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Quarta-feira, 7 de Março de 1990 I Série - Número 49
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE MARÇO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque Júlio
José Antunes Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRI0
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 489/V e das propostas de lei n.ºs 131/V e 132/V, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) chamou a atenção do Governo para a importância da portugalidade no campo da política externa portuguesa. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pacheco Pereira (PSD), João Amaral (PCP), Adriano Moreira (CDS), Silva Marques (PSD) - que também exerceu o direito de defesa da honra -, Marques Júnior (PRD) e Barata Rocha (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD) deu conta das conclusões saídas das Jornadas Parlamentares do PSD, realizadas em Lagos, respondendo a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Lello (PS), Carlos Brito (PCP), Alberto Martins (PS) e Marques Júnior (PRD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP), a propósito da recente remodelação em dois ministérios, criticou alguns aspectos da política do Governo e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Cardoso Ferreira (PSD).
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 38 e 39 do Diário e um voto de congratulação, apresentado pelo PCP, pela passagem dos 700 anos da fundação da Universidade de Coimbra.
Foram ainda aprovados um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado independente e dois pareceres da mesma Comissão autorizando que um Sr. Deputado intervenha em tribunal como testemunha e denegando a suspensão do mandato de um outro para ser presente em tribunal, tendo também sido lido um relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Procedeu-se à apreciação da ratificação n.º 98/V (PS, PCP, PRD, Os Verdes e deputado independente João Corregedor da Fonseca) (Decreto-Lei n.º 374/89, de 25 de Outubro, que aprova o regime do serviço público de importação de gás natural liquefeito e gás natural, da recepção, armazenagem e tratamento do gás natural liquefeito, da produção de gás natural e dos seus gases de substituição e do seu transporte e substituição). Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Energia (Nuno Ribeiro da Silva), os Srs. Deputados fida Figueiredo (PCP), José Sócrates (PS), Carvalho Martins (PSD), Manuel dos Santos (PS), Barbosa da Costa (PRD) e João Proença (PS).
Foi feita a discussão conjunta, na generalidade, das ratificações n.º 35/V (PCP) (Decreto-Lei n.º 354/89 de 12 de Outubro, que estabelece os princípios gerais do acesso ao ensino superior) e 108/V (PCP) (Decreto-Lei n.º 33/90, de 24 de Janeiro, que introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 354/88, de 12 de Outubro, que aprova o regime de acesso ao ensino superior) e dos projectos de lei n.º 479/V (PS/CDS) - (Acesso ao ensino superior e 488/V (PCP) - Cria um novo regime de acesso ao ensino superior.
A diverso título, intervieram, além dos Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação) e do Ensino Superior (Alberto Ralha), os Srs. Deputados Paula Coelho (PCP), Carlos Coelho (PSD), Barbosa da Costa (PRD), António Barreto (PS), Adriano Moreira (CDS), Herculano Pombo (Os Verdes), António Filipe (PCP), Fernando Conceição (PSD) e Vítor Costa (PCP).
Entretanto, foram aprovados, na generalidade, a proposta de lei n.º 127/V e o projecto de lei n. º 186/V (CDS) e rejeitados os projectos de lei n.ºs 485/V (PS), 484/V (PRD) e 485/V (PCP), relativos à Lei de Bases da Saúde.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando ^de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Miguel de Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
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Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º 131/V, sobre o regime jurídico das assembleias distritais, que baixou à 6.º Comissão, e 132/V, que autoriza o Governo a aprovar a legislação sancionatória referente aos ilícitos de mera ordenação social praticados no âmbito da criação e funcionamento de instituições de ensino superior particular e cooperativo, que baixou às 3.ª e 8.ª Comissões, e projecto de lei n.º 489/V, apresentado pelos Srs. Deputados António Guterres e outros, do PS, sobre a lei reguladora da actividade publicitária, que baixou à 3.ª Comissão.
Forma também apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e Sérgio Ribeiro; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Rogério Brito; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira e Carlos Luís; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Filipe; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís, Barbosa da Costa, Almeida Cesário e Álvaro Viegas; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados João Salgado, Luís Roque, José Lello, Lalanda Ribeiro e Carlos Brito; ao Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Herculano Pombo e Maia Nunes de Almeida; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Herculano Pombo, Maia Nunes de Almeida e Gomes Pereira, e ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Rogério Brito.
Por sua vez o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Mota, na sessão de 21 de Agosto; António Lopes e Jerónimo de Sousa, na reunião da Comissão Permanente do dia 4 de Outubro; Lourdes Hespanhol, na sessão de 29 de Maio; Ilda Figueiredo, na reunião da Comissão Permanente do dia 20 de Setembro; Barbosa da Costa, na sessão de 24 de Outubro; Pegado Lis, na sessão de 2 de
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Novembro; Sérgio Ribeiro, nas sessões de ,28 de Novembro e 25 de Janeiro; João Salgado, na sessão de 9 de Novembro; Elisa Damião, nas sessões de 9 de Novembro e 6 de Dezembro; José Apolinário, na sessão de 21 de Novembro; Rogério Brito, na sessão de 22 de Novembro; Miranda Calha, na sessão de 28 de Novembro; Osório Gomes, nas sessões de 30 de Novembro e 5 de Dezembro; Manuel Filipe e António Coimbra, na sessão de 5 de Dezembro; Julieta Sampaio e José Apolinário, na sessão de 6 de Dezembro; Carlos Brito, na sessão de 14 de Dezembro; Caio Roque e António Filipe, na sessão de 20 de Dezembro; João Amaral, na sessão de 9 de Janeiro; Reinaldo Gomes, na sessão de 18 de Janeiro; Luís Roque, na sessão de 23 de Janeiro; Herculano Pombo, André Martins e Poças Santos, na sessão de 25 de Janeiro, e Cláudio Percheiro, na sessão de 21 de Fevereiro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de tanto a agenda dos trabalhos de hoje como o boletim informativo não referirem, por razões óbvias, a discussão conjunta das ratificações n.ºs 35/V e 108/V, ambas do PCP, que tem a ver com alterações ao ensino superior.
Juntou-se a este conjunto de diplomas o projecto de lei n.º 479/V, do PS e do CDS, relativo ao acesso ao ensino superior.
Por outro lado, na conferência de líderes parlamentares ficou acordado que se analisaria também o projecto de lei n.º 488/V, do PCP, que cria um novo regime de acesso ao ensino superior.
É necessário, pois, ter em consideração que o debate de hoje engloba todo o conjunto de diplomas referentes ao acesso ao ensino superior.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, tanto eu como outros camaradas da minha bancada entregámos na Mesa, no passado dia 22 de Fevereiro, um voto de congratulação pela passagem dos 700 anos da fundação da Universidade de Coimbra.
Relativamente a esta matéria pensamos que estão vencidos os prazos e que hoje poderia haver consenso no sentido de se proceder a esta votação, dado que não foi possível que ela tivesse lugar na passada quinta-feira, dia esse que coincidia com o aniversário da passagem dos 700 anos, ou seja, com o dia 1 de Março.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Hoje o Partido Comunista Português também faz anos!
O Sr. João Amaral (PCP): - Mas ainda não são 700! O Sr. Pacheco Pereira (PSD): -Pois não, são 69! O Sr. Silva Marques (PSD): - Uma provecta idade!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como membro da Universidade de Coimbra é óbvio que não levanto qualquer objecção a que se vote hoje o voto de congratulação apresentado pelos Srs. Deputados do PCP. No entanto, há tempos idos, indiquei na conferência de líderes parlamentares que a Assembleia da República deveria tomar
uma iniciativa própria relativamente à comemoração dos 700 anos da Universidade de Coimbra.
Acontece que existem duas datas oficiais e uma outra quase oficial sobre a criação da Universidade. Na realidade, as datas oficiais são as constantes das cartas dos bispos portugueses ao Papa pedindo-lhe a criação da universidade portuguesa. Essas cartas são de 1288 e, portanto, os 700 anos passaram-se há cerca de dois anos.
Pouca gente, entre nós, aceita essa data como a do início da universidade portuguesa, mas quase todos aceitamos que o seu início corresponde à data da bula do Papa Nicolau IV, a qual não tenho presente se é de 6 ou de 8 de Agosto de 1290.
Há alguns anos atrás - se a memória me não falha, julgo que foi em 1968 - levantou-se a questão do dia 1 de Março, que não corresponde propriamente à data da criação da universidade portuguesa.
Nada tenho contra a aprovação do voto e presumo que o mesmo se passará em relação aos diversos grupos parlamentares. Em todo o caso, a Assembleia da República, em devido e oportuno momento, deverá fazer a manifestação condigna dos 700 anos da universidade portuguesa.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, seguramente por lapso, da ordem do dia de hoje não consta a votação do elemento que integrará o Instituto Nacional do Ambiente. Assim, teremos de resolver se esta eleição deverá ou não ter lugar hoje ou se, por decisão de que não tive conhecimento mas que poderá ter sido tomada por qualquer razão, deverá ser realizada noutro dia.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tive a mesma dúvida esta manhã. No entanto, por razões que os Srs. Deputados conhecem, não estive presente nas duas últimas conferências de líderes. Assim, como não vi inscrita essa eleição na ordem do dia de hoje julguei que teria havido algum acordo para alteração da data.
Ninguém me pôs o problema mas, se os serviços competentes estiverem em condições de preparar o respectivo boletim, podemos proceder hoje a essa eleição. Se tal não acontecer, adiá-la-emos para outro dia. Portanto, Sr. Deputado, dar-lhe-ei a resposta precisa dentro de alguns instantes.
Pausa,
Sr. Deputado, a informação que me chegou foi a de que a eleição para o elemento que integrará o Instituto Nacional do Ambiente foi adiada para o dia 8 de Março.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, não era essa a nossa ideia. Penso, no entanto, que o melhor será não levantar questões e proceder, no dia 8 de Março, à eleição do novo membro para o Instituto Nacional do Ambiente.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª poderá ter a sua interpretação sobre a data da criação da universidade portuguesa, mas penso que, oficialmente, na passada quinta-feira, na presença do Sr. Presidente da República, comemorou-se a fundação dessa universidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Porém, não foi apenas da fundação da universidade portuguesa, mas sim da fundação da Universidade de Coimbra.
O Orador: - Cada um de nós pode ter a sua opinião. Mas as entidades a quem, em última análise, por serem as mais interessadas, compete determinar estas datas já fizeram essa comemoração.
Penso que o facto de a Assembleia da República - e para isso o Sr. Presidente tem todo o nosso apoio pois nas nossas jornadas parlamentares fizemos mesmo uma proposta nesse sentido-, institucionalmente, vir a encontrar uma iniciativa que se associe, de uma forma digna, a esta efeméride em nada impede que, em termos regimentais e de acordo com a data oficialmente consagrada, que é o dia l de Março, se vote regimentalmente o voto que apresentámos. A não ser que, regimentalmente, haja impedimentos nesse sentido!...
Aliás, creio, Sr. Presidente, que, afinal, não foi nem no dia 6 nem no dia 8 de Agosto que se criou a Universidade de Coimbra, mas sim no dia 9 de Agosto de 1290!... Porém, o congresso que ontem se iniciou em Coimbra sobre a história da universidade portuguesa consagra o 1 de Março como o dia do seu aniversário.
Isto, no entanto, pouca importância tem para este caso! O importante é que no passado dia l de Março se comemoraram os 700 anos da Universidade de Coimbra e, por isso, esta Assembleia, na data mais próxima, já que não o pôde fazer no próprio dia l de Março, deverá assinalar essa efeméride.
Portanto, propomos, Sr. Presidente, caso não haja qualquer impedimento, que se proceda à votação desse voto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tanto aquilo que referi como aquilo que V. Ex.ª disse mostra que estamos basicamente de acordo!...
Apenas quis anunciar, paralelamente à sua afirmação, que a Assembleia iria comemorar os 700 anos da universidade portuguesa. Mas também disse que nada obsta a que se proceda hoje à votação do voto apresentado pelo PCP, que se encontra na Mesa.
Portanto, julgo que estamos todos de acordo! Apenas quis dar uma explicação adicional sobre as comemorações que a Assembleia da República deve fazer.
Srs. Deputados, estão inscritos, para declarações políticas, os Srs. Deputados Manuel Alegre, Pacheco Pereira e Lino de Carvalho.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, presumia que se votaria de seguida o voto apresentado pela bancada do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, normalmente deixamos isso para o fim do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - De acordo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política externa do nosso país deve ter como objectivo essencial a defesa e a irradiação da portugalidade: uma língua, uma cultura, uma convivência multissecular com outros povos e outros continentes. A viragem histórica operada com a adesão às Comunidades não é incompatível com a prossecução daquele objectivo. Pelo contrário: exige, na solidariedade com os países comunitários, um esforço redobrado de criatividade, por forma a afirmar na construção europeia a singularidade portuguesa.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Exige, também, que o governo, qualquer que ele seja, tenha em conta que a política externa, visando a consecução de grandes desígnios do País, terá tanto mais força e projecção quanto menos partidária for e quanto mais se alicerçar em grandes consensos nacionais. Não se trata de pôr em causa a condução da política externa pelo Governo; trata-se de sublinhar que uma política externa digna desse nome deve reflectir o todo nacional e não apenas uma óptica partidária.
Portugal teve o privilégio de assumir a presidência do Comité de Ministros do Conselho da Europa no momento em que esta velha instituição europeia se tornou no principal fórum do diálogo Leste-Oeste. É uma oportunidade para afirmar, de maneira criadora, a posição de Portugal no contexto europeu e de aí levarmos a experiência de um país onde se deu a primeira revolução precursora da grande mudança democrática que percorre a Europa e o mundo.
Mas as poucas notícias que nos chegam não são animadoras. Conhecem-se as propostas apresentadas pela Secretária-Geral Cristine Lalumière. Não se sabe, ao certo, o que o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal propôs ao Conselho da Europa. No discurso que pronunciou, em inglês, perante a respectiva Assembleia Parlamentar causou espanto a proposta que fez no sentido da participação do Canadá e dos Estados Unidos no Conselho da Europa. Uma tal proposta é duplamente estranha: estranha a objectivos nacionais portugueses e estranha ao estatuto e ao espaço do Conselho da Europa.
Compreende-se que o Conselho da Europa possa ter uma política de diálogo e intercâmbio com as grandes democracias de outros continentes, incluindo, naturalmente, o Canadá, os Estados Unidos, mas também o Japão. Não se vê por que razão o Canadá e os Estados Unidos devam integrar-se no Conselho da Europa. Tanto mais que existe a Assembleia Parlamentar da NATO e a Conferência de Segurança e Cooperação Europeia. Aí, sim, é a sede própria para a participação dos referidos países no debate sobre os problemas postos pelas grandes transformações que estão em curso.
Trata-se, enfim, de uma infeliz originalidade, idêntica à das suas afirmações, antes de qualquer outro ministro da Comunidade, sobre a unificação da Alemanha ou à do voto, que afinal não se sabe se foi a favor ou contra, sobre as sanções à África do Sul.
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Preferíamos um outro tipo de originalidade. Uma originalidade traduzida em propostas concretas para o alargamento do debate europeu no seio do Conselho da Europa e para uma nova projecção dos valores culturais e históricos que constituem o património singular e único do nosso país.
Por isso nos parece necessário e urgente um debate sobre esta matéria. Gostaríamos de ter a felicidade de ouvir o Sr. Ministro e de o ver aqui explicar, se possível em português, qual o seu plano para a presidência portuguesa no Comité de Ministros do Conselho da Europa.
E, desde já, afirmamos a nossa disponibilidade e o nosso apoio para que ela possa ser uma presidência digna e prestigiante para Portugal. Seremos os primeiros a bater palmas ao Governo se este as merecer. Mas reivindicamos o direito de discutir, na sede da representação nacional, uma política que em nosso nome é feita e a todos nos compromete.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem.
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mas não é só na Europa que este é um tempo de mudanças nunca dantes visto. Assiste-se, por todo o lado, ao chamado «efeito Perestroika», ao fim da estrategização, à caducidade dos conceitos globalistas, ao perecimento da lógica dos blocos e a uma nova atitude perante os problemas do desenvolvimento e dos direitos do homem. Outra é também a abordagem das questões regionais. Como sublinhou recentemente um conhecido analista, «a desglobalização estratégica» produz efeitos semelhantes tanto em países aliados da União Soviética como em países pró-ocidentais. Confirmam-no as recentes eleições democráticas na Nicarágua. Mas também as reformas empreendidas pelo Presidente De Clerk, cuja coragem cumpre saudar, nomeadamente no que se refere à libertação de Nelson Mandela, herói da luta anti-apartheid e um dos grandes símbolos do nosso tempo.
O novo processo iniciado na África do Sul, a próxima independência da Namíbia, a evolução política em Moçambique e as reformas recentemente anunciadas pelo Presidente Eduardo dos Santos constituem outros tantos indícios de mudanças profundas na África Austral. Mudanças essas relativamente às quais Portugal pode e deve desempenhar um papel ditado pela história, pela língua, pela experiência e pelos múltiplos laços e interesses que nos ligam àquela região. E isto, não no sentido de fazer da questão africana - particularmente de Angola - uma questão interna portuguesa, nem de projectarmos neste aspecto essencial da nossa política externa os nossos conflitos e querelas do passado, mas no sentido de definirmos, sem sectarismos nem fixações obsoletas, uma política de Estado verdadeiramente nacional, capaz de dar um novo impulso e um futuro novo aos laços da língua, da história e do próprio sangue.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!
O Orador: - Conforme foi assinalado no encontro realizado em Luanda entre os responsáveis angolanos e o Ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, está em marcha o processo conducente ao fim do apartheid e do partido único. Está igualmente em marcha um novo tipo de relacionamento entre países até agora divididos pelo conflito e pela guerra. Mas, como costuma dizer o Sr. Deputado Adriano Moreira, é necessário que «as armas da paz substituam as armas da guerra». A paz em Angola e o desmantelamento total do apartheid são condições fundamentais para a estabilidade e para o próprio sucesso das mudanças em curso em toda a região. Em nome do Partido Socialista tenho a honra de sugerir que seja formulado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República um convite a Nelson Mandela para visitar o nosso Parlamento; que uma delegação da Assembleia da República, preferencialmente composta por membros da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, se faça representar nas próximas cerimónias da independência da Namíbia, país onde vai iniciar-se a experiência de uma democracia pluralista em África; que essa mesma delegação, ou outra, se desloque à África do Sul, para aí contactar com representantes do Governo, do ANC e de outras forças políticas e também com a comunidade portuguesa que, neste tempo de mudança, deve ser informada, ouvida, acompanhada de perto e sobretudo esclarecida para que não se precipite e para que não se repita a vergonha de uma bandeira nacional numa manifestação racista e neonazi.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Penso, aliás, que as manifestações racistas -c ainda hoje houve notícia de mais uma - têm de começar a ser combatidas com vigor na ordem interna. Se algo há de profundamente contrário à cultura e à tradição de Portugal, é o racismo. Irradique-se, quanto antes, esta praga da sociedade portuguesa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Portugal tem uma palavra a dizer em África, nomeadamente em Angola: a que lhe for solicitada pelas partes interessadas, mas também a que soubermos suscitar e sugerir pela nossa estratégia própria, pela nossa habilidade diplomática e política.
A contribuição de Portugal para a paz em Angola exige, em primeiro lugar, a despartidarização e desideologização da posição portuguesa relativamente às partes em conflito. Portugal tem com Angola relações de Estado a Estado. Para além das nossas simpatias ou antipatias pessoais, não temos, a este nível, de tomar partido pelas partes em confronto. Fazer do conflito angolano uma questão interna portuguesa é uma atitude que enfraquece a posição de Portugal. Angola está no nosso coração, mas não é nossa. É um país soberano e a nossa contribuição para a paz só será viável se for a expressão de uma atitude adulta, de uma posição de Estado.
Em segundo lugar, o abandono de quimeras megalómanas, como a da tão propalada mediação portuguesa. A solução do conflito angolano não pode deixar de passar pela mediação africana. A contribuição de Portugal deve ser no sentido de criar condições para que essa mediação se converta numa mediação angolana. Só o diálogo entre Angolanos pode conduzir à paz. Ninguém melhor do que os próprios Angolanos para realizar a necessária mediação e lançar as bases para a construção de um futuro de paz na grande nação irmã.
Também nesta matéria é urgente debater em sede própria, aqui, na Assembleia da República, a política africana de Portugal.
Há, naturalmente, iniciativas que exigem discrição. Mas uma estratégia nacional relativamente a uma tão grande prioridade da nossa política externa não pode ser considerada e tratada como um segredo de Estado.
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O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Qual é essa estratégia?
Sabe-se de iniciativas pontuais do Secretário de Estado Durão Barroso que podem ser entendidas como globalmente positivas. Mas não é claro que tais iniciativas se inscrevam numa estratégia global, coerente e eficaz.
Muito se diz mas pouco se sabe dos resultados concretos da cooperação.
Teremos verdadeiramente uma estratégia da língua e uma política de cooperação cultural? Teremos uma estratégia de cooperação em áreas tão importantes como a educação, a saúde, as forças armadas?
Ouve-se falar com frequência em novos mercados, números, negócios. A cooperação passa, certamente, por aí, mas a cooperação portuguesa com África não pode reduzir-se a uma visão mercantilista e negocista.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Uma vez mais pergunto: onde estão os centros culturais portugueses, onde estão as escolas, os professores, os livros, o apoio programado e coerente ao ensino do português, à formação de quadros, à preservação e desenvolvimento das relações culturais?
É urgente uma estratégia da língua e do livro português, é urgente uma política cultural para a África.
Aplausos do PS.
O Orador: - A nova situação mundial criada pela desglobalização estratégica atrás referida possibilita a Portugal, mais do que nunca, a afirmação de uma estratégia própria. Não temos de ser mais papistas do que o Papa. É tempo de pôr de lado o ultrapassado conceito de uma política intermediária de estratégias alheias. É tempo de uma estratégia autónoma, verdadeiramente portuguesa e autenticamente nacional.
Portugal precisa de uma estratégia africana ditada não tanto pelas nossas particulares ideologias, mas, sobretudo, se assim se pode dizer, pela ideologia do interesse nacional.
Pela nossa parte, aqui deixamos o compromisso de apoiarmos todos os esforços que nesse sentido forem feitos. E aqui deixamos também a nossa reivindicação ao direito de debatermos as grandes linhas de uma estratégia africana de Portugal.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - A Administração Portuguesa tem de começar a ser preparada, desde já, para o exercício da presidência das Comunidades em 1992. Como sublinhou o Sr. Presidente da República, é necessário que a presidência portuguesa seja encarada numa óptica nacional e não partidária.
Cabe ao governo, qualquer que ele seja em 1992, garantir que assim seja. Cabe a este Governo a responsabilidade de tomar, desde já, as medidas adequadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal precisa de uma política externa imaginativa, capaz de assegurar a defesa e irradiação daquilo que no mundo o identifica e singulariza. Não é tarefa para um só partido ou só para um governo, qualquer que ele seja! É uma tarefa para todos nós para que a nova política externa, mais do que a cor partidária de quem conjunturalmente governa, afirme sobretudo, simbólica e permanentemente, as cinco quinas de Portugal.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Pacheco Pereira, João Amaral, Adriano Moreira, Silva Marques, Marques Júnior e Barata Rocha.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, ouvi com atenção a intervenção que fez, que não é mais do que uma descrição mais ou menos narrativa de alguns factos de política externa a que se soma uma lista de urgências que é unanimemente reconhecida por todos nós. Ora, entre nós não faz diferença enunciar as urgências dessa maneira, mas gostaria de me pronunciar sobre um ou outro aspecto da sua intervenção.
O Sr. Deputado referiu várias vezes que a política externa não deve ser partidarizada. Estamos todos de acordo em relação a isso, mas deve haver uma distinção essencial: a política externa é conduzida, no âmbito das suas competências específicas, pelo Governo e pelo Sr. Presidente da República. O facto de ser conduzida pelo Governo não significa que seja, por essa circunstância, partidarizada.
A última coisa que se passa com as políticas é que elas tenham de ser resultado de um consenso nacional. Não há consensos nacionais sobre política externa, como não há sobre muitas outras matérias, e daí não deriva mal nenhum.
O problema é que a oposição - e as oposições devem ser ouvidas sobre todas as matérias - deve ter e usar os instrumentos de intervenção que tem ao seu dispor, como, por exemplo, a Assembleia da República, mas a condução da política externa é sempre, em todos os países do mundo, da responsabilidade dos governos. Ora, os governos emanam dos partidos, conduzindo a política externa em função de uma determinada interpretação do interesse nacional.
O que seria útil para nós era que o Sr. Deputado viesse aqui dizer em que é que, no conteúdo da política externa portuguesa, o interesse nacional é sobreposto ou minimizado em relação ao interesse partidário. Assim, como nada nos disse em relação a isso, a sua afirmação não tem qualquer espécie de conteúdo!
Se o Sr. Deputado nos quiser dizer, em concreto, em que medida, em que acto, em que prioridade é que o interesse nacional foi transformado no interesse partidário, aceito a discussão. Porém, estar apenas a tecer críticas de que a política externa não deve ser conduzida pelo Governo, mas sim na base de um consenso interpartidário ou de uma participação interpartidária, isso perverte o próprio funcionamento das instituições democráticas.
A responsabilidade é do Governo e do partido que o apoia, que responderão ao eleitorado, em 1991, aquando das eleições, pelas medidas que tomaram. E isso não é nenhuma espécie de vago consenso interpartidário! Isto é válido quer para a gestão corrente da política externa, quer para todos os outros actos mais importantes a que Portugal tem direito.
É esta a principal objecção que gostaria de colocar, não obstante haver outras que, certamente, os meus colegas irão referir.
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Devo dizer, Sr. Deputado, que não vejo grande utilidade em intervenções como a que V. Ex.ª produziu. De facto, não nos disse nada de concreto sobre as críticas que faz ao Governo!
Se o Sr. Deputado disser que é urgente fazer uma política de promoção da língua portuguesa e do livro, responder-lhe-ei que sim. Porém, tem de me dizer, em função dos meios, recursos e prioridades, em que é que o Governo não o faz. Nesse caso aceito discutir! Caso contrário, este tipo de críticas não introduz qualquer espécie de saber no nosso debate e representa apenas a manifestação de uma lógica de oposição.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Manuel Alegre, em nome da minha bancada quero registar a importância da intervenção que fez pelo seu conteúdo e oportunidade, nomeadamente por trazer ao Plenário da Assembleia da República questões de política externa sobre que, com carácter relevante, com continuidade e com frequência, a Assembleia se deve debruçar.
O que até ao momento se tem verificado por parte do Governo na condução de uma política fragmentária e contraditória no campo da política externa é o facto de, propositadamente, este se divorciar da opinião da Assembleia da República e do debate desses temas centrais. Ora, isso tem efeitos notoriamente negativos.
Aliás, a actualização de conceitos globais, que era necessária, não está a ser feita no quadro e nos termos que seria necessário. Por exemplo, temos agendado, para a semana que vem, a adesão à União da Europa Ocidental num quadro que bem mereceria ser totalmente reponderado numa perspectiva política que devia ser totalmente renovada face à própria renovação da vida no continente europeu.
Sr. Deputado Manuel Alegre, entende ou não que seria extremamente útil, necessário e urgente promover aqui um debate onde o cerne da questão fossem os conceitos fundamentais, desde logo o próprio conceito estratégico de defesa nacional, em lermos de podermos actualizar o pensamento nacional as novas realidades em transformação na Europa e no mundo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, não posso deixar de considerar importante uma intervenção de um porta-voz do PS em matéria de política externa. De facto, não posso deixar de considerar isso importante porque é preciso que alguém levante a voz a respeito de algumas coisas que não correm bem na nossa definição de política externa.
E, naturalmente, todas as circunstâncias nos fazem perceber que, se por vezes os deputados da maioria podem acompanhar isso, têm muita dificuldade em tomar iniciativas nessa matéria. De facto, não é preciso divinizar a responsabilidade do Executivo para conduzir a política externa, que é da responsabilidade exclusiva do próprio Executivo. No entanto, é à Câmara a quem compete criticar o Executivo, ao contrário do que aconteceu; na realidade, foi o Executivo que, há poucos dias, se lembrou de criticar a Câmara.
De facto, começou a circular por aí um papelinho que, na nova linguagem diplomática creio que se chama no paper, onde o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros estranhava a atitude dos Srs. Deputados numa reunião, salvo erro, do Conselho da Europa. Ora, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não é o nosso prefeito de estudos e, na realidade, quem tem competência para criticar a política externa do Governo é a Assembleia da República.
A Sr.» Edite Estrela (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ora, aquilo que podemos e devemos estranhar é que ainda não há muitos dias houve em Dublin uma conferência sobre a África do Sul e no dia seguinte a Sr.ª Thatcher estava no Parlamento a explicar qual era a política da Inglaterra, onde ninguém tem dúvidas de que a condução da política externa é da exclusiva responsabilidade do Executivo. Não há ninguém que saiba isso melhor que a Sr.ª Thatcher e não há nenhum chefe de partido que discipline melhor o seu partido do que ela própria. Contudo, ela vai ao Parlamento explicar a política externa.
Risos do PS.
Ora, uma das coisas que me parece importante e que foi referida na intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre é que temos uma total falta de coordenação na intervenção dos órgãos de soberania em política externa. Assim, não podemos querer que seja possível organizar uma intervenção de consenso da política externa. Não há nenhuma relação institucionalizada deste Parlamento com a representação parlamentar no Parlamento Europeu; não temos nenhuma relação institucionalizada com os nossos parlamentares no Conselho da Europa, que é uma instância cada vez mais importante na política europeia; não temos nenhuma organização institucionalizada com os nossos representantes na Assembleia da NATO.
Não é, pois, possível que se considere que existe uma falta de articulação em relação à exclusiva responsabilidade do Executivo no que respeita à condução da política externa. Este é um ponto para o qual gostaria de chamar a atenção da Câmara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, da intervenção que produziu tive dificuldade em retirar alguma indicação positiva, construtiva. Aliás, o meu colega de bancada Sr. Deputado Pacheco Pereira já assinalou isso.
V. Ex.ª referiu-se a diversas questões em termos genéricos, que subscrevemos. Mas convenhamos que é relativamente inútil discursar para esse efeito! Se no discurso que produziu o Sr. Deputado disse algo de não
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genérico foi, de facto, uma referencia concreta à hipótese de convite a Nelson Mandela. Porém, em relação a isso, Sr. Deputado, devo dizer que V. Ex.ª acabou por denegar precisamente a maior parte dos princípios gerais que tinha formulado.
Creio ser de excessiva ligeireza e -permita-me a suspeição de instrumentalização demasiada da nossa política externa e dos nossos interesses externos em benefício das iniciativas ou das conveniências de um partido a sua forma de agir, Sr. Deputado. Terá V. Ex.ª ouvido, previamente, sobre essa formulação o Sr. Presidente da República? O Governo? Os representantes dos nossos 600 000 portugueses na África do Sul?
Inclusivamente, Sr. Deputado, acharia mais natural que essa tomada de posição pública fosse feita pelo seu colega deputado da emigração. Aliás, devo dizer-lhe, com toda a franqueza, que, ou consideramos sem consequências, sem significado e sem responsabilidade esta Tribuna e esta instituição e, inclusive, maxime, o nosso mandato, ou, então, em nome, precisamente, dos princípios que acabou de formular, devíamos tomar um pouco mais de cautelas e de sobriedade em relação a questões tão importantes. Sobretudo, devíamos tomar algumas providências cautelares, como seja a de ouvir - não a de nos submetermos - as entidades que, pelas suas funções institucionais ou pelos seus interesses imediatos, mais teriam a ver com a questão.
Assim, certamente que o Sr. Deputado ouviu, tomou parecer do Sr. Presidente da República, do Governo, que conduz a política externa e da comunidade portuguesa na África do Sul.
O Sr. Deputado dir-me-á, em resumo, que pareceres foram esses para que, ião à vontade, tenha formulado um convite sobre uma questão da maior importância que, a priori, não rejeito.
Dando de barato a afirmação de que se as nossas representações no Conselho da Europa não tem aqui mais expressão e informação é por nossa culpa, visto que elas pertencem a esta Casa e são dirigidas por ilustres colegas, queria apenas salientar que, em minha opinião, se o Ministro dos Negócios Estrangeiros português falou em inglês, isso e natural, porque tanto o inglês como o francês são as duas línguas oficiais do Conselho da Europa. Aliás, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros interveio enquanto presidente do Comité de Ministros do Conselho da Europa!
Quero ainda dizer que, nos últimos tempos, se conseguiram grandes sucessos nas matérias que o Sr. Deputado referiu, designadamente a localização, em Lisboa, do centro Norte/Sul precisamente patrocinado pelo Conselho da Europa.
Finalmente, gostaria de dizer que vários governos socialistas governaram Portugal e, certamente preocupados com a nossa escassez financeira, nunca pagaram as despesas para que o Sr. Deputado pudesse falar em português no Conselho da Europa. Pois bem, é graças ao actual Governo que hoje tanto eu como todos os meus colegas, em Estrasburgo, podemos falar em português nas reuniões do Conselho da Europa!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, mais do que para fazer um pedido de esclarecimento, gostaria de aproveitar a oportunidade para manifestar o meu apoio e o do meu grupo parlamentar em relação à intervenção produzida por V. Ex.ª.
Penso que quanto aos conceitos não existem questões divergentes; aliás, os próprios colegas deputados do PSD já disseram estar de acordo relativamente à generalidade da intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre.
Porém, o mesmo não acontece em relação a um aspecto que me parece muito importante e que, desde o princípio até ao fim, está presente na intervenção do Sr. Deputado, ou seja, a necessidade de na Assembleia da República se suscitarem os debates relevantes que, posteriormente, têm repercussão relativamente aos compromissos que, através do Executivo, Portugal tem de assumir. De facto, ninguém contesta que quem tem de desenvolver e de aplicar a nossa política externa é o Executivo. Porém, independentemente de haver ou não consensos, isso nunca dispensará a Assembleia da República de, relativamente às matérias mais relevantes da nossa política externa, fazer preceder essas decisões dos debates relevantes que, por princípio, devem ter lugar na Assembleia da República.
Assim, o facto de o Sr. Deputado Manuel Alegre ter referido alguns elementos que do seu e do nosso ponto de vista, em termos de política externa, são relevantes, se outro mérito não tivesse, pelo menos teria o de alertar os deputados da Assembleia da República para aquilo que é importante e relevante. Todos os dias o Governo Português tem de assumir, no âmbito das suas responsabilidades, compromissos e seria desejável que esses compromissos estivessem em sintonia com a Assembleia da República.
Quer o debate sobre programas e perspectivas da acção de Portugal, agora que Portugal está a presidir ao Comité de Ministros do Conselho da Europa, quer o debate relativo à política africana de Portugal, quer, inclusivamente, a sugestão que o Partido Socialista fez, através do Sr. Deputado Manuel Alegre, no sentido de a Assembleia da República convidar Nelson Mandela a vir a Portugal e de autorizar uma delegação da Assembleia da República a ir à cerimónia da independência da Namíbia são questões que nos devem levar a reflectir, porque são importantes e susceptíveis de gerar, na Assembleia da República, o debate que se impõe.
A este propósito, gostaria também de sublinhar o que disse o Sr. Deputado João Amaral, porque considero muito importante e ilustra bem aquilo que a Assembleia da República deveria fazer e não faz. Assim, por exemplo, dentro de oito dias, a Assembleia da República vai ser chamada a pronunciar-se sobre uma questão de importância relevante, que é a ratificação do acordo de adesão de Portugal à UEO. De facto, trata-se de uma componente relevante e importante da nossa política externa, em que Portugal vai, provavelmente, ratificar o pedido de adesão e sobre o qual não houve o mínimo debate na Assembleia da República.
E diria mais, na generalidade das questões cie política externa, terminam aqui, na Assembleia da República, os debates que não tiveram início porque nunca existiram. O facto de o Sr. Deputado Manuel Alegre alertar para questões deste tipo é por si relevante, pelo que, mais do que fazer um pedido de esclarecimento, gostaria de solidarizar-me com a sua intervenção.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barata Rocha.
O Sr. Barata Rocha (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, V. Ex.ª referiu na intervenção que produziu que só o diálogo entre os Angolanos pode protagonizar a paz e acentuou este pormenor.
O Sr. Deputado referiu ainda que «Portugal medianeiro nunca!» Entende V. Ex.ª que as posições assumidas pelo Governo de Angola poderão constituir propostas para a paz, a qual é, efectivamente, desejada por todos? E refiro as posições do Governo de Angola: integração da UNITA nas forças governamentais; manutenção de partido único; eleições, quando? Constituição de partidos políticos, nunca!
Entende também o Sr. Deputado que a UNITA é ou não uma força a ter em conta quer no quadro político, quer ainda no âmbito económico e militar e, consequentemente, é ou não uma parte interessada na procura da paz em Angola?
Perante estas questões, gostaria de saber se a procura da paz se deve reduzir exclusivamente ao diálogo entre Angolanos ou se se deve estender a outras forças que, efectivamente, procuram a paz e que não adoptam posições extremamente ridículas como as que, actualmente, estão a ser adoptadas em relação à procura da paz em Angola.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª disse coisas óbvias que nem era preciso vir aqui enunciá-las visto estarem na Constituição e termos conhecimento delas. Já todos sabemos que a condução da política externa cabe ao Governo. Aliás, eu não disse nada que contestasse esse princípio constitucional.
Em relação à política externa, também sou partidário do máximo denominador comum. Não ponho em causa que um governo faça política externa de acordo com as suas opções programáticas ou até de natureza ideológica, mas sublinhei que seria bom que, pelo menos nas grandes linhas da política externa portuguesa, se buscasse o máximo denominador comum. Creio, pois, que isso não é incompatível com o facto constitucionalmente consagrado de a política externa portuguesa ser conduzida pelo Governo.
Por isso, o objectivo essencial da minha intervenção foi suscitar um debate, criar aqui um hábito novo, romper com o que tem sido uma infeliz tradição em Portugal, ao contrário do que se passa na maior parte dos Parlamentos europeus.
De facto, não temos o hábito de discutir a política externa aqui em Plenário, nem tão pouco, sequer, a política de defesa. Ora, se algum mérito teve a minha intervenção - e parece que sim, pelo menos, face às intervenções de alguns Srs. Deputados -, foi o de chamar a atenção para a urgência e para a necessidade de criarmos aqui um hábito novo, isto é, o de discutirmos as grandes linhas de algo de essencial para o nosso país, como seja a sua política externa.
Assim, não compreendo que, num momento destes, em que o Conselho da Europa é o fórum principal do diálogo Leste-Oeste, em que o Sr. Ministro dos Negócios
Estrangeiros anda a percorrer os diferentes países do Leste, pois ele viaja por toda a Europa, não venha aqui dizer-nos o que é que anda a fazer, o que é que propõe. Ora, eu não tenho conhecimento de nada! Ele pode estar a propor coisas excelentes, mas eu não tenho qualquer informação. E seria normal que a tivesse, porque em todos os Parlamentos isso é normal. Assim, seria normal que o Sr. Ministro, antes de assumir a presidência do órgão comunitário, antes de propor o que quer que seja ao Conselho da Europa, desse, pelo menos, uma informação ao órgão de representação nacional, que é a Assembleia da República.
Por outro lado, fiz críticas ao Governo, nomeadamente no que se refere à política de cooperação, e volto a dizer que não temos uma estratégia coerente para a cooperação. Não temos uma estratégia da língua nem uma estratégia do livro!
O Sr. Deputado fala-me dos recursos. Ora, devo dizer que há muitos anos que me refiro a esse aspecto e até já fiz essa crítica em relação a governos que eram da responsabilidade do meu partido.
Na verdade, com as dotações orçamentais que temos não é possível que Portugal tenha uma política de cooperação, uma estratégia da língua ou uma estratégia cultural à altura das suas responsabilidades históricas. Não temos! Quem visita a África e os países africanos de expressão oficial portuguesa sabe que é assim. Aliás, alguns deputados do seu partido podem confirmar que é assim!
De facto, Portugal está muito longe de responder às suas obrigações históricas e àquilo que esses países lhe solicitam e que é possível fazer com os nossos meios e os nossos recursos, desde que a política de cooperação tenha a presidi-la critérios políticos e culturais, os tais critérios ditados pela permanência dos valores nacionais, e não apenas economicistas, financistas ou mercantilistas.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Creio, pois, que Portugal é um país onde há a separação de poderes: ao Governo compete conduzir a política externa, à Assembleia da República compete debatê-la.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Silva Marques, devo dizer que não tenho de perguntar ao Sr. Presidente da República nem tenho de pedir licença ao Governo para dizer o que entendo aqui nesta Assembleia.
O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!
O Orador: - Estamos num país democrático onde há separação de poderes e estar-se-ia a subverter por completo a ordem democrática se fosse necessário que, para debater uma matéria de política externa, eu tivesse de perguntar ao Sr. Presidente da República ou de pedir ao Governo se me davam licença para o fazer.
Em relação à questão que o Sr. Deputado Silva Marques colocou, devo dizer que falei em nome do Partido Socialista e em nome do deputado da emigração. Em relação a Nelson Mandela - e saudei antes, porque penso que é justo faze-lo, a coragem e a ousadia do Presidente De Clerk -, creio que, além do convite que lhe foi formulado pelos Chefes de Estado de países das Comunidades que são aliados de Portugal, o próprio Presidente da República também formulou um convite para ele vir a Portugal. Pelo menos, li isso na imprensa!
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É também minha convicção de que nada defenderia melhor os interesses portugueses do que uma vinda de Nelson Mandela a Portugal, promovendo-se com os órgãos do poder português, com o Sr. Presidente da República e, naturalmente, com o Governo, com a Assembleia, um debate sobre o futuro da comunidade portuguesa na África do Sul.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Porventura que nada tranquilizaria mais os Portugueses, nada seria melhor para defender os interesses da comunidade portuguesa na África do Sul do que a visita do líder histórico do ANC a Portugal.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Silva Marques, se não me engano, V. Ex.ª foi um dos deputados, juntamente com outros deputados socialistas, que até propôs e se bateu para que nós pudéssemos falar português. Ora, eu estive lá muitos anos e nunca tive essa possibilidade; tive de falar sempre em francês, como outros tinham de falar em inglês. Por isso, essa até foi uma iniciativa louvável!
Mas, Sr. Deputado, em que língua é que fala o Ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol quando lá vai?
Se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros português, sendo presidente do Comité de Ministros do Conselho da Europa, tem possibilidade de falar a língua portuguesa, que é o principal património que nós temos, e se todos fazemos discursos e grandes retóricas sobre «a minha pátria é a língua portuguesa», por que razão é que ele fala outra língua que não a sua? Porquê?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr Deputado?
O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas neste momento não dou licença que me interrompa.
Sr. Deputado, o embaixador de Portugal na África do Sul foi falar com Nelson Mandela à sua residência e penso que o fez de acordo com o Governo. Ora, creio que esse, sim, tem de consultar o Governo, na medida em que é embaixador e representa o Executivo. E se lá foi é porque o Governo Português entendeu, e creio que bem, que o futuro da África do Sul passa, inevitável e fundamentalmente, por Nelson Mandela.
Aliás, creio que se tratou de uma iniciativa louvável, que contribuiu, certamente, para tranquilizar os Portugueses. Mas mais importante seria ele estar presente aqui nesta Casa e podermos falar com ele acerca do futuro da África do Sul em geral e, em particular, da comunidade portuguesa.
Quanto à questão do inglês e do português, Sr. Deputado Silva Marques, temos dito. Penso que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, como os principais representantes dos órgãos de soberania, em reuniões e em grandes instâncias internacionais, por muito bem que falem línguas estrangeiras, devem falar a nossa língua, que é a quinta língua mais falada no mundo.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!
O Orador: - E não se pode fazer aqui um discurso sobre o português para, lá fora, falar inglês ou francês!
Creio, pois, que todos temos o dever cultural de, nas grandes instâncias internacionais, falarmos numa língua que é uma língua de cultura em crescimento e que é algo que nos identifica e singulariza.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado João Amaral, agradeço as palavras que proferiu.
Obviamente, entendo que é útil um debate sobre o Conselho Estratégico de Defesa. Aliás, penso que isso já foi proposto, nomeadamente, pelo meu camarada Sr. Deputado Jaime Gama. É, pois, urgente debater os novos conceitos estratégicos de defesa, como é urgente debater as grandes questões da política externa, e temos aqui os responsáveis governamentais por essa política. Em primeiro lugar, para que nos digam o que é que pensam sobre essa matéria e, em segundo lugar, para que a Assembleia, tendo conhecimento, se possa também pronunciar.
Agradeço igualmente as palavras do Sr. Deputado Adriano Moreira. No essencial, estou de acordo com o que disse.
É evidente que também nós temos algumas culpas no cartório! É evidente que, por exemplo, a nossa Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação não tem o mesmo estatuto nos Parlamentos de outros países e até tem sido esvaziada de muitas das suas atribuições. De facto, competiria a esta Comissão, em colaboração com o Sr. Presidente da Assembleia da República, coordenar e acompanhar a representação externa da Assembleia, nomeadamente nas instâncias a que se referiu no Conselho da Europa e noutras.
Quanto a mim essa é, pois, uma matéria que deve ser objecto de debate. Aliás, ela tem sido objecto de debate e de conversa na Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e até há um consenso entre os deputados de todos os partidos sobre essa matéria. No entanto, ela tem de ser também objecto de debate em sede própria, provavelmente na conferência de líderes.
A Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação é a sede própria para se definirem as grandes coordenadas do que deve ser a política externa da Assembleia da República, que não é uma política que se substitua à do Governo ou do Presidente da República, mas que deve ser complementar, sobretudo no que se refere às suas relações quer com outros parlamentos quer com os parlamentos transnacionais onde está representada e onde estão presentes deputados portugueses.
Assim, estou inteiramente de acordo de que essa situação tem de ser revista e, porventura, todos teremos de fazer uma autocrítica. Faço votos para que a Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação passe a ter um estatuto de acordo com aquilo que lhe é exigido pela própria natureza do nosso regime e da Assembleia da República.
Em relação àquilo que disse o Sr. Deputado Marques Júnior, quero agradecer as suas palavras e a sua solidariedade.
Penso que o Sr. Deputado Barata Rocha não compreendeu aquilo que eu disse, na medida em que não referi que «Portugal, medianeiro, nunca». O que disse foi que, pela natureza própria das coisas, um conflito como o de Angola passa por uma mediação africana. Assim, seria desejável que essa mediação acabasse por se con-
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verter - como, aliás, tem sido proposto por grandes personalidades de Angola - numa mediação angolana e que a melhor contribuição que Portugal poderia dar seria a de fazer algo no sentido de que assim acabasse por acontecer.
O Sr. Deputado referiu-se à UNITA. Obviamente que a UNITA é uma das partes interessadas! Sendo um dos partidos armados, é óbvio que não pode haver paz em Angola sem o diálogo com a UNITA, sem o diálogo entre as partes interessadas! Isso também faz parte da natureza das coisas! Se há um conflito entre o partido do Governo e um outro que se lhe opõe de armas na mão, a paz passa também pelo diálogo entre eles. Mas não só!
De facto, uma das preocupações que temos tido -e alguns avanços nesse sentido têm sido feitos pelo PS - é a de que a paz em Angola passa pelo diálogo entre todos os angolanos e, provavelmente, até pela emergência de outras forças angolanas. Mas, neste caso concreto, para substituir as armas da guerra pelas armas da paz o necessário é criar as condições para que haja o diálogo entre as partes que estão em confronto. Isso é óbvio!
Aplausos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra ao abrigo da figura regimental da defesa da honra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, antes de lhe dar a palavra para esse efeito, quero apenas dizer - e isto não tem a ver directamente com o Sr. Deputado mas com um facto aliás já algumas vezes apreciado em conferência de líderes - que o período de antes da ordem do dia está a exceder-se mais do que devia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu fundamento o meu pedido, se V. Ex.ª o desejar.
O Sr. Presidente: - Não é disso que se trata, Sr. Deputado.
Estão ainda inscritos para declarações políticas os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Lino de Carvalho. Começámos há uma hora o período de antes da ordem do dia, o que quer dizer que a hora e meia que está estipulada para este período é capaz de não chegar. Todos nos comprometemos a uma contenção nestes períodos para mantermos os períodos regimentais.
Assim, Sr. Deputado, vou conceder-lhe a palavra para exercer o direito de defesa da honra, tal como tenho feito. No entanto, não quis deixar de fazer esta consideração depois do que se debateu, na última vez, na conferência de líderes parlamentares, ou seja, pedir a todos os Srs. Deputados que usem o mínimo possível as figuras regimentais.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, a observação que fez só demonstra que eu linha razão quando, no último debate da revisão do Regimento, propus que, tal como os Italianos, tão faladores como nós ou mais, a defesa da honra tivesse lugar no fim do debate! Mas eu fui vencido, sem qualquer dúvida, nesse momento!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Invoco seriamente o direito de defesa da honra pelo seguinte: é que o Sr. Deputado Manuel Alegre não respondeu, de forma frontal, às questões que eu, com a falibilidade própria de qualquer ser humano, lhe coloquei frontalmente. Ora, é confrangedor, Sr. Deputado, que não sejamos capazes de travar um debate político sem cerimónias, com frontalidade e sem fugir às questões.
De facto, referi que compreendia que o Ministro dos Negócios Estrangeiros tivesse falado inglês porque, na circunstância, ele falava como presidente do Comité de Ministros do Conselho da Europa.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Mas isso é mau!
O Orador: - Sr.ª Deputada, outros têm usado essa língua e não vejo por que é que o Ministro dos Negócios Estrangeiros português há-de cometer um excesso que eu diria caricatamente de afirmação quando, ao mesmo tempo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros se tem exprimido em português noutras circunstâncias onde é mais adequado e razoável que o faça, como seja na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, e ainda mais recentemente, no próprio Funchal. Ora, o Sr. Deputado sobre isto nada me respondeu!
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - E qual é a língua que se fala no Funchal?
O Orador: - Refiro-me a uma reunião do Conselho da Europa, Sr.ª Deputada! Só que V. Ex.ª não está a par desses trabalhos!
Hoje aqui mesmo se criticou o Governo por causa disso quando, pura e simplesmente, os Srs. Deputados, ainda há pouco, pediram e foi agendado um debate, só que não foi sobre as actividades do Conselho da Europa! Mas essa foi a vossa opção, Srs. Deputados! Portanto, peçam para ser agendado um debate sobre o Conselho da Europa e com certeza, se houver tempo, o líder da minha bancada não se irá opor a isso porque somos imensa e ilimitadamente liberais, sobretudo quando se trata de ouvir os socialistas. Só que os Srs. também têm de nos ouvir!
É sobre isto, Sr. Deputado, que gostaria que desse a sua opinião, sem subterfúgios. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, tal como outros ministros, na qualidade de presidente e presidindo ao Comité de Ministros do Conselho da Europa, falou em inglês. A mim parece-me razoável, não só porque outros o fizeram mas dentro da lógica institucional. Por isso, Sr. Deputado, parece-me confrangedor que ele seja criticado pelo facto de não ter falado em português porque o português deve ser falado.
Ora, abordei outro ponto sobre o qual o Sr. Deputado pouco disse, ou não disse o fundamental! De facto, em relação a esse ponto o Sr. Deputado apenas disse uma coisa muito bonita, ou seja, que ambos nos batemos por isso. Ora, travámos, e com grande prazer, muitas lutas em conjunto. Mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª não deve cortar uma parte da história! Nós, eu e o Sr. Deputado, colegas meus e colegas seus, exigimos, batemo-nos para que o Governo «abrisse os cordões à bolsa» e introduzisse o português no Conselho da Europa. Só que foi o Governo de Cavaco Silva que o fez e nenhum outro!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª tem vindo a perder, progressivamente,
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o sentido de humor, o que é algo que me preocupa! É que eu fiz uma ironia e é evidente que essa ironia continha uma crítica.
Sr. Deputado, até posso compreender que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tenha falado em inglês, até porque sei que gosta muito de falar inglês.
Mas, já que me põe a questão, devo dizer que também enunciei aqui um princípio: penso que é desejável que os responsáveis portugueses - sejam eles o Sr. Presidente da República, membros do Governo ou deputados desta Assembleia em Parlamentos transnacionais ou instâncias internacionais - prioritariamente falem português. Evidentemente que isso é uma «picuinha» da intervenção que produzi! O Sr. Deputado é que acabou por transformá-la numa questão!
No entanto, já que colocou o problema, devo dizer que enunciei um princípio: devemos falar português porque é a nossa língua e porque é uma língua em crescimento, em África, no Brasil, etc. Devemos bater-nos por isso. Se os Africanos e os Brasileiros o fazem, não há razão nenhuma para que nós, Portugueses, o não façamos também.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Agora é uma «picuinha» mas há pouco não era!
O Orador: - Quanto ao facto de ter sido o Governo de Cavaco Silva que «abriu os cordões à bolsa», devo dizer que não tenho dúvidas algumas em bater palmas ao Governo quando é preciso fazê-lo. Portanto, se foi este Governo que «abriu os cordões à bolsa», muito bem! Porém, parece-me que o terá feito inutilmente se os ministros portugueses continuarem a falar línguas estrangeiras.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realizaram-se em Lagos, no passado fim-de-semana, as Jornadas Parlamentares do PSD. No âmbito dos seus debates e no conteúdo das suas conclusões, as Jornadas Parlamentares responderam à preocupação de proceder não só a um balanço da actuação do Grupo Parlamentar do PSD, como a uma reflexão sobre as condicionantes parlamentares e políticas em que decorre a nossa actuação.
Neste sentido, traduziram a vontade de «reforçar a iniciativa política do grupo parlamentar, entendendo-se por isso um protagonismo político próprio do grupo parlamentar no âmbito da Assembleia da República, essencialmente voltado para o debate político das grandes questões nacionais, para o confronto de ideias e de soluções com as oposições e para a formulação de novas questões e novos temas no sentido de dar uma direcção ao debate político que traduza a visão do mundo e da sociedade que é própria do PSD».
Tal será acompanhado pelo reforço da iniciativa legislativa do grupo parlamentar não só no sentido de complementar a iniciativa legislativa do Governo, como também traduzindo preocupações e sensibilidades próprias dos deputados.
Para obter estes objectivos torna-se necessário repensar a estrutura, a forma e as funções da actuação parlamentar na dupla vertente de mudar qualitativa e quantitativamente os modos e os meios de acção dos deputados.
Tal passa, essencialmente, pela alteração da relação entre os trabalhos do Plenário e os trabalhos das comissões, combatendo uma tradição parlamentar centrada na retórica do Plenário a favor de um trabalho realizado em comissão, acompanhando, aliás, uma tendência comum a todos os Parlamentos democráticos.
A dar-se este processo de modernização da actividade parlamentar, ele tem de passar pelo reforço do papel individualizado da intervenção do deputado. Para tal é necessário intensificar e melhorar qualitativamente o fluxo de informação no interior da Assembleia, melhorar o apoio político, técnico e logístico à acção dos deputados, coordenar o plano nacional da acção parlamentar e a sua componente internacional e intensificar, através de uma definição mais clara e de canais mais eficazes, o inter-relacionamento entre o Governo e os deputados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Jornadas Parlamentares realizaram-se num momento em que se inicia um novo ciclo político. Este ciclo político é caracterizado por uma acentuada competitividade entre o PSD e o PS e por um crescente mimetismo político do PS face às propostas e soluções do PSD.
De facto, os anos de 1987 a 1990 assistiram ao mais vasto programa de reformas que Portugal conheceu desde 1974. Essas reformas tocaram todos os sectores- estrutura e forma do Estado, saúde, fiscalidade, relações internacionais, finanças públicas, etc.
Como todas as reformas que se querem realmente fazer e não imaginar em abstracto, tiveram de ser condicionadas pela realidade da situação económica do País, pela conflitualidade social, pela capacidade da máquina administrativa do Estado, por timings e condicionantes legais.
Muitos destes factores condicionantes foram herdados, outros traduzem determinantes estruturais que não podem ser mudadas a não ser em prazos mais longos do que aqueles de que dispõe um governo. Tudo o que deriva desta simples coisa que toda a demagogia faz por esquecer é que Portugal não é um país onde não se tenha de ter a máxima precaução na gestão de recursos escassos. Ou seja, Portugal não é um país rico, e fazer tudo ao mesmo tempo, sem recursos, sem tirar daqui para pôr ali, contentando toda a gente, não é matéria da ordem da política, mas da ordem da magia. E eu não acredito, como fazem as oposições, na fada madrinha nem na sua varinha mágica.
Mas se não há varinha mágica, alguém fez as coisas que aconteceram, e se a culpa não deve morrer solteira, o mérito também não!
Ora, ninguém lutou tanto no plano político e partidário, ninguém deu tantos passos para a efectivação de um programa de desmantelamento do Estado revolucionário de 1975, como o PSD.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Outros também o defenderam - com soluções umas vezes próximas, outras distantes do PSD -, mas nunca estiveram em condições de governar, pelo que a sua vontade não pode ser testada na prática. Mas se há algum partido alheio a esta fonte de legitimidade é o PS. O PS não teve qualquer papel decisivo em qualquer destas realizações! Não se lhe devem nem as privatizações, nem o fim do Serviço Nacional de Saúde, nem a liberalização do sector da comunicação social, mas, pelo contrário, devem-se-lhe em todos os momentos crucias em que era preciso decidir e o PS
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podia decidir - como na revisão constitucional de 1982 e em muitos momentos de governação socialista - a sistemática manutenção do statu quo revolucionário.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O PS sempre encontrou argumentos de circunstância para o fazer em nome teórico do socialismo, embora, na realidade, as motivações práticas fossem a defesa de uma relação clientelar entre o partido e o Estado, um receio de perder mecanismos de controlo social e um estilo desleixado de governação.
Na verdade, sobre todas estas matérias as posições do PS são recentes: datam da última revisão constitucional e foram tomadas num momento em que já ninguém, com excepção do PCP, as defendia. Se o PS considerava as privatizações tão necessárias ao País, por que razão é que não tomou, ele próprio, a iniciativa de as defender antes da revisão constitucional em vez de as transformar em instrumento de negociação? Só negoceia quem dá alguma coisa que é sua em troca de outra que reconhece como alheia.
As ideias do PSD, velhos temas da batalha política de muitos anos, como a defesa da diminuição do papel do Estado e a libertação da sociedade civil, tornaram-se ideias da própria sociedade, dominantes na opinião pública e na expressão da vontade política dos eleitores. Nem sempre foi assim e talvez valha a pena recordar que ainda no fim da década de 70 a ideia de «libertação da sociedade civil» era considerada pela esquerda como sendo quase de teor protofascista.
Estas coisas não aconteceram por acaso, sem vontade nem decisão sustentada e continuada. E se há mérito do PSD, esse é o seu grande mérito!
Num certo sentido, estas ideias já não são hoje nossas mas tornaram-se pertença de toda a comunidade. Mas, se tal aconteceu, e lemos todas as razões para com isso nos regozijarmos, há pelo menos um aspecto que permanece indissoluvelmente nosso, como património partidário e factor de legitimidade e identidade.
É que a vontade política que anos a fio lhe deu expressão e relevância, que as transformou em programa político e lhes deu expressão eleitoral foi a do PSD.
Há, no entanto, duas outras razões suplementares pelas quais a relação entre quem fez e o que é feito permanece intacta na consciência e na opinião públicas.
A primeira é que o PSD não defendeu este programa apenas pelas suas virtualidades económicas, mas também pelo seu sentido e significado político. Ele significou a devolução à sociedade daquilo que lhe fora usurpado em 1975, um importante processo de transferencia de poderes que consolidou o terreno da democracia, ao devolver aos cidadãos um maior controlo da coisa pública.
Contribuiu-se assim para acabar com formas de poder extraparlamentar que partidos como o PCP detinham na sociedade portuguesa e que derivavam do modelo colectivista do Estado, assim como com o controlo dos mecanismos constitucionais e todas as condicionantes que deles derivavam por parte do PS e do PCP.
A segunda razão é que há no excesso mimético do PS muito de má consciência e muito de oportunismo táctico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, as propostas do PS não traduzem qualquer genuíno impulso liberalizador, mas sim uma lógica meramente oposicionista e desgovernamentalizadora.
Srs. Deputados do Partido Socialista, se, numa hipótese meramente académica, o Partido Socialista algum dia fosse Governo, o pior que alguém lhe poderia fazer era apresentar ipsis verbis os mesmos projectos de lei e ver a atrapalhação que daí resultava.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que realizámos sobre identidade partidária e acção política «traduziu a consciência de que as mutações ocorridas na sociedade portuguesa, as transformações na estrutura e na forma do Estado, a evolução de diferentes condicionantes da acção política e partidária, os mecanismos de diferenciação entre os conceitos e as ideias políticas, assim como a acelerada transformação da face do mundo contemporâneo, tudo isto coloca a necessidade de reforçar e actualizar os elementos da identidade partidária».
Fizemo-lo não porque nos sintamos pior no mundo que está a emergir de todas estas transformações, mas, bem pelo contrário, por nos sentirmos melhor nele. Mas temos a clara noção de que esta pressão de mudança implica maiores factores de risco e uma exigência muito grande da sociedade e dos seus desafios à actividade política e aos partidos. Tentámos responder a essa exigência nas nossas Jornadas Parlamentares, esperamos agora que o apelo ao debate político, que a partir delas fazemos a todos, seja correspondido.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Encontram-se inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Lello, Carlos Brito, Alberto Martins e Marques Júnior.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, em certa medida, saúdo a realização das Jornadas Parlamentares do PSD, porque parecem ter sido o caldo de cultura necessário para que se criasse um maior clima de abertura, de diálogo e de intervenção dos deputados do PSD, tão amodorrados e ião faltosos, como diz normalmente o Sr. Presidente do Grupo Parlamentar.
Portanto, foi bom.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Assim como vocês!
O Orador: - Não nos queixamos!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mau gosto!
O Orador: - Mas o Sr. Deputado Pacheco Pereira veio agora falar na modernização, na necessidade de...
Protestos do deputado do PSD Silva Marques.
O Sr. Deputado Silva Marques está, porventura, demasiado enervado para me ouvir, mas se me deixar, tenho muito prazer em falar.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira veio agora falar na modernização, algo que já tínhamos feito aquando das nossas Jornadas Parlamentares, pois nessa altura apresentámos propostas onde evidenciávamos as nossas preocupações por uma maior eficácia do trabalho parlamentar.
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Nessa medida, estamos sempre disponíveis para, com VV. Ex.ªs, falar no sentido de melhorar a eficácia do trabalho parlamentar. Obviamente, tal como VV. Ex.ªs, estamos preocupados em modernizar o trabalho parlamentar e em tentar desenvolver um inter-relacionamento entre o Governo e os deputados. É óbvio que, desde que o Governo...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lello, peço desculpa por o interromper, mas gostaria de solicitar à Câmara que crie as condições mínimas necessárias para que todos nos pudéssemos ouvir.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - É uma minoria, Sr. Presidente!
Dizia eu que apelamos, de facto, à criação desse inter-relacionamento entre o Governo e o Parlamento desde que o Governo não tente governamentalizar o Parlamento e que venha aqui responder às questões que o Parlamento e os deputados colocam; desde que o Governo não tente governamentalizar o Parlamento, como parece que tentou com o Grupo Parlamentar do PSD, pois foi ao ponto de dizer que o Grupo Parlamentar do PSD não tem de ter estratégia própria.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - É sempre a mesma coisa!
O Orador: - Bom, isso é um problema vosso; aliás, o Sr. Deputado Duarte Lima disse que isso poderia ter sido um golpe de Estado. Mas isso é um problema vosso e não nosso.
V. Ex.ª disse que o PS não teve qualquer intervenção na estabilização democrática. Perdoo-lhe isso na medida em que o Sr. Deputado, nessa altura, andava por outras bandas. Portanto, como cristão-novo, o Sr. Deputado vem agora defender coisas que, efectivamente, na oportunidade não defendeu.
Vozes do PSD: - Não disse isso!
O Orador: - Quanto à questão do clientelismo, devolvo-lhe a do Mercedes, porque é de facto o carro que mais usam, na medida em que toda a gente sabe que o «Estado laranja» é algo que é indesmentível: a apropriação, a todos os níveis, do aparelho do Estado pelo PSD, desde a malha larga à malha fina.
Protestos do PSD.
É uma questão que toda a gente conhece.
O problema dos senhores é que estão envoltos numa grande malapata. Por mais que façam, por mais que digam, por mais que tentem remodelar, não conseguem. O máximo que conseguem fazer é que em 60 dias tenha havido dois Ministros da Defesa a pedir demissão. Com isto é que os senhores se deviam preocupar.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Ainda não chegámos a Macau!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, vou abordar o conteúdo da sua intervenção, particularmente as suas preocupações com o funcionamento da Assembleia da República.
Quanto à nova remodelação governamental, faremos a seguir uma intervenção política, por intermédio do meu camarada Lino de Carvalho, onde marcaremos a nossa posição.
Relativamente ao funcionamento da Assembleia da República, observo que o Sr. Deputado está muito preocupado e, naturalmente, regozijo-me por isso. Mas não posso deixar de lembrar-lhe que, se a Assembleia funciona mal, grande parte da responsabilidade desse mau funcionamento cabe a VV. Ex.ªs.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, tem sido essa maioria que, desde que começou a sê-lo, tem dominado, de uma maneira quase discricionária, o funcionamento e os trabalhos da Assembleia da República, incluindo a alteração do Regimento contra a vontade de todos os demais partidos.
O Sr. João Amaral (PCP): - Exacto!
O Orador: - Ora isto é grave em qualquer Assembleia democrática.
Por isso mesmo, em face disto, apetece citar o seu colega Pedro Roseta quando diz que «os senhores fazem o mal e a caramunha».
Mas, tomando como saudáveis as suas preocupações com o funcionamento da Assembleia da República e esse desejo de acabar com a retórica e de fazer funcionar melhor as comissões - embora receie um pouco de que haja aqui só intenções puras e que isso não seja a argumentação política para um novo corte dos direitos parlamentares de intervenção da oposição, como já se verificou no passado, exactamente com os mesmo argumentos -, pergunto-lhe, Sr. Deputado: não pensa que um dos pontos em que é essencial modificar o funcionamento da Assembleia da República é precisamente o das suas relações com o Governo e o do fortalecimento dos institutos de fiscalização da actividade do Governo, que são tão ténues e tão frágeis na nossa Assembleia da República?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nunca o Governo veio tantas vezes à Assembleia da República!
O Orador: - Por exemplo, não lhe parece que o instituto das perguntas ao Governo está corripletamente desgastado e que necessita de uma completa reconsideração, de uma completa reestruturação?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Faça uma proposta!
O Orador: - Outra questão: não lhe parece que e extremamente adequado, em face da própria experiência da vida política nacional, introduzirmos no Regimento da Assembleia da República um instituto de interpelações urgentes que possa permitir que a Assembleia discuta com o Governo em cima dos acontecimentos, em cima da
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hora, enfim, questões que, por não serem discutidas, se transformam em escândalo, são depois exploradas muitas vezes da pior forma e sem qualquer benefício para as instituições?
Não pensa também que é urgente reconsiderarmos as relações do cidadão, do eleitor, com a Assembleia da República, criando dispositivos que permitam contemplar melhor as preocupações e as aspirações do eleitor, do cidadão?
Sr. Deputado, acabámos de apresentar um projecto de resolução com vista a alterar o Regimento da Assembleia da República, contemplando algumas destas figuras. Na verdade, esperamos da vossa parte uma atitude coerente com este desejo de melhorar e de modernizar o funcionamento da Assembleia da República, que é também o nosso.
Desculpe-me que faça agora, no final, uma pergunta que tem um carácter um pouco pessoal. A sua intervenção é a estratégia do grupo parlamentar ou é a do partido? Esta questão torna-se pertinente, depois da intervenção do Sr. Primeiro-Ministro como presidente do PSD nas vossas Jornadas Parlamentares, porque tratando-se da estratégia do partido surpreendeu-nos um pouco o facto de ser aqui transmitida por alguém que até há muito pouco tempo ainda era independente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, a sua intervenção é, em grande medida, uma mistificação pura, sobretudo naquilo que se prende com as questões da estabilização democrática e quando alude ao papel do Partido Socialista. Se se pode falar num partido fundador da democracia ou em partidos fundadores da democracia, o Partido Socialista é seguramente o partido fundador da democracia.
Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Ah! Ah!...
O Orador: - É o Partido Socialista, porque foi o determinante na Constituição da República que temos, na primeira revisão constitucional, e foi-o seguramente na revisão constitucional de 1989. E não é justo, não é certo, nem sequer correcto, dizer-se que o Partido Socialista veio em tempo diverso e de forma fluida a defender as privatizações e as desnacionalizações.
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - Essa revisão da Constituição só se fez porque foi essa a vontade do Partido Socialista; só se fez porque foi essa a iniciativa do Partido Socialista, e fê-lo desde logo quando apresentou o seu projecto de revisão constitucional, que, aliás, foi apresentado antes do projecto de revisão do PSD.
Vozes do PSD: - E o de 1982!
O Orador: - Não sei o que é que o Sr. Deputado pretende quando alude às conclusões das Jornadas Parlamentares do seu partido. Retiro, sobretudo, a conclusão de que finalmente o Partido Social-Democrata se vai instituir como grupo parlamentar de oposição ao Partido Socialista! Ainda bem que assim acontece!...
Pela nossa parte, queremos deixar também frisado, de modo muito nítido, que assumimos os projectos de lei que temos vindo a apresentar, com toda a convicção, como expressão de modernidade da nossa vida pública e da nossa intervenção pública, como compromisso público que cumpriremos uma vez no Governo. Por isto, deixaria ao Sr. Deputado a última pergunta: onde é que está a coerência da sua crítica?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, em primeiro lugar, quero saudar o trabalho das Jornadas Parlamentares do PSD.
Como não tive possibilidade de reter todas as iniciativas subjacentes à sua intervenção, escolhi alguns elementos dela que me parecem relevantes, no sentido de, pelo menos, poder reflectir melhor naquilo que disse e, principalmente, naquilo que na prática vai resultar como trabalho subsequente às Jornadas Parlamentares.
No que diz respeito ao funcionamento da Assembleia da República, parece-me de sublinhar aquilo que se refere ao fluxo de informação no seu interior, à valorização da acção dos deputados e à informação entre o Governo e a Assembleia da República. No entanto, isso corresponde a exigências há muito feitas pelos partidos da oposição, às quais se junta agora o PSD, numa tentativa também de dar o seu contributo à modernização, por um lado, e à operacionalidade, por outro, do trabalho da Assembleia da República.
São, pois, elementos que me parecem de sublinhar e até de aplaudir. Faço votos também para que isso não implique, eventualmente, outros cortes noutras actividades da própria Assembleia da República, ou seja, limitações noutras áreas da nossa própria intervenção.
Mas, do meu ponto de vista, a sua intervenção vai merecer um estudo relativamente profundo, porque penso que o Sr. Deputado colocou outras questões que me parecem também de sublinhar, como seja a preocupação que manifesta, em termos políticos gerais, relativamente às respostas políticas que tom de ser dadas e à reflexão que se impõe quanto às mudanças políticas que estão a acontecer um pouco por todo o mundo e o que é que isso representa, também, em termos da nossa própria reflexão política e do reforço da democracia.
Considero que foi uma intervenção muito densa e, por isso, merece alguma reflexão.
Sr. Deputado, a comunicação social veiculou, como resultado da reflexão do PSD nas suas Jornadas Parlamentares - não tanto talvez este debate profundo que foi feito e as iniciativas que daí derivam com repercussões, eventualmente profundas, no trabalho da própria Assembleia da República -, uma ideia que apareceu, em termos de opinião pública, como um contencioso - e peço desculpa se estou a antecipar-me a um debate que em sede própria se fará, mas é uma curiosidade minha -, embora desdramatizado pelos próprios membros do PSD solicitados para o efeito a comentar este aspecto entre o Grupo Parlamentar do PSD e o Governo relativamente à proposta de lei sobre o exercício da actividade de televisão.
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Poderemos então deduzir que, relativamente à proposta de lei apresentada pelo Governo, vai haver iniciativas por parte do Grupo Parlamentar do PSD no sentido de introduzir alguma alteração ou manter-se-á na mesma? O que é que se passa relativamente a esta matéria?
Sr. Deputado, se não for «meter a foice em seara alheia», gostaria que me respondesse a estas questões, mas se entender que não e oportuno, não ficarei ofendido por esse facto!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos da Escola Secundária de Mem Martins e da Escola Secundária de José Falcão, de Coimbra, acompanhados dos respectivos professores, para os quais peço a vossa habitual saudação.
Aplausos gerais.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, agradecer as referencias amáveis que fizeram às Jornadas Parlamentares do PSD. O PSD é, para todos os efeitos, o partido que neste momento sustenta o Governo e as reflexões feitas no seu seio e no seio dos seus parlamentares são sempre de importância no que diz respeito à condução da vida política do País. Essas reflexões foram realmente sérias, ultrapassam em muito o âmbito da bancada do PSD e têm a ver com o debate político mais geral.
Portanto, quero agradecer essas referências e quero destacar, no conjunto de todas as intervenções, dois assuntos diferentes que irei tratar não tanto em função das intervenções individuais mas em função do carácter sistemático dos temas.
O primeiro aspecto diz respeito ao funcionamento da Assembleia da República. Penso que todos estamos conscientes de que a Assembleia da República não funciona como deveria funcionar. Isto é uma evidencia! Reconhecemos razão em algumas preocupações que foram aqui expressas pelo PCP e pelo PS. Nós próprios temos queixas idênticas, mas o problema é que não podemos deixar que a Assembleia caia em duas coisas: que se torne um instrumento do Governo - estamos de acordo! - e que se torne apenas um instrumento de expressão dos desejos da oposição. Nenhuma das lógicas pode ser a lógica da Assembleia, porque reduzi-la-ia nas suas funções.
Por outro lado, os trabalhos parlamentares, em grande parte por não haver tradição parlamentar em Portugal e por o nosso sistema político ser muito conservador e ler uma grande quantidade de inércia, são ultrapassados, são caducos!
Penso que estaremos todos de acordo em que, por exemplo, esta questão fundamental da relação entre o trabalho dos plenários e o das comissões, o número de deputados, a forma como se relacionam todos estes temas com os meios e os recursos existentes na Assembleia não satisfaz.
Portanto, propomos, se assim o entenderem, discutir o problema, mas de raiz, começando por uma alteração drástica do peso que tem a relação entre os trabalhos de Plenário com os trabalhos de comissão.
Sc, por exemplo, estiverem de acordo em fazer aquilo que 6 a tendência da maioria dos outros parlamentos, ou seja, dar aos trabalhos de Plenário uma função diferente da mera função declarativa e de retórica e transformá-los apenas nos grandes debates políticos e na conclusão de um trabalho prévio realizado essencialmente em comissão, abrimos caminho a um novo relacionamento com o Governo, que pode ter com a Assembleia da República um relacionamento muito diferente do que tem agora, porque muitas destas coisas acontecem não por maldade dos agentes, nem dos deputados, nem do Governo, mas pela forma como o sistema funciona, que gera disfunções. Estamos todos de acordo em que o estatuto das perguntas não é o melhor, mas não podemos pensar em reformar aspectos do funcionamento do Parlamento sem chegar a questões mais de fundo. Querem discutir as questões de fundo no sentido de dar a esta Casa a modernidade e a eficiência que ela precisa? Estamos abertos a essa discussão!
O Sr. António Guterres (PS): - Finalmente!
O Orador: - Estivemos sempre, Sr. Deputado!
Estivemos sempre de acordo em proceder a reformas políticas que tem a ver com a vida parlamentar e que são prévias ao Parlamento, como, por exemplo, a alteração do sistema eleitoral, de maneira a garantir uma maior ligação entre o deputado e o eleitor, assim como em reduzir o número de deputados. Ora, tudo isto são mudanças que depois se reflectem na forma como funciona a Assembleia da República.
Querem começar, de raiz, a fazer uma alteração profunda do modo como funciona o sistema político? Estamos de acordo! Os Srs. Deputados é que não estiveram muitas vezes!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O segundo aspecto diz respeito ao Partido Socialista. Os Srs. Deputados Alberto Martins e José Lello confundiram uma coisa que eu não disse com outra que eu disse.
É verdade que, na história política portuguesa, o PS tem um papel que ninguém lhe tira, tal como o PCP tem outro papel que ninguém lhe lira. Em 1974 e 1975 o PS teve um papel - chamemos-lhe assim - de vanguarda que todos nós reconhecemos, embora não o tenha tido sozinho, no processo de garantir a liberdade política - o Partido Socialista sabe-o muito bem -, mas, reconheça-se, teve um papel específico.
No entanto, de 1976 até 1989 foi o principal sustentáculo de outros aspectos de funcionamento do sistema político-constitucional - e, no fundo, de como funcionava a vida política do País-, que esses, sim, derivavam directamente da situação que, no plano político e das liberdades, o Partido Socialista combateu em 1975. Ou seja, quem foi o grande sustentáculo de um sistema político extremamente conservador que garantiu a manutenção de soluções no plano económico, no plano de organização do Estado, no plano do funcionamento da vida pública, foi o Partido Socialista.
Portanto, o PS aceitou muitas das sequelas revolucionárias de 1975, manteve a sua forma através de uma renitência sistemática em produzir alterações constitucionais de fundo e chega ao princípio da década de 90 sem poder reivindicar-se dessa qualidade.
Eu não disse que o PS não defendeu a liberdade em 1975. O que disse é que o PS não defendeu, noutro plano da organização do Estado, outras liberdades que são
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indissociáveis da liberdade política. Acima de tudo, ele é o grande responsável pela construção de um sistema político sem capacidade de decisão, que introduz perturbações nos mecanismos económicos e que, de facto, garante uma disfunção entre o Estado, os partidos e a sociedade, cujas sequelas e consequências estamos a viver hoje.
Ao contrário, esse foi o grande mérito do PSD, uma vez que, nestes anos todos, tomou lugares-comuns da vida política aquilo que originariamente eram posições próprias.
Portanto, eu distingui as duas coisas. Não me venham dizer que, quanto a esta última, o PS fez, faz e fará, porque ele é profundamente conservador sempre que se trata de alterar os mecanismos e o funcionamento do Estado. Os senhores falam do «Estado laranja», mas nenhum partido político, na história portuguesa, cresceu e se desenvolveu mais, apoiado ao Estado, do que o PS,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... inclusive, porque não tinha, na sociedade civil, fontes originais de poder próprio e por isso nunca pôde escolher. Precisou sempre do Estado para crescer, para lhe garantir uma importância, um poder e mecanismos de actuação que outros partidos tinham.
Os senhores podem dizer que o PSD também utilizou, em determinadas alturas, o Estado. É verdade! Todos os partidos democráticos o fizeram, exactamente para combater o PCP, pois como este detinha uma estrutura que vinha de antes do 25 de Abril, aqueles precisavam do Estado para se constituir rapidamente como partidos. Só que os senhores mantiveram as disfunções do sistema que criaram em 1975 e em 1976 e nós quisemos introduzir um forte élan reformista na sociedade que permitisse as condições de riqueza material, de desenvolvimento económico e de liberdades, mais do que liberdade!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está ainda inscrito, para uma declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho e há ainda para votar três relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos e o voto que foi referido no início da sessão.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De remodelação em remodelação até à remodelação final, firmemente desejada por um número cada vez maior de portugueses e que não deixará de ser imposta nas próximas eleições legislativas, esta parece ser a consigna preferida do PSD e de Cavaco Silva neste l.9 trimestre da década de 90.
Com mais um episódio, no passado fim-de-semana, do folhetim telenovelesco da remodelação permanente confirmam-se plenamente as críticas que a oposição e, em particular, o PCP aqui fez no princípio do ano. Recordamos hoje o que afirmámos em 4 de Janeiro: «Fumo cinzento é a cor mais adequada à remodelação anunciada em prestações e em folhetins por Cavaco Silva. Dos mais variados quadrantes, incluindo o interior do próprio PSD, converge a opinião de que esta remodelação não é credível, não é consistente, tem pés de barro» e «não se destina nem a modificar a política nem a enfrentar de maneira nova os problemas do País.»
Como afirmou uma nota recente do PCP a propósito deste novo episódio, as alterações do Governo, agora realizadas, «traduzem o falhanço da tentativa de conseguir novo fôlego para o Executivo através da anterior e atribulada remodelação, altura em que, irresponsavelmente, foram nomeadas para cargos ministeriais pessoas sem condições».
Srs. Deputados, que credibilidade pode ter e que confiança pode merecer ao País um partido como o PSD e um Governo assim, que é incapaz, além do mais, de apresentar candidatos credíveis aos mais altos cargos institucionais do País?
Um Ministro da Defesa, derrotado nas autárquicas, inadequado para enfrentar os importantes e sensíveis problemas da defesa nacional e de transmitir segurança e estabilidade às forças armadas e ao País; um Ministro das Finanças do qual não se conhece, pela voz do próprio, o seu pensamento estratégico para a economia portuguesa nem parece conseguir movimentar-se nas intrincadas teias que Cadilhe teceu; um candidato a presidente da maior câmara do País que, ele próprio, se apresentou distanciado do cavaquismo e do partido que o propôs; um partido que não encontra nas suas fileiras uma figura capaz de apresentar-se com o candidato credível a Presidente da República.
Em resumo, que confiança pode continuar a merecer ao País um PSD e um governo assim, enredado em conspirações, guerras de influências e confrontos institucionais, com um primeiro-ministro assumindo uma postura crescentemente autoritária e arrogante, como certamente os Srs. Deputados do PSD tiveram oportunidade de constatar as novas reprimendas que, ao que parece, foram alvo neste fim-de-semana no Algarve?
As consequências de tal situação e de tal orientação aí estão expressas nos resultados da política que tem sido seguida.
Há exemplos disso nalguns sectores. Na agricultura, por exemplo, como foi acentuado no importante Seminário Internacional sobre a Agricultura do Sul da Europa, recentemente realizado em Évora, a política agrícola do Governo não está a fortalecer a agricultura portuguesa, está a agravar a dependência externa do País e a acentuar os desequilíbrios sociais e inter-regionais, desbaratando-se os fundos comunitários e nacionais em projectos que não modificam os défices estruturais da agricultura nacional.
Isto mesmo reconhece, no essencial, o relatório anual do Tribunal de Contas da CEE, recentemente divulgado, relativo ao exercício de 1988, onde pode ler-se que os efeitos económicos esperados da utilização de meios comunitários são praticamente ignorados, para além de pôr em evidência o nepotismo e a falta de transparência que têm rodeado todo o processo de aprovação dos projectos e atribuição dos fundos ao afirmar que os «processos analisados pelo Tribunal não apresentaram qualquer vestígio de verificação da elegibilidade das despesas», desmentindo assim claramente o que afirma, na imprensa do fim-de-semana, o Secretário de Estado da Integração Europeia. É, aliás, centrado no debate desta questão que está já agendada para o próximo dia 3 de Abril um interpelação do PCP ao Governo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A febre das privatizações e o neoliberalismo económico, sem o mínimo cuidado na defesa dos interesses do País, estão a colocar empresas e sectores estratégicos da economia nacional nas mãos dos grandes
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interesses económicos e dos grupos multinacionais e a desviar do essencial o que deveria ser o empenhamento central do Estado: o reforço da nossa especialização produtiva de molde a enfrentarmos o mercado interno comunitário sem corrers o risco de sermos uma economia marginal e dependente, sem que sectores tradicionais da nossa economia não se vejam a braços com novas e mais sérias dificuldades. O que se passa com o atraso nas medidas necessárias à modernização e reestruturação do sector têxtil e a uma intervenção mais atenta no plano comunitário, quando o Governo não desconhecia que o Acordo Multifibras deveria expirar no fim do ano, é disso um exemplo paradigmático.
Aliás, a extrema governamentalização que o PSD imprime a todo o processo de integração comunitária está, inclusivamente, a suscitar perplexidades e polemicas inconvenientes para o interesse nacional. O Governo faz o mal e a caramunha. O Governo não pode imputar à oposição a responsabilidade de actos que lhe cabem inteiramente, por não informar, como é seu dever, a oposição dos dossiers fundamentais do processo de adesão.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Noutra área, o boicote que o PSD insiste em fazer em relação ao processo de regionalização impede a mobilização nacional de todas as vontades, que, no plano económico, social e cultural e do poder local, estão em condições de suscitar projectos de desenvolvimento e aproveitar plenamente os programas de intervenção no âmbito do quadro comunitário de apoio. É, aliás, oportuno registar aqui, no Plenário da Assembleia, o que se passa com o processo de aprovação da lei quadro das regiões administrativas.
Os projectos de lei estão aprovados, na generalidade, desde 30 de Maio de 1989. Foi feita a revisão constitucional e com ela cessou o álibi mais frequentemente invocado para paralisar a acção legislativa. Foram consultadas as assembleias municipais e foi promovida pela Comissão um debate com autarcas, quadros e especialistas.
Que se espera agora? O PCP apresentou o projecto de deliberação n.º 7l/V, visando fixar um calendário de trabalhos que permitisse a aprovação final da lei quadro no mês de Abril.
Na conferência de líderes, o PSD impediu o seu agendamento e, com isso, impediu na prática que o projecto pudesse produzir o seu eleito útil de fazer avançar os trabalhos. Só o PCP - sublinho, só o PCP se bateu para que efectivamente se criassem as condições para a lei ser aprovada em Abril.
Este bloqueamento do processo, assim feito na conferência de líderes, e completado, na Subcomissão para a Regionalização, com a aprovação, pelo PSD, de um caríssimo e demorado processo de viagens ao estrangeiro. Seis viagens, de uma semana cada, a Espanha, a Itália, a França, à Holanda, à Bélgica e à Suécia, para saber o mesmo que, utilizando os meios já ao dispor dos serviços de documentação da Assembleia da República, é possível obter em escassos dias sem sair de Lisboa! Convenhamos que é demais, Srs. Deputados!
O Orador: - Denunciamos estas manobras dilatórias. Os resultados de 17 de Dezembro deram uma clara maioria, no País e nas câmaras e assembleias municipais, às forças que afirmam querer o avanço do processo. Da nossa pane, continuaremos a empenhar-nos nesse objectivo, como se afirma, claramente, na plataforma para uma alternativa democrática inscrita nas teses do PCP para o seu XIII Congresso.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - No plano social, cresce o emprego precário, que já atinge os 20 % da força de trabalho. Não se preparam os quadros do País para o embate resultante da livre circulação de pessoas. Reduz-se a protecção social e o Governo espreita já a oportunidade para lançar um novo pacote laboral e uma nova ofensiva visando a desregulamentação das relações de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este não é, seguramente, o caminho que o País deve percorrer, como, aliás, tem vindo a ser plenamente demonstrado pelos últimos resultados eleitorais e pelos protestos e lutas sociais - dos jornalistas, dos transportes, dos metalúrgicos, da indústria química, dos trabalhadores da administração local, dos deficientes, etc.-, que abrangem os mais diversos sectores e regiões do País.
Como afirmam as teses do PCP para o XIII Congresso, «em termos políticos o Governo, afrontando a maioria dos portugueses, tendo perdido significativo apoio eleitoral, deixou de ter legitimidade para continuar a conduzir a política do País, invocando uma maioria conjuntural alcançada em 1987. A questão da alternativa ao Governo e a política da direita entram, assim, na ordem do dia...».
É, por isso, necessária, Srs. Deputados, uma política nacional que responda aos interesses do País, suportada por uma maioria nesta Assembleia, cujo apoio é indispensável à formação do Governo e que, no quadro político-partidário, nenhum partido democrático está em condições de obter sozinho.
A questão da unidade democrática e, nomeadamente, a convergência do PCP e do PS, há muito apontada pelo PCP como condição necessária para uma alternativa democrática, ganham agora uma nova e plena actualidade, em cujo objectivo continuaremos empenhados.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr. Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, não posso deixar de me referir à primeira parte da sua intervenção, nomeadamente às considerações que teceu à remodelação do Governo.
A primeira nota que deixo é de grande estranheza. Como é que V. Ex.ª, que pertence a um partido incapaz de se remodelar, de acompanhar aquilo que são os ventos da história e de entender que e necessário mudar alguma coisa, desde as lideranças às posturas políticas, ao conjunto de ideias que vão propondo, vem criticar o Governo por fazer remodelações?
Todos os governos fazem remodelações, Sr. Deputado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Lello (PS): - Todos os meses é que não!
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O Orador: - Mais a mais, numa legislatura de quatro anos, é perfeitamente normal que, em determinada altura, se façam ajustamentos a nível das pessoas.
Considero particularmente infeliz a sua referência à última alteração produzida no Governo. O Sr. Deputado sabe bem em que circunstâncias essa remodelação foi feita, pois ela deveu-se a razões de saúde. Sinceramente, considero extremamente deselegante da sua parte traçar do engenheiro Carlos Brito um perfil que não corresponde, de maneira nenhuma, àquilo que ele é. É um homem extremamente digno, sério, competente, que só por razões de saúde foi forçado a abandonar a pasta da Defesa.
Nesse sentido se procedeu a uma alteração rápida, que consideramos extremamente adequada.
O Sr. João Amaral (PCP): - Nós preferíamos que fosse você, Cardoso Ferreira!
O Orador: - É curioso que V. Ex.ª não se tenha referido à substituição na pasta da Justiça, provavelmente porque isso trará alguns engulhos ao Partido Comunista, porque o perfil e a grande categoria do actual Ulular dessa pasta significa alguma incomodidade para o Partido Comunista, que gosta sempre de ter alguma agitação em determinados sectores, nomeadamente no da justiça. É compreensível que o Sr. Deputado não se tenha referido a tal substituição. Essa será porventura uma situação menos agradável para o Partido Comunista.
Foram também lançadas aqui, depois, algumas questões, nomeadamente a insinuação de que se preparava um pacote laboral. Sr. Deputado, não merece a pena estar a criar factos para consumo público que possam eventualmente vir a produzir alguma animosidade junto dos trabalhadores. Se V. Ex.ª quer provocar agitação, se quer criar mecanismos de confronto com o Governo, então não faça eco da comunicação social e não venha acenar com velhos fantasmas.
Finalmente, em relação à legitimidade, já estamos habituados a que o Partido Comunista se sinta mal quando as instituições funcionam plenamente, ou seja, quando existe um governo de maioria e quando a legislatura e cumprida. Estavam habituados à instabilidade e era aí que tinham a sua grande movimentação política e a sua grande capacidade de manobra. Hoje, que o povo português escolheu claramente a estabilidade política através de um governo de legislatura, o Partido Comunista sente-se incomodado e então já vem propor novos cenários e pôr em causa a legitimidade deste governo, que só poderá ser julgado em 1991. O Sr. Deputado não pode vir aqui interpretar eleições de carácter completamento diverso e com calendários completamento diferentes da legislatura, para vir aferir da legitimidade ou ilegitimidade deste governo. Não tenha dúvidas de que, em 1991, todo o comportamento do Governo, toda a sua actuação e todas as nossas políticas serão julgadas - e serão, de certeza, julgadas favoravelmente! Quem não estará bem situado para a corrida de 1991, pelo anquilosamento em que se situa e pela ortodoxia renitente e persistente, será seguramente o Partido Comunista.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, costuma dizer-se, por vezes, que «quando não se tem cão caça-se com gato». O Sr. Deputado proeurou desviar a discussão dos problemas que foram trazidos à Câmara com as questões referentes ao meu partido.
Quero dizer-lhe, em relação à remodelação, que estamos de acordo que um governo -não é nenhum facto extraordinário - se remodele. O que já é surpreendente é que um governo, não se tendo remodelado durante dois anos, tenha em 60 dias um conjunto de sucessivas remodelações, que, aliás, não são inesperadas, porque já na anterior remodelação esta questão tinha sido prevista pelos analistas e aqui, na Assembleia da República, face à forma precipitada e cinzenta como ela tinha sido feita. E isto não significa que a remodelação agora anunciada seja a última - outras se seguirão, porventura!...
O Sr. João Amaral (PCP): - Com o Cardoso Ferreira como ministro da Defesa!...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Também não ficaria mal na justiça!
O Orador: - Aqui estaremos para as apreciar.
É evidente, Sr. Deputado, que as considerações que fiz em relação à remodelação não envolvem, como expressamente referi, nenhuma menor consideraçâo pessoal pelas pessoas envolvidas. É uma consideraçâo política, que, aliás, já era previsível e que foi anotada por todos os analistas e pelos diferentes partidos da oposição aqui representados. Registei, aliás, que o próprio Sr. Deputado, ao referir-se à remodelação, teve, em relação ao novo ministro, uma referência que não teve quanto ao ministro anterior. O próprio Sr. Deputado reconhece, com certeza, as diferentes adequações das personalidades que o governo Cavaco Silva tem vindo a escolher para os cargos ministeriais.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Isso é uma interpretação abusiva!
O Orador: - Quanto à questão da legitimidade, eu não disse que o PCP põe em causa a legitimidade constitucional do Governo. O que dizemos é que o Governo não tem hoje legitimidade para continuar a conduzir uma política que tem o protesto nacional, invocando os resultados das eleições, quando é certo que posteriormente a elas já perdeu essa legitimidade com os protestos que por todo o País se vêm ouvido.
É nesse sentido e nesse quadro que falamos na ausência de legitimidade do Governo para continuar a conduzir uma política, invocando os resultados eleitorais de 1987, que, neste momento, já estão a ser alvo de protesto por todo o País.
Por último, Sr. Deputado, não se preocupe com o meu partido. Estamos numa fase de debate interno, intenso e muito grande. Acabámos, neste fim-de-semana, de aprovar teses que irão ser publicadas na quinta-feira e que o Sr. Deputado terá certamente oportunidade de ler (se não, poderemos oferecer-lhe um exemplar), onde se verá que o Partido Comunista, hoje, como ontem e como sempre, está aberto à renovação e à consideraçâo das transformações que se dão na realidade contemporânea, no País e no mundo,...
Vozes do PSD: - Nota-se!
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O Orador: -... no quadro dos princípios que preconiza, pela construção de uma nova sociedade, uma sociedade de paz e progresso e liberta da exploração do homem pelo homem.
Aplausos do PCP.
ORDEM DO DIA
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia, estão em apreciação os n.ºs 38 e 39 do Diário, respeitantes as reuniões plenárias de 30 de Janeiro e 1 de Fevereiro.
Pausa.
Como não há objecções, consideram-se aprovados.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura de relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos, que passaremos a discutir.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr.ª Presidente, quero apenas lembrar que há consenso em que se vote agora um voto que foi apresentado na Mesa. Peço até à Mesa o favor de o ler.
Como esse voto não irá ser discutido, pois estamos de acordo em que apenas seja votado, creio que seria adequado fazer-se a sua leitura, para que a Assembleia e as pessoas que estão a assistir aos trabalhos possam tomar conhecimento do texto.
A Sr.ª Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. O Sr. Secretário irá de imediato proceder à leitura do referido voto.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - É do seguinte teor o aludido voto de congratulação, apresentado pelo PCP, no passado dia 22 de Fevereiro:
Voto de congratulação n.º 133/V
«A Universidade de Coimbra, fundada por D. Dinis e confirmada por bula do Papa Nicolau IV em 9 de Agosto de 1290, e uma instituição dedicada à criação, transmissão, crítica e difusão da cultura, ciência e tecnologia [...]»
É com estas palavras que abrem os Estatutos daquela Universidade, texto fundador de um novo ciclo da sua multissecular existência, o ciclo da autonomia conquistada, assumida e plenamente vivida. É também com estas palavras que solenemente se evocam os textos fundadores de uma escola sem a qual não é possível pensar o País que fomos, que somos e que seremos.
Recordar a criação, a 1 de Março de 1290, do Estudo Geral significa assumir as lições da história viva de uma instituição viva, com os seus momentos de progresso, de estagnação ou de retrocesso. Recordá-la neste ano primeiro da autonomia, marcado pela aprovação dos Estatutos e pela eleição da assembleia da Universidade, do reitor e do senado universitário, significa assumir as lições do passado para construir um presente sólido e dinâmico. Mais: significa também enfrentar desde já os desafios do futuro, significa tentear os caminhos da utopia.
Enformada pela tradição, pela acção e pelo sonho, é assim que a Universidade de Coimbra se define na letra dos seus Estatutos: «Depositária de um legado histórico sete vezes secular, na linha das tradições do humanismo europeu, a Universidade de Coimbra afirma a sua abertura ao mundo contemporâneo, à cooperação entre os povos e à interacção das culturas, no respeito pelos valores da independência, da tolerância e do diálogo, proclamados na Magna Carta das Universidades Europeias.»
E reafirma princípios inalienáveis: «No quadro da liberdade democrática e da observância dos direitos e liberdades fundamentais, a Universidade de Coimbra rege-se pelos princípios da solidariedade universitária, da liberdade académica, da pluralidade e livre expressão do pensamento, do direito à informação, da gestão democrática e da participação de todos os corpos universitários na vida da instituição.»
Desempenhando, a nível nacional, um papel de indiscutível relevo no ensino, na investigação e na ligação à comunidade, a Universidade de Coimbra goza também de um ímpar prestígio internacional, que redunda em prestígio para Portugal. Bem mais poderá fazer se a competência, dedicação e criatividade dos seus docentes e investigadores não forem peadas por uma perversa concepção de autonomia (designadamente a financeira), antes forem incentivadas por uma realista (e por isso mesmo generosa) política de investimentos.
Neste mítico final de milénio, a Universidade de Coimbra não prescinde da sua matriz: pensar a realidade, pensar o conhecimento, pensar-se a si própria. Recusa encerrar-se numa torre de marfim; mas também recusa que a reduzam a uma vida vegetativa.
Ao associar-se, a 1 de Março de 1990, às comemorações do 7.º centenário da fundação da Universidade de Coimbra, a Assembleia da República não celebra, por isso, apenas e protocolarmente, uma efeméride longínqua.
Nestes termos, a Assembleia da República:
Renova o seu orgulho de, por unanimidade, ter criado o quadro político que permite às universidades portuguesas viver em regime de autonomia, reafirmando que não se demitirá do papel que constitucionalmente lhe cabe para que esta não seja meramente formal;
Reconhece o inestimável contributo que a Universidade de Coimbra tem vindo a dar para o desenvolvimento do saber em Portugal e afirma também a sua disposição de, com a Universidade de Coimbra, sonhar o futuro.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto de congratulação que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca.
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O Sr. Vítor Costa (PCP):- Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr.ª Presidente, quero apenas informar a Câmara de que entregarei na Mesa uma declaração de voto respeitante a esta matéria.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Júlio Antunes): - É do seguinte teor o referido relatório e parecer:
Relatório e Parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 6 de Março de 1990, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático (PRD):
Jorge Pegado Lis (círculo eleitoral de Lisboa), por Alexandre Manuel da Fonseca Leite [esta substituição é determinada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 1 de Março corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário-Alberto Monteiro de Araújo (PSD), secretário - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) -Belmiro Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) -Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD)-Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - Jaime Carlos Marta Soares (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Francisco Borbota da Cosia (PRD) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PEV).
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, há um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos e relativo ao Sr. Deputado Júlio da Piedade Nunes Henriques, no sentido de autorizar que este Sr. Deputado compareça naquele tribunal judicial a fim de intervir como testemunha num processo que aí se encontra pendente.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser referido. Não havendo inscrições, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Há também um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, a solicitação do 4.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, que se refere à Sr.ª Deputada Aurora Margarida de Carvalho Santos Borges de Carvalho, no sentido de não autorizar a suspensão do mandato desta Sr. Deputada para comparecer naquele tribunal em processo que aí corre seus termos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser referido. Não havendo inscrições, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, há ainda um outro relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Peço ao Sr. Secretário Reinaldo Gomes o favor de o ler.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O relatório é do seguinte teor:
Apreciadas e discutidas na especialidade, em reunião desta Comissão realizada no dia 21 de Fevereiro de 1990, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª os resultados das votações referentes às ratificações que a seguir se indicam:
Ratificações n.08 29/V, do PCP, e 3 l/V, do PS, respeitantes ao Decreto-Lei n.º 232/88, de 5 de Julho, que transforma a empresa pública Banco Nacional Ultramarino, EP, em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos;
Ratificação n.º 40/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 352/88, de l de Outubro, que transforma o Banco Totta & Açores em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos;
Ratificação n.º 41/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 353/88, de 6 de Outubro, que «transforma a UNICER em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos».
Ratificação n.º 43/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 301/88, de 27 de Agosto, que transforma a Fidelidade, Grupo Segurador, E. P., em sociedade anónima;
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Ratificação n.º 54/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 22/89, de 19 de Janeiro, que transforma a empresa pública Banco Borges & Irmão, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos;
Ratificação n.º 55/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 25/89, de 20 de Janeiro, que aprova a transformação da QUIMIGAL, E. P., em QUIMIGAL - Química de Portugal, S. A.;
Ratificação n.º 67/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 103-A/89, de 4 de Abril, que transforma a Petrogal, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos;
Ratificação n.º 68/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 108/89, de 13 de Abril, que transforma a Tranquilidade Seguros, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos e aprova os respectivos estatutos sociais;
Ratificação n.º 69/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 109/89, de 13 de Abril, que transforma a Aliança Seguradora, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos e aprova os respectivos estatutos sociais;
Ratificação n.º 70/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 126/89, de 15 de Abril, que transforma a União de Bancos Portugueses, S. A., em Sociedade Anónima de capitais maioritariamente públicos;
Ratificações n.º 77/V, do PCP, e 79/V, do PS, respeitantes ao Decreto-Lei n.º 147/89, de 6 de Maio, que transforma a Empresa Pública TLP, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos;
Ratificação n.º 85/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 226/89, de 7 de Julho, que transforma a Petroquímica e Gás de Portugal, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos;
Ratificação n.º 106/V, do PCP, respeitante ao Decreto-Lei n.º 12/90, de 6 de Janeiro, que transforma a Rodoviária Nacional, E. P., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos».
Resultados das votações:
Votos a favor do PS, do PCP e do PRD; Votos contra do PSD e do CDS; Abstenções: nenhuma.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, entramos na segunda parte do período da ordem do dia, da qual consta a discussão do pedido de ratificação n.º 98/V (Decreto-Lei n.º 374/89, de 25 de Outubro).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr.ª Presidente, como me inscrevi ao mesmo tempo que a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, parece-me que lhe deve ser dada a palavra em primeiro lugar, porque primeiro estão as senhoras.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado! Tem a total aprovação da Mesa.
Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos tempos, a par com notícias sobre possíveis financiamentos da CEE aos projectos de gás natural ou dos gases de substituição, têm-se multiplicado as movimentações de grupos económicos e de conhecidas personalidades político-empresarias envolvendo deputados e ex-deputados, com o objectivo de se posicionarem o melhor possível no negócio do gás, com beneplácito governamental.
É que, se é inegável que a construção de uma rede de transporte e distribuição de gás canalizado constitui um valioso meio de diversificação energética e um factor importante de desenvolvimento e progresso das regiões que serve, também é verdade que a sua exploração e, sobretudo, a sua distribuição poderão tornar-se uma actividade altamente rentável à custa dos consumidores, se não for devidamente assegurada a sua utilização como serviço público a desenvolver com eficácia e dinamismo.
Por outro lado, há também que ter em conta que a construção de redes de distribuição a nível municipal aparece profundamente ligada ao ordenamento territorial, ao planeamento dos municípios e à construção de outras infra-estruturas, como as redes de saneamento básico e vias de comunicação, pelo que tudo aconselha a que a distribuição seja atribuída às autarquias locais.
É, pois, neste contexto que deve ser analisado o Decreto-Lei n.º 374/89, de 25 de Outubro, objecto do pedido de ratificação que hoje está em debate.
Ora, a verdade é que também aqui o Governo insiste na centralização de todos os poderes de decisão, chamando a si, através da Secretaria de Estado da Energia, não só a atribuição das concessões para o armazenamento, tratamento e transporte do gás natural, como a atribuição de concessões para a sua distribuição, arredando as autarquias de um processo de decisão de grande interesse para as populações e para o desenvolvimento económico e social dos respectivos municípios, cabendo-lhes, quanto muito, um papel minoritário em eventuais empresas a quem fossem atribuídas as concessões pelo Governo.
Esta questão é tanto mais importante quanto se sabe que a distribuição de gás canalizado no nosso país é um projecto que irá alterar significativamente as condições de desenvolvimento de diversas regiões, nomeadamente Porto, Lisboa, Coimbra e Setúbal.
É, pois, essencial garantir que o transporte e distribuição do gás canalizado não esteja à mercê dos jogos de interesses privados, que procuram reverter a seu favor aquilo que já foi apelidado de «negócio do século».
Deve competir aos municípios ou às suas associações planear, projectar, executar, gerir e manter todas as infra-estruturas necessárias às questões do serviço de distribuição de gás canalizado às populações e às empresas instaladas no respectivo território, sem prejuízo de poder vir a ser autorizado o regime de concessão da exploração deste serviço, competindo, nesse caso, aos municípios atribuir essas concessões.
Ao Governo cabe definir as normas gerais -jurídicas e técnicas - que enquadrem e regulem a aplicação destas competências pelo poder local, e apenas isso.
Mas se esta questão política de fundo é básica, o que pressupõe a necessidade de profundas alterações no Decreto-Lei n.º 374/89 e que são objecto de várias propostas de alteração que o Grupo Parlamentar do PCP vai apresentar durante o debate, há, no entanto, outros erros técnicos, administrativos e políticos que merecem algumas considerações e para os quais também apresentamos propostas de alteração.
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São exemplo de «erros técnicos» a falta de definição técnica do que se entende por serviço público de transporte e distribuição, a confusão criada ao considerar as mesmas condições para transporte grandes e médios gasodutos - e distribuição - tubagens de diâmetro reduzido. Daqui resulta que, por exemplo, o artigo 10.º seja um completo disparate quando aplicado às redes de distribuição, embora possa ser aplicável aos grandes gasodutos. O mesmo se pode dizer do artigo 15.º
De «erros administrativos» e «políticos» são exemplo a excessiva centralização dos processos administrativos - concursos, contratos de concessão e aprovação de projectos- no Governo e no Ministério da Indústria e Energia, quando tal não se justifica ao nível da distribuição, ou ainda a centralização de todos os poderes no Governo, deixando os municípios corripletamente fora do processo, incluindo sobre questões como as que aparecem referidas nas alíneas b) e c) do artigo 15.º, que incluem património do município ou sob administração municipal.
Aqui trata-se, por exemplo, de caminhos, de vias, de praças ou de ruas dos municípios.
Em conclusão, podemos dizer que a articulação do planeamento e instalação das redes de gás com o planeamento urbanístico da responsabilidade dos municípios, aliada ao interesse público e, portanto, com o cariz social que as empresas concessionárias terão de ter em consideração nos seus planos de investimento e desenvolvimento das redes -e não apenas um cariz de rendibilidade económica- como se depreende de todo o decreto-lei do Governo, exige uma profunda alteração na especialidade do decreto-lei agora em debate na generalidade, dando assim também resposta às posições que tem vindo a ser manifestadas por vários municípios e associações de municípios.
E por isso que, pela nossa parte, tudo faremos para que se façam todas as alterações necessárias, apresentando um conjunto de propostas na Mesa com vista à alteração na especialidade e solicitando também que, desde já, se enviem aos municípios todas as propostas que apresentamos.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Portugal é, sem dúvida, o País das Comunidades Económicas Europeias mais dependente, ao nível energético, do petróleo bruto. Isto cria uma situação débil, quer ao nível das áreas de abastecimento, quer ao nível de preços do petróleo, e, por isso, é natural que a posição que o PS tem nesta matéria seja de total apoio a todas as iniciativas que tenham como objectivo a diversificação energética, não só na questão do gás, pois tomaríamos idêntica posição se acaso fossem tomadas iniciativas no que diz respeito às energias renováveis ou ao carvão.
É, portanto, com esta postura que o PS pediu a ratificação deste decreto-lei e com a intenção de que o Governo seja sensível a uma questão que não pode ser escamoteada quando se pretende levar a cabo um projecto tão ousado, que é a participação das autarquias.
Achamos profundamente lamentável que o Governo se tenha esquecido das autarquias para lançar tão grandioso e tão importante projecto.
A verdade é que o País sabe pouco do plano nacional de gás, pois ele foi pouco discutido; a verdade é que houve pouca participação das autarquias, e a verdade é que não se sabe muito bem como é que isto vai ser, isto é, se vamos ter um abastecimento através dos portos ou se vamos ter alguma ligação a um gasoduto europeu.
O Governo pede apoios para a construção de gasodutos que liguem a gasodutos europeus, mas não se sabe muito bem qual é a solução técnica global desse projecto. Portanto, esperamos que o Governo nos elucide nesse particular aspecto.
É inqualificável que o Governo se tenha esquecido das autarquias para a definição destes princípios de adjudicação ou de entrega a concessionárias para a gestão de todo este sistema.
Não se compreende, também, como é que uma operação tão importante quanto ao uso do solo e quanto ao quotidiano dos cidadãos não tenha a participação das autarquias. É que isso vai constituir, como já hoje acontece com a água e a electricidade, uma total descoordenação da vida das cidades e do uso do solo, pois actualmente ninguém sabe muito bem, quando se abre um buraco numa rua, se aquilo é uma obra da EDP, da EPAL ou da câmara.
O artigo 15.º, que fala dos direitos da concessionária, diz, por exemplo, o seguinte: «[...] são direitos da concessionária [...] utilizar, nos termos que venham a ser fixados, as ruas, praças, estradas, caminhos e cursos de água, bem como terrenos ao longo dos caminhos de ferro e de quaisquer vias de comunicação, para o estabelecimento ou passagem das diferentes partes da instalação objecto da concessão.» Portanto, gostaria que o Sr. Secretário de Estado explicasse a esta Câmara como é que é possível fazer isto sem as câmaras.
Essa, digamos, é a questão central do nosso pedido de ratificação, pois não vamos ao ponto, como diz o PCP, de exigir que toda a distribuição seja entregue às câmaras. O que achamos é que não é possível implementar este projecto sem a participação das câmaras.
Entre a posição do PCP e a posição do Governo existe o bom senso.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A proposta do PCP também é de bom senso!
O Orador: - A questão do bom senso é uma questão subjectiva...
Achamos que deve haver a participação das autarquias, pois não vemos nenhuma razão para que não tenham a sua participação, quer na definição do plano nacional de distribuição de gás e da definição técnica do abastecimento, quer ao nível, naturalmente, da exploração da distribuição.
Sem a participação das autarquias não estamos a ver como é que isto será possível, mas esperamos, naturalmente, os esclarecimentos do Governo e que ele seja sensível a estas preocupações, para que, em comissão, seja possível alterar este decreto-lei, dando mais eficácia e mais razoabilidade na aplicação de um projecto que é muito importante para o País e que vivamente aplaudimos.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.
O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os gases
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combustíveis ocupam um lugar determinante no cenário energético mundial, destacando-se, devido às suas características, o gás natural.
As descobertas sucessivas de importantes jazidas de gás natural a partir da década de 60 permitiram pensar neste gás como alternativa real aos combustíveis sólidos e ao petróleo, tornando-o extremamente interessante em determinadas aplicações, assistindo-se a uma crescente penetração nos mercados energéticos e constatando-se, hoje, que 15 % do total da energia primária nos países da CEE são satisfeitos com gás natural.
A abundância de reservas, a elevada qualidade deste combustível, cuja extracção, transporte e utilização não provocam alterações no meio ambiente, ajudando até à sua recuperação em zonas ambientais já poluídas, e a facilidade de substituição de outras formas de energia, aumentando a concorrência, permitem encarar esta fonte de energia como uma base sólida para o desenvolvimento dos povos.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 374/89, que aprova o regime de serviço público de importação de gás natural, de recepção, armazenagem e tratamento de gás natural liquefeito, da produção de gás natural e dos seus gases de substituição e do seu transporte e distribuição, dá os últimos mas firmes passos na concretização de um objectivo importante do Governo, que é o grande projecto de introdução do gás natural em Portugal, com vista à diminuição da enorme dependência do nosso país face ao petróleo, introduzindo uma salutar concorrência nas diversas formas de energia e provocando o desenvolvimento de determinados sectores da indústria e serviços ligados a este projecto.
Alguns aspectos importantes do decreto-lei que convém realçar:
1.º O exercício da actividade ligada à sua utilização como serviço público, exigindo eficácia a dinamismo.
2.º O Atribuição de concessões a empresas legalmente constituídas, que suportarão os custos inerentes à construção das instalações, gasodutos e redes de distribuição de gás, definindo a duração da concessão.
3.º Adjudicação da concessão é sempre presidida de concurso público.
4.º A aprovação do projecto do traçado dos gasodutos e concessão de licenças exige pareceres de vários ministérios e dos municípios abrangidos, com vista à harmonização das construções que integram o projecto.
5.º Definição de normas claras quanto às servidões, normas de construção, segurança das instalações, gasodutos e redes de distribuição, bem como aos direitos e deveres dos concessionários.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os resultados estão à vista. Aparecem hoje empresas interessadas na distribuição do gás.
Ainda há dias foi assinado um protocolo pelas câmaras municipais com vista à distribuição de gás na área metropolitana do Porto. Estas farão parte do capital de uma empresa com 20 % do total do projecto inicial, pois, mais do que nunca, o sucesso estará ligado ao segredo e à capacidade de surpreender a concorrência com uma estratégia aguerrida de conquista do mercado e numa perspectiva de longo prazo, apoiada naturalmente por intensas campanhas de marketing. Campanhas que terão de romper o status quo energético nacional, à semelhança do que tem vindo a acontecer em toda a Europa nos últimos 15 anos.
Este é o caminho certo. Mas a introdução do gás natural exigirá enorme esforço com a criação de infra-estruturas, que envolvem recursos financeiros elevadíssimos, mas será determinante na inversão urgente e necessária do actual panorama energético, contribuindo decisivamente para a modernização do País.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Ilda Figueiredo e Manuel dos Santos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Carvalho Martins: O decreto-lei do Governo estabelece o princípio do concurso público para atribuição das concessões, mas não podemos hoje estar aqui a debater este pedido de ratificação sem termos em conta, de facto, a realidade do que se passa à nossa volta.
A realidade é que várias empresas que têm operado neste campo ou que pretendem vir a operar neste campo estão a tentar adquirir as melhores posições para que, logo que o decreto-lei esteja devidamente regulamentado quanto às normas de concessão, apareçam a tentar obter a melhor posição.
Tenho falado em empresas, mas nós sabemos que essas empresas estão a tentar constituir uma formação económica única, de forma que, na realidade, não haja várias empresas a disputar o mercado, mas apenas um grande grupo económico, envolvendo várias empresas e várias personalidades político-empresariais, incluindo deputados da sua bancada, que, de facto, estão a disputar o grande negócio do gás, que envolve, em quatro anos, 100 milhões de contos, como todos sabemos. É este o problema concreto que hoje tem de ser discutido aqui.
Então não acha, Sr. Deputado, que nesta situação este decreto-lei não visa apenas dar cobertura a estes interesses que estão a posicionar-se da melhor forma para obter o controlo total do mercado de todo o processo de produção, de transporte e de distribuição, com prejuízo sério dos consumidores e das autarquias?
Toda a filosofia do decreto-lei, para além deste aspecto, visa arredar corripletamente as autarquias de todo o processo, nomeadamente o Sr. Deputado referiu que no Porto há, neste momento, um protocolo assinado.
O Sr. Deputado não acha que ao fazer referência a esse protocolo está a entrar em contradição com o texto do decreto-lei, embora, de facto, na prática, o decreto-lei vise, exactamente, dar cobertura ao que se está a passar? Como é que explica, então, que esteja previsto um concurso público a que as várias empresas tenham de concorrer e que só depois o Governo decida a quem entrega a concessão, quando, afinal, o Sr. Deputado deu hoje aqui como certo que já há um protocolo e que será com base nesse protocolo que vai ser feita a distribuição de gás na área do Grande Porto?
O Sr. Luís Roque (PCP): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Carvalho Martins, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Carvalho Martins (PSD): - No fim, Sr.ª Presidente.
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Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Carvalho Martins: O cavalheirismo tem destas coisas e o facto de eu ter dado a prioridade à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo fez-me perder alguma oportunidade na questão que ia colocar.
Efectivamente, há uma certa contradição na sua intervenção. O Sr. Deputado louvou aqui e fez muito bem o protocolo recentemente estabelecido na área metropolitana do Porto por iniciativa de uma maioria de câmaras que, há já muito tempo, são de maioria absoluta para o PS. De resto, a filosofia global desse protocolo nasceu exactamente em duas câmaras: uma que já é socialista há muito tempo (a Câmara de Matosinhos) e outra que o é recentemente (a Câmara do Porto).
Portanto, V. Ex.ª louvou aqui a existência do protocolo, mas não nos explicou como é que essa filosofia de intervenção nessa área de serviço público se articula com a disposição legislativa que estamos hoje aqui a procurar ratificar.
Assim, seria esta a primeira questão que colocaria: entende ou não V. Ex.ª que as autarquias devem ter um papel importante nesta matéria, particularmente associando-se, intervindo, constituindo empresas mistas com iniciativa privada, e, portanto, se o exemplo da área metropolitana do Porto deverá ou não ser um exemplo a seguir?
Quer dizer, na fase actual, as autarquias ainda não têm iniciativa empresarial. Talvez no futuro, se para isso convergir a vontade de algumas entidades políticas, se possa pensar que as autarquias venham a ter a tal iniciativa empresarial autónoma e não disciplinada, no sentido de não regulamentada. A ser assim, estas questões colocar-se-iam de maneira um pouco diferente. Porém, no momento actual, as autarquias encontram-se administrativamente tuteladas e, portanto, com imensas limitações em termos de, por exemplo, encontrarem formas de financiamento alternativas àquelas que decorrem da aplicação estrita e simples da Lei das Finanças Locais, com as incomodidades e limitações que essa lei já hoje possui, sobretudo a partir do momento em que o Governo continua a transferir responsabilidades para as autarquias.
Nestes termos, gostaria de perguntar, nesta fase em que ainda não há uma iniciativa empresarial autónoma e própria das autarquias, se este diploma não deveria conter uma referencia que potencializasse, viabilizasse e favorecesse essa mesma iniciativa.
Vozes do PS: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.
O Sr. Carvalho Martins (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder conjuntamente à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e ao Sr. Deputado Manuel dos Santos porque penso que há algo de comum nas questões levantadas.
Como sabem, o PSD defende claramente a economia de mercado e não vemos qualquer inconveniente em que as câmaras municipais façam pane do capital das empresas interessadas em concorrer ao gás natural. Penso, aliás, que é uma atitude correcta e legítima, que vai até ao encontro da possibilidade de um diálogo permanente, importante na constituição da rede de distribuição de gás, com as câmaras municipais.
Penso também que o próprio artigo 13.º do decreto-lei define claramente que as câmaras serão ouvidas na aprovação do projecto dos gasodutos...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Há confusão! Não foi isso que lhe perguntei! Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Desculpe, mas vou continuar até ao fim. V. Ex.ª poderá depois levantar as questões que entender.
Como ia dizendo, para nós a questão fundamental é muito simples: efectivamente, temos um conceito claro de defesa da economia de mercado e, por isso, achamos que as câmaras podem fazer parte de empresas que concorram à exploração do gás. Não vemos qualquer inconveniente nisso. Aliás, são bons exemplos os casos das Câmaras do Porto e de Matosinhos, pois elas vão participar com 20 % do capital numa empresa que já está constituída para a exploração de gás natural. Penso que o Governo defende claramente isto!
No entanto, penso que será bom recordar aqui que as empresas que vão ser constituídas terão de ser empresas de capital intensivo e que a recuperação do investimento se efectuará a longo prazo. Penso que as câmaras não tem motivação nem estruturas montadas para fazer plenamente parte de empresas, isto é, com 100 % do capital - seria um fiasco. Por conseguinte, penso que a atitude tomada pelos Municípios do Porto, Gaia e outros, é uma atitude correcta, pois vão fazer parte de empresas mistas que irão concorrer à exploração do gás. Esta é uma atitude correcta que não temos qualquer problema em defender.
O Sr. Luís Roque (PCP): - Isso é cassette! Não foi isso que lhe perguntaram!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PRD subscreveu o pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 374/89, de 25 de Outubro, porque considera que os artigos 13.º e 15.º do mesmo, relativos, respectivamente, à aprovação do projecto do traçado dos gasodutos e concessão de licenças e aos direitos das concessionárias, conferem a estas empresas poderes que podem conflituar com o pleno exercício das funções cometidas às autarquias locais -nomeadamente aos municípios - bem como com uma adequada utilização dos patrimónios municipais e comunitários.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 13.º não qualifica explicitamente a força jurídica do parecer a formular casuisticamente pelos municípios no tocante ao processo de aprovação do projecto de traçado dos gasodutos. Em nosso entender, tal parecer não deverá ser meramente consultivo, até porque, em princípio, são os municípios as entidades melhor posicionadas para avaliar o impacte global, em termos sociais, económicos e ambientais, dos referidos traçados, na respectiva zona de influência.
Por outro lado, a alínea b) do n.º 3 do artigo em apreço postula um sistema de concessão das licenças para a execução das obras integrantes dos projectos em aná-
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Use, que, em boa medida, marginaliza os municípios do processo de concessão das referidas licenças.
Finalmente, a alínea c) do artigo 15.º confere às empresas concessionárias poderes bastante controversos para se utilizarem discricionariamente patrimónios que, indiscutivelmente, pertencem à comunidade e cuja utilização para a consecução dos fins referidos no citado artigo pode prejudicar, objectivamente, interesses locais e regionais que importa salvaguardar.
É, pois, absolutamente imprescindível que, no mínimo, o diploma objecto de ratificação explicite os termos em que a fruição dos direitos das concessionárias pode ter lugar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os aspectos citados afiguram-se-nos suficientemente importantes para merecerem do Governo um reequacionamento da questão. É que o reforço e a dignificação do poder local - tão desejados e afirmados pelo Governo - não resistem a acções sistemáticas manifestamente redutoras de um poder que imporia alargar e aprofundar na prática quotidiana e não apenas enfatizar em discursos fáceis mas inconsequentes.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia.
O Sr. Secretário de Estado da Energia (Nuno Ribeiro da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar circunscrever-me ao tempo de que o Governo dispõe para responder a esta questão, dizendo, no entanto, desde já, que estou disponível para, quando assim for entendido, responder a todas as questões que venham a ser colocadas relativamente a este projecto.
Na sequência do que referiu o Sr. Deputado José Sócrates, é evidente que todos os aspectos estão mais do que contemplados nos estudos que foram feitos, não sendo por acaso que a Comunidade abriu um programa para apoio a infra-estruturas energéticas com base no projecto português que lhe foi apresentado.
Portanto, é evidente que não iríamos lançar um projecto com a envergadura que este possui sem termos elaborado todos os estudos nos planos técnico, económico, financeiro, enfim, no plano dos múltiplos impactes que esta iniciativa detém.
Em primeiro lugar, saliento que no artigo 13.º deste diplomam se encontra bem explícito o facto de haver uma intervenção das autarquias. E quando foi afirmado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo que isto se refere a gasodutos - eventualmente a Sr.ª Deputada terá tirado a ilação de que gasodutos são grandes tubos -, devo esclarecê-la que, grandes, pequenos, capilares ou grossos, todos os tubos são considerados gasodutos, pois, tal como o nome o indica, são condutas de gás.
No que respeita à possibilidade de as autarquias terem acesso, não como organismos de controlo e de acompanhamento do desenvolvimento das redes o que está consubstanciado no artigo 13.º-, mas como agentes económicos activos no investimento com vista à exploração do gás, a prova evidente de que é possível que essas autarquias tenham iniciativa nesse âmbito também empresarial está no facto de terem vindo a ser constituídas múltiplas empresas com a presença das autarquias.
No entanto, antes de entrar em mais pormenores, chamaria a atenção dos Srs. Deputados para o facto de este diploma ser um diploma de bases. Na verdade,
posteriormente à publicação deste diploma existe uma boa meia dúzia de decretos-leis, de portarias, de regulamentos que especificam todos ou grande parte dos aspectos que aqui referiram e muitos outros que não levantaram. Portanto, chamo a atenção para lerem o conjunto da legislação que, ao longo de um ano, veio a ser publicada posteriormente a este diploma e que especifica muitas das preocupações que foram levantadas pelos Srs. Deputados intervenientes.
Srs. Deputados, nós já conhecemos há três anos a questão da lógica do PCP nesta área...
Vozes do PCP: - Não conhecem, não!
O Orador: - É evidente que o PCP tinha uma perspectiva de vir a controlar todo o desenvolvimento do projecto do gás natural em Portugal, havendo múltiplos interesses. Conheço referências documentais onde é feita toda uma análise do interesse que existiria em envolver activamente as estruturas ligadas ao partido no desenvolvimento do projecto.
O Sr. Luís Roque (PCP): - Isso é lá com o seu partido!
O Orador: - Existe ainda uma questão que gostaria de esclarecer e que tem a ver com a acusação de que nós não temos vindo a dar, nesta área dos problemas energéticos, qualquer intervenção às autarquias.
Assim, chamaria aqui a atenção para o papel que as autarquias vieram a tomar nas questões energéticas, quer como gestoras de consumo quer como produtoras, papel esse resultante da legislação que o Governo promoveu com a chamada «produção independente de electricidade», desenvolvendo planos energéticos regionais e desenvolvimentos e apoios na ordem dos 11 milhões de contos no âmbito do programa VALOREN e do sistema de incentivos à utilização regional de energia.
Com efeito, nunca as autarquias foram chamadas a ter um papel tão activo de contributo para a resolução dos problemas energéticos do País como nestes últimos anos.
Parece-me que a questão do voluntarismo e da demagogia tem limites. Na realidade, é absolutamente utópico pensar que é possível uma autarquia constituir uma empresa com capacidade para responder aos normativos internacionais de segurança que são exigidos pelo desenvolvimento do uso e do fornecimento do gás aos agentes económicos e aos cidadãos. De igual modo, é totalmente utópico pensar que uma autarquia consegue mobilizar, pelo prazo de tempo que implica a maturação dos investimentos nesta área, os investimentos necessários para desenvolver uma rede com o envolvimento financeiro que isto implica.
Há aqui, no entanto, um outro aspecto absolutamente crucial. E que correríamos um seríssimo risco de criar um enorme «elefante branco» no nosso país se não tivéssemos uma concertação perfeita entre a gestão dos investimentos no terminal de recepção do gás, no gasoduto de transporte em alta pressão e no desenvolvimento das redes de distribuição em baixa pressão.
Na verdade, se uma empresa começa, na baixa pressão e sem o terminal de recepção, a desenvolver uma rede ou se existe algum atraso na infra-estrutura de transporte, criamos um «elefante branco», pois nos estudos que fizemos a variável crítica deste projecto está fundamentalmente na questão do cronograma e no concerto e execução do programa e sua articulação.
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O Sr. Luis Roque (PCP): - É o complexo do elefantismo!
O Orador: - Assim, corremos o risco de ficarmos com redes de distribuição sem porto de aprovisionamento ou de ficarmos com porto de aprovisionamento e gasoduto de transporte sem possuirmos redes de distribuição.
Por conseguinte, há aspectos de dinâmica empresarial e de conhecimento de gestão e de manipulação de um produto que, como o gás, não se adaptam a improvisos.
É, portanto, esse o aspecto que nos levou a definir neste diploma as bases de um processo absolutamente transparente, dado que contempla, por um lado, a definição de um regime de serviço público que também tem vindo a ser contemplado noutros diplomas e sê-lo-á, ainda, nos termos dos concursos que virão a ser lançados. Esta é a filosofia que tem vindo a ser seguida.
Estarei à disposição dos Srs. Deputados para prestar todos os esclarecimentos exaustivos e de pormenor que eventualmente desejem.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Proença e Ilda Figueiredo.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.
O Sr. João Proença (PS): - O Sr. Secretário de Estado acaba de nos dar uma interpretação de gasoduto que não esperávamos. Acabei até por descobrir que a minha casa, porque tenho um fogão, está cheia de gasodutos.
Eu diria que essa originalidade deve ser tipicamente portuguesa. E porque neste momento o Governo discute com Bruxelas um apoio comunitário para o gasoduto que nos liga à rede europeia, eu julgava que estávamos precisamente a discutir esse gasoduto. E isto porque Portugal, por razoes diversas e por se tratar de instalações extremamente caras, não tem, neste momento, qualquer gasoduto ou oleoduto.
De qualquer modo, esta interpretação do Sr. Secretário de Estado é apenas sua e não a do decreto-lei, que no artigo 12.º fala na «construção de instalações, gasodutos e redes de distribuição». Portanto, a sua interpretação, repito, não é a do decreto-lei, porque, segundo o Sr. Secretário de Estado, não existe mais nada senão gasodutos.
Assim, quando no artigo 13.º se diz que «o parecer das autarquias e de vários ministérios é só para os gasodutos», é também evidente que, de acordo com o artigo 12.º, estão excluídas a rede de distribuição e as instalações.
Nesta conformidade, perguntava ao Sr. Secretário de Estado se pensa que este é um problema de redacção jurídica ou se o que nos diz nada tem a ver com o que está na lei e é a lei que estamos a discutir.
Aparentemente tudo está resolvido e, porque uma das duas propostas do PS diz respeito, efectivamente, ao parecer das autarquias, que tem de ser vinculativo, perguntávamos se esse parecer tem de ser, necessariamente, obrigatório e se a aprovação da rede de distribuição deve ficar dependente dele.
Com efeito, julgamos nós, não faz sentido uma rede de distribuição de gás no Porto sem o parecer favorável daquele município. E quem diz no Porto diz também em qualquer outra cidade. Isto em relação à rede de distribuição e não à passagem de um gasoduto, pois o que aqui está em causa, efectivamente, é que os interesses fundamentais do município não sejam afectados e, portanto, o parecer não pode ser vinculativo.
A segunda questão que quero colocar tem a ver com a política nacional de gás, devendo constar, obrigatoriamente, no decreto-lei a promoção da participação dos municípios nas empresas de distribuição. A promoção de participação nada tem a ver com a participação obrigatória ou com a participação única.
Nestes termos, pergunto ao Sr. Secretário de Estado se entende, realmente, que as duas propostas do PS não são de aprovar e de incluir neste decreto-lei?
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado deseja responder já ou no final?
O Sr. Secretário de Estado da Energia: - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Secretário de Estado, começo por registar que é positivo o facto de V. Ex.ª estar disponível para, em debate na especialidade na Comissão, poder responder mais pormenorizadamente, às questões de análise do articulado, nomeadamente às propostas que os diversos grupos parlamentares apresentam, em especial o PCP, com as 13 propostas que apresentou na Mesa, durante este debate.
Se era a isso que se referia quando disse que estava disponível, registo-o agradavelmente. Mas, já que está a dizer, com a cabeça, que não, nesse caso terei de lhe perguntar se está ou não disponível para considerar a reformulação de alguns dos aspectos mais gravosos deste decreto-lei.
O Sr. Secretário de Estado também mandou os deputados ler a legislação que foi saindo de há um ano para cá. Mas V. Ex.ª esqueceu-se de que este decreto-lei só foi publicado em 25 de Outubro, ou seja, há menos de meio ano e que, daí para cá, saíram, de facto, algumas portarias, poucas, de pormenor, mas que não dão resposta às questões que aqui levantei. É provável que o Sr. Secretário de Estado tenha outras portarias prontas para serem publicadas, mas ainda o não foram.
De qualquer modo, o decreto-lei foi publicado apenas em 25 de Outubro de 1989.
Uma outra questão refere-se à apreciação que o Sr. Secretário de Estado acaba de fazer às minhas referências ao gasoduto e às tubagens de diâmetro reduzido.
O Sr. Deputado João Proença já aqui se referiu a esse problema e à contradição entre as suas afirmações e as soluções contidas no próprio decreto-lei.
O Sr. Secretário de Estado, certamente, desde 25 Outubro para cá, já se esqueceu do que diz, em concreto, o decreto-lei. Por isso recomendo-lhe a sua leitura, nomeadamente o artigo 12.º, que refere: «A construção de instalações, gasodutos e redes de distribuição deverá obedecer a projectos elaborados nos termos dos regulamentos aplicáveis.» E o mesmo diploma, no seu artigo 13.º, diz ainda: «Antes de conceder a sua aprovação ao projecto do traçado dos gasodutos [...]» -esqueceu-se das instalações e da rede de distribuição, é que, então, haverá parecer de entre várias entidades dos municípios.
Mas o grande problema é o das redes de distribuição. V. Ex.ª sabe o que é fazer uma rede de distribuição de gás numa cidade como o Porto? Não digo Lisboa, porque
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já tem rede de distribuição. Mas no Porto, em Coimbra, em Setúbal, etc., a construção de uma rede de distribuição vai esventrar todas as ruas, praças e avenidas de uma cidade, tendo implicações de toda a ordem, nomeadamente nas redes actuais de saneamento básico, na construção das estradas, na vida da autarquia e das populações dessa cidade. E então a autarquia não é ouvida sobre isto? Alguém pode entender uma coisa destas?!
É isso que diz o decreto-lei, Sr. Secretário de Estado. Se, porventura, não era essa a sua posição, a verdade é que é a do decreto-lei. E é por isso que esta questão tem de ser discutida em sede de debate na especialidade e tem de ser devidamente clarificada. Por isso apresentámos propostas nesse sentido.
Mas como é que se entende também que não se procure uma economia de custos, conjugando a possibilidade de abertura de valas para a rede de distribuição, para as tais tubagens mínimas ou «gasodutos pequeninos», capilares, segundo a opinião de V. Ex.ª, a construir nas ruas, nas avenidas, nos caminhos e nas praças das nossas cidades, com a necessidade de também, no mesmo momento, se construir a rede de saneamento básico onde ela não existir. Por que não conjugar numa mesma operação esta actividade, conseguindo uma economia de custos bastante elevada, desde que isso fique na dependência dos municípios?
Essa é a questão que defendemos, sem querer significar que seja o próprio município de per si a fazer essa actividade, mas sim a chamar a si a possibilidade de, por exemplo, ser ele próprio a fazer a concessão ou de formar empresas públicas municipais ou intermunicipais ou mesmo empresas de capitais maioritariamente municipais aliadas a empresas privadas, eventualmente interessadas nesse tipo de distribuição.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Energia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a está discussão sobre o conceito de gasoduto, não temos aqui a Sr.ª Deputada Edite Estrela para nos esclarecer, mas o facto é que um gasoduto é uma conduta de gás e, portanto, é nessa acepção que é tomada a palavra em iodas as interpretações técnicas.
Reconheço que os Srs. Deputados não estarão particularmente informados sobre estes aspectos, mas, efectivamente, gasoduto é uma conduta de gás.
Refiro - e sublinho - que no artigo 13.º está bem explícito que é obrigatória a intervenção das autarquias nesta análise dos traçados das redes. Por outro lado, também sublinho, e volto a chamar a atenção para a legislação que está publicada, que não é a que estamos hoje aqui a discutir, que determina múltiplos aspectos de pormenor sobre a forma como as redes, os técnicos, o desenvolvimento, inclusivamente, das redes dos edifícios deve ser orientada e refere as entidades que tem competência para intervir no desenvolvimento desses processos.
Quando disse que estava disponível para responder às questões que entendessem colocar, era na sequência da intervenção do Sr. Deputado José Sócrates, falando sobre alguns aspectos que não se conheciam, nomeadamente se se trataria ou não de um terminal, qual era o traçado, etc. Reforço, porém, o que disse, mantendo-me disponível para falar e transmitir os aspectos que foram levantados por nós em todos os estudos que fundamentaram a decisão de avançar com este projecto.
Não iria falar sobre muita outra legislação que, entretanto, foi sendo desenvolvida e que, de forma directa ou indirecta, tem a ver com os problemas levantados e que preocupam os Srs. Deputados, nomeadamente o da questão dos impactes ambientais.
Foi, com efeito, este governo que adoptou legislação e que transpôs directivas comunitárias que especificam que as instalações de gás e as redes de gasodutos são alvo de estudos de impacte ambiental prévios à sua instalação.
Sobre os aspectos referidos pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo relativamente ao planeamento, à abertura de roços nas cidades, à conjugação destes trabalhos com os necessários à instalação do saneamento básico, etc., uma primeira coisa que lhe colocava era se fosse o município a concessionar se estava garantido que fosse feita essa concertação. A prova de que isso não acontece é evidente. E por todo o lado se manifesta, apesar da «fezada» que, naturalmente, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista terá no planeamento, uma tremenda dificuldade em conseguir concertar as obras de instalação de cabos de telefone, de cabos eléctricos, de saneamento básico, etc.
Mais importante e como estímulo fundamental para conseguir que a procura dessa racionalização e dessas economias de escala seja conseguida é o próprio facto de isto ser desenvolvido com uma lógica de empresas competitivas que procurem, nessa concertação com outras empresas, fazer intervenções na via pública e, com as câmaras municipais, obter economias de escala.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não foi essa a questão dos municípios!
O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, dou por terminado o debate relativo à ratificação n.º 98/V, apresentada pelo PS, PCP, PRD, Os Verdes e pelo deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos agora dar início ao ponto 2.3 da nossa ordem de trabalhos, de que constam as ratificações n.ºs 35/V e 108/V, sobre diplomas relativos ao acesso ao ensino superior, e ainda os projectos de lei n.ºs 479/V, do PS e do CDS, e 488/V, do PCP, também sobre a mesma matéria.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, ainda em referência ao processo da ratificação n.º 98/V, que tem estado em debate, solicitava ao Sr. Presidente que me informasse se este diploma baixa à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, o que me parece ser a forma mais correcta de este diploma ser apreciado na especialidade ou se baixa a outra Comissão.
O Sr. Presidente: - Uma vez que há propostas de alteração, baixou automaticamente à Comissão que a Sr.ª Deputada referiu e que vai analisar esta matéria.
Srs. Deputados, inscreveram-se para usar da palavra os Srs. Deputados Paula Coelho e Barbosa da Costa.
O Sr. António Filipe (PCP): palavra para interpelar a Mesa.
Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, dentro de alguns segundos, se houver condições para isso, vamos iniciar um debate de grande importância sobre o acesso
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ao ensino superior e constatamos que na bancada do Governo não está presente o Sr. Ministro da Educação. Ora isto limita, de alguma forma, as condições do debate, pelo que não podemos deixar de considerar lamentável esta situação.
Através da figura regimental da interpelação à Mesa, gostaria de perguntar à bancada do Governo quais as razões pelas quais o Sr. Ministro da Educação não está presente neste debate.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora não esteja presente o Sr. Ministro da Educação, estão na bancada do Governo dois membros do seu ministério.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, sob a figura de interpelação à Mesa, gostaria de responder ao Sr. Deputado António Filipe, dizendo que o Sr. Ministro da Educação não pode estar presente pois está numa reunião de Ministros da Educação que está a decorrer na Tailândia. Isto não significa, porém, de maneira alguma, que estas iniciativas de pedidos de ratificação não sejam importantes e não tenham, da parte do Governo, a presença adequada de dois dos Srs. Secretários de Estado que aqui representam, como e evidente, o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Plenário da Assembleia da República pronuncia-se hoje, finalmente, sobre o acesso ao ensino superior.
Trata-se de um debate que, pela sua importância, poderia e deveria ter sido efectuado a tempo de evitar as graves consequências da aplicação imposta à pressa do sistema ainda em vigor.
A verdade é que o Governo sempre se furtou a este debate! Instando por diversas vezes, por proposta do PCP, a debater o sistema de acesso perante as Comissões de Educação, Ciência e Cultura e de Juventude, o Governo nunca compareceu na Assembleia da República para este fim.
Não foi, porém, apenas perante a Assembleia da República que o Governo se furtou ao diálogo. A publicação, tanto do Decreto-Lei n.º 354/88 como do Decreto-Lei n.º 33/90, que alterou o primeiro, foi feita violando grosseiramente as disposições da Lei das Associações de Estudantes, que exige de forma inequívoca a audição prévia e atempada das associações de estudantes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Os tempos que se seguiram à imposição pelo Governo do actual sistema de acesso ao ensino superior foram marcados pelas críticas contundentes de praticamente todas as entidades que entenderam pronunciar-se sobre ele.
A imposição de alterações ao sistema de acesso em pleno ano lectivo, que na altura se afiguravam em si mesmo negativas, mereceram duras críticas de inúmeras associações de estudantes e organizações juvenis e estudantis, do Conselho Nacional de Juventude, das associações de pais, de Confederação Nacional de Pais, de conselhos pedagógicos, de grupos de professores e respectivas organizações representativas.
Na sua reunião plenária de 11 de Janeiro de 1989, o Conselho Nacional de Educação emitiu um parecer de cuja recomendação final passo a citar o seguinte extracto: «Face às considerações do parecer e ao debate ocorrido nesta reunião plenária sobre o Decreto-Lei n.º 354/88, de 12 de Outubro, que estabelece o novo regime de acesso ao ensino superior, o Conselho Nacional de Educação considera urgente a sua revisão, recomenda que seja ponderada seriamente a conveniência da sua imediata reformulação ou até suspensão, e manifesta preocupação pela aplicação do mesmo no corrente ano.»
Portanto, é inteiramente falsa a afirmação, por diversas vezes repetida pelo Ministro da Educação, de que o Conselho Nacional de Educação e o Conselho Nacional de Juventude leriam emitido parecer favorável ao actual sistema de acesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma ainda em vigor sobre o acesso ao ensino superior representou o principal palco de descontentamento e contestação estudantil nos últimos anos. Sc este diploma teve algum mérito, foi apenas o de conseguir unir contra si a vontade de milhares de estudantes, superando quaisquer barreiras ideológicas. Apenas a direcção da JSD, em obediência consciente ao Governo do PSD e à sua política de restrição drástica ao acesso ao ensino superior, defendeu, embora por vexes timidamente, um sistema de acesso que se revelou um herdeiro à aluíra da herança de 12 anos de numeras clausus,...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Que pobreza!...
A Oradora: -... mantendo os seus traços essenciais, sofisticando os seus mecanismos e agravando as injustiças e aberrações ditadas por um sistema que há mais de uma década tem sido um pesadelo para centenas de milhares de jovens.
Ao chamar à ratificação os diplomas em vigor sobre acesso ao ensino superior, o Grupo Parlamentar do PCP, em consonância com as posições desde sempre assumidas pela JCP e fazendo eco da vontade manifestada pelos estudantes, docentes e pais, propõe a recusa global de um sistema aberrante e gerador de profundas injustiças.
Ao tomarmos esta posição recusamos a situação de atraso abismal que separa o nosso país dos mais desenvolvidos relativamente à taxa de frequência no ensino superior. Perante uma laxa media comunitária de 25 % de frequência no ensino superior, o nosso país, a menos de três anos de 1993, ainda mal ultrapassou os 11 %...
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Recusamos um sistema que se limita a gerir um escasso número de vagas existentes, em vez de avaliar reais capacidades; recusamos um sistema que agrava as injustiças sociais no acesso ao ensino superior e que cria as maiores injustiças e aberrações.
Não esquecemos os estudantes que com uma média de 19 no 12.º ano não tiveram acesso ao ensino superior (creio que entre nós se encontra, pelo menos, uma estudante nessas condições); não esquecemos os estudantes
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que com 80 % na prova específica ficaram de fora no acesso ao ensino superior; não esquecemos que, dos 90 000 candidatos à prova geral de acesso, mais de 60 000 ficaram pelo caminho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao recusar globalmente o actual sistema, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta uma alternativa. Não pode o Governo invocar a sua falta nem comportar-se como se ela não existisse.
O projecto de lei que hoje submetemos à apreciação da Assembleia da República -e que, previamente, submetemos a debate público - assenta em dois pressupostos essenciais: primeiro, pôr fim ao sistema de numerus clausus, sintoma claro de subdesenvolvimento e incompatível com qualquer estratégia de desenvolvimento nacional.
O PCP propõe a aprovação pela Assembleia da República, no prazo de seis meses, de um plano de desenvolvimento para o ensino superior até 1993, que permita a adopção de um sistema de acesso aberto, o alargamento da rede pública, consoante as necessidades, e a duplicação da taxa de escolaridade a nível superior na faixa etária entre os 18 e os 24 anos.
O segundo pressuposto tem a ver com o cumprimento das disposições da Lei de Bases do Sistema Educativo sobre esta matéria, de que o actual sistema faz tábua rasa. A prova específica de capacidade referida na Lei de Bases do Sistema Educativo não tem correspondência nem com a prova geral de acesso, nem com as provas específicas, do modo como foram exigidas.
O projecto de lei do PCP propõe-se conciliar o peso natural da avaliação obtida ao longo do ensino secundário com as responsabilidades que devem caber às instituições de ensino superior na avaliação da capacidade para a sua frequência.
O projecto de lei do PCP prevê a existência de mecanismos que permitam a cada jovem não colocado manter presente a sua expectativa de ingresso, a curto prazo, através de bonificações e de esquemas específicos de apoio.
Com o presente projecto de lei, o Grupo Parlamentar do PCP pretende contribuir para uma solução socialmente justa e de acordo com objectivos de progresso educativo e social que exigem que cesse de imediato o sistema de acesso em vigor.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Pretendemos submeter o nosso projecto de lei à apreciação crítica de todos os interessados e contribuir para que a Assembleia da República, com o diálogo que o Governo não soube manter, possa encontrar uma solução justa que faça, sem demora, cair o muro que se opõe a tantos jovens portugueses no acesso ao ensino superior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir o futuro de milhares de jovens! Jovens que exigem uma universidade de portas abertas, sem muros ou barreiras artificiais. Uma universidade que seja um espaço criativo, de investigação e de inovação, uma universidade que os cative e incentive numa sociedade que se valorize e se desenvolva com o contributo técnico e intelectual que estes jovens irão proporcionar.
É necessário, Srs. Deputados, que nós o possibilitemos, pois certamente os jovens saberão aproveitar e responder positivamente às oportunidades que temos obrigação de lhes dar.
Aplausos do PCP, do PS. de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Deputado Carlos Coelho.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não se trata de um pedido de esclarecimento, mas, sim, de uma interpelação à Mesa, se V. Ex.ª me permite.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, depois de ouvir a intervenção da Sr.ª Deputada Paula Coelho, do PCP, fiquei com a ideia de que já há muito tempo o PCP tinha entregue um projecto de lei sobre a matéria que estamos hoje a discutir e que, inclusivamente, teria havido alguma objecção aqui na Assembleia a que esse projecto fosse discutido.
Nestas circunstâncias, gostaria de saber quando é que o projecto de lei do PCP deu entrada nesta Assembleia.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, o projecto de lei n.º 488/V, do PCP, deu entrada na Mesa às 17 horas do dia 22 de Fevereiro, foi admitido nesse mesmo dia, baixou à 8.ª Comissão e foi anunciada a sua entrada na Mesa no dia 23 de Fevereiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, depois da intervenção da Sr.ª Deputada Paula Coelho, pedi a palavra não para formular pedidos de esclarecimento mas, sim, para defesa da consideração.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como há pouco não estava presente na Câmara, vou repetir as considerações que temos vindo a fazer. São elas no sentido de se evitar a utilização de figuras regimentais, nomeadamente defesa da honra, defesa da bancada, defesa da consideração, interpelações à Mesa, etc., de modo que tenhamos uma disciplina mais rigorosa na gestão dos tempos.
Isto não significa que não lhe vou dar a palavra, mas, sim, que serei mais exigente na contabilização do tempo - como, aliás, ficou determinado - que utilizará para a defesa da consideração.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. De facto, pedi a palavra para usar a figura regimental da defesa da consideração.
A Sr.ª Deputada Paula Coelho, na sua intervenção, disse que a JSD tinha sido a única organização de juventude partidária que não se tinha oposto ao sistema de ingresso no ensino superior, seguramente por disciplina em relação ao Governo - aliás, a Sr.ª Deputada utilizou um adjectivo mais penoso para a dignidade da organização de juventude que até ao próximo fim-de-semana me encarrego de presidir.
Na verdade, isso foi uma ofensa, não só ao discernimento e à capacidade de definição da estratégia própria
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da JSD, como a mim próprio, e à qual não posso deixar de responder nesta sede.
Com efeito, não foi por obediência ao Governo que não nos opusemos a este novo sistema de ingresso, como não foi, seguramente, por obediência ao Governo que tomámos as atitudes que tomámos na altura em que o sistema foi implementado.
A Sr.ª Deputada Paula Coelho esquece-se certamente das propostas de alteração que a JSD apresentou ao Governo e que foram do domínio público; esquece-se também, uma vez que falou em associações de estudantes, do número substancial de dirigentes associativos de diversas direcções associativas do ensino secundário que tiveram oportunidade de, junto do Sr. Ministro da Educação, expressar os seus pontos de vista e de concordar com as bases gerais do novo sistema de ingresso.
Desta forma, a Sr.ª Deputada Paula Coelho desprezou não só a participação importante que a JSD teve na melhoria do sistema de ingresso, em função do que estava inicialmente previsto, mas também a participação democrática de muitas dezenas de dirigentes associativos deste país - que, aliás, lhe deviam merecer respeito! - que junto do Governo não deixaram de expressar os seus pontos de vista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em vez de andarem a fazer manifestações, em vez de «andarem numa» de destruição do novo sistema de ingresso, esses dirigentes associativos tentaram contribuir para a construção de um sistema de ingresso mais justo.
A Sr.ª Deputada Paula Coelho desprezou também a luta de milhares de estudantes deste país contra o sistema de acesso ao ensino superior que existia antes deste.
O Sr. António Filipe (PCP): - Que também era do PSD!...
O Orador: - Esse sistema permitia o insucesso escolar, porque só metade dos estudantes é que viam contempladas as suas primeiras opções; esse sistema tinha um regime de exames de aferição eliminatório....
Foi contra este sistema que se bateram muitos milhares de estudantes de todo o País. Porém, a Sr.ª Deputada Paula Coelho desprezou por completo esta luta justa dos estudantes que recusavam um sistema injusto e promotor do insucesso escolar e apenas fez uma diatribe contra o Governo. De facto, foi isto que, manifestamente, veio aqui fazer!
A Sr.ª Deputada Paula Coelho nem sequer é parte inocente neste debate, uma vez que apresentou e, presumo, subscreveu o projecto de lei do PCP que, de certa forma, reintroduz os exames de admissão, «à laia» do antes 25 de Abril, só que «temperando-os» com as notas de avaliação do ensino secundário.
Penso que a Sr." Deputada Paula Coelho tem de dizer perante a Câmara, de uma forma muito clara, se quer fazer este debate numa lógica de demagogia, para retirar daí frutos políticos, ou se quer fazer este debate de uma forma séria, que, na nossa opinião, se traduz no seguinte...
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Sr.ª Deputada, se este sistema não é bom, então qual é o sistema bom?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): -Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de dar alguma expressão à questão colocada pelo Sr. Secretário de Estado.
Na minha intervenção referi-me, não ao facto de o nosso projecto de lei ter sido apresentado e estar, neste momento, a ser discutido pelo Governo, mas, sim, ao facto de, desde que saiu o actual regime de acesso ao ensino superior, ter sido várias vezes solicitada por esta Câmara, nomeadamente através da Comissão de Educação, Ciência e Cultura e da Comissão de Juventude, a presença de representantes do Ministério da Educação para discutir, nesta Assembleia, o regime de acesso ao ensino superior. Foi este aspecto que foquei na minha intervenção - aliás, creio que ele é correcto.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que a JSD está de acordo com o actual sistema de acesso ao ensino superior - e gostaria que o Sr. Deputado respondesse a esta questão.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Eu já vou falar daqui a um bocadinho!...
A Oradora: - Quanto às posições das diferentes associações que mencionou, devo dizer-lhe que mantive contactos com alguns dos estudantes que não foram colocados no ensino superior e creio que eles tomaram posições contra o regime de acesso ao ensino superior, através das suas associações, nomeadamente através do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Nacional de Juventude, mas, de facto, nunca foram ouvidos nem tidos em conta, quando tinham esse direito.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso não e verdade!
A Oradora: - É verdade, sim!
Por outro lado, eles foram ouvidos mais tarde...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Ah! Mas foram ouvidos!
A Oradora: - De facto, eles foram ouvidos mais tarde, depois de a lei já estar em vigor - inclusivamente representantes do Governo aqui na Assembleia, num primeiro debate sobre o regime de acesso ao ensino superior, admitiram-no.
Quanto ao anterior sistema de acesso ao ensino superior, gostaria de dizer que quer a juventude portuguesa quer o PCP sempre estiveram contra esse sistema, que, aliás, era da responsabilidade do PSD.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas ele foi alterado!
A Oradora: - Estivemos contra esse regime de acesso ao ensino superior - e ainda bem que os senhores agora admitem que também estavam contra ele. Foi pena terem-no feito e aplicado!
Mas o que interessa, e se o Sr. Deputado Carlos Coelho teve oportunidade de ler, atentamente, o projecto de lei que hoje aqui apresentamos, verá que a proposta que fazemos é a de que o regime de numerus clausus seja abolido. E damos um período, um espaço de tempo, que pensamos ser aceitável, para que se tomem as medidas necessárias...
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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exames de admissão?! Que alternativa!
Vozes do PS: - O vosso é o exame da exclusão!
Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, queira concluir terminando a frase.
A Oradora: -... para que a abolição dos numerus clausus seja realista. Também dizemos que estamos abertos à discussão na especialidade de outras propostas que tenham por base a alteração ao actual sistema...
Vozes do PCP: - O Sr. Presidente é rígido com esta bancada!
O Sr. Presidente: - Não sou rígido com essa bancada. Fiz exactamente o mesmo com a outra bancada. Nestas intervenções regimentais, e para que esta situação não «derrape», chamei à atenção uma primeira vez e uma segunda vez. Há pouco o Sr. Deputado Carlos Coelho utilizou 3 minutos e 2 segundos enquanto, a Sr.ª Deputada vai neste momento em 3 minutos e 24 segundos.
Queira concluir terminando a frase, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Sr. Presidente, termino dizendo o seguinte: creio que está mais do que provado que o actual regime de acesso ao ensino superior não serve e tem, portanto, de ser alterado; temos de encontrar uma alternativa e o PCP propõe esta.
Vozes do PCP: - Muito bem.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Diz o povo, na sua sabedoria, «que em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão».
Parece-nos que o problema do regime de acesso ao ensino superior se inscreve perfeitamente nesta apreciação.
A grande questão que se coloca prende-se com a notória carência de condições de funcionamento para um número alargado de candidatos possuidores dos requisitos indispensáveis à frequência de um curso superior.
Poder-se-ia aceitar a existência de numerus clausus se Portugal não se encontrasse na cauda dos países com alunos universitários. De facto, temos ainda um enorme défice, neste domínio, que as exigências do progresso e do desenvolvimento implicam.
Não só pelas razões expostas, mas também pela eventual necessidade de demonstração de capacidade específica para a frequência do ensino superior, através da prova de âmbito nacional, na sequência da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, o Ministério da tutela elaborou um diploma normativo em 12 de Outubro de 1988, alterado posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 33/90, de 24 de Janeiro.
Decorre dos diplomas em análise a realização, para todos os candidatos, de uma prova destinada a avaliar o seu desenvolvimento intelectual e o seu domínio da língua portuguesa ao nível da compreensão e da expressão e a maturidade cultural.
Afirma-se no preâmbulo de um dos citados diplomas que estes dispositivos legais foram concebidos «após consulta pública dos parceiros sociais e representantes dos principais grupos interessados».
Refere-se também que o novo regime de acesso se baseia na colocação dos candidatos nos cursos superiores mais adequados as suas preferências pessoais e vocacionais. Infelizmente, o desenvolvimento do processo tem vindo a provar que tais pressupostos não têm sido respeitados, generalizando-se a controvérsia entre boa parte dos interessados, ao invés, aliás, da afirmação proferida da sua consistência e da adesão aos mesmos.
Relativamente à consulta pública dos representantes dos interessados parece-nos também que ou a consulta não teve os destinatários adequados ou, a ser verdade, estes mudaram radicalmente de opinião.
No entanto, queremos deixar claro que não discordamos da realização de uma prova geral de acesso com conteúdo aproximado do que foi decretado, já que poderá ela constituir a aferição necessária a eventuais distorções que critérios díspares de aprendizagem e de avaliação possam criar.
Vozes do PS: - Já vão fazer coligação?!
Vozes do PSD: - Está feita!
O Orador: - Bem sabemos, e não vale a pena esconder certas evidências, que infelizmente, se bem que em reduzido número, tem havido, aqui ou além, processos obseuros que, beneficiando uns, provocam sérios prejuízos a outros.
Vozes do PS: - É verdade?!
O Orador: - É verdade, Sr. Deputado. Há colégios que foram alvo de inspecção...
O Sr. António Barreto (PS): - Há muitos mais, Sr. Deputado.
O Orador: - Estou de acordo consigo. Há muito mais casos, infelizmente.
Se isto é verdade, não é menos certo que o processo de avaliação das citadas provas de acesso realizadas por um leque demasiado variado e heterogéneo de julgadores, com critérios necessariamente diferentes, cria outras injustiças não menos sérias. É, pois, extremamente frustrante ver jovens que construíram, pedra a pedra, o seu projecto futuro, que se esvai dolorosamente perante a sua impotência.
Daí que se compreenda o legítimo desejo das maiores vítimas de ver o sistema modificado, na esperança de ver contempladas as suas pretensões. Legítima e saudável é também a iniciativa dos partidos que pretendem ver rediscutida e reanalisada tal problemática, avançando alguém já com soluções discutíveis, embora respeitáveis, de conceder o direito de acesso automático aos candidatos que tenham sido apurados com média de 16 valores ou equivalente no 12.Q ano, como pretendem o CDS e o Partido Socialista, e que é retomada, embora em outros moldes, pelo PCP, através do seu projecto de lei n.º 488/V.
Queremos afirmar que discordamos de tal solução, que, face à experiência vivida e que atrás referimos, poderá criar situações de injustiça que se pretendem esconjurar com tais iniciativas.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece que estamos todos de acordo quanto à necessidade de repensar as condições actuais. Questionam-se os pesos de cada critério no processo de seriação, quer nos seus limites mínimos quer nos máximos, que poderão inquinar o processo de avaliação.
É-nos difícil, em tais circunstâncias, ditar as pretensas soluções óptimas, já que, quaisquer que elas sejam, têm sempre um verso e um reverso, pois haverá sempre benefícios e prejuízos para alguém, invertendo-se eventualmente posições anteriores.
De qualquer forma, somos a opinião que esta questão deve ser amplamente debatida com todos os agentes implicados no processo, não se alimentando, contudo, a veleidade de que se vai obter o consenso generalizado, que seria o objectivo mais desejado, se houvesse condições e instalações suficientes e capazes para todos os que reúnem as condições para o almejado acesso.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, antes de começar a contar o tempo, e visto que o Sr. Deputado Adriano Moreira é signatário de um projecto de lei em conjunto com o PS - aliás, creio que o Sr. Deputado Adriano Moreira não estava aqui quando se iniciou este debate -, eu tinha todo o prazer em que o primeiro interveniente, se é esse o seu desejo, fosse o Sr. Deputado Adriano Moreira. Mas não estou a forçá-lo, estou a convidá-lo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há, da parte da Mesa, objecções fundamentais. No entanto, quero recordar que não se trata apenas da discussão de projectos de lei, mas de uma mistura de ratificações e de projectos de lei. Porque se fosse apenas de projectos de lei, seguiríamos a ordem que é tradicional. Como se trata de uma mistura das duas situações, obviamente que seguimos a ordem das inscrições. Mas se o Sr. Deputado António Barreto pretende trocar com o Sr. Deputado Adriano Moreira, que se inscreveu mais tarde, penso que não haverá oposição da parte de ninguém.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, faça favor.
O Orador: - Sr. Presidente, numa breve interpelação à Mesa, pretendia dizer que, pela nossa parte, não vemos qualquer inconveniente em que o Sr. Deputado Adriano Moreira se inscreva agora e ultrapasse inscrições, porventura, do Governo, que já tenham sido feitas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esclareçamos um ponto. Eu eslava a falar em permutas e, portanto, isso é menos simples e complexo do que injecções de outras inscrições. Isto é, se o Sr. Deputado Adriano Moreira falar neste momento, o Sr. Deputado António Barreto falará no tempo correspondente à inscrição do Sr. Deputado Adriano Moreira. Isto e o que está previsto da nossa parte.
Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, tem a palavra.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, a única coisa que quero é apenas manifestar o ponto de vista do Governo, sem, contudo, complicar a função da Mesa. Quero, pois, dizer que não temos qualquer objecção a fazer - e penso que a Câmara também não terá - a que o Sr. Deputado Adriano Moreira use da palavra em primeiro lugar, inclusivamente em prejuízo de outras inscrições, e não pura e simplesmente trocando de lugar na ordem das inscrições.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um aspecto nesta questão que gostaria que não voltasse a ser referido e vou dizer qual é, recordando que, ainda não há muitos momentos, tivemos aqui uma ligeira troca de pontos de vista sobre a questão de saber se a Universidade de Coimbra fazia 700 anos, ou fazia pouco mais ou menos 700 anos. Eu lembro isto só para recordar o seguinte:
A universidade portuguesa existe, enfrentou problemas tão ou mais graves do que este, conseguiu resolvê-los sem ter sentado em qualquer Parlamento qualquer grupo parlamentar que hoje esteja aqui.
Isto significa que é uma matéria que devemos abordar com alguma humildade em relação à universidade portuguesa, de onde todos saímos e, talvez, não pensar que todas as questões que se abordam neste Parlamento tem sempre que ver com as excelências ou falta de excelências do Governo que temos.
Realmente, aquilo de que estou a ocupar-me é do interesse do País e da situação dos jovens portugueses. Não estou minimamente preocupado com a relação que isso possa ter com os méritos, deméritos, prestígios do Governo ou de qualquer dos seus membros.
Justamente por isso, uma das coisas que penso desde já que ofende a importância desta discussão é ter conseguido ler na imprensa deste fim de semana - em que tive que estar mais recolhido por uma ligeira indisposição - , que esta questão já tinha sido resolvida e que as propostas feitas tinham sido rejeitadas por maioria absoluta no Parlamento, visto que a disciplina parlamentar linha sido estabelecida a este respeito.
Eu fiquei a pensar se já teríamos adiantado tanto no regime que tivéssemos finalmente, e de serviço novamente, um dos comendadores da Nação portuguesa para mandar o telegramazinho de felicitações pela vitória parlamentar com que terminaria este debate.
A vitória parlamentar importa-me muitíssimo pouco. Aquilo que me interessa muito é a situação dos jovens portugueses, que, em grande pane, ainda nem sequer fizeram opções partidárias, porque o sistema em que vivemos nem sequer lhes permite fazer opção de vida como tanto desejam.
Esta circunstância leva-me também a estranhar - e julgo que os Srs. Deputados devem ter interesse em meditar nisso - a pergunta que hoje mais repetidamente me tem feito - porque a imprensa se interessa por este problema e deve interessar -se por este problema: e a questão de saber por que é que fui assinar uma proposta que sabia que não era aprovada pelo Parlamento.
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Isto inquieta-me muito, porque se está a perder a capacidade de estar em minoria no País é o que isto significa. Talvez isto tenha de ser tomado em conta pelos responsáveis do sistema educativo, porque a educação cívica também precisa de tomar conta deste aspecto. Não se pode perder a capacidade de estar em minoria. E se estamos em minoria nesta Câmara, quem está em maioria neste problema são os jovens, que esperam à entrada da universidade que lhe digam se podem ter e realizar a sua opção de vida.
Justamente porque a universidade tem 700 anos, este problema da admissão, como o formulamos na proposta modesta que apresentamos ao Parlamento, é uma proposta que tem exclusivamente a ver com um detalhe. Isto é, deve ou não haver um critério de dispensa de provas de admissão à universidade?
Durante séculos este problema foi sucessivamente levantado. Queria informar - sobretudo aqueles que pensam que este problema e um problema com soluções de antes do 25 de Abril e, felizmente, com soluções de depois do 25 de Abril, sobretudo soluções PSD -, de que estão profundamente enganados. Por exemplo, queria lembrar que na Junta Nacional de Educação (de que, queria informar o Governo, eu ainda sou membro, porque se esqueceram de a extinguir), durante muitos anos, foi repetidamente discutida a questão de saber se se deveria, ou não, estabelecer o numerus clausus e eu ouvi sempre, por unanimidade, ser recusada a sua aceitação.
E isto numa altura em que não ocorria a ninguém se era 25 de Abril, antes ou depois, mas linha a ver com o que se pensava da função da universidade na vida portuguesa. E como a grande tradição portuguesa é que a ascensão social em Portugal se faz pelo saber, este linha de estar aberto a todas as camadas sociais.
Naturalmente nós sabemos que a estrutura social fez afunilar a entrada na universidade, mas não deixa de ser estranho que, quando o sistema político torna a sociedade aberta, o Governo invente fechar o acesso ao ensino com uma teoria do numerus clausus, que e um problema de habitação. E por ser de habitação, e sendo esta uma importante observação que desejo fazer ao Governo e à Câmara, vou servir-me de um exemplo, porque os exemplos são mais pedagógicos e mais acessíveis.
Nós temos tradicionalmente uma Faculdade cheia de pergaminhos e tradições, a Faculdade de Direito. O Estado Português tem duas Faculdades de Direito. No conselho científico da Faculdade de Direito de Lisboa, julgo eu, sentam-se 12 doutores; no conselho científico da Universidade de Coimbra, julgo, não se sentarão mais. O Estado dispõe deste número de doutores para ensinar cerca de 800 alunos, que admite cada ano com o numerus clausus para o ensino oficial. Mas, além das duas Faculdades de Direito do Estado, há ainda, que me lembre, a Faculdade de Direito da Universidade Católica, a Faculdade de Direito da Universidade Lusíada de Lisboa, a Faculdade de Direito da Universidade Lusíada do Porto, a Faculdade de Direito Portucalense, a Faculdade de Direito da Universidade Internacional, a Faculdade de Direito de Universidade Luís de Camões, sendo o número de alunos que entra nestas universidades, suponho, superior a 2000. No entanto, para os ensinar, o Estado dispõe dos mesmos doutores que se sentam no conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa e da Faculdade de Direito de Coimbra.
Isto é um problema de habitação. O Estado parece que tem capacidade para ensinar porque é com os mesmos professores que ensina, o Estado o que não tem é casas e arranja uns concessionários que lhe arranjam as casas.
Risos do PS e do PCP.
O Orador: - Eu recomendaria, nesta época de, remodelações ministeriais, que o Sr. Primeiro-Ministro considerasse a hipótese de enriquecer o Ministério da Educação com uma Secretaria de Estado da Habitação para o Ensino Superior, para ver se este problema consegue ser racionalizado e se nós não andamos, e continuamos, a falar de «ma teoria do numerus clausus que só tem de ver com a capacidade de oferta de lugares sentados de que o Estado dispõe e não tem nada a ver com as necessidades do País, não tem nada a ver com a prospectiva sobre o mercado de trabalho, não tem nada a ver com as aspirações da juventude, não tem nada a ver com as votações.
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Temos de assumir isto. Isto é a evidencia mesma. Isto tem de ser aceite independentemente do benefício de poder ser resolvido finalmente na história portuguesa pelo PSD.
Por outro lado o que fez o Governo para resolver esta situação? O Governo pegou na Lei de Bases do Sistema Educativo, evocou-a para cumprir as regras votadas pela Assembleia, que é soberana, e teve todo o cuidado de, no preâmbulo, dizer que vai organizar esse sistema de acesso com provas que, de acordo com essa lei, tendem à demonstração da capacidade específica para a frequência do ensino superior através de provas de âmbito nacional. E estabeleceu as provas de âmbito nacional que não são específicas e estabeleceu as provas específicas que não são nacionais. Este foi o sistema, foi a maneira como o Governo cumpriu a lei, que invoca a 25 linhas de começar a escrever o artigo 1.º do diploma que temos aqui em apreço.
O Sr. António Barreto (PS): - Muito bem!
O Orador: - E isto consagrando que sistema? Consagra um sistema em que organiza uma prova geral de acesso que já enriqueceu a língua portuguesa, a PGA - creio que já há o verbo «PGAr» e há a expressão «PGAdo» que são os reprovados que ficam por este caminho.
O que é que o Governo arranjou na prova geral de acesso? Arranjou uma prova que se destina, diz aqui claramente, a avaliar o quê? O desenvolvimento intelectual dos estudantes, o seu domínio da língua portuguesa ao nível da compreensão e da expressão e a sua maturidade cultural. É a isto que se destina a prova geral de acesso.
A seguir o Governo arranja umas provas específicas, mas simplesmente a estas provas específicas aconteceu-lhes que foram postas em vigor quando se deu um facto, que é quase um segredo de Estado, que foi o maior desastre educativo de que há memória neste País e que foram as últimas provas de acesso. Esse desastre educativo de que nós escassamente temos notícia, porque, como se recordam, esse desastre educativo foi aqui, na Câmara, explicado como correspondendo ao sagrado exercício do direito à greve e o Estado, com a grande devoção pelos princípios, esqueceu-se dos estudantes que não entravam na universidade.
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Depois, quando o desastre se mostrou, porque não podia ser mais escondido, fizeram uma emenda ao tal regime das provas específicas. Que emenda? Está aqui a emenda. Diz assim: as provas, quando acontecer outro desastre, serão substituídas pelas classificações correspondentes do ensino secundário. Quer dizer, a prova específica é exactamente igual à prova geral de acesso, porque tanto faz haver prova específica como voltar a apreciar as duas disciplinas nucleares do ensino secundário.
Naturalmente, com este sistema de repetirmos as provas, podemos ser levados a perguntar porque é que o Governo se viu obrigado a organizar esse sistema esdrúxulo de, por três vezes, verificar os mesmos conhecimentos dos estudantes. Na verdade, verifica no 12.º ano, verifica na prova geral de acesso e depois verifica na emenda, se ocorrer algum desastre. Por que é que se verifica três vezes a mesma coisa? O Governo explica que faz isso porque o sistema de avaliação no ensino secundário não lhe merece confiança. E como não lhe merece confiança, inventa a prova geral de acesso, e quem é que encarrega de apreciá-la? Os professores que ensinaram mal durante o ensino secundário, os tais que não lhe merecem confiança para ensinar no ensino secundário. São os mesmos professores que vão apreciar as provas gerais de acesso!... Começa a ser excessiva a reincidência no mesmo erro. Já é de mais que se cometa o mesmo erro nesta matéria!
E com que legitimidade o que podemos admitir ao Governo que diga que o ensino secundário não lhe merece confiança?
Na verdade, a Constituição da República Portuguesa diz que o Estado tem obrigação de ensinar e que nós temos obrigação de pagar impostos. Nós pagamos bem os impostos e o Estado, segundo diz, ensina mal. Não podemos admitir que o Estado diga isto. Porquê? Porque nós, além dos impostos, entregamos-lhe os filhos, para que ele os ensine, durante 12 anos e ao fim de 12 anos o Estado, com tranquilidade, como se o sistema não fosse dele, diz: este sistema não inspira confiança e temos de corrigi-lo. Quem o corrige? O mesmo Estado que é incapaz de corrigir o aparelho de ensino secundário. Nesta matéria, vamos de absurdo em absurdo!
E, então, como é que o Estado organiza o sistema educativo português? E curioso, aplica ao sistema educativo português as leis da emigração. Como que é aplica essas leis?
Definitivamente, o ensino secundário está considerado deficiente. Quanto ao ensino superior vai ser, diz-se, tratado com todos os cuidados. Então, como é que se passa de um sistema para o outro? Não é por continuidade. É por emigração! Arranjam-se, então, os fiscais, uma state island do ensino que temos em Portugal e esses fiscais dão o visto de entrada a uns e transformam os outros em boat people: porque o que os senhores fazem é atirar uma grande parte da juventude para a incerteza de uma sociedade que não lhe dá saída alguma, uma vez que, depois de 12 anos no ensino secundário, eles não estão habilitados a nada, a não ser no desespero, à falta de esperança, à incapacidade de encontrar o seu primeiro emprego, ou seja, a sua primeira ocupação.
Penso que isto precisa de algum remédio e admito que ele não possa ser total. No entanto, nesta matéria, porque somos democratas-cristãos e porque não acreditamos muito na tecnocracia - não nos entusiasmam os grandes gráficos de grandes curvas e de grandes colunas a cores, onde, actualmente, tudo o que é esperança vem em linhas alaranjadas e tudo o que é desespero vem a verde e a encarnado, que são as cores nacionais. Preferimos seguir o conselho de um homem que - talvez os próprios tecnocratas conheçam - se chamou João XXIII e que dizia: o que nós precisamos é de conhecer tudo, compreender tudo e melhorar um bocadinho o que a nossa vida nos permite.
Somos gradualistas por humildade e, como tal, ocorreu--nos esta ideia, neste sistema cheio de desastres e de incongruências. Pelo menos, é preciso salvar a excelência, aquilo que no País representa a maior esperança e o maior capital e são os alunos que se distinguem. E sabemos que isto é útil porque mesmo neste sistema no qual nós deixamos ficar todos esses abrigos do Estado das suas provas de avaliação - três vezes o mesmo - nós sabemos que, no sistema de ensino, se houver uma dispensa, a competitividade imediatamente se instala porque o estudante quer a dispensa, quer a excelência, para poder entrar na universidade, o que é benéfico para corrigir o sistema secundário. E sobretudo, Srs. Ministros e Srs. Deputados, aquilo que nós não podemos admitir é que em defesa de formalismos, em defesa de prestígios governamentais, se esqueça que aquilo que está em causa, neste momento, não é o poder de sufrágio. Só daqui a dois anos é o poder de sufrágio. E se os senhores não prestarem atenção a este problema grave, o eleitorado há-de pedir-lhes satisfações, com justiça! Aquilo que está em causa neste momento é uma juventude a quem a sociedade ofereceu um plano de vida, uma juventude que o sistema meteu no ensino secundário durante 12 anos, uma juventude em relação à qual os senhores deram ao país a esperança de que ali eslava um capital que não podia ser desperdiçado porque o principal valor deste País é a inteligência. E o que está em causa é que, quando esses 12 anos passam, a excelência não é aproveitada, o País desperdiça esse capital e isso é-nos explicado nesta Câmara por um Ministro da República que, dirigindo-se a todos nós, lhe chamou «uma pequena crise num sub-sistema». Foi isto que nós ouvimos chamar.
Tenho esperança que os jovens deste país possam não ficar impressionados com essa linguagem tecnocrática e que saibam que, no nosso aparelho do Estado, no nosso aparelho do ensino, há pessoas que, para alem das disposições constitucionais, para além dos interesses partidários, para além dos prestígios dos governantes, ainda têm como princípio fundamental que cada homem é um fenómeno que não se repete na história da humanidade e aquilo que a maioria tem demonstrado hoje que é capaz de fazer é que não lhe importa frustrar esse projecto de vida de uma grande parte da juventude portuguesa!
Aplausos do PS, do CDS e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Adriano Moreira dispôs, para além do tempo do CDS, de 5 minutos cedidos por Os Verdes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vou começar a minha intervenção citando um jovem português. Tal como todos os grupos parlamentares, recebi também dezenas ou centenas de cartas e centenas de assinaturas de pais, de jovens estudantes e de professores. E um deles,
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num abaixo-assinado que várias escolas reproduziram, quis acrescentar «à mão» o seguinte: «Tive a média mais alta do Liceu de Carolina Michaelis na minha área em 1988-1989. Não fui admitido em nenhum estabelecimento de ensino superior. Gosto do meu país. Quero continuar a gostar do meu Portugal, se possível, mais ainda. Mas também preciso do amor do meu país. Quero ajudar a construir um Portugal melhor. Não deixem que nos maltratem mais outra vez.»
Isto é o que a juventude portuguesa pede aos deputados!
E, já que estou em maré de citações, vou também citar outro documento, cujo autor é o coordenador do sector da educação do Grupo Parlamentar do PSD, deputado Lemos Damião, que diz assim: «A prova geral de acesso (PGA) não colheu nem o agrado nem os favores da grande maioria dos interessados: alunos, pais e professores. Há aqui, desde logo, uma inversão de valores. Somos contra a PGA porque nos parece improvável que se consiga, através de uma prova de Português, atingir os objectivos que se diz revestir; somos contra qualquer outro género de prova geral de acesso que não garanta, à partida, objectividade de apreciação e igualdade de oportunidades. Não se deve teimar novamente na PGA». Estas, repito, são palavras do Deputado Lemos Damião,...
O Sr. Miguel Relvas (PSD): - E só dele!
O Sr. António Filipe (PCP): - Onde é que ele está?
O Orador: -... ausente na sessão de hoje por motivos que não saberei referir.
Duas palavras para resumir o essencial da nossa proposta, assinada por deputados do CDS e do PS. Esta proposta não traduz a nossa proposta de sistema de acesso ao ensino superior, mas, isso sim, em primeiro lugar, um protesto contra o sistema em vigor, contra a indiferença nacional, sobretudo contra a indiferença das entidades públicas e governamentais, indiferença pela situação em que se encontram centenas e centenas de jovens, sejam candidatos anteriores sejam actuais.
Foi um protesto, um alerta que está a ter os seus resultados: o País está mais atento, a comunicação social está mais atenta, inclusive em relação ao problema que levantámos, que é o da excelência, questão essa que os poderes públicos, pelo que dizem os jornais deste fim-de-semana, não estão disponíveis para acolher.
Preocupamo-nos com este problema, coisa que o Governo não fez nem faz. Existirá o problema dos colégios privados? Parece que sim! Diz-se nas bandas da Avenida de 5 de Outubro que há o terrível problema dos colégios privados. Se houver, há ao nosso alcance variadíssimas soluções. São conhecidos sistemas em muitos países democráticos ocidentais para fazer face a esse problema.
Querem o Governo e a maioria do Grupo Parlamentar do PSD rever esta questão em pormenor? Querem alargar o âmbito desta proposta de lei? Querem encontrar um sistema de acesso ao ensino superior que honre o Parlamento e o Governo? Estamos disponíveis para esquecer estas propostas e recomeçar tudo, hoje ou amanhã mesmo.
O Governo e o PSD tem de aceitar a evidência e não persistir na teimosia. O Governo e o PSD tem de aceitar que este sistema é absurdo e traduz o que terá sido um dos maiores, se não o maior, disparate legislativo e educativo cometido em Portugal nos últimos tempos. Foi feito sem experiência, sem gradualidade, sem competência! Foi feito por pessoas que não tem da vida real das escolas o mínimo conhecimento e o mínimo contacto directo! Este regime propõe-se avaliar a maturidade..., então, vejam as provas, vejam o modelo de prova geral de acesso que foi publicado hoje!
Este regime de acesso propõem-se substituir a qualidade de ensino secundário, o mérito e a qualidade do trabalho no ensino secundário. O ensino secundário é, ele próprio, a cultura geral. Logo, o que se deve avaliar é o conjunto do trabalho e do esforço desenvolvidos em todo o ensino secundário. Esse é que é a formação de cultura geral; o ensino secundário não é uma formação especializada nem vocacional e é o ensino secundário que está em causa. O Governo constata e verifica que é mau e cria uma fasquia, uma barreira, a fim de remeter para critérios arbitrários, subjectivos, selectivos, socialmente desiguais e iníquos o modo de seleccionar os melhores a entrarem na universidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A PGA, vista e revista por professores - aqueles de que ainda há pouco falava o Prof. Adriano Moreira -, deu casos de diferença de 40 % para 19 %, de 46 % para 8 %, de 91 % para 56 %, de 76 % para 43 %... São centenas e centenas de casos como estes, cujas diferenças podem ser superiores ao dobro ou inferiores a metade.
Em Portugal, a PGA deu azo, da pior maneira, ao arbitrário e ao subjectivo no sistema de avaliação, assim como à introdução da desigualdade social e cultural no sistema educativo. A PGA promoveu os negócios na educação e o negocismo,...
Aplausos do PS e de Os Verdes.
... criou milhares de explicações de PGA. O que é uma explicação de PGA? Digam-me, Srs. Deputados? Há milhares de jovens a pagar 5, 10, 15, 20 contos por mês para terem aulas de PGA, desde os meses de Dezembro a Janeiro deste ano. Há professores que corrigiram «a cavalo» provas gerais de acesso para obterem os 200 contos e poderem ir para férias - isto porque era preciso corrigir centenas de PGAs em cima da hora. Tanto a correcção como a confecção ou elaboração e a preparação dos estudantes para a PGA foram transformados num monumental negócio paralelo e de contrabando, que o Governo criou, tolerou e permitiu.
Aplausos do PS e de os Verdes.
A PGA eliminou centenas e centenas dos melhores alunos portugueses de matérias escolarizadas. Encontram-se nas galerias alunos que tiverem notas de 18 e de 17 e, inclusive, uma aluna que teve três 19. Juntaram-se, pois, aqui só alunos que tiveram notas altas!...
Aplausos do PS e de Os Verdes e protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, vamos aguardar que se faça o silêncio necessário, a fim de que possamos prosseguir.
O Orador: - Que cena tão triste!!...
A PGA permitiu a admissão à universidade de centenas de alunos com médias variando entre os 5,6 e os 9 valores em vez dos alunos com médias de 16, 17 e 18, que poderiam ter entrado.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A PGA e o regime geral de acesso ignoram que há centenas e centenas de estudantes com 5, 6, 7, 8, 10, 15 e 20 matrículas na universidade e que cada matrícula a mais na universidade, perante a qual o Governo é indiferente, é um candidato a menos que pode entrar na universidade.
O regime geral de acesso esqueceu-se de que houve provas específicas não feitas que criaram nova desigualdade: provas específicas que foram feitas sem os programas publicados a tempo; provas específicas que foram feitas sem que tivesse sido conhecida a bibliografia necessária para fazê-las. Houve erros no guia de acesso corrigidos à última hora e voltados a corrigir para certas faculdades... O Ministério da Educação não avaliou de modo conhecido o que aconteceu com esta prova geral de acesso.
O Grupo Parlamentar do PSD, chamado a juntar-se aos outros grupos parlamentares para convidar o Governo, repito, convidar o Governo, a mandar avaliar por entidade independente e idónea as provas deste ano, fez fortaleza, fez bloco, votou contra, impediu que se convidasse o Governo a avaliar.
O Ministério da Educação não responde aos vários requerimentos feitos, o último, há dois meses, pedindo que nos informe sobre factos, tais como quantos alunos entraram,... quantos saíram,... em que circunstâncias... O Ministério não responde!
Em Março, hoje, ainda não estão conhecidos e publicados os elementos necessários sobre as condições de ingresso nem o guia de acesso. O Ministério continua a dar provas de indiferença e desprezo pelos jovens portugueses candidatos.
A PGA, repito, é injusta do ponto de vista social; é um paleativo que substitui a qualidade e o mérito no ensino secundário; é discriminatória, opondo uma vez mais - e este ano reviu-se e reconfirmou-se - as humanísticas às científicas; é burocrática, porque parece feita para tranquilizar os funcionários e os preguiçosos e não para encorajar e promover; é demagógica, em todos os seus capítulos, sob os contingentes especiais; é imoral, porque provoca e estimula os negócios; é cínica, porque desresponsabiliza e desculpabiliza o Governo e porque pretende culpabilizar as vítimas, isto é, culpabilizar os estudantes por não poderem entrar no ensino superior; é hipócrita, porque é um apoio às universidades privadas, aos colégios privados -privados esses em que são os professores públicos, pagos pelo erário público, que o Governo diz que faltam e que por essa razão não podem alargar o ensino superior-; é desumana, porque perde, não de vista, o percurso escolar, a vida de cada um, o projecto pedagógico, científico e profissional de cada um; foi desleal quando foi aplicada, por ser aplicada a meio do ano e a meio do processo; voltou a ser desleal este ano, porque alterou o peso da PGA daqueles que já tinham feito o ano passado, que estão em condições diferentes novamente e porque retirou o ponto de bonificação àqueles, do ano passado, que esperavam por ele... e persiste sistematicamente na deslealdade consagrando a indiferença e o desprezo; é desleal ainda porque não reconhece o direito de recurso as provas específicas - há algo em Portugal que se faz e para o qual não há recurso, direito fundamental dos cidadãos portugueses!... - é ilegal, finalmente, porque não respeita a letra e o espírito da Lei de Bases do Sistema Educativo!
É curioso como tudo isto é tão evidente, tão evidente que nem vale a pena chamar o testemunho do Sr. Deputado Lemos Damião, que é, repito, o coordenador do sector da educação do Grupo Parlamentar do PSD - desculpem-me mas tenho de referir várias vezes a sua qualidade e as suas funções nesta Casa!
Mas o próprio Ministro da Educação - neste jeito que o actual Governo e o PSD já sabem até vender aos independentes que com ele colaboram...-, em plena televisão, para a qual ele tem um talento inexcedível, acabou por dizer a «famigerada PGA». O próprio Ministro da Educação trata-a assim!...
Quero ver com que coragem o Sr. Deputado Carlos Coelho - que deixa de ser jovem daqui a cinco dias, felizmente, porque os jovens vão querer-lhe mal pelo que o Sr. Deputado vai dizer - vai defender a «famigerada PGA», isto nos dizeres, nas palavras e nos termos do Ministro da Educação!...
Por que fez o Governo isto? Por que razões fez o Governo isto? Que Governo é este que é indiferente perante o que pode haver de melhor em Portugal, que são os jovens que querem trabalhar, estudar e aprender? Para mostrar serviço? Por incompetência? Por tecnocracia? Porque quer resolver os problemas dos burocratas? Porque não tem contacto com a realidade ou porque tem contactos intermitentes com a realidade? Porque quer apoiar as universidades privadas? Porque quer apoiar os colégios privados? Porque quer culpabilizar os estudantes?
Uma coisa é certa, Srs. Deputados, o Governo não prestou nem presta bom serviço nem ao País, nem à educação, nem à cultura. E o Governo, sem o sentido do humano, sem o sentido da preocupação pela população e pelos seus contemporâneos e sem espírito do dever que é o de corrigir e de rectificar, é culpado de ter provocado desespero, ansiedade e frustração na juventude portuguesa!
Que País é este que desmotiva assim quem quer trabalhar? Que País é este que destrói quem quer crescer e trabalhar? Que País é este que o Governo quer fazer à sua imagem e semelhança?
Aplausos do PS e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, como estamos sobre a hora regimental de votações, vamos interromper esta discussão e proceder à votação de um requerimento, apresentado pelo PCP, no sentido de os projectos de lei n.º 48/V, 484/V, 485/IV e 486/V e a proposta de lei n.º 127/V baixarem, sem votação na generalidade, à Comissão de Saúde.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados, em resultado desta votação, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 127/V - Lei de Bases da Saúde.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro, e a abstenção do CDS.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 481/V (PS) - Lei de Bases da Saúde.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e
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dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PRD e do CDS.
Vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 484/V (PRD) - Bases do Sistema de Saúde.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS do CDS e de Os Verdes.
Vai proceder-se à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 485/V (PCP) - Lei de Bases da Saúde.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e de Os Verdes.
Vamos, finalmente, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 486/V (CDS) - Lei de Bases da Saúde.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP e do CDS e abstenções do PSD, do PS, do PRD, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raúl Castro.
Terminámos, assim, as votações relativas à Lei de Bases da Saúde.
Retomando a discussão relativa à ratificação n.º 35/V, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.
Presidente, Srs. Deputados: Muito se tem discutido, comentado e criticado o novo sistema de acesso ao ensino superior.
O regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 354/88, de 12 de Outubro, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 33/90, de 24 de Janeiro, cedo adquiriu uma notoriedade invejável - quase todo o cidadão tem a sua opinião sobre o novo sistema de acesso e se preocupa com os resultados por ele produzidos.
E é fácil de compreender que tal suceda. Deixando de parte todos os chavões e lugares comuns habituais em torno deste problema, particularmente sujeito a converter-se em objecto de demagogia e de oratória fácil - e é de lamentar que esta demagogia tenha atingido nesta Casa as raias do impensável -, é patente que ele constitui um núcleo crucial no processo de desenvolvimento e de modernização do País. Mais ainda: ele representa, em certos casos, de forma quase dramática, a questão da própria realização do indivíduo, como ser individual e como ente social. O problema do acesso e um problema nacional, mas é-o, porventura mais ainda, dos indivíduos e das famílias.
Porque é assim, não espanta que as reacções à introdução de um novo sistema tenham muito de emocional e de epidérmico, deixando na sombra uma abordagem mais fria e analítica. É o que tem acontecido com a polémica em torno do novo regime de acesso.
A discussão que sobre ele se tem gerado vem a desenvolver-se, em muitos casos, no vazio, prescindindo dos dados quantitativos rigorosos, que só agora é possível obter - por isso, só agora foi marcada a reunião com os Srs. Deputados para lhes dar a conhecer esses mesmos resultados -, bem como de uma análise aprofundada do novo regime, comparando os seus resultados com os obtidos com os dos sistemas anteriores, à luz da experiência acumulada ao longo de mais uma década, experiência essa que, nesta Sala, os Srs. Deputados esqueceram completamento.
Na verdade, muito embora a Constituição Portuguesa de 1976 tenha elevado o acesso ao ensino superior ao estatuto de direito fundamental, vem vigorando, desde 1977, um regime de numerus clausus, criado por um governo socialista - lembro isso aos Srs. Deputados! -, um regime que é, de algum modo, imposto pelas condicionantes materiais - a oferta de vagas, atento o espaço, as instalações e o corpo docente existente -, mas que é, por definição, injusto na medida em que restringe a possibilidade de todos os que têm capacidade para tal poderem explorar as suas potencialidades intelectuais e criativas.
Em relação a este aspecto, comentando as declarações do Sr. Prof. Adriano Moreira - feitas, aliás, com muita graça, mas com muita ingenuidade e falta de dados concretos -, eu gostava de dizer que, neste momento, não é o Governo que estabelece os numerus clausus mas, sim, as próprias instituições do ensino superior; são elas que propõem as vagas e o Governo tem insistido com essas instituições para que as aumentem.
Por isso mesmo, o XI Governo, no programa aprovado por esta Assembleia, incluiu, entre os vectores fundamentais do processo de modernização da educação portuguesa, a expansão do acesso ao ensino superior, numa perspectiva de maior democratização do ensino. A eleição deste objectivo foi entendida, justamente, como imperativo de liberdade e de solidariedade.
A aprovação de um novo sistema de acesso ao ensino superior era, por outro lado, exigida expressamente pela Lei de Bases do Sistema Educativo, encontrando-se, ainda, pressuposta no princípio da autonomia das universidades.
O Decreto-Lei n.º 354/88 nasce, portanto, da confluência destas linhas de força, procurando conjugar a concretização efectiva de um direito fundamental com os condicionalismos materiais existentes, em ordem ao reforço dos valores de uma verdadeira democracia e ao lançamento das bases de um Portugal mais desenvolvido e progressivo.
Todavia, e desde logo porque se partia de uma premissa objectivamente injusta - vagas limitadas -, é bom de ver que se não tornava possível encontrar um sistema perfeito e susceptível de colher a adesão de todos os participantes no sistema educativo, ou seja, em última análise, toda a comunidade nacional.
Logo por isso, a elaboração deste novo regime legal foi rodeada dos maiores cuidados, o que levou a que a questão fosse submetida a um debate público alargado, durante cerca de um ano, com os mais diversos intervenientes, tendo sido acolhidas muitas das sugestões formuladas. Foi, portanto, garantida a participação real de todos os sectores de opinião, da generalidade das forças produtivas, dos alunos, dos docentes, das instituições de ensino e dos pais.
O resultado foi um sistema aberto, que concede espaço de intervenção e de escolha aos diversos intervenientes no processo de ingresso no ensino superior.
Como disse há pouco, os efeitos do novo sistema só agora, devido aos atrasos induzidos por factores de todos conhecidos, puderam ser rigorosamente estabelecidos, oferecendo-se, pois, à análise lúcida de cada um de nós.
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Para promover essa análise, divulgando publicamente os dados obtidos, o Governo marcou já, através do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, uma reunião com a Comissão de Educação e com a Comissão de Juventude, tendo como ordem de trabalhos exactamente o balanço desde primeiro ano de implementação do novo regime.
Deixando para essa sede uma análise pormenorizada dos elementos disponíveis, posso, todavia, sublinhar desde já alguns aspectos particularmente significativos.
Um dos aspectos mais debatidos no novo regime tem sido a introdução da prova geral de acesso - a tão denegrida quanto temida «PGA». Contesta-se o seu valor, o carácter aleatório, o peso e a utilidade.
Trata-se, no entanto, de uma novidade relativa - foi criada pela primeira vez pelo ministro Sottomayor Cardia, em 1977, uma prova do mesmo género com a diferença de que foi proposta apenas com dois meses de antecedência e era eliminatória, não sendo o Português obrigatório para todos os alunos do ensino secundário mas isso o Sr. Deputado António Barreto esqueceu - e que concretiza um imperativo constante da Lei de Bases do Sistema Educativo, cujo artigo 12.º prevê a existência de provas de capacidade de âmbito nacional.
Por outro lado, o peso que lhe é conferido é variável, em função do juízo efectuado por cada estabelecimento de ensino superior e de se terem ou não realizado provas específicas.
Finalmente, no que toca ao seu carácter pretensamente aleatório, cumpre-me assinalar que os resultados globais da prova geral de acesso mostram uma correlação nítida com os valores das classificações do ensino secundário.
Não quero com isto afirmar que no sistema em que existiam 51 000 candidatos - e não 90 000, como foi aqui dito, pois esses fizeram a prova geral de acesso, mas ainda não tinham a aprovação no ensino secundário, tendo apenas ingressado cerca de 40 000, esquecendo que desses 90 000 que fizeram a prova geral de acesso só 51 000 estavam em condições de se apresentar ao acesso - não tenham ocorrido distorções pontuais.
Deve, porém, ser igualmente reconhecido que essas distorções resultaram, quase sempre, pela não realização de provas específicas. Aliás, este ano, o Governo insistiu com todos os estabelecimentos de ensino superior para que apresentassem provas específicas e alterassem o peso das instituições.
Devo dizer ao Sr. Prof. Adriano Moreira que a sua escola não apresentou provas específicas e considera o peso da prova geral de acesso de 50%... - tenho aqui o ofício a dar essa informação.
A instituição deste tipo de provas, da inteira competência dos estabelecimentos de ensino superior, traduziu a intenção de dar pleno conteúdo à ideia de autonomia, aprovada nesta Assembleia, estabelecendo, do mesmo passo, a faculdade de os estabelecimentos participarem na escolha dos seus alunos.
Trata-se, porém, de uma faculdade, não de uma obrigação, pelo que, muito embora tal não corresponda ao que é desejável, as provas específicas poderão não ser realizadas. E, quando tal sucede, o peso da prova geral de acesso assume proporções bem maiores do que lhe caberia em princípio, revestindo-se, porventura, de algum exagero.
Impõe-se, portanto, a sensibilização das instituições do ensino superior, o que foi feito, para que utilizem a faculdade de definir provas específicas para os seus candidatos, aparecendo como parte activa no processo de selecção dos alunos.
Mas para além destes factos, que contribuem, creio, para desfazer alguns equívocos criados em tomo desta componente do novo sistema de acesso ao ensino superior, avulta um outro aspecto que se me afigura da maior relevância.
O sistema introduzido pelo diploma em apreço permitiu que, em 1989, tivessem ficado colocados na primeira opção 72 % dos candidatos, contra 52 % em 1988, sendo que a percentagem dos que ficaram colocados nas duas primeiras opções ultrapassou os 87 %, contra 66 % em 1988.
Se é para todos claro que, enquanto subsistirem as limitações quantitativas no acesso ao ensino superior, não teremos qualquer regime de acesso inteiramente consentâneo com os valores próprios de um Estado democrático, há que buscar, de imediato, os mecanismos que possibilitem o ingresso dos mais aptos, de acordo com a orientação das suas potencialidades e aspirações.
O Decreto-Lei n.º 354/89 proeurou oferecer uma resposta válida a este desafio - não foi a resposta óptima, foi antes aquela que resultou do esforço conjugado dos vários parceiros educativos e que traduziu um ponto possível de consenso. Não constitui, de forma alguma, um ponto de chegada; representa, isso sim, um marco no caminho ainda por percorrer.
Porque é assim, o próprio diploma prevê a existência de uma comissão de acompanhamento, integrada por docentes, estudantes, pais e representantes das forças produtivas e dos estabelecimentos de ensino, a qual se vem debruçando atentamente sobre o funcionamento do novo sistema, tendo já proposto em várias reuniões alguns aperfeiçoamentos, alguns dos quais vertidos no Decreto-Lei n.º 33/90.
Há, porém, que reconhecer que a procura de soluções óptimas é tarefa a empreender por todos os membros da comunidade nacional e corresponde a um esforço a suportar por todos.
A selecção dos melhores candidatos representa, apenas, uma das faces da problemática do acesso ao ensino superior e, porventura, não a mais importante.
Do outro lado, temos a criação de novos lugares em estabelecimentos de ensino superior, pelo aumento dos espaços e das capacidades dos já existentes e pela oferta de novos cursos e vias de ensino.
Gostaria, a este propósito, de referir o enorme esforço que tem sido realizado e traduzido, em 1989, no acréscimo de 22,6 % do número de vagas no ensino superior público, bem como num crescimento de 33,6 %, no montante do investimento através do PIDDAC.
Para além disso, enquanto que no ano lectivo de 1986-1987 era de 11 % a taxa de escolarização no ensino superior para o grupo etário dos 20 aos 24 anos - não estou a referir-me ao grupo dos 18 aos 24 anos, mas aos números fornecidos pela UNESCO, embora comparemos muitas vezes os números da UNESCO com os nossos numa faixa mais ampla - essa taxa e já de 19 %.
O Sr. António Filipe (PCP): - Quanto?!
O Orador: -19 %, Sr. Deputado. E estou a referir-me à faixa dos 22 aos 24 anos e não dos 18 aos 24 anos!
O Sr. António Filipe (PCP): - Então, mas o Ministro falou de 14 % há 15 dias...!
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O Orador: - Falou em 14 % quando passa para a faixa dos 18 aos 24 anos!
É óbvio que estes números são ainda baixos em comparação com os que se verificam nos demais países europeus. Mas da evolução já verificada se retira, com toda a clareza, o indício do empenho deste Governo em permitir a todos os que o pretendam e mostrem capacidade um lugar no ensino superior.
Assim, este diploma representa, muito singelamente, mais um passo no sentido da meta que pretendemos alcançar; não o objectivo mas, apenas, o meio para o atingir; não o fim mas, apenas, um instrumento necessariamente aberto a todos os contributos que potenciem a sua aptidão para satisfazer o bem comum, contributos esses que não estão, com certeza, nos projectos de lei apresentados pelo PS e pelo CDS. Aliás, o Sr. Deputado António Barreto achou por bem - e fê-lo em tempo oportuno - retirar o projecto de lei de que é subscritor, pelo que é melhor nem comentá-lo sequer...
Também o projecto do PCP comporta os mesmos erros que o projecto anterior, aliás, enfermando ainda de outros, que me abstenho agora de comentar, pois o tempo de que disponho está praticamente a extinguir-se - se não se extinguiu já - e gostaria de ter ainda algum para responder.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Adriano Moreira, Herculano Pombo e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira, que dispõe de três minutos cedidos pelo PRD.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que andei no mesmo liceu que o Sr. Secretário de Estado, sendo que já desde esse tempo me não lembrava de me terem dito que linha ingenuidade. É-me agradável ouvir isso estes anos todos depois, porque vejo que o que o Sr. Secretário de Estado quis dizer foi que envelheceu e que eu rejuvenesci!... Fico-lhe profundamente agradecido!...
Risos.
Assim, é com esse espírito de ingenuidade grega que eu abordo este problema, sendo esse mesmo que reclamo do Governo. Igualmente é com esse espírito de ingenuidade que lhe digo que ouvi o seu discurso, como de costume com muitas estatísticas, com muitos números, não tratando, porem, do problema em discussão no diploma, que se traduz em saber o que é que fazemos à «excelência» em relação aos alunos.
Ora, o que é que o Sr. Secretário de Estado disse a este respeito? Tendo nós tratado deste problema fundamental, tendo de todas as maneiras procurado que ele fosse acessível, até com exemplos pedagógicos de tudo isto, que é o drama da juventude, o Sr. Secretário de Estado disse que teve muita graça...!
Eu não lhe acho graça alguma, Sr. Secretário de Estado, e tenho a impressão de que os jovens envolvidos neste processo também não acham a menor das graças!
Por outro lado, quero dizer-lhe que, quando V. Ex.ª diz que encarregou as universidades de alargar o numerus clausus, o que me está a dizer é que o Governo continua a utilizar o processo de alienar responsabilidades para
entidades que não podem resolver os problemas, embora tal permita ao Governo dizer que entregou a questão a esse organismo, que tem autonomia.
Quando o Governo faz essa transferência, não aumenta a capacidade de recepção da universidade, pois transfere essa competência exactissimamente com as mesmas deficiências e necessidades. Aliás, o Sr. Secretário de Estado recusa-se a aceitar uma sugestão útil que lhe fiz, no sentido de que o seu Ministério seja enriquecido com um Secretário de Estado da Habitação...
Por outro lado, já que teve a amabilidade de me informar sobre a minha escola, digo-lhe que fiquei um pouco preocupado com essa informação que me deu. Isto porque se estabeleceu há pouco tempo em Portugal - é um dos aperfeiçoamentos do regime - que nós, depois de servirmos o Estado, chamemos depois a imprensa para ver o recibo. Prova-se assim que somos umas pessoas cumpridoras e atentas!...
No entanto, acontece, Sr. Secretário de Estado, que eu não falto a uma aula e não posso mostrar o recibo, porque, como outros deputados que são professores, dou aulas e não recebo - ao contrário de alguns exemplos que poderia lembrar-lhe de professores que recebem e não dão aulas!...
Risos.
De modo que, nesta situação, verifico que o Sr. Secretário de Estado pensa que me pode dar novidades sobre a minha escola certamente porque não sabe que dou aulas, que não falto às aulas e que só me falta é o recibo. De facto, não posso fazer essa demonstração com o recibo!...
No entanto, a respeito desse exemplo, gostaria que o mesmo pudesse ser aproveitado para demonstrar a inteira incoerência daquilo que vem aqui defender.
A minha escola, tal como a Faculdade de Direito de Coimbra, não quis provas específicas. E porquê? Porque, como referi, as provas gerais que fizeram não são específicas e as provas específicas não são gerais. De modo que o sistema está todo errado.
Por outro lado, nós tínhamos a informação, que ao Governo não faltava, de que o Governo era incapaz de disciplinar o seu aparelho de ensino e que ia ter greves. Assim, pensámos que poderíamos talvez beneficiar os estudantes se dispensássemos uma prova inútil, tal como está na lei,, que é essa prova específica. De qualquer modo, não ganhámos nada com isso - nem eles -, pois a avaliação dos estudantes é geral e eles tiveram de ficar à espera como os outros.
Qual foi o resultado, Sr. Secretário de Estado? Essa alegria que me deu?
Eu dou-lhe o exemplo do curso mais característico: Relações Internacionais. Para este curso há 60 vagas e a nota mínima de 18 valores. Porém, anda dois prédios a seguir a essa escola e encontra uma universidade privada com 60 vagas para o mesmo curso e qual é o primeiro critério? 18 valores? 17 valores? Não! O primeiro critério é: o pai pode pagar! Depois é que vem a classificação...
O Sr. Secretário de Estado tem na mesma rua desta cidade a demonstração viva de que o seu sistema precisa, para bem do País, de Ser urgentemente revisto. Pelo menos precisa, Sr. Secretário de Estado, de dar resposta a este problema que lhe pomos: a «excelência» - esse capital do País a que o Sr. Secretário de Estado achou tanta graça.
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Vozes do CDS: - Muito bem!
A Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado deseja responder já ou no final?
O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - No final, Sr. Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Nesse caso, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Secretário de Estado, como nota preliminar, queria dizer que o facto de os membros do Governo, aqui chamados para responder a questões da vida nacional, argumentarem sempre que os que estiveram antes no Governo fizeram pior, em vez de dizerem se os sistemas que implementam são bons ou maus, constitui já um hábito desta Casa...
Ora, não podemos, hoje, com legitimidade, invocar o que se passou nesses anos sem fazer uma análise histórica das condições que existiam nem, muito menos, vir para aqui fazer análises simplistas para justificar ou para tapar o mal que hoje se faz.
Penso que - perdoe-se-me esta nota preliminar - costuma ser hábito nesta Casa - e eu já me tenho insurgido várias vezes contra isso -, em debates sérios e profundos, organizar como que um concurso de monstros ou de malfeitores para ver quem fez mais mal ao País, enquanto esteve no Governo.
Ora, eu parto do princípio que os eleitores votam para conseguir um governo que governe bem e não para conseguir um governo que governe menos mal ou menos pior - passe a expressão - que o anterior.
Posta esta nota preliminar, gostava de referir-me ao que o Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção, começou por dizer, ou seja, que este sistema atingiu notoriedade na opinião pública. Ora, isto vem, mais ou menos, de encontro àquilo que o Sr. Ministro da Educação disse: «Que este era um sistema famigerado». E isto porque? Porque o sistema de acesso não dá acesso, pois, se ele desse acesso, ninguém notaria «coisíssima» nenhuma, não havia notoriedade no sistema. Com efeito, o sistema só é notório porque chamado «sistema de acesso» não dá acesso. E aquilo a que chamo o «sistema do camelo». E porquê? Porque já Cristo dizia - e o Sr. Deputado Duarte Lima lembra-se tão bem como eu - «que é mais fácil ao camelo passar pelo buraquinho da agulha do que ao rico -neste caso, o rico dotado de dotes intelectuais- entrar no sistema universitário».
É mais fácil, hoje, ao cábula, àquele que se preparou dois dias antes da PGA, entrar na Universidade do que àquele que tem qualidades, tem capacidade, se empenha e quer um futuro e para ele trabalha. É, portanto, o «sistema do camelo».
Mas que faremos com este sistema? A minha proposta é muito simples: podemos reciclar o sistema. Admitam os Sr. Deputados da maioria que este sistema não serve para aceder ao ensino superior, mas serve, por exemplo, para aceder à tropa, substituindo as inspecções por uma PGA; ou serve para aceder ao Governo, quando há remodelações, substituindo o sistema de remodelação do Governo por uma PGA. Façam os senhores protoministros uma PGA e acedam se passarem!... Enfim, há sempre possibilidade de reciclar aquelas coisas que não servem.
Mas a questão séria que desejava colocar-lhe, Sr. Secretário de Estado, é a seguinte: não acha que este sistema subverte e perverte o sistema de ensino? Ou seja, o Estado e a sociedade pedem à escola que ensine, que eduque e que faça a avaliação continuada daquilo que conseguiu ensinar aos seus alunos. E esta avaliação continuada, pela qual a escola se tem batido ao longo destes anos, tem conseguido avanços importantes, como a abolição de determinados exames finais, e a sua própria dignificação.
Não lhe parece, Sr. Secretário de Estado, que este sistema, que tem sido conseguido à custa de muitos trabalhos e de muitos debates, está a ser, rigorosamente, posto em causa e subvertido por uma prova que dá acesso a uma universidade, a um sistema de ensino seguinte, esquecendo tudo o que está para trás? Ou seja, trabalha--se durante 12 anos: na pré-primeira, na primária, no preparatório, no secundário, em todo este sistema de ensino montado, com todo este trabalho e empenhamento, para, depois, em dois ou três dias, o mesmo Estado, que montou o sistema, vir dizer que, afinal, «este aluno não está bem preparado porque não tem maturidade ou porque não revelou conhecimentos gerais suficientes»! Então, que andou a fazer a escola que qualificou este aluno com 17, 18 ou 19 valores, numa escala até 20?
É toda esta escola quo é posta em causa perante a sociedade. Que dirá a sociedade, o pai e a mãe que pagam e que sofrem, no dia-a-dia, carências para que o seu filho frequente o ensino obrigatório, quando, depois, lhe vêm dizer que o seu filho, que afinal até era bom aluno, que até estudava, que até nem era um cábula, não serve porque não passou nesta prova?!
Ora bem, aquilo que todos nós, educadores, sabemos de mais elementar quanto aos testes é que eles tem de ser aferidos e que são falíveis.
Então, se se quer um teste tão rápido e tão exacto que dê acesso ao ensino superior, faça-se um teste de inteligência, desses que há para aí à venda e que já estão testadíssimos. É mais simples, mais barato e tem resultados idênticos. Vamos, então, pelo barato!
É isto, Sr. Secretário de Estado, que, muito claramente, lhe quero colocar. Não entende que com a sua teimosia, a teimosia do Governo e da maioria que lhe dá cobertura, está não só a prejudicar o futuro de milhares de jovens como está a hipotecar o futuro do País em lermos de inteligência, capacidade de investigação e de dedicação ao ensino, com um sistema que é anacrónico e que, ainda por cima, se vira contra o próprio sistema de ensino?
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PC): - Sr.ª Presidente, não vou gastar muito tempo neste pedido de esclarecimento, não só porque dele não disponho mas também porque o Sr. Secretário de Estado limitou-se a vir aqui repisar alguns argumentos que estão extremamente gastos, pois o Governo anda a dizer o mesmo desde que se lembrou de inventar este novo sistema de acesso.
Em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado vem dizer que há poucas vagas; que a culpa é das universidades e dos estabelecimentos de ensino superior; que ele, Secretário de Estado, até lhes propõe que aceitem mais alunos.
Ficamos, então, a saber que os estabelecimentos de ensino superior alguns dos quais fecham instalações
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porque chove lá dentro e estão impraticáveis para dar aulas, como aconteceu na Faculdade de Letras de Lisboa, pelo que foi necessário encontrar instalações a correr, enquanto outros têm instalações, há vários anos, à espera de obras e outros ainda têm instalações com projectos de desenvolvimento suspensos por falta de financiamento público -, ficamos a saber, dizia, que o Governo não tem culpa alguma e que são essas universidades que se recusam a aceitar mais alunos, sendo, ainda, responsáveis pelas limitações existentes.
Em segundo lugar, o Sr. Secretário de Estado repete - e fê-lo durante cerca de um ano- que o Governo desenvolveu um debate público sobre o sistema de acesso ao ensino superior. Ora, temos de dizer, aqui e muito claramente, que isto é rotundamente falso.
O Conselho Nacional de Educação pronunciou-se, clara e inequivocamente, depois de publicado o diploma, contra a sua aplicação. O mecanismo previsto na Lei das Associações de Estudantes para o debate público tem um prazo obrigatório de 30 dias e há menção obrigatória desse prazo no diploma legal em causa -, o que foi grosseiramente violado.
Sabemos também que o Conselho Nacional de Juventude, a Confederação Nacional das Associações de Pais e a generalidade das organizações representativas dos professores se pronunciaram inequivocamente contra p sistema de acesso. Que se saiba, de fonte segura, entidades que o defenderam foram apenas o Governo do PSD e a JSD - não encontramos qualquer outra organização que o tenha defendido!
O terceiro argumento do Sr. Secretário de Estado tem a ver com o anterior sistema de numerus clausus, criado em 1977. Aqui o senhor tem de fazer-nos justiça: foram a bancada do PCP e a juventude portuguesa as únicas entidades representadas nesta Câmara que desde sempre se pronunciaram contra a existência de um sistema de numerus clausus ainda antes de ele ter sido aplicado mas quando já se previa a sua aplicação. E não esqueçamos que foram sucessivos ministros do PSD que aplicaram o sistema do numerus clausus, embora só em 1988 nos tenham vindo dar razão, ao dizerem que este sistema era um crime para o País, para várias gerações, que põe em causa o futuro de dezenas de milhares de jovens e que tem de ser ultrapassado. Simplesmente, Sr. Secretário de Estado, não é com o actual sistema que se «ultrapassa» o regime do numerus clausus, que, enquanto limitação administrativa provia às candidaturas ao ensino superior, continua a existir neste sistema tal como existia no anterior, embora agora através de um sistema muito mais sofisticado que conduz ainda a muito maiores aberrações do que o anterior.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, Sr. Secretário de Estado, vários membros do Governo, inclusivamente o Sr. Secretário de Estado, proferiram, por diversas vezes, que este sistema poderia não ser perfeito mas que não havia alternativa.
Sr. Secretário de Estado, a alternativa foi apresentada nesta Assembleia, através do projecto de lei que o PCP apresentou, e estamos curiosos em saber o que é que o Governo pensa dela, pois sobre isso ainda nada foi dito.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, cedendo-lhe a Mesa três minutos.
O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Respondendo aos Srs. Deputados Adriano Moreira e António Filipe, devo dizer que o sistema não é meu e por isso não tenho «patente» e, ainda, que as provas específicas não estão na lei, pois são as universidades que as estabelecem, como querem e se o quiserem.
O Sr. Prof. Adriano Moreira perguntou-me o que fazemos da «excelência» dos alunos, mas deu logo uma explicação dando o exemplo do curso de Relações Internacionais da sua Universidade, onde os alunos só entram com 90 pontos, numa escala de zero a 100. É que os Srs. Deputados esquecem que há uma oferta de vagas, que tem crescido muito significativamente no ensino público - do ano passado para este ano cresceu 22,6 % - e cresceu mais no ensino privado - mas em todo o caso são vagas limitadas.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não são as escolas que fazem as vagas!
O Orador: - São as universidades que indicam o número de vagas...
O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Em função da capacidade!
O Orador: - Em função da capacidade, Sr. Deputado, e na verdade também lhe posso dizer, se quiser, quantos hectares é que em 1990 vão ser disponibilizados para as novas instalações do ensino superior público... Em 1988 foram disponibilizados 88 ha para a construção de edifícios!
O Sr. António Filipe (PCP): - Isso dá quantos alunos por hectare?
O Orador: - Muitos alunos, Sr. Deputado!
Como pode ver os alunos cresceram... Bom, como o Sr. Prof. Adriano Moreira não gosta de estatísticas,... é melhor não dar números!...
Risos.
O Sr. Prof. Adriano Moreira achou que as universidades não devem fazer as provas específicas, que a avaliação dos docentes tem de ser feita pela tutela, esquecendo que esta Assembleia votou uma Lei de Autonomia Universitária - e muito bem!...
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Não se canse, porque eu não disse nada disso!
O Orador: -... mas deixou um vazio legislativo enquanto não existirem os senados e os reitores eleitos pelo novo sistema. Aliás, como sabe, tenho sido até muito criticado por contrariar a autonomia de uma universidade do Norte do País, o que mostra que não interfiro muito nas universidades!...
O Sr. Deputado Herculano Pombo, por seu lado, disse que era mau ter-me referido à situação passada, mesmo a de curto prazo, ao que respondo com uma citação que o Sr. Prof. Adriano Moreira fez aqui do Papa João XXIII e que é esta: «O que devemos é melhorar o que existe». Portanto, o que temos de ver é se este novo sistema melhorou em alguma coisa o que existia.
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Sr. Deputado Herculano Pombo, não sei se V. Ex.ª faz parte da Comissão de Juventude, mas peço-lhe que esteja presente na reunião que vai ter lugar e a que já aludi, pois lá estaremos para ver os números.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - E o Sr. Ministro, será que vai?
O Orador: - O Sr. Ministro vai, com certeza! Só não está hoje aqui presente porque está na Tailândia, que, como sabe - e não sei se na prova geral de acesso esta pergunta seria feita... -, é longe!
Risos.
O Sr. Deputado disse que a prova geral de acesso perverte o sistema de ensino. Bom, é preocupante a falta de conhecimento que se está a passar nesta Assembleia. Certamente fico preocupado, porque se há um ditado que diz «Errar é próprio do Homem» há outro que diz que «Quem fala sem saber o que diz torna-se, por vezes, ridículo». Isto em latim é mais bonito mas não quero...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Mas pode falar em latim! Cá estou eu para o corrigir!...
O Orador: - Posso? É que eu também estudei Latim.
Os Srs. Deputados, quando dizem que o passado relativo às notas do ensino secundário devia chegar, estuo a defender outra vez o exame de aferição... É porque se esquecem que este ano não houve exame de aferição e que, apesar disso...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não há exame! Há uma avaliação continuada!
O Orador: - Há uma avaliação contínua! Então a ingenuidade não é só das pessoas da minha idade mas é também dos jovens, porque como sabe há muitos alunos que no último período do ensino oficial e até do ensino particular -e estou a pensar do Colégio São João de Brito, onde esteve um filho meu a estudar -, há muitos alunos que saem no último período e vão para uma escola oficial para terem notas mais favoráveis a fim de entrarem na universidade. Acha que este sistema funciona?
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É para isso que existe a Polícia Judiciária!
O Orador: - Sim? A Polícia Judiciária tem agora essas funções?... Já fui funcionário superior na Polícia Judiciária e no meu tempo essa competência não lhe estava atribuída, mas talvez os senhores lhe tenham alterado as competências...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Se há tantas burlas, apresentem queixa na Polícia.
O Orador: - Srs. Deputados, creio que respondi a todas as questões colocadas.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Queria começar por dizer que não vou falar para as galerias - aliás,
quase desertas a esta hora -, nem sequer para a televisão, que saiu do Hemiciclo quando terminou a intervenção do Sr. Deputado António Barreto. Não esteve aqui nem quando o Governo interveio nem quando é permitida a possibilidade de o Partido Social-Democrata exprimir a sua opinião.
Vozes do PSD: Muito bem!
O Orador: - Que isto fique registado para ser lembrado quando a oposição acusa injustamente o PSD de controlar os órgãos de comunicação social. E, ao faze-lo, queria expressar o meu respeito aos três profissionais da comunicação social que acompanham neste momento este debate e que, ao fazerem a respectiva cobertura, seguramente não ouviram só as intervenções daqueles que quiserem denegrir o actual sistema de ingresso no ensino superior.
Srs. Deputados, não vou também ler em voz melodramática cartas de um ou dois jovens, não vou trazer para a Assembleia da República o caso da minha prima, do meu primo, dos meus amigos para justificar se o sistema é bom ou mau.
O que é mais desonesto neste debate é usar a demagogia. Estão em causa os estudantes, as famílias, o investimento que o País faz no seu desenvolvimento e a aposta que faz nos seus recursos humanos. Isto obrigava, pelo menos, a um debate mais sério. E, pela nossa parte, queria começar por tentar dar algum tom de seriedade a este debate, dizendo que nem tudo correu bem no novo sistema de ingresso. Seria de estranhar que tudo tivesse corrido bem, pois foi o primeiro ano de um novo sistema de acesso ao ensino superior. E tendo sido o primeiro ano e nem tudo tendo corrido bem, a primeira questão que se coloca é a referência ao sistema que existia quando ele foi introduzido, isto é, se o actual sistema é melhor ou pior do que aquele que estava em vigor.
Os Srs. Deputados talvez já se tenham esquecido das grandes lutas, das posições daqueles que escreveram nos jornais, dos professores que contestavam a falsidade do sistema que estava em vigor ames deste.
Era um sistema que marginalizava as universidades do processo de selecção dos candidatos, era um sistema que fomentava o insucesso escolar no ensino superior porque apenas metade das primeiras opções eram contempladas, era um sistema que assentava em exames de aferição com carácter eliminatório, em que um bom estudante que tivesse provas dadas durante três anos e se se tivesse, permitam-me a expressão, «espalhado num exame» via pelo fundo de um túnel e sem luz alguma a possibilidade de entrar no ensino superior. Por fim, era ainda um sistema que se baseava somente nas avaliações do ensino secundário. A nota de entrada era composta pela média do 10.º, do 11.º e do 12.º anos e, ainda, do exame de aferição. Isto é, era um sistema terrivelmente injusto porque, bem sabemos, depende de professor para professor, de escola para escola e, se calhar, de zona do País para zona do País a validade das avaliações que são dadas no ensino secundário.
Srs. Deputados, cremos que este sistema é mais justo do que aquele que estava em funções. Mas podemos querer mais: podemos dizer que independentemente de este ser melhor que o outro ainda não é aquele que nós queremos. É salutar que façamos este exame, que demos este grito de inteligência, que é dizer: queremos mais, queremos melhor. Mas para isso é necessário definir alternativas.
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Como criar um sistema justo de ingresso no ensino superior? Esta é a questão política que está em cima da mesa.
Os Srs. Deputados perdoar-me-ão, mas é um desafio que é totalmente endereçado aos partidos da oposição, particularmente ao Partido Socialista e ao CDS. Não se pode dizer que quem tem 16 valores no ensino secundário entra automaticamente no ensino superior. Acho isso ingénuo e, pior do que isso, acho razoavelmente irresponsável lançar sobre o ensino secundário uma responsabilidade que ele não deve ter. É lançar a caça à nota, é pôr professores do ensino secundário numa pressão terrível. O que fazer com os alunos de 15 valores? O que fazer com os alunos de 14 valores quando sabem que se derem o 16 entram automática e independentemente de qualquer outra avaliação?
Estão em condições de garantir que a avaliação dada em qualquer escola, por qualquer professor, quer no ensino público, quer no ensino privado, está em condições de, sem qualquer outra avaliação complementar, estabelecer a entrada no ensino superior?
Os Srs. Deputados são capazes de dizer isso com razoabilidade? São capazes de dizer isso em forma de lei? Em nossa opinião é uma irresponsabilidade tremenda.
Srs. Deputados, também não é, seguramente, com os novos exames de admissão que propõe o PCP, sem referências ao 24 ou ao 26 de Abril. Foi uma referencia dirigida ao PCP e a mais ninguém.
Srs. Deputados, na nossa opinião, definir um sistema justo de ingresso no ensino superior não pode esconder três componentes: primeira, o passado do aluno; segunda, as provas específicas nas universidades, pois tom de ser associadas à selecção dos seus candidatos; terceira, uma prova de cultura geral com grande pendor na expressão da língua portuguesa.
Há diversas razões para isso, mas há pelo menos uma razão de coerência: todos falamos na valorização deste património cultural que é a nossa língua, todos erguemos no nosso discurso político esta bandeira, mas temos de dar consequência aos nossos actos, não basta falar na dignidade da língua, na sua dignificação e na sua valorização sem depois darmos a consequente tradução nos nossos actos legislativos.
Depois, ainda há o problema da liberdade de circulação dentro da Europa comunitária, pois corremos o risco de virem muitos milhares de estudantes de outros países da Europa comunitária, nomeadamente de França, Espanha, Itália e talvez de outros, não digo para os cursos de línguas nem para as humanísticas, mas digo para as ciências, digo, por exemplo, para medicina, porque e seguramente competitivo vir para a universidade portuguesa pagar 1800 escudos por ano de propinas e estar aqui em condições de acesso relativamente mais fáceis do que nos outros países da Europa comunitária.
O ano passado o Tribunal Europeu condenou duas universidades belgas por determinarem sistemas de ingresso diferentes para os Belgas e para outros nacionais de países da Europa comunitária. Se não valorizamos no ingresso um exame de português que sirva, de certa forma, para travar a importação indesejada de muitos estudantes estrangeiros que vêm roubar espaço aos portugueses estamos a abrir as nossas universidades a todos os outros estudantes oriundos de países da Europa comunitária com prejuízo dos nossos próprios estudantes.
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados, para terminar, queria dizer que não tenho muitas dúvidas sobre o modelo. Temos de articular o passado do aluno no secundário, as provas específicas na universidade e esta prova de cultura geral com grande pendor no português. Temos naturalmente de pensar qual o peso que vamos dar a tudo isto. E temos de fazer uma avaliação muito séria sobre como correram as coisas.
Creio que a reunião com a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura e com a Comissão de Juventude vai ser muito útil sobre esse ponto de vista.
Eu próprio tenho propostas de alteração e tenho algumas apreensões em relação à avaliação da prova geral de acesso sobre o ponto de vista daquilo que é valorizado, se são os erros repetidos ou a sua tipificação. Gostaria de ter mais informação para os estudantes sobre as regras do jogo. Entendo que deve haver recurso nas provas específicas nas universidades ao contrário do que se passa hoje, em que esse recurso não é permitido.
Acho que se deve ponderar sobre a continuação ainda este ano, e a Ululo precário, da bonificação para aqueles que não entram. E somos definitivamente a favor do alargamento do numerus clausus.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que queremos com justiça e com rigor é encontrar o melhor sistema para que sejam os melhores a entrar na Universidade portuguesa. Consideramos condenável pegar neste instituto e nesta questão do acesso ao ensino superior para retirar dividendos políticos inconfessáveis contra o Governo ou seja contra quem for.
Aplausos do PSD
A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados António Barreto...
O Sr. António Barreto (PS): - Sr.ª Presidente, inscrevi-me para defesa da consideração.
A Sr.ª Presidente: - Nesse caso o Sr. Deputado tem precedência.
Estão ainda inscritos a Sr.ª Deputada Paula Coelho e o Sr. Deputado Adriano Moreira, que, embora não dispondo de tempo, terá uma tolerância da Mesa para um pedido de esclarecimento.
Tem, pois, a palavra para defesa da consideração o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, não lhe vou dizer que me sinto ofendido por o Sr. Deputado dizer que falei para as galerias...
O Sr. Carlos Coelho (PS): - E repito-o!
O Orador: - Não vou dizer que me sinto ofendido porque parlo do princípio que as pessoas que vêm aqui à Assembleia da República não vêm só para ver as pessoas exibirem-se como num circo, mas sim para ver, ouvir, se mostrarem e serem mostradas, desde que mio interrompam os trabalhos, desde que não falem demais, desde que não aplaudam, etc... Não vieram aqui ver um espectáculo de SS. Ex." os Senhores da Nomenclatura, e daí ter falado para a Câmara para ser ouvido pelas galerias e pelo País, que é o que toda a gente faz.
Também não me senti ofendido pelo facto de o Sr. Deputado ter dito que a televisão se foi embora, dado que não é nada comigo. V. Ex.ª ficou tão espantado por,
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uma vez na vida, a televisão se ter ido embora quando um deputado do PSD falava, ficou tão chocado que até notou.
Aplausos do PS e do Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Orador: - Aprecio a sua perspicácia, mas, como não tenho nada a ver com isso, dirija-se à RTP.
Também não vou dizer que estou ofendido pela voz melodramática que, suponho, me imputava, e se V. Ex.ª não tem uma voz melodramática espero que tenha uma voz digna de outras tribunas. A minha voz é o que é. E se V. Ex.ª acha que ela é melodramática, paciência.
Mas fui ofendido com a introdução da «carta dos primos». Isso é pura ofensa e V. Ex.ª perdeu o controlo das palavras, o controlo do pensamento e ofendeu-me com a «carta dos primos». Peco-lhe, Sr. Deputado, que retire agora a alusão feita às «cartas dos primos».
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, eu preferia juntar todas as intervenções e responder no fim.
A Sr.ª Presidente: - Não, Sr. Deputado. O Sr. Deputado António Barreto não usou da palavra para um pedido de esclarecimento, mas sim para defesa da consideração, portanto, V. Ex.ª, se quiser, pode dar explicações.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Se a Sr.ª Presidente me obrigar a dá-las agora, assim farei.
A Sr.ª Presidente: - Não é obrigá-lo, é regimental.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Certamente, Sr.ª Presidente. Eu quero dar explicações ao Sr. Deputado António Barreto, mas preferiria ter juntado tudo para salvar as bonificações de tempo para o PSD dado o meu colega Fernando Conceição ainda ir usar da palavra.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que vai dispor não conta nesse tempo.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas contará nas respostas aos pedidos de esclarecimento dos outros Srs. Deputados que já se inscreveram para esse efeito. De qualquer modo, vou usar da palavra, Sr.ª Presidente.
Em primeiro lugar quero dizer ao Sr. Deputado António Barreto, que ficou ofendido por eu ter feito referência às galerias, que quando fiz essa referencia não era minha intenção ofendê-lo.
Naturalmente, nesta Sala, falamos para todos aqueles que nos ouvem, aqui e lá fora, encontrando-se aqui não só deputados e membros do Governo, mas muitas outras pessoas, pelo que falamos para todas elas.
O que não gostei, Sr. Deputado António Barreto e devo dizer com toda a lealdade, até pelo grande respeito que, como sabe, tenho por si -, foi da maneira como o Sr. Deputado indiciou a presença de uma pessoa e a invocou na sua intervenção. E gostei menos ainda da reacção do Partido Socialista, pois acho que a maneira como tudo se processou não foi muito digna para a Assembleia.
O Sr. Deputado António Barreto sentiu necessidade de reforçar os seus argumentos. Julgo que se se sentisse muito seguro deles não precisava de o fazer, bastava a força dos próprios argumentos. No entanto, sentiu necessidade de reforçar os seus argumentos dizendo: «está ali a senhora...» e alguns deputados do Partido Socialista, por quem tenho muita simpatia, viraram-se e aplaudiram a senhora. Não percebo muito bem a que propósito é que o fizeram, mas a verdade é que o fizeram!
Julgo que isso não foi bonito, não foi elevado e, naturalmente, não poderia deixar de o referir.
Em relação à televisão, Sr. Deputado António Barreto, perdoar-me-á, mas já não é a primeira vez que eu, neste hemiciclo, e usando o microfone, protesto contra situações similares. Na verdade, julgo que há aqui dois pesos e duas medidas, quando a televisão não cobre a totalidade de um debate. Repare, Sr. Deputado, que não me cingi à televisão, fiz referência a muitos outros jornalistas, pois na altura em que intervim disse que estavam presentes, na Câmara, apenas três representantes de órgãos de comunicação social e, habitualmente, muitos outros cobrem os trabalhos parlamentares. Deste modo, todos aqueles que quiserem fazer referência ao debate sobre o acesso ao ensino superior, das duas uma ou não farão, ou limitar-se-ão a publicitar as críticas da oposição, porque quando chegou a vez de o Governo e de o PSD exporem as suas ideias já, praticamente, não se encontravam presentes jornalistas no plenário. Julgo que isto tem a ver também com uma questão de rigor ético e deontológico. Naturalmente, a crítica não lhe era dirigida, mas se, amanhã ou ainda hoje, virmos, na televisão, a extrapolação pública de um debate a favor das críticas que a oposição dirigiu ao Governo e ao sistema de acesso ao ensino superior, não poderemos deixar de compreender por que é que assim é. Na verdade, isso acontece porque quando chegou à altura de ouvir outros argumentos houve alguém que não os quis ouvir.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não havia argumentos!
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, essa é a opinião de V. Ex.ª, entendo que há muitos argumentos.
Finalmente, Sr. Deputado António Barreto, em relação à referencia dos primos, se entendeu que a minha afirmação continha uma insinuação de que a carta que V. Ex.ª leu era dos seus primos ou de alguém da sua família, reparo-a, porque não tive qualquer interesse ou intenção de fazer tal insinuação. Sabe que esse não é o meu estilo e, repito, não tive qualquer intenção de fazer qualquer insinuação.
Para terminar, gostaria de salientar que, em minha opinião, este debate tem revelado muito empenho pessoal por parte dos intervenientes. Com efeito, as pessoas tendem a criticar o sistema de acesso ao ensino superior, quando pessoas que lhes estão próximas, primos e filhos - não falei em filhos, porque como é sabido não os tenho - se viram impossibilitados de ingressar no ensino superior. E é essa relação pessoal entre quem fala sobre o ingresso, porque é directamente, ou muito proximamente, prejudicado, e as condições concretas vividas pelos familiares ou amigos que leva as pessoas a falar, motivando a apreciação que fiz. Naturalmente, não visava diminuir a autenticidade da caria que o Sr. Deputado António Barreto, com voz melodramática - permita-me que o repita -, fez do alto daquela tribuna.
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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, terminado este incidente regimental, vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Paula Coelho para formular um pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Sr. Deputado Carlos Coelho, V. Ex.ª levantou aqui algumas questões em relação ao actual sistema de acesso ao ensino superior e fez, inclusive, algumas críticas em relação ao actual sistema. Neste sentido, pergunto: qual é, então, a proposta que o PSD apresenta para alterar o actual sistema e melhorar, segundo a óptica do PSD, o sistema de acesso ao ensino superior?
O Partido Comunista, bem ou mal, sempre apresentou um projecto que, em nosso entender, é o que é possível neste momento, e por isso nos empenhámos em defendê-lo.
E termino deixando esta questão aos Srs. Deputados do PSD: que proposta concreta apresentaram, hoje, aqui, na Assembleia da República?
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira, em tempo cedido pelo Partido Socialista.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, a certa altura da sua intervenção tive a impressão de que ela ia ser a única prova aqui apresentada no sentido de justificar a necessidade da prova geral de acesso ao ensino superior. Porquê? Porque o Sr. Deputado tem uma utilização muito livre da linguagem, mas a semântica também tem regras.
No entanto, depois lembrei-me de que há pouco o Sr. Deputado disse que, dentro de cinco dias, ia deixar de ser presidente da Juventude Social-Democrata. Penso que a sua intervenção é uma despedida da juventude. Cá o esperamos já maior daqui por alguns dias. E ao jovem que está a passar para o outro lado, permita-me ainda que diga que a sua intervenção esteve longe da dignidade deste debate, Sr. Deputado!
Atribuir as intervenções aqui proferidas a circunstâncias - e voltou a repetir agora- relacionadas com os laços de parentesco que as pessoas tem, pois foi isso que disse, não é correcto! O Sr. Deputado é capaz de indicar algum dos intervenientes, aqui presente, que esteja condicionado por essa circunstância?
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ou o Sr. Deputado lançou um labéu sobre todos os interventores neste gravíssimo problema, usando dos critérios que constam de um livrinho, que é bom ler antes de ser maior, porque é o exemplo do que não se deve fazer num país e numa câmara. Chama-se Um Clube da Má-Língua, de Dostoievski, e é melhor não introduzir isso em nenhum debate.
O Sr Deputado feriu gravemente, com essa observação, todos os intervenientes. Suponho que o não quis fazer deliberadamente, mas espero que esta intervenção infeliz num assunto de tanta importância e dignidade seja uma lição da experiência e que não seja preciso mais nenhuma vez que os mais velhos possam ver diminuído o aprazimento com que vêem um jovem intervir com tanto entusiasmo e tão brilhantes e claras ideias neste debate só porque a semântica não acompanha o brilho da sua inteligência.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Herculano Pombo pediu a palavra para que fim?
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, tinha-me inscrito para um pedido de esclarecimento, acolhendo-me ao critério de cedência de tempo por parte da Mesa de um minuto. Penso que poderá confirmar isso através de algum dos secretários que me terá inscrito.
A Sr.ª Presidente: - Creio que nenhum dos secretários o inscreveu. Mas se o Sr. Deputado diz que estava inscrito, tem a palavra para uma pergunta muito breve.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O Sr. Deputado Carlos Coelho também já indiciou que não tem muito tempo para dar respostas. No entanto, não poderia deixar de lhe colocar uma ou duas breves questões.
A primeira é a seguinte: todos ouvimos aqui como o Sr. Secretário de Estado se referiu à forma hoje em voga - segundo consta e segundo as afirmações do Sr. Secretário de Estado - como alguns alunos, na fase terminal do ensino secundário, mudam para colégios privados (podendo pagá-los, é certo) para obter uma melhor classificação.
Ora, isto, para mim, é um caso nítido de polícia, de violação das regras de um Estado de direito. Portanto, fico perfeitamente pasmado com o facto de o Sr. Secretário de Estado vir aqui serenamente constatar esta realidade e legitimá-la, dizendo de esta prova geral de acesso tem que existir porque o sistema é perverso; «fogem de uns lados para os outros como uns ratos e não é possível caçá-los, e como não é possível caçá-los vamos montar-lhes uma ratoeira gigante: a PGA!».
Gostava que o Sr. Deputado Carlos Coelho comentasse esta serena constatação do Sr. Secretário de Estado.
A segunda questão relaciona-se com outra afirmação que o Sr. Deputado Carlos Coelho fez. Disse o Sr. Deputado que esta história da escola, do secundário, esta disparidade regional, pessoal, de critérios de avaliação dos alunos, isto é uma coisa de tal modo babilónica que, depois, não dá nada no acesso ao ensino superior e é preciso criar uma prova geral uniformizadora. Então, o repto que lhe lanço é o seguinte: acabe-se com esta escola inútil. Para que serve o Estado gastar milhões de contos até ao 12.º ano, se esta escola é manifestamente incapaz de avaliar os alunos que encerra dentro das suas paredes? Foi isto que o Sr. Deputado quis dizer?
A Sr.ª Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Que utilidade tem uma escola que não é capaz de avaliar com dignidade os alunos a quem ministra conhecimentos? Para que serve esta escola?
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada Paula Coelho pergunta-me: que proposta?
Peço desculpa se não fui claro na minha intervenção. Penso que há um momento que é de avaliação deste sistema, que vai acontecer proximamente em reunião conjunta das Comissões Parlamentares de Educação, Ciência e Cultura e da Juventude. Disse que tinha propostas de alteração e quero alguns dados. Será nessa sede
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que apresentaremos as nossas propostas até, se calhar, enriquecidas com o debate que aí se vai travar.
O Sr. Deputado Adriano Moreira censurou alguns aspectos da minha intervenção, cumprimentou-me no fim e considerou-a infeliz. Sr. Deputado Adriano Moreira, quero dizer-lhe que também considero o projecto de lei que o Sr. Deputado assinou infeliz, como, aliás, tive ocasião de dizer durante a minha intervenção. Penso que é um projecto de lei que não resolve os problemas, vai agravá-los. Terminaria da forma como o Sr. Deputado teve a gentileza de terminar o seu pedido de esclarecimento, dizendo que não considero o seu projecto de lei à altura da grande inteligência do Sr. Professor que todos lhe reconhecemos.
Em relação aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Herculano Pombo, eles serão respondidos na intervenção do meu colega Fernando Conceição, que vai falar a seguir e para quem peço a tolerância de três minutos da Mesa.
A Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Barreto, pede a palavra para que efeito?
O Sr. António Barreto (PS): - Sr.ª Presidente, quando há pouco defendi a minha consideração, o meu grupo parlamentar possuía três minutos de tempo livre. A defesa da consideração não conta para o tempo e, no fim da minha intervenção, o tempo passou para um minuto.
O Sr. Deputado Adriano Moreira utilizou 3,7 minutos concedidos pelo PRD e o PRD concedeu ao Grupo Parlamentar do PS três minutos. Resumindo e concluindo, e para fixar números, o Grupo Parlamentar do PS tem não um minuto mas três, mais os dois ou três que a magnânime tolerância da Sr.ª Presidente tem vindo a conceder a todos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, contabilidades deste tipo são o que, por vezes, levam a Mesa a não conceder qualquer tolerância, que é realmente a única maneira de nos entendermos.
Aquilo que se passou, Sr. Deputado, foi que nenhum tempo lhe foi descontado a título de defesa da honra e da consideração. Alguém deu a indicação à Mesa-assim me foi transmitida por um Sr. Secretário - de que o PS cederia o tempo de que dispunha ao Sr. Deputado Adriano Moreira para fazer o último pedido de esclarecimento, o que foi feito.
O Sr. António Barreto (PS): - Mas quem é que cedeu tempo?
A Sr.ª Presidente: - Tanto assim foi que ao dar a palavra ao Sr. Deputado Adriano Moreira anunciei que a utilização dessa figura era feita no tempo cedido pelo PS. Como poderão consultar no Diário, assim foi dito porque era essa a indicação de que a Mesa dispunha.
O tempo do Partido Socialista, que o Sr. Deputado viu esgotado, foi o que a Mesa considerou cedido pelo Partido Socialista ao Sr. Deputado Adriano Moreira.
Como a Mesa tem concedido aos Srs. Deputados intervenientes dois a três minutos suplementares, poderá, da mesma forma, conceder-lhes, prolongando-se o debate à revelia dos tempos inicialmente marcados.
O Sr. António Barreto (PS)): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr.ª Presidente, esta situação é a mais infeliz possível.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista foi prejudicado em dois minutos de que dispunha e a Sr.ª Presidente disse que esse tempo foi cedido ao Sr. Deputado Adriano Moreira. Eu tê-lo-ia cedido com prazer; contudo, ninguém desta bancada cedeu tempo a ninguém.
Fomos, pois, penalizados em dois minutos e somos a vítima. E a intervenção da Sr.ª Presidente faz da vítima o aproveitador.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado António Barreto, a Mesa...
O Orador: - Sr.ª Presidente, peço desculpa, mas gostaria de continuar.
A Sr.ª Presidente diz-me que são estas e outras que levam a que seja severa e não tolerante.
Pois bem, o meu grupo parlamentar foi prejudicado. Não transforme a vítima numa espécie de aproveitador da fortuna alheia, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não pretende fazer de quem quer que seja vítima nem fazer-se, ela própria, de vítima.
A Mesa tem todo o interesse - e nem pode deixar de tê-lo - em que todos os Srs. Deputados sejam tratados por igual.
Erradamente ou não, alguém deu a indicação à Mesa de que o PS cederia tempo ao CDS, facto que levou a que o tempo do PS diminuísse, o que, repito, foi anunciado publicamente.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A nós não nos deu!
A Sr.ª Presidente: - O estarmos a dar mais dois minutos suplementares é abrir um precedente, porque, a partir do momento em que um Sr. Deputado usou dessa faculdade, concedemo-la a todos os outros Srs. Deputados.
O meu comentário anterior era no sentido de que deve acautelar-se o facto da generalização das concessões de tempos suplementares que leva a Mesa, em muitos debates, a não usar de tolerância para com quem quer que seja. E isto não se passa só com o Partido Socialista mas com qualquer outro partido.
São neste momento 20 horas e 50 minutos e o debate está a prolongar-se excessivamente.
A Mesa vai conceder-lhe a palavra, Sr. Deputado, mas, repito, quando dei a palavra ao Sr. Deputado Adriano Moreira, disse claramente que ele usava da palavra no tempo cedido pelo Partido Socialista.
Uma voz do PSD: - Exactamente!
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado António Barreto diz-me que o Partido Socialista não cedeu tempo e que a Mesa estava equivocada, talvez por algum gesto feito da bancada que foi mal interpretado como cedência de tempo. Não queremos obviamente prejudicar ninguém, a Mesa, embora prolongando o debate, vai ceder-lhe esse tempo. Esta é a situação.
Pessoalmente, neste contexto e a esta hora da noite, penso que a Mesa devia ser mais inflexível.
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Se não houver prejuízo, se for útil ao curso normal dos trabalhos, a Mesa deve usar de tolerâncias; se assim não for não deverá fazê-lo. É muito tarde, um dos grupos parlamentares tem agendada uma reunião para daqui a 30 minutos, tudo razões que não justificam o prolongamento dos trabalhos feito desta maneira. É apenas isto que tinha de dizer.
Peço-lhe, Sr. Deputado, que entenda o meu comentário exactamente neste contexto.
O Sr. Deputado deseja usar esses dois ou três minutos em que momento?
O Sr. António Barreto (PS): - Estou à espera que o debate prossiga, Sr.ª Presidente. Como já ouvi dizer que estava inscrito mais um representante de um grupo parlamentar, estou à espera de utilizar o meu direito quando V. Ex.ª achar mais conveniente.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. A Mesa registaria o seu pedido de intervenção, se a quisesse fazer.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Conceição.
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Actualmente, a sociedade espera do ensino superior, para além das suas funções tradicionais de criação e difusão da cultura e do saber, respostas adequadas às mutações sócio-económicas que se vivem: formar certas categorias de mão-de-obra altamente qualificadas; assegurar a formação permanente da população activa confrontada com rápidas mudanças tecnológicas; contribuir para a elevação da inovação tecnológica e científica; facilitar o desenvolvimento regional e a emergência de maior justiça social pela valorização generalizada de todos.
Compreende-se, por isso, a expansão e a diversificação das instituições do ensino superior e a crescente procura das mesmas. Portugal não constitui excepção, investindo fortemente neste sector. Basta atentar que, entre 1973 e 1990, a rede do ensino superior passou de 4 universidades oficiais e de uma não oficial, situadas em Lisboa, Porto e Coimbra, para 14 universidades oficiais, 5 não oficiais, 14 institutos superiores politécnicos dependentes do Ministério da Educação, 5 não dependentes e 21 privados.
Por seu turno, a melhoria do nível de vida dos cidadãos, com a consequente elevação das suas aspirações em matéria de educação, e o reconhecimento de que a evolução económico-social exige maiores qualificações e uma formação contínua determinaram uma procura acrescida do ensino superior. E também aqui os números são elucidativos: de 54 000 estudantes, em 1973, passamos para cerca de 164000.
Sem dúvida, muito há ainda a fazer. Há que passar a laxa de escolarização para níveis próximos dos europeus e há, também, que corrigir a notável distorção existente, representada por uma diminuta frequência do ensino politécnico- apenas cerca de 16% do total dos estudantes do ensino superior procuram este subsistema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compatibilizar as aspirações pessoais com as necessidades sociais não e tarefa fácil. Por isso, a própria Lei de Bases do Sistema Educativo, depois de referir que o acesso ao ensino superior deve ter em conta as necessidades nacionais em quadros qualificados e a elevarão do nível cultural, científico e educacional do País, considera que esse acesso pode ser condicionado pelas necessidades de garantir a qualidade do ensino.
É neste contexto que se põe o problema do regime de acesso ao ensino superior. Devemos defender o livre acesso, de acordo com as aspirações pessoais, na lógica do direito ao ensino e da liberdade de aprendizagem ou, pelo contrário, há que repartir os candidatos pelos diferentes cursos, com limitação de vagas, através de uma selecção dos melhores?
Os defensores do livre acesso argumentam com a necessidade da elevação do nível cultural de todos e com a possibilidade de uma maior base de recrutamento para o desempenho de funções socialmente úteis, pelo que ao Estado caberá criar as condições que permitam acolher os candidatos, optimizando os recursos materiais e humanos disponíveis ou alargando a rede escolar.
Os defensores da segunda tese apontam para a necessidade de ter em conta a relação número de estudantes/mercado potencial de emprego, evitando a superlotação das escolas e os riscos de degradação do ensino. O numerus clausus surge, assim, não como um processo generalizado de bloqueamento de entradas em qualquer curso, mas como uma via de orientação para cursos com maiores probabilidades de conduzirem a uma ocupação lida como prioritária na óptica do desenvolvimento. Daí que as restrições ao acesso possam variar de curso para curso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os decretos-leis n.ºs 354/88 e 33/90 articulam a definição dos princípios básicos de ingresso no ensino superior com a liberdade atribuída às instituições de ensino superior de estabelecerem os seus próprios critérios e objectivos, de modo a melhor satisfazer as preferencias dos estudantes.
De entre os aspectos mais importantes que caracterizam o novo sistema cumpre destacar a atribuição às instituições do ensino superior de competência para decidirem: quanto às condições habitacionais consideradas mais adequadas para o ingresso; quanto à realização ou não de provas específicas destinadas a avaliar os conhecimentos e capacidades dos candidatos no domínio específico e quanto ao peso relativo de cada componente nos critérios de selecção.
Por sua vez, a seriação dos candidatos assenta em três vectores fundamentais: a prova, a nível nacional, de avaliação do desenvolvimento intelectual do candidato: o passado escolar do candidato; as provas específicas; a valorização especial das primeiras opções; a flexibilização do processo de definição e de aquisição das condições habitacionais, definindo-as com base em disciplinas e não em cursos, e facultando aos que as não possuírem a realização de provas de suprimento.
Considera-se, assim, que a aprovação na frequência e em exames nas disciplinas do 12. O ano não é condição bastante para ingressar no ensino superior. E porquê? Por um lado, porque o estudante pode, na escolha das ires disciplinas do 12. O ano e na escolha das classificações de exame de apenas duas delas, atender mais ao êxito nessas disciplinas do que à relação que as mesmas tenham com o curso a que se quer candidatar. Por outro lado, não havendo aferição dos resultados finais, a nível nacional, gerar-se-ão inevitáveis desigualdades, dadas as variações de classificação de escola para escola.
A Sr.ª Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou, então, passar adiante para falar um pouco nos dois projectos.
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A Sr.ª Presidente: - Peço-lhe que o faça muito sinteticamente. Embora a Mesa continue a conceder alguma tolerância, solicito, uma vez mais, que abrevie.
O Orador: - Sr.ª Presidente, vou abreviar o mais possível.
Os dois projectos que estão em discussão não prescrevem, sobretudo o do PS, a realização de provas específicas, o que não me parece correcto, dada a Lei de Bases do Sistema Educativo e inclusive a autonomia universitária, pois a instituição deve seleccionar os seus próprios candidatos.
A ser aprovada a disposição que referem, estabelecer-se-ia um factor de pressão nos professores visando inflacionar as classificações. Por outro lado, o projecto isola o 12.º ano do 10.º e 11.º, quando, pelo contrário, a preparação específica melhor se afirma no conjunto dos três anos e a experiência mostra ainda, como consequência, a ruptura do sistema. Cito apenas dois exemplos: a Medicina, em primeira opção, na Universidade Nova de Lisboa, apresentou 80 vagas, a que concorreram 252 candidatos, dos quais 148 com 15 ou mais valores, o que daria a colocação para essa escola de 228 candidatos. As Relações Internacionais, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, apresentou também em primeira opção 55 vagas, a que concorreram 634 candidatos, dos quais 158 com 15,5 ou mais valores, o que equivaleria à entrada de 213 candidatos. Nestas circunstâncias, eram inevitáveis problemas relativos à qualidade de ensino, sobretudo pela carência em pessoal docente, impossíveis, de momento, de solucionar.
O projecto do PCP, alem de alguma coisa relacionada com o que aqui dito, tem dois aspectos com os quais também não concordamos e que se referem aos artigos 5.ª e 6.º. O artigo 5.º, pelas razões atrás mencionadas, isto é, o peso da média das disciplinas nucleares na nota de candidatura, é bastante elevado em prejuízo da prova específica. Por outro lado, a possibilidade de os estudantes se poderem candidatar a 12 pares estabelecimento/curso de ensino superior conduziria a colocações bem distantes das reais preferências dos candidatos, com a agravante de impedirem a colocação de outros mais vocacionados para essa área.
Quanto ao artigo 6º, chamo a atenção para a injustiça relativa que seria cometida ao aceitar-se a possibilidade de um aumento de 2 valores em relação à nota de candidatura do ano anterior, com a agravante de se admitir um novo aumento no ano seguinte. Deste modo, ao fim de dois anos de espera, o candidato sofreria uma revalorização na sua prova de 4 valores.
A Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar!
O Orador: - Ambos os projectos, defensores da entrada automática com 16 valores, suscitam a seguinte pergunta: os candidatos não entraram, apesar dessa classificação, por falta de preparação que aparentemente revelam nas prestações das provas geral e específica?
De facto, teremos então de questionar a preparação anterior!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Está inscrito, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Vítor Costa.
Devo comunicar que o PSD já não dispõe de tempo para responder, porém, a Mesa ceder-lhe-á um minuto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa, que dispõe de dois minutos.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Dois minutos, fora a tolerância, não é assim Sr.ª Presidente?!
Risos.
Sr.ª Presidente, de facto, custou-me ouvir um professor dizer que o facto de os alunos virem a dispensar por terem 16 valores exercia uma pressão intolerável sobre o sistema do ensino secundário. Não percebo como é que o Sr. Professor classificava os seus alunos com este processo sem pressão! Então, como é que nós, na Universidade, classificávamos os últimos alunos se o mercado de trabalho vai ser determinado pelas notas que tem?... Os professores são colocados consoante a nota que tem!... Não percebo como e que se classificavam os alunos...
Pressão existe sempre quando se classifica. Em todo o lado é assim! Fica à nossa consciência exercer ou não um bom sistema de avaliação. Como é que as universidades classificavam os seus alunos se depois o mercado de trabalho é determinado pelas notas com que daí saem?! Então, não classificavam!
Não percebo esta objecção.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Conceição.
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Sr. Deputado, sem dúvida nenhuma, como professor que sou, sinto por vezes a necessidade de uma actualização que me leve a um aperfeiçoamento na minha maneira de avaliar e classificar. Mas também estou plenamente convencido de que existem pressões de carácter psicológico do próprio professor quando tem um aluno a quem quer dar 15 ou 14, que o leve a pensar: «Por mais meio valor, por que e que ele não há-de dispensar?». Nessa altura, haveria, portanto, esta pressão social.
É neste sentido que quero referir que os 16 valores podem de facto traduzir em todas as escolas o mesmo conteúdo de saber e de capacidade do próprio aluno. Mas não haverá necessidade, em qualquer dos casos, de haver uma aferição de carácter nacional, precisamente para evitar disparidades regionais e até de escola para escola ou do sistema de ensino oficial para o do ensino particular? Todos sabemos que há distorções que só podem ser corrigidas através de uma prova de aferição. E, no meu entender, essa prova de aferição é indispensável para melhorar o sistema.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Proponho-me, tão brevemente quanto possível, fazer um rápido balanço, do meu ponto de vista, do debate de hoje.
Gostaria de sublinhar, desde logo, uma proposta moderada do Partido Comunista Português, com algum realismo. Não partilho do optimismo do artigo 2.º do projecto do PCP, que quase enfileira nalguma demagogia do
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PRODEP, quando propõe em três anos duplicar a taxa de frequência da Universidade. Quanto ao resto, é uma proposta moderada, interessante, que sublinho.
Em segundo lugar, noto a lição do Sr. Prof. Adriano Moreira, que mais uma vez nos satisfez.
Noto, em terceiro lugar, uma ofensa pessoal, que é tanto mais ofensa quanto vem de um amigo, e, em quarto lugar, a atitude do Governo.
O Governo deu-nos três ideias, sentimentos ou atitudes velhas e antigas na política, que, infelizmente, não são das mais elogiáveis. Deu-nos a auto-satisfação como virtude do exercício do poder. Deu-nos a acusação de desígnios inconfessáveis e de demagogia a todos quantos têm ideias diferentes das do Governo. E desculpou os seus próprios erros, que, evidentemente, não reconheceu, com os erros cometidos por outros no passado.
Devo dizer que, ao contrário do Sr. Secretário de Estado, do Ministério da Educação, do Governo e do PSD, eu reconheço os meus erros e os dos socialistas, quando os cometem. E devo dizer que reconheço sobretudo os erros dos socialistas e os meus por não os querer voltar a cometer. O Sr. Secretário de Estado teve a audácia de vir justificar os erros actuais, sem lhes chamar erros, dizendo que o ex-ministro Sottomayor Cardia há 15 anos terá cometido erros ou feito «mundos e fundos».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Certamente que cometeu. Só que essa atitude - a de vir defender-se com o que outros terão errado há 15 anos - não enobrece a política.
O Governo foi posto perante alguns problemas: bons alunos que não entraram na Universidade, ilusões destruídas, energias desperdiçadas, projectos de 12 anos de vida e trabalho desperdiçados. O Governo não se preocupou.
Foi dito ao Governo que muitos maus alunos, alunos fracos, alunos com más notas, alunos com pouco trabalho, tinham entrado em vez desses. O Governo não se preocupou.
Foi-lhe dito que negócios floresciam à beira do regime geral de acesso e da PGA. O Governo não mostrou preocupação.
Foi-lhe dito que a qualidade do ensino no ensino secundário não eslava a melhorar. O Governo não se preocupou.
Foi dito que era necessário rever a organização do ensino secundário, meter o 12.º ano dentro dele, criar um ciclo permanente - é uma hipótese interessante de trabalho. O Governo não se preocupou.
O que e que o Governo fez?
Uma voz do PSD: - Nada?
O Orador: - Queixou-se das universidades, que tem autonomia. Queixou-se dos professores, que fazem greve. Queixou-se das oposições, que fazem demagogia. Queixou-se dos pais, que são ansiosos. E queixou-se do Sottomayor Cardia, que foi ministro há 15 anos.
Isto não honra o Governo.
Quero aproveitar a ocasião para repetir, pela quarta vez neste Plenário, desde há ano e meio, o que é a proposta do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que sistematicamente foi ouvida e recusada pelo Ministro da Educação e pelo Sr. Secretário de Estado, com o qual já por várias vezes aqui conversámos sobre este assunto e que sempre disse: «Não, não, não! Nós temos razão, nós temos razão!» Cita os estudos dos técnicos, os estudos em gabinete, os estudos em laboratório, mas recusa discutir clara e abertamente os pontos fundamentais desta matéria.
Nós propomos uma prova global, geral, final, terminal do ensino secundário. Propomos, por outro lado, uma prova de ingresso no ensino superior, designadamente específica. Repito: uma prova de ingresso na Universidade, da responsabilidade dos estabelecimentos universitários, designadamente específica. Isto porque pode não ser sempre a mesma, igual em todos os casos. Só em Portugal é que há a mania da unicidade. Em todos os sistemas de ingresso europeus e dos países civilizados há variedade, porque há certos cursos especiais, certas faculdades, certos ensinos, certas matérias.
Propomos, portanto, duas grandes realidades: prova global, geral, final, terminal do 12.º ano, isto é, de um ciclo reorganizado e terminal do ensino secundário, com os três anos dentro. É essa a cultura geral, Sr. Secretário de Estado. O que o ensino secundário deve fornecer é a consolidação de uma formação geral e de cultura geral.
Propomos, obviamente, a abolição da PGA, como medida imediata de saúde nacional e de saúde cultural para o País. Propomos também a abolição gradual do numerus clausus, que até pode nem ser total, pois não me custa imaginar que daqui a 5, 10 ou 15 anos possa haver o numerus clausus não como regime geral, mas como regime excepcional num ou noutro caso. Conheço muito países onde isso também se verifica.
Finalmente, propomos a reorganização e a reforma do ciclo secundário de forma que seja completo, homogéneo e contínuo, com integração do 12.º ano, pois os jovens estudantes chegam ao 12.º e desembraiam. Quando devia ser um ano de esforço, de trabalho, de coroação e de coroamento do seu trabalho, não é, é sim um ano de desembraiagem.
É esta a nossa proposta.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, a Assembleia da República tem a oportunidade de começar a alterar uma situação que sabemos, há mais de uma década, ser extremamente negar vá, que se relaciona com o acesso ao ensino superior.
Temos a oportunidade de, em diálogo, poder alterar um sistema de acesso que todos reconhecemos ser injusto, que todos reconhecemos que tem de ser alterado e que, nessa matéria, não podemos perder mais tempo.
Aliás, todos os anos que se perderam com a manutenção de um sistema de numerus clausus e com a instalação de um novo sistema, que nada resolveu, são irrecuperáveis e para cujas consequências negativas não haverá remédio. É, portanto, da nossa responsabilidade que, quanto antes, esta situação seja alterada e que seja encontrada uma solução mais justa.
Gostaríamos de dizer que, para nós, a solução não passa exclusivamente pelo instrumento técnico de selecção que permita gerar as poucas vagas existentes no acesso ao ensino superior, tem de ser uma solução mais profunda. Tem de ser encontrada através de uma estratégia de desenvolvimento coerente e integrada do ensino supe-
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rior, que permita, no mais curto prazo possível, responder, de facto, não apenas aos desafios que nos impõem os novos tempos, mas corresponder também às legítimas expectativas da juventude portuguesa de progredir nos seus estudos e, designadamente, ter acesso ao ensino superior.
Pelas intervenções que foram feitas por membros do Governo e por deputados do PSD, que pouco nos disseram de novo, ficamos com receio de que esta oportunidade se perca; no entanto, mantemos ainda a expectativa de que os dois projectos de lei que estão em apreciação possam ainda ser equacionados por esta Assembleia, na especialidade, após a sua aprovação. Que não se perca, de facto, esta oportunidade, que é única durante este ano, para alteração do actual sistema de acesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este sistema mostrou-se profundamente injusto, conduziu às maiores aberrações e todos reconhecemos, hoje, que 6 um sistema que faliu.
Quanto ao sistema anterior, estejam descansados, Srs. Deputados do PSD, pois não queremos voltar a ele. Fomos nós que, desde a primeira hora, o combatemos e congratulamo-nos, agora, que sejam os deputados do PSD, que ao longo de tantos anos sustentaram a aplicação desse sistema, a vir reconhecer o quanto esse sistema foi errado. Congratulamo-nos com isso e podem ficar descansados que não é pela nossa parte que voltaremos atrás nesta maioria, embora mantenhamos a opinião que o actual sistema, em alguns aspectos, conduziu a soluções ainda mais aberrantes do que aquelas a que o sistema anterior conduzia.
Para nós a questão essencial é que se afaste a visão estática do acesso ao ensino superior como reputada apenas a um sistema técnico e que, de facto, se adopte uma estratégia em que o Estado assuma os seus deveres para com os cidadãos e para com os jovens, em vez de penalizar esses mesmos cidadãos e esses mesmos jovens.
Para terminar, gostaria apenas de dizer, Sr. Presidente, que o nosso projecto não prevê o exame de admissão, tal como dizia, erradamente, o Sr. Deputado Carlos Coelho. Aquilo que o nosso projecto prevê nessa matéria, não é nem mais nem menos do que aquilo que está previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo, cujas disposições tivemos, aliás, o cuidado de transcrever nos artigos respectivos. Essa lei foi aprovada por esta Assembleia, após um longo debate, simplesmente o Governo preferiu tresler a Lei de Bases do Sistema Educativo e engendrar um sistema que não tem rigorosamente nada que ver com o esquema de avaliação da capacidade para a frequência do ensino superior previsto nessa lei.
Terminaria dizendo que o Sr. Deputado Fernando Conceição referiu-se ao nosso projecto apontando três críticas concretas, mas se as críticas que tem a formular ao projecto do PCP assentam apenas nesses pontos concretos, estamos descansados, porque estamos convencidos que será possível, em diálogo, encontrar uma solução consensual que possa passar, inclusivamente, pela alteração pontual desses três pontos, que não nos parecem, de maneira nenhuma, essenciais, desde que o PSD, em coerência, com a sua intervenção aprove, de facto, aquilo que é essencial do nosso projecto, que é a superação, no mais curto espaço de tempo, de um sistema injusto de numerus clausus e a adopção de uma estratégia de desenvolvimento do ensino superior que permita ao País responder aos desafios e satisfazer os legítimos anseios do acesso à educação dos jovens portugueses.
Aplausos do PCP.
A Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de esclarecimento, dou por encerrado o debate, informando-os que a tolerância da Mesa se cifrou em quatro minutos para o Governo, quatro minutos para o PSD, 4,9 minutos para o PS e dois minutos para Os Verdes, tendo o CDS e o PRD terminado nos seus tempos.
A próxima sessão terá lugar na próxima quinta-feira, dia 8, com período de antes da ordem do dia sem prolongamento, contendo o período da ordem do dia a análise da proposta de lei n.º 130/V, que aprova o regime da actividade da radiotelevisão no território nacional, e do projecto de lei n.º 457/V, apresentado pelo PS, sobre o exercício da actividade da radiotelevisão. Haverá ainda votações.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 17 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António Maria Pereira.
Armando Lopes Correia Cosia.
Arménio dos Santos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Flausino José Ferreira da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
José Apolinário Nunes Portada.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
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Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Maria Luísa Amorim.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José Júlio Vieira Mesquita.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel José Dias Soares Costa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Partido Socialista (PS):
Francisco Fernando Osório Gomes.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Partido Comunista Português (PCP):
José Manuel Santos Magalhães.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Os REDACTORES: Anita Pinto da Cruz - José Diogo - Cacilda Nordeste - Leonor Ferreira - Ana Marques da Cruz.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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