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Quarta-feira, 31 de Janeiro de 1900 I Série - Número 38

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1080-1000)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE JANEIRO DE 1990

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Carlos Manuel Luís Júlio
José Antunes Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 25 minutos.

Antas da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 467/V e 468/V e do projecto de deliberação n.º 72/V, bem como da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) teceu considerações sobre a recente remodelação ministerial, a actuação da RTP relativamente ao seu partido e ainda sobre a vinda de Jonas Savimbi a Portugal. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Correia Afonso e Cardoso Ferreira (PSD) e Nogueira de Brito (CDS).
Em declaração política, o Sr. Deputado José Sócrates (PS) criticou a acção governativa em matéria ambiental e anunciou a apresentação de iniciativas regulamentadoras da Lei de Bases do Ambiente, após o que deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), Carlos Coelho (PSD) e Natália Correia (PRD).
Em declaração política, o Sr. Deputado André Martins (PS) criticou a posição do Grupo Parlamentar do PSD no que respeita à deslocação de uma delegação parlamentar na sequência do desastre ecológico ocorrido na ilha de Porto Santo, respondendo, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD) e Hermínio Martinho (PRD).
O Sr. Deputado João Maçãs (PSD) louvou o Governo pelas medidas de apoio adoptadas para obviar aos prejuízos decorrentes das intempéries.
O Sr. Deputado Pais de Sousa (PSD) referiu-se à importância da promoção da língua portuguesa na política cultural Interna e externa.
O voto n.º 123/V, de saudação aos que se distinguiram na revolta de 31 de Janeiro de 1891, apresentado peto PS, foi aprovado, lendo produzido declarações de voto os Srs. Deputados Raul Rego (PS). Coelho dos Santos (PSD), Carlos Brito (PCP), Herculano Pombo (Os Verdes) e Marques Júnior (PRD).

A Câmara aprovou os n.ºs 22 a 25 do Diário.

Foi aprovado um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PS e do PCP.

Foram apreciados os Decretos-Leis n.ºs 232/88, de 5 de Julho - ratificações n.º 29/V (PCP) e 31/V (PS) -, 352/88, de 1 de Outubro - ratificação n.º 40/V (PCP) -353/88, de 6 de Outubro - ratificação n.º 41/V (PCP) -, 301/88, de 27 de Agosto - ratificação n.º 43/V (PCP) -, 22/89, de 19 de Janeiro - ratificação n.º 84/V (PCP)-, 25/89, de 20 de Janeiro - ratificação n.º 55/V (PCP) -, 103-A/89, de 4 de Abril - ratificação n.º 67/V (PCP) -, 108/89, de 13 de Abril - ratificação n.º 68/V (PCP)-, 109/89, de 13 de Abril - ratificação n.º 69/V (PCP) -, 126/89, de 15 de Abril - rati-

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ficação n.º 70/V (PCP) -, 147/89, de 6 de Maio - ratificação n.º 77/V (PCP)-, 147/89, de 6 de Maio - ratificação n.º 79/V (PS) -, 226/89 de 7 de Julho - ratificação n.º 85/V (PCP)-, 12/90 de 6 de Janeiro - ratificação n.º 85/V (PCP) - e 439-G/89, de 23 de Dezembro - ratificação n.º 107/V (PCP) - relativos à transformação de empregas públicas em sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
Intervieram, a diverso título, além dos Srs. Secretária de Estado das Finanças (Elias da Costa) e Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Ovário Gomes (PS), Cardoso Ferreira (PSD) e Octávio Teixeira (PCP).
Entretanto, foram votados, na generalidade, os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 125/V - Cria o Conselho Nacional de Bioética - e 126/V - Regula as atribuições orgânicas e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social -, que foram aprovadas, e os projectos de lei n.ºs 459/V (PS), 460/V (PCP) e 461/V (deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro) - Regula as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social - e 447/V (PS) - Assegura os diferentes direitos e garantias de defesa dos contribuintes em matéria fiscal -, que foram rejeitados.
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 241/88, de 7 de Julho - ratificações n.ºs 33/V (PS) e 34/V (PCP) -, que cria a Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor (Macário Correia), os Srs. Deputados Tida Figueiredo (PCP), José Sócrates (PS), Natália Correia (PRD), Mendes Costa (PSD) e Marques Júnior (PRD).
Finalmente, a Assembleia apreciou ainda os Decretos-Leis n.º 408/89, de 18 de Novembro - ratificação n.º 101/V (PCP) -, que define o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino politécnico e do pessoal de investigação científica, e 409/89, de 18 de Novembro - ratificações n.º 102/V (PCP) e 103/V (PS) -, que aprova a estrutura da carreira do pessoal docente pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e estabelece as normas relativas ao seu estatuto remuneratório.
Intervieram, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado da Modernização Administrativa (Isabel Corte-Real) e Adjunto do Ministro da Educação (Alarcão Troni), os Srs. Deputados António Braga (PS), Vítor Costa (PCP), Marques Júnior (PRD), Henrique Carmine (PS), Narana Coissoró (CDS) e Montalvão Machado (PSD).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Adindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condessa
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Sousa.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro. Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.

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Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 467/V, da iniciativa dos Srs. Deputados Independentes Pegado Liz e Alexandre Manuel, sobre o direito dos cidadãos à informação, que baixou à 3.ª Comissão; projecto de lei n.º 468/V, apresentado pelo Sr. Deputado Alberto Martins e outros, do PS, sobre a liberdade de acesso aos documentos administrativos, que baixou à 3.ª Comissão; projecto de deliberação n.º 72/V, apresentado pela Comissão de Agricultura e Pescas, que recomenda ao Governo que conceda igual tratamento a todas as regiões e explorações agrícolas afectadas pelas intempéries nos meses de Novembro e Dezembro de 1989.
Entretanto, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira, António Filipe e Herculano Pombo; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Governo Regional dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado Rui Ávila; à Secretaria de Estado do Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Sérgio Ribeiro; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Rogério Brito e Joaquim Teixeira; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais, formulados pelos Deputados Herculano Pombo e André Martins; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados André Martins e Lourdes Hespanhol; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Poças Santos; à Alta Autoridade contra a Corrupção, formulado pelo Sr. Deputado Osório Gomes; a diversas câmaras municipais, formulados pelos Srs. Deputados Herculano Pombo e André Martins.
Por sua vez o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Carlos Coelho, na sessão de 20 de Abril; Edite Estrela, nas reuniões da Comissão Permanente de 7 de Setembro e na reunião plenária de 14 de Novembro; Luís Roque, na sessão de 6 de Dezembro; Lino de Carvalho, na sessão de 7 de Dezembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para declarações políticas os Srs. Deputados Carlos Brito. José Sócrates e André Martins.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro veio a São Bento, mas não veio à Assembleia da República.

O Sr. Primeiro-Ministro preferiu dar ao Grupo Parlamentar do PSD, «no seu seio» (a expressão é da conclusão do último conselho nacional laranja), os esclarecimentos que a Assembleia da República, pela voz do? partidos da oposição, lhe pediu acerca do sentido d; atabalhoada remodelação governamental e das nova? orientações para vencer os sérios reveses da política de Governo.

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Ora o Primeiro-Ministro, que promete reforçar o diálogo com todos, começa por excluir do diálogo, como se vê (e não só por este exemplo), os partidos da oposição e, mais ainda, exclui o órgão de soberania perante o qual é politicamente responsável.
Em qualquer país de regime democrático semelhante ao nosso os esclarecimentos sobre a remodelação e o debate parlamentar subsequente seriam normais acontecimentos institucionais, que acabariam por dar credibilidade a um novo fôlego do Governo. Os receios do Primeiro-Ministro em enfrentar a Assembleia da República nesta matéria são mais uma demonstração de que o Governo está sem fôlego e que a remodelação não tem credibilidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo julga, talvez, que fugindo a discutir a derrota eleitoral de 17 de Dezembro, a fragilização e o isolamento que ela indica e acentua, poderá, a^ golpes de propaganda (do género «PSD acelera!») e com umas operações de cosmética na imagem do, Primeiro-Ministro e do Governo, transformar as fraquezas num fenómeno passageiro, rapidamente ultrapassável.
Sabe-se, no entanto, que não é assim.
A derrota nas eleições autárquicas foi antecedida pela derrota nas eleições para o Parlamento Europeu e ambas, as segundas mais do que as primeiras, revelaram a grande redução da base social e política de apoio do Governo, operada pela luta dos trabalhadores e de praticamente todos os sectores profissionais mais representativos da sociedade portuguesa.
O descontentamento continua e alastra. A conflitualidade social recrudesce em torno de problemas específicos e de importantes processos reivindicativos, com particular destaque na área da contratação colectiva, a qual envolve mais de um milhão de trabalhadores. Continuam em aberto os processos reivindicativos dos professores, dos médicos, dos enfermeiros e de outros destacados sectores profissionais. Os processos dos militares não parecem encerrados. O Governo não se entende com os parceiros sociais.

O Sr. João Amaral (PCP): - É isso mesmo!

O Orador: - Com a redução da base de apoio governamental vêm as contradições internas de interesses, as divisões, as rivalidades, as oposições insanáveis. Os ventos que sopram das bandas governamentais não são as brisas da estabilidade que o Primeiro-Ministro apregoa, mas os prenúncios de noitadas de turbulência tão comuns no passado do partido do Governo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Exacto!

O Orador: - Não admira, por isso, que até mesmo dentro da maioria parlamentar já apareça quem admita, com amargura, que «com a quebra eleitoral do PSD abriu-se de novo o palco para o mundo pré-1987».
Toma-se, assim, oportuna a contestação da legitimidade da pretensão do Governo de conduzir a política do Pais invocando a maioria conjuntural de 1987.
É altura de recusar, com toda a firmeza, o delírio governamentalizador com que o executivo Cavaco Silva invadiu todas as áreas da vida nacional, incluindo a Assembleia da República, e que continua a manifestar-se em recentes propostas governamentais como a da Alta
Autoridade para a Comunicação Social, a do Conselho da Bioética e a do Conselho Económico e Social.
Mostrando ao Governo o cartão da sua desconfiança, o povo português espera, naturalmente, dos partidos de oposição que redobrem de rigor, de firmeza e de vigilância no acompanhamento, na fiscalização e na contestação da política do Governo e numa confrontação com soluções alternativas para uma viragem democrática na vida nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É com este espirito que abordaremos, embora sucintamente, duas questões da maior actualidade: a primeira é a questão da televisão, que já se tornou no maior escândalo do País. A entrevista ao Primeiro-Ministro, pelo horário escolhido, pela doçura do trato e pela mansidão das perguntas, representa uma tão flagrante discriminação positiva que não houve sector da vida nacional, incluindo na área do Governo, que não se mostrasse indignado.
Cm contrapartida, as forças da oposição são tratadas com rudeza, remetidas ao silêncio ou em coberturas o, as suas mensagens distorcidas e adulteradas.
O debate entre representantes partidários sobre os resultados das eleições para as autarquias foi anulado, pela primeira vez, porque o PSD perdeu as eleições.
No extremo das discriminações negativas encontra-se o tratamento que a RTP reserva ao PCP, que está a constituir uma permanente operação de desinformação, manipulação e agressão política e ideológica. Misturando informação deturpada com comentários caluniosos de sua própria autoria, a RTP procura tutelar e condicionar, de forma totalitária, o direito dos telespectadores a ajuizar soberanamente sobre o que o PCP faz, diz ou propõe, o que é ilegal, inadmissível e intolerável num órgão público de comunicação social.

Aplausos do PCP.

Hoje percebem-se perfeitamente as razões por que o Governo mantém e quer manter indefinidamente - este estado de coisas em relação à televisão: é que a RTP constitui dos poucos sectores do País de que continua a receber um apoio total e incondicional.
A segunda questão refere-se à política externa, relativamente à qual o Governo ignora, completamente, a Assembleia da República, a não ser quando carece de aprovação de tratados e convenções e, mesmo assim, sempre em cima da hora, sem informação, sem pareceres, sem debate esclarecedor!...
A Assembleia quis conhecer a posição do Governo sobre a viagem da líder da UNHA, Jonas Savimbi, a Portugal. O Governo não prestou qualquer esclarecimento. Constou, no entanto, por intermédio de deputados do PSD, que era considerada uma viagem particular.
Ora aí está a «viagem particular» que envolve, embora com esse título, contactos com todos os órgãos do poder político, ruas engalanadas com o retraio do visitante, carros de som propagandeando a visita. Nem o passado remoto, nem o passado recente, nem o presente do líder da UNITA - onde, desde o envolvimento com forças do colonialismo, à colaboração com o apartheid, até ao rapto de compatriotas nossos, abundam motivos de ofensa ao povo português -, nada nesse passado e neste presente, dizíamos, justifica um tão pomposo acolhimento. Estamos,

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portanto, perante uma colossal campanha internacional de promoção da política da UNITA e do seu chefe, visando influenciar em conformidade os destinos de Angola. Estamos, também, perante uma campanha de propaganda do Governo Cavaco Silva, que procura compensar, com alguma saliência internacional, os reveses que acumula na política nacional.
Se o Governo Português, que tem relações diplomáticas normais com a República Popular de Angola, quer mesmo contribuir de forma construtiva para a paz neste país amigo, não acreditamos que o caminho seja uma política que compreende esta excepcional recepção de Estado ao líder da UNITA.
Por tudo o que dissemos, o PCP recusou participar em qualquer cerimónia dedicada a Jonas Savimbi, porque o PCP é desde sempre inteiramente solidário com o povo angolano na sua luta pela independência e quer contribuir com todas as suas forças para a paz em Angola.

Aplausos do PCP.

Tocámos, ao de leve, duas questões da maior importância. Em ambas se evidencia tanto a marginalização e a secundarização da Assembleia da República como o controlo férreo do Governo e a exploração propagandística de situações e processos do mais alto interesse para Portugal. Poderemos evidenciá-lo numa infinidade de outros exemplos.
Por isso é que importa revigorar o papel da Assembleia da República do regime democrático e a sua intervenção na solução dos problemas nacionais. Com o propósito de contribuir para este objectivo é que os deputados comunistas efectuarão, nos dias 2 e 3 de Fevereiro, as suas novas jornadas parlamentares.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Correia Afonso e Cardoso Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, quando cheguei a sua intervenção ia já adiantada, mas cheguei numa altura que me permitiu ouvir matéria que me suscita algumas interrogações.
Sabe o Sr. Deputado Carlos Brito e sabe-o a Câmara toda - que estamos numa época em que democracia começa a significar pluralismo. Acabaram as democracias que se diziam monolíticas, de verdades únicas, de partido único. Já ninguém defende isso. Passou o tempo em que essa ortodoxia teve lugar e uma defesa possível. Hoje, Sr. Deputado - e os senhores sabem-no bem -, lutar por esse conceito de democracia é lutar por uma causa perdida.
A África não é excepção. Ainda recentemente vimos nascer na Namíbia uma democracia pluralista, introduzida por meio de eleições. Aliás, por várias vezes, os senhores mesmo defenderam aqui a democracia pluralista para a Namíbia!...
A pergunta que queria fazer-lhe é a seguinte: a UNITA e o Dr. Savimbi defendem a democracia pluralista para Angola e defendem eleições livres nesse país. O Partido Comunista Português está contra esse género de democracia em África e, concretamente, em Angola? O Partido Comunista acha que Angola deve ser preservada da democracia que defendemos na Europa e que o Partido Comunista tem defendido em Portugal?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, esqueci-me de citar que se tinha também inscrito, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Deputado responde de imediato ou no fim?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, penso que, porventura, V. Ex.ª escolheu mal os temas da sua declaração política de hoje.
Não é difícil explicar-lhe a razão desta minha opinião. V. Ex.ª não consegue compreender que existe uma demarcação clara entre o Partido Social-Democrata e o Governo. O Primeiro-Ministro encontrou-se com o seu grupo parlamentar como presidente do partido para uma reunião de trabalho e não pode daí V. Ex.ª extrair a conclusão de que o Prof. Cavaco Silva, Primeiro-Ministro, se furta ao diálogo com a Assembleia da República!
V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar têm ao vosso alcance diversos instrumentos para pedir a comparência do Sr. Primeiro-Ministro nesta Câmara, os quais, aliás, têm utilizado e, como sabe, tanto o Primeiro-Ministro como o Governo não se têm furtado a aqui comparecer para dar explicações ou para participar nos debates que devem ser feitos nesta Câmara.
Vir aqui argumentar como V. Ex.ª o fez é, portanto, uma manobra de diversão - mal elaborada, devo dizer-lhe!
Se, na vossa concepção, é difícil explicar esta separação, nós, os partidos democráticos, não temos qualquer dúvida quanto a ela e o povo português também a não terá, com certeza.
Falou a seguir da legitimidade do Governo e também aí não convenceu. Não é esta a primeira vez que o Partido Comunista, depois de actos eleitorais intercalares, ensaia a manobra de vir, à luz desses resultados, tentar produzir efeitos e tirar conclusões quanto à legitimidade do Governo.
A legitimidade do Governo foi estabelecida nas últimas eleições legislativas e mantém-se perfeitamente intacta à luz dos princípios constitucionais. O próximo veredicto serão as futuras eleições legislativas. Para elas estamos perfeitamente disponíveis e com a consciência tranquila de que, ao longo destes anos, governámos seriamente, como até aqui não tinha sido feito.
Pusemos o partido e as questões menores perfeitamente à parte desta questão essencial que é governar para Portugal, para os Portugueses e para o futuro, sem preocupações de ordem eleitoral!
Foi isso o que fizemos. Introduzimos todas as reformas a que nos tínhamos comprometido com os Portugueses, quer através do Programa do Governo quer através do nosso programa eleitoral, e, provavelmente, será isso que dói a V. Ex.ª, provavelmente será isso que dói ao Partido Comunista ... - para além, naturalmente, de sentir outras dores, que vêm mais de leste, que o fazem agora confrontar-se com um país diferente, a caminho dr modernização, a caminho do estado de desenvolvimento dos países europeus com os quais nos encontramos na Comunidade Económica Europeia.

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É este conjunto de circunstâncias novas, este nosso país cada vez mais moderno e mais europeu - uma concepção de democracia que nos tem afastado e com a qual W. Ex." se vêem hoje confrontados, com a maior dificuldade, por força dos acontecimentos a leste que perturbam o Partido Comunista Português e que levaram o Sr. Deputado a produzir esta infeliz declaração política.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró ...
O Sr. Deputado Nogueira de Brito está a pedir a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, se aceitasse o endosso do direito a pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Brito, ficar-lhe-ia muito grato.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Deputado Carlos Brito, não estivemos, infelizmente, presentes na Sala durante toda a intervenção de V. Ex.ª, mas tivemos ocasião de, através dos meios modernos à nossa disposição na Assembleia, surpreender uma parte dessa intervenção. E verificámos que V. Ex.ª contestava a presença do Dr. Savimbi em Portugal neste momento e contestava, designadamente, a circunstância de o Primeiro-Ministro, numa veste que não a de Primeiro-Ministro mas a de presidente do PSD, ter recebido o Dr. Savimbi.
Sr. Deputado Carlos Brito, não há dúvida de que a UNITA e o seu líder, Jonas Malheiro Savimbi, têm a mesma legitimidade - têm, neste caso, a mesma legitimidade revolucionária - que os outros partidos angolanos para intervir no processo político de Angola.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Não há dúvida, Sr. Deputado Carlos Brito, de que a UNITA é uma força política organizada, representativa de uma parte importante do povo de Angola e que, neste momento, luta para impor soluções de paz e de convívio em todo o território angolano.
Não há dúvida, Sr. Deputado Carlos Brito, de que o desempenho por Portugal de um papel positivo na promoção da paz em Angola passa pelo reconhecimento da UNITA e pelo diálogo com a UNITA.
É por isso que não entendemos a sua intervenção. Ao contrário de ser negativo, é positivo, é justificável, é patriótico todo o movimento que se possa fazer em direcção à UNITA para promover a paz e o diálogo em Angola. É nessa perspectiva que nós nos situamos; é nessa perspectiva que vemos as iniciativas que recentemente fomos tomando.
Significa que VV. Ex.ªs mantêm rigorosamente a mesma posição que sempre tiveram nesta matéria? Significa que o ordenamento que perpassa em alguns sectores e partes do partido de V. Ex.ª não têm reflexos neste domínio?!
Era esta a questão que lhe queria colocar.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, dirijo-me aos Srs. Deputados Correia Afonso e Cardoso Ferreira, fazendo notar que se tratam de dois ex-líderes da bancada do PSD, que, com muito gosto, vejo reaparecerem num trabalho parlamentar mais activo e é também com muito gosto que lhes respondo. Só não sei se isto se trata de um regresso - e um regresso certamente à procura de novas posições e intervenções - ou se é apenas uma reaparição fugaz.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é tão grave como o desaparecimento do Jorge Lemos!

Risos.

O Orador: - Foi pena o Sr. Deputado Duarte Lima não ter estado aqui desde o início, pois também lhe responderia com todo o gosto. Por isso, não queira agora ofuscar, com o seu «brilho», as perguntas que foram colocadas pelos seus colegas de bancada.
Sr. Deputado Correia Afonso, naturalmente não ouviu tudo o que eu disse, porque se tivesse ouvido não teria colocado as questões que colocou. Sr. Deputado, nós somos pela democracia e somos pela não ingerência!

Risos do PSD e do CDS.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Quem havia de dizer!...

O Orador: - E porque somos pela democracia, Sr. Deputado, não acreditamos na democracia da UNITA. Temos provas disso. Disse algumas na minha intervenção, não vou carrear mais. São até conhecidas. Por isso, não acreditamos na democracia da UNITA!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, deixe-me concluir.
E porque somos pela não ingerência, entendemos que quem deve resolver os problemas de Angola é o povo angolano. Por isso, pela nossa parte, numa concepção pluralista e pela nossa própria forma de intervenção, limitamo-nos a dar uma contribuição. E essa é a contribuição da solidariedade para com o povo angolano, com o qual sempre fomos solidários mesmo nos momentos mais difíceis, até mesmo quando o Sr. Jonas Savimbi estava feito com os colonialistas!!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, sempre fomos solidários com o povo angolano.
A nossa contribuição vai também no sentido de que o povo angolano encontre os caminhos mais consistentes para chegar à paz. E, a nosso ver, os caminhos não passam por esta recepção triunfal de Estado que está a ser feita em Portugal.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Passam! Passam! Nunca mais passam é pelo PCP. Foi chão que deu uvas!...

O Sr. João Amaral (PCP): - Passam pelo CDS!...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado Carlos Brito?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado. Só lhe peço que seja rápido.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado.

Sei que V. Ex.ª foi sempre um grande defensor do liberalismo, do pluralismo, das eleições... Todos nós sabemos isso, mas só quero que me responda às seguintes questões: o Sr. Deputado concorda que o regime em Angola deve ser determinado pelas eleições ou não? Eu concordo que devem ser os Angolanos a resolver os problemas de Angola, mas, então,' como que é que explica que estejam lá os cubanos?

Aplausos do PSD.

O Orador: - O Sr. Deputado Correia Afonso vem com a «pedalada» da Assembleia Municipal, mas aqui passa-se de outra maneira!...
Olhe que os cubanos estão a sair! Quem está agora a entrar são os sul-africanos, é o apartheid!

Aplausos do PCP e protestos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - São os fascistas, os racistas!

O Orador: - Além disso, Sr. Deputado Correia Afonso, desejamos efectivamente que o povo angolano encontre o seu regime democrático, mas entendemos que é ele que deve encontrá-lo e não devemos ser nós, com uma pretensão neocolonialista, a indicar-lhe esse caminho.

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa é que é a diferença!

O Orador: - Relativamente ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira quero dizer-lhe que não critiquei o facto de o Sr. Primeiro-Ministro e presidente do PSD ter vindo à Assembleia da República prestar esclarecimentos ao Grupo Parlamentar do PSD. Acho muito bem! Aliás, parece que não tem sido muito frequente, mas veio e eu aplaudo.
O que critico é que, tendo também a oposição pedido explicações acerca da remodelação ministerial, que todos consideramos atabalhoada, inexplicável e sobre os novos rumos do Governo após essa remodelação e esses partidos já levam um mês *; o Sr. Primeiro-Ministro entendeu vir a São Bento para ir ao Grupo Parlamentar do PSD e não para vir aqui, a Plenário, responder à oposição. Isso tem naturalmente um significado!...
Até lhe digo, Sr. Deputado Cardoso Ferreira - visto que também precisa de uma certa reciclagem e não tem andado por cá... -, que há uma proposta apresentada pelo PS, proposta que foi apresentada e retirada na conferência de líderes parlamentares, para que se faça um debate no Plenário da Assembleia da República, à imagem de um outro que foi feito em relação à situação dos países socialistas do Leste e do Centro da Europa, sobre a remodelação governamental. E até agora o Governo e o PSD têm recusado. É uma situação clara e evidente!

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Peço-lhe que seja breve, Sr. Deputado, porque ainda tenho de responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Vou ser breve, Sr. Deputado.

Em primeiro lugar, o líder do meu partido e Primeiro-Ministro tem vindo seguramente à Assembleia da República, nas mais diversas circunstâncias, mais vezes do que o líder do seu partido nos últimos 10 anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): -Em segundo lugar, a remodelação governamental é matéria do foro exclusivo do Primeiro-Ministro e não susceptível de ser aqui discutida. Aqui serão discutidos os actos do Governo, as políticas do Governo.
Interpelem o Governo sobre questões concretas como têm feito quando ele aqui vem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não é razoável - e o Sr. Deputado sabe que não corresponde nem à praxe política nem, digamos, às possibilidades que a Constituição oferece - vir aqui um primeiro-ministro só por ele ter tirado o Sr. Ministro «A» e ter colocado o Sr. Ministro «B», por ter tirado um secretário de Estado e ter posto outro. Isso é pura demagogia!
V. Ex.ª não pode, de maneira nenhuma, vir dizer que o Primeiro-Ministro se furta ao debate nesta Assembleia da República, porque isso não é verdade!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não misture! Ele tem razão!

O Orador: - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, eu saudei o seu regresso, mas verifico agora que me precipitei, porque, na verdade, V. Ex.ª vem mal preparado.
O que aqui foi colocado foram questões concretas. Foi o facto de o Sr. Primeiro-Ministro vir aqui discutir a questão da remodelação governamental e a questão dos novos rumos do Governo. Portanto, o Primeiro-Ministro é politicamente responsável perante a Assembleia da República. Nada pedimos que não seja devido; pedimos aquilo que ele tem o dever de dar!
Por outro lado, como é que pode falar em demagogia - como lhe ficam mal essas palavras - e como é que pode dizer-nos: «Interpelem o Governo!»? Já interpelámos o Governo. Aliás, foi entregue na Mesa, há mais de uma semana, um pedido de interpelação ao Governo, apresentado pelo PCP, centrado na questão dos fundos comunitários. Vamos ver se o Primeiro-Ministro aparece ou se arranja também alguma justificação, para que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira venha aqui depois justificar e até acusar os partidos da oposição de estarem a exorbitar das suas competências e das suas funções.
Finalmente, vou responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, a quem o faço sempre com muito gosto - e gosto muito de vê-lo aqui intervir, mas hoje disse coisas

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muito graves!... Creio que basta apenas referi-las para que lhe seja dada a resposta adequada.
V. Ex.ª sabe que existe um Estado angolano que se chama República Popular de Angola, com o qual o Estado Português tem relações diplomáticas.
Por isso, Sr. Deputado Nogueira de Brito, foi muito grave e espero que o corrija, porque esta não pode ser a posição de um partido nacional como pretende ser o CDS. Espero que o Sr. Deputado não queira reduzir a situação em Angola a dois grupos armados que se digladiam. Não! De um lado está um grupo armado na oposição e do outro lado está o Estado soberano, está a República Popular de Angola!
Pela sua boca, Sr. Deputado Nogueira de Brito, isto é muito grave! É muito grave e recorda aqui passados colonialistas que o povo português repudia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, para usar da figura de defesa da consideração, quer pessoal quer da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou repetir o que costumo dizer nestas circunstâncias para que isso vá produzindo alguns efeitos.
Dentro do espírito e da letra do Regimento, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, a defesa é legítima neste caso, como é legítimo do ponto de vista do Estado Português e dos Portugueses, não fazendo qualquer confusão entre as duas realidades, entre o Estado constituído de Angola, com o qual se estabelecem relações Estado a Estado, manter a margem de liberdade e de autonomia e de exercício da nossa soberania para recebermos os partidos angolanos que entendermos dever receber...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não termos a possibilidade de receber em Portugal os partidos que entendêssemos significaria uma limitação inadmissível à nossa soberania. Nunca questionei, Sr. Deputado Carlos Brito, o direito que o PCP tinha de receber qualquer partido comunista existente à face da Terra!... Nunca pusemos essa questão! Por que é que nos devemos questionar em Portugal por receber, a qualquer nível e nessa veste, um partido angolano?
Foi esse o sentido da minha intervenção. E só lamento que tenha tido que haver a habilidade de o Sr. Primeiro-Ministro aparecer na veste de presidente de um partido e não ter tido a autonomia e a independência para, como Primeiro-Ministro, receber um líder de um partido angolano- isto sem pôr em causa a soberania e o respeito pelo Estado de Angola e pelas formas de representação do Estado de Angola.
Não podemos confundir as coisas, porque elas não são confundíveis! Não aceitamos essa confusão!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, quero dizer-lhe que não permiti que me interrompesse e que o fiz de propósito, pois tinha-lhe lançado um desafio para que corrigisse o que tinha dito e pretendi dar-lhe a oportunidade de defender a honra, como acaba de fazer.
O que é facto é que o Sr. Deputado corrigiu e isso é importante.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Corrigiu?!

O Orador: - Portanto, sobre essa parte estamos conversados. Com efeito, referiu já que não se trata de dois grupos armados, corrigindo assim a sua posição. Aliás, o Diário poderá comprovar o que V. Ex.ª disse antes.
Depois de tudo o que o Sr. Deputado disse, entendemos que o interesse de Portugal e do povo angolano - que nos merece igualmente o maior respeito- nesta causa não está com esta viagem triunfal. Assim, pensamos que esta não é a melhor maneira de Portugal contribuir para a paz e para um futuro de prosperidade e de felicidade para povo de Angola. Esta é a nossa posição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa é a posição do PCP do Cunhal!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Maio de 1987, há cerca de três anos, a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, a Lei de Bases do Ambiente.
A aprovação desta lei e da sequente Lei das Associações de Defesa do Ambiente, foi saudada e aplaudida por todas as forças políticas e todos os sectores de opinião, como significando um momento de viragem em relação à forma tradicional de encarar as questões do desenvolvimento e da qualidade de vida.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O ambiente ganhava com esta lei o estatuto que há muito reivindicava: de assunto periférico, passou a matéria central da agenda política; de questão de polémica, passou a ser questão de política.
Portugal punha assim um ponto final nos esgotados e desacreditados modelos de desenvolvimento assentes no crescimento e na expansão cega e sem limites, abrindo-se para os novos valores e novas atitudes ecológicas que, recusando as visões produtivistas, aspiram à utilização de «tecnologias limpas» e a uma reconversão total de métodos e unidades de trabalho.
Os princípios generosos da lei impunham e impõem uma nova consciência, novas responsabilidades e novos deveres dos indivíduos, mobilizando-os para a protecção e saúde do. meio ambiente.
A Natureza, Srs. Deputados, deixou de ser um tesouro a pilhar para se converter numa unidade insubstituível, finita, inegociável; um interlocutor que é necessário ouvir e respeitar!

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Mas tão importante como os postulados da lei foi a consciência que ela trouxe de que o ambiente é como a democracia: é ao povo que compete defendê-lo.
Infelizmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tudo isto foi há três anos - pouco tempo. Tempo suficiente, no entanto, para que este Governo malbaratasse todo este capital de adesão, de confiança e de optimismo. Três anos bastaram para que os cidadãos olhem agora desconfiados e pessimistas, sem grande esperança de melhorias.
O Governo não faz as leis que prometeu e as que faz não faz cumprir. O Secretário de Estado do Ambiente aparece de três em três dias na televisão a dizer que as leis estão quase prontas, que estão quase aí. Mas há três anos que o País espera as leis prometidas pelos bondosos princípios da Lei de Bases: a dos estatutos de impacte ambiental, a das áreas protegidas, a da poluição do ar, a da qualidade da água e até a lei da água, que, para sossego do País, foi dada como aprovada há três meses em Conselho de Ministros e que permanece fantasma depois de ter causado os maiores estragos nas burocracias - isto a avaliar pela demissão do director-geral!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Acresce a grave irresponsabilidade do Governo em não fazer no País as leis que também aprova em Bruxelas, irresponsabilidade porque as leis são necessárias à protecção e prevenção ambiental do País, irresponsabilidade porque isso afecta a credibilidade e o bom nome do país na CEE, irresponsabilidade porque abre situações de pré-contencioso e de contencioso com Bruxelas que põem em risco importantes participações financeiras das Comunidades em projectos nacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Submerso pelas contradições e conflitos das burocracias da Administração, incapaz de fazer face aos grupos de pressão, incapaz de resolver as rivalidades entre ministérios, sem génio e sem vontade para realizar as reformas legislativas indispensáveis, o Governo afunda-se numa confrangedora imobilidade, desperdiçando o capital político que a adesão da opinião pública aos princípios ecológicos lhe dava, desvalorizando a própria Lei de Bases do Ambiente, abrindo caminho às críticas que a consideram muito idealista e pouco eficaz e frustrando a expectativa e a confiança dos cidadãos no actual quadro da vida política, abrindo contenciosos evitáveis que desacreditam as instituições democráticas.

Aplausos do PS.

No caso da «Via do Infante», como noutros, o Governo ignorou as críticas e os avisos, não deu ouvidos àqueles que não querem mais que se devaste, que se desenraíze, esqueceu a protecção e valorização devidas às riquezas regionais, fechou-se na sua convencida e petulante tecnocracia do Terreiro do Paço, que tudo sabe e que nada tem para aprender. O resultado desta cegueira, Srs. Deputados, está bem à vista: Bruxelas ameaça não pagar se o Governo não fizer aquilo que se faz em todos os países da CEE, isto é, um verdadeiro estudo de impacte ambiental que avalie as consequências ambientais do projecto na região e que permita a audição elementar dos responsáveis locais. É lamentável, Srs. Deputados, que tenha de ser a CEE a ensinar o Governo Português a respeitar a dignidade das periferias!
A mesma coisa no caso de Porto Santo, em que o Governo ignorou todos os avisos, recomendações e relatórios feitos depois do desastre em Sines; pensou que estas coisas não voltariam a acontecer, mas, sete meses depois, a maré negra em Porto Santo veio mostrar ao País que continuamos tão desprotegidos e indefesos como estávamos para acorrer, com eficácia e oportunidade, a situações de emergência deste tipo; e veio mostrar também o nível de protecção e vigilância das nossa águas territoriais - só damos pela maré negra quando ela chega à praia!
Mas tudo isto não impediu p Sr. Secretário de Estado do Ambiente de aparecer a dizer de novo: «Isto não é assim tão grave! Ò Governo vai fazer, o Governo vai implementar!» O Sr. Secretário de Estado gosta de fazer esta figura de «pós-pirómano»: depois dos desastres aparece sempre a dizer as mesmas coisas. Tinha dito exactamente o mesmo em Sines, sete meses antes!...
O País vai perdendo a confiança! À medida que se acentuam os conflitos e os desastres, o Governo vai perdendo o povo para a batalha pelo ambiente!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estado poluído de grande parte dos nossos rios, a situação preocupante das florestas, a qualidade de vida nos grandes centros urbanos, as características do nosso parque industrial, com níveis poluentes muito elevados, exigem que a questão do ambiente seja uma preocupação permanente da agenda política de qualquer Governo.
Infelizmente e como do que atrás se disse se conclui, o balanço que o PS faz da acção deste Governo é profundamente negativo. O Governo - é preciso dizê-lo com clareza e frontalidade! - mostrou-se incompetente e incapaz, nunca assumindo a política do ambiente como uma das prioridades da sua acção. Da actuação do Sr. Secretário de Estado do Ambiente ficam-nos apenas as ausências de políticas, as obsessões antitabagistas, as paixões pelo cicloturismo... É pouco, Srs. Deputados, é muito pouco!
A remodelação governamental veio mostrar o complexo de culpa que o Governo tem nesta matéria: foi claramente um clássico gesto político de «fuga para a frente»; reconhecendo o insucesso do Secretário de Estado, o Prof. Cavaco Silva nomeou-lhe um Ministro. Infelizmente, notou-se demasiado o falhanço: o lugar era para outro... A «fuga» foi afinal para o passado!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fazer este balanço crítico da acção governativa em matéria de ambiente, o PS pretende, por um lado, que o poder acorde de tão prolongada letargia e, por outro, mostrar que não se resigna a tamanha amorfia e imobilidade governamentais.
Nesse sentido e dando expressão política à responsabilidade que sabemos ter para com os cidadãos e com e País, o PS apresenta hoje um primeiro pacote legislativo sobre matéria de ambiente. Fica, portanto, claro que o PS não se limita a criticar e apresenta propostas que fundamentam e credibilizam o nosso papel de alternativa política a este Governo.
Vou agora mesmo entregar na Mesa três projectos de lei,...

Aplausos do PS.

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... dois dos quais se referem ao acompanhamento indispensável da recente legislação comunitária de protecção do ambiente: a proibição de utilização de clorofluorcarbonetos (CFC) nas embalagens de aerosóis e a redução da concentração de chumbo na gasolina com chumbo. O terceiro projecto é uma das infra-estruturas de qualquer política ambiental: a regulamentação dos estudos de impacte ambiental. A prolongada ausência desta lei, excedendo todas as legítimas expectativas criadas pela aprovação da Lei do Ambiente, é já responsável por situações evidentes de pré-contencioso ou contencioso com a Administração comunitária e por conflitos regionais e locais a que urge pôr termo.
Desta forma, o PS oferece para discussão um quadro legislativo transparente e credível de isenção dos estudos de impacte ambiental, cabendo, por agora, referir apenas três componentes essenciais do projecto que apresentamos: a audição das populações das áreas afectadas pelo projecto; a clareza processual do acompanhamento do estudo; a responsabilidade política da decisão.
Ao apresentar este primeiro pacote legislativo - e anunciamos desde já que a reserva que fizemos para um debate no dia 15 será completamente dedicada às matérias ambientais -, o PS espera não ser alvo das críticas, completamente ridículas, do género daquelas em que o PSD se tem ultimamente especializado, ou seja, que o PS invade as esferas de competência do Governo, a quem compete a regulamentação da Lei do Ambiente e de que o PS perturba, com a sua pressa, o normal processo de preparação de legislação em que o Governo «está tão visivelmente empenhado».
Estas críticas não colhem, Srs. Deputados! Nota-se demasiado o ciúme e a inveja!...

Risos do PSD.

O País não pode continuar à espera! Se o Governo não faz as leis, compete à oposição mostrar esta coisa elementar: fazer leis é possível!

Aplausos do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito esta pausa, em que o Sr. Deputado ocupa o seu lugar na bancada, para informar que se encontra em distribuição o voto n.º 123/V e também para anunciar a renúncia do mandato do deputado José Eduardo Linhares de Castro, o que deverá produzir efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1990.
Entretanto, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Herculano Pombo, Carlos Coelho e Natália Correia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado José Sócrates, bem-vindo ao «clube dos preocupados activos»... Aliás, já começa a ser um hábito dar as boas-- vindas aos socialistas que se preocupam com o ambiente isto parece quase uma «agência de licenciamentos de ambientalistas encartados»...

Risos.

Mas, como diz o povo, as licenças são em Janeiro, estamos em Janeiro e V. Ex.ª preencheu os requisitos mínimos para ser um «ambientalista encartado». Tem, pois, o meu beneplácito e Deus queira que daqui para a frente assim continuemos, mormente quando VV. Ex.ªs vierem, eventualmente, a assumir responsabilidades governativas e esse vício não vos passe como passou a outros que tão ambientalistas eles eram!...-, agora que têm de fazer alguma coisa, vão naquela do prometer, prometer... e, quando expira o prazo das promessas - porque as promessas têm prazo, como os iogurtes... -, eles vendem as mesmas promessas com um prazo diferente, o que, como sabemos, infringe pelo menos as leis de defesa do consumidor.
De qualquer modo, esses têm vindo a fazer assim, isto é, a inscrever prazos diferentes nos mesmos iogurtes e portanto, já passado o prazo de validade, estamos todos intoxicados com essas promessas de legislação já não digo de acção, mas pelo menos de legislação!
Por conseguinte, não me espanta que o PS venha agora tentar legislar em matéria que é não diria da estrita competência mas da estrita obrigação do Governo, ou seja, a regulamentação das leis de bases. Aliás, também já o tentámos, mas até agora não produziu qualquer efeito. Na verdade, «produziu» um ministro, o que, como sabemos, não é a mesma coisa que um efeito...
Enfim, o Sr. Deputado fez a sua intervenção e entregou os seus projectos. Não é ainda o seu doutoramento honoris causa - lá chegaremos! -, mas, apesar de tudo, abordou aqui algumas questões importantes, uma das quais tem a ver com a perversão absoluta do regime democrático no que respeita à execução das leis.
Na realidade, este Governo conseguiu criar na democracia portuguesa a seguinte ideia: as leis do ambiente têm força jurídica menor.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Eu também não apoio, Sr. Deputado! Aliás, nenhum de nós apoia!
Portanto, como ia dizendo, este Governo criou na opinião pública e nos agentes económicos esta ideia: as leis do ambiente, quando existem, são raras, e como tal não são para aplicar para não as gastar!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É a primeira vez que ouço isso, Sr. Deputado!

O Orador: - Então registe-o, pois a partir de agora vai passar a ouvi-lo mais vezes, aliás como se depreende já das intenções do PS! Portanto, vai deixar de o ouvir apenas deste lado e passar a ouvir de mais lados!
Daí a irrisoriedade das multas, daí o ser mais fácil libertar cloro e pedir desculpa às pessoas pelo facto de as ter morto ou incapacitado; daí o ser mais fácil ir à televisão dizer que o crude é cor-de-rosa e não preto e que, portanto, está tudo bem - só se vier a maré, que é uma coisa que não vem...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Quem é que disse isso?!

O Orador: - Foi o engenheiro Macário Correia e o Ministro do Ambiente! Repetiram-se e continuam a repetir-se! Com efeito, afirmaram que o crude era cor-de-rosa e não preto - todos o vimos preto, mas eles viram-no cor-de-rosa!...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não é verdade!

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O Orador: - Como sabemos, a Lei de Bases do Ambiente é uma lei «virgem» e virgem morrerá certamente! Contudo, não é por acaso: é que recentemente descobri - eu não estava cá aquando da sua discussão e votação - que os aspectos em que ela não está regulamentada coincidem em muito com aspectos que. na especialidade, foram votados contra pelo PSD.
Com efeito, as votações na generalidade e final global tiveram um voto diferente apenas por parte do CDS. No entanto, na especialidade, nos aspectos em que ela tem de ser regulamentada e aplicada, os votos do PSD são elucidativos: abstenções e votos contra em matérias que são fundamentais. E por isso que depois, ao fim de três anos, não surge legislação que tinha de surgir passado um ano.
De qualquer modo, haverá certamente outros momentos para debatermos aqui a ineficácia, a incúria, a negligência e a má-fé do Governo, que continua a vender promessas em termos de ambiente e continua sem dar-lhe meios, sem vontade para, pelo menos, prevenir o povo de que vivemos numa situação de ruptura, pois temos todos os dias desastres ecológicos. A Natureza já deve estar farta de avisar este Governo, que não sente sequer os avisos e não actua em conformidade!...
Como referi aqui há tempos, há uma coisa em Portugal que cresce mais e mais rapidamente do que os eucaliptos: a impunidade! É que ninguém vai punir os agentes que desrespeitam a lei e ninguém pune, por omissão, aquele que tem obrigação de fazer leis e de as aplicar - é pena!...
Termino referindo que, de facto, este Governo foi um bluff exactamente onde não tinha de ser, que era na principal preocupação dos povos que se debatem com problemas modernos, ou seja, as questões ambientais.
O Sr. Deputado José Sócrates colocou a tónica aí e entregou na Mesa três projectos de lei sobre a matéria. Assim, o que quero perguntar-lhe é se, de facto, entende que cabe à Assembleia da República, aos partidos aqui representados, legislar em matéria de regulamentação das leis de bases. Teremos nós de fazer aqui a lei de bases da água, porque ela não aparece? Teremos nós de levar ao Presidente da República para promulgação os decretos sobre a qualidade da água? Teremos nós de regulamentar, por exemplo, o impacte ambiental, quando há uma directiva da CEE que poderia ser transposta e quando há um artigo na Lei de Bases do Ambiente que refere que tem de existir uma lei sobre impactes ambientais? Teremos nós de elaborar aqui a estratégia nacional da conservação, que é um instrumento fundamental para a política de ambiente? Teremos nós de governar o País, nós, oposição?! Lá iremos!...
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Sócrates, queria começar por aplaudi-lo com sinceridade, pois julgo que as questões do ambiente têm de ser relevadas no conjunto das preocupações dos agentes políticos e sociais em Portugal. Portanto, não será nunca de mais que qualquer de nós venha a esta Câmara levantar as questões do ambiente. Terá, desse ponto de vista, toda a solidariedade não só dos deputados da JSD mas, estou certo, de toda a bancada social-democrata.
Há três questões que o Sr. Deputado José Sócrates levantou na sua intervenção e que, julgo, seria bom para a Câmara e para todos nós fossem mais esclarecidas, uma vez que, na minha opinião, comportam trás grandes incoerências do PS.
Nestes termos, começaria pelo fim: o Sr. Deputado José Sócrates fez uma diatribe a propósito da intervenção do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da nomeação de um novo ministro, referindo o passado e o futuro.
São questões que parece não deverem ser muito comentadas. O Sr. Deputado José Sócrates foi ali dizer que não gostava nem do Secretário de Estado nem do Ministro, mas estranho seria que tivesse dito o contrário. Contudo, uma das tónicas políticas do seu discurso foi dizer que este Governo não valoriza o ambiente, quando, ao contrário, este Governo acaba de reforçar politicamente a área do ambiente, dando-lhe assento em Conselho de Ministros e nomeando um Ministro do Ambiente!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Esqueceu-se de lhe dar um orçamento!

O Orador: - Julgo assim que o Sr. Deputado vai ter de, pelo menos, pedir desculpa em relação a esse lapso. Poderá dizer que não gosta da pessoa, que existem inimizades pessoais ou que gosta mas não acha... Enfim, são opiniões que se afiguram lícitas para qualquer um de nós. No entanto, não pode ignorar a evidência política de este Governo ter valorizado a área do ambiente e de lhe ter dado assento em Conselho de Ministros. Até podia ter feito, aqui, a diatribe de dizer: «Bem, o Secretário de Estado portou-se mal; disse algumas coisas de que o Governo não gostou [ou outra coisa no género] e, por isso, tirou o Secretário de Estado e pôs um Ministro.» Ora, isso não é verdade porque continua o mesmo Secretário de Estado com outro ministro e, portanto, há tão-só valorização política do Governo da área do ambiente. Deve desculpas em relação a esse particular.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A esse e a outro!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado José Sócrates fez uma acusação complicada: disse que a forma como nós estávamos a gerir as preocupações do ambiente da nossa sociedade, particularmente do nosso Estado, punham em risco...

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Já não estão!

O Orador: -... participações financeiras de Bruxelas.
Julgo que o Sr. Deputado José Sócrates vai ter de concretizar isso, dizendo que participações financeiras de Bruxelas é que estão em risco e, portanto, que não podem reforçar o apoio a Portugal. Bem, eu não conheço nenhuma, mas talvez o Sr. Deputado Herculano Pombo...

O Sr. José Sócrates (PS): - Mas vai ficar a saber!

O Orador: - Ainda bem, Sr. Deputado José Sócrates, que nos vai esclarecer a todos nós. Porém, desconfio que haja alguma, até porque o cenário político em Bruxelas - os Srs. Deputados também andam distraídos e não só em relação à imprensa nacional como também à imprensa estrangeira- é de reforço estratégico da posição de

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Portugal nas preocupações ambientalistas da Comunidade, porquanto, sempre que se fala da criação da Agência Europeia do Ambiente, quando está em emergência e em construção a rede europeia do «Projecto Globe» e a sua institucionalização mundial com a reunião de parlamentares preocupados com o ambiente, com a participação, inclusive, de parlamentares eleitos do parlamento soviético, é um português que, no conjunto das preocupações comunitárias, mais se tem esforçado nesse combate: o engenheiro Carlos Pimenta, deputado ao Parlamento Europeu...

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É, sim, senhor, mas tem-se esquecido de Portugal!

O Orador: - Portanto, devem, pelo menos, essa referência à bancada social-democrata. É que quem tem ajudado a prestigiar a posição do ambiente dentro das Comunidades Europeias é um português e, particularmente, um social-democrata,...

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - E se esse vem para cá quem é que lá fica?!

O Orador: -... portanto, esta é a segunda desculpa que o Sr. Deputado José Sócrates deve a esta bancada e à nossa intervenção política, não só neste Parlamento e no nosso Governo mas também nos órgãos de poder político em que temos intervenção.
Sr. Deputado Herculano Pombo, vou fazer só a última pergunta - lamentavelmente, não a V. Ex.ª, desta vez, mas ao Sr. Deputado José Sócrates, que fez a intervenção -, que tem a ver com a questão da regulamentação. Esta é a terceira pergunta e talvez a mais séria.
O Sr. Deputado José Sócrates disse aqui, do alto daquela tribuna e com bastante vigor, o seguinte: «Aprovamos uma Lei de Bases do Ambiente. Que é feito da sua regulamentação?»
Sr. Deputado José Sócrates, julgo que institucionalmente teria mais sentido que o Sr. Deputado tivesse feito esta pergunta, em primeiro lugar, ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente, por exemplo, em sede de pedidos de esclarecimento, isto é, de perguntas ao Governo ou, então, que a Comissão Parlamentar de Equipamento Social e Ambiente tivesse chamado o Sr. Secretário de Estado e lhe perguntasse porquê, como, por exemplo, fez a Comissão de Educação com o Sr. Ministro Roberto Carneiro, quando ele não conseguiu cumprir a primeira fase da implementação da Lei de Bases do Sistema Educativo. Nesse caso, o Sr. Ministro deu a explicação e apontou consensualmente para outras datas. E talvez o Sr. Deputado José Sócrates pudesse, nessa sede, ter do Sr. Secretário de Estado do Ambiente outras datas.
Mas a questão para mim não é essa. Para mim, trata-se de um problema de filosofia, que se traduz no seguinte: como entende o Sr. Deputado José Sócrates que a regulamentação desta lei, que é fundamental para todos nós, deve ser feita? É numa imposição do Governo, sem diálogo com os parceiros sociais nesta área, que são as associações ecologistas, ou com a sua participação? E isto porque, quando o Governo legisla, logo a seguir à aprovação de uma lei nesta Assembleia, sem falar com toda a gente, os senhores acusam o Governo de o ter feito sem discutir com as instituições da sociedade civil; quando o Governo desenvolve plataformas, contactos e mecanismos de diálogo com todos as organizações ecologistas nesta área, os senhores entendem que o Governo está a atrasar!...
Sr. Deputado José Sócrates, quer precisar qual é a sua acusação? Isto é, se o Governo se atrasou ou se não falou com toda a gente? É numa das duas que o Sr. Deputado José Sócrates irá ter que se fixar.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Ser ou não ser, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado José Sócrates, congratulo-me pelo facto de o Sr. Deputado se preocupar com a questão ecológica, que deve ser uma preocupação fundamental da juventude, e é, de facto, visto serem maioritariamente jovens os militantes nos movimentos ecológicos.
A iniciativa legislativa apresentada pelo PS é da maior oportunidade porque, não há dúvida, estão a dar-se factos como o seguinte: frente a Portugal passa a mais movimentada rota de petroleiros de todo o globo, mas a extensão dessa ameaça ecológica parece ser indiferente ao Governo, pelo menos, até que pare com a exiguidade de meios técnicos e humanos para fazer frente a emergências como aquelas que ocorreram em Sines e na Madeira.
Queria, porém, fazer a observação seguinte: está dito e comprovado que a questão ecológica não tem solução, quer pela esquerda quer pela direita -para falar com toda a sinceridade -, exigindo, portanto, uma sociedade alternativa, dado que se tem verificado que o industrialismo tem capacidade para absorver os esforços feitos para obstar às catástrofes ecológicas.
Peço, pois, à sinceridade ou entusiasmo da sua juventude ambientalista resposta a uma pergunta que a sua intervenção e a sua iniciativa legislativa justificam: não acha que a necessidade da fundação dessa sociedade alternativa se deve introduzir com uma estrutura transformadora nos partidos convencionais, nomeadamente no seu partido, que nisso tem responsabilidades especiais, dada a sua tradição humanista?

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Deseja, Sr. Presidente, deseja! Vai ter de responder a algumas coisas!

O Sr. José Sócrates (PS): - Tenho o maior prazer em responder a todos os Srs. Deputados que me interpelaram e, naturalmente, muito maior prazer vou ter em responder ao Sr. Deputado Carlos Coelho!...
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Herculano Pombo, os socialistas que se preocupam com o ambiente não fazem o Sr. Deputado correr o risco de desemprego!...

Risos.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não, não!

O Orador: - Qualquer socialista poderia ter feito a intervenção que eu fiz ali, daquela tribuna, porque todos os socialistas e todo o PS têm consciência da importância da questão ambiental, principalmente num país como o nosso, que tem o nível ambiental que nós temos.

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Falou o Sr. Deputado - como, aliás, também referi e foi umas das questões centrais da minha intervenção - da confiança dos Portugueses nas leis ambientais. Ora, tal como disse, o Governo não só não faz as leis como não cumpre as leis que fez. E veja-se a questão do Regulamento do Ruído, que, ao que julgo saber, é a única regulamentação que existe conexa com a Lei de Bases do Ambiente, mas que não é cumprida. Nós temos, julgo eu, a cidade mais ruidosa da Europa: o Porto.
O Governo não cumpre porque não tem instrumentos para isso, porque não tem meios e porque não tem dinheiro. Esta é a questão: o Governo não dá dinheiro ao ambiente para que possa ter serviços capazes de fiscalizar a aplicação destes regulamentos. Essa é que é a questão essencial: não há dinheiro. E a mesma coisa para os incentivos financeiros à modernização tecnológica das nossas empresas. Nós temos as empresas mais poluentes da Europa. É preciso dinheiro, muito mais dinheiro do que tem havido para isso!
A questão de fundo é, com efeito, a falta de dinheiro, pois o Governo não tem uma opção pelo ambiente; o Governo não tem a política do ambiente como uma política de prioridade. Tem-na, apenas, e usa-a, de vez em quando, como adorno, como instrumento propagandístico e mais nada! Tem, afinal, uma «política de tapa-buracos» e mesmo esses, a maior parte das vezes, tapa-os mal, como se viu!...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso de tapar buracos é com as câmaras municipais!

O Orador: - Quanto à legislação regulamentadora da Lei de Bases do Ambiente, o Sr. Deputado pergunta-me se deve ser a Assembleia ou o Governo a fazê-la. Sr. Deputado, é preciso, pelo menos, acordar o poder, como já referi, e dizer-lhe que é possível fazer leis. O Governo tem estado afundado nas suas contradições internas; não tem génio, nem vontade, nem sabedoria para ultrapassar as questiúnculas das burocracias das administrações. Toda a gente quer ter competência sobre tudo. Veja-se a Lei da Água, anunciada há três meses como aprovada, mas que ninguém conhece! É uma lei fantasma. E depois de ter provocado demissões de directores-gerais!
Digamos que a gestão dos conflitos internos no Governo tem sido feita com grande amadorismo e incompetência política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Coelho (PS): - Não apoiado!

O Orador: - O Governo não tem tido génio para aprovar o que lhe compete fazer nesta matéria, nem sequer para impor uma vontade política. O Governo continua submerso por estas questiúnculas das administrações e das burocracias e não tem sabido sair delas.
Sr. Deputado Carlos Coelho, passo, agora, a responder às suas perguntas. Não precisa de ter pressa!
A primeira questão que o Sr. Deputado me colocou é a da remodelação.
Então, se o Governo valoriza o sector do ambiente nomeando um ministro, por que é que V. Ex.ª diz que o debate de tudo isso é desvalorizante para o ambiente?
Sr. Deputado, toda a gente sabe que o lugar não era para este Ministro mas, sim, para outro... Portanto, este acto, como disse, foi um acto falhado à partida. Todavia, a questão do ambiente não se resolve nomeando um ministro mas, sim, dando ao sector mais dinheiro; não se resolve considerando a política de ambiente não como instrumento propagandístico, ou usando o ambiente como a «flor de lapela da remodelação» para que tenha um sinal positivo, mas, sim, com as questões infra-estruturais.
Há três anos que o País espera as leis e o Sr. Deputado tem, ainda, o descaramento de me dizer: «Então, o Governo não apresentou ainda as leis porque está a conversar com as associações.» Ó Sr. Deputado, nós conversámos com as associações ecológicas antes de apresentar estas iniciativas legislativas e isso demorou apenas três semanas!
É preciso, de uma vez por todas, dizer ao Governo que fazer leis é possível e que não é assim tão complicado!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Sócrates, muito obrigado pela interrupção que me consentiu.
Eu apenas desejo perguntar-lhe o seguinte: o Sr. Deputado inseriu, agora, uma questão nova, que é a dos dinheiros, dizendo que o que falta são os recursos. Ora, neste sentido, eu queria perguntar ao Sr. Deputado José Sócrates quais foram as propostas que o Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar apresentaram numa discussão que tivemos, aqui, há mês e meio ou dois meses, que foi a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1990. Na altura, os Srs. Deputados já tinham «acordado» para esta preocupação ou é uma preocupação que o Sr. Deputado teve ontem à noite?

O Orador: - Olhe, Sr. Deputado, digo-lhe o seguinte: em primeiro lugar, os senhores não conseguem esconder o fracasso, o insucesso da política de ambiente do vosso Governo nomeando mais ministros! Isto é, como o Secretário de Estado do Ambiente foi um insucesso, por isso nomeai-se um ministro. Toda a gente percebe que isto é frágil, que é pechisbeque, que é oco, que não resulta!
Em segundo lugar, Sr. Deputado, em relação ao projecto de lei sobre o impacte ambiental, devo dizer o seguinte: V. Ex.ª sabe que este é um segundo projecto sobre impacte ambiental que apresentámos? Apresentámos o primeiro e perguntámos ao Governo se não apresenta a sua proposta de lei. E o Governo disse: «Nós temo-la em preparação.» Isto aconteceu há dois anos, Sr. Deputado! E como a regulamentação do impacte ambiental nunca mais aparecia, o PS fartou-se, perdeu a paciência - o mesmo sucede com o País! - e apresentou este pacote ambiental. Aliás, devo dizer que grande parte dos conflitos de ordem ambiental que a Administração tem com o resto do país não se verificariam se existisse esta lei regulamentadora.
A este respeito lembro-lhe, Sr. Deputado, uma questão muito simples: aquando da discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1990, a oposição apresentou uma proposta para que o Governo desse mais dinheiro ao sector do ambiente, de modo a dotar as administrações com os meios suficientes para fazerem face, por exemplo, à ocorrência de marés negras. E o que é que aconteceu? O seu grupo parlamentar chumbou essa proposta.

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Uma vez que o Sr. Deputado me pediu exemplos, aqui tem um!

Aplausos do PS.

O Orador: - Sr. Deputado, as situações de pré-contencioso com Bruxelas são conhecidas, vêm nos jornais. A verdade é que o Governo põe em causa não só o bom nome de Portugal na CEE como ainda a participação comunitária em alguns projectos. Isto porque a CEE não está, naturalmente, disposta a comparticipar obras que são tão contestadas, que são postas em causa como, por exemplo, a construção da Via do Infante, de que falei. E não há qualquer razão para tal porque o Governo tem de perceber que não pode impor às regiões modelos Standard de desenvolvimento, pensados no Terreiro do Paço. É preciso discutir com as populações.
E não é só a Via do Infante. Há por esse país fora inúmeros casos: as barragens no Minho, a questão de Barqueiros... Ora, isso não incomoda, Srs. Deputados? E, do mesmo modo, não incomoda o facto de a instalação de uma indústria tão poluente ser, apenas, decidida pela Administração Central, apesar de estar demonstrado que esta é totalmente insensível à preservação da cultura local e às reivindicações da população, que apenas luta por ambiente e na defesa dos valores da sua terra? Isto não o deixa preocupado?
É preciso criar canais institucionais que dêem voz a essas pessoas; é preciso impedir, de uma vez por todas, que a Administração Central e a tecnocracia do Terreiro do Paço - que pensa saber tudo e que nada tem a aprender - imponham os seus pontos de vista às regiões e às periferias! Foi por isso que eu disse, Sr. Deputado, esta coisa muito simples: «O que é lamentável é que seja a Comunidade Económica Europeia a dizer ao Governo que é preciso respeitar a dignidade das periferias. Isto é inacreditável nos tempos que correm, no dia de hoje.» E isto é que faz a imagem de Portugal na CEE!
São estas questões e não a acção de um qualquer deputado europeu, preocupado embora com as questões ambientais, que eu aplaudo. Estas questões é que criam
- digamos - a imagem do País, preocupado ou não com as questões ambientais, no quadro da Comunidade Económica Europeia.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não falou na questão da regulamentação! Se o Governo faz ou não o diálogo!

O Orador: - Oh, Sr. Deputado, a isso já respondi! Há três anos que o Governo diz que anda a falar com as associações ecologistas! O Governo precisa de três anos para falar com as associações? Não, Sr. Deputado! O Governo não consegue é sair das questiúnculas entre as burocracias da Administração - isto é conhecido!
A primeira lei que tentou fazer -e que ainda é um fantasma -, que é a lei da água, provocou uma demissão de director-geral. O Governo não se entende!
Por exemplo, para o Ministro Valente de Oliveira esta remodelação governamental está a correr-lhe, digamos, da a favor, porque as questões que linha no interior do eu Ministério são agora transpostas para o Conselho de Ministros. Porém, não sei se o Prof. Cavaco Silva apresentará este «presente envenenado», mas, enfim, logo se era.
Finalmente, quero dizer à Sr.ª Deputada Natália Coreia que concordo, em absoluto, com o que diz.
Sr.ª Deputada Natália Correia, quanto à pergunta que me colocou sobre a sociedade alternativa e a questão ecológica, devo dizer-lhe que esta última é um dos exemplos de que, em grande pane, o espírito que existia em tempos da vanguarda das elites políticas na condução da vida política do País já passou de moda. Hoje, as questões principais das sociedades nascem das próprias sociedades, da associação de indivíduos e de grupos independentes dos quadros tradicionais dos partidos e, então, são os partidos que têm de correr atrás dessas preocupações e não o contrário, isto é, os partidos imporem à sociedade as suas preocupações e as suas prioridades.
Quanto à outra questão que colocou, concordo consigo e posso dizer-lhe que, de facto, o PS também aprendeu com a lição que nos é dada pela questão ecológica e pela imposição que a libertação e a independência da sociedade civil cria nos partidos políticos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de fazer uma rectificação ao «Boletim Informativo» que já foi distribuído. Dele consta, por lapso, a apreciação, na sessão de hoje, da ratificação n.º 107/V, ao Decreto-Lei n.º 439-G/89, de 23 de Dezembro, que autoriza a cessão de exploração da Setenave, E. P. Está feita a correcção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, peço uma interrupção dos trabalhos por 15 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental, está concedida. Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A defesa dos recursos naturais no nosso País é uma questão que está na ordem do dia. Acidentes de diverso tipo têm provocado, nos últimos anos, a destruição acelerada de uma riqueza incomensurável e que, a continuar ao ritmo a que vimos assistindo, põe em risco a subsistência de sectores de actividade directa ou indirectamente ligados à conservação da natureza, que têm um peso significativo na economia portuguesa, provoca o abandono e a desertificação em várias regiões do território nacional e hipoteca progressivamente o nosso futuro como seres vivos.
Por estas razões, deveria o Estado Português, como o expressa a Constituição da República, criar todas as condições para que os recursos naturais fossem salvaguardados e geridos de forma harmoniosa com vista a garantir a sua preservação e utilização em condições de auto-regeneração.
Ignorando praticamente em absoluto as determinações legais sobre esta matéria, vimos assistindo nos últimos anos a uma actuação governativa que caracterizamos da seguinte forma: lançamento de campanhas de propaganda

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em torno dos problemas do ambiente, sem quaisquer efeitos práticos, como foi o caso do Ano Europeu do Ambiente; atribuição de culpas a fenómenos naturais, como é o caso das cheias e das secas, sem que, ano após ano, sejam tomadas medidas preventivas, lavando daí o Governo as mãos como Pilatos; aprovação de legislação avulsa sobre aspectos marginais relativos ao ambiente, quase sempre sem viabilidade de aplicação, ao mesmo tempo que o Governo se recusa a regulamentar a Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Assembleia da República há mais de três anos; desrespeito pelas convenções internacionais, que o Estado Português subscreveu, e ignorância na adopção e no cumprimento de directivas comunitárias.
A par de todos estes atropelos e atentados à vida e ao futuro de um povo que nasceu, que pretende desenvolver-se neste «jardim à beira-mar plantado», que trabalha e luta para que as gerações vindouras aqui possam ter uma vida melhor, procura este Governo, a toda a força e por todos os meios, esconder aos Portugueses problemas de extrema gravidade resultantes, em grande parte, de uma actuação governativa desastrosa e irresponsável.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito bem!

O Orador: -É o caso da defesa contra a poluição das nossas costas marítimas e da zona económica exclusiva.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Após o acidente em Sines do petroleiro Mearão, em 3 de Agosto de 1989, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais, em reunião com o grupo de trabalho da Assembleia da República que elaborou um relatório sobre a maré negra no litoral alentejano, fez duas afirmações que não podem ser ignoradas nem esquecidas.
Disse, então, o Secretário de Estado que estava a decorrer um inquérito para apurar responsabilidades que seria divulgado no prazo de um mês. Até hoje, passados quase seis meses, não se conhece o resultado do inquérito e, por isso mesmo, há indemnizações que ainda falta pagar às autarquias e populações afectadas dos concelhos de Sines e de Odemira.
Reconhecendo a gravidade daquele acidente, a falta de meios e a descoordenação verificada, o Secretário de Estado afirmou que na Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais estava em marcha a tentativa de instalação de equipamento central - a nível local e regional - para combate à poluição marinha, para o que se previa a inclusão no Orçamento do Estado para 1990 de uma verba superior a l milhão de contos.
Quando, em Novembro, tivemos conhecimento das verbas incluídas no Orçamento para esse efeito, apresentámos propostas de alteração para que a rubrica fosse aumentada de 800 000 contos; porém, quando se passou à votação a maioria PSD votou contra, e assim a verba do Orçamento do Estado para 1990 destinada à despoluição do mar é de, apenas, 2000 contos.
O Governo e o PSD não deram, igualmente, qualquer atenção ao relatório e às recomendações apresentadas pelo grupo de trabalho da Assembleia da República, que propunha, de entre outras medidas, a elaboração de um plano nacional de prevenção e acção para a luta contra a poluição marinha e a consideração de meios económico-financeiros faseados no Orçamento do Estado para 1990.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É perante esta passividade do Governo e do PSD que, passados seis meses do acidente de Sines, acontece a mar negra na
Região Autónoma da Madeira, em particular na ilha d Porto Santo.
A gravidade da situação e a falta de meios foi imediatamente divulgada pelos meios de comunicação social A irresponsabilidade do Governo PSD/Cavaco Silva en evidente, quando a Direcção-Geral da Marinha já em 1988 e em 1987 tinha apresentado propostas para evitar i gravidade destas situações.
Enquanto o Governo fazia declarações, procurando iludir a gravidade da maré negra em Porto Santo e o sei alastramento a todo o arquipélago, o Presidente do Governo Regional da Madeira condenava a comunicação social pelas imagens que divulgava e pelo relato que faz dos acontecimentos.
Foi no seguimento desta situação que Os Verdes pró puseram a criação de um grupo de trabalho que se dês locaria àquela região com vista à elaboração de um relatório, tal como vem acontecendo em outras situações.
Depois de constituído o grupo de trabalho o PSI decidiu «dar o dito por não dito» e votar contra essa deslocação, argumentando solidarizar-se com o sei deputado, nomeado coordenador da delegação parlamentar, o qual, por sua vez, evocava desmotivação para fazer parte do grupo, após Os Verdes já terem visitado região.
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verde: entende que nenhum dos argumentos apresentados justifica esta tomada de posição do PSD e que ela deve sei entendida num contexto mais vasto, que é o da actuação concertada do PSD, do Governo e do Presidente de Governo Regional da Madeira, que tem procurado, por diversas formas, encobrir da opinião pública os resultados da sua política desastrosa e da sua incapacidade pari resolver problemas reais das populações e do País.
No entender do Grupo Parlamentar Os Verdes nenhum deputado, ou grupo de deputados, substitui uma comissão parlamentar sem que para isso seja mandatado, o que não foi o caso dos deputados de Os Verdes ao deslocarem-se a Porto Santo. O mesmo se considera em relação aos relatórios que possam ser apresentados. Por este facto quando o deputado do PSD designado para coordenar delegação se recusou a integrar o grupo de trabalhe propusemos que fosse constituída nova delegação.
Nestas circunstâncias, ao inviabilizar a deslocação d delegação parlamentar, o PSD abriu um precedente eternamente grave ao opor-se a que a Assembleia t República exerça competências que lhe estão consignai constitucionalmente, invocando argumentos absurdos ridículos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os Verdes recusam-se a aceitar ou a participar em quaisquer acção de propaganda contra os interesses do nosso país, como é o caso dos interesses turísticos da Região Autónoma« Madeira, mas, da mesma forma, recusamo-nos a aceita «política da avestruz» mesmo quando ela entonações espectaculares, como os mergulhos em água poluídas, seja no Tejo ou nas praias de Porto Santo.
Por isso, não nos calaremos enquanto o PSD continua obstruir as competências que estão cometidas à Assembleia da República!

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Sil-

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado André Martins, quero pedir-lhe dois esclarecimentos. O primeiro tem a ver com a referência que V. Ex.ª fez ao facto de o seu partido se recusar a utilizar o incidente ocorrido na ilha de Porto Santo de forma a prejudicar os interesses turísticos da Madeira. Porém, simultaneamente com esta sua declaração, V. Ex.ª criticou o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira, e é, precisamente, quanto a esta matéria que quero questioná-lo, pois parece-me que há aqui alguma contradição.
Á posição que o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira assumiu na televisão, não foi tout court uma reprovação da atitude da comunicação social relativamente à divulgação das imagens do desastre ecológico que ocorreu na ilha de Porto Santo, mas, sim, pura e simplesmente, uma chamada de atenção para a necessidade de a informação sobre esta matéria, designadamente a informação que a Radiotelevisão Portuguesa veiculava para as suas congéneres estrangeiras, ser feita com a amplitude necessária e que esclarecesse que o problema, felizmente, era localizado e que não prejudicava a utilização de zonas turísticas da Madeira, nomeadamente o aproveitamento dos banhos em águas não poluídas.
Gostaria, pois, que V. Ex.ª me esclarecesse se, na sua opinião, foi ou não este o âmbito da intervenção que o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira fez na televisão.
Por outro lado, V. Ex.ª serviu-se desta questão para fazer uma afirmação, a todos os títulos, gratuita! V. Ex.ª disse que tudo isto tem sido utilizado para ocultar a incapacidade do Governo Regional em gerir os problemas da Madeira. Será que V. Ex.ª se acha melhor situado para fazer afirmações desse tipo do que a população da Madeira que, sucessivamente, vem referendando, em sufrágio livre e universal, o governo e a política do PSD na Madeira?

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, usando a figura regimental do pedido de esclarecimento, gostaria de manifestar o meu apoio pessoal, bem como o do meu grupo parlamentar, à intervenção do Sr. Deputado André Martins e ir um pouco mais além nesta matéria.
O Sr. Deputado, certamente por falta de tempo, não abordou outras questões preocupantes e, em alguns aspectos, diria, até mais preocupantes, quanto a mim, do que as marés negras ocorridas na costa alentejana e agora na ilha de Porto Santo.
Refiro-me, concretamente, a uma situação que ocorreu há cerca de três meses no rio Tejo, onde morreram milhares de peixes. Jamais esquecerei a expressão que vi em algumas pessoas ao referirem a aflição com que viam os peixes, em monte, junto às ribeiras à procura de um pouco de água menos poluída...
Na altura, foi prometido um inquérito e assegurado um rápido esclarecimento daquilo que tinha acontecido, até porque o Sr. Secretário de Estado responsabilizou uma empresa de celulose pelo sucedido - que, aliás, veio publicamente dizer que não tinha qualquer responsabilidade!
O que acontece, porém, é que a empresa envolvida nesta questão teve ontem um novo acidente: foram libertadas 18 toneladas de cloro, que «levaram» duas dezenas de pessoas para o hospital. É, pois, preciso que nos preocupemos com isto e que saibamos a verdade que envolve os factos, porque está muita coisa em jogo, sobretudo uma coisa essencial que tem a ver com a nossa saúde.
Quero, portanto, felicitar o Sr. Deputado André Martins pela oportunidade, infelizmente redobrada, do assunto que trouxe aqui.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Deputado Guilherme Silva, não confundimos os interesses do País com a forma, sempre espectacular, como o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira se apresenta em público e com as posições que toma.
Tal como disse na minha declaração política, o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira reconheceu publicamente que, de facto, tinha exercido pressões sobre a comunicação social para não desenvolverem o trabalho que lhes compete.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A contra-informação!

O Orador: - Exacto, Sr. Deputado: a contra-informação!
Quanto à questão de saber se me sinto ou não mais capaz do que o povo da Madeira para interpretar o sentir dessa população, posso dizer-lhe que, segundo parece, alguma coisa está a mudar - aliás, as últimas eleições autárquicas deram sinal disso!...
Em relação à outra parte do seu pedido de esclarecimento, gostaria de saber quanto tempo é que o senhor, como deputado eleito pela Região Autónoma da Madeira, demorou a visitar a Região?
Sr. Deputado, de facto, o Governo tem menosprezado todos os problemas relativos às questões ambientais, à defesa dos recursos naturais, à importância que a salvaguarda e a preservação dos recursos naturais portugueses têm, porque podem contribuir para o desenvolvimento do nosso país e para a economia nacional. É uma pena ter de afirmar isto aqui no Parlamento!
Sr. Deputado Hermínio Martinho, agradeço-lhe as considerações que fez, pois referiu mais alguns exemplos dos milhares que poderíamos aqui trazer.
De facto e mais uma vez está em causa a regulamentação e aplicação da Lei de Bases do Ambiente - e este lema já aqui hoje foi tratado.
Ao longo destes anos, depois de votada e aprovada a Lei de Bases do Ambiente nesta Assembleia da República, o PSD, da sua bancada, tem corroborado toda a política do Governo e, como disse, nem durante a discussão e votação do Orçamento do Estado para 1990 foi levantada uma voz contrária ou uma interrogação em relação às propostas que eram apresentadas pelo Governo. É assim que a bancada do PSD apoia «criticamente» a actuação e o Programa deste Governo!
Naturalmente, Sr. Deputado, não podemos, de forma alguma, apoiar estas iniciativas, esta forma de trabalhar, esta política, de um governo que, estamos convencidos, o povo português saberá oportunamente interpretar e dar a respectiva resposta.

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Vozes do PSD: - Não tenha dúvida! Esperamos por isso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como não pode deixar de ser do conhecimento de todos, também o nosso país foi, durante os meses de Novembro e Dezembro últimos, palco de acontecimentos que deixaram profundas marcas de desalento e desespero naqueles que têm como modo de vida a dura faina nos campos ou granjeiam o seu sustento lutando dia após dia na tão digna como arriscada prática das pescas.
Regiões como a Beira Interior, Ribatejo e Oeste, Alentejo e Algarve, registaram, entre Setembro e Dezembro de 1989, os mais elevados valores de quedas pluviométricas desde que existem registos meteorológicos. Casos houve, como por exemplo nos distritos de Beja e Faro, em que os locais mais fustigados viram quadruplicar as precipitações médias conhecidas em idênticas épocas do ano.
A chuva, a sua intensidade e os fortes vendavais ocorridos ocasionaram um grande aumento dos caudais dos nossos rios, provocando inundações de importantes áreas agrícolas e avultados prejuízos quer ao nível de infra-estruturas quer ao nível de culturas agrícolas.
Na região algarvia, sobretudo nos concelhos de Faro, Tavira e Olhão, a situação nos campos da agricultura e das pescas, atingia proporções tais que levaram o Governo através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/89, de 23 de Dezembro, a declarar o estado de calamidade pública e a avançar de imediato com medidas destinadas a fazer face aos problemas surgidos.
Algumas dessas medidas constituíram uma primeira prioridade e pretenderam, sob a forma de subsídios, responder a uma componente mais marcadamente social. A este propósito, refiro o pagamento de 95000 contos destinados às populações que viram fortemente danificadas as suas habitações e destruídos os seus haveres pessoais; 190000 contos atribuídos às autarquias locais; 15 000 contos para o sector das pescas e 200 000 contos cuja finalidade reside em minimizar os prejuízos sofridos nas culturas praticadas por populações do sector agrícola de subsistência.
Por outro lado, com a intenção de contemplar o apoio aos agentes económicos, de forma a reconstruir a capacidade produtiva, sobretudo ao nível das explorações agrícolas afectadas, o Governo aprovou uma linha de crédito especial de S milhões de contos, bonificada em 50 % nos dois primeiros anos, em 40 % no terceiro, 30 % no quarto e 20 % no quinto ano, atingindo no sexto ano o juro normal da banca, conforme consta do Decreto-Lei n.º 19-A/90, de 12 de Janeiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mencionei em traços largos alguns aspectos que dizem da gravidade e consequências dos temporais que afectaram algumas regiões do nosso país, umas mais que outras e todas de forma diferente. Procurei também recordar a actuação do Governo em relação à região do Algarve, que considero ser aquela em que as consequências foram mais drásticas e onde os acontecimentos primeiro se desenrolaram, impondo uma resposta mais urgente.
Passarei a referir outras regiões, também extremamente castigadas e merecedoras da nossa preocupação.
No Ribatejo e Oeste extensas áreas agrícolas (campos de cultivo, pastagens, vinhas e pomares, sobretudo de citrinos), a par de habitações e instalações agrícolas, estiveram durante muito tempo, e em alguns casos ainda o estão, inundadas, submersas. Tal como no Algarve, também no Ribatejo e Oeste, a horticultura e a floricultura foram muito afectadas, desaparecendo culturas e produções como estufas e equipamentos. A própria Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas teve oportunidade de constatar estas realidades em qualquer das duas regiões, elaborando relatórios em conformidade.
No Alentejo e Beira Interior muitas das sementeiras afectadas encontram-se perdidas e a maior parte das áreas não puderam ser semeadas ficando os agricultores com os solos preparados e os factores de produção adquiridos em suas casas por utilizar. Admite-se que no País tenham ficado por semear cerca de 300000 ha de cereais em relação ao que é habitual e numa estimativa ainda não muito rigorosa, aponta uma redução este ano de 300 0001 de trigo e cerca de 130 000 t de outros cereais. Também a olivicultura foi extremamente afectada, já que os temporais coincidiram a altura da colheita, impossibilitando-a e fazendo que a azeitona tivesse apodrecido no solo. Igualmente nas regiões já mencionadas, a Pecuária encontra-se em situação muito difícil.
Muitos foram os animais que morreram, aumentaram extraordinariamente os problemas de doenças como a poeira e encontram-se danificadas, e até destruídas, instalações, cercas e equipamentos.
De uma forma indirecta, também as consequências são enormes. Perderam-se folhas e fenos armazenados e vão escassear no próximo ano também pela falta de cereais produzidos este ano; muitos dos prados semeados e até pastagens naturais encontram-se em estado caótico, fazendo concluir este quadro que, embora de forma diferente de região para região, o sector pecuário foi duramente atingido. Enfim, uma primeira avaliação, permite-nos considerar no nosso país uma área afectada que rondará os 750 000 ha.
Desde a destruição de protecção dos leitos dos cursos de água ao racionamento e erosão de encostas, assoreamento de solos aráveis, desaparecimento de obras de engenharia hidráulica ou de engenharia agrícola, como pontões, barragens, açudes, muros de suporte, obras de drenagem, etc., até à séria danificação de infra-estruturas e equipamentos ligados ao aparelho produtivo, como as estufas, equipamentos de rega e até máquinas, constituem motivos da mais profunda apreensão.
Motivos para grande apreensão, também da nossa parte, Srs. Deputados, porque estamos perante circunstâncias que se traduzirão na quebra de rendimento de milhares de famílias de agricultores, afectando gravemente a economia de milhares de explorações e consequentemente repercutindo-se de forma muito sensível na economia nacional.
Sensibilizada pela gravidade de situação, a Comissão de Agricultura e Pescas elaborou um projecto de deliberação com vista a recomendar ao Governo que tomasse medidas e o fizesse em tempo útil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como certamente compreenderão, é para mim a para a bancada do PSD muito agradável reconhecer que o Governo se antecipou ao próprio projecto de deliberação elaborado em sede de Comissão.
É do conhecimento público o conjunto de medidas aprovadas no último Conselho de Ministros. Medidas que

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contribuirão de fornia decisiva quer para a reconstituição da capacidade produtiva das explorações agrícolas afectadas, quer para um apoio urgente às situações mais complicadas que colocam em causa a sobrevivência das empresas e a sua capacidade de resposta aos encargos financeiros assumidos.
Não pode a bancada do PSD, por isso, e pelo facto de ter sabido agir com tanta celeridade, deixar de felicitar o Governo em geral e o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação em particular.
Trata-se de apoios que terão aplicação nas regiões agrárias do Algarve, Alentejo, Beira Interior, Ribatejo e Oeste. Apenas no que consiste à possibilidade de diferimento por um ano do pagamento das amortizações para o presente ano agrícola respeitante à linha de crédito especial «Intempéries Primavera/Verão/88», se alargue o âmbito de aplicação a outras áreas do País. Exceptua-se o Algarve, no que é previsto em matéria de uma Unha especial de crédito bonificado de 10 milhões de contos, por seis anos, já que esta região, como foi já referido, foi contemplada com a linha de crédito de 5 milhões de contos. Dos 10 milhões de contos, o Algarve poderá, no entanto, utilizar uma parte dos 250 000 contos que, a nível nacional, se destinarão à recuperação de equipamentos e artes de pesca costeira e artesanal igualmente afectadas.
Pretendeu-se, de facto, encarar soluções para obviar a prejuízos motivados pelas intempéries e não proporcionar instrumentos passíveis de oportunisticamente meter dinheiro nos bolsos de alguns costumeiros caçadores de subsídios que, porventura, perverteriam todo o processo.
Referirei ainda que aos agricultores a quem tenha sido posta em causa a sobrevivência das suas explorações foram atribuídos 600 000 contos destinados à sua recuperação. A previsível carência de palhas e fenos levou o Governo a incentivar o fomento da produção de forragens de sequeiro e regadio, atribuindo para isso um subsídio a fundo perdido de IS contos por hectare de culturas semeadas.
O apoio financeiro à reposição da funcionalidade das infra-estruturas, mesmo que estas tenham sido custeadas pelo PEDAP, será garantido pelos seus sub-programas, com carácter de prioridade e de forma expedita, bem com o apoio à reposição da funcionalidade das infra-estruturas e equipamentos que serão incluídos no Regulamento n.º 797, não contando estes investimentos para efeito do plafond máximo dos 120000 ECU, atribuídos a cada exploração para um período de seis anos.
Atendendo a que muitos agricultores adquiriram as suas sementes e se viram impossibilitados de as utilizar, a EPAC deverá recebê-las, desde que em bom estado, aliviando-se esses agricultores dos respectivos encargos.
Finalmente, garante o Governo o apoio da Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, através do seu equipamento mecânico, cobrando taxas reduzidas para acções que visem a reposição da capacidade produtiva das explorações atingidas e reparação de infra-estruturas danificadas ou destruídas.
Foram estas medidas que o Governo entendeu tomar na semana passada em Conselho de Ministros e que os contactos que tive com agricultores durante estes dois dias me fizeram crer ser do seu inteiro agrado, aguardando, serenamente e confiantes, a publicação da legislação que criará a linha especial de crédito e a oportunidade de se poderem começar a dirigir aos serviços.
Trata-se, de facto, de medidas importantes, tomadas em tempo record. Para além do Governo, caberá aqui, com justiça, reconhecer o árduo trabalho dos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, que, em tão curto espaço de tempo e por vezes em condições tão difíceis, procederam ao levantamento dos estragos e os quantificaram.
Para terminar, apenas refiro que a situação foi apresentada pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação ao Conselho de Ministros da Agricultura da CEE e que se admite a possibilidade de um eventual reembolso por parte das Comunidades.
Tal como os agricultores portugueses mereceram a melhor atenção por parte do Governo, também os acontecimentos que os afectaram não deixarão de ter uma resposta condigna dos nossos parceiros da Europa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa: (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a língua portuguesa constitui um elemento essencial de individualização da Nação Portuguesa como comunidade cultural e histórica. Para além de ser a língua oficial de seis outros Estados, a língua materna de inúmeros grupos espalhados pelo mundo e, indubitavelmente, uma das cinco línguas internacionais dos nossos dias.
Daí que, por imperativo de dignidade nacional e por afirmação de cultura, se imponha uma reflexão.
É que a língua permanece enquanto as nossas divergências de hoje são meramente conjunturais. Ao que acresce que a nossa língua pátria -a que praticamos e cultivamos, falando-a e escrevendo-a é também participação civilizacional em termos de Universo.
Por outro lado, a língua portuguesa, se enfrenta virtualidades na actualidade, enfrenta também, seguramente, problemas e desafios, os quais reclamam urgentes medidas de acção que devem ser inseridas num grande projecto humanístico e mobilizador.
Do nosso ponto de vista, o primeiro problema que se coloca continua a ser o do ensino ou aprendizagem da nossa língua, e isto face a uma civilização técnica, planetarizada, que dá prevalência aos meios audiovisuais.
As nossas universidades, enquanto instituições dedicadas à transmissão de conhecimentos e à investigação científica, devem ter um papel activo no cerne dos grandes problemas que neste domínio se põem à comunidade portuguesa e internacional. E é do ressurgimento de um autêntico espírito universitário, patriótico e universalista que depende, na linha de uma tradição civilizacional, o grande investimento nas transformações mentais e sócio-económicas, que, elas sim, poderão dar aos nossos povos um futuro à altura do seu passado.
Sabemos que é difícil ensinar e aprender. Todavia, há que renovar programas e métodos, com relação às esferas vocacionais e sociais; há que percorrer o longo caminho da intensificação real da escolaridade; mais, se impõe um verdadeiro programa nacional de leitura com cabal utilização de bibliotecas e outros recursos disponíveis.
Só que a nossa ambiência circundante vem sofrendo uma colonização crescente, vem sendo invadida - talvez por excessos de subalternização - por estrangeirismos ... o que, diga-se a verdade, atesta a fragilidade da nossa

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organização colectiva, certificando ainda alguma insensibilidade aos valores culturais. Esta situação tem de ser alterada.
Num momento em que Portugal enfrenta o desafio da integração nas Comunidades Europeias, uma tal opção de modernização e consolidação democrática tem de significar também opção de independência nacional, no sentido de garantir desde já a igualdade de participação nas instâncias europeias de decisão. E os Portugueses, onde quer que se encontrem, deverão invocar o direito de falar português, sem qualquer complexo de inferioridade.
Temos todos de lutar, com os meios ao nosso alcance, para que o português seja reconhecido como uma língua de comunicação universal, numa palavra, como uma língua de cultura historicamente sedimentada. Sendo incontestável que a nossa língua -como forma de revelação do nosso ser e processo de partilha do nosso saber- atingiu uma enorme qualidade literária e retórica, face à sua complexidade estrutural e ao apuro do seu uso.
Uma política da língua portuguesa tem de constituir a prioridade das prioridades da nossa política cultural interna e externa; do que se trata é de preservar a nossa identidade enquanto povo e de assumir uma vocação para a autoridade de que Fernando Pessoa foi a expressão mais acabada no nosso século.
A prossecução dessa política da língua passa pela promoção persistente da sua utilização nas relações internacionais e, desde logo, pela sua adopção progressiva como língua oficial e de trabalho no âmbito das organizações do sistema das Nações Unidas.
Só que, para tal, é antes de mais necessário efectuar um inventário rigoroso da situação actual da língua de Camões nessas diversas instâncias, analisando com realismo e coerência as suas potencialidades.
Finalmente, a problemática da cooperação com os nossos países de língua portuguesa, a qual terá de constituir um vector basilar da nossa política externa e do nosso posicionamento no mundo no sentido do futuro.
Nesta sede não podemos deixar de propor o desenvolvimento de programas multilaterais de pesquisa, ensino e formação de pessoal especializado, envolvendo nessa acção o potencial humano, científico e institucional dos países interessados.
De referir a importância da utilização das modernas tecnologias da comunicação e da informação na área da irradiação linguística. É com efeito neste domínio que a cooperação com os países irmãos deverá conhecer desenvolvimentos notáveis, havendo que suscitar com maior rigor o uso comum do idioma, e isto ultrapassando polémicas ortográficas estéreis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas que referimos não se referem apenas ao Estado enquanto tal. O Executivo terá de agir perante eles, mas o destino de uma língua, no fundo, depende dos que a falam e nela pensam, depende do todo colectivo.
Saibamos ter, ou ganhar, a consciência do que vale a língua portuguesa,... a consciência de que, com ela, é a nossa própria personalidade que se afirma ou se diminui.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há consenso entre as várias bancadas para se seguir agora um período de intervenções de todos os grupos parlamentares alusivas à revolta do 31 de Janeiro.
A questão que coloco é a seguinte: havendo um voto de saudação subscrito pelo Sr. Deputado Raul Rego sobre esta matéria, perguntava se não estavam de acordo em que se fizesse primeiro esta votação e depois as intervenções fossem formuladas no quadro das declarações de voto.

Pausa.

Como não há objecções, vai proceder-se à leitura do voto que acabei de referir.

Foi lido. É o seguinte:

Voto n.º 123/V

A Assembleia da República, na passagem do primeiro centenário da revolta do 31 de Janeiro de 1891, na cidade do Porto, saúda a memória de todos os percussores e combatentes em prol do ideário da Republica. Lembra e saúda os quantos lutaram por uma sociedade mais fraterna e mais justa, na Liberdade, na Igualdade e na Fraternidade entre os homens.

Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido â votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, Pegado Lis e Raul Castro.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem tristes os povos que não têm passado. Como aqueles que não conheceram família, nem sentiram o carinho de um avô, ouvindo-lhe contar as proesas do seu tempo. O ânimo e feitos dos pais, conquistas da história, descobertas da ciência, realizações de arte, melhorias da técnica, do ambiente, tudo isso faz parte do nosso património. Não o podemos esquecer se quisermos ser dignos e honrar a nossa cidadania.
A revolta do 31 de Janeiro de 1891 é como que um aceno, no virar da página que vai da monarquia de séculos para a República, proclamada em 5 de Outubro de 1910. 20 anos são muitos na vida de um homem; são quasi nada na história de um povo. De 31 de Janeiro de 1891 a 5 de Outubro de 1910 vão 19 anos. De Aljubarrota, em Agosto de 1385, à paz com Castela, em 1411, ainda precária, são 26 anos. De 1640 à paz de 1668 contam-se 28 anos de guerra. E guerras dinásticas quasi sempre, como se os homens em monarquia fossem propriedade de outros homens, súbditos se chamam e batem-se pelo rei. Do cidadão têm o orgulho e a responsabilidade, na República.
A consciência cívica dos homens, entre nós, impõe-se muitas vezes aos soberanos. O povo não hesitou nem em 1640, quando o duque de Bragança parecia recear perder os favores do rei dê Castela e ser mandado combater na Flandres ou em Itália; nem hesitaram tão-pouco os homens no primeiro quartel do século passado, na altura em que o regente, a rainha e as princesas embarcam para o Brasil, recomendado ao povo que recebam como amigo o invasor. E em 4 de Outubro de 1910 ainda a rainha e o rei buscam que armas estrangeiras se oponham à proclamação da República. E é o ministro da Inglaterra quem lhes responde que tem ordem apenas para proteger a família real.

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O 31 de Janeiro de 1891 vem no seguimento do ultimato sobre que passou um século. A monarquia não soube responder com a dignidade que se impunha. Talvez porque não sentira a afronta como a sentiu e viveu o povo. É que os monarcas, portugueses e outros, faziam parte de uma família detentora de tronos e tendo por maiorais na altura mesma do Ultimatum o rei Leopoldo II da Bélgica e a rainha Vitória, em Londres. Como se os povos fossem feitos para os enxovais de princesas, de príncipes, de tios e sobrinhos, primos, cunhados ou irmãos.
A solução de problemas entre os homens ou entre as nações, medindo apenas a força dos punhos ou a dos canhões é a consagração das armas contra a razão. É sobrepor o leão, o touro ou o elefante ao homem. A afronta foi sentida pelo povo mais do que pelos reis. Estes, passados poucos meses, achavam-se em visitas de cortesia a quem os ofendera enquanto nas academias populares e nos teatros se continuavam a recitar as apóstrofes de Junqueira à Inglaterra.
Intérpretes do povo, mais do que os governantes, os conselheiros, os políticos, o foram os intelectuais e outras forças vivas da Nação. À testa da Liga Patriótica do Norte nos aparece não um príncipe ou ministro, nem um governador civil ou um conselheiro de Estado, mas uma figura da nobreza de carácter e da altura intelectual e moral de Antero de Quental. Com ele estão, em Lisboa, Teófilo Braga, Magalhães Lima, Consiglieri Pedroso, Latino Coelho, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins. Entre os estudantes se acham Brito Camacho, Augusto de Vasconcelos, França Borges. No Porto, ensina ainda Rodrigues de Freitas e estuda Duarte Leite. Em Coimbra, ensina José Falcão, Augusto Rocha e Manuel Emídio Garcia. Estudantes são António José de Almeida, Afonso Costa, Alexandre Braga e José Relvas.
É esta a geração do Ultimatum. A que vai fazer a República, porque a monarquia não sabe reagir à afronta; não quis encarnar o orgulho e a verdadeira cidadania de um povo, nação. Os estudantes do Ultimatum são o Governo Provisório da República, proclamada 20 anos depois em Lisboa, com menos vítimas do que as da revolta do 31 de Janeiro. É que o regime popular estava no ânimo das pessoas, daí que o rei, em 4 de Outubro, como 20 anos antes, tenha ficado no Palácio das Necessidades, sem ânimo para se pôr à frente das tropas, bem poucas por sinal, que defenderam o trono.
A revolta do 31 de Janeiro, manifestação de civismo ferido, tão civismo que até as grandes manifestações populares se realizam em frente à estátua de Camões e não junto de qualquer figura de soberano ou militar.
Essa revolta poderia ter sido um virar de página a nossa vida de nação, se a monarquia o tivesse compreendido e lhe sentisse a chama. Mas não, os revoltosos capitão Leitão, tenente Coelho, João Chagas, são atirados para África, enquanto monarcas, políticos e militares adormecem nas suas conezias.
Era terra de exilados a África; e também ela não deixava de viver a germinação interior dos organismos em ebulição. Iam-se desenhando, com deportados, viajantes, comerciantes, um que outro negreiro ainda, as grandes nações de hoje, um século depois. Angola, Moçambique, o Congo, a União, a Rodésia, acordavam para o civismo, para a maioridade no concerto dos povos em que hoje tomam parte. Entre nós temos agora Jonas Savimbi um dos intérpretes do sentir da grande nação que é hoje a República Popular de Angola.
A monarquia portuguesa confiou na tradição do imobilismo, não vivendo os anseios de transformação da juventude que estava nas escolas, nas universidades, nas fileiras do Exército e que estava na revolta do Porto, com Alves da Veiga ou Manuel Maria Coelho. Como não compreendeu os anseios da geração mais nova, a dos liceus, que vai participar também na proclamação da República. Será a geração da maior pane dos constituintes de 1911.
Essa modorra política do Terreiro do Paço, dos palácios reais, nos últimos anos de monarquia, é tanto mais de arrepiar, por os sentirmos desligados da nação, quando em África estavam homens como Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Azevedo Coutinho e Norton de Matos. Mas a África para os políticos e dirigentes monárquicos era apenas lugar de desterro para onde se atiravam os incómodos, fossem eles José do Telhado ou João Chagas.
Srs. Deputados: Povo que somos e representantes do povo que também somos, dele nunca nos devemos desprender se quisermos ter sempre o verdadeiro sentir da República e da Nação. O ultimato de há cem anos sentiu-o o povo como se ele fora uma parte da nação distinta dos seus representantes: a coroa, os dignos pares do reino, os ilustres deputados da nação. Mas era realmente o povo quem acreditava no País e que era capaz de traçar o futuro, proclamando 20 anos depois a República.
Todos os regimes têm os seus mártires e nós identificamos tanto a República com a liberdade que até aos homens do 31 de Janeiro chamamos «os mártires da liberdade».

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A História é facho de vitórias e o 31 de Janeiro, cujo 99.ª aniversário se comemora, saldou-se, no imediato, por uma derrota. Aliás, a vitória da República, no final do século XIX, já não podia ser aceite que surgisse no Porto. A vitória da República haveria que ser a vitória da capital, a vitória de Lisboa. O 31 de Janeiro é o último acontecimento político em que o Porto aparece em primeiro plano na vida nacional,...

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador:- ... primeiro plano que ocupou no decurso do século XIX e em muitos períodos anteriores. A República, duas décadas mais tarde, nasceu em Lisboa, a par de um centralismo político cada vez mais exacerbado na I República, no salazarismo e nesta II República que estamos a viver. E o papel do Porto e do Norte é de total apagamento político, sem nenhuma correspondência com o desenvolvimento económico e social da parte mais relevante do País.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador: - Curvámo-nos respeitosos ante a memória dos que morreram ou sofreram em nome da liberdade, antes da hora e do local exactos da mudança do regime, e que vencidos foram olvidados. Mas o seu sacrifício não

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foi em vão. A História, a verdadeira História, fazem-na os que nunca surgem no galarim!

Aplausos do PSD. do PS, do PRD, do CDS e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com todo o respeito, votámos a favor do voto de saudação apresentado e associámo-nos à invocação da memória dos revoltosos do 31 de Janeiro.
Como é sabido, a revolta do 31 de Janeiro foi uma revolta derrotada, mas nem por isso é menor o seu significado na nossa história moderna. É uma revolta onde se associa a luta pela mudança do regime a um grande grito de desafronta pela humilhação que uma grande potência da época fazia a Portugal e ao nosso povo.
Creio que é neste sentido de dignidade nacional e nesta resposta à afronta feita ao País que reside a mensagem mais perene do 31 de Janeiro, que hoje aqui comemoramos.

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós nos queremos associar, ainda que brevemente, a esta comemoração do início do centenário da primeira revolta republicana, que ocorreu a 31 de Janeiro, no Porto.
De facto, não diria que foi uma revolta vencida, ao contrário, diria que os homens que a integraram- tiveram a coragem de assumir a dificuldade de ser a semente e de saber esperar o tempo duro da germinação, tentando que desse fruto uma coisa que o tempo não ajudou a que frutificasse de imediato. Mas, ainda assim, nem por essa revolta ter sido abafada em sangue e sofrimento deixámos hoje de comemorar com alegria o facto de estarmos numa Assembleia que é da República, porque houve o 31 de Janeiro no Porto.
E, em meu entender, é esse facto que devíamos começar a comemorar hoje, sem embargo, no entanto, de um esforço começar a ser feito na Assembleia da República, centro e coração da democracia portuguesa, para que os 100 anos da República em Portugal, ou seja, do início da sementeira da República, fossem comemorados com a dignidade que merecem.

Aplausos do PS, do PCP e do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD votou a favor do voto de saudação, apresentado pelo Partido Socialista, que assinala a passagem do aniversário da revolta do 31 de Janeiro de 1891, na medida em que esta efeméride evoca a luta pela liberdade, saudando nestes revoltosos todos aqueles que, ao longo da nossa história, se tom batido pelos ideais da liberdade e da igualdade entre todos os homens.

Aplausos do PRD, do PSD, do PS, do PCP e de Os Verdes.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à primeira parte do período da ordem do dia.

Estão em aprovação os n.º 22, 23, 24 e 25 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 5, 6, 7 e 20 de Dezembro, e o n.º 26 do Diário, respeitante à reunião da Comissão Permanente do dia 27 de Dezembro do ano findo.

Estão em discussão.

Pausa.

Visto não haver objecções, dou-os por aprovados.
Srs. Deputados, vamos agora apreciar e votar um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 30 de Janeiro de 1990, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Martins do Vale César (círculo eleitoral dos Açores) por Rui Pedro Lopes Machado Ávila [esta substituição é pedida, nos termos da alínea d) do n.º l do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia l de Janeiro, inclusive. (Esta redacção rectifica e anula a que foi efectuada no relatório n.º 115, de 4 de Janeiro de 1990)].

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa (círculo eleitoral do Porto) por Júlio José Antunes [esta substituição é pedida, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 25 de Janeiro corrente a 16 de Abril próximo, inclusive].
José Eduardo Linhares de Castro (círculo eleitoral de Coimbra) por Fernando Manuel da Conceição Gomes [esta substituição é pedida, nos termos do n.º l do artigo 7.e da Lei 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), em virtude de o Sr. Deputado José Eduardo Linhares de Castro ter requerido a renúncia ao mandato de deputado a partir do dia l de Fevereiro próximo, inclusive].
Fernando Manuel da Conceição Gomes (círculo eleitoral de Coimbra) por Carlos Vítor Baptista Costa [esta substituição é pedida, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, a partir do dia l de Fevereiro próximo, inclusive].

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Maria Luísa Raimundo Mesquita (círculo eleitoral de Santarém) por Sérgio José Ferreira Ribeiro [esta substituição é pedida, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo S.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis de meses, a partir do dia 14 de Fevereiro próximo, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD)-Belarmino Henriques Correia (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD)-Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Walter Lopes Teixeira (PSD)-José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD)-Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD)-José Luís do Amaral Nunes (PS)-José Manuel M aia Nunes de Almeida (PCP) - José Luís Nogueira de Brito (CDS)-Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (Os Verdes).

Srs. Deputados, está em discussão.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, Pegado Lis e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos entrar na segunda parte do período da ordem do dia, com a apreciação das ratificações n.» 29/V (PCP) e 31/V (PS); 40/V, 41/V, 43/V, 54/V, 55/V, 67/V, 68/V, 69/V, 70/V e n/V (PCP); 79/V (PS); 85/V, 106/V e 107/V (PCP), relativas aos decretos--leis que regulamentam a transformação de empresas públicas em sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, perante a enunciação da ordem de trabalhos, constato que vão estar em apreciação nesta sessão várias ratificações. Como, em devido tempo, apresentei a ratificação n.º 72/V, gostaria de saber se as ratificações já foram todas agendadas ou se ainda há algumas a aguardar agenciamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, penso que V. Ex.ª esteve presente na conferência de líderes, onde esta questão foi colocada e onde ficou decidido que se iriam apreciar todas as ratificações que dissessem respeito a esta matéria. Se a ratificação apresentada pelo Sr. Deputado também é sobre esta matéria, certamente deveria ter sido agendada. A questão está em saber se tem ou não a ver com a mesma matéria.
No entanto, devo esclarecê-lo de que existem ainda outras ratificações a aguardar a respectiva apreciação por esta Câmara.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao requerer a ratificação dos decretos-leis que transformam 13 empresas públicas em sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, o Grupo Parlamentar do PCP procurou trazer à ordem do dia, não tanto a reafirmação da sua posição política de fundo quanto à problemática do sector empresarial do Estado e ao processo das privatizações em curso, mas antes, e fundamentalmente, a questão da forma como o Governo maltrata os comandos constitucionais e legais no que respeita aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.

al debate assume uma maior relevância quando está em curso na Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano a discussão e votação, na especialidade, da lei-quadro das privatizações.
Importará, em primeiro lugar, situarmo-nos no quadro dos comandos constitucionais e da Lei n.º 46/79, que trata dos direitos das comissões de trabalhadores.
Quis a Constituição, mesmo depois da sua recente revisão, reafirmar o princípio fundamental do aprofundamento da democracia participativa. E não se limita a este princípio geral. Na sua parte laborai e económica ela municia os trabalhadores e as suas organizações representativas de direitos de participação e intervenção democrática a diversos níveis, inequivocamente expressos na Lei das Comissões de Trabalhadores, aqui aprovada.
Simultaneamente, não temos uma Constituição neutra ou indiferente aos próprios direitos individuais e de contratação colectiva dos trabalhadores nos casos em que se processam as privatizações ou as alterações estatutárias nas EP.
É com esta matriz que importa fazer este debate para demonstrar que o Governo provocou entorses constitucionais e aplicou soluções contrárias não só aos interesses dos trabalhadores como às leis da República e que, em última análise, são vertidos para a própria lei quadro das privatizações.
Aquando do desencadeamento do processo da transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, o alvo prioritário foi o sector bancário, nomeadamente a UBP e BNU.
O processo do BNU, porque é exemplar, merece alguma descrição. Em 26 de Maio de 1988, o Governo

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aprova o Decreto-Lei n.º 232/88, que transforma o BNU, E. P., em S. A., vindo o diploma a ser promulgado em 22 de Junho do mesmo ano.
Isto, apesar de o Ministro das Finanças ter deferido, a requerimento da Comissão Nacional de Trabalhadores, o prazo da emissão de parecer até IS de Julho de 1988.
Ora, à falta de parecer, tal procedimento viola frontalmente a alínea ô do artigo 20.º, quando afirma que «terão de ser obrigatoriamente precedidos de parecer escrito da comissão de trabalhadores os seguintes actos [...] aprovação dos estatutos das empresas do sector empresarial do Estado e das respectivas alterações».
É sabido que o Governo/PSD é avesso à participação democrática dos trabalhadores, mas um Governo da República não deve, nem pode, desrespeitar as leis que consagram esse direito.
E não deve, mesmo nos casos posteriores onde se limitou a emendar a mão, no aspecto formal, ou seja, solicitar por solicitar o respectivo parecer, marginalizar as organizações de trabalhadores nos processos de alteração dos estatutos, particularmente na vertente dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores dessas empresas.
Esta marginalização não é uma birra e muito menos é ingénua. Ela tem expressão concreta no conteúdo dos estatutos já aprovados. O Governo faz a leitura por metade da Constituição.
Com um grau maior ou menor são truncados, ou mesmo arredados, direitos consagrados tanto na lei como nas convenções colectivas de trabalho e acordos de empresa.
Socorrendo-nos da Constituição, verifica-se no seu actual artigo 54.º, alínea./) que constitui um direito das comissões de trabalhadores «promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas nos termos da lei».
A Lei n.º 46/79 materializa este direito constitucional. O que se está a verificar é que até no plano da composição do conselho fiscal, matéria que nem sequer era muito polémica, começa a surgir a tendência governamental para, por via da alteração aos estatutos, tentar fugir a esta obrigação constitucional e legal e na prática impedir o exercício de outros direitos das comissões de trabalhadores, particularmente na questão do crédito de horas e no facultar dos meios técnicos e materiais necessários ao exercício das suas funções.
Preocupante é o facto de alguns conselhos de gerência (e recordo aqui as medidas repressivas de que foram alvo alguns elementos das comissões de trabalhadores da Petroquímica e da Petrogal) enveredarem não só pela sonegação desses direitos como pela retaliação sobre quem lhes resiste e denuncia as suas práticas.
Pertinente questão esta a da participação democrática dos trabalhadores na vida das empresas, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Foi por mero descargo de consciência ou por simples hipocrisia que se incluiu na recente revisão constitucional, com os votos favoráveis do PSD - e sublinho -, um novo artigo na lei fundamental e passo a citar: «Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva [...]», e sublinho «efectiva», «[...] dos trabalhadores na respectiva gestão.»?
A prática do Governo está, afinal, bem distante das grandes declarações do Primeiro-Ministro quanto à ética na vida económica.
Uma outra questão, não menos importante, tem a ver com os direitos dos trabalhadores reconhecidos na contratação colectiva e em acordos específicos.
Incluindo ora princípios genéricos ora normas redutoras quanto aos direitos a salvaguardar, o que o Governo quer, na realidade, é mutilar o estatuto social e laborai dos trabalhadores e reformados dessas empresas.
Haverá prova mais concludente de que a leitura da própria Lei-Quadro das Privatizações e a verificação da prática nas empresas transformadas em sociedades anónimas?
Até nós chegaram justas preocupações dos trabalhadores da banca, dos seguros, do sector cervejeiro, da Rodoviária Nacional, que demonstram nos seus pareceres e fundamentos a necessidade real de salvaguardar direitos e regalias sociais que negociaram, conquistaram e adquiriram.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Procurando corresponder a estes justos anseios, potenciando os comandos e orientações constitucionais no sentido de uma democracia participativa, o PCP entregou na Mesa algumas propostas de alteração aos decretos-leis que transformam as empresas públicas em sociedades anónimas.
Não estamos a inventar direitos novos ou acrescidos. Essas propostas visam evitar omissões e leituras distorcidas e repor uma prática sã, conformada com a lei. Por isso, propomos que, no plano dos direitos individuais, os trabalhadores no activo e os pensionistas mantenham todos os seus direitos, obrigações e regalias emergentes do contrato individual e colectivo de trabalho, incluindo os decorrentes do acordo colectivo de trabalho vertical aplicável ao sector, que a nível dos direitos colectivos, de participação e intervenção democrática na vida da empresa e dos sectores as comissões de trabalhadores possam exercer as suas prerrogativas constitucionais e legais.
No fundo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, cias consubstanciam, sob o ângulo social e laborai, não só aspirações justas mas uma manifestação de vontade que os trabalhadores têm e sentem para se caminhar para o progresso como agentes e destinatários de uma economia que pretendem desenvolvida e ao serviço do povo português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, qualificaria de histórica a sua intervenção de hoje, na Assembleia da República, porque V. Ex.ª requereram a ratificação deste conjunto de 13 diplomas, que transformam as empresas públicas em sociedades anónimas e consentem a abertura, ainda no velho estilo, de uma parte do capital, minoritária, aliás, ao público e portanto a privatização de uma parle desse capital.
V. Ex.ª vem hoje apresentar como justificação para o vosso pedido as razões, que todos ouvimos no seu discurso, que são as de esta transformação não salvaguardar devidamente os direitos, num sentido amplo, de participação e direitos fundamentais, não só de participação, dos trabalhadores destas mesmas empresas transformadas.
Quer isto dizer, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, que este conjunto de 13 diplomas não levanta outra questão

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ao Partido Comunista Português? Quer isto dizer que VV. Ex.ªs aderiram ou se resignaram a este plano de privatizações, que pode estar implícito nestes 13 diplomas? Ou é esta ausência de plano e esta anarquia prívatizadora que pode também estar implícita neste conjunto de 13 diplomas? Significará isto o seu discurso e o seu enunciado de razões, tal como as acabamos de ouvir, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa?

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito, há pouco, aquando da declaração política do meu camarada Carlos Brito, estava agressivo, agora estava distraído. Distraído já que na introdução que fiz à minha intervenção referi, e repito, não tanto a reafirmação da posição política de fundo do Governo quanto à problemática do sector empresarial do Estado e ao processo das privatizações em curso, mas, antes e fundamentalmente, a questão da forma como maltrata os comandos constitucionais e legais no que respeita aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.
Ora, é evidente que estamos a falar de empresas do sector empresarial do Estado que passaram a ter o estatuto de sociedade anónima com capitais exclusivamente públicos, e por isso entendemos que estas não são empresas do sector privado. Estará, com certeza, de acordo comigo.
O que o Governo faz - e aqui estamos em total desacordo- em relação à componente laborai, contratual, sindical e das comissões de trabalhadores, é utilizar o seu vezo anticonstitucional e antilegal em relação a estas questões, que o PSD, com todo o seu direito, apresentou aquando da revisão constitucional tentando liquidar esses direitos. Ou seja, o que o Governo faz é a leitura por metade da Constituição da República e da Lei n.º 46/79, das comissões de trabalhadores, e tenta, na prática, aplicar o que lhe está vedado pela Constituição e pela própria lei.
Ora, é evidente que, neste quadro, tendo em conta os efeitos que se estão a fazer sentir nalgumas empresas que aqui citei, esta é uma questão que nos preocupa, como deve preocupar, com certeza, os deputados da Assembleia da República.
No entanto, em relação à questão de fundo saberá o Sr. Deputado Nogueira de Brito que, neste momento, na Comissão de Economia, Finanças e Plano se está a discutir uma lei quadro de privatizações, e é evidente que não podemos, nesta fase, fazer aqui uma discussão de fundo, em termos de ratificação. Pensamos que essa discussão de fundo já foi feita, na generalidade, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, estamos agora a proceder à discussão na especialidade, e é evidente que aquando da votação final global, tendo em conta as nossas preocupações políticas de fundo em relação ao que o Governo pretende fazer ao sector empresarial do Estado, então, sim, ouvirá, com certeza, a voz do PCP e ficará a saber que as nossas posições de fundo se mantêm no fundamental, visto pretendermos um sector empresarial do Estado moderno, dinâmico, reestruturado para responder aos desafios que aí vêm em 1993.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.

O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Plenário da Assembleia da República debate hoje os pedidos de ratificação de decretos-leis que transformam várias empresas públicas em sociedades anónimas.
Como é do conhecimento geral, o PS tem vindo a publicitar os seus princípios acerca desta matéria, princípios que fazem parte do acordo de revisão constitucional e do seu projecto de lei quadro das privatizações, também aqui já discutido, na generalidade.
O PS tem abordado este tema sem dogmatismos nem preconceitos.
Menos Estado e melhor Estado é projecto nosso, ainda que o concebamos de forma diferente da do Governo. Mas a verdade é que sob o Governo do Dr. Cavaco Silva e do PSD temos tido mais e pior Estado!
Para o Partido Socialista, as privatizações não podem ser consideradas nem como um mal a evitar nem como uma panaceia universal para os problemas da economia portuguesa. As privatizações são um instrumento de política económica e, como tal, devem ser considerados e analisados o seu interesse e a sua oportunidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As privatizações a realizar não anulam a necessidade quer de um sector empresarial do Estado (SEE) quer de uma profunda reorganização desse sector, dotando-o de uma efectiva autonomia de gestão, atribuindo-lhe uma lógica de funcionamento empresarial mas sempre permitindo, de uma forma eficaz e racional, que nele possam ser implementadas relações sociais justas e desenvolvidas condições de trabalho e de distribuição mais humanas e mais propícias à realização integral dos seus trabalhadores, devendo criar-se, para tal, um conjunto de regras especiais que garantam e salvaguardem os direitos dos trabalhadores das empresas a privatizar, como consta, aliás, do projecto de lei quadro das privatizações, apresentado pelo PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A definição de um projecto de modernização da economia portuguesa, enformado pelos ideais socialistas de progresso e solidariedade social, exige uma clarificação do papel que cabe ao sector empresarial do Estado, feita de modo descondicionado e sem tabus.
Os argumentos que frequentemente têm sido avançados no sentido de se proceder a uma privatização cega de tudo quanto é sector empresarial público utilizam justificações de tipo exclusivamente economicista e omitem, ostensivamente, as questões do poder que estão associadas à transferência de propriedade.
O sector empresarial do Estado tem desenvolvido um papel importante na estabilização e regulação da nossa economia e tem contribuído para o aumento da competitividade das empresas privadas e para a melhoria das prestações de muitos serviços sociais.
O sector empresarial do Estado é, sem dúvida, um instrumento económico poderoso, sendo necessário impedir que a privatização de unidades económicas significativas se faça a favor de interesses estrangeiros com a concomitante transferência do poder de decisão para fora do País. Trata-se de um fenómeno de extrema gravidade, que já hoje permite que vejamos a completa subaltemi

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zação de algumas das nossas empresas e da nossa independência económica.
Conferir eficácia instrumental ao sector empresarial do Estado obriga a um conjunto de opções que, por serem em muitos casos inovadoras, contendem com interesses estabelecidos e ferem tabus de longa data; por isso deverão ser corajosamente assumidas e convertidas em acções concretas, vigorosamente prosseguidas.
Uma economia periférica e aberta, com um mercado interno de dimensão reduzida, confrontada com o desafio de integração europeia e com um vizinho mais poderoso tem de contar com um sector empresarial do Estado como factor de autonomia nacional. Tal não implica, no entanto, a manutenção rígida de impedimentos absolutos a mutações e transferências da propriedade.
Uma vez definido com rigor o papel e as áreas de intervenção do SEE, não se justificará a manutenção de preconceitos que o impeçam de desempenhar a significativa função que lhe cabe num país como Portugal. Mas, que se saiba, porventura, por ausência de informação à Assembleia da República, o actual Governo parece não ter qualquer política definida relativamente às privatizações de empresas públicas e à existência de um sector empresarial do Estado capaz de enfrentar as dificuldades que inevitavelmente se colocarão ao País a partir de Janeiro de 1993 com o Mercado Único Europeu. E essa ausência de informação e debate propicia grande preocupação e apreensão de todos os agentes económicos e das organizações sindicais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao desafio económico que Portugal enfrenta, com os reflexos imediatos na sociedade, há que dar uma resposta eficaz e rápida, o que pressupõe uma clara vontade política, um planeamento rigoroso das políticas de mudança, uma forte concentração de meios financeiros, entre outras condições de base para a modernização capaz de conduzir à redução das dependências externas e do desemprego. Mas a reunião destas condições não terá qualquer probabilidade de êxito num ambiente em que predomine quer o espírito de liberalismo selvagem e a lei do mais forte, como critério de selecção social e económica, quer se imponha um paternalismo do Estado que sufoque a capacidade de iniciativa da sociedade.
Assim, na definição e disposição de meios que a modernização implica, cabe um papel relevante ao Estado, sem que tal possa significar um autoritarismo iluminado ou um Estado fraco e alheio aos problemas da modernidade.
Nesta perspectiva, torna-se essencial um permanente, franco e aberto diálogo do poder com as diversas forças sociais.
A concertação social é, pois, um espaço de diálogo e de encontro das forcas sociais e do Governo na procura de um consenso sobre o modo, o custo e as contrapartidas do processo de mudança de que o País carece.
O Partido Socialista, partido defensor da modernidade e da inovação, considera esse instrumento de vital importância para o correcto encontro das soluções necessárias ao enfrentar os problemas actuais e imediatos. A mudança, sendo inevitável, não pode ser o pretexto nem para abandonar à sua sorte os que dela são vítimas nem para justificar o imobilismo que se paga com o atraso económico-social.
A mudança é do interesse de todos e os respectivos custos não podem deixar de ser assumidos igualmente por iodos, sendo ademais certo que as disfuncionalidades causadas pela resistência passiva podem ser a causa de custos bem superiores aos decorrentes de programas de protecção social predefinidos e que permitirão que todos encarem a mudança com confiança e esta confiança alicerça-se numa concepção de modernidade e solidariedade. Ó PS considera positiva a redução da intervenção do Estado, mas não aceitará a desregulação económico-social que restaure a «lei da selva».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - À desregulação, o PS contrapõe a ideia do contrato social e incentiva os parceiros sociais a participarem na definição e operacionalidade dos sistemas de regulação e das políticas económico-sociais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debruçamo-nos hoje sobre os pedidos de apreciação de diplomas que pretendem transformar empresas públicas em sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos. Seria no mínimo admissível que, analisando a história do sector público em Portugal, estes diplomas assumissem uma postura digna, face aos direitos dos trabalhadores, numa sociedade que se pretende mais justa e fraterna. Seria, no mínimo, admissível! Mas os factos demonstram precisamente o contrário.
De facto, estes diplomas demonstram uma profunda desorientação em relação a quais os direitos dos trabalhadores e os poderes das suas organizações de classe, face à privatização de metade do seu capital.
Vejamos, por exemplo, o que se passa, no sector bancário.
Do regime jurídico da União de Bancos Portugueses (UBP), do Banco Borges & Comercial (BBI), do Banco Totta & Açores (BTA), do Banco Nacional Ultramarino (BNU) e de todo o articulado dois aspectos merecem a minha especial atenção: a representação dos trabalhadores nos órgãos sociais e o regime jurídico do pessoal.
Assim, no que concerne à primeira questão, há a referir: por um lado, na UBP, o artigo 14.º dos Estatutos, na sua versão constante do Decreto-Lei n.º 351/86, de 20 de Outubro, não contemplava a participação do representante dos trabalhadores no conselho de administração nos termos definidos na Lei n.º 46/79, de 12 de Setembro.
Por outro lado, no artigo 20.º, n.º 3, dos Estatutos (na versão do Decreto-Lei n.º 351/86), a Assembleia Geral poderia designar como vogal efectivo um representante dos trabalhadores. Tratava-se apenas de uma mera faculdade.
Perante estas situações, as direcções dos três sindicatos dos bancários, assim como a comissão de trabalhadores, reagiram de imediato, referindo no seu parecer: «[...] é nossa exigência a participação no conselho de administração e no conselho fiscal de representantes dos trabalhadores por eles livremente eleitos. Tem-se por essencial a intervenção dos trabalhadores na preservação e consolidação do património das empresas e, consequentemente, na salvaguarda dos seus postos de trabalho».
Com a publicação da Lei n.º 13/87, de 7 de Abril, foi aditado ao referido artigo 14.º, que passou a consagrar o princípio de que a composição e preenchimento de vagas não podia deixar de atender ao disposto no artigo 3.º da Lei n.º 46779, aumentando, se necessário, o número de vogais para que esta lei fosse devidamente cumprida. Do mesmo modo, a Lei n.º 13/87 altera o artigo 20.º, n.º 1, dos Estatutos, passando a ser obrigatória a

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participação na composição do conselho fiscal de um vogal efectivo e outro suplente eleitos pelos trabalhadores em acto eleitoral para o efeito convocado. Por fim, o artigo 10.º da Lei n.º 13/87 dispõe que se aplica à UBP o disposto na Lei 46/79.
Vê-se, assim, que foi por decisão da Assembleia da República, na altura com composição muito diferente da actual, que se deu consagração ao normativo legal da participação dos trabalhadores nos órgãos de administração e fiscalização da empresa.
Relativamente ao BNU, o Decreto-Lei n.º 232/88 estabelece que o conselho de administração é composto por elementos eleitos exclusivamente pela assembleia geral de accionistas, e para o conselho fiscal aquele diploma atribuirá à assembleia geral a mera faculdade de designar como vogal efectivo um representante dos trabalhadores previamente indicado. Este diploma, no nosso entender, viola frontalmente a Lei n.º 46/79, pois, na prática, deixa os trabalhadores sem representação nos órgãos sociais da empresa.
No BBI e no BTA, os estatutos destas duas instituições, quer quanto ao conselho de administração quer quanto ao conselho fiscal, têm exactamente a mesma redacção. Em nenhuma destas disposições se prevê, directa ou indirectamente, a participação de representantes dos trabalhadores naqueles órgãos sociais. Nem mesmo no caso do conselho fiscal, encontramos consagrada a faculdade de a assembleia geral designar como vogal um trabalhador indicado pelos seus trabalhadores.
Há, pois, um total desaparecimento de qualquer referência à representação dos trabalhadores.
No entanto, o artigo 1.º, n.º 2, de cada um dos diplomas consagra que a instituição se rege pelos seus estatutos e pelas normas do direito privado que regulam as sociedades anónimas. Isto pode significar que a eleição de trabalhadores para os órgãos sociais das empresas poderá ficar dependente de acordo - ou na disponibilidade das partes - como diz o artigo 30.º da Lei n.º 46/79, não derivando já de imperativo legal, pois as empresas deixam de ser consideradas como pertencendo integralmente ao sector empresarial do Estado. Mas sendo o capital destas instituições ainda maioritariamente público, a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais deverá manter-se.
Esta breve análise e comparação feita a estas instituições de credito do sector público transformadas em sociedades anónimas estende-se, de igual modo, às empresas de outros sectores sujeitos à mesma transformação e cujos diplomas são hoje objecto de apreciação.
Vejamos agora a questão dos direitos dos trabalhadores ao nível do contrato de trabalho.
Para a UBP, o regime jurídico do pessoal é definido pelo Decreto-Lei n.º 351/86: pelas leis gerais do contrato individual de trabalho; pelas convenções colectivas de trabalho a que a empresa estiver obrigada; pelas demais normas que integrem o estatuto do pessoal da empresa, elaborado pelo conselho de administração; e pelas normas de cada contrato individual de trabalho.
Uma vez mais, as direcções sindicais e as comissões de trabalhadores reagiram. E com a Lei n.º 13/87 estipulou-se, expressamente, como fonte de regime jurídico a convenção colectiva de trabalho do sector bancário, que foi aditada ao rol fixado com o Decreto-Lei n.º 351/86.
Relativamente ao BTA e ao BBI a situação é bastante diferente.
A Lei n.º 13/87 não se lhes aplica e os capítulos definem de igual modo o regime jurídico do pessoal: pelas leis do contrato individual de trabalho; pelas normas do estatuto da empresa; e pelas normas de cada contrato individual de trabalho.
Verifica-se, pois, não existir qualquer referência ao acordo colectivo de trabalho do sector bancário. E para o BNU, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 232/86, os trabalhadores e pensionistas mantêm todos os seus direitos, obrigações e regalias emergentes do contrato individual e colectivo de trabalho que detiveram à data da entrada em vigor do diploma de criação em sociedade anónima. Os estatutos não consagram qualquer capítulo referente ao regime jurídico do pessoal, o que não acontece com as anteriores instituições de crédito.
Em conclusão, constata-se que nestes dois aspectos bastante relevantes para os trabalhadores abrangidos as disposições legais diferem substancialmente sem se perceber porquê entre instituições do mesmo sector e sujeitas à mesma transformação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS respeita, como sempre fez, o princípio da segurança no emprego, as suas regalias contratuais e sociais e a consagração do princípio de que aos trabalhadores das empresas a reprivatizar deverá ser garantida a manutenção de todos os seus direitos gerais e específicos decorrentes da contratação colectiva e das regalias sociais existentes, nomeadamente as relativas à Segurança Social.
São questões fundamentais de que jamais abdicará.
O Partido Socialista considera, como essencial, não ser possível que pessoas que tiveram, ou têm, expectativas de determinadas regalias sociais e para as quais descontaram e as empresas fizeram provisões - ou deveriam ter feito -, porque decorriam de contratos colectivos, vejam, no processo de privatização, desaparecer essas regalias que foram livremente negociadas e aceites pela tutela.
O Estado tem de ser o mesmo até quando privatiza. E num momento em que se procura uma gradual aproximação aos padrões europeus, consagrada na Carta dos Direitos Sociais Fundamentais, não faria qualquer sentido um retrocesso nos direitos dos trabalhadores do actual sector empresarial do Estado.
Esta é a política do PS na defesa dos direitos dos trabalhadores e por ela continuará a lutar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra para pedir esclarecimento. Apesar de o PS já não dispor de tempo para responder, a Mesa cederá alguns minutos.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Osório Gomes, o seu discurso foi sensivelmente igual ao do Partido Comunista Português, porque a preocupação central do Partido Socialista esteve com a salvaguarda dos direitos de participação dos trabalhadores em matéria laborai propriamente dita.
No entanto, V. Ex.ª não deixou de fazer algumas considerações prévias sobre o sector público e é exactamente para uma delas que peço o seu esclarecimento.
Fazendo um panegírico do sector público, V. Ex.ª, a certa altura, afirmou que esse sector tinha contribuído para a melhoria da competitividade das empresas privadas. O Sr. Deputado poderá fundamentar esta sua afirmação,

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que reputo de gravíssima na medida em que está desviada da verdade das coisas?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.

O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, o meu discurso teve naturalmente maior incidência sobre as questões de carácter social dos trabalhadores das empresas do sector empresarial do Estado, e infelizmente não tive tempo para desenvolver uma outra área, que V. Ex.ª conhece tão bem como eu, que tem a ver com os trabalhadores do sector bancário e as suas consequências relativamente à Segurança Social. Este é um tema para o qual gostaria de ter tempo de aqui também aflorar, dado ser um tema vasto, complexo e neste momento de grande gravidade e preocupação para os trabalhadores bancários face à situação que se está a viver, às dificuldades que estão a existir e também dada a aproximação do mercado único europeu de 1993.
Ainda há poucos dias tivemos conhecimento de um processo, que nos foi entregue na respectiva comissão, de um caso da Caixa Económica Faialense, em situação de falência, em que um trabalhador que já estava reformado e que recebia normalmente a sua pensão de reforma deixou de a receber há cerca de dois anos apenas pelo facto de ter havido declaração de falência.
Esta é uma área extremamente importante dentro das questões sociais para o sector bancário, o que não significa que, relativamente a outros sectores, outros problemas também não possam existir.
Mas, referindo-me à questão que colocou, direi que, na nossa opinião, o sector público contribuiu efectivamente para o desenvolvimento da própria economia.
Neste caso concreto, foi a partir da nacionalização da banca que o nosso país teve a maior cobertura de rede bancária, com implantação de várias agências em muitas localidades que até aí estavam desprovidas da possibilidade de poderem usufruir do atendimento das instituições de crédito.
Mas também temos a competitividade em relação ao sector privado, porque foi o sector público que mais contribuiu para esse desenvolvimento, para além dos custos sociais que o próprio sector empresarial do Estado - no caso concreto a banca-teve, relativamente ao apoio, a nível de outros sectores de actividade.
Este seria um tema que nos levaria bastante tempo; no entanto - e V. Ex.ª é assíduo neste Plenário quando se discutem assuntos- referentes ao sector empresarial do Estado -, naturalmente que já ouviu alguns camaradas meus fazerem afirmações deste tipo, as quais constam, inclusivamente, do Diário da Assembleia da República.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, tinha-me inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Osório Gomes...

O Sr. Presidente: - Foi lapso da Mesa, Sr. Deputado, mas estamos sempre a tempo de corrigi-lo.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, Sr. Deputado, e chamo-lhe a atenção para o facto de o Partido Socialista não dispor de tempo para responder.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Osório Gomes, a sua intervenção centrou-se, essencialmente, nos direitos sociais dos trabalhadores e na sua capacidade de participação. Salvo o devido respeito, creio que nos estamos a desviar da questão essencial para uma outra, que não é relevante nem verdadeira.
Do ponto de vista de V. Ex.ª, porventura, não estarão suficientemente acautelados os referidos direitos dos trabalhadores; contudo, na nossa opinião, ficou salvaguardado aquilo que a Constituição prevê. Se, porventura, não fomos tão longe quanto pretendiam, tal dever-se-á, naturalmente, a circunstâncias pouco importantes neste momento.
A questão essencial, Sr. Deputado, é que, com os governos do PSD, se encetou um processo de modernização da sociedade portuguesa, um novo sistema de desenvolvimento. Essa é a única forma de conseguirmos transformar a sociedade portuguesa numa sociedade, do ponto de vista empresarial, competitiva e moderna, ou seja, menos Estado e melhor Estado, naturalmente com o conjunto de preocupações que aqui trouxe e que também são preocupações nossas.
No entanto, não notámos que nos tivesse fornecido alternativas. Para além do elenco de preocupações - que, volto a dizê-lo, são também nossas e que estão a ser levadas em linha de conta -, não nos trouxe uma alternativa, ou seja, não nos disse: «Vocês fizeram assim, mas deviam ter feito de forma diferente.»
Gostaria que me dissesse em que circunstâncias é que pensa que se poderia ter desenvolvido todo este processo, complexo e difícil, de alteração profunda do sistema empresarial português, com vista a obter sucesso, porque é isso que está em causa.
Gostaria que nos explicasse o que é que o Partido Socialista, se estivesse no Governo, faria de diferente, mas diferente para melhor, o que, sinceramente, se nos afigura não ser possível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.

O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, quanto às propostas que o Partido Socialista poderá apresentar relativamente ao sector empresarial do Estado, elas constam, inclusivamente, do nosso programa, que, há tempos, apresentámos aquando das eleições legislativas.
Em relação às outras matérias, devo dizer, Sr. Deputado, que, de facto, há algumas questões importantes.
Primeiro, não conhecemos, da parte do Governo, qualquer política relativamente ao sector empresarial do Estado. Que eu saiba, o Governo não trouxe à Assembleia da República um debate sobre aquilo que entende dever ser o sector empresarial do Estado.
Segundo, não se sabe, inclusivamente, qual é o seu plano de privatizações. Que eu saiba, não há um processo de privatizações. Vão-se privatizando, total ou parcialmente, algumas empresas de uma forma desgarrada, sem estarem integradas num processo global de privatizações.
Terceiro, as questões de ordem social são muito importantes e eu apontei apenas duas, que são as mais relevantes e que constam destes diplomas legais: em primeiro lugar, não percebo porque é que nos diplomas que transformam várias empresas em sociedades anónimas, elas têm de ter disposições contrárias, diferentes, mesmo em relação ao seu estatuto. Se são empresas de vários sectores e mesmo do mesmo sector que são transforma-

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das em sociedades anónimas, por que não a existência de disposições legais iguais e uniformes? A outra questão diz respeito à participação dos trabalhadores, quer na administração quer no órgão de fiscalização, tal com estipula a lei das comissões de trabalhadores (Lei n.º 46/79). Muitos dos diplomas que transformam essas empresas em sociedades anónimas estabelecem que todos os trabalhadores e pensionistas mantêm o direito e as regalias do contrato colectivo, mas não dizem que também têm direito às sucessivas revisões.
Estes dois aspectos são importantes e, por isso mesmo, pretendemos discuti-los na comissão especializada. Aí apresentaremos propostas concretas para que se melhorem estes diplomas legais que hoje são objecto de apreciação neste Plenário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças (Elias da Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de, ao longo de anos, uma ideologia totalitária e estatizante ter pretendido dominar o País e condicionado a prática política, com graves consequências económico financeiras de todos conhecidas e repercussões negativas no bem-estar das populações...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Já nem o CDS diz isto!

O Orador: -... (que todos sentimos!), impõe-se hoje, entre nós, uma ideologia centrada e fundada no homem e apostada no desenvolvimento de uma sociedade mais livres, mais justa e mais solidária, que acredita que o desenvolvimento e o progresso do País dependem da iniciativa e da capacidade de todos e de cada um de nós.
Na verdade, surgiu um novo espírito, um novo projecto, um novo horizonte em que o País, finalmente, se encontrou e se reconheceu, que é fundamental não defraudar e, antes pelo contrário, é necessário aumentar e estimular.
Daí que, nos nossos dias - e, com especial relevo, desde o último trimestre do ano passado, a tendência estatizadora da economia haja cedido o passo à ideia da privatização.
Hoje, é universalmente reconhecido que o Estado é mau administrador de empresas, pelo que, sob todos os pontos de vista, são óbvias a necessidade e a urgência de confiar à iniciativa e à actividade privadas a produção de riqueza que as empresas, mais e melhor do que o Estado, estão vocacionadas para fazer.
E assim é que, salvo alguns abencerragens da centralização económica, como a Albânia, em termos da concepção do desenvolvimento, privatização é a palavra de ordem, conceito dominante e indiscutível (e indiscutido), desde os países do Leste até à Guiné/Bissau, passando por Estados europeus, como a França ou o Reino Unido.
E assim é que, também em Portugal, a privatização passou a ser (ao cabo de dezena e meia de anos de resultados deficitários do sector empresarial do Estado, apenas sustentados por piedosas intenções e pelo respeito à sagrada ideologia do Estado a caminho do socialismo, à custa dos contribuintes e contra a vontade do povo, que constitui a Nação!), uma ideia chave, pedra de toque do
programa do Governo, apostado em fazer do progresso a libertação do País.
Privatização, hoje, é, cada vez mais, sinónimo de libertação.
Importante como referência, no domínio da concepção, o programa das privatizações foi trazido à prática pelo Governo, em cumprimento das promessas eleitorais que lhe garantiram o apoio da maioria dos portugueses, e, no âmbito da realização prática, as quatro operações levadas a termo (e efectuadas em rigorosa observância do preceituado na Constituição de 1982) conduziram ao geral agrado -e, mesmo, ao aplauso- da generalidade dos órgãos de soberania, dos parceiros sociais, dos políticos e dos operadores económicos, dos meios de comunicação social e, inclusivamente, da opinião pública.
É que elas foram a concretização de um desejo há muito sentido e manifestado pela maioria dos portugueses e foram conduzidas com respeito pela Constituição e pela lei, cujos preceitos foram rigorosamente observados com transparência, isenção, rigor e em obediência a um plano sólido de subordinação aos interesses da economia nacional, dos agentes económicos, dos operadores, dos pequenos aforradores, dos trabalhadores das empresas e dos cidadãos em geral.
Foram, objectivamente, quatro êxitos - e digo-o tão claramente quanto é certo que foram processos conduzidos por outros responsáveis governamentais -, tanto mais de sublinhar quanto é certo que Portugal não possuía qualquer experiência neste domínio e conquistaram o agrado - senão o aplauso - de todos.
Mas o PCP, fiel a uma ortodoxia de pensamento e acção que, a pouco e pouco, mas cada vez mais aceleradamente, o vai deixando isolado no mundo da utopia, intencional ou cegamente divorciado do real, o PCP, repito, destoou da unanimidade nacional relativamente ao que, penso, constitui o evento mais importante da história recente da economia portuguesa.
Insensível aos ventos da história que varrem o mundo, dogmaticamente atido a conceitos e formas de viver ultrapassados - e que a sabedoria dos povos vem, sistemática e aceleradamente, a pôr em causa e de parte -, o PCP, orgulhosamente só, isolado dos próprios trabalhadores, que usa como bandeira mas que não representa, Quixote alçado nos estribos de um colectivismo ultrapassado, esgrime contra tudo e contra todos o interesse nacional e o querer dos cidadãos, em geral, e dos trabalhadores, em particular, e vem requerer a ratificação parlamentar dos diplomas governamentais que transformaram empresas públicas em sociedades anónimas de direito privado, como primeiro passo para a sua privatização.
Coerentemente, o PCP não quer o fortalecimento das empresas, o reforço do espírito e da capacidade empresarial, a dinamização do mercado de capitais, a modernização da nossa economia e o consequente crescimento da produtividade e da competitividade, factores essenciais ao sucesso da nossa integração no mercado único europeu.
Coerentemente, direi, o PS, de novo, mais uma vez, veio associar-se ao PCP numa acção política que mais não visa do que provocar a instabilidade e a incerteza no mercado, comprometer as expectativas e a imagem que Portugal tem vindo a construir como país europeu dinâmico, com um crescimento sólido e com opções políticas claras e definidas.

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A posição do PS é tanto mais estranha quanto é sabido que se procura afirmar como um partido europeu.
Estão, PCP e PS, no seu direito quando pedem a esta Assembleia que avoque, e só ratifique, os diplomas do Governo.
Mas não têm razão ao pretender impugná-los porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o processo de privatizações até aqui conduzido pelo Governo, e que grangeou o aplauso nacional, foi rigorosamente conduzido em estrita e rigorosa observância dos preceitos da lei fundamental e da lei ordinária (recordo, a propósito, que o diploma que constitui a espinha dorsal do processo - a Lei n.º 84/88 foi aprovada por esta Assembleia e, como tal, consubstancia, nesta matéria, a vontade do povo, expressa pelos seus representantes livre e democraticamente eleitos).
Todos os princípios fundamentais foram rigorosamente observados: mantiveram-se no domínio público os capitais nacionalizados, como a maioria do capital de cada empresa; o sector público permaneceu majoritário nos órgãos sociais das empresas que foram objecto do processo; foi por decreto-lei que todas as transformações se realizaram; estabeleceram-se distinções entre as acções a deter, necessariamente, pelo sector público e as alienáveis a privados; definiram-se quotas do capital alienável como reserva para pequenos subscritores, emigrantes e trabalhadores das empresas públicas a reprivatizar; todas as operações de privatização levadas a cabo - UNICER, BTA, AS, Tranquilidade- foram-no em bolsa de valores, por subscrição pública; os encaixes obtidos através das alienações de parte do capital destas quatro empresas foram aplicados na amortização de dívida pública e em saneamento financeiro pela via do reforço dos capitais estatutários das EPs.
Tudo isto consta do diploma aprovado por V. Ex.ªs, Srs. Deputados; tudo isto foi transcrito nos decretos-leis que procederam às transformações de empresas públicas em sociedades anónimas; tudo isto, enfim, foi cumprido no terreno, durante as quatro privatizações parciais que atingiram o seu termo em 1989 - isto é, todas as até aqui realizadas.
Porquê, pois, os presentes pedidos de ratificação?
Se a Constituição foi respeitada, se a lei foi cumprida, se os processos, límpidos e transparentes, alcançaram êxito retumbante, por que estamos hoje aqui?
Se recordarmos que um dos slogans habituais do PCP é a defesa dos direitos dos trabalhadores, poderemos imaginar que o partido requerente terá vislumbrado algures, nos diplomas em causa ou no decurso de cada um dos processos, qualquer violação, ou perigo de violação, de tais direitos.
Mas tal suspeita é infundada: em lugar de coarctar direitos aos trabalhadores, os diplomas em causa-aliás, em harmonia com a já invocada Lei n.º 84/88, nascida desta Câmara - vieram alargar e robustecer tais direitos, uma vez que conferiram aos seus titulares também o de serem accionistas, o de serem sócios da própria entidade patronal, direitos que lhes foram facultados não em pé de igualdade com os demais interessados, mas em posições claramente privilegiadas: quer em termos de preço, posto que sempre as OPVs para trabalhadores foram a preço fixo e mais baixo do que as abertas aos demais interessados; quer em termos de quantidades, por isso que nunca tal fase das operações foi sujeita a rateio, antes pressupôs sempre o integral atendimento das ordens de compra emitidas, até em prejuízo dos demais pequenos subscritores; quer em termos de condições de pagamento, já que, na generalidade dos casos, foi admitido aos trabalhadores das empresas objecto da operação o pagamento em prestações mensais, ao contrário do imposto aos demais interessados, que tinham de depositar, aquando da emissão das ordens, o quantitativo correspondente às quantidades pretendidas, mesmo que não viessem a ser contemplados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é, pois, aqui que radica o fundamento dos presentes pedidos de ratificação.
É que o Governo foi além do que a Constituição e a lei lhe impunham quando, para lá de uma reserva de subscrição, instituiu preços e condições muito vantajosos em privilégio e benefício dos trabalhadores; e foi-o porque a social-democracia almeja a criação de uma sociedade de bem-estar, de vida melhor, que todos os cidadãos possam compartilhar.
Fomos, pois, na realização, além dos princípios, neste particular, não estamos arrependidos e, se possível for, iremos ainda mais longe, em benefício dos trabalhadores, dos pequenos, dos mais desprotegidos e do interesse nacional.
Não há, pois, razões que permitam compreender esta atitude política.
Mas como ela foi tomada - e legalmente, direi -, não há razões que impeçam a ratificação dos diplomas em causa.
Por isso me referi de início à posição anacrónica do PCP, que, isolado, contra tudo e contra todos busca entravar o processo de modernização que Portugal tem em curso em todos os campos, incluindo o económico.
E o PCP busca entravar o processo ainda que à custa de um atraso que pode ter consequências muito sérias, muito graves no domínio da integração do nosso país no concerto das nações progressivas, na sua preparação para enfrentar com êxito os embates com economias pujantes, modernas, tecnologicamente avançadas, comercialmente progressivas, que vão ser nossas concorrentes no quadro do mercado único de 1993.
Temos de preparar-nos seriamente e o tempo que nos resta não é demasiado.
Todavia, não pode ser desperdiçado a esgrimir contra fantasmas, moinhos de vento, ou mitos gerados por dogmatismos ultrapassados e insensíveis à história.
Por isso cremos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta Assembleia, igualmente cônscia do valor do tempo que resta e da imperiosa necessidade de actualizar e modernizar a nossa economia - quer em termos de modelo orgânico, quer no que toca à necessidade de reforço dos capitais investidos, de técnicas de gestão, de aumento de produtividade, de inovação técnica e tecnológica, de agressividade comercial - irá, sem mais e sem demoras, ratificar, em seus precisos termos, os diplomas em causa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Secretário de Estado, depois da forma como tem estado a decorrer o debate, ao ouvir V. Ex.ª começo a compreender a razão do desgosto do Sr. Deputado Silva Marques, que, apesar desta remodelação, não conseguiu ir para o Governo. De

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facto, o Sr. Deputado Silva Marques consegue habituar-nos a um estilo mais vivo, às vezes mais troglodita em termos de anticomunismo...
O Sr. Secretário de Estado sabe o que é que estamos aqui a discutir? Cheguei a um ponto que fiquei sem saber se, porventura, V. Ex.ª não teria sido mal informado pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, que não sabe que não pedimos a impugnação nem a suspensão, mas apenas apresentámos propostas de alteração que estão na Mesa da Assembleia da República e que não têm nenhum efeito suspensivo. A lei e o decreto-lei continuam em vigor, Sr. Secretário de Estado! Portanto, não esteja com papões nem com fantasmas porque o PCP e o PS não querem nada daquilo que V. Ex.ª referiu.
O que aqui estamos a discutir é no sentido de saber se o Governo está ou não a respeitar a Lei n.º 46/79, se está ou não de acordo com o anterior Ministro das Finanças quando publicou, em relação ao BNU, o decreto-lei e esqueceu que o artigo 24.º da Lei n.º 46/79 diz que lerá de ser obrigatoriamente precedida de parecer escrito da comissão de trabalhadores a aprovação do estatuto das empresas do sector empresarial do Estado e das respectivas alterações.
Ora, gostaria que o Sr. Secretário de Estado me dissesse se tenho ou não razão, se estou ou não a dizer a verdade, se isto aconteceu ou não assim e se a lei foi ou não respeitada. Ora, vir com discursos anticomunistas não ajuda!...
Gostaria também de saber se em relação à contratação colectiva, aos direitos dos trabalhadores, etc., as alterações estatutárias estão ou não a salvaguardar esses direitos.
Creio, pois, que deveríamos travar uma discussão séria a este nível. De facto, V. Ex.ª não se deveria afirmar perante a televisão como sendo o Secretário de Estado das privatizações. Tem tempo para isso, é jovem, tenha calma!
Vamos, pois, discutir seriamente esta questão que hoje aqui está em debate.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É um abuso!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Embora V. Ex.ª entenda que é um abuso, eu creio que não. Assim, se o Sr. Presidente me der licença, gostaria de usar da palavra apenas para defender a minha consideração pessoal...

O Sr. Presidente: - Nenhum dos membros da Mesa considerou tratar-se de abuso, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Certamente, Sr. Presidente. Porém, o Sr. Deputado Nogueira de Brito fez um aparte, que provavelmente terá ficado registado em acta, sobre o qual não poderia deixar de fazer um comentário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, por quem,
aliás, tenho uma grande simpatia, ofendeu a minha consideração, porventura sem querer, quando disse que eu teria informado mal o Sr. Secretário de Estado das Finanças sobre o que se passava aqui.
Sr. Deputado, não informei mal o Sr. Secretário de Estado, antes pelo contrário. De facto, o Sr. Secretário de Estado das Finanças veio aqui para debater, sob a forma de pedidos de ratificação, questões fundamentalíssimas para o País.
Com a intervenção e com a resposta que o Sr. Secretário de Estado das Finanças deu ficou bem marcado que o Governo está a respeitar a lei, que não esqueceu a Constituição e que sabe que o que neste momento está em jogo é essencialmente o futuro do País e dos trabalhadores.
Portanto, não o trouxe ao engano! Ora, é isto que deve constituir o âmago da nossa discussão e não outras coisas pelas quais, eventualmente, V. Ex.ª tenha um grande gosto, mas que não constam daquilo que nesta altura está em jogo perante o País.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, certamente que foi sem querer que ofendi a sua consideração.
Debate político é debate político, poderá haver algum calor... especialmente comigo que, geralmente, falo num tom mais ou menos encalorado. Porém, o que é certo é que não estava em causa a consideração de V. Ex.ª
No entanto, tive de fazer um reparo porque o Sr. Secretário de Estado das Finanças veio dizer que o PCP queria impugnar, suspender, etc., quando o que fizemos - certamente V. Ex.ª deverá saber isso - foi apresentar duas propostas de alteração para todos os pedidos de ratificação, visando salvaguardar os direitos dos trabalhadores. Como pano de fundo demos dois ou três exemplos daquilo que, em nossa opinião, é o desrespeito da Constituição e da própria lei. Assim, fiquei com a sensação de que o Sr. Secretário de Estado das Finanças não sabia o que estávamos aqui a discutir.
De facto, estamos a discutir a questão concreta das empresas de sociedade anónima com capitais públicos. Ora, V. Ex.ª veio aqui com uma fúria prívatizadora!...
Não quis ofender a consideração de ninguém! Debate político é debate político, e creio que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares não se deveria sentir ofendido.

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, compreendo que, de alguma forma, lhe seja difícil aceitar o discurso político que produzi sobre matéria de privatizações, embora esteja em causa apenas a ratificação de um conjunto de diplomas que, no fundo, é a materialização da política de privatizações.
Creio que é extraordinariamente importante que, em cada momento, em sede própria, neste Parlamento, haja oportunidade para abordar a questão política de fundo, a importância relevante do processo de privazações para a libertação deste País.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Está a utilizar a cassette!

O Orador: - Compreendo que para o Sr. Deputado seja extraordinariamente difícil quando à sua volta vê desmoronar-se tudo em que acreditou e defendeu, mas a verdade é que em países como a Hungria, a Polónia, etc., o processo de privatizações começa a dar os primeiros passos. Aliás, devo informar que delegações da Hungria e da Polónia estão a vir neste momento a Portugal para analisar e verificar o que se passa no nosso país em termos de privatizações.
Entendo, pois, que para o Sr. Deputado isso seja difícil, mas esta é uma questão fundamental que esta Assembleia deve debater sempre que houver oportunidade para tal.
Em relação aos direitos dos trabalhadores, Sr. Deputado, na intervenção que produzi fui suficientemente claro: a perspectiva do Governo é de que, quer em termos constitucionais, quer em termos legais, todos os procedimentos têm sido respeitados e salvaguardados.
A transformação das empresas públicas em sociedades anónimas de direito privado rege-se por duas realidades absolutamente diferentes. Em termos de estrutura jurídica isso já existia. Inclusivamente o n.º 3 do artigo 30.º da Lei n.º 46779 refere que no sector privado a integração ou participação dos trabalhadores...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essas empresas são do sector público! Afinal, não sabe nada de nada!

O Orador: - Sr. Deputado, peço que não me interrompa!

Como estava a dizer, o n.º 3 do artigo 30.º refere que no sector privado e num processo de privatização em termos de sociedades anónimas existe a liberdade de negociação entre as partes nessa matéria. Ora, Sr. Deputado, entendemos que temos vindo a respeitar integralmente todo o processo,...

Vozes do PCP: - Leia a Constituição!

O Orador: -... inclusivamente a Constituição, cuja alínea c) do artigo 296.º refere o seguinte: «Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de reprivatização da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que forem titulares.» É, pois, nesta perspectiva que o Governo tem actuado, e entendemos que temos cumprido todos os preceitos legais a que somos obrigados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer uma breve pausa neste debate para passarmos às votações, na generalidade, de diversos diplomas.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, peço a suspensão da sessão por 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. Está suspensa a sessão até às 19 horas e 50 minutos.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 50 minutos.

Vamos, pois, proceder às votações, na generalidade, agendadas para hoje.
Vai proceder-se à votação da proposta de lei n.º 125/V - Cria o Conselho Nacional de Bioética.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Vamos votar a proposta de lei n.º 126/V - Regula as atribuições orgânicas e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP. do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.

Vai proceder-se à votação do projecto de lei n.º 459/V (PS) - Regula as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD. do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 460/V (PCP) - Regula as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.

Vai proceder-se à votação do projecto de lei n.º 461/V (deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro) - Regula as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.

Por último, vamos votar o projecto de lei n.º 447/V (PS) - Assegura os diferentes direitos e garantias de defesa dos contribuintes em matéria fiscal.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD)): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): -Sr. Presidente, quero apenas informar que, em tempo oportuno, farei chegar à Mesa, por escrito, uma declaração de voto relativa à votação da proposta e dos projectos referentes à Alta Autoridade para a Comunicação Social.

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O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é a vez de o PSD pedir um intervalo de 10 minutos, ao abrigo das disposições regimentais.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 20 horas e 5 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Confesso que há pouco, quando ouvia o Sr. Secretário de Estado das Finanças intervir sobre este conjunto de pedidos de ratificação feitos pelo PCP e pelo PS, me assaltou uma certa preocupação, porque temi que o Sr. Secretário de Estado estragasse o efeito espantoso, que hoje tínhamos conseguido aqui. de obter como que uma adesão, a contrario, do PCP ao conjunto de diplomas que operaram a transformação de uma série de empresas públicas em sociedades anónimas, com possibilidade de alienação de uma parte, embora minoritária, do respectivo capital social. De facto, o PCP interveio hoje apontando as suas razoes para este conjunto de pedidos e fundamentando-os, todos eles, na preocupação que tinha sobre a manutenção ou não, no processo, dos direitos de participação dos trabalhadores e do respeito pelos seus direitos laborais alicerçados nas convenções colectivas porventura existentes. Ó Sr. Secretário de Estado deslocou a discussão para o problema global das privatizações e temeu que o PCP pusesse em causa este processo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Fugiu ao tema!

O Orador: - Mas não foi isso o que aconteceu. O PCP apareceu aqui movido por outras razoes. E apareceu bem movido, porque efectivamente o conjunto destes diplomas é, pelo menos, confuso no que toca a esta matéria.

Uma questão se levanta: o Governo aceita ou não que se mantenha, em relação às sociedades anónimas, o direito constitucional de participação dos trabalhadores nos respectivos órgãos de gestão e de fiscalização? É certo que o Governo ressalva os direitos adquiridos dos trabalhadores. Mas nesse conjunto estarão também abrangidos estes direitos, sendo certo que em muitos dos estatutos que acompanham os diplomas de transformação não se prevê a presença dos trabalhadores nestes órgãos? Seria bom que o Governo nos esclarecesse sobre esta matéria.
Realmente, não apenas um só mas o conjunto destes diplomas levanta uma outra questão importante, sobre a qual o Governo não se pronunciou. Essa questão é a de saber se estes 13 diplomas correspondem, na prática, a um plano das privatizações que o Governo se propõe fazer ou se não correspondem de todo a esse plano. Na realidade, temos neste conjunto quatro instituições do sistema bancário, três companhias seguradoras, três empresas do sector industrial e três empresas do sector dos transportes e das telecomunicações. O que é que isto significa no seu conjunto? São estas as primeiras empresas a privatizar? Em que prazo elas vão ser privatizadas? Algumas já o foram, a provar que se trata aqui de uma medida prévia para a privatização. Já o foram o Banco Totta & Açores, á companhia de seguros Tranquilidade, a companhia cervejeira UNICER. E quanto ao mais? As outras são as que se seguem?
No entanto, houve notícias contraditórias. O antigo Ministro das Finanças, por exemplo, apontou para a formação de grupos financeiros do Estado a que pertenceriam algumas dessas empresas. Estou a pensar no Banco Borges & Irmão, que, se não estou em erro, iria constituir, com o Banco de Fomento, um conjunto. Estou a pensar também no Banco Nacional Ultramarino, que, juntamente com a Caixa Geral de Depósitos, iria constituir um grande conjunto do sector público. Não sei o que se passa quanto à Rodoviária Nacional...

rata-se aqui, Sr. Secretário de Estado, de um pré-anúncio de privatizações, que em relação ao PCP funcionaria como um pré-aviso, uma ameaça, mas em relação a nós não, antes pelo contrário? Ou trata-se apenas de uma medida destinada a flexibilizar e modernizar a gestão destas unidades? Esta é a grande questão que se coloca, porque o Governo continua a recusar-se a fornecer-nos o plano e o calendário das suas privatizações. Ficamos dependentes apenas de uma ou outra entrevista do Sr. Ministro das Finanças, de uma ou outra entrevista ou conferência de imprensa do Sr. Primeiro-Ministro e continuamos sem ter acesso a esta informação, que consideramos fundamental. Suponho, Sr. Secretário de Estado-e acabo por bem-dizer as iniciativas que o trouxeram novamente à Assembleia -, que são estas as duas grandes questões a que importa responder.

Primeira: o que é que se passa com os direitos de participação dos trabalhadores? Verdadeiramente, eles são ou não mantidos pelo Governo na transformação destas empresas em sociedades anónimas, dado que elas se mantêm no sector público?
Segunda: a que é que corresponde a transformação deste conjunto de treze empresas? É a um anúncio prévio do programa de privatizações a cumprir nos próximos tempos ou não se trata disso, sendo antes uma medida puramente flexibilizadora que se vai seguir para todo o sector público daqui para a frente?
Estas são as duas questões que gostaria de ver respondidas pelo Governo e é nesse sentido que se deverá canalizar a sua intervenção neste debate.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado e das Finanças: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, disse o Sr. Deputado, e bem, que eu, na minha intervenção, desloquei propositadamente o sentido da discussão do objecto dos pedidos de ratificação solicitados por parte do Partido Comunista Português. Filo intencionalmente na medida em que entendo ser este um debate que deveremos ter em todas as oportunidades, em termos políticos.
Em relação à questão que colocou sobre os direitos de participação dos trabalhadores nos órgãos sociais das sociedades anónimas, dir-lhe-ei que o Governo cumprirá as disposições constitucionais e legais.

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Vozes do PCP: - Quais?

O Orador: - Quanto à questão do plano de privatizações, gostaria de fazer duas considerações sobre este tema. Julgo, em primeiro lugar, que este é um tema demasiado sério para poder ser abordado no âmbito de um debate de ratificações de diplomas. Em segundo lugar, lembro ao Sr. Deputado que há duas questões essenciais em curso neste momento que muito vão determinar o calendário e o período das privatizações que o Governo desenvolverá: a primeira 6 a própria lei quadro das privatizações, que está já em fase última de discussão na comissão, e a segunda a própria reforma do mercado de títulos, que, como sabe, está em fase final de concretização. Estas duas situações são determinantes para se vir a definir o calendário, o período e a estratégia de alienação.
Penso, todavia, que esta é uma questão demasiado ampla e séria que deve ser debatida nesta Assembleia, mas não a este propósito e neste momento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, é no sentido de saber se foi um pedido de esclarecimento que o Sr. Secretário de Estado fez ao Sr. Deputado Nogueira de Brito ou se foi uma intervenção, porque se foi um pedido de esclarecimento, peço depois a palavra para uma intervenção, mas se foi uma intervenção, peço agora a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - A Mesa está na disposição de considerar as duas hipóteses. Se o Sr. Secretário de Estado estivesse de acordo que os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Nogueira de Brito lhe fizessem uma pergunta respeitante à intervenção que produziu, penso que seria mais célere.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Estou de acordo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Iria repor uma questão que já foi aqui colocada, logo de início, pelo meu camarada Jerónimo de Sousa. Ò problema que nos traz aqui, hoje, é ouvir e analisar a questão da consagração ou não, nas empresas que são objecto de transformação de empresas públicas em sociedades anónimas, dos direitos de participação dos trabalhadores nos órgãos sociais dessas empresas, de acordo com o artigo 90.º, que diz que «nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão». Em nenhum desses decretos se cumpre o que está estatuído no artigo 90.º, pois em nenhum deles e assegurada a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais e na gestão das empresas.
Por outro lado, gostaríamos de saber se o Governo pretende ou não, com a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, manter todos os direi-tos dos trabalhadores, no que respeita à negociação colectiva e aos acordos colectivos de empresa, porque em muitos desses decretos-leis objecto de ratificação só vem garantido o contrato individual de trabalho, não sendo garantido o contrato colectivo de trabalho e, muito menos, em nenhum deles, vêm garantidos os acordos de empresa.
São estas duas questões que estão em discussão, do nosso ponto de vista, e para as quais ainda não obtivemos uma resposta clara do Sr. Secretário de Estado, pois, quando diz que garante o respeito pelos direitos dos trabalhadores, nós perguntamos quais são esses direitos. Garante, concretamente, os constantes do artigo 90.º? Se garante, porque é que não os coloca onde deve ser, isto é, na lei?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado, realmente, houve aqui uma certa alteração das figuras de intervenção, mas estamos a chegar ao resultado pretendido. Esta declaração não chega para esclarecer a afirmação de princípio, feita pelo Sr. Secretário de Estado, de que o Governo está movido pela intenção de cumprir as disposições constitucionais.
Tenho na minha frente os estatutos do Banco Nacional Ultramarino e verifico que a composição do Conselho de Administração não contempla qualquer possibilidade de inclusão de um trabalhador eleito pela comissão de trabalhadores (não é que esteja muito preocupado com isso, devo dizer-lhe, porque não sou co-gestionário das propostas). De qualquer modo, esta é, realmente, uma preocupação constitucional, que passou para alem das nossos desejos.
Por outro lado, verifico que no conselho fiscal, expressamente, se prevê que todos os membros sejam eleitos pela assembleia geral. Portanto, não vejo também que haja possibilidade de inclusão deste elemento, pelo que não chega a afirmação do Sr. Secretário de Estado, sendo necessário, para cumprimento da Constituição, modificar estes diplomas.
O Sr. Secretário de Estado está muito à vontade nesta matéria, porque não estava a ocupar esse lugar quando os diplomas foram publicados.
O Sr. Secretário de Estado diz ainda que não é a altura mais indicada para a discussão do problema da existência de um plano e da sua calendarização. Estou de acordo consigo, mas nós, Sr. Secretário de Estado, nesta matéria, estamos confrontados com a necessidade de aproveitar todas as oportunidades para pôr o problema. É evidente que esta é uma oportunidade óbvia, porque se trata de um conjunto de 13 diplomas que têm também como objectivo a privatização de uma parte, pelo menos, do capital dessas sociedades, o que é posto à apreciação da Assembleia.
Aliás, aproveitamos todas as oportunidades, porque o Governo se tem recusado a fornecer à Assembleia o seu plano, que em vários momentos lhe foi pedido, tem-se recusado a fornecer o seu programa, devidamente calendarizado e tem deslocado para fora da Assembleia o anúncio das privatizações a fazer num prazo curto de tempo - que, por vezes, nem é o próximo ano - e não tem passado disso. Portanto, Sr. Secretário de Estado, não

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estranhe o facto de aproveitarmos todas as oportunidades para colocar esta questão ao Governo.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, deseja usar da palavra?

0 Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Sim, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Secretário de Estado das Finanças.

0 Sr. Secretário de Estado das Finanças., - Sr. Deputado Octávio Teixeira, nenhum dos diplomas em causa, que foram objecto do pedido de ratificação por esta Assembleia da República, foram sujeitos a pedido de inconstitucionalidade.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): -0 que é que tem a ver uma coisa com a outra?!

0 Orador: - Portanto, presumo, à partida, que a constitucionalidade destes diplomas está garantida.
Em relação à questão que o Sr. Deputado Nogueira de Brito colocou, registo as tendências planificadoras do CDS, que muito me espantam, mas registo-as, e tomaremos boa nota noutro sentido.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não! É falta de resposta!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que damos por encerrado o debate em relação a este bloco de ratificações. Há propostas de alteração, como é do conhecimento dos Srs. Deputados, pelo que o processo segue os, trâmites regimentais.
Entramos nos pedidos de ratificação n.ºS - 33/V, do PS, e 34/V, do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 241/88, de 7 de Julho - Cria a Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo,

0 Sr. Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao requerermos a ratificação do Decreto-Lei n.º 241/88, de 7 de Julho, que cria a Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, com vista h sua, alteração; pretendemos, fundamental mente, salvaguardar as competências das autarquias e a sua capacidade de intervenção nas acções de protecção daquela importante área e que devem ser implementadas com a maior urgência.
Aliás, é justo recordar que os pioneiros na defesa do ambiente e dos valores tradicionais e culturais daquela área foram, exactamente, as autarquias locais.
Foi a partir do alerta das autarquias locais, da sua luta pela conservação da beleza das suas paisagens naturais o dum rico património, universalmente reconhecido, e ainda não degradado, que a Administração Central foi sensibilizada para a criação da Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, após diversas reuniões de trabalho com os quatro municípios da área (Odemira, Sines, Aljezur e Vila do Bispo).

Mas se a criação da área de paisagem protegida é a satisfação de uma justa aspiração dos municípios e das populações da zona, as medidas de gestão da Área Protegida, contidas no Decreto-Lei ri.<_ municípios='municípios' autonomia='autonomia' causa='causa' dos='dos' do='do' região.br='região.br' local='local' pelas='pelas' sido='sido' nem='nem' aliás='aliás' põem='põem' não='não' competências='competências' tem='tem' como='como' a='a' seu='seu' denunciado='denunciado' área='área' e='e' planeamento='planeamento' em='em' prática='prática' desenvolvimento='desenvolvimento' ignoram='ignoram' poder='poder' o='o' autarquias='autarquias' respeitam='respeitam' as='as' na='na' protegem='protegem' _241188='_241188' municipal='municipal' ordenam='ordenam' promoveram='promoveram' da='da'> Para dar conteúdo objectivo às finalidades da criação da Área de Paisagem Protegida, nomeadamente ao artigo 2.º do decreto-lei em debate, é necessário que os municípios tenham efectiva capacidade de decisão e possam exercer as competências que a Constituição da República consagra e a lei prevê.
Sabe-se que só com o empenhamento total dos municípios é possível promover a protecção e o aproveitamento sustentado dos recursos naturais, paisagísticos e culturais da zona, sustendo e corrigindo os processos que poderiam conduzir à sua degradação e criando condições para a respectiva manutenção e valorização.
. Sabe-se que só com o empenhamento total dos municípios é possível promover o desenvolvimento económico, social e cultural da região, de forma equilibrada, ordenada e com respeito pela protecção da paisagem.
0 próprio preâmbulo do decreto-lei, depois de reconhecer que as Câmaras Municipais de Sines, Odemira, Aljezur e Vila do Bispo, manifestaram o maior interesse no sentido da classificação da região como área protegida e de fazer a sua administração conjunta, em colaboração com a Administração Central, através do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, refere "a necessidade de uma forma inovadora de administração de áreas protegidas com a co-responsabilização conjunta de vários municípios e de outras entidades".
Só que no articulado todos estes princípios foram atropelados, Sr. Secretário de Estado do Ambiente.
Sobrepôs-se a tudo a fúria centralizadora do Governo. E o que ficou foi uma comissão directiva da Área de Paisagem Protegida, dominada pelos organismos dependentes do Governo (comissões de coordenação e direcções-gerais), com diminuição de competências dos municípios e centralização no director da Área de Paisagem Protegida de competências que deviam pertencer à comissão directiva e aos municípios.
Esta situação levou a que hoje a população local chame aos mecanismos de gestão da área de protecção "fábrica de proibições", porque são tomadas decisões sem ter em conta as opiniões dos municípios, os seus planos de ordenamento (como é o caso de Sines) e sem dar qualquer explicação às populações e entidades envolvidas.
A verdade é que só a gestão democrática dos municípios é que tem conseguido controlar as acções que poderiam afectar os valores naturais, tradicionais, paisagísticos e arquitectónicos da região, sem recorrer aos instrumentos previstos no Decreto-Lei n.º 241/88. É que um plano ou um conjunto de regras, para serem eficazes, têm de ser, forçosamente, maleáveis, para se poderem adaptar, e audazes, sem perder a consciência das realidades sociais, económicas e culturais.
A rigidez de normas e a proibição exaustiva de acções, sem qualquer alternativa, como faz o diploma em debate, é sinónimo do medo de errar e do desconhecimento absoluto do terreno que pisa.
A situação actual da aplicação do Decreto-Lei n.º 241/88,-é disso clara testemunha: a comissão directiva tem

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dificuldades de decisão porque é vulgar os seus representantes, em maioria da Administração Central, afirmarem que não estão mandatados para tomar qualquer decisão, o que, conjugado com a obrigatoriedade das deliberações só serem possíveis com o voto favorável de seis entidades, torna praticamente ineficaz a sua acção; a comissão científica não funciona, apesar da sua importância; o decreto-lei continua por regulamentar apesar de publicado há mais de ano e meio, o que dificulta a definição das regras de financiamento e comparticipação das várias entidades; a gestão do domínio público marítimo é inexplicavelmente excluída da gestão da área protegida, quando se sabe a importância que tem para esta região toda a orla marítima e as graves ameaças de poluição que frequentemente aí ocorrem.
A propósito, as populações e as autarquias da região continuam à espera das indemnizações pelos prejuízos causados, aquando do acidente do navio Mearão no início do Verão passado. E o Governo continua sem dar qualquer resposta às propostas contidas no relatório que sobre o assunto foi aprovado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente. Era bom que o Sr. Secretário de Estado clarificasse essa questão.
Continua ainda, em relação à área protegida, por clarificar a forma como se vai concretizar a interligação, prevista pelo Governo, entre os planos directores municipais e o futuro e ainda inexistente Plano de Ordenamento da Área de Paisagem Protegida.
E já que o Sr. Secretário de Estado do Ambiente se esqueceu das promessas que fez sobre a alteração deste decreto-lei, aquando da tomada de posse da comissão directiva da Área Protegida em Vila do Bispo, a S de Janeiro do ano passado, impõe-se que a Assembleia da República proceda agora às alterações necessárias ao diploma para que a criação da área protegida se tome uma realidade com uma gestão eficaz e democrática, no respeito pelas competências do poder local.
Vão nesse sentido as propostas de alteração que apresentamos e que resultam de um debate profundo com os municípios da região, tendo em conta a experiência vivida.
Mas, para encontrar as melhores soluções, propomos que as propostas, agora apresentadas, sejam enviadas às câmaras municipais da região e a todas as entidades envolvidas na área de paisagem protegida, para emissão, num prazo relativamente curto, de parecer a ser apreciado pela comissão parlamentar, aquando do debate na especialidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O PS apresentou, hoje, aqui, no período de antes da ordem do dia, uma declaração política em que criticou fortemente o Governo pela confrangedora e negligente imobilidade legislativa em matéria que tem a ver com as áreas protegidas e com outras áreas, fundamentalmente com tudo aquilo que deriva da regulamentação necessária da Lei de Bases do Ambiente e também com transposição para o direito interno das directivas comunitárias.
Justo será, portanto, começar por dizer que saudamos o aparecimento desta lei e que apenas pedimos a sua ratificação por causa da composição da comissão directiva. Era bom que houvesse mais leis destas, mas, infelizmente, não há.
A comissão directiva, Sr. Secretário de Estado, é composta pelo Serviço Nacional de Parques, que coordena e orienta, pelas Câmaras Municipais de Vila do Bispo, Aljezur, Odemira e Sines, pela Comissão de Coordenação da Região do Algarve, pela Comissão de Coordenação da Região do Alentejo, pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território, pela Direcção-Geral da Marinha e pela Direcção-Geral de Hidráulica e Energia Agrícola. Com franqueza, Sr. Secretário de Estado, isto é demasiada burocracia!
Sendo a tendência natural da vida política e das democracias ocidentais no sentido da descentralização e da participação, no sentido de considerar mais a promoção dos interesses locais e de reduzir a rigidez das burocracias, com franqueza, achamos que isto é excessivo! É excessivo porque a experiência diz-nos, também, que tudo isto, depois, não funciona, pois, como disse o PCP, os representantes dizem que não têm autoridade política para decidir, dizem que têm de consultar o Sr. Secretário de Estado, o que leva, portanto, esta comissão a revelar--se ineficaz.
O PS pediu a ratificação deste decreto-lei e tenho a certeza que o Sr. Secretário de Estado será sensível a estas críticas com o objectivo de o fazer descer à comissão, como, aliás, já foi proposto pelo PCP. Reafirmamos essa proposta para que estas sugestões sejam tidas em conta pelo Governo e para que a composição da comissão que gere esta área seja alterada, permitindo uma maior participação das entidades locais e, portanto, mais eficácia, a nosso ver, na protecção desta área.

O Sr. José Leito (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente, Srs. Deputados: Tomo a palavra para pôr algumas questões a V. Ex.ª Começo por lhe perguntar como é possível compatibilizar uma das zonas ecológico - litorais mais importantes do mundo com a ameaça de poluição acidental, comprovada no derrame petrolífero registado o Verão passado no complexo petroquímico de Sines, contíguo à paisagem protegida e que tudo leva a crer que poderá repetir-se.
A questão a pôr é, portanto, a seguinte: depois do acidente de Sines, aperfeiçoaram-se as providências técnicas para obstar a que se repita o acidente?
O caso é que, segundo informações fidedignas, os meios de intervenção de Sines permanecem inadequados.
Temos talvez aqui a resposta para esta pergunta: por que é que, tendo sido prometido pelo Sr.. Secretário de Estado do Ambiente a divulgação pública, no prazo de um mês, das causas do acidente de Sines, passado um ano nenhum esclarecimento foi dado sobre o assunto?
Outra questão. Nesta área protegida estende-se uma costa em risco, devido aos petroleiros, navios químicos, porta-contentores que passam a 12 milhas do cabo de São Vicente.
Que se tem feito para pôr a salvo esta costa de descargas acidentais desses navios?
Informam-nos de que a Marinha não tem meios nem patrulhas para fazer uma fiscalização eficaz. Por outro

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lado, a necessária consonância com a vigilância de meios aéreos permanentes e os meios de superfície, já que a informação deve vir por meios aéreos, não se verifica, como seria desejável, devido a ser muito dispendioso ter aviões no ar.
Também é de causar, pelo menos, estranheza que a comissão directiva não inclua uma associação ambiental, figurando apenas num conselho geral .consultivo, que reúne semestralmente, a Liga para a Protecção da Natureza. É pouco, Sr. Secretário de Estado!
Também tomei conhecimento de que numa larga extensão da costa do Sudoeste alentejano morreram animais e plantas fundamentais para o equilíbrio de vida no mar, restando saber se o crude, que dizimou essa fauna e flora marinhas, também afectou as lontras costeiras e as últimas águias pesqueiras que aí têm a derradeira área de nidificação no litoral continental sul europeu.
Enfim, redunda numa triste ironia que os danos provenientes da maré negra do Verão de 1989 tenham ocorrido numa área de paisagem protegida. Protegida de quê, perguntou alguém versado na matéria. Eu não só mantenho a pergunta como acrescento outra: onde estão os estudos de impacte ambiental, não avulso mas globais?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Veremos a resposta! O Sr. Secretário de Estado é uma verdadeira maré negra!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Costa.

O Sr. Mendes Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendem o PS e o PCP a recusa da ratificação do Decreto-Lei n.º 241/88, de 7 de Julho, que criou a área de paisagem protegida do sudoeste alentejano e costa vicentina.

Vozes do PCP: - Não! Ninguém propôs a recusa! Confundiu tudo!

O Orador: - Entende o PSD que o Governo, ao implementar esta medida, visou salvaguardar uma vasta área da costa portuguesa, considerada por muitos como a única zona costeira ainda não poluída da Europa.
O conjunto de preceitos consignados no Decreto-Lei n.º 241/88 vão permitir uma gestão integrada da citada área, coresponsabilizando as várias entidades com jurisdição nas zonas envolvidas, nas decisões sobre futuros projectos de ordenamento de território, assim como evitar abusos quanto a alterações à morfologia dos solos e espécies botânicas existentes.
O Partido Social-Democrata congratula-se com esta forma inovadora de administrar importantes manchas do território nacional, que devem ser preservadas de possíveis atentados aos valores naturais, paisagísticos e culturais.
Esperamos ainda que os órgãos administrativos previstos no citado decreto-lei, comissão directiva, conselho geral e comissão científica, que envolvem um total de 32 entidades, possam também contribuir para, de forma equilibrada e ordenada, promover o desenvolvimento económico, social e cultural da região.
O PSD está de acordo com a política de ambiente e ordenamento de território implementada pelo Governo, que constam do seu Programa, aprovado por esta Assembleia. Por isso, vamos votar contra o pedido de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 241/88, apresentado pelo PS e pelo PCP.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, foi aqui referido pelo Sr. Deputado Mendes Costa que o PCP fez uma proposta de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 241/88, de 7 de Julho.
Solicito que a Mesa informe esta Câmara se existe alguma proposta do PCP com esse objectivo, porque, na minha intervenção, tive ocasião de afirmar que o PCP fez propostas de alteração a este decreto-lei do Governo, que cria a área de protecção de paisagem protegida, mas não recusa a sua ratificação. O que faz são propostas de alteração.

O Sr. Presidente: - O que é que a Mesa pode esclarecer?! Se a Sr. Deputada diz que não entregou, a Mesa não pode ter qualquer proposta de recusa de ratificação!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É isso mesmo!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS pediu a ratificação deste decreto-lei, mas talvez fosse bom pedir também a rectificação do discurso do Sr. Deputado Mendes Costa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está todo errado!

O Orador: - Ele trouxe o discurso escrito e não o actualizou em função das intervenções.
Não queremos recusar a ratificação deste decreto-lei, apenas propusemos alterações que gostaríamos de discutir com o Governo, em sede de comissão. Há a questão da competência da comissão directiva e apresentámos as alterações que consideramos importantes na gestão da área protegida; portanto, gostaríamos que o Governo as entendesse como propostas positivas e que fosse sensível a este nosso apelo de as discutirmos em sede de comissão.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Costa.

O Sr. Mendes Costa (PSD): - Sr. Presidente, vou esclarecer a Sr.ª. Deputada lida Figueiredo e o Sr. Deputado José Sócrates.
Os documentos que tenho em meu poder e que deram entrada na Mesa sobre a ratificação desse decreto-lei não vêm acompanhados de qualquer proposta. O PSD não dispõe, neste momento, de qualquer proposta de alteração ao citado decreto-lei. Portanto, o que o PSD se apronta a fazer nesta Câmara é ratificar o decreto-lei. Isto é. enquanto os partidos proponentes propõem a não ratificação, o PSD diz que propõe a ratificação. No entanto, se forem apresentadas propostas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Leia o artigo 172.º da Constituição!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, se forem apresentadas propostas, é óbvio que estaremos abertos para discutir o problema em sede de comissão.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero esclarecer que as únicas votações que poderiam verificar-se sobre estas ratificações seriam quanto à sua recusa ou quanto à suspensão do decreto-lei. Como nada foi apresentado, não haverá qualquer votação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio! Portanto, é um fantasma!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor (Macário Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensei que vinha aqui para alguma coisa mais importante do que aquilo que ouvi.

O Sr. lida Figueiredo (PCP): - O Sr. Secretário de Estado é muito distraído!

O Orador: - Pensei que vinha aqui para ouvir dos Srs. Deputados um discurso de empenhamento no reforço de meios para a protecção do ambiente, quer relativamente a esta paisagem protegida quer a outros sítios, e aquilo que ouvi nada tem a ver com a realidade. Os órgãos directivos da paisagem protegida em apreço têm funcionado normalmente e da parte deles nunca me chegou qualquer pedido de alteração da legislação em vigor. Estranho, portanto, que tenham feito sentir isso junto de outras entidades que não o organismo de tutela, que tenho sido eu.
Por outro lado, chamo a atenção da Sr.ª Deputada lida Figueiredo para o facto de, em relação ao seu discurso inicial, haver que corrigir alguns aspectos.
Na verdade, o papel das autarquias em relação à defesa do ambiente nesta área carece talvez de reflexão no que toca a aspectos há muito tempo falados: a realização de estradas ilegais por uma autarquia da área, o que mereceu a condenação unânime da comissão directiva criada, uma estrada entre Sines e Porto Covo, neste momento bem polémica, que põe em causa o ambiente e que é resultado de uma atitude de uma autarquia. Mas há ainda alguns outros estradões feitos pela Câmara Municipal de Aljezur e que constituem atentados ao ambiente.
Por conseguinte, estou muito consciente daquilo que se tem feito, conheço-o bem de perto e sei qual tem sido o papel do Governo, dos organismos da Administração Central e das autarquias.
Em relação ao que foi dito, confesso que nunca ouvi tanta contradição junta. Na verdade, esta paisagem protegida tem funcionado bem, com os seus órgãos a reunir normalmente. Entretanto, oiço dizer que a legislação é muito rígida, mas que, por outro lado, as autarquias são capazes de a aplicar, que os organismos do poder central não o são, quando, na prática, verifico precisamente o contrário.
Em relação ao domínio público marítimo, existe na legislação uma competência clara em dois quilómetros da faixa litoral que se encontram sob tutela desta figura protegida.
No que concerne ao derrame que ocorreu em Sines, tive ocasião de, mais do que uma vez, dizer publicamente que a responsabilidade é da seguradora da SOPONATA e da administração do Porto de Sines, entidades que, em conjunto e a nível jurídico, têm discutido o problema.
Neste sentido, algumas indemnizações estão a ser pagas, estando outras a ser equacionadas no foro jurídico a que incumbe a competência para o tratamento destas matérias.
Relativamente a pretensas promessas minhas que citou, teve um engano muito grande na data em que a comissão directiva tomou posse. Aconselho-a a rever os seus documentos, pois estão falseados no que concerne a essa matéria. Por outro lado, devo dizer-lhe que não fiz qualquer promessa a não ser a de que me iria empenhar a ouvir sempre esses órgãos directivos em relação às matérias correntes da sua competência. O que é facto é que, até hoje, nunca nenhum dos órgãos directivos me fez as sugestões que ouvi aqui por outra voz e de outra forma -penso que há alguma coisa que não está certa.
Creio que aquilo que ouvi nada tem que ver com a política de ambiente nem com a protecção daquela área, mas com preocupações sindicais que têm a ver com a composição política das variações das câmaras municipais do sector. Nessa conformidade, até pensei que o pedido do PS tivesse perdido oportunidade, tendo em conta os resultados tidos em Aljezur. De qualquer modo, perante aquilo que aqui ouvi, naturalmente que é da minha competência responder pelas questões que têm de ver com o ambiente e não pelas outras, que são do foro dos partidos e sobre as quais, como é natural, não pretendo aqui pronunciar-me.
Aquilo que esta legislação contempla é claramente matéria inovadora. Com efeito, é a primeira vez, nas 27 áreas protegidas em Portugal, que temos na comissão directiva os autarcas a participar da forma como o fazem relativamente a decisões finais que têm de ver com esse território protegido - em nenhuma das outras áreas isso acontece. Aliás, desde 1975 que vários governos têm proposto áreas protegidas, mas somente este é que, pela primeira vez, cria essa figura participada, em que o poder local tem um papel que não possui em nenhuma das outras circunstâncias, quando muitos governos instituíram áreas protegidas em Portugal.
Devo dizer ainda que, em relação ao acidente de Sines, não há conhecimento da morte de qualquer lontra e aconselho os Srs. Deputados a fundamentarem as suas intervenções em documentos científicos com alguma credibilidade e não em capas de jornal feitas pelos partidos, sem qualquer fundamento e sem qualquer atenção. É assim que actuo, é nisso que fundamento as minhas decisões e intervenções e não em circunstâncias de notícias menos fundamentadas e por vezes falsas que levam a que os Srs. Deputados digam coisas que não são verdade e que em nada dignificam a qualidade daquilo que se deve dizer nesta Casa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Marques Júnior, Natália Correia, José Sócrates e lida Figueiredo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Secretário de Estado do Ambiente, a questão do ambiente não é, de facto, a minha área forte, embora esteja, como é natural, preocupado com essa matéria. De qualquer modo, pode ficar descansado, pois não vou falar do ponto de vista técnico.
O meu pedido de esclarecimento foi suscitado pela intervenção do Sr. Secretário de Estado, a qual me parece, no mínimo, deslocada. Com efeito, posso não saber

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muito acerca do ambiente, mas sou suficientemente honesto para reconhecer em V. Ex.ª uma pessoa interessada o preocupada. Por isso mesmo, V. Ex.ª não pode, na minha opinião, dizer à Assembleia da República, como acabou de fazer, que esperava outra coisa relativamente às perguntas que lhe fizeram, nomeadamente que este órgão de soberania se preocupasse com a questão dos meios.
Sr. Secretário de Estado, então não é verdade que a Assembleia da República, nos momentos próprios, nomeadamente e em especial na discussão do Orçamento, permanente e sistematicamente tem reivindicado mais meios para que V. Ex.ª possa, com os mesmos, adoptar uma política de ambiente adequada?!
15so não, Sr. Secretário de Estado! Não lance para a Assembleia da República um anátema, uma dúvida, uma dificuldade, que é do seu próprio Ministério, da sua própria Secretaria de Estado! Essa não, Sr. Secretário de Estado!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr." Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar não lhe admito que diga que a minha intervenção é de capas de revista! Não lhe ,admito! 0 senhor não tem categoria intelectual para dizer isso! A minha informação é baseada em fontes muito fidedignas, e não só portuguesas, que têm conhecimentos ambientais que o senhor não tem!
Para sua informação, Os Verdes do Parlamento Europeu, que se reuniram há pouco tempo em Portugal, pediram-me para fazer uma palestra e não ao senhor! Portanto, o senhor retira essa alusão às capas de revista, pois isso é pouco elegante da sua parte!
Em segundo lugar, como é que o Sr. Secretário de Estado sé atreve a dizer que a área de paisagem protegida funciona bem, quando, depois de ela ser considerada como tal, se deu o derrame petrolífero de Sines? Como é que se atreve?!

0 Sr. José Magalhães (PCP): - A Assembleia não é uma área protegida!...

Risos.

A Oradora: -0 Sr. Secretário de Estado vem contar anedotas para esta Assembleia? Olhe que o meu estilo de humor é diferente! Exigo mais categoria no humor!

Vozes do PSD: - Não apoiado!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

0 Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Secretário de Estado, sei que as coisas não lhe têm corrido. muito bem Ultimamente e por isso perdoo-lhe o seu nervosismo. No entanto, digo-lhe também que a serenidade faz bem à clareza de raciocínio e aconselho-o a ter um pouco mais de ponderação.
0 Sr. Secretário de Estado afirmou que esperava ouvir Assembleia um maior empenhamento no reforço de meios para a protecção do ambiente.
De facto, já lhe tinha ouvido dizer isso aquando da maré negra de Porto Santo, Com efeito; V. Ex.11 chegou

lá e disse: o País precisa de meios! Contudo, já tinha dito o mesmo sete meses antes, em Sines,
A quem é que o Sr. Secretário de Estado estava a apelar? Aos Portugueses, para que fizessem uma colecta destinada a dar dinheiro ao Governo para comprar o tal barco, para se equipar melhor e responder com mais eficácia e mais prontamente a uma situação de emergência deste tipo?! À oposição?! Quer que a oposição tome conta disso? Nós fá-lo-emos daqui a um ano e meio! Tenha calma, Sr. Secretário de Estado, lá iremos!...

Vozes do PS: -.Muito bem!

0 Orador. - Finalmente, Sr. Secretário de Estado, queria ainda dizer-lhe que esse preconceito que tem contra as autarquias não tem a mínima razão de ser. 0 Governo tem tratado muito pior o ambiente do que as autarquias. E se V. Ex.ª falou nesses pormenores todos, que considerou crimes contra o ambiente, digo-lhe que todas as autarquias têm muito mais razão de queixa do Governo por tudo o que tem feito contra o ambiente deste País.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada
Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. presidente, agradeço ao CDS a cedência de tempo para poder responder ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente.
Sr. Secretário de Estado, eu pensava que já não era possível alguém do Governo vir aqui afirmar o que V. Ex.11 afirmou acerca das autarquias locais, transformando-se no seu acusador número um, nomeadamente em termos de ambiente, quando, por ineficácia e por incapacidade do poder central, estão a verificar-se graves crimes de ambiente por esse país fora. E o senhor. teve ocasião de, ainda há pouco, verificar alguns, por exemplo, na zona da orla marítima do Porto, no estuário do Douro. 15to para não falar na Madeira e em tantos outros problemas que por aí se estão a verificar e que têm a ver muito com a incompetência e a incapacidade de resposta do Governo, nomeadamente da sua Secretaria de Estado ou, agora, do Ministério do Ambiente.
Porém, em relação a este caso, o que o Sr. Secretário de Estado precisa é de verificar melhor nos serviços da sua Secretaria de Estado o que se passa com a documentação que lhe enviam, nomeadamente as câmaras municipais desta zona, quanto à contestação que fizeram às propostas contidas neste decreto-lei, sobretudo em relação à comissão directiva e à sua composição, embora a outros aspectos também.
Aliás, o Sr. Secretário de Estado sabe que foi por proposta destas câmaras municipais e por pressão desses autarcas que a área de protecção foi criada; sabe também que eles defenderam sempre, mesmo antes do Governo, a protecção daquela zona e, hoje, são confrontados com a ineficácia, por um lado, destas medidas, e, por outro, com espartilhos e com a usurpação de competências do poder local.
Não venha, portanto, dizer, Sr. Secretário de Estado, que os autarcas até estão representados na comissão directiva, pois sabe que são apenas quatro elementos em dez, e sabe igualmente que inscreveu um artigo no decreto-lei que diz "que as decisões só podem ser tomadas

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por maioria de seis elementos», o que vai contra a generalidade dos casos, em que estas decisões que são tomadas por maioria simples. Ora, neste caso, o senhor teve necessidade de inscrever isto no diploma porque seis é exactamente o número de representantes do poder central!
Então, Sr. Secretário de Estado, o que é que o senhor pretende das autarquias? Que elas façam o que o poder central decide? Que não tenham em conta as suas competências, nomeadamente em termos de planeamento? O caso de Sines é paradigmático do que se está a passar.
Mas, Sr. Secretário de Estado, como vai ser resolvido o problema do financiamento desta zona? Quando sai a regulamentação que está prevista no decreto-lei, que data de há ano e meio?
Sobre a questão do navio Marão, o Sr. Secretário de Estado devia ser mais preciso e não vir para aqui dar lições aos deputados, porque o senhor sabe que está em dívida para com a Assembleia da República, pois não deu resposta ao relatório que a comissão parlamentar lhe enviou sobre o problema das consequências da poluição do navio Marão.
Que responde V. Ex.ª a este conjunto de questões? Seja preciso, Sr. Secretário de Estado, porque os problemas de ambiente merecem que o senhor tenha mais cuidado com aquilo que diz na Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões colocadas, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De forma simples e rápida direi que o que se passa é que pensei que vinha aqui ouvir um pedido de mais meios para reforçar a protecção desta área e ninguém se referiu a isso, nem tenho presente que em qualquer dos últimos orçamentos aqui discutidos alguém tenha pedido mais meios para esta área, que vai do litoral de Sines ao litoral de Sagres, consagrada naquele decreto-lei.
Em segundo lugar, devo responder à Sr.ª Deputada Natália Correia que não tenho conhecimento de que naquele habitat de escarpas, que foram atingidas pela maré negra de Sines, habite alguma lontra.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Falei noutras coisas e não só nas lontras!

O Orador: - A menos que eu não tenha lido alguma publicação científica que seja do seu conhecimento.
Em relação a toda a sua competência nessa matéria, reconheço e agradeço tudo aquilo que disse e fico à espera de publicações suas que, nesta matéria, possam elucidar-me e aprofundar os meus conhecimentos.
Em relação ao que foi referido pela Sr.ª Deputada lida de Figueiredo, devo dizer-lhe que não tenho uma forma de pensar maniqueísta,...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Os senhores é que são maniqueístas, senão não faziam esta proposta de seis elementos!

O Orador: -... não penso que uns estão contra o ambiente e outros a favor, só por serem do poder central ou do poder local. Ora, o seu pensamento e raciocínio dão a entender que há autarcas que estão sempre do lado do ambiente e há representantes de direcções-gerais que estão sempre contra. Ora, se a forma de votação fosse a de maioria simples, automaticamente isto não batia certo, porque uns são os bons e outros são os maus.
Naturalmente que não penso assim, nem é essa a figura que está consagrada na legislação, mas sim uma figura institucional de um órgão que funciona acima dos partidos, acima das legislaturas e no interesse comum, que é o interesse do ambiente. É por isso que estou aqui, é por isso que trabalho e não por outro fim.
Relativamente aos aspectos que se prendem com os preconceitos em relação às autarquias, devo dizer que tenho a consciência tranquila em relação a essa matéria, porque fui autarca, coisa que talvez nem todos os Srs. Deputados tenham sido. É uma experiência enriquecedora e que me prezo de ter tido e, se for oportuno, gostaria de voltar repeti-la, porque acho que faz bem a toda a gente que participa na vida política democrática. É, enfim, uma experiência que vale a pena.
Em relação ao plano de ordenamento que deriva daquela figura legal, tem estado em elaboração progressiva com as autarquias e se não está pronto há mais tempo, é porque há planos directores e planos de ordenamento do litoral de alguns desses concelhos que têm aconselhado a que isso se faça em sintonia e que se mantenham timings articulados para que se façam as aprovações em simultâneo. É isto que está a ser feito em perfeita sintonia com as autarquias, independentemente das composições das suas vereações, e com os organismos da Administração Central. É isto que tenho a dizer!
Em relação às minhas dívidas para com a Assembleia da República, tenho a consciência tranquila, pois estive e estarei aqui as vezes que forem necessárias para defender o ambiente e não por qualquer outra razão.
Estive convosco em Agosto para falarmos do acidente que ocorreu em Sines e nessa ocasião disse que estava em curso um inquérito para o apuramento dos factos. Esses factos foram apurados; contudo, não fiquei de enviar a cada um dos Srs. Deputados qualquer relatório; de qualquer modo, garanto-lhe que amanhã a Sr.ª Deputada terá esse relatório, bem como qualquer outro deputado que o queira solicitar.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Espero que desta vez não se esqueça!

O Orador: - Portanto, em relação a este assunto a nossa acção é clara e não outra que não a que derive da protecção destes valores.
Tenho muito orgulho e prazer em dizer que tenho trabalhado em perfeita sintonia com essas autarquias, desde há vários anos; temos tido reuniões de per si e em conjunto, nas várias funções que tenho exercido na are: do ambiente, temos trabalhado em conjunto e temos pontos de entendimento e de consenso muito consideráveis, pelo que estranho tudo aquilo que aqui foi dito, pois nada tem a ver com esse meu contacto e com essa minha experiência de trabalho, que é de há muito tempo e que é claramente pelo ambiente - aliás, penso que continuará a ser, independentemente daquilo que aqui ouvi e daquilo que foi dito.
O decreto-lei a que V. Ex.ª fez referência tem-se mostrado válido, tem provado ser oportuno. Naturalmente sou sensível às opiniões, porque não sou estático ou burro mas, sim, aberto a inovações e à evolução das coisas portanto, penso que, oportunamente, esse diploma, ben

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como todos os outros, conhecerão as suas alterações que serão meticulosamente estudadas.
As autarquias e a comissão directiva têm toda a legitimidade para me proporem isso, ...

0 Sr. Ilda Figueiredo (PCP): - E os deputados também!

0 Orador:- ... sou um espírito aberto por natureza e aquilo que digo é claro e vou repeti-]o: as autarquias têm uma comissão directiva que trabalha comigo, pelo que estranho que, por uma razão de lealdade, de prática corrente de trabalho, não me tenha sido dado conhecimento daquilo que me parece ser legítimo e que eu o venha a conhecer de outra maneira.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Foram enviados ofícios aos serviços!

0 Orador: - É isto que sinto e que digo, sem qualquer repetição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

0 Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputado já não tem tempo para usar algumas das figuras regimentais, nomeadamente intervenção, pedido de esclarecimento, etc.. mas, a Sr." Deputada dirá para que efeito deseja usar da palavra,

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da minha honra Intelectual.

0 Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - 0 Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor disse, ironicamente, que estava à espera dos meus escritos sobre ecologia para reconhecer dos meus conhecimentos.
A isto respondo que não tenho feito outra coisa na minha obra poética senão manifestar preocupações ecológicas. 0 Sr. Secretário de Estado ignora-as, está no seu pleníssimo direito, mas isso não justifica, porém, que me insulte, reduzindo a minha cultura a leitora de capas de revistas ...
Essa afirmação guardo-a na minha memória cada vez que pensar no Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa dos Consumidores.

Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor.

0 Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor: - Sr. Presidente, vou dar algumas explicações, curtas mas, penso, necessárias.
Tenho a maior consideração intelectual pela Sr." Deputada Natália Correia, naturalmente não na condição de deputada mas na outra, que a cultura portuguesa conhece e se orgulha e na qual eu, Como português, também me revejo e orgulho. Tenho estudado e lido as suas obras e, embora não sendo perito na matéria, como sou português aberto à cultura prezo a sua figura intelectual e o contributo que tem dado à poesia em Portugal.

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15to é diferente daquilo que são os conhecimentos científicos em matéria do ambiente, embora o apelo filosófico e de reflexão que a sua poesia faz, naturalmente, tenha a ver com os direitos de cidadania, enfim, com este sentido cívico e solidário que é também a política de ambiente. 15so enriquece-nos e orgulha-nos a todos!
Porém, outra coisa diferente são os conhecimentos científicos dos habitat das espécies, do seu modo de vida, da sua reprodução e da sua biologia. Em relação a esta matéria, nomeadamente em relação às lontras, penso que foi veiculada, através de um semanário com alguma credibilidade, a ideia de que tinham desaparecido, em Sines, as últimas lontras da Europa. Ora, eu não vi maior asneira ecológica do que essa nas últimas publicações que tenho lido em Portugal sobre matéria de ambiente!
De facto, a referência que fez a este assunto deixou-mo preocupado, pelo que apenas quis esclarecer essa matéria sem que isso, de algum modo, seja um menor juízo do respeito que tenho por si, daquilo que disse sobre a sua figura intelectual em matéria de cultura portuguesa, pela qual, aliás, já tanto fez e certamente continuará a fazer.

A Sr., Natália Correia (PRD): - Mas eu não falei só das lontras1... 0 senhor "agarrou-se" tanto a isso que talvez queira oferecer-me um casaco de lontra...

Risos.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate das duas ratificações ao decreto-lei relativo à protecção da paisagem do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina. Este diploma baixa à comissão, bem como as propostas de alteração que foram apresentadas.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão das ratificações n.ºS 101/V, do PCP, ao Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro - Define o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação cientifica -, 102/V, do PCP, e 103/V, do PS, ambas ao Decreto-Lei n.º 409/89, de 18 de Novembro - Aprova a estrutura da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e estabelece as normas relativas ao seu estatuto remuneratório.

0 Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, dada a revelância do debate que agora se inicia, o adiantado da hora e as deficientes, digamos assim, condições para a realização deste debate, o meu grupo parlamentar propõe o seu adiamento para outra altura.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

0 Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, sei que a hora é tardia, que estamos cansados, extenuados do trabalho que aqui tivemos, mas a verdade é que o meu grupo parlamentar concordou com o PS em que fosse integrada na sessão de hoje uma matéria relativa à comemoração do 31 de Janeiro, sobre a qual tivemos aqui largos e brilhantes ensinamentos do Sr. Deputado Raul Rêgo, que veio prolongar indefinidamente os trabalhos.

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Foi, pois, a pedido do PS que se combinou que iríamos até ao fim destas matérias hoje e que admitimos que fosse intercalada uma questão que não estava agendada - com a qual gostosamente concordámos -, que foi a da comemoração do 31 de Janeiro, em que o Sr. Deputado Raul Rego, como já disse, nos deu uma brilhante lição histórica, embora tivéssemos combinado que as intervenções seriam de apenas um ou dois minutos cada.
Depois de tudo isto, obrigar os dois ilustres membros do Governo que aqui estão para intervir, além de um outro que tem de estar presente por obrigação própria do cargo que exerce - e está todo risonho a esta hora, vejam VV. Ex.ª como isto é possível!...
Bom, como estava a dizer, depois de isto tudo, não creio que seja razoável obrigar estes membros do Governo a vir cá outra vez quando podemos, com um pouco de sacrifício, acabar o debate. Proponho, pois, que continuemos os trabalhos.

Vozes do PSD: - Muito bem! Foi esse o consenso!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, embora não colocando em causa - antes pelo contrário, apoiando - o comentário que fez em relação aos Srs. Membros do Governo, quero apenas dizer, porque é verdade, que os membros do Governo chegaram um pouco mais tarde do que nós, que estamos aqui desde as 15 horas.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª perdoar-me-á, sou incapaz de contrariar o Presidente da Casa, mas quero anunciar, com toda a pompa e circunstância, que os Srs. Membros do Governo estavam no Gabinete do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares à espera que se esgotasse o período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Sei que é verdade, mas o ruído próprio da Sala também cansa...
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares

(Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, apenas para dizer que o Governo não foge às suas responsabilidades. Assim que foi solicitada a sua presença, veio para a Sala, tem estado disponível para discutir estes assuntos e continua disponível para continuar a discuti-los até ao encerramento da sessão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, só levantamos a questão dadas as deficientes condições de trabalho, mas o que está acordado está acordado e se o PSD e o Governo pensam continuar, nós cá estaremos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão das ratificações n.º 101, 102 e 103/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A elaboração de um estatuto remuneratório autónomo para a carreira docente corresponde a uma velha reivindicação dos professores.
Esta aspiração era justa e respeita à especificidade da função docente. Poderia o Governo ter resolvido isso há muito tempo; fê-lo só agora e por pressão contínua dos professores. Foram necessárias as mais contínuas greves na história dos professores e a coincidência de períodos eleitorais, sempre favoráveis a promessas e a alguns entendimentos, para que o Governo se decidisse. Contudo, o Governo ainda conseguiu separar o estatuto remuneratório do outro estatuto que consagra a carreira docente.
Entendemos que um não deve ser compreendido nem discutido sem o outro. Foi -devemos dizer - uma forma de tentar separar as discussões em tomo do que deve ser a carreira docente do ensino básico e secundário e as respectivas consequências materiais e humanas.
A remuneração tem de ser definida em função das responsabilidades, dos deveres e das exigências consagradas no estatuto da carreira docente. A hierarquização, a diferenciação remuneratória deve salvaguardar os objectivos da melhoria da qualidade do ensino. O estatuto renumeratório tem de reflectir, necessariamente, essas componentes; de outro modo, ninguém pode alimentar legítimas expectativas de qualidade de ensino.
A opção é clara para nós e dramaticamente simples: ou se rompe com a situação deplorável em que sobrevivem e trabalham os professores ou as gerações presentes renunciam a uma qualquer melhoria de qualidade do ensino.
É verdade que sem o esforço, sem o empenho dos professores não há qualidade de ensino. São os professores que podem antecipar e alargar o esforço de desenvolvimento de cada época. Sem que eles tenham condições suficientes não é possível exigir-se-lhes o cumprimento do seu dever; sem uma remuneração compatível, sem uma progressão justa e adequada na carreira que garanta a estabilidade social e económica, não se lhes pode exigir a responsabilidade activa na escola, perante os alunos, os pais e a comunidade.
Mas a criação das condições para a melhoria de qualidade do ensino não pode ser desligado das escolas e das outras condições de trabalho; daí, a importância em dever ter-se definido previamente o estatuto da carreira e só depois e consequentemente, se poderia ou deveria chegar ao estatuto renumeratório. Assim, a publicação do Decreto-Lei n.º 409/89 está desgarrada daquilo que consideramos o essencial; por isso é que contém alguns desajustamentos graves, com os quais não podemos concordar.
A diferenciação exagerada entre bacharéis e licenciados, a não contagem do tempo de serviço integral para ingresso nos novos escalões e o adiamento excessivamente dilatado para a entrada em vigor do estatuto são condições muito duras para os professores, não respeitam a exigência de melhoria da qualidade do exercício da função, o mesmo é dizer da melhoria da qualidade do ensino.
Deste modo, a própria equiparação prometida com a carreira técnica e técnica superior da função pública fica comprometida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não obstante o que dizemos sobre o decreto-lei em análise, pensamos que há condições para, na Comissão de Educação Ciência e Cultura, proceder-se aos ajustamentos necessários, por forma a permitir uma melhor adequação do estatuto ré-

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numeratório aos objectivos da melhoria da qualidade do ensino que todos pretendemos. Temos propostas para isso.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.

0 Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: os decretos-lei n.- 408/89 e 409/89, para os quais o Grupo Parlamentar do PCP requer a apreciação do Plenário da Assembleia da República, dizem respeito ao estatuto remuneratório dos docentes de todos os graus de ensino e do pessoal de investigação científica e à estrutura da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
A importância desta matéria para o desenvolvimento do nosso sistema educativo e na aplicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) é por demais evidente, mau grado a ribalta estar de luzes apagadas.
0 PCP, depois das propostas que apresentou na Comissão de Educação, Ciência e Cultura e no seguimento de iniciativas e proposta.,; apresentadas à Comissão de Economia, Finanças e Plano e após ter requerido a sua avocação a Plenário, aquando da discussão e aprovação do OE para o corrente ano, o Grupo Parlamentar do PCP, dizíamos nós, recorre agora à figura regimental e constitucional da ratificação, no sentido de introduzir alterações na especialidade aos dois referidos decretos-lei, capazes de minorarem os efeitos perniciosos para os professores, resultantes da sua aplicação.
Para os Srs. Deputados e Membros do Governo que possam estar mais esquecidos sobre o significado e importância destas matérias para os docentes portugueses, permitimo-nos relembrar as grandes lutas sociais que elas suscitaram no ano passado, nomeadamente a maior greve alguma vez realizada entre nós pelos professores. Convém também ter presente a invulgar unanimidade verificada entre os docentes e as suas organizações sindicais nas acções motivadas pelos conteúdos negativos dos diplomas em apreciação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao Decreto-Lei n.º 408/89, que viola frontalmente os princípios contidos na Lei n.º 7/87, aprovada por unanimidade nesta Assembleia, designadamente a equiparação do vencimento do professor catedrático em dedicação exclusiva ao do juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que seja alterado o ri.º 2 do artigo 6.0, no sentido de as novas grelhas salariais vigorarem somente até 30 de Junho próximo, o que pressupõe a abertura de' novo processo de negociação.
No que diz respeito ao Decreto-Lei n.º 409/89, as alterações propostas na especialidade são várias. Assim, propõe-se, no artigo V, a redução de um ano nos primeiro, segundo e terceiro escalões e de dois anos no nono; propormos a supressão pura e simples do artigo 10.º e no artigo 13.º, alínea n), propomos que em vez de ser sempre igual a 35 horas, seja igual, sim, igual ao número de horas da componente lectiva do professor. Por despacho, esta situação parece estar resolvida para o corrente ano. Mas para os anos seguintes como vai ser?
No artigo 21.º propomos que seja antecipada a entrada em vigor do novo sistema retributivo de Janeiro de 1991 para Julho de 1990. Nos artigos 24.1 e 25.1 propomos várias alterações com vista a garantir que no período de transição para o novo sistema seja contado o tempo integral de serviço de todos os docentes.

A contagem do tempo de serviço prevista no Decreto: n.º 409/89, nó sistema de transição (isto é, de fases para escalões), é questão central e inaceitável para a generalidade dos professores, quer do nível 3 (pré-escolar e primeiro ciclo do ensino básico), quer do nível 1 (segundo e terceiro ciclo do ensino básico e ensino secundário).
A partir do caso de um professor de nível 1 e que tivesse, admitamos, 19 anos de serviço, vamos exemplificar o que resulta da aplicação dos artigos 14.º e 15.º
Segundo decorre deste decreto-lei, este professor estava na 4.ª fase e passou para o 6.º escalão.
Mas, se a este mesmo professor fosse contado todo o tempo de serviço, de acordo com o artigo V, ele deveria ficar no 7.º escalão e já com dois anos de serviço prestado nele.
A não ser alterado, na especialidade, o esquema previsto no Decreto-Lei n.º 409/89, isso significará que aquele professor só em 1991 subirá ao 7.º escalão, quando deveria, nessa altura, estar a ascender ao V.
15to quer dizer que aquele docente perdeu, efectivamente, três anos de serviço para efeitos de progressão na carreira. É que o artigo 24.º não obvia a que tal injustiça abranja todos os professores do nível 1 e que estavam nas 1.a, 4.a, 5.ª e 6.ª fases.
Do mesmo modo, poderíamos fazer uma demonstração para os docentes do nível 3, onde só não serão prejudicados aqueles que tiverem 6 e 11 anos de serviço. Todos os restantes, isto é, a esmagadora maioria, também vão ser penalizados.
Este processo de contagem do tempo de serviço, gerador de situações injustas e discriminatórias no processo de transição, tem de ser modificado. É esse o sentido da nossa proposta.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 PCP. ao discutir esta matéria, está consciente de que o que está em jogo ultrapassa largamente o quadro de meras reivindicações salariais.
Trata-se, sim, da dignificação de toda a carreira docente. Trata-se de reconhecer e motivar os professores para a função insubstituível que ocupam no ensino, imprescindível para o desenvolvimento do sistema educativo e de Portugal.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

0 Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de nos debruçarmos sobre a substância da matéria, apresentada para ratificação pelo PCP e pelo PS, devemos declarar que só o impedimento legal que obriga à subscrição de 10 deputados nos inibiu de pedir também a ratificação do Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro, que define o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica, e do Decreto-Lei n.º 409/89, do mesmo dia, que aprova a estrutura da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e ensino básico e secundário e estabelece as normas relativas ao seu estatuto remuneratório.
A questão fundamental que está em jogo prende-se com a efectiva desvalorização da função docente que os diplomas normativos em questão consubstanciam.

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Francamente, não descortinamos os reais fundamentos que subjazem à intenção governamental da desvalorização social e profissional dos educadores, esquecendo, desprezivelmente, todo o trabalho realizado a montante e a jusante do acto pedagógico.
Através dos diplomas em análise, o Governo engrossa o lastimável número daqueles que pensam que a actividade docente se cinge à comunicação estrita com os alunos, através das aulas, esquecendo ainda que o processo ensino/aprendizagem possui especificidades bem diferentes de outra qualquer função.
Não se pretende que haja um tratamento de favor dos professores, apesar das características próprias da sua função, mas tão-somente que, no mínimo, se equipare a situação remuneratória do próprio docente a outras carreiras com habilitações de ingresso e exigências profissionais semelhantes no âmbito da função pública, o que, aliás, se verificava desde 1975.
Lembre-se, a propósito, que o preceituado nos diplomas em ratificação contraria os compromissos assumidos pelo Governo. Talvez o receio, justificado aliás, de um revés nas eleições para o Parlamento Europeu tenha conduzido à aceitação do direito dos professores no caso do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário a vencimentos iguais, no início e no fim da carreira, aos das carreiras técnicas e técnica superior, admitindo-se um regime de faseamento de encargos. Passada a frustada expectativa, decidiu o Governo apresentar, em Setembro passado, uma proposta de faseamento que desfavorecia nitidamente os professores em relação aos técnicos e técnicos superiores do Estado em igualdade de circunstâncias.
A aproximação de novas eleições - sempre o processo eleitoral a presidir! - levou o Governo a aprovar o Decreto-Lei n.º 409/89, que constitui manifestamente uma forma completamente desajustada de resolver o problema.
Mais uma vez, o Governo manifestou uma grande inabilidade, saindo mesmo o tiro pela culatra, ficando o novo regime remuneratório dos professores aquém das expectativas e das exigências da classe.
Lembre-se ainda, a talhe de foice, que os custos financeiros do novo sistema retributivo ficam muito aquém dos 40 milhões de contos que o Primeiro-Ministro anunciou para 1990.
Importa também referir que, por exemplo, o caso do Decreto-Lei n.º 409/89, em ratificação, desrespeita as recomendações internacionais relativas ao tempo de duração necessário para a chegada ao topo da carreira.
Por outro lado, o Governo não cumpre também a contagem de tempo de serviço no que diz respeito aos professores próximos da aposentação, pois só lhes permite o cálculo da pensão sobre a remuneração correspondente ao escalão imediatamente superior ao da integração quando, de facto, se houvesse respeito pela contagem integral do serviço prestado, eles deveriam ser aposentados pelo topo da carreira.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cremos que as reservas colocadas são mais do que suficientes para justificar o nosso voto contra a ratificação dos Decretos-Leis n.ºs. 408/89 e 409/89.
Tudo o que, na prática, deprecia a função docente, tudo o que desrespeita o agente fundamental do processo educativo deve ser, pura e simplesmente, recusado.
Lamentavelmente, os avanços e os receios do Governo, nesta matéria, ao sabor dos humores - e maus
humores - eleitorais ou, melhor, das venturas e desventuras do partido que apoia o Governo, só têm prejudicado quem devia merecer mais respeito de quem governa ou devia governar.
Como somos homens de fé e de boa-fé, esperamos que o bom senso impere e que se encontrem as soluções que correspondam aos compromissos assumidos para bem dos professores e dos alunos, que é o mesmo que dizer para bem de toda a comunidade, porque é conhecido e reconhecido que sem uma educação, uma boa educação, não são possíveis nem a modernidade nem o desenvolvimento.
Sem educação, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não há futuro para Portugal!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Carmine.

O Sr. Henrique Carmine (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS, ao chamar o Decreto-Lei n.º 409/89, de 18 de Novembro, a ratificação, funda-se no desacordo em relação à remuneração dos docentes.
Com efeito, o decreto-lei separa os bacharéis dos licenciados por um período de seis anos, quando as formações se distanciam apenas por dois anos; não salvaguarda o acesso à carreira para os professores efectivos de nomeação provisória; desvaloriza a profissão docente em relação a outras carreiras e profissões; e, mais gritantemente, recusa a contagem integral do tempo de serviço prestado para efeitos de integração na nova carreira.
Ora, o estatuto remuneratório da carreira docente deve assegurar aos docentes uma situação profissional justa, caracterizada pela sua segurança, para que a escola deixe de ser um local de frustrações e desencanto e passe a ser emprego a tempo inteiro.
O Governo diz que considera a educação «uma prioridade nacional». É tempo, também, de o Governo entender que bons professores, estimulados no exercício da sua profissão, são indispensáveis para a reforma e melhoria do ensino.
Para se evitar a fuga de muitos docentes à procura de duplo emprego e de situações afins, urge, pois, revalorizar materialmente a profissão de professor como factor decisivo para a renovação da escola do 1.º ciclo e não lesar direitos adquiridos.
Mas analisando em pormenor o Decreto-Lei n.º 409/89, nos seus artigos 7.º e 8.º, onde se estabelecem os escalões de ingresso e a respectiva duração, a discriminação de seis anos de carreira entre bacharéis e licenciados é inaceitável.
Propomos que esta diferença baixe para três anos, com o ingresso directo no 2.º escalão dos professores bacharéis profissionalizados, ingressando os docentes contratados profissionalizados no 1.º escalão.
É, de facto, incompreensível que o Governo proponha uma diferença tão acentuada, no momento em que as formações iniciais se aproximam cada vez mais.
No artigo 14.º, o Governo, ao recusar a contagem integral e imediata de todo o tempo de serviço prestado para integração nos escalões do novo sistema retributivo, incorre numa atitude injusta e imoral: milhares e milhares de docentes andaram a trabalhar durante anos em vão, pois foram integrados no escalão correspondente à fase em que se encontravam - como resultado desta medida discriminatória todos perderão tempo de serviço.

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No artigo 20.º, o pessoal docente contratado (caso dos professores do ensino pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico) é portador de uma profissionalização adquirida especificamente para o ensino e é lhe negada uma situação profissional justa.
No artigo 24.º, o Governo não considera a contagem integral do tempo de serviço docente, o que é manifestamente uma grave violação dos direitos e das expectativas de quem, devotadamente, se dedicou, ao longo dos anos, a esta profissão ingrata.
0 PS, reconhecendo a justeza da contagem integral do tempo de serviço para integração nos escalões, propõe que este ponto seja consagrado no decreto-lei em análise.
De outro modo, por exemplo, para um professor com 10 anos de serviço a proposta do Governo é: 10 anos 2.ª fase, atinge o 2.1 escalão; a proposta do PS: 10 anos-2.ª fase, ingressa no 3.º escalão.
Assim, verifica-se que na proposta do Governo não são contados quatro anos de serviço prestado na docência, pelo que há pouco referi: serviço em vão.
Para outro docente com 15 anos de serviço em Outubro de 1989, temos na proposta do Governo: 15 anos - 3.11 fase, neste momento é integrado no 3.º escalão; na nossa proposta, contando integralmente o tempo de serviço, 15 anos -3.ª fase, passa automaticamente para o 4.º escalão.
0 Decreto-Lei ri.º 409/89 poderia ser globalmente aceitável se não penalizasse os bacharéis em relação aos licenciados, nem penalizasse os docentes com muitos anos de serviço em prol da educação e muitos deles, isolados e afastados dos centros de cultura, diariamente, efectuam deslocações de dezenas e centenas de quilómetros das suas residências para as escolas, sem terem ajudas de custo e com grandes carências (falta de material didáctico, mobiliário obsoleto e degradado, instalações sanitárias inexistentes muitas delas são ao ar livre, ao vento, à chuva e ao sol -, falta de espaços livres e outras coisas mais!...).
Os professores, a leccionar nestas condições e abandonados a si mesmo, só com muita imaginação, talento e sacrifício vão tentando remediar as situações que se lhes deparam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os educadores merecem de todos nós um grande apreço e respeito. E por que não a nossa homenagem, se consagrássemos já hoje, aqui e agora, a contagem integral de todo o tempo de serviço prestado para a sua integração nos escalões?!
Seria um passo significativo da nossa consideração e do nosso contributo para a dignificação da função docente.
Entendemos que a nossa qualidade média do ensino, em geral, é baixa.
Entendemos que é deficiente a formação dos professores.
Com estas propostas não queremos apenas ir ao encontro da mitologia dos direitos, queremos ter autoridade moral e que o Estado tenha autoridade moral para exigir o cumprimento dos deveres.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa.

A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa (15abel Corte Real):Sr. Presidente,

Srs. Deputados: As questões que se colocaram aqui quanto ao Decreto-Lei n.º 409/89, de 18 de Novembro, respeitam essencialmente a quatro pontos: ao enquadramento das soluções estatutárias e salariais do novo sistema retributivo dos docentes; às características próprias da carreira docente; às principais inovações e fundamentos que o novo sistema retributivo introduz quanto à carreira docente, e ao processo de concertação sindical.
Recordaria que a comissão para o estudo do sistema retributivo da função pública foi criada por iniciativa do Governo. Os trabalhos desta comisso antecederam a aprovação do novo sistema retributivo e esta comissão recomendou ao Governo a criação de corpos especiais para grupos profissionais específicos, cujas regras estatutárias e salariais já vinham sendo apoiadas em soluções próprias que se afastavam do regime geral.
Estes corpos especiais teriam, fundamentalmente, escalas salariais próprias e independentes, e entre estes grupos profissionais encontra-se elencado o dos docentes dos diferentes níveis de ensino.
0 Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, aprovado ao abrigo de autorização legislativa e o objecto de concertação e acordo, pela primeira vez na história recente da Administração Pública portuguesa, com todas as organizações representativas dos trabalhadores da função pública, deu pleno acolhimento a esta recomendação. Assim, no citado diploma refere-se a criação do corpo especial dos docentes.
As características próprias da carreira vinham sendo reconhecidas por diplomas avulsos e dispersos, havendo um conjunto de direitos e deveres de natureza estatutária que o Ministério da Educação recolheu e sistematizou num projecto de estatuto, cuja discussão com as organizações representativas dos professores antecedeu a do sistema retributivo. A carreira docente tem tido sempre uma feição própria, proveniente em grande parte do número de efectivos envolvidos e de um complexo sistema de colocação, de gestão e de especiais condições de trabalho.
Por outro lado, tem-se desenvolvido no âmbito da classe docente uma- padronização das carreiras, a apropriação de princípios tendentes à construção de uma carreira única, a regras de promoção que funcionam de algum modo com grau de automatismo, fundamentalmente pelo decurso do tempo e experiência adquirida. Estas características têm eliminado a realização de selecções intermédias, sendo os efectivos por categoria indiciadores do grau de padronização atingido na carreira.
0 Decreto-Lei n.º 409/89 reconheceu as características da função docente, mas instituiu, porém, as seguintes principais inovações: a construção de uma carreira única para todos os docentes, independentemente do grau de ensino que ministram; a existência de uma escala salarial de índices própria para a carreira única, integrando 10 posições salariais diferenciadas, as quais se alcançam por experiência e mérito no exercício das respectivas funções docentes e cujos valores remuneratórios de início e de fim de carreira serão, a partir de 1992, equiparados aos valores retributivos de outros grupos da função pública que integram exigências habilitacionais paralelas, mas cujo estatuto é bem diverso; o faseamento para as valorizações retributivas deste grupo de cerca de 130 000 profissionais, considerando, por um lado, a necessidade de gradualizar o impacte financeiro dos acréscimos salariais no Orçamento do Estado em consonância com os

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parâmetros enquadradores desta reforma - e, por outro lado, de acompanhar a implementação das substanciais mudanças estatutárias, que visam recompensar o mérito e empenhamento dos docentes, com repercussões na dignificação da respectiva carreira. Foi também operada a valorização social da função docente, traduzida num acréscimo na ordem dos 41% do ingresso e dos 82% no topo, a atingir faseadamente até ao ano de 1992. Foi definido ainda um período transitório, proporcionando as novas remunerações acréscimos a partir de Outubro de 1989 situados entre os 21 % e 36,7 %. Estabeleceram-se ainda novos acréscimos para o ano de 1991, a aditar à actualização salarial geral anual da função pública.
Procurando minimizar os efeitos de uma mudança, que carece de ser a prazo, estabeleceram-se também medidas de salvaguarda da situação dos professores próximos da aposentação, viabilizando o cálculo da pensão de aposentação por uma remuneração de valor superior. Atenta ainda a especificidade da carreira docente, que se vinha desenvolvendo pelo mero decurso do tempo, sem qualquer exigência de avaliação, salvaguardou-se parte do tempo prestado na anterior situação como se na nova escala salarial se tivesse passado.
O novo sistema retributivo dos docentes foi antecedido de múltiplas negociações, conduzidas no Ministério da Educação, sobre o estatuto da carreira durante quase dois anos e de conversações e negociações sobre a matéria salarial que se estenderam por um período de cinco meses no seu todo.
O processo de concertação desenvolveu-se em cinco mesas negociais, não foi fácil nem sempre isento de conflitos, saldando-se o resultado final da negociação pela assinatura de uma acta de acordo com o SINAP e de actas que expressaram consensos, reticências e discordâncias, em maior ou menor grau, com outras organizações representativas dos professores.
O cerne destas discordâncias consistiu, fundamentalmente, nas soluções salariais adoptadas durante o período de faseamento para pleno funcionamento do sistema em 1992. Por parte do Governo cumpriram-se todas as etapas legislativas, exploraram-se as vias de solução possíveis, podendo afirmar-se que as discordâncias não tiveram por base filosofias diferenciadas, sendo antes o faseamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 409/89, ditado por preocupações de equilíbrio financeiro e orçamental e de repartição equitativa das verbas disponíveis.
Reitera, assim, o Governo o seu empenhamento e esforço na melhoria das condições de vida dos docentes, cuja missão é fundamental para o aprofundamento da educação no País. Todavia, as soluções têm de ser encontradas em planos de bom senso e razoabilidade, por forma a não fazer perigar os equilíbrios económicos e sociais que uma mudança tão profunda como esta reforma exige.
Como nota final, refira-se ainda a vastidão da reforma estrutural onde se insere o novo sistema retributivo dos docentes. Partindo de um sistema reconhecidamente obsoleto, opaco, incoerente, iníquo e desactualizado, com mais de 50 anos (nos termos do próprio diagnóstico produzido pela comissão do sistema retributivo), o Governo tomou sobre si a difícil tarefa de reformular área Lao sensível quanto esta, desenvolvendo um processo de diálogo que deu lugar a mais de duas centenas de reuniões no período de um ano, investindo fortemente nos recursos humanos da função pública.
No cumprimento do seu programa, o Governo aposta numa Administração capaz de recrutar, manter e desenvolver os meios humanos necessários ao cumprimento das suas nobres e importantes missões de serviço do público.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.

O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa, ouvi com a atenção devida a sua intervenção. Tentou sintetizar o que dissemos nas nossas intervenções, mas deu a impressão de que falámos de «alhos» e a Sr.ª Secretária respondeu a «bugalhos».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De facto, a peça vinha bem preparada, mas não tinha a ver com o que temos estado a falar aqui.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se fosse professora estava chumbada, porque os alunos questionaram-na numa coisa e a senhora respondeu a outra.

Risos do PCP e do PS.

Felizmente para a senhora, não é professora!

Sr.ª Secretária de Estado, V. Ex.ª falou em reconsenso, em razoabilidade, em razões orçamentais, que foi o que faltou nisto.
Onde é que está o consenso? Com que organizações? Com que professores? Onde está a razoabilidade orçamental, quando se aumentam em 56% os salários dos vossos cargos políticos? Onde é que está a razoabilidade?
Quer dizer, para os professores degrada-se, degrada-se, degrada-se..., é a política do antigamente; para outros é o «regabofe» orçamental.
Sr.ª Secretária de Estado, das questões que lhe coloquei volto a colocar-lhe duas. Pergunto, em relação ao artigo 13.º, sobre o cálculo da remuneração horária normal, o que vai acontecer nos anos vindouros? Penso que o Sr. Secretário de Estado Adjunto irá responder, mas estou a colocar a pergunta à Sr.ª Secretária de Estado.
A outra questão é relativa à contagem do tempo de serviço. Esta é a questão central, sobre a qual também nada disse. No entanto, Sr.ª Secretária de Estado, estando em preparação, por exemplo, o II Congresso dos Professores do Centro, podemos dizer-lhe, pelos questionários que estão a ser feitos neste momento e pelas amostragens já recolhidas, que já são significativas, pelos vários graus de ensino, pelas várias zonas da Região Centro e pelos professores sindicalizados ou não, que, de facto, em relação à questão da contagem do tempo de serviço, posso garantir que 95,5 % dos professores consideram inaceitável e iníquo este processo. Quer dizer, há unanimidade dos professores em relação a isto.
Pensei que a Sr.ª Secretária de Estado nos viesse dar as boas novas das resoluções do Conselho de Ministros de quinta-feira passada, mas, pelos vistos, é o Sr. Secretário de Estado Adjunto que nos vai dar essa boa nova. Aliás, não sei se traz boas ou más novas, mas, se a boa nova é a que anunciavam, só no ano 2000 é que os professores vão recuperar os tais três anos de serviço que

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agora perdem. Se assim é, Sr. Secretário de Estado Adjunto, não venha com essa boa nova. Se a boa nova não é outra, essa é velha e revelha e não serve.
Todavia, Sr.ª Secretária de Estado, pergunto: como é que vamos resolver a contagem de tempo de serviço?
Alguns serão lesados e outros não. A lei 6 discriminatória neste aspe
cto.
Como é que vamos sair deste impasse, Sr.ª Secretária de Estado? Como é que vamos mobilizar os nossos docentes para a reforma do sistema educativo? E anda sempre o Sr. Ministro Roberto Carneiro a verter «lágrimas de crocodilo» em relação ao estatuto dos professores que está mais desvalorizado do que há 20 anos atrás...

O Sr. Alberto Martins (PS): - «Lágrimas de carneiro!»

O Orador: - Pêlos vistos, «lágrimas de carneiro», neste caso.

Os professores esperam mais respostas concretas e é lamentável que a bancada do PSD não tenha intervindo nesta matéria.
Penso, no entanto, Sr.ª Secretária de Estado, que temos condições para, nestes aspectos mais gravosos, tal como o da contagem do tempo de serviço, encontrar consensos.

O Sr. Pressente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga, mas informo-o de que o PS não dispõe de tempo.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, não sei se é regimental, mas falei com o Sr. Deputado Herculano Pombo e ele disse-me que, se fosse necessário, nos cederia algum tempo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, dispenso algum, não só ao PS como ao Governo.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr.ª Secretária de Estado, em abstracto, estamos de acordo com o que aqui disse. É que V. Ex.ª colocou as questões em abstracto e não no concreto.
Tendo começado a, intervenção por enquadrar - e muito bem!- em quatro lemas as questões que aqui foram colocadas, acabou por não focar nenhuma em particular e por não nos dizer rigorosamente nada em relação ao que aqui foi referido. Ora, não podemos estar aqui a fazer uma discussão no abstracto.
Mas, tal como diz a esposa do Sr. Primeiro-Ministro, eu direi que isto é, de facto, difícil, não é fácil.
Pergunto: considera ou não a contagem do tempo de serviço dos professores altamente lesiva dos seus interesses? Como é que se pode conquistar Professores para uma reforma - que se quer em curso e eficaz -, quando, «no novo escalonamento da carreira, lhes são tirados anos de serviço? Como é possível dizer, como a Sr.ª Secretária de Estado referiu, que ainda contava algum tempo do anterior, como se fosse possível deitar fora, deitar para o caixote do lixo, sem mais, anos de sacrifício, abnegação e de mau tratamento que, em Portugal, os professores têm recebido ao longo da história?
São questões em relação às quais gostaríamos de obter resposta.
Por outro lado, a Sr.ª Secretária de Estado acha bem a separação, tão profunda, entre bacharéis e licenciados, quando, em toda a Europa, se caminha para uma formação inicial única, igual para todos? Acha bem que haja um tão grande fosso de separação de vencimentos e de participação na carreira? Considera isso um consenso obtido com as organizações representativas dos professores?
Devo dizer-lhe, Sr.ª Secretária de Estado, que não pretendemos fazer uma reivindicação salarial ou sindical. A nossa perspectiva é de enquadramento da qualidade do ensino, a qual tem de começar por ser uma prioridade do Governo. Ora, essa prioridade não pode acontecer se não se valorizarem, definitivamente, os professores.
É verdade que os professores foram considerados um corpo especial. Aliás, teria de ser assim, pois de outro modo os professores não poderiam ser enquadrados numa reforma que se quer eficaz.
Sintetizando - para não abusar do tempo que me foi cedido -, gostaria de dizer que, no abstracto, estamos de acordo com o que a Sr.ª Secretária de Estado disse, mas, passando às questões concretas, passando à prática, de forma alguma podemos estar de acordo, porque não é posto em prática o espírito de valorização que referiram. Aliás, todos os membros do Ministério falam em valorização dos professores, da carreira docente, do .sistema educativo, mas só em termos teóricos, porque, na prática, vêm com as reduções orçamentais, com o problemas dos equilíbrios financeiros e orçamentais, quando esta questão não pode ser colocada dessa maneira.
Se a sociedade portuguesa não define, de uma vez por todas, a importância da educação e não decide investir com custos definitivos, que poderão ser de outras áreas, perdemos a batalha do desenvolvimento, perdemos a batalha do futuro. Isto porque não há conhecimento, não há desenvolvimento, não há investigação, não há uma sociedade desenvolvida, sem que a educação esteja, de facto, a acompanhar os tempos e, modernamente, a levar os Portugueses para o conhecimento, que é a mesma coisa que desenvolvimento.
Não há desenvolvimento sem uma boa educação!
A nossa perspectiva é essa e não a sindical. A nossa perspectiva visa conquistar os professores para o sistema e para a qualidade do ensino e a Sr.ª Secretária de Estado acha que esses «consensos», tendo em conta o mercantilismo economicista de equilíbrios orçamentais, são suficientes para justificar descontos arbitrários e imorais de tempo de serviço e a separação de carreiras, «consensos» esses que, na nossa opinião, não podem merecer o nosso acordo e o nosso consenso.
Por isso lhe coloco estas questões, para ver se agora descemos um pouco à realidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa.
A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa: - Sr. Presidente, gostaria de dizer duas ou três coisas e vou tentar ser muito breve.
Falei das características próprias da carreira docente, as quais acabam por se traduzir em três ou quatro pontos relativamente fáceis de explicitar.

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Em primeiro lugar, são muitos os efectivos; em segundo lugar, trata-se de uma carreira que tem uma gestão fortemente centralizada, padronizada, o que significa que os docentes têm, ao longo da sua carreira, relativamente a cada uma das fases ou novos escalões, percentagens que extravasam em muito as dos restantes grupos profissionais.
A título de exemplo, direi que, em relação ao total dos efectivos, a 6.º fase dos educadores pré-escolares e primários tem 23,1 % e que a 6.º fase do ensino secundário tem cerca de 10 %.
Em relação a outras carreiras, os efectivos, nos topos das respectivas carreiras, são habitualmente de l%, 2% e 3%.
Em segundo lugar, os professores têm condições específicas de trabalho e não estou a dizer que a solução da padronização da carreira não é boa. Longe de mim dizê-lo, porque penso que os grupos se vão organizando de acordo com as necessidades de prestação de serviço - e devo dizer que o próprio Ministério da Educação há muito que fez opções dessa natureza.
O problema que se coloca, quando se fala em questões orçamentais, é que as reformas têm de ser possíveis.
Um grande escritor português, José Rodrigues Migueis, escreveu, a certa altura, em jeito de desabafo, no prefácio de um dos seus livros, que está cansado dos portugueses que admiram poetas suicidas e que desejam reformas impossíveis.
O Governo colocou-se na perspectiva de uma reforma possível e, ao fazê-lo, teve que agarrar os dois lados do mesmo problema: por um lado, viabilizar um forte investimento nos recursos humanos, que tem repercussões, em mais de meio milhão de pessoas, e, por outro lado, não deitar a perder uma oportunidade única de investir na Administração Pública para melhorar a máquina administrativa do Estado.
As questões de equilíbrios orçamentais não podem deixar de ser vistas com um critério de razoabilidade, porque elas dizem respeito a todos os portugueses e à vida de todos os cidadãos.
O que se fez e o que pareceu de bom senso foi não desvalorizar a função docente, reconhecendo-lhe a prazo toda a valorização que lhe diria respeito em virtude de ler qualificações similares a outros grupos de idênticas qualificações, mas com soluções estatutárias muito diferenciadas. É por isso que na tradição se garantiu entre 21% a 36% e é por isso que a prazo se garantiu 41%. O faseamento foi uma via para viabilizar algo que era muito difícil de realizar de outra forma.
Relativamente às duas questões que o Sr. Deputado colocou, ou seja, a da diferenciação na entrada e da contagem do tempo de serviço, sem prejuízo de algum esclarecimento adicional que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação entenda dever fazer, gostava de relembrar que o novo sistema retributivo é, fundamentalmente, um sistema salarial, pelo que não se mexeu no sistema de carreiras. Ora, ao não se mexer no sistema de carreiras teve-se a preocupação de garantir uma equidade entre grupos.
Porém, acontece que o sistema da função pública em matéria de carreiras repousa em níveis salariais, em exigências habilitacionais que significam diferenciação na entrada em bacharelato de licenciados em todos os grupos profissionais. A diferenciação que está prevista no Decreto-Lei n.º 409/89, está articulada com soluções que existem em outros grupos. A reforma do sistema retributivo teve preocupações de equidade entre os grupos, que não poderão ser esquecidas.
Finalmente, em relação à questão da contagem do tempo de serviço, lembro que o diploma enquadrador dessa matéria, emitido ao abrigo da autorização legislativa, diz que o tempo de serviço é todo contado para efeitos de promoção nas carreiras verticais e em termos a regulamentar para efeitos de progressão.
Por sua vez, o decreto-lei sobre o sistema retributivo dos docentes regulamenta alguma coisa em relação a esta matéria. Assim, o artigo 23.º refere que o tempo de serviço prestado na fase ou escalão de que o docente é titular conta como tempo de serviço prestado no escalão de integração para efeitos de progressão ao escalão seguinte. O artigo 24.º refere que aos docentes que em 30 de Setembro de 1989 tenham nas respectivas fases mais anos de serviço do que os que estão fixados para o escalão de transição ser-lhes-á contado, até ao limite de dois anos, esse tempo de serviço no escalão para o qual progridam, nos termos previstos no presente diploma.
Como os Srs. Deputados sabem, em relação a todo o sistema de transições do novo sistema retributivo houve que, transitoriamente, por razões ainda de constrangimento orçamental e financeiro, anular as antiguidades na categoria e na carreira. Ora, não foi isso que foi feito em relação aos docentes.
O sistema de fases é um sistema de ponderação de antiguidade e ao transitar este sistema para o de escalões continua a fazer-se a ponderação dessa mesma antiguidade. Por outro lado, ainda se credita algum tempo na situação anterior do escalão na nova carreira! Trata-se de uma solução diferenciadora, que procura reconhecer o peso que a antiguidade tem na carreira dos docentes, mas que não deixa de ser discriminatória em relação aos restantes grupos, onde, como se sabe, todas as antiguidades foram transitoriamente suprimidas.
Gostaria ainda de dizer que num sistema tão complexo e tão vasto quanto o da função pública é sempre muito difícil traçar a bissectriz entre todos estes grupos. Tem-me cabido essa tarefa, com algumas dores de cabeça, com alguma alegria e, sobretudo, com o espírito e a convicção de que estou a prestar um serviço à Administração Pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação (Alarcão Troni): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer ao Sr. Deputado Narana Coissoró a amabilidade de me conceder cinco minutos, o que creio que será suficiente para esclarecer a generalidade das questões suscitadas pelos Srs. Deputados António Braga, Marques Júnior e Vítor Costa.
Creio - e digo isto em plena consciência -, como Secretário de Estado da tutela de um processo convencional que demorou dois anos e que foi realizado pelo Governo com toda a disponibilidade e empenhamento, que é com grande paz de consciência e com grande tranquilidade que o Governo e a Nação Portuguesa se devem sentir honrados por este Decreto-Lei n.º 409/88, bem como pelo estatuto da carreira docente, que acabou de ser aprovado no Conselho de Ministros de quinta-feira passada.

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Pelo menos desde o início da década de 60 foi um sonho da classe docente portuguesa o seu estatuto da carreira docente. De 1960 a 1974, num período em que havia grande estabilidade política mas não havia liberdade, foi possível realizar esse sonho. 0 Ministro da Educação, muitas vezes, inclusive nesta Câmara, tem afirmado que na noite de 24 para 25 de Abril estava em casa do então ministro, Prof. Veiga Simão, a preparar o projecto de diploma legal que aprovaria o estatuto da carreira docente do então ensino primário e secundário. Efectivamente, em dois anos de negociação, com cinco mesas negociais em regime de grande disponibilidade, este país passou a contar com a revogação de uma selva legislativa em que nem o Governo nem os sindicatos, em consciência, sabiam o que estava ou não em vigor. Eram cerca de 25 diplomas legais, alguns datados de 1919, que são agora substituídos por um estatuto que é coerente, exigente, justo e que é virado para o futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1961, e para quem se interessa pelos temas da educação, a resolução OIT/UNESCO propunha aos seus países membros o estabelecimento de uma carreira única, pois Portugal é o único país da Comunidade Económica Europeia que, ao nível da contratação colectiva, estabeleceu na sua lei quadro da carreira docente uma carreira única. Apenas em Inglaterra -e devo dizer que em Inglaterra não há negociação colectiva, mas sim contratos individuais - haverá alguma coisa semelhante com uma carreira única.
Creio que apenas a satisfação do princípio da carreira única, se mais não houvesse num código profissional de 150 artigos, honraria este governo e este país, 0 documento de princípios qualitativos do estatuto da carreira docente -e permita-me, Sr. Deputado, pela muita consideração intelectual e amizade que tenho por V. Ex.º, que faça alguma blague - foi entregue no dia 31 de Março de 1988, quinta-feira santa, pelo Ministério da Educação, e a negociação foi terminada, por consenso, com quatro das mesas negociais e com um certo match nulo relativamente à quinta mesa negocial na semana do Natal de 1989. 0 Governo não negociou só com disponibilidade, mas também com paciência evangélica.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró,

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, não é propriamente para pedir esclarecimentos, mas sim para dar um esclarecimento. Quero apenas dizer que o tempo que cedi ao Sr. Secretário de Estado foi dado com muito prazer, atendendo até à minha formação de jurista. É que, naturalmente, o Sr. Secretário de Estado teria de se defender e não se pode negar o direito de defesa a quem o pede, ao contrário da atitude política do PSD, que, dispondo de 10 minutos, não foi capaz de lhe ceder um único minuto. Terá entendido, naturalmente, que neste debate o partido não deveria apoiar o Governo, porque isto não merecia defesa.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

0 Sr. Montalvão Machado (PSD): -0 Sr. Deputado Narana Coissoró já nos habituou a, de vez em quando,

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ter umas deselegâncias, que não lhe ficam bem nem a esta Casa. 0 Sr. Deputado está fartíssimo de saber, até pela sua experiência parlamentar e pelo conhecimento que tem das pessoas que aqui estão, que o grupo parlamentar do PSD cederia ao Governo, se este assim o tivesse pedido, o tempo de que dispusesse e de que não necessitasse (porque, se necessitasse do tempo, não o cederia).
Por conseguinte, seria absolutamente desnecessário que o Sr. Deputado Narana Coissoró, a esta hora e, naturalmente, por virtude do seu cansaço, tivesse proferido as palavras que proferiu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quero apenas referir que foi por graça e não por deselegância que eu disse aquilo que disse. Mas, já que o Sr. Deputado Montalvão Machado resolveu levar isto a sério, devo dizer que os factos são factos e eles são teimosos.

Risos do PS e do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.

0 Sr. Vítor Costa (PCP): - 0 Sr. Secretário de Estado parece, de facto, ter decorado bem a lição do Sr. Ministro. Estamos a discutir o Decreto-Lei n.º 409/89 e o Sr. Secretário de Estado vem falar-nos do estatuto da carreira docente que aprovaram na passada quinta-feira. Assim, de facto, não nos entendemos. 0 Sr. Secretário de Estado pode vir apresentar-nos grandes projectos para o futuro, mas nós estamos a discutir uma coisa muito concreta para os professores, que é o Decreto-Lei n.º 409/89 e a sua aplicação.
Tentei testar o Decreto-Lei n.º 409/89, aplicando-o ao exemplo concreto de um professor no nível 1 e com 19 anos de serviço e interrogando-me sobre o que lhe aconteceria face a esse diploma. Chego ' conclusão de que em 1991 ele teria perdido três anos de serviço ou, melhor, de que não lhe seriam contados esses três anos. Nem a Sr.ª Secretária de Estado nem o Sr. Secretário de Estado respondem a isto. A isto é que é importante responder!
Coloquei depois outra questão em relação ao tal n, que está resolvido para este ano. 0 que é que vai acontecer para os anos seguintes?
Não é o estatuto, mas este decreto-lei, que estamos a discutir. É que assim andamos aqui a fazer figura de parvos... Mas olhe que eu não ando!
Julguei, afinal, que a Sr.ª Secretária de Estado estivesse mais preocupada com razões orçamentais. Julguei que era uma questão de esbambeamento da vossa curva de Gauss, mas, pelos vistos, é de bissectriz. Fiquei mais esclarecido.

Risos do PCP e do PS.

0 Sr. Presidente: - Havendo mais pedidos de esclarecimento a formular, pergunto ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação se pretendem responder de imediato.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não quero

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propriamente responder. Não compreendi muito bem, aliás, como é que este pedido de esclarecimento se encadeou no normal curso dos trabalhos.
0 Governo dispõe ainda de cerca de dois minutos, não é assim Sr. Presidente?

0 Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Secretário de Estado.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Se assim não fosse, iria pedir tempo ao PSD. Certamente que não pediria outra vez ao CDS...

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que de bom grado lho daria!

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: -... mas sim ao PSD, para permitir que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação desse os esclarecimentos que lhe foram pedidos.
De qualquer forma, quero agradecer ao CDS a autocedência de tempo que fez sem ter sido requerida pelo Governo. V. Ex.,, como é evidente, tem uma consideração tão grande pelo Governo e pelo Ministério da Educação que não só não se atreveu a criticar fosse que medida fosse e a pôr-se do lado da outra oposição relativamente a esta matéria, o que foi relevantíssimo do nosso ponto de vista, como ainda nos cedeu, sem o termos pedido, algum tempo. Não é V. Ex.a, portanto, o indicado para dizer que a bancada do PSD aprovou ou não aprovou e criticou ou não criticou as medidas que agora se discutem.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Já responde pela bancada do PSD?!

0 Sr. Presidente: - Devo esclarecer, antes de mais, que há pouco o Sr. Deputado Narana Coissoró usou da palavra por a ter solicitado. A Mesa pensou que se trataria de um pedido de esclarecimento, mas acabou por verificar que não o foi. 0 Sr. Deputado tentou fazer como que uma interpelação à Mesa e foi apenas nesse quadro que lhe foi dada a palavra.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, como ainda disponho de tempo, gostaria de fazer uma intervenção de um minuto.

0 Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

0 Sr. António Braga (PS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação, fiz, no início da minha primeira intervenção, o elogio ao mérito da apresentação deste diploma, referindo que era uma aspiração velha e antiga dos professores e, portanto, isso implica, naturalmente, o reconhecimento de uma atitude positiva.

0 que quis focar, e creio que o Sr. Secretário de Estado colocou também a questão, foi que a ideia era colocar o estatuto da carreira docente ao lado do estatuto remuneratório. Percebo que foi uma dificuldade que o seu Ministério teve, concretamente V. Ex.ª e o Sr. Ministro da Educação, para lutar contra os mecanismos de prisão do Governo, em termos orçamentais, e esta foi a forma de, por um lado, resolverem a questão do estatuto remuneratório, com essa luta permanente com os homens do dinheiro e do Orçamento e, por outro lado, distinguir o Estatuto da Carreira Docente.
A consequência dessa separação foi a luta sindical, que ninguém pode negar que aconteceu, durante todo este tempo, pois a nossa perspectiva, aqui, continua a ser a mesma, não de reivindicação salarial, mas da consequência dos deveres e das exigências que o Estatuto da Carreira Docente deve ter.
Para haver qualidade de ensino tem de haver exigências ao nível da carreira docente, tem de haver exigências a cumprir, mas para que essas exigências possam ser cumpridas há que haver reflexos disso no estatuto remuneratório.
Não neguei a boa vontade, nem a boa intenção do Governo nessa matéria, o que quis dizer e salvaguardar para o próprio Ministério da Educação (esperava que o Sr. Secretário de Estado pudesse referir-se a isso) foram as dificuldades internas, que sei que existiram no Governo, pela luta entre o Estatuto da Carreira Docente e as implicações materiais que trazia no estatuto remuneratório, que trouxe estas consequências.
Sei que o Sr. Secretário de Estado tem formação científica e intelectual suficiente e conhece estas matérias para saber que uma coisa implica a outra. De outro modo, se houvesse um bom entendimento, digamos assim, um reconhecimento do Governo, em termos de remuneração, pela função docente, era concomitante a preparação de um estatuto com o outro, para que as implicações fossem permanentemente adequadas, mas isso foi o que não aconteceu.
No fundo, esta é uma grande questão, que sei que não dependeu directamente do Ministério da Educação resolver e que lhe trouxe alguns amargos de boca e algumas dificuldades. Porém, não podemos é negar a evidência do facto de a luta dos professores ter acontecido, em grande parte motivada por esta separação da elaboração dos dois estatutos.

0 Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação, tem a palavra para responder às questões colocadas.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação: - Sr. Deputado António Braga, levantou-me uma questão que penso que é mais de consciência do que financeira. 0 orçamento do Ministério da Educação para 1990 andará por volta dos 400 milhões de contos, o maior orçamento de sempre, correspondendo a massa salarial a cerca de 87 %, o que, num país que tem uma população activa de cerca de 4 milhões de pessoas, corresponde a um esforço, por parte de cada um de nós (meu, seu e dos 4 milhões de pessoas que são população activa deste país), de cerca de 100 contos por ano, sendo 87 contos respeitantes à massa salarial *
Penso, assim, que nenhum governo poderá, efectivamente, neste país, que não é a Suíça nem a Suécia, exigir mais como prioridade à educação, como esforço de uma geração e de uma década.

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31 DE JANEIRO DE 1990

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Sr. Deputado Vítor Costa, se V. Ex.ª diz que decorei o discurso do Ministro, agradeço-lhe o' elogio, porque, de facto, considero essa afirmação como um elogio, pois não é o discurso do Ministro, mas sim o discurso de prioridade deste governo.
Num país, em tempo de paz, a primeira prioridade é o investimento na sua Nação, nos seus cidadãos e nos seus recursos humanos, porque, efectivamente, o País está a investir o máximo possível, em termos de orçamento da educação.
V. Ex.ª pôs-me dois problemas concretos, a que vou responder, sendo o primeiro o da relevação do trabalho extraordinário e qual o critério de pagamento desse trabalho à classe docente, ou seja, qual a interpretação do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 409/89. Como sabe, pelo meu despacho de 19 de Dezembro, ou seja, por despacho emitido no dia em que terminou este processo de negociação, foi esclarecido que a primeira hora de trabalho extraordinário era, de facto, a primeira hora correspondente ao trabalho não lectivo, a 23.1 hora.
Sr. Deputado, se há matéria que, relativamente ao Estatuto da Carreira Docente -e permita-me que globalize -, tem de caber em matéria regulamentar, é o critério do cálculo das horas extraordinárias, pois penso que, quer este partido e este governo, quer qualquer outro, por um princípio de coerência e no domínio da mesma legislação, terão de decidir da mesma maneira. É por isso que o Sr. Deputado Narana Coissoró, o Sr. Deputado Montalvão Machado e eu próprio somos juristas.
Quanto à problemática da relevação do tempo de serviço, o Sr. Deputado Vítor Costa é um docente ilustre, é uma pessoa altamente alfabetizada e, consequentemente, sabe ler a resposta quanto à relevação do tempo de serviço numa reforma estrutural, ou seja, na passagem de um regime de fases a um regime de escalões, que é dada no Decreto-Lei n.º 409/89, mais precisamente pelos artigos 23.º e 24.1, nos precisos termos em que a minha colega Secretária de Estado da Modernização Administrativa os leu e no que tem de solidariedade do Ministério da Educação, que foi parte negocial com ela na feitura do Decreto-Lei n.º 409/89.
Relativamente ao critério da relevação do tempo de serviço prestado no regime das fases, o Estatuto da Carreira Docente, na sua matéria regulamentar, estabelecerá um critério e um calendário que ouvi criticar por algumas mesas negociadoras, mas que pelo menos em quatro vi aceitar. Foi apresentado com boa fé e com sensatez, o que foi reconhecido em sede de acta por todas as mesas negociadoras e penso que também é matéria que honra o Governo e as mesas que o negociaram, trazendo estabilidade e paz social às nossas escolas na década de 90.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares por me ter lembrado a grande consideração que tenho pelo Ministério da Educação. Tenho tanta admiração pelo Ministério da Educação como tenho pela Sr., Secretária de Estado da Modernização Administrativa, minha antiga e distinta aluna e hoje minha colega, a quem reconheço o grande esforço que vem fazendo no sentido da desburocratização e da modernização, embora haja muitos aspectos em que eu não

concorde, o que não invalida, de forma alguma, a minha amizade e consideração.
Porém, dizer que cedi o meu tempo por causa dessa consideração levanta-me um problema: aqueles que não deram o seu tempo têm realmente alguma coisa a ver com a consideração pelos membros do Governo presentes?

Risos.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está terminado o debate das ratificações n.º 101/V, 102/V e 1.03/V. Uma vez que há propostas de alteração relativamente aos dois decretos-leis, eles vão baixar à comissão respectiva, para apreciação na especialidade, como diz o Regimento.
A próxima sessão plenária terá lugar dia 1, quinta-feira, pelas 15 horas, e terá como ordem do dia a apreciação da proposta de lei n.º 119/V, sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal, do projecto de lei n.º 266/V, sobre protecção aos animais, e do projecto de lei n.º 300/V, sobre lei de bases de protecção aos animais não humanos.
Está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amândio Santa Cruz Basto Oliveira. António Augusto Lacerda de Queirós. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Caeiro da Mota Veiga. António Maria Pereira. Carlos Manuel Duarte Oliveira. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. Flausino José Perreira da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. João Álvaro Poças Santos. José de Almeida Cesário. José Assunção Marques. José Lapa Pessoa Paiva. José Manuel Rodrigues Casqueiro, Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida. Luís Amadeu Barradas do Amara]. Luís António Martins. Manuel João Vaz Freixo. Margarida Borges de Carvalho. Mário Ferreira Bastos Raposo. Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre. Rui Gomes da Silva Rui Manuel Almeida Mendes.

Partido Socialista (PS):

Elisa Maria Ramos Damião Vieira. José Barbosa Mota. Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral. José Manuel Santos Magalhães. Maria Odete Santos. Octávio Rodrigues Pato.

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I SÉRIE - NÚMERO 38

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

Deputados independentes:

Maria Helena Salema Roseta.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho. Amândio dos Anjos Gomes. Casimiro Gomes Pereira. Fernando Dias de Carvalho Conceição. Fernando Monteiro do Amaral. Joaquim Fernandes Marques. Joaquim Vilela de Araújo. José Augusto Santos Silva Marques. José Francisco Amaral. José Júlio Vieira Mesquita. José Mário Lemos Damião. Luís Filipe Meneses Lopes. Manuel da Costa Andrade. Manuel Ferreira Martins. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Manuel José Dias Soares Costa. Mário Jorge Belo Maciel. Pedro Manuel Cruz Roseta. Rui Manuel Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo. António José Sanches Esteves. António Poppe Lopes Cardoso. Armando António Martins Vara. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Natividade Costa Candal. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. Jorge Luís Costa Catarino. José Carlos P. Basto da Moia Torres. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira B. Sampaio. Mário Manuel Cal Brandão. Rui António Ferreira Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho. Domingos Abrantes Ferreira. José Manuel Antunes Mendes. Lino António Marques de Carvalho. Manuel Anastácio Filipe. Manuel Rogério Sousa Brito. Maria Luísa Amorim. Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.

Deputados independentes:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação,
relativa à proposta de lei n.º 126/V

Três razões fundamentais nos levaram a votar contra a proposta de lei n.º 126/V.
A primeira diz respeito à cooptação dos quatro elementos previstos na alínea d) do n.2 1 do artigo 9.º Além de não ter procurado rectificar a partidarização permitida pelo acordo celebrado entre o PSD e o PS, por ocasião da revisão constitucional, a proposta governamental acentua ainda mais esse erro. Ou seja: advoga-se, em determinado momento, a importância da interferência através do sistema de cooptação. A manter-se tal decisão, nascerá mal (muito mal mesmo) um órgão que, no dizer da própria Constituição, é criado para assegurar o direito à informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico.

A segunda razão do voto negativo tem a ver com a extinção do Conselho de Imprensa. E isto não apenas pela forma plural da sua composição ou pela dignidade da sua actuação ao longo dos quase 15 anos da sua existência, mas também porque a Alta Autoridade deixa fora de si questões tão importantes como a ética e a deontologia profissionais, sobretudo preocupante neste tempo de todas as privatizações e de quase todos os projectos em termos de rádio, jornais e televisão.
A terceira e última razão diz respeito às limitações impostas aos conselhos de redacção, a quem se retira alguns dos poucos poderes que ainda detêm. A ser aprovada a lei nos termos governamentalmente propostos, os jornalistas ver-se-ão, de facto, arredados de qualquer processo de fiscalização.

Refira-se, finalmente, que, depois disto, questões como as referentes às incompatibilidades dos membros eleitos para a Alta Autoridade e o seu modo de retribuição assumem importância menor.

Os Deputados: Alexandre Manuel (Indep.) - Natália Correia (PRD) - Marques Júnior (PRD) - Barbosa da Costa (PRD).

As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz - Maria Amélia Martins.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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