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Quarta-feira, 6 de Dezembro de 1989

l série - Número 22

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

V LEGISLATURA

3.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE DEZEMBRO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. António Alves Marques Júnior

Secretários: Ex.(tm) Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes

José Carlos Pinto Basto da Mota Torres

Manuel Anastácio Filipe

João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e

Procedeu-se à discussão da proposta de resolução nº. 18/V - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Prevenção da Tortura e Penas e Tratamentos Desumanos e Degradantes -, que foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Alberto Martins (PS). Fernando Amaral (PSD). João Amaral (PCP) e Adriano Moreira (CDS).
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei nº 120/V - Sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público -. que foi aprovada, tendo baixado à comissão respectiva para exame na especialidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS). José Magalhães (PCP). Miguel Macedo (PSD) e Oliveira e Silva e Carlos Candal (PS).
Foi apreciado o relatório final e conclusões da comissão eventual de inquérito com vista a apurar em toda a extensão a conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças de apartamentos no Edifício das Amoreiras e na Rua de Francisco Stromp. em Lisboa (inquérito parlamentar n. 14/V). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP). Carlos Candal (PS). Basílio Horta (CDS). Vieira de Castro e Miguel Macedo (PSD). Narana Coissoró (CDS). Joaquim Marques (PSD) e José Magalhães (PCP).
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo a substituição de deputados do PSD e do PS. Procedeu-se ao debate sobre os acontecimentos e sua evolução nos países da Europa Oriental (PSD), tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro) e dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro), os Srs. Deputados Rui Almeida Mendes (PSD). Narana Coissoró (CDS). Manuel Alegre (PS). João Amaral e Carlos Brito (PCP). André Martins (Os Verdes). António Guterres. António Barreio. Sottomayor Cardia e Jorge Sampaio (PS). Pacheco Pereira (PSD). Lino de Carvalho (PCP). Montalvão Machado (PSD). Natália Correia (PRD). Basílio Horta (CDS). Carlos Encarnação. Duarte Lima. Sousa Lara e Pedro Roseta (PSD). Adriano Moreira (CDS). Hermínio Martinho (PRD). António Maria Pereira e Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD) e Pegado Lis (Indep.).
Entretanto, a Câmara aprovou o projecto de resolução n. º 39/V (CDS), relativo ao inquérito parlamentar n. 14/V. acima mencionado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Abílio Costa.
António Abrantes Pereira.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belmiro Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Ferreira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Luís Vieira de Castro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Chancerelle de Macheie.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Custódio João Maldonado Freitas.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Fernando Osório Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.

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João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Luísa Amorim.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Paio.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Vítor Manuel Ávila da Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.
Maria Helena Salema Roseta.

Srs. Deputados, começo por informar que a proposta de resolução n.º 20/V - Aprova o acordo efectuado em 27 de Março de 1984, por troca de notas, entre os Governos de Portugal e dos Estados Unidos da América, pelo qual se autoriza o Governo dos Estados Unidos da América a instalar em território nacional uma estação electro-óptica para vigilância do espaço exterior (GEODSS) -, constante da nossa ordem de trabalhos, não está em condições de ser discutida.
Como os Srs. Deputados sabem, este ponto já esteve agendado, tendo-se, na altura, entendido que faltava, para que o debate tivesse sentido, o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional. A Mesa foi, entretanto, informada pelo Governo, nomeadamente pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, de que este parecer ainda não foi produzido e que o Conselho Superior de Defesa Nacional reunirá, em princípio, na próxima quinta-feira. Logo, só depois dessa reunião é que será elaborado o respectivo parecer e, como é óbvio, só nessa altura é que estará em condições de poder ser discutido em Plenário.
Neste sentido, creio que a solução mais adequada será, naturalmente, retirar da ordem de trabalhos de hoje este ponto e voltar a agendá-lo, numa próxima conferência de líderes, em função dos elementos disponíveis.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se a Mesa nos pode informar se na origem deste adiamento está, como anunciam os jornais de hoje, a falta de quórum na reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional. Se realmente isto é assim, creio que a Assembleia deve tomar nota desse facto e talvez necessite de alguma informação a este respeito, porque não me recordo, na experiência da condução do Estado, que um órgão presidido pelo Presidente da República não tenha quórum quando convocado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Para responder ao Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Apesar de haver outros Srs. Deputados inscritos para o uso da palavra, creio que, perante a interpelação à Mesa feita pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, se justifica dar a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, é verdade que a reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional esteve convocada para ontem e que não se realizou por não ter quórum, mas passarei a explicar a razão da ausência dos Membros do Governo com assento no Conselho.

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O Sr. Primeiro-Ministro encontra-se em Bruxelas na Cimeira da NATO, onde também está o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Portanto, já são duas as faltas.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, que também é membro do Conselho Superior de Defesa Nacional, teve de se deslocar ao Algarve, devido ao cataclismo que aí ocorreu - como sabem houve fortes inundações. É, portanto, uma situação de calamidade que requer a sua presença.
Estas são as razões que levaram a que os membros do Governo não pudessem estar presentes.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação vai no mesmo sentido da do Sr. Deputado Adriano Moreira.

De facto, vamos também perguntar ao Sr. Presidente quais são as razões subjacentes ao adiamento, na medida em que numa anterior reunião vimos, de facto, interesse e uma urgência muito grande, da parte do Governo, para que efectivamente esta proposta de resolução fosse agendada e aprovada.
Bom, neste momento, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares já nos disse que foi efectivamente por falta de quórum, na medida em que os Membros do Governo que integram o Conselho Superior de Defesa Nacional não estavam presentes.
Já agora, agradeceria idêntica compreensão por parte do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares quando existirem situações semelhantes nesta Casa, na Assembleia da República, porque o Parlamento e os deputados são efectivamente postos no pelourinho quando acontecem coisas idênticas e nunca ouvi a voz do Governo levantar-se para justificar com causas idênticas que têm conduzido a situações destas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta de resolução já apareceu há bastante tempo na ordem de trabalhos e foi agendada com muita urgência pelo Governo, posso até dizer que o primeiro agendamento foi para 3 de Novembro - decorreu mais de um mês, ou melhor, já decorreu um mês e dois dias. Gostaria de saber se fica claro que a responsabilidade do adiamento desta reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional foi provocado pela ausência dos Membros do Governo que aí têm assento. O Conselho Superior de Defesa Nacional é um órgão de grande importância no quadro da política de defesa nacional e da aplicação de todo o complexo de regras e decisões em matéria de defesa nacional, já que é órgão de enlace entre o Presidente da República, o Governo, a Assembleia da República e as chefias militares. Existirá compreensão real sobre a importância deste órgão ou alguém o estará a entender como uma espécie de repartição administrativa?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: -

Sr. Presidente, voltando ao assunto, embora o não quisesse fazer por pensar que tinha sido suficientemente claro, aproveito para acrescentar o seguinte: primeiro, não sei, porque não estou em condições de o dizer, quem é que, com assento no Conselho, faltou à reunião, visto não conhecer todas as pessoas que faltaram.
Disse à Câmara, e repito, que houve três membros do Governo que faltaram, que eu tenha conhecimento, e também expliquei as razões: a Cimeira da NATO em Bruxelas, que motivou o impedimento do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, e os acontecimentos no Algarve, que obrigaram o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território a deslocar-se a Faro e a toda aquela região. Se alguns deputados da Câmara querem entender estes factos como menos respeito para com a convocatória do Sr. Presidente da República, já que, nos termos da lei, a ele lhe cabe, ou se querem entendê-la como menos respeito para com o órgão em si, o Conselho Superior de Defesa Nacional, serão obviamente livres de o fazer, mas creio que, numa leitura objectiva, são ilações que a explicação dos factos que acabo de dar não comportam de modo algum.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito para que se dê por terminado este ponto.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Para uma curta intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Adriano Moreira, peço desculpa mas esse ponto da ordem de trabalhos não está aberto à discussão, de maneira que só pode usar da palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Exactamente, Sr. Presidente.

Quero apenas dizer que faço esta interpelação em função do que penso ser o bom funcionamento do Estado e não no sentido de julgar intenções - aliás, nem peço que alguém programe as minhas eventuais intenções.
Quero sublinhar que o que está em causa é a imagem e a realidade do bom funcionamento do Estado. Estes factos devem ser evitados, independentemente de quaisquer intenções. O Presidente da República não pode fazer uma convocação e não ser informado a tempo de que a reunião não se pode realizar. Isto porque, publicamente, não se pode dar este sinal de que não há coordenação, no que toca à acção de um órgão fundamental do Estado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Isto não tem outra intenção, não atinge qualquer entidade individualizada. Isto diz respeito ao bom funcionamento do Estado e nada mais!

O Sr. Presidente: - Faça favor.

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

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O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, não diminuindo de forma alguma a importância e as preocupações das intervenções que os outros colegas aqui acabam de expressar, quero apenas lembrar à Câmara que não devemos ser precipitados na análise e no juízo que possamos formular sobre esta falta de quórum.
Por outro lado, devo dizer que o Conselho Superior de Defesa Nacional é composto por um número total de 20 membros - e o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares apenas aludiu à falta de três membros do Governo, pelas razões que acabou de explicar - e penso que não é muito correcto, sem se saber por que razões e qual terá sido a verdadeira falta da composição para o quórum, que a Câmara esteja a fazer aqui qualquer juízo que possa imputar responsabilidades - um juízo negativo -, falta de atenção ou de cuidado ao Governo. Era apenas para este facto que queria chamar a atenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, muito brevemente e apenas para que fique claro.

De facto, a quem é que interessa esta discussão, não digo a que estamos a fazer agora, mas a da instalação da estação electro-óptica? Porque se de facto tem vindo a ser adiada e protelada por diversas razões, não está claro a quem é que interessa esta instalação, e penso que fica muito claro que se o nosso Governo continuar a fazer política externa desta forma o País só perde credibilidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que poderemos ultrapassar este ponto retirando-o da agenda de trabalhos e só será agendado novamente quando tivermos os elementos disponíveis para que a discussão se possa efectivamente realizar.
A única informação que a Mesa pode dar sobre esta matéria é a de que, sabendo que este ponto se encontrava agendado, fez diligências ontem no sentido de saber se o parecer já estaria ou não disponível; o parecer não estava ainda disponível e a Mesa não tem outra informação que possa dar aos os Srs. Deputados.
Srs. Deputados, vamos então passar à discussão da proposta de resolução n.º 18/V - Aprova, para ratificação, a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (José Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A tortura é, como se sabe, uma prática lamentavelmente existente em muitos países, pese embora o seu carácter aberrante e atentatório da dignidade mais profunda do ser humano e as inúmeras declarações, as mais das vezes algo formais, no sentido da erradicação da sua prática sistemática ou ocasional.
Diremos, como Spinellis, que a prática da tortura não é nova nem exclusiva deste ou daquele sistema político, regime, cultura, religião ou lugar geográfico.
No entanto, é hoje pacificamente aceite o carácter indigno das práticas torcionárias, podendo afirmar-se que estamos imersos num período de luta contra a tortura.
Em Portugal, e à semelhança de outros Estados, devem ser previstas e adoptadas uma série de medidas para tornar efectiva a interdição da tortura. Estas medidas, desejáveis, podem assumir as mais variadas matrizes que vão da adopção de medidas legislativas até medidas administrativas e, sobretudo, a criação de um ambiente social e psicológico desfavorável a tais práticas, com larga soma de investimentos nos vectores deontológicos e propedêuticos e na formação de determinadas vertentes da vida em comunidade.
O Estado Português já aceitou, na sua ordem jurídica, normas de direito internacional que se inserem na mesma filosofia de valores da presente convenção. Assume particular relevo a consagração constitucional da interdição da tortura, enquanto consolidação firme de cada ordenamento, de um princípio universal. Assim, escreve-se no artigo 25.º, n.º 2, da Constituição: "Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanas."
A ideia força da inviolabilidade da integridade moral e física da pessoa humana é, pode dizer-se, co-natural a um Estado que desde há mais de um século baniu da sua ordem jurídico-social a pena de morte. Aliás, este princípio encontra eco mesmo nos momentos mais críticos da vida da Nação, nomeadamente nas situações em que se admite a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência.
Veja-se, a título de exemplo, o que previne o artigo 19.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, na nova redacção: "A opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como as respectivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional."
Na mesma preocupação se insere, sobre o direito à liberdade e à segurança, o artigo 27.Q; a disciplina da prisão, o artigo 28.º; a aplicação da lei criminal, o artigo 29.º; os limites das penas e das medidas de segurança, o artigo 30.º; o Habeas corpus, o artigo 31.º; e garantias de processo criminal, contidas no artigo 32.º, todos do diploma fundamental da Nação.
E ainda na esteira deste princípio, o Código de Processo Penal, de uma forma se possível ainda mais clara, consagra, no seu artigo 126.º: "São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensas da integridade física ou moral das pessoas." O n.º 2 deste mesmo artigo caracteriza em pormenor os meios de obtenção dessa prova passíveis de ofenderem a integridade física ou moral das pessoas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria da convenção que ora o Governo submete à vossa, aliás, muita elevada consideração insere-se, pois, de pleno, nos princípios que iluminam já a nossa própria ordem jurídica.
Assim, a convenção ora em apreço situa-se no espaço político europeu e pretende instituir um mecanismo não judiciário de carácter preventivo que vise reforçar a protecção contra a tortura e outras penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. Por outro lado, é de notar que

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Portugal já assinou em Fevereiro de 1985 a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Pretende-se, assim, Srs. Deputados, que agora ratifiquem esta Convenção, cuja matéria tem assento constitucional e é objecto da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que Portugal adoptou na sua ordem jurídica interna.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, sei que existem sobre esta matéria dois relatórios, um aprovado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e outro pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
Desta forma, solicitava a V. Exª que esses dois relatórios fossem distribuídos - embora deva dizer que formalmente ninguém dispensou a sua leitura -, porque há um determinado ponto, tanto num como no outro, que contribui com alguma relevância para este debate e é importante que todas as bancadas e o Governo o tenham em atenção no seu decurso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é verdade que ninguém dispensou a leitura, mas também é verdade que a questão da distribuição do relatório não foi levantada por qualquer grupo parlamentar e, portanto, as coisas decorreram normalmente.
Entretanto, a Mesa já tomou as providências necessárias para que os relatórios sejam distribuídos e creio que, agora, com a aquiescência dos vários grupos parlamentares, isso não impedirá que o debate prossiga, para podermos acelerar os nossos trabalhos.
O Sr. Deputado Alberto Martins pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado se está a fazer uma intervenção neste Plenário no dia S de Dezembro de 1989 ou no dia 12 de Novembro de 1987, uma vez que o seu discurso é, essencialmente e quase na totalidade, igual ao que fez no dia 12 de Novembro de 1987, quando se discutiu matéria diversa, embora conexa com esta, sobre a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Degradantes e Desumanos da Organização das Nações Unidas e não esta, da Convenção Europeia. São matérias distintas e, portanto, creio que não se justifica esta reprise.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, é óbvio que o Governo Português tem, quanto à tortura, a mesma posição que tinha há dois anos. Não houve, felizmente, qualquer golpe de Estado, qualquer revolução, a nossa Constituição mantém--se, os grandes princípios mantêm-se e, portanto, o Governo, atendendo ao nosso ordenamento jurídico, nomeadamente à Constituição da República e ao Código de Processo Penal, defende hoje a mesma posição sobre a tortura e os actos desumanos que defendeu há dois anos. Acho que nada tem de estranho e, portanto, a nossa posição foi feita com a maior transparência e lisura.
Não havia, pois, como disse, motivos para alterar a posição então assumida. Não vejo que o seu reparo tenha, salvo o devido respeito, neste caso, validade.

O Sr. Alberto Martins: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, usando a figura de interpelação à Mesa, quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado, sem prejuízo do copyright a que ele tem direito, se o que estamos, hoje, aqui a discutir não será a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes e não a Convenção contra a Tortura aprovada pela ONU. Creio que são duas realidades distintas!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, mais uma vez insisto nesta tecla: quando se aprecia o texto de uma convenção tem, numa primeira análise, de se verificar se o nosso ordenamento jurídico está ou não adequado à convenção que vai ser introduzida no mesmo. Portanto, a pergunta que o Sr. Deputado reincide em fazer tem a mesma resposta. O que há a cumprir - e o Governo cumpriu - é saber se o nosso ordenamento jurídico está conforme a convenção que vai ser aprovada. Foi isso quo foi feito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Sr. Deputados: Sem rigor cívico e virtude moral, o poder não pode ser justo. A democracia degenera em demagogia e a lei não é mais do que um simples meio de exercitar o poder.
Esta lição, que vem de longe, assumimo-la como um princípio, como um postulado, já que aquele rigor e esta virtude têm particular incidência no conceito que fazemos da liberdade do indivíduo quando fundada na limitação do poder.
Se este põe em causa aquela liberdade, estão em perigo os direitos fundamentais do cidadão e a essencialidade dos direitos do homem.

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E se é certo que os Estados, detentores do poder mais alto, são os principais protectores e defensores daqueles direitos, não é menos certo, infelizmente, e por estranha contradição, que são eles a origem da maior parte das suas violações.
Porque tais direitos não resultam da vontade do poder, mas são atributo da pessoa que os possui por natureza e em razão da sua própria dignidade, aquelas violações constituem uma agressão tão afrontosa que, perante ela, se não pode ficar indiferente.
É que ao poder não compete a atribuição de tais direitos e ainda menos a capacidade de os revogar. Ao poder compete, apenas, reconhecê-los, e só se legitima se os respeitar e defender.
É com esta consciência que, neste momento, os direitos do homem se inscrevem resolutamente numa problemática nova em busca do seu reconhecimento universal, baseado no profundo significado daquela dignidade.
E se o mundo moderno parece construir-se, inconscientemente, contra a pessoa, não é menos certo que, felizmente, assistimos a um amplo movimento que, partindo daquela eminente dignidade, encarna o homem como ponto de partida e de chegada da solução de todos os problemas sociais e humanos.
Assim é que, dentro de cada Estado, as forças sociais, culturais e políticas vêm conseguindo uma cada vez maior garantia jurídico-constitucional dos direitos fundamentais do cidadão e, consequentemente, uma mais eficaz protecção dos direitos do homem.
E embora se não possa afirmar que a força dominadora destes direitos se tenha imposto na Comunidade Internacional, como princípio independente da vontade do Estado, está, pelo menos, definitivamente ultrapassada a ideia de que tais direitos apenas dizem respeito às relações entre cada indivíduo e o Estado de que é nacional ou onde reside. Este é um dado adquirido das sociedades modernas. Na defesa, no aprofundamento e na difusão desses direitos há que prestar homenagem ao fecundo trabalho que o Conselho da Europa tem desenvolvido ao longo dos 40 anos da sua existência.
A convenção, que está subjacente à resolução que é objecto da nossa apreciação, é fruto da instante preocupação do Conselho da Europa no manifesto desejo de garantir a eficácia desses direitos, no campo específico dos que se encontram privados de liberdade. Ela constitui, em nosso juízo, um instrumento imprescindível à garantia de tais direitos.
A criação de um comité europeu para a prevenção da tortura e penas ou tratamentos desumanos ou degradantes insere-se no actualizado processo da convivência entre os Estados e na garantia efectiva do respeito pelos direitos do cidadão, que são consequência directa dos proclamados direitos do homem. Estes ganham, à luz desta Convenção, não só uma maior garantia no respeito que lhes é devido, mas também um maior relevo pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana, que é razão e fundamento da intenção que a ditou.
Subscrita por todos os Estados Membros do Conselho da Europa, ela já foi ratificada pela maior parte dos respectivos parlamentos. O nosso Governo subscreveu-a em tempo oportuno. Deu testemunho de uma vontade e consciência que aplaudimos com entusiasmo. Vem agora ao Parlamento pedir a correspondente ratificação. Com ela Portugal assumir-se-á no processo de defesa e garantia dos direitos do homem, no espaço que lhe é próprio.
A tortura e as penas ou tratos degradantes ou desumanos são nódoas de comportamento e de abuso de poder que importa prevenir e erradicar sem tibiezas e sem reservas. O Governo deu um passo importante ao subscrevê-la. O Parlamento, que na defesa dos direitos do homem, tem dado provas eloquentes da sua delicada sensibilidade para tudo quanto respeite àqueles direitos, não deixará de a ratificar. Disso estamos certos, tão viva tem sido a luta que por eles tem travado, sem desfalecimentos nem ambiguidades. E de tal modo que me orgulho quando, não raras vezes, somos apontados como um povo que caminha na vanguarda da defesa de tais direitos.
Os nossos constituintes inscreveram na Constituição, no n.º 2 do artigo 25.º, a parte substantiva da Convenção. Ela vem dar maior eficácia à vontade então manifestada.
Tais pressupostos levaram-me a garantir, na Comissão das Relações Parlamentares e Públicas da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de que faço parte, que esta Convenção seria fatalmente ratificada pelo nosso Parlamento. Sinto e sei, pela vivência colhida, que aquela garantia não foi uma ousadia da minha parte. Ela foi, tão-só, a reafirmação de uma verdade por todas reconhecida e desejada. É esta certeza que vamos constatar pela aprovação da resolução em apreço.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República, ao aprovar, para ratificação, a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes dá um passo positivo na viabilização jurídica, por parte do Estado Português, de um complexo de regras e procedimentos cujo objectivo central é a salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
Adoptada por unanimidade pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa em 26 de Junho de 1987, esta Convenção, que não admite qualquer reserva, cria, sobretudo, um comité internacional, composto por personalidades independentes que gozam de especiais imunidades e prerrogativas, com competência para visitar e inspeccionar todos os lugares de detenção e elaborar os relatórios consequentes.
Propondo-se completar o sistema de protecção instaurado pela Convenção Europeia da Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, esta Convenção cria um mecanismo cuja missão é essencialmente preventiva e não um novo mecanismo de acção judiciária.
Assinado pelos Membros do Conselho da Europa em 26 de Novembro de 1987, só agora o Governo Português, passados dois anos e após apelo repetido do Parlamento Europeu, vem submeter à Assembleia da República a aprovação da Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura.
No debate de 18 de Janeiro de 1989, sobre a situação dos direitos do homem no mundo e a política comunitária dos direitos do homem, nos anos de 1987 e 1988, o Parlamento Europeu adoptou uma resolução que, neste domínio, e cito, "pede uma vez mais a ratificação rápida por todos os Estados Membros da Comunidade Europeia da Convenção sobre Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes".

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Recorde-se que no debate havido nesta Assembleia da República sobre a aprovação da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, adoptada pela ONU em 17 de Dezembro de 1984, cuja discussão teve lugar no Plenário de 12 de Novembro de 1987, já a interligação entre estas convenções e a sua aprovação foi, então, suscitada por vários grupos parlamentares.
Mas quem anda devagar... ou tem inibições motoras ou não tem pressa.
Em relação ao Estado Português bem se pode dizer que não é por qualquer défice estrutural da sua morfologia constitucional que se deve o atraso na adesão mas, seguramente, a uma indevida lentidão de quem deveria marcar o ritmo, isto é, o Governo.
E esse ritmo melhor se compreende em ser acelerado quando, e muito bem, como se alude no parecer votado, por unanimidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, compete ao "Estado aderente no momento da assinatura designar o território ou territórios aos quais se aplicará a presente Convenção" e, por isso, "sendo Portugal potência administrante de Timor Leste, deverá incluir este território como local passível de ser visitado pelos membros do Comité", Comité este criado pela Convenção.
Desta forma, o Estado Português dotar-se-ia de um mecanismo, amplificado aos restante Estados aderentes ao Conselho da Europa, que lhe permitiria uma intervenção específica em Timor Leste, dificilmente recusável no plano do direito internacional, capaz de potenciar um novo meio de intervenção em defesa dos valores humanos universais do direito à vida e à identidade e existência de um povo.
Esta Convenção Europeia para a Prevenção de Tortura corresponde a mais um passo no processo permanente de consolidação e salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e integra-se no núcleo identificador do Estado de direito que os países da Comunidade Europeia têm vindo a aperfeiçoar, e cujos referentes essenciais e harmonizáveis são a jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia e a legislação comunitária, a Convenção para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a Constituição e a legislação dos Estados Membros.
Apesar deste movimento de harmonização democrática e dos sinais encorajadores da evolução para a democracia e para um maior pluralismo por parte dos países da Europa de Leste, "menos de um terço da população mundial vive ainda em países que poderiam ser descritos como democráticos", no início deste ano havia "prisioneiros de consciência em metade dos cerca de 159 países membros da ONU, com desaparecimentos e execuções políticas em 30 países e com julgamentos livres e justos a realizarem-se numa minoria de países; a prática da tortura manteve-se, durante a fase de instrução [...]", segundo este relatório do Parlamento Europeu, "[...] em pelo menos 60 países, durante os anos 80, e de forma sistemática em mais de 30 países.
Vale a pena, a este título e neste contexto, referir que o citado relatório do Parlamento Europeu refere a persistência, um pouco por todo o mundo, de factos negativos no que respeita à salvaguarda dos direitos humanos.
Assim, verifica-se: a persistência do terrorismo para fins políticos; o ataque deliberado a objectivos civis, incluindo crianças, o que se verifica designadamente em Timor Leste; a morte dramática pela fome de 15 milhões de crianças por ano, segundo estimativas da UNICEF; o ressurgimento de esquadrões da morte; a persistência da execução e de sentenças de morte; o acentuar de conflitos étnicos; o autoritarismo de certos governos; os atentados à independência judicial e ao uso de tortura para obter confissões; os limites à liberdade de consciência.
Ao adoptar a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura damos, ao nosso nível, um sinal significativo, que a nossa Constituição amplamente ilumina, de adesão à ideia de um Estado de direito como base de um espaço jurídico e comum europeu.
Qualquer Estado que queira lutar contra a tortura deve aceitar que a tentação totalitária pode a qualquer momento despontar, manifestar-se larvarmente, e tem de estar particularmente atento, a todos os níveis, e desde logo no âmbito da acção e formação das forças policiais e da segurança, agentes prisionais e formação escolar em geral.
Na reunião de Viena do Conselho de Segurança e Cooperação na Europa, os Estados participantes, entre os quais Portugal, "comprometeram-se a fomentar nas escolas e noutras instituições docentes o exame da promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais".
Ora, esta pedagogia democrática que interpreta os direitos humanos como condição indispensável à vida da comunidade começa a ganhar urgência e impressividade.
Os bandos de jovens skinheads que recentemente e de modo dramático fizeram a sua entrada em cena entre nós, com um homicídio e uma tentativa de homicídio, para além de agressões selváticas,...

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador: -... sugerem o despontar de valores de violência, racistas e nazis, aos quais se têm de opor medidas de carácter institucional, económico-social e cívico que debelem na origem esta pústula no regime democrático.

Aplausos do PS.

É neste sentido que, sem prejuízo das medidas judiciais adequadas e inerentes ao controlo jurídico num Estado de direito, ganha particular ênfase a ideia de que nunca é demais qualquer esforço de defesa dos direitos humanos, desde logo na compreensão que importa passar da teoria dos direitos do homem à sua prática, do jurídico ao jurisdicional, dos grandes princípios à política e às garantias concretas e efectivas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo submete à aprovação da Assembleia da República a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes, elaborada no âmbito do Conselho da Europa e aberta à assinatura dos Estados Membros há dois anos, precisamente em 26 de Novembro de 1987.
Inserindo-se nos esforços da comunidade internacional para erradicar este "mal do século", como já foi chamado, a Convenção em apreço constitui um passo positivo, que importa saudar.

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A Convenção já foi ratificada por 15 países. Impõe-se que Portugal também o faça, mal se compreendendo, aliás, este atraso. Sendo de pequena duração o atraso, dir-se-ia que não era relevante. Mas teria sido melhor não ter existido, tanto mais que, como se vê dos relatórios das comissões parlamentares, nenhuma objecção existe por parte de qualquer força política.
O PCP afirma com clareza o seu júbilo com a aprovação desta Convenção para ratificação, inserida nos esforços do Conselho da Europa de tutela e defesa dos direitos fundamentais dos direitos do Homem.
Importa recordar que a Assembleia da República aprovou, há cerca de ano e meio, em l de Março de 1988, uma outra Convenção sobre a tortura. Foi a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984. Na altura, o Plenário concretizou um detalhado e profundo debate (e não esta espécie de debate contra-relógio que agora se realiza, com um prazo de cinco minutos, e que considero uma espécie de tortura...). Nesse debate de l de Março de 1988 foi dito, em intervenções de muita qualidade, o essencial sobre a problemática da tortura, quer no plano mundial quer no plano nacional. Não imporia agora repeti-lo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sobre a presente Convenção, há a sublinhar que ela institui um sistema não judiciário de carácter preventivo, sistema que se consubstancia na criação de um comité europeu, com membros que, gozando de garantias e imunidades adequadas, realizam visitas com condições e facilidades asseguradas pelos Estados partes, elaborando relatórios e fazendo recomendações sobre os casos de que têm conhecimento.
Poder-se-á perguntar se uma Convenção como esta é muito necessária para aplicação aos Estados membros do Conselho da Europa, países que estão vinculados a um significativo elenco de convenções de garantia, protecção e defesa dos direitos do homem e que, além disso, consagram já um sistema judiciário de apreciação e condenação das suas violações. Infelizmente, o que se constata é que a necessidade desta Convenção para os países do Conselho da Europa é mesmo assim plenamente justificada.
Lendo o Relatório da Amnistia Internacional de 1987, ano em que esta convenção foi aprovada, verifica-se que um número significativo de países do Conselho da Europa era referido no âmbito de casos de tortura e maus tratos a cidadãos detidos.
Citando o relatório: na Áustria eram referidos os casos de dois cidadãos, Kurt Schwarz e Hcrbcrt Matejka; em Espanha eram referidas muitas denúncias de tortura e maus tratos a delidos em regime de incompatibilidade, ao abrigo da lei antiterrorista, incluindo casos julgados e condenados por autoridades judiciais. As torturas abrangiam casos de descargas eléctricas, agressões físicas, etc.; na Grécia, havia denúncias referentes a prisões de Alicarnassos, Creta, à Prisão de Alta Segurança de Corfu e à de Eptapyrgion; em Itália eram apresentados uns 30 casos só em Nápoles, com descrição de queimaduras de cigarros, pisaduras de mãos, etc.; era referido um caso de morte em consequência de maus tratos; em Malta eram relatados sete casos; em Inglaterra eram relatados bastantes casos, particularmente na Irlanda do Norte (como curiosidade, regista-se, nesse relatório, a prática muito frequente de desnudamento de mulheres como forma de humilhação e intimidação); na RFA eram relatados casos ocorridos numa prisão da Vestefália; na Turquia era relatada a existência de muitos casos, indicadores de práticas sistemáticas.
Portugal não conta, nesse relatório, qualquer caso. Isso é, naturalmente, um facto que teremos de assinalar com agrado, apesar de continuarem sem implementação certas das medidas necessárias, face ao próprio conteúdo do relatório publicitado pelo Provedor de Justiça e da Administração Interna, concluído em Março de 1986, bastante citado pelo Sr. Deputado Alberto Martins, do PS, na altura do debate no ano passado, e referente a alegados abusos policiais.
Mas há, como já foi aqui citado, uma razão especial Cara a convenção ser de grande interesse para Portugal. É que Portugal, como potência administrante - e sublinho, uma vez mais - poderá incluir o território de Timor Leste entre os territórios onde se aplica a Convenção e, portanto, passíveis de serem visitados pelo Comité. É isto que consta do Relatório da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, que foi aceite, votado por unanimidade e incorporado no relatório da Comissão dos Negócios Estrangeiros.
Conhecidas, como são, as práticas sistemáticas de tortura que o ocupante indonésio pratica sobre a população timorense, a convenção pode ser assim mais um instrumento de pressão na comunidade internacional com vista à defesa dos Direitos Humanos e da liberdade do povo Maubere.
Tudo razões, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, para o nosso voto favorável à convenção, sem quaisquer reservas - que, aliás, a convenção não admite - e com todo o empenhamento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de prestar homenagem ao Sr. Deputado Fernando Amaral, a quem se deve, fundamentalmente, o agendamento desta matéria, pelos esforços que vão hoje ser compensados, espero, pela votação unânime desta Câmara.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, quero sublinhar que esta convenção marca o renascimento da importância do Conselho da Europa. O Conselho da Europa é uma instância que tem andado um pouco esquecida nos debates europeus e as circunstâncias actuais da evolução europeia voltam a colocá-lo no centro da problemática que todos enfrentamos. Penso mesmo que ele é o ponto de referência institucionalizado para procurarmos encontrar respostas construtivas aos vários desafios que a conjuntura nos apresenta.
Esta convenção pode ser, designadamente, uma via aberta ao alargamento da definição de uma nova forma de assumir um lugar político ocidental pelos países que procuram, neste momento, unir-se à instituição a que me refiro.
Por outro lado, quero acrescentar, porque já tudo o que pode ser dito em abono da ratificação foi dito, que

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considero da maior oportunidade a chamada de atenção feita pelo Sr. Deputado João Amaral para a situação de Timor Leste.
Permito-me relacionar a importância dessa referência com a visita pastoral do Papa a esse território. Essa visita, como, aliás, tive ocasião de dizer publicamente e antes da sua realização, estava evidentemente sujeita a uma especulação contrária aos interesses do povo de Timor, porque ela seria conduzida pelas potências com interesse na área, que, por sua vez, não tinham interesse em que a visita tivesse o significado profundo que tinha em relação à opinião mundial. Efectivamente, se alguma coisa estava na essência da visita era a defesa dos direitos do homem, o respeito pela dignidade do homem.
Julgo que a Câmara fará bem em recomendar ao Governo que a execução das previsões da convenção - aliás, como vem recomendado pela nossa Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e no relatório da nossa Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, de que foi relator o Dr. João Amaral -, sejam aplicadas ao território de Timor, pelo qual temos juridicamente a responsabilidade de administradores.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há inscrições sobre esta matéria e antes de passarmos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, permito-me informá-los que se encontra na bancada do corpo diplomático, a assistir aos nossos trabalhos, a presidência do Grupo Parlamentar de Os Verdes do Parlamento Europeu, para quem peço uma saudação.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vamos agora dar início à discussão da proposta de lei n.º 120/V, sobre o sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentar uma proposta de lei sobre vencimentos de magistrados ao Parlamento é uma tarefa que, embora gratificante, reveste grande melindre, porquanto o trabalho de um cidadão que tem por missão julgar outro cidadão não é facilmente comensurável.
Efectivamente, homens que no seu quotidiano arrastam consigo a angústia da decisão, o permanente desassossego de procurar onde está a verdade, a muitas vezes penosa indagação da melhor, entre várias, soluções de direito a aplicar ao caso concreto, não podem ser referenciados por uma perspectiva meramente monetária.
Por isso mesmo, o Governo decidiu excepcionar os magistrados dos grandes princípios que orientam o novo sistema retributivo da função pública.
Reconheceu-se também a autonomia da sua posição, sendo certo que se teve sempre presente o facto de os tribunais serem órgãos de soberania.
Entendeu-se, ainda, que a natureza não política dos cargos judiciários e a conveniência em se preservar a independência dos respectivos órgãos justificam um regime próprio, autónomo do regime remuneratório dos titulares de cargos políticos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma hoje submetido à apreciação de VV. Ex." tem .como objectivo ajustar a revisão do estatuto remuneratório dos magistrados à redefinição da respectiva carreira, criando-se uma nova fase para juiz de direito e uma outra para desembargador, na magistratura judicial e, paralelamente, uma para delegado do procurador da República e outra para procurador-geral-adjunto na magistratura do Ministério Público.

A respectiva grelha indiciaria prevê uma remuneração base que, desde logo, integra a remuneração global actualmente percebida e que é composta pelo vencimento base, pela participação emolumentar e ainda pelas diuturnidades especiais, absorvendo-os.
Ponto que manifesta relevância de tomo é o que consagra, pela primeira vez, de uma forma bem explícita, a aplicação do novo sistema retributivo aos magistrados jubilados, acolhendo, assim, uma antiga e legítima aspiração das magistraturas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo pensa que a aprovação desta proposta de lei vem de encontro aos anseios dos magistrados portugueses. Assim o tem manifestado publicamente as associações representativas da classe, com quem o Ministério da Justiça tem cordialmente dialogado desde o início do seu mandato.
Aprovando esta proposta de lei, para além de, inequivocamente, se estar a prestigiar e a dignificar a administração da justiça e, consequentemente, os tribunais, está-se, também, a homenagear e a dar público testemunho a todos aqueles magistrados que, de uma forma anónima mas profícua, asseguram e complementam, em termos decisivos, a sociedade democrática estável, que se rege pela moral e pelo direito, que em boa hora conseguimos erigir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entretanto, quero informar que se encontra a assistir aos nossos trabalhos um grupo de alunos do Colégio D. Afonso V, de Mem Martins, para quem peço a saudação habitual.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Disse V. Ex.ª que esta forma de remunerar os magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público é uma forma de dignificar a carreira e de lhes prestar homenagem.
Não esperava que V. Ex.ª, como antigo magistrado judicial, se satisfizesse com um aumento material, em dinheiro, das remunerações para dizer que é esta a homenagem aos juízes e é esta a melhor forma de dignificá-los.
Naturalmente, os juízes e o Ministério Público estarão agradecidos por este aumento, mas não se sentirão dignificados só com isso, porque para dignificar a magistratura e a justiça são precisas muitas mais coisas: é preciso dar-lhes condições de trabalho, é preciso não separar, não dar - como dizia alguém - "colares a uns e colarinhos a outros". Não pode dignificar-se a justiça quando não se dá aos magistrados as condições necessárias face à avalanche de processos. Por exemplo, é necessário dar-lhes espaço, livros, revistas, informação jurídica para que eles possam, independentemente de todas as pressões - e não digo pressões políticas, longe de mim

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tal ideia, mas pressões de sobrecargas do trabalho e falta de instalações e de bibliografia, etc. -, realizar a sua missão.
E se verificarmos a nossa imprensa, vemos que os juízes falam constantemente em pedir ao Governo que lhes dignifique essa função e o Governo, seguindo, aliás, aquilo que lhe foi recomendado aqui há poucos dias pelo líder da bancada do PSD, tem feito ouvidos moucos, dizendo que aquelas reivindicações desmerecem os ouvidos do Sr. Ministro da Justiça.
Gostaria de saber se efectivamente V. Ex." entende que dignificar a magistratura e homenagear as magistraturas é só através dessa via ou pretendia apenas dizer que o Governo não pode fazer mais nada para a dignificar a não ser dar mais dinheiro para os calar?
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Secretário de Estado deseja responder desde já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Justiça: - Desde já, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, no início da minha intervenção disse precisamente que os magistrados não podem ser referenciados por uma perspectiva meramente monetária. E depois, no discurso, disse que o que estava aqui em causa era obviamente os vencimentos dos magistrados. Ora, a homenagem e a reivindicação da magistratura passa pelos seus vencimentos, mas não é exclusivamente uma questão monetária. Trata-se de autonomizar a carreira da magistratura, o que foi feito neste diploma, de todos os vencimentos dos servidores do Estado; portanto, o que foi feito - e o Sr. Deputado aflorou essa questão, que acho que é muito importante - passa também pela dignificação da magistratura, passa pela dignificação das instalações, isto é, passa pela dignificação do ambiente de trabalho onde o magistrado presta a sua missão.
E lembro o Sr. Deputado que isto não é futurologia, pois, em 1989 e em 1990, só para obras de raiz e restauro dos tribunais o Ministério da Justiça vai gastar 7 500 000 contos, quando em 1987 foram gastos 400 000 contos!
Portanto, aqui está uma tónica importante do grande incremento que o Governo, e no caso concreto o Ministério da Justiça, está a fazer para que a magistraturas sejam verdadeiramente dignificadas. Este é um debate que se cinge apenas à sua vertente remuneratória, mas não queria deixar de aproveitar a oportunidade para dizer que a dignificação, como, aliás, disse na intervenção, não passa só por aqui, passa por toda uma gama de aspectos que temos atentamente presentes.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há no entender da bancada do Grupo Parlamentar do PCP razões para que sejam saudadas como positivas as medidas remuneratórias contidas na proposta de lei que estamos a debater. Não para que sejam agradecidas, porque são devidas, mas para que se sublinhe que elas são o resultado de um esforço negocial, levado a cabo durante bastantes meses e de forma bastante intrincada, e se alguma coisa se deve saudar aqui, neste momento, é naturalmente o esforço, a persistência negocial dos magistrados e dos seus representantes, que são a razão fulcral pela qual, hoje, este texto, com este preciso conteúdo, nos é submetido.
E se alguém refere a angústia de decidir, prefiro hoje referir aqui a angústia de negociar com o Governo que os magistrados judiciais e do Ministério Público tiveram ao longo destes meses. Que essa angústia seja temperada por um resultado que, em parte, será por todos subscritível só nos pode alegrar.
A aprovação é, de facto, em nosso entender, justificada, em primeiro lugar, porque se conseguiu que os magistrados não fossem incluídos no regime retributivo da função pública, mesmo que fossem incluídos do regime dos chamados corpos especiais, como chegou a ser aventado; em segundo lugar, porque foram autonomizados em relação ao regime remuneratório dos titulares de cargos políticos.
Foram redefinidas as suas carreiras e, obviamente, isso é sempre polémico e deixa pontos mal resolvidos, como é o caso, em vários aspectos. Mas o importante é que foi feita a redefinição de carreiras e a consequente revisão de remunerações, com a garantia de retroactividade a l de Janeiro de 1989. E não se julgue que isso é uma pequena conquista ou que foi um resultado automático. Foi um resultado barganhado, discutido, negociado e ganho por aqueles que se empenharam nessa batalha, o que também queria saudar. Em terceiro lugar, fixou-se um regime de actualização que é estritamente paralelo ao definido para os titulares de cargos políticos, o que implica a previsão de aumentos reais adicionais em 1990, 1991 e 1992. Este é também um facto importante e de sublinhar. Por último, mas não menos importante, fez-se justiça - ou começou a fazer-se um princípio de justiça- aos magistrados jubilados, esforço esse que na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pudemos aprofundar, precisando e tornando mais rigoroso o regime por forma a estabelecer o que é de facto novo e que nenhuma discriminação poderá atingir esses magistrados que optaram por jubilar-se depois de muitos anos de trabalho na magistratura.
Essa justiça, que era devida e que não é de agradecer- é puramente justiça -, foi o resultado de um empenhamento das bancadas e dos deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, neste momento, muito me apraz sublinhar.
Ficaram, no entanto, em aberto, como já foi indiciado por diversas intervenções, várias questões e essas temperam o nosso possível entusiasmo remuneratório nesta matéria.
Desde logo, há questões remuneratórias que subsistem. Parte destes aumentos reverterão outra vez para os cofres do Estado, porque lhe é devido a título de reembolso por dispêndios fiscais que não forum praticados. Portanto, o aumento tem uma componente real e tem uma componente ilusória, dado que uma parte dos aumentos vai dos cofres do Dr. Nogueira para os cofres do Dr. Cadilhe e nesse trânsito se esgota o prazer que ele dará às classes forenses.

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Por outro lado, há questões como o subsídio da renda de casa que estão em discussão e que carecem de urgente revisão.
Também o nível das despesas de representação, onde elas existem, mereceria consideração mais atenta face às actividades que são exigidas aos magistrados que as detêm.
Por outro lado, sente-se claramente - e não é estranho que esta reclamação nos venha das magistraturas - a ausência de um suplemento remuneratório que seja contrapartida da absoluta exclusividade de funções que caracteriza as magistraturas, como não é igualmente de estranhar que surja como reclamação a melhoria sensível e significativa do próprio nível e da natureza das prestações sociais a que os magistrados têm direito.
De nada vale fazer louvores abstractos à dignidade de uma magistratura que viva em casas que caiam, que não tenha prestações sociais ou dignidade correspondente à natureza do cargo e da alta função que desempenha.
O segundo factor de temperança decorre - e não é de subestimar - das desigualdades no tratamento entre magistraturas. Reina um mal-estar nos tribunais, como assinalava, no passado sábado, um ilustre magistrado que aqui me apraz igualmente trazer à colação.
É impossível deixar de dar razão às vozes que criticam a aprovação de regalias que são sentidas como privilégios não acompanhadas de tratamento correspondente das outras magistraturas. O Sr. Dr. Fernando Brochado Brandão, a quem há pouco aqui se referiu, implicitamente, o Sr. Deputado Narana Coissoró, no artigo a que venho a fazer referência, alude às consequências da recente aprovação da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, ou seja, à revisão do estatuto dos seus conselheiros e ao conjunto de regalias que aí foram instituídas, para sublinhar que há uma desigualdade, que é sentida como uma discriminação, e isso pode levar a afirmar que se trata de atribuir dignidade e honra para uns e declarar a indignidade para outros. Este magistrado, ilustre, aliás, perguntava: "Tencionará, porém, o legislador repor a legalidade, isto é, consagrar a equiparação?"
Esta é, de facto, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, a questão fundamental - a supressão das discriminações. Não discutamos tanto se os magistrados A têm direito a colares especiais e a uma toga especialmente bonita. Discutamos, sim, o que é que acontece aos outros magistrados, aos quais não são facultados meios de apoio, nem insígnias, nem sinais exteriores de dignidade e, sobretudo, sinais sólidos de um estatuto social e remuneratório condigno.
Pensemos nisso. É uma questão que o Governo não tem resolvido - ou melhor, é uma questão que está mal resolvida pelo Governo -, mas que exige reflexão comum e, sobretudo, medidas práticas.
O último motivo que justifica temperança, prudência e moderação no júbilo é que há inúmeras questões relacionadas com o Estatuto dos Magistrados que, aliás, têm de ser resolvidas em ambas as magistraturas, sobretudo depois da revisão constitucional.
É absolutamente inevitável que haja legislação e medidas de diversos tipos para reforçar a garantia da independência, para definir melhor os direitos e os deveres dos magistrados...

A Sr.ª Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Estou a acabar, Sr.ª Presidente.

... que garanta e alargue a protecção policial que, em muitos casos, é um elemento fulcral para defender a integridade física e a própria vida dos magistrados, que defina a regra sobre a responsabilidade civil e criminal dos juízes, que defina melhor as competências do Conselho Superior da Magistratura, por exemplo, que reforce as garantias do processo disciplinar, que garanta um melhor acesso ao Supremo Tribunal, que garanta uma adequada articulação com os tribunais administrativos, que permita desbloquear o funcionamento caótico dos tribunais de círculo, que permita criar gabinetes de apoio aos magistrados, que precisam desses gabinetes de apoio para funcionarem adequadamente, etc.
De tudo isto nos lembramos no dia em que concedemos o nosso voto favorável a esta proposta, proposta que é o começo e, seguramente, não o fim, proposta que é uma plataforma aceite como compromisso e não, seguramente, a resolução de todos os problemas.
É com esse espírito e dentro desses limites que a bancada do Partido Comunista se associa a este texto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 120/V, que, nos termos constitucionais, o Governo submete à aprovação da Assembleia da República, visa, como expressamente se refere na exposição de motivos, atribuir aos magistrados um sistema remuneratório de excepção em relação ao regime geral da função pública, quer "por se reconhecer a autonomia da sua posição, quer por os tribunais serem órgãos de soberania, quer ainda por as alterações ao respectivo estatuto serem da competência da Assembleia da República".
Assim, fica definido que o sistema retributivo em apreciação é composto pela remuneração base e por um suplemento, sendo igualmente previsto que, anualmente, se procederá à actualização do valor do índice que consta do quadro anexo à presente proposta de lei.
Aproveitou-se - e bem - esta oportunidade e esta sede para consagrar, com clareza, o regime remuneratório dos magistrados jubilados, regime em tudo idêntico ao aplicado aos magistrados em efectivo exercício de funções, dando-se, assim, justo cumprimento a um não menos justo anseio de todos aqueles que, devotadamente, serviram a causa do direito e da justiça.
Finalmente, permito-me destacar o preceito que prevê que as actualizações dos vencimentos dos magistrados se vão processar, a partir de Janeiro de 1991, de forma idêntica à já prevista para a actualização dos vencimentos dos titulares dos cargos políticos.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Se é legítimo afirmar que todas estas disposições dão resposta a anseios justificados dos magistrados, não menos legítimo é constatar que manifestam também a real vontade do Governo de corresponder, neste plano e no integral respeito da autonomia e independência da magistratura, à necessária dignificação dos cargos judiciários.
Mas mesmo neste momento - sobretudo neste momento- importa não esquecer um conjunto de outras condições básicas para a dignificação da magistratura e dos tribunais, tarefa difícil, morosa e dispendiosa, mas a

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que o Governo tem de continuar a emprestar o melhor do seu empenho e da sua vontade.
O debate travado na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias proporcionou a apresentação de duas propostas, subscritas por deputados de todos os grupos parlamentares, que propiciam um texto legal mais inequívoco quanto ao regime aplicável aos magistrados jubilados.
Muito embora outras dúvidas tenham sido suscitadas, não parece que elas possam, de per si, constituir válidas razões para que a Assembleia da República não dê o seu alargado assentimento a esta proposta de lei do Governo.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Em consequência, o Grupo Parlamentar do PSD vai votar favoravelmente esta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Srª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sobe a este Plenário a proposta de lei n.º 120/V, que intenta definir o sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
Cumpre, antes de mais, salientar que o diploma foi, na generalidade, favoravelmente acolhido na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o que parece significar não se concitarem, entre as forças políticas aqui representadas, divergências assinaláveis, não só quanto às condicionantes como aos princípios estruturadores do novo ordenamento remuneratório agora em apreciação.
Ninguém contesta, na verdade, que aqueles magistrados devem ser objecto, no quadro do sistema retributivo da função pública, de um tratamento autónomo, requerido, desde logo, pela circunstância de estar em causa uma matéria que é da competência reservada desta Assembleia por força do artigo 168.º, n.º l, da Constituição, reserva que plenamente se explica por ser estabelecida em homenagem à alta dignidade da missão deferida aos tribunais, reconhecidos pela Lei Fundamental como um dos órgãos de soberania.
Mas a necessidade ou, pelo menos, a conveniência de um estatuto remuneratório privativo dos magistrados judicias e do Ministério Público é ainda imposta pela natureza específica das respectivas funções, que, por isso, reclamam, para salvaguarda da sua independência e autonomia, um regime distinto do que concerne aos titulares dos cargos políticos.
A apresentação da proposta do Governo à luz destas exigências afigura-se-nos, pois, cabalmente justificada.
Em apreciação do articulado importará realçar que os montantes de retribuição fixados rematam um processo de conversações que o Governo previamente manteve com os órgãos representativos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, que permitiu que se chegasse, no essencial, ao acordo que o diploma em análise pretende agora consagrar.
O PS louva, francamente, esta metodologia, fazendo, no entanto, votos para que ela se estenda a outros sectores, ainda que, porventura, desprovidos, em alguns casos, de igual poder reivindicativo, já que a incapacidade do Governo para estabelecer e conduzir o diálogo na busca de consensos com as mais diversas classes profissionais vem constituindo, como se sabe, fonte de generalizados conflitos e de crescente instabilidade social.
Também se anotará que, considerada toda a grelha das remunerações estatuídas no nosso país para os titulares dos cargos políticos e para os servidores do Estado, o sistema retributivo que se pretende instituir satisfará, a nosso ver, no fundamental, as exigências da justiça relativa.
Não se regateia, por isso, a remuneração condigna daqueles magistrados por ser factor indispensável de dignificação dos cargos judiciais e consequente garantia de isenção, independência e qualidade na administração da justiça.
Ela não bastará - é certo - para resolver, ou mesmo só debelar, as dificuldades com que, de longa data, se debate a instituição, por culpas conjuntas ou sucessivas que aqui não cabe inventariar.
Mas, sem dúvida, não é com as recentes medidas do Governo, tendentes a dificultar o acesso dos cidadãos aos tribunais, que se inverte correctamente o sentido dessa crise, que reclama, pelo contrário, urgência em reformas processuais, mas também na mobilização de novos recursos humanos, materiais e técnicos, pois só tudo isso logrará, enfim, viabilizar a concorrência da justiça com a celeridade necessária na aplicação da lei.
Por último, reconhece-se que, se a extensão do novo sistema retributivo aos magistrados jubilados vem acolher uma das mais prementes aspirações da classe, outra passou a ficar insatisfeita - a da paridade estatutária dos vencimentos de conselheiro e ministro, que tem sido uma referência permanente, ditada pela recusa de qualquer relação de subalternidade entre os dois correspondentes órgãos de soberania.
A questão comporta desenvolvimentos que, por escassez de tempo, não podem ser agora sequer aflorados, mas o PS afirma-se, desde já, disponível para a debater em sede de especialidade, onde tudo fará ao seu alcance para que, também neste aspecto, obtenha vencimento uma reivindicação que, em princípio, se afigura justa e constitucionalmente bem fundamentada.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró. Informo-o, Sr. Deputado, de que dispõe apenas de dois minutos e meio.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Sucede, por coincidência, estar desde ontem reunido em Paris um congresso de magistrados judiciais, convocado por duas centrais sindicais, a Associação dos Magistrados Judiciais e o Sindicato dos Magistrados, que debate, nomeadamente, a natureza da função de magistrado e o seu estatuto.
Está em causa saber, em primeiro lugar, por que motivo se nega aos magistrados judiciais o direito de se filiarem politicamente. O exemplo que se dá é que os altos juízes dos Estados Unidos são recrutados por dois partidos - o Partido Republicano e o Partido Democrático- sem que, alguma vez, qualquer cidadão norte--americano se tenha queixado de má justiça em virtude de esses magistrados serem eleitos ou designados pelos seus partidos.

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Por outro lado, é também intenção deste grande congresso saber que espécie de serviço público prestam os magistrados judiciais à sociedade. Todos estão de acordo em que se trata de um serviço público especial, que não se confunde com outros serviços públicos, mas que não deixa de ser um serviço público e que, por isso mesmo, tem de ser garantido com todas as regras que acompanham os servidores da função pública.
Não é este o caso entre nós, na medida em que, em função da própria Constituição, aos magistrados está vedado o exercício de qualquer actividade política, e bem, segundo cremos, porque, sendo os tribunais um órgão de soberania sem serem órgão político e com um estatuto profissional próprio, somar-se ainda às regalias da função pública, não caberia neste quadro especial da função especialmente dignificada, como agora aparece.
O CDS sempre se bateu pela dignificação desta função, da função das duas magistraturas e, por isso, alegra-se com este estatuto remuneratório que agora a Assembleia da República aprova e que servirá, naturalmente, os legítimos anseios e reivindicações dos magistrados.
O Sr. Deputado José Magalhães já fez o grande elenco das matérias que ainda tem de ser resolvidas pelo Governo para dignificar a função da magistratura, pelo que não vou repeli-las aqui, até porque já foram inventariadas na Comissão.
O Governo tem plena consciência de que a dignificação desta função é necessária, na medida em que nas visitas que tem feito aos tribunais pôde ver, in loco, as condições difíceis em que os magistrados trabalham: basta ir ao Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, basta ver como é que funcionam os tribunais correccionais e os tribunais criminais; basta ir a muitas localidades por este país fora e ver por que razão é que os juízes, muitas vezes, tem de sair com os seus processos, os seus códigos e com a sua toga debaixo do braço... porque chove em cima das suas secretárias! Basta ir às secretarias judiciais para ver como estão pejadas de processos estragados por causa das inundações e das humidades. Portanto, tudo isto contribui para que os juízes não tenham o ambiente e a qualidade de vida que é justo reconhecer-lhes para que prestem um serviço em condições minimamente aceitáveis.
O Governo, sempre que trazemos esta matéria à discussão na Assembleia da República, apresenta-nos números e diz que antigamente gastavam-se 2000, hoje gastam-se S milhões e haveremos de gastar 7 milhões .... Não é isto que está em causa, ninguém nega que o Governo está a gastar milhões! O que se critica é que, quase sempre, as preocupações são apresentadas como se se tratasse apenas um problema de milhões gastos.
É certo que só com milhões é que pode dar-se qualidade de vida, mas o Governo também tem de dizer e mostrar que está grandemente preocupado com esta situação. Não pode esperar-se que o Ministro da Justiça vá aos tribunais de instrução criminal, veja com os seus próprios olhos por que razão é que estão parados mais de 3000 processos e depois diga que está a ser feito um esforço para descentralização, que está a ser feito isto e aquilo, pois, de facto, o Governo devia ter a noção clara da situação existente nos tribunais antes de efectuar as visitas, porque se o Ministério existe é para, em cada dia, ser informado do andamento da administração da justiça em Portugal.
Esperemos, pois, que com este estatuto remuneratório seja dado o primeiro passo, mas apenas o primeiro passo, para uma longa marcha, que é a da dignificação da magistratura judicial e da magistratura do Ministério Público em Portugal, uma vez que sem esta dignificação e sem estarem asseguradas as condições de trabalho para estas duas magistraturas não haverá justiça, e no país em que não há justiça não há um Estado democrático.

A Sr.ª Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Candal, gostaria de anunciar que há consenso para que a discussão na especialidade deste diploma se faça de imediato e, assim sendo, talvez o senhor prefira inscrever-se para esse debate.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr.ª Presidente, pretendo intervir neste momento e lamento apenas perturbar a pacatez da discussão, pois tenho uma proposta de alteração na especialidade.
Entendo que é tempo de dar voz às opiniões que se ouvem todos os dias nos gabinetes, nos corredores dos tribunais e na opinião pública, quais sejam a de destrinçar os magistrados da judicatura, quando julguem, dos magistrados do Ministério Público.
Não sei quem é que inventou a teoria do paralelismo das magistraturas - que, aliás, não tem assento constitucional -, uma vez que são carreiras com origens e percursos diferentes, pelo que afigura-se-me oportuno conferir alguma destrinça a favor dos magistrados da judicatura, não dos que estão em serviço de inspecção, em comissões ou em inquéritos mas, sim, daqueles que estão, no quotidiano, a julgar, pois só assim se é coerente. Aliás, a intervenção do Sr. Secretário de Estado foi toda nesse sentido, pois não se referiu, praticamente, aos magistrados do Ministério Público, falando apenas na "angústia da decisão", "busca da verdade", "escolha da melhor opção". De facto, isto só se aplica aos magistrados da judicatura, aos que julgam, e não aos magistrados do Ministério Público, que tom de ter a sua dignidade. Importa, pois, actualizar a perspectiva sobre o paralelismo das magistraturas e a minha proposta vai nesse sentido.
Já agora aproveito para rejeitar e criticar a redacção proposta para o artigo 23.º, que, no meu entender, só deve ficar com os n.01 l e 2, porque os nº 3 e 4 não tem de ser integrados no estatuto, têm, sim, de ser separados, e para o artigo 74.º, porque, é evidente, no artigo 23.º da Lei n.º 21/85 não pode manter-se um preceito que diz que "se mantêm as compensações nos artigos 24.º e 29.º". Trata-se, pois, de uma redacção infeliz, mas isso é um problema de pormenor.
Srs. Deputados, seguidamente entregarei na Mesa uma proposta de aditamento que diz o seguinte: "Os magistrados judiciais que se encontrem no exercício de funções de judicatura efectivas auferem um suplemento igual a 10 % da remuneração base que lhes for abonada mensalmente."
Aliás, há algum sofisma em dizer que estes titulares de órgãos de soberania devem ser remunerados separadamente dos políticos. Porquê? Bem, isto é uma maneira de dizer que dá cobertura a pagar-lhes menos do que aos políticos, porque esta proposta de lei data de Junho e, nessa altura, ainda não tinha havido o aumento substancial do políticos. Se tivermos em conta que estes vencimentos estão congelados até ao fim de 1990, teremos de concluir que estes são baixos, nomeadamente em termos de grelha de órgãos do Estado. Senão, repare-se: o Presidente do Supremo ganha várias centenas de contos a menos que o Presidente da República e pelo menos duas centenas a

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menos que o Primeiro-Ministro e do que o Presidente da Assembleia da República. Portanto, esta é uma situação de desequilíbrio.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então passar à discussão do diploma na especialidade com a grelha de tempos mínima, ou seja, a grelha D.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr.ª Presidente, é para anunciar que há um novo acordo entre os parlamentares para que este diploma baixe à Comissão, depois de votado na generalidade, e suba a Plenário para votação final global na próxima quinta-feira.

A Sr.ª Presidente: - Então, o diploma baixará a Comissão.

O Orador: - Exactamente, Sr.ª Presidente, e na quinta-feira faremos a votação final global.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr.ª Presidente, se me permite, só para clarificar esta situação e dizer que aquilo que acordámos foi que, em vez de estarmos a fazer, neste momento, a discussão na especialidade deste diploma, terminaríamos a sua discussão e faríamos a sua votação na generalidade, baixando o diploma à comissão para discussão na especialidade e apresentação de propostas e na próxima quinta-feira faríamos a votação final global desta proposta de lei.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, há pouco tínhamos procurado "agenciar" uma solução diferente desta que passaria pela conclusão imediata deste processo, obviamente sem prejuízo da livre discussão e apresentação de propostas, por uma razão simples: a da celeridade do processo. Isto é, como a Assembleia da República encerrará os seus trabalhos, provisoriamente, no dia 7 de Dezembro e seria, pelo menos, desastroso que o processo legislativo relativo a esta matéria não estivesse concluído nessa data.
Porém, como se oferecem garantias de que isso ocorrerá, designadamente que a votação final global terá lugar na próxima quinta-feira, pela nossa parte não há qualquer objecção a que este assunto seja ventilado e aprofundado em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e é nesse sentido que aderimos à solução proposta.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, a votação na generalidade desta proposta de lei far-se-á esta tarde, pelas 19 horas e 30 minutos.
De seguida, vamos passar à apreciação do relatório final e conclusões relativas ao inquérito parlamentar n.º 14/V, com vista a apurar em toda a extensão a conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças de apartamentos no Edifício das Amoreiras e na Rua de Francisco Stromp, em Lisboa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório da comissão de inquérito à forma como se realizaram os negócios jurídicos de aquisição, pelo Ministro das Finanças, de apartamentos no Lumiar e nas Amoreiras, foi elaborado e votado exclusivamente pelos deputados do PSD.
E foi assim porque o relatório em questão deturpa, de forma grosseira, a matéria de facto e de direito provada na comissão. Omite matéria de facto (e de direito) decisiva para a cabal e séria apreciação da forma e dos métodos utilizados para que a administração fiscal fosse iludida e o Ministro das Finanças tivesse acesso a benefícios materiais, excepcionais e ilegais.
O relatório integra falsidades e distorções e omite falsas declarações prestadas pelo Ministro à comissão, designadamente as relativas ao alegado desconhecimento de que o apartamento do Lumiar já havia sido vendido enquanto nele continuava a residir.
Em vez de apreciar os factos e compulsar a doutrina seguida pela administração fiscal em situações idênticas, o relatório dos deputados do PSD pretende estabelecer, ele próprio, doutrina fiscal visando ilibar o Ministro e eximi-lo da obrigação de pagar impostos que o cidadão comum, em igualdade de circunstâncias factuais, é obrigado a cumprir, como o demonstra o exemplo registado noutro andar da mesma Torre das Amoreiras em que o Ministro adquiriu o seu apartamento.
Ou seja, inversamente ao que é o estrito dever democrático, político e ético de uma comissão de inquérito, qual seja o de promover a prova de facto e de direito, para dela retirar as respectivas conclusões, os deputados do PSD estabeleceram aprioristicamente as conclusões que pretendiam tirar, daí partindo para a elaboração de um relatório que lhes pudesse dar alguma réstia de aparente suporte.
Temos como certo que a apreciação séria e isenta das declarações prestadas perante a comissão e da documentação probatória que à mesma foi enviada conduz às conclusões de que: o Ministro das Finanças beneficiou ilegítima e ilegalmente de isenção de sisa; no recurso aos serviços da administração fiscal foi viciado o quadro fáctico com base no qual foi emitido parecer sobre a suposta legalidade da operação projectada; o Ministro das Finanças beneficiou de condições excepcionalmente favoráveis na aquisição do apartamento do Lumiar; existe nos autos vasta prova indiciaria de tentativa de dissimulação da natureza do negócio que conduziu à aquisição pelo Ministro das Finanças do apartamento nas Amoreiras e que integra mesmo um recibo falso no montante de 115000 contos; o Ministro das Finanças utilizou abusivamente o pessoal e viaturas da Guarda Fiscal, e que, tendo residência permanente, em casa própria, em Lisboa, o Ministro das Finanças tem beneficiado, ilegalmente, de subsídio de apoio para membros do Governo carecidos de alojamento na capital.
Por todas estas razões, votámos contra o relatório dos deputados do PSD e apresentámos um projecto de resolução, que esperamos ver aprovado, visando a publicação integral das actas e demais documentos probatórios relativos à comissão de inquérito, para que a verdade, que os deputados do PSD escamotearam, possa vir ao de cima.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr.ª Presidente, não me inscrevi neste momento, provavelmente foi a direcção da minha bancada que o fez, embora tencione intervir um pouco mais tarde neste debate. Porém, se me for agora concedida a palavra é agora que falo.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa dá-lhe a palavra quando quiser, só que, como não há mais deputados inscritos, V. Ex.ª intervirá de imediato.

O Sr. Carlos Candal (PS):- Então usarei, muito brevemente, da palavra para tecer algumas considerações.
Os membros da comissão que, a título individual, embora sendo do PS, subscrevem a declaração de voto com que os socialistas se posicionaram na comissão de inquérito têm uma atitude perante- os factos averiguados que é, digamos, intermédia entre a postura de absolvição dos deputados da maioria e a perspectiva, a nosso ver, excessivamente crítica dos deputados do PCP.
Votámos contra o relatório e fizemos uma declaração de voto, que mantemos. Dessa declaração se concluirá que as culpas do Sr. Dr. Miguel Cadilhe não eram tantas quanto os jornais, com exagero, se fizeram eco, mas eram, realmente, algumas.
Parece que será quase descabido voltar ao tema, porquanto, face ao relatório e às declarações de voto, esperava-se que o Ministro das Finanças fosse, pura e simplesmente, substituído no Governo. Seria essa a expectativa política legítima. Mas a verdade é que não foi e permanece em funções como se fosse a mais inocente e ingénua das criaturas.
E, então, estar agora, mais uma vez, a sublinhar o tema, quando as sequelas políticas se não verificaram, perguntar-se-á se não é estar já a macerar o cidadão, isto é, se não estaremos a fazer uma excessiva crítica à pessoa quando a tónica principal era a crítica ao político e ao Governo que mantinha tal político em funções.
É o que, de momento, se me oferece dizer, sublinhando que esse exagero de crítica ao particular será demasiado, na medida em que se verificou uma evasão fiscal real, com uma simulação fiscal de permuta. Disso não tenho espécie nenhuma de dúvida, embora admita - devo dizê-lo- que haja quem honestamente pense de maneira diferente, como, por exemplo, elementos da comissão que, seguramente, sendo essa a sua atitude mental, votaram honestamente de outra maneira.
Para mim, não há dúvida nenhuma, repito, de que houve uma fraude fiscal, uma permuta simulada, mas estar a macerar o particular quando o político aparentemente sai incólume, será descabido na medida em que evasões destas são realmente o pão nosso de cada dia num país que, por razões de sobrevivência individual e talvez até culturais, acha a evasão fiscal qualquer coisa de natural e desculpável.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS interveio nesta comissão de inquérito numa óptica jurisdicional, ou seja, nós entendemos
que as comissões de inquérito têm missões de natureza jurisdicional, pelo que têm de funcionar com uma total independência.
Neste caso concreto, estava-se, ainda por cima, a analisar o comportamento de um homem. E logo, por maioria de razão, os cuidados deviam ter sido colocados por forma que, nessa comissão de inquérito, os resultados fossem o mais objectivos possíveis.
Por outras palavras, diríamos que não utilizámos a comissão de inquérito como arma de arremesso político, não estivemos na comissão de inquérito a exercer a oposição, que tantas vezes fazemos neste Parlamento, uma vez que, repito, tínhamos pela comissão de inquérito uma consideração de quase órgão jurisdicional a funcionar, portanto, com inteira objectividade e independência.
Por isso, estamos muito à vontade quando, nesta altura, dizemos claramente as razões por que vamos votar contra o relatório apresentado.
E fundamentalmente são duas ordens de razões: a primeira é uma razão de método e não apenas uma razão formal, pois pensamos que foi uma razão substancial que inquinou, em termos até de dignidade da própria Assembleia, o relatório que foi apresentado.
A comissão funcionou, colheu abundantíssima prova - e aí há que referir uma palavra de apreço ao presidente da comissão, porque nunca nada que lhe tivesse sido solicitado deixou de ser imediatamente conduzido para a comissão, nem tão-pouco houve qualquer limitação na capacidade de angariação de prova -, mas, dizia eu, enquanto, a Comissão linha uma ampla matéria de prova para apreciar, acontece que foi decidido pela comissão, pelo partido maioritário, o PSD, que o relatório fosse elaborado imediatamente e apenas por um dos seus membros, o Sr. Deputado Miguel Macedo.
Outra, porém, tinha sido a nossa proposta: tínhamos dito que, face à abundância da prova produzida, seria necessário criar uma subcomissão para que, numa primeira análise, procedesse à discussão da prova, formulasse quesitos e lhes respondesse e, a seguir, fizesse o relatório.
Pensávamos que, deste modo, por um lado, se dava a possibilidade de discutir a prova que não chegou sequer a ser discutida, a não ser em sede de discussão de relatório e, por outro lado, se dignificava a própria comissão de inquérito.
Com efeito, mal parece que o relator da comissão de inquérito seja do partido ao qual pertence o Sr. Ministro das Finanças e que vá fazer o relatório sem, previamente, haver a possibilidade de os outros partidos discutirem a matéria de facto pertinente às conclusões a apurar.
Este, portanto, um aspecto que foi repudiado pelo PSD, embora, enfim, votado favoravelmente pelos partidos da oposição, mas que em nosso entender inquinou, desde logo, o método de elaboração do relatório.
O segundo aspecto, já não de método mas de conteúdo do relatório, tem a ver com omissões que, aliás, constam da nossa declaração de voto, omissões de matéria de facto relevante para a compreensão da conduta do Sr. Ministro, que, não constando do relatório, prejudicam, obviamente, as suas conclusões.
O problema está não apenas em saber se houve uma evasão fiscal ou não; em saber e comparar a eventual evasão do Sr. Ministro das Finanças com as evasões fiscais do cidadão comum. Penso que o problema não reside aí, é bastante mais profundo e vasto do que esse. Não nos podemos, portanto, limitar a dizer: "Bom, isto não tem gravidade nenhuma uma vez que o cidadão

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comum também faz tantas evasões fiscais... porque é que o Sr. Ministro das Finanças as não há-de fazer?" Isto já de si seria uma posição bastante duvidosa e seguramente não partilhada pela maioria dos cidadãos portugueses...
Porém, o problema não se situa apenas nessa visão. Ele é mais profundo! O problema de saber, efectivamente, da natureza da operação que esteve na base da compra dos andares das Amoreiras é um problema maior, não é um problema menor! Saber se, efectivamente, houve uma compra e venda ou houve uma troca é problema bastante diferente.
É minha opinião - disse-o na comissão e digo-o publicamente- que, com efeito, não houve uma permuta. Houve, efectivamente, uma compra com a dação de um andar, mas que se sabia de antemão que tinha de ser vendido e, portanto, o preço do andar das Amoreiras foi pago em liquidez. Portanto, a permuta é, em meu entender, uma simulação jurídica. Disse-o claramente e não tenho dúvidas sobre isso.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais importante do que a nossa opinião, aqui, nesta Assembleia, será a transparência de todo o processo. Por isso, o CDS apresentou na Mesa um projecto de resolução - aliás, foi o primeiro partido a falar nessa necessidade e penso que ele até já mereceu a concordância do Ministro das Finanças- de publicação das actas da comissão e dos documentos, pois alguns são importantes, na medida em que há relações estabelecidas e que se provam existir, naquele processo, que é importante que os cidadãos conheçam. Consequentemente, a publicação das actas e da documentação pertinente a toda a matéria de facto deve, efectivamente, ser publicitada.
Daí deve extrair-se aquilo que vulgarmente se chama um "livro branco", por forma que o trabalho da comissão não fique circunscrito às paredes desta Assembleia. Suponho que o que está em causa, neste domínio - um caso altamente politizado -, é o prestígio da Assembleia e do funcionamento das comissões de inquérito e penso que prestávamos um mau serviço às instituições se déssemos a imagem de que, neste caso, tudo se resumiu a um relatório feito por um membro que, por coincidência, ainda por cima, pertence ao partido do Sr. Ministro e que nada mais aconteceu. Penso, pois, que essa publicitação é importante e útil. E, então, sim, os Portugueses poderão, por si próprios, ajuizar da razão das palavras que aqui acabamos de proferir.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A comissão parlamentar do inquérito n.º 14/V concluiu que o Sr. Ministro das Finanças agiu em conformidade com as leis em vigor. A verdade veio ao de cima. Todavia, o mal ficou feito. Embora não reparando, os seus autores podem libertar-se, parcialmente, do peso nas suas consciências se assumirem o dano que cometeram e tiverem a ombridade de se retractarem. Se forem capazes de o fazer, beneficiará de alguma atenuante o grave comportamento que tiveram. Fica o apelo, esperando-se que tomem a atitude que a honestidade lhes impõe.
Por iniciativa dos deputados do PSD que integraram a comissão de inquérito, foi aprovada por unanimidade uma proposta no sentido de que todo o processo (documentação e actas das reuniões) seja passível de consulta mediante requerimento dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República. Volto a repetir que foi por iniciativa dos deputados do Partido Social-Democrata que integraram a comissão de inquérito que o processo é passível de consulta por qualquer interessado.
Espera-se que todos quantos foram contagiados pela mentira procurem arredar a dúvida e utilizem aquela faculdade, analisando profundamente toda a informação que foi requerida e, bem assim, os depoimentos de todos os inquiridos.
Se estiverem animados de boa fé e concluírem por si próprios, afastarão as dúvidas e reconhecerão que, afinal, todo o caso se resumiu a um mero ataque pessoal com objectivos políticos - diga-se, de baixa política - e por isso mesmo merecedores da mais severa condenação. É que a dignidade da pessoa é intocável. Aqueles que, apesar de conhecerem minuciosamente todo o processo ainda acolhem a calúnia, não se desresponsabilizar!! com a afirmação de que as conclusões do inquérito foram obra da maioria. Se a dúvida lhes subsiste, têm uma solução: a de levarem o processo à apreciação das instâncias competentes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quais?

O Orador: - Se o não fizerem, revelam temor pela verdade.

O que se passou foi tão-somente isto: quando soou o toque de ataque ao Governo, escolheu-se um alvo, o Sr. Ministro das Finanças! Nada de mais condenável e atentatório dos princípios democráticos. Critiquem-se as políticas e os governantes que as executam, mas não se ofenda o seu direito ao bom nome!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A campanha lançada sobre o Sr. Dr. Miguel Cadilhe reveste contornos de autêntica ignomínia. Repudiamos a calúnia e manifestamos ao Sr. Ministro das Finanças a nossa mais profunda solidariedade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Narana Coissoró pediram a palavra para formular pedidos de esclarecimento?
Lembro ao Sr. Deputado Narana Coissoró que já não dispõe de tempo. Até já gastou minuto e meio a mais do que o previsto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Uma vez que não há pedidos de esclarecimento, tem a palavra, em primeiro lugar, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui o relator deste processo de inquérito e queria, em primeiro lugar, começar por destacar a participação empenhada de todos os deputados nos trabalhos da comissão de inquérito, mas desejava também, e sobretudo, destacar, ao contrário daquilo que veio escrito em alguns órgãos da comunicação social e que alguns Srs. Deputados, posteriormente, quiseram fazer crer, que esta comissão de inquérito funcionou com regras...

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Péssimas!

O Orador: - Não foram péssimas, Sr. Deputado!
Á comissão ouviu todos aqueles que entendeu que devia ouvir, recebeu todas as provas que entendeu que devia analisar e foi depois de as ter recebido, de as ter analisado e de ouvir todas as pessoas que decidiu, ...

O Sr. José Magalhães (PCP): -De forma isenta!...

O Orador: -... seguindo o processo que ela mesma escolheu, distribuir a missão de elaborar este relatório a um deputado da comissão - neste caso concreto a mim -, que fez o projecto de relatório e que o apresentou em sede de comissão, onde ele foi exaustivamente discutido durante longas horas.
Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, devo confessar que ...

O Sr. José Magalhães (PCP):- Está satisfeito!

O Orador: -... até poderá parecer - aliás, algumas das intervenções dos Srs. Deputados vão nesse sentido - que, neste caso, o que a maioria, ou melhor, o que os deputados do Grupo Parlamentar do PSD fizeram foi tentar, rapidamente e em força, passar uma esponja...

O Sr. José Magalhães (PCP):- E disse muito bem!

O Orador: -... sobre este processo. Mas, de facto, quem esteve a trabalhar na comissão - não aqueles que estiveram fora dela - sabe que não foi isso que aconteceu.
Discutimos e fomos até ao fundo das questões, mas ainda há muitas matérias - e os Srs. Deputados que lá estiveram sabem bem - em relação às quais subsistem algumas dúvidas; não nos foi possível apurar em toda a sua extensão essas matérias, tudo aquilo que, em nosso entender, isto é, no entendimento dos deputados que participaram naquela comissão, deveria ser apurado.
Em boa verdade, os trabalhos da comissão só terminaram quando todos concluíram - e julgo que isso é pacífico - que não era possível ir mais além naquelas circunstâncias, naquele momento e com tudo aquilo que tínhamos apurado. Pensamos que fomos até onde era possível ir, fomos até ao mais fundo que era possível ir nesta matéria.
Há, no entanto, questões que suscitam controvérsia em lermos de classificação jurídica. Discutimos essa controvérsia, que aliás foi suscitada em sede de comissão, de forma elevada.
E a este propósito, permitam-me, Srs. Deputados, que, da mesma forma que não classificámos a posição dos que nessas controvérsias tomaram um dos partidos, vos apele a concederem-nos - nós que tomámos partido nessa controvérsia, muitas das vezes jurídica, sobre a classificação de determinados factos - o direito de não sermos rotulados de forma desabrida e, no mínimo, deselegante, pelo partido que tomámos nessas difíceis controvérsias jurídicas sobre essas matérias.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vêm com o rótulo do Sr. Deputado Vieira de Castro!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por último, devo afirmar que todos nós, sem excepção, fizémos um trabalho de consciência e sério, em sede de comissão, independentemente de concordarmos ou discordarmos das conclusões. Queria só salientar que tendo todos os deputados da oposição votado globalmente contra o relatório, o mesmo não aconteceu quando votámos individualmente ou de per si cada uma das conclusões que o relatório contém.
É importante que isto se diga e que tudo fique aclarado para evitar algumas mistificações...

Vozes do PSD: - Muito bem!

... em relação a uma rejeição plena e global do relatório, que, ao cabo e ao resto e se calhar em relação às questões mais importantes - esta é a minha opinião -, contém, às vezes, a abstenção e, outras vezes, até o voto favorável dos deputados da oposição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar esta intervenção por dizer ao Sr. Deputado Vieira de Castro que, em relação às calúnias ignomínias a que se referiu, fique-se com elas, vista-as, porque lhe ficam bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): -É óbvio!

O Orador: - Em relação à questão da elaboração do relatório, importa que fique claro que foram ouvidas todas as pessoas que os deputados propuseram, mas que foi impedido pela maioria do PSD que houvesse uma discussão prévia, em sede de comissão, dos factos apurados antes da elaboração do relatório. Isto foi, absolutamente, impedido pelos votos maioritários do PSD, que votou contra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- É verdade! Protestos do PSD.

O Orador: - Não quiseram discutir a prova de facto! O Sr. José Magalhães (PCP):- É um facto!

O Orador: - Não quiseram, nem querem dá-la, a conhecer.

Protestos do PSD.

Srs. Deputados do PSD, a atitude que a honestidade impõe, a animação de boa fé...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - É exactamente isso!

O Orador: -... e a inexistência do temor à verdade só podem levar a um caminho, isto é, a que sejam votados, de imediato, os projectos de resolução que estão na Mesa para que todos os documentos e todas as actas sejam publicados, ficando assim acessíveis a todas as pessoas em geral, sem esperar que, tal como os senhores propuseram, venha alguém requerer essa consulta, que, a realizar-se, duraria cerca de dois meses e, entretanto, nesse período ninguém mais poderia realizá-la.

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Vozes do PSD:- Os senhores aprovaram essa proposta e não apresentaram outra!

O Orador: - De facto, essa proposta foi aprovada em sede de comissão, até por nós, porque o PSD não quis ir mais além. Mas agora tem ocasião de provar que se enganaram e que querem ir mais além. Estão na Mesa dois projectos de resolução; se não têm medo nem temor à verdade, votem a favor!

Vozes do PSD: - Não temos medo!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): -É para defesa da honra e da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, a diferença entre nós é apenas esta: eu estou de boa fé e de consciência tranquila. Á minha calma está a contrastar com a excitação de V. Ex.1

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado fará o favor de se conter, quando me der explicações, para revelar que, eventualmente, estará também possuído de alguma boa fé.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, volto a repetir: foram os deputados do Partido Social-Democrata que tomaram a iniciativa de tomar passível de consulta por qualquer interessado todo o processo. VV. Ex." agora pretendem que tudo seja publicado. Votamos já a favor, Sr. Deputado Octávio Teixeira!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Votamos a favor, nunca dissemos que não o faríamos. Reparem, Srs. Deputados, que a iniciativa partiu de nós e por uma circunstância bem simples: é que quem não deve não teme!
Vou agora lançar um desafio a VV. Ex." e espero que também não temam: há mais instâncias competentes para julgar todo o processo, se tiverem coragem apresentem-no a essas instâncias.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Quais?!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Vieira de Castro, pelos vistos, V. Ex.ª excitou-se muito, agora, na parte final da sua intervenção.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): -É verdade, é verdade!

O Sr. José Magalhães (PCP):- Ele é assim!

O Orador: - O problema está em que, segundo o meu entendimento, o Sr. Deputado confunde vivacidade com excitação. No seu entendimento, não sei, possivelmente, terá sido mesmo excitação...
Sr. Deputado Vieira de Castro, considero inaceitável a atitude de V. Ex.º ao caluniar os deputados da oposição que participaram na comissão de inquérito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Descaradamente!

O Orador: - Com efeito, é inadmissível que o Sr. Deputado associe a posição assumida, em sede de comissão, pelos deputados da oposição com as campanhas que, eventualmente, possam existir contra o Sr. Ministro das Finanças. Isto é inaceitável, inadmissível e, por nossa parte, não o aceitamos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dir-lhe-ei mais: se V. Ex.º tem a consciência limpa, nós temos a consciência tão limpa, tão limpa que desde já propomos que seja tornada pública toda a documentação existente...

O Sr. Vieira de Castro (PSD):- Já disse que sim! O que é que os senhores querem mais?

O Orador: -... para que a opinião pública possa julgar e decidir quem falou verdade e quem não falou, quem está com a razão e quem está sem a razão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, em tempo cedido pelo PRD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, gostaria de dizer que este inquérito já obrigou o PSD a fazer alguns golpes de rins.
Em primeiro lugar, o PSD, aqui na Câmara, votou contra o pedido de inquérito. Não estava interessado que se realizasse qualquer inquérito. Na verdade, foi a carta enviada pelo Sr. Ministro das Finanças, cidadão Miguel Cadilhe, ao líder parlamentar do PSD que deu instruções no sentido de se completarem as assinaturas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: -... dos deputados da oposição "para que o País veja que o monte pariu um rato". A frase é da autoria do Sr. Ministro das Finanças.
O líder do Grupo Parlamentar do PSD "esfalfou-se" para cumprir essa instrução e o Sr. Deputado Vieira de Castro perguntava todos os dias: "já têm as assinaturas, já têm as assinaturas? Não precisam das nossas? Estamos prontos a assinar!".
Á oposição dispensou as assinaturas do PSD e o inquérito foi realizado.
Aquando da elaboração do relatório, manifestámos a necessidade de ser publicado um livro branco e alguns deputados do PSD - não pública mas informalmente - sempre disseram: "Quem não deve não teme, publique--se o livro, não faz mal!"

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Quando o Sr. Ministro das Finanças tomou conhecimento que o PSD pretendia obstar à publicação do livro branco...

Vozes do PSD: -Não é verdade!

O Orador: -... enviou uma outra carta manifestando o desejo de ver publicados todos os documentos, porque queria acordar daquele pesadelo que o atormenta.
Mas, desta vez, o PSD não quer seguir, pelos vistos, as instruções do Sr. Ministro das Finanças, cidadão Miguel Cadilhe, porque sabe que o monte não pariu um rato; do monte saiu uma enorme pedra, tão grande que o PSD teme que ela arraste o Sr. Ministro Miguel Cadilhe do cume do monte para o chão da censura quanto ao comportamento fiscal de quem tem nas mãos a direcção da Administração Fiscal.
Esta atitude coloca mal o cidadão Miguel Cadilhe, porque é intolerável que se queira ocultar do País o comportamento fiscal do responsável máximo pela administração fiscal. Por esta razão, exigimos a publicação do livro branco e esperamos que o PSD reconsidere e não coloque mal o Sr. Ministro das Finanças, cidadão Miguel Cadilhe, ao negar-lhe o direito de varrer a sua testada perante a opinião pública.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Marques, a Mesa registou a sua inscrição. Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - É para defesa da honra e da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, assistimos agora a uma intervenção, no mínimo, a destempo, do Sr. Deputado Narana Coissoró, que, nomeadamente, afirmou que a bancada do PSD teria de fazer aquilo que ele entende que deve fazer para, eventualmente, não contrariar a cana que o Sr. Ministro das Finanças escreveu ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
O Sr. Deputado Narana Coissoró não participou nas reuniões da comissão de inquérito, até porque não era membro dessa comissão. Infelizmente, o Sr. Deputado Narana Coissoró tem estado distraído e depois ataca a bancada do PSD, a bancada da maioria, afirmando que ela quer esconder não se sabe bem o quê da opinião pública. Sr. Presidente e Srs. Deputados, isto é falso!
Com efeito, em sede de comissão de inquérito, por proposta dos deputados do Partido Social-Democrata, foi aprovado, por unanimidade, que todo o processo, os documentos, as actas, os depoimentos e todo o material que existe, em consequência do trabalho desenvolvido na comissão, pudesse ser consultado por pessoas que fundamentadamente o requiserem ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, por que não os tornam acessíveis aos jornalistas?

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, a expressão "fundamentadamente" foi sugerida por um deputado da oposição e foi por nós aceite. V. Ex." não estava lá também!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não, era secreto!

O Orador: - O Sr. Deputado, provavelmente, estava a fazer outras coisas, talvez em encontros com outras pessoas.

O Sr. José Magalhães (PCP): O que é que o Sr. Deputado quer?!

O Orador: - Sr. Deputado, desculpe, mas estou a referir-me às afirmações do Sr. Deputado Narana Coissoró e gostaria de dizer que se alguém tomou a iniciativa de poder contribuir para divulgar todo este material foram os deputados do PSD e nunca nos opusemos a que todo este material pudesse ser publicado.
O que posso desde já dizer é que não votaremos a favor da proposta de resolução apresentada pelo Partido Comunista Português e não é pelo objectivo dela, mas pelos seus considerandos.
Quanto à proposta do CDS no sentido de serem divulgados os documentos, ainda não foi apresentada por escrito, mas gostaria de salientar que o Sr. Deputado Narana Coissoró não tinha qualquer fundamento para afirmar que a maioria não queria que os documentos fossem divulgados,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vai-se ver na votação!

O Orador: - Pois vai-se ver, Sr. Deputado! O Sr. Deputado é um incrédulo - desculpe que lhe diga - não acredita naquilo que lhe estou a dizer agora? Não estamos a dizer que estamos a favor da divulgação de todo o material da Comissão e o Sr. Deputado Narana Coissoró ainda está ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em livro?

O Orador: - Com certeza, em livro, Sr. Deputado. No Diário da Assembleia da República, no Diário da República, em publicação avulsa, como o Sr. Deputado quiser!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso!

O Orador: - Aquilo que dizemos é que não temos absolutamente nada contra a divulgação de todos os documentos que resultaram do funcionamento da comissão de inquérito. Por isso, é injusto...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vamos ver na votação!

O Orador: -... que o Sr. Deputado Narana Coissoró afirme que nós queremos impedir a divulgação deste material.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, um conceituado político da I República, quando elaborava um artigo, por vezes, escrevia à margem a seguinte nota: argumento fraco - falar muito alto.

Risos do PS, do PCP, do PRD e do CDS.

Foi o que o Sr. Deputado desta República acabou agora de fazer.
Não ofendi honra alguma, simplesmente o que disse foi que há uma diferença abissal entre pessoas interessadas que, fundamentadamente, podem pedir ao Sr. Presidente da Assembleia da República para virem de Monção, de Tavira ou de onde quer que seja, aqui, à Assembleia, consultar as actas, tomar notas e depois ir embora e haver um livro publicado pela Assembleia da República, que esteja à venda em todas as tabacarias e nos supermercados, para divulgação do comportamento fiscal do máximo responsável pela Administração Fiscal em Portugal.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estava também inscrito o Sr. Deputado Vieira de Castro...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, parece-me que não estamos aqui, hoje, a discutir, em abstraio, a questão que levou à criação desta comissão de inquérito.
Temos um relatório, que foi aprovado na comissão de inquérito, que tem conclusões e considerandos. Os Srs. Deputados podiam e deviam tê-lo conhecido antes desta sessão, pois é sobre este relatório que se tem de falar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E sobre a resolução.

O Orador: - Julgo que estarmos a fazer intervenções e discursos que, em termos políticos, não têm em conta aquilo que, em concreto, o relatório contém é, perdoem-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mistificar o problema e continuar a fazer dele, que é um problema sério, uma bandeira política.

O Sr. Corregedor da Fonseca (Indep.): - Já foi chamado à pedra!

O Orador: - Julgo que não é para isso que aqui estamos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, uma vez que fez uma interpelação à Mesa, esta tem de lhe responder que o que está em discussão é o que consta da agenda de trabalhos: "Inquérito parlamentar n.º 14/V".
Dentro desta perspectiva, como compreenderá, a Mesa não pode condicionar as intervenções dos Srs. Deputados.
O Sr. Deputado Vieira de Castro pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Mesa, e eu pessoalmente, tem por hábito não fazer considerações de nenhuma ordem quando os Srs. Deputados entendem que foram ofendidos na sua honra ou na sua dignidade.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, o PSD não tem culpa que a oposição tenha levado 120 e muitos dias para conseguir 50 assinaturas. Só por isso é que o meu grupo parlamentar se ofereceu para dar as assinaturas que faltavam aos Srs. Deputados da oposição, que estavam na dúvida se deviam ou não assinar o pedido de inquérito, o que, aliás, é muito significativo, pois nem todos tinham a certeza de que era bom assinar esse pedido de inquérito. Eu diria que o pedido de inquérito começou logo mal para a oposição.
Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª vai permitir-me que lhe diga que não falou verdade quando disse que o PSD pretende esconder o que quer que seja deste processo. Não vou repetir aquilo que disse há pouco, mas vou dizer-lhe que vamos votar a favor do projecto de resolução apresentado pelo CDS porque não estamos de acordo com os considerandos do projecto de resolução do PCP.
Mas digo-lhe mais: VV. Ex.ª, todos os Srs. Deputados da oposição, têm mais instâncias onde levar o processo para ser reapreciado. Não preciso de mencioná-las.

Assumam essa coragem, que só lhes fica bem. Compreendo que lhes falte alguma coragem, pois, se essas instâncias corroboram as conclusões do inquérito, então, efectivamente, a oposição vai na enxurrada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isto é que é uma defesa da honra?!

O Orador: - Srs. Deputados da oposição, deixem-nos ter o direito de pensar que estamos convictos de que o Sr. Ministro das Finanças não cometeu nenhuma ilegalidade e não beneficiou de nenhum tratamento fiscal especial.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, vou-lhe dar a palavra, uma vez que a figura invocada pelo Sr. Deputado Vieira de Castro foi a figura da defesa da honra.
Dentro desse quadro, tem a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quero apenas dizer que a única parte relevante da defesa da consideração do meu querido amigo deputado Vieira de Castro é onde ele desafia as oposições para as instâncias.
Não sei quais são as instâncias a que se está a referir, porque se é uma instância jurisdicional informo-o que nós não temos legitimidade processual para intentar essas acções e, naturalmente, algum advogado lhe há-de ensinar isso.

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Há, no entanto, uma instância a que já fomos. A oposição já foi, legitimamente, à instância Primeiro-Ministro para dizer que demitisse ...

Risos do PSD.

O Orador: -... o Ministro Miguel Cadilhe, em face do seu comportamento perante a administração fiscal. Naturalmente, perdemos.
Se é essa a instância a que se refere, nós não iremos outra vez.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): -Era o que faltava!

O Orador: - Que vá o partido maioritário a essa instância pedir a decisão que deve ser conforme o verdadeiro relatório que a opinião pública fará depois da publicação do livro.

O Sr. Presidente:- O Sr. Deputado Carlos Candal pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Candal (PS): - Para uma intervenção. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra a Sr. Deputado Carlos Candal, daria a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, que também a solicitou.
O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito, concretamente?

O Sr. José Magalhães (PCP):- É para o mesmo efeito e pela mesma causa dos oradores antecedentes ou, traduzindo, é para defesa do honra, Sr. Presidente, com base nas declarações intempestivas, inoportunas e quase insólitas do Sr. Deputado Joaquim Marques no decurso de uma objurgatória em que me apanhou pelo meio - ia eu a passar-e em que disse umas coisas que merecem réplica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estava o Sr. Deputado Joaquim Marques elucubrando, de cabeça perdida, quando, de súbito, tropeçou na minha pessoa, que estava inocente de tudo.

Risos.

Limitei-me a fazer um aparte, em que sublinhava uma questão jurídica, qual fosse a de que há uma diferença substancial entre fazer-se a abertura de um inquérito, com publicação integral de actas, e instituir-se um regime de acesso condicionado mediante requerimento fundamentado, que tem de ser julgado.
Se V. Ex.ª fosse jurista saberia a diferença entre a obrigação de fundamentação e a publicação, que abre a todos aquilo que estiver nos autos, mas como V. Ex.ª tem ao lado ilustres juristas terá V. Ex.ª, à hora do almoço, de gastar uns minutos e, em vez de sopa, tomar saber jurídico.
Mas fez uma coisa mais grave pelo meio: é que V. Ex.ª não se limitou a fazer essa mistificação, pois pelo caminho foi dizendo: "Você sabe lá?", "não esteve lá!". Sr. Deputado, é óbvio que não estive lá. Tratava-se de uma comissão parlamentar de inquérito, em que o número de deputados é limitado e trabalham em sigilo. V. Ex.ª sabe isso, portanto não me obrigue a estar onde eu não posso, nem devo estar. Deixe-me ler as actas integralmente.
Depois, também, in itinire, e tropeçando várias vezes no português, gritou: "Porque V. Ex.ª não estava lá, estava em encontros ..." Não sei a que é que V. Ex.ª se quer referir! Fiquei verdadeiramente estupefacto. Aí a minha alma estacou.

Risos.

A que encontros é que V. Ex.ª se quer referir? Será a encontros recreativos? A encontros políticos? A encontros cinematográficos? Tem V. Ex.ª os serviços dos Serviço de Informações e Segurança? Tem V. Ex.ª o apport inestimável da Securitas? Conhece V. Ex.ª todos os passos dos outros deputados? Sabe V. Ex.ª onde passo ò tempo que passo e com quem passo? É que se V. Ex.ª sabe tudo isso, eu sinto um compasso de angústia e de interrogação, pois V. Ex.ª sabe tudo, é um sabichão e anda a meter-se na vida alheia.

Risos.

Isso não é bom, Sr. Deputado.
Portanto, V. Ex.ª há-de clarificar aqui, à puridade, o que é que quer dizer com essa treta dos encontros e há-de dizer, muito claramente, que encontros, com quem e quando ou se foi apenas um desencontro de V. Ex.ª com o seu espírito, que andava aos papalhões, tentando encontrar uma resposta para uma questão que é incapaz de dirimir.
Por último, a defesa da honra justifica-se porque VV. Ex.ª insistem no mais odioso dos argumentos. E esse argumento, parlamentarmente odioso, é aquele que posterga, e que VV. Ex.ª aqui adoptam em três faces: o trombone, o trombão e o violino.

Risos.

Obviamente, o Sr. Deputado Miguel Macedo faz de violino, o Sr. Deputado Miguel Macedo diz que quer tudo. O Sr. Deputado Vieira de Castro há pouco até dizia "queremos a publicação", mas depois entra o trombone e diz "não há publicação nenhuma, aqui não há publicação nenhuma, porque nós detestamos os considerandos". Aqui V. Ex.ª faz o seu segundo chumbo jurídico, pois não é capaz de distinguir entre uma proposta, os considerandos e a resolução. É tão simples, Sr. Deputado: há uma proposta, considerandos e resolução. O que é que se vota? Qualquer menino de escola sabe, actualmente, que não se votam os considerandos, Sr. Deputado. Vota-se a resolução, vota-se a publicação.
O seu colega Vieira de Castro acabou de ser desautorizado por V. Ex.ª porque, naquele ímpeto emocional que o caracteriza nesta paixão pelo caso Cadilhe, quando o meu camarada Octávio Teixeira disse "publique-se", saltou como uma mola e, perlim, pim, pim, gritou "publique-se, aceitamos de imediato". Daí a três minutos e meio V. Ex.ª ergue-se como o Adamastor e diz "não se publica nada, porque não gosto dos considerandos".
Meus senhores, isto não é maneira séria de um partido maioritário, que tem um caso explosivo desta natureza entre mãos, tratar esse caso. Os senhores podem pedir

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uma interrupção, podem ir para casa durante meia hora, podem pensar, podem telefonar ao Dr. Cadilhe, podem falar com o Sr. Prof. Aníbal e concertar uma posição decente, mas, por favor, não façam fitas destas e, sobretudo, não me metam ao barulho numa coisa destas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - É um bocado difícil dar explicações a esta intervenção, digamos, teatral ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Teatral?!

O Orador: -... do Sr. Deputado José Magalhães.

Sr. Deputado, não me interrompa, porque eu também não o interrompi.
É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães, ao que parece, está proibido de falar logo à tarde no debate sobre a evolução nos países do Leste e aproveitou este debate da manhã para fazer esta chicanazita do costume.

Protestos do PCP.

De qualquer forma, aquilo que disse é uma mistificação completa. Não percebeu, Sr. Deputado José Magalhães. Não percebeu ou não quis perceber. Aliás, há pessoas do PCP que hoje é que começam a perceber coisas que aconteceram há 20 e há 30 anos.
Há hipocrisias que, de facto, hão-de vir ao de cima.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Fale do Cadilhe...

O Orador: - Queria dizer que, quando na proposta aprovada na Comissão, por unanimidade, se falou em requerimento fundamentado foi por acolhimento de uma expressão sugerida por um deputado de um partido que não era o PSD. A isto o Sr. Deputado fez orelhas moucas, aliás, como fez durante muitos anos a muitas outras coisas.
Portanto, Sr. Presidente, creio que, em termos de defesa da honra, não tenho explicações a dar, porque, de facto, não ofendi a honra de ninguém, antes pelo contrário, pois dirigi-me ao Sr. Deputado Narana Coissoró e fui sistematicamente interrompido pelo Sr. Deputado José Magalhães, aliás, como é hábito ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - E direito!...

O Orador: -... da sua actividade parlamentar.
Em último lugar, Sr. Presidente, quero dizer que não votaremos a proposta de resolução do PCP porque são mistificadores, também, os considerandos que fundamentam o conteúdo deliberativo da proposta. Votaremos contra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nós também vamos votar a proposta do CDS.

O Orador: - Nós votamos contra aquilo que entendemos dever votar, pois os senhores também votam contra muitas vezes. Votam contra...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Não dou, Sr. Deputado. Agora não.
Já teve o seu tempo. Hoje à tarde não falará, mas há outras oportunidades.
Desejo, pois, mais uma vez, reafirmar que, da nossa parte, não há nada, mas nada, a opor a que toda a documentação que foi produzida a propósito do funcionamento da comissão de inquérito, cujo relatório estamos a analisar, seja publicada. Por isso, mais uma vez reafirmo que vamos votar favoravelmente a proposta de resolução do CDS, porque está, digamos, redigida de forma correcta e não tem considerandos mistificadores, como são aqueles que constam da proposta de resolução do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, para relembrar que os deputados socialistas da comissão de inquérito, e agora todo o grupo parlamentar, somos de opinião que o Dr. Miguel Cadilhe prevaricou. Damos isso como apurado com segurança, e, por isso, devia ler sido, politicamente, sancionado, isto é, devia ler sido demitido do Governo.
Em países democráticos europeus, essas demissões, até autodemissõcs, ocorrem por muito menos.
Posto isto, e para não correr o risco de ficar neste fogo cruzado de extremos, referir-me-ei ao problema da publicação. Ambos os textos são, permitam-me a franqueza, equívocos, embora o CDS, pela voz do Dr. Narana Coissoró, tenha sido esclarecedor, porque diz que quer um livro, em suma, quer uma edição, porque publicação pode querer significar tornar público ou publicar no sentido gráfico do termo.
Se esta proposta for aprovada, como parece, os problemas logísticos terão de ser resolvidos, talvez na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, sobre que tipo e quantidade de edição, selecção consensual no sentido negativo de alguns documentos, na medida em que há, realmente, alguns documentos que não interessam e que podem perturbar o leitor, e penso que está pressuposto, embora não seja dito, que integra essa publicação o relatório final e as declarações de voto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, não se preocupe com a publicação. Assim como há os chamados «Livros negros do fascismo», este será o «Livro branco da democracia».

O Orador: - Bem, branco é símbolo de pureza e aqui a pureza não é tanto assim! ...
Embora tenhamos aprovado a proposta restritiva que foi apresentada na comissão por elementos do PSD - aprovámos essa, sem prejuízo de outra mais ampla, que dê uma clarificação maior -, somos a favor da publicidade, da publicação e da abertura à consulta, somos a favor de

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que se torne público, se dê a conhecer para que se saiba o que consta do inquérito, para que cada um por si possa tirar as conclusões que melhor entenda.
Estou convencido de que a grande maioria dos cidadãos que lerem aqueles textos, sobretudo aqueles que estiverem habituados a saber ler processos onde se julga a culpa de alguém, a grande maioria, repito, censurará o Dr. Miguel Cadilhe, como nós o fizemos na declaração de voto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra no sentido de saber se vamos votar agora.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. À semelhança do que aconteceu relativamente aos outros pontos da agenda, a votação terá lugar às 19 horas e 30 minutos, hora normal das votações.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão, que recomeçará às 15 horas.

Eram 12 horas e 55 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia S de Dezembro de 1989, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (PSD):

Pedro Miguel de Santana Lopes (círculo eleitoral de Lisboa), por José Luís Campos Vieira de Castro. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 1 a 15 de Dezembro corrente, inclusive.

2) Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):

Luís Geordano dos Santos Covas (círculo eleitoral de Lisboa) por Edmundo Pedro. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 1 a 15 de Dezembro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) -Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henrique Correia (PSD) - Carla Maria Tato Diogo (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD)- Flausino José Pereira da Silva (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto dos Santos da S. Marques (PSD) - Manuel António de Sá Fernandes (PSD) - Hélder Oliveira dos Santos Filipe (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS)-José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Vítor Manuel Ávila da Silva (PRD)

Srs. Deputados, o parecer está em discussão. Não havendo inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, Pegado Lis e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos dar início ao debate sobre os acontecimentos e sua evolução nos países da Europa Oriental, proposto pelo PSD.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, aquando do debate, na generalidade, das propostas de lei do Orçamento do Estado para 1990 e das Grandes Opções do Plano, o Sr. Deputado Adriano Moreira disse que este debate de hoje - que pode ser importantíssimo pelo seu conteúdo e pela razão por que ele é trazido, neste momento, a esta Câmara - poderia transformar-se simplesmente num colóquio se aqui não estivesse presente o Governo.
O Sr. Deputado Silva Marques, segundo consta das actas, interrompeu, então, o Sr. Deputado Adriano Moreira e disse assim: «Como sabe? Como é que já sabe isso?» Mais tarde, ficámos a saber que o Governo estaria aqui presente.
O Governo não é obrigado a estar presente, na medida em que não foi ele que solicitou um debate sobre política geral, como está previsto no Regimento; aliás, já fez um

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sobre o mercado comum, em que interrogou os deputados da oposição sobre o que é que pensavam acerca disto ou daquilo. Hoje estávamos à espera que o Governo chegasse...

Pausa.

Como o Governo está a chegar, aguardemos que tome assento.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Era melhor estar calado!

O Orador: - Simplesmente, sucede que, estando este debate a decorrer quarenta e oito horas depois de uma reunião em que participou o Sr. Primeiro-Ministro; sendo prática constante, nos países democráticos, que, num debate desta natureza e com esta importância, esteja presente o Sr. Primeiro-Ministro (porque é ele, em primeira mão, que pode dizer-nos o que é que pôde apurar na reunião cimeira de que fez parte e em que o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América deu conta aos governos da CEE e da NATO das conversações que teve em Malta); sendo esta informação extremamente relevante e necessária, gostaríamos de saber, neste momento, se o Sr. Primeiro-Ministro estará hoje presente no debate. Isto, naturalmente, sem qualquer menosprezo pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e pelos Srs. Secretários de Estado que acabam de chegar e a quem endereçamos os nossos respeitosos cumprimentos.
Depois de o Sr. Primeiro-Ministro, como disse, ter participado numa cimeira da CEE onde o Presidente dos Estados Unidos da América deu conta do que se passou em Malta, e depois...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que abrevie a interpelação

O Orador: -... de o Sr. Primeiro-Ministro, como disse, ter feito declarações à comunicação social sobre a posição do Governo Português, entendemos que a sua presença é indispensável e a sua falta apenas desilustra, retira importância a este debate, que corre o risco de transformar-se num colóquio, como havíamos previsto.
Interpelo, pois, a Mesa no sentido de saber se tem notícia de se o Sr. Primeiro-Ministro vai ou não assistir a este debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem, neste momento, qualquer informação sobre a presença ou não do Sr. Primeiro-Ministro neste debate.
Como estão presentes alguns membros do Governo, se algum quiser pronunciar-se dar-lhe-emos a palavra.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não tive oportunidade de ouvir a intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró, mas suponho que se tratava de uma crítica ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é uma crítica, mas uma pergunta!

O Orador: -... ao facto de não estar presente, neste debate, o Sr. Primeiro-Ministro, e peço que me corrijam se não for este o teor da sua intervenção.
A nossa resposta é muito simples: o Governo atribui a este debate uma importância grande e a prova disso é que estão presentes vários membros do Governo. Agora, também me parece que a Câmara deve dar o direito ao Governo - nós também damos o direito à Câmara! - de criticar, de ter uma opinião contrária, de sermos nós próprios a escolher quem participa neste debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Simplesmente para dizer que respeitamos a figura do Primeiro-Ministro e julgamos que, em termos parlamentares, o Primeiro-Ministro, que participou na reunião, não é substituível ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - A propósito de quê é que o Sr. Deputado está a falar?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, tem de invocar uma figura regimental.

O Orador: - ... pela escolha que o Governo faça de quem o deve substituir, nesta Câmara.
Registamos, pois, que o Sr. Primeiro-Ministro falta a este debate.

O Sr. Pegado Lis (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pegado Lis (Indep.): - Sr. Presidente, é só para perguntar se na conferência dos representantes dos grupos parlamentares foi prevista a utilização da palavra pelos deputados independentes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não temos qualquer informação sobre a pergunta que acabou de nos fazer.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Como é hábito!

O Sr. Pegado Lis (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para apresentar um requerimento oral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pegado Lis (Indep.): - O requerimento é muito simples: em virtude da natureza do debate, e por se verificar que, normalmente, os grupos parlamentares não esgotam o tempo dos debates, solicito que o tempo sobrante, se tal acontecer, seja rateado pelos deputados independentes a fim de estes poderem participar no debate, utilizando os tempos que os partidos esbanjam e, por vezes, não utilizam.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, ou a conferência dos representantes dos grupos parlamentares concede tempo aos deputados independentes ou eu, pese embora a boa vontade do Sr. Deputado Pegado Liz, recuso a eventual cedência de tempos da forma como o Sr. Deputado Pegado Lis referiu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos perante um requerimento oral feito pelo Sr. Deputado Pegado Lis e, como é regimental, vamos submetê-lo à votação.
Creio que todos estão esclarecidos sobre a finalidade do requerimento ...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, não ouvimos bem o conteúdo do requerimento feito pelo Sr. Deputado Pegado Lis. Se a Mesa não se importar, gostaria que, também verbalmente, o repetisse.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pegado Lis apresentou um requerimento oral para que os deputados independentes possam usar da palavra no tempo que sobre aos vários grupos parlamentares, no final do debate.
Devo informar que o Sr. Deputado Pegado Liz não pediu que fosse cedido tempo aos deputados independentes, mas sim que os grupos parlamentares, no caso de lhes sobrar tempo, o cedam aos deputados independentes.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para colocar uma questão relativamente simples em relação ao requerimento. É que não basta fazer um requerimento; é necessário saber ao abrigo de que norma é que o mesmo é feito e, em termos regimentais, o que foi apresentado carece de objecto.
Os tempos são distribuídos pela conferência dos representantes dos grupos parlamentares nos termos definidos. Se algum grupo parlamentar entender dar tempo aos deputados independentes, dá-lo-á; se entender que o tempo é sobrante, dá-lo-á como tal.
O conteúdo do requerimento, tal como está formulado, colocar-nos-ia até uma questão interessante, que seria eventualmente a seguinte: depois de cedido o tempo sobrante, poderiam os grupos parlamentares fazer perguntas aos Srs. Deputados Independentes? Ou esse tempo, como era sobrante, já não poderia ser usado pelos grupos parlamentares? Ou seja: ficaríamos na situação de ficarem apenas os Srs. Deputados Independentes na Sala?
Pediria, pois, à Mesa que ponderasse esta questão e a colocasse em termos aceitáveis, na base de contactos com os líderes dos grupos parlamentares, meditando na eventual resolução, que, na nossa opinião, pode ser aceitável, de conceder um tempo global aos deputados independentes. É essa a proposta que faço.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, à Mesa não compete influenciar nenhum deputado sobre a matéria que deseje requerer, porque é um direito que lhe assiste. Mas o Hemiciclo é soberano e pode votar a favor ou contra o requerimento, tal e qual foi apresentado.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, tive já ocasião de, em conferência de líderes, exprimir por várias vezes a opinião, que reitero aqui, de que a única solução razoável para este problema é admitir que em debates que pela sua importância o justifique seja atribuído um tempo aos deputados independentes para eles gerirem como entenderem. Estaríamos, pois, dispostos a dar o nosso consenso à adjudicação neste debate de um tempo, independentemente dos tempos atribuídos aos grupos parlamentares, para que os Srs. Deputados Independentes pudessem usar da palavra, com toda a liberdade, durante o debate.

O Sr. Presidente: - A Mesa entende que este problema deveria ter sido dirimido em conferência de líderes, mas, para não estarmos a perturbar e a adiar o debate, a Mesa, por si, nada tem a opor, havendo consenso na sugestão que acaba de ser feita pelo Sr. Deputado António Guterres no sentido de se atribuir um tempo a cada deputado independente. E pediria aos vários grupos parlamentares que rapidamente assentassem em qual deverá ser o tempo a conceder a cada um desses deputados.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Proporia, Sr. Presidente, que para os grupos parlamentares não ficarem prejudicados com esta concessão de tempo, que nunca pode ser superior ao de qualquer grupo parlamentar, todos os deputados independentes dispusessem do tempo global de 15 minutos, que dividiriam entre si.

O Sr. Presidente: - Há alguma objecção à sugestão do Sr. Deputado Narana Coissoró?

Pausa.

Havendo, então, consenso entre as várias bancadas, são concedidos 15 minutos aos Srs. Deputados Independentes, tempo que estes gerirão entre si.
Vamos dar início ao debate.
Embora o Sr. Deputado Pedro Roseta já esteja inscrito para usar da palavra, a Mesa foi informada de que, por acordo entre ele e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, este usaria da palavra em primeiro lugar.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no seguinte sentido: quando cheguei a esta Sala, informei-me de qual era a ordem das inscrições e foi-me dito que, de facto, o primeiro orador era o Sr. Deputado Pedro Roseta, o que me pareceu inteiramente natural, uma vez que esta ordem do dia foi fixada pelo PSD. O Sr. Presidente chegou mesmo a dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro Roseta, mas regista-se agora uma alteração na ordem das inscrições.
Admito que o meu grupo parlamentar a aceite, mas entendo que, em tais condições, o Sr. Presidente deve consultar a Câmara sobre se essa alteração da ordem das inscrições, que, naturalmente, implica também uma alteração ao sentido do debate, deve ou não ser feita. Admitimos que sim, mas considero que é necessário fazer uma consulta ao Plenário da Assembleia da República.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem sido praxe desta Câmara a de os próprios deputados trocarem entre si a ordem de inscrição e nunca foi necessário consultar o Plenário para dar autorização a essa troca.
Tem, pois, a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O interesse e a importância deste debate não carecem de ser exaltados. Por essa razão, entendi escrever um texto base relativo a esta minha intervenção, que farei distribuir, no final da mesma, pelos diferentes grupos parlamentares desta Câmara e, em particular, pelos Srs. Deputados que fazem parte da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e da Comissão de Defesa Nacional. Penso que é importante tentar fixar por escrito, como o fizemos no passado, o pensamento do Governo sobre esta matéria.
E uma matéria que, pela sua incidência e pelas suas características, implica normalmente uma globalização da análise. Não é possível analisar esta temática apenas sob o ponto de vista político, o ponto de vista económico ou o ponto de vista da segurança.
O certo é que expressões como «o dobre a finados por falta», «o início de um novo ciclo na Europa», «uma nova arquitectura para a Europa», «uma nova ordem europeia e mundial», «a falência de socialismos colectivistas sectários» ou, enfim, «o diálogo e a cooperação», em vez da confrontação e da détente, são hoje frases feitas e constantes na maior parte das análises que se vão fazendo.
O processo das mudanças no Leste é um processo que tem causado surpresa e perplexidade em vários quadrantes. E tem causado essa surpresa e perplexidade, fundamentalmente, porque penso que as suas causas não foram corripletamente discernidas e os seus efeitos não conseguiram ser calculáveis, não obstante os dados de partida serem conhecidos, os cenários serem identificáveis e os próprios resultados poderem ser, de algum modo, expectáveis.
Tive ocasião, em Fevereiro quer de 1988 quer de 1989, de fazer uma análise da problemática Este-Ocste, particularmente no que diz respeito ao fenómeno da perestroika e da doutrina do Sr. Gorbachev, e de ter intuído algumas das consequências que, no entender do Governo, seriam discerníveis daquele processo. Confesso que na altura pouco encontrei. Os habituais analistas políticos da cena internacional e os próprios políticos pouco se preocuparam com essa análise e, na realidade, não a vi repercutida em muitos sítios.
Nessa análise, que continua a ser válida, conviria indagar, do meu ponto de vista, as razões da perestroika porque a perestroika aparece, de facto, como a inspiradora, a instigadora ou, porventura, a catalizadora dos processos que estão em curso. Porquê a perestroika? Entre outras razões, porquê o fosso económico entre o Ocidente e o Leste estava claramente a alargar-se, particularmente após a emergência do Japão, com os seus superavites, a aprovação do Acto Único Europeu e a perspectiva da Europa de 1992, que vinha trazer um acréscimo do produto europeu em cerca de 5 % a 7 % a mais do que aquele que seria normalmente explicável. Também porque o próprio fosso científico e tecnológico se alargava e não era mais possível ao Leste fazer uma cópia estrita ou mesmo o próprio «roubo» científico e tecnológico do Ocidente.
É que, enquanto na década de 70 o tempo médio de vida de um equipamento era da ordem dos 15 anos, no final da década de 90 será, no máximo, de 5 anos. Significa isso que todo o processo de aquisição desse equipamento, da sua aplicação e da sua absorção tenderá a ser superior ao próprio tempo de vida do equipamento.
Fosso científico e tecnológico que iria ter repercussões inevitáveis sobre o próprio equilíbrio militar, na medida em que as novas tecnologias têm, como sabem, uma grande aplicação no plano dos equipamentos militares.
Mas também se deve atender a outro facto: é que hoje o desenvolvimento de uma empresa ou de um país assenta bastante na criatividade e na inovação. Criatividade e inovação que pressupõem uma estrutura interactiva, flexível, em que o borbulhar da criatividade a penetre e a capacidade de execução da inovação aconteça, ou seja, uma estrutura eminentemente democrática.
Esta recusa à obsolescência, acrescida do facto de a despesa militar soviética absorver 15 % do produto interno bruto, contra cerca de 5 % no Ocidente, e a clara percepção no Leste de que não era possível tentar dividir a NATO ou diminuir a firmeza do Ocidente, como foi visto através da «doutrina Harmel», de 1969, e da decisão da instalação de mísseis de médio alcance, em 1983, fizeram com que as opções de Gorbachev se tornassem, de facto, na única opção possível. Essa opção pode sintetizar-se da seguinte forma: o objectivo de modernização da economia e das mentalidades, a aproximação à Europa Ocidental, a redução do esforço militar e a redução do engajamento externo, que só em 1988 se estima em 15,5 biliões de dólares.
Para tal, a doutrina soviética, a um tempo, proeurou reciprocar a «doutrina Harmel» e aproveitar a tónica da CSCE e, a outro, pôs fim à «doutrina Brejhnev» de «soberania limitada» e o discurso passou a tomar-se um discurso eminentemente europeísta.
Chamo a atenção para o advento dos discursos em torno da «Casa Comum Europeia» e, mais recentemente, para o discurso de Julho no Conselho da Europa, em que a opção europeia de Gorbachev é nítida e clara - ele próprio o diz com as suas palavras.
E evidente que esta doutrina gorbacheviana tem alguns pressupostos. Esses pressupostos são os seguintes: que a evolução deve ser tal que a manutenção da União Soviética como superpotência não seja posta em causa, que o pagamento dos custos da democratização do Leste seja feito pelo Ocidente, que a negociação tenha de se acelerar, antes que o fosso que referi há pouco se alargue, e - não menos importante - que o Partido Comunista da União Soviética possa ser o condutor do processo.
Para tal, os soviéticos estavam dispostos a aceitar o esbatimento da «Cortina de Ferro», o desenvolvimento da cooperação cultural com o Ocidente, uma política muito mais aberta de direitos humanos, grandes progressos na solução de conflitos regionais, uma política externa não expansionista nem desestabilizadora, reciprocando em parte, como eu disse, a «doutrina Harmel», e, finalmente, uma própria redução assimétrica do desarmamento.
É evidente que esta formulação soviética, que tem tido alguns êxitos no que diz respeito à opinião pública do Ocidente, tem, no entanto - é bom que desde já se assinale -, algumas dificuldades internas a superar.
Primeiro do que tudo, a perestroika está longe de ser irreversível. E porquê? Essencialmente, do meu ponto de vista, porque as três instituições fundamentais que sustentaram o sistema - o Partido Comunista, o Exército e o KGB - continuam a existir.

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Em segundo lugar, porque a reforma de mentalidades é fundamental para poder ganhar a população para a democracia e para a liberdade. E, como sabemos, existiu também na União Soviética, antes do comunismo, uma coisa a que se chamou czarísmo, que não primou propriamente pela defesa destes princípios.
Finalmente, as reformas económicas, que são múltiplas e vão do sistema de preços à reforma fiscal, do regime de propriedade ao papel do mercado e à própria convertibilidade do rublo, são reformas lentas, difíceis e complexas, que produzem indiscutivelmente alguma inflação não controlada, desemprego e abaixamento do nível de vida. Para além disso, verificam-se já rupturas no abastecimento, em parte devido à greve nos transportes, e uma procura excedentária, equivalente a cerca de nove salários mensais em média.
Perante este quadro, o apoio externo, tal como noutras economias socialistas, é neste momento fundamental e passa, do meu ponto de vista, por dois aspectos: um político, que impõe ou pressupõe a aceitação tácita no Ocidente de alguns recuos tácticos na União Soviética, no que diz respeito a algumas liberdades fundamentais (direito à greve, direito de propriedade, direito de circulação...) e, no plano económico, por uma ajuda de emergência, principalmente ao reabastecimento de bens essenciais e de alguns produtos de consumo; facilidades comerciais, particularmente nos mercados com maior capacidade de aquisição (Estados Unidos e Comunidade Europeia) e a realização de joint-ventures de investimento e gestão com grandes empresas europeias.
Este quadro, naturalmente sintético, e que encontrarão um pouco mais desenvolvido no tal texto que referi, traça, como disse, o pano de fundo soviético, que, como referi, foi o instigador, o catalizador ou o inspirador de algumas evoluções no Leste.
Falemos da Polónia, onde a evolução passou por um confronto institucionalizado entre, por um lado, o Partido Comunista e, por outro, por duas instituições bem arreigadas na sociedade polaca - a Igreja Católica e o Solidariedade. E assim é que a evolução do processo conduziu à união das duas últimas e, mais tarde, à inclusão da parte mais sã ou com maior capacidade de reforma do Partido Comunista, de modo que fosse uma evolução assente nestes três pilares, portanto, uma mudança institucional e, de algum modo, controlada.
E curioso assinalar a subtileza desta evolução, subtileza marcante no discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros polaco à Assembleia Geral das Nações Unidas, no passado mês de Setembro, quando faz a diferença subtil entre «áreas de influência» e «áreas de segurança», procurando retirar o debate da segurança europeia de cima da questão polaca. É, quanto a mim, uma visão importante do ministro polaco, que mostra um grande realismo e um grande sentido prospectivo do futuro.
Já na Hungria a evolução começou também sob a condução do Partido Comunista; porém, rapidamente, o próprio partido sofreu uma tal evolução que se diluiu e se aniquilou. Viram-se avanços, que penso que, de algum modo, serão parecidos com alguns que tivemos a seguir ao 25 de Abril, no sentido de uma euforia pela liberdade, em avanços fulgurantes em todos os domínios, designadamente no dos direitos do homem e da democracia pluralista, numa aproximação imediata ao Conselho da Europa e, até, à própria Comunidade Europeia, pondo a hipótese, inclusive, da saída do Pacto de Varsóvia.
Em qualquer dos três casos, especialmente nos dois últimos, houve, de algum modo, ou efectiva ou virtualmente, algum controlo do Partido Comunista.
O mesmo se não passou na RDA ou na Checoslováquia. Aqui, foi, claramente, um grito expontâneo da população. No caso da RDA, face à influência diária de uma televisão e de órgãos de comunicação vizinhos, que lhes mostravam a prosperidade e a liberdade, mostravam, inclusive, o que se passava nos outros vizinhos, na Polónia e na Hungria, e há toda uma erupção expontânea que ultrapassa, claramente, todas as instituições formais do Estado e assiste-se a um recuo sistemático do Partido Comunista, tentando, de algum modo, salvar o próprio partido ou a sociedade socialista.
Só que enquanto nos outros casos os problemas eram essencialmente político-económicos, no caso da RDA, como sabem, as implicações são tremendas, quer sobre a reunificação alemã, naturalmente, quer sobre os equilíbrios e a arquitectura da Europa e a segurança europeia.
Também na Bulgária começa a haver uma tímida perestroika, em torno de uma mudança de um líder eterno, de 40 anos, que é noticiado em não sei quantos jornais na terceira página, o que é uma coisa extraordinária. Mas também aqui alguns ecologistas têm vindo a empunhar a chama da perestroika.
O mesmo se passa na Jugoslávia, fora do Pacto de Varsóvia, com grandes problemas e dificuldades internas nas suas repúblicas e que, não obstante, na carta de intenções do Ministro Lockar, feita há alguns dias, mostra, claramente, uma opção no sentido húngaro.
Resta falar de duas aberrações: a Roménia, para que não consigo encontrar outra expressão que não seja a do «orgulhosamente só» na defesa de um regime opressivo, totalitário, o chamado «comunismo bórico», puro e duro, em que sucessivas démarches dos Doze, démarches de diferentes embaixadores, no sentido de conseguir o respeito por alguns «dissidentes» do regime, se viram votadas a um total silencio por parte das autoridades romenas.
Foi nesse sentido que, aliás, todos os Doze decidiram diminuir a sua representação diplomática, e Portugal, face aos fracos laços políticos, económicos e culturais e à fraca expectativa da sua evolução, decidiu encerrar a sua embaixada.
O outro caso é o da Albânia, um museu vivo do que pode ser o comunismo ortodoxo aplicado ao isolamento e à penúria de um povo.
Voltemos à questão alemã, porque essa é, de facto, a questão central. Desde logo, interessa saber se esta palavra ou se este conceito da reunificação é um conceito pertinente ou impertinente, isto é, se deve ser um conceito entendido como algo que deva ser aceite, eu diria quase naturalmente, ou se deve ser combatido e como.
Em minha opinião e na do Governo (e a história nos ensina) a evolução na Alemanha foi sempre tendente à reunificação dos alemães. Já desde os tempos dos romanos, passando pelo Tratado Westefália, mais recente, houve sempre uma tentativa de separação e uma tendência para a reunificação.
E é esta percepção histórica desta tendência inata nos alemães que, do meu ponto de vista, aconselha a que os intervenientes procurem, relativamente ao processo, ter uma «gestão controlada» do mesmo (já explicarei o que quero dizer com isso).
Uma coisa é certa: todos os intervenientes emendem que este processo deve assentar numa sucessão de estados

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de equilíbrio, essencialmente, na estabilidade; deve ser pacífico; deve ser gradual e deve ser visto numa perspectiva global (política, económica e de segurança).
Estas questões, como disse, são gerais, quer no Leste, quer no Oeste, e devem ainda ser vistas sobre algumas outras premissas sobre as quais me parece importante elaborar.
Em primeiro lugar, como disse, há uma certa irreversibilidade desta tendência, com ritmo e etapas a definir, e é claro na mensagem do Chanceler Kohl de 28 de Novembro que as estruturas confederativas e o calendário são algo ainda a definir.
Segundo aspecto: toda a reunificação ou qualquer reunificação, seja um estado federado, uma confederação, seja o que for, não deve gerar uma Alemanha isolada ou com tendências isolacionistas. Daí, a importância que têm as estruturas de enquadramento, comunitárias e de segurança (neste caso a NATO), no processo de reunificação.
O terceiro aspecto que me parece importante é o carácter federativo alemão, que permite gerir este processo de reunificação de uma forma muito mais simples.
Como quarto aspecto há a considerar o potencial económico e tecnológico alemão, especialmente bem preparado também para suportar muitas das custas deste processo.
Quinto aspecto: os laços culturais tradicionais entre a Alemanha e alguns países da Europa Central e do Báltico.
Sexto aspecto: a necessidade, sentida por todos, de se chegar a uma fase de desarmamento significativa, o que, de algum modo, vai facilitar naturalmente o encontro de novos equilíbrios.
Julgo mesmo que não seria fácil, quer à União Soviética, quer ao Ocidente, obstaculizar este processo, porque a grande jogada ou uma das grandes jogadas do Sr. Gorbachev é com a opinião pública do Ocidente, e só poderia reprimir este processo com a força, e isso seria inaceitável da parte do Ocidente porque temos vindo a dizer, desde sempre, que somos contra a divisão da Europa e contra a divisão alemã.
Finalmente, o último aspecto ou a última premissa que me parece importante equacionar é que o processo de reunificação deve ser tal que garanta, como condição indispensável, os interesses dos principais intervenientes em jogo, designadamente a União Soviética, os Estados Unidos e a Europa.
Recorde-se a este propósito (peço desculpa de ser telegráfico, mas para poder tentar equacionar o raciocínio julgo que não há outro remédio) que, na Europa, a Alemanha, em relação à União Soviética, foi sempre um tampão ao seu expansionismo e um rival, enquanto a Europa Ocidental não germânica foi essencialmente uma fonte de capital e tecnologias. Donde, mesmo no quadro mental soviético, ou dos seus interesses estratégicos, uma Alemanha reunificada só poderia ser aceite no quadro da Comunidade Económica Europeia.
A questão de segurança (questão anexa) é uma questão a discutir, sendo certo que o objectivo principal da União Soviética, repetido e afirmado, é o de desejar uma Alemanha neutra e desmilitarizada.
Finalmente, dentro deste quadro de interesses estratégicos soviéticos, julgo que é bom que tenhamos consciência de que não há nenhuma solução que possa ser encontrada que viesse a deixar a União Soviética isolada. Não é crível que o Sr. Gorbachev tivesse instigado ou aceitado este processo para ficar isolado na Europa.
Vejamos a estratégia dos Estados Unidos ou o seu pensamento estratégico a este respeito. Julgo que uma das questões que tem de ser considerada realisticamente é a possibilidade de, através de concessões em certas áreas estratégicas fundamentais dos Estados Unidos, designadamente na América Central, no Médio Oriente, na África Austral e na Ásia, poderem vir a ser feitas concessões económicas e políticas na Europa.
Mas, por outro lado, julgo que esta Europa, caminhando para 1992 com um produto que tende a crescer cerca de 20% em quatro anos, no mínimo, e que já contém investimento directo americano que se estima em cerca de 140 biliões de dólares, não é crível que este mercado e este investimento possam ser deixados ou possam ser decoupled dos Estados Unidos.
Daí que se preveja-e eu antevejo - uma tentativa de nova ligação à Europa através de uma estrutura que já existe, mas que terá que ser repensada e redesenhada e que se chama NATO.
Julgo que, por outro lado, os Estados Unidos nunca aceitariam que pudesse, num sistema multipolar, vir a existir um pólo que, no conjunto económico, político e militar, fosse mais forte do que os Estados Unidos.
Por outro lado ainda, julgo que não nos devemos esquecer de dois aspectos, que julgo indispensáveis para entender esta posição. É que a redução da despesa militar americana também é importante no contexto puramente americano. Não é possível continuar a suportar défices orçamentais per omnia como aqueles que têm acontecido.
E, por outro lado, é indiscutível que vai ser necessária a criação, mais tarde ou mais cedo, de um «Plano Marshall» para a União Soviética, em que terão de participar, obrigatoriamente, já não apenas a CEE, mas a CEE, os Estados Unidos e o Japão, dando aos Estados Unidos possibilidade de, de alguma forma, controlar, quer o desenvolvimento e destino da União Soviética, quer o próprio diálogo pan-europeu, entre a União Soviética e a CEE.
Quanto à Europa, até agora tem mostrado uma grande solidariedade política e material com as reformas. Tem mesmo sido líder na condução dessa ajuda depois da cimeira dos Sete e da criação do Grupo dos 24.
E conseguiu, através da Cimeira do Eliseu e dos outros contactos que foi havendo no âmbito comunitário, definir uma postura inequívoca face ao actual processo, que se sintetiza da seguinte forma: manutenção da Alemanha,' mesmo reunificada, na Comunidade Europeia, desde que, ou concomitantemente, com o reforço da coesão e do processo de integração; criação de modelos de interacção comunitária com o exterior, que permitam uma relação estreita com os países da EFTA e que venham a permitir, mais tarde, a absorção dos países do Leste reformados; a manutenção e o alargamento do âmbito para zonas político-económicas da Aliança Atlântica e o reforço imediato do processo CSCE (a isto voltarei daqui a pouco).
É evidente que, dentro desta equação há uma questão fundamental, que é a de saber se, com a Alemanha reunificada, é aceitável que permaneça na NATO, ou qual é a alternativa.
A alternativa-já a referi - será a neutralização e a desmilitarização alemã. No entanto, é evidente que esta alternativa equivale a uma Alemanha isolada, com um grande poderio económico e uma grande influência em países adjacentes - é um processo perigoso que levaria, porventura, à emergência de nacionalismos irredentistas.

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Resta, portanto, a manutenção na NATO. Mas que NATO? Será possível a aceitação na NATO e a manutenção desta organização com as características actuais e com esta Alemanha reunificada? Cremos que não, sendo aí que o novo papel da NATO joga uma importância decisiva; é aí que o processo de acesso à CEE, de aceleração do desarmamento e da verificação e controlo de armamentos a um mais baixo nível joga uma importância decisiva; é aí que este debate tem de ser equacionado.
Portanto, os passos controladores deste processo de reunificação alemã são, do nosso ponto de vista neste momento, três, que são, diria, paralelos.
Em primeiro lugar, dada a evolução na União Soviética e o ritmo dessa evolução, que irá, inequivocamente, demorar alguns anos, em segundo lugar, o reforço comunitário da sua própria estrutura e do seu relacionamento externo, que irá igualmente demorar alguns anos, e, por último, os avanços na Conferência CSCE para definir novos equilíbrios de segurança europeia, que também irá demorar alguns anos.
Temos assim uma situação em que dispomos de alguns anos para ir formatando, discutindo e equacionando qual o tipo de arquitectura e de equilíbrio na segurança que queremos na Europa. Aliás, basta notar que a actual conferência da CSCE foi iniciada, bem sei que depois da Acta de Helsínquia, mas havendo uma percepção nítida da ameaça entre blocos, a existência de dois blocos numa fase de inequívoca contenção armada, de paz armada, e a divisão da Alemanha. Parece inequívoco que, uma vez que estas premissas se tenham alterado, se venha a justificar, imediatamente após o fim desta Conferência de Viena, a convocação de uma nova conferência para discutir o mesmo tipo de problemas, só que no novo contexto.
Sublinho também alguns outros aspectos que me parecem importantes.
Em primeiro lugar, o significado do Pacto de Varsóvia não é idêntico ao da NATO. Com efeito, a NATO tem, à partida, uma vertente político-económica que há agora apenas que aprofundar.
Em segundo lugar, mesmo que o Pacto de Varsóvia viesse a ser diluído, isso não traria modificações substantivas aos equilíbrios de segurança na Europa. É que existem mecanismos de acordos de defesa bilaterais que substituem, virtual e corripletamente, esse mecanismo mais global do Pacto de Varsóvia.
Tendo dito isto, gostaria, no entanto, de dizer que a posição do Governo é a de que o debate que ora se inicia no seio da NATO, na busca da sua nova arquitectura, filosofia e modo de actuar, se deve basear, antes de mais nada, na percepção de que estamos numa fase de pré-pós-perestroika. Com efeito, não podemos confundir o potencial de agressão com a intenção de agressão.
Não pomos em dúvida, hoje em dia, a sinceridade do Sr. Gorbatchev e o nível baixo de intenção e até, talvez, de capacidade, de agressão, mas em Viena, e em termos de armamento, o que se tem de discutir é o potencial de agressão, e esse está lá. Está lá e continua tão ameaçador, porventura em termos quantitativos, como era dantes.
Por conseguinte, entendemos defender a manutenção da NATO como o instrumento privilegiado do diálogo entre a Europa e os Estados Unidos - não vemos outro instrumento melhor do que este - e entendemos que o seu âmbito deve ser alargado à parte política e económica.
Igualmente entendemos que a NATO pode evoluir, no sentido de se tornar-já o é, mas pode evoluir ainda mais - um instrumento de paz e de estabilidade. Nesta fase, pelo menos, devemos defender, intransigentemente, a manutenção das forças americanas na Europa, apenas as substituindo quando tivermos encontrado um sistema alternativo que nos dê as mesmas garantias.
Por outro lado, devemos procurar reforçar o pilar europeu de defesa no seio da UEO, mas integrado na NATO e com esta vertente atlântica.
Finalmente, entendemos ser de manter a componente aero-naval dentro da estratégia NATO, como fundamental para defender as linhas de comunicação transatlânticas.
Julgo ainda que a NATO deverá constituir-se, através da sua evolução, como um mecanismo de verificação e controlo dos acordos de desarmamento que vierem a ser estabelecidos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Dei algumas ideias, necessariamente telegráficas, daquilo que pensamos ser o quadro ou o cenário, pelo menos o enquadramento das mudanças que se têm verificado a leste e quo, como referi, devem, do nosso ponto de vista, ser vistas nesta globalidade.
Gostaria agora de me referir a alguns efeitos, que talvez não tenham sido tão debatidos e que me parece indispensável referir, designadamente no que concerne aos efeitos a sul. Na verdade, temos falado sempre no Norte, pois a relação Este-Oeste passa-se toda a norte. Contudo, a sul vai haver consequências inevitáveis - aliás, já está a haver, conquanto ainda não estejam demarcadas como as que se irão verificar a partir de 1991. E isto tenderá a acontecer porque, no Ocidente, as atenções, quer da opinião pública, quer dos orçamentadores, tenderão a deslocar-se para a ajuda a leste, diminuindo a ajuda a sul. Nestes termos, vamos agravar o fosso Norte-Sul, fosso que existe entre o desenvolvimento e o não desenvolvimento, entre o crédito e a dívida, entre a abundância e a fome, entre a saúde e a doença, em suma, entre uma demografia elevada e uma demografia nula ou praticamente nula. Este fosso vai alargar-se e as tensões, que eram hoje militares, passarão, porventura, a ser as tensões do desenvolvimento.
Um segundo efeito consubstancia-se no reforço, que isto vai induzir, das chamadas potências regionais. À medida que o guarda-chuva das superpotências desaparecer, as potências regionais tenderão a emergir.
Por outro lado, verificar-se-á o declínio de economias emergentes, mas que dependem directamente dos mercados da Europa e do Leste.
Vai naturalmente registar-se um reforço das amarras tradicionais, designadamente entre os países com independências mais jovens e os antigos colonizadores.
No entanto, vamos assistir à entrada de novíssimos parceiros que, em condições normais, teriam muita dificuldade em entrar nessas zonas, designadamente o Japão, e que terão hoje, certamente, muito mais facilidade em o fazer.
Do meu ponto de vista, iremos também assistir ao reforço de agrupamentos regionais, constituídos quer numa base política quer económica, mas certamente como instrumento de reforço da sua capacidade negocial. Em especial, penso que há cinco ou seis áreas fundamentais. Primeiramente o Magrebe, que se encontra aqui paredes meias com a Europa, onde os problemas demográficos e de desenvolvimento são tremendos, que carece desesperadamente dos mercados e tecnologias europeus

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para se poder desenvolver e que procura, desde há alguns anos, um reforço intenso do seu relacionamento com a Europa. Com efeito, veja-se o caso dos conselhos de cooperação com as Comunidades, o Fórum Mediterrânico-Ocidental e os contactos bilaterais que têm havido, para se perceber como poderá constituir uma desilusão o caso de se falhar o apoio ao Magrebe.
No entanto, também há a África, particularmente a austral e a ocidental. E no caso da África Austral, não será necessário fazer muita lucubração para se concluir que a tendência para a emergência da África do Sul como potência regional cresceu exponencialmente. É que a par destas condições económicas puras, há também condições políticas na evolução do apartheid que poderão, de facto, tornar a África do Sul uma espécie de dínamo das economias na África Austral.
Quanto à América do Sul, ela sofrerá também um impacto grande devido a esta diminuição das atenções que sobre a mesma recaiam. E já não falo na China e no Sudeste Asiático, onde os problemas são naturalmente diferentes, mas onde também a atenção do Norte tenderá a ser menor.
É nesta perspectiva que julgo ser muito importante o papel de Portugal, desde logo se entendido, daquilo que eu disse, que estamos particularmente bem situados para alertar para este problema. Aliás, chamo a atenção da Câmara para a oportunidade deste Centro Norte-Sul que propusemos e que foi recentemente criado no âmbito do Conselho da Europa; para a participação muito activa de Portugal na negociação da Convenção de Lomé IV, na qual conseguimos subir o esforço financeiro das Comunidades - em parte devido a um grande esforço do Sr. Secretário de Estado como principal negociador - para cerca de 50 % a mais do que era no passado; e para o esforço que fizemos e o êxito que obtivemos na eleição para o conselho de administração do PNUD e para o conselho executivo da FAO, dois instrumentos fundamentais para a política relativa ao Sul.
Srs. Deputados, para terminar, gostaria ainda dizer que penso que estas mudanças no Leste são, porventura, o melhor teste que se poderia imaginar para ajuizar da correcção das políticas externas - da capacidade de percepção, da capacidade de posicionamento e da capacidade de resposta.
A inserção de Portugal na NATO e o seu reforço - com algum orgulho o digo - foi desde sempre defendida pelo Governo. Os mecanismos de construção da CEE, mecanismos dos círculos concêntricos com a CEE como nó duro foram por mim escritos em 1988. Quanto à relação com o Sul, é inequívoco que a nossa cooperação tem dado passos importantes.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que vos pretendo dizer é que, em termos de política externa, entendo que Portugal está, neste momento, particularmente bem situado, não só para gerir as mudanças que se têm verificado, como para poder tirar algum benefício das mesmas.
Tenho visto referida com alguma insistência a ideia de que a Comunidade vai agora deixar de dar fundos a Portugal.
Bem, eu começo por não gostar desta ideia restritiva da nossa participação comunitária como um receptor de fundos. De qualquer modo, não poderia deixar de dizer que os compromissos comunitários estão assumidos pelo menos até 1993 e, em muitos casos, até ao ano 2000. Por outro lado, a perspectiva comunitária foi sempre, não a de repartição do bolo, mas o seu aumento, e o seu aumento em solidariedade dos diferentes países, particularmente da Alemanha.
Também relativamente ao sector têxtil, que é uma das áreas mais difíceis deste processo, na medida em que, como sabem, é uma indústria que implica um trabalho intensivo e cujas tecnologias são, em muitos casos, intermédias, aquilo que se negociou nas Comunidades Europeias salvaguarda inteiramente os principais interesses dos nossos exportadores e garante que até ao fim do Acordo Multifibras esses interesses sejam salvaguardados. Como sabem, a partir daí deixa de haver salvaguardas específicas ou quotas e haverá um mercado concorrencial livre.
Para terminar, gostaria também de dizer que esta abertura a leste cria novas oportunidades, abre novos mercados, e estamos, em alguns casos, muito bem situados para aproveitar essas oportunidades. Aliás, honra seja feita à Associação Industrial Portuguesa, que, em conjunto com o meu Ministério e o Ministério do Comércio e Turismo, tem vindo a desenvolver acções importantes na RDA, na Hungria, na Bulgária e na União Soviética. Esperamos que estas acções se possam desenvolver, uma vez que também contribuirão para o êxito das reformas nesse país.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, como vêem fiz uma exposição que diria muito pouco partidária. No entanto, não posso terminar sem deixar de, olhando para o PS, perguntar como é que não conseguiram prever isto que foi escrito em 1988, fazendo, em Julho de 1989, um acordo com o PCP de Cunhal...

Protestos do PS e do PCP.

Vozes do PSD: - Tenham calma, Srs. Deputados!

O Orador: - Srs. Deputados, oiçam! É que a capacidade de previsão é importante para todos e não só para o Governo! É também importante para os Srs. Deputados, que têm de fiscalizar a acção do Governo, e é grave não terem tido essa capacidade de previsão e de percepção!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Rui Almeida Mendes, Narana Coissoró, Manuel Alegre, João Amaral, Carlos Brito, André Martins, António Guterres e António Barreto. Igualmente pediu a palavra, mas para uma intervenção, o Sr. Deputado Pegado Lis.
Antes de se dar início aos pedidos de esclarecimento, queria informar a Câmara de que, acompanhados dos respectivos professores, se encontram na Tribuna n.º 1 os alunos da Escola n.º 4 de Foros de Amora, para quem pedia a habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Almeida Mendes.

O Sr. Rui Almeida Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra em parte para um protesto, em parte para um pedido de esclarecimento.
O protesto porque o Sr. Ministro referiu uma documentação de base que iria enviar às Comissões de Defesa e dos Negócios Estrangeiros, não mencionando a Comissão de Assuntos Europeus. Não está aqui presente o presidente dessa Comissão, mas julgo que deveria ser a Comissão central neste debate.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Reparo justo!

O Orador: - Este debate foi realizado à sua revelia e não posso deixar de, como coordenador do PSD nessa Comissão, lavrar aqui o meu protesto de que em assuntos europeus não seja ouvida a Comissão de Assuntos Europeus.
Quanto aos pedidos de esclarecimento que desejaria fazer ao Sr. Ministro, queria referir que apresentou, na sua exposição - muito detalhada e pormenorizada e que revela bem a importância deste debate -, diversos factores que conduziram à actual situação que se vive na Europa, nomeadamente à perestroika. No entanto, julgo que talvez V. Ex.ª não tenha referido aquilo que, em minha opinião, foi de longe o mais importante. Estou a referir-me à decisão tomada pelo Presidente Reagan relativa à guerra das estrelas, que, numa altura em que, como V. Ex.ª referiu, os Estados Unidos tinham um elevado défice, conseguiu instituir de tal forma um aparelho de defesa e simultaneamente de ataque que a União Soviética - quer o Partido Comunista, quer as forças militares, quer o aparelho tecnológico e científico - não tinha capacidade de resposta. Foi isso, Sr. Ministro, que colocou a União Soviética de joelhos. A partir daí, quando o Presidente Reagan conseguiu mostrar a superioridade, quer económica, quer tecnológica, quer militar, dos Estados Unidos, a União Soviética ficou de joelhos e todos os seus corpos decisórios tiveram de se vergar a essa decisão e à sua incapacidade.
Por outro lado, Sr. Ministro, há outro factor que também não foi referido. É que a União Soviética estava habituada, desde o final da Segunda Guerra Mundial e por diversas formas, a aumentar sempre o seu espaço de actuação política. Julgo que os maiores avanços que teve foram talvez, recentemente, em Angola e Moçambique, embora tenha tido um sério revés no Afeganistão. No Afeganistão a União Soviética teve uma derrota militar, um fortíssimo desaire militar que a levou a retirar as suas tropas. E foco, Sr. Ministro, que as tropas soviéticas são compostas, em mais de 50 %, por recrutas de religião muçulmana que não passam depois do posto de capitão, enquanto na Alemanha de Leste se encontram colocadas 16 divisões, essas não de muçulmanos, mas de russos brancos.
O Sr. Ministro referiu as consequências que poderá ter a perestroika e também aquilo que será a reunificação alemã. No entanto, Sr. Ministro, para além da reunificação alemã temos um outro problema, que é um problema de fronteiras. V. Ex.ª não o invocou e gostaria de ouvir a sua opinião e a opinião do Governo Português sobre isto. É que grande parte daquilo que foi o núcleo da nação alemã, a Prússia, constitui actualmente território polaco.
Assim, vai ou não emergir de uma Alemanha reunificada um problema de redefinição de fronteiras?
Por outro lado, Sr. Ministro, gostaria que me desse a sua opinião sobre em que medida é que o que se está a passar no Leste, com a perda de poder sobre os diversos Estados europeus, se vai reflectir dentro da própria União Soviética, em todas as suas repúblicas, e se não poderá vir a haver o renascer de um fundamentalismo islâmico passível de levar à desagregação das repúblicas islâmicas da União Soviética.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Já vou concluir, Sr. Presidente.
Por último, gostaria de me referir aos conflitos regionais. Já falei no Afeganistão, mas é bem visível que o que se passa em Angola e Moçambique leva a que os governos - alguns ditos legítimos e que têm tanta legitimidade como os outros, pois, por exemplo, a UNITA foi também signatária dos Acordos de Alvor - não conseguem vencer as guerras.
Assim, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro em que medida é que as novas relações com a União Soviética poderão conduzir a uma solução dos problemas regionais, nomeadamente na África Austral.
Por último ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sou obrigado a cortar-lhe a palavra, pois já esgotou cinco minutos, ultrapassando em dois minutos o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, pedi a palavra para um protesto e um pedido de esclarecimento ...

O Sr. Presidente: - Foi tudo contado só como pedido de esclarecimento.

O Orador: - V. Ex.ª é que disse que era um pedido de esclarecimento, mas eu foquei logo de início que também incluía um protesto por causa da Comissão de Assuntos Europeus não ter tido interferência neste debate. Portanto, Sr. Presidente, agora é que estou na parte do pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir rapidamente, senão tenho de lhe cortar a palavra.

O Orador: - Sr. Ministro, V. Ex.ª focou também a questão da possibilidade de desmilitarização da Alemanha. Assim, gostaria de lhe perguntar em que medida é que a Europa não ficará enfraquecida e não desaparecerá o tampão.
Falou igualmente no «Plano Marshall» para a União Soviética. Sr. Ministro, vamos alimentar os nossos inimigos para que nos possam comer mais tarde?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, V. Ex.ª pareceu dizer, no início da sua alocução, que tinha tido a infelicidade de nascer num país que não deu a atenção suficiente às suas grandes visões.
Não tem que se queixar, pois o Presidente Bush não quis ir a Malta sem ouvir o Sr. Primeiro Ministro, como disseram todos os nossos jornais, devendo, como é natural, ter tomado em consideração todas as grandes visões e antecipações que V. Ex.ª teve sobre a perestroika, sobre o que iria suceder na Europa Central e Oriental, sobre a reunificação da Alemanha, etc. Só que a nossa comunicação social, pequena como e, em português como escreve - que não é uma grande língua para uso dos Governos estrangeiros -, não levou ao conhecimento das grandes potências as suas opiniões, e daí esses avanços e recuos com que as mesmas se debatem.
De qualquer modo, a culpa não é nossa, a informação estatal e o Telejornal são vossos, e V. Ex.ª deve procurar meios para que as suas posições sejam logo conhecidas

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das superpotências para que, de futuro, não tenham estes desajustes, quando em Portugal V. Ex.ª já sabia tudo o que se ia passar.

Risos.

Após 16 minutos de descrição do que se passava no mundo, o problema fundamental que V. Ex.ª colocou nos outros 13 minutos foi da afirmação da sua visão da reunificação alemã.
Sobre a reunificação alemã há três aspectos fundamentais a focar.
A reunificação alemã constitui uma expressão que é uma autêntica abracadabra.
A reunificação alemã para a extrema direita alemã constitui aquilo a que os deputados italianos chamaram o «revanchismo», pois penetra parte da Polónia, pede a reconstituição da nação alemã com as fronteiras que possuía em 1937. Isto é o que o partido republicano alemão, embora sem o dizer claramente, exige e faz pressão para que o Chanceler Khol diga.
Nos 10 pontos de Kohl, a reunificação alemã aparece como um slogan partidário baseado no artigo 23.º da Constituição alemã, que prevê a integração dos estados federados que actualmente pertencem à RDA, mas cautelosamente vai dizendo que, antes de mais nada, é necessário que haja uma modificação da lei eleitoral, um parlamento e um governo genuinamente democráticos, e só depois se fará, dentro da actual Constituição, a reunificação alemã depois de «entendimentos contratuais».
Na Alemanha diz-se que isto é destinado a constituir uma plataforma da CDU para as próximas eleições. Aliás, como V. Ex.ª sabe, isto não foi muito apoiado pelos restantes países da CEE. Gorbatchcv e o próprio Governo italiano, que imediatamente comentaram isso, disseram que o Sr. Kohl tinha ido longe de mais; Miterrand mostrou-se apreensivo; Margaret Thatcher afirmou que isto não podia ser previsto para curto prazo, pois demoraria 15 ou 20 anos a realizar. No entanto, V. Ex.ª, há dias, aos rapazes reformistas e sociais-democratas da JSD, disse logo que para o Governo português o que interessava era a reunificação alemã já, vindo hoje colocar algum pó de prudência sobre essa visão de reunificação que V. Ex.ª teve antes de Khol.
Para o SPD a reunificação alemã é uma coisa completamento diferente, pois, em primeiro lugar, terá de passar por uma fase de existência de duas Alemanhas dentro da CEE, já que não se podem desfazer blocos militares de um momento para o outro; é preciso manter as fronteiras herdadas do pós-guerra. A RDA e a Alemanha Ocidental não podem dispensar as fronteiras actuais, sendo necessário passar, primeiro, por um governo legítimo, por uma lei eleitoral, por um interlocutor válido e democrático. Por isso mesmo, não se sabe o que é que o SPD realmente quer neste momento, após, acto contínuo, ter aplaudido a declaração de Kohl e ter declarado estar mais ou menos em consonância com ela.
Para os Verdes nada disso tem significado, pois, como única oposição existente nesta matéria, afirmam que tem de se voltar ao povo alemão ocidental e oriental, tem de se lhes pedir de novo que repensem sobre as próprias regiões, caminhando para um novo Estado, para uma Alemanha nova, sem ligar muito ao tal artigo 23.º da Constituição alemã.
Toda a gente sabe que a questão da reunificação alemã é um problema quente e por isso mesmo gostaríamos que
o Sr. Ministro dissesse qual é, efectivamente, o pensamento do Governo Português sobre tal questão, sobre os vários cenários que o Parlamento alemão debate neste momento e outros Governos tomam em conta.
Por outro lado, gostaria de saber se o Governo Português está de acordo com a nova conferência de Helsínquia que Gorbatchev propõe para o próximo ano.
Finalmente - e já que se me esgotou o tempo -, gostaria de saber qual foi a opinião de Bush e Gorbachev sobre o pacto PS/PCP para Lisboa, o qual, pelo ênfase que pôs no discurso de Estado que V. Ex.ª aqui apresentou, deve ter sido discutido em Malta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, V. Ex.ª enunciou alguns dos temas que estão em debate e em reflexão. Mas esta é também uma hora de emoção, e a grande questão, a questão que apaixona toda a Europa, é a da liberdade e democracia nos países do Leste. Sobre isso V. Ex.ª disse muito pouco ou quase nada, nomeadamente no que respeita à atitude de Portugal, como país europeu, na solidariedade a esses processos em mudança.
Diria que, nas suas linhas gerais, o discurso de V. Ex.ª é um discurso mais pessimista do que os da maior parte dos principais responsáveis políticos do Ocidente. É, aqui e ali, ainda um discurso de suspeição, prevenção e desconfiança; de certa maneira, Sr. Ministro, é um discurso a leste do Ocidente.
No entanto, a questão concreta que lhe queria colocar é no sentido de saber se a posição que V. Ex.ª tem manifestado sobre a questão alemã consubstancia uma posição pessoal ou do Governo. Sendo do Governo, gostaria ainda de saber se essa posição é uma posição sintonizada com as dos restantes países da Comunidade ou se é, pelo contrário, uma posição orgulhosamente só.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, não posso deixar de sublinhar que entendo como um facto de assinalar, diria quase um facto positivo, que tivesse posto entre parêntesis o modelo de debate proposto pelo PSD - ou pelo menos por parte do PSD - e resolvesse aproveitar a ordem de trabalhos para ocupar o tempo da Assembleia da República naquilo que era útil que fosse feito, que é debater as questões mais actuais da Europa, na perspectiva, aliás, de uma análise que, da sua parte e do ponto de vista do Governo, nos pode trazer aqui, que é a análise que decorre da cimeira da NATO de ontem.
Naturalmente que o memorando que anunciou é uma peça importante desse debate. Não sei se tudo o que acabou de dizer corresponde aos mesmos termos do memorando, mas penso que o memorando poderá trazer alguns elementos novos. É natural que assim suceda. Aliás, o Sr. Ministro citou o seu livro Os Grandes Eixos da Política Externa e citou a perspectiva que já tinha sobre a perestroika e, para que fique registado em acta, quero recordar aquilo que disse: «A perestroika

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caracteriza-se, fundamentalmente, por uma excepcional campanha de imagem do novo líder junto do Ocidente.»
Ainda bem que evoluiu, fortemente, na sua perspectiva sobre o que é a perestroika!
É natural, portanto, que também o documento contenha já algumas evoluções em relação ao que disse. No entanto, faria algumas perguntas ao Sr. Ministro, não para discutir as diferenças ideológicas que existam entre nós, pois estou convicto, Sr. Ministro, de que não o convenço, nem o Sr. Ministro me convence, nem tão-pouco é este o sítio para fazer colóquios. Não quero, portanto, discutir as suas posições ideológicas, mas questionar as suas opções de política e encontrar nelas os caminhos de divergência ou de convergência que possam existir.
São cinco as perguntas que vou fazer ao Sr. Ministro. A primeira diz respeito ao papel da União da Europa Ocidental. O Sr. Ministro disse que se mantinha «o papel da União da Europa Ocidental». Pergunto: qual papel, Sr. Ministro, no quadro actual? O que é essa instituição vetusta e caduca chamada União da Europa Ocidental, num contexto em que se abalam os fundamentos da divisão da Europa? Isto é, o Sr. Ministro diz, por um lado, que quer a NATO tal como ela é e, por outro, quer a União da Europa Ocidental tal como ela é. Qual é, então, Sr. Ministro, concretamente, o papel que está reservado à UEO?
A pergunta tem sentido, porque é hoje extremamente difícil estabelecer a linha de divisão entre a Europa económica (a Europa dos países chamados do Mercado Comum ou da Europa Ocidental) e a Europa da defesa, pela confusão de articulações e de descoincidências que existem entre essas duas Europas. E, neste quadro, perguntava ainda se não é um passo negativo o de continuar a alimentar essa ideia um bocado rocambolesca de reconstituir uma Europa de guerra. Aliás, também será um pouco rocambolesco continuar a manter a mesma parada, como o Sr. Ministro anunciou que era intenção do Governo defender, em relação à perspectiva da NATO, isto é, continuar a manter todo o programa que existe em relação à NATO como se nada se tivesse alterado ao longo deste último ano, pelo menos.
A segunda pergunta refere-se à própria posição do Governo no que toca a um debate e a uma polémica da maior relevância, dentro da Comunidade Económica. Isto é: qual é a posição que o Governo vai defender em nome dos interesses de Portugal e em nome de Portugal, no quadro do Conselho de Ministros da CEE...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar o seu pedido de esclarecimento.

O Orador: - Sr. Presidente, eu, por um lado, tenho cinco minutos e, por outro, pedia ao Sr. Presidente um pouco de benevolência.
De qualquer maneira, penso que esta parte do debate será a parte interessante.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não lhe quero cortar a palavra. Mas o que, de facto, sucede é que o tempo normal são três minutos e já vai em quatro minutos. Pode ir, de facto, até aos cinco minutos, mas a Mesa apenas fez um aviso ao Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa por ter suscitado a questão, mas fi-lo porque o critério anterior da Mesa era de que o tempo normal é de cinco minutos
e, até agora, os avisos têm sido feitos só aos cinco minutos. Foi assim que sucedeu com os Sr. Deputados Narana Coissoró e Rui Almeida Mendes e, portanto, pedia a V. Ex.ª alguma benevolência.
Mas, perguntava eu, Sr. Ministro, em relação à questão que agora é objecto da Cimeira de Estrasburgo, qual é a posição que o Governo vai adoptar na defesa dos interesses nacionais? Isto é, o que é que nos interessa neste momento defender, olhando os interesses gerais da Europa, ou, digamos, os interesses da população europeia, e os interesses de Portugal?
Como terceira questão, desejava fazer referência às relações com o Terceiro Mundo. Suponho que, apesar de tudo, nesse ponto, o Sr. Ministro adiantou alguma coisa, mas perguntava-lhe, muito concretamente, o seguinte: É intenção do Governo Português, neste quadro, transportar para o interior da problemática das discussões como, por exemplo, da próxima discussão de Estrasburgo, a defesa e a necessidade da defesa dos mesmos financiamentos para o desenvolvimento dos países africanos, que até agora foram mantidos pela CEE, com o mesmo nível de empenhamento, visando até a sua possível elevação?
Em quarto lugar, sobre Helsínquia II, perguntava qual é a resposta concreta que o Governo entende formular à proposta já feita pelo Sr. Gorbatchev no que toca à possibilidade de acelerar o seu processo de reponderação de toda a cooperação e segurança europeia no quadro de uma Conferência de Helsínquia ou de uma Helsínquia II, a realizar já no próximo ano.
E, por fim, uma quinta pergunta, muito concreta, sobre uma das questões mais dramáticas, no momento presente, no que toca à evolução global da humanidade, que se traduz na forma muito especial de entender a tecnologia como coisa do património comum: a posição do Governo é de continuar a defender as restrições nas transferencias de tecnologias, como tem sido feito até agora em relação aos países do Pacto de Varsóvia? Querem defendê-los dessa forma?
Sr. Ministro, penso que poderá dar uma contribuição positiva, neste momento, se, na sequência do que agora puder dizer, se prontificar também, em sede das Comissões, a prosseguir este debate, porque me parece que este, sim, é o debate que vale a pena fazer.
Entretanto, reassumiu a presidência, o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, já foi salientado que V. Ex.ª abriu este debate com uma intervenção consideravelmente diferente da maneira como o lema tinha sido apresentado pela direcção parlamentar do seu partido na conferencia de imprensa em que anunciou a abertura do debate. No fim disse, ainda, que tinha feito um discurso pouco partidário. Aguardemos, portanto, para ver como é o discurso partidário do PSD.
De qualquer maneira, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, queria dizer que V. Ex.ª nos mereceu toda a atenção, atentas as atitudes com que nos apareceu: um tanto de sovietólogo, um pouco de jogador de xadrez diletante. E digo-lhe isto porque V. Ex.ª falou dos povos, dos países, mexeu as pedras, disse que a América Latina,

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a África, etc., vão ficar num lugar secundário... Será assim? Lembro-lhe, Sr. Ministro, a seguinte frase dita há poucos dias pelo Presidente Mitterrand: «Quando os povos mexem, as coisas acontecem.»
Espero que esta autoridade seja impressiva para o seu pensamento.
Na verdade, é isso que acontece.
No entanto, Sr. Ministro, queria colocar duas questões essenciais e que, de certa maneira, já foram aqui afloradas. A primeira é sobre a reunificação alemã de que o Sr. Ministro nos falou. Esta questão é fundamental e central para toda a humanidade. Não sei se neste caso falou com a autoridade do Governo; se falou com a autoridade da NATO, onde ontem houve uma cimeira em que participou o Sr. Primeiro-Ministro. Não sabemos e, digamos, essa é uma confusão da cimeira. Mas, de qualquer maneira, pareceu-me que o Sr. Ministro se inclinava para o Plano Kohl, que, como já foi aqui salientado, tem merecido tantas reservas e tanta oposição, mesmo dentro das forças políticas mais representativas da própria Alemanha Federal.
Era fundamental que este ponto ficasse aqui esclarecido e que também ficasse aqui esclarecido se há um pensamento do Governo Português relativamente a esta matéria.
A outra questão refere-se à CEE e à cimeira de Estrasburgo de 8 e 9 de Novembro. Esperava eu, uma vez que o Sr. Ministro nos fez este discurso e que esteve, até, anunciada a possibilidade de vir aqui o Sr. Primeiro-Ministro, que o Governo procurasse colher o sentimento dos deputados em relação a essa matéria e que nos desse uma informação prévia das posições que vão ser assumidas pelo Governo português, em nome de Portugal.
Li, há dias, o debate travado no Parlamento Europeu e reparei em coisas que estiveram no centro desse debate, como, por exemplo, a questão das implicações e das influências dos acontecimentos dos países socialistas do Leste europeu nos próprios ritmos da integração europeia.
O Sr. Ministro ignorou completamento essa questão, que nós esperávamos ver aqui abordada pelo Governo. Gostaríamos de ouvir o Governo acerca das ideias e das orientações que leva para a Cimeira de Estrasburgo. É curial que vindo aqui nas vésperas da Cimeira dê à Assembleia da República uma palavra sobre esta matéria.
Finalmente, Sr. Ministro do Negócios Estrangeiros, em forma de pergunta, transmito-lhe a seguinte preocupação: foi aqui dito por um colega seu de partido que a União Soviética ficou de joelhos depois do plano da «guerra das estrelas». Ora, em toda a sua intervenção perpassa esta ideia: a União Soviética está vencida. Creio que essa é a maneira mais perigosa de encarar e abordar toda esta situação.
Não tenho ouvido isso, apesar de ter lido atentamente as posições de estadistas do Ocidente, que não têm tal posição, e creio que essa posição pode, na verdade, comprometer os processos positivos que estão a ocorrer no mundo e que anunciam uma nova era para a humanidade.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Sr. Ministro, peço desculpa por não ter podido ouvir a sua exposição desde o início, mas, por aquilo que tive a oportunidade de ouvir, deu-me a ideia e disso fiquei mesmo convencido que, de facto, tinha muito pouco a ver com o que foi anunciado para este debate, ou seja, as transformações nos países de Leste e a sua evolução.
Falou o Sr. Ministro, pelo que entendi, do domínio dos interesses e dos domínios belicista e economicista dos países e dos interesses a que este Governo tem estado aliado.
As transformações que têm ocorrido nos países da Europa Central e da Europa do Leste, em nosso entender, não só de Os Verdes portugueses, mas de todos os partidos Verdes, designadamente os europeus, resultam de manifestações populares com as quais nos congratulamos e que representam, de facto, o sentido que nós defendemos, precisamente também em Portugal, da participação das populações na vida pública e na decisão do futuro das sociedades que pretendem.
É neste sentido, de uma ampla participação, que nós entendemos que devem ser entendidos os fenómenos que tem acontecido nos países da Europa Central e do Leste. É a esta luz que nós esperávamos que fosse aqui tratado este tema, até porque esperávamos aprender também algumas coisas das informações que muitos Srs. Deputados e os Srs. Membros do Governo aqui trouxessem.
Afinal, Sr. Ministro, a sua intervenção não foi nada disto, e, por aquilo que disse e pela forma como o disse, apenas lhe colocava a seguinte questão: não será possível, face aos acontecimentos da Europa Central e do Leste, que já referi, e à evolução dos encontros, designadamente entre os Presidentes Gorbachev e Bush, encarar o futuro da Europa e o seu papel no mundo sem ser à luz da determinação dos interesses economicistas e belicistas?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a intervenção do Sr. Ministro teve, pelo menos para mim, o mérito de esclarecer a minha grande perplexidade acerca deste debate. E a minha grande perplexidade tinha a ver com a ausência do Sr. Primeiro-Ministro, como foi, aliás, bem referido no início desta sessão pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
Do ponto de vista da estratégia do PSD e do Governo, este debate podia ser encarado de duas maneiras diferentes: ou era um momento de análise séria, de análise profunda - porquê não mesmo dizer de análise emocionada - daquilo que é, seguramente, o momento maior da história da Europa nas últimas décadas, pois é o momento em que a Europa, de alguma forma, se concilia consigo própria através do valor maior da liberdade ou, pelo contrário, este debate seria apenas mais um sintoma da neurose obsessiva do PSD que, como se sabe, tem como foco as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa.
É evidente que se este debate tivesse o primeiro objectivo a presença do Sr. Primeiro-Ministro seria indispensável, de um Primeiro-Ministro que regressa de uma cimeira da Aliança Atlântica após as cimeiras do Presidente Bush com o Secretário-Geral e Presidente Gorbachev e da própria visita do Presidente Gorbatchev ao Papa João Paulo II.
Lembro que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, depois de ter dado a volta ao mundo, o único momento em que, verdadeiramente, o olho lhe brilhou, o único

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momento em que o Sr. Ministro sentiu o que disse, foi quando, finalmente, se referiu à Câmara Municipal de Lisboa.
Percebo agora que o Sr. Primeiro-Ministro não pudesse aqui estar, porque é público, é notório que, ao contrário do que se passa no Porto, ao contrário do que se passa em Loures, o Sr. Primeiro-Ministro não apoia o candidato do PSD à Câmara Municipal de Lisboa...

Risos do PS.

... e, por isso, a sua presença neste debate não faria qualquer sentido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, quero expor-lhe três breves e rápidos sentimentos relativos à sua intervenção.
O primeiro sentimento é de decepção. Esperávamos, depois dos últimos dias, informação, esperávamos os pontos essenciais da política do Governo, da política externa portuguesa, esperávamos algumas bases para um consenso nacional em matéria de política externa e tivemos uma conferência.
O segundo sentimento foi de surpresa. Surpresa perante a sua análise determinista, da sua análise economicista, da sua análise sistémica- se posso utilizar uma palavra em voga -, estática, seguidista, em vez de vir dizer onde poderia estar - ou não estar - o interesse de Portugal.
O único tema que foi estranho à sua conferência, Sr. Ministro, foi o interesse nacional nisto tudo. As coisas acontecem, dão-se reacções químicas em cadeia, por todo o sítio, no mundo inteiro, desde a África do Sul até à Betesga, como diz o Sr. Deputado António Guterres, excepto o interesse nacional nisto tudo.... no momento e no futuro. Vai manter-se tudo como o Sr. Ministro diz, vai apoiar-se a perestroika, como disse ontem o Primeiro-Ministro na rádio, não se fará nada que crie dificuldades ao Sr. Gorbatchev... É isto uma base para uma política nacional? Vai apoiar-se a reunificação alemã em relação à qual o próprio Chanceler Helmut Khol, hoje mesmo, recuou e rectificou? Desde quando é que a reunificação da Alemanha é política nacional, é política portuguesa, é doutrina nacional? Desde quando?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvi com atenção a leitura do curioso relatório diplomático que V. Ex.ª nos leu até há alguns minutos. Lamento, todavia, que o tivessem redigido de modo tão descosido e tão desordenado.
Compreendo que o tenha feito na medida em que houve a preocupação de diluir no meio de toda essa inorgânica acumulação de dados sem crítica, a posição que se pode suspeitar seja a verdadeira posição do Governo Português, que é a de subscrever pontos de vista mais radicais não sobre uma eventual e futura unificação das Alemanhas mas sobre a reunificação alemã, e a justificação que pretende manter contra toda a evidência e todos os factos da persistência de um clima de guerra fria na Europa em geral.
Naturalmente que felicito o Governo pelos alegados dons proféticos relativamente aos acontecimentos na Europa do Leste. Ficamos todos ansiosos, Sr. Ministro, até que chegue o momento de nos ser revelado o teor da profecia.
Prometo não «reciprocar» V. Ex.ª, embora me aterrorize a ideia de que há a intenção de introduzir a terrível palavra «reciprocar» na língua portuguesa. Percebo que V. Ex.º traduz o inglês mas, de facto, deve haver um certo sentido nacional no uso do nosso idioma. Ao menos isso.
V. Ex.ª recordou que um ministro polaco tinha feito a distinção entre áreas de segurança e áreas de influência. Evidente distinção! Distinção pertinente! Distinção razoável! A mim, Sr. Ministro, afigura-se-me também que Portugal deve pertencer à área de segurança da Europa Ocidental mas não à área de influência dos Estados Unidos. Está V. Ex.ª de acordo, Sr. Ministro?
Naturalmente que é difícil, no pouco tempo que, de certo modo, V. Ex.ª desbaratou, introduzir todo o conjunto de problemas que devem ser discutidos num debate como este. Afigura-se-me, todavia, que algumas questões devem ser discutidas. Em primeiro lugar, qual é a função do Pacto do Atlântico? Qual é a função imediata e qual o previsível destino do Pacto do Atlântico? Em segundo lugar, qual é a função de Portugal no Pacto do Atlântico? Em terceiro lugar, qual é a função das forças armadas portuguesas na intervenção de Portugal no Pacto do Atlântico?

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Em quarto lugar, qual é a posição do Governo Português sobre o desarmamento significativo - a expressão é sua - de um país tão excessivamente armado como o é Portugal?
Depois da eloquentíssima questão que foi levantada pelo Sr. Dr. Almeida Mendes sobre a fronteira polaco--soviética, não quero também deixar de perguntar a V. Ex.ª qual é a posição do Governo Português sobre a manutenção das actuais fronteiras europeias e não quero também deixar de perguntar se considera a União Soviética como o inimigo, tal como fez o Sr. Deputado Rui Almeida Mendes.
Estranho, com efeito, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que o Governo de um Estado democrático se não tenha associado, de forma expressa, à congratulação unânime...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente!
...que percorre a Europa do lado de cá e do lado de lá do Elba, que é a Europa da qual Portugal faz parte e sempre fez parte! A congratulação por um desencadear de revoluções democráticas na Europa do Leste, a congratulação pela imensa, a imprevisível e a emocionante vitória da liberdade na União Soviética, na Polónia, na Hungria, na RDA, na Checoslováquia, na Bulgária!
É triste que um Governo, embora de espírito tão pouco democrático, mas o Governo de um Estado democrático, tenha falado desta forma aparentemente fria de um

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acontecimento que é o maior acontecimento da história da Europa depois da Revolução Francesa, que é a vitória da liberdade em toda a Europa!

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Compreendo que isso vos prejudique!... Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Compreendo que isso vos prejudique e vos incomode!... Mas é a verdade!... É a vitória da liberdade em toda a Europa!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Naturalmente que não tenho muito tempo mas, quanto à questão das fronteiras, que foi suscitada por vários Srs. Deputados, como sabem Portugal é subscritor da Acta Final de Helsínquia e eu recomendo a sua leitura a quem não o tenha feito. Isto responde à questão que o Sr. Deputado Sottomayor Cardia levantou.
Relativamente ao grito da liberdade, é verdade, Sr. Deputado. Foi um grito de liberdade e um grito de liberdade importante que não é, infelizmente, ainda comemorado em toda a Europa. Na Roménia continua a reinar a opressão, o silencio, o totalitarismo.
Isso ainda acontece na Roménia, um país que tem um sistema parecido com o do partido com o qual os senhores se aliaram. E, hoje, os interlocutores da ortodoxia são Ceausescu e a liderança do PS! Isso é que é preciso dizer!...
Neste momento, parte do público presente numa galeria levantou-se ostentando autocolantes.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, peço imensa desculpa de o interromper mas a Mesa apercebe-se de um movimento anormal nas galerias que identifica como uma manifestação.
Como é do conhecimento das pessoas que assistem à sessão das galerias, as manifestações estão corripletamente proibidas.
Pedia, portanto, aos agentes da autoridade que evacuassem aquela galeria.

Pausa.

Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, voltando a apresentar-lhe as minhas desculpas, queira continuar no uso da palavra.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

As considerações feitas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró mostram, entre outras coisas, que para além de não ter lido bem os dez pontos do Chanceler Helmut Khol, também não ouviu bem o que eu disse.
Em nenhuma circunstância afirmei que apoiava os dez pontos do Sr. Khol. O que eu disse foi que eles eram uma base e que como tal foram aceites por todos.
Contrariamente ao que a imprensa diz, se ler esses pontos verificará que neles não é apresentado qualquer calendário a curto prazo, que se fala no gradualismo, que se fala na reforma democrática e nas eleições na Alemanha do Leste e que se fala em toda esta problemática no contexto da CEE e da NATO.
Penso que o Sr. Deputado Manuel Alegre também não terá compreendido corripletamente aquilo que disse mas espero que, através da leitura do texto, possa iluminar algumas das dúvidas que subsistam.
O Sr. Deputado João Amaral fez-me várias perguntas. Expliquei, ao longo da minha intervenção, por que é que pensava que se justificava uma conferência de Viena II, naturalmente no contexto da CEE e do Acto Único de Helsínquia, tendo também explicado a razão de ser dessa conferência e quando é que deveria ter lugar, ou seja, depois de terminado este processo primeiro.
Quanto à sua pergunta sobre o nível de empenhamento do Governo em relação àquilo a que chamou o Terceiro Mundo informo-o de que vamos mante-lo, com o redobrado vigor que pensamos ser necessário.
Relativamente a Estrasburgo, não era isso que estava em discussão! Encontrarão naquilo que eu disse as partes essenciais desta matéria, pois procurei trazer-vos uma informação que, na minha opinião, tem de ser sempre global. Não se pode discutir esta questão apenas no plano da retórica ou no plano de um dos sectores. Foi isso que procurei fazer. Porventura alguns dos Srs. Deputados não têm a capacidade de ouvir corripletamente, o que lamento.
O Sr. Deputado Carlos Brito disse uma verdade e uma falsidade: disse uma verdade quando referiu que quando os povos mexem as coisas acontecem, estou perfeitamente de acordo, aliás, isso é um exemplo daquilo que se passa no Leste, mas, depois, disse que eu tinha afirmado que a União Soviética estava vencida. Não, Sr. Deputado, eu não disse isso, nem sequer intuí, o que disse foi que, e estou plenamente convicto disso, o sistema que lá vigorou durante quase 70 anos é que está vencido, por isso mesmo é que ele está a ser alterado, e bem, pela liderança soviética e pela dos outros países vizinhos.
O Sr. Deputado António Guterres disse que eu me tinha referido a Lisboa ... Ó Sr. Deputado, não referi a palavra «Lisboa» nem as eleições para a Câmara Municipal. O senhor é que trouxe isso a debate. O que disse foi que a vossa liderança e o vosso partido não tiveram capacidade de percepção dos dados que estão disponíveis para toda a gente, e isso é pena.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, confirma-se, também pelas intervenções dos Srs. Deputados Sottomayor Cardia e António Barreto, que os senhores não estão a perceber, nem sequer a conhecer, o que está a passar-se.
Quanto ao termo «reciprocar», Sr. Deputado Sottomayor Cardia, ele foi usado pelo Eça de Queirós em «Os Maias» ... e, deixe-me dizer-lhe, que prefiro o Eça de Queirós ao Sr. Deputado!...
Quanto às perguntas que o Sr. Deputado colocou ficarei aqui, com muita atenção, a ouvir as respostas, porque o Governo veio aqui dizer qual era a sua posição, como é que entendia a evolução da situação nos países do Leste, quais eram os dados que entendia deverem ser discutidos e, como tal, espero que a oposição consiga agora fazer o mesmo e trazer a debate ideias novas, ideias diferentes das do Governo. Ficarei, pois, com muita curiosidade à espera de ouvir isso!

Aplausos do PSD.

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O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): -Para defesa da honra, Sr. Presidente.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, se V. Ex.ª não tem a sensibilidade adequada à língua portuguesa e se se reconhece no discurso do Conselheiro Gouvarinho, o problema é seu, não meu.
Quanto à questão da Roménia, é óbvio, Sr. Ministro, que condeno, tal como o PS, tal como toda a gente, o que ainda acontece na Roménia.
Mas, há pouco, eu falava de uma tendência, e essa tendência é irreversível e fatal na Europa de Leste. É uma tendência que já condenou a tirania vigente na Roménia como há-de condenar o regime estranhíssimo, tirânico e enigmático vigente na Albânia.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E na Nicarágua?!

O Orador: - Todavia, acontece que temos de preocuparmo-nos com os estalinismos que renascem e se revigoram a oeste, mesmo depois, e até, sabe-se lá, por causa da queda definitiva do estalinismo a leste.
Evidentemente que, ao dizer que a liberdade é vitoriosa em toda a Europa, estava a ter presente que em Portugal existe o regime de manipulação da comunicação social que é aquele que conhecemos no plano da supressão da liberdade.
Embora sendo deputado de um Parlamento democrático, tenho menos liberdade do que os deputados do parlamento polaco ou do parlamento húngaro...

Protestos do PSD.

Sei isto tudo, Sr. Ministro, mas não confundo o acessório, que é a minha precária liberdade, com o essencial, que é a vitória generalizada do movimento da liberdade. Não confundo isso com questões mínimas e politiqueiras, como as que tanto preocupam VV. Ex.ªs e que levam ao ponto de convocar para este debate, que deveria ser um debate histórico, nem com questões laterais, insignificantes, mesmo que tivessem sido postas, o que não é o caso, de forma relevante.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo, queira fazer o favor de terminar.

O Orador: - Sr. Ministro, uma questão que é importante para qualquer democrata é a de saber distinguir o acessório das lutas partidárias com uma democracia mais ou menos distorcida e a defesa dos valores democráticos. Á defesa dos valores democráticos obriga-nos a reconhecer que a vitória da democracia no Leste é...

Protestos do PSD.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Afinal não defendeu nada, está a fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero chamar à atenção para o seguinte: creio que depois da intervenção do Sr. Deputado Sottomayor Cardia é manifestamente evidente que este deputado utilizou de forma inadequada a figura da defesa da honra.
De facto, a Mesa tem muita dificuldade em julgar - aliás, eu recuso-me a fazer esse tipo de julgamento - a priori se, efectivamente, os Srs. Deputados vão ou não cingir-se à figura regimental da defesa da honra.
Peço, pois, aos Srs. Deputados que utilizem com critério as figuras regimentais e os tempos que elas comportam, sem prejuízo de o debate poder perder o sentido que tem. É por isso que existe o Regimento que condiciona e regulamenta as várias figuras que são utilizadas.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - O Sr. Deputado Sottomayor Cardia disse que condenava veementemente o que acontece na Roménia, tal como eu fiz, e lamentou-se pelo facto de haver uma revigoração, um renascimento dos estalinismos a oeste. Ó Sr. Deputado, estaria o senhor a mandar algum recado à direcção do seu partido?!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não diga disparates!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. membros do Governo, Srs. Deputados: As profundas transformações que ocorrem nestes dias em países do Centro e do Leste da Europa, a extraordinária corrente de esperança que despertam por todo o mundo, o ritmo extraordinário a que avançam e as profundas implicações que desencadeiam bem merecem este debate.
Estamos hoje mais perto de chegar a construir um espaço, no continente europeu, onde as aquisições de liberdade, direitos humanos e justiça social, se tornem património comum de todas as nações e realidade fruída por todos os cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E este processo avança todos os dias. A palavra e o gesto libertam-se a cada hora, pela mão de povos que perderam o medo; porque, como disse recentemente, e já foi aqui citado, o Presidente Mitterrand, «quando os povos se movem, eles decidem». Quando os povos se movem, os muros da guerra fria deixam de ser barreiras, para se tornarem catalisadores da acção.
Para todos aqueles que, como os socialistas, sempre tiveram uma posição claramente a favor da democratização de lodo o espaço europeu, o movimento actual é apaixonante, é ocasião de enormes esperanças concretas e também ocasião de debates oportunos e polémicas necessárias.
Pela sua dimensão os fenómenos que se registam no Leste vêm suscitar três ordens de polémicas.
Uma, traduzida em episódios factuais e internos, envolvendo pessoas ou órgãos - essa é uma questão do PCP, que ele resolverá se quiser e puder. Não nos metemos nela, tal como não o fazemos com os demais partidos.

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O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Interessante!

O Orador: - Outra, que se reflecte na antiquíssima discussão da esquerda, essa interessa-nos. Entendemos que a evolução que está a dar-se vem consagrando a melhor razão histórica do socialismo democrático ocidental e da internacional socialista sobre o comunismo e a III Internacional.

Aplausos do PS e da deputada independente Helena Roseta.

É um debate para que estamos, e estaremos, sempre abertos e que ato fomentaremos.
Socialistas e comunistas divergem há mais de um século sobre as questões da ordem do dia e conhecem as suas divergências como ninguém. Traçaram entre si uma fronteira, que é mutuamente assumida, são raianos, permita-se-me a expressão, e ninguém conhece as fronteiras como os raianos. Socialistas e comunistas conhecem-nas como ninguém, fizeram-nas, sempre as discutiram, não têm grandes surpresas a dar uns aos outros.
Vem de longe, do século XIX, a bipartição actual entre socialistas democráticos e comunistas. Estes, num trajecto que ligou Marx a Lenine e Lenine a Estaline, ou recusaram a «democracia burguesa» ou vieram a encará-la como uma regra do jogo necessária, a aguardar melhores dias em que uma ditadura do proletariado pudesse realizar a abolição das classes e do Estado, fazendo emergir um clímax do processo histórico e nascer o «homem novo».
Nós nunca quisemos um «homem novo», esta é a diferença! Basta-nos criar as condições de uma vida nova para os homens tal qual são. Nem nunca acreditámos em sociedades terminais no processo histórico. Nem aceitamos quaisquer ditaduras de ninguém, muito menos nossa. Os fins não justificam os meios e, por isso, a democracia representativa é o nosso valor mais sagrado.

Aplausos do PS e da deputada independente Helena Roseta.

Aprendemos com a história que os grandes males se praticam em nome dos ideais mais sublimes. Não estamos amputados de utopia, temos as nossas, que são, para nós, galvanizantes. Mas porque nenhuma utopia merece ser prosseguida contra a vontade popular, é esta, sempre, pelo sufrágio, que nos dirá até onde poderemos ir. E, então, iremos, mas sempre reversivelmente, porque um povo tem direito a mudar de ideias, e isso tem de ser periodicamente sufragado.
Não temos complexos! No mundo, como no País, sempre os socialistas se bateram pelos valores democráticos e, quando isso foi necessário, fizeram-no, até, contra os comunistas. E, em coerência com isso, batemo-nos contra a ditadura de Salazar. No deserto da solidariedade de tantos que ocupam a bancada do PSD estivemos também, muitas vezes, ao lado dos comunistas, também sem complexos. Não há que ter problemas de consciência quando se é fiel a valores!

Aplausos do PS e da deputada independente Helena Roseta.

Entretanto, o mundo evoluiu, todos nós com ele e os socialistas democráticos europeus também. Essa evolução do mundo recebemo-la com apaixonada expectativa, mas serenos de alma e de razão, porque ela tem vindo a processar-se globalmente pela aproximação dos outros aos nossos valores e às nossas bandeiras.
Em favor do debate ideológico é assim que dizemos, com clareza, aos comunistas que aceitar o pluralismo, as liberdades políticas e económicas e os direitos individuais implica deixar de adjectivar a democracia como burguesa, deixar de vê-la como etapa instrumental e aderir à democracia representativa vista como valor fundamental da legitimidade de razão e poder políticos. É por isso que dizemos, com clareza, que aceitar o Estado de direito é renegar a ditadura do proletariado e a sociedade terminal, sem classes e sem Estado.
Mas, a terceira questão, e a mais própria do órgão que esta Assembleia é, reside em nos questionarmos sobre o que está a suceder no Leste europeu, de que modo o Estado Português encara esses processos e que postura, ou que iniciativas, deve tomar em conformidade.
De resto, penso que será coisa única no mundo parlamentar ocidental que, estando este debate a ocorrer, como já aqui foi salientado, entre uma Cimeira da NATO e uma reunião do Conselho Europeu que terá lugar dentro de quatro dias, quer sobre uma coisa quer sobre outra, o Governo tenha sido corripletamente omisso. Mais uma notabilíssima originalidade deste nosso modo governamental de estar na Europa, na Europa da CEE.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ss. Deputados, os socialistas, como é óbvio, não descobriram o Leste ontem, não foram apanhados de surpresa pelos acontecimentos. Sempre estiveram, com clareza, do lado da reivindicação, pela liberdade, pelos direitos humanos e de participação cívica, pela organização política democrática representativa.
Como em nenhum momento, para o PS, o nosso projecto foi concebível sem democracia, nunca fizémos qualquer confusão entre socialismo democrático e o auto-apelidado «socialismo real». Só pode confundir essas duas realidades e projectos tão antagónicos quem careça de formação cultural e ideológica necessária a um dirigente político.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando alguns identificam socialismo e comunismo, exibindo uma confrangedora ausência de informação histórica, mostram perceber tão pouco de geografia política que talvez sejam capazes de confundir, por exemplo, a Suécia com a Roménia.
Como participamos desta batalha há muito tempo, continuamos firmes na mesma identificação entre liberdade e justiça social. Podemos, por isso, avaliar os acontecimentos com justeza, lucidez, realismo e ponderação.
Pela nossa parte sempre tivemos capacidade para entender o que eslava em causa. E mais: não perdemos o sentido crítico, nem o rigor do critério com as primeiras movimentações.
Por isso mesmo, no contexto em que nos encontramos, importa lançar e colaborar, afinal de contas, neste debate, que não pode resumir-se ao dia de hoje. Comecemos, então, por ele.
No contexto da pertença do nosso país à Aliança Atlântica sempre entendemos que esse era um forum adequado à intervenção concertada das democracias oci-

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dentais pela melhoria das relações internacionais. No actual momento, esse instrumento continua a ser útil e necessário à gestão da cena mundial, continua a proporcionar um quadro positivo de concertação entre aliados e de negociação entre blocos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta aliança, que continua a ser necessária a um equilíbrio produtivo entre estabilidade e mudança, tem inevitavelmente de operar uma transformação do seu papel, alargando a sua função de concertação política e económica e diminuindo o peso relativo da sua componente militar. Esses desafios tornam ainda mais decisiva a questão de saber que contributo está Portugal em condições de dar a esse processo.
Esse caminho passa, por outro lado, e é um ponto importantíssimo do debate futuro, por uma maior capacidade da Europa democrática a que pertencemos para organizar uma forma própria de exprimir os seus interesses em matéria de segurança; por um aprofundamento da capacidade das diversas instituições europeias para se pronunciarem sobre as questões concernentes ao Continente; por um reforço da capacidade dos países europeus para definirem posições próprias, de conjunto; pela consagração de um instrumento institucional específico para a cooperação europeia em matéria de segurança.
Não podemos, apressadamente, ter pretensões a uma organização unitária do nosso continente, a uma solução única que dissolva todas as diferenças e contradições existentes. Mas a Comunidade Europeia pode funcionar como pólo estruturante de uma malha de organização europeia plural, onde convirjam vários contributos e vários processos, valorizando todas as experiências de cooperação intra-europeia que assentem na afirmação soberana e no exercício pleno da autodeterminação de todos os países envolvidos.
Nessa perspectiva, é responsabilidade dos Doze encontrar respostas adequadas à situação nova de países como a Polónia ou a Hungria, que se lançam determinantemente por caminhos democratizantes. Pensamos que é necessário lançar mão de mecanismos (como os acordos de associação), que permitam a adopção de cláusulas específicas adequadas às condições de cada um desses países e às relações já existentes; que deixem a cada uma dessas nações toda a liberdade em matéria política e toda a autonomia na prossecução dos objectivos acordados; que garantam um quadro flexível de estruturação do conjunto dessas relações e da sua evolução; que estejam abertos à coordenação das legislações nacionais de cada um desses países com as normas comunitárias, facilitando avanços sucessivos na compatibilização de conceitos, por exemplo, como os de qualidade mínima dos produtos.
Por outro lado, o espaço das relações CEE-EFTA é, desse ponto de vista, uma importante fonte inspiradora, permitindo aplicar ao Leste e Centro Europeu, salvaguardadas as diferenças, soluções de cooperação que têm vindo a ser experimentadas e melhoradas ao longo de vários anos.
É, aliás, precisamente esse o desafio: ir além de uma relação dominada simplesmente pelo movimento de ajuda, que comporta sempre um elemento de dependência, para alcançar uma relação de cooperação.
Nesse ponto decisivo, o contributo dos socialistas é absolutamente indispensável, porque não basta abrir novos mercados sem preocupações de natureza social e de preservação de condições dignas de vida. Nessas circunstâncias o pensamento e a experiência do socialismo e da social-democracia europeia, daqueles que de forma consistente procuram caminhos que, sendo economicamente viáveis, sejam também socialmente justos. É uma contribuição para que os processos democratizantes não sejam condenados ao fracasso, não se afoguem nas tentações do imediatismo.

Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Um ponto fundamental tem, entretanto, que ser reafirmado. A prioridade ao reforço da Comunidade Europeia, pela manutenção do ritmo em direcção ao objectivo do mercado único: da devida atenção à coesão económica e social, à adopção de instrumentos efectivos de cooperação política e económica. Se não dermos prioridade ao reforço da Comunidade, ela não poderá cumprir o seu papel frente às transformações que estão desencadeadas. Foram, aliás, os progressos da integração política e económica da Comunidade que também tiveram o importante papel de despoletar, no Leste, a consciência da impossibilidade de se manter aí uma política de ruptura com um mundo cada vez mais interdependente.
A Europa comunitária, tendo desempenhado esse papel fulcral, não pode abrandar a marcha no sentido do reforço e aprofundamento do seu processo de integração. Esse é, aliás, o mais importante elemento de resposta que tem a dar a esta viragem na cena europeia.
Nesta matéria, por isso mesmo, tem o Governo, na Assembleia e em especial na Comissão de Assuntos Europeus, de dizer com clareza qual é a sua atitude face à realização e à ordem de trabalhos da Cimeira e do Conselho Europeu de Estrasburgo e da conferência intergovernamental do próximo ano, com que estratégia se prepara para ela, se pretende, e, sobretudo, em que termos, apoiar o aprofundamento do processo de integração monetária.
A ausência de qualquer menção pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a este respeito é significativa e não augura nada de bom para a prossecução deste indispensável debate parlamentar, que não é possível ser feito apenas numa ocasião, mas tem de ser um debate permanente e mobilizador de todas as instâncias parlamentares.

Vozes do PS: - Muito bem!

Se, como supomos, o Governo está efectivamente empenhado neste processo de integração europeia; se, como supomos, percebe e compreende as implicações a prazo das transformações que ocorrem na Europa; se, de facto, está a par, como supomos e esperamos, do aprofundamento dos processos concorrenciais (essas transformações vão também abrir novas possibilidades de crescimento económico); se está consciente das condições que têm de ser criadas para que o nosso país participe em condições favoráveis neste processo gigantesco e mobilizador, então há-de o Governo dizer a esta Assembleia qual a estratégia que pensa dever assegurar para que haja política regional sustentada e fecunda e, ao mesmo tempo, que política pode o Governo fazer adoptar para garantir mecanismos de salvaguarda da balança de pagamentos que permitam sustentar conjunturas tão necessárias de crescimento superior à média europeia.
A pergunta tem, pois, de ser também: com que propostas vai o Governo apresentar-se ao próximo Conselho

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Europeu? Faltam quatro dias, temos ao menos o direito de saber - com franqueza - o enunciado mínimo.
Sem uma resposta clara a estas questões, não podemos estar certos de que o Governo compreenda que as mudanças profundas que se avizinham só podem ter uma resposta positiva através do desenvolvimento, sem desfalecimentos, do processo de integração comunitária. Não poderemos ficar convictos de que o Governo se aperceba de quanto este debate é um debate concreto, de quanta influência ele tem para o Governo, para a Assembleia, no futuro do País.
Esse será, seguramente, um bom critério para ajuizar da seriedade do esforço que todos devemos fazer para colaborar na essencialidade deste debate. Tal como a abertura ao Leste e a construção do edifício comunitário são dois processos que têm de caminhar par a par, também, em qualquer deles, a economia não caminha de costas voltadas para a sociedade. «Progresso social sem crescimento económico é impossível. Mas também não teremos riqueza económico sem coesão social.» Disse o Presidente da Comissão Europeia.
Temos, portanto, de saber dar respostas adequadas ao momento que vivem aqueles países do Leste europeu que procuram o caminho da democratização. Por isso, consideramos positivas, e apoiamos, as grandes linhas de acção traçadas pelas conclusões da reunião extraordinária do Conselho Europeu, do passado dia 18 de Novembro.
É necessária ajuda de emergência, designadamente alimentar. É necessário trabalhar para a recuperação da dívida e para a estabilização monetária. Apoiamos a resposta positiva à constituição do fundo de reequilíbrio, bem como da linha de crédito do mesmo montante de que carece a Hungria.
Há que organizar a assistência ao desenvolvimento das infra-estruturas básicas, encontrar crédito para investimento na indústria e no comércio, criar condições de lançamento de empresas mistas que permitam a transferência de know-how tecnológico e organizacional. Apoiamos, por isso, a contribuição do nosso país para a criação de um banco europeu para o desenvolvimento e modernização da Europa do Leste.
Ponto fulcral na transformação positiva da economia e da sociedade desses países é a aposta na educação e na formação profissional. Isso é particularmente certo quanto à formação de quadros e gestores, capazes de agir num contexto de incerteza, de risco e de iniciativa nunca antes experimentada, de manipulação de factores mais complexos e apelando a maior responsabilidade pessoal. Apoiamos, por isso, a abertura ao Leste dos programas comunitários relativos à educação e à formação.
Defendemos o acesso desse países ao GATT, inicialmente como observadores; a necessidade de alcançar acordos razoáveis da Polónia e da Hungria com o Fundo Monetário Internacional; o acordo de comércio com a RDA; o indispensável apoio à Jugoslávia; a cooperação alargada no domínio da protecção do meio ambiente.
Devemos, em todo o caso, realçar um ponto: não defendemos uma cooperação exclusiva entre Estados cujos únicos actores sejam os respectivos Governos, somos a favor de uma cooperação entre povos, pelo desenvolvimento de contactos de nível não governamental, nomeadamente entre empresas. Para isso lemos, por um lado, que apoiar a constituição e consolidação de sectores privados e de sectores de economia social nesses países. Devemos, por outro lado, criar condições para a cooperação directa de empresas portuguesas com empresas desses países.
Nesse sentido, há que produzir e divulgar informação adequada sobre os mecanismos a que podem recorrer e os sectores onde podem agir as empresas portuguesas num quadro ainda mais competitivo, ainda mais alargado e mais concorrencial. Não podemos esperar mais tempo para organizar o envio de missões empresariais a esses países, que recolham a informação directa e estabeleçam os contactos ajustados à acção que possam desenvolver.
Quando pensa o Governo começar a agir de forma apropriada às circunstâncias, associando a este enorme desafio não apenas os homens de cultura, não apenas os homens da política, não apenas os constitucionalistas, não apenas os homens de toda a iniciativa, mas também os empresários e todos os que podem contribuir para uma resposta positiva a esta oportunidade de todos os europeus, sejam do Leste ou do Oeste?
A extensão e profundidade dos acontecimentos que ocorrem actualmente no Leste europeu deixam, naturalmente, muitas questões à procura de resposta, muitos problemas complexos a cuja análise é necessário proceder em tempo útil.
A estruturação do cenário Europeu, a partir dos dados novos que todos os dias nos chegam; as conversações relativas à segurança, que evoluem num quadro de mudanças aceleradas, sejam as relativas às forças convencionais na Europa ou às medidas de reforço da confiança, sejam as relativas ao nuclear estratégico ou às armas químicas; a transformação do papel das alianças e blocos político-militares; os novos projectos de harmonização económica, como o do EEE (espaço económico europeu); as relações com os nossos aliados além-atlântico, marcadas simultaneamente por diferenciação e confluência de interesses; a exigência de uma adequada reestruturação do nosso aparelho diplomático no Leste, são elementos para um debate sério que o Governo não tem prosseguido, uma vez que dele só consegue ver aquilo que pensa, erradamente, poder ser mote eleitoralista e, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, ainda tive a esperança que V. Ex.ª não cedesse à tentação.
São pontos de uma grande reflexão que a Assembleia da República não pode deixar por fazer.
É para enfrentar essa necessidade, com a responsabilidade que nos é exigível, que tomamos a iniciativa do projecto de resolução que passarei a ler:
Após um primeiro debate sobre a situação e a evolução da Europa, tendo particularmente em conta os acontecimentos recentes na Europa de Leste, a Assembleia da República decide:

a) Exprimir o seu regozijo perante os sinais claros de avanço dos ideias democráticos em alguns países da Europa Oriental;
b) Organizar um debate aprofundado sobre os problemas em questão da Europa do Leste ao futuro da CEE, com a participação das Comissões Parlamentares dos Negócios Estrangeiros, da Defesa e dos Assuntos Europeus;
c) Propor ao Governo no prazo de 30 dias um relatório a submeter à Assembleia da República sobre acções de cooperação possível com países do Leste, bem como as medidas que pensa tomar ou terá em preparação para a reestruturação do dispositivo diplomático nos países da Europa do Leste;
d) Propor aos representantes de Portugal nos órgãos do Conselho da Europa, nomea-

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damente na sua presidência que agora nos compete, que se promova, iniciativas de debate naquele fórum acerca de transformações políticas na Europa Central e do Leste;
e) Realizar um colóquio internacional sobre as perspectivas da evolução da Europa do Atlântico aos Urais» convidando para o efeito personalidades nacionais e internacionais de reconhecido mérito, em temas relacionados com as presentes questões europeias, nomeadamente o Presidente da Comissão Europeia, Jaques Delors;
f) Convidar os Srs. Alexandre Dubcek e Lech Walesa a visitar Portugal

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Sampaio, os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Lino de Carvalho e Montalvão Machado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jorge Sampaio falou dos raianos, da raia e das fronteiras. Devo dizer-lhe que, como sabe, o que caracteriza a actividade nas fronteiras é o contrabando e o contrabando por definição acaba por apagar a própria existência das fronteiras. Uma das coisas que no seu discurso é mais mistificador é que, exactamente, do ponto vista histórico e do ponto vista político, ele não teve realmente as fronteiras que nós hoje pensamos serem úteis e necessárias neste debate político, ou seja, a grande maioria do seu discurso podia ser feita há cinco, seis ou sete anos, ao abrigo da política de oriente da Ostpolitik com pequenas diferenças, porque tudo aquilo que é essencial e que é qualitativamente novo na situação dos países do Leste está completamento ausente do que disse.
Não nos interessa o debate interior da esquerda, o debate entre os socialistas e os comunistas, porque, como é evidente, não foi esse debate que conduziu à alteração da situação política nos países do Leste. Bem pelo contrário, esse debate, se tivesse continuado, nunca tinha alterado um átomo a situação dos países do Leste. O que, efectivamente, alterou essa situação foi a comparação que fizeram com o progresso material das economias de mercado ocidentais, com a óbvia capacidade tecnológica do ocidente, com a firmeza política e a sua tradução em termos de defesa e militar, e não qualquer outra coisa. Foi, essencialmente, a verificação em todos estes domínios de carácter político que levou os países de Leste, e, em particular, a União Soviética, as profundas transformações de poder, isto quanto ao primeiro ponto.
Por outro lado, quero salientar um outro ponto que também me parece importante: é que o Partido Socialista sempre esteve alheio à luta dos povos dos países do Leste da Europa.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, na história do socialismo e da Internacional Socialista, com a excepção dos anos 50 e de raros dirigentes socialistas, como Mário Soares, que sempre foram tratados com escárnio, como homens de direita e anticomunistas dentro do movimento socialista, quais foram os intelectuais socialistas, quais foram os socialistas dessa bancada que tomaram posições, por exemplo, há tão pouco tempo, como quando houve uma manifestação contra o golpe de estado na Polónia, no princípio da década de 80? Como é que foi tratada a iniciativa da UGT de fazer uma vigília, por exemplo? Foi tratada com escárnio, foi ridicularizada por todos os intelectuais de esquerda deste país. Quantos participaram nas manifestações contra o Afeganistão? Esteve lá o Sr. Deputado Jorge Sampaio? Estiveram lá a grande maioria dos socialistas que estão nesta Câmara? Não estiveram, não assinaram a grande maioria dos comunicados e dos abaixo-assinados, não participaram na grande maioria das iniciativas concretas de acção política que não fosse a mera afirmação de princípios, que é simples e pode sempre ser feita em nome de um socialismo ideal. Mas em acções políticas concretas, que se desenvolveram nos últimos 10 ou 15 anos, de apoio à luta dos povos da Europa do Leste, nem um só intelectual socialista relevante nelas participou. Lembro, por exemplo, as audiências Sakarov,...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - O que é que o Sr. Deputado Pacheco Pereira pensava há 10 ou 15 anos atrás?!

O Orador: -... iniciativa que, na Europa Ocidental, obteve o apoio de várias pessoas, entre as quais se contava o Presidente François Mitterrand. Quantos foram os socialistas portugueses que lá apareceram? Quantos, dos que aqui estão, apoiaram essas iniciativas? Leiam os Diários dessa época, Srs. Deputados, e lembrem-se do que, a seu tempo, disseram sobre essas iniciativas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Não se assumam agora como autoridades nesta matéria, a não ser que adoptem as mesmas posturas abstractas contidas na intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre.
Na verdade, esta intervenção já poderia ter sido feita há 10 anos atrás, porque as questões essenciais, isto é, as questões da ordem do dia na Europa do Leste não são as das trocas económicas, nem as da coexistência de regimes diferentes. Os povos do Leste não querem coexistir com regimes diferentes, o que, felizmente, querem é regimes iguais.
São estas as questões de ordem política que tem a ver com a democracia, com o fim da polícia política, com a instauração de um sistema de partidos e com a privatização da economia. Mas sobre estas questões os senhores não disseram nada e continuam a não dizer nada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, V. Ex.º, na sua intervenção, entre outras considerações, referiu-se aos conceitos de liberdade e de democracia perfilhados pelo PCP. Ao fazê-lo revelou estar pouco atento às posições e ao programa do PCP.

Risos do PSD.

Bastaria que o Sr. Deputado Jorge Sampaio tivesse lido o nosso programa, saído do XII Congresso de Dezembro

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de 1987, ou mesmo outros documentos anteriores, como, por exemplo, o livro da autoria do meu camarada Álvaro Cunhal intitulado O Partido com Paredes de Vidro,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Rumo à vitória!...

O Orador: -... para verificar que o PCP defende a importância inalienável e intrínseca da liberdade e de um sistema democrático pluralista, onde as eleições sejam fonte de legitimidade, conforme se pode ver lendo as páginas 34, 39, 43 e 94, entre outras, do nosso programa.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Há-de explicar isso ao Sr. Deputado José Magalhães!

O Orador: - Não opomos as liberdades políticas e individuais dos cidadãos aos direitos sociais dos povos e dos trabalhadores, mas associamos tudo isso, pois entendemos que se tratam de aspectos indissociáveis e interpenetráveis e que uns sem os outros ficam amputados. Este é o registo que nos merece a intervenção do Sr. Deputado Jorge Sampaio.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): -Sr. Deputado Jorge Sampaio, a intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho veio suscitar em mim o desejo de dar relevância a alguns aspectos que, em minha opinião, devem ser esclarecidos.
V. Ex.ª, ao falar nas fronteiras entre o socialismo e o comunismo, referiu o termo «raianos». Não lhe vou falar em raianos a propósito do contrabando - isso já o meu companheiro de bancada, Sr. Deputado Pacheco Pereira, fez...

O Sr. José Lello (PS): - Também há contrabando em Aveiro!

Orador: -..., mas vou referir-me aos raianos, porque eu também sou raiano e penso que um dos males dos raianos está em habituarem-se a viver nos dois países, saltando de um para o outro, o que, de facto, me preocupa, sobretudo quando ouço falar em fronteiras entre o socialismo democrático e o comunismo.
O Sr. Deputado Jorge Sampaio disse ainda que saudava, com ioda a alegria democrática de que o seu espírito está imbuído, este movimento dos povos do Leste. É evidente que não lenho qualquer sombra de dúvida sobre isso, mas - e lembrando a velha canção do tempo da minha mocidade - pergunto: será que há sinceridade nisso? Faço esta pergunta, porque não vejo como é que é possível coadunar um apoio a esse movimento dos países do Leste e, simultaneamente, estar a dar a mão, ainda que seja só para conseguir a presidência da Câmara Municipal de Lisboa, a um Partido Comunista idêntico aos que no Leste estão a ser destruídos para dar lugar a partidos democráticos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, o que considero lamentável é que o seu pedido de esclarecimento não tenha revelado qualquer preocupação sobre os destinos dos povos de Leste.
Admito que V. Ex.ª queira datar todas as minhas intervenções, pois revelou que tem essa preocupação. É certo que eu poderia ter feito esta intervenção há 10 anos atrás, V. Ex.ª é que não a poderia fazer,...

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

... porque há 10 anos atrás...

Protestos do Sr. Deputado Pacheco Pereira.

Agora, Sr. Deputado Pacheco Pereira, tem de ouvir!

Dizia eu que há 10 anos atrás o Sr. Deputado Pacheco Pereira era um dos tenores do marxismo-leninismo com a versão maoísta...

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

... e o Sr. Deputado poupar-me-á, mas por esse caminho nunca andei. É um caminho como outro qualquer, mas não lhe permite que se arvore em justiceiro do passado, nem sequer do presente de todos nós.

Aplausos do PS.

Portanto, Sr. Deputado Pacheco Pereira, nem sequer vou detalhar o quão grave seria analisarmos o emprego que V. Ex.ª fez da expressão «contrabando». Não vou meter-me por aí. V. Ex.ª começou mal, mas eu respeito--o mais do que, aparentemente, V. Ex.ª me respeita a mim e à minha bancada.
Em matéria de contrabando, relembro ao Sr. Deputado Montalvão Machado -que é uma pessoa de Chaves - que é importante haver convívio entre fronteiras e que a civilização das raias é também importante para a riqueza do País. E fiquemos também por aqui, Sr. Deputado Montalvão Machado!
VV. Ex.ªs também não conseguem entender, e até acredito que os perturbe - e digo-o com toda a simpatia, embora VV. Ex.ªs, neste último mês, me tenham vindo a dizer coisas que considero, verdadeiramente, inconcebíveis em qualquer sociedade democrática -, como é que é possível manter, em relação ao Partido Comunista, a tal fronteira ideológica, que sempre foi a nossa, as divergências profundas sobre todos os aspectos ligados à construção europeia, à economia, às privatizações, sobre tudo o que se quiser, até em relação à revisão constitucional e, ao mesmo tempo, acordar numa plataforma comum para a presidência da Câmara Municipal de Lisboa. É nisso é que eu estou interessado, bem como em tudo o resto!
Deixemos, portanto, a questão do contrabando e, pelo menos, prestemos homenagem àquilo que, aparentemente, seria a intenção de VV. Ex.ªs - vê-se que não era - e façamos um debate sobre o que são as fascinantes e decisivas questões do Leste para Portugal, para a segurança europeia, para a construção da Europa Comunitária, para o futuro das nossas empresas, para o futuro da Carta Social, para o futuro do sistema monetário europeu, e discutamos, ao mesmo tempo, também aquilo que vai ser e tem de ser o desenvolvimento ideológico, aquilo que é o grande debate ideológico, sem o qual não haverá nem

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construção europeia nem a Europa dos cidadãos e sem o qual não haverá verdadeira integração.
Lamento que, ao fim de 20 anos de participação dos socialistas, primeiro na luta pela abertura a leste, depois nas relações que, a nível do quadro internacional socialista, temos mantido com todos os movimentos existentes nesses países - aquilo que tem sido, insistentemente, a batalha do Parlamento Europeu na abertura ao Leste, nas relações com o COMECON, na vinda de conhecidas personalidades ao nosso país -, VV. Ex.ªs passem uma esponja por cima de tudo isso e se remetam a falar sobre qual vai ser o destino do Terreiro do Paço ou da Rua da Betesga.
Srs. Deputados do PSD, Portugal, a hora que vivemos, a Cimeira do Conselho Europeu de Estrasburgo, a Conferência Intergovernamental, a reunião da Cimeira Bush-Gorbachev, nada disto se está aqui a discutir. Mas era essencial que nos falassem sobre estas matérias, que valorizássemos este Parlamento, que tivéssemos o acompanhamento que outros estão a ter neste momento nos 12 países da CEE, com a nossa infeliz excepção. Esse é que era o debate importante a fazer, porque VV. Ex.ªs vão ter oportunidade, durante toda a campanha eleitoral, para debater aquilo que apenas os preocupa.
Preocupemo-nos com o futuro de Portugal, com o futuro deste povo, com a economia. Esse é que é o debate, Srs. Deputados!

Aplausos do PS.

Ainda não respondi ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, mas foi apenas por omissão involuntária. É evidente que divergimos, como ficou bem patente, há muitos anos nos nossos conceitos de liberdade e de democracia.
Gostaria, no entanto, de dizer que sou um leitor atento e, portanto, li também o programa do PCP, que tenho bem presente na memória.
Mas a grande questão não reside nessa diferença conceptulógica, que é manifesta, mas está em saber se o Partido Comunista mantém o seu sistema de organização, isto é, o princípio do centralismo democrático decorrente, linear e rigorosamente, dos fundamentos teóricos do marxismo-leninismo. Esse é que é o grande debate que separa tudo aquilo que pode ser a exploração e a explanação programática, mesmo que ela, aparentemente, pareça como muito semelhante, como em algumas páginas acontece.

Aplausos do PS.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - É para exercer o direito de defesa da honra e consideraçâo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Em primeiro lugar, faço lembrar ao Sr. Deputado Jorge Sampaio que não é meu hábito aduzir aqui argumentos contra as pessoas, e tive o cuidado de não o fazer em nenhuma intervenção que lhe dirigi.
Em segundo lugar, digo-lhe que está enganado quanto às ideias e quanto às datas.
Em 1979, isto é, há 10 anos, eu defendia o fim das nacionalizações, das chamadas conquistas da revolução e da reforma agrária e o Sr. Deputado Jorge Sampaio não.
Defendia que se devia tomar uma posição firme em relação aos povos do Leste e tinha participado no ano anterior nas comemorações dos 10 anos da invasão da Checoslováquia e lembro-me muito bem das dificuldades que senti para encontrar membros do Partido Socialista que aceitassem fazer parte de qualquer comissão para esse efeito. E lembro-me muito bem de muitas outras coisas que aconteceram nesses anos de 1977, 1978 e 1979 - até mais para trás, se quiser - e lembra-me muito bem das posições que o Sr. Deputado Jorge Sampaio tinha nessa altura, pois já então eram radicalmente distintas das minhas. Portanto, não lhe aceito as críticas nem a argumentação.
Nesta Câmara, que me lembre, envolvidas nessas acções, desse lado da bancada, estavam a Sr.ª Deputada Natália Correia e a Sr.ª Deputada Helena Roseta, com quem me lembro de colaborar nessa altura nesse tipo de acções. Talvez seja bom lembrar esses dados históricos.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, também penso que é não só de uma grande hipocrisia política como intelectualmente muito difícil de sustentar que se possam manter barreiras ideológicas e, simultaneamente, colaborar politicamente com um partido em questões que dizem respeito à tomada do poder.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, folgo muito na distinção que V. Ex.ª agora fez em matéria de explicações, uma vez que não tinha feito antes e, por consequência, estamos verdadeiramente entendidos sobre esse ponto.
Na verdade, há uma divergência profunda entre nós: eu não faço apreciações sobre o passado de cada um que vive nesta Câmara. Geramos esse pasado como o País necessita, necessitamos todos uns dos outros, mas o que não devemos fazer é de justiceiros uns dos outros, não temos nenhuma legitimidade para isso. É só isto, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Para exercer o chamado direito de defesa da honra e consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, o meu nome foi citado e, evidentemente, dou razão ao Sr. Deputado Pacheco Pereira, pois estive envolvida nessa luta - aliás como esteve também o Partido Socialista e várias pessoas consideradas de esquerda - contra os excessos ou contra as leviandades que o partido Comunista praticou então.
Devo dizer, no entanto, que o PCP-ML se apresentava como um partido de esquerda marxista-leninista.

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O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não é nada disso!

A Oradora: - Não, desculpe meu caro senhor, apresentava-se maoísta, não o negue! Maoísta!. Por que é que há-de negar o passado?

Risos do PS e do PCP.

Há ainda uma coisa que também gostaria de acrescentar: julguei que se estava aqui a discutir as alterações do Leste para o futuro da Europa e ainda não me tinha apercebido que estamos perante um cenáculo de memorialismos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira pede a palavra para dar explicações?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - É sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr.ª Deputada Natália Correia, percebo que para a maioria das pessoas as datas sejam irrelevantes, e é um tipo de discussão em que não gosto de entrar, mas a verdade é que quando participei, com a Sr.ª Deputada Natália Correia, nesta iniciativa não tinha a posição que me atribui.
Bem sei que irrelevâncias de carácter biográfico só a mim preocupam e às outras pessoas, talvez, seja bom ter alguma preocupação de rigor, porque só lhes fica bem. Como tenho o cuidado de ter essa preocupação de rigor quando me refiro às posições das outras pessoas, tenho também o direito de exigir que tenham a mesma preocupação de rigor com o que me diz respeito. É somente isto que tenho a especificar.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Não tem figura regimental, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Trata-se de um esclarecimento histórico, porque não se pode permitir que se produzam aldrabices neste Parlamento. O PCP-ML era maoísta!

O Sr. Presidente: - Se a Sr.ª Deputada Natália Correia desejar, a Mesa inscreve-a para uma intervenção.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Já está, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois das reflexões geo-estratégicas do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o verdadeiro debate do PSD já está lançado, como se vê. Entretanto, acontecimentos de primeiríssima importância verificados nos últimos dias, como o encontro do Vaticano entre o Chefe de Estado da União Soviética, Mikhail Gorbachcv, e o Papa João Paulo II e a Cimeira Soviética-Amcricana de La Valleta, assinalam como marcos históricos o desenvolvimento da situação internacional no sentido favorável ao desarmamento, à paz e à segurança na Europa e no mundo.
Esta evolução, para que contribuem, sem dúvida, a consciência de que uma nova guerra mundial significaria o holocausto da humanidade e as aspirações pacíficas dos povos, permanentemente manifestadas, recebeu, contudo, um impulso decisivo da parte dos países socialistas e do movimento comunista, especialmente com as iniciativas de paz da União Soviética, tomadas no quadro da perestroika, muitas das quais protagonizadas por Mikhail Gorbachev.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento da situação internacional e, dentro desta, a evolução das relações Leste-Oeste, é uma referência fundamental e um tema obrigatório para qualquer debate minimamente sério que tenha em vista compreender os fenómenos negativos, agora revelados nos países socialistas do Leste europeu, e os processos de mudanças vertiginosas, incluindo a abertura do Muro de Berlim, que neles ocorrem.
Outro tema obrigatório para este debate, nas vésperas da Cimeira de Estrasburgo, de 8 e 9 de Dezembro, é o das eventuais implicações dos acontecimentos do Leste nos ritmos da integração europeia e a posição da Comunidade em relação aos países socialistas, o que pressupõe uma informação do Governo sobre as orientações que vão ser defendidas em nome do nosso país. Como já vimos, o Governo, em relação a esta questão, respondeu «zero».

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- E nós 20!

O Orador: - Pela nossa parte, dispomo-nos a participar neste debate com a maior seriedade e empenhamento. Lamentamos que, apesar dos nossos protestos, nos tenham sido atribuídos apenas uns exíguos 40 minutos, com uma tolerância de 10 minutos, para todas as intervenções do Grupo Parlamentar do PCP, enquanto o Governo e o PSD vão dispor de duas horas. Nem sequer contestamos, como podíamos ter feito, a falta de cobertura regimental para este debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Entendemos, a este propósito, que esta atitude abre um precedente, pelo que, a partir de agora, qualquer partido da oposição pode fixar, sem mais requisitos, a ordem do dia para promover um debate geral sobre qualquer aspecto de acção e da política do Governo. É um avanço regimental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Regressando ao debate que hoje nos ocupa, sobre a situação nos países socialistas, queremos assinalar que o seu agendamento para hoje, primeiro dia da campanha eleitoral para os órgãos das autarquias locais, é revelador do carácter oportunista e dos rasteiros propósitos instrumentalizadores com que agem nesta matéria o PSD e o Governo, que a tudo jogam mão para tentar ultrapassar as presentes dificuldades eleitorais com que estão confrontados.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Olhe que não!

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O Orador: - Queremos salientar, sobretudo, que dão prova de grande mediocridade aqueles que procuram instrumentalizar, em benefício de mesquinhas operações partidárias eleitoralistas ou em benefício de ambições pessoais, os acontecimentos em curso nos países socialistas, que, pela sua profundidade e dimensão, vão mexer, implicar e repercutir pelo mundo e influenciar a situação mundial.
Vamos primeiro aos acontecimentos. Comecemos por dizer, para refutar infundadas acusações, que o PCP não tenta escamotear ou diminuir a gravidade dos fenómenos extremamente negativos verificados nos países socialistas e que os presentes acontecimentos põem em todo o relevo, mas reconhece, pelo contrário, como faz na nota de 14 de Novembro, que eles «traduzem e representam insucessos, retrocessos, recuos e derrotas da causa do socialismo».
Em nosso entender, esses fenómenos negativos desenvolveram-se, especialmente, ao nível do Estado, da economia e do partido.
Ao nível do Estado, com o desrespeito pela democracia socialista, a confusão de funções entre o partido e o Estado e a direcção deste altamente centralizada, autoritária e cada vez mais afastada do controlo popular.
Ao nível da economia, com formas de organização económica excessivamente centralizadas, voluntaristas, rotineiras, dirigidas por um aparelho burocrático de dimensões excessivas e uniformizando...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Mais devagar!...

O Orador: -... esquematicamente as formações económicas, o que conduziu a situações de estagnação, a atrasos na aplicação das conquistas da revolução científico-técnica e a insuficiências no melhoramento das condições de vida do povo, em conformidade com as exigências da vida moderna.
A nível do partido, com a existência, em diversos países socialistas, de situações manifestamente dirigidas, com as direcções do partido e por vezes alguns (ou algum) dirigentes a assumirem atitudes de imposição administrativas das suas orientações, opiniões e decisões, desligadas das bases e conduzindo os respectivos partidos para um progressivo isolamento das massas populares, das suas necessidades, dos seus problemas e das suas aspirações, do que resultou o enfraquecimento e a redução da sua base de apoio.
É hoje evidente que estas características negativas do sistema do poder e da vida dos partidos dirigentes dos países socialistas acabaram por se implantar como «um modelo», embora contradigam frontalmente as grandes referências, ideias e valores essenciais do ideal comunista, como foi compreendido por Marx, Engels e Lenine e permanentemente assumido pela generalidade dos partidos comunistas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sem minimizarmos, em nada, a gravidade dos fenómenos que tão abertamente criticamos e de que nos distanciamos chamamos a atenção para três reflexões essenciais à sua compreensão e perspectivação.
A primeira é a de que as graves situações hoje reveladas não negam as grandes realizações históricas dos países socialistas nos domínios económico, social, político e cultural e o seu papel decisivo no processo libertador dos trabalhadores e dos povos e na defesa da paz.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à União Soviética, cito-vos, a propósito, as palavras de um economista com credibilidade reconhecida, Abel Aganbeguian, que afirma: «Em 70 anos de poder soviético, a URSS tornou-se num Estado industrial poderoso». E continua a citação: «Se, em 1913, a parte da Rússia pré-revolucionária mal ultrapassava os 4 % da produção industrial mundial, hoje em dia a URSS assegura cerca de um quinto da mesma». Continua o mesmo autor: «No nosso país, cada cidadão está socialmente protegido, quer dizer, não é ameaçado pelo desemprego, nem pela pobreza, podendo olhar o amanhã com confiança».

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Acredita nisso?!...

O Orador: - Em relação aos outros países socialistas, lembre-se que a Hungria era conhecida como «O país do milhão de mendigos» e a Bulgária mal se distinguia dos países atrasados do Terceiro Mundo. Estes países, incluindo a própria Polónia, apesar das destruições da guerra, alcançaram no processo da edificação do socialismo níveis de desenvolvimento que os colocaram, na expressão dos indicadores económicos globais, muito à frente do nosso país.
Em segundo lugar, é necessário salientar que as características negativas que atrás enumerámos se instalaram e acentuaram nas condições de uma agudíssima tensão internacional no auge da guerra fria, quando as questões de defesa e segurança adquiriam um lugar prioritário. Foi nestas condições que os processos revolucionários de massas e de poder popular foram distorcidos, adulterados e transformados num «modelo» autoritário e burocrático que os acontecimentos em curso agora revelam.
Em terceiro lugar, é fundamental acentuar que a negação desse «modelo» e o processo de superação das suas características negativas arrancam de dentro do próprio movimento comunista, com a perestroika na União Soviética, e os processos de reforma e democratização que se lhes seguiram em outros países socialistas, por iniciativa dos próprios dirigentes ou em ruptura com cies, sob o impulso de amplos movimentos de insatisfação, crítica, protesto e reivindicação popular.
A atitude do PCP em relação ao sentido essencial destes processos de democratização, pode avaliar-se pelo alto preço que sempre manifestou no que toca aos objectivos fundamentais da perestroika. A atitude do PCP em relação à perestroika, foi amplamente desenvolvida na resolução do XII Congresso, realizado no Porto há precisamente um ano. Destacamos da resolução o seguinte passo esclarecedor: «A perestroika rejeita soluções e orientações que o desenvolvimento social tornou caducas ou revelou erradas; procura soluções inovadoras para assegurar o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento radical da produtividade do trabalho; elimina desvios dirigistas e deformações burocráticas incompatíveis com o poder popular; condena, corajosamente, dramáticos acontecimentos do passado, designadamente os crimes cometidos no período de Staline; acentua o carácter democrático e humanista da nova sociedade livre da exploração do homem pelo homem.»

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - «Tudo isto constitui, na opinião do PCP, um novo e revolucionário aprofundamento e enriquecimento da sociedade socialista.»

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Tal é, de forma absolutamente inequívoca, a posição do PCP em relação à perestroika definida não agora, depois da abertura do Muro de Berlim, mas há um ano atrás, como já sublinhámos.
Acompanhamos assim os acontecimentos que se desenrolam nos países socialistas do Leste europeu não com o acabrunhado pessimismo que os nossos adversários desejariam, mas com apaixonado interesse, abertura às novas experiências, atentos aos perigos, com sentido crítico e confiança na universalidade dos valores essenciais do ideal comunista. O sentido fundamental desses acontecimentos não representa para nós um crepúsculo, mas um alvorecer. Representa a capacidade de o socialismo se renovar e superar a crise. Significa um novo impulso do socialismo.
Esclareçamos, mais uma vez, que, no seu XII Congresso, o PCP tomou claras distâncias em relação aos aspectos negativos da realidade dos países socialistas, quer pela critica explícita e implícita, quer pela afirmação positiva das grandes linhas da sociedade socialista que o PCP defende para Portugal. No programa aprovado no Congresso condena-se, como, aliás, o PCP faz há décadas, a ideia do «modelo». Nas características da sociedade socialista que o PCP propõe para Portugal, o programa salienta: o poder dos trabalhadores; a democratização de toda a vida nacional; a garantia do exercício das liberdades democráticas, incluindo a liberdade de imprensa e da formação de partidos políticos; a protecção na ordem jurídica dos direitos dos cidadãos; a realização de eleições com observância estrita da legalidade pelos órgãos de poder; a coexistência das diversas formas de organização económica (incluindo empresas privadas de diversa dimensão) a par da propriedade social dos principais meios de produção; a libertação dos trabalhadores de todas as formas de exploração e opressão; o respeito pela dignidade e personalidade de cada cidadão; a erradicação dos grandes flagelos sociais e a transformação da cultura em património, instrumento de actividade de todo o povo.
O programa do PCP de 1988, como o anterior de 1965, está impregnado da concepção de que a democracia política possui um valor intrínseco, pelo que é necessário salvaguardá-la e assegurá-la como elemento integrante e inalienável da sociedade portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com esta visão da sociedade, por que lutam em Portugal, os comunistas portugueses projectam-se na apreciação dos problemas que ocorrem no mundo, salvaguardadas, naturalmente, as condições objectivas.
Os processos de reformas e mudanças em curso nos países socialistas do Leste europeu estão estritamente ligadas aos avanços no sentido do desanuviamento internacional, da eliminação dos focos de tensão, do desarmamento e da paz e revestem uma importância decisiva para a plena concretização destes grandes objectivos de toda a humanidade.
A pior ameaça que cerca os processos positivos que se envolvem no mundo actual é o espírito de revanche que leva alguns círculos do imperialismo a procurar tirar vantagem dos acontecimentos em curso nos países socialistas para alterar, em proveito próprio, o equilíbrio de forças em que repousa a paz mundial. Gorbatchev acaba de advertir a insensatez daqueles que, pensando à maneira antiga, continuam a sonhar com a exportação do capitalismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O princípio da não ingerência, o respeito pleno pela soberania dos povos e nações, incluindo o direito à autodeterminação, é pedra basilar de uma nova ordem internacional que alguns factos já pronunciam e que a humanidade reclama.
Não se pode aplaudir o princípio da não ingerência quando as tropas soviéticas retiram do Afeganistão e deixam passar, sem condenação, a recente intervenção norte-americana nas Filipinas, a permanente ingerência norte-americana na República Popular de Angola, flagrantemente denunciada pela queda recente de um avião da CIA, a agressão norte-americana contra a Nicarágua ou a invasão de Granada, para só citar casos recentes e situações que perduram.

Aplausos do PCP.

Não se pode exaltar os valores da liberdade e dos direitos humanos quando se fala das reformas em curso nos países socialistas e pactuar com a brutal violação desses valores na Turquia e na Irlanda do Norte. Isto é, no próprio seio da NATO e no espaço da CEE.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se pode proclamar o princípio da autodeterminação, para intrigar contra os países socialistas, e permitir, pela cumplicidade das atitudes e dos interesses inconfessáveis, que estejam impedidos pela força de aceder a este princípio libertador os povos da África do Sul, o povo palestiniano e tantos outros povos da América Latina, da África, da Ásia oprimidos por regimes tirânicos apoiados pelas grandes potências ocidentais.
Importa, para nós, Portugueses, nunca esquecer, entre esses povos, o povo mártir de Timor Leste, oprimido pela ditadura capitalista e anticomunista da Indonésia.
O muro mais difícil de derrubar é o da hipocrisia, atrás do qual se escondem as mais brutais injustiças e a mais feroz exploração, os que as praticam, os que as protegem e os que delas tiram chorudo benefício. Por trás do muro da hipocrisia esconde-se a pilhagem das riquezas dos países subdesenvolvidos, o colonialismo e o neocolonialismo, os velhos e os novos pobres, a formidável superconcentração de riqueza numa ínfima minoria de países e, dentro destes, numa ínfima minoria de potentados. A dívida dos países subdesenvolvidos como que representa hoje o negativo do filme dessa pilhagem.
Segundo os números do insuspeito relatório do Banco de Portugal, o peso da dívida representava nesses países, em 1988, 308 % do valor total das suas exportações de bens e serviços. Só o serviço da dívida representa 41 %do valor dessas exportações e só a parte dos juros subiu, em relação a elas, de 21,5 %, em 1987, para 26,1 %, em 1988.
Por detrás do muro da hipocrisia escondem-se os 49 milhões de pobres e os 16 milhões de desempregados de longa duração da CEE e escondem-se também os 35 milhões de pobres dos Estados Unidos, dos quais 30 % são negros, que são apenas 12 % da população. Entretanto, 10% dos americanos detêm dois terços da fortuna nacional e desses 1 % viu passar a sua parte, em 10 anos, de 25 % para 35 % do total.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nada mudou no discurso!

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O Orador: - Isto acontece nos países capitalistas mais desenvolvidos. A grande massa dos países capitalistas é, porém, de países subdesenvolvidos.
No Brasil, por exemplo, 42 % das crianças abandona a escola por falta de meios financeiros ou intelectuais e 25 % da força do trabalho é constituída por crianças dos 10 aos 14 anos. Em 10 anos a mão-de-obra aumentou 12 % no Nordeste brasileiro, mas a mão-de-obra infantil aumentou 111%. E em Portugal? É sabido: 80 % dos reformados e pensionistas (mais de 1,6 milhões) e 38 % das famílias portuguesas vivem abaixo do limiar de pobreza, e estes valores têm-se agravado, situando-se Portugal acima da média comunitária (que é de 12 %), começando a surgir o fenómeno da nova pobreza.
Em relação aos países capitalistas desenvolvidos e subdesenvolvidos, poderíamos ainda falar, designadamente, da droga, da violência, da prostituição. Cremos que basta o que fica dito.
Vale a pena perguntar: com tanta miséria e tão gritantes desigualdades em casa, quem é que pode cantar vitória?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O muro da hipocrisia é levantado e sustentado não apenas pelas transnacionais e multinacionais do imperialismo, mas pelas políticas que as servem, as protegem e as encobrem, incluindo as da social-democracia.
A grande mensagem vinda do Leste é a de que é preciso pôr a prática de acordo com os ideais e os princípios proclamados.

Aplausos do PCP.

Creio que é um princípio inspirador para todos nós.

Neste limiar do século XXI abre-se aos povos do mundo uma rara oportunidade: a de edificar a segurança na Europa e no mundo, a paz, a cooperação em novas bases sólidas e duradouras. Mikhail Gorbachev acaba de defender, em Itália, a aceleração de Helsínquia II. Reconheçamos todos que é um bom princípio para a construção da nova ordem internacional mais justa e a que desde sempre aspira a humanidade. Mas é necessário operar profundas mudanças na nossa política externa para que a nova ordem do mundo seja também uma construção de Portugal.

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa que se encontram inscritos para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Basílio Horta, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, e os Srs. Deputados Carlos Encarnação, Pacheco Pereira, Duarte Lima e Sousa Lara.
Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): -Sr. Deputado Carlos Brito, pedi o uso da palavra para lhe colocar uma pergunta, fundamentalmente baseada na primeira parte da sua intervenção, visto ter sido verdadeiramente original. A quem o ouviu deveria parecer ouvir um dos mais firmes contestatários à política de János Kádár, da Hungria, ou à política de Honecker, da Alemanha Oriental, enfim .... perfeitamente alinhado pelo que de mais puro, mais firme e mais transparente tem o processo da perestroika e da glasnost.
O que vou, fundamentalmente, perguntar ao Sr. Deputado é o seguinte: qual foi a influência concreta que esse movimento teve no seu partido? Não me leve a mal fazer-lhe esta pergunta, porque não está na minha intenção meter-me em qualquer problema interno do Partido Comunista. Quero apenas saber, em termos do movimento de ideias e de adaptação de estruturas a estes novos tempos, que reflexos é que isso teve no seu partido e, se ainda não teve, que reflexos é que vai ter? Mas peco-lhe, Sr. Deputado, que não me fale mais do XII Congresso, porque isso significaria que desde o XII Congresso até agora nada mais se passou no mundo e na Europa, e V. Ex.ª sabe que não é assim. Todos os dias se passam coisas novas no mundo e fundamentalmente no seu, o mundo socialista.
Todavia, devo dizer-lhe, com franqueza, Sr. Deputado, que, a segunda parte da sua intervenção, já me respondeu, pois parece-me que tanto V. Ex.ª como o seu partido estão absolutamente iguais a si próprios.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A linguagem, as comparações, tudo o que V. Ex.ª disse na segunda parte da sua intervenção, se me permite, contradizem inteiramente a primeira parte, ou seja, parece que nada mudou. Melhor, o que mudou foram apenas as palavras. Parece que, no fim de contas, o Rumo à Vitória continua a ser a bíblia pela qual o Partido Comunista se rege, e é pena, Sr. Deputado, se assim for, que assim continue a ser.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - O Sr. Deputado Carlos Brito veio aqui repelir aquilo que é a doutrina conhecida do Partido Comunista nos últimos tempos, face aos acontecimentos que vêm a ocorrer na Europa do Leste, e que, no fundo, é esta: o ideal comunista continua inalterado, vivo, tudo o que está a passar-se tem como explicação os erros, o isolamento das bases, o atropelo, etc.
Certamente - não o disse, mas presume-se! - que está a referir-se aos erros praticados pelos Srs. Honecker, Kádár, Jivkov, Brejnev, Suslov, etc.
A pergunta que vou fazer-lhe é extremamente simples, de resto não posso alongar-me, porque o Governo já dispõe de muito pouco tempo: quando é que o Partido Comunista se deu conta destes erros? Foi hoje? Foi ontem? Foi há 15 dias? Foi há três semanas? Foi há um mês? Quando foi, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, em primeiro lugar, peço-lhe desculpa por estar com a voz muito afectada. Vai ser, com certeza,

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difícil ouvir-me, como será, com certeza, difícil que entenda aquilo que está a acontecer.
Tenho à minha frente uma frase do seu camarada Álvaro Cunhal - que, curiosamente, nunca veio a esta Assembleia, apesar de ter sido eleito - do seguinte teor: «Não há nada a discutir sobre os últimos acontecimentos da Europa do Leste, uma vez que as posições ideológicas do PCP não estão em causa.»
Há alguns dias atrás, ouvi um ilustre Sr. Deputado do PCP dizer, numa cerimónia pública, que este era o século em que as vanguardas se tinham enganado. Esse Sr. Deputado do PCP citava levtuchenko.
Hoje, vejo V. Ex.ª adoptar uma atitude dúbia, uma atitude timorata que, como muito bem observou o Sr. Deputado do CDS, é uma atitude que dá um passo à frente e, na segunda parte do seu discurso, quatro passos atrás.
De qualquer maneira, tenho alguma esperança de que aquilo que o Sr. Miterrand disse há relativamente pouco tempo se aplique também àquilo que se passa dentro do PCP, isto é, vejo que dentro do PCP o vosso povo também se mexe e espero que, mexendo-se o vosso povo dentro do PCP, também algumas coisas aconteçam.
A principal questão que aqui nos traz é, fundamentalmente, a de debater o que está a acontecer no Leste europeu.
Pois bem, aquilo que está a acontecer no Leste europeu e aquilo que V. Ex.ª, nesta altura, pretende dizer que não é o nosso debate é justamente aquilo que tem sido o debate do PSD ao longo de todo este tempo: um compromisso para com a democracia e para com a liberdade em todo o mundo. O debate do PSD não tem em vista defender os partidos comunistas húngaro ou checoslovaco ou as invasões da Hungria ou da Checoslováquia, como VV. Ex.ªs sempre fizeram, mas, isso sim, é noutro sentido e esperemos que compreendam e consigam aderir a ele.
No centro deste debate estão coisas muito importantes e a reflexão mais importante, mais serena, mais profunda, que podemos fazer, neste momento, é sobre a falência dos modelos económicos do Leste, a rejeição popular dos sistemas políticos que lá vigoravam, o isolamento das opções ideológicas dos partidos comunistas, como o Partido Comunista Português.
E mais: o essencial das conclusões que se extraem dos acontecimentos do Leste é que temos de admitir que, comparando os dois sistemas económicos possíveis no mundo, as vantagens vão, nesta altura, para a economia do mercado, para o pluralismo político, para o regime de liberdades.
Centrados na perspectiva da essência deste debate e da construção de um novo mundo, de uma Europa nova (que passa, necessariamente, por estas considerações), gostava que V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Brito, me dissesse, com toda a frontal idade, se está ou não solidário com os povos de Leste, como povos explorados e oprimidos, como povos, até agora, privados de liberdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, uma das coisas que mais caracteriza a linguagem histórica do comunismo e do estalinismo, em particular, é que ela é essencialmente dupla, ou seja, aquilo que diz não é aquilo que pretende dizer.
A Constituição de 1936 da União Soviética era a Constituição mais livre do mundo e, no entanto, ela coincidia com o momento de maior repressão de tudo aquilo que lá vinha verbalmente explícito.
Assim, no dia seguinte à queda de um dos regimes comunistas, os senhores hão-de sempre dizer que ele caiu devido a vícios de burocracia e a desprezo pela democracia de massas. Contudo, talvez possamos testar, de forma concreta, a veracidade dessas proclamações.
Gostaria que me respondesse, de forma clara, se considera que o mesmo tipo de críticas que fez aos regimes da Europa do Leste se aplicam a Cuba, à Nicarágua ou à Roménia, três países ainda governados por partidos comunistas, e se, por exemplo, em Cuba, se deve dar a substituição de Fidel Castro, eleições livres, a alteração do papel do Partido Comunista e por aí adiante...

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Antes de cair!

O Orador: - Isto porque observo, com interesse, que o Sr. Deputado Carlos Brito diz hoje que segue, com apaixonada atenção, os acontecimentos do Leste: a prisão de Erich Honeckcr, o assalto à polícia política de Leipzig, o derrube da estátua de Zherjinski, na Polónia, ou seja, diz que estes são acontecimentos que segue com paixão.
Gostaria, no entanto, que me respondesse se há dois ou três meses não eram esses mesmos regimes que eram propagandeados nos stands da Festa do Avante. Que realizações do socialismo é que os senhores propagandeavam há dois meses nos stands dos países socialistas na Festa do Avante? Encontravam-se aí as críticas à burocracia desses países? Por exemplo, nos stands da República Democrática Alemã eslava implícita a crítica à corrupção, à burocracia, em função das críticas dirigidas no último Congresso do Partido Comunista Português? Talvez fosse interessante saber, nessa realização concreta e recente do Partido Comunista Português - que, de alguma maneira, representa a vossa visão alternativa do mundo - as críticas feitas no vosso último congresso.
Gostava que me respondessem claramente se entendem que, nos países da Europa do Leste, se deve introduzir um regime democrático pleno: com eleições livres, com abandono do poder pelos partidos comunistas, com o fim da polícia política, com a abertura dos arquivos do Estado, com a entrega da economia ao sistema privado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - E com a CIA não acaba?

O Orador: - Gostava de saber se é isso que entendem que deve acontecer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): -Sr. Deputado Carlos Brito, relativamente à sua intervenção faço o mesmo juízo do Sr. Deputado Basílio Horta, isto é, numa primeira fase, parecia que ia começar a criticar, de uma forma global, toda a caracterização do regime colectivista, tal como ele é entendido nos países do Leste, mas, numa segunda fase, proeurou branquear o que era a essência desses regimes, ao dizer que, no fundo, a substância se deve manter, é apenas uma questão de alteração de estilo,

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de modo, nalgumas formas de actuação relativamente às questões do centralismo, do dirigismo económico e por aí fora, quando o que se passa não é isso, Sr. Deputado Carlos Brito.
O que está em causa com estas movimentações é toda uma concepção da política, é toda uma concepção do homem e, em relação a isto, o Sr. Deputado passou por alto.
Fala, muitas vezes, da liberdade política e da liberdade de consciência, mas o que é criticado com esta movimentação é toda a condenação que o regime comunista tinha relativamente aos problemas da liberdade política, à inexistência de alternativa no poder, à inexistência de outros partidos que possam concorrer no mercado político com o Partido Comunista para aquisição do poder, e isto V. Ex.ª não referiu.
No entanto, é isto que está em causa e é isto que é condenado com esses movimentos do Leste. A superação deste modelo não se faz por dentro - como V. Ex.ª aqui veio anunciar -, mas por pressão da opinião pública, através daquilo que tem sido designado como «os votos com os pés», através da fuga para outros países, como aconteceu na Alemanha democrática, por outras fronteiras. Essa é que e verdadeira pressão que levou aos acontecimentos no Leste. Não se trata de qualquer reflexão no interior do Partido Comunista; no espaço de poucas semanas, os partidos comunistas no poder nos países do Leste tiveram de fazer essa alteração por pressão interna dos acontecimentos, por pressão da opinião pública, a qual estava a atingir níveis de contestação absolutamente incontroláveis, e isto V. Ex.ª tem de reconhecê-lo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E na União Soviética?

O Orador: - Na União Soviética é a mesma coisa. Refiro o que aconteceu ainda há pouco tempo (e o Sr. Deputado não refere isso), com a manifestação à volta do edifício da KGB, que significou a condenação da essência desses regimes que se sustentaram - e isso os Srs. Deputados do Partido Comunista não podem negar, porque isso é o que eles lá reconhecem publicamente! - sobre a vida e o sacrifício de milhões e milhões de seres humanos, custaram milhões e milhões de vidas. Os senhores não podem branquear o vosso discurso e falar das mudanças do Leste sem assumirem criticamente esta que foi uma das traves-mestras do regimes comunistas em todo o lado.
Sem querer fazer qualquer interferência nas questões internas do Partido Comunista, gostaria de saber qual vai ser o movimento que VV. Ex.ªs vão ter em relação a estas alterações. Como já há opiniões desencontradas de dirigentes partidários do Partido Comunista, tenho curiosidade política em saber se o Partido Comunista vai adoptar aquilo que parece ser uma visão já assumida pelo Dr. Vital Moreira, que é a defesa de uma outra forma de comunismo: o comunismo democrático (que ainda ninguém sabe o que é!...). Aliás, o Sr. Dr. Jorge Sampaio, numa entrevista, referiu isso (c bem!), ao dizer que ainda ninguém sabe o que é o comunismo democrático. A contrario sensu, só sabemos o que é o comunismo antidemocrático, com o qual o Dr. Jorge Sampaio se alia em Lisboa. Portanto, é o reconhecimento implícito disso.
Para além dessa questão, também tínhamos interesse em saber, acerca destes dois movimentos, para que lado tende o coração do Sr. Deputado Carlos Brito, porque
sabemos que a sua opinião será aqui abalizada. Esperamos não estar aqui perante aquilo que o Sr. Prof. Adriano Moreira costuma chamar «apenas uma alteração semântica». Esperamos que haja, realmente, uma alteração de substância.
Por fim, deixo dito isto: os muros mais difíceis de derrubar, Sr. Deputado Carlos Brito, não são os muros da hipocrisia, mas os das paredes de vidro do seu partido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, começo por congratular-me com a referência a Timor. Dentro de dois dias, temos o triste aniversário da invasão, pelo que é sempre oportuno aproveitar todas as circunstâncias para relembrar este povo martirizado.
Em segundo lugar, gostaria de dizer que tenho tido sempre muito respeito pelo Partido Comunista Português, porque tem tido uma posição de continuidade e de integridade próprias, agora menos cómoda do que noutras circunstâncias e, ainda assim, mantém uma linha de rumo, que é a sua e a defende sem oportunismo circunstancial, o que é sempre de louvar, embora se discorde profundamente, como eu o faço, da vossa orientação.
A questão que quero colocar-lhe tem interesse político e geopolítico fundamental. V. Ex.ª afirmou a fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo e eu pergunto, em primeiro lugar, se devemos, então, entender a perestroika como um mero recuo táctico, indispensável, em virtude dos erros que foram cometidos por gestões políticas de momento e, por conseguinte, que se mantém o grande objectivo final de atingir a sociedade socialista e a sociedade comunista; em segundo lugar, se é este o vosso entendimento e se é também o entendimento da ortodoxia dos partidos comunistas irmãos, designadamente do Partido Comunista da União Soviética. Porque, para mim, não é indiferente ler a perestroika à luz de uma redefinição da doutrina oficial do marxismo-leninismo ou apenas em face de um momento dialéctico novo, mantendo a fidelidade aos princípios.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço o conjunto das perguntas que me foram dirigidas. Não vou ter tempo para responder a todas, mas, aliás, há várias perguntas que se sobrepõem e, respondendo a um Sr. Deputado, estarei a responder, ao mesmo tempo, a vários.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Basílio Horta sobre o XII Congresso do nosso partido, exclamou: «Não falemos mais nisso!». Para o nosso partido, os congressos não tem o mesmo valor do que para o vosso. Para o nosso partido, os congressos marcam uma orientação para um determinado período, até haver um novo congresso que a altere.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quando é o próximo?

O Orador: - O nosso XII Congresso já revela essa assimilação crítica dos acontecimentos. Depois de reali-

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zado o XII Congresso, essa reflexão e essa assimilação críticas têm continuado, como decorre da primeira parte da minha intervenção e como, aliás, o Sr. Deputado Basílio Horta teve o cuidado de assinalar.
Quanto à segunda parte, compreendo que para os seus ouvidos seja doloroso ouvir falar de desigualdades, de exploração, de injustiças sociais. Compreendo isso.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - E Cuba, Sr. Deputado? Como vamos de Cuba?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É doloroso ouvi-lo outra vez.

O Orador: - Mas essa posição é a sua. A nossa é a de denunciar as desigualdades, a injustiça... E assim estaremos aqui, de uma forma pluralista, contribuindo para o desenvolvimento deste país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pergunta: desde quando? Encontrará nas posições do PCP, desde há muito, por exemplo, o combate à ideia de modelo. Há décadas, como há pouco tive ocasião de dizer da tribuna, que denunciamos e combatemos essa ideia.
Pergunta-me depois se isto é uma crítica a fulano ou a beltrano. É uma crítica geral, profunda, que, naturalmente, engloba as pessoas que em dado momento desempenharam determinadas funções. Não fulanizamos a apreciação que fazemos dos acontecimentos.
Em relação ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, devo dizer que, apesar de tudo, distinguiu-se melhor a voz do que as ideias, como frequentemente lhe acontece. A voz, apesar de tudo, ainda é mais clara do que as ideias. Creio que não são verdadeiras as afirmações que atribui ao meu camarada Álvaro Cunhal. Não acredito que alguma vez ele tivesse afirmado que não há nada a discutir em relação aos acontecimentos que ocorrem nos países socialistas. Isso é contrário ao seu próprio pensamento e carácter racionalista e não é possível, o que desvaloriza bastante a sua pergunta.
Mas quero dizer-lhe, em comentário àquilo que diz ser a defesa e o debate do PSD, que o debate do PSD e, essencialmente, a defesa daquelas situações de desigualdade e injustiça que tive ocasião de caracterizar na segunda parle da minha intervenção. E é outra coisa: uma manobra de diversão em relação às dificuldades em que o PSD se encontra quanto às eleições para os órgãos das autarquias locais. Só isso explica que tivesse escolhido o dia de hoje para este debate e não qualquer outro, ate anterior a este.
Quanto ao Sr. Deputado Pacheco Pereira, é uma enorme dificuldade - devo confessá-lo - discutir consigo, porque o Sr. Deputado começa a dizer que a nossa linguagem é dupla e não acredita em nada. Vale a pena responder-lhe? E, além disso, o Sr. Deputado tem uma fixação, que é a Festa do Avante.

Risos do PCP.

Entre estas duas balizas, o que é que lhe posso dizer? Remeto-o para o programa do partido, que responde a estas questões, e para a intervenção que acabei de fazer, onde definimos a nossa posição geral em relação aos acontecimentos que o Sr. Deputado referiu e dizemos o que é o socialismo que defendemos e quais são as nossas ideias, as nossas opiniões e a nossa tradução do diálogo devido.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Vai tirar de lá os americanos, Sr. Deputado Joaquim Marques? Vai acabar com o boicote económico a Cuba?

Vozes do PSD.

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Duarte Lima, uma parte das questões que me colocou já está respondida por aquilo que eu disse. Quero, porém, dizer-lhe, Sr. Deputado, que este partido, o PCP, é um partido que está de pé e não um partido abatido pelos ventos, pelos temporais, pelos vendavais, como alguns dizem. E por que é que é um partido que está de pé? Porque tem grandes raízes no povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não estamos aqui desalentados, preocupados, perturbados. Estamos seguros, respondendo com as nossas posições e as nossas opiniões a estas questões.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não foi o que eu disse. Responda à minha pergunta, Sr. Deputado!

O Orador: - O Sr. Deputado Sousa Lara questionou-me sobre a perestroika. Há muitas maneiras de definir a perestroika e poderíamos tentar alguma delas. Eu citei na minha intervenção, por exemplo, uma caracterização que o meu partido fez da perestroika. Mas referi aqui uma outra ideia, que creio ser muito importante, e que é esta: a perestroika é, para mim, uma grande mensagem, a de pôr a prática de acordo com o ideal e com os princípios proclamados. E, para mim, isso é um grande encorajamento e um grande factor de esperança.

Aplausos do PCP.

Os Srs. Duarte Lima (PSD) e Narana Coissoró(CDS): - Isso é bonito!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E, se pudesse, também para a defesa da garganta.
Justificarei a defesa da consideração nos seguintes termos: em primeiro lugar, o Sr. Deputado Carlos Brito diz que não são verdadeiras as declarações que atribuo ao seu secretário-geral. Devo dizer que as afirmações que eu atribuo ao seu secretário-geral estão transcritas na edição do semanário O Jornal, de 10 de Novembro de 1989, e são sufragadas pelo jornalista Carneiro Jacinto.
Em relação à segunda parte - falta de clareza nas ideias, por contraposição com a clareza na voz -, terminei a minha intervenção com uma pergunta muito clara, a que V. Ex.ª não respondeu. Não iludi as questões da desigualdade, da exploração e da opressão. Foi mesmo, porventura, a parte essencial do final da minha intervenção. A pergunta a que V. Ex.ª não respondeu, que está ligada a isso, era a de saber se estava ou não o Sr. Deputado solidário com os povos dos países do Leste, como povos explorados, oprimidos e privados da sua liberdade até agora.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, não sei se é por causa da rouquidão, mas hoje o Sr. Deputado está manifestamente infeliz, até de uma maneira ofensiva. O Sr. Deputado insiste nesta afirmação que atribui ao meu camarada Álvaro Cunhal. Como sabe, o meu camarada Álvaro Cunhal não tem o hábito de desmentir afirmações que lhe são atribuídas.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Há dias desmentiu uma!

O Orador: - Mas desmentiu essa. Há no número seguinte do jornal que referiu uma carta que desmente essa afirmação que antes havia publicado.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, haja, ao menos, respeito pelas pessoas. E, para se intervir nestes debates, é preciso estar-se minimamente informado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Agora reconheça-o!

O Orador: - Reconheça isto, reconheça que errou.
Da minha intervenção decorre, naturalmente, que estou solidário com os povos que procuram ajudar a corrigir erros, deficiências, desvios...

Vozes do PSD: - Não é um desvio, é um sistema!

O Orador: - Salientei esse aspecto, mas não nesses termos, da opressão que o Sr. Deputado refere, porque as opressões não se resolvem desta maneira. Repare em como os opressores do povo de El Salvador matam, ao passo que nos países socialistas não se está a matar! Repare em quantos morreram nas Filipinas em dois dias!

Uma voz do PCP: - E na Irlanda do Norte!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Veja na RDA!

O Orador: - Não é essa opressão que os Srs. Deputados referem. É uma situação em que as massas populares tem podido afirmar as suas posições, defender os seus pontos de vista, protestar e reclamar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não é, evidentemente, sem grande emoção que participo neste debate, nestes momentos em que a liberdade triunfa numa tão grande parte do nosso continente e do mundo. Sublinho, para começar, que é o PSD que deve ser louvado pela iniciativa deste debate, que foi sua e não das oposições, do que agora alguns parecem ter pena.
O triunfo da dignidade da pessoa humana sobre os sistemas totalitários, deterministas e transpersonalistas é para todos, e certamente sobretudo para mim, um momento essencial da vida.
É importante reflectir sobre estes acontecimentos essencialmente políticos e, mau grado os que ignoram que a reflexão é uma componente essencial da política, vou fazê-lo dizendo as razões por que entendo que se verificou a desagregação de um sistema monolítico, totalitário e regressivo.
Em primeiro lugar, a causa fundamental foi a irresistível luta dos povos pela liberdade; depois, foi a incapacidade de um sistema de acompanhar a flexibilidade e o ritmo das inovações que se verificam nas sociedades e nas economias das democracias ocidentais.
É certo que na União Soviética o Presidente Mikhail Gorbachev, constatando a pressão popular, a pobreza generalizada, o desejo de liberdade, a realidade de instituições como as igrejas, que estavam encarnadas, no sentir das populações, a ineficácia do sistema, contribuiu decisivamente para desencadear as reformas em curso. E, se é verdade que o monopólio do partido no poder se mantém, não pode deixar de louvar-se a notável acção daquele homem de Estado na diminuição das tensões no mundo e na própria reforma do sistema. A questão está em saber se a reforma de tal sistema não implica, como corolário absolutamente indispensável, a mudança para outro sistema.
De qualquer modo espero que a visita ao Papa seja uma importante viragem num sistema que, obcecado pela força das divisões armadas (quem ignora a célebre questão «Quantas divisões tem o Papa?») e considerando a religião ainda «o ópio do povo», perseguiu as igrejas durante décadas em termos que é difícil lembrar sem repulsa e que custaram milhões de vidas.
A realidade do que se passa nos outros países do Leste e do Centro da Europa é, porém, diferente. Ao contrário do que acaba de ser dito, já antes da perestroika se verificaram verdadeiros levantamentos populares generalizados, por exemplo, na Polónia em 1980. Hoje esses levantamentos estenderam-se à RDA e à Checoslováquia, são imparáveis e impossíveis de dominar e têm em vista não o aprofundamento ou a correcção dos erros do sistema, como aqui erradamente foi afirmado, mas sim a pura e simples substituição do sistema.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Quais são, pois, as causas principais da clamorosa falência desse sistema, que se revelou totalmente inadequado às aspirações do homem, que alguns definem como complexo totalitário regressivo? Não vale a pena demonstrar que assim é: basta olhar para as carências alimentares, para o esmagamento de qualquer liberdade, para as «bichas» por tudo e por nada, para obter praticamente todos os produtos de consumo ou uso corrente, para privilégios exorbitantes de uma classe, de que resultou também, ao contrário do que acaba de ser dito nesta Assembleia, uma sociedade das mais desigualitárias do mundo.

Aplausos do PSD.

Por que razão aquele sistema perdeu no confronto com as democracias pluralistas industrializadas? Por que perdeu a adesão popular? Sem dúvida, em primeiro lugar, por pretender impor uma ideologia pretensamente científica e detentora da verdade. Com essa pretensão, restaurou o monismo pagão da Antiguidade, recuando, assim, 2000 anos, contra o dualismo cristão da separação entre o que é de César e o que é de Deus, ressacralizou de novo o poder político como instrumento capaz de criar a sociedade perfeita e o homem novo e de extirpar o mal da terra. Este processo - é certo - vinha de longe, desde

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que as ideologias historicistas atribuíram um papel redentor à história, que conduziria fatalmente os homens à sociedade justa e racional.
Como se sabe, Marx pôs o acento na evolução das estruturas económicas e atribuiu o papel redentor ao proletariado. Ele seria o motor de uma evolução imparável que conduziria a uma sociedade final sem classes.
Lenine, mais tarde, atribuiu o papel redentor ao partido de vanguarda do proletariado.
Em qualquer caso, a ideologia tornou-se uma verdadeira religião de substituição, com os seus dogmas, os seus ritos, os seus «santos», apropriando-se do sagrado e pretendendo ocupar-se mesmo da essência da pessoa humana. Do dogmatismo doutrinário passou-se a um verdadeiro ritualismo religioso, como bem explica Edgar Morin.
Já Dostoievski, aliás, tinha prevenido que «o socialismo tenderia a ser Deus, visto de outro ângulo».
Domenach caracteriza hoje estes regimes ou o marxismo em geral - é sua a expressão - como «uma combinação de racionalidade técnica com uma religiosidade arcaica».
O resultado foi o carácter ditatorial e policial do sistema político. Quando uma ideologia se julga científica e sagrada, julga possuir toda a verdade, quer a verdade lógica da matemática, quer a verdade ontológica do real, todo aquele que se afasta dela está forçosamente no erro e é um entrave à construção da sociedade perfeita, logo deve ser perseguido e eliminado.
As ideologias que se opõem à única verdadeira são inúteis e são falsas, portanto, devem ser proibidas. Não pode haver liberdade de escolha, não tem sentido, a alternância também não o tem. Os opositores são traidores e devem ser punidos, uma vez que estão contra a verdade.
Esta lógica pseudo-religiosa exige o conformismo não criativo, nem inovador, tanto mais que uma classe burocrática se encarregou de zelar pela ortodoxia. Não é, obviamente, este o momento de referir como aparece e se caracterize o fenómeno burocrático, porque é, fatalmente, imobilista e rígido, nem de demonstrar o resultado lógico, aliás bem patente da dominação da classe burocrática.
Também a apropriação colectiva dos meios de produção, factor de irracionalidade, atraso e decadência, que forneceu ao poder meios de intimidação sem limites, é uma das causas daquilo que se está a passar no Leste.
Só é pena que se tenha tentado também amarrar Portugal a este dogma da apropriação colectiva e a este modelo económico colectivista que só há poucos meses (pasme-se!) foi possível pôr em causa através da revisão constitucional. Há que perguntar a todas as forças presentes nesta Câmara por que razão isso só foi possível tão tarde. Façam um exame de consciência!
O carácter regressivo e antipopular dos regimes do Leste, resultou, assim, da oposição à inovação, sempre contrária ao dogma, da falta de mecanismos de substituição da classe dirigente e da concentração de poderes numa classe, num pequeno grupo dirigente e, por vezes, num só homem que foi quase divinizado (Estaline, Ceausescu, Mão e Kim II Sun, este até com a peculiaridade de restaurar a hereditariedade.
O sistema no Leste falhou por se ter transviado no que é essencial, substituindo pretensos objectivos finais, ao objectivo da política - a promoção do homem, a realização do bem comum e das condições da vida, conforme à natureza e às aspirações humanas.
Foi por não criar essas condições, de acordo com as aspirações humanas, que foi rejeitado (é quase a história do ovo de Colombo, mas é tão simples como isto!).
E foi esta evidente incapacidade de dar resposta às aspirações materiais e espirituais da maioria da população a uma vida melhor, mais digna, mais livre e criativa que levou à sublevação geral a que assistimos hoje.
Quem pode, agora, perante tudo o que se passou, negar a falência do sistema e, mais, da ideologia que o suportou durante décadas.
Eduardo Lourenço, que será certamente insuspeito, declarou, há pouco tempo, com razão, que «se há um triunfo teórico de alguém, é o de Bernstein sobre Lenine».
A plena aceitação da democracia, único sistema capaz de abrir caminho para uma sociedade mais justa, a defesa de igualdade de oportunidades, o reformismo continuado, de acordo com a vontade popular, a consciência de que não há nem pode haver sociedades finais («O movimento é tudo, o fim é nada»), aí estão para revelar o seu génio de precursor.
Com efeito, como já Tocqueville, há muito, dizia, a indeterminação é uma característica essencial da democracia, que é a sociedade histórica por excelência, porque acolhe e preserva a indeterminação, em contraste com o totalitarismo que pretende deter a lei da sua própria organização, do seu desenvolvimento e da própria finalidade do homem.
Também o Papa apontou no mesmo sentido, há um ano, no Parlamento Europeu, quando afirmou que «a sociedade, o Estado, o poder político, pertencem e pertencerão sempre ao quadro mutável e sempre aperfeiçoável deste mundo [...]. Os messianismos políticos desembocam sempre nas piores tiranias».
No universo político não pode haver uma só fonte de verdade. A democracia funda-se sempre na contraposição, na fecundidade dos antagonismos, na expressão essencial das correntes opostas e na protecção da diversidade, das diferenças e das minorias.
Não tem sentido falar de uma ideologia verdadeira ou de uma ideologia científica. Trata-se de uma impossibilidade lógica e de uma contradição nos termos. Ciência e ideologia são realidades qualitativamente diversas, que se movem em planos distintos.
A democracia, ao contrário dos sistemas totalitários, caracteriza-se pelo reconhecimento de que há várias ideologias possíveis. Não vou entrar, porque não tenho tempo, na querela do pretenso fim das ideologias. Quero só dizer que o chamado «apaziguamento ideológico» é outra coisa que radica no facto de haver, nas sociedades democráticas ocidentais, uma parte ou um tronco comum nas ideologias e, depois, uma pane variável, se quiserem.
A democracia triunfou também porque reconhece os conflitos que resultam da multiplicidade das ideologias e permite a sua resolução num quadro institucional, aceite pelos diversos parceiros sociais, como já Dahrendorf notou há tempos.
Mas não é apenas por conseguir gerir as lutas de classes e de interesses, delas retirando o progresso e a mobilidade social, que a democracia é um sistema superior.
Esta superioridade vem da não confusão entre as esferas do sagrado e da política. Para ela só a pessoa humana, a sua dignidade e os seus direitos é que são sagrados. Quando muito, poderia seguir Edgar Morin, quando diz que «as regras do jogo permitem a alternância democrática, a alternância das sucessivas vontades maioritárias, e, nessa medida, também podem ser consideradas sagradas».

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Por outro lado, só a democracia estimula a inovação, a adaptação ao imprevisto e às novas situações, enquanto as ditaduras são poderosos obstáculos à inovação e ao desenvolvimento. Tenho em mente, é claro, o desenvolvimento integral, que não se confunde com o simples crescimento económico.
Por que razão, nas sociedades dos nossos dias, não pode haver desenvolvimento sem democracia? Permitam-me citar um artigo muito interessante do Prof. João de Deus Pinheiro, publicado há meses, em que afirma que «a democracia excede hoje os limites tradicionais do sistema de governo, para ser factor endógeno da competitividade e do desenvolvimento». É que agora não bastam os factores que tradicionalmente se identificam como condicionantes do desenvolvimento (recursos naturais, nível educativo, capacidade de gestão, etc.).
Há factores novos que resultam «facilidade da difusão da informação, do potencial da comunicação, do ritmo da criação de novos saberes e tecnologias, em suma, da passagem da produção, mesmo que em grande série, para sistemas de capital intensivos, em que os custos da produção se diluem, face ao esforço requerido na criação e inovação, geradores de produtos mais atractivos».
O tempo deu, portanto, razão aos sistemas abertos e flexíveis que favorecem a inovação. Deu razão aos sociais-democratas, que viam na economia de mercado, na qual o Estado exerce um papel regulador, a que melhor funciona e que dá satisfação às necessidades da população e à própria justiça social.
Perante a derrocada que revelou o arcaísmo e a fragilidade deste sistema aberrante e arrogante, mas com pés de barro chamado «socialismo real»; perante o impasse do próprio socialismo democrático, que pretendeu, durante décadas sem êxito (espero que não vão negar), compatibilizar a estatização com as liberdades individuais, compatibilização impossível, que demorou anos a converter-se à reversibilidade, até das simples e pobres nacionalizações em Portugal; perante ainda as debilidades e a inconsequência do neoliberalismo e da tecnocracia, que já tive ocasião de aqui referir, a social-democracia aparece como a mais aproximada do chamado «bom Governo», objectivo fundamental da humanidade nos milénios da sua história.
Ele tem de ser um governo democrático, estimulando a criatividade e a iniciativa das pessoas, isoladas ou em associação; um governo social, protegendo os mais fracos, zelando pela melhoria da qualidade de vida e pela segurança interna e externa da cidade, mas activo também nas relações com o exterior, hoje em dia, na construção europeia e no diálogo com o resto do mundo.
Já em 1968, Ota Sik, hoje infelizmente pouco lembrado, sustentou a aplicação do método social-democrata para reformar o sistema colectivista fossilizado da Checoslováquia de então, o que foi, como sabem, impedido pela criminosa invasão armada do Pacto de Varsóvia.
Entre nós, quando alguns sustentavam (há poucos anos, não foi há uma eternidade, foi há 14 ou 15 anos) que a social-democracia fora ultrapassada pelas nacionalizações, alguém respondeu que, pelo contrário, ela era a via que podia reconduzir Portugal a um sistema que o arrancasse do seu atraso, sem pôr em risco os direitos da pessoa e tendo em vista a justiça social. Mesmo depois das nacionalizações, mesmo depois dos pretensos avanços com que nos quiseram enganar em 1975. Esse alguém foi, evidentemente, Francisco de Sá Carneiro...

Aplausos do PSD.

... de quem recordo a genial capacidade de reflexão e acção, ao passarem nove anos sobre o acidente que, infelizmente, o roubou aos Portugueses.
O PSD tem posto em prática esse desiderato do seu fundador, a ponto de as reformas levadas a cabo para abandonar um regime colectivista, inspirado nos modelos vigentes no Leste, poderem servir de inspiração aos países que agora pretendem democratizar-se. Passámos já por muito daquilo que eles vão ter de enfrentar no futuro, como há dias, justamente, salientou o Sr. Primeiro-Ministro. Mas devo dizer que já colegas nossos desses países, deputados polacos e húngaros se me têm dirigido, no decurso de reuniões, para me transmitirem, pessoalmente, esta convicção.
As manifestações de Praga, Leipzig, Berlim, não vos recordaram, caros companheiros, o que vivemos nas nossas ruas, praças e alamedas em 1975?

Aplausos do PSD.

Convido-vos, portanto, a superar o pessimismo e o fatalismo dos cenários catastrofistas, que é uma tentação constante do espírito humano e muito acentuada em Portugal, sempre às voltas com os velhos do Restelo.
Carecem em absoluto de fundamento os cenários que imaginam graves danos para Portugal resultantes da evolução no nosso continente que agora se iniciou. Por um lado, ignora-se que os actos e as evoluções políticas não têm efeitos lineares e unidireccionais, mas sim efeitos múltiplos, por vezes contraditórios e que variam a curto, médio e longo prazos. Já aqui demonstrei, também, na peugada de Edgar Morin, que a realidade política não se rege pela simples lógica linear, pois ela é iminentemente dialógica.
Não tem também sentido afirmar que Portugal, que sempre foi na Europa, evidentemente, um país periférico, passará a ser mais periférico. Esta noção quantitativa procede de visões tecnocráticas da realidade e nada tem a ver nem com a geografia nem com a política.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já referiu, hoje, as novas oportunidades que se abrem para Portugal, bem como o relevo das nossas iniciativas, nas relações com os países ACP, na criação em Lisboa do Centro Norte/Sul do Conselho da Europa e na importância da presidência, agora iniciada, no Comité de Ministros do Conselho da Europa. Conselho da Europa, cuja Assembleia Parlamentar é o grande fórum europeu do diálogo e da abertura a leste, onde quatro países têm hoje o estatuto de convidados especiais.
Estou consciente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que, a longo prazo, o interesse de Portugal é grande na libertação dos povos do Leste.
O fim do determinismo trouxe (lá e cá também, curiosamente) a política para a primeira linha das preocupações dos governantes e refiro-me, mesmo, aos governantes dos países da Comunidade Europeia, que talvez se tenham ocupado demasiadas vezes com a mera gestão economicista dos recursos. Não foi por acaso que Walesa notou o vazio espiritual das sociedades ocidentais, consequência do excessivo predomínio do economicismo que nelas se verifica. Quer dizer que também para mim, obviamente, as sociedades ocidentais não são sociedades perfeitas. Se o afirmasse cairia em contradição com tudo o que atrás afirmei. É evidente que, quer no nível da justiça social e também, mas menos, no nível da própria liberdade, muito há nelas ainda a fazer. E que dizer da necessária responsabilização perante o drama terrível que é o inverso mar dos países em desenvolvimento?

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Ora para todos estes problemas, são respostas políticas que a situação exige; começando pelo pensamento político que esteve abafado que pelas ideologias e pseudo-científicas, nomeadamente o marxismo, quer pelo positivismo, quer ainda pela tecnocracia; começando pelo pensamento, dizia, partamos para a acção, preparando-nos para acolher fraternalmente, na verdadeira e na única casa comum europeia que eu conheço, que é a democracia, aqueles que procuram a liberdade e a justiça, através de uma transição pacífica e digna, em que nós próprios nos revemos, mas que vai dar ao mundo inteiro uma espantosa e bem necessária lição.

Aplausos do PSD, do CDS, da deputada do PRD Natália Correia e do deputado independente Pegado Lis.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há pedidos de esclarecimento, concedo de imediato a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia 9 de Agosto de 1961, a corrente diária de refugiados do Leste Europeu, que procuravam instalar-se na República Federal da Alemanha, atingiu o pico de 1926 pessoas. A Assembleia Popular votou os plenos poderes ao Governo da RDA e, na noite de 13 de Agosto, o exército ocupou Berlim Este, começando a instalação da barragem que viria a tomar forma definitiva com o Muro de Berlim. Os aliados, numa nota de protesto de 19 de Agosto, dirigida à URSS, acusaram-na de violar o estatuto das quatro potências sobre a cidade, nota que foi imediatamente rejeitada. A França e a Inglaterra reforçaram os contingentes das suas zonas respectivas, e os EUA, pela voz do Vice-Presidente Lyndon B. Johnson e do general Lucius D. Clay, deram a sua garantia aos berlinenses ocidentais e enviaram 1500 homens para assegurar a defesa.
No dia 9 de Novembro de 1989, e na crista de uma acelerada evolução que radica na intervenção de Gorbatchov, os Berlinenses derrubaram o símbolo da ordem estalinista sem intervenção contrária das forças de segurança, as mesmas que marcaram a sua presença e função com a morte de 79 revoltados que, ao longo deste período, procuravam juntar-se aos ocidentais.
O real estatuto político da cidade foi portanto, longamente, o símbolo do confronto entre duas concepções do mundo e da vida, cimeiramente representadas por dois governos de vocação mundial, acidentalmente aliados na última guerra civil dos ocidentais, à qual chamamos a II Guerra Mundial, de 1939-1945.
Quando esta terminou, a Europa tinha perdido a direcção política do euromundo que levara séculos a edificar para o fazer ruir em seis anos, e para que o seu território parecesse então destinado à alternativa de ser uma moeda de troca ou um campo de batalha. Rapidamente, e em consequência do assumido poder nuclear, a sempre existente hierarquia internacional dos poderes políticos viu aparecer um novo qualificativo para uma nova majestade: foram as superpotências.
Durante este meio século, a política do cordão sanitário, assumida pelos aliados no fim da guerra de 1914-1918 para conter a exportação da Revolução Soviética, foi realmente ressuscitada, com dimensão mundial, pela teoria dos pactos militares, organizados ao longo das fronteiras do mundo comunista, tendo sempre os EUA como Estado director, e avultando, entre eles, no que mais directamente nos interessa, a NATO, uma instituição definitivamente com lugar na história da liberdade ocidental.
Todavia, pela margem sul desses pactos, uma estratégia bem concebida e executada pela URSS, que na Europa dirigia o Pacto de Varsóvia, foi recorrendo às incertezas, às revoltas e às guerras marginais, que passam pela Coreia, pelo Vietname, pelo Iémen do Sul, pela abertura da rota do Índico para o Atlântico, que se apoia na inquietação permanente que teve expressão no Norte de Espanha e no Norte da Irlanda, e a explosão mais desafiante em Cuba e na América Central.
O sentimento de cerco que Moscovo invocou em 1918 para movimentar o patriotismo contra o cordão sanitário ocidental, e que de novo mobilizou contra a NATO e pactos complementares, começou a parecer que escolhia domicílio em Washington, nos EUA. A tradicional transferência da sede do poder, do Presidente para o Congresso, também chamou a atenção para o seu significado habitual, que é o de revelar a sentida necessidade de rever a política externa.
O peso da direcção mundial inerente à função de superpotência, além das consequências na determinação do eleitorado, teve a sua visível expressão no financiamento da defesa pelo défice, incluindo a Guerra das Estrelas do Presidente Reagan.
A outra superpotência, também sofrendo os encargos da majestade atómica e da função directora do seu campo, financiou o esforço com a tremenda dívida interna: envelhecimento do parque industrial, atraso tendente para irrecuperável em relação às rising expectations das novas gerações, sentimento de alienação das nacionalidades, carências pesadas nos sistemas educativo, de saúde e de segurança social, repressão intolerável da sociedade civil interna e das nacionalidades do Leste europeu, uma clandestinidade do Estado pesadamente financiada a nível mundial, o afloramento trágico desta linha de acção no drama do Afeganistão.
A linha do condomínio de responsabilidade mundial, para a qual a lógica dos factos encaminhou as duas superpotências, com o risco constante da escalada, conduziu ao ponto crítico em que a revisão da logística dos impérios é a alternativa necessária para salvar a paz.
A mensagem de Gorbatchov de 1985, sobre a glasnost e a perestroika, que baseou as políticas aprovadas pelo XXVII Congresso do PCUS no sentido de conseguir um saneamento radical do clima político mundial, ganha em ser aproximada do livro de Frederico Mayor Zaragoza Mariana siempre es tarde (1987), no qual se documenta a desastrosa situação mundial a que levou o predomínio de uma política armamentista incompatível com uma política de desenvolvimento e solidariedade entre sociedades afluentes e sociedades pobres.
O clamor pela justiça, e para a eliminação da variável do medo que a competição armamentista inscreveu na estrutura das relações mundiais, parece abrir caminho em face da assumida necessidade de revisão da logística dos impérios. Por tudo, nesta data, é desta que parece tratar--se, e assim continua a ter validade o conceito de Khrouchichev, segundo o qual o âmago da questão mundial esteve sempre nas relações entre as duas superpotências. Por isso se aprazaram para Malta, onde é já sabido que a linha de condomínio mundial foi submetida a auditoria.
Todavia, quando em Novembro de 1986, na reunião anual do COMECON, as novas políticas de Gorbatchov

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pareciam ainda simples anúncios do período de graça, nenhum dos líderes que compareceram (Kadar, Ceaucescu, Honecker, Truong Chinh, Jaruzelki, Fidel de Castro, Jivkov, Husak e Batmonh) deu mostras de pressentir o extremo limite a que chegara o repúdio do sistema que representavam, nem a velocidade da mudança que não há motivo para supor que imaginaram. Tal como a retirada da Europa da frente marítima de uma posição directora em consequência da guerra, tal como a variável do medo em consequência da corrida armamentista, também o movimento das massas do Leste europeu se configura como uma resultante que ninguém previu e que ninguém pode afirmar, com segurança, que governa.
Lembram mais homens que nunca tiveram o poder, como Goudenhove-Kalergi ou Jean Monnet, ou os europeístas da resistência, do que os príncipes que nos governam, todos surpreendidos exactamente pelo que tinham pregado.
Não é fácil encontrar, na experiência passada, paradigmas que ajudem a entender as alternativas possíveis da evolução. Mas não é sem motivo que vêm à lembrança os movimentos de massas que a Reforma produziu e que, então, acabaram em clamoroso desastre. Esta lembrança serve ao menos para dar base à orientação que reclama humildade, firmeza e determinação para entender o imprevisto processo e procurar assumir a direcção do mesmo no sentido dos interesses gerais da humanidade, que são os que estão em causa, tudo contrário ao triunfalismo, à cenografia que domina tanto do discurso político interno e internacional, à ambição de aparecer na imagem do processo sem ter estado nas causas dele.
A esperança súbita de que finalmente as armas da guerra sejam substituídas pelas armas da paz exige que os príncipes que nos governam correspondam aos desafios da conjuntura com a autenticidade e grandeza dos milhões de europeus anónimos que pavimentaram com o seu sofrimento, nos dois lados da linha Oder-Weisse, os caminhos dos novos futuros possíveis.
Porque estamos em revisão da logística dos impérios, não pode querer acompanhar-se, com a imprudência da desmobilização desatempada, a velocidade do fenómeno das massas. A falência evidente da utopia soviética não serve os interesses da paz se for acompanhada, não da reforma do regime, mas sim da catástrofe do Estado.
É urgente cooperar com a mudança, se possível e sempre que possível. A liberdade da Europa, do Atlântico aos Urais, que foi um programa de meio século, também não é um valor que deva ceder a conservadorismos de estruturas que se recusam a racionalizar a mudança acelerada. A primeira das prioridades é o fim da corrida armamentista, assumindo as sequelas da europeização da defesa na medida em que for necessário e com as consequências que tiver sobre os orçamentos comunitários e dos Estados.

Aplausos do PS, do PRD e do CDS.

Não há maior investimento do que a paz confiável, e fazemos votos para que as negociações de Malta se traduzam depois nessa ambicionada mutação. Não existem conservadorismos legítimos em face deste movimento que parece ao alcance dos europeus, que manterão as suas guardas actuais dispostos a reconhecerem oportunamente a segurança de as poderem baixar sem risco.
No limiar do século XXI, a conjuntura dá a primeira resposta à pergunta angustiada, formulada por Morin, sobre a questão de saber como passar de um século para o outro. Nessa perspectiva de uma nova esperança, parece necessário dar relevo às conclusões do Congresso da Europa, realizado no ano de 1988 na Haia, e que reclamaram a construção de um espaço articulado, económico e cultural, aberto aos países do Leste que reassumam o legado político ocidental.
É da história das Comunidades Europeias a reacção conservadora em face de qualquer novo pedido de admissão. Mas o espírito que as circunstâncias requerem parece ser o que prevaleceu quando se abriram à adesão de Portugal, da Irlanda ou da Grécia.
Ainda que isso se traduza em algum sacrifício da perspectiva sobre a carga do que foi, entre nós, chamado «as novas naus da índia», tudo será compensado pela eliminação da variável do medo, pelo desarmamento, pela eliminação da ameaça atómica, da ameaça da guerra bacteorológica, da ameaça da avançada das tropas convencionais.
Tal como parece ser a disposição do Presidente Delors, ressalvar o nível do prometido e conseguir isso já consagra a política de um governo - consagrará também a política do Governo Português! Aventurar mais não parece estar ao alcance da informação que temos, nem da comprovada incapacidade de prever a velocidade da mudança e os acidentes do percurso.
Mas, tal como recordava recentemente João Paulo II, outra coisa é contribuir, com a autencidade de uma conduta documentada pela nossa história, a favor do convívio e cooperação das diversidades étnicas, culturais e políticas da grande Europa, à luz do princípio de que todos os povos desta família tem direito a ser diferentes e tratados como iguais. Tudo com firmeza, determinação e humildade, porque as circunstâncias nos mostram que os governos foram surpreendidos pelo que tinham pregado, e que até a previsão do presente, de que falava Faure, é uma tarefa que excede as capacidades governativas.
Não vamos ignorar que a reunificação da Alemanha é um dado maior no quadro das inquietantes interrogações que a conjuntura suscita nem que são inseguras as alternativas que podem prever-se e a sua teoria de consequências. Mas talvez seja necessário fazer um esforço no sentido de remeter os temores fundados do passado para o património da experiência, sem deixar que perturbem a definição de um futuro definitivamente diferente.
Sem medo, como aconselhou Paulo VI à Assembleia Geral da ONU, porque não pode ter sido inútil a experiência de meio século dominada pela variável do medo, porque não pode perder-se a oportunidade de assumir politicamente a unidade estrutural do mundo, u possibilidade de finalmente substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz, de substituir as anuas da guerra pelas armas da paz.

Aplausos do PS, do PRD, do CDS e de alguns deputados do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Embora o Sr. Deputado Adriano Moreira não disponha de tempo, inscreveu-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Sottomayor Cardia, a quem não concedo ainda a palavra porque, entretanto, se inscreveu, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado António Guterres.

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O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação é posterior ao pedido de esclarecimento e tem apenas a ver com a clarificação de uma afirmação do Sr. Presidente.
De facto, quando a sessão estava a ser ainda presidida pelo Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu, houve um consenso entre os grupos parlamentares, no sentido de que aos diferentes partidos e ao Governo pudesse ser atribuída uma tolerância de 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Portanto, o sentido útil da interpelação do Sr. Deputado António Guterres é o de dizer que o Sr. Deputado Adriano Moreira terá tempo para responder à questão colocada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, não temos tempo para dialogar...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, V. Ex.ª pode fazer a sua pergunta, pois o Sr. Deputado Adriano Moreira tem tempo para responder-lhe.

O Orador: - Sr. Presidente, mas o facto é que não temos tempo para dialogar ...
Sr. Deputado Adriano Moreira, a palavra «inimigo» 6 um termo moral e é um termo estratégico. Retiro naturalmente da minha pergunta o sentido moral da palavra «inimigo», pergunta essa que é muito simples: que sentido tem para o Pacto do Atlântico dizer, neste momento, que a URSS é «inimigo»?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, espero que tenhamos muito tempo para dialogar, pois tenho a esperança de que a nossa vida não acabe assim tão cedo, e o diálogo não se vai esgotar aqui dentro desta Assembleia!
Por outro lado, queria começar por dizer que a palavra «inimigo», neste domínio das relações internacionais, tem pouco que ver com o sentido ético, com o sentido filosófico ou com o sentido jurídico: trata-se de um conceito estritamente militar!
Sendo um conceito estritamente militar, e também um conceito que, curiosamente, é despido de conotações éticas na própria doutrina militar. Repare-se que um militar quando combate, na concepção que orienta a sua formação, «causa baixas», não mata gente; «faz destruir cidades», não arrasa as populações. Na verdade, esta é a orientação da doutrina que se ensina para a formação profissional militar.
Portanto, imagino, sem ser um «familiar» da NATO, sem ter intimidade com a NATO, senão naquilo que posso ir lendo nos documentos que publica, que a palavra «inimigo» tem, para os responsáveis militares da NATO, o estrito sentido da doutrina militar. É a ameaça, é o conceito estratégico que foi estabelecido, definindo o conceito militar em função disso. Simplesmente, a nossa tarefa, se nos for permitido intervir no movimento da conjuntura, será a de estabelecer as condições que nos permitam dizer que a ameaça deixou de existir.
Voltando a repetir o que tentei rapidamente dizer na minha modesta intervenção, o grande problema que está na base deste movimento actual é a desmobilização da corrida armamentista. Nisto está a base de tudo, isto é, na necessidade de reduzir este gasto tremendo de recursos humanos, materiais, financeiros e psicológicos das populações, sempre à procura de uma dissuasão pelo equilíbrio ou superioridade militar. É justamente isso que parece finalmente estar aberto à nossa perspectiva, ou seja, que em vez do equilíbrio e da dissuasão pela corrida armamentista, a paz possa finalmente ser estabelecida pela utilização das armas da paz.
Fui talvez um pouco pessimista sobre a capacidade de previsão dos estadistas, pois penso que nenhum deles previu a velocidade da mudança. No entanto, como há pessoas mais atiladas que previram alguma coisa com antecedência, quero dizer que tenho mais confiança nos poetas que nos escritores, que nos criadores dos valores que nos orientam. Aliás, estou a lembrar-me, em relação a esta reunião, essa história que foi a de Khruchtchev com o Papa João Paulo II, que é muito boa altura - e eu assim pratiquei - de voltar a ler Morris West, que, nunca tendo exercido qualquer função política, nunca tendo entrado na batalha política, parece ter descrito, há algumas dezenas de anos, o acontecimento que se deu há poucos dias.
Assim, quero continuar a ouvir essas vozes, sendo por isso que, naturalmente, aconselho o regresso à inspiração dos europeístas da resistência, que nunca assumiram qualquer função política no processo posterior e que suponho que enunciaram todas as alternativas possíveis entre as que nos será permitido escolher nos dias de hoje.

Aplausos do PS, do CDS e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao orador que se segue, creio que estaríamos em condições, em função do horário, de proceder às votações que estão pendentes, desde que, da parte dos Srs. Deputados, não haja objecções. E que há três votações que temos de fazer agora.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos proceder às votações, pois, em meu entender, se prolongarmos um pouco a sessão, talvez não muito, poderemos, eventualmente, terminar os nossos trabalhos ainda a horas razoáveis.
As votações, conforme já é do conhecimento dos Srs. Deputados, dizem respeito à proposta de resolução n.º 187/V, à proposta de lei n.º 120/V e aos projectos de resolução relativos ao inquérito parlamentar n.º 14/V.
Vamos, portanto, começar pela votação, na generalidade, na especialidade e votação final global, da proposta de resolução n.º 18/V - Aprova, para ratificação, a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes, cujo texto se encontra publicado na 2.ª série - A do Diário da Assembleia da República, n.º 39, de 1 de Julho de 1989.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo e João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Deputado Pegado Liz pediu a palavra para que efeito?

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O Sr. Pegado Liz (Indep.): - Para anunciar que vou entregar na Mesa uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, de seguida, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 120/V, sobre o sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo e João Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 120/V baixa à Comissão para apreciação na especialidade.
O Sr. Deputado Vítor Ávila pede a palavra para que efeito?

O Sr. Vítor Ávila (PRD): - Sr. Presidente, é para anunciar que vamos apresentar uma declaração de voto sobre esta votação.

O Sr. Presidente:- Fica registado, Sr. Deputado. O Sr. Deputado Montalvão Machado pede a palavra para que efeito?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é para perguntar por quanto tempo é que a proposta de lei baixa à Comissão.

O Sr. Presidente: - Até quinta-feira, Sr. Deputado. Portanto, voltará a Plenário, para votação final global, na próxima quinta-feira.
Srs. Deputados, de seguida, vamos passar à votação dos projectos de resolução n.ºs 38/V e 39/V, por esta ordem, relativamente ao inquérito parlamentar n.º 14/V, com vista a apurar em toda a extensão a conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro da Finanças de apartamentos no Edifício Amoreiras e na Rua de Francisco Stromp, em Lisboa, cujos relatório final e conclusões da comissão eventual de inquérito se encontram publicados na 2.ª série-B, do Diário da Assembleia da República, n.º 1, de 21 de Outubro de 1989.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira pede a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente, no seguinte sentido: as propostas de resolução que se vão votar, de imediato, são apresentadas uma pelo PCP e outra pelo CDS. O objectivo é exactamente o mesmo, ou seja, a publicação integral de tudo o que se passou na comissão de inquérito à aquisição do prédio das Amoreiras e do Lumiar.
Para que não haja subterfúgios da parte de qualquer bancada, nós retiramos a nossa proposta e votaremos a proposta do CDS.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Portanto, a Mesa anota que o projecto de resolução n.º 38/V, do Partido Comunista Português, foi retirado, permanecendo, para votação, o projecto de resolução n.º 39/V, apresentado pelo Centro Democrático Social.
Srs. Deputados, está identificado o projecto de resolução, que vamos votar de imediato.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes e do deputado independente Carlos Macedo.

Srs. Deputados, com esta votação terminamos as votações por hoje.
O Sr. Deputado Joaquim Marques pede a palavra para que efeito?

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, é simplesmente para informar que, sobre esta votação, nós vamos entregar uma declaração de voto escrita na Mesa.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, terminado o período de votações, vamos continuar com os nossos trabalhos e peço a atenção dos Srs. Deputados para uma informação que vou dar, aproveitando o momento das votações, precisamente, para atingir o maior número de Srs. Deputados.
A informação é a seguinte: relativamente à ordem de trabalhos de amanhã, por sugestão do Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano e depois de auscultadas as várias bancadas, a discussão na especialidade relativamente às receitas do Orçamento do Estado será feita a partir das 15 horas. A sessão plenária de manhã, terá um prolongamento do período de antes da ordem do dia, que terá início às 12 horas. Portanto e resumindo, às 10 horas haverá uma conferência de líderes, às 11 horas terão início os trabalhos parlamentares e às 15 horas o início da votação na especialidade do Orçamento do Estado no respeitante às receitas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho, a quem peço desculpa por este pequeno compasso de espera.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - O Sr. Presidente, Srs. Ministros e Srs. Deputados: Por mais que se queira, para falar do tema que hoje nos ocupa, não se pode fugir ao lugar comum: vivemos um momento histórico de transformação da nossa sociedade e do mundo.
De facto, o que durante muito tempo foi, ou pareceu ser, um bloco inexpugnável, fechado, seguindo via totalitária daquilo a que chamavam o «socialismo real» está a sofrer transformações tão profundas e tão rápidas que ainda há pouco tempo ninguém, decerto, as consideraria possíveis.
E não se trata de um milagre; antes de mais deve reconhecer-se, em homenagem à verdade, que a grande evolução e democratização verificada na URSS de Mikhail Gorbatchov com a glasnost e a perestroika desempenhou e continua a desempenhar um papel decisivo na verdadeira libertação que está a ocorrer nos restantes países da Europa do Leste com a flagrante e dolorosa excepção da Roménia - ficando de fora, claro, o ghetto albanês.
Pode dizer-se, se bem avaliamos, que o aspecto bastante negativo e condenável de a União Soviética ter exercido, durante décadas, um efectivo poder ou controlo sobre os países da Europa Central, vulgarmente designados no Ocidente como seus satélites, teve agora o seu reverso positivo. Queremos com isto significar que a referida evolução na URSS abriu a porta que serviu de incentivo para a evolução nesses países, alguns dos quais tinham lutado heroicamente - heroicamente é a palavra - pela sua liberdade e independência nacional.

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Os casos mais frisantes foram, como se sabe, os da Hungria em 1956 e da Checoslováquia em 1968. O mundo e os homens livres não podem esquecer essas lutas, reprimidas violentamente por uma potência estrangeira e invasora e, não importa com que pretextos, não pode esquecer como os povos húngaro e checoslovaco vieram para a rua combater pela liberdade e pela justiça. Combater pela liberdade e pela justiça não renegando os ideais de uma sociedade mais justa e igualitária, valores que outros invocavam ao mesmo tempo que os destruíam, mas pelo contrário lutando por eles contra o totalitarismo, o dogmatismo, a corrupção, a burocracia, a tutela estrangeira.
Os que nessa altura já se batiam por esses valores eternos (que hoje também nessas latitudes estão, enfim, a triunfar) não esquecem a emoção e a revolta com que viveram esses acontecimentos, primeiro apaixonantes, depois dramáticos. £ é naturalmente também com emoção que a muitos anos de distância se assiste à homenagem prestada e à justiça feita, embora demasiado tarde, aos que caíram na Hungria, inclusive dos seus principais dirigentes, e se vê Alexandre Dubcek, aclamado pelo seu povo e apontado como um possível presidente da nova República.
Mas, para lá, ou ainda antes, da influência na evolução dos países comunistas do Leste, da própria evolução na URSS, imporia sublinhar outro factor que, por sua vez, condicionou ou explica também a própria situação na União Soviética, sem desmerecer ou esquecer o papel da maior importância desempenhado por Mikhail Gorbalchov, sem dúvida uma grande figura do nosso tempo e um dos maiores estadistas do nosso século, a quem fica a dever-se imenso a luta pela paz.
Factor que é, obviamente, o amor pela liberdade e pela democracia. A liberdade, a democracia, os direitos do homem, são aspirações profundíssimas dos povos. E pode acontecer - como durante quase meio século aconteceu em Portugal, sem que, infelizmente, se visse a lutar pela liberdade tantos que se põem em bicos dos pés a reclamada para os outros ... - pode acontecer - dizia eu - que durante longos anos essa liberdade seja violada, pisada, destruída - mas nunca é destruído esse anseio de liberdade que um dia, mais cedo ou mais tarde, acaba sempre por triunfar.
A democracia pluralista é uma conquista, que nada poderá destruir e que acabará por se estender a todas as latitudes, mesmo àqueles países em que, por menos desenvolvidos ou mesmo muito atrasados, ela é ainda inexequível. Assim, na Polónia, com um chefe de governo não comunista, na Hungria, na RDA, na Checoslováquia, mesmo na Bulgária, já fizeram vencimento, ou cada vez mais se impõem, pela força da sua razão e das massas que, espontânea e vibrantemente, a reclamam, as teses que apontam para a indispensabilidade da democracia, para a possibilidade de alternância efectiva no poder, para os valores consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
E neste momento em que aqui assinalamos, e de certo modo também festejamos, esta espécie de furacão de liberdade que, felizmente, assola a velha Europa, o nosso pensamento não pode deixar de se dirigir, também, para aqueles que, por todo o mundo, combatem corajosamente pela liberdade, muitas vezes pagando com perseguições e torturas ou a própria vida essa sua coragem.
Lembramos, emocionadamente, tantos povos da Ásia, da África, da América do Sul, que continuam a ser vítimas de ditaduras e de regimes que violam de forma gravíssima os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. O nosso pensamento vai designadamente para o povo de El Salvador e, muito em especial e ainda mais emocionadamente, para o povo mártir de Timor Leste. O nosso pensamento vai ainda para aqueles que nos últimos tempos, da forma mais espantosa, personificaram, num imenso país, as novas ideias a chegarem a países velhos e sem tradição democrática pluralista, aqueles que de forma mais espantosa personificaram e simbolizaram essa grande luta pela liberdade e pelo futuro, contra o velho e o caduco, contra a opressão e o obscurantismo, os jovens, os trabalhadores, os intelectuais, os artistas e os operários que fizeram da Praça de Tianamem, em Pequim, um símbolo imorredoiro dessa luta pela liberdade e pelo futuro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Revertendo aos acontecimentos dos países comunistas do Leste, não se pode esquecer ou minimizar também que eles representam o fracasso completo de um modelo de sociedade totalitária, tendo por base o domínio de um partido único - e o domínio de um partido único, ou mesmo só o domínio de um único partido, é sempre mau ...-, partido que se quer vanguarda iluminada e monopolizador da mediação política. Ora, se toda a partidocracia é má, como não nos temos cansado de sublinhar, esta assim é péssima: sociedade assente numa colectivização cega e burocrática que mala a indispensável iniciativa privada e a criatividade dos cidadãos e tende para um igualitarismo cinzento e medíocre, em vez de garantir uma igualdade de oportunidades. Igualitarismo ainda por cima meramente teórico, dada a corrupção criada ou propiciada pelo sistema e as benesses ou privilégios dados, as mais das vezes, aos dirigentes partidários de facto constituídos em classe dominante.
O fracasso deste modelo, que de há muito se conhecia, resulta bem claro não só da situação económica e financeira dos países em que vigorou ou vigora e do nível de vida e bem-estar dos seus povos como, ainda, mais flagrante e dramaticamente, da situação de opressão a que os respectivos países e povos se acabaram por ver sujeitos, embora não sob a forma primária de injecções atrás da orelha das criancinhas e dos velhos, de que falava antigamente certa propaganda mais primária e estúpida.
Isto não significa, claro, que não haja aspectos - embora poucos, deve acentuar-se - positivos, ou que revelem intenções positivas, nesse modelo de sociedade, mas significa, fora de qualquer dúvida, que esses modelos de sociedade demonstram, à exuberância, a sua falência e inadequação ao momento histórico que vivemos, aos grandes anseios e desafios do presente e do futuro.
Esta falência é também, sem dúvida, não só a do estalinismo, de há muito condenado na consciência de todos os homens livres e respeitadores dos direitos dos outros homens como responsável por crimes nefandos - que um escritor como o soviético Anatou Rybakov, homem progressista e jornalista convicto, tão bem descreve literariamente no livro que só no seu país já vendeu cerca de oito milhões de exemplares, onde finalmente esses livros já se podem ler - esta falência, dizia, não só dos estalinismos como do marxismo-leninismo, pelo menos tal como foi praticado naqueles países - e não se sabe de outros em que o tenha sido de forma muito diferente e muito melhor ...
Porém, e ao contrário do que alguns querem fazer supor e subtilmente insinuam na sua propaganda, a fa-

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lência destes modelos não significa o triunfo ou a prova da bondade, no campo económico e da justiça social, de um modelo puramente liberal, e muito menos de um ultra-liberalismo propiciador de cada vez maiores desigualdades, assimetrias e injustiças.
Com isto queremos significar que, ao contrário do que também alguns querem fazer crer, a derrota de velhas diques de dirigentes comunistas, dogmáticas, burocráticas e conservadoras, e a vitória dos dirigentes renovadores, reformistas, o ascenso das massas, dos jovens e dos intelectuais que enchem as ruas a clamar por democracia e justiça, significam verdadeiros triunfos que todos aqueles que prezam os valores da liberdade e dos direitos do homem, muito em especial os que os defendem numa perspectiva de progresso, de inovação e criação.
Ou, ainda, por outras palavras: nas ruas de Varsóvia, onde foi o sindicalismo livre que esteve na primeira linha do combate pelas grandes transformações já em vias de concretização, de Praga, de Budapeste, de Sofia, de Berlim, o que se grita e pelo que se luta é por valores que sempre foram os da esquerda democrática e nunca os da direita conservadora, valores que sempre foram os do socialismo democrático e da social-democracia. Renovar é a grande palavra de ordem a leste como, obviamente com as naturais diferenças e sem esse dramatismo, outros querem que ela o seja também a oeste; renovar, na liberdade, na democracia, na justiça social, na negação do partido ou dos partidos como aparelhos tutelares e às vezes até opressores, da afirmação da vontade e da participação dos cidadãos livres, podendo livremente associar-se para afirmar a soberania popular e serem inteiramente senhores dos seus destinos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por toda a Europa vão caindo, enfim, todos os obstáculos, todas as barreiras, todos os muros que se opunham à livre circulação das ideias e das pessoas. Está a acabar, na Europa, o tempo das mordaças, dos medos e dos fantasmas. Os que ainda resistem não demorarão muito a ver chegar a sua hora. Pode ser ainda doloroso para os povos que têm de os suportar, pode não ser amanhã ou depois, mas em breve será. Do ponto de vista histórico já poderá estar bem peno o dia em que se anuncia a possibilidade de a chamada «Grande Casa Europeia», do Atlântico aos Urais, ser uma realidade - sem prejuízo da identidade de cada país, que, entendemos, deve ser consolidada e mesmo reforçada.
À queda do Muro de Berlim foi um símbolo. Para lá do que significou para os Alemães, em geral, e para os Berlinenses, em particular, foi de facto um símbolo, seguramente com poderosa influencia no imaginário que não deixa de ser importante para a construção da própria realidade. Aqueles que tiveram como todos nós a dita de assistir - ainda que de longe, através das imagens da televisão - ao destruir dessa pesada parede de cimento que dividia ao meio, não só fisicamente, uma cidade e um país, mas, simbolicamente, um continente, porventura dois mundos, não esquecerão essas imagens nem esse dia em que se fez história. Essa mesma história que, entre surpresos e maravilhados, vamos todos os dias vendo construir-se, por vezes a velocidade inusitada, no sentido de tornar o mundo e os homens mais humanos.
Portugal, que algumas vezes, ao longo da sua história, esteve à frente da história, não pode alhear-se do que se está a passar e deve tentar ter uma participação mais activa, dentro das suas possibilidades e de acordo com a sua dimensão, nestes acontecimentos, que estão a transformar o mundo. O recente encontro entre os Presidentes dos Estados Unidos e da URSS, a realidade magnífica que ele testemunhou e consolidou e as novas perspectivas que abriu levam a que, por toda a parte, mesmo os tradicionalmente mais agressivos ou empedernidos reconheçam esta verdade evidente: a guerra fria acabou ou pelo menos começou a caminhar aceleradamente para o seu fim!
E daqui hão-de extrair-se todas as conclusões que se impõem, a nível planetário, entre as quais não pode deixar de estar, no nosso entendimento, o diminuir e depois terminar com as somas astronómicas gastas em armamento nuclear e outro que pode destruir rapidamente países inteiros, se não a própria humanidade, somas astronómicas que devem ser encaminhadas, designadamente, ou mesmo prioritariamente, para ajudar todos aqueles que em todo o mundo, em especial em certos continentes e regiões, ainda morrem de fome ou vivem em condições sub-humanas.
Por outro lado, ainda a mais curto prazo, sem entrar em elucubrações geo-estratégicas, é óbvio que os dois grandes blocos político-militares, a NATO e o Pacto de Varsóvia, estão a perder o sentido e tem de ser profundamente repensados e remodelados ou mesmo extintos. Por isso, preconizamos que Portugal desempenhe um papel muito mais activo, neste sentido, dentro da NATO. E defendemos, como um imperativo nacional, que o Governo e a nossa diplomacia cumpram efectivamente o normativo constitucional, batendo-se com denodo pela defesa do que a Constituição da República preconiza no n.º 2 do artigo 7.º: «A abolição de todas as formas de imperialismo, de colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução», sublinhado meu, «dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.»

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, olhando para o quadro de tempos disponíveis, julgo que é altura de lembrar à Mesa que temos ainda duas horas de debate possível. Penso que disso devem ser tiradas as ilações correspondentes...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, a Mesa agradece a sua observação. Estávamos, precisamente, a acabar de fazer as contas do tempo ainda livre para debate e chegámos à conclusão de que dispomos, neste momento, salvo erro, de 76 minutos, aos quais há que acrescentar mais 60 e tal minutos, que correspondem aos 10 minutos de tolerância que ficou acordado atribuir a cada partido, o que perfaz mais de duas horas. A questão está colocada aos Srs. Deputados.
O que é que o Sr. Deputado António Guterres sugere?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, se todos os grupos parlamentares aguentarem estar aqui mais duas horas sem jantar nós também aguentaremos. No entanto, pensamos que deve ser ponderada a interrupção.

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O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, este hábito de jantar é um hábito burguês que o Sr. Deputado António Guterres pretende conservar e muito bem!

Risos.

Propunha que prescindíssemos dos tais 10 minutos que vão além do tempo e que acabássemos os trabalhos antes de jantar. Penso que, se assim fizermos, acabaremos a sessão entre as 21 horas e as 21 horas e 15 minutos. É porque receio que, se interrompermos para jantar, à noite não venha cá ninguém.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, não conhecia esta aversão à democracia burguesa por parte do Sr. Deputado Montalvão Machado ...! Julgo que ele está a converter-se, mais rapidamente do que aquilo que eu pensava, a certos princípios até agora em vigor na Europa do Leste.

Risos.

Penso, no entanto, ser impraticável que, pelo menos, o Partido Socialista prescinda dos tais 10 minutos, visto ter ainda dois intervenientes inscritos. Isto não quer dizer que não vejamos com toda a simpatia que o PSD prescinda do tempo que tem!
Repito, porém, que se todos os grupos parlamentares estiverem de acordo em abdicar da interrupção para jantar nós também abdicaremos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a questão que se põe é muito simples: vamos continuar o debate ou interrompemos para jantar?
A Mesa sugere que se continuem os trabalhos. Se houver alguma objecção ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que o Partido Comunista não está em condições de prescindir do bónus de 10 minutos, dado que já organizámos o nosso trabalho contando com ele.
Quanto à opção, aceitamos uma e outra; a nossa adesão será dada àquela que obtiver maior consenso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa propõe que se continue a sessão. Houve alguma aquiescência por parte das bancadas e, por isso, vamos prosseguir.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos todos a viver acontecimentos cujo alcance é indiscutivelmente histórico.
Assistimos hoje ao fim de um ideal político e ao colapso de um projecto de sociedade que se mostrou ineficaz e incapaz de respeitar os mais elementares direitos e de responder às necessidades dos cidadãos.
Indiscutivelmente, a revolução russa de Outubro de 1917 é um ponto de referência marcante na história do mundo. Mas não pelas razões apontadas pelos comunistas e seus defensores. A revolução soviética não libertou o homem, não construiu o paraíso dos trabalhadores nem criou uma sociedade igualitária. Estes mitos estão, um após outro, a ser desmentidos pelos acontecimentos em curso na Europa do Leste, aí incluída a própria União Soviética.
Afinal, como muitos - e desde há muito - vinham dizendo, os factos vieram confirmar que Outubro de 1917 simboliza um projecto político que acabou por ser a subordinação do individual ao colectivo, a eliminação da liberdade, dos direitos humanos, numa palavra, a desumanização da pessoa.
Se nos surpreende o modo e a rapidez com que se desmorona este edifício que parecia a muitos inexpugnável, não temos de surpreender-nos com o desmoronamento ele próprio: a queda dos regimes que são incapazes de responder às necessidades materiais e espirituais dos seus povos é a regra e não a excepção da história.
Por isso, os regimes comunistas estavam historicamente - porque o estavam moralmente - condenados ao fracasso.
E, como hoje se vê e os próprios tem de reconhecer, afinal a história dos regimes comunistas é a história dos crimes de Estaline, da deifícação do homem através do culto da personalidade, da ocupação militar dos países da Europa do Leste, das invasões da Hungria, da Checoslováquia e do Afeganistão.
A história do comunismo é o gulag, as purgas, a polícia secreta, o medo e o terror.
A história do poder comunista é a história do poder arbitrário.
É a história de uma numenclatura cujos privilégios e poder absoluto foram mais importantes do que a liberdade de tantos cidadãos, povos e nações.
A história do comunismo é também o Muro de Berlim. E é a queda deste muro, no que tem de simbólico, no que é de condenação de um passado e factor de esperanças novas, que nos conduziu a este debate no forum de liberdade que é a Assembleia da República de Portugal.
É, no entanto, intelectualmente sério reconhecer que a história do comunismo europeu tem também uma outra face: uma face nobre e digna.
Esta outra face é a coragem de Soljenitsine e Sakarov em confrontar um poder totalitário e feroz, são os dissidentes da «Carta 77» e do «Forum Cívico». É a literatura de Alexander Zinoviev e de Milan Kundera. É o jazz, que só podia ser ouvido em estabelecimentos clandestinos porque tudo o que pudesse comportar iniciativa e criação individual não podia ser tolerado.
Esta outra face do comunismo é também a revolta dos operários na RDA em 1953, é o levantamento popular dos húngaros em 1956, é a morte de Jan Palak, é o Solidariedade polaco enquanto expressão de revolta dos trabalhadores perante um regime cuja declarada razão de ser era governar em seu nome e na dos seus interesses.
Cabe por isso, aqui, uma homenagem sentida e sincera aos que pagaram com a prisão, com as mais violentas

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formas de tortura, com a solidão, com o desterro e com a deportação, aos que pagaram com a vida a sua resistência, ...

Aplausos do PSD.

... aos que souberam sempre dizer não, aos que nunca se conformaram com o «paraíso socialista», aos que nunca se curvaram porque sabiam que a autonomia e a liberdade são a essência do homem.
Foi no sofrimento, na dor e no sangue desses homens, mulheres e jovens, que germinaram as sementes da esperança que começam agora a despontar.
E, se não cabe uma palavra de homenagem, cabe pelo menos lembrar os movimentos e partidos comunistas do ocidente que, sobretudo a partir do esmagamento da «Primavera de Praga», em 1968, viram que era necessário arrepiar caminho e encontrar soluções novas.
E facto que se mantiveram apostados na busca de uma sociedade socialista, mas não o é menos que a rejeição que afirmaram quanto a ideias e princípios até aí orientadores do movimento comunista foram também contributos para a mudança que hoje se vive.
Infelizmente, entre esses não pode ser contado o Partido Comunista Português.
O PCP, esse esteve sempre do outro lado. A história das três últimas décadas - e, mais marcadamente, das duas últimas - do Partido Comunista Português é o seu alinhamento com as posições mais retrógradas e dogmáticas do movimento comunista. É a história do apoio à mais pura ortodoxia, é a história da condenação do levantamento popular húngaro, do apoio à repressão sangrenta da «Primavera de Praga» (não é acaso histórico que o secretário-geral do PCP tenha sido o primeiro dirigente comunista do ocidente a visitar Praga depois da «normalização» de 1968?), é a história do apoio à invasão do Afeganistão, são as posições retrógradas - face aos seus congéneres da Europa Ocidental - que defendeu na Conferência de Berlim.
A história do PCP é também o seu papel nos anos que se seguiram à revolução portuguesa de 1974.
É a história de uma economia subitamente nacionalizada, de uma sociedade de repressão e de medo, de prisões arbitrárias, de defesa de um regime, que, dizia, nunca haveria de ser parlamentar, é a história do cerco a esta Câmara.
E se, lá fora, os tempos são de mudança, se noutros lugares, depois de décadas de repressão e de terror, os ideais da liberdade e da solidariedade estão a ser recuperados por milhões e milhões de cidadãos, o PCP aparece aparentemente imperturbável e fiel aos seus princípios de sempre.
Aliás, se alguma coisa diz é apenas que os princípios estavam e estão certos, mas que não terão sido correctamente aplicados.

É espantoso! Da noite para o dia, o PCP descobre que, afinal, o Sr. Honecker, o Sr. Jivkov, o Sr. Kadafi, o Sr. Brejnev e os outros todos não tinham aplicado correctamente os princípios. E é por isso que, para o PCP, a perestroika e todo o turbilhão de acontecimentos no Leste não são mais do que a restauração revolucionária do socialismo!
Pois é! É uma restauração: há-de ser a restauração das leis do mercado e da livre iniciativa, do respeito pelos direitos do homem e dos cidadãos.
Só pode ser assim!
Srs. Deputados, como democrata, e ao contrário do que por vós, com muito respeito, já aqui foi dito, recuso-me a pensar que os acontecimentos do Leste da Europa se devem apenas a questões de natureza material, quaisquer que sejam. O que se passa no Leste é, sem dúvida, a luta pelo pão. Mas é - e é sobretudo - o resultado da luta de muitos anos pelo fim do terror, pela democracia e pela liberdade.
Srs. Deputados do Partido Comunista, é uma questão de tempo! Eu acredito que também os comunistas portugueses hão-de acabar por declarar, solenemente e em congresso, que estavam enganados; que a sociedade que, parece, ainda teimam em construir, afinal não é possível. Mais cedo ou mais tarde, também o PCP reconhecerá que o «admirável mundo novo» foi um sonho mau, um pesadelo tormentoso. É nisso que eu acredito.
É que, Srs. Deputados, o que falhou não foi a aplicação dos princípios, o que falhou foram os princípios. O erro não está no modo como fizeram, o erro está nos princípios. São os princípios que estão errados.
Durante décadas afirmou-se que a via para o desenvolvimento económico e social era o socialismo. A colectivização dos meios de produção pelo Estado e o planeamento central garantiam a abundância, ao mesmo tempo que acabavam com as desigualdades sociais.
O progresso económico foi reduzido ao número de chaminés existentes, às barragens construídas e às toneladas de aço produzidas.
A liberdade e os direitos humanos não se enquadravam nos famosos «planos quinquenais».
Negou-se o direito à iniciativa individual porque onde não existe liberdade individual não pode existir iniciativa! Colectivizou-se!
Como diz Heyek, a colectivização é o primeiro passo no caminho para a escravidão. E é-o porque a colectivização nega ao cidadão uma liberdade essencial no processo de auto-recalização. A colectivização nega a possibilidade ao cidadão de escolher a forma como enfrenta a sociedade. Ao retirar ao cidadão o direito à propriedade, o Estado nega-lhe a possibilidade de se responsabilizar pelas suas acções.
E, por isso, no arsenal de ideias do socialismo faltou sempre a ideia essencial: a ideia de que é fundamental permitir que os cidadãos - todos - tenham ideias e as possam levar a cabo.
A colectivização significa exactamente o contrário.
Sempre foi evidente que a colectivização dos meios de produção necessita de um Estado forte, centralizador, capaz de dirigir tanto a produção como a distribuição e esse Estado dirigista linha de ser, necessariamente, dirigista, ditatorial e burocrático e tinha, por isso, de assumir como projecto fundamental o controlo total das instituições da sociedade, não permitindo uma sociedade civil autónoma e livre.
Em consequência, não puderam existir mecanismos, dentro do sistema, para dar expressão a posições discordantes, ao diálogo e à participação no processo de decisão.
E sem diálogo, sem participação, a modernização da sociedade era inevitavelmente impossível.
Ao reclamarem eleições livres, partidos políticos alternativos e liberdades políticas, os cidadãos da Europa do Leste demonstram, de forma bem clara, que a democracia pluralista ocidental é o sistema político mais adequado para resolver os problemas das sociedades contemporâneas.

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A democracia pluralista contem uma virtude desprezada em absoluto pelos comunistas. É o reconhecimento de que o poder necessita de ser limitado. E a melhor forma - a única forma - de limitar o poder totalitário é através da garantia das liberdades dos cidadãos no sistema político.
É por isso que, neste fim de século, só não necessita de mudar quem sempre defendeu o homem, como princípio e fim de toda a política, quem sempre defendeu a sua dignificação, o reconhecimento dos seus direitos fundamentais, do seu mérito e, também, a solidariedade e a justiça social.
Numa palavra: só não precisam de mudar os que sempre defenderam a democracia pluralista com um forte acento social!
Nós continuamos a defender os princípios de sempre, na certeza de que o princípio democrático e o não democrático são inconciliáveis, de que um exclui o outro, de que, entre ambos, não pode haver conciliação, porque a tentativa de conciliação entre o princípio democrático e o não democrático é, à partida, a subversão e a derrota da democracia. Por isso, não nos cansamos, nem nos cansaremos, de denunciar a coligação celebrada entre os socialistas e os comunistas portugueses.
Porque ela significa - porque significa sempre - uma cedência, uma abdicação.
Para nós, nunca haverá programa comum possível - seja a que nível for - que possa implicar a cedência de um só dos nossos princípios.
É certo que o Partido Socialista aqui está hoje - e não esperávamos coisa diversa - a denunciar os erros do comunismo e, portanto, lambem do Partido Comunista. Um discurso, aliás, vago, velho e abstracto. Terá, no entanto, de explicar aos Portugueses em que medida se compatibiliza este discurso com a coligação que celebrou com o PCP ao mais alto nível.
A política séria, a política com ética - palavra de que tanto gostam - também é - e é sobretudo - coerência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Disse aqui o secretário-geral do Partido Socialista na abertura do debate da moção de censura: «A Europa e o Mundo apresentam-se em mudança.»
Nós acrescentamos que nos regozijamos profundamente com tais mudanças. Nós saudamos estas mudanças e exortamos mesmo os respectivos povos a que continuem peto caminho que iniciaram.
É certo que tantas mudanças acarretarão a redefinição de estratégias (que não de princípios) a muitos níveis, em Portugal, na Europa e no mundo.
Nós, portugueses, também teremos de atender aos efeitos de tantas transformações, sem qualquer custo o faremos, porque o motivo vale bem a pena e ele é o reencontro de milhões de cidadãos com os caminhos da liberdade e da democracia.
Somos portugueses e democratas. Por isso o nosso estado de alma é de contentamento profundo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O secretário-geral do Partido Socialista disse nesta tribuna que «a Europa e o mundo se apresentam em mudança».
Regozijamo-nos e expressamos o nosso contentamento. E o nosso contentamento, devo confessar, só não é maior porque o Partido Socialista está também em mudança, mas no sentido contrário ao da Europa e do mundo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Infelizmente, o Partido Socialista está a andar para trás, como o caranguejo!...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os acontecimentos do Leste foram até aqui examinados em várias perspectivas: na perspectiva histórica, na perspectiva geopolítica, na perspectiva da segurança, na perspectiva económica, na perspectiva comunitária.
Proponho-me analisá-los na perspectiva dos direitos humanos e por duas razões: em primeiro lugar, porque o Muro de Berlim representa, antes de mais, uma grande vitória dos direitos humanos e, em segundo lugar, porque dentro de quatro dias se celebra o 41.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e, portanto, é altura de falar dos direitos humanos.
A divisão da Europa herdada de Ialta, que agora está posta em causa, traduz-se, na essência, em duas concepções culturais: a da Europa dos direitos do homem, fundada no humanismo personalista, a ocidente; e a da Europa do totalitarismo marxista-leninista, fundada no postulado de que os fins justificam os meios, na qual os direitos do homem são, sistematicamente, violados.
Várias foram as tentativas para fazer terminar esta fractura cultural, quer insurreições populares - em Berlim em 1953, em Budapeste em 1956, em Praga em 1968, na Polónia em 1980 - quer através da Conferência de Helsínquia, em 1975, em que, a troco da manutenção das fronteiras definidas em Yalta, os ocidentais obtiveram o compromisso soviético de que os direitos humanos seriam respeitados a leste.
Mas a União Soviética anterior à perestroika, tal como em Ialta, não cumpriu os compromissos assumidos. E, assim, a fractura contra-natura continuou entre a Europa que respeita os direitos do homem e a Europa que os viola. Permaneceu, portanto, a causa primária da falta de confiança internacional, que engendrou a guerra fria com a consequente corrida aos armamentos.
Desde sempre que os espíritos mais lúcidos - de que Andrei Shakarov é o símbolo - compreenderam que o desanuviamento, a reconciliação europeia, o desarmamento- numa palavra, a verdadeira paz - só seriam possíveis se a leste, como a oeste, os direitos humanos fossem respeitados.
Gorbachov teve o grande mérito de ter sido o primeiro líder soviético a compreender este postulado fundamental de que o desanuviamento e a paz se fundam no respeito generalizado dos direitos humanos.
Divergindo dos seus antecessores, que respondiam às acusações de violações dos direitos humanos na União Soviética com o estafado argumento de que se tratava de um assunto interno, Gorbachov teve a coragem e a lucidez de atacar o tema frontalmente e de forma positiva, libertando dissidentes presos, reprimindo os abusos psiquiátricos, permitindo um amplo debate público das ideias e iniciando reformas democráticas. Esta promoção dos direitos humanos na União Soviética, que é uma componente essencial da perestroika, está sem dúvida na origem do grande movimento pela democracia a que se assiste na Europa do Centro.
Pouco imporia que a preocupação de Gorbachov pelos direitos humanos tenha tido na sua origem preocupações de ordem sobretudo económica. Ele compreendeu, com efeito, que só poderia contar com uma atitude favorável do Ocidente desde que a União Soviética deixasse de reprimir os direitos humanos, como até então acontecia.

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O que importa acentuar neste momento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que a perestroika soviética contém, por enquanto, uma contradição fundamental, qual seja a de se reclamar do marxismo-leninismo, cuja pedra angular é o monopólio do partido único - o Partido Comunista -, arvorado em representante único da classe operária, conduzindo ao chamado centralismo democrático. Esta atribuição ao Partido Comunista do papel dirigente da sociedade soviética, consagrado no artigo 6.º da Constituição da URSS - contra o qual Sakharov se insurge, neste momento, ao ponto de ter convocado uma greve geral para o suprimir - contraria frontalmente o pluralismo democrático que é a própria essência da democracia tal como o Ocidente a entende, pluripartidarismo que constitui um dos direitos humanos fundamentais, consagrados no artigo 21.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo teor convém recordar neste momento:

1 - Toda a pessoa [e não apenas os membros do Partido Comunista] tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país, quer directamente quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2 - Toda a pessoa [e não apenas os membros do Partido Comunista] tem o direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país.
3 - A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente, que salvaguarde a liberdade do voto.

É este o teor do artigo 21.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Por enquanto e como vimos, a União Soviética não respeita este princípio fundamental da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Enquanto assim acontecer, enquanto Gorbachov apontar como objectivo político para a perestroika não o pluralismo político, mas a instauração de um Estado socialista de direito, como ele diz, inspirado em Lenine, liderado pelo partido único e apoiado numa polícia política que continua a existir, a União Soviética não poderá ser considerada uma democracia no sentido ocidental.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Egel escreveu que as revoluções começam nos espíritos, nas ideias e só posteriormente, por vezes muitos anos depois, se traduzem em actuações concretas. Aconteceu precisamente que, nos países do Leste europeu submetidos ao jugo soviético, os ideais de liberdade e de pluralismo político já haviam conquistado os espíritos dos povos quando a perestroika teve o seu início em Moscovo. A prova disto são as sucessivas insurreições nos territórios sovietizados. Por isso, quando a perestroika soviética franqueou a fronteira desses países acabou, do mesmo passo, por ser ultrapassada por outras perestroikas - na Polónia, na Hungria, na Alemanha Oriental, na Checoslováquia e até na Bulgária.
Nestes países, com efeito, a reconquista da liberdade já não é acompanhada da invocação do marxismo-leninismo; eles já não acreditam em partidos únicos, vanguardistas, nem em ceniralismos democráticos. Querem, pura e simplesmente, eleições verdadeiramente livres, democracia com pluralismo político, tal como o artigo 21.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem a define.
Temos, assim, na «casa comum europeia» idealizada por Gorbachev não um só mas três andares distintos: um andar em que os direitos humanos são respeitandos na sua integralidade e que é ocupado pela Europa Ocidental; um outro andar em que o marxismo-leninismo continua presente como fundamento filosófico da perestroika, em que o objectivo é a instituição de um Estado socialista de direito liderado pelo Partido Comunista, no qual não existe pluralismo democrático (o seu inquilino é a União Soviética); e há, finalmente, um outro andar em que os inquilinos (que são os países do Leste europeu) não querem ouvir falar do partido único nem de marxismo-leninismo e preparam eleições livres para se juntarem aos inquilinos do 1.º andar.
Podia acrescentar a cave, escura, sem sol e bafienta, onde habitam a Roménia e a Albânia!...
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Francis Fukuyama, num artigo recente que teve grande projecção e tem sido comentado em numerosas revistas e conferências, escreveu que os acontecimentos a que estamos assistindo anunciam o fim da história, isto é, o regresso, em definitivo e para todo o sempre, aos valores da liberdade e do respeito dos direitos humanos formulados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa.
Se aceitarmos a tese - que neste momento não tenho tempo de desenvolver -, poderemos dizer que o fim da história já aconteceu no Ocidente, está quase a acontecer em alguns países do Leste europeu, mas ainda vem longe na União Soviética.

Vozes do PSD: Muito bem!

O Orador: - Conseguirá Gorbachev dar o grande salto em frente, transformando a União Soviética numa democracia pluralista, assente numa economia de mercado e estruturada numa confederação de Estados? Ao ritmo em que as coisas correm, todas as interrogações são legítimas.
Dito isto, é de elementar justiça reconhecer que o caminho percorrido na União Soviética em tão pouco tempo é impressionante: libertação da quase totalidade dos dissidentes, eleições relativamente livres, liberdade do debate público, abandono da doutrina de Brejenev da soberania limitada, reformas em curso sobre a propriedade, a liberdade de consciência, de imprensa e de associação, a reforma do Código Penal, restrição dos casos de pena de morte - todas estas medidas representam avanços muito positivos em direcção à democracia e aos grandes princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Não se pode exigir do grande estadista soviético que queime demasiado depressa as etapas. As dificuldades que ele enfrenta, o descalabro da economia, a explosão das nacionalidades, a oposição dos meios conservadores, o inverno que se aproxima, põem em risco permanente o sucesso da perestroika. Gorbachev tem de manter o controlo dos acontecimentos do seu país, o que o inibe de avançar ao ritmo que muitos desejariam.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os acontecimentos extraordinários a que estamos assistindo na Europa do Leste, se não representam o fim da história anunciam, certamente, o fim da guerra fria e

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das guerras que, periodicamente, dilaceram o Velho Continente.
É, por isso, indeclinável obrigação do Ocidente - em particular da Europa da CEE - estar à altura do desafio que lhe é posto. O momento actual é comparável ao período imediatamente posterior à última guerra, quando a sovietização de uma Europa destruída e exangue estava iminente, e só não aconteceu porque alguns espíritos corajosos e lúcidos conceberam e arrancaram com o Plano Marshall, que salvou o nosso continente para a liberdade.
Essa coragem e essa liberdade põem-se de novo neste momento histórico, quando se torna imperioso fornecer com urgência aos países do Leste europeu em luta pela democracia o auxílio de que eles carecem para sobreviverem livres. Como é do mesmo modo obrigação da Europa solidarizar-se activamente com Mikhail Gorbachev na sua luta pela vitória da perestroika.
Perante estas urgências, já muitas vozes se ouvem, recordando outras carências que vão desde o auxílio aos países do Terceiro Mundo até aos contributos para os países limítrofes europeus, entre os quais Portugal se inclui.
Estas vozes têm a sua lógica. Não sendo ilimitado o bolo a repartir e deslocando-se o centro de gravidade da CEE em direcção ao Leste, todos os que acalentam expectativas de auxílios e contributos compreendem que as novas e urgentes carências dos países do Leste os podem afectar, pelo menos a médio prazo. Haverá, por isso, que estabelecer prioridades. Se assim acontecer, quais os critérios?
No momento histórico actual, em que está em jogo a instauração, pela primeira vez neste século, de uma verdadeira ordem democrática na Europa, assente na liberdade, a prioridade, na minha opinião, é o auxílio aos países do Leste.
Se a Europa perder esta ocasião histórica o risco será tremendo e poderá representar o regresso à guerra fria ou mesmo à guerra quente.
Ao invés, uma Europa vivendo numa «casa comum europeia», fundada numa verdadeira ordem democrática e no respeito dos direitos do homem, será uma entidade economicamente muito forte - superior aos Estados Unidos e ao Japão -, que estará em condições de atenuar, de modo muito mais efectivo, os desequilíbrios regionais e as carências do Terceiro Mundo.
O destino bate à poria da Europa. Está à vista o fim da sua divisão contra natura que durou meio século e mantinha metade dos europeus privados de liberdade e dos direitos fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A obrigação clara dos países da CEE, neste momento histórico, é deixar para trás egoísmos nacionais - por muito legítimos que sejam -, concentrando as suas energias, na minha opinião, em três direcções:
Na aceleração da reunificação europeia, de modo a tornar a Europa da CEE uma organização cada vez mais sólida, susceptível de constituir um firme ponto de apoio e referência nos turbilhões políticos que se aproximam - e um deles será a reunificação alemã, a qual, se for decidida democraticamente, corresponde a um irrecusável direito do povo alemão à sua autodeterminação;
Na prestação de imediata assistência de toda a ordem e no estabelecimento de laços de cooperação com os países do Leste em curso de democratização;
Finalmente, a Europa deverá também estabelecer uma solidariedade activa a Gorbachev na sua luta pelo sucesso da perestroika.
Parafraseando o falecido presidente John Kennedy no Muro de Berlim, nós, europeus ocidentais, devemos, na minha opinião, abrir os braços para os países do Leste em luta popular pela democracia e proclamar: «Somos todos europeus!».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Até há bem pouco tempo, a Europa Ocidental ou, de modo mais restrito, a Comunidade Económica Europeia começava aqui, em Lisboa, e acabava, lá longe, na dividida Berlim. Em poucas semanas, graças aos tenazes polacos, aos corajosos húngaros, aos surpreendentes alemães e aos formidáveis checos, a geografia começou a mudar. Incrédulos, vimos «em directo» homens livres arrancar tijolos à mão, vimos um muro cair, mas, sobretudo, assistimos à queda dos homens e das ideias que o fizeram.
O que virá a seguir nem Deus sabe! Por isso mesmo, alegria e ansiedade misturam-se em estranhos sentimentos. E também por isso lembramos, com particular emoção, Soljenytsine, London, Djillas, Dubcek, Palack, Pelikan, Sakharov e Walesa, entre tantos outros.
Os povos europeus estão a ajustar as últimas contas com um passado tormentoso e inesquecível. Devo dizer que podemos sentir orgulho no facto de Portugal ter a possibilidade de, pela primeira vez neste século, participar plenamente no esforço colectivo europeu.
Com o arranque do arame farpado e com a restauração gradual das liberdades abre-se um futuro imprevisível, mas desde já certo numa conclusão: a democracia venceu! Tantas vezes neste século desprezada, ridicularizada, esmagada e combatida, a democracia venceu!
Em contrapartida, a última forma de ditadura conhecida na Europa, o comunismo, perdeu irremediavelmente, perdeu pela economia e pela eficácia, mas foi, sobretudo, derrotada pelas liberdades e pelos direitos dos homens e dos povos.
A este propósito, não me seria possível prosseguir sem me dirigir directa e brevemente aos comunistas portugueses.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Oh! Oh! Oh!

O Orador: - O vosso combate de cinco décadas, ofuscado em 1975, ficará incompleto se não forem capazes de fazer aqui, em Portugal, pelo menos tanto quanto fizeram milhões de cidadãos da Europa Oriental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Cerca de 15 anos depois de Portugal, da Espanha e da Grécia, são agora os países da Europa do meio, daquela Europa que tantas vezes fez ou perturbou o continente, que querem juntar-se ao esforço colectivo das mais antigas democracias. De Lisboa a Varsóvia, de Dublim a Budapeste e de Oslo a Atenas, está aberta uma nova esperança. Talvez, em breve, possa dizer-se que, pela primeira no século XX, na Europa reina a liberdade.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há muitos anos que os Europeus viviam divididos não só por fronteiras, mas também por divisões armadas, com doutrinas de exclusão e com armas em riste. Viviam, além disso, encostados aos dois grandes poderosos e dessa espécie de protecção resultavam também constrangimentos.
Divisões e blocos mantiveram a paz, é certo, mas acabaram por revelar-se obsoletos. A paz de todos era paga com a liberdade de muitos! Emigrantes, entre os quais tantos portugueses, culturas, comunicações, empresas, capitais, sindicatos e comércio começaram a saltar barreiras. Agora, a coragem começa a abater também a odiosa fronteira da liberdade. Mais do que nunca, a Europa merece a sua Comunidade!
Com certeza que temos de pensar nos nossos amigos, naqueles com quem vivemos longas décadas, nomeadamente africanos e americanos; com certeza que qualquer precipitação pode ser fatal; com certeza que a exclusiva instabilidade ou o pacifismo infantil podem destruir toda a esperança. Dito isto, todavia, é verdade que a Europa, onde quase e tudo nasceu, do espírito à técnica, renasce forte e pode crescer mais vasta do que nunca.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Saibam os Estados europeus respeitar as nações que tem vontade de sê-lo, saibamos acolher Estados e nações que a nós querem juntar-se e o mundo terá ainda oportunidade para espantar-se com a extraordinária força vital de tão velhos povos.
Há 45 anos que o continente vive, em estabilidade, o mais longo período de paz de toda a sua história. Mas a estabilidade, que quase nunca é um valor em si, já não garantia a felicidade dos povos, muito menos a sua liberdade.
Nos últimos anos, tudo se disse sobre o «sono europeu», a sua inultrapassável crise, a sua decadência perante a América e o Pacífico, e até o mercado único parecia outro arranjo proteccionista, defesa de um continente em perda de velocidade.
De repente, em 100 dias loucos, quatro nações e dezenas de milhões de cidadãos iniciaram a mudança do século e a subversão do destino.
Todas as esperanças são permitidas e todas as preocupações são obrigatórias! O que a partir de agora vai acontecer, tal como desde o Verão, é simplesmente imprevisível: daí a atracção irresistível pelo futuro, daí os riscos e as ameaças. A liberdade e a independência são as mais arriscadas aventuras humanas.
Não se espere que a democracia se estabeleça repentinamente, sem obstáculos e sem decepções. Fundar uma democracia é obra complexa e penosa, como os Portugueses sabem. Não se espere também que, com novas condições políticas, os problemas económicos começarão a ser miraculosamente resolvidos, pois tal não acontecerá. E pode mesmo prever-se que as dificuldades económicas serão, no futuro imediato, uma permanente ameaça contra as liberdades nascentes.
Paz ou perturbação, paz e perturbação, ninguém sabe ao certo o que acontecerá. Quando se inicia a liberdade, tudo pode acontecer. E é bom que assim seja, pois de outro modo não haveria liberdade, e, nós, portugueses, estamos bem colocados para o saber!... Independentemente das incertezas próximas uma coisa é certa: temos, desde já, um dever a cumprir com responsabilidade.
O que pedimos aos outros, quando precisámos para a nossa própria liberdade e continuamos a precisar para o nosso desenvolvimento, temos a obrigação de dar, na medida do possível, aos que agora se dirigem a nós.
Pode ser que não tenhamos dinheiro, mas temos voz e voto, com o que muito poderemos fazer. Necessário é que o Governo Português saiba o que fazer e como fazer, não seja egoísta e dê à liberdade dos outros um valor tão grande como nós próprios damos à nossa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portugal não pode, por motivos interesseiros de curto prazo, criar quaisquer obstáculos ao apoio europeu aos países do Leste. Talvez haja uma factura a pagar mas, se houver, maior será a nossa honra.
Mas é essencial compreender que não se traia apenas de nobreza e de generosidade: com efeito, é do interesse nacional que uma nova Europa mais forte, mais vasta, mais independente, menos proteccionista e menos burocrática se prepare para as próximas décadas. A prazo Portugal não tem interesse numa «pequena Europa», nem na manutenção de países não democráticos no nosso continente. Portugal também não tem interesse em ver multiplicarem-se os conflitos políticos e dificuldades económicas na Europa do meio, na Europa do Leste.
Se, para este mais vasto desígnio, a actual Comunidade Económica Europeia necessitar de importantes reformas, tanto melhor será. Com efeito, há já muito a dizer sobre os presentes rumos da CEE, onde o défice democrático aumenta e alastram o proteccionismo e o intervencionismo burocrático. Não é só por causa do Leste que nos devemos repensar, é também por causa de nós próprios. É, aliás, curioso que Portugal, e alguns outros países, ao mesmo tempo que tentam libertar-se do excessivo intervencionismo interno, construam um externo ainda mais poderoso! Com uma agravante: este último é infinitamente menos democrático. É, pois, chegada a altura de analisar com desassombro as orientações adoptadas e os caminhos percorridos pela CEE e introduzir, quase com carácter de urgência, as correcções necessárias.
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao propor e participar neste debate, os socialistas têm dois objectivos. Primeiro, contribuir para o esclarecimento público, chamando a atenção dos Portugueses para um facto singelo, pois o que se passa na Europa do Leste diz-nos também directamente respeito. As perturbações que lá ocorrerem terão sérias consequências a ocidente e as dificuldades económicas e os conflitos políticos da Europa do Leste serão também os nossos.
Segundo, desafiar o Governo a tentar estabelecer algum consenso parlamentar sobre a política externa. Pelo menos neste domínio essencial, o Governo tem de mostrar-se mais disponível, tanto como nós, para o debate e a cooperação institucionais. Pelo menos, relativamente à posição de Portugal no mundo, o Governo tem de admitir que o Parlamento português deva desempenhar um papel de relevo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Dando um passo em frente, eis algumas orientações ou princípios que Portugal deveria defender e apoiar, admitindo que as escolhas dos povos feitas em eleições livres são o verdadeiro ponto de partida para novas actuações políticas.

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Primeiro, a manutenção das fronteiras estatais, princípio capaz de evitar graves dificuldades e contrariar renascimentos nacionalistas absolutamente inconvenientes; segundo, o apoio firme e generoso da Comunidade Económica Europeia aos países europeus que optem pela democracia e manifestem o desejo de se aproximar; terceiro, a abertura a eventuais alargamentos da Comunidade, assim como à procura de estatutos diversificados e de evolução gradual, se for o caso; quarto, o combate à tendência dirigista e proteccionista dos órgãos comunitários, implicando mesmo um reexame da organização; quinto, a promoção da competitividade económica e da ciência europeia perante as grandes potências; sexto, a defesa enérgica da Europa das nações soberanas e dos Estados independentes e democráticos.
Eis, pois, Srs. Deputados, algumas bases realistas para uma política nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado João Amaral e o Sr. Ministro nos Negócios Estrangeiros.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado António Barreto, utilizo a figura do pedido de esclarecimento para dizer o seguinte: naturalmente que o Sr. Deputado tem toda a legitimidade e direito de fazer a intervenção que fez e de exprimir as opiniões que exprimiu sobre a situação na Europa do Leste.
Quanto às apreciações que fez e aos conselhos que deu ao PCP, devo registar que eles são completamento descabidos e que relevam desconhecimento do nosso programa, da nossa actividade e do nosso posicionamento na sociedade portuguesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vocês não publicam nada!

O Orador: - Direi até que, pelo menos, revelam que o Sr. Deputado não esteve com atenção à intervenção que o meu camarada Carlos Brito aqui produziu sobre toda a problemática deste debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Barreto, havendo um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Barreto (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Deputado António Barreto, quero apenas colocar duas ou três questões muito breves, que têm a ver com os seis pontos que V. Ex.ª referiu.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se V. Ex.ª concorda ou não com o texto da acta final de Helsínquia; em segundo lugar, se concorda ou não com aquilo que foi feito pela Comunidade relativamente à Hungria e à Polónia, e quais as razões; em terceiro lugar, e uma vez que há um antagonismo óbvio entre o alargamento e novas formas de associação na Comunidade, qual é a posição que V. Ex.ª preconiza relativamente a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado João Amaral, o seu pedido de esclarecimento revela, em certo sentido, que os meus conselhos são cabidos, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado disse. Deixe-me só dizer-lhe, de uma forma lapidar, o seguinte: eu era comunista há 25 anos, deixei de o ser quando fui ver o comunismo!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é consigo!

O Orador: - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, no meu entender, a acta final de Helsínquia deve ser revista - aliás, tudo deve ser revisto - à nova luz e perante os novos acontecimentos.
Na altura, em 1975, não fiquei muito feliz com a acta, pois considerei-a como um conjunto de vitórias semânticas da União Soviética e do seu bloco e, várias vezes, como membro do Governo responsável pelo comércio externo, recusei-me a inscrever princípios da acta de Helsínquia, porque definiam, no meu entender, uma vitória semântica e uma cedência do Ocidente nesses domínios. Penso, pois, que estamos na altura de revê-la.
Quanto àquilo que a Comunidade tem feito pela Hungria e pela Polónia, devo dizer que estou de acordo, mas quero mais, quero muito mais, tudo dependendo, evidentemente, da evolução dos próprios países e, sobretudo, da escolha do povo.
Em relação à polémica que o Sr. Ministro me sugeriu, devo dizer que sou a favor da consolidação da Europa, e falo do meu ponto de vista pessoal; porém, não sou a favor de um aprofundamento e de uma aceleração- como já hoje aqui dito, muitas vezes, por membros do Governo e deputados da maioria. Sou mais a favor da consolidação e de uma atenção muito mais importante ao eventual alargamento da Comunidade do que de uma consolidação imediata, porque, dessa forma, correr-se-ia o risco de, por um lado, afastar os novos países que querem entrar para a Comunidade, os da EFTA e os do Leste, e, por outro, de agravar o proteccionismo e o dirigismo comunitário que está actualmente em vigor na Europa Ocidental.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No novo agendamento que o Governo marcou para hoje, renunciando, aparentemente, como se vê pelo decurso do debate, à ideia inicial do PSD de instrumentalizar este debate ao serviço de interesses partidários, eleitorais, pessoais e imediatos, é naturalmente importante que os acontecimentos em curso no mundo sejam reflectidos por todos nós nesta Assembleia.

Vozes do PSD: Vocês não mudam. É um caso perdido!

O Orador: - Sr. Presidente, aguardo até poder continuar ... Espero que não seja contado este tempo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa vai, naturalmente, descontar este tempo.

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O Orador: - É necessário, contudo, que o discurso que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros proferiu aqui no inicio do debate seja aferido pelo processo de desanuviamento e de distenção que se vive na comunidade internacional e pela prática política do Governo.
Na verdade, quando o processo de desarmamento e desanuviamento começa a atirar para o baú das velharias o período da guerra fria e o perigo de uma confrontação global, devemo-nos interrogar que sentido têm novas decisões que estão em curso, como a da adesão de Portugal à UEO, a permissão da instalação de uma estação de rastreio de satélites em Almodôvar ou o anúncio feito há tempos nesta Assembleia pelo Ministro Eurico de Melo da possibilidade de instalação e trânsito pelo nosso país de aviões dotados com armamento nuclear.
Quando um dos postulados da estabilidade na Europa e da crescente cooperação entre países com sistemas sociais diferentes é, à partida, o reconhecimento das fronteiras da Europa saídas da II Guerra e confirmadas na acta final de Helsínquia, cumpre perguntar que sentido fazem declarações como as que, segundo a imprensa, o sr. Ministro Deus Pinheiro, proferiu este fim-de-semana, em Tróia, perante os seus pares da Federação Internacional da Juventude Liberal e Radical, e hoje aqui mesmo retomadas neste debate, pondo em causa essas fronteiras e, portanto, os acordos de Helsínquia que Portugal assinou, acolhendo e preferindo as correntes mais revanchistas e agressivas no seio da NATO e da Europa.
Quando uma das premissas para a edificação da «casa comum europeia» é, como dizia Mikhail Gorbatchev na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, a possibilidade de se desenvolver uma «cooperação multiforme», tendo por base o reconhecimento de uma realidade, que é a da existência de Estados europeus com sistemas sociais diferentes e do respeito pelo direito soberano de cada povo escolher livremente o regime social do seu país, então as tentativas de ingerência na vida interna dos países socialistas procurando forçar a substituição do sistema, os apelos ao fim do socialismo, o regozijo face a dificuldades temporárias, as ilusões quanto à restauração do capitalismo naqueles países demonstram bem o sentido último de alguns daqueles que dizem apoiar a perestroika.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: como afirmou Mikhail Gorbachev, em 28 de Setembro, na Ucrânia, a perestroika é a liquidação das deformações do socialismo e a sua renovação a partir do renascimento do marxismo criativo e de uma nova compreensão das ideias leninistas e não o desmantelamento ou a falência do socialismo, como ainda há pouco o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares aqui se regozijava, não é a restauração do capitalismo.
A defesa da propriedade social dos bens de produção como matriz do sistema económico, a superação dos antagonimos sociais e nacionais, a luta contra a burocracia, o desenvolvimento da democracia socialista são alguns dos elementos que definem o sentido da perestroika que põe em causa não o socialismo, mas os postulados dogmáticos que se instalaram na sua construção.
Não é esta, certamente, a perestroika que o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva ainda ontem declarava que é preciso apoiar.
Por seu lado, o PCP já referiu frequentes vezes estar com a perestroika e com as transformações no sentido da renovação e do revigoramento do socialismo.
É natural que processos tão complexos e colossais como este possam trazer no bojo insucessos e situações pontuais e temporárias de fracasso que naturalmente nos preocupam, mas o rumo essencial é o da superação das dificuldades a caminho da renovação e do reforço do socialismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O processo em curso não é linear, mas os povos rapidamente compreenderão que ao deslumbramento das promessas se sucedem a realidade do desemprego, da pobreza, da incalculável pilhagem das riquezas nacionais pelos grandes grupos económicos, as ingerências e as dependências externas intrínsecas ao capitalismo e à social-democracia, e que o modelo neoliberal, que fracassou no Brasil, na Inglaterra e noutras partes do mundo, não é certamente a solução que os povos ambicionam para as suas dificuldades.
Por isso, o caminho está na renovação dos fundamentos, dos métodos e das práticas políticas, económicas e sociais no quadro do sistema e do ideal socialista.
Por isso o caminho está no aprofundamento da democracia e da prática da liberdade, nos mecanismos de participação real dos povos nos processos e órgãos de decisão dos respectivos países, na separação de funções entre partido, Estado e sociedade, na aplicação não de modelos desligados da realidade, mas de soluções no plano da organização do Estado, da economia e da sociedade que tenham em conta a especificidade e as diferenciações próprias de cada país e de cada povo.
O caminho está em saber-se assumir que as liberdades individuais do cidadão e os direitos sociais e económicos dos trabalhadores e de todo o povo são valores indissociáveis e interpenetráveis e não contrapô-los uns aos outros. A ideia de liberdade do homem e do cidadão proclamada pela Revolução Francesa foi completada pela liberdade e pelos direitos dos trabalhadores e de todos os explorados e oprimidos proclamada pela Revolução de Outubro que, como afirmou Mikhail Gorbatchev na Sorbonne, em Julho passado, «foi uma resposta às contradições e defeitos revelados durante o desenvolvimento da primeira».
Todos estes caminhos estão de há muito assumidos e proclamados pelo PCP tanto na definição do partido que somos, nos traços característicos da nossa actividade partidária, na acção política, no funcionamento e na vida interna profundamente democráticos, como no projecto de sociedade democrática e pluralista que defendemos para Portugal a partir da realidade portuguesa e reafirmando, como já o fizemos há quase meio século, que não existe um «modelo» de socialismo que possa ter validade universal.
É por isto, Sr. Deputado António Barreto, que dispensamos - como há bocado disse o meu camarada João Amaral- os seus conselhos, porque desde há muito o PCP assume no seu programa e na sua prática os princípios do trabalho democrático e do respeito pelo povo.
Basta revisitar e ler, entre outros, o programa do PCP aprovado no VI Congresso em 1965, o livro do secretário-geral do PCP, editado em 1985, O Partido com Paredes de Vidro, ou, mais recentemente, o novo programa saído do XII Congresso em Dezembro de 1988, ou ainda documentos posteriores do PCP.
Bastará acompanhar a acção prática do PCP nas fábricas, nos campos, na cidade, nas escolas, entre a intelectualidade, bastará acompanhar a actividade e a obra dos seus membros e aliados na CDU em centenas de órgãos

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autárquicos apoiada pelas populações para compreender o porquê da vitalidade do PCP como, aliás, as próximas eleições autárquicas se encarregarão de o demonstrar, bastará acompanhar a acção dos comunistas com o povo e ao serviço do povo para compreender a indestrutível confiança do PCP nas ideias da paz, do progresso e do bem-estar, nas ideias do socialismo e do comunismo, nas aspirações milenárias do homem de libertação da exploração e da opressão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o debate não termina aqui. Pela nossa parte, pensamos que os processos de desarmamento, de desanuviamento e de procura da paz que estão em curso, a crescente cooperação no terreno político e económico entre países com diferentes sistemas sociais, os impactes de todos os acontecimentos na evolução da Europa exigem aprofundar a reflexão em sede das comissões parlamentares especializadas sobre o sentido da actual política interna e externa de Portugal e o contributo do nosso país para o fim da corrida armamentista e para uma real cooperação entre o Leste e o Oeste, o Norte e o Sul.
Da nossa parte, PCP, disponibilizamo-nos para prosseguir essa reflexão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A propósito, sempre fazem o congresso extraordinário ou não?

O Sr. João Amaral (PCP): - Quer-se candidatar?.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Tenho pena que o Partido Comunista Português não tivesse reservado esta intervenção para o início dos debates, porque ela revela bem o ambiente - e não tome isto no sentido pessoal - de completa paranóia política que representa hoje o discurso do Partido Comunista. Os senhores falam sobre uma realidade que já não existe a não ser nas palavras. Os senhores falam em «nós», dizem que a perestroika vai ser assim, que a perestroika vai ser assado. O problema é que o sujeito das transformações na Europa do Leste é o povo, são as pessoas, é a população, não é a decisão do partido que, muito circunstancialmente, o Sr. Deputado referiu sempre no singular.
Portanto, lamento que o seu discurso não tivesse sido o discurso de abertura do debate do Partido Comunista, porque ele é extremamente revelador da completa incapacidade de abandonar um universo que hoje é cada vez mais feito de fantasmas, e esse discurso revela mais sobre a verdadeira política do Partido Comunista Português do que dezenas de citações de adjectivos postos num programa de congresso.

O Sr. Presidente: - Para responder à questão colocada, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -O Sr. Deputado Pacheco Pereira não fez qualquer pedido de esclarecimento. Nós registámos a sua pena, porventura a pena de não ter sido o deputado que iniciou este debate pelo PSD neste dia...

Risos.

E a opinião do Sr. Deputado é a sua opinião, vale o que vale. A nossa opinião baseia-se no conhecimento das realidades, no conhecimento dos textos e no conhecimento profundo das transformações. Aliás, não nos admira estas novas concepções do Sr. Deputado Pacheco Pereira, concepções que, muitas vezes, eu chamaria de concepções intriguistas da história. De facto, quem ler a biografia política do Sr. Deputado Pacheco Pereira, recentemente publicada num dos livros que foi divulgado, e verificar que de entre os seus antepassados se conta um dos assassinos de Inês de Castro, que, como sabe, foi assassinada em resultado de intrigas palacianas..., isto quer dizer, Sr. Deputado, que não nos admiram nem espantam as suas intervenções nem a sua análise.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira pede a palavra para que efeito?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Para defesa da consideração familiar, já que o Sr. Deputado Lino de Carvalho referiu um dos meus antepassados de há muitos séculos atrás que, efectivamente, foi um dos assassinos da linda Inês...

Risos.

... e foi o único que escapou com vida...

Risos.

Mas devo dizer-lhe que na história portuguesa tal crime pode ser considerado mais dentro da tradição da própria história dos partidos comunistas, visto que foi um crime cometido em nome da razão de Estado e, portanto, desse ponto de vista talvez não fique bem ao Partido Comunista estar a levantar aqui questões da história do século XIV, porque, em matéria de razão de Estado, o meu antepassado matou uma senhora - sem dúvida que é um crime -, mas os antepassados e os presentes familiares ideológicos do Sr. Deputado mataram vários milhões de pessoas em nome da razão de Estado, e eu não vi no seu discurso qualquer referência a essa matéria.

Vozes do PSD. Muito bem!

O Sr. Presidente : - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho - Sr. Presidente, como se vê, não ofendi a honra do Sr. Deputado. Quanto muito ofendi a honra do seu antepassado, se é que o Sr. Deputado está mesmo convencido de que tinha este antepassado nu sua família, que está na sua biografia política.
Sr. Deputado, de qualquer modo, penso que este interlúdio salvou-o de não ter sido o primeiro orador deste debate.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei ser muito breve

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e limitar a minha intervenção ao que ela tem de essencial por elementar respeito pelos tempos dos oradores que se hão-de seguir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quase meio século, precisamente no Verão de 1941, e num dos momentos porventura mais sombrios da Segunda Guerra Mundial, a Carta do Atlântico prometia a todos os povos, vencedores ou vencidos, o direito de no futuro escolherem livremente a forma de governo que preferissem e o respeito pelas liberdades fundamentais. Posteriormente, em Ialta, os três grandes retomaram e confirmaram solenemente esses princípios. Porém, a realidade cedo se mostrou ser outra.
Finda a guerra, e no tempo que imediatamente se lhe seguiu, os partidos comunistas desses países fizeram tábua rasa desse compromisso e, por processos não democráticos, cedo se instalaram em todos e em cada um desses países férreas ditaduras colectivistas.
As tentativas de libertação e de reposição dos respectivos direitos humanos foram sempre cruel e violentamente esmagadas, como aconteceu na Hungria em 1956 e na Checoslováquia em 1968.
É certo que acabamos de saber que os países da Europa Oriental, com inclusão da União Soviética, condenaram agora a invasão da Checoslováquia de há 20 anos. É uma atitude que merece o nosso aplauso, mas dificilmente, e apesar disso, se esquecerá o sofrimento dos povos humilhados e sacrificados, e também não será por isso que se perderá a memória de lan Palach, o jovem que voluntariamente se imolou ao seu amor pela liberdade e pela sua pátria. Ele permanecerá como um símbolo na lembrança de todos os homens livres, como permaneceu no coração do povo checoslovaco.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: durante as últimas dezenas de anos, assistimos ao desenrolar de uma intensa e hábil propaganda, que porfiadamente proclamava as excelências da vida no Leste Europeu. Todavia, e ao arrepio dessa mesma propaganda, o que se verificava é que os cidadãos desses países, sempre que podiam, procuravam refúgio no Ocidente; e fizeram-no em tão grande número que para evitar esse êxodo em massa de tal paraíso se tomou necessário construir a cortina de ferro e o Muro de Berlim, agora felizmente já destruído pelos Berlinenses e para alegria nossa, com uma participação decisiva da juventude de ambos os lados desse muro.
Simultaneamente, os teóricos do socialismo marxista continuavam a profetizar como inevitável o triunfo final da sua ideologia: segundo eles, seriam as contradições do sistema ocidental a determinar o seu afundamento e a emergência do socialismo real em todo o Ocidente.
Todos os acontecimentos recentemente ocorridos nos países do Leste vêm demonstrar de modo evidente que tudo está a acontecer ao contrário do que tais profecias prenunciavam.
Os países ocidentais, pesem embora as suas limitações, e até possíveis erros, souberam construir um alto nível económico e social, e o que é de tudo o mais importante é que todos construíram também instituições e sistemas políticos que são modelos de liberdade e de respeito institucional pelos direitos humanos.
O confronto desta realidade com o que ocorre nos países socialistas explica as dissidências cada vez mais numerosas e as constantes fugas do Leste de intelectuais, artistas, e de tantos outros milhares de cidadãos que, muitas vezes, com o risco da própria vida, procuraram no Ocidente a liberdade que nas suas pátrias lhes era negada.
E explica também o facto a que assistimos agora de serem nações inteiras que se levantam, e que irreprimivelmente proclamam também a sua liberdade e o seu desejo de verdadeira democratização, rejeitando definitivamente as soluções ditatoriais e colectivistas.
Assim, o que há escassos meses nos parecia ainda um bloco monolítico aparece-nos agora tal qual é: um sistema caduco, de economia em grave crise, que ele não sabe nem pode superar, e uma estrutura política burocratizada e ditatorial, completamento desadequada das exigências das sociedades modernas.
Afinal, e ao contrário da futurologia que fizeram os referidos profetas, são as contradições e a inépcia do «socialismo real» que estão determinando o seu afundamento. São elas que projectam os povos do Leste europeu no caminho do pluralismo democrático e da reforma das suas estruturas políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nao obstante, muito de decisivo aconteceu já nos países do Leste europeu, de decisivo e de irreversível, e todos sentimos que, seja qual for a evolução futura dos acontecimentos, nada voltará a ser como foi antes.
Nesta hora exaltante, a Europa Ocidental deve, assim, considerar como um imperativo ir ao encontro dos povos do Leste que estão construindo os alicerces da sua liberdade e facultar-lhes a ajuda e a cooperação de que carecem e para os quais Portugal deve estar também disponível na medida das suas possibilidades.
Mas também penso que tal ajuda deve ser actuada sem prejuízo - e até com o possível reforço - da solidariedade das nações ocidentais, traduzida nos tratados e nas instituições que as unem e que têm sido a inequívoca causa - a causa principal - do seu progresso económico, da sua crescente aproximação cultural e da preservação da paz nos últimos quarenta anos.
É verdade que assistimos já a recentes reformas na União Soviética que, pela sua importância, são sinais inequívocos do espírito de mudança e de revisão da sua política instaurada por Gorbatchev.
No entanto, e apesar de todas as boas intenções que ouvimos anunciar, o Pacto de Varsóvia e as forças armadas soviéticas, só por si, continuam a dispor de forças convencionais várias vezes superiores às da Aliança Atlântica e que excedem em muito as necessidades militares de simples defesa.
É assim certo que se a hora que estamos vivendo é de esperança, ela deve também ser ainda, por algum tempo, de prudência e de firmeza. Porque em política, se as esperanças estimulam, só as certezas contam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em qualquer caso, na perspectiva imediata em que se centra o nosso debate, é para todos nós sinal altamente positivo e extremamente emocionante o facto de os povos do Leste Europeu estarem lutando pela sua liberdade e conseguindo a democratização das suas pátrias.
Eles estão, assim, corajosamente, a demonstrar que o direito não é nem pode ser nunca um simples instrumento do poder; que o reconhecimento da liberdade humana não é uma mera faculdade jurídica que o arbítrio do legislador possa dar ou tirar; que cia é ainda mais do que um valor ou uma referência ética, porque faz parte integrante da própria natureza humana; porque sem liberdade não se pode viver nem ser integralmente um homem.
Esses povos merecem, assim, e só por isso, a nossa total e entusiástica solidariedade.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, sociais-democratas, saudamos jubilosamente tudo que no Leste europeu está acontecendo, porque esses fenómenos constituem para nós motivo de singular satisfação. É que esses acontecimentos são a demonstração cabal de que os totalitarismos dogmáticos do socialismo real e do Estado todo-poderoso só conduzem à opressão e à miséria.
Tudo, portanto, nos vem confirmar na nossa razão: só a via reformista que defendemos - e que já se desenha nalguns desses países como solução - pode conciliar, nas sociedades modernas, a defesa da dignidade e da liberdade do homem, que é o nosso valor primeiro, com as exigências do progresso e de uma verdadeira justiça social.
Assim reforçados no nosso pensamento, continuaremos, à sua luz, a desenvolver coerentemente a nossa acção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se António Sérgio aqui pudesse estar teria dito, com certeza: abaixo o reino cadaveroso! E teria pedido um pouco mais de Europa, é o mínimo que nos exige a grandeza dos sucessos que constituem o objecto deste debate. Mas, afinal, alguns - parece que também o próprio Sr. Ministro - só queriam chegar a Lisboa. Não sei se conseguimos sair de cada um dos nossos bairros, talvez um novo debate seja necessário!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Temos o privilégio de assistir, por vezes quase incrédulos, a acontecimentos que dia a dia estão a mudar a história da Europa e do mundo. Vimos cair um muro e dogmas que suo já passado. E somos, pela primeira vez, como queria o filósofo, contemporâneos do futuro. De Ialta a Malta é um ciclo histórico que se fecha. Uma ordem acaba. Uma vez mais se constata como é grande, afinal, a desordem das ditaduras. Uma nova era está em marcha. Mas ninguém pode dizer com segurança qual a nova ordem dos séculos.
Em estilo quase telegráfico, tentarei destacar alguns pontos.
Em primeiro lugar, o mérito histórico de Gorbatchev. Sem a perestroika nada teria sido possível. É de elementar justiça saudar - como aliás o fez o Presidente Bush - a lucidez e a coragem do líder soviético. O processo reformador por ele iniciado transformou-se já num processo libertador sem precedentes na história recente da Europa.
Em segundo lugar, a força irresistível dos ideais de liberdade e democracia que constituem o cerne da civilização democrática europeia. 200 anos depois, os direitos do homem proclamados pela Revolução Francesa ganham uma nova dimensão, uma nova pujança, uma nova universalidade. É de novo o primado do homem e do indivíduo contra a ideia abstracta de massa, de classe, de partido ou de Estado. Razão linha Jaurés quando intuiu que o socialismo ou seria a realização histórica do individualismo ou não seria.
Em terceiro lugar, a falência de um sistema que, em nome de um grande e belo ideal de libertação, trouxe consigo o goulag, a supressão das liberdades, o partido único e o controlo do Estado, da economia e da sociedade pelo seu aparelho dirigente. E mais: a pretensão de controlar as próprias consciências, que é sempre o pior erro e o pior crime de todos os totalitarismos, como muito bem disse o escritor soviético Anatole Ribakov.
Em quarto lugar, a razão histórica daqueles que, na esquerda e de um ponto de vista de esquerda, sempre recusaram a teoria leninista do partido de vanguarda e o modelo totalitário construído por Estaline.
Razão de Martov, de Plekhanov e de muitos outros sociais-democratas russos. E também daqueles bolcheviques que só muito tarde e à custa da própria vida compreenderam quem era afinal Estaline e o logro em que estava a transformar-se a revolução que tinham feito.
Razão de Léon Blum quando, no Congresso de Tours de 1921, teve a coragem de recusar as 21 condições impostas pela Internacional Comunista e de defender, com extrema clarividência, uma concepção democrática do socialismo.
Razão de Mário Soares e do Partido Socialista quando, em 1975, perante o silêncio, as omissões, a incompreensão e a cobardia de muitos, ousou combater e vencer, em nome da liberdade e da democracia, a tentação totalitária.

Aplausos do PS.

Em quinto lugar, os acontecimentos no Leste europeu exigem dos países democráticos uma nova atitude e uma nova responsabilidade. Uma nova atitude no que respeita à necessidade de repensar e revitalizar, também aqui, o funcionamento das instituições democráticas, por forma a evitar um divórcio entre estas e os cidadãos. Uma nova responsabilidade traduzida no dever de contribuir solidariamente, sem egoísmos nem uma visão tacanha de campanário, para a consolidação das reformas democráticas nos países do Leste.
Em sexto lugar, sabe-se o que está a desaparecer, não se sabe ainda que formas institucionais vão surgir. O problema está em saber se os actuais dirigentes são capazes de ir até às últimas consequências, submetendo-se a eleições livres, única via para consolidar e estabilizar os processos de mudança.
Em sétimo lugar, os equilíbrios surgidos com o fim da II Guerra Mundial estão já a ser postos em causa. O estabelecimento de novos equilíbrios não se fará por certo sem crises, sobressaltos, interrogações. O problema alemão voltou à ordem do dia. Na ordem do dia está a necessidade de uma nova reflexão sobre os blocos militares, bem como sobre o futuro das instituições europeias.
No que respeita à CEE, o reforço da coesão económica e social e, para já, a condição necessária para a Europa comunitária poder responder aos desafios que são postos pela urgência de repensar a Europa toda. Mas esta é também a hora de rejeitar o euroburocralismo e de assumir a Europa na diversidade das suas culturas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Um novo papel cabe ao velho Conselho da Europa, que deverá ser o fórum privilegiado do diálogo entre europeus do Leste e do Oeste.
Em oitavo lugar, a falência do modelo comunista tradicional não é, como alguns gostariam, o fim do socialismo nem o fim da esquerda. Trata-se de certo modo de um regresso às origens e à matriz democrática do socialismo europeu.
É uma nova e histórica responsabilidade para os partidos socialistas e sociais-democratas, que tem agora um novo espaço de irradiação e debate, por forma a impedir

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que a rejeição do «socialismo real» se transforme em rejeição pura e simples da própria ideia de socialismo.
Mas também uma nova e irrepetível oportunidade para os comunistas que forem capazes de compreender, como há 20 anos o fez Dubcek, como o está a fazer Gorbatchev, que a liberdade é em si mesma um valor absoluto e insubstituível, um valor sem o qual o socialismo não tem sentido.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As mudanças no Leste vão provocar mudanças inevitáveis no Ocidente. Desejável será que, após a queda do Muro de Berlim, outros muros simbólicos comecem a cair o egoísmo, a intolerância, o sectarismo, o racismo, os desequilíbrios e as desigualdades, a discriminação sob todas as suas formas. Alargar os direitos políticos, dar um conteúdo concreto aos direitos sociais - eis o combate do socialismo democrático que continua a ser, como disse François Mitterrand, «a ideia mais nova do mundo».
Finalmente, a hora em que pela primeira vez o Papa recebe o líder soviético deve ser a hora de um novo diálogo em toda a Europa, tendo em vista um novo clima de confiança, compreensão e solidariedade. De certo modo, a Europa do século XXI já começou. Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que ela seja uma Europa de liberdade, de democracia e de paz do Atlântico aos Urais.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o PS já não dispõe de tempo para responder, mas a Mesa vai conceder-lhe um minuto.
Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Montalvão Machado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, mais do que um pedido de esclarecimento, gostaria de fazer uma observação sobre o conteúdo da sua intervenção.
Penso que, no momento em que se faz o balanço das pessoas que criticaram o socialismo real, é um pouco hipócrita citar apenas aqueles que estão nas margens ou à volta da tradição socialista.
Chamo-lhe à atenção para o facto de terem sido os trotskistas os primeiros a denunciar o que acontecia na União Soviética nos anos 20, e fizeram-no em situação extremamente difícil, porque ninguém acreditava neles, toda a gente pensava que a descrição que eles faziam da realidade soviética era mirífica, ou seja, nem à direita, nem à esquerda.
Depois, muita gente que não pode ser considerada socialista, muita gente de direita, denunciou o regime soviético. Por esta razão, penso que para essas pessoas, que denunciaram nestes últimos 70 anos a realidade do sistema soviético, é injusto - e é manter-se dentro de um quadro de pensamento que estamos a pretender combater - reduzir o testemunho e a tradição apenas àqueles que o fizeram pela esquerda. Houve muita gente que o fez à direita e, acima de tudo, houve muita gente que o fez nem à esquerda nem à direita, contando as suas experiências de vida na União Soviética. E seria justo, pela nossa parte, lembrar-nos que esses foram os que mais sofrerem, os que mais foram atacados, porque não tinham nenhum grupo, partido ou posição ideológica para os defender.
Gostaria também de lhe dizer que nada comprova que as suas afirmações sobre a vontade das populações da Europa do Leste de quererem permanecer sobre qualquer fornia de socialismo tenham algum sentido que não seja aquilo que vulgarmente se chama o wish of thinking, ou seja, um desejo que seja assim.
Penso que não podemos estar a fazer um discurso sobre o que os povos da Europa do Leste querem ou não querem; nós temos que, neste momento, fazer essencialmente um discurso não sobre ideologias projectivas mas sobre realidades práticas, ou seja, sobre as condições para lhes assegurar a transição para uma democracia plena. O que eles querem fazer dessa democracia é com eles.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, uso da palavra tão-somente para lhe fazer uma chamada à sua memória que sei que não é curta.
O Sr. Deputado, na sua intervenção, salientou o papel do Presidente Mário Soares e do Partido Socialista em 1975 a favor da liberdade em Portugal. É verdade! Sou o primeiro a reconhecer que isso é verdade. Só que o Sr. Deputado esqueceu que a par do Dr. Mário Soares e do Partido Socialista esteve o Dr. Francisco Sá Carneiro e o Partido Social-Democrata.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E até estava capaz de lhe lembrar, Sr. Deputado, se me permitisse, que a primeira manifestação de massas que houve neste país contra o comunismo, que pretendia apoderar-se do aparelho do Estado, foi no Porto, onde dezenas de milhares de pessoas se dirigiram ao quartel do CICA e depois ao quartel do RASP, onde dezenas de sociais-democratas portugueses foram feridos a tiro pelas balas dos militares que estavam no RASP.

O Sr. José Lello (PS): - Eu estive lá, isso não é verdade!

O Orador: - Só 15 dias depois é que teve lugar em Lisboa a manifestação da Alameda. Acredito, como diz o Sr. Deputado José Lello, que muitos socialistas tenham estado lá connosco, mas V. Ex.ª também tem de acreditar que, efectivamente, também muitos sociais-democratas estiveram convosco na Alameda.

Aplausos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Aliás, muito antes de vós reivindicámos nós as eleições!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, já há dias frente às câmaras da Televisão tivemos essa polémica.
No que respeita a Trotsky, ainda recentemente numa entrevista que dei, referi Trotsky, que, em 1903, de certa maneira, profetizou o que viria a acontecer - não posso citar todos os que o fizeram, porque são milhares, se não

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mesmo alguns milhões -, e falei de uma polémica da esquerda e de um ponto de vista da esquerda, porque os socialistas travam este combate há muito tempo...

Vozes do PSD: - Os sociais-democratas também!

O Orador: -... e têm legitimidade histórica para dizerem aquilo que eu aqui disse.
Também não afirmei que as populações querem o socialismo, até disse que a consolidação passa pela via de eleições e que se exige aos socialistas uma nova responsabilidade histórica, aos socialistas e aos comunistas que fizeram um determinado caminho, um combate para que, de facto, não se passe da rejeição do socialismo real à rejeição do socialismo tout court e à própria ideia de socialismo. Isso é um debate político e um combate ideológico em todo o sentido, como é próprio da democracia.
Mas falei de um ponto de vista da esquerda como homem de esquerda, como um socialista que se filia num pensamento e numa tradição que sempre defendeu uma concepção democrática do socialismo contra as suas perversões totalitárias. Não digo que outros tenham ou não tenham defendido ideias de liberdade, mas os socialistas, nesta matéria, têm uma legitimidade histórica muito especial.
Sr. Deputado Montalvão Machado, não vamos refazer ou reescrever a história, não mencionei mas também não nego o papel do Dr. Sá Carneiro e de outros sociais-democratas, não vamos refazer ou aconchegar a história uma vez mais às conveniências do presente, quem liderou esse combate foi o Dr. Mário Soares e o Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas não foi quem o começou. O PSD reivindicou primeiro as eleições e só depois é que o PS as reivindicou!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pegado Lis, que dispõe de 15 minutos, tempo que foi atribuído aos Srs. Deputados Independentes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o tempo era para ser distribuído por todos os deputados independentes.

O Sr. Pegado Lis (Indep.): - Sr. Deputado, não vou utilizar o tempo todo, pois vou ser mais breve do que, eventualmente, poderia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo com uma citação: «A tese aqui apresentada é a de que a liberalização se torna hoje um fenómeno genérico e mesmo verdadeiramente crucial - como a revolução já o foi - que, por razões válidas e no essencial evidentes, substitui o mito anterior como categoria ou preocupação política central, e que as afirmações sobre as quais se funda não são só mais adaptadas à nossa época mas, provavelmente, também mais sãs em todas as épocas e qualquer que seja o critério escolhido».
Quem tenha lido atentamente a Perestroika não terá encontrado estas linhas. Elas foram escritas 10 anos antes por Ernest Gellner que pretendia que esta nova categoria se aplicava também à Europa do Leste.
Por essa altura, Raymond Aron, comentando este artigo, dizia: «Ao contrário, na Europa Oriental nada indica, com evidência, que a liberalização esteja na ordem do dia.»
E, mais à frente, perguntava: «Será que a hora da liberalização já chegou à União Soviética? [...] Desde logo e antes de mais, é necessário responder: não!»
E acrescentava, peremptório. «No futuro previsível, daqui até ao fim do século, o Ocidente europeu encontrará, face a ele, uma União Soviética que recusará a coexistência ideológica e manterá dentro de limites muito apertados a influência corruptora das liberdades ocidentais.»
10 anos bastaram para demonstrar qual destes dois analistas políticos tinha razão, o conceituadíssimo Raynond Aron ou o pouco menos do que desconhecido Gellner.
Por isso quem, com o mesmo espírito céptico e descrente na capacidade dos homens para alterar profundamente o curso imaginário da história, tivesse lido a Perestroika, teria a mesma reacção que o próprio Gorbatchev denuncia no seu livro ao dizer: «Se em Abril de 1975 alguém nos tivesse dito que dentro de 10 anos veríamos o que está agora a acontecer, muito provavelmente não acreditaríamos ou recusar-nos-íamos mesmo a aceitar. Mas afinal o que é que aconteceu de facto? Na verdade aquilo a que decerto viraríamos a cara para o lado ou em que não participaríamos, há cerca de um ano atrás, está a tornar-se não só um tema normal de discussão como também um elemento natural do nosso quotidiano. A sociedade está a transformar-se, tudo está em movimento.»
É esta, de facto, a grande constatação a cuja evidência nos temos de render hoje. E o mérito dos grandes homens políticos é não o de fazer futurologia mas, interpretando correctamente o sentido da história, o de propiciar, no presente, as condições para as grandes transformações do futuro.
Que Gorbatchev tenha sentido a necessidade de teorizar a sua própria prática política, não como um relatório de actividade, mas antes como um projecto de transformação da sociedade mundial, em que pessoalmente se comprometeu e se empenhou, é particularmente significativo do ponto de vista cultural, e este é um aspecto que não podemos deixar de sublinhar.
Na verdade, ele é bem revelador do nível a que se processam as transformações nas sociedades do Leste europeu. É um lugar comum dizer-se que os povos têm os governantes que merecem. Nesta circunstância, isto é o maior elogio que se pode fazer ao povo russo. E a adesão espontânea e fulgurante que as teses defendidas por Gorbatchev têm merecido em todo o mundo do Leste revelam bem como ele soube interpretar, num dado momento histórico, anseios profundos e legítimos de povos inteiros, num momento particular da história em que ser líder é muito menos estar à frente e conduzir do que interpretar, orientar e ser responsável.
Que anseios são esses, que mudanças são essas a que hoje assistimos?
Não vou enunciar acontecimentos ou factos que são do conhecimento de todos, mas não deixarei de ressaltar o simbolismo de alguns, a começar, como não podia deixar de ser, pela queda do Muro de Berlim, sem embargo de, e é importante recordar, a cortina de ferro já ter começado a cair antes, e eu tive a oportunidade única de ter estado presente no dia em que em Budapeste os carros

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de combate soviéticos iniciaram a sua retirada e foram cortados os arames farpados das fronteiras.
Mas é também particularmente significativo que o encontro Bush-Gorbatchev dos passados dias 2 e 3 se tenha realizado no Mediterrâneo, berço mesmo da nossa cultura europeia. O que não pode deixar de representar, em especial pela importância das conclusões que daí saíram, o reconhecimento da Europa como o «lar comum», embora com vários apartamentos e várias portas e janelas, na metáfora tão cara a Gorbatchev.
As condicionantes deste movimento de transformação, primeiro social, depois político, são bem conhecidas. Está, em curso, e de forma particularmente acelerada, uma verdadeira revolução científica e tecnológica que nos toca a todos, no nosso dia-a-dia, nas pequenas tarefas profissionais ou até caseiras; esta transformação acarreta, por seu turno, mudanças radicais ao nível da informação, que ganha em importância e em fluidez, chegando até nós em doses maciças, a exigir controlos de qualidade e de fiabilidade e cada vez maior e melhor formação para a interpretar; mas, simultaneamente, ganham cada vez maior dimensão problemas globais que se tornaram vitais para a humanidade: a protecção do ambiente e a escassez dos recursos naturais.
E se é certo que novas respostas vêm todos os dias sendo dadas a estas questões, também não é menos verdade que, ao nível da humanidade em geral, se tem agudizado, por forma dramática, as contradições sociais. O mundo torna-se cada vez mais pequeno mas as desigualdades acentuam-se e às sociedades de consumo, de lazer e de prazer contrapõem-se, dolorosamente, povos dizimados pela fome, pela guerra, pela droga.
E isto passa-se não só na habitual dicotomia Norte-Sul, povos desenvolvidos/povos subdesenvolvidos, mas também dentro das nossas próprias sociedades ditas evoluídas ou desenvolvidas, onde grassa a miséria e o desemprego, lado a lado com a opulência e o esbanjamento.
Situação a exigir cada vez maior coordenação de esforços, porque reveladora de uma interdependência essencial.
Aliás, as próprias transformações no Leste fazem necessariamente surgir uma nova forma de interdependência, que já não tem a ver directamente com a América Latina, o Mediterrâneo ou a África Negra, e que, decerto, o meu querido amigo e ex-colega no Parlamento Europeu Fernando Condesso, que não se encontra presente nesta Câmara, não desdenharia ter considerado no seu recente livro A Europa e a Força da Interdependência, que me permito nesta ocasião felicitar pela excelência e oportunidade do seu trabalho.
É que não pode passar despercebido, num debate como este, como, obviamente, não o foi já ao mais alto nível do diálogo Gorbatchev-Bush, que, para além das liberdades e dos direitos cívicos, que constituem o cerne da transformação política nos vários países do Leste, há questões económicas e sociais extremamente importantes e urgentes, cuja não resolução atempada pode, no limite, comprometer o êxito destas transformações.
Porque elas não são fáceis nem são evidentes. E por isso, será pouco menos do que puro farisaísmo saudá-las exaltadamente por um lado, mas não se mostrar disposto a contribuir, de facto, para a criação e o reforço das condições materiais que lhe são essenciais.
Não temos dúvidas de que «as pessoas estão cansadas de tensões e de confrontação» e desejosas de paz. Mas isso passa, indiscutivelmente, por condições económicas
que permitam a estabilidade e proporcionem bem-estar social. Sem a realização destas condições de base, todas as conquistas políticas podem estar votadas ao fracasso.
Penso, como não pode deixar de ser, em especial, nos casos da Polónia e da República Democrática Alemã e, em particular, na questão da «reunificação» da Alemanha. E se me preocupa evidentemente o sentido político desta evolução, não me aflige menos a resposta que todos teremos de dar, e temos responsabilidade de dar, aos legítimos anseios e expectativas de povos que abrem, tão de repente, para um mundo diverso, desconhecido, quiçá mitificado no pior sentido.
É urgente, é importante, é inadiável que o deslumbramento da descoberta das virtualidades do viver em paz e em liberdade não se converta numa profunda desilusão geradora de desespero e de descrença, decerto bem mais profunda do que aquela que o cepticismo de décadas de quem já vive «deste lado» acumulou em relação à «democracia real», do mesmo modo que, do outro lado, se gerou relativamente ao «socialismo real», o que reforça a minha ideia base de uma nova interdependência e de uma outra solidariedade no trilhar do caminho comum. Em que sentido?
Para mim, claramente no sentido do reforço de uma unidade europeia mais vasta e mais alargada.
200 anos depois da Revolução Francesa, a vitória da liberalização a leste deve servir para o reforço de uma Europa cada vez mais unida e coesa, Europa que, no limite, e em expressão bem conhecida, vai do Atlântico. onde nos situamos, aos Urais. Creio sinceramente que esta via é a única capaz não só de dar um novo impulso a todos os movimentos do federalismo europeu que se encontravam meio adormecidos no seio da CEE, mas de resolver contradições de outro modo insanáveis, se se ressuscitarem velhos mitos de hegemonias nacionalistas ou novas questões de separatismo ou de divisionismo entre os povos e as nações. E este é um risco bem real e próximo, não só no seio da Rússia, mas mesmo no Centro da Europa de hoje.
O que é particularmente dramático na nossa circunstância actual não será talvez a natureza das transformações que se operam por toda a parte no mundo e, em especial, na Europa. Muitos dirão mesmo que a humanidade já passou por mutações bem mais profundas. No entanto, o que é verdadeiramente novo e único é que, pela primeira vez na História, as mudanças surgem à escala mundial e é a nível de todo o globo que as opções tem de ser tomadas.
Como é também novo e único a consciência que todos temos de estar a fazer história de uma maneira muito diversa da do outro que fazia gramática sem o saber.
Esta consciência que temos de ser simultaneamente autores e actores da história dos nossos dias imputa-nos uma responsabilidade acrescida que não podemos recusar.
Num sentido bem diferente do de Sartre, mas sem enjeitar a sua origem, estamos condenados a ser livres e, com isso, a tomar decisões fundamentais, com a consciência do seu alcance.
Essa a razão por que este Parlamento só se prestigiaria se, e ao mesmo tempo que se congratulasse com a queda do Muro de Berlim, e tudo o que ele significa, e saudasse o espírito de diálogo demonstrado no encontro Gorbatchev-Bush, apelasse, à semelhança do que já fez o Parlamento italiano, em votação por unanimidade, no sentido de ser inscrita, na ordem do próximo Conselho Europeu, a questão do «projecto de constituição europeia»,

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por forma que, no Conselho Europeu de Junho de 1990 pudessem ser analisadas as propostas para atribuir ao Parlamento Europeu um mandato para elaborar as bases constitucionais da União Europeia, que, como se sabe, é desejada pela larga maioria da população portuguesa, à semelhança da generalidade dos povos europeus.
Tal realização culminaria, do ponto de vista político, uma inegável conquista para a Europa e o mundo, fruto do diálogo alargado, do debate e da discussão tão caros a pessoas tão diferentes como Gorbachev e Eduardo Lourenço.
São deste último as palavras com que concluo, e cito: «Nós acreditamos na fecundidade desse diálogo (libérrimo que constitui a condição do progresso do homem europeu) e defendemos a liberdade que o torna possível.
Em toda a parte, onde existir a consciência da sua necessidade, sempre e onde seja possível entendermo-nos sobre o que significam os tipos de humanidade que recobrimos com os nomes de Homero ou Platão, Santo Agostinho ou Erasmo, Descartes ou Einstein, é aí a Europa. Uma expressão cultural sem limites, porque tomou os limites mesmos do homem. Se quisermos ascender ao nível daquilo que a consciência histórica pede hoje a cada homem desperto, é na Europa que temos de permanecer. É do seu diálogo que temos de comungar.»
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa que se encontram inscritos para formular intervenções os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Marques Júnior e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Encontramo-nos, neste momento, a encerrar o debate, proposto pelo PSD, sobre os acontecimentos e sua evolução na Europa do Leste. Por um daqueles milagres da ironia da história, a velha toupeira da revolução, que tanto entusiasmava os dirigentes comunistas, começou a escavar a terra noutra direcção e apareceu-lhe agora em casa.
Na verdade, o século XX esteve prestes a deixar ao século XXI, em pleno coração da civilização europeia, uma herança de opressão e pobreza, de atraso económico e repressão política, uma mancha de iniquidade cívica e de corrupção, que se consubstanciava nos regimes comunistas da Europa do Leste. Esses regimes, nascidos da ocupação militar pelo Exército Vermelho, de grande parte da Europa do Leste, nunca tinham tido qualquer outra razão de existir senão a pura força, e sempre foram considerados ilegítimos pelos povos a eles submetidos.
Ora, é exactamente no momento em que se torna patente, pela revolta dos povos, essa ilegitimidade essencial do sistema do poder comunista que leve todo o sentido realizar este debate, e teve sentido acrescido fazê-lo agora, porque é agora que o movimento de libertação da Europa do Leste está prestes a locar aquilo que são os poderes fácticos do regime comunista. Na verdade, como se passa em todos os verdadeiros movimentos sociais e políticos, estamos na Europa do Leste, embora de forma desigual de país para país, num momento em que um duplo poder se defronta: de um lado, a população, a sociedade, a opinião pública; do outro, os poderes, nus e crus, em que se baseia a autoridade comunista - o exército, a polícia, a usurpação da propriedade pelo Estado, os serviços secretos, o controlo da defesa e dos negócios estrangeiros, do aparelho de Estado. Qualquer avanço popular que se realize confrontará a ilegitimidade da usurpação destes poderes pelo Partido Comunista e tenderá a diminuí-los ou a apagá-los completamente.
Estamos, pois, num período extremamente delicado dos processos de libertação democrática na Europa do Leste.
Lembre-se o que foi a revolta social e política em Portugal, após o 25 de Abril mesmo nos seus excessos, para se compreender o potencial da conflitualidade latente existente nas sociedades da Europa do Leste. Potencial acrescido, porque os regimes ditatoriais comunistas exerceram uma violência sem paralelo com outras ditaduras europeias do pós-guerra. Lembrem-se as revoltas de Berlim, de Budapeste e de Praga, os processos da «guerra fria» com as suas execuções em série, as torturas e as violências de toda a ordem. Lembre-se o muito recente «golpe de Estado interior» da Polónia. Embora à nossa esquerda bem pensante, habituada a ser selectiva nas suas indignações, custe ouvir isto, a verdade é que nada de comparável aconteceu em Portugal, em Espanha ou na Grécia desde o início da década de 50.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto coloca na ordem do dia, com a maior urgência, as tarefas da reconstrução democrática, inclusive porque não há garantias de que não possa haver tentativas de normalização e de regresso ao passado, e tentativas desse tipo, como o que aconteceu na China, teriam custos gravíssimos. Por isso, os povos do Leste precisam de toda a solidariedade para efectivarem a sua revolução democrática, para obterem a liberdade total de opinião e de associação, a reconstituição do sistema de partidos, a liberdade económica e as privatizações, o desmantelamento do aparelho de Estado comunista, a redefinição de alianças internacionais, sem ser sob pressão de países estrangeiros, a inserção no processo democrático, através da realização de eleições.
É por tudo isto que o que está na ordem do dia na Europa não é a questão da coexistência de regimes distintos, como afirmam os tardios renovadores do comunismo, mas, sim, a superioridade ética e política da democracia. O que os povos da Europa do Leste desejam não é coexistir com a democracia, mas serem eles próprios governados em democracia; não querem sistemas diferentes coexistentes, mas iguais; não querem fórmulas mais ou menos hipócritas de democracias adjectivadas de populares ou avançadas, mas, sim, democracia, pura e simples.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A amplitude da crise do comunismo da Europa do Leste implica consequências a outros níveis, para além do processo democratizadotor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa crise afecta, de forma diferente, todos os agentes políticos e a realidade política nacional, e penso ser útil reflectir sobre isso. É óbvio que os principais reflexos da crise do Leste se verificam no Partido Comunista. De facto, a crise do comunismo é também, inevitavelmente, a crise dos partidos comunistas. Crise que, de algum modo, já era evidente bastante antes.

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Na verdade, os partidos comunistas europeus, com excepção do italiano, do português, do cipriota e do grego já de há muito eram grupúsculos irrelevantes para a vida política da maioria dos países da Europa. Partidos como o inglês, o norueguês, o alemão, o belga e o holandês não tinham qualquer expressão ou significado. Apenas nas zonas da Europa mais arcaicas, do ponto de vista económico-social, ou em cada país, nas regiões mais atrasadas, o comunismo resistia à sua desaparição como movimento social.
O comunismo europeu sobrevive, na década de 80, nos campos do Alentejo, nas zonas rurais da França, na Andaluzia, nas montanhas gregas ou entre os lenhadores finlandeses; para partidos que se reivindicam do futuro não é uma situação brilhante. Envelhecidos etariamente, isolados da juventude, associados a grupos sociais sem qualquer mobilidade, presos em situações de estagnação, os partidos comunistas constituem hoje uma força de regressão no plano social e um grupo de pressão política a favor dos interesses geo-estratégicos soviéticos.
Nesta última função também os partidos comunistas têm vindo a perder terreno. De há muito que para a União Soviética os partidos comunistas são cada vez menos importantes como instrumentos de política externa e substituídos por movimentos de outro tipo ou pela influência em partidos ou em individualidades de outras áreas.
O Partido Comunista não escapa a este processo. Isolado socialmente e privado, desde a independência das colónias, de grande parte do seu interesse geo-estratégico, o Partido Comunista Português sobrevive em estado de orfandade. Nestas circunstâncias, será sempre dominado por uma lógica de pura sobrevivência, mantendo, essencialmente na sua intervenção na sociedade portuguesa, as suas características de partido da reacção social, portador de uma cultura de conflito. Essa função será potenciada pela política de alianças do Partido Socialista, que dá ao Partido Comunista um tempo de vida e uma influência que não teria pelas suas próprias forças e meios.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas a crise do comunismo afecta também a esquerda e o socialismo. Os modelos existentes nos países do Leste eram uma variante da vasta árvore dos modelos de engenharia social do socialismo, e não há qualquer critério segundo o qual se possa, nessa árvore, separar, de entre os ramos, os pervertidos e os sãos. Se o comunismo à luz da democracia é uma perversão, não é líquido que o seja à luz do socialismo. Os socialistas portugueses, enquanto democratas, podem, de facto, regozijar-se pelos acontecimentos, mas enquanto socialistas serão também eles próprios apanhados pelas crises dos modelos ideológicos de génese comum. A incomodidade socialista revela-se nos apelos para que no Leste se permaneça sob qualquer forma residual de socialismo, mesmo que meramente nominal, enquanto que a vontade visível das populações e os óbvios modelos para que aponta o seu comportamento é o das democracias ocidentais, das economias de mercado, mesmo das sociedades de consumo.
Os socialistas não têm tanta autoridade quanto aparentam ter, salvo raras excepções, para falar da luta dos povos da Europa do Leste. Convém não esquecer que os socialistas, como, aliás, muitos dos intelectuais de esquerda - e de novo, salvo raras excepções - manifestaram sempre bastante desprezo por todas as tentativas de conduzir acções políticas práticas de critica aos regimes do Leste. Parecia-lhes, sempre, ter um conteúdo excessivo, em relação às acções que eram tomadas contra os regimes e partidos de direita. Faziam manifestações contra Pinochet, mas não contra Brejnev. Não é preciso ir mais longe do que lembrarmo-nos da sobranceria e do escámeo com que muitos intelectuais de esquerda portugueses trataram iniciativas, como as audiências Sakharov ou os protestos públicos, contra o «golpe de Estado interior» da Polónia, que se realizaram em Portugal por iniciativa sindical, inclusive por iniciativa de alguns sindicalistas do Partido Socialista.
Quantos desses intelectuais socialistas participaram em qualquer das escassas manifestações que se realizaram junto das embaixadas dos países do Leste, aquando dos acontecimentos do Afeganistão ou da Polónia? Aliás, esta hipocrisia substancial permanece para muitos deles. Quantos, hoje, protestariam contra regimes como o da Nicarágua ou o de Cuba, tratando-os como ditaduras que efectivamente são?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A maioria dos intelectuais da esquerda incorreu sempre no vício da dupla linguagem e da indignação selectiva: não chamavam às ditaduras ditaduras; não tratavam nem tratam os regimes por aquilo que são, mas pelos rótulos que assumem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tem sentido reivindicar paternidades ou autorias para o grande processo de transformação que está em curso, mas podem afirmar-se sentimentos de natural partilha e comunhão de ideias. Na verdade, diferentemente do que acontece com outros partidos, não é o PSD que tem problemas de crise de legitimidade, devido aos acontecimentos do Leste. O PSD constituiu-se à margem das grandes correntes partidárias internacionais, à margem do modelo internacional, que é ele próprio de raiz marxista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tal não significa, nem significou, que não procurasse afinidades internacionais. No entanto, contrariamente ao que pensa o Partido Socialista e o Partido Comunista, as afinidades internacionais não são, pela sua própria natureza, fonte de legitimidade política.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Pelo contrário, são fontes de ilegitimidade!

O Orador: - Por isso, o PSD assumindo embora as diversas heranças, que partilha com outros partidos democráticos, que eram comuns às tradições da democracia ocidental - o património do primado do direito e dos direitos do homem, a tradição liberal do pensamento inglês e francês, o reformismo, a doutrina social da Igreja -, caracterizou-se mais pela postura que assumiu face à sociedade e à política portuguesa nos anos conturbados de 1974 a 1980, verdadeiro período genético, mais do que pela reverência a modelos ideológicos definidos. Podemos definir essa postura como sendo o resultado de uma dialéctica entre uma tensão social e uma pressão liberal. A tensão social, que faz do PSD um partido de homens de trabalho, tem a ver com as carac-

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terísticas da sociedade portuguesa, com a existência de pobreza e desigualdade, com uma revolta contra a injustiça social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Enganam-se os que pensam que isto não constitui uma forte motivação da acção do PSD.
Por seu lado, a pressão liberal encontra-se inscrita na opinião pública, na mobilidade social das novas gerações, no dinamismo da sociedade, e tem a ver com o papel modernizador do partido face ao Estado. As características reformistas do PSD emanam desta dupla condição e quando afirmamos a nossa solidariedade e a nossa congratulação com o que se passa nos países do Leste, fazemo-lo com especial sentido de comunidade e partilha, porque com esses povos partilhamos do mesmo movimento pela liberdade, da mesma luta pela reconstrução da economia, do mesmo desejo de progresso material.
É essa a nossa casa comum e é nela que nos sentimos bem.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. António Barreto (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. António Barreto (PS): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa que tanto o Sr. Deputado António Barreto como o Sr. Deputado Pacheco Pereira já não dispõem de tempo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Já sabemos que o Sr. Deputado António Barreto não pertence a nenhuma Internacional. Não precisa de se explicar!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o CDS cede um minuto e meio a cada um dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, há muitas maneiras de contribuir para mudar os comunistas. Os partidos socialistas, os partidos sociais-democratas, os partidos democratas-cristãos, os partidos liberais, nomeadamente o da Alemanha, durante muitos anos privilegiaram o debate permanente e frontal com os piores e mais sectários partidos comunistas da Europa. Em muitos casos e em muitos aspectos pode hoje dizer-se: ainda bem que o fizeram!
Se o exercício autárquico de Lisboa der o resultado que espero, em primeiro lugar uma vitória eleitoral, e em segundo lugar uma mudança dos comunistas, demore o tempo que demorar, desde que não sejam décadas, penso que corremos bem o risco e de que valeu a pena.
O Sr. Deputado está a ver as coisas só por um lado, como, aliás, é habitual no Parlamento, isto é diz: «Se VV. Ex.ªs fazem isto, vão correr um risco.» Vamos correr o risco! O Sr. Deputado não diz: «vamos correr o risco», mas, sim, «VV. Ex.ªs estão a fazer concessões». Não senhor!
A fronteira das concessões, da liberdade e das democracias está traçada.
Por outro lado, o Sr. Deputado usou argumentos que devia, todos eles, usar mutatis mutandis.
Quantas foram as pessoas que fizeram manifestações contra Brejnev, mas não contra Pinochet? Quantas? O Sr. Deputado só vê as de um lado. Graças a Deus estive em todas, Sr. Deputado: nas de Brejnev e nas de Pinochet.
Finalmente, Sr. Deputado, a inspiração fundamental socialista está em causa. Está com certeza! Gostaria que estivesse sempre em causa, sempre! Não está condenada como tentaram, hoje, alguns deputados da sua bancada dizê-lo aqui.
Quer as ditaduras na Europa do Sul, na América Latina, em Santiago do Chile, tantas ditaduras através do mundo, não puseram em causa sistemas de livre empresa, de iniciativa privada, de capitalismo controlado, de capitalismo limitado. Nada disso foi posto em causa e puderam renascer depois das ditaduras. O racismo nos Estado Unidos, em Alabama, em Little Rock, não pôs em causa o fundamental da democracia. O apartheid na África do Sul não põe em causa o fundamental da democracia. E o fundamental da democracia e o fundamental da iniciativa privada não pode ser posto de parte apenas ou só porque há estas monstruosidades do apartheid, do racismo e de dezenas de ditaduras, incluindo na Europa do Sul, em Portugal e na Europa mediterrânica. Dizer agora que alguém chamou um embuste..., há outros nomes. Dizer agora que o que se passa a leste é o falhanço, o fiasco monumental do sistema comunista, é o falhanço do sistema, dos homens e das ideias... Não tenho nada em comum com os que dizem que se estão a corrigir desvios. Os desvios, na Europa do Leste, no mundo comunista foram corrigidos em Praga, em Budapeste e em Berlim com tanques. Aqueles é que eram desvios e foram corrigidos com tanques. O comunismo naqueles 50 anos foi a aplicação dos princípios. Aquilo é que é o falhanço, aquilo é que é o fiasco.
Dizer agora, como o Sr. Deputado tentou aqui insinuar, que isto e o fim da esquerda, que isto é o fim do socialismo e que tudo está em causa ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não foi o fim da esquerda!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não foi isso o que eu disse!

O Orador: - Sr. Deputado, não é verdade. Se com isso quer dizer que o socialismo, os paradigmas, as ideias, os programas estão em causa, só lhe posso responder: felizmente! Graças a Deus! Espero que estejam sempre em causa. Excepto numa coisa: nas liberdades fundamentais. Excepto nisso. Se é isso o que pretende dizer, não senhor, como, aliás, há dias ouvi o próprio Primeiro-Ministro dizer na rádio - eu ouvi, não li nos jornais, por segundas mãos: «isto é o fim do comunismo e do socialismo; isto é a entorce intelectual; isto é uma reviravolta intelectual». Isto é de uma total falta de rigor, que certamente, com as suas tradições académicas, o Sr. Deputado Pacheco Pereira não partilhará.

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O Sr. Presidente: - Não sei bem qual será agora o tempo que o Sr. Deputado Pacheco Pereira poderá utilizar, visto o Sr. Deputado António Barreto ter utilizado os três minutos, que foi o tempo cedido pelo CDS.
Porém, a Mesa dará um minuto ao Sr. Deputado Pacheco Pereira para que possa responder à questão colocada.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Confesso, Sr. Presidente, que um minuto é escasso, mas tentarei aproveitá-lo da melhor forma.
Quanto à primeira questão, devo dizer que o problema de mudar os comunistas e dos socialistas e não da maioria das pessoas. Inclusive, o que a experiência destes últimos 70 anos mostra é que os comunistas nunca se mudaram com o debate. Os comunistas mudam quando se altera a forma de organização concreta da sociedade; os comunistas mudam quando se muda as fontes ilegítimas do seu poder. E por isso e que não penso que, alguma vez, os comunistas mudem em função de qualquer debate, de qualquer processo político de aliança com eles, os comunistas mudam quando os próprios argumentos, e são os únicos que os reconhecem, mudam, ou seja, quando lhes falta a sociedade «por baixo dos pós».
Provavelmente, o problema do comunismo não terá muito futuro, porque a palavra «hoje» não é mais do que uma palavra. Porque o sistema comunista, enquanto sistema de poder e de força legitimado em ideias sobre a sociedade, está morto e bem morto. O que existe na Europa do Leste e na União Soviética é um poder ilegítimo e autocrático imposto pela força. Qualquer democratização desses países varrerá com o movimento comunista e não será o debate com o Partido Comunista que o fará. Esta é a primeira questão.
A segunda questão 6 relativa às concessões. Há concessões, Sr. Deputado António Barreio, e o Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que as há.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E que concessões!

O Orador: - O discurso do Sr. Deputado Jorge Sampaio está cheio dessas concessões, por exemplo, num plano tão importante como e o semântico. Quando, por exemplo o Sr. Deputado chamou «ditaduras» aos regimes dos países do Leste, o Sr. Deputado Jorge Sampaio não o fez; enquanto a mecânica do discurso do Sr. Deputado António Barreto foi no sentido de privilegiar as questões políticas da democracia e da liberdade, o discurso do Sr. Deputado Jorge Sampaio foi no sentido de fazer uma espécie de perestroika em reverso, no qual o incremento das relações económicas, as trocas comerciais, as trocas de ideias, como se a questão hoje na Europa do Leste fosse essa.
É essa a distinção entre dois discursos: um, que compreende as concessões políticas de facto da aliança entre o Partido Socialista e o Partido Comunista e outro que é um pouco outsider em relação a essa tradição. Foi por isso que coloquei uma excepção no discurso do Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por último, direi que a crise do comunismo afecta o socialismo. Primeiro, porque o socialismo nunca leve, sobre muitas matérias, um programa realmente diferente do comunista. O programa económico da Frente Popular, feito nos anos 30, foi, até há muito pouco tempo, o programa económico dos partidos socialistas. A única diferença residiu no facto de algumas correntes socialistas (e não todas!) defenderem o primado da liberdade. Mas eu disse «não todas», porque há partidos socialistas que não conduzem uma política, face à sociedade, muito diferente das dos partidos comunistas. A Internacional Socialista no plano da política externa, em muitas circunstâncias, alia-se com os partidos comunistas, como, por exemplo, em certos aspectos do processo na América Latina, em relação a África ... Portanto, Sr. Deputado, há muitas relações de comunidade intelectual entre os programas.
Se o Sr. Deputado António Barreto me vem dizer que o socialismo se reduz aos princípios da democracia, então estamos de acordo, mas não sobra nada, de resto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou referir muitas coisas, mas apenas precisar um aspecto, porque não consta do texto que distribuí, que tem em vista saber qual a solidariedade do Governo Português quanto à ajuda aos países do Leste, designadamente à Hungria e à Polónia.
Gostava de dizer aos Srs. Deputados que - aliás, isto vem transcrito na comunicação social de Setembro -, por ocasião da reunião havida em Nova Iorque sobre esta matéria, entre os diferentes países comunitários e os outros que estavam dispostos, logo na altura, a prestar alguma ajuda, Portugal teve uma intervenção quo considero decisiva, ao defender três pontos que foram primeiro discutidos -devo confessá-lo- com os ministros da Hungria e da Polónia. Primeiro, que todo o processo devia ser sequente à definição de objectivos a atingir por cada um destes países e não imposto de fora; segundo, que devia haver uma ajuda de emergência, designadamente no que diz respeito a bens alimentares e a alguns bens de consumo; terceiro, que devia haver uma ajuda estrutural, particularmente no campo agrícola, de onde cerca do 45 % da população depende, na agro-indústria e em todo o sector industrial que tivesse a ver com os recursos próprios da Hungria e da Polónia e não em sectores industriais que fossem Já fixados, por mera deslocalização de países vizinhos.
Devo dizer, além disso, que a proposta de criação de uma instituição financeira para ajudar ao financiamento de novos investimentos nesses países leve origem portuguesa, muito embora, na altura, não tivesse sido sob a forma de Banco, e continuamos nessa mesma linha.
A minha intervenção, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tem a ver, fundamentalmente, com uma tentativa, que o Governo deve fazer, de retirar alguns ensinamentos deste debate. Vim aqui, como os Srs. Deputados puderam ver, trazer uma tentativa de apresentação global das questões e não fugi a nenhuma delas. Além disso, distribuí um papel, como já linha feito no passado em relação às posições de política externa do Governo. Julgo, aliás, que não houve nenhum governo que o tivesse feito com lama extensão junto desta Assembleia.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto! Muito bem!

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O Orador: - O que é que retiramos deste debate? Quando me pergunto o que pensa a oposição, concretamente o Partido Socialista, de algumas questões fulcrais e substantivas deste debate, designadamente qual a postura face as eventuais modificações nos blocos militares e, concretamente, à estratégia a seguir na NATO, neste tempo que se avizinha; qual a postura socialista em relação à reunificação alemã; como pensa o Partido Socialista que devem evoluir as instituições comunitárias, uma vez que já há propostas sobre a mesa no que diz respeito às relações com a EFTA e, inclusive, uma proposta da Comissão, pública, e do Sr. Delors sobre as relações com os países do Leste, reformados, nada sabemos.
Devo confessar que o Sr. Deputado António Barreto, apesar de tudo, foi dos Sr. Deputados da oposição quem trouxe um maior contributo ao debate, muito embora em linhas muito genéricas; por isso, dirigi-lhe perguntas, homenageando-o, deste modo, por, pelo menos, tentar situar alguns pontos da sua intervenção. Mas quando o Sr. Deputado me diz que o Governo deve procurar um consenso parlamentar, pergunto: com o quê? Com que projectos, com que propostas é que devíamos procurar consensos?
Retiro daqui a conclusão de que o discurso é este: «Temos de fazer uma reflexão sobre os anseios. Temos de dar uma resposta aos anseios. Temos de reflectir sobre a Comunidade. Temos de reflectir com a NATO. Temos de dar apoio e ter solidariedade.» Mas como? Qual 6 a proposta, qual ê o projecto que está subjacente a isso?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não tendo havido críticas às posições do Governo nem propostas alternativas, mais uma vez, concluo a minha intervenção e este trabalho mostrando que, nesta matéria, o Governo esteve bem, está bem e continuará a estar bem.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, há bocado recebi uns sinais bem distintos da parte do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros no sentido de que estava disponível para dar-me algum tempo. Como vejo que o Governo dispõe ainda de oito minutos, peço à Mesa autorização para solicitar ao Sr. Ministro dois ou três minutos do seu tempo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado António Barreto é o representante oficial do PS?

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, estamos aqui num dia entregue ao elogio da liberdade e o Sr. Deputado vem sistematicamente com perguntas que me fazem lembrar outros tempos, tal como a de saber se sou o representante oficial, se estou ou não encartado. Desculpe-me, mas eu prezo o mandato de deputado, prezo a pessoa humana, prezo o indivíduo, prezo o deputado que aqui estou e que aí está, na minha frente. Deixe-me falar à minha vontade! Está bem?

O Sr. Silva Marques (PS): - Mas é uma questão técnica!

O Orador: - As questões técnicas seguirão depois! Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvi as últimas observações que proferiu e devo dizer que algumas
perguntas que fez agora, ou por uma gravíssima desatenção da minha parte de que me penalizo imediatamente -, ou porque tenho razão, não as ouvi.
O Sr. Ministro, durante a sua exposição (que chamei de conferência, sem qualquer acto pejorativo), deu-nos uma explicação e o seu ponto de vista sobre o modo como se chegou à situação actual na Europa e no mundo em geral, e devo dizer-lhe que concordo e partilho de muitos dos aspectos que mencionou. Não partilharei, por exemplo, da sua tendência para sobre estimar o determinismo económico, a necessidade, porque isso levar-nos-ia muito longe. Se é um determinismo económico e uma necessidade que levou ao que levou, quase que haveria, a contrario, um convite a justificar, pelo determinismo e pela necessidade, o que se passou há 10, 20 ou 30 anos. Disso eu não partilho.
Por exemplo, olho com mais simpatia para algumas explicações inicias do Sr. Deputado Pedro Roseta, que fez uma intervenção diametralmente oposta, do ponto de vista epistemológico, da sua, porque disse, à cabeça: a «liberdade», os «direitos humanos». O Sr. Ministro, na explicação que deu, disse, à cabeça: a «economia», a «tecnologia», a «capacidade inovativa», a «empresa», a «competitividade». São duas explicações diametralmente diferentes. Não vou sustentar e explorar que, do ponto de vista político, há uma diferença entre o senhor A e o senhor B do mesmo partido, porque, sinceramente, é um assunto completamento displicente. Não me imporia nem me preocupa esse género de coisas, até porque a sua intervenção e a do Sr. Deputado Pedro Roseta foram dois dos momentos que ouvi com atenção e que prezei, porque nem sempre nesta sessão os momentos foram de alguma elevação política e intelectual.
Sr. Ministro, devo dizer-lhe que não estou de acordo consigo quando diz que não há propostas alternativas. Temos de saber qual é o sentido de um debate deste género e depois de sete ou oito horas de discussão e nas condições em que nos encontramos, ou seja, com eleições a correr lá fora, com todos estes sarilhos que conhecemos, em que há poucos documentos (e o documento do Sr. Ministro foi entregue com 100 páginas, aqui em cima), não é possível chegar a conclusões, mas tão-só tirar algumas lições, algumas conclusões. E a primeira que sugiro é puramente processual e a menos importante: uma maior cooperação em matéria de política externa entre Governo e Parlamento; evidentemente que incluo no Parlamento a oposição mais representativa e as oposições em geral. A nossa proposta indica duas ou três sugestões puramente processuais, secundárias mas importantes, tais como a de organizar reuniões entre as comissões e o Governo, etc. Aí está um ponto que gostaria que fosse aceite pela maioria e pelo Governo.
Quanto à substância, Sr. Ministro, houve propostas diferentes, se houver sedes adequadas, desde, por exemplo, reuniões entre comissões ...
Falou-se de pequena Europa e de grande Europa. Estas são duas ideias bastante diferentes, não necessariamente conflituais no sentido bélico da palavra, mas são duas ideias diferentes das próximas três décadas da Europa.
Devo dizer que sou a favor da grande Europa e não quero que uma pequena Europa seja excessivamente burocrática, dirigista, intervencionista; não quero que uma pequena Europa pague o risco de um desenvolvimento inglês, por exemplo, ou até mesmo de uma saída inglesa; não quero pagar esse risco. Quero que uma Europa seja grande, menos intervencionista, menos burocrática, menos

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dirigista nas economias e nas sociedades, querida com mais nações e que esteja mais aberta à entrada e ao alargamento de novas nações europeias da Europa do meio e da Europa Oriental.
Estas são propostas diferentes, ideias diferentes, que necessitam de muito mais preparação, argumentação, fundamentação para um debate subsequente.
Agora, não corresponde à qualidade intelectual da sua intervenção inicial, do seu papel, para utilizar a expressão do Sr. Ministro, do seu documento, dizer: «Eu não ouvi aqui nada. Não ouvi nada de novo. Houve uma ou outra ideia mais ou menos curiosa, à qual já respondi. Isto não tem conclusões possíveis.» Não! Há ideias diferentes, problemas diferentes, propostas diferentes e o Sr. Ministro tem de ter a obrigação moral, se me permite, de reconhecer que sobre três ou quatro assuntos fundamentais há, de facto, ideias diferentes do que pode vir a ser a Europa, do que pode vir a ser o envolvimento europeu de Portugal.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Deputado António Barreto deixou-lhe só dois minutos do tempo do Governo.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Agradeço a magnanimidade do Sr. Deputado António Barreto.

Risos do PSD.

Sr. Deputado António Barreto, julgo que temos de distinguir duas coisas fundamentais e eu nunca disse que o Partido Socialista ou a oposição não tinham ideias. Longe de mim! ... Pois, foi só isso que houve aqui hoje, designadamente este processo que foi feito ao comunismo. O que eu disse foi que não tinha propostas, principalmente sobre as questões essenciais do momento (que estão em cima da mesa e foram aquelas que citei), ou seja, saber, inclusive, se temos ou não possibilidade, e como é que lá chegamos, de fazer a grande ou a pequena Europa. Isso passa por aquelas questões imediatas e concretas sobre as quais temos de reflectir.
Devo confessar-lhe, Sr. Deputado, que não me escusei, na minha intervenção inicial, a equacionar todos os problemas, desde os antecedentes, àquilo que se passa agora, remetendo àquilo que disse no passado, fazendo uma análise das posturas estratégicas, com tudo o que isso tem de falível e de ousado mas que pensei que era importante para este debate. Discuta, a fundo, a questão alemã; discuti as posturas para o futuro da União Soviética, da Europa e dos Estados Unidos; falei na segurança europeia, nos efeitos disto a sul, nos efeitos para Portugal, e devo confessar, Sr. Deputado António Barreto, que, à parte de algumas ideias, particularmente as suas - faço-lhe justiça! -, sinceramente, vou deste debate com a convicção de que pouco foi acrescentado (e lamento-o!), principalmente pelo País, porque estou convencido de que nem eu nem o Governo temos toda a verdade e poderíamos beneficiar das propostas alternativas, que não houve.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais intervenções, dou por encerrado o debate e informo que, amanhã, a sessão plenária tem início às 11 horas, com período de antes da ordem do dia, e, do período da ordem do dia, que terá início às 15 horas, consta a discussão, na especialidade, das propostas de lei n.ºs 117/V - Orçamento do Estado para 1990 - e 118/V - Grandes Opções do Plano para 1990.

Informo ainda que a conferência dos representantes dos grupos parlamentares tem lugar às 10 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
António Augusto Lacerda Queirós.
António José Caeiro da Moía Veiga.
António José de Carvalho.
António José Coelho Araújo.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Jaime pomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Soares Pinto Montenegro.
José Assunção Marques.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
António Carlos Ribeiro Campos.
António José Sanches Esteves.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
Carlos Vítor e Baptista Costa.

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Partido Renovador Democrático (PRD):

Hermínio Paiva Fernandes Martinho.

Deputados Independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Armando Lopes Correia Costa.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
Luís António Martins.
Manuel da Costa Andrade.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage. Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama. João Barroso Soares.
José Luís do Amaral Nunes. Júlio Francisco
Miranda Calha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Antunes Mendes.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa à votação da proposta de resolução n.º 18/V

Tive oportunidade, no Parlamento Europeu, de fazer eco dos vários casos que, na época, em 1986, haviam sido do conhecimento público de espancamentos e de outras violências físicas e psíquicas praticadas sobre presos ou simples detidos em cadeias e esquadras da polícia em Portugal e de exaltar o papel de oportuna e corajosa denúncia pública que deles fizera o Provedor de Justiça. Na proposta de resolução que subscrevi recomendava a instituição de meios que permitissem «assegurar, em quaisquer circunstâncias, um tratamento dos presos conforme à sua dignidade humana, tendo como objectivo último do regime prisional a reintegração social dos presos».
É evidente que a presente Convenção não vem dar, só por si, solução imediata a todos os casos de tratamento degradante e desumano e de tortura, mas a instituição do Comité Europeu, no âmbito do Conselho da Europa, constitui um importante elemento dissuasor.
Por isso dou o meu inteiro apoio e o meu voto favorável à ratificação da presente Convenção.

O Deputado Independente, Pegado Lis.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa à votação da proposta de lei n.º 120/V.

Considerando que:

A presente proposta culmina um processo longo e difícil de negociações travadas entre as estruturas representativas dos Magistrados (judiciais e do Ministério Público) e o Ministério da Justiça;
A pretensão dos magistrados de equiparação ou aproximação das suas remunerações ao vencimento dos Ministros e a alteração deste último, entretanto ocorrida, encontra-se desfasada do momento das negociações efectuadas.
O PRD considera que, apesar dos factos enunciados, esta proposta é politicamente razoável, sendo certo que só parcialmente corresponde aos interesses e pretensões dos seus destinatários, e nestes termos a votou favoravelmente.

Os Deputados do PRD: Vítor Ávila - Barbosa da Costa.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa à votação do projecto de resolução n.º 39/V

Por iniciativa de deputados do PSD, a comissão de inquérito constituída com vista a apurar a actuação dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças de um andar na torre 4 do Edifício das Amoreiras, aprovou oportunamente, por unanimidade, que todos os elementos constantes do respectivo processo - actas das reuniões, depoimentos efectuados, bem como toda a documentação recolhida- poderiam ser consultados por quem, fundamentadamente, o requeresse ao Presidente da Assembleia da República.
Com efeito, a comissão de inquérito ouviu os depoimentos de todas as personalidades que os deputados membros da Comissão entenderem que deviam ser ouvidas.
Também a todos os membros da comissão foi facultada toda a documentação que sobre as matérias em análise foi requerida.
O funcionamento da comissão de inquérito demonstrou que os deputados do PSD estiveram empenhados, desde o início, na apuramento da verdade e de toda a verdade.
Deste modo, o PSD vota favoravelmente o projecto de resolução n.º 39/V, proposto pelo CDS, porque se inscreve numa linha de transparência que o PSD desde o início defendeu.

Os Deputados do PSD: Vieira de Castro - Joaquim Marques - Duarte Lima.

As Redactoras: Maria Amélia Martins - Ana Marques da Cruz - Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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