essa vitória.
Quanto à comparação que fez com o tipógrafo Raimundo Silva...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é tipógrafo, é revisor!

O Orador: - ... com o revisor Raimundo Silva penso que o Sr. Deputado José Magalhães foi feliz nessa comparação, porque, mesmo cedendo às tentações do deleatur e mesmo tendo chegado à conclusão de que os cruzados não apoiaram D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa, o que seria uma solução radical, alternativa àquela que era a história consensualmente admitida, mesmo nessa solução radical o próprio Raimundo Silva teve que aceitar e incluir pelo menos alguns cruzados na tomada de Lisboa. Quando quis negar a História teve que se ficar a meio caminho e ainda recuperar parte dela.
Isto foi o que aconteceu ao PSD em relação às nossas propostas de lei paraconstitucionais. Disse paraconstitucionais? Não, nunca, jamais em tempo algum! Mas para que houvesse acordo o PSD teve que aceitar, que alguns cruzados estivessem na tomada de Lisboa, que houvessem leis orgânicas, que tivessem fiscalização preventiva, que fossem cinco as leis orgânicas as estabelecer, que estivessem sujeitas a uma maioria qualificada de aprovação, que tivesse uma confirmação por maioria qualificada de dois terços. Desta vez, sem exemplo, o personagem do José Saramago jogou contra o interesse do deputado do Partido Comunista José Magalhães.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão que estamos a discutir acerca dos poderes do Presidente da República gostaria de sublinhar, em nome da bancada do Partido Socialista, que os poderes presidenciais na Constituição de 1976, tal como resultaram da revisão de 1982, se mantêm no essencial nesta revisão de 1989. Isto revela que muita da controvérsia política gerada em 1982 sobre o problema do sistema do Governo e sobre a questão dos poderes presidenciais era uma querela conjuntural. Era uma querela ditada por questões de momento e não uma questão que dividisse a sociedade portuguesa sob o ponto de vista estrutural. E hoje a revisão de 1989 confirma a estabilização do modelo de sistema semipresidencial e do equilíbrio de poderes que emergiu da revisão de 1982.
A prática tem vindo a revelar alguns desvios à lógica originária do sistema, mas esses desvios não decorrem de vícios da letra da Constituição. Eles decorrem essencialmente de interpretações abusivas do que está expresso na Constituição. Não podemos esquecer que neste momento a democracia é em Portugal um regime estabilizado.
Em matéria de poderes do Presidente da República lamentamos que o PSD não tenham permitido o acrescentamento de dois poderes relevantes. Um deles não

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é verdadeiramente um acrescento. É uma clarificação, mas é uma clarificação útil sobre o papel do Chefe do Estado como o supremo representante de Portugal na ordem externa. Naturalmente que é isso que se deve entender do facto do Presidente da República ser o garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas. De qualquer modo, esse distinguo poderia ser relevante em relação ao texto da Constituição.
Mais incompreensível, contudo, é a atitude do PSD quanto à nossa proposta de novo artigo 135.°-A da Constituição. Este artigo tinha como objectivo fundamental elevar à dignidade constitucional o princípio da autonomia organizativa, administrativa e financeira do Presidente da República. Nós entendemos que é impensável num Estado de Direito democrático que se mantenha o sistema que vigorou durante tantos anos em Portugal do Presidente da República depender, sob o ponto de vista organizativo, administrativo e financeiro, da Presidência do Conselho de Ministros - isso é mesmo um atentado à lógica da separação de poderes, é mesmo um atentado à dignidade que deve caracterizar o papel do Presidente da República na vida política portuguesa. É em nome destes valores que ainda apelo ao PSD para que reflicta sobre o significado político da recusa de reconhecer em sede constitucional a autonomia organizativa, administrativa e financeira do Presidente da República. Não quero fazer a injúria de pensar que o PSD pode, de qualquer maneira, subscrever o entendimento existente antes do 25 de Abril de 1974, em que o Presidente da República, mesmo quando era pretensamente eleito por sufrágio directo e universal, não passava de um espécie de adjunto qualificado do presidente do Conselho de Ministros. Portanto, como era um adjunto qualificado e como a sua magistratura era esvaziada de poderes não precisava de ter autonomia administrativa, organizativa e financeira porque mesmo que a tivesse não lhe serviria para nada porque em nada ele era autónomo.
Mas o regime democrático actual não tem nada a ver com esse modelo. Creio que seria uma maneira de mostrar e distinguir a situação actual de coabitação simpática existente no nosso sistema político que o PSD não enjeitasse votar favoravelmente esta proposta do Partido Socialista.
Último apontamento: o Presidente da República vê reforçados os seus poderes nesta revisão designadamente no que diz respeito ao referendo uma vez que tem um poder de decisão final e inultrapassável em matéria de convocação de referendos. Vê o seu veto político reforçado, designadamente como consequência do alargamento do elenco das leis orgânicas. Vê também consagrada claramente a competência para a convocação das eleições para o Parlamento Europeu e clarifica-se que a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu é um lei que, uma vez votada pelo Presidente da República por razões políticas, só pode ser ultrapassada por uma maioria qualificada de dois terços da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não pretendo formular qualquer pedido de esclarecimento. Só tenho concordâncias, salvo no que se refere a um ponto em que sou acusado de deselegância. Se V. Ex.ª me permite, gostaria de dizer duas coisas relativamente a esse aspecto.

O Sr. Presidente: - Para exercer o seu direito de defesa da consideração, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Unicamente para que o Sr. Deputado António Vitorino possa, se entender, repor as coisas no são.
Sr. Deputado, não é estilo desta bancada fazer o que quer que seja que perturbe a clareza do raciocínio ou toque em sensibilidades. Nem nos passaria pela cabeça que isso pudesse acontecer com V. Ex.ª No caso concreto até creio que não tem razão em relação à «deselegância». Se alguma coisa pode ser invocada a esta hora da manhã para ilustrar o que acontece com a Revisão Constitucional a «História do cerco de Lisboa» serve bem, porque precisamente VV. Ex.ªs não conseguiram o objectivo primacial que se propunham em muitos aspectos.
Creio que o Sr. Deputado António Vitorino leu com um olhar um tanto pessoal e subjectivo o livro de que ambos estamos a falar. Se V. Ex.ª bem percebe, o essencial no livro não será tanto a história do cerco a uma cidade e do ataque aos mouros como o do cerco que se faz a uma mulher, Maria Sara ou vice-versa a qual em bom final aceita o assédio (ou o contrário!).
Ora, sucede que o bom assédio de VV. Ex.ªs não culminou em vitória. O que culminou em vitória foi o assédio do PSD. E quem faz de «Maria Sara» nesta revisão, Sr. Deputado António Vitorino? Quem será? Quem ganha? Quem é Raimundo e quem é Maria Sara, se nos é permitido debater isto com estas metáforas todas e tantas? A nossa opinião, Sr. Deputado, é esta: o Partido Socialista decaiu das suas propostas fundamentais. Neste cerco os «mouros» sentavam-se ali na bancada do PSD. VV. Ex.ªs em vez de assediarem foram assediados e os resultados foram maus para o regime democrático.
Assim, Sr. Deputado António Vitorino, recomendo-lhe - suponho que é da hora da manhã - que não tome por deselegância aquilo que foi uma tentativa de colocar o debate sob forma metafórica. Releia a «História do cerco de Lisboa» e, se possível, o Partido Socialista reveja a história do seu próprio cerco pelo PSD. Com isso Portugal, e não os mouros, teria a ganhar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, creio, e não tenho grandes dúvidas, que V. Ex.ª apenas percebeu da «História do cerco de Lisboa» o lado romanesco. Não tenho nada contra as visões romanescas da História e da vida. Pelo contrário.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está fascinado pelo outro lado!

O Orador: - Seja como for, a história do cerco de Lisboa é inextrincável. A sua dimensão histórica e a sua dimensão romanesca são inseparáveis.

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A minha referência à deselegância é que o Sr. Deputado José Magalhães resolveu, de facto, utilizar um argumento ad dominum sobre as negociações que tive que conduzir em nome do meu partido com o PSD sobre a Revisão Constitucional. E já lhe disse várias vezes, porque o senhor já várias vezes o referiu, que considerava deselegante trazer essa matéria à colação. Ad dominum porque visa essencialmente achincalhar a pessoa que está a intervir.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não achincalha nada!

O Orador: - Achincalha. Tanto que achincalha que até lhe vou dizer, com muita espontaneidade, o seguinte: quando ouço o Sr. Deputado falar nisso vem-me sempre à memória um texto de um autor marxista clássico, que falando sobre a exploração capitalista dizia que entre a exploração capitalista levada a cabo pelo mais refinado burguês da City londrina e a exploração selvática, esclavagista, feito do trabalho alheio a cargo do Bei de Tunes preferia a exploração do Bei de Tunes.
O Sr. Deputado José Magalhães, que tem qualidades humanas, pessoais, de inteligência para conduzir aqui um debate de nível elevado, com a elegância do mais refinado burguês da City londrina opta sempre pelo estilo do Bei de Tunes. E uma opção que o desmerece a si pessoalmente, mas deve ser uma questão de consciência de classe.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu estava menos embaraçado quando me inscrevi para o debate porque não tinha reparado que era um dos poucos cruzados no meio dos mouros.

Risos.

Suponho que essa é a qualificação que nos é atribuída nos discursos que aqui foram pronunciados. Não nos sentimos mal nessa qualidade e até servimos para enriquecer o «cerco de Lisboa». Esperemos que essa contribuição seja ao menos reconhecida.
Em todo o caso, gostaria de aproveitar esta oportunidade para tocar brevemente em três pontos. Em relação um, que me parece extremamente importante, não há uma intervenção do CDS que seja de sublinhar, mas a opinião - essa, sim! - tem que ficar bem expressa. Nos outros dois pontos supomos que é onde se encontra a maior contribuição do CDS para a Revisão Constitucional.
O primeiro ponto diz respeito ao estatuto do Presidente da República devia ter saído reforçado desta Revisão Constitucional. Nós também entendemos que, o estatuto do Presidente da República devia ter saído reforçado desta revisão constitucional. Nós também consideramos que não precisávamos de ter sido aqui todos transformados em «audiência do Professor Duverger» - que veio aqui pregar o semipresidencialismo para que não tinha auditório na terra dele -, para termos a certeza de que o Presidente da República precisava de deter, pelo menos, o que tradicionalmente se chama o poder moderador e de o poder exercer em termos bem definidos constitucionalmente.
Pensamos que não é um acto de sabedoria ter negado à Presidência da República a autonomia organizativa e a autonomia financeira, tal como pensamos que não foi dado suficiente relevo à função que lhe pertence de supremo representante do País nas relações internacionais.
Julgo que isso já começa a ter consequências na legislação ordinária, designadamente no infeliz decreto respeitante à reorganização da carreira diplomática, que aqui foi aprovado e que está para tentativa de revisão, embora, naturalmente, acabe por ficar exactamente como está porque o Sr. Ministro já expôs aqui nesta Assembleia as razões por que é assim e as razões por que não deixará de ser assim. É uma grande esperança para os muitos talentos que estão à espera de oportunidade na carreira diplomática e que não poderiam tão facilmente vencer a carreira no caso de terem de cumprir todas as exigências regulamentares que habitualmente aí são exigíveis.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, justamente cito esse decreto porque pelo menos tem de ficar claro no Diário da Assembleia da República, no momento da Revisão Constitucional e no que se refere ao Presidente da República que todas as suas intervenções são constitutivas. Não pode haver uma intervenção do Presidente da República que seja meramente declarativa, solene ou notarial. Todas as vezes em que é necessário que o Presidente da República intervenha a sua intervenção é constitutiva, quer se trate da nomeação de pessoas quer se trate da promulgação de diplomas legislativos.
Gostaria que esta nossa interpretação ficasse consignada. Também consideraria oportuno que outros partidos dissessem que interpretação dão sobre a natureza da intervenção do Presidente da República nos actos em que essa intervenção é necessária.
Por outro lado, gostaria de dizer o seguinte: penso que são duas contribuições importantes do CDS para a Revisão Constitucional aquilo que diz respeito às leis orgânicas e ao sufrágio. No que se refere às leis orgânicas não preciso de fazer um grande comentário. No fundo, com a mudança de nome, esta é também a proposta que o Partido Socialista apresentou, implicando depois as alterações formais que foi necessário introduzir para se obter um consenso geral. Nós pensamos que isso pode dar estabilidade à Constituição, bem como ao regime, o que considero mais importante, visto que ele vai sofrer modificações que a letra do texto constitucional não prevê e nós temos que evitar que ao menos esta Constituição siga o exemplo de outras anteriores, que tenderam sempre a ser semânticas depois de serem votadas pêlos constituintes. Pensamos que essa nova categoria de leis, nomeadamente com a intervenção reforçada do Presidente da República, podem contribuir para a estabilidade do regime.
No que toca ao referendo, ele foi produto de uma proposta do CDS e de uma proposta do PSD, com a concordância do PS. É curioso, penso eu, que chegamos à mesma conclusão com fundamentos provavelmente diferentes por causa dos tais dois humanismos que tantas vezes se encontram para podermos todos conviver em cima desta terra que ainda se vai chamando Europa. A nossa fonte é principalmente não a dos doutrinados liberais que estiveram na base das grandes Constituições, das Constituições das grandes

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democracias ocidentais, designadamente a de um pobre homem que nesse aspecto não tinha nada a ver com isso - o Rousseau - porque não era a doutrina dele que estava a enformar as Constituições das grandes democracias ocidentais (era mais um elitismo de origem saxónica)... Mas, fundamentalmente, aquilo que entendemos é que o perfil internacional dos países, nomeadamente de Portugal, está a mudar com uma rapidez extraordinária.
De facto, está a mudar com uma rapidez extraordinária o perfil da comunidade internacional, bem como o conteúdo de conceitos que nominativamente baptizamos «igual» mas cujo conteúdo já não é o mesmo, designadamente o conteúdo do conceito de soberania, o conteúdo do conceito estratégico-nacional ou o conteúdo do conceito de defesa. Sou, naturalmente, mais inclinado a entender que é necessário que um corpo alargado, responsável, possa nisto intervir, do que a ter um Governo ou um chefe do Governo que esteja como o piloto de um avião, com uma lista de especificações, a que se pode chamar programa do Governo, e com alguém que, ao lado, lhe vai lendo «veja-se o número um, o número dois, o número três já foi cumprindo. ..», porque as circunstâncias estão pouco de acordo com estas especificações prévias que valem para os aviões, que levam poucas horas de voo, mas que não servem para governos que nós queremos que cumpram a proeza modesta de ser governos de legislatura.
Por isso o nosso inspirador, por estranho que pareça, é principalmente Suarez, o doutor exímio que os espanhóis nos mandaram, que morreu cá. E nosso, foi adoptado por nós, foi professor de Coimbra e é hoje considerado em Espanha o grande precursor das doutrinas democráticas. Por isso o editam e o divulgam.
A comunidade é a dona do poder político, da soberania, como hoje se chama, do poder político em geral, do poder, do que ele será dentro de alguns anos. E é bem que estas alterações do perfil do País, esta alterações fundamentais que nós não podemos prever inteiramente, não possam ser feitas à revelia da intervenção da comunidade, que é dona do poder político.
Por isso me parece que é bem orientada a fórmula final proposta para a Constituição no sentido de, fundamentalmente, reduzir esta intervenção aos tratados internacionais e aos actos legislativos, porque esses têm mais que ver com o perfil do País e da comunidade internacional do que têm os actos concretos de administração.
Só tenho pena, mas parece que para isso não há remédio, que o preceito que diz respeito a este acto tão importante tenha o ar do sumário de uma lição magistral e o sumário de uma lição magistral transformado em preceito constitucional. Parece-me um pouco exagerado. Calculo que isso vem da falta de experiência dos legisladores, a que todos pertencemos, da falta de experiência dos destinatários dessas normas e das desconfianças históricas que existem sobre os abusos eventuais do recurso a esta forma de exercício do poder político.
É por isso que, apesar da natureza bastante sumária de lição magistral que essa disposição tem, vamos dar-lhe o nosso voto favorável.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Raposo pediu a palavra para pedir esclarecimentos?

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Professor Adriano Moreira, é evidente que, nestas três últimas intervenções, tivemos três estilos diferentes. Entendo sublinhar que todos os estilos de intervenção devem ser respeitados. A cada homem o seu estilo!
Eu, designadamente quando intervim ali, da bancada do Governo, fui muitas vezes, com alguma malignidade, acossado, no bom sentido - não me senti acossado mas viu acossado - pelo Sr. Deputado José Magalhães e reagi sempre não de uma forma benigna, porque não me cabe a mim fazer critérios e juízos sobre a actuação das pessoas, mas senti-me sempre adaptado a esse estilo, reconhecendo no Sr. Deputado José Magalhães grandes méritos de parlamentar, fazendo, evidentemente, o seu papel, desempenhando uma tarefa que ele próprio aceitou, assumiu e que, portanto, é respeitável no jogo da democracia.
Isso não significa que esteja de acordo com ele, significa apenas que estou de acordo com a personalidade dele.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o tema da pergunta não era ao Sr. Deputado Adriano Moreira?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso é outro estilo!

O Orador: - Já lá vamos! Isto foi apenas o registo das três intervenções!
O Sr. Deputado Professor Adriano Moreira teve uma intervenção que me convocou para um ponto que, confesso, só agora atentei que é o do perfil e da identidade institucional do Presidente da República.
Entendo e sempre entendi que o Presidente da República é o topo da pirâmide do Estado, que, exactamente nos termos da Constituição, ele é o garante do normal e regular funcionamento das instituições democráticas. Deve, portanto, estar, até onde possa estar-se, acima do funcionamento quotidiano das instituições democráticas.
Consequentemente, se me perguntassem a minha opinião pessoal e não a minha opinião partidária sobre o que vejo ser agora o artigo 135.°, hesitaria sobre qual das fórmulas aceitar. Portanto, as considerações genéricas que o Sr. Deputado Adriano Moreira acaba de fazer, dentro do seu estilo - gosto de dizer estas coisas porque sabe bem ver um parlamento funcionar assim, gosto de dizer o que tenho a dizer, quer quando é para dizer mal quer quando é para dizer bem -, com uma certa pedagogia, mas com uma pedagogia compreensível, que atinge o destinatário e que o sensibiliza para aquilo que entende dizer, chamou a atenção para um ponto que, certamente, ainda poderá ser objecto de reflexão.
Não sei exactamente o que ocorre com a Assembleia da República, se tem orçamento próprio ou se o não tem. Se a Assembleia da República tem orçamento próprio por que é que o não há-de ter a Presidência da República?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

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O Orador: - Evidentemente que, disciplinadamente, votarei no sentido de prevalecer no meu partido. Emitindo uma pré-declaração de voto, que não apresentarei porque já está pré-apresentada, direi que tudo aquilo que reforçar a magistratura de prestígio, que tudo aquilo que der sentido e vigor a uma instituição que, neste caso, é a Presidência da República, que tudo aquilo que puder ser feito nesse sentido deve ser feito. Sobretudo quando se trata de, digamos, bagatelas regulamentares que nem deveriam, talvez, caber numa Constituição. Mas já que nela estão incluídas, que fiquem registadas de uma forma dignificante e não de uma forma que, obviamente, ninguém teve o instituto de com ela menos dignificar a Presidência da República mas que poderá, realmente não ser a forma mais feliz.
Era isto apenas que queria dizer, para além de perguntar ao Sr. Deputado Adriano Moreira qual é a solução que, resultante da sua intervenção, dá para este impasse, para esse litígio que se desenrola dentro de mim próprio, como o de S. Paulo entre Deus, acerca deste problema tão importante.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Adriano Moreira, responde já ou fá-lo-á no fim dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, ouvi-o com o interesse e o prazer de sempre e queria colocar-lhe duas ou três questões, que, no fundo, são também dirigidas à bancada do PSD. Gostaria, porém, que me acompanhasse nas perguntas que lhe formulo, reproduzindo-as em relação à bancada do PSD.
Estou inteiramente de acordo com as considerações que teceu sobre a configuração da figura do Presidente da República e devo dizer que, de toda a Revisão Constitucional, fui compreendendo o porquê das objecções do PSD relativamente às duas propostas que estão em causa, ou seja, a consagração do que o Presidente da República representa na ordem externa e a autonomia administrativa, organizativa e financeira quer do Presidente da República quer da Assembleia da República.
Em vez de dizer uma intervenção, porque estamos em poupança de tempo deixava-a feita na forma de uma pergunta ao Sr. Professor. No fundo, porém, o que eu pretendo é sensibilizar a bancada do PSD.
O Sr. Professor não acha que é absolutamente contraditório que, representando o Presidente da República a República Portuguesa, não se especifique que a representa na ordem externa? Então ele representa a República portuguesa mas só na representa na ordem interna? É isso que se quer dizer? Se não a representa só a ordem interna, então porque não se disse ou não se diz exactamente isso?
Segundo ponto: o Presidente da República é um órgão de soberania, o Presidente da República garante a independência nacional. Existe, como se sabe, a separação de poderes entre os órgãos de soberania. Como é que o Presidente da República pode ser um órgão de soberania, como é que pode garantir a independência se ele próprio não é independente para comprar um lápis ou uma borracha, se ele próprio não é soberano para poder dispor dos meios para comprar aquilo de que precisa, organizar-se como entende e ter a autonomia que se pretende que seja consagrada?
Não acha que é uma contradição, nos próprios termos, dizer-se que os poderes são soberanos e depois não terem soberania no mais ridículo dos níveis de poderes?
Não acha que é uma contradição dizer-se que os poderes são separados e, simultaneamente terem de estar unidos pelo despacho da compra do lápis e da borracha?
Chamo a atenção do PSD para estes aspectos. Se isto não é aquilo que parece que é, ou seja, levar ao extremo a preocupação de domar, de dominar ou de humilhar os outros órgãos de soberania sobrepondo-lhes o poder de uma maioria ocasional que, neste momento, favorece um dos órgãos de soberania, então o que é? Por que é que se recusa o que é óbvio?
Podem dizer-me: «Nós não somos contra isso» - também se disse, de algum modo - «mas constitucionalizar, porquê?»
Como «porquê» se se trata da figura do Presidente da República, se se trata do órgão de soberania Assembleia da República? O que há de mais legítimo para ser constitucionalizado? E pergunto: o PSD aceita uma lei ordinária que aqui propúnhamos - e vamos propô-la - a dizer que o Presidente da República e a Assembleia da República são financeira, administrativa e organizativamente independentes? Aceita isso? Se o aceita, é que o não aceita relativamente à Constituição? Se não aceita é que o não aceita tratando-se, como disse, de um órgão de soberania, de um órgão que garante a independência lá fora e não é ele próprio independente cá para dentro, um órgão que tem de ser separado e não está separado, que se encontra vinculado por um despacho dos mais ridículos?
Deixava esta questão colocada ao Sr. Professor, para que me ajude a sensibilizar o PSD. Este é um dos problemas mais graves da Revisão Constitucional e se eu sempre compreendi mais ou menos a recusa do PSD em acompanhar-nos na aprovação desta nossa proposta aqui não compreendo, de todo em todo, que o PSD globalmente considerado - e desculparão que o diga - quer a atitude dos Srs. Deputados do PSD, um a um, individualmente considerados. Não compreendo que se possa recusar a dois órgãos de soberania, um dos quais somos nós próprios, um dos quais são os senhores, a autonomia de que gozam, pelo menos, 500 órgãos da administração portuguesa. Há 500 órgãos administrativamente autónomos, financeiramente autónomos. O mais ridículo dos órgãos tem uma autonomia que não tem a Assembleia da República, que não tem o Presidente da República. Os senhores ligam a vossa palavra, o vosso voto, a vossa consciência de social-democratas a uma recusa deste género?
Peço-vos, Srs. Deputados, que não aceitem essa orientação, não aceitem essa imposição, se é disso que se trata. Eu não acredito que a totalidade dos deputados do PSD coincida e concorde com esta recusa. Não aceito isso e peço-vos veementemente - nunca vos pedi nada com tanto empenhamento como o que vos peço

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neste momento - que dignifiquemos a figura do Presidente da República, que dignifiquemos o órgão Assembleia da República, que sejamos dignos da responsabilidade que temos.

Aplausos do PS e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Adriano Moreira, sou daqueles deputados que não se podem permitir o luxo de perder pitada das suas intervenções - das suas e das de outros deputados desta Casa - porque entendo que, para além de estarmos aqui para rever a Constituição também temos de estar aqui para aprender uns com os outros, principalmente para aprender com aqueles que mais viveram e mais sabem. É esse o esforço que eu faço e é à luz desta intenção que me permito fazer-lhe um simples pedido de esclarecimento.
Sobre a questão da independência administrativa e financeira dos órgãos de soberania não diria muito mais porque penso que tudo está muito e bem perguntado e tudo será muito bem respondido por V. Ex.ª. Só diria que a respeitabilidade dos órgãos de soberania lhes advém do facto de serem, da sua natureza própria. Mas se há órgãos de soberania que devem ser respeitados em democracia, esses órgãos são aqueles que foram eleitos pelo sufrágio directo e universal, como é o caso da Assembleia da República e do Presidente da República, mas como já não é o caso dos tribunais e como já não é o caso do Governo.
Mal se compreenderá, portanto, que aqueles que mais respeitáveis teriam de ser, em virtude de terem sido eleitos por sufrágio directo e universal, em virtude de serem os mais legítimos representantes da democracia, não tenham autonomia administrativa e financeira. Mas V. Ex.ª sobre isto, dirá muito mais do que eu.
Apenas queria colocar-lhe a seguinte questão: pareceu-me ouvir-lhe dizer, a páginas tantas da sua lição, que o poder pertence à comunidade. Foi essa afirmação que me ficou a fazer alguma confusão porquanto o projecto de Revisão Constitucional do CDS, no que respeita ao artigo 111.°, diz que o povo exerce o poder político, alterando, com isto, aquilo que o actual artigo já diz, ou seja, que o poder político pretende ao povo. Não terá aqui o CDS decaído - perdoe-me utilizar o verbo mais usado desta revisão -, não se poderá ver aqui uma contradição entre a afirmação do Sr. Professor Adriano Moreira de que o poder pertence de facto à comunidade e a forma «o poder pertence ao povo»? O CDS nega, com esta alteração, ou torna menos clara, a definição de que o poder político pertence ao povo, limitando-se a dizer que o povo exerce o poder em tais e tais moldes, sem deixar claro que o exerce porque lhe pertence e não por delegação divina ou por delegação de quem quer que seja?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Adriano Moreira, apelou V. Ex.ª a que cada bancada se posicionasse perante estas questões. A nossa está feita. Somos, evidentemente, pela clarificação dos poderes do Presidente da República, temos propostas nesse sentido e, por outro lado, apoiámos sempre, insistentemente, que a clarificação da autonomia organizativa e financeira tivesse consagração constitucional.
No ínterim aconteceu que o Sr. Deputado Almeida Santos fez um apelo veemente para que a bancada do PSD altere a sua posição contumaz nesta matéria. Lamentavelmente, todos temos vindo a fazer esse apelo com empenho - e mais: empenho indiferenciado, aliás -, em reuniões sucessivas, mas o PSD esfíngico, faz sorrisos simpáticos e diz «Não!» O que lhe perguntava, apesar de tudo, Sr. Professor Adriano Moreira, é como é que é possível que numa matéria que o Sr. Deputado Almeida Santos qualificou como «essencial», «um dos problemas mais graves da revisão» (é óbvio que é péssimo que o Presidente da República seja forçado a discutir os lápis e as borrachas com o Primeiro-Ministro), o acordo político de Revisão Constitucional celebrado pelo PS não tenha contemplado essa importante garantia?
Será V. Ex.ª capaz de fazer de Agatha Christie e decifrar este mistério enorme que paira sobre esta Casa?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava também de fazer algumas considerações e terminar com algumas questões em relação à intervenção que o Sr. Deputado Adriano Moreira aqui produziu.
Quero, em primeiro lugar, congratular-me com o facto de V. Ex.ª ter intervindo neste debate com a elevação a que nos habituou e, no que respeita às considerações que produziu sobre Suarez acompanho-o, muito embora não possa deixar de pensar que o contexto e, em particular, os problemas ligados ao poder papal em que ele produziu os seus trabalhos, são muito diferentes daqueles que hoje se verificam, isto é, não temos uma situação em que a tutela espiritual do papado, já em declínio, precise de ser defendida. Estamos numa situação diversa. Há outras tutelas espirituais que precisam de ser defendidas mas essa, no comando das relações internacionais, no que diz respeito àquilo que é o concerto das nações, assume hoje características muito diversas daquelas que, naquele tempo, levaram Suarez a escrever algumas das coisas que escreveu.
Todavia, devo dizer-lhe que o acompanho no elogio que lhe fez e que me parece ser salutar que a inspiração de Suarez continue a permanecer entre nós.
A intervenção de V. Ex.ª, no que respeita ao sistema político, deixou-me um pouco perplexo porque não percebi bem se V. Ex.ª se congratula com a circunstância de, na prática, esta Revisão Constitucional ter deixado intocados os poderes do Presidente da República e, mais do que isso, não ter aumentado os poderes da Assembleia nem os poderes do Governo em relação à Presidência da República, isto é, manteve o sistema de equilíbrio que caracteriza o regime semi-presidencial - designadamente, a moção de censura construtiva foi afastada uma vez que seria um factor de desequilíbrio ou se V. Ex.ª pensava que se deveria ir mais além e, de algum modo, retomar um caminho que vinha da

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Constituição de 1976 e que foi parado em 1982, que era o de avantajar um pouco os poderes da Presidência da República.
Pessoalmente entendo que o equilíbrio a que se chegou é um equilíbrio correcto mas, da intervenção de V. Ex.ª não ficou claro no meu espírito o que é que exactamente pretendia.
Teceu depois V. Ex.ª uma consideração e fez, de algum modo, um pedido ou uma injunção, consoante as interpretações, no sentido de que as diversas bancadas se pronunciassem acerca do valor dos actos do Presidente da República.
Bem, do ponto de vista jurídico, os seus actos têm ou podem ter uma valoração diferente, consoante as zonas da sua intervenção mas, certamente, nunca são actos notariais. Estamos inteiramente de acordo que a função do Presidente da República é sempre, mesmo quando seja uma função de acertamento, um acertamento constitutivo.
Como V. Ex.ª sabe muito bem, o acertamento constitutivo, na doutrina italiana, tem um valor de alteração e de modificação da situação muito superior aos seus aspectos puramente declaratórios.
V. Ex.ª teceu também considerações sobre o referendo, nos quais o acompanho, mas, resumindo, fiquei com a impressão de que, das propostas apresentadas pelo CDS, nenhuma das que obteve o consentimento majoritário de dois terços, ou indiciário, na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, leva a pensar que houve qualquer coisa de violentamente castrado na proposta do CDS.
V. Ex.ª fez-se eco - e depois o Sr. Deputado Almeida Santos fez aqui, a esse respeito, considerações com um toque de emoção - do problema do Presidente da República no que respeita aos serviços de autonomia administrativa e financeira.
Devo dizer que não percebo bem o tom e a importância que são atribuídos a este problema, ou seja, afigura-se-me que quando lhe é atribuída essa importância tem-se um propósito diverso daquele que, à primeira vista, me pareceria o lógico.
É que, evidentemente, em primeiro lugar e desde logo, a Constituição é demasiado regulamentar e isso leva a considerar que quando determinados aspectos não estão consagrados na Constituição existe uma lacuna. Mas, e isso não é do meu conhecimento, as constituições, habitualmente, não se ocupem do problema de saber como é que são feitos os orçamentos e de saber se há ou não autonomia administrativo-financeira dos diversos serviços dos órgãos de soberania.
Em segundo lugar, penso que as funções básicas essenciais do Presidente da República não são minimamente tocadas por questões de intendência. Seja como for, é óbvio que o Orçamento da Presidência da República é aprovado na Assembleia da República, tem de sê-lo, e isso não é um problema de violação da separação dos poderes.
Com toda a sinceridade devo dizer que não estou contra a ideia da autonomia administrativa dos serviços da Presidência da República - aliás, parece-me mais difícil a autonomia financeira, uma vez que esses Serviços não têm receitas próprias, no entanto tratar-se-ia apenas de uma questão técnica -, mas quanto à autonomia administrativa isso parece-me relativamente claro. Porém, isso é um problema de ordem técnica e o fundamental, isso sim, é que o Orçamento da
Presidência da República seja proposto e deixado intocado pela Assembleia da República ao aprová-lo, e isso tem acontecido. O resto, ou seja, a discussão dos lápis, a maneira como isso é feito,...
Bem, colocar-se-ia um problema político grave se, porventura, os serviços da Contabilidade Pública viessem intervir e fazer pressões nessa matéria quanto à Presidência da República. Mas, considerar isto uma capitis diminutio do Presidente da República, francamente, parece-me que isto é um manifesto exagero e não tem nada a ver com o sistema presidencial.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Digo isto com toda a sinceridade como direi também que sempre me terão ao vosso lado se, porventura, se descobrir que algum serviço, algum departamento do Estado ou algum governante viesse a tentar por uma via ínvia - eu diria mesmo mesquinha - influenciar os ofícios que os Serviços da Presidência da República têm de mandar por não lhe fornecer uma máquina de escrever atempadamente.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Então, a resposta ao apelo é não?

O Orador: - Portanto, é por esse motivo que, devo dizê-lo, não compreendo bem qual é a importância de considerar no sistema de Governo uma questão relativa aos serviços de apoio no que respeita a normas puramente processuais de como é que as receitas e as despesas são inscritas nesse Orçamento e são processadas.
Não compreendo muito bem e penso que há aqui uma hipertrofia de um problema que é, efectivamente, um problema menor.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, sendo assim, qual é a importância da recusa? Se é tão importante para meia Câmara, para o País, para o próprio Presidente, para a Assembleia, qual é pois, a importância da recusa?

O Orador: - Sr. Deputado, porque temos de ter a justa medida das coisas. Não é pela circunstância de haver pessoas que consideram extremamente importante esta matéria que nós temos necessariamente de considerá-la da mesma forma. Pensamos, pois, que esta questão não deve ter dignidade constitucional.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas as universidades têm!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, é justamente por isso! V. Ex.ª quer comparar o Presidente da República com uma universidade?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro que sim!

O Orador: - V. Ex.ª quer comparar o problema de alguém que está integrado no sistema administrativo

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com um órgão de soberania? Isso é uma visão completamente errada e distorcida, salvo o devido respeito. V. Ex.ª pensa que um problema de receitas das universidades, um problema, que é técnico, da autonomia financeira das universidades é comparável com um problema de um serviço de intendência?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não! Se a resposta do Sr. Deputado for que considera implicitamente essa autonomia pelo facto de tratar-se de um órgão de soberania. Se disser que não, que continua a depender das verbas que forem aprovadas entre o Presidente e o Governo - porque é o que acontece, como sabe. O Orçamento vem para aqui, não é tocado, mas é previamente discutido com o Governo. Se é isto que defende, então, diga-nos: não, estou em desacordo! Vamos votar contra, porque não concordamos com a vossa proposta, mas não a minimize...
Se me disser que está implícito, óptimo, vamos para a lei ordinária e não se fala mais nisso; caso contrário, se me disser que não está implícito, então diga que recusa a nossa proposta e nós retiramos daí as ilações.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, já há pouco lhe disse que na minha perspectiva não tem qualquer sentido esse tipo de discussão, isto é, está implícito, se quiser.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Então, vamos para a lei ordinária!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - Esta proposta está concordante com o presidente da Assembleia da República que ainda há dias aqui desconsiderou o Presidente da República dando-lhe o terceiro lugar depois de um soberano estrangeiro.
O Presidente da República sempre aqui tomou a Presidência menos há dias em que foi desconsiderado pelo Presidente da Assembleia da República, do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Rui Machete, depois de todos os serviços que prestou ao país como presidente da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, tenho uma certa pena que este dia fique na história da sua biografia como aquele dia em que V. Ex.ª provavelmente, escreverá desta maneira: «O dia em que não percebi!» Deve ser raro na sua vida intelectual, mas este foi, confessadamente, o dia em que V. Ex.ª, não percebeu!
Penso que este é um estado de espírito extremamente angustiante para um legislador, porque legislar sobre as coisas que não percebe, estar a legislar em relação a pessoas cujas angústias, anseios e desejos não entende deve ser, realmente, tomar uma responsabilidade acompanhada de uma angústia total.
Porém, fico um pouco mais tranquilo porque as coisas que o Sr. Dr. Rui Machete não percebeu pode, na intimidade do seu partido, perguntá-las ao nosso antigo presidente Mário Raposo que as percebeu perfeitamente e que, julgo, poderá dar-lhe uma explicação sintética, incisiva, curta, sobre estas matérias a respeito das quais ele se mostrou lucidamente informado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à pergunta que o Sr. Dr. Mário Raposo teve a amabilidade de fazer-me, depois das considerações sempre oportunas que produziu, gostaria de dizer que a maneira de remediar o caso é simples: basta votar o preceito onde está consagrada a autonomia organizativa, administrativa e financeira dos Serviços de apoio ao Presidente da República. É, pois, extremamente fácil: em vez de votar a disposição que a nega, basta votar a disposição que a dá.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Por outro lado, fico satisfeito pelo facto de o Sr. Deputado Rui Machete estar perfeitamente consciente de que alguma coisa mudou desde o tempo do Suarez, porque, calculo, também que alguma coisa mudou desde o tempo do Hocke, desde o tempo de Montesquieu, desde o tempo de Sá Carneiro e muita coisa mudará depois da votação desta Constituição.
Uma das razões pelas quais eu insisto na importância do estatuto de Presidente da República, é porque - e isso não é segredo para o Dr. Rui Machete - sustento que o regime evoluciona à margem daquilo que está escrito na Constituição. Ora, assim sendo, penso que este regime está a evolucionar rapidamente para um tipo de presidencialismo do Primeiro-Ministro, que não é aquilo que está a ser legislado pela Câmara.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Ora aí está!

O Orador: - Este sistema inscreve-se apenas numa tendência das Constituições portuguesas que é a de se transformarem rapidamente em semânticas e é por isso que, neste pequeno ponto, não concordo com o Dr. Mário Raposo, pois, no meu entender, o Homem não é apenas o seu estilo. Concordo mais com o Fernando Pessoa, ou seja, por dentro das coisas é que as coisas são, por dentro dos homens é que as coisas são, não é o estilo que os faz.
E é por isso que concordo com esta evolução possível, que se repetiu variadíssimas vezes na História portuguesa, e que, obviamente, está a verificar-se com o sistema português.
É importantíssimo que a figura do Presidente da República seja prestigiada e definida em termos que sejam honrosos para ele, para as oposições e para o País que representa, porque não é necessário sequer escrever na Constituição que o Presidente da República representa extremamente o País, pois é do Direito Internacional que ele o faz.
O Presidente da República nem sequer precisa de credenciais, ele representa o País e então, por que é que a Constituição não o há-de dizer? Por que é que a

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Constituição há-de ter relutância em dizer expressamente aquilo que, por palavras suas, o Dr. Rui Macheie acaba de dizer - e com o que eu concordo - ou seja, o Presidente da República não tem intervenções formais, notarias, de solenidade dos actos, fazendo sempre intervenções constitutivas?
No entanto, gostaria de saber se é essa a interpretação que dão quando lhe levam a lista de colocação ou promoção dos diplomatas, de acordo com a nova lei que está em vigor. Penso que essa interpretação é contrária aos interesses do País, pois é necessário que a sua intervenção seja sempre constitutiva, por isso mesmo é importante que esteja garantida esta autonomia organizativa, administrativa e financeira nos termos da lei.
Naturalmente, sabemos que há mais do que uma interpretação sobre o facto de o poder político pertencer à comunidade, de qualquer forma a nossa interpretação é a de Suarez. Sabemos que correu muita água sobre este tema e que, por exemplo, o sistema inglês normalmente não aceita estas consultas populares porque as considera contrárias à soberania do parlamento, como ele o entende, isto é, cada comunidade vai organizando-se de acordo com as circunstâncias, com o tempo, mas o princípio é exactissimamente o mesmo.
Quanto à pergunta que o Sr. Deputado José Magalhães me colocou gostaria de dizer que eu não fui eleito «Pitonisa», só fui eleito para deputado e, em vez de dar surpresas aos outros, vou sofrendo quando elas vão acontecendo, de maneira que não posso dar-lhe qualquer resposta à sua pergunta, que aliás, parece que tem fundamento.
Penso que dei resposta a todas as perguntas que me foram no entanto, colocadas; se deixei alguma por responder não fiz por falta de consideração mas porque os meus apontamentos não me ajudaram o suficiente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: Gostaria de usar da palavra numa breve intervenção, para comentar, de algum modo, um aspecto referido pelo Sr. Deputado Professor Adriano Moreira.
Sr. Deputado, eu não cometeria a deselegância de dizer que V. Ex.ª não percebeu, pois o senhor foi, na sua intervenção, extremamente arguto, como sempre, e julgo que compreendeu perfeitamente toda a temática que aqui se desenrolou.
Porém, quero dizer-lhe que me parece um pouco contraditório com a tese que V. Ex.ª expendeu ou seja, a de que o sistema político evolui à margem da Constituição, o facto de o Sr. Deputado querer, a propósito de um preceito que considero secundário, amarrar essa evolução, se é que ela se regista, nesse sentido.
Pessoalmente entendo que é muito importante que o sistema político seja semi-presidencial - e V. Ex.ª citou um autor que vulgarizou muito a análise dos regimes semi-presidenciais - e, é evidente, a circunstância de haver uma maioria homogénea não deixa de ter implicações no funcionamento do sistema. Isso é óbvio, salvo se V. Ex.ª proibir que haja maiorias homogéneas na Constituição, pois de outro modo não poderá obviar a esse aspecto.
V. Ex.ª referiu o problema de o Presidente da República representar extremamente o País. Ora, penso que isso resulta de um maneira nítida, clara, do artigo 123.° da Constituição a propósito daquilo que na epígrafe do artigo, um pouco singularmente, se chama a «Definição» do Presidente da República, ou seja, quando se diz que «o Presidente da República representa a República portuguesa (...)» não se faz distinções sobre se é na ordem interna ou na ordem internacional.
É verdade que depois, com este jeito de detalhar e regulamentar que a Constituição ganhou, especificam-se em três alíneas mais adiante, (salvo erro no artigo 138.°) quais as suas competências nas relações internacionais. Mas isso são formas de análise espectral da competência do Presidente da República que não podem apoucar aquilo que diz o artigo 123.°, que é um artigo fundamental e com o qual estamos de acordo.
Ninguém tem dúvida que o Presidente da República representa externamente o País. Claro que - entendamo-nos quanto a este ponto - no nosso sistema político, ao contrário do sistema francês, não é o Presidente da República quem dirige a política externa. Se é isso que se pretende, então façamos um debate de outro tipo, pois trata-se de uma modificação qualificativa do sistema, e eu não estou neste momento a pré-ajuizar sobre qual é a minha posição, embora presuma qual seja a posição do meu partido em relação a este assunto. Trata-se, portanto, de outra questão, Sr. Deputado Adriano Moreira, e de outro tema a introduzir no debate.
Mas, V. Ex.ª faça-me a justiça de acreditar que eu ouvi as suas palavras não completamente obnubilado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado, em primeiro lugar, quero fazer-lhe justiça, e tenha-na toda da nossa parte.
Em segundo lugar, quem disse que não compreendia - e mais do que uma vez - foi V. Ex.ª quando interveio.
Porém, devo dizer que, não tenho dúvidas de que estava a usar uma figura de retórica, porque estava a compreender perfeitamente. Portanto, não tem de estranhar que quando usa figuras de retórica elas sejam aproveitas, quando são óptimas - e vindas de si são sempre excelentes -, para responder-lhe.
O facto de o direito internacional, como concordará, fazer uma definição do carácter representativo do Presidente da República isso não impede que do ponto de vista interno, não apenas por causa da representação externa mas do papel moderador de vigilante do equilíbrio das instituições, se traduza numa definição muito clara e precisa da suas intervenções.
Se o Sr. Deputado não tem dúvidas sobre o facto de as intervenções do Presidente da República serem sempre constitutivas, é óptimo que isso fique no Diário da Assembleia da República, porque não é esse o entendimento que circula em todos os serviços do Estado. Foi por isso que convidei os partidos a dizerem se entendem ou não desta forma, porque (e, suponho, que não lhe dou qualquer novidade) não circula em todos os serviços do Estado o entendimento de que

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as intervenções do Presidente da República são constitutivas. Antes pelo contrário, segue-se uma velha regra semântica que se traduz nisto: quando o senhor vir o nome de uma sociedade, sabe isso muito bem, que é portuguesa fica a saber que os capitais são estrangeiros, e por isso diz lá que a sociedade é portuguesa; quando vê um instituto que se chama de Altos Estudos sabe muito bem que não é da Universidade, porque se for não precisa de se chamar Altos Estudos...
Estamos, pois contra estes nominalismos. É preciso que os factos correspondam ao que está expresso nos preceitos e, por isso, não vemos dificuldade em que os factos com que concorda estejam expressamente vistos. Poder-me-á dizer «il vá sans dire» e eu dir-lhe-ei «U vá mieus en disant».
É apenas isto que nós queremos, ou seja, que se diga expressamente aquilo com que parece que também concordam.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Rui Machete (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, estava a espera de uma intervenção da bancada do PSD para compreender melhor a posição do vosso partido relativamente à questão da competência do Presidente da República nas relações internacionais.
Creio que o Sr. Deputado partilhará do nosso ponto de vista de que os dispositivos deste artigo são incompletos e que até respondem mal à epígrafe, pois o que o artigo refere em relação às competências do Presidente é, concretamente, nomear embaixadores, ratificar tratados internacionais, declarar guerra. Creio que não estão aqui todas as competências, e menos ainda as que resultam da nossa prática institucional. Penso que o papel do Presidente da República é maior e tem-se afirmado necessário nessas áreas. Portanto, também não me parece que seja convincente o argumento do Sr. Deputado quando diz: «Bem, no nosso sistema não é ao Presidente da República que cabe dirigir a política externa...». Mas isso não é alegado por ninguém! Digamos que isso é (argumentando com qualquer coisa que «não» está em causa) procurar «arrumar» aquilo que, efectivamente, está em causa.
Se bem entendo, o PS propõe que a Constituição refira: «Participar na definição da política externa», o que é muito diferente de «definir política externa». Ora, isto que o PSD propõe é o que, de alguma maneira, tem acontecido na nossa prática institucional.
Nós, PCP, o que propomos é que se refira: «Representar externamente a República» - e com isto parece que Sr. Deputado está de acordo e não haveria nenhum conveniente em explicitar aquilo que considera que já está no nosso texto constitucional -, «acompanhar as negociações e o ajuste de quaisquer acordos internacionais» (o que muitas vezes tem acontecido) «e pronunciar-se sobre as grandes orientações de Portugal no plano internacional». Creio que nesta área seria útil completar os dispositivos que estão no texto constitucional e que não respondem à epígrafe. Isso daria um estatuto muito mais preciso ao Presidente da República, no nosso sistema constitucional, correspondendo mais à nossa prática. Não lhe parece Sr. Deputado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Adriano Moreira, apenas gostaria de dizer que me congratulo com a circunstância de convirmos no uso de imagens de retórica. Quanto a ca vá mieux en disant, pás toujour, sa dépend...
Em relação ao Sr. Deputado Carlos Brito devo dizer que há aqui uma diferença fundamental do ponto de vista metodológico. Creio que, normalmente, a Constituição não exalta o Presidente da República se destacar em mais duas ou três alíneas coisas que ele faz. E isto porque, como o Sr. Deputado disse e muito bem, há muitos outras coisas extremamente importantes que, normalmente, em nenhuma Constituição vêm especificadas. As Constituições têm uma grande preocupação em matéria de separação de poderes e em matéria de repartição de áreas. Aí sim, é extremamente importante. Porém, fazer uma Constituição não é o mesmo do que fazer um regulamento e não é detalhando todas as atribuições, que exaustivamente são susceptíveis de ser elencadas, que se exalta o Presidente da República.
Creio que o artigo 123.° da Constituição, apesar de ter uma epígrafe infeliz chamada «Definição», é um artigo cuja redacção é feliz porque dá uma noção clara da importância do Presidente da República e diz uma coisa muito simples, que é «... representa a República Portuguesa...». Quer o Sr. Deputado expressão mais ampla do que esta? V. Ex.a, na sofreguidão de garantir que esteja tudo bem esmiuçadinho, começa a elencar...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, V. Ex.ª continua com o vício de responder a questões que não estão em causa. Não queremos «tudo esmiuçadinho», o que queríamos era que se fixasse, clarificasse alguma coisa que, já resulta do texto constitucional e, na nossa própria prática institucional, é adquirido. E pretendíamos que se fixasse para quê? Para enriquecer o próprio texto constitucional.

O Orador: - É essa ideia de riqueza que nos separa, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E adaptá-lo à vida para quê? Para que, na base da experiência, se encontre um termo adequado e não haja nem exageros no sentido de apoucar o estatuto do Presidente da República nem exageros no sentido de que ele seja excessivo.
Parecia-nos de toda a conveniência que esta fixação se fizesse em relação a algumas questões importantes, como as que indicámos. E não me diga que isso é «esmiuçar», Sr. Deputado!

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O Orador: - Srs. Deputados, já explicitei suficientemente a minha ideia. Creio que a expressão «representa a República Portuguesa» é extremamente abrangente e dignificante. É, na verdade, a que consta do artigo 123.° da Constituição e pensamos que ela se deve manter intocável.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma breve intervenção para, relativamente a este conjunto de artigos que têm que ver com a organização do poder político mais concretamente, com o órgão de soberania Presidente da República e tudo o que envolve, tecer algumas considerações relativamente à nossa perspectiva e àquilo que, no essencial, propomos para esta questão, uma vez que no particular é difícil fazer uma intervenção.
Visto ainda não ter feito nenhuma intervenção, porque me estava a aguardar para este momento, gostaria de referenciar aquilo que tem sido o tema central do debate que aqui tem sido travado, que é a questão do Presidente da República e das suas competências, quer interna, quer externamente, através das relações internacionais, e na definição de uma política de defesa nacional.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados propomos um reequilíbrio, um restabelecimento do equilíbrio entre os poderes do Presidente da República e os poderes da Assembleia da República do Governo que, do nosso ponto de vista, foram alterados com a última Revisão Constitucional, com prejuízo para o Presidente da República.
Não vou falar nas competências que o Presidente da República tinha pelo facto de ser Presidente do Conselho da Revolução, um órgão de soberania extinto - e naturalmente extinto, sublinho - dentro dos prazos previstos, sendo, portanto, inquestionável a sua extinção. Porém, pensamos que a distribuição desses poderes foi feita de uma fornia desequilibrada, em prejuízo daquilo que são as competências específicas do Sr. Presidente da República.
Assim, vou começar por abordar a questão da ordem externa. No projecto que apresentamos propomos, de uma forma muito clara, uma alínea relativamente à competência do Presidente da República nas relações internacionais, onde sugerirmos a expressão «participação na definição da política externa», expressão essa que foi atribuída pelo Sr. Deputado Carlos Brito como tendo sido apresentada pelo PS. Porém, não se trata de uma proposta do PS mas sim do PRD - o seu a seu dono -, em que dizemos que «compete ao Presidente da República participar na definição da política externa...».
Apresentamos também uma outra proposta relativamente a esta competência, que creio que vai um pouco ao encontro daquilo que foi sugerido pela intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira, mas que é de tal modo técnica e especial que requereu, na comissão, um trabalho mais aturado. Infelizmente, ela não está consignada na proposta da CERC, mas, inclusivamente por parte do PSD - pelo menos na altura em que participei nesta discussão -, manifestou-se uma disponibilidade para considerar esse aspecto que introduzimos no n.° 2 do artigo 138.° e que é o seguinte: «Devem, necessariamente, revestir a forma de tratado, ratificado pelo Presidente da República, as convenções respeitantes às matérias referidas na alínea f) do artigo 164.° ou internamente reservadas a actos com forma legislativa, bem como as convenções que contendam com normas legais ou exigiam actos com forma legislativa para a sua execução, e ainda todas as que hajam sido aprovadas pela Assembleia da República.»
Ora, esta proposta foi apresentada por um deputado do PRD que, infelizmente, não pode estar presente para justificar. Contudo, por parte dos restantes partidos, houve acolhimento em relação a essa proposta porque se admitia que pudesse também haver um reforço da própria competência do Presidente da República, creio que na linha daquilo que disse o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Contudo, gostaria de dizer que alinhamos com as preocupações do Sr. Deputado Almeida Santos relativamente ao facto de o PSD - aliás, como ficou demonstrado neste debate - não aceitar aquilo que, do nosso ponto de vista, parece indiscutível, como seja a participação do Presidente da República na definição da política externa, conforme consta do artigo 138.°
Uma outra questão que deveria ser referenciada é a do reforço, que do nosso ponto de vista deveria existir, relativamente à competência para a prática de actos próprios do Presidente da República, como seja o participar na definição da política de defesa nacional. Essa foi uma proposta que apresentámos, mas que não foi consignada.
Na verdade, pensamos que, para além de exercer as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas, seria importante a participação do Presidente da República na nomeação de dois vogais para o Conselho Superior de Defesa Nacional para além da sua competência, noutra perspectiva, como seja a nomeação de elementos para o Tribunal Constitucional e para o Conselho Superior da Magistratura. Aliás, referenciámos este aspecto em relação ao artigo 136.°, no que se refere à competência do Presidente da República, relativamente a outros órgãos.
Pensamos, pois, que estas questões devem ser consideradas na perspectiva, que entendemos dever existir, do reequilíbrio dos poderes do Presidente da República na sua relação com o Governo.
Um outro aspecto que aqui foi referenciado e que também gostaríamos de sublinhar - aliás, faz parte da nossa proposta mas, para além disso, consideramos inaceitável que não seja considerado, pese embora as explicações do Sr. Deputado Rui Machete - diz respeito ao facto de o Presidente da República não ter competência para a prática de actos administrativos e, portanto, de certo modo, poder depender, como realmente depende, de decisões governamentais, o que não contribui para o prestígio da figura do Presidente da República. Assim, no projecto que apresentámos propúnhamos o seguinte: «Definir por decreto a organização da Presidência da República e praticar todos os actos administrativos respeitantes aos seus serviços e pessoal.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além de outras questões que têm a ver com a nomeação e com acções da relação do Presidente da República com a Assembleia da República e com o Governo, os aspectos que foquei relativamente ao Presidente da República são os que nos merecem uma maior reflexão.

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Uma outra questão que gostaria de sublinhar diz respeito a uma proposta que apresentámos em relação ao artigo 116.° da Constituição - que tem a ver com os princípios gerais do direito eleitoral -, mas que não mereceu acolhimento por parte de nenhum partido na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o que, de certo modo, nos mereceu algum reparo. Trata-se, pois, de uma tentativa que o PRD gostaria de ver consignada no que diz respeito à possibilidade dos cidadãos que não façam parte de partidos se poderem agrupar para se candidatarem a órgãos do poder local - e com isto não é nossa intenção retirar qualquer direito constitucional relativamente aos partidos políticos.
Neste momento, esta possibilidade já existe relativamente à assembleia municipal. Na legislatura anterior chegámos a apresentar um projecto de lei relativamente às candidaturas às eleições autárquicas apresentadas por grupos de cidadãos eleitores para as câmaras municipais. Pensamos que o actual texto constitucional permite este tipo de candidaturas porque o artigo 116.° da Constituição não elimina expressamente esta situação e, ao contrário, considera quais são as razões, os momentos e as circunstâncias específicas de que elas se devem revestir, com a participação dos partidos políticos e só deles, para a Assembleia da República e para o Presidente da República.
Portanto, quando apresentámos esta proposta pensámos que esta ideia teria cobertura constitucional. Assim, gostaríamos de, ao nível da lei, constitucionalizar a possibilidade de grupos de cidadãos, para além dos partidos, poderem concorrer a actos eleitorais.
Aproveito esta oportunidade para informar a Câmara que retiramos a proposta que tínhamos apresentado em relação ao n. ° 3 do artigo 116.° porque o debate em sede de CERC criou alguma confusão e a nossa proposta foi um pouco mal entendida. No entanto, ao apresentá-la, pensamos que cumprimos o nosso objectivo, que foi o de, a nível da comissão, suscitar um debate relativamente a esta questão. Porém, como já referi, não houve grande acolhimento em relação a ela; suscitaram-se algumas dúvidas que não queríamos que subsistissem, pelo que a retiramos.
Porém, mantemos a proposta que apresentámos para o n.° 3 do artigo 116.°, que se refere à possibilidade de «... as candidaturas poderem ser apresentadas por partidos ou coligações de partidos ou, nos termos fixados na lei, por grupos de cidadãos eleitores». No fundo, repetindo, aquilo que já acontece para as assembleias de freguesia e que admitíamos que pudesse acontecer as câmaras municipais.
Uma outra questão que gostaríamos de referenciar dentro deste bloco de artigos diz respeito ao problema da institucionalização do referendo. Pese embora uma ou outra divergência, subscrevemos, na íntegra, a proposta da CERC, que ainda há pouco foi defendida pelo Sr. Deputado António Vitorino. Assim, devo informar que retiramos a proposta que apresentámos porque pensamos que, no essencial, ela está consignada na proposta da CERC. Devo dizer que concordamos com as outras propostas da CERC que se referem ao problema do referendo ser vinculativo - aliás, creio serem propostas originárias do PS e que, no essencial, acolhem as nossas próprias propostas.
Na realidade, penso que o referendo só faz sentido se se consignarem estes aspectos que constam da proposta da CERC. Desistimos da nossa proposta autónoma
relativamente aos capítulos referentes ao referendo e subscrevemos, na íntegra, a proposta da CERC relativamente a esta questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, apenas para ficarmos com o apontamento, gostaria que confirmasse se o PRD retira todo o título 10.° do Projecto de lei n.° 9/V, ou seja, os artigos 276.°-A, B, C e D e ainda o n.° 3 que apresentaram para o artigo 116.°

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Marques Júnior, para gostosamente dar o seu a seu dono, quem propõe que no estatuto do Presidente da República seja introduzida uma alteração no que se refere às competências nas relações internacionais para «participar na definição da política externa» é o PRD. O que o PS propõe é que ele «represente o Estado na ordem externa».
Mas esta preocupação, de que partilham tantos partidos da Assembleia da República, leva-me a colocar o seguinte pedido de esclarecimento: em face disto e do empenhamento que há pouco vimos ser colocado pelo Sr. Deputado Almeida Santos na questão da autonomia administrativa financeira dos serviços da Presidência da República, não lhe parece estranho que esta matéria relativa ao Presidente da República tenha ficado fora do acordo PSD/PS? Não salienta isto -, sem desmerecer o trabalho que foi feito na CERC - a importância do debate no Plenário, quando estamos aqui todos à luz do dia? Não mostra isto quanto é importante esta questão que ficou esquecida nesses acordos de gabinete que levaram a esta revisão que está a ser feita?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Carlos Brito, uma vez que o meu colega de bancada, Sr. Deputado Carlos Lilaia, me chamou a atenção para o facto de eu ter produzido uma afirmação que não era verdadeira - na verdade, creio que não foi esse o caso -, gostaria de esclarecer o seguinte: no texto constitucional permitem-se candidaturas de cidadãos independentes para a assembleia de freguesia. Ora, eu disse que, do nosso ponto de vista e da interpretação que fazemos da Constituição, também é possível, embora não esteja constitucionalizada, a hipótese de candidaturas desses mesmos cidadãos para a câmara municipal. Foi, pois, nesse sentido que na legislatura anterior apresentámos um projecto de lei, embora não esteja claramente expresso. Portanto, a nossa ideia era constitucionalizar essa norma. Se por acaso, na intervenção que há pouco produzi, eu disse algo diferente disto, gostaria que esse aspecto ficasse corrigido.
Em relação ao Sr. Deputado Carlos Brito devo dizer que, para além da questão que coloca ser, do meu ponto de vista, pertinente, essa pergunta não deveria ser dirigida a mim, mas sim ao PSD.
Na verdade, como estou fora desse acordo PS/PSD, tenho uma facilidade muito grande para dizer que é

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completamente incompreensível que esta matéria relativa ao Presidente da República tenha ficado fora do acordo PSD/PS. E é tanto mais incompreensível se nos recordarmos da veemência que o Sr. Deputado Almeida Santos pôs na definição e na defesa que fez relativamente a este aspecto, inclusivamente invocando, com um ar um pouco trágico, que era a primeira vez que fazia um apelo desses. Ora, isso poderia pressupor que esta veemência também terá sido utilizada aquando das negociações do acordo e não foi considerado. Mas é perfeitamente incompreensível, de facto, Sr. Deputado Carlos Brito, que não seja considerado. E isto por uma razão muito simples: é que penso que esta questão - e nós estamos muito particularmente à vontade relativamente a isto porque toda a gente conhece a nossa posição em relação ao actual Presidente da República, cuja candidatura não apoiamos desde o início pois começámos por apoiar um outro candidato e só na segunda volta o apoiámos, não estando eu agora a fazer nenhum juízo de valor sobre aquela que tem sido a acção desenvolvida pelo Presidente da República - nos dá ainda mais força moral pois cuidamos, não de saber quem é que neste momento está na Presidência da República, mas daquilo que deve ser a competência e a defesa institucional do Presidente da República, não só na ordem interna, mas também na ordem externa, como muito bem referenciou o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Por consequência, sendo isto assim e sendo esta quase que uma questão de Estado, no sentido em que o mesmo se reforça com estas medidas ou se enfraquece com elas, é de facto um pouco incompreensível, para não dizer completamente incompreensível, que isto não tenha ficado consignado no acordo, quando o ficaram outras coisas que, eventualmente, poderiam ser menos relevantes do ponto de vista da revisão da Constituição e quando, ainda por cima - repito-o mais uma vez e sublinho -, esta revisão, neste aspecto, é um pouco o contraponto relativamente à revisão de 1982, em que, do nosso ponto de vista, foram retirados poderes ao Presidente da República e em que esse reequilíbrio, para bem das instituições, do nosso próprio sistema político, da sua perfeita coordenação com o que está constitucionalmente previsto e da separação de poderes entre os três órgãos de soberania, se impunha que pudesse ser agora corrigido nesta revisão da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que o PSD retira todas as propostas do bloco em discussão, à excepção da relativa ao artigo 124.°

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, fica registado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos fazer a primeira intervenção em Plenário, como subscritores do projecto n.° 10/V, por só agora estarem em debate disposições que tocam com a organização política das regiões autónomas.
Por razões que têm a ver com o reduzido tempo que nos foi atribuído e de que dispomos, tratar-se-á de uma curtíssima intervenção, que terá que ver, exclusivamente, com alguns dos preceitos agora em discussão.
Se há poderes que melhor caracterizam e permitem concretizar a autonomia, sem dúvida que o poder legislativo conferido às regiões autónomas assume, entre todos, lugar primordial. Significa isto que não se poderá, de boa fé, aceitar o aprofundamento e o aperfeiçoamento das autonomias sem admitir o alargamento dos poderes legislativos conferidos às assembleias regionais.
O artigo 115.° da Constituição, na redacção resultante da revisão de 1982 e na linha do que já vinha consagrado na alínea a) do artigo 229.°, impõe que os diplomas legislativos regionais se subordinem às leis gerais da República. Ora, é de todos sabido as controvérsias que, designadamente em sede de Tribunal Constitucional, este vago e impreciso conceito tem gerado. Nem a introdução, na última revisão, da definição de que leis gerais da República são as leis e os decretos-lei cuja razão de ser envolva a sua aplicação sem reservas a todo o território nacional, impediram que as dúvidas e controversas sobre tal figura, limitativa dos poderes legislativos regionais, se mantenham. Compreender-se-á que, como deputados eleitos pelas regiões autónomas e melhor identificados com os anseios das suas populações, tenhamos apresentado um projecto de revisão próprio que acolhe aquelas legítimas aspirações.
Daí que tenhamos proposto a eliminação deste limite constitucional aos poderes legislativos regionais pois, no nosso entendimento, os limites a tais poderes, balizados que estão pelo interesse específico, por um lado, e pelo respeito da competência própria ou reservada aos órgãos de soberania, por outro, deveriam ser tão-só os da subordinação à própria Constituição. Não lográmos obter na CERC o apoio indispensável à obtenção dos dois terços necessários à viabilização das alterações constitucionais pretendidas nesta matéria, porém, demonstrado que está que as autonomias são a solução portuguesa mais adequada à realização de Portugal no Atlântico, é nosso dever aprofundar e aperfeiçoar as autonomias porque, assim, estamos a contribuir para um Portugal melhor.
Dentro deste espírito, tentou-se ainda na CERC, através de proposta de consenso regional subscrita pêlos nossos colegas da Região Autónoma dos Açores, introduzir uma definição de leis gerais da República menos rígida e que a identificasse com os princípios ou bases gerais do regime jurídico, contidos em leis ou decretos--lei, cuja razão de ser envolva a sua aplicação sem reservas a todos o território nacional. Também esta proposta, mais uma vez, não logrou obter a necessária aprovação.
Igualmente pretendemos introduzir a designação «leis regionais» para qualificar diplomas provenientes de assembleias regionais, pois, como defende o Professor Jorge Miranda, tal expressão salienta e reforça a natureza legislativa desses actos e ainda porque, na tradição constitucional portuguesa, os diplomas provenientes de assembleias representativas devem chamar-se leis e vamos apresentar uma proposta respeitante a esta questão que pensamos ainda poder vir a merecer acolhimento.
Não entendemos a relutância que há em aceitar a proposta que apresentámos a propósito da publicidade dos actos legislativos previstos no artigo 122.°, no sentido de ser constitucionalmente acolhida a obrigatoriedade de publicação no jornal oficial da respectiva região «dos actos das regiões autónomas». Casos como este, alimentam a ideia de que só a circunstância de se tratar de proposta relativa às regiões autónomas e subscrita por

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deputados por elas eleitos é razão bastante para que, à partida, venha a ser inviabilizada.
Não é ainda, infelizmente, nesta revisão que fazemos da Constituição, como desejava Sá Carneiro, uma Constituição que una e não divida os portugueses e que possa e deva ser o seu máximo denominador comum. Que ao menos o reequacionar das questões de autonomia regional que esta oportunidade da Revisão Constitucional permite, não tendo logrado obter o reforço desejado e os aperfeiçoamentos mais adequados, que ao menos - dizíamos - sirva para que as autonomias sejam melhor compreendidas e que, de uma vez por todas, se ponha termo a «suspeições» que atentam com o inequívoco portuguesismo das populações insulares, que apenas têm dificuldade em aceitar que outros portugueses nem sempre as compreendam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não dispõe de mais inscrições.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, uma vez que a Mesa não dispõe de mais inscrições para o debate das questões atinentes a este bloco, pedi a palavra - e fi-lo só nesta alínea porque presumo que o Sr. Presidente iria dar por encerrado o debate do sobredito bloco - apenas para lamentar que as diversas bancadas, nomeadamente as bancadas proponentes do artigo que virá a consagrar a figura do referendo, mais não tenham dito sobre ele. É que, de facto, é um instrumento novo, é algo que entra de novo na Constituição, sendo algo de extrema relevância para a prática da democracia em Portugal.
Coloquei aqui já, penso que pela terceira vez, questões que entendo e que continuo a entender que deveriam ficar esclarecidas hoje e aqui e aceito que não se queira responder às questões que coloco - é perfeitamente legítimo que as pessoas não as oiçam e que, muito menos, lhes queiram responder -, mas o que não posso aceitar é que os proponentes digam muito pouco sobre algo de novo que vai entrar na Constituição e na vida democrática dos portugueses e que, desde já, deveria ficar bem balizado e bem tipificado, no sentido de ser um instrumento bem utilizado e de não se lhe recorrer levianamente, nem se fazer dele uso indevido, de forma a que venha a ser utilizado sempre que necessário e não para provocar insónias a qualquer primeiro-ministro, nem para colocar qualquer governo perante o espectro fantasmagórico da dúvida sistemática, para fazer injunções de outro tipo de votações para os órgãos de soberania ou para as autarquias donde decorresse que: «O povo escolheu isto ou aquilo, logo não é preciso fazer referendo.»
Que todas estas questões ficassem claras era para mim fundamental porque não se trata de pequenas alterações a um qualquer artigo da Constituição, mas sim de introdução de um novo instrumento - e fundamental - para uma prática democrática diária ou para uma prática democratizante mais directa do que a daqueles instrumentos que já temos ao nosso dispor.
Sobre isto muito mais haveria a dizer e é pena que o não façam os partidos que sustentam esta proposta, com a qual estou basicamente de acordo, tendo ainda tempo para o fazer. Este é, digamos, um apelo ou uma provocação, se quiserem, que faço aos deputados ainda aqui presentes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Herculano Pombo, creio que as questões que o Sr. Deputado colocou têm uma resposta cabal no debate extenso e detalhado que foi travado na CERC sobre esta matéria. Compreendo, naturalmente, que, por necessidades do seu Grupo Parlamentar, Os Verdes, não tenham podido assistir a esse debate, só não gostaria que se ficasse com a ideia de que este instituto novo tem contornos pouco rigorosos ou indefinidos pelo exíguo debate nesta sede, porque isso não é verdade. Repare que tudo está devidamente enquadrado e especificado no debate extenso e detalhado que inclusive levou a um aprimoramento da fórmula jurídica sobre o referendo em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
E a questão é esta: o local próprio para discutir futuros desenvolvimentos do que está consagrado na Constituição será a elaboração da lei orgânica sobre o regime do referendo. Esse é que será o momento para desenvolver o que aqui está na Constituição. Agora, o que está na Constituição é claro!
O Sr. Deputado Herculano Pombo pode dizer que é injusto que não se possa fazer um referendo sobre a participação de Portugal em organizações internacionais. O ónus de demonstrar que nós não devíamos ter excluído todas as matérias de competência política constantes do artigo 164.° e que deveríamos apenas ter excluído algumas, tendo deixado outras no âmbito do referendo, é seu. Mas qual seria a lógica de uma solução dessas quando, por exemplo, também excluímos as matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República do âmbito do referendo? Ou seja, um tratado solene sobre uma matéria tão relevante como a da participação de Portugal em organizações internacionais deveria ser submetido a referendo, mas já não o deveria ser, por exemplo, um tratado sobre matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República constante do elenco de matérias do artigo 167.°, como, por exemplo, a cidadania. Já imaginou o que era submeter a referendo a cidadania?!
Por consequência, nesta matéria há, de facto, inúmeras hipóteses de solução. Esta é uma solução coerente e, portanto, penso que as questões que se colocam agora são apenas decorrentes da Constituição sendo questões que terão de ser encaradas no debate da lei orgânica sobre o regime jurídico do referendo, mas a solução da Constituição não é em si mesma equívoca.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de referir que o facto aqui trazido de eu não ter podido participar nesta discussão do referendo em comissão é o menos relevante de todos. Participei nos trabalhos da comissão, como membro da mesma, sempre que pude ou achei interessante. É certo que sempre que lá estive fui um «menino entre doutores», nem sempre um menino inteligente e nem sempre um menino esperto, mas aprendi aquilo que

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pude e tenho tentado trazer para aqui, do que lá aprendi, o máximo. O que lamento é que aqueles que já muito lá sabiam e que alguma coisa lá terão aprendido, não tentem trazer para aqui, que é o local certo e a hora certa, o máximo daquilo que lá foi dito. É isto que quero lamentar, Sr. Deputado António Vitorino.
Agora, evidentemente que estou de acordo consigo no sentido de que esta solução que aqui se propõem não é equívoca, bem pelo contrário! O que ela pode ser é sem glória! É que dizer «exceptua-se o que está disposto no artigo 164.° da Constituição», quer dizer que se resolveu o problema com uma expressão, matando-se, não dois, mas uma série de coelhos entre outros mamíferos e outras espécies. Eu posso ver aqui, por exemplo, uma espécie que nem sequer está catalogada no catálogo de Lineu porque não existe, qual seja a expressão «quaisquer outros tratados que o Governo entenda submeter-lhe». Quais são esses tratados que não podem ser submetidos a referendo, que são ainda não existentes e não tipificados, não se sabendo ainda quais são?! Porquê? Porque, infelizmente, esta expressão consta do artigo 164.° e, como se exceptua todo o artigo 164.°, acabou! Pela expressão «quaisquer outros», não sabemos quais venham a ser!
Agora, o que me parece grave nesta solução adoptada não é que aquilo que está preceituado no artigo 164.° seja excepcionado, porque há aqui coisas, obviamente, que não podem, nem devem, nem deveriam ser nunca submetidas a referendo - e espero que isto não tenha passado nunca pela cabeça de ninguém - pois coisas como, por exemplo, o direito de cidadania ou mesmo outros direitos não poderão nunca ser objecto de referendo; porém, há também coisas que o devem ser sempre sob pena do referendo deixar de o ser.
Façamos referendo finalmente em Portugal! Já o pedimos para muitas coisas - referendos locais e referendos nacionais -, mas façamos o referendo referendando e não o façamos como controlo porque, caso contrário, não há, de facto, referendo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais ninguém inscrito, damos por encerrado este bloco de artigos do artigo 111.° ao 149. °
Quanto às votações, em momento oportuno ficou registado que o PSD retirou todas as suas propostas à excepção das do artigo 124.° e que o PRD retirou também a sua proposta para o n.° 3 do artigo 116.° e as relativas aos artigos que focam a problemática do referendo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, é exactamente isso, mas sem prejuízo de, em tempo oportuno, voltarmos a poder retirar outras propostas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu referi estas propostas retiradas pelo PRD apenas para que fique assinalado e isso é importante para o nosso trabalho aqui na Mesa.
Srs. Deputados, atendendo à hora em que estamos, vamos suspender os nossos trabalhos que recomeçarão às 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Marques Júnior

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, vamos agora proceder à discussão das matérias da Constituição incluídas no bloco que corresponde aos artigos 150.° a 204.° Os tempos atribuídos são os que constam do respectivo placará.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de redução do número de deputados é apenas um sinal de demagogia. Porém, não a discutirei nessa base, porque o que importa não é isso. O que importa é que, para além de demagógica, constitui factor de enfraquecimento do sistema proporcional, favorece em princípio o partido mais votado excepto na medida em que este o não seja nos pequenos círculos.
Também a proposta de eventual introdução de um círculo eleitoral nacional pode, de algum modo, contribuir para enfraquecer o sistema proporcional, designadamente se o princípio do duplo voto for admitido. Só não votarei contra a redução do número de deputados e a eventual criação de um círculo eleitoral nacional se, na sua globalidade, a garantia da proporcionalidade for reforçada. Isso pode, por exemplo, alcançar-se através de disposições como a que proponho para o artigo 155.°, designadamente através da proibição constitucional do duplo voto e através do recurso a um círculo nacional único para efeitos de apuramento geral de resultados eleitorais.
Parece-me louvável, embora insuficiente em si mesma e na avaliação global da revisão, a proposta da CERC relativa ao n.° 6 do artigo 171.°

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que, embora porventura muita gente se não tenha dado conta, esta é uma das questões essenciais da Revisão Constitucional porque, eventualmente, poderá não vir a ser devidamente salvaguardada a questão da proporcionalidade. Partilho, portanto, as preocupações do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, faço minhas as suas palavras e queria perguntar-lhe se não acha que, no quadro político português actual e eventualmente futuro, o único partido que realmente virá a beneficiar desta disposição é o PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, com efeito, o partido actualmente mais votado - e, provavelmente, o mais votado num horizonte próximo, mesmo que a direita perca a maioria - é o PSD. Enquanto o PSD for o partido mais

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votado, beneficiará; se for o PS o partido mais votado, pois será o PS a beneficiar. É tudo quanto lhe posso dizer.
Pode apenas ponderar-se a eventualidade de o partido mais votado no plano nacional poder não ser o mais votado nos pequenos círculos. Nesse caso, o partido votado não beneficia, porque pode ter o seu eventual candidato excluído pela redução do número de deputados por círculo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também eu gostaria de pronunciar-me, com a brevidade necessária, sobre esta questão que os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e Manuel Alegre acabaram de aqui trazer à discussão, questão que se pretende com as alterações propostas ao artigo 151.° da Constituição.
Não posso deixar de revelar a minha preocupação, não por aqueles que virão, eventualmente, a ser beneficiados mas por nós e por outros que, como nós, virão - não «eventualmente» mas «certamente» - não só a ser prejudicados como impedidos de, na prática, ter acesso ao Parlamento.
Somos os pequenos partidos, os filhos de um Deus menor, que também fazem parte da democracia, que também contribuem para que a democracia seja viva e diversificada e não uma mistela, mais ou menos homogeneizada, de grandes coisas, de grandes partidos mas de ideias, às vezes, poucas e pequenas.
Esta minha intervenção, basicamente, tem o objectivo de protestar veementemente pelo facto de, num país como o nosso, se tentar, sem razão que eu possa aceitar, reduzir drasticamente o número de 250 deputados.
Poderíamos, eventualmente, trazer ao debate situações de outros países estrangeiros e comparámos, por exemplo, em relação ao território, qual o seu número de eleitores, quantos deputados têm e eventualmente quantas câmaras legislativas têm. Podíamos fazer algumas comparações.
Mas não me interessa muito entrar em termos de comparação, porque esse é já um debate estafado. A propósito de tudo e de nada, temos a tentação de fazer comparações entre Portugal e os restantes países da Europa.
O que interessa é, de facto, atender à nossa situação e saber se, com esta redução de deputados, é a democracia que vai sair privilegiada, se é o Orçamento do Estado, se se deve apenas a simples contas matemáticas, se não era de reduzir noutras despesas em vez de reduzir nos custos reais da democracia.
A democracia, para ser plena, tem de ter custos e é preferível aceitar os custos da democracia do que pagarmos os custos, muito mais pesados, de uma qualquer ditadura ou de um desvirtuamento da democracia. Tudo faremos para evitar, na prática, que a nossa democracia venha a ser prejudicada pela redução efectiva dos deputados.
Cabe fazer uma referência, nomeadamente à proposta do PSD, partido que queria que a futura Assembleia da República tivesse apenas 180 deputados, ou seja, uma redução de 70 deputados.
Pergunta-se: porquê? Será porque o PSD teve uma congestão de deputados e ainda não conseguiu digerir os que tem? Mas esse é um problema do PSD e não, eventualmente, da democracia portuguesa, porque, que eu saiba, esta nunca se queixou de ter deputados a mais. Pode queixar-se de ter deputados que não são bons Deputados, agora, de ter deputados a mais, penso que ainda ninguém se queixou.
Assim, tudo o que caminhe no sentido da redução dos eleitos, no sentido da redução da representatividade dos portugueses, é mau para a democracia, é mau para a diversidade da democracia, é péssimo para os pequenos partidos que têm direito a existir, que têm direito, não só em que os deixem falar, enquanto a «caravana» passa, mas também de existir nas instituições e, na prática, o que se propõe é coactar esse direito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vamos pôr em causa o número dos deputados, votaremos mesmo a proposta da CERC, que propõe 235 deputados.
O que para nós está, de facto, em causa - e temos, várias vezes, levantado a questão nesta Câmara - é o estatuto funcional dos deputados. Embora entendemos que a redução de 15 deputados, em relação aos 250, não venha, de algum modo, contribuir para que o trabalho apresentado pêlos diversos grupos parlamentares possa vir a ser minorizado, contestamos que as razões que, eventualmente, venham a ser invocadas para a redução dos deputados não venham a ter a resposta favorável que todos desejamos.
O que provoca desfasamentos no trabalho da Assembleia da República é, de facto, a ausência sistemática dos deputados nas várias comissões e em Plenário e não o seu número de 250, que não considerávamos exagerado.
Consideramos que os 235 deputados que eventualmente venham a ser eleitos terão de ser igualmente repartidos, em igualdade de circunstâncias, por todos os partidos que se venham a submeter a sufrágio nacional. Isto quererá dizer, em nosso entender, que 235 deputados poderão, eventualmente, vir a ter a mesma representação parlamentar por cada um dos grupos parlamentares que se apresentem. O que temos dúvidas é que esta redução venha a ter alguma vantagem prática no trabalho diário desta Assembleia.
É hoje notório, pelos vários documentos que nos são facilitados através dos serviços da Assembleia, que há dezenas, para não dizer centenas, de propostas de lei, projectos de lei e outros diplomas que se encontram retidos nas comissões para serem analisados. Se 250 deputados não os conseguiram, até agora - e não vou aqui discutir as razões por que não conseguiram -, trazer a Plenário, não estamos em crer, muito pelo contrário, que, com a redução dos deputados se possa, eventualmente, vir a resolver esse problema e, como já aqui foi referido, também não estamos em crer que questões financeiras sejam uma das razões para esta redução.
Gostaria ainda de dizer que também nós, embora não pudéssemos estar presentes na CERC, relativamente às propostas de alteração ao artigo 155.°, apresentadas,

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respectivamente, pêlos Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e Helena Roseta, teríamos votado contra o n.° 6 das propostas apresentadas, porque não entendemos que, quando se contesta que não se deve reduzir drasticamente o número de deputados, paralelamente, se diga, embora possa haver uma explicação que me tenha passado, que «nenhum partido ou coligação obterá representação na Assembleia da República se não tiver recebido no mínimo 2% dos votos nos termos do n.° 3 do presente artigo (.. .)».
Para nós, 2% dos votos são igualmente 2% da população portuguesa que resolveram, através do voto, dar a possibilidade de terem os seus representantes na Assembleia da República, pelo que consideramos até mesmo contraditória estas duas posições.
De qualquer das formas, mantemos a nossa posição e iremos, naturalmente, votar favoravelmente a proposta da CERC referente ao artigo 151.10

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esta análise do Sr. Deputado Rui Silva deixa-nos um bocado perplexos. Anuncia agora que o PRD vai votar a favor do artigo 151.°, mas no seu projecto originário o PRD não propunha a redução do número de deputados, nem a sustentou publicamente; não consta do seu programa eleitoral, nunca foi medida que apregoasse como necessidade para a «higiene» da instituição parlamentar, o que nos leva a pensar que, aparentemente terá sido convencido por alguma razão.
No entanto, o seu próprio discurso evidencia que todas as razões que invocou não são a favor da redução do número de deputados. Como V. Ex.ª bem desenvolveu, se fui capaz de percebê-lo, o «elixir» não funciona. Para pôr as comissões a funcionar, é preciso que os deputados arregacem as mangas (e os deputados do PSD são o que se vê); para pôr o Plenário a funcionar é preciso fazer agendamentos e a maioria do PSD é o que se vê: bloqueia, bloqueia, bloqueia...
V. Ex.ª está a favor da redução do número de deputados mas não percebo se fez algumas contas. Fala da repartição proporcional. V. Ex.ª terá feito algum cenário? Em função de quê? Em função de que projecção de resultados? Conhece, por exemplo, as nossas contas em função de uma projecção dos resultados eleitorais de 1987? Verificou que a redução é selectiva e mais: é ad hominem, contrapartiíum, é excludente, é feita dolosa e deliberadamente para ataque a uma determinada área do espectro político! À não ser que V. Ex.ª ache que estas coisas devem ser discutidas um pouco no ar!...
Gostaria de conhecer um pouco mais a vossa reflexão sobre esta matéria para ter a certeza de que há de facto, uma reflexão e de que VV. Ex.ªs assumem esta opção com todas as consequências e não por mero alvitre.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado José Magalhães, talvez fosse o Partido Renovador Democrático que, depois de ter nesta Assembleia 45 deputados e de
se ter submetido a um sufrágio eleitoral - que, eventualmente, ele próprio provocou -, se devia sentir na obrigação de defender até o aumento dos deputados nesta Casa. É natural que assim pense!
O que é certo é que, ao longo dos diversos actos eleitorais que se têm vindo a realizar para esta Casa, é bem verdade que o PCP tem vindo a reduzir o número dos seus deputados e é natural que hoje se sinta, de algum modo, preocupado com a essa situação.
Nós não receamos isso e sentimos que as eleições de 1987 foram uma situação conjuntural, que nada teve a ver com a percepção do povo português. Foi, de facto, uma «onda cavaquista» que levou as pessoas a votar. Não se votou apenas no Partido Social-Democrata, 20% dos eleitores votaram em Cavaco Silva e, naturalmente, não acreditamos que isso possa voltar a acontecer. Com o nosso trabalho, com aquilo que vamos desenvolver, estamos conscientes de que estaremos em boas condições de poder vir a recuperar o nosso eleitorado.
Já foi posto em causa se 235 deputados poderão ou não vir a dar maior rentabilidade a esta Casa, porque não acreditamos nessa situação, mas também não acreditamos que esta redução possa vir a prejudicar, por igual e no seu conjunto, todo os grupos parlamentares, porque todos estarão em igualdade de circunstâncias quando se submeterem a sufrágio. Naturalmente, neste aspecto, estamos calmos e poderemos submeter-nos a tal sufrágio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O adjectivo «calmo», talvez não chegue!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referir-me-ei ao artigo 155.°, em ligação com os artigos 151.° e 152.°
Sempre defendi que esta Assembleia da República poderia ter menos deputados e essa é a proposta da CERC. Acontece, porém, que a redução do número de deputados deve ser feita com determinadas garantias ou cautelas e, na minha opinião, essas não estão asseguradas pela proposta da CERC.
Desde logo - e há muitos anos que venho defendendo isso -, penso que não deve sei feita qualquer redução do número de deputados da Assembleia da República sem previamente serem criadas as regiões. Isto porque entendo que há um escalão do nosso poder político que está em falta há muitos anos, desde 1976, e esse escalão deveria absorver uma parte substancial de pessoas com vocação para a actividade política e que estão neste momento impedidas de exercer, no seu todo, as competências que, efectivamente, têm, ou porque já as adquiriram no seu escalão local ou porque este escalão da Assembleia da República não é aquele para o qual se encontram mais vocacionados. Infelizmente, todas as maiorias que têm estado nos governos sucessivos, desde 1976, têm adiado sistematicamente a questão das regiões, que está agendada brevemente para discussão e votação em Plenário. Vamos ver o que é que dá.
A verdade é que não tenho, neste momento, garantias de que as regiões sejam instituídas rapidamente, pelo que considero que uma das condições que sempre

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defendi para a diminuição do número de deputados a nível nacional não está conseguida.
A segunda condição tem a ver com a proposta que, juntamente com o Sr. Deputado Mário Sottomayor Cárdia, apresentei para o artigo 155.° Verão os Srs. Deputados, nos n.ºs 3 e 4 da nossa proposta, que se estabelece um precedente relativamente à contagem dos votos e à atribuição de mandatos segundo o método de Hondt. Actualmente, essa contagem é feita círculo por círculo, para efeitos de apuramento de resultados em termos de deputados, e nós propomos que a contagem se faça em termos nacionais, para efeitos de apuramento do número de deputados, o que permitiria ressalvar ou garantir a representatividade dos pequenos partidos que, em caso de redução do número de deputados, serão obviamente prejudicados na contagem pelo método de Hondt, círculo por círculo.
É por isso que entendo que caso o artigo 155.°, designadamente aos n.ºs 3 e 4, não venha a merecer acolhimento nesta fazer da Revisão Constitucional, não poderei votar favoravelmente a proposta da CERC para o artigo 151.°
Finalmente, direi ao Sr. Deputado do PRD que, relativamente ao limite mínimo dos 2%, compreendo o seu ponto de vista, mas parece-me que o limite dos 2%, tendo em vista o n.ºs 3 e 4 que propomos, isto é, que a contagem seja a nível nacional e não círculo a círculo, estabelece um mínimo de representatividade que não me parece insensato. Um partido que não consiga obter essa percentagem, efectivamente tem uma representatividade extremamente reduzida no território nacional. Houve casos em que alguns partidos não chegaram a ter aqui deputados, embora tivessem mais do que 2% no todo nacional, porque o método do Hondt foi feito por círculos e, portanto, foram prejudicados nessa contagem.
É isso que gostaríamos de corrigir e penso que a nossa proposta não é um passo atrás mas, sim, um passo à frente relativamente à garantia da representatividade segundo o método proporcional.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr.a Deputada Helena Roseta, nunca é demais aproveitar todas e quaisquer oportunidades para trazer ao debate o problema da regionalização. Fê-lo V. Ex.ª mais uma vez, e ainda bem.
Só que não consegui perceber - e fará o favor de me explicar, se assim o entender - em que é que a implementação das regiões pode favorecer ou indicar como favorável a redução do número de deputados nesta Casa. Por que é que havemos de reduzir o número de deputados da Assembleia da República? Continuo a perguntar: Haverá alguma razão? Serão razões de tipo económico, serão razões de geografia política pura? Que razões haverá? O que é que manda que 250 deputados sejam demais e 235 deputados seja o número justo? Haverá algum número cabalistivo, que desconhecemos, para dar sorte, para que tudo o que daqui saia seja abençoado? Não sei! Nunca ninguém me apresentou uma razão, válida que não seja uma razão que tenha outra natureza que não apenas a razão da razão, e nenhuma outra, para que, neste momento, tenha de reduzir-se o número de deputados.
O País já atravessou crises económicas mais profundas do que a que temos agora e, no entanto, nunca se alvitrou a redução dos deputados.
Eu diria: aumente-se o número de deputados. Há até quem fale em duas câmaras. Quantos mais portugueses aqui estiverem a discutir os problemas dos portugueses, melhor. Pena é que não possam estar os 10 milhões aqui, como alguém já falou, os 10 milhões de provedores ecológicos. É pena que os 10 milhões não possam ser 10 milhões de deputados, porque todos defenderiam todos. É pena! Não pode ser! Será uma utopia das grandes, mas, ao menos, tenhamos a utopia de tamanho sensato de ter aqui estes, ou outros, 250 deputados. Será que não cabemos? Será que estamos a apertar-nos uns aos outros? Cabemos! Ainda há espaço! Ainda há espaço para mais e melhores deputados!
Penso que as regiões fazem falta, de facto, e temos de ter a consciência de que não teremos uma democracia completa enquanto as regiões não forem instituídas e não funcionarem. Mas o que é que tem a ver a criação das regiões com a redução do número de deputados?
Segunda questão, Sr.a Deputada - e permitir-me-á que, desta vez, esteja em profundo desacordo com V. Ex.ª, o que não tem sido muito normal nos últimos tempos -, por que é que havemos de impor uma barreira, como se se tratasse de um concurso de saltos de obstáculos? Aquele partido que saltar o obstáculo dos 2% passará e não elegerá um deputado senão logo uma chusma deles?
Tenho conhecimento de experiências que se passam, nomeadamente, com os partidos enologistas em toda a Europa, quer na Europa comunitária quer fora dela. Há muitos países da Europa onde existem estas barreiras: quem não consegue chegar aos 5%, não tem direito a voz, não pode falar nem exprimir-se; quem passar os 5°7o, tem logo direito a uma chusma de deputados. Passa-se do zero absoluto para uma chusma deles. Qual é a vantagem disto em democracia? Nenhuma! É por isso que nesses países as pessoas que, como nós, enologistas, lutam para que a democracia seja mais participada, têm levado a cabo campanhas sistemáticas para acabar com as barreiras eleitorais, para que se aplique o método proporcional em toda a sua justeza, porque é justo que assim seja e não de outra forma. Barreiras, não, nem que seja de meio por cento! Todas as vozes, as mais pequeninas, as mais diferentes, devem ser ouvidas! Quanto mais vozes melhor, quanto mais diferença melhor, pois mais viva e mais participada é a democracia.
Permita-me que esteja em desacordo com o n. ° 6 da proposta, ainda que compreenda que o que vem proposto não é uma simples barreira de 2%, tem de ser entendida à luz do que é proposto nos números anteriores. Mesmo assim, o meu profundo desacordo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta, mas informo-a de que o tempo que gastar será descontado no do PS, uma vez que esgotou o tempo de que dispunha.
Tem, pois, a palavra Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Deputado Herculano Pombo, não há ligação directa entre a criação das regiões e a diminuição do número de deputados, como é óbvio.

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Aquilo que eu digo é que, sem estarem criadas as regiões, não posso aceitar a redução do número de deputados. Por que é que digo isto? O Sr. Deputado tem conhecimento, pela experiência do trabalho desta Casa, que há aqui dois tipos de intervenção: há o deputado que tem uma intervenção muito activa e há o deputado que vem da sua região, que tem um peso regional efectivo, e que chega aqui e não tem possibilidade de intervenção real.
Penso que seria excelente que essas pessoas, incluindo outras que estão nas regiões a fazer um trabalho válido, tivessem uma forma de intervir politicamente mais eficiente e, nessa altura, poderia fazer sentido reduzir o número de deputados, mas só nessa altura, porque neste momento sou totalmente contrária à proposta da CERC. Aliás, acho que reduzir de 250 para 235 deputados é caricato, em termos de qualquer espécie de economia, e só é negativo em termos de complicação política que vai trazer. Portanto, não vou votar a favor da proposta da CERC, o que queria explicar a minha maneira de pensar.
Quanto à questão da barreira dos 2%, penso que foi justo, quando disse que isto estava relacionado com os n.ºs 3 e 4 da nossa proposta. Portanto, seria uma melhoria em relação ao sistema actual; de certa maneira, se quiser, era uma maneira mitigada de melhorar a situação actual. O ideal seria, evidentemente, que estivesse apenas os n.ºs 3 e 4 e não figurasse sequer o n.° 6. Em qualquer caso, ainda que figure o n.° 6 da nossa proposta, aquilo que apresentamos sempre é melhor do que a situação actual, porque esta elimina da representação parlamentar os partidos que em determinados círculos não consigam, através do método de Hondt, a sua representatividade.
Pretendíamos recuperar esses votos em termos nacionais, porque pensamos que é em termos nacionais que devem ser considerados os deputados. Os deputados não são eleitos do círculo, não são representativos do círculo; são representativos da Nação e por essa razão é que trazemos esta filosofia.
Não tenho qualquer problema em faço finca-pé na proposta do n.° 6, mas se efectivamente os n.ºs 3 e 4 não forem aprovados pelo Plenário, retirarei imediatamente a proposta do n.° 6, porque, como é óbvio, não faria sentido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: As alterações indiciadas pelo texto da CERC em relação ao Estatuto da Assembleia da República, revestem-se de uma gravidade comparável as alterações que atingem outros títulos da Constituição da República, designadamente as alterações relativas à Constituição económica.
Na verdade, as alterações previstas relativamente ao Estatuto da Assembleia da República, confirmam, a nosso ver, uma modificação do texto constitucional governamentalizadora e favorável ao partido que detém neste momento a maioria na Assembleia da República. São, nesse sentido, e assim o entendemos, graves cedências, prejudiciais ao funcionamento das instituições, ao próprio papel da Assembleia da República no contexto dos órgãos de soberania e à oposição democrática. Quero referir-me especialmente às alterações previstas
em relação aos artigos 151.°, 152.°, 172.° e 183.°. São essencialmente três as questões que desejava abordar.
A primeira questão refere-se à redução do número de deputados, que foi já objecto de algumas intervenções.
Creio que a redução do número de deputados pode entender-se como um tema muito querido às campanhas da direita contra a instituição parlamentar e contra esta Assembleia da República...

Uma voz do PCP: - É verdade!

O Orador: - ..., tem um caracter demagógico, adultera o princípio da representação proporcional e serve, neste momento, o partido que detém - embora em queda, em redução - a maior massa eleitoral.
Começando pela questão das campanhas da direita, devo dizer que acho muito natural a proposta feita pelo PSD e até pelo CDS, este último revelando uma certa vocação suicida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Na verdade, essas propostas do PSD e do CDS inserem-se nessas campanhas da direita, para quem o deputado é visto sempre como um elemento a mais, que, de certa maneira, simboliza a própria democracia, o debate democrático, as imunidades parlamentares. O facto de alguém poder criticar o Governo com toda a frontalidade, poder fazer ao Governo as acusações mais graves e enfim, não ser preso por essa circunstância...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pode!...

Risos do PCP.

O Orador: - ..., pode ser o intérprete das maiores e mais agudas preocupações da opinião pública - e esta é naturalmente uma das grandes virtudes da instituição parlamentar - não agrada a essas forças da direita, que estão contra a democracia e as instituições parlamentares. O deputado tem essa qualidade, ou seja, é alguém que não é simpático e por isso quanto menos deputados melhor.
Compreendo que, para além destas razões gerais, no que toca aos Srs. Deputados do PSD, haja ainda a guerrilha do Sr. Primeiro-Ministro contra a Assembleia da República e as imunidades parlamentares, pois, também para ele, quanto menos deputados menos preocupações, assim como para o Sr. Ministro da Administração Interna, Silveira Godinho, quanto menos gente com imunidade parlamentar tanto melhor, menos preocupações.
Porém, já não compreendo muito bem a intervenção que há pouco ouvimos do Sr. Deputado que aqui falou em nome da bancada do PRD.
Os últimos acontecimentos da nossa vida política, nesta fase pré-eleitoral, não revelam essa tal despreocupação do PRD em relação aos resultados das eleições. Somos até levados a pensar que o PRD não esteja assim tão à-vontade, relativamente a uma consulta eleitoral; mas se há também da parte do PRD uma vocação suicida semelhante à do CDS, é lá com ele!
Quanto a nós, é inquestionável e temos contas feitas que poderemos dar ao Sr. Deputado. A redução dos deputados, mesmo feita com o carácter demagógico

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com que aparece nesta proposta, adultera gravemente e muito mais do que parece, o princípio da representação proporcional, e, na verdade, redunda em grande benefício de um partido que, embora em queda, como se encontra neste momento o PSD, através desta proposta pode disfarçar essa queda eleitoral.

Vozes do PSD: - Queda para si!

0 Orador: - 15to é, com menos votos, o PSD pode manter uma representação favorecida, potencializada, na Assembleia da República. Esta é naturalmente a questão fundamental que aqui está em causa. Por isso mesmo, não compreendemos a posição do Partido, Socialista nesta matéria.
É conhecida, através dos tempos, a posição do Partido Socialista relativamente à composição da Assembleia da República e até não é necessário recuar muito tempo, basta que nos situemos na primeira leitura da CERC. Nessa altura, quando o Sr. Deputado Rui Machete se propôs justificar a proposta do PSD, o Sr. Deputado Almeida Santos disse qualquer coisa como que era uma proposta de «justificação impossível». Também me lembro das contribuições aí dadas por deputados do Partido Socialista, incluindo matéria de Direito Comparado, mostrando que a existência de 250 deputados em Portugal não é um número excessivo, comparando com outros países europeus com uma população semelhante à nossa. Até mesmo o Sr. Deputado António Vitorino concluiu a sua intervenção nesta matéria desafiando o PSD a propor que esta questão fosse votada por voto secreto na Assembleia da República.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - E diziam: «Já só faltam 7%»!

0 Orador: - Todos nós sabemos como este saco se transformou num tremendo fardo eleitoral. Portanto, as esperanças excessivas levam também a resultados muito desagradáveis...
Creio que era tempo de aqueles que apostam numa concepção bipolarizadora da vida política portuguesa desistirem dessa concepção.

Voes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

0 Orador: - A experiência de outros países, que os Srs. Deputados acompanham muito de perto, como por exemplo a Alemanha Federal, tem levado os que eram
mais defensores das concepções da bipolarização a desistirem delas convencidos de que elas são irrealistas e conduzem, aqueles que as professam, a um beco
sem saída. É num beco sem saída que o Partido Socialista está em relação a estas questões. É esse beco que transparece na adesão do Partido Socialista a esta pro
posta de redução do número de deputados sistematicamente feita pela direita ao longo dos anos.

Uma voz do PSD: - Essa é uma boa piada!

0 Sr. José Magalhães (PCP): - É uma boa ideia.

0 Orador: - Não se entende como é que nesta matéria o Sr. Deputado António Vitorino e os deputados do PS modificaram tão rapidamente posição, e não ouvi ainda- da parte do PS qualquer proposta no sentido de que a votação se faça por voto secreto . Mais do que isso, Srs. Deputados, creio que o inquietante é não se ter ouvido - quer da parte do PS quer do PSD, até este momento, e não tive pressa em me inscrever para intervir - qualquer justificação das razões políticas è institucionais para o funcionamento da Assembleia da República, para a rentabilização dos trabalhos parlamentares, desta redução do número de deputados. Não foi produzida qualquer intervenção séria que justifique uma modificação que tem consequências institucionais e políticas tão graves como as que tenho vindo a assinalar.
O que é que se passa com o Partido Socialista? Está o Partido Socialista com a esperança de ter um grande resultado eleitoral de tal maneira que as virtudes que este sistema comporta para o PSD venham a beneficiar o PS? Não quero, naturalmente ensombrar as esperanças eleitorais do Partido Socialista, mas creio que elas, quando são inconsideradas, levam muitas vezes a resultados amargos. A propósito, lembro-me sempre de um cartaz, que esteve profusamente colado nas paredes deste país, com um senhor - aliás muito bem vestido, que tinha um balão às costas, que lembrava um saco, com a seguinte inscrição: «43%».

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Passo à segunda questão para dizer o seguinte: a redução do número de deputados é agravada pelas mexidas que se pretende fazer no sistema eleitoral das eleições para a Assembleia da República. É verdade que o Partido Socialista tem gritado que não aceita que sejam alterados os círculos ou a sua composição. Tem feito essas declarações públicas. Mas a verdade é que o Partido Socialista aceita, nas propostas da CERC que subscreveu com o Partido Social-Democrata, a admissão da existência de um círculo nacional, círculo esse que, nos termos da proposta feita e que vamos discutir e votar, pode agravar ainda mais a adulteração do sistema de representação proporcional, beneficiando aqueles senhores (PSD)- que estão em queda e que com isso poderão reduzir e disfarçar essa queda, prejudicando todos os demais partidos da Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Mais: como é que podemos acreditar que o PS vá dizer «não» às alterações aos círculos e às suas com posições se começa por aceitar, desde já, a introdução do círculo nacional, com todas estas consequências, estando já por isso mesmo, no plano inclinado para ter de aceitar outras alterações aos círculos?

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - A terceira questão relaciona-se com os poderes de fiscalização da Assembleia da República. Todos esperávamos que nesta revisão da Constituição fosse possível alcançar aquilo que não tem sido possível, através das alterações ao Regimento da Assembleia da República. E isto porquê? Porque a revisão tem de ser feita por maioria - de dois terços e, portanto, - um parido de oposição tinha, forçosamente, de participar na revisão da Constituição.

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Ora, os partidos de oposição têm reconhecido e afirmado, ao longo dos últimos anos, que os poderes de fiscalização da Assembleia da República são incompletos e carecem de aperfeiçoamento. Todos temos afirmado que a figura das perguntas ao Governo não tem eficácia e são necessárias outras formas mais céleres e eficazes de chamada e de diálogo com o Governo, como a possibilidade de se poder chamar com urgência o primeiro-ministro ou qualquer ministro à Assembleia da República, sempre que motivos de grande importância nacional ou do grande impacto na opinião pública o justifiquem. Temos conversado sobre isto e naturalmente já todos falaram deste assunto com colegas de outros parlamentos e assembleias congéneres, onde estes poderes de fiscalização existem.
A não existência destes poderes de fiscalização na Assembleia da República é uma grave limitação á sua intervenção e ao seu papel na nossa vida política, designadamente ao seu papel de fiscalização do Governo. Mais, entendemos que o aperfeiçoamento destes mecanismos de fiscalização beneficiaria não só a Assembleia, não só a acção dos partidos de oposição, mas as instituições no seu conjunto. Quantas questões andarão por aí «apodrecidas» e maltratadas na opinião pública quando poderiam ser somente esclarecidas na Assembleia da República, que seria o lugar próprio para o fazer?! E era esta grande oportunidade de o fazer!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PS teve essa oportunidade nas mãos, mas não foi capaz de a concretizar, muito embora inclua no seu projecto de Revisão Constitucional várias figuras que teriam o nosso inteiro apoio e que realizariam estes objectivos. Também temos no nosso projecto propostas no sentido de se fazerem interpelações rápidas, uma forma mais célere e eficaz, de se fazerem perguntas ao Governo e moções que podiam ser de apreciação da actividade sectorial do Governo. Creio que estes instrumentos seriam de grande importância para o nosso trabalho. O PS não só não conseguiu - e não sabemos sequer se tentou - viabilizar qualquer destas alterações como, mais do que isso, aceitou uma redução, numa área chave, dos poderes de fiscalização da Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Refiro-me, como todos os Srs. Deputados já compreenderam, ao esvaziamento do instituto da ratificação, esvaziamento esse que é feito de duas maneiras: uma porque a Assembleia da República, a partir de agora, só passa a ter poderes de suspender os decretos-lei oriundos de autorizações legislativas; e outra porque, a partir de agora, existirá, a menos que consigamos aqui derrotar essa alteração, um mecanismo de caducidade que levará os pedidos de ratificação a caírem no final de cada sessão legislativa, em certas condições.
Ora bem, o estatuto da ratificação, mesmo quando não é discutido por obstrução da maioria é um instituto fundamental ao exercício da acção parlamentar e disso ninguém tem dúvidas.
As poucas ratificações que temos conseguido discutir têm-no sido no exercício do direito de fixação da ordem do dia ou, então, quando mais do que um partido, por
exemplo nós e o PS, apresentam um pedido de ratificação na mesma área.
No entanto, com esta alteração, a situação vai ser ainda mais prejudicada, ficamos ainda pior, ainda mais pobres nos instrumentos de fiscalização do Governo. O Governo beneficia desta situação, desta rendição do PS num capítulo essencial.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acresce, Srs. Deputados, que há cerca de setenta ratificações pendentes. O que é que vai acontecer?! Temos a hecatombe das ratificações nas mãos do PSD e do PS e não está prevista qualquer norma transitória que assegure os direitos das ratificações já apresentadas com justa expectativa de serem discutidas e de poderem interferir na nossa ordem institucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Também em relação ao mecanismo da caducidade, não se prevê qualquer salvaguarda, nem se altera o conjunto das prioridades no que respeita ao debate de matérias pelo Plenário da Assembleia da República, no sentido de assegurar de alguma maneira o agendamento das ratificações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Fica para o Regimento!

O Orador: - Devo dizer, Srs. Deputados, que tenho pugnado para que as ratificações tenham um regime de discussão e debate muito célere. A sua indispensabilidade é fundamental. Temos de encontrar formas muito rápidas de discutir as ratificações, mas é essencial que esse estatuto se mantenha e que não seja diminuído na sua eficácia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são algumas considerações, no pouco tempo que temos, a propósito das alterações ao estatuto da Assembleia da República, que me pareceram importantes.
Creio que do conjunto se pode tirar esta grande conclusão: a Assembleia da República é uma das vítimas do acordo PSD/PS...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - ..., porque vê diminuída a sua competência fiscalizadora e nada conseguiu ganhar - embora esta seja uma questão essencial que há muitos anos se coloca na Assembleia da República, designadamente aos partidos da Oposição -, vê diminuído o seu prestígio com a forma como temos discutido a própria revisão da Constituição, incluindo esta matéria, que mereceria, naturalmente, outro tratamento e outra reflexão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Srs. Deputados, creio que este conjunto de alterações relativo ao estatuto da Assembleia da República é, como eu dizia ao princípio, uma manifestação muito clara do carácter governamentalizador desta revisão da Constituição, de como

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ela serve, de facto, o, partido que tem o Governo e a maioria da Assembleia da República e como o PS, na verdade, viabiliza essa transferência de poderes para o partido do Governo, para o PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de organização dó poder político, as alterações que são introduzidas pelo acordo PS/PSD, expressas no texto da CERC, podem ser seriadas em três capítulos fundamentais: por um lado, alterações referentes ao sistema eleitoral; por outro lado, alterações referentes ao sistema de governo, e, finalmente, alterações referentes ao regime de apreciação de actos legislativos por parte do Parlamento.
Começando pelas questões do sistema eleitoral, devo dizer que se trata de matéria que, desde há muito tempo, tem vindo a ser considerada das mais controversas na nossa sociedade e daquelas que têm. dividido, de forma mais radical, aquilo que poderemos condicionalmente considerar a esquerda e a direita em Portugal. Os valores da representação proporcional são um património da esquerda, sendo a sedução por soluções de índole maioritária uma atracção permanente das forças à direita.
Esta questão esteve particularmente em foco quando das últimas eleições para a Presidência da República.
0 aspecto que talvez mais gritantemente dividia os dois candidatos que se apresentaram na segunda volta era, exactamente, a defesa que o candidato Freitas do Amaral fazia da alteração do sistema eleitoral no sentido de consagrar um sistema maioritário a duas voltas, de inspiração francesa, e a solução preconizada pelo candidato Mário Soares, que defendia a manutenção de um sistema de matriz proporcional, embora manifestando alguma simpatia por soluções próximas do sistema vigente na República Federal da Alemanha, que é aquele que, como se sabe, mantendo a matriz proporcional, combina círculos uninominais com a representação proporcional.
Esta divisão entre estes dois conceitos colocava o sistema eleitoral na dependência devoluções a nível constitucional e de soluções a nível legislativo.
É coerente, da parte de quem queria mudar o sistema eleitoral, que se pretenda a desconstitucionalização do mesmo. E no passado, quer o PSD quer o CDS, no projecto AD, propuseram, pura e simplesmente, a desconstitucionalização do regime eleitoral.
Recuaram nesta Revisão Constitucional é já não preconizaram a desconstitucionalização, mantendo a referência ao sistema proporcional, mas tentaram fazer a remissão para a Lei da Modulação em concreto desse mesmo sistema proporcional, ligando essa desconstitucionalização ou enfraquecimento da protecção constitucional com uma redução drástica do número de deputados.
0 CDS propunha que se passasse dos 240 a -250 deputados, que são os que a Constituição hoje prevê, pára 200 a 210 deputados - o que de certo nos privaria da sua simpática presença neste hemiciclo - e o PSD preconizava a redução para l80 a 200 - sabe-se lá se essa proposta não resultava de dificuldades de gestão de maiorias parlamentares tão alargadas...
Nós, no debate na CERC, dissemos claramente que não reconhecíamos ao argumento da funcionalidade do Parlamento qualquer relevância, em termos da modulação do número de deputados. Sempre dissemos que estávamos indisponíveis para qualquer redução drástica desse mesmo número de deputados e se no decurso de uma negociação sobre a Revisão Constitucional, que pressupõe sempre transigências e compromissos mútuos, a direcção do PS entendeu que o ponto referente ao
número de deputados era susceptível de uma reapreciação,- a verdade é que essa reapreciação se ficou por um limite, mínimo de redução do número de deputa
dos e, sobretudo, tivemos a preocupação fundamental de, com essa redução, não afectar a proporcionalidade, quer à escala, nacional,- quer, sobretudo, não diminuindo a representação parlamentar dos círculos do interior do País, que porque menos densamente populacionados, já são os círculos que elegem um menor
número de deputados.
Por isso mesmo, a solução encontrada não pode ser lida em função da redução do número de deputados para um lado e alterações do sistema eleitoral para o
outro, tem de ser lida conjuntamente.
Hoje a Constituição permite que a lei ordinária, por maioria simples, reduza o número de deputados a 240 e o que a Constituição irá dizer é que o número de
deputados e situará entre 230 - e 235. Portanto, a diferença entre o que já está hoje consagrado ao alcance do legislador ordinário. (por maioria simples) e o que fica consagrado na Constituição, como consentido, é uma diferença entre 5 e l0 deputados.
Em segundo lugar, e mais importante, põe-se termo; à possibilidade de uma maioria conjuntural alterar, a seu belo talante e em função dos seus interesses de momento, o sistema eleitoral, na parte que diz respeito ao método da conversão dos votos em mandatos e na parte que diz respeito à conformação dos círculos eleitorais.
A regra da exigência de dois terços para a conformação dos círculos e para. a alteração do método da conversão dos votos em mandato é uma garantia fundamental de que as alterações ao sistema eleitoral só podem ser feitas através de consensos alargados e não de vontades políticas unilaterais.
É por isso mesmo que á possibilidade de criação de um círculo nacional - que ora fica aberta - não está na dependência de uma maioria conjuntural, mas está, sim, na dependência de uma maioria qualificada de dois terços. E pode até haver soluções políticas em que o círculo nacional seja uma. forma de favorecimento dos pequenos partidos políticos, designadamente se se tratar de um círculo nacional, para aproveitamento de «restos» dos partidos políticos desaproveitados nas eleições nos círculos regionais, na medida em que...

Protestos do deputado Carlos Brito.

Mas, Sr. Deputado, não é excluído da redacção da Constituição que o círculo nacional, se existir, tenha apenas essa função de aproveitamento dos «restos» dos partidos para a eleição de deputados que não tenham sido aproveitados na aplicação do método de Hondt nos círculos regionais.
Porque é que os senhores condenam, à partida, uma solução que até pode ter interpretações e virtualidades mais vantajosas do que aquelas que comporta o sistema neste momento em vigor, inclusivamente mais

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vantajosas do que as próprias propostas dos Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e Helena Roseta? Estas propostas é que, ao estabelecerem uma barreira de 2%, afastam ou inviabilizam de todo a representação parlamentar dos partidos de menor dimensão, algo contraditoriamente com o facto de consagrarem o sistema proporcional. Porém, já no n.° 6 dos projectos n.ºs 5/V e 6/V, ao abrirem a possibilidade da existência de círculos uninominais - e como toda a gente sabe não há apuramento de resultados segundo o sistema proporcional em círculos uninominais, que são por definição círculos maioritários, logo o contrário exactamente dos círculos proporcionais -, os Srs. Deputados Cárdia e Roseta abrem a porta à introdução, no nosso sistema eleitoral, de uma vertente maioritária que hoje a Constituição expressamente afasta.
O que me surpreende é que se queira condenar a solução que vem da CERC em matéria de sistema eleitoral, quando essa solução garante, impõe mesmo, a consensualidade na alteração da Lei Eleitoral e, nessa medida, é sempre tendencialmente uma solução conservadora do estado de coisas existente, a não ser que...

Vozes do PCP: - Ah?!

O Orador: - ..., por exemplo, o Sr. Deputado Carlos Brito assuma perante a Câmara a responsabilidade de dizer que, ao Partido Comunista, era mais vantajosa a solução constitucional actual: uma solução de alteração da Lei Eleitoral na dependência de uma vontade maioritária simples, hoje a vontade da maioria do PSD...
Esta é a grande alteração e esta é a garantia de que há uma norma constitucional que protege as alterações da lei eleitoral e que garante a autenticidade do sistema eleitoral. Até porque não existe uma só maioria de dois terços possível. Repito, neste preciso momento, há, na Câmara, mais do que uma maioria de dois terços possível e não se diga, pois, que esta solução é até uma mera solução bipolarizadora.
Aliás, a propósito de bipolarização, uma rápida referência: creio que o exemplo da República Federal da Alemanha dado pelo Sr. Deputado Carlos Brito é particularmente infeliz quando se trata de passar a certidão de óbito aos sistemas de inspiração bipolar, porque é exactamente a falsa bipolarização que existe na República Federal da Alemanha que coloca o centro de gravidade do poder político nas mãos de um pequeno partido de centro que decide ora coligar-se à sua esquerda, ora coligar-se à sua direita e ser o barómetro ou o fiel do poder político na República Federal da Alemanha, frequentemente à margem do próprio sentido da vontade popular maioritária.
É verdade que o Partido Socialista não enjeita as virtudes de uma certa dinâmica dualista ou bipolarizadora em Portugal.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ah!

O Orador: - É verdade, Sr. Deputado Carlos Brito, e é isso que lhes dói, porque o Partido Comunista Português é um partido que tem uma definição de exterioridade em relação ao sistema partidário e de poder. E por isso tem consciência da falsa bipolarização existente em Portugal, porque a disciplina republicana entre o PS e o PCP funciona sempre de forma mais imperfeita do que a transferência eleitoral decorrente de entendimentos políticos entre o PSD e o CDS. É óbvio que a solução mais cómoda para o Partido Comunista, é manter-se na posição, não direi de «partido de chantagem» sobre o acesso do PS ao poder, que é um termo forte, mas de «partido de apoio», se quiser, para dar uma versão mais benigna e até consagrada ria doutrina, isto é, de partido condicionador e modelador das condições em que o Partido Socialista pode exercer o poder sozinho ou mesmo em coligação com o próprio Partido Comunista.
O que lhe digo, com toda a sinceridade, é que a dinâmica bipolarizadora também pode ter efeitos úteis à esquerda e um dos efeitos úteis é desde logo o de contribuir para a transformação do posicionamento do Partido Comunista no sistema partidário português e para a transformação do próprio relacionamento entre o PS e o PCP, que é uma tarefa que cabe aos dois partidos e não apenas a um só.
Nesse aspecto, ninguém é o Catão da verdade das relações interpartidárias na esquerda portuguesa. E para isso basta recordar o que foram as relações do PS e do PCP no passado: é obviamente diferente falar de «programa comum» em 1973, em 1975, ou em 1989. É totalmente diferente e têm de assumir isso!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou em 1992!

O Orador: - E não podem pretender acusar o Partido Socialista de não ser o partido que contribui para o entendimento entre a esquerda, porque não podem passar uma esponja sobre o vosso passado recente, de 1975, que nós não esquecemos!

Vozes do PCP: - É bom não esquecer! O Sr. José Magalhães (PCP): - Pudera!

O Orador: - Quanto às questões que se prendem com a fiscalização do Governo pela Assembleia da República, também nós lamentamos que não tenha sido possível alargar os poderes de fiscalização da Assembleia da República. E desminto o processo de intenções que o Sr. Deputado Carlos Brito fez dizendo que não sabe se nós tentámos, pois tivemos ocasião de informar o Partido Comunista Português, a par e passo, das negociações que íamos tendo com o PSD...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Ah, fizeram isso?!

O Orador: - ... e nessas reuniões, não por generosidade, mas por elementar dever de cordialidade democrática, sempre dissemos que esse era um dos pontos fundamentais em relação ao qual deparávamos com maior objecção.
Mas a verdade é esta: não há redução dos poderes de fiscalização da Assembleia da República, como afirmou o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, não?!

O Orador: - Então a lógica é de que, quando não se acrescenta, reduz-se? É essa a lógica? Quando não se acrescenta mantém-se o que está, que pode ser e é insuficiente, e nós consideramos que é insuficiente, mas redução é que não há!

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E o que é que o Partido Comunista fez para tentar encontrar solução para este problema, uma vez que a maioria de dois terços possível não é apenas a maioria entre o PS e o PSD? Se o PCP estiver disponível para encontrar, com o PSD, fórmulas de solução deste problema que sejam mais eficazes do que aqueles que o Partido Socialista tentou, seremos os primeiros a apoiar essas soluções, desde que elas, naturalmente, envolvam contrapartidas que não sejam atentatórias de outros valores do estado de direito democrático.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Quanto à questão do artigo 172.º, o regime da caducidade visa apenas reforçar a segurança jurídica dos diplomas. Não há criação de nenhuma zona de imunidade da actividade legislativa do Governo à intervenção da Assembleia da República e não é rigoroso, nem tecnicamente correcto, dizer que a Assembleia da República, em matéria legislativa, deixa de poder fazer aquilo que até este momento podia fazer.
Deixa de o fazer pela via da ratificação, em alguns casos...

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - ... mas pode fazer tudo, mas tudo, o que fazia até hoje, em relação à fiscalização dos decretos-lei do Governo, através de iniciativa legislativa comum. Tudo, exactamente tudo!

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, devo dizer-lhes sinceramente o seguinte: acho que a vossa preocupação em relação às ratificações é uma preocupação que não tem em linha
de conta a realidade do que é e do que tem sido o instituto das ratificações entre nós de que se tem abusado mais do que usado. Foram apresentadas trezentas e não sei quantas ratificações por sessão legislativa, das quais são apreciadas, pelo Plenário apenas uma ínfima percentagem.
A solução a partir de agora, tem de ser encontrada de outra forma, de outra maneira, com imaginação e com criatividade, como aliás há muito tempo tenho vindo a defender. Abdique-se da ideia de que as ratificações dos decretos-lei têm de dar, em primeira mão, lugar a debates parlamentares no Plenário. Valorize-se o papel das comissões na apreciação dos decretos-lei. Remeta-se directamente para as comissões os pedidos de apreciação dos decretos-lei, dado que se trata, no fundo e essencialmente, de um debate de discussão na especialidade; apreciem-se essas ratificações na especialidade nas comissões competentes e remeta-se apenas para o Plenário a votação final global dos actos legislativos que tiverem que decorrer do exercício do poder de ratificação. A caducidade deixa de relevar para esse efeito, porque todos nós sabemos que a operacionalidade das comissões é muito maior do que a operacionalidade do Plenário para apreciar os decretos-lei.
Naturalmente não esqueço que a solução que está ensejada no artigo 172.º, beneficia os governos minoritários e neutraliza a acção de maiorias negativas no Parlamento contra governos minoritários.
Todos nós sabemos qual é o desamor e o desapego do Partido Comunista Português a governos minoritários, especialmente quando são governos minoritários do Partido Socialista a ponto de, inclusivamente, no vosso projecto de Revisão Constitucional, tentarem introduzir uma norma que visava dificultar a formação desses governos. Mas não é deste facto que resulta qualquer diminuição dos poderes da Assembleia da República, nem dos poderes legislativos, nem dos de fiscalização.
Quanto à questão das ratificações pendentes, é uma questão em aberto. Acho que o Sr. Deputado Carlos Brito deu um contributo importante ao chamar a atenção para isso. É óbvio que não se pode aplicar este novo regime ao caso das ratificações pendentes, porque isso produziria a caducidade automática, independentemente de qualquer juízo valorativo que deve continuar a caber à Assembleia. E, portanto, há que estudar uma solução técnica que permita que não haja uma solução cega para a entrada em vigor desta alteração.
Concluindo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós entendemos que, no conjunto da organização do poder político, as soluções encontradas são soluções que não alteram a natureza e a matriz fundamental do sistema de governo, não alteram a raiz democrática do sistema do governo consagrado em Portugal, não subvertem nem adulteram em nada o princípio da representação proporcional.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Ah, não?!

0 Orador: - Não há nenhuma adulteração do princípio da representação proporcional, pelo contrário, bloqueia-se qualquer alteração da lei eleitoral que seja feita à luz de interesses conjunturais e meramente circunstanciais.
E, nesse sentido, de acordo com a leitura global que fazemos de acordo, é não apenas de cada um dos aspectos, de por si votarem favoravelmente o texto que vem da CERC.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Muito mal!

0 Sr. Luís Roque (PCP): - Onde é que comprou o seu violino?

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Herculano Pombo, Sottomayor Cardia, Carlos Brito e José Magalhães.

Tem a palavra o Sr. João Corregedor da Fonseca.

0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado António Vitorino, não tenho razão nenhuma para duvidar, depois de o ouvir, da sinceridade com que defende as suas posições, nomeadamente da sua sinceridade quando defende claramente a bipolarização no nosso país, como eu disse, o que já é mau.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

0 Orador: - Por outro lado, também não duvido da sinceridade do Sr. Deputado António Vitorino quando agora, na fase final da sua intervenção, declarou que as suas argumentações e as posições defendidas pelo Partido Socialista se devem à leitura global do

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acordo celebrado pelo PSD, pelo que segue, a par e passo, as alterações introduzidas na CERC pelos dois partidos. Desde que começou o debate na especialidade da Revisão Constitucional, o Partido Socialista não foi sensível a nenhuma argumentação e muito boas foram. Com certeza o Sr. Deputado não irá dizer que algumas das argumentações não valem, mas a verdade é que os senhores estão totalmente fechados a qualquer alteração.
O Sr. Deputado começou por dizer que neste capítulo tiveram em contra três questões: as alterações ao sistema eleitoral, as alterações ao sistema de governo e o regime de apreciação de actos legislativos do Governo.
A verdade, Sr. Deputado, é que, também para justificar a posição do PS, declarou que a esquerda assume, como disse, os valores da representação proporcional e a direita tem a sedução das soluções de índole maioritária. Perante esta posição, lógico se me torna chegar à conclusão de que o Partido Socialista encontra as grandes soluções, e uma das soluções encontradas, no que diz respeito nomeadamente ao número de deputados, é diminuir o seu número.
V. Ex.ª diz: a lei pode tranquilamente fazer baixar o número de deputados - não agora, como é evidente - de 250 para 240 e nós dizemos que podemos ter entre 230 e 235. Na prática, Sr. Deputado, diminui-se a Assembleia da República em 15 deputados.
O Sr. Deputado, ainda por cima, para justificar a sua posição diz: o CDS preconizava um número de deputados entre 200 a 210, o PSD ia mais longe, pois propunha a sua redução para 180 a 200, e nós, Partido Socialista, vamos para a solução de 235. E o Partido Socialista diz mais: estamos indisponíveis para qualquer diminuição drástica.
Sr. Deputado António Vitorino, eu gostava que me dissesse realmente se estão indisponíveis para esta redução, se temos ou não temos funcionado, se esta Assembleia da República, com o número de 250 deputados, tem ou não tem, em certas legislaturas, trabalhado eficazmente? Será que diminuindo a Assembleia em 15 deputados vamos trabalhar com mais eficácia? Gostava de saber, Sr. Deputado, qual a razão e que vantagens c que vamos ter em diminuir em 15 o número de deputados?
Por outro lado, chamava a atenção do Sr. Deputado António Vitorino para certos jornais, não digo isentos, mas digo insuspeitos, nomeadamente para os jornais semanais, que fizeram, ainda há ralativamente pouco tempo, um estudo sobre a diminuição do número de deputados de 250 para 235 e sobre as áreas políticas que são francamente atingidas por essa diminuição. O Partido Socialista, quando estudou esta diminuição, com certeza fez os seus cálculos: a que conclusões chegou o Sr. Deputado António Vitorino e o Partido Socialista? Realmente, quem é que se pretende atingir com esta diminuição? É para valorizar a eficácia? Será que realmente, como dizia o Sr. Primeiro-Ministro ainda há relativamente pouco tempo, em entrevista à televisão, agora é que a Assembleia da República vai ser mais eficaz porque diminui em 15 o seu número de deputados?
O Sr. Deputado diz que as comissões até trabalham melhor que o Plenário. Ora o Sr. Deputado sabe muito bem como é que as comissões estão a funcionar nesta legislatura. Quando o partido maioritário não quer fazer avançar os trabalhos em comissão, tranquilamente bloqueia o seu funcionamento. A fiscalização dos actos do Governo tem que ser feita, não nas comissões, mas terá que ser sempre chamada, nomeadamente em situações destas, a Plenário.
Isto entronca já noutra questão, que é a das ratificações. A verdade é que o Sr. Deputado diz: «Valorize-se o papel das comissões». Acredito, Sr. Deputado. Conheço-o há muitos anos e sei que é verdade que o Sr. Deputado defende a valorização do papel das comissões. Todos nós, pelo menos, a Oposição de esquerda, defendemos a valorização e a maior operacionalidade das comissões.
Mas o Sr. Deputado não entende que no artigo 172.° existe uma violenta desvalorização do papel da Assembleia da República, no tocante às ratificações?
Os senhores dizem que temos muitas dezenas de ratificações, mas o Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que é muito difícil fazer agendar as ratificações em conferência de líderes. Apesar de ser um poder da Assembleia da República, a verdade é que elas não são agendadas e ao fim de dez sessões ou no fim da sessão legislativa, elas caducam facilmente.
Acredita, realmente, que com esta alteração, vamos ter uma valorização do trabalho parlamentar?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Vitorino deseja responder no fim dos pedidos de esclarecimento.
Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Vitorino: V. Ex.ª falou tanto e tão bravamente que quase nos convencia de que esta redução drástica do número de deputados, só vinha favorecer os pequenos partidos.
V. Ex.ª chegou mesmo a dizer: «Não tenham medo, porque se não forem eleitos, hão-de, certamente, ser repescados.» Enfim, é uma esperança que nos resta! «Alguém vos há-de repescar».
Mas o que se passa de facto, ou o que se virá a passar em função desta redução drástica é, tão somente, que a Assembleia da República não ganhará em funcionalidade, porque o presidente que tiver que a dirigir, tanto o faz com 250 como com 235 deputados e não vai haver menos problemas para a sua direcção.
A direcção de uma bancada tanto controla 150 como 135 deputados. Enfim, o trabalho é o mesmo, a canseira é a mesma e o resultado será provavelmente muito semelhante. Tanto custa fazer 150 «bibes» como 135 «bibes» - a diferença não está aqui.
Mas o que daqui decorre e que é grave é que, de facto, os pequenos partidos, que hoje já têm que andar à boleia dos grandes, que hoje já têm que andar de táxi e não em carro próprio, ficarão certamente impossibilitados de, algum dia, terem uma viaturazinha que os conduza ao Parlamento. Então, será vê-los da berma da estrada eleitoral, pedindo boleia aos grandes autocarros, aos grandes camiões TIR dos dois grandes partidos da democracia portuguesa.
Já agora, Sr. Deputado, também lhe digo que, na minha concepção de democrata que viveu a democracia portuguesa desde o seu nascimento até agora, tenho para mim duas coisas como certas.
Primeira, é mau para a democracia portuguesa uma maioria absoluta. Não preciso de provas porque está à vista.

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Segunda, é mau para a democracia portuguesa uma bipolarização do tipo da que os senhores propõem. Uma coisa é um cilindro com uma roda esmagadora e outra coisa, muito semelhante, é um cilindro com duas rodas esmagadoras. Em qualquer destas situações, sai «cilindrada» a democracia.

Portanto, não à maioria absoluta.- Nunca, nunca mais! Não à bipolarização. Nem pensar!
Diversidade? Sim! Quanto mais potenciada, melhor!
Sr. Deputado, da redução do número de deputados, não saem apenas prejudicados os pequenos partidos ou as áreas de esquerda. Não é isso que agora está em causa. São as regiões do País que saem mais prejudicadas, que já são as mais prejudicadas, as mais periféricas, as mais despovoadas e serão aquelas que, no futuro, terão menos vozes a defendê-las aqui, quando precisavam de ter mais e melhores vozes. Esta é outra questão grave! Mais periféricas, mais afastadas dos centros de decisão do poder político ficarão essas regiões, que já são hoje as mais castigadas do País; 15so é mais grave ainda do que a penalização de certas e determinadas áreas do espectro político português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E também de realçar o esforço que o Sr. Deputado fez, ao tentar-nos convencer de que esta malfeitoria é, afinal, uma benfeitoria. Veio-me à imagem aquele escuteiro que, por força da sua obrigação de praticar uma boa acção diária, obrigou (como sabemos),- a velhinha a atravessar a rua, mesmo tendo-se ela recusado e esbracejado. Foi obrigada a atravessar a rua porque era: para seu bem e em nome da boa acção do escuteiro.
Hoje, o Sr. Deputado fez a sua boa acção, pelo que pode dar-se por satisfeito. Nós é que não queremos atravessar essa rua!
Já agora, sempre lhe digo Sr. Deputado: com as condições de trabalho que esta maioria tem imposto a esta Assembleia, com este anúncio de despedimento colectivo, muito em breve teremos, certamente, aqui, a Associação Sindical dos Deputados ...

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Armada!

O Orador: - ...porque, de outra forma, começa a não ser possível defender aqui os direitos dos deputados.
Trabalhos forçados a horas da noite; anúncio de despedimento colectivo de quinze deputados, é uma situação a exigir a formação de uma associação pró-sindical
dos deputados! Mais uma dor de cabeça para o Sr. Ministro Silveira Godinho, mais um trabalho para a polícia de choque e para os respectivos cães. Mas
enfim, se outra forma não houver, aqui está um voluntário para iniciar essa associação.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Vitorino: As minhas amistosas saudações pela maneira brilhante, como sempre, como, conseguiu defender, apresentar e interpretar esta proposta da CERC.
Mas, já que teve a gentileza de se referir a uma proposta apresentada por mim, aliás, em termos idênticos, pela Sr.ª Deputada Helena Roseta, far-lhe-ei uma pequena observação. Em primeiro lugar, quanto às propostas por nós apresentadas - pela Sr.ª Deputada Helena Roseta e por mim próprio - e, em segundo lugar, quanto à sua interpretação das potencialidades do círculo nacional, do ponto de vista do reforço de princípio da proporcionalidade.
Quanto à proposta por mim apresentada. 0 n.º 6 desagrada ao Sr. Deputado António Vitorino (e já vi que desagrada a vários Srs. Deputados). A mim não me agrada especialmente, mas se o obstáculo à nossa proposta está no n.º 6, pela minha parte, estou perfeitamente disponível para «deixar cair» a proposta do n.º 6 do artigo 155.º
Afigura-se-me é que argumentar contra o modelo proposta pela Sr.ª Deputada Helena Roseta e por mim próprio, referindo os inconvenientes do n.º 6, não decorre de uma atitude intelectual suficientemente coerente. Mas se o mal está no n.º 6, pela minha parte, dispenso-o.
0 Sr. Deputado António Vitorino disse que a minha proposta abre a porta à vertente maioritária. Com efeito, ela admite a existência de círculos uninominais. 0 Sr. Deputado António Vitorino esqueceu, manifestamente, que a proposta subordina a conversão de votos em mandatos, mesmo nos círculos uninominais, à regra dos resultados gerais. Dir-me-á que é algo de insólito que alguém possa ser o mais votado no seu círculo uninominal e, finalmente, não ser deputado. É verdade! Simplesmente, algo de análogo existe, por exemplo, nas eleições para o Senado italiano. Este ponto, que tanto parece preocupar o PSD e o PS, pode e deve, do meu ponto de vista, ser objecto de um verdadeiro debate na Assembleia da República.
Nesse sentido, proponho que esta matéria baixe à comissão para aí ser reapreciada e discutida até para que haja no País e nos deputados, a consciência do alcance daquilo que está a ser discutido.
Entro agora no segundo ponto Sr. Deputado António Vitorino. Precisamente a circunstância de ter sido admitido pelo porta-voz do PS, com o que me congratulo, de que ao círculo nacional possa ser aplicado o «método dos restos», leva-me a pensar o seguinte: ou é o «método dos restos» ou é uma eleição segundo a representação proporcional. Por consequência, o que é que os legisladores querem ou não sabem o que querem? Ou querem coisas eventualmente contraditórias?
Dir-me-á que a Constituição não deve ser regulamentar. Pois não, não deve ser regulamentar! Mas cada norma ou cada sistema, de normas deve estar sujeito a um pensamento coerente. Não podemos votar algo que tanto pode ser contrário ao sentido da proporcionalidade como favorável a maior proporcionalidade. Esta ambiguidade não deve estar subjacente a uma proposta que é formulada ao Plenário da Assemb1eia da República.
Por conseguinte, a minha pergunta, Sr. Deputado António Vitorino, tem a ver com a sua preocupação com os possíveis maus efeitos do n.º 6 do artigo l55.º constante da minha proposta. Qual é então a sua posição quanto ao n.º l, em termos da sua inserção na Constituição? - Um eleitor dispõe apenas de um voto ou um eleitor pode votar duas vezes? É que se vota para o círculo nacional e se vota para um círculo mais pequeno, uninominal ou outro, aí, o eleitor que vota

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no plano local ou regional, está a votar duas vezes. Ora isso altera fortemente o efeito do princípio da proporcionalidade.
Esta questão nunca foi suficientemente dilucidada em público e penso que não estou em erro.
Em todo o caso, penso que os portugueses têm o direito a que esta questão seja também discutida neste debate e que não seja ladeada proventura, com a alegação de que ela é excessivamente complexa do ponto de vista técnico.
Não é tão complexa! O que será complexo para um eleitor português, é votar duas vezes. Isso é que ele provavelmente não sabe como é que há-de fazer. Podemos também correr o risco de que não saiba o que significa esse eventual duplo voto.
Por consequência, se pretende que o círculo nacional evolua no sentido da componente da representação proporcional, que fique claro na Constituição, porque o está só na lei, que cada eleitor vota apenas uma vez.

Aplausos do deputado do PS, Manuel Alegre.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Vitorino: Sem nenhuns complexos de Catão, mas com plena consciência dos meus direitos e dos meus deveres de parlamentar, tenho duas questões essenciais para lhe colocar. A primeira diz respeito às alterações ao sistema eleitoral e a segunda, tem a ver com as ratificações.
Quanto às alterações do sistema eleitoral, Sr. Deputado António Vitorino, o que particularmente nos preocupa são as concepções que estão subjacentes às alterações indiciadas. Como aliás o Sr. Deputado nos confessou com inteira franqueza, essas concepções são bipolarizadoras. Têm, desde já, expressão na redução do número de deputados. Receamos que a consagração do círculo nacional, feita, não nos termos muito brilhantes que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia trouxe á Câmara, mas num sentido diferente, oposto, bipolarizador, venham na verdade, a consumar leis eleitorais vistas por esse ângulo e não para servir a democracia portuguesa e a plena expressão da vontade popular. Essas são as nossas preocupações!
Mas, o Sr. Deputado António Vitorino revelou nas suas considerações, em relação às questões da bipolarização, que não está a acompanhar (suponho que isso só acontece pêlos afazeres e as ocupações da revisão da Constituição, pelos contactos e encontros que isso exige), o debate que se trava, neste momento, no Partido Social-Democrata alemão, relativamente às questões da bipolarização. São eles que dizem que isso é um beco. Pensam que não conseguem diminuir, tão cedo, a massa eleitoral de Os Verdes. Portanto, Os Verdes são uma realidade com que têm que contar.
Creio que os Srs. Deputados no PS têm visto a questão numa dualidade: ou bloco central ou bipolarização. Mas há outras soluções!
Não vou fazer aqui a condenação histórica do PS, como o Sr. Deputado tentou fazer crer. Estamos a discutir questões do presente e as consequências, para o futuro, dos actos do presente. É nestes termos que discutimos convosco e vos dizemos que além do bloco central que os senhores fizeram para a revisão da Constituição e além da bipolarização que os senhores anunciaram nos escassos momentos em que fazem Oposição, há outras soluções! Há entendimentos no campo democrático! Esses são realistas, enquanto que as concepções bipolarizadas são ilusórias, como a nossa experiência e a de outros países têm demonstrado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação às ratificações, creio, Sr. Deputado, que a grande questão é que a ratificação pode ter um debate parlamentar em Plenário muito curto, mas tem que ter algum debate. Esse é o momento do juízo sobre a acção legislativa do Governo.
O que o Sr. Deputado propõe e sugere é que as ratificações passem para a comissão, para o silêncio das comissões. Ora isso não tem eficácia, particularmente, quando temos um Governo maioritário. Quando há um Governo maioritário, como acontece actualmente, digamos que o interesse, a virtude da ratificação é dar origem a um pequeno debate parlamentar onde há o julgamento daquela acção legislativa governamental. Aí sim, isso pode ter eficácia, mesmo quando o diploma não é alterado.
Temos visto muitas vezes que, apesar de o diploma não ser alterado, o Governo recolhe algumas indicações. Mesmo o Governo do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, tão pouco atento à crítica e à acção fiscalizadora da Oposição e da Assembleia da República, acaba por, de alguma maneira, ter o debate em conta. É o que demonstra a vida parlamentar nestes últimos anos. É essa virtude que os senhores pretendem «matar» com esta disposição e, sobretudo, com o mecanismo da caducidade.
Isto sucede não só porque as maiorias sempre se opõem ao debate em Plenário, como tem acontecido - há pouco, citei-lhe o exemplo das últimas sessões legislativas, em que só por via do instituto da fixação da ordem do dia ou quando dois partidos se juntam para defender uma determinada discussão de uma ratificação se consegue levá-la a cabo -, mas também porque todos os exemplos da nossa vida parlamentar presente demonstram o mesmo. A maioria procura reduzir ao máximo os períodos de antes da ordem do dia e todos aqueles períodos em que os partidos da Oposição podem ter iniciativas fiscalizadoras e em que podem trazer à Assembleia da República os mais vivos problemas nacionais.
Basta até ver a atitude que, por exemplo, a maioria tem, relativamente à sessão legislativa. Como o Sr. Deputado já sabe, os partidos da Oposição defenderam que a sessão legislativa fosse prolongada até ao dia 15 de Julho, mas o partido do Governo entende que não deve ser assim e quer fechar a Assembleia da República no dia 30 de Junho. Porquê? Porque a Assembleia incomoada! É por isso que não querem deputados, é por isso que não querem ratificações, é por isso que querem reduzir ao silêncio a Assembleia da República.
Os Srs. Deputados não têm isso em consideração e creio que é devido às tais concepções bipolarizadoras que, aliás, o Sr. Deputado António Vitorino, aqui mais uma vez confessou, quando referiu que a machadada que dão nas ratificações tem que ver com o futuro.
Os senhores retiram, esvaziam as ratificações porque querem defender os governos minoritários. É essa a

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pequena ambição do PS: ser governo, mas minoritário. 15so, Sr. Deputado António Vitorino, leva àquilo que eu dizia na minha intervenção: ao sentido governamentalizador destas propostas de alteração e à adulteração do sistema de representação proporcional. A culpa, a razão, a explicação são as ilusórias concepções bipolarizadoras do PS!

0 Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Vitoriano: Enquanto V. Ex.ª, inocentemente na primeira fila, vai defendendo esta má causa, a bancada do PSD, francamente diverte-se.
Lá atrás, calmamente sentados, os Srs. Deputados Dias Loureiro, Carlos Encarnação e tutti quanti, vão fruindo o prazer verdadeiramente espectacular que é ver o PS defender, a custo, aos haustos, claudicante esta solução que contraria tudo aquilo que tinha anunciado no seu projecto de Revisão Constitucional e na primeira leitura. Sem novos argumentos, porque não há argumentos. Os únicos argumentos são os do PSD e esses não servem, evidentemente. 0 PS já os contraditou bem na primeira leitura. Portanto, o Sr. Deputado tem que inventar outros.
Os meus camaradas já colocaram quais são as principais zonas que nos opõem nessa matéria e isso também é outro factor de divertimento do PSD que supinamente goza com tal espectáculo.
Gostava de chamar a sua atenção para os pontos em que o PS abandona propostas e leva «sopa» sistemática do PSD, que é outro factor suplementar de gozo, para o dito partido.
0 PS propunha a garantia constitucional de direitos de deputados, levou zero do PSD!
Propunha o acompanhamento parlamentar da execução do Orçamento, mas levou zero!
Propunha a aprovação de recomendações ao governo, como novo poder da Assembleia, «zero», diz o PSD!
Propunha o alargamento da reserva de competência absoluta da Assembleia da República em termos significativos e substanciais. «Não levas», diz o PSD!
Propunha a aprovação de leis paraconstitucionais por dois terços. «Nada», insiste o PSD!
Propunha a restrição das competências legislativas do Governo em certas áreas. Leva zero, pois até são alargadas (salvo quanto ao que decorre do artigo 229.º).
Propunha a aprovação do Regimento da Assembleia da República por dois terços. Também leva zero, assim quer o PSD!
Propunha o reforço dos poderes das comissões parlamentares: zero, zero!
Propunha o reforço dos poderes interpelativos. Zero outra vez!
Propunha a garantia de autonomia financeira da Presidência da República: rotundo zero!
Agora vem V. Ex.ª dizer-nos que nós, juntamente com o PSD, também temos dois terços, portanto podíamos ter obtido tudo isso. Mas, Sr. Deputado, o PS chegou primeiro, instalaram-se, abriram a loja, saldaram o que havia e agora o que é que querem que troquemos?
Já não há nada para trocar! VV. Ex.ªs ofereceram toda a mercadoria disponível, receberam parcos haveres em troca e umas boas gargalhadas do Professor Aníbal Cavaco Silva e dos circunstantes que o apoiam. Agora defendem-se desta maneira apoucada. Sr. Deputado, é ou não verdade tudo isto que eu disse? Alguma das propostas que referi teve acolhimento? Resposta: não obteve! Não é triste, Sr. Deputado?!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, não é um pedido de esclarecimento, pelo que só depois de o Sr. Deputado António Vitorino responder pedia a palavra.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, também não é para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Vitorino, pelo que me inscrevo a seguir.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

0 Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Deputado António Vitorino: 0 meu camarada José Magalhães acaba de fazer o arrolamento das perdas do Partido Socialista nesta negociação, que mais parece um pacto leonino a favor do PSD.
Queria, todavia, colocar uma questão referente à necessidade de o PS tornar claro perante a Câmara quais as vantagens da redução do número de deputados. Mais do que uma visão global, que não nos convence e isto já se conclui dos pedidos de esclarecimento, importa-me, saber se o PS vê alguma vantagem, uma única, na redução do número de deputados de 250 para 230, independentemente das considerações judiciosas em sede técnica quanto à possibilidade da diminuição poder ser amparada por regras de garantia. Queria ainda saber se não se trata de um acto de carpintaria eleitoral, feito com o pior conglomerado da direita, pois trata-se de uma reivindicação velha e relha das forças conservadoras em Portugal. É ou não uma sequela das concepções do deputado como Back Bencher, do deputado como ser perfeitamente incapaz de um acto político e esclarecido, destinado a fazer, eventualmente como solista, voz no coro de apoio ao Governo, por muito que o PS não tenha esta concepção e defenda coisas bem diversas.
Ao cabo e ao resto, Sr. Deputado António Vitorino, revele-nos a todos nós os que estamos interessados em conhecer em profundidade as motivações que o levaram à celebração de um tão mau acordo, uma vantagem visível e explicita desta cedência grave a uma das concepções mais atrabiliárias que a direita portuguesa tem vindo a defender em Portugal ao longo dos tempos.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Vitorino: Gostaria de lhe lembrar que a tese da redução do número é desde há muito

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tempo defendida pelo PSD, através do seu dirigente António Capucho. Não tenho ideia nem lembrança que fosse o PS a perfilhar alguma vez este princípio. O Sr. Deputado António Vitorino expôs argumentos e razões que se desenrolam numa gramática brilhante, mas que me é completamente inacessível.
Escapa-me, assim, a lógica de adesão do PS ao restritivismo parlamentar do PSD, o que colide com o reforço da componente parlamentar, desde sempre defendido pelo clássico parlamentarismo do PS, ou seja, o peso do Parlamento na nossa democracia.
A redução do número de deputados vem, além disso, diminuir a participação dos cidadãos e particularmente dos cidadãos das regiões, como muito bem disse o Sr. Deputado de Os Verdes, neste órgão de soberania. O que se pretende, então, cortando a magríssima fatia de quinze deputados? Se é uma melhor eficiência, pergunto se é com menos deputados que se vai conseguir aquilo que não se alcança com maior número? Não me venham com este argumento, senão respondo que estamos no domínio do paradoxo, para não dizer do dislate. A razão, Sr. Deputado, é certamente outra e gostaria de a ouvir aqui confessada e assumida pelo PS. Não percebo porque é que o PS abdicou dos seus princípios parlamentaristas e aderiu subitamente e misteriosamente a princípios que não têm nada a ver com a sua doutrina.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, para responder.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria recordar à Câmara que não foi da minha boca que foi proferida qualquer afirmação, no sentido de que a redução do número de deputados se justificava com critérios de funcionalidade ou de produtivismo ou de que reduzindo o todo se aumenta a eficácia das partes. Disse exactamente o contrário e disse que não subscrevia essa interpretação, quer na CERC, quer agora de novo. Não apresentei nunca essa explicação.
Quero, pois, sublinhar que não adiro, de forma alguma, a qualquer concepção de «restritivismo parlamentar» sobre a função do Parlamento na vida política portuguesa. E se me permitem esta pequena imodéstia pessoal, posso dar como penhor o meu empenhamento nos trabalhos parlamentares nestes últimos dez anos em que estive na Assembleia da República e posso, inclusivamente, invocar a minha conduta quando tive a responsabilidade de assegurar a ligação entre o IX Governo Constitucional e a Assembleia da República. Penso que se os Srs. Deputados quiserem meditar um pouco sobre o que foi a experiência desse período de relacionamento entre o Governo e a Assembleia da República, verificarão que na prática sempre adoptei atitudes do maior respeito pelo Parlamento e da melhor colaboração possível que é devida do Governo ao Parlamento. Além disso, sempre defendi que o Governo é o órgão fiscalizado e não de fiscalização. Não penso, sinceramente, ser possível aos Srs. Deputados, que me conhecem, querer-me colocar no papel do réu, dizendo que eu adiro...

Vozes do PCP: - Isso é música do «Violino do Telhado».

O Orador: - Srs. Deputados, eu oiço VV. Ex.ªs sempre com a maior atenção, porque essa é também uma maneira que tenho para prestar homenagem à instituição parlamentar. Acho que todos nos devemos ouvir uns aos outros. E isto não é restritivismo parlamentar...
O que disse em relação ao número de deputados - e assumo-o -, é que se trata de uma solução inicialmente proposta pelo PSD que não foi acolhida por nós na dimensão drástica que o PSD pretendia introduzir, mas que faz parte de um acordo global e que é no contexto deste acordo que a redução referida deve ser entendida. Se os Srs. Deputados entendem que a solução global não merecia este elemento componente, estão no seu legítimo direito. Simplesmente é uma parte de um conjunto mais vasto de alterações e nós entendemos que os aspectos positivos do conjunto sobrelevam deste ou daquele aspecto negativo.
Também não é correcto dizer que esta redução é feita ad partitum ou que é feita com prejuízo dos círculos do interior do País. Pelo contrário, esta redução não afecta os círculos do interior do País, excepto num caso, em que um círculo do interior do País pode perder um deputado na distribuição decorrente da redução agora permitida, mas na realidade são os círculos de maior dimensão que mais significativamente contribuirão para a redução do número global de deputados. O limite de redução que impusemos teve em conta a preocupação de não distorcer a proporcionalidade nesses círculos do interior do País. Para verificar que isso é verdade basta ver as projecções com base no último recenseamento. Tal como não se devem fazer cálculos em função dos resultados eleitorais de 19 de Julho de 1987, pois, em meu entender, são cálculos completamente falaciosos porque assentam num dado que não corresponde à normalidade da nossa vida democrática, assentam num resultado a todos os títulos excepcional e não repetível.
Quanto às questões colocadas pelo meu querido amigo e muito respeitável colega de bancada, Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, com quem discuto estas questões há mais de oito anos sem chegarmos a acordo, como mais uma vez o verificamos.
Gostaria de lhe dizer que reconheço que a retirada do n.° 6 da sua proposta simplifica a análise das soluções que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia propõe e é mais coerente com os pressupostos que enunciou na sua intervenção.
A diferença entre a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia e a da CERC está no facto de esta fazer coincidir os círculos de candidatura com os círculos de apuramento e de admitir a possibilidade de criação de um círculo nacional. O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia distingue círculos de candidatura que serão proporcionais mas de âmbito mais reduzido e um círculo de apuramento que é nacional. No essencial é esta a diferença que existe entre as duas propostas.
Retirado agora o n.° 6, a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia é no essencial um decalque do sistema vigente actualmente na Dinamarca. Só que neste momento não estamos a criar o círculo nacional. A Constituição não diz que haverá um círculo nacional. O que se pretende é que a Constituição admita a possibilidade da sua existência a criai por lei ordinária. Abre a possibilidade ao legislador ordinário de adoptar essa solução. Esta opção não é discricionária, na

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medida em que será nècessário 1>ara criar esse -'cítculo nacional à -ffi-aioria~ de -dois-. terços.

O Sr.ºSottomayor Cardia (PS): - Sr.,Deputado, dá-

-me licença que-o interronipã?-

0 Orador: --F'aafavc;r-.

.

0 Sr. Sottoniayor Cardia (PS): - A interpretação que fez da,~minha propota no esseti~cial- está exacta. Contudo já não o é quando afirma que eu proponho a existênc ia de um; círculo~ nacional'qüe - chamou. de àn-

didatura, . páde haver'ou ~não.º

0 Orador: - Não, Sr. Deputado, chainei-lhe -círculo

nacion'al de - apúramento.

O'Sr. -- Sott oriiayor -úardia (PS):- = De -aputamento sim. Então,'reproduz- exactamente o qué eú disse. - Eu nãd proponho um' círculo nacional de catdidaturãlAssim, os:seús argunientos contra á- n-únha su~pota-proposta de círclo, nacional~ de candidatura- nãõ são -n'ece!sários, porque não próponho isso.

O Orador: -- Eu -nào-dissè isoi Sr. Dep-utad'o! Falei em círculos de càndidatúra proporcioriais e-um círculo nacional de apuramento. Tenho a cèftèzw-absolua que foi isto que- disse,! pois -está- escrifo e,eu etava apenas a ler o que - es-crevi.
: : . _ . , - . .

Quanto à questão colocada, por vãrios Sts,. ~Dep-uta'-, dos, sobre o -significado da alteração -do'sistema eleitoral e da-'bipolarização:
Sr.,Deputado Carlos:Britol- não-fiz neiihuína profis-

ão-de fé na bipiolari2açãó.

O:Sr. Carlos Brito (PCP):~:- 'Olhe que nos páreceu!

-- 0 Ora(ior: = Nunca-~poderia ter' afirmado~que 'a bipolarizàçãà era obtida através de- métodos de eiigenharia eleitoral-. 15so é impossível põr,uma-razão muito simples:- -á partir--deta-- rdvisâo a"essência da alteração ao sistema eleitoral consiste em ubordiriar,a:uma -maioria de dois terços qualquer alteração da Coiistituição neste domíiiio. ~0 exeniplõ que o,Sr,.-'Deputado Catlos Brito deu da Repúblíca Federal dá:Aleinanha não é urrí exemploldé contestação ao dualigmo' é- ' - qtíãnto muito, um exerplo de',-ontéstação ao.bipartidarismo. '-
Nós também entendemos que a:sociedade pottuguesa
é plural, dividida-por tontrastes sociais, idéológicos,
que têm ufna-tradição própria, 'por famílias polítias
mais -antigas -ou mais fecentes~, mas que têm um, enrai
zamento plural e diversificado iia sociedde portugueã
e que nunca poderão ser-cdndúzidas ou redúzidas à fór
mula de-úrría 'soluçãb- bipartidária.º Esse~'é o prcijecto
da direita portugu'esa que sempre defendeu,,desde l976
para cá, um sistema tnaioritárió a dúas volta., Essé
sim, seria um: sistêina de bipiol-árização à força e, - em
última instância; de biparidarisríio. Répudiámos coM"
pletainente egsa solução e, -por i-só,'apoiámos a candi
datura do D. Mário Sbaresà:- Presidêiicia-'da"Repú
blica, pois elé defendia afidelidàde aos va.lores do
sistemá ptoporéional, no plúralismo démo - crâti o-.ºO
Partido 'Socíalistã: tem dado' súficiehtès-;:provas, em
todas.- às -circúnstâncias da vida- política portugúesai
perante ameaças da esquerda e da direita, - de que
defende -ós valores do -pluralisrho'. é do . pluripãrti , da
rismo'. Não nos passa sequer piela cabeça que qualquer

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soluão dé engénharia eleitdral oossa subverter a vontade populéít. É que o sistériiá eleiorál,nãó.é- no -essencial um método de formação de governos está,eis. Quem julga que o sistema eleitoral deve apenas ser aferido segundo -o--critério da estabilidade dos governos que gera está completamente enganado e está a distorcer à,lógica da~ democracia~ política. O sistema eleitoral - tem de garantir a representatividade, da -vontade popular em toda a sua 'pluralidade.
: -
1 Neste sentido, ~não 'é 'possível dizer--'4ue- a regra. dos dois terços seja. bipolarizadora da sociedade portuguesa. 0 fácto -de haver dualismo é natural. Nas eleições - presideciais, existe um claro , dualismo e até uma - lógica bipolarizadorw,'pois à segunda volta só vão ós -dois candidatos'iriiais votados -na primeira volta.. Numa- sociedade como a- portuguesa isto é'uma medida bipolarizadorai --porquanto, regra -geral, à segunda volta irá um candidato-de -esquerda -e outro -de,diteita. - -
Logo. não é- possível anatemàtizar o termo bipolari
zação, nem>é-p - ossível.confundi-lo,. com bipartidarismo.
Que há de facto na sociedade portuguesa,'. em; função
do sistema'partidário existente, uma certa dualidade no
exercício do poder" entre, os.dois maiores partidos que
disputam --entre, si um,conjunto de eleitorado: -central,
que é fundamental para a formação de- s~oluçqç'gover
nativas, isso . existe! É essa.- função dualista'na sociedade
que é a u'nica soltkção eficaz para as,situações panta
nosas tipo bioco central. keconheço isso, Sr. Deputado
Carlos . Brito, e' até lhe . digg,-'qt!e 'o. duali-smo não é
incompatív'el com -'um-a alteração. signific.ativa do rela.:
cionamento entre -o. Parido' Socialis.t.a-'e. o Partido
ú6-munist'a'. Dir7lhe-ei até que será o'aperfeiçoamento
da ló i a dualista que obrigará o'PS-e,o PCP. a assu
-.~ g'c
miram as, suas responsabilidades -e a-.produzirem as
ra'ns-f'o'rmações de posicionamento no 'conjunto da
sociedade, de natureza programática, ideológica e de
posicionamento na vida política,em concreto, que-per
mitam que este sistema não seja um sisiema afunilado
sempre dependente da--vontade- política.do. PSD. Este
p'-rtido esá há dez anos no rigir
.póder, éSt - á à.e ' -se em
parido dominante, senão'mesmo"em'-pariáo. heg~eái6
nico na sociedade portuguesa, ~porqge ~tem tido, em vir
tuá'e't~a ~mbéffi~ do- sistema eleitor-ãl,- ~a- -p- . ossibilidade -de
fazer ora coligaões à direita, ora à esquerda e Va'r'-'se
mantendo sempre no poder.

Ë èsse'-nó górdió, es.se a.funilàméno dd-ut:o.r d.ª sócie
dade- poftuguesa, . sob o ponto de vista ~ariidáíio, qué
p
ptéténderfiás rõmpe-r,'mas qu -e não dêpende- apená dd âós, poistainbém deemde dg . gósic-iona"ment -0"do Pâ-: tido Comunista Portüguês--.
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a legitimidade democrática da Constituição de 1976, nem a legitimidade do regime político existente em Portugal.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Olá se pode!!!

O Orador: - O «pecado original» que sectores da direita viram na Constituição de 1976, por ela ser fruto de um processo revolucionário, tem de ser neste momento engolido em seco, porque a direita não pode esquecer, e os senhores também não, que em Portugal já existiram seis Constituições desde 1820 até hoje, e que, dessas seis, cinco nasceram de actos revolucionários. A única que não nasceu de um acto revolucionário foi a Carta Constitucional de 1826 que foi outorgada por um monarca liberal ao conjunto da colectividade. Todas as outras Constituições nasceram de actos revolucionários e tinham como objectivo fundamental legitimar, sob o ponto de vista constitucional, a natureza do poder político emergente desse acto revolucionário.
Ora, o que neste momento estamos a reafirmar nesta segunda revisão é que o regime democrático saído do 25 de Abril é de facto um regime de plena legitimidade democrática. Não mais é possível contestar a legitimidade democrática de raiz do texto constitucional de 1976, revisto em 1982 e, agora, em 1989, novamente revisto.
As regras fundamentais que dão vida e sentido à democracia representativa em Portugal são as regras que a Constituição consagra, as quais, em matéria eleitoral, só poderão ser alteradas no que à lei ordinária diz respeito por uma maioria qualificada de dois terços. Esta é uma vitória do Partido Socialista, de que nos orgulhamos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Vou oferecer-lhe umas asinhas, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do PSD, pretendo dar a conhecer o sentido de voto e a fundamentação sumária do meu grupo parlamentar em relação aos artigos incluídos no bloco em discussão.
Em primeiro lugar, gostaria de salientar que uma das primeiras alterações que se adivinha portadora da maioria necessária de dois terços é precisamente a redução do número de deputados. Deste modo, mal nos ficaria e também ao PSD se, assistindo a esta discussão, não dissesse também das razões que nos levaram a fazer esta proposta no projecto inicial de Revisão Constitucional.
Na verdade, essas razões prendem-se com o entendimento que, desde o tempo do Dr. Francisco Sá Carneiro, o PSD sempre teve da conveniência de reduzir o número de deputados e também com o facto, que não pode ser desprezado por quem se reinvindica defensor dos valores da democracia e da ideia de responsabilidade que a democracia acarreta, de o PSD - que então se candidatava simultaneamente ao Governo da República e também a uma Assembleia com poderes constituintes - se ter apresentado ao sufrágio eleitoral, nas últimas eleições, dizendo claramente ao eleitorado que no seu projecto de Revisão Constitucional proporia a redução do número de deputados. Essa proposta, como todas as outras que o PSD apresentou ao eleitorado, mereceu a subscrição que se conhece, pelo que, por indeclinável dever de fidelidade ao mandato assumido, o PSD formulou essa proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É verdade!

O Orador: - Também nos congratulamos com a possibilidade da criação, em termos a definir por lei, de um círculo nacional, que consta também do projecto do PSD.
Por outro lado, não constava do projecto do PSD qualquer proposta relativa à criação de leis com valor reforçado. Na verdade, essas leis foram propostas por vários partidos, designadamente pelo Partido Socialista, com a conhecida fórmula das leis paraconstitucionais.
Nunca fomos frontalmente contra a ideia de que é preciso estabelecer uma distinção muito clara nas áreas de normatividade. Há áreas de normatividade que relevam, tendencialmente, da área fundamental do consenso, isto é, há matérias que, não tendo necessariamente a garantia ou a característica formal da constitucionalidade, têm, pelo menos, com as matérias próprias da Constituição uma comunicabilidade material axiológica e normativa suficiente para ditar ou, pelo menos, para sugerir ou para recomendar uma maioria qualificada de votação e de aprovação. A essas se contrapõem as matérias normais da governação que, em nosso entender e segundo a ideia básica que preside às democracias pluralistas, são matérias que relevam da pluralidade e da conflitualidade, pelo que são matérias em que o exercício normal do funcionamento de um regime democrático próprio de uma sociedade pluralista exige que sejam aprovadas por maioria simples, uma vez que se exige também que, em relação a essas propostas aprovadas por maioria simples, haja sempre a possibilidade de se fazer uma contraproposta susceptível de em outro momento obter maioria simples.
Portanto, do nosso ponto de vista, houve sempre matérias de consenso e matérias de conflito. Para as matérias de consenso, um regime particular e privilegiado de maioria; para as matérias de conflito, as regras normais da maioria simples, de acordo com o princípio fundamental da democracia.
Por esta razão é que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nos opusemos sempre ao elenco de matérias que o Partido Socialista incluía no conjunto de normas paraconstitucionais, na medida em que, de forma directa ou larvada, eram incluídas matérias que, do nosso ponto de vista, relevavam da conflitualidade normal, designadamente da lógica normal da governação no âmbito da política económica.
Entendemos que a política económica, o topus da condução da economia, é um entre outros e cada vez é menos, porque cada vez mais os tópicos da cultura relevam na demarcação entre forças políticas. No entanto, o da ordenação económica é ainda um dos tópicos fundamentais de demarcação das forças políticas com algum lastro ideológico, como são também, em meu entender e apesar de tudo, os partidos políticos portugueses.
Assim, do nosso ponto de vista, não era correcto que matérias atinentes à condução da política económica

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carecessem de maioria de dois terços. Na verdade, teríamos, pelo contrário, sob pena de se frustrar verdadeiramente no essencial o jogo plural e a lógica da maioria e do pluralismo, forças tendencialmente concorrentes quase que obrigadas, em permanente estado de coligação larvar, a tomar determinadas medidas de carácter económico, o que não era correcto nem para a maioria simples, nem para a Oposição. Nem para a maioria simples, porque não tinha ao seu dispor a fluidez e a plasticidade normal para dar execução prática aos seus programas, nem para a Oposição, porque se veria quotidianamente chamada a co7responsabilizar-se, dando o seu acordo e juntando também o seu voto ao voto da maioria no sentido de serem tomadas determinadas medidas.
Deste modo, a fronteira fundamental - que é essencial à democracia - entre uma maioria de Governo e uma oposição, a todo o momento preparada para formar Governo, ficaria gravemente prejudicada.
Por isso é que sempre dissemos que a - ideia em si merece o nosso acordo, só que é preciso fazer uma cuidadosa selecção de matérias. 0 resultado final a que a se chegou sob a rubrica e sob o, regime de leis orgânicas parece-nos um resultado francamente de saudar. É francamente positivo, na medida em que ao cabo de um complexo processo de discussão e de troca de opiniões conseguiu decantar-se aquelas matérias que, no essencial, relevam daquela lógica que eu apodei de lógica de consenso numa sociedade democrática. Daí também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o nosso apoio a uma das inovações fundamentais incluídas neste bloco, o regime e a figura das leis orgânicas.
Por outro lado, também estamos de acordo com o novo regime de ratificação, outra das inovações importantes desta matéria, designadamente e desde logo porque...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É de espantar!

Orador: - Bom, o que é que quer que eu diga, Sr. Deputado? Quer que eu diga que não concordo quando concordo?
Nos últimos dias, o PCP, no âmbito do processo de Revisão Constitucional, tem-se divertido de uma forma curiosa: de vez em quando, sem ninguém lhe encomendar, converte-se em trovador das nossas vitórias. É um trovador que ninguém encomendou, mas que vai cantando as nossas vitórias sobre - o PS!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado hoje é sexta-feira, dentro em breve V. Ex.ª regressará s tricanas e está com propensão marginal para a poesia, fala de trovadores!
Não tem sido essa a nossa função, apenas temos anotado, o que aliás é, coisa dura de fazer, os pontos em que o Partido Socialista vai decaindo e VV. Ex.ªs, vão obtendo trunfos. Se V. Ex.ª chama a isto a trova, é a trova de um vento muito suão que por aqui passa!

0 Orador: - É, mas para o Sr. Deputado!
Uma vez que fala das nossas vitórias, assumimo-las como uma glorificação dos nossos troféus.
A verdade é que o Partido Comunista alterna também com um estado de espírito diferente. De facto, o Sr. Deputado que acabou de me interromper-...

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Quem será esse deputado misterioso?!

0 Orador: - ... e que não regressará às tricanas, preferirá as tágides, ficará por aqui mansamente com as tágides, pois fique com elas, nós iremos para as nossas, cada um ficará com as suas - na intervenção que anteriormente fez, carpiu e elencou aqui amargamente o que seriam as derrotas do PSD. 15to é, o Partido Comunista fez de carpideira por nossa conta, sem que lhe tivéssemos encomendado. De resto, dispensamos os trabalhos deste trovador que, de vez em quando, se converte em carpideira para nós e que às vezes, celebra vitórias. Do que gostaríamos era que quando algum chorasse connosco, chorasse e não cantasse
quando fosse hora de chorar ou, eventualmente, não se pusesse a chorar quando fosse hora de cantar.

Protestos do PCP.

Mas esse é um problema das sensações e das vivências do Partido Comunista, não é o nosso problema!
Mas, no momento em que fui interrompido, aliás gostosamente, dizia eu que concordamos com o novo figurino para a figura da ratificação. Entendemos que
com cie se eduz positivamente alguma da complexidade desnecessária do regime vigente, designadamente a possibilidade de suspender a vigência de um decreto-lei que não radicava numa autorização legislativa.
Entendemos que esta é uma solução correcta, como entendemos também que o estatuto da caducidade é uma solução correcta para não eternizar situações de
pendência, com grande incerteza para as relações jurídicas e com todos os inconvenientes conhecidos por quem se preocupa com estas coisas, aliás, graves inconvenientes que a incerteza do Direito e das normas criam sobre os operadores jurídicos normais.
Por outro lado, concordamos também com o reforço de certos poderes dos deputados, designadamente o direito de obterem colaboração das autoridades públicas, o que representa uma inovação positiva, de resto, oriunda do projecto do Partido Comunista. Concordamos ainda com a proposta que consagra o direito
de as perguntas terem como contrapartida uma resposta, em tempo razoável, do Governo. Aliás, se não me engano, é uma proposta contida no projecto do
Parido Socialista.
Neste âmbito, não pode descurar-se também a importante inovação que é a possibilidade de as petições subirem ao Plenário da Assembleia da República, o que se traduz no reforço considerável da intervenção dos deputados e dá uma consistência verdadeiramente nova às petições, designadamente quanto ao facto de elas puderem ser discutidas em Plenário, aumentando o grau de transparência da Assembleia da República em relação aos cidadãos peticionário e obviando ao perigo de uma arcana praxis, ou seja, à possibilidade de as petições morrerem nos corredores da Assembleia ou de comissão para comissão, sem a possibilidade de, pelo menos, nos casos em que a lei definir, as petições serem discutidas em sede de Plenário da Assembleia da República, com a transparência própria deste órgão de soberania.

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Por estas razões, votaremos favoravelmente as propostas que vêm indiciadas da CERC, com a ressalva - de resto, já por dever de lealdade demos conhecimento aos Srs. Deputados - que se refere à proposta relativa ao artigo 179.°, no que toca aos direitos de fixação de agenda, pois uma melhor ponderação e reflexão sobre o tema levou-nos a concluir que se trata de uma matéria mais do âmbito do Regimento, sendo certo que para isso já alargámos em sede constitucional a alínea e) do artigo 159.°, dizendo que competirão aos grupos parlamentares os poderes que resultarem, além do mais, do Regimento.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Costa Andrade, ouvi-o com atenção e a verdade é que apesar de ter ouvido as argumentações de V. Ex.ª e do Sr. Deputado António Vitorino, estou preocupado, uma vez que entendo que a livre vontade de expressão popular não fica muito garantida com as alterações introduzidas.
O Sr. Deputado Costa Andrade começou por dizer: «terei de fazer uma argumentação sumária», - na nossa opinião demasiado sumária -, acrescentando ainda: «Mal ficaria o PSD se ficasse calado perante o debate que aqui houve.» E declara isto, porque o PSD se reinvindica defensor dos valores da democracia e apresentou uma proposta ao eleitorado, uma proposta promessa, dizendo: «Se formos eleitos, vamos propor a diminuição do número de deputados.»
Realmente, o eleitorado deve ter ficado perfeitamente alarmado ou tranquilo, não sabemos, com esta promessa bombástica. Para um eleitorado preocupado com o desemprego, com a inflação, com a instabilidade social, certamente que será isso que o preocupará, não dormirá sossegado se na Assembleia da República houver 250 deputados em vez de 235! Vai daí, o PSD, como tinha prometido ao eleitorado, vai fazer cumprir a promessa com a anuência clara dos deputados do Partido Socialista, que cede e - como aqui já se disse - cai uma vez mais!
Sr. Deputado, melhor fora que o PSD cumprisse outras promessas que fez ao eleitorado, como, por exemplo, a promessa eleitoral de melhoria das condições de vida dos portugueses. Mas aí é que não cumpre!
Em meu entender, quanto a este ponto claro e concreto da diminuição do número dos deputados, a verdade não está apenas na promessa que - como o Sr. Deputado diz - fizeram ao eleitorado e têm de cumprir.
Sr. Deputado, explique então, exactamente, por que razão defendem a diminuição do número de deputados?
Ao menos, o Sr. Deputado António Vitorino, usando uma argumentação com a qual eu não concordo, teve a coragem clara de falar até em bipolarização, mas o Sr. Deputado diz que foi uma promessa.
Sr. Deputado, por que razão é que o PSD defende a diminuição do número de deputados? Gostaria que o Sr. Deputado dissesse que nada se faz por acaso, que
é uma atitude política. O PSD, como diz o Sr. Deputado, reivindica-se defensor dos tais valores da democracia, que entende e desenvolve como quer, mas a verdade é que não basta esta argumentação.
Assim, gostaria que nos revelasse o porquê desta alteração.
O PSD fez os seus cálculos - não somos ingénuos e o Sr. Deputado também não é, nem o PSD, portanto, nada é inocente -, pelo que alguma razão ponderosa existe para o PSD pretender claramente diminuir a expressão da vontade popular e a vossa intenção visa claramente um objectivo que é o de atingir a oposição, nomeadamente a oposição de esquerda.
Uma outra questão que gostaria de lhe colocar, Sr. Deputado Costa Andrade, era em relação às ratificações. Creio, ou então estive distraído, que o Sr. Deputado passou por cima desse problema. Entende realmente que com essa alteração, introduzida pêlos socialistas e pelo PSD, vamos ter uma valorização das competências e das atribuições da Assembleia da República, no tocante à fiscalização dos actos do Governo? Por que razão é que vamos assistir a esta reviravolta - que, na nossa opinião, é grave - dos poderes da Assembleia da República?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, há mais pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no final?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, é muito simples e espero que me responda com a mesma simplicidade que eu uso para lhe formular a minha questão, que é esta: concorda V. Ex.ª ou o PSD que se diga na Constituição, no artigo 155.°, que cada eleitor dispõe de um voto?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª veio hoje aqui corresponder mais a um acto de natureza institucional pouco relevante, digamos, pois para não deixar passar em claro esta matéria o PSD também diz qualquer coisa. Parece-me pouco, até porque é o PSD o principal arauto da proposta de redução do número de deputados e não caberia ao PS defender aqui uma proposta que originariamente não era ele, mas vossa. No entanto, Sr. Deputado Costa Andrade - perdoe-me que lhe diga - V. Ex.ª falar, falou, mas não disse. Tanto não disse que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca voltou a perguntar, «mas porquê? É tão somente isto que queremos saber». Já sabemos que o PSD fez promessas, umas pagou-as ao eleitorado, outras pagou-as agora em Fátima e outras ficaram por pagar. Enfim, são promessas que se fazem, toda a gente as faz quando há campanha eleitoral.
Será só por isso que se reduz, só porque foi prometido? Então, cumpram também o resto que prometeram! Não haverá outra lógica nisto? Penso que há,

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Sr. Deputado. Tanto penso que é assim pois, quando alguém quer desfazer-se de alguma coisa que incomoda ou quando quer vender barato, adultera o produto, desvirtua a imagem!
Claro que não era preciso recorrer às eleições anteriores para saber se o eleitorado está ou não de acordo, inequivocamente, ainda que indirectamente, com a redução do número, de deputados. Bastava o Sr. Deputado mandar fazer agora uma sondagem, um inquérito ou uma amostragem qualquer e certamente o que é que lhe daria a opinião pública portuguesa: «Reduza-se aquela Câmara a quatro ou cinco, que são os que falam sempre e basta! Tirem-se de lá os outros que estão a consumir o erário público e nada mais fazem!» E isto porquê? Porque a imagem pública da Assembleia da República se tem vindo a degradar. Culpa de quem? Haveremos de saber e de discuti-lo noutra altura que não agora, mas é um facto que penso ser irrefutável.
Até agora degradando, degradando, degradando, porque incomoda e depois vende-se barato, reduz-se. Isto é populismo, é demagogia! «Povo português, quereis pagar menos pelos deputados que temos? - Queremos!» Isto é populismo, é demagogia e é contra isto que estamos!
Apresente-me, por favor - e sei que é capaz de fazê-lo - uma razão válida, uma razão lógica, uma razão democrática, para reduzir o número dos deputados da Assembleia da República e para evitar este despedimento colectivo anunciado. Apresente-ma e, se for razoável, concordarei com ela, desde já lhe dou a minha garantia.
Por outro lado, o Sr. Deputado abordou a questão do regime da ratificação, mas aquilo que não deixou aqui claro foi a garantia de que o PSD aceitará uma solução transitória. É isto que lhe peço: aceitará ou não o PSD uma solução transitória para o regime do instituto da ratificação? O que é que irá acontecer - porque isso também depende da vontade do PSD - às setenta e tal ratificações que estão pendentes, entre as quais algumas do Partido Os Verdes?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tinha vários, pedidos de esclarecimento a fazer ao Sr. Deputado Costa Andrade, mas deixei de ter, pura e simplesmente, porque, hoje, às 17 horas e 15 minutos, no fim da sua intervenção o Sr. Deputado Costa Andrade, com voz mansa e apagada, quase fenecendo, acabou, pura e simplesmente, de anunciar que o PSD roeu a corda em relação ao articulado aprovado na CERC.
A expressão é rigorosa: roeu a corda. É inteiramente irónico que o tenha feito, depois de o Sr. Deputado António Vitorino ter conseguido fazer os esforços que lhe eram pedidos e mais alguns, para defender uma solução insustentável num acordo leonino e inaceitável.
O PSD acaba de anunciar, de forma irretratável e visível, que, afinal de contas, não está de acordo com a norma vinda da CERC, que previa que cada grupo parlamentar tivesse direito à fixação da ordem do dia de quatro reuniões plenárias durante cada sessão legislativa ou, tratando-se de grupo correspondente a partido não representado no Governo, de seis reuniões plenárias. Acaba agora de nos informar que, em vez de honrar a sua palavra, o. PSD se reserva o direito de aprovar as normas que lhe convém e de, pura e simplesmente, se das que não lhe apeteçam.
Esta manhã recusou-se a disponibilizar-se para consagrar clarificações em relação ao Estatuto do Presidente da República. Essas, porém, diga-se, não tinham sido objecto do seu voto na CERC.
O que agora, aconteceu, Sr. Deputado Costa Andrade, é que o PSD, em relação a alterações com os quais tinha estado de acordo na CERC e que dizem respeito à garantia dos direitos dos partidos da Oposição, concretamente o direito de marcação da ordem do dia de reuniões plenárias, arroga-se o poder de dar o dito por não dito, de rasgar um compromisso formulado na CERC e, pura e simplesmente, dizer: «Não voto!».
Que lição! É toda uma imagem do que é o conceito do PSD sobre a palavra dada, do que é o conceito do PSD das votações que f az e é também uma lição muito importante sobre a própria noção que o PSD tem da forma como este acordo de Revisão Constitucional deve valer. Para o PSD o acordo só vale na parte que lhe interessa. Na parte que não lhe interessa, pura e simplesmente, não vale. Arroga-se o poder de rasgá-lo quando entender que isso não lhe é favorável. Ao mesmo tempo o PS mantém-se calado, não reage e aceita que os compromissos sejam, pura e simplesmente, rasgados e nada valham, quando não convém ao PSD.
Meus senhores, o que aqui acabou de passar-se é histórico. Devem ser tiradas todas as ilações. Se o PS aceita este tipo de conduta, se o PS aceita que os acordos firmados na CERC sejam denunciados unilateralmente pelo PSD, se não faz nada e aceita tudo então, meus senhores, temos uma situação inteiramente nova cujas consequências têm de ser pensadas de raiz.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É um escândalo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ò sistema eleitoral é, obviamente, um dos pontos centrais da alternância política e daí a relevância que ele assume no ordenamento constitucional.
A proposta da CERC é uma proposta positiva, no que se refere à definição de regras precisas e claras quanto ao sistema de escolha e à definição da configuração dos círculos eleitorais para a eleição dos deputados à Assembleia da República. Todavia, essa eleição não esgota naturalmente a configuração plena do sistema eleitoral, visto que este se aplica a um conjunto diverso de órgãos de soberania e de órgãos do poder regional e local.
É óbvio que também a Constituição - e aí não há alteração na revisão - atribui ao Presidente da República o direito de veto sobre a legislação eleitoral e obriga a maiorias reforçadas, para ultrapassar a existência do veto presidencial sobre legislação regulamentadora dos actos eleitorais previstos na Constituição.

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De qualquer forma, considero que esta é matéria extremamente importante.
O que gostaria de perguntar ao deputado Costa Andrade, na qualidade de porta-voz da maioria parlamentar, visto que se trata de matéria essencial para e configuração do sistema eleitoral, é a de saber qual é a política legislativa que o PSD tem era vista, após a Revisão Constitucional tal como ela está configurada no texto da CERC em matérias tão importantes quanto o sistema eleitoral, o método de apuramento dos resultados e os mecanismos de definição dos círculos eleitorais nas eleições para o Parlamento Europeu, para as Assembleias de Freguesia, as Assembleias e as Câmaras Municipais, as Assembleias Regionais das Regiões Administrativas e as Assembleias Regionais das Regiões Autónomas, visto que, para todos estes pontos de direito eleitoral, a proposta da CERC não apresenta a exigência de qualquer maioria qualificada originária.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Antes de formular qualquer esclarecimento, quero dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que não deve qualificar de silêncio o facto de não termos ido a correr, para procurar falar antes de si. Pedimos esclarecimentos, inscrevemo-nos para outro esclarecimento e a circunstância de ter chegado primeiro não significa que no seu caso seja indignação e no nosso seja silêncio.
Também queremos realçar o facto de o PSD ter anunciado que não vai honrar um voto indiciário formulado na CERC, sobretudo, tratando-se de direitos da oposição.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É grave! Vozes do CDS: - É gravíssimo!

O Orador: - É óbvio que isso é grave! Não é grave no sentido da ruptura de um acordo, como disse o Sr. Deputado José Magalhães. Não é o caso! Este ponto não estava no acordo, é apenas a correcção de um voto indiciário. Já corrigimos alguns votos indiciários, simplesmente corrigimo-los quando eles eram inocentes, no sentido de que a correcção, por hipótese de abstenção para favor ou de contra para abstenção ou até de contra para favor, não influenciava os resultados da votação, tratava-se apenas de uma atitude de maior ou menor compreensão, em face de uma proposta que não tinha feito vencimento.
Portanto, digamos que a nossa alteração do voto indiciário era irrelevante do ponto de vista do significado do voto para efeitos de vencimento.
Agora, pela primeira vez, acontece que há uma correcção anunciada de um voto que altera o seu significado. Onde se disse «fez vencimento» diz-se «deixa de fazer vencimento». Isto é grave pela circunstância, pois não é que não exista esse direito, já que todos! temos direito de corrigir o nosso voto, por isso mesmo ele é indiciário. Só que não compreendemos por que é que esse direito da oposição era bom em sede de comissão, e é mau no Plenário. Não entendemos isso e, portanto, nessa medida, acompanhamos a crítica justamente indignada do Sr. Deputado José Magalhães.
Achamos que o PSD deve rever a anunciada correcção de voto, pois não há qualquer razão para não manter e honrar o voto indiciariamente formulado na comissão. Digamos que esta sessão plenária ficaria manchada por esse caso único de correcção indiciaria de um voto na CERC. Que se vote assim ou assado, quando na própria Comissão se reservou o direito de votar assim ou assado é normal. Que indiciariamente se tenha dito sim a um direito fundamental da oposição e que agora, no Plenário, se diga não, não compreendemos e pedimos ao PSD que não incorra nessa mancha da discussão da Revisão Constitucional.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, esta posição anunciada, este recuo em relação à matéria acordada e versando uma questão tão importante como os direitos da Oposição, vem confirmar as apreensões com que alguns deputados desta bancada têm encarado o decorrer da Revisão Constitucional. Porque se o PSD toma esta posição antes de aprovada a Revisão Constitucional, no momento em que sabe que, para que ela possa se consumada, necessita da posição do PS para a obtenção dos dois terços, o que fará o PSD em relação aos direitos da Oposição, uma vez aprovada a nova Constituição?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pergunta-me: «Bom, o PSD invoca aqui a redução do número de deputados porque fez uma promessa. Isso é suficiente? Ò PSD não fez mais promessas? Não fez também a promessa de reduzir a inflação, de aumentar o emprego...», etc.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Não faça chicana, Sr. Deputado Costa Andrade!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Alegre, chicana está a fazer o Sr. Deputado! Apelo à honestidade do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca se não foi isto. Por amor de Deus, por amor de Deus!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está incomodado?!

O Orador: - Não estou incomodado, simplesmente a acusação que o Sr. Deputado Manuel Alegre fez é grave e infundada.

Dizia eu...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Não dou licença, não!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é para disfarçar a ruptura?

O Orador: - Não, Sr. Deputado, já lá vou. Tenha calma! Eu também tenho calma.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma contradita?!

O Orador: - Não, Sr. Deputado. Estou a responder às perguntas que me foram formuladas, por ordem, cada coisa no seu sítio! Tenho vários interpelantes que me merecem todos o mesmo respeito. O primeiro foi o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, o segundo foi o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, o terceiro foi o Sr. Deputado Herculano Pombo, o quarto foi o Sr. Deputado José Magalhães, o quinto foi o Sr. Deputado Jaime Gama, o sexto foi o Sr. Deputado Almeida Santos e o sétimo foi o Sr. Deputado Manuel Alegre. Não posso fugir a isto.
Dizia eu que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca argumentou, dizendo que o PSD tinha feito uma promessa na campanha eleitoral, que fez mais promessas, também fez a promessa de reduzir a inflação, de aumentar o emprego, e perguntou se o PSD também está preocupado com o cumprimento das outras promessas como está com esta.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - A pergunta não foi essa!

O Orador: - Está, Sr. Deputado, mas em sedes diferentes! Uma coisa é o partido de Governo na condução da acção governativa e sujeito à contradita e à crítica nas sedes próprias, coisa diferente...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Não dou! O Sr. Deputado usará depois do seu tempo!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Quais são as razões?

O Orador: - Como estava a dizer, coisa diferente é um partido assumir os compromissos que assumiu em matéria de Revisão Constitucional. E esse compromisso está a ser assumido!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Despedimento por justa causa!

O Orador: - O Sr. Deputado Herculano Pombo perguntou-me também quais eram as razões. As razões - comecei eu por dizer - são razões que fazem parte das propostas do PSD a vários actos eleitorais, são razões que privilegiam, entre outros argumentos, a ideia de que a ratio entre deputados e eleitores em Portugal era das mais elevadas da Europa e, portanto, entende o PSD da conveniência de adequar o ratio àquilo que se verifica nos países da Europa. Este entendimento foi sufragado pelo eleitorado e, como tal, o PSD nada mais faz do que honrar o compromisso.
Por outro lado, o Sr. Deputado fala também em despedimento colectivo. Não posso falar em despedimento colectivo pela simples ideia de que os mandatos populares dependem do povo. Na medida em que o povo não legitimar o mandato popular, através do seu voto, não vejo que alguém seja despedido. Só se pode pensar em despedimento se se tiver como referência um direito a estar aqui transcendente à vontade do povo.
Não partimos desse princípio, isto é, que exista um direito de estar aqui transcendente à vontade do povo e em relação ao qual a vontade do povo expressa em eleições aparecesse como despedimento colectivo. Não partilhamos dessa concepção das coisas e, por isso, não podemos coonestar a sua interpretação quando fala de despedimento colectivo. Ninguém tem o direito a estar aqui senão por mediação da vontade popular.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É óbvio!

O Orador: - Enquanto a vontade popular lhe não der assento aqui, ninguém tem o direito de se sentir despedido colectivamente, porque isso, repito, significa apelar para um poder localizado não sei onde, mas no povo é que não. Como só acreditamos no poder que radica e emerge do povo, na base deste entendimento das coisas, é que não podemos acompanhar o Sr. Deputado na censura de despedimento colectivo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Bem sabe que está a ser simplista!

O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães diz: «Roeu a corda.» Não é verdade!

Há um acordo de Revisão Constitucional entre o PS e o PSD que está a ser cumprido, por parte do PSD, até à última vírgula. Para além do acordo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não responde!

O Orador: - Respondo, Sr. Deputado, e respondo em 99,999! Simplesmente, entendo que, em relação a uma determinada matéria, o carácter indiciário que tende sobre todas as votações da comissão é indiciário numa maioria esmagadoríssima.
Em relação a este, em concreto, como aliás já aconteceu em relação a outros, mudámos. Não temos qualquer relutância em dizê-lo. Houve uma melhor reflexão em relação a um voto que era indiciário, em relação a um voto para o qual não havia qualquer compromisso assumido, repito, não havia qualquer compromisso assumido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Connosco, não!

O Orador: - Com o Sr. Deputado seguramente que não e com o PS também não havia. Não havia qualquer compromisso com o PS nesta matéria. Além disso, já mudámos muitos votos e propostas, em relação às quais votámos contra na comissão e votámos aqui a favor. O debate e a reflexão que, entretanto, se foi travando tem funcionado, em geral, a favor de novas propostas, mas, em concreto, funciona ao contrário, Sr. Deputado.
Lamento muito, mas esta é a nossa posição. Não «roemos a corda» a ninguém e muito menos o fazemos em relação a um Sr. Deputado e a um partido ao qual não nos ligam compromissos de espécie alguma, porque - repito - o acordo celebrado entre o PS e o PSD está, da parte do PSD, a ser cumprido até à última vírgula.
Com isto respondo, também, ao Sr. Deputado Manuel Alegre, na medida em que esta resposta, do meu ponto de vista, absorve a que deveria dar àquele Sr. Deputado.

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O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia pergunta-me se concordo com a regra de cada eleitor um voto. A resposta, extremamente simples, é de que concordo. Aliás, tal regra está consignada no artigo 49.° da Constituição que diz: «Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral.» De resto, não propusemos qualquer alteração àquele artigo.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Então o Sr. Deputado está de acordo em que se explicite que em cada acto eleitoral, cada eleitor tem, apenas, direito a um voto. Isto é, vota apenas uma vez!
Fico satisfeito, Sr. Deputado, em saber que o PSD vai votar a minha proposta.

O Orador: - Sr. Deputado, penso que isso é uma evidência do sistema proporcional e do sistema pessoal do direito de voto. Mais: estou particularmente à vontade, porque represento um partido que, em relação à revisão da Constituição, tentou levar o mais longe possível essa verdade e esse valor, qual seja, o de um cidadão um voto, ou seja, um cidadão português onde quer que esteja situado na sua diáspora pelo mundo. Isto porque Portugal, mais do que um território, é um povo, e nós quisemos levar o direito de voto lá, bem longe, onde se encontre um cidadão e não me parece que tenha podido contar com o voto do Sr. Deputado para dar a esses portugueses, que estão lá longe, um voto.
Procuramos, ainda, criar mecanismos que permitissem alargar a possibilidade do voto por correspondência para, em casos de impossibilidade de voto presencial, tornar possível, nalguns casos, a esses cidadãos votarem, no que não fomos acompanhados pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
Pergunta-me o Sr. Deputado Jaime Gama qual a política legislativa do PSD, em relação às eleições que não estão cobertas por esta matéria.
A minha resposta, Sr. Deputado - já uma vez respondi assim, mas por dever de coerência vou fazê-lo outra vez - talvez seja um pouco chocante, mas devo
dizer-lhe, com toda a honestidade e com toda a franqueza, acima de tudo com toda a legitimidade democrática, que não sei.
Estamos aqui a fazer uma Constituição, a erigir normas de Direito Constitucional, que permitam, às diferentes forças políticas que detém por direito a maioria, plasmar nessa matéria o seu programa. Quanto ao resto, Sr. Deputado, seria eu a arrogar-me, aqui, de um poder que não tenho. A separação de poderes funciona, também entre o legislador ordinário e o legislador constituinte. Ora, ignoro quem vai ser o legislador ordinário, mas como legislador constituinte tenho de ter um espectro aberto a todas as possibilidades.
Se, porém, quiser a minha opinião pessoal, posso dar-lha, mas essa só é meramente pessoal, e é extremamente simples: penso que nessa, como todas as matérias a que na minha intervenção chamei de consenso, deve haver o máximo de consenso possível.
Na minha qualidade de legislador constituinte, se pudesse dar um conselho ao legislador ordinário, dir-lhe-ia que, nessa matéria, como em todas as outras, viabilizasse soluções consensuais entre as principais forças políticas, soluções que garantissem a imparcialidade, a autenticidade e a verdade dos actos eleitorais. Na certeza de que, passando por soluções consensuais entre as maiores forças políticas, designada e tendencialmente no horizonte dos dois terços, estaria à partida, grandemente indiciada, pelo menos, a obtenção desses valores.
Mais do que isto, Sr. Deputado Jaime Gama, era estar eu aqui, em sede de Revisão Constitucional, a usar de um direito de expressão que não tenho.
Por sua vez, o Sr. Deputado Almeida Santos coloca a questão da alteração do nosso voto. Obviamente que pôs o problema nas proporções que ele tem, até porque não se trata de matéria acordada entre o PS e o PSD, que, na sua essência, se restringe a umas dezenas de artigos. Além deles, o PS e o PSD, sem vinculações compromisórias e sem dependência de umas matérias em relação às outras, aprovámos, em conjunto e fora do compromisso, talvez, umas centenas ou, pelo menos larguíssimas dezenas de alterações. E temo-las mantido todas.
Uma melhor reflecção sobre esta matéria, neste momento, indicia-nos que não devemos votar isso. Tomo, apesar de tudo, a sério a referência do Sr. Deputado Almeida Santos, mas como proposta de debate e não como ameaça de «roer a corda», porque ninguém «roeu corda» nenhuma, ninguém violou qualquer compromisso.
Porém, num debate que, reposto por mim, foi reaberto pelo Sr. Deputado Almeida Santos, só posso prometer que me farei devedor de uma obrigação de meios de repensar o problema no interior do Grupo Parlamentar do PSD. Na certeza, contudo, de que seja qual for a nossa posição, o fazemos de cara lavada com a frontalidade, serenidade e lealdade e, sobretudo, com a convicção de que não violamos nenhum compromisso, por mais que doa à caneta do notário de compromissos, que ninguém encomendou, que não assistiu, que não é parte e que se dá pelo nome de porta-voz do Partido Comunista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.a Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, não é propriamente uma intervenção e, depois deste debate, isto quase não é relevante. Em todo o caso, informo a Mesa e o Plenário que retiro, também, a proposta relativa ao n.° 6 do artigo 155.° do projecto n.° 6/V.
Recordo, também, aqui, ao Sr. Deputado Costa Andrade que, ao referir-se à intervenção do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia relativamente ao aspecto de que cada eleitor só pode ter um voto, fez considerações acerca do direito de voto dos emigrantes que se aplicam, eventualmente, apenas ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, porquanto eu tenho a mesma proposta e, como sabe, defendo o voto dos emigrantes. Esta consideração é lateral e não relevante, dado que essa matéria já está discutida atrás.
Portanto, o que fundamentalmente pretendo é retirar o n. ° 6 do artigo 155.° da minha proposta.

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O Sr. Presidente: - Está retirado, Sr.a Deputada. Para uma intervenção, tem palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para fazer algumas considerações breves sobre o conjunto das nossas propostas neste grupo, que está, agora, a ser discutido.
O Sr. Deputado Costa Andrade, há momentos a propósito da proposta de redução do número de deputados apresentada pelo PSD, falou em mandato e obediência ao mandato que o PSD teria recebido do eleitorado.
É claro que houve na Câmara um movimento geral de descrença em relação à afirmação do Sr. Deputado Costa Andrade, porque o PSD partido maioritário neste momento, porventura justificará essa descrença. Terá sido essa pureza de obediência ao mandato que terá levado o PSD a proceder desse modo?
Reparo, no entanto, que o Sr. Deputado António Vitorino não deixou, também, quando interpelado sobre as razões que teriam levado o Partido Socialista a dar o seu acordo a uma norma deste tipo, de reivindicar, e justamente - devemos fazer-lhe justiça -, a circunstância de dele nunca poder ter partido qualquer iniciativa diminuidora das competências e da capacidade do Parlamento.
O CDS também apresentou uma proposta de redução do número de deputados. O Sr. Deputado Carlos Brito, há pouco, falou em proposta suicida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Kamikase!...

O Orador: - Não se trata de proposta suicida. Neste momento, a nossa vida é o Parlamento, vivemos no Parlamento, e, exclusivamente para o Parlamento.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O risco é a nossa profissão...

O Orador: - Não estamos no Governo nem participamos em qualquer instância governativa, é óbvio que a nossa proposta obedeceu a essa necessidade, que sentimos, do cumprimento do mandato que recebemos do nosso eleitorado e em que há um sentimento favorável a um ajustamento do número de deputados e da proporcionalidade entre o número de deputados e o número de eleitores.
É essa a razão da nossa proposta, a qual consideramos, neste momento, consumida pela da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e que terá, por isso, o tratamento adequado.
É, no entanto, de salientar que fizemos essa proposta num contexto em que se não mexia no artigo 152.° Isto é, fizemos essa proposta na perspectiva de não haver qualquer alteração ao sistema eleitoral. Ora, a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, na sequência do acordo entre o PSD e o PS, viabilizou uma alteração ao artigo 152.° Essa alteração aponta, potencialmente, no sentido da revisão do sistema eleitoral.
O Sr. Deputado António Vitorino - justiça lhe seja feita -, numa parte da sua intervenção e na sequência do que várias vezes nos foi dito, em conversas bilaterais, pelo Partido Socialista, voltou a sossegar a Câmara sobre a eventualidade das modificações aprovadas ou indiciadas irem ou não potenciar uma mudança do sistema eleitoral.
Mas, Sr. Deputado António Vitorino, quero confessar-lhe que o seu discurso me causou alguma preocupação, porque encontrei nele algum sinal de contradição. É que ao mesmo tempo que claramente disse isto - e não há dúvida nenhuma de que V. Ex.ª o fez novamente e digo novamente e sublinho novamente, porque o Partido Socialista várias vezes o afirmou - V. Ex.ª apontou para uma espécie de inelutabilidade de uma lógica, a que não chamarei bipolarizadora, mas bipartidária da disputa do poder em Portugal. V. Ex.ª justificou e até o fez com argumentos que, no seu entender, deveriam conduzir a uma dinamização ou redinamização do espectro partidário português.
V. Ex.ª disse o que é verdade, ou seja, de que são estes dois grandes partidos que, nos últimos anos, disputam o poder em Portugal e será bom que essa disputa possa ganhar várias razões acrescidas para se manter, de forma a que não caiamos, novamente, nas soluções pantanosas do tipo bloco central. V. Ex.ª corrigirá se realmente não interpretei devidamente o seu pensamento.
Ora bem, Sr. Deputado António Vitorino, esta sua intervenção, no seu conjunto, levou-me a recear que, efectivamente, V. Ex.ªs admitissem - e o vosso voto é fundamental nesta matéria, para já, pelo menos, porque é matéria sujeita à maioria de dois terços no que respeita à lei ordinária - que o vosso voto é fundamental para viabilizar, na sequência da alteração operada, qualquer quadro legislativo ordinário que possibilite as tais operações de engenharia eleitoral que nos podem efectivamente levar a operações de aniquilamento dos partidos com menor representatividade no espectro político português, aniquilamento esse que seria prejudicial e fatal à estabilização da nossa vida democrática e que traria como resultado uma distorção completa desse mesmo espectro partidário.
V. Ex.ª sabe que o nosso espectro partidário está ainda em adaptação, fruto de uma conjuntura muito especial, que V. Ex.ª sublinhou muito bem na sua intervenção, e cuja estabilização depende, porventura, da sua manutenção à outrance neste momento.
Sr. Deputado, gostaria de ser sossegado, novamente, pelas suas palavras, sob qualquer forma, mesmo sob a forma de pedido de esclarecimento ou de intervenção sobre esta matéria.
Uma outra preocupação do CDS neste domínio irmanava-se, digamos, com uma preocupação que foi também partilhada pelo Partido Socialista. Nem uma nem outra acabaram por obter apoio de deputados em número suficiente ou de partidos que viabilizassem a respectiva solução. Era uma preocupação de estabilidade governativa que veiculávamos através da consagração na Constituição da necessidade de aprovação explícita do Programa de Governo e que o Partido Socialista pensou viabilizar através da moção de censura construtiva.
Entendemos que a solução socialista não era aceitável e sobre essa matéria tivemos várias discussões com representantes do Partido Socialista, com deputados que, hoje, estão aqui sentados a discutir e votar no Plenário a Revisão Constitucional. Consideramos que a solução da moção de censura construtiva iria, de qualquer maneira, traduzir-se numa redução dos poderes

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do Presidente da República, pelo que preferíamos a nossa solução e continuamos a preferi-la, embora sabendo que ela não vai, efectivamente, colher o favor dos Srs. Deputados. Não quero, porém, deixar de a referir.
O penúltimo apontamento que, aqui, desejo deixar é relativo às leis orgânicas, sobre o que já falou - e bem - o meu colega de bancada Adriano Moreira, esta manhã. Neste momento, só quero salientar que nesta, como noutras questões, a proposta do CDS acolheu o favor da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e colheu o favor de deputados em número suficiente para vir a ser consagrada como alteração à Constituição.
Temos, porém, especial carinho por esta matéria, porque nela a solução do CDS representou uma via de saída para a querela que a certa altura se estabeleceu entre os dois partidos indispensáveis à formação da maioria de dois terços: O PS apostado na defesa de uma solução semelhante à nossa, que era a das leis paraconstitucionais; o PSD apostado em dar ao Governo e à maioria todo o poder e, portanto, combatendo qualquer solução desse tipo.
Encontraram-se, finalmente - eu iria dizer que se encontraram à esquina do
CDS -, na proposta de leis orgânicas do CDS e nós congratulámo-nos com isso. Elas serviram - estou convicto - para ultrapassar uma fase de desacordo que considerávamos negativa, na medida em que considerávamos fundamental caminhar no sentido efectivo da revisão.
A nossa solução era mais moderada, porque apontava, apenas, para a obtenção de dois terços em segunda leitura, isto é, para leis às quais tivesse sido recusada a promulgação pelo Sr. Presidente da República, solução que foi a adoptada. O elenco de matérias das leis orgânicas não é rigorosamente identificado com o CDS, mas a ideia base que lhe preside, nas palavras do Sr. Deputado Costa Andrade de, ainda, há momentos, corresponde, de certo modo, àquilo que era nossa ideia: são leis orgânicas no sentido de que elas têm a ver fundamentalmente com temas da organização do Estado. O Sr. Deputado Costa Andrade falou em matérias de consenso e nós estamos, evidentemente, de acordo. Esse elenco é, de certo modo, inspirado também no nosso elenco.
Só temos que nos congratular com esta solução e chamar uma vez mais para ela a vossa atenção.
Finalmente, a questão levantada pela intervenção pelo Sr. Deputado Costa Andrade respeitante ao artigo 179.°
Sr. Deputado Costa Andrade, foi esclarecedor o diálogo entre V. Ex.ª e o Sr. Deputado Almeida Santos. Foi democrático, V. Ex.a dignificou o debate em Plenário, porque aceitou responder a questão.
Queria, porém, recordar-lhe uma outra questão. Suponho que há três espécies de votos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional: há os votos correspondentes ao acordo que VV. Ex.ªs celebraram com o Partido Socialista, contra o qual não temos nada e que compreendemos perfeitamente; há os votos que conduziram à formulação de um texto pela comissão; e há, ainda, os votos que, não colhendo a maioria de dois terços, embora votos expressos a favor desta ou daquela solução, não valem mais do que isso e apenas indiciaram a posição do partido.
Acho que a categoria intermédia corresponde a um prolongamento de um acordo. Neste caso, um acordo que vai para além do acordo entre os dois partidos, pois trata-se de um acordo, digamos, entre todos os partidos que, efectivamente, constituíam a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. A existência deste tipo de votações dignifica a comissão, prolonga e dignifica o próprio acordo que VV. Ex.ªs celebraram com o Partido Socialista.
É um acordo que VV. Ex.ªs celebraram sem prejuízo do trabalho da comissão e sem prejuízo do trabalho da Assembleia da República.
Suponho, pois, que V. Ex.ª deverá encarar desse modo os votos que conduziram à indicação de uma solução aprovada por maioria de dois terços.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, fundamentalmente estou de acordo com o que disse, embora ligeiramente divergente no que toca à interpretação. É evidente que o núcleo do acordo, até aos seus restritos limites, foi e está a ser cumprido, para além disso estende-se uma mancha muito grande em matérias nas quais umas vezes nos encontrámos, outras vezes nos desencontrámos.
Em relação a esta matéria, o que o conteúdo da minha intervenção teve de útil, foi esta coisa singela: sendo certo que nesta matéria, porque não há compromissos, nós, fazendo jus ao carácter indiciário, repusemos o tema em debate.
Isto foi sublinhado por todos os Si s. Deputados que, nas declarações de voto que fizeram na CERC, acautelaram muito bem que os votos ali indicados eram indiciários e salvo sempre melhor entendimento.
Portanto, foi muito claro: assumimos isso e o que fizemos, através da minha intervenção, foi no que toca a este ponto muito limitado, repor o terna em debate.
Propusemos repor o tema em debate e, se for necessário, rediscuti-lo-emos, interviremos e daremos as razões que nos levaram a repensar.
O que fizemos foi, no que toca a este muito localizado ponto, que não está sujeito a nenhum acordo, que é, portanto uma matéria na disponibilidade dos partidos, sujeito ao voto indiciário, (já mudámos em muitas matérias em relação ao PS e em relação ao CDS), repor da nossa parte, espontaneamente, esta matéria em debate.
O que se passou foi apenas isto, porque o resto pode ser berro, mas não nos assusta.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, não estou a berrar! Na realidade, às vezes berro um bocado, mas agora nem estou a berrar, talvez por ser sexta-feira.
No entanto, devo dizer-lhe que não confunda essa mancha de que falou, pois eu gostaria que V. Ex.a não confundisse uma única mancha. Há aqui várias zonas e a dignificação do acordo exige que VV. Ex.ªs aceitem isso mesmo, que há várias zonas. Mas mais, Sr. Deputado Costa Andrade: é muito importante, para que possamos acreditar completamente nas vossas intenções, que em matérias que respeitem ao exercício

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de direitos pela oposição na Assembleia da República, designadamente, VV. Ex.ªs não recuem em relação a votos que já produziram.
É muito importante que isso aconteça: não recuem! 15to porque temos presente na mente aquilo que se passou com a revisão do Regimento da Assembleia da República, pois sentimos que a oposição está limitada na sua capacidade de exercício da crítica em relação ao Governo e seria bom que, neste domínio e nesta altura em que estamos a rever a Constituição, VV. Ex.ªs não decaíssem um milímetro nestes domínios.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Mas decaem! Só não decaem no que lhes convém!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

0 Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Prescindo.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

0 Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente Srs. Deputados, Sr. Deputado Nogueira de Brito: é para um pedido de esclarecimento simplicíssimo que desdobraria em três pequenas alíneas e que dirigiria à sua consideração.
É natural - das suas palavras algo se intui - que as aposições insistam, nesta altura, nas acusações ou nas tentativas veladas de culpar o PSD, pelas intenções de alterar o sistema eleitoral, no sentido de tornar mais fácil a obtenção de maiorias.
No entanto, queria lembrar que o Sr. Deputado, se é que V. Ex.ª não se lembra, que o PSD não precisou disso para, de facto, realizar a maioria eleitoral que realizou. Não precisa, portanto, o PSD de fazer alterações ao sistema eleitoral, para obter a maioria neste país, como nomeadamente acontecem nas últimas eleições.
Mas é natural que o PSD queira, como eu disse, aliás, numa intervenção que fiz hoje de manhã, melhorar o sistema eleitoral; como é natural que todos os outros partidos o queiram melhorar, porque, uma coisa são situações históricas verificadas algumas vezes, outra coisa são situações históricas de normalidade.
Nisso reconhe6 que o CDS tem tido algum papel importante e vejo agora, com curiosidade, e por contradição com o CDS, que ele próprio esqueceu algumas das posições que havia tomado, por exemplo, antes dos governos da AD ou na campanha eleitoral do Professor Freiras do Amaral.
São posições diferente que eu compreendo, porque a posição do CDS é diferente, já que não tem nada a ver, porventura, com a sua própria justificação e necessidade de justificação, enquanto partido menor, mas que tem porventura, a ver com uma mudança de posição substancial, pois creio que é este o problema que o CDS tem agora perante o sistema eleitoral.
V. Ex.ª não se afobe e não se preocupe, porque o PSD, no acordo que fez com o Partido Socialista, exactamente porque sujeitou a uma maioria de dois terços
estas leis eleitorais, com certeza que terá a serenidade suficiente para encontrar com os outros partidos da Oposição o melhor sistema eleitoral, obedecendo, aliás aquilo que está configurado na Constituição e que sirva ao país.
Por outro lado, gostaria de lhe dizer - numa alusão, também, aquilo que veio da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino - que, curiosamente, o que se passa em Portugal é uma coisa diferente do que se passava antes.
0 Sr. Deputado António Vitorino citou, há pouco, o exemplo francês. No entanto, é evidente que o que se passa em França é diferente. Aí a direita defende situações de proporcionalidade e a esquerda defende situações de maioria.
Aqui, como V. Ex.ª disse, Sr. Deputado António Vitorino, também se está a aproximar a direita do sistema francês, pois a direita em Portugal, já não defende o sistema maioritário, defende o sistema proporcional.
V. Ex.ª pode descansar o PCP e pode descansar o Sr. Deputado José Magalhães.
Em relação aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito dizia, dos seus receios do futuro creio que V. Ex.ª não tem nenhuma razão para se ver preocupado, não tem nenhuma razão para se ver ofendido, não tem nenhuma razão para ver o CDS menor, para ver o CDS menos representativo.
Teremos, repito, a serenidade suficiente para, em conjunto com os partidos da Oposição, todos eles, gizar as melhores leis eleitorais para o País.

O Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Nogueira de Brito deseja responder no fim dos pedidos de esclarecimento, não é verdade?
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

0 Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, esta tarde de sexta-feira tem sido uma das tardes mais longas de todas as tardes que aqui vivi - e já foram algumas. Estou aqui há horas a pedir, a implorar que me dêem, ao menos, uma pequena razão para que tenhamos que reduzir o número de deputados. Até agora foi dada a razão da ratio. E foi dada pelo Sr. Deputado Costa Andrade depois de eu muito me esforçar para lhe «sacar» mais alguma coisinha. Como não tinha mais nadinha para dar, deu-me a razão da ratio, ou seja, a ratio entre o número de deputados...

0 Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

0 Orador: - Se faz favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, peço desculpa por estar a interrompê-lo, ainda por cima no seu tempo. 0 Sr. Deputado não acredita em razões técnicas?

0 Orador: - Em razões técnicas, Sr. Deputado?

0 Sr. Carlos Encarnação (PS): - Sim, Sr. Deputado.

0 Orador: - Acredito, Sr. Deputado.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Do ponto de vista do domínio eleitoral?

O Orador: - Sr. Deputado, respondo-lhe já: sei que é muito mais fácil para qualquer funcionário de qualquer partido político sentar-se naquela bancada e controlar 100 deputados do que controlar isso. Dá menos trabalho a escrever, dá menos trabalho a gerir...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Para si a questão do controlar é, de facto, dramática porque V. Ex.a controla-se a si mesmo, por vezes dificilmente porque descontrola-se um bocado. O Sr. Deputado Costa Andrade, com simplicidade e com clareza, limitou-se a dizer o seguinte: há uma razão técnica, do ponto de vista da técnica eleitoral, que recomenda que isto assim acontecesse.

O Orador: - Eu isso compreendi, Sr. Deputado, mas aceitar não aceito.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Se V. Ex.ª não aceita este tipo de argumentos então poderemos discutir isto numa outra sede. De facto, é um argumento importante.

O Orador: - Eu compreendi, mas aceitar não aceito. Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque nós não vivemos numa tecnocracia, mas sim, numa democracia. E quando as razões técnicas se sobrelevam a razões democráticas digo «não obrigado». Isto porquê? Tecnicamente, reduz-se o número de deputados. Óptimo! Democraticamente, há um círculo que vai perder deputados - e, por acaso é um dos círculos mais carenciados em termos de aproximar a sua voz dos centros de decisão -, há partidos pequenos que «chapéu» nunca mais aparecem ou, então, surgem à boleia no autocarro dos partidos grandes. É isto que VV. Ex.ªs estão sempre a lamentar que nós, o Partido Os Verdes, façamos. Uns dizem «os senhores vêm para aqui à boleia», outros dizem «o CDS vem de taxi». Pois é vocês não nos deixam ter carro próprio. Nós queremos tirar a carta e vocês não deixam, o código não o permite. Culpa vossa...!!!
O Sr. Deputado quer-me interromper outra vez? Se faz favor, mas depois não diga que eu nunca cedi tempo ao PSD.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, isso é, na verdade, uma flagrante injustiça em relação àquilo que nos é imputado porque, segundo as suas próprias palavras, nós não temos nada que ver com as alterações ao sistema vigente. O sistema existe e foi por ele que o senhor foi eleito. É contra este sistema que o senhor se tem que rebelar e não contra nós.

O Orador: - Contra o sistema que me elegeu? Sou tudo menos tolo, Sr. Deputado. Eu nunca me rebelaria contra o sistema que me elegeu. Eu fui eleito com trinta e tal mil votos dos meus eleitores, que em mim confiaram e que eu aqui defendo. Tolo é que não, muito obrigado.
Dizia eu que no fim disto tudo apenas conseguimos saber que a rã tio entre o número de deputados em Portugal e o número de eleitores é uma das menos justas da Europa. Chovam os exemplos, já agora expliquem-nos aqui por que é que os italianos têm duas câmaras, por que é que os espanhóis têm duas câmaras, inúmeros deputados, inúmeras representações porque é de democracia parlamentar e representativa que se trata. Por que é que os outros têm e nós temos que reduzir? Pobrezinhos de nós! Até a democracia vai ter que encolher por razões técnicas. É esta a razão? Espero - e é por isso que eu fazia este apelo ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, que também é subscritor de uma «proposta de encolhimento» - que me traga uma razão mais razoável que a da ratio.
Apesar de tudo, passámos aqui uma tarde em que não se perdeu tudo. Por exemplo, de manhã assistimos a um CDS que vinha de cruzado. Trazia a cruz pintada e vinha de cruzado participar no cerco de Lisboa. Fez o seu trabalho - aliás, muito bem feito -, ajudou à conquista da cidade. Conquistada que está a cidade, à tarde o CDS aparece de Samurai e diz «nós também prometemos fazer Hara-Kiri, espetamos a faca nas tripas»... Espetaram-na! Portanto, o CDS esteve aqui esta tarde a fazer Hara-Kiri para quem quis ver. Diga-se de passagem que não foi uma tarde mal passada. Nas eleições o CDS prometeu ao povo português «vamos reduzir o número de deputados, começando por nós próprios». O povo vos agradecerá, certamente muito brevemente.
Aquilo que eu lhe queria pedir, Sr. Deputado Nogueira de Brito, era uma razão para reduzir o número de deputados. Eu sei que o CDS só reduzia em 40. Quem o fazia em muito era o PSD, que reduzia em 50. O Sr. Deputado veio aqui dizer que a sua proposta está consumida na CERC, proposta essa que só reduz em 15. Portanto, fez um negócio pelo menor desgaste, ou seja, em vez de 40 são 15 e quiçá os vossos 4. É pena porque a democracia portuguesa perderá certamente uma voz qualificada, diferente como tem sido a do CDS. Embora venha de táxi, chega cá e está cá todos os dias para trabalhar em favor da democracia e, de certa forma, diga-se, aliás, em abono de verdade, para evitar teses como a do dualismo a do maniqueísmo e a da bipolarização e teses esmagadoras, cilindradoras da democracia como são as teses do cavaquismo e do populismo - e digo «populismo» porque é em seu nome que se fazem estas reduções. Diz-se ao povo: «Quereis pagar pouco?» o Povo diz «queremos». «Então reduz-se o número de deputados, que são aqueles que ganham demais e fazem de menos». E porquê? Porque alguém que tem estado no Governo tem-se preocupado ao longo destes anos em dizer «quem manda aqui é o Governo. A Assembleia da República é muito chata. Estão lá só a dizer mal do Governo e isso não é de aturar, portanto reduza-se. Eles até dormem lá, nunca estão presentes e até vão ver futebol quanto é tempo de estar a discutir». Quem tem feito isso? Nós não! Nós temos dito «aqui, sim, é que é o órgão de soberania. Nós é que fomos eleitos directamente e não o Governo. Aqui se deve fazer a legislação aqui se deve fazer cumprir a Constituição, aqui se deve fazer a fiscalização do Governo». Sem deputados não se fará nada disto. Aqui é, de facto, o fulcro da democracia. Mexer aqui é estar a mexer no coração da democracia e que eu saiba ainda não é seguro fazer operações ao coração. Não as faço!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

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0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito: É tradicional nos debates sobre o sistema eleitoral reconhecer a estes sistemas. uma dupla função: por um lado, são formas de permitir a expressão da vontade popular e de garantir a representação popular, a essência da democracia representativa e, por outro lado, são formas de indirectamente viabilizarem a constituição de governos. Nesse sentido, há quem defenda que o sistema eleitoral deveria privilegiar, na sua organização; a lógica da estabilidade governativa e há quem defenda que deveria, pelo contrário, privilegiar a lógica da representação popular. É verdade que hoje estes critérios estão um pouco postos em causa. O exemplo do Sr. Deputado Carlos Encarnação não é totalmente correcto. A direita e a esquerda em França não têm, exactamente, as posições que ele referenciou. A história recente de França mostra-nos que os socialistas ganharam maioria com um sistema maioritário, depois alteraram-no para um sistema proporcional, ganharam outra vez a maioria e depois voltaram a perdê-la no mesmo sistema. 15to significa que a direita ganhou a maioria em sistema proporcional, alterou subsequentemente o sistema eleitoral para maioritário e perdeu a maioria neste sistema. 0 que revela o exemplo francês - isso sim e é mais importante - é que hoje em dia essas regras já não são absolutas. De facto, um sistema maioritário a duas voltas como o francês, que era suposto garantir estabilidade governativa, nas últimas eleições não conseguiu gerar um governo maioritário porque o partido mais votado, o Partido Socialista Francês, só obteve uma maioria relativa. E em Portugal, o tal sistema proporcional que conduziria à dispersão da representação parlamentar, e que contribuiria para a dispersão partidária e para a instabilidade governativa, gerou uma maioria de um só partido.
Essas regras têm de ser entendidas sobretudo à luz da evolução do sistema partidário. E, Sr. Deputado Nogueira de Brito, num ponto estou de acordo consigo. Acho que V. Ex.ª tem todo o direito de estar sentado nesse seu lugar, como cavaleiro solitário, e de perguntar «Onde estão os meus apoiantes»? Eu digo-lhe: eles estão aí, atrás de si, não se preocupe. Estão é por via indirecta, através do voto útil dado ao PSD nas últimas eleições. Mas, Sr. Deputado Nogueira de Brito, o que lhe aconselho é a ter mais cuidado. Não basta olhar para trás de si e perguntar pelos seus apoiantes. Comece também a olhar para o seu lado esquerdo, isto é, para a sua direita em termos políticos e pergunte onde estão outros à sua direita. Porque talvez haja alguns que ainda possam caber aí à sua direita, Sr. Deputado Nogueira de Brito.
De facto, em Portugal há um sistema partidário em adaptação, e é na área da direita que esse sistema partidário neste momento mais se move. Nós não podemos ser completamente cegos. Por isso, Sr. Deputado, à luz dos seus próprios interesses, parece preferível o CDS convencer o seu eleitorado de que mais vale passarem a defender convictamente a proporcionalidade do que continuarem a receber dele mandatos a favor de sistemas majoritários que podem ser fatais para o próprio CDS.
Agora, o que gostaria de lhe dizer é muito simplesmente o seguinte: em todas as sociedades democráticas ocidentais os pólos de poder situam-se em torno da disputa do eleitorado central. Por exemplo, em Itália durante muito tempo a possibilidade de alternância no exercício do poder traduzia-se numa disputa do eleitorado central entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano. Durante muito tempo a - regra foram as transferências, recíprocas directas entre os comunistas e a democracia cristã. 0 Partido Socialista em Itália perturbou um pouco este esquema de transferências directas, mas mais uma vez o PS, em Itália,
perturbou esse esquema porque se afirmou como partido representativo de uma importante faixa de eleitorado central.
15to foi o mesmo que eu disse em relação a Portugal. Não há no nosso país nenhuma engenharia eleitoral que possa pôr em causa o livre jogo do sistema partidário e a livre expressão da vontade popular. 0 que nós queremos é a estabilidade do sistema eleitoral pela regra dos dois terços para que ninguém possa arrogar-se a tentação de minorar perdas nó terreno da verdade do sufrágio mediante operações de alteração da lei eleitoral.
Por isso é que o Partido Socialista é veementemente contra qualquer operação de engenharia eleitoral, e por isso é que apresentou propostas de manutenção intransigente do sistema proporcional, de garantia de estabilidade da lei eleitoral por dois terços. Para além destas apresentámos uma proposta que visava reforçar a alternância democrática - a proposta de moção de censura construtiva -, que infelizmente não teve o apoio de nenhum outro partido na Câmara. Que os partidos de apoio dos extremos (o PCP e do CDS) não gostem de moções de censura construtivas compreendo porque elas são formas de protecção de governos minoritários. O PSD, que está um pouco como a rã que encheu, encheu, encheu, à imagem do boi, e ainda não rebentou, também acha que os governos, minoritários são um resquício do passado. Mas, quando representação proporcional voltar às suas devidas proporções, e quando medirmos o resultado em termos de instabilidade governativa dessa rentabilização do sistema partidário, então daqui a cinco anos cá estaremos de novo para voltar a discutir as virtualidades da moção de censura construtiva.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para formular um pedido de esclarecimento está inscrita a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
Porém, antes de lhe dar a palavra, gostaria de informar os Srs. Deputados que se encontra a assistir aos nossos trabalhos um grupo de alunos da Escola Secundária Júlio Martins, de Chaves, a quem agradecemos a presença e a quem saudamos.

Aplausos gerais.

Estiveram também aqui connosco oitenta alunos da Escola Primária dos Marrazes, de Leiria, que entretanto tiveram de se ir embora. Estive à espera de uma melhor oportunidade para anunciar esta visita, uma vez que isto não é muito protocolar e além disso interrompemos intervenções importantes. Mas atendendo a que os alunos vêm de muito longe e se devem querer ir embora considerei oportuna a interrupção agora efectuada.

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De qualquer modo, apresento as minhas desculpas à Sr.ª Deputada Assunção Esteves, a quem dou de seguida a palavra para um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª não tinha que pedir desculpa, tanto mais que me toca especialmente o facto de ter aqui alunos da cidade de Chaves cujo liceu frequentei durante anos.
Não faria este pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Nogueira de Brito não fosse a perplexidade que causou a hesitação de voto do PSD relativamente ao n.° 3 do artigo 179.° Gostaria de adiantar algumas razões para que não ficasse em branco toda esta nossa hesitação e para que não ficasse no silêncio as razões por que reponderámos a hipótese de votar ou não este preceito.
Em primeiro lugar, chamo a atenção da Câmara para que faça um breve cotejo entre o n.° 3 do artigo 179.° do actual texto constitucional e aquele que vem aqui expresso como proposta da CERC.
O n.° 3 - e lê-lo-ía rapidamente - estabelece que «todos os grupos parlamentares têm direito à determinação da ordem do dia de um certo número de reuniões, segundo critério a estabelecer no Regimento, ressalvando sempre a posição dos partidos minoritários ou não representados no Governo». A nova fórmula vem, no fundo, tentar um «avanço» (entre aspas porquanto não o considero como tal). Este estatuto de equiparação entre os grupos parlamentares aí representados que existe no n.° 3 do actual texto já não figura no texto proposto pela CERC, isto é, trata-se de uma equiparação que é ultrapassada por uma proeminência clara dos grupos parlamentares não representados no Governo sobre os grupos ou o grupo parlamentar aí representado.
No nosso entender, e segundo a reflexão que entretanto fizemos, isto não constitui um avanço. Pode constituir, antes de mais, uma grave confusão, porquanto a letra e o espírito deste n.° 3 pode significar que há no espírito do legislador da Revisão Constitucional, relativamente ao n.° 3 proposto pela CERC, um sentido de não identificação entre o grupo parlamentar que está representado no Governo, ou, melhor, que pertence ao mesmo partido do Governo, e os grupos parlamentares não representados no Governo, e isso é grave. É grave que se venha a inserir uma fórmula deste tipo, porquanto ela vem pôr em causa o necessário estatuto de igualdade, que deve ser inequivocamente consagrado na Constituição, das várias forças políticas no que diz respeito à possibilidade de acesso ou manutenção no poder. O que se passa é que esta fórmula pode ter ínsita uma ideia de não identificação que, desse modo, colide com o princípio da igualdade no acesso de todos à alternância democrática.
Por outro lado, pode fazer-se uma leitura deste n.° 3 numa outra óptica, isto é, pode entender-se que o n.° 3, tal como está redigido na proposta da CERC, constitui um espécie de assunção constitucional de identificação entre o Governo e o grupo parlamentar que o apoia. E isso é ainda mais grave porque uma tal consideração vicia todas as regras do jogo, constitui, no fundo, um «cataclismo» constitucional e aponta para a afirmação tácita da viciação das regras nos mecanismos de controlo do Governo pela Assembleia da República.
Este tipo de proeminência que está contida no n.° 3 pode ser assunção de uma identificação entre Governo e partido que põe em causa mecanismos de fiscalização, como, por exemplo, as autorizações legislativas, os inquéritos parlamentares, o instituto da ratificação e a aprovação do Orçamento pela Assembleia, para dar alguns exemplos. Não pode a Constituição partir de um pressuposto, tácito ou expresso, deste tipo e o grupo parlamentar que pertence ao mesmo partido do Governo deve ter aqui dentro um tratamento, não de proeminência, mas também não de subalternização. Se isso acontece, há uma clara subversão do princípio de igualdade nas regras da alternância democrática e a possibilidade de manifestação das diferentes opções políticas acaba por ser aqui, também, escamoteada.
Que haja uma salvaguarda clara, a nível constitucional, da defesa dos partidos não representados no Governo, e da defesa das minorias, mas que essa salvaguarda não signifique a proeminência desses mesmos grupos porque, então, teríamos aqui uma espécie de discriminação ao contrário que não seria constitucionalmente justificada. Por estas duas razões porque a considerar-se que o grupo parlamentar do mesmo partido do Governo e o Governo são coisas diferentes - e então tem de se respeitar o princípio da igualdade - e por se considerar que em homenagem à separação de poderes não é possível partir de um pressuposto de identificação expresso ou tácito, sob pena de as regras de jogo parlamentar serem aparentes, esta formulação causa-nos, de facto, graves apreensões.

O Sr. Presidente: - Creio ter havido um lapso da nossa parte porque a Sr.a Deputada Assunção Esteves não fez um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, mas sim uma intervenção.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não houve lapso!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, depois desta longa excursão da Sr.a Deputada Assunção Esteves, que, em nome do PSD, manifestamente desconhece a discriminação positiva e qualquer «favor» à oposição, vem mesmo a talante perguntar-lhe se entende ou não que os instrumentos de fiscalização da Assembleia da República sobre os actos do Governo, tal qual aparecem configurados no texto originário da CERC, não acolhem muito do que poderia ter sido um contributo dos projectos de lei de vários partidos - e não tanto do CDS, o que lamentamos - e, a essa luz, o que é que lhe parece da circunstância de se ter deixado ficar pelo caminho o reforço dos debates parlamentares sectoriais, bem como o reforço de garantias como as que se tentaram no Regimento e que o deputado Silva Marques conseguiu afastar, opressivamente, durante noitadas sucessivas.
Gostava de saber o que é que lhe parece - porque não fiquei inteiramente esclarecido com a intervenção que fez nesse domínio - da atitude da bancada do PSD relativamente ao n.° 3 do artigo 179.° Não estou já a referir-me à matéria que, em sede teórica, poderá

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ter estado por detrás das opções que levaram à afirmação que há pouco foi produzida pelo Sr. Deputado Costa Andrade, mas ao que se lhe afigura, do ponto de vista do procedimento, da lisura dos actos parlamentares, como afronta, nesta retirada de um voto que apoiou indiciariamente uma solução que, ainda por cima, era favorável aos partidos da Oposição. Interessava conhecer, concretamente, a esta luz, o seu pensamento, uma vez que julgo ser totalmente improcedente, em sede fundamentadora, qualquer argumentação do tipo daquela que acabámos de ouvir agora mesmo.
0 CDS abandonou, da manhã para a tarde e, se noite houvera, certamente que da tarde para a noite reabandonaria, as suas teses auto-liquidatárias, confiando-se um pouco aos carinhos e à firmeza com que o PS diz não admitir qualquer alteração aos círculos eleitorais, mas e reitero uma questão colocada pelo deputado Herculano Pombo subsiste sem nos dizer como é que justifica a proposta originária redutora do número de deputados, sem ser, obviamente, através do discurso que há pouco produziu, que foi, aliás, bastante inconvicto, para não dizer inconvincente. Ou seja, como é que justifica tal proposta no plano das opções políticas e até no das razões técnicas, jurídicas que, naturalmente, as substanciam.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, vou alterar um pouco a ordem das questões e começar pela questão do artigo l79.º, o que não quer dizer que não vá também à questão da redução do número de deputados.
É curioso que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves tenha utilizado o método do pedido de esclarecimento para defender a tese do PSD sobre um eventual neste momento considero-o eventual e faço votos para que cada vez mais seja eventual abandono do apoio dado à alteração do n.º 3 do artigo l79.º mas fiquei também a perceber completamente a ideia de V. Ex.ª.
Foi uma ideia subtil e entendo que devia obter o apoio do PS! E foi uma ideia subtil neste sentido: o Grupo Parlamentar do PSD está a tentar, pela via constitucional, defender-se das ingerências governamentais e o discurso de V. Ex.ª, feito hoje aqui, tem de ser emoldurado, encaixilhado e mandado ao Sr. Primeiro-Ministro e, designadamente, presidente do seu partido
V. Ex.ª fez essa afirmação e tem-na feito sempre aqui em várias outras oportunidades, em defesa da igualdade entre as forças democráticas, ou seja, da igualdade fundamental que deve presidir aos mecanismos de organização política na Constituição. Mas, Sr.ª Deputada Assunção Esteves, o que a gente colhe da experiência já relativamente longa é rigorosamente o contrário!
É claro, já percebi! É a tese da alavanca constitucional que os deputados do PSD nos estão a solicitar para conseguir mudar o sistema de relação entre o Governo e o partido! Percebemos! Mas, Sr.ª Deputada Assunção Esteves, não queira fazer essa alavanca e reduzir-nos aqui as nossas possibilidades porque a Sr.ª Deputada Assunção Esteves sabe que quem critica aqui o Governo somos nós, oposição! VV. Ex.ªs, sistematicamente, apoiam-no! Nós temos feito várias tentativas para encontrar, naquilo que pressentimos ser um sentimento que por vezes perpassa no seu grupo parlamentar, uma voz de crítica e nunca o conseguimos! VV. Ex.ªs são rigorosamente, nesta matéria, de uma ortodoxia espantosa em relação ao Governo! Não há aí uma brecha que se abre!
È, em nome da possibilidade de as abrir, eu louvo a intenção de V. Ex.ª, mas quero vê-la traduzida na prática! Quero vê-la requerer aqui uma interpelação ao
Governo em matéria de saúde, em matéria de construção de hospitais ou em matéria de sisa paga pelas vendas e compras de casas! Etc! Quero ver-vos aqui firmes! 15so é que eu gostava de ver! Ou, então, em matérias menos polémicas, mas em que VV. Ex.ªs tenham uma perspectiva crítica!
No entanto nós não vemos isso! Para que é que VV. Ex.ªs querem o mesmo número de iniciativas? Para quê?! VV. Ex.ªs estão aqui a jogar nas vossas iniciativas e a jogar à defesa! VV. Ex.ªs estão a jogar à defesa e era bom que o não fosse! Eu tenho feito, renovadamente, esse apelo e, se conseguisse obter daí uma proposta ou mesmo uma promessa, até apoiava o vosso ponto de vista! Mas não vejo meios disso!
Sr. Deputado José Manuel Mendes - eleito pelo mesmo círculo eleitoral que eu - e Sr. Deputado Herculano Pombo, eu compreendo a argumentação de VV. Ex.ªs nesta matéria! É que VV. Ex.ªs são a vanguarda da classe operária! Evidentemente! E, como são a vanguarda da classe operária, VV. Ex.ªs é que dizem como é que deve ser à classe operária Mas nós, Sr. Deputado, não somos assim! 0 nosso eleitorado
não admite vanguardismos, Sr. Deputado Herculano Pombo!

0 Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, como é sabido, eu não sou a vanguarda de coisíssima nenhuma! Eu sou até o «austrolopitecos» da ecologia portuguesa e com muito gosto! Não sou a vanguarda, sou a consciência de muita coisa e, às vezes, lembro-me aqui de coisas que não lembram ao diabo e isso custa! Mas quero dizer-lhe uma coisa que o seu colega de bancada, agora não presente, deputado Narana Coissoró, me confidenciou há pouco tempo. Dizia-me ele que o CDS estava farto de fritar batatas para que o PSD comesse bifes!

Risos.

Ora bem, com a implementação desta medida de redução do número de deputados que os senhores propõem, o CDS deixará de fritar batatas e terá, tão somente, direito, a lavar a loiça daquilo que o PSD comer! É isto que o Sr. Deputado quer?! Apresente-me uma razão para a redução do número de deputados, volto a pedir-lhe!

0 Orador: - Sr. Deputado Herculano Pombo, posso garantir-lhe que a situação de V. Ex.ª dessa tal boleia seria para nós, realmente, insustentável! Nós

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virmos aqui na boleia destes senhores seria uma coisa horrorosa! Tem toda a razão! Seria para nós pior do que lavar batatas ou lavar a loiça! Seria uma coisa horrível! E eu estou a ter essa antevisão!
Eu estou de acordo consigo! Simplesmente, Sr. Deputado Herculano Pombo, nós não o faríamos! Morreríamos de pé! E com isso perderia muito o eleitorado português. Agora, V. Ex.ª, nesta matéria, comungou do vanguardismo! Porque V. Ex.ª tratou aí as promessas feitas ao eleitorado de uma maneira que até me parecia um membro do Governo!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É para treinar!

O Orador: - Talvez Seja para treinar! Mas eu fiquei abalado com isso e não posso admitir que VV. Ex.ªs não encontrem nessa razão uma razão válida para esta nossa proposta. Nós encontramos aí uma razão válida! V. Ex.ª quer impor uma razão tecnicamente perfeita ao nosso eleitorado! Nós sentimos no nosso eleitorado esse sentimento de que deveria ser reduzido o número de deputados e, por isso, fizemo-nos eco desse sentimento e fizemos aqui a proposta.
Há depois essas muletas dos ratios entre o número de eleitores e número de deputados, etc., mas este é o sentimento que nós encontramos no nosso eleitorado e por isso fizemos a proposta. E, Sr. Deputado, ponto final!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Mas encontraram como?

O Orador: - Como?! Então V. Ex.a não apalpa o pulso do seu eleitorado?! V. Ex.ª não sabe o que é que quer o seu eleitorado?! Então que representante é V. Ex.ª?! O que é que V. Ex.ª está aqui a fazer?!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O melhor possível!

O Orador: - Então já estamos esclarecidos!

Sr. Deputado Carlos Encarnação e Sr. Deputado António Vitorino - e o Sr. Deputado António Vitorino voltou a sossegar-nos, mas vem dali uma voz do PCP que convém ouvir nesta matéria -, nós não podemos deixar de ter sempre presente neste domínio a pior forma de alterar a relação entre os eleitos e o eleitorado! A pior forma, admito que não seja até a alteração do sistema porque a alteração do sistema é uma forma frontal é foi a isso que se referiu o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. Deputado António Vitorino teceu várias considerações em torno da possibilidade de vários sistemas conduzirem a vários resultados e de se estar a mudar a relação entre os sistemas e os resultados. Estou de acordo, Sr. Deputado António Vitorino, e penso que essa é uma forma frontal de abordar este problema, simplesmente parece-me que numa democracia a estabilizar-se é perigoso mudar o sistema eleitoral. Porém, há uma forma pior, e essa foi-nos expressa, dita, redita, coligida e aumentada várias vezes pelo senhor, hoje em dia em trânsito de deputado/ministro/Parlamento Europeu, António Capucho.
E disso, é da tal geometria eleitoral, é da alteração dos círculos eleitorais, que se praticou em vários países do mundo quando os partidos se apanhavam no poder e que também se praticou em Portugal, é, pois dessa alteração que nós temos medo, porque essa é a pior e a mais vil, Sr. Deputado, e isso foi-nos dito várias vezes, pois fomos várias vezes colocados perante essa perspectiva.
Ora bem, não estamos certos de que essas alterações não aproveitem a esse imenso bloco central, e é por isso que gostaria de ter garantias maiores do que as dos dois terços e que seriam a de não figurar qualquer alusão, porque, efectivamente, é uma alusão que aí figura, e isso é que é grave. Esta alusão à possibilidade de o fazer é que é grave. Diz-se que é por lei, e a lei tem dois terços, mas penso que não se devia falar de novo nisto, porque essa tese já foi longamente explanada pelo então deputado ou ministro António Capucho.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Deputado não desconfia de nós. Ainda bem! Se desconfia de alguém é, levemente, do PS por causa dos dois terços.

O Orador: - Então o Sr. Deputado António Capucho já passou para o PS?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Não!
Se V. Ex.ª não está contente com os dois terços que nós aprovámos com o PS, se não está satisfeito com isso... Bem, o que é certo é que já não desconfia de nós nem dos estudos feitos pelo deputado António Capucho, de quem está a desconfiar é do PS que não velará pêlos seus interesses no caso de os dois terços irem por diante.

O Orador: - Sr. Deputado, aqui aplico-lhe o critério quantitativo, ou seja, como V. EX.ª são nos dois terços mais do que um terço devo dizer-lhe que desconfio principalmente de VV. Ex.ªs Disso não tenha dúvida alguma, desconfio, principalmente, de VV. Ex.ªs
E como VV. Ex.ªs é que veicularam sempre a possibilidade de vir a fazer esse arranjo, esse gerrymandering eleitoral, então eu desconfio principalmente de VV. Ex.ªs Não há qualquer dúvida.
Portanto, era este o sentido da resposta à pergunta que, no fundo, foi retomada por vários Srs. Deputados.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes colocou-me uma outra questão, a do reforço da oposição, da introdução de institutos como os debates parlamentares sectoriais...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso já lá vai!...

O Orador: - ..., ou de um, que era muito querido do Sr. Deputado Jorge Sampaio, o dos debates parlamentares de urgência ou de actualidade. Mas tudo isso foi por água abaixo, evidentemente.
Em meu entender, é lamentável que isso tenha acontecido e agora esta atitude teórica e racionalmente justificada pela Sr.a Deputada Assunção Esteves, que fez

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uma intervenção de modo a não ter perguntas de ninguém para poder veicular melhor a sua tese sem grandes incómodos a esta hora de sexta-feira, tudo isto me causa preocupação, por um lado, mas também satisfação por outro, porque, no fundo, isso significa que VV. Ex.ªs não estão tão seguros da vossa maioria.
Toda esta desconfiança em relação ao trabalho parlamentar, aos poderes do Parlamento significa uma insegurança de «novos ricos» da política que me deixa um pouco sossegado, pois, efectivamente, trata-se de um receio de «novos ricos da política».
Por que é que VV. Ex.ªs, que têm uma maioria sólida conseguida contra o sistema eleitoral - como lembrou o Sr. Deputado Carlos Encarnação, e muito bem -, conseguida contra a expectativa do sistema eleitoral, reduziram os poderes de intervenção do Parlamento? 15so foi óbvio, as alterações ao Regimento foram óbvias... Por que é que reduziram os poderes de intervenção do Parlamento? Porquê? A vossa maioria está aqui! Efectivamente, é estranho que isso tenha acontecido, a não ser por um mesmo objectivo de perpetuação que poderá estar por detrás da tal geometria eleitoral que, no fundo, é o que me preocupa.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do debate que tem vindo a travar-se, mais uma vez se comprova que as razões que o PRD aludiu quanto ao facto de não ter vindo a ser contactado, com a frequência que desejaria, pelos partidos que integraram o acordo, apenas nos impediram de poder participar na discussão das diversas propostas apresentadas.
15to porque, como é manifestamente conhecido, estávamos impedidos, por razões óbvias, de poder acompanhar a evolução dos debates da CERC dado o nosso número reduzido de deputados. No entanto, não podemos deixar de manifestar o nosso regozijo, pois, concretamente, em relação aos artigos que hoje estamos a discutir muitas das- propostas que apresentámos foram adoptadas pela CERC, razão pela qual, quando chegar a altura própria, as retiraremos por as sentirmos consumidas pelo texto da CERC.
0 PSD, pela boca do Sr. Deputado Carlos Encarnação, disse que não precisou de fazer qualquer tipo de alteração à lei eleitoral, nem sequer aos poderes de fiscalização da Assembleia da República, para garantir a maioria parlamentar agora existente. É bem verdade que sim, estamos conscientes dessa realidade, não a enjeitamos a assumimo-la como tal. Mas, convenhamos, o PSD está hoje a tomar determinadas medidas porque receia poder vir a perder esta maioria - aliás, já ninguém duvida que isso aconteça. Estaremos, naturalmente, atentos e tudo faremos para que isso venha a ser uma breve, tão breve quanto possível, realidade.
No que diz respeito às razões invocadas para a diminuição do número de deputados - e recordo que o PRD não apresentou nenhuma proposta mas mantém aquilo que disse no princípio desta discussão - permitam-me discordar das razões apresentadas pelo Sr. Deputado Costa Andrade e posteriormente ratificadas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Eu próprio tive oportunidade de dizer quais as razões que nos levaram a entender (e isso é da minha responsabilidade) que não está em causa o número de deputados, pois sentimos que o funcionamento e a funcionalidade da Assembleia da República é que teriam, necessariamente, de ser revistos 235 deputados são menos 5 e, aí. sim, O PSD poderia já ter tido possibilidade, se assim o desejasse, de, por simples apresentação de uma lei, reduzir o número de deputados de 250 para 240. Não é esta a razão que merecerá o sentido do nosso voto, pois achamo-la esfarrapada e contraditória das razões inicialmente invocadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaríamos, agora, de apresentar algumas das nossas posições face às várias propostas indiciadas na CERC.
Em relação ao artigo l55.º, como já tivemos oportunidade de referir, discordávamos completamente das posições que estavam a ser tomadas, nomeadamente
quanto ao n.º 6 dos projectos apresentados pelos Srs. Deputados Sottomayor Cardia e Helena Roseta, e congratulamo-nos pelo facto de, porventura depois de
os Srs. Deputados terem ouvido o teor da nossa intervenção, estas propostas terem sido retiradas. Sentimos que os textos poderão vir a ser beneficiados e, eventualmente, poderão merecer algumas das atenções em termos de votação posterior.
Quanto ao n. º 1 do artigo 158.º entendemos que a proposta apresentada pelo PS não é tanto uma proposta de alteração, mas, sim uma proposta de aditamento, pois no texto inicial diz-se que: «1 - São garantidas aos deputados condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto c6m os cidadãos eleitores» e na proposta apresentada pelo PS apenas se acrescenta «( .. ) e ao acompanhamento e fiscalização dos actos do Governo e da Administração Pública». Entendemos, pois; que não se trata de uma proposta de alteração mas, sim, de aditamento com a qual,- aliás, estamos de acordo e por isso votá-la-emos favoravelmente.
No que diz respeito ao artigo 160.º, relativo às imunidades, congratulamo-nos que a nossa proposta tenha sido integralmente consumida e aproveitada pela pro
posta da CERC, razão pela qual anunciamos, desde já, que a votaremos e que retiramos a nossa proposta de alteração ao n.º 3 deste artigo.
Quanto ao artigo 6l.º propomos um aditamento de uma alínea e) do seguinte teor: «e) Utilizar, nos termos definidos por lei, instalações do Estado ou de pessoa colectiva pública para o contacto com os eleitores do círculo por que foram eleitos.» Srs. Deputados, lamentamos que esta proposta não tenha colhido os votos favoráveis na CERC, contudo não vamos retirá-la porque, embora esteja consignada na lei a possibilidade de os deputados poderem vir a utilizar todas as instalações do Estado onde desejarem promover acções que entenderem necessárias, entendemos que não é por demais que este preceito esteja consignado em norma constitucional. Portanto, estamos esperançados de que consigamos fazer valer a nossa tese, pois isso dignificaria o texto constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria agora de referir aquilo que consideramos ser uma aversão ao funcionamento e aos termos de fiscalização da Assembleia da República: a impossibilidade manifesta, no actual quadro constitucional, de, a partir de agora, o normativo respeitante à ratificação vir a ser alterado afigura-se-nos manifestamente improvável de poder vir a manter a dignidade da Assembleia da República em termos de fiscalização do Governo.

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Recorde-se que neste momento existem, como já aqui foi referido, cerca de 70 pedidos de ratificação que não foram, pura e simplesmente, agendados. Nestas circunstâncias, e em nosso entender, o que se visa com a introdução deste preceito é, pura e simplesmente, calar a boca à Oposição em termos de poder solicitar as ratificações dos diversos diplomas apresentados pelo Governo, razão pela qual não votaremos esta proposta. Contestá-la-emos e estamos convictos de que se trata de um mau serviço que se prestará à Assembleia da República caso esta norma vier, eventualmente, a ser aprovada.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, reitero aquilo que já foi dito por outros Srs. Deputados de outras bancadas. Refiro-me ao enviesamento da posição do PSD em relação ao acordo inicialmente firmado com o PS, uma vez que o PSD retirou o seu assentamento ao n.° 3 ou a todo o artigo 179.°, e isso indicia, desde já, a perigosidade que vamos passar a ter depois de ser aprovada esta Constituição.
Durante cerca de ano e meio toda esta Câmara estará, com certeza, submetida totalmente aos desejos do Grupo Parlamentar do PSD, que aliás, já indiciou essa posição agora, retirando a possibilidade de a Oposição poder agendar os seus diplomas durante as sessões legislativas. Isso indicia, naturalmente, e como referi, aquilo que se pretende vir a provocar.
Não colhe também a posição que a Sr.a Deputada Assunção Esteves referiu quando dizia que limitaria o conceito de igualdade ao grupo parlamentar que apoia o Governo estarem consignadas menos possibilidades de agendamento. A experiência também nos tem vindo a mostrar que, infelizmente, todas as posições que têm vindo a ser tomadas pelo PSD têm sido, pura e simplesmente, as de favorecer as posições do Governo. É uma extensão do Governo que aqui existe e era para nós manifestamente desejável que isto não pudesse vir a acontecer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, finalmente lamentamos que ao estarmos neste momento a discutir a parte relativa à Assembleia da República aconteça o quadro que estamos a verificar. É pena que, na realidade, não haja uma participação mais efectiva de todos os grupos parlamentares, de forma a que todas as pessoas pudessem, eventualmente, vir a participar da vida desta Assembleia quando discutimos neste momento o prosseguimento da acção fiscalizadora que a todos nós interessará e que se reflectirá, necessariamente, na vida democrática do nosso país.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, de momento não temos mais inscrições nem condições, de modo que propunha que se encerrassem os trabalhos por hoje, com o proveito e templo que já decorre dos feitos praticados e que os retomássemos consoante o que está regimentalmente previsto.
Entretanto, é preciso apresentar uma proposta na Mesa a qual deverá dar entrada ainda antes do encerramento, e nesse sentido, Sr. Presidente, nos disporíamos a esperar ainda uns segundos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, peço imensa desculpa, mas tive alguma dificuldade em compreender objectivamente, o sentido da sua interpelação à Mesa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o meu camarada José Manuel Mendes vai fazer a interpelação num português mais perceptível, se V. Ex.ª permitir.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, estava invocando o direito ao uso da palavra num enquadramento um tanto diverso.
Era para fazer uma espécie de nota de roda-pé a este longo debate parlamentar, no tempo de que ainda disponho, findo o que suscitaria, junto da Mesa, a necessidade de se considerar o curso dos trabalhos.
Admitia, pois, a possibilidade de, se a Mesa estivesse de acordo com a sugestão, ainda poder fazer a tal pequena nota de roda-pé, em dois minutos, de imediato.

O Sr. Presidente: - Essa figura não está regimentalmente prevista. Segundo a interpretação da Mesa, trata-se de uma intervenção para o que tem a palavra.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São 19 horas, uma boa hora para citar Wittgenstein, alguém que estimo e que seguramente, dirá alguma coisa aos Srs. Deputados presentes: «Sentimos que mesmo depois de serem respondidas todas as questões científicas possíveis, os problemas da vida permanecem completamente intactos.» Dando de barato que foram científicas as questões que aqui discutimos - e certamente que o não foram - a verdade é que os problemas permanecem intactos, particularmente dois.
Um primeiro, na área do artigo 151.°: várias foram as tentativas de fundamentar a diminuição do número de deputados, em sede de norma constitucional, oriundas das bancadas autoras do projecto que irá ser votado na próxima segunda-feira e exteriores a elas. No entanto, só foram aventados dois argumentos: um,
fraquito, o da funcionalidade, rapidamente foi ficando pelo caminho; o outro, que pode consubstanciar-se nessa palavra que, em latim clássico, sonoramente se diz ratio, invocado acolá pelo Sr. Deputado Costa Andrade e, de boleia, também pela bancada socialista.
O que é facto é que - cá volto ao Wittgenstein - os problemas permanecem. Em primeiro lugar, permanece a certeza de que nenhuma vantagem plausível existe para que possa, credivelmente, defender-se uma tal solução. Por outro lado, é evidente que o pagamento dos custos recai, mais do que proporcionalmente, sobre um partido da Oposição, o que se torna particularmente grave quando visto da óptica do PS e onerando-o.

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Estes dois severos juízos subsistem sem resposta ou então respondidos de uma forma que não é clara nem leal. Já vamos tendo idade e experiência para não nos deixarmos enganar, apesar dos longos, longos cortinados de aparência que as florestas de verbosidade macia muitas vezes encobrem.
0 segundo dos problemas centrais desenvolve-se em torno do artigo 179.º
Neste campo, mantemos o que aqui há pouco afirmámos: o PSD roeu a corda em relação a um compromisso assumido no âmbito da CERC.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - Não falámos do acordo PS/PSD, sendo certo que para nós não é entendível que um negociador assista impávido e sereno (ou então levemente compungido ... ) ao decair de uma solução pela qual se bateu longamente, quando o outro negociador, com vestes um tanto ou quanto idílicas, de verbo ladino ou então flanaste, vai tentando da justificação ao que justificação não tem.
Da nossa parte - importa dizê-lo neste pico do debate - é lamentável que, tendo acontecido o -PSD retirar o seu apoio ao que contém o artigo 3.1 que vem da CERC para o artigo 179.º, o PS assuma, por seu turno, uma atitude que consideramos insuficiente.
Insistimos: Face ao roer da corda do PSD, o PS assiste com um olhar um tanto diletante, que se não harmoniza com quem teria de revelar, nesta altura e perante matérias de tal delicadeza, uma outra firmeza e outro sentido de intervenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, gostaria apenas de lhe perguntar se V. Ex.ª estava na Sala quando o meu camarada Almeida Santos fez sentir o nosso desagrado, com clareza e não com um olhar diletante - não costumamos ser blasés quando queremos marcar as nossas posições... Portanto, como ia dizendo, gostaria de saber se o Sr. Deputado estava, de facto, na Sala ou se foi apenas uma conveniência de momento que o levou a interpretar como diletante aquela que foi uma afirmação muito séria da nossa parte.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

0 Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, estava na Sala, manifestei em aparte, como constará dos autos, a minha completa insatisfação face à resposta que o Sr. Deputado Almeida Santos deu, classifico-a de diletante e compungida, e lastimo que não tenha sido azougada, determinante, capaz
de fazer vergar o adversário ou, se assim preferir, o negociador relapso.

Protestos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer que cada um entra no debate com a inteligência e a educação que
tem.

Aplausos do PSD e do PS.

0 Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr.Deputado?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado Almeida Santos, até pelo teor do que produziu - embora se não esperasse dele isso -, acabou por fazer aquilo que julgo ter sido uma defesa da honra. Se assim foi, terei direito à réplica.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, o Sr. Deputado Almeida Santos classificou o seu usou da palavra como intervenção. Portanto, não há lugar aqui a explicações, a não ser que deseje fazer um pedido de esclarecimento.

0 Sr. José. Manuel Mendes (PCP): - Eis o que farei, Sr. Presidente, uma vez que me recuso, como é natural, a defender a honra que não foi ofendida, por
que o Sr. Deputado Almeida Santos de forma alguma terá, alguma vez, um segundo que fosse, pensado em desconsiderar-me, o que, só seguramente de maneira
imponderada, alguém poderia ter pensado defluir das afirmações que fez.

0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem então a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

0 Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: Suponho que, em matéria d.e inteligência, mal vai o debate quando cada um se coloca a ver quem é que tem mais. Pela minha parte, renuncio a entrar, até para não correr o risco de não perder, nesse combate consigo; não estou de forma nenhuma interessado, em tal tipo de compitas ......
Por outro lado, penso que o Sr. Deputado foi infeliz, pois o que eu produzi foi uma observação, uma judicação de natureza inteiramente política. Assiste-me esse direito.
Na verdade, considerei a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, em réplica ao que havia sido dito pelo Sr. Deputado Costa Andrade e face à gravidade da matéria, «diletante», o que, manifestamente, não é ofensivo, e «compungida», o que certamente foi verdadeiro, porque senti que havia mágoa da sua parte. Lamentei, também, que não tivesse sido azougada, o que penso que provavelmente teria acontecido se estivessem neste momento a ser discutidos outros problemas em que o, Sr. Deputado investisse com a chama com que normalmente o vemos investir, e capaz de fazer vergar, desejei eu, o negociador.
Tudo qualificativos normais, perfeitamente perceptíveis e, além do mais, municiados de um mínimo de afectividade que longos anos de relação com o Dr. Almeida Santos me permitiram pôr naquilo que disse,.

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Não vou, pois, fazer a defesa da minha honra, que não está ofendida. O Sr. Deputado Almeida Santos não o quis, seguramente, e vai ter oportunidade de o afirmar. Insisto, contudo no que foi o ponto de vista central de que parti. Por conseguinte, qualifico como qualifiquei a atitude do PS, cabendo ao PS provar, na prática, que estou errado. Nessa altura, se tal se justificar, aqui virei dar a mão à palmatória.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, eu próprio me não me considerei ofendido e espero que o Sr. Deputado também se não considere como tal.
Contudo, não somos vegetais, não somos plantas de estufa. Na verdade, «diletante», «compungida» e «não azougada»... Digamos que equivale àquilo que eu disse - o meu qualificativo não anda muito longe disto.
Amor com amor se paga. Penso que compreenderá que não podia também deixar passar em claro as afirmações que produziu.
Realmente, acho que a minha intervenção foi normal. Penso que não teve nada de diletante ou de compungido. Aliás, se ela não foi tão veemente como o Sr. Deputado esperava que fosse, foi talvez porque eu já sabia que ela seria perfeitamente inútil.
Como calcula, não ando a dormir. É que quando este problema surgiu, o mesmo já tinha sido objecto de alguma luta da nossa parte para que isto não acontecesse. Não estive para trazer isso para aqui, mas não gostei que me chamasse diletante e compungido.
De qualquer modo, não me senti ofendido. Respondi talvez demasiado à letra, mas espero que a nossa amizade não seja posta em causa, pois a minha admiração por si também o não é com certeza.
Por outro lado, quando, na minha intervenção, fiz apelo à inteligência, não fiz para medir inteligências, pois a inteligência do Sr. Deputado está acima de toda a dúvida. O problema é que cada um argumenta consoante é capaz e eu só fui capaz de produzir aquela argumentação e não outra, até porque tive a preocupação de fazer uma argumentação séria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não dispõe neste momento de mais inscrições para o bloco de artigos que estamos a discutir (artigos 150.° a 204.°). Nestes termos, declaro encerrada a discussão deste bloco.
No entanto, Srs. Deputados, dado o que foi acordado em conferência de líderes, tal não significa que o debate fique desde já encerrado, na medida em que poderíamos passar - a menos que haja consenso na Câmara em sentido contrário - à discussão do bloco seguinte até às 20 horas, como hora regimental prevista para o encerramento dos trabalhos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, informo V. Ex.ª de que iremos apresentar na Mesa, e antes de encerrarmos os trabalhos, uma proposta de alteração ao artigo 115.°

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. O Sr. Deputado José Magalhães também fez sinal para interpelar a Mesa?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, eu estava de saída, embora prematuramente. No entanto aproveito para dizer que creio que a sugestão dada no sentido de encerrar este bloco e com ele os trabalhos, é sensata, é pertinente, e que poderemos recomeçar na segunda-feira com o bloco seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma proposta à Mesa feita no sentido de encerrarmos o debate deste bloco e também este dia regimental de revisão da Constitutuição, o que faremos se não houver objecções por parte dos outros grupos parlamentares.

Pausa.

Não havendo objecções, vou dar por encerrada a sessão.
Retomaremos os trabalhos na segunda-feira às IS horas, com a continuação da revisão da Constituição e relativamente ao bloco englobador dos artigos 205.° a 208.°, com os tempos conhecidos e aos quais acrescem os tempos sobrantes da discussão deste mesmo bloco.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
António Manuel Lopes Tavares.
Carlos Alberto Pinto.
Flausino José Pereira da Silva.
João Costa da Silva.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mendes Bota.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
Eduardo Ribeiro Pereira.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.

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Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo.

Declaração de Voto sobre o Regime Jurídico do Referendo (artigo 118.° e outras disposições complementares ou conexas).
Constituindo uma das mais significativas inovações decorrentes da segunda Revisão Constitucional, a consagração do regime jurídico do referendo foi o resultado de um complexo conjunto de debates, dos quais se foram extraindo, sucessivamente, ilações normativamente plasmadas, com a contribuição dos diversos intervenientes. Donde as significativas diferenças entre as propostas iniciais e o texto por fim aprovado, as quais ressaltam nitidamente da comparação dos respectivos textos:

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QUADRO COMPARATIVO DAS PROPOSTAS SOBRE REFERENDO

Textos propostas

Texto aprovado

ARTIGO 138.°-A (PSD)

 

Recurso ao referendo

 

1 — O Presidente da República pode submeter a referendo popular vinculativo questões de relevante interesse nacional e de transcendente importância política a solicitação do Governo ou da Assembleia da República em deliberação aprovada pela maioria dos deputados em efectividade de funções.

2 — Não podem ser objecto de referendo questões relativas a matéria orçamental ou tributária ou que tenham por finalidade o aumento de despesas ou a diminuição de receitas do Estado.

 

Artigo 112.º (PS)

 

1 — Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, sobre questões de relevante interesse nacional, nos termos da Constituição e da lei.

2 — O referendo é convocado por lei da Assembleia da República aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções, por iniciativa de um mínimo de 50 deputados ou mediante proposta do Governo.

3 — O referendo pode ter por objecto qualquer questão que deva ser decidida pela Assembleia da República, ou pelo Governo, através da aprovação de convenção ou de acto legislativo.

4 — São excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição, bem como as matérias dos artigos 166.°-A e 167.°, e ainda as respeitantes a questões financeiras ou fiscais.

5 — Cada referendo só pode ter por objecto uma única matéria, devendo as questões ser formuladas com clareza e precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições da formulação e efectivação de referendos.

6 — São excluídas a convocação ou a efectivação de referendo entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local.

 

Artigo 140.º (CDS)

 

Recurso ao referendo

 

1 — O Presidente da República pode submeter a referendo nacional a decisão sobre questões de relevante importância nacional quando isso lhe seja solicitado pelo Governo ou pela Assembleia da República, em deliberação aprovada pela maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.

2 — O Presidente da República submeterá a referendo nacional a aprovação das convenções internacionais que, não tendo sido aprovadas nos termos do n.°6 do artigo 171.°, tenham sido votadas pela maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.

Artigo 118-º

 

Referendo

 

1. Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a titulo vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da Republica, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governa, nos caso se nos termos previstos na Constituição e na lei.

2. O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.

3. São designadamente excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição, as matérias previstas no art.º 164.º da Constituição ou incluídas na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, as questões e os actos de conteúdo orçamental. tributário ou financeiro.

4. Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições da formulação e efectivação de referendos.

5. São excluídas a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de deputados ao Parlamento Europeu.

6. O Presidente da República submete a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo.

7. São aplicáveis ao referendo, com as necessárias adaptações, as normas constantes dos números 1. 2. 3. 4 e 7 do artigo 116.º.

8. As propostas de referendo recusadas pelo Presidente da Republica ou objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo.

Cfr. quanto ao PRD, arts. 276.-ºA a D publicados a pags. 446/447 da edição oficial de AR.
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I

l - Em primeiro lugar foram rejeitadas as propostas básicas do PSD, tendentes a permitir o recurso ao «referendo» sobre questões de relevante interesse nacional, de transcendente importância política, a solicitação do Governo ou da Assembleia da República. Excluindo, embora, as questões relativas a matéria orçamental ou tributária, ou que tivessem por finalidade o aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado, o PSD pretendia abrir claramente caminho à realização de «referendos» de Revisão Constitucional e institua, mesmo, a possibilidade de forçar o Presidente da República à convocação de um referendo, mediante admissão da confirmação de uma decisão presidencial negativa, por uma maioria parlamentar absoluta.
Essa componente plebiscitária, que era característica basilar do projecto de Revisão Constitucional do PSD, foi rejeitada. E o próprio PSD decaiu, claramente, logo durante o debate da «primeira leitura», dos aspectos
mais agressivos do seu projecto. Mais do isso acabou por assumir como suas propostas de sentido oposto, filiadas em concepções que sendo (como sempre se cria um instituto deste tipo), susceptíveis de perversão prática, não têm semelhança, na sua inspiração e configuração jurídica, com o modelo referendário laranja que foi adiantado em Novembro de l987. Se, como dizia um republicano insuspeito de qualquer conotação com as ideias políticas que perfilho'
«uni plebiscito não se discute, combate-se», pode dizer-se que essa expressão da sensibilidade republicana foi, em 19891 acolhida pelo Parlamento português. 0
plebiscito foi combatido e não consagrado!

2 - Em segundo lugar, é de sublinhar que:

a) Tendo sido rejeitada qualquer hipótese de referendo por iniciativa popular, o modelo desenhado só contempla á iniciativa de órgãos de soberania isolada ou, porventura,- conjugadamente (a norma não é clara sobre esse aspecto): «Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei» (n.º1).
b) A Constituição não delimita desde logo os exactos casos em que pode haver lugar a referendo, antes traça um quadro máximo (delimitado pela negativa).
Dentro desse quadro, deverá o legislador, que gradualmente, ir fixando os casos em que possa ser desencadeado o novo instituto. Assim: - O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de
convenção internacional ou de acto legislativo (n. 2).
Funciona aqui a normal repartição de competências entre órgãos de soberania. Não pode a Assembleia da República propor ao Primeiro-Ministro referendos sobre matérias da competência do Governo, nem o Governo em articulação com o Presidente da República desencadear, à margem do Parlamento, um referendo
que eventualmente vincule a Assembleia da República a exercer de determinada forma os seus poderes (cf. artigo l70.1/1).
Por outro lado, há requisitos que delimitam pela forma o tipo de questões a submeter aos cidadãos (excluindo-se claramente todas as que não devam ser aprovadas sob forma de acto legislativo ou convenção). Em articulação com outros requisitos (v. n.4, por exemplo), esta regra assegura a impossibilidade de confrontar o eleitorado com o aplauso ou rejeição a políticas gerais, chefias políticas ou projectos sem contornos definidos ou nebulosos.
O legislador ordinário pode alargar o elenco das matérias excluídas de sujeição a referendo, como bem aclara. o n. º 3 do artigo 118. º (que refere: «São designadamente excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição» ... ), desde logo estabelecendo que não podem ser submetidas a referendo as matérias previstas no artigo l64.º da Constituição (alterações à Constituição/estatutos das regiões autónomas, estatuto de Macau, leis de autorização legislativa ao Governo ou às regiões autónomas/amnistias/pendões
genéricos/Grandes Opções dos Planos/Orçamento do Estado/operações de crédito/convenções que versem matérias da competência reservada da Assembleia da
República/tratados de participação de Portugal em organizações internacionais/tratados de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras ou respeitantes a assuntos militares e ainda quaisquer outros que
o Governo entenda submeter à Assembleia da República/estado de sítio e de emergência/declaração de guerra e paz).
Também não podem ser submetidas a referendo as matérias incluídas na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Eleições dos
titulares dos órgãos de soberania/regime do referendo/organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional/organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento e da disciplina das Forças Armadas/regimes do estado de sítio e do estado de emergência/aquisição, perda e requisição da cidadania portuguesa/definição dos limites das águas territoriais, da zona económica exclusiva e dos direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos/associações e partidos políticos/bases do sistema de ensino/eleições dos titulares dos órgãos do governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal/estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem
como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal inclusão na jurisdição dos tribunais militares de crimes dolosos equiparáveis aos crimes essencialmente militares/regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais/consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local/restrições ao exercício de direitos por militares e
agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo).
Por último, a Constituição exclui ainda directamente «as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro» (n.º 3, in fine), o que exigirá operosas destrinças por parte do legislador ordinário, para não deixar esvaziado e sem campo operatório o instituto.
c) Conclui-se, pois, que é extremamente cautelosa a solução constitucional, quer nas suas implicações directas atrás expressas, quer nas indirectas, não menos relevantes. A Constituição estabelece, com efeito, uma

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regra de intangibilidade do quadro constitucional e da reserva parlamentar, definida por expressa e inequívoca remissão para o artigo 164.° e para o domínio de reserva parlamentar absoluta em matéria legislativa. Isso acarreta, contudo, outras exclusões, por razões de conexão ou por razões de lógica inescapável e de protecção indirecta do quadro constitucional. Não se pode, de facto, submeter a referendo, por exemplo, legislação ordinária pró-lock-out, ou abolidora do serviço militar obrigatório, ou extintiva dos tribunais militares, ou limitadora dos direitos das CTs, ou abolidora do SNS ou dos ministros da República das RA`s, etc. Os exemplos são multiplicáveis, porque são tantos quantos as áreas em que a Constituição é imperativa e, como se sabe, ela é dirigente (e continuará a sê-lo!).
d) Há limites à iniciativa dos referendos (artigo 170.°). A iniciativa do referendo compete aos deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo (n.°1), excluindo-se, pois, as regiões autónomas. Os deputados e os grupos parlamentares não podem apresentar projectos de referendo que envolvam» no ano económico em curso, aumentos das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento (n.°3). Os projectos e as propostas de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República (n.°4). Os projectos e propostas de referendo não votados na sessão legislativa em que tiverem sido apresentados, não carecem de ser renovados na sessão legislativa seguinte, salvo termo da legislatura (n.° 5). As propostas de referendo caducam com a demissão do Governo (n.° 6).
e) Outros limites decorrem da fixação de exigências a que deve obedecer a formulação das perguntas. Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza e precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições da formulação e efectivação de referendos (n.° 6). Os limites a fixar quanto ao número (e tipo) de perguntas, a impossibilidade de reduzir certas questões a equação responsável por sim ou não sem decomposição num número confuso e excessivo de perguntas - tudo acarreta adicionais restrições, prevenindo abusos típicos de práticas viciadas, de tipo plebiscitário.
f) A Constituição estabelece ainda limites temporais, «períodos de defeso», estatuindo claramente que «são excluídas a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de deputados ao Parlamento Europeu (n.°5 do artigo 118.°). A filosofia que emana desta opção caracteriza-se, mais uma vez, pelo objectivo de inviabilizar o uso manipulador do novo instituto para condicionar o fluxo normal dos calendários políticos e afectar as decisões relativas à composição dos órgãos de poder.
3 - Foram instituídas numerosas cautelas tendentes a evitar a consumação de consultas referendarias em violação do quadro constitucional e legal. Desde logo, «o Presidente da República submete a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo» (n.° 6 do artigo 118.°). Quais as implicações da norma?
O regime de fiscalização preventiva para que se aponta é específico e distingue-se do regime geral. O disposto no artigo 279.°, por exemplo, não é aplicável às propostas de referendo. Estas, com efeito, não se encontram sujeitas a veto do Presidente da República, mas a recusa.
A recusa caracteriza-se por, ao invés do veto, ser inultrapassável. O
Primeiro-Ministro tem a palavra decisiva (mais que a última, a única palavra). Não há mecanismo que o possa compelir a realizar um referendo que tenha por indesejável. Não carece, aliás, de fundamentar a recusa, embora possa exercer a propósito, o seu direito de dirigir mensagens à Assembleia da República ou ao país. Não carece também de praticar por acção a recusa. Pode limitar-se a, por omissão, inviabilizar a proposta que lhe haja sido feita («recusa de bolso»).
Não são, pois, aplicáveis à fiscalização preventiva de propostas de referendo as normas referentes a diplomas sujeitos a veto (cfr. artigos 139.° ou 279.°).
Obviamente, porém, o Presidente da República não pode desencadear um referendo quando a respectiva proposta haja sido julgada ilegal ou inconstitucional pelo Tribunal Constitucional e em fiscalização preventiva. Em tal caso a recusa é obrigatória e inultrapassável o juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

Trata-se de um sistema bem distinto do originariamente proposto por qualquer partido. A posição presidencial surge reforçada. O Primeiro-Ministro é, aliás confrontado com meras propostas (a aprovar por resolução). A tramitação dessas propostas distingue-se da das leis (maxime quanto ao veto), ponto que nem o projecto inicial do PS acautela e agora culmina numa decisão autónoma e livre do Presidente da República, insuperável, como já se sublinhou.

«As propostas de referendo recusadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo» (n.° 8 do artigo 118.°).

4 - Definiu-se a eficácia dos referendos como vinculativa. Há que ter em conta, porém, as regras previstas no n.° 2 do artigo 118.° Desencadeado o referendo sempre antes da aprovação de uma convenção ou acto legislativo, cujos contornos devem para tal estar projectivamente definidos, o enxerto no processo legislativo do incidente do referendo pode ter consequências variáveis segundo a natureza da resposta popular (e da pergunta feita!).

Sendo prévia ao acto, a consulta não tem nunca efeitos abrogativos ou suspensivos. Vincula o legislador a fazer ou não fazer, a fazer de certa ou certa forma, caso queira fazer (v.g. o perigo de perguntas condicionais: «Se Portugal devesse optar pela solução A ou B, deveria fazê-lo pelo método 1 ou 2?»).

A margem de conformação em concreto do legislador dependerá da exacta delimitação das perguntas feitas. Por isso importará em sede de lei ordinária configurar exaustivamente o quadro aplicável, designadamente excluir todas as formas de perguntas, que pelo seu carácter capcioso, confuso, sugestivo ou por outra forma vicioso, possam impossibilitar a emissão de um claro comando popular de uma opção legislativa. A tomar por acção ou omissão.

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5 - 0 regime dos referendos deve constar de lei orgânica (artigo 167.º/2), incluída na área de reserva absoluta da Assembleia da República, sujeita ao regime de discussão e votação do artigo 17lº n.ºs 4 e 5 e susceptível de fiscalização preventiva por iniciativa de parlamentares.

Quanto às propostas concretas de resolução visando desencadear referendos estão sujeitas ao regime geral, não se tendo agenciado especificidades que não as que
indirectamente fluem dos limites atrás enunciados.
Caberá também à lei orgânica fixar o regime aplicável à propositura de referendos pelo Governo em matérias da sua competência.

6 - Quanto à realização dos referendo, a Constituição opta por uma técnica remissiva. «São aplicáveis ao referendo, com as necessárias adaptações, as normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7 do artigo 116º», isto é, aplicam-se aos referendos os princípios do sufrágio universal, directo e secreto, com base
no recenseamento eleitoral geral («único»). As campanhas eleitorais regem-se pelos princípios gerais (Liberdade de propaganda/igualdade de oportunidades e de
tratamento das diversas candidaturas/imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas/fiscalização das contas eleitorais), há o dever de colaboração dos cidadãos e controlo jurisdicial da regularidade e validade dos actos eleitorais.

7 - Ponto a carecer de apuramento é o de saber se pode haver consultas com a natureza de referendos a certos segmentos do eleitorado ou circunscritas a uma certa ou a certas partes do território nacional. Não se afigura possível senão uma resposta negativa. Desde logo pelo objecto possível dos referendos («questões de relevante interesse nacional»), obter uma resposta nacional (isto é, do corpo eleitoral como um 'todo) sobre uma questão de relevante interesse nacional, ainda que afectando especialmente, directamente e imediatamente certa região ou certas categorias de cidadãos com vista a vincular uma opção de um órgão de soberania.
É de acentuar ainda que ao contrário do proposto durante o processo de revisão (artigo 276.º-D do projecto do PRD) o texto constitucional mantém a possibilidade de realização de consultas populares locais (incluindo à escala das regiões administrativas), para as questões incluídas na competência exclusiva dos respectivos órgãos, o que permite dar resposta, no fundamental, aos objectivos dos aventados (e constitucionalmente excluídos) referendos locais.
Caberá ao legislador ordinário precisar o regime dos referendos nacionais sobre questões de especial interesse local (exs. criação de uma lixeira atómica nas águas da Região Autónoma dos Açores, instalação de central nuclear numa dada zona), para prevenir os efeitos de uma larga margem de abstenção que torne possível assumir opções por escassas margens de votos. Em experiências estrangeiras, tem o legislador condicionado a eficácia vinculada à obtenção de um mínimo de votos, questão a ser equacionada entre nós face ao disposto no artigo 118.º, n.º 1 (cfr. debate na CERC, DAR 103-RC).

II

0 regime assim configurado permite e exige reflexão de fundo sobre a opção praticada e suas consequências para o sistema. Adiantam-se as seguintes:
1 - A filosofia do regime consagrado não opera uma espécie de dualismo entre a soberania dos órgãos de soberania e a soberania do povo. 0 referendo é concebido (como demonstrou logo o debate da primeira leitura, depois inteiramente confirmado) como um elemento correctivo (e não substitutivo nem alternativo) da democracia representativa, tendo um papel puramente complementar ou auxiliar, não substitutivo, do papel, do estatuto dos partidos políticos e dos órgãos de soberania, dentro das suas esferas de competências próprias. Não, pode, aliás, servir para ampliá-las, restringi-las ou alterá-las.
2 - No sistema construído pela Revisão Constitucional, o referendo não pode ter origem nos cidadãos e nas minorias, o que exclui que seja encarado entre nós
como em outros ordenamentos jurídicos que prevêem, nesta matéria, iniciativa popular. Nada exclui, porém, que exercendo o direito de petição, os cidadãos solicitem a realização de referendos, novidade significativa.
3 - É um mecanismo demasiado caro para poder funcionar como uma sondagem ao natural. 15so constitui um outro limite material, pratico, à sua utilização, como revelam em grande medida experiências de outros países.
4 - O referendo não é, seguramente, tal como foi desenhado (e acautelado) a forma corrente de tomar decisões políticas, mesmo nas áreas em que elas são possíveis através deste mecanismo, nem será, sem dúvida, o eixo básico, ao qual o regime democrático constitucionalmente deverá subordinar-se.
5 - 0 referendo, neste modelo agora desenhado, não é configurado como um elixir contra a degeneração elitista e burocrática do parlamentarismo, nem é concebido como, um instrumento para usar na governação do dia-a-dia, nem pode servir de instrumento básico para realizar um programa político, nem será sucedâneo de uma moção de censura, embora possa permitir a censura popular de certas opções que os órgãos de soberania desejem (ou não queiram) praticar.
6 - O novo instituto não surge, pois, como uma arma prima pata a defesa da oposição das minorias. Não é seguramente a alavanca de Arquimedes da alternância. Com efeito, só pode ser desencadeado por uma maioria parlamentar ou por um Governo e só prevalece se reunir no País uma maioria social e política.
7 - Num quadro de coincidência Governo-maioria-Presidente-Tribunal Constitucional pode ser (como tudo!) usado perversamente... Mas nessa situação limite todo o esquema constitucional de salvaguardas e controlos é posto em perigo letal. 0 referendo não constitui excepção, nesse quadro negativo.
8 - Em condições normais de pluralismo, mesmo na constância de uma forte maioria parlamentar monopartidária e de um governo nela assente, o referendo pode servir para verificar a sintonia entre maioria parlamentar e vontade popular em questões pontuais ou, pelo

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contrário, a desintonia da maioria parlamentar em relação ao país - coisa que, no seu entusiasmo abstracto, os Srs. Deputados do PSD, neste momento, terão apenas relativamente conscientizado (e ainda bem!)
9 - Por outro lado, o referendo não substitui o papel dos partidos nas campanhas referendarias como se sublinha no artigo 118.° ao fazer aplicar à sua realização as normas do artigo 116.° Cria-se aos partidos, pelo contrário um novo campo de protagonização, limitado, todavia, pelas normas maioritárias necessárias para accionar referendos e pelo papel decisivo do Presidente da República.
10 - Num quadro maioritário este mecanismo novo não surge apto a funcionar senão limitadamente como uma tribuna propagandística ou como um «contrapoder» de cidadãos organizados, embora possa permitir, propiciar e impulsionar novos terrenos de afrontamento Governo/Oposição e novas formas de relacionamento conflitual entre os titulares de órgãos de soberania. O que será, nesta óptica, o referendo? Talvez a possibilidade conferida ao Presidente da República de «dissolver» uma política sem dissolver um Parlamento, o poder de fazer inflectir uma maioria e um governo sem pôr como exigência a sua substituição no imediato. Nesse sentido, em certas condições de fechamento, o referendo pode contribuir para abrir o sistema ou pressionar a sua abertura.
11 - A experiência do Direito Comparado e a sociologia eleitoral não têm revelado que o referendo seja uma panaceia para resolver crises políticas nem um instrumento mágico capaz de mudar, do dia para a noite, o juízo social sobre questões-chave, como descobriu, por exemplo, o bloco católico conservador, ao ser derrotado em Itália nos referendos sobre o divórcio e o aborto. Por outro lado, não garante, só por si, como a experiência também prova, mobilizações de massas. Alerta para este facto o aumento das abstenções em diversos países, à medida que se vão multiplicando e banalizando as experiências referendarias.
12 - Que consequências poderá ter a introdução deste mecanismo num sistema político como o nosso, fundado na representação proporcional? O referendo é um mecanismo que dá vitórias absolutas e absolutas derrotas. É, tipicamente, segundo os mecanismos decisionais estudados pela teoria dos jogos, um mecanismo de tipo «soma-zero», sem matrizes, puramente bipolarizador, reorganizador de sentidos de voto sem estrita dependência de opções partidárias e coligando, conjunturalmente, oponentes divididos por outras questões...
Há uma substancial diferença entre a máquina plebiscitaria proposta pelo PSD, preparada para dar ao
Governo o poder de impor jogo e ganhá-lo sempre, e este sistema, cheio de freios e contrapesos, em que se alguém vê acrescida a margem de intervenção política é o Presidente da República, que pode buscar no contacto directo com o povo respostas decisivas em matérias litigiosas, se para tal obtiver proposta de uma maioria ou do Governo. Como é óbvio, o sistema funcionará diferentemente consoante a situação do sistema político e partidário e a força política e social dos que pretendam accionar o novo mecanismo...
13 - É, pois, impossível prever como funcionará o novo instituto. E de recordar que em Itália o referendo foi consagrado no pós-guerra, na altura da aprovação da Constituição, só foi regulamentado em 1970 e aplicado, pela primeira vez, em 1974. Em Portugal será necessário esperar 22 anos pela regulamentação? Em todo o caso, a experiência de regulamentação das consultas populares locais constitucionalmente instituídas em 1982, que ainda agora está por fazer, ecoa no nosso espírito quando analisamos o regime agora traçado.

Desta regulamentação dependerá a resposta para muitas e complexas perguntas que o texto constitucional revisto deixou em suspenso...

14 - Alguém dizia que «o referendo é um instrumento imprevisível». Os efeitos que produz num certo quadro não se produzem noutro. Por outro lado, os efeitos produzidos num país não são transponíveis. Aquilo que vai ser concebido e concretizado agora em Portugal é, sem dúvida, uma incógnita.

15 - Pela nossa parte, não vimos razão fundamental para alterar o juízo que tinha conduzido a que, em 1976 e 1982, pelo PCP, juntamente com outros partidos, não fosse aprovada a introdução do instituto. A leitura das actas revela, porém, a activa contribuição que demos para que a sua consagração se fizesse neste e não noutros termos. Pelas razões expostas, o PCP votou, uma a uma, todas as cautelas introduzidas tendentes a evitar perversões plebiscitarias. Resta fazer o voto de que sejam suficientes e vigiar pelo seu estrito cumprimento. Nisso se empenharão, à luz dos mesmos princípios, e com a mesma coerência, os deputados do PCP.

O deputado do PCP, José Magalhães.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Afaria Amélia Martins - José Diogo - Ana Marques da Cruz.

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