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1303 - 31 DE JANEIRO DE 1990

O 31 de Janeiro de 1891 vem no seguimento do ultimato sobre que passou um século. A monarquia não soube responder com a dignidade que se impunha. Talvez porque não sentira a afronta como a sentiu e viveu o povo. É que os monarcas, portugueses e outros, faziam parte de uma família detentora de tronos e tendo por maiorais na altura mesma do Ultimatum o rei Leopoldo II da Bélgica e a rainha Vitória, em Londres. Como se os povos fossem feitos para os enxovais de princesas, de príncipes, de tios e sobrinhos, primos, cunhados ou irmãos.
A solução de problemas entre os homens ou entre as nações, medindo apenas a força dos punhos ou a dos canhões é a consagração das armas contra a razão. É sobrepor o leão, o touro ou o elefante ao homem. A afronta foi sentida pelo povo mais do que pelos reis. Estes, passados poucos meses, achavam-se em visitas de cortesia a quem os ofendera enquanto nas academias populares e nos teatros se continuavam a recitar as apóstrofes de Junqueira à Inglaterra.
Intérpretes do povo, mais do que os governantes, os conselheiros, os políticos, o foram os intelectuais e outras forças vivas da Nação. À testa da Liga Patriótica do Norte nos aparece não um príncipe ou ministro, nem um governador civil ou um conselheiro de Estado, mas uma figura da nobreza de carácter e da altura intelectual e moral de Antero de Quental. Com ele estão, em Lisboa, Teófilo Braga, Magalhães Lima, Consiglieri Pedroso, Latino Coelho, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins. Entre os estudantes se acham Brito Camacho, Augusto de Vasconcelos, França Borges. No Porto, ensina ainda Rodrigues de Freitas e estuda Duarte Leite. Em Coimbra, ensina José Falcão, Augusto Rocha e Manuel Emídio Garcia. Estudantes são António José de Almeida, Afonso Costa, Alexandre Braga e José Relvas.
É esta a geração do Ultimatum. A que vai fazer a República, porque a monarquia não sabe reagir à afronta; não quis encarnar o orgulho e a verdadeira cidadania de um povo, nação. Os estudantes do Ultimatum são o Governo Provisório da República, proclamada 20 anos depois em Lisboa, com menos vítimas do que as da revolta do 31 de Janeiro. É que o regime popular estava no ânimo das pessoas, daí que o rei, em 4 de Outubro, como 20 anos antes, tenha ficado no Palácio das Necessidades, sem ânimo para se pôr à frente das tropas, bem poucas por sinal, que defenderam o trono.
A revolta do 31 de Janeiro, manifestação de civismo ferido, tão civismo que até as grandes manifestações populares se realizam em frente à estátua de Camões e não junto de qualquer figura de soberano ou militar.
Essa revolta poderia ter sido um virar de página a nossa vida de nação, se a monarquia o tivesse compreendido e lhe sentisse a chama. Mas não, os revoltosos capitão Leitão, tenente Coelho, João Chagas, são atirados para África, enquanto monarcas, políticos e militares adormecem nas suas conezias.
Era terra de exilados a África; e também ela não deixava de viver a germinação interior dos organismos em ebulição. Iam-se desenhando, com deportados, viajantes, comerciantes, um que outro negreiro ainda, as grandes nações de hoje, um século depois. Angola, Moçambique, o Congo, a União, a Rodésia, acordavam para o civismo, para a maioridade no concerto dos povos em que hoje tomam parte. Entre nós temos agora Jonas Savimbi um dos intérpretes do sentir da grande nação que é hoje a República Popular de Angola.
A monarquia portuguesa confiou na tradição do imobilismo, não vivendo os anseios de transformação da juventude que estava nas escolas, nas universidades, nas fileiras do Exército e que estava na revolta do Porto, com Alves da Veiga ou Manuel Maria Coelho. Como não compreendeu os anseios da geração mais nova, a dos liceus, que vai participar também na proclamação da República. Será a geração da maior pane dos constituintes de 1911.
Essa modorra política do Terreiro do Paço, dos palácios reais, nos últimos anos de monarquia, é tanto mais de arrepiar, por os sentirmos desligados da nação, quando em África estavam homens como Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Azevedo Coutinho e Norton de Matos. Mas a África para os políticos e dirigentes monárquicos era apenas lugar de desterro para onde se atiravam os incómodos, fossem eles José do Telhado ou João Chagas.
Srs. Deputados: Povo que somos e representantes do povo que também somos, dele nunca nos devemos desprender se quisermos ter sempre o verdadeiro sentir da República e da Nação. O ultimato de há cem anos sentiu-o o povo como se ele fora uma parte da nação distinta dos seus representantes: a coroa, os dignos pares do reino, os ilustres deputados da nação. Mas era realmente o povo quem acreditava no País e que era capaz de traçar o futuro, proclamando 20 anos depois a República.
Todos os regimes têm os seus mártires e nós identificamos tanto a República com a liberdade que até aos homens do 31 de Janeiro chamamos «os mártires da liberdade».

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A História é facho de vitórias e o 31 de Janeiro, cujo 99.ª aniversário se comemora, saldou-se, no imediato, por uma derrota. Aliás, a vitória da República, no final do século XIX, já não podia ser aceite que surgisse no Porto. A vitória da República haveria que ser a vitória da capital, a vitória de Lisboa. O 31 de Janeiro é o último acontecimento político em que o Porto aparece em primeiro plano na vida nacional,...

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador:- ... primeiro plano que ocupou no decurso do século XIX e em muitos períodos anteriores. A República, duas décadas mais tarde, nasceu em Lisboa, a par de um centralismo político cada vez mais exacerbado na I República, no salazarismo e nesta II República que estamos a viver. E o papel do Porto e do Norte é de total apagamento político, sem nenhuma correspondência com o desenvolvimento económico e social da parte mais relevante do País.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador: - Curvámo-nos respeitosos ante a memória dos que morreram ou sofreram em nome da liberdade, antes da hora e do local exactos da mudança do regime, e que vencidos foram olvidados. Mas o seu sacrifício não

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