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Sexta-feira, 27 do Abril de 1990 I Série - Número 68
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE ABRIL DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 75 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta rios diplomas, dos requerimentos e das respostas a alguns outros entrados na Meta.
Em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) criticou o Governo pela sua actuação e falta de diálogo, tendo, no final, respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Cardoso Ferreira (PSD).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Espada (PRD) reflectiu acerca do posicionamento dos partidos políticos e da sua acção em Portugal.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado João Soares (PS) agradeceu as atenções da Câmara durante a sua recuperação do acidente sofrido, anunciou a sua remindo ao mandato e exaltou o papel dos socialistas desde o 25 de Abril de 1974. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Carlos Brito (PCP), Duarte Lima (PSD), Hermínio Martinho (PRD) e Herculano Pombo (Os Verdes).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputada Silva Morgues (PSD) referiu-se às mudanças internas e externas que se estão a verificar e teceu críticas ao PS pelas suas alterações de posicionamento político. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Lello e Alberto Martins (PS).
Finalmente, também em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Martins (Os Verdes) teceu várias considerações sobre o alargamento do Campo de Tiro de Alcochete, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Cardoso Ferreira (PSD) e Apolónia Teixeira (PCP).
Ordem do dia. - Foram aprovados, na generalidade, os projectos de lei n.º 491/V (PS), 517/V (deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro), 518/V (PSD), 526/V (PCP) e 527/V (PRD), relativos ao exercício do direito de petição. Intervieram no debate, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação) e da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Raul Castro (Indep.), José Luis Ramos (PSD), José Magalhães (PCP), Guilherme Silva (PSD) e Marques Júnior (PRD).
Entretanto, a Câmara aprovou um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PSD e do PS.
Foram rejeitados dois requerimentos, um de suspensão da vigência do Decreto-Lei n.º 69/90 (ratificação n.º 114/V, do PS) e outro para a fixação de um prazo para exame em comissão do mesmo decreto-lei (ratificação n.º 115/V, do PCP).
Foram aprovados, na generalidade, a proposta de lei n.º 135/V - Protecção de dados pessoais face à informática e o projecto de lei n.º 519/V (PRD) - Defesa dos direitos do homem perante a informática.
Foi igualmente aprovado, em votação final global, o texto final proveniente da Comissão relativo à proposta de lei n.º 125/V - Cria, junto da Presidência do Conselho de Ministros, o Conselho Nacional de Bioética e ao projecto de lei n.º 420/V (PS) - Cria o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrao Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
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Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Odete Santos.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Parado Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 528/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e outros, do PCP, sobre condições mínimas exigidas aos navios que transportem mercadorias perigosas ou poluentes, embaladas, em águas da zona económica exclusiva portuguesa, que baixou à 12.ª Comissão; projecto de lei n.º 529/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Edite Estrela e outros, do PS, sobre o uso e promoção da língua portuguesa, que baixou à 8.ª Comissão; projecto de lei n.º 530/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Edite Estrela e outros, do PS, sobre a alteração à Lei Orgânica da Assembleia da República, que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões, e projecto de lei n.º 530/V, apresentado pela Sr.º Deputada Edite Estrela e outros, do PS, sobre o enriquecimento da língua portuguesa, que baixou à 8.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Filipe Abreu; ao Ministério das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Gameiro dos Santos; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho, Vítor Costa, Hermínio Martinho, José Magalhães, António Braga e Guerreiro Norte; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e Filipe Abreu; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e Hermínio Martinho; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e André Martins; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado André Martins; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Barreto; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, e ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Magalhães, nas sessões de 27 de Julho e 20 de Março; Hermínio Martinho, na sessão de 7 de Novembro; Vítor Costa, na sessão de 28 de Novembro; António Filipe, nas sessões de 5 de Dezembro e 8 de Fevereiro; António Barreto, na sessão de 20 de Dezembro; Barbosa da Cosia, nas sessões de 8 de Fevereiro e 22 de Março; Octávio Teixeira, na sessão de 15 de Fevereiro; André Martins, nas sessões de 6 de Março e 25 de Janeiro; Edite Estrela, na sessão de 14 de Novembro; Miranda Calha, nas sessões de 28 de Novembro e 6 de Fevereiro; Elisa Damião, na sessão de 6 de Dezembro; Júlio Antunes, na sessão de 12 de Janeiro; Herculano Pombo, nas sessões de 18 e 25 de Janeiro; Lemos Damião e Raul de Brito, na sessão de 19 de, Janeiro; Apolónia Teixeira, nas sessões de 23 de Janeiro e 13 de Fevereiro; Luís Roque, na sessão de 23 de Janeiro; Carlos Brito, nas sessões de 25 de Janeiro e 20 de Março; José Apolinário, na sessão de
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25 de Janeiro; Filipe Abreu, na sessão de 15 de Fevereiro; Helena Torres Marques e João Camilo, na sessão de 16 de Fevereiro; Sérgio Ribeiro, nas sessões de 20 de Fevereiro e 29 de Março; Rui Vieira, na sessão de 6 de Março; Rogério Brito, na sessão de 15 de Março; Rui Cunha e Luís Filipe Madeira, na sessão de 16 de Março; Silva Marques, na sessão de 20 de Março, e Armando Vara, na sessão de 27 de Março.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos à apreciação de um conjunto de projectos de lei, todos eles relativos ao exercício do direito de petição, terá lugar um período reservado exclusivamente a declarações políticas, encontrando-se já inscritos os seguintes. Srs. Deputados: Lino de Carvalho, Silva Marques, Isabel Espada, André Martins e João Soares. Esta é a ordem das intervenções, tendo em conta todos os condicionalismos. Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
O carro de Estado, com motorista, foi abandonado numa artéria; o ocupante de trás seguiu a pé algumas centenas de metros, entrou para a viatura do jornalista, que seguiu para parte incerta.
Não, Srs. Deputados, não é a citação de nenhum livro policial ou de espionagem que eu trago aqui para amenizar a tarde. Trata-se exactamente da transcrição de uma notícia recente de um semanário, onde se relata o encontro entre um jornalista e um membro do Governo e que dá bem conta da dimensão da atmosfera de clandestinidade e de conspiração que parece viver-se hoje no seio do Governo.
Risos do PSD.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - É um pândego!...
O Orador: - Aliás, quando o Sr. Ministro da Justiça, ele próprio, admite publicamente a existência de escutas telefónicas, corroborando e justificando plenamente as iniciativas do PCP nesta Assembleia, vem adensar ainda mais o clima de suspeições, pondo em relevo um quadro facilitado pela existência de uma selva tecnológica não controlável, incompatível com um regime democrático - cujo 16.º aniversário ainda ontem comemorámos - e de liberdades constitucionalmente garantidas. Nesta matéria, pela parte do PCP, reafirmamos a necessidade de serem desencadeados os mecanismos regimentais adequados à busca do esclarecimento completo dos factos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Talvez, por isso mesmo, não seja de estranhar a nova vaga de demissões que percorre o PSD e o Governo e os títulos que, a este propósito, temos, deliciadamente, lido na nossa imprensa. Cito alguns: «O cavaquinho está a morrer»,...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - E o cunhalismo!
O Orador: -... «Oliveira Martins estava cercado», «A vingança do Eng. Falcão», «Kika e o Ministro», «As três honras que abalaram a distrital de Lisboa»...
Agatha Christie encontraria certamente, nas notícias sobre o PSD, farta matéria de inspiração.
Só que, Srs. Deputados, trata-se do Governo e do partido que o suporta e os factos que têm alimentado a imprensa não podem passar sem uma séria reflexão da nossa parte.
A nova remodelação governamental - a terceira em quatro meses- reflecte, cada vez mais, a instabilidade que percorre o Governo e o progressivo isolamento do Primeiro-Ministro.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não há fome que não de em fartura!
O Orador: - Como escrevia um analista político, destacada figura do PSD, com o Congresso, no PSD, «foram mais os que se distanciaram do que os que se aproximaram».
A remodelação, realizada em circuito fechado, denota novas e evidentes dificuldades do Governo com a redução do campo de opções de Cavaco Silva, que se vê obrigado a deitar mão de ministros do próprio Gabinete, aliás notavelmente polivalentes.
Mas as razões que vieram a público desta demissão do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações - e seria bom que se soubesse se são as reais e se não haverá outras... - são as da fusão e confusão que paira no PSD e no Governo entre os interesses do Estado e as questões internas partidárias e pessoais, as lutas por lugares de influência e as suas evidentes repercussões na estabilidade governativa.
O Governo e o PSD, cada vez mais, só dialogam consigo mesmo e com os sectores mais conservadores e maximalistas da sociedade portuguesa.
Ao veto do Presidente da República e ao largo consenso de opiniões contra a governamentalizada Alta Autoridade para a Comunicação Social responde o PSD com arrogância, dizendo que nada tem a modificar.
À necessidade de se acelerar o processo de regionalização, reivindicada por todos os sectores da vida democrática do País, não dá o PSD saída no seu Congresso, contra a vontade que, dentro do próprio PSD, se manifesta nesse sentido.
À opinião unânime dos mais diversos sectores quanto à necessidade de se conter a taxa de inflação, permitindo o necessário crescimento dos salários reais e uma melhor e mais rápida inserção no Sistema Monetário Europeu, responde o Governo com uma política que atira a inflação para 12,8 %, bastante superior à prevista no Orçamento do Estado para este ano, provocando nova erosão do poder de compra dos trabalhadores portugueses.
À necessidade de se estabilizar a posse da terra com garantia de existência de um diversificado mosaico de formas da sua exploração - cooperativa, familiar e outras- responde o Governo com o anúncio de uma nova lei contra a reforma agrária, com a qual o PSD se prepara agora para abandonar os compromissos que assumiu com «os rendeiros do Estado», isto é, cooperativas e agricultores que exploram as suas terras com base em contratos de arrendamento pelos quais pagam avultadas rendas, introduzindo, assim, novos elementos de instabilidade na agricultura do Sul, com o frenesim da reconstituição completa da velha estrutura da propriedade latifundiária.
Na ausência de uma lei de orientação agrícola -ao contrário do que sucede em França e noutros países da
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Comunidade - e de um efectivo plano de aproveitamento dos recursos e de ordenamento do território, a agricultura portuguesa não está a ser preparada para a plena integração comunitária, ultrapassado que seja o período de transição.
São quatro áreas da vida nacional. Muitas mais se poderiam citar!
Srs. Deputados, num momento em que Portugal enfrenta delicadas negociações no quadro comunitário - é a União Económica e Monetária, a Conferência Intergovernamental, os têxteis, a passagem à segunda etapa do período de transição para a agricultura - e em que a própria Comunidade alarga os seus horizontes, o País não pode ver enfraquecidas as suas posições em resultado da instabilidade e incapacidade governamental, traduzidas numa remodelação permanente e em políticas que não proporcionam condições de sucesso para a economia portuguesa.
O Governo é, aliás, hoje, o principal factor de instabilidade e de incerteza, não tendo, pois, qualquer legitimidade para acusar desses pecados a oposição ou os trabalhadores e as suas lutas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não temos dificuldade em reconhecer que a integração do País na CEE, mal-grado as contradições de fundo, pode proporcionar estímulos positivos para a sociedade portuguesa se for acompanhada de políticas equilibradas que fortaleçam o aparelho produtivo nacional, que promovam o desenvolvimento regional, permitindo o aproveitamento dos recursos endógenos e a correcção das assimetrias intra-regionais, e que corrijam as injustiças sociais.
Mas não é isso o que se está a passar, porque o novo fundamentalismo neoliberal está a agravar as condições de inserção na Comunidade Europeia da economia portuguesa, deixando ao arbítrio dos interesses dos mais fortes e do capital estrangeiro aquilo que deveria constituir uma estratégia de convergência e mobilização do País, com base num sério diálogo institucional em torno de uma estratégia nacional e de objectivos prioritários que só as forças democráticas, cooperando entre si, estão em condições de realizar.
Existe hoje uma base social alargada para essa política e essa cooperação, como ressaltou das dinâmicas e largas comemorações do 25 de Abril realizadas por todo o país e como irá resultar do facto de os trabalhadores virem para a rua no próximo 1.º de Maio, trabalhadores cujas lutas se têm vindo a alargar a vários sectores da actividade e a várias regiões.
No entanto, o sentido destas comemorações e iniciativas não vai para o apoio a orientações neoliberais, seja qual for o governo que as conduza, mas para uma política tendo por objectivos uma mais justa distribuição da riqueza e da repartição do rendimento nacional, a exigência do melhoramento das condições de trabalho e de vida dos Portugueses e a garantia de emprego, a recusa da intensificação da exploração dos trabalhadores, a redução das cada vez maiores disparidades sociais, a eliminação do clientelismo e dos fenómenos de autoritarismo, a recusa da instrumentalização e de manipulação da comunicação social, que o «cavaquismo» tem feito crescer com a ideia central de que na nossa vida democrática não pode ser encarado como normal o aumento acelerado dos privilégios e da riqueza num segmento restrito da sociedade portuguesa.
Srs. Deputados, a crise no Governo e o notório declínio eleitoral do PSD coloca cada vez mais em cima da mesa a necessidade de uma política democrática alternativa.
De remodelação em remodelação, até à remodelação final, como já aqui afirmámos, o País está suspenso de saber quem será o próximo ministro a ser substituído. Talvez seja o próprio Primeiro-Ministro, se, no campo democrático, soubermos dar corpo convergente à viva dinâmica social expressa na rua nestes dias de Abril e Maio.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, quando iniciou a sua intervenção pensámos que viesse trazer a esta Câmara alguma coisa de novo em relação, nomeadamente, ao Congresso do seu partido, à vossa interna do seu partido, que não existe,...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Olha quem fala!...
O Orador: -... que nos viesse dizer que as mudanças de Leste estavam, agora, a repercutir-se já no vosso partido. Enfim, pensámos que viesse trazer-nos aqui alguma coisa de novo e que, batendo com a mão no peito, declarasse mea culpa e dissesse «compreendemos os ventos da história, o nosso partido vai mudar, vamos passar a ser também um partido com democracia interna, como os outros».
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Vocês nem sabiam o que o Cavaco ia decidir!...
O Orador: - Mas isso não aconteceu! O Sr. Deputado veio falar-nos de «cavaquismo», mas esqueceu-se de falar de «cunhalismo»!...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - São complementares!
O Orador: - E mais: falou de «cavaquismo» mas deixou a descoberto o «cunhalismo» que V. Ex.ª protagonizou (e de que forma!...) naquela bancada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Afinal, que moralidade tem, o senhor e o seu partido, para vir denunciar a esta Câmara pretensas atitudes do Governo, do PSD ou do Sr. Primeiro-Ministro, quando há deputados da sua bancada que são saneados,...
Protestos do PCP.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Aonde?!...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Está a ver-se ao espelho?
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O Orador: -... quando autarcas do seu partido se demitem ao longo do País por falta de confiança política,...
Vozes do PCP:- Estão doentes!
O Orador:-Estão todos doentes?... O Severiano Falcão e tantos outros que, por falta de confiança política, foram obrigados a afastar-se dos seus cargos e...
O Sr. Júlio Antunes (PCP): - Onde está o Carlos Macedo?
O Orador: -... quando deputados da vossa bancada se queixam da falta de democracia interna do partido, inclusivamente aos meios de comunicação social?
Que moralidade tem os senhores para falar da vida interna dos outros partidos quando o vosso se encontra no estado em que está, ou seja, profundamente dividido entre aqueles que querem e os que não querem aceitar que os tempos mudaram, que as ideias são outras, que é preciso ter um discurso diferente e principalmente uma liderança diferente e aberta!... Esse é o grande problema do vosso partido!... E, porventura para o encobrirem, vem aqui falar dos problemas dos outros!... Sr. Deputado, essa táctica, que costumam utilizar, já não colhe por estar demasiado batida.
Quanto à questão do autoritarismo, estamos falados. Enquanto o seu partido tiver uma liderança como a que tem V. Ex.ª não tem a menor possibilidade, não tem a menor autoridade para falar, quer a esta Câmara quer ao País, de autoritarismo de quem quer que seja.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PCP.
O Orador: - Finalmente, quanto ao fundamentalismo neoliberal, esse 6 o novo cabo político que parece ter sido recentemente introduzido, aliás, pelo PS. Mas essa é uma questão do Partido Socialista...
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que compreendemos o vosso problema em relação à abertura que este Governo tem feito à sociedade civil, à livre iniciativa, à questão do investimento, do progresso e da riqueza em Portugal.
Os senhores sempre progrediram enquanto houve dificuldades, enquanto houve miséria,...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E já não há?!...
O Orador: -... enquanto houve uma economia recessiva e depressiva. Hoje estão condenados, pura e simplesmente, ao abandono por parte dos eleitores e ao desaparecimento!
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço à Câmara que crie as condições próprias para o debate. Aproveito também para chamar também a atenção do Sr. Deputado Cardoso Ferreira para o facto de ter esgotado o seu tempo. Queira terminar. Sr. Deputado.
O Orador: - Concluo dizendo que compreendemos perfeitamente o embaraço que sentem, pois à medida que o País progride, à medida que o País se aproxima dos modelos da Europa Ocidental, VV. Ex.ªs, na razão inversa, desaparecem do eleitorado e do panorama político-partidário português.
O Sr. Carlos Brito (PCP):-Não é assim!...
O Orador: - Compreendemos o vosso embaraço, mas, como devem imaginar, estamos muito mais preocupados com o País do que com a vossa expressão eleitoral.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado Cardoso Ferreira tem a faculdade - já não é a primeira vez - de pensar sempre errado em relação ao que vamos dizer. Quando da minha próxima intervenção, fornecer-lhe-ei o meu discurso com antecedência para evitar esses seus erros de análise.
Não falámos na vida interna do PSD, Sr. Deputado, falámos da vida interna do Governo, que é uma questão do Estado e do País, que é uma questão da República, que é uma questão de todos nós e sobre a qual a Assembleia da República tem a obrigação de reflectir, em virtude dos males e da instabilidade que está a causar ao País...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -... e do enfraquecimento que provoca as nossas posições, num momento crucial para a sociedade portuguesa.
Aplausos do PCP.
A essas questões concretas, ao clima de suspeições, ao clima de clandestinidade que se vive no seio do Governo, que se traduz em sucessivas demissões e remodelações, que se traduz em enchimento das páginas dos jornais, aos costumes, o Sr. Deputado disse nada...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Vá falar para a Letónia!
O Orador: -... e preferiu transferir essa questão para a nossa democracia interna.
Sr. Deputado, a ideia que tive, quando falou na nossa democracia interna, foi a de que o Sr. Deputado estava, porventura, a ver-se ao espelho!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Vá para a Letónia, que eles tratam lá de si!
O Orador: - Quanto à alusão que fez ao saneamento desta bancada, é preferível olhar para a sua,...
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Onde é que está o Jorge Lemos?
O Orador: -... é preferível perguntar onde é que está o Sr. Deputado Carlos Macedo, é preferível perguntar onde é que estão outras figuras que ainda há pouco tempo estavam com o Primeiro-Ministro e com o PSD, mas que tem vindo a afastar-se do PSD, do «cavaquismo» e da sua nova direcção política.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Onde está o Jorge Lemos?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Onde está o José Magalhães? Soltem o Magalhães!... Libertem o Jorge Lemos!...
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O Orador: - É natural essa confusão, Srs. Deputados. Verificámos, nos últimos tempos, que os deputados tom o hábito de confundir a vida interna do partido com a vida do Governo, a vida do Governo com a vida democrática, e tudo isto com a vida do País. Já é tempo de, quando falarmos em crescimento e em desenvolvimento, o fazermos na perspectiva dos interesses da sociedade portuguesa e do País.
Como ontem foi aqui insistentemente mencionado nas diferentes intervenções da sessão comemorativa do 25 de Abril, esse crescimento está, paradoxalmente, acompanhado de fortíssimo crescimento das desigualdades, de fortíssimo crescimento das vicissitudes sociais, de fortíssimo crescimento dos privilégios de uma minoria em detrimento da maioria do povo português e do País.
É esse crescimento que nós não queremos. O que desejamos é um desenvolvimento na base do aproveitamento dos recursos nacionais, um desenvolvimento que corrija assimetrias e que melhore as condições de vida dos trabalhadores e do povo, um crescimento...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -... e um desenvolvimento que nos prepare para uma inserção capa?., com condições de sucesso, na Comunidade Económica Europeia.
Este é um momento crucial para o futuro de Portugal e do País. Estamos crentes, Srs. Deputados, que, tal como têm decorrido os últimos actos eleitorais, nas próximas legislativas - se não for antes -, teremos a remodelação final e a partir daí a oportunidade de, no interesse do povo, no interesse do País, no interesse da economia nacional, teremos uma política democrática alternativa.
Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Deixem o Sr. Deputado Jorge Lemos ir ao Congresso! O Sr. Deputado José Magalhães também não fez mal a ninguém para não o deixarem ir!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ele já vem aí. Ainda hoje vão ter oportunidade de o ouvir.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito à Câmara que se faça o silêncio necessário para podermos continuar os nossos trabalhos. Neste momento não há necessidade de nos estarmos a manifestar.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Há pouco é que era!
O Sr. Presidente: - Segundo a ordem de inscrições, deveria agora usar da palavra o Sr. Deputado Silva Marques. Porém, como neste momento não se encontra na Sala, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alvin Toffler disse que é impossível pensar que o mundo seja simultaneamente abalado por uma revolução na energia, na tecnologia, na vida familiar, nos papéis sociais e nas comunicações sem enfrentar também, mais cedo ou mais tarde, uma revolução política potencialmente explosiva. Ontem falámos do 25 de Abril, que, de acordo com a terminologia de Toffler, terá sido uma revolução da segunda vaga e, nesse aspecto, como foi salientado por todos, ela cumpriu. Vamos fazer hoje a ponte entre a revolução, que a maioria dos elementos desta Câmara protagonizou, agora preserva e mantém, e a outra revolução, por fazer, que a geração mais jovem reclama com a sua indiferença.
A exigência e o rigor, ontem evocados pelo Presidente da República, na avaliação da nossa democracia reporta-nos aos milhares de cidadãos que, ricos e pobres, universitários e analfabetos, jovens e idosos, do meio rural e do meio urbano, comungam entre si de uma ideia profundamente negativa da acção política em geral e nos encaram a nós, detentores de cargos políticos, com profunda desconfiança e descrédito ou, no mínimo, com razoável indiferença.
De acto eleitoral em acto eleitoral os Portugueses reduzem a sua participação e abdicam do direito de voto, que se quis fosse universal e directo. Nas últimas eleições autárquicas mais de 40% dos portugueses não votaram, sendo dado adquirido que esta enorme taxa de abstenção não se deve à falta de formação ou informação política. A abstenção portuguesa é idêntica à dos restantes países da Europa Ocidental e da América do Norte e atinge tanto os meios urbanos como os meios rurais, distribuindo-se equitativamente pelos estratos sociais.
Por outro lado, é igualmente verdade que muitos dos eleitores activos votam mais no cumprimento de um dever do que na perspectiva do gozo de um direito, com a convicção, inúmeras vezes manifesta, de que tanto faz escolher A, B ou até C porque o resultado será identicamente longínquo das suas expectativas e aspirações. Em suma, uma boa fatia dos portugueses, com tendência para aumentar, não se sente representada, não reconhece eficácia ao sistema e por isso se recusa a participar.
A esta insatisfação os políticos respondem espetando os dedos frente às câmaras de televisão, vestindo fatos azuis, criando factos políticos e gabinetes de imagem. Recebem aulas de dicção, alteram dia sim dia não as suas estratégias, compõem discursos com menos de nove palavras por frase, dividem-se em facções, ortodoxos e dissidentes, apoiantes, apoiados e críticos, mergulham no Tejo e revisitam Lisboa de helicóptero. Palavra de ordem: surpresa, novidade, movimento, catch-phrase.
Os eleitores, aos acréscimos de informação e de marketing político, respondem com a maior indiferença, incredulidade, cepticismo - «efémera é a glória política dos nossos dias».
Resta-nos, naturalmente, a deferente atenção que nós, políticos, prestamos a nós próprios.
Obviando à carência de novas ideologias, o centro tornou-se o paradigma achado para um posicionamento político que se situa na área dos consensos alargados. O centro reivindicado agora pelo CDS, partido que sempre correspondeu à direita na nossa referência colectiva; o centro para o PCP, que inevitavelmente para lá converge através dos seus críticos e dos seus ex-aliados internacionais de privilégio; centro para o PS que, reivindicando para 1991 uma maioria absoluta -opção cujos frutos temos mastigado com desprazer nos últimos anos -, defende igualmente uma economia mais aberta, mais mão e fronteiras invisíveis, piscando oportunamente o olho ao CDS; centro que permitiu ao PSD a vitória absoluta em 1987, mas inevitavelmente lhe escapa agora entre os dedos do crescimento económico desenfreado, sem dimensão ética e social.
Quanto a nós, PRD, já ocupamos há cinco anos, no hemiciclo, este cobiçado espaço político-partidário, sim-
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bolicamente no centro, entre a esquerda e a direita, anulando essa dicotomia redutora que nunca elegemos como determinante da nossa acção política.
De resto, críticas e fraquezas apontadas em nós há demasiado tempo são hoje não só evidentes como apanágio de todos os partidos: a indefinição ideológica, o pragmatismo, a política de alianças conjuntural, demonstrando à sociedade a vossa apetência de agradar a gregos e troianos e responder à diversidade -saudável, mas recente- das vossas consciências partidárias. Bem vindos, pois, ao nosso património comum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Atingidos, pois, os primeiros objectivos do nosso projecto, resta aprofundá-lo, aplicando rumos e discursos, que, embora já ensaiados, não constituíram prioridade.
Na nossa declaração de princípios fala-se de aprofundamento da democracia. Chegou a altura de questionar não a democracia como regime mas as suas formas de funcionamento. O défice democrático, que temos vindo a aceitar pacificamente, deve-se em parte ao facto de os partidos serem produto e funcionarem com base neste sistema, sobrevivendo graças a ele e aceitando como dogmas as suas regras, nas quais, no entanto, milhares de cidadãos já se não revêem.
A democracia representativa atingiu em alguns aspectos o seu limite, não respondendo às novas necessidades e solicitações das populações, que em muitas circunstâncias já não reconhecem qualquer autoridade para além da sua própria, tornando-se esta forma de votar obsoleta e desadequada a uma sociedade mais qualitativa e diversificada.
Numa sociedade desmassificada, em que as minorias são múltiplas, complexas e diversas, atingindo todos nós e a níveis diferentes, e em que as maiorias são cada vez mais temporárias, transitórias e específicas, encontrar novas respostas passa por um aprofundamento da democracia representativa a nível local e regional, mas implica igualmente um avanço necessariamente cuidadoso mas determinado na democracia directa, desenvolvendo um sistema misto. Transferir poder directamente para os cidadãos é possível através das novas tecnologias, mas é obviamente doloroso para as élites detentoras de poder. Não é fácil prescindir da decisão, mas essa mudança é imprescindível para cumprir a democracia.
Por outro lado, o voto tem de passar a ser qualitativo, de acordo com os objectivos programáticos, estratégicos e tácticos, amplamente negociado através da assumpção de compromissos.
Os mecanismos de acesso ao Poder têm de se alargar a outras formas que não apenas as partidárias e a formação de partidos tem de ser desburocratizada.
A decisão tem de ser transferida para outras esferas. A capacidade do poder central para decidir esgota-se na avalancha de informação e na diversidade, na. impossibilidade física de decidir correctamente as respostas que, em geral, suo dadas já fora do tempo útil e longínquas das necessidades. Para colmatar estas lacunas os políticos, esgotados, rodeiam-se de assessores, técnicos que lhes condensam informação, filtram relatórios e que acabam, no fundo, por tomar as decisões. Assim se vê que também nesta área os representantes já não representam porque já não exercem o poder, limitando-se muitas vezes a repelir inconscientemente as fórmulas dos peritos e a decidir de acordo com as suas recomendações ou as recomendações das direcções das estruturas partidárias. Quem não clamou já nesta Assembleia por mais técnicos e mais assessores para as comissões e para os grupos parlamentares?
Quem não exigiu já estudos sobre isto e aquilo e não se embrenhou em discussões infindáveis e geralmente improdutivas sobre as competências da Assembleia da República nesta matéria? Quem não olha já com esgares de desconfiança as múltiplas comissões e subcomissões que vão proliferando por esta Casa?
Admitamos que o colapso só se inverte com a descentralização das decisões, abrindo às populações a possibilidade de decidir local e directamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É admissível que os analistas políticos preconizem a extinção do PRD? A avaliação objectiva dos factos tem colocado os ventos do regime e do sistema soprando a nosso desfavor.
Reconhecemos bastante menor legitimidade àqueles que para além de prever a nossa queda se congratulam e alegram com esse facto. Quando um democrata rejubila com o desaparecimento de um espaço de intervenção e participação política, evidencia, no mínimo, uma noção de democracia que não evoluiu especialmente desde a antiguidade grega.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Diga quem!
A Oradora: - Trata-se de uma visão elitista, exclusivista e conservadora da democracia, favorecendo ad eternum e em crescendo os párias da sociedade grega, abstencionistas dos nossos dias.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Diga quem!
A Oradora: - O PRD vai continuar, assumindo o seu espaço de intervenção política na próxima Convenção Nacional, desiludindo eventualmente aqueles que desejam a nossa extinção, mas entregando aos cidadãos a possibilidade de mais um espaço de escolha.
Aplausos do PRD.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Quem é que quer a extinção? É o Partido Socialista?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de referir dois aspectos meramente administrativos e também um outro.
De seguida estava inscrito o Sr. Deputado André Martins, que neste momento não se encontra presente. Assim, e seguindo o mesmo critério, vamos retomar a ordem das inscrições daqueles que estão presentes, o que significa que a ordem será a seguinte: Sr. Deputado João Soares e depois os Srs. Deputados Silva Marques e André Martins.
Segundo ponto: já há pouco tinha pedido à Sr.º Vice-Presidente que me substituísse na presidência da Mesa às 16 horas e 10 minutos. Exactamente por isso e porque o orador que se segue é o Sr. Deputado João Soares, gostaria de, em primeiro lugar, pedir-lhe desculpa se porventura não estiver presente em toda a sua intervenção e, em segundo lugar, quero com todo o prazer exprimir-lhe, em nome pessoal, da Mesa e da Câmara, o nosso gosto em vê-lo de novo entre nós, em sabermos que está a progredir na sua recuperação e desejar-lhe fraternamente a continuação das suas melhoras para o termos entre nós no nosso trabalho diário.
Aplausos gerais:
Assim, e com um aceno de fraternidade, dou a palavra ao Sr. Deputado João Soares, para uma declaração política.
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O Sr. João Soares (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto a esta Casa, por breves horas, fundamentalmente para exprimir um sentimento, um sentimento de profunda gratidão pela solidariedade recebida num momento difícil. No dia em que me preparo para solicitar a suspensão do meu mandato parlamentar por incompatibilidade com o exercício de responsabilidades autárquicas, não podia deixar de vir a esta Assembleia exprimir essa gratidão. Nas horas menos felizes por que passei, por que passámos três deputados da Assembleia da República, foi bom sentir a solidariedade desta Casa.
Sei que a gratidão se arrisca, cada vez mais, a estar fora de moda, sobretudo em política. Mas eu, como socialista, não posso deixar de insistir na gratidão que vos devo.
Os Portugueses sabem, por experiência própria, que nos momentos difíceis podem contar com os socialistas. Foi isso que sempre aconteceu durante estes 16 anos que leva de vida a nossa democracia.
Dobrámos ontem o cabo dos 16 anos da I República e dobrámo-lo em condições radicalmente diferentes. Somos hoje uma democracia europeia profundamente consolidada, sem ameaças visíveis ou sequer imagináveis no horizonte. Esta é uma realidade indesmentível e se o é em muito se deve aos socialistas, porque nem sempre foi assim. E quando houve riscos a correr e quando houve combates a travar, os Portugueses sabem que os socialistas estiveram sempre na primeira linha, como voltariam a estar no futuro se ameaças houvesse. Mas não há! Há, haverá certamente, algumas curvas apertadas, como as há também na vida dos homens. E nessas horas menos felizes, nessas horas mais difíceis, o que conta é a firmeza das convicções, a coragem para enfrentar as dificuldades, qualidades de que os socialistas portugueses tem dado abundantes provas.
Este Governo beneficiou de condições políticas de que nenhum outro beneficiou ao longo destes 16 anos. Pela primeira vez na história da nossa democracia, um único partido dispôs de uma maioria absoluta em termos parlamentares.
Numa hora de Europa vivida a tempo inteiro, «Europa connosco», como a desejaram sempre os socialistas portugueses, o balanço deste tempo único é, no entanto, mais que sofrível. A laranja tem sabido muitas vezes a amargo. Muitas oportunidades se tem perdido, umas atrás das outras. Em 1991, o mesmo é dizer daqui a pouco, os Portugueses serão chamados a escolher de novo e então importará que a alternância se faça, não apenas porque os Portugueses se cansaram de tantas oportunidades perdidas, mas também porque sabem bem que nos momentos difíceis podem contar com os socialistas, como sempre contaram.
Em 1993 seremos parte de um mercado saído do Acto Único, depois de em 1992 termos assumido a presidência das Comunidades. Os Portugueses sabem que os socialistas, mais que quaisquer outros, merecerão estar no leme nessa hora de uma Europa em que apostaram quase sozinhos nos momentos decisivos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na hora da despedida desta Casa, que, apesar das suas dificuldades e carências continua a ser o centro vital da nossa vida política, reafirmo aqui o meu sentimento de profunda gratidão pela solidariedade e simpatia recebida.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Carlos Brito, Duarte Lima, Hermínio Maninho e Herculano Pombo.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Soares: Já tive o prazer de felicitá-lo pessoalmente pelo seu regresso, embora breve, a esta Casa. Faço-o agora em nome da minha bancada, dos seus amigos de sempre, os deputados do CDS.
V. Ex.ª é por natureza um optimista. Lembro-me de uma entrevista dada pelo seu pai à Rádio Renascença em que ele disse que, na passagem de ano, desejou ao seu filho que o ano de 1990 fosse melhor que o de 1989. O Sr. Deputado João Soares respondeu então ao pai:
Pai, o que é que quer que eu tenha mais em 1990 do que o que tive em 1989, em que me «safei» quando toda a gente pensava que eu estava morto!
É este optimismo, este ânimo interno, que o leva a viver com esta felicidade, com esta bonomia, com esta generosidade, e a encarar o futuro como o fez hoje daquela bancada. Embora as suas palavras sobre política sejam para o seu partido e também para o País, eu gostaria de me congratular com este grande exemplo de optimismo, de felicitá-lo, mais uma vez, pela grande vitória que alcançou sobre a sua própria vida e pela sua presença aqui entre nós. Gostaria de lhe pedir que quando terminar o seu mandato de vereador volte rapidamente para junto de nós.
Aplausos do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. João Soares (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado João Soares, também já tive oportunidade de o cumprimentar e de o felicitar, mas quero fazê-lo agora em nome da bancada do PCP e no Plenário da Assembleia da República.
Quero, antes de mais nada, manifestar-lhe a nossa grande alegria por o ver regressado ao nosso convívio e, mais do que isso, à vida política activa e só gostaria de formular dois votos: o de um completo e total restabelecimento e o de bom trabalho na Câmara Municipal de Lisboa.
Aplausos do PCP, do PS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado João Soares, é com muita alegria que eu e os meus colegas de bancada assistimos ao seu regresso ao Plenário da Assembleia da República.
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Acompanhámo-lo, de longe, aquando do acidente que sofreu e em todo o percurso até à recuperação, com muita preocupação e com saudades da sua presença aqui. É também com muita pena que o vemos partir para a Câmara Municipal de Lisboa e, nesse sentido, faço minhas as palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró, pois preferíamos continuar com o privilégio de tê-lo aqui, como colega, nessa bancada.
Gostaria de felicitá-lo ainda pelo optimismo com que reentra agora, a tempo inteiro, na vida política e pela fé que tem na vitória eleitoral do seu partido. Acho bem que venha com esse estímulo e com essa força. Devo, porém, dizer-lhe que o PSD não vê com nenhum drama o acto eleitoral de 1991. As eleições são sempre incertas para todos os partidos - para o PS, para o PSD ou para qualquer outro partido. Não vemos esse acto eleitoral com arrogância, mas também não o vemos com o triunfalismo com que muita gente, no seu partido, o vê, neste momento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Há muita água para correr por baixo das pontes e nós vamos cá estar todos em 1991 para ver isso!
Sr. Deputado João Soares, também participámos na construção da democracia portuguesa e na primeira linha; também estivemos ao lado desse grande desígnio nacional que foi a adesão à Comunidade Económica Europeia - era o Dr. Sá Carneiro líder do meu partido e estávamos na oposição -, repito, um desígnio nacional com o qual também estivemos e apoiámos, embora na oposição.
A minha leitura só é diferente da de V. Ex.ª no pessimista balanço que fez quando qualificou de mais que sofríveis estes anos. Efectivamente, é grande a distância que nos separa de 1985, em todos os domínios. Portugal tem muitas etapas para percorrer, tem muitas dificuldades para ultrapassar, mas V. Ex.ª, que é um homem sério e realista, reconhecerá comigo, sem favor, que foram muitas as etapas que o País queimou entretanto, foram muitos os progressos que o País fez e é nesse sentido que vamos continuar a trabalhar.
Sr. Deputado João Soares, por parte do PSD, temos a certeza de que, em 1991, será com o PSD que o País novo se irá reencontrar para continuar no desafio da integração económica europeia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Deputado João Soares, não podia perder esta oportunidade de, em meu nome e da minha bancada, me congratular com a sua presença aqui, passado mais de meio ano de ausência.
Infelizmente, vai ter de sair desta Casa, mas guardaremos a recordação da forma séria com que, sempre o vimos intervir aqui e desejamos sinceramente que na Câmara Municipal de Lisboa continue a intervir dentro do seu espírito e da sua maneira de ser, para que, daqui a algum tempo, os eleitores de Lisboa não possam - e eu não o desejo - considerar que também foram perdidas oportunidades na Câmara de Lisboa, como hoje - e muito bem! - estão a sentir em relação à confiança que depositaram, há dois anos e meio, no PSD.
Estão também confiantes em 1991 e apostamos nisso, até porque pensamos que se, de facto, os Portugueses tom razões neste momento, olhando para estes 16 anos de democracia, para sentir saudades do primeiro governo de Cavaco Silva, isso acontece por dupla razão. Na verdade, é natural que também eu tenha algumas saudades do tempo em que as decisões tinham de ser ponderadas e tomadas de uma forma mais séria, mais dialogante, porque dependiam do voto do PRD na Assembleia da República.
Vamos tentar continuar a trabalhar nesse sentido e aproveitamos, sinceramente, para desejar-lhe um bom trabalho no futuro do concelho de Lisboa, que bem precisa do seu trabalho e de um futuro mais risonho, que até agora não tem sido preparado.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O pedido de esclarecimento é uma figura regimental de expressão e o que quero dizer é que quanto à capacidade física do Sr. Deputado João Soares estou perfeitamente esclarecido, quanto à sua capacidade de intervenção política, esclarecidos estamos todos!
Assim, e muito singelamente, quero apenas agradecer, por um lado, o facto de, depois de ter sido capaz, durante mais de seis meses, de vencer o mais temível dos desafios, não se ter esquecido de quem não o esqueceu: durante estes meses, esta Assembleia lembrou-se sempre de si, a propósito de tudo e de nada foi sempre lembrado aqui. Por outro lado, agradeço também o não se ter esquecido de vir a esta Câmara, ainda que por breves horas, para agradecer a solidariedade, que é uma coisa que não se agradece, pois é devida ao amigo, ao companheiro e, principalmente, ao político que, apesar de estar mais que ocupado com o grande desafio, confiou na vitória, nele tendo confiado também o povo de Lisboa, que soube esperar pela sua recuperação.
A este propósito, Sr. Deputado e amigo João Soares, lembro aqui aquela que foi talvez a sua última intervenção nesta Câmara e o amor a Lisboa que nela perpassava. Na altura tive ocasião de saudar essa intervenção.
Tem V. Ex.ª agora mais um desafio a vencer. A selva onde caiu não foi a última das selvas onde terá de cair. Desta vez vai cair na selva, não africana mas nem por isso menos selva, que tem sido a Câmara Municipal de Lisboa, com tanto por desbravar e tanto por fazer. E no pelouro onde vai passar a exercer funções, V. Ex.ª vai, certamente, ter oportunidade de provar que as palavras que então aqui proferiu não eram um simples discurso, eram promessas, eram um oráculo que agora vai ser cumprido. Assim o espero!
Era apenas isto que queria desejar-lhe.
Aplausos do PS e do PRD.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.
O Sr. João Soares (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, quero agradecer aos Srs. Deputados Narana Coissoró, Carlos Brito, Duarte Lima, Hermínio Martinho e Herculano Pombo as palavras simpáticas que me dirigiram.
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Gostava ainda de deixar aqui duas notas breves em resposta àquilo que foi dito pelos Srs. Deputados Duarte Lima e Hermínio Martinho.
O Sr. Deputado Duarte Lima disse que o PSD não olhava para as eleições de 1991 com triunfalismo, mas eu gostava de dizer-lhe que melhor seria que olhasse para as eleições de 1991 com triunfalismo, depois de tudo o que se passou no nosso país ao longo destes últimos anos de governo do PSD.
Ao Sr. Deputado Hermínio Martinho quero dizer, utilizando um pouco a expressão que utilizou o Sr. Deputado e meu amigo Herculano Pombo, que a «selva» em que se diz que vou cair, depois de ter caído na outra, será vencida com a mesma facilidade com que foi vencida a primeira e não serão certamente perdidas oportunidades na Câmara Municipal de Lisboa.
Muito obrigado por tudo!
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado João Soares, a Mesa quer também secundar a manifestação de apreço dos Srs. Deputados pelo seu gesto amigo e desejar-lhe muitas felicidades.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Por coincidência da vida, vou hoje produzir uma declaração política contundente, que constitui um repto ao PS, mas que, evidentemente, em nada colide com o apreço que tenho por todos os socialistas, inclusivamente com a amizade pessoal que, no caso concreto, tenho pelo Sr. Deputado João Soares. E ainda bem que esta coincidência tem lugar, porque é preciso que fique claro que as questões do nosso país, do Estado e da Nação não podem ser questões de amizade ou, eventualmente, de inimizade pessoal de cada um de nós.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Acima de todos nós está o País e a Nação! E nenhum de nós tem o direito de mastigar as suas palavras, cedendo perante a natural simpatia ou antipatia que cada qual, a título pessoal, nos poderá porventura merecer.
Srs. Deputados, ainda bem que se dá esta coincidência, porque o PSD entende que há que produzir uma declaração política sobre transcendentes acontecimentos da hora presente, que marcam fortemente a nossa actualidade, fazendo dela seguramente um período inolvidável da história. Refiro-me a acontecimentos de ordem externa e de ordem interna.
O reconhecimento, por Moscovo, da chacina de Katyn, em que 15000 oficiais e soldados polacos foram assassinados pela polícia política de Estaline, põe a nu o grau de barbárie que atingiu o totalitarismo soviético-comunista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, aquilo que certa esquerda sempre recusou aceitar aqui mesmo - e este «aqui» é o debate político que travámos nos últimos anos no nosso País - é hoje uma impressionante evidência imposta pelos factos: estalinismo igual a nazismo!
Aplausos do PSD.
Mas não é só o modelo económico de socialismo, o mito da colectivização, da estatização e da planificação centralizada, com a negação da propriedade e da iniciativa privada, que hoje se desmorona. Desmorona-se também a própria ideia de que, apesar dos erros de percurso e da rejeição da liberdade e do pluralismo políticos, se sobrepunha a tudo, por muito lastimável que fosse, uma finalidade humanista de justiça social e de libertação nacional que merecia simpatia e solidariedade.
Esse falso humanismo revela hoje, com toda a violência, a sua face de terror e de barbárie.
A luta do povo da Lituânia pela sua libertação e o bloqueio económico por parte de Moscovo são bem o símbolo da legítima revolta, por um lado, e o da repulsiva repressão, por outro.
Srs. Deputados, quem não pensa nisto? Quem não se interroga sobre isto? Julgam, porventura, que se estão a repetir discursos, porque julgam que, no fundo, os outros estão mortos, tomando a própria morte pela morte dos outros. Há quem tenha o pensamento paralisado e, por isso, tão impressionantes e flagrantes acontecimentos não motivam a sua própria interrogação. Mas nós interrogamo-nos, interrogamo-nos a nós próprios, interrogamos os socialistas, sobretudo, interrogamo-nos face ao País. A hora é de grandes transformações no mundo,...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: -... não apenas no sentido físico, mas no sentido das próprias ideias e no sentido mais nobre da existência humana, que é a sua dimensão cultural. Quem hoje não se interroga está mais do que morto, está a fingir que nada acontece no mundo! E daí este despropositado comentário, que veio precisamente de uma bancada que, politicamente, está moribunda.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ao mesmo tempo, Srs. Deputados, passam 15 anos que o nosso país foi vítima do assalto gonçalvista e, simultaneamente, é este o ano do passo decisivo nas privatizações.
As nacionalizações desencadeadas da forma mais cega e irracional causaram um gravíssimo prejuízo ao País, ao seu progresso e ao bem-estar dos Portugueses.
Que ninguém o esqueça, embora alguns queiram passar apressadamente um esponja sobre o passado!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O assalto do PCP, seus aliados, colaboradores e cúmplices, instaurando um ambiente de perseguição pessoal e de terror, espoliou dos seus empregos, carreiras profissionais e bens muitas pessoas, reduzindo-as à miséria ou infligindo-lhes irreparáveis danos morais.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É verdade!
O Orador: - E, Srs. Deputados, não estou a falar dos capitalistas, mas das pessoas que perderam emprego e carreira profissional, do povo humilde do meu país.
Aplausos do PSD.
A política externa portuguesa esteve por diversas vezes ao serviço da estratégia imperialista da URSS, de que foi último e caricato exemplo a justificação pela primeira-ministra de Portugal de então da invasão do Afeganistão.
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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não obstante a violência dos factos, a direcção do PS mantém-se em silêncio.
Não falo do PCP porque o PCP deixou de existir politicamente, pois de futuro não tem nada a dizer ao mundo e ao País! Basta ter ouvido hoje aqui o seu porta-voz, o Sr. Deputado Lino de Carvalho. O prato forte da sua intervenção foi uma especulação sobre informações jornalísticas.
Falo do PS, que pretende fundir politicamente no seu projecto de poder o eleitorado comunista. Falo do PS porque o PS, não obstante - repito - a violência dos factos que falam e gritam por si, mantém-se em silêncio. Nem uma justificação, mesmo a mais simples, sobre as suas responsabilidades num passado tão recente que é ainda actual para todos nós e que tanto sofrimento e dano causou aos Portugueses e a Portugal!
A actual direcção do PS muda de palavras, mas sem credibilidade. Deveriam corar de vergonha, mas politicamente escondem a cara. A nobreza da política, Srs. Deputados, pressupõe a transparência do pensamento, a frontalidade dos comportamentos, a elevada humildade do reconhecimento dos erros e das vicissitudes do percurso humano.
Infelizmente, a direcção do PS, perante tão abaladores acontecimentos da nossa actualidade, limita-se a meter a cabeça na areia. Mais: numa pueril diversão, espécie de cortina de fumo que é sobretudo um muro de vergonha, lança-se num frenesim mimético, copiando, embora mal, o ideário social-democrata, que sempre rejeitou e tenazmente combateu.
Aplausos do PSD.
O comportamento oportunístico da actual direcção do PS constitui uma afronta a todos os portugueses, socialistas incluídos, que se bateram contra o assalto gonçalvista, contra a ditadura do modelo socialista, contra a perseguição moral, ideológica e política dos cidadãos; uma afronta a todos os que se bateram com coragem e com risco pela democracia, pelo Estado de direito, pela defesa dos interesses nacionais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quando o Sr. Deputado João Soares nos disse há pouco que o País pode contar com os socialistas, pode ser verdade, mas é verdade também que o País, num passado recentíssimo, não pôde contar com todos os socialistas ou, melhor dizendo, com todos aqueles que hoje pertencem ao PS.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Os que ainda ontem faziam da ideologia o seu estandarte, agitado freneticamente em nome da revolução e do humanismo, e o mito justificativo da postergação da democracia enterram hoje ideologia e ideias, atabalhoadamente, como quem enterra os vestígios do seu próprio delito. Ainda ontem, do cimo dessa montanha de cegueira e de sectarismo, faziam desabar sobre tudo e todos a sua pesporrência e a sua intolerância.
Tudo o que não fosse avançar para o socialismo era obra da reacção e de reaccionários. Tudo o que não postulava o primado do socialismo sobre a democracia era recuo histórico e avanço da reacção. Tudo o que constituísse denúncia e rejeição do campo socialista, liderado pela URSS, era marca segura de alinhamento com as forças internacionais da reacção. O próprio europeísmo surgia como uma negra manobra da hidra capitalista e incensava-se como tabu mítico o terceiro-mundismo.
A actual direcção do PS é uma direcção de arrependidos. Do sectarismo ideológico passou para o vazio ideológico, reduzindo o ideário do PS a uma mera avidez de poder, a todo o preço.
A direcção do PS está envergonhada e atordoada, nesta época vertiginosa de descalabro dos seus mitos e de libertação do pensamento político. Por isso corre desesperadamente atrás de ideários alheios, afivelando nervosamente uma máscara de renovação, de modernidade e de portugalidade.
Mas quanto maior é o vazio ideológico do PS maior é a sua apetência pelos puros mecanismos de aparelho partidário. O PS é hoje um partido amordaçado, onde imperam os comissários políticos.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - Que seria do País entregue a esta gula sectária? Que seria do futuro de Portugal entregue a esta incentivei avidez de poder? Que credibilidade merecem os que ontem pensavam tudo e hoje pensam nada? Que ideias tem hoje, de facto, o PS? Que pensa ele, de facto, sobre os recentes acontecimentos mundiais? Que propostas próprias, suas, tem o PS para Portugal? Nada!
Protestos do PS e do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Queira terminar a sua intervenção, Sr. Deputado, uma vez que já ultrapassou o tempo de que dispunha em quase quatro minutos.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente. Se a sua tolerância fosse infindável, satisfaria o desejo destes senhores: ouvir-me-iam até à meia-noite, porque os senhores tem muito que ouvir.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a tolerância da Mesa, como é natural, não pode nunca ser infindável. Peço-lhe, pois, o favor de terminar a sua intervenção.
O Orador: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Que pensa o PS, de facto, sobre as grandes questões nacionais? Quais são as suas propostas sobre o futuro de Portugal? Hoje, Srs. Deputados, o PS não pensa nada de seu. O PS, hoje, não é senão uma enorme febre de poder e uma promessa: saciar clientelas, as suas e as dos seus aliados.
Aplausos do PSD. Risos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Lello e Alberto Martins. Saliento, porém, que o Sr. Deputado Silva Marques não dispõe de tempo para responder.
Vozes do PS e do PCP: - Não precisa!
A Sr.ª Presidente: - Porém, a Mesa conceder-lhe-á um minuto.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Lello.
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O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, penso que o Sr. Deputado Silva Marques não tem nem precisa de tempo, pois toda a gente sabe o que ele não tem para dizer.
Risos do PS, do PCP, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Porventura este será o novo estilo do PSD: depois das conversas à volta da fogueira, temos aqui o Sr. Deputado Silva Marques a expressar-se como verdadeiro guardião da revolução cavaquista.
Gostaria de me referir a uma ideia que expressou no início da sua intervenção. Pese embora o facto de me ligar a V. Ex.ª uma profunda amizade, esquecerei isso e dir-lhe-ei, face ao que o Sr. Deputado disse daquela tribuna, ou seja, que «esta é uma declaração política extremamente importante para os socialistas, este é um discurso de fundo que abalará a convicção dos socialistas», que estava à espera, quiçá, de uma peça de Wagner, mas surgiu-me a Rosinha dos Limões. Estava à espera que viesse algo de shakespeariano, mas, afinal, apareceu literatura de cordel. Esperaria ouro de lei, mas saiu pechisbeque!
V. Ex.ª esforçou-se, mas não saiu daí. Gostaria de o questionar sobre muitas coisas profundas que disse, mas dir-lhe-ei tão-só o seguinte: se é essa a convicção com que V. Ex.ª diz que vai encarar as próximas eleições em 1991, não precisaremos porventura de nos esforçar muito e melhor será pensarmos noutras coisas que não em combater o vigor e a profundidade do discurso do PSD, porque com esse tipo de discurso - desculpar-me-á a terminologia - está no papo!
Aplausos do PS.
Risos do PCP, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques deseja responder já ou depois de formulado o pedido de esclarecimento que resta?
O Sr. Silva Marques (PSD):-Respondo no fim, Sr.ª Presidente, e com o tempo de que Os Verdes dispõem!...
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, o discurso de V. Ex.ª foi frenético, exaltado, mas inconsequente. É um discurso que compreendo quando incide de forma muito vincada na questão do arrependimento. Há uma célebre frase de um autor - que por certo conhece e terá lido na sua juventude - que diz que «os mais anticlericais são os ex-seminaristas».
Risos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Daí os problemas que V. Ex.ª tem com Estaline!...
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - Por isso, eu diria que o Partido Socialista nada tem com essa figura e que V. Ex.ª faz bem em desligar-se dela. O Partido Socialista desligou-se há mais tempo do que V. Ex.ª e tem orgulho de ser o partido que contribuiu, de forma decisiva e lapidar, para a construção do regime democrático.
A esse nível, tem um programa de que se orgulha, um programa moderno, um programa de incidência socialista democrática e, portanto, não está arreigado a preconceitos e valores arcaicos de há mais de 10 anos, tal como o PSD que ainda não teve a coragem e a capacidade de alterar o seu programa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Diria, pois, que, se há alguém que está ligado ao passado e se há alguém que tem de copiar alguém, é o PSD. E faz bem em copiar algumas das soluções futurantes que o Partido Socialista tem no seu programa e que tem praticado na sua acção política recente.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, que dispõe de dois minutos, concedidos pela Mesa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - No meio das vagas tempestuosas do debate não fica mal um toque de solidariedade. Mas, se assim não fosse, utilizaria o tempo de Os Verdes...
Risos.
Sr. Deputado Alberto Martins, repito que a actual direcção do PS é uma direcção de arrependidos, com todo o sentido que esta minha frase contém e que não tem nada de ofensivo no plano pessoal. De facto, é uma direcção de arrependidos, no sentido de que não se questionaram, até hoje, como políticos e, mais, como dirigentes políticos, face ao País que os seguiu e face a eles próprios. Quem não faz isto, perante a evidência dos factos, é sinal de que não merece qualquer credibilidade enquanto dirigente político. Portanto, é por isso que digo e repito que a actual direcção do PS é uma direcção de arrependidos!
Quanto à expressão «está no papo», Sr. Deputado José Lello, o actual PS julga, ele sim, que tem o País no «papo». O que os senhores queriam era ter o País no «papo», porque o vosso «papo» é infindo e infinito.
Risos do PSD.
Mas não basta ter «papo» para o encher,...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Essa é profunda!...
O Orador: -... sobretudo porque o País já mostrou, por várias vezes, que não enche o «papo» de quem o quer encher!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, Srs. Deputados do PS, em vez da vossa correria para todos os dias apresentarem papéis, por vezes locando as raias do caricato - e lembro que ainda ontem ou anteontem a Sr.ª Deputada Edite
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Estrela disse na televisão que é preciso uma lei que obrigue os membros do Governo a falar português, lei essa que, em meu entender, deve ser aplicada prioritariamente aos socialistas que até falam espanhol com os nossos vizinhos enquanto eu nunca falarei espanhol com eles, mas sim português -, devem reflectir para responder à questão que eu e o País, mais do que eu, vos coloca, que é a de saber o que é que os senhores, de facto, pensam sobre o mundo e sobre Portugal.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão, acompanhados dos seus professores, grupos de alunos da Escola Secundária de Ferreira Dias, do Cacém, da Escola Secundária de Porto Salvo, de Oeiras, e da Escola n.º 2 da Buraca, para os quais peço a vossa habitual saudação.
Aplausos gerais.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, deixarei de lado algumas das considerações que teceu, cujas incidências são relativamente menores e revelam, sobretudo, uma incapacidade de introspecção e de análise política da sua parte, e ficar-me-ei, sobretudo, na sua última pergunta, isto é, o que é que os socialistas pensam sobre o mundo. Assim, direi que o que os socialistas pensam sobre o mundo não pode ser enriquecido, de qualquer forma, com o seu contributo, Sr. Deputado!
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, quem sou eu?! ... Dou o meu contributo e, eventualmente, ele não terá o enriquecimento que qualquer de nós deseja que tenha para a evolução do mundo!
Presumo que o Sr. Deputado não tenha a mesma atitude que eu face ao contributo que cada um de; nós pode dar. V. Ex.ª está seguro que o seu será um grande contributo, o que é um tique curioso que me dispenso de classificar... De qualquer modo, Srs. Deputados do PS, independentemente dos meus ou dos vossos contributos, respondam, por favor, a esta questão, que, decerto, acicata, legitimamente, a curiosidade do País: o que é que os senhores pensam, hoje, para o mundo e para Portugal?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr.º Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Mais uma vez trazemos a esta Assembleia da República a questão do alargamento do Campo de Tiro de Alcochete.
Mais uma vez vamos repetir aqui a história de um processo que, sendo do conhecimento de todos, alguns, aqueles a quem se atribuem as maiores responsabilidades, teimam em ignorar as vozes das autarquias e do movimento popular contra o alargamento e até escamotear os efeitos do que consideramos poder vir a ser um dos maiores atentados à vida,,ao direito à segurança de pessoas e bens e ao desenvolvimento de uma região com elevadas potencialidades económicas.
O Campo de Tiro de Alcochete, criado em 1904, foi sendo, sucessivamente, alargado, atingindo actualmente uma área de cerca de 2000 ha.
Em Janeiro de 1981, por despacho do Ministro da Justiça, é declarada de utilidade pública a expropriação de 6615 ha de terrenos, com vista ao seu alargamento.
Em 17 de Julho de 1987, véspera das eleições legislativas, o Ministro da Defesa, por portaria, declara de novo a expropriação dos terrenos por ter caducado o prazo para expropriação, já de 1981.
Nesse mesmo mês, a revista Baluarte apresenta os planos do alargamento do Campo de Tiro de Alcochete.
Ainda nesse ano decorre em Lisboa a Feira das Indústrias de Defesa, tendo sido distribuída, na FTL, aos potenciais clientes do Campo de Tiro, o artigo da revista Baluarte, com fotografia a cores, ao mesmo tempo que era apresentado um vídeo propagandístico.
Em Março de 1988, face ao movimento popular que se manifestava contra o alargamento do que poderia vir a ser o maior campo de tiro da Europa, o Governo decidiu criar uma comissão interministerial para que fosse elaborado um estudo para avaliar a incidência ambiental, económica e social da ampliação do Campo de Tiro.
No entanto, só em Agosto desse mesmo ano é que são suspensas as acções tendentes à posse administrativa das parcelas de terreno a expropriar, bem como as obras clandestinas destinadas ao alargamento.
O relatório da comissão é apresentado em Agosto de 1989, sendo que as suas conclusões são votadas contra pelos representantes do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, alegando a falta de informação e de rigor no estudo apresentado.
Já em Agosto de 1987, um despacho do Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais referia:
[...] a concretização deste projecto levará inexoravelmente à destruição da Reserva Natural do Estuário do Tejo; à destruição do local de emigração de milhares de aves que, ora provenientes do Norte da Europa, ora provenientes do continente africano, encontram refúgio em Panças; à violação dos compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado Português e consignados em normas de direito internacional, possíveis de serem usadas contra Portugal, nomeadamente a nível da CEE, e à criação de uma imagem péssima em lermos de opinião pública, nacional e internacional (com reflexos a nível turístico), sabido qual é o interesse e adesão crescentes da população aos temas do ambiente e conservação da natureza.
A própria direcção da Reserva Natural do Estuário do Tejo tomou posição pública contra o referido alargamento, reclamando que qualquer decisão sobre a ampliação da zona militar seja precedida por um estudo de impacte ambiental, como está previsto no artigo 30.º da Lei de Bases do Ambiente.
As Câmaras Municipais de Alcochete, de Benavente e do Montijo opõem-se, frontalmente, ao alargamento do Campo de Tiro, tendo pedido ao Supremo Tribunal Administrativo a sua impugnação.
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Apesar de tudo isto, o Ministro da Defesa, através do despacho n.º 87/89, manda prosseguir as obras de alargamento do Campo de Tiro de Alcochete.
Sr.º Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Campo de Tiro de Alcochete confina com a Reserva Natural do Estuário do Tejo, considerada a zona húmida mais importante de Portugal, que está compreendida na rede europeia de migrações do Paleárctico Ocidental e figura na lista da Convenção RAMSAR, ratificada pelo Governo Português em Outubro de 1980.
A zona de ampliação é abrangida pelo esquema geral de rega dos terraços a sul do Tejo e detém uma riqueza em aquíferos reconhecida internacionalmente, condições que garantem múltiplas utilizações agrícolas e o desenvolvimento económico da região.
O Campo de Tiro de Alcochete situa-se numa região densamente povoada e o seu alargamento põe em risco a segurança de cerca de 3 milhões de pessoas, se considerarmos a sua futura utilização, de entre outras, para o exercício de tiro com mísseis ar/solo, carreira de tiro por radar ar/solo e carreira de tiro nocturna, o que obriga a fazer voos rasantes em toda esta vasta região de Lisboa, Setúbal e Santarém.
Face a isto tudo e quando na véspera de uma manifestação contra o alargamento do Campo de Tiro temos conhecimento de um comunicado conjunto dos Ministros da Defesa e do Ambiente afirmando que é irreversível o seu alargamento, não podemos deixar de aqui manifestar o nosso mais veemente repúdio pela prepotência de um governo que não sabe respeitar a vontade das populações, que se escusa a conceder uma audiência aos seus representantes autárquicos e que submete os interesses nacionais aos de grupos e países estrangeiros, os quais, reconhecendo os efeitos negativos destas actividades e empreendimentos belicistas, os desactivam nos seus territórios, como é o caso da Alemanha Federal.
Acresce ainda, Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que, de acordo com o relatório da comissão interministerial, ao fazerem-se propostas alternativas à localização do Campo de Tiro de Alcochete se apontam áreas a expropriar de 20 000 ha, concluindo mesmo que um campo de tiro que satisfaça os limites de segurança impostos pelos exercícios projectados deverá ocupar uma área de 19 000 ha e que a superfície ideal será de 60 000 ha.
Face a estas conclusões, teremos também de concluir que o alargamento agora projectado para 8000 ha terá uma segunda fase de alargamento para cerca de 20 000 ha.
Só os compromissos e os interesses, não confessados, deste Governo podem justificar que se esteja a enganar o povo português.
E tal é a cegueira que o Governo ainda não teve tempo para ver que o projecto de instalação das redes de canalização de gás natural -Setúbal/Braga- atravessa o actual Campo de Tiro de Alcochete.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Perante todos estes factos, perguntamos: que legitimidade tem o actual Governo para continuar a desgovernar este país?
Será ou não legítimo exigir a demissão do Ministro a quem foi atribuída a pasta do Ambiente?
E nesta Assembleia da República, eleita directamente pelo povo português, a quem devem ser atribuídas as responsabilidades?
As respostas são vossas, Srs. Deputados, dêem-nas ao país real, justifiquem e assumam publicamente as vossas posições!
O Partido Ecologista Os Verdes tem afirmado claramente a sua posição de recusa ao alargamento e à própria existência do Campo de Tiro.
Temos participado activamente em manifestações públicas, em conjunto com autarquias, sindicatos, organizações pacifistas e ambientalistas e outras forças políticas.
Repudiando a ideia de que é irreversível o processo de alargamento do Campo do Tiro, desenvolveremos todos os esforços, junto das instâncias nacionais e internacionais, para que este atentado à vida e à liberdade de as populações poderem decidir o seu futuro não seja consumado.
Na Assembleia da República iremos propor à Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambientei que, ao abrigo dos preceitos constitucionais e regimentais, constitua um grupo de trabalho para que seja elaborado por técnicos qualificados um verdadeiro estudo de impacte ambiental sobre o alargamento do Campo de Tiro de Alcochete.
Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Cardoso Ferreira e Apolónia Teixeira. No entanto, devo informar que estes partidos já esgotaram o tempo de que dispunham...
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, o PS ainda dispõe de cinco minutos, pelo que cede dois minutos ao PSD e dois minutos ao PCP, ficando com um minuto para o que der e vier...
A Sr.ª Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado José Lello, muito obrigado pelo tempo que me concedeu.
Esta questão do alargamento do Campo de Tiro de Alcochete teve um desfecho muito mau para as organizações que a elegeram como forma de combate político a este Governo. Aliás, isso viu-se no último domingo, em que a manifestação tão propagandeada como uma grande manifestação de massas acabou por significar umas escassas cinco ou seis centenas de pessoas que, a muito custo e esforço, se deslocaram entre Montijo e Alcochete.
Provavelmente, esse aspecto não agradará ao Sr. Deputado, o que compreendemos. De facto, tratou-se de um fracasso, de um falhanço, o que significa que nem conseguem convencer os ecologistas da razoabilidade das vossas posições!
O Sr. Deputado, na intervenção que produziu, cometeu uma série notável de imprecisões, para não dizer que a tal facto se deve atribuir o estatuto de pura e simples ignorância. Nada daquilo que o senhor diz de essencial é verdade, pois os factos não são esses!
O alargamento do Campo de Tiro de Alcochete não é no sentido de que V. Ex.ª fala; os prejuízos não são, nem de perto nem de longe, aqueles a que se referiu, se é que os vai haver. De facto, o Campo de Tiro de Alcochete não é um dos maiores campos de tiro da Europa - aliás, devo dizer que só na Alemanha, por exemplo, há um que tem o dobro desta área. Não vão acontecer voos rasantes, pois já houve posições do Ministério da Defesa Nacional muito recentes nesse sentido e o aumento de facilidades por parte dos Alemães não vai ser concedido.
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Há uma série de esclarecimentos sobre esta matéria que, muito brevemente, o Sr. Ministro da Defesa Nacional terá oportunidade de dar à Câmara e ao País e, depois, o Sr. Deputado confirmará ou, pelo contrário, verá perfeitamente contrariadas todas as suas expectativas negativas quanto a esta matéria.
É um instrumento político que VV. Ex.ªs elegeram, mas elegeram mal porque não tiveram informação, ou então actuaram por má fé, se tiveram informação e resolveram, deturpá-la!
O resultado está à vista. Já não conseguem mobilizar e atrair a opinião pública e, dentro de poucos dias, esse assunto ficará definitivamente encerrado em vosso prejuízo e em benefício das teses do Governo, que não pretende, de forma alguma, violar normas comunitárias, ecossistemas, nem prejudicar a defesa do ambiente, da qualidade de vida e da segurança das populações.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado André Martins deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Prefiro responder no fim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.º Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Deputado André Martins, registo com enorme satisfação a intervenção que acabou de proferir sobre um problema tão grave e tão sentido pelas populações de uma região como a de Setúbal e que afecta sobretudo as dos concelhos de Alcochete, do Montijo e outros.
Por outro lado, registo igualmente com agrado a proposta que referiu que irá apresentar em sede de comissão no sentido da constituição de um grupo com o objectivo de estudar o impacte ambiental de tão grave decisão assumida pelo Governo face ao alargamento do Campo de Tiro de Alcochete.
A propósito das palavras do Sr. Deputado Cardoso Ferreira, gostaria de lembrar à Câmara que o cordão humano que, de facto, ligou Montijo a Alcochete pôde ser constatado por todos os jornalistas presentes, pelo que bastaria ter estado atento aos órgãos da comunicação social para ter reparado como foi importante e bem clara a manifestação de repúdio por parte das populações do distrito de Setúbal.
Sr. Deputado André Martins, sendo este projecto do Governo de tão grande complexidade e com tão graves implicações, considera ou não que nele devem ser envolvidas as próprias autarquias locais, a fim de se pronunciarem sobre as consequências deste projecto?
Aliás, a este propósito, recordaria as conclusões do Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, realizado em Cascais, entre as quais se recomenda que, em relação a determinados equipamentos e instalações, designadamente campos de tiro e centros militares, deve evitar-se, tanto quanto possível, a respectiva construção, tendo em conta que pode causar transtornos ao bem-estar e à segurança das populações. Mais se recomenda que, nesta matéria, devem ser tidos em consideração os pareceres das respectivas autarquias locais.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins, dispondo de meio minuto, já com um pouco de tolerância da Mesa.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, quanto à questão que colocou sobre se as autarquias locais devem ou não ser ouvidas nestas matérias, devo dizer que Os Verdes entendem que, no que diz respeito aos problemas que afectam as populações, estas deverão sempre ser ouvidas, até porque, dessa forma, estabelece-se o contraste entre o procedimento normal do Governo, sustentado pelo PSD nesta Assembleia.
Sr. Deputado Cardoso Ferreira, lamento ter de dizer-lhe que em relação a esta matéria a ignorância é, de facto, sua.
Na verdade, se o que pretendeu referir foi que aquilo que o Ministro vem apresentar a esta Assembleia é dizer ao povo português que o alargamento do Campo de Tiro de Alcochete vai beneficiar a reserva natural, defender os interesses das populações afectadas e contribuir para o desenvolvimento da referida região, então, Sr. Deputado, acho que o melhor será deslocar-se lá para ver, por si próprio, como as populações locais reagem a esta iniciativa do Governo.
É que, por um lado, cria-se um Ministério do Ambiente e, por outro, o titular da pasta vem fazer as figuras tristes a que acabamos de assistir, assinando um comunicado conjunto com o Ministro da Defesa Nacional no qual recua em relação a todas as posições anteriormente tomadas pelos titulares da extinta Secretaria de Estado do Ambiente, especialmente pelos dois últimos.
De facto, a sua própria falta de informação sobre esta matéria é que o terá levado a fazer a sua intervenção, Sr. Deputado...
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - A falta de informação é sua!
O Orador: - Assim, Sr. Deputado, para que o PSD possa vir falar em nome dos interesses desta vasta região que engloba Lisboa, Setúbal e Santarém, propomos que, primeiro, o vosso partido ausculte as populações respectivas.
É que estas e os seus legítimos representantes têm direito a ser ouvidos sobre o entendimento que tem quanto ao desenvolvimento de uma região onde nasceram, onde cresceram e em que querem ter assegurado o futuro para os seus filhos.
Ora, Sr. Deputado, o que tem acontecido é que, em face dos vários pedidos de audiência efectuados pelos representantes legítimos daquelas populações, o Sr. Primeiro-Ministro se tem escusado, sucessivamente, a recebê-los.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - O senhor está a fazer um favor ao PCP e já todos percebemos isso!
ORDEM DO DIA
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão conjunta e na generalidade dos projectos de lei n.ºs 491/V (PS), 517/V (deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro), 518/V (PSD), 526/V (PCP) e 527/V (PRD), relativos ao exercício do direito de petição.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
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O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, é para dizer que fui informado de que estão a terminar os trabalhos da Comissão, pelo que solicito que seja feita uma breve pausa a fim de dar tempo aos Srs. Deputados de chegarem aqui ao Plenário.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o primeiro orador inscrito é o Sr. Deputado Almeida Santos, que acaba de dar entrada na Sala. Assim, julgo que estão criadas as condições para darmos início ao debate. Além disso, o relatório da Comissão já está a ser distribuído.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo por exercer avant la lettre o meu direito de petição, pedindo a todos os Srs. Deputados que se empenhem tão a fundo e a sério na viabilização do exercício do direito de petição quanto nisso visivelmente se empenharam os respectivos grupos parlamentares.
Dispomos de nada menos do que de cinco projectos de lei. Mais completos uns, mais lacónicos outros, mas todos eles representando um contributo positivo para que daqui saia uma boa lei. E a primeira nota de conforto, para quem nisso se empenhe, há-de consistir na constatação de uma margem de consenso, sobre o essencial, que não é de fácil verificação. Que essa margem de consenso se tenha estabelecido a partir do projecto do grupo parlamentar do meu partido, é para nós motivo de enorme satisfação.
Quem conhece as disputas travadas noutros países sobre o número mínimo de assinaturas justificativas da particular relevância parlamentar reconhecida às petições colectivas sente-se confortado com o facto de os autores dos cinco projectos de lei mencionados não lerem caído na tentação da originalidade e da divergência, todos sem excepção convergindo na razoabilidade da exigência das 1000 assinaturas constante do projecto inicial. Isto apesar da natureza naturalmente convencional deste limite.
Outro exemplo de consenso generalizado onde talvez não fosse de presumir é o da exclusão dos tribunais de entre os órgãos de soberania e as autoridades destinatárias do exercício do direito de petição. Dada a menção irrestrita do texto constitucional, bem podiam o empenhamento em propor diferente ou a imprudência de uma interpretação à letra ler conduzido a recusar cobertura constitucional àquela justa restrição.
Bem ao contrário, prevaleceu o bom senso. A independência dos tribunais e a sua exclusiva sujeição à lei salvaguardou-os contra o exercício do direito de petição como eventual forma de pressão ou de produção de prova.
Não sendo difícil de prognosticar a aprovação na generalidade de todos os projectos de lei, digamos que extrair deles uma boa lei será, para a comissão competente, uma tarefa fácil.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas tornar-se-ia difícil se encarássemos essa tarefa, não com a consciência de que queremos e estamos a compartilhar com o cidadão o exercício do poder, mas com as reservas de quem se deixa a contragosto levar nessa pesca de arrasto que tem sido, e continua a ser, a lavra lenta dos direitos do homem.
Temos nos projectos matéria-prima quanto basta. Resta saber se teremos, traduzido em intenções de voto, o estado de espírito necessário para ir além da fronteira do simples cumprimento de uma formalidade constitucional.
Queremos que os cidadãos participem politicamente e assumam o dever cívico de fazê-lo ou limitamo-nos a não resistir a que o façam, felicitando-nos por dentro se o não fizerem?
Eis a questão. É conhecida a luta que, sobretudo no século XIX, travaram parlamentos e governos quanto ao significado e à extensão do direito de petição. Aqueles a tentar dilatá-lo, estes a restringi-lo.
Não figura o projecto do grupo parlamentar que apoia o Governo entre os mais exaltamos. Mas, autocaracterizado pela sobriedade e pela economia normativa, não chega a ser bloqueador. Pelo contrário: conhecido o desprazer com que o actual Primeiro-Ministro suporta o diálogo, o Grupo Parlamentar do PSD prega-lhe uma boa partida, contribuindo para que o ponhamos a dialogar politicamente com a generalidade dos portugueses!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - No pólo oposto, numa atitude de quase luxúria normativa, situa-se o projecto do Grupo Parlamentar do PCP. Leva o direito de petição a invadir áreas que dificilmente se encaixam no normativo constitucional que o consagra, cai em excessos regulamentares e é potencialmente gerador de perversões burocratizantes. Mas nem por isso deixa de ser um projecto de muito mérito, cuidadosamente elaborado e recheado de sugestões que podem e devem contribuir para a qualidade do produto final.
O caso é este: quanto mais burocratizarmos as obrigações da Administração perante o exercício do direito de petição, quanto mais sobrecarregarmos o peticionante de privilégios e o destinatário de obrigações, quanto mais facilitarmos e generalizarmos o dever de discussão e publicação das petições, quanto mais abrirmos a entidades supranacionais o leque dos sujeitos passivos do exercício de um direito manifestamente concebido para o espaço nacional, quanto mais forçarmos a extensão do exercício de um direito político para idades inferiores à do início da titularidade desse exercício e quanto mais tentarmos misturar a dimensão política do direito - aparentemente a única contemplada no artigo 52.º da Constituição - com a sua dimensão meramente cívica, nomeadamente para precisar que nesta cabem os estrangeiros, o que é óbvio, mas correndo o risco da mistura das águas, mais despertaremos reservas de concepção e boicotes de execução, que reduziram a água chilra as tentativas históricas de vulgarização do direito de que se trata.
Encarar as leis como algo onde se mete tudo quanto desejaríamos que acontecesse é uma atitude ideal a que nem sempre corresponde a mais pragmática das atitudes normativas.
Não obstante, também no projecto do meu grupo parlamentar puderam ser encontradas precisões desnecessárias. Seria o caso da menção do conteúdo exemplificativo do direito de petição constante dos artigos 10.ª a 13.º Mas tencionamos empenhar-nos na manutenção desse conteúdo. É que consideramos da maior utilidade que os potenciais peticionantes encontrem na lei exemplos indicativos da sua concreta intervenção: de valores que podem defender, de direitos que podem alegar, de erros que podem tentar corrigir, de injustiças que podem denunciar. Podem eles e a vida ser mais imaginativos? Claro que sim. Mas em que é que as indicações fornecidas embotam a sua imaginação?!
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Seria também o caso da tipificação, mais uma vez indicativa, de alguns dos efeitos que podem resultar da apreciação de petições e respectivos elementos de instrução. Decerto se me não vai opor, desta vez, a prodigiosa imaginação das autoridades destinatárias!... Nem é prodigiosa, nem, em regra, conviria que o fosse. A justiça do caso concreto não desposa, em regra, exercícios mentais delirantes.
É que convém não esquecer que o direito de petição não é uma novidade que se inventa, mas a retoma de uma figura que atravessou a história da construção do Estado, entre luzes e sombras, sem que verdadeiramente tenha jamais sido assumida pelo comum dos cidadãos como uma verdadeira e própria manifestação de consciência política.
O direito de petição é tão velho como o exercício da justiça pelos tiranos e pelos monarcas. E marcou presença desde a génese da construção do Estado moderno: Bill of Righls (Magna Carta), 1689.
Na Constituição Francesa - para citar apenas alguns momentos dessa evolução - surge como «a liberdade de dirigir às autoridades constituídas petições assinadas individualmente».
Também a Constituição de Weimar o consagra, agora exclusivamente na forma colectiva.
Salto para a Constituição Portuguesa de 1933, onde, apesar da sua feição autoritária e redutora dos direitos dos cidadãos, ele surge registado como o «direito de representação ou de petição, de reclamação ou de queixa perante os órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, em defesa dos seus direitos e do interesse geral» (lá escrever bem Salazar escrevia!).
Decerto o consagrou Salazar por perfilhar o entendimento, até há pouco vulgarizado, de que se trata de um direito «menor», «de escassa importância», uma espécie de «relíquia jurídica», «o mais inofensivo de todos os direitos», no entender de Perez Serrano.
Por isso talvez o consagra sem grandes atribulações a generalidade dos países, democráticos ou não.
Só que, onde ele existe, não raro, o seu uso, dextramente qualificado de abuso, é com frequência punido com a cessação de direitos, a prisão e, nalguns casos, até com a morte.
Por terem dirigido petições aos governantes do último regime, estiveram no Aljube e em Caxias muitos dos patriotas que se não resignaram à menoridade do silêncio. Que o digam os nossos colegas Raúl Rêgo, Cal Brandão, Carlos Brito e tantos outros! Eu próprio, por ler exercido o direito de pedir a abolição do ultrajante «estatuto do indigenato» - que, algum tempo depois, viria a ser abolido pelo então ministro Adriano Moreira, agora, aqui na nossa companhia -, vi contra mim instaurado um processo crime no Tribunal Militar de Moçambique e assim me achei réu de um crime horrível punível com pena maior de 8 a 12 anos e proibido de ir ao estrangeiro por cerca de uma década.
Tal era o direito de petição que Salazar nos reconhecia!... Por essas e por outras é que, em regra no seu tempo só se pedia esmola!...
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ora bem, do que se trata é de saber se entramos na procissão dos simuladores do passado ou nos dispomos a construir sem reticências a democracia participativa do futuro.
Por mim, estou disposto a levar a sério a Constituição da República quando qualifica a «participação directa e activa dos cidadãos na vida política» como «condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático».
Por isso o meu grupo parlamentar se deu pressa em elaborar e apresentar um conjunto de projectos de lei que vão nesse preciso e sentido: os relativos à acção popular, ao referendo, ao direito de petição, à administração aberta, às garantias do cidadão contra a informática e outros, bem conhecidos, na área da comunicação social.
O triunfo do direito de petição não depende só do legislador, nem sequer só do grau de solicitude com que as autoridades administrativas venham a encarar, na prática, o seu exercício. Depende também, senão sobretudo, da receptividade que venha a encontrar nos cidadãos.
Mas é a quem exerce prerrogativas de autoridade que cabe a pedagogia do fenómeno. Temos de nos preparar psicologicamente para levar a sério o que na prática nem sempre o merece, para desculpar o atrevimento ou a grosseria, para compreender a humildade e suprir a ignorância, consciencializando amorosamente que, culto ou analfabeto, educado ou grosseiro, é o soberano que se nos dirige e que, ao dirigir-se-nos, exerce direitos a que correspondem deveres, uns e outros expressão da mais genuína democracia.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não é um exercício fácil. Ler o ilegível, tentar entender o ininteligível, desculpar o excesso, saber ouvir e ajudar, quantas vezes como se ajuda o cego a atravessar a rua, eis o que se exige da autoridade e do funcionário. Vai ser uma batalha dura. Vai ser uma experiência amarga. Mas vale a pena esse esforço de fazer política de marcação homem a homem, como se diria em linguagem desportiva, corrigir até onde se revelar possível os deslaçamentos e as desatenções da democracia representativa, aproveitar todas as sugestões, todas as ideias, bem certos de que, como já se disse, «as mais úteis podem esconder-se sob a envoltura mais grosseira»; tentar, enfim, corrigir todos os erros, convertendo cada cidadão em provedor da sua denúncia.
Direito de escassa importância? O mais inofensivo de todos os direitos? Se nós quisermos, será precisamente o contrário disso.
Será o mais temível para os déspotas. O mais reconfortante para os simples. O mais sedutor para os democratas de todas as horas da alma.
Srs. Deputados, sonhemos alto: não está nas estrelas, mas ao nosso alcance, a construção de uma república em que, até certo ponto, todos sejamos, sem contradição, governantes e governados.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
A Sr.º Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Leonardo Ribeiro de Almeida e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, partilho inteiramente com V. Ex.ª da ideia de que o direito de petição é, na reali-
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dade, uma forma muito eficaz de exercício do direito de participação dos cidadãos na vida pública e entendo que devemos, apenas dentro dos limites que resultam da própria Constituição e da natureza das coisas, alargá-lo e torná-lo possível e viável ao máximo.
Em todo o caso, há uma questão que lhe queria colocar e que, embora nos situemos em sede de discussão na generalidade, consubstancia um ponto concreto do seu projecto. Refiro-me ao artigo 30.º, onde se estabelece que o exercício do direito de petição é cumulável com qualquer outra via de defesa de direitos, interesses ou valores protegidos, nomeadamente a via judicial, administrativa, contenciosa ou graciosa, queixa ao Provedor, etc.
Sr. Deputado, sem prejuízo de os cidadãos poderem, efectivamente, usar do direito de petição, e pela própria natureza do exercício do poder judicial, gostaria de saber se não lhe parece que, uma vez que o cidadão tenha intentado a acção competente para defender o seu direito ou interesse e enquanto não houver trânsito em julgado da respectiva decisão, se deveria obstar a qualquer acção que envolvesse conhecimento dessa pretensão, uma vez que se me afigura que tal poderia conduzir a uma colisão entre o exercício de actividades de órgãos de soberania que exercem poderes tão diferentes como o legislativo e o judicial.
Pela sua própria experiência política e profissional penso que V. Ex.ª terá compreendido a minha ideia. Assim, é esta a questão que agora lhe coloco.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª deseja responder de imediato ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Almeida Santos (PS):-Prefiro responder no fim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Deputado Almeida Santos, fica bem começar este pedido de esclarecimento por uma palavra de louvor dirigida a V. Ex.ª pelo trabalho e pelo afã que tem posto na regulamentação, na passagem à legislação ordinária, de todos estes aspectos de revisão da Constituição, que se traduziram na mais eficaz defesa dos direitos dos administrados e na intensificação das formas de democracia participativa.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Fica-lhe bem isto, fica bem ao seu partido e é com muito gosto que começo por o assinalar nesta questão que quero colocar.
O Sr. Deputado sublinhou, como vantagem de uma futura regulamentação do direito de petição, a informalidade que, apesar de tudo, se deve tentar assegurar, sem deixar escapar, contudo, um mínimo de forma indispensável.
Por conseguinte, 6 nesse sentido que, lendo em conta a questão que há pouco foi referida pelo Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida e colocando-me numa perspectiva porventura contrária, gostaria de saber a opinião de V. Ex.ª sobre dois aspectos do projecto de lei apresentado pelo PS que não sei se não serão demasiado limitativos, tendo precisamente em conta a informalidade de que se pretenderia rodear o direito de petição. Assim, quando VV. Ex.ªs excluem do âmbito do direito de petição os exercícios que tenham por objecto convalidar direitos extintos ou caducos ou prorrogar prazos findos, não sei se a formulação não é, em si, infeliz e redutora, limitativa, o mesmo acontecendo com a alínea seguinte, isto é, a alínea b) do artigo 14.º, no sentido de «resolver questões já definitivamente resolvidas». Na verdade, Sr. Deputado Almeida Santos, o que é que deveremos entender por isso?
De qualquer modo, estou plenamente de acordo em que é correcta a solução encontrada tanto pelo PS como por todos os partidos que aqui apresentaram projectos, no sentido de excluir os tribunais do elenco dos sujeitos passivos do direito de petição e de, complementarmente - e muito bem -, excluir a possibilidade de se peacionar acerca de questões resolvidas e sobre as quais se tenha produzido caso julgado nesses órgãos de soberania.
No entanto, Sr. Deputado, quanto a tudo o resto, não se estará a ir longe de mais?
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida, meu querido colega e amigo, se há alguém que não tem de receber esclarecimentos sobre a importância do direito de petição, esse alguém são os advogados. Na verdade, passámos a vida a redigir petições para os nossos clientes, umas de carácter pessoal, outras de carácter profissional, mas também muitas de teor político, e por muitas delas provavelmente também lhe sucedeu ser punido ou incomodado.
Portanto, nós temos uma longa experiência do direito de petição, exercido tanto em nome pessoal como em nome alheio, e sabemos até que ponto não há, por vezes, outra saída senão a de pedir. Porém, não falo em pedir no sentido em que tal possa representar uma humilhação, no sentido de quem pede esmola, mas naquele outro de quem pede que se lhe faça justiça. Quantas vezes éramos bem arrogantes na redacção das nossas petições, sendo, por vezes, julgados até insultuosos, quando, na verdade, seríamos hoje considerados a fina flor da amabilidade... Contudo, na altura era assim - interpretava tudo mal e tínhamos de escolher as palavras com cuidado. Felizmente, hoje tal não sucede!
Sei também que me dirijo ao presidente da recém-criada Comissão de Petições. Por conseguinte, o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida possui já a experiência - que, aliás, já detinha, pois tinha já desempenhado outras funções que lha conferiam - para conhecer até que ponto é necessário ser-se compreensivo, solícito, tolerante, quase cristão, quando se recebe um papelucho mal redigido e se tem de retirar do mesmo onde é que se situa a falta de razão, onde é que está o erro cometido pelas autoridades; o que é que este homem quer? Terá ele razão? Vale ou não a pena preocuparmo-nos com o que este homem nos diz para aqui?
No entanto, creio que com o tempo as pessoas habituar-se-ão a peacionar melhor, a clarificar aquilo que pretendem. E isso, que é hoje um tormento, poderá transformar-se num prazer, sobretudo na consciência de que se cumpre de forma continuada uma obrigação democrática importantíssima.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que quando redigimos o actual artigo 52.º da Constituição não tivemos consciência de que estávamos literalmente quase a fechar a porta à
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exclusão dos tribunais como destinatários das petições. Na verdade, o texto da lei não processa a distinção, pois diz «órgãos de soberania» e os tribunais são-no - e não são tanto que se possa excluir um deles sem alguma cobertura na letra da lei-, falando também em «quaisquer autoridades», sendo que, para além de órgãos de soberania, os tribunais são igualmente autoridades. Assim, em rigor, se fizéssemos uma interpretação insensata, apressada e não integrada deste texto, seríamos levados a concluir que o legislador constitucional sacrificou, neste caso, a independência dos tribunais e a sua sujeição estrita à lei à necessidade de receberem petições dos cidadãos.
Por isso mesmo, foi curioso que todos os projectos coincidissem neste ponto. Com efeito, de uma ou de outra maneira, todos o fizeram, embora verificando-se algumas restrições no projecto do PCP, o qual abre a porta à exposição remetida aos tribunais, desde que verse apenas sobre aspectos administrativos e não judiciais.
Na verdade, é importante constatar que todos conviemos nisso. Contudo, não sei se seria bom levarmos tão longe o facto de dizermos que enquanto permanecer pendente um processo judicial não haverá lugar ao direito de petição sobre a matéria que se versa nesse processo. E isto porque, em primeiro lugar, os processos se eternizam e, às tantas, as pessoas já se cansam de esperar bem dos nossos tribunais, já não acreditam que de lá venha alguma decisão boa ou má, ou então o próprio tempo se encarregará de lhes dar a certeza de que ela será má, mesmo que formalmente quisesse ser boa, porque já será boa tarde de mais.
Por outro lado, quer no direito administrativo, quer em qualquer outro âmbito, sempre os meios graciosos coincidiram com os meios contenciosos. Será que é assim tão perigoso que durante a pendência de um processo judicial, e sempre que possa obter justiça por outra via que não pela via judicial, o desgraçado do peticionante vá ter com uma autoridade? Suponhamos que o caso é de tal ordem complicado que, se lhe dessem uma satisfação administrativa, ele retiraria a acção judicial. Por que é que não há-de poder recorrer a essa solução?
Sinceramente, penso que seria fechar demasiado uma porta que, apesar de tudo, fechou. Na realidade, a independência dos tribunais foi salvaguardada, mas penso que não se poderá salvaguardar ao ponto de dizer: «Enquanto isto estiver neste foro não há outro onde se possa dirigir, nem a Nosso Senhor, nem a Nossa Senhora...» A oração é sempre uma petição aberta em todas as horas da alma, mas o papelinho onde, com ou sem correcção, escrevemos qualquer coisa dirigida a alguém e pedindo que nos faça justiça traduz uma apetência, uma necessidade tão inerente à natureza humana, que este direito foi considerado, durante muitos anos, um direito natural, tendo sido assim mesmo que ele nasceu como um direito do Homem - o Homem tem o direito de expor os seus problemas, de reivindicar os seus direitos e de pedir que lhe corrijam as injustiças de que é vítima. Portanto, sinceramente parece-me que poderíamos não ir além...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, informo V. Ex.ª de que, uma vez que se encontra esgotado o tempo do PS, está a utilizar já um tempo cedido pelo PRD.
O Orador: - Bem, mas isso e um privilégio! Muito obrigado, Sr. Deputado Marques Júnior e meu querido amigo à minha esquerda. Não à esquerda do meu partido, mas à minha...
Risos.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, meu querido amigo, os louvores que vêm da sua pessoa têm para mim um peso muito específico, uma vez que também o admiro muito e sei que é incapaz de um louvor não sentido.
Acho que neste caso mereci o seu louvor...
Risos.
De facto, eu e o meu grupo parlamentar fizémos algum esforço no sentido de transformar a Constituição em lei ordinária, a fim de que os direitos nela consagrados pudessem ser exercidos sem pressas, sem aquelas delongas a que estamos habituados.
É verdade que fizemos alguma coisa e, sobretudo, temos consciência de que estamos também a ajudar a construir o futuro. É que, por razões negativas visíveis no processo histórico mais recente, mas também por razões positivas que são de sempre, o futuro está nos direitos fundamentais; traduz uma nova religião paralela das religiões tradicionais. Aliás, creio que o conteúdo participativo da democracia, corrector dos excessos e defeitos da democracia representativa, constitui uma das nossas obrigações e que todos devemos contribuir para cumprir.
A informalidade deve, de facto, ser reduzida ao mínimo, embora também esteja de acordo em que não deve ser banida. Isto porque, às tantas, a informalidade é positiva do lado do peticionante, mas pode já não o ser do lado do destinatário se ele não estiver sujeito a um mínimo de regras, nomeadamente as obrigações de responder, de considerar, de registar ou de ler, pois nessa altura ele manda um «boa noite, passe muito bem, gostei muito de receber o seu papel, foi um privilégio, fique contando com a amizade eterna do funcionário»... Isto é que não pode ser.
Considerou igualmente o Sr. Deputado Nogueira de Brito ser o projecto de lei do PS um diploma limitativo.
Apesar de ter encontrado isto em muitas outras legislações, é preciso que o direito de petição não sirva também para abrir portas fechadas. Assim, se isto está mal redigido, vamos redigi-lo melhor, pois não sou dos que julgam haver redacções insuperáveis e até admito - já me chamaram a atenção para isso - que seja necessário meter aqui, do ponto de vista jurídico, o «resolver questões já definitivamente resolvidas». Portanto, trata-se de um direito que morreu, de uma resolução final, não podendo reabrir-se o processo - só nesses casos.
Quanto ao convalidar de um direito caduco, isso será criar uma tal perturbação na vida jurídica que a certa altura já não se saberá se há caso julgado, se há solução definitiva, se o desgraçado que viu reconhecido o direito não o verá amanhã de novo em causa, para que se faça justiça a quem foi sacrificado por esse reconhecimento. Com efeito, também não podemos subverter o direito.
Para finalizar, gostaria de recomendar cuidado com a excessiva ambição neste domínio, pois se quisermos ser excessivamente perfeccionistas ou totalistas na consagração deste direito, podemos matá-lo!
Na verdade, ele tem séculos de existência, nunca foi verdadeiramente levado a sério, mas queremos que o seja agora. Portanto, lemos de o rodear das cautelas de, quanto a ele, não sermos excessivos nas nossas ambições e exigências.
Aplausos do PS e do CDS.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
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O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O exercício dos direitos políticos de cidadania, no nosso regime democrático, está longe de se esgotar com a intervenção nos vários actos eleitorais.
Com efeito, a nossa Constituição estabelece, como um dos mais importantes vectores do regime democrático, a participação directa e activa dos cidadãos na vida política, ao ponto de a considerar «condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático», como se consigna no artigo 112.º do texto constitucional.
Entre as várias formas de tal participação dos cidadãos é de assinalar o direito de petição, estabelecido no artigo 52.º da Constituição, justamente no capítulo dedicado aos «Direitos, liberdades e garantias de participação política».
Deste modo, a apresentação e o agendamento do projecto de lei do PS, visando regular o exercício do direito de petição, para quem, como a ID, se identifica claramente com esta característica participativa do nosso regime democrático, não nos podia deixar indiferentes e alheios à possibilidade de contribuir para o aprofundamento e fortalecimento do direito de participação política, que 6 o direito de petição.
E sem necessidade de duplicar a regulamentação, largamente pormenorizada, do projecto de lei do PS, iniciativa que merece ser saudada, optou-se, por um lado, por assinalar algumas - poucas - divergências pontuais, como a eliminação do requisito da correcção e respeito do texto das petições, da naturalidade dos peticionários, da obrigatoriedade da junção de duplicado, substituindo-a pelo envio, pela entidade a quem é dirigida, de fotocópia com a data da recepção assinalada, tudo em ordem a facilitar o exercício do direito de petição, mantendo-se - embora questão menor - o termo «peticionário», por se considerar o mais adequado. Optou-se, por outro lado, em face da experiência de um ano de actividade da nova Comissão de Petições, por se dirigir, em especial, a atenção para o exercício deste direito perante a Assembleia da República.
É ainda de notar o reconhecimento expresso de que os funcionários públicos podem exercer o direito de petição mesmo em matéria conexa com a função pública, o que, se já fosse lei expressa, poderia, por exemplo, ter evitado que, no quente ambiente que está a envolver a Casa do Douro, um fiscal fosse alvo de um processo disciplinar, acusado de violar normas do funcionalismo público, por ter enviado exposições.
É de salientar ainda a transferência para a Comissão de Petições da competência sobre a admissibilidade material das petições, já que a actual admissão pelo Presidente da Assembleia da República deve ser, e até vem sendo, meramente formal.
Acrescente-se que a prática recomenda não só o reconhecimento da figura dos relatórios intercalares, mas a obrigação de deles se dar conhecimento aos peticionários, o que não só é próprio de uma Administração aberta, que todos dizem defender, como permitirá ao peticionário acompanhar a evolução da petição que formulou.
Finalmente, vindo ainda a prática a evidenciar o envio à Assembleia da República de várias petições, pedindo a declaração de inconstitucionalidade, considerou-se que a solução mais própria seria o seu envio, pela Comissão de Petições, ao Presidente da Assembleia da República e aos grupos parlamentares, a quem, dentro da Assembleia da República, pertence tal competência, para a exercerem, se assim entenderem. Isto porque não só os grupos parlamentares reflectem várias opções políticas como não estão necessariamente vinculados, com o seu assentimento e assinatura, às próprias leis emanadas da Assembleia da República. E sempre se julga preferível esta solução à indicação aos peticionários das entidades competentes, quando duas delas fazem parte do próprio órgão legislativo, de que a Comissão de Petições é uma emanação. Tal seria como, em matéria de tratamento médico, recorrer a médicos estrangeiros, quando há médicos nacionais com a necessária competência.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É de salientar que, além do já referido projecto de lei do PS, apresentaram também projectos de lei o PSD, o PCP e o PRD, o que representa o reconhecimento consensual tácito da grande importância que assume o exercício do direito de petição no quadro constitucional da nossa democracia participativa.
Ora, tal consenso tácito torna legítimo esperar que, em sede de especialidade, se possa elaborar um texto legislativo que reúna todos os contributos positivos para uma melhor regulamentação do exercício do direito de petição.
Pela nossa parte, deputados independentes da Intervenção Democrática, votaremos a favor todos os projectos de lei apresentados, com a convicção de que da sua síntese resultará, como se deve pretender, não só um mais fácil acesso como uma maior eficácia do direito de petição, em ordem a permitir, através do seu exercício, a participação efectiva dos cidadãos na resolução de tantos problemas que os afectam e para os quais o recurso à petição é, por via de regra, a última esperança para a reposição da legalidade e da justiça, aberta pelo nosso sistema democrático.
Aplausos do deputado independente João Corregedor da Fonseca, do PS, do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, não há inscrições para pedir esclarecimentos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata apresentou, na Mesa da Assembleia da República, o projecto de lei n.º 518/V, relativo ao exercício do direito de petição. Trata-se de um instituto com larga tradição no ordenamento jurídico-constitucional português, tendo-lhe a última revisão constitucional concedido especial relevo ao aditar um novo n.º 2 ao artigo 52.º, possibilitando a apreciação, no Plenário da Assembleia da República, de certas petições.
Apesar de alguns autores defenderem que o direito de petição surge como um impulso social derivado da ausência de regulação jurídica e que desaparecerá quando o império da lei for absoluto, o que a experiência mostra é que, pelo contrário, o direito de petição tem vindo a ser ampliado e robustecido.
Se as suas origens remontam à Magna Carta, onde surge como um meio de defesa individual contra os abusos de poder, e à Constituição Francesa de 1791, onde a petição assume uma natureza pública, na qual o interesse prosseguido pode ser separado da vantagem do apresentante, é nos séculos XIX e XX que se destaca como um dos mais importantes direitos de participação democrática.
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A essência do direito de petição não se compagina com a defesa algo ingénua da democracia directa; visa, antes do mais, compensar o peso excessivo, quiçá mesmo erros da democracia representativa.
Segundo Jean Moulin, há que evitar a renúncia à participação política por puro desencanto dos cidadãos, podendo o mecanismo do direito de petição cuidar deste desiderato.
Aliás, nas palavras avisadas de Jean Códart, «a democracia não pode hoje funcionar de maneira harmoniosa e duradoura se o povo não tiver a convicção de que pode actuar sobre os governantes de maneira eficaz, tanto nas eleições gerais como no tempo intermédio que as medeia».
Do que se trata é de buscar o equilíbrio entre as formas extremas de participação, a directa e a representativa, já que a participação, como outro conceitos fundamentais da vida democrática, admite diversas vias, perfeitamente compatíveis e adequadas para manter um nível de tensão que possibilite o avanço e o aprofundamento da democracia.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O PSD sempre defendeu o direito de petição, o que, aliás, está de acordo com os seus postulados ideológicos. A protecção do cidadão face ao Estado e a faculdade de o indivíduo se dirigir directamente aos seus representantes mais não é do que uma decorrência do humanismo que o Partido Social-Democrata se reclama.
Citando Noberto Bobbio em defesa do direito de petição, diremos: há que prosseguir esta via, porque se o pluralismo é conquista e um expoente dos regimes democráticos mais avançados, a pessoa é o seu pressuposto ético. Aliás, quem não encontra o fundamento do governo no indivíduo como elemento originário e constitutivo da sociedade, já colocou as premissas necessárias para justificar qualquer forma de despotismo em nome de nobres ideais.
A participação democrática tem de ser entendida como um exercício constante, que não pode nem deve ficar limitada à concorrência eleitoral. Neste enfoque, o direito de petição é um dos direitos de participação democrática que deve assumir um papel de essencial e especial relevo no posicionamento do indivíduo face ao Estado e à sociedade em geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São diversos os projectos de lei que estão sobre a Mesa.
Deixaremos para a especialidade a sua análise detalhada. Porém, não queríamos deixar de, nesta sede, fazer alguns reparos ao projecto do Partido Socialista.
Em nossa opinião, trata-se de um projecto reducionista, susceptível de causar perigosas distorções ao instituto do direito de petição. Basta ver as normas do projecto do PS acerca do objecto e do conteúdo do direito de petição. Elas prefiguram uma inaceitável rigidificação e limitação do direito, em tudo contrário à natureza, essencialmente informal, da petição como instrumento de participação democrática. Aliás, o próprio relatório da Comissão diz que o Partido Socialista propõe, no seu projecto de lei, diversas normas acerca do objecto e conteúdo do direito de petição, que podem prefigurar uma rigidificação contrária à natureza, essencialmente informal, daquele direito.
De facto, o artigo 9.º do projecto de lei do PS, ao estipular que o conteúdo da petição se deve enquadrar nas alíneas respeitantes ao objecto - e apresenta como recorte de tipificação a defesa da Constituição, a defesa das leis, a defesa do interesse geral ou a defesa de um direito próprio do peticionante -, apresenta uma natureza essencialmente rígida, que é, aliás, reforçada pelos artigos 10.º e 13.º daquele diploma.
Além disso, o artigo 14.º, ao estipular um vasto campo no qual o direito de petição não pode ser exercido, agrava, em nosso entender, esta perspectiva, porque uma coisa é dizer que a petição pode não ter provimento e outra coisa, meus senhores, é rejeitar essa petição ab initio, como faz o Partido Socialista.
Isto mesmo se pode dizer do artigo 16.º do projecto de lei do PS, o qual estipula, no n.º 1, o exercício de um dever cívico do titular do direito de petição, em termos claros, concisos e respeitosos, e, no n.º 2, a possibilidade de o peticionário incorrer em responsabilidade criminal ou disciplinar. Estamos assim a reforçar o direito de petição? Não o cremos!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, legislar depressa não é sempre legislar bem! O PS arroga-se em campeão da iniciativa legislativa, mas certamente, por este andar, não fará história. Como pode o PS propor, ao arrepio de toda a doutrina, em sede de direito de petição, como um direito cívico do peticionário, a formulação em termos «claros, concisos e respeitosos», sob a ameaça de o mesmo, incorrer em responsabilidade criminal ou disciplinar? É uma questão que vos deixo.
Quase que apetece perguntar: O PS é a favor do direito de petição? Temos as mais sérias dúvidas!
Tanto mais que encontramos várias semelhanças materiais e formais com uma lei espanhola - em alguns aspectos já revogada pela Constituição de 1960 - que não visava ampliar o direito de petição, bem pelo contrário, visava restringi-lo. É isto que o PS pretende? É bom que o diga claramente!
Será que o PS, na pressa de apresentar trabalho, incorreu num lamentável engano? Ou o PS está, de facto, a favor do direito de petição e quer, em sede de especialidade, rever a iniciativa legislativa apresentada?
Gostaria que o PS esclarecesse este aspecto, para que o Parlamento e o País possam ser informados das reais motivações da sua iniciativa legislativa.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, vou fazê-lo nos três minutos que gentilmente me cedeu o Sr. Deputado Raul Castro. Vejo agora o quanto é perigoso esgotar o próprio tempo, porque pode surgir uma intervenção imprevista. Na verdade, estava longe de mim a previsão de que nesta matéria, o Sr. Deputado José Luís Ramos tentasse dar-nos lições -já não digo a mim, mas ao meu partido.
É evidente que o Sr. Deputado não tem razão e não vou gastar muito tempo a demonstrar que a não tem.
Com efeito, aquilo a que chama perigosas restrições são pragmáticas normas que ajudarão a vingar e a consagrar o direito de petição. A sensatez é um elemento fundamental da actividade legislativa; quem tentar fazer as leis em estilo de quem faz um brilharete, consentindo tudo, sendo o mais liberto, o mais criativo e o mais avançado de todos os legisladores, arrisca-se a «bater com o nariz na porta» e a encontrar não a consagração de um direito mas o seu enterro.
Assim, por um lado, gostaria de afirmar que não há rigidificação alguma no artigo 8.º, mas há, pura e sim-
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plesmente, a repetição do que diz a Constituição, pois não só no artigo 8.º cabe tudo aquilo que pode ser objecto do direito de petição - e desafio o Sr. Deputado José Luis Ramos a dizer o que ó que não cabe na defesa da Constituição, na defesa das leis, na defesa do interesse geral e na defesa de um direito próprio do peticionante -, e, por outro lado, gostaria de perguntar qual é a correcção formal ou a interpretação extensiva que o Sr. Deputado propõe para o texto constitucional.
Acusar de rigidez e de restrição quem se limita a respeitar a Constituição 6, na verdade, adoptar uma estranha concepção de restrição e de rigidez.
Quanto ao artigo 14.º, o Sr. Deputado José Luís Ramos vai desculpar que lhe diga, mas não tem razão. Se o problema está na forma como estão formuladas as disposições do nosso projecto de lei, corrija-se a formulação. Mas que se queira invadir a área dos direitos extintos, dos direitos caducos, que se queira prorrogar prazos findos, que se queira rejulgar questões já definitivamente resolvidas - já com a correcção, por mim a definitiva, de que é definitivamente em termos jurídicos -, ou o reexame de questões sem recurso, ou pretender-se o reconhecimento de situações de privilégio ou discriminação negativa ou obter resultados inconstitucionais, ilegais ou feridentes de comum sentimento de justiça, não está a favorecer o exercício normal e o triunfo do direito de petição, não está, senão, a fazer um bonito que é o seu antecipado enterro.
Também não vejo como é que é possível interpretar-se o artigo 16.º da maneira como o fez o Sr. Deputado José Luís Ramos. O que é que se diz no artigo 16.º? Que é dever cívico dos titulares do direito de petição exercê-lo em termos claros, concisos, respeitosos e, em geral, correctos. Proponho ao Sr. Deputado José Luís Ramos que diga o que é que corta aqui e pelo que é que o substitui. Se quer a anarquia formal, se quer a anarquia verbal, se quer o desrespeito, se quer a incorrecção, se quer a inconsição, ou se quer a falia de clareza. Proponho que diga claramente - pois é ele que tem de dizer, não nós - se, na verdade, assume a falta de clareza, de concisão, de respeito e de correcção.
Depois o que se diz a seguir é que não obsta à recepção da petição e ao conhecimento do seu conteúdo a circunstância de se não mostrar formulada nos termos do número anterior. Nada disto invalida o exercício ou o efeito prático do direito de petição.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, solicito-lhe que termine.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente!
Mas se o Sr. Deputado José Luís Ramos pretende ver aqui formulada uma disposição em que o peacionante, mesmo que chame filho da mãe ao peticionário ou lhe chame outra coisa ainda mais grave, ladrão, por exemplo, ou diga que ele assaltou o Banco de Portugal, é sempre irresponsável - como me pareceu ser o que queria pelas opiniões que emitiu -, não estou de acordo com o PSD, nem com o Sr. Deputado, nem compreendo a posição que aqui veio assumir.
Não sou eu que tenho de explicar a nossa posição perante o direito de petição, é o Sr. Deputado que tem de explicar, perante esta Câmara, a sua posição perante estas críticas.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente:-Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, não tenho, nesta matéria, a pretensão de dar lições a ninguém, muito menos ao Sr. Deputado, sobre o que seja o direito de petição. Mas é óbvio que o Sr. Deputado há-de conceder-me o direito de não estar de acordo convosco. Por isso, temos um projecto diferente e o nosso projecto é, no essencial, vastamente diferente do vosso.
Relativamente às críticas que vos faço, mantenho-as na íntegra, e vou explicar porquê.
O artigo 8.º do vosso projecto de lei diz: «Constitui objecto do direito de petição [...]» e seguem-se quatro alíneas. O artigo 9." diz: «O conteúdo da petição, pela qual o direito é exercido, deve enquadrar-se em qualquer das alíneas do objecto previsto no artigo anterior, sem especiais exigências [...]», portanto, tem de enquadrar-se numa daquelas alíneas. O Sr. Deputado quer que lhe demonstre que diferem da Constituição? Aqui vai, Sr. Deputado Almeida Santos, a minha tentativa de demonstrar a interpretação que os melhores constitucionalistas fazem do artigo 52.º da Constituição é a de entenderem que ele tem uma exigência meramente indicativa e não tipificante, como é o caso dos artigos 8.º e 9.º do vosso diploma, e ainda que a essência do direito de petição é essencialmente informal.
Os senhores copiaram mal, e digo isto porque a formulação da alínea d) do artigo 8.º do vosso diploma não é igual à do artigo 52.º da Constituição, pois uma coisa é o interesse próprio do peticionante, outra é o interesse dos seus direitos, que podem ser seus de direito e não serem por direito próprio. O Sr. Deputado há-de convir, pelo que acabei de dizer, que a interpretação constitucional que é feita difere, e muito, da que é dada pela vossa proposta. Aqui estão as diferenças do artigo 8.º e do artigo 9.º E não me venha agora dizer que os artigos 10.º, 11.º e 12.º são exemplificativos,...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Só um momento, Sr. Deputado!
... porque exemplificar dentro da aplicação é fácil, mas o numerus clausus não é afastado!
Se formos para o artigo 14.º, então aí, Sr. Deputado, as coisas são mais graves! Uma coisa é dizer, como se faz no vosso diploma, que o direito de petição, em determinado caso, não terá cabimento, mas essa decisão compete à Comissão de Petições.
Coisa bem diferente é dizer que a petição nem sequer será recebida quando se destine a defender questões já resolvidas. O que é isto, Sr. Deputado? Se a Administração decidiu, pode entender-se que a questão foi definitivamente resolvida. Então, se foi definitivamente resolvida, já não cabe direito de petição? É isto que os senhores querem?
Lembro que no tempo da Magna Carta e no de João Sem Terra, por esta alínea, que o Sr. Deputado Almeida Santos agora aqui defende, o rei de Inglaterra, João Sem Terra, ficaria sem qualquer petição dos seus súbditos, porque todas tinham sido definitivamente resolvidas. Vejam o perigo disto!
Aliás, Sr. Deputado Almeida Santos, não quero cometer qualquer injustiça, mas até o senhor, no seu pedido de
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esclarecimento, pediu para se considerar a alteração desta alínea, pelo que, então, parece que ela é susceptível de críticas que, afinal, o Sr. Deputado também reconhece.
Não quero, de maneira nenhuma, cometer qualquer injustiça,...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: -... mas não posso, de maneira nenhuma, permitir que os artigos 8.º e 9.º sejam considerados com essa formulação, assim como o artigo 14.º
O Sr. Almeida Santos (PS): -Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Deputado falou do critério de aplicação directa da Constituição e eu digo-lhe que são muito perigosas as interpretações extensivas neste domínio. Se o Sr. Deputado não tem consciência disso, peço-lhe que force um pouco a sua consciência, pois não pode fazer interpretações extensivas em matéria de aplicação directa.
De facto, pergunto-lhe o que é que não cabe nessas alíneas. Se me disser o que é, então dou-lhe razão.
Quanto à redacção, já disse que podemos melhorá-la, pelo que não é isso que está, nem nunca estará, em causa. O que está em causa são as suas críticas às intenções do PS e às minhas, pois, quanto a essas, o Sr. Deputado não pode formulá-las em termos daquilo que pensa que podem ser as nossas intenções, mas, sim, em termos daquilo que efectivamente aqui está contido.
Correcções formais?... Todas, mas não acuse o PS, pois, nesta matéria, se algum dos nossos partidos pode historicamente ter dado, e ainda pode dar no futuro, lições, não é com certeza o seu ao meu nem sequer o Sr. Deputado a mim próprio.
Desculpe, respeite o mais velho e o passado de cada um de nós!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é autoridade!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, não é autoridade! Eu respeito muito a juventude, só que o faço até ao ponto em que a juventude pretende dar-me lições em matéria que a minha experiência é nitidamente superior.
O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, há-de convir que eu não fui, de maneira alguma, incorrecto,...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu não disse que foi!
O Orador: -... nem estive a fazer juízos de intenção, mas, apesar de mais novo, deixe-me ter o direito de analisar a sua proposta e dizer aquilo que penso dela. Se o Sr. Deputado me nega esse direito, então percebo qual é a vossa proposta em termos de direito de petição.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado, não fiz juízos de intenção, apenas me limitei a analisar o texto legal e a fazer as acusações que daí decorrem. Mas vamos ao fundo da questão.
Se o Sr. Deputado diz que é uma decorrência directa do artigo 52.º da Constituição, então recordo-lhe que a melhor doutrina diz que, e passo a citar os professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, «a petição não tem de ser adequada», contrariamente ao que os senhores dizem, «quanto ao seu objecto, nem apropriada quanto aos seus lermos, não tendo de se apresentar respeitosa, cordata ou sequer pertinente. O teor e os termos da petição podem pesar na sua apreciação, mas não na licitude do seu exercício».
Ora, isto é em tudo contrário ao que o Sr. Deputado disse e vem agora dizer-me qual a melhor doutrina em termos de direito constitucional...
Sr. Deputado, os melhores constitucionalistas dizem exactamente o contrário daquilo que o Sr. Deputado disse. Aliás, os mesmos autores dizem, e passo a citar, «que o exercício do direito de petição não está sujeito a formas ou processos específicos, tendo carácter essencialmente informal». É esta a questão, Sr. Deputado.
No nosso entender, todas as petições devem entrar e depois, então, ver-se-á quais as que têm ou não cabimento; os senhores querem deixar à porta o maior número de petições, ou para não terem trabalho, ou por não gostarem delas, ou por não gostarem do peticionante...
Mas por que não fazer exactamente o contrário, deixando que a Comissão de Petições defina quais as que tem cabimento, em termos de serem julgadas procedentes, e as que não o tem?
Sr. Deputado Almeida Santos, deixar à porta uma petição só porque não se enquadra nos mecanismos que o PS define de forma extremamente rígida, não estou de acordo.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Só pode ser positivo que um dia depois do 25 de Abril a Assembleia da República se prepare para reforçar as garantias do direito de petição. Pela nossa parte, Grupo Parlamentar do PCP, congratulamo-nos vivamente com esse facto.
Primeiro, porque se trata de dar corpo a novas formas de protecção de um direito fundamental, que hoje pode parecer banal, mas que custou muito a conquistar no nosso país; segundo, porque assim nos desincumbimos de um encargo indeclinável emergente da revisão constitucional de 1989, quanto ao direito de petição colectiva perante a Assembleia da República; terceiro, porque praticamente de todos os quadrantes surgiram contribuições, muito positivas, para uma boa lei, que pode e deve surgir de um vastíssimo consenso.
Consenso esse tão farto que fará alguns desconfiar!... Desconfiar, desde logo, da importância do tema.
Tempos houve, sabemo-lo, em que o direito de petição foi arma essencial: reis famintos de impostos davam aos súbditos direito de se queixarem de abusos e atropelos e, em troca, recebiam dos parlamentos autorizações de cobrança dos maradevis de que precisavam. Assim nasceu a Magna Carta, o Bill of Rights e, bem mais tarde, as grandes constituições revolucionárias.
Mas sabemos que foi precisamente essa grande maré transformadora que trouxe aquilo a que se chamou, rapidamente, a decadência do direito de petição. A difusão da imprensa, dos partidos políticos, a estruturação de parlamentos (com deputados investidos do poder de perguntar e exigir, e não pedir), a criação de direitos de reclamação e recurso geraram aquilo a que desde logo se chamou, repito, a decadência do direito de petição.
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Alguns, filosoficamente, encolhem os ombros e sublinham que também a máquina a vapor teve o seu tempo. Este 6 o tempo do Concorde e dos comboios de alia velocidade; assim aconteceria com a petição comparada a uma bicicleta...
Creio, porém, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que não tom razão os que vêem no direito de petição uma relíquia inútil. A verdade é que nenhuma das instituições clássicas da democracia - parlamento, partidos, sufrágio universal - resistiu sem mossas ao galope da história e deixou bem longe esses tempos em que o mundo não era uma aldeia global, nem unha pedido a imortalidade, como gosta de dizer Gorbatchev, nem havia sondagens, lobbies, centrais sindicais e patronais, nem reinavam os meios de comunicação social.
Nesses tempos, os ministros do rei eram mais importantes que os Josés Eduardos Monizes e a D. Maria Elisa seria uma desconhecida ao pé da deputada Edite Estrela, ... melindrosa comparação!
Risos.
Mas, precisamente, a lição dos novos tempos é que os cidadãos querem ser ouvidos, querem ter voz, participar, não se resignam a escolher governantes de quatro em quatro anos e a ficar calados durante o resto do tempo. A opinião pública existe, influi, mandou para casa o Dr. Cadilhe e fez sentar entre nós - hoje não, porque estilo cá poucos! - a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.
Risos.
Mas a interrogação subsiste: neste quadro faz algum sentido o direito de petição, ou é preferível ir à rádio local, agarrar na pena e escrever um artigo para sair no jornal ou ir directamente ao tribunal, sem perder mais tempo?
A resposta constitucional é entusiasticamente afirmativa. O direito de petição ocupa um lugar nobre no nosso sistema de direitos fundamentais. Não, porém, na realidade da prática das nossas instituições, forçoso é reconhecê-lo.
Por isso, esta lei pode ser importante. Se formos capazes de evitar o pesadelo que não deixa dormir, pelos vistos, o Dr. Barbosa de Melo, ilustre professor de Direito e personalidade destacada do PSD, que há dias se queixava publicamente de que há uma «tendência esquizóide» que leva a que entre nós se façam «leis cada vez mais pedagógicas que suo depois abandonadas à burocracia» que as estrafega. Justa queixa que, suponho, deixará comovidos quase todos os ministros e seus fiéis burocratas, é claro, como seguramente atesta neste momento, embora não o possa ver daqui, o semblante sensível do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pelo menos.
Risos.
É que o desafio consiste precisamente não em fazer um poema ao direito de petição, nem uma lei trompe l'oeil (que engane o olho!), mas, sim, uma lei de garantia.
Lei de garantia para quem precisa; 115 direitos para quem passa mal e não para quem passe bem (e vai de jacto!...); protecção para quem precisa de ser protegido; protecção para quem não sabe escrever uma petição.
Essa a grande razão de uma lei e é o grande motivo deste debate!
Os corruptos corrompem, não pedem! Os poderosos não fazem petições, mandam!, e tom quem lhes obedeça. Aqueles 16 grandes patrões da indústria portuguesa, que a Dr.ª Maria de Filomena Mónica obrigou a fazer strip-tease num livro excitante, quando têm queixas do Ministro Beleza dizem-lhas ao ouvido no gabinete ou berram-nas nos congressos das centrais do patronato, enquanto o Dr. Dias Loureiro, esse, queixa-se em privado, não faz petições.
Risos do PCP.
Em suma, nao é o direito de petição do Dr. Alberto João Jardim que nos deve preocupar, mas sim o daqueles que lhe sofrem os péssimos tratos de polé. Nem nos angustia, a mim seguramente que não, o direito de petição do angélico Dr. João Bosco Mota Amaral, mas sim o que nós todos podemos fazer para os habitantes do Corvo, das Flores, do Pico, do Faial, de Suo Miguel, de Suo Jorge, da Terceira, de Santa Maria, da Graciosa, de Trás-os-Montes, de Braga, das cinturas de pobreza que rodeiam as nossas grandes cidades, dos emigrantes, poderem fazer petições. É isso que nos deve preocupar.
Não nos chega, eu sei, todos sabemos, a voz dos que estão privados de voz, por não saberem ou não poderem. Sabemos que o direito de petição colectiva dos militares não pode ser exercido, porque está bloqueado, uma vez que não é aqui aprovada a lei que viabilizaria o seu exercício e que também o dos polícias foi restringido. Isto acontece em Portugal, país onde o artigo 52.º da Constituição garante amplamente o direito de petição. Pois isso não impede que não nos chegue a voz dos que têm medo de pedir (c de que se possa saber que pediram), os perseguidos pelas suas opiniões, pela sua luta sindical, os homens e mulheres que, de tão oprimidos, não ousam confessar que o suo. E, evidentemente, Srs. Deputados, as crianças portuguesas, escravas do trabalho infantil, não consta que nos esbrevam petições! Isto, sim, deve preocupar-nos!
Por isso o projecto do PCP põe o acento tónico em medidas de reforma dos serviços públicos, de modernização, de abertura, de formas de apoio que permitam aqueles que não sabem fazer aprender a fazer e que facilitem em vez de dificultarem, que não obstaculizem, mas viabilizem.
A segunda preocupação é esta: devemos ponderar bem a quem se dirigem as nossas medidas. Todos os projectos, incluindo o do PSD, suo sensatos neste ponto: o alvo suo todas as autoridades. O do PCP é ainda mais sensato, porque não esquece as autoridades internacionais, o que, no nosso tempo, é fundamental. É que há petições e petições... Petições à Câmara Municipal, à EDP, à Assembleia da República, aos TLP, ao Primeiro-Ministro, à PSP, à empresa pública... Da freguesia ao Presidente da República todos podem receber petições neste país, e isso é um bom direito constitucional.
Como acaba de descobrir o Sindicato dos Jornalistas (com o recente veto do Sr. Presidente da República à lei da alta autoridade contra a comunicação social), a otite aguda que grassa aqui em Suo Bento, e que foi surda às petições dos jornalistas, não atacou os ouvidos competentes em Belém, por mais que isso incomode esse soberbo otorrino político que é o director do Povo Livre, hoje ausente,... por acaso!
Risos.
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Dessa forma, a lei a aprovar deve ser, por um lado, instrumento de uma campanha contra a surdez institucional e, por outro lado, um incentivo e um estímulo à iniciativa cívica.
Por isso, estranho as acusações que aqui foram feitas ao projecto de lei apresentado pelo PCP. Luxúria, Sr. Deputado Almeida Santos? É esse o pecado carnal que praticamos com este projecto? Porquê? Porque prevemos que haja telefones nos serviços públicos e que os funcionários, em vez de darem pontapés ao peticionário, o acarinhem? Por prevermos que haja impressos tipo? Por prevermos facilitações? Luxúria!... Eis um pecado que podíamos estar orgulhosos, se fosse o caso, mas não é!
«Preversão burocratizante»?... Sr. Deputado Almeida Santos, cai-me a alma aos pés! Pois se nós simplificamos tudo: onde o PS propõe que o peticionário se apresente de chapéu, cheio de boas maneiras, nós não propomos coisa alguma, pois pode estar roto, mal vestido ou bem vestido, seja Agostinho da Silva ou um Narciso, eis tudo o que aceitamos.
Aplausos do PCP.
Por outro lado, Sr. Deputado Almeida Santos, constituição do direito de petição circunscrita aos espaços nacionais, mas por que razão, se este é o reino, por excelência, da internacionalização? Por que é que em Portugal hão-de ser os presos os únicos que tem regulado, por despacho do Sr. Deputado Mário Raposo, hoje aqui ausente, o direito de petição perante a Comissão de Direitos do Homem? Então e os outros? Então aqueles que são atingidos em direitos que podem defender legitimamente perante instâncias internacionais? Então a cooperação entre o Parlamento Europeu e a Assembleia da República? Então, então, senhores, a modernização?...
Eis aquilo com que o nosso projecto se preocupa e creio que neste ponto vos conseguiremos convencer.
Por outro lado, cuidado com a falta de ambição, cuidado com o combate à anarquia formal, verbal e de estilo que pode pulverizar a imunidade, que é um direito sagrado dos peticionários, como aqui se lembrou - e bem! - desde a Magna Carta.
Por outro lado, cuidado com a ideia abstrusa de que o artigo 52.º da Constituição seria um numerus clausus que proibiria o reconhecimento do direito de petição aos estrangeiros, aos presos, aos menores, aos interditos, etc. Não é, de facto! A distinção clássica entre a petição-queixa e a petição-direito de cidadão, além de ser clássica, é boa, é vigente e não é proscrita pela Constituição.
Cuidado, também, com a ideia peregrina de que em matéria de liberdade seria proibido o alargamento e a interpretação extensiva. É precisamente o contrário! Nesta parte, a Constituição, além de garantir tudo o que garante, permite que a lei garanta o mais que entender. É essa a filosofia suprema da Constituição nessa parte. Por isso ela é, felizmente, libertária.
O projecto de lei do PCP procura ser coerente com esta filosofia. Caracteriza-se, desde logo - não me alongarei muito neste ponto -, por dar consagração estrita, neste ponto, às conquistas da revisão constitucional e procurar fazer um impulso para o mais amplo exercício do direito de petição, segundo os princípios que tive ocasião de resumir.
É um conjunto de medidas, sobretudo na parte que diz respeito às obrigações dos serviços públicos, extremamente importante para que a palavra petição seja acção e não uma pretensão insusceptível de ser exercida.
No caso da Assembleia da República é imprescindível que tal aconteça. Obviamente, não deixamos de prestar homenagem aos Srs. Deputados que se têm empenhado no trabalho da Comissão de Petições. No entanto, creio que eles próprios serão os primeiros a reconhecer que importa melhorar, e melhorar muito, o trabalho a desenvolver nessa esfera.
Na V Legislatura estão pendentes 126 petições, das quais 26 têm relatório. Herdámos da IV Legislatura 134 petições, das quais 34 foram arquivadas, 100 estão pendentes, 11 têm relatório, outras têm pedidos de actualização dirigidos aos peticionários. Curiosamente, só há três petições publicadas ao abrigo da norma que permite a publicação das petições com mais de 1000 assinaturas. Uma de organizações não governamentais que pede uma comissão para a igualdade de direitos com 1187 assinaturas, outra de professores que exigem a revisão dos vencimentos dos professores do ensino básico e secundário com 18 255 assinaturas e outra de 1138 sargentos reclamando a aprovação do seu estatuto próprio. Será publicada em breve uma petição com 37 500 assinaturas de apoio à reivindicação da CGTP/Intersindical, de aumento das pensões e à revisão do seu sistema de actualização anual.
É um panorama francamente magro.
Verifica-se, por outro lado, que há petições mal despachadas na sua própria admissão: sem morada, de anónimos, dirigidas a deputados individualmente, ou telexes que se destinam a dar mero conhecimento às comissões.
Por outro lado, o que é mais preocupante ainda é que há petições que perderam o relator e não o viram substituído, com é o caso das petições n.ºs 37, 50, 41, 40, 71, 68, 70 e 82 - a exigência de concretização é óbvia por razões de fidedignidade.
Além disso, a Comissão de Petições, desde 29 de Abril de 1989, só em duas reuniões verdadeiramente teve quórum deliberativo. O que quer dizer que fez o seu trabalho com imensa boa vontade, mas em situação de paranormalidade regimental.
Acresce a isto que o PSD não substitui os seus deputados que, por alguma razão, perderam o mandato.
Os despachos tipo da Comissão caracterizam-se pelas seguintes regras ou tendências que pude observar, analisando os respectivos relatórios: uns transmitem as petições aos grupos parlamentares para que tomem as posições que entenderem, o que francamente é pouco ou nada; outros dizem que a petição deve ser enviada ao Provedor de Justiça; outros dizem que está pendente de processo judicial e, portanto, não apreciam; outros determinam ao Governo que informe o exponente das medidas aprovadas, mas não se encarregam de fiscalizar a execução; outros dizem que era desejável fazer diligências, mas não há condições por carência de meios, de apoio material e, portanto, remetem a petição para a Provedoria; outros consideram o pedido impossível; outros têm o processo parado, porque o deputado relator suspendeu o mandato e não foi substituído; outros remetem a petição para o Ministério Público.
Creio, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, que é um panorama que deve deixar-nos a todos profundamente insatisfeitos, pese embora o intenso trabalho que alguns dos membros da Comissão desempenharam ao longo destes tempos, o que pode ser atestado pelos relatórios que tem as respectivas assinaturas.
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Cremos, também, que a inovação constitucional que todos os projectos - o que é um aspecto extremamente positivo - procuram transpor e consagrar, ou seja, a apresentação no Plenário da Assembleia da República e a apreciação de petições colectivas assinadas por um mínimo de 1000 subscritores, introduzirá uma mudança profunda no próprio estilo de funcionamento e na atitude da Assembleia da República, face à apreciação de petições dos cidadãos. Será, também, um poderosíssimo estímulo para que venham a ser apresentadas à Assembleia da República mais petições, melhor examinadas, examinadas em tempo e culminando com um despacho útil que é o que se espera, acima de tudo, das autoridades a quem as petições sejam dirigidas.
Se tudo isto acontecer, Sr." Presidente e Srs. Deputados, não poderá o professor Barbosa de Melo, do PSD, acusarmos de tendências esquizóides.
Mas, acima de tudo, o que dará satisfação à nossa consciência democrática e republicana é que cumpriremos plenamente e até à última palavra a Constituição, na sua letra, no seu espírito e no seu desígnio fundamental.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Almeida Santos e Leonardo Ribeiro de Almeida.
Sr. Deputado José Magalhães, o PCP já não dispõe de tempo. No entanto, os deputados independentes que apresentaram um projecto de lei, neste caso o Sr. Deputado Raul Castro, cedem três minutos ao PCP para poder responder.
Como se vê pela agenda que foi distribuída, os Srs. Deputados que apresentaram o projecto de lei dispõem de 15 minutos que lhes foram atribuídos pela conferência de líderes.
Ainda antes, para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Magalhães: Lamento que o Sr. Deputado tenha prejudicado o brilho da sua intervenção - brilho, aliás, a que já nos habituou -, relativamente à qual tenho de adiantar, atendendo aos pressupostos e à filosofia que V. Ex.ª defendeu em relação ao direito de petição que tem a minha concordância, com uma referência e um aproveitamento político específico à pessoa do Sr. Dr. Alberto João Jardim, que, efectivamente, não posso deixar passar em claro.
Risos.
V. Ex.ª disse que não tinha de preocupar-se com o direito de petição do Dr. Alberto João Jardim. Penso que, efectivamente, dada a posição do Sr. Dr. Alberto João Jardim na hierarquia do Estado, designadamente, não necessitará do instituto que estamos aqui hoje a apreciar para exercer o direito de petição.
No entanto, não posso deixar de protestar contra a referência feita por V. Ex.ª de que estaria preocupado com as vítimas dos atropelos e abusos do Sr. Dr. Alberto João Jardim.
Desafio V. Ex.ª a concretizar esse tipo de acusação e lembro que também há um direito de petição exercido pelas várias forças políticas de que é julgador o povo, de harmonia com calendários eleitorais. Nesse exercício do direito de petição - esse sim, também do Sr. Dr. Alberto João Jardim - esse julgamento popular tem sido largamente favorável à sua petição e largamente desfavorável à petição do partido de V. Ex.ª
A Sr.ª Presidente: - Para contraprotestar, se assim o desejar, em dois minutos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, creio que não será necessário gastar os dois minutos.
De facto, confesso que estava profundamente preocupado - e discutimos isso - com a hipótese de o Sr. Deputado Guilherme Silva mostrar uma Ião intensa paixão pelo nosso projecto de lei e pelo nosso corpo de ideias que estabelecesse uma conexão, quase que diria fatal, e nos desse o beijo comprometedor, como, aliás, acabou de fazer. Aí pensamos maduramente em que é que nos podia distinguir e alguém alvitrou: «Jardim».
Eu nunca esperei é que o Sr. Deputado caísse numa dessas, porque aquilo que eu disse é rigorosamente verdade. Ou seja, não estou muito preocupado com o exercício do direito de petição do Sr. Dr. Alberto João Jardim, pois, como V. Ex.ª disse, e carece de reforço, sendo ele Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, dispõe de amplas possibilidades de expressão institucional e, como a gente viu, até perante as câmaras de televisão, de grande facilidade de expressão verbal. Portanto, não estou muito preocupado com as suas possibilidades de expressão e de petição. Ele pede muito!... Pede muito dinheiro e nem sempre leva aquele que pede e, de resto, também não o merece exactamente.
O que nos preocupa é outra questão: a situação do direito de petição na Região Autónoma da Madeira. V. Ex.ª está satisfeito? Creio que não tem razão para isso. Os órgãos de governo regional, designadamente a Assembleia Legislativa Regional, tem, como sabe, funcionamento infrequente, aprecia um número reduzido de petições e em lermos ainda mais insatisfatórios do que aqueles que caracterizam a apreciação aqui pela Assembleia da República. Haveria muitas benfeitorias a fazer no regime de tramitação das petições e, de resto, várias projectos apontam para a sua revisão pelas assembleias competentes, o que acho positivo.
Por outro lado, o Sr. Dr. Alberto João Jardim é campeão e recordista de poliviolações de direitos fundamentais. O PSD local chega a violar direitos fundamentais de deputados encartados, como foi o caso do Padre Martins, que, aliás, foi a tribunal e ganhou!... Que não faz ele ao cidadão comum?! Pois se até ao parlamentar ele «pica», como não «pica» ele o cidadão comum que não tem manto imunitário?!...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª esgotou o tempo de contraprotesto.
O Orador: - Sr.ª Presidente, é assim quando se começa a falar do Sr. Dr. Alberto João Jardim. Cessei. Muito obrigado. Não teve justificação o seu protesto.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente:-Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
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O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr.º Presidente, Sr. Deputado José Magalhães: Não vou defender ninguém, não vou perguntar-lhe se está satisfeito, se está contente, porque sei que não está. Vê-se na sua cara que não anda contente e que não anda satisfeito.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas porquê?!...
O Orador: - Não sei porquê!... Por alguma coisa será, certamente!... Alguma coisa se passa dentro das suas próprias paredes.
Risos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Quem precisa de petição são os do INÊS! Sobretudo, da Magna Carta!
O Orador: - Mas gostava de falar agora sobre a técnica das suas intervenções e, depois, sobre alguma coisa de fundo da sua intervenção.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma análise?
O Orador: - Em primeiro lugar, gosto muito de o analisar, mas gosto de facto, porque vale a pena.
V. Ex.ª chega aqui à Assembleia e usa, se me permite, a técnica do saltimbanco: estende o tapete, dá dois saltos mortais, dá dois flic-flac à retaguarda e depois de captar a assistência fala.
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Ex.ª acha mal?!...
O Orador: - Não importa sobre o quê, não importa dizendo como nem o quê, mas fala. E V. Ex.ª a falar, de facto, é o maior.
V. Ex.ª falou aqui sobre variadíssimas coisas, mas estou, de alguma maneira, desolado consigo, pois esperava que V. Ex.ª, perante um projecto destes do PSD, viesse aqui, com toda a sua autoridade moral, com toda a sua humildade, com todos os seus conhecimentos - até de natureza jurídica e principalmente esses -, e que o elogiasse. Esperava que V. Ex.ª, sinceramente, hoje, elogiasse esse projecto de lei do PSD. Eu sei que V. Ex.ª não pode - porque não o deixam - falar mal do marxismo-leninismo, do centralismo do seu partido, dizer mal daquilo que lhe vai em casa, mas não lhe ficaria nada mal dizer bem de um projecto bom. O Sr. Deputado José Magalhães arrisca-se a ser, e quase que desejava que o fosse, o novo Agostinho da Silva que os militantes do PCP passarão a ver na televisão entrevistado pela Maria Elisa.
Risos do PSD.
O Sr. Deputado José Magalhães disse que não estamos preocupados, mas estamos muito preocupados com o que se passa.
O Sr. Deputado José Magalhães, na altura da revisão constitucional - e se eu fosse o Sr. Deputado José Magalhães diria, a páginas tantas, no dia tal, às tantas horas, como costuma dizer, mas não digo isso, não tenho essa possibilidade nem tenho todos esses elementos, não trago cá sempre esses elementos que V. Ex.ª traz e que ficam bem para a assistência -, falou, em determinada altura, sobre o Estado indiferente, mas depois dizia que, entre nós, estamos muito mais próximos da indiferença do que da liquidação e da cilindração propositada. E dizia que «esta resulta de um acumular de vícios vindos de muito longe e também, no fundo, da não reforma da Administração Pública» -talvez seja esta a questão central -, falando a propósito daquela distinção entre o cidadão infrenemente peticionário que bloqueava a Administração e esta que não correspondia, falando nos vícios antigos da Administração Pública, tentando fazer com que compreendêssemos por que é que até esta altura a Administração Pública não tinha sido capaz de responder a várias coisas e de encontrar outros mecanismos de resposta. Então diria que uma das coisas fundamentais e essenciais era consagrar a nível constitucional o direito de petição, isto é, conclusão lógica, certa e segura.
Diz V. Ex.ª que não fizémos nada em relação à protecção dos cidadãos, que estamos preocupados, mas que nada fizemos. Diz que não fizemos nada em relação à protecção e prática dos direitos. Devo dizer-lhe que em relação a isso estamos absolutamente à vontade. E estamos absolutamente à vontade porque, sendo nós Governo, ao mesmo passo que outros o foram durante muito tempo, temos feito substancialmente mais pela reforma da Administração Pública e pela melhoria da prática e do apelo ao exercício dos direitos dos cidadãos que muitos outros que já foram governo e que aqui estão.
Portanto, estamos também nós de perfeita consciência tranquila.
E neste aspecto tenho de fazer apelo novamente a esta questão: V. Ex.ª, porventura, não está tranquilo e se lembrará que, se há sistemas que criam explorados e se há partidos que criam oprimidos, não serão, propriamente, nem estes sistemas, nem este Governo, nem este partido. V. Ex.ª está a pensar noutra coisa, tem cara e tem razão para estar profundamente preocupado.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Prefiro responder no fim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Então, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, estamos, com alguns pequenos desvios, num dia de gestão de amabilidades - os projectos são concordantes. À parte algum comentário lateral ao Presidente do Governo Regional da Madeira e ao Dr. Barbosa de Melo, estamos todos em gestão de amabilidades e eu, nessa linha, também lhe presto homenagem, porque V. Ex.ª nos tem brindado aqui com bons momentos de oratória e hoje, apesar de não se ter queixado do seu partido e do que não pode fazer - peticione, há-de peticionar lá dentro - brindou-nos com bons momentos e eu tenho gosto em o reconhecer.
No entanto, V. Ex.ª falou no Dr. Barbosa de Melo para dizer que ele estava sem sono, mas eu tenho a impressão que quem ficou sem sono foi o Sr. Deputado José Magalhães. Isto é, ficou preocupado com a observação do Sr. Dr. Barbosa de Melo sobre a ineficácia do trabalho legislativo, V. Ex.ª que tem tido tanta responsabilidade nesse trabalho, e então resolveu, porventura, dar-lhe ai-
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guns remédios. Mas terá ido longe de mais, porque esta estatuição da previsão das linhas telefónicas com aparelhos de gravação acopulados, etc., é perigosa - não deixe de reflectir sobre isto - e, por isso, também alinho na acusação de luxuriante. Saiba que também cheguei a pensar que, já agora, valeria a pena ler cominado aqui uma qualquer sanção para as chamadas demoradas, porque é comum os administrados telefonarem para os serviços públicos e não conseguirem obter a chamada e, por isso, o melhor era cominar-lhes, face à ineficácia dos CTT/TLP, uma sanção na lei e com isso ficávamos todos mais satisfeitos.
Apesar disso, acho que o projecto do PCP tem muitas vantagens, porque, embora tenha algum exagero regulamentar, o que vai de acordo com o vosso pendor, toca num ponto fundamental, que é o de que o direito de petição terá um conteúdo que se arrisca a cair, porventura, no esquecimento daqueles a quem fundamentalmente se dirige, se não encontrarmos, da parte da Administração, formas de a pôr a dar respostas cabais às petições que lhe são dirigidas. Tudo isto é verdade e insere-se num conjunto de temas que na revisão constitucional foram objecto da nossa atenção.
Sr. Deputado José Magalhães, há aqui um ponto do seu projecto que me parece um pouco estranho e que é o direito de petição perante as entidades de direito internacional, especialmente pela exemplificação que V. Ex.ª junta no projecto do PCP. Porque o direito de petição não significará nada se quem pede não puder obter uma resposta e uma resposta eficaz, e é por isso que nós falamos internamente de órgãos de soberania e de outras autoridades públicas. Mas não terá V. Ex.ª na exemplificação que deu de órgãos internacionais caído no exagero? Digo isto porque alguns há que não são capazes, não tem competência para dar resposta eficaz às petições que lhes possam vir a ser dirigidas.
Isto não será profundamente negativo? Não será lembrar ou excitar um poder que, depois, não é praticamente respondido ou acaba por ter um exercício que é destituído de eficácia? Que V. Ex.ª tenha incluído órgãos das Comunidades Económicas Europeias, que limitam a soberania do Estado e que tem efectiva possibilidade de dar respostas eficazes, compreenderia. Mas que V. Ex.ª se tenha espraiado nesta exemplificação por tão longe eu não compreendo e, por isso, gostaria de ouvir o seu comentário.
Que eficácia é que, afinal de contas, vai encontrar neste direito de petição? Porque a ineficácia do direito de petição, estamos todos de acordo, será, certamente, a sua morte.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Essa é uma boa pergunta.
A Sr.ª Presidente: - Está inscrito para pedidos de esclarecimento o Sr. Deputado Almeida Santos, que dispõe apenas de três minutos de tempo cedido.
Tem a palavra o Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, não me esqueci de render as homenagens que o projecto do seu partido merece.
No entanto, volto a dizer-lhe, e esta é uma questão fulcral desta discussão, que o legislador mais simpático, o legislador mais optimista e o legislador mais excessivo não é sempre o melhor legislador, não é, em regra, o melhor legislador. Há uma pragmática legislativa, há uma sensatez legislativa, há até uma antipatia legislativa, se quiser, sem a qual não se fazem boas leis.
O PCP, reconheço-o, dada a sua posição especial neste Parlamento e em parte porque não tem e talvez, infelizmente, cada vez menos, do meu ponto de vista, a expectativa do poder, tem o pulso livre para propor o mais agradável, o mais simpático, aquilo que as pessoas gostam de ouvir. Mas o problema que eu coloquei é de que se a dose for excessiva pode matar o doente.
Ora, aquilo para que lhe chamo a atenção é de que, apesar dos méritos do vosso projecto, ele é, do meu ponto de vista, excessivamente regulamentar. E perguntará V. Ex.ª em quê?
Por exemplo, já foi aqui referido o caso da petição perante entidades estrangeiras e eu penso que, ao redigir o artigo 52.ª da Constituição, o legislador não teve em mente o exercício do direito político de participação política em relação a entidades estrangeiras que, como sabe, já existe regulamentado no Tratado de Roma, nos tratados constitutivos de todas as entidades que mencionou, nas directivas, e que, por isso, não precisa que aqui façamos uma regulamentação específica para que esse direito possa ser exercido.
No entanto, o que me pareceu -e continuo convencido disso- é que no artigo 52.º não houve essa preocupação e que, de algum modo, estamos a sair fora das balizas constitucionais, embora também não lhe diga que é inconstitucional, porque não é.
Logo a seguir, quanto aos exemplos: «exige uma reforma da Administração voltada para o estímulo, a orientação, a recepção, o tratamento das petições»; «afixar a identidade dos responsáveis dos respectivos órgãos»; «impressos normalizados»; «ajudar a preenchê-los»; «especial apoio aos deficientes, [...] igualmente aplicável [...] em empresas públicas ou de capitais públicos, bem como em quaisquer empresas concessionárias de serviços públicas»; «linhas telefónicas especiais reservadas à prestação de informações aos cidadãos»; «gravação das chamadas nos períodos de encerramento dos serviços»; «criação de órgãos especiais que apoiem e apreciem com celeridade as petições nas empresas que prestem serviços públicos essenciais»; «defesa dos utentes por cidadãos de idoneidade assessorados por especialistas»; «aos estrangeiros não residentes em Portugal é reconhecido o direito de petição»; «aos jovens com mais de 14 anos podem apresentar petições»; «interditos e inabilitados na medida da respectiva capacidade»; «serviços de saúde velarão pela garantia de apoio que assegurem a expressão das queixas e reclamações de cidadãos que por razões de saúde tenham visto restringida a sua capacidade de exercício de direitos»; «especial protecção dos emigrantes»; «direito de queixa perante o Conselho Superior de Magistratura e o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais [...] em questões de carácter meramente administrativas», embora não seja fácil distinguir onde acaba a fronteira da administração e começa a da judicatura; «os serviços tem que reduzir a escrito as petições telefónicas»; «as petições podem ser apresentadas nas secretarias-gerais dos governos civis [...] serão remetidas em 24 horas»; «as petições podem ser apresentadas nas representações diplomáticas que as remetem em 24 horas»; «a Comissão de Petição pode ouvir não apenas as comissões especialízadas mas delegar nestas», sem se saber bem o que acontecerá neste caso que não tenha acontecido no passado, ou seja, ficarem para lá sem nunca mais ninguém
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se lembrar delas; «relatórios intercalares quando necessários»; «direitos pecuniários para os cidadãos ouvidos idênticos aos dos jurados»; «publicação na íntegra das petições assinadas por mais de 500 cidadãos».
Poderia continuar, mas penso que chega. Creio que quando falei em luxúria regulamentar usei uma expressão que não carece inteiramente de propriedade. O projecto do PCP tem muito mérito. Eu diria que era desejável que tudo isto fosse possível, mas tenho medo que com tudo isto morra à nascença o direito de petição.
Este meu receio é o de quem já cá anda há muito tempo e sabe que o legislador mais simpático - repito-, o mais optimista e o mais excessivo não costuma ser, em regra, aquele que consegue os melhores sucessos.
O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida, que utilizará tempo cedido pelo Governo.
O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não tenho nada a referir em relação ao projecto de V. Ex.ª, embora perfilhe a crítica que lhe foi feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos de que o óptimo é, muitas vezes, inimigo do bom e, às vezes, sonhando acabamos por criar situações muito desagradáveis.
No entanto, não quero deixar de - e, por isso, pedi a palavra - prestar homenagem a todos os Srs. Deputados, sem distinção de partidos, que constituem a Comissão de Petições. Esta Comissão foi criada em 22 de Fevereiro de 1988, e, nessa altura, encontrou 134 petições pendentes. A essas, que vinham da IV Legislatura, acrescentaram-se 109, porque com a criação desta Comissão todas as comissões especializadas despejaram nela tudo quanto tinham sobre essa matéria.
Assim, ficámos com quase 250 petições, e como os Srs. Deputados que integram a Comissão de Petições integram igualmente outras Comissões especializadas, muitas vezes, não é possível assegurar o quórum necessário.
Devido a isso, por unanimidade de todos os deputados com assento na Comissão, desde que haja unanimidade e que estejam representados os partidos que sejam maioritariamente representativos do Plenário, temos deliberado e tem sido possível despachar largas dezenas de petições.
Não posso deixar de lamentar que isto tenha sido assim, porque, Sr. Deputado, é fácil criticar, é fácil censurar a comissão, que até nem tem staff, mas o que é certo e que, embora sendo V. Ex.ª um deputado a quem todos reconhecemos diligencia, a quem todos reconhecemos o mérito e o brilhantismo que há tanto tempo o distinguem nesta Casa, aconteceu que, tendo V. Ex.ª sido nomeado relator na petição n.º 41/IV, não apresentou o respectivo relatório.
É evidente que estas coisas acontecem e, por isso, não nos censuremos uns aos outros e vamos todos fazer o possível para, tanto quanto possível, irmos aperfeiçoando este nobilíssimo instituto sem, no entanto, nos estarmos a criticar à partida.
Isto quando, tenho que o reconhecer, não por mim, mas por todos os membros da Comissão, a que tenho a honra de presidir, e peço licença para o afirmar, levo como título de glória da minha passagem por esta Casa o facto de ter sido o primeiro presidente da Comissão de Petições.
Assim, haja em; vista a sua natureza, muito mais por mim do que por qualquer outra razão, presto homenagem aos Srs. Deputados que integram a Comissão de Petições, os quais tom suprido com imensa boa vontade e alto espírito democrático a função dessa mesma Comissão.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida, acabo agora de saber da boca de V. Ex.ª que algures no ano de 1986 terei sido nomeado para uma tarefa de que, por inteiro, não tinha conhecimento até este preciso momento. Não faço, aliás, parte da Comissão de Petições e essa distribuição terá sido herdada. Fico, porém, a saber tal facto por V. Ex.ª
O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Foi quando V. Ex.ª integrava a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias!
O Orador: - Exacto! Interpreto a menção de V. Ex.ª como - digamos - a memória do passado e não como um remoque nem como qualquer coisa que tenha a ver com o que eu disse a título pessoal, porque aquilo que eu disse foi de carácter institucional.
Tive, com efeito, o cuidado de sublinhar o apreço desta bancada pelo trabalho dos Srs. Deputados que trabalham na Comissão de Petições e também o facto de a Comissão estar privada de quatro Srs. Deputados porque o PSD não substitui os seus deputados que existiram nessa Comissão e que, por isso, não estão porque não foram substituídos.
V. Ex.ª não aludiu a este aspecto, mas 6 óbvio que isso prejudica a operacionalidade da Comissão e também é óbvio que não há compromisso de honra que possa valer aquilo que ficou exarado em acta, ou seja, V. Ex.ª acaba de depor perante o Plenário, confessando que a Comissão funciona sem quórum, anti-regimentalmente, e é dever de todos nós impedir que isso aconteça e providenciar para que a Comissão passe a contar com relatores que relatem e reuniões com quórum, porque é para isso que o povo português nos tem aqui.
Com isso V. Ex.ª, seguramente, estará de acordo!
Por outro lado, também estará de acordo em que é necessário mudar, profundamente, o estilo de funcionamento e melhorar, radicalmente, o tipo de despacho da Comissão, porque a Comissão não pode ser um «correio devolutivo».
Chega um cidadão com a petição à Assembleia - é um sindicato, é um deficiente, é um reformado injuriado, é uma viúva que viveu em união de facto e que não tem direitos, é um comissário da TAP expropriado abusivamente dos seus direitos e despedido miseravelmente, como ocorreu numa das petições que foi apresentada e que tive ocasião de analisar, são os comissários de bordo da TAP tratados como cães e servidos a prazo e substituídos em rotação, etc. - e V. Ex.ª não pode mandar a petição para o Provedor de Justiça. Nesse caso, a Assembleia da República passaria a ser um correio e, para isso, temos lá em baixo um que é mais rápido.
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Portanto, temos todos um amplo trabalho de reflexão a empreender e nós não nos furtamos a contribuir para esse trabalho.
Insisto ainda: a apresentação no Plenário da Assembleia da República e o debate de petições colectivas vai mudar muito o panorama da apreciação de petições na Assembleia; vai significar uma alteração radical e não estamos em condições, sequer, de imaginar até que ponto isso pode vitalizar o funcionamento da Assembleia e estimular a intervenção cívica.
Este o primeiro ponto, que, aliás, me sensibilizou mais, devo dizê-lo, porque notei um tom que não queria despertar e uma reacção que não queria provocar.
As outras questões suo mais simples de resolver. E creio que o Dr. Barbosa de Melo, do PSD, tem razão. Com efeito, há leis estrafegadas por burocratas e pela burocracia, mas há também algumas leis estrafegadas pelo PSD, pelos seus ministros e pela sua burocracia. Estou a pensar, por exemplo, na Lei sobre o Acesso ao Direito e no escandaloso incumprimento desta lei por parte do Ministério.
Espero que o Sr. Secretário de Estado chore, pelo menos, uma lágrima e faça uma petição ao respectivo Ministro Laborinho Lúcio, para que cumpra a lei que está a ser incumprida largamente.
Por outro lado, há certas coisas que, pelos vistos, só são novas aqui. O Sr. Deputado Almeida Santos, por exemplo, mostra-se surpreendido com as linhas telefónicas, com o provedor do utente, etc. E o Sr. Deputado Nogueira de Brito também.
Quanto ao provedor do utente, se o Sr. Deputado Nogueira de Brito, um dia destes, passar pelos CTT/TLP, alguém lhe distribui uma folhinha -aliás, gira, bem feita- em que se anuncia aos clientes a existência do provedor do utente, entidade independente, existente junto da administração, com função de apreciar as queixas. Isso é muito bom; isso devia ser generalizado em empresas concessionárias de serviços essenciais. E por que não? É ambição excessiva, como, aliás, se preocupava o Sr. Deputado Almeida Santos?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não é mais.
O Orador: - Quanto a linhas telefónicas, aqui, fico preocupado, porque o Sr. Deputado Almeida Santos adoptou uma técnica que é terrível, é perigosa. Utilizou a técnica de nos censurar determinadas coisas, que creio incensuráveis, para cobrir - honni soit qui mal y pense - insuficiências do projecto do Partido Socialista. E isto de dizer quo o legislador não deve ser excessivo,... não deve ser excessivamente simpático,... etc., tem água no bico, Sr. Deputado Almeida Santos! E a gente bem percebe porquê. É que não há nada pior que o legislador restritivo em nome do realismo e não há pior realismo do que o realismo démodé, porque V. Ex.ª, que, pelos vistos, se prepara para ir para o Governo e, portanto, tem de ter em conta a competição daqueles senhores que estão ali sentados, que, para já, são 148, mas, amanhã, serão menos, tem, pelo menos, de ver o que a concorrência faz. E o que é que a concorrência faz? Faz a Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/88, que infelizmente não é cumprida, que prevê a existência, nos serviços da Administração Pública, de linhas azuis, que devem ser adaptadas ou instaladas para não permitir a chamada interna, mas para garantir a total disponibilidade, podendo ser apetrechadas -não se escandalize, Sr. Deputado Nogueira de Brito! - com dispositivos especiais para atendimento de chamadas.
Veja lá,... gravações!... Estes cavalheiros lembraram-se disto! E eu pergunto - e aqui fica o elogio exarado para acalmar, agora, o Sr. Secretário de Estado- por que não? E por que é que isto há-de ser aprovado por resolução do Conselho de Ministros - que, aliás, não é cumprida, pois eles não lhe ligam absolutamente nada - e não por uma lei da Assembleia da República que seja cogente e obrigatória? Isto, obviamente, desde que haja vontade política, porque quando não há vontade política, mas, sim, desvontade política, as leis são furadas, como o Partido Socialista também sabe e tem memória disso.
Agora, acusarem-nos de restrição!... Mas porquê de minutiae? Então não quer regulamentar o direito de petição dos estrangeiros? Vamos recusar o direito de petição dos estrangeiros? Mas que atitudes xenófobas, Sr. Deputado Almeida Santos! E os emigrantes? E os presos? E os hospitalizados? E, então, a questão dos internamentos psíquicos, que, ainda agora, as Nações Unidas discutiram, quando lá foi o comité português e as senhoras da Procuradoria-Geral da República que responderam por Portugal foram minuciosamente investigadas sobre o cumprimento do direito de petição em Portugal? E sobre isto sugiro-lhe a leitura das actas. É impressionante! Aí garantiu-se: não, não, em Portugal é garantido o direito à informação; em Portugal, são fornecidos meios de acesso; em Portugal, em Portugal, em Portugal...Não, não! Em Portugal, se nós aprovarmos esta lei devidamente; se não, há défice de realização.
É isto cair fora das balizas da Constituição? Por favor, a Constituição da República, em matéria de liberdades, caracteriza-se por não só absorver a Declaração Universal como remeter para os instrumentos de direito internacional, que são vinculativos no direito português e, ainda por cima, suo superiores à lei ordinária e obrigatórios. E, nos termos, por exemplo, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, nós devemos informar os cidadãos dos direitos e devemos facilitar-lhes o direito de petição. Por que não? Aqui, acho que alguns dos nossos maiores internacionalistas viraram, estranhamente, nacionalistas, em matéria de direito de petição e, talvez, com um ligeiro odor a xenofobia, que, francamente, não percebo.
Por outro lado, Srs. Deputados, verdadeiramente, só no fim é que percebi a intervenção do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares. Era um estado de carência. Ele teve ocasião de dizer que eu, tal como muitos outros criminosos, em vez de fartarmos a paciência de uma plateia com um sorumbático discurso, serrado e sem parágrafos, procurava fazer aquilo que ele qualificou de «chamar a atenção dos ouvintes». Pelos vistos, na sua lógica e na sua retórica, é um crime. Quando V. Ex.ª escrever o manual de retórica parlamentar terá como artigo 1.º: «Adormecerás o deputado e o ouvinte e depois falarás!»
Risos.
Por mim, perfilho a regra contrária. E, por outro lado, verdadeiramente só não estava a examinar em detalhe o projecto do PSD porque já tinha dito que era um projecto positivo. Mas V. Ex.ª não se basta com o elogio! V. Ex.ª está de tal forma engravidado pela lógica do poder que só um elogio grande, enorme, potente, é que o satisfaz! E eu compreendo isso, mas é um vício e V. Ex.ª tem de reeducar-se no sentido da humildade democrática e aceitar
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não ser elogiado. Por outro lado, tem de habituar-se a outra coisa que é a delicadeza de não misturar os bugalhos com os alhos e, na hora dos alhos, não .andar a ensacar bugalhos. V. Ex.ª tem esse vício quando discute, aqui, no Plenário, e particularmente comigo. Não sei se é uma teima ou se é uma mania. Em todo o caso, é uma questão que nós não devemos tratar aqui. É no divã!... Essa é p'ro divã!
Risos.
Aqui, discutimos política!
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção não vai, naturalmente, suscitar a curiosidade e o interesse da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. De qualquer modo, acerca do nosso projecto de lei sobre o direito de petição, que, aliás, por qualquer razão -creio que por deficiência de canalização interna do nosso diploma - não consta do relatório elaborado pela Comissão, vou referir, apenas, duas ou três passagens que, no essencial, constam do preâmbulo do diploma, para o justificar.
Os projectos que estamos hoje a analisar vêm na sequência da revisão constitucional e constituem, todos eles, contributos importantes para a aprovação de uma lei sobre o direito de petição e o seu exercício constitui mais um passo, de importância inegável, na consolidação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos consagrados na Constituição.
O direito de petição, que alguém já classificou de «relíquia jurídica», é, sem dúvida, um dos que tem mais profundas raízes históricas e tem sido reconhecido em quase todas as legislações, independentemente do seu sistema político.
No entanto, apesar da sua consagração constitucional, mesmo entre nós, o direito de petição mais não tem sido do que um registo, por vezes uma súplica, ou uma queixa sem quaisquer consequências, tornando-se, por esse facto, como diz Nicolás Perez Serrano, «o mais inofensivo de todos os direitos».
Na verdade, entre a generosidade de previsão constitucional, as declarações da boa vontade política e a efectivação e garantia dos direitos e liberdades fundamentais vai, pois, um grande passo, susceptível de criar novas dificuldades e de comprometer mesmo a realização dos objectivos pretendidos, apesar de o direito de petição ter grandes tradições ao nível da sua teorização, nomeadamente noutros países, nos quais, aliás, uma maior experiência democrática forneceu um contributo valioso.
Não é, no entanto, fácil conseguir um efectivo exercício do direito de petição, não tanto porque não seja possível encontrar um quadro legislativo adequado, mas porque o direito de petição, como se diz no preâmbulo cio projecto de lei do Partido Socialista, «pode transformar-se, quando devidamente assumido, na mais pacífica e eficiente forma de resistência à opressão, lepra a que não são imunes as mais perfeitas democracias».
É necessário garantir, por um lado, uma consciência e uma prática dos cidadãos relativamente aos seus direitos e, por outro, uma consagração legal, tão ampla quanto possível, do direito de petição e existência de garantias efectivas do seu exercício.
É indiscutível não só a natureza e dimensão política e pública do direito de petição como a sua importância na defesa dos direitos e interesses dos cidadãos, sendo mesmo, em nosso entender, uma das bases fundamentais do Estado de direito democrático.
O facto de entidades destinatárias serem entidades públicas, e algumas com responsabilidades especiais de natureza política, leva-nos a afirmar tratar-se não só de um direito como, até, de um verdadeiro dever cívico. E vale a pena acentuar esse aspecto porque o direito de petição não aproveita apenas a quem o exerce, mas favorece também, e não pouco, o exercício responsável, realista e eficaz do poder público, em geral, e do poder político, em particular.
Podemos mesmo afirmar que, simbolicamente, o agendamento do direito de petição no dia 26 de Abril corresponde a uma manifestação prática das promessas e das esperanças renovadas que sempre acontecem nas comemorações do 25 de Abril.
Ontem, manifestámos aqui o desejo de unir esforços com o objectivo de fazer com que os direitos constitucionalmente consagrados não fossem letra-morta e, hoje, estamos dispostos a dar continuação a essas nossas promessas, cumprindo o nosso dever, como políticos responsáveis, de dar corpo à esperança, de tomar vivo e actuante o texto constitucional.
É, em nossa opinião, uma boa maneira de continuar Abril.
O projecto de lei do PRD, relativamente ao direito de petição, orienta-se, fundamentalmente, por dois princípios fundamentais: incentivar o exercício do direito de petição e estabelecer as garantias reais e específicas do seu exercício.
No nosso projecto de lei, a titularidade do direito de petição foi definida nos termos mais amplos possíveis, de acordo com a natureza do direito e com critérios de razoabilidade.
Nestes termos, o direito de petição assiste a todos os cidadãos no gozo e no exercício dos seus direitos civis e políticos, sendo extensivo às pessoas colectivas nacionais, aos cidadãos com mais de 14 anos e aos estrangeiros e aos apátridas, na defesa dos direitos e interesses, excepto, quanto a estes, o que diz respeito aos direitos e interesses reservados, pela Constituição e pela lei, exclusivamente aos cidadãos portugueses.
Relativamente às diferentes modalidades de petição (petição propriamente dita, representação, reclamação e queixa), procurou-se que sejam definidas, em termos meramente indicativos, como intenção propositada de não excluir ou espartilhar potencial idades e possibilidades do exercício do direito não alcançadas pelo legislador.
Importa, nesta matéria, introduzir na discussão a questão de saber se o exercício do direito de petição, em qualquer das suas modalidades, pressupõe sempre a existência e a plena eficácia de um determinado acto ou omissão, seja de que natureza for.
Quanto à necessidade e o interesse da definição do objecto do direito de petição, para alem do que a Constituição consagra, o nosso projecto abstém-se de uma maior pormenorização por se entender que um mesmo rigor, mesmo a título meramente exemplificativo, não substitui a experiência, podendo ate, eventualmente, prejudicar a aferição plena do interesse e das aplicações
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práticas deste instituto. Não será. de resto, difícil saber quando, em determinadas petições, é dirigida no sentido da defesa da Constituição ou das leis ou dos direitos do peticionante ou do interesse geral.
A concretização deste direito fundamental, que é o direito de petição, pressupõe que o seu exercício não exclua nem seja prejudicado pela utilização de outros meios de defesa previstos na Constituição ou nas leis, designadamente a via judicial e administrativa, graciosa ou contenciosa.
Por outro lado, e como consequência natural, implica também a necessidade de não permitir a recusa do seu exercício sob pretexto ou fundamento algum, excepto a falta de identificação do peticionante, nem mesmo a pouca clareza do conteúdo e do objecto de petição, nem a incompetência das entidades a quem for dirigida a petição. Pelo contrário, exige-se, da parte destas, obrigação de solicitar a aclaração do conteúdo e objecto da petição e de informar do envio da mesma para a entidade que for considerada competente, devendo, em qualquer dos casos, fazê-lo por escrito, fundamentadamente, e no prazo de 10 dias após a recepção da petição.
É que, como dissemos anteriormente, é necessário garantir, de forma efectiva, o exercício do direito de petição, sob perigo de ele continuar a ser um direito muito bonito, sem qualquer resultado e consequências práticas.
Deste modo, o nosso projecto define prazos de resposta e deveres específicos das entidades destinatárias. Em nossa opinião, não basta consagrar o dever das entidades destinatárias de se pronunciarem por escrito sobre as petições que lhe são dirigidas. Importa, sim, pelo menos, a exigência do cumprimento de um prazo, sem o que a eficácia do exercício do direito de petição se perderá na lentidão das máquinas administrativas e políticas e no desinteresse e descrença do cidadão relativamente a este instrumento.
Para além do prazo, é também fundamental a exigência de publicitação das petições e respectivas respostas, sem o que a defesa da constitucionalidade, da legalidade e do interesse geral cairá no anonimato.
Relativamente às petições dirigidas à Assembleia da República, entendeu-se não consagrar neste diploma os exactos termos e condições em que as petições são apreciadas. Caberá a cada entidade destinatária equacionar, em sede própria e em termos orgânicos e funcionais, a recepção, o encaminhamento, a análise das petições e a comunicação da sua decisão ao peticionante.
No caso da Assembleia da República deverão ser introduzidas as adaptações necessárias no Regimento respectivo.
Entende-se necessária, no entanto, uma definição específica das condições em que as petições colectivas são apreciadas pelos órgãos representativos do povo português eleitos directamente e com especiais responsabilidades política, legislativa e de fiscalização. Assim, estabeleceu-se a obrigatoriedade de a Assembleia da República, as assembleias regionais e as assembleias municipais apreciarem, em plenário, petições colectivas subscritas, respectivamente, por 1000, 500 e 200 cidadãos.
Relativamente aos projectos em discussão, parecem-nos todos com elementos positivos de forma a justificar o nosso voto favorável, embora haja, naturalmente, aspectos diferenciados que podem e devem ser ponderados em sede de comissão especializada.
Aplausos do PRD, do PS e do PCP.
Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Detém algum simbolismo o facto de ontem mesmo, neste hemiciclo, se ter comemorado a data histórica do 25 de Abril e hoje estar em discussão, no Plenário desta mesma Assembleia, o direito de petição.
E tem simbolismo porquanto este direito consubstancia um direito político, na verdadeira acepção do termo. É, de facto, um instrumento de participação dos cidadãos na vida política. E essa participação só é compaginável com a existência de um verdadeiro Estado democrático que, em boa hora, o 25 de Abril conseguiu instituir.
Por isso, o debate de hoje como que prolonga, dá seguimento e conteúdo à data de ontem, materializa e consubstancia um Estado que, de totalitário, centralizador e autocrático, se transformou numa democracia aberta e participativa, fazendo um claro e nítido apelo à colaboração de todos os cidadãos.
Pretende-se que. essa colaboração seja activa, imaginativa e empreendedora, já que não estão só em causa os legítimos direitos dos peticionantes, mas também a própria defesa da Constituição, das leis ou do interesse geral.
Os órgãos de soberania, nomeadamente o Parlamento e o Governo, pretendem uma mobilização responsável mas enquadrada pela lei, por forma que o cidadão sinta que está ao seu alcance enriquecer o seu viver colectivo, tornando inexpugnável a fortaleza que se pretende que seja a democracia.
Por isso mesmo, é prova cabal de maturidade política que praticamente todos os partidos políticos representados nesta Câmara tenham apresentado o seu projecto de lei.
A todos foi particularmente sensível esta temática, pelo que o debate, quer no Plenário quer no seio da 3.ª Comissão, vai ser enriquecedor, fomentando-se largos consensos, vastos espaços de diálogo.
O Governo, representado hoje na Assembleia e não tendo, formalmente, a defender qualquer proposta de lei, está presente porque não se quer alhear de uma discussão que ele próprio, não obstante de uma forma indirecta, também propiciou.
Efectivamente, fruto da estreita colaboração existente entre o Executivo e o partido que o apoia, logrou-se obter um projecto de lei suficientemente abrangente que permita servir, com nítida, vantagem, de matriz, de pólo aglutinador e sempre receptivo a outros contributos, a outras sugestões.
Pretende-se tornar extremamente informal o exercício do direito de petição, impondo-se, apenas, a redução a escrito das petições e a identificação dos peticionantes.
Dispensou também minuciosas regulamentações sobre o modo como o direito de petição é exercido e abstraiu da elencagem, sempre naturalmente incompleta, de situações que podem potenciar o exercício do direito de petição.
Absteve-se, ainda, de especificar os diversos deveres dos órgãos de soberania e das autoridades públicas a quem as petições são dirigidas.
Confia na Administração e, portanto, sabe de antemão que ela dará o devido seguimento e tomará as providências requeridas ou suscitadas nos documentos que lhe são endereçados.
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É um projecto de lei onde impera a sobriedade, como se diz na exposição de motivos, com grande economia normativa, apto a servir de referência matricial às restantes iniciativas legislativas.
Ao invés, projectos de lei existem que são excessivamente regulamentadores, nomeadamente o apresentado pelo Partido Comunista Português, que prevê a existência de novas estruturas, como seja, por exemplo, um indeterminado número de verdadeiros «provedores dos utentes», quando deve ser deixado à Administração a melhor forma de ela, responsavelmente, responder às solicitações dos cidadãos.
Sempre que surge um modelo espartilhante, com um grande casuísmo de previsões, corre-se o risco de as boas ideias, os sãos princípios, não passarem só de boas ideias, porque o peso das estruturas aniquila ou constrange tudo aquilo que é inovador.
Mas o projecto do PCP, como, aliás, o da Intervenção Democrática, padece de um outro mal quando prevê que as petições possam ser dirigidas aos tribunais. Aliás, nesta matéria, o primeiro projecto é algo contraditório, porquanto parece permitir a apresentação de reclamações ou petições, colocando, como único limite, o caso julgado, pelo que legítimo é concluir no sentido de que são passíveis de reclamação ou de queixa processos que se encontrem pendentes nos tribunais.
Contudo, o artigo 20.º, n.º 2, vem restringir as petições dirigidas aos tribunais, estatuindo que devem versar sobre «questões de carácter meramente administrativo».
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, afigura-se-nos que, face à independência, constitucionalmente consagrada, dos tribunais, não parece justificável que sobre esses órgãos recaia qualquer tipo de pressões.
Nem pressões que tenham a ver directamente, com a vertente jurisdicional, no sentido de que o julgador apenas está sujeito à lei, nem petições ou reclamações atinentes ao mero funcionamento dos tribunais.
É que estas últimas, sendo legítimas e porventura úteis, por forma a permitir que o tribunal se abra ao cidadão e à comunidade em que se insere, não devem, contudo, ser dirigidas aos tribunais. E não devem pela razão de que, consoante os casos, ou é o Conselho Superior da Magistratura ou é o Ministério da Justiça quem assegura o funcionamento das diversas instituições judiciárias, devendo o tribunal, devidamente consubstanciado no julgador, limitar-se unicamente à sua componente jurisdicional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas e outras questões serão com certeza amplamente debatidas, nomeadamente no seio da Comissão especializada, onde se esperam amplos consensos, já que é manifestamente configurável que ninguém porá em causa a bondade e a oportunidade de virmos proximamente a ler um mecanismo legal que regule o exercício do direito de petição.
E, perdoando-me a ousadia, o Governo, fazendo, desde já, uso desse instrumento, peticiona a Assembleia da República no sentido de que, hoje, no dia 26 de Abril, se dê um decisivo passo com vista a corporizar o que ontem - 25 de Abril - saudámos: a conquista da liberdade e a participação activa dos cidadãos na construção da sociedade portuguesa!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vou, desde já, usar o meu direito de petição para que esta data fique assinalada ...
Protestos de um deputado do PSD.
..Vai ser boa, vai, Sr. Deputado!
Como dizia, esta data vai ficar assinalada como um marco importante da vida desta Assembleia, desta legislatura. É o marco da independência do Grupo Parlamentar do PSD! VV. Ex.ªs, depois de um período de aprendizagem que compreendo que não foi fácil, alcançaram, finalmente, o sentido do que significava serem VV. Ex.ªs mesmos, e mais ninguém, os titulares deste órgão de soberania. E, pela primeira vez, o Governo, perante uma iniciativa legislativa de outros partidos, não se afadigou a vir com uma proposta de lei, instrumentalizou o seu grupo parlamentar e veio defender o vosso projecto de lei. Dou-vos os meus parabéns, porque alcançámos um progresso assinalável que vai ter, com certeza, consequências importantes no funcionamento da Assembleia e das instituições, no nosso país. Esta data deve, realmente, ficar assinalada de uma forma especial - estou a falar sinceramente!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - E é desejável que se repita!
O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Pertencemos ao número dos que se não cansam de chamar a atenção para a necessidade de, em todas as oportunidades, valorizar a democracia representativa e as instituições que, por excelência, a servem.
Trata-se, não temos dúvidas, da única forma política capaz de, em sociedades cada vez mais complexas, ao mesmo tempo, preservar para os cidadãos níveis mínimos adequados de participação na vida política dos respectivos países e de defender o respeito pelos direitos fundamentais.
Dir-se-á mesmo que os mecanismos próprios da democracia representativa resultaram, ou deveriam ter resultado, aperfeiçoados, com a velocidade cada vez maior a que hoje se processa a informação, em termos que tendem para a quase simultaneidade.
Tal não significa, porém, que não alinhemos com os que sentem, com preocupação crescente, a ameaça representada por um sentimento, que, dia a dia, se acentua, de afastamento entre os cidadãos e os seus representantes, de desinteresse generalizado pelos temas que constituem o quotidiano do debate político. Chamaria, até, à colação, e como exemplo, o que se passa com o próprio debate que hoje estamos aqui a ter.
Alheamento e desinteresse que, não sendo específico dos Portugueses e de Portugal, sofre entre nós o agravamento sem dúvida resultante de uma animosidade e desconfiança latente face à classe política. Animosidade e desconfiança que as querelas institucionais não ajudam a resolver e que tem sido, aliás, mais do que uma vez alimentadas por atitudes menos felizes de quantos entendem obter ganhos políticos sublinhando as naturais debilidades parlamentares, que temos de reconhecer, ao invés de contribuir para o esclarecimento público das vantagens que, também e sem dúvida, constituem a outra face de tais debilidades.
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Entendemos, por isso, que iniciativas como a que estamos a discutir, na sequência da mudança operada no artigo 52.º da CRP, e que constituem uma combinação feliz dos mecanismos próprios da democracia representativa com formas próprias da democracia participativa, são altamente positivas e só podem contribuir para melhorar a imagem da própria democracia.
Particularmente feliz é a relação mais clara, e especificamente estabelecida, entre o direito de petição e a Assembleia da República, através do n.º 2 daquele artigo 52.º e da nova redacção dada ao artigo 181.º, n.º 3; e feliz é também o modo como em todos os projectos - sublinho, em todos os projectos- é articulada essa relação.
Como também é feliz, porque sensata, a exclusão dos tribunais do elenco dos sujeitos passivos do direito de petição, bem como a inviabilização das tentativas de convalidação de direitos porventura já julgados e decididos.
No entanto, entendemos -e mais uma vez o repetimos - que merece ponderação, ou reponderação atenta, o projecto do PS, ao formular esta limitação. É que, designadamente no que respeita ao contencioso dos actos administrativos, será, porventura, bom que o decurso de um prazo, que não é sequer o mesmo para todos os potenciais recorrentes, possa funcionar como exclusão da possibilidade de exercício de um direito ou de uma pretensão ou da defesa de um interesse legítimo.
Seria justo aqui que, durante o prazo, por exemplo, de recurso para o Ministério Público, nestas hipóteses, os particulares e os cidadãos atingidos pudessem continuar a defender os seus direitos, através da petição. E, porventura, outras hipóteses haverá em que aquilo que se pretende com a informalidade deste direito de petição, com a sua grande generalização, só se poderá alcançar se dele não estiverem excluídas estas possibilidades. Supomos que a ponderação disso poderá resultar numa mais perfeita redacção do texto que sair da Comissão.
São estas as considerações que nos merece esta iniciativa.
Entendemos não formular nenhum projecto, porque, fundamentalmente, o que havia a dizer estava dito nos projectos de alcance tão variado e de consensualidade tão grande que foram apresentados à Assembleia: desde um projecto contido e mínimo, como são o do PS e o do PSD, até um projecto exuberante, tocando vários aspectos com este conexionados, directa ou indirectamente, como é o do PCP, todos dão contributos sérios. E nós esperamos poder vir a dá-los na Comissão, quando se tratar de afinar o texto final e global.
É isto o que, fundamentalmente, queríamos dizer, felicitando todas as iniciativas que aqui foram presentes e felicitando o País e a Assembleia por este consenso em volta de um tema fundamental para a vida democrática.
Aplausos do PS. do PCP e do PRD.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, está encerrado o debate.
Gostaria de lembrar à Câmara que as votações se realizam por volta das 19 horas e 30 minutos, pelo que solicito aos Srs. Deputados o favor de não abandonarem o hemiciclo.
Vamos agora proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão do Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 26 de Abril de 1990, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar Partido Social-Democrata (PSD):
João Maria Leitão de Oliveira Martins (círculo eleitoral de Viana do Castelo) por Armando Lopes Correia Costa [esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 30 dias a partir de 26 de Abril corrente, inclusive].
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares (círculo eleitoral de Lisboa) por Edmundo Pedro [esta substituição é pedida, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 27 de Abril corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD)-Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) -Domingos da Silva e Sousa (PSD)- Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - Jaime Carlos Marta Soares (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PEV).
Srs. Deputados, está em discussão. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - A informação, conforme a folha distribuída ao Plenário, contendo as indicações das votações a que vamos proceder, enferma, se bem leio, de um vício na sua parte final, uma vez que pretende sujeitar a votação final global a proposta de lei n.º 125/V e o projecto de lei n.º 420/V. Apenas uma lei final deverá ser submetida à votação, a qual resulta dos contributos originários destes projectos e de outros que, entretanto, foram produzidos em comissão.
Gostaria que a situação fosse esclarecida antes de entrarmos nas votações propriamente ditas.
A Sr.ª Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado. A Mesa tinha justamente chegado a essa conclusão. Vamos votar o texto final tal como nos é enviado pela Comissão.
Srs. Deputados, se houver consenso, e atendendo a quo há quórum, poderíamos antecipar as votações. Julgo que também há consenso para votarmos na generalidade os projectos que foram hoje discutidos conjuntamente.
Pausa.
A Mesa põe à consideraçâo dos Srs. Deputados das diferentes bancadas se poderemos proceder à votação conjunta de todos os projectos ou se alguém solicita que esta se faça em separado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, o PSD pede a suspensão dos trabalhos por quatro minutos.
Protestos do PCP.
Tudo tem uma razão na vida!...
A Sr.ª Presidente: - O pedido é regimental, está concedido.
Está suspensa a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 19 horras e 23 minutos.
Srs. Deputados, creio que há consenso no sentido de os diplomas relativos à regulamentação do exercício do direito de petição, que acabámos de discutir, serem votados, na generalidade, conjuntamente.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, penso que se deve tratar de um lapso, porque o que há é consenso para se proceder à votação dos diplomas que hoje foram discutidos, mas não conjuntamente, visto serem diplomas diferentes. Vamos, pois, ter de os votar separadamente. Até pode ser que passem todos, mas vamos ter de os votar separadamente!
A Sr.ª Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado Carlos Coelho. Por ser esse o entendimento da Mesa é que perguntámos se havia consenso no sentido de a regra - os diplomas serem votados separadamente - ser, neste caso, alterada.
Sendo assim, Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 491/V (PS) - Lei que regula o exercício do direito de petição.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS. do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 517/V (deputados independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca) - Exercício do direito de petição.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSD.
Passamos agora à votação do projecto de lei n.º 518/V (PSD) - Exercício do direito de petição.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 526/V (PCP) - Aprova medidas tendentes a garantir e a incentivar o exercício do direito de petição.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSD.
Vamos votar o projecto de lei n.º 527/V (PRD) - Exercício do direito de petição.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do requerimento de suspensão da vigência do Decreto-Lei n.º 69/90 (disciplina o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território), que foi objecto do pedido de ratificação n.º 114/V (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento para a fixação de prazo para exame em comissão
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da ratificação n.º 115/V (PCP), relativa à apreciação do Decreto-Lei n.º 69/90.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.
Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 135/V - Protecção de dados pessoais face à informática.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS. do PRD e do CDS e abstenções do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 519/V (PRD) - Defesa dos direitos do homem perante a informática.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD e do CDS e abstenções do PSD, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Vamos proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão, da proposta de lei n.º 125/V - Cria, junto da Presidência do Conselho de Ministros, o Conselho Nacional de Bioética e do projecto de lei n.º 420/V (PS) - Cria o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e de Os Verdes e abstenções do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se com a votação final do projecto de lei n.º 420/V, cuja iniciativa lhe coube, e que cria o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Consideramos que a matriz referenciada ao diploma do Partido Socialista, que foi adoptada, corresponde a um passo significativo e positivo no tratamento de matérias de importância significativa.
Consideramos, no entanto, que algumas das soluções concretas delineadas nesta solução não são as mais adequadas, nomeadamente a que remete para o Sr. Primeiro-Ministro a designação do Sr. Presidente desta Comissão e não, como nós propúnhamos, que ele fosse designado pelo Presidente da República.
De qualquer modo, isto significa um avanço positivo no nosso enquadramento legislativo e no tratamento destas matérias.
Congratulamo-nos com a solução alcançada, pois pensamos que ela é susceptível de permitir outros avanços neste domínio e eventuais correcções futuras.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas comunicar à Câmara que o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata fará oportunamente a entrega na Mesa de uma declaração de voto contendo as razões referentes à votação em causa.
A Sr.ª Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Há na ordem jurídica portuguesa, em tudo aquilo que diz respeito às ciências da vida, tão grandes e tão graves lacunas - que de resto por todos, mas todos, são reconhecidas - que a criação de qualquer conselho sobre esta matéria seria sempre um avanço em relação ao notório panorama de carências que se vive neste momento.
A criação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, nas condições em que vai ocorrer, não preenche o perfil mais desejável, no nosso entendimento.
É de sublinhar, no entanto, em primeiro lugar, que conseguimos que o Conselho não fosse criado por mero diploma governamental, mas sim instituído por uma lei da Assembleia da República.
Em segundo lugar, conseguimos que na sua composição se espelhasse mais largamente o conjunto das entidades com interesse numa efectiva representação e intervenção na definição das linhas orientadoras neste domínio tão sensível, à luz de um princípio de pluralismo, e pluralismo, inclusivamente, de carácter ético, que nos parecia absolutamente fundamental.
Por outro lado, foram criadas aos deputados da Assembleia da República novas possibilidades de intervenção, designadamente requerendo ao Conselho pareceres em matérias em que legislar sem um estudo prévio seria demasiado arriscado.
Pensamos em tudo o que diz respeito à morte cerebral, por exemplo, e ao próprio conceito da vida; pensamos também nos problemas relacionados com a procriação artificial, muito em especial, e queremos que, com a. entrada em vigor desta lei, a ser promulgada, como esperamos que seja, se criem condições institucionais para que possamos dar passos em frente no estudo de domínios que, sendo sensíveis, têm de ser estudados para que o legislador possa intervir preenchendo lacunas muito perigosas.
Só não pudemos votar favoravelmente por uma razão simples: o PSD, que aceitou alterar em diversos pontos, e alguns significativos, o diploma, não aceitou desgovernamentalizá-los, porque perfilha essa filosofia terrível que o persegue como uma praga e que nos atinge a todos, infelizmente, de não ser capaz de criar órgãos com pleno cunho de independência.
Por isso e só por isso a nossa congratulação não é acompanhada de um voto favorável, como teria sido desejo de todos nós.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Alberto Cerqueira de Oliveira.
António Fernandes Ribeiro.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João José da Silva Maçãs.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Margarida Borges de Carvalho.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Carlos Alvarez Carpi.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Sanches Esteves.
João Barroso Soares.
Jaime José Matos da Gama.
José Apolinário Nunes Portada.
José Luís do Amaral Nunes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo Brito.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Luísa Amorim. Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Isabel Maria Ferreira Espada.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Faltaram à sessão, os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Ramos.
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
Luis Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Gomes da Silva.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João Rosado Correia.
José Barbosa Mota.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luis Geordano dos Santos Covas.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Deputada independente:
Maria Helena Salema Roseta.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - Anita Pinto da Cruz - José Diogo - Cacilda Nordeste.
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DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
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