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Sábado, 3 de Junho de 1989 I Série Número 92
DIÁRIO
da Assembleia da Republica
V LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE JUNHO DE 1989
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vitor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abulo Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n. º 409/V.
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD e do PS.
A Câmara autorizou um deputado a depor como testemunha em tribunal.
Foram ainda aprovadas votas de congratulação pelo êxito desportivo de equipas do Feirense e pelo centenário do «Jornal Português», da Califórnia, e de pesar pelo falecimento do escritor e pedagogo Baltazar Lopes e do médico ortopedista Espergueira Mendes.
Em votação final global, foi aprovado o texto da alteração ao Decreto-Lei n. º 187/88, de 27 de Maio - Ratificação n. º 27/V.
A abrir o debate da interpelação n. º l0/V (PS), sobre política geral visando o balanço e a apreciação políticos de actividade global do Governo, Intervieram o Sr. Deputado Jorge Sampaio (PS) e o Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe).
Seguidamente, usaram da palavra, a diverso título, além dos, oradores atrás referidos e do Sr. Ministro da Educação (Roberto Carneiro), os Srs. Deputados António Guterres (PS), Cariar Lilaia (PRD), Gameiro dos Santos, Armando Vara, João Rui de Almeida, Ruí Cunha e Sottomayor Cardia (PS), Herculano Pombo (Os Verdes), Elisa Damião (PS), Carlos Brito (PCP), João Cravinho (PS), Montalvão Machado e Silva Marques (PSD), Jaime Gama (PS), Pacheco Pereira (PSD), João Amaral (PCP), Duarte Lima (PSD), Marques Júnior (PRD), Narana Coissoró (CDS). 15abel Espada (PRD), Apolónia Teixeira e António Filipe (PCP), António Barreto (PS), Natália Correia' (PRD), Paula Coelho (PCP), Adriano Moreira (CDS) e Hermínio Martinho (PRD).
A encerrar o debate interveio o Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva), cuja intervenção suscitou o uso da palavra pelos Srs. Deputados Carlos Brito (PCP) e Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio dos Anjos Gomes.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Armando Pedroso Militão.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Nuno Francisco F. Delerue Al vim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
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Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António Carlos. Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho P. Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto' Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui António Ferreira Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
15abel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados Independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram, entrada na Mesa.
Ó Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 409/V, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Alberto Pinto, do PSD, propondo a criação da freguesia de Moitas, no concelho de Proença-a-Nova. Este diploma foi admitido, baixando à competente comissão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Há ainda um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, que o Sr. Secretário irá fazer o favor de ler.
O Sr. Secretário: - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia de Junho de 1989, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
1 - Solicitada pelo Grupo Parlamentai do Partido Social Democrata (PSD):
Américo de Sequeira (Círculo Eleitoral de Viana de Castelo), por Armando Lopes Correia Costa. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 4. º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março; (Estatuto dos Deputados), a partir de 2 de Junho corrente, inclusive.
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2 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio (Círculo Eleitoral de Lisboa), por Edmundo Pedro. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março, (Estatutos dos Deputados), para o período de l de Junho a 31 de Dezembro próximo, inclusive.
3 - Analisados os documentos pertinentes de que a comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernantes círculos eleitorais.
4 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
5 - Finalmente, a comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Vice-Presidente: Alberto Marques de O. e Silva (PS); O Secretário: José Manuel de Melo A. Mendes (PCP); O Secretário: Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Carla Maria Tato Diogo (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro Amaral (PSD) - João Granja Rodrigues da Fonseca (PSD) - José Alberto Puig dos Santos Costa (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António Só Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD) - António Manuel C. Ferreira Vitorino (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Francisco Barbosa da Costa (PRD) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (Os Verdes).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Há ainda um outro relatório da Comissão de Regimento e Mandatos que o Sr. Secretário vai anunciar.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Diz respeito a um pedido da Comissão Executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional para que o Sr. Deputado António Fernandes Ribeiro pudesse comparecer no Tribunal Arbitrai de Lisboa a fim de depor como testemunha num processo em que este Instituto é parte interessada.
O parecer é no sentido de autorizar que o Sr. Deputado se desloque ao referido tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há três votos, dois de pesar e um de congratulação, para votarmos e seguidamente temos uma votação final relativa à ratificação n.º 27/V, do Decreto-Lei n.º 187/88, de 27 de Maio, em que a parte importante é o artigo 2.º, relativo à duração semanal do trabalho.
Srs. Deputados, vamos então apreciar o voto n.º 64/V, que é um voto de pesar, subscrito por todos os grupos parlamentares, e que vou passar a ler.
A Assembleia da República presta homenagem póstuma a Baltazar Lopes, orgulho do espaço da língua e cultura portuguesa em geral e caboverdiana em particular, pedagogo exemplar e merecidamente chamado o advogado dos pobres, pela sua devoção constante aos desamparados.
Vamos passar à votação deste voto.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - O segundo voto que referi é de congratulação, tem o n.º 65/V, é subscrito por deputados de todas as bancadas e é o seguinte: «O Jornal Português» da Califórnia comemora em 1988/89 o primeiro centenário. As suas páginas são o mais completo repositório existente das aspirações, iniciativas, eventos, dramas e sucessos que assinalaram a vida dos homens e das instituições comunitárias ao longo de um século, que foi o das grandes migrações a partir dos Açores para o longínquo oeste americano.
Dá, assim, o «Jornal» a história dos pioneiros dessa aventura, desde os pescadores da baleia, trabalhadores rurais e pequenos agricultores do século XIX até à actualidade marcada, a nível individual, pela imagem de prósperos empresários nos sectores da agro-pecuária, da pesca, lacticínios e comércio a nível colectivo, por significativas associações e fraternidades, mútuas, sociedades culturais e religiosas, que explicam, através de gerações, o fenómeno da preservação da língua, e das tradições nacionais, vivas em comunidades portuguesas e luso-americanas enraizadas e influentes.
A Assembleia da República congratula-se no papel desempenhado pelo próprio «Jornal», como elemento de coesão e de afirmação dos valores da cultura e da presença nacionais da América do Norte, e associa-se com este gesto, às comemorações do seu comentário.»
Srs. Deputados, vamos passar à votação.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados Independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
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O Sr. Presidente: - O voto n.º 66/V é um voto de pesar, subscrito por diversos deputados do Grupo Parlamentar do PSD.
É do seguinte teor:
Vítima de doença incurável, faleceu ontem João Espregueira Mendes, médico ortopedista de renome internacional.
Com apenas 58 anos, foi um dos principais precursores da Jovem Medicina Desportiva Portuguesa. Ortopedista e traumatologista de elevado nível técnico e científico, foi na área da traumatologia desportiva um dos maiores vultos da medicina europeia contemporânea.
A Assembleia da República manifesta publicamente o seu pesar pelo desaparecimento do Dr. João Espregueira Mendes e apresenta as suas sentidas condolências aos seus colegas ao serviço do Ortopedia do Hospital de São João, ao Futebol Clube de Portugal e à família enlutada.
O Sr. Deputado Luís Filipe Menezes pede a palavra para que efeito?
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Para interpelar a Mesa.
Sr. Presidente, ontem, antes de entregar esse voto de pesar, tentei contactar os restantes grupos parlamentares para que se associassem a ele. Como ainda não foi votado, embora não sendo muito curial, continuamos abertos a que os outros grupos parlamentares o possam subscrever.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres, para expressar a posição do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. António Guterres (PS): - Só para comunicar que, naturalmente, o fazemos com todo o gosto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, para expressar a posição do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É também no mesmo sentido, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior, para expressar a posição do Grupo Parlamentar do PRD.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - No mesmo sentido, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para expressar a posição do Grupo Parlamentar do CDS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - No mesmo sentido, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para expressar a posição do partido Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - No mesmo sentido, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - No mesmo sentido Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados vamos proceder à votação do voto de pesar n.º 66/V.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados Independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados havia também a combinação de que passaríamos à votação final global da ratificação n.º 27/V.
Srs. Deputados, vamos então proceder à votação final global da ratificação n.º 27/V.
Submetida a votação, foi aprovada com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e de Os Verdes e a abstenção do PCP e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Guterres (PS): - Para uma curta declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Apenas para dizer embora lamentando o facto de algumas das nossas propostas não terem tido acolhimento pela maioria em sede de comissão, consideramos que se trata de um passo no bom sentido e por isso mesmo votámos a favor esta ratificação.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, era para informar a Mesa que dentro de momentos entregaremos, por escrito, a respectiva declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o nosso trabalho preliminar, por assim dizer e passamos, à interpelação ao Governo n.º 10/V, da iniciativa do PS, sobre a política geral, visando o balanço e apreciação política da actividade global do Governo.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, verificando com estranheza que no momento em que se inicia uma interpelação do principal partido da Oposição ao Governo se não encontra presente, para fazer cobertura do acontecimento, a Radiotelevisão Portuguesa, solicitamos um intervalo de 30 minutos, admitindo que houve qualquer acidente que rapidamente poderá ser remediado.
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O Sr. Presidente: - É regimental, pelo que suspendo a sessão até às 11 horas.
Eram 10 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 11 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda antes de entrarmos na interpelação n.º 10/V, vamos proceder à votação de outro voto de congratulação, que tem o n.º 62/V e que foi apresentado pelo PSD.
Vamos votar.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados Independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente será possível ler o teor do voto que acabámos de aprovar?
O Sr. Presidente: - A informação que tive foi que todas as bancadas estavam de acordo com esta votação.
O Sr. António Guterres (PS): - Não tenho dúvidas sobre isso, e por isso votámos, mas admitia a hipótese de ser introduzida uma emenda e para isso precisava de ter o texto.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário vai lê-lo.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - É o seguinte:
O Clube Desportivo Feirense é, em matéria desportiva, um exemplo a reter e a seguir, porquanto:
1 - A equipa de futebol sénior do Clube Desportivo Feirense acaba de subir à I Divisão Nacional de Futebol, depois de ter feito uma época invulgar, pois foi - entre todas as equipas das três zonas da II Divisão - a equipa que mais golos marcou (69), a que menos golos sofreu (18). Aquela que - juntamente com a Académica de Coimbra - menos derrotas consentiu (3) e a única que começou e acabou o campeonato à frente da respectiva classificação.
2 - A equipa de futebol sénior do Clube Desportivo Feirense é campeã da zona centro da II Divisão Nacional de Futebol com uma equipa jovem (com média de 21 anos de idade) toda ela formada por atletas portugueses, quase todos feirenses e oriundos das equipas das camadas mais jovens do clube.
3 - A equipa de futebol sénior do Clube Desportivo Feirense é orientada por um jovem treinador português (34 anos), coadjuvado por treinador adjunto também português e jovem (36 anos), ambos foram nados e criados no concelho de Santa Maria da Feira e ambos foram ex-atletas do Clube.
4 - A actual Direcção do Clube Desportivo Feirense é presidida por um ex-atleta que, na época de 1962/63, ajudou a equipa de então a subir pela 1.ª vez à I Divisão Nacional de Futebol.
5 - No mesmo dia em que a equipa de futebol sénior do Clube Desportivo Feirense se sagrou campeã da zona centro da II Divisão Nacional de Futebol, terminou em Aveiro o Grande Prémio de Ciclismo denominado «Clássica das Beiras», em que os atletas da equipa do Feirense obtiveram o 1.º, o 2.º e o 10.º lugares da classificação individual e o 1.º lugar da classificação por equipas.
Tendo em consideração que estes factos são dignos do maior apreço público e devem ser apontados como exemplos a seguir, o deputado do PSD abaixo assinado, eleito pelo distrito de Aveiro e residente no concelho de Santa Maria da Feira, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, propõe o seguinte voto de saudação e congratulação:
A Assembleia da República saúda efusivamente o Clube Desportivo Feirense, congratula-se pelo excelente êxito desportivo alcançado, enaltece a forma exemplar com a direcção conduz os destinos desta agremiação desportiva e aponta aos demais a sua acção como exemplo a seguir para bem do Desporto em Portugal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, cheguei a pensar em introduzir uma emenda em benefício da zona norte e da zona sul, mas é manifesto que não há emenda possível.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora dar início ao debate da interpelação ao Governo n.º 10/V, da iniciativa do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio, para produzir a intervenção de abertura.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao interpelar o Governo sobre a política geral neste momento e neste local, o Partido Socialista homenageia as instituições democráticas e reafirma a sua crença de que, mais tarde ou mais cedo, a esgrima de razões e argumentos com esta Assembleia deve exprimir o País plural que somos, será uma voz mais ouvida pelos portugueses do que os megafones da propaganda eleitoral.
Interpelando o Governo, aqui e agora, o Partido Socialista reitera também a sua confiança no juízo do eleitorado, que crescentemente adivinha a verdade por detrás da propaganda, nas vésperas de uma campanha eleitoral em que o PSD, ciente de ter perdido a maioria nacional, usará dos imensos recursos do partido e do Estado para tentar persuadir os portugueses de que o próximo sufrágio é um assunto europeu e estrangeiro, que não envolve qualquer juízo sobre a situação política nacional.
Interpelamos o Governo hoje e no Parlamento com estes propósitos.
Portugal é, por padrões europeus, uma Pátria antiquíssima. Mas hoje, confrontado com os desafios da
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modernidade e da integração europeia, descobre; inquieto, que, de tão adiado, se tornou num país tão urgente. Por isso importa fazer aqui o balanço do estado da Nação, neste meio caminho já percorrido entre uma adesão à CEE, de que o PS legitimamente se orgulha, e a proximidade do grande mercado interno europeu, que o PSD não prepara. Por isso importa ajuizar de uma governação desgovernada que gere mal o dia de hoje e que se esquece, por sistema de que ele é também a véspera do de amanhã. Por isso importa forçar o debate político, sereno e digno, sobre os problemas mais instantes do País, para demonstrar, na sede própria, que a auto-suficiência de uma tecnocracia sem alma apenas esconde as suas profundas insuficiências políticas e que o recurso ao populismo é o reflexo do desespero dos tecnocratas que perderam já a credibilidade técnica. Por isso importa sublinhar os contrastes que felizmente nos separam do partido do Governo, reafirmando-se, o PS como a alternativa à actual governação, sobre esses mesmos e graves problemas de Portugal.
Após quatro anos em que o PSD governa sozinho, dois dos quais com maioria absoluta, é cada vez mais evidente que ó País se vê ao espelho, hoje, com apreensão, desalento e ansiedade. E tem razão!
Politicamente, este Governo tinha todas as condições para governar, dentro desse código mínimo que rege o convívio democrático,
Tem perante ele um Presidente da República que vem mantendo escrupulosamente a distância que o deve separar do Executivo, desempenhando um mandato pacificador que é nacionalmente reconhecido, e posto o máximo cuidado, sem omitir o que lhe cumpre, em nada perturbar a acção governativa,
Mas o Primeiro-Ministro e o seu Governo não conseguem superar o trauma da derrota do PSD nas eleições presidenciais, nem. mesmo perante o exemplo de um CDS, de cujas fileiras saiu o adversário, eleitoral de Mário. Soares e que tem tido, sobre isso, um comportamento institucional adulto e dizemos mesmo de fair-play. Não! O PSD e o Governo não aceitam o julgamento óbvio do País e não perdem uma ocasião para criar fricções, questionar despropositadamente vetos legítimos ou tentar, inútil e pateticamente, minar o prestígio do Presidente da República com críticas, cada vez menos veladas, à pessoa de Mário Soares quando Primeiro-Ministro.
Tem também o Governo perante ele uma Oposição que se lhe opõe, como lhe cumpre, mas uma Oposição respeitadora das regras do jogo democrático, com quem se pode falar, negociar e obter até maiores consensos nacionais para medidas e opções fundamentais, que nada ganham em surgir perante os portugueses como factos consumados, ditados administrativamente à maioria automática e politicamente a crítica que domina esta Assembleia.
O PS acaba de o demonstrar exemplarmente com o processo da Revisão Constitucional, em cuja preparação, aliás e ao contrário do PSD, promoveu rondas de encontros com todos os demais partidos desta Assembleia para os ouvir e ponderar as sua posições.
Aplausos do PS...
Estamos conscientes e orgulhosos - devemos dizê-lo de ter prestado, nesse processo; um serviço a Portugal. Mas claro que, se estamos, como estamos;
satisfeitos com o resultado; é porque não se tratou de um sacrifício patriótico, mas de algo que globalmente nos apraz.
Sem negar as cedências pontuais que qualquer negociação implica, verificamos, que a versão final está mais próxima do nosso. projecto inicial do que das pretensões de então do PSD: Se o PSD disser agora que o seu pensamento é simétrico. e que está muito satisfeito, estará mais no abuso do seu direito à propaganda do que no uso do seu direito à opinião.
Mas isso pouco importa neste contexto. O que importa é que um acordo, de fundo entre partidos que são os principais rivais na luta pelo poder, entre o partido que governa e ó partido que lidera a Oposição, foi possível. E foi possível porque o PSD, neste caso, não tinha outra solução senão dialogar, negociar e estar aberto às cedências., Duvido, porém, que tire daí as devidas ilações, porque, com excepção dos casos em que a necessária maioria qualificada o obriga à abertura, o Governo e o partido que o sustenta ontem e hoje não sabem dialogar. Desprezam o debate político, menosprezam a Assembleia da República, não estão á vontade nem entendem o funcionamento das instituições do regime: É claro que também não promovem a necessária pedagogia democrática, até porque sabem que teriam de sentar-se tantas vezes na plateia dos ouvintes. O Governo sabe apenas, isso sim, silenciar os que pode e injuriar os que não pode. Sirva de exemplo, e recente, o que o Primeiro-Ministro se permitiu dizer na televisão sobre o Sr. Deputado Carlos Macedo, expulso do PSD por partilhar a convicção de milhões de portugueses de que a política de saúde é um desastre sofrido e pago, antes de mais, pelos cidadãos utentes.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sabe, também, refugiar-se em slogans algo primários, porque alternadamente se contradizem: ou declara que não há oposição - sugerindo que o Pais é a quinta do PSD onde campeia, impante e solitário, o Primeiro-Ministro e insultando,- assim, a inteligência dos portugueses - ou proclama que, a Oposição, lhe bate muito e não é, portanto, construtiva, insinuando que não tem meios para conseguir resultados e insultando assim a sua própria inteligência.
O Sr. Jorge Lacão (PS):- Muito bem!
O Orador: - Tem ainda o Governo perante ele uma série de órgãos do Estado que não podem desempenhar, com o brio que deles se exige, o seu papel no sistema em que vivemos sem que a propaganda governamental se abstenha de lançar sobre eles suspeições absurdas ou de os envolverem inimagináveis cabalas! Poupo os que me ouvem aos detalhes, mas falo, por exemplo, do Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas ou ainda do Provedor de Justiça.
Na Assembleia em que estou, evocar a forma como o Governo e a sua bancada reagiram, nos últimos tempos, aos sucessivos e legítimos pedidos de inquéritos parlamentares é a forma mais expressiva e mais sucinta de evitar prolongar a descrição do que é a postura do Governo na nossa democracia. Para evitar simulacros ou derrapagens democráticas, tudo faremos para manter
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vivos os princípios, em defesa de um quotidiano de liberdade de pluralismo e dignidade de Estado.
Aplausos do PS.
Alonguei-me na caracterização da conduta do Governo no plano puramente institucional e político, porque é no plano mais nobre que a nota de culpa sai mais carregada e é mais grave. Mas infelizmente não ficam por aqui os males de que os portugueses se ressentem. Advêm também disso, mas há que referir mais alguns, lesivos e ameaçadores da nossa vida quotidiana.
Economicamente e se analisarmos a situação com seriedade, não nos deixaremos hipnotizar pela propaganda do Governo. Esta assenta sistematicamente em jogar com as diferenças entre períodos que qualquer cidadão medianamente informado reconhece não poderem ser comparados, sem levar em conta as conjunturas internacionais e os problemas financeiros de cada momento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É preocupante o agravamento da debilidade estrutural da economia portuguesa.
Continuamos a ser um país altamente dependente da conjuntura internacional, em que o sector exportador mantém uma lógica de baixos salários, de contratos a prazo, de trabalho desqualificado, de elevados horários de trabalho; continuamos a ser um país que necessita de recorrer a importações estratégicas em áreas tão fundamentais como a alimentação, a energia, os bens de equipamento e múltiplos bens de consumo duradouro; continuamos a ser um país que, por não mudar estruturalmente, se comporta economicamente conforme o enquadramento internacional, oscilando sempre entre o crescimento e a crise.
O Governo não é capaz de definir a sua posição sobre a especialização internacional mais desejável para Portugal e sobre os meios de intervir na realidade, para melhor perfilar essa especialização.
Não há qualquer estratégia fundamentada de modernização e desenvolvimento, pelo que não se sabe qual o papel que é atribuído ou desejado aos agentes económicos, sejam eles privados ou públicos, nacionais ou estrangeiros, na transformação da nossa estrutura económica. Questões como o sentido e o horizonte temporal do processo das privatizações, como o do tipo de reorganização do sector público, como o do procedimento a adoptar para a consolidação interna e externa de grupos económicos privados e públicos, são matérias a que o Governo não responde, porque não quer ou porque não sabe.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em matéria de inflação, o País está a afastar-se da Europa. O Primeiro-Ministro disse que não nos estávamos afastar dela porque a inflação também subiu noutros países. Mas a verdade é que em Portugal subiu para mais do dobro da média europeia. O Primeiro-Ministro enganou-se. Quando Cavaco Silva chegou ao poder, em 1985, a inflação estava a descer muito: de mais de 25% já ia em 16%! Prometeu que a inflação, em 1989, estaria em 5%. Afinal, voltou a subir! É um fracasso grave que custará perda de poder
de compra e mais desigualdades. O agravamento dos impostos, com dupla cobrança este ano, agrava ainda esta situação.
Outro sintoma da derrapagem económica é que o País voltou a ter défice nas suas contas com o exterior. Não é ainda preocupante, embora este ano o défice da balança de transações correntes vá ser já significativo. Cavaco Silva diz que com ele nunca virá o FMI. Pois não, ele no Governo o FMI costuma vir sempre dois anos depois!
Aplausos do PS.
De resto importa denunciar que o agravamento da inflação não se deve aos salários, porque os custos salariais diminuíram em termos reais.
Também o aumento dos preços das importações não explica o agravamento da inflação. O que falta Sr. Deputado é uma verdadeira política de rendimentos e preços!
A compra de casa própria foi também indevidamente dificultada pela reforma fiscal. Tudo isto que dissemos é uma penalização das classes médias e o País para se desenvolver precisa delas.
As medidas de política monetária vão contra as reformas que se tinham anunciado paia modernizar o sistema financeiro.
O Sr. Ministro das Finanças anunciou isso para Agosto do ano passado, depois para Dezembro e até agora tem-se assistido ao contrário: a brutal restrição do crédito penaliza os bancos nacionais e só conduz ao aumento do recurso ao crédito externo, o que de facto é equivalente a uma fortíssima penalização das pequenas e médias empresas portuguesas relativamente às grandes empresas e às filiais das transnacionais.
Socialmente, o panorama é também sombrio: a concertação social está bloqueada; os salários e as pensões estão a perder poder de compra de dia para dia; o défice habitacional agrava-se permanentemente enquanto se degradam as condições de vida da juventude portuguesa; os impasses na segurança social continuam, parecendo propositada a criação de uma ideia de insegurança em relação ao futuro enquanto se adiam as reformas necessárias; na saúde é ainda mais grave do que os escândalos que atingiram o ministério o enorme défice entre necessidades dos cidadãos e capacidade de resposta global.
A regionalização, que sempre encarámos como indissociável do desenvolvimento económico e social, continua, apesar de variantes pré-eleitorais, adiada pela maioria que apoia o Governo.
O sistema educativo está mergulhado numa gigantesca crise em que convivem o insucesso escolar, a frustração dos professores, o desinteresse dos alunos e a grande apreensão das famílias.
A investigação científica e tecnológica passou a ser encarada como coutada partidária e não mais como um investimento estratégico do País.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto, que aliás está longe de ser exaustivo, permite tirar algumas conclusões.
Este Governo não tem estratégia, não sabe o que quer para Portugal. Não sabe que especialização produtiva deve incentivar, não sabe que associações internacionais deve procurar, não sabe que papel para o
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investimento estrangeiro deve estimular, não sabe que ritmo de integração europeia, em termos económicos, monetários, sociais, deve defender!
Este é um Governo das oportunidades perdidas: nunca, na nossa democracia, qualquer primeiro-ministro beneficiou de condições tão vantajosas para governar.
Relembre-se a herança de esforços de ajustamento anteriores, os favores excepcionais do enquadramento externo, as vantagens inegáveis dos primeiros anos de adesão à CEE! Mas o Governo conseguiu desperdiçar essas possibilidades: nada de essencial, de estrutural, mudou; a nossa economia agravou as suas debilidades e dependências, os grandes desafios sociais não foram ganhos, a juventude continua a ser abandonada à sua sorte, a prioridade à educação é um slogan que o orçamento desmentiu.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este é também um Governo de insensibilidade social: a forma como o Governo tem encarado o diálogo social (oscilando entre o desprezo e a tentação hegemónica) e o processo de agravamento das desigualdades sociais aí estão a demonstrá-lo.
Este é o Governo da conflitualidade gratuita: ataca camadas sociais indispensáveis ao progresso do País, tentando sucessivamente isolá-las através de apelos populistas ao restante eleitorado. Mas essa táctica , já não resulta! O Pais percebeu que, para enfrentar com êxito o futuro há que maximizar os consensos possíveis e não fraccionar gratuitamente a sociedade portuguesa.
Somos um país vulnerável, cuja porta de passagem para o progresso e para o desenvolvimento é muito estreita. Com um Governo de desestabilização social não ganharemos as difíceis batalhas dos anos 90.
Este é o Governo das prioridades transitórias: conforme a conjuntura internacional vai determinando a margem de manobra da política económica, assim vão mudando as prioridades proclamadas pelo Governo. Primeiro era a luta contra a inflação (chegaram então a dizer que a inflação estaria controlada e que em 1990 estaria na média europeia); agora a justificação para as derrapagens já indesmentíveis estaria nos resultados obtidos em matéria de emprego. Mas não é verdade que o problema do desemprego esteja resolvido è é pouco responsável tentar convencer o País disso.
Na verdade; se descontarem aqueles que não são empregados mas apenas transitoriamente ocupados a receber formação profissional, se se levar em conta. que os inquéritos ao emprego estruturado feitos pelo próprio Ministérios do Emprego apontam para decréscimos nos últimos anos se considerarmos as enormes tarefas de reestruturação sectorial ainda adiadas e que atingirão a agricultura e os sectores tradicionais da indústria e dos serviços, concluiremos que o desemprego. é uma enorme ameaça em Portugal,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... uma ameaça que não se vence com exorcismos ou campanhas de propaganda. E que não se pode esquecer também a qualidade do emprego e o agravamento da precarização registado nos últimos anos.
Este é o Governo dos factos consumados. Fugindo ao diálogo, desprezando o debate político, o Governo cria factos consumados, tantas vezes conseguindo pôr todos os agentes económicos e sociais contra si. Foi o que aconteceu com as medidas restritivas de Março recente, que atingiram uma parte substancial dos portugueses; sem que quem os representa social ou economicamente tivesse sido minimamente consultado, sem que tivesse havido sequer qualquer preocupação pedagógica e mobilizadora.
Este é o governo do desencantamento português: uma forma de estar na política pautada pelo fomento permanente de um clima de campanha eleitoral, pelo auto elogio e pelo triunfalismo, conduziu metade do País a acreditar nas promessas do PSD. Mas hoje, dos assalariados aos reformados, dos comerciantes aos professores, dos médicos aos estudantes, dos empresários aos funcionários públicos, a decepção é evidente e não raro exprime-se na rua. Esta decepção só não terá graves consequências se puder ser transformada em nova mobilização, através de uma alternativa séria e determinada. É essa alternativa que o PS exprime e protagoniza.
Para o Partido Socialista, um futuro melhor para Portugal e para os portugueses passa necessariamente por uma efectiva prática democrática, de diálogo e de
concertação.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Passa por - um grande esforço educativo para reforçar a coesão nacional e social e assim assegurar o sucesso, em termos culturais e sociais, da adesão à comunidade europeia.
A garantia do efectivo cumprimento da escolaridade obrigatória, a democratização do acesso ao ensino e à formação profissional, a criação de uma escola a tempo inteiro, a efectiva luta contra o insucesso escolar, a articulação entre educação, trabalho e vida activa, a construção de uma escola aberta à sociedade, com autonomia e responsabilidade, eis alguns dos vectores principais da alternativa do PS para a educação. Estes vectores que exprimem não apenas concepções mas também compromissos para a prática completamente diferente do que tem sido a política do Governo do PSD, que apenas tem conduzido a uma das maiores crises de sempre o sistema educativo, exactamente no preciso período em que um funcionamento saudável seria mais necessário.
Aplausos do PS.
O futuro melhor para Portugal passa por uma total determinação em utilizar de forma maximizadora, em termos nacionais e sociais, as verbas provindas dos fundos estruturais europeus, com relevo para o Fundo Social Europeu, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, os auxílios para a agricultura e para a indústria.
Sem uma estratégia nacional assumida, sem políticas nacionais claras, essas verbas continuarão a ter demasiadas vezes, utilizações abusivas ou ineficazes a prazo. O acesso aos fundos estruturais não pode servir meramente para fornecer balões de oxigénio a empresas sem futuro, mas, sim, deve poder funcionar como um poderoso auxiliar de uma transformação da estrutura produtiva que é cada vez mais urgente.
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O futuro melhor para Portugal passa por uma estratégia nacional capaz de mobilizar, modernizar e desenvolver o País para vencer o desafio europeu. O Estado tem a obrigação de dinamizar os agentes económicos e sociais para mudança de especialização internacional do nosso país, no sentido da nossa competitividade se fortalecer cada vez mais em produtos com mais qualidade, incorporando com mais tecnologia e mais valor acrescentado nacional. Como dissemos em 1987, o PS é a força política central de uma estratégia nacional capaz de mobilizar a criatividade, a capacidade de realização e a coesão social dos portugueses, de defender o ambiente e a qualidade de vida em harmonia com um modelo de desenvolvimento ecologicamente viável, de promover o lançamento de uma política de ciência e tecnologia para que Portugal seja produtor e exportador de tecnologia na década de 90.
Passa por gerir a conflitualidade da modernização e do desenvolvimento capazes de vencer o desafio europeu. Portugal tem se saber mobilizar, planear e realizar um consenso democrático que desbloqueie a mudança e a inovação aceleradas. O diálogo social, a abertura e a participação não são apenas objectivos fundamentais para uma cidadania activa e responsável, são também meios indispensáveis para se poderem travar com o sucesso as batalhas do combate à inflação e das difíceis reestruturações produtivas.
Passa por reformar, profunda mas seguramente e com a participação dos parceiros sociais, os mecanismos de financiamento da segurança social pública.
Passa por desenvolver os grandes princípios para a saúde - equidade, prioridade aos cuidados primários, equilíbrio entre público e privado, gestão correcta dos recursos humanos, participação e descentralização, garantia de qualidade, investigação e desenvolvimento, prevenção da deficiência, ou seja, actuar com seriedade e determinação, de forma claramente distinta da demagogia e da escolha de bodes expiatórios que tem sido apanágio da actual Sr.ª Ministra.
Passa por concentrar esforços na habitação acessível aos grupos sociais mais desfavorecidos, fazendo da justiça social um princípio básico da política habitacional, incentivar, ajudar a evolução das formas, dos instrumentos e dos agentes existentes ou a desenvolver no sentido do reforço da sua capacidade autónoma relativamente ao Estado, diversificando e aumentando a produção habitacional com qualidade.
Não se pode ser também conservador em Portugal e defensor do progresso social a nível europeu. Não se pode insistir numa concepção que assenta a competitividade das empresas na desregulação e na concorrência selvagem e dizer-se que se apoia a Europa dos trabalhadores e dos cidadãos que baseia o progresso económico na coesão social. Não se pode defender na CEE uma carta europeia dos direitos sociais fundamentais e, paralelamente, atacar em Portugal os direitos dos assalariados.
Aplausos do PS.
Não se pode ter concepções economicistas e tecnocráticas, como faz o Governo em Portugal, e estar em condições de lutar pela Europa social como afirma, sem corar, o PSD.
O PS não tem problemas de coerência e de consequência. A nossa cara é a mesma aqui, em Bruxelas ou em Estrasburgo!
Os portugueses conhecem-nos, dos bons e dos maus momentos. Nunca fugimos, nunca nos eximimos ou eximiremos às responsabilidades.
Somos Oposição e como tal nos assumimos, porque assim o exige a lógica democrática. Não nos demovem as acusações do PSD de que a Oposição não é construtiva, porque já toda a gente percebeu que, no juízo do Governo, críticas construtivas são elogios e nós não estamos aqui para elogiar. Estamos aqui para fiscalizar e criticar, de acordo com o nosso mandato e com a nossa convicção e com os nossos princípios.
Respeitamos todos os partidos aqui representados, porque eles exprimem o Portugal plural que desejamos e nós olhamos os portugueses todos por igual.
A democracia vive da diferença. Viemos aqui para exprimir a nossa e não para pactuar com a vossa. Este debate se encarregará disso mesmo.
E independentemente da troca de argumentos e de razões, penso que ele revelará, nos pressupostos de cada raciocínio e nas entrelinhas de cada declaração, uma coisa que não é mensurável nem corpórea, mas que é uma fronteira que nitidamente nos separa: é uma postura política e cultural na vida democrática,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... no plano da prática e no das concepções subjacentes. Na concepção do PSD, pode ser-se democrata por omissão; na nossa é-se democrata por acção.
Aplausos do PS.
São histórias diferentes, culturas diferentes. E essas diferenças estão por detrás de quase tudo o que nos separa no quotidiano.
Precisamos por isso, Srs. Deputados, de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais plural mais aberta à iniciativa e à criatividade.
É urgente uma sociedade onde o indivíduo seja respeitado e livre porque goza de iguais oportunidades e da tolerância colectiva, dependendo apenas de si mesmo ser um cidadão interventor.
É inadiável a existência de um Estado transparente, menor e melhor; um Estado assumidamente colectivo e não ao serviço de clientelas; um Estado atento ao limiar da injustiça, orientador, regulador e corrector das assimetrias sociais, mas que não sufoque a espontânea expressão do indivíduo e da sociedade.
É urgente uma democracia vivida e não tolerada de cidadãos e não apenas de contribuintes. Uma democracia que não ostracize os diferentes nem marginalize as minorias e os desfavorecidos.
É possível um Portugal moderno, desenvolvido e dignificado na cena internacional!
Por isso afirmo a minha esperança, e a minha vontade, a nossa vontade de que a maioria dos portugueses venha a aderir à nossa postura e juntar-se à longa e grande aventura colectiva que o Partido Socialista já é na História de Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Sampaio os Sr. Deputado Pacheco Pereira, Joaquim Marques, Carlos Encarnação e Silva Marques.
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Para um intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe):- Sr. Presidente, Srs: Deputados: Querem os Srs. Deputados do Partido Socialista e muito bem, saber das realizações do Governo. Têm todo o direito, têm mesmo o inclinável dever de o fazer. Presto a minha homenagem a VV. Ex.ªs Srs. Deputados do Partido Socialista, por esta iniciativa.
Diz o Sr. Deputado Jorge Sampaio que somos o Governo das oportunidades perdidas. Uma oportunidade pelo menos não perdemos, aproveitámos sempre as- interpelações do Partido Socialista.
Aplausos do PSD.
Agradeço a oportunidade que, mais uma vez sublinho, mais uma vez - o Partido Socialista nos dá hoje. Fez, o Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista, deputado Jorge Sampaio um discurso de abstracções no seu estilo muito próprio e brilhante, mas contra o abstracto nada melhor que o concreto. E é isso que irei tentar fazer.
Aplausos do PSD.
Antes porém, permitam VV. Ex.ªs que refira, apenas, de passagem, o pedido de inconstitucionalidade ,de certas disposições dá reforma fiscal, já que o Sr. Deputado Jorge Sampaio a isso também se referiu.
Em três anos e meio de funções levámos a cabo profundíssimas reformas tocámos privilégios injustificados, demonstrámos impermeabilidade a pressões e interesse ilegítimos assumindo decisões em nossa consciência e não por influência deste e daquele.
Decidir com independência suscita inimigos de curto prazo e não ignoramos que os temos em muitos lados. Uma demonstração expressiva das tentativas de bloquear as mudanças é precisamente, o que se vem passando em torno da reforma fiscal. Muitas as criticas indiciaram uma persistente vontade política de bloquear, primeiro, e de subalternizar, depois uma das mais profundas reformas estruturais em curso no Portugal democrático. As dificuldades e os obstáculos estão em nítida perda de velocidade; mas parece-nos óbvio que vão manter-se por algum tempo em derradeiras tentativas de bloquear a reforma fiscal.
Ainda agora - e com esta observação não quero pôr em causa, de modo algum, a posição e a função do Sr. Provedor da Justiça, que me merecem o maior respeito, mas foi o Sr. Deputado Jorge Sampaio quem acaba de chamar à colação do Provedor da Justiça foi levada ao Tribunal Constitucional a questão da eventual inconstitucionalidade de algumas disposições dos códigos do IRS, do IRC e da Contribuição Autárquica. Aguardamos com tranquilidade o juízo do Tribunal, não que tenhamos o dom da infalibilidade, mas estamos confiantes porque dispomos de pareceres de eminentes juristas, como os Professores Teixeira Ribeiro, Antunes Varela, Vítor Faveiro, Miguel Porto, para citar apenas alguns. Estamos confiantes porque estamos certos de haver tentado fazer uma boa reforma fiscal, sem desrespeito das normas constitucionais, em obediência a objectivos fundamentais de carácter económico-social, com acolhimento dos mais recentes avanços da técnica tributária e de recomendações da teoria e política fiscal, tudo, em suma, em coerência com o espírito. pragmático que nos faz atender à realidade do País e do tempo que são os nossos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro vai transmitir ao Tribunal Constitucional a posição do Governo sobre esta matéria. Trata-se dum dossier que reúne distintos pareceres, num total de mais de oitocentas páginas, e, como disse, estamos tranquilos. Desculpará, Sr. Deputado Jorge Sampaio, mas aqui - porventura, o único ponto do seu discurso menos elegante ao pretender fazer justiça já feita a partir de um mero pedido do Provedor de Justiça - V. Ex.ª pisou terreno que não deveria ter pisado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como disse, gostaria de ser o mais concreto e factual possível, ou seja, o mais contrastante possível com a brilhante intervenção de linhas gerais do Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E para ser incisivo, que me perdoem o inusitado da abordagem, convidaria VV. Ex.ªs a uma breve apreciação do conjunto de indicadores macro-económicos que, com todo o respeito, acaba de ser distribuído. Embora eles quase falem por si merecerão, um a um, alguns comentários que farei para VV. Ex.ªs com o maior gosto.
Desde logo, quanto ao rendimento real disponível das famílias nos últimos quinze danos, pode ver-se nesse gráfico um - VV. Ex.ªs desculparão que proceda deste modo, mas, como disse, contra o abstracto só o concreto - que no rendimento real disponível das famílias, ou seja, descontada a inflação e descontados todos os impostos há uma evolução claramente positiva nos últimos anos desde 1985, depois da quebra de 1983 e 1984, e não há dúvida de que nunca as famílias portuguesas atingiram este nível de bem-estar, dado pelo rendimento real, disponível.
A seguir, aparece a distribuição do rendimento entre trabalho e não trabalho. É aquela velhíssima questão que já faz parte do museu das questões económicas e sociais e que já não releva nos países mais avançados da Europa porque, aí, todo o trabalhador é capitalista e zela pelas suas poupanças. Mas aqui, em Portugal, ainda se dá grande importância política, pelos vistos, a esta distribuição do rendimento.
Pois muito bem depois do ano louco de 1975, em que, se bem se recordam Srs. Deputados, os salários nominais subiram e a produtividade desceu, numa conjunção dramática para a economia e para a sociedade portuguesa, depois disso, tivemos a quebra de 1983, 1984 e 1985. E agora, persistente e gradualmente, verifica-se a melhoria do trabalho na distribuição do rendimento desde 1986, inclusive. A seguir aparece um indicador usado internacionalmente, designadamente pela OCDE, o indicador de doença macro-económica ou de desconforto económico em que, pela primeira vez, Portugal aparece muito próximo da Comunidade Económica Europeia. Aqui está mais uma resposta ao Sr. Deputado Jorge Sampaio e aos Srs. Deputados interpelantes. Em 1984, era o PS quem liderava o
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Governo, Portugal encontrava-se, segundo este indicador, doentíssimo. Hoje, como disse, o nosso estado de saúde é comparável à média da Comunidade Económica Europeia. Que grande progresso se fez, Sr. Deputado, desde 1986, inclusive!
Mas, a seguir, aparece uma outra forma de responder aos Srs. Deputados interpelantes. Relativamente à inflação e ao desemprego, que é uma conjunção muito difícil de conseguir na baixa, vê-se, nos anos de 1986 e seguintes, como baixaram a taxa de desemprego e a taxa de inflação. Nunca havia sido conseguido este resultado na economia portuguesa e dificilmente se encontrará, em qualquer outra parte do Mundo e em qualquer outra época, uma conjunção deste género.
O gráfico n.º 5 mostra só o desemprego em Portugal comparado com a CEE. É verdade que, em 1981, por uma pioria na CEE, Portugal ficou melhor; mas não há dúvida que foi a melhoria de 1986 e dos anos seguintes que nos fez afastar, para melhor, relativamente à CEE quanto ao desemprego.
No gráfico n.º 6, que está a seguir, encontra-se a evolução da inflação. Desculparão os Srs. Deputados mas insisto que, contra o abstracto, só o concreto pode servir de resposta.
A inflação em Portugal, afinal, Sr. Deputado, não está a afastar-se da CEE, como disse no seu discurso - penso que não foi lapso, mas vou ver se estará escrito. O que acontece é que Portugal se aproximou da CEE pela primeira vez em 1980 e, a seguir, esta aproximação foi desperdiçada. Agora, novamente, desde 1986, há uma clara aproximação, que se mantém ao longo dos anos seguintes, e esperamos que o patamar da inflação em 1989 seja demovido.
O gráfico n.º 7 representa a desvalorização cambial do escudo. Que progressos fizemos! É que há, de facto, uma regressividade na desvalorização cambial do escudo, a partir de 1985 1986.
E no gráfico seguinte, o n.º 8, aparece a liquidez na posse do público (taxas de valorização anual). É evidente que isto está correlacionado com a variação do produto interno nominal - a inflação, por um lado, e a variação real do produto, por outro. Mas temos feito um esforço para ir atenuando aos poucos essa taxa de variação, porque é para bem da racionalidade do País, da redução da inflação e do sólido crescimento económico.
Prendendo-se com o gráfico anterior e com outros também anteriores, o gráfico n.º 9 mostra o que se conseguiu, ou seja, nos últimos anos, a partir de 1986, conseguiu-se uma baixa drástica da inflação e, ao mesmo tempo, o crescimento do produto interno a excelente ritmo, como nunca tinha acontecido. E, isto, nesta conjunção em que se consegue descer o ritmo da inflação quando a pressão do crescimento tem efeitos inflacionários; é esta conjunção que, reconhecidamente, é muito difícil de conseguir.
Mas o gráfico n.º 10 é uma outra forma, muito expressiva, de demonstrar como vai a economia portuguesa. De facto, não haveria razão para esta interpelação, do ponto de vista da economia portuguesa, a não ser para nos dar esta oportunidade, que não perdemos, Srs. Deputados, de demonstrar como vai bem a economia portuguesa. O investimento cresceu como nunca, nos últimos anos, desde 1986, inclusive. Actualmente, o volume do investimento é o mais alto de sempre - isto é, o volume em termos reais - e é evidente que isto é para modernização do País.
No gráfico n.º 11, a poupança das empresas atinge níveis também nunca vistos na economia portuguesa. Esta poupança das empresas demonstra um belíssimo estado de saúde microeconómica e, portanto, macroeconómica também. Em 1989, a taxa de poupança das empresas é dez a onze vezes o nível de 1984.
O gráfico n.º 12 demonstra o grande esforço de disciplina financeira que temos vindo a fazer. O défice do sector público alargado, administrativo e empresarial, ou melhor, as necessidades de financiamento do produto interno, em percentagem, baixaram drasticamente, em 1986 - depois de estarem no nível de 20 % em 1985, que era um nível perfeitamente exagerado -, e em 1988 e em 1989 baixaram para menos de metade. E vamos prosseguir nessa trajectória que é fundamental para a racionalidade económica no nosso país e para a diminuição do peso do Estado.
O gráfico n.º 13 é uma outra demonstração de disciplina financeira na gestão das finanças públicas. Pela primeira vez, de modo sistemático, nos anos de 1986 a 1988, cumprimos rigorosamente o défice inicialmente orçamentado. O défice executado ficou abaixo. Nos anos anteriores, desde 1974, isso só tinha acontecido em 1977 e em 1980. Isto é, de modo sistemático, sublinho, só nestes três anos que são da nossa responsabilidade é que houve disciplina orçamental, que é um assunto tão caro ao Parlamento.
No gráfico n.º 14 vemos um outro esforço no sentido de introduzir racionalidade na nossa economia. Pela primeira vez, a partir de 1986, inclusive, as taxas de juro da dívida pública são comparáveis com as taxas de juro pagas pelos depósitos a prazo. Em todos os anos anteriores havia um artificial embaratecimento da dívida pública, ou seja, uma transferência de rendimentos e, se quiserem, um imposto oculto na colocação da dívida pública.
Finalmente, no gráfico n.º 15, Srs. Deputados do PS (e por muito que isto custe aos Srs. Deputados da Oposição), está bem retratado o que é o progresso de um país e o que se faz para bem da sua solidez interna e externa. A dívida externa de Portugal é, neste momento, de menos de metade do seu peso relativo (relativamente ao produto), se compararmos com 1985. E se juntarmos a isto as reservas de divisas e de outros meios de pagamento sobre o exterior, ou seja, se considerarmos a dívida externa líquida, então, podemos quase afirmar que, neste momento, Portugal praticamente nada deve ao exterior. Em 1984 e em 1985, nesses dois anos, em média, a dívida externa estava 707o acima das reservas de ouro e divisas de então. Hoje, como disse, estamos praticamente balanceados. Que progresso longo, que longa caminhada, Srs. Deputados, tivemos de fazer nestes três anos e meio.
Bem sei que quem interpela espera seriamente receber resposta cuidada e substantiva, mesmo que o conteúdo seja a seu contragosto... Foi o que procurámos fazer. E para evitar a ilusão do curto prazo - que nos faz apagar a memória - traçámos esta panorâmica que cobre os quinze anos desde o 25 de Abril de 1974.
Nada melhor do que esta panorâmica da economia portuguesa para desfazer alguma da imensa confusão que anda por aí espalhada.
Invoca-se, com espantosa falta de rigor, a palavra crise a propósito de tudo e de nada, quando se vive uma das fases mais longas de sólido progresso em Portugal.
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Fala-se em défices, rupturas derrapagens; com á maior impropriedade possível, quando, na verdade, há controlo dos. desequilíbrios macro-económicos.
Agita-se o fantasma da depressão, quando se está claramente em expansão.
Confunde-se afrouxamento da velocidade com redução. absoluta, ou seja, por exemplo, não se distingue uma normalização do ritmo do. crescimento, continuando-se a crescer - o que pode até ser de salutar, se este crescimento ameaçar ser excessivo de um efectivo decréscimo.
Aliás, também não se faz a destrinça - intencionalmente, talvez - entre estabilização ou regulação do crescimento e estagnação ou mesmo recessão.
Subalterniza-se o sucesso nos domínios do desemprego, do investimento, da divida externa, das contas do Estado, e hiperenfatiza-se o desvio da inflação em 1988 e 1989. Silencia-se, aliás, uma visão global, indiscutivelmente positiva, da inflação nos anos 1986/1989, assim como se finge não dar conta do inquestionável mérito da opção política do Governo, expressamente assumida, de deixar perder metas de inflação para não consentir perdas de investimento e de emprego.
Vozes do PSD::- Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PSD):- - Ao que isto chegou!
O Orador: - Srs. Deputados, os anos de 1986/88 foram anos de progresso. Incomparavelmente, foi o melhor triénio da jovem democracia portuguesa. Desafio os Srs. Deputados do partido interpelante a demonstrarem o contrário.
Vozes do PSD:- Não demonstrem!
O Orador: - Asseguro a VV. Ex.ªs, em nome do Governo, que vamos continuar a ter anos de bom crescimento, de baixo desemprego, de modernização do País, de controlo das contas externas; de redução dos défices públicos!
A nossa determinação, Srs. Deputados, a nível da política macro-económica, exprime-se simplesmente pelo seguinte: o triénio já conseguido 1986/88 + o triénio 1989/91 = 3 + 3 anos progresso controlado!
A medida que, formos avançando, seguros do terreno que estivermos pisando, iremos acrescentando mais anos. O Governo quer que os anos 90 sejam, consecutivamente, anos de progresso e modernização do Pais.
Os anos 90 hão-de ser como tem sido a Segunda metade da década de 80, anos da estratégia de progresso controlado.
Srs. Deputados do PS; muito obrigado por esta oportunidade que hoje nos estão a dar. Durante o dia ficará demonstrado que temos resultados conseguidos, temos reformas realizadas e os Srs. Deputados vão ter muitos anos para nos dar mais oportunidades deste género; muitas interpelações vão fazer para nós demonstrarmos, perante o Parlamento e perante o País, o sucesso das nossas políticas.
Em hajam!
Aplausos do PSD.
O Sr: Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados António Guterres, Carlos Lilaia,
Gameiro dos Santos, Armando Vara, João Rui de Almeida, Sottomayor Cardia, Herculano Pombo, Edite Estrela, Carlos Brito e João Cravinho.
O Sr. Duarte Lima'(PSD): - É uma legião!
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Pelos vistos, não foi esclarecedor.
O Sr. Presidente: - Entretanto, actualizámos a lista de inscrições para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Sampaio, que é a seguinte: Srs. Deputados Pacheco Pereira, Joaquim Marques, Carlos Encarnação e Silva Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - O Sr. Deputado Jorge Sampaio disse que a democracia vive da diferença. Não podíamos deixar de concordar com esta frase. O problema que temos muitas vezes para criticai as suas intervenções é que elas não produzem diferença onde deveriam produzir e, por isso, temos muitas vezes dificuldade em encontrar, na abstracção generalizante das suas intervenções, onde devemos discordar. Há, no entanto, alguns pontos onde é clara a diferença e que são mais fáceis de tratar. Vamos, pois, começar por esses. No que diz respeito à actuação do Sr. Presidente da República, a nossa posição tem sido sempre a mesma. O Sr. Presidente da República não deve ser trazido para as polémicas e discussões entre os partidos. O PS fá-lo sistematicamente, provavelmente por má consciência, porque quem tenha memória histórica, não esquecerá que alguns dos maiores críticos da actuação do Sr. Dr. Mário Soares quando foi Primeiro-Ministro sentam-se nessa bancada e fazem parte do PS!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A segunda questão diz respeito à Revisão Constitucional. Não queremos também entrar na polémica sobre a posse retrospectiva da Revisão Constitucional. O PS, pelos vistos, considera que isso tem alguma utilidade política. Pode fazê-lo à vontade. O que nos importa é que as aquisições da Revisão Constitucional são boas para o País e não iremos aqui entrar numa polémica sobre a posse retrospectiva ou sobre méritos ou deméritos que cada partido obteve, Consideramo-la um mérito do PS, do PSD e de todos aqueles que votaram a favor da Revisão Constitucional, e preocupamo-nos com as aquisições duráveis que ela trouxe para a vida pública portuguesa, não iremos entrar aqui numa discussão sobre quem teve mais mérito ou mais vantagem na sua prossecução.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - O terceiro aspecto. diz respeito ao desprezo. que este Governo. mostra pela Assembleia da República. Fazemos aqui um desafio público ao PS para que faça um pedido à Mesa da Assembleia, no qual nós também participaremos, para que nos forneça uma lista; em termos relativos e absolutos, do comportamento de todos os, governos, desde o 25 de Abril, em relação à Assembleia da República. Aceitamos aqui o desafio público de ir à Tribuna fazer uma intervenção, retirando aquilo que estou agora a dizer, se essa
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lista de intervenções e de resposta a pedidos de esclarecimento e a interpelação mostrar que este Governo procedeu de forma menos atenta em relação à Assembleia da República do que qualquer governo anterior. É um desafio que fica em aberto e pedimos aos Srs. Deputados do PS que também aceitem ir ali autocriticar-se das suas posições se a conclusão estatística, formal e objectiva desses resultados mostrar que este Governo realmente tem dignificado a instituição parlamentar.
No que diz respeito ao conteúdo substancial da intervenção, há um ano o PS dizia uma coisa completamente distinta. Dizia que o Governo não fazia reformas e desafiava o Governo a fazer reformas. Um ano depois não há uma palavra no discurso do Sr. Deputado Jorge Sampaio sobre aquilo que foi a tónica essencial da intervenção dos partidos da Oposição e do PS no ano passado; pelo contrário, há generalidades e, efectivamente, não conseguimos encontrar diferença.
Diz o Sr. Deputado que falta uma verdadeira política mas não diz qual é a verdadeira política, nem diz qual é a falsa. Diz que falta uma estratégia mas não diz que estratégia é que deveria haver. Faz afirmações sistemáticas em que o adjectivo social parece substituir uma crítica de fundo; diz que é necessário responder aos grandes desafios sociais; diz que é necessário maximizar os consensos possíveis. Inteiramente de acordo! Quem é que não está de acordo com estas questões? Isto parece linguagem de consultor de central sindical!
Na realidade, isto não chega, nem para caracterizar a política do Governo, nem para caracterizar a política do PS! Continuamos sem saber quais são as críticas de fundo à política do Governo e quais são as alternativas que identificam a política do PS. Assim sendo, nesta interpelação, nada ficou esclarecido sobre identidade do PS.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Sampaio deseja responder no fim dos pedidos de esclarecimento?
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, um jornalista insuspeito de simpatias pelo PSD ou pelo Sr. Primeiro-Ministro escreveu, há poucos dias, no jornal «A Capital» um artigo intitulado «A alternativa socialista». Quando li este texto pensei, francamente, que se tratava de um excesso jornalístico, naturalmente desculpável tendo em conta o estilo do próprio jornalista. No entanto, depois de assistir hoje à intervenção do Sr. Deputado Jorge Sampaio que, no fundo, se inscreve já nesta pré-campanha eleitoral - é que apesar de ser o Sr. Deputado Jorge Sampaio que acusa o PSD e o Governo de andarem a fazer campanha eleitoral, esta é claramente uma interpelação eleitoralista - penso que, de facto, este jornalista tinha razão.
Quando ele dizia que alguém terá dito ao Dr. Jorge Sampaio que ele deveria pôr-se em bicos de pés para ser visto e gritar para ser ouvido, no fundo, isto corresponde à verdade. E esta interpelação, hoje, com esta iniciativa e o discurso inicial do Sr. Deputado Jorge Sampaio levam a convencer-me que isto é verdade porque, como acrescenta este jornalista, quando chega à hora de fazer passar a mensagem, o Dr. Jorge Sampaio é simplesmente pungente, a ideia que transparece é que ele não tem nada para dizer e o drama é que não tem mesmo nada para dizer!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Sampaio - e agora vou ser muito breve, por causa da limitação de tempo que temos - permitiu-se afirmar que o desemprego é uma ameaça em Portugal. Ora, as estatísticas do desemprego em Portugal são elaboradas nos mesmos termos que o são nos outros países da Europa. O Sr. Deputado Jorge Sampaio não acredita nestes índices das estatísticas, respeitantes ao desemprego, que as Comunidades Europeias divulgam por todos os países? Ou só acredita nos índices respeitantes à inflação? Há índices que são bons e há outros que são maus? O Sr. Deputado, nestes, não acredita? Ou seria que o Sr. Deputado Jorge Sampaio gostaria que Portugal acompanhasse a Espanha socialista na taxa do desemprego que existe?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado diz que, em termos de segurança social, este Governo não faz nada. Não vou perguntar o que fizeram os governos de liderança socialista a este respeito, porque todos já sabemos que fizeram muito pouco ou nada. Agora, o que não há dúvida Sr. Deputado Jorge Sampaio, é que fica mal ao PS e não o torna credível perante a opinião pública dizer que tudo o que o Governo faz é mal feito! Esquece-se pura e simplesmente de tudo o que se tem feito de positivo e não se apresenta minimamente propostas alternativas.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, queria colocar-lhe esta questão muito concreta: como é que o Sr. Deputado, com os recursos actualmente existentes, era capaz, por exemplo, de aumentar substancialmente as pensões de reforma? Com que recursos? Com o aumento do défice? Com o aumento das contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais para a segurança social? Com o aumento da carga fiscal? Sr. Deputado, era à espera destas alternativas que nós estávamos e, afinal, o Sr. Deputado, em termos de alternativas concretas, o que nos vem aqui trazer e dizer foi exactamente zero!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, tenho muita pena de fazer esta intervenção...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tenha!
O Orador: - Mas tenho, Sr. Deputado!
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Julgava que ia encontrar, pela voz do Sr. Deputado Jorge Sampaio, uma. oposição viva; uma oposição substantiva, uma oposição esclarecedora e esclarecida mas, de facto, não encontrei. Encontrei o mesmo deputado Jorge Sampaio, secretário-geral do PS, a pensar e a falar tanto no quotidiano que não sabe que há futuro neste país.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que grande frase!
O Orador: - Quer o Sr. Deputado Jorge Sampaio que o Governo responda. Para o Governo responder é preciso fazê-lo de acordo com o valor das perguntas. Ora o que V. Ex.ª conseguiu aqui foi fazer com que o Governo acrescentasse valor às perguntas, isto é, o Governo teve de as adivinhar, porque V. Ex.ª não conseguiu dirigir uma pergunta direita, sequer.
Ainda pensávamos que o candidato João Cravinho viesse aqui animar o debate e trazer alguns conceitos novos de paradigma; mas não veio, foi V. Ex.ª que repetiu os conceitos velhos. Esperamos que o deputado João Cravinho corrija àquilo que V. Ex.ª não disse.
O discurso que V. Ex. e apresentou é um discurso rico? Rico nos adjectivos, com certeza, porque é um discurso pobre e vazio no conteúdo. Continua a sê-lo e V. Ex.ª não consegue mudar isso.
Mas quando se faz uma interpelação assim é o País que perde, porque, quando se faz oposição e quando. faz uma interpelação deste modo é a oposição da nossa tristeza que se manifesta.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Concluímos que o Governo governa e que o PS fala. Assim será durante muito tempo, pensamos, para nossa tristeza e para tristeza, com certeza, do PS. Hoje, esperávamos um PS diferente. Ainda não foi hoje e dificilmente o será, com certeza.
Esta maioria está, de facto, e tem motivos pára isso, preocupada com o valor da oposição que este PS manifesta. V. Ex.a, Sr. Deputado Jorge Sampaio, resolva-nos este problema, crie oposição, seja Oposição, seja-o devidamente e tenha uma linguagem diferente, porque esperamos isso de si.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, não vou repetir uma crítica que me parece fundada e absolutamente pertinente relativamente ao seu discurso (e não apenas este) que é a crítica da generalidade e da abstracção e, inclusivamente, da tendência para o discurso moralizante, para a lição de moral. Repito as principais ideias que, com frequência, afloram no seu discurso: diálogo, educação, criatividade, promoção da ciência e tecnologia, resolver a conflitualidade. Abordou também a questão do combate à inflação e, a este propósito, o que disse foi diálogo social, cidadania activa, etc. Falou também de saúde, equidade, gestão correcta, participação, descentralização, actuar com seriedade e, depois, em concentrar esforços para resolver os problemas da habitação, em soluções, em reforçar a capacidade dos agentes (para variar) e aumentar a sua capacidade, etc.
Risos do PSD.
Mas, Sr. Deputado Jorge Sampaio, respondendo ao desafio, moral de V. Ex.ª, o dirigente máximo do PS - e porque o PS é um partido que respeito e julgo ser um pilar fundamental para o presente é futuro do nosso país -, questiono-o sobre algumas questões concretas relativamente às quais o Sr. Deputado Jorge Sampaio, sobretudo porque as abordou, tem obrigação de dizer algo mais do que fazer simplesmente uma referência de estrita crítica ao Governo.
O Sr. Deputado referiu-se à regionalização criticando que nós não queremos a regionalização. O Sr. Deputado tinha a obrigação intelectual de, a este propósito, fazer uma referência ao facto de um dos principais acontecimentos do seu campo político, mais; um acontecimento em que o Sr. Deputado esteve envolvido e em que tomou como resolução fundamental, em matéria de regionalização, realizar uma petição nacional a reclamar as regiões, ainda hoje não tem sido feita. E o Sr. Deputado, como os seus companheiros, têm a obrigação intelectual, se quiser a obrigação moral e política, ao abordarem criticamente a. nossa posição em matéria de regionalização, sem que nós tenhamos de vos pedir isso e até por uma questão de credibilidade intelectual e política face ao país e de dignificação do discurso político, de explicarem imediatamente porque é que a vossa petição não foi feita. É que, Sr. Deputado, se é fácil a regionalização, meu Deus, não há-de ser muito mais fácil fazer um abaixo assinado?!
Risos do PSD.
Outro ponto que queria abordar, Sr. Deputado, é o seguinte: há acontecimentos vivos, vivíssimos, que o País tem seguido e relativamente aos quais tem tomado posição. Ontem, fui à Repartição de Finanças em frente à Assembleia da República para comprar o selo para o meu carro, aliás, para os meus carros, porque tenho mais do que um; estive na «bicha» durante duas horas e assisti às reacções das pessoas.
Uma voz do PS: - Diziam que tudo. está bem?
O Orador: - Não, não diziam «tudo bem». Por exemplo, havia uma senhora que dizia: «Espero que quem tem o poder de decidir não vos aumente nem um tostão, porque vocês obrigam-me a estar aqui duas horas. Porque é que não estiveram a trabalhar?!». Estava, comigo o Sr. Deputado Ferro Rodrigues que assistiu a tudo isto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já terminou o seu tempo.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Jorge Sampaio, ao fazer o discurso sobre o estado da Nação, tem obrigação de fazer o discurso sobre o estado da Nação actual, aquela em que está a viver e tomar posição relativamente às questões que o País está a viver. Qual é a vossa posição sobre a greve das alfândegas e sobre a posição do Governo relativamente ao conflito? Qual é a vossa posição sobre as questões que o País está a viver, ...
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Vozes do PCP: E a vossa? Qual é a vossa posição?
O Orador: - Para já não dizer sobre as questões programáticas que os senhores abordaram, relativamente às quais fracassaram e sobre as quais não dão qualquer explicação?
Sr. Deputado Jorge Sampaio, sem ser por falta de respeito pelo Sr. Deputado, que me merece todo o respeito não só como deputado e como cidadão mas como dirigente do PS, digo-lhe com toda a franqueza que, dada a superficialidade do vosso discurso, de facto, o vosso «projecto» como PS é, sem dúvida, uma aventura colectiva, mas espero bem que a maioria dos portugueses não «embarque» nela.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder às questões colocadas, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Desejo, profundamente, agradecer ao Sr. Deputado Silva Marques porque me lembrou da bicha e do selo para o carro, coisa de que entretanto, me tinha esquecido. Sr. Ministro das Finanças, cumprirei essa obrigaçãozinha, proximamente...
Tenho estado a ouvir VV. Ex.ªs que muito estimo, e especialmente o Sr. Deputado Silva Marques (é também uma questão de geração), e estava a olhar para os Srs. Membros do Governo que, por todas as razões, igualmente respeito. A questão que VV. Ex.ªs tinham em carteira (porque VV. Ex.ªs tinham, obviamente, uma questão em carteira) era dizer o que andam a dizer há seis meses e nós temos de compreender isso. De facto, tudo poderão dizer, mas VV. Ex.ªs não podem, por mais esforços que façam, escamotear esta questão fulcral da vida portuguesa - o Sr. Ministro das Finanças, aliás, no debate do Orçamento, falava-nos já do quarto ano de ouro da economia portuguesa e, hoje, teve o cuidado de falar apenas em três anos de ouro o que é uma pequena nuance - que é a de os mecanismos básicos de uma sociedade democrática europeia não estarem a funcionar neste país.
Esta é a questão central!
Vozes do PSD: - Não estão a funcionar?! Isso é um disparate!
O Orador: - Eu vou explicar.
VV. Ex.ªs não dialogam com empresários; VV. Ex.ªs não dialogam com sindicatos, os empresários não sabem quais são as perspectivas das privatizações que VV. Ex.ªs querem fazer; em matéria de ensino (e com todo o respeito pelo Sr. Ministro da Educação) é o desencanto absoluto e total entre todas as comunidades que têm alguma coisa a ver com a educação neste país.
Percorrendo a lista, vejamos onde estão a ser concentrados os investimentos na agricultura e vejamos o que se está a passar com a grande maioria das empresas agrícolas em Portugal. Que futuro têm eles, que futuro têm estes jovens, que futuro tem o diálogo social em Portugal? VV. Ex.ªs, no fundo olhando em torno de vós, não praticaram nada, rigorosamente nada, daquilo que disseram na campanha eleitoral e têm hoje, surpreendentemente, no fim do terceiro ano de ouro da economia portuguesa, o País zangado com o Governo e com VV. Ex.ªs, sector por sector, sítio por sítio, em risco de graves rupturas sociais em momentos decisivos da nossa modernização e do nosso processo colectivo!
Como é que VV. Ex.ªs se podem atrever a perguntar coisas concretas, em termos alternativos...
Protestos do PSD.
Não faço ataques pessoais, porque tenho a maior estima por todos vós, sempre a tive e sempre a continuarei a ter, Srs. Deputados.
Como é que VV. Ex.ªs se podem atrever a pugnar por alternativas, quando nós todos não sabemos que políticas concretas é que VV. Ex.ª estão a prosseguir?
Que política concreta estão VV. Ex.ªs a prosseguir na justiça? VV. Ex.ªs acham que o estado da justiça melhorou em Portugal, ao fim de vários anos de Governo PSD? VV. Ex.ªs acham que o estado da indústria e da agricultura portuguesa., apesar dos grandes fundos, melhorou, do ponto de vista estrutural, na vida portuguesa? Acham que a nossa estrutura produtiva está capaz de aguentar os desafios europeus? VV. Ex.ªs acham que há grupos nacionais privados que são capazes de aguentar as privatizações, de mantê-las no capital nacional e de, com isso, arrostarem os desafios europeus? Então, VV. Ex.ªs não têm, decerto, falado com todos eles como nós temos, de norte a sul do País, incessantemente. Aliás é disso que eles se queixam, de que VV. Ex.ªs não falam, de que VV. Ex.ªs não dizem; ninguém sabe quais são as nossas perspectivas económicas! Como é que uma empresa pode planear, em Outubro, com base em determinadas taxas de juro que, em 60 dias, são alteradas para subirem seis pontos! Quem pode planear nas empresas em Portugal!
É a isto que VV. Ex.ªs têm de responder! VV. Ex.ªs é que têm a maioria política mas já não têm a maioria social -, VV. Ex.ªs é que são Governo e, por isso, VV. Ex.ªs é que têm de dizer ao país para onde ele vai e o que é que querem que ele faça! VV. Ex.ªs não são capazes de mobilizar este país para as grandes tarefas do futuro!
Uma voz do PSD: - De que país é que está a falar?
O Orador: - Estou a falar deste país, porque VV. Ex.ªs estão noutro! Esse é que é o problema crucial. VV. Ex.ªs estão incompatibilizados com tudo o que mexe na sociedade portuguesa e é isso que preocupa o PS e o faz pensar, cada vez mais, que é preciso uma estratégia nacional! E esse é o problema central da vida portuguesa.
Vozes do PSD: - Responda às perguntas, Sr. Deputado! Responda às questões postas!
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, V. Ex.ª que é um ilustre jurista, está a modos que a especializar-se na enfitasse - desculpe o exemplo. E que V. Ex.ª tem dito, sistematicamente, nos últimos seis meses, que o PS é diferente. VV. Ex.ªs , tentaram - o que é uma coisa notável e altamente reprovável - durante meses, desde o último Congresso do PS, fazer algumas graves provocações ao PS e até nem percebo bem para quê. Seria talvez para nós pensarmos em
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compromissos de Estado que assumimos, mas nós não fomos nisso, por obrigações para com os portugueses:
Não há um PS diferente. O que surpreende VV. Ex.ªs é que nós já não temos és tabus que pensaram que tínhamos. Fizemos uma modernização programática, fizemos uma modernização completa dó nosso programa, mantendo-nos fiéis às raízes. E o que é fundamental é que a compatibilização entre aquilo que é a riqueza do indivíduo e a criatividade individual, com a igualdade de oportunidades, com a justiça e a solidariedade, são hoje as grandes pesquisas e as grandes certezas que temos de concretizar na sociedade portuguesa.
Continuamos a ser realistas, coerentes e pragmáticos, ocupando o espaço político que é o nosso e influenciando decididamente a sociedade portuguesa com vista a 1993.
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: - Oxalá!
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Responda às questões!
O Orador:- E se há pessoas que não. podem falar em campanha eleitoral, tenham um mínimo de atenção, são VV. Ex.ªs e o Governo. Basta ver o que se passa todos os dias! Há até troços de estrada que são inaugurados várias vezes pelo Sr. Primeiro-Ministro, já depois de terem passado centenas de camiões e autocarros, alguns até antes de estarem começados! Temos muito gosto em que se inaugurem vias, porque isso é indispensável para o progresso do País, mas não o façam tantas- vezes na mesma porque isso, depois, é
preocupante para o Sr. Ministro das Finanças, que tem que pagar todas as. despesas. dessas inaugurações e, ainda por cima; são verbas comunitárias ...
Risos do PS.
Vozes do PSD: - É mentira! Diga qual? Qual foi? Diga qual foi?
O Orador: - Várias! Os nossos deputados di-lo-ão. Tenhamos calma, Srs. Deputados, porque, se há uma coisa que eu tenho é combatividade e não é pelos gritos que me vão calar.
Protestos do PSD.
Não é pelos gritos que me vão calar, Srs. Deputados!
Relativamente ao desprezo pela Assembleia da República, basta ver o que aconteceu, desde 1985 até há alguns meses, nesta Assembleia. E VV. Ex.ªs não podem deixar de dizer que eu conheço bem a situação porque estive aqui, meses a fio, durante doze horas! VV. Ex.ªs, conseguiram produzir este efeito importantíssimo que era o de todas as bancadas da oposição, do CDS ao PCP, se concentrarem em criticas profundas sobre a forma como o Governo e V. Ex.ªs (mas sobretudo o Governo) compaginavam a sua actuação com o desprezo e, pior do que isso, atirando o povo português contra a Assembleia da República. 15to foi uma constante do Governo minoritário do Professor Cavaco Silva, foi uma constante dos primeiros meses do Governo, maioritário; foi uma constante vossa e VV. Ex.ªs são responsáveis por isso!
Urna voz do PSD: -- 15so não tem é senso!
O Orador: - VV. Ex.ªs são responsáveis por isso e ninguém o pode esquecer!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
15to não tem nada de pessoal Srs. Deputados! Tem a ver apenas com as questões de fundo pois são essas as essenciais!
O Sr. Primeiro-Ministro, à saída do Palácio de Belém, várias vezes critica, naquele patamar (numa casa que não é a sua, do ponto de vista institucional) governos socialistas, dos quais, aliás, faziam parte também, elementos do PSD. É uma nota que o Professor Cavaco Silva sempre dá, esquecendo-se deste facto.
Aproveita, as escadas e o pátio do Palácio de Belém, para criticar a credibilidade dos governos socialistas...
Vozes do PSD: - Não pode?!...
O Orador: - ...presididos por aquele com quem tinha acabado de falar há cinco minutos. O que é isto; Srs.. Deputados? Tem, pelo menos, uma configuração que não me apraz; neste momento, qualificar.
Quanto à Revisão Constítucional, cremos que se trata de um texto de progresso, um texto de consenso e que, é possível tirar dela todas as virtualidades democráticas. Se VV. Ex.ªs subscreverem, pensando que iriam restringir as suas virtualidades futuras; estão enganados! Estamos apostados em que esse documento de consenso sirva os propósitos para que foi ontem aprovado nesta Assembleia da República.
Relativamente à segurança social, remeto o Sr. Deputado Joaquim Marques para uma parte do meu discurso que não li por falta de tempo.
Vozes do PSD: - Então leia!
O Orado: - ... onde há soluções concretas sobre isso.
Penso que o que VV. Ex.ªs estão a fazer, relativamente ao emprego, é algo de profundamente grave. É algo de profundamentalmente grave! Ninguém discute que os índices são melhores. Com certeza que não e ainda bem! Mas o que todos temos é a responsabilidade de irmos além dos índices e ver a estrutura dos novos empregos: quanto de emprego e trabalho precário; quanto de ocupações transitórias; quanto de pessoas em cursos de formação de Fundo Social Europeu á que não se sucede nenhuma formação subsequente; quanto de estrutura que não, muda e que não é assegurada! VV. Ex.ªs tem a responsabilidade de dizerem isto e não o dizem. E têm mais uma responsabilidade: VV. Ex.ªs pensam que os níveis de emprego podem manter-se em Portugal, com a reestruturação da agricultura por fazer; com a reestruturação da indústria por fazer? VV. Ex.ªs pensam que é possível manter mais de 80% de explorações agrícolas portuguesas, que são dificilmente viáveis? O que se faz com essa população?
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VV. Ex.ªs pensam, que a taxa de emprego vai manter-se como está? VV. Ex.ªs têm a responsabilidade de nos dizerem o que vão fazer para isso, em todas essas matérias, porque, no fundo, não fizeram nenhuma reestruturação industrial. Essa é que é a gravidade da questão, porque ela tem que ser feita!
VV. Ex.ªs tinham condições únicas, de maioria, de estabilidade, para as fazer, mas não as fizeram. Preocuparam-se antes em fazer uma política de calendário eleitoral, é isso que todos nós vamos pagar no futuro e é isso que não podemos esquecer! VV. Ex.ªs são responsáveis por perderem desafios essenciais!
Aplausos do PS.
Lamento, em nome dos portugueses, que se percam esses desafios. Não tenho nenhum prazer em que se percam, não quero o pior, melhor, quero que este país progrida! Ele não pode é progredir com o populismo, com o nevoeiro, com os números errados, com aquilo que, no fundo, é uma grande falta de alma democrática, para perceber o progresso a solidariedade e a justiça. Esse é que é o problema!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na fase dos pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças.
Está inscrito, em primeiro lugar, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado António Guterres. Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: Quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que lhe daremos todas as oportunidades que o Regimento nos permitir.
Vozes do PSD: - Muito obrigado. Estamos informados!
O Orador: - Entendeu o Governo, uma vez que o Sr. Primeiro-Ministro não pode estar presente e compreendemos perfeitamente a sua ausência esta manhã, fazer-se representar pelo Sr. Ministro das Finanças na intervenção inicial. Fez mal!
Fez mal, porque, com todo o apreço e consideração que me merece, o Sr. Ministro das Finanças tem hoje, entre outros, um enorme défice de credibilidade na sociedade portuguesa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mesmo quando diz coisas interessantes - e convenhamos que hoje não foi o caso - os portugueses já não o tomam muito a sério, porque sabem que a sua presença no Governo se deve hoje, unicamente, à obstinação do Sr. Primeiro-Ministro, que é um brinde para as oposições, mas que é evidentemente, uma sobrecarga para o País.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quis o Sr. Ministro das Finanças brindar-nos hoje com um conjunto de índices. Devo dizer que já os conhecíamos, porque a prova de que o
Governo sente este défice de credibilidade é que, recentemente, nos inundou, através dos órgãos de comunicação social com uma campanha de branqueamento que tinha naturalmente, esse índice. Ora, nós lemos os jornais! Tenho aqui uma página inteira de um jornal com vários dos gráficos que hoje aqui nos trouxe, pagos naturalmente com os dinheiros públicos, numa operação de propaganda política deste Governo que não posso deixar de, como contribuinte repudiar frontalmente.
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - Percebo que o Governo tenha a necessidade de informar os portugueses de coisas do seu interesse, mas não é com anúncios de propaganda deste tipo. Percebo que o Governo tenha necessidade de melhorar a sua popularidade, quando todos os portugueses, progressivamente, lhe têm manifestado desilusão, descontentamento e mesmo zanga. Não pode é fazê-lo com o dinheiro que nós, os contribuintes, pagamos e que graças a si, os da classe média, como aqueles que aqui estamos presentes, pagam cada vez mais, enquanto que as grandes fortunas continuam, como sabe, na generalidade, isentas.
Isso não podemos permitir! Se o Governo precisa de operações de branqueamento e de publicidade na televisão, na rádio e nos jornais, que as pague com o orçamento do PSD que, ao que sabemos, tem muito dinheiro para isso!
Aplausos do PS e do CDS.
Sobretudo Sr. Ministro, não pode utilizar os dinheiros públicos para fazer anúncios que falseiam a verdade. E dou-lhe apenas um exemplo: uma família portuguesa que tem de ordenados ilíquidos de 75 contos por mês e que, no entanto, consegue, para pagar menos impostos, este verdadeiro milagre que é pagar juros para a habitação própria de 160 contos por ano. É um verdadeiro milagre que haja famílias que ganham tão pouco e comprem habitação própria! Seguramente foi para agradecer este milagre a Nossa Senhora que o Sr. Primeiro-Ministro foi a Fátima no dia 13 recente!
Aplausos do PS e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças, deseja responder no fim dos pedidos de esclarecimento, não é verdade?
O Sr. Ministro das Finanças: - Iria responder no fim, desde que haja perguntas, o que não foi o caso.
Risos.
O Sr. Presidente: - A única coisa que podemos informar o Sr. Ministro das Finanças, aliás o Sr. Ministro já o sabe, é que há um elenco de deputados inscritos para formularem pedidos de esclarecimento.
Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente. Sr. Ministro das Finanças: Para que V. Ex.ª possa tomar nota vou fazer duas perguntas.
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Começaria por lhe perguntar, uma vez que o documento que nos foi distribuído não está paginado, quantas páginas tem o documento de «factos sobre a economia portuguesa»?
Contei 16 páginas, mas não sei se está completo.
Esta introdução tem a ver com o facto de nesses «factos sobre a economia portuguesa», não encontrar nenhuma referência à Balança Comercial e à Balança, de Transacções Correntes, assim como à evolução das razões de troca.
Vozes do PS: - Esqueceu-se! 15so são coisas pequenas!
O Orador: - Enfim, são coisas que, numa escola aqui ao lado, nos ensinam basicamente em duas cadeiras, que são Economia Aplicada, do 1.º Ano e Economia Portuguesa que penso que deve andar, agora pelo 3.º Ano. Aí ensinam-nos que estes são indicadores extremamente importantes. para a análise de uma economia, mas, sobretudo, para a análise daquilo que está para vir. Essa é que é a questão realmente importante e será, porventura por isso, que V. Ex.ª omite ou manipula esta informação.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Há sempre quem falte às aulas! E passa!..
Risos do PS.
O Orador: - Relativamente às questões, elas aí vêm, uma vez que penso que o esclarecimento, enfim, está dado por omissão - o documento tem mesmo 16 páginas.
As questões são estas.
Em Março de 1988- e segundo, uma previsão do Banco de Portugal, apontava-se como possível saldo da Balança de Transações. Correntes, 550 milhões de dólares, portanto, um saldo positivo. Em Novembro de 1988, ainda era atribuída a V. Ex.ª uma hipótese de saldo positivo de 500 milhões de dólares.
Verificámos aqui na Assembleia, quando discutimos as GOP, que VV. Ex ª já falavam, apenas, em 100 milhões de dólares de saldo positivo para a Balança de
Transacções Correntes. Hoje em dia, já se fala para o défice da Balança de Transacções Correntes, para 1988, de valores que variam entre os 650 milhões de
dólares e os 1000 milhões de dólares como hipóteses possíveis de saldo negativo.
Já estamos em Junho, já é altura de se conhecer este valor e, portanto,- queria perguntar, muito concretamente, ao Sr. Ministro das Finanças qual é, em sua opinião, no dia 2 de Junho de 1989, o saldo previsível ou real da Balança de Transações Correntes?
É que, convenhamos, erros da ordem de um bilião de dólares, são demais para um Governo que se autodenomina de extremamente eficiente e de extremo rigor.
A segunda pergunta refere-se também à mesma questão, mas relativamente a 1989. Em 1989, como é que vai ser, Sr. Ministro das Finanças? Também de acordo com as GOP, só em 1992 é que a Balança de Transacções Correntes poderia atingir um défice de 1,8 biliões de dólares. Pois, Sr. Ministro das Finanças, de acordo também com as últimas previsões existentes, parece que, infelizmente, vamos atingir este défice de 1,8 biliões de dólares em 1989, ou seja, neste ano.
Portanto, em minha opinião, Sr. Ministro, isto não é só derrapagem, isto é um estampanço monumental.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos .....
O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: V. Ex.ª veio hoje aqui jogar à defesa, mas, curiosamente, em vez de tentar evitar golos, fez uma coisa ao contrário foi marcar golos na própria baliza.
Começou por falar da reforma fiscal, mas, lamentavelmente, Sr. Ministro das Finanças, tenho que dizer que este Governo, nesta matéria, não fez mais do que publicidade enganosa. É que se este Governo quisesse respeitar aquilo que parece que se presta para exigir aos comerciantes na publicidade televisiva, deveria, pelo menos, eticamente, ter feito uma coisa: deveria ter dito, por exemplo, que á tabela - taxas do imposto complementar não foi actualizada, tendo em conta a inflação dos últimos anos, designadamente a de 1988 e a prevista para 1989; deveria ter dito, para não fazer publicidade enganosa, que. os abatimentos e as deduções de imposto complementar não foram actualizadas para rendimentos de 1988. Só assim é que poderia, de facto, informar devidamente os portugueses; mas não o fez, o que é lamentável.
Más, curiosamente, o Sr. Ministro, jogando à defesa, atirou-nos para aqui uns gráficos. A dado passo, fala numa taxa de desconforto económico. V. Ex.ª, porventura, deveria talvez gostar mais de falar do conforto do Governo, mas esqueceu-se de falar aqui no desconforto das pessoas, no desconforto dos cidadãos. Ele é o desconforto dos professores, é o desconforto dos advogados, dos funcionários públicos ... ! Era bom que o referisse, mas não conseguiu.
Sr. Ministro, mais uma pergunta, para terminar, que se relaciona com a questão do crédito. As medidas do Governo, as medidas que V. Ex.ª anunciou a que ao país, proporcionaram um corte brutal nó crédito. Estão a ressentir-se disso as pequenas e médias empresas com enormes dificuldades de tesouraria e para financiarem os seus investimentos. Mas para além disso, o que é mais grave ainda, foi o corte brutal no crédito. à agricultura. Neste momento, os agricultores estão com dificuldades no acesso a crédito e põem em causa as campanhas agrícolas de 1989. Será que isto é progresso, Sr. Ministro?
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Mais que questões, queria fazer constatações.
Queria constatar que este Governo tem dado força àquilo que é um ditado popular e que é: -«Quem não chora, não mama.» A verdade é que, governando à pressão dos lobbies, governando à pressão de quem se manifesta, de quem faz força, o Governo não tem feito outra coisa que dar cabimento a essa expressão popular.
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Queria constatar também que esta maioria não tem coragem, não tem audácia, que é uma maioria já do passado, que é uma maioria sem futuro. É uma maioria que acentuou os desequilíbrios, as disparidades, que permite que, dentro do mesmo país, haja dois países: um pobre e subdesenvolvido, outro rico e desenvolvido. É, no fundo, uma maioria que não é capaz de desenvolver nenhum tipo de reforma que altere esta situação.
Quando ouvia o Sr. Ministro referir-se aos gráficos e à reforma da economia, confesso que me fez lembrar o Tio Patinhas que, nadando em dinheiro, tendo os cofres cheios, não permitia que nenhum projecto dos seus sobrinhos se realizasse.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - O Sr. Ministro Miguel Cadilhe é uma pessoa bem disposta, permanentemente bem disposta, chegando mesmo a anunciar aos portugueses medidas gravosas a sorrir, de uma forma bem disposta. Só que os portugueses não ficam muito bem dispostos, quando o Sr. Ministro vai, geralmente, à televisão.
Aconteceu aqui o mesmo: o Sr. Ministro chegou aqui hoje e traçou um quadro azul, de boa disposição, que, de uma forma geral, o caracteriza.
Mas no caso concreto a que me vou referir, no caso da saúde, as coisas não vão com essa boa disposição.
Tudo indica que o Ministério da Saúde encerra o ano que está a decorrer, com um défice de 34 milhões de contos. O que é que o Governo pensa fazer, Sr. Ministro Miguel Cadilhe, face aos indícios de graves problemas financeiros nos serviços de saúde, nomeadamente nos hospitais?
Não sei se o Sr. Ministro tem conhecimento de que o Sr. Coronel Moreira, que, neste momento, está à frente do Hospital de Castelo Branco, iniciou já um peditório que é humilhante! É uma atitude perfeitamente humilhante, pois como não há dinheiro para manter vivo aquele hospital, decidiu fazer esta operação de fazer um peditório público.
O que é que o Governo pensa fazer? Vai usar ou não os famosos «sacos azuis» Vai pedir a esta Assembleia da República a aprovação de um orçamento suplementar ou vai fazer pagar o défice aos próprios trabalhadores da saúde ou, até, aos fornecedores?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Ministro das Finanças, declarações públicas do Sr. Primeiro-Ministro e da Sr.ª Ministra da Saúde, referem que o inquérito para apuramento de irregularidades imputadas ao Ministério da Saúde tinha sido da iniciativa do Governo.
Uma nota divulgada pelo gabinete do Sr. Procurador-Geral da República, em 30 de Março do corrente ano, esclarece a opinião pública que, desde Março de 1988, tinham sido feitas várias insistências junto da Sr.ª Ministra da Saúde, no sentido da necessidade da realização de uma auditoria administrativa e que só em Agosto é que a Sr.ª Ministra da Saúde havia decidido, enfim, solicitar a intervenção da Inspecção-Geral de Finanças.
Sr. Ministro, dadas estas posições contraditórias, faço-lhe concretamente a seguinte pergunta: foi o Governo, de sua livre e expontânea iniciativa, que solicitou a intervenção da Inspecção-Geral de Finanças ou esta acção apenas foi desencadeada após várias insistências do Sr. Procurador-Geral da República?
Em conclusão, mantém o Governo as afirmações produzidas ao país, através de importantes meios de comunicação social? Reconhece ou não a veracidade dos factos apontados pelo Sr. Procurador-Geral da República e, por conseguinte, que o pedido de intervenção da Inspecção-Geral de Finanças foi da iniciativa do Sr. Procurador-Geral da República e que o Governo só actuou decorridos cinco meses após várias insistências?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: Cingir-me-ei, no essencial, ao seu discurso. Não disponho de tempo para mais.
Sempre pensei que os discursos vagos não são os melhores. Os discursos simplistas são muito piores, designadamente quando, como o de V. Ex.ª, hoje e tantas vezes, e o discurso geral do Governo, assentam em pressupostos analíticos pueris.
Acredita V. Ex.ª que as medidas de política macroeconómica dos governos - de quaisquer governos - têm, no essencial, efeitos imediatos na vida dos cidadãos e nos indicativos macroeconómicos?
Acredita, ainda, que os efeitos das medidas económicas se esgotam, para o bem ou para o mal, nos meses ou anos em que são tomadas? É isso que ensina aos seus alunos?
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Ministro deve ter ouvido ou alguém lhe disse que o que estava a dar era o investimento em arte e resolveu hoje apresentar-se aqui de pintor, de retratista. Experimentou várias escolas, começou no surrealismo, passou pelo cubismo, a traços largos, e acabou no naif.
Risos.
O quadro que conseguiu do País é um quadro que, obviamente, tem que ver mais com a inabilidade do principiante, que se atira de cabeça para uma arte que não é a sua, do que, propriamente, com um retrato que aqui precisávamos de ter, o retrato pintado pelo Governo, porque o retrato do País já nós temos. Andamos pelo país, vemos, ouvimos e até sentimos, também somos pessoas, também somos contribuintes, portanto, sentimos como os outros.
A propósito de retratos, Sr. Ministro das Finanças, apenas dois.
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Um, aquele que vai ser o retrato de Portugal: transmitido para toda a Europa no dia 16 pela BBC. A BBC vai transmitir para toda a Europa e para todo o mundo onde tem audição, como é sabido, o retrato sobre o trabalho infantil no mundo. O exemplo europeu é, como não podia deixar de ser, dado pelo caso português. Entretanto, a equipa que tentou fazer a recolha dos depoimentos foi agredida numa zona do Norte. Foram feitos contactos com a Inspecção-Geral do Trabalho- para que verificassem in loco o transporte das crianças para o trabalho. Essa inspecção recusou-se a ir, talvez como diz o articulista que dá a notícia, «por só pegar às nove» e o transporte das crianças ser bastante mais cedo.
As pessoas que têm andado nestas coisas, dizem que as estatísticas baixam, mas o trabalho infantil, de facto, aumenta. Tenho consciência disto, pois conheço inúmeros casos concretos.
Perguntado a este respeito, o Sr. Ministro do Emprego, aqui há pouco tempo, disse que nestes dois anos o Governo, já tinha apanhado - pasme-se! - 334 casos. Ora bem, isto era aquilo que qualquer um de nós, mesmos sem ser inspector, poderia apanhar num só dia ou numa só manhã: Bastava esperar pelos transportes 1
Terá o Governo mais que fazer, terá outros retratos para pintar antes deste? Era a primeira questão que lhe punha.
A propósito de emprego e ainda ligado com esta questão, é óbvio que se os índices de desemprego estão baixos (se são apresentados como baixos), é porque, como aqui já foi referido, nas estatísticas não entram os cursos, os cursinhos, aquelas pessoas que de curso em curso se sentem, mais ou menos, empregados, enquanto a teta der leite. Porque quando a teta deixar de dar leite, secou, acabou e, obviamente, as estatísticas sobre o emprego vão modificar-se radicalmente.
Pessoalmente, estou convencido que muito mais emprego havia para os portugueses adultos em idade de trabalhar, se o emprego, que está hoje preenchido pelas crianças, fosse preenchido, durante oito horas por dia, por adultos com capacidade e com idade para trabalhar. Não é isso que o Governo faz, pois o Governo desemprega os pais para empregar os filhos é com isso se dá por satisfeito.
Segundo retrato, Sr. Ministro e este é dirigido exactamente ao Sr. Ministro das Finanças, não ao Sr. Ministro da Educação que aqui está presente e que, com certeza, sentir-se-ia hoje mais cómodo na minha posição de interpelante, do que na posição de interpelado.
Faz agora dois anos que cheguei a esta Assembleia - foi quando chegou o Sr. Ministro Roberto Carneiro ao Governo tendo uma experiência de apenas dez anos no ensino, mas tendo visto já muito insucesso escolar, tendo ouvido falar muito de insucesso escolar e tendo muito lutado para o combater.
Depois de ouvir aqui o programa do Governo para o combate ao insucesso escolar, depois de ouvir aqui o Sr. Ministro Roberto Carneiro dizer que a educação era a primeira prioridade nacional, depois de ouvir o Sr. Ministro Roberto Carneiro, durante a discussão do programa do Governo, prometer tudo e mais alguma coisa - reformas de fundo, grandes reformas para a educação, grandes reformas no sentido da dignificação da profissão docente - arrisquei politicamente esta
frase no final da minha intervenção: «Finalmente, parece que vai ser bom ser professor em Portugal »
Disse-o há dois anos e foi risco político, para qualquer oposição, dizer isto ao Governo durante o debate do seu programa.
Como se viu, como. se verifica, passados dois anos o Sr. Ministro Roberto Carneiro; a estas promessas, disse: «Nãos» E disse não, porquê? Quem sabe, quem o saberá? Talvez o Sr. Ministro das Finanças o sabia.
Porquê, Sr. Ministro das Finanças, uma coisa que era impensável no ano passado, por exemplo; uma greve de três dias dos professores, este ano aconteceu, não só uma vez, mas irá acontecer muito em breve, por parte de todos os professores! E muitos milhares deles, votaram no PSD, exactamente há dois anos! Porque, é que, hoje, esses professores, se manifestam na rua; porque é que fazem greves de três dias, porque é que os sindicatos conotados com o PSD alinham, exigem- e barram por greves no sector do ensino? Porquê?
Uma pergunta que lhe faço.
Será que o insucesso. escolar em Portugal diminuiu Sr. Ministro das Finanças? Será que vamos entrar na Europa Comunitária com uma taxa de analfabetismo inferior à que tínhamos antes de Abril de 1974?
Sabe o Sr. Ministro das Finanças de estatísticas concretas, já que as estatísticas são o seu baralho de cartas, sobre insucesso escolar em Portugal, que valha a pena mostrar à Europa e confrontar com a realidade? Quer ter a amabilidade de nos dar a estatística sobre o analfabetismo em Portugal? Está ele a crescer ou a baixar? Que tipo de analfabetismo temos - analfabetismo total, analfabetismo funcional? Quer-nos dizer algo sobre isso?
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Gostaria de perguntar ao Governo como é que, tendo arrecadado mais 80 milhões de contos de impostos e tendo visto aprovado o orçamento que pediu, consegue está proeza notável de pôr toda a função pública em pé de guerra contra ele?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de esclarecimento?
O Sr. Deputado. Carlos Brito também se inscreveu para um pedido de esclarecimento?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, tinha-me inscrito e o Sr. Presidente tinha anunciado. Aliás, anunciou depois de mim, ainda, um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então o Sr. Deputado João Cravinho desistiu da sua inscrição?!...
O Sr. Presidente: - Por acaso, estava na bancada, recordo-me de ouvir o seu nome, mas de facto, não me foi fornecida essa informação pela Mesa.
Portanto, o Sr. Deputado Carlos Brito está inscrito para um pedido de esclarecimento. Tem a palavra, Sr. Deputado.
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Antes porém, o Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para interpelar a Mesa, presumo eu.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é só para que não fiquem dúvidas. Por manifesta falta de tempo em relação aos debates, pedimos a vários militantes do Grupo Parlamentar do PS que não fizessem mais perguntas. É isso que explica que várias inscrições tenham sido anuladas.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: Creio que o Sr. Ministro das Finanças falou, não nessa qualidade, mas como porta-voz do Governo, como um substituto, nas circunstâncias, do Sr. Primeiro-Ministro.
Não sei se o Sr. Ministro das Finanças se deu conta dessa situação, provavelmente, não tem nenhuma culpa nela e foi empurrado para ela. Mas a verdade é que foi empurrado e não sei se o Sr. Ministro se dá conta do papel que fez.
Também não tenho a opinião de que o discurso de abertura do PS tenha sido um discurso muito conseguido em termos de oposição.
Vozes do PS: - Oh! Não diga!
O Orador: - Até me parece que o PS tem feito tanta revisão que se desabituou de fazer Oposição. Em todo o caso, o Sr. Deputado Jorge Sampaio colocou aqui algumas das questões quentes com que o País se debate.
E aqui vem a minha primeira pergunta: não lhe parece, Sr Ministro das Finanças, que o seu pobre discurso concreto a essas largas questões que foram colocadas na intervenção do Sr. Deputado Jorge Sampaio, é, em si mesmo, ao concreto, ao vivo, uma falta de respeito pela Assembleia da República?
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - Na verdade, o Governo não pode manter esta atitude de vir à Assembleia da República, quando se faz uma interpelação, e responder com umas tantas tiradas de propaganda, como os senhores fizeram hoje, com estas estatísticas, aliás, já conhecidas, manipuladas, que omitem as questões mais embaraçosas para o Governo e que apresentam como vitórias do Governo aquilo que são grandes fracassos e grandes derrotas, como é a questão da inflação.
Tomemos esta questão, da inflação. A atitude séria em relação a esta questão, não seria discutir francamente com a Assembleia da República, com os partidos da Oposição, quais são as causas do fracasso do Governo? Porque é que o Governo fracassou?
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Não fracassou, não! Está enganado!
O Orador: - Não seria uma atitude séria e responsável da parte do Governo, procurar discutir com as Oposições que medidas vão ser tomadas para compensar aqueles que vão ser altamente prejudicados pelo
erro de cálculo do Governo? Aqueles que vão ser prejudicados nos seus salários, particularmente os que ganham o salário mínimo nacional, os que ganham as pensões mínimas, cujos aumentos foram calculados na base de uma taxa de inflação adiantada pelo Governo e em relação à qual o Governo fracassou.
O Sr. Ministro veio-nos dizer que vai tudo bem. Gostaria que o Sr. Ministro, ou que outros membros do Governo, na possibilidade de o Sr. Ministro não ser capaz de o fazer, procurassem, ao menos, discutir com alguma seriedade a situação que aí vai.
Porque é que estão tão descontentes, porque é que protestam, porque é que fazem greve, sectores tão vastos, como os trabalhadores da função pública, os professores, os médicos, os advogados, os juizes, os autarcas, os agentes da PSP e da Judiciária?
O Sr. Silva Marques (PSD): - A lista foi muito curta. E a greve das alfândegas?!
O Orador: - E agora, uma questão concreta.
Foi aqui muito bem lembrado pelo Sr. Deputado que está a falar a greve das alfândegas. Ora, aqui está uma boa questão e que é do seu próprio departamento.
O que é que pensa o Governo da greve das Alfândegas e, em especial o Sr. Ministro, que teve conversações, ao que se sabe, recentes com este sector em greve? Quais são as responsabilidades do Governo nesta grave questão?
O Sr. Silva Marques (PSD): - As vossas não devem ser pequenas.
O Orador: - Ela é só um exemplo muito vivo e concreto, que aqui foi muito bem lembrado e muito bem trazido, desta grande guerra em que o Governo está envolvido com todo o País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Então e a moção de censura?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos os pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro. Estamos confrontados agora com uma situação que é, aliás, habitual: aproximamo-nos das 13 horas, hora do intervalo regimental, e coloca-se a questão de as respostas do Sr. Ministro ficarem para depois da hora do almoço.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é para dizer que, da nossa parte, há toda a disponibilidade para ouvir já o Sr. Ministro das Finanças, se for esse o interesse do Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Da parte do Governo também não há, presume a Mesa, nenhuma dificuldade. As bancadas estão a dar indicações à Mesa nesse sentido, pelo que vamos, portanto, continuar.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças se o desejar, para responder aos pedidos de esclarecimento formulados.
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O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho aqui um conjunto enorme de perguntas e de, facto, tenho a impressão de que a intervenção do Sr. Deputado Jorge Sampaio, que é o interpelante, não despertou tanta curiosidade e tantas perguntas quanto a minha intervenção...
Protestos do PS.
... que, aliás, precisamente por se prender ao concreto suscita esta inundação de perguntas. Penso, Sr. Deputado Carlos Brito, que, da minha parte, é afinal, uma demonstração de consideração para com o Parlamento: tanto interesse, tanta pergunta!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Do Parlamento, para com o Governo.
O Orador: - O discurso abstracto, quase etéreo do Sr. Deputado Jorge, Sampaio não despertou esse interesse todo. Afinal, quem é que tem consideração pela Assembleia da República? Quem consegue trazer coisas« de interesse que fazem mexer todas esta bancadas da Oposição?
Aplausos do PSD..
O Sr. Jorge Lacão (PS): - 15to é uma interpelação ao Governo, Sr. Ministro! Ainda não tinha reparado?!...
O Orador: - Ainda não tinha reparado. Depois do discurso do Sr. Deputado Jorge Sampaio, de facto, fiquei a pensai que não havia interpelação nenhuma.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, se me permite, não me fez perguntas nenhumas, mas ao responder aos Srs. Deputados que lhe fizeram perguntas, disse algumas coisas com 'as quais não posso concordar.
Por exemplo, disse que o desemprego em Portugal vai ser um problema dificílimo e gravíssimo nos próximos anos...
Vozes do PS: - Já é!
O Orador: - ... , quando as reestruturações indispensáveis do tecido industrial e nos sectores primário e terciário se fizerem, e que o Governo nada fez quanto a essas reestruturações.
Bem quanto a esta questão, temos uma posição ideológica e pragmática e política completamente diferente. O Sr. Deputado Jorge Sampaio e o seu partido têm aí uma afinidade, de algum modo, não total, com o PCP. Pensa que as reestruturações industriais e agrícolas se decretam e passam a ser realizadas pelas empresas. Nós pensamos quase o contrário: elas são suscitadas pelo mercado e, quanto muito, o Governo cria quadros propiciadores a essas reestruturações.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Depois, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que a nossa estratégia é, precisamente, que as reestruturações apareçam suscitadas pelo mercado, coma economia global á crescer a bom ritmo; que é para que o desemprego sectorial que se vá gerando, venha a ser absorvido globalmente pela economia.
Foi esse o erro estratégico que os seus pares socialistas espanhóis cometeram aqui há uns anos atrás, quando me meteram, por decreto também, em grandes reconversões e reestruturações industriais e com um produto interno a crescer a 1 % em termos reais: É evidente que o desemprego gerado em vários sectores industriais não foi absorvido pelo resto da economia e o resultado foi que a taxa de desemprego atingiu-o nível mais elevado de toda a Europa Comunitária 23% da população activa, aliás, com uma incidência brutal na camada dos jovens.
Esse erro estratégico Sr. Deputado, não cometemos. Temos dito que as reestruturações sectoriais irão sendo feitas na economia portuguesa, estimuladas até pelo Governo, mas nunca decretadas, e com a economia global a crescer a bom ritmo.
Cá está uma resposta concreta a uma abstracção do Sr. Deputado Jorge Sampaio, vai desculpar-me que insista nisto. Aliás, o Sr. Deputado teve algo que também me desagradou profundamente.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Dá-me licença que o interrompa; Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Ministro, se V. Ex.ª quiser ter um debate comigo, vamos ter uma intervenção subsequente.
O Orador: - Quando quiser, Sr. Deputado!
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - V. Ex.ª, agora, tem que responder às perguntas que lhe fizeram e na parte da, tarde recomeçamos; se necessário. Não subverta as questões!
Protestos do PSD.
O Orador: - Sr. Deputado, terei muito gosto nisso! Peço-lhe que me ouça até ao fim. Terei muito gosto nesse debate, vou ver é se consigo prendê-lo com umas cordas e com umas âncoras às questões concretas. Vai ser difícil para mim, mas talvez consiga.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, o Sr. Deputado disse que o PSD (que não precisa que o defendam) e também o Governo, tinham uma grande falta de alma democrática. Olhe: lições de democracia, o Sr. Deputado não nos dá1 Quanto á alma, isso é outro aspecto. De facto, o Sr. Deputado é capaz de ter alma a mais. Os seus discursos dão sinal disso são discursos etéreos.
Quanto a lições democráticas, o Sr. Deputado tem, aliás, um passado que é bem conhecido...
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - O Sr. Ministro não tem ....
0 Orador: -... foi sempre em defesa da democracia, sempre, pois conheço-o, embora, por vezes, também, com alguns desaires e todos nós temos tido, Eu também tenho tido.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, depois de ter dito que o seu discurso é de abstracções e que, em contraste com isso, era preciso fazer um discurso de coisas concretas, dispensando, aliás, a segunda parte do meu discurso,
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onde falava das grandes reformas, devo dizer-lhe que tenho pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio a maior consideração.
Sr. Deputado António Guterres, voltou aqui a fazer um discurso que me lembra Junho de 1987, quando tive que lhe dizer que as eleições que se aproximavam dariam a resposta, mas a resposta certa da parte do povo português. Na altura, também falou de falta de credibilidade do Governo.
O Sr. António Guterres (PS): - As próximas também vão dar.
O Orador: - É uma esperança!
Hoje fala em défice de credibilidade a propósito de eu vir representar o Governo, na abertura desta interpelação. Eu talvez tenha algum défice, pois não escondo a cara às dificuldades.
Daqui a uns anos longos, como lhe disse em 1987, quando o Sr. Deputado tiver aprendido, gostaria de o ver a governar e gostaria de ver o seu superavit...
O Sr. António Guterres (PS): - Vai ver mais cedo do que pensa.
O Orador: - ... de credibilidade.
Para já, Sr. Deputado, não lhe falo em défice nem em superavit, porque o senhor está longe destas contas, destes balanços.
Mas o que lhe posso dizer sobre o que tem sido a governação social-democrata e o que foi a governação socialista, e uma vez que o Sr. Deputado é bom leitor destes indicadores, convido-o a legendar (para os seus pares, no Partido Socialista) esses quinze indicadores que lhe dei. Ponha as épocas de governação socialista no andamento do rendimento real disponível das famílias, do desemprego, da distribuição do rendimento, do investimento, da dívida externa, da inflação, do défice do sector público, ponha lá a legenda e, depois, conclua quanto a défices de credibilidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, sobre o défice de credibilidade, o partido do Sr. deputado não se tem portado tão mal como outros a provocar artificialmente, por vezes não olhando a meios para atingir certos fins, questões de ordem pessoal. Não entendo, como é que na democracia portuguesa, depois de quinze anos do 25 de Abril de 1974, ainda é possível usar de certos métodos.
Aplausos do PSD.
É verdade que quem tem de fazer reformas e não vira as costas a elas, como nós temos feito, é verdade que tem de assumir medidas que desagradam a certos grupos e centros de interesse, tem de sofrer depois certas actuações, por vezes subterrâneas; é verdade que quem o faz tem resistência para aguentar com esses meios, que não são de modo algum justificáveis em democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Isto, Sr. Deputado, é válido não só para V. Ex.ª, mas para vários outros de vários outros partidos que aqui estão.
O Sr. Deputado Carlos Lilaia falou, e bem, da Balança Comercial e da Balança de Transacções Correntes. Devo dizer-lhe que incluí um indicador sobre contas externas que é precisamente dívida externa. É o indicador mais tranquilizador quanto aos défices da balança.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - É para a propaganda.
O Orador: - Sr. Deputado deixe-me acabar, se faz favor.
Felizmente, a economia portuguesa vai em óptimo ritmo de crescimento. Recordo-lhe que em 1988 o investimento em equipamentos, cuja elasticidade das importações é muito elevada, como sabe, cresceu dezanove, quase vinte por cento em termos reais. Isso justifica um défice na Balança Comercial. Ora, nós não estamos nada preocupados com isso. Os Srs. Deputados é que dramatizam e fazem o seu papel! Como disse, a nossa dívida externa, em termos líquidos, quase que já não existe graças ao elevado nível de reservas de divisas e de ouro, também, obviamente.
Em 1984/85, nos dois anos juntos, a dívida externa estava 707o acima das reservas de ouro e de divisas de então. Além disso, o peso relativo da dívida externa em percentagem no produto, como já disse, é hoje metade do que era quando começamos a governar. E vai continuar a decrescer. Além disso, ainda, a estrutura da dívida externa, por moedas e por prazos, é hoje muito mais confortável do que era quando começámos a governar...
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - O Sr. Ministro está a comprar géneros para pagar a dívida pública.
O Orador: - Estamos a fazer um enorme esforço de investimento, como nunca foi visto no País. Até onde vai a minha memória, recuando mesmo para muito antes do 25 de Abril, não encontro outros anos como esta sucessão de quatro anos - 86/89 - de fortíssimo crescimento da formação bruta de capital fixo. Com isto vale a pena ter défices externos. Mas eu diria mais, Sr. Deputado, vai desculpar-me...
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - O Sr. Ministro não está a responder às questões.
O Orador: - Bem, não vale a pena continuar a responder, porque o Sr. Deputado Carlos Lilaia fica relativamente nervoso...
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Só fiz duas perguntas!
O Orador: - Tinha a dizer-lhe, e digo assim em suma, que vale a pena, num país qualquer e concretamente em Portugal, ter um défice acrescido da Balança de Bens e Serviços, se tivermos o investimento a crescer como temos. Aliás, se pudermos influenciar a composição da procura interna, procurando moderar o crescimento do consumo privado e deixando o investimento crescer - é difícil, como o Sr. Deputado sabe, através da política macroeconómica influenciar essa composição -, então, espero que o Sr. Deputado do PRD e o seu partido nos ajudem, porque o que tenho visto da vossa parte, Sr. Deputado, são sugestões demagógicas, desculpe que lhe diga, ao Governo para aumentar ainda mais o rendimento disponível - aumentar
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pensões, diminuir a carga fiscal directa e indirecta sobre os consumidores. É claro que com isso o consumo privado ainda subiria mais e teríamos as importações a responder quase directamente a isso.
O Sr. Deputado falou de «estampanço» da Balança Comercial. Ora, não houve estampanço nenhum em 1988.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Que ideia!...
O Orador: - Estampanço houve por parte do seu partido nas eleições e por este caminho ainda vai ver muito maior!
Aplausos do PSD.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carneiro dos Santos, não consegui reter pergunta nenhuma, vai desculpar-me o tempo é escasso.
O Sr. Deputado Armando Vara diz que esta maioria não tem audácia. Bem, é um juízo de valor. Olhe: o que esta maioria tem é paciência para ouvir intervenções como a de V. Ex.ª!
Risos e aplausos do PSD.
O Sr. Deputado João Rui Almeida diz que eu vim aqui bem disposto e lembrou-se de um episódio que a televisão transmitiu, a propósito das medidas de Março. Ainda bem que o fez, pois aproveito para dizer perante VV. Ex.ªs que nessa conferência de imprensa fui filmado durante mais de quarenta minutos e a RTP escolheu o minuto pior para transmitir, sugestionando um erro de generalização no País e nos Srs. Deputados também, pelo que vejo.
Vozes do PS: - Veja lá, os malandros!...
O Orador: - Quando pedi à RTP o filme completo de mais de quarenta minutos, ocasionalmente, a RTP já tinha apagado o filme, senão teria muito gosto em mandá-lo à consideração de VV. Ex.ªs.
Risos.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Azar!
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Estava estragado!
Uma voz do PCP: - Não ficou para a propaganda!
O Orador: - Quanto ao défice do Ministério da Saúde, espero que a Sr.ª Ministra nos diga o que é que se passa sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o seu orçamento. Como sabe, Sr. Deputado, as despesas do SNS não podem ser reguladas assim tão directamente; porque se há consumo natural e espontâneo de medicamentos, se há necessidades que surgem ao longo do ano da parte da população, elas têm de ser satisfeitas, quer o orçamento do SNS esteja dotado suficientemente, quer não esteja. Por isso, em governos socialistas, do vosso tempo, o SNS apresentou, no fim do ano, défices ou saldos maiores ou menores relativamente ao orçamento inicial, sem que da parte do Parlamento qualquer problema tenha sido levantado sobre isso.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Isso não é resposta!
O Orador: - Mas como disse não tenho informações sobre esse assunto.
O Sr. Deputado Rui Cunha pergunta pelo relatório da Inspecção-Geral de Finanças. O assunto está, como sabe, na Comissão de Inquérito da Assembleia da Republica. O que lhe posso dizer é que recebi da Sr.ª Ministra da Saúde, em Agosto de 1988, se a memória não me falha, um pedido para a Inspecção-Geral de Finanças fazer uma apreciação preliminar de um outro relatório, esse da Inspecção-Geral de Saúde. O que vinha em curso era um outro relatório da Inspecção-Geral de Finanças, inserido no quadro da disciplina financeira geral do Estado, abrangendo os SUCH e outros serviços públicos. Essa era a grande corrente, ou o grande rio, de inquéritos e de averiguações da Inspecção-Geral de Finanças, onde esse pedido de Agosto da Sr.ª Ministra da Saúde, depois, mais tarde, acabou por desaguar.
O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia falou de pressupostos pueris no meu discurso...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Os dele são senis!
O Orador: - ..., porque as medidas de política económica não têm efeitos imediatos. Pois não, Sr. Deputado, é boa verdade! Infelizmente, até, acontece que algumas medidas de política económica de ordem estrutural assumidas pelo seu partido quando era Governo - desastrosas medidas - tiveram efeitos que ainda hoje estamos a pagar. O Sr. Deputado João Cravinho está a olhar para mim, mas de facto, na altura o Sr. Deputado era ministro da Indústria e algumas medidas de severo prejuízo para o País, ainda hoje estão aí para pagarmos.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
É claro que as medidas de política económica dependem da sua natureza, mas há umas que têm efeitos em curtíssimo prazo, outras têm em prazo mais longo. Porém, as medidas de política mocroeconómica, no sentido clássico do termo, essas geralmente têm efeitos no prazo de meses. São políticas de estabilização ou políticas de ordem conjuntural.
Pelo que, Sr. Deputado, o seu partido, quando estava a liderar o governo em 1985 e em anos anteriores, assumiu algumas medidas cujos efeitos já se esgotaram há muito tempo. Entretanto, o que nós temos, inequivocamente, é três anos e meio de progresso efectivo como nunca a jovem democracia portuguesa teve, e mesmo antes do 25 de Abril. Sr. Deputado, é muito difícil encontrar uma época com este ritmo e com esta solidez de progresso.
O Sr. Deputado Herculano Pombo falou de retratos naif, pensei, de facto, que o seu partido é que tivesse essa vertente. Mas, portanto...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Também tem, mas sabe o que faz. Pinta bem!
O Orador: - Bem, mas deixemos isso, porque vindo de quem vem até tem alguma graça e, portanto, não levo a mal!
Falou do trabalho infantil.
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O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): Vamos à desgraça!
O Orador: - Remeto essa pergunta para o Sr. Ministro do Emprego, mas também lhe devo dizer que, em parte, há um fantasma à volta desse assunto. O que gostaria era de ver o Parlamento, por exemplo - porque não, não sei é se faz parte do vosso Regimento, desculpe a minha ignorância na matéria -, se alguns deputados tanto falam disso, constituir uma comissão especial para averiguar de facto...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro, para que é que serve a Inspecção-Geral de Trabalho?
O Orador: - ... pede elementos à Inspecção-Geral de Trabalho. Mas desculpe se a minha ignorância nesta matéria regimental foi longe de mais. Fica, de qualquer modo, a ideia como boa intenção.
Porque isso de se andar a falar de algo que nunca se apura definitivamente - é o Sr. Deputado verde, são os Srs. Deputados comunistas são os senhores sindicalistas - leva-nos a pedir-vos: dêem elementos concretos! Nunca dão!
Aplausos do PSD. Protestos do PCP.
O Orador: - Quanto às suas perguntas sobre a educação, remeto para o Sr. Ministro da Educação, que certamente falará à tarde.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Porquê o Sr. Ministro da Educação?
O Orador: - Porque não Sr. Deputado, porque não?
Quanto às estatística de que falou, terei muito gosto de lhe mandar uma maré cheia de estatísticas, se o Sr. Deputado tiver a bondade de me dizer para onde. Falou nas estatísticas do emprego, estatísticas do desemprego, estatísticas de isto, daquilo e daqueloutro...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - E se puder, Sr. Ministro com as idades referidas em primeiro lugar!
O Orador: - Terei muito gosto em mandar em rodapé, as idades.
Risos.
A Sr.ª Deputada Elisa Damião referiu que a função pública está contra o Governo. A. Sr.ª Deputada confunde a função pública com o PS. O que lhe posso dizer é que nos anos de 1983-1985 de responsabilidade predominante do seu PS, os salários reais da função pública caíram 16%.
Vozes do PS: - O quê!?
O Orador: - Nos três anos juntos, em termos reais. Uma brutalidade, Sr.ª Deputada, 167o! Nos três anos da nossa responsabilidade 1986-1988 subiram, em termos reais 7%.
Vozes do PCP: - Eia! Só falta provar isso!
O Orador: - Além disso, introduzimos reformas e mudanças da maior importância. Uma delas é, de facto, a reforma fiscal, pois acabámos com a segregação tributária dos funcionários públicos.
O Sr. Deputado Carlos Brito disse que eu tinha vindo para aqui empurrado. V. Ex.ª desculpe, mas aqui no Governo ninguém empurra ninguém, aí talvez!
Risos do PSD.
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Vai levar um grande empurrão, vai!
O Orador: - No País, que eu saiba a nossa «Perestroika» já foi feita em 1975. Disse que o meu discurso foi pobre, por ser concreto, e que foi falta de respeito à Assembleia da República - já respondi a isso. Mas falou de algo que não posso deixar passar em branco: que os indicadores que trouxemos são manipulados.
Sr. Deputado, quem andou a manipular coisas, ideias, sentimentos, aspirações, objectos, e até projectos para o País globalmente, foi o seu partido aqui há uns anos atrás, e ainda ficou, pelos vistos, com gosto no dedo! Mas isso passa!
Risos e aplausos do PSD.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas não nega que os indicadores são manipulados!...
O Orador: - Sobre a greve das alfândegas, o Sr. Deputado Carlos Brito pergunta o que penso...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sobre a inflação, também!
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Da inflação não fala!
O Orador: - Sobre a greve das alfândegas, pergunta o que penso. Penso, mas não lhe digo, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Para dizer disparates!
O Sr. João Cravinho (PS): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Cravinho (PS): - O Sr. Ministro das Finanças veio a esta interpelação em substituição do Sr. Primeiro-Ministro e o que nos veio dar foi um clássico muito conhecido «How to lie mth statistics». Quando esperávamos que nos viesse falar das alfândegas, do funcionalismo público, dos professores, do buraco do défice externo, do inquérito ao INE (para se saber se já estão presos ou processados os fautores da crise), das confusões da política monetária (vide editorial de hoje do «Semanário Económico»), do crédito ao investimento, enfim, da razão porque se perde um terço das verbas do Fundo Social Europeu - que o
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Governo nem sequer vai buscar ou é obrigado a devolvê-las -, coisas de somenos, vem a este debate fazer o que se chama aleivosias. E digo o nome aleivosias! É a segunda vez que as faz e, por isso, vai levar pela primeira vez o correctivo que espero que lhe fique.
Entrei no Governo...
Protestos do PSD.
Entrei no Governo em fins de Março de 1975, se não me engano em 27 ou 28 de Março, quando fiz as famosas malfeitorias- de que o Sr. Ministro veio aqui falar. Ora, tenho aqui a edição do «Povo Livre», de-18 de Março de 1975; do qual lhe vou ler, para sua elucidação, para ver quem fez as malfeitorias e quem se congratulou com elas (se foram malfeitorias (!), e V. Ex.ª dirá), o seguinte: «Uma vez que o PPD» - isto é um comunicado da Comissão Política Nacional do seu partido - «desde logo repudiou a intentona de 11 de Março, foi o primeiro partido a fazê-lo, uma vez que o PPD desde logo mobilizou os seus militantes aderindo a manifestações unitárias,: uma vez que o PPD desde sempre marcou a sua posição claramente antimonopolista, antilatifundiária e anticapitalista»; - eu dizia anti-cadilhe-...
Risos.
... «tomámos já posição»...
Ouça, Sr. Ministro; ouça!
O Sr. Ministro das Finanças: - Não quero ouvir!
O Orador: - «Tomámos já posição a favor da nacionalização dos bancos e dos seguros. Defendemos há muito a adopção de uma estratégia antimonopolista e antilatifundiária. Estamos dispostos a construir em cooperação com todas as forças democráticas e progressistas uma sociedade socialista em Portugal».
Depois, a propósito da nacionalização das companhias de seguro, constando que ia haver, «o PPD, que; desde sempre apontou, para um controlo do poder económico pelo poder político, apoia mais esta medida verdadeiramente progressiva,... etc».
Risos.
Sr. Ministro, ouça: tenho um dossier, isto é, uma amostra, com declarações. específicas de um a um de quem deu tanta cambalhota, que já não sabe se está com a cabeça para baixo ou para cima. O Sr. Ministro guarde-se de me fazer voltar o dossier à televisão. Venha comigo à televisão e digo-lhe o que é que V. Ex.ª tem feito na vida e o que é que eu tenho feito.
Aplausos do PS.
Fora disso abstenha-se de aleivosias e não seja mais parvo do que a natureza consente!
O Sr. Gameiro dos Santos (PS):- Muito bem!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados...
Burburinho na sala.
Srs. Deputados, por favor a Mesa, mais concretamente o seu presidente; neste momento, gostaria de chamar a atenção do Sr. Deputado João Cravinho; de que a expressão utilizada no final da sua intervenção não é uma expressão correcta. E gostaria....
Protestos do PSD.
Srs. Deputados, por favor...
O Sr. João Cravinho (PS): - Retiro a expressão, se não é correcta. Fica o fundo da questão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, todos nós que conhecemos o Regimento sabemos as regras com que efectivamente esta casa funciona, todos sabemos que há expressões e regras parlamentares que podem ser usadas sem ser ofensivas.
O presidente da Mesa, entende dever chamar a atenção do Sr. Deputado João Cravinho, pois uma expressão que utilizou excede aquilo que deve ser a regra parlamentar e a convivência parlamentar entre os Srs. Deputados, pese embora o calor que pode e deve existir nos nossos debates.
Srs. Deputados, feita esta observação, sem prejuízo de outros pedidos de palavra, imediatamente, tenho que dar a palavra ao Sr. Ministro das. Finanças. Usarão depois da palavra os Srs. Deputados então inscritos.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças para, nos termos regimentais, responder, se assim o entender; às considerações feitas pelo Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. Ministro das finanças: - Sr. Presidente, apenas porque o Sr. Deputado João Cravinho retirou formalmente às palavras últimas da sua intervenção e por respeito para o Parlamento, vou responder.
O Sr. Deputado João Cravinho não merece resposta.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço silêncio, para que o Sr. Ministro possa prosseguir.
O Orador: - Gostaria de citar de memória o Diário da República daquela época. O ministro da Indústria de então foi ministro por 135 dias, se a memória
não me falha.
O Sr. João Cravinho (PS):. - 136 dias, Sr. Ministro!
O Orador: - Nacionalizou, por responsabilidade directa, 34 empresas industriais. Na altura, o PSD tinha como líder Emídio Guerreiro ...
Vozes do PS: - Vocês apoiaram!
O Orador: - Emídio Guerreiro, entretanto saiu do PSD, enquanto. o então ministro da Indústria entrou no PS. Não tenho mais comentários a fazer!
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com o mais veemente repúdio e, ao mesmo tempo, tristeza que tenho de dizer a um partido político que respeito, que usou aqui de falta de consideração pela Assembleia da República, que usou aqui de linguagem imprópria, deseducada, desrespeitosa, seja para quem for. Isto, sim, é que constitui efectivamente ofensa para a Assembleia da República.
Aplausos do PSD.
Com muito respeito, repito, com muito respeito que me merece o PS, não posso deixar de lamentar esta tentativa que aqui é feita de, utilizando a Assembleia da República, se procurar fazer uma companha, para a qual pessoas com este nível aparecem como cabeças de lista, o que se lamenta.
Vozes do PSD: - Muito bem! Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para interpelar a Mesa? Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, pedia a palavra para interpelar a Mesa, no sentido de dizer com clareza que o Sr. Deputado João Cravinho teve a hombridade de retirar a afirmação que tinha produzido.
Vozes do PSD: - Não se ouviu!
O Orador: - Isso pode ser confirmado, seguramente, pela Mesa, e o próprio Sr. Ministro das Finanças há pouco também o confirmou.
Em segundo lugar, para dizer, no entanto - e isso nada tem a ver com este facto que acabo de relatar -, se incidente houve ele não foi da iniciativa do Sr. Deputado João Cravinho.
Penso, Srs. Deputados do PSD e Srs. Membros do Governo, que temos todos necessidade de ter muito cuidade em relação à utilização na vida política de argumentos relacionados com actos individuais, de qualquer militante político de qualquer partido, nomeadamente, procurando alcançar efeitos eleitorais para estas eleições europeias...
Vozes do PSD: - Isso é verdade!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Só descobriu isso hoje?!...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço silêncio à Câmara.
O Orador: - Dizia eu, para estas eleições europeias, com base naquilo que se passou em Portugal num período revolucionário. Nesse período houve, seguramente, muitos excessos praticados por muita gente, mas onde se alguma coisa é evidente é que o PS, como partido, se bateu de uma forma clara, inequívoca, indesmentível, pela salvaguarda das instituições democráticas em Portugal e pela manutenção da racionalidade na nossa vida económica.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Cravinho, pede a palavra. Presumo que é também para interpelar a Mesa?
O Sr. João Cravinho (PS): - Em defesa da consideração e por consideração para com a bancada do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Cravinho (PS): - Queria dizer a toda a bancada do PSD, e há aí muitos deputados que me conhecem, que não é do meu timbre, não é da minha prática de muitos anos de vida, ofender seja quem for. Convivo com muitos Srs. Deputados da bancada do PSD, para além de grandes divergências políticas, numa base de perfeita cordialidade e com alguns até na base de uma grande amizade.
Se como há bocado, de facto, usei aquela expressão - que já retirei na sua forma - é porque não me parece que seja cívico nem lícito que me seja feita, sistematicamente, uma companha de denegrimento numa base falsa, numa base insidiosa, usando meias verdades ou um terço de verdades, muitas vezes na minha ausência.
Como já não é a primeira vez que o Sr. Ministro das Finanças, neste Hemiciclo, faz coisas destas - é a terceira ou a quarta, e nessas alturas deixei-as todas em silêncio - desta vez não procedi assim, porque tenho comigo muito boas razões para dizer a todos quantos quiserem levantar essa questão, e se o quiserem fazer com seriedade, que usem o mais poderoso dos meios de comunicação social, a televisão. Mandem quem quiserem lá e em dez minutos o povo português fica completamente esclarecido sobre um assunto fundamental da sua História.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Gostaria de dizer, para terminar, que se em toda a minha vida parlamentar, e invoco o testemunho de qualquer dos Srs. Deputados, alguma vez fui incorrecto para alguém, e fui algumas vezes como todos nós o somos, nunca me eximi, logo a seguir, a reparar esse erro, e fá-lo-ei sempre de cabeça erguida porque não tenho malévola intenção.
Quem usa e abusa de regulamentos, para na linha limite ou até fora dela, vir fazer insinuações e aleivosias, estará aqui com certeza em muito mais falta do que eu alguma vez estive.
Vozes do PS: - Muito bem!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Considerando a figura invocada pelo Sr. Deputado João Cravinho, embora como disse para dar explicações, creio que a palavra deve ser dada neste pressuposto ao Sr. Deputado Montalvão Machado.
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O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com este acto de mea, mea culpa do Sr. Deputado João Cravinho; e que nós recebemos satisfatoriamente, consideramos o incidente encerrado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto, Sr. Presidente, porque as coisas são como são.
O Sr. Deputado João Cravinho acabou de me atacar politicamente pelo facto de lhe ter feito referências na sua ausência. De facto, fi-las porque. qualquer um de nós pode estar dependente da presença de outros, para desenvolver os seus argumentos políticos e, inclusivamente, para os fundamentar com exemplos: Fui eu e, portanto, foi isso que fiz.
A semana passada disse aqui, procurando desenvolver a minha critica política ao PS, que o Sr. Deputado João Cravinho, que tinha sido um proeminente gonçalvista, nos tinha vindo dizer que era contra as nacionalizações ou que já não defendia as nacionalizações, porque naquela altura desconhecia os efeitos perversos das nacionalizações. Eu acrescentei, como se em 1975 qualquer pessoa não soubesse já que, há mais de dez anos, até na própria Rússia, havia tentativas de regressar aos mecanismos de mercado, como forma de vitalizar a economia. 15to é debate político, não tem nada de ataque pessoal e é absolutamente impensável que cada um dos Srs. Deputados pretenda estar presente para que possamos desenvolver os nossos raciocínios políticos.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Simplesmente, para dizer que a imputação que o Sr. Deputado Silva Marques me faz é incorrecta, como se pode ver pelas actas
e bastam as actas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente. - Srs. Deputados, damos por suspensa a sessão. Recomeçaremos os trabalhos às 15 horas e 30 minutos.
Eram 13 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interpelação do Partido Socialista à política geral do Governo decorre num momento; em que, convergem- na vida política nacional três factos de acentuada importância a significativa quebra de popularidade do Governo, a conclusão do processo de Revisão Constitucional e as eleições europeias. A conexão entre estes dados permite retirar algumas ilações políticas o que farei de, seguida.
O descontentamento com o conteúdo e o estilo de actuação do PSD tenderão a acentuar-se na sociedade portuguesa e confirmarão a ideia de que é mais fácil ganhar uma eleição do que por em prática um programa de Governo e reformar um país.
A ausência de capacidade de coordenação política por parte do Governo atesta bem como a maioria iniciou uma fase de grande indeterminação quanto às suas próprias prioridades e à validade intrínseca do seu projecto. Todas as oportunidades para lançar uma política de modernização com solidariedade foram desperdiçadas uma a uma e trocadas por conflitos em série com todos os grupos representativos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Eleito para responder à esperança de muitos, o Governo PSD é hoje sinónimo de desilusão para quase todos.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Na origem desse fracasso, está um conjunto de erros de perspectiva sobre os ajustamentos necessários e, porventura, excessiva auto-satisfação com um resultado eleitoral gerador de inércia, mas está também um rapidíssimo esgotamento dos valores, de metodologia e do estilo de trabalho, auscultação e comunicação do actual Primeiro-Ministro. Em devido tempo, o próprio PSD tirará daí as conclusões habituais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a Revisão Constitucional ontem votada, tornar-se-á ainda mais evidente essa característica de auto isolamento do Primeiro-Ministro e do Governo.
O PSD alimentou-se sistematicamente de uma disputa com o ordenamento constitucional então existente e por diversas vezes retirou dessa motivação apoios significativos. A unificação de um largo espectro de eleitores num partido como o PSD ficou; em parte, a dever-se a esse denominador instrumental, que as circunstâncias aconselhavam a certo tipo de interesses para a prossecução de aspirações próprias de ordem institucional e política.
Feita a revisão, o PSD perde manifestamente a justificação frentista que o pretexto constitucional - programático e declaratório - lhe conferia. Um largo espectro dos portugueses deixa de ter necessidade de um partido hegemónico; visto que a partir daqui a batalha pela configuração das instituições é fortemente secundarizada face às múltiplas. batalhas pela concretização de programas e pela negociação de soluções. Deixa de fazer sentido um PSD que recolha o voto de todo o centro-direita, de toda a direita e, até, de toda a extrema-direita.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E o centro-esquerda?
0 Orador: - A dinâmica. dos interesses em jogo nessa área interesses sociais, económicos, regionais, políticos, culturais passa a ser manifestamente mais aconselhável a pluralidade concorrencial de projectos,
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de lideranças e mesmo de formação política. O PSD como projecto monopolizador de eleitorados justapostos perde sentido, quando um ordenamento constitucional mais consensual deixa de fazer de cada disputa uma questão de regime e passa a fazer de cada divergência simples matéria de opinião e de arbitragem. A hora da autodeterminação vai chegar às várias direitas portuguesas, europeizando-as na sua diversidade - cessou a representação indirecta de interesses, começou a assunção directa de projectos políticos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, após a Revisão Constitucional, postula-se um novo ordenamento político nacional para o período pós-PSD. Está em causa mudar a lógica de expressão e articulação das correntes políticas. O PSD e a sua liderança perderam credibilidade para gerir a nova etapa que agora se abre, pela forma como falharam sistematicamente em todos os problemas que até aqui tentaram enfrentar.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - A circunstância de o Governo não ter preparado um vasto programa legislativo - a apresentar hoje mesmo nesta Assembleia -...
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... para dar sequência útil à Revisão Constitucional revela bem como o «argumento constitucional» foi sempre um grande alibi político na retórica oficial da actual maioria.
Aplausos do PS.
Mudar a geografia política do País é, daqui em diante, possível e necessário, para viabilizar soluções mais consentâneas com as tarefas exigidas pelo desafio europeu. A recomposição do espaço, da fronteira e da influência das correntes políticas é hoje tanto mais necessária quanto as alterações introduzidas nos mecanismos constitucionais, não mais justificam uma direita monopartidária em constante batalha de regime, mas antes, e à semelhança do que acontece em diversos países, uma profícua variedade de opções, susceptível de fazer alterar as linhas de actuação e a composição das equipas governativas e as soluções políticas.
Em Portugal, é essa, aliás, a questão central de que as eleições europeias constituirão o primeiro exemplo decisivo de viragem, ao retirar a maioria absoluta ao partido do Governo e ao criar no contexto eleitoral algumas deslocações positivas a valorizar ainda mais no futuro. As eleições de 18 de Junho - por contraposição às de 19 de Julho - provarão que a maioria absoluta do PSD é uma constante do passado e não se eternizou, ...
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... que os portugueses mantêm uma saudável fluidez e sentido de transferência de voto, que é possível construir alternativas políticas coerentes para responder às limitações dos actuais governantes, sem cair na repetição das soluções ou entendimentos até aqui ensaiados pelos mesmos parceiros. O crescimento
do PS nas eleições europeias é um dado relevante dessa aposta, pois decorrerá de um PS forte, que racionalize mas não monopolize a esquerda, a capacidade efectiva para mudar no terreno o estado de coisas.
Vozes do PS: - Muito bem! Aplausos do PS.
O Orador: - Mas igualmente importante é a autonomização das várias direitas e do centro moderno, que se não reconhecem na acção política do Primeiro-
-Ministro, bem como a solicitação para uma postura política diferente com que de forma crescente se confrontam os comunistas portugueses. Uma nova constelação de cidadãos, opções e forças políticas, viabilizada pelo fim da Revisão Constitucional e pela erosão do Governo, e patente no resultado das próximas eleições europeias, estará em condições de desafiar seriamente e de vencer o PSD do Professor Cavaco Silva em 1991 na conjugação política e estratégia crucial das próximas legislativas e presidenciais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A forma como o Presidente da República tem vindo a exercer o seu primeiro mandato presidencial conferem a essa magistratura de influência, reconhecida e apoiada pela esmagadora maioria dos portugueses, virtualidade e potencialidades de inegável alcance político, e não só protocolar ou simbólico, para o futuro do País. O desenvolvimento nacional, a modernização na solidariedade, a integração europeia, o Mercado Único e o espaço social europeu, o papel de Portugal no mundo exigirão, nessa ocasião decisiva, a construção de uma nova solução política portadora de valores de redobrada eficácia, sentido do serviço nacional e da justiça social, capacidade de projecção externa. A reconstituição da vida política portuguesa nada tem a esperar de um partido, de um Governo e de um Primeiro-Ministro que em poucos anos destruíram praticamente todo o capital político de que tinham sido investidos, mas certamente há-de poder continuar a ter como referencial - e de forma cada vez mais efectiva - um presidente que dia-a-dia tem vindo a reforçar o seu crédito nacional e como protagonista e suporte as correntes e movimentações políticas que atravessam a sociedade portuguesa com uma ideia séria, moderna e coerente e para o futuro de Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A certeza nessa mudança decisiva é o que nos faz a nós socialistas assumir em conjunto com outros portugueses, e sobretudo com o que estejam dispostos a ser factor de mutação do sistema político, a responsabilidade de elaborar projectos e programas, alargar o campo dos aliados, estabelecer convergências, construir soluções, procurar consensos, em suma, preparar com credibilidade a alternativa duradoura de que o País precisa para vencer os seus atrasos e se modernizar plenamente.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, ouvi, com muito interesse, a sua intervenção
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e constatei que ela representa exactamente o oposto daquilo que aqui disse o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já tínhamos apostado que ia dizer isso mesmo!
O Orador: - É porque os senhores têm consciência da diferença!
O Sr. Deputado Jorge Sampaio falou de intenções, do destino.., enfim, fez um discurso mais sobre a linguagem intencional do socialismo do que sobre a realidade política. O Sr. Deputado Jaime Gama está mais atento às questões do poder e, portanto, tentou formular um discurso sobre á situação do poder tal como ele se põe neste momento. Vamos; pois; discutir essas questões.
Em primeiro lugar, lembro e o Sr. Deputado Jaime Gama, com certeza, não precisa que se lhe lembre isso - que a característica de uma magistratura de influência é exactamente o facto de ela se colocar por cima das questões partidárias. Será sempre muito difícil que essa magistratura de influência, caso se realize efectivamente como se tem realizado, pela influência, possa ser utilizada pelos partidos como um argumento de poder.
A segunda questão que quero abordar tem a ver com a circunstância de o Sr. Deputado Jaime Gama se ter apercebido que a Revisão Constitucional acabava com um conjunto de impedimentos de governação e com o facto de, mesmo que negativamente, ter valorizado a circunstância de só agora ser possível tomar um conjunto de medidas que permitem implementar o programa do Governo.
Tais medidas podem, evidentemente, ser tomadas hoje mas, na realidade, a Revisão Constitucional abriu caminho àquilo de que, penso eu, todos nós temos consciência, ou seja, que um frutuoso período de governação e de medidas de transformação profunda, em todos os ramos: da sociedade, desde, o da economia até ao da cultura portuguesa, vão ser possíveis após a Revisão Constitucional. Com certeza que o Governo não deixará de corresponder a um frutuoso leque de medidas que implementarão as possibilidades abertas pela nova Revisão Constitucional...
Em terceiro lugar; no que diz respeito à política, gostaria que me informasse, Sr. Deputado Jaime Gama, onde estão as transferências de voto que permitiam
materializar essa crise do PSD a favor do PS? Onde está a hegemonia à esquerda do PS, que há tanto tempo é prometida pelas direcções do PS e que se materializa apenas em acordos que revelam a mais profunda incompetência política, como foi o caso do acordo estabelecido entre o PS e o PRD? Onde está essa transferência, onde está essa hegemonia, onde se materializa; efectivamente esse papel hegemónico do PS à esquerda?
E, Sr. Deputado Jaime Gama; questão que certamente o preocupa, onde está a conquista do centro, onde estão os sinais visíveis de que o PS conseguiu colocar-se nesse centro qualitativo sobre o qual, aliás, tenho tido o prazer de escrever e tenho tido o prazer de verificar que o Sr. Deputado tem lido? Onde está, efectivamente, a conquista desse eleitorado qualitativo, onde estão os sinais de que o PS conquistou a opinião pública? Em sitio nenhum!
O Sr. Presidente:- Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira; agradeço as questões que me colocou porque elas, na verdade, vieram,- em primeiro - lugar, retirar como argumento ao PSD a circunstância de que o PS não é portador de uma alternativa ou; a circunstância de que, no País; não existe nem possa existir uma alternativa.
De facto, a alternativa no Pais existe e ela vai consolidar-se cada vez mais à medida que o esgotamento da solução política e do Governo; prefigurada pelo actual Executivo e pelo PSD, sé forem apresentando ao pais como um dado inelutável, dado de que as próximas eleições para-o Parlamento Europeu vão ser a demonstração; na medida em que atestarão, de forma exemplar, como uma, força, política perde a maioria absoluta no cômputo numérico dos votos.
VV. Ex.ªs podem, a esse propósito, efectuar as interpretações que entenderem; mas não devem omitir, para vosso próprio governo, essa realidade.
Em segundo lugar, a circunstância de o PSD, uma vez concluída a Revisão Constitucional, demonstrar, uma vez mais, não ser portador de um programa nem de um calendário de acção legislativa para retirar dela todas as consequências vão também atestar, na sociedade. Portuguesa e no vosso campo político, como é necessário descentralizar, autonomizar, dar maior pluralidade. de representação política a toda essa área difusa de que o PSD tem, por razões tácticas de regime, até agora beneficiado.
Portanto; Sr. Deputado, a partir daqui abre-se uma nova etapa política, interessantíssima e importantíssima, em Portugal. A conclusão a que chego é aquela que o Sr. Deputado, o PSD e o Governo mais temem, ou seja, a de que, a partir de agora, algo se vai passar na direita portuguesa, algo se vai passar no centro e, com o resultado das eleições para o Parlamento Europeu, algo também se pode começar a passar à esquerda.
Esta batalha não é uma batalha para resultados imediatos. No entanto, Sr. Deputado, na concluência; como lhe chamei, estrategicamente crucial, das eleições legislativas e presidenciais de 1991 - e percebo toda a sua cautela em querer circunscrever decorativamente uma magistratura de influência -, há condições para criar um bloco de poder alternativo aos vossos sucessivos desaires é falhanços.
É para isso que estamos a trabalhar e é por causa disso que os senhores começam a ficar muito irrequietos.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amarai (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para alguns, conforme o demonstram nesta antecipadamente anunciada «parada de estrelas»; hoje é que é o dia de serem Oposição. Hoje, dizem, é finalmente o 2 de Junho, o tal dia. Logo a seguir ao dia das crianças, ao dia: dos inocentes hoje, 2 de Junho, eles prometem: hoje é que vai ser!
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Mas, não tem sido nada assim para camadas cada vez mais largas da população afectada pela política de direita seguida pelo Governo.
Durante estes meses, em que o PS deixou a Assembleia ser paralisada como órgão fiscalizador do Governo lá fora, chamemos as coisas pelos seus nomes, crescia e cresce a luta de massas em oposição à política governamental. Alargava-se o leque dos sectores e camadas da população que encetavam processos de luta.
Crescia e cresce a condenação e denúncia de uma política que cada vez mais se recorta nitidamente como antipopular e antidemocrática. Mais: que se recorta como uma política de incompetências, levada a cabo num crescendo de acusações de corrupção onde todos os dias mais alguém se afunda.
£ aqui entronca uma questão de fundo: vai desaparecendo o apoio que o PSD teve em 1987. Apoio, na sua maior parte, de natureza conjuntural, dado na expectativa das promessas, muitas e muitas promessas, que o Sr. Primeiro-Ministro espalhou então pelo país.
Mas - e é aqui que está a questão que referi como de fundo -, o facto é que este movimento activo de resistência popular à política da direita seguida pelo Governo não encontrou ainda, da parte dos agentes políticos democráticos, a resposta institucional adequada, a expressão política necessária. Pelo contrário! Que outra coisa dizer senão «pelo contrário», quando PS se envolveu, nesta fase da vida nacional, com o partido do Governo? E envolveu em quê e para quê? Ouvimo-lo ontem, abundantemente.
Mas, mesmo sem falar na Revisão Constitucional em si, bastaria a paralisia da Assembleia, na sua vertente fiscalizadora, para demonstrar o oral dessa situação. Mas, mais grave ainda: a conjugação PS/PSD foi usada pelo PSD contra as forças democráticas na medida em que contribua para tornar incredível uma alternativa democrática de Governo. Essa é uma pesada responsabilidade do PS.
Então, é hoje o dia da Oposição? Que seja para condenar o Governo. Mas não basta. É necessário que o seja também e com o mesmo empenhamento para a questão modal da alternativa credível do poder. Alternativa que tem de passar pelo conjunto de forças democráticas. Alternativa e não alternância, ou qualquer sistema de substituição do Governo que funcionasse como um pêndulo que vai da direita à esquerda, em busca de balanço, para voltar à direita...
Uma alternativa real e credível de Governo, agora mais necessário face à Revisão Constitucional.
Porque, pode o PS fazer as interpretações branqueadas que quiser, ouvimos aqui ontem o representante do partido governamental dizer que esta revisão é «muito próxima» da que Sá Carneiro previa alcançar e que era a sua «motivação nuclear» na campanha presidencial de 1980, isto é, na campanha presidencial de Soares Carneiro.
Desejos do PSD, dirá o PS? Mas podem ser irrelevantes ou politicamente desprezíveis os «desejos» do partido PSD que domina o Governo, que tem a maioria absoluta nesta Assembleia, que controla os postos dirigentes da Administração Pública, dos meios de comunicação social públicos e das próprias empresas públicas.
O Sr. Cláudio Percheiro (PCP): - Muito bem perguntado!
O Orador: - Poderão ser substimados os desejos do partido PSD quando a Revisão Constitucional lhe entrega novos meios e instrumentos para fortalecer a ofensiva da direita?
Ontem o PS deu ao PSD esses novos meios e instrumentos; hoje vem criticar o uso que o PSD, no Governo, faz desses novos meios e instrumentos. Mas cabe perguntar: o que esperava o PS?!
Basta alinhar meia dúzia de factos dos que ocorreram nas últimas semanas e que caracterizam a acção governamental para que ninguém, ninguém, possa alegar qualquer benefício de dúvida.
Este é o Governo, por exemplo, que sabe que existem na Assembleia da República projectos de lei para resolução da questão do sindicato da PSP. Mas arroga-se a iniciativa de intensificar a repressão sobre os seus dirigentes, na continuação da repressão que exibiu nos acontecimentos do Terreiro do Paço.
Este é o Governo que, colocado na perspectiva de ter de escolher entre o avanço do processo legislativo sobre a regionalização ou de ter de pagar o preço de votar contra ele, recorreu a nova manobra dilatória, um novo debate público, a somar aos dois que a Assembleia já realizou.
Este é o Governo que pode exibir um caso sem paralelo em nenhum país europeu: tem um ministro, o ministro da Agricultura, sobre o qual impedem quatro processos-crime promovidos por uma entidade pública, a Procuradoria-Geral da República. É um desafio que aqui é feito ao Governo: fornecer um exemplo, um que seja, de outro caso como este, de um ministro em exercício de funções com quatro processos crime, que ocorra, neste momento, em qualquer outro país da Comunidade Económica Europeia.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem perguntado!
O Orador: - Estão nestes três casos três notas - o centralismo antidemocrático, a limitação das liberdades dos direitos fundamentais e os casos de ilegalidades - que se inserem numa política governamental caracterizada pela ofensiva contra as transformações democráticas, pelo agravamento das condições de vida, pela degradação da situação económica.
É preciso dizer com clareza que o Governo exibiu a mais confrangedora incompetência e incapacidade na gestão económica e financeira. Não há mistificação que possa hoje esconder que o Governo malbaratou as oportunidades da conjuntura económica favorável, foi incapaz de definir uma estratégia para responder aos problemas estruturais da economia e, mal se alteraram ligeiramente as condições, o Governo assiste impotente à derrapagem dos indicadores mais significativos. A prová-lo estão os 900 milhões do défice da Balança Comercial e a reentrada no ciclo dos saldos negativos da Balança de Transacções Correntes.
A prová-lo, os 13,2% da inflação, último indicador fornecido pelo Instituto Nacional de Estatística, e uma das causas principais da deterioração das condições de vida e do nível de vida das mais largas camadas da população, a que foi imposto um tecto salarial baixo, com o argumento de que a inflação ia ser baixa. Refiro, nomeadamente, os reformados, os trabalhadores da função pública, etc. Deterioração das condições
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de vida particularmente também - e paralelamente nas áreas da saúde e da segurança social, sem esquecer a área da educação, que o Governo anunciou como a estreia da sua actividade.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É uma estrela apagada.
O Orador: - ... e que hoje se pode dizer,. para comentar o isolamento a que chegou o ministério, que quanto mais alto se sobe, maior é o tombo!
É preciso dizer com clareza que o Governo se mostra totalmente incapaz de definir uma política e de adoptar uma prática capazes de preparar Portugal para o embate de 1992, conforme demonstramos detalhadamente na interpelação que o PCP fez ao Governo sobre a matéria e, particularmente, na intervenção do meu camarada Carlos Carvalhas.
É preciso dizer com clareza que toda a orientação e prática do Governo são a de tornar a Administração Pública numa extensão do PSD; a de manipular .em proveito dos interesses do Governo, e dos lobbies que serve, os fundos estruturais e os dinheiros do Orçamento; a de querer controlar, implacavelmente a comunicação social pública e, em particular, os grandes meios.
Aproximam-se as eleições de 18 de Junho. É com este Governo e com esta prática que estão garantidas as condições de igualdade e de liberdade? Seguramente que não. A acção do PSD no Governo e fora dele aí está a demonstra-lo. O que se está a passar com á repressão selectiva sobre a propaganda política da CDU é totalmente inaceitável, é uma violência antidemocrática e atentatória das regras básicas do processo eleitoral democrático.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Bem dito!
O Orador: - Estes factos, pela sua gravidade, merecem o nosso mais vivo repúdio como deverão merecer de todas- as forças democráticas. Mas estes factos são também a confirmação do que sucede quando uma força política como o PSD obtêm instrumentos e meios que possam usar contra a democracia e contra os democratas: foi o que sucedeu com a lei que agora é usada, a «Lei de Propaganda», aqui votada o ano passado (também com os votos favoráveis do PS) e que tem agora os resultados à vista.
O PSD e o seu Governo não hesitam em usar qualquer meio - mesmo que ilegítimo - para obterem proveitos eleitorais. Todos os meios[ É recordar, por exemplo, que a manipulação do Diário da República permitiu ao Governo adiar para depois das eleições á entrada em vigor da Lei dos Despedimentos.
Na mira, naturalmente, de que os trabalhadores não recordem, no dia das eleições, a brutalidade do conteúdo do Pacote Laboral? Será esse o objectivo mas; seguramente, ele não será alcançado. E são as lutas que hoje, que no decurso destes dias, os trabalhadores estão a travar que provam que, no plano da situação social, não é o Governo. que consegue deitar poeira nos olhos. Não fossem outros a fazê-lo...
A Sr.ª Margarida Borges de Carvalho (PSD): - Não é poeira..., é areia!
O Orador: - A luta dos trabalhadores da função pública e a luta dos professores merecem referência[ especial, merecem acentuação especial, pela justeza dos seus objectivos, Pela firmeza das acções, pela sua amplitude inusitada.
A greve de 31 de Maio foi um enorme êxito e já forçou o Governo a recuar, o mesmo sucedendo com a greve de zelo dos trabalhadores das alfândegas. As
acções que os professores vêm desenvolvendo são grandes acções de escala nacional; em defesa da qualidade do ensino, da dignidade profissional e pessoal e dos responsáveis pelo ensino na escola.
É justo, por isso, endereçar daqui, da Tribuna da Assembleia, uma calorosa saudação aos trabalhadores da função pública e aos professores, pela sua firme luta em defesa dos seus direitos.
Aplausos do PCP.
Esta é a força do Portugal democrático, a força que se desenvolve, a força que se opõe e oporá às intenções restauracionistas do poder dos grupos, intenções que presidem à actuação do Governo. A força que, com a sua acção, reclama e abre caminho, o caminho da alternativa do poder...
Durante muito tempo o Governo evitou o conflito com camadas e sectores sociais abrindo, ele próprio, conflitos artificiais com, instituições e entidades e até mesmo com órgãos de soberania como a Assembleia da República e o Tribunal Constitucional. Este tipo de manobra foi chão, que deu uvas: hoje; o Governo é já incapaz de apagar o clamor dos protestos, é já incapaz de evitar a rede de contradições e oposições que a sua política gera.
Esse é o mais forte sinal da nossa esperança colectiva.
Foi ontem aqui feita uma má revisão Constitucional.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - Mas na força do movimento popular. estão são razões de sobra para continuar a luta por um programa democrático, por uma alternativa democrática de poder pela realização dos valores e ideais de Abril.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Presidente:. - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do- Governo: Os últimos dez dias parlamentares são bem a evidência de que, em Portugal, a Assembleia da República exerce, de forma cabal, acutilante e satisfatória, os seus poderes de fiscalização política do Governo.
Na verdade, neste curtíssimo intervalo de dias. penso que pela primeira vez após o 25, de Abril - os partidários da Oposição desencadearam nada menos do que três interpelações, ao Governo, o que deita por terra a tese bafienta dos que, à falta de melhor argumento para retardar, a Revisão Constitucional, afirmaram que a intensidade dos trabalhos a que esta decorria deixaria o Governo sem controlo parlamentar.
Foram presságios agoirentos e Infundados; contraditados facilmente quer pela abundância da verve dos
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interpelantes, quer pelo fluir normal dos trabalhos da revisão, que ontem nesta Câmara tiveram feliz epílogo.
Como encarar, de qualquer forma, tão inusual quantidade de interpelações, concentrada em tão curto espaço de tempo?
É por demais evidente que tal facto está em relação directa com o calendário eleitoral que se avizinha, e com a consequente necessidade de «mostrar serviço». Honra seja feita ao CDS que, ciente da solidez das suas alternativas, se dispensa galhardamente nesta desenfreada competição interpelativa à boca dos acontecimentos eleitorais.
Seja-nos permitido afirmar, porém, que esperávamos mais autoconfiança da ganha dos interpelantes, em particular do nosso interpelante de hoje. Esperávamos que dessem livre curso ao descontentamento que tem demonstrado e às negríssimas cores com que têm pintado a acção governativa. Deve haver alguma correspondência entre a crítica política e os mecanismos sancionatórios utilizados, pelo que o mínimo que esperávamos dos senhores era que apresentassem uma moção de censura ao Governo.
Houve mesmo por aí um partido menos timorato que, num assomo de fugaz valentia, nos brindou com o anúncio da dita. A moção nasceu inchada de arreganho político. No dia seguinte já só era uma «moçãozita» e dois dias depois, afinal, acabou por desaparecer discretamente, envolta no manto diáfano da política que o PCP tão saborosamente cultiva. E por aí peregrina, qual alma penada, do comité central para o grupo parlamentar, e do grupo parlamentar para o comité central, à espera de melhores dias. Contentemo-nos pois, com as interpelações.
Como encarar politicamente os desígnios do interpelante, para lá do já anunciado objectivo eleitorista?
Há várias explicações possíveis. Primeira explicação: Tratar-se-á do último esforço do Dr. Jorge Sampaio, nosso distinto colega e secretário-geral do PS, para, com esta interpelação, ser ouvido pelo país, porque realmente, parece que o País não o ouve, e, se o ouve, parece que não o compreende. Não é preciso desmaiar de amor pela cor laranja para perceber tal coisa e chegar a esta conclusão. Escreveu-a à dias o colunista político Miguel Sousa Tavares, insuspeitíssimo de qualquer câmbio com o partido do Governo. Cito as suas palavras no último artigo que publicou no jornal «A Capital»: «Alguém terá dito ao Dr. Jorge Sampaio que ele deveria pôr-se em bicos de pés para ser visto, gritar para ser ouvido. A intenção não terá sido má mas o resultado é confrangedor. Ao ver, há dias, na televisão, o Sr. Dr. Jorge Sampaio no alto de um palanque aos gritos o PS está vivo, perante uma escassa dezena de ouvintes de uma qualquer terriola do interior, tive pena do homem, do político e do chefe de família.»
Palavras terríveis, estas, que pronunciaram maus momentos para o Dr. Sampaio, já descortináveis nos murmúrios de alguns espíritos mais irrequietos do seu partido, de que os jornais se têm feito eco. Fazem lembrar, sem dúvida, comentários dirigidos a um outro secretário-geral do PS, que, zangado com autores de murmúrios idênticos, optou já ir embora, avaliar a redondez do mundo.
É assim razoável confirmar que o secretário-geral do PS aceite o bom fundamento destas críticas e tenha decidido inverter o rumo que pode conduzir tão negativa imagem, trocando legitimamente o referido palanque pela nobre Tribuna desta Assembleia, sem dúvida
muito mais propícia ao discurso de Estado que tem faltado ao Partido Socialista.
Se tal é intenção, saudámo-la, porque estamos certos que com ela ganhará o País e beneficiará o Governo, que poderá finalmente ter do maior (não sei se do principal) partido da Oposição a crítica serena e construtiva que tanta falta faz a qualquer Executivo.
Segunda explicação possível: tratar-se-á de uma tentativa do Sr. Jorge Sampaio de fazer passar a imagem socialista, procurada pela curiosidade dos interessados com o mesmo afã com que Diógenes, de candeia na mão, em pleno dia, procurava um homem virtuoso. Porque, segundo rezam as crónicas, também se não achava a mensagem socialista em lado algum. É o mesmo Miguel Sousa Tavares que escreve «seja na televisão, seja no coreto de uma aldeola, com ou sem óculos de pensador,...»
Protestos do PS.
Srs. Deputados socialistas, aqui há umas semanas atrás, o Sr. Deputado Almeida Santos, fez uma intervenção contundente contra o Governo e contra o Sr. Primeiro-Ministro e louvou-se nessa intervenção de largos estratos de um artigo do Dr. Pulido Valente no jornal «Independente». Eu não tenho o direito de utilizar o mesmo procedimento? Naturalmente que tenho.
Portanto, dizia eu sobre o Dr. Jorge Sampaio: «(...) seja na televisão, seja no coreto de uma aldeola, com ou sem óculos de pensador, de casaco apertado ou desapertado, quando chega a hora de fazer passar a mensagem, o Dr. Jorge Sampaio é simplesmente pungente, a ideia que transparece é que ele não tem nada para dizer e o drama é que não tem mesmo. Não se trata apenas de falta de jeito para fazer passar a mensagem. O problema é que o Dr. Jorge Sampaio - e o PS por ele - não tem, aparentemente, qualquer mensagem para fazer passar.»
Ou seja, começa a ser evidente que ate aos espíritos mais esquadrinhadores e irrequietos se vêem em palpos de aranha para descortinar em que se traduz a excitação com que o actual secretário-geral do PS se anunciou há meses ao país. Mesmo os fiéis mais sequiosos da boa-nova aguardam, expectantes, como se esperassem a vinda do Paracleto que tarda em chegar.
O Dr. Sampaio trouxe à política portuguesa a explosão do verbo, mas trouxe-lhe também o mais abissal vazio de soluções dos últimos anos. Dele se pode dizer com propriedade que tem um razoável input mas tem um péssimo output.
Há, no nosso crer, uma terceira explicação possível para esta interpelação: vamos ter, finalmente, em cima da mesa, com inefável clareza, as propostas alternativas do Partido Socialista às políticas do Governo que tão arduamente esconjura. Porque estão esconjuradas as «vontades» e os chavões que apenas reclamam «mais projecto, mais diálogo, mais participação, mais ideias globais, mais coesão social, mais solidariedade, mais modernidade».
O PS tem de dizer com urgência ao país o que lhe oferece como contraponto à políticas do PSD e do seu Governo. Já chega de vacuidade, porque até aqui as suas propostas não têm passado de uma vaga nebulosa, de um inefável mistério que nenhuma esfinge desvendou ainda.
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Vejamos no concreto do que nos foi dado observar até agora: como seria a política de saúde do PS? É simples: teria mais diálogo. E a política de rendimentos e preços? Lapidar: teria mais concertação. E a política d educação? É óbvio: seria mais participada. E a política industrial? Linear: seria mais desenvolvida. E a política agrícola? Naturalmente que seria mais arrojada e produtiva. E a política de defesa? Claro que mais integrada e eficaz. E a participação na CEE? Certamente que mais atenta e mais empenhada. E a política económica? Bom, essa teria que ser mais estruturada e coerente: E assim por diante, esta será sempre a receita «à La Sampaio» das propostas vagas ao mundo das coisas vivas e concretas. Existirá sempre a distância que vai do zero ao infinito, não basta proclamar ideias vagas e intenções pias que todos aceitam com facilidade. É preciso mais.
Não basta querer menos inflação. Importa saber se é possível e como é possível ter menos inflação e menos desemprego no quadro actual da evolução da economia portuguesa. E sobretudo saber a troco de quê era possível obter uma taxa de inflação mais baixa que a actual, quererão os socialistas responder?
Não basta querer mais desagravamento fiscal, para lá daquele que é obtido com a entrada em vigor da nova reforma fiscal, importa saber como é possível operar esse desagravamento. Querem esquecer o imperativo de reduzir o défice público, domínio em que se tem conseguido progressos que devem ser continuados? Querem esquecer a função reguladora e estabilizadora da procura interna que cabe à política fiscal? Querem abandonar - os senhores que também se propalam paladinos da social democracia - a função redistribuidora do rendimento que cabe ao sistema fiscal e que é imposta por imperativos de justiça social?
Gostaríamos que também a isto respondessem.
Não basta exigir a redução do défice orçamental, pedindo mais contenção da despesa, cujo ritmo de crescimento deve ser obviamente contido. Há que saber como fazê-lo de forma mais eficaz do que tem sido feito por este Governo, sabido como é que cada vez mais se vão exaurindo as. áreas susceptíveis de restrições orçamentais, restando praticamente áreas de rigidez quase absoluta (como as despesas do pessoal), ou de determinação relativamente exógena (como os juros da dívida), ou de interesse nacional (como as contrapartidas nacionais aos fundos estruturais da CEE).
Quererão VV. Ex.a" responder, Srs. Deputados socialistas, ou preferem brindar-nos mais uma vez com a gostosa blague que estão aqui a interpelar o Governo e não a ser interpelados? Era bom que não tivéssemos da figura da interpelação uma noção de mestre escola de pergunta-responde, mas sim a visão de um complexo processo de dialéctica política cujo fim último é clarificar perante os cidadãos as diversas alternativas que; sobre cada questão, são susceptíveis de ser adoptadas.
Pela nossa parte aceitamos discutir e pôr em causa as políticas que vêm sendo executadas, muitas vezes com polémica viva, outras com incompreensões de vária ordem, mas sempre sem temer assumir o risco de decidir no momento considerado adequado. Não cairemos no contemplativismo cataléptico dos que, brandindo cenário atrás de cenário, projecção atrás de projecção, estimativa atrás de estimativa, acabam por cair sempre no aditamento paralisante.
Há alguns que têm sempre razão depois dos acontecimentos, o que não é particularmente difícil. É, sem dúvida, a pior forma de sabedoria por que, no fundo, ela só chega quando já não nos serve para nada.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Guterres, Marques Júnior e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado António. Guterres..
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, a sua intervenção teve a vantagem de nos revelar a origem de um conjunto de intrigas com que ultimamente se tem procurado lançar a divisão para dentro do Partido Socialista. Sr. Deputado, tranquilize-se, não há intrigas que possam valer a vossa decadência irreversível no PSD que vão surgir todas as divisões sobre a determinação do momento, da oportunidade em retirar o apoio a esta solução política esgotada.
No PS estamos todos unidos na construção de uma solução política de uma solução política do futuro, de uma solução política credível e global nos horizontes dos anos noventa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Duarte Lima deseja responder agora ou no final dos pedidos de esclarecimento?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - No final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Duarte Lima, o meu pedido de esclarecimento refere-se a uma afirmação sua no início da sua intervenção.
Não vou naturalmente falar de um problema que, pelos vistos, tem sido referenciado quer pelo Partido Socialista quer pelo PSD e que tem a ver com uma certa desmobilização para ouvir os políticos falar de coisas que interessam ao povo português. Esse é um problema que começa a apoquentar todos os partidos e creio que nós, agentes políticos, temos que nos interrogar a nós próprios, todos nós, todos os partidos, o que é que isso significa. É portanto, uma reflexão que devemos fazer, pois todos somos responsáveis e para bem da democracia temos que reflectir a fim de encontrar o antídoto para estes problemas.
Mas a pergunta que quero fazer é a seguinte: o Sr. Deputado Duarte Lima, curiosamente no início da sua intervenção, fez uma análise que me deixou espantado relativamente à fiscalização e à actividade que a Assembleia da República deve desenvolver, vangloriando-se de que na última semana se têm feito muitas interpelações no sentido de cumprir o papel de fiscalização- da acção governativa. Ó Sr. Deputado, desculpe que lhe diga mas penso que sua observação, sendo verdadeira, é desajustada e não corresponde àquilo que tem sido claramente reivindicado nesta Casa relativamente à acção da Assembleia da República.
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Como o Sr. Deputado Duarte Lima sabe, a Oposição várias vezes tem salientado que o processo de revisão da Constituição, precisamente por ser fulcral, determinante e porque implica um empenhamento especial de todos os partidos presentes e inclusive da Assembleia da República, condicionou de algum modo outras acções a levar a cabo como a da fiscalização governativa efectiva.
Em suma, não pode o Sr. Deputado dar ao país a imagem de que esta actividade fiscalizadora foi desenvolvida pela Assembleia da República durante todos estes meses.
E dava-lhe só uma nota como exemplo: a interpelação do PRD realizada há dias, e que se enquadrava num conjunto de acções desenvolvidas pela Oposição, foi adiada por mais de um mês, já que estava prevista para 18 de Abril, sendo ainda de referir que o PRD não tem qualquer responsabilidade quanto a este adiamento que se prendeu com os trabalhos da Assembleia da Republica.
Portanto, penso que as coisas devem ser clarificadas, a fim de não ficar a ideia de que esta última semana representa, de certo modo, o espelho da actividade da Assembleia da República no seu papel de fiscalização da acção governativa, o que não é correcto.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Duarte Lima, compreendo perfeitamente que o PSD e, principalmente, alguns dos seus dirigentes não façam bem a ideia do que é a Oposição. Efectivamente, instalados no poder desde há dez anos, variando de líderes, cada um falando mal do seu precedente, fazendo oposição interna ao líder que o precedeu e em relação ao líder que vem, naturalmente não têm uma ideia exacta do que deve ser o papel dos partidos da Oposição em face das actuações do Governo.
V. Ex.ª, fala de fiscalização como se fosse um contínuo desenrolar de alternativas. Se, por exemplo, a Oposição diz «esta medida está mal porque prejudica este sector», V. Ex.ª pensa que devemos correr a Belém e pedir à televisão para dizer «o Sr. Primeiro-Ministro disse isto, agora dê-nos tempo de antena para dizer a minha alternativa àquilo que o Sr. Primeiro-Ministro disse».
Ora, V. Ex.ª vê que não é esse o conceito em vigor em qualquer país democrático de regime pluralista. Porque, naturalmente, a cada medida concreta tomada pelo Governo não pode a Oposição vir a correr dizer «aqui está a nossa alternativa», Por exemplo: o Sr. Ministro da Justiça disse A aos magistrados, disse mal, nós diríamos aos magistrados B\ o Sr. Ministro do Emprego disse C aos trabalhadores, disse mal, como diz o Sr. Deputado José Magalhães, nós, o CDS vamos e dizemos D\ o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros vai a Bruxelas e diz A, mal, porque nós diríamos outra coisa.
Naturalmente que isto não é o conceito de oposição de fiscalização, o conceito não é só dizer mal do Governo, mas dizer mal e chamar a atenção do eleitorado para este mal, porque o eleitorado pensa sobre este problema e na altura das eleições cada partido apresenta o seu programa para substituir o mal que o Governo fez. Quer dizer, não há dois governos durante quatro anos. Se O eleitorado deu o poder ao Governo,
é para este realizar o seu programa e não para a Oposição mostrar constantemente os seus programas. Então para que servem as eleições?
VV. Ex.ªs têm uma frase - «a Oposição diz mal, não diz onde está o mal» -, esta frase passou. A Oposição é criticar o Governo, é, como dizia Mitterrand «Tarabuster lê gouvernement», isto significa...
Risos do PSD.
... como os senhores sabem com certeza, insidiosamente criticar, criticar, criticar a fim de chamar a atenção do Governo para que ele melhore as soluções adoptadas para que ele justifique perante a Oposição porque é que o seu programa está bem, e não, em cada momento, durante a vigência de um mandato, confrontar com as alternativas. Estas virão em 1991, neste momento são vocês que estão a ser julgados e não a Oposição.
A Oposição chama a atenção do eleitorado para dizer isto está mal, vejam como este Governo prometeu uma coisa e está a fazer mal. Vejam como esta medida não corresponde ao programa do Governo, vejam como prejudica o País.
Não há quatro governos durante a legislatura, mas sim um Governo e quatro oposições. Agora, Sr. Deputado, dirigente da sua bancada, eu pergunto se V. Ex.ª já informou o seu Governo sobre as nossas queixas relativas à audição parlamentar.
Aplausos do CDS, do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a devida vénia de todos os Srs. Deputados que me interpelaram, vou começar por responder, precisamente, aqui ao Sr. Deputado Narana Coissoró.
Sr. Deputado, lembrei-me daquela sessão que tivemos aqui, ontem de manhã, em que v. Ex.ª acabou com a referência à audição parlamentar. Se estivesse aqui o seu colega Nogueira de Brito - é pena não estar cá - diria que V. Ex.ª estava muito excitado.
Começo por lembrar que na enumeração do Governo, que V. Ex.ª fez, cometeu uma falha imperdoável: não referiu o Governo do Dr. Lucas Pires! Então V. Ex.ª não leu «O Independente», hoje?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Também não falei do João Jardim, que votou contra a disciplina, ontem!
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e de Os Verdes.
O Orador: - Está explicado, Sr. Deputado!
É óbvio, Sr. Deputado Narana Coissoró, que sabemos qual é o papel dos partidos da Oposição e quando estamos a falar de alternativas não estamos a pedir - longe disso - que VV. Ex.ªs, perante cada medida concreta do Governo, tenham de vir dizer qual é a vossa posição, qual é a proposta alternativa que reclamam, até porque sei que V. Ex.ª, embora muitas vezes não exteriorize esse pensamento, em muitas coisas, está de acordo com as medidas concretas deste Governo. Até sei disso e, portanto, não haveria aqui a oportunidade de V. Ex.ª mostrar muitas alternativas. Agora,
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há o mínimo dos mínimos, Sr. Deputado! Naturalmente, V. Ex.ª não vem aqui defender o comportamento indefensável para partidos responsáveis da Oposição de apenas dizer mal quando não concordam com as políticas. Há o mínimo dos mínimos de defesa, de projectos, de propostas concretas. E é a este mínimo dos mínimos que me reporto quando apelo para a necessidade de haver a clarificação das alternativas por parte dos partidos da Oposição.
Sobre a situação interna no PSD, ou seja, quanto a pessoas que. falavam mal de líderes anteriores e de lideres anteriores que falavam mal de lideres posteriores, sobre isso não vamos falar, porque tenho de o remeter de novo para «O Independente». V. Ex.ª, hoje, não está numa posição particularmente confortável - nem V. Ex.ª nem o seu partido - para aduzir esse argumento.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Leia o «Tempo» de ontem).
O Orador: - Relativamente ao Sr. Deputado Marques Júnior, devo dizer que também percebeu mil as minhas palavras. Não me vanglorie, apenas fiz uma referência, porque, nos últimos dias, tem sido muito agitado o argumento de que, a Assembleia da República não fiscaliza. É claro que pode haver, algum limite, como houve com VV. Ex.ªs, para o agendamento da interpelação, mas é compreensível, porque estavam a decorrer os trabalhos da Revisão Constitucional. Os trabalhos da revisão, quando sobem ao Plenário, têm um procedimento regimental complexo, todos sabemos qual é, fomos nós que o tipificámos e preferimos assim, não podemos queixarmo-nos, que é por causa disso que o processo normal de fiscalização do Governo deixa de ser feito.
Aliás, se houver, uma questão de interesse nacional tão gravosa que torne necessário reabrir os trabalhos de fiscalização do Governo, obviamente que o próprio PS com o PSD teriam chegado a um acordo; se essa questão de urgência fosse assim definida e clarificada; para se fazer uma sessão plenária com a apresentação de uma moção de censura ou com a apresentação de uma interpelação, se fosse caso disso.
Portanto, não vamos agora dizer, por causa disto, que estou a utilizar este argumento para dizer que este foi o espelho normal da Assembleia. Não, quis apenas referir, Sr. Deputado Marques Júnior, que ultimamente tem sido brandido o argumento de que, a Assembleia não exerce os seus poderes de fiscalização e as três interpelações, mesmo durante o período normal, durante o decurso dos trabalhos de Revisão Constitucional, são a prova acabada de que a Assembleia fiscalizou e cumpriu plenamente os seus deveres.
Finalmente, Sr. Deputado António Guterres, vou responder muito brevemente e de forma telegráfica como VV. Ex.ªs da seguinte maneira: é sintomático que o Sr. Deputado António Guterres venha interpelar-me sobre esta questão das intrigas. É sintomático). E sobre isso não digo mais nada. Aliás, só acrescento o seguinte: neste domínio das intrigas eu serei seguramente a última pessoa, ao cimo da terra, a poder dar-lhe conselhos, como compreende.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção; tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação : - Sr. Presidente, Srs: Deputados: Portugal vive uma hora decisiva da sua vida colectiva. A integração europeia e a formação do Mercado Interno; o desafio da modernização tecnológica e económica; a reafirmação da pujança da língua e cultura pátrias; a potenciação do valor humano dos portugueses; á construção de uma nação coesa e fiel aos desígnios da solidariedade; estes; alguns dos elementos mais marcantes de um capitulo da sua história contemporânea que havemos de escrever com sentido de Estado, com sentido de soberania, com sentido de dignidade.
Importa; todavia e sobretudo, garantir que a determinação dos destinos colectivos tenha lugar numa cultura de liberdade e num clima de respeito mútuo, em que justifique o espírito democrático e se salvaguarde o pluralismo de opções numa sociedade aberta.
A este título, permitam-me que assinale com confiança o momento que ocorre, para justificar esse sentimento citarei apenas - três circunstâncias actuais: a conclusão tempestiva do processo de Revisão Constitucional; a iminência de novo acto eleitoral em que: o povo português será chamado a significar o seu veredicto; a sequência de interpelações ao Governo que nesta Câmara vem tendo lugar e que constitui sinal evidente de que Oposição e Governo continuam a encontrar nesta sede o local privilegiado para o confronto democrático de ideias e o debate de modelos.
Todas estas circunstâncias superam as controvérsias de percurso e são indicadores poderosos dá vitalidade dás instituições democráticas.
A liberdade é, assim, uma referência inquestionável do Estado de Direito que queremos continuar e as regras democráticas de afirmação e de convivência um código de conduta que não, conhece restrição.
Sr. Presidente; Srs. Deputados: Falar liberdade é necessariamente pensar educação.
A aposta na reforma do sistema educativo surge hoje como imperativo indeclinável da vontade colectiva. Poucos terão dúvida de que nela reside o essencial dos interesses de longo prazo da Nação portuguesa. Por isso, ao dinamizá-la, o Governo não é mais do que simples intérprete dessa ânsia de mudança. Ao prossegui-la, o Governo honra o mandato que iniludivelmente recebeu desta Câmara, por espinhoso que se afigure o caminho, por: tentador que seja o canto da sereia do imobilismo que a muitos agrada por não afectar interesses instalados.
Por isso, a política do Governo no sector tem procurado fazer da reforma educativa um espaço permanente de diálogo e de debate; um hábito de concertação, um convite à reconciliação. Estamos perante uma reforma tranquila, baseada na confiança reconquistada, no valor supremo do humano que espreita por detrás dos papéis, na emergência de verdadeiras comunidades educativas; no apelo à participação; para que todos se sintam comprometidos naquilo que só vale a pena como compromisso de todos.
Com essa finalidade o Governo não tem poupado esforços. No diálogo incessante com os parceiros sociais: sindicatos; associações de pais, associações de juventude e de estudantes; associações empresariais, municípios, associações culturais, meios de comunicação social. Na valorização das instâncias de concertação: Conselho Nacional de Educação, Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo, Conselhos
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Nacional e Consultivo de Juventude. Por fim, no momento do debate sobre cada um dos múltiplos aspectos em que se desdobra a política educativa, particularmente na escola, cuja autonomia, identidade e diversidade se pretende construir com acrescido sentido de solidariedade nacional.
Desde o primeiro momento o Governo definiu a negociação social como processo privilegiado de condução da reforma, afastando liminarmente tentações meramente tecnocráticas. Esta a postura que coerentemente importa manter para que a reforma tenha lugar, no único clima que a pode viabilizar e que é o da serenidade e o do sentido nacional de projecto.
Com efeito, é significativo o caminho percorrido, cuja recapitulação minuciosa não é agora necessária. Lembremos, todavia, alguns dos principais componentes: a opção radicalmente descentralizadora e desconcentradora da administração educativa com inequívoco reforço do papel das autarquias locais, da escola ou centro educativo e da administração regional; a concretização em curso do mais vasto programa de equipamentos educativos de sempre, traduzido em 106 acordos de colaboração com municípios para edificação de novas escolas preparatórias e secundárias; um esforço de investimento no ensino superior que atinge, este não, a impressionante cifra de 12 milhões de contos; o alargamento sem precedentes das oportunidades de educação de adultos que este ano beneficiam mais de quarenta mil portugueses; o lançamento de novas universidades e escola superiores politécnicas; a criação da Universidade Aberta; a concepção e implementação do Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar, que atinge já 275 000 alunos e mobiliza milhares de professores e especialistas, programa que vem, aliás, merecendo palavras de inequívoco encorajamento de peritos independentes que o observam, designadamente da CEE e da UNESCO; a reorganização e reagrupamento do ensino técnico e profissional, que atinge já 24 000 alunos em 170 escolas públicas e privadas; o lançamento das escolas profissionais, prevendo-se que até ao final do ano as primeiras 40 estejam em funcionamento, num total de 120 candidaturas em curso de apreciação e de que as primeiras seis acabam de ser criadas; no que interessa à liberdade de aprender e ensinar, a aprovação de um leque inovador de diplomas entre os quais avulta o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo que há, pelo menos, 10 anos se aguardava; a homologação já iniciada de estatutos das universidades, na sequência da aprovação da Lei da Autonomia Universitária, a qual significará a abertura de um novo ciclo de vida para as mesmas; a instituição concreta de um novo regime de acesso ao ensino superior reconhecidamente mais justo e personalizado que o anterior; o fomento da investigação científica e tecnológica a um nível de elevada diversificação e de concentração selectiva de recursos; a disseminação das novas tecnologias nos ensinos básico e secundário através do projecto MINERVA que conheceu uma elevada expansão mais que duplicando as escolas e os alunos beneficiados; e ainda medidas de valorização e reforço da língua portuguesa nos planos interno e externo, neste caso, através de complexas e bem sucedidas negociações comunitárias e bilaterais, além do diálogo sistemático com os países de língua oficial portuguesa estabelecido pela primeira vez ao nível de cimeiras dos ministros da educação, de que a primeira ocorreu recentemente em Lisboa.
Todavia, a reforma educativa não poderá ter sucesso sem a dignificação dos educadores, tendo-o dito desde sempre e continuo a dizê-lo com inteira coerência. Desde logo, e em todas as frentes se buscou favorecer a função educadora primordial da instituição familiar e estreitar o seu relacionamento estável com a instituição escolar. Pais e professores só têm a ganhar na protagonização de uma parceria efectiva.
A valorização social dos professores, com a consequente melhoria do exercício da função docente, encontra-se expressamente contemplada no programa do Governo. E neste momento importa recordar um assinalável conjunto de medidas, de indiscutível alcance, que visam a melhoria do estatuto dos professores e a sua valorização, nomeadamente:
A estabilização dos professores de nomeação provisória, possibilitada pelos Decretos-Leis n.ºs 18/88 e 35/88 e a concomitante efectivação de milhares de professores, designadamente do 1.º ciclo do ensino básico;
A aprovação do novo sistema de profissionalização em serviço, assegurado, pela primeira vez, para todos no prazo de quatro anos com a participação activa das instituições de ensino superior, e também da Universidade Aberta, a respectiva profissionalização;
A definição de um sistema completamente inovador de formação contínua dos docentes, que se encontra posto à discussão em todas as escolas;
A elaboração do ordenamento jurídico da formação de professores, o qual já obteve parecer favorável do Conselho Nacional de Educação;
A reclassificacão dos professores do ensino artístico;
O relançamento do desporto escolar, cuja filosofia consagra o papel preponderante da escola e dos professores de educação física;
A definição do sistema de segurança social dos professores do ensino particular, na concretização de uma justa aspiração de décadas;
Finalmente, a preparação de discussão, ao longo de quinze meses de negociação interna, do Estatuto da Carreira dos Educadores e Docentes dos Ensinos Básico e Secundário, sobre o qual já se pode obter um consenso muito alargado em aspectos fundamentais do respectivo regime, em matéria de direitos e deveres correspondentes.
É, pois, justo concluir que o Governo vem demonstrando, através de medidas concretas, o respeito que lhe merece a profissão docente e a valorização profissional e humana dos professores.
A valorização da função docente numa sociedade moderna é a expressão natural da convicção dessa sociedade a respeito da prioridade educativa e indicador do seu grau de maturidade cultural.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem mesmo, o Governo tomou uma medida histórica. No termo de um longo processo em que tiveram lugar profundos estudos técnicos, debates públicos, apreciação do Conselho Nacional de Educação e um complexo apuramento de opções políticas, foi aprovado o diploma que procede à reorganização global dos planos curriculares dos ensinos básico e secundário, numa perspectiva de coerência horizontal e vertical dos conteúdos programáticos. Neste contexto, consolidam-se os fundamentos curriculares da nova escola: valoriza-se o ensino da língua portuguesa, como matriz da identidade e como suporte de aquisições múltiplas; estrutura-se uma
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área de formação pessoal e social e cria-se uma disciplina de Educação Cívica; reforça-se o ensino das línguas estrangeiras coma possibilidade de iniciação, pela primeira vez na história da educação em Portugal de iniciação da língua estrangeira no primeiro ciclo do ensino básico; institui-se a área-escola, de responsabilidade e iniciativa local, concretizável através de actividades e projectos multi-disciplinares; contemplam-se as actividades de complemento curricular na perspectiva da utilização criativa e formativa dos tempos livres;
aponta-se para, a valorização da dimensão humana do trabalho e para o desenvolvimento de competências gerais de empregabilidade; o conjunto das componentes curriculares contribui em coerência para a aquisição do espírito crítico e a interiorização de valores espirituais, estéticos, morais e cívicos; reorganiza-se profundamente o ensino secundário, seja no sentido, de
reforço das componentes de formação geral e cultural, seja na dignificação das vias predominantemente orientadas para a vida activa; estabelece-se claramente uma estratégia de discriminação social positiva, atenta a responsabilidade pela efectivação da igualdade de oportunidades, através da oferta acelerada de educação pré-escolar com prioridade para o ano imediatamente anterior ao 1.º ano de escolaridade.
O lançamento do 1. º ano experimental da reforma curricular terá lugar em Setembro próximo em 70 estabelecimentos de ensino, decorrendo já há algum tempo as necessárias acções de sensibilização de professores, pais, municípios. e ougas entidades interessadas, que serão convidadas a integrar um Conselho de Acompanhamento de todo este processo. Segundo a estratégia global delineada e o respectivo calendário, a generalização dos novos programas estará efectivada em pleno no ano de 1994/95.
A nova escola deixou de ser uma miragem.
A formação da primeira geração de activos do 3.º milénio já começou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontram-se aprovados pelo Governo ou em fase final de apreciação no Conselho Nacional de Educação os diplomas que concretizam a reforma educativa, no quadro do desenvolvimento dos princípios consignados na Lei de Bases do Sistema Educativo. Neste último caso, aguarda-se para breve uma tomada de posição daquele conselho. sobre propostas legislativas de vasto alcance, como o estatuto do ensino superior politécnico, a educação física e o desporto escolar, as bases da formação técnica e Profissional a reorganização global do ensino artístico.
No âmbito do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) já apresentado em Bruxelas, atribui o Governo elevada prioridade à educação e formação profissional, visando a mobilização de vultosos investimentos para a reversão de uni conhecido quadro de carências acumuladas ao longo de décadas. Trata-se de ganhar em 4 anos o que se perdeu em 40.
O Governo encara a educação como a prioridade estratégica irrecusável do futuro na acção do presente. Terão sido cometidos erros? Há disponibilidade - e humildade - para os corrigir. Continuam a verificar-se lacunas? Há vontade clara de as colmatar. Evidenciam-se divergências de entendimento? Há abertura para densificar as áreas de consenso,- sem que isso signifique a descaracterização de um projecto. Existem mesmo áreas de conflito? Que se explore o filão inesgotável do diálogo para a respectiva superação.
O programa educativo do XI Governo, Constitucional assenta em crês eixos doutrinários. fundamentais: a liberdade, a identidade nacional, a solidariedade. Estas referências estruturam a emergência de uma nova escola portuguesa, de rosto marcadamente humano e portadora de valores.
Em nome destes desígnios verdadeiramente nacionais o Governo não poupou esforços nem conhece fadiga.
Guia-o a vontade de acertar.
Move-o o propósito de servir.
Estimula-o o desafio de mobilizar.
Anima-o o imperativo de ganhar o futuro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Herculano Pombo, 15abel Espada, Apolónia Teixeira e António Filipe.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro da Educação, afirmou V. Ex. e que vivemos uma hora decisiva na nossa vida colectiva. Permita-me completar essas palavras dizendo que daqui até à plena integração nem sequer temos tempo para alfabetizar uma única geração de portugueses. É pois, escasso o tempo que temos para a reforma que é necessário que tenha lugar de imediato.
Durante a parte, da manhã coloquei questões sobre educação ao Sr. Ministro das Finanças e não a V. Ex.ª Porém, como certamente' o Sr. Ministro terá compreendido, não o fiz por menos respeito, para com. a sua pessoa, más sim porque sou daqueles que me sinto mais defraudado com as promessas que V. Ex.ª aqui fez há cerca de dois anos, aquando dá apresentação do programa do Governo. Na verdade, sinto-me defraudado como professor e como agente político porque na altura concedi ao Sr. Ministro o beneficio da dúvida e arrisquei bastante. Arrisquei e perdi..., porém, não fui eu o único a perder; perdemos cem mil, professores e muitos milhares de alunos e suas famílias.
Para mim não está em causa, nem nunca esteve, o valor e a capacidade técnica do Sr. Ministro. O que está em causa é a capacidade ou a incapacidade do Governo no sentido de implementar a reforma profunda que tinha prometido...
Sr. Ministro da Educação, vivemos, de facto, uma hora decisiva, que é a da necessidade urgente de fazer uma reforma do sistema educativo com 40 ou 50 anos
de atraso. Não podemos aparecer na Europa moderna civilizada, democrática e alfabetizada com a carga de analfabetismo que ainda temos e que, por desgraça
nossa, continuamos a alimentar, a produzir, a reproduzir.
Disse o Sr. Ministro que está em curso uma reforma tranquila. Porém, ao que assistimos é a uma reforma pasmada impedida! Há quem afirme - e a comunicação social veicula isso que existe um conflito - no Governo entre o Sr. Ministro e o Sr. Ministro das Finanças.
Assim sendo gostaria de lhe lançar um repto, Sr. Ministro da Educação: no caso de existir tal conflito, e porque está em causa o desenvolvimento do País, a sua principal- prioridade, que é o desenvolvimento da educação, gostaria que o Sr. Ministro, nesta
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sessão, que para todos os efeitos é uma sessão solene, e em presença de que se todo o Governo, aqui fizesse as pazes...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Com um pombo a esvoaçar por cima!
O Orador: - ... para que, de facto, a reforma pudesse avançar. E não é que eu esteja de acordo com a totalidade da reforma prevista. Contudo, creio que é necessário começar-se por algum lado e se V. Ex.ª tem vontade para começar, faça-o!
E, Sr. Ministro das Finanças, liberte V. Ex.ª as verbas necessárias e compatíveis para tão grande desafio...
Na verdade, creio que o Sr. Ministro não tem o direito de se ir embora daqui hoje sem provar ao país que ou não está zangado com o Sr. Ministro das Finanças e há outra razão de fundo para a reforma não se fazer, ou, se está zangado, não pode sair daqui sem fazer as pazes perante a Assembleia, o Governo e o País.
Assim, a partir de amanhã a reforma avançará e certamente que não será necessário continuar a provocar os professores com tabelas salariais baixas, a greve dos professores deixará de ter razão, os alunos passarão a poder fazer os seus exames e as suas provas em paz, e os pais deixarão de ter o espectro de um ano lectivo inútil a pairar sobre as suas famílias.
É só isto que está em causa! Não é muito, mas é o bastante; é o futuro do País. Portanto, Sr. Ministro, este repto fica formulado!
Para terminar, gostaria de me congratular, Sr. Ministro, pelo facto de na reforma curricular que anunciou ter sido criada a disciplina de Educação Cívica. No entanto, tenho dúvidas - aliás, devo dizer que ainda não tive oportunidade para analisar o documento, pois não me chegou inteiro às mãos - sobre se a disciplina de Educação Cívica vai ser facultativa, optativa, em alternância com a disciplina de Religião e Moral. Esta é uma questão simples que coloco e para a qual gostaria de obter resposta.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Marques Júnior.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ministro da Educação: - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Ministro, mais uma vez V. Ex.ª fez um discurso a que já nos habituou nesta Câmara. Na verdade, na Assembleia da República o Sr. Ministro já produziu muitas afirmações e muitos discursos que penso que nenhum de nós tem dificuldade em subscrever, e muitas vezes já o fizemos.
A verdade, Sr. Ministro, é que não existe distância alguma entre os seus discursos aquando da sua tomada de posse e os que produz neste momento. Porém, existe uma grande diferença entre esses discursos e a realidade! O Sr. Ministro fala na reforma do sistema educativo e faz a afirmação que todos subscrevemos,
sempre apoiámos, de que a reforma do sistema educativo não se faz sem a satisfação, sem o empenhamento e sem a motivação dos profissionais da educação.
Ora, o Sr. Ministro fez novamente esse discurso, mas parece que não teve em conta a realidade. Isto é, parece que o Sr. Ministro não sabe, por exemplo, que os professores fizeram greve três dias, que encheram o Campo Pequeno com uma manifestação - o que foi coisa que o PSD nem conseguiu fazer. Em suma, segundo o raciocínio do Sr. Ministro, não há reforma educativa porque não há satisfação nem incentivo por parte dos profissionais da educação.
Creio que esta é uma conclusão que, por um lado, se pode tirar do discurso que o Sr. Ministro faz e, por outro, da análise da realidade que temos, que foi uma coisa que o Sr. Ministro não fez, pois não avaliou a realidade que tem neste momento. E a realidade é que, neste momento, o Sr. Ministro não tem condições para poder dizer que se está a fazer uma reforma tranquila; o Sr. Ministro não tem condições para que alguém que conheça a realidade e que saiba o que é que se está a passar no âmbito dos professores acredite no seu discurso. E isto, porque conhecemos as boas intenções, mas depois conhecemos aquilo que é proposto em termos de tabela que permitiria dar o incentivo aos tais professores e que permitiria a execução da tal reforma educativa.
Creio que o Sr. Ministro irá dizer que aquilo que foi proposto aos professores em termos de remuneração é apenas uma proposta e, de algum modo, anunciou que essa proposta está sujeita ao diálogo, à elaboração de outras alternativas que não aquela que foi apresentada.
Um pouco na sequência do que já foi dito, era importante que saísse daqui com essas propostas alternativas porque os sindicatos e os professores já disseram o que queriam. E, ao fazê-lo, era bom que tivesse na consciência aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro disse a propósito das exigências dos professores à saída de Belém, na altura em que se fazia a greve.
Na verdade, nessa altura, o Sr. Primeiro-Ministro disse que os professores não podiam exigir mais do que aquilo que estava previsto no orçamento para a reestruturação em termos de carreiras e de actualização remuneratória. É, pois, preciso que o Sr. Ministro, quando fizer as afirmações, as declarações de vontade que faz, tenha em conta também as afirmações dos outros membros do sem Governo, porque senão o descrédito e a falta de confiança que os profissionais da educação colocam neste momento justifica-se plenamente.
Se o Sr. Ministro diz uma coisa e faz declarações de vontade em que todos queremos acreditar, mas se depois essas declarações de vontade não passam disso porque a realidade é outra, a única coisa em que V. Ex.ª pode acreditar é que não pode haver a mínima confiança por parte da população no ministro da Educação.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Ministro da Educação, disponho de muito pouco tempo para usar da palavra até porque o meu grupo parlamentar ainda pretende produzir uma intervenção.
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Na medida em que estou de acordo com algumas das perguntas que foram formuladas, gostaria apenas de lembrar que o Sr. Ministro nada disse sobre uma questão determinante para a qualidade do ensino e a valorização do sistema educativo no nosso país e que os professores tornaram claro o seu desapontamento face à proposta apresentada sobre o sistema retributivo dos trabalhadores da Administração Pública. Como é que o Sr. Ministro justifica o mutismo sobre esta matéria tão importante para os profissionais da educação?
O Sr. Presidente:- Para formular pedidos Ide esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Ministro da Educação, gostaria de formular duas perguntas sintéticas: Em primeiro lugar, um instrumento fundamental previsto pelo Governo para o desenvolvimento do sistema educativo é o PRODEP (Programa para o Desenvolvimento da Educação em Portugal). Ora, gostaria de saber quando é que esse- programa será apresentado à Assembleia da República em termos definitivos dado que o meu grupo parlamentar já por várias vezes solicitou o envio desse documento, têm-se registado pressões contraditórias anunciadas na comunicação social sobre o mesmo e a Assembleia da República continua na ignorância sobre as opções fundamentais do Governo a nível de Programa para o Desenvolvimento do Sistema Educativo. Portanto, quando é que nós, deputados, poderemos ter acesso ao PRODEP para podermos emitir opinião e intervir sobre o seu conteúdo?
Na intervenção que produziu, o Sr. Ministro referiu-se ao diálogo sobre a reforma educativa e referiu uma postura de diálogo por parte do ministério relativamente a estas questões. Ora, a minha pergunta é muito simples: com quem dialogou o Ministério da Educação? Com a Assembleia da República não foi certamente; pelo menos não nos apercebemos da nada disso e estamos mais ou menos atentos a estas coisas. Com as associações de estudantes está à vista a forma como foi violado o artigo 19. º da Lei das Associações de Estudantes quando se tratou de aprovar a legislação referente ao problema do acesso ao ensino superior.
Com o Conselho Nacional de Juventude e com ó Conselho Consultivo da Juventude, também por essa altura, foi nítido como foram desrespeitadas ou como não foram atendidas, melhor dizendo; por parte do Ministério da Educação, opiniões veiculadas maioritariamente ou, no caso do Conselho Nacional de Juventude, consensualmente, sobre essa matéria. Com os sindicatos, também a ,forma de diálogo encetada pelo Governo está à vista, em protestos que todos conhecemos e que estão em curso.
A verdade, Sr. Ministro, é que, sobre assuntos educativos, o Governo decide primeiro e limita-se depois a ouvir protestos, ficando inflexível e surdo às razões que são apresentadas.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por confessar a minha grande desilusão - permitam-me que o diga! - com o leque de questões que foram colocadas perante um universo tão vasto,- tão- importante, tão decisivo para a nação portuguesa, que é constituído pelos vários segmentos
dei reforma curricular que procurei, ainda que brevemente enunciar.
Vozes do -PSD:- Muito bem!
0 Orador: - Parece que a Oposição, à falta de melhores argumentos; navega apenas em águas conjunturais, pretende aproveitar-se apenas das circunstâncias
de uma Intranquilidade conjuntural que tem havido no sector,(e que nada tem a ver, de resto, com o clima de paz social que, durante cerca de dois anos, foi possível concretizar em todo o sistema educativo) para desfechar aqui alguns golpes que não posso deixar de qualificar como meramente conjunturais e como nada tendo a ver com o fundo da questão, com os problemas verdadeiramente estruturais, estratégicos e de longo prazo da educação portuguesa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em todo o caso, irei, naturalmente, responder, como é, meu dever, às questões concretas que me foram colocadas.
O Sr. Deputado Herculano Pombo fez um apelo no sentido de se fazer as pazes. Sr. Deputado, tenho ouvido falar em «paz podre», agora «paz verde» ainda não tinha ouvido falar!
Aplausos e risos do PSD.
Sr. Deputado, como sabe - e é público -, sou pai de uma família muito numerosa e, em matéria de solidariedade, seja familiar seja noutras esferas, às quais me ligam vínculos inquebrantáveis, como é o caso do Governo; não tenho de receber lições de quem quer que seja. Aliás; julgo que é na base da solidariedade que as instituições, as grandes instituições - desde logo; a família e os órgãos de soberania -, as instituições estáveis e básicas devem prosseguir e afirmar o seu ideário.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não tenho qualquer problema com o Governo ou com o Sr. Ministro das Finanças. Aliás, estamos na mesma bancada e prosseguimos, como sempre, um diálogo. intenso sobre todas as matérias que tenham a ver com a necessidade da política do Governo na área da Educação. 15to porque apenas há uma política do Governo e uma só na área da educação e não uma política do ministro da Educação ou de outro qualquer ministro,
Quanto à Educação Cívica, ela representa uma grande aposta na reforma curricular. Como o Sr. Deputado sabe; já existiu, em tempos idos, uma disciplina de Educação Cívica e irá ser reintroduzida com grande prudência e com grande sentido de cautela, para que os programas, a formação dós professores e todas as condições que devém rodear a implementação dessa disciplina possam assegurar que ela seja concretizada nas melhores condições. para os nossos estudantes e para os nossos jovens. A disciplina de Educação Cívica é para já criada como disciplina em alternância com a Educação Moral e Religiosa, que pode ser católica ou dê qualquer outra confissão religiosa, em igualdade de circunstâncias e de oportunidades. Agora, todos os
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alunos terão, obrigatoriamente, que escolher uma destas três alternativas: a Educação Cívica, a Educação Moral e Religiosa-Católica ou Educação Moral e Religiosa de qualquer outra confissão religiosa.
A Sr.ª Deputada Isabel Espada fez o grande favor de assinalar a inteira coerência entre o meu discurso de tomada de posse ou os discursos que aqui tenho feito e o que acabei de fazer. É, efectivamente, importante que assim seja! Não há dois discursos: o discurso de ontem é o de hoje, pelo que, no que diz respeito às preocupações que tenho tido quanto à condução da política educativa e aos rumos da reforma educativa em Portugal e no mundo, o discurso que hoje faço, como sabe, faço-o há mais de 20 anos.
Por isso, digo, sem qualquer peia ou receio, que a motivação dos professores, o empenhamento dos professores, é crucial para a implementação da reforma educativa.
Mas também devo dizer-lhe, minha senhora, que não há que ter medo do exercício das liberdades democráticas, pois a greve é um instrumento perfeitamente constitucional e as manifestações, desde que observado o que está na lei, são uma forma perfeitamente democrática de fazer sentir uma opinião ou uma corrente de pensamento.
A reforma é tranquila, não porque haja uma ausência de greves ou de contestação, mas porque ocorre em coerência, porque ocorre na procura permanente e incessante dos interesses mais profundos e estáveis da sociedade portuguesa e, talvez, porque deixa a Oposição intranquila. Talvez por isso seja uma reforma tranquila! ...
Como sabe, outras fortes contestações, em relação à política educativa, já têm surgido em tempos bem recentes: a contestação ao regime de acesso, a contestação à integração dos ISE e dos ISCA no Ensino Superior Politécnico, a contestação das Faculdades de Letras, que foi bem violenta em 1988. O tempo veio a provar que todas essas contestações puderam ser sanadas, pois foi possível encontrar, pelas vias do diálogo e da concertação, boas soluções - e não direi que as boas soluções vieram ao encontro a 100% do desejo de cada um dos segmentos interessados e representados, porque isso é manifestamente impossível - que puderam tranquilizar o sector e levar a que a reforma pudesse ser implementada e concretizada em cada um desses segmentos.
Estou, por isso, extremamente optimista e esperançado de que, em matéria do sistema retributivo da função pública, será possível encontrar, também pelas vias do diálogo e da concertação, que têm sido incessantemente proclamadas pelo Governo, uma boa solução, uma solução dignificante e dignificadora de toda a função pública e também dos nossos educadores.
De resto, a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa, hoje mesmo, dirigir-se-á ao país, através da televisão, comunicando o essencial daquilo que está em jogo e apelando, certamente, para um clima de diálogo e de serenidade, na procura de um consenso para uma reforma que é extremamente difícil, porque, pela primeira vez, está a procurar fazer-se a alteração de um sistema anquilosado Ga tem 50 anos de vigência), caótico, como tem sido o Sr. Primeiro-Ministro, e que exige uma urgente reflexão e uma ainda mais urgente concretização de medidas reabilitadoras e de profunda reforma em ioda a função pública.
Respondida que está também a questão suscitada pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, dirigir-me-ei às questões postas pelo Sr. Deputado António Filipe.
Aquilo que tive ocasião de dizer no discurso que pronunciei há instantes teve fundamentalmente a ver com acções já feitas e com concretizações já levadas a cabo, não foram promessas. A reforma curricular, as escolas profissionais, a Universidade Aberta, todas as medidas de significação e valorização da função docente, o programa interministerial de promoção do sucesso educativo, a autonomia universitária, a homologação dos estatutos universitários, o acesso ao ensino superior são realidades concretas. A reforma educativa está em velocidade de cruzeiro e direi mesmo que o essencial dos diplomas fundamentais que consagram essa reforma educativa está aprovado. Por isso, julgo que não cabe, neste momento, dizer que continuam a ser feitos discursos de promessas.
Estamos a meio da legislatura e, como já foi dito nesta Câmara, o Governo tem de ser avaliado por uma legislatura completa, pela realização de um programa que propôs e que foi aprovado, nesta Câmara, para quatro anos.
Penso bem, Srs. Deputados, sem qualquer jactância e sem qualquer falta de humildade, que vamos bem, o essencial, muito mais do que metade daquilo que nos propúnhamos fazer, está já realizado e foi apresentado aos portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O PRODEP, o programa de desenvolvimento estratégico para Portugal nos próximos quatro anos, consta já, nas suas linhas essenciais, do PDR (Plano de Desenvolvimento Regional), que é do conhecimento dos Srs. Deputados e que foi já presente em Bruxelas. O seu desenvolvimento, o seu desenho mais minucioso naquilo em que ele se encontrará vertido em matéria educativa será, certa e oportunamente, do conhecimento dos Srs. Deputados. Eu próprio já me comprometi a vir à Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura para dele dar conhecimento, na altura oportuna, isto é, quando, não só esse programa operacional como todo o conjunto dos programas operacionais, estiverem em condições de serem apresentados em Bruxelas.
Com quem dialogou o Ministério da Educação? Pois, Sr. Deputado dialogou com todos os segmentos sociais, com todas as forças sociais, com todos os parceiros sociais, quer directamente quer através das instâncias de concertação. O Sr. Deputado deve ser um homem muito distraído, com certeza, porque aqui, na Assembleia da República, repetidas vezes, vim, não só à Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura mas também, sempre que me solicitaram, aqui, ao Plenário da Assembleia da República, para responder a perguntas e até participei activamente em discussões, tais como a da Lei da Autonomia Universitária, a da Lei de Bases do Sistema Desportivo, de várias ratificações de diplomas do Governo. Estivemos sempre disponíveis e presentes o número de horas e de dias necessário para que a discussão desses diplomas tivesse lugar.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Menos na discussão do Orçamento, que era fundamental! Aí o Sr. Ministro não esteve presente!
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O Orador: - O Ministério da Educação esteve sempre representado nesta Assembleia através de alguns dos seus elementos.
Como estava a dizer, ouvimos exaustivamente as associações de estudantes, o Conselho Nacional de Juventude, o Conselho Consultivo de Juventude, sindicatos, associações de pais, em todas as reformas essenciais que foram vertidas sob a forma de diplomas fundamentais, inclusivamente nas matérias que o Sr. Deputado referiu, como foi o caso do acesso ao ensino superior, uma vez que as alterações que foram introduzidas no Decreto-Lei n.º 354/88 resultaram, essencialmente, da audição dos parceiros sociais, nomeadamente dos estudantes, e das propostas que foram formuladas em sede de Conselho Consultivo da Juventude.
Não é, pois, exacta, e repudio frontal e categoricamente, a acusação de termos estado fechados ao diálogo e à concertação, Sr. Deputado. Pelo contrário, a nossa postura permanente do passado, do presente e do futuro tem sido e será a de inteira abertura ao diálogo, à concertação e, repito, à da valorização dos órgãos e das instâncias independentes de concertação da política educativa, designadamente do Conselho Nacional de Educação.
Aproveito para lembrar que este órgão entrou em funcionamento concreto já na vigência deste Governo e encontrou condições plenas para, o funcionamento autónomo e independente, como recentemente o senhor teve ocasião de testemunhar numa reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, ou seja, foram-lhe propiciadas pelo Governo condições plenas de trabalho profícuo, sereno, autónomo e independente, na medida do possível.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O problema com o Ministério da Educação é que nós temos quatro ministros da educação: o Dr. Cavaco Silva, o Dr. Miguel Cadilhe, o eng. Roberto e o Dr. Carneiro. Hoje tivemos cá o eng. Roberto, no entanto, e isso é que constitui um problema, durante o resto do tempo são os outros ministros da Educação, incluindo o Dr. Carneiro e dois ex-ministros da Educação, que fazem a política. Por exemplo, hoje tivemos uma declaração política fundamental prévia às respostas, porque estas foram dadas pelo Dr. Carneiro, uma vez mais, direito ao eng. Roberto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PS vou fazer o nosso balanço do ano lectivo, e os senhores verão que são dois balanços diferentes, apenas reclamo como árbitro o povo português, pois esse é que dirá, daqui a pouco tempo e repeti-lo-á ainda este ano, qual é o verdadeiro balanço e qual a verdade dos factos.
Temos, todavia, uma antecipação: Ainda há pouco tempo, e em relação ao Programa do Insucesso Escolar, houve uma divergência fundamental da avaliação entre o que nós dissemos sobre esse programa e ó que o Governo disse. Contudo, verificou-se, sem autocrítica, sem humildade, sem correcção por parte do Governo, que nós tínhamos razão, e posso dar-lhes dois exemplos imediatos do que é esta dualidade.
Foi aqui mencionada a Universidade Aberta; uma das mais recentes e importantes transformações referidas pelo Governo, contudo, hoje mesmo, nos jornais, o reitor dessa universidade - que, aliás, é nomeado pelo Governo e, portanto, nem sequer é um dos reitores eleitos e autónomos - disse que não podia abrir a Universidade por motivos burocráticos antes do mês de Janeiro, quando devia abri-la no mês de Setembro: há, pois, como se vê, uma real dualidade dos factos.
Quanto à reforma curricular o Sr. Ministro, na segunda parte da sua intervenção, manifestou estranheza de não ter havido um mais profundo debate. Mas, Sr. Ministro da Educação, será que o senhor quer discutir a reforma curricular, que demora horas, dias, semanas, em sede política da Assembleia da República durante uma interpelação do PS ao Governo?
O Sr. Ministro traga à Assembleia da República a reforma curricular, deixe aqui um plano oficial, definitivo e responsável da reforma curricular, faça como os seus colegas europeus que discutem o plano de reforma curricular durante semanas e meses no Parlamento, mas não venha cá tendo aprovado de supetão, na véspera, a reforma curricular - aliás, mal aprovada, porque os programas de ensino já estão a ser feitos há muitos meses e não havia ainda responsabilidade política do Governo, de um órgão de soberania, quanto do plano central de reforma curricular...
Aplausos do PS.
Portanto, Sr. Ministro, traga a reforma curricular, com a sua responsabilidade! Traga-a sem ser em duas propostas alternativas, uma principal e uma adjacente, e nós debateremos o tempo necessário esse tema.
Antes de passar à minha intervenção pré-preparada, gostaria apenas de acrescentar uma última observação destinada aos Srs. Deputados do PSD, particularmente ao Sr. Deputado Duarte Lima.
Partilho, no essencial, a concepção de democracia parlamentar e devo dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró que a Oposição deve fiscalizar essa ideia tonta de que a Oposição deve ter projectos de lei a todo o tempo, direcções gerais, institutos, administrações a funcionarem em contrapartida ao Governo. Mas, apesar disso, quero dizer que o PS, que me lembre, além da Constituição, apresentou projectos de lei sobre a defesa do contribuinte, a contratação, colectiva, os impostos, a política, as telecomunicações, os transportes; a segurança social,... Só na área da educação apresentámos dez projectos de lei, alguns dos quais sem alternativa por parte do Governo, alguns dos quais tiveram desesperar 90 dias para o Governo apresentar as suas propostas,...
Aplausos do PS.
..: porque nem o Governo riem o PSD as tinham. Aliás; o Grupo Parlamentar do PSD ainda não apresentou nenhum projecto na área da educação, ou seja, «educação: zero» e algumas das propostas que o Governo apresentou fê-lo com 90 dias de atraso em relação ao PS... A estas «alternativas» nós- temos apresentado projectos até com excesso de zelo, porque a nossa verdadeira função democrática é fiscalizar o Governo.
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Mais ainda do que noutras áreas, a política de educação e o respectivo ministério são talvez os melhores exemplos do que se pode e não pode esperar deste Governo.
Dois anos de executivo maioritário, quatro de Governo de um só partido e quase dez de ocupação ininterrupta de um ministério conferem uma excepcional responsabilidade.
Um ano de discursos, de boas intenções, de compromissos e de promessas aparentemente determinadas aumentam ainda essa responsabilidade, pelas expectativas criadas.
O resultado, hoje visível e chocante, é o de um formidável desperdício que só a imperícia explica, mas não desculpa.
Depois de despertadas as aspirações e estimuladas as esperanças, o ano lectivo de 1988/89 foi o ano de todas as decepções, o ano de todas as frustrações.
Havia algum dinheiro e conhecia-se um diagnóstico adequado. Houve energia e receptividade. Nasceram adesões e entusiasmos. Até a boa vontade das oposições e o benefício da dúvida dos cépticos. Todavia, o balanço que se pode hoje fazer do ano lectivo e, mais do que isso, de meia legislatura cumprida, é triste e deprimente. É um verdadeiro epitáfio. A esse propósito digo-vos que a intervenção do Sr. Ministro da Educação parece um real testamento.
Está lançada a perturbação em todo o sistema educativo. Dezenas e dezenas de milhar de professores, a quase totalidade do corpo docente, estão em luta renhida, tendo já realizado uma das maiores e mais significativas greves de sempre. Greve cuja responsabilidade vai inteira para o Governo e para o ministro da Educação. Greve à qual aderiram centenas ou milhares de professores, eleitores, simpatizantes e até militantes do partido do Governo. Greve que conta com a participação activa de familiares, mulheres, maridos e filhos de dirigentes e deputados do PSD!
Algo de muito importante, de muito mais importante que o dinheiro, foi ferido para que a revolta dos professores tenha hoje esta dimensão. Esse algo tem um nome: a dignidade!
Aplausos do PS.
Será que o Governo acusará também os professores de «privilegiados defensores de interesses corporativos», como já o fez com os advogados, os juizes, os médicos, os trabalhadores empregados e os funcionários públicos?
Será que o ministro, depois de já uma vez ter fugido às suas responsabilidades aquando do debate do Orçamento do Estado, aqui em Plenário, voltará a escapar--se e tentará considerar que os vencimentos dos professores não fazem parte dos seus problemas e são apenas questões de reforma administrativa?
A verdade é que o Governo e o Ministério da Educação diminuíram, humilharam e, finalmente, alienaram os professores. A partir de agora, a reforma educativa, além dos defeitos graves que já tinha, tornou-se numa impossibilidade. Também nisto se verificou que nenhum ministério é uma ilha.
Ultrapassadas as aparências ingénuas, entrado no ciclo de cumplicidade e de mera manutenção, um ministério é o que é o seu Governo, faz o que faz o seu Governo. O falhanço da política educativa é o falhanço
do Governo, o desperdício de excepcionais condições que não se reproduzirão tão cedo.
Aplausos do PS.
Mas vale a pena olhar brevemente para outros aspectos desta política educativa já de má memória.
O financiamento da educação desceu em termos relativos. Na elaboração do Orçamento, o ministério conheceu pesada derrota, que, afinal, foi a derrota dos portugueses.
No debate do Orçamento, o ministro fugiu!... Tentando mostrar autonomia e inconformismo, apenas mostrou fraqueza e obediência. Faltou à palavra dada! Obrigaram-no a faltar à palavra dada...
No seguimento de estranho e delicado processo, demitiu-se o secretário de Estado da Reforma Educativa, sinal inequívoco de mudança de critério e de alteração de valores.
O famoso PRODEP, florão do cenário ministerial, nunca existiu - segundo colegas do próprio Governo, sentados nesta bancada -, como nunca existiu para os deputados, a quem foi negado e sonegado, como nunca existiu para o Conselho Nacional de Educação, a quem também foi recusado por duas vezes.
Õ programa do insucesso escolar, autêntica cruzada contra todos os demónios, redundou em fiasco: a actuação foi pedagogicamente contraproducente; o ministério enganou-se nos cálculos e, por excesso de zelo autista, divulgou-os como se fossem conquistas gloriosas; voluntária ou involuntariamente induziu os portugueses em erro. Quem, por teimosia, não se quer emendar, acaba por enganar os outros.
Neste mesmo programa, novos erros pedagógicos e culturais estão a ser cometidos na segunda fase: temos já conhecimento documentado de pressões exercidas sobre professores no sentido de obterem artificialmente sucesso escolar.
Na tão falada reforma curricular, novos erros de palmatória. Mais uma vez, a fuga às responsabilidades, não sendo o seu plano essencial aprovado por nenhuma entidade politicamente à altura, Governo ou Assembleia. A preparação dos programas segue vias mais ou menos clandestinas, antecipando-se a uma prévia e necessária aprovação política e ao debate parlamentar. Também, mais uma vez, precipitação, para mostrar trabalho feito: os professores não estão preparados para o primeiro ano de experiência. E ainda nova derrota: o início da experiência, a realizar-se ainda este ano, já só se aplicará a parte do universo escolar previsto inicialmente.
No ensino superior, a mesma atitude ministerial de sempre, a tão estranha falta de jeito. Sem orçamentos suficientes, as Universidades não têm hoje meios para chegar ao fim do ano; faltam-lhes quase quatro milhões de contos, tal como já se sabia. O decreto-lei sobre a criação de cursos universitários é ilegal, contraria a Lei de Autonomia e traduz a vontade reinante no ministério e em todo o Governo: esta é a do controlo estatal, a da autoridade indiscutida e a do poder burocrático sobre tudo quanto vive, cria, pensa e quer crescer.
O novo regime de acesso ao Ensino Superior, teimosamente defendido, já discretamente mudado, é injusto, tecnicamente mal preparado, cultural e socialmente selectivo. Criou, por outro lado, injustificadas expectativas: a taxa de admissão de candidatos será este ano das mais baixas de sempre.
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Quanto ao ministério propriamente dito, não esquecemos que foi em tempos designado, pelo ministro, de dinossauro. É hoje um dinossauro tonto; reina a confusão e a desordem. Continuam a proliferar grupos paralelos e comissões de personalidades avulsas. Chegam-nos informações fundamentadas sobre atrasos irreversíveis na área das construções escolares. O programa deste ano já não será cumprido. Surgem os primeiros receios quanto à abertura do próximo ano lectivo.
A acção legislativa do ministério, mesmo depois de perdoadas as demoras do seu antecessor, atrasou-se ainda mais, não tendo sido respeitados os compromissos assumidos perante a Assembleia da República. E é bom que os Srs. Deputados saibam que a longa lista, hoje triunfalmente apresentada, comporta em si mesma vários anos de atraso acumulados pelos diferentes projectos.
Sem poder cumprir as suas promessas, sem os meios que julgava ao seu alcance, sem apoios institucionais e técnicos, sem a garantia de solidariedade política quanto à prioridade educativa, sem a serenidade que permite a perícia e a arte da mudança, o ministro da Educação é hoje um membro facultativo do Governo:
Perdeu peso político; perdeu força no Conselho de Ministros, alienou os professores, desorientou os técnicos, provocou a perplexidade dos pais.
Tal um bombeiro pirómano vai agora tentar resolvei os conflitos que ele próprio criou...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que o seu partido dispunha.
0 Orador: - ... , procurando antecipar as datas das avaliações, com receio do movimento dos professores; em gesto de duvidosa legitimidade e discutível, legalidade. Irá o ministério, tratar este conflito como sendo um «problema salarial» ,na sua definição? Ou como um «problema político», como o classificou õ Primeiro-Ministro em mais uma das suas inesquecíveis intervenções de «fino recorte cultural»?
Risos do PS.
Ou teremos mais episódios do género daquela festa televisiva em que o ministro se mascarou de franciscano, num acto de mau gosto que chocou e deixou perplexo qualquer cidadão adepto da decência nos costumes políticos?
Deste ano lectivo, desta meia legislatura, Srs. Deputados,. que nós fique pelo. menos uma lição. Este ministro da Educação não é vítima, é parceiro. É parceiro na doutrina e no método.
Se toda a gente sabe que ele queria mais meios, mais força política, mais certeza na prioridade, também toda a gente sabe agora que se resignou...
A sua política é a do Governo. As diferenças entre este ministério e os outros não constituem hoje sequer assunto de interesse. Mas já é motivo de grande preocupação o colossal desperdício de que este Governo é responsável. Desperdício de tempo, de esforços, de entusiasmo e de dinheiros.
É motivo de inquietação, isso sim, ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - ... o privilégio dado por este Governo a acções fúteis e irresponsáveis, conduzidas sob o signo demagógico da juventude, em detrimento da preparação séria e competente dos jovens para a vida profissional e cultural das próximas décadas europeias.
Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Chegámos, na Educação como no resto- dos sectores e como no conjunto do Governo, a uma situação que é indicador infalível do principio do fim. A Oposição é a principal, mas apenas uma voz entre as que se elevam contra a- política governamental. Ao contrário do que inventaram certos ajudantes dó Governo, não foi a direita que abandonou o poder do dia, mas; sim; simplesmente, o seu eleitorado. É o que mostram todos os sinais dos tempos, é-o que vão mostrar e confirmar os resultados, das eleições europeias.
E não pensem, Srs. Membros do Governo, que o castigo que os portugueses vos vão infligir tem apenas as motivações habituais do- comportamento eleitoral: interesses satisfeitos ou contrariados. A principal razão, Srs. Membros do Governo, decorre, do espirito, ou antes, da falta de espirito do Governo. Uma espécie de «fontismo» novo-rico não é sucedâneo capaz para a doutrina política e para obra. de cultura. Haverá, estradas europeias, mas não há consciência europeia. Haverá autoridade-burocrática, mas não há autoridade moral. Haverá apelos ao povo e exibição indevida de sentimentos religiosos, mas não há magistério democrático, nem exemplo de integridade. Haverá mundos e fundos, mas não há, definitivamente não há, a mais singela ideia própria sobre a posição de Portugal no mundo, sobre os debates actuais quanto ao destino da Europa- e da Comunidade. Os senhores governantes poderão agitar-se em inaugurações de fim-de-semana, mas há uma coisa que já não conseguirão fazer com que os portugueses sintam que este é o Governo do povo, pelo povo e para o povo.
Aplausos do PS, do CDS e da Sr.ª Deputada 15abel Espada (PRD).
O Sr.ª Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Herculano Pombo e Natália Correia.
Quanto aos tempos disponíveis, Os Verdes têm um minuto e o PS já ultrapassou em três minutos o tempo de que dispunha. 15to significa que o Sr. Deputado António Barreto já não tem tempo para responder aos pedidos de esclarecimento.
Assim, só poderei dar a palavra aos Srs. Deputados no caso de haver alguma cedência de tempo entre partidos, aliás, como é habitual nestes casos.
0 Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr.. Presidente, se V. Ex.ª me permitir que faça o pedido de esclarecimento, certamente que o Sr. Deputado António Barreto encontrará tempo, para me responder, agora ou noutra ocasião.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já avisei a Câmara da situação em que nos encontramos, mas, dado que o seu partido tem tempo disponível, tem a
palavra.
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O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado António Barreto, tal como eu próprio, também reparou que, em vez de me responder, o Sr. Ministro da Educação preferiu «trocar as tintas», tentando encontrar «cores para a paz», quando lhe coloquei a questão fundamental de saber porque não «anda» a reforma educativa e porque é que 100 mil professores fazem uma greve de três dias, com absoluto êxito, numa altura em que estava anunciado que tudo se iria resolver e que até tinha chegado ao fim a negociação do estatuto da carreira docente, nada fazendo prever este caos repentino.
De facto, em vez de responder, o Sr. Ministro preferiu fazer humor, o que lhe fica bem e nos pôs bem dispostos mas, quanto a resposta, nada!
Por outro lado, quando eu já tinha apelado ao Sr. Primeiro-Ministro para que «preparasse a sua mão abençadora» para «abençoar», ou o «duelo» travado em público ou as «pazes» que urgem entre os Srs. Ministros da Educação e das Finanças, não nos foi dado assistir nem a uma nem a outra cena!
Assim, numa última tentativa para obter resposta, perguntar-lhe-ia qual é a sua opinião para o facto de a reforma educativa não «andar», porque é que os professores estão zangados e porque é que o Pais continua a produzir e a «reproduzir» analfabetos.
Sr. Deputado António Barreto, já agora, permita-me que lhe diga que, quando hoje aqui cheguei e vi a bancada do Governo cheia, como já há muito não via, não pude evitar que me viesse à mente a imagem de infância que tenho daqueles quadros da «Última Ceia de Cristo»...
Risos do PS e do PCP.
E fiquei a pensar a qual destes «santos» é que os professores e os pais deveriam rezar. À figura central do quadro? À figura que tem a missão de «evangelizar» e de educar? Ou à figura da «bolsa», ao «Judas», à figura polémica? Qual destes nos «salvará» desta situação?
Risos do PS e PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia, a quem recordo que o PRD dispõe ainda de nove minutos.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado António Barreto, vou colocar-lhe uma questão que se destinava ao Sr. Ministro da Educação, mas como perdi a oportunidade de me inscrever para o efeito...!
Sr. Deputado, para começar, gostaria de dizer que me preocupa apurar o seguinte: na reforma do ensino não será uma lacuna, que afecta a cultura no seu conteúdo problematizador, que ela deve ter como força emancipadora dos seres humanos arregimentados pelas economocracias, não reformar a universidade no sentido de ela introduzir esta cultura no seu sistema de ensino que se está a converter num sistema de pré-emprego?
E ainda uma outra questão, Sr. Deputado: fui discípula de António Sérgio e honro-lhe a memória, mas a sua concepção de educação cívica, hoje, tem de abrir--se a novos horizontes e nestes é de grande importância incutir, precisamente, o princípio problematizador como incentivo da realização do ser que é indissociável da realização cívica.
Neste sentido, gostaria de saber se V. Ex.ª está informado sobre o conteúdo do projecto de educação cívica adoptado pela actual política educativa e, no caso de ter essa informação, se está de acordo com o modelo adoptado.
O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado António Barreto já não dispõe de tempo para dar respostas, a Mesa gostaria de saber se algum partido pode ceder-lhe tempo.
Pausa.
Sr. Deputado António Barreto, a Mesa acaba de ser informada de que o PRD e o PCP lhe cedem um minuto, respectivamente.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Em primeiro lugar, quer agradecer ao PRD e ao PCP os dois minutos que me cederam, mas com tão pouco tempo é difícil reflectir sobre o que quer que seja.
Quanto à questão última, que me colocou a Sr.ª Deputada Natália Correia, é, das duas que me foram colocadas, a que mais me preocupa.
Sr.ª Deputada, na verdade, não conheço o projecto concreto, aprovado pelo Governo, sobre a educação cívica, embora conheça, evidentemente, as referências que são feitas nos estudos prévios publicados pelo Gabinete da Reforma Educativa, ou, melhor, pelo Gabinete do Sr. Secretário de Estado, pois tivemos conhecimento de alguns desses estudos - penso que o essencial - em sede de comissão. Não sei o que é que foi aprovado ontem, dado que estamos perante um anúncio original.
Sr.ª Deputada Natália Correia, devo dizer que quanto ao essencial, estou muito preocupado por duas razões fundamentais e vou tentar centrar-me nelas. A primeira razão fundamental é esta alternativa ou esta opção ou esta faculdade de escolher entre a religião e a educação cívica. Por que carga de água é que os crentes não precisam de educação cívica? Deixa-me sinceramente perplexo sobre a concepção filosófica que inspira esta decisão e esta escolha.
Não posso ir mais longe, estou à espera de ver coisas mais concretas sobre esta matéria, mas não posso aceitar a ideia de que é necessário uma educação cívica para os não crentes, para os crentes de religiões muito minoritárias, para as quais não poderá haver professores nem aulas, para os ateus, os agnósticos, etc, e que para os crentes em quantidade suficiente para terem professores que justifiquem uma sala de aulas e aulas no horário não seja necessária a educação cívica. Em meu entender, esta é uma muito séria preocupação. E mais, Srs. Membros do Governo e Sr.ª Deputada Natália Correia, penso que estamos na fronteira de uma questão fundamental dos direitos humanos e que vai ser necessário rever esta matéria, neste aspecto e neste particular problema, à lupa microscópica da seriedade.
O outro segundo motivo de grande preocupação surgiu depois de eu ter ouvido, entre 1988/89, três intervenções públicas do ministro da Educação - do actual, não dos antecessores -, que teceu considerações de qualidade intelectual, mas - desculpe que lhe diga -, filosoficamente, de democraticidade duvidosa. O Sr. Ministro da Educação defendeu a não neutralidade
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do Estado, uma escola de valores, com ideias, transmissora de valores, um Estado transmissor de valores... o Sr. Ministro não adiantou muito mais - posso ler entre linhas, mas o que leio entre linhas não é matéria para um debate parlamentar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já há pouco referi que excedeu o tempo de intervenção em quatro minutos, agora já ultrapassou mais um. Queria terminar!
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Ficaram-me as mais sérias dúvidas quanto à indecisão, ao carácter enormemente aleatório de uma escola que não é neutra, que assumidamente defende valores e tenta veicular valores e que depois se traduzem através de uma sala de educação cívica. Há valores condenáveis na sociedade, que podemos condenar. O primado de uma maioria étnica é um valor. O primado de um certo tipo de identidade chauvinista e xenófoba é um valor. O que é que me garante que õ sistema escolar, todo ele, vai agir em função dos valores professados pelo Sr. Ministro da Educação?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a frase é um todo nada comprida. Queira terminar!
O Orador: - Era só esta frase, Sr. Presidente.
O que é que me garante que todo o sistema educativo, durante anos e anos, vai seguir o não racismo do Sr. Ministro da Educação, a tolerância do Sr. Ministro da Educação, a democraticidade subjectiva e pessoal do Sr. Ministro da Educação? Nada me garante isso. E tenho muito receio que a educação cívica, prevista no quadro de uma não neutralidade de, Estado e da escola, seja gravosa para a tolerância na sociedade portuguesa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Está o PS a realizar uma interpelação sobre política geral ao Governo. Como em democracia uma das condicionantes da acção do Governo é a actuação da oposição, tem aqui pleno cabimento que o PSD, como suporte parlamentar do Governo, introduza neste debate uma breve análise da forma como essa oposição se manifestou. Estamos numa Câmara política e a política faz-se aqui em todos os sentidos, na crítica ao Governo, na crítica aos partidos e aos homens públicos, na crítica à Oposição.
Já tive ocasião de dizer, a propósito do tipo de oposição, que o PS faz, que ela pode classificar-se de uma oposição minimal repetitiva, sem desmerecimento para a música minimal repetitiva, mas com desmerecimento para esse tipo de oposição.
Minimal, porque mínima no seu conteúdo.
É uma oposição que não introduz diferença e, por isso, empobrece o debate político porque ele não se faz na discussão de alternativas mas, sim, num jogo de nuances, tratadas com uma violência verbal, completamente a despropósito, a que não corresponde qualquer clareza de demarcação. Para o cidadão que assista como observador esclarecido parece um confronto sem sentido e, se há «mensagem que passa» - como agora se diz -, ela não é a de alteridade de políticas mas, sim; a de acontecimentos exagerados até ao limite, com os quais são postas em causa mais as imagens dos homens do que as políticas que eles executam.
Trata-se de uma oposição pelo quantitativo e não pelo qualitativo; que se deixa sempre de que o Governo e o PSD estão a fazer de mais ou de menos, mas que raras vezes diz que faria diferente. O resultado é que as fronteiras são confusas; atravessam terras que não deviam atravessar e muitas vezes enganam-se de país e. de território.
Sabemos que o PS comparticipa naquilo que se pode considerar o pacto de regime e que aí partilha com o PSD de entendimentos de fundo sobre o regime democrático. O acordo de Revisão Constitucional materializou esse entendimento e deu-lhe uma componente dinâmica. A ele se acrescenta um consenso prático em muitas áreas cruciais dos Negócios Estrangeiros e da Defesa. Más, saindo destas áreas de Estado - elas próprias recentemente abaladas pela viragem de surpresa do PS na questão do sindicalismo policial -, o que o PS propõe como alternativa é muito menos claro e essa falta de clareza é ainda maior quando nos aproximamos do terreno mais quotidiano da governação. Aí a componente ideológica socialista é mais forte, mas também é mais a ocultação das soluções que dela derivam. Seria mil vezes preferível que o PS nos dissesse como se aplica esse socialismo que é suposto ser a sua bandeira, quais as soluções socialistas para a economia para controlar a inflação, para reduzir a nossa dependência do exterior, para aumentar a produtividade das nossas empresas, para garantir maior justiça social, para melhorar as nossas condições de integração no Mercado único Europeu.
Acima de tudo, gostaríamos de saber qual a solução socialista primeira, originária e primordial, que permite obter tudo isso com eficácia e ao mesmo tempo. Nada dizendo em alternativa, deixa-nos assim a suspeitar de imaginar quais eram essas soluções e, depois, de prever quais iriam ser os seus resultados.
Acresce a tudo isso que a actuação do PS, quando as propostas de alternativa têm algum conteúdo quando existem e são esboçadas, são sempre aquilo que podemos chamar «propostas de oposição», contendo soluções irrealistas, caras, conflituais, impossíveis de implementar soluções que o próprio PS, se fosse governo, nunca aceitaria. Aceitaria o PS, se fosse governo; entregar ao controlo parlamentar decisões que decorrem de actos normais de governação e que são, em todos os países democráticos, privilégios de Executivo? Aceitaria o PS todas as reivindicações corporativas da Ordem dos Médicos; da CIP, da UGT, da CGTP, dos sindicatos? Apresentaria o PS, se fosse governo, as propostas que apresenta sendo Oposição?
Parece-me muito pouco provável que a resposta seja positiva, a julgar pela experiência do passado.
O final' deste tipo de actuação é que ela conduz a um desprestígio da acção política, seja do lado do Governo seja do lado da Oposição. Este tipo de propostas, de que a Assembleia está cheia e que representam uma sua má tradição, são embaraçosas para a memória de quem as produz e conduzem a um descrédito da acção parlamentar. Uma oposição que não tem um pensamento de Governo, ou seja, que não pensa como se estivesse ou viesse a estar no Governo, reduz-se a si própria à subalternidade política. Que não venha depois ver em fantasmas, como o do «Estado-laranja»; aquilo que é
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fruto da sua própria acção, da sua incapacidade em se apresentar como uma alternativa credível, em suma, da sua pressa pelo poder.
O PS gaba-se de ter um «projecto» e acusa o Governo e o PSD de «pragmatismo sem horizontes», de ser constituído por «tecnocratas sem alma». Mas aquilo que a Oposição chama de falta de «projecto» ou de «alma» tem mais a ver com o que separa a Oposição de ser Governo, do que com qualquer falta de direcção ou sentido na política do PSD. Na verdade, não será preciso citar Popper, agora que todos o citam, porque Aristóteles já o lembrara, que a política, em democracia, não pode assentar em ideias globais sobre o sentido da história, ou sobre qualquer realização última do destino. Um «projecto» implica sempre uma ideia sobre a verdade, que é prévia à acção, e uma completude lógica que pode fascinar os intelectuais, encher de perfeição as soluções e dar sentimento utópico aos insatisfeitos com o presente. Mas a acção de um governo, enquanto gestão da realidade, não é nem pode ser «perfeita», sob pena de perder o seu carácter de tentativa e erro, de experiência da qual se pode tirar um saber, da política que, conhecendo a imperfeição, se faz a partir do presente como ele é e não como imaginamos que deva ser.
A nossa actuação política é subordinada a valores que lhe transmitem força, vontade e direcção, é condicionada por saberes que lhe dão consistência e eficácia, é realizada em consonância com a vontade e o sentimento popular. É uma política que implica o crescimento da liberdade económica para haver mais riqueza e que amplia a liberdade política pela oferta aos cidadãos de uma pluralidade de escolhas económicas, sociais e culturais.
E é porque a nossa política é essencialmente reformista que não assenta em grandes ideias sobre a história ou sobre o destino, mas sobre coisas mais comezinhas como a revolta contra a miséria e a injustiça, a consciência da pobreza, a necessidade de dar aos homens individualmente considerados um maior sentimento de posse sobre si próprios e sobre o que desejam na sua vida - sobre o que desejam conhecer, poder, ter, amar e ser. Penso que é o bastante.
Nada mais!
Aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Lacão (PS): Quanto menos ideias, mais eficácia!...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs, Deputados: Numa interpelação ao Governo sobre política geral, não podemos deixar de nos referir à tão falada política global e integrada de juventude e, de a este respeito, manifestarmos as nossas profundas preocupações: preocupações que resultam da constatação da situação difícil que atravessam os jovens no acesso a um emprego estável e a uma maneira profissional, social e humanamente realizadora, de verificarmos que o recurso à força do trabalho dos jovens assume formas escandalosas. É a proliferação dos tarefeiros, fazendo do Estado o maior patrão a prazo. É o uso e abuso do trabalho sem contrato escrito, sem condições de trabalho definidas, sem que sejam garantidos os mais elementares direitos sindicais e laborais, completamente ao arbítrio de um patronato que sabe que, cada vez mais, actua de forma ilegal. De verificarmos que o Governo considera residual o flagelo do desemprego, que não só é hoje uma realidade para muitos como é também um pesadelo no dia-a-dia de todos os jovens trabalhadores que, estando hoje com emprego precário, não sabem o que os espera amanhã. Mas, claro, haverá sempre alguém do PSD ou do Governo a dizer que o desemprego diminuiu.
Preocupações que resultam dos obstáculos que conhecemos no acesso ao ensino e ao sucesso escolar. De não vermos serem tomadas medidas que combatam o verdadeiro insucesso escalar nas causas sociais e pedagógicas. De não vermos, Sr. Ministro da Educação, cumpridas as promessas sempre repetidas perante o País e perante esta Assembleia de progresso e investimento no sistema educativo. De vermos instaurado um sistema de acesso ao ensino superior que não é mais do que um travão ao progresso de estudos de dezenas de milhar de jovens, um travão ao progresso educativo e social do País. Mesmo depois de assistir às maiores manifestações estudantis dos últimos tempos, o Governo impõe um regime de acesso que, sabemos desde já, deixará 60 mil, dos 90 mil estudantes, sem entrada na Universidade. De vermos as universidades públicas obrigadas a reivindicar os tostões que não têm para poder funcionar. De vermos invocar imposições externas para provocar aumentos brutais nas propinas que fariam ainda mais do ensino superior, privilégio dos que economicamente o puderem suportar.
Preocupações que resultam de não vermos elaborado um plano nacional de formação profissional e de assistirmos aos maiores atropelos às expectativas dos jovens que buscam fora da escola uma formação que ela não lhe deu e dos maiores escândalos praticados à sombra das verbas do Fundo Social Europeu.
Preocupações que resultam também de considerarmos a esperança de tantos jovens terem acesso a uma habitação própria sempre adiada pela instabilidade social e pelos cortes no crédito, situação que actualmente se verifica.
Preocupações que resultam ainda do crescimento em flecha de situações de marginalidade social, particularmente do consumo de drogas que alastra a camadas cada vez mais jovens, sem que sejam tomadas medidas com o mínimo de eficácia, designadamente no combate ao tráfico, no plano preventivo e no tratamento dos jovens afectados.
Preocupações que resultam, finalmente, do facto de termos de assistir com perplexidade, ao rasgado e presunçoso auto-elogio que o Governo faz de si mesmo e da sua política, como se a política e a sua postura lhes pudessem dar algum motivo de orgulho.
Pensará, porventura, algum dos Srs. Membros do Governo ou algum dos Srs. Deputados do PSD que a política do Governo Professor Cavaco Silva resolveu ou está a resolver algum dos grandes problemas da juventude?
Sabemos que dirão que sim, mas a realidade que está à vista de todos, os que querem ver, cá está, indesmentível, para vos desmentir.
Pensarão, porventura, que conseguem resolver os problemas dos jovens apregoando milhões e gastando rios de dinheiro a lançar rebuçados e a distribuir migalhas?
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Srs. Ministros, só com uma grande dose de hipocrisia o poderão pensar.
E nós, mais uma vez, aqui estamos, perante tantos Srs. Ministros, que tentam fazer-nos crer (mas mal) que têm vindo a resolver os grandes problemas da juventude!
Contudo e se analisarmos detalhadamente a realidade, e porque a queremos verificar, afirmamos que:
Prioridade no ensino? É pura ficção!
Onde estão as mádidas de combate ao insucesso escolar?
Onde está a aplicação da Lei de Bases do Sistema Educativo?
Onde está o acesso ao ensino?
Onde tem estado, também, o diálogo, Sr. Ministro da Educação? Dialogar é saber ouvir, é falar, é também saber ouvir as opiniões dos estudantes, dos professores.
Trabalho juvenil onde estão as medidas de combate à precarização do emprego, ao trabalho infantil, aos direitos de estabilidade e segurança dos jovens trabalhadores? Apenas e tão só vemos o seu escandaloso agravamento!
Com este Governo, de harmonia com a reportagem da BBC, estamos à frente de mais uma coisa vergonhosa: a exploração do trabalho infantil!
Habitação? Créditos? Residência estudantis? Um plano de habitação social para jovens?
Que se tem feito, Srs. Ministros?
É ou não verdade que hoje é mais difícil os jovens adquirirem habitação própria?
Nós afirmamos que é!
E em relação ao desporto? E em relação à cultura? Ao incentivo aos jovens artistas? Ao combate à marginalidade? Nada!
Que medidas têm, de facto, tomado no combate à droga?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É urgente inverter o rumo desta política, que já demonstrou não servir os jovens nem o País.
É urgente combater o actual Governo no plano político e no plano social e é necessário que as instituições democráticas, a começar pela Assembleia da República; exerçam plenamente as suas funções de forma a corresponder às esperanças depositadas no regime democrático.
No plano juvenil não podemos deixar de lamentar a quase inércia em que- se encontra a Comissão de Juventude desta Assembleia.
Dizêmo-lo com autoridade que nos dá o facto de termos apresentado na presente legislatura 90% das iniciativas legislatura sobre temática juvenil.
A participação democrática e a vontade firme de luta pela efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais é um ponto de união de todos os jovens unidos pelos valores da democracia.
São os valores que, juntamente com o empenho em defesa da paz, do ambiente, da amizade e da solidariedade, princípios que vão presidir à participação de 120 jovens portugueses provenientes de diversos quadrantes juvenis (organizações políticas, artistas, desportistas, dirigentes associativos, etc), que lado a lado com milhares de jovens de todo o mundo se encontrarão no XIII Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, a realizar dentro de poucas semanas na República Popular Democrática da Coreia.
Vozes do PSD: - 15so é que é democrático!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs.. Deputados: Este Governo frustou, entorpeceu e prejudicou a juventude portuguesa naquilo que são as suas aspirações mais sentidas. Nega-lhe a garantia e a estabilidade no emprego, dificulta-lhes o acesso ao ensino, recusa-lhe a possibilidade de independência, compromete-lhe os valores da solidariedade, condiciona-lhe o presente.
Ainda engana mas engana também os jovens cada vez menos, porque os jovens portugueses, como construtores do futuro, hão-de vencer esta política de retrocesso).
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa fez uma sondagem junto dos grupos parlamentares para ajustamento dos tempos, tendo em linha de conta as ultrapassagens dos tempos fixados, distribuindo proporcionalmente, de acordo com o tempo original, pelos grupos parlamentares, do que resultou a atribuição dos seguintes tempos adicionais: seis minutos ao Governo; cinco minutos do PSD; zero minutos ao PS; três minutos ao PCP; dois minutos ao PRD; um minuto ao CDS; e um minuto a Os Verdes. Foi respeitada a equidade e a proporcionalidade.
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em pouco criais que uma semana, e no exercício de um legitimo
direito, as oposições submeteram o Governo a três interpelações.
Entermeados com o tão sério como importante problema da Revisão Constitucional, vimos por aqui passar, em larga e ampla discussão, problemas de saúde, questões ligadas à integração europeia, previdência social e, por fim, uma das mais abrangentes interpelações sobre política geral.
Não pode dizer-se que tenhamos fugido a qualquer destas discussões, pelo: contrário todos ouvimos tudo quanto houveram por bem dizer, da mesma forma que também nós dissemos quanto nos. aprove. Sem espirito previamente concertado de tudo impugnar, mas antes com o apreço de algo podermos aproveitar.
As oposições têm repetidamente dito que somos arrogantes, inimigos do diálogo, senhores da verdade única, adversários ; dos consensos democráticos.
Creio bem que as interpelações agora feitas e a forma como nelas nos comportámos são um exemplo indiscutível e indesmentível da falsidade daquelas acusações.
Sabemos que as oposições têm digerido mal a, nossa vitória maioritária de 19 de Julho de' 1987. Tem sido difícil, para elas, compreender o seu significado e a ele se sujeitarem. Tem-lhes custado compreender que, se o povo português nós deu maioria absoluta, isso tem um significado democrático que ninguém pode esquecer.
Por isso, não pode exigir-se da maioria social-democrata um comportamento absolutamente igual ao. de uma minoria, porque b seu, comportamento patua-se pela regra de que o seu querer, a sua vontade, têm uma aceitação maioritária dentro do País.
A não ser assim, nunca uma maioria teria qualquer significado.
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O povo português quis que o Partido Social-Democrata governasse sozinho, entendendo-se este desejo como querendo que nós levássemos a cabo o nosso programa. Não é governar em ditadura de partido único, não é governar com afastamento das demais forças políticas. Não foi esse, por certo, o desejo de quem em nós confiou nem nós seríamos capazes de, como tal, actuar. Governar em maioria é, para nós, governar de forma a realizar um projecto constante de um programa que o povo quis que se executasse.
É aqui, repito mais uma vez, que as oposições têm tido falta de compreensão.
Sei que na jovem democracia portuguesa é uma experiência nova, até 19 de Julho ainda a não tínhamos experimentado. Mas a ela nos acostumaremos pela inevitável consciência democrática do povo português.
Nas interpelações a que me referi, e a que aqui assistimos, as oposições fartaram-se de dizer mal. Tudo está mal, o futuro apresenta-se negro, o Governo é incompetente e preguiçoso, os ministros não trabalham ou trabalham mal, os problemas não se resolveram, e os que foram resolvidos foram-no de forma errada e danosa.
Não tivemos, pobres de nós, o direito sequer a uma simples palavra que fosse de aplauso a qualquer pequena coisa que tenhamos realizado.
Críticas e mais críticas, erros e mais erros, incompetências e mais incompetências, nada de sério ou digno, nada de capaz, nada de bem feito, nada de bem pensado.
Tudo, Srs. Deputados, com fim meramente destrutivo. O que importou e importa, para as oposições, é dizer mal do Governo e do partido político em que o mesmo se apoia.
E a verdade é que, faço essa justiça às oposições, elas sabem que a vida parlamentar tem seguido o seu curso normal e produtivo, como igualmente sabem que o Governo tem trabalhado aturadamente, de forma competente e séria, com resultados mais que palpáveis para bem do País.
Aguardei, mas confesso que sem grande esperança, que as oposições tivessem tido a capacidade para nos dizer como se devia ter feito onde dizem que errámos, o que devíamos ter realizado quando dizem que nada fizemos, qual a solução competente onde se nos apontam incompetências.
A minha esperança, pequena, como disse, saiu gorada. As oposições foram incapazes de cumprir com o seu papel. Foram incapazes de colaborar, como lhes cumpre, com o apontar de soluções para o bem nacional. Foram incapazes, numa palavra, de se mostrarem como alternativas capazes perante um governo para elas ineficaz.
O primeiro orador interpelante, o Sr. Deputado Jorge Sampaio, não leu, segundo disse, por falta de tempo algo de concreto sobre determinado problema. Melhor fora que tivesse gasto o seu tempo em concreto do que ter perdido tempo útil em abstracto. Diria que o Sr. Deputado Jorge Sampaio teve miopia para a actuação do Governo e vista cansada para os actos concretos da política governamental. Lamento!
Não basta dizer mal. É preciso dizer como é que se faz bem. Mais: é preciso convencer que o Governo e a maioria actuaram mal e convencer ainda que um governo das oposições seria melhor.
Estou certo de que as oposições acabarão por compreender.
Nos largos anos que ainda temos à nossa frente para governar maioritariamente, estou crente de que as oposições acabarão por aprender a fazer oposição democrática, o mesmo é dizer oposição com objectivos de interesse nacional e não meramente partidário. Aprenderão a fazer algo de construtivo e não apenas de destrutivo.
Não fugimos nem fugiremos nunca ao diálogo e à busca das melhores soluções para os problemas dos portugueses. Desejamos a colaboração de todos quantos queiram prosseguir connosco estes objectivos. Pedimos a ajuda de todos os portugueses para tudo quanto a todos de interesse e nomeadamente para o grande desafio europeu que está à nossa frente. Não admitiremos recusas e muito menos interesses partidários a quererem sobrepor-se a interesses nacionais.
Mas, Srs. Deputados interpelantes, e numa palavra final, não aceitamos conselhos daqueles que dizem que sabem mais do que nós. Só os aceitamos daqueles que, até agora, tenham feito melhor do que nós, o que ainda não aconteceu.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Governo transferiu um minuto para o PSD.
Estão inscritos, ainda, para o debate os Srs. Deputados Adriano Moreira e Hermínio Martinho e o Sr. Ministro da Educação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice--Presidente, Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se a minha memória me ajuda, julgo que foi Raul Brandão quem teve a coragem de escrever «que estavam todos certos e que eu era o único que estava errado».
Quando oiço o Governo e o seu partido apoiante, julgo que vão começar as memórias com uma frase exactamente ao contrário: «Estavam todos errados e nós é que estávamos certos.» Naturalmente, isto é extremamente perturbante para quem pensa que os problemas devem ser meditados com humildade, que o grande triunfo da inteligência está na capacidade de errar e de emendar.
Esperaríamos que este tom constante fosse abandonado e que o acto de hoje servisse de marco para que a mudança se desse, porque não deve ser gratificante para o Governo falar a um Parlamento vazio, pois isso significa que o Governo teve êxito na sua política de desprestígio da Assembleia. Este Parlamento deveria hoje estar cheio porque o Governo está a sofrer a interpelação do único partido que tem probabilidade de ser alternativa de governo e vem na sua máxima força, com o seu chefe, responder. É isso que tem que perturbar os cidadãos. Não é uma situação agradável nem é uma situação que se deva omitir. É, sim, uma situação que tem de ser emendada. E eu penso que a maioria e o Governo têm de dar uma sólida contribuição para essa emenda.
Por outro lado, começa a ser fatigante que tantas vezes no discurso governamental e da maioria apareça a expressão referente às oposições de que «elas passam o tempo a dizer mal».
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Trata-se de uma expressão que antigamente não tinha foros parlamentares, muito menos tinha foros académicos, e fazia parte de um livro que nenhum país se atreve a adoptar como constituição - o «Clube da Má Língua», de Dostoievski. Era aí que deveria ficar essa linguagem; ela não deveria vir para os discursos- parlamentares.
Felizmente que o nível pôde ser aumentado pelos discursos notáveis que aqui ouvimos do Sr. Ministro da Educação e do Professor António Barreto. Aí, sim, nós vimos que estamos frente ao problema apaixonante que é a própria definição dos futuros alternativos deste país; aí vimos que estamos perante um problema que pode exigir a devoção e o sacrifício de todos.
E também me ocorre fazer justiça porque quando ouvi o calor desse debate não pude deixar de me lembrar da escola de Veiga Simão do que ele ensinou, do que ele organizou, da gente que preparou, só para lembrar que as ideias estão aqui, pregadas de novo, mas não são assim tão novas e o autor de grande parte delas está, humildemente, esperando que elas se desenvolvam através de uma vontade forte de que deixou memória no então Ministério da Educação Nacional.
E queria dizer ao Sr. Ministro da Educação que o seu discurso de alto nível mereceu críticas fundadas, algumas severas e oportunas, mas é uni discurso que o Sr. Ministro não deve abandonar porque se este Governo não tiver força para realizar o programa, a Democracia Cristã, em que o Sr. Ministro acredita, há-de dar-lha sempre, e não precisará por isso de esperar por milagres, basta apenas esperar que se mantenham as suas convicções, decisões e foiça de vontade.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, gostaria de dizer que também comungo na preocupação que aqui foi levantada sobre a introdução 'do ensino cívico nas escolas que foi uma inovação republicana inoportunamente abandonada. E também concordo que ela não deve ser posta em alternativa com o ensino religioso. A crença não dispensa a educação cívica para os nossos tempos e para o futuro: Não espero que tal calamidade nos aconteça a nós, mas podia aparecer-nos aí um religioso Khomeyni ao qual já fosse impossível ensinar qualquer educação cívica. É por isso que espero que esse plano sofra alguma rectificação.
Por outro lado; também julgo que era tempo de, de uma vez, acabar com este discurso da maioria e do Governo sobre as oposições sempre retrógradas, sempre ignorantes - já recebi esse qualificativo com humildade -, sempre desconhecedoras do futuro que está a desenrolar-se na Europa. Julgo que devia ser necessário acabar com isso, justamente também neste dia em que o Governo teve oportunidade de anunciar tantas reformas urgentes, benéficas e que se vão multiplicar em bons resultados para o País, mas neste dia que se segue àquele em que as oposições deram um exemplo de estadismo exemplar, tornando possível a revisão da Constituição, a reforma fundamental que o Governo sozinho não seria capaz de fazer, e é preciso ter sentido de Estado para o fazer e essa homenagem tem de prestar-se ao Partido Socialista, e tem de olhar-se com respeito para os líderes que são capazes, em minoria, de viabilizar um texto que torna possível o programa do seu principal partido opositor, porque muitas das reformas que fazem parte do programa do PSD não seriam viáveis sem essa Revisão Constitucional que o Partido Socialista tornou possível.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio e é grave!
O Orador: - Por outro lado, queria, no breve tempo que nos resta e sem querer sequer esgota-lo todo, e porque a interpelação não é nossa fazer algumas observações sobre a improdutividade atribuída às oposições e, por outro lado, às críticas a que as oposições fazem.
Quanto à improdutividade, gostaria. de fazer a seguinte pergunta à Oposição, ao Governo e ao partido que o sustenta: quantos são os projectos apresentados pela Oposição que foram considerados viáveis pela maioria? Hoje ouvi aqui citar Aristóteles, que, para quem pensa apenas no futuro e na modernidade, é um autor bastante reabilitado e rejuvenescido, mas vejo que ele deve ter sido lido completamente não só na parte citada - também foi lido na parte em que diz que há uns homens que nascem para mandar e outros para ser mandados. E, relativamente a essa parte - suponho que foi a parte omitida na citação de Aristóteles -, gostaria que ela fosse inteiramente esquecida ...
Risos do PS.
... porque - e eu queria dizer isto - o pior real que o PSD tem feito ao país é convencer o País que não há alternativa!
O País precisa de saber que há alternativa, temos de dignificar os nossos alternantes e adversários porque a única coisa, que não tem alternativa é o País em que rios nascemos, este país é que não tem alternativa para o resto, há alternativa.
Aplausos do PS, do PRD e do CDS.
Não conheço forças políticas que não sejam substituíveis tal como não conheço lideres que não sejam substituíveis, e não o digo hoje, digo-o há muitos anos. Sou institucionalista como todos sabem, não estou aqui a dizer uma palavra que não tenha proferido há dezenas de anos e passadas essas dezenas de anos quero repetir que a idade me permitiu visitar ao longo destes tempos o túmulo de muitos homens insubstituíveis.
Nós temos de acreditar em instituições e depois elas devem suportar os homens, mas não podemos ficar à espera que a única alternativa para um homem é outro homem; isso não pode acontecer; isso não pode fazer parte da nossa filosofia nem da nossa prática.
Por outro lado, muito rapidamente, gostava também de dar parte de algumas inquietações que temos. Nós supomos que na orgânica do Estado, seja quem for que esteja no Governo, existem alguns corpos administrativos que são fundamentais: o corpo militar, o corpo da magistratura e da segurança pública, o corpo dos professores e o corpo diplomático.
E o que nós perguntamos ao Governo é se podemos estai tranquilos a respeito dó corpo militar em face da movimentação evidente dos sargentos... É porque eles representam uma força da cadeia de comando e não ouvimos ainda uma palavra responsável a esse respeito.
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Em segundo lugar, quanto ao corpo da magistratura e da segurança pública, se o Governo nos permite ter confiança no estado de espírito da Polícia de Segurança Pública. Mais um acontecimento a respeito do qual se mantém um prudente silêncio!
No que toca ao corpo de professores, indispensáveis para a realização do único projecto brilhante que aqui foi apresentado, merecedor de contestações sérias, mas o único projecto que foi apresentado hoje, esse grupo de professores está, com justiça total, em revolta contra a Administração - e isso ainda não chegou ao ensino superior, ao qual o Governo só tem sido capaz de fazer injustiça porque o corpo de professores do ensino superior, desde 1974, que não reivindica uma melhoria pessoal, reivindica apenas a melhoria do sistema de ensino, das instalações, dos laboratórios, das bibliotecas e tem-se portado com um sentido cívico que eu gostaria de ver multiplicado nos outros corpos.
E, finalmente, temos o corpo diplomático. Continuo extremamente inquieto com a iniciativa do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de chamar a si o arbítrio das nomeações a partir de Conselheiro. Não é que não tenha o maior dos apreços e confiança na integridade do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros..., o que não tenho é confiança na sua imortalidade e na sua perenidade no Governo e não quero esse arbítrio nas mãos do primeiro «ministro» que apareça para os Negócios Estrangeiros.
Penso que é um péssimo serviço prestado ao país, penso que a Câmara devia rever esse diploma e era uma excelente ocasião para que a maioria reconhecesse, de quando em vez, que a Oposição também tem algumas ideias construtivas e de Estado.
Queria fazer uma pergunta concreta a que, penso, só poderá responder o Sr. Ministro da Educação: uma das vertentes principais da reforma que nos anuncia é a identidade nacional. Foi a identidade nacional, com expressão no culto da língua, que aqui nos foi prometido. Ora eu pergunto ao Sr. Ministro da Educação que ideia tem o Governo da identidade nacional.
Para esses cursos da língua portuguesa estão previstas matrículas para alguns eurocratas portugueses, que andam por aí a falar «europês» em vez de falar português e em vez de defenderem os valores fundamentais que alguns de nós ainda pensam que são identidade nacional? Isto precisa de uma definição de identidade nacional da parte do Governo. Essa definição não foi feita! O anúncio já abre muitas esperanças, o preenchimento dele é uma grande tarefa e um grande risco; aquilo que nós esperamos é que venha a ser preenchido no sentido de que a identidade, a viabilidade independente, o respeito deste país - que é o único bem para o qual não temos alternativa - possam verdadeiramente ser assegurados.
Aplausos do CDS, do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sensivelmente a meio do período de exercício do mandato que lhe foi concedido pelos eleitores, o Governo do PSD, apesar de apoiado pela maior maioria depois do 25 de Abril, está cada vez mais sozinho.
Não se fazem balanços a meio do exercício mas, assim o recomenda a sã gestão, devem fazer-se balancetes periódicos.
Não é, pois, um balanço da estratégia dita de «progresso controlado» mas, apenas, um balancete sumário da acção governativa que nos propomos fazer.
Formulado o balancete, vê-se, claramente, que a situação líquida começa a ser preocupantemente negativa.
Não é, naturalmente, a magnitude da situação líquida que nos suscita preocupações. O que de facto deve ponderar-se são as determinantes daquela.
Como é sabido, o Governo pôde incluir no seu activo três factores distintos, mas convergentes e promotores de amplas sinergias:
Por um lado, beneficiou dum ingrediente que, sendo extra-económico, adquire larguíssima preponderância nos resultados económico-financeiros - refiro-me às benesses que a motivação da estabilidade induz nos comportamentos dos cidadãos em geral e dos agentes económicos em particular; por outro lado, o Governo tem podido disfrutar não apenas de novas origens de fundos mas, sobretudo, de muitos fundos; finalmente, a conta dos chamados «ganhos extraordinários do exercício», decorrente dos elevados ganhos registados nos termos de troca permitidos pela evolução altamente favorável da envolvente económica externa, apresenta um saldo francamente positivo.
Vê-se, portanto, que as determinantes que antecederam e subordinaram a acção governativa foram de sinal marcadamente positivo.
Como justificar, então, «a magreza» dos resultados atingidos?
Srs. Deputados, o Governo definiu uma estratégia, mas não soube traduzi-la e programá-la em políticas sectoriais concretas e sobretudo adequadas.
É possível que o Executivo tenha admitido que a definição e operacionalização de tais políticas seria desnecessária e, potencialmente, incongruente com a adesão à CEE e, sobretudo, com a realização do Acto Único Europeu.
Esta foi uma das principais razões que determinaram o baixo ratio de solvabilidade do Governo.
As políticas nacionais eram - e são - estritamente necessárias para optimizar as consequências, financeiras e de adaptação estrutural, da nossa adesão.
O Governo optou, igualmente, por uma filosofia de laisser faire, laisser passer em matéria de liberalização económica e nunca, como agora, se sentiu tanto a permissividade do espaço português à descontrolada penetração das transnacionais.
Assim vai Portugal!
Especialmente mais desintegrado. Que é feito da promessa de regionalização?
Economicamente mais desarticulado. Onde está o modelo da nossa especialização produtiva no contexto europeu?
Temporalmente cada vez mais retardado. Quando vamos sair da cauda da Europa, sobretudo no que respeita à satisfação das necessidades básicas da população?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo tem dois anos para recuperar a sua imagem. Pode optar pela demagogia da «sopa dos pobres» e das esmolas aos pensionistas e reformados, mas não será, assim o espero, com tal postura que, politicamente, se vai ressarcir perante o povo português.
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É certo que o Governo vai poder governar com uma nova Constituição; alegadamente mais europeia; mais moderna e mais aderente à nossa realidade.
Porém, a nova lei fundamental pouco ou nada vai trazer de novo à acção governativa. Vê-lo-emos no futuro próximo.
A questão central continua a ser a de saber qual é a vontade política, a confiança e a ambição do Governo para fazer convergir os portugueses, nomeadamente; os agentes económicos e os parceiros sociais, em torno de um projecto de mudança que os torne agentes e beneficiários do desenvolvimento económico e social.
Esta é a «modernidade» que o Governo precisa converter numa praxis, em vez de edifica-la em ideologia.
Srs. Deputados, a situação liquida é negativa, porque a gestão foi incompetente.
Em meados de Junho, a assembleia. geral vai reunir é a direcção vai ser criticada sendo de admitir a entrada de novos gestores.
Esperemos que tal remodelação permita recuperar os erros do passado. É que; se assim não suceder, 1992 deixará de ser um desafio e converter-se-á numa derrota para os portugueses.
Aplausos do PRD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproveito a indulgência da Mesa, nestes minutos que me foram concedidos, para voltar aqui a algumas questões que foram levantadas, aliás de forma acalorada, após a intervenção de fundo que tive ocasião de aqui fazer.
O essencial das questões a que me queria reportar diz respeito à intervenção do Sr: Deputado António Barreto, a qual me deixou francamente preocupado.
Sr. Deputado; de facto, julgo, está a viver uma fase difícil da vida, povoada de fantasmas, cheio de problemas, o que se traduziu numa retórica permanentemente destrutiva de toda a política educativa, que, penso, não pode deixar de fazer pena e que revela um desencanto a que eu julgava difícil uma pessoa inteligente chegar, pelas ideias construtivas e pelo debate de alternativas vigorosas que nesta Câmara tem que ter lugar.
Devo dizer que o conjunto da sua intervenção, tanto quanto consigo perceber, de facto, se saldou por um completo deserto de políticas alternativas.
Permito-me perguntar a esta Câmara que alternativa foi formulada, em relação ao elenco concreto de medidas políticas que foram tomadas e se foi adiantada uma única ideia construtiva ou válida, relativamente à reforma educativa que está em marcha?
Vou dar um exemplo: a reforma curricular. A reforma curricular que o Sr. Deputado, hoje, tão veemente clamou- que viesse à discussão nesta Câmara, é talvez o exemplo ou o caso recente mais acabado de participação democrática na respectiva concepção.
É talvez o exemplo mais flagrante de uma reforma intensamente participada ao longo de três anos de preparação na sociedade portuguesa.
Mais de seis mil pareceres foram formulados sobre esta reforma curricular: Professores, pais, alunos, instituições culturais, sem qualquer restrição, nem constrangimento, todos eles se pronunciaram:
No Conselho Nacional de Educação essa reforma esteve em apreciação durante cerca de oito meses, durante os quais foi debatida, foi remexida, foi apreciada e foi votada; penso até que o parecer final que sobre a mesma recaiu foi votada por unanimidade. Conselho Nacional de Educação que, repito, foi constituído essencialmente a partir de uma lei desta Assembleia da República, que ratificou um decreto-lei, Conselho Nacional de Educação cujo presidente foi eleito por esta Câmara, que inclui representantes qualificados de todos os partidos políticos com assento parlamentar (inclusivamente, do Partido Socialista) e que incluía também representantes de todos os parceiros sociais, que têm a ver com a matéria da reforma educativa.
O Sr. Deputado António Barreto teve ocasião, aliás, de dizer, à minha frente, num- debate televisivo, que não cabe aos partidos políticos, como tal, opinar sobre a lei curricular, se bem se recorda. Eu estou tendencialmente de acordo consigo.
Sobre saber se é uma hora de francês, ou duas horas de trabalhos oficinais, ou três horas de inglês, não cabe, naturalmente, aos partidos políticos como tal, opinar, porque não se trata de matéria de debate político puro. É evidente que não é vedado aos partidos políticos pronunciarem-se sobre ela e tiveram ocasião de fazê-lo amplamente em todas as sedes e em todas as instâncias de concertação onde esse debate teve lugar.
Com certeza que o Partido Socialista, no uso de um direito que lhe cabe como partido da Oposição, pode chamar à ratificação desta Câmara o decreto-lei, e então teremos ocasião de fazer um debate amplo, aberto, em relação ao qual não haverá a mínima escusa da parte do Governo.
O Sr. Deputado António Barreto, por mais de uma vez, acusa-me de falta de coragem, ou até de fuga à responsabilidade - creio que foi a sua expressão.
15so fez-me recordar uma deliciosa história que eu me habituei a ler quando era criança, a de «O Feiticeiro d'Oz». Como sabe «O Feiticeiro d'Oz» tem três curiosos personagens, em que uma andava à procura da coragem, outra do coração e a terceira da inteligência.
Devo dizer, Sr. Deputado, que da inteligência ando permanentemente à procura, embora pense que não é o suficiente; de coração, penso que uma reforma educativa tem de ter muito coração, e coração muito aberto, para sentir a Nação e para que reflicta o essencial do pensamento dessa Nação; por último, tem de ter coragem.
Não foi certamente por falta de coragem que aceitei integrar o Governo, a convite do Sr. Primeiro-Ministro. Não para fugir à responsabilidade mas, sim, para assumi-la em, pleno e assumi-la-ei em pleno enquanto tiver a confiança do Sr. Primeiro-Ministro e integrar o Governo.
Esta coragem está reflectida na decisão tempestiva. Como já disse nesta Câmara, é tão- democrático o processo de debate, de participação, de concertação, como o processo de decisão tempestiva, porque o apelo ao debate e à concertação não pode ser alibi para a falta de coragem de decisão tempestiva e nós temos tomado a decisão, em cada momento que se impõe. O povo português aí está e certamente será o juiz sereno das decisões que vêm a ser tomadas.
Quanto à questão da identidade nacional e da língua que, o Sr. Deputado Adriano Moreira levantou, direi que o Governo não é dono ... .
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Claro!
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O Orador: - ... da identidade nacional e não é patrão da Língua Portuguesa, nem sequer Portugal o é.
A Língua Portuguesa é património de uma comunidade pluricontinental de 160 a 170 milhões de seres vivos.
O Governo não cai, pois, na tentação hegemónica de pretender ser proprietário do que quer que seja, muito menos da identidade nacional.
Pessoalmente respeito a Nação e o Governo respeita o pulsar da Nação e tem um apreço infinito pela acumulação patrimonial de séculos forjada no encontro de povos e de culturas.
A reforma educativa faz-se pela devolução do sistema educativo aos portugueses e às comunidades de base e não pela acentuação da dominação estatal. É uma escola de projecto, uma escola de alma e uma escola não burocratizada, capaz de afirmar valores nacionais e não envergonhada desses valores, como aconteceu recentemente, que nós pretendemos reabilitar em Portugal.
Aplausos do PSD.
A reforma educativa é uma oportunidade soberana para fortalecer a democracia civil, isto é, aquela democracia que, não sendo tutelada pelo Estado, e antes propiciadora da vitalização da sociedade civil.
Queremos formar cidadãos livres, Srs. Deputados, cidadãos de carácter, portadores de critérios e de capacidade de decisão livre.
É esta a escola de valores que queremos instituir.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Barreto pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, na verdadeira acepção da palavra, para a defesa da consideração.
O Sr. Presidente: - Dentro da letra e do espírito do Regimento, queira usar da palavra para defesa da consideração, Sr. Deputado.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, muito obrigado.
Serei breve, Sr. Ministro da Educação. Eu terei problemas, certamente que tenho, e fiquei a saber que, eventualmente, o Sr. Ministro da Educação não tem, o que não é, necessariamente uma virtude.
Mas há uma coisa de que o Sr. Ministro da Educação necessita: é dum aparelho de audição.
Eu não o acusei de falta de debate, Sr. Ministro da Educação. Deve estar a confundir com outras intervenções eventualmente produzidas noutras sedes.
Tive muito cuidado, porque sei, quase ao pormenor dos números, quantas pessoas, quantos documentos e quantas reuniões houve, desde há dois ou três anos, relativamente à reforma educativa. Não estou a valorizar ou avaliar a qualidade dessas intervenções, o seu resultado ou a sua produtividade, estou apenas a dizer que sei, em quantidade, o que é que isso representou.
Há, agora, uma diferença entre virem pessoas ou virem grupos tomar uma decisão final sobre uma matéria tão importante como o plano curricular - não o programa, nem o pormenor mas o eixo central dum plano curricular - que, acho eu, deve ser objecto de debate e de decisão parlamentar fundamental.
Teoricamente, estamos a definir como vai ser o plano curricular do sistema educativo português para 5, 10, 15, 20, 30 anos, para uma geração ou duas gerações, com ajustamentos ulteriores, eventualmente.
O Sr. Ministro da Educação sabe que os seus colegas da Comunidade Europeia, que têm feito nos últimos 20 anos reformas curriculares, levam o essencial do plano curricular a debate nos respectivos Parlamentos, e não são objecto de mero decreto.
Eu não o acusei de falta de debate, não o acusei de falta de diálogo. Eu sei que o Sr. Ministro da Educação, Sr. Engenheiro Roberto Carneiro, desenvolve múltiplas e repetidas sessões de debate, mas o problema é de decisão final e do modo de decisão final, pois o debate é uma condição prévia.
O debate que procura a adesão é uma coisa, mas o debate que procura a participação é outra coisa e aqui já pode haver bastantes diferenças.
Repito: traga a proposta de lei, Sr. Ministro da Educação! Eu não aceitarei que repita o que anónimas pessoas dizem, repetidamente, neste Hemiciclo, que não há projectos de lei, nem propostas alternativas do Partido Socialista.
Estamos a entregá-las todos os meses, Sr. Ministro e Srs. Deputados! Ainda há quinze dias ou três semanas apresentámos mais uma, sobre as escolas isoladas de Portugal, sobre os professores deslocados.
Estamos sistematicamente a apresentá-las, apresentámos propostas sobre a lei do ensino superior politécnico, a lei da autonomia universitária, a lei dos manuais escolares, a lei do ensino pré-escolar e o Sr. Ministro sabe que o que disse, isto é, que nós não apresentámos propostas alternativas não é verdade.
Sr. Ministro da Educação o aparelho auricular vai trazer-lhe vantagens, seguramente, pois eu não disse que o Sr. Ministro da Educação não tinha coragem, o que eu disse foi que o Sr. Ministro da Educação se tinha resignado, o que é diferente! Eu disse que o Sr. Ministro da Educação tinha mostrado fraqueza e obediência, onde devia ter mostrado autonomia, inconformismo e irreverência.
Por favor, ouça bem o que eu lhe disse, Sr. Ministro da Educação! É uma grande virtude democrática o bem ouvir e o bem reproduzir as críticas dos adversários políticos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, é só para, em trinta segundos, lembrar ao Sr. Deputado António Barreto que a aprovação do decreto-lei sobre os planos curriculares e a reorganização global do ensino básico e secundário nesta matéria se faz em cumprimento do artigo 59.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro) votada nesta Câmara e que, expressamente, prevê a aprovação dessa matéria por decreto-lei. Foi esta Câmara que delegou no Governo através da Lei de Bases do Sistema Educativo, a competência para, por decreto-lei, aprovar a reforma curricular. O Sr. Deputado sabe isto muito bem!
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está encerrada esta fase do debate, pelo que vamos passar ao encerramento.
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quero sublinhar, em primeiro lugar, que esta Câmara se prestigia perante o País. Prestigiou-se ontem com a votação, por lapso consenso, de uma Revisão Constitucional que serve os interesses de Portugal e dos portugueses; prestigia-se hoje pela profundidade de um debate em que oposições, e Governo se empenharam como uma seriedade que me apraz registar.
Mas este é sobretudo o momento do balanço e das conclusões, e a conclusão principal deste debate é a de que a fórmula política que serviu de base a este Governo é uma fórmula política esgotada em Portugal. Parece paradoxal que, tendo este Governo, encontrado uma situação totalmente favorável na conjuntura económica internacional, na estabilidade que lhe é facultada pela sua maioria e pelo comportamento impecável no plano institucional do Sr. Presidente da República, como é possível com a expectativa favorável, aliás gerada no País com as eleições de 19 de Julho de 1988, dois anos depois, sem que nada se tenha oposto no seu caminho, se verifique o esgotamento da fórmula política deste Governo. Basta analisar o que foi a intervenção produzida esta manhã pelo Sr. Ministro das Finanças para percebermos a razão fundamental. É que este Governo não tem estratégia para a economia portuguesa, é que este Governo não tem uma ideia sobre o futuro de Portugal.
O discurso de abertura desta interpelação, limitou-se à apresentação, tal como na assembleia geral de um banco, de quinze indicadores económicos, quinze indicadores económicos que revelam, é evidente, a relativa prosperidade nos últimos anos de uma sociedade que foi bafejada por uma conjuntura internacional totalmente favorável, como não tinha acontecido nas últimas décadas e num grau que nenhum outro pais da CEE ou da OCDE pôde encontrar. Veja-se a evolução relativa dos termos de troca para o justificar. Senão tivesse havido qualquer Governo em Portugal, mas tivessem funcionado as direcções-gerais, a economia portuguesa teria verificado uma evolução muito semelhante se não melhor, e não temos sequer receio, de explicitar a comparação que o Sr. Ministro das Finanças aqui quis fazer entre os governos da confiança política do Partido Socialista, e dos governos da confiança política do PSD.
Digamos de uma vez por todas que sempre que o PS assumiu responsabilidades de governo em Portugal, o País estava à beira de uma banca rota e que sempre que o PS deixou de assumir responsabilidades políticas em Portugal a situação económica e financeira estava saneada, tudo era possível e a margem de manobra do Governo era grande.
Aplausos do PS e risos do PSD.
Sempre que o PSD assumiu responsabilidade de Governo em Portugal o Pais estava economicamente equilibrado e tudo era possível. Da primeira vez que deixou de ter responsabilidades políticas de governo o País foi entregue à beira da banca rota, vamos ver como é que no-lo entregam em 1991.
Aplausos do PS e risos do PSD.
Mas o discurso do Sr. Ministro das Finanças revelou ainda aquilo que me pareceram ser as quatro diferenças fundamentais entre a política deste Governo e uma política de um governo socialista.
Em primeiro lugar, este Governo considera, que um pais periférico dependente como o nosso, não precisa de uma- estratégia de desenvolvimento mas apenas do jogo de mercado. Não estamos de acordo, porque um espaço económico como o da Europa Ocidental, em que há um centro e uma periferia, o simples jogo de mercado não deixará de acentuar as diferenças entre esse centro e essa periferia. Não estamos de acordo, porque não basta que haja transferências financeiras da CEE para Portugal, é necessário que haja uma estratégia, não uma estratégia ditada autoritariamente por um qualquer, governo mas uma estratégia discutida, assumida pelo conjunto do Estado e dos principais agentes económicos, empresariais e de trabalhadores, para que essas transferências possam frutificar num verdadeiro esforço de modernização.
Foi com uma estratégia e não apenas confiando no mercado que o Japão soube a partir da guerra sair de uma economia destruída para a mais próspera economia dó mundo livre de hoje. Foi com uma estratégia definida, assumida e cumprida em conjunto, em diálogo, pelo Estado e pelos principais agentes económicos.
Essa estratégia não é uma coisa etérea, tem um objectivo e tem instrumentos. O objectivo fundamental é passar de uma situação em que a única vantagem comparativa da nossa economia são os baixos salários para a criação de novas vantagens comparativas no contexto europeu, baseadas na criação de uma mão-de-obra qualificada, de uma capacidade tecnológica nacional, de uma verdadeira aposta no homem e na valorização dos nossos recursos humanos. E tem instrumentos, que se traduzem na articulação de uma política educativa, com uma política de formação profissional, com uma política de investimento e com uma política de investigação cientifica e tecnológica. O que é que em relação a isso se tem passado?
Articulação nenhuma no plano da política educativa temos de convir que o Sr. Primeiro-Ministro encarou o Ministério da Educação como aqueles treinadores de futebol que compram um jogador brasileiro muito bom mas depois não têm dinheiro para lhe pagar e o mantêm no banco dos suplentes. A verdade é que
não há política educativa possível sem orçamento e sem professores.
Primeiro retiraram ao Sr. Ministro Roberto Carneiro o orçamento necessário para a. sua política, retiram-lhe agora, pela indignação justamente criada na classe dos professores, o entusiasmo e a dedicação dos mesmos sem a qual não há reforma educativa possível.
Sinceramente não percebo, o que é que o meu amigo engenheiro Roberto Carneiro continua a fazer neste Governo e não hesito em: vaticinar que não ficará lá muito tempo.
No plano, da formação profissional, em que houve nos últimos anos dezenas de milhões de contos, a verdade é que eles foram inteiramente desperdiçados, porque não houve estratégia, não houve objectivos, não
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houve prioridades, houve, sim, desvios, há agora incapacidade para utilizar a globalidade dos fundos.
No plano da política de investimento, este Governo seguiu o critério do Rei Salomão, só que cortou mesmo a criança ao meio: deu metade dos incentivos ao Sr. Ministro da Indústria, deu outra metade dos incentivos, ao Sr. Ministro do Plenamento e evitou com isso uma crise de Governo, impediu com isso uma verdadeira estratégia de desenvolvimento.
No plano da investigação científica e tecnológica, após um começo promissor, com um secretário de Estado com credibilidade, capaz de atrair um presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, seguramente uma das personalidades mais marcantes do mundo científico português, passaram alguns meses, o secretário de Estado, demitiu-se, demitiu-se o presidente da junta, a investigação é hoje apenas, algo que se insere na lógica de funcionamento clientelar do partido da maioria.
Mas há outras diferenças! Nós também não consideramos possível, que este período de relativa prosperidade traduzido nos índices do Sr. Ministro das Finanças não tenha sido aproveitado para reduzir as injustiças e as desigualdades na sociedade portuguesa. E a injustiças e as desigualdades estão a aumentar e não a diminuir, a aumentar desde logo na relação entre os salários e os preços. Quem dúvida que todos os salários, controlados directa ou indirectamente por este Governo, estão neste momento para quem os aufere a conduzir a uma redução do poder de compra?
Injustiças também - e evidentes! - na reforma fiscal e na aplicação dos impostos. Quem paga impostos em Portugal, como todos sabem, são as classes médias ou as profundamente agravadas pela política fiscal deste Governo. Injustiças nas custas judiciais, injustiças até no aumento dos preços dos medicamentos, com os quais o Governo retira com uma mão aquilo que com a outra deu aos reformados e pensionistas nos aumentos que pôde proporcionar-lhes com a folga, o saco azul, a margem de manobra que a economia portuguesa adquiriu por essa conjuntura internacional tão favorável.
Mas injustiças e desigualdades também no plano regional! Temos criticado o PD R pela falta de diálogo na sua elaboração, mas começamos hoje também a criticá-lo no seu conteúdo. É que este PDR apresenta a mais espantosa concentração de investimentos públicos no litoral confessada por um governo nas últimas décadas.
É evidente que esta opção pode ter justificação, mas então que seja explicitada, que seja trazida a esta Câmara, que seja discutida, para que as populações do interior saibam ao menos a razão pela qual são neste momento sacrificadas.
Diferenças também quanto ao centralismo e à tentação - e chamo tentação para não ofender os Srs. Deputados do PSD - autoritária deste Governo. Centralismo evidente na redução das verbas para as autarquias, no boicote sistemático à criação das redes administrativas; tentação autoritária evidente - e não falo já do caso das polícias - na falta de uma capacidade de diálogo construtivo, efectivo, entre o Governo e os parceiros económicos e sociais da nossa vida, parceiros esses cuja diversidade constitui em grande medida a riqueza do nosso tecido social.
Finalmente, a questão da transparência. Não vou hoje falar aqui nem de inquéritos nem de escândalos, mas o PSD não pode continuar a fugir a um diálogo essencial na sociedade portuguesa sobre o financiamento da nossa vida política. Nós temos de garantir que os partidos políticos portugueses têm do Estado um financiamento suficiente, temos de garantir que as doações aos partidos políticos são submetidas a regras de transparência clara, e temos de garantir uma fiscalização da forma como são gastos os dinheiros na actividade política.
Em nome de todos os homens sérios que existem felizmente em todos os partidos, o sistema político não pode continuar sob a suspeição de que a mola real da nossa vida institucional é o tráfico de influências. Isto é intolerável! Temos todos a obrigação de corrigir esta grave lacuna no funcionamento das nossas instituições.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido dito pela bancada do PSD que o PS não é verdadeiramente a alternativa ao PSD. Chegou a altura de vos confessar que o PS já não quer ser verdadeiramente alternativa ao PSD, porque só vale a pena ser alternativa àquilo que é, não vale a pena ser alternativa àquilo que já não é!
O que o PS hoje quer ser é a base de construção da solução política global e credível para Portugal no horizonte nos anos 90, solução política que o PSD já não pode construir.
Senão vejamos: o PS tem um candidato natural às eleições presidenciais de 1991; o PSD do Sr. Professor Cavaco Silva não tem.
O PS tem uma estratégia para o desenvolvimento, modernização e solidariedade nacionais, tal como foi reclamada ontem pelo Sr. Presidente da República no seu discurso na Ilha do Corvo; o PSD, e o seu Governo, o Governo do Sr. Professor Cavaco Silva manifestamente não têm.
O PS tem capacidade de diálogo com as nossas confederações patronais e sindicais, com a generalizada das associações da nossa sociedade civil; o PSD manifestamente já não tem.
O PS tem voz, tem influência nas instituições nacionais como membro que é, da família política europeia e internacional.
Um governo do PS poderá restituir a Portugal o prestígio e credibilidade que já teve, quando foi governado por Mário Soares na qualidade de Primeiro-Ministro e que tem vindo a perder nos últimos anos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um futuro governo do Partido Socialista liderado, como Primeiro-Ministro, por Jorge Sampaio...
Risos do PSD.
... permitirá que Jorge Sampaio não tenha que movimentar-se nas instituições europeias como um simples pedinte de chapéu na mão à procura de subsídios, mas tenha uma palavra a dizer sobre o futuro da construção europeia, e permitirá também que ele possa participar no Conselho do Atlântico, numa posição responsável e não como um falcão por excesso de zelo para inglês ver, um falcão que, convenhamos, é um
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pouco desasado, porque isto de ser falcão sem garras já não mete medo a ninguém.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O PS, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tem consciência de que esta solução política não vai concretizar-se amanhã. Amanhã ainda o governo reúne sem mangas de camisa» - o PS sabe que este Governo se irá arrastar até 19911
O Professor Cavaco Silva; tem um contrato a prazo, os portugueses vão com certeza rescindi-lo nessa data, se os Srs. Deputados do PSD por razões de sobrevivência partidária o não fizerem antes. Mas fundamentalmente o PS tem consciência de que é hoje a esperança dos portugueses para o futuro. O PSD já não é, é o passado. O PSD transformou-se numa enorme e gigantesca desilusão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de me pronunciar sobre a presente interpelação, gostaria que, em, nome do Governo, me fosse permitido assinalar o acontecimento de relevante interesse nacional de que esta Assembleia da República ontem foi protagonista.
Na verdade, é aqui devida uma palavra de felicitação às forças democráticas que, pela via do diálogo, souberam chegar a um consenso sobre a nossa Constituição, que serve os interesses dos portugueses e de Portugal.
Aplausos do PSD.
Em tempo de pré-campanha eleitoral o Partido Socialista decidiu entrar na corrida às interpelações ao Governo. Terão observado alguns que o PS anda a reboque, que não tem capacidade de inovação ou que precisa de subir ao palco para chamar a atenção da opinião pública.
Passado o dia de hoje, dirão muitos que o PS não escolheu bem o tema da interpelação o balanço da actividade do Governo. De facto, se nos últimos quinze anos de democracia há governo com obra concreta para apresentar, é precisamente o actual. Assim se explica que o PS não tenha sido melhor sucedido do que os dois partidos que o antecederam em interpelações no curto espaço de dez dias.
Quem haja seguido com. um mínimo de atenção o que aqui se passou, bem como as interpelações do PCP e do PRD dos passados dias 24 e 29; não; pode evitar alguma perplexidade quanto à actuação dos partidos da Oposição.
Com efeito, este ciclo de interpelações tornou; evidente a dificuldade dos partidos - que criticam o Governo em serem Oposição credível, na nova fase em
que se vive em Portugal.
Ao não passarem da mera crítica negativista e posso dizê-lo - da demagogia- irresponsável, os partidos da Oposição continuam a agir - como se, o País ainda vivesse no termo da crise política e económica; no tempo em que a escuridão no túnel não deixava vislumbrar qualquer luz de esperança.
Assim desfasados da realidade portuguesa e dos desenvolvimentos do mundo moderno, não admira que esses partidos apenas saibam produzir um discurso vazio de onde não se consegue extrair nada com interesse para um pais que está a desenvolver-se e a progredir..
A crise política endémica do passado viciou alguns, ao que parece, irremediavelmente, no mero jogo do verbalismo e da intriga, no ataque pessoal e nas manobras de bastidores.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Lá está ele!
0 Orador: - Em situação de instabilidade, essas eram julgadas eficazes para provocar as crises e assim afastar adversários e concorrentes. Agora; porém; os tempos são outros. Existe um Governo sólido e determinado em cumprir o programa para que foi livremente mandatado pelos eleitores. Daí o desnorte da Oposição.
Paralelamente, a crise económica e a austeridade; que tanto afectaram o Pais até há quatro anos, suscitavam um clima de pessimismo e descrença onde encontravam natural eco o simples dizer mal e o apelo à mudança de políticas, sem grande necessidade de se explicar como è para onde. Tais receitas deixaram, porém, de funcionar na actual situação de rápido crescimento económico e de elevada confiança.
Faltando-lhe os ingredientes a que se habituara para derrubar governos - isto é, faltando-lhe a crise política e a crise económica, a Oposição agita-se e a tudo recorre para tentar fabricar descontentamento e minar a credibilidade do Governo. Mas ao lançar mão da baixa política; a Oposição apenas acaba por prejudicar ainda mais a sua débil credibilidade.
Só de si própria poderá queixar-se a oposição, por não ter sabido adaptar-se aos tempos de estabilidade governativa e de desenvolvimento económico em que,
agora felizmente vivemos.
A circunstância de nos encontrarmos numa situação de Governo maioritário, situação normal e desejável em democracia; não diminui o papel dos partidos da Oposição. Pelo contrário, requer-se deles uma atitude mais responsável, visando oferecer ao eleitorado uma alternativa credível.
Mas o facto de Portugal já não viver em crise política ou económica torna mais exigente a tarefa da Oposição, pois dela sé exige que apresente novas ideias, que defina políticas diferentes, que esclareça o Pais quanto ao projecto alternativo de sociedade que procuraria concretizar-se fosse governo.
Mas onde estão as ideias da nossa Oposição? Onde estão as políticas alternativas por ela concretamente apresentadas para enfrentar os grandes problemas nacionais? Nem no Parlamento, nem fora dele, encontram os portugueses essas alternativas.
Incapaz de se adaptar à estabilidade democrática e de se libertar dos antigos vícios, a Oposição permanece agarrada a um estilo de fazer política que os portugueses inequivocamente rejeitaram, recorre à critica fácil, só sabe dizer mal do Governo, sem qualquer preocupação de seriedade nem fundamento naquilo que diz. Talvez não saiba fazer outra coisa, e é pena, Srs. Deputados da Oposição!
Aplausos do PSD.
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Mas o Governo tem a seu favor algo mais importante do que simples palavras. O Governo pode invocar factos. E contra factos não há argumentos.
Quem, nos últimos quinze anos, fez mais ou melhor do que os meus Governos?
Quem assegurou quatro anos consecutivos de forte expansão económica, superior em 50% à média comunitária, proporcionando uma gradual e irreversível melhoria do bem-estar das famílias portuguesas?
Quem foi capaz de gerar no País um sentido de confiança que levou a uma das mais altas taxas de investimento do mundo?
Quem encerrou o longo período de marasmo, pessimismo e resignação na agricultura, dando lugar a uma autêntica explosão do investimento agrícola?
Quem logrou diminuir o desemprego para um dos níveis mais baixos da Europa, abrindo novas perspectivas aos jovens?
Quem pôs praticamente fim à chaga dos salários em atraso?
Quem relançou o sector da construção civil e possibilitou um aumento de 15% nos últimos três anos no número de famílias com acesso a casa própria?
Quem, em três anos, reduziu o défice do sector público para menos de metade em percentagem do produto nacional?
Quem começou a pagar antecipadamente e a diminuir a nossa dívida externa?
Quem tomou finalmente a sério a construção de estradas e auto-estradas, eliminando o ancestral isolamento de muitas zonas do interior?
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - A CEE!
O Orador: - Quem concretizou as reformas indispensáveis à modernização do País, tantas vezes prometidas, mas antes deste Governo sempre adiadas por incapacidade política e falta de vontade para enfrentar os interesses que sempre procuram travar as mudanças profundas numa sociedade?
Quem, repito, nos últimos quinze anos fez mais ou melhor do que este Governo?
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados da Oposição, compreendo bem o vosso embaraço: a obra concreta do Governo contrasta de forma marcante com o vosso discurso vazio de conteúdo.
Face à dificuldade em criticar a obra concreta do Governo, faltando-lhe a crise política e a crise económica, e sendo incapaz de apresentar políticas alternativas, teve a Oposição de tentar outra via. Tentou, então, o ataque pessoal, recorrendo mesmo à insinuação cobarde e à calúnia maldosa e especializou-se no dizer mal por dizer mal.
Curiosamente, os partidos da Oposição entraram mesmo em aplaudir-se mutuamente nas suas críticas. Embora desafinado, tal coro é bem revelador da vacuidade desses partidos e da sua incapacidade para apresentarem políticas alternativas.
Na verdade, como é possível que partidos situados em extremos opostos de leque político comunguem das mesmas posições negativistas?
Uma voz do PS: - Vocês são tão maus!
O Orador: - Será que se fossem uma dia Governo tais partidos iriam seguir
orientações idênticas?
O absurdo da situação evidencia bem como a Oposição não tem ideias, nem propostas alternativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para vencer o desafio histórico que tem pela frente, Portugal necessita de políticos sérios, responsáveis e preparados, conscientes do que está em jogo o futuro do País e o bem estar dos nossos filhos.
Uma voz do PS: - É verdade, sim senhor!
O Orador: - Furtando-se a abordar o cerne dos problemas que se colocam à modernização nacional e à plena integração na Europa de 1992, a Oposição mostra ignorar que, nos nossos dias e nas circunstâncias em que o País vive, aos políticos se exige, antes de mais, competência.
A superficialidade e os meros jogos de palavras, em que tanto se comprazem os nosso críticos, já não servem para liderar Portugal. Quem, de facto, poderia confiar em políticos desconhecedores dos complexos dossiers da governação e manifestamente incapazes de enfrentar, com conhecimento, a negociação permanente em que se traduz a vida nas Comunidades Europeias?
Procurando captar as simpatias de um eleitorado que, já por mais de uma vez, mostrou não os levar a sério, os dirigentes da Oposição optaram por se colar a todas as reivindicações de grupos profissionais que surgem na sociedade portuguesa.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O País vive hoje em clima de optimismo e desenvolvimento, contrastando com o marasmo antecedente. É porque as coisas mudaram para melhor que aparecem as reivindicações. Toda a gente sente, agora, que pode melhorar a sua situação porque a economia está a crescer e há estabilidade política.
No ambiente de crise, de austeridade e de profunda descrença anterior aos meus governos, pelo contrário, ninguém, no fundo, acreditava poder melhorar de nível de vida. Nesse tempo, não havia espaço para reivindicar melhorias; havia apenas que aguentar para evitar o pior.
Na sua miopia, alguns tentam apresentar como algo de negativo para o Governo esse compreensível desejo dos grupos profissionais de viver melhor, agora que ele já não é mero sonho. Ora, bem ao invés, as reivindicações são sintoma de uma sociedade livre em desenvolvimento. Somos os primeiros a reconhecê-lo.
Só que nem por isso poderia qualquer governo responsável, conhecedor dos condicionalismos que afectam a economia nacional, dar total e imediata satisfação a todas as reivindicações. Se o fizesse, estaria a comprometer a expansão equilibrada da economia, que garante a subida gradual e segura do bem-estar de todos. Estaria a sacrificar o desenvolvimento futuro do País em nome de uma ilusão temporária.
Ao invés, e de forma irresponsável, desprovidos de visão global do País, os dirigentes da Oposição concordam com tudo o que surja como exigência ao Governo, apoiam toda e qualquer reclamação corporativa, subscrevem as mais contraditórias pretensões sócio-profissionais. É sintomático que nunca se tenha
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visto um, partido da Oposição a interrogar-se sobre o custo para o Orçamento do Estado de uma qualquer reivindicação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nós fizemos isso no da saúde!
O Orador: - O discurso há pouco proferido por um Sr. Deputado do Partido Socialista é bem o exemplo do que acabo de dizer. É um exemplo notório da incapacidade da Oposição para ver para «além do adro da igreja».
A falta de visão global do País ficou por demais patente no discurso daquele Sr. Deputado, para que possa vir a ser uma afirmação de uma alternância de liderança no seio do seu próprio partido.
Nesta colagem sistemática, os políticos da Oposição abdicaram de liderar a sociedade, passando a andar a reboque de quem apareça a reivindicar na praça pública, o que, de facto, não é elogios para esses políticos.
Aplausos do PSD.
Mais: este tipo de comportamento já levou dirigentes e partidos com grandes responsabilidades a repentinas viragens de 180 graus em graves questões de Estado.
Que credibilidade merece quem assim- actua? Que confiança podem depositar os portugueses em quem corre atrás de qualquer reivindicação, ignorando o interesse geral?
Os portugueses sabem o que teriam a esperar de quem revela tanta leviandade. Sabem que, se fossem Governo, os partidos da Oposição iriam ceder à tentação da facilidade, incapazes de resistirem às pretensões dos mais variados grupos, navegando ao sabor «de políticas contraditórias, pondo em causa o desenvolvimento futuro do País e a própria dignidade do Estado, e trazendo de volta a crise económica.
Por isso, quando os políticos da Oposição julgam colher as simpatias de quem reivindica, colando-se às suas pretensões, eles estão, afinal, a desacreditar-se ainda mais aos olhos dos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tendo. apresentado quaisquer, propostas válidas para promover o desenvolvimento do País, os partidos da Oposição reforçaram, durante este debate, a justeza da posição do Governo e das suas políticas.
O Governo não corre atrás da popularidade fácil nem se furta a tomar as medidas necessárias ao futuro do país, ainda que elas possam ser, num primeiro momento, mal compreendidas por um ou outro sector. Não governamos para grupos, governamos para Portugal.
Temos perfeita consciência do momento histórico que atravessamos. Nestes anos cruciais joga-se o bem-estar de muitas gerações de portugueses. O que vai ser o nosso pais no século XXI depende, em larga medida, daquilo que formos capazes de fazer agora.
É porque o Governo assume, como imperativo essencial, a modernização do País que está a impulsionar um processo de mudança na sociedade portuguesa sem
paralelo na nossa história recente.
Vamos prosseguir no grande esforço de valorização dos recursos humanos através da educação e da formação profissional, vamos apoiar a diversificação e a modernização da indústria, vamos continuar a obra de ressurgimento da agricultura nacional, de abertura de novas vias de comunicação, de redução do peso do Estado na economia e na sociedade, vamos fortalecer o comércio, vamos promover o desenvolvimento regional equilibrado do País.
É este o caminho certo, Srs. Deputados, para legarmos aos nossos filhos um Portugal mais rico, mais justo e mais solidário.
Continuamos a apostar nos portugueses e por isso vamos ganhar. O País que estamos a construir será motivo de orgulho mesmo para os Srs. Deputados da Oposição. Estou certo, disso e os portugueses também.
Aplausos, do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado .Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para exercer o direito da defesa da honra da bancada.
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não conheço e apelo à Câmara não sou dos deputados mais antigos mas não conheço qualquer circunstância onde, em debates deste tipo e num debate de encerramento, tenha sido exercido o direito de defesa da honra ou da consideração.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Falta de memória!
O Sr. Presidente: - Não é falta de memória. É falta de conhecimento, pois isso nunca aconteceu na minha presença. E a informação que obtenho é a de que isso não é hábito nesta Casa. De resto, tem atrás de si um colega que pode muito claramente, pois deve ser um dos deputados mais antigos nesta Casa, considerar os precedentes possíveis.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, dá-me licença que dê um esclarecimento?
O Sr: Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, houve um único precedente que conheço: foi quando o deputado Adelino Amaro da Costa fez um protesto depois da alocução final do primeiro-ministro, Mário Soares, não lhe tendo sido negada a palavra.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Depois dos esclarecimentos dados; tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro, prevalecendo-se de ter o uso da palavra, no final dos debates de hoje. fez acusações às oposições numa linguagem que temos de considerar ofensiva e parlamentarmente inaceitável.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem! Protestos do PSD.
O Orador: - Repudiamos firmemente expressões como «baixa política», «falta...
Protestos do PSD.
Espero que os Srs. Deputados do PSD sejam capazes de aceitar um debate democrático e ouvir com tanta atenção e com tanto respeito o meu protesto como ouviram as acusações feitas pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Vozes do PSD: - Ah! Ah!
O Orador: - Dizia eu que repudiamos expressões como «baixa política», «falta de seriedade», «insinuação cobarde» e «calúnia maldosa». Relativamente a esta última, já houve um partido que quis discutir aqui aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro fez na televisão em relação a um ex-membro do seu partido. Talvez isso que o Sr. Primeiro-Ministro fez possa classificar-se como insinuação cobarde e calúnias maldosas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, normalmente não interfiro nas defesas de
honra, simplesmente dadas as situações de excepcionalidade que foram invocadas e confirmadas por dois partidos e dadas as inscrições que já tenho, não vou permitir a continuação de um debate a posteriori. Se há motivos de defesa de honra e de esclarecimentos, dar-lhe-ei a palavra nesse sentido, mas só nesse sentido.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É isso que ele está a fazer!
O Orador: - Sr. Presidente, creio que V. Ex.ª está a ouvir muito mal ou não ouviu que repeli expressões que aqui foram usadas pelo Sr. Primeiro-Ministro como dirigidas aos partidos da Oposição. Estou a defender a honra e o Sr. Presidente da Assembleia da República não tem o direito de interromper-se.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Ora essa?! Protestos do PSD.
O Orador: - E insisto nisso. Se há que averiguar situações de insinuações cobardes e de calúnias maldosas, essas questões foram colocadas aqui no Parlamento, têm a ver com o Sr. Primeiro-Ministro e entendemos que, a partir deste momento, o Sr. Primeiro-Ministro deixou de estar em condições morais de recusar que se vá até ao fundo nessa averiguação.
Protestos do PSD.
Para terminar, quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que o autocontentamento e o auto-elogio deixaram de convencer e certamente que o Sr. Primeiro-Ministro já começou a sentir a falta de credibilidade que a sua mensagem vai suscitando no País.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem! Vozes do PSD: - Sr. Presidente, o que é isto? O Orador: - E pode dizer-se...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isto é uma declaração, não é uma defesa da honra!
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
O Sr. Primeiro-Ministro pergunta: quem? E eu pergunto: quem provocou tanto descontentamento como aquele que percorre o País...
Protestos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Vale tudo, até encerrar o micro!
O Sr. Presidente: - Vale o que vale a manutenção da ordem normal dos trabalhos, e na ordem normal dos trabalhos, para dar explicações, se assim* o entender, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Prescindo, Sr. Presidente!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Montalvão Machado pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer um protesto, que, segundo já ouvi dizer aqui ao meu colega Narana Coissoró, já se usou nesta Câmara, mas de que eu, infelizmente, não me recordo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para um protesto?
O Orador: - Sim, um protesto!
Sr. Presidente, concede-me a palavra ou não, pois a opinião, do Sr. Deputado Carlos Brito nada me importa?!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode usar algumas figuras regimentais que não são excluídas nesta Casa.
O Sr. Deputado Carlos Brito usou da palavra - sendo difícil de definir pela Mesa - para exercer o direito da defesa da honra, apesar de a Mesa, e eu próprio, em determinada altura, ter considerado que estava a ultrapassar os limites da defesa da honra, do qual assumo a responsabilidade.
Numa defesa da honra não há protestos. Portanto, o Sr. Deputado Montalvão Machado não pode usar a figura do protesto, mas pode usar outras figuras regimentais, para a qual darei a palavra como entenderei, em face do pedido que me for solicitado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Dentro do espírito e da letra do Regimento, pode fazê-lo.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, concedeu V. Ex.ª a palavra ao Sr. Deputado Carlos Brito, porque lhe foi dito, da bancada do CDS, que tinha havido um precedente, um precedente que foi um protesto, e em face disso concedeu-lhe a palavra a fim de ele defender a honra, mesmo dentro de um sistema, que V. Ex.ª classificava como sendo a primeira vez que isso acontecia desde que exerce a presidência e desde que está nesta Casa.
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Entendo, pois, com o devido respeito por V. Ex.ª, que a palavra não devia ter sido concedida.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - 15so é uma opinião minha, V. Ex.ª e a Mesa têm a sua. Mas o que não posso admitir, e quero aqui deixar bem claro, é que alguém tenha usado a benevolência de V. Ex.ª para defender a honra e em vez disso,- fazer uma intervenção para a qual, o Sr. Deputado Carlos Brito, bem sabia que não tinha porque não merecia resposta.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Antes de perguntai ao Sr. Deputado António Guterres para que quer usar da palavra, quero informar ó Sr. Deputado Montalvão Machado de que, além da informação dada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, colhi, pelos caminhos que me são permitidos, outras informações sobre a matéria.
O Sr. Deputado António Guterres pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Guterres (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Dentro da letra e do espirito do Regimento, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, manter-me-ei, dentro da letra e do espírito do Regimento.
Em nosso entender, a figura da defesa da honra é apenas uma figura em relação à qual não pode haver qualquer limitação, isto é; sempre que numa intervenção, seja qual for a figura regimental sobre a qual é prestada, estiver em causa a honra de um deputado tal como é sentida por ele próprio, não me parece que lhe possa ser negada a palavra.
Pela nossa parte, em defesa da dignidade da Câmara, entendemos não dever responder à forma como o Sr. Primeiro-Ministro falou, mas não podemos recusar a outro o direito de proceder de outra forma.
Aplausos do PS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está encerrado o debate, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos,
Entraram durante a sessão os seguintes Sr. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Mário Santos Coimbra.
Casimiro Gomes Pereira.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido Socialista (PS):
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Natália de Oliveira Correia.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Mendes Bota.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins.
António Domingues Azevedo.
Carlos Manuel Martins Vale César.
José Apolinário Nunes Portada.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Carlos Alberto dá Vale Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Maria Luísa Amorim.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Deputados. Independentes:
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação e relativa à votação final global do texto que ratifica o Decreto-Lei n.º 187/88, de 27 de Maio (Ratificação n.º 27/V).
O Grupo Parlamentar do PCP, ao abster-se em relação ao normativo alterado no Decreto-Lei n.º 187/88,
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teve em consideração o facto de o mesmo constituir uma débil correcção ao diploma e não ter sido possível, face ao posicionamento do PSD, incluir as propostas apresentadas pelo PCP e que mereceram o apoio expresso resultante da avaliação pública realizada.
O PSD ao aprovar esta correcção, embora de forma restritiva, reconhece publicamente a gravidade do diploma emanado do Governo Cavaco Silva e que a realidade veio provar a sua impraticabilidade, mas é incapaz de retirar daí todas as ilações, pois, em vez de rectificar o diploma institucionalizando a duração semanal de trabalho de 40 horas para o pessoal operário, endossa a terceiros a responsabilidade da sua aplicação.
Esta situação poderá, num futuro imediato, vir a criar eventuais situações de instabilidade a esses mesmos trabalhadores ao permitir a aplicação de horários
semanais de 40 ou 45 horas variáveis de semana para semana ao mesmo tempo que possibilita horários diferenciados entre trabalhadores operários de serviços diferentes.
No entanto, a correcção introduzida, constitui a reposição de alguma justiça em relação ao pessoal operário e o reconhecimento das justas reivindicações dos trabalhadores e das suas organizações representativas e legitima as posições já assumidas pela generalidade das autarquias locais.
Assembleia da República, 2 de Junho de 1989
Os deputados do PCP, Jerónimo de Sousa, Apolónia Teixeira e Cláudio Percheiro.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira.
* DIÁRIO
da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
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