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Sábado, 24 de Fevereiro de 1990

I Série - Número 48

V LEGISLATURA

3ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE FEVEREIRO DE 1990

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira

Daniel Abílio Ferreira Bastos

S U M A R I O

0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na mesa do projecto de lei n.º 488/V (PCP).
Em sessão de perguntas ao Governo, usaram do palavra, além dos Srs. Ministros do Planeamento e da Adininisiração do Território (Valente de Oliveira) e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira AIarlins) e dos Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministério dos Assuntos Parlamentares (Car-

los Encarnação), dos Assuntos Fiscais (Oliveira e Costa), da Cultura (Santana Lopes), da Reforma Educativa (Pedra d'Orey da Cunha) e da Habitação e dos Transportes Interiores (Rui Vicente), os Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), Leonor Coutinho (PS), Rui Silva (PRD), Octávio Teixeira (PCP). Edite Estrela (PS). Lourdes IHspanhol (PCP) e Nogueira de Brito (CDS).
A Sr. ª Presidente encerrou a sessâo eram 13 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Adindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio idos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcínco António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evarísto de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.

ilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.

osé Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

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24 DE FEVEREIRO DE 1990

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Manuel Avelino. Alberto de Sousa Martins. António de Almeida Santos. António Carlos Ribeiro Campos. António Fernandes Silva Braga. António José Sanches Esteves. António Manuel Henriques de Oliveira. António Manuel de Oliveira Guterres. António Miguel de Morais Barreto. Armando António Martins Vara. Carlos Cardoso Lage, Carlos Manuel Luís. Edite Fátima Marreiros Estrela. Edmundo Pedro. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Maria Ramos Damião Vieira. Hélder Oliveira dos Santos Filipe. Helena de Meio Torres Marques. Henrique do Carmo Carminé. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Rosado Correia. João Rui Gaspar de Almeida. Jorge Lacão Costa. Jorge Luís Costa Catarino. José Apolinário Nunes Portada. José Barbosa Mota. José Carlos P. Basto da Mota Torres. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio Francisco Miranda Calha. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Laurentino José Castro Dias. Leonor Coutinho dos Santos. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Geordano dos Santos Covas. Manuel António dos Santos. Maria Teresa Santa Clara Gomes. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Mário Manuel Cal Brandão. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rui António Ferreira Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Rui Pedro Lopes Machado Ávila. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. António da Silva Mota. Apolónia Maria Pereira Teixeira. Carlos Alfredo Brito. Carlos Vítor e Baptista Costa. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. João Camilo Carvalhal Gonçalves, Joaquim António Rebocho Teixeira. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães. Júlio José Antunes. Luís Manuel Loureiro Roque. Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.

Manuel Anastácio Filipe. Manuel Rogério Sousa Brito. Maria de Lourdes Hespanhol. Maria Odete Santos. Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior. Hermínio Paiva Fernandes Martinho. José Carlos Pereira Lilaia. Rui José Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca. José Luís Nogueira de Brito. Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEPIPEV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputado independente:

Maria Helena Salema Roseta.

0 Sr. Secretário vai enunciar o diploma que deu entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa, foi admitido e baixou à competente comissão o projecto de lei n.º 488/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Ana Paula da Silva Coelho e outros, do PCP, que cria um novo regime de acesso ao ensino superior.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, iniciamos a nossa sessão de perguntas ao Governo com uma pergunta formulada pelo Partido Ecologista Os Verdes ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, sobre medidas de prevenção e combate aos fogos florestais para 1990.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

0 Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, se me permite, antes mesmo de formular a pergunta ao Sr. Ministro, gostaria de referir que, embora a pergunta tenha. sido formulada em nome do meu colega, o facto de nos ter sido indicado tardiamente qual era a pergunta a responder e a ausência do meu colega, que está a participar, em conjunto com os outros membros da Subcomissão de Ambiente, numa visita ao vaie do Douro, impediram-nos de comunicar a tempo que serei eu a formulá-la agora, o que, se o Sr. Presidente e o Sr. Ministro me permitem, farei de seguida.
Antes, porém, eu gostaria de suscitar outra questão, isto se o Sr. Presidente mo permite. Ela diz respeito ao seguinte: tenho sido sempre o primeiro a levantar as questões em sessões de perguntas ao Governo, facto que não mo incomoda, simplesmente, pressupõe-se que a ordem de resposta que nos é fornecida pelo Governo virá a ser seguida...
Por isso, eu gostaria de saber como é que é estabelecida a ordem das perguntas.

0 Sr. Presidente:- Sr. Deputado, normalmente os partidos dão à Mesa uma indicação das suas conve-

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niências e tem sido prática corrente da Mesa ajustar-lhes, às conveniências dos grupos parlamentares e às do Governo, a sequência das perguntas. A informação de que nós dispúnhamos era a de que, no interesse de todos, a primeira pergunta seria formulada pelo Partido Ecologista Os Verdes, concretamente pelo Sr. Deputado Herculano Pombo, ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
Tem sido esta, pois, a prática de ajustamento seguida, Sr. Deputado.
0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): -Sr. Presidente, se me dá licença, é só para dizer o seguinte: nós fizemos um pedido especial, que veiculei para a Mesa, no sentido de o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território ser o primeiro a responder aos Srs. Deputados. Portanto, não houve da nossa parte qualquer alteração sub-reptícia à eventual ordem de resposta às perguntas...
Sei que o Sr. Deputado Herculano Pombo está sempre pronto para fazer perguntas - aliás, outra coisa não seria de esperar!... Trata-se de uma pergunta importante, que, como é evidente, já foi feita várias vezes, mas que, de qualquer maneira, tem a sua perfeita actualidade.
Portanto, não vejo qualquer razão para se ver nesse nosso pedido de alteração da ordem de resposta qualquer estranheza .... do mesmo passo que alguns dos Srs. Deputados me fizeram pedidos para alterar a ordem das perguntas porque só cá poderiam estar a partir de, determinada hora! Penso que há, em relação a este assunto, toda a boa-fé da nossa parte e a única tentativa que fazemos é no sentido de todos os Srs. Deputados verem as suas perguntas respondidas de acordo com as suas pretensões.

0 Sr. Presidente: - Após este esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

0 Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Reportando-me à afirmação do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, trata-se, de facto, de uma pergunta que já tem sido colocada várias vezes mas também é facto que o País tem ardido várias vezes, pelo que se mantém a sua pertinência!
Sr. Ministro, coloco-lho a seguinte questão: o ano passado, por alturas do mês de Julho, no início da época de Verão, o Sr. primeiro-ministro disse, aquando da inauguração de um quartel de bombeiros concretamente em Ribeira de Pena, na Região Norte que a época de incêndios poderia ser bastante pior não tivessem sido as medidas que o Governo tinha tornado então. Apesar disso (eu não diria «por causa disso») e a partir das declarações do Sr. Ministro (talvez não haja uma relação causa/efeito), o País ardeu mais o ano passado do que alguma vez na sua história e podemos afirmar que aquilo que ardeu o ano passado ultrapassou em muito, quase no dobro, o ano catastrófico de 1975; são os dados de que dispomos, Sr. Ministro.
No ano passado chegou a atingir-se uma média de 300, 350 incêndios por dia durante a época dos incêndios florestais (entre Junho e Outubro). E unia média absolutamente fantástica, fabulosa, e não se poderá dizer que ela não foi prevista porque, como é sabido das

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estatísticas, existe uma espécie de fatalismo nos anos «ímpares»!... Sendo o ano de 1989 um ano ímpar, era previsível que o Governo, tendo disso conhecimento, tivesse tomado medidas.
Muito antes de o Sr. Primeiro-Ministro se ter vangloriado de as ter tomado - antes de o País arder -, o Sr. Ministro Silveira Godinho também nos tinha aqui garantido, em resposta a uma pergunta por mim colocada, que, finalmente, o Governo tinha agarrado o problema com ambas as mãos, tornando uma série de medidas que foram, entretanto, por ele enunciadas. Recordo que esta situação se passou o ano passado, sensivelmente por esta altura, a propósito da discussão do relatório da segurança interna na qual o Sr. Ministro da Administração Interna aqui enunciou uma série de medidas que iriam ser tomadas para o ano de 1989... Mas, enfim, penso que não vale a pena derramar lágrimas sobre os incêndios passados, visto que já estão todos apagados.
Agora vale a pena equacionar a situação deste ano, em pleno Inverno, como estamos, antes mesmo que chegue a Primavera, para que o País tenha conhecimento e para que possa (acreditando no Governo) descansar algo com as eventuais medidas que o Governo esteja a preparar.
A questão que se coloca é muito simples: é facto que este ano não é ímpar mas será certamente um ano ímpar em quantidade de mata que poderá vir a arder porque as condições meteorológicas do Inverno têm sido propícias ao desenvolvimento acelerado do sub-bosque, isto é, dos matos que constituem a matéria que arde. De facto, a humidade tem sido bastante elevada, tem havido um número de horas-luz superior ao normal (embora não esteja fora da normalidade), as temperaturas não têm sido baixas, pelo que há um desenvolvimento das plantas um pouco superior ao normal em períodos de Inverno, o que pressupõe que há muitas matas para arder por esse país fora no Verão que se aproxima.
Ora, como estamos preocupados com esta situação
alias, como todo o País está , fomos à procura, em documentos oficiais, de instrumentos de que o Governo se estivesse a servir, nomeadamente para prevenir as catástrofes desse ano, e, curiosamente, encontrámos no relatório «Ambiente/1989» um vazio total acerca da questão dos incêndios, o que não era natural nos outros relatórios dos anos anteriores; neste nada se diz sobre incêndios, isto, repito, no próprio ano em que o País ardeu mais do que já alguma vez tinha ardido.
Para 1990 não conseguimos encontrar medidas, a não ser nas Grandes Opções do Plano, que fazem referência, para 1990, à «promoção de uma política integrada de protecção e gestão da floresta visando a prevenção e o combate aos incêndios». Sabendo que se trata de uma Grande Opção do Plano especificada na lei que aqui foi aprovada e que a Lei de Bases do Ambiente diz claramente que um dos instrumentos da política de ambiente é o Sistema Nacional de Prevenção de Incêndios Florestais, pergunto-lhe, Sr. Ministro, como é que se vai fazer a prevenção dos incêndios para tentar evitar que este seja o ano mais catastrófico de todos, atendendo, também, às verbas exíguas que constam do Orçamento do Estado.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

0 Sr. Ministro do Planeamento e da Administração

Território (Valente de Oliveira): -Sr. Deputado

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24 DE 17 FEVEREIRO DE 1990

Herculano Pombo, vale a pena fazer uma pequena avaliação do passado para dizer o que é que se vai fazer este ano e para acalmar um pouco a inquietação em que o vejo.
Assim, devo dizer que em 1986 a catástrofe de incêndios florestais foi já tão grande que eu próprio dinamizei um grupo de trabalho constituído pelos Srs. Ministros da Administração Interna, da Agricultura, Pescas e Alimentação e da Indústria e Comércio no sentido de sugerir medidas e coordenar as acções contra os fogos florestais.
0 relatório foi elaborado, entregue no princípio de 1987 e, a partir dessa data, começou a dar-se sequência àquilo que pareciam ser as soluções mais eficazes.
Criou-se uma comissão nacional especializada em fogos florestais (a coordenação é uma pedra-de-toque de todas estas acções) e criaram-se as comissões especializadas de fogos florestais (as CEFF) -a nível concelhio e distrital -, que, de facto, permitiram sensibilizar muito as autarquias locais para um problema que, como disse, sazonalmente ataca o País mas em que as coisas melhoraram substancialmente.
Devo dizer também que não são correctos os números de que o Sr. Deputado dispõe, pelo que vale a pena dizer-lhe o que é que se passou: em 1986, arderam 68 000 ha; em 1987, arderam 74 000 ha; em 1988, arderam 10 500 ha (mas todas as pessoas se lembram do Verão húmido e chuvoso que então tivemos!...) e em 1989 arderam 55 000 ha de povoamentos florestais, valor este inferior aos registados em 1986 e 1987. Apesar de o número de incêndios (que rondaram os 17 000) ter sido muito maior, aquilo que é importante verificar é que a área ardida em média foi muito menor, o que significa que houve, efectivamente, uma eficácia muito grande no ataque ao fogo.
Não digo que tudo esteja certo, que tudo esteja correcto e a funcionar muito bem, mas digo-lhe que estamos, naturalmente, a acompanhar aquilo que irá para o quarto ano de funcionamento!... De qualquer das formas, gostava de dizer-lhe também que, o ano passado, as temperaturas foram, na Região Centro, as mais elevadas dos últimos 130 anos e que, em muitas áreas do País, foram as temperaturas mais elevadas dos últimos 70 anos, o que podia ter-se traduzido num desastre nacional; basta comparar a área ardida num ano normal (68 000 ha, 74 000 ha e 10 500 ha) com a do ano passado (55 000 lia) para se concluir que ela podia ter sido, efectivamente, três a quatro vezes superior se não fosse a eficácia das acções que se levaram a cabo.
Quais são essas acções? 0 que é que o grupo de trabalho sugeriu o em que é que nós vamos insistir? Bom na melhoria da rede de postos de vigia da direcção-geral das Florestas, no apoio às CEFF começámos por apoiar 20 CEFFs, mas no ano seguinte já tínhamos 80 ou 87...-; na sensibilização das populações. Há pouco, o Sr. Deputado perguntava: «Podem as populações estar descansadas?» As populações não podem estar descansadas! Sou eu e o Governo que o dizemos! E as populações não podem estar descansadas porque este é um assunto de sensibilização das populações, é um assunto em que elas próprias têm de estar vigilantes. efectivamente, as CEFF foram apoiadas, vão continuar a sê-lo e, este ano, vão ser ainda mais apoiadas para fazerem melhoramentos na rede viária de acesso às áreas florestais (nomeadamente, melhoramento de áreas) e para procederem à obtenção de pontos de água mais adequados. Mas, sobretudo, vão ser apoiadas medidas que têm a ver, localmente, com a melhoria dos acessos.

Reforçou-se a vigilância prestada pelo patrulhamento da Guarda Nacional Republicana, porque se revelou ser indispensável, e iniciou-se a elaboração de algumas coisas mais sofisticadas para mostrar às pessoas como é que se combatem os incêndios. Nesse sentido, mandámos elaborar um manual sobre o combate a incêndios que eu terei muito gosto em oferecer-lhe no final, Sr. Deputado!
Por outro lado, lançou-se nos órgãos de informação uma campanha para a sensibilização da opinião pública, a qual não é suficiente. De facto, em Portugal, apesar dos nossos esforços, a opinião pública não está suficientemente sensibilizada para as acções de protecção, de limpeza e de exploração das matas há muitos fogos fortuitos, há muitos fogos provocados por negligência... A opinião pública não está suficientemente alertada para a importância daquilo que deve estar.
Relativamente à sua questão sobre as verbas envolvidas, hoje não tenho tempo para referir-lhe muitas delas, mas, naturalmente, terei oportunidade de fazê-lo de outra maneira. De qualquer das formas, quero dizer-lhe que, as verbas têm crescido naquilo que vêm a ser as contribuições das indústrias de celulose.
Eu próprio já iniciei este ano novas acções para este efeito e vou alargar a base das contribuições voluntárias a outros empresários que vivem das florestas - aliás, tenho a impressão de que vamos continuar com esta acção em bons termos.
0 que é que vamos razão? Bom, como já disse, vamos dinamizar e apoiar as CEFF e vamos continuar a tentar a coordenação (consideramo-la o trabalho mais importante que fizemos) frente ao fogo, isto é, dizer quem é que comanda o ataque ao fogo quando estão várias corporações, vários serviços em presença, pois verificou-se ser este o ponto mais sensível.
Vai-nos, pois, prosseguir com a detecção e a vigilância dos fogos e com o alargamento e coordenação da base de investigação científica a este respeito-além da Universidade de Coimbra, já estão interessados nisto, neste momento, a Universidade de Trás-os-Montes, o Instituto Superior de Agronomia e a Universidade de Évora, no fundo todos aqueles que têm a ver com a floresta e com a protecção florestal.
Por outro lado, temos feito um enorme esforço na construção de pistas porque a vigilância, a detecção imediata, têm sido, naturalmente, o segredo de muitos dos ataques, mas gostaria de dizer-lhe que o nó fundamental de tudo isto está, efectivamente, na alteração do comportamento das populações, na sua sensibilização, porque se alguns incêndios florestais são criminosos (difícil é demonstração), a maior parte tem origem na incúria dos utilizadores da floresta, quer pela forma como conduzem a sua manutenção quer pelo uso que dela fazem (para os mais diversos fins).

0 Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo, a quem peço para ser mais breve do que na primeira parte.

0 Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, perdoar-nos-á a impertinência, mas, se calhar, é preferível perdermos agora mais três minutos do que perdermos depois 3 ha de mata...
Sr. Ministro, vivemos num país interessante onde quem tem números chama-lhes seus Os números de que disponho foram-me revelados pela Direcção-Geral das Florestas no final do ano passado.

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0 Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: -Os meus também!...

0 Orador: -E esses números apontam para 40 000 incêndios, o que é cerca do triplo dos valores que o Sr. Ministro aqui citou, e para cerca de 124 000 ha ardidos. Ora bem, não querendo discutir estes números com o Sr. Ministro, apenas quero lamentar e protestar pelo facto de eles ainda não terem sido fornecidos aos deputados e à opinião pública. Refiro-me aos números fidedignos, porque os últimos números oficiais de que dispomos referem-se ao ano de 1986, e estamos no ano de 1990!
Portanto, há aqui uma lacuna grave que deve ser corrigida e que tem a ver com o acesso dos cidadãos à informação, nomeadamente em matéria de ambiente e de ordenamento do território, que é absolutamente fundamental para que as populações possam colaborar.
Já agora, como o Sr. Ministro revelou simpatia -como é, aliás, o seu timbre - e disse que vai oferecer-me o «manual prático do bom bombeiro», devo dizer-lhe que, de facto, não o tenho, embora no Verão já tenha gasto algumas horas do meu tempo na prevenção de incêndios!...
Sr. Ministro, eu permitia-me propor-lhe que «entrasse em competição» com o Ministério das Finanças para ver quem é que tem maior divulgação: se o manual do bombeiro ou o «livrinho da poupança», que, como sabemos, foi muito divulgado. Era um concurso que talvez desse resultado e levasse os Portugueses a deixar o «livrinho da poupança» em paz, até porque não têm muito que poupar, e passassem a ler o manual do bom bombeiro para podermos poupar as florestas!

Risos.

Sr. Ministro, estou de acordo consigo quando diz que a
coordenação é fundamental, porém, ainda não foram aqui
feitas afirmações os que nos permitissem ficar um pouco
mais descansados quanto à coordenação dos meios em
presença, que são sempre escassos -e hão-de ser!
mas, enfim, eu não me referia muito a isso.
De qualquer forma, gostaria de ouvir da sua parte qualquer coisa que referisse a coordenação quando estão em presença meios, nomeadamente internacionais. É sabido que o Estado Português no ano de 1982 fez um esforço para a aquisição de aviões para o combate aos incêndios, nomeadamente de Canadair, aviões anfibios que poderiam estar estacionados em algumas das boas albufeiras que temos-aliás, esta foi a indicação dada pelo anterior Ministro da Defesa. Entretanto, soubemos que o projecto tinha sido abandonado, o que foi pena, porque são bons aviões que, apesar de caros, são mais baratos do que os F-16 e os Falcon e têm outra aplicação que é mais rentável.
A propósito de aviões, de pistas e da colaboração das entidades florestais, é sabido que inúmeros países fazem a distribuição de pistas de emergência -e aqui cabe-me referir que também nós já começámos a fazê-lo, mas pouco, e era bom que se fizesse mais - nas zonas florestais. Estas pistas podem ser utilizadas por aeronaves de pequeno porte, designadamente os ULM, que são extremamente baratas e para as quais o Governo poderia facilitar a importação, uma vez que elas não só são de fácil utilização como também desempenham um importante papel na detecção dos incêndios.

Tenho alguma experiência desse tipo de detecção e posso garantir- aliás, o Sr. Ministro sabe-o bastante bem-que durante o ano passado, embora tenha havido maior número de incêndios, a área ardida foi menor porque houve a detecção prévia dos focos de incêndio. Portanto, é preciso insistir neste campo e é preciso que o Sr. Ministro aqui deixe palavras de esperança quanto à detecção prévia dos incêndios.
Todos afirmamos, à boca pequena ou à boca grande, que a maior parte dos incêndios tem causas humanas não digo causas criminosas. Curiosamente, os relatórios da administração interna referem a captura e julgamento de cerca de quatro a seis incendiários por ano. Ora, sabendo nós que há cerca de 350 incêndios por dia, parece-me que a ratio é um pouco desajustada.
Ainda não recebemos o relatório da segurança interna relativo ao ano passado -esperamos recebê-lo e analisá-lo brevemente-, de qualquer modo, convém dizer que, no nosso entender, não tem sido feito um esforço -há que reconhecê-lo! - no sentido de incentivar a investigação, a captura e a punição severa dos incendiários ou dos seus mentores morais ou económicos.
Na verdade, todos nós dizemos que há uma relação empírica causa/efeito entre área ardida/florestações exóticas, irias encontrar o fio à meada é que ainda ninguém o quis fazer.
Sr. Ministro, coloco-lhe uma última questão muito frontalmente: quem é que, em Portugal, tem medo de implementar o plano de ordenamento florestal?

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da administração do Território.

0 Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Deputado, o manual que referiu foi abundamente divulgado por todas as corporações de bombeiros e por todos os agentes que têm a ver com o combate aos fogos florestais.
Quanto aos números que citou, devo dizer-lhe que no relatório «Ambiente/1987», que o Sr. Deputado referiu, adoptámos uma posição que é a seguinte: como há muitos temas para abordar, decidimos -e se calhar muitas vezes não é conveniente estar a repetir aquilo que foi dito nos anos anteriores - manter um corpo fundamental de dados. Se reparar, verificará que os relatórios que todos os anos têm sido apresentados ao Parlamento referem um conjunto de capítulos diferentes, para que toda a gente saiba aquilo que está a passar-se com o maior pormenor possível. Suponho que isto é bom para o País, nomeadamente para que o Parlamento possa exercer a sua acção, e demonstra que estamos com vontade de esclarecer tudo quanto se passa era todos os domínios.
No que respeita a distribuição de pistas, o País está a ser dotado com pistas provisórias, e em alguns casos até com pistas de carácter definitivo, que tanto servem para a recolha de feridos como para a vigilância. Contudo, o Sr. Deputado Herculano Pombo tem toda a razão quando diz que a detecção é a melhor das armas, porque foi ela que nos permitiu ter fogos, durante o ano de 1989, com extensões muito limitadas, embora em maior número.
No que diz respeito à coordenação e à compra de aviões, nomeadamente os Canadair, devo dizer-lhe que essa compra foi longamente pensada, pois não chega comprar um avião (temos no mínimo de comprar três aviões), razão pela qual a exploração e compra desses

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aviões colocam problemas financeiros da maior importância. Assim sendo, tem-se revelado mais (fácil fazer contratos com outros países, nomeadamente com a Polónia e a Espanha, que nos cedem horas de voo. Aliás, posse lembrar-lhe que durante o ano passado prolongámos a «época de incêndios» e a contratação desses aviões até 15 de Outubro por forma a garantir a vigilância até às primeiras chuvas.
Devo dizer que a colaboração com a Polícia Judiciária, nomeadamente na Delegação do Norte, que controla a zona mais vulnerável, onde existem mais incêndios, tem sido a melhor possível, mostrando-se bastante profícua. No entanto, verifica-se que na maior parte dos casos a causa dos incêndios não é a criminosa, podendo mesmo dizer-se que a causa mais frequente é a incúria: pessoas que ateiam fogos a silvados e que não os dominam; que fazem queimadas, contra aquilo que está estipulado na lei; que fazem piqueniques onde não devem e depois não apagam as fogueiras devidamente... Tudo isto, ou seja, a incúria de grande pa5e das pessoas que frequentam e que exploram a floresta é que faz com que ela arda.
Sr. Deputado Herculano Pombo, o plano de ordenamento florestal vai para a frente, pois ninguém tem medo dele! Não percebi por que é que o Sr. Deputado fez essa afirmação, pois todos apostamos na floresta como fonte de recurso nacional. Se quer uma afirmação solene da minha parte, posso dizer-lhe que todos nós, no Governo, estamos muito interessados na floresta como fonte de recursos e como factor económico importante do nosso desenvolvimento!

0 Sr. Presidente: -Tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, para formular uma pergunta ao Governo sobre a situação do terminal de carvão de Sines.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): -Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o porto de Sines tem trazido esperanças e decepções aos Portugueses ao longo dos tempos, portanto falar dele é sempre extremamente condicionante, digamos, daquilo que nós próprios sentimos sobre as esperanças que podemos ter na modernização do País.
Como todos sabemos, o funcionamento do porto de Sines é extremamente, crucial para o abastecimento energético do País, uma vez que por ele passam, essencialmente, as importações de petróleo e de carvão.
A entrada em funcionamento, a partir de 1985, da central térmica de Sines, que hoje já se encontra a funcionar praticamente em pleno, veio trazer uma enorme relevância à importação de carvão. Aliás, o carvão em Portugal destina-se praticamente a dois únicos clientes: à EDP, E. P., e às indústrias cimenteiras.
Contudo, com a abertura da central térmica de Sines e com a abertura em breve da central do Pego, praticamente 90% das importações de carvão designar-se-ão a um único cliente, a EDP, que ficará completamente dependente dessas importações para o seu funcionamento e para a determinação, e de forma importante, do preço e da rentabilidade do carvão.
Obviamente que as actuais condições de abastecimento são péssimas, uma vez que o terminal, como é hábito em Portugal -e a culpa terá de ser partilhada por vários governos-, teve «aqueles» atrasos que nos são habituais. Hoje, com os fundos que existem, temos a esperança de que o novo terminal venha a permitir uma alteração substancial e uma melhoria das condições de abaste-

cimento do porto de Sines, deixando de efectuar-se o transporte em camiões no percurso de 15 km, o que provoca sub custos enormes.
Portanto, esta esperança no novo terminal tem muito a ver com o modo como irá ser o seu funcionamento, e todos conhecemos o mau funcionamento e os sub custos que existem no nosso funcionamento portuário...
Há pouco mais de três anos o Sr. Ministro abriu -e muito bem! - um concurso público para concessão da exploração portuária do terminal de carvão de Sines ao qual responderam quatro conhecidos consórcios. Porém, as condições oferecidas por todos eles eram de tal modo péssimas que o concurso foi anulado -e isso foi anunciado na imprensa muito antes de ter sido tomada uma decisão sobre o assunto, o que é estranho!...
Já passaram cerca de três anos e o funcionamento do terminal de carvão é crucial para a EDP, uma vez que depende completamente dele, pois é a única destinatária desse carvão. Sendo assim, gostaria de colocar-lhe três perguntas que estão um pouco ligadas entre si.
Assim, em primeiro lugar, eu gostaria de saber se, ao fim (testes anos, o Governo vai ou não abrir um novo concurso e quando. Ou será que o Governo pretende atribuir directamente esta exploração, aceitando um preço imposto por acordos entre os vários concorrentes?
Em segundo lugar, gostaria de saber que participação terá a EDP, E. P., que é o único cliente, no processo de concessão do terminal de carvão, tendo em conta que as suas condições de funcionamento são cruciais para o custo de abastecimento da central térmica e para os custos de produção de energia,
Finalmente, pergunto-lhe que consequências pensa que poderão advir para o abastecimento energético do País se for dado o monopólio da sua distribuição a uma entidade privada em condições menos boas, uma vez que as propostas que foram apresentadas na primeira vez consideradas inaceitáveis.
Gostaria, pois, que o Sr. Ministro me esclarecesse sobre estas questões.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

0 Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, o processo relativo aos concursos que vieram do tempo do IX Governo no que respeita ao terminal de carvão de Sines foi sempre conduzido pelo Ministério da Indústria e Energia até que o Governo decidiu inflectir a via que vinha de trás e preparar as bases de uma concessão que definiu através do DecreLo-Lei nº 422/88, de 14 de Novembro. A partir daí, a Administração do Porto de Sines tinha duas possibilidades nos termos desse diploma: ou abrir novo concurso limitado aos concorrentes que tinham sido pré-qualificados nos concursos anteriores ou fazer uma negociação directa com todos os operadores portuários interessados, caso eles, em conjunto, quisessem tomar a concessão.
É evidente que esta segunda solução, como a primeira, teria alguns problemas, um dos quais seria o de que, estando todos os operadores em conjunto e tendo o terminal praticamente um único utilizador, que é a EDP,

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o preço e as condições de funcionamento do mesmo haveriam de ser tais que pudessem ser consideradas satisfatórias, inclusive pelo seu único cliente, a EDP.
Desde a publicação deste diploma que o Governo tem três objectivos: o primeiro é o de congregar, no equipamento e na exploração deste projecto, o máximo de forças nacionais possível: forças nacionais especialistas na área portuária, no fabrico de equipamentos, etc.; o segundo é o de fazer isto respeitando as regras comunitárias; o terceiro é o de que o preço e as condições de utilização do terminal sejam considerados satisfatórios, designadamente em comparação com outros terminais que por aí existem, incluindo na nossa vizinha Espanha.
Dentro deste objectivo, a Administração do Porto de Sines propôs ao Governo a negociação directa com todos os operadores portuários, uma vez que todos em conjunto, sem excepção alguma, subscreveram um pedido para tomar a concessão nas bases precisas em que o Governo as definiu naquele diploma de 1988. De Novembro de 1988 até ao dia de hoje têm decorrido essas negociações. No entanto, elas têm sido morosas e complicadas porque o Governo não abdica daqueles três objectivos que referi.
Uma informação de que disponho diz que este conjunto de operadores apresentou, no passado dia 14, a sua última proposta; que desde Novembro se finalizaram os documentos relativos ao contrato de concessão, ao regulamento de multas e de exploração e que se encontram finalizadas as negociações referidas aos custos operacionais, à estimativa de investimento, à estrutura da conta de exploração, à metodologia a adoptar nas revisões de preço e à cobertura dos riscos.
Onde estão as dificuldades? Estão na forma e nos valores do tarifário, no processo da sua revisão e nas formas - se é que têm de existir - de ajustamento das receitas quando o volume de tráfego não for aquele que está previsto.
0 Governo está a incentivar com a maior rapidez a conclusão destas negociações. Sabemos que o terminal provisório que está em funcionamento não é nem uma solução económica nem eficaz. Em todo o caso, a empresa de transportes marítimos PORTILINE, já diminuiu o preço de transporte para que a EDP? não seja tão prejudicada.
De facto, queríamos rematar este assunto o mais rapidamente possível. Simplesmente, ele tem sido complicado e os agentes intervenientes têm pontos de vista diferentes que não desistimos ainda de conciliar.

A Srª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Ministro, das suas palavras devo deduzir que só será concedida esta exploração por um preço comparável aos praticados noutros portos vizinhos e que, portanto, só isso justificará a tal situação de monopólio de facto que uma concessão permite a todos os concorrentes em partilha desse monopólio.
No entanto, o Sr. Ministro não respondeu a outra questão que coloquei no sentido de saber que participação tem a EDP, que é o único cliente, neste processo, uma vez que ela vai ser a única vítima ou beneficiária de uma boa ou pior solução.

A Sr., Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

0 Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr.ª Deputada, a exploração de um terminal destes face aos agentes intervenientes podia ter três soluções: a primeira seria a de ser a EDP a equipar e a explorar o terminal; a segunda seria a de ser a própria Administração do Porto de Sines a equipar e a explorar o terminal; a terceira seria a de serem os operadores portuários, que são os homens do métier, a fazer estas operações nos portos portugueses, particularmente aqueles que trabalham em Sines.
Por razões várias, foi excluída a hipótese da EDP, talvez para não se prolongar o volume de actividades que esta empresa já tem. Porém, Sr.º Deputada, quem poderá dar-lhe uma resposta segura quanto a esta matéria será, certamente, o Sr. Ministro da Indústria e Energia.
Dentro da política portuária devo dizer que preferia que fossem os homens daquele ofício, isto é, os operadores portuários, a explorarem ali, como nos outros portos, este cais, que não é só para carvão! A Sr.ª Deputada está a laborar num erro se pensa que o terminal é só para o carvão! De facto, o terminal está hoje projectado para carvão e outros produtos, designadamente também carga geral; por isso se chama terminal de fins múltiplos ou multi proposes, que é hoje o nome que ele tem. Portanto, volto a repetir, preferia que a solução fosse encontrada com os homens desse ofício, isto é, com os operadores portuários.
Ora, é óbvio que isto não é nenhum regime excepcional. A Sr.ª Deputada encontra isso nas várias parcelas de cais que há espalhadas pelo País. E quando utilizamos estes cais, por exemplo, para instalações privativas de certas indústrias, defrontamo-nos sempre com um problema, pois essas empresas pedem, uma vez por outra, que se faça não só o serviço próprio mas também o serviço de terceiros. Este seria, pois, um problema que a EDP ia ter se explorasse o terminal: fazia o seu serviço próprio, mas no dia em que houvesse carvão para outros fins, que houvesse contentores para as fábricas que existirem em Sines, defrontava-se com esse problema (como o de um operador público), que extravasava o âmbito da EDP. Por isso, Sr.ª Deputada, preferimos uma concessão aos operadores portuários.
No entanto, muita atenção! Concessão por que preço? É disso que estamos a tratar e é isso que tem demorado a resolução do problema, porque os operadores demonstram que não podem praticar um preço abaixo do nível «tal» por causa dos encargos de pessoal, porque os equipamentos custam isto ou aquilo!... Ora, é essa discussão que estamos a travar através da Administração do Porto de Sines.
Espero, pois, que seja encontrada uma solução razoável. No entanto, Sr.ª Deputada, não veja aqui qualquer anormalidade relativamente ao que se passa nos outros portos nacionais.

A Srª Presidente: -Também para formular uma pergunta ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

0 Sr. Rui Silva (PRD):- Sr., Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Obras Públicas: 0 País, sobretudo as regiões suburbanas das grandes cidades, tem vindo a ser manifestamente prejudicado com as sucessivas greves dos maquinistas da CP. Referem os trabalhadores que as suas pretensões não são ouvidas, designadamente as que dizem respeito a idades

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de reforma, salários e regalias sociais, que consideram mínimas para o exercício das suas funções o para a segurança dos utentes. Com isso justificam a greve.
Contrapõe o conselho de gerência da CP assegurando que estão já contemplados os direitos dos reivindicadores nos limites julgados aceitáveis, tendo em conta o equilíbrio entre as várias categorias profissionais que laboram na empresa.
Perante isto, que parece ser um notório diálogo de surdos com prejuízos evidentes para todos os intervenientes no processo e sobretudo para as populações atingidas, começam a verificar-se focos de agitação, principalmente nas regiões suburbanas de Lisboa, que, sem transportes ferroviários e sem transportes alternativos capazes de dar resposta suficiente, vêem com legítima preocupação o evoluir da situação com a impossibilidade real de transportes para os seus locais de trabalho e para as suas residências após terem pago os necessários passes.
Sr. Ministro, não pretendemos aqui e agora questionar das razões que assistem às partes em litígio, que serão talvez compreensíveis e até justificáveis por parte quer do Governo quer dos ferroviários, mas tão-só, e neste caso concreto, colocar-nos na perspectiva dos utentes.
É evidente que a situação que se vive na CP tem prejudicado -e, a manter-se, esta situação continuará a prejudicar-, no dia-a-dia e enquanto durarem as greves, dezenas de milhares de pessoas, acrescendo que não se perspectiva solução conciliatória para o conflito laboral em causa. Na base do problema, de acordo com as informações que temos, não só por parte dos representantes dos trabalhadores como de outras instâncias, parece estar a irredutibilidade de posições das partes em confronto, nomeadamente o conselho de gerência da CP e os trabalhadores ferroviários.
Face à intolerabilidade desta situação perguntamos se o Governo não deverá assumir, urgente e claramente, a arbitragem do conflito, promovendo condições para uma rápida superação de tão deletéria situação.

A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

0 Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: -Sr. Deputado Rui Silva, o Governo não tem dúvidas de que este conflito entre o sindicato dos maquinistas da CP e a administração da CP tem causado enormes transtornos para as populações servidas pelas vias férreas, designadamente nos arredores de Lisboa, porque a sítuação, mesmo quando é normal, é difícil na medida em que as linhas estão muito sobrecarregadas.
Vivemos num país onde, felizmente, é reconhecido o direito à greve, direito esse que os trabalhadores utilizam segundo aquilo que entendem ser os seus interesses e que temos todos de respeitar, embora possamos intervir, até mesmo através de condições excepcionais, quando esse direito põe flagrantemente em causa interesses vitais para o País- como aconteceu há pouco tempo em determinado sector do transporte aéreo ou quando necessidades sociais impreteríveis começam a ser postas em causa. Mas trata-se de intervenções que têm de ser sempre muito ponderadas e tomadas a título excepcional. Normalmente, o que devemos fazer é incitar ao diálogo, incentivar ambas as partes, sindicatos e entidades responsáveis pelas empresas, a procurar os acordos possíveis. Todos sabem que se trata de uma matéria em

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que só são viáveis soluções de compromisso e que quando situações como estas se arrastam ninguém ganha, todos perdem! Por isso o Governo não se tem dispensado a esforços no sentido de, junto de uma parte e de outra, procurar que elas cheguem a um entendimento.
Continuo a acreditar, Sr. Deputado, que esse entendimento é possível, continuo a acreditar que a livre negociação entre as partes vai determinar uma solução do problema, embora reconheça que, neste caso, há dificuldades. E há-as porque a CP tem uma situação complexa do ponto de vista sindical. Os seus trabalhadores são abrangidos por muitos sindicatos, uns filiados na CGTP/Intersindical, outros filiados na UGT, havendo ainda um terceiro grupo afecto a sindicatos independentes.
0 conselho de gerência da CP tem de negociar com este vasto conjunto de sindicatos e aconteceu este ano que a livre negociação entre as partes determinou acordos entre os sindicatos ligados à UGT, acordos esses que levam a que a administração da CP se sinta agora um pouco condicionada nas negociações que tem de entabular com os outros sindicatos. No meio disto tudo, há que encontrar soluções razoáveis, o que não é fácil, Sr. Deputado!
Relativamente a esta situação, repito, estamos confiantes de que se encontrará uma solução a contento de todas as partes.
Quanto à população servida pela CP, o Governo, através das facilidades dadas pelos transportes alternativos, através de outras soluções excepcionais que possa adoptar (sendo caso disso), intervirá no sentido de serem respectivos os direitos dos utilizadores.
Para além disto, nada mais posso acrescentar, Sr. Deputado.

0 Sr. Luís Roque (PCP): - A solução é arranjar para a CP um conselho de gerência alternativo.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

0 Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Ministro, quero fazer-lhe um pedido de esclarecimento muito rápido, que vem na sequência da explicação que V. Ex. acabou de dar.
De acordo com as informações de que dispomos, tem havido de facto diálogo, mas apenas com uma das partes, e é isso que tem prejudicado as negociações.
Por exemplo, em 1989, às várias reuniões conjuntas pedidas pela Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Ferroviários Portugueses - a tal federação que está integrada na CGTP- ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ao Ministério do Emprego e da Segurança Social e ao conselho de gerência da CP apenas compareceram o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações - não sei se representado por V. Ex., se por alguém que o representasse -e o Ministério do Emprego e da Segurança Social. 0 conselho de gerência da CP nunca compareceu. Portanto, os esforços desenvolvidos tanto por V. Ex., como pelo próprio Ministério do Emprego e da Formação Profissional para levar à conciliação entre as partes, são prejudicados pela recusa de reuniões conjuntas com que os sindicatos filiados na CGTP sempre se deparam. Assim, Sr. Ministro, parece-me que nunca mais lá chegamos!

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Com os sindicatos independentes e com os sindicatos filiados na UGT existem já, de facto, acordos estabelecidos, que vinculam o conselho de gerência da CP, mas com a outra parte não se consegue o mínimo diálogo! 0 que existe é um diálogo de surdos!...
Ora, este sindicato e esta federação representam 25 % dos 22 000 trabalhadores da CP. Quando é que o seu conselho de gerência vai com eles chegar a um acordo que acabe definitivamente com esta situação?
É nesse sentido que solicitamos a V. Ex.ª que continue a empenhar-se, mas com mais firmeza, no sentido de que o conselho de gerência da CP não evite o diálogo com cerca de 5000 dos seus 22000 trabalhadores.

A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

0 Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Deputado Rui Silva, respondi-lhe à questão central que me colocou e que dizia respeito à greve prolongada e parcial dos maquinistas da CP. Colocou-me agora uma outra questão, a do diálogo com os sindicatos, em especial com o grupo de sindicatos que se encontram filiados na CGTP/Intersindical.
De facto, a CGTP Intersindical queixa-se de falta de diálogo. Recebi no meu Ministério, há dois dias, o secretario-geral da CGTP/Intersindical, que me realçou as dificuldades que está a encontrar no diálogo com a CP.
Garanti às pessoas que comigo reuniram -e garanto aqui à Câmara -que o Governo tudo fará no sentido de que esse diálogo se mantenha. 0 pior que a todos pode acontecer - tenho-o dito e repito-o agora perante os Srs. Deputados, com a responsabilidade que tenho - é fecharmos a porta ao diálogo. Para evitar isso, o Governo combaterá as situações que se enquistem.

A Sr.ª Presidente: -Para fazer uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, antes de mais gostaria de dizer-lhe que a sua presença nesta Câmara vem, pelo menos, provar que o Sr. Secretário de, Estado está em actividade, afirmação que já não se poderá fazer em relação ao Sr. Ministro das Finanças. Mas, já agora, se quiser dar alguma explicação a esse respeito teremos muito gosto em ouvi-la, pois, de facto, parece que ele anda desaparecido!...
Sr. Secretário de Estado - e esta é já a pergunta que gostaria de colocar-lhe -,'julgo que V. Ex.ª não desconhece o Código do IRS, nomeadamente o seu artigo 92.º Ora, esse artigo impõe que o Governo, no início de cada ano, publique um decreto regulamentar com as tabelas práticas para a retenção mensal na fonte dos rendimentos sobre o trabalho. Estamos no dia 23 de Fevereiro, dois meses depois do início do ano, e esse decreto regulamentar não está cá fora! A lei impõe!... 0 Sr. Secretário de Estado poderá explicar-me por que razão o Governo se encontra numa situação de manifesto incumprimento da lei, por que motivo o Governo se apraz em colocar-se, reiteradamente, à margem da lei?
Este problema, que por si só já seria suficientemente grave, é acrescido de um outro não menos importante, ou seja, o de que o Governo, simultaneamente, está a ir aos

bolsos dos contribuintes. Há dois meses que o Governo está a cobrar-lhes mais do que aquilo que deveria cobrar. Para além do que lhes cobra mensalmente - e isso verificou-se já em 1989 com a retenção na fonte, está a cobrar-lhes mais por não terem sido ainda publicadas as tabelas actualizadas, como a lei impõe.
15so é uma violência manifesta, por parte do Governo, contra a legalidade democrática e contra os contribuintes, o que é inadmissível num Estado de direito democrático.
Não há, sequer, uma explicação pública do Governo sobre a razão desta situação e é exactamente essa explicação pública que peço ao Sr. Secretário de Estado. Ela não redime, porém, o facto de o Governo se manter à margem da lei. Não há duvida, Sr. Secretário de Estado, que ele continua à margem da lei, que continua na ilegalidade... Mas, pelo menos, dê-nos a explicação pública das razões que levaram o Governo a não ter ainda publicado o decreto regulamentar das tabelas práticas de retenção mensal na fonte do IRS.
Não se trata, certamente, de um problema de maquinaria!... Não se trata, certamente, de um problema de avaria nos computadores!... Então, quais são as razões que conduzem a este atraso?
Julgamos que não estarão também em causa razões de carácter legal, tanto mais que se está contra a lei; em causa não estarão também razões de carácter moral porque elas seriam incompreensíveis, uma vez que se está a violar os contribuintes; quais são, então, as razões políticas que levam o Governo à não publicação, até ao momento, dois meses depois de iniciado o ano, do decreto regulamentar a que está obrigado?

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Sr., Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Oliveira e Costa): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o Governo não está à margem da lei. 0 decreto já saiu, Sr. Deputado! Já está publicado!... Está aqui, não fui eu que o inventei!...

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Trá-lo na manga!
Risos do PCP e protestos do PSD.

0 Orador: -Os computadores da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos não avariaram.
0 Sr. Deputado esqueceu-se de que as coisas, para se realizarem, necessitam de tempo, que há aspectos burocráticos que têm de ser cumpridos. 0 Sr. Deputado esqueceu-se talvez de que o Orçamento do Estado só foi publicado depois do dia 15 de Janeiro e sabia, obviamente, que não podíamos apresentar em Conselho de Ministros o decreto regulamentar das tabelas de retenção mensal na fonte do IRS sem que a lei de bases fosse publicada .... E sabe também que, quando se desencadeia o processo de publicação de um diploma, há um tempo a levar em conta, tempo esse que passa pela sua aprovação em Conselho de Ministros, que passa por Belém, que passa de novo por São Bento, que passa pela Imprensa Nacional!... Tudo isto leva tempo, Sr. Deputado!...
Talvez andasse bem avisado o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quando, na altura em que o problema se pôs, disse que a solução mais adequada para estas situações seria a emissão de uma mera circular por parte da

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direcção-geral das Contribuições e Impostos, pois isso permitiria fazer chegar as informações atempadamente aos interessados.
Aliás, para lhe demonstrar não ser correcto o que o Sr. Deputado disse, ou seja, que estávamos a ir ao bolso dos contribuintes - o que não estamos a fazer, vou já abordar outros aspectos que estão inseridos na sua questão. À semelhança do que fizemos no ano anterior -e este é o segundo ano que o fazemos-, elaborámos uma pequena publicação sobre os aspectos fundamentais da matéria, para que as empresas dispusessem, nos seus serviços processadores, dos elementos fundamentais para fazer a cobrança de acordo com o que é razoável.
Mas, voltando à publicação do diploma, ela não foi feita mais cedo pelas razões que apontei e que são mais do que justificáveis. Devo dizer-lhe que, pessoalmente, fiz várias diligências no sentido de que tudo isto andasse o mais depressa possível.
Quanto a essa história de se estar a reter IRS em excesso, Sr. Deputado, eu sempre disse -e já nesta Câmara o fiz várias vezes-, quando os Srs. Deputados fizeram afirmações dessas natureza, que estavam rotundamente enganados. No entanto, o Sr. Deputado insiste, mesmo depois de eu, há dois dias atrás, ter demonstrado a tudo e a todos que, ao fim e ao cabo, não tinham qualquer razão de ser as críticas à reforma fiscal!
Na verdade, podemos verificar, com o teste já efectuado - na altura apontei para 117 200 contos e nesta altura já vamos em duzentos e tal mil -, que apenas 45,4 % de contribuintes têm verbas a receber do Estado em virtude de lhes terem sido cobradas a mais. Da percentagem restante, 24,3 % de contribuintes não têm de pagar nem têm de receber e há 30,3 % que têm de pagar.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que em todos os países que aplicam o sistema de imposto único e de retenção na fonte - são países com mais de dezena de experiência neste domínio- há lugar a reembolsos. Cito-lhe, por exemplo, a Espanha, onde 63 % dos contribuintes têm dinheiro a receber; cito-lhe o exemplo dos Estados Unidos, onde 71 % têm dinheiro a receber; cito-lhe o caso do Canadá, onde 73 % têm dinheiro a receber. Devo dizer-lhe que as médias de todos os outros países são muito superiores às nossas, mesmo tomando em consideração o nível de vida de cada um dos povos respectivos.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, aquilo que se fez mostra à evidência que a solução adoptada em Portugal foi a melhor possível e até mesmo melhor do que qualquer das soluções postas em prática, até agora, pelos outros países.
Digo mais: podíamos mesmo ir mais longe!

Aplausos do PSD.

Risos do PS e do PCP.

Não estejam a rir, Srs. Deputados! Esta é a verdade! Os senhores deviam sentir orgulho, como portugueses, pelo facto de alguém ter sido capaz de fazer o que se fez e melhor do que os outros, que têm muito mais experiência do que nós.

Aplausos do PSD.

É bom que acreditemos nos Portugueses, governe quem governar. Não tem sentido, Srs. Deputados, estarmos permanentemente a atacar o que, se faz de bem feito. Esta é a verdade nua e crua, por muito que vos custe. A solu-

ção encontrada foi óptima e nós não temos, a nível da sociedade portuguesa, um sistema e um conjunto de empresários que tenham condições técnicas para podermos, eventualmente, ir quase ao conto de réis no acerto das contas.
Sr. Deputado, pelos números de que já dispomos constatamos que, afinal, ao contrário do que sempre disseram, o Estado não se financiou. Pelo contrário, terá ainda de receber um saldo líquido que talvez seja mais substancial do que aquilo que à partida se imaginava. .

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Secretário de Estado, só estou arrependido de não lhe ter colocado a minha questão no início do ano!

0 Sr. Casimiro Pereira (PSD): -É sempre tempo de nos arrependermos!

0 Orador: - Se o tivesse feito, passada uma semana estava cá fora o decreto regulamentar! Eu não deveria ter esperado dois meses! De facto, o Sr. Secretário de Estado mandou publicar o decreto regulamentar depois de, há uma semana, ter recebido a minha pergunta sobre a matéria em que ia ser questionado!

Aplausos do PCP.

Risos.

É lógico e evidente! Se o decreto regulamentar ainda não está distribuído pela Imprensa Nacional - saiu hoje ou ontem -, claramente que é essa a resposta! Devo dizer que lhe prometo que, se, por acaso, no início do próximo ano, o Sr. Secretário de Estado ainda estiver em funções, no dia 2 de janeiro a primeira coisa que farei é questionar o Governo para saber da nova tabela prática de retenção no IRS.
Relativamente às outras questões que o Sr. Secretário de Estado resolveu trazer à colação, isto é, em relação ao IRS de 1989, gostaria de dizer-lhe o seguinte: por acaso li ontem, nos diversos órgãos da imprensa, algumas das frioleiras que agora acabou de repetir. De facto, o que demonstra a experiência de 1989 é que todas as críticas que lhe foram feitas pelo Grupo Parlamentar do PCP ao longo do ano -e, aliás, também por outros grupos parlamentares- e todas as propostas que apresentámos em sede do IRS, designadamente em sede da revisão orçamental para 1989 e do Orçamento do Estado para 1990, tinham toda a razão de ser.
0 Sr. Secretário de Estado vem agora dizer que só 45 % dos contribuintes é que pagaram mais do que tinham de pagar! Só 45 %, Sr. Secretário de Estado! Não acha que é ridículo dizer só 45 %?
E foram 45 % porque foram também recusadas as propostas do PCP na revisão do Orçamento do Estado de 1989 para que não fosse cobrado o correspondente aos dois últimos meses do ano e para que no Orçamento do Estado de 1990 fosse vertido em lei o princípio de que para os contribuintes casados com dois rendimentos do trabalho aquele que tivesse o rendimento mais elevado fosse tributado apenas como casado único titular. Estas propostas foram recusadas!

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0 Sr. Secretário de Estado, em Dezembro, com a
esperança de que isso ainda se viesse a repercutir nas
eleições de 17 de Dezembro -o que se verificou não
ter acontecido -, deu mais uma vez instruções de gaveta,
despachos de gaveta e circulares de gaveta aos serviços
e às empresas para que, no mês de Dezembro, fizessem
a cobrança, para o ano todo, aos contribuintes casados
como casado único titular. Mesmo assim, depois de ter
feito aquilo que nós propusemos e que os senhores recu-

saram em termos de lei, 45 % dos portugueses ainda Risos.
pagaram mais do que deveriam pagar! 0 Sr. Secretário

de Estado não acha que só esse simples facto o deveria
levar a não falar mais no assunto e rezar a Deus para que
ninguém lhe colocasse esse problema em termos públicos?
0 Sr. Secretário de Estado fala em desagravamento
fiscal! 0 Governo previa já, para 1989, com os aumentos

decorrentes da introdução dos novos contribuintes,
designadamente da função pública, uma receita de 296
milhões de contos, mas vem a receber mais 40 milhões

de contos para além daquilo que cobrou a mais e que terá
de devolver e ainda acha que ninguém está a ser preju
dicado com o rRS! Sr. Secretário de Estado, haja pudor!

Aplausos do PCP.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:
Não batam palmas porque estão a perder tempo!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais, antes de lhe dar a palavra pergunto ao
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares para
que efeito pediu a palavra.
0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos
Parlamentares: - Sr.ª Presidente, gostaria de, sob a
forma de interpelação à Mesa, dirigir-me a V. Ex.ª e dizer
que há pouco tive dúvidas sobre se deveria intervir ou
não - e até a outro título - sobre a insinuação feita pelo
Sr. Deputado Octávio Teixcíra relativamente ao
Sr. Ministro das Finanças. Penso que estas insinuações
não devem ficar sem resposta. No entanto, depois, cheguei
à conclusão, dada a intervenção do Sr. Deputado Octávio
Teixeira, que este está arrependido, não está informado e
é distraído! De forma que entendo não valer a pena estar
a fazer nenhuma destas intervenções!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: -Para uma interpelação à Mesa,
tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr., Presidente,
muito rapidamente e apenas para dizer, sob a forma de
interpelação à Mesa, ao Sr. Secretário de Estado que estou
arrependido apenas daquilo que disse há pouco, ou seja,
de não ter antecipado a minha pergunta! No próximo
ano - podem ter a certeza - lá estará no dia 2 de
Janeiro! Sr. Secretário de Estado, eu não sou distraído!
0 Governo é que sc distrai dois meses para publicar o
decreto regulamentar a que está obrigado! Essa é que é
uma distracção inaceitável!

Vozes do PCP: -Muito bem!

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Não diga mais coisas,
Sr. Deputado Octávio Teixeira!

A Sr.ª Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr., Presidente, é que tenho a impressão de que o Sr. Deputado Octávio Teixeira troca os Diários! Quer dizer, em lugar de ler o Diário da República, lê o outro «Diário».

E não deve fazer isso porque a legislação vem neste! Não vem no outro!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: -Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr., Presidente, só para dizer ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamcntares que o Diário, jornal, li ontem porque saiu! 0 Diário da República não o li porque não saiu!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Deputado Octávio Teixeira, de facto, o senhor não está aqui! Está surdo! Está mouco! Eu já lhe expliquei tudo! 0 Governo não pode publicar a lei sem que o Orçamento do Estado seja publicado! Se o Sr. Deputado fizer a sua pergunta no dia 1 ou 2 de Janeiro de cada ano, obviamente que terá a resposta que merece a uma pergunta que não tem sentido!
0 Sr. Deputado fez considerações e riu-se relativamente à percentagem de 45 %, mas eu já lhe disse, Sr. Deputado. que esta é a melhor performance de qualquer país que utiliza o sistema fiscal que temos.
Não esteja a olhar para baixo, Sr. Deputado! Ou talvez mereça a pena olhar para baixo porque não pode olhar para cima!

Risos.

Sr. Deputado, devo dizer que é um êxito espectacular aquilo que se conseguiu fazer! Eu compreendo os deputados do PCP! E compreendo-os porque eles conLinuain a viver no domínio da utopia! Eles não sabem viver o mundo real! Não sabem o que é, efectivamente, a economia a funcionar! Aliás, veja-se o que acontece agora na Rússía e em todos aqueles países que querem correr com o comunismo! Veja, Sr. Deputado!

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Só faltava essa, Sr. Secretário de Estado!

0 Orador: - Não faltava, não, Sr. Deputado! É verdade! 0 Sr. Deputado continua a viver no mesmo estádio! É assim, Sr. Deputado! 0 Sr. Deputado não está em condições de compreender uma economia de mercado! E, por isso mesmo, coloca questões absurdas, completamente absurdas, Sr. Deputado!
Quanto ao problema do desagravamento fiscal, o Sr. Deputado, mais uma vez, confuso e incapaz de

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compreender a realidade, insiste no agravamento e confundo desagravamento com receitas! Está tudo errado, Sr. Deputado! 0 Sr. Deputado não sabe que, efectivamente, as receitas podem aumentar em função da eficácia, do rendimento de base e em função da evolução dp própria economia! Tudo isso, Sr. Deputado!
Para que nunca mais, com verdade mas os senhores nflo são capazes de usar a verdadel ninguém venha dizer que houve agravamento, estão aqui os resultados em gráficos e em números, a preços constantes, de 1885 a 1990! 15to para que ninguém mais possa dizer, com verdade, que houve agravamento fiscal dos rendimentos de trabalho! 0 Sr. Deputado não tem razão, nem autoridade, para dizer seja o que for neste domínio porque não conhece e não quer conhecer a realidade que entra pelos olhos dentro de qualquer cidadão minimamente inteligente!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: -Para formular uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado da Cultura, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estreia.

A Sr.ª Edite Estreia (PS): - Sr. Secretário de Estado da Cultura, com toda a frontalidade que me caracteriza, quero dizer-lhe que vejo com grande preocupação que o Governo persista e até acentue a tendência para encarar a cultura como uma política menor, suportada por um discurso populista de que procura retirar efeitos eleitoralistas. 0 caso dos Jerónimos é um caso paradigmático do abandono a que tem sido votado o nosso património arquitetónico e arqueológico. Ora, nós não podemos consentir na delapidação do nosso património e esta, Sr. Secretário de Estado, é uma questão nacional, não é uma questão partidária! Pensar no acidente do Mosteiro dos Jerónimos como um acontecimento circunscrito a este monumento e ao tempo da intervenção imediata revela miopia política e reduzido horizonte cultural! Depois do susto é preciso repensar as medidas de segurança e de prevenção! Assiste-se neste país à mais escandalosa situação do património e os exemplos são inúmeros: Almoster, Tibães, Alcácer, Lorvão, etc.--- enfim, uma infindável lista de preocupações! Mas o tempo é pouco e vou directamente às perguntas.
Sr. Secretário de Estado da Cultura, o acidente ocorrido no Mosteiro dos Jerónimos terá alguma ligação com a construção do centro monumental de Belém? 0 Sr. Secretário de Estado da Cultura levantou esta hipótese em declarações à imprensa. Baseava-se em pareceres técnicos? As obras a efectuar no Mosteiro dos Jerónimos exigem verbas suplementares. Que medidas já foram tomadas nesse sentido? Vai o Governo alterar o orçamento da cultura? Terá o IPPC e a Secretaria de Estado da Cultura apresentado candidatura ao apoio comunitário ao abrigo da DG-10, cuja candidatura tinha de ser apresentada aLé ao dia 20 de Fevereiro?
Passando agora ao Centro Cultural de Belém, questão que está interligada com esta, para além de outras objecções, noi-ricadamente o facto de não terem sido feitas as devidas escavações e para além, também, de eu considerar este projecto esteticamente discutível -mas isso fica para outra oportunidade-, não posso deixar de estranhar que a sua construção tenha sido feita à revelia do comité do património mundial e dos órgãos consultivos juridicamente consagrados pela Convenção do Património Mundial, que Portugal assinou.

0 Sr. Presidente da República, que tem felizmente uma visão diferente e outra sensibilidade para os valores culturais que nfio tem o Governo, pediu à Secretaria de Estado da Cultura que fossem reavaliados os impactos físicos e ambientais. 15so vai ser feito?
Ainda uma outra pergunta, Sr. Secretário de Estado da Cultura: para quando a regulamentação da Lei Quadro do Património Cultural? 0 inquérito que a Secretaria de Estado da Cultura anunciou ir instaurar ao Instituto Português do Património Cultural, a terem fundamento essas informações da comunicação social, veio provar que nós tinhamos razão quando, variadíssimas vezes, alertámos aqui para a situação complicada - para não usar outro adjectivo -que se vivia no IPPC. Esse inquérito, segundo a comunicação social, visava «eventuais irregularidades na aquisição de imóveis nas zonas da Avenida da Liberdade e da Ajuda». 15so é verdade?
Finalmente, em relação ao Instituto Português de Arquivos, vamos ter ou não uma rede nacional de arquivos? É que fiquei muito preocupada com as declarações do Prof. Matoso aquando da sua demissão. Em declarações ao jornal Expresso, ele diz-e cito: «Não me pareceu sequer que o Sr. Secretário de Estado da Cultura estivesse convencido de que a rede viesse a existir.»

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

0 Sr. Secretário de Estado da Cultura (Santana Lopes): - Sr." Presidente, antes de mais, queria pedir-lhe alguma benevolência em termos de tempo, porque a pergunta que me linha chegado pelas vias oficiais era uma e as perguntas que ouvi agora são variadíssimas e, de facto, não me permitem responder no tempo que me está atribuído regimentalmente.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado, a Mesa, com consenso -suponho - de toda a Câmara, concede-lho mais dois minutos para responder.

0 Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Muito obrigado, Sr.ª Presidente, pela sua generosidade e pela generosidade da Câmara.
Antes cio mais, queria saudar a Mesa e os Srs. Deputados nesta minha primeira intervenção no Plenário depois de ter assumido as funções de Secretário de Estado da Cultura.
Em relação às variadíssimas questões colocadas pela Sr.º Deputada Edite Estrela, devo dizer o seguinte: não vou conicnLar o que a Sr.ª Deputada referiu sobre o discurso populista com efeitos eleitoralistas a propósito do que aconteceu no Mosteiro dos Jerónimos. Julgo que, quer eu, quer o Sr. Ministro das Obras Públicas, que visitou também o local, quer também os Srs. Deputados, quando tiverem a oportunidade de lá ir, ou alguém que seja minimamente sensível aos valores da nossa história e do nosso património não pode deixar de se sentir preocupado. Foi o que aconteceu. Manifestei uma preocupação imediata e não me coibi sequer de, publicamente, colocar questões -julgo que tinha e tenho essa obrigação sobre as razões do incidente ocorrido. As questões que até publicamente suscitei, a Sr.ª Deputada fez-lhes agora referência.
Devo, no entanto, dizer que todos os relatórios recebidos até hoje, incluindo o do Laboratório Nacional

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de Engenharia Civil, apontam e esclarecem cabalmente que todos os testes feitos, nomeadamente quando do lançamento de estacas, quanto à repercussão nas estruturas do Mosteiro dos Jerónimos indicam que só uma agitação, só um efeito 30 vezes superior, é que poderia, eventualmente, causar efeitos preocupantes no Mosteiro dos Jerónimos.
Eles, utilizando, enfim, um termo de comparação, dizem que as repercussões havidas são mínimas e são as correspondentes à circulação dos comboios, que não têm efeitos, como é evidente, de significado.
15to não implica - como costuma dizer o nosso povo, «depois de casa roubada, trancas à porta» - que quem detenha a responsabilidade seja, acima de tudo, o Governo, que não a enjeita, mas, como diz a Sr.ª Deputada, é uma responsabilidade nacional, tal como o disse anteontem na Subcomissão de Cultura.
Julgo que devemos ser exaustivos e intransigentes na solicitação de todos os elementos referentes ao impacte destas obras, quer no Mosteiro dos Jerónimos, quer na Torre de Belém, quer no Museu de Arte Popular ...
Devo dizer-lhe que solicitei ao Instituto Português (to Património Cultural que fossem reconfirmados todos os exames às repercussões possíveis no Mosteiro dos Jerónimos, na Torre de Belém e, portanto, em toda essa zona circundante, e a sua nova direcção imediatamente empreendeu essas diligências numa acção concertada com o Ministério das Obras Públicas, mas essa análise só pode ser feita, pela informação que tenho e que é compreensível mesmo para um leigo na matéria, quando se proceder novamente à cravação de estacas e, portanto, quando for possível medir novamente esses efeitos.
Não deixo de mencionar também que a Sr.ª Conservadora do Mosteiro dos Jerónimos tinha, de facto, como ela disse, chamado a atenção do Instituto Português do Património Cultural para sinais e fenómenos evidentes de deterioração que vinham acontecendo ao longo dos tempos. Tenho esses ofícios comigo e posso fornecer fotocópia deles à Assembicia e aos Srs. Deputados quando entenderem.
Mas o que também me disse a direcção do IPPC -a nova direcção - e os serviços que, com certeza, se mantêm é que este é um das muitas centenas de alertas que chegam constantemente ao Instituto Português do Património Cultural e à Secretaria de Estado da Cultura em relação à degradação do nosso património, embora não possamos, corri certeza, comparar o Mosteiro dos Jerónimos com outras realidades ou outras componentes do nosso património.
Os relatórios recebidos em relação ao acontecido demonstram que o incidente ocorrido não é grave, mas há ali uma deficiência na estrutura de madeira da cobertura na Sala do Capítulo, embora haja deficiências de construção -quem não seja leigo na matéria poderá entender melhor do que eu - na estrutura do suporte do telhado, obra feita em 1940.
Portanto, o que se passou ali não é grave, mas isso não significa que a situação geral do Mosteiro dos Jerónimos -o estado da pedra e o estado geral das várias zonas de telhado - não susciLc motivos de preocupação.
Neste momento, o Governo e eu próprio temos dúvidas, e será algo que os Srs. Deputados me poderiam também ajudar a ponderar, pois é uma opção muito complicada, em saber se, por exemplo, junto da UNESCO, sabendo que os Mosteiros dos Jerónimos são património mundial -e o assunto é suficientemente grave

e importante para não fazermos dele uma querela entre o Governo e a oposição -, deveríamos solicitar ou não a declaração do Mosteiro dos Jerónimos como património mundial em risco e em perigo.
Como a Sr.ª Deputada sabe, isso normalmente corresponde a situaçães extremas, que não é a situação em que se encontra o Mosteiro dos Jerónimos, mas é a única via que permite que a UNESCO acorra de uma forma mais
-expedita, mais imediata, mais empenhada, mobilizando de forma mais intensa a comunidade internacional para fazer face a esse tipo de situações.
0 que não deixa de ser espantoso -e não deixa de ser espantoso para todos nós portugueses- é a resposta que obtive junto dos serviços competentes quando perguntei quais eram os sinais e quais eram os relatórios que havia de exames, de vistorias, de inspecções, de trabalho de restauração em relação à estrutura quinhentista e à parte terminada no século passado do Mosteiro dos Jerónimos. A resposta dada foi a de que não há sinal, ao longo de todos estes anos, de trabalhos de vulto de inspecção, de vistoria e de restauração de um monumento daquele tipo. 0 que se passa em relação ao Mosteiro dos Jerónimos passa-se em relação a muitas outras componcrítes do nosso património.

A Sr.& E'dite Estreia (PS): -0 Mosteiro da Batalha, por exemplo!

0 Orador: -Não quero deixar de transmitir à Câmara e à Sr.ª Deputada Edite Estreia, até como presidente da Subcornissão de Cultura, que estou à disposição -sempre estou por obrigação, mas desta vez mais reforçada pelos circunstancialismos - para proceder a um debate sobre a situação do nosso património, porque julgo que esta é uma questão nacional. É uma tarefa de décadas que será impossível resolver durante o mandato deste Governo e no próximo mandato legislativo com o orçamento que ternos disponível.
Com a situação de degradação imensa da generalidade do nosso património é impossível, de facto, actuar em termos normais. Por isso mesmo tive a oportunidade de anunciar a adopção de algumas medidas especiais para fazer face às situações de maior gravidade.
Não quero deixar de dizer à Sr.ª Deputada Edite Estreia, em relação à pergunta que colocou se tínhamos solicitado o apoio junto da DG-10, cujo prazo acabava a 20 de Fevereiro, que, graças ao trabalho meritório desenvolvido pelo Instituto Português do Património Cultural, foi possível, numa acção que desenvolvemos em conjunto, fazer chegar até 20 de Fevereiro à DG-10 o pedido de apoio para o programa que existe nas comunidades, especificamente para estes objectivos-o programa de apoio ao caso do Mosteiro dos Jerónimos.
Para convencer a DG-10 de que o caso do Mosteiro dos Jerónimos se integra dentro dos objeciivos definidos para este ano nesse programa comunitário, vai ter de ser desenvolvida uma acção especial de persuasão, porque os apoios previstos no programa comunitário da DG-10 para este ano...

A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado, lamento ter de o interroniper, pois estávamos todos a ouvi-lo com inuilo interesse, e a matéria é importante, por isso a Mesa o deixou prosseguir até aos 10 minutos, mas já vamos no dobro (to tempo previsto para este tipo de intervenções.

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0 Orador: -Com certeza, Sr.ª Presidente, eu termino então.

0 Sr. António Guterres (PS): -Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, atendendo a que é a primeira vez que o Sr. Secretário de Estado nos visita, penso que deveria haver uma tolerância especial.
Em segundo lugar, faria também a sugestão, uma vez que o Sr. Secretário de Estado manifesta o desejo de um debate sobre esta matéria, que a conferência de líderes pudesse agendar, para breve, os projectos apresentados pelo Partido Socialista no sentido da ratificação de convenções internacionais sobre esta matéria e que, a propósito disso, realizássemos o debate pretendido.

A Sr.ª Presidente: - A Mesa regista as sugestões, incluindo a de dar um tempo suplementar ao Sr. Secretário de Estado para abordar outras perguntas que lhe foram feitas pela Sr.ª Deputada Edite Estrela, mas pedia-lhe que fosse realmente muito breve.
Sr. Secretário de Estado, deseja responder, muito brevemente, às demais perguntas que lhe fez a Sr.ª Deputada Edite Estreia?

0 Sr. Secretário de Estado da Cultura: -Vou, então, tentar responder às outras questões postas pela Sr.ª Deputada Edite Estrela.
Como estava a dizer, vamos ter de fazer um trabalho especial de persuasão -eu próprio e o Sr. Presidente do Instituto Português do Património Cultural-, porque no tema do programa destes projectos piloto nos domínios da conservação e da formação do património arquitectónico para este ano de 1990 os apoios serão concedidos a edifícios e conjuntos arquitectónicos que, pela sua própria natureza, contribuam para definir o carácter de uma cidade ou de uma vila e que sejam o reflexo da comunidade histórica.
Vai-nos, com certeza, defender empenhadamente este caso, mas, na opinião de alguns acadêmicos que já ouvi -embora os acadêmicos, como se sabe, são por natureza especulativos-, não é líquida nem linear a interpretação que vamos defender. Mas vamos defendê-Ia com toda a convicção e rebater todos os argumentos que Tios apareçam em contrário.
Vamos também junto da UNESCO, em Paris, e com o Sr. Embaixador junto da UNESCO, na segunda-feira, fazer já alguns contactos que permitam determinar a opção que vamos tomar em relação ao modo de apresentação do caso do Mosteiro dos Jerónimos e não só.
Em relação às verbas nacionais para o Mosteiro dos Jerónimos, eu e o Governo dccidii-nos fazer uma reafectação no PIDAC, a qual tem de fazer face à situação do Mosteiro dos Jerónimos.
Muitas reafectações destas deveriam ser feitas, como deve calcular, embora os Jerónimos sejam um caso excepcional, como disse há pouco, que justificam este cuidado particular.
Disse também que o Sr. Presidente da República tinha pedido à Secretaria de Estado da Cultura que fossem

avaliados os impactes físicos e ambientais, mas não tenho conhecimento oficial nem oficioso deste pedido do Sr. Presidente da República.
Portanto, não deixo de estranhar que a Sr.ª Deputada aqui o refira, pois não sei em que se baseia, mas o Sr. Presidente da República tem manifestado, como lhe compete e como, aliás, o deve fazer qualquer cidadão português, ainda para mais investido nessas funções, a preocupação com o que se passa no Mosteiro dos Jerónimos.
Quando o tenho encontrado em cerimônias oficiais, tenho procurado, até por iniciativa própria, dar-lhe todas as informações que permitam tranquilizar, tanto quanto possível, a este respeito, o supremo magistrado da nação.
Quanto ao inquérito sobre o Instituto Português do Património Cultural, devo confirmar que, de facto, descriminei a realização de um inquérito a levar a efeito pela Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, motivado por possíveis .... embora não deva antecipar as razões pelas quais determinei o inquérito e muito menos as suas conclusões, pois não sei quais serão as irregularidades que existem na aquisição de edifícios, até porque não houve aquisição de edifícios.
0 que acontece, Sr.ª Deputada, é que tive dúvidas sobre o preenchimento de todos os requisitos formais da insirução de processos existentes no Instituto Português do Património Cultural. Tive dúvidas em relação a algumas situações e, ncqtcs casos, como mandam os bons costumes e as boas regras e como manda a experiência recente portuguesa, é melhor prevenir do que remediar, tendo sempre presente a regra de um estado democrático de direito de que até alguém ser condenado é sempre inocentc. Aqui as questões não são graves, são apenas questões formais e processuais, pelo que me foi dado ver até aqui, pois não sou inquiridor nem instrutor.
A Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros já nomeou a instrutora do inquérito.
Em relação ao que a Sr.ª Deputada disse sobre a rede nacional de arquivos e sobre as declarações do presidente cessante do Instituto Português de Arquivos, devo dizer-lhe que há declarações que vêm todos os dias nos órgãos de cdmunicação social que não podemós comentar permanentemente, mas quero aproveitar para esclarecer o seguinte: os jornais não se têm cansado de referir, até com aquele tipo de insinuações que, infelizmente, são do ao gosto, hoje em dia, de alguns sectores da sociedade portuguesa, que o novo Secretário de Estado da Cultura «tinha chamado a si o caso da Avenida da Liberdade para decidir, cisuisticamcntc, das construções a edificar».
Ora, isso é completamente falso. Nunca me passou semelhante coisa pela cabeça. Foi uma excelente medida da minha antecessora e o processo continua exactamente na mesma situação, nunca o tendo «chamado» ao meu gabinete. Mas os jornais lá o vão dizendo, e nós vamos lendo sem podermos dizer nada.
Em relação ao que disse o Prof. José Matoso, devo dizer que quando entrei em funções e, como dizia anteontem na Subcomissão de Cultura, «normalmente quem assume um cargo governativo tem por obrigação saber tudo», considero que ainda sei muito pouco ou quase nada do muiLo que tenho de saber para exercer capaz.mente estas funções. Quando recebi pela primeira vez o Sr. Presidentc do Instituto Português de, Arquivos e me apercebi da estrutura do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, tive dúvidas sobre a lógica daquela orgânica e levantei a hipótese de se não seria desejável uma integração imediata das duas estruturas.

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Perante a minha sugestão, o ex-Presidente do Instituto Português de Arquivos, nesse caso, e não só nesse caso, manifestou-me a sua disponibilidade total para continuar a colaborar e a exercer aquelas funções. E mais: manifestou-se particularmente agradado com a hipótese de integração dessas duas estruturas, sendo ele a dirigi-ias.
Quando eu, depois de ponderar, tendo em atenção as circunstâncias de este ano decorrer o processo de reinstalação do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, empreitada na qual estamos particularmente empenhados, com prazos que temos de cumprir escrupulosamente, comuniquei a minha decisão ao Sr. Presidente do Instituto Português de Arquivos, no sentido de que considerava que este ano não era aconselhável nem do interesse nacional proceder a essa integração orgânica, atendendo à agitação que iria causar no Arquivo da Torre do Tombo e no Instituto Português de Arquivos, e que, portanto, este ano devíamos dar toda a prioridade ao processo de rcinstalação, o Sr. Prof. José Matoso transmitiu-me então que, nessas condições, não estava interessado em continuar no cargo, tendo feito, depois, uma série de comentários nos jornais, que me dispenso de referir.
0 Sr. Prof. José Matoso é uma personalidade que merece todo o nosso respeito e que desempenhou, de forma superior, as funções de presidente do Instituto Português de Arquivos. Foi com muita pena que o vi abandonar essas funções. Julgo, no entanto, que o novo presidente, Prof. Dr. P.º Aires do Nascimento, também as exercerá de modo superior. Contudo, só lamento que as razões do que vai acontecendo, principalmente com assuntos tão sérios, nem sempre saiam para a opinião pública de modo integralmente correcto. Mas a culpa não é da Sr.ª Deputada, que, afinal, leu exactamente o que eu li. Portanto, eu é que devia esta explicação à Câmara, que o mesmo é dizer ao País.

Aplausos do PSD.

A Srª. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estreia (PS): - Sr. Secretário de Estado, começo por agradecer as suas informações e, pegando nas suas palavras, esclarecer que, de facto, todas as inforinações me foram veiculadas pela comunicação social, incluindo aquelas que concemem ao Sr. Presidente da República.
Não sei se isso foi oficial ou oficioso, sei que li na comunicação social, daí as minhas perguntas, preocupações e pedidos de esclarecimento.
Sr. Secretário de Estado, não sou uma técnica e, por esse facto, gosto de recorrer aos pareceres dos técnicos. E se é verdade que algumas das suas explicações me deixaram mais tranquila em relação aos efeitos da construção do centro monumental de Belém, no caso do Mosteiro dos Jerónimos há outras questões que ainda me causam algumas perplexidades, mas como está também presente o Sr. Ministro das Obras Públicas, vou deixá-las aos dois.
Como sabem, por baixo das areias há basalto, e foi por isso que esteve prevista a construção de um túnel ferroviário que não foi avante precisarmente pelo receio de que pudesse trazer consequências danosas para o Mosteiro dos Jerónimos.
Concretamente, os sismógrafos do Museu da Marinha têm registado essas trepidações. 15to no que diz respeito

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à fase das fundações porque, depois, numa fase mais adiantada, outros problemas se colocam, nomeadamente as poeiras que advirão da construção e que contribuirão para a poluição do edifício, que poderão, inclusivamente, interferir na morfologia do edifício.
Esta era a preocupação que queria deixar.
Desejava ainda «pegar» nas declarações do Sr. Secretário de Estado em relação aos alertas vários que a Directora do Mosteiro dos Jerónimos fez ao IPPC e que não foram atendidos. 15to veio dar-nos razão quanto às denúncias, que várias vezes fizemos, acerca da grande volta que o IPPC precisa levar.
Não sei se sabe, Sr. Secretário de Estado, que o IPPC, desde há três anos, não publica os relatórios e as contas, que o seu conselho geral não reúne também desde há três anos, quando, estatutariamente, deveria reunir mensalmente, e que o mesmo conselho geral não reuniu, sequer, para se pronunciar acerca da construção do centro monuinental de Belém.
Deixo-lhe mais estas preocupações, Sr. Secretário de Estado.
Em relação ao Orçamento e à não previsão no PIDDAC de verbas que pudessem fazer face a este acidente, também isso me veio dar razão, infelizmente, pois aquando do debate do Orçamento do Estado denunciei a não continuidade e o programa de prevenção e defesa dos valores culturais. Esse programa foi deixado cair, mas, se tivesse sido mantido, provavelmente haveria agora verbas para fazer face a estas situações.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputada, terminou o seu tempo.

A Oradora: - Vou já terminar, Sr.ª Presidente, mas peço-lhe uns segundos de benevolência.
Em relação à Torre do Tombo, congratulo-me com a afirmação do Sr. Secretário de Estado de que vão ser cumpridos os prazos. 15so significa que os mesmos não cstilo comprometidos e que em Maio vamos ter a inauguração da Torre do Tombo.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretario de Estado da Cultura.

0 Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr., Deputada, tomo nota das suas observações, das suas preocupações, da sua reivindicação de razão e compreendo que, a Sr.ª DepuLada, no debate do Orçamento, tenha feito inuitas observações em relação à exiguidade de verbas, mas, crifim, estando aqui nesta bancada, não me há-de levar afinal que, apesar de todas as observações que foram feitas, compreenda as dificuldades de quem tem de fazer tantas opções em matéria de afectação de verbas.
Em relação ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, dir-lhe-ei que iremos tentar cumprir todos os prazos. Porém, quando fala em Maio, embora saiba que é um bonito mês e que tem muitas razões para falarmos nele, devo dizer-lhe que nunca mo foi falado em termos de conclusão da empreitada.
Nós esperamos ter concluído, até final do ano, todo o processo de rcinstalação do Arquivo da Torre do Tombo. E isso que estava previsto. Mas devo ainda dizer-lhe que, mesmo em relação a esse prazo, não deixa de me tirar o sono a preocupação de essa possibilidade não ser cumprida.

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A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado, desculpe interrompê-lo, mas passa-se qualquer coisa de anormal, dado que a Sala está a ficar cheia de fumo.
Vamos interromper a sessão por cinco minutos para averiguar o que se passa e peço para evacuarem ordeiramente a Sala.

Eram 12 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 12 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, a suspensão dos nossos trabalhos ficou a dever-se a uma avaria numa correia de transmissão da caldeira, do que resultou um problema de sobre aquecimento da mesma. Chamados os bombeiros e os técnicos, a avaria foi reparada e, portanto, estamos em perfeitas condições de segurança, e este bem patrimonial, que é o nosso hemiciclo, está perfeitamente acautelado.
Peço desculpa ao Sr. Secretário de Estado da Cultura, a quem dou a palavra para retomar a sua intervenção.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr.ª Presidente, eu estava prestes a terminar a minha intervenção. Registo, no entanto, que o problema se deveu a um sobre aquecimento da caldeira e não do debate, apesar do empenho que todos estamos a pôr nele.
Só para concluir, e até porque já tinha feito referência à questão do sistema arquivístico nacional, desejo dizer, em relação ao ponto que a Sr.ª Deputada Edite Estrela há pouco colocou, que o empenho do Governo no desenvolvimento da rede de arquivos nacionais continua a ser o mesmo.
Entretanto, para terminar e para não tomar mais tempo à Câmara, quero reafirmar a disponibilidade que há pouco manifestei, desejando que seja aproveitada para agendamento de diplomas ou de projectos do Partido Socialista ou de qualquer outro partido, o que, para mim, neste momento, é secundário, pois o que julgo importante é que esta questão da defesa e da salvaguarda do património - e aí quero transmitir a opinião e a posição que é minha, como Secretário de Estado da Cultura, e do Governo -, não é tarefa só de um órgão de soberania, embora ele esteja incumbido de especiais responsabilidades neste domínio.
Por isso, em relação ao Parlamento, como também em relação ao Sr. Presidente da República, já aqui referido, julgo que estamos em presença de algo que merece uma acção concertada com espírito construtivo e que nenhum de nós se preocupe excessivamente em chamar a razão para nós próprios, porque se quisermos apontar chagas no nosso património, tenho a impressão que passamos aqui um dia inteiro. Mas como a obra é meritória, todas as reivindicações de razão que oiça, todas as sugestões que me sejam transmitidas, todas as colaborações que se entendam dever dar à Secretaria de Estado da Cultura e aos serviços dela dependentes são agradecidas.
Quero ainda dizer que o Secretário de Estado da Cultura, o Instituto Português do Património Cultural, através da sua direcção, independentemente da volta que a mesma entenda dar ao IPPC, estão à disposição das competentes comissões e subcomissões parlamentares para todo o tipo de actuação neste domínio para que daqui a décadas - e lembro o especial significado desta década para a história de Portugal - nós não sejamos olhados com desprezo, todos nós membros dos diferentes órgãos de soberania, por aqueles que forem estudar o modo como tratamos do nosso património, da herança dos antepassados

A Sr.ª Presidente: - Para formular uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Loudes HespanhoL

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Falar da acção, do trabalho, da dedicação, da imaginação e da carolice dos professores de Português no estrangeiro é quase como recontar a história da expansão dos Portugueses no mundo.
Disso não irei falar. Imagine a aventura quem a não conhece ou não teve oportunidade de ler, nos últimos tempos, as notícias que têm vindo a público sobre a matéria.
Em 28 Dezembro de 1979, os Ministérios da Educação e dos Negócios Estrangeiros, ao apresentarem o Decreto-Lei n.º 519-E/79, afirmavam:
A dignidade do ensino básico e secundário português no estrangeiro determina que se definam, claramente, os direitos e deveres dos respectivos docentes.
Urge, assim, estabelecer o estatuto do professor, tanto mais que, da sua publicação, resultará uma maior segurança profissional e social daqueles docentes, que determinará melhorias sensíveis no funcionamento daquele ensino.
Passados 10 anos sobre estas afirmações, o PSD - que sempre ocupou a pasta da educação - em 30 de Novembro de 1989, fez sair para França uma nota (não sei se para todos os outros países também ou se cada um recebe uma nota diferente) em que a Sr.ª Directora - Geral afirmava no n.º 1.4:

Os docentes com direito à recondução, nos termos do n.º 4 do Despacho n.º 78/SERE/89, podem, caso o desejem, sujeitar-se à acção de formação e à avaliação.

E acrescenta:

Cumpre-nos esclarecer, no entanto, que, de acordo com o estipulado no n.º 7 do Despacho n.º 60/SERE/89, não pode esta Direcção-Geral tomar posição sobre as incidências futuras dos resultados obtidos, enquanto a discussão sobre o estatuto não for concluída e mesmo publicada.
Sr. Secretário de Estado, tal como foi afirmado em 1979, na introdução ao Decreto-Lei n.º 519-E/79, urge, assim, que se pergunte: tendo estes professores esperado já 11 anos pelo seu estatuto - e não o têm feito de braços cruzados, porque, inclusivamente, têm apresentado propostas para que o estatuto seja uma realidade, realidade essa que, mais uma vez, é expressa na versão do nosso estatuto de professores aqui. em Portugal, segundo o capítulo i, artigo 1.º, n.º 4, onde se diz que «os professores de Português no estrangeiro [...] regem-se por normas próprias» -, será justo que se obriguem os professores com seis anos de serviço (três biénios), ou mais, a realizar uma prova de avaliação? E essa prova previa-se com duas vertentes: uma formativa e outra sumativa, em que a vertente formativa visava tomar o

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professor consciente, embora esta -vertente não tenha existido, e a vertente sumatíva saber se o professor. domina a língua e a cultura portuguesas e as competências pedagógico-didácticas da sua formação inicial, profissional e contínua.
É ao fim de seis anos, ou mais, que se duvida destas competências, Sr. Secretário de Estado?

Vozes do PCP: -Muito bem! ,

A Oradora: -Não parece mais lógico discutir e aprovar o estatuto dos professores de Português no estrangeiro e depois tomar as medidas consonantes com a realidade e as necessidades?
De acordo com o n.º 7 do Despacho n.º 60/SERE/90,
a Direcção-Geral não pode tomar posição sobre as inci
dências futuras dos resultados obtidos, pois tudo depende
do estatuto. Pergunto: como vai ser? Todos os anos um:
novo despacho? Todos os anos os professores em sobres
salto, sem saberem o que vai ser da sua vida?
Para já, são estas as perguntas que lhe deixo, Sr. Secretário de Estado.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa.

0 Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa
(Pedro d'Orey da Cunha):- Sr. Presidente, Srs. Depu
tados: É um facto que o estatuto dos professores do
ensino de Português no estrangeiro ainda não foi
publicado, e correctamente, porque se pensa - e isso foi
decidido, de acordo com as frentes, sindicais - que tal
estatuto só devia ser publicado depois do estatuto, da
carreira docente, já aprovado em Conselho de Ministros
mas ainda nem sequer foi pomulgado. Seria, pois total-'
mente prematuro publicar um estatuto antes desse fàcto.
Mas, entre Dezembro de 1979 e o Despacho n.º 60/SERE/89, muitos outros documentos surgiram.
Em 1986, de acordo com as normas do estatuto, foi publicada a abertura de concurso-que se publica de - dois em dois anos - e, nessa abertura de concurso, correctamente, foram expostas as regras de prioridade e de recondução.
Assim, de acordo com esse concurso, os professores
colocados a essa data tinham direito a recondução -depois
de dois biénios. 15to significa que se introduziu uma
norma de rotatividade comum a todos os docentes que,
na Europa, ensinam línguas de outros países. Os profes
sores de Grego nos países que não a Grécia ou os
professores de Alemão ou de Francês noutros países que
não a Alemanha ou a França, todos eles, estão submetidos
a uma regra de rotatividade, que tem, certamente, muitas
vantagens.

0 Sr. Caio Roque (PS): -15so não é verdade!

0 Orador: -Pois bem; em 1986 foi introduzida essa regra de rotatividade para daí a dois biénios, Portanto, todos os professores sabiam, desde 1986, que este ano não eram reconduzidos automaticamente.- Desde,1986 que o sabiam!
Este ano pensou dar-se uma outra oportunidade aos professores que se encontram no estrangeiro: a de alcançarem uma prioridade sobre aqueles seus colegas que, em Portugal, se sujeitam ao concurso.

Não se trata de reduzir os direitos que os professores têm;...

0 Sr. Caio Roque (PS): - Trata-se, sim!

0 Orador: pelo contrário, os professores não
tinham o direito de ser reconduzidos e agora dá-se-lhes
o direito de poderem concorrer com prioridade relati
vamente aos seus colegas. Mas dá-se uma condição: a de
se submeterem a uma acção de formação, que será
avaliada.
Essa acção de formação é uma acção em autoformação à distância, -como não podia deixar de ser nestas circunstâncias, e se essa acção de formação for considerada satisfatória, ou seja, se eles se submeterem a uma, acão de formação e tiverem-um «satisfaz», então poderão concorrer, com prioridade sobre todos os outros seus colegas que vêm de Portugal.
Dá-se-lhes, assim, uma oportunidade extra: a possibilidade de concorrerem com prioridade sobre os seus colegas.- 15to porque é a primeira vez que a não recondução automática acontece, podendo deste modo os professores gozar de mais esta possibilidade.
De acordo com as regras -de concurso deste ano, os requisitos são muito mais exigentes do que os de antigamente e estão de acordo com a progressiva especialização e aumento de formação que os professores têm tido em Portugal.
Esses professores que vão submeter-se ao concurso, também pela primeira vez vão, ser submetidos a uma prova bastante rigorosa. Portanto, em relação àqueles que
Já lá estão, deu-se a possibilidade de escaparem, por assim dizer, a este processo e, se se submeterem -a uma acção de forinação -e tiverem «satisfaz», poderem, então, concorrer em prioridade.
Creio que foi uma solução que teve em, conta, certamente, o facto de ser a primeira vez que tal acontece e, além disso, a especialização que os professores foram adquirindo ao longo do tempo, necessitando, certamente, da possibilidade de uma acção de formação.
Mas nada disto tem efeitos sobre a progressão na carreira e, por isso, está muito bem dito o que a Sr. Directora-Geral afirmou, ou seja, que este processo, de facto, não tem efeitos sobre a progressão na carreira, porque o estatuto ainda não foi publicado, portanto está -completamente desligado desse processo. Esse «satisfaz» é puramente »confidencial. Ninguém tem de saber que o professor que volta. a Portugal se submeteu ou não à acção de formação.
Há muitos, professores que voltam a Portugal, ou porque é esse o seu desejo ou porque o seu trabalho chegou ao termo. Portanto, este processo não tem efeitos sobre a sua carreira.

A Sr. Edite-Estrela (PS):- Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.º Presidente: -Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Edite--Estrela (PS): -Sr., Presidente, olhando para a Mesa,- não pude deixar de regozijar-me -e não há outra figura regimental para eu registar este acontecimento - pelá facto de os trabalhos estarem a ser conduzidos, única e' exclusivamente, por mulheres.

Aplausos gerais.

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24 DE FEVEREIRO DE 1990

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A Oradora: -Pelo menos, há um momento na vida e no espaço em que as mulheres, que estão sempre em minoria, especialmente nos órgãos do poder, estão em maioria.
Felicitemo-nos por isso.

A Sr.ª Presidente: -Muito obrigada, Sr.ª Deputada. Aliás, associo-me às suas palavras.
Tempo virá em que este facto será comum, ou seja, em que uma Mesa composta só por homens ou só por mulheres será banal. 0 mais corrente será com certeza o de homens e mulheres estarem representados, em todos os órgãos, mais ou menos meio por meio, em paridade.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr a Deputada Lourdes Hespanhol.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Secretário de Estado, não venha falar-mo deste assunto como se se tratasse de uma benesse. Os professores de Português no estrangeiro sentem-se ofendidos, certamente!

0 Sr. Caio Roque (PS): -E têm razão!

A Oradora: -E têm razão! Agradeço ao Sr. Deputado Caio Roque.
Então, qual é a intenção desta prova? É só para ver se os Srs. Professores são competentes, se ainda sabem falar português, etc., para permitir a rotatividade?
Sr. Secretário de Estado, sabemos -e temos provas que em França a Sr.ª Conselheira para o Ensino do Portugues escreveu uma carta, uma circular, a todos os professores. Aliás, não sei se o Sr. Secretário de Estado dispõe dos números, mas posso dizer que, em França, dos 270 abrangidos, 14 fizeram exame; na Suíça, de 12, Fizeram 7; no Luxemburgo, de 31, fizeram 14; na Bélgica, de 7, fizeram 5; na Alemanha, de 135, fizeram 37, isto é, dos 460 professores, só 82 fizeram a prova, o que representa uma percentagem de 19 %.
Mas dizia eu que, em França, aconteceu esta vergonha: foi enviada uma carta, uma circular, a todos os professores rogando-lhes que fizessem a prova e, mais, que justificassem as falias. E passado não sei quanto tempo ainda aceitam os atestados médicos ou as justificações por motivo de uma greve de alguns transportes - greve essa que foi feita à noite e que não implicava em nada com a realização da prova-, invocando igualmente que houve professores que estavam psicologicamente afectados, devido à pouca serenidade que reinava. Inclusivamente, essa carta apela aos que queiram repensar a sua situação para se inscreverem. E mais: já não precisam de fazer duas provas. Basta fazerem uma, que chega. Está escrito e tenho a prova comigo!
Sr. Secretário de Estado, não sei se isto lhe chega para voltar atràs um pouco e explicar-nos para que é que esta prova vai servir, efectivamente.
Conhecemos a legislação que saiu em 1986, sabemos os termos em que ela está feita o sabíamos que, em 1990, as coisas iam mudar. Entretanto, decorreu um período de quatro anos e nada foi feito, nada foi discutido, nada foi negociado. Existe uma prova imposta. E, apesar de terem sido feitas algumas negociações durante o mês de Julho, a Sr.ª Directora-Geral, numa reunião em que participou, disse ter sido obrigada a informar que o despacho relativo a esta matéria já estava aprovado e que Linha sido enviado para publicação. Portanto, estava a negociar-se uma questão, quando ela já estava confirmada.

Ora, isto vem dar-nos, mais uma vez, aquela nota, que é a nota do Ministério da Educação, que aparece sempre como muito dialogante, mas normalmente até já tem para publicação a legislação, nfio como a negociou mas como a idealizou e por forma a resolver os problemas que pretende e da forma que pretende.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa.

0 Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputadbs: Gostava simplesmente de focar três pontos, sendo o primeiro o facto de esta acção que se organizou ser um previlégio, pois desde 1986 que os professores sabiam que rifio eram reconduzidos automaticamente; ora, com esta acção dá-se-lhes a possibilidade de concorrerem com prioridade sobre todos os seus colegas, submetendo-os à acção de formação, que é uma autêntica acção de formação, com vários momentos.
0 segundo ponto prende-se com o facto de esta acção começar com uma prova destinada a promover uma reflexão sobre a prática pedagógica. Ora, sobretudo num país, a acção que se realizou notabilizou-se por uma grande oposição dos professores, como também era de esperar, e aqueles que a fizeram fizeram-na debaixo de uma grande pressão psicológica no sentido de não a fazerem, de tal maneira que Liveram de entrar entre alas formadas pelos seus colegas que os desaprovavam.
Depois de ser realizada esta primeira prova, começamos a receber alguns atestados médicos de professores que a queriam ter feito mas que estav«,un doentes e por isso mandaram os seu atestado médico; outros diziam que gostavam de a ter feito mas que não a fizeram devido à pressão psicológica e posteriormente chegou ate nós o rumor de que nessa altura tinha havido uma greve de transportes.
Para que pudesse ficar claro que este privilégio que sc dava aos professores não podia ser retirado apenas porque alguns professores não gostavam dele, a directora-geral, e depois, por seu intermédio, a coordenadora do ensino em França, escreveu uma carta a todos os professores dizendo que todos aqueles que apresentassem atestado médico ou pudessem justificar que tinham sido impedidos de ir à prova, devido a uma grande pressão psicológica que sentiam ou por causa da greve dos transportes podiam inscrever-se na prova do dia 20 de Março e que depois e isto está na carta-seria comunicada a forma de realizar algo de equivalente à primeira prova.
Portanto, é falso quando se diz que não se pede uma prova equivalente h primeira, sendo esta carta escrita puramente no desejo de que todos os professores possam ter o previlégio de concorrerem com prioridade sobre os seus colegas. 0 facto de alguns professores não o aceitareiri é, creio eu, expressão do facto de não quererem ter prioridade sobre os seus colegas. Esta é a única maneira como posso explicar esta situação.
Portanto, é muito clara a intenção do Governo de dar este privilégio extra aos professores, fazendo-o de uma forma pedagógica -isto é, de forma não adminisLrativa, não dizendo simplesmente que pelo facto de um professor já osLar há seis anos no estrangeiro pode concorrer como se nada tivesse acontecido, com privilégio sobre os seus colegas-, pois enviam-se módulos de formação com as devidas garantias de que podem ajudar os professores a fazer a avaliação.

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Deste modo, não compreendo como é que a Sr.ª Deputada se pode opor a uma acção que é para ajudar os professores, para lhes dar uma previlégio extra, mas, evidentemente, não é uma decisão administrativaque vem dar privilégios a uns professores em contraste com outros.

A Sr.ª Presidente: -Para formular uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidenie, Srs, Membros'do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria salientar o espírito de disponibilidade com que o Sr. Ministro das Obras Públicas se, predispôs a estar aqui presente afim de responder a esta pergunta e a amabilidade -que vai sendo rara e; portanto, é de registar- que teve de informar o deputado perguntante das razões que o impediam de estar presente neste momento. Porém, está presente o Sr. Secretário de Estado e, portanto, é ao Sr. Secretário de Estado que vamos fazer a pergunta que gostaríamos de ver respondida.
Ela situa-se numa área e diz respeito a uma matéria que já nos levou a interrogar o Governo mais de uma,vez nesta Assembleia: é a área da política habitacional.
Recentemente, a imprensa tem feito,eco de uma situação de mau estar neste domínio. Ainda hoje o semanário 0 Jornal, que tenho na minha frente, titula um artigo sobre esta matéria dizendo: «Sisterna de crédito à habitação está falido.» Por sua vez, também recentemente, suponho que na segunda-feira passada, o Diário de Notícias dizia: «Portugueses desistem do crédito à habitação>
É claro que não sou tão perito como o« Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares em matéria de recortes de imprensa, mas, ...

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Mas vai muito bem, Sr. Deputado!

0 Orador: - Vou muito bem, exactamente!... Já esperava esta observação do Sr. Secretário de Estado e queria dizer que estas notícias reflectem dados verdadeiros e verificados.
0 crédito à habitação vai muito mal. Há nestes artigos elementos sobre o número de pedidos de crédito e o número de contratos realizados nos anos de 1988 e 1989 que são efectivamente alarmantes.
Em 1989, pela primeira vez, o número de pedidos foi inferior ao número de contratos realizados, o que significa que os Portugueses já não encaram o crédito à habitação como uma modalidade séria para ascender a essc bem fundamental assegurado pela Constituição e que se traduz numa casa onde morar, já não digo ter uma casa própria, embora, pela filosofia que me inspira, preferisse, que fosse essa a via adoptada, isto é, ter uma casa própria.
Na realidade, o Sr. Secretário de Estado sabe que, em relação ao fim dó ano de 1988, o défice global de habítações no País síLuava-se à volta de 800000 fogos, sendo certo que o saldo anual dos movimcntós populacionais leva a que essc saldo seja acrescido dê cerca de 50000 a 60000 fogos por ano.
Nessa perspectiva, e este entendimento não sofre contestação, entende-.se qúe a iniciativa anual de criação de novos fogos -para resolver o problema'do saldo anual e irá começar a conseguir recuperar esse défice acumulado, que já vai em perto de 900 000 casas deveria situar-se em cerca de 120 000 por ano.

E,o que é que nós temos? Efectivamente, o número de fogos que são construídos todos os anos, dentro das perspectivas mais óprnitistas das Grandes Opções do Plano e do plano de habitação a custos controlados (PDH) de que temos conhecimento, não ultrapassa os 40000 fogos por ano. E mesmo isso são perspectivas optimistas, porque a avaliar pelo que está a ser a política de crédito e pelas enormes incertezas que se acumulam no horizonte em relação a ela, com a passagem de uma política de controlo directo para uma política de controle indirecto, através de um sistema de reservas de caixa generalizado a todas as instituições, existe - uma enorme ignorância do que efectivamente poderá vir a ser esta política e um enorme sobressalto por parte dos que pretendem ter casa.
Esta é uma questão sobre a qual estamos a descorrer em tom cordial, como é próprio do trabalho parlamentar, mas tra, duz-se numa da situações mais dramáticas vividas actualmente pelo povo português.
Por, exemplo, quero recordar a V. Ex.ª que notícias recentes sobro os acontecimentos de revolta nas repúblicas da Transcaucásia atribuem a sua origem a uma enorme falta de casas, que coloca as pessoas num estado de indignação. Ora, eu diria que a população portuguesa está prestes a entrar nesse estado. Como o Sr. Secretário de Estado sabe, não há mercado de arrendamento, não há crédito à habitação e, portanto, não há casas construídas para -habitação própria,. especialmente daquelas camadas que mais necessitariam de um apoio nessa matéria. Não -há, iniciativas apoiadas, verdadeiramente.
Perante isto, a minha pergunta é -só esta: persiste o Governo em manter a política de habitação tal como a definiu e de que conhecemos nas sua linhas fundamentais, ou pensa introduzir algumas inflexões no que respeita a essa- política habitacional? Esta é a questão que neste inomérito queria deixar a V. Ex.a, Sr. Secretário de Estado.

A Sr.ª Presidente: Para responder, tem a palavra o
Sr. Secretário de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores.

0 - Sr. Secretário de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores (Rui Vicente): - Sr., Presidente, Srs. Deputados: 0 Sr. Deputado Nogueira de Brito traçou, -de facto, um cenário negro com base - isto tanto quanto me,apercebi - em números divulgados nos jornais. No entarito, queria chamar-lhe a atenção que nem sempre as campanhas que são feitas nos jornais são feitas a favor de adquirentes de casas. Esse cenário negro, que o Sr. Deputado traçou, baseia-se em alguns números que estão disponíveis, mas o Sr. Deputado não citou outros números que lhe poderei comunicar.
Dé facto, houve uma quebra significativa de alguns indicadores de crédito e da construção habitacional no ano de 1989, comparando-os com os de 1988, que são os seguintes: no crédito concedido à aquisição de fogos houve uma quebra de 3%; o número de contratos para a aquisição de fogos, com juro bonificado ficou pelos -37 322, o que corresponde a uma quebra de 12,6 %; os números de, pedidos formulados para empréstímos de aquisição de fogos com juros bonificados ficaram-se pelos 33 257 - e isto são ainda números provisórios -, o que reflecte uma quebra de 31%.
Mas, Sr. Deputado,,os números disponíveis não são só estes.-O crédito concedido à aquisição de fogos cresceu 14 % e o crédito global concedido ao sector, isto é, cons-

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trução mais compra, cresceu mais 13%. Globalmente, a
evolução do crédito concedido foi positiva. Por outro lado,
os 45 974 fogos concluídos em 1988 e os 46 000 estima
dos para 1989 ultrapassaram todos os resultados obtidos
em decênios anteriores,
0 número de fogos de habitação social -e já que se
preocupa com as classes mais favorecídas - em cons
trução ronda os 10000, ou seja, um número cinco vezes
maior por ano, tomando por referência o ano de 1985.
A prioridade concedida no crédito à construção visa
aumentar o número de fogos disponíveis, a fim de ajustar
a oferta à procura, travando a subida de preços.
0 crédito à compra de fogos de qualidade média, com
juro bonificado, evoluiu contrariamente ao desejável.
A política de habitação teve de aceitar os condiciona
lismos resultantes da política económica global. É evidente
que o Secretário de Estado responsável pela liabitação não
desejaria outra coisa senão o menor número possível des
ses condicionamentos, mas sendo o Sccrctário de Estado
e o Ministro membros de um Governo responsável, com
preendem que uma parte não pode ser plenaiTiente eficaz
se o todo não o for.
Por isso, aceitei esses condicionamentos como o menor
dos males, sabendo que na vida o desejável nem sempre
cabe no possível. A política de habitação não é só política
de crédito à compra de casa própria com juro bonificado,
embora por aí passem as aspirações de boa parte dos que
procuram casa. Ainda há pouco o Ministério das Finanças
reformulou as contas poupança- habitação, tornando-as
mais atractivas, e ontem o Conselho de Ministros aprovou
o novo regime de obrigações hipotecárias,
Outras medidas estão em preparação, como a revisão
dos parâmetros de crédito para a compra de casa de
preços controlados.
Sr. Deputado, o sistema de crédito não está falido, o
que existe é um desajustamento desses parâmctros e essa
situação será corrigida.
0 realojamento das famílias vivendo em condições
degradadas é também objecto de novos impulsos por parte
do Governo. 0 número de fogos objecto de acordos de
colaboração entre o Governo e as câmaras municipais
ultrapassa os 20000 fogos, envolvendo compromissos de
perto de 69 milhões de contos, dos quais 10 000 em
Lisboa, tendo alguns deles sido já entregues aos mora
dores.
As comparticipações do MOP atingem, erri certos
casos, 50 % dos valores dos fogos e em outros o Instituto
Nacional de Habitação comparticipa com 50 % do
financiamento. É uma comparticipação de combate a
situações indesejáveis que ainda se verificam em Portugal,
sobretudo nas regiões de Lisboa e do Porto.
0 programa de desenvolvimento de habitação a custos
controlados prossegue a sua execuçzlo. É de referir igual
mente o apoio financeiro às câmaras municipais, na elabo
ração dos seus planos directores, por parte do ministério,
no sentido de as incentivar a reservar terrenos para a
construção de habitação social.
Há ainda o programa RECRIA, corriparticipado em
60 % pelo ministério e em 40 % pelas câmaras, que tem
permitido remodelar prédios de habitação que lia muitos

anos não eram mexidos. 15to está bem à vista de todos,
como por exemplo na cidade de Lisboa.

Sr. Deputado, para além da concessão de mais ou

menos crédito à compra de casa própria, há ainda muito
a fazer. Estamos atentos e vamos fazê-lo.

Aplausos do deputado João Salgado, do PSD.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Deputado João Salgado, o Sr. Secretário de Estado deu-lhe uma casa, não?

0 Sr. João Salgado (PSD): -Não, não! Comprei a minha casa, e como não sou bancário, paguei os juros a 18%

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): -E pagou sisa?

0 Sr. João Salgado (PSD): -Paguei, sim

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Tem graça, foi exactamente como eu. Também não sou bancário, também pago a mesma coisa!

Risos.

A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Secretário de Estado, concluo da resposta de V. Ex.ª que o Governo está dominado, nesta matéria, por um espírito de grande resignação. Na realidade, o que se passa é o seguinte: os números avançados, inclusivamente por V. Ex.a, significam que não se chega a estancar minimamente as necessidades que anualmente vão acrescendo. Portanto, por razões várias, de política económia, monetária, etc., estamos resignados a não ter política habitacional!

Ora, o que acontece é o seguinte: o Governo, numa perspectiva liberal, em que eu, por via de regra, entendo que até é tímida, desistiu da iniciativa própria em matéria de habitação social. Neste momento, o que acontece é que a administração central não tem iniciativa própria nesta matéria, isto é, não constrói fogos pata os oferecer, designadamente no mercado do arrendamento. Assim, passa essa tarefa para as câmaras municipais e confia, depois, no mercado, apoiando-o através do crédito e do plano de habitação a custos controlados. Portanto, confia nas forças sociais, nas cooperativas, nas câmaras, nos cidadãos e nas instituições de crédito.

Começando pela confiança nas inst.ituições de crédito, devo dizer que ela é algo que equivale a dar com uma mão o que se tira com a outra. E porquê? Confia-se nas instituições de crédito, mas impõe-se-lhes uma política de limites, que não exclui, efectivamente, o crédito para a habitação e, que leva as instituições a não poderem dar resposta satisfatória aos pedidos que lhes estão feitos. Por isso, Sr. Secretário de Estado, é que estamos perante a queda vertical e brutal de 50 % no número de contratos realizados nos últimos tempos na Caixa Geral de Depósitos, como diz, aliás, o seu próprio director, Tomás Correia. E isto não são só os jornais que o dizem, mas resulta de uma entrevista feita por esse director, que aqui cito expressarnente e que, portanto, não pertence ao lobby dos construtores, suponho eu, a não ser que estejamos numa siLuação já muito mais complicada e então teremos de ver o que temos de fazer...

Risos do CDS

Ora, isto compreende-se porque se a Caixa Geral de Depósitos tem uma política de limite de crédito, que lhe é imposta, e não pode responder aos pedidos, as pessoas não se arriscam a desenvolver um processo de compra de

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casa, a pagar um sinal, porventura, para depois não lhes ser concedido o crédito a fim de realizarem o contrato, desistindo, portanto, desta via.
Se esta via falha, se o Governo se demitiu, por razões que considero aceitáveis -e a elas já lá iremos-, de ter uma iniciativa própria, se realmente inscreve no Orçamento verbas exíguas a transferir para as câmaras municipais a fim de as apoiar em projectos deste tipo, se o plano de habitação a custos controlados é também exíguo-e o Sr. Secretário de Estado não fale no RECRIA porque isso serve, fundamentalmente, para pintar as casas por fora e não para as pessoas terem uma casa..

Risos do deputado Narana Coissoró, do CDS.

Sr. Secretário de Estado, o problema agora não só de Lisboa e do Porto. V. Ex., deve estar consciente dos valores que neste momento atingem as rendas das casas em qualquer cidade de província e da inéxistência de mercado para a venda de habitações! Esta é uma situação que não pode manter-se!
A situação é esta e, por isso, gostaria de saber se o Governo está ou não decidido a mudar a sua política, isto é, se não está decidido, pelo menos- temporariamente, a ter iniciativa própria nesta matéria...

Vozes do PS e do PCP: -Muito bem!

0 Orador:- ... e a fomentar o mercado de arrendamento. E é um deputado do, CDS que está a dizer isto claramente, Sr. Secretário de Estado. De facto, não podemos deixar que esta situação permaneça assim, porque ela é de uma enorme ruptura social, repito, é de uma enorme ruptura social, pelo que não podemos mantê-la.
Portanto, se o Governo não está disposto a isto, estará, porventura, disposto a mudar a política de crédito nesta matéria, isto é, a retirar o limite de crédito concedido para aquisição de casa e a fomentar a constituição de sociedades de financiamento hipotecário? De facto, isso não tem acontecido ultimamente, mas sabemos. que há, neste momento, vários pedidos pendentes.
Sr. Secretário de Estado, está ou não o Governo disposto a mexer novamente na regulamentação do regime das rendas de casa? 15to é, está o Governo disposto a contribuir para que haja uma oferta real no mercado de arrendamento?

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

0 Orador: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, estou a ouvir V. Ex.ª falar com tanta ênfase e entusiasmo em relação a esta matéria que gostaria de colocar uma pergunta.
Em primeiro lugar, quero dizer que estranhei a sua
intervenção nesta matéria e o seu apelo ao Estado, sendo
certo que V. Ex.ª se encontra no pendor mais liberalizante
do CDS e as suas intervenções nesta Câmara têm sido
espelho disso. Hoje V. Ex.ª rodou 180º e chegou à con
clusão de que o Estado devia resolver tudo e o Governo
deveria resolver o problema da habitação só por si. Parece
que é esta a conclusão daquilo que referiu. - 15to é parece
que hoje o Sr. Deputado Nogueira de Brito mdou de

SÉRIE - NÚMERO 48

bancada, o que não acredito que aconteça, como é evidente! Tenho muita consideração pelo Sr. Deputado e pela sua actividade política e não acredito que isso aconteça, nem sequer por hoje ser sexta-feira.
Mas V. Ex., teceu uma série de considerações que extravavam deste âmbito e que se reconduzem ao problema da política económica e a pergunta que lhe coloco, em relação à política económica, é a seguinte...

A Sr.ª Presidente: -Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, peço desculpa por o interromper, apesar de todos nós estaremnos a ouvi-lo com imenso interesse, mas na verdade o Regimento hoje foi abolido; e não digam que é por a Mesa ser feminina porque, realmente, a Mesa só deixa seguir a situação porque ela já vinha de trás.
De qualquer modo, Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que seja muito breve, dado que depois a Mesa também vai compreender que o Sr. Deputado Nogueira de Brito terá de fazer um comentário àquilo que o Sr. Secretário de Estado acaba de dizer. Mas, e volto a repetir, peço a todos que o sejam.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): -Como não acrescenta nada, pode falar!

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - 0 Sr. Deputado Narana Coissoró também resolveu intervir, e muito bem, como sempre. Mas, Sr.ª Presidente, o que queria dizer-lhe é que hoje é de facto um dia fora do vulgar, em que a Câmara teve até de ser evacuada. Portanto, todo este ambiete propicia, de facto, que quase haja uma revolta da Câmara contra o Regimento. Veja lá a que eu me associo- nesta altura, e com a permissão e compreensão de V. Ex.ª, como é evidente.
Mas dizia eu, Sr.& Presidente, em relação à intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito, que a questão que queria colocar-lhe se refere à análise que fez da política económica -e não resisti a fazer uma interrupção para lhe colocar esta questão...

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): -Em vez de ser a oposição a fazer perguntas ao Governo, é o Governo que pergunta à oposição!

0 Sr. Secretário de Estado,Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - E evidente! V. Ex.ª agora acertou!
E digo-lhe mais, Sr. Deputado, nesta altura não precisei trazer qualquer papel para colocar uma questão à oposição...

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): -Parabéns!

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: -... e, como é evidente, o Sr. Deputado Nogueira de Brito'também não precisará de qualquer papel para me responder. Estamos a entender-nos perfeitamente, como vê. 15to é que é curioso, bom e vivo em relação...

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): -Essa é uma piada para o lado!

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: -Não é uma piada em relação àquele lado.

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24 DE FEVEREIRO DE 1990

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Mas, Sr. Deputado Nogueira de Brito, em relação à política económica, de que, como é evidente, V. Ex., fez uma apreciação profunda e importante, pergunto-lhe se, na verdade, considera ou não que uma política económica é correcta se pode dar estabilidade, inclusivamente aos mercados. V. Ex.ª não acha que essa é uma das primeiras condicionantes a ter em conta para conseguir um bom resultado naquilo que fala?

A Sr.ª Presidente: -Bem, depois de um minidebate sobre a cultura, temos um minidebate sobre a habitação.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, peço-lhe que seja muito breve,

0 Orador: - Com certeza, Sr., Presidente, serei muito breve.
A questão é a seguinte: realmente a questão da habitação não pode ficar por um minidebate, por isso vamos ter de fazer aqui um grande debate sobre a habitação. Vamos ter de o fazer, porque, Sr. Secretário de Estado, é necessário que se faça um debate que esteja, pelo menos, à medida da enorme situação de carência e da angústia enorme que,essa mesma situação causa a milhões de portugueses. E um debate a essa medida que vamos ter de fazer nesta Câmara e o CDS é, obviamente, sensível a isto.
Na verdade, o CDS entende, Sr. Secretário de Estado, que os atrasos são de há muitos anos. Há 20 anos que não se fazem mais do que 40 000 fogos por ano em Portugal, e esse número decresceu nos últimos anos.
Quando o déficite; é de uma tal natureza, entendemos que não podemos continuar a esperar que o mercado seja reconduzido a uma situação de estabilidade, que não é sua neste momento. Este mercado não tem condições de estabilidade, de funcionamento equilibrado -não tem -, pois a maior parte das pessoas que carecem de uma habitação não têm condições para aceder ao mercado do crédito, ao mercado de compra e quase não têm condições para aceder ao próprio mercado de arrendamento. Por isso, temos, efectivamente, de optar por soluções cirúrgicas extraordinárias, Sr. Secretário de Estado.
Porém, sem torcer os princípios em que acredito, sem realmente ser infiel a esses princípios, entendo que, neste ponto, vamos ter de fazer uma inflexno, e se não houver uma intervenção pública em matéria de oferta no mercado de arrendamento, nunca mais vamos conseguir resolver este problema.
Mas se a par com esta intervenção pública não houver finalmente uma alteração substancial do próprio regime jurídico de arrendamento, não vamos conseguir resolver esta situação, porque, como vimos, a tímida alteração que foi introduzida há alguns anos por iniciativa desta Assembleia não produziu efeitos. Já no produz efeitos e não há mercado de arrendamento neste momento.
Ora, a maior parte dos portugueses que necessitam de casa não tem capacidade para comprar casa própria. Não tem capacidade, nem com crédito bonificado, de forma nenhuma! E portanto é esta a situação que temos de resolver.
Esperava que houvesse, nesta matéria, um grande consenso, porque isto é indiscutível, e como a situação é indiscutível, o diagnóstico também o é, Por isso, esperava uma situação de compreensão e que houvesse uma resposta por parte do Governo a várias questões, como, por exemplo, quando é que o Governo está disposto a

mudar a sua política e que medidas de política é que tem para fazer face à situação de calamidade nacional, que é a que se vive em matéria de habitação.

Aplausos do CDS, do PS, do PCP e do PRD.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, agradeço muito ao Sr. Deputado António Guterres o facto de não ter prescindido da interpelação que solicitou há pouco à Mesa, porque realmente assistimos a uma situação em que a caldeira pouco perigo apresentou, embora tenha provocado algum incómodo, mas em que a palavra quase levou a uma situação de explosão. Portanto, repito, muito obrigado pela compreensão.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores.

0 Sr. Secretário de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, o Governo não entende que deva mudar a sua política de habitação, porque esta não é meramente a soma de um conjunto de princípios articulados e que variam consoante o sabor das ocasiões. 0 que acontece é que entendemos que a política de habitação, Sr. Deputado, assenta num conjunto de bases que tem dado bons resultados até agora,

Risos do CDS.

... e, Sr. Deputado Nogueira de Brito, o crédito habitação é apenas uma dessas componentes.
Referi a existência de um desajustamento do crédito à habitação mas disse também que os parâmetros estavam a ser alterados, que estamos a trabalhar nesse sentido.
0 regime de arrendamento, Sr. Deputado, é uma situação que dura há muitos anos, não é de agora, que tem mesmo algumas dezenas de anos, como o Sr. Deputado sabe tão bem ou melhor do que eu, e é outro dos factores que está a ser equacionado neste momento. 0 Governo estuda, como está no seu Programa, uma redinamização desse mercado.
Fiquei espantado, Sr. Deputado, quando -e se calhar fugiu-lhe a boca para a verdade -, em vez de se referir ao programa de habitação a custos controlados, falou em plano de habitação a custos controlados, como os seus colegas daquele lado gostam mais de falar.

Risos.

0 Sr. Deputado calcula que existe a necessidade de construir 120 000 fogos por ano para atacar a fundo essa carência de 800 000 fogos, que são números perfeitamente atirados para o ar, sem o mínimo de fundamento, e, aliás, gostaríamos de saber quem é que os iria construir.
Sr. Deputado, a propósito da iniciativa das câmaras municipais e do Estado na construção da habitação social, quero ainda referir que o Governo entendeu, e bem, que a iniciativa da administração central nessa matéria tinha fracassado - por exemplo, o Fundo de Fomento de Habitação foi um fracasso.
Sr. Deputado, nunca se construiu tanta habitação social como neste, momento. Os números provam-no e terei muito prazer em trazê-los ao seu conhecimento.
A colaboração com as câmaras municipais tem dado muitos frutos e, como lhe digo, em dois anos e meio de aplicação do Programa de Desenvolvimento de Habitação

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1 SÉRIE - NÚMERO 48

há compromissos que envolvem «perto de 60 milhões de contos, o que prova, não haver retrocesso na construção de habitação social
Cometeram-se erros, na avaliação dessas necessidades e ninguém está melhor colocado do que as câmaras municipais para, sendo bem apoiadas pelo Governo, poderem avaliar essas necessidades e avançarem. Não substimemos o poder local, pois- sabemos que ele tem, muita importância e tem - feito, muitas coisas de que, todos nos podemos orgulhar.
As cooperativas, que têm um excelente relacionamento com o nosso Ministério, nunca foran tão apoiadas como agora e nunca construíram tanto'.como neste momento.
De qualqper maneira, percebo que tenha falta de alguns
elementos que terei muito prazer em enviar, pelo que bre
vemente receberá um dossier com toda essa documen-
tação.

Aplausos do PSD,

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, a sessão arrastou-se por algum tempo mais do que ouvido, mas isso foi fruto do consenso entre o Plenário e `a Mesa para podermos cumprir a ordem de trabalhos. Julgo, contudo, que este prolongamento foi frutuoso.
A próxima reunião plenária terá, lugar no dia'6 de
Março, terça-feira, com período de antes -da,ordem do dia,
sendo o período da ordem do dia e constituído pelas
ratificações nº 98/V, 35/V, 108/V e a discussão do
projecto de lei n.º 479/V, sobre acesso ao, ensino. superior.

Está encerrada a sessão.`

Eram 13 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Depu
tados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

João Soares Pinto Montenegro. Mário Júlio Montalvão Machado

Vítor Pereira Crespo.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Amorim.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:,

Partido Social-Democcrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos. Álvaro José Rodriguès Carvalho. António Fernandes Ribeiro.
António Maria Pereira. António Sérgio Barbosa de AzeVedo. Carlos Manuel Pereira Baptista. Fernando José Antunes Gornes Pereira. Flausino José Pereira da Silva.

Henrique Nascimento Rodrigues.
João Costa da Silva.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Manuel Aibino Casimiro de Almeida.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva. António Domingues de Azevedo. Antonio Poppe Lopes. Cardoso. Carlos Manuel Natividade Costa Candal. Francisco Fernando Osório Gomes. Joé Luís do Amaral Nunes. Joisé Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. Manuel Alegre de Melo Duarte. Máfia do Céu Oliveira Esteves. Maria Julieta Ferreira B. Sampaio. Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português '(PCP):

Ana Paula da Silva Coelho. Domingos Abrantes Ferreira. José Manuel Antunes Mendes. Lino António Marques de Carvalho.. Maria Ilda Costa Figueiredo. Octávio Rodrigues Pato. Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido, Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa. Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins,

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.

Raul Fernandes de Morais e Castro

AS REDACTORAS: Maria leonor Ferreira-Ana Maria Marques da Cruz-Maria Amélia Martins.

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