O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 4131

Terça-feira, 23 de Maio de 1989 ISérie - Número 85

V LEGISLATURA - 2ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISAO CONSTITUCIONAL

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE MAIO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.M-08 Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Maria Juileta Ferreira B. Sampaio
Cláudio José dos Santos Perchèíro
Daniel Abílio Ferreira Bastoè'

SUMARIO

O Sr' Presidente declarou aberta a sessão às 15- horas e 25 minutos'
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n. º 403/V'
Prosseguiu a discussão da revisão constitucional (artigos 205" a 228", 119. º a 265'*, 266" a 276" e 277" a 289")'
.
Intervieram, a diverso título, os Srs' Deputadas Almeida Santo'ç (PS), Jo'çé Magalhde's, (PCP), Assunção Esteves (PSD), Herculano Pombo (Os Verdes), Narana Coissoró (CDS), Costa Andrade (PSD), Octávio Teixeira (PCP). Marques Júnior (PRD), Rui Machete e Carlos Encarnação (PSD), Carlos Brito (PCP),

Alberto Martins (PS), José Manuel Mendes é João Amara! (PCP), Mário Maciel (PSD), Carlos César (PS), Guilherme Silva, Cect7ia Catarina, Germano Domingos e Jorge Pereira (PSD). Helena Roseta (Indep,), Armando Vara -(PS), João Corregedor da Fonseca (Indep,), Ferreira de Campos (PSD), José Apollnário (PS), António Vairinhos (PSD), António Guterres (PS). Carlos Lilaia (PRD), Miguel Macedo (PSD),- António Filipe (PCP) e António Vitorino (PS)
0 Sr' Presidente declarou encerrada a sessão era 1 hora e 50 minutos do dia seguinte

Página 4132

4132 I SÉRIE - NÚMERO 85

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António Abrantes Pereira.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montai vão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chencerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.

Página 4133

23 DE MAIO DE 2989 4133

António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
João Barroso Soares.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
Luis Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
15abel Maria Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados Independentes:
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conhecimento dos diplomas que entraram na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 403/V, da iniciativa dos Srs. Deputados Carlos Brito e outr6s. do Parido Comunista Português, propondo a actualização do salário mínimo nacional e a actualização do valor das pensões. Este diploma foi admitido, baixando à 7.ª Comissão.
Há um ofício dirigido a Sua Excelência o Sr. Presidente da Assembleia da República pelo Sr. Deputado João Matos, comunicando que retira o projecto de lei n.º 400/V que havia apresentado relativamente à propositura da elevação de Odivelas a cidade, tendo em consideração que anteriormente tinha já apresentado um outro diploma que foi distribuído com o n.º 206/V e que visava o mesmo objectivo.

0 Sr. Presidente: - Como sabem, vamos iniciar os nossos trabalhos de hoje com a discussão do conjunto de artigos que vai desde o 205. º ao 228.º

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Vamos iniciar a discussão da matéria relativa aos tribunais, que é, digamos, um dos títulos da Constituição mais estáveis desde a Constituição de
1976. Daí as poucas e pouco relevantes alterações que foram introduzidas na primeira Revisão Constitucional e, de algum modo, as poucas e pouco relevantes alterações que estão propostas, indiciadas para serem introduzidas nesta segunda revisão. Em todo o caso, há algumas inovações que se não esgotam em meros primores técnicos. Enfim, a insatisfação técnica do legislador é ilimitada, mas destacaria as principais alterações, com o significado que mereçam o realce que lhe vou dar.
Em primeiro lugar, consagra-se que a lei- poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos. Atribuo uma grande importância a esta norma, que vem, aliás, de uma ideia do PCP, com formulação dada pelo PS, pela razão simples de que está aqui talvez encontrado um dos caminhos mais eficazes para combater o excesso de trabalho e a morosidade de funcionamento dos nossos tribunais.
Assim, como já o ilícito de mera ordenação social significou a retirada aos tribunais criminais das

Página 4134

4134 I SÉRIE - NÚMERO 85

chamadas bagatelas criminais, destina-se esta norma a retirar à jurisdição dos tribunais comuns as bagatelas civis. Não se compreende que um tribunal, com toda a sua pompa, com todo o seu formalismo, com toda a sua burocracia e os seus custos, seja chamado a pronunciar-se sobre uma dívida de pequeno montante ou sobre uma questão de pequeno realce, em que há, de facto, um conflito de interesses, mas que é uma conflitualidade que pode ser resolvida em sede não jurisdicional.
Penso, portanto, que esta norma poderá abrir o caminho a um princípio de solução do «engasgamento» em que se encontram os nossos tribunais.
Nas categorias de tribunais a que se refere o artigo 212.° o Tribunal Constitucional deixa de figurar como um tribunal ao lado de todos os demais. Diz-se «além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais (...)» Portanto, o Tribunal Constitucional continua a ser um tribunal e, como tal, um órgão de soberania, mas só que passa a ser regulado num título próprio em atenção à sua natureza, simultaneamente jurisdicional e, de algum modo, também, de fiscalização política, e, por outro lado, para acabar com a velha querela de quem representa quem.
Como se sabe, até hoje existiu uma querela pouco dignificante sobre qual dos presidentes representava os tribunais, se o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, se o Presidente do Tribunal Constitucional. Havia quem entendesse que era o Presidente do Tribunal Constitucional porque vinha mencionado em primeiro lugar na Constituição e porque julga, por via de recurso, algumas das decisões dos restantes tribunais. Havia quem entendesse que a tradição deveria sobrepor-se a este argumento e que quem deveria presidir a representar todos os tribunais era o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Foi esta a regra que, de facto, veio a ser praticada, mas esse mal-estar encontra tratamento nesta alteração sistemática.
Por outro lado, os tribunais administrativos e fiscais, que até hoje eram tribunais facultativos, passam a ser tribunais obrigatórios e apenas permanecem como facultativos os tribunais marítimos e os tribunais arbitrais.
Definem-se ainda - o que faltava, embora já estivesse implícito - os tribunais judiciais como sendo os tribunais comuns em matéria cível e criminal com jurisdição em todas as áreas não atribuídas às outras ordens jurídicas. Já se entendia assim, mas passa a existir na Constituição esta definição, que até agora não existia.
Nos termos do artigo 217.°, e por razões compreensíveis, o júri deixa de intervir nos crimes de terrorismo. A experiência não tem sido exaltante quanto à recuperação do júri. Em geral, parece-nos que, apesar de tudo, deve levar-se mais longe a experiência do júri na intervenção dos principais julgamentos. Em matéria de terrorismo cedeu-se à consideração de que o júri pode vir a ser colocado em situações de forte pressão e intimidação. Por essa razão talvez seja necessário proteger os elementos do júri contra essa eventualidade e por isso se eliminou a intervenção do júri neste tipo de crimes.
A previsão hoje dos juizes populares não encontrou tradução na prática, talvez porque algumas forças políticas têm uma espécie de erisipela a tudo que tem o qualificativo de popular - e veja-se as vezes e a frequência com que nas propostas de Revisão Constitucional se corta a palavra «povo» e as referências ao «povo» e a «popular». Por isso mesmo entendemos que talvez fosse inteligente e melhor substituir a referência «juizes populares» por «juizes judiciais», prevendo-se que eles podem ter intervenção nas questões de trabalho, nas infracções contra a saúde pública, nos pequenos delitos e noutros casos em que se justifique urna especial ponderação dos valores sociais ofendidos. Esperamos que esta menção e esta referência a casos-tipo possa reduzir a resistência à consagração na lei ordinária dos juizes sociais.
O Supremo Tribunal Administrativo passa necessariamente a ser definido, na medida em que os tribunais administrativos e fiscais passam a ser tribunais obrigatórios e não apenas facultativos. Também se diz que o presidente é eleito de entre e pêlos respectivos juizes.
A competência dos tribunais administrativos e fiscais também aparece, portanto, definida. Não vale a pena dizer em que termos. Fica entendido que os tribunais administrativos não são apenas tribunais de anulação mas também tribunais de plena jurisdição administrativa.
Infelizmente, não pudemos ir muito longe em matéria de reestruturação do Tribunal de Contas. Surgiram várias propostas, uma das quais do Partido Socialista, no sentido de que este tribunal pudesse também fiscalizar a correcção económica da gestão financeira do Estado. O PSD opôs-se, talvez porque foi, de algum modo, influenciado nesta revisão pelo facto de, neste momento, ser Governo. Ainda assim consagrou-se de novo a competência para efectivar responsabilidade por infracções financeiras nos termos da lei e abriu-se a porta para a lei ordinária, consagrando-se a capacidade ou competência para o exercício das demais competências que lhe forem atribuídas por lei. Não é, portanto, uma questão fechada.
Em todo o caso, não conseguimos - e tenho pena - atender as justas reclamações do próprio Tribunal de Contas, que tem a ansiedade legítima de deixar de ser, cada vez mais, um tribunal de visto e ser um verdadeiro Tribunal de Contas. Não é desta vez ainda que a Constituição o define como tal, mas, digamos, que a porta fica aberta para que assim venha a ser em sede de lei ordinária.
Sobretudo, preocupa-nos a concepção que alguns elementos do actual Governo revelaram sobre o que vale, o que significa e o que é o visto do Tribunal de Contas. Ao que parece, do ponto de vista do PSD, não só o Tribunal de Contas continua circunscrito a um verdadeiro tribunal de visto, como o próprio visto é desvalorizado, pelo menos do ponto de vista de alguns elementos e na concepção de alguns juristas do actual Governo.
Nos artigos 221.° e 222.° consagra-se um Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, remetendo-se para a lei a definição da nomeação da colocação da transferência da promoção dos juizes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da acção disciplinar, que ficam a competir a este conselho. Há um inteiro paralelismo com o que hoje acontece com o Conselho Superior da Magistratura e com o Conselho Superior do Ministério Público.
A composição do Conselho Superior da Magistratura não é alterada, mas as regras sobre as garantias e incompatibilidades dos juizes passam a sofrer uma alteração. Assim, só as garantias são aplicáveis a todos os

Página 4135

23 DE MAIO DE 1989 4135

juízes, portanto também aqueles que não são magistrados, e não as incompatibilidades. Este facto poderia arredar do Conselho Superior da Magistratura ilustres juristas, professores de direito - e advogados, que
normalmente não estariam dispostos a aceitar a - sujeição às mesmas incompatibilidades, nomeadamente do exercício de outras profissões, a que, a justo título, têm de sujeitar-se os juízes.
Por outro lado, o artigo 224.º consagra a autonomia, nos termos da lei, do Ministério Público, que, como se sabe, hoje só gozava de estatuto próprio. Já se entendia que o Ministério Público gozava de um certo grau de autonomia. Não foi possível chegarmos a acordo sobre a definição dessa autonomia na Constituição. Remete-se para a lei, mas fica constitucionalmente consagrada a afirmação de que se trata de um órgão autónomo.
A Procuradoria-Geral da República também deixa de ser uma entidade vaga e indefinida como hoje é. Hoje dizia-se só «goza de estatuto próprio». Agora passa-se a dizer que a lei determina as regras da composição e competência da Procuradoria-Geral da República, que ela compreende um Conselho Superior de Ministério Público, que hoje só existe previsto na lei ordinária, e que este inclui membros eleitos pela Assembleia da República, o que é um reforço da garantia da sua autonomia, e membros de entre si- eleitos pelos magistrados do Ministério, Público.
0 Tribunal Constitucional passa a ter uma definição menos lacónica. Sobre isso ainda teremos que discutir em sede de especialidade, uma vez que foi ontem apresentada uma proposta de alteração dessa definição, que a torna novamente lacónica, mas a meu ver sem risco, na medida em que se mantém intacta a- definição das competências do Tribunal Constítucional e é aí obviamente que se encontra a sua melhor definição.
A composição do Tribunal Constitucional mantém-se. Tanto ma] se disse dessa composição aquando da primeira Revisão Constitucional para agora, afinal de contas, só um partido, o PRD, ter proposto a sua alteração e, mesmo assim, sem que tivesse obtido o voto de qualquer outro partido.
A única alteração é a de que o número de magistrados existentes no Tribunal Constitucional passa a não ter que sair necessariamente dos três eleitos pela Assembleia da República e três aos cooptados. Esses seis podem sair indeterminadamente ou da Assembleia da República ou dos cooptados. Portanto há uma maior maleabilidade.
Na competência consagram-se algumas regras que já existiam na lei ordinária. Constitucionaliza-se, por exemplo, o julgamento em última instância da regularidade e validade dos actos do processo eleitoral. Constitucionaliza-se a verificação da legalidade da constituição dos partidos, a legalidade das suas denominações, siglas e símbolos e o facto de o tribunal ordenar a respectiva extinção. Também de novo se consagra a verificação prévia da constitucionalidade da legalidade dos referendos - isto porque se consagra de novo o referendo e das consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local.
0 artigo 226.º- D define o estatuto dos juízes, organização e funcionamento do Tribunal Constitucional, bem como as garantias de que gozam, nomeadamente as de independência, inamovibilidade, imparcialidade, irresponsabilidade, bem como a sujeição dos juizes do Tribunal Constítucional às incompatibilidades. Porquê?
Porque isso não era preciso dizer-se quando o Tribunal Constitucional era considerado um tribunal como qualquer outro no capítulo dos tribunais em geral. Como se autonomizou tem, obviamente, que autonomizar-se a regra. Não tem grande significado!
Por outro lado, prevê-se que a lei estabeleça as demais regras do estatuto dos juízes, da sua sede, da sua organização e do seu funcionamento. Prevê-se ainda o seu funcionamento por secções.
Foi pena que não tivesse sido eliminada a figura dos crimes dolosos equiparáveis aos crimes essencialmente militares. 0 PSD. opôs-se. Nós entendemos que não faz
sentido prever na Constituição uma equiparação a um tipo de crimes que a própria Constituição não define.
Infelizmente, esta norma continua, a meu ver, a ser uma pequena nódoa no regulamento constitucional dos nossos tribunais.
Foi pena também que se não tivesse atribuído mais um membro do Conselho de Comunicação Social à designação do Presidente da República, por forma a enraizar cada vez mais a vontade popular a administração da justiça pelos tribunais.
Foi também pena que não se constitucionalizasse como obrigatória a participação de funcionários de justiça na composição do Conselho Superior de Magistratura. Foi isso que propusemos, mas a isso também se opôs o PSD.
Finalmente, foi também pena que não tivesse sido constitucionalizado o princípio do julgamento em prazo razoável, até porque cada vez mais o nosso país irá sendo condenado por esse facto nas instâncias da Comunidade Europeia.
Como também vimos, não fomos tão longe como propusemos e desejámos quanto à garantia do acesso ao direito e aos tribunais. Digamos que no conjunto as alterações que conseguimos introduzir, e sobre as quais houve consenso, enriquecem, apesar de tudo, o título relativo à organização dós tribunais. Não houve nenhuma alteração que desvalorizasse esse título, essa organização.
Penso que globalmente nos podemos dar por felizes, embora não por integralmente satisfeitos.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começa-se agora a discutir um outro bloco, o bloco respeitante aos tribunais. Devo dizer que se fizéssemos como o Sr. Deputado Almeida Santos, começaríamos em tom morno e como se nada tivesse acontecido. Sucede que aconteceu! Por um lado, em matéria de tribunais há um dos maiores escândalos desta Revisão Constitucional - refiro-me à posição do PSD - em matéria do Tribunal de Contas - tanto em sede constitucional como em relação à lei ordinária em gestação neste momento na Comissão de Economia, Finanças e Plano. Só isso já seria motivo de forte polémica.
Por outro lado, durante este fim de semana, a acrescer ao facto de na passada sexta-feira o PSD ter roído a corda em relação a uma disposição relevante atinente à garantia dos direitos dos partidos da Oposição - o que levou um deputado da bancada do PS a perguntar «se o PSD age assim antes de ter a revisão como

Página 4136

4136 I SÉRIE - NÚMERO 85

será depois dela»? (sensata pergunta!) - o secretário-geral do Partido Socialista, Dr. Jorge Sampaio, circunstancialmente ausente nesta bancada, teve ocasião de dizer que «implicitamente o PSD pretende que o PS rompa o compromisso da Revisão Constitucional com uma actividade política que tem raiado entre o difamatório, o calunioso e o mediocremente populista».
Disse o Dr. Jorge Sampaio que «o PSD tem tido um comportamento lamentável a respeito da Revisão Constitucional» e supostamente advertiu o PSD de que «não se pode fazer do PS o que se quer só porque existe um acordo». Estamos todos à espera de saber o que é que estas bravas palavras querem dizer na prática. Se querem dizer o que até agora quiseram dizer querem significar zero!
Sucede também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que durante este fim de semana outro dos protagonistas da Revisão Constitucional, nem mais nem menos do que o Dr. Victor Constâncio, que se encontrava no seu nefelibático retiro, resolveu quebrar o silêncio e, perguntado sobre o acordo de Revisão Constitucional, declarou que o acordo é, pelo menos, a melhor coisa depois das sete maravilhas do mundo. E quando o jornalista lhe perguntou se não lhe apetecia de vez em quando dar um saltinho à Assembleia da República para discutir connosco, os gentios, os comuns, os que dizemos do acordo o que Maomé não disse do famoso produto, ele respondeu que sim nestes termos...
Neste momento o orador ligou um megnatofone para reproduzir as declarações do Dr. Victor Constâncio, ouvindo-se: «Sim, tendo seguido de fora alguns debates, muitas vezes senti a tentação e o apetite de poder participar e rebater alguns dos argumentos...»

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sei se isso é regimental. Isso é uma citação. Há Parlamentos que nem sequer deixam usar notas. Se vamos entrar por caminhos desse género.. .O Sr. Deputado ouve e transmite se entender. Agora, emitir uma gravação, parece-me que é contra todas as regras!

O Orador: - Sr. Presidente, gostaria de perguntar qual é a norma regimental que proíbe a introdução de registos deste tipo nos circuitos do Parlamento. Se V. Ex.ª for capaz de a especificar...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto à norma regimental tem toda a razão. Só que, para além das normas regimentais, existe uma coisa que se chama bom senso e precedente. Eu não estou a dizer que o Sr. Deputado não está a usar de bom senso. Simplesmente, ao introduzir uma questão deste tipo de supetão, sem podermos analisá-la, poderíamos criar um precedente, que seria obviamente inadequado.
O Sr. Deputado pode fazer as considerações que entender. Tem liberdade para o fazer. Penso é que não pode reemitir essa situação. Julgo que isso não poderá ser feito ou não poderá ser autorizado sem uma análise aprofundada na conferência de líderes.

O Orador: - Sr. Presidente, quer isso dizer que V. Ex.ª censura o magnetofone?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fui bastante claro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró não pode interromper o seu colega que está no uso da palavra.

O Orador: - Eu permito, Sr. Presidente. Está permitido de imediato.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Narana Coissoró?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Neste momento não pode utilizar a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado José Magalhães permitiu que o interrompesse e é apenas para esse efeito que poderá usar da palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª introduziu um incidente ao invocar o Regimento. Julgo que não podia ter interrompido o Sr. Deputado José Magalhães para invocar o Regimento. Se V. Ex.ª o fez eu também o devo fazer para lhe dar razão e dizer o seguinte: a Assembleia da República não pode ficar sujeita a incidentes como aquele que foi agora introduzido pelo Sr. Deputado José Magalhães, forçando a consciência de todos os deputados. O Sr. Deputado não pode fazer o que lhe vem à cabeça porque está no uso da palavra e não no uso do magnetofone.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos dar por encerrada esta questão. Legitimamente, porque tenho a responsabilidade de conduzir os trabalhos, chamei a atenção para a utilização de um sistema que não tem precedentes e que tem óbvias consequências.
É nestes termos que, sem uma análise na conferência de líderes, não permito ao Sr. Deputado José Magalhães a utilização desse processo.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero verdadeiramente lamentável que não possamos ouvir aqui as próprias palavras do Dr. Victor Constâncio. Pois se eu posso aqui ler «Os Lusíadas», pois se posso ler as obras completas de Eça de Queirós, pois se posso mesmo «agarrar» em Guerra Junqueira e dedilhar aqui as mais veementes poesias, se eu até posso ler o livro de discursos do Sr. Deputado Almeida Santos, então não hei-de poder transcrever as declarações, em Braga, do ex-secretário-geral do PS! Por que não hei-de poder fazê-lo de viva voz?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não, não pode!

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª pode, obviamente, transcrever as palavras do Sr. Deputado Victor Constâncio. Basta
lê-las. Agora, o que V. Ex.ª não pode fazer sem violar

Página 4137

23 DE MAIO DE 1989 4137

o princípio da imediação é servir-se de um meio técnico - seja o magnetofone, a televisão ou o que for - para fazer uma espécie de instrução do processo. Os deputados podem usar da palavra, mas não podem usar da palavra alheia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Aplausos do PSD.

O Orador: - Srs. Deputados, Sr. Rui Machete muito em particular, creio que VV. Ex.ªs, que proclamam tanto apego às novas tecnologias, hoje se comportam um tanto cavernariamente. Para VV. Ex.ªs esta tarde o tabelião faraónico parece ser o máximo em matéria de modernidade. Não admitem a injecção directa no circuito sonoro da Assembleia da República do próprios visados! Acho das palavras isso lamentável, mas, em todo o caso, é secundário.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.a pode usar da palavra, mas o que não pode é trazer um megnatofone para aqui! Amanhã, por exemplo, um deputado lê em casa um discurso e depois chega aqui, senta-se na cadeira, pede a palavra ao Sr. Presidente e liga o magnetofone para toda a gente ouvir...V. Ex.ª admite que isso é possível?!

Risos.

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, como V. Ex.ª sabe, quando se leva um bom argumento até ao tecto, normalmente o argumento cai em cima da cabeça de quem o usa mal!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Caiu em cima de si agora, Sr. Deputado!

O Orador: - Não. Sucede que era V. Ex.ª que estava sentado exactamente no sítio onde caiu o mau argumento. É que uma coisa é o deputado calaceiro, o deputado preguiçoso que se põe a dormir enquanto rola a cassete...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Oh, Sr. Deputado!

O Orador: - ..., outra coisa é o deputado que quer fazer a evidenciação, através do discurso directo, daquilo que outros de facto disseram.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que está em causa, Sr. Deputado, é a utilização dos meios magnéticos aqui na Assembleia. Não está em causa se essa utilização é para uso próprio ou é o uso da palavra alheia ou o uso da palavra de terceiras pessoas! Se V. Ex.ª utiliza isto hoje, amanhã, quando está rouco - e vai estar, dentro de dois ou três dias, de tanto falar -, V. Ex.ª é obrigado a seguir esse método! Ou, então, traz um vídeo e põe-no aqui no meio para o vermos a falar sobre a Constituição, estando o Sr. Deputado aí calado e aí sentado! Por que é que aplica isto aos outros e não o aplica a si?! Onde é que está o Regimento?

Risos.

O Orador: - Sr. Deputado, não há nenhuma norma regimental que proíba a utilização deste meio para este efeito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Há, há. É o usar da palavra!...

O Orador: - E mais: há até um precedente. Aí no início dos anos oitenta, durante uma interpelação de um partido cujo principal representante é neste momento o principal negociador da Revisão Constitucional, do alto daquela tribuna, o meio foi utilizado sem que tivesse sido censurado! Entretanto, os senhores, em vez de avançarem com o tempo, recuaram. Incomoda-vos que sejam transcritas afirmações que significam, da parte do Dr. Vítor Constâncio, uma bravata! Porque se o Sr. Deputado Vítor Constâncio está tão seguro de que o acordo é excelente, se lhe apetece tanto vir à Assembleia da República defendê-lo, dir-lhe-ei: tem 24 horas para pôr os pés na Assembleia da República, dar a cara, defender o acordo ou então fica politicamente sem cara. A escolha é de S. Ex.ª!
Achamos pois estranhíssimo, Srs. Deputados, que queiram começar este debate tão pachorrentamente. Por um lado, porque ocorreram durante o fim de semana factos políticos gravíssimos que aqui evidenciei e, por outro lado, porque, nesta matéria, no título dos tribunais, se há de facto algumas benfeitorias, algumas das quais, de resto, resultaram também da contribuição do PCP - elas foram enumeradas tabelionicamente pelo Sr. Deputado Almeida Santos -, há malfeitorias ou, pelo menos, há não aperfeiçoamentos que seriam absolutamente exigíveis e que o PSD se recusa, a todas as luzes, fazer.
E o principal caso é, sem dúvida, o do Tribunal de Contas, em que a posição do PSD se constitui como um verdadeiro escândalo.
Nesse sentido manifestámos também o nosso protesto! O protesto pelo estilo do debate e o protesto pela posição do PSD!
Sr. Presidente, o meu camarada Octávio Teixeira fará uma intervenção especificamente dedicada ao caso do Tribunal de Contas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.a Deputada Assunção Esteves.

A Sr.a Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o PSD considera que o capítulo da Constituição relativo aos tribunais é dos mais pacíficos no quadro desta revisão. Na verdade, houve introduções que constituíram verdadeiros melhoramentos e não foram essas introduções objecto de grande controvérsia. No âmbito da Revisão Constitucional e no do capítulo relativo aos tribunais, não quer o PSD deixar de, em primeira mão, fazer referência a uma

Página 4138

4138 I SÉRIE - NÚMERO 85

proposta de alteração da definição do Tribunal Constitucional que consta da proposta da CERC e para a qual apresentámos já na Mesa uma alternativa que passaria a ler.
A actual redacção diz que «o Tribunal Constitucional é o tribunal com competência para apreciar em última instância a constitucionalidade e a legalidade das normas jurídicas, nos termos dos artigos 277.° a 283.°, bem como a regularidade e a validade dos actos do processo eleitoral», e a redacção alternativa que apresentámos na Mesa estabelece que «o Tribunal Constitucional, especificamente, administra a justiça em matérias de natureza
jurídico-constitucional».
Esta ideia de especificidade tem a ver com o denotar da vocação natural do Tribunal Constitucional, com as matérias que lhe são apresentadas e com a sua natureza específica, como o diz o próprio termo, que é uma natureza, obviamente, jurídico-constitucional. É uma fórmula ampla que não colide, de maneira nenhuma, com o elenco de competências já enunciado no artigo 226.°-C, também por proposta da CERC, e que permite uma abertura à legislação ordinária que não refreia as potencialidades, em termos de competência, do Tribunal Constitucional. Pomos à consideração das várias bancadas a alternativa proposta.
Quanto à rearrumação do Tribunal Constitucional, em termos sistemáticos, concordamos com as razões a que o Sr. Deputado Almeida Santos já aqui aludiu, isto é, a junção do Tribunal Constitucional aos outros tribunais, em termos de rearrumação. No entanto, há aqui inovação no âmbito da Revisão Constitucional em matéria de tribunais que queremos sublinhar. E a mais importante de todas elas é a referência concreta, a nível constitucional e por direito próprio, ao Supremo Tribunal Administrativo e aos tribunais administrativos e fiscais. A Constituição passa a consagrar, directamente, a relevância expressa do contencioso administrativo, denotando assim, nesta matéria, mais uma obediência e um respeito fundamentais à função essencial no Estado de direito representada pelo contencioso administrativo.
Nesse sentido, entendemos que o n.° 2 do artigo 212.° do actual texto constitucional se revelava claramente deficitário e, assim sendo, parece que a nova fórmula vem deixar de atribuir ao contencioso administrativo um caracter de eventualidade, como resultava da redacção do n.° 2 do artigo 212.° para lhe dar uma consagração constitucional expressa, directa e por direito próprio.
Outras notas fundamentais desta alteração, que não queremos deixar de sublinhar, são a intervenção dos juizes sociais no julgamento de questões de trabalho e de infracções contra a saúde pública, bem como outros delitos em que se justifique uma especial ponderação dos valores sociais ofendidos, e a autonomia do Ministério Público que, como se depreende do confronto das redacções dos preceitos a ele atinentes, já não goza só de estatuto próprio, mas de uma autonomia constitucionalmente expressa e admitida.
Sendo assim, deixa o PSD à consideração das bancadas dos outros partidos a possibilidade de substituir a redacção do artigo referente à definição do Tribunal Constitucional constante da proposta da CERC pela redacção ora apresentada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, quando pedi a palavra
fi-lo, obviamente para me debruçar sobre este bloco de artigos, concretamente o que se refere aos tribunais.
No entanto, não poderia deixar passar em claro este breve incidente a que todos assistimos aqui sem uma pequena reflexão: as reacções que este incidente suscitou levam-me, de facto, a colocar aqui, de novo, um problema que já coloquei em sede própria quando se elaborou o Regimento e que é o de saber se, num Parlamento moderno como o nosso, poderemos, por exemplo, em vez de levantar o braço, votar com o cartão magnético e não poderemos, também por exemplo, em vez de falar, mostrar imagens ou de fazer passar uma fita magnética.
E se levarmos esta reflexão mais longe, poderemos perguntar: pode ou não um cidadão portador de deficiência, ser deputado? Por exemplo, um cidadão que seja mudo pode ser deputado? Está proibido um cidadão mudo de ser deputado? E para o ser, como é que pode cabalmente exercer a sua função? É um diminuído físico ou é um diminuído na sua cidadania? Não posso deixar de lamentar que estas questões fiquem sem resposta, que teremos de encontrar rapidamente! Não vai ser hoje, nem agora, nem aqui, mas havemos de a encontrar!
Srs. Deputados, estas são simples reflexões que este incidente de trazer aqui um gravador me fizeram vir à mente, mas não quis deixar de as partilhar com
VV. Ex.ªs. Para mim seria preferível, muitas vezes, em vez de rebuscar no meu léxico, aliás muito reduzido, adjectivos, advérbios, verbos, etc., para ilustrar situações de extrema penosidade, ilustrá-las com imagens, desde que o Parlamento estivesse dotado dos necessários mecanismos. Para mim é muito mais lógico que se faça uma intervenção suportada com imagens do que se vote utilizando um cartão magnético, que é uma coisa que serve hoje em dia para algumas coisas, mas para votar é que não.
Feitas estas reflexões, que cada um as «mastigue» a seu bel-prazer! Espero que saibamos encontrar em breve uma utilização racional para os meios que a tecnologia põe ao nosso dispor e que, em vez de nos deixarmos controlar pelas máquinas, sejam estas, pretas e horríveis, rodeadas a alumínio ou outras quaisquer, a serem utilizadas em proveito de todos. Não quero com isto fazer nenhum juízo de valor sobre o acto do Sr. Deputado José Magalhães - não é sobre isso que me quero pronunciar -, mas os actos provocam em nós reflexões, partilhei, as minhas convosco e espero ter cumprido o meu dever.
Entrando agora na matéria dos tribunais e, também, já agora, falando de modernices e modernidades, mais uma vez quero ser aqui porta-voz de uma modernidade que não vai passar desta vez, mas que há-de passar da próxima ou, quiçá, da outra. E essa modernidade é tão simplesmente a eliminação dos tribunais militares. Recordo aqui que os tribunais militares, por exemplo, em França, foram eliminados no dia em que esse país aboliu a pena de morte. É certo que uma coisa não terá que ver com a outra, mas a eliminação da pena de morte - que foi, em Portugal, um sinal de modernidade e um sinal dos tempos que colocou o nosso país à frente de todos os países do mundo nesta matéria

Página 4139

23 DE MAIO DE 1989 4139

- foi conseguido em França exactamente no mesmo dia em que esse país deu outro passo de modernidade, qual seja o passo de abolir os tribunais militares.
Em, Portugal continuará a haver tribunais militares, mesmo depois desta revisão de 1989. É lamentável e estamos sozinhos nesta proposta de eliminação do tribunal aqui, mas não o estamos em inúmeros sectores da sociedade portuguesa, desde os militares ao civis, pois eles estão connosco nesta proposta de eliminação.
Ainda não foi possível. Há-de sê-lo um dia e ficaremos como percurssores!
Não é que isto nos console, mas ficará essa parte para a História!
De qualquer modo, continuamos sem perceber - e gostaria de partilhar convosco mais algumas reflexões - como é que, sendo os tribunais órgãos que, por definição, são independentes e estão apenas sujeitos à lei, tribunais que são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça, em nome do povo tal qual consagra hoje a Constituição (e, pelos vistos, estes conceitos e estes princípios não sofrerão alterações) se pode entender que, à luz destes princípios, existam tribunais que são compostos por juizes cuja formação é mais do que duvidosa, que existem, não para administrar a justiça em nome do povo, mas para administrar determinado tipo de justiça em nome e para defesa de determinado tipo de valores e de determinado tipo de hierarquias contra determinado tipo de cidadãos que se encontram em determinada situação ainda que transitoriamente.
Numa altura em que muitos lutam bravamente para que volte aos tribunais militares a questão do foro pessoal - questão essa que foi já muito debatida e que foi ultrapassada com a consagração do foro material -, os deputados, que estão neste momento a exercer a sua tarefa de revisão da Constituição, deviam dar um sinal inequívoco e acabar de uma vez por todas com estas veleidades de julgar cidadãos, não à face da justiça e não em nome do povo, mas porque usam determinada farda ou porque têm determinada missão.
Entendemos que crimes são crimes e que cidadãos são cidadãos em qualquer parte do mundo e prestando qualquer tarefa ao serviço da comunidade. Não devem ser nem mais nem menos penalizados por isso, devem ser julgado, quando são supostos autores de crimes, em tribunais exactamente iguais aos outros, porque, por esta lógica, teríamos de ter um tribunal eclesiástico, ou até um tribunal para porteiros de hotel, que também usam farda! Enfim, um tribunal para tudo o que às vezes é diferente em razão do hábito embora saibamos que «o hábito não
o monge».
Era esta reflexão que não gostaria também, que deixasse de aqui ficar sem a certeza de que, se de que, se votámos sozinhos a eliminação dos tribunais militares na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional outros o farão connosco, nesta revisão, mas, quem sabe, já na próxima.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Herculano Pombo, nós tomámos boa nota da posição do seu partido e da sua própria na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, mas tenho tendência para supor que, normalmente, é um erro tentar passar do oito para os oitenta. É que as soluções demasiado radicais, normalmente, pecam por excesso. No entanto, devo reconhecer, tal como o fiz na comissão, que alguma razão pode haver na sua proposta.
O nosso ponto de vista é este: neste momento não estão ainda criadas as condições para se fazer aquilo que, em nosso entender, devia ser feito mas que não é pura e simples extinção dos tribunais militares e o julgamento no foro comum das questões sujeitas hoje ao foro militar. O nosso ponto de vista é que os actuais tribunais militares deviam funcionar como tribunais de competência especializada e, eventualmente, com alguma alteração na composição do próprio tribunal, na medida em que não estamos de acordo com o facto de que questões militares possam ser julgadas do mesmo ângulo, do mesmo ponto de vista e com a mesma sensibilidade com que são julgadas em regra as questões civis.
Quem foi advogado como eu fui e advogou muito no Tribunal Militar tem de reconhecer que há uma especificidade própria das questões militares que não é em regra bem compreendida pelo juiz do tribunal comum. Reconheço que o juiz do Tribunal Militar não têm em regra a formação jurídica que devia ter para poder acompanhar os juizes de carreira na decisão do Tribunal Militar, mas a experiência disse-me e ensinou-me que nos aspectos técnicos os juizes militares, de algum modo, aceitam a supremacia técnica dos juizes de carreira. Ó que não é fácil é imbuir um juiz de carreira da sensibilidade especial necessária para a especificidade que existe nas questões militares.
Não tentemos, portanto eliminar este e nivelá-lo seria perigoso. O que me parece é que deveríamos, na altura própria, encenar a possibilidade de transformar os tribunais militares em tribunais de competência especializada com a possibilidade de ter em consideração os valores específicos e a sensibilidade específica ligados ao fenómeno militar. Se não fizermos isto, estaremos provavelmente a somar um erro a outro erro ainda pior.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Almeida Santos, não recolocou V. Ex.ª -, que eu notasse - nenhuma pergunta, mas colocou-me várias questões e uma delas é a de lembrar aqui que, a propósito de sensibilidade, todos nós sabemos que para assuntos de determinada natureza, como os de natureza militar, tem de existir uma determinada sensibilidade. No entanto, terá também de aceitar uma determinada - e muita - sensibilidade para assuntos, por exemplo, de natureza ambiental. Todos sabem hoje e lamentamos quão pouca é ainda a sensibilidade dos nossos tribunais para os crimes de natureza ambiental ou praticados contra o ambiente, que são muitos.
Enfim, questões de sensibilidade a que teríamos de dar resposta com uma formação específica para os juizes de carreira e não, inversamente, nomeando para tribunais homens que não são juizes e atribuindo-lhes a qualidade de juizes porque, então dentro desta lógica - e perdoe-me o absurdo -, teríamos de, em questões ambientais, nomear para os tribunais ecologistas apenas, porque são aqueles que, em princípio, mais percebem dessas questões e que estarão mais habituados, portanto, a dirimir conflitos ou a punir crimes em matéria de violação das normas que consagram o nosso

Página 4140

4140 I SÉRIE - NÚMERO 85

sagrado direito a um ambiente equilibrado! Mas, enfim, então era uma comparação um pouco absurda.
De qualquer modo, também eu não sou radical ao ponto de passar do oito para o oitenta. Aliás, não penso que, nesta fase, estejemos ainda no oito, ou seja, não é a primeira vez que se fala da eliminação dos tribunais militares. Eu não sou aqui o arauto dos descobridores da pólvora nesta matéria e tão pouco me quero arvorar em descobridor de coisíssima nenhuma que outros não tenham já descoberto e praticado com toda a eficácia que se reconhece.
Contudo, penso que o mínimo que poderíamos fazer, o mínimo que nesta revisão deveria ficar feita, era a consagração de uma norma, uma alteração qualquer, que, ao menos, dissesse que os tribunais militares são compostos por juizes de carreira militar ou não. Era um primeiro passo, ou melhor, seria, em vez de um passo, um gatinhar pequeno, mas era um sinal importante, do meu ponto de vista.
Obviamente, penso que o assunto está já algo maduro para que venhamos a consagrar a eliminação, pura e simples, dos tribunais militares. E, já agora, porque não referir aqui um caso que está presente na memória de todos nós e que revela bem quão sensível é a sensibilidade dos militares para as questões militares!... Todos nós temos presente aquela funcionária civil da Manutenção Militar do Entroncamento que, por não ter registado um cheque de cerca de três mil escudos no dia da passagem do ano - dia em que houve muito movimento na Manutenção Militar do Entroncamento - foi julgada em tribunal militar e condenada em doze meses de prisão. Isto, uma mãe de família com uma neta a seu cargo a quem tem de sustentar. Entretanto, doze meses de prisão não sofreu esta mulher porque apelou, tendo sofrido apenas seis meses - e digo este apenas entre muitas aspas!
Este é, portanto, um indicador da sensibilidade dos nossos tribunais para as questões militares! Ou seja, por não ter registado o valor de um peru, uma mãe de família, com filhos a seu cargo, passa seis meses em Leiria, na penitenciária, à espera de poder gozar a liberdade a que todo o cidadão tem direito! O peru certamente não esteve tanto tempo preso! Questões de sensibilidade!...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentámos nesta matéria dos tribunais algumas propostas mais com o sentido de explicitar ou de interpretar a realidade existente do que, propriamente, para introduzir inovação. Inovações há - e são apenas duas que vou referir -, mas as restantes propostas são mais para coadunar a realidade de facto com a realidade jurídica.
Acabámos de ouvir como é que alguém, não adestrado em direito, pode interpretar a palavra «os tribunais administram a justiça em nome do povo». O Sr. Deputado Herculano Pombo deu-nos aqui a interpretação mais errada daquilo que qualquer jurista, qualquer juiz ou alguém com a mínima noção de direito podia assim interpretar. É pena que estas interpretações não possam existir, nós queríamos suprimi--la com o intuito de que todos os órgãos de soberania exerçam as respectivas funções em nome do povo.
A Assembleia da República exerce as suas funções em nome do povo, o Presidente da República exerce as suas funções em nome do povo, as autarquias exercem as suas funções em nome do povo, isto é, a eleição faz-se em nome do povo. Aqui o enxerto «(...) em nome do povo» era exactamente porque os tribunais não são directamente eleitos pelo povo e para que não houvesse essa diminuição porque ao único órgão de soberania que não é eleito pelo povo foi posto o nariz de cera de dizer que os tribunais administram a justiça em nome do povo.
Todos nós sabemos como funcionam os tribunais como órgãos de soberania e como funciona o Conselho Superior da Magistratura e conhecemos o modo como a própria Constituição, que é votada pelo povo, organiza esta magistratura e o funcionamento dos tribunais. Por isso, entendemos que não é necessário dizer que os tribunais exercem a justiça em nome do povo.
De qualquer modo, dizer não faz mal, isto é, não somos contrários a que se diga. Mas, para que não haja interpretações como aquelas que hoje foram aqui sustentadas, deveríamos levar a nossa posição longe e frisar que se deve dizer que como órgão de soberania não precisa que se diga.
Em todo o caso, já ouvimos aqui dizer il va sans dire, isto é, se está lá é melhor que se diga, e por isso retirámos a nossa proposta. Fizemo-lo não por uma razão de fundo, mas meramente para daqui não se extraírem outros argumentos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É pena não ter retirado todas!

O Orador: - Quanto ao artigo 207.°, de facto, foi por recomendação dos especialistas em Direito Internacional que apresentámos as nossas propostas.
Neste sentido, referimos que «é vedado aos tribunais recusar a aplicação das normas constantes de convenções internacionais regularmente concluídas pelo Estado português» e que «a inconstitucionalidade orgânica ou formal não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica portuguesa, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação manifesta de uma disposição fundamental».
Aqui o que está em causa é guardar na Assembleia da República o juízo sobre os tratados internacionais, e não entregá-lo aos tribunais, quando esse juízo nem sequer está feito pela Assembleia da República, pondo assim em causa tal juízo, que é da competência exclusiva do Parlamento. Por isso vamos manter esta disposição legislativa.
Em relação ao artigo 207.°, embora não tenhamos apresentado qualquer proposta, estamos na disposição de aceitar a proposta do PCP de que nos tribunais de trabalho existam juizes sociais nos termos a definir por lei. É uma justiça mais competitiva do que propriamente legal. Existe nos tribunais de trabalho um conflito de interesses que muitas vezes ultrapassam a secura da lei, e muitas vezes é preciso mais a composição dos interesses do que a mera aplicação nua e crua de circunstância. Até pela nova lei que vai transferir para os tribunais o ónus das grandes decisões sobre determinada forma da aplicação da justiça, entendemos que a existência de juizes sociais poderá remediar ou mesmo beneficiar a justiça de trabalho.
Finalmente, quanto ao acrescento de que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei, acrescentámos a expressão «(...) e ao Direito».

Página 4141

23 DE MAIO DE 1989 4141

A interpretação vem de que os tribunais são um órgão do Estado de Direito e não do Estado de lei. Se há uma distinção entre a lei e o Direito é a de que este é muito mais relevante do que a lei. Os tribunais devem ficar sujeitos ao Direito e não à lei. Eu sei que aqui a palavra «lei» é interpretada no sentido de «Direito», mas não ficaria mal que os tribunais, como órgãos do Estado de Direito, ficassem também sujeitos ao Direito e não apenas à lei.
Estas são algumas das propostas que fizemos. Elas são mais explicitantes do que propriamente substantivas ou mortificantes da lei, exceptuando o caso dos tratados internacionais. Por isso mesmo estaremos na disposição de as retirar se no decorrer do debate nos convencermos de que elas são de retirar, mantendo na substância a matéria actual que consta da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para um pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Gostaria de fazer um breve pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Deputado, para justificar a proposta do CDS de retirar a expressão «(...) em nome do povo», que diz respeito à administração da justiça por parte dos tribunais, invocou aqui a minha fraca interpretação deste princípio referindo a propósito que era a interpretação de uma pessoa não adestrada em Direito. Não vamos aqui discutir as habilitações académicas de cada um. Não percebo muito bem o que é que o conceito de «adestrado em Direito», mas gostaria de lhe perguntar o seguinte: não entende o Sr. Deputado que os adestrados em Direito não se sentirão muito bem ao saber que uma das missões para que são preparados está a ser ao lado praticada por alguém que para isso não está preparado? Por outras palavras, incomoda-se o Sr. Deputado que eu faça aqui a minha interpretação legítima como deputado eleito e como pessoa que pensa e sabe raciocinar, e que não é tão pouco adestrado em Direito como isso porque também teve ocasião de frequentar durante algum tempo a dita faculdade? Repugna ao Sr. Deputado que eu, não adestrado em Direito, ou seja, não licenciado em Direito, interprete, e não repugna a V. Ex.a, adestrado e licenciado em Direito, que outros exerçam Direito sem para isso terem a mínima das mínimas preparações?
É esta a pergunta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Herculano Pombo, naturalmente não o quis ofender e muito menos menosprezar a sua interpretação.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Obviamente!

O Orador: - Quando referi o termo «adestrado» pretendi significar aquele que está mais habituado a ver fazer a justiça, isto é, aquele que vai aos tribunais, aquele que intervém nas lides, aquele que é litigante por patrocínio judiciário, e que sabe que os problemas do Direito e a administração da justiça em nome do povo não têm nada a ver com a preparação dos juizes, não têm nada que ver com justiças paralelas. Antes pelo contrário.
Portanto, foi neste sentido que falei. Não leve a mal. Prezo que o Sr. Deputado tenha andado na Faculdade de Direito e que qualquer dia também seja adestrado como todos nós para administrar a justiça como ela deve ser administrada.

O Sr. Presidente: - Para um pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, ouvi a parte da sua intervenção atinente ao artigo 208.°, e devo dizer que concordo com as razões que invocou. Há toda a conveniência em interpretar a expressão já vigente «(...) apenas estão sujeitas à lei» não no sentido formal, estrito, de lei como fonte específica de Direito, mas no sentido de ordem jurídica de qualquer forma material ou formalmente legitimada, por contraposição a formas de pressão ilegítimas sobre os tribunais. Também o meu entendimento é esse. Só que tanto a proposta do PSD como a do CDS tentaram estabelecer aqui uma distinção que tem, no fundo, uma certa necessidade de reagir contra os perigos de um certo positivismo e, portanto, pusemos no texto além da lei o Direito.
De todo o modo, verificando-se, por aquilo que é realista verificar, que tanto a proposta do CDS como a do PSD não vão passar...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e como a sua eventual desaprovação pode ser prejudicial ao sentido, que penso que era o do PSD e que é pelo menos o do PSD - de resto na linha de uma proposta que vem do projecto da Aliança Democrática - talvez fosse conveniente retirar a proposta até porque da sua eventual reprovação pode resultar uma certa orientação hermenêutica que é prejudicial. Entendemos assim e em conformidade dever retirar a proposta.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa proposta relativa ao artigo 208.° está retirada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vamos ver é se o CDS percebe!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Costa Andrade: A nossa interpretação e a nossa mens legislatoris constará nas actas e, portanto, ninguém poderá extrair dela argumentos a contrario.
De facto, isto não pode ser um «favor» ao Partido Comunista que pode querer introduzir além da lei outras formas de pressão sobre os tribunais. Nós não queremos isso. Dizemos que o não retirar da proposta não pode ser interpretado como a contrario sensu. Entendemos que no Estado de Direito os tribunais devem aplicar o Direito, e, como sempre, vamos manter a nossa proposta para que o Partido Comunista a vote em contrário.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Partido Comunista e o Partido Socialista!

Página 4142

4142 I SÉRIE - NÚMERO 85

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 209.°, que trata da competência do Tribunal de Contas, é claramente um tema de maior actualidade e da maior importância na medida em que está em causa no momento presente o próprio controlo democrático da acção financeira do Estado. Do nosso ponto de vista este artigo não pode ser analisado de ânimo leve. Nunca o poderia ser, mas, por maioria da razão, o conteúdo do artigo 219.° não pode passar por esta Assembleia, neste momento, de ânimo leve.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, julgamos que não serve à democracia fazermos apenas um mero lamento por o PSD não querer incluir algo mais no conteúdo do artigo 219.° Julgamos que isso é pouco. E é pouco fundamentalmente porque neste momento é claro, e está definido, dito e redito o que é que o Governo pretende em relação ao Tribunal de Contas: o Governo pretende, pura e simplesmente, reduzir substancialmente a actividade fiscalizadora do Tribunal de Contas. Ele quer impedir que um Tribunal no concreto e Tribunal de Contas, possa dar institucionalmente a garantia da eficácia das despesas públicas, a garantia da democraticidade do próprio funcionamento da gestão financeira do Estado.
A proposta do PSD neste momento não pode, pois iludir quem quer que seja.
A alínea d) da proposta do PSD relativa ao artigo 219.° não proíbe que o controlo da eficácia, da economicidade das despesas públicas possa vir a ser um facto num futuro próximo. Mas face ao que se sabe da lei ordinária em gestão, o que aparece na alínea d) será no plano imediato é um mero pio voto, expressa a possibilidade de a lei ordinária poder atribuir competência ao Tribunal de Contas para que faça a análise da economicidade das despesas, da sua eficácia. Mas, é certo e sabido - porque já foi declarado publicamente pelo Governo, e consta da proposta de lei que o Governo apresentou a esta Assembleia - que ele não quer permitir isso, mas, sim, impedi-lo.
Ora, como a revisão tem sido feita com base num acordo, e como várias vezes tem sido repetido, designadamente pêlos deputados do Partido Socialista, que um acordo é uma questão de cedências mútuas, parece-nos que não pode e não deve continuar a acontecer em relação a este artigo aquilo que se tem verificado até agora: é que quem cede, e sempre, é apenas uma das partes. Ainda na última sessão tivemos oportunidade de ver o PSD a renegar uma das soluções a que tinha dado acordo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, gostaria que se pronunciasse acerca de uma questão muito concreta. Supondo que nós não cedíamos, o Sr. Deputado prefere a actual redacção da Constituição à redacção que fica, que está indiciada? É que se prefere vamos considerar essa hipótese. Mas se nos disser que não prefere, então não teremos cedido, conseguimos o possível.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos o problema é que a nova proposta, aquela que está indiciada em termos de voto, não implica, só por si, alteração de situação antiga. Isto porque - e era a isso que eu há pouco me referia quando mencionei a alínea d) - a proposta deixa à lei ordinária uma determinada possibilidade e o Governo já disse que não quer essa possibilidade, que não a vai permitir.
Mas, há mais!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Prefere a actual?

O Orador: - Não. O que julgo que é que a argumentação, a pressão sobre o PSD deveria ir mais além, conseguir mais do que aquilo que está expresso neste momento.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Isso é fácil de dizer!

O Orador: - Julgamos que o PS está em boa situação para o exigir na medida em que as cedências noutros campos têm sido muito grandes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas aqui o problema não é só esse. Não podemos esquecer que o Governo com a lei que apresentou quer retroceder em relação à situação actual e, designadamente, impedir que todas as despesas públicas sejam fiscalizadas. Neste sentido, recordaria aqui apenas a questão dos serviços simples, os quais deixariam de poder ser fiscalizados pelo Tribunal de Contas.
O tempo que nos resta é já pouco e por conseguinte terminaria apenas reforçando a questão central neste momento. Não é possível que o Governo imponha à Assembleia da República - e direi que é mesmo impor ao Parlamento e não apenas aos partidos da Oposição porque se trata de impor inclusivamente à consciência de muitos dos deputados do PSD -, do exterior desta Câmara, que não seja constitucionalizada uma regra que garanta a plena democraticidade da gestão financeira do Estado.
Parece-nos que neste ponto todos deveremos estar de acordo em exigir que o PSD permita que seja constitucionalizado este princípio basilar da própria democraticidade do regime das finanças públicas e da própria democraticidade do funcionamento do Estado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se poderá valer de alguma coisa, gostaria de apelar uma última vez à consciência dos Srs. Deputados do PSD...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Primeiro bate-nos e depois apela!

O Orador: - Sr. Deputado, nunca tenho problemas em bater, mas se reparar bem verificará que bati

Página 4143

23 DE MAIO DE 1989 4143

fundamentalmente no Governo. Até tive o cuidado de dizer que há muitos deputados do PSD que, em consciência, acham que é errada a posição que o Governo os quer fazer assumir em termos deste artigo. Assim, por uma última vez apelaria à vossa consciência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Eles riem-se! ...

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

0 Sr. Marques Júnior (PRD): - Vou fazer uma intervenção muito rápida relativamente ao capítulo que estamos a abordar em sede de Revisão Constitucional e que, do nosso ponto de vista, é um dos capítulos da
revisão que, naturalmente, é menos controverso.
De qualquer forma, gostaria de sublinhar que o PRD foi, como foi referenciado, pelo Sr. Deputado Almeida Santos, o único partido que apresentou - e creio que todos os outros partidos se pronunciaram negativamente - propostas de alteração relativamente à composição do Tribunal Constitucional.
0 PRD sempre contestou a solução excessivamente politizante ou partidária adoptada em 1982 relativamente à composição do órgão supremo, de fiscalização da constitucionalidade. Não ignora que se tratou então de um compromisso que, embora de circunstância, não será fácil substituir.
Por outro lado, o PRD reconhece, com satisfação - gostaria de sublinhar este aspecto com grande ênfase, que a qualidade e a dignidade dos juízes do Tribunal Constitucional superam os pecados da fórmula, mas receamos que a manutenção desta forma de nomeação dos juízes possa conduzir a um desgaste progressivo do próprio tribunal.
Dentro da perspectiva que temos aqui desenvolvido relativamente ao reforço e reequilíbrio dos poderes do Presidente da República na sua relação com o Governo
e com a Assembleia da República no que se refere à revisão de l982, entenderíamos que esta composição deveria ter uma origem de três fontes. Ela deveria ter origem no Presidente da República, na Assembleia da República e no Conselho Superior de Magistratura.
Deveria fazer-se com que estes três órgãos participassem na nomeação dos juízes.
Assim, a nossa proposta no sentido de que três juízes daquele tribunal fossem nomeados pelo Presidente da República, seis pela Assembleia da República, nos termos da alínea que refere a composição e a nomeação dos juízes, e quatro pelo Conselho Superior de Magistratura ou maioria de dois terços dos seus membros em efectividade de funções.
Na nossa óptica esta nossa proposta teria a vantagem de considerar a dificuldade que tem havido para substituir os juízes do Tribunal Constitucional depois
de, por qualquer razão, esses juízes, antes do termo de seu mandato deixarem o tribunal. Nós sabemos que hoje a composição do Tribunal Constitucional tem uma
série de juízes a menos do que deveria ter. Todos nós sabemos também que não tem sido possível fazer a recomposição daquele tribunal pelas dificuldades dos
equilíbrios partidários que tem havido no sentido de se encontrar, ou de a Assembleia, por si só, encontrar a possibilidade de mediante dois terços, substituir os juízes do Tribunal Constitucional.
Pensamos que este aspecto tem redundado em desprestígio não só da própria Assembleia da República mas também do Tribunal Constitucional.
Por outro lado, tem como consequência uma grande sobrecarga relativamente ao trabalho dos juízes do Tribunal Constitucional, o que faz, por sua vez, com que as decisões sejam proteladas durante mais tempo, para além daquelas que estão previstas e consignadas no próprio estatuto e que têm prazos fixos para que o tribunal se prenuncie.
Portanto, pensamos que, além de fazer incidir na sua composição estes três órgãos, o estabelecimento da nossa proposta teria também uma outra vantagem que
era a da substituição dos juízes poder ser mais fácil.
Há cerca de quatro anos que há vagas de juízes do Tribunal Constitucional para serem preenchidas e ainda não foi possível preenchê-las, porque os equilíbrio
entre os vários partidos só são relativamente fáceis de conseguir no início e perante uma lista única mas mesmo assim com custos que já tive o cuidado de
enunciar no início da minha intervenção.
Apesar de tudo, uma vez que a escolha é feita através de uma lista única, torna-se relativamente fácil encontrar os equilíbrios entre os partidos, nomeadamente os partidos que conseguem obter os dois terços para a nomeação dos juízes, mas, posteriormente, quando se dá uma vaga por razões especiais, que podem ser desde ã renúncia à morte, ou quando surge qualquer outra situação é muito difícil fazer a recomposição do Tribunal.
Pensamos que esta nossa proposta resolveria, ou melhor, ajudaria, em parte, a resolver essa composição, pois possibilitaria o encontrar-se uma solução para
esse problema.
Por outro lado, gostaria de salientar que não ignoramos que esta nossa proposta não teve o acolhimento de qualquer partido em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o que, apesar de tudo, nos deixa um pouco surpresos e faz com que o PRD vá repensá-la no sentido de encontrar a melhor atitude a tomar aquando da votação. Neste momento não vemos alguma razão especial para que retirar a nossa proposta.
Um outro aspecto, que gostaria de referir diz respeito ao aditamento do n.º 2 ao artigo 205.º, que trata da definição dos tribunais. Propomos que a organização judiciária seja única parte para todo o território nacional. Não ignoramos que esta nossa proposta suscita algumas dúvidas, nomeadamente no que toca às
regiões autónomas, mas pensamos que, por uma questão de princípio, ela deveria ficar introduzida no texto constitucional, pois, além do mais, constitui uma novidade. Como somos o único partido a propô-la, provavelmente, não irá passar na votação, mas sublinho este aspecto que, do nosso ponto de vista, nos parece
importante, atendendo a que se refere aos tribunais, ou seja, a um órgão de soberania.
Eram apenas estes aspectos que pretendia sublinhar, pois considero-os muito relevantes.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Manuela Aguiar.

Página 4144

4144 I SÉRIE - NÚMERO 85

A Sr.a Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Marques Júnior, gostaria de apelar a que a bancada do PRD ponderasse mais profundadamente a eventual retirada dessa proposta sobre a organização dos tribunais a que V. Ex.ª fez alusão, por uma razão simples: em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, como é possível verificar lendo as actas, estabeleceu-se um grande consenso quanto à ideia de que a organização dos tribunais não comporta um tal grau de diferenciação, que possa deixar de se entender como única. O que não exclui que o legislador seja suficientemente hábil e sensato para ter em conta que a administração da justiça num arquipélago, por exemplo, tem exigências específicas. Este facto não se confunde com a regionalização da justiça e, em meu entender, a confusão anda precisamente por aí, por este último tipo de águas inquinadas.
Na verdade, não é isso o que o PSD propõe aqui na Assembleia da República. Aliás, ninguém aqui propõe isso. Sublinhar do contrário, isto é, propor que seja única! (o orador batendo com o dedo na bancada) Dizer: «É única! é única»!, apenas desperta alguma hipersensibilidade cutânea de pessoas que, não podendo deixar de estar de acordo connosco, não podem também deixar de ter essa sensibilidade.
Por outro lado, rejeitar uma proposta desse tipo só poderia ter um efeito preverso, como é óbvio. Nesse sentido, Sr. Deputado Marques Júnior apelaríamos a que, até à altura própria e para os devidos efeitos, VV. Ex.ªs pudessem ainda ponderar estas razões.

A Sr.a Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Considero que a observação do Sr. Deputado José Magalhães é muito pertinente e tem a sua razão de ser. De facto, creio que a maneira como ele rodeou a questão, que me colocou, é de reter, mas gostaria de salientar que o PRD mantém a sua proposta só no estrito sentido em que se, eventualmente, ela puder vir a ser votada com o sentido contrário, nessa altura, tomará os cuidados e as precauções devidas para a retirar em tempo útil, pois não pretende que, relativamente a esta questão, a recusa de uma proposta deste tipo possa conduzir a uma situação e a uma interpretação de sinal contrário.
Deste modo, Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe que a ponderação está a fazer-se e se, efectivamente, nos virmos obrigados..., ou melhor, se a situação, que V. Ex.ª referiu, se colocar de tal modo que o PRD tenha de pôr à votação esta proposta e se verificar que ela pode vir a ser rejeitada, nessa altura, o PRD em tempo útil retira-la-á, porque não quer que aconteça o que poderia vir a acontecer, nomeadamente criar ou excitar essa hipersensibilidade, e, muito menos, eventualmente, contribuir para que as votações e as decisões da Assembleia da República possam vir a indiciar um comportamento contrário àquele que pretendemos e que apesar de tudo, pensamos que está subjacente no espírito de todos os Srs. Deputados, embora não esteja expressamente consagrado, em letra de forma, no texto constitucional.

A Sr.a Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr.a Presidente, Srs. Deputados: Não vou repetir as considerações que a minha colega de bancada, a Sr.a Deputada Assunção Esteves, já há pouco teve oportunidade de expender, designadamente no que respeita à forma como na proposta de revisão da Constituição foi resolvido o problema do Tribunal Constitucional, que me parece que se traduz num passo em frente significativo. Também não vou atardar-me naquilo que foi a consignação do Supremo Tribunal Administrativo e da competência material dos tribunais administrativos e fiscais e da definição que foi dada, que empresta a devida relevância às relações administrativas e fiscais, o que, a meu ver, significa um passo muito significativo em frente.
Penso, aliás que este título dos tribunais representa, efectivamente, no ponto de vista do aperfeiçoamento que a revisão lhe veio dar, um dos momentos mais conseguidos e consensuais da revisão da Constituição, pelo que me vou limitar ao problema do Tribunal de Contas. E vou fazê-lo tentando, na explicação que vou dar, ser o mais objectivo e sereno possível.
Como VV. Ex.ªs estarão recordados, existe um projecto que contém uma proposta em que se consigna que o Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade financeira e a correcção económica da gestão financeira do Estado, incluindo os seus serviços, à qual se contrapõe a ideia de que o Tribunal de Contas é o órgão de fiscalização da legalidade das despesas.
A propósito desta matéria tem-se gerado uma acesa discussão que, infelizmente, teve como participantes algumas entidades que, pelo menos, não deveriam ter permitido que as suas opiniões extravasassem para a opinião pública, o que veio...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está a censurá-las?

O Orador: - ... V. Ex.ª fará os seus comentários depois! Deixe-me explanar o meu raciocínio.
Como dizia isso veio a criar algumas dificuldades adicionais que não melhoraram a clareza com que o problema deveria ser tratado.
Em minha opinião, a redacção a que se chegou dizendo-se que «o Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e do julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe, competindo-lhe nomeadamente (...)» - e depois refere algumas designações - pode, se entendermos como devemos entender este juízo de legalidade não em termos estritos de um mero juízo de subsunção mas como abrangendo aspectos de mérito, satisfazer as preocupações que estavam por detrás daquilo que era correcto pretender, quando se falava nos problemas da correcção e da eficiência das despesas públicas.
Isto é, temos de encontrar uma expressão que permita traçar, com nitidez, a diferença e a fronteira entre aquilo que é um juízo já político, que não cabe ao Tribunal de Contas realizar, e aquilo que é um juízo acerca da eficiência da Administração, da regra da proporcionalidade, da maneira como as despesas públicas são feitas em função das suas finalidades, tal como foram definidas pela lei e pelo Orçamento do Estado.
E o estabelecimento dessa fronteira reproduz, de algum modo, uma questão que já, há muito tempo,

Página 4145

23 DE MAIO DE 1989 4145

tem vindo a ocupar por exemplo, a doutrina e a jurisprudência italiana e que é a distinção entre a legalidade e o mérito...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E também a doutrina portuguesa com o Professor Rogério Soares!

O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado, tem toda a razão, com o Professor Rogério Soares, na obra Interesse Público, Legalidade e Mérito, onde se transpôs esse problema para a doutrina portuguesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em 1956!

O Orador: - Em 1956, tem toda a razão, Sr. Deputado Narana Coissoró!
Mas, agora, deixando de parte o problema do interesse público, utilidade e mérito, interessa reflectir no facto de que quando, hoje, em Portugal, se fala em problemas de legalidade, uma vez que a legalidade não é insensível à evolução histórica, temos certamente, de atender a outros critérios diferentes dos que eram pensados para a legalidade, designadamente nos anos 50 e 60. Aliás, é o que, claramente, resulta, compulsando o artigo 266.° da Constituição, onde se fala nos princípios que regem a Administração Pública, e que agora se vai acrescentar, se for aprovada a proposta da CERC, onde se fala nos princípios da igualdade e da proporcionalidade como princípios fundamentais da Administração Pública, o que denota, claramente, que, nessa matéria da legalidade, não estamos em presença de uma legalidade estrita e seca, do ponto de vista formal, e ela é enriquecida por outros critérios que permitem garantir princípios, tais como o da eficiência, o da formalidade, o da personalidade e o da justiça.
Isto significa, por consequência, que quando falamos na fiscalização da legalidade, não estamos apenas a ver um juízo de subsunção entre aquilo que está formalmente descrito na lei e aquilo que está formalmente descrito nas contas submetidas à fiscalização do respectivo tribunal, mas temos de atender à legalidade substantiva que inclui aspectos que, outrora, eram considerados historicamente como extravasando da legalidade e pertencentes ao mérito.
Eram este aspectos que gostava de referir para se compreender na sua verdadeira dimensão a proposta que é submetida à apreciação da Assembleia em matéria do artigo 219.°
Com efeito, não contestamos que o Tribunal de Contas tenha de ajuizar problemas de proporcionalidade, problemas relativos à eficiência e à correcção das despesas, na medida em que eles ainda sejam subsumíveis no conceito de legalidade, mas pensamos que o Tribunal de Contas extravasaria dos seus poderes de cognição se lhe fossem atribuídas competências de fiscalização que viessem a permitir um juízo de carácter político, isto é, um juízo que, de algum modo, lhe permitisse ponderar outras finalidades ou dar um peso diferente a finalidades que foram disciplinadas pela lei ou pelo Orçamento do Estado.
Nestas circunstâncias, pensamos que o artigo 219.°, na nova redacção, se for correctamente interpretado, satisfaz as pretensões razoáveis daqueles que querem ver o Tribunal de Contas como um órgão dinâmico e aproximá-lo dos Tribunais de Contas dos restantes países da Comunidade, e não tem os inconvenientes da confusão criada por uma fórmula que, à primeira vista, pareceria permitir que o Tribunal extravasasse do que um tribunal tem de fazer, que é a apreciação do cumprimento da lei.

A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Rui Machete, V. Ex.ª trouxe aqui para o debate, no âmbito da matéria relativa ao Tribunal de Contas, a classificação dos actos fiscalizandos sob o ponto de vista da legalidade e do mérito.
Em toda a questão do mérito, tal como se discute na doutrina e tem vindo a ser consagrado tentativamente na nossa lei, coloca-se o problema de restringir o âmbito da discricionaridade, isto é, a doutrina do mérito surgiu para restringir o campo da vigência da discricionaridade, trazendo-a para o campo de analogia com a legalidade, para não misturar com a legalidade, já que são dois campos diferentes, e sujeitar ao mesmo tratamento da legalidade parte do que tradicional e historicamente era considerado como actos discricionários. E em função de quê? Em função do fim visado. Isto é, o acto desde que esteja fora do fim visado pelo legislador, como os poderes discricionários foram dados para atingir um determinado fim, se não preencherem esse fim, estarão censurados pelo mérito. Fora disso apenas ficam os actos políticos quae tale.
Quando V. Ex.ª vem dizer que os actos de mérito não são fiscalizáveis pelo Tribunal de Contas, está a querer restringir ainda mais o que agora está consagrado na Constituição. Isto é, V. Ex.ª quer restringir a função do Tribunal de Contas aos meros actos vinculativos, aqueles actos em que a legalidade se aplica, deixando de fora todo o problema da discricionaridade em função do fim último visado pelo legislador e em função dos quais foram dados os poderes discricionários à Administração.
Se o meu entendimento não está correcto, gostaria que explicitasse serenamente o seu pensamento para sabermos onde e quando é que os actos discricionários serão censurados pelo Tribunal de Contas e quando é que eles estarão fora da competência do Tribunal de Contas.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, creio que V. Ex.ª fez uma tentativa de, neste ponto, dar à Constituição uma interpretação hábil. A questão está em saber se esta é a hora das interpretações hábeis ou se não seria melhor optar por clarificações frontais.
Senão repare, Sr. Deputado: sob a vigência do texto actual já os comentaristas e anotadores vinham entendendo que o texto constitucional comportava uma leitura mais abrangente. Por exemplo, no texto da Constituição da República, anotado por Gomes Canotilho e Vital Moreira, sublinha-se, a propósito deste artigo, que «a fiscalização da legalidade das despesas públicas consiste tipicamente na verificação da conformidade legal do acto gerador da despesa e do cabimento orçamental desta é, tradicionalmente, é realizada, preventivamente, através do visto prévio». E a seguir adita-se

Página 4146

4146 I SÉRIE - NÚMERO 85

«pode também questionar-se se o conceito de legalidade das despesas pode ser alargado de modo a abarcar a apreciação da justificação económica da despesa, ou seja, de economicidade nos termos da doutrina».
Sucede que nós fizemos a experiência: a Assembleia da República, por unanimidade, aprovou a inclusão, num dos Orçamentos do Estado, de um dos anos pretéritos, de uma norma que apontava para a fiscalização da economicidade das despesas de um ministério que, singularmente, era o Ministério da Justiça. E o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre esta matéria, entendeu que essa leitura não tinha cobertura constitucional. Na sequência disso, aparecem propostas de diversos partidos no sentido de formar inequívoco que o juízo a emitir pelo Tribunal de Contas há-de poder ser mais lato do que apenas o juízo sobre a verificação da conformidade legal no sentido estrito.
Estamos colocados perante uma encruzilhada. Em sede de lei ordinária, há propostas conhecidas que são extremamente restritivas; em sede constitucional desejaríamos o quê? Um sinal! Um suporte literal inequívoco para que o legislador ordinária possa - e, desejavelmente, deva - estabelecer formas de controlo mais lato do que as que se cifram unicamente na fiscalização da legalidade entendida de fornia restrita.
O que pergunto ao Sr. Deputado Rui Machete é se o PSD está disponível para incluir na Constituição abundante de suporte literal para que a interpretação que V. Ex.ª acabou de produzir, e com a qual estou de acordo, possa ser absolutamente incontestável.
De contrário, V. Ex.ª repare: podemos todos nós, porventura, os deputados de todas as bancadas, fazer a melhor das interpretações possíveis, só que o grau de efectivamente, a garantia constitucional assim propiciada será frágil. Faríamos todos, um pouco, uns, o papel de ingénuos e, outros, um papel, porventura, mais negativo, o que não quereríamos a título algum.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Começando pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, penso que ou não me expliquei bem ou fui mal interpretado. A minha ideia é, obviamente, que o conceito de legalidade abranja os problemas da discricionaridade. Nessa distinção entre actos vinculados e actos discricionários, como em um certo momento fez eco no Direito Administrativo, não pode esquecer que quer uns quer outros são sempre vinculados e sempre discricionários. Portanto, toda essa problemática, que num determinado momento e num certo sector, designadamente na doutrina italiana, foi entendida em termos de mérito como um contraposto à legalidade, não tem sentido no direito português. Aliás, a tentativa do Dr. Rogério Soares foi justamente - e a meu ver muito bem - no sentido de fazer essa demonstração. V. Ex.ª teve razão em chamá-lo à colação, porque foi a primeira pessoa que colocou esse problema - de certo modo, o Dr. Afonso Queiró já o tinha colocado a propósito do poder discricionário - numa outra perspectiva e num outro sector.
Assim, gostaria de deixar bem claro que, na minha perspectiva, a legalidade não abranje o que, no contencioso francês, se chama a plena jurisdição e que também é um outro sentido do mérito no direito italiano. De facto, ela não abrange esse aspecto, está fora dela. Mas a análise de problemas de proporcionalidade, de eficiência, de correcção, desde que tenham sido recebidos no ordenamento jurídico, cabe dentro da legalidade, portanto, cabe dentro dos poderes de cognição do tribunal. Assim, não se trata de uma restrição, pelo contrário, trata-se de um alargamento.
E, uma vez mais, gostaria ainda de sublinhar que, em termos da sensibilidade jurídica que se vai tendo aos problemas e à maneira como os intérpretes a vão recebendo e sentindo, estas fronteiras são móveis. Daí que muitas matérias, a que numa certa fase a jurisprudência era relativamente insensível, tornarem-se num objecto de ponderação, de análise e de decisão por pane da jurisprudência.
Neste sentido, penso que o que é necessário é não fechar, através de uma fórmula que se limite a uma fiscalização formal ou orçamental, isto é, em termos de verificar se a verba está ou não prevista, mas o que é necessário é alargar aos aspectos que são normais dentro de uma fiscalização da legalidade em termos modernos.
Acrescentei ainda, quando V. Ex.ª sinalizou os problemas do artigo 266.°, - e penso que o Sr. Deputado José Magalhães teve oportunidade de captar o sentido da minha tentativa de explicação muito sincera e muito clara -, a propósito dos princípios fundamentais, que estão lá consagrados aspectos que têm de ser compreendidos na legalidade e que mencionam problemas como o princípio da proporcionalidade ou o da justiça, agora na nova formulação, que espero a Assembleia consigne e que vem dar uma nota completamente diferente, em termos de base de análise, ao que o Tribunal Constitucional tinha, a meu ver erradamente, feito quando apreciou a matéria que V. Ex.ª teve oportunidade de citar.
Por que é que as fórmulas são relativamente tímidas? Porque houve a preocupação - e no contexto em que toda a discussão se desenvolveu é uma preocupação que podemos perceber, se é justificada ou não, essa é uma outra questão - de marcar nitidamente a fronteira entre aquilo que é a legalidade e aquilo que é um juízo político.
Efectivamente, quando se fala em correcção financeira sem mais, parece que se está a remeter para normas técnicas que não foram necessariamente recebidas no ordenamento jurídico, porque se foram passa a ser, naturalmente, um julgamento de legalidade.
Assim, procurou-se fazer um esforço no sentido de explicitar claramente o significado da proposta que subscrevemos. Penso tratar-se de um esforço bem intencionado e tecnicamente correcto que V. Ex.ª, em seu prudente critério, apreciará como entender.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr.a Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr.ª Presidente, nos termos regimentais, o PRD requer a interrupção dos trabalhos durante quinze minutos, uma vez que vai realizar uma conferência de imprensa.

A Sr.ª Presidente: - É regimental. Está concedido. Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Página 4147

23 DE MAIO DE 1989 4147

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de tribunais o conjunto das alterações que se encontram esboçadas, bem como as rejeições igualmente indiciadas revelam que ocorrerá uma alteração globalmente positiva.
No entanto, o pano de fundo é, quase, o pior imaginável! Grassa uma profunda crise na justiça, e se o Sr. Ministro da Justiça esteve ausente do último congresso extraordinário dos advogados portugueses, isso não é apenas uma coincidência. Há, por outro lado, um verdadeiro assalto governamental à fiscalização jurisdicional das finanças públicas, há, por toda a parte uma crise enorme do aparelho da justiça indesligável da incompetência supina e da incapacidade do Governo.
Neste contexto as alterações a introduzir não serão, como é óbvio, a alavanca de Arquimedes da melhoria da situação dos nossos tribunais, infelizmente! Antes o pudessem ser!
Por um lado, há, lamentavelmente, propostas recusadas, quer tendentes à restrição dos poderes dos tribunais militares, quer a assegurar uma melhor justiça em relação aos cidadãos, a assegurar a desburocratização,
a desconcentração, a descentralização da justiça e a penalizar o incumprimento das sentenças, que é particularmente chocante na área do contencioso administrativo. Aliás, este incumprimento clamoroso no que diz respeito às decisões do Supremo Tribunal Administrativo, verifica-se igualmente noutras áreas.
Lamentável também é a não consagração de garantias reforçadas da notificação dos actos judiciais, a não consagração expressa, explícita, clara, da dependência funcional das polícias em relação às magistraturas a não aceitação de algumas melhorias que seriam de grande utilidade no domínio da justiça do trabalho área essa em que o Sr. Ministro Fernando Nogueira, por pura facécia ou por caricatura, há dias declarava publicamente que «as coisas vão melhor»... (isto no momento em que o Governo aprova o «pacote laboral» e em que diminuem significativamente os meios ao serviço dos tribunais de trabalho!).
Neste ponto só podemos lamentar que a Constituição não seja melhorada ao arrepio do camartelo governamental, antes sendo mantida no seu estado actual,
que o Governo viola.

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Congratulamo-nos com o facto de estar indiciada a rejeição de uma das propostas mais graves que o PSD apresentou e que visava a governamentalização do Conselho Superior da Magistratura. A gula do PSD em relação ao órgão superior da magistratura judicial é inteiramente óbvia, e a resposta que tem tido é igualmente: evidente e, felizmente, satisfatória.
0 PSD não porá a mão no Conselho, Superior da Magistratura através da revisão da constituição! A sua proposta básica quando a este ponto foi rejeitada, não
só aqui na Assembleia da República como também publicamente, pela voz dos juizes portugueses expressa dignamente através, de diversas tomadas de posição.
O que vai acontecer, então? Vai acontecer que a Constituição será enriquecida neste ponto, por isso disse que era globalmente positiva a marcha e o balanço da revisão quanto ao título dos tribunais.
Desde logo, a Constituição vai ser enriquecida com uma norma sobre as formas não jurisdicionais de composição de conflitos, aliás, originariamente proposta pelo PCP; vai ser enriquecida por uma estabilização do contencioso administrativo, com a definição de regras mínimas aplicáveis aos respectivos tribunais administrativos e fiscais e aos seus magistrados, incluindo uma muito lata e correcta definição do que seja o próprio contencioso administrativos vai ser enriquecida com a definição que faltava, da competência dos tribunais judiciais, norma proposta pelo PCP; vai ser enriquecida com vários aperfeiçoamentos do estatuto constitucional.
Será garantida a autonomia constitucional do Ministério Público, o que é. extremamente importante e é um resultado profícuo da luta que os magistrados do Ministério Público vieram travando ao longo destes meses contra as tentativas de o Governo pôr a mão no Ministério Público. Consagra-se também a existência do Conselho Superior do Ministério Público em condições para as quais o PCP igualmente contribui. Cessará até a representação do Governo no Conselho Superior do Ministério Público.
Saudamos, portanto, como muito positiva estas alterações que, de resto, constavam, quanto ao primeiro ponto do projecto do PCP e que vieram a obter provimento em condições que nos merecem total satisfação.
Pratica-se lamentavelmente mais um passo no juricídio, isto é, na diminuição de competências do júri, suprime-se a alusão aos juizes populares mas, em contrapartida, prevê-se a extensão dos domínios de intervenção dos juizes sociais, aspecto com o qual o PCP só pode congratular-se.
Diga-se, por último, que se procede à redefinição do lugar constitucional do Tribunal Constitucional e a um conjunto de múltiplos aperfeiçoamentos do estatuto desse tribunal. A intenção da alteração é conhecida, o êxito do
intuito de pacificação que se pretende obter é ainda um mistério. Por vezes, aquilo que se pretende que tenha um sinal vem, na prática, a ter um sinal oposto. Daí a posição do PCP sobre esse aspecto. Mas, obviamente, associámo-nos a todos os aperfeiçoamentos do estatuto do Tribunal Constitucional, todos sem excepção, e isso parece-nos importante dado o papel desse órgão de soberania e dadas as funções que lhe são cometidas, importantes hoje e mais importantes ainda, sem dúvida, amanhã.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas alterações devem ser articuladas com outras que já foram introduzidas em matéria de direitos, liberdades e garantias que são, no fundamental, extremamente positivas, e com outras que serão adoptadas no que diz respeito às garantias dos administrados. Se esta revisão tem pontos negros e pontos brancos este é seguramente um dós pontos mais brancos.
Felizmente, não passaram as propostas «laranjas», designadamente aquela que referi tendente à governamentalização do Conselho Superior da Magistratura

Página 4148

4148 I SÉRIE - NÚMERO 85

e à instituição do segredo das audiências dos tribunais. Estas propostas não passaram, tal como as propostas do CDS que eram particularmente talassas e reacionárias, pois visavam um recuo na própria concepção do poder judicial democrático.
O resultado foi, pois, globalmente positivo e para o CDS particularmente desastroso porque viu as suas propostas deitadas para o caixote do lixo: lá estão, é o sítio que sempre mereceram. Felizmente, serão retiradas.
Temos, pois, Sr. Presidente, razões para nos congratular-mos, não porque estas alterações possam mudar assim com um estalar de dedos a face dos nossos tribunais que apodrecem mercê da gestão desastrosa do Ministro Nogueira e do Governo de Cavaco Silva, mas porque se alguma coisa pudemos fazer, fizemos isto e o que fizemos, sendo modesto, é positivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.a Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições para a discussão deste bloco de artigos, passaremos ao bloco respeitante aos artigos 229.° a 265.°

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr.a Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.a Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr.a Presidente, apenas para sugerir que, se fosse possível, cerca das 18 horas e 30 minutos, tivesse lugar uma conferência de líderes para avaliar o progresso dos nossos trabalhos.

A Sr.a Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputado Carlos brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr.ª Presidente, nós sugeríamos, caso se decida fazer a reunião de líderes, que ela tenha lugar de imediato, uma vez que, segundo creio, os blocos que vão ser discutidos ainda não estão distribuídos e desta forma pouparíamos tempo. Pela nossa parte, convinha-nos fazer essa reunião de imediato e não mais tarde.

A Sr.a Presidente: - Srs. Deputados, a conferência de líderes não interrompe a sessão que está a decorrer. Caso haja consenso quanto à realização, de imediato, da conferência de líderes solicito ao Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida o favor de me substituir por alguns momentos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O bloco de temas que vamos tratar de seguida englobam o Título VI relativo às Regiões Autónomas e o Título VII relativo ao Poder Local.
Pela minha parte começarei por uma intervenção relativa ao Poder Local deixando para momento posterior uma intervenção que será feita pelo meu colega Almeida Santos sobre as Regiões Autónomas.
Relativamente ao Poder Local direi que, é óbvio, este ponto da organização constitucional tem a ver com um pilar fundamental da organização do Estado democrático que são as autarquias, e por isso as soluções aventadas têm de, neste domínio, uma vez que há uma experiência vivida já com algum significado, ir ao encontro dessa experiência vivida já com algum significado, ir ao encontro dessa experiência e da necessidade de vitalização de alguns órgãos que ainda não estão vitalizados.
Para começar na apresentação das propostas do PS direi que as soluções que foram delineadas na CERC são, em nosso juízo, significativamente positivas, mas antes de falar nas alterações mais significativas, começarei por fazer referência a dois ou três aspectos que, embora de menor importância, constituem uma mudança no ordenamento constitucional.
A proposta do PS relativa à alteração da designação de «consultas directas aos cidadãos eleitores» por «referendo» não obteve acolhimento, mas creio que bem andaria a Câmara se retomasse essa alteração que é puramente nominal, pois a partir do momento em que está consagrado o referendo nacional justifica-se que ela seja aceite porque não altera, a nenhum título, a ideia de referendo local. Aliás, aproveito a oportunidade para lembrar que já está preparada, em sede de comissão especializada, a solução final legislativa para votação na especialidade do referendo local e penso que esta seria a oportunidade para darmos sequência a essa solução legislativa que, além do mais, tem uma grande margem de consensualidade e que, neste momento, pode ser traduzida a partir da solução maior que é o referendo nacional.
Uma outra alteração ainda circunstancial, e a esse título de menor importância, é a que propomos no que respeita à substituição das organizações populares de base por organização de moradores que, sem prejuízo das restrições do artigo 290.° que respeitamos, devem ser, numa versão actualista, consagradas como organização de moradores.
É também uma alteração de natureza sistemática, a muitos títulos irrelevante por o ser exclusivamente, a que é feita quando ao artigo 249.° no que respeita à adenda ao mesmo número da criação e extinção dos municípios, da constituição de associações e federações e da participação das autarquias nas receitas dos impostos directos. Aqui nada se inova, nada se altera, apenas se articula de modo diverso.
Alteração relevante começa por ser já, pelo menos a alguns títulos, aquela que é delineada com a eliminação do conselho municipal. O conselho municipal e o conselho regional são afastados nesta Revisão Constitucional, a nosso ver bem, uma vez que a experiência que foi aberta em 1982, com a sua consagração como órgão a título facultativo, foi feita - e este pareceu ser o entendimento generalizado - à espera da sua revitalização ou da sua extinção. Foi, pois, um compasso de espera que foi dado ao conselho municipal.
A experiência e a prática estão a mostrar, até prova em contrário consistente - que, aliás, nunca foi feita apesar de várias interpelações nesse sentido - que o conselho municipal é um órgão residual ao qual não fazemos hoje mais do que passar uma declaração final de existência. Aliás, ao mesmo tempo que a revisão da Constituição de 1982 admitia a sua existência facultativa abria-se espaço ao mecanismo participativo do referendo, que agora devemos incrementar com maior proficiência. Devo lembrar que este mecanismo abria a possibilidade que a consulta do conselho municipal,

Página 4149

23 DE MAIO DE 1989 4149

nem era esse o seu âmbito e objecto, não conseguiu realizar.
Uma situação que se mantém é a que respeita, e a nosso ver bem - e nesse sentido tivemos que nos opor a posições contrárias, quer do CDS quer do PSD -,
à composição da câmara municipal. Opusemo-mos ao projecto do CDS que apelava ao sistema maioritário, com as distorções que esse sistema maioritário, com as
distorções que esse sistema releva e significam, uma vez que não permite pela sua natureza o pluralismo da participação nesse órgão executivo e ao projecto apresentado pelo PSD que visava a criação de maiorias absolutas com uma bonificação para garantir a maioria absoluta ao partido mais votado. Essa solução é discrepante, - distorcida dos mecanismos naturais representativos, e por isso mesmo viola o princípio democrático da proporcionalidade.
É, no entanto, no que respeita às regiões administrativas quanto à sua criação e suas competências que são dados os passos mais significativos no âmbito da regionalização. A esse nível, creio que é justo e adequado começar por dizer que a questão mais importante que se coloca relativamente às regiões é a sua institucionalização concreta, isto é, a criação efectiva das regiões. Esta é uma exigência fundamental do Estado democrático, de um Estado descentralizado, de um Estado participado e é até, se quisermos, uma exigência fundamental de um Estado que se quer pessoa de bem e que quando inscreve nos seus objectivos constitucionais uma determinada organização deve realizá-la.
Neste domínio mantivemos o princípio da criação simultânea das regiões administrativas, isto no estrito sentido em que as regiões administrativas quanto à sua delimitação geográfica, competência, poderes e funcionamento, devem ser delimitadas e definidas em lei abstracta geral e simultânea.
Este princípio está no nosso projecto de Revisão Constitucional, é o princípio que está na Constituição actual vigente, e não foi por causa dele que as regiões deixaram de ser criadas. Este princípio, em si, não é um obstáculo à criação de regiões!

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Então não é?

O Orador:- Pelo contrário o obstáculo que existia neste domínio afastámo-lo quando admitimos que a - lei abstracta -, que cria em simultâneo as regiões, não está dependente da consulta prévia das assembleias municipais. Mantivemos, neste domínio, o princípio constante da Constituição, ou seja, o facto de esta lei abstracta inicial poder estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada região. Aqui não se inova, consagra-se um direito à diferença regional já contido na Constituição que é um princípio de igualdade de tratamento de regiões diferentes.
Por outro lado, e nisso fomos acompanhados, removemos a exigência da correspondência das regiões administrativas e das Regiões-Plano. Estas últimas constituíam, aliás, um entrave à regionalização. Sempre foi assim invocado, uma vez que à revelia do melhor entendimento constitucional, estas regiões plano eram concebidas como regiões de âmbito tecnocrático e não como aquilo que deveriam ser: instrumentos adequados à participação das regiões na elaboração do plano regional.
Mantivemos, ainda, a exigência explícita, da institucionalização concreta de cada região ser, feita por lei, indo ao encontro da proposta do PSD neste domínio e, a esse nível, esta institucionalização concreta por lei é uma inovação que nos parece adequada -, mas mantendo-se ainda a fórmula constitucional vigente do voto favorável da maioria das assembleias municipais, que representem a maioria da população da área regional. Exige-se, aqui, um voto positivo das assembleias municipais e já não, como estava inicialmente previsto, uma espécie de veto das assembleias municipais para a criação da lei abstracta regional.
Em conclusão, podemos dizer que neste domínio removemos alguns dos obstáculos normativos à implementação das regiões. 15to é, não há regiões-plano, não há consulta prévia das assembleias municipais; passam a existir duas leis, uma em abstracto e outra em concreto.
Alguns destes pontos resultam, obviamente, de um encontro em termos de acordo de revisão com o Partido Social-Democrata.
Relativamente às atribuições as regiões, foram dados passos significativos, pois além de se manter tudo o que estava no texto constitucional vigente, ou seja, a competência atribuída às regiões de participar na direcção dos serviços públicos e coordenar o apoio à acção dos municípios, frisou-se agora, de modo muito nítido, que essa coordenação dos serviços públicos e o apoio à acção dos municípios será feito sempre na salvaguarda da sua autonomia e sem prejuízo dos seus poderes. 15to é, os poderes das regiões administrativas provirão necessariamente da solução devolutiva do Estado central e não à custa da avocação de competências do município, alargando-se significativamente o seu poder no que diz respeito à planificação, ou seja, as regiões não se
limitam já a participar na elaboração dos planos regionais mas elaboram, elas próprias, esses mesmos planos e participam na elaboração do planos de desenvolvimento económico e social de médio prazo.
Esta alteração é, de facto, muito significativa porque implica a participação das regiões em dois níveis: elaboração do seu plano Próprio, competência que não tinham, e participação na elaboração do plano nacional de desenvolvimento.
A mesma proposta foi alcançada, também, em sede de acordo de revisão e foi, obviamente, uma conquista significativa do Partido Socialista, uma vez que, neste domínio, o Partido Social-Democrata abolia, em termos regionais, tudo o que tivesse um halo mínimo, sequer que fosse, a planificação.
Por último, é ainda relevante a alteração da composição da assembleia regional. Com efeito, desde logo, no nosso projecto, considerávamos e consideramos um risco a forma como estava definida a composição dual da assembleia regional.
Assim, a Constituição consagrava um conjunto de membros da assembleia eleitos directamente e um outro conjunto a serem eleitos pelas assembleias municipais,
sem se definir de que modo, podendo permitir que, perversamente, se pudesse chegar a um entendimento em que esse modo levasse a que fossem as maiorias que
se escolhessem a si próprias.
A proposta que tínhamos era uma proposta radicalmente diversa, pois considerávamos que deveríamos corrigir o que estava na Constituição vigente - e outros não o propuseram - e nesse sentido deveriam ser eleitos directamente todos os membros da assembleia regional.

Página 4150

4150 I SÉRIE - NÚMERO 85

O Partido Social-Democrata entendia que os membros da assembleia, aqueles que eram eleitos pelas assembleias municipais (os eleitos indirectamente), o deveriam ser entre si e pêlos presidentes das assembleias municipais. Porém, a solução a que chegámos não é a nossa solução, mas é, de qualquer modo, uma solução que decorre do actual texto constitucional, com precisões que consideramos positivas. Isto é, a assembleia continua a ser formada de modo dual, pêlos membros eleitos directamente, e aqueles que o são indirectamente são-no pelo sistema de representação proporcional pelo colégio eleitoral dos membros das assembleias municipais da mesma área designada por eleição directa e não participam nesse colégio, naturalmente, aqueles que fazem parte das assembleias municipais por inerência, que são os presidentes das juntas.
Em suma, esta é uma solução híbrida que decorre do texto constitucional vigente, é uma solução mais cristalinamente democrática, mais cristalinamente participativa e a ela demos o nosso acordo.
Por último, gostaria de dizer que estas são, neste domínio, as mais significativas alterações que se verificam em termos das regiões administrativas. Podemos dizer que a nível da criação das regiões, não obstante as soluções contidas no acordo, nos mantemos fiéis à nossa proposta e ao nosso interesse, que é o interesse nacional, que é o interesse do Estado democrático. Esperamos que a Assembleia da República, em prazo curto, crie a lei de criação abstracta das regiões administrativas e, embora isso não decorra do acordo da revisão, é do nosso projecto, que continuamos a manter, que no prazo de um ano devem ser criadas as regiões administrativas. Aliás, neste domínio não temos qualquer reserva a que seja encontrada uma outra solução de eventual criação de regiões-piloto, sem prejuízo da solução contida no acordo de revisão, à qual estamos responsabilizados e a que damos o nosso voto.
Termino dizendo que a questão da regionalização é uma questão fundamental de Estado, é uma questão de urgência política, é uma questão decisiva não só para uma melhor solução integradora nos mecanismos da Comunidade, como necessária para um aprofundamento democrático, como, também, necessária para uma criação definitiva em Portugal da geografia da liberdade.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Alberto Martins, coube-lhe a tarefa, um tanto ingrata, de fazer a defesa das soluções a que se chegou, em termos de acordo PS/PSD, em matéria de regionalização.
Para lá de quaisquer comentários de fundo, de quaisquer incursões pelas diferentes áreas problemáticas, gostaria de me situar em dois terrenos apenas. Um primeiro, perguntando-lhe como concilia a defesa que fez da componente participativa, elementar ao exercício pleno da democracia, com a extinção dos conselhos municipais, que a prática, embora com algumas debilidades, provou serem um instrumento importante de conhecimento da realidade, e, paralelamente, com a extinção dos futuros conselhos regionais.
O segundo tem a ver com a circunstância de, em matéria de regionalização, o Partido Socialista ter aderido, de forma estrita, a urna tese de simultaneidade
que, a todos os níveis, adia um processo urgente para uma data completamente imprevisível, assim deixando nas mãos do PSD e, o que é mais, nas mãos do Governo do PSD e de certos lobbies de interesse obscuro, a não resposta adequada a um desafio que é nevrálgico enquando entendido como fecho de abóbada do próprio Estado democrático.
Nós sabemos que o PSD exaltou, mais ou menos em termos teóricos, as potencialidades da norma a que se aportou no articulado da CERC. Mas, entretanto, acabámos de tomar nota de uma disposição transitória que nos chegou à bancada e que, provavelmente, não é do conhecimento do Sr. Deputado Alberto Martins, na qual se preconiza, em termos ideológicos, técnicos, de solução normativa, um caminho inteiramente adverso. Isto é: um regresso a uma posição em que a cláusula de simultaneidade, longe de ser essencial, seria precludível de determinada forma e com toda a evidência.
Pergunto-lhe: a rejeição de uma norma transitória como esta que vem proposta, entre outros, pelo Sr. Deputado Armando Vara, não levará ao efeito perverso de, em estrita hermenêutica jurídica, se julgar que foi exactamente o seu conteúdo que o PSD, no acordo com o PS, quis liquidar?
Por fim, Sr. Deputado Alberto Martins, uma observação ainda. As consultas realizadas pela comissão própria desta Casa às assembleias municipais, no âmbito dos projectos de lei de regionalização que vinham sendo estudados por todos os grupos parlamentares, foram - a nosso ver, muito mal - deitadas para o caixote do lixo. Não considera, até por isso, que o entendimento da maioria de revisão e os preceitos que nos vêm propostos pela CERC podem legitimai um acto que, a todos os níveis, constitui uma ofensa às populações?

A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Alberto Martins, tarefa pesada como disse o meu camarada José Manuel Mendes, tarefa espinhosa, tarefa ingrata, tarefa chata, foi isso que coube a V. Ex.ª. Eu apenas gostaria que pudesse levar até ao fim esses seus trabalhos hercúleos, empurrando o pedregulho até ao cimo da ladeira em relação a mais alguns temas. E, desde logo, perguntava a V. Ex.ª qual o seu juízo sobre o saldo negociatório PS/PSD, em relação a este título. Repare: é verdade que é enjeitado o sonho do PSD de conquistar o chamado prémio de mais valia municipal ao qual o Professor Cavaco Silva dedicava as suas harpas no Campo Pequeno (vazio a metade), e fora do Campo Pequeno. Mas, além disso, foram também rejeitadas propostas de substancial importância como, por exemplo, as melhorias em matéria de tutela administrativa, as melhorias em matéria de poder regulamentar, as melhorias em matéria de garantias dos direitos das autarquias locais sobre o seu financiamento, - questão fulcral em relação à qual naturalmente se imporia um aperfeiçoamento da Constituição. Havia e há propostas nesse sentido do Partido Comunista Português e até, também, de outros partidos.
Porém em relação a tudo isso, o Partido Socialista adoptou uma postura de braços caídos. E na negociação com o PSD, que aconteceu? O PS passou a certidão de óbito aos conselhos em geral, a certidão de óbito às OPB`s (Organizações Populares de Base), enfim, concedeu aquilo que o PSD queria e, como o

Página 4151

23 DE MAIO DE 1989 4151

meu camarada José Manuel Mendes acabou de sublinhar, até não conseguiu fazer passar a regionalização.
0 exercício, o florilégio, o jogo de palavras que V. Ex.ª utilizou, gabando-se de o PS ter conseguido várias coisas, Sr. Deputado Alberto Martins, é uma tentativa ratée, falhada, «ratada», de dizer que o PS conseguiu o que não conseguiu! Não conseguiu quebrar a simultaneidade - não, não conseguiu! Não conseguiu garantir aceleração do processo de regionalização - não, não conseguiu! E, por último, peremptório largou a proposta de fixar o prazo de um ano para a instituição de regiões. Agora surge um texto que V. Ex.ª não subscreve - não sei se lhe deram conhecimento da sua existência antes da presentação à Mesa ou se V. Ex.ª fez uma intervenção inocente do conhecimento desta proposta de camaradas seus - mas que, finalmente, vai no sentido de ser introduzida uma norma transitória que admita que até à aprovação da lei de criação de regiões administrativas a Assembleia da República pode, por maioria de dois terços, aprovar a criação e instituição em concreto de uma ou duas
ou três ou mais regiões administrativas, desde - que obtido o voto favorável da maioria das assembleias municipais, que representam a maior pare da população da área regional respectiva. Mas isto não tem o acordo do PSD, é inviável!
Que é que V. Ex.ª pensa desta última tentativa e, sobretudo, qual é o seu juízo global sobre mais este «espalhanço» negocial do partido em cujas bancadas
V. Ex.ª se senta?

A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com atenção a exposição que foi feita sobre as alterações em matéria de regionalização,
porque, de facto, gostava de ver como é que ia ser explicado, aqui, ha Assembleia da República, aquilo que anda a ser dito sobre a posição do PS da Revisão Constitucional, no que toca à regionalização, quando confrontado com os documentos. E os documentos dizem isto, que me parece relativamente claro o Partido Socialista tinha apresentado, no seu projecto, uma proposta de alteração ao artigo relativo à criação e instituição das regiões administrativas, onde era feita uma nova redacção que omitia a expressão «simultaneamente».
0 Partido Socialista negociou com o PSD a reintrodução da expressão «simultaneamente» na nova redacção do artigo 256.º, n.º1. 15to é, o Partido Socialista conseguiu que a norma em relação à qual alguns encontravam alegadas dificuldades para progredir no processo de criação das regiões administrativas fosse reconfirmada em termos de o próprio Partido Socialista recuar da sua formulação em condições que, de alguma forma, sem grande abuso, se pode dizer que ajudam aqueles que querem criar obstáculos ao processo de regionalização. Mas simultaneamente, o Partido Socialista tinha uma outra norma que fixava um prazo de um ano para ser aprovada a lei de criação das regiões administrativas.
O Partido Socialista negociou essa norma, mas acabou por não conseguir introduzi-la.
A situação que temos é esta: o Partido Socialista conseguiu negociar com o PSD e fazer resultar da Revisão Constitucional normas que dificultam a criação das,
regiões administrativas. Não conseguiu negociar e introduzir na Revisão Constitucional as normas que a facilitavam. Afinal, como é isto Sr.Deputado? Então que é isso de andar aqui e ali a anunciar o empenhamento na criação das regiões administrativas - e bom seria que esse empenhamento- se traduzisse em factos - e, ao fim e ao cabo, - ir negociar com o Partido Social-Democrata precisamente uma norma que mantém tudo ra mesma e decair das normas que poderiam modificar a situação. Esta é ou não, objectivamente, uma situação em que entre - as palavras e os actos vai uma vergonhosa distância? Onde é os actos necessários à evolução da situação e à criação das regiões administrativas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Começo pela «vergonhosa distância» do Sr. Deputado João Amaral e por lhe lembrar, desde logo, que se tivesse estado mais atento às actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e ao que ali se passou teria sabido que o projecto do Partido Socialista mantinha a simultaneidade das regiões administrativas, conclusão que, aliás- o seu colega de bancada José Magalhães tirou imediatamente quando houve discussão na primeira leitura, quando diz (e cito) «essa interessante ambiguidade foi desfeita na primeira leitura que gera em militantes vossos a ilusão de que o PS é adepto da quebra da simultaneidade que foi desfeita na primeira leitura.
Portanto, na primeira leitura, na CERC, as dúvidas do próprio deputado José Magalhães foram tiradas. Assim, as dúvidas que permanecem no Sr. Deputado João Amaral são dúvidas serôdias e que podiam ser resolvidas numa simples conversa a dois com o Sr. Deputado José Magalhães. Aliás, devo dizer que esta questão da simultaneidade é muito interessante, e a respeito dela passo a ler a acta da CERC de 6 de Fevereiro de 1982,- que, em declaração do deputado Vital Moreira do Partido Comunista Português, diz o seguinte: «Se bem me recordo e interpreto a Constituição, o princípio da simultaneidade está posto - para garantir- que a regionalização se não faça de acordo com o oportunismo político das forças do poder num dado momento, evitando que se comece por regionalizar aquelas regiões onde o Governo tem apoio maioritário, deixando as outras a ser governadas por Lisboa.» Tais razões foram, na altura, tidas como boas.
Portanto, digamos, a regra da simultaneidade, o seu decair, seria um acto de oportunismo político, a seguirmos a interpretação hermenêutica de 1982 do Partido Comunista Português. Aliás, devo dizer que a ideia da criação simultânea é uma ideia que está no nosso projecto, tal como está a criação de conselhos consultivos ou, melhor - como está ho nosso projecto a eliminação dos conselhos consultivos. Aqui não há qualquer decair da nossa posição, foram consagradas soluções que desde o início defendíamos.
Por outro lado, as consultas que foram feitas às assembleias municipais, obviamente que mantêm o seu valor político de consultas, nada as inviabiliza enquanto consulta recolhedora de uma opinião democrática, mas a partir de agora elas não são um entrave à criação das regiões. Mantê-las, isso sim, é que poderia ser visto como um entrave.

Página 4152

4152 I SÉRIE - NÚMERO 85

Direi, por outro lado, que não foi tarefa ingrata a defesa desta matéria. A defesa da regionalização e das soluções que foram aqui delineadas é uma tarefa positiva, é um avanço significativo para o regime democrático. É mais fácil criar regiões, os mecanismos da sua criação estão liberalizados!
Acorre ainda que mantemos no nosso projecto - e mantêmo-lo muito claramente, outros se nos podem juntar se o entenderem - a ideia da criação de regiões no prazo de um ano.
No entanto, em prejuízo de mantermos o nosso voto da criação das leis abstractas no prazo de um ano, admitimos a possibilidade de camaradas nossos, porque somos um partido onde há pluralidade de opiniões, poderem votar, a título excepcional, por dois terços da Assembleia, a criação de regiões-piloto.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que fim?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, é para defesa da honra da bancada.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não podia deixar de considerar a afirmação feita relativa à evolução histórica das diferentes posições no que respeita ao princípio da simultaneidade. E também pedi a palavra para dizer uma coisa que é evidente: em 1982 as questões foram colocadas como foram, mas houve uma que foi claramente colocada: o Partido Comunista Português e o Partido Socialista foram favoráveis à introdução de uma norma que permitisse a criação de regiões-piloto. E a simples adopção dessa salvação representava na prática a derrogação do princípio da simultaneidade.
A evolução dos acontecimentos mostrou, de forma clara, o seguinte: mostrou que os partidos que pretendem criar obstáculos ao processo de regionalização invocam o princípio da simultaneidade para impedir a criação das regiões administrativas onde isso é possível. A questão que fica criada é, então, a seguinte: como é que é possível que o secretário-geral do Partido Socialista vá ao Algarve e diga, com clareza, que outros impedem a criação autónoma desta região, desta tão linda região do Algarve, quando aqui na Assembleia, é na prática, o Partido Socialista que mantém, defende e até justifica teoricamente o princípio da simultaneidade?
Sr. Deputado, será que a Constituição é a mesma, que a postura política é a mesma, quer se esteja em Lisboa ou em Faro?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está visto que não!

O Orador: - As posições que se assumem são ou não são diferentes aqui e lá? Então qual é, afinal, a posição do Partido Socialista? Eu respondo com clareza: a posição que o Partido Socialista tomou com eficácia política e jurídica não é a que foi divulgar aos microfones das rádios e aos jornalistas em Faro - a posição que tem eficácia é a que assume aqui neste debate da Revisão Constitucional!

O Orador: - Sr.ª Presidente, vou concluir imediatamente.
A posição do Partido Socialista é a que aqui assume: o PS é o defensor - pelos vistos solitário, porque deixa ao PSD o encargo de ficar calado - da errada posição que é assumida em sede de Revisão Constitucional no que toca ao processo de regionalização. Por isso é o responsável da situação de bloqueio que se venha a manter.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado: Continua a haver uma confusão que o Sr. Deputado e o Partido Comunista continuam a fazer entre definição legal abstracta das regiões - e fá-lo porque quer fazer - e criação concreta das regiões.
O próprio da simultaneidade é uma exigência da delimitação do Estado democrático para evitar que haja soluções residuais e contrapesos, para evitar que os que chegam primeiro avoquem direitos que são de todos, para evitar um desequilíbrio e pôr em causa o princípio da igualdade.
Mas para que isso seja alcançado sem o risco da dilacção no tempo, nós apresentamos, mantemos e defendemos uma proposta muito concreta que é a de o prazo de um ano para a criação da lei abstracta. Se essa proposta falhar...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que interrompa?

O Orador: - Só se for uma interrupção rápida, claro!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É só para lhe perguntar isto, Sr. Deputado: os senhores mantêm essa proposta, mas é ou não verdade que ao não a incluírem no acordo global que fizeram com o PSD a condenaram à morte?

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, todas as nossas propostas que não fizessem parte do acordo estariam, a não ser se houvesse a vontade dos outros partidos (a qual desconhecemos), condenadas a não ser votadas como qualquer proposta de qualquer grupo porque são precisos dois terços. Portanto, já foi aqui dito sobejamente que um acordo é global e têm de ser atendidas as contrapartidas positivas e negativas.
No caso da regionalização os avanços foram positivos, foram significativos. Esta proposta para que a regionalização se faça no prazo de um ano mantém-se, e se ela for derrotada como solução alternativa admitimos a proposta relativa à criação das regiões-piloto por uma maioria de dois terços com o objectivo, que até já foi apontado numa declaração do Partido Comunista em 1982, de obviar aos oportunismos políticos.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

Página 4153

23 DE MAIO DE 1989 4153

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr.a Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra para intervir sobre a temática da autonomia constitucional e democrática. Obviamente que é uma temática diferente daquela que se tem vindo a discutir, mas também tem prioridade já que é o Título VI da Constituição.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A autonomia política e administrativa dos Açores e da Madeira é um motivo de orgulho para Portugal e para a Revolução de 25 de Abril.
Essa autonomia possibilitou a expansão no todo nacional da idiossincrasia insular das nossas potencialidades, dos nossos recursos endógenos. A autonomia política e constitucional foi, de certa forma, a nossa libertação, já que possibilitou o arrancar de grilhetas que a ditadura fez impor aos insulares através de um centralismo feroz.
Por isso mesmo, e em boa hora, os nossos constituintes compreenderam a matriz histórica e reivindicativa das populações insulares e consagraram, de maneira nobre, um conjunto de princípios de autonomia política-administrativa que vieram dar corpo a doutrinas que tiveram mesmo uma grande intensidade e difusão no século passado em termos de defesa, inclusivamente neste Parlamento.
No que respeita àquilo que se considerou no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, obviamente que nem tudo o que se propôs - e que foi oriundo do meu partido a nível regional - teve consagração no texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Mas também é importante considerar que o PSD, através do seu projecto, não entendeu a autonomia como algo de estático, como algo fixista, como algo que não pode ser aperfeiçoado. E por isso mesmo inseriu no seu projecto algumas propostas que tiveram também a receptividade e até a correspondência noutros projectos de outros partidos e que possibilitou, por exemplo, uma plataforma de consenso relativamente ao artigo 229.° (poderes das regiões autónomas), possibilitando um reforço do poder legislativo da assembleia regional ou das assembleias regionais já que será possível a concessão de autorizações legislativas da assembleia da República à assembleia regional em matérias do interesse específico das regiões autónomas e que não sejam da competência própria dos órgãos de soberania e também a possibilidade das assembleias regionais poderem desenvolver leis de bases sobre matérias que tenham feição peculiar e específica nas regiões e que também não sejam da competência própria dos órgãos de soberania.
Obviamente que aqui houve um consenso, houve uma plataforma de entendimento também, na sequência, da auscultação de uma delegação pluripartidária da Assembleia Regional dos Açores. Mas também existem outras matérias que não estando ainda consensualizadas no texto da CERC podem eventualmente, ainda nesta Câmara e neste Plenário, merecer a atenção e o esforço conciliatório das diferentes bancadas.
Neste sentido, faço, pois, um rastreio breve dessas matérias apelando, desde já, a todas as bancadas para que se consiga ainda estabelecer uma ponte, um esforço conciliatório sobre elas.
Por exemplo, a questão da adaptação do sistema fiscal nacional às realidades específicas dos Açores e da Madeira através de uma lei-quadro da Assembleia da República, obviamente que o que pretendemos não é só aditar a todo um conjunto de impostos nacionais, um conjunto de impostos regionais, sobrecarregando o contribuinte insular que vive numa situação de insularidade notória e note-se que o Estado ainda não cobre totalmente aquilo que se entende por custos de insularidade, portanto a adaptação do sistema fiscal possibilitaria a flexibilização desse sistema tendo em conta realidades arquipelágicas que são notórias.
Também o artigo 230.° sob a epígrafe «limitação de poderes das regiões autónomas», cuja eliminação o PSD defende. Quero deixar bem claro que do ponto de vista dos deputados das regiões autónomas, nomeadamente dos Açores, consideramos acintoso, que se faça a insinuação na Constituição da República Portuguesa que os órgãos de Governo próprios das regiões autónomas podem impedir, vedar ou impossibilitar o livre trânsito de pessoas e bens oriundos do continente português.
E mais, consideramos também acintoso insinuar que possamos obstruir e até descriminar, no acesso à profissão, o cidadão português continental perante o cidadão português insular. Trata-se de um labéu de suspeição que recai sobre os açoreanos, que recai sobre os órgãos de Governo próprio e que devia ser atendido com princípios fundamentais de uma Constituição da República Portuguesa para todo o País e para todos os portugueses e não só para os portugueses insulares.

Aplausos de dois deputados do PSD/Açores.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Três palmas?

O Orador: - Três palmas, mas muitas palmas nos Açores e na Madeira, Sr. Deputado.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Faço também um apelo para que ainda se reflita sobre o artigo 232.° Trata-se da representação especial da soberania nos Açores e na Madeira, feita através de um ministro que se chama da república e que de maneira especial, atente-se nesta palavra «especial», representa a soberania nas regiões autónomas como se nós não fossemos portugueses com igual bilhete de identidade em relação aos outros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Ministro da República é proposto pelo Governo, mas é nomeado pelo Sr. Presidente da República. Pensamos que aqui há um hibridismo que convém resolver, porque pode ocorrer, hipoteticamente, que de amanhã o Sr. Ministro da República receba instruções do Sr. Primeiro-Ministro e à tarde receba instruções do Sr. Presidente da República. Ora isso quebra o princípio da confiança homogénea no Conselho de Ministros. Portanto, o cargo de Ministro da República - e isto está admitido, penso eu, pelo espírito que constatei na CERC, é um cargo de difícil conformação e difícil inserção na organização política do Estado português.
Por isso mesmo, nós avançamos com a proposta de extinção que alguns querem ver como mera conflitualidade institucional ou como mera perseguição pessoal. As questões de Estado, as questões de autonomia regional e as questões da articulação entre a soberania e o poder regional são muito mais importantes do que uma pessoa. Por isso mesmo, batemo-nos por ideias, por princípios e não estamos apegados a meras quezílias políticas.

Página 4154

4154 I SÉRIE - NÚMERO 85

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Consideramos inadmissível que, por exemplo, o cargo de Ministro da República seja o único cargo político que não tenha prevista a cessação das suas funções.
Em democracia, iniciam-se funções e cessam-se funções. Acontece como todos nós deputados, governantes, autarcas, Presidente da República: toda a gente sabe que tem um determinado período para exercer funções alguns dos quais, depois, se vão sujeitar ao veredicto popular para saberem se podem novamente, em caso de recandidatura, serem reinvestidos nessas funções. Pois, com o Sr. Ministro da República, pode cair o Governo, pode cessar funções o Sr. Presidente da República que ele lá está, é uma espécie de «sempre em pé», vitaliciamente a exercer as suas funções.
Somos contra o carácter vitalício do cargo de Ministro da República, por isso mesmo entregamos na Mesa uma proposta tendente a limitar temporalmente essas funções a três anos e subscrita pêlos Srs. Deputados do Círculo Eleitoral dos Açores. E porque é que o fizemos? Porque ainda não se conseguiu um consenso nesta Câmara - e apelo a esse consenso -, para que as funções do Sr. Ministro da República coincidam com as funções ou do Sr. Primeiro-Ministro ou do Sr. Presidente da República. Agora o que não pode subsistir no texto constitucional é que o Sr. Ministro da República uma vez empossado possa exercer funções, sem cessação prevista, fazendo lembrar um resquício de governador colonial nos Açores e na Madeira.

Aplausos de alguns deputados do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já não havia, já não havia!

O Orador: - Sr.a Presidente, Srs. Deputados: Para terminar vou debruçar-me sobre o artigo 236. °-A - círculos eleitorais ao Parlamento Europeu. Relativamente a este artigo, também fizemos uma proposta sobre a qual nos batemos com ênfase, com entusiasmo e com a noção da razoabilidade dessa proposta.
Consideramos que não basta apregoar-se aos quatro ventos que as regiões agora ditas ultraperiféricas têm de ser apoiadas, têm de ser acarinhadas, que a Comunidade Económica Europeia tem de olhar para elas com uma atenção reforçada. E o que é que nós fazemos no Estado português reforçada. E o que é que nós fazemos no Estado português em favor dessas regiões? Uma prova prática de que se está, efectivamente, a apoiar as regiões ultraperiféricas é dar-lhe voz nas instâncias comunitárias.
É, aliás, esta proposta que aqui se avança: possibilitar que os interesses das regiões autónomas possam ser, digamos, interpretadas no Parlamento Europeu através de um deputado eleito por essas regiões e que constituiria assim um o círculo eleitoral.
Levantam-se questões que penso, podem ser resolúveis de proporcionalidade. Mas o que é que não é mais importante? Não é possibilitar num âmbito das regiões autónomas um amplo debate democrático sobre quem poderá melhor representar essa região no Parlamento Europeu do que utilizar expedientes internos dentro dos nossos partidos e que, em boa verdade, prejudicam a noção de democracia que temos de dar ao povo português?
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Este conjunto de propostas são, de certa forma, o âmago e o cerne das preocupações que ventilei na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Outras achegas, outras opiniões serão certamente dadas à luz do projecto de lei n.° 10/V, pelos meus colegas da Região Autónoma da Madeira.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Este conjunto de alterações são o meu barco e o meu sonho: o meu barco porque vão possibilitar um rumo de autonomia política constitucional em mares calmos, tranquilos e pacíficos, rumo ao progresso, rumo ao desenvolvimento e à livre expressão da nossa cultura no todo nacional; e ao meu sonho porque, quiçá, estas propostas ainda não merecerão consenso da Câmara, nesta Revisão Constitucional, mas também daqui a cinco anos cá estaremos para repeti-las e, quiçá, também para vencermos.

Aplausos do PSD.

A Sr.a Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos César e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos César.

O Sr. Carlos César (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Mário Maciel: Solidarizo-me com V. Ex.ª na consideração de que a autonomia
político-administrativa das regiões insulares constitui uma decorrência do Estado democrático e que introduziu enormes benefícios ao desenvolvimento dessas Regiões Autónomas.
A autonomia também tem, e teve, o seu aspecto inverso, que foi o de criar fenómenos de subcentralismo de formas, ainda que mais mitigadas, de extravio do erário público, de clientelismo e de uma interdependência exagerada entre os agentes económicos, os cidadãos, a administração e os empregadores que chantagiou essa forma de relacionamento dentro das próprias regiões.
Mas a opinião pública regional também se organizou à custa da organização institucional da autonomia e pôde responder nas últimas eleições superiorizando--se a essas condicionantes.
Em relação à sua intervenção, Sr. Deputado Mário Maciel, gostaria, no entanto, de registar o seguinte: em primeiro lugar, V. Ex.ª sabe tão bem quanto eu que um dos «três partidos regionais» de que se compõe o seu partido político é que está a obstruir neste momento a consagração da capacidade da Região Autónoma dos Açores para legislar em matéria fiscal.
É porque um dos três partidos regionais que compõem o seu partido não está de acordo com a consagração constitucional dos direitos da Oposição nas regiões autónomas que essa questão não está a ter o seu desenvolvimento adequado no novo texto constitucional. Trata-se, obviamente, do terceiro partido regional - o PSD/Cavaco ou o PSD/continente, se se preferir uma designação geográfica para o efeito.
Em segundo lugar, gostaria de dizer a V. Ex.ª que as suas considerações, quer sobre a existência institucional do Ministro da República, quer sobre o artigo 230.°, têm muito a ver com aquilo que os dois partidos regionais do PSD, o dos Açores e o da Madeira, têm sobre esta matéria. Ou seja, eles têm, e com alguma justeza, uma consciência muito pesada que

Página 4155

23 DE MAIO DE 1989 4155

tem a ver com as suas malfeitorias ao longo da institucionalização desse regime. Não devem ter da ideia de normas que enquadram os poderes legislativos regionais e a situam no âmbito do Estado português uma ideia de perseguição e de contenção das vossas malfeitorias, necessariamente.
Em terceiro lugar, em relação à proposta que diz ter entregue na Mesa sobre a cessação do mandato do Sr. Ministro da República, gostaria de dizer que ela é compreensível porque representa, com toda a justiça, a posição, que deve ser garantida nesta Assembleia da República, de o fazer cessar de alguma forma, mas ela não é o meio termo, porque, nesta matéria, no meio não há termo nenhum.
De duas uma: ou V. Ex.ª vota a favor do termo do mandato do Ministro da República, que tem a ver com a tentação hegemónima e governamentalizadora dessa figura de instituição de um governo paralelo nos Açores, que o seu partido, o terceiro partido regional - o PSD/continente -, apresentou ou V. Ex.ª legitima a posição do Ministro da República como representante da soberania, figura, aliás, que é nomeada e exonerada pelo Presidente da República e, nessas circunstâncias vota a proposta apresentada pelo Partido Socialista.
Pergunto, para finalizar: se V. Ex.ª não tivesse apresentado essa proposta, qual das duas votaria, a proposta do PSD, coincidindo com a cessação de funções do Governo, ou a proposta do PS, coincidindo a cessação do mandato com o termo do mandato do Presidente da República? Agradecia que me respondesse, dando conta dessa sua preferência.

Uma voz do PS: - De uma forma clara!

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Mário Maciel, há um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Mário Maciel (PSD): - No fim Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Mário Maciel, creio que um dos aspectos que mais prejudicou os debates na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e junto da opinião pública foi o facto de haver da parte do PSD, ou melhor dos PSD, uma duplicidade de linguagens e de posições nas questões respeitantes às autarquias regionais. Desde logo, VV. Ex.ªs aqui dizem uma coisa e na Região Autónoma dos Açores e da Madeira dizem outra.
Na Região Autónoma da Madeira, por exemplo, o presidente do Governo Regional, que como se sabe governa «em ditadura», deu-se ao luxo de publicar...

Protestos do PSD.

... no «Jornal da Madeira» um artigo subordinado ao tema «uma Revisão Constitucional medíocre», em folhetim (uma Revisão Constitucional medíocre, um; uma Revisão Constitucional medíocre dois; uma Revisão Constitucional medíocre, três...; até onze. Onze!) Num artigo com o título «A subserviência» disse coisas que quase tenho vergonha, pura e simplesmente, de reproduzir.

Protestos do PSD.

Quanto ao Sr. Dr. Jardim Ramos, presidente do grupo parlamentar, sobre a questão do Ministro da República, se eu pudesse injectar em cassette o que ele disse, diria qualquer coisa como isto:...
Neste momento, o Sr. Deputado José Magalhães liga um gravador e reproduz por palavra suas a gravação que ouve.

... «Os poderes do Ministro da República não vale a pena discutir porque já não existem na prática. É um dos pontos fundamentais...»

Protestos do PSD.

Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: O que este senhor se arroga o poder de dizer na «Antena 1», na RDP Madeira é que «o Ministro da República não vale a pena discutir» porque, pura e simplesmente, o PSD/regional se comporta como se ele não existisse. Passa-lhe por cima. É um fantasma! É um véu ténue! Eis um belo exemplo de como não se deve discutir, as autonomias que deviam ser tema pacificante, que deveria unir todos os portugueses, que deveria permitir que se estabelecesse um consenso nacional aperfeiçoador das autonomias regionais.
Pergunto ao Sr. Deputado Mário Maciel se, puxando da honestidade, que não lhe pode deixar de ser reconhecida, não admitirá que nesta Revisão Constitucional, se tudo correr segundo está indiciado, se vai obter uma clarificação muito substancial dos poderes legislativos das regiões autónomas, uma clarificação do seu direito de participação na elaboração de planos, a certificação do seu direito de estabelecer cooperação com entidades estrangeiras, e até a consagração constitucional da existência de um domínio público regional como forma especial de protecção de certas específicas riquezas regionais?
E mais: se VV. Ex.ªs enveredarem pela via do diálogo até é possível que consigamos estabelecer (não com um magneto aqui a funcionar debitando calunias produzidas num tempo de antena, pelo Dr. Jardim Ramos) soluções positivas em torno da questão da adaptação fiscal, dos direitos da Oposição na regiões autónomas, da designação do Ministro da República e do mandato do Ministro da República.
E gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado Mário Maciel, que pela nossa parte, Grupo Parlamentar do PCP, estamos inteiramente disponíveis para chegar a esse consenso.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A vossa disponibilidade não serve para nada!

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa que se encontram inscritos os Srs. Deputados Costa Andrade, Guilherme Silva, Cecília Catarino, Germano Domingos, Mário Maciel e Jorge Pereira.
No entanto, gostava de saber para que fim desejam usar da palavra. Começo pelo Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr.ª Presidente, inscrevi-me para responder aos pedidos de esclarecimento que me foram feitos.

A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Sr. Deputado Costa Andrade, para que efeito pretende usar da palavra?

Página 4156

4156 I SÉRIE - NÚMERO 85

A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Sr. Deputado Costa Andrade, para que efeito pretende usar da palavra?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, para exercer o direito de defesa da honra.

Sr.ª Presidente: - Essa figura tem precedência sobre a resposta aos pedidos de esclarecimento, mas gostaria de perguntar aos outros Srs. Deputados para que efeito pedem a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, para um protesto.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, não pode fazer o protesto, uma vez que o Sr. Deputado José Magalhães não fez uma intervenção.
Sr.ª Deputada Cecília Catarino?

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr.a Presidente, também gostaria de fazer um protesto mas, perante a resposta de V. Ex.ª, faço uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada. Sr. Deputado Germano Domingos, para que efeito deseja usar da palavra?

O Sr. Germano Domingos (PSD): - Para exercer o direito de defesa da honra.

A Sr.ª Presidente: - E o Sr. Deputado Jorge Pereira?

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, pedi a palavra para exercer o direito de defesa da honra, mas presumo que, entretanto, alguns dos meus colegas irão fazê-lo, porque o Sr. Deputado José Magalhães tem dito coisas perfeitamente inadmissíveis.

A Sr.ª Presidente: - Deduzo que o Sr. Deputado prescinde, se considerar que, entretanto, se tenha feito a defesa da honra da bancada.

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Com certeza, Sr.ª Presidente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: - Para que fim?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.a Presidente, gostaria de dar o seguinte esclarecimento: eu tinha dito que usaria da palavra para fazer um protesto e exercer o direito de defesa de honra comulativamente, mas...

A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Terá a palavra para esse fim.

O Orador: - Sr.ª Presidente, no entanto, reponho a questão e peço a palavra para uma intervenção.

A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, embora já estivesse inscrito para uma intervenção.
Para exercer o direito de defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em termos muito singelos, mas muito firmes, uso da palavra para defesa da honra da bancada e também, como é natural, das próprias instituições democráticas portuguesas.
O Sr. Deputado José Magalhães permitiu-se fazer uma acusação grave, que não pode passar sem o nosso mais vivo protesto. O Sr. Deputado José Magalhães disse, e penso que estou a interpretar bem o seu pensamento, que a Região Autónoma da Madeira é governada pelo presidente do Governo Regional em ditadura.
A Madeira é parte integrante do território português e está sujeita às normas constitucionais e às instituições democráticas, compete ao Sr. Presidente da República, nos termos do artigo 123.°, velar pelo funcionamento e garantia das instituições democráticas, nos termos do artigo 206.° compete aos tribunais reprimir a violação da legalidade democrática.
Portanto, se a acusação feita pelo Sr. Deputado José Magalhães foi uma afirmação consciente é extremamente grave porque envolve todos aqueles que têm a responsabilidade de zelar pela legalidade democrática, quer o Sr. Presidente da República, quer os tribunais, por isso não podemos acompanhá-lo.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se ainda o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, a questão da qualificação técnico-jurídico-po-lítico-constitucional do sistema em vigor na Madeira oferece, de facto, sérias dificuldades. Por um lado, poucos serão os que a achem fácil, salvo, talvez, o Dr. Alberto João Jardim, que de resto ele próprio não tem problemas em dizer que a falta ao Governo de Cavaco competência política estratégica - portanto, é sabido que usa facilmente palavras «grossas»...

Uma voz do PSD: - Grosso é você!

O Orador: - ... de segunda a sexta-feira e também ao sábado e domingo. Salvo o Dr. Jardim, toda a gente reconhece que os direitos dos partidos de Oposição são, na Madeira, objecto de asfixia constante e permanente. Veja-se, aliás, o que aconteceu quando aqui, na Assembleia da República, se quis consagrar expressamente alguns dos direitos próprios de partidos de Oposição.
Quanto ao Regimento da Assembleia Regional da Madeira todos sabemos o que é. É o contrário de um Regimento que obedeça a regras mínimas de funcionamento correcto e democrático e por isso a questão da sua declaração de inconstitucionalidade é uma questão em aberto.
A atitude do Governo Regional, em relação aos movimentos sociais e em particular aos sindicatos, é igualmente conhecida: prepotente, conflituante, restritiva...
O Sr. Deputado Costa Andrade foi extremamente «doce» e cuidadoso nas qualificações que usou. Aliás, não apostrofou a minha bancada com particular vigor

Página 4157

23 DE MAIO DE 1989 4157

porque sabe que tudo isto é verdade. Mas sabe mais: sabe e deixou de lado por completo as acusações políticas que fiz, relevantes e concretas, ao Dr. Jardim.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ditadura!?...

O Orador: - O Dr. Alberto João Jardim escreveu no «Jornal da Madeira» no dia 7 de Abril, coisas como estas: «Medíocre a Revisão Constitucional, em primeiro lugar, porque não só pactuante com o sistema político-constitucional vigente, que nunca foi referendado pelo povo português - nisto Pinochet é mais democrata que os partidocratas constitucionais - medíocre pela atitude de arrogância colonial assumida pêlos partidocratas de Lisboa.» Que tal acha, Sr. Deputado Costa Andrade? Sabe-lhe bem? Acha bem? Acha razoável?

Aplausos do PCP e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, já terminou o seu tempo.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Deputado interpelou-me, permita-me que o interrompa.

A Sr.ª Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr.ª Presidente, concluirei, então nas defesas da honra seguintes, que são muitas e estão em bicha os protestantes...

Risos do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para exercer o direito de defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Germano Domingos.

O Sr. Germano Domingos (PSD): - Senti-me particularmente ofendido pelo Sr. Deputado José Magalhães, como, aliás, tem acontecido com muitos Srs. Deputados durante o debate da Revisão Constitucional.
Penso que o Sr. Deputado José Magalhães poderia evitar entrar por esses caminhos, pois tem inteligência e bagagem suficientes para discutir a Revisão Constitucional noutros termos.
É a terceira vez que estou nesta Casa e estive duas vezes no Governo Regional; nunca me passou pela cabeça ouvir aqui, na Assembleia da República, o Sr. Deputado José Magalhães dizer que o Dr. Alberto João Jardim governava ditatorialmente. Conheço o Dr. Alberto João Jardim, estive com ele em várias reuniões dos dois governos, o dos Açores e o da Madeira, estive várias vezes na Madeira e devo dizer que isso não é verdade. Podem os partidos de oposição entendê-lo assim, estão no seu direito, mas daquilo que conheço do Dr. Alberto João Jardim...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito mal!

O Orador: - ..., gostaria de dizer, nesta Câmara, que não é verdade. O Sr. Deputado José Magalhães introduziu hoje aqui, nesta Câmara, uma cassette, um gravador de cassettes - tem-no feito várias vezes, como aconteceu agora mesmo. No entanto, gostaria de perguntar-lhe o que pensaria se eu amanhã trouxesse para aqui um pequeno televisor com os debates em que o Sr. Deputado participa, são vistos na Televisão, e lhe tirasse o som.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Germano Domingos, compreenderá V. Ex.ª que seja sucinto. Discutimos esta matéria pela quarta vez.As três primeiras vezes foram na CERC e de permeio aconteceram muitas coisas. Aconteceu, por exemplo, essa coisa quase inacreditável, que foi a «guerra das audiências», na qual obtivemos da parte do Governo Regional da Madeira um chorrilho de insultos, de que não há precedente, em relação à Assembleia da República. A CERC, serenamente, censurou, por unanimidade, talvez por alguns se terem ausentado da Sala, esta metodologia conflituosa no relacionamento com órgãos de soberania.
Devo dizer que não podemos retirar uma palavra que seja à crítica frontal que fazemos à fornia como o PSD/regional se comporta politicamente, porque é uma forma asfixiante das potencialidades de vida democrática, numa região que precisa, a todas a luzes, de mais Constituição e de mais liberdade e não do contrário, não precisa, seguramente, até, de outra Constituição e é isso que aflora no «pensamento político» do Dr. Alberto João Jardim, para lhe chamar assim.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - No pensamento quê?

O Orador: - Essa outra Constituição teria uma outra natureza, uma natureza que quebraria a própria lógica do Estado unitário. Não é só o conteúdo das inaceitáveis propostas, propostas que não têm acolhimento nem sequer do PSD/nacional. Repare, é preciso sublinhar isto: é a própria forma como elas são apresentadas que é condenável.
Veja, Sr. Deputado, o que é escrever num jornal -, em que de resto o Governo Regional tem monopólio e que usa abundantemente contra toda a oposição, pedregulho a pedregulho - coisas como estas: «Mais uma vez, (...)» - diz o Dr. Jardim - «(...) fomos ofendidos e secundarizados. A Constituição será quando muito a do continente e por coacção também a nossa. É falso que haja um consenso nacional entre os portugueses». Dizem-se coisas destas, Sr. Deputado, coisas que são da maior gravidade e depois disto vem-se aqui pedir atestados de bom espírito democrático. Sr. Deputado, paciência, não os podemos dar!

Vozes do PSD: - Muito fraco!

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Pereira mantém o pedido de palavra para exercer o direito de defesa da honra pessoal?

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sim, Sr.ª Presidente.

Página 4158

4158 I SÉRIE - NÚMERO 85

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - A defesa da honra pessoal é relativamente ao meu colega de partido Jardim Ramos, que foi aqui invocado ingloriamente. Aliás, indevidamente porque penso até que a pessoa em causa era o presidente do Grupo Parlamentar do PSD/ Madeira, o deputado Jaime Ramos...

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Mas não é Jardim Ramos!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O nome exacto é Jaime Ramos!

O Orador: - Confundir nomes é grave, Sr. Deputado.

O que o Sr. Deputado aqui fez foi pôr na boca do meu antigo colega Jardim Ramos afirmações que ele não proferiu. Acho isso grave e queria aqui rectificar.
Em segundo lugar, penso que, relativamente ao Ministro da República, pelo facto de ele lá estar e de fazer ou não alguma coisa, queria, pelo menos, perguntar: o Sr. Deputado José Magalhães diz que vivemos em ditadura - o que faz lá então, esse Ministro da República?

Risos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Pereira, gostaria de dizer que a pessoa a quem me queria referir era o presidente do Grupo Parlamentar do PSD, cujo nome é Jaime Ramos, e se não foi possível V. Ex.ª reconhecer a sua voz maviosa aqui, no sistema da Assembleia, é porque isso não é permitido, por uma interpretação do Regimento feita há pouco pelo Sr. Presidente. Lamento o lapso.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Se a Sr.ª Deputada desejar interromper-me, pode fazer o favor.

A Sr.ª Presidente: - Dentro dos dois minutos de que o Sr. Deputado dispõe.

O Orador: - Sendo assim, a Sr.ª Deputada vai ter de esperar para fazer a interpelação à Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, enquanto estiver no uso da palavra, não poderei dar a palavra a outro deputado.

O Orador: - Sendo assim, vou continuar, Sr.ª Presidente.
Sr. Deputado, as declarações do Dr. Jaime Ramos são da maior gravidade. Repare que elas foram feitas em 1987 - o momento em que se arrancava para o processo de Revisão Constitucional. O que se dizia era pura e simplesmente isto, à Assembleia da República: «Façam o que quiserem! O Ministro da República não
existe. Está liquidado na prática. Faz-se o que se entende. Portanto, os senhores decidam o que decidirem que é letra morta.» Isto nunca se pode dizer institucionalmente!
De resto, tenho aqui a gravação - e tenho todo o gosto em permitir-lhe a audição particular, uma vez que a pública é proibida. O Sr. Deputado pode Verificar que são declarações da maior gravidade, sobretudo porque são ditas na Região Autónoma da Madeira. Depois, VV. Ex.ª só são capazes de as dizer aqui com um filtro. Surgem, portanto, com uma dupla linguagem que nós verberámos.
É essa atitude pouco construtiva que censuramos, porque quanto à questão de fundo estamos, repito, totalmente disponíveis para encontrar consensos em torno de zonas de aperfeiçoamento das autonomias constitucionais que devem ser, elas próprias, um factor de consenso nacional.
VV. Ex.ªs, com a vossa atitude flibusteira, violenta, dúplice e com a vossa prática em certas regiões, em particular na Madeira, dificultam esse consenso, criam factores de absessos de fixação e conflitos que, pela sua violência, distorcem os dados do problema...

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - ... e a própria possibilidade de uma discussão serena. Com isso, prejudicam e, muito, a própria causa da autonomia, pela qual combatemos e que deveria ser um motivo de unidade e de consenso.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado queira terminar. O Orador: - Disse, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr.ª Presidente, pasmo como é que nesta Casa um Sr. Deputado se permita utilizar espressões gravíssimas e não haja da parte da Mesa uma chamada de atenção para o uso dessas expressões.
O Sr. Deputado José Magalhães fez-me lembrar um seu colega de bancada, há alguns anos atrás, que muitas vezes quando chegava aqui, sobretudo depois do almoço ou jantar, dizia um certo número de coisas às quais todos nós dávamos um desconto porque tinha almoçado bem ou jantado melhor. Não estamos propriamente a seguir ao jantar, mas aquilo que o Sr. Deputado disse só tem uma explicação - V. Ex.ª deve estar entusiamado com qualquer outra coisa para nos vir para aqui dizer um chorrilho de asneiras e insultar pessoas e instituições. Penso que não é admissível que um deputado que se preze utilize este tipo de expressão para defender ideias ou posições do seu partido.
Os madeirenses, sentem-se insultados, mas, mais do que isso, poderá ter a certeza que pensamentos como os seus não têm da parte da Região Autónoma e dos madeirenses o mínimo de acolhimento, e é talvez por sermos diferentes, por sermos melhores, que o seu partido não consegue ter na Região Autónoma o acolhimento que gostaria de ter.

Aplausos do PSD.

Página 4159

23 DE MAIO DE 1989 4159

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, a Mesa tomou, nesta sessão e neste debate, exactamente a mesma atitude que tem tomado noutras ocasiões.
0 Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que fim?

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, gostaria de perguntar a que título é que a Mesa entende, que a palavra foi usada pela Deputada Catarina para podermos tomar as medidas correspondentes à qualificação feita pela Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, tratou-se de uma interpelação à Mesa, embora a partir de certa altura a Mesa se tenha apercebido que a Sr.ª Deputada se estava a dirigir não só à Mesa mas também à bancada que deu origem à sua interpelação. Foi isto que se passou.
Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, a segunda parte da sua qualificação permite que esta bancada entenda que há um verdadeiro e próprio direito de defesa a exercer. A Sr.ª Deputada poderá obviamente interpelar a Mesa conforme entender. No decurso das suas considerações fez, porém um, conjunto
de observações, que no mínimo são insultuosas, para não dizer indignas...,

Vozes do PSD: - Ah! ...

0 Orador: - ... pelo que gostaria de lhes dar réplica.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, é regimental, a propósito de qualquer intervenção, invocar o direito de defesa, pelo que lhe concedo a palavra para o fazer.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, lamento ter que exercer o direito de defesa em relação a V. Ex.ª Acho difícil de compreender que, tendo em conta a matéria em discussão, sinta necessidade de recorrer a métodos verdadeiramente pedestres e insultuosos. As palavras que disse dm relação a almoços e jantares a outros elementos turbadores da capacidade humana de julgamento, podem aplicar-se talvez, com propriedade, àquele cidadão que escreveu: «Medíocre é a Revisão Constitucional porque pactuante com o sistema político-constitucional vigente que nunca foi referendado pelo povo português, nisto Pinochet é mais democrata que os partidocratas constitucionais.» A insinuação de V. Ex.ª aplica-se talvez ao cidadão que escreveu: «Medíocre pela atitude de arrogância colonial é esta Revisão Constitucional assumida pelos partidocratas de Lisboa», em suma, pelo autor das onze farpas inqualificáveis publicadas no Jornal da Madeira, isto é o Dr. Alberto João Jardim, e só a ele.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr.ª Presidente, lamento, novamente, que o Sr. Deputado tenha de usar vezes seguidas o mesmo argumento para justificar
várias coisas. Não era preciso aquela justificação, pois já a tinha dado a propósito de outra coisa qualquer que inventou...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a única e a bastante e não é inventada!

A Oradora: - Não, Sr. Deputado. Se V. Ex.ª tivesse noção verdadeira do que se passa na Região Autónoma da Madeira, de certeza que não fazia este tipo de afirmações.

A Sr.ª Presidente: - Para responder às questões que lhe foram postas, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

0 Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, sinceramente não merecia que se tivesse aproveitado da minha intervenção, que foi, tanto
quanto julgo, respeitosa e abordou, pacífica e tranquilamente buscando o consenso, a questão da autonomia político-constitucional. O Sr. Deputado José Magalhães aproveitou-se dessa circunstância para desviar o curso dos acontecimentos e tecer considerações vis a pessoas, fazendo arruaça política, destruindo de uma pazada conceitos que devem ser tratados com dignidade. Fiquei
perplexo, Sr. Deputado?

Aplausos do PSD.

0 Orador: - Mas há males que vêm por bem. Com este acontecimento ficamos a perceber como é que o Comité Central do Partido Comunista Português inculca a sua mensagem nos deputados do Partido Comunista é através de transistors, quiçá feitos...

Risos e aplausos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Essa é muito parva.

O Orador: - ... na Coreia do Norte ou na Rússia, e, não conseguindo sequer absorver a mensagem através de um papel, têm de a pôr num aparelho auditivo para a perceberem e a reproduzirem aqui.
Sr. Deputado José Magalhães, ilustre jurista, que eu admiro e com quem já tive imensos debates, sempre quentes e conflituosos, fiquei pesaroso com o facto de se ter prestado a essa figura infantil de colar um transístor à orelha como quem ouve um relato de futebol.

Risos do PSD e do CDS.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, e particularmente Sr. Deputado Carlos César: Passado este ciclone - da nossa parte só vêm anti-ciclones -, passado este ciclone Magalhães...

Risos do PSD.

... vou responder ao Sr. Deputado Carlos César.
Quis o Sr. Deputado fazer crer que o PSD estava tripartido. Então eu posso responder que também há o PS/Gama, do qual V. Ex.ª é um representante, o PS/Sampaio, o PS/João Soares..., não entremos por esse caminho senão temos de falar do PCP/Cunhal, do PCP/Zita Seabra e do PCP/Vital Moreira. 0 PSD é um partido nacional e tem estruturas regionais que

Página 4160

4160 I SÉRIE - NÚMERO 85

têm os seus estatutos aprovados em Conselho Nacional e gozam de uma autonomia no interior do partido como as Regiões Autónomas gozam no interior do Estado português. Isto significa democracia interna, e desafio o senhor a fazer o mesmo dentro do PS...

Aplausos do PSD.

Como farei em relação ao Ministro da República, pergunta o Sr. Deputado Carlos César. Vou votar pela extinção, porque há momentos entreguei na Mesa com vista a introduzir na Constituição um elemento de democraticidade a datar, limitar temporalmente as funções do Ministro da República. Como não aceitam isto, sou obrigado a votar pela extinção, pois considero a figura do Ministro da República uma tutela da autonomia. Assim, volvidos doze ou treze anos após a consagração constitucional da autonomia e a entrada em funções do primeiro Governo Regional, penso que é lúcido considerar que nós evoluímos e que adquirimos maturidade política e que a autonomia se aperfeiçoou.
Aliás, tem-se dito durante os debates da Revisão Constitucional que os valores estão a mudar e que há mutações sociais, económicas e políticas pelo que não faz sentido dizer que nos Açores a autonomia fica estática, fixada nas páginas da Constituição para sempre, não se admitindo um aperfeiçoamento. Então, seria entender que os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas eleitos democraticamente em eleições livres sem ditadura já estão capacitados para que a articulação entre o poder regional e o poder central se possa fazer directamente - isto seria honrar a democracia.
Compreendo que no período quente da Revolução se tivesse de utilizar o Ministro da República para mediar esforços entre uma Lisboa ainda revolucionária e os Açores ainda em processo inicial de autonomia. Mas nós evoluímos e avançámos, o povo açoreano já deu provas de civismo e estabilidade, tornando a figura do Ministro da República, com todo o respeito pessoal pelas pessoas que têm desempenhado o cargo e que o têm feito com dignidade, numa figura tendente ao desaparecimento. Porque não fazê-lo agora? Porquê mante-lo artificialmente mais cinco anos?
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção foi feita com a intenção de balizar de lançar pistas e fazer a defesa da autonomia democrática, que também deve ser entendida como um esforço nacional e não uma atitude facciosa, fanática. Daí a minha abertura o meu apelo para que em matérias consideradas essenciais mais uma vez a Assembleia da República, como aliás sempre o tem feito, se debruce consensualmente sobre aquilo que entende ser o melhor rumo para as Regiões Autónomas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos César (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos César (PS): - Para exercer o direito de defesa da honra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - É regimental, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Carlos César (PS): - Sr.a Presidente, Srs. Deputados: Quando afirmei que o Partido Social-Democrata é constituído por três partidos regionais - o PSD Açores, o PSD Madeira e o PSD continente - não considerei isso um fenómeno de grande gravidade, na perspectiva que V. Ex.ª julga, pois a sua perspectiva foi a de contrapor-me que no Partido Socialista haveria o PS Gama, PS Sampaio, etc.
Não se trata disso, Sr. Deputado! Não interessa avaliar se no Partido Socialista existe ou não um apuramento de sensibilidades políticas e uma clareza na sua formulação até para o exterior, nisso estamos todos muito bem. Aliás, o PSD dos Açores também utiliza isso: uns defendem a extinção do Ministro da República, outros já nem ocupam cargos oficiais por essa razão, pois, por defenderem essa posição, foram relegados para uma segunda posição da política regional, e há outros ainda que estão no centro das atenções da vida política regional e que não defendem a mesma coisa que V. Ex.ª Mas isto não tem nenhuma gravidade, o que já é grave que o Partido Social-Democrata haja um apuramento diferenciado e inconciliável das nações da solidariedade e da unidade nacional. Isto, sim, é grave!
Finalmente, Sr. Deputado, quanto à questão da Constituição permanecer estática, V. Ex.ª já disse que este processo da Revisão Constitucional é um processo de aprofundamento da temática regional e das autonomias no seio da Constituição, como em matéria de diversos poderes legislativos aqui enumerados por V. Ex.ª Portanto, não faz sentido invocar argumentos dessa natureza.
Para terminar, queria dizer-lhe que me lembro de si, enquanto estudante, quando ia a várias instituições recreativas e a teatros de freguesia fazer um dos seus números preferidos que era imitar a voz e os gestos do Dr. Mota Amaral.
V. Ex.ª mudou de teatro e de representação mas melhorou bastante.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida que é algo genético o facto de o debate da oposição estar a tender para o insulto pessoal. Que hei-de fazer? Os senhores lá se regem pêlos vossos parâmetros!
Mas vou responder ao deputado Carlos César e com muito orgulho. Há jovens que praticam golf, outros que fazem desportos variados - futebol, vela, etc. - e eu fazia teatro popular. Há algum mal nisso? Gostava de fazer teatro de revista e nos meus tempos de rapaz de liceu percorri imensas freguesias fazendo rábulas revisteiras com sabor politiqueiro. Tenho muito orgulho nisso, pois tive bons momentos.
Parece que o Sr. Deputado tem preconceitos sobre estas actividades, mas talvez seja por isso que eu sou do Partido Social-Democrata e o Sr. Deputado é do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Quanto às restantes questões, o Sr. Deputado Carlos César invocou a defesa da honra para falar mais um pouco, para marcar mais uma posição do PS Açores e para não se dizer que esteve aí calado, porque,

Página 4161

23 DE MAIO DE 1989 4161

de facto, a liderança do processo autonómino tem sido feita pelo Partido Social-Democrata, desde sempre.
É certo que o Partido Socialista tem feito um percurso, tem-se penitenciado ao longo do tempo e tem feito uma aproximação às teses autonomistas, mas o Partido Social-Democrata sempre foi o partido português mais autonomista. Os senhores agora é que estão a «virar o bico ao prego» e a aproximar-se de nós.
Folgo com essa atitude e esse arejamento ideológico do vosso partido, porque reconheço que, a partir de 9 de Outubro, o PS Açores adquiriu responsabilidades acrescidas com o aumento da sua votação. Veremos se esse aumento de votação corresponderá a um processo de maturidade política e de aproximação efectiva aos interesses da autonomia, pois o meu partido, pese embora as suas duas estruturas regionais e uma nacional, está na primeira linha da defesa da autonomia política regional.

Aplausos do PSD.

A Sr.a Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito, pede a palavra para que fim?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr.ª Presidente, era para, nos termos regimentais, pedir uma interrupção dos trabalhos por meia hora.

A Sr.ª Presidente: - Uma vez que passa das 19 horas e 30 minutos e que a sessão deveria interromper às 20 horas, julgo preferível suspendermos agora os trabalhos para os reiniciarmos às 21 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de informar que estão ainda inscritos, para apreciação dos artigos 229.° a 265.°, os seguintes Srs. Deputados: Helena Roseta, Armando Vara, Guilherme Silva, José Magalhães, Almeida Santos e José Apolinário.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma curta intervenção para defender duas ideias fundamentais, uma que tem a ver com as Regiões Autónomas e outra com o processo de regionalização no continente.
Relativamente às Regiões Autónomas, ouvi o debate travado aqui, no final da tarde, e quero recordar à Câmara que é da minha autoria uma proposta no sentido da eliminação, pura e simples, da figura do Ministro da República, do texto constitucional e quero relatar também ao Plenário, de certo modo, a forma como decorreram os debates, quanto a esta matéria, na CERC.
No final do debate, em sede de comissão, havia, de certa maneira, em todas as forças políticas a ideia de que esta figura do Ministro da República é uma figura realmente complexa e até abstrusa - alguns deputados utilizaram este adjectivo -, é uma figura que talvez não deva permanecer durante muito tempo no texto constitucional, admitindo-se até a transitoriedade deste cargo. Porém, não foi possível chegar a acordo sobre uma solução para fixar essa transitoriedade no texto constitucional.
Julgo que a ideia de que a representação da soberania nacional nas Regiões Autónomas deve ser configurada por uma personalidade que nem sequer é eleita, é uma ideia totalmente abstrusa. Os habitantes das Regiões Autónomas são cidadãos portugueses como nós e se nós não precisamos de qualquer figura especial para representar a soberania no continente, também não precisamos de qualquer figura especial para representar a soberania no território das Regiões Autónomas. A soberania nacional é representada pela bandeira, e chega, e os órgãos de soberania nacionais representam a soberania onde tiverem que a representar e onde ela tiver de ser efectivamente invocada.
O que deveríamos fazer - e nessa matéria invoco aqui a intervenção feita pelo Sr. Deputado Marques Júnior no contexto da CERC - era o apelo a uma estratégia de diálogo.
Assim como foi possível, através de uma estratégia de diálogo entre as forças políticas e os militares que desempenharam o lugar de Conselheiros da Revolução, chegar a acordo para pôr termo a essa figura - que era também uma figura transitória e tutelar do nosso sistema democrático, não sendo, ela mesma, democrática -, como foi possível encontrar-se um acordo para eliminar essa figura na Revisão Constitucional anterior, uma estratégia de diálogo semelhante deveria poder levar à eliminação da figura do Ministro da República nesta Revisão Constitucional.
Porém, esse diálogo não teve lugar ou, pelo menos, não teve os frutos que seriam de esperar. Em todo o caso, deixo aqui o meu apelo para que os deputados constituintes meditem no único caminho razoável e sensato que será efectivamente o de eliminar, tão depressa quanto possível, essa situação abstrusa e proclamar, em sede constitucional, que os cidadãos das Regiões Autónomas são cidadãos como os outros, não precisam de qualquer figura especial para lembrar-lhes que pertencem à República Portuguesa, basta-lhes a bandeira nacional e as suas convicções.
É este o sentido da minha intervenção, pelo que mantenho a minha proposta, uma vez que não foi possível, pelo menos até à data, encontrar um consenso para substituir o advérbio «especialmente» que consta do n.° 1 do artigo 232.° da actual Constituição, o qual diz o seguinte: «A soberania da República é especialmente representada (...), por um Ministro da República...» Considero que este advérbio é insultuoso, porque os cidadãos das Regiões Autónomas não precisam de qualquer representação especial da soberania. Não sendo possível haver consenso para a eliminação deste advérbio, então, mantenho a minha proposta. Todavia, se tivesse havido um acordo para substituir isto pela expressão transitório ou por qualquer outra semelhante, retiraria a minha proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era isto que queria dizer e julgo que todas as outras argumentações que tenham a ver com a análise política que se faça da conjuntura do continente ou das ilhas, neste momento, não são o mais relevante. Estamos a falar de um modelo constitucional, um modelo que deve ter uma vigência mais prolongada no tempo do que os resultados de

Página 4162

4162 I SÉRIE - NÚMERO 85

quaisquer eleições e é perante esse modelo constitucional e a dignidade própria que conferimos, em 1975/76, à autonomia regional, com bastante esforço e mérito dos militantes da autonomia, que foram fundamentalmente os deputados representantes das ilhas aqui, que fazemos esta proposta.
Depois de tudo isso, depois desse esforço que foi feito, depois da consagração da autonomia, depois do trabalho que tem sido desenvolvido, é, realmente, em termos de modelo e de objectivos ideais a atingir que devemos defender as nossas ideias e não em termos de análise conjutural, tanto mais que estamos num período mais ou menos eleitoral, e essas análises vêm sempre impregnadas de algum calor, o que é puramente conjuntural.
Entrando agora noutra questão, gostaria também de dizer que, quanto ao artigo 256.° - e tenho de ser bastante sintética, porque o tempo é reduzido -, sobre a criação das regiões, não tenho, neste momento, uma opinião formada sobre o voto que irei tomar relativamente à proposta da CERC.
É sabido que eu e muitas pessoas como eu - não estou sozinha nisto, comigo estão muitos militantes do poder regional e invoco aqui alguns bem conhecidos, dirigentes da Associação Nacional de Municípios e presidentes de municípios bem conhecidos -, há muitos anos que se vêm batendo para que a Constituição remova este entrave, ou seja, a necessidade de criar as regiões todas ao mesmo tempo, sabendo nós que o território nacional não é homogéneo e que essa necessidade de criar tudo ao mesmo tempo, com audições prévias, era, na prática, uma impossibilidade.
Julgo que esta solução a que se chegou pode não ser uma solução totalmente sincera - lamento dizer isto aqui - mas vamos ter, dentro de poucos dias, neste Plenário, o debate de diplomas sobre regionalização e aí terei ocasião de ver se, sim ou não, a maioria quer mesmo a instituição rápida das regiões. Tenho dúvidas sobre isso, por muitas conversas que tenho ouvido e pelas posições a que tenho assistido.
Por isso, Sr. Presidente, tenho dúvidas quanto à proposta da CERC. Julgo que havia soluções melhores nas propostas iniciais dos partidos. Não quero aqui fazer a defesa da minha solução, que era simplesmente a de eliminar o advérbio «simultaneamente» e ficar tudo como estava, mas parece-me mais simples do que esta solução complicada a que se chegou. O meu receio é que esta solução complicada não se traduza - traduzindo-se embora no acordo entre os dois maiores partidos desta Câmara num acordo legislativo para que o processo ande rapidamente e se isso assim não for, terei dúvidas sobre a sinceridade das intenções que ela traz.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, manterei a minha proposta até ao momento da votação relativamente ao processo da criação das regiões.
Termino esta minha intervenção afirmando aqui a admiração que tenho pelas pessoas que se têm batido pelo processo da descentralização, pêlos militantes do poder regional e do poder local, muitas vezes à revelia das intenções centralistas e, às vezes, mesmo autoritárias que vêm das hierarquias nacionais do poder. Em nome dessa gente que, em vários sectores do quadrante partidário, se bate pelo poder local e regional, ergo aqui a minha voz e faço um apelo a todos para que confiem um pouco mais na autonomia e nas regiões.

Aplausos de alguns deputados do PSD e do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, numa intervenção muito breve, dizer algumas palavras sobre um projecto de norma transitória que apresentei, conjuntamente com outros deputados do PS, com vista ao processo da instituição concreta das regiões administrativas.
Não sou dos que pensam que o princípio da simultaneidade na criação das regiões é o grande responsável pela não existência das regiões administrativas em Portugal, mas penso que o grande responsável é a ausência de vontade política para que haja regiões administrativas. Não culpo só disso digo também, com franqueza - o actual Governo, embora sinta nele e na maioria que o apoia muito menos vontade e intenção de regionalizar do que noutros governos que o nosso país já teve.
De qualquer das formas, a intenção que está subjacente a esta norma transitória é a de que pelo menos as coisas não fiquem como estão. As nossas Constituições do pós-25 de Abril têm referido sempre a necessidade de proceder à regionalização, apontando-lhe várias virtudes, mas a verdade é que, catorze anos após o 25 de Abril, continuamos sem regiões e há hoje, indiscutivelmente, no país, pelo menos duas áreas em que ela é reivindicada e sentida.
Há centros de poder espalhados pelo país que querem autonomia e há regiões que precisam de centros de poder para se desenvolver. É hoje um dado assente - não tenho qualquer dúvida sobre isso - que a regionalização é indispensável para que haja um processo de desenvolvimento equilibrado no país, porque não será possível criar os mecanismos indispensáveis a esse desenvolvimento se não houver alguns centros de poder em regiões periféricas, enfim, em regiões do interior.
E é com essa vontade, para que as coisas não fiquem como estavam, que apresentamos este projecto de norma transitória, conscientes de que está no projecto de Revisão Constitucional que o PS apresentou - no artigo 299.°, se não me falha a memória - uma norma que, a ser aprovada, tornaria desnecessária esta norma transitória, isto é, a obrigatoriedade de, pelo menos um ano após a aprovação desta revisão e a aprovação do artigo 256.°, se proceder à aprovação da lei prevista no n.° 1 desse artigo, que criava as regiões administrativas.
Ora, é também nessa perspectiva de complementarização e de criação de uma válvula de escape que entendemos quem se não houver qualquer tipo de vontade, se não houver qualquer consenso, se não houver, da parte da maioria, vontade de proceder à aprovação dessa lei, então, deveria ser dada a possibilidade de ser criada uma espécie de região piloto, uma ou mais regiões administrativas, garantindo, no entanto, que elas seriam sempre aprovadas por uma maioria de dois terços, para que também este processo de aprovação e de criação de uma região administrativa não se processasse através do mero oportunismo eleitoral.
Gostaríamos que isto fosse feito com seriedade e por isso propomos a obrigatoriedade de a criação de uma ou mais regiões administrativas ter a necessidade de uma aprovação qualificada por maioria de dois terços.
Não queria terminar sem fazer um apelo, nomeadamente aos Srs. Deputados do PSD - sei que há no

Página 4163

23 DE MAIO DE 1989 4163

Grupo Parlamentar do PSD - muita gente que acredita nas potencialidades da regionalização -, porque penso que esta proposta de norma transitória que aqui propomos é passível de ser aprovada e acarinhada por, um conjunto significativo de deputados e naturalmente também pelo Grupo Parlamentar do PSD, para que seja possível haver algum consenso, à volta desta questão.
Se não for aprovado o artigo 299.º que prevê a criação das regiões administrativas um ano após a aprovação da lei, pelo menos que seja aprovada esta norma transitória, no sentido de permitir que, alguma. coisa avance para que tudo não fique na mesma.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Câmara, pela sua representatividade popular, pela competência legislativa e política que detém, assume, entre os demais órgãos de soberania, o mais relevante papel na consolidação da democracia.
Mas se isto é assim no âmbito do funcionamento e actividade normal da Assembleia da República, temos de convir que essa responsabilidade de consolidação da democracia ganha particular relevo e - importância quando este Parlamento exerce poderes constituintes.
E essa responsabilidade não se dilui, ou não se deve diluir, institucionalmente, enquanto órgão colegial, mas é antes uma responsabilidade de todos e cada um de
nós, como deputados livremente eleitos pelo povo português, que representamos.
Se tivermos presente as circunstâncias em que a Constituição de 1976 foi aprovada, mais clara fica a ideia da importância que cada Revisão Constitucional reveste, como oportunidade de expurgar a Constituição de soluções e preceitos que se não compadecem com a democracia plena, verdadeiramente pluralista, com que colectivamente nos identificamos.
Como reconheceu o Professor Jorge Miranda em declaração proferida nesta Assembleia, aquando da aprovação da Constituição de 1976: «A Constituição é uma constituição feita sobre o acontecimento e uma constituição de compromisso. Reflecte o traumatismo de quarenta e oito anos de ditadura e alienação e de treze anos de guerra. Reflecte o inebriante ambiente de dois anos de Revolução.»
Se aos factos referidos pelo Professor Jorge Miranda acrescentarmos ainda as limitações decorrentes do Pacto com o MFA, completaremos, de certo modo, o quadro de referências que, em processos de Revisão Constitucional, têm justificado plenamente a consensualização dos dois terços necessários à aprovação das mais prementes alterações.
Alguns avanços se têm efectivamente conseguido, sendo de salientar, na revisão em curso, as alterações no âmbito da Constituição económica. Ouso, porém, afirmar que esta Câmara não se poderá nunca arrogar plenamente à qualidade de verdadeiro baluarte da democracia enquanto não assumir ser também baluarte das autonomias e - porque não dizê-lo - baluarte da correcta e adequada regionalização do continente.
E se, através da Revisão Constitucional em curso, se vêm conseguindo soluções que garantem o aprofundamento e consolidação da democracia em geral, não se, pode esquecer que, mercê da organização político-administrativa própria das Regiões Autónomas, nestas tal aprofundamento e consolidação passa pelo alargamento e aperfeiçoamento das autonomias.
Infelizmente, e com profunda mágoa o digo, as posições assumida na CERC, que se vêm confirmando agora em Plenário, revelam que não houve, por parte das diferentes forças partidárias, sensibilidade e compreensão para esta realidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria chamar a atenção da Câmara para certos aspectos que dizem respeito à tramitação do processo de Revisão Constitucional no que toca às regiões autónomas.
0 artigo 231.º, n.º 2, da Constituição estabelece que: «Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às Regiões Autónomas, os órgãos do Governo Regional.»
Por sua vez, o artigo 229.º, alínea g), confere às Regiões, Autónomas o poder de se pronunciarem, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito.
Recusamo-nos a aceitar, em matéria de tamanha importância para as regiões como é a Revisão Constitucional, o entendimento de que a mesma não cabe no âmbito deste dever de consulta ou direito das regiões se pronunciarem.
Não podemos aceitar que uma prerrogativa constitucional possa ser relegada para soluções de favor de carácter meramente protocolar de contornos duvidosos.
É por demais evidente que a Lei da Revisão Constitucional, independentemente de conter uma parte referente às Regiões Autónomas, - enquanto envolvendo alterações à lei fundamental que regula a própria estrutura do Estado e princípios que o inspiram interessa directamente às regiões. E isto torna-se ainda mais saliente quanto a nossa óptica de autonomia não se cifra apenas, numa mera detenção de poderes de autogoverno, mas também em mecanismos que nos garantam a participação e intervenção, no quadro de uma solidariedade institucional, nas questões de âmbito e interesse nacional.
Compreender-se-á, pois - que as assembleias regionais tenham tomado a iniciativa de, elas próprias, se pronunciarem sobre a Revisão Constitucional, nas partes respeitantes às Regiões Autónomas. As assembleias regionais expressam genuinamente a vontade das populações insularem e interpretam, com fidelidade, os seus anseios e aspirações.
Não admira, pois, que os deputados social-democratas eleitos pela Região Autónoma da Madeira tenham subscrito como projecto próprio de Revisão Constitucional (o projecto de lei n. º 10/V) um texto que tinha sido aprovado na própria Assembleia Regional da Madeira.
Importa referir agora que as linhas mestras desse projecto e quais as posições que os diferentes partidos assumiram na CERC sobre ele e sobre propostas sucedâneas que foram apresentadas no decurso da discussão pelos deputados eleitos pelas Regiões Autónomas.
Muito embora tal não caiba no âmbito das disposições agora em discussão, adianto que pretendíamos consagrar a definição de Estado como unitário-regional, trazendo a verdade ao texto constitucional, porquanto, na realidade, o Estado português actual, incluindo e reconhecendo as suas Regiões Autónomas com organização político-administrativa própria, é, sem dúvida, um Estado unitário regional.

Página 4164

4164 I SÉRIE - NÚMERO 85

Espanta que, no entanto, a falta de compreensão pelas autonomias tenha levado., na CERC, todas as forças partidárias e votarem contra tal proposta.
Porém, conseguiu-se, na CERC, que fosse garantida a presença de representantes das regiões no Conselho Económico e Social e a sua participação na elaboração dos planos nacionais.
Pretendeu-se, como aqui referi na minha intervenção de sexta-feira última a eliminação das leis gerais da República como limite a que os diplomas legislativos regionais se têm de subordinar, o que foi rejeitado na CERC, por todos os partidos.
Apresentámos, em Plenário, proposta que leva a que se distinga entre leis regionais e decretos legislativos regionais, reservando esta designação para os que vierem a ser aprovados no uso de autorizações legislativas e no desenvolvimento de leis de base.
Mantivemos também uma proposta, ainda não votada em Plenário, no sentido de, na aplicação dos princípios de direito eleitoral e mais propriamente no princípio de representação proporcional, se ter em conta as especificidades regionais.
Mantemos também a proposta, ainda não votada, relativamente à exigência de publicidade dos actos das regiões no Jornal Oficial.
Pretendíamos também que não fosse admitida a dissolução dos governos regionais, mas sim e apenas a das assembleias regionais, em casos de crise grave, já que os governos não se dissolvem, demitem-se e, por outro lado, a dissolução da assembleia arrasta a queda do governo que perante ela responde.
Propôs-se ainda que as assembleias regionais pudessem legislar com a autorização 9a Assembleia da República em matéria de competência de reserva relativa desta.
Logrou-se obter, de forma assaz restrita, mercê de imposição do Partido Socialista, autorizações na área da competência concorrente Governo/Assembleia da República, desvinculando-se, causuisticamente, as assembleias regionais, da subordinação às leis gerais da República.
Igualmente o desenvolvimento das leis de base ficou restrito a um elenco menor de algumas alíneas do artigo 168.°, porquanto o Partido Socialista e o Partido Comunista Português, na CERC, opuseram-se a uma solução mais ampla.
Ainda com base nas votações indiciarias da CERC, conseguiu-se reforçar a ideia de que só às regiões compete a iniciativa estatutária, neutralizando-se propostas do Partido Socialista e do CDS que pretendiam transferir tal iniciativa para a Assembleia da República.
Consagrar-se-á também, conforme votação indiciaria da CERC, a possibilidade de as regiões estabelecerem cooperação directa com entidades regionais estrangeiras e de participação em organizações que tenham por objecto permitir o diálogo e a cooperação inter--regionais.
Será comprometida, a manter-se a votação indiciaria da CERC, pêlos votos contrários de todos os partidos, a criação de uma organização judicial específica, dolosamente confundida com a pretensa regionalização da Justiça.
O princípio da irreversibilidade das regionalizações que propomos, indicia-se comprometido pêlos votos contrários do PS e do PCP.
A garantia do Orçamento do Estado assumir as verbas necessárias a serem suportados os custos da insularidade, afigura-se igualmente comprometida, por abstenção de todos os partidos.
Os votos do PS e do PCP, na CERC, inviabilizaram a possibilidade de as regiões terem um círculo eleitoral próprio para o Parlamento Europeu, elegendo um deputado, o que tinha a anuência do PSD.
Vimos também comprometida a possibilidade de a região garantir, com maior amplitude e directamente, assistência às comunidades de emigrantes e de assegurar a possibilidade destes participarem mais activa e directamente na vida económica e social das regiões.
A eliminação e restrição à existência de partidos regionais que propusemos não só foi rejeitada como se transferiu, para a parte dos Direitos, Liberdades e Garantias, essa aberrante restrição à liberdade de associação.
Finalmente e mais uma vez, não conseguimos obter a eliminação do cargo de Ministro da República. Sobre tal figura escreveram os Professores Barbosa de Melo, Cardoso e Costa e Vieira de Andrade, in «Estudo e Projecto de revisão de Constituição»: «Não se ignora o desajustamento desta espécie de alto comissário a um sistema de autonomia constitucional propriamente dito.»
Reconhece-se que o cargo de Ministro da República, sem paralelo no âmbito do Direito Comparado, é anómalo, quer em termos de democracia quer em termos de autonomia. Trata-se de uma figura de base não democrática, estranha às Regiões Autónomas e à estrutura institucional da autonomia que todos reconhecem estar mal definida e ter carácter híbrido, mas que não assumem dever ser eliminada, em benefício da unidade nacional, da democracia e da autonomia.
Os Ministros da República, como corpo estranho à organização democrática do Estado e às autonomias, estão para as Regiões Autónomas como o Conselho da Revolução estava para o todo nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Que disparate!

O Orador: - Assim, enquanto não se eliminar tal cargo, continuaremos numa democracia limitada, não se atingindo a democracia plena que ansiamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aprofundamento e aperfeiçoamento das autonomias que propusemos e desejamos insere-se nos nossos anseios de aprofundar a democracia e de constituir um Portugal melhor, à altura dos desafios do Mercado Único de 1992.
Também aqui, se fossem acolhidas as nossas propostas, poderíamos assumir, com mais eficiência, a gestão das nossas responsabilidades, agravadas com a nossa condição ultraperiferiça.
E para que melhor se compreenda as nossas preocupações neste âmbito, tenha-se presente que o Orçamento Regional da Madeira, para 1989, contém transferências das Comunidades consideravelmente superiores às que advêm do Orçamento do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de, agora que se vai discutir em Plenário a parte da Revisão Constitucional respeitante às Regiões Autónomas, fazer um apelo a todas as forças políticas com assento nesta Câmara no sentido de flexibilizarem as suas posições, tão rigidamente assumidas na CERC e de tão pouca abertura aos anseios das populações insulares.

Página 4165

23 DE MAIO DE 1989 4165

Vamos ainda entregar na Mesa mais algumas propostas que se nos afiguram da maior razoabilidade: uma proposta que visa garantir a possibilidade de adaptar o sistema fiscal nacional às realidades específicas e às condições de desenvolvimento das regiões e ao adequado uso do poder tributário próprio; uma proposta que visa assegurar constitucionalmente os direitos da oposição regional e propostas que recolhem os princípios do artigo 230.º, de forma que lhe seja retirado o carácter acintoso e da infundada suspeição que arrasta implicitamente- um estatuto de menoridade às regiões, que não se compadece com a normalização do relacionamento institucional entre as regiões e os órgãos de
soberania.
Não é possível exigir mútua solidariedade sem expurgar do texto constitucional preceitos que, à partida, constituem um ferrete apontado às regi6es, eivado de suposições, receios e dúvidas quanto à sua idoneidade maturidade institucional. E permitam-me que, neste momento, me dirija em particular ao Partido Socialista que se vem revelando profundamente intransigente nesta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre este assunto gostaria de referir e explicitar que, no meu e no nosso entendimento, o que se visa com este artigo é inquestionável.
Ninguém pretende conferir às Regiões Autónomas o direito de restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores, nem estabelecer restrições ao trânsito de pessoas e bens entre elas e o restante território nacional, nem tão pouco reservar o exercício de qualquer profissão ou acesso a qualquer cargo público a naturais ou residentes na região, princípios que já resultam da parte referente aos Direitos, Liberdades e Garantias.
A questão que aqui quero discutir é um problema de formulação, dado que e a redacção, tal como é apresentada na Constituição, não é a forma mais feliz e muito menos a forma mais adequada de o fazer, porque, além do mais, é formulada pela negativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Com o objectivo de eliminar este artigo, que é, não o duvidem Srs. Deputados, sentido de forma acintosa pelos madeirenses e açoreanos, propomos uma alteração ao n.º 3 do artigo 227.º (que absorve no essencial o disposto nas alíneas a) e c) do artigo 230.º), bem como o aditamento de um n.º 5 ao artigo 229.º (que absorve a alínea b) do artigo 230.º).
A terem acolhimento as nossas pretensões, eliminar-se-ia um dos preceitos que mais chocam os sentimentos das populações insulares e retirar-se-ia do texto Constitucional disposição que, pretendendo impedir discriminações, ao referir-se apenas e em particular a duas parcelas do território nacional (as Regiões Autónomas), apresenta-se ela própria discriminatória.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - De quanto tenho vindo a dizer resultam claras as muitas e profundas razões que têm justificado o empenho que todos nós, deputados Social-Democrata eleitos pelas Regiões Autónomas, quer na CERC, quer agora em Plenário, não falando já em todas as diligências junto de responsáveis de outros partidos, temos dispensado ao processo de Revisão Constitucional, em particular às alterações dos preceitos ora em discussão
Tal empenho permitiu-nos acompanhar e intervir nos trabalhos para além do âmbito restrito do- nosso projecto e das nossas propostas, conseguindo alterações que acautelaram interesses e princípios que não respeitavam apenas às Regiões Autónomas, como aconteceu no caso do já famoso artigo 90.º-A, respeitante ao domínio público.
Cumpre-me salientar que o Partido Social-Democrata, a cujo grupo parlamentar pertencemos, não obstante divergências com algumas das nossas posições nesta sede, não se deixa - de revelar, de entre todas as forças políticas e desde sempre, o mais receptivo e sensível à questão das autonomias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - ... desde logo aceitando a apresentação de um projecto próprio por pare dos deputados sociais-democratas eleitos pela Madeira e compreendendo as suas posições de voto em matéria de Revisão Constitucional.
Diga-se também que o Partido Social-Democrata se aproximou, em alguns casos, das nossas posições, como aconteceu, por exemplo, na consagração de um círculo
eleitoral próprio para o Parlamento Europeu por cada uma das Regiões Autónomas, o que só não foi viabilizado na CERC por força do voto contrário do Partido Socialista.
É que o Partido Social-Democrata sabe muito bem que as autonomias não o dividem, antes o enriquecem com a diversidade que faz com que seja, (e também no que toca às Regiões Autónomas) o partido que melhor e mais se identifica com o povo Português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Não é, por certo, por mero acaso que é da bancada deste partido que provém uma proposta de inserção no texto constitucional do direito à diferença, que, infelizmente, não logrou triunfar.
Muito embora mantenhamos a esperança de que algumas das propostas que agora apresentamos e a que já nos referimos, venham a merecer aprovação a ver-
dade é que antevemos, com amargura, que se ficará bastante aquém das soluções pretendidas legitimamente pelas populações insulares, por que nós batemos e
vamos continuar a bater.
Quero deixar claro que as populações das Regiões Autónomas, não podem aceitar de bom grado serem prejudicadas no aperfeiçoamento das autonomias em sede de Revisão Constitucional, como reflexo de uma postura política generalizada de manifesto recuo em matéria de regionalização do continente, sendo certo que as populações insulares estão solidárias com o processo de descentralização geral do País e disponíveis, para nele cooperarem.
E isto acontece porque as populações das ilhas, neste particular, sempre estiveram em situação de melhor reterem e compreenderem a História tão bem sintetizada na obra -«Portugal que Regiões?», de Ernesto Figueiredo, em que escreveu: «Olhando para trás, pela janela da nossa história, em particular, e pela história

Página 4166

4166 I SÉRIE - NÚMERO 85

dos povos em geral, vê-se que os períodos caracterizados pela maior descentralização, em que as forças regionais mais libertas se encontram face ao poder central, foram os mesmos períodos de maior vivência democrática detectados. Foram os apogeus de civilizações com proliferação de manifestações científicas e culturais autênticas. Foram os períodos de mais complexa e harmónica organização social e foram os sistemas políticos em que as populações abrangidas mais participaram.
Ao invés, os períodos caracterizados por maior centralismo estatal foram os períodos que correspondem a épocas mais difíceis, que correspondem à existência de Estados despóticos e totalitários, com a lei militar sobreposta à lei civil, ou correspondem a fases particularmente carenciadas da vida dos povos...»
É, pois, também na História que encontramos razões, das mais válidas, que legitimam as alterações que propomos nesta Revisão Constitucional. Só que a Historia, neste caso a do futuro das Regiões Autónomas, com a evolução, a amplitude e o enquadramento que pretendíamos, não se escreve sem o contributo de dois terços desta Câmara
Sr. Presidente, terminaria aqui a minha intervenção se não fora a circunstância de o Sr. Deputado José Magalhães, há pouco, antes de termos encerrado a primeira parte dos nossos trabalhos, ter feito afirmações relativas à Região Autónoma da Madeira e à pessoa do Sr. Presidente do Governo Regional, que não posso, de forma alguma, deixar em claro.
No entanto, quero registar o mérito das afirmações do Sr. Deputado José Magalhães, uma vez que revela e confirma a sua postura pessoal e a postura do seu partido relativamente às autonomias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - «Para as autonomias nada, se possível, que se recue no processo das autonomias», é esta orientação, é esta a forma de pensar do Sr. Deputado José Magalhães e é esta a forma que o PCP pretende veicular nestas ocasiões.
E à falta de argumentos de fundo relativamente às propostas que apresentámos, o Sr. Deputado José Magalhães, a quem todos reconhecemos qualidades e méritos, não se serve dessas qualidades e méritos e recorre a questões marginais, entra na arruaça para justificar as suas posições relativamente à autonomia das Regiões Autónomas. São os chamados argumentos de justa causa, que são a revelação da falta de argumentos de fundo para estas matérias. E daí a afirmação de que o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira governava em ditadura.
Isto também nos revela os seus conceitos e agora compreendemos porque é que ele pensa que na União Soviética, nos países de leste se vive em democracia, porque ele tem realmente os conceitos perfeitamente trocados. Está perfeitamente clara a sua postura nesta matéria.
O Sr. Deputado José Magalhães referiu também que não existiria, na Região Autónoma da Madeira, liberdade sindical. Estamos realmente no caminho das confusões que o Sr. Deputado José Magalhães, por conveniência, faz: é que o Sr. Deputado confunde a circunstância da CGTP ter dificuldades de penetração e de exercer as suas formas de captação e de desvio dos trabalhadores para as manifestações de ruas, para as perdições de trabalho.
O Sr. Deputado José Magalhães confunde essa dificuldade da CGTP, que tem a ver apenas com a circunstância de se ter conseguido uma concertacão social válida e possível na Madeira, com liberdade sindical. Não tem essa liberdade sindical, mas isso é fruto de uma acção política positiva que vem sendo sucessivamente sufragada de forma maioritária pela população das Regiões Autónomas.
Há uma outra questão que gostaria de referir, ainda relativamente ao discurso do Sr. Deputado José Magalhães. Contrariamente a alguns dos meus colegas, nem reprovo - e digo reprovo, entre aspas - as atitudes e as afirmações do Sr. Deputado. Acho que deve continuar com esse discurso, deve recomendá-lo ao seu partido, porque ele tem revelado quais são os resultados que dá. Por exemplo, na Região Autónoma da Madeira, esse discurso, que o Sr. Deputado tanto defende, resultou, nas últimas eleições regionais, em que o seu partido perdesse o único deputado que tinha na assembleia regional. Portanto, recomendo-lhe que continue esse discurso, porque é um discurso que não se identifica com as Regiões Autónomas e tem, no momento próprio - que é o momento do acto eleitoral - a resposta adequada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Carlos César e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Guilherme Silva, antes de mais nada quero dizer-lhe - e V. Ex.ª sabe-o com certeza - que somos defensores de uma boa autonomia regional, como é evidente. Conheço muito bem os Açores e a Madeira, conheço-os mesmo muito bem, talvez conheça melhor certas ilhas dos Açores do que alguns dos Srs. Deputados açoreanos...

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - Conheço-as todas, andei lá e sei as dificuldades que existem, concretamente a falta de informação que os povos, quer dos Açores quer da Madeira, têm em relação a certas matérias, nomeadamente à forma como está a decorrer a Revisão Constitucional.
É evidente, Sr. Deputado, que seria bom que, perante a caterva de certos artigos, de certas informações que são tornadas públicas através de certos órgãos de informação social, seria realmente positivo que, quer na Região Autónoma da Madeira quer, na Região Autónoma dos Açores, se soubesse o que se está a passar e como está a decorrer a Revisão Constitucional.
Não disponho de muito tempo - devo ter talvez dez minutos, até ao final deste debate sobre a Revisão Constitucional - e, por isso, tenho de utilizar bem o meu tempo. Mas V. Ex.ª disse, em determinada altura, o seguinte: «Não podem as Regiões Autónomas ser prejudicadas pela Revisão Constitucional.» Gostava que V. Ex.ª me dissesse se é exactamente assim e em que é que aquilo que foi aprovado, nomeadamente até na própria CERC, vai prejudicar as Regiões Autónomas.
Já agora, Sr. Deputado, gostaria de saber - V. Ex.ª

Página 4167

23 DE MAIO DE 1989 4167

é um jurista e sabe como é que as coisas devem ser tratadas como é que interpreta a proposta n.º 236.º-A que diz o seguinte: «Cada Região Autónoma constitui um círculo eleitoral próprio para o Parlamento Europeu, elegendo um deputado.»
Gostava que V. Ex.ª explicasse como é que é defensável uma posição destas, tendo em conta a nossa ordem constitucional e a nossa unidade de Estado. Interpreta V. Ex.ª que, para o Parlamento Europeu e não se sabe depois se isto é extensível a outro tipo de eleições, tem de haver círculos eleitorais próprio?
Digamos que isso devia brigar com outro tipo de legislação, mas gostava de saber, Sr. Deputado, se realmente é possível defender claramente uma proposta desta natureza. V. Ex.ª, junto do seu eleitorado, na Madeira, com a informação que há lá, é capaz de explicar claramente que unidade de Estado é assim defendida? Pergunto-lhe: porque não?
VV. Ex.ªs argumentam com o poder da autonomia regional. Porém, porque não um transmontano, um algarvio ou um alentejano pretender também um círculo regional para o Parlamento Europeu?
Sr. Deputado, a questão é exactamente igual, porque a unidade de Estado não pode ser quebrada pelo simples facto de existir uma Região Autónoma que fica a hora e meia de avião ou a 1000 ou 2000 quilómetros de distância!

0 Sr. Mário Maciel (PSD): - 1000 ou 2000 quilómetros! E diz que conhece bem os Açores!

0 Orador: - A questão é muito séria e muito grave. Portanto, Sr. Deputado, gostava que me explicasse em que é que as Regiões Autónomas são prejudicadas.
Defendo a autonomia, Sr. Deputado. Porém, é evidente que não posso defender determinado tipo de posições susceptíveis de, inclusivamente, quebrar a unidade
do Estado.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

0 St. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, não me parece que a sua afirmação de que conhece bem as Regiões Autónomas fique demonstrada através dos seus pedidos de esclarecimento. 15to porque penso que a falta de informação ou a maior ou menor informação relativamente a todas as questões, designadamente no que concerne à Revisão Constitucional, não é maior ou menor nas Regiões Autónomas do que em relação ao resto do País.
Na realidade, não vejo que haja grandes diferenças, uma vez que há hoje, nas Regiões Autónomas, um acesso pleno, em termos de comunicação social - quer de canais de televisão, quer de rádio, quer de imprensa -, perfeitamente equivalente em relação ao resto do País.
Contrariamente ao que o Sr. Deputado referiu, eu não disse que as Regiões Autónomas não podiam ser prejudicadas pela Revisão Constitucional. 0 que disse foi que as populações das Regiões Autónomas não aceitavam de bom grado «serem prejudicadas no aperfeiçoamento das autonomias em sede de Revisão Constitucional, como reflexo de uma postura política generalizada de manifesto recuo em matéria de regionalização do continente», o que é uma coisa completamente diferente.
Passemos agora à questão de o facto de se propor a criação de um círculo eleitoral próprio das Regiões Autónomas para o Parlamento Europeu atentar, na sua opinião, contra a unidade do Estado e contra a unidade nacional.
Pelo amor de Deus, Sr. Deputado!... Se essa circunstância, fosse atentatória da unidade nacional, então a própria essência da Região Autónoma o era também! 0 que acontece é que as Regiões Autónomas têm, efectivamente, existência mercê de condicionalismos geográficos e sociais próprios, sendo nessa mesma linha e por essa mesma razão que se propõe a criação de um círculo eleitoral próprio para as Regiões Autónomas em matéria de Parlamento Europeu.
Esta pretensão não atenta absolutamente em nada contra a unidade do Estado, nem atenta, em meu entender, contra a legislação eleitoral designadamente - penso que era o que queria referir - em relação à circunstância de se tratar da eleição de um só deputado, com o princípio da representação proporcional.
Na minha intervenção, eu próprio aqui referi que tínhamos apresentado uma proposta tendente a que, relativamente à aplicação desses princípios designadamente o princípio da representação proporcional, se tenham presentes este era também um caso desses - as condições específicas e próprias - das Regiões Autónomas.
Efectivamente, nada disto colide com os princípios da unidade do Estado e da unidade nacional.
Quando há boa vontade, encontram-se as soluções adequadas. Contudo, se não há boa vontade apela-se a pseudo-ofensas à unidade nacional para se contrariar as pretensões, das Regiões Autónomas. E parece-me ser esta a postura do Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos César.

0 Sr. Carlos César (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, o PSD/Madeira apresentou uma proposta para o artigo 234.º-A respeitante à competência interna da Assembleia Legislativa Regional.
Como V. Ex.ª sabe, a questão da constitucionalização dos direitos da Oposição tem também que ver, quanto às decisões que aqui vamos tomar, com a constitucionalização da capacidade de a região legislar em matéria fiscal no quadro da Assembleia da República.
Assim, perguntava ao Sr. Deputado e aos Srs. Deputados subscritores do projecto do PSD/Madeira se encontram algum obstáculo a que se acrescente, à formulação que apresentaram, a aplicação à Assembleia Legislativa Regional e respectivos grupos parlamentares das normas que aqui mencionam, bem assim como das normas do n.º 2 do artigo 52.º (petições) e do n.º 6 do artigo l8l.º, que tem a ver com a distribuição das presidências das comissões parlamentares respeitarem a proporcionalidade da representação parlamentar.
Certamente que nem uma nem outra dessas questões que lhe coloco se apresentam como não sendo advogáveis ou defensáveis por V. Ex.ª, na sequência aliás de ter afirmado que na Região Autónoma da Madeira

Página 4168

4168 I SÉRIE - NÚMERO 85

se vive uma relação transparente e democrática no relacionamento interpartidário e entre as diversas instituições. V. Ex.ª admitirá que, não concordando com alterações de somenos como estas, não parece legitimo concluir que não exista alguma suspeição sobre a veracidade desse relacionamento transparente e democrático.
Finalmente, como os senhores já levaram muita «pancada» hoje, gostaria de lhe transmitir a minha concordância com as suas apreciações em relação ao processo de regionalização administrativa, sobretudo no que diz respeito ao seu relacionamento com as questões das autonomias insulares.
Na verdade, parece-me que dar voz e poder às regiões do continente terá mesmo, para açoreanos e madeirenses, um grande alcance pedagógico, uma vez que acentuará, na forma e na oportunidade das suas reivindicações, o recurso a um conceito mais amplo de solidariedade nacional, que poderia ser expresso como não só receber o que se necessita, mas sentir que se dá o que não foi possível receber.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Carlos César, antes de mais pretendia tecer um reparo ao seu pedido de esclarecimento. É que me parece que, ao fazer a afirmação «os senhores já levaram hoje aqui muita pancada», V. Ex.ª estaria provavelmente a referir-se à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.
No entanto, lamento a sua afirmação, uma vez que V. Ex.ª está a pôr isto em termos exclusivamente partidários, quando aquilo que ouvi ser proferido pelo Sr. Deputado José Magalhães não foi um ataque ao partido A ou ao partido B, mas às próprias Regiões Autónomas. Por conseguinte, lamento que V. Ex.ª considere essa situação afirmando que «os senhores estão a levar muita pancada», pois pensei que o Sr. Deputado também estava a levar!

O Sr. Carlos César (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos César (PS): - Sr. Deputado, naturalmente que não considerei a parte em que o Sr. Deputado José Magalhães afirmou que o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira governava a Madeira como uma ditadura como um conceito abrangente do comportamento e da postura do PS.

O Orador: - Não foi isso que eu disse, Sr. Deputado - lá está V. Ex.ª a apelar para o lado partidário! O que disse foi que essa afirmação é uma ofensa às Regiões Autónomas, mas continuo a ver que V. Ex.ª não a considera como tal! Para mim isso é que é grave!
Em relação aos direitos da Oposição e tal como referi na minha intervenção, vamos apresentar uma proposta que responde, praticamente, às pretensões que o PS apresentava no seu projecto relativamente à consagração constitucional dos direitos da Oposição. Porém, temos de ver esta questão com uma certa cautela, porque ela envolve, em certa medida, uma interferência no âmbito regimental das assembleias regionais. Consequentemente, parece-nos que, em fidelidade ao princípio da autonomia, teremos de ver esta matéria com algum cuidado.
Relativamente ao n. ° 6 do artigo 181.°, quero lembrar ao Sr. Deputado Carlos César que essa pretensão não estava efectivamente contida na proposta do PS e que é, aliás, a primeira vez que ela nos é posta.
Queria igualmente deixar uma pergunta ao Sr. Deputado Carlos César. Gostaria de saber qual a sua posição relativamente à criação de um círculo único, por cada uma das Regiões Autónomas, para o Parlamento Europeu.

O Sr. Carlos César (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente. Foi-me feita uma pergunta...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, regimentalmente não lhe posso dar a palavra. Com efeito, verificou-se um pedido de esclarecimento e uma resposta a esse mesmo pedido - não posso ir mais longe do que isso.

Pausa.

O Sr. Deputado Carlos César pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos César (PS): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos César (PS): - Sr. Presidente, devo, por razões formais, iniciar este uso da palavra com uma frase que terá um pouco a ver com a defesa da consideração pessoal. É que tenho de dizer ao Sr. Deputado Guilherme Silva que, efectivamente, para efeitos de defesa da autonomia, não recebo, nem a título pessoal nem a título partidário, lições do PSD/Madeira.
Provavelmente que V. Ex.ª nunca tinha ouvido isto de um membro do PS, que, para o efeito, não precisa de historiar a violência física a que foi sujeito por membros que são hoje destacados dirigentes ou elementos da administração regional por conta do PSD, membro do PS que também teve a coragem de se opor aos que, numa estratégia totalitária, abrangiam os Açores e a Madeira com esses propósitos, em detrimento da sua autonomia.
Sr. Deputado Guilherme Silva, começo a pensar que, provavelmente, o Sr. Deputado José Magalhães tem mesmo razão. Na verdade, essa história de V. Ex.ª confundir o titular de um órgão com o órgão é mesmo coisa de ditador!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É típico!

O Orador: - Esta coisa de V. Ex.ª confundir a adjectivação sobre o titular de um órgão, que é presidente de um governo, com uma adjectivação dirigida a um ordenamento regional e a órgãos regionais, é de tal modo abrangente que ultrapassa a imaginação de um democrata.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Carlos César, eu também não recebo lições de história,

Página 4169

23 DE MAIO DE 1989 4169

ainda por cima recente, de membros do PS, muito menos do Sr. Deputado José Magalhães, pois em matéria de autonomia pouco ou nada sabe.
No entanto, dando ainda algumas explicações ao Sr. Deputado Carlos César, queria lamentar uma vez mais esta sua posição.

O Sr. Deputado José Magalhães afirmou que o presidente do Governo Regional exercia o seu cargo em ditadura. Na realidade, esta foi a sua expressão, não focando a pessoa A ou pessoa B. Portanto, quando disse «o presidente do Governo Regional da Madeira exerce...», fez uma referência institucional.
No entanto, independentemente desse subterfúgio que V. Ex.ª entendeu agora tentar encontrar, fazendo a diferenciação entre o cargo e o seu titular, vejo com mágoa que V. Ex.ª subscreve a posição do Sr. Deputado José Magalhães.
Nestes termos, fico realmente esclarecido sobre a postura do PS nesta matéria e sobre a noção que V. Ex.ª tem da democracia instalada nas Regiões Autónomas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Guilherme Silva, uma resposta, dois comentários e um pedido de esclarecimento.
A resposta ao vosso apelo é «sim», por mais que vos possa parecer estranho e por mais que V. Ex.ª sinta um pouco de má consciência ao não me bater palmas, como devia bater, por esta disponibilidade para o consenso.
«Sim», consideramos a vossa proposta em relação à adaptação fiscal; «sim», consideramos a vossa proposta em relação à garantia de direitos da oposição; «sim», consideramos todas as propostas que visem beneficiar o estatuto constitucional das Regiões Autónomas.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Também se não considerarem, que mal há nisso?

O Orador: - O comentário é este: o «não» não parte da bancada do PCP...

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Não?!

O Orador: - Não! Aliás, os Srs. Deputados do PSD, que estão tão excitados, repararão que o PSD/N (Nacional) não subscreve nove de cada dez propostas do PSD/M (Madeira).
Porque é que será, Srs. Deputados do PSD? Será «má vontade»? Será porque os Srs. Dirigentes do PSD «odeiam a autonomia», são «inimigos jurados das autonomias», «comem as autonomias todos os dias ao jantar»... ? Não é! É porque essas propostas excedem o quadro constitucional plasmado em matéria de equilíbrio entre a soberania e a autonomia.
Trata-se de um equilíbrio delicado e que pode ser aperfeiçoado em muitos aspectos. Mais: não é qualquer coisa de estático. Porém, é qualquer coisa que tem de ter um limite claramente assumido...
O comentário é este: provavelmente a questão essencial para as autonomias hoje não é nenhuma destas que estamos a discutir aqui esta noite, mas aquela que o Dr. João Jardim, há dias, com alguma sageza, referia a um jornalista.
Com efeito, em resposta a esse jornalista (isto vem tudo no jornal «Europeu» de há uns dias) que lhe perguntava porque é que estava agora a criticar tão pouco Lisboa, respondeu: «Estou mais velho, mais maduro e o que me interessa agora é a Madeira. Não me convém criticar o poder de Lisboa».
«Por causa da dívida?» - perguntava o jornalista.
Resposta: «O caso da dívida está em negociação e acredito que seja resolvido em breve. Com os juros ascende a mais de 70 milhões de contos.»
O problema está mais aqui, Srs. Deputados, na situação financeira das Regiões Autónomas, em especial da Madeira, no que noutra coisa qualquer...
Por outro lado, no quadro da integração europeia, a situação das Regiões Autónomas é extremamente difícil. É coisa que não se resolve, de uma penada com medidas constitucionais. Daí o valor relativo do que estamos a discutir.
Contudo, o que estamos a discutir não deve ser desvalorizado. Isto porque conquistaremos nesta revisão cinco aperfeiçoamentos úteis - não o negue, Sr. Deputado Guilherme Silva -, extremamente úteis.
Última observação: nós não podemos aceitar o espírito subjacente a algumas partes da intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, pois é um espírito
incomensuravelmente intolerante.

O Sr. Deputado repare que diz: «Cale-se! De autonomia sabemos nós! Os senhores de autonomia não sabem nada!» V. Ex.ªs constituem-se em mandarins, monopolistas da autonomia!
Porém, ainda vão mais longe. Há dias, num desses artigos, sob o título «subserviência», o Dr. Jardim referia-se assim aos seus colegas da Região Autónoma dos Açores: «Se não era a iniciativa da Madeira, dos Açores não houve projecto de Revisão Constitucional apresentado, mas sim iniciativas de diálogo através de deslocações à Assembleia da República cujo resultado está à vista. O pouco que se adquiriu não foi proposto pêlos açoreanos, mas foi mercê da iniciativa do projecto madeirense.
O crescimento da oposição nos Açores deve-se também a lhe terem atribuído um estatuto que não possuía - representatividade - coisa que aqui fica claro ser impensável, pelo menos enquanto eu por cá andar! Não posso transigir com partidários de um conceito de autonomia mais restrito e mais subserviente!» Isto refere-se, indisfarçavelmente, ao Dr. Mota Amaral...
Mais: os senhores não esperem que possamos aceitar o espírito que levou, na Madeira, um certo secretário de Estado... a exarar um célebre despacho. O Sr. Deputado Guilherme Silva dizia: «Os sindicalistas, a CGTP, têm medo, apanham porrada,» etc... Calúnias! Ridículo! No entanto, o que é verdade é que lá, na Região Autónoma da Madeira, se fazem despachos censórios como este que lerei relativo a uns estudantes que queriam afixar um cartaz do Movimento Nacional dos Festivais da Canção Juvenil:

1 - É norma determinante que, enquanto for Governo, não será dada qualquer cobertura do âmbito escolar às iniciativas que constituam programação activista do PCP.
2 - O expresso em 1. é feito sem prejuízo do reconhecimento do PCP do seu direito de cantar.

O secretário Regional

Página 4170

4170 I SÉRIE - NÚMERO 85

Quem é o autor deste despacho, quem é? Carlos Lélis se chama! Então secretário era, agora deputado é!

Risos do PCP.

Eis, senhores, a imagem da própria democracia tal qual a vê o PSD!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, eu não fiz a afirmação de que só nós é que sabíamos de autonomia, que VV. Ex.ª não sabiam nada de autonomia, que mais ninguém sabe de autonomia, etc. Na verdade,
referi-me à sua pessoa mercê das afirmações que fez, pois as afirmações que emitiu são efectivamente indiciarias de quem não conhece nem domina as questões de autonomia.
No entanto, registo com agrado que V. Ex.ª está a tornar-se um leitor assíduo do Dr. Alberto João Jardim e que vai, com certeza, fazer a aprendizagem adequada através dessa leitura.

Aplausos do PSD.

Aliás, penso que, pela postura que aqui revelou, no sentido de que iria concordar com algumas das nossas propostas, começa a apontar aquele facto.
De qualquer modo, vou esperar para ver - permita-me que seja ainda um pouco descrente. É que é tão pouco normal ver-lhe essa receptividade, que vou, na verdade, ficar atento para ver se a sua promessa vai ser cumprida in integro até ao final da votação; vou seguir, momento a momento, a vossa posição nesta matéria.
Mais uma vez, em matéria de Revisão Constitucional, o Sr. Deputado traz à colação questões que não têm que ver com a Revisão Constitucional, e obviamente que teria necessariamente de ser focada a situação financeira das Regiões Autónomas.
Tanto quanto sabemos, esta questão irá ser, em momento próprio, alvo de apreciação por parte desta Assembleia. Porém, queria, entretanto, adiantar-lhe o seguinte: rigorosamente, esta é, em termos nacionais, uma falsa questão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - São 70 milhões!

O Orador: - A Região Autónoma da Madeira não fez, no período a que respeita a criação deste endividamento, investimentos superiores aos que foram feitos, per capita no todo nacional.
Em segundo lugar, por razões inerentes à própria autonomia e ao sistema de funcionamento de orçamentos separados, é óbvio que a região assume uma série de encargos que, no todo nacional, são assumidos pelo Orçamento do Estado. Assim, mercê desta situação, cria-se um deve haver entre a região e o Estado.
Nestes termos, como o sistema que se seguiu foi o sistema errado - porém, o único possível na altura - de recorrer a empréstimos praticamente comerciais para financiar investimentos públicos (escolas, hospitais, estradas), obviamente que se tinha de criar um sistema de endividamento, com acumulação de juros, porquanto os investimentos públicos não reproduzem meios para o seu custeamento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então e os Açores?!

O Orador: - É esta a situação. Conheço a Região Autónoma da Madeira e é, portanto, dela que estou a falar! V. Ex.ª referiu-se em especial à Região Autónoma da Madeira e, por conseguinte, é ela que abordo! Aliás e como sabe, os sistemas de financiamento da Madeira e dos Açores não são totalmente equiparados. Na verdade, os Açores têm outras fontes de financiamento que a Região Autónoma da Madeira não possui, como, por exemplo as que advêm do Acordo das Lajes, que são fatias consideráveis e importantes.
Esta situação da dívida atingiu os valores que atingiu porquanto se impôs o recurso a este sistema de financiamento, que foi efectivamente errado.
As demoras de alguns governos em resolver esta questão têm, assim, feito com que os juros se acumulem e a dívida se agrave.
Portanto, é esta a realidade da dívida da Região Autónoma da Madeira.
A obra a que estes financiamentos se destinaram está lá feita! E muita dela foi realizada numa altura em que, em pleno gonçalvismo, se dava cabo de tudo isto! Nessa altura faziam-se lá coisas, davam-se os primeiros passos na autonomia com gente jovem e empenhada; enfim, construía-se a realidade nova que são as Regiões Autónomas!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, para fazer uma intervenção num momento ulterior.

O Sr. Presidente: - Neste momento estão inscritos os Srs. Deputados Almeida Santos, Ferreira de Campos, José Apolinário e Carlos Lilaia, pelo que o Sr. Deputado fica inscrito para intervir em seguida.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de autonomia regional e pensando na velha história do macaco na loja de loiça, tenho-me sentido muitas vezes o dono da loja.
Por mal dos meus pecados e por mal das minhas aventuras políticas, fui eu que tive que elaborar em escassas horas, em dia e meio ou dois dias, o Estatuto Provisório das Regiões.
Tinha-se aproximado o termo do prazo e fui chamado a traduzir as disposições constitucionais que, como vêem, não são muito claras, no Estatuto Provisório dos Açores e da Madeira.
Não quero lembrar o que isso me custou, mas já então esse estatuto foi considerado um horror: críticas das regiões de que matava a autonomia regional, vieram cá ilustres delegações, etc, mas eu pude convencê-los de que estava lá traduzido o texto constitucional.
Bom, o que se passou depois não vale a pena rememorar. Mas quem me havia a mi m de dizer que, catorze anos depois, ainda vigorava o Estatuto Provisório na Região da Madeira!
Ele não é tão mau, afinal de contas, que não se tenha receio do salto para o estatuto definitivo.

Página 4171

23 DE MAIO DE 1989 4171

Os Açores já têm o seu estatuto definitivo, o que torna mais grave o facto da Madeira o não ter.
Mas, portanto, há uma relatividade em todas estas questões, em todas estas paixões, em todos estes queixumes, eles valem o que valem e não vale a pena deixarmos-nos impressionar demasiadamente por eles e nunca devemos provocar por eles.
Tenho mantido uma serenidade para lá de todos os limites, mesmo quando o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira, João Jardim, resolve premiar-me com toda a sua diatribes, por vezes quase diárias. Abro um jornal lá está ele a dizer: «O Almeida Santos é culpado de tudo e de mais alguma coisa, é o travão da autonomia regional.» Por vezes, evidentemente, falta à verdade e é grosseiro, vamos chamar as coisas pelo seu nome. Mas nunca me deixei provocar por isso, pela razão simples de que eu tenho pelo presidente do Governo Regional em duplo sentimento.
Pessoalmente gosto dele, não posso deixar de gostar, é um coimbrão, solto, um bocadinho deslocado, como se sabe, mas que enfrenta o seu adversário directamente. Não manda recados por ninguém, exagera quase sempre, apaixona-se quase sempre, raras vezes tem razão.
Tem, digamos, em relação à política, se me é permitida uma imagem forte, em que não vai nenhuma ofensa, uma atitude rinocerontica, quer dizer, vê uma sombra e investe contra um continental, ouve um ruído e investe contra um adversário da autonomia regional. Ele é assim, não sei se vale a pena desejarmos que o não seja, porque ao que parece, ele está para durar.
Também tem qualidades, como é óbvio, tem muitas qualidades e a prova disso é que tem o êxito político que tem.
Só que ele não há-de estranhar que, de vez em quando, algum José Magalhães lhe diga coisas parecidas com aquelas que ele nos diz, quase com carácter de normalidade, cada vez que abre a boca e fala com um jornalista.

Risos.

Não há dúvida que o meu amigo lhe disse coisas duras, simplesmente ele pôs-se a jeito e não pode estranhar, nem os Srs. Deputados se podem arvorar em defensores oficiosos de quem, usando uma linguagem que por vezes é ofensiva, sempre exagerada e sempre apaixonada, de vez em quando também tem que apanhar.
Raras vezes lhe respondo, creio até que raras vezes o tenho feito, mas não consigo deixar de, pessoalmente, lhe achar piada, isto é assim mesmo.
Agora não há dúvida nenhuma que isso não me impede de me colocar no papel do dono da loja, porque quando alguém, apaixonadamente, se coloca no plano da defesa da autonomia regional, alguém tem de colocar-se na defesa da unidade do Estado. Em certas ocasiões, esse alguém tenho sido eu próprio.
Não creio que tenha exagerado em nenhum momento. Não me esqueço que, quando aqui apareceu o primeiro projecto de Estatuto dos Açores, ele vinha inçado de constitucionalidades; na altura contámo-las e eram dezena e meia ou coisa aparecida. Lá conseguimos podar algumas, mas ainda lá ficaram outras.
A votação foi feita às três da manhã, também com algum entusiasmo à mistura e lá ficaram duas, três, quatro inconstitucionalidades em que nunca se entendeu dever tocar. Também ninguém morre por isso!
Um dia apareceu aqui um projecto de Estatuto da Madeira; trazia quinze ou dezasseis inconstitucionalidades, que eu denunciei, e mais uma vez fui apodado de adversário da autonomia regional, mas não se tratava disso, pois eu era apenas um defensor da legalidade constitucional.
Quisesse o Sr. Presidente do Governo Regional respeitar a legalidade constitucional e tinha já neste momento um estatuto definitivo. Mas não, ficou melindrado, e quando o projecto foi para o Tribunal Constitucional» ou melhor (creio que não chegou a ir) quando o Sr. Presidente da República o vetou, talvez por o Tribunal Constitucional ter intervido, já não me lembro, fez a célebre declaração: «Ai não querem este? Pois não terão outro!» E até hoje não tivemos outro.
E não tivemos outro porquê? Porque sempre entendemos - eu entendia e ajudei a alimentar essa interpretação, que não é uma interpretação unívoca, de maneira nenhuma, era possível outra interpretação diferente - que entre os direitos ligados à autonomia regional devia estar o princípio de auto-organização.
Entendo que isso é fundamental e por isso mesmo ajudei a que esta ideia vingasse. Creio que terei sido o primeiro a dizer, num discurso, que entendo que a iniciativa estatutária compete às regiões.
Por isso, não foi sem alguma surpresa que agora ouvi o Sr. Deputado Guilherme Silva dizer que o PS e o CDS vieram transferir essa autonomia para a Assembleia da República.
Bom, é preciso que se explique o que é que isto quer dizer. O que nós propusemos foi uma coisa muito diferente, foi dizer que não podemos eternizar o momento em que o presidente da Assembleia Legislativa Regional resolve mandar para aqui um projecto de estatuto definitivo. O provisório é provisório, o definitivo é definitivo.
Há aqui uma entorse na orgânica do Estado, pois os Açores já têm um estatuto definitivo e a Madeira não tem por caprichismo pessoal do Sr. Presidente do Governo Regional.
Então, nós dissemos: vamos pôr termo a isso e assim vamos propor que, finda a Revisão Constitucional e publicada a Lei da Revisão, a assembleia regional mande para a Assembleia da República dentro de um ano ou seis meses, não me lembro já o que está na nossa proposta, um projecto de estatuto definitivo, sob pena de iniciativa se deferir à Assembleia da República.
Portanto, este deferimento surge como um castigo, uma sansão, para quem reiteradamente não quer cumprir o seu dever, e faz disso um capricho pessoal.
Será que isto significa que nós queremos retirar às regiões o direito da iniciativa estatutária? Se quisesse-mos isso, propúnhamo-lo, nada nos impedia de o termos feito! Porque é exactamente o momento da Revisão Constitucional aquele momento único, segundo nós, em que se podem restringir os direitos das regiões. Mas não nos passou pela cabeça restringir um só direito e muito menos tirar às regiões o direito à iniciativa estatutária, o direito da auto-organização.
Esta iniciativa tem de ser das regiões e exactamente porque a conquista de direitos para a autonomia regional cai num estatuto que não pode ser modificado por iniciativa deste Parlamento - o povo português não pode, através dos seus representantes, alterar esse estatuto - é preciso muito cuidado, muita sensatez e muito

Página 4172

4172 I SÉRIE - NÚMERO 85

equilíbrio em cada reforço que se consagra da autonomia regional, porque, em meu entendimento, ele consagra-se para sempre. Ele não tem recuo e porque não tem recuo é que não podemos estar aqui impensadamente a reforçar os poderes das regiões. Ninguém me convencerá - pode tentá-lo mas não consegue - que as Regiões Autónomas do nosso país não têm já pelo menos tantos (e provavelmente mais) poderes como as regiões autónomas de outros países, em relação às quais, porventura, a grande especificidade histórica, cultural e até de outras naturezas, é mais acentuada do que em relação aos Açores e Madeira.
Tirando a insularidade, felizmente, a unidade do nosso Estado é uma bela maravilha, em todo o espaço português, mas a insularidade implica determinadas regras, determinadas especialidades que devem ser tomadas em conta.
Não gostei de ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva dizer que nós quisemos transferir essa competência. Fomos nós que fizemos essa interpretação, repito, que não era unívoca, mas nós queremos que seja, defendemos que seja assim, porque entendemos que o que se põe no cesto do basquete das regiões, em matéria de autonomia, não tem recuo nem deve tê-lo. Entendemos que não podemos fazer isto em estilo de corrida desenfreada, impensadamente, à base de caprichos ou à base de paixões ou de entusiasmos.
Não, tudo tem de ser maduramente ponderado e é preciso que haja razões muito sérias para a justificar um avanço que se sabe que não terá recuo.
Por isso mesmo, felicito-me por ter sido possível, apesar de tudo, consagrar alguns avanços, que já aqui foram referidos.
A autorização legislativa da Assembleia da República às assembleias regionais é um belo avanço, embora com as cautelas de que neste momento ficou rodeado. Vamos ver que exercício vai ser feito dessa competência...
Mas já não pudemos concordar, por exemplo, com as autorizações legislativas da assembleia regional ao próprio Governo Regional, porque, sabendo-se o ascendente que têm os governos regionais - e têm-no, de facto, é inegável - sobre os próprios parlamentos regionais, conceder essas autorizações era, porventura, anular os próprios parlamentos regionais ou reduzi-los a uma figura de retórica. Ora, nós não podíamos, com o nosso voto, sancionar essa hipótese.
Também em função do interesse colectivo - mas desde já neste domínio e no âmbito em que foi decidida esta faculdade - ficou aberta a possibilidade das regiões não respeitarem as leis gerais do País, o que é um salto importante e que ninguém o diminua.
Foi também conquistado para as regiões o poder de desenvolver, em função de interesses específicos, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República e fomos ao ponto de aumentar algumas leis de base, transformando em leis de base matérias que não estavam sujeitas a elas, por entendermos que essas matérias deviam também, elas próprias, poder ser desenvolvidas pelas regiões.
Há mais duas ou três conquistas que não me referirei porque são conquistas de menor significado, mas ainda tenho esperanças de que possamos pôr-nos de acordo sobre uma fórmula que consagre a possibilidade de as regiões adequarem o sistema fiscal às especificidades regionais no quadro de uma lei desta Assembleia.
Essa matéria não ficou, desde já, indiciada favoravelmente na comissão de revisão pela simples razão de que as regiões se mostraram fechadas - e o PSD apoiou-as nessa medida - à consagração constitucional que propusemos de alguns elementares direitos dos parlamentares que vigoram para o continente vigorarem nas regiões. Estes direitos já vigoram nos Açores, com base do seu Estatuto, mas a Madeira tem-se recusado a reconhecê-los, nomeadamente aos deputados das oposições.
Entendemos que esta recusa é totalmente incompreensível, sobretudo da parte de quem tanto espera de nós em matéria de reforço da autonomia, e por isso mesmo condicionámos a aprovação da primeira modificação à aceitação da segunda.
Vamos entender-nos sobre formulações reciprocamente aceitáveis e eu gostaria de poder felicitar-me por também estas duas melhorias poderem ser consagradas.
É claro que não puderam ser aceites muitas outras propostas e se quiséssemos fazer uma análise conscienciosa de algumas das propostas que foram feitas pêlos Srs. Deputados da Madeira, teríamos que reconhecer que elas são excessivas do ponto de vista da salvaguarda necessária da unidade do Estado e da ponderação dos interesses que existem e são necessários, entre o prato da balança da unidade do Estado e das autonomias regionais.
Aumentar poderes toda a gente quer! Quer o Governo, em relação a esta Assembleia, querem os Tribunais em relação à Assembleia e ao Governo, querem as câmaras e as juntas, querem os directores-gerais! Quem não quer ver aumentados os seus poderes?!
Mas não é qualquer aumento de poderes que se identifica com os interesses do Estado! Quando o legislador se coloca numa óptica de Estado tem que ponderar e tem que sopesar os dois pratos da balança e funcionar de fiel. Não pode ser de outra maneira e, portanto, peço aos Srs. Deputados da Madeira, sobretudo, e também dos Açores, entre os quais estão camaradas nossos, que compreendam que, quando nós, por vezes, recusamos algumas aberturas ao reforço da autonomia, não é porque sejamos inimigos da autonomia, é porque também não somos inimigos do Estado e entre dois valores temos que sopesar o peso relativo de cada um deles.
Penso que fizemos isso com justo critério e, portanto, penso que foi acertado que não consagrássemos que cada região fosse um círculo eleitoral para o Parlamento Europeu.
A representação no Parlamento Europeu tem que ser uma representação, obviamente, nacional. Também já num outro projecto de estatuto nos recusámos a considerar que, no continente, os açoreanos e os madeirenses também representassem um círculo eleitoral.
Tudo isso, a meu ver, ultrapassa a fronteira e quando eu digo ultrapassa a fronteira, quero aqui chamar à atenção para um problema que eu tenho levantado muitas vezes que é este: concordo que a autonomia regional deve ser progressiva, pois iremos até onde pudermos sem quebra de autonomia; mas gostava que os próprios arautos da autonomia progressiva aceitassem um limite, pois nunca queremos ir além dele, seja o Estado Federado, seja o Estado Confederado, seja uma fronteira antes desses limites.
De qualquer modo, é preciso sabermos até onde querem ir, porque se nós pudermos desconfiar - e por

Página 4173

23 DE MAIO DE 1989 4173

vezes os acontecimentos quase que justificam essa desconfiança - que o que se pretende é avançar sem limite possível e, portanto, ultrapassar as fronteiras da unidade do Estado, temos que dizer «alto lá, isso não».
E dizemos isso por amor dos Açores e da Madeira, não porque lhes sejamos indiferentes, mas porque queremos os Açores e a Madeira, embora com a sua autonomia, no quadro da Nação portuguesa, porque a ela pertencem. São tão portugueses como nós, eles assim se sentem e é assim que vemos esta questão.
Portanto, defina-se a fronteira da progressão e nós poderemos, com mais confiança, ir até um pouco além.
Evidentemente, quando se pretende a eliminação do Ministro da República,
dizem-se dele coisas como estas: ele representa o que o Conselho da Revolução representou para a Assembleia da República, que é uma figura, como hei-de dizer, de base não democrática, como disse o Sr. Deputado Guilherme Silva.
De base não democrática porquê? Porque não tem origem electiva? Então o presidente do Governo Regional da Madeira e dos Açores também não tem base democrática, pois, por acaso, até é designado por ele.
Então, porque uma figura não é electiva, não tem base democrática? Os juizes não têm base democrática porque não são eleitos?» Os funcionários da Administração portuguesa, dos mais altos aos mais baixos, não tem base democrática porque não são eleitos? O Primeiro-Ministro não tem base democrática porque não é eleito, assim como o Governo da República?!
Vamos entendemos, pois expressões destas alimentam a confusão e a suspeita, o mesmo acontecendo quando a minha querida amiga Helena Roseta vem dizer que o Ministro da República é uma figura abstrusa, que foi gerada como transitória, coisa de que não me apercebi na altura em que ela foi concebida e que a bandeira chega.
Mas a bandeira chega como, Sr.ª Deputada Helena Roseta? A bandeira pode exercer a promulgação e o veto de diplomas? Pode coordenar a actividade dos serviços centrais do Estado, no tocante aos interesses da região? Pode nomear e exonerar os membros do Governo? Pode ter acento no Conselho de Ministros? Pode superintender nas funções administrativas exercidas pelo Estado na região e coordená-las com as exercidas pela própria região? Pode fiscalizar o respeito pelas leis gerais da República? Pode fiscalizar o respeito do Estatuto das regiões pelas leis gerais da República?
São funções muito importantes que tinham que ser atribuídas a alguém e só havia duas soluções: uma era atribuí-las, na fase representativa, ao próprio presidente da assembleia regional, quer dizer, o todo é representado na parte por um próprio elemento ou representante dessa parte; representava a parte e representava o todo na parte.
Por outro lado, substituir o Ministro da República pelo Presidente da República, envolvendo-o nestas querelas que, como se vê, não são nada pacíficas e nada serenas, iam obrigá-lo a exercer funções que implicam algum conhecimento local de problemas que o Sr. Presidente não pode ter porque não vive lá, nem pode ter assento no Conselho de Ministros para o tratamento dos assuntos relativos às regiões.
É claro que, se a questão pudesse ser discutida sem esta paixão, não via razão nenhuma para a Madeira alegar descontentamento com um Ministro da República que nunca foi posto em causa. Está lá há catorze anos, vivem como Deus e os anjos e não há a menor razão de queixa, nunca propuseram que ele fosse substituído e ele próprio também não entendeu nunca que devesse sê-lo e agora vem aqui uma proposta de um mandato de três anos.
Mas mandato porquê? O mandato não se casa, nem desposa figuras deste género. Ele é um representante da soberania e um representante directo do Presidente da República.
Mandato como? Propusemos que ele termine as suas funções com o mandato do Presidente da República. Tem lógica, pois, se ele é uma figura da confiança do Presidente da República, as suas funções deve cessar com o mandato do Presidente da República e o novo Presidente da República que escolha outro representante da sua confiança.
Por seu turno, o PSD fez outra proposta que, tendo menos lógica, tem alguma, ou seja que as suas funções cessem com o mandato do Primeiro-Ministro. Mas isso é dar-lhe uma função que entendemos não dever dar-lhe, que é a qualidade de ministro do Governo da República; por isso, nós entendemos que ele não deve ter assento nesse Governo, mas deve ir lá, quando se trata da discussão de assuntos das regiões.
Há aqui uma grande confusão de conceitos, como, por exemplo, quando se propõe que a dissolução dos órgãos do governo próprio das regiões, pelo Presidente da República, não abranja a figura do órgão Governo, mas só a Assembleia.
Não entendemos que se defenda isto porque, em primeiro lugar, baseia-se num erro, que é o de transformar o governo das Regiões Autónomas em governo de assembleia, coisa que hoje a Constituição não configura e, porventura, não deve configurar.
Em segundo lugar, entendemos que essa substituição seria, na verdade, absurda e não podia, de maneira nenhuma, ser por nós acompanhada, pois seria um absurdo.
Absurdo porquê? Porque amanhã a dissolução pode ligar-se a um defeito de actuação só do governo, e, então, para que vamos inutilizar uma boa assembleia se foi apenas o governo que prevaricou? Isso não tem lógica!
Também não podemos concordar, evidentemente, com outras propostas que vieram das nossas colegas dos Açores e da Madeira, mas eu não irei referir-me a todas elas.
Penso que já disse o suficiente para se tirar a seguinte conclusão: vamos deixar-nos de dividir o País entre os que são favoráveis à autonomia regional e os que o não são, porque, se não, um dia destes acordamos mal dispostos e temos que acusar os Srs. Deputados que nos acusam de desfavor das regiões, de serem desfavoráveis à unidade do Estado e nós não queremos isso nem pensamos isso.
Não pensamos isso e não queremos enveredar por aí. Portanto, cada um de nós vai respeitar a opinião, a verdade e as concepções dos outros. Vamos lutar pêlos nossos pontos de vista com equilíbrio e sopesando todos os valores em causa e não apenas o lado apaixonado da questão, vamos continuar a construir, como parece que estamos a construir, e ainda bem, uma autonomia regional cada vez mais positiva e cada vez mais reforçada.

Aplausos do PS.

Página 4174

4174 I SÉRIE - NÚMERO 85

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, concordo na generalidade com a sua intervenção mas não posso deixar de sentir alguma perplexidade e colocar-lhe uma questão relativa ao artigo 230.°
O Partido Socialista votou, na comissão contra a eliminação do artigo 230.°, que tem graves inconvenientes e conotações negativas óbvias, não só do ponto de vista da autonomia, mas sobretudo do ponto de vista da própria unidade do Estado.
Mas o que me leva a insistir mais nesta proposta, que é uma proposta do PSD, e a questionar o Sr. Deputado é se, para além do ponto de vista das autonomias, a manutenção deste artigo não é gravemente inconveniente, supondo que tem alguma eficácia normativa e as normas da Constituição, por princípio, devem tê-la. Portanto, pergunto se esta norma não é gravemente inconveniente do ponto de vista da própria unidade do Estado.
A Constituição, no seu catálogo de Direitos Fundamentais, já estabelece o direito de os cidadãos portugueses e todos os cidadãos em geral, de se deslocarem e fixarem em todo o território nacional, sem qualquer excepção - entre as ilhas, das ilhas para o continente e vice-versa. Isto é já um direito fundamental dos cidadãos.
Também o artigo 15.° estabelece um princípio fundamental de igualdade, designadamente proibindo qualquer discriminação em função do território de origem. Apesar de tudo, temos o artigo 250.° que estabelece a proibição de as Regiões Autónomas de estabelecerem restrições a estes direitos.
Assim, a pergunta que lhe faço, Sr. Deputado, é no sentido de saber se não considera que o simples facto de a Constituição estabelecer uma regra para as Regiões Autónomas e admitir a necessidade de normativizar um determinado problema, não implica que ela está a admitir um problema que não se devia pôr? Isto é, nós nem devíamos pôr o problema de os direitos dos trabalhadores, os direitos de trânstito e de fixação e os direitos de igualdade poderem ser diferentes nas regiões! Isto não devia ser questionado!
Penso que a inconveniência deste preceito se situa não tanto numa perspectiva de autonomia, mas sim é duma perspectiva de unidade nacional, de soberania, de continuidade e de ausência de lacunas e normas relativas aos direitos dos trabalhadores, de circulação, etc, para todos os cidadãos independentemente do local em que se encontrem.
Porque é que, do ponto de vista da Constituição, havemos de admitir este problema? Não pode existir, pois ou acreditamos na unidade nacional, na Constituição, nos direitos fundamentais e não colocamos este problema ou, então, admitimos a existência desse problema e estamos numa perspectiva de desconfiança em relação à continuidade, à plenitude, à generalidade e à validade absoluta, no que o espaço português concerne, dos direitos fundamentais.
Fundamentalmente era isto que queria dizer e, repito, o problema releva mais de um ponto de vista nacional do que de um ponto de vista das autonomias - isto sem desprimor para as autonomias. Penso que todos ganharíamos, quer em nome das autonomias, quer em nome da unidade do Estado e da continuidade da ordem jurídica constitucional, se eliminássemos este problema, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, há mais pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª pretende responder já ou no fim?

O Sr. Almeida Santos (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado Almeida Santos, com o brilho que lhe reconhecemos, fez uma intervenção mas deixou-me algumas dúvidas. O Sr. Deputado quis esclarecer a questão que eu tinha levantado sobre a transferência do pedido de iniciativa estatutária que cabe às Regiões Autónomas para a Assembleia da República, por via do projecto do próprio Partido Socialista e do CDS.
Estando a decorrer um processo de Revisão Constitucional, não tinha a menor adequação a Assembleia Regional da Madeira tomar uma iniciativa de aprovação do estatuto definitivo. Mas V. Ex.ª referiu que foi o próprio defensor de que esta iniciativa devia caber exclusivamente às regiões e eu pergunto-lhe, portanto, se o juízo de oportunidade relativo ao momento próprio para essa iniciativa não está implícito nesse mesmo direito e se não serão as regiões e as próprias assembleias regionais, detentoras desse poder de iniciativa estatutária, quem está melhor colocado para ajuizar do momento em que se deve tomar a iniciativa de apresentar à Assembleia da República um projecto de estatuto definitivo de se da vossa proposta não se retiraria, em última análise, este direito.
V. Ex.ª referiu também que se opunha à concessão de autorização legislativa por parte da assembleia regional ao governo regional. O argumento que tinha adiantado já na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional é o de que os governos regionais têm uma ascendência relativamente às assembleias regionais e, portanto, esta seria mais uma forma de esvaziamento de poderes da assembleia regional.
Ora bem, em primeiro lugar, o processo de autorização legislativa passa pela anuência da própria assembleia regional e V. Ex.ª parece que está a raciocinar em função da circunstância de haver maiorias de determinado partido nas Regiões Autónomas. Mas, é óbvio, que o mecanismo democrático instituído permitirá, em teoria, que essa maioria se altere e teremos, então, de ver esta questão em termos de Revisão Constitucional e não numa visão face à realidade de factos meramente existentes. Assim sendo, não vejo que este argumento impeça esta forma de funcionamento, em paralelo, aliás, com o que acontece com o Governo e a Assembleia da República.
Gostaria também que V. Ex.ª me esclarecesse a sua posição face à figura do Ministro da República, que penso que não é rigorosamente uma figura de base democrática, pelo menos em termos de democracia directa não o é, pelo que não colhe a comparação com o Primeiro-Ministro que sai efectivamente da eleição de uma assembleia legislativa que, reflexamente e por força do partido maioritário, vai reflectir-se na constituição do Governo e da escolha do Primeiro-Ministro.

Página 4175

23 DE MAIO DE 1989 4175

Não me parece, portanto, que a figura do Ministro da República seja assim tão importante que o seu desaparecimento atente com a identidade nacional. Propomos, assim, que os poderes hoje atribuídos ao Ministro da República fossem transferidos para o Presidente da República e eu pergunto se esta solução não é mais a favor da unidade nacional do que a solução de esses poderes serem exercidos por uma figura híbrida, destacada para a região, como é o Ministro da República.
Em nenhum Estado regional existe uma figura similar a esta que nas nossas regiões tem o nome de Ministro da República.
V. Ex.ª referiu-se à pessoa dos Ministros da República, mas nós já dissemos por várias vezes que essa nossa postura nada tem a ver com os titulares destes cargos, tem a ver com o anacronismo institucional desta função. Queria que V. Ex.ª me explicasse se o seu partido tem alguma coisa a opor a que as assembleias regionais, a propósito das autorizações legislativas ou propostas de lei apresentadas à Assembleia da República, possam enviar representações que participem nos trabalhos das comissões desta Assembleia quando se debatam diplomas relativos às regiões, sem terem, obviamente, direito de voto.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

0 Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tinha intenção de intervir mais sobre esta matéria, pois já fiz uma intervenção global. Contudo, a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, que utilizou um tom cordato, conciliatório e explicativo que me apraz registar, suscita da minha parte um pedido de esclarecimento.
A proposta que entrou na Mesa e que é por mim subscrita, visa limitar temporalmente as funções do Ministro da República. Se bem reparar, não é utilizada a palavra mandato, pois este pressupõe uma eleição e o cargo do Ministro da República não é selectivo, mas poderia sê-lo. Aliás, penso que não seria um escândalo se o Ministro da República fosse eleito, porque o artigo 3.º da Constituição diz que a soberania reside no povo. Assim sendo, pois então deixai ser o povo a escolher o seu representante, porque o Sr. Ministro da República não é igual aos outros ministros. Ele promulga e veta leis, superintende os serviços do Estado na região, dá posse e exonera o Governo, pelo que toda e qualquer comparação com outro membro do Governo é exagerada e até abusiva.
0 Ministro da República é, se me permitem a expressão, o Sr. Presidente da República nos Açores. Assim, se o representante da República e da soberania não deve ser eleito, é uma tese que eu- não perfilho, à luz, inclusive, do artigo 3.º.
Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, o que se propõe é datar as funções do cargo de Ministro da República por três anos, que foi o que propus, mas pode até ser por quatro; não faço finca pé no número de anos. 0 importante e o que eu desejo ardentemente é que o cargo de Ministro da República não seja vitalício e fiquei com a sensação que o Sr. Deputado Almeida Santos não só defende a eternidade para o Ministro da República, como até lhe confere um estatuto vitalício, com o qual nós não concordamos. Por essa razão, a nossa proposta é uma proposta de boa vontade para tentar desbloquear o impasse neste momento existente entre o PSD e o PS, querendo cada qual fazê-lo coincidir, respectivamente,
com o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Presidente da República. Queremos desbloquear este impasse e foi à luz deste espírito que apresentámos esta proposta.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sinto-me feliz pelos problemas que me colocaram, pois permitem precisar melhor o meu pensamento.
0 Sr. Deputado Costa Andrade ficou perplexo pela nossa recusa em acompanhar o PSD neste aspecto, pois o nosso voto tem coincidido com o vosso, ou melhor, em regra, o vosso voto tem coincidido com o nosso. As coisas são recíprocas, não vale a pena o PSD arvorar-se em campeão da autonomia e nós em inimigo dela, porque, de modo geral, estivemos de acordo na votação, salvo raras excepções.
Mas porque é que não concordamos que se retire da Constituição o artigo 230.º, que veda às Regiões Autónomas restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores, estabelecer restrições ao trânsito de pessoas e bens entre elas e entre o restante território nacional e reservar o exercício ou acesso de qualquer profissão com cargo público aos naturais e residentes na região? Pela razão simples de esta norma estar na Constituição - já o dissemos - e pelo facto de, ao retirá-la, ser possível e até fácil extrair conclusões que podiam ser negativas do ponto de vista dos valores que aqui se pretendem acautelar.
É evidente que a circunstância de haver normas genéricas que asseguram a igualdade de todos os portugueses não quer dizer que se dispense a necessidade ou que se inutilize uma norma específica de acentuação uma certa igualdade específica, numa área também ela específica.
Por outro lado, o facto de todos os portugueses se poderem deslocar em todo o território nacional não significa que o legislador não continue a necessitar de dar certo ênfase à deslocação entre determinadas áreas do território. 15to porque já houve acórdãos do Tribunal Constitucional que anularam, por inconstitucionais, diplomas e projectos de propostas de diplomas das Regiões Autónomas com violação do artigo 230.º
Portanto, não estou a falar em nome de teorias ou de abstracções, estou a falar em nome de factos! Houve factos que justificaram a permanência deste artigo na Constituição.
Por outro lado, ainda me recordo do tempo em que para um ministro poder ir aos Açores tinha de pedir uma autorização, sob pena de ser maltratado nos Açores. Podia ainda falar de outros factos que, contudo, não quero lembrar aqui, porque não vale a pena pôr mais azeite no lume, mas a verdade é que o meu partido entendeu - colectivamente entendeu, não interessam as opiniões individuais - que continua a justificar-se uma norma deste conteúdo. Talvez na próxima revisão, com uma autonomia mais estabilizada, com relações entre as Regiões Autónomas e o continente mais normalizadas nestes vários domínios, talvez, então, possamos encarar a eliminação deste artigo com acentuação das normas genéricas de forma a colocar também estes casos.
A verdade é que, como sabem, tentámos isso mas nenhuma formulação foi suficientemente hábil para nos dar satisfação. Continuamos à espera dela até ao último momento...

Página 4176

4176 I SÉRIE - NÚMERO 85

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça o favor.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Queria só fazer-lhe esta pergunta: suponhamos que esta norma não existia; não acha que, então, a Constituição garantia suficientemente isto?

O Orador: - Se esta norma não existisse, não sei se o Tribunal Constitucional teria declarado inconstitucionais os diplomas que declarou. Não sei, pois esta norma é que foi invocada e não outra qualquer.
Do que se trata é da circulação livre entre uma área insular e uma área continental, numa área de autonomia onde as especificidades dão competência legislativa, o que não chega para justificar uma norma constitucional que altere ou crie uma excepção ao princípio da igualdade.
O Sr. Deputado Guilherme Silva diz que está a decorrer o processo de revisão. Sei que está, ele iniciou-se há dois anos e a passividade e a recusa de a assembleia regional aprovar um projecto de estatuto dura há doze ou treze anos! Não vale a pena invocar os últimos dois anos quando, anteriormente, existe um período de doze ou treze anos em que não cumpriu essa norma constitucional.
Por outro lado, quero repetir aquilo que disse já na CERC: se a assembleia regional, dentro de um prazo razoável após a entrada em vigor da Revisão Constitucional, não apresentar nesta Assembleia um projecto de estatuto definitivo da Região Autónoma da Madeira, invocaremos perante o Tribunal Constitucional uma inconstitucionalidade por omissão e criaremos uma tensão institucional. Criá-la-emos, não teremos o menor recuo, faremos isso, não a maior dúvida.
Por isso mesmo, desistimos de esperar que o Sr. Deputado Guilherme Silva fizesse aqui aquilo que nos chegou a prometer, ou seja, que em prazo razoável esse projecto aqui apareceria. Não lhe peço isso, não insisto em que o faça porque se o projecto não vier nós accionaremos os mecanismos da inconstitucionalidade por omissão.
É claro que eu não tenho dúvidas que a quem compete o juízo, pois quem tem o direito de elaborar o projecto, é necessariamente a Assembleia Regional da Madeira. Mas uma coisa é o direito e outra coisa é o seu abuso. Ora, é manifesto que, catorze anos depois, aquilo que era para vigorar apenas transitoriamente durante um período se transformou em definitivo e, portanto, estamos em manifesto abuso de direito e quem melhor ajuíza é quem não abusa.
Quanto às autorizações legislativas da assembleia regional ao governo regional, afirmou que quando nos convém invocar os factos pomos de lado a visão institucional e só centramos o nosso ponto de vista nos factos. Temos de tomar em conta uma coisa e outra, ou seja, a visão institucional e a factual. Ora, esta é, neste caso, infelizmente óbvia para termos esta preocupação, e
tivemo-la, não nos arrependemos disso.
«O Ministro da República não é de base democrática», o Sr. Deputado insiste nisso. Eu disse o suficiente e, portanto, não creio que deva acentuar mais a minha visão contrária.
No entanto, quero dizer-lhe que, do meu ponto de vista, a figura do Ministro da República é um factor de acentuação da autonomia regional, e não o contrário.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Não, não!

O Orador: - Minha senhora, deixe-me seguir o meu raciocínio até ao fim e depois se não concordar diga então que não, mas não comece já a abanar a cabeça,
peço-lhe isso. Primeiro oiça-me e depois ajuíze em sua liberdade.
Hoje, o Ministro da República o que é? É um representante do todo na parte, é um princípio de representação do Estado, não no exterior do próprio Estado mas numa parte do próprio Estado. Se isto não acentua a autonomia aos vossos olhos, a meu ver é um grande factor de acentuação dessa autonomia. Direi até que a existência de um representante da República numa parte autónoma da República é um dos maiores factores de realce da autonomia regional. Evidentemente que é assim e ninguém me convence do contrário!
Se se eliminasse a figura do Ministro da República e as suas competências fossem incluídas nas competências do Presidente da República, aí sim havia uma redução, a meu ver, do significado da autonomia.
Sempre vi este assunto desta maneira e, por isso, ninguém me convence do contrário, embora possa discordar de mim com toda a liberdade, tem esse direito, como é evidente.
O Sr. Deputado Guilherme Silva referiu que nenhum Estado regional tem figura semelhante. Bem, nesse caso faço-lhe uma proposta que é a de retirarmos o estatuto da autonomia regional dos Açores e da Madeira, se é que isso lhe serve, tudo aquilo que não figura nos outros estatutos regionais. Há muita coisa que figura na nossa autonomia regional que não figura noutros estatutos; há muita coisa que figura nos outros e que não figura no nosso, pelo que a troca seria desvantajosa se fizéssemos essa comparação eliminando tudo o que não há nos outros, eliminando o que há nos nossos e vice-versa.
Ora bem, o Sr. Deputado disse que não tem nada a ver com os titulares. Bom, Sr. Deputado, não me obrigue a sorrir... É de ontem, de anteontem a querela institucional em volta da figura do Ministro da República dos Açores!... Todos nós temos isso presente! Enquanto que a figura da Madeira é excessivamente pacífica e consensual, para meu gosto, a dos Açores é, infelizmente, excessivamente polémica. É em função disso, devo dizer-lhe, que nasce todo o rigor e toda a paixão postos neste problema, porque institucionalmente não há razões que conduzam à vossa paixão. Há, efectivamente, uma base factual, uma paixão de ontem que se transfere para o nosso debate de hoje.
O Sr. Deputado perguntou-me se temos alguma coisa a opor a que membros da Assembleia Regional enviem representações às comissões. Como direito, sim. Como facto muitas vezes isso tem acontecido e se a Assembleia Regional disser a uma comissão desta Assembleia que gostaria de mandar uma delegação para discutir connosco, não admito que nenhuma comissão desta Assembleia lhes responda que não. Não há a menor hipótese de dizer não! O que se passou em relação à última delegação foi que o presidente do Governo Regional quis forçosamente ser recebido ao mesmo tempo que a delegação da Assembleia e nós entendemos, bem ou mal, que não. Aliás, depois até me arrependi de ter apoiado essa decisão, porque não fui eu que inventei essa dificuldade, mas a partir do momento em que ela foi criada, com toda a lógica, tínhamos de mante-la, como é óbvio. Criou-se aí uma birra e ela foi até ao fim.
Bom, mas como direito não, pela simples razão de que isso, a meu ver, seria um pouco aberrante, porque são

Página 4177

23 DE MAIO DE 1989 4177

órgãos que têm competências específicas e que estão na sua própria esfera de acção.
As Regiões Autónomas estão representadas aqui pelos Srs. Deputados, e muito bem representadas. Penso, pois, que seria uma desvalorização dos Srs. Deputados podermos consagrar aqui o direito da Assembleia Regional mandar aqui uma delegação discutir aquilo que o Sr. Deputado pode discutir.
Sr. Deputado Mário Maciel, três anos podem ser quatro, mas nós propussemos cinco... Porquê tanto barulho? Se o Sr. Deputado está disposto a vir de três para quatro, então peco-lhe que passe de quatro para cinco. O que é que dissemos? Dissemos que o mandato do Ministro da República deveria terminar com o do Presidente da República. Vocês é que não querem aceitar isso! E não querem fazê-lo por uma incompreensão que não tem lógica, uma vez que é o Presidente da República quem o nomeia. Portanto, seria justo que ele caísse com a pessoa de quem tem a confiança. Aceitem isso e ao fim de cinco anos as funções terminam.
Portanto, está nas vossas mãos encontrar uma solução óbvia, lógica, em que apenas o Sr. Deputado tem apenas de dar mais um saltito de um ano, ou seja, passa de quatro para cinco, e temos aí a solução. Se vocês querem dar uma recusa ao presidente, não contem com o nosso voto. Já lhe deram uma recusa na autonomia administrativa e financeira, mas esta, com o nosso voto, não lhe dão.
Desculpem, mas assumem as vossas responsabilidades. Paciência, não se fala mais nisso! A nossa proposta será submetida à votação e o PSD votá-la-á contra, se entender que o Ministro da República não deve cair com o Presidente da República.
Também não seríamos muito contrários a que ele caísse com o Primeiro-Ministro, caso não tivéssemos formulado esta proposta que entendemos mais lógica. Cremos que neste domínio são os senhores que têm a obrigação de vir ao nosso encontro e não nós que temos a obrigação de ir ao vosso. A solução está dada, basta o Sr. Deputado querer aceitá-la, pura e simplesmente.
«Deixar o povo escolher o Ministro da República». Mas o povo escolhe os embaixadores, Sr. Deputado?

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Mas os embaixadores não são para Portugal!

O Orador: - O Sr. Deputado não quis perceber o meu argumento de há pouco que foi altamente elogiativo para a autonomia regional. Não quis ser muito claro, mas é um princípio de representação do todo na parte. Os senhores devem envaidecer-se de existir essa representação.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Envaidecer-nos?!...

O Orador: - Sim, sim, Sr. Deputado! Pense bem nisso e vai ver que só tem razões para se felicitar por haver um representante da República numa Região Autónoma chamada Açores e noutra chamada Madeira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como nota prévia à pequena intervenção que vou produzir, gostaria de informar a Câmara de que o PSD retira todas as propostas que formulou sobre organização do poder local e sobre as regiões administrativas que não obtiveram vencimento na CERC.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria, também, de tecer umas breves considerações sobre as principais propostas do PSD relativas à organização do poder local.
O PSD apresentou uma proposta - que, aliás, não foi única, visto que o PS apresentou uma igual - que tende a extinguir o conselho municipal.
Em relação a esta matéria congratulamo-nos com o acordo que foi obtido, principalmente porque o PSD vê com muitas reservas a coexistência de um órgão de representação corporativa a par de um órgão de representação directa em funções não executivas na Câmara Municipal, como também nas regiões administrativas.
O PSD pensa que o nosso sistema jurídico-constitucional permite que se viabilize um princípio de liberdade e capacidade de organização dos municípios que permite que a acção do executivo camarário possa ter em conta as opiniões de instituições de carácter associativo, recreativo, cultural, de solidariedade social que podem, digamos, indirectamente contribuir para o esclarecimento da vontade desse órgão.
Na prática, o PSD foi sensível à constatação da pouca operacionalidade do conselho municipal e a prova dessa pouca operacionalidade é que, na prática, raramente esse órgão - que, aliás, era facultativo - foi criado pelas assembleias municipais.
Por outro lado, constatava-se a pouca ou quase nenhuma originalidade dos pareceres do conselho municipal em relação ao próprio sentir dos elementos da assembleia municipal. Isto porque, na prática, os elementos da assembleia municipal são já recrutados em áreas que têm a ver com essas instituições e, por isso, os pareceres do conselho municipal não tinham uma verdadeira autonomia para justificar a sua existência. Numa palavra e para concluir entende-se que o conselho municipal não tem a dignidade constitucional que justifique a sua constitucionalização. Quanto à composição das assembleias municipais, o PSD apresentou uma proposta que, de facto, tenderia a, em certos casos, reduzir o número de elementos deste órgão municipal à custa dos presidentes das juntas. Gostaria de recordar à Câmara que existem assembleias municipais com uma composição demasiadamente extensa, precisamente porque há conselhos constituídos por dezenas de freguesias.
Verificou-se que não era difícil justificar a eliminação de alguns presidentes de juntas, nomeadamente em zonas urbanas onde as juntas existentes nas sedes dos conselhos têm uma actuação que se sobrepõe à do próprio executivo camarário e, nesses casos, não vinha mal ao mundo que esses presidentes de juntas não tivessem uma representação específica na assembleia municipal.
Por outro lado, a experiência de vida autárquica que temos permitiu-nos constatar que os próprios municípios criam mecanismos não institucionais de audição das aspirações das juntas de freguesia. É o que acontece na prática, pois todos os dias as câmaras auscultam informalmente o sentir das juntas de freguesia e, por esse motivo, seria em, certos casos, dispensável a participação de alguns presidentes de junta nas assembleias municipais.
Finalmente, o PSD apresentou propostas no sentido de viabilizar executivos camarários homogéneos e maioritários. Esta proposta tinha uma certa maleabilidade e,

Página 4178

4178 I SÉRIE - NÚMERO 85

inicialmente, o carácter maioritário de um só partido na composição das câmaras era feito à custa dos mandatos dos outros partidos.
Constatou-se, durante a discussão desta matéria, que o PS sugeriu que o carácter maioritário de um só partido na composição da câmara podia ser obtido acrescentando ao partido maioritário os mandatos necessários para constituir essa maioria sem quebra dos votos obtidos pêlos partidos minoritários.
O PSD lamenta que o PS não tivesse sequer aderido a esta hipótese que minorava a quebra do princípio da representação proporcional, porque se o PS tivesse mantido a adesão a esse princípio ter-lhe-íamos dado o nosso acordo. Repito que, com uma menor quebra do princípio proporcional, teria sido possível obter esse benefício para os executivos maioritários.
Aliás, esse princípio de operacionalidade de executivos minoritários não é uma ideia original do PSD, porque o Partido Socialista apresentou propostas que tendiam a viabilizar executivos minoritários noutros domínios e, por isso, a proposta do PSD não deveria, salvo o devido respeito, merecer a oposição do Partido Socialista.
Enfim e para terminar, não foi possível obter a maioria de dois terços que viabilizasse executivos maioritários, mas o PSD continua a pensar que o princípio era de aceitar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se de facto se pode falar em défice de regionalização, em défice do sistema político, pela não implementação das regiões, o debate que aqui temos travado, sobretudo atendendo à parte de leão que o processo das autonomias regionais tem em contraponto com o espaço, quase formiga, da regionalização no processo de Revisão Constitucional não deixa de ser uma matéria para reflectir e para ponderar.
Tomo a palavra para, como subscritor, entre outros camaradas, de uma proposta visando consagrar uma solução excepcional para a criação e institucionalização das regiões administrativas, por ela me bater.
O sistema político em Portugal continuará a padecer de grave lacuna enquanto as regiões não forem instituídas.
É certo que a definição das regiões não pode nem deve deixar uma região para os restos. Mas essa questão não pode nem deve impedir que regiões que o são por razões históricas, culturais ou geográficas continuem na fila de espera.
Há uma clara hipocrisia política, sobretudo de altos responsáveis do PSD quando, depois de se negociar com o PS um processo tendo em vista a regionalização, quando depois de se valorizarem as regiões em momentos eleitorais, se dá aos portugueses uma regionalização à medida das CCR, se considera a regionalização como algo não prioritário.
Gostava também e precisar e de esclarecer que os proponentes desta norma transitória não pretendem a criação de regiões à trouxe-mouxe. Não queremos regiões que resultem do mero oportunismo político, nem queremos criar uma divisão do País pelo sim ou não à regionalização. Entendemos que essa batalha pela regionalização, pela institucionalização concreta das regiões deve unir todos os portugueses, deve partir duma base alargada e consensual na sede própria que é a Assembleia da República.
Por último, mais duas considerações.
Quando muito se fala da Europa e do desafio da CEE, desafio que temos de vencer, assistimos à definição de um quase «acto único» regional sob a designação de Plano de Desenvolvimento Regional, em contraponto à valorização da especificidade de cada região, em contraponto à visão da Europa das regiões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos conscientes que a proposta apresentada é uma via de recurso, uma via em que se pretende remar contra a maré centralista, mas podeis estar certos de que, à bolina ou por força das forças das populações havemos de conseguir esse processo de regionalização.
Esta é uma oportunidade que aqui fica lançada ao desafio dos deputados, sobretudo aos da maioria que podem, nesta matéria, fazer pender o prato da balança.
Srs. Deputados do PSD e em especial os Srs. Deputados do PSD eleitos pela região do Algarve, quando os senhores se candidataram e foram eleitos, valorizaram a ideia de que o Algarve ficava a ganhar com o PSD no poder. Srs. Deputados, os algarvios estão, agora ansiosos por saber qual a votação dos Srs. Deputados em relação a esta proposta.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, em primeiro lugar, começaria por dizer que fiquei um bocado confuso com a sua intervenção, porque não consegui atingir efectivamente, o objectivo fulcral da mesma.
Parece-me que, em primeira instância, terá havido da sua parte alguma contradição com o que já tinha sido afirmado aqui, hoje, por um deputado da sua bancada, relativamente aos avanços e consensos em matéria de criação das regiões administrativas, nomeadamente sobre a questão da simultaneidade.
Como segundo aspecto, e permita-me que aqui diga isto com determinado à vontade, teria tido imenso prazer em debater consigo as matérias relativas à questão da regionalização e, concretamente, naquilo que se refere à criação da região administrativa do Algarve, desde há vários anos a esta parte. Só que nunca tive oportunidade de o fazer, contrariamente àquilo que tive ocasião de fazer com algumas pessoas que inclusivamente estão aqui presentes, porque o Sr. Deputado nunca deu a cara, nunca apareceu em nenhum sítio onde aqueles debates foram promovidos para, abertamente e perante os algarvios, podermos discutir estes problemas.
Portanto, continuo a dizer - já hoje foi dito aqui, embora não pela minha bancada - que o PS tinha uma posição dentro desta Casa e outra fora dela, em matéria de regionalização e, mais concretamente, em matéria referente à criação da região administrativa do Algarve, permitindo-me até referir o seu líder parlamentar - que neste momento está a chegar -, que, em matéria de regionalização nos tem dado o seu contributo. No entanto, lá em baixo no Algarve só muito esporadicamente, pois também nunca compareceu a um debate sério e honesto com os deputados do Partido Social-Democrata.

Página 4179

23 DE MAIO DE 1989 4179

Portanto, como até já foi perguntado, eu também pergunto: haverá dois pesos e duas medidas? Uma coisa é aqui, dentro desta Casa, onde se diz, se repete e se defendem certas posições. Porém, quando toca a fazer o debate sobre regionalização do Algarve, a discutirmos o problema, o Partido Socialista sistematicamente, não aparece. Lembrava-lhe, até, que numa reunião de trabalho normal, havida, há relativamente pouco tempo, entre a Comissão Política Distrital do Partido Social-Democrata e o Secretariado Distrital do PS; foi solicitada ao Partido Socialista a sua disponibilidade para discutir conjuntamente os, problemas relativos à problemática da regionalização e para discutirmos abertamente o problema da criação da região do Algarve.
Continuamos à espera da resposta e esperamos que VV. Ex.ªs saibam responder ao nosso repto, que não é político - tenho que o dizer aqui, apesar de ter sido discutido internamente, para debatermos, em concreto, sem demagogia, sem aquilo que o Sr. Deputado classifica de oportunismo, a vontade política de ambos os par tidos avançarem neste processo.
Houve, porém, aqui, mais qualquer coisa que me causou preocupação. E que V. Ex.ª falou que em momentos eleitorais o PSD tem dito isto e aquilo. Ora, o PSD tem assumido a sua posição, que bem conhece, quer a nível distrital, quer na Assembleia da República. Não fazemos regionalização por oportunismos políticos ou por aquilo que os senhores querem. É que enquanto estiveram no poder sempre foram contra a regionalização, e o Partido Social-Democrata foi aquele que sempre deu a cara, mesmo a nível distrital e continua a fazê-lo. Os senhores, agora, apoiados em movimentos que mais não querem senão a criação de reinos e taças, andam com oportunismo eleitoral, outra vez, a discutir a questão da regionalização.
Enquanto deputado pelo Algarve, desafio-o aqui, mais uma vez a vossa presença para um debate sério e honesto sobre os problemas da regionalização e da criação da região do Algarve.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Pretendia dizer ao Sr. Deputado José Apolinário que também se tinha inscrito para um pedido de esclarecimento o Sr. Deputado Carlos Brito, o que há pouco não anunciei.

0 Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para que efeito?

0 Sr. António Guterres (PS): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra, ao Sr. Deputado, desejo perguntar ao Sr. Deputado José Apolinário se quer responder já ou depois do pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Brito.

0 Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, atendendo às limitações de tempo, pretendo responder no fim.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Vairinhos no dia 13 de Junho, em Quarteira, à hora que V.Ex.ª quiser.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, o que tenho a responder ao Sr. Deputado António Guterres é o seguinte: vejo-o, de facto, preocupado, de há relativamente pouco tempo para cá, com a matéria da regionalização do Algarve, ande foi fazer um colóquio há pouco tempo e, agora, diz «dia 13 de Junho vamos fazer».
Sr. Deputado António Guterres, se não está interessado em debater isso com um calendário que nós possa-mos acertar? Eu não sei o que tenho para fazer no dia 13 de Junho, mas o senhor já sabe: vai fazer demagogia política no Algarve; vai fazer campanha eleitoral no Algarve; vai falar da Europa das regiões; vai dizer que o Algarve precisa da regionalização para ir para a CEE; vai tentar angariar os votos dos algarvios à custa da demagogia política!
Nós não temos nada previsto para o dia 13 de Junho nesse sentido. Mas não tenho medo! Não tenho medo de debater consigo nem com nenhuma das pessoas dessa bancada a questão da regionalização!

Risos do PS.

Uma voz do PS: - Já ouvi isso noutro lado!

0 Orador: - Se quiserem, façam uma intervenção que eu respondo. Já uma vez lhe perguntei, desta bancada, se o senhor conhecia o processo de regionalização da
Europa; se conhecia os princípios a que obedeceu o processo da regionalização administrativa ou político-administrativa da Europa e quais os objectivos. Parece-me que, dessa vez, não teve oportunidade de responder! Se quiser, responda agora.
Como resposta ao Sr. Deputado José Apolinário já que há bocado não respondi direi: o Algarve não beneficiou disto nem beneficiou daquilo. Quero ainda dizer-lhe que nunca nenhum Governo fez tanto pelo Algarve como foi feito nos últimos quatro anos.
Sr. Deputado António Guterres, estão aqui a sugerir-me o dia 20 de Junho, pelo que proponho esta data. Se V. Ex.ª, Sr. Deputado António Guterres, aceitar, pode ser nesta data ou quando quiser. Mais: pode ser até no dia 20, 21, 22, 23 ... Podemos até perfazer uma semana. Agora, no dia l3 não! Não lhe dou essa oportunidade, porque eu não vou em demagogias, não ando a enganar o povo algarvio, não ando a enganar os algarvios!
Portanto, Sr. Deputado, se quiser, tem, a partir do dia 20, a minha disponibilidade, e não só.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado José Apolinário, estava cheio de curiosidade para ver como o Sr. Deputado ou o seu colega de bancada apresentava esta iniciativa que, como calculará, merece a nossa simpatia.
A pergunta que lhe faço é se não será uma iniciativa tardia, uma vez que o seu partido tem um acordo global com o PSD, um acordo de dois terços. Não lhe parece que era antes que o Partido Socialista deveria ter curado desta questão? Não era nessa altura que o Parido Socialista deveria ter viabilizado esta ou outras iniciativas,

Página 4180

4180 I SÉRIE - NÚMERO 85

incluindo uma excelente iniciativa que tinha no seu projecto de Revisão Constitucional, que era a norma transitória que obrigava a que a lei para a criação das regiões asministrativas fosse aprovada um ano depois da entrada em vigor da revisão da Constituição?
Não lhe parece, Sr. Deputado José Apolinário, que isto agora soa um pouco a falso, depois do Partido Socialista ter «matado», às próprias mãos, essa norma transitória tão importante, na medida em que a deixou fora do acordo global, e fazendo isso a condenou à morte?
Não é esta agora uma tentativa para disfarçar perante a opinião pública - e no seu caso concreto, perante a opinião pública algarvia - o desmazelo e a desatenção com que o seu partido tratou da questão da regionalização no acordo global de Revisão Constitucional que fez com o PSD? Não foi o sacrifício da regionalização que o seu partido aceitou no acordo global com o PSD? Creio que são questões que importa colocar.
Naturalmente que se a proposta for para diante, votamo-la a favor. Mas o problema não é esse. O problema é que o Partido Socialista tinha a obrigação de conseguir viabilizar qualquer solução favorável à regionalização e não o fez!
Creio que relativamente ao que o Sr. Deputado José Apolinário disse no que toca aos deputados algarvios do PSD, o Sr. Deputado foi muito brando. Como sabe os deputados do PSD garantiram, prometeram aos algarvios que iam acabar com o princípio da simultaneidade na Constituição da República; prometeram isso solenemente ao eleitorado algarvio.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Eles prometeram isso?!...

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, gostaria que completasse a sua afirmação dizendo-nos onde é que o PSD prometeu que ia acabar com a simultaneidade. São cinco os deputados do PSD eleitos pelo Círculo Eleitoral de Faro e não sei como é que eles poderiam fazer uma promessa dessas. Isso era falta de credibilidade! Aquilo que os deputados algarvios do PSD disseram, continuam a dizer, e têm manifestado publicamente, é que iriam «pugnar para», e continuam a pugnar, como eu já o disse aqui. Vamos lá ver, continua a demagogia... Acreditamos no processo de regionalização do Algarve, porque fomos nós que sempre lutámos por ele e continuaremos a lutar.

O Orador: - Retomava o uso da palavra.
Quando o Sr. Deputado começou a falar parece que ia negar o que eu tinha dito, mas afinal confirmou plenamente. Os candidatos, hoje deputados do PS pelo Algarve, em manifesto, creio que voluntário, assumiram esse compromisso com o eleitorado algarvio e foi isto que o Sr. Deputado José Apolinário não referiu, pelo que me pareceu ser importante dizê-lo aqui. É que esse esforço que têm feito, na verdade, não se reflectiu nos debates que no Plenário da Assembleia da República acerca desta questão temos travado. Como o Sr. Deputado ainda não falou, ainda não ouvi aqui a sua voz a pugnar pela eliminação do princípio da simultaneidade no texto da Constituição da República.
Apesar de tudo, acabou por o fazer a instâncias das minhas próprias revelações e espero que continue a pugnar, mas com muito mais eficácia do que fez até agora.
Em relação ainda ao Sr. Deputado José Apolinário, também queria lembrar-lhe que os Srs. Deputados do Partido Socialista assumiram, perante o eleitorado algarvio, idêntico compromisso. Se neste momento os Srs. Deputados dizem para o PSD «como é que os senhores têm cumprido o compromisso que assumiram?», pergunto-lhe também o mesmo a si, Sr. Deputado José Apolinário.
Nós assumimos também esse compromisso perante o eleitorado algarvio e, pela nossa parte, cumpri-lo-emos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Apolinário para responder, gostava de informar os Srs. Deputados, presumo que todos sabem, mas nunca é demais informar, que vamos continuar um bocado mais, que amanhã o Plenário começa às 10 horas e, particularmente, que as votações amanhã começam às 15 horas.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Começo por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
Quando se faz um acordo, naturalmente faz-se na base da boa fé. Ora, o Partido Socialista empenhou-se, na base de boa fé, no desenvolvimento do processo tendente à criação das regiões administrativas, em sede da comissão específica da Assembleia da República, quer ainda pela apresentação de um projecto de lei sobre esta matéria.
O Sr. Primeiro-Ministro, já em fase posterior à celebração do acordo entre o PS e o PSD, é que veio declarar que a regionalização não era prioritária. Não percebi ainda bem se era para o PSD, se era para o Sr. Primeiro-Ministro, se era propriamente para o Governo. Mas, digamos, quem voltou o bico ao prego nessa matéria, não fomos nós.
Posso também exprimir aquilo que é o sentimento dos socialistas algarvios. Nunca vimos com grande aplauso a perspectiva da simultaneidade e, contrariamente àquilo que o Sr. Deputado António Vairinhos pretende fazer esquecer, o Partido Socialista, nomeadamente, camaradas meus, como, por exemplo, o Sr. Deputado António Guterres, que não é do Algarve, mas também é um regionalista de gema, passe a expressão, defenderam aqui na Revisão Constitucional, em 1982, a existência da região administrativa do Algarve, com o voto contra os deputados do PSD.
Portanto, tanto quanto julgamos, o Sr. Deputado António Vairinhos é que parece ser uma aquisição recente para os ideais da regionalização, sobretudo é uma aquisição no momento em que se aproximam as eleições para o Parlamento Europeu e, noutras alturas, como aquando das eleições para a Assembleia da República.
Mas gostava de referenciar ainda uma outra matéria. Afinal, Sr. Deputado António Vairinhos, o PSD vota contra ou vota a favor da proposta por nós apresentada? Essa é que é a questão. Quanto ao debate e às consequências daí tiradas, desde já devo informar o Sr. Deputados António Vairinhos que, no próximo dia 1 de Junho, a menos que haja aí alguma alteração, vai haver um debate

Página 4181

23 DE MAIO DE 1989 4181

na RDP - Rádio Algarve, em que esta matéria, necessariamente, virá à baila. Estarão lá todos os partidos, pelo que espero saber nessa altura qual é a resposta do PSD perante a votação que aqui fizer.
Quanto às questões sobre o grande desenvolvimento e investimento do Governo na região, quero dizer-lhe que de cada vez que o PSD tem passado pelo Governo, o
Algarve tem ficado a perder. Temos neste momento a regionalização à moda da CCR, temos uma Direcção Regional da Educação com sede em Évora e temos até
a situação, quando se fazem encontros entre o Algarve e à Andaluzia, a delegação portuguesa não ser chefiada por protagonistas do Algarve, mas pelo «ministro dos
Descobrimentos», enquanto a delegação da Andaluzia tem representação do poder regional. Portanto, faltam ao Algarve protagonistas, no plano do poder regional.
Já percebi, pela intervenção do Sr. Deputado, que se calhar o Sr. Deputado é daqueles que está a favor da maré: está contra a regionalização, está pela centralização, mas volto a dizer-lhe: à bolina ou pela força das populações haveremos de vencer essa maré centralizadora.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Vairinhos pede a palavra para que efeito? .

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - É para defesa da honra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dentro dos limites do Regimento dispõe de dois minutos e ainda no espírito do Regimento, tem a palavra.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, fui considerado pelo Sr. Deputado José Apolinário como uma aquisição recente em matéria de regionalização.

0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Não é só nessa, é em todas!

0 Orador: - Em todas? 0 Sr. Deputado Jorge Lacão também está muito mal informado, não conhece a minha pessoa, pelo menos nunca o vi no Algarve.

0 Sr. Jorge Lacão (PS):.- Só lá vou passar férias!

0 Orador: - Com certeza, deve de ser por isso!
Só gostaria de perguntar ao Sr. Deputado José Apolinário onde é que estava em 1982 e em 1983, quando se realizou o debate público sobre regionalização no Algarve e que foi promovido pela AD? Qual foi a sua participação nesse debate público sobre regionalização? Nunca o vi a si nem aos deputados do PS do Algarve. Tive a honra e o prazer de coordenar o debate público sobre regionalização no Algarve e de fazer parte do grupo de trabalho que fez o relatório nacional sobre esse, debate público, e nunca o vi em lado nenhum.
Serei uma aquisição recente, agora o Sr. Deputado será uma aquisição «recentíssima», porque eu é que nunca o ouvi falar em matéria de regionalização. A primeira vez que o ouvi sobre este assunto foi hoje aqui na
Câmara.
Talvez tenha falado em matéria de regionalização com as pessoas da Rádio Algarve. Não sabia, sequer, que se ia realizar esse debate, mas fiquei a saber agora. Acho que se o Sr. Deputado deve debater na Rádio Algarve os problemas da regionalização e talvez assim os consiga resolver. Pelo meu lado, estou habituado a debatê-los, mas com a população do Algarve.
Se quer as diferenças em matéria de regionalização do próprio PSD, não as vou esconder, não vou escamotear esse problema, essas diferenças existem, e também existem no seu partido.
0 Sr. Deputado tem aí à sua frente, permita-me que lhe diga, uma pessoa por quem tenho muita consideração - o Sr. Deputado Almeida Santos -, que é contra, sempre foi contra - já o afirmou aqui -, e os senhores têm muito mais gente contra a regionalização, portanto, assumam-no!
Agora aquilo que tenho a dizer é que somos a favor da regionalização. Ainda há poucos dias em entrevista ao programa de televisão «Primeira Página», o
Sr. Primeiro-Ministro...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo, faça favor de terminar.

0 Orador: ... defendeu a regionalização, mas não a qualquer custo, não com demagogias, nem para favorecer os «l3 de Junho» no Algarve, nem os debates do Partido Socialista do « 1 de Junho» na Rádio Algarve.
Queremos a regionalização para os portugueses e para os algarvios.

Aplausos de alguns deputados do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário. Dispõe de dois minutos.

0 Sr. José Apolinário (PS):- Em primeiro lugar, o Sr. Deputado, afirmou que se realizou no Algarve, em 1982, um debate sobre regionalização. Nesse tempo eu tinha 19 anos e, portanto, não tinha ainda, o tal acesso à actividade política que o Sr. Deputado certamente, já teria nessa altura.
Portanto, não tenho culpa nessa matéria, mas isso ano diminui em nada, a minha convicção, nem a minha perspectiva em relação a esta matéria.
0 Sr. Deputado, com essa sua intervenção e essa sua defesa da honra, acabou por continuar a esconder uma questão. 0 Sr. Deputado António Vairinhos, quando
chegar o momento da votação, vai votar de acordo com aquilo que prometeu aos algarvios ou de acordo com aquilo que foi imposição do Professor Aníbal Cavaco
Silva, ou seja, protelar a questão da regionalização? Essa é a questão que fica aqui por esclarecer e que amanhã vamos estar aqui para saber. É a esta questão que o Sr. Deputado tem de responder, em consciência, perante os algarvios. Quanto ao resto, desculpe lá Sr. Deputado, mas trata-se de lengalenga sem qualquer significado.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

0 Sr. Carlos Lilaia (PRD):.- Sr. Presidente, Srs., Deputados, em particular Srs. Deputados António Vairinhos e José Apolinário: De facto, a última coisa que eu podia acreditar era que os Srs. Deputados se zangassem por causa da regionalização.

0 Sr. José Apolinário (PS): - Não nos zangámos!

Página 4182

4182 I SÉRIE - NÚMERO 85

O Orador: - Na verdade, os senhores dizem coisas aparentemente diferentes, mas no fundo, os senhores e os partidos que representam, querem coisas idênticas e querem coisas iguais, ou seja, querem protelar, tanto quanto for possível, a regionalização.

O Sr. José Apolinário (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - É verdade e eu demonstro-lhe que é verdade.

O Sr. José Apolinário (PS): - Votaram contra a Universidade do Algarve!

O Orador: - Olhe que esse aparte só prova que o Sr. Deputado não percebe nada de regionalização. Estou a falar-lhe de regionalização...

Risos.

... e o Sr. Deputado vem falar-me da Universidade do Algarve!

O Sr. José Apolinário (PS): - Queira explicar isso ao Professor Gomes Guerreiro!

O Orador: - Bom, mas dizia eu que o Sr. Deputado José Apolinário referiu aqui que o Sr. Primeiro-Ministro tinha dado indicações no sentido de ser adiado o processo de regionalização.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado José Apolinário, e aí o senhor também não estava lá por outras razões, o que é que o Partido Socialista fez na anterior legislatura, nomeadamente na Comissão da Administração Interna e Poder Local quando, por várias vezes, tudo fez para protelar o processo de regionalização?
A questão é muito simples, Srs. Deputados, e é nisto que temos de falar claro. Quem está no poder não deseja a regionalização. O PS enquanto tem estado no poder não quer a regionalização, nessa altura o PSD quer a regionalização a toda a força. Quando o PSD está no Governo diz: não queremos a regionalização! O PS diz, tal como agora: queremos a regionalização!
De facto, os senhores não podem ter dois pesos e duas medidas e é esta a realidade. Quem está no poder, de facto, não quer a regionalização.
Mas estou aqui, fundamentalmente, não para tecer comentários sobre as posições do PS e do PSD sobre esta matéria, mas tão-somente para referir que esta questão da simultaneidade na criação das regiões administrativas, tem sido utilizada como um alibi meramente formal para a inviabilização do processo de criação das regiões administrativas.
O PRD tem consciência disso e no seu projecto de Revisão Constitucional inclui, de facto, uma possibilidade de a situação da simultaneidade na criação das regiões administrativas não funcionar como um obstáculo natural à criação dessas mesmas regiões.
O PRD no seu projecto de Revisão Constitucional, na proposta de alteração do n.° 1 do artigo 156.°, elimina a palavra «simultaneamente» e diz: «A lei definirá as regiões administrativas que podem ser criadas, (...)». Portanto, deixamos de ter aqui este alibi para a simultaneidade.
Uma das minhas interrogações, relativamente a esta matéria, é que não constando do projecto do Partido Socialista a simultaneidade da criação das regiões
administrativas, não sei como é que esta questão veio a ser introduzida na proposta oriunda da CERC. Provavelmente, é mais uma das cedências do Partido Socialista, neste caso em matéria de regionalização, àquilo que era a proposta do Partido Social-Democrata sobre a criação das regiões administrativas.
Por tudo isto é que não entendo a razão da apresentação de uma proposta de alteração à proposta da CERC com uma norma transitória que, de uma forma muito clara, prevê a simultaneidade da criação das regiões administrativas, quando agora vem esta nova norma transitória referir a possibilidade de criação e a instituição em concreto de uma ou mais regiões administrativas, desde que obtido o voto favorável da maioria das assembleias municipais. Quer dizer, de facto, isto não me faz muito sentido, pelo que há que assumir as coisas.
Portanto, penso que alguns dos Srs. Deputados que subscrevem esta proposta têm, naturalmente, dúvidas relativamente à proposta de substituição da CERC, mas há que assumi-lo, no meu entender, de uma forma frontal. Nós, no PRD, também não estamos de acordo e vamos votar contra a proposta de substituição da CERC.
Porém, não faz sentido que se tente, de facto, resolver situações com soluções que, no meu entender, não são dignas a nível de um processo de Revisão Constitucional. Mais, esta possibilidade de criação das regiões administrativas se se verificar, por maioria de dois terços, leva a perpetuar no tempo a impossibilidade de essas mesmas regiões administrativas virem a ser criadas. Aqui, até diria que era muito mais favorável à institucionalização das regiões por uma maioria simples de deputados do que por uma maioria de dois terços.
Concretamente, não percebo muito bem qual é a ideia desta possibilidade de dois terços. Que os senhores rejeitem a possibilidade de, a nível das
reprivatizações, o fazerem por maioria de dois terços, entendo; agora a contrario que pretendam institucionalizar a criação de regiões por uma maioria de dois terços, isto, sinceramente, não percebo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer duas ou três reflexões em torno das considerações feitas sobre a matéria da regionalização.
Quando foi a altura de poder introduzir na Constituição alterações que viabilizassem a concretização da regionalização, quando foi o tempo, chamemos-lhe assim, das balas reais, o PS, nesta matéria, concretizou o maior fracasso da operação com que procurou envolver o acordo que fez com o PSD. Isto é, o PS não conseguiu nada do que pretendia, pelo contrário, cedeu completamente e pôs a criação das regiões administrativas a marcar passo. Agora que é o tempo da pólvora seca, o PS aparece com novas propostas, que são interessantes, mas teriam sido muito mais se, na altura devida, o PS tivesse conseguido no acordo aquilo que seria positivo para a regionalização.
Ora, isso não foi feito, Sr. Deputado José Apolinário, na única altura em que a actividade política em torno da Revisão Constitucional teria eficácia, que era na concretização de uma norma que tivesse aprovação nesta Assembleia.

Página 4183

23 DE MAIO DE 1989 4183

Disse-se aqui, há momentos, que no entanto PS conseguiu umas melhoriazinhas no que respeita, ao artigo 256.º. Pergunto - muito concretamente aos Srs. Deputados do Parido Socialista: qual foi essa melhoria? Também podia perguntar isto, por exemplo, ao Sr. Deputado António Vitorino, ao Sr. Deputado José Apolinário, ao Sr. Deputado António Guterres.
Concretamente, o que é que o PS conseguiu? 0 PS não conseguiu absolutamente nada!
A norma tinha a regra da simultaneidade que era, o obstáculo. Pois foi essa a ideia e concepção que permaneceu exactamente na mesma norma, com o mesmo conteúdo, para ser usada para os mesmos efeitos de criar obstáculos ao processo de regionalização. 15to é, a proposta PS/PSD deixa na mesma o que era essencial neste artigo. É falso, não está demonstrada nem é invocada qualquer melhoria introduzida na norma; a menos que se queira dizer, com um ar cândido, que a melhoria consistiu, por exemplo, nisto, Sr. Deputado José Apolinário: «Bem, pelo menos não ficou pior». Era, então, essa a vitória!?
No entanto, Sr. Deputado José Apolinário, digo-lhe' que ficou pior. Reafirmando, como o fizeram, o princípio da simultaneidade a norma ficou pior. A redacção actual da proposta de substituição ao n.º 1 do artigo 256º, apresentada pelo PS e PSD, diz: -«As regiões administrativas são criadas simultaneamente( ... )». Na vossa proposta inicial- de substituição do n.º 1, os senhores diziam: «0 território continental será geograficamente dividido, por lei, em regiões administrativas.» Os senhores dirão que isso é irrelevante, mas o facto é que os senhores não podem deixar de concordar que o que era saliente nesta vossa proposta é que desaparecia a expressão « simultaneamente».
Ora, o significativo na proposta do acordo PS/PSD, em que se diz que «.as regiões administrativas são criadas simultaneamente por lei, (...)», é a reintrodução da palavra «simultaneamente». Como pode o PS, neste quadro, negar o recuo?
Porém, não quero deixar aqui de assinalar o seguinte: não se diga agora e de vez que ao FP causava qualquer preocupação a questão da simultaneidade, porque a norma que agora apresentam, como pólvora seca, para não passar, é uma norma que põe em questão esse princípio. 15to é, quando já não tinha qualquer utilidade, aqui estão a defender a abolição do princípio da simultaneidade; enquanto teve e foi possível não o fizeram.
0 mais grave, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que o Partido Socialista decaiu, desistiu, abandonou a norma em que propunha a fixação de um prazo.

0 Sr. Armando Vara (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

0 Orador: - Não, Sr. Deputado.
Decaiu dessa norma por uma razão simples porque...

O Sr. Armando Vara (PS): - Se me deixasse interrompê-lo explicava-lhe, Sr. Deputado.

0 Orador: - 0 que é que o Sr. Deputado quer? 0 Sr. Deputado vai utilizar o meu tempo para me explicar o quê? Ora, explique lá.

0 Sr. Armando Vara (PS): - Muito obrigado e desculpe-me por ter de falar de costas, mas é que normalmente acontece aos Srs. Deputados quando são filmados pela Televisão.

O Orador: - Ouço-o na mesma.

O Sr. Armando Vara (PS): - Não deixamos cair a nossa proposta de aditamento ao artigo. 299.º-A. Ela vai ser votada.

0 Orador: - Ó Sr. Deputado, essa explicação ...

0 Sr. Armando Vara (PS): - Só para dizer que ...

O Orador:- Muito obrigado, mas já está dada...

0 Sr. Armando Vara (PS): - Mas dê-me licença só para dizer isto...

0 Orador: - Não dou, Sr. Deputado.

0 Sr. Armando Vara (PS): - 0 PCP também faz dois terços com o PSD. Por que é que não tenta com o PSD aquilo que não conseguimos?

0 Orador: - O Sr. Deputado confirmou exactamente o que eu disse. 15to é, quando o senhor invoca o acordo com o PSD, digo-lhe que o que conseguiu foi introduzir na Revisão Constitucional o que já lá estava, ou seja, introduzir na revisão o que é mau para a regionalização e não o que seria bom. Então, isto é alguma coisa de que o senhor se possa gabar?! É esta a grande vantagem que o senhor anda aí a anunciar por toda a parte?!
Diria mais, e queria concluir com esta ideia: a regionalização é uma questão que naturalmente se põe no confronto com o PSD, de forma clara. Sabemos qual
é a posição que o Governo assume, ou seja, que não quer regiões administrativas, que pratica o centralismo dá administração que prefere as dóceis CCR, que quer
gerir à vontade e sem que ninguém lhe possa tocar nas vultuosas verbas, quer as do Orçamento, quer as dos fundos estruturais, não quer partilhar o poder, não
quer a formação de centros de poder regionalizados que correspondam, exprimam e possibilitem a expressão da vontade das populações.
Sabemos que é necessário construir as regiões, mas temos de dizer que quem quiser ganhar a batalha da regionalização não pode começar por mostrar fraqueza e hesitações.
0 PS afirmou, que queria ganhar no processo de Revisão Constitucional mais um impulso para o processo de regionalização, mas, assim, Sr. Deputado José Apolinário e Srs. Deputados, o PS não vai lá.
Assim, em vez de se juntar aqueles que querem fazer avançar o processo, como afirma querer fazer, o PS põe a regionalização a marcar passos, e isso não é positivo. 15so pode ser, sim, para gáudio do PD, mas não e positivo para o processo de regionalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não à mais inscrições, a Mesa dá por encerrado o debate do conjunto dos artigos 229.º a 265.º

Página 4184

4184 I SÉRIE - NÚMERO 85

Vamos dar início ao debate do conjunto dos artigos 266.° ao 276.°

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Presidente, tinha-me comprometido, aquando da discussão na CERC, a que o PSD apresentasse uma proposta alternativa à apresentada pelo PS para o artigo 234.° Efectivamente, tem havido alguns contactos no sentido de essa proposta merecer consenso - no entanto, não sei se isso acontecerá -, mas, de qualquer modo, queria solicitar aos restantes grupos parlamentares permissão para apresentar na Mesa essa proposta alternativa ao artigo 234.°, muito embora tenha terminado neste momento o debate.
Era este aviso que desejava fazer e era esta autorização que gostaria de obter.

O Sr. Presidente: - Não vejo qualquer objecção. Aliás, já uma vez se fez isto na sequência do debate da revisão. Por isso está aceite.
Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De modo muito breve, no que respeita à Administração Pública - debate que agora iniciamos -, apenas para renovar o que está consagrado no acordo de revisão estabelecido pelo PS/PSD, que teve votação favorável na CERC, relativo à administração aberta.
Este um princípio é uma inovação significativa ao nível da Administração Pública, porquanto entre nós, como sabemos, tem valido o princípio do segredo, a regra do segredo, sendo o acesso aos documentos administrativos e a transparência excepção. A este título corresponde uma revolução dos princípios administrativos, a que a Câmara, em geral, deu acolhimento, assim como a consagração do princípio da transparência administrativa que é, desde logo, um princípio organizatório, do qual decorre um ajustamento na forma de organização da Administração Pública, que é simultaneamente um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Nesse sentido, é uma expressão particular do direito de acesso e informação dos cidadãos. Creio que, só por si, esta disposição corresponde a um aspecto de grande significado, de grande inovação em toda a prática da nossa experiência e da nossa vida administrativa e, consequentemente, vai exigir leis mediadoras e uma filosofia administrativa rigorosamente distinta e seguramente mais democrática.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Irei fazer algumas breves considerações, apenas para assinalar os aspectos mais significativos
das alterações propostas, nesta Revisão Constitucional, para o Título IX -Administração Pública.
Em primeiro lugar e desde logo, a propósito dos princípios fundamentais, merece destaque a consignação, no n.° 2 do artigo 266.°, de que os órgãos e agentes administrativos devem actuar com subordinação não apenas à Constituição e à lei, mas «no exercício das suas funções, com respeito pêlos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade».
Este acrescentamento da ideia da igualdade e da proporcionalidade sublinha bem - já tive ocasião de o dizer esta tarde a propósito do Tribunal de Contas - que a legalidade não se restringe a aspectos estritamente vinculados, mas que vai bastante mais longe e engloba muitas outras questões que, desde que sejam obviamente recebidas pelo ordenamento jurídico, permitem ajuizar da correcção, da eficiência, da proporcionalidade e da igualdade material.
Trata-se, portanto, de directrizes extremamente importantes, não apenas para os órgãos e agentes administrativos, mas também para ajuizar do comportamento desses mesmos órgãos e agentes por parte dos tribunais, sejam os tribunais administrativos, os tribunais fiscais ou, inclusivamente, o Tribunal de Contas.
Por outro lado, e deixando de lado uma pequena alteração relativa ao artigo 267.° quanto ao artigo 268.° já o Sr. Deputado Alberto Martins falou no acesso aos arquivos e registos administrativos.
No entanto, gostaria de sublinhar as importantes modificações que se traduzem na circunstância de se ter deixado de exigir a natureza externa dos actos administrativos para efeitos da sua notificação aos interessados.
Permitam-me também que sublinhe a hipótese - que seria interessante se viesse a ser alterada a própria redacção proposta pela CERC - de suprimir a expressão «quando não tenham de ser oficialmente publicados».
Na realidade, a garantia da notificação oficial nem sempre significa uma vantagem para os cidadãos, devendo a lei ordinária ajuizar, em cada caso, como é que a notificação deverá ser feita aos interessados para melhor acautelar os seus interesses.
Esta é, por conseguinte, uma sugestão que aqui deixo à ponderação dos Srs. Deputados.
Por outro lado, no que diz respeito à garantia do recurso contencioso, elimina-se a necessidade do carácter definitivo e executório dos actos, admitindo-se que estes possam ser recorríveis independentemente dessa qualidade. O mesmo é dizer que este sistema de justiça administrativa, no que diz respeito a impugnação dos actos, se aproxima do sistema de justiça administrativa novo que o actual n.° 3 do artigo 268.° introduziu o que é agora claramente desenvolvido quando se consigna, no n.° 5 da proposta, a garantia que os administrados continuam a ter acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Tal significa a junção de dois sistemas de justiça administrativa para melhor protecção do administrado.
Permitam-me igualmente sublinhar que esta ideia do interesse legalmente protegido mais não significa do que a consagração da figura do interesse legítimo, que, aliás, a Constituição utiliza noutros preceitos.
Por último, no n.° 6 dá-se relevância constitucional à necessidade de haver um prazo máximo de resposta

Página 4185

23 DE KAIO DE 1989

4185

por parte: da:Administraçào;'exigência que se veriehva já em sede de legislaçãá ordinária è,que- é agora elevada à cátegoriá de notma,constituional-.
.

Cóm estas "modificações aparentemente sirigelas~,
penso que se dáúm passo extremamente importantena
garantia dà situações subjectivas,dos administrados - e,
portanto, no apérfeiçoamento'do Estado de'direito.
Assim,' penso. que a aprovação,- Porconsensol, destas
propostas''no -Plenário -.- indiciada. --pela 'expectativa'
criada pelá aproyação-das mesmas em - sede de comis
são - constituirá, -efectivamentei- um salto em -frente
múito significativo., -. ; - 1.:. , , . -

1 Vozes -do PSD : --- Muitõ'bem!

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr.-Presidente. '~

• Sr. Pre - side - nte:. - Tem, a palávra, Sr. Depgtad 6.

• -Sr. Almeida Santos -'(PS): -Sr,.. Dçputa4o -Rui Macete, uso--'da- fig-ura--do pedido--de- esclare'cimefit-0, apenas para dizer que, es'tamos-,'de -acprdo quanto à eliminação dessa frase do artigo 268.1, pois é'evidente que se trata de.um reforçg dasgarantias dos administrados.

-0 Sr. Psidente:' 0 --Sr'. 'Deputado- Rui Machéíe

pretende dar esclarecimentos?

0 - Sr. Rui-M ~chèté (PSD): .- - Pensó que'não's,-e jús
tifica,'. Sr.,Preidente.
. l , _ 't ., . , - , -

zz 0 - Sr.º Prei - dtit-e-:- - --Pa-r-a.-'uma in - tervenção, . -te - m 1 -a .
palavra _ a Sr. 1 Deputada Héi'n'a" Rosèta. - - '- -' '-

A Sr.ª -Heléná Róseta (Indep): -------Sr

Presidente,

farei a mifiha inter-v;e-n-çào ~ dent'ro das'li'mitações de
tempo que são conhecidas. Aliás, uma vez mais. po
te sto pela circunstância déiiós estã re . m .. a obrigar ~a.dis
cutir 'essa matéria'n,e'éÔfidiç - ões, ias,'ènfim, -a deci
sã6 -da maior'ia está tomad- e não temo'õu^ tio remd , 10
senáci -suj-ei'tarmonos a" ela. P.6rér-1 'são -co'ndiães néga-
tivas para discuti'r esta mitéria.--
Dentro dessas condições riegàti -'as, -üetia"àpr'e'sen-
Iv
tar ao Plenãrio uma práposta de alteraãd da Cànsti
tuiç#o que fiz reiatiVa aó'adigo 276.1.1 que tem que' ' ver
com a defesa da Pátria e. com ' o serviço -Militár.
'Acontece -que esta é úiha-.ºmatéria relativaiiiente à quW neiihurri -paétido tomoi a iniciativa de' propor alterações de fundo, para álém da ideia... '- -

Vozes do PSD = EsSe ártièd não èstá no bloco!

A Oradorà:'--'-' Não- etá:'no -bloco?! Agóra mèsmo infórmaram da -,Mesa'qu-e este bloco ia --até ao ';artigo 276.1 ...
!

0 Sr.. José Mágaib . ãe ' s (PCP): -= Está-no bloco, mas
núma segunda pariè!' -- - 1-, --- ' . '
- - -

-A Oradora: ' Bem,'não, teiiho'qualquer problema em falar depois - a Mesa dar-me-;á -a palavra44uando entender. De: qualquer" modo" também . penso . que -era preferíel falar-' depois, -'.mas - der.am,me ;a - palavra agora... Oque é, que hei-de -fazer?'Não estou na Mesa" não estou em nenhum- grupo'parlamentar e não deter-
mino nada disso! '' ` ..

---0 Sr.- Presidente: = Sr.º Deputada Helena"Roseta,o -guião que temos indica ~ que -estamos adiscutir- o bloc-o relativo 'aos artigos 266~. 1 a 276.º,~ inclusive.º

A Oradora-t- Sr. Presidente, solicitava 'que o'que
vou,dizer-agora não me fosse contado rio,temp0. É qú - e
esta situação- resulta precisámente-da forma,como esta
mos ã discutir, esta matéria. Cóm -efeito, como - o- de-bate
está a ser feito em blocos, de vez em quando-aare
cem uns artigos do fim que sào -dscu'tidos em, primeiro
lugar sem qualquer'lógica é lamentáv-el - ~ e~prejdica
a coer~ência do d,ebate. Porém; como é nest.e moffiento,
que a Mesa mè'dá a palavra,- vou'cumprir;essa incum
bência de defender,. fora de tempo, es'tã. matr.ia. ~De
qualquer, -.modo,' Sr.. Presidentei não, há problema
nènhun."
- `

Como estaa, dizên-dó, r.iedhum'paítidó apresêntou
aqui osta rele'vanté - em maíér'iá -de Defeã
qualqúer pip,' Naio-nal.
'_ -_ -w : .ï . - . - ., _

Peçó desculpa, -de náo'co'rísiderat - rel,è -Vàn- té-s as pro-
postas que.dizèin qúe~há'úrá dir'eiío.è'um~--dever-' po'i-s'
é'óbvid_ que a'defesa dí Èát'n'a é úm dir-eito e urii - déver-
Portanto, nào éons-idero tais proosias muitofele--
o ,
vantes. A n-dnha proposta, sim, dèveriã merecer álguma
- refle:kão.
Na verdade, o-feicto do-o'sêtViçó'militar obigatório' se aplicar- exclusivamerite'a:'Menos,de úietadè dapõulação, isto !é,- ao exo mascúlinó,- cbàátii.ui' uma; discÉi-, nunação, que tein sido saliéntada'erá muitáslégislações e não'apenas,na portuguèsá"" telativamente'âs mulhe'e§.,'
Não quer isto porêm dizer jui,as-áiulheres- queitaiii ter o mesmo tratamento que ós hómens -nesta -matéria, mas sim que . elas preteiidem - um , debate sobre. este assunto.ºNós estamos'tão-capacitadas para defender a Pátriacomo,os homens:e éntendemos--ue este-.tipo'de impedimento constitucional- constitui matér.ia qúe-deve merecer a vossa reflexão.
, , . . , .- ; ,- -_
Assim, penso que devía.mos,cqmeçar,por-Ros pronun
iar sobre. o'próprio conceito! Oe defesa da,,Pátria.,'-Daí,
o.primeiro número da-minha proppst.ª de,,artigo-fal ~ ar
em .«defesa da Pátria e. protecção .-.civil do..território».-
Eventualmentei' etirarei a -redacção deste p_imeiro.
número da minha proposta de artigo 276.º, porque não
é relevante que isto fique na. Constituição-, Era aenas
relevante " que en - tendesem.qu - e o se.ntido-'qúe riiiha.
proposta. dou a'«deÉesa'- ~da Pátia», _; é'.º .: senticio màis
modé . rno q'ue.-esse . conjunto - de.,piala,ás -tér.
a lefésá.da Éáíii-> ' ào"é a'íi' a---defesa'
Na ver_d de,_ a ' a n.
armada contra agiressàe, ès.r.afi-geiras, mas -igualmente
a défesá de um ier'rltórió,' de -u -m- -;'-patri -m . -n~ i!o, dé um'a.
cultura e de uma populaçã-o* co'nira- todis ás espééie
de agressões internas ' ou externas.. Tais agressões
podem,- assim,'revestir as---mais'diversas--fdiias,-'dsde
a forma miliiar,'aé a--fórma-'da o6lu4ição, da ástr'.-ui-
ç4o e até do esquecímento, etc.
- Poranto, é'neste coneito dé -defé§à 'dà" Pátria que ra dico a minha pro'posta.--
A- proposta que façó inseéè-á num-- dbatè _que desde há!'muitos 'anos vem sendo-:trá:Vàdo, dèignadaffié-nte pelos ibovimentos' de :niulhéré.s.-e peió.--iiioviriientbpacifistas-l- verificãndo--sé- duas teridêhcia-s prin`c'i -pai ãà' legislação, dos, países da-NATO e'do-Mercado Comúm
o debate levar-nos-ia muito longe se fossemos agoracia-países -do -oriente,'15rael--ou outros 1 .º -. : ' !-

' -As duas, tendências-, que severificamisão as-segpin-tes:'enquanto alguns países aceitam -,com-reticêlncias, mas vão aceitando - a introdução'_ do,,'erviço,- militàr

Página 4186

4186 I SÉRIE - NÚMERO 85

voluntário para as mulheres, pondo assim termo a uma discriminação que era, até aqui, totalmente impeditiva, mas mantendo alguma discriminação pela criação de áreas abertas às mulheres dentro do serviço militar outros países mantêm o impedimento quanto ao serviço militar obrigatório ou então declaram, muito
frontalmente, que o serviço militar, sobretudo em termos de pegar em armas, é completamente vedado às mulheres.
Penso que o caminho do futuro não passa por aqui, mas por outra via, que é a de considerarmos que todos os cidadãos têm o dever e o direito de prestar um serviço à sua pátria, mas que esse serviço não é necessariamente militar.
Não tenho tempo de desenvolver aqui completamente esta matéria, dado que tenho muito pouca disponibilidade no tempo que me é cedido pelo PS.
Contudo dir-vos-ei que há todo um conjunto de tarefas de natureza civil que são tão ou mais importantes para a defesa do território, do que aquilo que hoje se faz no serviço militar obrigatório. No conceito que usei, quem diz defesa do território, diz defesa do património, diz defesa da Pátria.
Nem colhe o argumento de dizer que não haveria estrutura para enquadrar todo esse trabalho, porque temos, em Portugal, a circunstância feliz de possuirmos uma instituição com tradições bastante antigas e com uma originalidade grande - os bombeiros voluntários -, que tem uma estrutura montada em todo o País, tem quartéis em todo o País.
Na realidade, os bombeiros voluntários, considerados os soldados da paz, poderiam ser uma excelente estrutura de acolhimento para um serviço nacional que envolvesse tarefas como a limpeza dos rios, das praias, a desmatação e muitas coisas mais.
Esta é apenas uma sugestão que vos deixo. Tenho a certeza que, neste momento, esta proposta não vai ainda merecer o acolhimento da Câmara, embora o acabe por merecer dentro de alguns anos. Será importante que nessa altura se diga que o problema foi aqui suscitado por uma mulher e que vai ser aqui defendido por jovens.
Nós não queremos o serviço militar obrigatório igual ao dos homens. Queremos é que, no futuro, os homens possam fazer um serviço militar voluntário - como nós gostaremos eventualmente de fazer - e que todos nós, homens e mulheres, possamos prestar, em condições de igualdade, um serviço à nossa Pátria, que o merece e que dele precisa.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr.ª Deputada Helena Roseta, comungo em absoluto com o conceito de defesa da Pátria referido por V. Ex.ª Na verdade, defesa da Pátria deve ser um direito e um dever e penso que esta expressão, introduzida pelo PCP e acolhida pela CERC, é fundamental e extremamente importante.
Penso que na defesa da Pátria poderão estar incluídos os militares, como uma das componentes que referiu. Porém, não percebo - este é o sentido da minha pergunta - onde é que no actual texto constitucional se impede a concretização desse conceito de defesa da Pátria defendido pela Sr.ª Deputada.
Além disso, penso que - não o tenho bem presente - a própria Lei do Serviço Militar, aprovada na legislatura anterior da Assembleia da República, prevê inclusivamente a prestação do serviço militar cívico e também a existência desse serviço nacional referido pela Sr.ª Deputada e com o qual, como afirmei há pouco, estou plenamente de acordo.
Por conseguinte e em resumo, a minha pergunta era esta: vê a Sr.ª Deputada que no actual texto constitucional não seja possível consubstanciar a ideia genérica que defendeu relativamente à defesa da Pátria e abrangente de todos os cidadãos sem restrição de sexo?

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Deputado Marques Júnior, a actual Constituição não contém o que V. Ex.ª acaba de referir. O que diz é que o serviço militar é obrigatório, prevendo depois a excepção da objecção de consciência. Trata-se de um processo muito mais complexo, pois a objecção de consciência leva a situações que conhecemos e que criam, na prática, desigualdade real.
Aquilo que propunha era uma outra filosofia: o serviço nacional é obrigatório, podendo ser militar ou não militar.
É esta nova filosofia que mais tarde ou mais cedo, quer esta Assembleia queira quer não, há-de acabar por vingar, aliás por razões que o Sr. Deputado conhecerá provavelmente melhor do que eu; pela própria evolução das coisas e pela própria evolução das técnicas de defesa estritamente militar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste verdadeiro jogo de analepses e de prolepses em que estamos envolvidos, mercê da estrutura do debate, é agora o meu momento de reconduzir esta Assembleia à discussão do Título IX - Administração Pública.
Numa primeira nota, vale a pena sublinhar que o texto que vem proposto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional acolhe uma sugestão contida já num projecto de lei do PCP relativamente à administração aberta, e depois apresentada em sede de Revisão Constitucional.
Gostaria de salientar ainda, aditivamente, que o PCP pôde já, através de um articulado material, dar um contributo que consideramos relevante - esperamos que a Câmara cooneste este juízo - para que se proceda ao desenvolvimento desta importante garantia constitucional.
Uma segunda questão tem que ver com o n.° 2 do artigo 268.°, no que se reporta à forma de que se deve revestir a notificação ou a publicação a que estão sujeitos os actos administrativos.
Tivemos oportunidade de analisar o problema em várias das suas vertentes e concluímos pela necessidade de encontrar uma redacção que acautele, interesses relevantes sobretudo, quanto respeita a terceiros indeterminados, uma vez que é sempre óbvio que, tratando-se de actos individuais, eles pressupõem a notificação do titular directo da relação jurídico-administrativa.

Página 4187

23 DE MAIO DE 1989

4187

Não assim, de facto,. no 4ue toca a,terèeiros,'indetérminados, cujos interesses há que, apesar de tudo:,- acau-

telar' ' 1 . . -- -,.. ' . "- , . --. ' - "-
Nestes termos, a formulação -adiantada péla- voz -do Sr' Deputado Rui Machete, e já coonestada pela bancada do PS, é possível, m-asjUlgo-que tàmbém-inelhorável'
.... _' Pela nossa parte estaríamos disponíveis para consi-
derar, daqui até ao momento da votaçã_o, -uma -escrita
mais escorreit-a e, desde lo ~ . o:de umrin.c.iso
. . gc!, a, apovaç# .
que diga «na forma _prev-ista na lei». A refer.ida- norma
ficaria pois com a'seguinte redacção:`«Os. actos,,admi
nistrativos'estão sujeitos a_notifica'ção---aos inter-essa.dos
na forma prevista na lei- e c.arecem de -fund-amentação
expressa qúando afectem dire ' itos ou interesses legal
mente protegidos dos c.idadãos. »
Em benefício de ulterior'rep -onderação- de pda 'esta matéria , aqui deixávamos,' para'j4,- esta_ suges~tão.

. 0 Sr' Presidente: - Para uma int,eryen9ão,,,-tem a

palavra~ o Sr. Deputado Nar'ana'Coissorá.

O Sr. Naran Coissóró (CDS): :- 'r' Pre'.sideníe,
egozijamo-nos com b
Srs. Deputados: R 'as .. enfeilorias
intr-oduzidas em.matéria de AdministiãÀ6,fPúlica.
- Em primeiro lugar, aprofunda.se agora o priíicípio
. -é 1, - -
da'ádministração aberta, cujo outro'nome _ . tranpa' ?
rêhcia da Administração, on'tribuindo-sè'decisiVamente
para a cíesbutocratização. e -ra a Mod.èni'za~cãó dos
métodos na Administraãó Públiéa.
0 reverso do princípio. da administra:ção aberta oú da transparência- é o segrédo do'Estádb.-- CoÈn eféito, ;f-" _, . 1
senpre que se n-ão veri ica uma, adtniistaçâoabè'rta,
o Estado esconde-se atrás do conceito.dé sèãredo. Sabè
mos de que m . odo este co-nceito tém, 'aiualrii.ete, , si d'o'
usado e abusado'
' -'

Na verdade, não se dá à Assembleia'da- República conta de determinados actos admin'--is'tr'at'ivo's-'-pr'ati.cádos pelas inspecçóes, nào,se dá aos adininistradoscoiit-ã dó que contra eles é apurado pelas mesmas inspecções e por outros admiriistradore e tudó isso vem confirmar a necessidade de, ao mesmo tempo que'e,tam4o-s,a-gora, nesta sede de Revisão Cónstituciohãl~, a trata'r'dà~tranparência e da modernidade da Administraçã,-o-,-.t'ratarmos também do problema do-segrdo do Estado.
Como todos sabem, está pendenté'na -comisão corri
petente em articulado do CDS 'sobre a questâo -dci
segredo de Estado que possui íntima tel2ição ceim o-pro
blema da transparência dá Administraçàá. - `-, , - - - ---
Portanto, manifeto o noso rgoijo coin-àsl-i-nvo-' cações que a reviíão introduz iiesta matéria e aguardamos que, logo que estejam te-r -minados os ^t'rabãlhos de Revisão Cdnstitucional, possá-esta Asséinbleia-retomar a- análise- da questão do ~ segédó ~ de Estado. '. -'
Pelo nosso lado, damos também -o'-noso apoio-à proposta apresentada -pelo Sr. -Deputado' Wui Machete e estaremos taiibém dispo-stos a estudar a--Èedacção proposta pelo PCP e anunciadw neste momento.. :

0 Sr' Presidente: = Para uma intervénção; tem a palavra o Sr. Deputado José Maààlhães.

0 Sr-,Joé Magalhães (PCP): - Sr. Presidénte, Srs' Deputados: Há, de facto, nesta matéri a razões parei que nos congratulemos de~ pleno - com o -resultado global e com -o'resultado pontual das alteraçóes; que'- se encontram ensejadas.

'Saliento, em primeiró'lugar = e associo-me por -inteiro às considerações que o Sr. Deputado Rui Machete sóbre isso fez .- a importância'das alterações introduzidas,em matéria de princípios fundamentais da Adrhinistração Pública.º
: .
. . É um-facto que a clarificação-de que os órgãos e agentes administrativos,estão subordinados e têm obrigação de respeitar, os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da.justiça e da imparcialidade, é, sem dúvida, uma-'notável explicitaçâo cheia de consequên-cias que é preciso extrair em todos os domínios. 15to aplica-se, como sublinhou também o deputado Rui Machete; a todas as áreas, incluindo naturalmente ao Tribunal de Contas e ao- tipo de juízos que ele emite. -Em segundo lugar, em matéria de direitos e garantias, há um poderoso impulso - poderoso,'de facto - pare um inaior acesso dos cida:dãos ao contencioso administrativo.
-Pulvetiza-se,-na sequência da anterior Revisão Constitucional, a noção estreita-de acto definitivo e executório', essa exasperação formalista que- levou a uma limitação drástica do universo dos actos impugnáveis e que, ainda por cima, durante o regime fascista se tornou numa guilhotina, arém do que a própria doutrina de-Marcelo Caetano esiipulava e apontava, num -excesso de zelo que manchou a juisprudência portuguesa'e que só depois- do 25 de Abril 'obteve a correcção que agora é- levada- a um ponto ainda m ais alto. .
Pósitiva tambêm, sern dúvida, é a clarificação'operada em relação às garantias dog interessados' para tutela de intereses legalmente protegidos. 15to implica um ampliação da própria jurisdição administrativa, na esteira-da melhor doutrina e de acordo cóm pontos de vista sufragadcis por diversíssimos quadrantes. Congratulamo-nos- pelo facto de ver consagradas constitucionalmerite estas soluções.
Igualmente imporante, sem dúvida, é que se vincule o'legislador a fixar prazos para as respostas a que se alude no primeiro destes números. 15so é significativo, tal como é significativa - e já ficou referida pelo meu camarada José Manuel Mendes - a consagração da prpria «administração aberta».
. de recordar ainda que se consagra noutra sede constitucional, mas com relevância na óptica que agora ocupa, o direito a procedimentos que poderão servir aos administrados - refiro-me ao'que se qualifica-no texto constitucional com a redacção-que agora está indicada, - de «acão popular» em sentido lato -, para intervir em domínios tanto relacionados com a defesa do património, -como.com a saúde pública ou com outros -interesses-, incluindo o da defesa dos consumidores,-que,são também, em cero sentido, sujeitos com relações com um determinado vector público e não apenas com,~entidades privadas.
Tudo isto~deve considerar-se como importante e ler-se em conjugação com aquilo que foi rejeitado. E aqúilo'que foi rejeitado, e vinha sobretudo -do PSD é preciso dizê-lo -, era extremamente negativo. 0 PSD,;recorde-se, propunha que os trabalhadores da funçio pública fossem sujeitos às interpretações da lei, dadas, pélas, chefias, o que, sabendo-se o que se sabe sobre'os projectos'do Governo em matéria de revisão da legislação sobre funçào pública, seria hoje ainda mais inquietante do que pareceu,naquele dia de Novembro de . 1987,'em que -o PSD apresentou o seu~ p-rojecto de Revisão Constitucional. Tal proposta'contida no artigo 269. 0 não obteve acolhimento e ainda bem.

Página 4188

4188 I SÉRIE - NÚMERO 85

Não obteve também acolhimento, segundo tudo indica, a proposta do PSD tendente a permitir restrições ao exercício de direitos das forças de segurança. São ilegítimas essas restrições, continuarão a sê-lo. As concepções do actual Governo que tendem a militarizai , militarizar e militarizar sempre tudo o que é força de segurança não adquirem aqui cobertura constitucional - não a têm neste momento, não a terão no futuro. Isso é extremamente positivo!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última observação sobre duas implicações do texto que agora obterá a aprovação já ensejada.
Em primeiro lugar, as alterações aprovadas implicam, inevitavelmente, uma revisão da lei do processo administrativo. Essa lei foi revista não há muito tempo, está em estudo de aplicação experimental, mas neste momento, após a Revisão Constitucional, terá necessariamente que ser revista para dar resposta às ampliações substanciais e muito significativas que decorrem desta revisão. Aliás, a legislação sobre a organização dos tribunais administrativos e fiscais, carecerá, igualmente, de ser relida à luz de tudo aquilo que agora se aprova.
Por outro lado, urge não atrasar por mais tempo a publicação da lei sobre o procedimento administrativo, a lei mais anunciada desde 1976 e também a lei mais delongada. É hora de que essa lei seja publicada, agora que a Revisão Constitucional clarificou alguns dos aspectos que havia a clarificar neste domínio e, designadamente, instituiu a administração aberta.
Concluo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, neste aspecto a revisão é absolutamente positiva, sendo embora globalmente negativa. Com isso, evidentemente, só se pode congratular a bancada do PCP.
Uma palavra ainda, Sr. Presidente, para lamentar que algumas das nossas propostas não tenham tido consagração, mas, verdadeiramente, foram poucas as que não tiveram consagração e com isso também nos regozijamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Si s. Deputados: Quero fazer uma brevíssima intervenção, acerca do artigo 276.° - Defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico -, para dizer que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional produziu um interessante e profundo debate sobre esta matéria. Julgo que desse debate e dessa matéria ficaram mais vincadas as nossas posições - agora acompanhadas também, e felizmente, pelas posições da Juventude Socialista - que, desde há muito tempo, vimos traduzindo neste plano, em relação à nossa intenção de retirar da Constituição a constitucionalização da obrigatoriedade do serviço militar.
Em relação a esta matéria, julgo que o único pecado da nossa incompreendida proposta, que subscrevi conjuntamente com os Srs. Deputados José Apolinário e Carlos Coelho, só pode ser, proventura, o pecado de termos razão antes do tempo.
No entanto, julgo que os debates que se produziram na CERC foram debates vivos, interessantes e que, no mínimo, aplanamos cominho e aplacamos arestas importantes para conseguirmos, se calhar, noutra altura, o desiderato de que há muitos anos vimos a tentar conseguir, porque entendemos que não faz sentido, hoje, em Portugal, manter constitucionalizada a obrigatoriedade do serviço militar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É também para formular uma breve intervenção sobre esta matéria, relativamente à proposta da Juventude Socialista e da Juventude Social-Democrata e referir uma proposta que deu também entrada na CERC, feita pelo nosso grupo parlamentar sobre a mesma matéria.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer-lhes que subscrevemos plenamente algumas das críticas que muitos jovens, que cumprem o serviço militar, fazem à forma como esse serviço é cumprido e é prestado.
Pensamos, no entanto, que a resolução desse problema e a satisfação dessas reivindicações não passa pela diminuição na Constituição da obrigatoriedade da prestação desse serviço, como base organizativa das Forças Armadas. Fundamentalmente, por três razões.
Em primeiro lugar, porque a obrigatoriedade não significa a universalidade do cumprimento do serviço militar e é garantido o direito à objecção de consciência.
Em segundo lugar, porque a voluntariedade é objectivamente um passo no sentido da profissionalização das Forças Armadas. Pensamos que umas Forças Armadas, a quem incumbe constitucionalmente a defesa militar da República em obediência aos órgãos de soberania e ao serviço do povo português, leva-nos a defender o serviço militar obrigatório, como base organizativa e como forma de defesa da democraticidade das Forças Armadas.
Em terceiro lugar, porque a voluntariedade não resolve o problema de que se queixam os jovens militares.
Não interessa dizer «vai quem quer» e abstrair depois, por esse facto, a forma como os jovens que lá estão são obrigados a cumprir o serviço militar. Não vale dizer que só vai quem quer e quem quer que se sujeite a tudo. Pensamos que não é assim e não podemos, de forma alguma, abstrair-nos da forma como esse serviço é cumprido.
Ao fazerem esta proposta, a JS e a JSD - permitam-me o termo - estão-se nas tintas para as condições materiais de prestação do serviço militar obrigatório. Fazem uma proposta de eliminação da obrigatoriedade, que sabiam e sabem de antemão que mais ninguém apoiaria, pois não era uma proposta viável,
abstraindo-se daquilo que, quanto a nós, é essencial no actual momento e que é discutir sobre as condições em que é prestado o serviço militar obrigatório.
Gostaria ainda de lembrar que, ainda por cima, fazem uma proposta de alteração ao artigo 16.°, quando sobre a mesma matéria seria também indispensável, naturalmente, uma proposta correlativa, relativamente ao artigo 275.° que também foca essa matéria. Enfim, é um problema meramente técnico, mas de qualquer maneira chamaria para ele a atenção dos Srs. Deputados.
Temos ideia de que importa não lavar as mãos das condições em que é prestado o serviço militar obrigatório. Daí a razão a proposta que fizemos, na CERC,

Página 4189

4189 - 23 DE MAIO DE 1989

concretamente, no sentido de se aditar ao n.º 2 o seguinte: «(...) a prestação do serviço militar obrigatório, em condições que assegurem a dignidade e os direitos fundamentais dos jovens, designadamente através de mecanismos de colaboração e participação.»
Consideramos como primeiro objectivo, que é fundamental, desta proposta o respeito pelos jovens que cumprem o serviço militar obrigatório. Pensamos que, embora a lei do serviço militar tenha dado alguns passos nesse sentido, eles ainda são insuficientes. Aliás, oportunamente, apresentámos um projecto de lei sobre esta matéria que avança no sentido do que nós pensamos que se deve fazer para concretizar a garantia da dignidade e dos direitos fundamentais dos jovens, permitindo-me destacar, designadamente, a proposta de criação de mecanismos de colaboração e de participação.
Como surgiram algumas dúvidas na CERC sobre o que entendíamos por estes mecanismos, gostaria de dizer que pretendemos simplesmente dar um sentido democrático à participação dos jovens no serviço militar. O sistema de colaboração e participação destina-se a colaborar com o comando militar para garantir as condições de bem-estar na prestação do serviço militar, nomeadamente no âmbito da instrução, alimentação, higiene e ocupação dos tempos livres, bem como para propiciar a valorização social, cultural, desportiva e profissional dos militares. Não põe em causa, quer o comando, quer a respectiva cadeia hierárquica, sendo apenas uma forma de maior aproveitamento da capacidade de iniciativa dos militares, em conjugação harmónica com o comando, para garantir a maior eficácia e as melhores condições de prestação do serviço militar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado António Filipe, ouvi a sua intervenção e gostaria apenas de lhe colocar duas questões.
Em primeiro lugar, começaria por dizer que em relação à alegada incompatibilidade entre os artigos 276.º e 275.º, aquando do debate em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, consta das actas que pedimos que fosse votado primeiramente o artigo 276.º, precisamente porque se a nossa proposta relativa a esse artigo não obtivesse vencimento, não valeria a pena estar a formular uma proposta para o artigo 275.º Na verdade, divisámos esse problema, mas entendemos que, por uma questão de economia processual, não valia a pena estar a fazer uma proposta para o artigo 275.º, uma vez que o n.º 2 deste artigo está, obviamente, subordinado processual e substancialmente ao que se dispõe no n.º 2 do artigo 276.º
Mas, Sr. Deputado, a questão que gostaria de colocar-lhe tem a ver também com a forma como estamos a debater este assunto. É sabido que o meu partido não vem para aqui repetir actos que já produzimos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Não é esse o nosso entendimento sobre o que devemos fazer aqui. Com efeito, entendemos que devemos trazer para aqui dados novos que possam elucidar melhorar e aprofundar as perspectivas e as discussões em relação a cada uma das matérias que estão em discussão.
Neste sentido, pergunto ao Sr. Deputado: Então V. Ex.ª continua a entender, mesmo depois da discussão que houve na CERC, que pelo facto de deputados da JSD e da JS terem apresentado uma proposta, que aliás, corresponde a uma proposta antiga da JSD, de desconstitucionalização da obrigatoriedade do serviço militar, nos estamos «marimbando», - foi essa expressão que utilizou ou se não foi essa foi uma do mesmo género - nos estamos «nas tintas» para as condições em que os mancebos vão prestar o serviço militar? O Sr. Deputado entende que é essa a conclusão do debate que fizemos na CERC? Só se foi em consequência de alguma desatenção com que o Sr. Deputado seguiu esses trabalhos, julgo que não, ou, então, fez uma leitura transviada do que foi debatido em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - É uma boa pergunta!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Miguel Macedo, gostaria de começar pela última questão que me colocou, pelo que, em particular, convidava o Grupo Parlamentar do PSD e, em geral, todos os deputados desta Assembleia a aprovarem o aditamento gue propomos para o artigo 276.º da Constituição. E a única forma clara de demonstrarem que não se estão «nas tintas» - pois, foi a expressão que utilizei - para a defesa da dignidade e dos direitos fundamentais dos jovens em cumprimento do serviço militar.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Posso interromper - , Sr. Deputado?

Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado, esta breve interrupção é apenas para lhe perguntar se V. Ex.ª entende que consagrando, como quer consagrar naquela proposta feita à pressa em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o que está expresso na proposta que o Sr. Deputado subscreve ficam salvaguardados os direitos dos instruendos? Só porque está na Constituição? Tem n exemplos de que assim não é. Por esse caminho não vamos!

O Orador: - Sr. Deputado, essa concepção levada às últimas consequências levaria a concluir que a Constituição não servia rigorosamente para nada e não perfilhamos essa opinião.
Entendemos que é importante que esta norma seja consagrada na Constituição e que o projecto de lei que apresentámos, concretizando esta matéria, seja aprovado, pelo que também lanço daqui o desafio para que os Srs. Deputados desta Assembleia ponderem nesse projecto de lei e no devido tempo o possam aprovar.
Sr. Deputado, a questão está em que V. Ex.as ao apresentarem essa proposta estão a fugir à questão fundamental. Isto é, passam-se situações graves nas Forças Armadas, em termos de ausência de transparência de mecanismos de instrução, com as consequências dramáticas que são conhecidas e, neste momento, pensamos que é essa a questão fundamental sobre que se deixe intervir.

Página 4190

4190 I SÉRIE - NÚMERO 85

Com efeito, não podemos abstrair-nos das condições em que o serviço militar é prestado. Por isso, pensamos que os Srs. Deputados fizeram uma proposta para o artigo 276.° que sabiam de antemão que não teria viabilidade, deixando de fora o artigo 275.°, o que, de certa forma, já demonstra a maneira como encaravam a própria credibilidade e viabilidade dessa proposta...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E as propostas do PCP têm viabilidade? E são credíveis por isso?

O Orador: - ... fugindo, de facto, à questão fundamental, que é esta: o que é que vamos fazer em sede de Revisão Constitucional para ver assegurada a dignidade dos jovens que estão neste momento e dos que vão estar no futuro a cumprir o serviço militar obrigatório? A questão é esta, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta proposta, e depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado António Filipe, penso que importa colocar esta matéria em dois planos: no plano conjuntural, em que temos vindo a ser confrontados com situações de atentados à dignidade dos jovens que prestam serviço militar e que nos últimos meses têm constituído um quase pão nosso de cada dia nesta matéria; e no plano filosófico, de opção política, em que se pretende saber se o serviço militar deve ou não ser obrigatório. Ora, nesta matéria, a Juventude Comunista Portuguesa, os jovens do PCP, têm neste momento a posição mais conservadora das organizações de juventude,...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... pelo menos, da perspectiva dos deputados presentes nesta Assembleia da República. Dando como bons alguns dos estudos e das opiniões que a comunicação social tem revelado, essa posição já nem é a posição dos votantes ou dos apoiantes da Juventude Comunista Portuguesa. Cito, nomeadamente, um estudo divulgado pouco antes do congresso da JCP, em que se demonstrava que a maior parte dos que se consideravam militantes ou apoiantes da Juventude Comunista Portuguesa eram contra a obrigatoriedade do serviço militar. Isto quer dizer que temos aqui uma direcção da Juventude Comunista Portuguesa que é insensível e incapaz de ser protagonista de um anseio profundo da juventude portuguesa.
Uma segunda questão sobre esta matéria, diz respeito à profissionalização de que o Sr. Deputado falou. Gostava, desde já, de repisar o seguinte argumento: não foi pelo facto de existir obrigatoriedade do serviço militar que, infelizmente, não conseguimos impedir 48 anos de fascismo. Isto é, a profissionalização é uma questão que hoje se coloca perante as próprias transformações e, inclusive, perante as próprias mudanças no plano das Forças Armadas e tem de ser moldada perante um reforço do poder político sobre as Forças Armadas e não perante uma medida cautelar defensiva, como continua a ser ainda o artigo da Constituição ao impor a obrigatoriedade do serviço militar.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra, fundamentalmente, porque o Sr. Deputado José Apolinário pôs em causa a Juventude Comunista Portuguesa de que faço parte. Gostaria de dizer que tenho pena de que o Sr. Deputado José Apolinário não tenha podido assistir, embora tenha sido convidado para isso, aos trabalhos do III Congresso da Juventude Comunista Portuguesa, reunido muito recentemente.

O Sr. José Apolinário (PS): - Tenho um relatório desses trabalhos!

O Orador: - Teria assistido a um debate muito rico e muito profundo sobre a questão do serviço militar obrigatório, sobre as questões relacionadas com o carácter obrigatório e voluntário do serviço militar, mas também sobre outras questões relativas às condições materiais e efectivas de prestação do serviço militar. Devo dizer-lhe que nesse debate, profundamente democrático e participado, a conclusão a que chegaram os jovens comunistas não foi aquela que o Sr. Deputado José Apolinário referiu. Por isso, convidava-o a consultar exactamente os materiais e os registos existentes sobre o nosso Congresso.
Para terminar, gostaria ainda de salientar que o Sr. Deputado José Apolinário disse que se não houvesse serviço militar obrigatório, provavelmente, não teria havido 48 anos de fascismo.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não disse nada disso!

O Orador: - Pergunto-lhe, Sr. Deputado: nunca ouviu falar no 25 de Abril?

O Sr. Presidente: - Para dar explicações se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado António Filipe, acho que a intervenção de V. Ex.ª é algo de incrível, pois além de deturpar o que eu disse utilizou uma linguagem sobre o 25 de Abril que eu não esperava que pudesse ser utilizada por alguém da bancada do PCP. Essa dúvida sobre a nossa identificação com os ideais do 25 de Abril é algo que nunca esperei que um jovem comunista pudesse colocar.
Sobre a questão do serviço militar, o que eu disse foi que, apesar da existência do serviço militar obrigatório, tal não impediu o fascismo. Foi isso que eu disse. Não pretendi defender qualquer regime do antigamente, mas, pelo contrário, apenas pretendi justificar que apesar de existir o serviço militar obrigatório não se deitou abaixo o fascismo.
Em relação à questão de a posição da direcção da Juventude Comunista ser ou não conservadora, repito

Página 4191

23 DE MAIO DE 1989 4191

o que já disse. Possivelmente, o Sr. Deputado confundiu também a minha intervenção. Em verdade, os estudos de opinião divulgada pela comunicação social representam e identificam este facto, isto é, que os jovens comunistas são hoje maioritariamente contra a obrigatoriedade do serviço militar. E o que eu disse é que a direcção da JCP continua a ser insensível a esse anseio da juventude portuguesa.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, embora de um forma muito rápida, uma vez que ainda não nos pronunciámos relativamente ao bloco de artigos que estão em discussão, gostaria apenas de fazer algumas observações.
Em primeiro lugar, devo dizer que retiramos a mossa proposta relativamente ao artigo 268.º, sobre direito e garantias dos administrados, porque consideramos que a proposta da CERC não só corresponde às nossas limitadas propostas nesta matéria, pois fomos pouco exigentes e a comissão da CERC vai muito mais além, consubstanciando um conjunto de normas e de disposições que consideramos de extraordinária utilidade, pelo que damos o nosso apoio empenhado à proposta da CERC...
Em segundo lugar, quanto à questão da Defesa Nacional e, nomeadamente no que respeita ao conteúdo dos artigos 274.º e 276.º, há um acrescento que é feito pelo PRD relativamente ao artigo 274.º que tem a ver com o Conselho Superior de Defesa Nacional. Neste projecto de revisão, no que diz respeito à composição dos órgãos consagrados na Constituição, o PRD adoptou, como regra, a sua constitucionalização pelo que constitucionalizámos também a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Este Conselho foi constitucionalizado em l982, aquando da revisão da Constituição, e, do nosso ponto de vista, compreende-se que nessa altura não tenha sido constitucionalizada a sua composição, mas entendemos que agora isso faria algum sentido por dois motivos fundamentais.
Um decorre de entendermos, como aliás já ficou expresso em intervenções anteriores, a propósito das competências do Presidente da República e da Assembleia da República, que o Presidente da República e a Assembleia da República podem nomear elementos seus, no caso do Presidente escolher e no caso da Assembleia nomear por dois terços, para fazer pare do Conselho Superior da Defesa Nacional. A Lei de Defesa Nacional prevê que neste caso, a Assembleia da República nomeie ou indique dois seus representantes e nós pensamos que isto deveria ficar constitucionalizado.
Quanto à nomeação que o Presidente da República faria, pensamos que a alteração proposta é importante, pois o Presidente da República até pode ter poucos conhecimentos de matéria militar e de Defesa Nacional em geral, pelo que seria importante que pudesse nomear elementos que o pudessem assessorar directamente, apesar de se tratar de um órgão de consulta, e tivesse também nesse aspecto uma competência específica, - isto já foi dito anteriormente -, porque permitiria o equilíbrio de poderes e uma participação do Presidente da República em termos de política de Defesa Nacional.
Outro aspecto também importante vem no sentido de reduzir o número de membros do Governo para tornar mais fácil a reunião e o trabalho deste órgão, sem prejuízo, naturalmente, de puderem ser chamados a qualquer momento os ministros considerados fundamentais, e indispensáveis em função das matérias a debater no âmbito do Conselho Superior de Defesa Nacional. Deste modo, no que diz respeito ao artigo 274.º, vamos manter esta nossa proposta pelo menos até melhor oportunidade.
Outra questão diz respeito ao artigo 276.º e, nomeadamente, aquilo que tem sido aqui equacionado como serviço militar obrigatório.
Penso que não se justifica, neste momento, fazer uma consideração muito profunda relativamente a esta matéria, mas gostaria de intervir para dizer que o PRD é favorável (não sei o que é que pensa relativamente a esta matéria a Juventude do PRD, devo confessar), mas o PRD é, de facto, favorável à manutenção do serviço militar obrigatório.
0 Sr. Deputado da Juventude do PSD, o Sr. Deputado Miguel Macedo, disse uma coisa que penso que é importante reter: que provavelmente os jovens têm razão, mas fora de tempo. Quer dizer que, provavelmente, ainda não chegou o tempo de introduzir estes elementos.
Em meu entender, este simples pensamento deve ser um pensamento a reter, porque pensamos que neste momento, o abdicar deste princípio podia ser um elemento prejudicial a um elemento profundamente negativo.
Tenho muitas dificuldades em entender, porque conheço relativamente bem as Forças Armadas, perdoem-me esta análise que, estou a fazer baseada
neste pressuposto, a transformação do serviço militar obrigatório em serviço militar obrigatório em serviço militar voluntário, no sentido de o profissionalizar, a este nível.
Existem, naturalmente, neste momento, militares profissionais ao nível das Forças Armadas, mas profissionalizar a este nível, seria potenciar, nesta fase, elementos perturbadores no sentido desenvolvimento normal da nossa democracia e, portanto, não posso ser favorável a isso.
0 Sr. Deputado José Apolinário afirmou que o facto de existir o serviço militar obrigatório não impediu que houvesse 48 anos de fascismo.
É verdade, mas em termos de testemunho pessoal devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que foi para mim extraordinariamente importante, diria mesmo, fulcral e determinante, a consciencialização que eu tive, relativamente ao contexto da Forças Armadas e à sua inserção na sociedade portuguesa, tudo aquilo que implicou esta frutuosa simbiose entre os militares profissionais e os militares do serviço militar obrigatório, isto é, aqueles que eram verdadeiramente o povo, militares não elitistas, não portadores de uma vocação especial de serviço militar, mas pessoas que tinham do serviço militar a ideia que um cidadão em geral tem, incluindo as dúvidas que tinham em relação ao serviço militar obrigatório como desnecessário.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado José Apolinário, que todas essas questões foram para mim importantes e até determinantes, para me mobilizarem e para eu anteriorizar o que era isso das Forças Armadas, o que é que estavam a fazer, enquanto suporte fundamental do fascismo, que o eram na realidade, e aquilo que elas

Página 4192

4192 I SÉRIE - NÚMERO 85

deviam fazer em termos da sua função cívica, de forma a assumirem as responsabilidades que tinham, não abdicando delas.
Esse aspecto foi um elemento fundamental pelo menos no que me diz respeito e a muitos camaradas meus, e por certo também no que diz respeito ao 25 de Abril.
Este o testemunho que queria deixar evidenciado, porque esta questão foi referenciada pelo Sr. Deputado José Apolinário, numa prespectiva, e pelo Sr. Deputado António Filipe, noutra prespectiva, pelo que penso que não poderia nem deveria deixar de dar aqui e agora, este meu testemunho pessoal.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Roseta, pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Marques Júnior, se a Mesa me der dez segundos.

O Sr. Presidente: - Se forem dez segundos, tem a palavra Sr.ª Deputada.

A Sr.a Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, agradeço a benevolência.
Sr. Deputado, é para lhe fazer duas perguntas rápidas.
Quanto ao que disse relativamente és ligações entre as pessoas que vinham do povo e que tinham contacto com os militares, durante o serviço militar obrigatório e quais as vantagens disso, o Sr. Deputado omitiu aquele facto que me parece o mais importante de todos, para que esse contacto levasse ao que levou: à guerra.
Não acha que é completamente diferente a prestação do serviço militar em guerra e a prestação do serviço militar em paz? Esta é a primeira pergunta.
Sr. Deputado, a hierarquia das Forças Armadas é basicamente constituída por militares profissionalizados. É assim ou não é?
Se assim é, a circunstância do serviço militar ser obrigatório ou não ser, e, nada altera a circunstância de as Forças Armadas serem em termos de comando, profissionalizadas. Ora, o seu argumento cai aí pela base.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - É evidente que a primeira questão que a Sr.a Deputada Helena Roseta colocou é fundamental.
Muitas vezes sou criticado, e com razão, por nas minhas intervenções ignorar - não ignoro, pois talvez até esteja demasiado presente - a guerra colonial.
Já fui por diversas vezes solicitado a pronunciar-me sobre esta questão, no sentido de me fazerem uma critica, dizendo-me que eu falei em tudo, mas que me esqueci de falar na guerra colonial.
Não se trata de esquecimento da guerra colonial, antes pelo contrário, é uma coisa que tenho de tal modo presente permanentemente que, de facto, é um dado importante do problema, que eu peço desculpa de o não ter sublinhado, mas que não altera, antes complementa, a questão que eu apresentei anteriormente e que justifiquei.
Relativamente à hierarquização das Forças Armadas e à sua profissionalização, isso é verdade, mas eu respondo-lhe da mesma maneira, Sr.ª Deputada sem querer ofender, de qualquer forma, a hierarquia das Forças Armadas: também antes do 25 de Abril, os generais «determinavam e mandavam publicar», isto sem querer falar contra os generais, mas sim e apenas a simbolizar a minha ideia.
Esta noção hierarquizada que não teve em conta a realidade das Forças Armadas e da Nação fez com que, em determinada altura, eles se apercebessem que o «determinar e mandar publicar» não era suficiente para as coisas se executarem.
A sua pergunta, do meu ponto de vista e da análise que eu faço, reforça um pouco esta minha ideia: é que, é necessário que as Forças Armadas, através da sua hierarquia, se identifique com os sentimentos profundos do Povo português, caso contrário, pode enfermar de determinados vícios e defeitos.
Podem isolar-se numa concha e pensar na defesa da Pátria como exclusivamente em defesa militar e podem, inclusivamente, identificar militar com militarismo e esquecerem que são coisas completamente distintas e até opostas, pois o militar é o contrário do militarismo. Se um chefe militar esquecer o que é realidade objectiva das Forças Armadas, que começa com o soldado, quer esteja a cumprir o serviço militar obrigatório, quer esteja como voluntário, com os seus problemas, com os problemas de subsistência da família, com o problema das licenças, e muitos outros, e terminava no militar mais graduado, também com os seus problemas específicos, não só não é um bom chefe militar como pode potenciar entre a hierarquia e as Forças Armadas.
Quando as hierarquias se apercebem de todos esses problemas, deixa de existir o problema da ruptura nas Forças Armadas, mas quando isso não acontece essa ruptura pode existir e surgirem problemas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para o debate do bloco dos artigos 266.° a 276.°, pelo que está encerrada a sua discussão.
Srs. Deputados, de acordo com as informações que a Mesa dispõe, e presumo que há consenso sobre a matéria, o bloco seguinte, isto é, dos artigos 277.° a 291.°, iria ser fraccionado. Discutiríamos hoje até ao artigo 290.°, utilizando, dos setenta e cinco minutos previstos para bloco, uma parte hoje e o restante ficaria para os outros dois artigos amanhã.
Portanto, vamos fazer o debate dos artigos 277.° a 289.°, inclusive, transitando para amanhã, com o tempo remanescente, os artigos 290.° e 291.°
Sr. Deputado Narana Coissoró, tem a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É para saber, Sr. Presidente, se os artigos de 1.° a 10.°, também são votados amanhã de manhã.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, amanhã continuaremos o nosso trabalho, às dez horas, com os tempos regimentais previstos.
Sr. Deputado Narana Coissoró, faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, ainda estão por discutir os artigos de 1.° a 10.° e eu perguntava se os discutiremos amanhã de manhã.

Página 4193

23 DE MAIO DE 1989 4193

O Sr. Presidente: - Amanhã começamos os nossos trabalhos às 10 horas continuando com o debate dos artigos restantes e às 15 horas iniciamos com as votações. É o programa que está estabelecido e que está acordado e que vai ser seguido.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino para uma intervenção.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito suscitamente para abordar os aspectos fundamentais, na óptica do Partido Socialista, no que diz respeito à alteração da parte referente à fiscalização da constitucionalidade.
As competências do Tribunal Constitucional, especificamente nessa matéria, são alargadas em virtude da introdução da figura das leis orgânicas e em virtude da previsão da fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalização e da legalidade dos referendos.
Digamos que se trata, no caso das leis orgânicas, da definição de um novo
acto-parâmetro, aferidor da conformidade das leis comuns a essas novas leis orgânicas que são leis com valor reforçado, tendo esta inovação do sistema constitucional português duas consequências fundamentais.
A primeira diz respeito ao artigo 278.°, ao prever um mecanismo específico de fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis orgânicas. É um mecanismo que, além da modalidade, digamos normal, accionada pelo Presidente de República, pode também ser accionada por um quinto dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções ou pelo Primeiro-Ministro.
Nesse sentido, são introduzidas alterações no artigo 278.° que visam, no essencial, garantir que as leis orgânicas, porque versam sobre as matérias estruturantes do sistema político, tenham um sistema político, tenham um sistema mais alargado de fiscalização preventiva da constitucionalidade, quanto ao poder de iniciativa.
As leis orgânicas são leis que, pela sua relevância, política e natureza estruturante se justifica que só entrem em vigor no ordenamento jurídico depois de reconfortadas por uma garantia alargada de fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.
Ainda como consequência da introdução da figura das leis orgânicas, o artigo 280.°, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, e o artigo 281.°, em sede de fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade, prevê que passe a haver fiscalização da ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo, com fundamento em violação de lei com valor reforçado.
A interposição de um novo acto-parâmetro, como são as leis orgânicas, entre a Constituição e a legislação ordinária, deve dar origem a um juízo de fiscalização da legalidade em sentido amplo; juízo esse que, aliás, não se esgota nas leis orgânicas, mas que vai para além delas, e que é extensível, através da via da interpretação doutrinária e jurisprudencial, a outros acto legislativos a que deva ser reconhecido um valor reforçado, por identidade de razão com a lógica da consagração das leis orgânicas feita nesta revisão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também pretendemos quanto à fiscalização da constitucionalidade, além de alargar, no n.° 2 do artigo 281.°, a faculdade de suscitar a fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade e da legalidade, além do alargamento das entidades que podem suscitar tal fiscalização nos termos de n.° 2, permitir a introdução de alguns aperfeiçoamentos de ordem técnica nos normativos referentes à fiscalização da constitucionalidade, porque se trata de um dos instrumentos mais importantes, para garantir a eficácia das normas jurídicas que temos vindo a aprovar e a inserir no texto da lei fundamental.
Pensamos, aliás, que foi positivo que se tivesse gerado em torno destas matérias um amplo consenso, como, aliás, já tinha acontecido em 1982.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste domínio foi possível, na sequência de um debate complexo e partindo de pontos de vista bastante distintos - recorde-se o teor originário das propostas do PSD que chegavam ao ponto de visar encurtar os prazos de que o Presidente da República dispõe para exercer as suas faculdades junto do Tribunal Constitucional -, chegar a soluções que, numa larga parte, podem ser qualificadas como positivas.
Em primeiro lugar, é um facto que em matéria de fiscalização preventiva e sucessiva, havendo um novo instrumento a fiscalizar, refiro-me ao referendo, alarga-se a competência do Tribunal Constitucional. O Sr. Deputado António Vitorino falou da fiscalização preventiva, mas suponho que não excluiu também a fiscalização sucessiva desse tipo de leis.
Em segundo lugar, há um alargamento decorrente da consagração constitucional das leis orgânicas, tanto quanto à própria fiscalização da eventual desconformidade entre a lei ordinária e a lei orgânica, como em relação, naturalmente, a todos os mecanismos tendentes a activar a fiscalização das próprias leis orgânicas (incluindo novos sujeitos activos do direito de acção preventiva).
Em terceiro lugar, há, em termos e com os fundamentos que o Sr. Deputado António Vitorino pôde expender e que por inteiro subscrevo, um alargamento da competência do Tribunal Constitucional, no que diz respeito à fiscalização de outros actos legislativos de valor reforçado, além das leis orgânicas, como decorre do articulado e dos debates.
Lamentamos, e esta é a parte negativa, que se tenham gorado os nossos esforços, por um lado, no sentido de se consagrar a existência de um sistema de fiscalização da constitucionalidade de actos políticos. Por outro lado, lamentamos que não tenha sido possível obter a consagração constitucional de um instituto que alargaria as competências do Tribunal Constitucional e cujo nome era acção constitucional de defesa.
Lamentamos, ainda, que tenha ficado por resolver, nesta sede que é talhante e clarificadora por definição, uma importante questão que tem envolvido larga cópia de acórdãos, de resto contraditórios, do Tribunal Constitucional.
Refiro-me ao problema da conformidade entre normas de direito ordinário interno e normas de direito internacional que sobre ele tenham primazia.
A questão ainda fará correr rios de tinta jurisprudenciais. Penso que teria sido possível, nesta sede

Página 4194

4194 I SÉRIE - NÚMERO 85

e neste momento, encontrar a solução constitucionalmente apta e adequada para talhar o conflito existente. Assim não o quiseram certas bancadas - e aqui seria injusto assacar responsabilidade: ao PS, pois a responsabilidade vai por inteiro para o PSD que, pela voz do Sr. Deputado Rui Machete, se mostrou indisponível para fazer esta clarificação, e ainda mal.
Congratulamo-nos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, com a derrota dos citados e já aludidos pontos de vista do PSD. Tudo aquilo que o PSD desejava nesta matéria era francamente indesejável, para não dizer mesmo institucionalmente malsão. A ideia de encurtar os prazos de que o Presidente da República dispõe para accionar os mecanismos de que é titular junto do Tribunal Constitucional em uma ideia que introduziria mal-estar constitucional e institucional onde só se deve cultivar o bem-estar.
Prudentemente, abstivemo-nos em relação à autonomização do título relativo ao Tribunal Constitucional.
As soluções a que se chegou, de forma consensual e na sequência de um amplíssimo debate, são soluções que no geral devemos qualificar como claramente positivas, No entanto, a sua aplicação dependerá, como diria Ia polisse, daqueles que no Tribunal Constitucional vierem a ser os guardas da Constituição. Só disso poderá resultar que o conjunto de normas às quais daremos a nossa aprovação não sejam susceptíveis de perversão, para não dizer mesmo de inversão.
Ao votá-las, na altura própria, fá-lo-emos com este pró viso. Associamo-nos ao seu conteúdo, na parte em que ele é subscritível, mas obviamente, com todas as prevenções e, advertências que decorrem destas últimas palavras. É que quando o guarda não é de confiança nenhuma baia é bastante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não dispõe de mais inscrições, pelo que, embora não fechemos o debate do bloco 197.° a 291.°, encerramos a discussão do bloco 277.° a 289.°
Recomeçaremos os nossos trabalhos amanhã às 10 horas.
Está encerrada a sessão.

Era 1 hora e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Depurados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José R. Roque Correira Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Margarida Borges de Carvalho.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Almeida Mendes.

Partido Socialista (PS):

Helder Oliveira dos Santos Filipe.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim. Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
José Carlos Pereira Lilaia.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
António Manuel Lopes Tavares.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Carlos Alberto Pinto.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Costa da Silva.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Mendes Bota.
Luís António Damásio Capoulas.
Manuel Maria Moreira.
Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues Azevedo.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Mário Manuel Cal Brandão.

Página 4195

23 DE MAIO DE 1989

4195

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Lino António Marques de Carvalho.

Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - Ana Marques da Cruz - Maria Amélia Martins - José Diogo.

Página 4196

Depósito legal nº 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

d Assembleia da Republica

PORTE PAGO

1 - Preço de página para venda avulso, 4$50; preço por linha de anúncio, 93$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 297$00

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E. P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1092 Lisboa Codex

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×