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Sábado, 2 de Dezembro de 1989 I Série - Número 21

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE NOVEMBRO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Júlio José Antunes
João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Deputado André Martins (Os Verdes) protestou contra a eucaliptização, nomeadamente do concelho de Mértola.
O Sr. Deputado Aristides Teixeira (PSD) referiu-se às carências sentidas pela população do concelho de Gondomar, tendo no final respondido a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Julieta Sampaio (PS).
O Sr. Deputado Rui Cunha (PS) abordou questões relativas a soluções urbanísticas, nomeadamente da cidade de Lisboa.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP), por motivo dos temporais dos dias 22 a 24 do corrente mês, propôs uma dotação global de emergência a incluir no Orçamento do Estado para 1990 para fazer face aos prejuízos havidos, ao que se associou o Sr. Deputado Jorge Coelho (PS).
O Sr. Deputado Silva Canalha (PSD) sublinhou à importância das autarquias no desenvolvimento do País e congratulou-se pela acção desenvolvida pelos autarcas do distrito da Guarda.
O Sr. Deputado Luís Filipe Meneses (PSD) protestou contra artigos inseridos no semanário de campanha para as eleições autárquicas denominado O Corvo.
O Sr. Deputado Miranda Calha (PS) teceu críticas ao Governo pela sua actuação na área do desporto.
O Sr. Deputado Carlos Lilaia (PRD) chamou a atenção para as perturbações que causa à circulação o aluimento do viaduto de Benavente.
A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) criticou a situação da rede escolar do concelho de Setúbal.

Ordem do dia. - A Câmara homenageou, a título póstumo, o Prof. António Azevedo Gomes, autor intelectual do projecto de lei n.º 423/V - Promoção do fomento florestal com espécies de crescimento lento, apresentado pelo PS, que foi discutido na generalidade, lendo baixado à Comissão de Agricultura e Pescas, intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Alberto Avelino (PS), João Maçãs (PSD), Joaquim Teixeira (PCP), Carlos Duarte (PSD), Rogério Brito (PCP) e Carlos Lilaia (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Abrantes Pereira.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belmiro Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maças.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Luís Vieira de Castro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luis António Damásio Capoulas.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Custódio João Moldonado Freitas.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Paulo Almeida Coelho.

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José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Vítor Manuel Ávila da Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

André Valente Martins.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: proposta de resolução nº 22/V, que aprova, para ratificação, a emenda do artigo XII da Convenção Relativa à Organização Hidrográfica Internacional, projecto de lei nº 451/V, da iniciativa do Sr. Deputado Independente Jorge Pegado Lis, sobre a segurança dos brinquedos, que baixou à 3.ª Comissão, projecto de lei nº 452/V, apresentado pelos Srs. Deputados António Morais Barreto e outros, do Partido Socialista, sobre a lei de bases da formação profissional, que baixou à 10.ª Comissão, e projecto de resolução n.º 37/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, relativo ao levantamento dos prejuízos causados pelos temporais ocorridos entre 21 e 24 de Novembro corrente e adopção imediata de medidas para a resolução dos problemas de maior urgência e dimensão, por intervenção do Governo, em cooperação com as autarquias.
Foram entretanto apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Sérgio Ribeiro, Vítor Costa, Apolónia Teixeira e Barbosa da Costa, e a diversos ministérios e às Secretarias de Estado da Cultura e dos Recursos Hídricos, formulados pelo Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Antes de iniciar a minha intervenção, quero agradecer aos grupos parlamentares do PSD, do PS e do PCP a possibilidade que me dão de ser o primeiro a intervir no período de antes da ordem do dia desta sessão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volta de novo à ordem do dia a questão dos eucaliptos.
Mais uma vez o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes traz à Assembleia da República o problema da eucaliptização indiscriminada no nosso país.
Alguns meses após a apresentação e discussão nesta Assembleia dos projectos de lei de condicionamento de espécies florestais de rápido crescimento e de toda a contestação pública que esta questão tem provocado, reacende-se de novo a polémica dos eucaliptos no concelho de Mértola.
O confronto repete-se: de um lado, as populações locais e os ecologistas, do outro, os interesses economicistas e do lucro, credenciados pelo Governo.
Esta situação deve-se precisamente à revogação pelo Governo do Decreto-Lei n.º 357/75, que permitia às autarquias embargar as plantações indiscriminadas na área do seu município.
Neste preciso momento realiza-se em Mértola, cuja autarquia se tem batido com grande coragem e determinação pela preservação e protecção do seu património histórico, cultural e natural, uma manifestação que envolve, além das autarquias e da Associação de Defesa do Património de Mértola, várias associações de defesa do ambiente, ecologistas do partido Os Verdes e a própria população e que se destina a chamar a atenção para o autêntico desastre ecológico que está a ser perpetrado naquela região pela SOPORCEL. Esta empresa, que já por várias vezes viu embargadas plantações suas naqueles municípios, procura de novo - e agora, tudo leva a crer, ao abrigo da lei - plantar eucaliptos na área de maior sensibilidade ecológica do concelho, área essa a que a própria Secretaria de Estado do Ambiente já tinha concedido verbas, destinadas à criação de uma área protegida.
No Orçamento do Estado para 1989, o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza tinha inscrita uma verba de 15 000 contos destinada a estudos e infra estruturas de uma área protegida na região do Vale do Guadiana, no concelho de Mértola, dos quais 4000

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contos foram distribuídos à Comissão de Coordenação Regional do Alentejo e outros 4000 à Associação de Defesa do Património de Mértola.
A SOPORCEL, apesar dos pareceres negativos da Associação de Defesa do Património de Mértola, da Câmara Municipal de Mértola e da Comissão de Coordenação Regional do Alentejo, prepara-se para eucaliptizar cerca de 400 ha dos cerca de 1200 que adquiriu no vale do Guadiana, envolvendo uma área que possui um biótipo de interesse nacional e internacional e onde se reconhece existirem vestígios arqueológicos.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Mais uma vez não podemos deixar de manifestar o nosso protesto veemente pela forma como este governo permite atentados contra o património natural e cultural, contra o interesse das populações e o desenvolvimento regional, e como, de forma incoerente e incompreensível, por um lado apregoa a integração europeia e, por outro, desrespeita o interesse de projectos comunitários que protegem o nosso património.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aristides Teixeira.

O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vir falar de Gondomar é vir falar de um concelho que, integrando-se na área metropolitana do Grande Porto, apresenta os mais baixos índices de desenvolvimento, qualidade de vida e progresso, tendo como termo de comparação os restantes concelhos quo constituem a referida área.
Torna-se, pois, imprescindível que aqui trace uma panorâmica sucinta, mas rigorosa, das grandes carências sentidas pela população de Gondomar. Não será, certamente, um retrato a cores, mas, antes pelo contrário, um retrato a preto e branco (talvez mais preto que branco). Sr. Presidente, Srs. Deputados: O plano geral de urbanização da vila (PGU), mandado executar a uma empresa especializada em 1980, nunca foi publicado na folha oficial, por via dos atropelos e atrasos propositados durante a sua tramitação, e encontra-se agora completamente desfigurado e comprometido pelo licenciamento de construções que o alteraram substancial e irremediavelmente.
Outro plano, o de zonamento de Rio Tinto, a freguesia mais populosa, não está implementado, tendo atravessado vicissitudes de vária ordem, prejudicando-se assim o ordenamento urbanístico da vila.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nunca foi definido lambem um plano de cérceas, pelo menos para as zonas principais, dando-se assim azo a autênticas barbaridades arquitectónicas.
A defesa paisagística da margem do Douro tem sido sucessivamente desvirtuada pelo aparecimento incompreensível de habitações entre a estrada marginal e o rio Douro de arquitectura duvidosa, com grave prejuízo para a paisagem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foram-se, assim, criando condições ideais para que surgisse um desenvolvimento urbanístico anárquico, ao sabor, porventura, de interesses de circunstância e, sem dúvida, responsável por um parque habitacional nada harmonioso, desenquadrado do ambiente.
O grande queixume das populações são os acessos rodoviários ao Porto, que são poucos e estão estrangulados, tomando-se um inferno qualquer deslocação à cidade.
Nunca a autarquia se empenhou seriamente no estudo e concretização de ligações rápidas e directas, deixando o concelho, de certo modo, isolado e privado de desenvolvimento.
Não existem eixos rodoviários que permitam chegar rapidamente e com segurança às freguesias do chamado «alto concelho», de características predominantemente rurais, sendo mesmo inconcebível que para transpor o rio Sousa ainda seja obrigatório utilizar uma velha ponte em madeira, de um só sentido, por ela tendo de transitar autocarros de passageiros. Pasme-se perante esta situação!
O concelho de Gondomar, com cerca de 150 000 habitantes, não dispõe de uma sala de espectáculos digna desse nome, estando em fase de execução um pequeno auditório, insuficiente para dinamizar expressivamente qualquer actividade cultural.
Não há comarca nem qualquer tribunal, como, aliás, acontece noutros concelhos da periferia do Porto. Existe apenas um pavilhão gimnodesportivo para servir todo o concelho, não podendo a grande parte das juntas de freguesia fomentar a prática desportiva.
Numa altura em que a Assembleia da República aprovou a Lei de Bases do Desporto mais gritante se torna tal carência e os jovens de todas as idades do concelho vão certamente exigir o seu cumprimento cabal.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nao se apresentaram candidaturas de projectos válidos para serem contemplados pelo FEDER, desperdiçando-se a oportunidade de canalizar verbas que contribuiriam certamente para o desenvolvimento do concelho.
O saneamento básico é praticamente inexistente, a não ser em Valbom, iniciado em 1980, e nas vias principais, mas incompletamente, das freguesias de São Cosme e Rio Tinto, de Gondomar.

O Sr. Silva Carvalho (PSD): - É verdade, é verdade!

O Orador: - Curiosamente, porém, ainda não foi construída qualquer estação de tratamento de águas residuais.
Os pavimentos das estradas estão em estado lamentável e os poucos parques infantis estão já degradados. Há também um atraso intolerável na abertura integral dos mercados de Valbom e Rio Tinto, com grave prejuízo para a respectiva população.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderão perguntar-me se, efectivamente, haverá um concelho que tenha atingido tal situação. Infelizmente há e chama-se Gondomar!

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Tem de mudar!

O Orador: - Com se terá chegado a esta estagnação e imobilismo?
Apenas poderei responder que desde 1976 a 1989 a gestão autárquica do concelho tem vindo a ser assumida por câmaras socialistas, em alianças, mais ou menos veladas, com o Partido Comunista, excepto no período

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de 1979 a 1982, em que o PSD, em AD, administrou o concelho, tendo conseguido a electrificação total, bem como o abastecimento de água domiciliário, aumentando a rede viária e construindo escolas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deixo as conclusões para quem as quiser tirar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o quadro traçado, fica-se com a clara certeza de que não se pode perder mais tempo nem oportunidade para relançar o concelho de Gondomar, retirando-o do marasmo e proporcionando à sua população a qualidade de vida inerente à de um país integrado na Comunidade Europeia. Quase ousaria aqui sugerir um plano de emergência para superar e ultrapassar as fraquezas estruturais do concelho.
É, sem dúvida, o momento de reabilitar o concelho de Gondomar, animá-lo, renová-lo, integrando-o no seio dos concelhos mais desenvolvidos.
Gondomar, terra de ourives e filigranistas, de artistas marceneiros e agricultores, habituados desde há longo tempo a abastecer os mercados do Porto, tem uma vocação ainda quase inexplorada.
Não se compreende que, sendo o concelho dotado de gente de rara sensibilidade, se tenha caído na situação de abandono, de anarquia e de desleixo.
Possuindo Gondomar rara riqueza natural, consubstanciada nos rios Douro e Sousa, e ainda a existência de uma extensa zona florestal, qual pulmão verde, não se pode compreender que os mesmos não tenham proporcionado um efectivo desenvolvimento para a indústria turística.
Para o seu incremento há que aproveitar a albufeira resultante da barragem de Crestuma-Lever para todo o tipo de desportos náuticos. Deverá haver ainda o cuidado de limpar os destroços submersos, evitando-se acidentes e a respectiva poluição.
Para que não se diga que só criticamos, hoje como ontem, o PSD propõe: negociações de contrapartidas com a EDP, que não foram feitas, pelo facto de se terem ocupado, com o enchimento da albufeira, áreas de lazer e convívio, tentando-se a cedência de património da empresa em favor das juntas ribeirinhas; promoção de uma campanha de defesa do ambiente, sensibilizando as populações para a preservação da paisagem e do rio, não o poluindo ou contaminando, dada a situação especial de águas semiparadas; aumentar a capacidade hoteleira, quase nula, e definir zonas de construção devidamente enquadradas na área.
Foca-se, assim, especialmente este sector económico por ser, na realidade, aquele em que Gondomar mais fácil e rapidamente se poderá desenvolver e investir.
Não se esquece, evidentemente, que é urgente chamar o investimento industrial e comercial, como forma e meio de aumentar a taxa de fixação dos residentes no concelho, por via do emprego, de modo a esbater-se a característica de concelho-dormitório, que 6 necessário estabelecer um plano director municipal e que, sobretudo, e urgente projectar eixos rodoviários, permitindo ligações rápidas a outros concelhos e dentro do concelho.
É imperioso retirar Gondomar do isolamento - passe a palavra - em que foi mergulhado, devendo rapidamente despertar para a modernização e progresso.
Deve aqui ficar bem expressa a certeza das grandes potencialidades de Gondomar e dos Gondomarenses, do seu desejo e aspiração de habitarem numa terra prestigiada e desenvolvida, onde saiba bem viver.
Queremos que Gondomar seja, de pleno direito, um concelho autónomo, onde o desenvolvimento encha os olhos, para que seja apontado como paradigma de progresso e não o que tem sido, ou seja, mais um da zona envolvente do Porto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de dar futuro a Gondomar!

plausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Deputado Aristides Teixeira, ouvi atentamente a sua intervenção sobre o concelho de Gondomar e quero apenas fazer-lhe a seguinte pergunta: estará V. Ex.ª empenhado em subscrever e apoiar o acordo para a área metropolitana do Porto, que, naturalmente, vai resolver muitos dos problemas que o Sr. Deputado acabou de enumerar?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Aristides
Teixeira.

O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Fico contente, por um lado, com o facto de a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio me ter feito uma pergunta, mas, por outro, gostaria que houvesse mais perguntas sobre este concelho, que efectivamente, por variadíssimas razões, tem tido uma vida atribulada, infelizmente conhecida do País não pelo aspecto positivo mas pelo negativo.
Aquilo que disse 6 uma realidade, que tem de ser rapidamente transformada, com uma gestão que seja moderna e honesta e que pense nos Gondomarenses, o que até agora não tem acontecido.
Quanto à pergunta que me coloca sobre a área metropolitana do Grande Porto, penso que esse problema já foi abordado, e um problema mais vasto, que envolve outros concelhos. Porem, em relação a Gondomar, e pela experiência autárquica que vivi e vivo, penso que o concelho precisa de se modernizar e desenvolver. Poderá ser integrado na área metropolitana do Grande Porto, mas, antes disso, tem de haver conversas e negociações muito mais sérias no sentido de que Gondomar, por si, autonomamente, consiga desenvolver-se e modernizar-se.

Aplausos do PSD.

O Sr. Caio Roque (PS): - Subscreve ou não o acordo?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As cidades europeias surgidas do pós-guerra nasceram sob a pressão da reconstrução, da necessidade de fornecer habitação a um cada vez mais elevado número de pessoas, de prover a satisfação de necessidades básicas que o progresso económico e social e as transformações sociais em curso impunham. A novas exigências associavam-se novas tecnologias e, consequentemente, a busca de soluções rápidas e eficazes.
Mas nem sempre aconteceu a generosidade marcar a forma e a expressão das novas cidades e das suas expan-

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soes. A especulação imobiliária, a prevalência do lucro e a falta de políticas capazes de entender que uma cidade é mais que um território sujeito ao regime de construção criaram na organização urbana uma teia de contradições, responsável pelos níveis de degradação ambiental e falta de áreas livres e espaços verdes.
Em contrapartida, os modelos urbanos resultantes da evolução do pensamento e da prática urbanística, que tiveram a sua origem na Carta de Atenas, vieram dar às cidades uma expressão e uma organização interna corripletamente novas, onde a integração das novas preocupações sociais e das novas funções urbanas é uma premissa fundamental.
De tal forma este urbanismo aberto respondia às novas exigências da vida urbana e às novas formas de uso do espaço que facilmente se expandiu e foi adoptado como modelo quase universal de desenho urbano. A criação de cidades marcadas por grandes superfícies livres e grandes espaços arborizados e ajardinados é a consequência da adopção deste modelo.
Mas a realidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não ó tão brilhante quanto o que se acabou de dizer. Na prática, este «urbanismo aberto» constituiu, e constitui, forma de facilmente se urbanizarem as áreas periféricas das grandes cidades a partir não de um conceito global de cidade, mas sim do aproveitamento de propriedades, até aí agrícolas ou florestais, para a construção de arcas residenciais. A atracção urbana do pós-guerra linha encontrado o seu desenho de cidade.
No caso específico português - aliás, à semelhança de todas as áreas do denominado «capitalismo periférico» - assistiu-se nos finais dos anos 50 e ao longo de toda a década de 60 a um imenso êxodo de população rural, que escolheu ou a via da emigração ou a fixação na periferia das grandes cidades, em particular de Lisboa.
Tudo isto deu origem a fenómenos de desaculturação e macrocefalia da capital e a um novo conceito sócio-cultural, que é a chamada «condição suburbana». No nosso caso, em particular, a «condição suburbana» foi agravada por uma política de especulação fundiária e desordenação em matéria de urbanização e construção, aliada a uma ausência de investimento em infra-estruturas, redes viárias e transportes, que tomam a «condição suburbana» um fenómeno a que toda a política responsável e com um mínimo sentido de solidariedade social terá de fazer face de imediato.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Muito bem!

O Orador: - O mesmo fenómeno de especulação fundiária e indisciplina urbanística reflecte-se igualmente na oferta pública de áreas destinadas a parques e jardins. À primeira vista, estamos perante soluções urbanísticas que respondem tanto às exigências da opinião pública como às preocupações dos higienistas urbanos. Olhando, por exemplo, para o Plano Director da Cidade de Lisboa, verificamos que temos grandes superfícies disponíveis para parques e zonas verdes, para o recreio urbano, que já não e apenas contemplativo, mas vive do jogo e das actividades físicas ligadas ao desporto de manutenção; verificamos também quo se propõem soluções urbanísticas onde aparecem interessantes índices de zonas verdes por habitante e numerosos equipamentos de ar livre.
Mas, na prática, o que temos? Espaços vazios de equipamentos, áreas reservadas para parques e jardins ocupadas com outros usos (estacionamentos, por exemplo) ou expectantes para uma outra utilização futura (reserva para equipamentos não previstos, por exemplo); ou simplesmente áreas destinadas a parques e jardins transformadas em terreiro, porque as plantações ninguém as fez, nem o promotor imobiliário nem a autoridade municipal. E o que era uma boa intenção resultou numa frustração, quando não numa fraude.
Mas outra situação existe: a de aqueles espaços verdes terem sido mesmo construídos e estarem lá, como jardins e parques, mas também como separadores de vias de tráfego, como taludes revestidos ou cortinas de protecção contra o vento ou contra o ruído do tráfego, ou, então, apenas nas zonas onde, por excesso de declive, não era possível construir com segurança ou com rentabilidade imediata.
Esta situação é vulgar e é, na prática, uma forma de iludir os índices e as intenções do Plano, reduzindo também os custos de instalação e de manutenção dessas áreas verdes.
Ora é neste ponto que surgem algumas dificuldades. Na manutenção, que é um compromisso permanente, com custos crescentes nos orçamentos municipais, e uma exigência indispensável para que as zonas verdes possam cumprir as suas funções biológicas no ecossistema urbano e funcionem como efectivas áreas de recreio urbano para todos os segmentos de população e estratos etários.
Vem isto a propósito de Lisboa. Da Lisboa onde a descaracterização é uma realidade acentuada nos últimos 10 anos e onde os espaços verdes são, cada vez mais, áreas expectantes para outros usos: estacionamento, como, por exemplo, na Avenida dos Estados Unidos, ou especulação imobiliária, como nos famosos courts de ténis do Parque Eduardo VII, ou o complexo do Hilton, ou ainda os hotéis previstos, quiçá já aprovados, para o Parque de Monsanto.
Com isto se põe em causa um dos patrimónios mais ricos da cidade e dos seus habitantes e visitantes: os jardins de Lisboa. Jardins herdeiros de uma tradição romântica que originou alguns dos seus melhores espaços verdes (a Estrela e o Príncipe Real, por exemplo)...

Aplausos do PS.

... e que o consumismo imobiliário vem destruindo, como ideia, como conceito e como realidade palpável.
Está em causa um reencontro da cidade com os seus jardins, com as suas áreas de recreio, com os espaços que progressivamente lhe vêm sendo retirados.
O que está em causa não é apenas Lisboa: é um conceito de viver na cidade por que nós, socialistas, há muito nos vimos batendo, conceito que está consignado na Constituição da República e está claramente expresso na Lei de Bases do Ambiente aprovada nesta Assembleia, cuja regulamentação o Governo não faz, transformando--a, de instrumento operativo, numa simples declaração de intenções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é pena, porque se estão a perder hipóteses de melhoramento do ambiente em que vivemos ou em que somos obrigados a viver!
A lei foi aprovada em 1987, mas a sua eficácia é reduzida por culpa deste governo. E se há áreas onde os consensos poderio ser fáceis, esta é uma delas, o que quer dizer que não é por culpa das oposições, e do PS muito menos, que a regulamentação não se faz.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Será por efeito do travão que alguns grupos dentro do PSD e do Governo vêm pondo às políticas de ambiente, que são necessárias e urgentes e que nós gostaríamos de ver implementadas, ou não será?
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e também pelo que Lisboa representa, nós, socialistas, queremos aqui deixar uma mensagem de esperança: para uma nova política urbana, podem os Lisboetas e os Portugueses contar connosco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os violentos temporais que nos últimos dias se tom abatido sobre o País não podem deixar esta Assembleia indiferente. Sobretudo na madrugada de terça-feira para quarta-feira da semana passada, mas também durante toda a semana, trovoadas intensas, com ventos que chegaram a atingir os 120 km/hora, assolaram todas as regiões, e designadamente as zonas do litoral e terras altas.
No Sotavento Algarvio, três trombas-d'água inundaram povoações como Cabanas, Tavira e Vila Real de Santo António, alagaram casas, destruíram culturas e puseram de novo em destaque o desenvolvimento anárquico da construção civil, com casas e muros a serem construídos em cima de linhas de água, criando autenticas barragens que impedem a passagem das águas.
No Alentejo, as fortes e continuadas chuvas estão a atrasar, nalguns casos irremediavelmente, as sementeiras de cercais de Outono-Inverno.
No Ribatejo registou-se, entre outras graves ocorrências, o aluimento do viaduto que liga Benavente a Salvaterra de Magos, por onde circulam cerca de 6000 carros por dia, impedindo o trânsito entre aquelas localidades. É de notar que de há muito os deputados comunistas pelo distrito de Santarém vinham alertando para a situação daquele viaduto, que tem mais de um século de existência e constitui um estrangulamento do trânsito e que, aliás, ameaçava ruir. Em sede de discussão do Orçamento de 1989 fizemos propostas de verbas para a reparação deste viaduto ou o estudo de construção de uma nova ponte, que o PSD inviabilizou; a vida aí está, infelizmente, a demonstrar a sensatez das nossas propostas, que, de novo, já apresentámos este ano, esperando agora que a maioria as vote favoravelmente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em Lisboa chegaram a suceder situações dramáticas nos cacilheiros, que, cheios de passageiros, não puderam encostar ao cais, a ponte fechou ao trânsito, prédios foram inundados, com graves prejuízos para os seus habitantes - de que destacamos o sucedido na velha Sociedade Guilherme Cossul -, famílias foram desalojadas das suas casas, árvores obstruíram ruas e trânsito.
No Norte, no Porto, em Braga, em Viana do Castelo e noutras localidades, em Coimbra, na Figueira da Foz, os temporais e as enxurradas obrigaram ao encerramento de portos, perda de embarcações, inundações na via pública e em habitações, múltiplos acidentes.
Na serra da Estrela os ventos chegaram a atingir os 140 km/hora.
Em resumo, estamos perante uma situação grave de que urge fazer o levantamento, reparar os prejuízos, criando, inclusivamente, condições financeiras para isso, prevenir incidentes futuros.
Pensamos que algumas das consequências dos temporais, como no caso do viaduto junto a Benavente ou da construção de casas em linhas de água no Algarve, poderiam ter sido evitadas se, atempadamente, o Governo tivesse tomado as medidas em muitos casos sugeridas ou propostas pela oposição aqui na Assembleia, pelas autarquias e por outros responsáveis locais e regionais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -Face à dimensão dos prejuízos havidos, o Grupo Parlamentar do PCP alerta o Governo para a necessidade de, com urgência, fazer o levantamento dos prejuízos resultantes dos temporais da semana passada e tomar as medidas adequadas, ao mesmo tempo que, neste sentido, já apresentámos na Mesa, na última reunião plenária, um projecto de resolução, independentemente das iniciativas a tomar no âmbito das comissões parlamentares e ainda em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 1990, propondo uma dotação global de emergência de 400 000 contos para fazer face às consequências mais prementes dos temporais e a que os atingidos, particulares e autarquias, possam recorrer.
Esperamos que os outros partidos aqui representados, e em especial o PSD, nos acompanhem nas nossas preocupações e nas nossas propostas.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Era só para referir que o PS, e particularmente o Sr. Deputado Gameiro dos Santos, também está bastante preocupado com este problema e solidário com a intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho hoje mesmo o Sr. Deputado Gameiro dos Santos está em Benavente a visitar a zona.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, se o desejar, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já conhecíamos a preocupação do PS; aliás, o nosso camarada Sérgio Ribeiro também está a acompanhar o deputado Gameiro dos Santos e penso que, em conjunto, têm prevista uma proposta a apresentar, em sede de especialidade, na discussão do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Silva Carvalho.

O Sr. Silva Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perde-se na bruma dos tempos a origem dos actuais concelhos ou municípios. De certo, sabe-se que já os antigos romanos reconheciam às civitas o direito de se governarem por leis próprias e por costumes particulares, e que tanto os Germânicos como os Árabes pouparam à sua sanha invasora as organizações adminis-

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trativas que encontraram. Mas 6 generalizada a opinião de que a formação dos municípios remonta aos tempos primitivos, quando o homem começou a sentir a necessidade de regras de conduta para gerir interesses comuns e de uma autoridade para as fazer acatar. Trata-se sempre de organizações com poder próprio que tinham carácter electivo, sendo algumas anteriores à própria formação do Estado.
Entre nós, só a partir da segunda metade do século XII e que são conhecidas essas organizações municipais, constituídas quer com objectivos de defesa dos territórios conquistados quer como verdadeira forma de organização e administração do reino, e, embora a maior parte dessas instituições locais tenham sido criadas pelo rei, outras há que surgiram espontaneamente, como manifestação, do espírito livre do povo, limitando-se o monarca a confirmar a sua existência através de diploma régio: carta ou foral.
Qualquer que tenha sido o seu modo de formação, é incontroverso que o município, para alem do valor histórico que representa do ponto de vista da defesa e da restauração da Pátria, foi sempre o baluarte da independência local e o garante das liberdades individuais.
Como diz Tocqueville: «O município existe em todos os povos, quaisquer que sejam as leis e os costumes. Organiza-se e forma muito os reinos como as repúblicas. O município parece que saiu das mitos de Deus. É a primeira escola onde o cidadão deve aprender os seus deveres políticos e sociais.»
Preexistentes à fundação da nacionalidade ou constituídos posteriormente pelos reis ou até pelos grandes senhores das terras, com maior ou menor independência, de acordo com a visão mais ou menos centralizadora do Estado, foi depois do 25 de Abril que os municípios ou concelhos adquiriram em Portugal a natureza de verdadeiras instituições livres e autónomas, assumindo-se não como instrumentos do Estado, como, por forma mais ou menos veladamente, até então o tinham sido, mas como entidades portadoras de poder político próprio, emanando directamente da vontade popular, expressa através do voto, e como organizações administrativas ao serviço do bem-estar das comunidades locais.
As actuais autarquias, que compreendem freguesias e concelhos, constituem as instituições políticas que mais decisivamente contribuíram para a generalização dos princípios e valores democráticos surgidos com a Revolução de Abril, merco da sua dispersão por todo o -território nacional, a elas se devendo a maior parte daquilo que se fez no sentido de se melhorarem as condições de vida dos Portugueses. É esta uma evidencia que, à saciedade, ressalta aos olhos de quem percorre as freguesias, vilas e cidades do País.
São passados 15 anos e sem exagero se pode dizer que, de uma maneira geral, estão satisfeitas as necessidades básicas das populações e estão criadas as infra-estruturas exigíveis para o desenvolvimento económico do País. É preciso agora dar o salto qualitativo, indispensável para nos aproximarmos, a corpo inteiro, dos restantes .parceiros da comunidade europeia.
Para tanto, e sem descurarem, como é óbvio, os aspectos económicos, os nossos autarcas tem de orientar a sua acção para os valores culturais que nos identificam e distinguem dos outros cidadãos do Mundo. Isto implica que cada vez tenha de haver maior rigor de selecção, ou seja, maior exigência na escolha dos representantes locais, pois,, como diz o povo na sabedoria dos seus rifões, «ninguém pode dar o que não tem». Felizmente que o poder local
começa a despertar as apetências de grupos e personalidades que até há bem pouco tempo o tinham no conceito das menoridades políticas, isto, em grande parte, consequência da postura invertebrada que em relação ao chamado «Estado Novo» assumiram os antigos presidentes das câmaras municipais.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No próximo dia 17 de Dezembro vamos ter de novo eleições para os órgãos autárquicos. Por toda a parte se preparam as armas com que vai ferir-se o combate eleitoral, que, acima de tudo, deveria ser franco e leal, sem prejuízo da defesa dos princípios de cada um dos partidos envolvidos na disputa e do livre confronto das ideias dos respectivos candidatos. Grande número de concorrentes já tem provas dadas, no corrente mandato ou até em mandatos anteriores, não sendo, portanto, difícil fazer-se o balanço da sua actuação para se poder ajuizar acerca das suas capacidades para execução dos programas que se propõem cumprir.
De uma maneira geral, foi positiva a acção desenvolvida pelos senhores autarcas. Para além de um ou outro caso em que foram detectadas irregularidades graves, configuradoras de ilícito administrativo ou até mesmo de ilícito penal, as faltas cometidas ficaram a dever-se quase sempre à deficiente preparação daqueles representantes do poder local e h inexistência de quadros técnicos de apoio, que cada vez mais se justificam em face do número e da natureza das atribuições confiadas às câmaras municipais, cada vez mais complexas e difíceis e exigindo vultosos custos de execução.
É por esta razão que entendo que não deverá estranhar-se que o Governo sinta necessidade de exercer a sua acção inspectiva e fiscalizadora sobre os órgãos do poder local, adoptando medidas, ainda que podendo, em certos casos de ponta, brigar com o princípio da independência para o prestígio das instituições e para a moralização dos seus agentes.
Em causa estão valores fundamentais da sociedade e o próprio erário público, já que a principal fonte de financiamento das autarquias provém, pelo menos na grande maioria dos casos, do PIDDAC e do FEF.
Caros colegas: vem aí as eleições para os órgãos do poder local. E já uma roda-viva de pessoas, de cartazes e de interesses vários e também -valha-nos Deus! - de calúnias, de intrigas e de traições. Os partidos políticos estudam estratégias, estabelecem a sua logística e fazem contas sobre possíveis ganhos e perdas.
Tal como em relação ao resto do país, o Partido Social-Democrata é largamente maioritário no distrito da Guarda. A explicação é fácil: o PSD é, pelos princípios e pelos ideais que defende e pela prática que tem revelado, o partido que melhor se identifica com a idiossincrasia do povo português...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... - humano, um tanto individualista, mas generoso, defensor da propriedade privada, mas preocupado com à solidariedade e a justiça social, livre, pacífico e fraterno.
Por isso o povo tem apoiado e continuará a apoiar os autarcas sociais-democratas, que, por sua vez, têm sabido corresponder à confiança neles depositada.

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Tradicionalmente atrasado em todas as vertentes, o distrito da Guarda pode orgulhar-se de, para além da reputada cordura das suas gentes, possuir hoje as infra-estruturas básicas que asseguram o caminho da modernidade, bem como os equipamentos sociais que proporcionam uma melhor qualidade de vida. E isto graças ao esforço e à dedicação dos nossos autarcas, à compreensão e apoio do Governo, em especial do actual governo do Prof. Cavaco Silva, e ainda, é justo dizê-lo, ao entusiasmo e dinamismo da Sr.ª Governadora Civil. Tem sido exemplarmente meritória a acção dos autarcas sociais-democratas dos concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo, Almeida, Pinhel, Vila Nova de Foz Côa, Meda, Trancoso, Celorico da Beira e Fomos de Algodres, que, como quem cumpre uma devoção, arregaçaram as mangas, conseguindo reduzir a distância que, sobretudo em termos económicos, separava os seus concelhos dos das zonas mais prósperas do País.
E já que falo dos autarcas do meu distrito, permitam-me que sublinhe o caso de Almeida, que, nos últimos anos, começou a recuperar o atraso em que se encontrava relativamente aos demais concelhos do distrito.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi obreiro da mudança um homem de excepcional craveira moral e intelectual, que um trágico acidente de viação, ao serviço da câmara municipal de que era presidente, lançou para a cama de um hospital e que, infelizmente, o incapacitou para sempre. Refiro-me ao Dr. José Augusto Limão de Andrade, a quem aqui presto homenagem, sabendo que interpreto também os sentimentos de toda a população do concelho de Almeida, em geral, e em especial dos candidatos do PSD à câmara municipal, que prometem prosseguir a caminhada, tão infaustamente interrompida, em direcção ao progresso. O Partido Social-Democrata da Guarda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, conta em 8 dos 14 concelhos desse distrito. E outros virão no dia 17 de Dezembro aumentar essa mancha laranja, que acabará por submergir a própria sede, que tem vindo gradualmente a perder a sua cor partidária. Falo da cidade da Guarda, que uma atrabiliária administração municipal tem descaracterizado, num total atropelo às regras urbanísticas a que deve obedecer o crescimento de uma cidade, sobretudo de uma cidade com os pergaminhos que tem a Guarda.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A candidatura socialista e comunista à Câmara Municipal de Lisboa é apoiada por um semanário de campanha cognominado O Corvo. Nos números já editados é possível confrontar textos de séria opinião política ou crítica sarcástica de fino humor com aleivosias achincalhamos, pouco dignas de um órgão de comunicação social tutelado por partidos políticos com assento parlamentar.
A título de exemplo significativo, aconselhamos os Srs. Deputados e a comunicação social a fazerem uma leitura rápida do n.º 7 do pré-citado O Corvo. Nele encontrarão uma entrevista habilidosamente designada por
entrevista-ficção, em que o entrevistado é bem real e chamado pelo seu nome. Nessa entrevista é tratada de forma pouco digna a Sr.ª Ministra da Saúde, Leonor Beleza.
Nos últimos tempos assistimos a diversas campanhas injuriosas contra membros do Governo e outras figuras políticas da maioria; temo-las contestado a todas veementemente porque, para além de lesivas dos mais elementares direitos individuais, têm sido somente suportadas pela insinuação hipócrita pouco corajosa ou mesmo pela mais despudorada mentira.
É, contudo, com acrescida indignação que vemos um órgão oficial de uma campanha partidária utilizar os mesmos métodos. É com redobrada energia que denunciamos o aparente paradoxo de tais métodos serem esgrimidos pelo sector político que, de forma demagógica injustificada, erigiu a ética política como bandeira eleitoral. A hipocrisia política é assim completamente desnudada e justifica este nosso breve protesto.
Contudo, aconselhamos ainda os Srs. Deputados e jornalistas a lerem o n.º 7 de O Corvo porque na página seguinte à que contém as referidas aleivosias encontrarão a rima bem-humorada, sarcasticamente democrática, da Sr.º Deputada Natália Correia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi recentemente aprovada nesta Assembleia a Lei de Bases do Sistema Desportivo. A posição do PS sobre esta matéria foi clara e explicámo-la na declaração de voto que então fizemos. Sublinhámos os seus aspectos mais significativos e mencionámos, naturalmente, as nossas principais dúvidas sobre o texto da lei, dúvidas entretanto acrescidas pelas políticas prosseguidas neste sector. E é nesta última circunstância que aqui intervimos hoje.
De facto, quando da discussão na especialidade da referida lei, na comissão respectiva, foi introduzida uma proposta de aditamento - um novo número no artigo respeitante à justiça desportiva -, que, concretamente, referia que o recurso contencioso e a respectiva decisão não prejudicavam os efeitos desportivos entretanto produzidos. Introduzida à última hora, esta medida foi interpretada como o instrumento legal necessário para colmatar alguns casos esporádicos que atingem o futebol em particular e o desporto em geral.
Na declaração de voto referida apontámos como eventual exemplo ilustrativo do que pensávamos a questão do arrelvamento dos campos de futebol na 2.ª divisão do campeonato nacional de futebol. Tínhamos razão, pois a nossa suspeita veio a confirmar-se.
Em recente intervenção televisiva, o responsável do Ministério da Educação considerou que a legislação sobre esta matéria tinha sido revogada com a aprovação da lei de bases, o que é verdade. Só que, no caso vertente, tal declaração soou a um sinal de libertação do Ministro, que assim pôde, pura e simplesmente, lavar as mãos do assunto. E é pena!
Em 1984 o Decreto-Lei n.º 18/84, de 18 de Abril, apontava a época de 1989-1990 para que o campeonato de futebol da 2.ª divisão se desenvolvesse em melhores condições de prática, isto é, em campos relvados. Tal medida foi consensualmente considerada positiva pelo mundo

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desportivo, compreendendo-se que o seu alcance visava uma melhoria e progresso significativos na prática de uma modalidade desportiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estava-se, então, a cinco anos do objectivo preconizado. Que se passou entretanto para que tudo fosse posto em causa? Nada! Mais concretamente, durante os últimos cinco anos o Governo ignorou totalmente o assunto e só em vésperas do início da época de 1989-1990 é que decidiu actuar, embora no pior sentido: com um despacho alterou um decreto! E se a decisão de tudo protelar já é de si extremamente negativa, o modo de o fazer ainda foi pior. O Governo, através de um despacho, veio dizer que não se cumpra a lei!
Aliás, a má consciência sobre a decisão tomada levou a que o Governo, num outro despacho, criasse um programa específico para arrelvamento de campos de futebol em vigor durante os próximos três anos. Ou seja, criticando o decreto de 1984, o Governo acabou por aprovar uma medida contraditória com a sua própria opção e filosofia. Como teria sido interessante que esta medida tivesse sido tomada há alguns anos atrás! Tudo certamente teria sido diferente, em benefício do futebol e do desporto.
Assim, agora, que acontece? Quem cumpriu a lei é penalizado. E não quero com isto dizer que não dó razão àqueles que directamente beneficiaram desta má medida. No fundo, estiveram necessitados de apoio e foram simplesmente abandonados à sua sorte.
Em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, eis um estilo de actuação que não é conforme com o Estado de direito que somos. É o próprio governo que legitima o não cumprimento da lei!
Espero ainda que instâncias próprias se pronunciem sobre a matéria, mas, para já; esta recente actuação justifica as dúvidas que colocámos aquando da aprovação da Lei de Bases do Sistema Desportivo. De quer servirá tal lei se não houver vontade e determinação de prosseguir uma política de desenvolvimento desportivo?
Continuamos com o desporto nas escolas adiado, há problemas de meios financeiros para apoio ao desporto, ressurgem os problemas inerentes ao policiamento de recintos desportivos, os diplomas sobre doping, formação e estatuto de alta competição estão algures adormecidos, o eventual aproveitamento da realização dos Jogos Olímpicos em Barcelona não terá efeitos em Portugal basta só relembrar que a construção de uma infra-estrutura no Estádio Nacional tem sido motivo das mais variadas polémicas, para já não referir o caso em curso do Estádio Universitário de Lisboa.
Enfim, tudo isto significa que é tempo de opções, e acções concretas, e, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o concreto já tarda há tempo de mais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caso que hoje iremos tratar é o exemplo perfeito que se pode encontrar da total inépcia dos serviços do Estado para a resolução de situações e problemas que só a eles dizem respeito, arrastando-se as soluções por anos a fio até se. chegar a situações de
ruptura, resultando inúmeros prejuízos e contrariedades para as populações e para o normal desenvolvimento das localidades afectadas. É também o exemplo acabado de inúmeras chamadas de atenção para o problema por parte das autarquias locais e de partidos da oposição, com os sucessivos governos, que não só o do PSD, a adiarem sistematicamente a aplicação das soluções, através da apresentação de situações que quase sempre configuaram verdadeiras manobras dilatórias.
Como é conhecido através de notícias veiculadas por parte de diferentes órgãos de comunicação social, verificou-se no passado dia 21 de Novembro o aluimento de uma parte do viaduto de Benavente, tendo como consequência imediata a interrupção do tráfego na estrada nacional n.º 118.
O referido viaduto foi construído há cerca de 150 anos e o buraco visível é o início de uma fissura no sentido longitudinal do viaduto com 45 m de extensão. A abertura do buraco verificou-se exactamente numa zona onde, em 1987, foram efectuadas obras de reforço das paredes laterais, o que terá provavelmente impedido a derrocada total. Por este viaduto circulam diariamente 6000 veículos em período não coincidente com a época das campanhas agrícolas, sendo que neste período se calcula um acréscimo de 50 %.
As migrações pendulares diárias entre Salvaterra de Magos e Benavente são particularmente intensas e o viaduto é a ligação mais fácil entre o Norte, a lezíria de Vila Franca, a área de Lisboa e todo o vale do Sorraia. Com o corte na circulação rodoviária a distância entre Benavente e Salvaterra de Magos, que é apenas de 5 km, aumenta para 65 km. Alunos e trabalhadores são hoje forçados a palmilhar cerca de 1 km em cada viagem para evitarem um percurso longo e moroso, tudo isto nas condições desagradáveis próprias do Inverno. As empresas vêm grandemente afectados os seus custos de transporte e de produção por força desta interrupção.
A alternativa viária é o desvio através de Coruche, por onde a RN passou a garantir o transporte de pessoas que do concelho de Salvaterra de Magos precisam de rumar a Vila Franca de Xira ou a Lisboa, não sendo possível determinar, para já, os prejuízos que a RN irá sofrer com o aumento da distância e do necessariamente maior número de autocarros a utilizar.
De acordo com as investigações a que procedemos, a Câmara Municipal de Benavente vinha desde há muito a chamar a atenção dos sucessivos governos e alertando a Junta Autónoma de Estradas para a progressiva degradação da ponte e do viaduto, solicitando providências que evitassem o aluimento do viaduto e a interrupção do tráfego, como agora aconteceu.
Assim, em Janeiro de 1978, a Câmara Municipal de Benavente chama a atenção da JAE e do Governo Civil de Santarém para o perigo de derrocada eminente - portanto, há quase 12 anos. De pronto responderam estas entidades, esclarecendo que estavam a providenciar no sentido da resolução do problema, tendo sido contactada para realização da obra uma firma da especialidade. Passados mais três anos, e como tudo continuasse na mesma, a Câmara Municipal divulgava um comunicado em que referia que «o projecto que devia ser concluído em 1980 ainda nem sequer está a ser executado».
Em Agosto de 1982, a Câmara Municipal de Benavente no seu Boletim Municipal, escrevia: «Esperar-se-á que a ponte ou parte do viaduto tombem para que então se tomem as necessárias medidas? Por que se adia o que é

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inadiável?», em clara resposta a um ofício do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, que afirmava estar o viaduto em causa englobado numa futura variante à estrada nacional n.º 118, entre Benavente e Chamusca. Como estava em curso o estudo da viabilidade da variante, nada se poderia fazer, haveria que esperar, confiando na sorte.
Em Janeiro de 1985, decorridos mais de dois anos e meio, a JAE reconfirmava o que atrás se disse, e continuava em fase de estudos, neste caso, a proposta de plano de estudos de 1985 da JAE. Em Março de 1987, após insistência da Câmara Municipal de Benavente, a Direcção de Estradas do Distrito de Santarém coloca, com alguma pormenorização dos perigos eminentes, o problema perante a Junta Autónoma de Estradas. Ainda no decurso de Março de 1987, o deputado do PRD pelo distrito de Santarém Armando Fernandes apresenta um requerimento ao Governo sobre o mesmo assunto, que, segundo parece, nem resposta obteve.
Na discussão na especialidade do OE para 1989 foi rejeitada uma proposta, com os votos contra do PSD e do CDS, que visava atribuir uma verba de 75 000 contos para a realização dos trabalhos necessários. Em 21 de Novembro de 1989 deu-se, finalmente, o esperado aluimento, com a consequente interrupção do tráfego. Apesar de já terem decorrido nove dias sobre a ocorrência, ainda não foram iniciadas as obras de reparação, anunciadas como sendo para durar 45 dias, tempo em que ninguém de bom senso acredita. De notar que, não sendo possível avaliar o montante dos prejuízos decorrentes do acontecimento, uma coisa é dada como certa: se tal acontecesse em época de campanha agrícola, os prejuízos seriam ainda muito superiores, já que quase toda a produção agrícola das várzeas do Tejo e do Sorraia circulam por esta via.
Já com esta intervenção escrita tomámos conhecimento de que o Sr. Ministro das Obras Públicas se desloca ao local durante a manhã de hoje, o que só por si é uma confirmação da gravidade da situação acabada de descrever. Esperamos que a firma da especialidade contactada em 1978 já esteja em condições de iniciar os trabalhos ou que já se encontrem terminados os estudos de viabilidade da variante à estrada nacional n.º 118, entre Benavente e Chamusca, referidos pelo então Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes em 16 de Fevereiro de 1982.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Odeie Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A abertura do ano escolar chamou as atenções para o concelho de Setúbal, por causa do escandaloso caso de uma escola (a tristemente célebre Escola do Viso) construída junto de uma pedreira em laboração, ainda hoje impedida de abrir porque, atempadamente, não foram tomadas as necessárias medidas para garantir o encerramento da pedreira.
A situação de verdadeira angústia em que se encontram cerca de 1300 jovens parece não ter tirado o sono aos responsáveis por aquela situação. Este caso representa o sintoma mais agudo da grave doença de que padece a rede escolar no concelho de Setúbal.
Tive ocasião de visitar, na abertura do ano escolar, todas as escolas preparatórias e secundárias do concelho e posso dizer-vos, Srs. Deputados, que foi uma tarefa dolorosa.
Foi doloroso, por exemplo, visitar a Escola Preparatória de Luísa Todi, situada numa das zonas mais carenciadas do concelho, numa zona em que são patentes as manchas de pobreza, a Escola mais parece um amontoado de pardieiros do que um estabelecimento de ensino.
Jovens estiolam em cadeiras e mesas desengonçadas, amontoam-se nos tempos livres debaixo de um telheiro ou na exígua assoalhada do bufete, contactam com marginais que furam a vedação arruinada e aprendem a conjugar o verbo aimer por entre pingos de água que escorrem do tecto.
Para uma zona em acentuado estado de degradação, não importa, pensará o Ministério da Educação, garantir aos filhos dos que trabalham os meios necessários à sua realização futura.
Prevista para durar 5 anos em instalações meramente provisórias, a Escola, já com 16 anos de vida, vai somando sinais evidentes de ruína.
E, no meio de tudo isto, pasmámos ao observar o esforço hercúleo dos professores e o entusiasmo dos alunos, que, mesmo assim, sentem ainda coragem para publicar um belíssimo jornal A Garotada.
A situação não pode continuar! É urgente uma nova escola. É preciso proporcionar a estes jovens um mínimo de condições que lhes permita olhar com confiança o futuro.
Mas se esta é uma situação grave e como tal merece o nosso destaque, não podemos ignorar o que se passa com os jovens de outras escolas do concelho.
A Escola Secundária da Bela Vista, situada também na mesma zona, apresenta idênticos sinais de degradação. Chove nas salas de aula, criando-se situações de alto risco com as infiltrações junto da instalação eléctrica. Os alunos não dispõem de uma sala de convívio e amontoam-se debaixo dos telheiros, onde, para não variar, também chove. A Escola, já com mais de uma dezena de anos, nunca conheceu obras de reparação! Também, para não variar em relação aos outros estabelecimentos de ensino do concelho, tem o dobro da lotação prevista.
Mas temos ainda jovens que frequentam as aulas em contentores, que não dispõem de laboratórios, lendo de contentar-se com acetatos. Estamos a falar da Escola Secundária n.º 1.
E, para não fugir à regra da degradação, os jovens da Escola da Camarinha com opção «Desporto» têm aulas de Educação Física ao ar livre, quando não chove, porque o soalho do ginásio está partido.
Instalada provisoriamente foi também a Escola de Ana de Castro Osório. Parece, no entanto, que, à semelhança de outros casos, tais instalações se tornaram definitivas, apesar de insuficientes para responder à superlotação da Escola e às actividades curriculares e extracurriculares dos alunos.
É ainda nesta Escola que podemos observar as nefastas consequências da política de colocação de professores para o projecto Petra, um projecto que conseguiu transformar alunos difíceis, situados na taxa do insucesso escolar, em alunos com êxito.
Em qualquer dos estabelecimentos de ensino visitados ouvimos sempre a mesma reclamação relativamente à falta de pessoal auxiliar educativo. O protesto é generalizado.
O quadro de funcionários efectivos é insuficiente.
As faltas são colmatadas por pessoal com um vínculo precário, ao abrigo de programas de emergência e de assistência a trabalhadores desempregados, trabalhadores a quem se devia dar a preparação necessária para a inter-

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venção que se lhes atribui na área da juventude; usados apenas como bandeira de propaganda de uma política que os menospreza, não admira que, por vezes, se sintam impotentes para cooperar na acção educativa.
Nesta altura do ano a situação torna-se particularmente grave. É que, terminados os contratos, as escolas ficam, a nível de pessoal auxiliar, sem a mínima capacidade de resposta.
Este é, de uma forma muito global, do panorama da rede escolar, ao nível do preparatório e do secundário, no concelho de Setúbal.
Face a esta situação, apresentámos, em sede de PIDDAC, no Orçamento do Estado, algumas propostas que espero que os Srs. Deputados, nomeadamente os Srs. Deputados do PSD, aprovem, porque elas são absolutamente necessárias para os jovens do concelho de Setúbal.
O que se passa nesta área não destoa, aliás, do panorama noutras áreas do concelho.
Contrariando os conhecidos chavões do Sr. Primeiro-Ministro e do seu governo, os números do desemprego registados no Centro de Emprego de Setúbal provam que entre 1985 e 1989 houve um agravamento de 31,5 % nos índices de desemprego e que entre 1988 e 1989 o agravamento se cifra em 6 %.
É que o concelho de Setúbal não conheceu, no período referido, investimento produtivo, vendo, pelo contrário, aumentar o número de despedimentos e conhecendo mesmo novos casos de trabalhadores com salários em atraso.
No meio de tudo isto, é evidente que os jovens são duramente atingidos. Depois de passarem as agruras causadas por uma rede escolar degradada, conhecem a míngua de ofertas de emprego. Entre 1985 e 1989 o número de jovens desempregados tornou-se 1,6 vezes superior.
Desprezado pelo poder central, que no concelho não fez os investimentos há muito programados e necessários à resolução de algumas carências, o concelho de Setúbal não deixa, no entanto, de fazer ouvir a sua voz para que as cores do arco-íris, que raiam sempre no final dos temporais, façam triunfar o azul de um Sado cintilante murmurando segredos à Arrábida.

Aplausos do PCP.

ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos agora no período da ordem do dia.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação em que se informa que foram rejeitadas todas as propostas de alteração relativas à ratificação do Decreto-Lei n.º 34-A/89. Nestes termos, continua em vigor, sem qualquer alteração, o referido decreto-lei.
Entramos agora na apreciação do projecto de lei n.º 423/V - Promoção do fomento florestal com espécies de lento e médio crescimento -, subscrito por Srs. Deputados do PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, antes de iniciarmos o debate sobre o projecto de lei em causa,
gostaria, em primeiro lugar, de agradecer ao Sr. Presidente e aos líderes de todos os grupos parlamentares por terem aceite o agendamento, por consenso, deste projecto de lei ainda antes do fim deste ano de 1989.
Agradeço-o porque para nós, Partido Socialista, e para além dos méritos próprios do projecto de lei ou do tema - que é de extraordinária importância para o nosso país, como é sabido, pois trata-se de dar uma resposta positiva ao combate contra a eucaliptização exagerada de Portugal -, o que está para nós fundamentalmente hoje em causa é uma homenagem sentida, sincera e emocionada que aqui queremos prestar à figura do nosso colega de bancada António Manuel de Azevedo Gomes.
De facto, o Prof. António Manuel de Azevedo Gomes foi o autor intelectual deste projecto, embora a responsabilidade política seja, naturalmente, assumida integralmente pelo Grupo Parlamentar do PS, e esta foi, para além do mais, a sua última contribuição, visto que elaborou este projecto de lei muito poucas semanas antes de morrer. Tal facto não poderia deixar de ser por nós sublinhado com intensa emoção, e em particular por mim próprio, que com ele tive ocasião de trabalhar em detalhe na versão final do texto que agora é presente perante a Câmara.
Este texto representa, Srs. Deputados, a conjugação de três aspectos centrais na vida do Prof. António Manuel de Azevedo Gomes, que foram o rigor científico e técnico que sempre pôs em todos os seus trabalhos e em todas as suas intervenções, o combate político, militante e entusiasta pelos seus ideais, os ideais que com ele sempre partilhei, que são os ideais do socialismo democrático e também, é necessário dizê-lo, a prioridade que sempre deu, em toda a sua vida, ao combate ecológico, à defesa do ambiente e da qualidade de vida dos Portugueses, lendo sido verdadeiramente um ecologista avant la lettre, um verde, quando ainda não havia verdes nem em Portugal nem no Mundo.
O Prof. António Manuel de Azevedo Gomes foi uma figura política que fez jus ao nome, ao nome de seu pai, seguramente uma das maiores personalidades da República e da tradição democrática em Portugal, o Prof. Mário Azevedo Gomes.
Foi um deputado, um membro do Governo, um homem que sempre soube dar, no exercício das suas funções de natureza política, o contributo da seriedade e do rigor e o contributo de um homem que se bate pelas suas ideias, com capacidade para ouvir as ideias dos outros e para com eles discutir permanentemente, com toda a lisura e com todo o interesse e empenhamento.
Foi também um homem de ciência, um técnico de valor reconhecido nacional e internacionalmente e um professor universitário que honrou a universidade portuguesa.
Finalmente, ele foi, e quero sublinhá-lo de novo, um homem que desde sempre se preocupou profundamente com os problemas do ambiente. Recordo, aliás, o magnífico trabalho recentemente por ele elaborado ao traduzir um manual científico sobre os problemas da ecologia, que a Fundação Calouste Gulbenkian, em boa hora, editou no ano passado.
O Prof. António Manuel de Azevedo Gomes é, assim, uma figura que, penso, honra esta Câmara e que nos honra a nós, como socialistas e seus camaradas de partido, e cuja ausência será sempre, para nós, um motivo de imensa saudade.
Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me, na condição de membro do meu grupo parlamentar e também de amigo do Prof. António Manuel de Azevedo Gomes, associar-me a esta homenagem que hoje aqui lhe é prestada.
É uma homenagem que tem também, inevitavelmente, um conteúdo de pesar, de pesar por uma dupla perda: primeiro, pela perda do professor, do silvicultor militante empenhado na defesa do património florestal e na sua valorização; segundo, a perda do homem político e do deputado que procurava colocar os seus conhecimentos técnicos e científicos ao serviço do País. Fazia-o com a convicção e a dignidade que lhe permitiam que, mesmo quando não estávamos de acordo com ele, não deixássemos de o ter em consideração e de o respeitar.
O projecto de lei que hoje aqui nos é presente constitui como que o seu último legado a esta Assembleia. E se trabalhos legislativos teve ou em que participou mereciam e mereceram as nossas reservas, a este temos que, desde já, declarar o nosso inteiro apoio, pelo que ele contém de resposta a problemas tão actuais ontem quanto hoje em relação ao futuro da economia florestal deste país e, no fim de contas, à nossa própria economia, designadamente no contexto da Comunidade Económica Europeia.
Vamos, pois, participar neste debate sobre o projecto de lei do PS com a convicção de que não será com hipocrisia que lhe vamos dar o nosso apoio, mas não deixando de aproveitar a oportunidade para dizer que o fazemos também aliando ao nosso debate a última homenagem formal que nesta Assembleia podemos fazer em matéria, no fim de contas, do seu último acto, digamos, legislativo.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Azevedo Gomes é um apelido conhecido neste país desde há muitos anos, não só por aquele que o transportou às costas e que aqui foi nosso colega como também pelo pai.
Neste apelido familiar assumem-se dois quadros muito distintos: o dos homens políticos e o do homem que, efectivamente, se dedicou às questões do ambiente. Em relação ao do homem político, direi que sempre ouvi dizer, desde a minha meninice, que Azevedo Gomes era um nome respeitável e que foi um homem que nunca pactuou com opressões de liberdade ou opressões de democracia e foi sempre um (homem e uma família) que lutou pela dignificação do homem no mundo em que viveu.
Sobre o problema da defesa do ambiente, direi que Azevedo Gomes foi, efectivamente, um lutador pelo ambiente. Não lhe concedo a paternidade da luta pelo ambiente. Não lhe concedo a chefia da criatividade da luta pelo ambiente, mas ele foi um trabalhador pelo ambiente e, nessa medida, eu e o meu grupo parlamentar temos muito gosto em, sinceramente, lhe prestar essa homenagem, tal como prestamos a todos aqueles que, efectivamente, também lutam pela preservação do ambiente e pelas condições da vida humana.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes associa-se a esta simples homenagem póstuma da Assembleia da República ao engenheiro Manuel de Azevedo Gomes, como forma de reconhecimento ao homem e ao cidadão que, ao longo de uma vida, quis e soube contribuir para enriquecer o nosso património: ao nível do conhecimento, pela sua actividade académica e científica, esta consubstanciada no conjunto de publicações que nos legou, ao nível político, pela forma como exerceu as suas funções de parlamentar e de governante, e, ao nível cultural e desportivo, pelos seus testemunhos de pintor e de tenista.
O engenheiro Azevedo Gomes soube ainda aliar o seu conhecimento técnico e científico à sensibilidade que a problemática da ecologia requer, domínio em que, de entre muitas outras contribuições que nos deixou, algumas das quais aqui nesta Assembleia, se destacam as da sua participação no Instituto Nacional do Ambiente e de obras no âmbito da defesa e ordenamento florestal e do ambiente. Ainda por isso, o nosso reconhecimento a António Manuel de Azevedo Gomes.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Partido Renovador Democrático e em meu nome pessoal, quero testemunhar o nosso apreço e reconhecimento por um homem notável, pela sua obra e por aquilo que ele nos legou.
A sua vida e a sua obra tem de ser apreciadas numa tripla dimensão: como professor universitário, Azevedo Gomes foi um professor de mérito absoluto, leccionando durante longo tempo na Universidade Técnica de Lisboa e sendo autor de uma vasta obra no domínio florestal, nomeadamente nos domínios da dendrometria, silvicultura e economia e política florestal.
Como político, sendo um republicano, desde cedo aderiu aos ideais socialistas, tendo, como deputado do Partido Socialista, estado nesta Casa em todas as legislaturas. Como governante, a sua acção deixou marcas notáveis, enquanto subsecretário e secretário de Estado das Florestas nos i, n e K governos constitucionais, e só não foi mais longe porque inúmeras vezes o seu trabalho e a sua dedicação foram travados por adversários políticos ou mereceram menos atenção por parte daqueles que efectivamente o deviam apoiar e incentivar.
Defensor acérrimo da floresta de uso múltiplo, Azevedo Gomes deixou a única obra que no País se conhece sobre política florestal integrada, e estamos certos de que a melhor forma de homenagear a memória do Prof. Azevedo Gomes será justamente através da divulgação da sua obra, particularmente das suas componentes que ainda são desconhecidas, porque nunca publicadas, do grande público e até dos meios universitários e da classe política.
Homem rigoroso, profundo defensor dos seus ideais, nunca pactuou com jogos políticos ou de poder, o que, por vezes, lhe causou sérios embaraços. Sempre escolheu os seus colaboradores, na universidade ou na política, na estrita observância de critérios de conhecimento e de

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experiência, contando-se até que, certo dia, perguntado por um amigo e discípulo se aqueles eram os técnicos que tinha escolhido para o assessorarem na Secretaria de Estado das Florestas, o Prof. Azevedo Gomes respondeu perguntando: «Não são estes os mais capazes?»,

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Presidente em exercício e os demais membros da Mesa também se associam, sentidamente, à homenagem prestada neste momento pelos grupos parlamentares, o mesmo é dizer pela Assembleia da República e pelo País, endereçando à família do nosso ex-colega Prof. Azevedo Gomes, que se encontra presente na galeria central, a expressão sincera da muita consideração e respeito que sempre nos mereceu tão eminente personalidade da nossa vida pública.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, entramos no debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 423/V - Promoção do fomento florestal com espécies de lento e médio crescimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O cultivo de eucalipto nunca foi pacífico desde a sua chegada ao nosso país, há cerca de um século, e está bem evidente na legislação protectora de 1937, onde os cidadãos que se sentiam afectados recorriam - como recorrem - às autarquias locais, por intermédio de um júri avindor, que arbitravam determinados desmandos e abusos no plantio do eucaliptus globulus, entre outros.
Como já temos afirmado, não pretendemos proscrever o eucalipto como espécie maligna, nem somos daqueles que declaram o eucalipto como uma árvore satânica e muito menos aceitamos a sua condenação à pena capital.
Aliás, o nosso projecto de lei n.º 364/V, que visava o condicionamento da plantação de eucaliptos, situava-se pragmaticamente entre a necessidade de impor regras à sua difusão e a conveniência em salvaguardar o seu cultivo nacional.
O que se pretende neste projecto de lei é, sobretudo, dar aplicação local a preocupações com registo na política agrícola comum da CEE que, mesmo sem falar expressamente no eucalipto, o inclui no contraface do «favor» que dispensa as espécies florestais de longo e médio desenvolvimento.
E facilmente se entende a protecção a estas espécies, com subsídios compensatórios da quebra de rendimento relativo às espécies de desenvolvimento rápido: são as que menos provocam fenómenos de erosão, as que melhor se prestam a formas de uso múltiplo e as que melhor se enquadram em ciclos de desenvolvimento integrado e harmonioso, com salvaguarda dos necessários equilíbrios do meio ambiente.
É, pois, por razões de natureza social, económica, cultural e de estrutura e de funcionamento do sistema ecológico que se pretende, com este projecto de lei, impor medidas legislativas que possam ir acautelando, em matéria de produção e de utilização de bens renováveis, interesses básicos da população portuguesa, sem contender com as obrigações contraídas no quadro da adesão do País à CEE e ao ideal europeu de solidariedade, cooperação e unidade na diversidade, e ainda a progressiva correcção das grandes desigualdades existentes, quer entre países membros, quer entre regiões de um mesmo país.
No universo florestal como aqui é entendido, aquele que assenta nos espaços rurais marginais ou submarginais para o cultivo agrícola e seus patrimónios vivos, engloba as funções duais por eles desempenhadas, umas de produção de bens, característicos e associados, outras de produção e prestação de benefícios indirectos e de serviços, que se prolonga pela indústria e pelo comércio das matérias-primas e dos produtos florestais e inclui as acções humanas desenvolvidas e suas consequências sociais, económicas, ecológicas, culturais e políticas. No universo florestal, como disse, o País carece, com carácter de necessidade urgente, de criar condições que permitam alcançar os objectivos sintetizados anteriormente e, como tal, de tirar muito mais partido, em termos tanto quantitativos como qualitativos, dos recursos e das potencialidades florestais ao nosso alcance, a favor da progressiva e sustentável melhoria dos níveis de vida e das condições de existência da nossa população..
Um tal desiderato, no qual os órgãos de soberania estarão empenhados, implica, porém, a revisão e a alteração da política florestal, que tem vindo efectivamente a ser seguida e cujas principais consequências são a expansão, a ritmo acelerado e vertiginoso, da eucaliptização do território continental, com o objectivo de se produzir rolaria para as quatro empresas de celulose existentes em Portugal, o progressivo e acelerado aumento da percentagem do total de material lenhoso entre nós produzido para indústria que é utilizado por tal tipo de empresas da indústria pesada da madeira, de capital intensivo a expansão paralela, e igualmente a ritmo acelerado e vertiginoso, da área total detida, por compra e arrendamento a longos prazos, por essas quatro empresas ou suas associadas, duas das quais com esmagadora participação estrangeira no capital e outra com grande participação externa, e, em ligação com as características anteriores, a gravosa permissividade, de facto, dos órgãos de soberania no respeitante à sistemática devastação pelo fogo, essencialmente de origem criminosa e a ritmo médio anual completamento anómalo, do nosso património «pinhal bravo», produtor de material lenhoso para todos os tipos de indústrias da madeira, de resina, de bens associados, nomeadamente cinegéticos, bem como de benefícios indirectos e de serviços de altíssimo significado social e ecológico, cujos equivalentes económicos são susceptíveis de avaliação, embora difícil, para além do impacte económico directo correspondente a alguns deles.
Em face da situação presente, e consciente de que as suas especiais responsabilidades na adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia dos doze lhe impõe, paralelamente, especiais deveres - combater parasitismos e colonizações que coarctem um processo de desenvolvimento sustentável do País cujo diapasão seja o carácter, o grau e o ritmo da melhoria da qualidade de vida da nossa população -, o Partido Socialista entende oportuno e necessário apresentar este projecto de lei, que irá contribuir, para transformar a actual realidade florestal portuguesa, abrindo caminho ao aproveitamento dos recursos e das potencialidades florestais ao nosso dispor, em termos que contribuam eficazmente para uma tal melhoria de vida dos Portugueses, em qualquer das duas componentes que comporta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O articulado deste projecto de lei destina-se a suspender temporariamente quer aumentos nas capacidades instaladas das actuais unidades industriais produtoras de celulose quer a instalação de novas unidades.

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Para melhor se objectivarem as razões justificativas do articulado, chama-se a atenção para a necessidade de:

a) Suster a continuação do aumento, rapidamente crescente, do material lenhoso para a indústria entre nós produzido que se destina ao conjunto das indústrias da celulose, empregadoras de um número muito reduzido de mão-de-obra industrial, quer em valor absoluto, quer, sobretudo, relativamente ao grande volume de rolaria consumida. Hoje, para um consumo de cerca de 60 % do total anual da matéria-prima proporcionada pelas matas produtoras de material lenhoso, apenas empregam uns 8 % do total da mão-de-obra industrial que labora no parque das indústrias de madeira;
b) Evitar o ciclo vicioso que consiste em aumentar as capacidades instaladas ou instalar novas unidades, porque se afirma haver matéria-prima disponível, para depois se arguir ser necessário aumentar drasticamente a área de eucaliptais produtores de rolaria para as celuloses por haver carência de matéria-prima;
c) Evitar que muitas das grandes decisões tomadas em matéria de ordenamento biofísico do território e seu aproveitamento real fujam aos órgãos de decisão nacionais para o efeito responsáveis e competentes, constantemente colocados perante «factos consumados»;
d) Evitar que a esmagadora parte da pasta produzida no País seja exportada para o estrangeiro como tal, sem qualquer transformação industrial, com conhecidos e pesadíssimos desperdícios em postos de trabalho, em valores acrescentados, em reforço nas ligações de muitos tipos de indústrias da nossa matriz industrial, em efeitos multiplicadores e em economias externas e ainda em valorização dos produtos lenhoso exportados e em redução nos valores da importação de alguns de tais produtos;
e) Reduzir a pressão exercida sobre o pinhal bravo, em forte regressão a favor do eucalipto, muito em especial nas áreas de pinhal devastadas pelos incêndios;
f) Finalmente, dar tempo aos órgãos de soberania e aos órgãos de decisão regionais e autárquicos para que se acertem quanto às linhas mestras do modelo de política a seguir para o universo florestal, desde a política do ordenamento biofísico do espaço rural não agrícola e sua utilização diversificada até à política de desenvolvimento do parque das indústrias florestais e dos serviços ligados a esses dois compartimentos dos sectores primário e secundário da economia.
Com o Decreto-Lei n.º 175/88, de 17 de Maio, reconhecemos a existência de alguma legislação que loca, envergonhadamente, nesta matéria, mas de exequibilidade duvidosa, virada em grande parte para actos processuais e despida de qualquer filosofia fomentadora do desenvolvimento do plantio de espécies de crescimento médio e lento.

Aplausos do PS.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Deputado Alberto Avelino, desejava colocar-lhe três questões. Em primeiro lugar, queria referir-lhe que a 10 de Junho do corrente ano foi anunciada publicamente pelo Sr. Ministro da Agricultura, na Feira de Santarém, a Resolução do Conselho das Comunidades de 29 de Maio, na qual se prevê a atribuição de um montante estimado entre 20 e 28 contos por hectare/ano, e durante um período de aproximadamente 20 anos, a conceder a agricultores que se prestem a promover a implantação de matas à base de espécies de lento e de médio crescimento.
Ora esta vossa iniciativa deu entrada apenas a de 11 Julho, dois meses depois. Não teme o Sr. Deputado e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que o aparecimento tão a tempo deste projecto de lei possa ser tomado como um aproveitamento um tanto demagógico, tendente a fazer parecer que coube ao Partido Socialista, efectivamente, a iniciativa que prevê a concessão destes subsídios?
Como segunda questão, queria referir que no n.º 2 do artigo 8.º deste projecto de lei se fala sempre na Direcção-Geral da Indústria como a entidade a quem compete a fiscalização e a aplicação das coimas e em todo o restante articulado não se mencionou a quem cabe a responsabilidade de proceder ao acompanhamento e à fiscalização dos restantes condicionalismos. Pergunto: será que o Partido Socialista entende que compete também à Direcção-Geral da Indústria a fiscalização relacionada com as áreas de expansão afectas directamente às indústrias? Se assim não é, pedia-lhe o favor de referir a que instituições viria a ser cometida essa tarefa.
Finalmente, Sr. Deputado, como explica que num projecto de lei que se intitula «Promoção do fomento florestal de lento e médio crescimento», composto por 12 artigos, apenas em dois desses artigos, concretamente no 1.º e no 2.º, se refira o fomento dessas espécies?

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Deputado João Maçãs, naturalmente que, com muito gosto, responderei às suas perguntas.
Sobre o facto de se ter anunciado a 10 de Junho - não estive presente, mas poderei ter lido - o que disse acerca deste subsídio de 28 contos, gostaria de saber se, de facto, ele já está implementado. E uma pergunta que lhe faço. Aliás, ontem, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, não foi dada por parte dos membros do Ministério da Agricultura qualquer resposta quando o assunto foi apresentado pelo meu camarada António Campos.
Por outro lado, pergunto se, porventura, é preciso estar à espera da «mãezinha» CEE para que se criem mecanismos desta natureza.
Finalmente, pergunto se, porventura, ao dizer o que afirmou numa feira, se teve em conta o mínimo que nós aqui pedimos de participação de outras entidades regionais e locais e, inclusive, de técnicos para a elaboração completa do estudo. Isto porque, sinceramente, nos interrogamos se o máximo de 28 contos será o suficiente como prémio para fazer a arborização de um hectare com espécies de crescimento lento.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Vinte e oito contos por hectare/ano durante 20 anos, Sr. Deputado!

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O Orador: - Volto a perguntar se isso já está implementado, Sr. Deputado, porque até ontem nada ouvi!

O Sr. João Maçãs (PSD): -... e está no final a regulamentação!

O Orador: - É que nós não somos o Governo e é uma maçada termos de estar sempre a questionar... Mas, felizmente, soubemos que já está em marcha. Óptimo! Que se anuncie bem alto e talvez assim se trave o eucalipto. Que grande vitória do Prof. Azevedo Gomes!
Quanto ao articulado, tive alguma dificuldade em ouvi-lo, mas entendi o suficiente, e, quanto à referência que faz ao artigo 8.º, n.º 2, temos de entender que isto é técnico. Diz a disposição: «O processamento e aplicação das mesmas coimas cabe à Direcção-Geral da Indústria, nos termos do n.º 2 do artigo 34.º do mesmo diploma.» Quanto a isto, a razão é simples: é que estas coimas, naturalmente, tem cabimento dentro da indústria; outras haverá que o tem nas câmaras e, aliás, as portarias que regulamentam o Decreto-Lei n.º 175/88, que citei, duo precisamente como receitas das câmaras municipais as coimas no abuso de algum plantio. Por isso, o seu a seu dono!
Quanto à terceira pergunta, naturalmente que o projecto de lei epigrafado «Promoção do fomento florestal com espécies de lento e médio crescimento» só tem dois artigos. E eu até diria que bastaria ter um, porque, como sabe, o artigo é desenvolvido em vários números. Mas, mesmo que tivesse apenas um, com certeza que chegaria!
Por outro lado, deixe-me dizer-lhe, respondendo ainda à primeira pergunta, que não foi o que se passou a 10 de Junho (que já é tarde, em 1989) que fez a política deste governo no que se refere ao desenvolvimento de plantas de crescimento lento. Sim, porque só a 10 de Junho é que foi anunciado por este governo...
O Sr. Deputado deve lembrar-se muito bem do «pacote florestal» - era esse o seu nome, se bem me recordo - do Prof. Azevedo Gomes, tem de se remontar a 1983/1984, pelo menos enquanto secretário de Estado e aqui como deputado. Isto porque toda a sua actuação, como aqui foi dito na homenagem que lhe foi prestada, recua muitos e muitos anos atrás.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Teixeira.

O Sr. Joaquim Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bastará analisarmos a evolução nos últimos anos da floresta portuguesa para verificarmos que a estrutura dos povoamentos e do crescimento da produção florestal revelam uma deficiente utilização dos recursos, assente num ordenamento de uso intensivo, de que resultam enormes manchas de povoamentos estremes de elevada densidade, orientados sobretudo para a produção de lenho para trituração e constituindo uma massa combustível facilmente susceptível aos incêndios florestais.
Entre 1957 e 1985 a nossa área florestal global cresceu cerca de 311 000 ha, enquanto a área de eucalipto, no mesmo período, aumentou 347 000 ha, 70 % dos quais entre 1972 e 1985.
Entre 1978 e 1985 a evolução da área florestal regista quebras anuais médias de 6000 ha para o pinhal e 17 000 ha para o montado de sobro e azinho enquanto o
eucaliptal tem um crescimento médio anual superior a 27 000 ha, ou seja, neste período de sete anos o pinhal diminuiu 41 000 ha, o montado reduziu-se em mais de 50 000 ha e o eucaliptal aumentou mais de 190 000 ha. A persistir esta evolução da floresta, é inevitável o aparecimento de uma situação que hoje é reconhecidamente atentatória da utilização nacional de recursos, que é agressiva para as economias locais de vastas regiões rurais, que despreza centenas de milhar de hectares de incultos, porque não propicia rendimentos directos e rápidos e invade áreas de uso agrícola e plantações permanentes e permite a concentração, por via da compra e do arrendamento, de enormes extensões de solo e de um enorme potencial de recursos florestais nas empresas de celulose, possibilitando-lhes um forte domínio sobre a produção interna e a orientação estratégico-económica da nossa economia florestal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dirão alguns, dirá o Governo, que nos últimos meses tem sido aprovada legislação que visa preservar e melhorar os recursos e racionalizar a floresta.
No entanto, a legislação sobre eucaliptização, e sem prejuízo de algumas normas positivas de controlo contra a expansão desordenada do eucalipto, que, aliás, o projecto de lei n.º 99/V, apresentado pelo Partido Comunista Português, já consagra, estipula que a expansão do eucalipto possa atingir 25 % (e com o recurso a autorização prévia da Direcção-Geral das Florestas esta percentagem pode subir teoricamente até aos 100 %) da superfície total de um município, o que, a aplicar-se na sua plenitude, significaria que 73 % da área florestal do País, ou seja, um quarto da superfície total de Portugal, poderia ser povoada com eucaliptos.
No entanto, e independentemente da apreciação qualitativa que sobre tal legislação se possa fazer, essa mostra-se sobretudo, e no que tem de positivo, pouco eficaz face às pressões do mercado sobre os proprietários rurais e sobre a própria Administração.
Têm valido como contraponto as firmes reacções das populações afectadas pelos abusos e as denúncias sistematicamente feitas pelas mais diversas organizações políticas e ecológicas (entre as quais assumiram um papel preponderante o PCP e o Partido Ecologista Os Verdes) e que, de algum modo, conseguiram conter a avalanche de eucaliptização desenfreada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas se importa e é indispensável introduzir na floresta portuguesa a racionalização técnica e económica quanto à sua natureza e ordenamento, também é verdade que tais objectivos, para serem concretizáveis, implicam não apenas conter dentro de limites controlados os interesses e as pressões exercidas sobre os proprietários rurais, bem como sobre a estrutura da propriedade e da produção, particularmente no que respeita às celuloses, por forma que os produtores florestais se interessem pela exploração de espécies de crescimento lento e pelo uso múltiplo da agro-floresta.
Importa ainda aumentar substancialmente o valor acrescentado à produção florestal, produzindo e exportando produtos industrializados e não matéria-prima em bruto ou com baixa incorporação industrial, como é o caso das celuloses, não sendo admissível que continuemos a ser exportadores de pasta de celulose e potenciais importadores de papel, rayon e outros produtos derivados.

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Pensamos, pois, que o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista corresponde em geral a estes objectivos, pelo que lhe daremos o nosso voto favorável, sem prejuízo do contributo a dar, aquando da discussão na especialidade, para a sua melhoria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A definição e caracterização da política florestal em Portugal tem sido motivo para várias iniciativas legislativas nos últimos tempos, algumas do Governo, outras dos diversos partidos representados nesta Câmara. Algumas com extremo interesse para um correcto ordenamento florestal do nosso país, outras apresentando conteúdo parcialmente válido e, por conseguinte, merecedoras de atenta reflexão e estudo no sentido de preencher lacunas e completar o quadro legal deste sector, outras ainda constituindo pura demagogia, reflectindo a intenção de simplesmente publicitarem o título da iniciativa legislativa, sem cuidarem que o seu conteúdo corresponda a uma abordagem séria do ponto de vista técnico e esteja enquadrada numa política global para o sector.
Hoje estamos a apreciar um projecto de lei da iniciativa do PS, que apresenta como título «Promoção do fomento florestal com espécies de lento e médio crescimento».
Analisando este projecto de lei, chega-se rapidamente à conclusão de que o seu título foi eufemisticamente denominado, dado que, dos seus onze artigos, só dois se referem à referida promoção e destes unicamente um aponta vagamente um meio para a executar. O restante articulado pretende, única e simplesmente, restringir a expansão de uma espécie florestal: o eucalipto.
Esquece o PS que estão em discussão, em sede de Comissão de Agricultura e Pescas, desde 21 de Março, dois projectos de lei, um da sua iniciativa, outro da do PCP, que versam esta matéria e que até este momento nenhum destes dois partidos demonstrou interesse em promover a sua apreciação.
Lembro as palavras do meu colega João Maçãs, na altura da sua discussão em Plenário: «Reconhecemos, porém, nós, sociais-democratas, que algumas preocupações manifestadas podem revestir-se de equidade e que algumas das medidas propostas deverão merecer de todos nós uma discussão e meditação mais profundas do que aquelas que aqui, no Plenário, se podem verificar. (...) A fim de dar lugar a uma discussão aberta e a um diálogo franco, em sede de comissão, que certamente conduzirá a bons resultados.»
Parece que o PS não quer estes bons resultados!
Esquece, ou não conhece, o PS os diplomas que o Governo aprovou desde essa data, para além do pacote florestal publicado em 1988, que, pela primeira vez em Portugal, proeurou fomentar e disciplinar a expansão ou reconversão da floresta e principalmente restringir a plantação do eucalipto.
Para esclarecer esta Câmara, enumerarei algumas das iniciativas do actual governo em 1989: Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril, que introduz um regime legal específico para as acções de arborização e rearborização com recurso a espécies florestais de rápido crescimento; o Decreto-Lei n.º 512/89, de 6 de Julho, que restringe as ajudas instituídas pelo Programa de Acção Florestal
relativamente às plantações de eucalipto; a Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho, que estabelece e divulga um conjunto de normas e restrições que seja capaz de constituir um verdadeiro quadro de referências, para além de apresentar uma macrozonagem climática de todo o país.
Para além destas iniciativas legislativas, não se pode nem deve omitir a constante pressão do Governo Português junto da Comunidade no sentido de viabilizar apoios à floresta de crescimento médio e lento, que deu os seus frutos ao conseguir a aprovação do Regulamento n.º 1069/89, do Conselho, de 29 de Maio de 1989, em matéria de povoamento florestal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente projecto de lei pretende restringir a actividade de uma indústria, limitando a sua integração a montante e impondo limites de produção e quotas de transformação de produtos derivados.
Esquece ou desconhece o PS que a aplicação de uma lei deste tipo traria como consequência a penalização da indústria nacional face às indústrias comunitárias, que não têm restrições de qualquer tipo?
Nós, sociais-democratas, estamos sensibilizados relativamente à necessidade de um correcto ordenamento de todas as forças sociais, políticas, económicas, ecológicas, etc. Infelizmente, deste documento não se pode extrair qualquer dado novo nem contributos relevantes para a concretização deste objectivo.
O PSD pretende promover uma correcta utilização dos recursos naturais, atendendo às condições edafo-climáticas do território nacional e à capacidade de uso do nosso solo. Com a presença constante das preocupações ambientalistas que sempre vivemos, queremos orientar as nossas potencialidades florestais fomentando as espécies autóctones, principalmente as produtoras de madeiras nobres.
São estas algumas das principais vertentes da nossa estratégia para o sector florestal nacional, às quais se deve associar o objectivo de fixar e melhorar o nível de vida das populações rurais.
Concretamente em relação às espécies florestais de crescimento lento e médio, e na sequência das iniciativas legislativas publicadas e da Resolução do Conselho das Comunidades de 29 de Maio último, foi formado um grupo de trabalho interdepartamental, em Julho passado, que formulará as propostas mais adequadas para prémios de perdas de rendimento a conceder aos produtores florestais destas espécies.
Atente-se que devem ser consideradas outras formas (silvopastorícia, turismo, recursos cinegéticos, etc.) que permitam aos proprietários florestais auferir rendimentos alternativos ou complementares que cubram o diferimento dos rendimentos em material lenhoso que terão mais tarde, se optarem por espécies de crescimento mais lento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa do PS, que se diz de fomento, é, no fundo, de restrição. Pretende-se apoiar as espécies florestais de crescimento médio e lento e, no fim, pouco ou nada se refere em relação a esta matéria.
O PSD, aberto, como sempre, ao diálogo e à necessidade de recolher todos os contributos de todas as forças políticas, não inviabilizará, apesar de tudo, a baixa à Comissão de Agricultura e Pescas desta iniciativa legislativa, de forma que se procure extrair algum dado novo para um quadro legal, que se pretende para este sector, que discipline a expansão de algumas espécies exóticas e, acima de tudo, fomente as espécies com interesse nacional.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Deputado Carlos Duarte, parece que alguns projectos de lei apresentados pela oposição estão a ter alguma virtude: primeiro, o Plenário vai tendo conhecimento de coisas novas que existem nas gavetas dos ministros e vai sabendo que já há uns prémios, que já há comissões inter parlamentares a estudar isto, aquilo e aqueloutro. Pelo menos o País já vai sabendo isso! É uma virtude!
Agrada-me, naturalmente, que na parte final da sua intervenção o Sr. Deputado tenha dito que se extrairá alguma coisa do projecto de lei em questão. Ora é isso mesmo que pretendemos! Não queremos que ele seja aceite ipsis verbis, mas é bom saber que alguma coisa se aproveitará dele e a vossa aceitação de baixa à comissão permitirá, certamente, que ele seja melhorado.
Aliás, esta virtude de se saber algumas coisas aqui no Parlamento faz lembrar aquilo que a Sr.ª Thatcher dizia, ou seja, que o facto de ir todos os dias ao Parlamento era óptimo, pois assim ia sabendo como é que se iam passando as coisas no seu governo. Ora para nós também é óptimo que a oposição apresente alguns projectos de lei, pois assim sempre vamos sabendo, via deputados do Governo, o que é que se vai passando! Isso já não é mau!
Sr. Deputado, não pretendemos a extinção do eucalipto. Já dissemos que não pretendemos proscrever o eucalipto, pois não o consideramos uma árvore satânica e muito menos estamos interessados em a condenar à morte. O que de facto pretendemos é que haja alguma disciplina em relação a esta plantação, o que, felizmente, o PSD e o Governo já tem reconhecido.
Por outro lado, não se diga que se restringe a indústria nacional e esta deixa de ser competitiva quando o que queremos é que, de facto, ela fabrique pasta de papel, mas que a transforme e que não a mande como mais-valia para o estrangeiro, porque o que estamos a alimentar são apenas algumas empresas estrangeiras. Em relação a isso o Sr. Deputado poderá dizer que já há algum tempo se teve conhecimento de que duas empresas - ou, pelo menos, uma delas - estariam interessadas na transformação da pasta de papel. Ora, isso é verdade, mas irá atingir apenas 15 % da produção. Por isso, Sr. Deputado, fique descansado que em relação ao eucalipto existente nada haverá de mal. Aliás, o Sr. Deputado sabe bem que esta é uma árvore renovável por si própria e durante três cortes, o que dará sensivelmente uma geração, ou seja, uns 40 anos, aproximadamente!
No entanto, a jusante também não se devem criar condições para que se diga «ai Jesus, que nos está a faltar a matéria-prima» e, como referi na minha exposição, que rico motivo para, de qualquer maneira, se invadir o terreno nacional com eucaliptos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Duarte, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Deputado Carlos Duarte, ouvi a intervenção que produziu e devo dizer que fiquei na dúvida se o refúgio numa aparente análise estritamente técnica do documento em apreço ou da problemática da política florestal neste país não é exactamente aquilo que se poderá considerar de fuga à abordagem da questão da política florestal - pois é essa a questão de fundo -, tanto mais que estamos aqui, num órgão legislativo e político por natureza.
Se efectivamente o Sr. Deputado apenas encontra neste projecto de lei matéria que tem a ver com o condicionamento ou penalização da indústria nacional, então devo dizer que mesmo a leitura técnica que faz é francamente distorcida e vazia de sentido. E vou dizer porquê.
Em primeiro lugar, temos de ter presente que em Portugal o património florestal, em termos de dominialidade, tem uma situação completamento inversa da dos restantes países da Comunidade. Ou seja, enquanto temos uma percentagem extremamente elevada e maioritária de matas florestais privadas, na generalidade dos países comunitários a situação é exactamente inversa: são matas nacionais. Daí que esses países tenham muito mais facilidade do que nós em imprimir orientações de política florestal e de ordenamento.
Ora isso significa que somos estruturalmente um país muito mais débil às pressões de interesses da mais diversa ordem económica, industrial, etc., do que esses outros países.
Imporia, pois, que o Estado acautele os interesses nacionais face a essas pressões e é aqui que se podem analisar as questões que estão implícitas neste projecto. Uma primeira: o condicionamento da possibilidade de plantação indefinida por parte das empresas de celulose, quer plantação por via do arrendamento da propriedade, quer por via da aquisição da propriedade. Obviamente que isto tem duas razões de ser: uma primeira é a de que a apropriação excessiva das necessidades florestais de matéria-prima por parte das indústrias podem, pura e simplesmente, condicionar por absoluto a economia florestal deste país e, mais do que isso, podem condicionar o futuro dos nossos próprios produtores florestais. Como é evidente, a auto-suficiência de matéria-prima da indústria das celuloses pode impor regras de preço e de escoamento da própria produção absolutamente incontroláveis por parte dos produtores.
Importa que, efectivamente, esta capacidade de apropriação do património florestal por parte das indústrias seja devidamente controlada, para impedir situações de auto-abastecimento total, que fariam perigar a própria política florestal e a economia dos produtores florestais deste país. Isto uma primeira questão.
A segunda questão...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rogério de Brito, vai agora entrar na segunda pergunta e já gastou quase quatro minutos... Seja, portanto, muito breve.

O Orador: - Vou ser breve. Sr. Presidente. Pedia, no entanto, a sua benevolência, porque, apesar de tudo, embora a figura que estou a utilizar para usar da palavra seja a correcta, poderei sempre recorrer à figura da intervenção.
Se os colegas estiverem de acordo, penso que vale a pena continuar, para que estas questões fiquem esclarecidas.

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O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado!... Mas há-de concordar que a Mesa já foi benevolente ao permitir-lhe que excedesse os três minutos regulamentares que tinha à sua disposição.

O Orador: - Eu vou acelerar, Sr. Presidente.
A outra questão que queria evidenciar é que não pode haver uma economia florestal e, mais do que isso, não pode haver uma economia industrial ao nível da economia da indústria comunitária se Portugal tiver, fundamentalmente uma economia marginal, quer em termos de produção florestal, quer em termos de industrialização.
O que está a acontecer hoje é absolutamente isso! ... Estamos a ser fundamentalmente produtores de lenho para trituração - ou tendemos para isso - e, depois, somos exportadores vocacionados de pasta de celulose. Estamos, portanto, a produzir e a exportar baixo valor e a dar essa capacidade de valor acrescentado ao estrangeiro. É isso que o Sr. Deputado defende?
Esta legislação diz que as empresas só podem alargar a sua capacidade de laboração de matéria-prima em bruto se assegurarem uma determinada percentagem mínima de transformação industrial em valor, no fim de contas, nobre, ou seja, com um valor acrescentado significativo. Só nessas condições é que podem alargar o parque industrial de transformação. Considera que isto é uma má política? Considera que isto é uma penalização da indústria?... Sr. Deputado, isto é uma medida que procura valorizar a indústria e, ao fazê-lo, procura valorizar o próprio património e a economia nacional.
E, no fim de contas, impormos a regra de que a nossa matéria-prima deve ser valorizada e deve ser exportada com o máximo valor acrescentado!... Não tem senso que sejamos os maiores produtores de matéria-prima da Comunidade Económica Europeia e, simultaneamente, sejamos os maiores importadores de produto transformado na base dessa mesma matéria-prima!
É esta a questão que está em causa e para a qual chamo a sua atenção, a fim de que tenhamos o bom senso de entender que estas questões têm muito a ver com aspectos políticos, que não se confinam à mera questão do ordenamento do património!... E mesmo esse, aliás, seria sempre discutível! ... Só que não é do âmbito desta legislação.
Concluiria aludindo à sua afirmação de que nenhum partido mostrou interesse em retomar no Plenário os projectos de lei que os senhores propuseram que baixassem à comissão sem serem votados na generalidade. Porque, se o fossem, «chumbavam-nos».
Ora nós temos consciência disso, como a temos também das dificuldades que teríamos em fazer passar uma legislação que vai contra os conceitos que os senhores têm ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rogério de Brito, é demasiado!... Acaba por ser uma intervenção! ...

O Orador: - Eu termino, Sr. Presidente. ... que, no fim de comas, não é para a liberalização do mercado, mas sim para a libertinagem do mercado nesta matéria, em prejuízo dos interesses nacionais.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Deputado Alberto Avelino, em primeiro lugar queria agradecer-lhe as perguntas que me formulou, que podem levar ao esclarecimento de mais alguma coisa em relação a esta problemática.
Afirmou o Sr. Deputado que não conhecia as medidas tomadas pelo Governo, quer as publicitadas pelo Sr. Ministro da Agricultura na Feira de Santarém no dia 10 de Junho, quer a formação deste grupo de trabalho interdepartamental que vai equacionar as medidas de apoio aos produtores florestais nas espécies de crescimento médio e lento.
Tanto na Assembleia como no Governo, não é demagógico que se não queira anunciar as medidas antes delas estarem completamento confirmadas, equacionadas e decididas.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - É demagógico e não é pouco!...

O Orador: - Por isso mesmo, não foi feita uma campanha de divulgação deste tipo de apoios - por isso e porque essa campanha poderia, eventualmente, ser apontada como uma campanha demagógica num ano como este e num período como este, de campanha eleitoral.
Somos realistas em relação às situações. Sabemos que os recursos nacionais são escassos, não há elasticidade dos recursos para, eventualmente, apoiar tanto esses produtores florestais como todos os agricultores e todos os agentes económicos do País, e por isso quisemos, junto da Comunidade Económica Europeia, procurar conseguir os apoios que permitissem completar o esforço financeiro do Estado Português para criar um verdadeiro fomento das espécies florestais de crescimento médio e lento.
Nesse sentido, foi obtida a resolução do Conselho de Ministros da CEE no dia 29 de Maio passado, a qual foi anunciada na Feira de Santarém. Foi depois formado o grupo de trabalho interdepartamental e, a curto prazo, serão propostas as medidas de apoio e os prémios de perda de rendimento a serem concedidos. Só então se poderá divulgar por todos os produtores florestais esses prémios de rendimento.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - A música só não cativa porque o instrumento está desafinado.

O Orador: - Em relação à pergunta que me formulou sobre o prejuízo que as indústrias nacionais iriam ter se este projecto de lei fosse aprovado tal como está, dir-lhe-ei, única e simplesmente, que as indústrias de celulose, nesta fase, atendendo à dimensão do nosso mercado interno, não tem possibilidades de equipar-se para poder fazer uma transformação tecnológica da pasta de celulose para outros produtos, tentando angariar um valor acrescentado maior.
Com a liberalização do mercado único, essas empresas terão possibilidade de comercializar mais amplamente os seus produtos e, então, equipar-se com esses meios indispensáveis a essa transformação. Só nessa altura terão condições para o fazer.
Se nesta fase estivéssemos a limitar a sua possibilidade de angariação de material lenhoso, as empresas estrangeiras depressa o levariam. Lembro que, nomeadamente na Galiza, em Espanha, junto à fronteira, está a ser instalada uma unidade de celulose que rapidamente viria a

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Portugal abastecer-se em toros, ficando as indústrias nacionais eventualmente prejudicadas, dado que não teriam matéria-prima para laborar.
Foi nesse sentido que afirmei - e afirmo - que este tipo de medidas, este tipo de restrições, este tipo de condicionalismos, iriam prejudicar as indústrias nacionais de celulose em favor das indústrias comunitárias, que não têm este tipo de condicionalismos.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Isso vai contra o que defende o Ministro da Indústria e Energia, Mira Amaral!

O Orador: - Passando ao Sr. Deputado Rogério Brito, a primeira pergunta que me fez foi sobre a análise técnica como uma fuga a uma análise da política florestal.
Como o Sr. Deputado sabe, este governo tenta, pela primeira vez, concretizar um quadro legal que leve a um mínimo de ordenamento a nível do sector florestal.
Assumimos que ainda não existe uma política completa de ordenamento florestal. Daí a abertura que demonstramos a todas as forças políticas, sociais, ecológicas e outras. Desejamos o seu contributo para que este estudo seja completado, para que esta proposta seja concretizada.
Apesar da nossa renitência quanto ao articulado da proposta de lei n.º 423/V, aceitámos que ela baixasse à comissão no sentido de aí podermos, em diálogo franco e abono, conseguir algo de válido.
Relativamente à afirmação que fiz de que nenhum partido mostrou interesse na discussão, em sede de comissão, dos dois projectos que a ela baixaram no dia 21 de Março, ela é uma realidade, dado que nenhum desses projectos provocou discussão.
Demonstrámos, em 21 de Março, a nossa abertura para a discussão das duas propostas de lei que prevêem condicionalismos para a plantação de eucaliptos e nenhum partido - nem o PS nem o PCP -, nos nove meses que decorreram de então até agora, mostrou qualquer esforço para que se promovesse essa discussão, para que, eventualmente, saísse da Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas um documento-síntese que pudesse recolher os vários contributos e completar o quadro legal em vigor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Questões atinentes à política florestal do País prendem de novo a atenção desta Assembleia.
A natural vocação dos nossos solos, as necessidades decorrentes da procura externa, a transfiguração progressiva da paisagem através do enxerto excessivo de espécies exóticas e a destruição galopante da nossa floresta merco da acção do fogo colocam esta problemática permanentemente no centro das atenções.
Não é menos despicienda a componente cultural de tal situação, como lembrou a nossa companheira de bancada Natália Correia em intervenção produzida em recente debate. Uma visão demasiado imediatista, num desrespeito total pelas virtualidades naturais e hábitos ancestrais profundamente enraizados, colocam o nosso país no limiar do caos ecológico, para além de outros prejuízos da mais variada natureza.
Em vez de se falar em má política florestal deve afirmar-se que não existe qualquer política no sector.
A exploração florestal é desenvolvida por interesses de empresas de celulose e de particulares vocacionados para tal actividade, sem qualquer enquadramento num plano global, que não existe.
Tal situação põe em causa a viabilidade da economia de ramos como o das madeiras e das resinas, para já não falar da própria silvo-pastorícia.
Por estas e outras razões são bem-vindas todas as iniciativas legislativas que pretendem pôr em ordem tal situação e contribuir para a edificação de uma estrutura legal que balize a actividade do sector.
Desta vez estamos perante o projecto de lei n.º 423/V, da iniciativa do PS, que pretende a promoção do fomento florestal com espécies de lento e médio crescimento.
Embora não seja o eucalipto o objecto formal desta iniciativa, é esta espécie florestal omnipresente ao longo da exposição de motivos, bem como do próprio articulado do projecto de lei em análise.
Neste domínio, comungamos das preocupações dos seus subscritores, que, também nesta matéria, pretendem aplicar entre nós as preocupações existentes na política agrícola comum da CEE, que prevêem incentivos e estímulos compensatórios às espécies de lento e médio crescimento, que, como é sabido, não provocam desequilíbrios culturais.
Certamente que não está nos desígnios dos subscritores do projecto uma campanha cega contra a plantação de eucaliptos. Como o próprio Prof. Azevedo Gomes inúmeras vezes reconheceu, o eucalipto tem interesse para certas zonas do País, sempre que nessas zonas, bem delimitadas, concorra para o benefício das populações. Não se devem criar condições para campanhas fanáticas contra o eucalipto, mas devemos enquadrar as situações e sobretudo denunciar as atitudes «farisaicas» daqueles que depois vão plantar eucaliptos nas suas quintas.
Pena é que cada vez escasseiem mais as florestas tradicionais portuguesas, onde não impera a monocultura e onde o equilíbrio do meio ambiente é patente.
Sabemos bem quais são os efeitos nefastos que o desrespeito pelas culturas tradicionais provocou. Concordamos plenamente com a constatação feita pelos autores do projecto de lei quando afirmam que a política reinante provoca a deslocação forçada dos proprietários, com todo o cortejo de frustrações que tal situação cria.
Não é menos certo que, à semelhança do que se passou com a Revolução Industrial de Inglaterra no século XVIII, com a fuga, em catadupa, dos camponeses desalojados para a cidade imensa onde a miséria os esperava, tal fenómeno provoca também o despovoamento do mundo rural e a desumanização de todos quantos são obrigados a demandar outras paragens.
A ausência de enquadramento legal adequado aos interesses das populações locais e do País para o desenvolvimento das actividades próprias das indústrias de celulose, complementarmente com a inexistência de uma política florestal nacional, é geradora de um caos, supostamente organizado em função de poderosos interesses, fonte de conflitos mais ou menos localizados e potenciador de grandes injustiças sociais.
Analisando os pressupostos e o articulado da iniciativa do Partido Socialista, julgamos louvável a tentativa de consagração dos limites e condições à expansão das empresas de celulose, bem como o estabelecimento de um limite aceitável para a área de terras disponível para as referidas empresas.

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É importante ordenar correctamente a nossa floresta, aproveitando adequadamente os recursos existentes, bem como o fomento e a protecção da floresta com espécies de lento e médio crescimento, nomeadamente através da concessão, a fundo perdido, de subsídios compensatórios da quebra do rendimento correspondente à opção para tais espécies florestais, em substituição das espécies de crescimento rápido.
Contudo, não nos iludamos, do que o País necessita é de uma política florestal que enquadre as diferentes componentes do sistema e oriente uma actividade que, de forma directa e indirecta, movimenta dezenas de milhares de pessoas. O presente projecto de lei é uma parte, um princípio ou ponto de partida de algo mais extenso, que é a política florestal. Se esta peça que hoje se discute permanecer isolada durante muito tempo, fará pouco sentido e de nada valerá. Bem andaria o Partido Socialista se pegasse no legado que o Prof. Azevedo Comes lhe deixou, descrito de forma sistemática em dois volumes, onde é tratada a política florestal para o País, e a vertesse numa lei quadro do desenvolvimento florestal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgamos que, tudo ponderado, a ser aprovado este projecto de lei, com os acertos que o bom senso e a sua exequibilidade aconselham, poderá ser dado um passo importante neste domínio, com evidentes benefícios para Portugal e para os Portugueses.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontrava-se inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Martins. Temos, no entanto, conhecimento de que foi para a Comissão de Economia, Finanças e Plano, que está a apreciar o Orçamento do Estado para 1990. Não dispondo a Mesa de outras inscrição, vamos dar por encerrada a sessão.
Antes, porém, quero informar que se encontra na Mesa um requerimento, apresentado pelo Partido Socialista, requerendo a baixa à Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas do projecto de lei n.º 423/V, por um período não superior a 60 dias, com base no artigo 152.º do Regimento.
Srs. Deputados, vamos votá-lo.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.

Srs. Deputados, a nossa próxima sessão terá lugar no próximo dia 5 de Dezembro, com início às 10 horas. De manha procederemos ao debate das propostas de resolução n.ºs 18/V e 20/V, da proposta de lei n.º 120/V e do inquérito parlamentar n.º 14/V. Às 15 horas entrar-se-á no debate sobre os acontecimentos e sua evolução nos países da Europa Ocidental.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 13 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Mário Santos Coimbra.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil Homens.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Assunção Marques.
José Luís Bonifácio Ramos.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Martins Vale César.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Santos Magalhães.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

Deputados independentes:

Maria Helena Salema Roseta.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Lacerda Queirós.
António José Coelho Araújo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arlindo da Silva André Moreira.
Carlos Alberto Pinto.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Ferreira da Silva.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Júlio Vieira Mesquita.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.

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Licínio Moreira da Silva.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Pereira.
Margarida Borges de Carvalho.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Chancerelle de Macheie.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
João António Gomes Proença.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Apolinário Nunes Portada.
José Luís do Amaral Nunes.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mota.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
José Manuel Antunes Mendes.
Octávio Rodrigues Pato.
Rui Manuel Carvalho Godinho.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.

A REDACTORA, Maria Amélia Martins.

Depósito legal n.º 8818/85

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